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Cachoeira Bahia Brasil, 21, 22 e 23 nov/18 www3.ufrb.edu.br/eventos/4congressoculturas Uma UFOPA para além do PSE: Os desafios, dificuldades e possibilidades dos estudantes indígenas e quilombolas na graduação. MATOS, Jéssica1 Discente, Brasil, < [email protected] > RIBEIRO, Alan2 Docente, Brasil, < [email protected] > Resumo: A Universidade Federal do Oeste do Pará conta com dois processos seletivos de ingresso nos cursos de graduação: o Processo Seletivo Regular (PSR) e o Processo Seletivo Especial (PSE). Este último é voltado para alunos autodeclarados indígenas e quilombolas. Os alunos indígenas e quilombolas são vistos como os principais beneficiários das políticas de ação afirmativa da UFOPA. Neste trabalho, propomos um enfoque sobre estas políticas de permanência estudantil, sobretudo as ações de acompanhamento acadêmico voltadas para estes estudantes. A partir dos relatos de alguns estudantes entrevistados registramos algumas narrativas acerca de como a UFOPA tem desenvolvido o auxílio pedagógico aos estudantes ingressantes pelo PSE durante sua permanência na instituição. O caráter introdutório e parcial deste trabalho tem por objetivo iniciar um exercício de repensar os processos de aproximação destes estudantes com o mundo acadêmico tradicional, indaga-se como a presença dos discentes oriundos do PSE tenciona partes do cotidiano da vida universitária que, por sua vez, pode ser um espaço de preparação que pode modificar ou não a trajetória egressa destes estudantes na vida sócio profissional. Palavras-chave: ações afirmativas universidade indígenas quilombolas 1 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Antropologia no Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). 2 Professor Adjunto A do Instituto de Ciências da Educação, da Universidade Federal do Oeste do Pará (ICED- UFOPA). Mestre em Antropologia, Doutor em Sociologia da Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (PPGE-USP).

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Cachoeira – Bahia – Brasil, 21, 22 e 23 nov/18 www3.ufrb.edu.br/eventos/4congressoculturas

Uma UFOPA para além do PSE: Os desafios, dificuldades e possibilidades dos

estudantes indígenas e quilombolas na graduação.

MATOS, Jéssica1

Discente, Brasil, < [email protected] >

RIBEIRO, Alan2

Docente, Brasil, < [email protected] >

Resumo: A Universidade Federal do Oeste do Pará conta com dois processos seletivos de ingresso

nos cursos de graduação: o Processo Seletivo Regular (PSR) e o Processo Seletivo Especial (PSE).

Este último é voltado para alunos autodeclarados indígenas e quilombolas. Os alunos indígenas e

quilombolas são vistos como os principais beneficiários das políticas de ação afirmativa da UFOPA.

Neste trabalho, propomos um enfoque sobre estas políticas de permanência estudantil, sobretudo as

ações de acompanhamento acadêmico voltadas para estes estudantes. A partir dos relatos de alguns

estudantes entrevistados registramos algumas narrativas acerca de como a UFOPA tem

desenvolvido o auxílio pedagógico aos estudantes ingressantes pelo PSE durante sua permanência

na instituição. O caráter introdutório e parcial deste trabalho tem por objetivo iniciar um exercício

de repensar os processos de aproximação destes estudantes com o mundo acadêmico tradicional,

indaga-se como a presença dos discentes oriundos do PSE tenciona partes do cotidiano da vida

universitária que, por sua vez, pode ser um espaço de preparação que pode modificar ou não a

trajetória egressa destes estudantes na vida sócio profissional.

Palavras-chave: ações afirmativas – universidade – indígenas – quilombolas

1 Acadêmica do Curso de Bacharelado em Antropologia no Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) –

Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

2 Professor Adjunto A do Instituto de Ciências da Educação, da Universidade Federal do Oeste do Pará (ICED-

UFOPA). Mestre em Antropologia, Doutor em Sociologia da Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação

da Universidade de São Paulo (PPGE-USP).

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“A luta pelo direito à educação, assim como os modos indígenas [e quilombolas] de ser e

conhecer, interpõe questionamentos ao caráter eurocêntrico dos saberes legitimados no ambiente

acadêmico e nos colocam em posição de vigilância para a defesa desses estudantes, para que

possam concluir o processo de formação sem serem discriminados dentro do próprio sistema de

cotas, ou seja: uma política pública que repara a discriminação, discriminando!”.

Fernandes, 2017, p. 72

INTRODUÇÃO

A universidade ainda é um espaço que reflete a cultura hegemônica eurocêntrica e atua

como instrumento coercitivo e estrutural para pensamentos colonizadores. É a partir desta

disposição contraditória da Universidade evidenciada por ser um lugar sem diversidade étnica,

racial, social etc., que a entrada de minorias socias nesses espaços se faz como contraponto, ou

melhor, confronta toda a configuração da instituição do Ensino Superior.

É fundamental salientar o fato de vivermos em uma sociedade que nega a existência

estrutural, histórico-social do racismo, machismo, sexismo, etnocentrismo; enfim, das marcas

profundas do processo colonial desde o século XV de violência e apagamento da história das

populações que aqui existiram, existem e resistem. Fazemos parte de uma cultura brasileira que

distancia esses fatos do presente.

De acordo com Santos e Maio (2008, p. 83)

“Do ponto de vista esquemático, é possível identificar três vertentes explicativas

principais para a questão racial na tradição intelectual brasileira no período que se estende

desde as últimas décadas do século XIX até os anos 50-60 do século XX, com

desdobramentos até o presente. A primeira delas, o paradigma racial, é inaugurada por volta

de 1870, e tem em Silvio Romero uma importante expressão. A segunda, o paradigma

cultural, tem seu representante maior em Gilberto Freyre, nos anos de 1930. A terceira, o

paradigma da estrutura social, emerge, basicamente, a partir dos anos 1950, e seu

personagem central é Florestan Fernandes. A vertente sociológica desdobra-se, a partir do

final da década de 1970, nos estudos de Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva e outros,

que em larga medida influenciaram os contornos da discussão sobre raça que acontece até

os dias atuais.”

A instituição de ensino superior faz parte dessa conjuntura de interfaces do monopólio de

conhecimentos em detrimento do fazer colonial mantendo a mesma padronização de ensino e

restrição do acesso e permanência nesses espaços. A universidade, como antes mencionado, ainda

reflete práticas oriundas da própria sociedade nas zonas de discussão cientifica e inibe a pluralidade

existente no próprio país.

O poder colonial historicamente utilizou-se de diferentes mecanismos para fazer com que

seu sistema funcionasse na reprodução da ideologia do colonizador (PASSOS, 2010, p.1). O campo

da graduação propicia atuações que universalizam o conhecimento, reproduzem discursos e mantém

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certa conduta sobre a interlocução do docente-discente para fins de consolidação das hierarquias

existentes entre eles e, novamente, o distanciamento entre o plano ideológico e o plano empírico da

relação universidade – sociedade.

Na perspectiva de Sousa Santos (2001) citado por Beltrão (2011, p.15), a universidade

nasceu como instituição elitista destinada a criar e reproduzir o ciclo dos ideais político-filosóficos

das classes dominantes. Para o autor, as principais funções da universidade seriam: (1) a

investigação científica; (2) ser o centro de cultura para a educação; e (3) proporcionar ensino e

formação profissional integral. Mesmo com as transformações políticas e econômicas do sistema

capitalista, sobretudo no período pós liberalismo, os objetivos da instituição permanecem

basicamente inalterados: investigação, ensino e prestação de serviços.

Uma vez que as pessoas omitidas pelas políticas de Estado tomam pra si a luta de ocupação

das instituições de ensino superior, essa perspectiva começa a sofrer mudanças importantes para a

ascensão desses grupos sociais historicamente marginalizados porque para Sousa Santos (2001)

citado por Beltrão (2001, p. 15), os direitos sociais e econômicos vêm contestar a legitimidade

institucional da universidade, pois quando a educação, sobretudo o ensino superior, se torna

aspiração socialmente legitimada, é necessário adequar o modelo institucional para satisfazer a

busca.

Atualmente, tem-se buscado desenvolver ações afirmativas a partir da intersetorialidade das

políticas públicas nos diversos órgãos de governo sob orientação e coordenação de alguns órgãos,

como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, a Secretaria Especial de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial – Seppir, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH e

também a Secretaria Nacional de Juventude – SNJ. Vale ressaltar que tem sido extremamente

salutar o processo de debates e de consultas por meio dos canais de participação, como conselhos de

políticas públicas e de direitos, ouvidorias, conferências, consultas públicas, entre outros.

(SANTOS; CAVALLEIRO; BARBOSA; RIBEIRO, 2008, p. 913)

Tudo isso, associado principalmente às pressões dos movimentos negros por igualdade

racial, tem possibilitado a discussão e a necessidade de políticas de ações afirmativas para grupos

sociais que historicamente têm sido discriminados na sociedade brasileira. Dessa maneira, tem sido

desenvolvido um “casamento” necessário e imprescindível entre políticas universalistas e políticas

públicas específicas, como as de ação afirmativa. (SANTOS; CAVALLEIRO; BARBOSA;

RIBEIRO, 2008, p. 913)

Assim que começam a se instaurar essas políticas públicas de ações afirmativas, elas passam

a atender a demanda de procura ao acesso à Universidade como um direito de todos. O conceito de

Ações Afirmativas (AA) foi definido por Silvério (2003) citado por Geraldo (2012, p. 64) como um

conjunto de ações e orientações do governo para proteger minorias e grupos que tenham sido

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discriminados no passado. Tem por objetivo assegurar a igualdade de oportunidades e combater

estruturas das desigualdades considerando os grupos mais vulneráveis à discriminação.

Porém, pela configuração da estrutura universitária que mantém os mesmos modos de

inserção dos estudantes nas instituições de ensino superior, observa-se uma resistência dela própria

em pensar estratégias de inclusão dessas pessoas. Mais que isso, de outros métodos de ensino-

aprendizagem, assistência estudantil, acompanhamento didático-pedagógico etc., em assegurar a

permanência desses estudantes durante a sua graduação. Dessa maneira, faz-se necessário a

urgência de novas práticas, seja por pressão social ou pelo exercício básico de sua existência: servir

a comunidade não só como meio de obtenção de conhecimentos, mas como agente fundamental na

integração e agregação das causas sociais, fomento da cultura e suas pluralidades.

A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR E AS POLÍTICAS DE AÇÕES

AFIRMATIVAS NA UFOPA

No dia 08 de Junho de 2017 a Resolução N°200 da Universidade Federal do Oeste do Pará

(UFOPA) instituiu a Política de Ações Afirmativas e Promoção da Igualdade Étnico-Racial e

estabeleceu diretrizes para a instituição do Instituto de Formação Intercultural. Foi a partir desse

princípio, tal como dispõe seu parágrafo único em que ratifica o destino da Política de Ações

Afirmativas e Promoção da Igualdade Étnico Racial, prioritariamente, aos grupos historicamente

excluídos: indígenas, negros, quilombolas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiência e

população LGBT que tornou-se legítima a ênfase nas pessoas ingressantes através das políticas de

equidade de direitos, tais como o Sistema de Cotas Sociais, o Processo Seletivo Especial (PSE) e as

vagas às pessoas com deficiência (Resolução 200, 2017) com o intuito de contribuir, como dispõe o

artigo 3°, com a afirmação da dignidade, da identidade e da cultura de grupos discriminados e

vitimados pela exclusão social, ocorridos no passado ou no presente, bem como a diminuição da

desigualdade social através da “ação afirmativa” que a UFOPA entende como “um conjunto de

medidas e ações, específicas e especiais” (Resolução 200, 2017).

A Resolução acontece após a UFOPA já estar praticando ações afirmativas para povos

indígenas desde a sua criação em 2009. Logo, o começo das ações afirmativas não acontece em

2017, com a Resolução 200, acontece em 2010, quando há o primeiro ano de ingressos na UFOPA o

qual já é implantado o PSE Indígena, sob a coordenação, ainda, da Universidade Federal do Pará

(UFPA). Em 2013, logo após a Lei de Cotas (2012), a UFOPA iniciou a implantação da cota de 50%

para estudantes oriundos de escolas públicas, incluindo pretos, pardos e índios. E logo após isso, foi

criado o PSE específico pra quilombolas em 2015. Assim, quando foi instituída a Resolução de

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Ações Afirmativas a UFOPA já tinha uma ampla política de inclusão de indígenas, negros,

quilombolas, populações tradicionais etc.

A priori, o que ocorria era que esta entrada, bem como os auxílios e outras ações de apoio e

acompanhamento, era feita através de editais para cada caso. De acordo com o Professor Doutor

Florêncio Vaz Filho que foi o primeiro diretor da Diretoria de Ações Afirmativas (DAA) dependia

da decisão ou da boa vontade de gestores da instituição. Com a criação da Diretoria de Ações

Afirmativas (DAA) em 2015, foi identificada a necessidade de instituir uma base legal, ou melhor,

mais firme pra estas ações, de forma que não dependessem de gestores, mas que fosse algo da

própria instituição, algo garantido de forma permanente.

E nessa primeira gestão da DAA, foi feito um enorme esforço pra elaboração formal desta

política. Antes da sua apreciação e aprovação no Conselho Universitário (CONSUN), a DAA

sistematizou as informações e organizou encontros onde estudantes indígenas e quilombolas foram

consultados e opinaram sobre como deveria ser tal política. Apesar de ser um processo longo, foi

muito amplo, e vários setores da UFOPA puderam se envolver. Nesse contexto, a proposta foi

ganhando corpo, ou texto. Em 2016, a Diretoria de Ações Afirmativas e toda a sua equipe deram

prosseguimento ao trabalho e por fim em meados de 2017, a resolução foi publicada oficialmente.

Sousa Santos (2001) citado por Beltrão (2011, p.15), explica que a manutenção da

legitimidade institucional das universidades está entrelaçada à efetivação de direitos sociais

conquistados, obrigando-as ao enfretamento de questões pertinentes à missão: (1) como

compatibilizar a democratização do acesso, exigida pelo reconhecimento dos direitos sociais, com

os critérios de seleção interna? (2) Como imprimir os ideais de democracia e de igualdade numa

instituição com contornos visivelmente elitistas?

É a partir deste pressuposto que as lutas sociais que põem em pauta a entrada e permanência

das minorias nos espaços universitários ganham força e emancipação nas discussões de cunho

estrutural ao qual se encontra a instituição. Pois há algumas especificidades dentro das próprias

políticas de ações afirmativas no ensino superior que são incoerentes e não atendem de forma

íntegra a conjuntura universitária pois não dialogam com os docentes, servidores, técnicos, diretores

e afins na recepção e acolhimento desses estudantes e agem sem o principio fundamental que

ampara e ratifica tais políticas da Constituição Federativa do Brasil de 1988 no seu art. 3º, incisos I,

III e IV, que elenca entre os objetivos fundamentais da república: construir uma sociedade livre,

justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades regionais e

sociais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação.

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ESTUDANTES INGÍGENAS E QUILOMBOLAS: DIFICULDADES E

POSSIBILIDADES

O Processo Seletivo Especial é uma expressão da política de ação afirmativa da UFOPA, que

possibilitou o acesso de um total de 470 indígenas ao ensino superior entre 2010 e 2018 pelo

Processo Seletivo Especial Indígena (PSEI) e 243 quilombolas entre 2015 e 2018 pelo Processo

Seletivo Especial Quilombola (PSEQ). Apesar do número expressivo, mostrarei mais adiante a

situação atual desses estudantes, pois a entrada, apesar de diferenciada e importante em termos

quantitativos para a instituição, observa-se necessidades básicas e urgentes para a garantia da

permanência desses acadêmicos.

Através da pesquisa qualitativa, usando sobretudo entrevistas semiestruturadas realizada

com 6 (seis) estudantes indígenas e quilombolas oriundos do PSE, incluindo o Coordenador do

Diretório Acadêmico Indígena (DAIN) e o Coordenador do Coletivo de Estudantes Quilombolas

(CEQ), procurou-se mapear as principais dificuldades e possiblidades quanto à assistência

estudantil e novas estratégias de permanência desses estudantes. Além da análise detalhada dos

dados disponibilizados pela Diretoria de Registro Acadêmico (DRA) da Pró-reitora de Ensino de

Graduação da UFOPA como forma de mostrar em dados quantitativos e qualitativos a situação dos

indígenas e quilombolas e o acompanhamento institucional desses discentes.

Hoje, existem inúmeras questões sobre o Processo Seletivo Especial, pois a cada edição o

edital retifica alguns pontos específicos que excluem ou incluem novos alunos. E essa problemática,

em especial, entra em pauta na luta social indígena e quilombola ano após ano porque não há uma

garantia de que as vagas destinadas permanecerão. Além da seletiva entrada em que muitos desses

estudantes que concorrem entre si no processo e que vieram de um ensino básico precário, um

difícil contato com a dinâmica da cidade e outros aspectos que distanciam essas pessoas do

ambiente acadêmico ainda há uma intensa preocupação em como acolher esses alunos.

No caso dos indígenas, a UFOPA realiza e incentiva hoje o Projeto Político e Pedagógico

nomeado “Formação Básica Indígena” e justifica-se a partir de uma análise de território, etnias,

acessos a instituição e realidades na região paraense. De acordo com a área de atuação do Projeto

emitido no próprio Sistema Integrado de Gestão das Atividades Acadêmicas (SIGAA), a escolha da

região do Oeste do Pará para implementação desse projeto pioneiro de formação inicial de

graduandos indígenas, deve-se a um conjunto de fatores, dentre os quais, destaca-se o

posicionamento geográfico estratégico na Amazônia Legal - por estar localizado na parte central,

com grande proporção de área de florestas protegidas, tanto em Unidades de Conservação quanto

em Terras Indígenas.

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Estima-se que nos 10 (dez) municípios da área de atuação direta (AAD) da UFOPA, que

compreende os municípios de Alenquer, Aveiro, Belterra, Itaituba, Jacareacanga, Juruti, Monte

Alegre, Óbidos, Oriximiná e Santarém vivem cerca de 100 (cem) mil pessoas que se auto

identificam como indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais e ribeirinhas. No que

tange aos indígenas, foram identificadas nessa área 28 povos, os quais, de acordo com a Fundação

Nacional do Índio (FUNAI), vivem em 21 (vinte e uma) Terras Indígenas (T.I), cuja demarcação

compreende 145.644 km². Dentre essas Terras, 16 correspondem a 42% da área total da AAD

UFOPA.

Mediante esse quadro, pode-se de dizer que a região do Oeste do Pará conta com importante

diversidade de povos e extensa área territorial, explicitando a necessidade urgente de se construir

oportunidades fecundas de desenvolvimento sustentável, a partir da produção e da socialização de

conhecimentos às populações locais, uma das missões da UFOPA. Pode-se, dizer, ainda, que, apesar

de diversos desafios, tais oportunidades vêm sendo oferecidas, uma vez que, desde a criação da

UFOPA se desenvolve estratégias de promoção do ingresso de indígenas nos cursos de graduação.

Desde 2010, é realizado o Processo Seletivo Especial Indígena – PSE Indígena. No

momento está em fase de elaboração da sua sétima edição. Esse processo oferece de uma a duas

vagas por curso de graduação especificamente para indígenas. Para se inscrever nele não é

necessário ter realizado a prova do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM. Ademais,

diferentemente do Processo Seletivo Regular – PSR, o PSE até 2015 foi composto por duas etapas,

sendo a primeira uma prova de língua portuguesa e a segunda uma entrevista.

Essas ações são fruto de um conjunto de motivações: presença significativa dos povos

indígenas no Oeste do Pará e na Amazônia, pressão dos movimentos sociais, ampliação e

consolidação de ações afirmativas nas universidades brasileiras. No entanto, as necessidades ainda

são muitas. Não é recente a reivindicação de estudantes e de representantes dos movimentos

indígenas locais a respeito do número insuficiente de vagas específicas para os indígenas nos cursos

regulares oferecidos pela universidade, visto que esse número não atende a demanda das

comunidades indígenas.

Outra reivindicação fortemente apresentada é a da oferta de disciplinas específicas para os

indígenas recém-ingressos na universidade. Tal demanda visa orientá-los a uma adaptação mais

confortável na universidade, bem como prepará-los para um melhor aproveitamento acadêmico,

pois os/as estudantes indígenas, em sua grande maioria, encontram diversas dificuldades de

adaptação, como: problemas de comunicação devido ao domínio insuficiente da língua portuguesa

oral/escrita, problemas com metodologia de aprendizado, falta de habilidade com os procedimentos

burocráticos, dentre outros.

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É, sobretudo, a partir dessas demandas que se justifica a criação do ciclo de Formação

Básica Indígena, ou seja, um período de preparação dos graduandos indígenas, antes de ingressarem

regularmente nos cursos escolhidos, com o intuito de minimizar os problemas socioculturais e

linguísticos que os impedem de obter melhor aproveitamento acadêmico e, que em muitos casos

leva à evasão acadêmica. Garantir o ingresso e a permanência de acadêmicos indígenas na

universidade, além de colaborar para o cumprimento de direitos assegurados na Constituição de

1988 e na Lei de Diretrizes e Bases 9394 de 1996, transforma essas instituições em plurais e

multiétnicas, proporcionando a manifestação e a negociação de conflitos, bem como

proporcionando a criação de novas formas de convívio e de reflexão sobre alteridades em jogo:

indígenas e não indígenas.

Fonte: Evento de recepção aos novos estudantes destacou a importância dos processos seletivos especiais na construção

de uma universidade pública plural e multiétnica 11/05/18. (Foto: Josemir Moreira)

É nesse lugar de manifestação e negociação de conflitos que a UFOPA vem procurando se

constituir com sua política de Ações Afirmativas e Inclusão Étnico-Racial, seja na busca de

melhoria dos instrumentos de acesso dos Indígenas ao Ensino Superior seja no apoio a eles durante

sua trajetória na Universidade. Dentre essas ações insere-se essa proposta de formação básica

inicial, em ensino superior, que assegura um Ensino Intercultural, conforme rege a legislação.

Além do FBI (Formação Básica Indígena) uma outra forma institucional de reafirmar a

presença desses povos na Universidade foi a criação do Diretório Acadêmico Indígena (DAIN).

Esse Diretório foi criado em abril de 2013 por meio de uma assembleia, com a participação de

docentes e discentes indígenas e não indígenas da UFOPA. O objetivo desse Diretório, ao ser

criado, foi atuar em defesa dos direitos dos estudantes indígenas diante de possíveis violações na

universidade, representando as populações indígenas atualmente existentes na UFOPA. Entre os

anos de 2013 e 2015, a coordenação do DAIN foi eleita em assembleia.

Em 2016, foi realizada eleição entre os estudantes indígenas para a escolha do coordenador e

em 2018 novamente em assembleia há a entrada de outros acadêmicos como coordenador e vice. Na

pesquisa de cunho qualitativo feita em forma de entrevista com o até então atual coordenador do

DAIN contatou-se a importância do Diretório como lugar de encontro não só para as articulações

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necessárias para assegurar direitos e intervir com posições arbitrarias da instituição, o que por si só

qualifica uma organização na qual dispõe uma postura política imprescindível dentro da

Universidade, mas como laboratório de “ajuda – mútua” em que os estudantes procuram o DAIN

para estudar, receber conselhos, usar o computador etc.

Observa-se como os próprios estudantes vão se adequando a falta de acompanhamento da

instituição em relação a permanência material e simbólica – esta última definida por Santos (2009)

como o sentir-se pertencente aquele novo espaço e reconhecido como parte do grupo – a partir da

implementação da Lei nº 12.711/2012, que lhes reserva vagas nesse nível de ensino. Uma vez que a

Universidade direciona com muitas pressões oriundas das manifestações sociais, algum incentivo a

permanência como o Diretório ou a FBI, cria-se um descaso ao acompanhamento das necessidades

mais concretas e urgentes dos estudantes, pois há uma ilusão quanto instituição de “suficiência”

argumentativa.

No caso dos quilombolas, existe o “Cursinho Quilombola” ¹ que hoje é emergente pela

Extensão Universitária e coordenado pelo professor Luiz Fernando de França do Instituto de

Ciências da Educação. É um projeto de intervenção social que tem por objetivo contribuir na

preparação dos quilombolas interessados em participar do Processo Seletivo Especial Quilombola

da UFOPA.

Nesse sentido, o projeto se constitui como fase pré-universitária de formação de estudantes

que já concluíram ou que estão concluindo o Ensino Médio, com ênfase na oferta de aulas de leitura

e interpretação de textos sobre história, cultura e território quilombola. Todavia, considerando sua

estreita relação com o movimento quilombola, o cursinho também se coloca no contexto atual como

instrumento de mobilização da juventude quilombola e negra para a luta pela garantia de direitos,

para o enfrentamento do racismo e para a valorização e dos elementos culturais e identitários que

envolvem a população negra como um todo e comunidade quilombola de forma específica.

Fonte: Acervo do Cursinho Quilombola / Foto: outubro - 2018

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Para além do Cursinho Quilombola que antecede o Processo Seletivo, há na Universidade

desde de 2015 o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ) conquistado pelo movimento

quilombola dentro da universidade que tem como objetivo lutar pelo bem-estar quilombola e atende

de imediato as primeiras necessidades que surgem para o aluno quilombola, pois o primeiro contato

dele com a universidade é o CEQ.

Na UFOPA, faz-se necessário pensar para além do Auxílio Emergencial Estudantil no

âmbito do Programa de Concessão de Auxílios Estudantis da UFOPA, nos termos do Decreto nº

7.234, de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil

(Pnaes), complementado pelo decreto nº 7.416, de 30 de dezembro de 2010, Portaria — MEC 389,

de 09 de maio de 2013 e de normatização interna da UFOPA e do Programa Bolsa Permanência

(PBP) do Governo Federal, pois até esta política em relação a situação financeira ainda é limitada,

mínima e muito burocrática.

Os acadêmicos oriundos do PSE identificam também suas dificuldades ao despreparo da

Universidade em recebe-los. Ao começar pela apresentação dos cursos existentes e suas linhas de

pesquisa, outra identificação de dificuldade diz respeito a estrutura e ao requisito básico de

estudantes externos à Santarém: A casa do estudante. Além da forma negligente como acontece a

circulação dessas pessoas nos espaços físicos, pois a UFOPA é o primeiro espaço urbano em que o

aluno circula na cidade e não há muitas orientações, de fato, da localização e conhecimento dos

espaços, laboratórios, pró-reitoras, acessos de cunho acadêmico de forma geral.

Os relatos coletados através da pesquisa mapearam as principais demandas de

acompanhamento institucional para a permanência desses estudantes durante a graduação:

DEMANDAS INDÍGENAS QUILOMBOLAS

Auxilio pedagógico referente a métodos de ensino – aprendizagem X X

Relação docente-discente de forma mais abrangente através de

iniciativas da instituição em indicar que os docentes conheçam e

identifique os alunos indígenas e quilombolas antes do início das

aulas.

X X

Incentivar e subsidiar posturas que repelem a discriminação étnica e

racial apresentando aos servidores, docentes e discentes o “modo de

ser” quilombola e indígena.

X X

Auxilio de cunho acadêmico cientifico para a produção de trabalhos

escritos.

X X

Espaços de Convivência Indígena e Quilombola X X

Laboratório de disciplinas por instituto que auxiliem os estudantes a

cada semestre.

X X

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Compreensão das atividades ativas dos movimentos sociais de pauta

indígena e quilombola para que não aja prejuízo aos estudos.

X X

Valorização de conhecimentos plurais, novas óticas e maneiras de ver

e saber sobre o mundo.

X X

Consolidar institucionalmente as políticas públicas respaldadas pela

Resolução 200/2017 – UFOPA

X X

Troca de saberes “tradicionais” e científicos nas salas de aula. X

Respeito a multidiversidade e transversalidade das ontologias

presentes na Universidade.

X X

Extinguir as soluções improvisadas em prol de incentivo e

concretização de soluções permanentes das políticas de ações

afirmativas.

X X

Participação mais intensa possibilitada pela UFOPA nos editais

referentes ao Processo Seletivo Especial (PSE), aos auxílios estudantis

e ações referente aos estudantes indígenas e quilombolas.

X X

Ampliação do Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ) e do

Diretório Acadêmico Indígena (DAIN) em termos físicos,

institucionais e simbólicos.

X X

Fortalecimento do desempenho acadêmico dos estudantes indígenas e

quilombolas através do mapeamento das dificuldades materiais e

imateriais.

X X

Pensar estratégias instituição-estudante sobre as possibilidades de

entrada e saída desses acadêmicos.

X X

Através dos dados disponibilizados pela Diretoria de Registro Acadêmico (DRA) da Pró-

reitora de Ensino de Graduação da UFOPA, podemos observar quantos estudantes indígenas e

quilombolas estão ativos, formandos, cancelados, trancados ou concluídos.

Fonte: PROEN – UFOPA - 2018

Page 12: Uma UFOPA para além do PSE: Os desafios, dificuldades e ... · O poder colonial historicamente utilizou-se de diferentes mecanismos para fazer com que seu sistema funcionasse na

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

¹ De acordo com o coordenador do projeto, professor Luiz Fernando França, do Programa de Letras do Instituto de Ciências da

Educação (Iced) da Ufopa, “considerando sua estreita relação com o movimento quilombola, o cursinho também se coloca no contexto

atual como instrumento de mobilização da juventude quilombola e negra para a luta pela garantia de direitos, para o enfrentamento do

racismo e para a valorização e dos elementos culturais e identitários que envolvem a população negra como um todo e comunidade

quilombola de forma específica.”