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Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária. Ano 63, nº 454, Agosto de 2015.

Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

Tiragem: 4.000 exemplares

ASSINATURAS: São Paulo: (11) 2188-7507 – Demais Estados: 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico:São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188-7900

Demais Estados: 0800.7247900

Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidade de seus autores. Os originais não serão devolvidos, embora não publicados. Os artigos são divulgados no idioma original ou traduzidos.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias dos originais obtidas na Secretaria do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais.

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ISSN 0103-3379

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ANO 63 – AGOSTO DE 2015 – Nº 454

RepositóRio AutoRizAdo de JuRispRudênciASupremo Tribunal Federal: 03/85

Superior Tribunal de Justiça: 09/90Tribunais Regionais Federais 1ª, 2ª e 4ª Regiões

FundAdoR

Professor Angelito Asmus Aiquel

diRetoR executivo

Elton José Donato

GeRente editoRiAl e de consultoRiA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR editoRiAl

Cristiano Basaglia

conselho editoRiAlAda Pellegrini Grinover – Alexandre Pasqualini – Alexandre Wunderlich

Anderson Vichinkeski Teixeira – Antonio Janyr Dall’Agnol Jr.Araken de Assis – Arruda Alvim – Carlos Alberto Molinaro

Cezar Roberto Bitencourt – Daniel Francisco Mitidiero – Daniel UstárrozDarci Guimarães Ribeiro – Eduardo Arruda Alvim – Eduardo de Oliveira Leite

Eduardo Talamini – Ênio Santarelli Zuliani – Fátima Nancy AndrighiFredie Didier Júnior – Guilherme Rizzo Amaral – Humberto Theodoro Júnior

Ingo Wolfgang Sarlet – Jefferson Carús GuedesJoão José Leal – José Carlos Barbosa Moreira – José Maria Rosa TesheinerJosé Roberto Ferreira Gouvêa – José Rogério Cruz e Tucci – Juarez Freitas

Lúcio Delfino – Luis Guilherme Aidar Bondioli Luís Gustavo Andrade Madeira – Luiz Edson Fachin – Luiz Guilherme MarinoniLuiz Manoel Gomes Júnior – Luiz Rodrigues Wambier – Márcio Louzada Carpena

Mariângela Guerreiro Milhoranza – Paulo Luiz Netto LôboRolf Madaleno – Salo de Carvalho – Sergio Cruz Arenhart

Sérgio Gilberto Porto – Teresa Arruda Alvim Wambier – William Santos Ferreira

colAboRAdoRes destA ediçãoCristiana Sanchez Gomes Ferreira, Felipe Cunha de Almeida,

Júlia de Vargas Fonseca, Rômulo de Andrade Moreira, Tiago Bitencourt de David

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Sumário

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Doutrinas

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

1. O Que Ainda nos Resta da Epieikeia de Aristóteles: Estudo sobre os Conceitos e Usos Clássicos e Contemporâneos de EquidadeTiago Bitencourt de David ............................................................9

2. A Mediação Familiar sob um Viés Prático: das Noções Elementares às Etapas ExecutadasCristiana Sanchez Gomes Ferreira ................................................35

3. (In)Transmissibilidade dos Danos Imateriais e Legitimidade Ativa: Doutrina e JurisprudênciaFelipe Cunha de Almeida .............................................................43

Penal e ProCessual Penal

1. A Audiência de Custódia, o Conselho Nacional de Justiça e os Pactos Internacionais de Direitos HumanosRômulo de Andrade Moreira .......................................................81

2. A Criminalização da Venda de Bebidas Alcoólicas para Menores: Mais uma Punição aos Pobres?Júlia de Vargas Fonseca ................................................................87

Jurisprudência

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça .......................................................107

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................113

3. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .....................................119

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ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ....125

Penal e ProCessual Penal

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ..........................................................145

2. Superior Tribunal de Justiça .......................................................165

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .....................................175

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .....................................185

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência Penal e Processual Penal .....................199

Índice Alfabético e Remissivo ................................................217

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EDITORIAL

A Revista Jurídica trata de temas atuais e de suma relevância aos profissionais do direito. Os trabalhos doutrinários, de autoria de relevantes juristas, são divididos nas áreas cível e penal.

Doutrina Cível

O Juiz Federal Tiago Bitencourt de David desenvolveu um artigo que possui como principal escopo delinear as semelhanças e diferenças entre as concepções clássicas e contemporâneas de equidade, definindo os usos da noção em cada época e revelando o que ainda está presente do conceito aris-totélico de epieikeia.

A Mestre Cristiana Sanchez Gomes Ferreira faz uma análise do proces-so de mediação como alternativa para resolução de conflitos, notadamente os familiares, abordando-se suas noções elementares, o papel dos envolvidos e as etapas do processo de mediação.

O Mestre Felipe Cunha de Almeida tratou de analisar as hipóteses de transmissibilidade ou intransmissibilidade dos danos imateriais, relaciona-dos aos direitos de personalidade, com o objetivo de se determinar a legiti-midade ativa envolvendo demandas dessa natureza.

Doutrina Penal

O Procurador Rômulo de Andrade Moreira fala sobre o “Projeto Au- diência de Custódia” que consiste na criação de uma estrutura multidiscipli-nar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma pri-meira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.

Júlia de Vargas Fonseca tem o objetivo de analisar a que se destinam as leis oriundas da atual expansão do Direito Penal, especialmente a Lei nº 13.106/2015 que criminalizou a venda de bebidas alcoólicas para meno-res. A metodologia utilizada foi uma ampla pesquisa em artigos científicos

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e livros, bem como a utilização das próprias leis relacionadas ao tema: a Lei nº 13.106/2015, o Decreto-Lei nº 3.688/1941 e a Lei nº 8.069/1990. Este estudo vincula-se à hipótese de que o Direito Penal tem alcançado apenas um efeito simbólico, qual seja, o de agradar a opinião pública. Isso porque a ocorrência de delitos não tem diminuído e porque o sistema punitivo atual é extrema-mente seletivo, punindo, majoritariamente, os pobres.

Os Editores

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Doutrina

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O Que AindA nOs RestA dA EpiEikEia de ARistóteles: estudO sObRe

Os COnCeitOs e usOs ClássiCOs e COntempORâneOs de eQuidAde

Tiago BiTencourT de david

Juiz Federal Substituto da 3ª Região, Mestre em Direito (PUCRS), Especialista em Direito Processual Civil

(Uniritter), Pós-Graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo/Espanha).

RESUMO: O presente artigo possui como principal escopo de-linear as semelhanças e diferenças entre as concepções clássi-cas e contemporâneas de equidade, definindo os usos da no-ção em cada época e revelando o que ainda está presente do conceito aristotélico de epieikeia.

ABSTRACT: This essay has as the main purpose to outline the similarities and differences among the classics and contempo-rary conceptions of fairness, defining the uses of the notion in each time and revealing what is still present of the aristotelic concept of epieikeia.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A concepção aristotélica de equida-de; 1.1 Função corretiva da universalidade da lei; 1.2 Função individualizadora da aplicação da lei; 1.3 Função atualizadora da lei; 1.4 A equidade como capacidade de perdoar; 1.5 A equi-dade, a prudência e o pensamento conservador; 2 A concep-ção moderna de equidade; 2.1 A equidade como supridora de

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lacunas legais; 2.2 A equidade como a justiça do caso concreto sem remissão à legislação; 2.3 A equidade como justiça do caso concreto, corrigindo-se a lei quando esta revelar-se demasiado abstrata; Con-clusão; Referências.

intROduÇÃO

A noção de equidade (epieikeia) tem origem aristotélica e apresentou-se ao longo dos séculos como objeto de acesas discussões, variando os signifi-cados que lhe foram atribuídos ao longo dos séculos, revelando-se oportuna, assim, a discussão do quanto do conceito original ainda revela-se presente em seu uso contemporâneo, especialmente na seara jusfilosófica. Isso porque é clara a diversidade de conceitos de equidade1, revelando-se igualmente ma-nifesta a existência de um afastamento da acepção original.

Note-se que sequer a definição de equidade dentro da matriz aristoté-lica mostra-se livre de dificuldades. Normalmente2 aponta-se uma concepção que enfatiza a correção da lei em face da peculiaridade do caso concreto, ten-do em vista passagem célebre de Ética a Nicômaco3. Entretanto, uma compa-ração com outro escrito aristotélico4 já revela que a noção de equidade como correção não é a única e nem mesmo a melhor compreensão de um conceito que parece ser melhor compreendido quando iluminado pela noção igual-mente aristotélica de phronesis, ou seja, a virtude da prudência.

Contra, sustentando que a equidade como correção é a concepção aris-totélica e que a Retórica acabaria por confirmar tal acepção, Luigi Ferrajoli5 apresenta como sua a concepção de equidade como um uso normal na me-diação entre a universalidade normativa e a boa aplicação no caso concreto, noção esta que suspeitamos ser a autêntica noção aristotélica, mais claramen-

1 Apontando mais de um conceito, contraditórios entre si: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 396 (verbete equidade); FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 126.

2 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 396 (verbete equidade).

3 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 125 (V – 1.137b1-1.138a1).

4 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2011. p. 108 (I – 1.374b1).

5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 126.

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te retratada na Retórica do que na Ética a Nicômaco. A concepção aristotélica não parece vir sendo bem compreendida atualmente devido a uma ênfase indevida na atuação corretiva, muitas vezes minimizando-se, quando não ignorando-se, sua atuação concretizadora, atenta às circunstâncias do caso concreto, como uma mediação própria do trabalho em uma tensão entre a abstração e a universalidade da regra geral e a concretude e a individualidade do problema que se examina. Para um melhor entendimento das múltiplas e ricas dimensões da epieikeia, mostra-se necessário adotar-se uma compreen-são hermenêutica de caráter dialético que, por sua vez, revela-se bastante fiel ao pensamento aristotélico, na medida em que foi o mesmo que disse que o silogismo judicial não é do tipo apodíctico, mas dialético6. Aliás, como bem apontado por um pensador contemporâneo, a saber, Miguel Reale7:

É por isso que dizemos que uma sentença nunca é um silogismo, uma con-clusão lógica de duas premissas, embora possa ou deva apresentar-se em veste silogística. Toda sentença é antes a vivência normativa de um proble-ma, uma experiência axiológica, na qual o juiz se serve da lei e do fato, mas coteja tais elementos com uma multiplicidade de fatores, iluminados por elementos intrínsecos, como sejam o valor da norma e o valor dos interes-ses em conflito.

O resgate da noção aristotélica parece atender ao chamado de Miguel Reale8 quando faz a seguinte observação: “O reajustamento permanente das leis aos fatos e às exigências da justiça é um dever dos que legislam, mas não é dever menor por parte daqueles que têm a missão de interpretar as leis para mantê-las em vida autêntica”.

Se a análise da concepção original já apresenta dificuldades, então quando cotejado com o uso atual do termo a situação complica-se ainda mais. Veja-se, por exemplo, que a legislação brasileira menciona a equidade em diferentes contextos, ora como meio de suprir lacunas normativas (art. 108, IV, do Código Tributário Nacional), ora como via para uma fixação justa dos honorários quando o critério quantitativo (porcentagem entre 10% e 20% do valor da condenação) revelar-se inaplicável (art. 20, § 4º, do Código de Pro-cesso Civil) ou, ainda, enquanto forma de solução dos conflitos à margem

6 ARISTÓTELES. Órganon. 2. ed. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2010. p. 347 e 348 [Tópicos, Livro I, 100a18-100b25].

7 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 610.8 Idem, p. 611.

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da legalidade (arts. 25 da Lei Federal nº 9.099/1995 e 26, II, da Lei Federal nº 9.307/1996). Portanto, o uso oficial da equidade, quando mencionada ex-pressamente pela legislação brasileira, já revela-se distinto do quanto emerge dos escritos aristotélicos, mais aproximando-se a noção utilizada pelo legis-lador da ideia de bom senso, ainda que este tenha também proximidade com o conceito consagrado pelo estagirita. Entretanto, se a equidade for simples-mente resumida ao bom senso, então a sua correlação com a prudência e a dialética simplesmente esvai-se, renunciando a humanidade a um dos mais ricos e interessantes tesouros que nos foi legado pela cultura helênica, inclu-sive revelando-se uma das razões da pobreza hermenêutica existente.

Assim, urge a necessidade de estudo da concepção aristotélica de equi-dade, de seus usos antigos e modernos, bem como a análise do quanto ainda restou da noção original de epieikeia.

1 A COnCepÇÃO ARistOtÉliCA de eQuidAde

Neste primeiro capítulo será feita a apresentação da noção aristotélica de equidade, realizando-se a análise de passagens de obras do estagirita e apresentando uma esquematização das funções desempenhadas por tal ter-mo no pensamento aristotélico. O desenvolvimento aqui levado a cabo é ape-nas uma das tantas possibilidades de exposição do tema, cumprindo ter em vista que a distinção entre as funções não identifica fenômenos isolados, mas nuances ligadas sempre ao mesmo conceito de equidade, que continua sendo uno, ainda que possa apresentar diferentes dimensões aplicativas reconduzí-veis à mesma noção de equidade.

1.1 Função corretiva da universalidade da lei

O conceito clássico de equidade, tal como é comumente apresen-tada, geralmente remete à passagem célebre de Ética a Nicômaco, na qual Aristóteles apresenta a equidade como a correção da lei quando a sua univer-salidade leva a uma aplicação incorreta no caso concreto. Veja-se a conhecida lição do estagirita9:

Vamos discutir já a seguir a respeito da equidade e do equitativo, de que modo, por um lado, a equidade se relaciona com a justiça e como, por ou-tro, o equitativo se relaciona com o justo. Quando examinamos os sentidos

9 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 124 (V – 1.137b1-10) e 125 (V – 1.137b1-1.138a1).

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destas determinações percebemos não serem absolutamente iguais mas também não serem genericamente diferentes. Por vezes, louvamos a qua-lidade da equidade e do equitativo de tal sorte que empregamos o termos “equitativo” em vez do termo “bom”, a respeito de outras situações que louvamos, para fazer ver que o que é mais equitativo é melhor. Outras vezes, contudo, quando acompanhamos o sentido do termo, parece absur-do que a equidade seja louvável se é outra coisa que não a justiça. Porque se forem diferentes, ou a justiça não é uma coisa séria ou a equidade não é justa; se, por outro lado, ambas as qualidades são sérias, serão, então, o mesmo.

Quase toda a dificuldade acerca da equidade resulta destas considerações. Em todas elas há qualquer coisa de correto e nenhuma das opiniões que es-tão formadas acerca destas determinações se opõem completamente umas às outras. Isto é, a equidade, embora sendo superior a um [sic] certa forma de justiça, é, ainda assim, justa; não é, portanto, melhor do que a justiça, como que pertencendo a um outro gênero de fenômenos. A justiça e a equi-dade são, pois, o mesmo. E, embora ambas sejam qualidades sérias, a equi-dade é a mais poderosa. O que põe aqui o problema é o fato de a equidade ser justa, não de acordo com a lei, mas na medida em que tem uma função retificadora da justiça legal.

O fundamento para tal função retificadora resulta de, embora toda a lei seja universal, haver, contudo, casos a respeito dos quais não é possível enunciar de modo correto um princípio universal. Ora nos casos em que é necessário enunciar um princípio universal, mas aos quais não é possí-vel aplicá-lo na sua totalidade de modo correto, a lei tem em consideração apenas o que se passa o mais das vezes, não ignorando, por isso, a margem para o erro mas não deixando, contudo, por outro lado, de atuar menos corretamente. O erro não reside na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa: isso é simplesmente a matéria do que está exposto às ações huma-nas. Quando a lei enuncia um princípio universal, e se verifica resultarem casos que vão contra essa universalidade, nessa altura está certo que se retifique o defeito, isto é, que se retifique o que o legislador deixou escapar e a respeito do que, por se pronunciar de um modo absoluto, terá errado. É isso o que o próprio legislador determinaria, se presenciasse o caso ou viesse a tomar conhecimento da situação, retificando, assim, a lei, a partir das situações concretas que de cada vez se constituem. Daqui resulta que a equidade é justa, e até, em certo sentido, trata-se de uma qualidade melhor do que aquela forma de justiça que está completamente sujeita ao erro. A equidade não será, contudo, uma qualidade melhor do que aquela forma de justiça que é absoluta. A natureza da equidade é, então, ser retificadora

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do defeito da lei, defeito que resulta da sua característica universal. Por este motivo, nem tudo está submetido à legislação, porque é impossível legislar em algumas situações, a ponto de ser necessário recorrer a decretos. A re-gra do que é indefinido é também ela própria indefinida, tal como acontece com a régua de chumbo utilizada pelos construtores de Lesbos. Do mesmo modo que esta régua se altera consoante a forma da pedra e não permanece sempre a mesma, assim também o decreto terá de se adequar às mais diver-sas circunstâncias. Assim, é, pois, evidente que a equidade é justa e, de fato, até é superior a uma certa forma de justiça. Mais evidente ainda é, a partir daqui, quem é equitativo.

O que é deste gênero está decidido e atua, de acordo com um princípio equitativo que aplica nas mais variadas circunstâncias. Contudo, não será tão rigoroso na aplicação intransigente da lei que se torne obsessivo, mas, embora a tenha do seu lado, será suficientemente modesto ao ponto de ficar com uma parte menor do que lhe seria devido. Isto é, mantém-se equitati-vo. Esta disposição do caráter é, então, a equidade. Trata-se, pois, de uma certa forma de justiça e não constitui uma disposição diferente daquela.

A função desempenhada pela equidade a partir do trecho descrito con-sistiria no uso da equidade como meio de superar o caráter abstrato e geral da legislação para que em um dado caso concreto a sua aplicação não gerasse um resultado absurdo, descompassado com a finalidade, o telos, da norma. Seria possível dizer tranquilamente que a equidade neste caso não excep-ciona a previsão normativa, mas antes a confirma, haja vista que exclui de seu âmbito de incidência uma conduta que, em tese, poderia ser subsumida a mesma, mas que escapa do desiderato da norma, ou seja, não se encontra abrangida pela razão de ser do comando normativo. Algo formalmente sub-sumível ao suporte fáctico da norma não enseja a aplicação da respectiva consequência jurídica, porque o enquadramento da conduta ao que consta literalmente na previsão legal discreparia a mais não poder do que se almeja com a instituição da norma. Não seria uma erosão da legalidade, mas a sua confirmação, entendida a mesma como uma estrutura mais rica e complexa, mais adequada a relacionar-se dialeticamente com o tecido social. Há, ainda, uma relação entre a flexibilidade permitida pelo juízo equitativo com a ma-nutenção da própria legislação, bastando ver que uma ordem muito rígida tende rapidamente a quebrar (veja-se os sistemas jurídicos autoritários em geral), mantendo-se quando muito pelo uso intenso da força, ao contrário do que é flexível que se adapta melhor e mesmo perante os ventos mais fortes

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apenas verga, mas mantém-se em pé (p. ex., Constituição dos EUA, sistema jurídico inglês, etc.).

1.2 Função individualizadora da aplicação da lei

Aristóteles, na Retórica, apresenta uma outra abordagem da noção de equidade, um pouco menos conhecida do que aquela expressada na passa-gem célebre de Ética a Nicômaco. Veja-se10:

[...] A partir da noção de equidade evidencia-se que tipo de ações e que tipo de pessoas são equitativas ou o inverso. Não se deve punir igualmente erros e ações injustas, e tampouco punir do mesmo modo erros e equívo-cos. Chama-se de equívoco o ato destituído de maldade que tem resulta-dos inesperados; de erro, o ato que, ainda que destituído de perversidade, produz um resultado que poderia ser esperado; o ato injusto produz re-sultados esperados e procede da perversidade; de fato os atos provocados pela paixão envolvem a perversidade. Ser equitativo é mostrar indulgência ante as fraquezas humanas; é também levar em conta menos a lei do que o legislador; não tanto as ações do acusado quanto as suas deliberações; não tanto este ou aquele detalhe parcial, mas o todo; indagar não o que o acusa-do é agora, mas a respeito do que sempre foi ou o que tem sido na maioria das situações. É também nos lembrarmos mais do bem do que do mal que nos foi feito; mais dos benefícios que recebemos do que dos que oferece-mos; sermos pacientes quando atingidos pela injustiça; preferirmos dirimir um desentendimento por meio da negociação do que mediante o recurso à justiça; preferirmos uma arbitragem a um litígio, já que o árbitro leva em conta a equidade, ao passo que o juiz leva em conta a lei. A arbitragem foi criada com o propósito expresso de garantir espaço total para a equidade.

O que foi dito anteriormente deve bastar no que tange à natureza da equi-dade.

A equidade, no modo como apresentado na passagem supraextraída da Retórica, aponta uma função individualizadora da aplicação da norma. Em tal situação, a conduta subsume-se ao previsto na legislação, mas revela-se necessária uma graduação concreta da conduta para a respectiva modulação dos efeitos.

10 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2011. p. 108 (I – 1.374b1).

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Em um sistema jurídico no qual haja a mera previsão legal de homi-cídio, caberá ao aplicador da legislação a mensuração de elementos que não foram sequer cogitados em sede legal, mas cuja apreciação revela-se impera-tiva para que não se trate igualmente de um assassinato premeditado movi-do por motivo fútil contra uma criança e um acidente de trânsito decorrente da culpa leve de um condutor desatento, ainda que em ambos os casos haja a conduta de matar alguém e o resultado óbito tenha igualmente decorrido do fato.

Nesta função individualizadora da equidade observa-se uma estreita ligação com a igualdade, de forma a não se tratar do mesmo modo situa-ções que apenas quando vistas de muito longe, do alto do mundo normativo, revelam-se iguais, mas que na concretude dos fatos mostram-se significativa-mente diferentes. E é nesta mirada ao caso específico que se impõe a consi-deração da motivação, da intenção, do contexto no qual está inserido aquele ato, bem como da trajetória dos envolvidos – e é neste ponto que a equidade colide frontalmente com o garantismo penal que prescreve abertamente a des-consideração do passado do acusado para fins de dosimetria da pena.

1.3 Função atualizadora da lei

Esta função é menos conhecida e foi bem apontada por Eduardo C. B. Bittar e Guilherme Assis de Almeida. Nas palavras dos autores11: “Encontra aplicação, também, quando se faz obsoleta a lei pela alterabilidade constante a que estão sujeitas as circunstâncias fáticas que passam a contradizer o cris-talizado na legislação”.

Esta dimensão da equidade é menos conhecida e não aparece expressa-mente desenvolvida por Aristóteles, mas é plenamente compatível com a no-ção. Afinal, a atenção às singularidades do caso concreto, ao invés de subsun-ção acrítica e automática em face do comando geral do legislador, revela-se plenamente compatível com o reconhecimento da inaplicabilidade da norma quando esta tem o propósito de regular situação diversa, não mais existente.

Como a riqueza da diversidade de casos concretos impõe a individua-lização do quanto a norma não dispõe e a correção naquilo que ela textual-mente dispõe, mas em descompasso com a peculiaridade do problema real a ser julgado, de igual maneira é bastante razoável que dada, a alteração das

11 ALMEIDA, Guilherme Assis de; BITTAR, Eduardo C. B. Curso de filosofia do direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 117.

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circunstâncias que ensejaram a edição da lei, esta não mais seja aplicada ante a mudança do contexto que se teve em vista quando editada a legislação. Uma lei em absoluto descompasso com a realidade não se presta a manifestar o modo pelo qual a comunidade deseja ver resolvida a questão, e isso é es-pecialmente compreensível quando tem-se em vista a concepção aristotélica de que a lei é o ato político por meio do qual a maioria estampa a decisão de resolver dada questão desta ou daquela maneira, representando a violação da lei uma sobreposição indevida do interesse particular, tendo a legalidade um caráter vivo e exigindo aplicação flexível, e é por isso mesmo que o pró-prio estagirita aduz a necessidade da regra ser aplicada como uma “régua de Lesbos”12.

A necessidade de atenção à situação do tempo no qual a norma ou o pacto foram elaborados e a superveniente alteração das circunstâncias são exigidas firmemente pela equidade, que repulsa a prescrição abstrata descon-textualizada do locus de aplicação. Tal manifestação da equidade inclusive precede Aristóteles, já tendo sido vislumbrada na República de Platão quan-do exposto o diálogo entre Céfalo e Sócrates a respeito da justiça da conduta daquele que se nega a devolver as armas ao seu amigo quando este estiver tomado pela loucura, bem como de igual modo acerca da injustiça de dizer--se a verdade a quem não está em condições psíquicas de ouvi-la13. Note-se que o mesmo exemplo inclusive é dado por Tomás de Aquino14 a título de ilustração do que exige a epieikeia. Como bem aponta Laura Coradini Frantz15, o Código Civil brasileiro atual vai na mesma linha inaugurada pela tradição helênica ao prever, nos arts. 317 e 47816, a necessidade de atenção à mudança das circunstâncias ao longo do cumprimento do programa contratual.

12 CUNHA, Paulo Ferreira da. Res Publica. Ensaios constitucionais. Coimbra: Almedina, 1998. p. 115; MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010. p. 78. A menção à régua de Lesbos é feita na obra Ética a Nicômaco (1.137b30 e 31).

13 PLATÃO. A República (ou da justiça). Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, p. 46 (331b). Aqui vê-se a diferença de tratamento acerca da eventual eticidade da mentira quando contrastado o pensamento clássico com o quanto defendido por Kant, revelando o custo pago pela Modernidade ao negligenciar o legado greco-romano.

14 AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Loyola, v. VI, 2014. p. 689 (questão 120).15 FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos contratos. São Paulo: Saraiva, 2007. passim. A autora

inclusive abre o livro com o referido diálogo entre Céfalo e Sócrates.16 “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre

o valor da prestação devida e o momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude

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1.4 A equidade como capacidade de perdoar

No Livro VI da Ética a Nicômaco tem-se uma quarta manifestação da equidade, a saber, a equidade como capacidade de perdoar. Nas palavras de Aristóteles17,

a capacidade de ser compreensivo, segundo a qual dizemos que alguém tem capacidade de perdoar, é um discernimento correto do que é equita-tivo. Uma indicação disto é o fato de dizermos que o equitativo tem uma capacidade infinita de perdoar. Ser equitativo é ter a capacidade de per-doar algumas coisas. O perdão é a capacidade de ser compreensivo, isto é, trata-se a capacidade de discernir corretamente o que é equitativo. Uma tal capacidade de ser compreensivo é correta quando ajuíza em verdade.

Assim, tem-se aqui uma dimensão raramente invocada da equidade aristotélica, consistindo a justiça no caso concreto na misericórdia perante o erro, que, por sua vez, não é ignorado, mas relevado, algo absolutamente diverso do desconhecimento da falta que, muito antes pelo contrário, é re-conhecida e perdoada. Note-se que o estagirita é claro quando aduz que a capacidade de perdoar é infinita no coração do homem de bem, mas abrange alguns erros – e não todos. Se todo ato faltoso fosse perdoado, recair-se-ia na negação da norma geral, avultando um estado de anomia que, na prática, re-sulta na vigência da lei do mais forte, ou seja, barbárie ao invés de civilização, estado de natureza em detrimento de um Estado de Direito.

1.5 A equidade, a prudência e o pensamento conservador

A equidade, em sua acepção tradicional, ou seja, aristotélica, impõe o cuidado com o caso concreto, a atenção para o que a realidade nos mostra, a necessidade de evitar-se juízos apriorísticos definitivos, de modo que seja bem administrada a tensão entre a generalidade e abstração das ideias e a singularidade e a concretude dos fatos. O estagirita bem sabia que não se pode prever tudo que pode acontecer, e isso não valia apenas na seara jurí-dica, mas igualmente na Política e na vida em geral. Aristóteles tinha plena consciência de que a capacidade cognitiva do ser humano é limitada e que a

de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

17 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 141 (1.143 a 19).

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realidade abarca um espectro de coisas muitíssimo maior do que podemos conhecer, mensurar, analisar e julgar.

A capacidade de direcionar o espírito para o bem, o belo e o bom, va-lendo-se dos meios adequados para a consecução dos objetivos, bem delibe-rando a respeito do que não é intrinsecamente necessário, ou seja, do quanto pode ser de outro modo, calculando acerca da ação necessária, foi o quan-to caracterizado por Aristóteles ao longo do Livro VI da Ética a Nicômaco, ao discorrer sobre a phronesis, habitualmente traduzida como prudência ou sensatez. Tal virtude relaciona-se com a prática, ainda que não se ligue ao mundo da técnica, afinal, ser prudente não é ser perito em algo, mas saber mover-se entre o abstrato e o concreto, o universal e o particular, agindo em conformidade com as circunstâncias e bem medindo a respeito da postura necessária no plano dos fatos, sem abalar-se pelas emoções que podem turvar a visão e prejudicar tal espécie de juízo. Assim, tal excelência é que revela a capacidade de bem agir, de bem atuar na aspereza da realidade, movendo--se do altiplano das ideias para a dureza dos acontecimentos, tendo, a nos-so sentir, total correspondência com o quanto exigido pela equidade que, sem dúvida, depende da prudência para ser levada a efeito. Não sem razão, Enrico Berti18 define a phronesis como a “capacidade de aplicar a regra geral ao caso particular”.

Ainda que advertindo a respeito da impossibilidade da aplicação de uma norma abstratamente considerada, obviamente Aristóteles não defen-deu o caos, o casuísmo e a anomia. Aristóteles defendia a existência de re-gras prévias, mas condicionava a aplicação a uma situação de normalidade e sempre que estivesse o fato dentro da projeção regulatória prévia, nunca quando a subsunção fosse literal e dissociada da teleologia da prescrição. Aristóteles defendia a administração da tensão porque sabia que qualquer dos dois opostos revelar-se-ia praticamente inviável e extremamente funesto para a humanidade. Inclusive não foi à toa que o estagirita discorreu sobre a necessidade da busca de um meio termo (mesotes) entre o excesso e a falta.

A proximidade entre a equidade Aristotélica e o pensamento conser-vador – distinguindo-se aqui do reacionário e do imobilista19 – é manifesta e

18 BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2002. p. 150.

19 João Pereira Coutinho enfatiza tais diferenças ao longo de todo o livro: As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e a reacionários. São Paulo: Três Estrelas, 2014. Russel Kirk (A política da prudência. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 104), expoente do

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explica por que tantos conservadores aproximaram-se da obra do estagirita. Veja-se passagem de João Pereira Coutinho20, que revela, por si só, a proxi-midade com o pensamento aristotélico, mesmo sem nela expressamente ser citada a raiz helênica:

O conservadorismo, ao admitir-se como uma ideologia posicional, assu-mirá desde logo a importância das circunstâncias como base de qualquer atuação política consequente e prudente. São as circunstâncias que ro-deiam o agente a informar o tipo de ação a seguir. Nas palavras de Burke, “as circunstâncias dão a cada princípio político a sua cor distinta e efeito discriminatório”. Em política, não caberá ao estadista aplicar sobre a socie-dade um programa elaborado em abstrato, por mais perfeito ou intelectu-almente substancial que ele seja. Desde logo, e uma vez mais relembrando Burke, porque “nada de universal pode ser racionalmente afirmado sobre qualquer assunto moral ou político”.

De um estadista espera-se, em primeiro lugar, que ele conheça as circuns-tâncias nas quais se inscreve a possibilidade de ação política. São elas que apontam para a desejabilidade (ou não) de determinados cursos de ação. Conforme escreveu Berlin, ao defender o “sentido da realidade” que deve presidir à atuação política – essa capacidade para entender a realidade tal como ela é e não como deveria ser à luz dos nossos projetos, desejos ou sen-timentos particulares –, o estadista “realista” não surge perante a comu-nidade “possuído pelo seu brilhante e coerente sonho” e interessado em submeter todos a esse sonho, que para muitos poderá transfigurar-se em pesadelo. De um estadista espera-se, antes, que ele seja capaz de captar as “permanentemente mutáveis cores dos acontecimentos e os sentimentos e as atividades humanas”: é essa capacidade para valorizar a singularidade que determinará a natureza singular da sua ação.

Portanto, ao negar a busca de conformação da realidade a um estado de coisas previamente imaginado (utopia) – descurando-se da concretude dos fatos e da complexidade gerada a partir dos conflitos de interesses, va-lores e expectativas existentes em dada sociedade –, o cuidado exigido pela equidade aristotélica aproxima-se fortemente do pensamento conservador que se pauta pelas reformas pontuais em busca de uma melhoria que preser-

pensamento conservador, citando Edmund Burke, baluarte de tal corrente de pensamento, aduz que a própria mudança faz parte da preservação.

20 COUTINHO, João Pereira. As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e a reacio- nários. São Paulo: Três Estrelas, 2014. p. 44 e 45.

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ve o que está bem. Não por mera coincidência Russel Kirk21 aduz que serem os conservadores guiados pelo princípio da prudência, agindo após reflexão ante a complexidade da realidade e tendo em vista as consequências no longo prazo e ante a possibilidade de males maiores do que os que se pretende de-belar. Assim, a consciência a respeito da limitação cognitiva humana e a ne-cessidade de olhar para a realidade para bem deliberar a respeito da conduta necessária são trações comuns aos pensamentos aristotélico e conservador.

Entretanto, a Modernidade trilhou caminho diverso, tal como será de-monstrado a seguir.

2 A COnCepÇÃO mOdeRnA de eQuidAde

A Modernidade foi marcada pela prevalência das ideias abstratas, pelo racionalismo, pelo advento da igualdade formal entre os seres humanos, pe-las utopias e pelos correspondentes regimes autoritários e descolamento en-tre teorização e realidade. A compreensão da realidade, o entendimento das circunstâncias, o exame dos fatos e a deliberação cuidadosa a ensejar uma ação calculada e pontual passaram a constituir-se em postura ultrapassada na época dos grandes ideais, das grandes atuações em nome de outro mun-do possível a ser implementado de uma vez por todas em nome de um bem maior, ainda que com custos altos a serem pagos à vista em nome de tal fu-turo incerto. A busca da particularidade e da singularidade passa a ser vista como casuísmo e violação da igualdade que imporia sempre o mesmo trata-mento.

A História passou a ser concebida como um processo informado pelo contínuo progresso, sendo que a cada etapa os erros anteriores seriam in-corporados e superados, tudo em nome de um estado de coisas final e ideal para o qual a Humanidade estaria inclinada. O amanhã seria melhor do que o hoje, desde que o ser humano caminhasse na direção certa, arcando com os custos da busca da utopia.

Após a Revolução Francesa até mesmo o calendário foi reinventado, como se o mundo tivesse surgido em 1789, rejeitando-se qualquer inserção na tradição, na cultura, nos modos, como se não se fosse filho de uma época e de suas circunstâncias. Era, para usar a feliz expressão de Thomas Nagel22, como

21 KIRK, Russel. A política da prudência. São Paulo: É Realizações, 2014. p. 107.22 NAGEL, Thomas. Visão a partir de lugar nenhum. Trad. Silvana Vieira. São Paulo: Martins

Fontes, 2004. passim. Elucidativa a seguinte passagem de Nagel: “O mundo não é o mundo

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se fosse possível olhar o mundo a partir de lugar nenhum. Diversos regimes autoritários e totalitários buscaram criar um estado de coisas perfeito, indepen-dentemente dos custos reais, tudo em nome de um paraíso aqui nesta Terra.

Como tudo que está no mundo já esteve antes profetizado na Literatu-ra, Dostoiévski já oferecia ao mundo um ressentido Raskólnikov, que, após cometer um assassinato premeditado de uma agiota judia, acaba matando também a sobrinha desta (Lisavieta), depois justificando-se e culpando a (pri-meira) vítima dizendo “eu não matei uma pessoa, eu matei um princípio”23. Assim, em nome de uma causa supostamente superior justifica-se o homicí-dio originalmente tencionado e mais um outro tido como mero efeito cola-teral (custo) para implantação de um estado de coisas imaginado (utopia). Nesse sentido, o protagonista defendia que pessoas extraordinárias estariam autorizadas a simplesmente desconsiderar as leis, visto que a elas as mesmas sequer seriam aplicáveis, algo absolutamente próximo do proceder nazista e de outros regimes totalitários, sendo que o romancista russo já conhecia o exemplo napoleônico.

Quando Napoleão soube que estavam sendo escritos os primeiros co-mentários acerca do “seu” Código Civil, a sua reação foi caricatural e em-blemática “Meu Código está perdido!”24 A ideia era fazer um diploma legal exauriente, cuja clareza, concisão e completude dispensassem atuação inter-pretativa anterior. Na mesma linha, o Código da Baviera de 1841 teria pros-crito a atividade hermenêutica25. A simplificação do exercício interpretativo foi levada ao extremo, tanto que Montesquieu26 chega a dizer o que segue:

que se revela a um único ponto de vista altamente abstrato” (Ob. cit., p. 38). Note-se que Nagel não é niilista ou irracionalista, inclusive defende a busca da objetividade, mas ciente da limitação cognitiva a que estamos sujeitos e do quanto a dimensão objetiva da realidade não é toda a realidade.

23 DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 284. Enfatizando tal passagem, veja-se a boa discussão travada no programa de televisão/Internet Direito & Literatura: do fato à ficção, quando debatida tal obra, inclusive tendo o apresentador Lenio Streck enfatizado tal passagem do texto de Dostoiévski (Disponível em: <http://vimeo.com/13737799>).

24 A passagem é bastante conhecida, sendo mencionada, exemplificativamente, por: NUNES FILHO, Luiz Antunes. O in claris cessar interpretatio e a Justiça. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3408/O-In-claris-cessat-interpretatio-e-a-justica>. Acesso em: 24 jan. 2015.

25 NUNES FILHO, Luiz Antunes. O in claris cessar interpretatio e a Justiça. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3408/O-In-claris-cessat-interpretatio-e-a-justica>. Acesso em: 24 jan. 2015.

26 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2004. p. 593.

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As leis não devem ser sutis. São feitas para pessoas de pouco entendimen-to. Não são uma arte de lógica, mas a razão simples de um pai de família.

Quando, numa lei, as exceções, limitações, modificações não são necessá-rias, é bem melhor que não sejam introduzidas. Tais particularidades acar-retam novas particularidades.

Não por coincidência, em outro momento de declínio da noção de equidade, Justiniano proibiu comentários à sua compilação de leis e lições27. Ou seja, os momentos de combate à atividade interpretativa são acompanha-dos de um acentuado declínio do uso da equidade.

Isso apenas para mostrar a diferença que passou a existir entre uma busca de administração da tensão entre norma e caso concreto sustentada por Aristóteles e a primazia do abstrato levada a efeito pelo pensamento mo-derno.

Dado tal estado de coisas, a equidade na Modernidade transformou--se em algo bastante distinto do quanto originalmente arquitetado por Aristóteles. Aspirando a legislação a completude, somente restaria à equi-dade uma função residual, na ausência de previsão normativa, sendo, aliás, nesse sentido prevista no art. 108, IV, do Código Tributário Nacional, que aduz ser aplicável a equidade na falta de norma a reger o caso. Mais sin-tomático ainda é o art. 127 do Código de Processo Civil brasileiro quando estampa que “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”, o que, como bem noticia Adriana Aparecida Giosa Ligero28, já tinha precedente no art. 114 do CPC anterior – de 1939. Na verdade, nada de novo na medida em que a concentração de poder acaba, mais cedo ou mais tarde, restringin-do ou suprimindo a equidade. Basta ver o longínquo precedente histórico citado por Tomás de Aquino29 consistente na prescrição do Codex do Impe-

27 Segundo Fábio Cardoso Machado: “No século VI da Era Cristã, Justiniano, imperador romano do oriente, compilou textos de alguns notáveis juristas clássicos e outorgou-lhes validade legal, proibindo fossem sequer comentados” (MACHADO, Fábio Cardoso. Da uniformização jurídico-decisória por vinculação às súmulas de jurisprudência: objeções de ordem metodológica, sócio-cultural e político-jurídica. Páginas de Direito. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/109-artigos-set-2004/4597-da-uniformizacao-juridico-decisoria-por-vinculacao-as-sumulas-de-jurisprudencia-objecoes-de-ordem-metodologica-socio-cultural-e-politico-juridica>. Acesso em: 16 fev. 2015).

28 LIGERO, Adriana Aparecida Giosa. O juiz e a decisão por equidade. Revista Jurídica da UniFil, ano II, n. 2, p. 107 (p. 102-115).

29 AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Loyola, v. VI, 2014. p. 689 (questão 120).

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rador Justiniano a respeito de não poder outrem, se não o próprio Príncipe, valer-se da equidade, informação esta igualmente noticiada por Maria Cris-tina Carmignani30, que, aliás, aponta como, após o advento do cristianismo, a equidade acabou por ser vista como benevolência (dimensão esta já indicada por Aristóteles no livro VI do Ética a Nicômaco e certamente função menos conhecida da epieikeia).

A própria metodologia dominante, especialmente influenciada pela Escola da Exegese, concebia o ato de aplicação da legislação como mera subsunção lógico-formal, descurando-se do caráter dialético apontado por Aristóteles. Sendo a aplicação da premissa maior ao caso por mera confor-mação literal, tal como um encaixe gramático-conceitual, restava vazia a epieikeia aristotélica e inviabilizado o exercício da prudência, sendo tanto me-lhor juiz aquele mais subserviente. Note-se que ao mesmo tempo em que Montesquieu31 defendeu um “juiz boca-da-lei”, concedendo apenas ao legis-lador a excepcional possibilidade de atenuar o rigor da lei perante um caso concreto32, deslocamento de competência sabidamente inviável na prática, o soberano estava livre das peias da legislação, nem sequer exigindo-se que fosse alguém sensato, dotado de temperança e formado na paideia, revelando que o esquema de tripartição dos poderes hipertrofiava os Poderes Executivo e Legislativo, tornando o Judiciário um poder nulo, na prática um não poder. Por isso José Reinaldo de Lima Lopes33 aduz que em tom de admoestação e referindo a momento adiantado da História, já na alvorada do século XX:

Ao método positivista associa-se a concepção voluntarista do direito. Ele deixa de ser a regra de deliberação – ou razão prática dos clássicos, mas também já não é a geometria axiomática dos modernos. Ele é a legalidade, como expressão da vontade do legislador. Por isso, na dogmática jurídica coloca-se sempre com destaque a figura do legislador, atribuindo-lhe as características da impessoalidade, da onisciência, imperecível, consciente, coerente, omnicompreensivo, preciso.

O foco é no abstratamente considerado, na norma, descurando das vi-cissitudes da vida prática, do atrito oferecido pela realidade. Por isso, João

30 CARMIGNANI, Maria Cristina. A aequitas e a aplicação do Direito em Roma. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 104, p. 127 e 128 (p. 115-129), jun./dez. 2009.

31 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2004. p. 195.32 Idem, p. 195.33 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Lições introdutórias. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 2011. p. 208.

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Maurício Adeodato34 assevera que a Modernidade está marcada pelo dogma-tismo, somente podendo ser recusada uma norma por força de outra norma – e não pela eloquência dos fatos.

Como bem aponta ainda José Reinaldo de Lima Lopes35, o estudo, a produção doutrinária e o ensino jurídico acabam inevitavelmente a seguir a mesma linha, ao “comentário exegético de certos temas ou dispositivos le-gais”. Portanto, a atividade intelectual passa a ficar reduzida a um esclare-cimento semântico e a buscar o estabelecimento de coerência entre as pres-crições, proibições e autorizações. Em tal cenário, a deliberação prudente simplesmente desaparece, cedendo lugar ao autômato que quando muito apresenta uma certa (re)ordenação do quanto já posto pelo legislador, cuja vontade é sempre o objeto de pesquisa mais importante para tal espécie de intérprete.

Portanto, revela-se absolutamente claro que sequer se pode vislumbrar no conceito contemporâneo de equidade o mesmo quanto delineado pelas mãos de Aristóteles, pois, se a utilização da equidade somente ocorre na au-sência de lei ou quando a lei assim o prevê, certamente não se trata mais de instrumento para a administração da tensão entre o caráter abstrato da nor-ma e a peculiaridade da situação fáctica concreta. A equidade passa a operar na lacuna somente quando o intérprete vê-se diante da ausência de norma aplicável, desaparecendo a função mediadora entre a abstração da legislação diante da riqueza da concretude do fato e de suas circunstâncias. Assim, ape-sar da correspondência literal entre os conceitos de equidade, o certo é que a legislação moderna há pelo menos dois séculos vem tentando suprimir a equidade aristotélica, colocando em seu lugar uma vulgata que agora passa-remos a examinar em que consiste.

Serão vistos adiante os usos contemporâneos da noção de equidade, começando por aqueles expressamente invocados na legislação brasileira, pois é o meio de pesquisa mais inequívoco e revelador a respeito do pensa-mento dominante na medida em que oficializado pelo Estado.

34 ADEODATO, João Maurício. Ética & retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 207.

35 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 208.

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2.1 A equidade como supridora de lacunas legais

Colmatar lacunas legislativas, eis a função declarada da equidade no século XX. Confessa tal uso o art. 108, IV, do Código Tributário Nacional, cuja redação é a que segue:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem in-dicada:

I – a analogia;

II – os princípios gerais de direito tributário;

III – os princípios gerais de direito público;

IV – a equidade.

Eloquentes, ainda, os §§ 1º e 2º, veja-se:

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

§ 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamen-to de tributo devido.

Ao mesmo tempo em que a legalidade veda a criação de tributos – e de crimes – por meio da busca de similitude entre duas situações concretas, uma prevista na literalidade do texto normativo e outra não, a equidade aparece como o seu oposto, sendo proscrito o seu uso misericordioso, ou seja, aplica--se ante a lacuna – e nunca como forma de, à luz das peculiaridades do caso concreto, resultar indevido o tributo.

A previsão do CTN é deveras significativa, pois atribui à equidade um uso subsidiário – e, mesmo assim, após três outras formas de suprir a lacuna – e refuta de uma vez só dois usos da epieikeia aristotélica, a saber, a equidade como correção da injustiça da lei em decorrência de sua abstração em face da singularidade do caso concreto não prevista na literalidade da legislação, bem como a dimensão benevolente da equidade. Entretanto, tal previsão legal acaba abrandada pelos arts. 112 e 172, IV, do próprio CTN, seja porque o primeiro impõe que, na dúvida a respeito do cometimento de infração, interprete-se favoravelmente ao acusado, mas, ainda assim, a aposta é na completude da legislação, pois, em tal paradigma, subsumida literalmente a conduta à previsão legal, a sanção se impõe automaticamen-

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te, seja porque o segundo prevê que haja a remissão (perdão) das dívidas em casos autorizados por lei, sendo que a autoridade administrativa aten-tará para “as considerações de equidade, em relação com as características pessoais e materiais do caso”.

Isso posto cumpre examinar em que consistiria tal manifestação da equidade, a começar pela interpretação que vem sendo atribuída a tal dispo-sitivo legal.

Segundo Paulo de Barros Carvalho36:

Equidade

Tem vez a equidade quando o ser humano, posto na contingência de apli-car o direito, sopesa refletidamente seus valores e os da sociedade em que vive, observa os fatos sociais e examina-lhes as proporções na sua grandeza real, abrandando os rigores da lei e imprimindo-lhe ares de maior suavi-dade e dimensão humanitária. Não é um conceito construído pelo direito positivo, apenas mencionado. Daí a dificuldade em referi-lo com precisão. Mas a equidade, outrora já confundida com a justiça, está com ela intima-mente associada, podendo dizer-se com os romanos, aequitas sequitur legem, como instrumento de realização dos ideais de bem comum que a comuni-dade social anela.

Não quis o legislador do Código Tributário Nacional que a magnanimida-de, implícita nesse valor, chegasse a ponto de comprometer a substância dos direitos por ela alcançados, estabelecendo, no § 2º do art. 108, que o emprego da equidade não poderia ocasionar a dispensa do pagamento de tributo devido.

Veja-se que o tributarista aborda as funções clássicas da equidade, mas depois não questiona a vedação legislativa, o mesmo ainda ocorrendo com Aliomar Baleeiro37, Leandro Paulsen38 que, igualmente, apontam vários usos, clássicos e contemporâneos, inclusive apontando a retomada do uso concei-to original, tal como será por fim examinado neste estudo, sem, entretanto, polemizar a respeito do art. 108, IV e seu § 2ª, do CTN. Parece-nos aqui que

36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 137.

37 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 12. ed. Atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2013. p. 1055-1057.

38 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 129-131.

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a vedação da equidade aqui somente pode ser entendida como a proscri-ção de uma atuação sentimental, caritativa, benevolente, mas nunca como uma atenção cuidadosa com o caso concreto, o que, aliás, pode sim resultar na verificação de que em dadas circunstâncias não exsurge o nascimento da obrigação tributária, resultado este, aliás, que já seria alcançado com a inter-pretação teleológica, cuja vedação em sede tributária sequer é objeto de cogi-tação. Assim, dado que o mesmo resultado é lícito por outro meio, revela-se absurdo que se proíba a utilização da equidade como atenção a singularidade do caso concreto e correção da abstração da legislação quando a sua aplicação literal destoa de sua finalidade.

Embora já analisada a vedação constante do § 2º do art. 108 do CTN, ainda não foi explicitada a noção invocada no inciso IV decorrente do caput do mesmo artigo legal.

Com certeza não se pode aceitar interpretação que atribua função cor-retiva ou atualizadora, pois ambas pressupõem uma norma abstratamente considerada, algo que não há na medida em que o uso da equidade na forma da prescrição legal sob comento apresenta caráter supletivo (praeter legem) e visa a colmatar a lacuna. Já a dimensão magnificente revela-se francamente incompatível com a função prevista pelo art. 108, IV, do CTN, vez que não há sentido em prever subsidiariamente o perdão como forma de integração do ordenamento jurídico. Portanto, é para outra noção de equidade que direcio-na o art. 108, IV, do CTN.

A equidade em tal contexto é a exigência de consideração dos demais elementos do ordenamento jurídico, extraindo-se dos mesmos a norma com-patível com a apresentação de uma resposta coerente e consistente, visto o restante do sistema jurídico, ainda que ausente previsão específica para o caso concreto, algo a ser atribuído já no momento da cognição dos fatos, sem comando abstrato e prévio. Revela-se útil aqui relacionar tal função com a individualização exigida pela epieikeia, ainda que na lacuna não haja uma ra-refeita normatização em virtude da vagueza e abstração da norma aplicável, mas a própria ausência de normatização, impondo-se que se aplique uma norma criada no caso concreto que seria aquela compatível com as demais do ordenamento jurídico e que seria possível imaginar que um legislador coe-rente criaria sem inovar, apenas mantendo a direção já prescrita pelas outras normas. A equidade aqui não se restringe a um subjetivismo que, invocando o bom senso, apresenta resposta em descompasso com as demais normas jurídicas. Não se trata aqui de uma equidade que autoriza o intérprete a in-ventar uma solução como se legislador fosse, inovando o sistema jurídico, até mesmo porque em última análise até mesmo ao feitor de leis é vedado ser

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incoerente, ainda que possa modificar a normatização (o que é impensável que se possa fazer com espeque no art. 108, IV, do CTN).

2.2 A equidade como a justiça do caso concreto sem remissão à legislação

A equidade como uma justiça paralela ao sistema normativo e sem uma função complementar ou corretiva deste último reflete um uso contemporâ-neo do conceito e sem precedente em Aristóteles. Tal concepção reflete uma decisão a partir do bom senso e desconectada das normas jurídicas. Sobre tal noção de equidade, veja-se a eloquente definição de Cintra, Grinover e Dina-marco39: “Decidir por equidade significa decidir sem as limitações impostas pela precisa regulamentação legal”.

A arbitragem é tradicionalmente o campo de aplicação da equidade como a solução justa ao caso concreto, independentemente da normatiza-ção legal, sendo tal espécie de decisão dos conflitos prevista expressamente nos arts. 25 da Lei Federal nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais)40 e 2º, caput, da Lei Federal nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)41-42. Dita dimensão da concepção contemporânea de equidade guarda estreita simetria com a possibilidade dos contratantes atribuírem a terceiro o valor da coisa objeto de transmissão. O art. 485 do Código Civil é expresso acer-ca de tal possibilidade, não por acaso chamando a faculdade do terceiro de “arbítrio”43.

Não por acaso se está aqui valendo-se de um uso da equidade para re-solução de conflitos privados, versando sobre bens patrimoniais disponíveis, de forma que a norma deixa de se fazer imperativa, podendo as partes renun-ciar a aplicação da legislação a reger o mérito da causa. Não se reconhece aqui

39 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 166.

40 “Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do juiz, na forma dos arts. 5 e 6º desta Lei, podendo decidir por equidade.”

41 “Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.”42 Como bem anotam Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria geral do processo. 27. ed. São

Paulo: Malheiros, 2011. p. 166), na arbitragem o julgamento por equidade depende da aceitação das partes, mas no seio dos juizados especiais a instituição da arbitragem já implica na anuência ao julgamento por equidade.

43 “Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem os contratantes designar outra pessoa.”

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qualquer aplicação da equidade em sede de conflitos cuja essência do objeto litigioso seja indisponível44, valendo com toda força em tal campo a solução prevista na legislação.

Tal uso não encontra correspondente na tradição aristotélica, ainda que guarde uma certa relação com a função individualizadora. Na falta de uma especificação da solução a ser adotada, adota-se aquela aconselhada pelo bom senso, mas desta vez sem procurar uma coerência com as demais nor-mas do ordenamento jurídico, podendo, inclusive, decidir contra a lei posta (contra legem).

2.3 A equidade como justiça do caso concreto, corrigindo-se a lei quando esta revelar-se demasiado abstrata

Quando o legislador apontou que nas causas de pequeno valor e em outras os honorários advocatícios serão fixados por equidade, ao invés de ater-se aos limites de 10 a 20% do valor da condenação (art. 20, § 4º, do CPC), bem como em todos os demais casos, independentemente de previsão legal, deixa-se de aplicar a norma porque ela é, dada a peculiaridade do caso con-creto, inaplicável. Dado que a sua incidência violaria a sua própria razão de existir, tem-se a manifestação da função corretiva da equidade, tal como aris-totelicamente concebida, guardando sintonia perfeita com a raiz da epieikeia.

A previsão da equidade na própria legislação é rara, mas já represen-ta a ciência da limitação cognitiva humana. Entretanto, exigir previsão legal para dizer que a previsão legal não abarca a infinitude de casos que podem não merecer a aplicação da literalidade da lei, ainda que formalmente subsu-míveis a tal, seria uma contraditio in terminis – e a incompreensão disso que gera indevidamente a polêmica a respeito da (des)necessidade de previsão legal para absolvição pelo princípio da insignificância. Eventualmente, como ocorreu no art. 20, § 4º, do CPC, o legislador já antevê a incompletude da nor-matização, estabelecendo previamente uma válvula de escape, uma abertura no sistema normativo.

44 Contra, Aliomar Baleeiro (1.055) invoca o art. 172, IV, do CTN, aduzindo que por meio de tal disposição legal “o legislador brasileiro reconhece na equidade, um mandato em branco, ao lado e acima do Direito legislado”. Discordamos porque o próprio dispositivo legal revela a adoção do legalismo ao prever que “a lei pode autorizar”, ou seja, já parte-se de uma autorização legal para, conforme as circunstâncias do caso, remitir o débito tributário, ou seja, a autoridade administrativa pode, com base em lei, perdoar débitos, mas isso somente dentro e depois de estabelecidos por meio de lei os critérios para a remissão, algo muito diferente da solução arbitral que pode ser até mesmo contra legem.

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Mais comum é a função corretiva da equidade ser exercida sem a pré-via autorização legal. Exemplos de tal aplicação são abundantes, bastando pensar no feliz precedente noticiado por Humberto Ávila45, consistente na manutenção de uma empresa em regime tributário favorável, ainda que te-nha realizado importação de quatro pés de sofá, mesmo quando é condição para desfrutar de tal status jurídico a ausência de internalização de bens es-trangeiros. Ainda segundo Ávila46:

Essas considerações levam à conclusão de que a razoabilidade serve de instrumento metodológico para demonstrar que a incidência da norma é condição necessária mas não suficiente para sua aplicação. Para ser aplicá-vel, o caso concreto deve adequar-se à generalização da norma geral.

A equidade prescreve que o legislador tem em vista um estado cor-rente de coisas, não a exceção formalmente passível de subsunção, sob pena de ter-se um resultado odioso e estranho à própria finalidade da norma. A vedação do ingresso com animais em determinado ambiente não implica na proscrição da entrada de pessoa cega com o seu respectivo cão-guia.

A previsão do art. 155 do Código Penal comina pena de um a quatro anos de reclusão para quem furta, mas isso nem de longe quer dizer que uma criança, acompanhando a mãe em um supermercado, que resolva pegar e comer uma bala antes da mãe passar no caixa e sem que a mesma veja tal fato, esteja cometendo ato infracional equiparado a furto. Do mesmo modo, tomar um lápis emprestado e não devolvê-lo não implica no cometimento de crime de apropriação indébita. Basta pensar ainda na impossibilidade de ocorrência do crime de lesões corporais quando se está diante de machuca-dos causados em virtude da prática regular de artes marciais.

Enfim, aplica-se aqui tudo quanto já mencionado ao início a respeito da função corretiva da equidade.

COnClusÃO

A equidade mudou, mantendo-se parcialmente a sua essência aristoté-lica, agregando-se outros sentidos e perdendo-se outros. A aplicação subsi-

45 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação de princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 166 e 167. O autor, além de fornecer excelente exemplos, menciona a raiz aristotélica da equidade.

46 Idem, p. 167.

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diária, excepcional, da equidade revela-se como apenas um resquício da po-tencialidade do instrumento tal como originalmente concebido por Aristóte-les, urgindo a retomada da noção clássica para que toda aplicação seja equi-tativa, mediando-se o trânsito entre as dimensões axiológica, deontológica e ontológica do fenômeno normatizado.

É crucial o resgate da noção original de epieikeia como forma de reestru-turação do pensamento, prezando-se pela deliberação atenta e cuidadosa dos fatos, ciente de que a resposta não está dada, mas é construída, como uma ponte entre o passado e o futuro da aplicação do Direito. Somente quando o pensamento conhece a equidade em seus termos originais há abertura para a phronesis, deixando-se de ver o automatismo como o modo normal de operar intelectualmente, quando é, na verdade, o meio mais pobre. O resgate da tradição aristotélica permite, destarte, ver como não há uma normatização pronta e acabada esperando apenas que se aplique a cada caso, sem uma administração da tensão inerente à estrutura da realidade consistente na ne-cessidade de solução ao mesmo tempo em tese igual para todos e diferente em cada caso, ainda que com a mesma conclusão na maioria das vezes.

A consciência a respeito da necessidade de mediação intelectiva entre o concreto e o abstrato é que permite a efetiva resolução justa dos litígios, apurando-se o tato para com a riqueza e a aspereza da concretude, sem que isso nem de longe desborde no casuísmo e no caos. Pelo contrário, a epieikeia bem compreendida é fator de manutenção da norma perante a realidade, ga-nhando flexibilidade para continuar a existir, pacificando-se os conflitos e mantendo-se a segurança necessária para o convívio social. Se uma conclusão sintética pudesse ser destacada no presente trabalho, com certeza seria a de que a equidade não é uma operação excepcional, mas algo inerente ao ato de bem julgar.

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A mediAÇÃO FAmiliAR sOb um ViÉs pRátiCO: dAs nOÇões elementARes às etApAs exeCutAdAs

crisTiana sanchez gomes Ferreira

Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Advogada, Professora de Direito de Família e Sucessões.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Mediação familiar: noções elementares; 2 O papel dos envolvidos; 3 Etapas do processo de mediação; Consi-derações finais; Referências.

intROduÇÃO

De acordo com o Dicionário Aurélio1, tem-se o significado de conflito por “1. Luta, Combate; 2. Guerra; 3. Enfrentamento; 4. Oposição entre duas ou mais partes; 5. Desavença entre pessoas, grupos; 6. Divergências, discor-dância de idéias, de opiniões”. Em quaisquer das suas concepções, verifica-se que a conotação do termo, em uma primeira análise, é negativa.

Trata o conflito, porém, de realidade inerente ao desenvolvimento da humanidade, sendo benéfico na medida em que a própria sociedade, para evoluir, depende da permanente dinâmica de contraposição de ideias, o que gera, de forma natural, os embates. Para a sua classificação como prejudicial ou salutar, no entanto, há que se analisar a forma como o conflito é conduzido e dirimido pelos envolvidos.

O presente trabalho visa à análise do processo de mediação como alter-nativa para a resolução de conflitos, notadamente os familiares, abordando--se as suas noções elementares, o papel dos envolvidos e as etapas do proces-so de mediação.

1 Versão Eletrônica do Mini Aurélio.

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1 mediAÇÃO FAmiliAR: nOÇões elementARes

Para uma correta compreensão do conceito de mediação, mister uma breve análise dos demais métodos de resolução de conflitos existentes na atualidade, os quais se classificam em “autocompositivos” e “heterocompo-sitivos”.

Os primeiros constituem-se em técnicas por meio das quais são as pró-prias partes que determinam a solução do litígio, quais sejam estas: negocia-ção, conciliação e mediação. Já os segundos possuem como comum característi-ca o ato de delegar-se a um terceiro a resolução do conflito, figurando entre estes a arbitragem2 e o processo judicial3.

Entre os métodos referidos, constata-se a existência de indevida con-fusão conceitual entre a conciliação e a mediação, cujas técnicas são substan-cialmente distintas.

Na conciliação – método de resolução de conflitos mais utilizado no Brasil –, o conciliador, ao agir de forma neutra e imparcial, tem como objetivo primordial o acordo entre as partes, intervindo com sugestões e alertando os conciliandos acerca dos ganhos e das perdas em cada um dos possíveis cami-nhos4. No Poder Judiciário, é com frequência que os Tribunais organizam as chamadas “semanas da conciliação”, estabelecendo número de acordos como metas a serem cumpridas.

A mediação, por sua vez, aproxima-se da conciliação em virtude de um terceiro, também neutro e imparcial, intervir com a finalidade de mitigar os perversos efeitos do litígio. No entanto, diferentemente da conciliação, a me-diação não objetiva, propriamente, o acordo, mas sim o diálogo entre as par-tes, sendo este o papel do mediador: atuar como um facilitador do diálogo a ser travado ou resgatado, empoderando os mediandos a tomarem as suas pró-prias decisões, independentemente de tal repercutir ou não em um acordo.

Marilene Marodin e Stella Breitman destacam a filosofia intercomuni-cativa que permeia as etapas do processo de mediação:

2 No Brasil, a arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307/1996, a qual prevê a possibilidade para a resolução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

3 SEVERO, Maria Izabel S. Os métodos alternativos de resolução de conflitos e a mediação. Notas de Aula. Clínica de Psicoterapia e Instituto de Mediação (CLIP). Porto Alegre, mar. 2015.

4 ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. Mediação familiar. Revista SíNTESE Direito de Família, n. 61, p. 54, ago./set. 2010.

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A utilização deste paradigma, especialmente em situações de disputas fa-miliares, provoca o fortalecimento dos vínculos e uma maior possibilida-de de as pessoas resolverem positivamente situações de crise, mediante a priorização de uma filosofia intercomunicativa que preconiza a participa-ção responsável. Os conflitos são administrados pelos próprios interessa-dos através de decisões conjuntas, porém reconhecendo a singularidade de cada pessoa. Os envolvidos se tornam protagonistas das decisões assumi-das, adquirindo habilidades para gerir suas próprias diferenças. Questões legais, financeiras, psicológicas, paternas, maternas e filiais são cuidadas sob uma perspectiva familiar, e não somente individualista.5

Entre os principais contextos em que é utilizada a mediação (confli-tos empresariais, consumeristas, criminais, ambientais, etc.), destaca-se a sua aplicação nas relações familiares, notadamente nos contextos de rompimento do vínculo conjugal, nos quais emergem os conflitos por guarda, pensão de alimentos, partilha de bens e convivência paterno/materno-filial6.

Neste âmbito, as disputas relativas a questões que envolvam a prole geralmente são fruto das dificuldades dos casais em dissociar a conjugalida-de finda da parentalidade que persiste, sendo usual, em tais conjunturas, a detecção da prática de alienação parental por um dos genitores, exsurgindo a mediação como uma efetiva ferramenta de resolução da problemática7.

À medida que tais conflitos são naturais ao término de uma relação afetiva, ocasionando o ingresso de inúmeras ações litigiosas perante o Judi-ciário, verifica-se, de forma expressiva, o descumprimento das decisões ju-diciais. Ora, afinal, delegada dita decisão a um terceiro (juiz), previsível que esta careça de sintonia com os reais interesses e necessidades das partes, a justificar a incongruência (e desajuste) de sua aplicação fática. Na mediação, ao contrário, são os próprios envolvidos que tomam as rédeas do conflito,

5 MARODIN, Marilene; BREITMAN, Stella. A prática da moderna mediação: integração entre a psicologia e o direito. In: ZIMERMAN, D.; COLTRO, A. C. M. Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas/São Paulo: Millennium, p. 473.

6 MOLINARI, Fernanda; MARODIN, Marilene. A mediação em contextos de alienação parental: o papel do mediador e dos mediandos. In: DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFam/RS, 2010. p. 159.

7 Sobre alienação parental, sugere-se a leitura de: MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detecção – Aspectos legais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

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atuando como protagonistas e coconstrutores de sua realidade, abandonan-do, enfim, os postos de meros coadjuvantes.

Exemplo a ilustrar as presentes assertivas trata de decisão em que o magistrado aplica a guarda compartilhada em contexto familiar de elevado litígio entre os genitores8. Passados alguns meses – ou mesmo anos! –, dificil-mente tal compartilhamento restará bem-sucedido, haja vista o mal elabora-do luto pelo final do relacionamento em diversos contextos. Submetidas as partes à mediação familiar (seja judicial, seja privada), há notório incremento nas chances de que o compartilhamento atinja o seu objetivo, propiciando aos mediandos a criação de rotina de diálogo e transferência do foco aos fi-lhos, efetivo interesse em comum.

Desta forma, a mediação atua na preservação dos laços da parentalida-de, fortalecendo-os perante a derrocada da conjugalidade.

No Brasil, a mediação passou a ser disciplinada a partir da Resolução nº 125 do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), de 29.11.2010, a qual determi-nou aos Tribunais brasileiros a criação de núcleos permanentes de métodos consensuais de resolução de conflitos. O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) menciona trinta e nove vezes o termo “mediação”, regula-mentando a sua prática judicial nos arts. 165 ao 174 – ao revés do anterior Código Processual Civil, no qual sequer referência à mediação havia. A me-diação privada, por seu turno, é prevista no art. 175 do mesmo diploma, em-bora não diretamente regulamentada.

No mês de junho de 2015, foi publicada a Lei nº 13.140/2015, a qual dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre par-ticulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. A despeito de a lei nova não trazer mudança significativa no âmbito do que já vem sendo praticado, concebeu-se legalmente, enfim, o estabeleci-mento de um novo paradigma, cujo efeito está na criação de acordos viáveis de cumprimento, eis que derivados, tão somente, da efetiva vontade dos ver-dadeiros protagonistas.

O novo CPC, instituído em maio de 2015, dispondo da matéria, entra em vigor em maio de 2016, estando em período de vacatio legis. A Lei da Me-

8 Com o advento da publicação da Lei nº 13.058/2014, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada como regra, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

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diação, em contrapartida, entra em vigor 180 dias a partir de sua publicação oficial.

Foi a sociedade brasileira, em um mesmo ano, brindada com dois no-vos instrumentos legais que regem o método, o que contribui, de forma calo-rosa, ao estabelecimento da cultura de pacificação na resolução dos conflitos.

2 O pApel dOs enVOlVidOs

Na prática da mediação, impõe-se a observância aos princípios que re-gem as etapas do processo. Entre os principais, e em relação aos mediandos, cita-se a voluntariedade, a não adversariedade e a autonomia das decisões. A voluntariedade diz respeito à necessidade de livre escolha dos mediandos à participação no processo de mediação, tendo-se que devem as próprias par-tes eleger o método. A não adversariedade é inerente à mediação, que, como método consensual que é, visa à transformação do conflito sem a criação da dicotomia “autor-réu”, equalizando as partes em uma mesma posição. A au-tonomia das decisões garante que os próprios mediandos apropriem-se de suas escolhas, exprimindo eles próprios a solução criada conjuntamente, de-rivada do diálogo construtivo9.

O mediador, por seu turno, há que agir em observância aos princípios da imparcialidade (valorizando o interesse das partes, sem representar os interesses de uma ou de outra), neutralidade (capacidade do mediador em respeitar as idiossincrasias dos mediandos, sem induzi-los ou influenciá-los ao acordo, promovendo o diálogo entre eles), confidencialidade (as informa-ções obtidas são confidenciais, ressalvados os casos de maus-tratos, risco de vida ou graves delitos) e profissionalização (exigindo-se do mediador forma-ção adequada para tanto, mediante treinamento teórico e prático específicos, independentemente de sua área de formação).

Tem-se, assim, que o papel do mediador consiste em munir os median-dos de ferramentas que despertem o interesse no diálogo, empoderando-os à apropriação de suas próprias decisões. Sendo vedado ao profissional julgar e aconselhar, e o desafio maior trata de conduzir os mediandos, com sutileza e neutralidade, a decisões que disciplinem os seus reais interesses.

9 MOLINARI, Fernanda; MARODIN, Marilene. A mediação em contextos de alienação parental: o papel do mediador e dos mediandos. In: DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFam/RS, 2010. p. 160-161.

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3 etApAs dO pROCessO de mediAÇÃO

O processo de mediação é dividido em sete etapas, quais sejam: i) introdução, ii) busca de informações, iii) definição do problema, iv) desen-volvimento de opções, v) redefinição de posições, vi) negociação e, por fim, vii) redação do acordo, denominado “termo de entendimento”.

No primeiro contato com um dos mediandos – geralmente telefôni-co –, ao mediador caberá explicar, brevemente, do que se trata a mediação, informando o nome do comediando que solicitou a realização do processo, convidando o participante a comparecer na primeira sessão, a qual poderá ser conjunta ou individual com cada um dos envolvidos.

Na etapa introdutória, deverá haver a conscientização dos mediandos acerca da existência do conflito, de modo que, de imediato, este passe a ser identificado e isolado de temas que não serão abordados na mediação. É nes-te momento que incumbe ao mediador a leitura do termo de consentimento10 e a descrição das regras do processo de mediação, apresentando a metodolo-gia a ser utilizada naquele caso.

Dirimidas as dúvidas, e já na etapa de busca de informações, o media-dor deverá fazer com que os participantes informem as questões envolvidas no conflito, o que será feito, naturalmente, sob os seus respectivos pontos de vista. Compartilhadas as informações, serão clarificados os pontos a serem trabalhados, sempre em busca do efetivo interesse em comum dos envolvidos11.

É de especial importância que o mediador, neste momento, esclareça aos mediandos que o conflito será trabalhado de forma prospectiva, na pers-pectiva do presente para o futuro, não havendo espaço na mediação para o enfoque do problema no passado.

Nos próximos estágios, os mediandos passarão a desenvolver alterna-tivas resolutivas do conflito, incumbindo ao mediador auxiliá-los a identifi-car aquelas possíveis e aquelas improváveis, sem, no entanto, emitir juízo de valor, julgar ou aconselhar12.

10 O termo de consentimento é um documento escrito que contém as regras e os princípios que regem o processo de mediação, devendo, após ser lido em voz alta pelo mediador, ser assinado por todos.

11 ROBLES, Tatiana. Mediação e direito de família. São Paulo: Ícone, 2009. p. 75.12 Idem, p. 78.

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As últimas etapas consistem na negociação e na redação do acordo, denominado “termo de entendimento”. Na negociação, o mediador, de for-ma equidistante, deve auxiliar os mediandos a se concentrarem nas questões isoladamente, elucidando-as uma a uma. Superada a etapa, o termo de enten-dimento deve ser redigido de maneira informal, sendo dever dos advogados das partes, se for o caso, a sua reescrita em versão jurídica e submissão à homologação judicial.

COnsideRAÇões FinAis

O presente artigo buscou definir o processo de mediação, ressaltan-do as suas principais características e etapas, destacando a sua incidência no âmbito das relações familiares, em cujos contextos os benefícios derivados da mediação são de especial relevo.

Constatou-se, neste cenário, que as etapas iniciais da mediação são es-senciais à garantia do próprio êxito da ferramenta, sendo nelas que os me-diandos compreenderão suas regras, seus princípios e seus benefícios, cuja ciência os levará a se envolver de forma cooperativa.

Entre os benefícios da mediação familiar, citemos a manutenção de re-lacionamentos, integração das partes para um mesmo objetivo, melhora das habilidades de comunicação e redução de custos (financeiros e temporais) com ações judiciais.

No Brasil, em um mesmo ano surgiram dois novos instrumentos jurídi-cos versantes sobre a mediação – o novo Código de Processo Civil e a Lei da Mediação, aqui abordados –, o que denota uma nítida evolução no processo de introjeção de uma nova cultura na resolução dos conflitos.

Avante!

ReFeRÊnCiAs

ALVES, Iasmine Caron. A mediação judicial e o papel de cada um nos conflitos familia-res decorrentes da alienação parental. In: DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFam/RS, 2010. p. 167-179.

ANDRADE, Gustavo Henrique Baptista. Mediação familiar. Revista SíNTESE Direito de Família, n. 61, p. 44-57, ago./set. 2010.

MADALENO, Ana Carolina Carpes; MADALENO, Rolf. Síndrome da alienação parental: importância da detecção – Aspectos legais e processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

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MARODIN, Marilene; BREITMAN, Stella. A prática da moderna mediação: integração entre a psicologia e o direito. In: ZIMERMAN, D.; COLTRO, A. C. M. Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas/São Paulo: Millennium, p. 471-488.

MOLINARI, Fernanda; MARODIN, Marilene. A mediação em contextos de alienação pa-rental: o papel do mediador e dos mediandos. In: DA ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFam/RS, 2010. p. 155-166.

ROBLES, Tatiana. Mediação e direito de família. São Paulo: Ícone, 2009.

SEVERO, Maria Izabel S. Os métodos alternativos de resolução de conflitos e a mediação. Notas de Aula. Clínica de Psicoterapia e Instituto de Mediação (CLIP). Porto Alegre, mar. 2015.

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(in)tRAnsmissibilidAde dOs dAnOs imAteRiAis e legitimidAde AtiVA: dOutRinA e JuRispRudÊnCiA

Felipe cunha de almeida

Mestre em Direito Civil pela UFRGS, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil (ênfase em Direito Processo Civil), Advogado, Professor.

RESUMO: O estudo tratou de analisar as hipóteses de transmissibili-dade ou intransmissibilidade dos danos imateriais, relacionados aos direitos de personalidade, com o objetivo de se determinar a legiti-midade ativa envolvendo demandas dessa natureza.

PALAVRAS-CHAVE: Danos imateriais; direitos de personalidade; falecimento; transmissibilidade; intransmissibilidade; legitimidade; caráter patrimonial.

ABSTRACT: The study tried to analyze the chances of transferability or non-transferability of immaterial damages, related to personality rights, in order to determine the active legitimacy involving claims of this nature.

KEYWORDS: Material damage; personal rights; death; communica-bility; transferable; legitimacy; equity character.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Danos imateriais e direitos de perso-nalidade; 2 Pressupostos da responsabilidade civil; 2.1 Conduta; 2.2 Dolo e culpa; 2.3 Dano; 2.4 Dano imaterial; 2.5 Nexo de causali-dade; 2.6 Prova do dano imaterial; 3 Legitimados e indeterminação de ofendidos; 3.1 Dano por ricochete ou dano reflexo; 4 Discussão acerca da (in)transmissibilidade dos danos imateriais: correntes; 4.1 Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema; 4.2 Ocorrência do falecido no curso da ação e os legitimados; 4.3 Extinção do direito a danos imateriais em decorrência da morte do titular; 4.4 Legitimidade ativa ad causam para propor ação, postu-lando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho fale-cido; Conclusão; Referências.

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intROduÇÃO

O presente artigo aborda a questão referente às hipóteses de transmis-sibilidade dos danos extrapatrimoniais. O assunto é controvertido no mundo jurídico e, como tal, merecedor da devida análise.

Pontes de Miranda ensinava que “o ressarcimento prende-se à origem do homem, como reação ao mal, ao que fere ou ofende”1. Portanto, temos de enfrentar a questão da legitimidade ativa em ações dessa natureza, eis que influi decisivamente no referido ressarcimento, indenização.

Orlando Gomes aduz que tem legitimidade para a ação de indenização aquele que foi diretamente ofendido, de tal sorte que, em princípio, terceiros não adquirem a pretensão para a indenização. Todavia, segundo o autor, essa regra admite algumas exceções, estas que serão aqui abordadas. Entre ela, temos os herdeiros da vítima, se forem prejudicados indiretamente, e aqueles beneficiários de alimentos, no caso de homicídio. Em tais casos, essas pessoas postulam direito próprio2.

O trabalho busca abordar a seguinte situação: em ocorrendo deter-minado ato ilícito, o ordenamento jurídico impõe a obrigação de indenizar. Extremamente relevante, então, a busca dos ativos, especialmente da rela-ção jurídica processual. Assim, o problema que se verifica, para os casos de responsabilidade delitual, é o vínculo formado, estabelecido, em decorrência imediata da lesão ao direito de outrem e do prejuízo como consequência do ato3.

Quando se fala na hipótese da transmissão, ou não, dos danos mo-rais, indagamos o seguinte: O que na realidade se transmite ou, então, pode ser transmitido? A questão sucessória da indenização? Os danos imateriais acontecidos em vida podem ser pleiteados por terceiros, após o falecimento do ofendido e em nome dele? Ainda, existe uma determinação de ofendidos, como nos casos do chamado dano por ricochete ou dano indireto? Bem, essas

1 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: direito das obrigações: fatos ilícitos absolutos: atos-fatos ilícitos absolutos: atos ilícitos absolutos: responsabilidade danos causados por animais: coisas inanimadas e danos: estado e servidores: profissionais. 1. ed. Atual. Vilson Rodrigues Alves. Campinas: BoookSeller, t. 53, 2008. p. 155.

2 GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Atual. Evaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 123.

3 Idem, p. 89.

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e outras questões, por meio do posicionamento doutrinário e jurisprudencial, é que buscamos responder.

1 dAnOs imAteRiAis e diReitOs de peRsOnAlidAde

Carlos Roberto Gonçalves define os danos imateriais como aqueles que atingem o ofendido como pessoa que é, não lesando, desta forma, o seu patri-mônio. E explica: “É lesão de bem que integra os direitos de personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem, o bom nome etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação”4.

A dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, ou seja, o complexo que a vítima sofre em decorrência da ofensa, não propria-mente, o dano moral, mas sim as consequências do ato. Assim como exem-plo, a dor dos pais pela perda do filho, a humilhação de quem foi vítima de injúria, publicamente, tais circunstâncias são estados de espírito, e ainda va-riáveis em cada caso, eis que cada um as sentem de seu modo peculiar e par-ticular. Todavia, o direito não repara qualquer dor, padecimento ou aflição, mas sim aquilo decorrente da privação de determinado bem jurídico, bem esse o qual o ofendido tem determinado interesse reconhecido pela ordem jurídica. Portanto, Carlos Roberto Gonçalves, utilizando-se da doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, conclui que “só de deve reputar como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfi-ra intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar”5.

O Código Civil prevê6 a proteção dos direitos de personalidade no art. 11. Sílvio Venosa ensina que os direitos de personalidade compreendem “um conjunto de direitos e obrigações que denominamos patrimônio, que é a projeção econômica da personalidade”. Em relação à personalidade, há direitos que a afetam de forma direta, não possuindo conteúdo econômico imediato e direto7.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2013. p. 384.

5 Idem, p. 384-386.6 “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são

intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 20.

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O autor suprarreferido aponta que existem direitos personalíssimos, eis que refletem, incidem, sobre bens imateriais ou incorpóreos, tais como o direito à vida8 e outros também elencados e que apontamos anteriormente, com base na doutrina de Carlos Roberto Gonçalves.

Por sua vez, o art. 129, também da codificação civil, dispõe que “aquele que for ameaçado ou lesado em seus direitos de personalidade, honra, nome, liberdade, recato etc. poderá exigir que cesse a ameaça ou lesão e reclamar perdas e danos [...]”, culminado, ainda, com outras sanções, ressaltando Sílvio Venosa que, em razão do seu caráter pessoal ou personalíssimo, “em princípio, cabe apenas à própria pessoa atingida na sua incolumidade moral tomar as medidas acautelatórias, preventivas e repressivas que a situação quer”. Ainda, tais direitos em decorrência dessa pessoalidade extinguem-se com a morte; contudo, não significa dizer que os resquícios podem ocorrer, como, por exemplo, uma ofensa à honra de quem já faleceu, que pode atingir os seus familiares10. Na prática, segue a posição da Corte gaúcha, analisando a possibilidade de os herdeiros, em nome próprio, buscarem a proteção do falecido:

O Código Civil, em seu art. 12, parágrafo único, confere aos herdeiros o direito de pleitear, em nome próprio, reparação pelos danos decorrentes da violação a direitos da personalidade do parente falecido, incluindo o direito à imagem. Evidenciado o ato ilícito praticado pela ré, que inscreveu o nome do marido e pai das autoras em órgão de restrição ao crédito, após a morte daquele, resta configurado o dano moral à herdeira, em virtude da mácula ao nome e à imagem da parenta falecida.11

8 Idem, p. 23-24.9 “Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e

reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida

prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”

10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil comentado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 22.11 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – REPARAÇÃO DE

DANOS MORAIS – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DE PESSOA FALECIDA EM ÓRGÃO DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO – DIREITO DO HERDEIRO À PROTEÇÃO DA IMAGEM DO DE CUJUS – DANO MORAL – CONFIGURAÇÃO – O Código Civil, em seu art. 12, parágrafo único, confere aos herdeiros o direito de pleitear, em nome próprio, reparação pelos danos decorrentes da violação a direitos da personalidade do parente falecido, incluindo o direito à imagem. Evidenciado o ato ilícito praticado pela ré, que inscreveu o nome do marido e pai das autoras em órgão de restrição ao crédito, após a morte daquele, resta configurado o dano moral à herdeira, em virtude da mácula ao

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No mesmo sentido julgamento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, ao apreciar discussão envolvendo rescisão contratual e, especificamente, abordando pleito de danos morais, decidiu que

para fazer jus à indenização a título de danos morais é preciso que haja situação aflitiva em grau significativo, sendo que meros dissabores vividos em face do descumprimento do contrato de promessa de compra e venda pelos réus não podem ensejar ressarcimento indenizatório, por não haver, no caso, ofensa a direitos da personalidade.12

nome e à imagem da parenta falecida. Hipótese de dano moral puro, dispensando- -se comprovação do prejuízo concreto. Precedentes desta Corte. Sentença mantida. QUANTUM INDENIZATÓRIO – MANUTENÇÃO – Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto, conduz à manutenção do montante indenizatório em R$ 7.000,00 (seis mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente, pelo IGP-M, a partir da data da sentença de primeiro grau até o efetivo pagamento e acrescido de juros de mora, à razão de 12% ao ano, a contar do cadastramento indevido. Súmulas nºs 362 e 54 do STJ. Apelação parcialmente provida.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70052586948, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em: 21.12.2012. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70052586948%26num_processo%3D70052586948%26codEmenta%3D5081759+dano+moral+e+direito+de+personalidade+e+herdeiros+e+em+nome+pr%C3%B3prio++++&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70052586948&comarca=Comarca%20de%20Canoas&dtJulg=21/12/2012&relator=Paulo%20Roberto%20Lessa%20Franz&aba=juris>. Acesso em: 6 abr. 2015)

12 “EMENTA: PROMESSA DE COMPRA E VENDA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS – RECONVENÇÃO – Mantida a ilegitimidade de Luís Felipe Vieira Correa de Oliveira e Emir José Parisotto para figurarem no polo passivo da relação jurídico-processual. Não há falar em pagamento de diárias em face da não desocupação do imóvel se os reconvintes deram causa à permanência da reconvinda nele, em razão do inadimplemento da obrigação de pagar os valores a ela devidos. Para fazer jus à indenização a título de danos morais é preciso que haja situação aflitiva em grau significativo, sendo que meros dissabores vividos em face do descumprimento do contrato de promessa de compra e venda pelos réus não podem ensejar ressarcimento indenizatório, por não haver, no caso, ofensa a direitos da personalidade. Apelação dos réus desprovida e apelo da autora provido em parte e, em conseqüência, julgado improcedentes os pedidos formulados na reconvenção.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70058972720, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes, Julgado em: 10.07.2014. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/

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Todavia, em ação de resolução de contrato (incorporação imobiliária) por atraso na entrega de obra, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro manteve condenação em primeiro grau, a título de danos imateriais, por ofensa a direitos da personalidade. O Relator assim se posicionou:

No tocante aos danos morais, inconteste que o atraso na entrega do imóvel não pode ser tratado como mero inadimplemento contratual, sendo paten-te a ofensa aos direitos da personalidade. [...]. Decorre do simples atraso na entrega o dano moral experimentado pelo autor, in re ipsa. Quem negocia um imóvel cria uma expectativa de grandeza a envolver toda a sua vida: o número de cômodos de acordo com a família pretendida, a localização do imóvel a reger as escolhas relativas a local de trabalho, redução dos deslocamentos usuais na época do negócio, a compra dos móveis e itens a compor os ambientes sem a difícil necessidade de seu armazenamento pela indisponibilidade do imóvel... Enfim, uma série de angústias e cons-trangimentos que em muito ultrapassam a vida cotidiana, merecendo justo reparo. [...].13

search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetic>. Acesso em: 14 jul. 2014)

13 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RELAÇÃO DE CONSUMO – INDENIZATÓRIA – INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA – RESOLUÇÃO DO CONTRATO – ATRASO DA OBRA – CUMULAÇÃO DE VERBAS INDENIZATÓRIAS – POSSIBILIDADE – 1. Pretende o autor a resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, em razão de atraso no cronograma da obra, com devolução integral das parcelas, ressarcimento pelos lucros cessantes, indenização por dano moral, além da multa decorrente da cláusula penal moratória. 2. A ré atribui a culpa pelo inadimplemento contratual a motivos de força maior. 3. Sentença de procedência, a qual determina a resolução do contrato, assim como condena a ré ao pagamento das verbas indenizatórias postuladas. Apelo da parte ré. Requer a improcedência total dos pedidos. 4. A rescisão contratual buscada pelo autor não é contestada pela ré que, entretanto, alega motivos de força maior. 5. A inexecução da obrigação se deu por culpa da construtora. Correta a condenação da ré ao pagamento da multa contratual moratória constante da nona cláusula contratual. 6. A cláusula penal moratória tem a finalidade de coagir o contratante a cumprir a sua prestação no tempo pactuado. Possibilidade de cumulação com indenização por danos morais. 7. Incidência de lucros cessantes pela falta de utilização do imóvel, já que o autor deixou de ganhar o que poderia, em vista da mora da ré. Possibilidade de cumulação dos lucros cessantes com as demais verbas indenizatórias. 8. Dano moral corretamente fixado. Ofensa aos direitos da personalidade razoabilidade e proporcionalidade. Precedentes desta Corte. Sentença que se mantém integralmente. Recurso a que se nega seguimento nos termos do art. 557 do CPC.” (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 0380205-86.2010.8.19.0001, 24ª Câmara Cível Consumidor, Rel. Des. Peterson Barroso Simão, Julgado em: 14.06.2014. Disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004484CD9A4D79EBA518ABB96262731CD2BC50315261C63>. Acesso em: 14 jul. 2014)

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Segundo Anderson Schreiber, “os direitos de personalidade consistem em atributos essenciais da pessoa humana, cujo reconhecimento jurídico re-sulta de uma continua marcha de conquistas históricas”. Explica o autor que, no passar dos últimos séculos, os direitos de personalidade foram abordados, tratados, sob diferentes perspectivas, com distintas denominações. A Assem-bleia Constituinte francesa, em 1789, referiu-se aos Direitos do Homem e do Cidadão, a Declaração da Nações Unidas, a seu turno, utilizou-se da expres-são Direitos Humanos; já a Constituição Federal brasileira adotou a expressão Direitos e Garantias Fundamentais14.

Como visto, existe uma variedade de expressões: direitos humanos, di-reitos fundamentais e direitos da personalidade. Mas Anderson Schreiber ponde-ra que esta ampla variedade não deve ser objeto de confusões. Todas essas designações destinam-se a considerar os atributos da personalidade humana dignos da tutela jurídica. Assim, o que muda é apenas o plano em que a per-sonalidade se manifesta. Então, direitos humanos é expressão mais utilizada no plano internacional, independentemente do modo que como os Estados nacionais regulem a matéria. Direitos fundamentais, a seu turno, são utilizados normalmente para designar direitos positivados da constituição de determi-nado país. Por último, a expressão direitos de personalidade é utilizada como menção aos atributos do ser humano, e que exigem a proteção especial no campo das relações privadas, ou seja, entre particulares, não obstante en-contrar fundamento constitucional e também proteção nas esferas nacional e internacional15.

Violados os direitos de personalidade, a reparação por danos imateriais tem o seu lugar. Portanto, além de direitos apreciáveis economicamente, exis-tem outros inerentes à pessoa, e a ela conectado de forma perpétua e, como se não bastasse, direitos inalienáveis. A personalidade é o primeiro bem jurídico que pertence ao ser humano, destinando-se, também, ao resguardo da digni-dade da pessoa humana, inclusive, também, contra terceiros16.

Quanto aos direitos de personalidade e os danos imateriais, segundo o Superior Tribunal de Justiça, “o dano moral é resultado de lesão aos direitos da personalidade, isto é, à honra, à imagem, à integridade física, ao nome, à liberdade de pensamento, entre outros. Trata-se de direitos indisponíveis,

14 SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 13.15 Idem, p. 13.16 LUTZKY, Daniela Courtes. A reparação de danos imateriais como direito fundamental. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 73-74.

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isto é, intransmissíveis e inalienáveis”. Em relação à questão da intransmissi-bilidade assim se pronunciou o Relator:

É certo que essa intransmissibilidade é relativa, pois o impedimento é de que o titular abra mão de seu direito em caráter permanente ou total. Po-rém, pode ceder seu exercício (não sua titularidade) em caráter parcial e transitório. Entretanto, ainda nessa situação, é o próprio titular que, por ato próprio, pode fazer a cessão.17

17 “EMENTA: RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – CONTA CONJUNTA – CHEQUES FRAUDULENTOS – DESCONTO IRREGULAR – INSCRIÇÃO DO NOME DO CORRENTISTA NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – EXECUÇÃO – PENHORA DE BENS – ESTORNO DOS VALORES PELA INSTITUIÇÃO FINAN-CEIRA – QUITAÇÃO DADA POR UM DOS CORRENTISTAS – REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS PLEITEADA PELO OUTRO – POSSIBILIDADE – DIREITOS DA PERSONALIDADE – INDISPONIBILIDADE POR ATO DE OUTREM – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS

1. A conta conjunta é modalidade de conta de depósito à vista, com a peculiaridade de ter mais de um titular. Nela, como é próprio desse tipo de conta, o dinheiro dos depositantes fica à disposição deles para ser sacado a qualquer momento. Nesse passo, os titulares da conta são credores solidários da instituição financeira em relação aos valores depositados. Trata-se, assim, de solidariedade ativa no que respeita à movimentação dos valores em conta.

2. Retirados irregularmente valores da conta-corrente mantida pelos cônjuges, ambos são credores solidários da instituição financeira em relação à quantia subtraída, podendo qualquer deles dar quitação relativa ao ressarcimento dos valores, nos moldes do art. 900 do Código Civil de 1916.

3. No caso em análise, o banco se cingiu a estornar as quantias dos correntistas. Nesse contexto, a quitação dada ao banco por um dos correntistas a só esse fato se refere, ao dano material, buscando o co-correntista agora apenas a reparação por danos morais, nada requerendo quanto aos valores descontados irregularmente e restituídos pelo banco.

4. A alegação de que o documento firmado pela esposa do recorrido isenta o recorrente de responsabilidade quanto aos danos morais ocorridos, não encontra respaldo sequer na ordem cronológica dos fatos.

5. O dano moral é resultado de lesão aos direitos da personalidade, isto é, à honra, à imagem, à integridade física, ao nome, à liberdade de pensamento, entre outros. Trata-se de direitos indisponíveis, isto é, intransmissíveis e inalienáveis.

6. É certo que essa intransmissibilidade é relativa, pois o impedimento é de que o titular abra mão de seu direito em caráter permanente ou total. Porém, pode ceder seu exercício (não sua titularidade) em caráter parcial e transitório. Entretanto, ainda nessa situação, é o próprio titular que, por ato próprio, pode fazer a cessão.

7. Assim, não poderia a esposa do recorrido, por ato próprio, renunciar ao direito de o marido exigir reparação pelos danos à honra por ele experimentados.

8. Não há similitude fática entre os arestos confrontados a amparar a interposição do recurso pela alínea “c” do permissivo constitucional.

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Daniela Courtes Lutzky refere que os estágios da reparação de danos levam, principalmente, à manutenção da harmonia e do equilíbrio que orien-tam o direito. Em decorrência disso, é que não se mostra possível, até os dias atuais, estabelecer-se uma teoria unitária e permanente da responsabilidade civil. De tal sorte que sugere a autora uma tentativa de nova roupagem à re-paração de danos, mais forte e mais segura, com base e fundamento na Cons-tituição Federal. E tal raciocínio leva à conclusão de que aquele que causa dano à personalidade do outro tem de cumprir com a sua parte, inclusive em decorrência da proteção à dignidade humana, ressaltando, ainda, a aplicabi-lidade imediata dos direitos da personalidade como direito fundamental18.

2 pRessupOstOs dA RespOnsAbilidAde CiVil

Para podermos cogitar da possibilidade de discussão acerca da trans-missibilidade, ou não, dos danos extrapatrimoniais, em decorrência de deter-minado ato ilícito, é preciso, necessariamente e em primeiro lugar, sabermos se existe o dever de reparar.

De modo que o estudo, mesmo que breve, dos pressupostos da res-ponsabilidade civil revelam-se imperiosos. O art. 186 do Código Civil19 dire-ciona-nos para o princípio do neminem laedere, ou seja, o dever geral de não lesar a ninguém. O referido dispositivo aponta, então, para os pressupostos da responsabilidade civil, a saber: a) conduta humana (positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) nexo de causalidade20.

2.1 Conduta

Apenas o homem, seja por si seja pela pessoa jurídica, pode ser civil-mente responsável, eis que o núcleo fundamental relativo à conduta humana é a voluntariedade, “que resulta exatamente da liberdade de escolha do agen-

9. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 669914/DF, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, Julgado em: 25.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1308254&sReg=200400806586&sData=20140404&formato=HTML>. Acesso em: 14 jul. 2014)

18 LUTZKY, Daniela Courtes. A reparação de danos imateriais como direito fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 198-199.

19 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

20 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2015. p. 69.

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te imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”21. De tal sorte que22,

nesse contexto, fica fácil entender que a ação (ou omissão) humana volun-tária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou nega-tiva (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo.

Portanto, a consciência daquilo que se está a fazer, e não necessaria-mente a intenção de causar o dano. Nesse sentido o seguinte exemplo23:

Por isso, não se pode reconhecer o elemento “conduta humana”, pela au-sência do elemento volitivo, na situação do sujeito que, apreciando um raríssimo pergaminho do século III, sofre uma micro-hemorragia nasal e, involuntariamente, espirra, danificando seriamente o manuscrito. Seria inadmissível, no caso, imputar ao agente a prática de um ato voluntário. Restará, apenas, verificarmos se houve negligência da diretoria do museu por não colocar o objeto em mostruário fechado, com a devida segurança, ou, ainda, se o indivíduo violou normas internas, caso em que poderá ser responsabilizado pela quebra desse dever, e não pelo espirro em si.

A conduta propriamente dita pode, ainda, classificar-se em positiva e negativa. A primeira revela-se por meio de um comportamento ativo, a se-gunda guarda a relação com uma abstenção que venha a causar dano. Mas a voluntariedade deve estar presente em ambas24.

Deve ser alertado que, para além da responsabilidade civil por ato próprio, existem caso em que o Código Civil reconhece a denominada res-ponsabilidade indireta, ou seja, para os casos de ato de terceiro25, fato de

21 Idem, p. 73.22 Idem, p. 73.23 Idem, p. 73-74.24 Idem, p. 75.25 “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício

do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por

dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

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animal26 e fato da coisa27. Todavia, alertam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que, mesmo para essas hipóteses, não se pode cogitar da ausência de voluntariedade, haja vista que “ocorreriam omissões ligadas a deveres jurídicos de custódia, vigilância ou má eleição de representantes, cuja responsabilização é imposta por norma legal”28.

2.2 dolo e culpaMaria Helena Diniz leciona que decorre da culpa a regra geral do dever

de ressarcir em decorrência da prática de ato ilícito, sendo reprovado o com-portamento do agente quando “[...] ante circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente. Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa”. Conclusão: inexistindo a culpa, em regra, ausente o dever de reparar o dano29.

As pessoas devem, em seu agir, serem cautelosas e diligentes, de tal sorte que a inobservância de um dever de cuidado torna a conduta dolosa ou culposa, e essas que revelam, na verdade,

uma deficiência e exprimem um juízo de reprovabilidade sobre uma con-duta, pois em face das circunstâncias específicas do caso, o agente devia e podia ter agido de outro modo”. Há conduta inadequada aos padrões sociais, ou seja, um desvio de conduta, quando “uma pessoa prudente e cautelosa não teria praticado ou não teria deixado ocorrer.30

Arnoldo Wald e Brunno Pandori Giancoli apresentam as diferenças ne-cessárias entre dolo e culpa31:

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”

26 “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.”

27 “Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”

28 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2015. p. 75-76.

29 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 29. ed. São Paulo: Atlas, v. 7, 2015. p. 57.

30 WALD, Arnoldo; GIACOLI, Brunno Pandori. Direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2012. p. 119.

31 Idem, p. 120.

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[...] resulta da clássica distinção romana entre delito e quase delito. O delito era entendido como uma violação intencional de uma norma de conduta. Já o quase delito resultava de uma ato de uma pessoa, operando sem malí-cia, mas com negligência não escusável, em relação ao direito alheio.

Dolo e culpa se relacionam a uma atuação voluntária e reprovável de um determinado agente. Ocorre que, no dolo, a conduta nasce ilícita, porquan-to a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico. Já na culpa a conduta só se torna ilícita na medida em que se desviou dos pa-drões social ou tecnicamente adequados.

Por fim, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho defendem que a culpa não é elemento essencial da responsabilidade civil, e sim aci-dental, mesmo que o art. 186 do Código Civil traga as expressões “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”. O fundamento vem con-substanciado na responsabilidade objetiva, eis que prescinde da análise da existência da culpa para a sua configuração32.

A referida responsabilidade objetiva referida supra vem amparada no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, e vem fundamentada na teoria do risco ou, então, quando a lei prever33.

Bruno Miragem assim ensina sobre a responsabilidade subjetiva e ob-jetiva34:

No caso, prevê-se a imputação da responsabilidade subjetiva, na qual a presença do elemento culposo é requisito essencial, e a responsabilidade objetiva, na qual se prescinde da culpa, na exata medida em que deverá ser prevista expressamente na legislação.

2.3 dano

Arnoldo Wald e Brunno Pandori Giancoli ensinam que a palavra dano

vem etimologicamente do vocábulo latino demere, que significa tirar ou di-minuir. O dano, assim entendido, é a pedra angular para a configuração da responsabilidade civil; de tal sorte que determinada conduta, mesmo que

32 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2015. p. 70.

33 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, v. 2, 2014. p. 484-486.

34 MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no direito privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 126.

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irregular, que não acarrete prejuízo concreto, não autoriza a responsabili-dade, ocorrendo, no máximo, a invalidade do ato.35

Todavia, os autores supracitados alertam que existe a possibilidade de responsabilidade civil sem dano, para os casos de cláusula penal36 acertadas em contrato, pelo caso de inadimplemento, mesmo que esse não tenha oca-sionado qualquer dano37.

O seu conceito pode se entendido em uma perspectiva física e jurídica38:

Do ponto de vista físico significa o aniquilamento ou alteração de uma situa ção favorável de um indivíduo ou grupo num determinado espaço--tempo. Já do ponto de vista jurídico ele se verifica em razão da inobservân-cia de uma norma, a qual, para conceder um efeito favorável ao prejudica-do, estabelece um determinado comportamento.

De forma que a conclusão que se chega a respeito do dano como sendo “a lesão a um interesse jurídico tutelado (com efeito patrimonial ou não) cau-sado por uma conduta de um agente imputável”39.

Todavia, para ser entendido como indenizável, necessária a conjuga-ção de quatro requisitos: a) violação de um interesse jurídico protegido: ou seja, a diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou não; b) certeza: somente o dano certo, efetivo, é indenizável, afastando-se, como consequência, obrigações de indenizar por danos abstratos ou hipotéticos (verifica-se a sua certeza por meio da sua existência); c) subsistência: deve subsistir no momento em que é exigido (assim, se se foi reparado pelo res-ponsável, o prejuízo é subsistente, mas se foi pela vítima, a lesão subsiste pela quantia reparada, mesmo que paga por um terceiro, que se sub-rogará no direito do prejudicado); por fim, d) imediatidade do dano: a regra, pelo art. 403 do Código Civil, é que somente devem ser indenizados os danos di-retos e imediatos, ressalvada a hipótese de danos reflexos ou por ricochete40, que abordaremos mais adiante.

35 WALD, Arnoldo; GIACOLI, Brunno Pandori. Direito civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2012. p. 85.

36 “Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.”37 WALD, Arnoldo; GIACOLI, Brunno Pandori. Direito civil: responsabilidade civil. 2. ed.

São Paulo: Saraiva, v. 7, 2012. p. 85.38 Idem, p. 86.39 Idem, p. 87.40 Idem, p. 88-87.

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2.4 dano imaterial

Maria Helena Diniz leciona que o dano imaterial traduz-se em uma “[...] lesão de interesses não patrimoniais de pessoa natural ou jurídica (CC, art. 52; Súmula nº 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo”. Ainda, é impor-tante asseverar que o caráter patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo lesado, mas sim dos efeitos da lesão. É que o prejuízo em face de determinado bem jurídico econômico pode ocasionar “perda de ordem moral, e da ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial pode originar dano material”41.

Portanto42:

O dano moral é, na verdade, lesão ao direito da personalidade. Deveras, “o dano moral indenizável não pressupõe necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou sofrimento” (Enunciado nº 444 da V Jornada de Direito Civil).

Assim, a angústia, a dor, o vexame, a humilhação, por exemplo, não são os danos extrapatrimoniais propriamente ditos, mas sim “o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espíritos consti-tuem o seu conteúdo, ou melhor, a consequência do dano”43.

2.5 nexo de causalidade

Orlando Gomes, ao ensinar sobre o nexo causal, referia que, “para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ato (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal”. Por-tanto, revela-se necessário, para fins de indenização, que o dano seja conse-quência de quem o produziu44.

Paulo Nader adverte que não são suficientes para a caracterização do ato ilícito “a conduta antijurídica, a culpa ou o risco e dano”. É de igual rele-vância a presença da relação de causa e efeito entre a conduta e o dano causa-

41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 29. ed. São Paulo: Atlas, v. 7, 2015. p. 108-110.

42 Idem, p. 111.43 Idem, p. 111.44 GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Atual. Evaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

p. 79.

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do, ou seja, que os prejuízos sofridos tenham como consequência da ação ou da omissão do agente, esta em contrariedade ao dever jurídico45.

Partindo-se do pressuposto que deva existir a relação de causalidade entre a conduta e o dano, deve-se apurar qual o fato decisivo, determinante, para o evento lesivo quando acontecem várias causas, de forma sucessivas ou, então, simultâneas. Três teorias são colocadas: a) equivalência das condi-ções; b) causalidade adequada; c) causalidade imediata46.

Para a teoria da equivalência das condições, qualquer fato que tenha contribuído para o dano pode ser entendido como causa eficiente do dano, ou seja, mesmo que não seja a causa imediata, é condição sine qua non para a produção do evento lesivo. A crítica a tal teoria é a de que “é por demais abrangente levando a uma cadeia infindável de causas, sem qualquer lógica de entendimento razoável”47. A teoria da causalidade adequada, por sua vez, considera a “causa do dano o fato idôneo a produzi-lo”. Assim, ou a causa é adequada à produção do dano indenizável ou não48. Já a teoria da causalida-de imediata prevê que se excluam os danos remotos, cujos efeitos são diretos e imediatos, nos termos, inclusive, do art. 403 do Código Civil49. Esta teoria também é, segundo Álvaro Villaça Azevedo, denominada de teoria dos da-nos diretos e imediatos50.

2.6 prova do dano imaterial

Leciona Humberto Theodoro Júnior que o dano moral pressupõe uma lesão, ou seja, a dor, e que se passa na esfera psíquica do ofendido, de tal sorte que não se exige do ofendido a prova de semelhante evento. A sua verificação permeia campo cuja atividade probatória não chega; todavia, tal afirmação não autoriza que a vítima possa obter a reparação apenas com uma simples afirmação em juízo que suportou o dano moral. Assim, o ato danoso ocorrido

45 NADER, Paulo. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 7, 2014. p. 111-112.

46 GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Atual. Evaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 79.

47 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil: direito civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 253.

48 Idem, p. 253.49 GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Atual. Evaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

p. 80.50 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil: direito civil.

12. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 253.

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é integrante da causa de pedir, sendo ônus do autor a prova. Comprovado o fato alegado, o juiz, segundo as experiências da vida, analisará a circunstância também em relação à natural lesividade psicológica; todavia, a ponderação é pela não exigência de uma prova direta. Inclusive alerta Humberto Theodoro Júnior que “não será evidentemente, com atestados médicos ou com o depoi-mento de duas ou três testemunhas, que se demonstrará a dor, o sofrimento, a aflição [...]. Admissível, por conseguinte, que o dano moral seja demonstrado por meio de presunções hominis”51.

Na falta de regras jurídicas particulares à prova dos danos imateriais, o juiz poderá aplicar as máximas de experiência previstas pelo art. 335 do Código de Processo Civil. De forma que, em conclusão, a indenização por danos extrapatrimoniais não depende de uma prova direta da dor psíquica suportada pela vítima a sua esfera dos direitos de personalidade. O que deve restar adequadamente comprovada é a violação. Humberto Theodoro Júnior, no ponto, exemplifica com a situação da inscrição do nome do de-vedor, pelo credor, em cadastro restritivo de crédito. Caso não provada a legitimidade da inscrição, ou seja, a existência da dívida, surge a pretensão para a indenização, circunstância esta que, diante do fato violador e da sua ilicitude, autoriza a devida compensação, sendo desnecessária a prova do prejuízo em concreto52.

3 legitimAdOs e indeteRminAÇÃO de OFendidOs

Sergio Cavalieri Filho, ao tratar do tópico em questão, é firme ao dizer que não se discute que toda e qualquer pessoa que alega ter sofrido deter-minado dano tenha legitimidade para o ajuizamento de ação indenizatória. Todavia, questão importante colocada pelo autor e que, segundo ele, nem a lei, nem a doutrina e nem a jurisprudência apresentam solução definitiva, guarda relação quanto ao limite de ofendidos que podem pleitear pelo dano. E assim completa53:

Até que grau um parente pode pleitear indenização por esse dano em ra-zão da morte de familiar? Irmãos, primos, tios? E o amigo íntimo, teria legi-timidade? Os fãs de um artista ou atleta famoso também teriam? Ainda que sejam milhões? Não há que se negar que todos sofrem intensamente com a

51 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 7. ed. São Paulo: Del Rey, 2010. p. 142.52 Idem, p. 146-47.53 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas,

2014. p. 118.

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perda de alguém querido, mas só por isso todos terão direito à indenização por dano moral? Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo sofrerá intensamente.

Enfrentando a questão suscitada supra, há quem entenda que a repa-ração pelos danos imateriais não se submete a nenhuma regra sucessória ou previdenciária, eis que não pode haver uma hierarquia em relação ao direito dos lesados. Contudo, Sergio Cavalieri Filho alerta que o direito, por ser for-mado por conjunto de normas lógicas, não pode levar ao absurdo, e, como solução, aponta para o princípio da razoabilidade. Assevera o mestre que o Código Civil português tem regra expressa, em seu art. 496º, nº. 2, sugerindo que tal disposição pode ser utilizada como norte para a solução do proble-ma. Assim, no caso de morte da vítima, o direito à indenização por danos extrapatrimoniais cabe, conjuntamente, aos descendentes da vítima. Na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que o representam54.

Em que pese a legislação brasileira silenciar a respeito dos legitimados, Sergio Cavalieri Filho sugere que seja aplicada a norma do art. 948, inciso II, do Código Civil55, embora esta não faça referência aos danos imateriais, para aqueles que tinham estreita relação com a vítima, como o cônjuge, a compa-nheira, os filhos, os pais e os irmãos menores que viviam sob o mesmo teto. Para reforçar a aplicação deste dispositivo, também são trazidos os arts. 12, parágrafo único56, e 2057, também da legislação referida58.

54 Idem, p. 118.55 “Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: [...] II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a

duração provável da vida da vítima.”56 “Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e

reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida

prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”

57 “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

58 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 118.

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Sérgio Cavalieri Filho entende como razoável em relação aos legitima-dos para ação de reparação de danos imateriais, em decorrência da presun-ção iuris tantum quanto ao referido dano, o cônjuge, a companheira, os filhos, os pais e os irmãos menores da vítima. De modo que, além destas pessoas indicadas, quaisquer outras, parentes ou não, devem provar o dano moral sofrido em decorrência dos fatos lesivos ocorridos em face de terceiros. Inclu-sive, a dependência econômica não é requisito, para os casos, por exemplo, de indenização decorrente do falecimento da irmã, ou seja, possuem os ir-mãos legitimidade para a ação59. José de Aguiar Dias tem posição idêntica em relação aos sujeitos ativos da ação de reparação, ou seja, em primeiro lugar, figuram os parentes mais próximos da vítima, isto é, os herdeiros, ascenden-tes e descendentes, o cônjuge e as pessoas diretamente atingidas pelo seu de-saparecimento, assim, não há qualquer dificuldade em relação aos parentes próximos. Todavia, a problemática, a dúvida, inicia-se quando se afastam as pessoas desse círculo de relações, eis que àqueles tanto os danos materiais como imateriais presumem-se60.

Em relação a determinadas pessoas, não se trata de qualquer prejuízo que será indenizado, mesmo em decorrência da morte de alguém, por via indireta. Existe um limite para a pretensão. Mas um dos grandes problemas da responsabilidade civil surge em se saber, exatamente, quem pode exercer o direito de ação em decorrência de determinado ato lesivo. O art. 186 do Có-digo Civil não distingue as pessoas prejudicadas, além de obrigar à reparação aquele que causou o dano. De modo que, da leitura do dispositivo menciona-do, a ação de reparação de danos caberia a qualquer pessoa vítima de dano61.

Mas e a questão em relação à legitimidade dos pais em decorrência de danos imateriais ocorridos ao filho, concomitante a este, em decorrência de sinistro? Sérgio Cavalieri indaga a respeito e responde pela legitimidade também dos pais, com julgamento do Superior Tribunal de Justiça, neste sen-tido62, caso discutido no REsp 122.573/PR)63.

59 Idem, p. 119.60 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

p. 892.61 Idem, p. 893.62 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas,

2014. p. 119.63 “[...] No caso em exame, segundo o relato da inicial, a vítima teve o seu corpo atingido

em três lugares, daí resultando risco de vida, havendo permanecido por quarenta e oito horas em estado comatoso e hospitalizado durante sete dias, sofrendo duas paradas

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3.1 Dano por ricochete ou dano reflexo64

É correta a afirmação que, além da própria vítima de determinado evento danoso, outras pessoas poderão postular a condenação à reparação por danos extrapatrimoniais. Entre elas, Carlos Roberto Gonçalves menciona os herdeiros, o cônjuge ou a companheira, os membros da família, ligados por laços afetivos. De tal sorte que, para os danos morais, sejam de forma di-reta ou indireta, mostra-se possível a titulação jurídica para demandas desta natureza. Assim, titulares diretos são aqueles atingidos de frente pelos refle-xos danosos; já, para os indiretos, são os que sofrem esses efeitos, mas por consequência. Como exemplo dos danos indiretos temos a morte do pai que provoca dano moral ao filho; o ataque lesivo à mulher, e que pode ofender o marido65.

O chamado dano por ricochete ou rélféchis, com base em um elo jurí-dico afetivo, este mantido com a vítima direta de determinado dano, vem a tutelar o lesado indireto, traduzindo tal circunstância na defesa da respectiva moralidade, seja familiar, seja pessoal, ou outra ainda. Como se não bastasse, trata-se de iure próprio que o interessado defende nestes tipos de ações. Outros exemplos trazidos pela doutrina são os de danos morais a empregados, por fatos que atingem ao empregador; danos a sócio de uma sociedade que pode alcançar a outro sócio, e assim por diante. Todavia, Carlos Roberto Gonçalves alerta que tanto a doutrina quanto a jurisprudência limitam os legitimados para estes tipos de demandas, até o quarto grau, em caso de parentesco66.

O autor suprarreferido menciona doutrina de Carlos Alberto Bittar em relação ao tema, nestes termos:

cardíacas. Ainda estaria dependendo de tratamento médico, afetado psicologicamente pelo ocorrido. Tenho como inquestionável que tais padecimentos por que passou causaram intensa aflição aos pais. Não carece de ser demonstrado que o risco de vida e os males infligidos ao filho acarretaram sério sofrimento aos pais, representando dano moral. E esse merece ser reparado, nada importando que a vítima direta esteja igualmente pleiteando indenização. Não se trata aqui, ademais, daquelas hipóteses em que se pretende alargar de modo indiscutível o número daqueles a que se reconhece direito à reparação. A pretensão é de seus pais, que são pessoas mais próximas do ofendido, que é solteiro.” (RSTJ 115/275-275)

64 Quanto ao presente tópico, sugerimos a leitura de nossa publicação: “A legitimidade ativa e a possibilidade de arbitramento do chamado dano por ricochete em relação a terceiro atingido diante de conduta ilícita de autor de crime em face de sua esposa” (Revista Jurídica, n. 403, p. 125-135, maio/jun. 2011).

65 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2013. p. 387.

66 Idem, p. 387.

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Assentaram-se, depois de inúmeros debates na doutrina, certas posições, como as de filhos e cônjuges, em relação ao pai e ao marido, ou vice-versa; de companheiros, em relações estáveis; de noivos, sob compromisso for-mal; de credores e de devedores, em certos contratos, como por exemplo, acidentes que impossibilitem a satisfação de débitos; de empregados e em-pregadores, e outros, especialmente, a partir da jurisprudência francesa, em que se colocaram essas inúmeras questões.67

A jurisprudência, a seu turno, em que pese entender, quanto aos danos morais, que a compensação por dano moral é devida, via de regra, a tão so-mente à vítima, o próprio ofendido, “tanto a doutrina quanto à jurisprudên-cia tem admitido a possibilidade dos parentes do ofendido e a esse ligados afetivamente, postularem, conjuntamente com a vítima compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo”68.

67 Idem, p. 387.68 “EMENTA: ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

– INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – LEGITIMIDADE DO FILHO E ESPOSA DA VÍTIMA – MARIDO E PAI TETRAPLÉGICO – ESTADO VEGETATIVO – DANO MORAL REFLEXO – ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS – INOCORRÊNCIA – PREMISSAS, EXPRESSAMENTE, ASSENTADAS NA CORTE LOCAL – PRECEDENTES: AGRG-ARESP 104.925/SP, REL. MIN. MARCO BUZZI, DJE 26.06.2012; AGRG-AG 1.413.481/RJ, REL. MIN. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJE 19.03.2012; E RESP 1.041.715/ES, REL. MIN. MASSAMI UYEDA, DJE 13.06.2008 – AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. Não obstante a compensação por dano moral ser devida, em regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto à jurisprudência tem admitido a possibilidade dos parentes do ofendido e a esse ligados afetivamente, postularem, conjuntamente com a vítima compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo.

2. Trata-se de hipótese de danos morais reflexos, ou seja, embora o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores.

3. No caso em apreço, não pairam dúvidas que a esposa e o filho foram moralmente abalados com o acidente que vitimou seu esposo e pai, atualmente sobrevivendo em estado vegetativo, preso em uma cama, devendo se alimentar por sonda, respirando por traqueostomia e em estado permanente de tetraplegia, sendo que a esposa jamais poderá dividir com o marido a vicissitudes da vida cotidiana de seu filho, ou a relação marital que se esvazia, ou ainda, o filho que não será levado pelo pai ao colégio, ao jogo de futebol, ou até mesmo a colar as figurinhas da Copa do Mundo.

4. Dessa forma, não cabe a este Relator ficar enumerando as milhões de razões que atestam as perdas irreparáveis que sofreram essas pessoas (esposa e filho), podendo qualquer um que já perdeu um ente querido escolher suas razões, todas poderosamente dolorosas;

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Importante referir que esses tipos de demanda, também consideradas ações em cascata, impõe um requisito, qual seja, determinada intimidade, pessoal ou negocial, na relação entre o lesado e os terceiros interessados. Ain-da, não existe solidariedade entre os envolvidos. De modo que a cada um corresponde o seu direito, de forma independente. O autor do dano, por sua vez, pode ser demandado separadamente. Exemplo deste caso é a pluralida-de de vítimas. Mas pode sim ser perfeitamente cabível o litisconsórcio ativo; entretanto, cada demandante faz jus à indenização compatível com a sua po-sição, com as suas circunstâncias peculiares69.

Mais uma vez podemos observar a aplicação prática dos conceitos tra-zidos anteriormente em relação aos danos por ricochete. No primeiro caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar demanda envolvendo pedido de danos imateriais por omissão de prestação de serviço público, cuja Po-lícia Militar, ao ser chamada para intervir, mas restou omissa, em caso de violência por ex-namorado em mulher, que culminou com a morte dela, con-cedeu indenização aos irmãos da vítima. Ainda, ressaltou o Relator que, em decorrência do mesmo fato, também foram indenizados a mãe e o padrasto da vítima70. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por sua vez, também

o julgamento de situações como esta não deve ficar preso a conceitos jurídicos ou pré-compreensões processuais, mas leva em conta a realidade das coisas e o peso da natureza da adversidade suportada.

5. Esta Corte já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais indiretos ou reflexos, sendo irrelevante, para esse fim, até mesmo a comprovação de dependência econômica entre os familiares lesados. Precedentes: REsp 1.041.715/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 13.06.2008; AgRg-AREsp 104.925/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 26.06.2012; e AgRg-Ag 1.413.481/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19.03.2012.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Superior Tribunal de Justiça, AgRg-REsp 1212322/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em: 03.06.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1326925&sReg=201001669787&sData=20140610&formato=HTML>. Acesso em: 11 jul. 2014)

69 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2013. p. 388.

70 “EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – DANO MORAL – FALTA DE SERVIÇO – OMISSÃO DO PODER PÚBLICO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE SEGURANÇA PÚBLICA – OCORRÊNCIA – Polícia Militar que optou por não atender chamado de cidadã agredida e ameaçada de morte pelo ex-namorado. Mulher mutilada e assassinada a golpes de facão, poucas horas depois da chamada para o ‘190’. Hipótese, ademais, na qual a vítima e sua genitora registraram ocorrência de agressão e ameaça, em Delegacia de Polícia, na noite anterior ao homicídio, sem que fossem tomadas outras providências pela polícia civil. Risco à vida da vítima conhecido com antecedência pelos órgãos da segurança pública e que poderia ter sido

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determinou condenação por danos extrapatrimoniais, em ricochete, à mãe de criança vítima de disparos em ação policial, em decorrência do falecimento da daquela71.

Mas como vimos pelo entendimento da doutrina, no sentido dos legi-timados para as ações de danos indiretos ou por ricochete, a questão da afe-tividade é requisito essencial para a sua admissão. A jurisprudência também tem por base tal critérios, conforme podemos concluir do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. A Corte concedeu indenização pelo dano em ri-cochete, mas considerando que “ligados à vítima por laços afetivos, próximos e comprovadamente atingidos pela repercussão dos efeitos do evento danoso na esfera pessoal”72.

minimizado ou evitado. Autores irmãos da falecida. Legitimidade para pleitear a indenização. Caso em que já foram indenizados o padrasto e a mãe da ofendida, pelo mesmo fato. Indenização também devida aos irmãos, que sofreram abalo emocional com o evento. Dano moral. Reflexo ou indireto, também denominado ‘por ricochete’. Arbitramento em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para cada um dos irmãos, com juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso, nos termos da Súmula nº 54 do STJ, e correção monetária desde a data do arbitramento, nos termos da Súmula nº 362 do STJ, acrescidos das verbas da sucumbência. Inaplicabilidade da Lei nº 11.960/2009. Sentença de improcedência do pedido, reformada. Recurso dos autores provido para este fim.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 0007535-93.2012.8.26.0572, 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Djalma Lofrano Filho, Julgado em: 09.04.2014. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=7504131&cdForo=0&vlCaptcha=dsaaw>. Acesso em: 15 jul. 2014)

71 “EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – AÇÃO POLICIAL – PERSEGUIÇÃO A SUSPEITOS DE PRÁTICA DE CRIME – DISPAROS – LESÕES EM UMA CRIANÇA – NEXO CAUSAL COMPROVADO – DANOS MORAIS – INDENIZAÇÃO – DANO MORAL REFLEXO OU POR RICOCHETE – CONSTATAÇÃO – CABIMENTO – VALOR COMPATÍVEL COM O DANO CAUSADO – 1. É consabido que o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros por seus agentes, conforme dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Para configurar tal responsabilidade basta a demonstração do nexo causal entre o evento e o dano, sendo despicienda a comprovação de culpa ou dolo por parte da Administração Pública. 2. Comprovado que a ofensa à integridade física, em decorrência de ação policial civil durante perseguição a supostos criminosos, tanto basta para definir a responsabilidade do Estado. 3. Não se pode dizer que a conduta dos policiais se deu no estrito cumprimento do dever legal, diante da gravidade das lesões experimentadas pelo autor. 4. Mãe da criança que sofreu ofensa à integridade física e tornou-se dependente de cuidados deve ser indenizada por dano moral reflexo ou por ricochete. 5. Observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade em sua fixação, mantém-se o valor da indenização estabelecido na sentença. 6. Apelação e remessa necessária conhecidas e não providas.” (Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Apelação Cível nº 2011011001094-3, 3ª Turma Cível, Rel. Des. Silva Lemos, Julgado em: 15.05.2014. Disponível em: <http://juris.tjdft.jus.br/docjur/792793/793723.Pdf>. Acesso em: 15 jul. 2014)

72 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO

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4 disCussÃO ACeRCA dA (in)tRAnsmissibilidAde dOs dAnOs imAteRiAis: CORRentes

Orlando Gomes afirma que a lei

abre uma exceção à regra geral de que o direito à indenização pertence uni-camente a quem sofreu diretamente o dano. Quando a vítima falece, admi-te que a indenização seja pleiteada pelos que viviam sob a sua dependência econômica. De regra, a legitimação ativa limita-se aos herdeiros da vítima, mas a restrição é censurável.73

A doutrina apresenta três posicionamentos a respeito da matéria, ou seja: a) corrente que entende pela intransmissibilidade dos danos imateriais; b) a corrente que se posiciona pela transmissibilidade, denominada de trans-missibilidade condicionada; c) a corrente que se manifesta pela transmissibi-lidade incondicionada74. A seguir, vamos tratar uma a uma.

Em relação à corrente que entende pela intransmissibilidade dos da-nos extrapatrimoniais, Léon Mazeaud dizia que “o herdeiro não sucede no sofrimento da vítima”. Portanto, é direito personalíssimo a honra subjetiva, extinguindo-se com a morte. Outro argumento neste sentido é o de que a personalidade morre com o indivíduo, só havendo direitos quanto aos bem materiais. Portanto, não se mostra razoável, aos adeptos desta corrente, ad-

INDENIZATÓRIA – MORTE DA VÍTIMA – ELETROCUSSÃO – IRMÃO DA VÍTIMA – INDENIZAÇÃO – CABIMENTO – REVISÃO DO VALOR

1. A jurisprudência desta Corte se orienta no sentido de que ‘é devida, no caso, aos genitores e irmãos da vítima, indenização por dano moral por ricochete ou préjudice d’affection, eis que, ligados à vítima por laços afetivos, próximos e comprovadamente atingidos pela repercussão dos efeitos do evento danoso na esfera pessoal’ (REsp 876.448/RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe de 21.09.2010).

2. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Superior Tribunal de Justiça, 4ª Turma, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, Julgado em: 25.03.2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1307766&sReg=201400119841&sData=20140331&formato=HTML>. Acesso em: 11 jul. 2014)

73 GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Atual. Evaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 89.

74 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 120.

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mitir-se que o sofrimento da vítima se estenda aos herdeiros, e estes façam suas as dores de quem já partiu, ajuizando ação contra o responsável com o objetivo de indenização pela dor alheia. Portanto, para esta posição, inviável a compensação em face do ofensor do dano à vítima, ante à ilegitimidade para tanto75.

Vamos à segunda corrente, denominada de transmissibilidade condi-cionada. Nestes casos, quando a vítima do dano imaterial vem a falecer no curso da ação que ajuizou, devem os herdeiros tomarem curso da ação, eis que se tratam de direitos patrimoniais, em razão do conteúdo econômico da reparação por danos morais, que resta configurado. De tal sorte que, inevi-tavelmente, transmite-se aos sucessores. Todavia, situação diferente é aquela que se apresenta quando a vítima dos danos imateriais vem a falecer antes do ajuizamento da correspondente demanda76.

Em relação à terceira e última posição, ou seja, a da transmissibilidade incondicionada, de início, Sérgio Cavalieri Filho adverte que, para esta espé-cie, há equívoco quanto a sua interpretação. E a justificativa para tanto é no sentido de que o que se transmite, na verdade, não é o dano moral, mas sim a correspondente indenização77.

José de Aguiar Dias é taxativo ao afirmar que “só se pode pedir repara-ção do dano pelo próprio reclamante sofrido. Não é admissível ação por par-te de outrem que não aquele que sofreu o prejuízo”. O referido autor exem-plifica a seguinte situação: pai que venha a sofrer incapacidade de trabalho, na condição de chefe de família. O ato lesivo desta circunstância reflete-se em prejuízos à esposa e aos filhos, eis que restaram privados de seu sustento. Portanto, a ação que essas pessoas ajuízam, em que pese o ato lesivo ter sido em face do pai, dá-se em nome próprio, ou seja, a irresignação tem por base o dano que sofreram, e não o contra o que aconteceu para com o genitor78.

4.1 Jurisprudência do superior tribunal de Justiça acerca do tema

A nossa preocupação acerca do tema desdobra-se, também, na aplica-ção prática dos conceitos, sob a ótica da jurisprudência. Portanto, entende-

75 Idem, p. 120-121.76 Idem, p. 121.77 Idem, p. 121.78 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

p. 895.

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mos como fundamental a análise de julgamentos, no sentido de elucidar e enaltecer ainda mais a discussão.

Deste modo, dividimos as decisões naquelas em que se discute: a) a ocorrência do falecido no curso da ação e os legitimados; b) a extinção do direito a dos danos imateriais em decorrência da morte do titular; c) a legiti-midade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido.

4.2 Ocorrência do falecido no curso da ação e os legitimados

A primeira hipótese é a mais simples de ser analisa. O Superior Tribu-nal de Justiça pacificou a questão quando ocorre o falecimento do ofendido, no curso da ação a qual figurava como parte. O caso tratou de pretensão à indenização por dano moral, eis que o autor da ação foi algemado e agredido em praça pública por policiais militares, fato que lhe causou profunda de-pressão e perturbação, dependendo de acompanhamento médico constante. O Tribunal de origem extinguiu o feito com base no art. 267, inciso VI, do Código de Processo, eis que restou entendido que,

por conseguinte, é dano que diz respeito ao foro íntimo da pessoa lesada. [...]. Não podem, pois os herdeiros do autor habilitar-se nos autos para re-tomada da ação por substituição processual. E como consequência, a ação é extinta pela extinção do direito do autor no curso da ação (art. 462, c/c art. 267, VI, do Código de Processo Civil).

Assim, a reforma da decisão em comentário foi no sentido “de que o direito de prosseguir na ação de indenização por ofensa à honra transmite-se aos herdeiros”79.

79 “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – AÇÃO PROPOSTA PELO OFENDIDO – FALECIMENTO DO TITULAR NO CURSO DA AÇÃO – LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES – TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO – ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CON-SO LIDADO – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO

1. A Corte Especial deste Tribunal firmou o entendimento de que, embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio e os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus (AgRg-EREsp 978.651/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 10.02.2011).

2. Agravo regimental desprovido.” (Superior Tribunal de Justiça, AgRg-AREsp 195026/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em: 27.11.2012. Disponível em:

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No mesmo sentido a orientação da Corte gaúcha. Em que pese ressal-tado “que não há falar em intransmissibilidade da ação por danos morais, quando o falecimento do demandante ocorre no curso da demanda, a preten-são de extinção do feito sem julgamento de mérito é descabida”. E continuou o Relator: “Isso porque o falecimento do demandante, no curso da demanda, não inviabiliza a transmissão do direito de ação aos sucessores, que podem prosseguir no feito, em defesa dos interesses da vítima falecida, inclusive no que diz respeito aos danos morais”80.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao apreciar demanda pos-tulando condenação por danos imateriais, cuja discussão envolveu obrigações em relação a plano de saúde, entendeu que o falecimento da autora da ação, no curso desta, não obsta a habilitação dos herdeiros no feito, nestes termos:

Relevante destacar ser possível a transmissão do direito ao recebimento da indenização por danos morais aos herdeiros, de acordo com o art. 943 do Código Civil, mesmo porque, o evento danoso se deu antes do óbito da

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1196996&sReg=201201314828&sData=20121203&formato=HTML>. Acesso em: 28 mar. 2014)

80 “EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO – FALECIMENTO DO DEMANDANTE POSTERIORMENTE À INTERPOSIÇÃO DO APELO PELO DEMANDADO – PEDIDO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO – TRANSMISSIBILIDADE DOS DANOS MORAIS – 1. Em que pese o julgador estar submetido ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, no caso dos autos, a questão suscitada posteriormente ao apelo não poderia ter sido levantada na referida ocasião, porquanto oriunda de fato superveniente (falecimento do demandante). Considerando que o acórdão embargado não abordou referida questão, expressamente, necessário o acolhimento dos embargos, para saneamento da omissão. Porém, considerando que não há falar em intransmissibilidade da ação por danos morais, quando o falecimento do demandante ocorre no curso da demanda, a pretensão de extinção do feito sem julgamento de mérito é descabida. 2. O julgador não está obrigado a rebater todos os dispositivos legais eventualmente incidentes, bastando invocar aqueles suficientes para fundamentar a decisão, exatamente o caso. Embargos de declaração acolhidos em parte.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Embargos de Declaração nº 70015001886, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em: 25.05.2006. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70015001886%26num_processo%3D70015001886%26codEmenta%3D1437170+intransmissibilidade+dos+danos+morais+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70015001886&comarca=Comarca+de+Alegrete&dtJulg=25-05-2006&relator=D%E1lvio+Leite+Dias+Teixeira>. Acesso em: 11 jul. 2014)

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paciente, logo, não se identifica a ausência de legitimidade ativa, estando presentes as condições da ação.81

4.3 extinção do direito a danos imateriais em decorrência da morte do titular

Existe discussão no sentido, como já trazido anteriormente, sobre a pos-sibilidade de que o espólio e os herdeiros, mesmo após o falecimento do ofen-dido, possam ajuizar ação de danos morais. A decisão foi no sentido de que,

embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio e os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus.82

81 “Ementa: Obrigação de fazer, cumulada com indenização por danos morais. Herdeira da autora tem legitimidade para figurar no polo ativo da lide, ante a condição de sucessora da segurada falecida. Transmissibilidade do direito à verba reparatória por prejuízos extrapatrimoniais. Plano de assistência médico-hospitalar. Relação de consumo caracterizada. Paciente necessitava de tratamento pelo sistema home care. Médico responsável indicara a referida medida. Seguradora que se predispôs a ‘cuidar de vidas’ deveria proporcionar o indispensável em prol da segurada. Óbices apresentados pela recorrente configuram descaso. Danos morais se fazem presentes, ante a aflição psicológica sofrida pela requerente, que foi alastrada pelo comportamento inadequado da requerida. Verba reparatória compatível com as peculiaridades da demanda. Apelo desprovido.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 1001166-83.2013.8.26.0361, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Natan Zelinschi de Arruda, Julgado em: 24.04.2014. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=7519940&cdForo=0>. Acesso em: 12 jul. 2014)

82 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR DA HERANÇA APÓS O SEU FALECIMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO CONFIGURADA – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA, CELERIDADE E INSTRUMENTALIDADE

1. A Corte Especial deste Tribunal firmou o entendimento de que, ‘embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio e os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus’ (AgRg-EREsp 978.651/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 10.02.2011).

2. Sustenta o agravante que, no caso, o espólio não detém legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais, tendo em vista que a inclusão indevida do nome do titular do direito nos cadastros de restrição ao crédito ocorreu após o seu falecimento, razão pela qual não há que se falar em transmissibilidade do direito à reparação patrimonial devida.

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No mesmo sentido o julgamento do AgRg-EREsp 978651/SP83.

Já neste acórdão por parte do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o caso tratou de ação de indenização por danos morais em decorrência de emissão de cheques com assinatura falsa. Restou decidido que são devidos danos extrapatrimoniais ao correntista, nestes casos, em razão do risco da atividade. Todavia, em decorrência de o espólio da vítima do dano ter ajui-zado a demanda, esta foi extinta, sem julgamento de mérito, haja vista que caracterizada a sua ilegitimidade ativa. É que, segundo as razões de decidir,

O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara.84

3. Todavia, não lhe assiste razão, pois, ainda que o dano moral pleiteado pela família do falecido constitua direito pessoal dos herdeiros, não transmitido por herança, o que afastaria a legitimidade do espólio para pleiteá-lo, eventual extinção do processo, nesse caso, representaria ofensa aos princípios da economia, celeridade e instrumentalidade, na medida em que a simples alteração dos nomes dos autores supriria tal vício. Precedentes.

4. Agravo regimental improvido.” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 1126313/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, Julgado em: 28.08.2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1173204&sReg=200900417559&sData=20120917&formato=HTML>. Acesso em: 28 mar. 2014)

83 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – DANO MORAL – FALECIMENTO DO TITULAR – AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA – TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO – ENTEN - DIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO – SÚMULA Nº 168/STJ

A posição atual e dominante que vigora nesta col. Corte é no sentido de embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. Incidência da Súmula nº 168/STJ.

Agravo regimental desprovido.” (Superior Tribunal de Justiça, AgRg-EREsp 978651/SP, Corte Especial, Rel. Min. Felix Fischer, Julgado em: 15.12.2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1030532&sReg=200900760521&sData=20110210&formato=HTML>. Acesso em> 28 mar. 2014)

84 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – CHEQUE COM ASSINATURA FALSIFICADA – FRAUDE QUALIFICADA – INDIFERENÇA – RISCO DO EMPREENDIMENTO – RESPONSABILIDADE DO BANCO INDEPENDENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA – DANOS MORAIS VERIFICADOS – Deve responder civilmente o banco que efetuou a compensação do cheque não emitido pelo correntista, porquanto sua responsabilidade por danos decorrentes de sua atividade é objetiva. Aplicação da teoria do risco do negócio. DANOS MORAIS – INTRANSMISSIBILIDADE

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4.4 legitimidade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido

O Superior Tribunal de Justiça julgou caso que debateu questão contro-vertida no sentido de se os pais poderiam propor ação, postulando indeniza-ção por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido. Na hipótese, restou decidido que

embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspon-dente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um “bem” capaz de integrar o patrimô-nio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indeniza-ção por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada.85

DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS – ILEGITIMIDADE DO ESPÓLIO, NESSE CASO, DE PLEITEAR A REPARAÇÃO PELOS DANOS MORAIS – O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara. Apelos desprovidos. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70032013427, 9ª Câmara Cível, Relª Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em: 25.11.2009. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70032013427%26num_processo%3D70032013427%26codEmenta%3D3262615+intransmissibilidade+dos+danos+morais+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70032013427&comarca=Comarca+de+Porto+Alegre&dtJulg=25-11-2009&relator=Iris+Helena+Medeiros+Nogueira>. Acesso em: 11 jul. 2014)

85 “EMENTA: RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – OFENDIDO FALECIDO – LEGITIMIDADE DOS SUCES - SORES PARA PROPOR AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À REPARAÇÃO

1. Na hipótese dos autos, o filho dos recorridos, em abordagem policial, foi exposto a situação vexatória e a espancamento efetuado por policiais militares, o que lhe causou lesões corporais de natureza leve e danos de ordem moral. A ação penal transitou em julgado. Após, os genitores da vítima, quando esta já havia falecido por razões outras, propuseram ação de indenização contra o fato referido, visando à reparação do dano moral sofrido pelo filho.

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2. A questão controvertida consiste em saber se os pais possuem legitimidade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido.

3. É certo que esta Corte de Justiça possui orientação consolidada acerca do direito dos herdeiros em prosseguir em ação de reparação de danos morais ajuizada pelo próprio lesado, o qual, no curso do processo, vem a óbito. Todavia, em se tratando de ação proposta diretamente pelos herdeiros do ofendido, após seu falecimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui orientações divergentes. De um lado, há entendimento no sentido de que ‘na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam’ (REsp 302.029/RJ, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ de 01.10.2001); de outro, no sentido de que ‘os pais – na condição de herdeiros da vítima já falecida – estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos [...]’. Isso, porque ‘o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, v. 71/183)’ (REsp 324.886/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001).

4. Interpretando-se sistematicamente os arts. 12, caput e parágrafo único, e 943 do Có - digo Civil (antigo art. 1.526 do Código Civil de 1916), infere-se que o direito à indenização, ou seja, o direito de se exigir a reparação de dano, tanto de ordem material como moral, foi assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança. Isso, porque o direito que se sucede é o de ação, que possui natureza patrimonial, e não o direito moral em si, que é personalíssimo e, portanto, intransmissível.

5. José de Aguiar Dias leciona que não há princípio algum que se oponha à transmissibilidade da ação de reparação de danos, porquanto ‘a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima’ (Da responsabilidade civil, v. II, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 854).

6. Como bem salientou o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no julgamento do REsp 11.735/PR (2ª Turma, DJ de 13.12.1993), ‘o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima’.

7. ‘O sofrimento, em si, é intransmissível. A dor não é ‘bem’ que componha o patrimônio transmissível do de cujus. Mas me parece de todo em todo transmissível, por direito hereditário, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra o seu ofensor. Tal direito é de natureza patrimonial. Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pág. 46, esclarece: ‘O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores’’ (PORTO, Mário Moacyr, Revista dos Tribunais, v. 661, p. 7/10).

8. ‘O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue

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Por último, este julgamento analisou possibilidade de esposa e filha ajuizarem ação de danos morais após o falecimento da vítima, autorizando a transmissibilidade aqui analisada. Restou consignado que o dano moral, decorrente de agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade, etc.), só a vítima pode sofrer, e, enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. O que se extingue, então, é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indeni-zação. Perpetrado o dano (moral ou material, não importa) contra a vítima

– repita-se – é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indenização. Perpetrado o dano (moral ou material, não importa) contra a vítima quando ainda viva, o direito à indenização correspondente não se extingue com sua morte. E assim é porque a obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação de indenizar o dano patrimonial – no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre o dano moral e patrimonial. Nesse mesmo momento, também, o correlativo direito à indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim, se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização’ (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 7. ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 85/88).

9. Ressalte-se, por oportuno, que, conforme explicitado na r. sentença e no v. acórdão recorrido, ‘o finado era solteiro e não deixou filhos, fato incontroverso comprovado pelo documento de fl. 14 (certidão de óbito), sendo os autores seus únicos herdeiros, legitimados, pois, a propor a demanda’ (fl. 154). Ademais, foi salientado nos autos que a vítima sentiu-se lesada moral e fisicamente com o ato praticado pelos policiais militares e que a ação somente foi proposta após sua morte porque aguardava-se o trânsito em julgado da ação penal.

10. Com essas considerações doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se concluir que, embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um ‘bem’ capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada.

11. Recurso especial do Estado de São Paulo conhecido, mas desprovido. RECURSO ESPECIAL ADESIVO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO 1. A falta de indicação do dispositivo infraconstitucional tido por violado inviabiliza o

conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 284/STF. 2. É inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial

quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano nos termos previstos no art. 255, §§ 1º, 2º e 3º, do RISTJ, e no art. 541, parágrafo único, do CPC.

3. Recurso especial adesivo não-conhecido.” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 978651/SP, 1ª Turma, Relª Min. Denise Arruda, Julgado em: 17.02.2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=857908&sReg=200701596666&sData=20090326&formato=HTML>. Acesso em: 15 jul. 2014)

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quando ainda viva, o direito à indenização correspondente não se extingue com a sua morte. E assim é porque a obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação de indenizar o dano pa-trimonial – no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre o dano moral e patrimonial. Nesse mesmo momento, também, o corre-lativo direito à indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim, se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização86.

COnClusÃO

A questão da legitimidade ativa para as ações de danos imateriais aqui tratadas e estudadas deve ser, entendemos assim, analisadas com o maior

86 “EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DANO MORAL SOFRIDO POR PESSOA QUE VEM A FALECER ANTES DE INICIADA A AÇÃO – LEGITIMIDADE ATIVA DA ESPOSA E DA FILHA – DIREITO À INDENIZAÇÃO DE NATUREZA PATRIMONIAL – TRANSMISSIBILIDADE – ABSOLVIÇÃO POR NÃO-CONFIGURAÇÃO DE AUTORIA – CONCLUSÕES DA ORIGEM – RECURSO QUE SUSTENTA QUE A ABSOLVIÇÃO SE DEU EM RAZÃO DE FALTA DE PROVAS – VIOLAÇÃO AO ART. 126 DA LEI Nº 8.112/1990 – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DESTA CORTE SUPERIOR – DANOS MORAIS – VALOR FIXADO – REVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7 DO STJ – QUANTIA NÃO MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL

1. Em primeiro lugar, é pacífico no âmbito da Primeira Seção o entendimento segundo o qual o direito de pleitear indenização por danos morais tem, em si, caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível à esposa e à filha do de cujus ofendido. Precedentes.

2. Em segundo lugar, para acolher os argumentos da União no sentido de que a absolvição foi feita por ausência de provas, haver-se-ia de contrariar, com revolvimento de matéria fático-probatória, a análise da origem – segundo a qual a absolvição se deu em razão da não-configuração de autoria de crime –, o que esbarra no óbice da Súmula nº 7 desta Corte Superior.

3. Em terceiro e último lugar, é pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a quantia estipulada a título de danos morais, quando atende aos critérios de justiça e razoabilidade, não pode ser revista, em razão do óbice da Súmula nº 7 desta Corte Superior. Precedentes.

4. A quantia fixada nos autos (R$ 120.000,00) não é manifestamente desarrazoada ou desproporcional, atendendo aos critérios de justiça (indenização pleiteada por herdeiros em razão de demissão fundada em conduta criminosa que, ao fim, revelou-se não ter sido da autoria do de cujus).

5. Agravo regimental não provido.” (Superior Tribunal de Justiça, AgRg-Ag 1122498/AM, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Julgado em: 13 out. 2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=919549&sReg=200802562089&sData=20091023&formato=HTML>. Acesso em: 28 mar. 2014)

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cuidado pelo julgador. Em que pese a doutrina ter referido a presunção iuris tantum em relação a determinadas pessoas ligadas à vítima (um contrato, afeto, por exemplo), os danos extrapatrimoniais estão no ápice de nosso or-denamento jurídico, ou seja, são previstos constitucionalmente e, ainda, tem a qualidade de direitos fundamentais. E sob esse aspecto, esse viés e essa previsão constitucional, é que trazemos as lições de Bruno Miragem quando o autor discorre sobre os direitos fundamentais, sustentando a sua importân-cia, sendo ou não relevantes constitucionalmente, mas sim por “ter um núcleo de significado que o remete à proteção e promoção da integridade do ser humano”87. Portanto, a legitimidade ou ilegitimidade deve ser criteriosamente analisada pelo juiz, eis que se busca, por determinada pessoa que diz ter relação com a vítima do dano, a devida compensação pelo ato lesivo, sentida no seu psico-lógico, ou, então, ainda, no sentido da preservação da imagem, por exemplo, daquele que já faleceu.

Relevante trazer julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca da transmissibilidade dos danos imateriais. Na decisão, a Relatora faz uma distinção sobre a doutrina que não a autoriza bem como da que autoriza, mencionando, inclusive, a posição do Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

[...] Parcela doutrinária entende que, pela qualidade de personalíssimo, o direito ao dano moral não poderia ser transmitido aos sucessores, justa-mente porque dor e sofrimento são sentimentos íntimos e, por isso, hu-manamente impossível que terceiro – ainda que próximo – experimente as mesmas sensações do titular. Logo, a reparação não poderia ser buscada pelo cônjuge ou pelos descendentes. Tal magistério decorre da previsão do art. 11 do Código Civil que estabelece serem os direitos de personali-dade intransmissíveis. No entanto, entendimento mais atual e que, parece--me, vem a cimentar a divergência doutrinária e jurisprudencial até então existente, compactua com a possibilidade de os herdeiros ou sucessores buscarem do eventual culpado a reparação pelos danos extrapatrimoniais sofridos diretamente pelo de cujus. Essa erudição decorre de o direito de ação, de titularidade do falecido, compor o campo de “patrimônios” que este detinha quando do óbito, consubstanciando-se, pois, em direito patri-monial e não pessoal. O art. 943 do Código Civil positiva a possibilidade

87 MIRAGEM, Bruno. Abuso do direito: ilicitude objetiva e limite ao exercício de prerrogativas jurídicas no direito privado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 202.

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quando estatui que o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmite-se com a herança [...].88

88 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – RESPONSABILIDADE CIVIL – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – LEGITIMIDADE ATIVA – TRANSMISSIBILIDADE HEREDITÁRIA DE DIREITO PESSOAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – QUEDA DE PACIENTE IDOSA DE MACA DENTRO DE HOSPITAL – TRAUMATISMO CRANIANO – SEQUELA TEMPORÁRIA – ALEGAÇÃO DE FALECIMENTO LIGADO À QUEDA – DELIMITAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR – AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL COM A MORTE – DISSABORES DECORRENTES DO FATO – DANO VERIFICADO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE – 1. Ação em que a pretensão perpassa pelo dano ocorrido em virtude do falecimento, mas também por todos os dissabores experimentados pela falecida quando em vida. Causa de pedir ampla. 2. A relação entre hospital e paciente configura, a toda evidência, relação de consumo, de tal modo que responde a entidade hospitalar, na forma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, objetivamente pelos danos causados aos pacientes e seus familiares, por defeito na prestação de serviço. 3. A prova dos autos demonstrou que o evento morte não decorreu das seqüelas oriundas da queda, mas sim de outras patologias suportadas pela paciente. No entanto, verificados diversos problemas de saúde decorrentes do impacto da cabeça com o chão, gerando traumatismo craniano e hematoma encefálico que resultaram na necessidade de intervenção cirúrgica. 4. Responsabilidade de indenizar. Inexistência de qualquer das excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do art. 14 do Código de defesa do Consumidor. 5. Dano moral in re ipsa, que dispensa a comprovação de sua extensão, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. No caso concreto, resta ainda mais evidenciada a ocorrência de danos morais, uma vez que em decorrência do serviço médico deficiente prestado pelo réu, a paciente teve seus últimos períodos de vida agravados por mais uma moléstia de saúde. 6. Consideradas as circunstâncias do caso e os parâmetros deste Colegiado, tenho por bem fixar o montante indenizatório em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), pelos danos sofridos pela falecida. Correção pelo IGPM desde a fixação e juros desde o evento danoso. 7. Danos materiais. Obrigação de ressarcir. Delimitação temporal para configuração destes, uma vez que as diversas internações foram decorrentes de outras patologias. 8. Denunciação da lide. Réu que trouxe ao bojo dos autos sua seguradora. Contrato que exclui expressamente a indenização em casos como o presente. Improcedência mantida. 9. Sucumbência redimensionada. Apelo parcialmente provido. Unânime.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70060327533, 9ª Câmara Cível, Relª Desª Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em: 16.07.2014. Disponível em: <http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70060327533%26num_processo%3D70060327533%26codEmenta%3D5855666+direito+do+consumidor+e+denuncia%C3%A7%C3%A3o+da+lide+e+seguradora&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70060327533&comarca=Comarca+de+Garibaldi&dtJulg=16-07-2014&relator=Iris+Helena+Medeiros+Nogueira>. Acesso em: 22 jul. 2014)

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Como se não bastasse, julgamento do Superior Tribunal de Justiça re-força e finaliza a questão da possibilidade da transmissão dos danos imate-riais, com as necessárias ponderações e diferenças vistas neste trabalho89.

89 “EMENTA: RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – OFENDIDO FALECIDO – LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES PARA PROPOR AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À REPARAÇÃO

1. Na hipótese dos autos, o filho dos recorridos, em abordagem policial, foi exposto a situação vexatória e a espancamento efetuado por policiais militares, o que lhe causou lesões corporais de natureza leve e danos de ordem moral. A ação penal transitou em julgado. Após, os genitores da vítima, quando esta já havia falecido por razões outras, propuseram ação de indenização contra o fato referido, visando à reparação do dano moral sofrido pelo filho.

2. A questão controvertida consiste em saber se os pais possuem legitimidade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido.

3. É certo que esta Corte de Justiça possui orientação consolidada acerca do direito dos herdeiros em prosseguir em ação de reparação de danos morais ajuizada pelo próprio lesado, o qual, no curso do processo, vem a óbito. Todavia, em se tratando de ação proposta diretamente pelos herdeiros do ofendido, após seu falecimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui orientações divergentes. De um lado, há entendimento no sentido de que ‘na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam’ (REsp 302.029/RJ, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, DJ de 01.10.2001); de outro, no sentido de que ‘os pais – na condição de herdeiros da vítima já falecida – estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos [...]’. Isso, porque ‘o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, v. 71/183)’ (REsp 324.886/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001).

4. Interpretando-se sistematicamente os arts. 12, caput e parágrafo único, e 943 do Código Civil (antigo art. 1.526 do Código Civil de 1916), infere-se que o direito à indenização, ou seja, o direito de se exigir a reparação de dano, tanto de ordem material como moral, foi assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança. Isso, porque o direito que se sucede é o de ação, que possui natureza patrimonial, e não o direito moral em si, que é personalíssimo e, portanto, intransmissível.

5. José de Aguiar Dias leciona que não há princípio algum que se oponha à transmissibilidade da ação de reparação de danos, porquanto ‘a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima’ (Da responsabilidade civil, v. II, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 854).

6. Como bem salientou o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no julgamento do REsp 11.735/PR (2ª Turma, DJ de 13.12.1993), ‘o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima’.

7. ‘O sofrimento, em si, é intransmissível. A dor não é ‘bem’ que componha o patrimônio transmissível do de cujus. Mas me parece de todo em todo transmissível, por direito

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O que se transmite, assim, não são os danos extrapatrimoniais sofri-dos em vida e que se extinguem com a morte, mas sim o caráter patrimonial

hereditário, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra o seu ofensor. Tal direito é de natureza patrimonial. Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pág. 46, esclarece: ‘O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores’’ (PORTO, Mário Moacyr, Revista dos Tribunais, v. 661, p. 7/10).

8. ‘O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue – repita-se – é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indenização. Perpetrado o dano (moral ou material, não importa) contra a vítima quando ainda viva, o direito à indenização correspondente não se extingue com sua morte. E assim é porque a obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação de indenizar o dano patrimonial – no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre o dano moral e patrimonial. Nesse mesmo momento, também, o correlativo direito à indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim, se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização’ (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 85/88).

9. [...]. 10. Com essas considerações doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se concluir que, embora

o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um ‘bem’ capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada.

11. Recurso especial do Estado de São Paulo conhecido, mas desprovido. RECURSO ESPECIAL ADESIVO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO 1. A falta de indicação do dispositivo infraconstitucional tido por violado inviabiliza o

conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 284/STF. 2. É inviável a apreciação de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial

quando o recorrente não demonstra o suposto dissídio pretoriano nos termos previstos no art. 255, §§ 1º, 2º e 3º, do RISTJ, e no art. 541, parágrafo único, do CPC.

3. Recurso especial adesivo não-conhecido.” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 978651/SP, 1ª Turma, Relª Min. Deise Arruda. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=857908&num_registro=200701596666&data=20090326&formato=HTML>. Acesso em: 26 nov. 2014)

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que integra o patrimônio de quem, em vida, sofreu o ato ilícito. Conclusão: transmite-se aos herdeiros, causa mortis. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo:

O herdeiro não sucede por sofrimento da vítima. Não seria razoável ad-mitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo sua dor a do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado na dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede ao direito de ação que o morte, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores.

ReFeRÊnCiAs

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Penal

A AudiÊnCiA de CustódiA, O COnselhO nACiOnAl de JustiÇA e Os pACtOs

inteRnACiOnAis de diReitOs humAnOsrômulo de andrade moreira

Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador –

Unifacs na Graduação e na Pós-Graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado lato sensu pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal),

Especialista em Processo pela Universidade Salvador – Unifacs (curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da

Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito

Processual. Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro

vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado

dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras Curso Temático de Direito Processual

Penal (Curitiba, 2010) e Comentários à Lei Maria da Penha (Curitiba, 2014) (este em coautoria com Issac Guimarães), A Prisão Processual,

a Fiança, a Liberdade Provisória e as Demais Medidas Cautelares (Porto Alegre, 2011), Juizados Especiais Criminais – O Procedimento

Sumaríssimo (Porto Alegre, 2013), Uma Crítica à Teoria Geral do Processo (Porto Alegre) e A Nova Lei de Organização Criminosa

(Porto Alegre). Além de coordenador do livro Leituras Complementares de Direito Processual Penal (2008). Participante em várias obras

coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

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Segundo noticiado, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Jus-tiça do Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça lançou no dia 6 de feve-reiro de 2015, um projeto para garantir que presos em flagrante sejam apre-sentados a um Juiz de Direito, em 24 horas, no máximo.

Conforme a página do Supremo Tribunal Federal, o “Projeto Audiên-cia de Custódia” consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.

O projeto teve o seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro, após ser aprovado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conse-lho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski.

O projeto conta, ainda, com a parceria da Presidência e da Correge-doria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é presidida pelo Desembargador José Renato Nalini e tem como Corregedor--Geral da Justiça o Desembargador Hamilton Elliot Akel, além do Ministério da Justiça.

O objetivo do projeto é garantir que, em até 24 horas, o preso seja apre-sentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pú-blica ou do advogado do preso. Durante a audiência, será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

Os detalhes finais de execução do projeto estão sendo fechados entre os três órgãos e o projeto-piloto lançou no dia 6 de fevereiro de 2015, em São Paulo, com a assinatura de um termo de cooperação. O projeto-piloto foi de-senvolvido no Fórum Ministro Mário Guimarães, no bairro da Barra Funda, local para onde são encaminhados todos os autos de prisão em flagrante deli-to lavrados na capital paulista, e realizado pelo Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária.

Com efeito, a implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Inter-nacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direi-tos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica e já é utilizada

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em muitos países da América Latina e na Europa, onde a estrutura responsá-vel pelas audiências de custódia recebe o nome de “Juizados de Garantias”.

Além das audiências, o projeto prevê a estruturação de centrais de al-ternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por represen-tar ao juiz opções ao encarceramento provisório.

Antes tarde do que nunca!

Vejamos o que nos impõe, como norma supralegal, o art. 7º, 5, do Pacto de São José da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Hu-manos:

Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (grifamos)

Igualmente o art. 9º, 3, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Yorque:

Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser con-duzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. (também)

Tais normas internacionais estão incorporadas em nosso ordenamento jurídico desde o ano de 1992. Aliás, a propósito, tramita no Congresso o Pro-jeto de Lei do Senado nº 554/2011, dando a seguinte redação ao art. 306 do Código de Processo Penal:

[...]

§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos funda-

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mentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.

§ 2º Na audiência de custódia de que trata o § 1º, o juiz ouvirá o Ministério Públi-co, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra me-dida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310.

§ 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegu-rados ao preso e ao acusado.

§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.

§ 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código. (grifamos)

Não esqueçamos, outrossim, do Projeto de Lei nº 156, de 2009, em tramitação no Senado Federal, que prevê a figura do Juiz das Garantias. De acordo com o texto projetado, seria ele o “responsável pelo controle da lega-lidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário”, competindo-lhe:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;

II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 553;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;

IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;

V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;

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VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas considera-das urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e obser-vado o disposto no parágrafo único deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI – decidir sobre os pedidos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de infor-mática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 447, § 1º;

XIV – arquivar o inquérito policial;

XV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste ar-tigo. (grifo nosso)

Evidentemente, não há falar-se em suposta inconstitucionalidade da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, pois não se fere, em absoluto, o princípio constitucional da reserva legal previsto no Texto Constitucional, visto que não se está legislando sobre matéria processual, não havendo inva-são de reserva constitucional atribuída, com exclusividade, ao Poder Legisla-tivo da União, fonte única de normas processuais.

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Lembre-nos que há lei, aliás “supralei”, a autorizar a audiência de custódia! Oxalá, a iniciativa espalhe-se pelos demais Tribunais de Justiça do País, assegurando-se a integridade física dos presos em flagrante, ora “fla-grantemente” ignorada, inclusive pelo Ministério Público, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial. Ou não?

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A CRiminAlizAÇÃO dA VendA de bebidAs AlCOóliCAs pARA menORes:

mAis umA puniÇÃO AOs pObRes?Júlia de vargas Fonseca

Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina, Graduanda do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha.

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de analisar a que se destinam as leis oriundas da atual expansão do Direito Penal, espe-cialmente a Lei nº 13.106/2015, que criminalizou a venda de bebidas alcoólicas para menores. A metodologia utilizada foi uma ampla pesquisa em artigos científicos e livros, bem como a utilização das próprias leis relacionadas ao tema: a Lei nº 13.106/2015, o Decreto--Lei nº 3.688/1941 e a Lei nº 8.069/1990. Este estudo vincula-se à hipótese de que o Direito Penal tem alcançado apenas um efeito sim-bólico, qual seja, o de agradar a opinião pública. Isso porque a ocor-rência de delitos não tem diminuído e, porque o sistema punitivo atual é extremamente seletivo, punindo majoritariamente os pobres.

PALAVRAS-CHAVE: Expansão do Direito Penal; Lei nº 13.106/2015; punição aos pobres.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Lei nº 13.106/2015: da contravenção ao crime; 1.1 Aspectos históricos e o não cumprimento do princípio da intervenção mínima do Estado; 1.2 A criminalização da venda de be-bidas alcoólicas para menores; 2 O Direito Penal como instrumento de manutenção da dominação; 2.1 O porquê da expansão do Direito Penal; 2.2 Normas penais e a punição aos pobres; Considerações fi-nais; Referências.

intROduÇÃO

A situação atual do sistema carcerário brasileiro é de falência, isso porque, devido à sua precariedade, é incapaz de reeducar e de ressocializar qualquer apenado. Apesar disso, ignorando os problemas de seu sistema pri-sional, o Direito Penal brasileiro se encontra em constante expansão, crimina-lizando novas condutas e estabelecendo penas mais rigorosas para condutas delitivas já existentes. Diante deste cenário, este trabalho tem o objetivo de

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analisar a que se destinam as leis oriundas dessa expansão, em especial a Lei nº 13.106, recentemente criada, em março deste ano.

No que diz respeito à metodologia para a realização deste trabalho, foi realizada uma ampla pesquisa em artigos científicos e em livros. Os artigos foram buscados em bases de dados, pelos assuntos de que tratam, demonstra-dos pelas suas respectivas palavras-chave. Em seguida, foram selecionados os artigos úteis para a posterior leitura e análise. Ademais, foram consultadas as próprias leis relevantes para o presente estudo, como a Lei nº 13.106/2015, o Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), bem como a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Para a melhor compreensão, o trabalho foi dividido em dois capítulos. O primeiro capítulo trata da criminalização da venda de bebidas alcoólicas para os menores por meio da Lei nº 13.106 e foi subdividido em duas partes: a primeira aborda o contexto histórico de criação da lei em questão e o não cumprimento do princípio da intervenção mínima em âmbito penal; já a se-gunda aborda a lei em si, as mudanças promovidas por ela e suas caracterís-ticas. Por fim, o segundo capítulo trata do Direito Penal como instrumento de dominação e também é subdividido em duas partes, quais sejam: as motiva-ções que levaram à expansão do Direito Penal e as normas penais como uma punição destinada majoritariamente aos pobres.

1 lei nº 13.106/2015: dA COntRAVenÇÃO AO CRime

Em março de 2015 foi criminalizada a venda de bebidas alcoólicas para menores de idade. Este capítulo tratará sobre o contexto histórico da criação da Lei nº 13.106/2015 (expansão do Direito Penal), das características e do que se pode depreender desta lei.

1.1 Aspectos históricos e o não cumprimento do princípio da intervenção mínima do estado

Os princípios são preceitos universais, abstratos e aplicáveis a todo o ordenamento jurídico. O princípio da intervenção mínima no âmbito do Di-reito Penal advém das ideias iluministas de igualdade e liberdade, que possi-bilitaram a limitação da interferência estatal nas liberdades individuais, com a finalidade de proteger os direitos fundamentais do homem1. Vale ressaltar

1 VARELA, Maíra Silveira da Rocha Nowicki. O princípio constitucional da intervenção penal mínima, p. 1-3. Disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/312011.pdf>. Acesso em: 4 maio 2015.

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que, de acordo com Ferrajoli, a maior contribuição que o Iluminismo deixou ao Direito Penal foi justamente a mitigação e a minimização das penas, ideias intimamente ligadas ao princípio em questão2. Dessa forma, pode-se afirmar que a ideia da intervenção mínima em âmbito penal já é bastante aceita mun-dialmente desde o século XVIII. Trata-se de um princípio do Direito Penal, pois a pena deve ser a ultima ratio do sistema, ou seja, somente deve ser uti-lizada quando não houver nenhuma outra maneira de resolver um conflito. Apesar de isso não aparecer expressamente na Constituição Federal e no Có-digo Penal brasileiro, é considerado inerente, pois tem forte relação com o princípio da dignidade humana, expresso na Constituição Federal brasileira3.

Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli destacam a importância ainda maior da intervenção mínima em sociedades com elevado grau de desigual-dade, como é o caso do Brasil:

Ante a constatação de que em toda sociedade existe o fenômeno dual “hegemonia-marginalização”, e que o sistema penal tende, geralmente, a torná-lo mais agudo, impõe-se buscar uma aplicação das soluções punitivas da maneira mais limitada possível. Igualmente, a constatação de que a solução punitiva sempre importa num grau considerável de violência, ou seja, de irracionalidade, além da limitação do seu uso, impõe-se, na hipótese em que se deva lançar mão dela, a redução, ao mínimo, dos níveis de sua irracionalidade.4

Partindo para uma perspectiva mais atual, já próxima do contexto de criação da Lei nº 13.106/2015, vale ressaltar as propostas da reforma da Parte Geral do Código Penal de 1940, por meio da Lei nº 7.209/1984, as quais vão justamente no sentido da intervenção mínima:

A nova lei é resultado de um influxo liberal e de uma mentalidade huma-nista em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes de pe-quena relevância, evitando-se o encarceramento de seus autores por curto lapso de tempo. Respeita a dignidade do homem que delinquiu, tratado

2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 317.

3 VARELA, Maíra Silveira da Rocha Nowicki. O princípio constitucional da intervenção penal mínima, p. 1-2. Disponível em: <http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/312011.pdf>. Acesso em: 4 maio 2015.

4 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 74.

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como ser livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade como indis-pensável à responsabilidade penal.5

Contudo, a proposta de um menor encarceramento de pessoas não foi atendida, e infelizmente ocorreu justamente o contrário, tendo em vista que o aumento no número de encarcerados é alarmante a partir das décadas de 1980 e 1990. Trata-se de uma falácia a ideia de que a aplicação de instrumen-tos substitutivos resultaria na diminuição das políticas punitivistas. Inclusi-ve, a declaração oficial do Ministério da Justiça sobre os substitutos penais afirma que a “Política Nacional de Penas e Medidas Alternativas” (advinda das mudanças propostas pela Lei nº 7.209/1984 que reformou o Código Pe-nal) tem como base a valorização do princípio da intervenção mínima; entre-tanto, ao mesmo tempo, ressalta que não há motivo para que ocorra redução da aplicação da pena privativa de liberdade, já que as medidas alternativas estão sendo destinadas aos casos de infratores que dificilmente eram julga-dos e, até mesmo, investigados anteriormente. Constata-se, por meio dessa declaração, uma grande incoerência, já que não é possível a preservação da intervenção mínima se passa a existir mais punição6.

O fato é que a cultura da punição, em especial da pena privativa de liberdade, é muito forte no Brasil7. A explicação para isso se dá por meio de diversos fatores, como: a globalização, a atual sociedade de riscos, a influên-cia da mídia, a opinião e a pressão pública, a estratégia do governo, entre outros. Esses fatores serão explicados no próximo capítulo. O importante agora é a compreensão de que, ao invés do respeito à intervenção mínima, o que vivemos é uma clara e constante expansão do Direito Penal, tanto pela criminalização de novas condutas quanto pelo endurecimento de penas para condutas delitivas já existentes8.

A expansão do Direito Penal é tão expressiva que é possível afirmar que, no lugar da intervenção mínima, estamos aplicando uma importação feita dos Estados Unidos, a tolerância zero no âmbito penal. A despeito do

5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 25.6 ROSA, Alexandre Morais da; AMARAL, Augusto Jobim do. Cultura da punição: a osten-

tação do horror. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 3-9.7 Idem, p. 43.8 WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. A dimensão (des)humana do processo de expansão

do direito penal: o papel do medo no e do Direito Punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Unisinos, São Leopoldo, 2010. p. 56.

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nome autoexplicativo, Wacquant expõe que se trata de um programa de com-bate ao crime embasado na chamada “Teoria das Janelas Quebradas”, a qual defende que a desordem e o crime apresentam estreita ligação, ou seja, os grandes crimes são, em último grau, consequência da delinquência causada pelos desordeiros. Assim, o combate ao crime começa com a extinção das pequenas infrações do dia a dia. A chamada tolerância zero ficou conhecida por ter sido implementada como programa de combate à criminalidade na Cidade de Nova Iorque, na década de 19909.

Assim, dentro dessa perspectiva de adoção da política de tolerância zero, bem como, consequentemente, da expansão do Direito Penal, destaca--se, na década de 1990, a edição de leis penais reguladoras dos chamados “novos âmbitos”: Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 9.034/1995 (crime organizado), Lei nº 9.605/1998 (meio ambiente), entre outras. A tendência se manteve na década seguinte, com a criação de leis, como a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e a Lei nº 11.105/2005 (biossegurança)10. Ademais, vale ainda ressaltar a criação de leis como a Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), a qual aumentou a pena de crimes já previstos pelo Código Penal, e a Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarma-mento), que, além de prever penas elevadas, estabeleceu a inafiançabilidade dos referidos crimes11. Todas essas leis exemplificam claramente a expansão do Direito Penal, tanto pela criminalização de novas condutas quanto pelo endurecimento das penas de condutas delitivas já existentes.

1.2 A criminalização da venda de bebidas alcoólicas para menores

Seguindo esta linha de expansão do Direito Penal, em 17 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.106, que “altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adoles-

9 WACQUANT, Loïc. Crime e castigo nos Estados Unidos: de Nixon a Clinton. Revista de Sociologia e Política, Curitiba: Eleoterio, n. 13, p. 39-50, nov. 1999, p. 25.

10 MACHADO, Fábio Guedes de Paula; MOURA, Bruno. Perspectivas político-criminais e dogmáticas do direito penal no contexto da sociedade de riscos. Revista de Ciências Penais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 15, p. 357-393, [?] 2011, p. 359.

11 CALLEGARI, André Luís; WEBBER, Suelen. O mito do punir mais é melhor: reflexos da expansão do direito penal fomentada pela mídia. São Leopoldo: Unisinos, 2011. p. 8.

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cente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei das Contravenções Penais”12.

A venda de bebidas alcoólicas para menores foi considerada uma con-travenção penal desde 1941, ano de criação da Lei das Contravenções Penais, tendo como pena a prisão simples, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou mul-ta13. Contudo, desde a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, passa a haver a discussão sobre ser ou não crime a conduta em questão. Isso porque, apesar do inciso I do art. 63 da Lei das Contravenções Penais ser bastante claro quanto ao seu enquadramento como contravenção penal, a antiga redação do art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente não era igualmente clara. Segundo a redação antiga do art. 243:

Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.14

Percebe-se, portanto, que de fato a redação antiga do art. 243 dava mar-gem para discussão quanto ao enquadramento ou não das bebidas alcoólicas como “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica”. Por isso, devido a essa redação não tão clara do art. 243, autores como Zaupa, muito antes da criação da Lei nº13.106, já defendiam o enqua-dramento da venda de bebidas alcoólicas para menores como crime, isso por-que consideravam essa substância como uma das mencionadas pela redação antiga do artigo em questão15.

12 BRASIL. Lei nº 13.106, de 17 de março de 2015. Lei para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13106.htm>. Acesso em: 4 maio 2015.

13 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Dis-ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm>. Acesso em: 4 maio 2015.

14 BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de janeiro de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm>. Acesso em: 4 maio 2015.

15 ZAUPA, Fernando Martins. Fornecimento de bebida alcoólica para crianças e adolescentes é crime, jamais contravenção penal. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11748>. Acesso em: 4 maio 2015.

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Já a nova redação do art. 243 é bastante clara:

Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratui-tamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não consti-tui crime mais grave.16

Nesse sentido, Ishida, um dos poucos autores a se manifestar sobre a Lei nº 13.106, declara que a lei veio em boa hora, acabando com a discus-são que havia até então acerca da aplicabilidade do art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente para a venda de bebidas alcoólicas para menores17. Contudo, Ramidoff defende posição contrária às alterações assistemáticas do Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente as de viés repressivo--punitivo, argumentando dessa maneira:

Pois, uma coisa é certa: o processo de criminalização seletiva de condutas sociais que são consideradas desviadas pelas hegemonias político-econô-micas, por si só, não tem o condão de integralmente proteger, e, sequer, promover os interesses indisponíveis, os direitos individuais e as garantias fundamentais, enfim, as liberdades públicas especificamente destinadas à criança e ao adolescente.18

Ele ainda expõe que a promulgação da Lei nº 13.106 não foi acompa-nhada de nenhuma liberação orçamentária nem de qualquer organização es-trutural e funcional e que, ademais, sem políticas sociais públicas específicas não é possível garantir a proteção às crianças e aos adolescentes. Ramidoff se

16 BRASIL. Lei nº 13.106, de 17 de março de 2015. Lei para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13106.htm>. Acesso em: 4 maio 2015.

17 ISHIDA, Válter Kenji. A recente Lei nº 13.106, de 17 de março de 2015 e o fornecimento de bebida alcoólica a criança ou adolescente. Carta Forense, mar. 2015. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-recente-lei-n%C2%BA-13106-de-17-de-marco-de-2015-e-o-fornecimento-de-bebida-alcoolica-a-crianca-ou-adolescente/15156>. Acesso em: 4 maio 2015.

18 RAMIDOFF, Mário Luiz. Alterações Estatutárias (Lei nº 13.106/2015): criminalização, infracionalização e revogação. JusBrasil, mar. 2015. Disponível em: <http://marioluizramidoff.jusbrasil.com.br/artigos/174833457/alteracoes-estatutarias-lei-n-13106-2015>. Acesso em: 4 maio 2015.

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mostra bastante crítico à expansão do Direito Penal, alertando para a impor-tância dos sistemas alternativos de controle, os quais, segundo o autor, além de serem igualmente rigorosos, por vezes se mostram mais eficazes19.

Em concordância com Ramidoff, argumentando no sentido de que a simples criminalização de determinada conduta, ou o estabelecimento de uma pena mais rigorosa para um delito já existente, não traz maior segurança para a sociedade, nem diminui a ocorrência de delitos, Franco avaliou criticamente a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) dez anos após a sua criação. Franco revela que há poucos dados estatísticos confiáveis acerca dos efeitos das leis advindas do período de expansão do Direito Penal (que começou na década 1990 e vigora até hoje), por isso se propôs a buscar levantamentos esta-tísticos do Estado de São Paulo acerca de determinados tipos penais que pas-saram a ser classificados como hediondos com a criação da Lei nº 8.072/199020. O seu estudo o levou à conclusão de que a incidência desses delitos não foi menor no período pós Lei nº 8.072, em comparação com a década anterior. Em contrapartida, houve um exacerbado aumento na taxa de encarceramento no Estado de São Paulo, ao ponto de os estabelecimentos prisionais não serem mais suficientes, mesmo com o grande investimento estatal destinado a este setor21. Novamente em consonância com Ramidoff, Franco afirma que não há como reduzir os índices de violência sem uma intervenção estatal efetiva, com políticas públicas de conotação social22. Por fim, Franco revela:

A conclusão subsequente é a de que a Lei de Crimes Hediondos cumpriu exatamente o papel que lhe foi reservado pelos meios de comunicação so-cial, controlados pelos segmentos econômicos e políticos hegemônicos, ou seja, o de dar à população a falsa ideia de que, por meio de uma lei extre-mamente repressiva, reencontraria a almejada segurança. Os dados estatís-ticos recolhidos revelaram, de forma indesmentível, que tal diploma legal não passou, em verdade, de um conjunto de artigos de valor puramente simbólico, totalmente inócuos em relação à realidade criminal.23

Voltando à Lei nº 13.106. Após essa exposição acerca dos efeitos da Lei dos Crimes Hediondos, surgem algumas questões. Primeiramente, mesmo

19 Idem.20 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

p. 493.21 Idem, p. 500.22 Idem, p. 501.23 Idem, p. 502.

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antes da criação da Lei nº 13.106, com a discussão sobre a venda de bebidas alcoólicas para menores ser considerada crime ou contravenção penal, o fato é que a conduta em questão já era considerada ilícita. Entretanto, apesar da ilicitude, há pouquíssima jurisprudência, doutrina e processos tramitando no Judiciário sobre isso, o que sugere que essa conduta era pouco punida. Dessa forma, por que não fiscalizar e punir essa conduta como contravenção penal? Por que acreditar que a simples criminalização desta prática – sem o acompanhamento de nenhuma política social específica – resultará em uma menor ocorrência deste delito, bem como, consequentemente, em uma maior proteção à criança e ao adolescente? Tomando como base os argumentos de Ramidoff e Franco, o presente trabalho vincula-se à hipótese de que a Lei nº 13.106 não trará mais segurança para a sociedade e, ademais, de que nem sequer foi criada com esse fim. A real finalidade da Lei nº 13.106 (e de outras leis advinda do Direito Penal expansivo) será exposta a seguir.

2 O diReitO penAl COmO instRumentO de mAnutenÇÃO dA dOminAÇÃO

Para compreender o objetivo de leis como a Lei nº 13.106 é preciso, an-tes, saber quais são as motivações que levaram à expansão do Direito Penal. Após essa primeira explanação, será possível analisar a que estão servindo as normas penais e de que forma o Direito Penal está a serviço da manutenção da dominação social.

2.1 O porquê da expansão do direito penal

Tendo em vista que as motivações são fundamentais para entender a finalidade de qualquer tipo de conduta, essa seção se destinará à sua exposi-ção. Na verdade, as motivações encontram-se intimamente ligadas entre si. Contudo, começa-se pela globalização. Com o fim da Guerra Fria, no final da década de 1990, acaba a polaridade expressa pelo capitalismo estadunidense versus socialismo soviético. Assim, com a queda do socialismo, o caminho fica livre para que os Estados Unidos propaguem o seu ideal capitalista neoli-beral, caracterizado pela combinação do Estado social mínimo (pouquíssima intervenção social e econômica) com o Estado penal máximo, que tem como fundamento o ideal da tolerância zero, explicada anteriormente24.

24 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 25.

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Nesse sentido, cabe uma observação feita por Silva e Ribeiro: “A ado-ção desta política criminal, pelo Estado brasileiro, revela toda a sua dimen-são desumana, uma vez que, por suas características sócio-históricas, nossa sociedade é marcada por uma série de diferenças que necessitam de políticas públicas para corrigi-las”25.

Voltando às motivações, vale destacar um trecho da obra de Andrade:

O que está a acontecer na atual fase do capitalismo globalizado – a glo-balização neoliberal – todos sabem: desemprego estrutural, radicalização da pobreza e da exclusão social (ademais do aumento da complexidade dos problemas sociais). E é precisamente porque, em parte, os produz, e porque este tem sido o preço da expansão do capital e do mercado sem fronteiras, que não pode resolvê-los, sequer enfrentá-los diretamente. E é justamente neste vazio de respostas que se deve buscar compreender o agigantamento da resposta penal, a preferida do poder globalizado e de cuja funcionalidade passa a depender um igual agigantamento midiático na relegitimação do sistema penal (teórica e empiricamente deslegitima-do). A mídia encarrega-se de encenar, entre o misto do drama e do espe-táculo, uma sociedade comandada pelo banditismo da criminalidade, e de construir um imaginário social amedrontado. À mídia incumbe acender os holofotes, seletivamente, sobre a expansão da criminalidade e firmar o jargão da necessidade de segurança pública como senso mais comum do nosso tempo. [...].26

Percebe-se, dessa forma, o papel de destaque que a mídia ocupa na propagação da cultura de expansão do Direito Penal no atual contexto de globalização. Essa ligação entre mídia e sistema penal ocorre principalmente porque a imprensa tem uma ligação bastante estreita com os grupos econô-micos que controlam o ramo das telecomunicações, os quais, por sua vez, filiam-se à proposta neoliberal27. Assim, a propagação dos ideais capitalistas neoliberais é facilitada pela grande ajuda da mídia, que faz com que se tenha

25 SILVA, Arielson da; RIBEIRO, Kleber. A mídia e o medo: uma reflexão acerca do discurso legitimador da política de expansão do direito penal punitivo e a ameaça às garantias constitucionais. Salvador: [?], 2010. p. 6.

26 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 24.

27 WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. A dimensão (des)humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do Direito Punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Unisinos, São Leopoldo, 2010. p. 35.

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criado uma chamada sociedade global do risco, na qual as pessoas temem pela sua segurança o tempo todo devido à expansão da violência, a qual a mí-dia tem grande interesse em evidenciar. Assim, a opinião pública, que obvia-mente é bastante influenciada pelos meios de comunicação, clama por mais segurança, por mais normas penais28.

Em consonância com essas ideias, Ferreira Júnior afirma que a mídia, do final do século passado até os dias atuais, tem sido a maior propagadora do chamado movimento de “Lei e Ordem”. Os funcionários ligados a este setor, como jornalistas e apresentadores de programas de televisão e rádio, sem qualquer habilitação jurídica, criticam a legislação penal em vigor, fa-zendo uso de mecanismos persuasivos para que a população acredite que são necessárias mais leis penais e punições mais rigorosas, para que os chamados “cidadãos de bem” se vejam livres dos infratores que tanto perturbam a so-ciedade29.

A consequência dessa propagação do medo promovida pela mídia é que a opinião pública passa a exigir uma resposta dos legisladores. E a res-posta do governo se dá justamente por meio da expansão do Direito Penal, com a criminalização de novas condutas e penas cada vez mais rigorosas. Assim, a população tem a falsa ideia de que se está fazendo algo em prol da segurança pública, mesmo sem perceber uma menor incidência de delitos30. A cultura da punição ganhou tanta força que até mesmo a esquerda, que sempre viu o Direito Penal como um meio da classe burguesa dominar o pro-letariado, modificou a sua concepção, passando a enxergar o Direito Penal como uma ferramenta útil no que diz respeito ao alcance de seus ideais polí-ticos. Assim, a esquerda passou a pressionar o governo para que as questões envolvendo o meio ambiente, os trabalhadores, as mulheres, as minorias, en-tre outros, passassem a ser tuteladas pelo Direito Penal31.

28 CALLEGARI, André Luís; WEBBER, Suelen. O mito do punir mais é melhor: reflexos da expansão do direito penal fomentada pela mídia. São Leopoldo: Unisinos, 2011. p. 4-5.

29 FERREIRA JÚNIOR, José Carlos Macedo de Pinto. A ineficácia da pena privativa de liberdade e a intervenção mínima do direito penal. Justiça e Sistema Criminal, Curitiba: FAE, v. 3, n. 4, p. 189-206, jan./jun. 2011, p. 198-199.

30 WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. A dimensão (des)humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do Direito Punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Unisinos, São Leopoldo, 2010. p. 39.

31 OLIVEIRA, Rodrigo Szuecs de. Da sociedade de risco ao direito penal do inimigo: tendências de política criminal, p. 11-12. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=10421>. Acesso em: 4 maio 2015.

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A respeito disso, Bauman diz que

a construção de novas prisões, a redação de novos estatutos que multipli-cam as infrações puníveis com prisão e o aumento das penas – todas essas medidas aumentam a popularidade dos governos, dando-lhes a imagem de severos, capazes, decididos e, acima de tudo, a de que “fazem algo” não apenas explicitamente pela segurança individual dos governados mas, por extensão, também pela garantia e certeza deles – e fazê-lo de uma forma altamente dramática, palpável, visível e tão convincente.32

O problema é que o estabelecimento de penas mais rigorosas não re-solve e nem sequer diminui a criminalidade. O efeito dessa estratégia ado-tada pelo governo é somente simbólico, uma vez que agrada à população e garante votos nas eleições futuras. Assim, o governo alcança o seu objetivo de agradar a opinião pública; contudo, a população não tem a sua segurança aumentada, apenas tem uma falsa ideia disso33. Na verdade, o efeito das pe-nas mais severas é justamente o contrário, pois um jovem que comete algum furto e é preso, acaba frequentando a chamada “escola do crime” e, frequen-temente, sai da prisão profissionalizado, habilitado a praticar crimes mais graves, como homicídio e tráfico de drogas34.

Em relação a isso, Callegari e Webber fazem uma observação relevante:

Com efeito, cabe lembrar que nem a mídia e muito menos a política tem in-teresse em resolução de problemas por via administrativa. Sem espetáculo, sem audiência e sem angariação de votos. O que as pessoas querem ver é o drama alheio. É o julgamento, é a penalização dura e impiedosa.35

Diante do que foi exposto, somando-se à afirmação de Silva e Ribeiro no sentido de que: “A alquimia neoliberal transforma tudo em mercadoria: medo, segurança, insegurança, violência, a paz, a guerra, os seres ‘humanos’, a vida, etc., tudo isso tem um preço, o que logicamente significa lucro para

32 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 127.

33 BOLDT, Raphael; KROHLING, Aloísio. Entre cidadãos e inimigos: o discurso midiático e a expansão do direito penal como instrumentos de consolidação da subcidadania. Revista Mestrado em Direito, Osasco: [?], ano 10, n. 1, p. 241-261, jan./jun. 2010, p. 244.

34 CALLEGARI, André Luís; WEBBER, Suelen. O mito do punir mais é melhor: reflexos da expansão do direito penal fomentada pela mídia. São Leopoldo: Unisinos, 2011. p. 16.

35 Idem, p. 18.

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os ‘donos do poder’”36. Chega-se no resultado da dicotomia expressa por “aqueles que consomem segurança” versus “aqueles que causam inseguran-ça”. Nesse contexto, o sistema de controle social é bastante claro: a exclusão de uma parcela significativa da população que, por não ter função dentro do sistema punitivo em vigor, representa um risco constante37.

A conclusão que se pode chegar, portanto, é de que o modelo de Direi-to Penal brasileiro não está a serviço da segurança pública e nem da proteção dos direitos fundamentais da população, tampouco à prevenção de delitos. Na verdade, o que se busca é a opressão e a dominação, covardemente aplica-das contra as parcelas menos favorecidas da sociedade. Os pobres são, inclu-sive, duplamente atingidos, isso porque, além de não terem os seus direitos sociais garantidos pelo Estado, são apontados como um risco permanente, por isso devem ficar, preferencialmente, afastados por meio de penas restriti-vas de liberdade, em estabelecimentos prisionais38.

2.2 normas penais e a punição aos pobres

Na verdade, o uso do Direito Penal como instrumento de punição e de dominação das classes menos favorecidas não é uma novidade. O que vem mudando é o contexto, as motivações para que isso continue ocorrendo. Se-gundo Baratta, primeiro:

A criminalização dos grupos subalternos no Brasil – que, entre os países latino-americanos, é o mais desigual e o que está mais próximo ao passado escravista – permaneceu como um tipo de compensação à perda de pro-priedade sobre os escravos e como uma forma de manutenção da autorida-de dos proprietários sobre os libertos e seus filhos. Se antes a propriedade sobre os escravos autorizava a puni-los, torturá-los ou destruí-los, agora continua-se a punir, torturar e destruir seus descendentes para afirmar simbolicamente um tipo de propriedade sobre eles, para enfatizar sua di-versidade, para combater sua tendência natural à insubordinação.39

36 SILVA, Arielson da; RIBEIRO, Kleber. A mídia e o medo: uma reflexão acerca do discurso legitimador da política de expansão do direito penal punitivo e a ameaça às garantias constitucionais. Salvador: [?], 2010. p. 7.

37 WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. A dimensão (des)humana do processo de expansão do direito penal: o papel do medo no e do Direito Punitivo brasileiro e o disciplinamento das classes populares. 149 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Unisinos, São Leopoldo, 2010. p. 27.

38 Idem, p. 72.39 BARATTA, Alessandro. Prefácio. In: BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis:

drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2009. p. 32-33.

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Mais tarde, na chamada sociedade de produção de mercadorias, o ca-pital se reproduzia amplamente devido à máxima exploração da força de trabalho, isso quer dizer que a capacidade produtiva dos empregados das fábricas deveria ser maior do que o seu valor de troca (salário). Isso fez com que o capitalista optasse por agir de duas maneiras: controlando, dentro da fábrica, a classe trabalhadora por meio da coação relativa às necessidades econômicas e, fora da fábrica, controlando os trabalhadores marginalizados, por meio do cárcere. Logo, diz-se que o cárcere funcionava como um ins-trumento auxiliar da fábrica, disciplinando os trabalhadores marginalizados para que se comportassem como um perfeito “exército de reserva”, usando a expressão criada por Marx40.

Já, atualmente, com as novas tecnologias de produção, não se faz mais necessário disciplinar os trabalhadores marginalizados, isso porque a depen-dência do capitalismo em relação à força física é muito menor. Isso fez com que, repentinamente, uma expressiva parcela da população se tornasse su-pérflua, sem nenhuma função no sistema capitalista moderno, já que não está qualificadamente apta a trabalhar com as novas tecnologias e a força física passou a ser muito menos necessária41. A consequência de tudo isso é evi-dente: a produção em massa dos excluídos, já que com o advento desta rees-truturação econômica, eles deixam de representar uma fonte de mão de obra barata para se tornarem uma ameaça ao sistema42. Assim, se os pobres têm utilidade zero, deve-se ter, em relação a eles, “tolerância zero”. É essa lógica que explica o abandono, por parte do Estado, de qualquer tentativa de rein-tegração dos delinquentes, optando apenas por excluí-los cada vez mais43.

Nesse sentido,

40 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 495-496.41 CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. Medo, direito penal e

controle social: o paradigma da segurança cidadã e a criminalização da pobreza em faze do processo de expansão do direito punitivo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 18, n. 87, p. 277-297, nov./dez. 2010, p. 283.

42 SILVA, Arielson da; RIBEIRO, Kleber. A mídia e o medo: uma reflexão acerca do discurso legitimador da política de expansão do direito penal punitivo e a ameaça às garantias constitucionais. Salvador: [?], 2010. p. 5.

43 CALLEGARI, André Luís; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezorzi. Medo, direito penal e controle social: o paradigma da segurança cidadã e a criminalização da pobreza em faze do processo de expansão do direito punitivo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 18, n. 87, p. 277-297, nov./dez. 2010, p. 294.

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demonstra-se assim, que o novo pensamento criminológico bem traduz a lógica de substituição das instituições de assistência típica de um Estado de Bem-Estar Social por instituições penais, o que transforma o sistema penal em um instrumento de criminalização dos estratos mais pobres da socie-dade, os quais, pela sua condição socioeconômica e pelo tipo de criminali-dade cometida, colocam em risco, aos olhos da classe detentora do poder econômico, a paz e a ordem social. O objetivo da “hipertrofia” do controle da criminalidade por meio da utilização do Direito Penal, nesse contex-to, é justamente garantir a segurança daqueles que participam ativamente da sociedade de consumo, de forma a livrá-los da presença indesejável da pobreza que incomoda por ser inconveniente aos desígnios do capital e que, por isso, precisa ser constantemente vigiada, controlada e, sempre que possível, punida.44

Dessa forma, chega-se novamente à dicotomia expressa por “aque-les que consomem segurança” versus “aqueles que causam insegurança”. E torna-se claro que a criação de leis como a Lei nº 13.106 e muitas outras, que poderiam ser citadas caso esse fosse o objeto de estudo, são suficientes para demonstrar que a aplicação do Direito Penal tem sido maximizada, contan-do, inclusive, com características de Direito Penal do inimigo, isso porque a punição está voltada ao autor do ato, e não ao ato em si45. O Direito Penal do inimigo, de Jakobs, é justamente voltado para o autor do ato ilícito, deixando de considerá-lo um cidadão para se tornar um inimigo. E isso, simplesmente, porque o autor desrespeita as leis por vontade própria46. Essa rotulação de inimigo, inclusive, está inserida na própria concepção de poder punitivo, por parte dos que detêm o poder. Vale ressaltar, contudo, que não são denomi-nados inimigos somente quem comete crimes graves, essa rotulação também serve para os chamados “criminosos indesejáveis”, como autores de peque-nos furtos, por exemplo47.

44 Idem, p. 292.45 CALLEGARI, André Luís; WEBBER, Suelen. O mito do punir mais é melhor: reflexos da

expansão do direito penal fomentada pela mídia. São Leopoldo: Unisinos, 2011. p. 8.46 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuela Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas.

4. ed. Tradução e organização de André Luís Callegari e Nereu José Giacomollo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

47 BERTIN, Bianca Leão. A injustiça social refletida no acesso à justiça no sistema penal brasileiro atual – Um estudo da reprovação sócio-jurídica aos pobres que cometem delitos bagatelares. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo: Editora Serviço Técnico de Imprensa da Faculdade de Direito da USP, v. 104, p. 901-928, jan./dez. 2009, p. 915.

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Isso porque, de acordo com a concepção vigente, uma conduta não é criminal “em si”, nem, por sua vez, o seu autor é considerado necessariamen-te um criminoso. A criminalidade atualmente se comporta como um status que é atribuído a determinadas pessoas (geralmente aos pobres), seletiva-mente, entre todas que praticam determinada conduta48. Isso leva à conclu-são de que, na verdade, a criminalidade é muito maior do que a divulgada oficialmente, já que ela está presente em todos os estratos sociais, mas quase sempre só é notificada quando o autor faz parte da parcela menos favorecida da população49.

Dentro dessa concepção, vale mencionar uma afirmação de Andrade:

Se a conduta criminal é majoritária e ubíqua, e a clientela do sistema penal é composta, “regularmente”, em todos os lugares do mundo, por pessoas pertencentes aos mais baixos estratos sociais, a “minoria criminal” a que se refere a explicação etiológica da Criminologia tradicional (e a ideia da de-fesa social conectada a ela) é o resultado de um processo de criminalização altamente seletivo e desigual de “pessoas” dentro da população total, às quais se qualifica como criminosos, e não, como pretende o discurso dog-mático oficial, de uma incriminação igualitária de condutas qualificadas como tais. O sistema penal se dirige quase sempre contra certas pessoas, mais que contra certas condutas legalmente definidas como crime e acende suas luzes sobre o seu passado para julgar no futuro o fato-crime presente, priorizando a especulação de “quem” em detrimento do “que”. De modo que a gravidade da conduta criminal não é, por si só, condição suficiente deste processo, pois os grupos poderosos na sociedade possuem a capaci-dade de impor ao sistema uma quase que total impunidade das próprias condutas criminosas.50

É isso que explica o fato de existirem pessoas (pobres) presas por pe-quenos furtos – os quais caracterizam, inclusive, delitos de bagatela e, por isso, nem deveriam ser punidas –, enquanto outros (mais favorecidos) pra-ticam crimes indiscutivelmente mais graves e não são punidos. Percebe-se, dessa maneira, que o Direito Penal, ao invés de buscar a promoção da igual-dade e da inclusão social dos menos favorecidos, age selecionando-os e mar-ginalizando-os, partindo de uma falsa ideia de realidade criada pela mídia

48 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 41.

49 Idem, p. 50.50 Idem, p. 52.

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e pelo Estado, em conjunto. Assim, a aplicação do Direito Penal que deveria ser a ultima ratio passa a ser a prima, ou até mesmo a única ratio, tendo em vista que estão sendo abandonadas as políticas sociais que tentam promover a reestruturação do sistema, o qual, em último grau, é a maior causa da ocor-rência de delitos e, consequentemente, da insegurança51.

Assim, chega-se ao ponto atual, no qual a “guerra contra a pobreza” foi substituída por uma guerra contra os pobres, os quais têm sido culpados pelos maiores males do país. O Estado tem demonstrado cada vez menos esforço para garantir os direitos fundamentais – expressos na nossa Cons-tituição Federal –, assim os menos favorecidos são intimidados a assumir a responsabilidade por si próprios, sob pena de serem atacados por um núme-ro enorme de normas penais, por meio de um Estado que é liberal em âmbito social e econômico, mas máximo em âmbito penal52.

COnsideRAÇões FinAis

Portanto, apesar de a Lei nº 13.106 ser recente e, consequentemente, os seus efeitos práticos não poderem ser avaliados, considera-se que a lei em questão tem tudo para se configurar como mais uma punição aos pobres. Isso porque a sua criação está inserida nesse contexto de expansão do Direito Penal, que só se preocupa com o efeito simbólico de suas normas, qual seja, a satisfação da opinião pública que clama por mais leis penais. Ademais, como foi mencionado por Ramidoff, a Lei nº 13.106 não foi acompanhada por ne-nhuma liberação orçamentária, nem por qualquer política social específica que visasse a maior proteção da criança e do adolescente. E é sabido que a simples criação de mais uma norma penal não é o suficiente para garantir mais segurança.

É válido mencionar aquilo que Beccaria já dizia há tantos anos:

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legis-lação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar

51 SILVA, Arielson da; RIBEIRO, Kleber. A mídia e o medo: uma reflexão acerca do discurso legitimador da política de expansão do direito penal punitivo e a ameaça às garantias constitucionais. Salvador: [?], 2010. p. 6.

52 WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 24.

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possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.53

Contudo, a população ainda não se deu conta disso, e continua claman-do por uma intervenção estatal cada vez maior em âmbito penal. Atualmente, sob qualquer visão que se dirigir ao objetivo da legislação penal, percebe-se que o Direito Penal não tem exercido a sua função adequadamente. Tomando a pena como um meio de “defesa social”, pode-se dizer que a segurança não tem sido promovida, já que faltam políticas sociais, pois o sistema penal é ex-tremamente seletivo, escolhendo, entre todos autores de delitos, somente al-guns para serem punidos. Ademais, tomando a pena como um meio de fazer com que os delinquentes não voltem a delinquir, também é sabido que isso não ocorre, já que o sistema carcerário brasileiro se encontra em situação tão precária que não é possível a reeducação e a ressocialização de ninguém que seja submetido aos seus estabelecimentos prisionais. Ao contrário, o período em que o delinquente passa em cárcere tem funcionado como uma “escola do crime”, tornando-o apto a praticar crimes mais graves quando estiver no-vamente em liberdade.

Entretanto, ao demonstrar a falência da pena privativa de liberdade, não se pretende levantar a “bandeira da não punição”. O objetivo é apenas acabar com o mito de que punir mais é melhor, pois o certo é punir adequa-damente. Assim, as penas mais rigorosas devem ser destinadas somente aos delitos mais graves, a exemplo dos crimes contra a vida. Dessa maneira, com um número reduzido de bens a serem tutelados – somente os mais importan-tes –, o Direito Penal pode ser muito mais efetivo.

ReFeRÊnCiAs

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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Flório de Angelis. Bauru: Edipro, 1997.

53 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Flório de Angelis. Bauru: Edipro, 1997. p. 27.

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Jurisprudênciacível

STJSuperior Tribunal de JuSTiça

AgRg no Recurso Especial nº 1.398.658 – SC (2013/0271275-0)Relator: Ministro João Otávio de NoronhaAgravante: Mauro Cézar PereiraAdvogado: Maycon Truppel MachadoAgravado: Baviera Empreendimentos Imobiliários Ltda.Advogado: Mauro Ferreira FonsecaInteres.: Rosa Dalila PereiraInteres.: Antonio Cesar da SilvaInteres.: Ana Lucia da Silva

EMENTA

pROCessuAl CiVil – AgRAVO RegimentAl nO ReCuRsO espeCiAl – pReJudiCiAlidAde exteRnA

entRe AÇÃO de usuCApiÃO uRbAnO e AÇÃO pOssessóRiA – inexistÊnCiA – suspensÃO dO pRimeiRO pROCessO – insubsistÊnCiA

– neCessidAde de pROsseguimentO – ARt. 265, § 5º, dO CpC – suspensÃO – limite

– inCidÊnCiA dA sÚmulA nº 83/stJ1. O prazo limite definido pela legislação processual civil

(art. 265, § 5º, do CPC) nunca poderá exceder ao período de 1 (um)

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ano, sendo certo que, findo esse prazo, o processo tomará seu curso normal.

2. Aplica-se o óbice da Súmula nº 83/STJ nas hipóteses em que o entendimento do Tribunal de origem esteja em consonância com o do STJ.

3. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro vota-ram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de agosto de 2015 (data do Julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha:

Trata-se de agravo regimental interposto por Mauro Cézar Pereira con-tra decisão monocrática assim ementada:

“PROCESSO CIVIL – PREJUDICIALIDADE EXTERNA ENTRE AÇÃO DE USUCAPIÃO URBANO E AÇÃO POSSESSÓRIA – INEXISTÊNCIA – SUS-PENSÃO DO PRIMEIRO PROCESSO – INSUBSISTÊNCIA – NECESSIDA-DE DE PROSSEGUIMENTO – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 83/STJ

1. Inexiste prejudicialidade externa que justifique a suspensão da possessó-ria até que se julgue a usucapião anteriormente ajuizada, pois a posse não depende da propriedade e, por conseguinte, a tutela da posse pode dar-se mesmo contra a propriedade.

2. Aplica-se o óbice da Súmula nº 83/STJ nas hipóteses em que o entendi-mento do Tribunal de origem esteja em consonância com o do STJ.

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3. Recurso especial desprovido.” (e-STJ, fl. 162)

Alega o recorrente que lei especial deve prevalecer sobre lei de nature-za geral, de forma que, lei específica sempre será aplicada em prejuízo daque-la que foi editada para reger condutas de ordem geral.

Dessa forma, como o art. 11 da Lei nº 10.257/2001 não estipula prazo limite de suspensão, o processo deve permanecer suspenso na pendência da ação de usucapião até o seu trânsito em julgado. Ignorar tal assertiva seria transformar o referido dispositivo em letra morta de lei, revogada tacita-mente.

Destaca que a suspensão do art. 265, § 5º, do CPC é para casos a pedido das partes ou outros que não tenham legislação específica, o que não é o caso dos autos.

Requer seja dado provimento ao presente recurso para que seja de-terminada a suspensão da liminar de imissão na posse, com manutenção da posse do recorrente até o trânsito em julgado da ação de usucapião.

É o relatório.

EMENTA

pROCessuAl CiVil – AgRAVO RegimentAl nO ReCuRsO espeCiAl – pReJudiCiAlidAde exteRnA entRe AÇÃO de

usuCApiÃO uRbAnO e AÇÃO pOssessóRiA – inexistÊnCiA – suspensÃO dO pRimeiRO pROCessO – insubsistÊnCiA – neCessidAde de pROsseguimentO – ARt. 265, § 5º, dO CpC – suspensÃO – limite – inCidÊnCiA dA sÚmulA nº 83/stJ

1. O prazo limite definido pela legislação processual civil (art. 265, § 5º, do CPC) nunca poderá exceder ao período de 1 (um) ano, sendo certo que, findo esse prazo, o processo tomará seu curso normal.

2. Aplica-se o óbice da Súmula nº 83/STJ nas hipóteses em que o entendimento do Tribunal de origem esteja em consonância com o do STJ.

3. Agravo regimental desprovido.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator):

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A irresignação não merece prosperar.

Conforme diversos julgados desta Corte, o prazo limite definido pela legislação processual civil (art. 265, § 5º, do CPC) nunca poderá exceder ao período de 1 (um) ano, sendo certo que, findo esse prazo, o processo tomará seu curso normal.

Confiram-se, a propósito, estes julgados:

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE – CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO – SUSPENSÃO DO PRO-CESSO EM RAZÃO DO JULGAMENTO DA RCL 2.138-6 PELO STF – ART. 265, VI, § 5º, DO CPC – TRANSCURSO DE MAIS DE UM ANO – JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO PELO STF – MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC – INAPLICABILIDADE – SÚMULA Nº 98/STJ

[...]

3. Dispõe o § 5º do art. 265: ‘Nos casos enumerados nas letras a, b e c do no IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir no processo’.

[...]

6. Recurso Especial provido.” (2ª T., REsp 682.173/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 31.08.2009)

“PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TERMO DE ACORDO DE REGIME ESPECIAL (TARE) – SUSPENSÃO DO PROCESSO – ART. 265, DO CPC – PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DA ADIN 2.440/DF PELO STF – DECURSO DO PRAZO DE UM ANO

1. Restando sub judice ação declaratória de inconstitucionalidade perante a Corte Maior, que encarta a causa de pedir da ação civil pública, revela--se precipitado pretender submeter o tema ao crivo incidental e difuso de órgão jurisdicional hierarquicamente subordinado, o que autoriza a apli-cação do art. 265, IV, a, do CPC, que determina a suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que consti-tua o objeto principal de outro processo pendente.

2. Entrementes, a suspensão por prejudicialidade obedece a um prazo ‘im-prorrogável’, ex vi do § 5º, do aludido dispositivo legal: ‘Nos casos enume-rados nas letras a, b e c do nº IV, o período de suspensão nunca poderá ex-

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ceder 1 (um) ano’. Desta sorte, ultrapassado o ‘período ânuo’ de suspensão o valor celeridade supera o valor certeza e autoriza o juiz a apreciar a ques-tão prejudicial o quanto suficiente (incidenter tantum) para fundamentar a decisão, não se revestindo, essa análise, da força da coisa julgada material (art. 469, inciso III, do CPC).

[...]

5. Recursos especiais desprovidos.” (1ª T., REsp 813.055/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 31.05.2007)

“PROCESSO CIVIL – SUSPENSÃO DO PROCESSO – ART. 265, IV, A, DO CPC

A suspensão do processo por efeito do preceito contido no art. 265, IV, do CPC, ‘nunca poderá exceder um ano’ (CPC, art. 265, § 5º).” (3ª T., AgRg-Ag 564.360/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 23.04.2007)

O entendimento do Tribunal de origem (de que as demandas não po-dem ficar indefinidamente sujeitas à solução de outras contendas, o que con-traria o fim próprio da função jurisdicional, sendo certo que, se fosse outro o intuito do legislador, não teria ele definido prazo de suspensão no CPC, lei principal da processualística pátria e normativo subsidiário a todas as nor-mas processuais nacionais) está em harmonia com o entendimento desta Cor-te; portanto, correta a aplicação da Súmula nº 83/STJ.

Nesse contexto, apesar de manifestar seu inconformismo, o agravan-te não apresentou razões suficientes para modificar a decisão anteriormente prolatada.

Ante o exposto, mantenho a decisão regimentalmente agravada por seus pró-prios fundamentos e nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

AgRg-REsp 1.398.658/SC Número Registro: 2013/0271275-0

Números Origem: 20120322790 20120322790000100 38120113594

Em Mesa Julgado: 06.08.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

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Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas CuevaSubprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Mônica Nicida GarciaSecretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Mauro Cézar Pereira

Advogado: Maycon Truppel Machado

Recorrido: Baviera Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Advogado: Mauro Ferreira Fonseca

Interes.: Rosa Dalila Pereira

Interes.: Antonio Cesar da Silva

Interes.: Ana Lucia da Silva

Assunto: Direito Civil – Coisas – Posse – Imissão

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Mauro Cézar Pereira

Advogado: Maycon Truppel Machado

Agravado: Baviera Empreendimentos Imobiliários Ltda.

Advogado: Mauro Ferreira Fonseca

Interes.: Rosa Dalila Pereira

Interes.: Antonio Cesar da Silva

Interes.: Ana Lucia da Silva

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

AgRg no Recurso Especial nº 1.518.086 – RS (2015/0044911-4)Relator: Ministro João Otávio de NoronhaAgravante: Albi Cesar Ferreira – SucessãoRepr. por: Ivone Ribas FerreiraAdvogados: Alexandre Luis Judacheski e outro(s)

Fábio Davi Bortoli e outro(s)Agravado: Oi S.A.Advogados: Carina Bellomo da Silva e outro(s)

Diego Souza Galvão Tomás Escosteguy Petter

EMENTA

AgRAVO RegimentAl – ReCuRsO espeCiAl – RepetiÇÃO de indÉbitO – pResCRiÇÃO –

ARt. 27 dO CdC – inApliCAbilidAde1. A prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC somente se

aplica às demandas nas quais se discute a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

2. É vedada a inovação de alegações em agravo regimental, em face da preclusão consumativa.

3. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do

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voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de agosto de 2015 (data do Julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha:

Trata-se de agravo regimental interposto por Albi Cesar Ferreira (Su-cessão) contra decisão monocrática de minha lavra assim ementada:

“RECURSO ESPECIAL – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRESCRIÇÃO – ART. 27 DO CDC – INAPLICABILIDADE

1. A prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC somente se aplica às demandas nas quais se discute a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

2. Recurso especial não conhecido.”

Sustenta o recorrente que, segundo entendimento adotado em prece-dentes do STJ, a prescrição incidente na espécie é a decenal.

É o relatório.

EMENTA

AgRAVO RegimentAl – ReCuRsO espeCiAl – RepetiÇÃO de indÉbitO – pResCRiÇÃO –

ARt. 27 dO CdC – inApliCAbilidAde1. A prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC somente se

aplica às demandas nas quais se discute a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

2. É vedada a inovação de alegações em agravo regimental, em face da preclusão consumativa.

3. Agravo regimental desprovido.

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VOTOO Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator):

O agravante ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de cobrança c/c repetição do indébito c/c dano moral em desfavor da empresa de tele-fonia agravada. A sentença reconheceu que houve a cobrança indevida de valores, e o pedido foi julgado procedente em parte.

O Tribunal a quo deu parcial provimento à apelação para conceder a indenização por dano moral e acolheu o pedido das contrarrazões para reco-nhecer a prescrição trienal da repetição.

No especial, o ora agravante requereu o reconhecimento da prescrição quinquenal, apontando como violado o art. 27 do CDC. A decisão agravada adotou o entendimento da Corte que afasta a hipótese de aplicação do dispo-sitivo do CDC ao caso. Neste regimental, a parte muda a sua tese, aduzindo o prazo prescricional decenal de que trata o art. 205 do CC.

Em que pese a existência de precedentes desta Corte que admitem a in-cidência da prescrição decenal em casos semelhantes, percebo que a questão não foi objeto do recurso especial, no qual a parte se limitou a apontar vio-lação do art. 27 do CDC. Dessa forma, a alegação constitui inovação trazida em sede de agravo regimental, que não pode ser conhecida em razão da pre-clusão consumativa. Confira-se, a propósito, precedente de minha relatoria:

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RE-CURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – SÚMULA Nº 7 DO STJ – INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS DE TERCEIRO – CONHE-CIMENTO PRÉVIO DE DEMANDA ENVOLVENDO O IMÓVEL – REE-XAME DE PROVAS

1. É inviável, na instância especial, a revisão do julgado quando tal pro-cedimento demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ.

2. É vedada a inovação de alegações em agravo regimental, em face da preclusão consumativa.

3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-AREsp 487.911/DF, 3ª T., DJe de 11.06.2015)

No mais, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fun-damentos:

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“O acórdão recorrido encontra-e em consonância com o entendimento do STJ de que a prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC somente se aplica às demandas nas quais se discute a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

Nesse sentido, menciono o seguinte precedente:

‘AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C AÇÃO DE COBRANÇA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – CERCEAMENTO DE DEFESA – VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO EM SEDE DE RECURSO ES-PECIAL – PRESCRIÇÃO – ART. 27 DO CDC – INAPLICABILIDADE – REVISÃO – SÚMULA N – 7/STJ – PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – FALTA DE PRE-QUESTIONAMENTO

1. Refoge da competência do STJ a análise de suposta ofensa a artigo da Constituição Federal.

2. A prescrição quinquenal prevista no art. 27 do CDC somente se aplica às demandas nas quais se discute a reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço.

3. Inviável, em sede de recurso especial, o reexame do conjunto fático--probatório dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ.

4. Inadmissível recurso especial que versa sobre questão infraconstitucio-nal não discutida no acórdão recorrido, tampouco no aresto que julgou os embargos de declaração. Aplicação das Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ.

5. Agravo regimental desprovido.’ (AgRg-AREsp 49.476/MG, de mi-nha relatoria, DJe de 20.09.2013)

Na situação dos autos, a ação está fundada em cobranças indevidas realiza-das pela recorrida, não se relacionando a fato do produto ou serviço, razão pela qual não se aplica o art. 27 do CDC ao caso.

Incide, portanto, a Súmula nº 83/STJ.”

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

AgRg-REsp 1.518.086/RS Número Registro: 2015/0044911-4

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Números Origem: 00047158520138210029 02911300023190 03429739620148217000 04474966220148217000 4474966220148217000 47158520138210029 70061504106 70062549332

Em Mesa Julgado: 06.08.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Mônica Nicida Garcia

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Albi Cesar Ferreira – Sucessão

Repr. por: Ivone Ribas Ferreira

Advogados: Fábio Davi Bortoli e outro(s) Alexandre Luis Judacheski e outro(s)

Recorrido: Oi S.A.

Advogados: Tomás Escosteguy Petter Diego Souza Galvao Carina Bellomo da Silva e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Prestação de serviços

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Albi Cesar Ferreira – Sucessão

Repr. por: Ivone Ribas Ferreira

Advogados: Fábio Davi Bortoli e outro(s) Alexandre Luis Judacheski e outro(s)

Agravado: Oi S.A.

Advogados: Tomás Escosteguy Petter Diego Souza Galvão Carina Bellomo da Silva e outro(s)

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CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

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TrF 4ª r.Tribunal regional Federal da 4ª região

Agravo de Instrumento nº 5023047-41.2015.4.04.0000/RS

Relator: Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Agravante: Vera Nedi Garcia Baes

Advogado: Rodrigo Silveira

Agravado: Caixa Econômica Federal – CEF Empresa Gestora de Ativos – Emgea

MPF: Ministério Público Federal

EMENTA

AgRAVO de instRumentO – sistemA FinAnCeiRO dA hAbitAÇÃO – usuCApiÃO – hipOteCA –

AusÊnCiA de pOsse mAnsA e pACÍFiCA1. A hipoteca é um direito real de garantia, a qual adere ao imóvel

e permanece até o final do adimplemento da obrigação.2. Adquirido imóvel mediante financiamento, com constituição

garantia hipotecária, descartada resta a possibilidade de exercício de posse animus domini pelo adquirente, de modo a viabilizar a prescrição aquisitiva.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de agosto de 2015.

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Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão que, em demanda de usucapião, indeferiu o pedido liminar de manutenção de posse formulado na petição inicial.

Sustenta a agravante, em suma, que possui a posse mansa e pacífica do imóvel há mais de quinze anos, perfectibilizando lapso temporal suficiente para incidência da prescrição aquisitiva. Acrescenta, ainda, que quando da alienação o bem estava hipotecado junto à instituição Habitasul, a qual não integra o Sistema Financeiro de Habitação. Por fim, salienta que pretende por meio do presente evitar que o imóvel seja alienado a terceiros, sem que lhe seja respeitado o direito de preferência.

Indeferido o pedido de antecipação da pretensão recursal (evento 2), o agravado deixou de apresentar contraminuta.

É o relatório.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

VOTO

De início, compulsando-se os autos principais, constato que o imóvel objeto da controvérsia estava hipotecado em favor da Habitasul Crédito Imo-biliário S/A desde 23.08.1992, em razão de contrato de financiamento imo-biliário.

Na sequência, em 14.03.2008 houve a cessão do crédito hipotecário à Caixa Econômica Federal – CEF, tendo sido o bem arrematado integralmen-te via leilão extrajudicial em 09.11.2007 pela Empresa Gestora de Ativos – Emgea em decorrência de dívida originária de Regina Pedroso Kolton Cavalli e Alberto Cavalli, ocorrendo o registrado da arrematação em 08.05.2013 (evento 1, Matrícula de Imóvel 3 a 7).

De outra perspectiva, observo que a agravante celebrou contrato de compra e venda do indigitado imóvel com o casal Cavalli em 19.04.1999 (evento 1 Contrato 9 e 10).

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Como é cediço, a hipoteca é um direito real de garantia, a qual adere ao imóvel e permanece até o final adimplemento da obrigação.

Por conseguinte, o imóvel havia sido adquirido originariamente me-diante financiamento, com constituição do bem como garantia hipotecária em favor da Habitasul Crédito Imobiliário S/A que cedeu o crédito à Caixa Econômica Federal.

Diante do quadro acima esmiuçado, a existência de contrato vinculado ao SFH gravado com hipoteca ao tempo da alegada posse, como no caso dos autos, resulta no impedimento de transcurso do prazo de usucapião e, por via de consequência, na ausência da configuração da posse mansa e pacífica para efeito de outorga da medida liminar perseguida.

Neste sentido, a orientação desta Corte:

ADMINISTRATIVO – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – EM-BARGOS DE TERCEIRO – CONTRATO DE GAVETA – USUCAPIÃO

1. Inviável a aquisição da propriedade, via usucapião, de imóvel vincu-lado ao Sistema Financeiro Habitacional, pois revestido de função social estabelecida em lei. Deve ser atribuída a ele, exatamente por conta disso, a sistemática protetiva dispensada aos bens públicos.

2. A eventual cessão do imóvel por meio de contrato de gaveta não obsta as consequências do inadimplemento do mútuo hipotecário.

(TRF 4ª R., Apelação Cível nº 5003738-76.2012.404.7101, 3ª T., Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, juntado aos autos em 16.01.2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANUTENÇÃO DA POSSE – IMPOS-SIBILIDADE

A posse não pode ser considerada mansa e pacífica, isso porque, conso-ante se depreende do conjunto probatório, trata-se de imóvel adquirido mediante contrato de compra e venda de unidade isolada e mútuo com obrigações e hipoteca, o que impossibilita o reconhecimento da alegada usucapião.

(AI 5001039-41.2013.404.0000, 4ª T., Rel. Des. Fed. Luís Alberto D’ Azevedo Aurvalle, DE 26.03.2013)

APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO URBANO CONSTITUCIONAL – ART. 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – POSSE DO ANTECESSOR

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– AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS – HIPOTECA – BEM ADJU-DICADO – IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – REVISÃO CONTRATUAL – CESSÃO DE DIREITOS SEM ANUÊNCIA DA CEF – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO CESSIONÁRIO – TAXA DE OCUPAÇÃO – FIXAÇÃO1. Recaindo sobre o imóvel execução hipotecária, com adjudicação do bem, a transmissão da posse por cessão de direitos feita pelo mutuário devedor conserva as mesmas características defeituosas do antigo possuidor.2. Verificado, in casu, o desatendimento aos requisitos do art. 183 da Cons-tituição Federal e do art. 1.240, do CCB/2002.3. Outrossim, não é possível a aquisição através de usucapião, conforme entendimento jurisprudencial reiterado deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, considerando que o imóvel foi financiado com recursos prove-nientes do Sistema Financeiro da Habitação.4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o terceiro que adquire imóvel financiado pela CEF com recursos do Sistema Financeiro da Habitação, por intermédio do cognominado ‘con-trato de gaveta’, não ostenta legitimidade ativa para postular, em juízo, a revisão de contrato de mútuo habitacional bem como nulidade do proce-dimento de execução extrajudicial, salvo se demonstrada a anuência do agente financeiro à cessão de direitos e obrigações atinentes ao mútuo.5. Conforme precedentes desta Corte, é viável a fixação de taxa de ocu-pação mensal do imóvel adjudicado pela Caixa Econômica Federal, per-tinente a contrato de mútuo imobiliário regido pelas normas do Sistema Financeiro de Habitação, relativamente ao período de ocupação indevida e irregular de parte do mutuário (entre a adjudicação e a efetiva desocupa-ção do imóvel). Assim, e preenchido os requisitos legais para a imissão na posse de imóvel adjudicado em processo de execução, a CEF tem o direito de receber a competente taxa mensal de ocupação, seja do mutuário origi-nário ou de qualquer pessoa que esteja na posse direta do bem.

(TRF 4ª R., Apelação Cível nº 5003771-36.2012.404.7208, 3ª T., Juíza Fede-ral Salise Monteiro Sanchotene, por unanimidade, juntado aos autos em 24.10.2014)

SFH – USUCAPIÃO

1. A usucapião é forma originária de aquisição da propriedade e de outros direitos, que, de maneira geral, transferem-se ao adquirente desde que de-

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corrido prazo temporal compatível com o tipo de usucapião, qualificado pelo animus domini e sem qualquer oposição, preenchidos os requisitos legais.

2. Na medida em que o contrato estava gravado com hipoteca já existente na data de início da alegada posse, o contrato de financiamento referente ao imóvel, no caso dos autos, impede o início do transcurso do prazo da usucapião.

(AC 5010527-74.2010.404.7000, 3ª T., Relª p/ Ac. Desª Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, DE 11.05.2012)

Assim, não está configurado na hipótese em apreço que o recorrente detém a posse mansa e pacífica do imóvel em debate.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07.08.2015

Agravo de Instrumento nº 5023047-41.2015.4.04.0000/RS

Origem: RS 50341205020154047100

Incidente: Agravo

Relator: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Presidente: Marga Inge Barth Tessler

Procurador: Dr(a). Márcia Neves Pinto

Agravante: Vera Nedi Garcia Baes

Advogado: Rodrigo Silveira

Agravado: Caixa Econômica Federal – CEF Empresa Gestora de Ativos – Emgea

MPF: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07.08.2015, na sequência 408, disponibilizada no DE de 24.07.2015, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

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Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao agravo de ins-trumento.

Relator Acórdão: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Votante(s): Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira Juiz Federal Nicolau Konkel Junior Desª Federal Marga Inge Barth Tessler

José Oli Ferraz Oliveira Secretário de Turma

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EmEntário Civil

AÇÃO AnulAtóRiA – CessÃO de diReitOs – AdJudiCAÇÃO – imóVel COm gARAntiA ReAl –

hipOteCA – penhORA AnteRiOR

34002 – “Anulatória. Cessão de direitos. Adjudicação. Imóvel com garantia real. Hipote-ca. Penhora anterior. Eficácia contra terceiros. Ciência do credor. Arrematante. Legitimi-dade. 1. O arrematante é parte legítima ativa na ação que pretende anular adjudicação de imóvel realizada em outra execução. 2. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios. 3. A cessão de crédito, instrumento parti-cular, é eficaz contra terceiros se revestida das solenidades legais e averbada em registro público. 4. Havendo cessão de crédito ou penhora averbada, a adjudicação está condi-cionada à ciência do credor hipotecário ou credor pignoratício. 5. A falta de registro não afasta a obrigação de se dar ciência ao credor hipotecário ou pignoratício sobre a adju-dicação do imóvel se a cessão de crédito e a penhora anteriormente realizadas eram do conhecimento daquele que pretende adjudicar o bem. 6. Apelação não provida.” (TJDFT – Proc. 20100111577840 – (885866) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Jair Soares – DJe 13.08.2015 – p. 193)

AÇÃO AnulAtóRiA de leilÃO extRAJudiCiAl – AlienAÇÃO FiduCiáRiA – COisA imóVel

– nOtiFiCAÇÃO pessOAl

34003 – “Agravo regimental no recurso especial. Civil e processual civil. Ação anulatória de leilão extrajudicial. Lei nº 9.514/1997. Alienação fiduciária de coisa imóvel. Notifica-ção pessoal do devedor fiduciante. Necessidade. Precedente específico. Recurso especial parcialmente provido. 1. ‘No âmbito do Decreto-Lei nº 70/1966, a jurisprudência do Su-perior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendi-mento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/1997’ (REsp 1447687/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 21.08.2014, DJe 08.09.2014). 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.367.704 – (2013/0035337-1) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.08.2015 – p. 1884)

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AÇÃO CAutelAR – peRitO – esClAReCimentO – QuesitOs

34004 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação cautelar. Perito. Esclare-cimento. Quesitos. Respondidos. Arts. 165, 458 e 535, II, do CPC. Violação. Não ocorrên-cia. Reexame de matéria de fato. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, contradições ou obscuridades deve ser afastada a alegada violação aos arts. 165, 458 e 535, II, do Código de Processo Civil. 2. A tese defendida no recurso especial demanda o reexame do conjunto fático e probatório dos autos, vedado pelo Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 694.222 – (2015/0084801-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 13.08.2015 – p. 2079)

AÇÃO CiVil pÚbliCA – pROpAgAndA engAnOsA – inOCORRÊnCiA

34005 – “Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação civil pública. Propa-ganda enganosa. Ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. Inocorrência. Revisão de ma-téria fático-probatória. Impossibilidade. Súmula nº 07/STJ. Ausência de fundamentos que justifiquem a alteração da decisão agravada. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 383.903 – (2013/0270111-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.08.2015 – p. 1855)

AlienAÇÃO de bem imóVel – AusÊnCiA de RegistRO nO CARtóRiO de imóVeis – nÃO

CumpRimentO dOs ReQuisitOs JuRÍdiCOs – COmpRA e VendA

34006 – “Direito civil. Processo civil. Violação do art. 514 do CPC. Não conhecimento do recurso da autora. Alienação de bem imóvel. Ausência de registro no cartório de imóveis. Não cumprimento dos requisitos jurídicos. Compra e venda do imóvel não aperfeiçoada. Evicção. Culpa do alienante. Enriquecimento sem causa. Dever de indenização em favor do alienatário. Recurso da ré conhecido e desprovido. I – Se a peça recursal oferecida não observa os requisitos do art. 514 do CPC, é tida por inepta, o que acarreta o seu não conhecimento. O caso dos autos enquadra-se perfeitamente nesta hipótese, uma vez que é impossível se extrair da peça recursal oferecida pela autora um pedido lógico, o qual possa ser submetido à apreciação deste julgador. II – Nos contratos de compra e venda do

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imóvel, é imprescindível o registro da alienação no Cartório de Registro de Imóveis, a fim de que seja aperfeiçoado o negócio jurídico, consolidando-se propriedade do alienatário. Caso não seja cumprido o citado requisito, ainda assim, o alienante responde pela evicção, haja vista que tal responsabilidade, além de ser um mandamento legal, é, também, uma questão de justiça, pois, caso contrário, haveria enriquecimento sem causa do alienante. III – Desta forma, é dever do alienante, em caso de evicção, ressarcir o alienatário em relação ao valor do imóvel perdido, bem como indenizá-lo quanto aos lucros cessantes. IV – Recurso da autora-apelante não conhecido, haja vista a inépcia da peça recursal, a qual não atendeu aos requisitos do art. 514 do CPC. Recurso da ré-apelante conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20090710375726 – (885115) – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira – DJe 13.08.2015 – p. 146)

AlienAÇÃO FiduCiáRiA – teRmO iniCiAl pARA O pAgAmentO dA dÍVidA – dAtA dA intimAÇÃO

34007 – “Civil e processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Alienação fidu-ciária. Termo inicial para o pagamento da dívida. Data da intimação contida no mandado de busca, apreensão e citação. Decisão mantida. 1. ‘Nos contratos firmados na vigência da Lei nº 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de conso-lidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária’ (REsp 1.418.593/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., submetido ao rito do art. 543-C do CPC, Julgado em 14.05.2014. DJe 27.05.2014). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.474.206 – (2014/0201840-7) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 13.08.2015 – p. 2168)

AlimentOs – exeCuÇÃO – pROpOstA de pAgAmentO

pARCelAdO dO dÉbitO – pRisÃO

34008 – “Execução de alimentos. Proposta de pagamento parcelado do débito. Prisão. Antes de se decretar a prisão do devedor de alimentos, que fez proposta de pagamento parcelado do débito, deve ser ele intimado sobre a recusa do credor em receber na forma proposta. Ordem concedida.” (TJDFT – Proc. 20150020174213 – (885358) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Jair Soares – DJe 13.08.2015 – p. 179)

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CAsAmentO – Regime de bens – AlteRAÇÃO – COAÇÃO – pROVA

34009 – “Casamento. Regime de bens. Alteração. Coação. Prova. 1. A coação, para viciar a declaração de vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. E não se presume. Deve ser demonstrada por meio de fatos concretos que permitam viciar a manifestação de vontade daquele que teria sido coagido. 2. Não provado qualquer vício na alteração do regime de bens, feito pelo casal, improcede o pedido para se anulá-la. 3. Apelação não provida.” (TJDFT – Proc. 20140110396820 – (885865) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Jair Soares – DJe 13.08.2015 – p. 214)

CheQue pResCRitO – pROtestO – nÃO CAbimentO

34010 – “Agravo regimental em recurso especial. Direito civil. Cheque prescrito. Pro-testo. Não cabimento. Precedentes. Cancelamento. Danos morais. Preclusão. 1. A juris-prudência do STJ firmou-se no sentido de ser indevido o protesto de cheque prescrito. Precedentes. 2. O apontamento indevido de título de dívida a protesto gera dano moral in re ipsa. Porém, no caso em apreço, a sentença já havia afastado tal condenação e o autor deixou de recorrer desse ponto, motivo por que descabe, em recurso especial, condenar o réu a tal rubrica, uma vez já operada a preclusão. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.232.650 – (2011/0013951-7) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.08.2015 – p. 2151)

COmpROmissO de COmpRA e VendA de imóVel em COnstRuÇÃO

– despesAs COndOminiAis VenCidAs Antes dA entRegA dO bem – RespOnsAbilidAde dO pROmitente VendedOR

34011 – “Direito civil. Compromisso de compra e venda de imóvel em construção. Des-pesas condominiais vencidas antes da entrega do bem. Responsabilidade do promitente vendedor. 1. Contribuição de condomínio. É firme o entendimento jurisprudencial quan-to à exigibilidade da obrigação condominial que só passa a ocorrer após a entrega das chaves, quando o adquirente/promitente comprador poderá efetivamente exercer a pro-priedade e a posse do bem. Precedentes: Acórdão nº 695472, 20110112355735APC, Rel. Cesar Laboissiere Loyola, 1ª T.Cív., Data de Julgamento: 21.11.2012, Publicado no DJe

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04.12.2012, p. 86; AgRg-EDcl-REsp 851.542/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 06.09.2011, DJe 13.09.2011. 2. Princípio da congruência. Inferido-se da inicial que a pre-tensão do autor não é de obrigação de pagar, mas de fazer, mostra-se possível, pelo efeito translativo dos recursos e pelo princípio da congruência, de ofício, modificar o provimen-to judicial para obrigação de fazer, consistindo em saldar o débito perante o condomínio existente antes da entrega da unidade imobiliária. 3. Recurso conhecido e não provido. Custas, pelo recorrente. Sem honorários advocatícios, face à ausência de contrarrazões.” (TJDFT – Proc. 20150710026989 – (875819) – 2ª T.R.J.E. Distrito Federal – Rel. Juiz Aiston Henrique de Sousa – DJe 13.08.2015 – p. 320)

COnFissÃO de dÍVidA – ReVeliA CARACteRizAdA – VeRACidAde

dOs FAtOs AlegAdOs nA iniCiAl – pResunÇÃO RelAtiVA – AlegAÇÃO

de pAgAmentO dO dÉbitO

34012 – “Direito civil e processual civil. Embargos à execução. Instrumento de confissão de dívida. Revelia caracterizada. Veracidade dos fatos alegados na inicial. Presunção re-lativa. Alegação de pagamento do débito. Inexistência de prova. Capitalização de juros. Legalidade. 1. O reconhecimento da revelia da parte embargada não dispensa a parte embargante de comprovar o pagamento da dívida que alegar haver efetuado. 2. Deixando a parte autora de carrear aos autos os comprovantes do pagamento de valores referentes aos contratos que deram origem ao termo de confissão de dívida que aparelha a demanda executiva, não há como ser reconhecida a inexistência de débito. 3. O Tribunal Pleno do excelso Supremo Tribunal Federal, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 592377/RS, submetido à sistemática da repercussão geral, reconheceu a constitucionalidade do art. 5º, caput, da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, quanto aos aspectos da relevância e urgência da matéria referente à capitalização mensal de juros. 4. Consoante entendimento firmado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julga-mento do Recurso Especial nº 973.827/RS, submetido ao procedimento dos recursos re-petitivos, é licita a capitalização mensal de juros, desde que expressamente pactuada nos contratos celebrados após a edição da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, atualmente em vigor como Medida Provisória nº 2.170-01/2001. 5. Recurso de Apelação conhecido e não provido.” (TJDFT – Proc. 20130310296522 – (886763) – 1ª T.Cív. – Relª Desª Nídia Corrêa Lima – DJe 13.08.2015 – p. 130)

COnFlitO pOsitiVO de COmpetÊnCiA – inVentáRiO

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– dissOluÇÃO pARCiAl de sOCiedAdes – ApuRAÇÃO

de hAVeRes

34013 – “Processual civil. Recurso especial. Conflito positivo de competência. Juízo da Vara de Sucessões e Juízo da Vara Cível. Inventário. Dissolução parcial de sociedades. Apuração de haveres. Arts. 984 e 993, parágrafo único, II, do CPC. Questões de alta inda-gação. Extensa dilação probatória. Competência do juízo da vara cível. Recurso provido. 1. ‘Cabe ao juízo do inventário decidir, nos termos do art. 984 do CPC, “todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou depende-rem de outras provas”, entendidas como de “alta indagação” aquelas questões que não puderem ser provadas nos autos do inventário’ (REsp 450.951/DF). 2. Questões de alta indagação, por exigirem extensa dilação probatória, extrapolam a cognição do juízo do in-ventário, para onde devem ser remetidos apenas os resultados da apuração definitiva dos haveres. Interpretação dos arts. 984 e 993, parágrafo único, II, do CPC. 3. É no juízo cível que haverá lugar para a dissolução parcial das sociedades limitadas e consequente apura-ção de haveres do de cujus, visto que, nessa via ordinária, deve ser esmiuçado, caso a caso, o alcance dos direitos e obrigações das partes interessadas – os quotistas e as próprias sociedades limitadas, indiferentes ao desate do processo de inventário. 4. Cabe ao juízo do inventário a atribuição jurisdicional de descrever o saldo advindo com a liquidação das sociedades comerciais e dar à herança a devida partilha, não comportando seu limitado procedimento questões mais complexas que não aquelas voltadas para o levantamento, descrição e liquidação do espólio. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.459.192 – (2013/0399388-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 12.08.2015 – p. 665)

COntRAtO bAnCáRiO – CelebRAÇÃO pOsteRiOR à medidA pROVisóRiA

nº 2.170 – CApitAlizAÇÃO mensAl – pOssibilidAde

34014 – “Agravo regimental no recurso especial. Contrato bancário. Celebração posterior à Medida Provisória nº 2.170. Capitalização mensal. Possibilidade. Jurisprudência domi-nante desta Corte. Inconstitucionalidade da medida provisória. Matéria que refoge da competência desta casa. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.401.274 – (2013/0291925-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.08.2015 – p. 1888)

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dAnO mORAl – ACidente de tRânsitO – ônibus COletiVO – empResA COnCessiOnáRiA

de seRViÇO pÚbliCO

34015 – “Civil. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Acidente de trânsito. Ônibus coletivo. Empresa con-cessionária de serviço público. Responsabilidade objetiva. Culpa de terceiro. Direito de regresso. Ausência de impugnação deste fundamento do acórdão recorrido. Súmula nº 283/STF. Redução da indenização. Razoabilidade na fixação do quantum. Reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Inadmissibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Decisão mantida. 1. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recor-rido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula nº 283/STF. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem incursão no contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7 do STJ. 3. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do re-ferido óbice para possibilitar a revisão. No caso, a quantia estabelecida pelo Tribunal de origem não se mostra excessiva. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 427.284 – (2013/0367630-3) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 13.08.2015 – p. 1949)

deFesA dO COnsumidOR – indenizAÇÃO – peRdA de umA

ChAnCe – FAlhA nA pRestAÇÃO dO seRViÇO bAnCáRiO – eRRO nO

pAgAmentO dA tAxA de insCRiÇÃO

34016 – “Apelação cível. Consumidor. Indenização. Perda de uma chance. Falha na pres-tação do serviço bancário. Erro no pagamento da taxa de inscrição. Concurso público. Eliminação da candidata. Dano hipotético não indenizável. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à controvérsia instaurada entre consumidora-autora, destinatária final econômica e fática do serviço bancário fornecido pela instituição financeira ré no mercado de consumo. No caso, houve falha na prestação do serviço bancário, que errou ao digi-tar o código de barras do boleto bancário relativo ao pagamento da taxa de inscrição no concurso público, o que acarretou a invalidação da inscrição da consumidora no certame. Para a incidência da teoria da perda de uma chance, que trata de nova forma de respon-sabilização civil, faz-se necessário que a chance perdida por ato ilícito seja séria e real e que proporcione ao lesado efetivas condições de concorrer à situação futura esperada. A chance perdida da consumidora de participar do concurso público e se tornar servidora pública é meramente hipotética, não cabendo indenização. Apelo conhecido e negado pro-vimento.” (TJDFT – AC 20140310117050 – (885527) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Hector Valverde Santanna – DJe 13.08.2015 – p. 224)

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diReitO AutORAl – CObRAnÇA – ObRAs musiCAis – tRilhAs

sOnORAs de Filmes

34017 – “Agravo regimental. Recurso especial. Direitos autorais. Cobrança. Obras mu-sicais inseridas em trilhas sonoras de filmes. Continuidade de transmissão ou retrans-missão. Possibilidade de suspensão. Jurisprudência do STJ. 1. É possível a suspensão ou interrupção de transmissão ou retransmissão de obras musicais na programação de em-presa quando não há o prévio pagamento dos direitos autorais devidos. Interpretação do art. 105 da Lei nº 9.610/1998. Jurisprudência do STJ. 2. São devidos direitos autorais pela exibição pública de trilhas sonoras nos filmes. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-AgRg-REsp 1.484.566 – (2011/0145855-5) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 13.08.2015 – p. 1896)

diReitO de VisitA – suspensÃO – inteResse de CRiAnÇA – CeRCeAmentO de deFesA

34018 – “Direito de visitas. Suspensão. Interesse de criança. Cerceamento de defesa. 1. Não há cerceamento de defesa se, intimado para comparecer à audiência de instrução e julgamento, o réu não comparece e não apresenta justificativa. 2. O afastamento da crian-ça do convívio com o pai, mediante a suspensão do direito de visitas, pode prejudicar a sua formação e crescimento emocional. Não obstante, em casos de agressões e ameaças à vida da criança, admite-se seja o pai, dependente químico, privado da convivência com a filha menor, de forma a preservar a integridade física e psicológica dessa. 3. Apelação não provida.” (TJDFT – Proc. 20080710232573 – (885387) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Jair Soares – DJe 13.08.2015 – p. 191)

exCeÇÃO de pRÉ-exeCutiVidAde – CÉdulA de CRÉditO RuRAl

pignORAtÍCiA e hipOteCáRiA – tÍtulO CAmbiAl

34019 – “Processual civil. Agravo regimental. Recurso especial. Exceção de pré-execu-tividade. Agravo de instrumento. Cédula de crédito rural pignoratícia e hipotecária. Ti-tulo cambial emitido por pessoa física. Aval prestado por terceiro. Validade. Decreto-Lei nº 167/1967, art. 60, § 3º. Redação da Lei nº 6.754/1979. Tema pacificado. Precedentes. 1. ‘A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967 permite inferir que o

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significado da expressão “também são nulas outras garantias, reais ou pessoais”, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito ru-ral, mas apenas às notas e duplicatas rurais’ (3ª T., REsp 1.483.853/MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, unânime, DJe de 18.11.2014). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.429.029 – (2014/0004662-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 13.08.2015 – p. 2163)

exeCuÇÃO – tÍtulO extRAJudiCiAl – nulidAde dA FiAnÇA –

AusÊnCiA de OutORgA uxóRiA

34020 – “Agravo regimental no recurso especial. Execução de título extrajudicial. Nuli-dade da fiança. Ausência de outorga uxória. Alegação pelo próprio fiador. Impossibilida-de. Acórdão mantido. Fundamentos inatacados. Súmula nº 283/STF. Decisão mantida. Agravo regimental não provido. 1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu ou por seus respec-tivos herdeiros. Precedentes. 2. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado impõe o não conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula nº 283/STF. 3. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argu-mentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.232.895 – (2011/0002018-9) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.08.2015 – p. 2152)

litisCOnsóRCiO – inteRpOsiÇÃO de ApelAÇÃO – eRRO gROsseiRO

34021 – “Agravo regimental. Direito processual civil. Decisão que exclui litisconsorte. Recurso cabível. Agravo de instrumento. Interposição de apelação. Erro grosseiro. 1. É cabível agravo de instrumento. E não apelação. Contra decisão que exclui litisconsorte passivo da lide, com extinção parcial do processo. Precedentes. 2. Tal conclusão persiste ainda que, em razão da exclusão de litisconsorte, houver declínio de competência da Jus-tiça Federal para a Estadual (REsp 118.813/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJ 27.03.2000, p. 106). 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.197.616 – (2010/0108467-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.08.2015 – p. 2148)

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pARCelAmentO iRRegulAR de sOlO – COndenAÇÃO – mAnutenÇÃO

– QuAliFiCAdORAs – pROVAs suFiCientes – dOsimetRiA – mAus

AnteCedentes – AFAstAmentO

34022 – “Parcelamento irregular de solo. Lei nº 6.766/1979. Art. 50. Condenação. Manu-tenção. Qualificadoras. Incisos I e III do parágrafo único. Provas suficientes. Dosimetria. Maus antecedentes. Afastamento. Consequências do crime. Análise negativa. Manuten-ção. I – Deve ser mantida a condenação pela prática do crime previsto no art. 50 da Lei nº 6.766/1979 se as provas orais e documentais comprovam que o réu deu início a lotea- mento de solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente e em desa-cordo com as normas pertinentes. II – Correta a incidência das qualificadoras dos incisos I e II do parágrafo único do art. 50 da Lei nº 6.766/1979 se o réu efetivamente vendeu os lotes sem o devido registro e promoveu o parcelamento sem ostentar título legítimo de propriedade. III – Afasta-se a avaliação desfavorável dos antecedentes criminais se o condenado ostenta uma única condenação definitiva por fato anterior ao em apreço e ela já foi utilizada para a caracterização da agravante da reincidência. IV – Correta a análise negativa das consequências do crime se há provas concretas de que a área parcelada es-tava inserida em Área de Proteção Ambiental, sendo que o réu a desmembrou em apro-ximadamente duzentos lotes e ainda houve efetiva ocupação desordenada. V – Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – Proc. 20110310270549 – (886261) – 3ª T.Crim. – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJe 13.08.2015 – p. 114)

pReVidÊnCiA pRiVAdA – AÇÃO de CObRAnÇA – ReseRVA de pOupAnÇA

– expuRgOs inFlACiOnáRiOs – migRAÇÃO de plAnOs –

tRAnsAÇÃO extRAJudiCiAl – AusÊnCiA de ResgAte

34023 – “Direito civil. Previdência privada. Agravo regimental no agravo em recurso es-pecial. Inadmissão na origem por mais de um fundamento. QO-Ag 1.154.599/SP. Inapli-cabilidade. Ação de cobrança. Reserva de poupança. Expurgos inflacionários. Migração de planos. Transação extrajudicial. Não aplicabilidade da Súmula nº 289/STJ. Ausência de resgate das contribuições. Vínculo não desfeito com a entidade de previdência privada. Decisão mantida. 1. Não se aplica o entendimento consagrado na QO-Ag 1.154.599/SP na hipótese em que o art. 543-C, § 7º, I, do CPC não foi o único fundamento adotado para negar seguimento ao recurso especial na origem. 2. A Segunda Seção desta Corte pacificou

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entendimento no sentido de que a Súmula nº 289/STJ, a qual dispõe que ‘a restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índi-ce que recomponha a efetiva desvalorização da moeda’, tem aplicação restrita aos casos de resgate, hipótese em que há o rompimento definitivo do vínculo contratual do participan-te, que nem sequer chegou a auferir benefício complementar. 3. Tratando-se de pedido de aplicação de índices que reflitam a real inflação do período em questão sobre as reservas de poupança, na hipótese em que houve migração do participante para outro plano de benefícios dentro da mesma entidade e que não houve o definitivo rompimento do víncu-lo contratual de previdência complementar, inaplicável a Súmula nº 289/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 598.623 – (2014/0271722-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 13.08.2015 – p. 1987)

pReVidÊnCiA pRiVAdA FeChAdA – ReCebimentO COmO AgRAVO

RegimentAl – pRetensÃO de ReVisÃO dO beneFÍCiO

34024 – “Processual civil e previdência privada fechada. Embargos de declaração no re-curso especial. Recebimento como agravo regimental. Pretensão de revisão do benefício. Perícia técnica atuarial. Necessidade. Cerceamento de defesa configurado. Precedente da Segunda Seção. Decisão mantida. 1. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.345.326/RS, pacificou o entendimento de ser necessária a realização da pe-rícia técnica, com vistas a verificar eventual ‘desequilíbrio atuarial do plano de custeio, fato inviabilizador da pretensão revisional de benefício de previdência privada deduzida pelo participante/assistido’ (AgRg-REsp 1.315.750/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., Jul-gado em 23.09.2014, DJe 02.10.2014). 2. Em regra, a verificação quanto à necessidade de produção de prova pericial esbarra no óbice da Súmula nº 7 do STJ. Contudo, ‘em vista as peculiaridades da relação contratual de previdência privada, assentada em regulamento elaborado por meio de complexo cálculo atuarial, assim como dos interesses envolvidos em demandas que digam respeito à revisão de benefícios, à luz da iterativa jurisprudência do STJ, fica nítida a ocorrência do cerceamento de defesa’ caso seja indeferida a aludida prova (REsp 1.345.326/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, Julgado em 09.04.2014, DJe 08.05.2014). 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (STJ – EDcl-REsp 1.526.784 – (2012/0051633-9) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 13.08.2015 – p. 2174)

RepResentAÇÃO pROCessuAl – AusÊnCiA de instRumentO

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pROCuRAtóRiO – nÃO COnheCimentO

34025 – “Processual civil. Representação processual. Ausência de instrumento procurató-rio. Não conhecimento do recurso. Súmula nº 115/STJ. Regularização posterior. Inadmis-sibilidade. 1. Na instância especial, é inexistente o recurso subscrito por advogado que não possui procuração nos autos. Incidência da Súmula nº 115/STJ. 2. O STJ já firmou enten-dimento no sentido de que a regra inserta no art. 13 do CPC não se aplica na instância su-perior. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 655.612 – (2015/0013194-5) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 13.08.2015 – p. 1807)

RespOnsAbilidAde CiVil – estACiOnAmentO e lAVA-RápidO – ROubO dO VeÍCulO – deVeR de guARdA – RisCO dA AtiVidAde

– AÇÃO de indenizAÇÃO

34026 – “Agravo regimental no recurso especial. Estabelecimento explorador de ati-vidade de estacionamento e lava-rápido. Roubo do veículo. Dever de guarda. Risco da atividade. Ação de indenização. Responsabilidade civil. Súmula nº 130 do STJ. Agravo regimental não provido. 1. ‘O estabelecimento comercial que recebe o veículo para re-paro em suas instalações é responsável pela sua guarda com integridade e segurança, não se configurando como excludente da obrigação de indenizar a ocorrência de roubo mediante constrangimento por armas de fogo, por se cuidar de fato previsível em negócio dessa espécie, que implica na manutenção de loja de acesso fácil, onde se acham automó-veis e equipamentos de valor’ (REsp 218.470/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., Julgado em 27.03.2001, DJ 20.08.2001). 2. Em se tratando de estacionamento de veícu-los oferecido por estabelecimento comercial, o roubo sofrido pelo cliente, não caracteriza caso fortuito apto a afastar o dever de indenizar. 3. Aplica-se, ao caso em tela, a Súmula nº 130 desta Corte, segundo a qual os estabelecimentos comerciais respondem, perante os clientes, pela reparação dos danos ou furtos de veículos ocorridos em seu estacionamento, atraindo a incidência do óbice da Súmula nº 83/STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.235.168 – (2011/0018389-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.08.2015 – p. 2153)

seguRO de VidA – mORte dO seguRAdO – AusÊnCiA de

indiCAÇÃO de beneFiCiáRiO –

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pAgAmentO AdministRAtiVO à COmpAnheiRA e AOs heRdeiROs

34027 – “Recurso especial. Civil. Seguro de vida. Morte do segurado. Ausência de indica-ção de beneficiário. Pagamento administrativo à companheira e aos herdeiros. Pretensão judicial da ex-esposa. Separação de fato. Configuração. Art. 792 do CC. Interpretação sis-temática e teleológica. Divisão igualitária entre o cônjuge não separado judicialmente e o convivente estável. Multa do art. 557, § 2º, do CPC. Afastamento. Exaurimento da instân-cia ordinária. Necessidade. Intuito protelatório. Não configuração. REsp 1.198.108/RJ (re-presentativo de controvérsia). 1. Cinge-se a controvérsia a saber quem deve receber, além dos herdeiros, a indenização securitária advinda de contrato de seguro de vida quando o segurado estiver separado de fato na data do óbito e faltar, na apólice, a indicação de beneficiário: a companheira e/ou o cônjuge supérstite (não separado judicialmente). 2. O art. 792 do CC dispõe de forma lacunosa sobre o assunto, sendo a interpretação da nor-ma mais consentânea com o ordenamento jurídico a sistemática e a teleológica (art. 5º da LINDB), de modo que, no seguro de vida, na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, o capital segurado deverá ser pago metade aos herdeiros do segurado, segundo a vocação hereditária, e a outra metade ao cônjuge não separado judicialmente e ao companheiro, desde que comprovada, nessa última hipótese, a união estável. 3. Exegese que privilegia a finalidade e a unidade do sistema, harmonizando os institutos do direito de família com o direito obrigacional, coadunando-se ao que já ocorre na previdência social e na do ser-vidor público e militar para os casos de pensão por morte: rateio igualitário do benefício entre o ex-cônjuge e o companheiro, haja vista a presunção de dependência econômica e a ausência de ordem de preferência entre eles. 4. O segurado, ao contratar o seguro de vida, geralmente possui a intenção de amparar a própria família, os parentes ou as pessoas que lhe são mais afeitas, a fim de não deixá-los desprotegidos economicamente quando de seu óbito. 5. Revela-se incoerente com o sistema jurídico nacional o favorecimento do cônjuge separado de fato em detrimento do companheiro do segurado para fins de recebimento da indenização securitária na falta de indicação de beneficiário na apólice de seguro de vida, sobretudo considerando que a união estável é reconhecida constitucionalmente como en-tidade familiar. Ademais, o reconhecimento da qualidade de companheiro pressupõe a inexistência de cônjuge ou o término da sociedade conjugal (arts. 1.723 a 1.727 do CC). Realmente, a separação de fato se dá na hipótese de rompimento do laço de afetividade do casal, ou seja, ocorre quando esgotado o conteúdo material do casamento. 6. O intérprete não deve se apegar simplesmente à letra da lei, mas perseguir o espírito da norma a partir de outras, inserindo-a no sistema como um todo, extraindo, assim, o seu sentido mais har-mônico e coerente com o ordenamento jurídico. Além disso, nunca se pode perder de vista a finalidade da lei, ou seja, a razão pela qual foi elaborada e o bem jurídico que visa prote-ger. 7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.401.538 – (2013/0293376-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 12.08.2015 – p. 650)

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sFh – AÇÃO ReVisiOnAl – COntRAtO de gAVetA – ilegitimidAde AtiVA

34028 – “Agravo regimental. Direito civil e processual civil. Sistema financeiro da habi-tação. Ação revisional. Contrato de gaveta. Ilegitimidade ativa do cessionário. 1. ‘Na hi-pótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCVS, celebrado até 25.10.1996, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela Lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação postulan-do a revisão do respectivo contrato’ (REsp 1.150.429/CE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Corte Especial, Julgado em 25.04.2013, DJe 10.05.2013). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.181.068 – (2010/0022370-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.08.2015 – p. 2146)

tutelA AnteCipAdA – AÇÃO CiVil pÚbliCA – AuxÍliO-mORAdiA

34029 – “Processual civil. Administrativo. Auxílio-moradia. Tutela antecipatória deferi-da em ação civil pública. Ausência de omissão no acórdão. Entendimento do juízo a quo, no sentido de que presente a verossimilhança das alegações. Antecipação da tutela. Requi-sitos. Pretensão de reexame de provas. Súmula nº 7/STJ. 1. Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão colocada nos autos, o que é o caso da presente hipótese. 2. No caso dos autos, insurge-se o agravante contra entendimento do Tribunal a quo pelo deferimento da antecipação de tutela em Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Publico do Estado, para que o Município tome as providências nela determinadas quan-to ao iminente risco de deslizamentos decorrentes de fortes chuvas na área em questão. 3. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que, para analisar os critérios adotados pela instância ordinária que ensejaram a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, demanda o reexame dos elementos probatórios a fim de aferir a ‘prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação’, nos termos do art. 273 do CPC, o que não é possível em recurso especial, dado o óbice da Súmula nº 7 desta Corte. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 706.411 – (2015/0103721-1) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 13.08.2015 – p. 1837)

nota:Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão por meio da qual negou-se seguimento ao recurso especial do agravante.A ementa da decisão guarda o seguinte teor:“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AUXÍLIO-MORADIA – TUTELA AN-TECIPATÓRIA DEFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO – ENTENDIMENTO DO JUÍZO A QUO, NO SENTIDO DE QUE PRE-SENTES A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

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– REQUISITOS – PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.”O TJRJ negou provimento à apelação do agravante.No caso dos autos, insurgiu-se o agravante contra entendimento do Tribunal a quo pelo deferimento da antecipação de tutela em Ação Civil Pública promovida pelo Ministé-rio Publico do Estado, para que o Município tome as providências nela determinadas quanto ao iminente risco de deslizamentos decorrentes de fortes chuvas na área em questão.O STJ afirmou que a agravante não trouxe argumento capaz de infirmar os fundamen-tos que alicerçaram a decisão agravada, razão que ensejou a negativa do provimento ao agravo regimental.Por oportuno, destacamos da doutrina conceito e natureza jurídica do instituto em aná-lise:“Tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução lato sensu, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou os seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento. Com a ins-tituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impro-priamente denominadas ‘cautelares satisfativas’, que constitui em si uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa, é porque, ipso facto, não é cautelar. É espécie do gênero tutelas diferenciadas.” (NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 546)O art. 273 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre a tutela antecipada, deixa claro que o juiz somente poderá deferi-la quando presentes seus requisitos autorizadores da concessão. Salientamos os ensinamentos de Carlos Mário da Silva Velloso:“A reforma processual introduzida pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994, instituiu a tutela an-tecipada, ou o adiantamento da tutela que advém do julgamento do mérito, desde que, existindo prova inequívoca, convença-se o juiz da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273).Essa tutela antecipada – deferimento antecipado da pretensão objeto da causa – poderá ser requerida em qualquer ação, na inicial, ou no curso da lide. Na inicial, quanto ao inciso I do art. 273 do CPC – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil repa-ração – ou no curso da lide, relativamente ao inciso II do citado art. 273 do CPC –, fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.A lei que instituiu a tutela antecipada deixou expresso, fazendo remissão ao inciso II do art. 588 do CPC, que, sem caução, não haverá levantamento de depósito em dinheiro e que a tutela antecipada não abrange atos que impliquem alienação de domínio.A tutela antecipada, no fundo, é uma espécie de medida liminar que poderá ser pedi-da em qualquer ação, assemelhando-se a uma medida cautelar, certo, entretanto, que esta não pode antecipar a prestação jurisdicional pleiteada no processo principal (CPC, art. 796 e ss.) e só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, será con-

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cedida sem a audiência das partes (CPC, art. 797).” (VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Antecipação de tutela – Liminares e tutela antecipada. Disponível em: www.iobonline-juridico.com.br)

usuCApiÃO – pReenChimentO dOs ReQuisitOs – ReexAme de pROVA

34030 – “Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Usucapião. Preenchimento dos requisitos. Reexame de prova. 1. Inviável a análise do recurso especial quando depen-dente de reexame de matéria fática da lide (Súmula nº 7 do STJ). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 207.748 – (2012/0157834-6) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 13.08.2015 – p. 1924)

nota:Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento aos re-cursos especiais.Naquela oportunidade, conclui-se pela impossibilidade de acolhida das pretensões dos recorrentes ante (i) a não ocorrência da suscitada negativa de prestação jurisdicional e (ii) a inviabilidade da alteração das conclusões do acórdão recorrido, tendo em vista a incidência da Súmula nº 7/STJ.Nas razões do regimental, os agravantes voltam a defender a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional porque a Corte de origem não teria se manifestado, mesmo quando provocada pela oposição de declaratórios, a respeito de questões que entendem imprescindíveis ao deslinde da controvérsia. Ao final, pugnaram pela reconsideração da decisão agravada ou, alternativamente, que seja o feito submetido ao órgão julgador Colegiado competente.O STJ negou provimento ao agravo regimental asseverando que não prosperam as ale-gações postas no regimental, incapazes de alterar os fundamentos da decisão impug-nada.Citamos a seguir trecho da doutrina de Carlos José Cordeiro:“Professor Orlando Gomes diz que a tese da autonomia da usucapião é consagrada nas modernas legislações, e traça com clareza a distinção entre os dois institutos. Assim, do ponto de vista da finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto a usucapião é modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos também é diversa; na prescrição, é a inércia do sujeito de direito; na usucapião, é a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; a usucapião restringe-se aos direitos reais. A prescrição, por fim, tem um sentido negativo, de extinção, enquanto que a usucapião é positivo, como força geradora. E conclui: ‘Não há que falar, por conseguinte, em pres-crição aquisitiva’.No mesmo sentido, aponta Eduardo Espínola, reconhecendo que há regras comuns às duas espécies de prescrição, aquisitiva (suposto usucapião) e extintiva, porém há entre elas diferenças substanciais: a prescrição aquisitiva tem essencialmente por base a posse, e assim exige a boa-fé; a prescrição extintiva, em regra, dispensa a posse, não

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exige por parte do devedor o requisito da boa-fé; a prescrição aquisitiva pode ser fonte de uma ação ou de uma exceção em proveito do adquirente; a extintiva, sendo pratica-mente um meio de refletir a ação, se apresenta sempre como exceção; o campo da pres-crição aquisitiva não é tão vasto como o da extintiva: a primeira limita-se à aquisição da propriedade e dos direitos reais; a extintiva abrange todo o domínio do direito civil, aplicando-se a todas as classes de relações jurídicas.Dessa forma, entende-se não se poder, sob a análise científica, considerar a usucapião como uma espécie de prescrição aquisitiva, uma vez que diversos são os seus regimes, somente tendo incidência comum o decurso do tempo, como forma de contato entre os dois institutos. Essa afirmativa acompanha o posicionamento do Professor Nélson Luiz Pinto, que, citando Lafayette, assevera ‘ter a prescrição conotação negativa, isto é, nascer da inércia, tendo por efeito dissolver a obrigação e paralisar o direito correlato, e, consequentemente, não gerar direitos. A usucapião, ao contrário, é positiva, porque no seu modo de atuar predomina a força geradora; o proprietário perde o domínio não só por sua inércia, mas também porque o adquire o possuidor. Assim, o não uso do direito de propriedade não importa sua extinção, por ser imprescritível, enquanto existir o seu objeto (propriedade). De sorte que a única possibilidade que se apresenta é a da aquisição por outrem, denominada usucapião, quando, então, o objeto passará a outro titular’.Pode-se, assim, esclarecido que a usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, dentre os vários conceitos oferecidos pela doutrina, apresentar, segundo Nélson Luiz Pinto, ‘o que mais se aproxima do nosso ordenamento jurídico’, de lavra de Modestino: ‘O usucapio este adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit, ou, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei’.Observa-se, dessa última conceituação, bem como das outras arroladas, que dois são os elementos básicos, essenciais, para a aquisição por usucapião: posse e tempo. Exigindo--se, ainda, o animus domini. Ressalte-se que outros elementos podem se fazer presentes nas várias espécies de usucapião (ordinário, extraordinário e especial), tais como o justo título e a boa-fé, os quais serão analisados no momento oportuno.[...]Feitas as considerações iniciais sobre a usucapião e ressaltada a importância do institu-to, cabe revelar que o direito brasileiro admite cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião extraordinário, previsto pelo art. 550 do CC; usucapião ordinário, definido no art. 551 do CC; usucapião mobiliário, descrito nos arts. 618 e 619 do CC, respecti-vamente nas modalidades ordinário e extraordinário; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/1981, com as alterações dadas pela CF no art. 191; e usucapião especial urbano, introduzido pelo art. 183 da Lei Maior.Discriminadas as várias espécies de usucapião, deve-se dizer que não será objeto de estudo a distinção entre os seus diversos tipos, sendo, na verdade, continente de ou-tro tema monográfico. Disso, nota-se que fundamentalmente não divergem entre si as cinco formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos, para a sua con-cessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título.Por aí, percebe-se que para ocorrer a usucapião em geral, faz-se necessário o concur-so de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às

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coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualificação da posse (especiais).A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem dis-secados os requisitos da usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos, ‘que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispositivos referentes à usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito’.Os requisitos pessoais são aqueles que têm em vista o possuidor e o proprietário, de for-ma a abranger a capacidade de cada um, para a ocorrência da usucapião, concebendo--se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro.Deveras, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para pos-suir. Nesse engate, entende Lenine Nequete que são capazes de possuir tanto as pes-soas físicas quanto morais, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito pú-blico e, inclusive, os incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.Esta assertiva fundamenta-se, especialmente, no art. 162 do CC, uma vez que se per-mite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Ter-se-ia, então, terceiros interessados que seriam ‘todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto etc.’.Com relação ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda da coisa, basta que ele seja o proprietário. Aí, incluem-se os relativamente incapazes, e excluem as pessoas jurídicas de direito público. Quanto aos primeiros, o art. 169, I, do CC não os abarca quando torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 5º, ou seja, os sujeitos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Quanto aos segundos, a CF determina que os bens públicos não serão adquiridos por usucapião.Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade sofre restrições decorrentes de diversos acontecimentos, inclusive familiar, obrigacio-nal, etc.Antônio Ferreira Inocêncio relaciona pessoas e situações jurídicas que não se afinam com a usucapião. Assim, tem-se:‘a) Entre cônjuges, na constância do casamento (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, I), qualquer que seja o regime de bens;b) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder (CC, arts. 553, 619, pará-grafo único, e 168, II);c) Entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, III);d) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdeiros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (CC, arts. 553, pará-grafo único, e 168, IV).’Além dessas exceções, o mencionado autor enumera outros casos, aos quais é inaplicá-vel a usucapião.Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao pro-prietário intentar a usucapião sobre o seu imóvel, pois não há a menor ilegalidade em

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que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usu-capião. A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi que ‘não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utili-dade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudicando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio’.Os requisitos reais relacionam-se com as coisas e direitos que podem ser objeto de aqui-sição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estejam fora do comér-cio, assim consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na definição do art. 69 do CC.Anote-se, conforme José Carlos de Moraes Salles, ‘haver coisas naturalmente insus-cetíveis de apropriação e, consequentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres. De outra parte, há coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, porque assim declaradas pelo Direito. Como exemplo, [...] os bens públicos de uso comum do povo, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais (art. 66 do CC)’.Confirma-se que as coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis, posto que elas têm o seu destino fixado por lei, como o bem de família (art. 72 do CC); os imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 386, 427, VI, e 429 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 446, 453 e 463 do CC). Deve-se mencionar que a doutrina, hodiernamente, entende que quando a inalie-nabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião. Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os direitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos ob-jetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. A propósito, ensina Wolff que ‘sólo puede adquirir-se por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propiedad, la superficie, las servidumbres’.Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens públicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula nº 340 do STF, pois que ‘desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. Essa orientação do Pretó-rio Excelso foi acompanhada pelo atual Texto Constitucional, como se nota nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível, sendo indispensável para os imóveis que estes estejam perfeitamente individuados, com suas precisas característi-cas, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatí-vel com a indeterminação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.Ressalta-se, entretanto, que é crescente o número de julgados que admite posse e usuca-pião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica. Vale dizer, também, que embora na usucapião de imóvel exija-se certeza e determina-ção, tem-se admitido usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel di-visível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente.” (CORDEIRO, Carlos José. Usucapião. Juris Síntese, Porto Alegre: IOB/Thomson, nov./dez. 2005. 56 CD-Rom)

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JurisprudênciaPenal

STFSupremo Tribunal Federal

30.06.2015 Segunda TurmaExtradição nº 1.361 Distrito FederalRelator: Min. Celso de MelloReqte.(s): Governo da SuíçaAdv.(a/s): Thais Safe CarneiroExtdo.(a/s): Telma Sofia Couto GarciaAdv.(a/s): Paulo Aloan da Costa Bernardo

EMENTA

extRAdiÇÃO pAssiVA de CARáteR instRutóRiO – extRAditAndA Que, embORA pOssuindO

nACiOnAlidAde pORtuguesA, nÃO É beneFiCiáRiA dO estAtutO de iguAldAde (CF, ARt. 12, § 1º) –

mAndAdO de pRisÃO expedidO pOR RepResentAnte dO ministÉRiO pÚbliCO dO estAdO estRAngeiRO

ReQueRente – VAlidAde – imputAÇÃO penAl pOR supOstA pRátiCA de CRimes de “tentAtiVA de hOmiCÍdiO Ou tentAtiVA de AssAssinAtO,

seQuestRO e ROubO de usO” – delitOs Que, RessAlVAdO O “ROubO de usO” (ReCtius: FuRtO de

usO), enCOntRAm CORRespOndÊnCiA tÍpiCA nO CódigO penAl bRAsileiRO – pedidO Que se ApOiA em tRAtAdO de extRAdiÇÃO entRe O bRAsil e A suÍÇA – ObseRVânCiA, nA espÉCie, dOs CRitÉRiOs

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dA duplA tipiCidAde e dA duplA punibilidAde – extRAditAndA Que demOnstROu COnCORdânCiA

COm O pedidO de extRAdiÇÃO – iRReleVânCiA – inOCORRÊnCiA, nO CAsO, dA COnsumAÇÃO dA

pResCRiÇÃO penAl – inteRROgAtóRiO pROCedidO pOR mAgistRAdO FedeRAl bRAsileiRO – AtendimentO, nO

CAsO, dOs pRessupOstOs e ReQuisitOs neCessáRiOs AO ACOlhimentO, em pARte, dO pleitO extRAdiCiOnAl

– legislAÇÃO dO estAdO ReQueRente Que COminA, nO CAsO, A penA de pRisÃO peRpÉtuA pARA um dOs

delitOs – inAdmissibilidAde dessA puniÇÃO nO sistemA COnstituCiOnAl bRAsileiRO (CF, ARt. 5º, xlVii, b) – neCessidAde de O estAdO ReQueRente

AssumiR, FORmAlmente, O COmpROmissO diplOmátiCO de COmutAR em penA de pRisÃO nÃO supeRiOR A 30 (tRintA) AnOs A penA de pRisÃO peRpÉtuA –

exigÊnCiA, AindA, nA espÉCie, de detRAÇÃO penAl – extRAdiÇÃO deFeRidA em pARte e COm RestRiÇÃO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supre-mo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir, em parte, o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo requerente, a Dra. Thais Safe Carneiro. Au-sente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 30 de junho de 2015.

Celso de Mello – Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): O Governo da Suíça, me-diante Nota Verbal regularmente apresentada por sua Missão Diplomática ao Governo brasileiro, requer a extradição de Telma Sofia Couto Garcia, mo-tivada pela suposta prática dos crimes de “tentativa de homicídio ou tentativa de assassinato, sequestro e roubo de uso” (fls. 07).

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O suporte jurídico deste pedido repousa em tratado de extradição cele-brado entre a República Federativa do Brasil e o Governo da Suíça (1932), em vigor, em nosso sistema de direito positivo interno, desde 13.03.1934 (Decreto nº 23.997/1934).

Saliento, desde logo, que o Estado requerente apresentou cópia da legis-lação necessária ao julgamento da presente extradição. Na realidade, produ-ziu-se, nestes autos, cópia do mandado de prisão (fls. 05/08) e dos textos legais referentes à tipificação dos delitos de homicídio tentado (simples ou qualifi-cado) e sequestro e concernentes à respectiva cominação penal (fls. 09/10), bem assim à correspondente prescrição penal (fls. 11).

Decretou-se, nos autos, a prisão cautelar da súdita estrangeira ora recla-mada (fls. 34/38), efetivada em 21.07.2014 (fls. 40).

Como a prisão foi realizada no Estado do Rio de Janeiro, o Ministro Ricardo Lewandowski, então Relator da PPE 719/DF, delegou competên-cia a Juiz Federal da Seção Judiciária daquela unidade da Federação, para que interrogasse a extraditanda (fls. 67/68), o que ocorreu no dia 10.11.2014 (fls. 106/107), havendo sido assistida, em referido ato, por Defensor Público da União.

A ora extraditanda, por intermédio da Defensoria Pública da União, impugnou o pedido extradicional (fls. 109/116), postulando o indeferimento do pleito sob o fundamento de que os fatos referidos pelo Estado requerente não se ajustam ao critério da dupla tipicidade.

Presentemente, a extraditanda possui Advogado por ela própria consti-tuído (fls. 160/177).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subpro-curadora-Geral da República Dra. Cláudia Sampaio Marques (fls. 252/258), assim resumiu e apreciou este pedido extradicional (fls. 254/257):

“7. Do relato acima, extrai-se que a Suíça dispõe de competência jurisdicional para processar e julgar os crimes imputados à extraditanda, haja vista que os de-litos ocorreram em seu território (art. I do Tratado específico, e art. 78, I, da Lei nº 6.815/1980).

8. O pedido formal de extradição foi devidamente instruído pelo Estado requerente, atendendo-se ao disposto no art. VII do Tratado específico, com cópia do mandado de prisão (válido e vigente) expedido pela autoridade compe-tente (fl. 05), além dos demais documentos exigidos, havendo indicações

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seguras sobre o local, datas, natureza e circunstâncias dos fatos delituosos (docs. fls. 06 e seguintes).

9. Também constam dos autos cópias dos textos legais pertinentes (fls. 09/11), permitindo ao Supremo Tribunal Federal o exame seguro da legalidade da pretensão.

10. Os crimes em análise não possuem conotação política, o que afasta a vedação do art. III (alínea e) do Tratado bilateral, e art. 77 da Lei nº 6.815/1980.

11. Imputa-se à extraditanda a prática dos crimes de tentativa de homicídio (art. 22 e 111) e eventualmente tentativa de assassinato (arts. 22 e 112), além de sequestro (art. 183), todos do Código Penal suíço, também sendo-lhe im-putada a prática do delito de ‘roubo de uso’ previsto na Lei Federal sobre o trânsito (art. 94, al. 2, LCR).

12. Encontram correlação na legislação brasileira o crime de homicídio nas modali-dades simples (art. 121, caput) e qualificada (art. 121, § 2º, incisos I a V), ambos c/c art. 14, inciso II, e parágrafo único (tentativa), todos do CPB, bem como o crime de sequestro qualificado, previsto no art. 148, § 1º, I, do mesmo Diploma repressivo.

13. Quanto ao delito de roubo de uso, muito embora a legislação suíça refira-se a roubo, trata-se, na verdade, de furto de uso, que, de acordo com a legislação daquele País, é punido somente com multa quando praticado por pessoa próxima ou parente do proprietário e o condutor tinha habilitação de motorista permitida.

14. No caso, a extraditanda era esposa do proprietário do veículo, portanto, pessoa próxima a ele e não há notícia de que o condutor não tivesse habilitação. De acordo com o art. 77, inciso IV, da Lei nº 6.815/1980, o crime punido exclusivamente com multa não está sujeito a extradição.

15. Além disso, o delito não é punido pela legislação brasileira, que não tipifica como crime de o uso momentâneo de bem comum do casal, mesmo nas circunstân-cia em que ocorreu o fato. Impõe-se, portanto, o indeferimento da extradição quanto a esse delito.

16. Não há que se falar em cumulação indevida de imputações em relação ao homi-cídio tentado (simples ou qualificado). A documentação encaminhada pela Justiça alienígena noticia a prática do crime de ‘Tentativa de homicídio, eventualmente tentativa de assassinato’ [...], sendo que o delineamento preciso das condutas e a correta adequação típica se darão com base na prova a ser produzida no transcurso do feito, perante a Justiça suíça. Vale lembrar que ‘Na ação de extradição o Supre-mo Tribunal Federal não detém competência para examinar o mérito da pretensão deduzida pelo Estado Requerente ou o contexto probatório em que a postulação ex-tradicional apoia-se’ (Ext 1.355/DF, Relª Min. Cármen Lúcia, DJe de 07.11.2014).

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17. Por sua vez, o crime de sequestro constitui tipo autônomo e independente, não se cogitando de sua absorção pelo delito mais grave, no caso, o crime de homicídio tentado (simples ou qualificado).

18. Em atendimento ao disposto no art. III (alínea c) do Tratado bilateral, observa--se que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva sob a ótica das legislações brasileira e suíça.

19. Os fatos pelos quais a extraditanda está sendo processada ocorreram em 23.04.2014 (fl. 06).

20. A legislação suíça (fls. 09/11) pune o delito de homicídio com a pena mínima de 5 anos, que prescreve em 15 anos (arts. 97 e 111, CP suíço); já o crime de assassi-nato é punido com pena privativa de liberdade perpétua (prescritível em 30 anos) ou pena mínima de 10 anos, a qual prescreve em 15 anos (arts. 97 e 112, CP suíço), incidindo em ambos os casos a diminuição pela tentativa a critério do julgador (art. 22, CP suíço).

21. A título de argumentação, verifica-se que o art. 97 do Código Penal suíço fixa em 7 anos o prazo mínimo para a prescrição da ação penal (‘se a pena máxima for passível de outra pena’); tal parâmetro, ainda que inaplicável ao caso dos autos, norteia o quantum mínimo legalmente previsto para fins de prescrição. Assim, con-siderada a data dos fatos (23.04.2014) e não havendo lapso inferior a 7 anos para a ocorrência da prescrição, dela não se cogita em relação aos crimes de tentativa de homicídio ou de assassinato. O crime de sequestro, por sua vez, é punido com pena máxima de 5 anos, conforme arts. 97 e 183, ambos do CP suíço.

22. Na legislação brasileira o crime de homicídio simples (art. 121, caput, CPB) é punido com pena que varia de 6 a 20 anos, podendo ser reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) em razão da tentativa (art. 14, II, parágrafo único, CPB); mes-mo que fixada no mínimo legal (6 anos) e reduzida na fração máxima aplicável à tentativa (2/3, ou seja, 4 anos), a pena final seria 2 anos, prescrevendo em 4 anos (art. 109, V, CPB), portanto a partir de 23.04.2018; em relação ao homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I a V, CPB), a reprimenda é fixada entre 12 (doze) e 30 (trinta) anos, e mesmo que fixada no mínimo legal (12 anos) e reduzida na fração máxima (2/3, ou seja, 8 anos) em face da tentativa (art. 14, II, parágrafo único, CPB), a pena final seria 4 anos, prescrevendo em 8 anos (art. 109, IV, CPB), o que ocorrerá so-mente a partir de 23.04.2022. Por fim, a pena para o crime de sequestro qualificado (art. 148, § 1º, I, CPB) varia de 2 a 5 anos e prescreve em 12 anos (art. 109, III, CPB), ocorrendo a prescrição em 23.04.2026, lembrando que sendo delito de natu-reza permanente, o prazo prescricional tem início com a cessação da permanência (restituição da liberdade à vítima).

23. Presente, portanto, o requisito da dupla punibilidade.” (grifei)

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É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): O Governo da Suíça pre-tende a entrega extradicional de Telma Sofia Couto Garcia, súdita portuguesa, contra quem existe, naquele País, procedimento penal pela suposta prática dos crimes de “tentativa de homicídio ou tentativa de assassinato, sequestro e roubo de uso”.

Cabe assinalar, preliminarmente, que a ora extraditanda, que possui na-cionalidade portuguesa, não é beneficiária do Estatuto de Igualdade (fls. 201), o que afasta, em matéria de extradição, a restrição imposta pelo art. 18, in fine, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em 22.04.2000 e promulgado pelo Decreto nº 3.927/2001, a significar, portanto, que se revela cognoscível a ação de extradição passiva ajuizada, perante esta Suprema Corte, por um terceiro Estado, como a Confederação Helvética.

A presente extradição reveste-se de caráter instrutório (Yussef Said Cahali, Estatuto do Estrangeiro, p. 315, item nº 26.30, 2. ed., 2011, RT; Gilda Russomano, A Extradição no Direito Internacional e no Direito Brasileiro, p. 22, 2. ed., 1973, Konfino; Mirtô Fraga, O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado, p. 318, 1985, Forense), pois a ora extraditanda – porque sujeita a procedimento penal em curso – ainda não sofreu condenação definitiva pela eventual perpetra-ção das mencionadas infrações delituosas.

Assinalo que esta extradição encontra fundamento jurídico no Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Suíça (1932).

Registro, por necessário, que o ciclo de incorporação desse tratado bilateral encerrou-se, regularmente, com a sua promulgação pelo Decreto nº 23.997/1934, observado, desse modo, o procedimento ritual a que se refere à jurisprudência des-ta Suprema Corte (RTJ 174/463-465, Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 179/493-496, Rel. Min. Celso de Mello).

Acentuo, de outro lado, que a extraditanda – presa e recolhida à disposi-ção deste Tribunal (fls. 40) – foi interrogada por magistrado federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, cumprindo referir que o ato judicial de interrogatório realizou-se na presença de Defensor Público da União nomeado para assisti-la.

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A circunstância de a extraditanda estar de acordo com o pedido extradicional e de declarar que deseja retornar à Suíça, a fim de enfrentar, naquele País, as acusa-ções penais que contra ela foram deduzidas, não exonera o Supremo Tribunal Federal, até mesmo em obséquio ao princípio constitucional do due process of law, do dever de efetuar rígido controle de legalidade sobre a postulação formulada pelo Estado requerente.

A jurisprudência desta Corte tem proclamado a irrenunciabilidade, em face de nosso ordenamento positivo, das garantias jurídicas que se revelam essen-cialmente inerentes ao processo extradicional. Mostra-se irrelevante, nesse con-texto, a mera declaração do extraditando de que deseja ser imediatamente entregue à Justiça do Estado requerente (RTJ 64/22, Rel. Min. Bilac Pinto – RTJ 85/7, Rel. Min. Antonio Neder – RTJ 132/137, Rel. Min. Celso de Mello – Ext 352/Reino da Dinamarca, Rel. Min. Moreira Alves – Ext 583/República Italiana, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).

Passo, em consequência, a analisar o pedido extradicional submetido à apreciação desta Suprema Corte.

Não se alegue que a ordem de prisão expedida contra a súdita estrangei-ra ora reclamada, por haver emanado do Ministério Público suíço, em Friburgo, não se revestiria de validade ante o ordenamento constitucional brasileiro, que somente admite a decretação da prisão mediante ordem judicial.

Cabe observar que o pedido ora em exame acha-se instruído com a or-dem de prisão emanada de autoridade (Ministério Público suíço, fls. 12/15) que, nos termos da legislação do Estado requerente, dispõe de competência para de-cretar, naquele País, a privação cautelar da liberdade individual de pessoas que figurem como indiciadas ou acusadas em procedimentos de caráter penal-per-secutório.

O Estatuto do Estrangeiro, ao dispor sobre os documentos que devem obrigatoriamente instruir o pedido extradicional, refere-se, entre eles, à cópia da decisão “que decretar a prisão preventiva, proferida por juiz ou autoridade com-petente” (Lei nº 6.815/1980, art. 80, caput; Tratado de Extradição Brasil/Suíça, Artigo VII).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, orienta-se nesse mesmo sentido:

“A instrução criminal a que se refere o artigo VII do Tratado de Extradição firmado pelo Brasil e pela Suíça e promulgado pelo Decreto nº 23.997, de 13.3.34, abarca, também, a fase das investigações extrajudiciais, razão por

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que o pedido de extradição pode vir fundado em decreto de prisão ema-nado do Ministério Público Suíço. Precedentes do STF: Extradições nºs 333 e 491.”

(Ext 478/Suíça, Rel. Min. Moreira Alves – grifei)

“VALIDADE DO MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO POR REPRESEN-TANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO ESTRANGEIRO RE-QUERENTE

O ordenamento positivo brasileiro, no que concerne aos processos extra-dicionais, não exige que a ordem de prisão contra o extraditando tenha emanado, necessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário. Basta que se cuide de autoridade investida, nos termos da legis-lação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão.

Precedentes.” (Ext 744/Bulgária, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)

Em tema de direito extradicional, portanto, não se pode impor ao Estado re-querente, na definição da autoridade competente para ordenar a prisão cautelar de alguém, o modelo jurídico consagrado pelo sistema normativo vigente no Brasil, que – com a só exceção de algumas hipóteses taxativamente discriminadas em sede constitucional (CF/1988, art. 5º, LXI, in fine, e art. 136, § 3º, I) – atribui aos órgãos do Poder Judiciário (e a estes somente) a prerrogativa extraordinária de decretar a privação da liberdade individual.

Daí a observação de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano, para quem um dos requisitos condicionadores do pedido extradicional reside na existência de ordem de prisão “determinada por autoridade competente (judiciária ou admi-nistrativa) do Estado que requereu a extradição” (“A Extradição no Direito Interna-cional e no Direito Brasileiro”, p. 128, 3. ed., 1981, RT).

Orienta-se, nesse mesmo sentido, como já assinalado, o magistério jurispru-dencial do Supremo Tribunal Federal, que expressamente reconhece, para efei-to dos processos extradicionais, a “Aptidão do mandado de prisão expedido pelo Ministério Público do Estado requerente” (RTJ 89/716, Rel. Min. Xavier de Albuquerque).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ext 633 – Repú-blica Popular da China, Rel. Min. Celso de Mello, ratificou, uma vez mais, esse mesmo entendimento, ao proferir decisão assim ementada:

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“VALIDADE DO MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO POR REPRESEN-TANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO ESTRANGEIRO RE-QUERENTE

O ordenamento positivo brasileiro, no que concerne aos processos extra-dicionais, não exige que a ordem de prisão contra o extraditando tenha emanado, necessariamente, de autoridade estrangeira integrante do Poder Judiciário. Basta que se cuide de autoridade investida, nos termos da legis-lação do próprio Estado requerente, de atribuição para decretar a prisão do extraditando. Precedente.”

Cumpre ter presente, de outro lado, a respeito da inocorrência, no caso, da consumação da prescrição penal, o correto pronunciamento emanado da douta Procuradoria-Geral da República (fls. 256/257):

“18. Em atendimento ao disposto no art. III (alínea c) do Tratado bilateral, observa--se que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva sob a ótica das legislações brasileira e suíça.

19. Os fatos pelos quais a extraditanda está sendo processada ocorreram em 23.04.2014 (fl. 06).

20. A legislação suíça (fls. 09/11) pune o delito de homicídio com a pena mínima de 5 anos, que prescreve em 15 anos (arts. 97 e 111, CP suíço); já o crime de assassi-nato é punido com pena privativa de liberdade perpétua (prescritível em 30 anos) ou pena mínima de 10 anos, a qual prescreve em 15 anos (arts. 97 e 112, CP suíço), incidindo em ambos os casos a diminuição pela tentativa a critério do julgador (art. 22, CP suíço).

21. A título de argumentação, verifica-se que o art. 97 do Código Penal suíço fixa em 7 anos o prazo mínimo para a prescrição da ação penal (‘se a pena máxima for passível de outra pena’); tal parâmetro, ainda que inaplicável ao caso dos autos, norteia o quantum mínimo legalmente previsto para fins de prescrição. Assim, considerada a data dos fatos (23.04.2014) e não havendo lapso inferior a 7 anos para a ocorrência da prescrição, dela não se cogita em relação aos crimes de tentati-va de homicídio ou de assassinato. O crime de sequestro, por sua vez, é punido com pena máxima de 5 anos, conforme arts. 97 e 183, ambos do CP suíço.

22. Na legislação brasileira o crime de homicídio simples (art. 121, caput, CPB) é punido com pena que varia de 6 a 20 anos, podendo ser reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) em razão da tentativa (art. 14, II, parágrafo único, CPB); mesmo que fixada no mínimo legal (6 anos) e reduzida na fração máxima aplicável à tentativa (2/3, ou seja, 4 anos), a pena final seria 2 anos, prescre-vendo em 4 anos (art. 109, V, CPB), portanto a partir de 23.04.2018; em rela-

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ção ao homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I a V, CPB), a reprimenda é fixada entre 12 (doze) e 30 (trinta) anos, e mesmo que fixada no mínimo legal (12 anos) e reduzida na fração máxima (2/3, ou seja, 8 anos) em face da tentati-va (art. 14, II, parágrafo único, CPB), a pena final seria 4 anos, prescrevendo em 8 anos (art. 109, IV, CPB), o que ocorrerá somente a partir de 23.04.2022. Por fim, a pena para o crime de sequestro qualificado (art. 148, § 1º, I, CPB) varia de 2 a 5 anos e prescreve em 12 anos (art. 109, III, CPB), ocorrendo a prescri-ção em 23.04.2026, lembrando que sendo delito de natureza permanente, o prazo prescricional tem início com a cessação da permanência (restituição da liberdade à vítima).” (grifei)

Vê-se, pois, que o exame da presente causa evidencia que a pretensão extra-dicional ora deduzida pelo Governo da Suíça satisfaz, integralmente, a exigên-cia concernente ao postulado da dupla punibilidade, revelando-se possível, desse modo, sob tal aspecto, a presente extradição, de natureza instrutória.

Não se pode desconhecer, de outro lado, que o Estado requerente qualifica--se como Estado verdadeiramente democrático, cujas instituições asseguram, em juízo penal, a qualquer réu, as garantias jurídico-processuais básicas reconheci-das pelas declarações internacionais de direitos.

Cabe ressaltar que as infrações penais atribuídas à extraditanda (fls. 09/10) acham-se desvestidas de caráter político. Constituem delitos comuns, insuscetíveis de julgamento perante tribunais de exceção no Estado requeren-te, cuja Constituição veda os órgãos judiciários ad hoc.

A súdita estrangeira em questão deverá ser julgada, na Suíça, por órgãos do Poder Judiciário que se conformam às exigências impostas pelo princípio do juiz natural, em tudo compatíveis com as diretrizes que esta Suprema Corte fir-mou a propósito de tão relevante postulado constitucional (RTJ 169/557, Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 179/378 – 379, Rel. Min. Celso de Mello):

“O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONS-TITUCIONAL INDISPONíVEL ASSEGURADA A QUALQUER RÉU EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL

O princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório, notadamente quando exercidas em sede judicial.

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O postulado do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem por titu-lar qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Esta-do e, enquanto limitação insuperável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal.

É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo – consi-derado o princípio do juiz natural –, que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judicial competente. Nenhuma pessoa, em consequência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que repre-sentam limitações expressivas aos poderes do Estado –, consagrou, agora, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que ‘ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente’.”

(RTJ 193/357-358, Rel. Min. Celso de Mello)

Os fatos delituosos ensejadores da formulação deste pedido extradicio-nal, por sua vez, submetem-se à competência penal exclusiva da Justiça do Es-tado requerente, a quem incumbe, sem o concurso da jurisdição dos tribunais brasileiros, processar e julgar a extraditanda.

Como anteriormente destacado, a Suíça pretende a entrega extradicional da súdita portuguesa em causa, contra quem existe, naquele País, persecução penal pela suposta prática dos crimes de “tentativa de homicídio ou tentativa de assassinato, sequestro e roubo de uso”, como resulta claro da seguinte pas-sagem constante do “mandado de prisão” (fls. 07):

“Em razão dos fatos acima descritos e conforme ao Código Penal Suíço (a seguir CP, cf. disposição legais aplicáveis anexadas) e a Lei federal sobre o tráfego nas estradas (a seguir LCR, cf. disposições legais aplicáveis anexadas), Telma Sofia Couto Garcia e Max Gleison da Silva Blanco parecem ter sido culpados de:

– Tentativa de morte no senso dos art. 22 et 111, CP;

– Eventualmente, tentativa de assassinato no senso dos arts. 22 et 112, CP;

– Sequestro, no senso do art. 183, CP;

– Uso de roubo no senso do art. 94 al. 2, LCR.” (grifei)

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A pretensão extradicional deduzida pelo Governo da Suíça satisfaz, com exceção do crime de roubo de uso (rectius, furto de uso), a exigência concer-nente ao postulado da dupla tipicidade.

É que os delitos imputados à súdita portuguesa encontram plena cor-respondência típica nos arts. 121, caput, e § 2º, incisos I a V, ambos c/c o art. 14, inciso II e parágrafo único (homicídio simples e homicídio qualificado tentados), bem assim no art. 148, § 1º, inciso I (sequestro qualificado), todos do Código Penal Brasileiro.

Daí a correta observação feita pela douta Procuradoria-Geral da República quanto ao atendimento, na espécie, dessa específica exigência (fls. 255):

“11. Imputa-se à extraditanda a prática dos crimes de tentativa de homicídio (art. 22 e 111) e eventualmente tentativa de assassinato (arts. 22 e 112), além de sequestro (art. 183), todos do Código Penal suíço, também sendo-lhe im-putada a prática do delito de ‘roubo de uso’ previsto na Lei Federal sobre o trânsito (art. 94, al. 2, LCR).

12. Encontram correlação na legislação brasileira o crime de homicídio nas mo-dalidades simples (art. 121, caput) e qualificada (art. 121, § 2º, incisos I a V), ambos c/c art. 14, inciso II, e parágrafo único (tentativa), todos do CPB, bem como o crime de sequestro qualificado, previsto no art. 148, § 1º, I, do mesmo Diploma repressivo.” (grifei)

Com efeito, a análise dos autos evidencia que inexiste qualquer obstáculo legal ao deferimento deste pedido de extradição relativamente à suposta prática dos crimes de homicídio (ou assassinato) e sequestro, pois, em relação a essas espécies delituosas, acha-se atendido o princípio da dupla tipicidade, além de satisfeitos todos os requisitos e condições a que alude o art. 78 do Estatuto do Estrangeiro, não ocorrendo, ademais, quanto a essas infrações penais mencio-nadas, qualquer dos fatores de vedação inscritos tanto na Lei nº 6.815/1980 quanto no Tratado de Extradição entre o Brasil e a Suíça, o que torna possível, no caso, o deferimento do pleito extradicional.

No que concerne ao delito de roubo de uso, cabe fazer, desde logo, uma observação, na linha do pronunciamento do Ministério Público Federal, que, longe de vislumbrar a prática de subtração patrimonial mediante violência ou grave ameaça, identificou, no comportamento da ora extraditanda, o suposto cometimento de furto de uso, que, além de destituído de tipicidade penal, atrai-ria, quando muito, a cláusula de imunidade penal fundada no art. 181, inciso I,

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do Código Penal, que torna isento de pena aquele que comete simples delito de furto contra seu próprio cônjuge na constância da sociedade conjugal.

Ao opinar na presente sede processual, a douta Procuradoria-Geral da República manifestou-se sobre esse tema de modo preciso e esclarecedor (fls. 255):

“13. Quanto ao delito de roubo de uso, muito embora a legislação suíça refira--se a roubo, trata-se, na verdade, de furto de uso, que, de acordo com a legisla-ção daquele País, é punido somente com multa quando praticado por pessoa próxima ou parente do proprietário e o condutor tinha habilitação de mo-torista permitida.

14. No caso, a extraditanda era esposa do proprietário do veículo, portanto, pes-soa próxima a ele e não há notícia de que o condutor não tivesse habilita-ção. De acordo com o art. 77, inciso IV, da Lei nº 6.815/1980, o crime punido exclusivamente com multa não está sujeito à extradição.

15. Além disso, o delito não é punido pela legislação brasileira, que não tipifica como crime o uso momentâneo de bem comum do casal, mesmo nas circunstân-cias em que ocorreu o fato. Impõe-se, portanto, o indeferimento da extradição quanto a esse delito.” (grifei)

Sabemos que o furto de uso não se reveste de qualificação jurídico-penal, quando caracterizada a ausência do animus furandi, tal como ocorre naquelas situações em que se registra a subtração da coisa para uso momentâneo, eis que inexistente, em tal hipótese, a intenção de reter, em caráter definitivo, a posse da res furtiva.

Vale rememorar, no ponto, que esse tem sido o entendimento da doutrina (Cezar Roberto Bitencourt, Código Penal Comentado, p. 711, item nº 15.3, 8. ed., 2014, Saraiva; Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, p. 681, 22. ed., 2014, Saraiva; Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, Código Penal Interpre-tado, p. 951, item nº 155.7, 7. ed., 2011, Atlas; Guilherme de Souza Nucci, Có-digo Penal Comentado, p. 870/871, item nº 8-E, 15. ed., 2015, Forense; Rogério Greco, Código Penal Comentado, p. 518, 9. ed., 2015, Impetus, v.g.) e da juris-prudência dos Tribunais (RT 486/320 – RT 491/336 – RT 523/471 – RT 553/370 – RT 553/387, v.g.), inclusive a desta Suprema Corte (RTJ 34/655 – RTJ 37/96 – RTJ 86/42 – HC 31.892/RS – RE 63.884/MG, v.g.).

Há, ainda, na espécie, uma questão relevante, apta a justificar, por si só, a imposição de restrição ao pleito extradicional ora em exame.

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É que o Estado requerente informa que a ora extraditanda pode vir a sofrer, pela prática do crime de assassinato (em sua modalidade tentada), a imposição de pena de prisão perpétua.

Esta Suprema Corte, no julgamento da Ext 855/República do Chile, de que fui Relator, reviu sua jurisprudência em tema de extradição passiva, firmando, então, entendimento no sentido de que, se cabível a pena de prisão perpétua (como sucede na espécie), e uma vez deferido o pleito extradicional, sua efetivação es-tará condicionada ao compromisso do Estado estrangeiro requerente de comutá-la em pena de prisão temporária não superior a 30 (trinta) anos de reclusão, em decisão que, nesse específico ponto, restou consubstanciada em acórdão assim ementado:

“EXTRADIÇÃO E PRISÃO PERPÉTUA – NECESSIDADE DE PRÉVIA COMUTAÇÃO, EM PENA TEMPORÁRIA (MÁXIMO DE 30 ANOS), DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM OBEDIÊNCIA À DECLARAÇÃO CONSTITUCIONAL DE DIREITOS (CF, ART. 5º, XLVII, B)

A extradição somente será deferida pelo Supremo Tribunal Federal, tratan-do-se de fatos delituosos puníveis com prisão perpétua, se o Estado reque-rente assumir, formalmente, quanto a ela, perante o Governo brasileiro, o compromisso de comutá-la em pena não superior à duração máxima admitida na lei penal do Brasil (CP, art. 75), eis que os pedidos extradicionais – con-siderado o que dispõe o art. 5º, XLVII, b, da Constituição da República, que veda as sanções penais de caráter perpétuo – estão necessariamente sujeitos à autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental brasileira. Doutri-na. Novo entendimento derivado da revisão, pelo Supremo Tribunal Federal, de sua jurisprudência em tema de extradição passiva.”

(Ext 855/República do Chile, Rel. Min. Celso de Mello)

Esse entendimento revela-se, hoje, predominante no Supremo Tribunal Federal (Ext 944/EUA, Rel. Min. Ayres Britto – Ext 985/República Argenti-na, Rel. Min. Joaquim Barbosa – Ext 1.051/EUA, Rel. Min. Marco Aurélio – Ext 1.103/EUA, Rel. Min. Eros Grau – Ext 1.104/Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, Rel. Min. Cezar Peluso, v.g.), que condiciona, agora, a en-trega da extraditanda à formulação, pelo Estado requerente, de compromisso diplomático pelo qual se obrigue a comutar a pena de prisão perpétua em sanção temporária de até 30 (trinta) anos de privação da liberdade.

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Tal como afirmei nos autos da Ext 855/República do Chile – coerente com votos proferidos em anteriores processos extradicionais (Ext 486 – Ext 654 – Ext 703-ED – Ext 711 – Ext 773 – Ext 811 – Ext 838) –, não vejo como dar pre-cedência a prescrições gravosas de ordem meramente convencional (tratados de extradição) ou de natureza simplesmente legal sobre regras inscritas na Constituição, que vedam, entre outras sanções penais, a cominação e a imposição de quaisquer penas de caráter perpétuo (CF, art. 5º, inciso XLVII, b).

Essa cogente, absoluta e incontornável proibição de índole constitucional con-figura, na realidade, o próprio fundamento da norma jurídica consubstanciada no art. 75 do Código Penal brasileiro, que limita a trinta (30) anos o tempo má-ximo de cumprimento das penas privativas de liberdade (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, p. 212, 5. ed., 1995, Saraiva; Celso Delmanto, Código Penal Comentado, p. 121, 3. ed., 1991, Renovar; Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. I/320, item nº 7.6.7, 9. ed., 1995, Atlas; Álvaro Mayrink da Costa, Direito Penal – Parte Geral, v. I, tomo II/579, 4. ed., 1992, Forense; Jorge Alberto Romeiro, Curso de Direito Penal Militar, p. 196, item nº 114, 1994, Sa-raiva; Luiz Vicente Cernicchiaro/Paulo José da Costa Júnior, Direito Penal na Constituição, p. 112/114, 1990, RT).

Daí o magistério de Celso Ribeiro Bastos (Comentários à Constituição do Brasil, v. II/242, 1989, Saraiva), para quem o legislador penal brasileiro “[...] captou muito bem o sentido do preceito da Lei Maior”, eis que, ao fixar o limite de ordem temporal mencionado (CP, art. 75), definiu o máximo penal juridicamente exequível em nosso País.

Cumpre rememorar, também, por oportuno, o ensinamento de Carolina Cardoso Guimarães Lisboa (A Relação Extradicional no Direito Brasileiro, p. 221, 2001, Del Rey), que expende, sobre o tema, precisa lição:

“A proibição da aplicação de pena com caráter perpétuo é um direito individual garantido no Brasil pela Constituição da República aos que se encontram sob ju-risdição brasileira, e, dessa forma, tais indivíduos não podem ver-se condenados a uma pena dessa espécie.

[...]

No caso do Brasil, entendemos que os direitos humanos acima menciona-dos referem-se tanto àqueles reconhecidos expressamente pela atual Cons-tituição, em seu art. 5º, quanto os estabelecidos em tratados e convenções internacionais do qual o País seja parte (§ 2º do art. 5º). Assim, havendo a possibilidade de violação de um direito individual reconhecido pelo or-denamento brasileiro, é de se recusar a extradição. Entretanto, no caso de tal

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violação respeitar à possibilidade de o extraditando sofrer pena de prisão perpétua no Estado requerente, entendemos que, verificada a legalidade da extradição, para que a entrega não seja recusada, o Estado requerente deve se comprometer a não aplicar tal penalidade, estabelecendo um prazo cer-to para a prisão.” (grifei) Cabe referir, ainda, o magistério de Artur de Brito Gueiros Souza (As Novas Tendências do Direito Extradicional, p. 172, 1998, Re-novar), no sentido de que, “[...] devido à obrigatoriedade da detração da prisão provisória na pena definitiva – exigível do Estado requerente no processo de extradição – somado a outros argumentos de índole constitucional, po-demos sustentar que a sanção de prisão perpétua – em tese ou em concreto – encontra-se excluída de nosso direito extradicional, competindo, dessa forma, ao Supremo Tribunal o dever de condicionar a entrega do extraditando ao compromisso de comutação em questão.” (grifei)

Irrepreensível, sob todos os aspectos, o douto voto vencido do eminente Ministro Rafael Mayer, proferido no julgamento da Ext 426/EUA, ocasião em que esse ilustre magistrado ponderou, com indiscutível correção, a propósito do tema, o que se segue:

“Entendo que a razão da interpretação compreensiva, adotada pela Corte, reside em que repugna ao ordenamento jurídico brasileiro a aplicação, em tempo de paz, da pena de morte, bem assim a prisão perpétua, ambas as sanções tratadas geralmente, pari passu, nas legislações que adotam e na doutrina como integrantes da mesma categoria de penas eliminatórias. Trata-se de um reflexo, na aplicação das leis ou dos tratados, da supremacia do valor consagrado na proibição constitucional [...], não sendo admissível faça a entrega de alguém, submetido à sua jurisdição, para sofrer pena que, no País, não se aplicaria, por absoluta incompatibilidade com os seus preceitos.”(RTJ 115/969, 972, Rel. Min. Rafael Mayer – grifei)

Em recente julgamento, esta colenda Segunda Turma do Supremo Tri-bunal Federal, ao apreciar questão idêntica, proferiu decisão que, quanto a esse particular aspecto, está assim ementada:

“EXTRADIÇÃO PASSIVA DE CARÁTER EXECUTÓRIO – PRÁTICA DE HOMICíDIO – [...] LEGISLAÇÃO DO ESTADO REQUERENTE QUE CO-MINA, NO CASO, A PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – INADMISSIBILIDA-DE DESSA PUNIÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO (CF, ART. 5º, XLVII, B) – NECESSIDADE DE O ESTADO REQUERENTE ASSUMIR, FORMALMENTE, O COMPROMISSO DIPLOMÁTICO DE COMUTAR, EM PENA DE PRISÃO NÃO SUPERIOR A 30 (TRINTA)

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ANOS, A PENA DE PRISÃO PERPÉTUA [...].” (Ext 1.343/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Finalmente, nem se alegue que a ora extraditanda, por possuir filho titular de nacionalidade brasileira primária, não poderia sofrer a entrega ex-tradicional ao Estado estrangeiro requerente.

É que incide, em tal hipótese, a Súmula nº 421 desta Corte, cujo enunciado mostra-se plenamente compatível com o texto da vigente Constituição da Re-pública, consoante tem sido enfatizado pelo magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:

“INOCORRÊNCIA DE FATOS IMPEDITIVOS – SATISFAÇÃO DAS CON-DIÇÕES NECESSÁRIAS AO ATENDIMENTO DO PLEITO EXTRADI-CIONAL – EXISTÊNCIA DE FAMíLIA BRASILEIRA (UNIÃO ESTÁVEL), NOTADAMENTE DE FILHO COM NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA – SITUAÇÃO QUE NÃO IMPEDE A EXTRADIÇÃO – COM-PATIBILIDADE DA SÚMULA Nº 421/STF COM A VIGENTE CONSTITUI-ÇÃO DA REPÚBLICA – PEDIDO DE EXTRADIÇÃO DEFERIDO

Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira, ainda que com esta possua filho brasileiro.

A Súmula nº 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familia-res com pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradição. Precedentes.” (RTJ 191/17-18, Rel. Min. Celso de Mello)

“A circunstância de o súdito estrangeiro possuir cônjuge brasileiro, ou de ter fi-lhos impúberes nascidos no Brasil, ou de exercer, em território nacional, atividade lícita e honesta, não constitui impedimento jurídico ao deferimento da extradição passiva.”

(RTJ 177/1250-1251, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)

“EXTRADIÇÃO – CONDIÇÕES – FILHOS BRASILEIROS – ATIVIDADE ECONÔMICA – RESIDÊNCIA CERTA – EFEITOS – Observadas as condições previstas na Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, bem como a inexistência de óbice legal à extradição, impõe-se-lhe o deferimento. Isto ocorre quando pesa contra o extraditando condenação judicial com resíduo de pena a ser cumprido considerado o tráfico de entorpecente, não se podendo cogitar da prescrição. O fato de encontrar-

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-se em atividade econômica no Brasil, possuindo endereço certo e sendo pai de filhos brasileiros natos, não obstaculiza o deferimento do pedido.” (RTJ 165/472, Rel. Min. Marco Aurélio – grifei)

A orientação em causa – que se apoia na formulação consubstanciada na Súmula 421/STF – tem prevalecido, sem maiores disceptações, na juris-prudência desta Suprema Corte (RTJ 148/110-111, Rel. Min. Celso de Mello – RTJ 172/751-753, Rel. Min. Celso de Mello – Ext 803/República Argentina, Rel. Min. Nelson Jobim – Ext 822/República Italiana, Rel. Min. Nelson Jobim – Ext 833/República Portuguesa, Rel. Min. Celso de Mello):

“Não impede a extradição a circunstância de o súdito estrangeiro ser casado com brasileira, ou de ser pai de filho brasileiro, ou, ainda, de desenvolver ativi-dade empresarial lícita no Brasil. Súmula nº 421/STF. [...].”

(RTJ 155/34-35, Rel. Min. Celso de Mello)

“[...] COMPATIBILIDADE DO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA Nº 421/STF COM O TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A existência de filhos brasileiros e/ou a comprovação de vínculo conjugal ou de convivência more uxorio do extraditando com pessoa de nacionalida-de brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efei-tos extradicionais, não impedindo, em conseqüência, a efetivação da extra-dição do súdito estrangeiro. A superveniência da nova ordem constitucio-nal não afetou a validade da formulação contida na Súmula nº 421/STF, que subsiste íntegra sob a égide da vigente Constituição republicana.

Precedentes.” (RTJ 183/42-43, Rel. Min. Celso de Mello)

A razão subjacente ao entendimento jurisprudencial e à formulação sumular em causa restou claramente evidenciada em preciso voto proferido pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Ext 510/Repú-blica Portuguesa (RTJ 139/470, 472-473), ocasião em que esta Corte, vigente a Constituição republicana de 1988, assim examinou a matéria:

“A proibição relativa à expulsão do estrangeiro, que tenha filho brasileiro depen-dente, pode estender-se, por analogia, à deportação [...].

Mas, em ambos os casos, tanto na expulsão quanto na deportação, cuida-se de medidas de polícia, dependentes de um juízo discricionário de inconveniência da estada do estrangeiro no território nacional, juízo de conveniência ao qual se pode sobrepor razoavelmente o interesse do filho brasileiro.

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Na extradição, ao contrário, sempre se reputou irrelevante a circunstância, porque se trata de medida de cooperação internacional à repressão de um comportamento criminoso. Aí, no campo da repressão penal, a paternidade do estrangeiro de filho brasileiro não impede a sua extradição, assim como, no foro interno, ter filho menor e dependente não impede a condenação do brasileiro, embora também importe a sua segregação da família, com evidente prejuízo à assistência devida ao menor.

Não se trata de uma criação arbitrária da Súmula nº 421. Creio mesmo [...] que essa regra de irrelevância das relações familiares no foro, no tocante à extradição, se possa considerar uma regra uniforme no Direito Extradicio-nal Comparado.” (grifei)

Em suma: entendo que deve ser deferido, em parte, este pleito extra-dicional, porque atendidos os pressupostos e satisfeitas as exigências a que alude o Estatuto do Estrangeiro e a que se refere, também, o tratado bilateral Brasil/Suíça, ressalvando-se, apenas, a necessidade de o Governo da Suíça assumir formal compromisso no sentido de comutar, em pena temporária – máximo de 30 (trinta) anos de reclusão –, a pena de prisão perpétua even-tualmente imponível à extraditanda pelo delito de assassinato, em sua forma tentada, por ela supostamente cometido, em respeito ao que determina, de modo incontrastável, a Constituição brasileira (art. 5º, inciso XLVII, b).

Observo, ainda, que se impõe, na espécie, a detração penal – exigida pelo Estatuto do Estrangeiro (art. 91, II) –, em ordem a que se deduza das penas a serem eventualmente impostas à ora extraditanda o período de prisão cau-telar a que ela esteve sujeita, em nosso País, por efeito deste processo extradi-cional.

Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, defiro, em parte e com restrição, o pedido extradicional, em ordem a autorizar a extradição da súdita estrangeira em causa pelos delitos que lhe estão sendo imputados, ex-cluído o “roubo de uso” (rectius: furto de uso), desde que o Estado requerente assuma, em caráter formal, perante o Governo brasileiro, quanto ao delito de assassinato, em sua forma tentada, o compromisso de comutar em pena de prisão temporária (máximo de 30 anos) a pena a ser eventualmente aplicada à ora ex-traditanda, além de comprometer-se a promover a detração penal que venho de mencionar, considerado, para tanto, o período de prisão cautelar a que ela esteve sujeita, em nosso País, unicamente por efeito deste processo extradicional.

É o meu voto.

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SEGUNDA TURMA EXTRATO DE ATA

Extradição nº 1.361

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Celso de Mello

Reqte.(s): Governo da Suíça

Adv.(a/s): Thais Safe Carneiro

Extdo.(a/s): Telma Sofia Couto Garcia

Adv.(a/s): Paulo Aloan da Costa Bernardo

Decisão: A Turma, por votação unânime, deferiu, em parte, o pedido de extradição, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo requerente, a Dra. Thais Safe Carneiro. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. 2ª Turma, 30.06.2015.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à sessão os Se-nhores Ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia e Teori Zavascki. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Odim Brandão Ferreira.

Ravena Siqueira Secretária

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STJSuperior Tribunal de JuSTiça

Recurso em Habeas Corpus nº 58.847 – SP (2015/0095268-3)Relator: Ministro Reynaldo Soares da FonsecaRecorrente: José Fernão Mariano Leme da Costa (preso)Advogados: Luciana Rodrigues de Moraes

Welington Araujo de ArrudaRecorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

EMENTA

ReCuRsO ORdináRiO em hAbeAs CORpus – ROubO CiRCunstAnCiAdO; COnstRAngimentO ilegAl

(hipótese) – pRisÃO pReVentiVA (pRetendidA ReVOgAÇÃO) – ApResentAÇÃO espOntâneA à AutORidAde pOliCiAl; exCessO de pRAzO nA

FORmAÇÃO dA CulpA (AlegAÇões) – pReenChimentO dOs ReQuisitOs (gRAVidAde COnCRetA dO delitO;

mOdus OpeRAndi) – peRiCulOsidAde dO Agente (COndiÇÃO de inVestigAdOR de pOlÍCiA CiVil) –

FundAmentAÇÃO idôneA e COnstituCiOnAl (COAÇÃO ilegAl nÃO demOnstRAdA) – COndiÇões pessOAis FAVORáVeis (iRReleVânCiA) – ReCuRsO impROVidO

1. A apresentação espontânea à autoridade policial não impede a decretação da prisão provisória, tampouco serve de motivo para a sua revogação, caso a necessidade do cárcere se faça presente (Precedentes).

2. Caso em que o recorrente se valeu da condição de Investigador de Polícia para viabilizar a prática dos delitos, quando, juntamente com um Policial Civil aposentado e um terceiro corréu, munidos de armas de fogo e distintivos, dizendo-se policiais, abordaram as vítimas e sub-traíram o seu veículo, com a carga que trazia, a pretexto de que estavam fazendo a sua apreensão. Em seguida, exigiram o depósito da importân-

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cia de R$ 4.000,00 para a devolução da carga. Em que pese tenha sido o depósito efetuado, os objetos não foram restituídos ao ofendido.

3. Hipótese em que o decreto prisional encontra-se devidamente justificado na gravidade concreta dos crimes, na garantia da ordem pú-blica e na periculosidade efetiva do recorrente, mormente em se tratan-do de agentes que se passam por policiais.

4. Eventual retardo na tramitação do feito justifica-se pela plu-ralidade de réus, com multiplicidade de defesa e prazos distintos, bem como da necessidade de oitiva de diversas testemunhas arroladas, mui-tas delas mediante expedição de carta precatória.

5. Ausente a alegada desídia da autoridade judiciária na condu-ção do feito, não cabe falar em constrangimento ilegal. Ao revés, consta-ta-se que o Magistrado, a despeito das circunstâncias adversas, procura imprimir à ação penal andamento regular.

6. Recurso improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justi-ça, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer e Gurgel de Fa-ria votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de agosto de 2015 (data do Julgamento).

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por José Fernão Mariano Leme da Costa contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que denegou a ordem lá impetrada (e-STJ fls. 70/80).

Na origem, sustentou o impetrante que o paciente é primário, possui residência fixa no distrito da culpa e ainda se apresentou espontaneamente à autoridade policial, não tendo havido situação flagrancial que ensejasse a

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prisão cautelar. Alegou não estarem presentes os requisitos do art. 312 do Có-digo de Processo Penal. Sucessivamente, pleiteou o impetrante a concessão de liberdade provisória, por excesso de prazo na formação da culpa (e-STJ fls. 1/10).

No presente recurso, repetem-se os fundamentos e pedidos originários, postulando-se a revogação da prisão preventiva decretada (e-STJ fls. 85/92).

Em contrarrazões, pugnou o Ministério Público de São Paulo pelo des-provimento do recurso (e-STJ fls. 104/112).

O pleito urgente foi indeferido (e-STJ fls. 121/122).

Prestadas informações pela autoridade coatora, opinou o Ministério Público Federal pelo desprovimento do reclamo (e-STJ fls. 135/162 e 167/183, respectivamente).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator):

Narram os autos que José Fernão Mariano Leme da Costa, ora re-corrente e Investigador de Polícia Civil, juntamente com Charles Arthur Vergara Possas, Policial Civil aposentado, e um terceiro não identificado, me-diante grave ameaça exercida com emprego de armas de fogo, rendeu duas vítimas na cidade de São Paulo/SP e subtraiu um veículo “Renault Mas-ter”, tipo “van”, com a carga que trazia, consistente em bonés avaliados em R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

Valendo-se de sua condição de Investigador de Polícia Civil, o recor-rente e os demais denunciados, todos munidos de arma de fogo, distintivos e dizendo-se policiais, abordaram as vítimas e subtraíram a van com a respecti-va carga, a pretexto de que estavam fazendo a sua apreensão. Em seguida, os agentes se utilizaram do celular de um dos ofendidos para informá-lo acerca do local onde o veículo subtraído fora abandonado.

Depois de encontrar a van sem a mercadoria, a vítima Cleiton Car-doso telefonou para os denunciados, solicitando-lhes a devolução da carga. Para tanto, foi-lhe exigido o depósito da importância de R$ 4.000,00 (qua-tro mil reais) em uma conta-corrente, de titularidade da ex-esposa do corréu

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Charles. O depósito foi efetuado, entretanto os bonés não foram restituídos ao ofendido.

Como se depreende das informações prestadas,

Por decisão proferida pelo Juízo do Dipo, aos 10 de junho de 2014, foi de-cretada a prisão temporária do paciente e demais réus (fls. 121/126 do pro-cesso apenso), sendo o respectivo mandado de prisão cumprido aos 17 de junho p.p. (fls. 162/v do processo apenso).

Em 18 de junho de 2014, o r. Juízo do Dipo prorrogou as prisões temporá-rias dos acusados (fls. 163/164 do processo apenso) e, aos 25 de junho p.p., foi decretada a prisão preventiva do paciente e demais corréus. Mandado de prisão cumprido (fls. 415/416 e 451).

[...] (e-STJ fl. 135)

Eis como o Juízo singular decretou a prisão preventiva do recorrente (e-STJ fls. 29/30):

[...] II – Decreto a prisão preventiva de Charles Arthur Vergara Possas, José Fernão Mariano Leme da Costa e Carlos Tadeu Gonsevski.

Como bem observado pela d. Autoridade policial e pelo órgão ministerial, necessária a custódia cautelar dos investigados. Conforme se observa do presente procedimento investigatório, há indícios de envolvimento de to-dos os averiguados supramencionados na prática de crime havido na data de 8 de março de 2012, quando teriam abordado as vítimas que estavam em caminhão, no qual havia carga com bonés, oportunidade em que se passaram por policiais, efetuando a suposta apreensão da referida carga.

Extrai-se do presente expediente, ainda, que poucas horas depois, os mes-mos averiguados, em conluio, teriam exigido para a devolução do material apreendido o depósito de R$ 4.000,00, em conta bancária de terceiro, quem se logrou identificar como sendo a ex-esposa do investigado Charles.

Não se olvide, ainda, que foi verificada a existência de outros boletins de ocorrência a respeito de outros crimes supostamente perpetrados por Charles, com o mesmo modus operandi, qual seja, passando-se por policial. Após, a oitiva do averiguado Charles, houve o apontamento do envolvi-mento dos demais investigados, nos fatos em apuração, de sorte que colhi-do novamente o depoimento de um dos ofendidos, foi procedido o reco-nhecimento positivo de Carlos Tadeu e de José Fernão por aquela.

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Em casos de prisão cautelar, analisa-se a presença ou não dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, e, como já analisado, no caso em tela estão presentes os requisitos da ordem pública, além de indícios da materialidade e prova da autoria.

Anote-se que a decretação da prisão preventiva dos investigados no presente caso, em razão da gravidade concreta do crime em apuração, impõe o reconhecimento do pressuposto de garantia da ordem pública, com vistas a se evitar a reiteração de práticas criminosas como tais, sem olvidar da presença do pressuposto de garantia da instrução criminal para que se evitem maiores represálias contra as vítimas (represálias que são extremamente comuns como no caso dos autos), em especial quando se trata de agentes que se passam por policiais.

Ante o exposto, e mais que dos autos consta, com fundamento da conveniên-cia da instrução processual, aplicação da lei penal e garantia da ordem pú-blica, Decreto a prisão preventiva de Charles Arthur Vergara Possas, José Fernão Mariano Leme da Costa e Carlos Tadeu Gonsevski, nos termos dos arts. 311 e 312 do CPP. [...] (grifos acrescidos)

Por sua vez, vejam-se estes trechos do acórdão que denegou a ordem impetrada no Tribunal de origem (e-STJ fls. 77/80):

[...] Relativamente à alegada ausência da situação de flagrante, compulsan-do as informações aqui reunidas e com base no alegado pelos impetran-tes, depreende-se que o paciente somente se apresentou à Polícia quando tomou conhecimento do mandado de prisão que havia sido expedido em seu desfavor. Desse modo, sua apreensão insere-se na cadeia de aconteci-mentos pontuada seja pela investigação ocasionalmente bem sucedida, seja pelo fato de ter sido desvendada sua identidade como um dos suspeitos na autoria dos crimes. [...]

Com relação ao excesso de prazo, insta consignar que o constrangimento ilegal se configura quando o lapso temporal transcorrido para a formação da culpa é demasiado e, principalmente, injustificado. A jurisprudência brasileira tem entendido que, ainda que fixados prazos para conclusão da instrução criminal, a fim de se garantir maior celeridade no processamento e julgamento das demandas judiciais, há que observar as peculiaridades de cada processo, atentando-se aos fatos que motivaram a demora na ins-trução processual e, não apenas ao atraso ocorrido. Nesse sentido tem sido o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, como vemos da seguinte anotação: 2ª T., HC 112103/MG, Rel. Ricardo Lewandowski, J. 21.08.2012. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, suas duas turmas criminais vêm unanimemente, desde sempre, observando que o prazo para instrução

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do processo não é fatal e improrrogável, antes reclamando razoabilidade na sua definição, que, aliás, não se pondera por simples soma aritmética dos prazos legais estabelecidos para os atos do procedimento (5ª T., RHC 47.996/ES, Rel. Felix Fischer, J. 14.10.2014; 5ª T., HC 300.223/CE, Rel. Jorge Mussi, J. 02.10.2014; 6ª T., HC 301646/MT, Rel. Nefi Cordeiro, J. 07.10.2014; 6ª T., HC 301283/SP, Relª Maria Thereza de Assis Moura, J. 07.10.2014; 6ª T., RHC 49.031/RS, Rel. Sebastião Reis Júnior, J. 02.10.2014; 5ª T., HC 219.433/SP, Rel. Newton Trisotto, J. 07.10.2014; 5ª T., HC 301.700/BA, Rel. Gurgel de Faria, J. 02.10.2014).

O caso em tela evidencia certa complexidade, pois o suposto crime ensejou uma rigorosa instrução processual. Diversas testemunhas foram arroladas, muitas delas mediante expedição de cartas precatórias, notadamente por haver concurso de agentes, além da multiplicidade de defesa, que implica em prazos distintos. Ou seja, dentre as diversas peculiaridades que guar-dam a tramitação da ação penal em epígrafe, nenhuma delas julga-se injus-tificada a demora.

Em face do exposto, denega-se a ordem. (grifos nossos)

Ora, é da jurisprudência deste Superior Tribunal que a apresentação espontânea à autoridade policial não impede a decretação da prisão provisó-ria, tampouco serve de motivo para a sua revogação, caso a necessidade do cárcere se faça presente. Nesse sentido:

[...]

3. A apresentação espontânea à autoridade policial, a teor do disposto no art. 317, do Código de Processo Penal, não impede a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza e nem é motivo para a sua re-vogação, mormente quando concretamente demonstrada a necessidade da prisão cautelar para garantia da ordem pública, como no caso.

4. Recurso desprovido. (STJ, 5ª T., RHC-45.527/CE, Relª Min. Laurita Vaz, J. 06.05.2014, DJ de 13.05.2014)

A apresentação espontânea somente seria óbice à necessidade da cus-tódia cautelar, se o fundamento de fuga fosse o único utilizado no decreto prisional, o que não ocorreu no caso concreto, conforme transcrição supra. A esse propósito, confiram-se os seguintes precedentes: RHC 41.770/SE, Rel. Min. Felix Fischer, J. 02.10.2014, DJ de 14.10.2014; HC-250.804/PE, Relª Min. Laurita Vaz, J. 15.10.2013, DJ de 04.11.2013.

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Ressalte-se que os crimes ocorreram em 08.03.2012, porém o compare-cimento do recorrente à polícia somente se deu em 17.06.2014, após a prisão temporária haver sido decretada, em 10.06.2014 (e-STJ fls. 23/28, 22 e 11/16, respectivamente). Note-se, ainda, que a prisão somente foi decretada em se-guida ao interrogatório de um dos corréus, ocorrido em 29.04.2014, com a pretensão de se valer do instituto da delação premiada (e-STJ fls. 17/20). Ne-nhuma “estranheza” se justifica, portanto (e-STJ fl. 88).

Conquanto o decreto de prisão preventiva haja se baseado em meras suposições (possíveis represálias contra as vítimas, “que são extremamente comuns como no caso dos autos”), certo é que a decisão fulcrou-se especial-mente na gravidade concreta dos crimes praticados, que “impõe o reconheci-mento do pressuposto de garantia da ordem pública”, mormente em se tra-tando “de agentes que se passam por policiais” (e-STJ fls. 29/30).

O fato de o recorrente ter se valido da condição de Investigador de Po-lícia, com o uso indevido de sua condição de servidor público estadual para viabilizar a prática dos delitos, fere a ordem pública, demonstra a periculosi-dade do agente e guarda profunda importância nos fundamentos da custódia cautelar. Outra não é a orientação desta Corte Superior; veja-se:

[...] 1. Não há falar em constrangimento ilegal quando a custódia caute-lar está devidamente justificada na garantia da ordem pública, em razão da gravidade concreta dos delitos em tese praticados e da periculosida-de efetiva do agente envolvido, bem demonstradas pelas circunstâncias em que ocorridos os fatos criminosos e pela sua condição de policial mi-litar. [...] (RHC 38.777/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., J. 01.10.2013, DJ de 10.10.2013) [...] 3. A gravidade concreta do delito, por si só, já é suficiente para justificar a necessidade da prisão, com base na garantia da ordem pú-blica, pois evidenciada a periculosidade do recorrente que, na condição de policial militar, estaria incumbido do dever de proteger a sociedade, e não o contrário.

4. Recurso ordinário em habeas corpus improvido. (RHC 36.888/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., J. 05.12.2013, DJ de 16.12.2013)

Sabe-se que, no ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.

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Exige-se que a prisão preventiva, que se trata propriamente de uma prisão provisória, venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária com-petente (Constituição da República, art. 5º, inciso LXI). Mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CRFB, art. 93, inciso IX).

Depreende-se, contudo, que, no caso em comento, o decreto contém os indispensáveis fundamentos à imposição da medida extrema, já que a gravi-dade concreta dos fatos noticiados a determina. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes ao cárcere provisório do recorrente.

Quanto ao mais, somente se cogitaria a existência de constrangimento ilegal, se o excesso de prazo fosse motivado pelo descaso injustificado do Juízo. Todavia, no caso vertente, o atraso no encerramento da instrução cri-minal não extrapolou os limites da razoabilidade, quando se verifica que as peculiaridades do caso concreto justificam a demora.

As informações prestadas pelo Juízo da 26ª Vara Criminal do Foro Cri-minal de Barra Funda/SP (e-STJ fls. 135/136) deixaram claro que, na audiên-cia de instrução e julgamento de 20.01.2015, foram ouvidas três testemunhas de acusação, ocasião em que foi designada nova assentada em continuação. Após, foram realizadas duas novas audiências, em 09.04.2015 e em 25.06.2015, para a oitiva de testemunhas.

Como o próprio acórdão combatido evidencia:

O caso em tela evidencia certa complexidade, pois o suposto crime ensejou uma rigorosa instrução processual. Diversas testemunhas foram arroladas, mui-tas delas mediante expedição de cartas precatórias, notadamente por haver concurso de agentes, além da multiplicidade de defesa, que implica em prazos distintos. Ou seja, dentre as diversas peculiaridades que guardam a trami-tação da ação penal em epígrafe, nenhuma delas julga-se injustificada a demora. (e-STJ fls. 79/80) (grifos nossos)

Também não merecem guarida as alegações de que as condições sub-jetivas favoráveis ao recorrente são impeditivas ao seu cárcere cautelar. Na esteira de entendimento de nossos Tribunais, eventuais condições pessoais favoráveis ao agente, como primariedade e bons antecedentes, ou residência no distrito da culpa e exercício de atividade laborativa lícita, não são suficien-tes à concessão de liberdade provisória, se presentes os requisitos autoriza-dores da custódia cautelar. Confira-se:

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[...] 6. Eventuais condições pessoais favoráveis do acusado não têm o con-dão de, isoladamente, desconstituir a custódia preventiva, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva ou subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema.

7. Habeas corpus não conhecido. (HC 298.429/AM, 5ª T., Rel. Min. Gurgel de Faria, J. 09.06.2015, DJe 19.06.2015)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUINTA TURMA

Número Registro: 2015/0095268-3

Processo Eletrônico RHC 58.847/SP

Matéria criminal

Números Origem: 0020000 00392128720148260050 00410807120128260050 20000 22312833820148260000 RI002KQUD0000

Em Mesa Julgado: 06.08.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário José Gisi

Secretário: Bel. Marcelo Pereira Cruvinel

AUTUAÇÃO

Recorrente: José Fernão Mariano Leme da Costa (preso)

Advogados: Luciana Rodrigues de Moraes Welington Araujo de Arruda

Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo

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Corréu: Charles Arthur Vergara Possas

Corréu: Carlos Tadeu Gonsevski

Assunto: Direito Penal – Crimes contra o patrimônio – Roubo majorado

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso.”

Os Srs. Ministros Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.

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TrF 1ª r.Tribunal regional Federal da 1ª região

Habeas Corpus nº 0015972-20.2015.4.01.0000/MG

Processo Orig.: 0015823-70.2015.4.01.3800

Relator: Desembargador Federal Ney Bello

Impetrante: Cleber Dias da Silva

Impetrado: Juízo Federal da 9ª Vara – MG

Paciente: Farley Pereira Proton Xavier (réu preso)

EMENTA

pROCessO penAl – hAbeAs CORpus – pRisÃO pReVentiVA – Fumus COmissi deliCti e peRiCulum libeRtAtis

COmpROVAdOs – gARAntiA dA ORdem pÚbliCA – RisCO COnCRetO de ReiteRAÇÃO CRiminOsA –

FAlsiFiCAÇÃO e VendA de dOCumentOs pÚbliCOs e pRiVAdOs – mOnitORAmentO eletRôniCO

– pResO pROVisóRiO – inApliCAbilidAde

1. Conquanto a prisão preventiva seja uma exceção no ordena-mento jurídico, é possível decretá-la para garantia da ordem pública, quando os elementos constantes dos autos demonstram o risco concreto de reiteração delitiva por parte do paciente.

2. Paciente em cuja residência foi encontrado um verdadeiro apa-rato para falsificação de todos os tipos de documentos públicos e priva-dos, tendo confessado que vivia há três anos do lucro obtido com a ati-vidade, sem possuir ocupação lícita, deve ser segregado cautelarmente.

3. O preso provisório não faz jus ao monitoramento eletrônico, uma vez que a Lei nº 12.258/2010 prevê o uso apenas por parte de réus condenados.

4. Habeas corpus denegado.

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ACÓRDÃO

Decide a Turma, à unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus.

Terceira Turma do TRF da 1ª Região.

Brasília, 4 de agosto de 2015.

Desembargador Federal Ney Bello Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello (Relator):

Cleber Dias da Silva impetra habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de Farley Pereira Proton Xavier, contra ato do Juízo Federal 9ª Vara da Seção Judiciária de Belo Horizonte/MG, que indeferiu o pedido de relaxa-mento da prisão do paciente e manteve a preventiva.

O impetrante sustenta que a segregação cautelar decretada para garan-tia da ordem pública é inconstitucional porque afronta os princípios da digni-dade da pessoa humana, da legalidade e da presunção de não culpabilidade.

Afirma que a gravidade em abstrato do crime não é fundamento sufi-ciente para a decretação da prisão preventiva, bem como para supor risco à ordem pública.

Alega que é inconsistente o fundamento evocado pela autoridade apontada como coatora de que a prisão deve ser mantida em razão da conve-niência da instrução criminal, tendo em vista que o material apreendido na residência do paciente seria entregue a terceiros.

Argumenta que a custódia cautelar é ilegal, pois ausentes os pressupos-tos para decretação, quais sejam o fumus comissi delicti e periculum libertatis.

Pede a concessão da ordem de habeas corpus (fls. 02/20).

As informações foram prestadas pelo Juiz a quo (fls. 318/334).

Indeferi a liminar por meio da decisão às fls. 340/344.

A Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifesta-se pela denegação da ordem de habeas corpus (fls. 347/348).

É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello (Relator):

O impetrante pretende obter ordem de habeas corpus em favor de Farley Pereira Proton Xavier contra ato do Juízo Federal 9ª Vara da Seção Judiciária de Belo Horizonte/MG, que indeferiu o pedido de relaxamento da prisão do paciente e manteve a preventiva.

Eis os termos da decisão que decretou a cautelar:

A prisão cautelar, na modalidade preventiva, é medida extrema, devendo ser aplicada somente em casos excepcionais que se amoldem aos requisitos exigidos pelo art. 312 do CPP, quando presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

O primeiro requisito, traduzido na prova da materialidade e nos indícios su-ficientes de autoria de crimes punidos com pena privativa de liberdade má-xima superior a quatro anos, está demonstrado pelos seguintes documen-tos constantes dos autos da Medida Cautelar nº 61853-03.2014.4.01.3800: Auto Circunstanciado nº 003/2014 de fls. 182/209, pelos materiais apreen-didos (fls. 249/253) e pelo depoimento do investigado (fls. 254/257).

O segundo requisito, consistente na necessidade de custódia cautelar do investigado, encontra-se demonstrado pela reiteração da empreitada cri-minosa que, segundo informações constantes dos autos (fl. 225), “desde a falsificação do carimbo da Polícia Federal no passaporte de Mariete Conceição”, o investigado “não possui qualquer ocupação lícita”, dedicando-se integralmen-te à venda diária e habitual de produtos ilegais. Conforme declaração de fls. 254/257, Farley informou que “há cerca de três anos, falsifica alguns tipos de documentos, tais como: atestados médicos, diplomas escolares, históricos escola-res, receituários médicos, além de ‘carimbos diversos’”, sem contar a negociação provável de medicamentos controlados.

Os elementos trazidos aos autos indicam que a liberdade do investigado representa risco concreto à garantia da ordem pública, visto que ele promo-ve acesso fácil e amplo aos “clientes” a uma gama de documentos. (fl. 22)

A decisão que manteve a acima transcrita fundamentou-se nos mes-mos elementos (fls. 23/24).

Não vejo como alterar o entendimento da autoridade apontada como coatora, haja vista que o fumus comissi delicti e o periculum libertatis estão pre-sentes in casu.

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É certo que a segregação provisória é uma medida excepcional no or-denamento jurídico, mas não menos certo é que pode e deve ser decretada para garantia da ordem pública, com vistas a impedir a reiteração criminosa, apaziguando o meio social.

No presente caso, o paciente, ao que indicam os autos, possuía uma “fábrica” de contrafações em sua residência, vendendo todos os tipos de do-cumentos públicos e privados, e não deixou de fazê-lo até o momento de sua prisão preventiva.

Confessou que, “há cerca de três anos, falsifica alguns tipos de documentos, tais como: atestados médicos, diplomas escolares, históricos escolares, receituários médicos, além de ‘carimbos diversos’”, fora o fato de provavelmente comerciali-zar medicamentos controlados (fl. 22)

Dessa declaração é possível extrair que vive do lucro obtido com as fal-sificações, até porque não comprovou qualquer ocupação lícita, e a apreensão dos equipamentos utilizados para a consecução de seu desiderato, por si só, não afasta a necessidade da prisão cautelar.

Há risco concreto de reiteração delitiva por parte do paciente, que deve ser prontamente afastado pelo Judiciário.

Quanto ao monitoramento eletrônico, a Lei nº 12.258/2010 prevê o uso apenas para réus condenados, e não para presos provisórios.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.

DECISÃO

Cleber Dias da Silva impetra a presente ordem de habeas corpus em fa-vor de Farley Pereira Proton Xavier contra ato do Juízo Federal 9ª Vara da Seção Judiciária de Belo Horizonte/MG, que indeferiu o pedido de liberdade provisória do paciente.

Sustenta o impetrante que a prisão, decretada como garantia da ordem pública, é inconstitucional, porque afronta os princípios da dignidade da pes-soa humana, da legalidade e da presunção de inocência.

Afirma que a gravidade em abstrato do crime não é fundamento sufi-ciente para a decretação da prisão preventiva, bem como não é fundamento para supor risco à ordem pública.

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Alega que é inconsistente o fundamento evocado pelo Magistrado a quo de que a prisão deve ser mantida em razão da conveniência da instrução criminal, tendo em vista que o material apreendido na residência do paciente seria entregue a terceiros.

Argumenta que a custódia cautelar é ilegal, pois ausentes os pressu-postos para a prisão preventiva, o fumus comissi delicti e periculum libertatis.

Requer, liminarmente, a concessão da ordem de Habeas Corpus, para que seja expedido o Alvará de Soltura, até julgamento final do presente writ.

As informações foram prestadas pelo Juiz a quo (fls. 318/319).

É o relatório. Decido.

De acordo com a autoridade apontada como coatora, o paciente está sendo investigado nos autos do Inquérito Policial nº 1.412/20104, por ter pra-ticado o delito previsto no art. 317 do Código Penal, porque, supostamente, estava se passando por policial federal e promovendo a “venda” de vistos falsos de permanência para estrangeiro no Brasil. Referido fato foi constatado quando a angolana Mariete da Conceição de Carvalho Tavares Alvarenga foi presa em flagrante e afirmou que teria obtido seu visto de permanência falso através de uma pessoa de nome “Fábio”.

Segundo o magistrado a quo, a fim de se apurar o envolvimento de policiais federais na confecção e comercialização de vistos de permanência, e em razão da necessidade de colheita de maiores elementos probatórios a respeito do modus operandi, foi deferida a quebra de sigilo e interceptação telefônica, na qual constatou que, de fato, o número interceptado foi o con-tato fornecido a Mariete da Conceição por Farley Proton Xavier. O posterior reconhecimento fotográfico também demonstrou ser ele quem incursionou o delito em apuração.

Verificou-se, também, através das interceptações telefônicas, que Farley, supostamente comercializava receitas médicas falsas e medicamentos sem a necessária prescrição, tais como hemogenin-oximetolona, sibutramina e desafenicol. Além disso, alguns diálogos revelaram negociações relacio-nadas ao tráfico de substâncias entorpecentes, sendo o paciente o interme-diador.

No caso concreto, não vejo como conceder a liminar pleiteada. A prisão preventiva do paciente foi decretada nos seguintes termos:

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O fumus comissi delicti está demonstrado pelos indícios de participação do investigado no crime de falsificação e comercialização de diversos docu-mentos falsos, atendendo a diversos “clientes” interessados na compra de diplomas históricos escolares, atestados médicos, carteiras de habilitação, bem como negociação de medicamentos e comercialização de diversos documentos falsos e supostas tratativas de tráfico de entorpecentes, con-forme informações constantes do Auto Circunstanciado nº 003/2014 de fls. 182/209.

De acordo com a manifestação ministerial, foi averiguado, que em relação às falsificações, atividade de maior volume por Farley realizada, o modus operandi extraído das comunicações telefônicas demonstra que, a exemplo de como ocorreu no fornecimento do visto a Mariete, o investigado tem por costume oferecer seus serviços afirmando que os mesmos seriam “quen-tes”, obtidos mediante a colaboração interna de supostos funcionários de hospitais, universidades, órgãos públicos como o Detran/MG e outras ins-tituições.

[...]

Constatou-se, ainda, que muitos dos “clientes” de Farley tratam-no por outros nomes, como “Fábio”, exatamente como informado por Mariete, ou “Flávio”, fato que se insere no contexto das diversas estratégias de se-gurança utilizadas pelo investigado pra não revelar aos compradores sua verdadeira qualificação e atuação.

Em princípio, não há qualquer teratologia, ilegalidade ou abuso de poder na decisão atacada, de modo a convalidar a substituição por outras medidas cautelares, conforme pretendido. Segundo apurado até o presente momento, a prisão preventiva do paciente se faz necessária, visto que, de fato, sua liberdade, representa risco à ordem pública. Assim como entendeu a autoridade impetrada, Farley atua como se empresário fosse do ramo de “venda de papéis públicos”, na medida em que negocia com clientes, per-petrando documentos contrafeitos, estes emitidos em detrimento dos órgãos públicos, privados, federais e estaduais.

Não obstante seja uma regra a presunção de não culpabilidade, e a liberdade um direito e um princípio constitucional, ambos devem ser coteja-dos com o dever do Estado de fornecer segurança e o direito dos cidadãos a exercerem sua cidadania em um país seguro.

É fora de dúvida que a prisão não dispensa comprovação do funda-mento cautelar. Entender o contrário equivaleria admitir que pudesse ser

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decretada uma prisão desprovida de qualquer motivação, pelo simples fato de a liberdade ser proibida. Permitir-se-ia, dessa forma, prisão sem ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, contrariando o preceito constitucional previsto no art. 5º, LXI.

Evidente que não foi essa a intenção do legislador.

Sobressai disso, ao que penso, a necessidade de adequada fundamen-tação dos fatos que viabilizam a prisão processual, não sendo exagerado afir-mar que tal requisito – fundamentação, que inclui a demonstração razoável do fato legitimador da medida – constitui uma das mais importantes garan-tias do indivíduo, a efetiva proteção dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, aliás, é que se revela aquilo que Ferrajoli concebe como “valor fundamental do princípio da motivação: garantia da natureza cogni-tiva e não potestativa do julgamento, o qual, quanto ao direito, se atrela à estrita legalidade, e quanto aos fatos, à prova da hipótese acusatória” (Diritto e Ragione: teoria del garantismo penale. 3. ed. Roma: Laterza, 1996, p. 640).

De acordo com o STJ, “a concessão de liminar em habeas corpus é medida de caráter excepcional, cabível apenas quando a decisão impugnada estiver eivada de ilegalidade flagrante, demonstrada de plano” (HC 245.975/MG, Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 07.12.2012). No mesmo sentido, confi-ra-se o RHC 36.497/RJ, Min. Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), 6ª T., DJe 01.08.2013 e o AgRg-AREsp 419.225/SP, 6ª T., Sebastião Reis Júnior, DJe 07.10.2014).

Como já decidiu esta Terceira Turma no HC 20644/MT, Rel. Des. Fed. Plauto Ribeiro, “o pedido de liminar, formulado em sede de habeas corpus, é instrumento muito utilizado pelos advogados e aceito pelos tribunais e pela doutrina, embora não exista previsão legal para a sua concessão, razão pela qual o seu deferimento deve revestir-se, sempre, de cautelas redobradas, na medida em que, por não haver previsão na legislação processual penal em vi-gor, não existe, também, recurso contra a decisão que aprecia tal postulação.

Demais, a necessidade de acautelar o meio social e a credibilidade da Justiça, também inseridos no conceito de garantia da ordem pública, sustenta-se ante a referência aos fatos ou indícios de sua existência, objetiva e concretamente demonstrada na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente.

O direito a acompanhar o processo em liberdade não é absoluto. Antes, em cada caso concreto, existe o poder-dever do Estado de coibir atos crimino-

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sos com a utilização da prisão cautelar nos moldes previstos no ordenamento jurídico. É a hipótese.

O conjunto probatório carreado a estes autos não permite, pois, em sede de cognição sumária, autorizar a desconstrução da prisão preventiva lançada pelo juízo a quo.

Presentes, portanto, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, de forma que se faz necessária a manutenção da segregação cautelar a fim de preservar a ordem pública.

Ante o exposto, indefiro o pedido liminar e determino o envio dos autos ao Ministério Público Federal.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 8 de junho de 2015.

Desembargador Federal Ney Bello Relator

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO SECRETARIA JUDICIÁRIA

31ª Sessão Ordinária do(a) Terceira Turma

Pauta de: Julgado em: 04.08.2015

HC 0015972-20.2015.4.01.0000/MG

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Mario Cesar Ribeiro

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Elton Ghersel

Secretário(a): Cláudia Mônica Ferreira

Impte.: Cleber Dias da Silva

Impdo.: Juízo Federal da 9ª Vara – MG

Pacte: Farley Pereira Proton Xavier (réu preso)

Nº de Origem: 158237020154013800 Vara: 9ª

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Justiça de Origem: Tribunal Regional Federal Estado/Com.: MG

SUSTENTAÇÃO ORAL CERTIDÃO

Certifico que a(o) egrégia(o) Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Juiz Federal Renato Martins Prates (convocado para substituir a Exma. Sra. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, por motivo de compromissos institucionais, nos termos do Ato/Presi nº 1256, de 28.07.2015) e Desembargador Federal Mário César Ribeiro.

Brasília, 4 de agosto de 2015.

Cláudia Mônica Ferreira Secretário(a)

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TrF 2ª r.Tribunal regional Federal da 2ª região

V – Apelação Criminal nº 10380 2007.51.01.807725-4Nº CNJ: 0807725-91.2007.4.02.5101Relator: Juiz Federal Convocado Marcello Granado em Substituição ao Desem-bargador Federal Abel GomesApelante: Nagib Teixeira SuaidAdvogado: Manuel de Jesus Soares (RJ019552) e outrosApelado: Ministério Público FederalOrigem: Sexta Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (200751018077254)

EMENTA

penAl e pROCessO penAl – ApelAÇÃO CRiminAl – lAVAgem de dinheiRO – inÉpCiA – CARACteRizAÇÃO – ORgAnizAÇÃO CRiminOsA – ReCuRsO nÃO pROVidO

I – Preliminar de inépcia da denúncia rechaçada e preclusa diante de anterior apreciação da tese em habeas corpus impetrado pelo apelante.

II – Rendimentos declarados como isentos e inseridos como su-postamente extraídos de pessoa jurídica cuja receita bruta não alcançava tal patamar. Alegação de descompasso proveniente de prêmios de turfe. Valores que estão sujeitos à tributação. Art. 14 da Lei nº 4.506/1964.

III – Ação penal anterior apontando envolvimento do recorrente com atividades ilícitas ligadas a exploração de jogos de azar e em crimes necessários à sua manutenção, dentre os quais, corrupção de agentes públicos, sendo o apelante referido com um dos coordenadores desse esquema de cooptação e pagamento de propina. Crime de lavagem de dinheiro caracterizado.

IV – Não há que se cogitar de ausência de tipificação acerca de or-ganização criminosa para efeito de reputar inviável a imputação que se fazia com base no inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 (com a reda-ção anterior à Lei nº 12.683/2012). É possível a caracterização do crime

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de lavagem de dinheiro sempre que o crime antecedente, qualquer que seja ele, tenha sido praticado através de organização criminosa.

V – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indi-cadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 07 de maio de 2014 (data do Julgamento).

Marcello Ferreira de Souza Granado Juiz Federal Convocado Relator

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Nagib Teixeira Suaid (fls. 1389 e 1406/1434) em face da sentença de fls. 834/1368, que julgando conjuntamente as imputações que contra ele pendiam nas Ações Penais nºs 2007.51.01.806891-5 (fl. 849) e 2007.51.01.807725-4 (fl. 853) o condenou a uma pena de 07 (sete) anos de reclusão em regime inicialmente fechado e 80 dias multa, como incurso no art. 1º, inciso VII da Lei nº 9.613/1998, por duas vezes em concurso material.

Segundo a denúncia (Ação Penal nº 2007.51.01.807725-4 – fls. 02/10; re--ratificada às fls. 299/301), o apelante teria, na condição de sócio da empresa Suaid Flipper Diversão Eletrônica Ltda., nos anos-calendário de 2004 e 2005, declarado rendimentos isentos de lucros supostamente recebidos da referida empresa em montante superior à receita bruta da pessoa jurídica, bem como que fora apurado pela SRF movimentação financeira incompatível com ren-dimentos declarados (citando aquisição de imóvel de R$ 1.800.000,00 à vista). Isso, conjugado com o contexto de envolvimento seu na denominada “opera-ção furacão” demonstraria típica ação voltada ao branqueamento de capitais.

A defesa aduziu, em síntese:

• Preliminarmente, inépcia da denúncia;

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• Assevera que os valores apontados como rendimentos isentos en-volveriam outras fontes de renda, daí serem superiores à receita bruta da empresa, e que tais declarações não reverteriam lavagem de dinheiro, mas apenas e eventualmente sonegação fiscal;

• Alegou que não há definição e tipificação de organização criminosa o que inviabilizaria condenação no art. 1º, VII da Lei nº 9.613/1998, pó violação ao princípio da legalidade;

• E finalmente sustenta que se alguma associação se formou a par do que desvelado na Operação Furacão foi com vistas à prática de contravenção penal (jogos de azar) o que não permitiria cogitar caracterizado sequer o crime de quadrilha.

No mais, me reporto ao relatório ministerial de fls. 1438/1441.

É o relatório. À douta Revisão.

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2014.

Marcello Ferreira de Souza Granado Juiz Federal Convocado

VOTO

1 inÉpCiA dA denÚnCiA. tese pReClusA

A sentença rechaçou a tese às fls. 1297/1309, com forte amparo juris-prudencial. E de fato, a denúncia de fls. 02/10 (re-ratificada às fls. 299/301) descreveu claramente a linha acusatória e permitiu amplo exercício da defe-sa, perceptível desde logo pela extensão e minúcia tanto das alegações finais (fls. 552/581) quanto do apelo (fls. 1406/1434).

De todo modo, a tese já fora antes enfrentada e rebatida por esta Primeira Turma Especializada quando do julgamento do Habeas Corpus nº 2007.02.01.012032-6, onde o então Juiz Federal Convocado Aluisio Gonçalves de Castro Mendez, também substituindo o em. Desembarga-dor Federal Abel Gomes, dedicou tópico exclusivo e igualmente extenso a enfrentar e afastar a alegação de inépcia que deu origem à Ação Penal nº 2007.51.01.807725-4, como se confere de fls. 539/549.

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Destarte, adotando os fundamentos acima delineados compreendo que a questão está, ao menos nesta instância, preclusa.

2 COnFiguRAÇÃO dO CRime de lAVAgem de dinheiRO

Alegações defensivas acerca do descompasso de valores e sonegação fiscal.

Aduz a defesa que os rendimentos declarados por Nagib nos anos-ca-lendário de 2004 e 2005 incluiriam outras fontes de renda distintas daquelas extraídas da empresa Suaid Flipper Diversão Eletrônica Ltda., daí ultrapas-sarem a receita bruta da pessoa jurídica; bem como que esse descompasso seria proveniente, em sua grande maioria, de prêmios de turfe recebidos pelo recorrente sem campo próprio para preenchimento na declaração de renda.

Assim, a defesa sustenta que essa ausência de discriminação da origem caracterizaria, no máximo, sonegação fiscal.

Entretanto, não há dúvida quanto aos prêmios dessa natureza sujei-tarem-se à tributação. Como bem frisou o MPF às fls. 1444, o art. 14 da Lei nº 4.506/1964 estabelece textualmente que os prêmios em dinheiro, aí incluí-dos os de turfe, estão sujeitos à tributação na alíquota de 30% (trinta por cento). Não se trata de matéria complexa que demande maior compreensão legislativa, na verdade, basta uma simples consulta ao sítio eletrônico da Re-ceita Federal, inserindo a palavra turfe no campo de busca do site para aces-sar link de fácil compreensão (“Prêmios e sorteios em geral – 0916”) onde se lê estarem sujeitos à tributação.

Portanto, não se poderia aqui tratar a questão como simples equívoco, considerando não só a quantidade de prêmios recebidos pelo recorrido e o expressivo valor de seu somatório, mas principalmente o fato desses valores haverem sido inseridos inadvertidamente dentro de aspectos de isenção típi-cos de pessoa jurídica, servindo a empresa como instrumento mais elaborado de acobertamento.

De mais a mais, o contexto descortinado na denominada “Operação Furacão” (Ação Penal nº 2007.51.01.802985-5) apontou envolvimento de Nagib com atividades ilícitas ligadas a exploração de jogos de azar e em cri-mes necessários à sua manutenção, dentre os quais, corrupção de agentes públicos, sendo o recorrente referido com um dos coordenadores desse es-quema de cooptação e pagamento de propina; demandando grande trânsito de numerário em espécie. Apesar de tais fatos serem extraídos de sentença

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condenatória ainda sujeita a recurso, é preciso frisar que essas conclusões estão amparadas em documentos apreendidos na residência de Nagib e de outros co-réus (como já referido à fl. 541 destes autos e na sentença dos Autos nº 2007.51.01.802985-5 – vide fl. 3443 e nestes autos fls. 1311/1313).

Nesse quadro, a tese defensiva de que os referidos valores falsamente indicados como isentos proviriam de prêmios de turfe não merece crédito, pois seria necessário crer que o réu, em menos de 2 anos houvesse ganhado mais de R$ 780.000,00 em apostas de cavalos. Essa indicação somente com os documentos de fls. 542, 582 e 589, que não encontram melhor detalhamento ou confirmação não sobrevive diante de tudo quanto descortinado na deno-minada “Operação Furacão”, para efeito de afastar a imputação.

Em suma, há forte substrato probatório apontando que Nagib auferiria lucro dessas atividades ilícitas e, por consequência, dando vazão à conclusão da sentença, no sentido de que: “o acusado se valeu de uma manobra em sua decla-ração-menção à percepção de rendimentos isentos fictícios a fim de justificar a origem de valores obtidos a partir da exploração do jogo ilegal e do contrabando” (fl. 1341).

3 dA AlegAdA AusÊnCiA de tipiFiCAÇÃO dO CRime de ORgAnizAÇÃO CRiminOsA

A tese novamente não prospera. Na verdade, a referência que se fazia no inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 (antes da redação dada pela Lei nº 12.683/2012) não diz respeito a um tipo penal propriamente como um dos antes taxativos crimes antecedentes, mas sim ao método mais elaborado de consecução criminosa organizada, exatamente dentro daquele espectro que mais se dedica ao branqueamento de capitais.

Nesse particular, o em. Desembargador Federal Abel Gomes já abor-dou essa linha de argumentação no RSE 2011.50.01.001107-3:

“Inicialmente, friso que a discussão não subsiste para fatos posteriores à Lei nº 12.638/2012, que eliminou a descrição pontual de crimes anteceden-tes e, de forma mais condizente com a realidade, permitiu a caracterização do crime de lavagem de dinheiro a partir de qualquer infração penal ante-cedente.

Não obstante, tratamos aqui de fatos sucedidos na vigência da Lei nº 9.613/1998 sob delimitação taxativa dos crimes antecedentes, concluin-do o MM. Juízo a quo, ao rejeitar a denúncia, que os fatos apurados, apesar de praticados sob quadrilha, não permitiriam enquadramento sob o títu-

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lo de verdadeira organização criminosa no sentido do incido VII da Lei nº 9.613/1998, não havendo, nesse norte, viabilidade à imputação pro posta.

Na delimitação do tema é preciso ressaltar que a figura da organização cri-minosa não é tipo penal, trata-se hoje de estrutura através da qual, outros crimes são praticados. Seu conceito não é pacífico, mas o STF1 e a Recomen-dação nº 3 do CNJ remetem o aplicador ao conceito trazido pela Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo – 15.12.2000), que não define organização criminosa, mas em seu art. 2 ‘a’, conceitua grupos criminosos organizados como sendo: “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações gra-ves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

Com a promulgação da referida Convenção pelo Brasil2, desta definição ainda é possível obter contornos para a verificação da presença de tais cir-cunstâncias, como indicativas de que uma determinada associação é mais que uma quadrilha, uma organização criminosa. A Lei nº 9.034/1995, por sua vez, não trouxe definição típica, mas buscou utilizar as figuras das di-versas associações para prática de crimes, já existentes no Direito Penal brasileiro3, levando em consideração as circunstâncias com que se formam e persistem bem como a forma organizada como praticam seus crimes fins.

A questão se manteve no campo da avaliação em concreto com a edição da Lei nº 10.271/2001, naquilo em que alterou a Lei nº 9.034/1995, então escla-recendo que com relação aos meios de investigação ou prova; quadrilha ou bando, organização criminosa e associação criminosa, na sistemática atual

1 Inquérito nº 2245/MG, em 28.08.07, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa.2 Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.3 Nosso direito conta com a previsão de vários crimes de associação, um deles que se

propõe à prevenção de associações para a prática de crimes em geral, que é o crime de quadrilha ou bando definido no art. 288 do Código Penal, e outros que são para a prática de crimes específicos, como o art. 2º da Lei nº 2.889/1956, que trata da associação para a prática dos crimes de genocídio; o atual art. 35 da Lei nº 11.343/2006, onde se encontra o crime de associação para o tráfico de drogas e os arts. 16 e 25 da Lei nº 7.170/1983, contemplando as associações destinadas à prática de crimes contra a segurança nacional. E mais, com a exata denominação de organização ilegal, o art. 24 da Lei nº 7.170/1983 dispõe: “Constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza, armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos”. A própria Lei nº 11.343, de 23.08.2006 a elas faz alusão, no § 4º do art. 33, e a Reforma do CPP, de janeiro de 2009, delas não olvidou, quando determinou a nova redação contida no inciso I do § 2º do art. 185.

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são equivalentes no que diz respeito às elementares típicas, distinguindo--se em razão da maior elaboração que encerrem. E de fato, invariavelmente a lavagem de dinheiro indica crime antecedente sob imputação do art. 288 do CP4.

E essa sistemática não se alterou com a mais recente inovação legislativa, a Lei nº 12.694/2012, que dispondo sobre o processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organização cri-minosa, traçou-lhe contornos que não afastam essa gradação, quando em seu art. 2º dispôs:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e ca-racterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com obje-tivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.

Em suma, com relação às organizações criminosas, a sua previsão genérica hoje se encontra no próprio art. 288 do CP agregado a uma maior e desenvolvida ela-boração empresarial e elemento organizador, delimitado, a teor da Convenção de Palermo e da Lei nº 12.694/2012, dentro de uma funcionalidade mínima, ca-racterizada pela associação espontânea ou voluntária de um número de-terminado de pessoas, que atuando com estabilidade temporal e propósito criminoso sobre infrações múltiplas, ainda que sem precisa hierarquização, mas sob divisão de tarefas, se orientem com finalidade lucrativa (moral ou econômica)5.

Não se descuida que outros aspectos ou circunstâncias contidas no âmago des-sas associações organizadas podem eventualmente estar presentes ou não como: a disciplina, a restrição de informações, repartição elaborada de ta-refas, infiltração em áreas estratégicas, objetivo de expansão contínua, clan-destinidade, aprimoramento de técnicas, utilização de meios tecnológicos, preparação para dificultar a repressão, acúmulo de capital e influência além de clientelismo6.

4 STJ, REsp 886068/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 03.09.2007, p. 215.5 Referência ao voto proferido na Ação Penal nº 2003.51.01.500281-0 (denominado Caso

Propinoduto) e HC 2012.02.01.003621-9 (Black Ops)6 GOMES, Abel Fernandes. Crime organizado e suas conexões com o Poder Público: comentários

à Lei nº 9.034/1995. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 05/06.

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Cernicchiaro7, por exemplo, indica como características tipicamente iden-tificadas numa organização criminosa: tendência transnacional; caráter difuso, sem vítimas individuais, onde o dano não atinge a uma ou mais pessoas, mas alcançaria toda a sociedade; hierarquia dos integrantes, den-tro de organização empresarial onde há responsabilidades definidas e pro-cedimentos mais rígidos; divisão territorial; preocupação permanente de fazer cessar a eficácia dos controles formais de combate à criminalidade exercida; corrupção de agentes públicos com vistas a facilitar o funciona-mento criminoso ou obter impunidade; utilização de meios violentos se necessário à intimidação; acobertamento por atividade lícita refletindo em lavagem de dinheiro.

No entanto, o que se precisa enfatizar é que mesmo sem a caracterização de todas ou algumas dessas circunstâncias acidentais podemos estar diante de uma organi-zação criminosa, sob maior ou menor elaboração8.

Ou seja, as organizações criminosas não deixam de ser associações com fins específicos, no caso a prática de crimes, exatamente como dispõe o art. 288 do CP de forma genérica, só que com a característica ou circuns-tância de serem associações mais organizadas9, já agora com instituição e estruturação mais detalhadas, promoção, direção e controle das atividades delituosas desempenhadas10. Em suma, tratamos de uma gradação de asso-ciação criminosa, onde a quadrilha seria a forma mais rudimentar de ação colabo-rativa e a organização criminosa a forma mais elaborada e perigosa do fenômeno. Essa delimitação deve ser muito bem delineada, não só para evitar banali-zação, mas, sobretudo, em razão das severas repercussões penais que reca-em sobre fatos praticados através de “empresa criminosa”.

Essa linha de raciocino, como bem frisou o MPF em seu parecer (fls. 1445/1450), prevaleceu no âmbito do Eg. STF quando do julgamento da paradigmática Ação Penal nº 470 (denominado “caso do mensalão”), admi-tindo o Pretório Excelso a caracterização do crime de lavagem de dinheiro

7 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Crime organizado x Direitos Fundamentais, p. 03.8 O E. STF também já demonstrou considerar presente em nosso direito o crime de

organização criminosa, caracterizado como acima se expôs, ao decidir, entre outros casos, o Inquérito nº 2245/MG, em 28.08.2007, pelo Tribunal Pleno, tendo como Relator o Ministro Joaquim Barbosa.

9 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Ed. Nova Fronteira, 1999.

10 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. II, 1955. p. 305.

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sempre que o crime antecedente, qualquer que seja ele, tenha sido praticado através de organização criminosa.

Ademais, no caso concreto, a leitura da sentença relativa aos Autos nº 2007.51.01.802985-5 não deixa dúvida quanto a essa caracterização e é tam-bém citada em grande parte na sentença agora recorrida (fls. 898/1309); dan-do os traços de associação extensa e hierarquicamente estruturada, com di-visão de tarefas bem definidas e pautada sob cooptação de agentes públicos mediante pagamento de propina mensal e até mesmo fazendo referência a um “tribunal” responsável por “julgar” os exploradores dos vários territórios ocupados pela organização criminosa e os conflitos envolvendo os interesses ilícitos em jogo (“Clube Barão de Drummond”).

Nesse contexto, a alegação de que haveria uma associação voltada à exploração de jogo de azar (contravenção penal), não deixa de ser verdadeira. Porém, isso não significa; com quer a defesa, que a associação não serviria a tipificar o crime de lavagem de dinheiro. Isto porque, como já repisado, para a consecução de seus propósitos a organização criminosa praticou uma série de outros crimes, e dentre eles Nagib já sofreu inclusive condenação recorrí-vel nos autos da Ação Penal nº 2007.51.01.802985-5 por episódios plurais de corrupção ativa.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor exame, face à substanciosa susten-tação oral exercida em favor do apelante, e cópias de acórdãos da Supre-ma Corte envolvendo o mesmo tema do recurso oferecidas na ocasião, cuja orientação não foi seguida pelo também substancioso voto do Eminente Rela-tor, Juiz Federal convocado Dr. Marcelo Ferreira de Souza Granado.

Examinando os autos, verifico que é desdobramento da chamada “ope-ração furacão” ou “hurricane”, de triste memória para este Tribunal e para todos os Juízes brasileiros.

Essa operação gerou, fato incontestável, verdadeiro pavor em juízes que precisam examinar os respectivos fatos. Pavor que redunda em distor-ção ilegítima da realidade, eis que todos já estão antecipadamente conde-nados pela intensa, massiva divulgação dessa operação, subtraindo assim,

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totalmente, a possibilidade de absolvição de algum dos envolvidos, por mais improcedente se afigure alguma acusação.

Os juízes que atrevidamente absolverem alguns dos envolvidos, cor-rem o risco de ser considerados como envolvidos em fatos criminosos. É esse o pavor, é esse o risco, e por isso, consenso geral, é melhor ratificar as conde-nações já impostas, sempre, porque assim não haverá problemas.

Já escrevi em voto aqui proferido faz pouco tempo que:

“...a demonização da exploração das chamadas máquinas caça-níqueis re-presenta perigo ao juiz que tiver de julgar qualquer processo a elas rela-cionado, eis que considera-se hoje précitos e réprobos os que se dedicam a essas atividades, sendo mais seguro para o juiz, nesses casos, condenar sempre e negar direitos. Assim, não corre risco de ser acusado de algum ato ilícito, mesmo sem ilícito algum existir e sem prova alguma, o que não é mais tão incomum, livrando-se também do risco de ser execrado pela mídia, também não raro em articulação com quem não se conforma em ver sua tese rejeitada.

Não quero dizer que seja legal a exploração do jogo de azar. Não é, existe norma legal proibindo-o, e da espécie ‘contravenção penal’.

Todavia há de ser, sempre, em qualquer processo envolvendo qualquer pessoa e qualquer tema, inclusive os relacionados às máquinas caça-ní-queis, pelo juiz detidamente examinados os fatos e a tipificação legal, a cul-pabilidade, as consequências de ilícito imputado para, se for o caso, apli-cação da pena com base nos parâmetros legais, e igualmente para decretar segregação de qualquer pessoa, devendo, todas, serem consideradas iguais perante a lei, ou seja, sem distinção de cor, credo, nacionalidade, opção sexual, atividades que exercem. O juiz, para bem julgar, nada pode temer, e nem pela causa se apaixonar.

Feito este breve prolegômeno, necessário ante o atual risco que todos os julgadores correm, passo a cumprir minha obrigação, sem receio algum e estritamente sob o juramento que fiz quando de minha posse. Não descar-to a possibilidade de até poder errar, e erramos todos os dias como todos erram, eis que inerente à inafastável condição humana”.

Evidente que não existe nenhum santo envolvido na referida operação. Evidente também que todos tem direitos que devem ser assegurados, por mais grave que seja a respectiva situação, por mais grave que se entenda o ato praticado, por mais ojeriza se tenha do jogo, ou ao contrário. Todos tem

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direito a julgamento justo, técnico, isento, sem preconceitos, sem receio de desagradar a quem quer que seja.

Em sendo assim, não é lícito rejeitar-se alegação de qualquer acusado, sem maiores averiguações, apenas dizendo que tal alega por querer safar-se de responsabilidade, com determinada ação. Mas sem providenciar neces-sária prova técnica a fim aferir se determinada empresa produziu mesmo, ou não, montante de pecúnia que em declaração de renda constou ter sido entregue ao acusado, e em contrapartida entender que é suspeito movimento de quantias elevadas e em espécie, decorrentes da mesma atividade.

Fica-se sem saber, eis que não há levantamento técnico, insubstituível por mera convicção, se a empresa do apelante produziu ou não o total em pe-cúnia lançado na declaração de rendas do apelante, sem embargo de, repita--se, considerar-se elevados valores em espécie movimentados.

Enfim, ao que parece, já há prejulgamento, consistente em considerar bandido o apelante, sem direitos, e culpado sempre, eis que envolvido na emblemática “operação furacão”, tanto que até foi preso preventivamente, conseguindo apenas no Supremo Tribunal Federal ver restabelecida sua li-berdade.

A condenação do apelante, nestes autos, é de lavagem de dinheiro, in-curso, segundo a sentença, no art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/1998.

O Supremo Tribunal Federal, no HC 96007, assim proclamou, quanto ao tema, e deferiu a ordem para trancar ação penal:

“TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO – A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. Lavagem de dinheiro. Lei nº 9.613/1998. Crime antecedente. A teor do disposto na Lei nº 9.613/1998, há a necessida-de de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. Lavagem de dinheiro. O. O crime de quadrilha não se confunde com o de organiza-ção criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.”

As folhas 1481/1529 está a íntegra do Acórdão, datado de 12.06.2012, cuja ementa está acima transcrita, sendo de salientar que, posteriormente, houveram duas extensões dessa ordem a outros acusados pelos mesmos fatos.

Ora, em decidindo a Corte Suprema dessa forma, não há porque não acompanhar seu entendimento, sem embargo das primorosas conclusões do

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Eminente Desembargador Abel Gomes, incorporadas no não menos primo-roso voto do Eminente Relator, sobre o tema – organizações criminosas.

Na realidade, mesmo que se queira aceitar a tese de que há organi-zação criminosa quando detectado que várias pessoas praticam crimes, com mesmo propósito, tem-se de concluir para tanto que os desígnios, as ações, as empreitadas teriam de visar obediência a comando único, e a satisfação pecuniária ilícita a uma pessoa, que distribui lucros e dividendos às demais. Fora isso, não há uma organização criminosa propriamente dita, mas várias pessoas praticando fatos, ora ilícitos, ora não ilícitos, independentemente de qualquer comando, visando apenas lucro ou remuneração individual, sem se importar com o sucesso, ou não, do adquirente do bem.

Já em organização, criminosa ou não, todos visam o sucesso global da empreitada.

No caso em tela, cada agente, ao que consta dos autos, tinha intenção diversa: um revendia equipamentos ou componentes, outro oferecia prote-ção, outro explorava diretamente, ou mediante arrendamento, o jogo, que é, na verdade, contravenção penal. Em conclusão, ações independentes, embo-ra interligadas, configurando no máximo co-autoria, tese que, aliás, recen-temente prevaleceu no famoso caso do “mensalão” sobre a de quadrilha ou bando anteriormente aceita.

Afora a questão fática, verifica-se que o apelante anexou, antes da sen-tença, documentos fiscais com os quais pretendeu provar a origem lícita dos valores movimentados nos anos de 2004 e 2005, de que trata a denúncia, es-clarecendo nas razões finais, folhas 564/566, que os valores totais auferidos e declarados à Receita Federal em 2004 e 2005 foram compostos não só de valo-res passivamente atribuídos à firma Suaid Flipper Diversão Eletrônica Ltda., como consta da denúncia, mas também recebidos de outras fontes, anexan-do comprovantes que não foram desmerecidos nem pela sentença, nem pela acusação, sofrendo uma única restrição – o não recolhimento de tributo pelos prêmios obtidos junto ao Jockey Club Brasileiro, documento as folhas 524, e lançamento equivocado como isentos, nas declarações de rendimentos, e alegação equivocada de não recolhimento de imposto relativo à alienação de ações, vez que recolhido foi, conforme Darfs de folhas 584/586.

Acresce-se, por fim, que tampouco a alegação da acusação de aquisição de imóvel à vista restou provada, ao contrário, o apelante demonstrou, folhas 591/593, convincentemente, que a aquisição foi a prazo.

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Não vejo procedente a denúncia, face não existir prova de ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indireta-mente, de crime indicado no item VII, do art. 1º, da Lei nº 9.613/1998.

O r. Voto do Eminente Relator, para negar provimento ao recurso, con-siderou que não pode ser tratado como mero equívoco o lançamento nas de-clarações de rendas de valores recebidos de prêmios de turfe como isentos, eis que todos sabem que são tributados, e assim foi feito para acobertamento da origem de valores, e ainda porque “o contexto descortinado na denominada ‘Operação Furacão’ (Ação Penal nº 2007.51.01.802985-5) apontou envolvimento de Nagib com atividades ilícitas ligadas à exploração de jogos de azar e em crimes neces-sários à sua manutenção, dentre os quais, corrupção de agentes públicos, sendo o re-corrente referido como um dos coordenadores desse esquema de cooptação e pagamen-to de propina, demandando grande trânsito de numerário em espécie”. Sublinhou que esses fatos foram extraídos de sentença condenatória sujeita a recurso, e que tais conclusões estão amparadas em documentos apreendidos na resi-dência do apelante e de outros corréus, afastando, assim, crédito quanto ao recebimento de valores por prêmios de turfe, face ser necessário ganhar em dois anos mais de 780 mil reais em apostas de cavalos, não sendo de serem considerados os documentos de folhas 542, 582 e 589 “que não encontram me-lhor detalhamento ou confirmação não sobrevive diante de tudo quanto descortinado na denominada ‘Operação Furacão’, para efeito de afastar a imputação”.

Há nos autos, todavia, as folhas 524, documento expedido pelo Jockey Club Brasileiro, sem ter sido impugnado, contendo valores de prêmios pagos ao apelante em 2005, inclusive com os números dos cheques, e que deve ser considerado, vez que nenhuma suspeita em sua relação foi levantada.

Daí que, não só pelo citado entendimento do Supremo Tribunal Fede-ral, mas também pelas circunstâncias, não resta, no caso, configurado o ilícito previsto no art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/1998, sendo de rigor a absolvição do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, conside-rando ainda que os fatos datam de 2004 e 2005.

Pelo exposto, pedindo vênia aos Eminentes Desembargadores que en-tenderam de forma contrária, voto pela absolvição do apelante.

É como voto.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal

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EmEntário PEnal

AssOCiAÇÃO CRiminOsA

31294 – “Habeas corpus. Associação criminosa. Roubo majorado. Receptações. Porte de arma de fogo e munição. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública, da instrução cri-minal e da aplicação da lei penal. Presentes os requisitos que autorizam a prisão, assim como demonstrada a periculosidade e o comportamento de risco social do paciente, a manutenção da preventiva se impõe, não sendo caso para substituição por medidas cau-telares alternativas. Ordem denegada.” (TJRS – HC 70065721011 – 7ª C.Crim. – Relª Desª Jucelana Lurdes Pereira dos Santos – J. 06.08.2015)

CORRupÇÃO pAssiVA

31295 – “Apelações criminais do MPF e da defesa. Art. 317, § 1º, CP. Solicitação de van-tagem indevida por policial rodoviário. Depoimento da vítima. Corrupção passiva com-provada. Dosimetria mantida. Recursos desprovidos. 1. Apelante que, na qualidade de policial rodoviário federal, solicitou vantagem indevida para não reter veículo que tran-sitava irregularmente na BR-262. Delito de corrupção passiva devidamente comprovado, sendo as declarações da vitima confirmadas por provas seguras. 2. Tratando-se do crime de corrupção passiva, a prova testemunhal reveste-se de especial importância, mormente o depoimento prestado pela própria vítima, pois em casos tais os agentes procuram rea-lizar a conduta típica da forma mais discreta possível. 3. Tendo o acusado liberado o veí-culo autuado quando o procedimento correto seria mantê-lo retido, correta a aplicação da causa de aumento prevista no § 1º do art. 317 do Código Penal. 4. Recursos desprovidos.” (TRF 2ª R. – ACr 2004.50.01.006499-1 – 1ª T.Esp. – Rel. Antônio Ivan Athié – DJe 13.08.2015)

CRime COntRA A hOnRA

31296 – “Penal. Crimes contra a honra. Queixa. Dirigentes da OAB-GO. Comprovação tardia dessa condição. Decadência. Extinção da punibilidade. Desprovimento do recurso em sentido estrito. 1. Não tendo os recorrentes, dirigentes da OAB/GO, feito a prova des-sa condição – documento essencial à propositura da ação – no momento da apresentação

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da queixa, em crime contra a honra, senão depois do transcurso do prazo de seis meses (art. 38, CPP), é de se confirmar a sentença que extinguiu o processo em razão da deca-dência. 2. Recurso em sentido estrito não provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0020162-07.2012.4. 01.3500/GO – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcus Vinícius Reis Bastos – DJe 13.08.2015)

CRime COntRA O pAtRimôniO dA uniÃO

31297 – “Penal. Processual penal. Crime contra o patrimônio da União. Lei nº 8.176/1991, art. 2º, caput. Crime ambiental. Lei nº 9.605/1998, art. 55, caput. Materialidade e autoria. Comprovação. Apelação não provida. 1. A materialidade e a autoria referentes aos cri-mes imputados ao réu ficaram comprovadas pelo conjunto probatório acostado nos autos. 2. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0003104-48.2009.4.01.3806 – Rel. Juiz Fed. Conv. Pablo Zuniga Dourado – DJe 13.08.2015)

CRime de COntRAbAndO

31298 – “Penal. Importação irregular de pneus usados. Proibição. Crime de contrabando. Princípio. Insignificância. Inaplicabilidade. Recebimento da denúncia. Recurso provido. 1. Trata-se de apreensão de mercadorias estrangeiras, entre as quais 12 (doze) pneus usa-dos, cuja importação é proibida. 2. A legislação brasileira vigente proíbe expressamente a introdução de pneus usados no País. A Resolução do Secex nº 25/2008 em seu art. 42 dis-põe que não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima. 3. A Resolução nº 452/2012 mante-ve a proibição relativa à importação de pneus usados, excetua, porém, os pneumáticos da restrição à importação. 4. Não havendo licença para introdução de pneus usados no País, resta caracterizado o crime de contrabando, tornando-se irrelevante o valor dos tributos ilididos, vez que não há tributos a ilidir, mas sim de proibição de importação e comercia-lização de mercadorias. 5. Inaplicabilidade do princípio da insignificância ou ‘bagatela’ ao crime de contrabando (RSE 00017384520114036005, Des. Fed. José Lunardelli, TRF 3ª R., 11ª T., e-DJF3 Judicial 1 Data: 08.09.2014. Fonte_Republicacao:.). 6. Recurso provido para recebimento da denúncia, determinando a remessa dos autos à Vara de origem para pros-seguir a instrução criminal.” (TRF 3ª R. – RSE 0000147-14.2012.4.03.6005/MS – 11ª T. – Relª Desª Fed. Cecilia Mello – DJe 13.08.2015)

CRime de CORRupÇÃO

31299 – “Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Não conhecimento do writ. Crime de corrupção ativa. Dosimetria da pena. Pleito de redução

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da pena-base. Culpabilidade. Atividade criminosa organizada (desmanche de veículo). Acentuada reprovabilidade demonstrada. Fato não comum à espécie. Personalidade vol-tada ao crime. Motivação inexistente. Ofensa ao art. 93, IX, da CF/1988. Circunstâncias do delito. Alto valor do suborno. Fundamento válido. Circunstância que exorbita das ine-rentes ao delito praticado. Pleito de alteração do regime e de substituição das penas. Réu reincidente. Pena-base acima do mínimo. Requisitos legais não atendidos. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. 1. Ressalvada pessoal compreensão diver-sa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a conces-são da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Mostra-se válido o aumento da pena-base, tendo em vista a culpabilidade do réu, con-siderada elevada, em razão da sua participação na estrutura criminosa, circunstância que, de fato, denota especial reprovabilidade, apta a justificar o desvalor, na medida em que demonstra tratar-se de atividade criminosa organizada (desmanche de veículos), o que refoge ao caminho usual do delito de corrupção ativa. O mesmo sucede em face do grande valor do suborno, qual seja, R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), indicativo de maior gravosi-dade das circunstâncias do delito, fundamento igualmente apto a justificar o aumento da pena. 3. No que se refere à personalidade do agente, foi considerada em seu desfavor sem qualquer fundamento, limitando-se o julgador a reputá-la voltada ao crime, o que não se admite, por ofensa ao art. 93, IX, da Constituição Federal. 4. Não obstante a redução ora implementada, permanece inalterado o regime fixado na condenação (semiaberto), por se tratar de réu reincidente, cuja pena-base foi estabelecida acima do mínimo legal, razão pela qual também não faz jus ao benefício da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista o não atendimento aos requisitos legais do art. 44 do CP. 5. Habeas corpus não conhecido. Concedida a ordem de ofício, apenas, para reduzir as penas a 4 anos de reclusão e 16 dias-multa.” (STJ – HC 209.106 – (2011/0130576-1) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 07.08.2015)

CRime de dAnO

31300 – “Habeas corpus. Penal. Crime de dano. Princípio da insignificância. Incidência. Prejuízo ínfimo. Circunstâncias da conduta. Ordem concedida. 1. Segundo a jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denomi-nado ‘princípio da insignificância’ e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. O que se imputa ao paciente, no caso, é a prática do crime de dano, descrito no art. 163, III, do Código Penal, por ter quebrado o vidro da porta do Centro de Saúde localizado em Belo Horizonte em decorrência de chute desferido como expressão da sua insatisfação com o atendimento prestado por aquela unidade de atendimento público. 3. Extrai-se da sentença absolutória que o laudo pericial sequer estimou o valor do dano, havendo certificado, outrossim, o péssimo estado de conservação da porta, cujas peque-

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nas lâminas vítreas foram fragmentadas pelo paciente. Evidencia-se, sob a perspectiva das peculiaridades do caso, que a ação e o resultado da conduta praticada pelo paciente não assumem, em tese, nível suficiente de lesividade ao bem jurídico tutelado a justificar a interferência do direito penal. Irrelevância penal da conduta. 4. Ordem concedida para restabelecer a sentença absolutória do juízo de primeiro grau, por aplicação do princípio da insignificância.” (STF – HC 120.580 – Minas Gerais – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 30.06.2015)

CRimes tRibutáRiOs e eCOnômiCOs

31301 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Investigações pela prática de crimes tributá-rios e econômicos. Pretendida expedição de salvo-conduto visando impedir a decretação da prisão preventiva. Inquérito ainda não encerrado. Inexistência de notícia de represen-tação pela segregação processual. Ausência de ameaça concreta ao direito de locomoção. Incabimento do remédio constitucional para o fim pretendido. Aresto recorrido acertado. Reclamo improvido. 1. Somente é cabível o habeas corpus preventivo quando há fundado receio de ocorrência de ofensa à liberdade de locomoção iminente. 2. A mera suposição, sem indicativo fático, de que a prisão poderá ser determinada, não constitui ameaça con-creta à liberdade de locomoção, capaz de justificar o manejo de habeas corpus para o fim pretendido. 3. Inviável utilizar o remédio constitucional para obstar eventuais ilegalida-des ou constrangimentos ainda não acontecidos e sem comprovação (fundado receio) de que realmente ocorrerão, concedendo-se ao paciente, ora recorrente, em caráter definitivo e permanente, salvo-conduto relativamente a inquérito que ainda não findou ou mesmo a ação penal, ainda não deflagrada. 4. Situações posteriores podem vir a ocorrer que jus-tifiquem a segregação cautelar, nos termos do art. 312 do CPP, ou mesmo a imposição de medidas diversas, previstas no art. 319 do CPP. 5. Recurso ordinário improvido.” (STJ – Rec-HC 53.528 – (2014/0295521-9) – 5ª T. – Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo – DJe 17.08.2015 – p. 2812)

desACAtO

31302 – “Direito penal e processual penal. Conflito negativo de competência. Delito de desacato. Concurso de crimes. Inocorrência. Sujeito passivo único. Crime de menor po-tencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/1995). Competência do juizados especiais federais. I – Se o delito de desacato tem por sujeito passivo direto o Estado e, se no contexto da imputação, dirigiu-se de maneira genérica à Justiça Eleitoral e não aos servidores públi-cos respectivos, no exercício das suas funções, não há que falar em concurso de crimes. II – Atendido o limite objetivo do art. 61 da Lei nº 9.099/1995, que define os crimes de

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menor potencial ofensivo, é competente para o respectivo processo e julgamento da ação penal os juizados especiais federais. III – Competência do Juízo Suscitado: o do 1º Juizado Especial Federal de Campos dos Goytacazes.” (TRF 2ª R. – CC 0007567-65.2015.4.02.0000 – 2ª T.Esp. – Rel. André Fontes – DJe 13.08.2015)

dROgA

31303 – “Penal. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Posse de droga para uso próprio. Consumação da prescrição da pretensão punitiva (art. 30 da Lei nº 11.343/2006 c/c art. 115 do Código Penal). Agravo regimental a que se nega provi-mento.” (STF – AgRg-RE-Ag 650.292 – São Paulo – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 23.06.2015)

31304 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Tráfico internacional de entorpecentes. Fla-grante convertido em preventiva. Superveniência de condenação de um dos recorrentes e absolvição do outro. Vedação do direito de recorrer em liberdade. Segregação fundada no art. 312 do CPP. Circunstâncias do delito. Gravidade. Elevadíssima quantidade da droga apreendida. Réu estrangeiro. Necessidade da prisão para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Constrição justificada. Medidas cautelares al-ternativas. Insuficiência. Coação ilegal não demonstrada. Reclamo improvido. 1. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fa-tores concretos, que se mostra necessária, diante das circunstâncias mais gravosas em que ocorrido o delito. 2. A elevadíssima quantidade da droga capturada com o recorrente con-denado – mais de duas toneladas de maconha – trazida do Paraguai para disseminação em grande centro do território nacional, bem demonstra a gravidade concreta do delito e o envolvimento profundo do agente com a narcotraficância, autorizando a conclusão pela necessidade da segregação para a garantia da ordem pública. 3. A condição de estrangeiro do réu condenado, sem vínculos com o país, tem sido considerado fundamento idôneo a autorizar a ordenação e preservação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal. 4. A orientação pacificada nesta Corte Superior é no sentido de que não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu preso durante a persecução criminal, se presentes os motivos para a segregação processual. 5. Concluindo--se pela imprescindibilidade da preventiva, resta clara a insuficiência das medidas cau-telares diversas da prisão, cuja aplicação não se mostraria adequada e suficiente no caso concreto. 6. Recurso ordinário improvido.” (STJ – Rec-HC 55.596 – (2015/0006268-3) – 5ª T. – Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo – DJe 17.08.2015)

embRiAguez AO VOlAnte

31305 – “Penal. Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial, ordi-nário ou de revisão criminal. Não cabimento. Embriaguez ao volante. Art. 306 da Lei

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nº 9.503/1997. Lei nº 11.705/2008. Fato anterior à alteração normativa dada pela Lei nº 12.760/2012. Perigo abstrato. Ausência de exame de sangue. Bafômetro realizado. Quantidade superior ao limite estabelecido no Decreto nº 6.488/2008. Competência de-legada pelo Código de Trânsito Brasileiro. Ausência de justa causa não configurada. 1. Ressalvada pessoal compreensão pessoal diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. Somente é cabível o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada pelo acusado, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou ainda da incidência de cau-sa de extinção da punibilidade. 3. Com o advento da Lei nº 11.705/2008, a comprovação de perigo concreto passou a ser despicienda, na medida em que se tornou crime de perigo abstrato. 4. O teste do bafômetro é igualmente suficiente para atestar a materialidade do delito previsto no art. 306 do CTB, com a redação dada pela Lei nº 11.705/2008. 5. A partir do julgamento do REsp 1.111.566/DF, sob o rito do art. 543-C do CPC, esta Corte firmou o entendimento de que para comprovar a materialidade do delito previsto no art. 306 do CTB, basta demonstrar a concentração de álcool por meio do exame de sangue ou pelo etilômetro. 6. Na hipótese, de acordo com o acórdão condenatório, realizado exame de verificação de embriaguez por meio de etilômetro, constatou-se a concentração de 0,94 mg de álcool por litro de ar alveolar, superior ao permitido, não havendo, portanto, que se falar em trancamento da ação penal. 7. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 214.800 – (2011/0180000-5) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 07.08.2015)

esteliOnAtO e FuRtO

31306 – “Apelação criminal. Estelionato e furto qualificado. Art. 171, caput, e art. 155, § 4º, inc. IV, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Édito condenatório mantido. Impossibilidade de aplicação da privi-legiadora. 1. As provas coligidas nos autos são suficientes para o juízo condenatório, pois restaram comprovadas a materialidade e a autoria dos delitos de estelionato e furto pra-ticados pelas rés, que procuraram a vítima para adquirir os produtos que esta revendia, com o intuito de realizarem o pagamento de forma parcelada, o que não foi feito. Res-tou claro que as acusadas obtiveram vantagem indevida, por terem ludibriado a vítima. Outrossim, evidente que as acusadas aproveitaram a oportunidade em que estiveram na residência da vítima para subtraírem sua carteira, que continha R$ 100,00 (cem reais) em dinheiro, além de um cartão de crédito. 2. Inaplicável, in casu, a privilegiadora do § 1º do art. 171 do CP, tendo em vista que não há como considerar de ‘pequeno valor’ o prejuízo causado à vítima, visto que correspondia a, aproximadamente, 25% do salário mínimo vi-gente à época do fato. Apelação desprovida.” (TJRS – ACr 70060023751 – 5ª C.Crim. – Relª Desª Lizete Andreis Sebben – J. 22.07.2015)

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exeCuÇÃO penAl

31307 – “Execução penal. Falta grave. Hipóteses taxativas. Condenado surpreendido com aves (pombos) em sua cela. Inobservância ao art. 50, VI, da LEP. Hipótese que viola a legalidade. Não comprovação da destinação dos animais. Ordem concedida. 1. A exe-cução penal, caracterizada pela complexidade das atividades e dos procedimentos que lhe subjazem, pressupõe um conjunto de deveres e direitos que envolvem o condenado. Relativamente aos deveres, significa a obrigação de se submeter a uma série de normas de conduta que norteiam o cumprimento da pena, cuja inobservância enseja as chamadas in-frações disciplinares, classificadas, pela legislação, em leves, médias e graves. 2. As faltas graves estão previstas no art. 50 da LEP e consoante entendimento pacífico desta Corte, não possibilitam interpretação extensiva ou complementar a fim de se acrescer condutas que lá não estão previstas. 3. No caso, foi imposta falta disciplinar de natureza grave ao pa-ciente, porque teria violado o art. 50, VI, da Lei de Execução Penal, haja vista que agentes penitenciários localizaram, sob uma das camas, três pombos, os quais poderiam servir, no entendimento dos órgãos administrativos e judiciais estaduais, como meio de transporte de pertences ilícitos para fora do estabelecimento prisional e também para o seu interior (‘pombos-correio’). Entretanto, não há como presumir, como o fez o aresto impugnado, que a presença dessas aves na cela do paciente serviriam a tal propósito, ainda que ele haja admitido ser proprietário de uma delas. 4. Sob o aspecto da legalidade, portanto, entendo que as instâncias ordinárias não apontaram, especificamente quanto à violação do art. 50, VI, da LEP, qual teria sido a desobediência a servidor ou o desrespeito a qualquer pessoa com quem o paciente devesse se relacionar, tampouco a eventual inexecução pelo paciente de trabalho, de tarefa de se tenha incumbido ou que lhe tenha sido atribuída desobedi-ência à ordem direta emanada de agente público responsável pela fiscalização interna. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para anular a imposição de falta grave ao paciente, sem prejuízo de que se lhe inflija, a tempo e modo, falta discipli-nar de menor gravidade.” (STJ – HC 284.829 – SP – (2013/0410039-3) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 03.08.2015)

nota:Após agentes penitenciários encontrarem três pombos embaixo da cama do preso, foi instaurado procedimento administrativo disciplinar que resultou no reconhecimento de falta grave por infringência do art. 50, inciso VI, da Lei de Execução Penal.Tal dispositivo considera que desobediência, desrespeito e recusa a executar tarefas ou ordens constituem falta grave.Em consequência ao procedimento disciplinar, o juiz da Vara de Execuções Criminais determinou a perda de um terço dos dias remidos e o reinício da contagem do prazo para progressão de regime prisional.As autoridades ficaram preocupadas com a possibilidade de que as aves fossem uti-lizadas como pombos-correio para transportar objetos ilícitos para dentro ou fora do presídio.Diante do Superior Tribunal de Justiça, a defesa do preso afirmou que ele não portava nenhum objeto ou substância ilícita e que o uso dos pombos para a prática de falta dis-ciplinar seria apenas uma suposição das autoridades.

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O relator do caso, alegou “atipicidade da conduta”, já que não haveria vedação legal à presença dos pombos, e disse ainda que o preso não incorreu em desobediência, pois não chegou a receber ordem para retirar as aves da cela.A presença das aves na cela não autoriza presumir que elas serviriam a algum propósi-to ilegal, mesmo tendo o preso admitido que era dono de uma delas.O voto noticia situação similar ocorrida com outro preso, que teria se valido de pombos treinados para transportar objetos para dentro do presídio, mas destacou que, no caso julgado pela Sexta Turma, não houve, no processo administrativo disciplinar, nenhuma comprovação de que as aves apreendidas na cela estariam sendo utilizadas para fins ilícitos.Vale trazer trecho do voto do relator:“Sem embargo, sob o aspecto da legalidade, entendo que as instâncias ordinárias não apontaram, especificamente quanto à violação do art. 50, VI, da LEP, qual teria sido a desobediência a servidor ou o desrespeito a qualquer pessoa com quem o paciente devesse se relacionar, tampouco a eventual inexecução de trabalho, de tarefa de que se tenha incumbido ou que lhe tenha sido atribuída desobediência a ordem direta ema-nada de agente público responsável pela fiscalização interna. É bem verdade que tais animais poderiam servir, no entendimento dos órgãos administrativos e judiciais es-taduais, como meio de transporte de pertences ilícitos para fora do estabelecimento prisional e também para o seu interior (‘pombos-correio’). Entretanto, não há como pre-sumir, como o fez o aresto impugnado, que a presença dessas aves na cela do paciente serviriam a tal propósito, ainda que ele haja admitido ser proprietário de uma delas.”O Superior Tribunal de Justiça não conheceu do acórdão.Colacionamos julgados para melhor elucidar o caso:“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL – FALTA DE CABI-MENTO – EXECUÇÃO PENAL – FALTA GRAVE DESCRITA EM PORTARIAS LO-CAIS – AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL – INCOMPETÊN-CIA DA ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL PARA DEFINIR FALTA DISCIPLINAR DESSA NATUREZA – PRECEDENTES – DESCLASSIFICAÇÃO – 1. Apesar de se ter solidificado o entendimento da impossibilidade de utilização do habeas corpus como substitutivo do meio cabível, o Superior Tribunal de Justiça analisa, com a devida aten-ção e caso a caso, a existência de manifesta coação à liberdade de locomoção quando a questão não envolve o reexame aprofundado de fatos e de provas, como na espécie. 2. Inviável se classificar a conduta praticada pelo paciente (possuir dentro da cela, bur-lando a vigilância, material em quantidade não permitida, a saber, seis garrafas tipo pet de dois litros com água, em desacordo com as Portarias nºs 91/2009 e 206/2010) como falta grave, ampliando o rol taxativo previsto na Lei de Execução Penal, uma vez que a administração estadual é incompetente para definir o que configura falta disciplinar dessa natureza. 3. Writ não conhecido. Liminar confirmada. Ordem expedida de ofí-cio.” (STJ – HC 322.503 – SP – (2015/0099457-6) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 03.08.2015) (Disponível em: http://www.iobonlinejuridico.com.br)

31308 – “Habeas corpus substituto de recurso. Não cabimento. Execução penal. Associa-ção para o tráfico. Delito que não integra o rol dos crimes hediondos ou equiparados. Li-vramento condicional. Requisito objetivo. Fração de 1/3, primário, ou 1/2, se reincidente em crime doloso. Inteligência do art. 83, I e II, do CP. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira

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Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Nos termos da jurisprudência des-ta Corte, o delito de associação não integra o rol dos crimes hediondos ou equiparados, previstos na Lei nº 8.072/1990. Desse modo, para a obtenção do benefício de livramento condicional, em condenação pelo tipo penal previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, o reeducando sujeita-se ao cumprimento de 1/3 (um terço), se primário, ou 1/2 (um meio) se reincidente em crime doloso, conforme dispõe o art. 83, I e II, do Código Penal. Prece-dentes. 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem, no entanto, concedida de ofício, para que o Juízo das Execuções Criminais observe, em relação à pena imposta pelo crime de asso-ciação para o tráfico, os requisitos objetivos dos incisos I ou II do art. 83 do Código Penal, para fins de obtenção de livramento condicional.” (STJ – HC 325.735 – (2015/0130356-8) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 13.08.2015)

FAlsiFiCAÇÃO de selO

31309 – “Penal e processual penal. Ação penal originária. Denúncia por crimes de falsi-ficação de selo ou sinal público (art. 296, § 1º, III, do CPB) em concurso com o delito de prevaricação (art. 319, do CPB), praticados por Subprocurador-Geral da República. Atipi-cidade apontada pela defesa não evidenciada. Recebimento da denúncia. 1. Narra a peça acusatória que, entre os dias 10.05.2012 e 15.02.2013, o denunciado, de forma livre e cons-ciente, fez uso indevido do brasão da República e dos dísticos ‘Ministério Público Federal’ e ‘Procuradoria-Geral da República’, que, agrupados no cabeçalho de expedientes oficiais, conformam a identidade visual e institucional do Ministério Público Federal, ao expedir dez ofícios, dirigidos a autoridades da Receita Federal do Brasil e do Departamento de Polícia Federal do Distrito Federal, com a finalidade de tutelar interesse individual priva-do. Alega que o denunciado invocou sua condição funcional, solicitando, nos menciona-dos ofícios, abertura de ação fiscal e instauração de inquérito policial em face de pessoas desprovidas de prerrogativa de foro, o que caracterizou atuação fora das atribuições do seu cargo de Subprocurador-Geral da República, em contrariedade ao que dispõem os arts. 66 e 70 da Lei Complementar nº 75/1993. 2. A leitura dos fatos narrados, em conso-nância com os elementos mínimos coligidos aos autos denotam adequação típica e lastro probatório mínimo. 3. Com relação ao crime de falsificação de selo ou sinal público, na forma de ‘uso indevido’, faz-se necessário dar prosseguimento à persecutio criminis, pois evidenciada a admissibilidade da acusação. Isso porque a atuação dos Subprocuradores--Gerais, descrita na lei de regência, subsume-se aos casos que envolvam autoridades com prerrogativa de foro. Os instrumentos de atuação ministerial (inquérito civil, requisição de diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, requisição de procedi-mentos administrativos etc.), certamente, não podem desbordar da sua finalidade. Cada agente de poder pertencente ao Parquet deve se utilizar dos referidos meios no estrito âmbito de suas atribuições e para os fins institucionais da nobre Instituição. Não se pode

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converter em um mecanismo de vingança privada. 4. No que diz respeito ao crime de prevaricação, também há necessidade de continuidade da persecução. Não é demais re-lembrar que o interesse pessoal ‘é qualquer proveito ou vantagem obtido pelo agente, de índole patrimonial ou moral [...]’, e o sentimento pessoal ‘por sua vez, é a posição afetiva do funcionário público relativamente às pessoas ou coisas a que se refere a conduta a ser praticada ou omitida’ (MASSON, Cléber. Código Penal comentado. 2. ed. São Paulo: Método, 2014. p. 1146). Portanto, em sendo confirmadas as acusações, da forma em que narradas, haveria a prática de conduta, contra disposição expressa de lei, para satisfação de sentimento (se visava apenas punição dos agentes que o contrariou) e/ou interesse pessoal (se visava também, obliquamente, proveito patrimonial). 5. A medida cautelar de afastamento do cargo, por ora, não se justifica, por ausência de periculum in mora. Signi-ficaria aplicar, antecipadamente, efeito não automático da condenação (art. 92 do CPB), tratando-se de verdadeira punição antecipada. 6. Denúncia recebida.” (STJ – APen 741 – (2014/0094193-8) – C.Esp. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 17.08.2015 – p. 2278)

FuRtO

31310 – “Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabimento. Furto qualificado tentado. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Paciente reincidente. Rompimento do obstáculo. Relevância da conduta na esfera penal. Precedentes do STJ e STF. Habeas corpus não conhecido. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedi-do formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. Nos termos de precedente do Supremo Tribunal Federal, firmado no julgamento do HC 112.378/SP, proferido pela Segunda Tur-ma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, para a aplicação do princípio da insignificância, devem estar presentes, de forma cumulada, os seguintes vetores: a) mínima ofensividade da con-duta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprova-bilidade do comportamento do agente; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Na espécie, não se verifica a presença dos referidos requisitos, por se tratar de paciente reincidente na prática de delitos. Nesse contexto, a reiteração no cometimento de infrações penais se reveste de relevante reprovabilidade e se mostra incompatível com a aplica-ção do princípio da insignificância, a demandar a atuação do Direito Penal. Ademais, verificada a prática de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo e invasão de um estabelecimento comercial, como ocorreu no caso, fica evidenciada a periculosidade do agente, o que afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta, pela aplicação do aludido princípio. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 307.535 – (2014/0274997-9) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 12.08.2015)

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libeRdAde pROVisóRiA

31311 – “Habeas corpus. Art. 306 da Lei nº 9.503/1997. Liberdade provisória deferida. Fiança não paga. Manutenção da custódia. Ilegalidade. Ausência dos requisitos previs-tos no art. 312 do Código de Processo Penal. Flagrante ilegalidade. Existência. Ordem concedida. 1. Com o advento da Lei nº 12.403/2011, externaram-se os comandos consti-tucionais que identificam na prisão provisória o caráter de ultima ratio. 2. In casu, existe manifesta ilegalidade pois o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do art. 350 do Código de Processo Penal, além de tratar-se de réu juridicamente pobre. 3. Ordem concedida, confirmando a liminar, a fim de garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei nº 12.403/2011.” (STJ – HC 315.787 – (2015/0025964-9) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 17.08.2015)

mOedA FAlsA

31312 – “Penal. Introdução de moeda falsa em circulação. Art. 289, § 1º, do Código Pe-nal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Dosimetria da pena. Mínimo legal. Ate-nuante. Inaplicabilidade na 2ª fase da dosimetria. Súmula nº 231/STJ. Apelação impro-vida. I – Noticia a denúncia que Rafael de Jesus Nunes, no dia 23 de junho de 2012, foi preso em flagrante na posse de 28 (vinte e oito) cédulas inidôneas com valor nominal de R$ 10,00 (dez reais), sendo 23 (vinte e três) delas no momento da abordagem policial e, lavrado auto de prisão, ainda em seu poder mais 6 (seis) cédulas de igual valor, sendo que 5 (cinco) delas também eram falsificadas, havendo ali admitido o conhecimento da falsi-dade, as havendo pego na mercearia de propriedade de seu pai, que tem recebido muitas cédulas falsas, com o intuito de fazer uso no comércio, até mesmo para diminuir o prejuí- zo suportado por seu genitor, incidindo, desta forma, no capitulado no art. 289, § 1º, do Código Penal, vindo a ser condenado e a ele imposta as penas de 3 (três) anos de reclusão e de 10 (dez) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, substituí da a primeira por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços a entidades públicas e em prestação pecuniária. II – Em seu apelo busca ver apli-cado o princípio da insignificância e, subsidiariamente, reconhecida a atenuante genérica da confissão. III – O bem jurídico tutelado pela norma penal não é apenas o patrimônio alheio, de um particular, mas, sim, a fé pública e o sistema financeiro nacional, indepen-dentemente até do valor expresso na cédula inidônea, ou seu quantitativo, pelo que é de ser afastada a aplicação do princípio da insignificância. Precedente: TRF 5ª R., 2ª T., ACr 10474/CE, Rel. Des. Fed. Vladimir Carvalho, J. 25.03.2014, DJe 27.03.2014, p. 120. IV – Fixada a pena-base no mínimo legal, eventual atenuante não pode conduzir a patamar inferior, situação esta possível tão somente em relação à causa de diminuição, na terceira

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fase da dosimetria da pena, apoiando-se a sentença, no ponto da insurgência, na Súmula nº 231/STJ. VII – Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – ACr 0005029-46.2012.4.05.8500 – (10604/SE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 12.08.2015)

penA

31313 – “Agravo regimental no recurso especial. Atentado violento ao pudor. Menor. Recurso especial não conhecido. Habeas corpus concedido de ofício. Regime fechado fixado apenas com base na hediondez do delito. Art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990 declarado in-constitucional pelo STF. Fundamentação inidônea. Estabelecimento do regime semiaber-to. Circunstâncias judiciais favoráveis. Réu primário. Possibilidade. Súmula nº 440/STJ. Precedentes. Agravo regimental desprovido. 1. Cuidando-se de réu primário, com todas as circunstâncias judiciais favoráveis, condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 6 anos de reclusão (art. 214 c/c o art. 224, a, do Código Penal), de rigor a fixação do regime intermediário de cumprimento da pena, tendo em vista o disposto no art. 33, § 2º, b, do Código Penal e na Súmula nº 440/STJ. 2. Agravo Regimental desprovi-do.” (STJ – AgRg-REsp 1.457.660 – (2014/0129151-8) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 13.08.2015)

pResCRiÇÃO

31314 – “Penal. Processual penal. Apelação criminal. Art. 1º, inciso III, do DL 201/1967. Pena de 7 (sete) meses de detenção. Lei nº 12.234/2010. Inaplicabilidade. Decurso de pra-zo superior a 5 (cinco) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Recurso exclusivo da defesa. Prescrição retroativa. Extinção de punibilidade. Não se aplica aos crimes cometidos antes de sua vigência à novel redação do § 1º do art. 110 do CP, dada pela Lei nº 12.234/2010, por conferir tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. Inteligência do art. 5º, inciso XL, da Constituição da República (a lei penal não retroagirá, senão para beneficiar o réu). Reconhecimento da prescrição retroativa em período anterior ao do recebimento da denúncia. Também não se aplica ao caso em exame a redação atual do art. 109, inciso VI, do CP, dada pela Lei nº 12.234/2010, que elevou o prazo prescricio-nal ali disposto de dois para três anos, por se tratar de inovação legislativa que confere tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, e tendo sido aplicada ao recorrente a pena privativa de liberdade de 7 (sete) meses de detenção, substituída por uma pena restritiva de direitos, impende reconhecer que prescrita a pretensão punitiva do Estado, já que decorridos mais de 2 (dois) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Hipótese em que os fatos remontam ao período compreendido entre janeiro de 2005 e janeiro de 2007 e a de-

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núncia só veio a ser recebida em 25 de julho de 2012, mais de cinco anos após a data do último fato. Apelo provido. Decretada a extinção da punibilidade do recorrente, em virtu-de do reconhecimento da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal.” (TRF 5ª R. – ACr 0003896-89.2011.4.05.0000 – (12668/PB) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas – DJe 12.08.2015)

pRisÃO pReVentiVA

31315 – “Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso ordinário. Impos-sibilidade. Paciente acusado da suposta prática dos delitos tipificados no art. 3º, alínea a, no art. 4º, alínea a, da Lei nº 4.898/1965 (Lei do Abuso de Autoridade), nos arts. 339 e 347, parágrafo único, do Código Penal, e no art. 15 da Lei nº 10.826/2003. Preventiva de-cretada e mantida pelo Tribunal a quo. Necessidade da custódia. Paciente foragido e com registro de antecedentes criminais. Periculosidade social. Coação ilegal não demonstrada. Violação do princípio do juiz natural. Inexistência. Tribunal a quo que apenas restabeleceu a custódia decretada pelo magistrado. Nulidade da audiência de instrução. Inocorrência. Paciente e defesa devidamente intimados. Juntada de atestado médico falso. Inteligência do art. 565 do CPP. Alegação de excesso de prazo. Supressão de instância. Habeas corpus não conhecido. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não tem admitido a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, prestigiando o sistema recursal ao tempo que preserva a importância e a utilidade do habeas corpus, visto permitir a concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Sabe-se que a prisão cautelar é medida excepcional que só deve ser decretada quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da não culpabilidade, sob pena de antecipação da pena a ser cumprida quando da eventual condenação. 3. Da leitura das informações prestadas pelo juízo de primeiro grau, da decisão e do acórdão recorridos, extrai-se que a prisão cautelar foi decretada e mantida para garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal, em vista da clara intenção do acusado e da defesa em procrastinarem o feito, utilizando atestado médico falso, con-forme afirmado pela própria médica que o emitiu, com o único fito de não comparecerem à audiência de instrução, da qual foram previamente intimados. 4. Infere-se que o pacien-te, desde o início da ação penal, nunca se apresentou ao juízo, encontrando-se o mandado de prisão, expedido novamente em 12.12.2013, ainda pendente de cumprimento. Nesse sentido, saliente-se que, nos termos da jurisprudência desta Quinta Turma, a evasão do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada nos autos, e que perdura, é motivação suficiente a embasar a segregação cautelar para garantir tanto a conveniência da instrução criminal como a aplicação da lei penal. 5. De se destacar que a segregação cautelar faz-se necessária, outrossim, para se evitar a reiteração delitiva, uma vez que o paciente, embora primário, possui antecedentes criminais, consoante informação trazida pelo juízo de piso, acostada às e-STJ fls. 167/168, onde se constata a suposta prática, na comarca de Iaçu/BA, dos delitos de abuso de autoridade e desobediência e, na comarca de Luís Eduardo

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Magalhães/BA, do crime de homicídio qualificado. 6. Quanto ao argumento defensivo de ofensa ao princípio do juiz natural, porquanto o Tribunal a quo, ao cassar a liminar ante-riormente deferida e denegar a ordem originária, decretando a prisão preventiva, teria su-primido a competência do juízo de primeiro grau, entendo que inexistiu a alegada ofensa, pois o Tribunal a quo não decretou a custódia preventiva do paciente, apenas manteve a constrição já decretada pelo Juiz de primeiro grau, sem qualquer usurpação de competên-cia. 7. A defesa pugna pela nulidade da audiência de julgamento, posto que realizada sem a presença do acusado e do seu defensor. No caso, restou evidenciado que o paciente e seu defensor foram devidamente intimados da data da realização da audiência, tanto que, ardilosamente, acostaram atestado médico falso pugnando pelo seu adiamento, o que afasta a existência de mácula apta a contaminar o feito, até mesmo porque o acusado não restou indefeso, ante a nomeação de defensor ad hoc. 8. Nos termos do art. 565 do Código de Processo Penal, ‘nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte con-trária interesse’. 9. No que tange ao pleito consistente na revogação da custódia cautelar fundado no excesso de prazo para formação da culpa, entendo que, se não foi suscitado perante o Tribunal a quo, o mesmo não pode ser conhecido, pois importaria em supressão de instância. Precedentes. 10. De mais a mais, em consulta processual realizada na página eletrônica da Corte Estadual (www.tjba.jus.br), é possível constatar que o feito teve sua instrução concluída, estando, atualmente, na fase do art. 402 do CPP. Caso não sejam re-queridas diligências, serão intimadas acusação e defesa para apresentação das alegações finais. Dessarte, deve ser aplicado ao caso o disposto no Enunciado nº 52 da Súmula/STJ. 11. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 301.145 – (2014/0198494-9) – 5ª T. – Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo – DJe 10.08.2015)

pROCuRAÇÃO

31316 – “Processual penal. Ausência de procuração. Súmula nº 115 do STJ. Incidência. 1. É firme o entendimento desta Corte de que a ausência de procuração impossibilita o conhecimento do recurso. Aplicação da Súmula nº 115 do STJ. 2. Pacífica a jurisprudência deste Tribunal Superior acerca da inaplicabilidade da providência de que trata o art. 13 do CPC em sede especial, devendo a representação processual estar formalmente perfeita na ocasião da interposição do recurso. 3. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 606.760 – (2014/0287762-9) – 5ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 17.08.2015)

QuAdRilhA, FAlsidAde ideOlógiCA e lAVAgem

de dinheiRO

31317 – “Habeas corpus. Impetração em substituição ao recurso cabível. Utilização inde-vida do remédio constitucional. Não conhecimento. 1. A via eleita se revela inadequada

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para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Pre-cedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da even-tual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Nulidade do inquérito po-licial. Procedimento investigatório que teria decorrido de denúncia anônima. Matéria não apreciada pela corte de origem. Mandamus não conhecido sob o argumento de que seria mera reiteração de outros dois remédios constitucionais já apreciados na origem. Writ em que se impugna questão diversa das decididas nos processos já julgados na origem. Ne-gativa de prestação jurisdicional. Concessão da ordem de ofício. 1. A questão referente à nulidade do inquérito policial porque teria sido instaurado a partir de denúncia anônima não foi alvo de deliberação pelo Tribunal de origem, circunstância que impede qualquer manifestação desta Corte Superior de Justiça sobre o tópico, evitando-se com tal medida a atuação em indevida supressão de instância. 2. Embora tenham sido impetrados outros dois habeas corpus na origem buscando o trancamento da ação penal por falta de justa causa, observa-se que neles observa-se que nele foram discutidas matérias distintas da levantada no presente mandamus, o que revela que a decisão proferida pelo Tribunal de origem incorreu em negativa de prestação jurisdicional, ensejando constrangimento ilegal passível de ser remediado com a concessão da ordem de habeas corpus de ofício. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar a baixa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região para que aprecie o mérito do HC 5563/PE como entender de direito.” (STJ – HC 308.801 – (2014/0294417-3) – 5ª T. – Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo – DJe 07.08.2015)

ROubO

31318 – “Recurso ordinário em habeas corpus. Roubo circunstanciado. Constrangimento ilegal (hipótese). Prisão preventiva (pretendida revogação). Apresentação espontânea à autoridade policial. Excesso de prazo na formação da culpa (alegações). Preenchimento dos requisitos (gravidade concreta do delito; modus operandi). Periculosidade do agen-te (condição de investigador de polícia civil). Fundamentação idônea e constitucional (coação ilegal não demonstrada). Condições pessoais favoráveis (irrelevância). Recurso improvido. 1. A apresentação espontânea à autoridade policial não impede a decretação da prisão provisória, tampouco serve de motivo para a sua revogação, caso a necessidade do cárcere se faça presente (Precedentes). 2. Caso em que o recorrente se valeu da condição de Investigador de Polícia para viabilizar a prática dos delitos, quando, juntamente com um Policial Civil aposentado e um terceiro corréu, munidos de armas de fogo e distinti-vos, dizendo-se policiais, abordaram as vítimas e subtraíram o seu veículo, com a carga que trazia, a pretexto de que estavam fazendo a sua apreensão. Em seguida, exigiram o depósito da importância de R$ 4.000,00 para a devolução da carga. Em que pese tenha sido o depósito efetuado, os objetos não foram restituídos ao ofendido. 3. Hipótese em que o decreto prisional encontra-se devidamente justificado na gravidade concreta dos crimes,

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na garantia da ordem pública e na periculosidade efetiva do recorrente, mormente em se tratando de agentes que se passam por policiais. 4. Eventual retardo na tramitação do feito justifica-se pela pluralidade de réus, com multiplicidade de defesa e prazos distintos, bem como da necessidade de oitiva de diversas testemunhas arroladas, muitas delas mediante expedição de carta precatória. 5. Ausente a alegada desídia da autoridade judiciária na condução do feito, não cabe falar em constrangimento ilegal. Ao revés, constata-se que o Magistrado, a despeito das circunstâncias adversas, procura imprimir à ação penal an-damento regular. 6. Recurso improvido.” (STJ – Rec-HC 58.847 – (2015/0095268-3) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 13.08.2015)

tRáFiCO de dROgAs

31319 – “Agravo regimental no habeas corpus. Penal. Tráfico transnacional de drogas. Aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Impossibilidade. Réu integrante de organização criminosa. 1. A não aplicação da mino-rante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 pressupõe a demonstração pelo juízo sentenciante da existência de um conjunto probatório apto a afastar pelo menos um dos critérios, que são autônomos, descritos no preceito legal: (a) primariedade; (b) bons ante-cedentes; (c) não dedicação a atividades criminosas; e (d) não integração à organização criminosa. Nesse juízo, não se pode ignorar que a norma em questão tem a clara finalidade de apenar com menor grau de intensidade quem pratica de modo eventual as condutas descritas no art. 33, caput e § 1º, em contraponto ao agente que faz do crime o seu modo de vida, o qual, evidentemente, não goza do referido benefício (Cf. justificativa ao Proje-to de Lei nº 115/2002 apresentada à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação). 2. No caso, as instâncias ordinárias concluíram, com base nos elementos de provas colhi-dos sob o crivo do contraditório, a ligação do agravante com organização criminosa dedi-cada à prática do crime de tráfico de drogas. Nesse contexto, revela-se inviável a utilização do habeas corpus, a fim de reexaminar o que decidido pelas instâncias ordinárias. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – AgRg-HC 127.728 – São Paulo – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 23.06.2015)

31320 – “Habeas corpus substitutivo de recurso. Tráfico de drogas. Regime prisional fe-chado. Paciente reincidente e com circunstâncias judiciais desfavoráveis. Art. 33, §§ 2º e 3º do Código Penal. Ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpus não conhecido. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. Tratando-se de paciente reincidente, com circunstâncias

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JuRispRudência penalRevista JuRídica 454

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judiciais desfavoráveis, condenado à pena privativa de liberdade superior a 4 (quatro) anos de reclusão e que não excede a 8 (oito), é cabível o regime inicial fechado, consoante dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. 3. Na espécie, em que pese o regime inicial fechado ter sido estabelecido com base na vedação legal, já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, não há razões para flexibilizá-lo ao fazer uma análise à luz do art. 33 do Código Penal. Isso porque, a despeito de ter sido condenado à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses, o paciente é reincidente e teve a pena-base estabelecida acima do piso legal em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, sendo possível a fixação do regime inicial fechado, consoante dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, e art. 59, ambos do Código Penal. Precedentes. 4. Habeas Corpus não conhecido.” (STJ – HC 322.011 – (2015/0093210-0) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 12.08.2015)

usO de dOCumentO FAlsO

31321 – “Penal. Processo penal. Uso de documento falso. Art. 304 do Código Penal. Falsi-ficação grosseira. Crime impossível. Absolvição. Se a falsificação do documento é grossei-ra e de fácil constatação, incapaz de iludir, não se configura o delito insculpido no art. 304 do Código Penal, por absoluta ineficácia do meio empregado.” (TRF 4ª R. – ACr 0000219-17.2008.4.04.7103/RS – 7ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Antonio Rocha – DJe 13.08.2015)

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Índice AlfAbético e Remissivo cÍvel e PenAl

Doutrina

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

assunto

Danos imateriais

• (in)Transmissibilidade dos Danos imateriais e legitimidade ati-va: Doutrina e Jurisprudência (Felipe Cunha de almeida) .............. 43

equiDaDe

• o Que ainda nos resta da epieikeia de aristóteles: estudo sobre os Conceitos e usos Clássicos e Contemporâneos deequidade (Tiago Bitencourt de David) ............................................... 9

meDiação familiar

• a mediação Familiar sob um viés Prático: das Noções ele-mentares às etapas executadas (Cristiana sanchez GomesFerreira) ........................................................................................... 35

autor

Cristiana sanChez Gomes ferreira

• a mediação Familiar sob um viés Prático: das Noções ele-mentares às etapas executadas ..................................................... 35

felipe Cunha De almeiDa

• (in)Transmissibilidade dos Danos imateriais e legitimidade ati-va: Doutrina e Jurisprudência .......................................................... 43

tiaGo BitenCourt De DaviD

• o Que ainda nos resta da epieikeia de aristóteles: estudo sobre os Conceitos e usos Clássicos e Contemporâneos deequidade ............................................................................................ 9

PeNal, ProCessual PeNal

assunto

auDiênCia De CustóDia

• a audiência de Custódia, o Conselho Nacional de Justiça e os Pactos internacionais de Direitos Humanos (rômulo deandrade moreira) ............................................................................. 81

BeBiDas alCoóliCas para menores

• a Criminalização da venda de Bebidas alcoólicas para me- nores: mais uma Punição aos Pobres? (Júlia de vargas Fonseca) ......................................................................................................... 87

autor

Júlia De varGas fonseCa

• a Criminalização da venda de Bebidas alcoólicas para meno-res: mais uma Punição aos Pobres? ............................................... 87

rômulo De anDraDe moreira

• a audiência de Custódia, o Conselho Nacional de Justiça e os Pactos internacionais de Direitos Humanos .................................... 81

aCórDão Na íNTeGra

Civil, Processual Civil e Comercial

assunto

presCrição

• agravo regimental – recurso especial – repetição de indébito – Prescrição – art. 27 do CDC – inaplicabilidade (sTJ) .................113

sfh• agravo de instrumento – sistema financeiro da habitação –

usucapião – Hipoteca – ausência de posse mansa e pacífica(TrF 4ª r.) .....................................................................................119

usuCapião

• Processual civil – agravo regimental no recurso especial – Prejudicialidade externa entre ação de usucapião urbano e ação possessória – inexistência – suspensão do primeiro processo – insubsistência – Necessidade de prosseguimento – art. 265, § 5º, do CPC – suspensão – limite – incidência dasúmula nº 83/sTJ (sTJ) ................................................................ 107

PeNal, ProCessual PeNal

assunto

extraDição

• extradição passiva de caráter instrutório – extraditanda que, embora possuindo nacionalidade portuguesa, não é beneficiária do estatuto de igualdade (CF, art. 12, § 1º) – mandado de prisão expedido por representante do ministério público do estado es-trangeiro requerente – validade – imputação penal por suposta prática de crimes de “tentativa de homicídio ou tentativa de as-sassinato, sequestro e roubo de uso” – Delitos que, ressalvado o “roubo de uso” (rectius: furto de uso), encontram correspondên-cia típica no Código Penal Brasileiro – Pedido que se apoia em tratado de extradição entre o Brasil e a suíça – observância, na

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Revista JuRídica 454índice cível e Penal

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espécie, dos critérios da dupla tipicidade e da dupla punibilidade – extraditanda que demonstrou concordância com o pedido de extradição – irrelevância – inocorrência, no caso, da consuma-ção da prescrição penal – interrogatório procedido por magistra-do federal brasileiro – atendimento, no caso, dos pressupostos e requisitos necessários ao acolhimento, em parte, do pleito extradicional – legislação do estado requerente que comina, no caso, a pena de prisão perpétua para um dos delitos – inad-missibilidade dessa punição no sistema constitucional brasileiro (CF, art. 5º, Xlvii, b) – Necessidade de o estado requerente assumir, formalmente, o compromisso diplomático de comutar em pena de prisão não superior a 30 (trinta) anos a pena de prisão perpétua – exigência, ainda, na espécie, de detração pe-nal – extradição deferida em parte e com restrição (sTF) ............ 145

lavaGem De Dinheiro

• Penal e processo penal – apelação criminal – lavagem de dinheiro – inépcia – Caracterização – organização criminosa –recurso não provido (TrF 2ª r.) .................................................. 185

prisão preventiva

• Processo penal – Habeas corpus – Prisão preventiva – Fumus comissi delicti e periculum libertatis comprovados – Garantia da ordem pública – risco concreto de reiteração criminosa – Falsificação e venda de documentos públicos e privados – monitoramento eletrônico – Preso provisório – ina-plicabilidade (TrF 1ª r.) ................................................................ 175

rouBo CirCunstanCiaDo

• recurso ordinário em habeas corpus – roubo circunstanciado; constrangimento ilegal (hipótese) – Prisão preventiva (preten-dida revogação) – apresentação espontânea à autoridade policial; excesso de prazo na formação da culpa (alegações) – Preenchimento dos requisitos (gravidade concreta do delito; modus operandi) – Periculosidade do agente (condição de investigador de polícia civil) – Fundamentação idônea e cons-titucional (coação ilegal não demonstrada) – Condições pes-soais favoráveis (irrelevância) – recurso improvido (sTJ) ........... 165

Civil, ProCessual Civil e ComerCial

assunto

ação anulatória – Cessão De Direitos – aDJuDiCação – imóvel Com Garantia real – hipoteCa – penhora anterior

• anulatória. Cessão de direitos. adjudicação. imóvel com ga-rantia real. Hipoteca. Penhora anterior. eficácia contra tercei-ros. Ciência do credor. arrematante. legitimidade. 1. o arre- matante é parte legítima ativa na ação que pretende anular adjudicação de imóvel realizada em outra execução. 2. salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-setodos os seus acessórios. ................................................. 34002, 125

ação anulatória De leilão extraJuDiCial – alienação fiDuCiária – Coisa imóvel – notifiCação pessoal

• agravo regimental no recurso especial. Civil e processual civil. ação anulatória de leilão extrajudicial. lei nº 9.514/1997. aliena-ção fiduciária de coisa imóvel. Notificação pessoal do devedor fi-duciante. Necessidade. Precedente específico. recurso especial parcialmente provido. 1. “No âmbito do Decreto-lei nº 70/1966, a jurisprudência do superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extra-judicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela

lei nº 9.514/1997” (resp 1447687/DF, rel. min. ricardo villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 21.08.2014, DJe 08.09.2014). 2. agravo regimental desprovido ....................................... 34003, 125

ação Cautelar – perito – esClareCimento – quesitos

• agravo regimental. agravo em recurso especial. ação cautelar. Perito. esclarecimento. Quesitos. respondidos. arts. 165, 458 e 535, ii, do CPC. violação. Não ocorrência. reexame de matéria de fato. 1. se as questões trazidas à discussão foram dirimi-das, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, contradições ou obscuridades deve ser afastada a alegada violação aos arts. 165, 458 e 535, ii, do Código de Processo Civil. 2. a tese defendida no recurso especial demanda o reexame do conjunto fático e probatório dos autos, vedado pelo enunciado nº 7 da súmula do sTJ. 3. agravo regimental a que se nega provimento ............................... 34004, 126

ação Civil púBliCa – propaGanDa enGanosa – inoCorrênCia

• agravo regimental no agravo em recurso especial. ação civil pública. Propaganda enganosa. ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC. inocorrência. revisão de matéria fático-probatória. impossibilidade. súmula nº 07/sTJ. ausência de fundamen-tos que justifiquem a alteração da decisão agravada. agravoregimental desprovido ....................................................... 34005, 126

alienação De Bem imóvel – ausênCia De reGistro no Cartório De imóveis – não Cumprimento Dos requisitos JuríDiCos – Com-pra e venDa

• Direito civil. Processo civil. violação do art. 514 do CPC. Não conhecimento do recurso da autora. alienação de bem imóvel. ausência de registro no cartório de imóveis. Não cumprimento dos requisitos jurídicos. Compra e venda do imóvel não aper-feiçoada. evicção. Culpa do alienante. enriquecimento sem causa. Dever de indenização em favor do alienatário. recursoda ré conhecido e desprovido ............................................ 34006, 126

alienação fiDuCiária – termo iniCial para o paGamento Da Dívi-Da – Data Da intimação

• Civil e processual civil. agravo regimental no recurso especial. alienação fiduciária. Termo inicial para o pagamento da dívida. Data da intimação contida no mandado de busca, apreensão e citação. Decisão mantida. 1. “Nos contratos firmados na vi-gência da lei nº 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida – entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial –, sob pena de consolidação da propriedade do bem mó-vel objeto de alienação fiduciária” (resp 1.418.593/ms, rel. min. luis Felipe salomão, 2ª s., submetido ao rito do art. 543-C do CPC, Julgado em 14.05.2014. DJe 27.05.2014). 2. agravo regimental a que se nega provimento ............................... 34007, 127

alimentos – exeCução – proposta De paGamento parCelaDo Do DéBito – prisão

• execução de alimentos. Proposta de pagamento parcelado do débito. Prisão. antes de se decretar a prisão do devedor de ali-mentos, que fez proposta de pagamento parcelado do débito, deve ser ele intimado sobre a recusa do credor em receber na forma proposta. ordem concedida .................................... 34008, 127

Casamento – reGime De Bens – alteração – Coação – prova

• Casamento. regime de bens. alteração. Coação. Prova. 1. a coação, para viciar a declaração de vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e conside-rável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. e não se

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índice cível e penalRevista JuRídica 454

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presume. Deve ser demonstrada por meio de fatos concretos que permitam viciar a manifestação de vontade daquele que teria sido coagido. 2. Não provado qualquer vício na alteração do regime de bens, feito pelo casal, improcede o pedido para se anulá-la. 3. apelação não provida ..................................... 34009, 128

Cheque presCrito – protesto – não CaBimento

• agravo regimental em recurso especial. Direito civil. Cheque prescrito. Protesto. Não cabimento. Precedentes. Cancelamen-to. Danos morais. Preclusão. 1. a jurisprudência do sTJ firmou--se no sentido de ser indevido o protesto de cheque prescrito. Precedentes. 2. o apontamento indevido de título de dívida a protesto gera dano moral in re ipsa. Porém, no caso em apreço, a sentença já havia afastado tal condenação e o autor deixou de recorrer desse ponto, motivo por que descabe, em recurso especial, condenar o réu a tal rubrica, uma vez já operada a pre-clusão. 3. agravo regimental não provido .......................... 34010, 128

Compromisso De Compra e venDa De imóvel em Construção – Despesas ConDominiais venCiDas antes Da entreGa Do Bem – responsaBiliDaDe Do promitente venDeDor

• Direito civil. Compromisso de compra e venda de imóvel em construção. Despesas condominiais vencidas antes da entrega do bem. responsabilidade do promitente vendedor. 1. Contri-buição de condomínio. É firme o entendimento jurisprudencial quanto à exigibilidade da obrigação condominial que só passa a ocorrer após a entrega das chaves, quando o adquirente/promitente comprador poderá efetivamente exercer a proprie-dade e a posse do bem. Precedentes: acórdão nº 695472, 20110112355735aPC, rel. Cesar laboissiere loyola, 1ª T.Cív., Data de Julgamento: 21.11.2012, Publicado no DJe 04.12.2012, p. 86; agrg-eDcl-resp 851.542/rs, relª min. Nancy andrighi, 3ª T., Julgado em 06.09.2011, DJe 13.09.2011. 2. Princípio da congruência. inferido-se da inicial que a pretensão do autor não é de obrigação de pagar, mas de fazer, mostra-se possível, pelo efeito translativo dos recursos e pelo princípio da congruência, de ofício, modificar o provimento judicial para obrigação de fazer, consistindo em saldar o débito perante o condomínio existente antes da entrega da unidade imobiliária. 3. recurso conhecido e não provido. Custas, pelo recorrente. sem honorários advoca-tícios, face à ausência de contrarrazões ............................34011, 128

Confissão De DíviDa – revelia CaraCterizaDa – veraCiDaDe Dos fatos aleGaDos na iniCial – presunção relativa – aleGação De paGamento Do DéBito

• Direito civil e processual civil. embargos à execução. ins-trumento de confissão de dívida. revelia caracterizada. ve-racidade dos fatos alegados na inicial. Presunção relativa. alegação de pagamento do débito. inexistência de prova. Ca-pitalização de juros. legalidade. ....................................... 34012, 129

Conflito positivo De CompetênCia – inventário – Dissolução parCial De soCieDaDes – apuração De haveres

• Processual civil. recurso especial. Conflito positivo de com-petência. Juízo da vara de sucessões e Juízo da vara Cível. inventário. Dissolução parcial de sociedades. apuração de ha-veres. arts. 984 e 993, parágrafo único, ii, do CPC. Questões de alta indagação. extensa dilação probatória. Competência do juízo da vara cível. recurso provido. ................................ 34013, 130

Contrato BanCário – CeleBração posterior à meDiDa provi-sória nº 2.170 – Capitalização mensal – possiBiliDaDe

• agravo regimental no recurso especial. Contrato bancário. Ce-lebração posterior à medida Provisória nº 2.170. Capitalização mensal. Possibilidade. Jurisprudência dominante desta Corte. in-

constitucionalidade da medida provisória. matéria que refoge da competência desta casa. agravo regimental desprovido .. 34014, 130

Dano moral – aCiDente De trânsito – ôniBus Coletivo – em-presa ConCessionária De serviço púBliCo

• Civil. Processual civil. agravo regimental no agravo em recurso especial. ação de indenização por danos morais. acidente de trânsito. Ônibus coletivo. empresa concessionária de serviço público. responsabilidade objetiva. Culpa de terceiro. Direito de regresso. ausência de impugnação deste fundamento do acór-dão recorrido. súmula nº 283/sTF. redução da indenização. razoabilidade na fixação do quantum. reexame do conjunto fático-probatório dos autos. inadmissibilidade. incidência da súmula nº 7/sTJ. Decisão mantida. ................................. 34015, 131

Defesa Do ConsumiDor – inDenização – perDa De uma ChanCe – falha na prestação Do serviço BanCário – erro no paGamento Da taxa De insCrição

• apelação cível. Consumidor. indenização. Perda de uma chan-ce. Falha na prestação do serviço bancário. erro no pagamento da taxa de inscrição. Concurso público. eliminação da candi-data. Dano hipotético não indenizável. aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à controvérsia instaurada entre consu-midora-autora, destinatária final econômica e fática do serviço bancário fornecido pela instituição financeira ré no mercado de consumo. No caso, houve falha na prestação do serviço bancá-rio, que errou ao digitar o código de barras do boleto bancário relativo ao pagamento da taxa de inscrição no concurso público, o que acarretou a invalidação da inscrição da consumidora no certame. Para a incidência da teoria da perda de uma chance, que trata de nova forma de responsabilização civil, faz-se ne-cessário que a chance perdida por ato ilícito seja séria e real e que proporcione ao lesado efetivas condições de concorrer à situação futura esperada. a chance perdida da consumidora de participar do concurso público e se tornar servidora pública é meramente hipotética, não cabendo indenização. apelo co-nhecido e negado provimento ........................................... 34016, 131

Direito autoral – CoBrança – oBras musiCais – trilhas so-noras De filmes

• agravo regimental. recurso especial. Direitos autorais. Co-brança. obras musicais inseridas em trilhas sonoras de filmes. Continuidade de transmissão ou retransmissão. Possibilidade de suspensão. Jurisprudência do sTJ. 1. É possível a suspen-são ou interrupção de transmissão ou retransmissão de obras musicais na programação de empresa quando não há o pré-vio pagamento dos direitos autorais devidos. interpretação do art. 105 da lei nº 9.610/1998. Jurisprudência do sTJ. 2. são devidos direitos autorais pela exibição pública de trilhas sono-ras nos filmes. 3. agravo regimental desprovido ............... 34017, 132

Direito De visita – suspensão – interesse De Criança – Cer-Ceamento De Defesa

• Direito de visitas. suspensão. interesse de criança. Cerceamen-to de defesa. 1. Não há cerceamento de defesa se, intimado para comparecer à audiência de instrução e julgamento, o réu não comparece e não apresenta justificativa. 2. o afastamento da criança do convívio com o pai, mediante a suspensão do direito de visitas, pode prejudicar a sua formação e crescimento emocional. Não obstante, em casos de agressões e ameaças à vida da criança, admite-se seja o pai, dependente químico, privado da convivência com a filha menor, de forma a preser-var a integridade física e psicológica dessa. 3. apelação nãoprovida ............................................................................... 34018, 132

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Revista JuRídica 454índice cível e Penal

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exCeção De pré-exeCutiviDaDe – CéDula De CréDito rural piG-noratíCia e hipoteCária – título CamBial

• Processual civil. agravo regimental. recurso especial. exceção de pré-executividade. agravo de instrumento. Cédula de cré-dito rural pignoratícia e hipotecária. Titulo cambial emitido por pessoa física. aval prestado por terceiro. validade. Decreto-lei nº 167/1967, art. 60, § 3º. redação da lei nº 6.754/1979. Tema pacificado. Precedentes. 1. “a interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei nº 167/1967 permite inferir que o significado da expressão ‘também são nulas outras garantias, reais ou pessoais’, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais” (3ª T., resp 1.483.853/ms, rel. min. moura ribeiro, unânime, DJe de 18.11.2014). 2. agravo regimental a que se nega provimento ............................... 34019, 132

exeCução – título extraJuDiCial – nuliDaDe Da fiança – au-sênCia De outorGa uxória

• agravo regimental no recurso especial. execução de título extrajudicial. Nulidade da fiança. ausência de outorga uxória. alegação pelo próprio fiador. impossibilidade. acórdão mantido. Fundamentos inatacados. súmula nº 283/sTF. Decisão manti-da. agravo regimental não provido. 1. a jurisprudência do sTJ é no sentido de que a nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu ou por seus respectivos her-deiros. Precedentes. 2. a subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado impõe o não conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na súmula nº 283/sTF. 3. ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicosfundamentos. 4. agravo regimental não provido ............... 34020, 133

litisConsórCio – interposição De apelação – erro Grosseiro

• agravo regimental. Direito processual civil. Decisão que ex-clui litisconsorte. recurso cabível. agravo de instrumento. interposição de apelação. erro grosseiro. 1. É cabível agravo de instrumento. e não apelação. Contra decisão que exclui li-tisconsorte passivo da lide, com extinção parcial do processo. Precedentes. 2. Tal conclusão persiste ainda que, em razão da exclusão de litisconsorte, houver declínio de competência da Justiça Federal para a estadual (resp 118.813/sP, rel. min. aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJ 27.03.2000, p. 106). 3. agravoregimental não provido ...................................................... 34021, 133

parCelamento irreGular De solo – ConDenação – manuten-ção – qualifiCaDoras – provas sufiCientes – Dosimetria – maus anteCeDentes – afastamento

• Parcelamento irregular de solo. lei nº 6.766/1979. art. 50. Condenação. manutenção. Qualificadoras. incisos i e iii do pa-rágrafo único. Provas suficientes. Dosimetria. maus anteceden-tes. afastamento. Consequências do crime. análise negativa.manutenção. ...................................................................... 34022, 134

previDênCia privaDa – ação De CoBrança – reserva De poupan-ça – expurGos inflaCionários – miGração De planos – tran-sação extraJuDiCial – ausênCia De resGate

• Direito civil. Previdência privada. agravo regimental no agravo em recurso especial. inadmissão na origem por mais de um fundamento. Qo-ag 1.154.599/sP. inaplicabilidade. ação de cobrança. reserva de poupança. expurgos inflacionários. mi-gração de planos. Transação extrajudicial. Não aplicabilidade

da súmula nº 289/sTJ. ausência de resgate das contribuições. vínculo não desfeito com a entidade de previdência privada.Decisão mantida ................................................................ 34023, 134

previDênCia privaDa feChaDa – reCeBimento Como aGravo re-Gimental – pretensão De revisão Do BenefíCio

• Processual civil e previdência privada fechada. embargos de declaração no recurso especial. recebimento como agravo regimental. Pretensão de revisão do benefício. Perícia técnica atuarial. Necessidade. Cerceamento de defesa configurado. Pre-cedente da segunda seção. Decisão mantida. ................ 34024, 135

representação proCessual – ausênCia De instrumento proCu-ratório – não ConheCimento

• Processual civil. representação processual. ausência de ins-trumento procuratório. Não conhecimento do recurso. súmula nº 115/sTJ. regularização posterior. inadmissibilidade. 1. Na instância especial, é inexistente o recurso subscrito por advoga-do que não possui procuração nos autos. incidência da súmula nº 115/sTJ. 2. o sTJ já firmou entendimento no sentido de que a regra inserta no art. 13 do CPC não se aplica na instância superior. agravo regimental improvido .............................. 34025, 136

responsaBiliDaDe Civil – estaCionamento e lava-rápiDo – rou-Bo Do veíCulo – Dever De GuarDa – risCo Da ativiDaDe – ação De inDenização

• agravo regimental no recurso especial. estabelecimento ex-plorador de atividade de estacionamento e lava-rápido. rou-bo do veículo. Dever de guarda. risco da atividade. ação de indenização. responsabilidade civil. súmula nº 130 do sTJ. agravo regimental não provido. ......................................... 34026, 136

seGuro De viDa – morte Do seGuraDo – ausênCia De inDiCação De BenefiCiário – paGamento aDministrativo à Companheira e aos herDeiros

• recurso especial. Civil. seguro de vida. morte do segurado. ausência de indicação de beneficiário. Pagamento adminis-trativo à companheira e aos herdeiros. Pretensão judicial da ex-esposa. separação de fato. Configuração. art. 792 do CC. interpretação sistemática e teleológica. Divisão igualitária entre o cônjuge não separado judicialmente e o convivente estável. multa do art. 557, § 2º, do CPC. afastamento. exaurimento da instância ordinária. Necessidade. intuito protelatório. Não con-figuração. resp 1.198.108/rJ (representativo de controvérsia) .......................................................................................... 34027, 137

sfh – ação revisional – Contrato De Gaveta – ileGitimiDaDe ativa

• agravo regimental. Direito civil e processual civil. sistema fi-nanceiro da habitação. ação revisional. Contrato de gaveta. ilegitimidade ativa do cessionário. 1. “Na hipótese de contrato originário de mútuo sem cobertura do FCvs, celebrado até 25.10.1996, transferido sem a anuência do agente financiador e fora das condições estabelecidas pela lei nº 10.150/2000, o cessionário não tem legitimidade ativa para ajuizar ação pos-tulando a revisão do respectivo contrato” (resp 1.150.429/Ce, rel. min. ricardo villas Bôas Cueva, Corte especial, Julga-do em 25.04.2013, DJe 10.05.2013). 2. agravo regimentalnão provido ........................................................................ 34028, 138

tutela anteCipaDa – ação Civil púBliCa – auxílio-moraDia

• Processual civil. administrativo. auxílio-moradia. Tutela ante-cipatória deferida em ação civil pública. ausência de omissão

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Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 454

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no acórdão. entendimento do juízo a quo, no sentido de que presente a verossimilhança das alegações. antecipação da tutela. requisitos. Pretensão de reexame de provas. súmulanº 7/sTJ. ............................................................................ 34029, 138

usuCapião – preenChimento Dos requisitos – reexame De prova

• agravo regimental. agravo em recurso especial. usucapião. Preenchimento dos requisitos. reexame de prova. 1. inviável a análise do recurso especial quando dependente de reexame de matéria fática da lide (súmula nº 7 do sTJ). 2. agravo regimen-tal a que se nega provimento ............................................ 34030, 140

PeNal e ProCessual PeNal

assunto

assoCiação Criminosa

• Habeas corpus. associação criminosa. roubo majorado. re-ceptações. Porte de arma de fogo e munição. Prisão preventiva. Garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Presentes os requisitos que autorizam a prisão, assim como demonstrada a periculosidade e o comportamento de risco social do paciente, a manutenção da preventiva se im-põe, não sendo caso para substituição por medidas cautelares alternativas. ordem denegada .......................................... 31294, 199

Corrupção passiva

• apelações criminais do mPF e da defesa. art. 317, § 1º, CP. solicitação de vantagem indevida por policial rodoviário. De-poimento da vítima. Corrupção passiva comprovada. Dosi-metria mantida. recursos desprovidos. 1. apelante que, na qualidade de policial rodoviário federal, solicitou vantagem indevida para não reter veículo que transitava irregularmente na Br-262. Delito de corrupção passiva devidamente com-provado, sendo as declarações da vitima confirmadas por provas seguras ................................................................. 31295, 199

Crime Contra a honra

• Penal. Crimes contra a honra. Queixa. Dirigentes da oaB-Go. Comprovação tardia dessa condição. Decadência. extinção da punibilidade. Desprovimento do recurso em sentido estri-to. 1. Não tendo os recorrentes, dirigentes da oaB/Go, feito a prova dessa condição – documento essencial à propositura da ação – no momento da apresentação da queixa, em cri-me contra a honra, senão depois do transcurso do prazo de seis meses (art. 38, CPP), é de se confirmar a sentença que extinguiu o processo em razão da decadência. 2. recurso em sentido estrito não provido ........................................... 31296, 199

Crime Contra o patrimônio Da união

• Penal. Processual penal. Crime contra o patrimônio da união. lei nº 8.176/1991, art. 2º, caput. Crime ambiental. lei nº 9.605/1998, art. 55, caput. materialidade e autoria. Compro-vação. apelação não provida. 1. a materialidade e a autoria referentes aos crimes imputados ao réu ficaram comprova-das pelo conjunto probatório acostado nos autos. 2. ape-lação desprovida ................................................................ 31297, 200

Crime De ContraBanDo

• Penal. importação irregular de pneus usados. Proibição. Cri-me de contrabando. Princípio. insignificância. inaplicabilidade.recebimento da denúncia. recurso provido. .................... 31298, 200

Crime De Corrupção

• Penal e processual penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Não conhecimento do writ. Crime de corrupção ativa. Dosimetria da pena. Pleito de redução da pena-base. Culpabili-dade. atividade criminosa organizada (desmanche de veículo). acentuada reprovabilidade demonstrada. Fato não comum à espécie. Personalidade voltada ao crime. motivação inexisten-te. ofensa ao art. 93, iX, da CF/1988. Circunstâncias do delito. alto valor do suborno. Fundamento válido. Circunstância que exorbita das inerentes ao delito praticado. Pleito de alteração do regime e de substituição das penas. réu reincidente. Pena-ba-se acima do mínimo. requisitos legais não atendidos. Habeascorpus não conhecido. ordem concedida de ofício.. ......... 31299, 200

Crime De Dano

• Habeas corpus. Penal. Crime de dano. Princípio da insignifi-cância. incidência. Prejuízo ínfimo. Circunstâncias da conduta. ordem concedida. 1. segundo a jurisprudência do supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social ......................................... 31300, 201

Crimes triButários e eConômiCos

• recurso ordinário em habeas corpus. investigações pela prá-tica de crimes tributários e econômicos. Pretendida expedição de salvo-conduto visando impedir a decretação da prisão pre-ventiva. inquérito ainda não encerrado. inexistência de notícia de representação pela segregação processual. ausência de ameaça concreta ao direito de locomoção. incabimento do remédio constitucional para o fim pretendido. aresto recorrido acertado. reclamo improvido ............................................ 31301, 202

DesaCato

• Direito penal e processual penal. Conflito negativo de compe-tência. Delito de desacato. Concurso de crimes. inocorrência. sujeito passivo único. Crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da lei nº 9.099/1995). Competência do juizados espe-ciais federais. i – se o delito de desacato tem por sujeito passivo direto o estado e, se no contexto da imputação, dirigiu-se de maneira genérica à Justiça eleitoral e não aos servidores pú-blicos respectivos, no exercício das suas funções, não há que falar em concurso de crimes. ii – atendido o limite objetivo do art. 61 da lei nº 9.099/1995, que define os crimes de menor potencial ofensivo, é competente para o respectivo processo e julgamento da ação penal os juizados especiais federais. iii – Competência do Juízo suscitado: o do 1º Juizado especial Federal de Campos dos Goytacazes ................................ 31302, 202

DroGa

• Penal. agravo regimental no recurso extraordinário com agra-vo. Posse de droga para uso próprio. Consumação da pres-crição da pretensão punitiva (art. 30 da lei nº 11.343/2006 c/c art. 115 do Código Penal). agravo regimental a que se negaprovimento ......................................................................... 31303, 203

• recurso ordinário em habeas corpus. Tráfico internacional de entorpecentes. Flagrante convertido em preventiva. superveni-ência de condenação de um dos recorrentes e absolvição do outro. vedação do direito de recorrer em liberdade. segregação fundada no art. 312 do CPP. Circunstâncias do delito. Gravida-de. elevadíssima quantidade da droga apreendida. réu estran-geiro. Necessidade da prisão para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Constrição justificada.

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Revista JuRídica 454índice cível e Penal

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medidas cautelares alternativas. insuficiência. Coação ilegal não demonstrada. reclamo improvido .............................. 31304, 203

emBriaGuez ao volante

• Penal. Processual penal. Habeas corpus substitutivo de recur-so especial, ordinário ou de revisão criminal. Não cabimento. embriaguez ao volante. art. 306 da lei nº 9.503/1997. lei nº 11.705/2008. Fato anterior à alteração normativa dada pela lei nº 12.760/2012. Perigo abstrato. ausência de exa-me de sangue. Bafômetro realizado. Quantidade superior ao limite estabelecido no Decreto nº 6.488/2008. Competência delegada pelo Código de Trânsito Brasileiro. ausência de justa causa não configurada .............................................. 31305, 203

estelionato e furto

• apelação criminal. estelionato e furto qualificado. art. 171, caput, e art. 155, § 4º, inc. iv, na forma do art. 69, caput, todos do Código Penal. materialidade, autoria e dolo comprovados. Édito condenatório mantido. impossibilidade de aplicação da privilegiadora. 1. as provas coligidas nos autos são suficientes para o juízo condenatório, pois restaram comprovadas a mate-rialidade e a autoria dos delitos de estelionato e furto praticados pelas rés, que procuraram a vítima para adquirir os produtos que esta revendia, com o intuito de realizarem o pagamento de forma parcelada, o que não foi feito. restou claro que as acusadas obtiveram vantagem indevida, por terem ludibriado a vítima. outrossim, evidente que as acusadas aproveitaram a oportunidade em que estiveram na residência da vítima para subtraírem sua carteira, que continha r$ 100,00 (cem reais) em dinheiro, além de um cartão de crédito. 2. inaplicável, in casu, a privilegiadora do § 1º do art. 171 do CP, tendo em vista que não há como considerar de ‘pequeno valor’ o prejuízo causado à víti-ma, visto que correspondia a, aproximadamente, 25% do saláriomínimo vigente à época do fato. apelação desprovida ..... 31306, 204

exeCução penal

• execução penal. Falta grave. Hipóteses taxativas. Conde-nado surpreendido com aves (pombos) em sua cela. inob-servância ao art. 50, vi, da leP. Hipótese que viola a legali-dade. Não comprovação da destinação dos animais. ordemconcedida .......................................................................... 31307, 205

• Habeas corpus substituto de recurso. Não cabimento. exe-cução penal. associação para o tráfico. Delito que não inte-gra o rol dos crimes hediondos ou equiparados. livramento condicional. requisito objetivo. Fração de 1/3, primário, ou 1/2, se reincidente em crime doloso. inteligência do art. 83, i e ii, do CP. Habeas corpus não conhecido. ordem concedidade ofício ............................................................................. 31308, 206

falsifiCação De selo

• Penal e processual penal. ação penal originária. Denúncia por crimes de falsificação de selo ou sinal público (art. 296, § 1º, iii, do CPB) em concurso com o delito de prevaricação (art. 319, do CPB), praticados por subprocurador-Geral da república. atipicidade apontada pela defesa não evidenciada. recebimento da denúncia ................................................. 31309, 207

furto

• Habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Descabi-mento. Furto qualificado tentado. aplicação do princípio da insignificância. impossibilidade. Paciente reincidente. rompi-mento do obstáculo. relevância da conduta na esfera penal. Precedentes do sTJ e sTF. Habeas corpus não conhecido. o superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento fir-mado pelo supremo Tribunal Federal, passou a não admitir

o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recur-so previsto para a espécie ................................................. 31310, 208

liBerDaDe provisória

• Habeas corpus. art. 306 da lei nº 9.503/1997. liberdade pro-visória deferida. Fiança não paga. manutenção da custódia. ilegalidade. ausência dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Flagrante ilegalidade. existência. ordem concedida. 1. Com o advento da lei nº 12.403/2011, externaram-se os comandos constitucionais que identificam na prisão provisória o caráter de ultima ratio. 2. in casu, existe manifesta ilegalidade pois o não pagamento da fiança arbitrada, por si só, não justifica a preservação da custódia cautelar, a teor do art. 350 do Código de Processo Penal, além de tratar-se de réu juridicamente pobre. 3. ordem concedida, confirmando a liminar, a fim de garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementa-das pela lei nº 12.403/2011 ...............................................31311, 209

moeDa falsa

• Penal. introdução de moeda falsa em circulação. art. 289, § 1º, do Código Penal. Princípio da insignificância. inaplicabilidade. Dosimetria da pena. mínimo legal. ate nuante. inaplicabilida-de na 2ª fase da dosimetria. súmula nº 231/sTJ. apelação improvida ........................................................................... 31312, 209

pena

• agravo regimental no recurso especial. atentado violento ao pudor. menor. recurso especial não conhecido. Habeas cor-pus concedido de ofício. regime fechado fixado apenas com base na hediondez do delito. art. 2º, § 1º, da lei nº 8.072/1990 declarado inconstitucional pelo sTF. Fundamentação inidônea. estabelecimento do regime semiaberto. Circunstâncias judiciais favoráveis. réu primário. Possibilidade. súmula nº 440/sTJ.Precedentes. agravo regimental desprovido ..................... 31313, 210

presCrição

• Penal. Processual penal. apelação criminal. art. 1º, inciso iii, do Dl 201/1967. Pena de 7 (sete) meses de detenção. lei nº 12.234/2010. inaplicabilidade. Decurso de prazo superior a 5 (cinco) anos entre a data dos fatos e o recebimento da de-núncia. recurso exclusivo da defesa. Prescrição retroativa. extinção de punibilidade. Não se aplica aos crimes cometidos antes de sua vigência à novel redação do § 1º do art. 110 do CP, dada pela lei nº 12.234/2010, por conferir tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. inteligência do art. 5º, inciso Xl, da Constituição da república (a lei penal não retroagirá, senão para beneficiar o réu). reconhecimento da prescrição retroativa em período anterior ao do recebimento da denúncia. Também não se aplica ao caso em exame a redação atual do art. 109, inciso vi, do CP, dada pela lei nº 12.234/2010, que elevou o prazo prescricional ali disposto de dois para três anos, por se tratar de inovação legislativa que confere tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, e tendo sido apli-cada ao recorrente a pena privativa de liberdade de 7 (sete) meses de detenção, substituída por uma pena restritiva de di-reitos, impende reconhecer que prescrita a pretensão punitiva do estado, já que decorridos mais de 2 (dois) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Hipótese em que os fatos remontam ao período compreendido entre janeiro de 2005 e janeiro de 2007 e a denúncia só veio a ser recebida em 25 de julho de 2012, mais de cinco anos após a data do último fato. apelo provido. Decretada a extinção da punibilidade do

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Índice cÍvel e PenalRevista JuRÍdica 454

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recorrente, em virtude do reconhecimento da prescrição retro-ativa da pretensão punitiva estatal .................................... 31314, 210

prisão preventiva

• Habeas corpus. impetração originária. substituição ao recurso ordinário. impossibilidade. Paciente acusado da suposta práti-ca dos delitos tipificados no art. 3º, alínea a, no art. 4º, alínea a, da lei nº 4.898/1965 (lei do abuso de autoridade), nos arts. 339 e 347, parágrafo único, do Código Penal, e no art. 15 da lei nº 10.826/2003. Preventiva decretada e mantida pelo Tribunal a quo. Necessidade da custódia. Paciente foragido e com registro de antecedentes criminais. Periculosidade social. Coação ilegal não demonstrada. violação do princípio do juiz natural. inexistência. Tribunal a quo que apenas restabeleceu a custódia decretada pelo magistrado. Nulidade da audiência de instrução. inocorrência. Paciente e defesa devidamente intimados. Juntada de atestado médico falso. inteligência do art. 565 do CPP. alegação de excesso de prazo. supres-são de instância. Habeas corpus não conhecido ...............31315, 211

proCuração

• Processual penal. ausência de procuração. súmula nº 115 do sTJ. incidência. 1. É firme o entendimento desta Corte de que a ausência de procuração impossibilita o conhecimento do recurso. aplicação da súmula nº 115 do sTJ. 2. Pacífica a jurisprudência deste Tribunal superior acerca da inaplicabi-lidade da providência de que trata o art. 13 do CPC em sede especial, devendo a representação processual estar formal-mente perfeita na ocasião da interposição do recurso. 3. agra-vo regimental não conhecido ............................................. 31316, 212

quaDrilha, falsiDaDe iDeolóGiCa e lavaGem De Dinheiro

• Habeas corpus. impetração em substituição ao recurso cabível. utilização indevida do remédio constitucional. Não conheci-mento. 1. a via eleita se revela inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que im-pede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. o alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do

art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Quadrilha, falsi-dade ideológica e lavagem de dinheiro. Nulidade do inquérito policial. Procedimento investigatório que teria decorrido de de-núncia anônima. matéria não apreciada pela Corte de origem. mandamus não conhecido sob o argumento de que seria mera reiteração de outros dois remédios constitucionais já aprecia-dos na origem. Writ em que se impugna questão diversa das decididas nos processos já julgados na origem. Negativa deprestação jurisdicional. Concessão da ordem de ofício .... 31317, 212

rouBo

• recurso ordinário em habeas corpus. roubo circunstanciado. Constrangimento ilegal (hipótese). Prisão preventiva (pre-tendida revogação). apresentação espontânea à autoridade policial. excesso de prazo na formação da culpa (alegações). Preenchimento dos requisitos (gravidade concreta do delito; modus operandi). Periculosidade do agente (condição de in-vestigador de polícia civil). Fundamentação idônea e constitu-cional (coação ilegal não demonstrada). Condições pessoaisfavoráveis (irrelevância). recurso improvido ..................... 31318, 213

tráfiCo De DroGas

• agravo regimental no habeas corpus. Penal. Tráfico transna-cional de drogas. aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da lei nº 11.343/2006. impossibilida-de. réu integrante de organização criminosa ................... 31319, 214

• Habeas corpus substitutivo de recurso. Tráfico de drogas. regime prisional fechado. Paciente reincidente e com circuns-tâncias judiciais desfavoráveis. art. 33, §§ 2º e 3º do Código Penal. ausência de constrangimento ilegal. Habeas corpusnão conhecido ................................................................... 31320, 214

uso De DoCumento falso

• Penal. Processo penal. uso de documento falso. art. 304 do Código Penal. Falsificação grosseira. Crime impossível. ab-solvição. se a falsificação do documento é grosseira e de fácil constatação, incapaz de iludir, não se configura o delito inscul-pido no art. 304 do Código Penal, por absoluta ineficácia domeio empregado ................................................................ 31321, 215