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ALCIOIVE LEITE DA SIL V1!

CUIDADO T%NSDI1£1£NS10NA.L..'

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ÁLCIONE LEITE DÁ SIL I/*Í

CUIDADO TRANSDIÁIÃIVSIONAL: UM PARADIGMA EfiI£RG£NT£

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aR1¿1vmçÃo

DEA.. ELOITA NEVES ARRUDA

DR. SEL I/IIVO J. ASSMAIVN

BRA. JEAN WA TSON

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE Pós-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM PROGRAMA DE DoUToRADo EM E1LosoE1A DE ENFERMAGEM

CUIDADO TRANSDIMENSIONAL: UM PARADIGMA EMERGENTE ALCIONE LEITE DA SILVA

Esta tese foi submetida ao processo de avaliação pela Banca Examinadora para obtenção de título Doutor em Filosofia de Enfermagem

e aprovada em sua forma final em 05 de março de 1995, atendendo às normas da legislação vigente do Curso de Pós-graduação em Enfermagem - Programa de Doutorado em Filosofia de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina.

Oh.. u .¬. O1¢.,...»9z.,9 Dra. Lúcia Hisako Takase Gonçalves - Coordenadora do Curso

BANCA EXAMINADORA: ¿€Êu¿Ê5__ LL9-#7 @vwz:UQ ,

Dra. Eloita Neves Arruda - Presidente/Orientadora

Lâ›^/ ~) Dra ean Wa n

5E1ÇE§gÉzÍPzm-Mššiššo EE" E

Dra. ~to N asjar - Membro Dr. Fr~MÁio Pereiâ Fialho - Membro ~' LC-~_;¡ ~'_¡v _S'Ã* rfl "7

' iE`I-jãmann - Membro

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AGRÁDECIMEIVTOS

UMA Dznlczi TÓRIA...

ÀQUELE que nunca me abandonou, nem sequer na hora mais triste de minha vida e muitas vezes me salvou de mim mesma.

a todos aqueles seres que cuidam e se mantém invisíveis, ensinando-nos que a humildade e a solidariedade constituem a base da vida.

ao planeta terra, pelas energias de amor presentes nas forças vivas da natureza, que nos abençoarn e nos enriquecem a existência, pelos seus infindáveis mistérios que nos possibilitam alçar vôos inimagináveis.

aos meus pais, João Leite da Silva Júnior e Ionyr M. Bueno Leite, pelo amor, respeito, confiança, estímulo e, sobretudo, pelos primeiros ensinarnentos sobre o Cuidado Transdímensional.

aos grandes homens de vida, Sérgio Silva Duarte, Maxmilliano Fischer Duarte, por um viver repleto de sonhos, de buscas e realizações no compartilhar amoroso do cotidiano.

à Ricarda, Augusto Nogale Garcia e Sanderson Salomão da Silva, amigos que me acompanham o viver inquieto e cheio de buscas, pelo carinho e apoio em todos os momentos de minha vida.

ao Gilvan Corrêa Netto da Silva, Vera Lúcia, Lívia e Leandro Fontes da Silva, amigos incondicionais, sempre presentes, que enriquecem o viver/conviver através do amor, estímulo, compreensão e participação. ~

à sempre amiga, Edel Em, pelo compartilhar amoroso e solidário e pelo apoio incondicional em todos os momentos de minha vida. .

0 RECONHECIMENTO...

à Universidade Federal de Santa Catarina, em especial aos professores, colegas e funcionários do Departamento de Enfermagem e Pós-graduação pela experiência e crescimento compartilhados no processo de ser e viver com amor e solidariedade.

à University of Colorado Health Sciences Center, em especial aos professores, colegas e fimcionários da Escola de Enfermagem e do Centro de Cuidado Humano por uma experiência de aprender, crescer e conviver repleta de boas lembranças. -

ao Programa Integrado de Pesquisa Cuidando-Confortando, em especial à coordenadora, colegas e bolsistas por uma experiência compartilhada de sonhos e de buscas na construção de um processo de viver com qualidade.

ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, em especial ao coordenador e seus membros por tomarem o sonho do doutorado sandwich uma realidade, através do estímulo financeiro.

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vi

UM AGRADECIMENTO CARIHHOSO...

Dra. Eloita Neves Arnida, parceira de longa caminhada, por aceitar o desafio de compartilhar comigo a sua sabedoria no cuidado, pelo carinho, compreensão e estímulo, por um viver/conviver com inquietudes e, sobretudo, com grandes realizações.

Dr. Selvino J. Assmann, pela coragem de comigo empreender esta caminhada e compartilhar a sua sabedoria em filosofia, pelo carinho, compreensão e estímulo e, sobretudo, por me fazer acreditar que quando nos sentimos perdidos é que estamos prontos para achar o caminho.

Dra. Jean Watson, por aceitar o desafio de compartilhar comigo a sua sabedoria no cuidado, pela experiência amorosa-estética-poética que deixa grandes saudades.

às professoras e amigas...

Doutoras Rosita Saupe, Ingrid Elsen, Alacoque Lorenzini Erdmann, Marlaine Smith, Fran Reeder, Sally Gadow, Peggy Chirm, Carol L.Montgomery, pelo carinho, apoio e contribuições importantes neste trabalho.

aos membros da Banca de Exame de Qualificação

Doutores Lygia Paim, Silvia Modesto Nassar, Francisco Antônio Pereira Fialho, por tornar visível o invisível, contribuindo de forma amorosa para a conclusão deste trabalho.

àquelas amigas (os) que vieram para ficar...

Eleonora S. Bogado, Álvaro e Jucélia Leite, Milton e Márcia Panizzi, Carmem e Carlos Novelli, Edna Orsi Castanhel, Sandra Rinaldi, Regina Helena Paes de Barros, Miriarn Borenstein, Edilza M Ribeiro, Angela Guiorzi, Maria de Lourdes Cardoso, Elizabeta Roseli Eckert, Angela Alvarez, Maria Itayra Coelho de Souza Padilha, Ana Rosete C.R Maia, Denise Beltrarne, Evandro José Silva, Joanne Muellenbach, Karen Holland, Sherrie Abbott, Catherine Wisniewski, Lynne Giddings, Ruth M. Neil, Christine E. Burke, Gina Astorino, Karen Hecomovich, Sen Talley, Peggy Mauro, pelo companheirismo na aventura do viver e do cuidar.

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à Chefe do Departamento de Enfermagem, Coordenadora e Sub-coordenadora da Pós-graduação em Enfermagem...

Msc. Kenya S. Leibnitz, Dra Lúcia I-Iisako Takase Gonçalves e Dra. Tereza Leopardi, pelo carinho, apoio e compreensão demonstrados ao longo desta trajetória.

às alunas (os), clientes e a todos os seres com quem aprendo a sabedoria do cuidado.

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aos que não tem seus nomes aqui registrados, mas que enriquecem o meu ser e o meu viver de alegrias, desafios, descobertas e realizações.

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um/£Mos suma A 1vossA 1z'X1smvc1A DA MANHRA MA1s AMPLA auf: Puoffâuos; Tuna, Mzsuo o 11vAuDn'o, um/E sm Possi:/2:1. No Fwvno, fi:s1'A É A ú1v1cA comem auf É £x1s1DA D1: 1vo's.- Im com em PARA Aau1¡.o aUf1›1z'MA1s £smA1v11o, of MA¡s suvâu1.AR E MA1s nv¡zXPucA¡/.1:1. z°ossAMos £1vco1vmAR. Nzsrz samba A uuMA1v1DAoz TEM smo cai/Azwz, cAUsA1vDo A VIDA UM MAL co1v1:úvuo,- As £XH:R1Ê1vc1As cHAMAuAs Wsõfs, o Assm c1rAMAno Mwvno nos zsnhlros, .A MORTE, roms Aauzms coLsAs auf Nos sA`o não 11v1mAM£1v:rz' Afuvs, IÊM smo não £Xc1.u12›As DA 1/IDA QUE os szzmnos con os QUA1s Ponfkllâuos couflzffflvnâ-Los £srAo AmonA1›os. Isso sm f'AL.‹mD£D£us.

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1zA11v£muAR1A Mura

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oEvENos UEEETAE o HoNEM no cosNo cR1Aoo PE1.o âEN1o nos 1-'1s1cos E nos AsmoNoMoS, cosMo EssE No QUAL Esní NEEGULNADO DESDE A RENAscENçA. APEsA1a DE suA BELEZA E no sEu TAMANHO, 0 NuNno DA NA rEE1A 1NEm'E E Nuno EsmE1ro PARA ELE. DA NEsMA EOEMA. o Nosso NE1o EcoNáN1co E soc1A1. Não E EEn'o A NossA MEo1oA. NÃo ¡>ooEMos ADERIR Ao ooâMA DE suA REALIDADE E.Xc1.usn/A. sAsEMos QUE NÃo Es1'ANos 1N7E1EANEN1E coNE1NAoos, QUE Nos Es7EN1›EMos EM ou1'EAs o1MENsõEs ALEM no coN11NuuN ns1co.... o Esniuro no 11oNEM sE Es7ENDE, ALEM no Esmço E oo IEMPO, EM UM oumo NuNoo. E oEsrE NuNDo, QUE E ELE NEsNo, ELE PooE, sE m/EE 1/ONTADE, PERcoRREE os

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c1cLos 1NE1Nn'os. o c1c1.o no Anos, 1NsP1EADoE no sAc¡_z11~'íc1o, no uEEo1sM0, DA RENúNc1A. o c1cLo UA GRAÇA, suHaENA EEcoNf-ENsA DAQUELE; QUE BuscAEAN cou PA1xA`o o z°E1Nc1;P1o DE 1'ooAs As co1sAs.... E NEcEssA'1a1o Nos 1.E¡/ANTAR E Nos co1.ocAE EN MAEcEA. Nos UEEETAE DA 1EcNo1.oâ1A cEâA. EEAUZAE, EM suA GOMPLEXIDADE E EM sUA RIQUEZA, TooAs As NossAs Po1ENc1AuoAoEs.

ALEXIS CARREL

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CAPÍTULO I

UM TEMPO PARA Novos PARADIGMAS .......................... . . 01

CAPÍTULO II PERSPECTIVA PARAD1GMÁT1CAz DELÍMÍTAÇÃO DO ESTUDO ....... . . 11

CAPÍTULO 111 O PROCESSO ENQUANTO CAMINHO .............................. . . 20

CAPÍTULO Iv ÍMANÊNCIA-TRANSCENDÊNCÍAz PRINCÍPIOS DINÃMICOS NO PROCESSO DA VIDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Imanência e Transcendência na Filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Imanência e Transcendência na Enfermagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Em Direção a uma Concepção Teórico-Filosófica de Imanência e

Transcendência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

CAPÍTULO v CUIDADO TRANSDJIVIENSIONAL: UMA PERSPECTIVA PARA INTEGRAÇÃO E TRANSFORMAÇAO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

CAPÍTULO V1 CUIDADO TRANSD1MENS1ONALz UMA PERSPECTIVA DE RESSACRALÍZA- CAODAVÍDA .................. ............................... .. ss

Concepções Histórico-Filosóficas de Alma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

',Redescoberta do Conceito de Alma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

Em Direção a uma Concepção de Alma Individual e Universal . . . . . . . . . 73

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CAPÍTULO VII MORTE-RENASCIIVIENTO: FOCO ESSENCIAL DO CUIDADO TRANSDIMEN- SIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

CAPÍTULO VIII PADRÕES DE SIGNIFICADO E DE EXPRESSÃO ESTÉTICA DO CUIDADO TRANSDHVIENSIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

Padrões de Significado do Cuidado Transdimensional . . . . . . . . . . . . . . . 117

Padrões de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional . . . . . . . . . . 137

CAPÍTULO IX UM TEMPO PARA Novos DESAFIOS .............................. . . 157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................. .. Ióó

APÊNDICES ..................................................... .. 1'/s

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RESIDWO Neste estudo, ao caminharmos em direção à teorização do Cuidado T ransdimensional, buscamos compor as idéias em um conjunto de significados inter-relacionados que traduzem a síntese de um todo complexo e coerente. Adotamos o processo como caminho, evidenciando a construção deste saber enquanto movimento dinâmico e criativo, que se expressa no diálogo entre a razão e a intuição, entre o objetivo e subjetivo, tendo como aspecto norteador as crenças e valores, advindos das experiências pessoal-profissional, vividas no plano individual e grupal. Neste caminhar, delimitamos a área de estudo deste trabalho, tomando como base a relação entre os três paradigmas apontados na enfermagem, paradigma Particular-Determinista, Interativo-Integrativo e Unitário-Transformativo e as três Eras na medicina, e nos propomos a avançar em direção a uma nova perspectiva. O Cuidado T ransdimensional constitui-se, assim, em uma perspectiva de integração e de transdimensionalidade do ser e do seu meio, ultrapassando o processo saúde-doença e tendo com prioridade a vida em suas mais diversificadas formas de expressão. Com vistas a elaboração dos pressupostos gerais do Cuidado Transdimensional, adotamos os conceitos de imanência e transcendência enquanto princípios norteadores, os quais receberam novos significados, incluindo oposição e complementaridade. Defendemos o Cuidado T ransdimensional como sendo uma perspectiva de integração e transfonnação, como forma de superar o extremo separativismo entre as disciplinas e/ou profissões e entre estas e o senso comtun, elegendo a relação dos principios Feminino e Masculino, através da convergência de arte, ciência e espiritualidade. Abordarmos o Cuidado T ransdimensional como perspectiva de ressacralização do ser e da vida, resgatando os conceitos de alma individual e Alma Universal, com vistas a caminharmos em direção a uma concepção teórico-filosófica, tendo como referencial norteador a teoria da Totalidade e da Ordem Implicada de David Bohm. Neste sentido, o Cuidado Transdimensional, ao privilegiar a alma/ser em sua indissociável interação com a Alma Universal, em todas as suas formas de expressão da realidade, busca ampliar o campo de ação do cuidado e restituir à vida a sua natureza sagrada e inalienável. O Cuidado T ransdimensional tem como foco essencial o processo de morte- renascimento humano-planetário-cósmico. Ele emerge, assim, como mn processo eminentemente participativo e reflexivo, em que os seres envolvidos no cuidado, através de interações dinâmicas, intuitivas e criativas, oportunizam um caminhar rumo a novas experiências, nas quais, de fonna original e (mica, se auto-conheçam e se auto-tranformem. O Cuidado Transdimensional caracteriza- se, então, como processo facilitador do processo de morte-renascimento, buscando expandir as capacidades inerentes aos seres envolvidos, para entrarem em contato com suas potencialidades de amor e sabedoria e serem os seus próprios cuidadores neste processo. Com base em urna análise retrospectiva das experiências vividas, apresentamos os padrões de significado deste cuidado, em que se destaca: o Cuidado T ransdimensional enquanto parceria, vivência interior, busca da unidade, prática não-espacial, atemporal, indeterminada e complexa. Apresentamos alguns padrões de expressão estética do Cuidado Transdimensional, a saber: oração, meditação, toque terapêutico, musicoterapia, cromoterapia, mandala, radiônica, radiestesia, I ching. Estes padrões de expressão podem favorecer a harmonização do ser, ampliando as possibilidades de auto- conhecimento e auto-transformação, facilitando, assim, o processo de morte-renascimento. O Cuidado T ransdímensional constitui-se em grande desafio para a próxima era, principalmente porque requer a construção de uma nova ciência. Uma ciência que terá de ser necessariamente construída em direção à complementaridade e que, portanto, será acompanhada da ousadia de querer buscar compreeender o todo. O desafio consiste em reintegrar as dimensões ontológicas, epistemológicas e éticas no saber teórico-prático. Neste vislumbrar, poderíamos arriscar a afirmar que esta seria uma Ciência de Sabedoria e Amor. Todos somos, assim, convidados a assumir o compromisso de aprender e compartilhar a sabedoria do cuidado, com vistas ao processo de mortr- renascimento de novos padrões da consciência no mundo, de formas mais criativas e dignas de vida, enfim, de uma civilização que busque viver intensamente o amor e a sabedoria.

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ABSTRACT

In this study, upon moving towards a theorization of T ransdimensional Caring, we seek to

formulate the ideas in a set of inter-related meanings that translate into a synthesis of a complex and coherent whole. We adopt the process as a path, revealing the construction of this knowledge as a dynamic and creative movement, that expresses itself in the dialogue between reason and intuition, between the objective and the subjective, guided by the beliefs and values which spring fiom the personal-professional experiences lived on the individual and group plane. Within this path, we establish the field of study of this work, taking as a base the relation between the three indicated paradigms of nursing, the Particular-Determinist paradigm, the Interactive-Integrative paradigrn and the Unitary-Transformative paradigm as well as the three Eras of medicine, and we propose to advance in the direction of a new perspective. Transdimensional Caring is thus constituted in a perspective of integration and of T ransdimensionality of being and of its environment, over-corning the health-disease process and having as a priority life in its most diversified forms of expression. Aiming at the elaboration of the general postulates of T ransdimensional Caring we adopt the concepts of immanence and transcendence as guiding principles, which receive new meanings, including opposition and complementarity. We defend T ransdimensional Caring as a perspective of integration and transformation, a way of overcoming the extreme separation between disciplines and or professions and between these and common sense, electing the relationship of the Feminine and Masculine principles, through the convergence of art, science and spirituality. We approach T ransdimensional Caring as a perspective of resacralization of being and of life, recuperating the concepts of the individual soul and the Universal Soul, considering that we are heading in the direction of a theoretical-philosophical conception, having as a guiding reference David Bohm”s theory of Wholeness and the hnplicate Order. In this sense, T ransdimensional Caring, by privileging the soul/being in its indissociable interaction vvith the Universal Soul, in all of its forms of expression of reality, seeks to broaden the field of action of caring and restore to life its sacred and inalienable nature. Transdimensional Caring has as its essential focus the process of human- planetary-cosmic death-rebirth. It thus emerges as an eminently participative and reflexive process, in which the beings involved in caring, through dynamic intuitive and creative interactions, create the opportunity to head in the direction of new experiences, through which, in an original and single marmer, they experience self-knowledge and self-transformation. Transdimensional Caring is thus characterized as a process that facilitates the process of death-rebirth, seeking to expand the capacities inherent to the beings involved, to enter into contact with their potentialities for love and wisdom and be their own care-providers in this process. Based in a retrospective analysis of the lived experiences, we present the patterns of meaning of this caring, among which are highlighted: Transdimensional Caring as partnership, inner experience, the search for unity and a non-spatial, atemporal, undetermined and complex practice. We present some patterns of esthetic expression of T ransdimensional Caring, that is: prayer, meditation, therapeutic touch, music-therapy, color- therapy, mandala, radionics, radiesthesia and I-Ching. These pattems of expression can aid and harmonize the being, broadening the possibilities for self-knowledge and self-transformation, thus facilitating the process of death and rebirth. T ransdimensional Caring constitutes a great challenge for the next era, principally because it requires the construction of a new science. A science that must necessarily be constnicted in direction of complementarity and that, therefore, will be accompanied by daring to want to seek to understand the whole. The challenge consists in

reintegrating the ontological, epistemological and ethical dimensions in theoretical-practical knowledge. In this vision, we can dare to affirm that this will be a Science of Wisdom and Love. Thus, we are all invited to commit ourselves to leam and share the wisdom of caring, with an eye on the process of rebirth of new pattems of consciousness in the world, of more creative and dignified forms of life, that is, of a civilization that seeks to live love and wisdom intensely.

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UM TÃMPO PARA N01/05 PARADIâMA5

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JOS£ LUIZ ARCANJO

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RESUMO A crise que ora vivemos evidencia a incapacidade não só do paradigma da modemidade, mas do próprio modelo civilizacional ocidental de responder aos atuais desafios presentes na vida das pessoas e do planeta como um todo. Face à complexidade dos desafios existentes no mundo, novas fonnas de consciência são requeridas na enfermagem e em outras áreas do conhecimento, as quais passam pelo desenvolvimento de novas concepções teórico-filosóficas, bem como de novas perspectivas de sentido e de ação no mundo. Com base no exposto, nos propomos, neste estudo, a caminhar em direção a um novo paradigma, aqui denominado de Cuidado Transdimensional. Esta proposta parece representar uma mudança, um novo caminho no que diz respeito a estrutura do cuidado. Esperamos, assim, contribuir para novas formas da consciência crítica e para as transformações na qualidade de vida, bem como para o nosso campo mais específico, ou seja, a enfermagem.

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O momento que vivemos evidencia a proximidade de uma intensa e global revolução nas formas de pensar-sentir e de viver no mundo. Antes mesmo de alcançarmos o século XXI, nós podemos testemunhar as inúmeras mudanças que estão começando a ocorrer nas sociedades em geral, nas estruturas políticas e

econômicas do mundo, assim como nas visões filosóficas das disciplinas e/ou

profissões. As sociedades contemporâneas ocidentais e o sistema mundial em geral estão a passar por processos de transformação social muito rápidos e profundos que

põem definitivamente em causa as teorias e os conceitos, os modelos e as soluções anteriormente considerados eficazes para diagnosticar e resolver as crises sociaisl

O século XX, mais do que qualquer outro século, tem sido caracterizado como um século de crises intensas em todos os níveis técnico-cientifico, politico- econômico, econômico-financeiro, humano-social, filosófico-ideológico, teológico-

religioso.2 Um século que se destaca pela pobreza extrema de uma parte

significativamente crescente da população mundial, juntamente com inadequadas condições sanitárias, práticas de higiene e baixo nível educacional.3 Um século em que evidenciamos o agravamento aparentemente irreversível das desigualdades

sociais em virtualmente todos os países.4 Com a pobreza e a baixa qualidade de vida de muitos, nós encontramos o desrespeito à cidadania, doenças, desespero,

sofiimento, baixa auto-estima, quebra dos laços familiares e o abandono de

mulheres e crianças.5 Inúmeros indicadores sociais evidenciam índices mais

' SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e politico na pós-modemidade. São Paulo: Cortez, 1995. 2 ARCHANJO, l.L. Um tempo de crise. In: CHARDIN, T. de. 0 fenômeno humano. Trad. José Luiz Archanjo. São Paulo: Cultrix, 1986. p.3-15. 3 SILVA, A.L. da. Centro de Cuidado Integrado. Projeto apresentado na disciplina de Processo de Pesquisa e enfermagem do Curso de Filosofia da Enfermagem-UFSC, 1994. 4 SANTOS, op. cit., 1995. 5 UNICEF. A situação mundial da infância. Brasília, DF., 1994.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 4

elevados de criminalidade, acidentes, suicídios e uso de drogas, em relação aos observados anteriormente. O sistema de saúde de muitos países, mesmo os mais desenvolvidos, enfrentam uma crise que tende a se acentuar, com elevados custos e

escassos resultados para a saúde da população.6 A degradação ambiental nos coloca frente à possibilidade crescente de um desastre ecológico, cujas repercussões a nível global ainda não podem ser amplamente avaliadas. Os perigos da proliferação nuclear e da catástrofe ecológica, resultantes em grande parte do desenvolvimento científico-tecnológico, são sintomas do cumprimento excessivo e, portanto,

irracional da racionalidade instrumental da modemidade.7 A despeito desta crise, que reflete a grande falência ética de nossa civilização, a ambição, a competição

selvagem, a exploração social da natureza e dos seres humanos continuam sendo

estirnuladas.

Esta crise tem também sido vivenciada pela comunidade cientifica, a qual se traduz na busca de novos significados para a visão moderna de ciência. A mente cientifica moderna tem sido desafiada em diversos sentidos: pelas criticas

epistemológicas, pelos problemas teóricos que têm emergido em um número crescente de áreas do conhecimento, pela necessidade urgente de integrar o dividido

mundo humano, a partir da perspectiva modema e, acima de tudo, pelas

conseqüências adversas e envolvimento acentuado da mente cientifica modema na crise planetáriag Neste sentido, a grande falência da visão científica tradicional tem

se tomado evidente face ao núrnero crescente de fenômenos, os quais não

encontram perspectivas de estudo, com base nesta visão.9 Deste modo, a

comunidade científica tem se engajado em um diálogo- fecundo, em que as

6 OSLON, R., JONES, M.G., BEZOLD, C. 21st century learning and health care in home: creating a national telecommunications network. Washington: Gail English Graphic Arts, 1992. p. 12-18: Health care in the home. 7 Segundo SANTOS, op. cit., 1995, o projeto sócio-cultural da modernidade constituiu-se entre o século XVI e finais do século XVIII. Para ele, só a partir dai se inicia verdadeiramente o teste do seu cumprimento histórico e esse momento coincide com a emergência do capitalismo, enquanto modo de produção dominante nos países da Europa, que integraram a primeira grande onda de industrialização. 8 TARNAS, R. The passion of the Western Mind. New York: Ballantine Books, 1991. 9 HARMAN, W.W. A re-examination of the metaphysical foundations of modem science: why is it

necessary? In: HARMAN, W., CLARK, J. New metaphysical foundations of modern science. Sausalito, Ca: Institution of Noetic Sciences, 1994. p. l-13.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 5

implicações históricas das pressuposições do modelo da ciência modema têm sido analisadas e criticadas. Este diálogo tem gerado novas visões de ciência e de

mundo, as quais apontam para uma era pós-modema.l°

A comoção social-política-econômica que testemunhamos nos países

centrais, como também nos países periféricos demonstra a incapacidade das

estruturas de responder aos atuais desafios presentes na vida das pessoas e do

planeta como um todo.“ O pessimismo decorrente da suposta ausência de soluções críveis para qualquer destes problemas nos” induz a pensar que o que está

verdadeiramente em crise não é somente o modelo tradicional de ciência ou o

paradigma da modemidade, mas o próprio modelo civilizacional ocidental como um todo. Um modelo que, dentre outros aspectos, tem como uma de suas principais expressões a ênfase na racionalidade e na dessacralização do mundo, da natureza,

da vida e dos seres humanos, com conseqüente crise espiritual. De acordo com Grofn:

Em última análise, as raízes psicológicas da crise que a humanidade está enfrentando em uma escala global parece ter como base a perda da perspectiva espiritual. Isto porque, uma experiência hannônica da vida requer, dentre outras coisas, a satisfação das necessidades transcendentais; uma cultura que tem negado a espiritualidade e perdido o acesso às dimensões transpessoais da existência está fadada a falir em todas as avenidas de suas atividades.

\

Considerando as mais diferentes interpretações sobre o termo pós-modemo ou pós-modemidade, este é

entendido, aqui como uma decisiva mutação histórica, a partir do capitalismo industrial e das categorias e valores ocidentais. Deste modo, as várias posições denominadas de pós-modema ou pós-modernismo são respostas das diversas áreas do conhecimento à crise contemporânea da representação, das profundas incertezas sobre o que constitui uma adequada representação da realidade social. Embora venha prevalecendo tuna visão pessimista nos defensores das teorias pós-modema, esta não é a postura defendida neste trabalho. Ver a obra de HASSAN, I. The postmodem tum: essays in postmodem theory and culture. Columbus: The Ohio State University, 1987. “ SILVA, op. cn., 1994. I2 Embora haja, atualmente, uma tendência para o uso da primeira pessoa do singular para referir-se ao autor do estudo, optaremos, aqui, pela primeira pessoa do plural. Tal decisão não implica em um descompromisso com as idéias que defendemos neste estudo, mas reflete, acima de tudo, a nossa crença de que nos novos paradigmas todo trabalho é em si coletivo. U Citado por GABLIK, S. The reenchantement of art. London: Thames and Hudson, 1993. p.S7-58.

10

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Um Tempo para Novos Paradigmas 6

Conseqüentemente, esta crise evidencia o profundo desprezo pela vida em nosso planeta e a necessidade emergente de mudança nas crenças, valores e

comportamentos, assim como nas estruturas vigentes em nossos sistemas.

Face à complexidade dos desafios existentes no mundo, novas formas da

consciência crítica são requeridas na enfermagem e em outras áreas do

conhecimento. Estes desafios também demandam a participação mais efetiva dos profissionais nas transfonnações que as pessoas e o planeta como um todo requerem. Entretanto, para que esta participação seja mais efetiva, é necessário

ampliar o foco das concepções teórico-filosóficas, bem como desenvolver novas perspectivas de sentido e de ação no mundo. Assim, compartilhamos com Smith o

pensamento de que o contínuo desenvolvirnento do conhecimento em enfermagem é essencial para o crescimento e mesmo para a sobrevivência da enfermagem no século XXI.” Sem este desenvolvimento, nossa contribuição para a sociedade será marginalizada ou diluída.” Contudo, o momento histórico exige também que transcendamos a disciplinaridade” e a unidimensionalidade, nurna perspectiva

~ integradora, com vistas às soluçoes para os complexos problemas do mundo pós-

moderno. V

Considerando o acima exposto e o fato de ser esta urna tese de Doutorado\\

em Filosofia da Enfermagem, este estudo tem como objetivo central o

desenvolvimento de um trabalho teórico-filosófico sobre o Cuidado. Um estudo que rompe, em primeiro lugar, com a tradição das teses de doutorado em enfennagem no Brasil, no sentido de serem estas, na sua quase maioria, trabalhos puramente de

pesquisa de campo e em segrmdo, porque ele consiste em um novo olhar sobre a~

realidade. Um olhar que tem como base uma nova abordagem, que nao pode ser analisada dentro dos moldes tradicionais de ciência. Não pretendemos aqui também

M SMITH, M.C. The distinctiveness of nursing knowledge. Nursing Science Quarterly, v.5, n°.4, p.148- 149, 19.92. *S ibiâem. 'G O tenno disciplinaridade é entendido aqui como a exploração cientifica especializada de determinado dominio homogêneo de estudo. Ver a obra de JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.7l.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 7

defender esta perspectiva como a única verdade e, até mesmo, como única solução para os problemas hoje existentes, mas como outra solução possível dentro das

diversas emergentes. Nem pretendemos afirmar que outros autores, para além dos aqui referenciados, não tenham uma contribuição a dar neste trabalho. Deste modo, defendemos a necessidade de uma diversidade e pluralidade de referenciais,

sejam teóricos e/ou metodológicos. Reconhecemos também ser esta proposta uma abordagem relativa e reduzida da realidade. Neste sentido, adotamos o pensamento

de Thomas Kuhn de que a realidade é extremamente complexa e lidar com ela na sua totalidade é absolutamente impossível." Por outro lado, a natureza relativa de

qualquer referencial, não importa quão avançadoe articulado, deve ser claramente

reconhecida e não confundida com a verdade sobre a realidade.”

Embora o cuidado venha se constituindo no foco e expressão essencial da enfermagem ocupacional e profissional ao longo de nossa históriafg somente nas

últimas duas décadas a enfermagem tem se destacado na conceituação e estudo

sobre o cuidado.” O cuidado tem sido abordado na literatura de enfermagem como ontologia, epistemologia, ética, metodologia de investigação, prática organizacional,

como praxis do cuidado e como uma pedagogia.” Assim, as definições do cuidado têm abrangido tanto a-.concreta função do fazer como as formas de conhecimento, as formas de investigação como as formas de ser; o cuidado tem sido ligado ao

contexto transcultural, bem como a tuna abordagem feminina em direção ao

conhecimento e desenvolvimento de novas formas de consciência.” `\

Neste estudo, com base no processo dedutivo, antecedido pela indução,

apresentamos urna concepção sobre um paradigma emergente, que denominamos de

17 KUHN, T.S. A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz V. Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 1991. '8 rnidem. '9 SILVA, A.L. da. Transcendendo feminino e masculino: uma relação estética para a consciência do cuidado. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 5, n°.l, p.l8-33, 1996a. 2° NEWMAN, M. A developing discipline. New York: National League for Nursing, l995a. p.5-18: The emerging structure of the discipline. 2' WATSON, J. Nursing°s caring-healing paradigm as exemplar for alternative medicine? Alternative Therapies, v.l, n°.3, p.64-69, l995a. 22 lbidem.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 3

Cuidado Transdimensional. Por que Cuidado T ransdimensional? Em primeiro lugar, a necessidade de adjetivarmos o cuidado emerge do fato de ser esta dimensão

do saber teórico-prático do cuidado ainda não legitimada pela comunidade científica

da enfennagem. Deste modo, este paradigma não é uma simples continuação do saber teórico-prático do cuidado; esta mudança parece representar um novo caminho no que diz respeito `a estrutura do cuidado. Em segimdo lugar, optamos pela

terminologia T ransdimensional por entendermos a realidade como una, indivisível, a qual ultrapassa a noção de justaposição das multidimensões e de suas inter-

relações. Uma realidade complexa, paradoxalmente plural e, portanto, rica em diversidade, a qual extrapola a tridirnensionalidade, indo para além da noção de

espaço-tempo.” A escolha desta abordagem para o cuidado reflete em grande parte a nossa insatisfação com a perspectiva reducionista, que vem sendo defendida e

praticada e o nosso compromisso com as mudanças requeridas. Reflete também as nossas crenças e valores, advindas da nossa experiência teórico-prática, no plano

individual e grupal com o cuidado. Neste estudo, revisitamos a nossa própria

experiência, buscando uma síntese teórico-filosófica que amplie as concepções

sobre o cuidado. Esperamos, assim, contribuir para novas formas de expressão da

consciência critica e para as transformações na qualidade de vida e nas relações

planetária-cósmica e, conseqüentemente, para o nosso campo de ação mais

específico, ou seja, a enfermagem.

Assim, neste primeiro capítulo enfatizamos a necessidade de novas

abordagens teórico-fiilosóficas, face a crise planetária que ora vivenciamos, e nos

propomos a caminhar em direção a um novo paradigma, o qual denominamos de Cuidado T ransdimensional. No segundo capítulo, delimitamos a área de estudo deste traballio, tomando como base a relação entre os três paradigmas apontados na

enfermagem e na medicina, com a proposição de avançannos em direção a uma novo paradigma. Deste modo, o Cuidado T ransdimensional amplia a perspectiva de ação do cuidado para além do processo saúde-doença, tendo como ênfase a vida em

23 Melhores esclarecimentos serão fornecidos no corpo deste trabalho.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 9

suas mais diversificadas fonnas de expressão. No terceiro capitulo, clarificamos a

nossa concepção sobre a construção do saber, evidenciando os caminhos e posturas

que nortearam o desenvolvimento deste trabalho, os quais tiveram como base a

perspectiva de processo. No quarto capítulo, desenvolvemos os conceitos de

imanência e transcendência, os quais se constituem em princípios norteadores dos pressupostos gerais do Cuidado Transdimensional. Após apresentannos as

diferentes interpretações dadas a estes conceitos nas escolas filosóficas do ocidente

e na enfermagem, propomos novos significados para imanência e transcendência,

em que estes' conceitos são entendidos como opostos, mas ao mesmo tempo complementares. No quinto capítulo, defendemos 0 Cuidado T ransdimensional como uma perspectiva para a integração e transformação, como forma de superação do extremo separativismo entre as disciplinas e/ou profissões e destas com o senso comum. Neste sentido, o Cuidado T ransdimensional emerge a partir da relação estética entre os princípios Feminino e Masculino, expressando-se na convergência

entre arte, ciência e espiritualidade. O Cuidado Transdimensional é, assim,

visualizado enquanto uma nova cosmologia de cuidado, enquanto referencial

catalisador de reflexão-conscientização-ação-transformação, com vistas a ordens mais complexas de expressão da consciência e de qualidade de vida no planeta. No sexto capítulo, abordamos o Cuidado T ransdimensional como uma perspectiva de ressacralização do ser e da vida. Após revisitarmos as concepções filosóficas do

conceito de alma na história do ocidente, caminhamos em direção a uma concepção teórico-filosófica de \ahna individual e Alma Universal, tendo como referencial norteador a teoria A Totalidade e a Ordem Implicada de David Bohm.24 Nesta perspectiva, o Cuidado Transdimensional, ao privilegiar a alma individual em sua indissociável interação com a Alma Universal, amplia o campo de ação do cuidado e restitui aos seres e à vida, em suas diversificadas formas de expressão, as suas naturezas sagradas e inalienáveis, resgatando o sentido de reverência e de respeito

para com a própria vida. No sétimo capítulo, elegemos como foco essencial do Cuidado T ransdimensional o processo de morte-renascimento humano-planetáno

24 BOHM, D. A totalidade e a ordem implicada. Trad. Mauro de Carnpos Silva. São Paulo: Cultrix, 1980.

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Um Tempo para Novos Paradigmas 10

cósmico. Os conceitos de morte e renascimento, ao serem abordados em uma perspectiva oposta e complementar, emergem enquanto forças dinâmicas e criativas, presentes no movimento do processo do ser, do devir. Neste sentido, seres humanos,

culturas, natureza, planeta e universo estão envolvidos no movimento cíclico de

morte-renascimento, com vistas à renovação, diversificação e à complexidade

criativa da vida. O Cuidado Transdimensional emerge como um processo facilitador do processo de morte-renascimento, buscando expandir as capacidades inerentes aos

seres, para entrarem em contato com a suas potencialidades de amor e sabedoria e

serem os seus “próprios cuidadores neste processo. No oitavo capítulo, com base em nossa vivência pessoal-profissional, individual e grupal, apresentamos os padrões de

significados e de expressão estética do Cuidado T ransdimensional. Os padrões de significado resultaram de uma análise retrospectiva destas vivências, na qual se

destaca: 0 Cuidado T ransdimensional enquanto parceria, vivência interior, busca da unidade, prática não-espacial, atemporal, indeterminada e complexa. Estes

padrões não são entendidos a partir de uma perspectiva linear e hierárquica, tendo~ em vista que todos são elementares e fundamentais. Eles também não sao postos

como resultado fmal, mas como ponto de partida, a serem aprofundados em futuras investigações. lntroduzimos, a seguir, alguns padrões de expressão estética, os quais

podem favorecer a harmonização do ser, ampliando as possibilidades de auto-

conhecimento e auto-transformação e, assim, facilitando o processo de morte-

renascimento. Selecionamos alguns, como: oração, meditação, toque terapêutico,

musicoterapia, cromoterapia, mandala, radiônica, radiestesia e I Ching. No nono capítulo, apresentamos uma síntese da trajetória percorrida, buscando apresentar os aspectos principais na teorização do Cuidado T ransdimensional. Apontamos

também como grande desafio a construção de uma nova ciência. Uma ciência que terá que ser necessariamente construída em direção à complementaridade e que, portanto será acompanhada da ousadia de se querer compreender o todo. O desafio consiste, assim, em reintegrar as dimensões ontológicas, epistemológicas e éticas no saber t"eórico-prático.

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me PITULO 11

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RÂSUMO

Neste capítulo, delimitamos a área de estudo deste trabalho, tomando como base a relação entre os três paradigmas apontados na enfennagem e na medicina. Inicialmente, apresentamos as principais caracteristicas dos três paradigmas na enfermagem, ou seja, Particular-Determinista, Interativo- Integratívo e Unitário-Transformativo e as três Eras na medicina. A seguir, delimitamos o ponto de partida para a proposição do Cuidado T ransdimensional, o qual ao englobar as características do paradigma Unitário-Transformativo e Era III da medicina, avança em direção a uma nova perspectiva para o cuidado. Perspectiva esta, que contempla a integração e a transdimensionalidade do ser e do seu meio. Neste sentido, o Cuidado T ransdimensional amplia o campo de ação do cuidado para além do processo saúde-doença, tendo como prioridade a vida em suas mais diversificadas formas de expressão e como meta a complexidade crescente de expressão da consciência e, conseqüentemente, de qualidade de vida no planeta.

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Estudos sobre a história da enfermagem, bem como a história da medicina apontam três paradigmasl ou Eras,2 os quais mantêm uma íntima inter-relação.3 A primeira perspectiva é representada na enfermagem pelo paradigma Particular-

Determinista e na medicina pela Era I. Newman e colaboradoras, ao descreverem esta perspectiva na enfermagem, evidenciam algumas caracteristicas relativas ao

fenômeno, à mudança e relações entre fenômenos, às formas de saber e de se

estudar o cuidado.4 Deste modo, o fenômeno pode ser visualizado como entidade isolada, reduzida, com caracteristicas defmidas, observáveis e mensuráveis. A mudança no fenômeno é assumida para ser urna conseqüência das condições

antecedentes; condições que se suficientemente identificáveis e entendidas podem ser usadas para predizer e controlar as mudanças no fenômeno. As relações são entendidas em seus aspectos de causalidade linear. O saber se baseia em fatos e leis universais. O cuidado, nesta perspectiva, poderia ser estudado como uma intervenção terapêutica explícita com resultados mensuráveis. Dossey, ao abordar características semelhantes para a Era I da medicina, esclarece que a abordagem é

direcionada para a cura das doenças de forma reduzida e dicotomizada, sendo que

todas as formas de terapias para serem efetivas devem enfatizar a dimensão fisica e

o fazer, como por exemplo, massagem, reflexologia, drogas, cirurgia, irradiaçãos

1 Ver as obras de NEWMAN, M., SIME, A_M., CORCORAN-PERRY, S.A. A developing discipline. New York: National League for Nursing, 1995. p.33-42: The focus of the discipline e NEWMAN, M. A developing discipline. New York: National League for Nursing, l995b. p.43-54: Prevailing paradigms in nursing. 2 Ver obras de DOSSEY, L. Meaning & medicine. New York: Bantam Books, 1991, DOSSEY, L. Era III medicine: the next frontier. ReVision, v.l4, n°.3, p.l28-139, 1992 e DOSSEY, L. Healing Words: the power of prayer and the practice of meaning. New York: Harper, 1993. 3 A inter-relação entre os três paradigrnas na enfermagem e Eras na medicina são apresentadas ao longo do capítulo: 4 NEWMAN, SIME, CORCORAN-PERRY, op. cit., 1995 e NEWMAN, op. cit., l995b. 5 DossEY, op. cn., 1991, 1992 e 1993.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo 14

Watson, ao abordar a evolução da investigação cientifica na enfennagem,

apresenta as características deste paradigma como sendo: estrutura e controle,

hierarquia do poder e do desenvolvimento do saber, remoção da dimensão humana do contexto de estudo e ênfase em metodologias quantitativasõ Esta autora acredita que este paradigma vigorou até a década de sessenta. Contudo, pensamos que apesar

das severas criticas dirigidas a ele, as evidências demonstram que o paradigma

Particular-Determinista e Era I da medicina ainda deixam proftmdas raízes nas

concepções teórico-práticas da enfermagem e da medicina até os nossos dias.

A segunda abordagem se refere ao paradigma Interativo-Integrativo e Era

II da medicina. Esta perspectiva é considerada uma extensão da anterior e

considera contexto, experiências e a validação de dados subjetivos. As

caracteristicas do paradigma Interativo-Integrativo são descritas por Newman e

colaboradoras, conforme especificação anterior.7 Nesta perspectiva, o fenômeno é

visualizado como tendo partes múltiplas e inter-relacionadas em relação a um especifico contexto. A mudança no fenômeno se dá a partir de múltiplos fatores antecedentes e de relações probabilísticas. As relações entre fenômenos podem ser reciprocas, sendo o saber relativo, porque depende do contexto. O cuidado nas experiências de saúde seria estudado como um fenômeno interativo-integrativo

dentro de contextos específicos, mas ainda com previsões probabilísticas. Dossey, por sua vez, enfatiza na Era II da medicina a interação corpo-mente, com uma ênfase no nível mental (racional) e ainda na cura de doenças.8 Para este autor é

possível evidenciar que percepções, emoções, atitudes, pensamentos e significados

percebidos afetam o corpo, algumas vezes de forma ̀ dramática._ Neste sentido, a

diferença entre a Era I e II da medicina é que a última atribui um poder causal para a

mente. Contudo, ambas as perspectivas têm muito em comum, no que se refere alocalizara mente emum ponto no espaço (cérebro e corpo físico) e no tempo

6 WATSON, op. cn., 1995a. 7 NEWMAN, SIME, coRcoRAN-1>ERRY,‹›p. cn., 1995 e NEWMAN, op. zu., 199sb. B DossEY, op. cn., 1991, 1992 z 1993.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo 15

(momento presente). Como exemplo desta abordagem nós temos: psicoimunologia, aconselhamento, hipnose, biofeedback, relaxamento, visualização, aromaterapia,

dentre outras.9

Watson enfatiza as características desta perspectiva, como sendo: ênfase na perspectiva humana, conexão irredutivel entre observador e observado,

envolvimento de contexto e totalidade, podendo as metodologias serem

qualitativas.” Esta autora acredita que esta visão vigorou nas últimas duas ou três

décadas. Particularmente acreditamos que ela coexiste na prática com a anterior, apesar de não ser ainda universahnente reconhecida pela comunidade cientifica.

As duas perspectivas apresentadas são limitadas e incompletas, na medida em que elas não oferecem campo de estudo para um crescente número de fenômenos que vem sendo documentados. Dentre estes fenômenos, poderíamos citar: as

experiências próximas à morte clínica,“ casos de remissão de doenças tidas como incuráveislz, experiências fora do corpo fisico,13 experiências de crianças

que relembram vidas passadas,“ as experiências de estados alterados de

consciênciafs o fenômeno da transcomunicação instrurnentalló e até mesmo para a proposta deste traballio, o Cuidado T ransdimensional. Embora a segunda

perspectiva aponte alguns avanços importantes, no que se refere à inclusão da

9 ibiaem. '° WATSON, op. cu., 1995z. “ Ver as obras de MOODY Jr., R.A. Reflexões sobre vida depois da vida. Trad. Luiz Horácio da Matta. Rio de Janeiro: Nórdica, 1977, MOODY Jr., R.A. Vida depois da vida. Trad. Rodolfo Azzi. Rio de Janeiro: Nórdica, 1979 e RITCI-IIE, G.G., SHERRILL, E. Voltar do amanhã. Trad. Gilberto Campista Guarino. Rio da Janeiro, 1980.

'

'

'2 Ver as obras de O”REGAN, B. Healing, rernission and rniracles cures. In: MCNEIL, B., GUION, C. (Eds.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection T1980-1990. Sausalito, Ca: Institution of Noetic Sciences, 1991. p.44-54 e HARMAN, W.W. Reconciling science & metaphysics: the union whose time has come. In: McNEIL, B., GUION, C. (Eds.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection 1980-1990. Sausalito, Ca: Institution of Noetic Sciences, 1991. p. 111-116. '3 HARMAN, op. en., 1991. 14 Ibidem. STEVENSON, I. Children who remember previous lives: a question of reincarnation. Virginia: The University of Virginia, 1992. *S Veras obras de HARMAN, op. cit., 1991 e TART, Ch. T. Altered states of consciousness and the possibility of survival of death. In: McNEIL, B., GUION, C. (Eds.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection 1980-1990. Sausalito, Ca: Institution of Noetic Sciences, 1991. p. 35-42. 16 GOLDSTEIN, K.W. Transcomunicação instrumental. São Paulo: Editora Jomalística F .E., 1992.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo ló

mente, ela também reduz a dimensão de compreensão da realidade, não fornecendo explicação para muitos fenômenos existentes. A mente (razão/intelecto) fornece soluções; a mente nega aqueles fenômenos que não podem ser entendidos; assim, quando validamos a mente como única forma de acesso à realidade, nós temos uma tendência para negar a dimensão espiritual da vida.” Contudo, uma terceira

perspectiva começa a emergir na enfermagem e medicina.

A terceira perspectiva é endereçada pelo paradigma Unitário-

Transformativo na enfermagem e Era III na medicina. Esta perspectiva representa

uma significante mudança de visão de mundo e por ser emergente é ainda a menos entendida. Newman e colaboradoras, seguindo as características apresentadas

anteriormente, afirmam ser ofenómeno visualizado como um campo unitário e auto- organizável, imerso em um campo maior, também auto-organizável, sendo

identificado por um padrão e pela interação com o todo.” A mudança é

unidirecional e imprevista, quando o sistema se move através de estágios de organização e desorganização para organizações mais complexas.” A relação se dá através da interpenetração de campos e da diversidade em campos unificados. O saber é pessoal, envolve reconhecimento de padrões e se dá em função de ambos, observador e fenômeno observado. O cuidado, nesta perspectiva, seria estudado

como um processo unitário-transformativo de mutualidade e de criativo desvelar. A Era III da medicina reconhece a consciência” como não-local e transcendente ao espaço-tempo.2l Deste modo, esta perspectiva abre campo para a pesquisa e

explicação de fenômenos relacionados à consciência humana, cura à distância,

W REMEN, R.N. Spirit: resources of healing. In: McNEIL, B., GUION, C. (Eds.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection 1980-1990. Sausalito, Ca: Institution of Noetic Sciences, 1991. p. 61-65. 'S NEWMAN, SIME, coRcoRAN-PERRY, op. zu., 1995 e NEWMAN, op. en, 199s1›. *Q rbrâem. \ 2° Dossey, ao adotar a visão do fisico Henry Margenau, faz equivaler consciência à mente, as quais são consideradas como entidades não-materiais, infinitas no espaço, etemas, não-confinadas aos cérebros e aos corpos e~'capazes de operar mudanças no mundo fisico. Ver DOSSEY, L. Recovering the soul: a scientific and spiritual search. New York: Bantam Books, 1989. p. 13. 21 DossEY, op. cn., 1991, 1992 e 1993.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo 17

fenômenos não-fisicos, toque terapêutico, cura através da oração, bioenergia,

meditação, dentre outros.”

Watson defende que os fenômenos nesta perspectiva podem ser estudados usando, por exemplo, metodologias qualitativas, como a fenomenologia e a

etnografia, e a triangulação, para buscar compreender as experiências vividas, como as de ser cuidado, estar doente e ser curado (healed).23 Na visão desta autora, esta perspectiva endereça uma radical mudança nas pressuposições ontológicas,

epistemológicas e éticas, indo de:

D uma ontologia separativista-interacionista para uma ontologia relacional-transformativa de unidade na vida, que engloba a unidade mente-corpo-espírito;

D uma epistemologia empírica para uma epistemologia mais ampla, englobando novas possibilidades metodológicas;

D uma ética de neutralidade para uma ética carregada de valor e a pesquisa como um ato de cuidado.”

Na enfermagem norte-americana, o paradigma Unitário-Transformativo.

parece ter-se iniciado com Martha E. Rogers, através de seu sistema conceitual, a

Ciência dos Seres Humanos Unitários.” Assim, podemos distinguir claramente na enfennagem norte-americana duas revoluções, ou seja, a nightingaleana e a

rogeriana. Entretanto, uma nova revolução parece estar emergindo com Jean Watson, através de seu modelo teórico-filosófico sobre o Cuidado T ranspessoal. 26

22 Ibidem. 23 WATSON, op. cn., 19951 2* rmdem, p.ós. 25 Ver as obras de ROGERS, M.E. An introduction to the theoretical basis of nursing. Philadelphia, P.A.: F.A. Davis Company, 1970 e ROGERS, M.E. Nursing: science of unitary irreducible human beings: update 1990. In: BARRET, E.A.M. Vision of Rogers' science-based nursing. New York: National League for Nursing, 1990. p.5-11. 26 Ver as obras de WATSON, J. Nursing: human science and human care: a theory of nursing. New York: National League for Nursing, l988a e WATSON, J. Watson's theory of transpersonal caríng, l995b. Trabalho não publicado.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo 18

Com Watson, ciência, arte e espiritualidade tomam-se explicitamente convergentes na construção do saber teórico-prático sobre o cuidado em enfennagem.

Na enfermagem brasileira, mais particularmente, podemos detectar duas

revoluções, isto é, a de Nightingale e a de Horta. O paradigma Interativo-Integrativo fieciter se dado na enfermagem brasileira, através de Horta.” Embora alguns estudos brasileiros venham sendo desenvolvidos com base em algumas teorias

norte-americanas do paradigma Unitário-Transformativo, a enfermagem brasileira

parece ainda não ter transcendido o paradigma Interativo-Integrativo, tanto

teoricamente, .quanto na prática. Deste modo, faz-se urgente na enfermagem

brasileira um salto no desenvolvimento de novos referenciais teórico-filosóficos que, ao contemplarem a nossa realidade, possibilitem novas formas de ação-

transformação, frente às necessidades que o atual viver impõe.

Neste estudo, o Cuidado T ransdimensional tem como ponto de partida o

paradigma Unitário-Transformativo e a Era III na medicina, buscando avançar em direção a um paradigma emergente, com vistas a uma abordagem integrada e

transdimensional do cuidado. Isto porque, embora o paradigma Unitário-

T ransformativo e Era III constituam uma perspectiva revolucionária para a

enfermagem e a medicina, eles parecem não reconhecer o cuidado a partir de uma abordagem integrada de ação e não explicitar a transdimensionalidade no cuidado.

O Cuidado T ransdimensional, por sua vez, extrapola o processo saúde-doença e

tem como foco a vida em todas as suas formas de expressão e como meta a

complexidade crescente de expressão da consciência e, conseqüentemente, de

qualidade de vida no planeta. Face as imensas desigualdades e sofrimentos~

existentes no mundo, a vida em si se torna a dimensao mais importante de nossa atenção. Deste modo, o processo saúde-doença é somente uma pequena dimensão da vida. O processo saúde-doença não pode ser considerado um fun em si mesmo, como vem sendo habitualmente tratado na enfermagem, mas como meio para que

27 HORTA, W. de A. Processo de Enfermagem. São Paulo: EDUSP, 1979.

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Perspectiva Paradigmática: Delimitação do Estudo 19

possamos atingir novos niveis de expressão da consciência, para que possamos

expressar nossa fonte de amor e sabedoria. Conseqüentemente, o Cuidado

T ransdimensional resgata o sentido de reverência para com a vida nas suas mais diversificadas formas de expressão. Sentido este, que não pode ficar omisso quando

se tem como meta a complexidade crescente de qualidade de vida no planeta. A nossa proposta para o Cuidado Transdimensional engloba as caracteristicas do

paradigma Unitário-Transformativo e Era III da medicina e avança em direção a

uma nova perspectiva para o cuidado, com vistas a uma ação transformadora em sociedade. Tendo delimitado a perspectiva paradigmática que tomamos como ponto de partida deste estudo, especificamos, a seguir, o caminho que utilizamos no seu

desenvolvimento.

\

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~ €AP1'1'u1.,o 111

O PROCESSO QVQUAJVTO CAMINHO

1vo nouúvlo ms ‹;1E1vc1As Humuvâs, o PRÓPRIO sz-íslo mz PARTE nos MA TER1A1s DE QUE D1sPõE E uv:-7.01 11vco1vsc1E1vTEME1v1'E nos wwos DA oEsE1i I/.‹¡çÃo. QUANDO ELE SE PÕE A Esrunàk os \ÂIOHl/05 HUMANOS, OS SEUS PRÓPRIOS EIVTRÀH EM Joao. .

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- J. EUXLEY

mio Ex1s1E NENHUM czmlzwlo 1.o'â1co PARA o nEscoBa1ME1v1'o nas 1.E1s E1.EMEm'A1¡Es - o úmco cAM¡1v11o E o DA uvrulçzio... A uvrulçzio E A Eo1v1E nas GRANDES DESCOEER ms.

A1.BERrE11vs1'E11v

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RESUJIO

Neste capítulo, clarificamos a nossa concepção sobre a construção do saber, evidenciando os caminhos e posturas que nortearam o desenvolvimento deste trabalho. A compreensão da construção do saber .apresentada advém da experiência vivida ao longo da nossa vida pessoal-profissional, na qual estamos transpondo a postura mecanicista de auto-controle e de certezas para viver o processo, em que as incertezas e a imprevisibilidade, muitas vezes se expressam no viver cotidiano. Neste sentido, evidenciamos a construção do saber como sendo um processo, que se assemelha a uma jomada, durante a qual, pouco a pouco, as pistas ou sinais, enquanto referenciais, nos levam em direção ao conjunto dos significados que comporão o todo fmal.

_

O processo da construção do saber é em si uma aventura, na qual a magia, a paixão e o prazer se combinam com o suspense, a inquietação e a angústia, que se acentuam diante dos obstáculos e das limitações do nosso ser. Uma aventura que é em si um processo ético-poético, que se traduz na expressão amorosa do saber.

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A construção do saberl, aqui empreendida, parece se constituir em um processo, que se assemelha a uma jomada, em que, pouco a pouco, as pistas ou sinais, enquanto referenciais, nos levam em direção ao conjunto de significados que comporão o todo fmal. A vivência deste processo é, ao nosso ver, muito

interessante, pois freqüentemente ela é acompanhada de um clm~ue está presente na arte da criação. Este processo de construção pme~m movimento dinâmico e criativo, que se expressa no diálogo entre a razão e a

intuição, entre o objetivo e subjetivo, tendo como aspecto norteador as crenças e

valores, advindos das experiências vividas. Deste modo, a construção do saber se

caracteriza como sendo processo ativo da nossa interação com o mundo, em que buscamos dar sentido às nossas vivências. Esta construção resulta, ao mesmo tempo, da interação com o nosso próprio ser, em que buscamos nas nossas profimdezas uma formulação ainda não percebida, para só posteriormente considerarmos como a

fonnulação final traduziu a visão que possuíamos. Neste sentido, a construção do

saber requer mais do que um ato de descoberta, de pesquisa; ela requer que sejamos capazes de um ato criador. Neste processo, experimentamos a nós mesmos, na medida em que a construção do saber parece refletir a própria constmção de nosso mundo, de nossa vida. Neste sentido, todo o pensamento está inevitavelmente ' r 'A ' 2 . impregnado de um residuo de experiencia concreta.

O processo de construção do saber pode ser comparado a urna grande

aventura, na qual a paixão e o prazer se combinam com o suspense, a

' Ao adotarmos o termo saber, entendemos este a partir de uma perspectiva mais abrangente, enquanto processo: que extrapola o intelecto/razão como forma predominante de acesso ao mesmo, ver melhor clarificação ao longo deste capítulo. 2 FOULQUIE; P. A dialética. Trad. Luís A. Caeiro. São Paulo: Publicações Europa-América, 1974.

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O Processo Enquanto Caminho 23

inquietação e a angústia, que se acentuam diante dos obstáculos e das limitações do

nosso ser. Uma aventura que é em si urn processo ético-poético, que se traduz na expressão amorosa do saber. Todos eles inerentes ao ato da criação.

Enquanto uma jomada, este processo se desvela gradativamente, através dos mais variados significados, que se apresentam ao caminhar. Conseqüentemente, esta

jornada não pode ser prevista na sua totalidade, mesmo quando se tem objetivos a

atingir. Ela requer entusiasmo, imaginação, criatividade, sensibilidade, coragem,

desprendimento, auto-entrega, auto-confiança, força interior e, acima de tudo, a

responsabilidade e o compromisso que se traduzem na vontade de contribuir, de

alguma forma, para as transformações no viver cotidiano. Esta jornada demanda

também um viver reflexivo e atentivo, bem como a habilidade na interpretação dos sinais, que podem surgir, muitas vezes, nos momentos mais inesperados, seja

através da reflexão, de uma leitura, de um diálogo, de uma frase e, até mesmo, por meio de uma única palavra. Contudo, estas características devem necessariamente ser associadas a uma capacidade de síntese, onde 0 conjunto de significados, através de seus diferentes matizes, se entrelaçam em um todo coerente. Deste modo, viver este processo implica em romperrnos com condicionamentos de controle e certezas, na medida em que requer de nós flexibilidade, que estejamos permanentemente abertos à revisão, prontos a superar-nos no dinâmico processo da vida. Implica

também em estarmos abertos para vivenciar uma experiência que pode ser

profrmdamente intuitiva, estética e espiritual. Por outro lado, a experiência deste

processo é única, singularle, portanto, não pode ser replicada nem descrita na sua totalidade. Diríarnos que a nossa fonna de olhar as coisas é condicionada pelo que

nós somos, e dado que as outras pessoas são constituídas diferentemente, elas vêem

as coisas e se expressam de forma diferente.3 Todavia, temos que levar em conta a

relatividade desta postura, na medida em que o seu extremo tomaria o saber algo impossível de ser compartilhado.

3 JUNG, C.G. Modem man in search of a soul. Transl. by W.S. Dell, Cary F. Baynes. New York: A Harvest Book, 1933.

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O Processo Enquanto Caminho 24

Esta compreensão advém da experiência vivida ao longo da nossa vida pessoal-profissional, na qual procuramos transpor a postura mecanicista de auto-

controle e de certezas para viver um processo de construção, quando as incertezas e

a imprevisibilidade, muitas vezes, se expressam no viver cotidiano. Vivenciar o

processo de construção do saber nem sempre é uma tarefa fácil, na medida em podemos conviver com a angústia de termos de optar por um caminho, dentre os inúmeros que se apresentam, e nos defrontamos com a inevitável redução que caracteriza qualquer caminho escolhido. Por outro lado, o caminho com que podemos nos defrontar pode implicar em grandes desafios, em ir contra crenças e

valores estabelecidos, que compõem a verdade, tida como única e inabalável. Desta

forma, a vivência deste processo pode ser permeada de conflitos. Resta, todavia, a

confiança de que este caminho é o melhor que poderia ser seguido, naquele

determinado momento. Esta confiança parece ser imprescindível à caminhada, tendo

em vista que os medos e as inseguranças obstruem o fluxo do processo, dificultando a caminhada e acarretando angústias e sofrimentos.

Com base no exposto, buscamos, neste estudo, compor as idéias em um conjunto de significados inter-relacionados, em direção a um todo coerente. Neste' caminhar as pistas já se mostram, delimitando a trajetória seguida, as quais já foram

apresentadas na introdução. Seguindo esta linha de raciocínio, apresentamos, a

seguir, a concepção teórico-filosófica de imanência e transcendência.

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GAPITULO 11/

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R£SUMO

Neste capítulo, desenvolvemos os conceitos de imanência e transcendência, os quais se constituem em princípios norteadores dos pressupostos gerais do Cuidado T ransdimensíonal. Inicialmente apresentamos algumas das diferentes interpretações dadas a estes conceitos nas escolas filosóficasrdo ocidente e na enfermagem, quando constatamos a predominância da oposição entre imanência e transcendência. A seguir, caminhamos em direção a uma concepção teórico-filosófica, na qual estes conceitos recebem novos significados, numa perspectiva ao mesmo tempo de oposição e de complementaridade.

\

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Ao elegennos imanência e transcendência como princípios norteadores deste trabalho, buscamos, inicialmente, apresentar as diferentes interpretações dadas a

eles nas escolas filosóficas do ocidente e na enfermagem. A seguir, propomos um novo olhar para os significados dados aos conceitos de imanência e transcendência.

IMAIVÉIVGIÁ £ TRÁIVSCÂIVDÊIVCIÁ NA FILOSOFIA

Nas escolas filosóficas do ocidente imanência e transcendência têm recebido diferentes interpretações e em muitas instâncias estas interpretações sugerem-nas como entidades opostas. O conceito de imanência tem origem na idade média. O latim clássico não possui o verbo immanere, de onde provém immanens. Tomás de Aquino usa ocasionalmente as expressões immanens, in... manentes, manet... in;

contudo, é com Duns Escoto e G. de Ockham que a tenninologia se fixa.1

Imanência apresenta três significadosz O primeiro significado é o dado pelos escolásticos, os quais, seguindo Aristóteles, se referiam a uma ação imanente como sendo aquela que permanece no agente, como o entender, o sentir, o querer, conquanto distinta da ação transitiva que é aquela que passa para uma matéria extema, como 0 serrar, o esquentar, etc. Esta distinção expressava aquela que

Aristóteles estabeleceu entre movimento e atividade, considerando como movimento

l ENCICLOPÉDIA Luso-Brasileira de Filosofia. São Paulo: Verbo, 1990. 2 Veja as obras de ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi São Paulo: Mestre lou, 1970, BRUGGER, W. Dicionário de filosofia. São Paulo: EPU, 1977 e ENCICLOPÉDIA Luso-Brasileira de Filosofia, op. cit., 1990.

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Imanência-Transcendência: Principios Dinâmicos do Processo da Vida 28

a ação que tem sua fmalidade fora de si mesma, e atividade as ações que

têm sua fmalidade em si mesmas. Espinosa empregou o adjetivo no mesmo sentido afirmando que “Deus é causa das coisas que estão nele” e que não há nada fora de Deus.3 Neste primeiro sentido, imanência significa o permanecer da fmalidade no

agente, resultado ou efeito de uma ação.

O segundo significado foi utilizado por Kant, no qual o adjetivo imanente se refere aos princípios cuja aplicação atêm-se em tudo e por tudo aos limites da

experiência possível, que por isso são contrapostos aos principios transcendentais

que superam estes limites. Neste segimdo sentido, imanência significa a limitação

do uso de certos princípios à experiência possível e a recusa em estendê-lo além dele. Transcendental é, por sua vez, o que transcende a experiência. Assim, o

conhecimento de Deus e da alma, que constitui a metafísica para Kant, é possível e

legítimo, embora não se situe no âmbito científico da Ciência Modema.

O terceiro significado de imanência foi inspirado em Espinosa e estabelecido pelo idealismo pós-kantiano, sobretudo através de Fichte e Schelling.4 A respeito disto Fichte afirmou: “no sistema crítico, a coisa é aquilo em que o próprio Eu é

colocado; o criticismo é por isto imanente porque põe tudo no Eu; o dogmatismo é

transcendente porque vai mais além do Eu”.5 Esta terminologia, que é seguida por

Schelling, dá ao adjetivo imanente a caracteristica do ponto de vista do idealismo

absoluto para o qual nada existe fora do Eu. Este significado é também análogo ao de Espinosa, onde a ação de Deus é entendida como imanente, porque não pode ir além do próprio Deus. Neste sentido, a irnanência é a inclusão de toda a realidade

no Eu (ou Absoluto ou Consciência). Comum a estes três significados do termo é o

conceito segundo o qual é imanente aquilo que, fazendo parte da substância de uma coisa, não subsiste fora desta substânciaõ

3 cirzaq por ABBAGNANO, op. cn., 1970, p.514. 4 ABBAGNANQ, op. zu., 1970, p.s14. 5 rbiaem. 6 Imeem.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 29

Transcendência opõe-se à imanência; assim como imanência significa, em geral, que algo está dentro de certo âmbito ou círculo de realidade, transcendência

implica no que se situa fora e acima do mesmo círculo.7 Estaticamente,

transcendência é o que está fora e acima de determinado círculo da realidade;

dinamicamente, transcendência significa o ato pelo qual algo supera, escapa a esse

círculo.8 Transcendência significa pois tanto o movimento para ir além, como o

estado de encontrar-se além. Assim, para alguns o conhecimento de Deus exige ir

além da pura experiência sensível e ir além de si mesmo, e pode significar que o

mesmo conhecimento de Deus está para além da capacidade humana do

conhecimento.

Transcendênciarecebeu dois significados.9 O primeiro refere-se ao estado ou à condição do princípio divino ou do ser que está além de tudo, de toda

experiência humana, ou do próprio ser. Este significado vincula-se à concepção

platônica da divindade, na qual o Bem, como princípio supremo de tudo o que

existe,.comparável como tal ao sol que dá vida às coisas e as deixa visíveis, está além dasubstância. A exemplo de Platão, Plotino repete que o Uno está além do ser e está além da mente; de modo que é transcendente em relação a todas as coisas, embora produzindo-as e mantendo-as no ser ele mesmo.” Escoto Erígena e outros usaram o tenno superessente para indicar a transcendência absoluta pela qual Deus

está além de todas as determinações concebíveis, até do ser ou da substância.” Nem sempre, todavia, a transcendência chega até esse ponto, isto é, a de situar Deus

além do ser e de algum modo a anulá-lo. A escolástica clássica, reconhecendo a

analogicidade do ser, não põe Deus além do próprio ser, esta concepção é própria da

teologia negativa ou mística. Fora da teologia, esta espécie de transcendência foi

reconhecida mais recentemente por Jaspers, que a tem contraposto à existência: a

7 ENCICLOPÉDIA Luso-Brasileira de Filososfia, op. cit., 1990. -

8 .

Ibidem. 9 ABBAGNANO, op. cit., 1970 e FERRATER MORA, J. Diccionário de filosofía. Madrid: Alianza, 1981. '° ABBAGNANO, op. en., 19'/o. “ rbiaem.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 30

transcendência é o que está além de toda possibilidade da existência, é o ser que

nunca se resolve no possível e com o qual o homem não pode ter outra relação senão propriamente a que consiste na impossibilidade de alcança-lo. Nas correntes

realistas da filosofia contemporânea, a transcendência era reconhecida nas coisas ou

nos objetos de conhecimento em geral ou no ser de tais objetos. Husserl negava, nesse sentido, que uma coisa pudesse ser considerada como imanente em qualquer percepção ou consciência e definia o ser da coisa como transcendente, que é mais ou menos eliminado pelas aparições da própria coisa à consciência.” Hartmann

insistia, por sua vez, sobre a transcendência do ser em relação ao conhecimento, "

13 enquanto o próprio ser fica sempre além do sujeito conhecedor imanente. No.

mesmo sentido, a transcendência era contrastada pelas várias formas do

imanentismom V

No segundo significado, a transcendência é o ato com que se estabelece uma relação sem que essa signifique unidade ou identidade dos seus termos, embora garantindo, com a própria relação, a alteridade deles.” Também este conceito tem uma origem neoplatônica e religiosa; Plotino dizia que a contemplação é para quem foi além de tudo.” S. Agostinho dizia: “Se vires mutável a tua natureza, transcende

também a ti mesmo”.17 Este sentido ativo de transcendência foi mais ou menos obliterado na filosofia tradicional e retomado somente pela filosofia contemporânea.

Com relação à transcendência do ser ou da coisa em relação à consciência que a

apreende, ou ao ato de conhecimento que a toma objeto, transcendente foi

denominado, em sentido ativo, a consciência mesma ou o ato de conhecimento. Assim Husserl fala da percepção transcendente, que é a que tem por objeto a coisa e

em relação à qual a própria coisa é transcendente, como diferente da percepção imanente que tem por objeto as próprias experiências conscientes que são imanentes

*Z Ibidem. '3 rbiúqn. M Ibidem, p.5l4. *S ABBAGNANO, op. cn., 1970 e FERRATER MORA, op. zu., 1981. “S rbiâem. ” ABBAGNANO, op. cn., 1970, p.931.

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Imanência-Transcendência: Principios Dinâmicos do Processo da Vida 31

à percepção.” Hartmann pôs o conceito de transcendência como fundamento do seu realismo, quando afinna:

o conhecimento não é tanto um ato de consciência quanto um ato transcendente. Tal ato fica ligado ao sujeito só de uma sua parte, mas de outra fica fora; com esta última apega-se ao existente que, por meio deste, toma-se objeto. O conhecimento é relação entre um sujeito e um objeto existente. Nessa relação, o ato transcende a consciência. 19

Contudo, a mais importante utilização do conceito nesse sentido foi feita por

Heidegger que definiu como transcendente a relação entre o homem (Dasein, Ser- aqui) e o mundo. O ato de transcendência é, em outros termos, aquele pelo qual o

homem, como ser-no-mundo, difere dos outros entes ou objetos e se reconhece como si mesmo. Heidegger, portanto, considera a transcendência como o significado do ser no mundo. Uma das características em Heidegger é a de fazer recair e

achatar a transcendência sobre os objetos transcendidos, o projeto sobre as suas

condições de partida, 0 possível sobre o efetivo, o futuro sobre o passado. Sartre

exprime o mesmo conceito de transcendência afirmando que a consciência (0 para- si), transcendendo para o ser (o em-si), não faz senão anular-se para revelar ea

afirmar, por meio de si, o próprio ser.2°

Diante do exposto, podemos constatar a predominância da oposição entre

irnanência e transcendência, através dos sigtnificados dados a estes conceitos pelas

diversas escolas filosóficas. Prosseguindo, achamos irnportante investigar a

utilização destes conceitos na enfennagem, assim como os significados a eles

atribuídos.

'* rbiaefn, p.93i. 'Q iiú‹1zm,p.9i3. 2° rbiaem.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 32

IMÁIVÊIVCIÁ E TRANSCEIVDÊIVÚIÁ NA EVFERÂMGEM

Os conceitos de imanência e transcendência não foram encontrados na

literatura da enfermagem brasileira. Na literatura da enfermagem norte-americana, o

conceito de imanência foi encontrado no estudo de Reederfl e de Watson”. Reeder

menciona ligeiramente ambos os conceitos quando afirma que pessoas estão sempre em um processo de mudança transcendente, assim como imanente. Watson, inclui

em sua teoria do Cuidado T ranspessoal a dimensão imanente, quando afnma que o

ser humano é plenamente imanente, mas paradoxalmente transcendente. '

O conceito de transcendência, entretanto, tem sido um tema comumente presente em quatro teorias contemporâneas da enfermagem norte-americana. Na Ciência dos Seres Humanos Unitários de Rogers, o conceito de

pandimensionalidade implica em transcendência de espaço-tempo e em novas formas de perceber a realidade que transcendem os cinco sentidos.” Transcendência

pode também ser visualizada na evolução dos seres humanos unitários juntamente com o ambiente. Parse, em sua teoria do Tornar-se Humano, defme saúde, em parte, como um processo intersubjetivo de transcendência com 0 possível??

Transcender a situação atual é descrita como uma dimensão prática do processo na teoria de Parse. Na teoria de Watson, a transcendência do espaço e tempo para elevadas formas de consciência e experiências misticas é assegurada como potencializando a cura (healing) e como indicadora de evolução espiritual.25 Na teoria da Saúde como Expansão da Consciência de Newman, transcendência de faixas temporais e doego é fundamental para a expansão de consciência.”

21 REEDER, F. Philosophical issues in the Rogerian science of uriitary human beings. Advances in Nursing Science, v.6, n°.2, p.l4-23, 1984. 22 wATsoN, op. err., 1995o. 22 ver as obras de ROGERS, op. err., 1970 e 1990. 2* ver os obras de PARSE, RR. Morr~1¡w'og-ireoiurz a theory of nursing. New York; weiey, 1981 e PARSE, R.R. llluminations: the becoming theory in practice and research. New York: National League for Nursing, 1995. p. 5-8: The human becoming theory. 25 ver às obras oe wATsoN, op. err., 19ssa, 19951» e wATsoN, J. New dimensions io homen eerrog theory. Nursing Sciences Quarterly, v.l, n°.4, p_l75-l8l, l988b. 25 NEWMAN, M. Health as expandíng consciousness. New York: National League for Nursing, 1994

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Q.:Q,(,ál.,17J-Ó Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Unf¡çà';gã+

-

Reed, ao desenvolver uma teoria de auto-transcendência, definiu

transcendência como expansão de auto-limites e orientação para perspectivas e

propósitos mais amplos de vida.” Haase e colaboradoras, através de uma pesquisa na literatura (enfermagem, psicologia e filosofia), sugerem três atributos para a

transcendência: ir além do auto-interesse, mover para além do que é e estender

temporahnente o auto-limite interior eu exteriormente.28 Com base nestes atributos, transcendência foi definida como uma experiência de estender o self interionnente através da atividade introspectiva, exterionnente através do bem-estar com os outros e temporahnente através das percepções do passado, antecipando o fiituro em direção ao presente. ~

Os significados dados à transcendência na enfermagem mostram uma congruência, na medida em que implicam em um mover para além do espaço- tempo, de uma situação ou contexto. Dentre as autoras citadas, apenas Haase e

colaboradoraszg parecem incorporar à definição de transcendência uma perspectiva irnanente. Contudo, podemos constatar que os significados de transcendência

utilizados na enfermagem mostram a predominância de oposição à imanência,

quando relacionados à filosofia.

Embora considerando a importância dos diferentes significados dos conceitos de imanência e transcendência na filosofia e na enfermagem, buscamos, a seguir,

novos significados para estes conceitos.

\

27 REED, P.G. Toward a nursing theory of self-transcendence: deductjve reformulation using developmental theories. Advances in Nursing Science, v.13, n°.4, p.64-77, 1991 28 HAAUSE, J.E et al. Simultaneous concept analysis of spiritual perspective, hope, acceptance and self- transcendence. Image: Journal of Nursing Scholarship, v.24, n°.2, p.141-147, 1992. 29 rõiâem.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 34

£Mn1R£ç:Á'o A um c01v‹:£PçÃo rfórzlco-1‹'1Loso'f1cze na 1Mzuv£Nc1Á-m‹msc1r1vnÊ1vc1Á

imanência e transcendência são entendidas como urn sistema dinâmico de forças vitais, a diferenciarem-se e organizaram-se em todos os elementos existentes. Enquanto forças dinâmicas e criativas, elas estão sempre presentes no movimento

do processo do ser, do tomar-se. Tais forças são ao mesmo tempo opostas e

complementares e, portanto, paradoxais. A noção de complementaridade, além de se constituir em uma característica da visão contemporânea da dialética, é também um principio da microfísica, introduzido pelo fisico Niels Bohr, para pôr fim ao conflito entre a teoria corpuscular e a teoria ondulatória, que, desde há dois séculos, se

opunham em óptica.” A noção de complementaridade de _l3ohr`consiste em atribuir uma igual parte de realidade ao aspecto corpuscular e ao aspecto ondulatório dos fenômenos e em declarar que é sempre um ou outro dos aspectos que aparece quando efetuamos experiências e que os dois aspectos parecem não se manifestarem

ao mesmo tempo.” O aspecto corpuscular e o aspecto ondulatório se apresentam, então, como duas representações complementares de uma única e mesma realidade.” Deste modo, imanência e transcendência, agindo como um sistema de forças, não existem separadamente, estando sempre em uma permanente relação. Conseqüentemente, uma delas, em menor ou maior grau, prevalece em relação a

outra, embora esta prevalência possa ter uma duração mínima, em um determinado momento.

\

Neste sentido, imanência pode ser vista como uma força presente em todos os elementos da natureza, procurando tomar-se, através da interiorização,

identificação e permanência. Transcendência também, enquanto uma força vital no

processo da vida, está permanentemente a buscar a transformação, a

3° ver as obras de FOULQUIÉ, op. cn., 19-/4, orzrou, s., PHARABQD, J.i>. rmmúuçâo à física quântica. Lisboa: Dom Quixote, 1986 e HEISENBERG, W. Física e filosofia. Brasília-DF.: Universidade de Brasília, 1995. 3* oRToL1,1>HARABoD, op. cn., 1986 e HEISENBERG, op. cn., 1995. 32 Ibidem.

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Imarrência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 35

desidentificação e o avanço criador. Ela está a buscar novos movimentos e

realizações em direção a uma nova ordem de qualidade e complexidade. Assim,

irnanência e transcendência constituem um sistema dinâmico de forças, na qual

irnanência procura integração, contração, interiorização, organização, e

transcendência persegue diferenciação, expansão, exteriorização, desorganização.

Paradoxalmente, analisadas a partir de uma outra perspectiva, 0 oposto pode também ser verdadeiro. Conseqüentemente, irnanência poderia levar a urna

perspectiva de separatividade/diferenciação e transcendência a uma perspectiva de urrião/totalidade. Entretanto, a própria união (transcendência) gera em. si a

diferenciação (irnanência). Considerando este movimento como sendo o movirnento criativo, presente no processo da vida, ele nao se apresenta de forma linear.

Conflitos, paradoxos e rupturas são características presentes neste processo.

Imanência e transcendência podem ser conceitualizadas como influenciando o processo da evolução,33 a qual evidencia urna natureza cíclica,34 com caracteristicas dinâmicas e especificas. Entretanto, esse movimento não é

unidimensional ou unidirecional, mas transdimensional e transdirecional,

expandindo-se com o universo além do espaço tridirnensional e do tempo linear. A~ concepçao de transdirnensionalidade é congnrente com os estudos da ñsica

moderna, onde o universo se apresenta qual uma teia infinita de eventos.” Nesta

perspectiva, nerrhuma das propriedades de qualquer parte dessa teia é elementar

e fundamental; todas elas refletem as propriedades de outras partes. Considera-se

que a consciência global de sua unidade é que determina a estrutura de toda a rede e

33 A evolução, no sentido expresso, não é entendida a partir da visão mecanicista do transformismo biológico, que se iniciou com a Origem das Espécies de Charles Darwin (1859). Evolução, aqui, refere-se à ascensão para niveis mais complexos de consciência, tendo como referencial a concepção de Chardin. Ver a obra de CHARDIN, T. O fenômeno humano. Trad. José Luiz Archanjo. São Paulo: Cultrix, 1986. Complexidade refere-se a uma heterogeneidade organizada e, por conseguinte, centrada, a qual é o resultado próprio da complexificação, tendência a percepções de cadeias cada vez mais ricas de interligações e sempre melhor centradas (Chardin, 1986, p.52). O termo consciência, por sua vez, é tomado em sua acepção; mais geral, para designar qualquer espécie de psiquismo, desde as formas mais rudimentares de percepção interior, até as formas mais complexas que se possam conceber (Chardin, 1986, p.67). 34 A expressão natureza cíclica não é entendida, aqui, a partir da visão grega, em que o mesmo se repete. 35 BOHM, op. cn., 1980.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 36

não qualquer outro componente específico. Deste modo, quando consideramos algo,

nunca o fazemos de fonna isolada, mas sim através da sua globalidade.

Conseqüentemente, toda ação local é acompanhada de repercussões globais. Assim,

a transdimensionalidade da mudança se apresenta a cada movimento. Por outro

lado, na medida em que as barreiras do espaço-tempo são transcendidas, a

transdirecionalidade se faz presente no processo, tendo em vista que o passado e

futuro cedem lugar ao presente em expansão. Os avanços na rnicrofisica já

postulam que o tempo pode ser percorrido em ambos os sentidos. Em 1947, o fisico francês Olivier' Costa de Beauregard formulou esta hipótese a partir dos estudos em física das particulas elementares.36 Posterionnente, esta hipótese recebeu o apoio

dos fisicos norte-americanos Davidon, em 1976 e Cramer em 1980.37

Considerando as características de transdimensionalidade e trans-

direcionalidade do movimento, a natureza da mudança não pode ser predita. A indetenninação da mudança é entendida aqui, a partir do princípio de incerteza, posteriormente denominado de princípio da indeterminação, proposto pelo fisico

Heisenberg.” O princípio da indeterminação estipula que é impossível, em microfísica, atribuir a uma partícula, num dado instante, uma posição e uma velocidade detenninadas: quanto melhor se define a posição, menos se conhece a

velocidade e vice-versa. Neste sentido, parece impossível conhecer,

simultaneamente, a posição e a trajetória de um objeto em movimento. Imanência e

transcendência estão, então, co-presentes neste movimento, ao longo do processo

infinito do vir-a-ser; o qual se dá do todo para as partes, do universal para o

individual e inversamente. Contudo, a natureza da mudança no movimento, em um detenninado momento, é indetenninada.

Duas possibilidades emergem a partir da perspectiva de ação dos princípios

de imanência e transcendência. A primeira possibilidade é que o processo da vida é

36 ORTOLI, PHARABOD, op. en., 1986. 37 Imeem. 3* HEISENBERG, op. cn., 1995.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 37

caracterizada por conflitos/tensões entre imanência e transcendência. Estes conflitos

podem ser visualizados enquanto momentos de caos e desorganização” no processo da vida. Este processo de caos e desorganização é um processo de desestruturação, que é em si mesmo uma nova forma de organização, o qual se toma mais acentuado e constante face a iminência de uma revolução/ruptura. Neste processo, a

intensidade e a freqüência aumentadas dos momentos de caos e desorganização

anunciam o final de um ciclo evolucionário, em que transcendência se apresenta enquanto uma dimensão superior, mas que traz em si a potencialidade da imanência. A segunda é arevolução/ruptura, processo no qual um novo ciclo se apresenta, em que a preponderância da imanência traz em si nova possibilidade de transcendência. Uma mínima preponderância de uma dimensão no processo poderá contribuir para uma forte emergência da outra. Contudo, em se tratando de um sistema de forças dinâmico e criativo, o equilíbrio nunca é alcançado. Trajetórias que iniciam de

pontos próximos e arbitrários divergirão exponencialmente. Deste modo, o

movimento e a trajetória apresentam uma dependência sensível das condições

iniciais.4° Este movimento rítmico se dá em direção a uma ordem de complexidade e auto-organização superiores. Revolução seria, então, a possibilidade de renovados

conflitos, em que a imanência e transcendência passam a se manifestar em um novo momento, possivelmente em um nível mais elevado de potencialidade em relação ao anterior Esta potencialidade, anteriormente transcendente, apresenta-se agora sob

uma forma imanente. Conseqüentemente, este novo momento se caracteriza

por um novo ciclo, ,no qual a imanência prevalece, embora em tensão com a

transcendência. No final do ciclo, entretanto, a transcendência prevalecerá,

39 O conceito de caos e desorganização vem sendo desenvolvido na teoria dos sistemas dinâmicos não- lineares, também denominada de teoria do caos ou ciência da complexidade. Para alguns ñsicos, o caos é antes uma ciência de processo do que de estado, de vir-a-ser do que de ser. Ver as obras de GLEICK, J.

Chaos: making a new science. New York: Penguin Books, 1987 e BRIGGS, J., PEAT, F.D. Turbuleut mirror. New York: Harper & Row, 1989. 4° Esta concepção é coerente com os conceitos e definições da teoria dos sistemas dinâmicos não-lineares, teoria do caos ou ciência da complexidade, a qual se contrapõe à de sistemas em equilíbrio, onde as condições iniciais são esquecidas. Ver as obras de GLEICK, op. cit., 1987 e BRIGGS, PEAT, op. cit., 1989. Com relação à teoria da auto-organização ver a obra de NEUSER, I-I.G.F.W. A teoria de auto- organização: as raízes da interpretação construtivista do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994, que considera as importantes contribuições de Humberto Maturana e Francisco Varela.

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Imanência-Transcendência: Principios Dinâmicos do Processo da Vida 38

denotando a proximidade de revolução, de ruptura e, assim, a possibilidade de urn

novo ciclo evolucionáiio. Esta revolução, pode geralmente se fazer prenunciar a

partir de pequenas revoluções isoladas, as quais podem ir gradativamente se

multiplicando, com vistas a uma revolução global. A duração de cada ciclo, por sua vez, parece ser relativa, original e singular, sendo o resultado da interação da

aspiração do espírito, das múltiplas interações, do momento evolucionário/histórico e também das capacidades iniciais e expressivas do sistema como um todo.

A revolução e, assim, o novo ciclo não podem ser entendidos como uma mera repetição de movimento, tendo em vista que ele traz em si uma nova ordem, que se expressa através de novas formas, padrões e ritmos de vida. Esta perspectiva

pode ser interpretada a partir da noção de revolução, proposta por Thomas Kuhnf' embora nele somente a percepção da realidade mude quantitativa e qualitativamente. Neste movimento, a emergência de novas ordens se dá em direção à complexidade e diversidade de padrões e ritmos. Contudo, a cada mudança em qualidade e

quantidade, estas duas forças são expressas pela simplicidade e unidade de padrões

e ritmos.

Buscando um maior entendimento destas forças, propomos uma analogia de irnanência-transcendência com o princípio cósmico.” De acordo com este

principio, o universo é motivado por duas grandes forças: a força da dispersão ou

expansão, propulsionada pelo Big Bang e a força de agregação, provocada pela

gravidade. Se a força da expansão tivesse dominado, toda a matéria teria se

desintegrado. Não haveria grandes corpos sólidos e nenhum lugar para a vida. Se, por outro lado, a gravidade tivesse dominado, a expansão inicial produzida pelo Big

Bang teria retardado e vindo a término, seguindo a urn colapso do universo. Então, não teria havido nenhum tempo para a vida. Atualrnente, há um consenso de que existe um movimento harmonioso entre estas forças, para que o universo possa se

4' KUHN, op. zu., 1991. 42 WALD, G. The cosmoiøgy of life and mma. in; HARMAN, W., CLARK, J. New mezzphysiczu foundations of modem science. Sausalito, Califomia: Institute of Noetic Science, 1994. p.l23-131.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 39

expandir como um todo e ser mantido localmente integrado pela gravitação. Deste modo, é em decorrência deste movimento entre a expansão continua do universo como um todo e sua estabilidade local que fornece um enonne alcance do tempo e

inúmeros locais para o desenvolvimento da vida.”

Outra analogia que propomos é a de imanência-transcendência com o

simbolo taoísta do yin-yang, 44 respectivamente. Estes dois pólos ou forças estão

presentes na filosofia chinesa, na qual a realidade, a cuja essência primária

chamavam tao, se dá em um processo de continuo fluxo e mudança. O universo, nesta perspectiva, está empenhado em um movimento e uma atividade incessantes, num contínuo processo cósmico a que os chineses chamaram tao - o caminho. A principal caracteristica do tao é a natureza cíclica de seu movimento incessante; a

natureza, em todos os seus aspectos, exibe padrões cíclicos. Os chineses atribuem a

essa idéia de padrões cíclicos uma estrutura definida, mediante a introdução destas duas forças complementares e antagônicas. O yin corresponde a tudo o que é

contrátil, receptivo e conservador, ao passo que o yang implica em tudo o que é

expansivo, agressivo e exigente. Todos os fenômenos naturais são manifestações de

uma oscilação continua entre estas duas forças; todas as transições ocorrem

gradualmente e numa- progressão inintenupta. Neste movimento dinâmico, quando

o yang alcança o seu apogeu, retrocede em favor do yin; o yin, tendo alcançado o

seu apogeu, retrocede em favor do yang. Deste modo, o curso yin da contração se

transforma em yang de expansão e o yang da expansão se transforma em yin de compressão, numa alternância perpétua. Com base nesta filosofia, todos os

fenômenos manifestados no universo são govemados por estas duas forças. Como exemplo, temos as mudanças sazonais e os fenômenos delas resultantes, do

crescimento e decadência presentes na natureza orgânica, os quais eram vistos pelos

“3 rbiaem. 44 Ver as obras de CAPRA, F. O tao da física. Trad. José Femandes Dias. São Paulo: Cultrix, 1975, CAPRA,” F. O ponto de mutação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1982, KUSHI, M. O livro do do-in. Trad. Norberto de Paula Lima e Juracy Cançado. São Paulo: Ground, 1986 e SMITH, H. The illustrated world's religious. New York: Harper San Francisco, 1994.

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Imanência-Transcendência: Princípios Dinâmicos do Processo da Vida 40

chineses como as expressões mais evidentes da inteirelação entre yin e o yang.”

Esses elementos aparecem, por exemplo, no alimento, cujo balanceamento

proporciona uma dieta saudável. A medicina chinesa constitui também em outro exemplo, a qual se baseia no movimento harmonioso do yin e do yang no corpo

humano, sendo qualquer doença entendida como um rompimento dessa harmonia.

Deste modo, imanência e transcendência se constituem em duas forças

paradoxais, ao mesmo tempo intemas e externas ao sistema, opostas e

complementares. Elas limitam os horizontes do ser, mas oferecem ao mesmo tempo a constante possibilidade de superação das limitações do ser. Estas forças, expressas

no processo evolutivo, manifestam-se na permanente criação da vida, refletindo o

processo criativo do ser, do tomar-se. Este processo se expressa na procura de

elevadas fonnas de vida, em uma permanente busca por ordens crescentes de

complexidade de expressão da consciência e de qualidade de vida no planeta e no

universo. Imanência e transcendência, como concebidas aqui, constituem-se em princípios norteadores deste estudo. Deste modo, com base nesta concepção,

abordamos, a seguir, o cuidado como uma perspectiva para a integração e

transformação.

45 CAPRA, op. cú., 19'/5.

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CAPIIDLU 1/

CUIDADO T RAN5DM1£N5I01VAL.' UMA 49 PERSPECHI/A PARÁ IJVTEGKÁÇAG E

mA1v5¶0fiMA ÇÁD

o cu1DADo É UMA Amz' SA âRADA QUE GHAMA os monss1o1vA1s E As soc1¡:DAD£s PARA UMA VIDA MAD; P120:-'u1vDA, UMA couuflušo con o oumo, Momvno-zvos zu D11z¡:(;A'o Ao 1vAsc11u1:1vro DE UMA WDA £sPmn'uA1. Dzrfzmzo D1: CADA UM DE Nois A UMA UNIDADE sAs1zADA 1: n11vDA51.›:m'A1. con roDA A 1/1DA.

A MAM. Yv RA Y (ADAPTAÇÃO)

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RESUMO

Neste capítulo, defendemos o Cuidado T ransdimensional como sendo uma perspectiva para a integração e transformação, como forma de superar o extremo separativismo entre as disciplinas e/ou profissões e destas com o senso comum. Após apresentannos os diferentes focos e expressões do cuidado no modelo feminino e masculino, abordamos o Cuidado T ransdimensional como perspectiva na qual a relação estética entre os princípios Feminino e Masculino se expressa na convergência de arte, ciência e espiritualidade.

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Nos dois últimos séculos, sob o domínio do paradigma da modernidade ou do modelo tradicional de ciência, nós assistimos a um grande avanço na complexidade do saber das mais variadas disciplinas, bem como nas ações desenvolvidas pelos profissionais em geral. Contudo, este avanço teve como base central uma perspectiva ontológica e epistemológica de especificidade, separatividade,

linearidade, localidade e causalidade, a qual se traduziu na visão reducionista/

mecanicista do paradigma reinante. Nesta perspectiva, aprendemos a conviver com uma única forma de verdade, uma única visão de ser humano, de realidade e, até mesmo, de felicidade. Deste modo, este paradigma representou uma tendência para um processo de concentração e exclusão, através da crescente especialização e

diferenciação fimcional dos diferentes campos do saber e da glorificação de um conhecimento científico totalmente distinto do conhecimento do senso comum.1 A hierarquia do conhecimento, das disciplinas e/ou profissões, por sua vez, gerou e

ainda tem gerado uma centralidade do poder de algumas, assim como a

marginalidade de outras. Paradoxalmente, a complexidade alcançada nas diferentes

e variadas instâncias da vida nas sociedades em geral, tem evidenciado a

insuficiência desta perspectiva reducionista/mecanicista, inclusive para a

manutenção da vida e` até mesmo para a sobrevivência humana no planeta.

Apesar dos avanços obtidos no conhecimento, neste século, os quais apontam

para Luna perspectiva ontológica e epistemológica de totalidade, complexidade, não-

' SANTOS, op. za., 1995.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 44

linearidade, não-localidade e acausalidade,2 as ações ainda se dão a partir da

perspectiva anterior. Harman acredita que, a despeito dos esforços que estão sendo feitos em muitos campos do saber para superar esta visão mecanicista, quase tudo da presente ciência é baseado, ao menos irnplicitarnente, na pressuposição

ontológica de separatividade e na pressnposição epistemológica de que todo o

conhecimento é baseado nos dados dos sentidos ñsicos.3 Assim, a pressuposição

metafisica de separatividade implica na separação do observador do observado, do

humano da natureza, da mente da matéria, da ciência da religião, na separação das partes de um sistema ou organismo para entender como ele realmente funciona, das disciplinas científicas e dos investigadores.4 Deste modo, para a ciência, a verdade

é ainda baseada em provas, onde o fenômeno de estudo é colocado sob o rigor de observações, testes experimentais e matemática causal, os quais são locais e

lineares.

A extraordinária especialização do conhecimento teórico-prático, sob o

domínio do paradigma da modernidade, tem tido uma profunda penetração nas diversas áreas da existência humana, mas ela tem também gerado um paradoxo. Com a especialização tem surgido a inabilidade para explorar as dimensões da vida humana, conjuntamente com outras dimensões.5 Cada área especializada tem se tomado uma cultura em si, com sua visão de mundo particular, com sua

metodologia, sua linguagem própria e mesmo seus próprios artefatos e história.6 Tal ênfase tem também contribuído para os momentos de caos e desorganização, com que nos defrontamos, os quais extrapolarn a comtuiidade científica e apontam para

urna revolução/ruptura. Esta revolução parece vir acompanhada da necessidade

2 Acausalidade não é entendida como a ausência total de causalidade, mas no sentido da ausência de uma causalidade mecânica, que é linear ou, ao menos, que pode ser linearizada e -interpretada como: à mesma causa segue o mesmo efeito. Ao elegermos a visão dos sistemas de auto-organização, adotamos a perspectiva da causalidade fraca, não determinista, onde as mesmas causas não levam de modo cogente ao mesmo efeito. 3 HAR1vrAN,0p.¢úz., 1991.

'

4 Ibiaem. 5 TAYLOR, R.L., WATSON, J. They shall not hurt: human suffering and human caring. Colorado: Colorado Associated University, 1989. p. l-9: Introduction. 6 Ibidem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 45

urgente de novas abordagens teórico-práticas que promovam uma convergência de ações com vistas às transformações requeridas na vida em sociedade. Neste mesmo sentido, disciplinas e/ou profissões são desafiadas a saírem de seus isolamentos para

se integrarem em um movimento conjunto com a sociedade, na busca de soluções para o desencantado e injusto mundo modemo .

Um dos grandes desafios que enfrentamos é o de superar a arraigada

perspectiva separativista que ainda predomina nas disciplinas e/ou profissões. Na enfermagem, por exemplo, esta perspectiva ainda é muito evidente na construção do

seu saber teórico-prático. Não discordamos de que o desenvolvimento da

enfermagem como uma disciplina profissional seja fimdamental. Contudo, uma abordagem conjunta de ações entre as mais variadas disciplinas e profissões, embora

urgente no mundo atual, parece ter sido menosprezada nas proposições das teorias de enfermagem. Neste momento histórico, a sobrevivência daenfermagem, como a

de outras disciplinas e/ou profissões, está também diretamente relacionada a uma perspectiva integrada de ações. Esta perspectiva tem suas bases reconhecidas e

valorizadas na complementaridade do saber, na medida em que uma disciplina só tem significado real quando integrada às outras e à sociedade.

Poderíamos, então, alegar que o abandono da construção do saber em nossa\ disciplina profissional, em favor de uma teorização interdisciplinar, poderia

~ desencadear novas crises na luta da enfermagem para a emancipação e preservaçao

de sua identidade. Face a esta alegação, perguntamos: a que finalidade serve ax

construção do saber? Se aceitarmos a premissa de que a construção do saber serve

parava preservação da identidade de urna profissão; melhor dizendo, se a construção

do saber tem como finalidade o reconhecimento da identidade de urna disciplina e/ou profissão, então seríamos levadas a admitir a nossa visão reducionista de

pensarnento. Contudo, esta não é a nossa posição. Uma disciplina e/ou profissão, seja ela enfermagem ou outra qualquer, não existe por si só. A construção do saber não se dá de forma isolada. Este é um dos engodos do paradigma reinante.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 46

Nenhuma disciplina sobrevive sem a outra e uma sempre fornece o implícito - e

mesmo inconsciente - às pressuposições primárias da outra.7 Disciplinas e/ou

profissões não são reconhecidas somente pela construção de seu saber e pela

excelência de seus serviços, mas principalmente pelas transformações que operam nos padrões de expressão da consciência e na qualidade de vida da população no

planeta. Deste modo, as disciplinas e/ou profissões não podem ser consideradas somente como um fim em si mesmas, mas como processo no qual os múltiplos meios se mesclam aos múltiplos fins.

A crise que a enfermagem, bem como outras disciplinas e/ou profissões

essencialmente femininas, têm vivenciado baseia-se, em parte, na visão reducionista e separativista do paradigrna da modernidade, o qual tem contribuído para a

centralidade do modelo tradicional de ciência, bem como para a hierarquia do poder. Visão esta, que tem reforçado o sistema pa1:1iarcal,8 com conseqüente manipulação e exploração das mulheres e da natureza. Hoje está evidente que a

excessiva ênfase no método cientifico e no pensamento racional, analítico levou a

atitudes profundamente antiecológicas e de repressão das mulheres.9

Ao investigarmos as raízes de nosso atual dilema ambiental e suas conexões com a ciência, a tecnologia e a economia, cumpre-nos reexaminar a formação de uma visão do mundo e de uma ciência que, ao reconceituar a realidade mais como uma máquina do que como um organismo vivo, sancionou a dominação da natureza e das mulheres. Tem de ser reavaliadas as contribuições de tais

patríarcas ,da ciência moderna, como Francis Bacon, William Harvey, René Descartes, Thomas Hobbes e Isaac Newton. 1°

7 JUNG, op. cit., 1933. 8 Sistema patriarcal é entendido como sendo um sistema no qual as relações de poder subordinam os interesses das mulheres aos interesses dos homens. 9 Ver asfobras de CAPRA, op. cit., 1982, MERCHANT, C. The death of nature. New York: Harper San Francisco, 1983 e KELLER, E.F. Reflections on gender and science. London: Yale University, l985. 1° MERCHANT, op. cit., 1983, p.×v¡â.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 47

Na perspectiva do paradigma da ciência moderna e, conseqüentemente,

do sistema patriarcal, o foco e a expressão do cuidado” assumem determinadas características, as quais refletem a forte influência do princípio Masculino” de

ciência. Neste modelo, as práticas do cuidado são embasadas em conhecimento analítico e em pesquisas científicas, comprovadas de forma experimental e objetiva. O conhecimento do cuidado é repassado formalmente, ou seja, de forma oral, escrita e prática, através das instituições, cujos modelos também refletem o modelo

masculino. Neste sentido, a dicotomia entre o saber teórico e prático pode ser

detectada. '

O cuidado tem como foco a cura do corpo doente. Corpo este, que é

percebido de forma fragmentada, como objeto ou máquina. A condição de estar doente é vista como negativa, devendo ser eliminada o mais rápido possível. A valorização desta visão tem contribuído para uma expressão imoral do cuidado, na medida em que destitui o ser que é cuidado da riqueza e diversidade de suas

experiências subjetivas, isolando-o de seu meio e negando o seu próprio viver e

saber.

A arte, no modelo masculino do cuidado, é quase que esquecida. Aqui o

cuidado é visualizado enquanto produto. Conseqüentemente, quando não se tem

mais nada a fazer para salvar o corpo doente, os seres cuidadores se sentem

imobilizados diante do fracasso da sua cura e da morte eminente. As práticas do cuidado desenvolvidas de forma ativa dão lugar aos procedimentos cada vez mais

invasivos, sob o uso de complexas tecnologias. As relações entre o ser cuidador

e o ser que é cuidado se dá quase que predominantemente de fonna vertical e

impessoal, em que o poder do cuidador destitui o ser que é cuidado de seu poder a

“ SILVA, op. en., 199óa. '2 O termo princípio Masculino é empregado aqui para designar um padrão universal na psique humana, que Jung também denominou de arquétipo e que não está restrito ao gênero masculino, mas está presente em ambos, mulheres e homens. Ver a obra de IUNG, C.G. Aion: phenomenology of the self. In:

CAMPBELL, J. (Ed.). The portable Jung. New York: Penguim Books, 1971, p. 139-162.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 48

voz e as decisões. Esta expressão do cuidado é também imoral porque vulnerabiliza e viola 0 ser.”

Neste modelo patriarcal ou Masculino, a sabedoria dos mais velhos sobre o

cuidado não é valorizada. Conseqüentemente, os cuidadores mais velhos são muitas

vezes' alijados do espaço do cuidar e considerados ultrapassados e incapazes, tendo

pouco a contribuir para o avanço do conhecimento e para a prática do cuidado.

A superioridade do saber e do poder de determinadas disciplinas e/ou

profissões é atribuída àquelas desenvolvidas quase que exclusivamente por homens.

A medicina, por exemplo, assumiu o controle e o poder no sistema de saúde e, porque não dizer, até mesmo sobre os cuidadores, que na sua maioria são mulheres. Podemos então constatar que, no modelo masculino do cuidado, as mulheres, bem como o produto de seu trabalho foram colocados em posição secundária de

importância e, conseqüentemente, até com inferior remuneração à dos homens. Por outro lado, as mulheres da enfermagem, por exemplo, para sobreviverem à

competição nas instituições têm muitas vezes acentuado o princípio masculino em / detrimento da sua expressão feminina.

O modelo de cuidado, sob a influência do paradigma da ciência moderna e, conseqüentemente, do sistema patriarcal, marcou a ruptura do modelo anterior, o

qual enfatizava o princípio Feminino”. Naquele modelo femininofs o cuidado se

expressava através de tuna predisposição instintiva, natural, como fonna essencial para a preservação da vida e para a conexão dos grupos. O cuidado podia ser interpretado como um modo humano de ser,l6 como urna forma fundamental de ser

13 GADOW, S. Nurse and patient: the caring relationship. In: BISHOP, A . HJ, SCUDDER, J.R. Caring, curing, and coping. Birmingham: University of Alabama, 1985. p. 31-43. M O tenno princípio Feminino é empregado com o mesmo significado do termo princípio Masculino, ou seja, como um padrão universal na psique humana, que Jung também denominou de arquétipo e que não está restrito ao gênero feminino, mas está presente em ambos, mulheres e homens. Ver a obra de Jung, op. cit., 1971. 15 s1LvA, op. cn., 199óa. ~

16 ROACH, S. The human act of caring_ Toronto: Canadian Hospital Association, 1987.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 49

no mundo e criar ambos, o self e o mundo.” Assim, enquanto no modelo masculino, o cuidado se expressa quase que predominantemente de fonna transcendente, no

modelo feminino ele se expressava principalmente de forma imanente. Naquela

perspectiva, a dimensão intuitiva do cuidado parece ter sido profundamente

acentuada, a qual era reforçada pela experiência no cuidado. Neste sentido, nos

periodos iniciais de nossa civilização, a sabedoria dos mais velhos acerca do

cuidado foi respeitada e repassada informalmente, ou seja, predominantemente de

forma oral e prática.” Aquele período parece sugerir uma grande integração entre os saberes teórico e prático, contribuindo para uma maior complexidade e novas

formas de cuidado.

Na medida em que no modelo masculino o cuidado focaliza a cura do corpo doente, no modelo feminino o foco do cuidado era direcionado para o ser em uma perspectiva mais abrangente de totalidade, contemplando as suas experiências de

vida com o meio ambiente. Neste sentido, enquanto no modelo masculino a

condição de estar doente é vista como negativa, no modelo anterior a condição de estar doente era considerada por seu potencial catalisador para o crescimento

emocional e espiritual, dentre outros.”

O cuidado, enquanto processo, parecia se expressar de fonna criativa e

subjetiva, a desvelar novas realidades de práticas do cuidado. Práticas estas, que

eram receptivas à natureza e ao divino imanentes no ser que era cuidado.

Conseqüentemente, aquelas práticas do cuidado buscavam, como diria

Nightingalefo colocar o ser nas melhores condições para que a natureza pudesse

agir. A arte era, então, uma dimensão importante do cuidado e se manifestava predominantemente através do uso do self nas relações interpessoais e transpessoais

(rituais, divino). A arte do cuidado combinava agentes medicinais, na sua maioria

" BENNER, P., WRUEBEL, J. The primacy of caríng. Menlo Park, Ca.: Addison-Wesley, 1989. 'S ver as obras de ACHTERBEG, J. woman as healer. Boston; shzmbhziz, 1991 e GIMBUTAS, M. rue goddsses and gods of old Europe. Berkely: University of California, 1982. 1° ACHTERBERG, op. eu., 1991. 2° NIGHTINGALE, F. Notas sobre enfermagem. São Paulo: Cortez, 1989.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 50

provenientes das plantas, manipulação, dieta, repouso e rituais.21 O princípio feminino apoiava os rituais de passagem, reconhecendo e celebrando o vinculo

humano com a infinita conexão da vida.” 0 aspecto panteístico da cosmologia, através da crença de que os deuses ou espíritos eram imanentes, em variados graus, em todos os elementos da terra, potencializava a capacidade para a cura (healing).23

Enquanto no modelo masculino o cuidado é predominantemente

institucionalizado, no modelo feminino o cuidado ocorria de forma indiferenciada

nas famílias, grupos e comunidade. As mulheres se destacavam por sua sabedoria e

habilidade na prática do cuidado. Elas eram consideradas como uma prodigiosa fonte de poder e sabedoria. As mulheres podiam dar e salvar a vida, curar os corpos doentes e as almas feridas, dar passagem aos sonhos, visões e ao mundo além dos sentidos.” Um grande número de culturas nos continentes da Europa e Ásia

evidenciaram aquele modelo de cuidado, através das inscrições feitas em pedras, ossos e marfim, em que as mulheres davam inicio à vida e eram tidas como simbolo de imortalidade.”

Entretanto, as mudanças que ocorreram na cosmologiazó das culturas

ocidentais contribuíram para uma total inversão nas crenças e valores do cuidado, com conseqüente mudança no seu foco e expressão. Esta mudança teve como uma de suas principais bases a substituição da Grande Mãe ou Grande Deusa imanente pela imagem de um Deus masculino transcendente, que residia fora e acima da terra.” Assim, quando as culturas atingiram o estágio monoteísta, todas as

2* ACHTERBERG, op. cit., 1991. 22 Ibidem. 23 Ibidem. 24 Ibidem. 25 Ver as obras de JOHNSON, B. Lady of the beasts: ancient images of the goddess and her sacred animals. San Francisco: Harper & Row, 1981 e GIMBUTAS, op. cit., 1982. 2° A cosmologia de uma cultura é entendida como um sistema de crenças que descreve a natureza do universo e que através de sua história, atribui significado para a vida, determina e é determinada pelas relações humanas, bem como pelas relações com as coisas vivas e não vivas da terra. Deste modo, uma cosmologia determina quem e o que assumem posições de liderança e honra em um detemiinado periodo histórico. Ver ACHTERBERG, op. cit., 1991. 2” ACHTERBERG, op. cit., 1991.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transfonnação 51

instituições da sociedade adotaram os valores e as crenças patriarcais.” Este fato

evidenciou que a irnanência, enquanto uma dimensão do ser e do viver, por si só, era incompleta, requerendo a sua dimensão oposta e complementar, ou seja, a

transcendência.

No modelo masculino, por sua vez, são inegáveis as conquistas e os avanços alcançados no conhecimento teórico e prático do cuidado. Paradoxalrnente, apesar

destas conquistas, o cuidado não tem sido valorizado neste modelo. Os custos, que esta visão unilateral da dimensão psíquica do ser e dos modos de vida a ela inerentes tem acarretado, são grandes para a sociedade em geral. Muitos estudiosos têm ligado a crise e 0 desastre ecológico global, que ora defrontamos, à

predominância do princípio Masculino em nossa civilização.”

Neste sentido, a compreensão da desvalorização do cuidado e da

marginalização da enfermagem, como de outras disciplinas e/ou profissões

exercidas na sua maioria por mulheres, perpassa pelo entendimento dos

pressupostos teórico-filosóficos do modelo tradicional de ciência, bem como do sistema patriarcal. Nesta perspectiva paradigrnática, bem como neste sistema

patriarcal toma-se praticamente irnpossível uma abordagem interdisciplinar. Esta

abordagem requer uma superação deste paradigma de ciência, bem como do sistema patriarcal, com vistas a que todas as disciplinas e/ou profissões possam ter

oportunidades iguais de espaço e de direito a voz e a ação.

Contudo, as tendências atuais parecem apontar para tuna nova

revolução/ruptura, cuja natureza da mudança, a nível global, não pode ainda ser

determinada. Entretanto, há urna grande probabilidade de estarmos caminhando para

urna consciência global das interações mútuas que determinam a estrutura de toda a

rede de disciplinas, profissões, ocupações e das sociedades em geral, na qual todas elas são elementares e fundamentais. Probabilidade esta, que extrapola até mesmo a

28 ‹

Ibidem. 29 ZWEIG, C. To be woman: the birth of the couscious feminine. Los Angeles: Jeremy P. Tarcher, 1990.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 52

\

interdisciplinaridade e que pode representar uma grande refonnulação na estrutura das disciplinas e/ou profissões. Esta revolução parece indicar a mudança de uma perspectiva ontológica e epistemológica de especificidade, separatividade,

linearidade, localidade e causalidade para a de totalidade, complexidade, não-

linearidade, não-localidade e acausalidade. Este novo ciclo, que já parece se fazer

anunciar, evidencia a possibilidade de novas formas, padrões e ritmos de vida, mas também a possibilidade de renovados conflitos. Uma possibilidade que pode trazer em si uma ordem mais elevada de expressão da consciência em relação à anterior. Neste novo ciclo, o cuidado pode se constituir em uma das perspectivas

catalisadoras para a integração.3°

Smith é uma das autoras que reconhece ser o cuidado um tenno usado em muitas profissões e ocupações e, assim, não diferencia a enfermagem como tendo uma perspectiva única.” Deste modo, a autora questiona: se o cuidado e'

parte de todas as disciplinas no contexto de suas bases teóricas, então como ele pode ser único para a enfermagem? Ao defender o cuidado como sendo o foco central e único para a enfermagem, ela reconhece as dificuldades em confirmá-lo. Embora o cuidado seja considerado a essência da enfermagem,32 o que confere a ela a liderança, no que se refere ao seu desenvolvimento teórico-

prático, ele também tem sido abordado em outras disciplinas e/ou profissões. A exemplo disso, o cuidado tem sido abordado na medicina,33 na psicologia,34 na

3° O termo integração é entendido a partir de urna perspectiva que extrapola a interdisciplinaridade. 3' SMITH, M.J. Caring: ubiquitous or unique. Nursing Science Quarterly, v.3, n°.2, p.54, 1990. 32 Ver as obras de LEININGER, M.M. Cultural care diversity and universality: a theory of nursing. New York: National League for Nursing, 1991, WATSON, op. cit., I988a,. 1995b e SILVA, op. cit.,

1996a. 33 Ver as obras de GAYLIN, W. Caring. New York: Alfred A. Knopf, 1976, GAYLIN, W. Rediscovering love. New York: Viking, 1986, PELLEGRINO. E.D. The caring ethics: the relation of physician to patient. In: BISHOP, A H., SCUDDER LR. Caring, curing, and coping. Birmingham: University of Alabama, 1991. p.8-30 e REMEN, op. cit., 1991. 34 Ver as obras de ERIKSON, E. Childhood and society. New York: Norton, 1950, ERIKSON, E. Identity, youth and crisis. New York: Norton, 1968, MAY, R. Love and will. New York: Norton, 1969, ROGERS, C. The therapeutic relationship recent theory and research. Australian Journal of Psychology, v.37, p.6- 16, 1965 e MOORE, Th. Care of the soul: a guide for cultivating dept and sacredness in everyday life. New York: Harper Perennial, 1994.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 53

filosofia,35 na educação,36 na antropologia,37 na sociologia,38 na teologia” na arte,4° na arquitetura” e na política.” O tenno cuidado tem também sido focalizado por ocupacionais, como também, em artigos de jornais, revistas, em anúncios de comerciais na televisão; ele, enfnn, tem permeado de modo geral o senso comum.

Na enfermagem, o cuidado é considerado um imperativo moral, a mais

elevada forma de compromisso para com o self e com os outros.” O cuidado é a

substância ontológica básica da enfermagem e apoia a sua epistemologiafm O cuidado se dá a partir de um proftmdo compromisso com a vida em sociedade e no planeta e tem, portanto, como base o respeito para com a vida em suas mais variadas formas de expressão.” Deste modo, ele só pode ser vivido em um contexto de

35 vor as obras do MAYERQFF, M. oo oariog. Now York; Harpor & Row, 1971, r¶EmDEGEa_ M. ser o tempo. Vol.I, II. Petrópolis: Vozes, 1986, 1988, BUBER, M. I and Thou. Transl. by R.G. Smith. New York: Charles Scribner's Sons, 1965, MARCEL, G. The philosophy of existenfialism. Seraucus, N.J.: The Citadel, 1984 e ZANER, R.M. How the hell did I get here? Reflections on being a patient. In: BISHOP, A H., SCUDDER, J.R. Caring, curing, and coping. Birmingham: University of Alabama, 1985. p.80-105. 36 Ver as obras de NODDINGS, N. Caring: a feminine approach to ethics & moral education. California: University of California, 1986 e GILLIGAN, C. In a different voice: psychological theory and women's development. Cambridge-Massachusetts: Harvard University, 1993. 37 BATESON, M.C. Composing a life. New York: A Plume Book, 1990. 38 Ver as obras de IMRE, R.W. Knowing and caring: philosophical issues in social work. Washington, D.C.: University of America, 1982 e BELL, J. Caring for each other as we disarm the world: a political necessity. Issues in Radical Therapy, v.1l, n°.2, p.l8-21, 52, 1984. 39 Ver as obras de RICI-IMOND, K.D. A secret bond of caring. Christian Ministry, v.l0, n°.1, p.28, 1979, PETERSON, G.I. Training members of First Christian Church, Harlingen, Texas, in the art of Christian caring. Arlington, TX.: Brite Divinity School, 1982, STONE, H.W. The caring church. New York: Harper & Row, 1983, SMITH, G.T. A plan to develop a congregation of caring people through a training program in care-giving. Pittsburgh: Pittsburgh Theological Seminary, 1986 e FOX, MA .

Creating spirituality: liberating gifts for the people of the Earth. San Francisco: Harper, 1991. 4° Ver as obras de DEWEY, J. Art as experience. New York: Capricom Books, 1958, FLACK, A . Art and soul: notes on creating. New York: Dulton, 1986, KLEINHOLZ, F. The art of caring. Milwaukee, WI.: Marquette University, 1987 e RAUSCI-IENBERG, R. Interview with Robert Rauschenberg. In:

PAPADAKIS, A C. Art meets science and spirituality. London: The Academy Editions, 1990. p. 14-25. 4' DAY, ch. Piaoos of me sorri. Lorroorrz Tiro Aqoariarr, 1993. “Z GRAHAM, H. A iaooor of iovo. ro; FINCH, J., (moves, D. <Er1s.). A iaboor- of iovoz worooo, work and caring. Boston: Routledge & Kegan Paul, 1983. 43 Ver as obras de GADOW, S. Existential advocacy: philosophical foundation of nursing. In: SPICKER, S., GADOW, S. (Eds.). Nursing images and ideals. New York: Springer, 1980. p.86-101, WATSON, op, cit., 198`8a, 1995b. “ wA1:soN, J. Tiro morar farioro of mo pamarohy. Nursing ooriooir, v.2, o°.3s, pózoó, 199o. 45 SILVA, A.L. da. Céu e infemo: urna metáfora no processo de cuidar entre os cuidadores. In: NEVES- ARRUDA, E., GONÇALVES, L.H.T. Celebrando a arte do cuidado na enfermagem. Florianópolis: UFSC. (no prelo).

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 54

responsabilidade relacional.46 O cuidado é essencial para a sobrevivência da

humanidade” e uma importante dimensão da cosmologia das culturas.” O cuidado tem sido considerado por enfermeiros e clientes como sendo um processo inter- relacional, contextual, que envolve as mais diversificadas fonnas de expressividade

terapêutica, de conhecimento, habilidade e experiências prévias de cuidado.” Ele

emerge das experiências subjetivas e compartilhadas pelos cuidadores e seres

cuidados, criando um clima de descoberta, que encoraja a expressão destes seres, o

estar presente com o outro, buscando conhecerem-se e aceitarem-se nas suas

diversidades, instabilidades e vulnerabilidades.5° O cuidado representa, então, um espaço para o desejo, a imaginação e a paixão de ser e viver esperançadamente; esta

dimensão do cuidado não pode ficar omissa quando se aborda a questão da

qualidade de vida no planeta.” O cuidado está presente na vida humana, no seu processo vital, nas condições naturais e sociais do pré-conceber, nascer, crescer,

desenvolver, envelhecer, morrer e transcender.” Enfm, o cuidado constitui-se no mais poderoso símbolo da enfermagem; confimde-se com ela; representa-a; galga patamares superiores, quer no plano moral (zelo), quer no tecnológico, saindo da

marginalidade como ato de menor valor, para regular-se, hoje, tal qual a necessidade humana fimdamental à própria sobrevivência de indivíduos.”

De acordo com a educadora Carol Gilligan,54 o cuidado é a base para manter os seres juntos em uma conexão interpessoal. Na opinião do filósofo Milton Mayerofffs 0 cuidado pode dar um significado à vida e ordená-la. Para a

\

46 BOYKING, A; SCHOENHOFER, S. Nursing as caring: a model for transforming practice. New York: National League for Nursing, 1993. 47 Ver as obras de LEININGER, op. cit., 1991, WATSON, op. cit., 1990 e SILVA, op. cit., 1996a. 48 Ver as obras de LEININGER, op. cit., 1991 e SILVA, op. cit., 1996a. 49 SILVA, A.L. da. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. Trabalho submetido ao concurso de Professor Titular no Depto. de Enfemragem da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, 1996b. 5° SILVA, op. cit., no prelo. 5* rõiaem. -

52 ERDMANN, A.L. Sistemas de cuidados de enfermagem. Pelotas: Universitária/UFPel, 1996. 53 LEOPARDI, M.T. Entre a moral e a técnica: ambiguidades dos cuidados de enfermagem. Florianópolis-SC.: UFSC, 1994. 54 o1LL1GAN,‹›p. cn., 1993. 55 MAYEROFF, op. cit., 1971.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 55

\

antropóloga Mary Catherine Bateson,56 a nossa capacidade para o cuidado ou a

nossa disposição para viver em comunidade está relacionada às nossas experiências desde a infância de receber amor e efetivo cuidado. Na visão do médico Edmund D. Pellegrino,57 o cuidado do paciente, no sentido pleno e integral, requer a

reconstrução da ética médica, que atente para o conceito de cuidado em seu amplo sentido e que faça do cuidado uma obrigação moral. Segundo o psicólogo Thomas Moore,58 o cuidado tem um sentido de contínua atenção; não há um fun. Na visão do artista plástico Robert Rauschenberg,59 o pensamento global vem do cuidado. Para a analista político Hilary Graham,6° o cuidado não é meramente uma identidade; ele é também trabalho, que envolve simultaneamente quem você é e o

que você faz. O cuidado tem, assim, merecido a atenção das mais variadas áreas do conhecimento.

Neste novo ciclo, que se faz anunciar, o cuidado pode se constituir em uma das formas de superação do extremo separativismo entre as disciplinas, profissões,

ocupações e destas com o senso comum. O cuidado pode se traduzir em um foco comum, a partir de uma diversidade de perspectivas, com vistas a contribuir para a

superação da crise planetária que ora vivemos. Ele pode se consubstanciar em uma perspectiva catalisadora de reflexão-conscientização-ação-tranformação, com vistas à crescente complexidade de expressão da consciência e de qualidade de vida no planeta.61 O cuidado pode emergir como uma perspectiva indispensável para a

extinção dos conflitos entre as raças, gêneros, religiões, nacionalidades, dentre

outras.” Contudo, faz-se necessária a emergência de paradigmas sobre o cuidado,

que nos levem ao exercício de novas formas de pensar-sentir-agir no mundo,

congruentes com atitudes menos competitivas, que privilegiem ia integração das

56 BATESON, op. cn., 199o. 57 PELLEGRINO, op. cit., 1991. 5* MooRE, op. cit., 1994. 59 RAU_scHENBERG, op. cn., 1990. 6° GRA1¬1AM,0p. zu., 19s3. 6' SILVA, op. cit., no prelo. 62 SILVA, op. cit., 199óa.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 56

disciplinas, profissões e ocupações, juntamente com indivíduos, famílias, grupos, comunidades e sociedades. O Cuidado T ransdimensional, embora validando e

englobando esta perspectiva de integração, transcende-az Isto porque, esta

perspectiva mesmo sendo inovadora em nossos dias, ainda é reducionista, por

privilegiar somente a tridirnensionalidade da realidade. Deste modo, o Cuidado

Transdimensional busca ampliar esta realidade que está posta, em direção a uma visão mais abrangente de totalidade.

O Cuidado Transdimensional emerge enquanto tuna cosmologia que

contempla a relação estética entre os principios Feminino e Masculino,63

expressando-se na convergência da arte, ciência e espiritualidade.64 Resgata a

dimensão divina e sagrada do ser, da natureza e da vida, mas numa visão, ao mesmo tempo, imanente e transcendente. Assim, práticas de cuidado, que privilegiam a

~ natureza e a divina dimensao do ser e da vida, emergem em conjunto e em harmonia com as tecnologias. A arte, nesta cosmologia, se expressa frmdamentalmente

através do uso do self nas relações transpessoais. Esta expressão da arte no cuidado~ prioriza a revalorizaçao do ser, as interações e a vida em todas as suas formas de

manifestação. Prioriza também o desenvolvimento das capacidades intuitivas,

criativas e imaginativas e, portanto, artísticas do ser desde a infância, como forma imprescindível de ser e de viver. Neste sentido, a intuição constitui-se em um fenômeno de qualidade criativa e de síntese, imprescindível na prática do Cuidado

T ransdimensional. 65\

~ Esta cosmologia privilegia a integraçao do saber teórico prático, a dirnensão

objetiva e subjetiva do cuidado. O cuidado é revalorizado, enquanto um instrumento

53 Ibidem. 64 Espiritualidade, aqui, transcende o conceito de religiosidade e é entendida como um processo complexo, transdimensional, em que de forma imanente e transcendente, o ser busca ampliar a sua sabedoria e os seus laços de amor, manifestando-se na crescente complexidade de ser e de se relacionar consigo, com os outros e com o universo. 65 Ver as obras de SILVA, A.L. da. Experienciando o cuidar de clientes com AIDS, com base no sistema conceitual de Rogers. Dissertação de Mestrado defendida na UFSC, Florianópolis-SC, 1990 e SILVA, A.L da. Reflexões sobre a experiência de uma enfermeira no cuidar de clientes com AIDS, com base no modelo homeodinâmico. R. Gaúcha de Enfermagem, v.14, n°.2, p.94-101, l993a.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva para Integração e Transformação 57

importante para a complexidade crescente de expressão da consciência crítica e para

novos padrões de interações e de vida em nossa civilização. Ele é, assim,

visualizado enquanto processo, sendo que o processual contém o produto, como um modo de ser, mas também como um modo de transfonnar nossa civilização.

Transformação no sentido da extinção das injustiças e violências contra crianças,

mulheres, idosos, minorias, os seres em geral, bem como contra os animais e a

natureza. T ransfonnação também no sentido de que todos nós possamos ter

oportunidades iguais para a expressão plena de nossas potencialidades, para sermos

e vivennos -em sociedades. Deste modo, o foco central do Cuidado

Transdimensional privilegia o centro espiritual do ser, com vistas a novos padrões de expressão da consciência e de interação com os outros seres, com a natureza, com o planeta e com o universo.

Assim, disciplinas sobre o cuidado são previstas a serem integrantes dos

curriculos pré-escolares e escolares, em que crianças, desde tenras idades,

aprenderão a importância das práticas de cuidado em suas interações consigo

mesmas, com as outras pessoas, com os animais, com a natureza e com o universo.

A expressão do Cuidado Transdimensional requer novas habilidades/

capacidades dos seres cuidadores, que extrapolam as capacidades

intelectuais/racionais, como: amor, sabedoria, compaixão, solidariedade, intuição,

criatividade, sensibilidade, imaginação, bem como formas multisensoriais de

percepção. Assim, as xfonnas de cuidado extrapolam as noções do espaço-tempo, em uma perspectiva transdimensional. Conseqüentemente, o Cuidado Transdimensional se caracteriza por 'uma forma inovadora de sentir-pensar e desenvolver o cuidado,

que deve ser construída a partir da interação pelo diálogo permanente entre

profissionais, indivíduos, famílias, grupos, comunidades e sociedades, sem perder de vista a realidade transdimensional. Partindo desta premissa, desenvolvemos, a

seguir, o pressuposto do Cuidado Transdímensional enquanto perspectiva de

ressacralização da vida.

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68

O debate teórico-filosófico em nosso século sugere uma nova figura do cosmos, da natureza humana e da humanidade. Este debate nos mostra que as mudanças estão ocorrendo rapidamente. Neste século, por exemplo, a concepção

dos seres humanos tem recebido diferentes significados: de corpo fisico (paradigma Particular-Determinista, Era I da medicina) para mente-corpo (paradigma

Interativo-Integrativo, Era II da medicina) e, mais recentemente, campo de

energia, mente-corpo-espírito, mente não-localizada (paradigma Unitário-

T ransformativo, Era III da medicina). Atualmente, presenciamos um movimento em direção à recuperação do conceito de alma em muitas áreas do conhecimento, como por exemplo, na medicinaf na biologiaf na psicologiaf na arte,4 na

políticaf na fisicaõ e na arquitetura7. Este conceito parece ser central para novos

padrões de vida no mundo na próxima era. Consistente com este movimento, a

busca pela recuperação da dimensão espiritual do ser e da vida parece se constituir

em uma perspectiva convergente entre muitos campos do saber.

O conceito de alma tem sido negligenciado nas teorias de enfermagem, tendo em vista que ele aparece somente na teoria T ranspessoal do Cuidado de Watson.8 Contudo, este conceito tem profundas implicações para o cuidado, na medida em

1 Ver as obras de IUNG, op. cit., 1933, DOSSEY, op. cit., 1989 e REMEN, op. cit., 1991. 2 SHELDRAKE, R. The greening of the rebirth of nature: science -and God. New York: Bantarn Books, 199la. -

3 Ver as obras de HILLMAN, J. A blue fire. New York: Harper Perennial, 1991, SARDELLO, R. Facing the world with the soul. New York: Lindisfame, 1992, SARDELLO, R. Love and the soul. New York: Harper Collins Publishers, 1995 e MOORE, op. cit., 1994 4 Ver as obras de FLACK, op. cit., 1986. GABLIK, S. The reenchantment of art. London; Thames and Hudson, 1993 e COUSINEAU, P. Soul: an archaeology. New York: Harper San Francisco, 1994. 5 WALLIS, J. The soon of pomioo. Now York; The Now, 1994. 6 Ver as obras de MARGENAU, H. The miracle of existence. Woodbridge, Connecticut: Ox Bow, 1984, ZUKAV, G. The seat of the soul. New York: Fireside, 1990 e TIPPLER, F .J. The physics of immortalíty. New York: Doubleday, 1994. 7 DAY, op. cit., 1993. 8 wArsoN, op. on., issso o i995o.

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UMA IVA TUREZA PERFEITA E PEIVETRAIVTE CIRCULA EM TODAS AS IVA TUREZAS; UMA REALIDADE, TODA COMPREEIVSIYA. CONTÉM [VELA MESMA TODAS AS REALIDADES...

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RESUMO

Neste capítulo, abordamos o Cuidado Transdimensíonal como uma perspectiva de ressacralização do ser e da vida. Após revisitarmos as concepções filosóficas do conceito de alma na história do ocidente, caminhamos em direção a uma concepção teórico-filosófica de ahna individual e Alma Universal, tendo como referencial norteador a teoria da Totalidade e da Ordem Implicada de David Bohm. Nesta perspectiva, o Cuidado T ransdimensional, ao privilegiar a alma/ser na sua indissociável interação com a Alma Universal, busca ampliar o campo de ação do cuidado e restituir aos seres e à vida as suas naturezas sagradas e inalienáveis, resgatando o sentido de reverência e de respeito para com a própria vida. »

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Cuidado T ransdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 61

que ele modifica substancialmente as suas formas reducionistas de expressão. Neste

sentido, o Cuidado T ransdimensional, ao considerar o ser humano em sua totalidade, recupera a sua dimensão espiritual e sagrada,9 como também a do universo da vida, do qual este ser é parte integrante. Deste modo, neste capítulo,

apresentamos algumas concepções que o conceito de alma recebeu ao longo da

história ocidental e, a seguir, caminhamos em direção a uma concepção de ahna individual e Alma Universal, em que tecemos algumas considerações sobre o

Cuidado T ransdimensional .

caivcgrçâgs 1n.sro'R1oo-;‹'11.osá1‹*1c.‹rs og num A palavra alma mostra afinidade evidente nos significados dados no latim

(Anima), no grego (Anemos, Pneuma, Psykhê), no arábico (Rih), no inglês (Soul), no francês (Âme) e no alemão (Seele), os quais são relacionados à noção de ar em movimento, de hálito fiio do espírito. Isto porque, do ponto de vista primitivo, a

alma era vista como a respiração invisível do co1po.1°

Tomando como referencial o mundo ocidental, o estudo do conceito de alma nos remete ao mundo clássico, onde ele parece ter tido suas origens. O conceito de ahna proposto pelos filósofos gregos variou consideravelmente, mas todos eles viam a alma como a realidade última, o próprio princípio ordenador e govemador do

mundo, responsável pelo movimento (incluindo crescimento) ou pela sensação, etc.,

ou por ambos. Assim, por exemplo, a alma era a água para Tales (630-620 a.C.),

fundador da escola milesiana, o qual julgava ser a água o princípio das coisas; era o

ar, para Anaximenes de Mileto e Diógenes de Apolônia, pois viam no ar a causa

material de todas as coisas; era a harmonia para os Pitagóricos, que na harmonia

exprimível em números viam a própria estrutura do cosmos; era o fogo para

O termo sagrado é entendido na sua relação com o profano. Neste sentido, o sagrado e o profano constituem duas dimensões que fundamentam ontológicamente o ser e o mundo, duas situações existenciais assumidas pelo ser humano ao longo de sua história. '° 1UNG,zp. cú., 1933.

9

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 62

, .

Heráclito de Efeso, que via no fogo o princípio universal; era para Demócrito de

Abdera e Leucipo de Mileto, formada de átomos redondos, que podiam mais

facilmente enetrar no co o e movê-lo.” De acordo com o filósofo e o P IP gr 8

Diógenes, foi Xenófanes quem primeiro relacionou a respiração com a alma, usando a palavra psykhê com suas associações de frescor e borboleta.”

Platão (429-348 a.C.) afirmou que a alma se move por si e a definiu

'ustamente com base nesta caracteristica.” Deste modo, ara Platão, todo co o ao J P TP

qual o mover-se é impresso de fora é inanimado; todo corpo que se move de per si do seu interior é animado; e tal é justamente a natureza da alma.” Plotino (século III

a.C.), filósofo grego neoplatônico, afirmou ser a alma o início de todas as coisas; a

alma gera movimento em todas as coisas.” A alma para os gregos era distinta do corpo, por ser ela de natureza não-material ou por ser um tipo de matéria mais sutil e móvel. Contudo, apesar desta distinção, os pensadores gregos estavam

convencidos de que a alma pertencia essenciahnente ao corpo etvivia com ele em mama múâo. 1°

Platão, ao descrever em sua obra “Fedro”, a morte de Sócrates, indica que

este se identificava com sua ahna." Nesta perspectiva, a morte era vista como o

momento da separação da alma do corpo, após o qual o corpo começava a decair e a

alma continuava sua existência, completa com memória, pensamentos e poderes de comunicação, embora sem os órgãos do sentido. Nesta interpretação, a alma ia,

assim, experienciar a sociedade de outras ahnas e era capaz de sofrer traumas

emocionais, mas nao dores físicas, de ter contentamento interior, mas prazer não físico. Platão distinguia nitidamente a realidade da alma, simples incorpórea, que se

move por si, que vive e dá vida, da realidade corpórea que tem as caracteristicas

“ .ver as obras de ABBAGNANO, op. Cir., 1970 e HEISENBERG, op. Cir., 1995. 12 COUSINEAU, op. en, 1994. 13 PLATO. The last days of Socrates. New York: Penguin Books, 1993. '“ Ibiúenâ. 15 PLOTINUS. The enneads. New York: Larson,' 1992. 16 COLLINGWOOD, R. G. Ciência e filosofia. São Paulo: Presença, 1978. 17 PLATO. The last days of Socrates. New York: Penguin Books, 1993. p. 109-185: Phaedo.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 63

opostas.

Em outro diálogo intitulado “Timeu”, Platão desenvolveu as suas próprias idéias cosmológicas, analisando a criação da alma.” Embora a descrição da alma não pareça clara, pode~se evidenciar que ela penetrava todo o corpo e envolvia-o

como um invólucro, de tal forma que o corpo do mrmdo guardava na intimidade a

sua própria alma. Isto porque a alma era vista como pertencendo a uma ordem peculiar de ser, intennediária entre o mundo material, ou natureza, como um complexo de processos, e o mundo imaterial, ou natureza, como um permanente e

invisível complexo de fonnas. Por conseguinte, a alma estava ao mesmo tempo no mundo e fora dele, da mesma forma que a alma de um ser humano penetrava no seu corpo e ao mesmo tempo atingia algo para além dele, através do olhar, do ouvido .e do pensamento. '

A alma, para os gregos e escolásticos, era o que dava forma e propósito a

todas as coisas. Platão, por exemplo, em seus últimos escritos considerou que a

forma era tanto irnanente como transcendente; a forma transcendente permanecia~ puramente transcendente e a forma imanente era tida como mera imitaçao ou

aproximação.” Aristóteles (384-322 a.C.), em sua discussão clássica de

causalidade, propôs quatro causas: a causa material - aquilo de que uma coisa é

feita, o mármore de urna escultura, por exemplo; a causa formal - o plano ou design

que é seguido pelo escultor ao fazer a escultura; a causa eficiente - o cinzel batendo

o mármore; e a causa final - 0 propósito da escultura.2° Nesta perspectiva, a alma . , . . _ ‹ 2 para Anstoteles consistia na causa formal, assim como, na causa final. X Para

Aristóteles, a alma estava para o corpo como o ato da visão para o órgão visivo: era a realização da capacidade própria de um corpo orgânico. Conseqüentemente, a

18 PLATÃO. Diálogos IV. Trad. Maria Gabriela de Bragança. Portugal: Europa-América, 1969. p.252-309: Timeau. 19 Ibidem. 2° SHELDRAKE, C. Cause and efl°ect in science: a fresh look. In: McNEH., B.; GUION, C. (Orgs.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection 1980-1990. Sausalito, Ca.: Instituition of Noetic Sciences, 199lb. p.74-83. 2'11›raem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 64

alma não podia separar-se do corpo, ou ao menos não podiam se separar do corpo aquelas partes da alma que eram atividades das partes do corpo. Com esta restrição, Aristóteles aludiu à parte intelectiva da alma, que ele chamou um outro gênero de alma e a considerou como a única separável do corpo.” Como ato ou atividade, a

alma era forma e como forma era substância, em uma das três determinações da substância, que pode ser forma ou a matéria ou o composto destas duas; mas enquanto o corpo não era o ato da alma, a alma era a atividade de um corpo determinado, isto é, a realização da potência própria desse corpo: de onde se pode

dizer que ela não existia nem sem o corpo nem como corpo.”

A compreensão do conceito de alma, no mundo- clássico, perpassa pela própria compreensão da cosmologia grega. A ciência grega baseava-se no princípio de que o mtmdo da natureza era saturado ou penetrado pela mente, pelo

entendimento. Os pensadores gregos encaravam a presença da mente na natureza como fonte dessa ordem ou regularidade existente no mundo natural, que tomava possível uma ciência da natureza. O mundo da natureza era considerado como um mundo de corpos em movimento, sendo que este movimento em si mesmo era devido à vitalidade, ou “alma”.24 Para o filósofo Tales, mesmo uma simples arvore ou um simples pedra era um organismo vivo e também parte do grande organismo vivo que era o mundo.” Aristóteles atribui a Tales a seguinte afirmação: “Todas as coisas estão cheias de deuses”.26 Esta concepção grega de um mundo dotado de alma é evidenciado por Collingwood27:

\

Dado que o mundo danatureza é um mundo não só de movimento perpétuo e portanto vivo, mas também um mundo de movimento regular ou ordenado, os gregos afirmavam de acordo com isso que o mundo da natureza era não só vivo como inteligente; não só um vasto animal dotado de alma, ou vida própria, mas também animal

22 ABBAGNANO, op. zu., 1970. 23 Ibidem. 24 ver zé ohms de coLL1NGwooD, op. cn., 1973. z SHELDRAKE, op. cu., 1991b. 25 rzúàzm. 26 citado por HEISENBERG, op. cn., 1995, p.49. 27 coLL1NGwooD, op. cu., 19'/s, p.11-12.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida , 65

racional, com mente própria. A vida e a inteligência das criaturas que vivem à face da terra e em regiões a ela adjacentes -

argumentavam os gregos - representavam uma organização local especializada dessa toda-poderosa vitalidade e racionalidade, de tal maneira que uma planta ou um animal, de acordo com as suas idéias, participa psiquicamente, em determinado grau, no processo vital da alma do Mundo e intelectualmente na atividade da mente do Mundo, não menos do que participa materialmente na organizaçao fisica do corpo do Mundo.

Nesta perspectiva, a concepção grega da natureza como um organismo inteligente erabaseada em uma analogia entre o mundo da natureza e o mundo do ser humano individual, que principia por encontrar certas características em si

mesmo como individuo e depois as projeta na natureza. Este mundo da natureza era, assim, explicado como um macrocosmo análogo ao microcosmo.”

O período escolástico, a seguir, foi dominado, no seu conjunto, pela doutrina

aristotélica da alma. As próprias concepções de Sto. Tomás de Aquino nada acrescentaram à doutrina aristotélica da alma, em relação ao corpo, salvo a maior

~ insistência na independência da alma, em relaçao ao corpo, com o firn de assegurar lhe a irnortalidade.” Entretanto, foi sobretudo Sto. Agostinho que anteriormente

recolheu a herança do neoplatonismo e a transmitiu ao mundo cristão, com o

reconhecimento da interioridade espiritual como via de acesso privilegiada à

realidade própria da ahna. Nos Solilóquios, Sto. Agostinho declarou não querer

conhecer nada além de Deus e a alma; mas Deus e a alma não exigiam, para ele, duas indagações paralelas ou de qualquer forma diversas, já que Deus estava na

alma e se revelava na mais oculta interioridade da própria alma: “não saias de ti,

retoma a ti mesmo, no interior do homem habita a verdade; e se achares mutável a

tua natureza, transcende a ti mesmo”.3°

A importância dada à alma no estudo dos fenômenos “fisicos” no universo,

2* coLLrNGwooD, op. err., 1978. 2” ABBAGNANQ, ep. cn., 1970. 3° Ibiâem, p.27.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 66

não foi, na verdade, contestada na antigüidade e mesmo até o firn do século XVII. René Descartes construiu a sua filosofia buscando desenvolver a árvore da ciência,

cujas raizes são a Metafisica, o tronco a Física e os ramos as demais ciências que

dela derivam.” Isac Newton, de quem se quis fazer o modelo do “cientista”, isto é, do sábio apenas preocupado com as certezas associadas aos fatos obsewáveis, na verdade (como demonstram estudos recentes) orientou toda a sua vida para os

problemas do espírito: ele escreveu mais páginas sobre a alquimia e sobre o que

hoje chamaríamos de parapsicologia do que sobre a Óptica e a gravidade.” Os conceitos de luz fenomêrrica e de luz numênica são a prova de que o pai da teoria

da gravidade sempre defendeu conceitos de essência espiritualista, bem longe das idéias puramente mecanicistas-positivistas que lhe at:ribuiram.33 Para isto, como relembra muito propriamente a análise de Jean Zefrropulo e Catherine Monod,34 far-

se-á “Newton oscilar entre o que ele foi e o que dele fizeram, ocultando algumas de suas pesquisas e mesmo dispersando uma grande parte de sua obra”.

Contudo, a separação entre matéria e espírito, ou entre alma e corpo iniciada

pela filosofia de Platão, se dá de forma decisiva com Descartes. Tal separação é

evidente na passagem do texto da Meditação Sexta35:

Para começar, pois, este exame, noto aqui, primeiramente, que há grande diferença entre espírito e corpo, pelo fato de ser o corpo, por sua própria natureza, sempre divisível e o espírito inteiramente indivisível. Pois com efeito, quando considero meu espirito, isto é, eu mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa que pensa, não posso aí distinguir partes algumas, mas me concebo como uma coisa única e inteira.... Mas ocorre exatamente o contrário com as coisas corpóreas ou extensas: pois não há uma sequer que eu não faça

3* DESCARTES, R. Meditações. Trad. J. Guinsburg, Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p.73-142 (Os Pensadores). 32 CHARON, J.E. O espírito, este desconhecido. Trad. Cristina L. de Paula Leite. São Paulo: Melhoramentos, 1979. 33 Segundo CHARON, op. cit., 1979, Newton distingue dois tipos de luz: uma luz fenomênica, que seria a que se entende pelo sentido comum do termo, isto é, a que vemos; e uma luz numênica, que seria uma luz virtual, fintervindo mais particularmente nos mecanismos do ser vivo, e portadora do que chamamos espirito.`Tratava-se de uma intuição extraordinária de Newton sobre o aspecto “espiritual” da matéria, aspecto que se confirmaria posteriormente como repousando sobre trocas “virtuais” de fótons de luz. 34 citado por CHARON, op. err., 1979, p.2o. 35 DESCARTES, op. cit., 1979, p.139.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 67

facilmente em muitas partes e, por conseguinte, que eu não reconheça ser divisível. E isto bastaria para ensinar-me que o espirito ou a alma do homem é inteiramente diferente do corpo, se já não o tivesse suficientemente apreendido alhures.

A revolução na ciência que se seguiu ao século XVII mudou radicahnente a

visão anterior. Enquanto a antiga filosofia grega tentara achar uma ordem, na infinita variedade de coisas e fenômenos, pela procura de um princípio fundamental de unificação, Descartes procurou estabelecer a ordem por meio de uma divisão/separação fundamental. Deste modo, o ponto de partida para Descartes não

era o princípio universal ou substância primeira, mas sim a tentativa de se chegar a

um saber fundamental. Saber este, que tinha como base o triângulo Deus-Mundo- Eu. Tal fato nos leva a sugerir que enquanto na antiga filosofia grega, a ênfase era

dada à base ontológica do ser das coisas, na ciência moderna esta ênfase é deslocada

para a epistemologia.

Na visão modema, o mundo da natureza, o mundo estudado pela ciência fisica, deixa de ser concebido como um organismo e, conseqüentemente, passa a ser um mundo desprovido de inteligência e de vida. Assim, a metáfora do organismo, utilizada para se compreender o mundo da natureza é substituída pela metáfora da máquina. Collingwood36 explica muito bem a diferença entre estas duas visões, quando afirma:

Em vez de. constituir um organismo, o mundo natural é para a Renascença” uma máquina: uma máquina no sentido literal e exato do termo, uma coordenação de partes de corpos conjugados, impelidos e destinados para um fim definido por um espírito inteligente que lhe é exterior. Os pensadores da Renascença, tal

como os gregos, viam na ordenação do mundo natural uma manifestação de inteligência da própria natureza; porém, para os gregos essa inteligência era a inteligência da própria natureza; ao

36 coLL1NGwooD, op. eu., 1978, pis-14. 37 COLLINGHOOD, op. cit., 1978, designa esta visão da natureza pelo nome de cosmologia da Renascença. Embora 'reconhecendo que o nome não é adequado, tendo em vista que a palavra Renascença é aplicada a uma fase anterior da história do pensamento, ele a utiliza, em princípio, como uma reação contra essa cosmologia, a qual seria mais apropriada denominá~la de pós-Renascentista. Contudo, esta expressão é abandonada por ser considerada, pelo autor, um pouco tosca.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 68

passo que para os pensadores renascentistas era uma inteligência de algo para além da natureza: o criador divino e senhor da natureza. Esta diferença é a chave para todas as principais diferenças entre a ciência natural grega e a da Renascença.

Adotando ainda o raciocínio de Collingwood, diríarnos que o espirito ou

alma racional estudada por Sócrates, Platão e Aristóteles, era o espirito no corpo e

do corpo, manifestando-se pelo seu controle do corpo.” Neste sentido a natureza e

o ser eram etemos e preexistiam na natureza, ao passo que na Idade Média esta mesma natureza e ser eram criados por Deus. Ao mesmo tempo sob a influência do pensamento gregoa tradição teocêntrica medieval mantém a visão de um ser humano que é a soma do corpo e ahna, sendo a morte relativa ao corpo. Na visão moderna de ciência este estado de coisa é apresentado de forma diferente. Para

Descartes, o espírito é uma substância e o corpo outra. Cada qual atua

independentemente de outra, de acordo com leis próprias. Tal como o axioma fimdamental do pensamento grego sobre o espírito é a sua irnanência em relação ao corpo, assim, o axioma frmdamental de Descartes é a sua transcendência. Neste

sentido, a concepção moderna, ao adotar, com seu antropocentrismo, uma ordem de idéias totalmente diferente do pensamento grego, baseava-se acima de tudo na idéia

cristã de um Deus criador e onipotente e na experiência humana do desenho e da construção de máquinas. Contudo, seria errado atribuir a Descartes ou a Newton a

abolição da dimensão metafísica e, conseqüentemente, da alma. Tal afirmação já

não é verdadeira para a filosofia e ciência natural do periodo seguinte, que se

desenvolveram com base na polaridade entre res cogitans (coisa pensante) e res extensa (coisa externa), estando o interesse da ciência natural concentrado na coisa

externa. Naquele período, havia em alguns casos, entre pioneiros da ciência

empírica, um acordo tácito segundo 0 qual o nome de Deus ou de urna causa frurdamental não deveriam ser mencionados.” Não podemos, contudo, negligenciar a parte benéfica que provou esta visão puramente materialista para aumentar nosso

3* coLL1NcwooD, op. cri., 1918. ” HEISENBERG, op. err., 1995.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 69

conhecimento das coisas; depois dos desnorteios do período da Idade Média, seria

útil que o conhecimento se esforçasse para progredir pesquisando leis confinnáveis

experimentalmente.4° Entretanto, foi, sem dúvida, muito longe ao se esquecer da

presença da ahna na evolução da natureza. A alma foi, então, eliminada do corpo humano, o qual tomou-se um autômato mecânico, vivendo somente a mente no cérebro. A partir deste ponto de vista, a alma imanente no mundo foi transferida para as leis matemáticas transcendentes - para a mente de Deus. Deste modo, a

cosmologia evolucionária, que se seguiu ao século XVII, forneceu um modelo de universo naturalmente sem vida, ou se quisennos, reduzindo a vida ao

funcionamento de uma máquina. Esta visão contribuiu inclusive para a perda ou enfraquecimento da dimensão metafisica, com danos incalculáveis para a ordem geral da inteligência e das atividades humanas.

Deste modo, compartilhamos com alguns pensadores contemporâneosfl dos mais diversos campos do saber, a visão de que o grande desafio atual é o de

reencontrar a sacralidade no mundo, de redescobrir a nossa própria ahna e a alma do

mundo .

REDESCOBÂRTÁ DO CONCEITO DÁ ALMA

Neste século podemos observar um movimento em direção à reanimação do mundo físico e a busca da dimensão sagrada da vida. Conseqüentemente, o conceito de alma vem emergindo em muitos campos do saber. O conceito de campo da fisica, por exemplo, tem sido comparado à concepção que a ahna costumava ter.

4° CHARON, op. cit., 1979. 4' Ver as obras de IUNG, op. cit., 1933, JUNG, C.G. Memórias, sonhos e reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, l973a, JUNG, C.G. Psychology and the East. Princenton, NJ. Princenton University, 1978, DOSSEY, op. cit., 1989, SHELDRAKE, op. cit., 199 la, b, I-IILLMAN, op. cit., 1991, MOORE, op. cit.,

1994 e COUSINEAU, op. cn., 1994.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 70

Sheldrake, um cientista britânico de renome intemacional, é um dos que defende esta idéia.” O conceito de campo, que foi introduzido primeiro na área do

eletromagnetismo e após na área da gravidade, tomou-se um meio de ação à

distância ou causalidade não-local. Este conceito tentou resolver o quebra-cabeça

presente na lei da gravidade de Newton, o qual pressupunha que os efeitos causais

estavam operando à distância enorme. O campo gravitacional de Einstein veio dar a

forma e a estrutura do espaço-tempo. Assim, o conceito de campo tomou-se a causa formal ou a influência formativa, tanto no eletromagnetismo, como também no domínio da gravidade, o qual apresenta uma estrutura ou forma invisível.

Sheldrake,43 então, afnma:

Um campo é uma região de influência no espaço e tempo, que tem estas influências formativas nas coisas. Neste sentido, nós podemos ver os campos como tendo tomado o papel tradicional das almas. Campos tem muitas destas propriedades que a alma costumava ter. Eles não são idênticos em todos os aspectos, porém eles preenchem o mesmo papel que as almas tinham na visão escolástica da natureza.

Ao invés de outros tipos de alma na natureza, a base da auto-organização é

agora vista como um campo universal de gravitação e todos os outros tipos de

campo dentro dele.44 Assim, indeterminismo, espontaneidade e criatividade

emergem novamente no mundo natural.

Neste século, _ Jung sentiu que a civilização ocidental, em seus modos

dominantes de expressão, havia perdido o contato com 0 coração, o centro mais profundo do self como um todo, e com os impulsos humanos de simpatia, cuidado e intimidade.45 Neste sentido, Jung resgatou a dirnensão espiritual do ser humano.

Este autor acreditava que a alma era esplendidamente ilimitada, o que o levou a

afnmar: “Segura1nente, a alma não é algo insignificante, mas a própria Divindade

42 sHELD1u\KE, op. cn., 1991a, b. 43 sHELDRA1<E,óp. en., 199u›. “ rbiaem. 45 JUNG, op. cn., 1973a e 1978.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 71

radiante”.46 Para ele, a consciência humana era “...a manifestação invisível e

intangível da alma”.47 Assim, criar cada vez mais consciência eqüivalia, para Jung,

a reencontrar a alma e reatar o contato com a divindade interior. A disposição universal da mente ou coletivo inconsciente, proposto por Jung, parece se

assemelhar à visão de alma do mundo encontrada na ciência da natureza dos gregos. O inconsciente coletivo não podia ser fixado no espaço ou no tempo e transcendia o

ego particular, envolvendo todas as mentes. Conforme Jung afinnou: “o

inconsciente...tem o seu próprio tempo à medida que passado, presente e futuro,

juntos, combinam-se nele”.48

Seguindo Jung, Hillman e Moore abordam a alma como o centro de nossas vidas. I-lilhnan reintroduziu o conceito de alma do mundo ~ anima mundi. 49 A alma do mundo é o poder que permeia o mundo e tudo nele, afirmou Hilhnan. Este autor acredita que a alma do mundo e a alma individual são inseparáveis, uma sempre implica na outra. Na visão de Moore, é impossível definir precisamente o que é

a alma, pois a definição é uma atividade intelectual; a alma prefere imaginar.5° Contradizendo o seu pensamento inicial, ele se arrisca a pensar a ahna como uma qualidade ou dimensão da experiência da vida e de nós mesmos. Ela está

relacionada com profundidade, valores, relação, coração e, portanto, se revela no

amor e comunhão, assim como na interiorização e intimidade. Moore afinna que a

grande doença do século vinte, a qual tem implicado em todos os nossos problemas e nos afetado individual e socialmente, se relaciona à perda da alma. Quando a

ahna é negligenciada, diz ele, aparecem sintomaticamente as obsessões, vícios,

violência e a perda de significado. Neste sentido, este autor acredita que a

redescoberta da alma implica em considerarmos a espiritualidade urna dimensão mais séria da nossa vida cotidiana.

46 JUNQ, op. zu., 1973, p.ó3. *” rbióem. 4” JUNG, op. cn., 1978, p.131 “° HILLMAN, op. cn., 1991. 5° MOORE, op. cn., 1994.

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Cuidado Transdimerrsional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 72

Dossey também apresentou uma visão de ahna similar a Hillman.5l Dossey usou o conceito de Self superior, Alma e Mente Una para designar o estado de totalidade última, a qual contém os atributos do Divino. Mente/alrna é considerada

por ele como sendo não material, infinita no espaço, eterna e não confmada ao

cérebro e corpo e capaz de exercer mudança no mundo físico. A grande Mente ou Alma origina mentes individuais, que ele refere como self individual, ego, pessoa e

0 sentido do eu.

"\ Watson, na enfermagem, foi a única teórica a apoiar explicitamente o

conceito de alma e a enfatizar a dimensão metafisica na vida humana, no processo

de cuidado e na errferrnagem.” Esta autora utiliza o termo alma como sinônirno de espírito, self interno e essência da pessoa. Watson descreve a alma como o grau mais elevado de consciência, urna força intema, um poder que pode expandir as capacidades humanas e levar a pessoa a transcender o seu self Um tema forte na teoria de Watson é a evolução espiritual, tanto individual como a nível societário. A meta da enfermagem, proposta por Watson, é ajudar as pessoas a obterem um grau de harmonia mais elevado na unidade mente-corpo-espirito, o qual gera o processo

de auto-conhecimento, auto-reverência, auto-cura (selfhealing) e auto-cuidado..

Neste sentido, a arte, ciência, ética e metafísica são integrantes da disciplina de

enfermagem.

Compartilhamos com os autores acima a visão de que os conceitos de alma individual e de alma qdo mlmdo parecem ser centrais para a compreensão da vida e

para novas formas de viver no mundo. A redescoberta da alma implica no

reencontro com a dimensão sagrada da vida, do universo, da terra, da natureza e dos seres humanos. Visão esta, que foi transferida das vidas dos seres, da natureza e do

mundo para dimensões inacessiveis, pela religião, e que foi morta pela revolução cientifica, que se seguiu ao século XVII. Neste sentido, nós podemos reencontrar

nossa dimensão espiritual, bem como a dimensão espiritual do Universo. Esta busca

S' DossEY, op. err., 1989. 52 WATSON, op. cn., rassa.

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Cuidado Transdimensionalz Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 73

pode ser traduzida hoje na diversidade de movimentos sociais, cientificos, éticos e

religiosos, a nivel nacional e intemacional, os quais apontam para a necessidade

urgente de transformação em nossas formas de vida, baseadas em um novo sentido de solidariedade, reverência, compaixão e responsabilidade, que deve ser global e

intergeracional. Conseqüentemente, a procura da humanidade por sua dimensão

espiritual e por uma nova forma de vida em harmonia com a natureza parece ser convergente hoje na civilização ocidental.

Contudo, considerando que as definíções de alma individual e a alma do

mundo apresentadas impõem os seus próprios limites, os quais restringem o campo de possibilidade e entendimento para a introdução do Cuidado T ransdimensional, enquanto um postulado deste trabalho, nos propomos, a seguir, a expandir estes conceitos, o que faremos a seguir.

ara o11za?ÇÃo À um oo1vcEPçÃo of Aura 11vo1r/Imml. 5 U1v1|/afrrszu

Durante os últimos dois séculos, a civilização ocidental, baseando a sua visão

no modelo biomédico, o qual tem suas raízes no paradigma da modernidade, tem

aceito a idéia de que a vida é um atributo do corpo fisico. Até os nossos dias, esta concepção é ainda defendida. Na enfermagem norte-americana, este exemplo é

evidenciado no diálogo entre Schroeder e Smith. Schroeder” inicia o seu artigo com a questão: onde está 0 corpo no campo de energia? Esta autora tenta analisar a

teoria de campo, a partir de uma perspectivafenomenológica. Em sua interpretação, o campo de energia, defmido por Rogers e Newman, como tendo uma existência real, dá ao corpo um papel secundário. Conseqüentemente, na opinião de

Schroeder, o humano é desengajado, afastado ou desencarnado da existência

mundana. A autora, então, afirma que a inabilidade em manter o corpo como um 53 SCHROEDER, C. Nursing conceptual frameworks arising from field theory: a critique of the body as manifestation of underlying. Nursing Science Quarterly, v.4, n°.4, p. 146-148, 1991.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 74

aspecto central da experiência, estimula as abstrações que colocam a ciência e o seu

sistema em um nível de mistificação, que é dificil de ser desafiado. Esta autora conclui o seu pensamento dizendo que, na enfermagem, uma profissão direcionada para os humanos, fieqüentemente manifestando uma extrema encarnação, é

essencial que 0 corpo permaneça como vanguarda da experiência, ou a relação

enfermeira-paciente pode ser posta em risco, tendo em vista que sem o corpo como uma conexão, a padronização do campo ambiental humano não existiria.

Smith” responde ao comentário de Schroeder afirmando a perspectiva

unitária. Esta .autora esclarece que na perspectiva unitária, pessoas são seres que

não podem ser conhecidos através da análise e divisibilidade. Todos os atributos, então, são manifestações do padrão do campo de energia. Neste contexto, o corpo é

somente um aspecto do padrão manifesto. O corpo não é entendido como uma entidade em si, separado do todo. Considerando suas prévias clarificações, Smith

esclarece que a experiência corporal é incongruente com a perspectiva unitária -

enfatizando as abordagens de Rogers e Newman de que a pessoa como um ser total é a fonte de todo conhecimento e experiência. Assim, Smith conclui que, o ser

humano unitário, como um todo, experiencia e interpreta o mundo com sua inteireza, não apenas como um corpo.

. . . . .\ O diálogo acima reflete pontos de vistas diametralrnente opostos, na medida em que o primeiro parece se inserir na perspectiva do paradigma Particular-

Determinista e o segundo na do paradigma Unitário-Transformativo. Como vimos anteriormente, tais perspectivas implicam em diferentes visões de cuidado. O primeiro, ao reduzir o ser humano ao corpo físico, direciona ocuidado a este corpo, focalizando na cura das doenças, ao passo que o segundo, ao considerar o ser

humano como um carnpo de energia, considera o cuidado como um processo de mutualidade e de criativo desvelar. -_ _..- zz

54 SMITH, M.C. Aflirming the unitaiy perspective. Nursing Science Quarterly, v.4, n°.4, p.l48-152, 1991.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 75

É . _ . \

Este diálogo parece também refletir o pressuposto ontológrco das partes e do\ todo. Um diálogo similar aconteceu na fisica e a questão foi: qual é a natureza da

/' \ - -- a

matéria e da luz? Ela é uma partícula ou uma onda?. A resposta encontrada foi: um elétron não é nem uma partícula nem uma onda, mas ele mostra aspectos como partícula em algumas situações e aspectos como onda em outras.” Enquanto ele

age como uma partícula, ele é capaz de desenvolver sua natureza de onda, apesar de sua natureza de partícula e vice-versa, sofrendo, assim, uma contínua transfonnação de partícula para onda e de onda para partícula.” Isto significa que nem o elétron, nem qualquer outro objeto atômico tem suas propriedades intrínsecas independente de sua situação ambiental, tendo em vista que ele é forçado a interagir.”

Considerando o acima exposto, pergrmtamos: qual é alpatureza essencicÊ)cloš“\

seres humanos? Adotando o diálogo da ñsica, diriamos que a natureza essencial/ . , . 1

dos seres humanos não pode ser reduzida nem só ao corpo fisrco, nem so a energia, 'z

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mas ela pode ser percebida tanto no aspecto de corpo (fonna densa/partícula) quanto no aspecto de energia (forma sutil/onda). Ao mesmo tempo que esta natureza

essencial é percebida como um corpo fisico, ela é também energia, porque ambos são expressões da mesma essência. Isto significa que o ser humano não tem qualquer expressão independente de sua natureza essencial. Esta expressão não

pode também ser entendida independente do processo relacional da vida.

A natureza essencial dos seres humanos não pode também ser reduzida ao pensamento, nem aos sentimentos. Todos eles são expressões da essência dos seres humanos. Tal redução implicaria na analogia de tomar a árvore pela floresta. Neste

sentido, a natureza essencial é” o princípio universal ou princípio inteligente, em suas diversificadas formas rudimentares de expressão de consciência, o qual, em

~ uma realidade tridimensional, parece atingir sua maior capacidade de expressao nos seres humanos, podendo neste caso, ser entendido através do conceito de alma.

55 CAPRA, op. cit., 1982. 55 ibiâzzm. 57 rbidem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacraiização da Vida 76

Tal compreensão implica na própria concepção do ser.

A ahna ou o ser constitui-se em um sistema complexo em sua unidade, singularidade e totalidade transdirnensional de padrãofs processo e interação.

Paradoxalmente, esta unidade complexa se apresenta de forma plural, rica em diversidade e emzí ir1i1nagir1_'‹_iveis possibilidades dcéeišas quais se desvelam na

medida em que vamos transcenderido nossos lirnites de expressão no mundo e, conseqüentemente, os limites do saber e de percepção da realidade. A alma/ser na sua totalidade é intangível, mas certas expressões podem ser tangíveis. Pensar desta fonna implica em uma nova ordem de visão de mundo, a qual difere radicalmente da visão proposta pelo paradigma reinante. Isto porque, nesta visão mecanicista, que

se dá em uma perspectiva tridimensional, somente as dimensões mais explícitas deste complexo, tidas como reais, concretas ou palpáveis, são validadas. A nova ordem que propomos é congruente com a teoria da T otalidade e da Ordem Implicada de David Bohm,” A teoria deste autor sustenta que, de modo geral, existem três esferas principais de existência: ordem explicada/explícita/

desdobrada, a. ordem implicada/implícita/ dobrada e, para além das duas, o

substrato original ou a fonte de tudo. A ordem explicada se apresenta como o

mundo das coisas e eventos separados e isolados, desdobrados no tempo e espaço de fonna linear. A ordem implicada é a esfera onde se acham envolvidos os eventos e

as coisas, numa totalidade indivisa, totalidade e unidade que, por assim dizer, são

subjacentes ao mundo explícito das coisas e eventos separados. Bohrn usa o

holograma,6° como analogia para explicar esta totalidade da ordem irnplicada,

58 O termo padrão não é entendido a partir de uma estrutura de medida. rígida e mínima, mas relativa e flexivel. 59 Ver as obras de BOI-IM, op. cit., 1980, BOHM, D. The implicate order and the super-implicate order. In: WEBER, R. Dialogues with scientists and sages. New York: Penguin Books, l986a. p.23-49, BOHM, D. Creativity: the signature of nature. In: WEBER, R. Dialogues with scientists and sages. New York: Penguin Books, l986b. p.9l-l01 e BOHM, D. Interview with David Bohm. In: PAPADAKIS, A .C. Art meets science and spirituality. London: Academy Group, 1990. p.26-33. 6° Conforme assevera Bohm, os hologramas são criados por inn tipo de fotografia sem lente. Um raio laser é dividido por um espelho meio recoberto de prata. Uma parte dele é dirigida ao objeto fotografado, passa através dele e alcança a placa fotográfica (raio acionador). A outra parte é refletida diretamente na placa (raio de referência). Quando os dois raios laser reconvergem, o padrão de referência recria uma imagem tridimensional do objeto. Ver BOHM, op. cit., 1980 e 1990.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 77

\ na qual a informação do todo está contida em cada uma de suas partes. Nesta ordem implicada pode ser observada uma ordem superimplicada, mesmo uma ordem super-superimplicada, e assim por diante, sendo cada uma mais sutil do que o outra. Bohmól acrescenta que a ordem implicada aponta para uma realidade que ultrapassa de muito aquilo que denominamos matéria. Em termos de ordem implicada, pode-se dizer que tudo está envolvido ou dobrado dentro de tudo. Isto contrasta com a

ordem explicada, na qual as coisas estão desdobradas, no sentido de que cada uma ocupa apenas a sua própria região particular do espaço e do tempo, exterionnente às

regiões pertencentes às outras coisas. O substrato original, ou a fonte é

radicalmente inqualificável e totalmente fora do alcance dos simbolos mentais.

Neste raciocínio, a alma ou o ser apresentaiia três ordens de existência, a alma

propriamente dita ou consciência individual que está envolvida no todo, a ordem

irnplicada, que denominamos de campo não-manifesto e a ordem explicada, que

passa a ser entendida por campo manifesto. Todos estas ordens coexistem

simultaneamente, na medida em que constituem uma só realidade.62

A alma ou consciência individual é o infinito potencial de amor e sabedoria.

Fonte esta, que está envolvida na totalidade do ser, embora de forma imanente, ou

como diria Bohm, de forma dobrada. O seu campo manifesto, por outro lado, reflete a relativa capacidade de desdobramento da expressão da alma ou consciência

individual. Em outras palavras, o campo manifesto reflete a reduzida consciência do infinito potencial de amor e sabedoria da alma ou ser. O campo manifesto do ser, deste modo, não revela a sua ilimitada complexidade. Contudo, é somente no

processo criativo, estético, interacional e infinito da vida que o ser pode expressar as

diversas nuanças de seu amor esabedoria. Por outro lado, a qualidade e quantidade

de relação estabelecida reflete o grau de complexidade de expressão da alma ou

consciência no campo manifesto. Em outras palavras, quanto maior a capacidade de " ` ff . . / -

6' BOHM, op. cn., 19sóa. 62 Embora estas três ordens de existência coexistam simultaneamente e representem uma só unidade e totalidade, a tarefa de descrevê-las, através de nossa linguagem, pode levá-las a se apresentarem como reduzidas.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 78

expressão da consciência, maior é a capacidade de percepção das interações que

estabelece com o todo. Esta capacidade expressa a ordem de evolução63 dos seres humanos, a qual está diretamente relacionada à natureza evolutiva do ambiente em que vive (p.ex., a do planeta). Deste modo, a evolução é, por natureza, aguçadora

dos poderes da percepção, bem como da sensibilidade, as quais se ampliam e

apuram, à medida que o ser ascende na escala evolutiva.

Esclarecendo melhor o que foi dito, diriamos que a alma/ser é infmita,

ilimitada, mas em um determinado processo interacional da vida tridimensional sua expressão no campo manifesto é fmita, mas temporária, na medida em que está sempre a buscar uma complexidade crescente de expressão. Conseqüentemente, o

ser ou a alma é, em última análise, incognoscível em sua totalidade. As expressões do ser, que nós ordinariamente percebemos, constituem somente uma limitada dimensão de sua realidade, ou seja, o nível mais Óbvio e superficial, o das partes

isoladas (p. ex., as partes do corpo). Para nós, estas expressões do ser podem parecer desconectadas e não-relacionadas. Entretanto, isto é uma ilusão, uma distorção da totalidade e unidade, que é uma qualidade intrínseca da alma/ser. Usando a metáfora do sol, poderíamos dizer que a alma, como o sol, irradia seus

raios/seu campo de consciência, em todas as direções, a grandes distâncias, sem, contudo, dividir-se. f

De acordo com o raciocínio de Bohm,64 na ordem implicada, que

denominamos de campo não-manifesto do ser, tudo é interpenetração, interconexão, unidade. Deste modo, neste campo tudo é intemamente relacionado com tudo, tudo contém tudo e somente no campo manifesto do ser (ordem explicada) estão as

coisas aparentemente separadas e relativamente independentes.

63 O termo evolução (referido anteriormente no cap. iv, p.35) como é geralmente formulado na biologia (cujo significado literal é desenrolamento) é demasiado mecanicista em sua conotação para servir adequadamente a este contexto. Assim, esclarecemos melhor aqui o que foi dito anteriormente, utilizando a definição de Bohm, o qual vê evolução como o desdobramento criativo das várias formas de vidas sucessivas. Neste sentido, a lei deste desdobramento não pode ser entendida adequadamente sem se considerar a realidade como um todo. Ver BOI-IM, op. cit., 1980. 6° BOHM, op. cn., 1980 e 1990.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 79

Esta noção de totalidade, totalidade criadora do ser, contida no seu campo não-

manifesto (ordem implicada), são, antes, todos potenciais, que podem ser

concretizados, desdobrados, ou atualizados, dependendo das condições.65 Estas

condições, como consideramos anterionnente, poderiam ser o resultado da interação da aspiração do espirito, das múltiplas interações, do momento evolucionário/

histórico e também das capacidades iniciais e expressivas do sistema como um todo.

Como vimos através do raciocínio de Bohm, a ordem implicada, aqui

denominada de campo não-manifesto do ser, se estende em direção a ordens cada vez mais sutis. Neste raciocínio, nós sugeririamos que este campo, por sua natureza

sutil, é expansível, irradiando-se em tomo do ser de forma mais ou menos ampliada. Esta expansão do campo não-manifesto caracteriza-se por imagens nítidas e

diferenciadas, através de fonnas, densidades, condições peculiares de coloração e de

odor, sonoridade, velocidade, ritmo e freqüência vibratória, as quais refletem a

complexidade individual de cada ser, tanto delimitando, como também caracterizando o seu processo evolutivo. Contudo, tal como o elétron é capaz de criar em tomo de si um campo elétrico no espaço, a expansão do campo não- manifesto é criada pela alma/ser, através do complexo vontade-pensamento-

sentimento-emoção. O pensamento, sob o comando da vontade, é uma onda magnética, carregada das ideo-emoções da alma/ser. De acordo com a sua natureza evolutiva, a alma/ser, ao comandar este complexo, participa das trocas vitais do

universo, tanto criando, defonnando e recriando, como integrando, desintegrando e

reintegrando. Conseqiientemente, o pensamento é a expressão mais elevada do ser,

retratando sempre com imagens vivas os seus padrões de sentimentos e emoções.66 Os sentimentos e emoções, por sua vez, são forças energéticas que se irradiam, impregnando e magnetizando o ser como mn todo, bem como o meio no qual este ser se insere e cujo poder, maior ou menor, está diretamente relacionado ao

65 -

lbidem. 66 Ver as obras de SILVA, op. cit., 1990 e SILVA, A.L.da. o processo de cuidar de clientes com AIDS, subsidiado pelo modelo homeodinâmico. Rev. Gaúcha de Enfermagem, v.l4, n°. l, p.25-33, l993b.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralizaçao da Vida 80

comprimento da onda pensamento que os conduzem.67 Deste modo, o poder de ação

da alma/ser não se restringe aos atos fisicos; pensar e sentir implica em movimentos de forças vivas, em agir, emitir e captar energias e, portanto, participar das trocas vitais, seja para criar, defonnar e recriar, ou para integrar, desintegrar e reintegraróg

No campo não-manifesto da alma/ser podem ser encontrados os meridianos da acupuntura, usados pela medicina chinesa e os centro de forças ou chacras69

preconizados pelos indianos. Seriam estes os pontos de energia que agem em~ sintoma com aq complexidade de expressao da alma/ser.

Pensar 0 ser ou a alma, implica em considera-lo nas suas três ordens de

existência, as quais se expressam na totalidade, unidade e singularidade deste ser.

Contudo, o ser, como um todo, não pode ser entendido como isolado dos outros seres, da natureza, do planeta e também do universo. Deste modo, a compreeensão do ser ou alma individual perpassa pela própria concepção da Alma Universal. 70

Conseqüentemente, o ser ou a ahna individual não pode ser considerado

independente da Alma Universal, porque tudo é urna expressão do seu Campo Universal Manifesto. Neste sentido, “tudo implica tudo”, sendo que a arrálise em partes existentes separadas e independentes não possui qualquer status

fundamental.” A concepção de Alma Universal guarda estreita relação com o de ahna individual, embora seja a primeira concebida em uma ordem infinitamente superior em relação à segunda. Conseqüentemente, a sua concepção implica em suas três ordens de existência, ou seja, a Alma Universal ou Consciência Universal propriamente dita, o Campo Universal Não-manifesto e o Campo Universal

Manifesto. `

.

67 ibâaem. 6* Ibiúem. 69 Os chacras ou centros de força são vórtices energéticos semelhantes a rodas, que funcionam como pontos de conexão, através dos quais se dão, de forma mais acentuada as trocas de energia entre o ser e o meio ambiente. Ver SILVA, A .L. da. A música no processo de cuidar de clientes com síndrome neurológica decorrente da AIDS. Rev. Brasileira de Enfermagem, v.46, n°.2, p. l07-l 16, l993c. 7° Utilizaremos letras maiúsculas para nos referir à Alma Universal e a tudo que a ela estiver relacionado, não só para estabelecermos uma diferença da alma individual, como também para ressaltarmos que esta última é entendida como um microcosmo, a partir de um macrocosmo, que é aAlma Universal. 7' BOHM, op. cn., 1980, p.2os.

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Cuidado Transdimensional; Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 81

A Alma ou Consciência Universal é o mais elevado e absoluto estágio de amor e sabedoria. Contudo, o seu Campo Universal Manifesto, em uma realidade tndimensional, reflete muito vagamente e de forma fragmentada este estágio. Tal é

esta caracteristica em nossa realidade, que diríamos ser a sua apreensão impossivel na sua totalidade, podendo esta se dar ainda, quase que superficiahnente de forma

intuitiva. Isto porque, nem o imenso nem o infinito são racionalizáveis, nem são suscetíveis de serem dominados de forma inteligível. Paradoxahnente, tanto o

princípio universal/inteligente, nas suas diversificadas formas ainda mdimentares de

expressão da Consciência Universal, quanto a alma ou ser individual, forma mais

complexa de expressão desta Consciência em nossa realidade tridimensional,

contém a essência da Alma Universal, embora nos seus diferentes estados de

imanência ou dobramento. Isto quer dizer que, da mesma fonna que a alma ou consciência individual está envolvida na totalidade do ser, também a Alma ou Consciência Universal está presente não só no seu Campo Não-manifesto, como também em todos os elementos que compõem o seu Campo Manifesto, os quais constituem as diversificadas formas de sua expressão.

Prosseguindo no raciocínio de Bohm,” o Campo Universal Manifesto não pode ser tratado como separado do Campo Universal Não-manifesto, tendo em vista que o primeiro pode ser visto como uma expressão particular e derivada do conjunto mais geral deste último. Todos eles conjuntamentes presentes, numa série ordenada de estágios de dobramento e desdobramento, que se entremesclam e interpenetram

uns nos outros, em principio por toda a parte em todo o espaço.” Interpretando o

pensamento de Bohm, diriamos que nas diversas ordens de existência da Alma Universal, como da alma individual, diferentes estruturas de espaço-tempo se

entrelaçam, caminhando em direção à ausência total de espaço-tempo. Da mesma forma, diferentes estruturas de matéria/energia se relacionam e se encaminham para

um tipo de energia onde todo o suporte material desaparece. Deste modo, a matéria

72 ibióem. 73 Imeem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralizaçao da Vida 82

desdobrada/transcendente representa e, portanto é o próprio reservatório de energia

dobrada/imanente.

Ainda no raciocinio de Bohm,74 no campo não-manifesto (ordem implicada) está a gênese da forma e quando esta forma se projeta no campo manifesto (ordem explicada), evidenciam-se tendências que vão se estabelecendo constantemente,

~ ~ ~ graças à repetiçao. Contudo, o campo nao manifesto nao é a fonte criadora de novas

fonnas, sendo esta uma potencialidade da alma/ser. Acrescentaiiamos também, que a complexidade da forma é resultante da complexidade de expressão do ser ou

consciência individual. As fonnas menos complexas estariam ligadas à fonnas rudimentares de expressão da consciência, atingindo, em nossa realidade, a sua maior complexidade tanto na expressão da fonna quanto da consciência nos seres

humanos. Em termos do Campo Universal Não-manifesto (ordem implicada), “... até mesmo a matéria inanimada se mantém num processo contínuo semelhante ao crescimento das plantas”.75 “... A matéria inanimada e os seres vivos são vistos, em certos aspectos fundamentais, como basicamente semelhante em seus modos de existência”.76 Pode-se dizer que a vida está dobrada na totalidade e que, mesmo quando não se manifesta, de alguma maneira se acha implícita naquilo que

geralmente chamamos de uma situação na qual não há vida.”

Podemos, então, inferir que a vida se acha imanente na matéria inanimada,

atingindo a sua maior capacidade de transcendência, em nossa realidade, no ser humano. Conseqüentemente, quanto mais imanente se apresentar a vida no campo

manifesto, menos complexa é a sua capacidade de auto-organização e o seu padrão

de movimento, diversidade e ritmo, sendo o inverso também verdadeiro. Tal fato nos leva a inferir que a complexidade evolutiva implica diretamente em uma maior complexidade estrutural, podemos dizer o mesmo em uma situação contrária. Deste modo, esta visão se antepõe a uma visão antropocêntrica, na medida em que a

74 BOHM, op. cn., 19861). 75 BOHM, op. en., 1980, pass. 76 ibióem. 77 Ibidem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 83

aventura do universo não é centralizada no ser humano; ele é somente parte desta

aventura. Com isto nos colocamos no cerne do debate sobre o alcance e os lirnites da modemidade, que é antropocêntrica e, conseqüentemente, defende o direito do

ser humano dominar a natureza fisica.

Esta concepção pode ser melhor entendida a partir do postulado dos campos

morfogenéticos" do cientista britânico Rupert Sheldrake.” Segundo este autor,~

estes campos, matrizes de toda a forma, evolução e comportamento, podem operar ' ao ×

/ao longo do tempo e do espaço, numa ligação teleativa de organismos. Estes~ campos sao, na opinião de Sheldrake, invisíveis e indetectáveis por nossos sentidos

e apresentam ainda a propriedade de serem estruturas espaciais; sabemos da sua

existência apenas por seus efeitos morfogenéticos. Deste modo, este campo

pode ser entendido como fazendo parte do campo não-manifesto. O fenômeno da repetição da forma envolveria aqui urna estreita interação entre as três ordens de

realidade da alma/ser, ou seja, o campo manifesto, não-manifesto e a ahna/ser

propriamente dito. A hereditariedade nos organismos vivos envolve, assim, não

apenas os genes e o DNA, mas também os campos morfogenéticos. Este autor defende uma multiplicidade de campos morfogenéticos, na medida em que as

formas naturais também são múltiplas, ou seja, como ele refere, estarnos lidando com diferentes tipos de plantas, animais, insetos, cristais, etc. Tais campos derivam de organismos anteriores das mesmas espécies, por meio do processo que este autor denomina de ressonancza morfica. A ressonancza moiflca envolve a ideia de um processo auto-seletivo automático. Sheldrake diferencia a ressonância mórfica de

outras formas de ressonância, as quais são energéticas e envolvem transferência de

energia. O adjetivo mórfico, como refere este autor, mostra que esse tipo de

ressonância depende da similaridade da forma. O campo morfogenético funciona,

De acordo com as raízes do tenno morfogenético, morphé significa forma e genesis, vir-a-ser. 79 Ver as obras de SHELDRAKE, R. Morphogenetic fields: nature°s habits. In: WEBER, R. Dialogues with scientisfs and sages. New York: Penguin Books, 1986. p.71-88 e SHELDRAKE, R. A new science of life: the hypothesis of morphic resonance. Rochester, Vennont: Park Street, 1995. 8° O termo teleativo tem sua raiz etmológica têle do grego, que significa longe, a distância. Deste modo, este termo pode ser entendido como ação a distância.

78

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 84

então, como uma fonte de transmissão, não sendo o originador da forma. Contudo, ele detém o registro do passado. Resumindo, Sheldrakegl propõe uma visão

evolucionária da realidade na qual esses arquétipos, os campos morfogenéticos que

modelam as formas, não são considerados fixos, mas são afetados também pelo que acontece no tempo, sobre os quais as formas anteriores exercem efeito cumulativo.

As concepções de Bolnn e de Sheldrake podem ser complementadas pelas concepções do ñsico francês Jean E. Charongz. Segundo Charon, o seu trabalho

sobre as particulas elementares em fisica mostrou que algumas destas partículas encerram um espaço-tempo que não é de natureza “simples”, mas de natureza “complexa”. Tal fato poderia ser análogo, mas não idêntico, a dizer que o tempo e o

espaço têm um direito e um avesso, os quais desempenham ao mesmo tempo o

papel das três dimensões do espaço e da dimensão do tempo. Então afirma ele “...eis

que se descobre um espaço-tempo onde cada uma das dimensões é “dupla”: existe

um espaço-tempo do Espírito ao lado do espaço-tempo tradicional da Matén`a”.83 Estas duas dimensões mesmo coexistindo se destacam por suas características

essenciais. JEpquanto`no`e§p_aç‹¿-temp_Q *di matéria, um sistema isolado só pode evoluir por uma entropia crescente ou seja com alguma perda de informação sobre v\_M\ `\__,V Í __f_ ` ,`_ \/›_,\, a\ \ ` _. _.z -\_\/_.z`,`_,`, \,\, \_/‹

o estado do sistema,,no espaço-tempo do espírito, ao contrário, um sistema isolado __ ___ _

`f'\~ ' ""‹../\./'\f\/& ¬--~~^‹.»\-'w \ \-\,/\_,`___,,`/`/.",\,.z\/\ -À"

evoluirá através rg: uma entropi_a decrescente, permitindo` obter\sempre mais -_ _`_ __ -. "'~v- "¬'~ ”'¬'-_ *fiz -"_' ` \/

informações e aumentando sem cessaräa sua ordem. Isto__se dá em função da _ z\_/-\` r

‹. \/'\'\ \_ ~. ›. \.

diferença essencial entre o escoamento do tempo entre estas duas dimensões. Neste V ¬ À " \ \z`»\ \ `_ \ ‹`

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sentido, o escoamento do tempo,na-dimensão_ doxesplrito se da de fonna inversa ao ~.. ~`¬_ “~- “ \ \ \ _. . \_/\/\-z \z

do nosso próprio tempo. Diante destas constatação Charon84 afirma estarmos _,__,.,._,.-c,/¬-`”'¬ ,

diante de um espaço-tempo “cíclico”, onde a informação estocada no espaço do

espírito, a que foi registrada a cada segundo, sem poder jamais se perder, no curso

do desenrolar do tempo, vai voltar e estar, portanto, novamente, na paisagem de

8' SHELDRAKE, op. err., 1986 e 1995. ** CHARON, op. cn., 1979. 83 Ibidem, p.32. .

8* Ibiazm, p.55-só.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 85

informações, depois que tiver completado uma volta inteira neste espaço. Contudo, Charonss esclarece que este não é simplesmente o mecanismo da memória; as

informações são registradas sem cessar e podem, em seguida, ser relembradas em mn instante posterior, como no curso de uma certa “volta do tempo” passando para 0 instante vivido, isto é para o presente.

Charongõ avança suas concepções chegando a afirmar que neste espaço-

tempo do espirito, estão inscritas experiências vividas não somente no mundo humano, mas também no mundo animal, vegetal e mineral. Isto porque, se

pensarmos nasipartículas elementares, tais como os prótons ou os elétrons, podemos dizer que toda a matéria se conserva; a fisica nos confirma que tais particulas são

“estáveis”, isto é, têm praticamente uma duração de vida infinita. Explicitando

melhor diríarnos:

Se você é um sábio, saberá entender 0 primeiro sopro de vida que se prepara sob a rocha, conhecerá a alegria do pezinho de erva que se levanta para o sol no raiar da manhã, ou a euforia da corça que corre nas sendas da floresta. Você sentirá tudo isto, pois já viveu tudo isto; tudo isto está inserido para sempre na memória destes rnicroscópicos espaços-tempos do Espírito que formam seu corpo e levantam seu Eu. 87

Neste sentido, poderíamos acrescentar aqui que a alma/ser, além de conter as

potencialidades infinitas de amor e sabedoria, guarda também a memória pregressa da sua aventura pelo universo. Tal concepção implica em considerarmos a alma/ser a sede do passado e do futuro, os quais cedem lugar a um presente em expansão. Passado este que poderia ser entendido a partir do conceito de iyçggscjgrgígolgiyo

de Jung, o qual foi definido como uma poderosa massa psíquica herdada da evolução da humanidade e renascida em cada estrutura individual.88 A concepção da memória passada implica, por sua vez, na diversidade de vivências de cada ser, a

“S rbiàem. 86 Ibidem. 87 Ibidem, p. 145. 8* JUNG, op. cn., 19m.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 86

traduzirem os significados criados e a expressarem as conquistas inalienáveis do ser

em sua trajetória evolutiva. O todo é, assim, enriquecido pela introdução da

diversidade e pela realização da unidade na diversidade.

Entretanto, a dicotomia que se criou entre o ser e a natureza fez com nos distanciássemos do conhecimento amoroso da natureza. Pierre Emmanuel89 expressa

muito bem o embotamento do nosso sentido interior deste saber:

Eu, Homem, pequena pessoa, me integro na gênese universal: tal é \

o ato de fé, simples e exaustivo, neste nós-mesmos maior do que *

nós. Esta experiência é na maioria das vezes obscura, porque nós,l

nas nossas civilizações da superficie, embotamos, de forma *

irremediável, o sentido interior. O uso dos nossos sentidos se toma confinado aos limites da nossa experiência social, cada vez mais estereotipada. Quanto à sensibilidade geral e à. imaginação que a sustém, toda nossa formação nos conduz a deixá-las incultas, rechaçá-las em vez de integra-las e orientar sua energia. Temos somente um conhecimento abstrato do elementar: nossa intuição do i

vivo é muito fraca, quer se trate do animal ou da planta. Alguns\

dotados de simpatia instintiva, podem fazer amizade com a raposa, abraçar um carvalho para retirar sua força, ou, apalpando a crosta das pedras, preparar a entrada de um instrumento. Mas a maioria fica no exterior, não somente dos seres e das coisas, mas de suas próprias sensações. Falta-nos esta forma de amor quotidiano, ilimitado, que é a ligação com a realidade universal, com a unanimidade dos elementos. Amar o ritmo de crescimento da planta, a forma e a curva do vento, as leis de composição da duna e da turfeira; perceber no olhar do animal a alteridade misteriosa, ressentida às vezes de maneira tão pungente, e que é como um julgamentoçda nossa separação em relação à natureza, como uma interrogação ou um apelo infinitamente discreto disto lá, não é uma

. experiência autêntica da realidade que nos ultrapassa, um saber intemo, um instinto do ser - necessário à ciência, como a came ao espírito? É necessário terminar com a alienação que o homem modemo se impõe, negando qualquer valor à subjetividade, à

¡

imaginação e à magia, exilando, amputando, recusando os poderes l

cósmicos da alma humana e caçoando dela. Se nossa experiência fosse mais fisica e nossa presença total mais ativamente comprovada, o corpo apareceria com sua aura de inteligência. O conhecimento, quaisquer que sejam a sua ordem e objeto, seria

*Q cimao por CHARON, op. cn., 1979, p.1 12-113.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Rcssacralizaçao da Vida 87

vivido como um imenso sistema de focos incontáveis cujas ondas, se encontrando, formariam o batimento de um só coração.

No processo evolutivo, a forma se desenvolve mediante o processo de

recolhimentos e desdobramento sucessivos.” Com base no raciocinio de Bohm e

Peat, podemos, então, dizer que o campo não-manifesto da alma individual e

Universal é considerado como uma dimensão além do tempo, uma totalidade, a

partir da qual cada momento é projetado no campo manifesto da alma individual e

Universal.” Assim, para todo momento projetado no campo manifesto da alma individual ou Universal, haverá também outro momento em que esse mesmo momento será introjetado no campo não-manifesto da alma individual e Universal.” Ao regressar à totalidade, considerando-se que nem o espaço nem o tempo são relevantes nesse ponto, todas as coisas de natureza semelhante devem estar

interligadas ou ter ressonância na totalidade.” Na ordem implicada, aqui entendida como campo não-manifesto, a noção de espaço e tempo como a conhecemos

desapareceria, dissolvendo-se em alguma coisa que atualmente não é

especificável.94 Bohm, esclarece que seria razoável supor, pelo menos

provisoriamente, que esse seria o menor comprimento de onda que se deveria

considerar como contribuindo para a energia do ponto zero do espaço.”

Com base neste raciocinio, a expressão da complexidade da forma e da consciência se daria através do processo dinâmico e sucessivo de movimento das

forças de imanência/recolhirnento e transcendência/desdobramento entre o campo

manifesto e não-manifesto individual. Contudo, este processo só pode ser entendido

9° BQHM, op. cn., 19sób. 9' BOHM, D., PEAT, D. Ciência, ordem e criatividade. Trad. Jorge da Silva Branco. Lisboa; Gradiva, 1989. 92 Ibidem. 93 Ibidem. _

94 Ibidem. 95 Ao ser estimado, esse comprimento se revela como sendo da ordem de 10'” cm. Este é um intervalo muito menor do que qualquer coisa que tenha sido sondada até hoje em experiências fisica. Assim, de acordo com a teoria quântica, mn crista] na temperatura zero absoluto permite que os elétrons o atravessem sem sofrer espalhamento. Eles passam pelo cristal como se o espaço fosse vazio. Ver BOHM, op. cit., 1980, p. 251 e 252.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 88

no igual fluxo de movimento entre o Campo Manifesto e Não-manifesto da Alma Universal. Tal consideração nos leva a propor que a complexidade de expressão da

forma e da consciência no campo manifesto individual como também no Campo Manifesto da Alma Universal estão diretamente relacionados. As

rupturas/revoluções, momentos de emergência de novas ordens de formas e de

consciência, se dariam tanto no campo não manifesto individual como também no Campo Não-manifesto Universal, ambas decorrentes da totalidade deste fluxo de movimento, que Bohm denomina de holomovimento.96 Contudo, as formas se

desenvolvem, a partir do que está além da forma.” Neste caso, proporíamos que a

expressão da forma e da consciência deriva do princípio universal ou da alma

individual e estes, por sua vez, provém da Alma Universal.

Em nosso Campo Manifesto ou realidade tridimensional, o processo

sucessivo e dinâmico de imanência e transcendência parece ser mais evidente nos

seres humanos, em função do complexo vontade-pensamento-sentimento-emoção. Processo este, que pode ser metaforicamente comparado aos “saltos quânticos”.

Assim, no movimento de imanência da consciência, 0 ser pode transcender o seu

campo manifesto e ampliar a percepção da natureza de seu ser, como também da Alma Universal. Isto implica em dizer que o ser pode perceber de modo relativo 0

seu potencial de amor e sabedoria, assim como o da Alma Universal. Isto porque,

nesse movimento, ao mover-se em direção a sua alma, ele também se move em direção à Alma ou Consciência Universal e, assim, ele transcende em direção ao todo, à unidade. Paradoxahnente, no movimento de transcendência da consciência, of ser pode também transcender o Campo Manifesto e se mover em direção à Alma ou Consciência Universal e também em direção à totalidade, à unidade. Nesse movimento, ele também se move em direção à sua própria fonte. O fluxo destes movimentos pode acontecer dinâmica, criativa e simultaneamente na consciência

individual. Este movimento pode ser traduzido como o esforço pleno e concreto

96 Ibidem. 97 BOHM, op. en., 19sóz.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 89

para a expressão sempre relativa do infinito potencial de amor e sabedoria, tanto no

campo manifesto da ahna individual como no Campo Manifesto da Ahna Universal. Ele pode também ser traduzido no esforço para atingir ordens elevadas de

complexidade e diversidade na vida.

O fluxo mais significativo do movimento de imanência e transcendência da

consciência pode se dar através do “saltos quânticos” entre os Campos Não- manifesto e Manifesto da Alma Universal, sendo estes saltos requisitos essenciais do processo evolutivo. Transpondo este significado para a nossa realidade, estes

saltos quânticos poderiam ser exemplificados pelo processo de morte e

renascimento sucessivos, com vistas à expressão da diversidade e complexidade na vida. Contudo, a noção destes saltos quânticos não tem qualquer significado na

idéia clássica da separabilidade do universo e, portanto, da Alma Universal em partes distintas. Conseqüentemente, esta noção só é relevante quando vemos o

universo como um todo indiviso e inintemipto.98 Tomando como referencial o

Campo Universal Manifesto e Não-manifesto, os seres humanos, como uma espécie, não constituem o estágio final do processo evolutivo. Deste modo, o fenômeno

humano não está limitado à tridimensionalidade de nossa realidade. Formas de vida e de seres, em uma escala infinita de complexidade de consciência, são postuladas, aqui, como fazendo parte das infinitas ordens do processo evolutivo.

Conseqüentemente, o Campo Universal Não-manifesto (ordem irnplicada) não diz respeito aos aspectos superficiais do desenvolvimento e evolução numa seqüência de sucessões, mas sim a uma ordem intema e mais profimda, a partir da qual a vida se apresenta criativamente nas infinitas ordens de complexidade e diversidade.

Nesta perspectiva, diferentes ordens de complexidade de consciência do Campo Universal Não-manifesto coexistem no Campo Universal Manifesto. Entretanto, a

totalidade deste Campo não pode ser apreendida pelos cinco sentidos (ou por nossos instnimentos) como algo sólido, tangível e estável..

9* BOHM, op. cn., 1980.

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Nesta totalidade, a individualidade só é possível enquanto desdobramento do

todo.” Deste modo, o Campo Universal Manifesto não pode ser consistentemente considerado como autônomo. As ações individuais, neste Campo, poderiam ser

consideradas apenas se se levar em conta o contexto total. Conseqüentemente, nada é “uma lei para si próprio”.l°° No máximo, algo, pode se comportar como um relativo e limitado grau de autonomia, sob certas condições e em certos graus de aproxirnaçãofm Qualquer forma de relativa autonomia é, em última instância,

limitada pela lei do todo.¡02 A esta lei denominamos de Lei Cósmica ou Universal, de modo que em um contexto suficientemente amplo essas formas são vistas como mero aspectos, em vez de coisas em interação, desarticuladas e existentes

separadamente. Todavia, cabe esclarecer que embora todo o conjunto de leis que

govema a totalidade seja desconhecido, a partir deste conjunto podem ser abstraídas sub-totalidades de movimento relativamente autônomas e independentes.1°3

A partir do raciocínio de Bohm, o Campo Universal Não-manifesto implica a

participação mútua de tudo com tudo.l°4 Assim, nenhuma coisa é completa em si e

seu pleno ser é percebido somente na participação. Diriamos, assim, que ninguém se

prejudica a si mesmo sem lesar a todos quantos se lhe associam na grande aventura da vida. Por outro lado, todos aqueles que evolvem e emiquecem a sua forma de

\_- _-ff” r ~'--

expressão da consciência, beneficiam`diretamente a todos que compartilham o

destino comum, Na participação nós trazemos potenciais que são incompletos neles mesmos, mas é somente no todo que a coisa é completam Fica assim evidente que a participação, através da solidariedade, é a base fimdamental da Alma Universal. Uma base que extrapola as múltiplas ou mesmo infmitas ordens de expressão de

seus Campos, em direção a uma solidariedade transdimensional. Assim, mesmo em nossa realidade, todos participamos diretamente da aventura do universo, com

9” Ibidem. '°° ibiaem, p.2‹›9. '°' Ibidem. '°2 Ibidem. “B BOHM, op. cu., 1980. "M Ibidem. ms Ibidem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 91

vistas a complexidade crescente de expressão da consciência. Embora provoquemos minúsculas mudanças no todo, isso é crucial para que essa ordem possa

transfonnar-se em algo novo, capaz de pôr em ação seu potencial.'°6 Isto implica, acima de tudo, que não somos seres presos a nossa fonna natural e muito menos à

reduzida capacidade de expressão da nossa consciência, condenados a um destino imutável. Neste sentido, convivemos com o paradoxo de sermos e de, ao

mesmo tempo, estarmos em constante devir.

Nesta perspectiva, o Cuidado Transdimensional representa urna forma

essencial de participação e, conseqüentemente, de solidariedade. O Cuidado

T ransdimensional é uma dimensão fundamental do processo evolutivo. Contudo, é

imprescindível considerarmos que, assim como os seres envolvidos no cuidado são seres em constante devir, o saber teórico-prático sobre o cuidado também é um saber inacabado e, portanto, em constante devir. Daí a necessidade de estarmos constantemente abertos a rever não só a este saber, como também a nós próprios, enquanto seres cuidadores e seres cuidados. Conseqüentemente, o saber sobre o

cuidado é um saber dos próprios seres envolvidos no cuidado, porque estes seres são dimensões integrantes do cuidado. O Cuidado Transdimensional emerge, então, da compatibilidade estética e amorosa dos seres envolvidos no cuidado, em que, ao

mesmo tempo, doam e recebem. Neste sentido, a sabedoria e o amor se constituem em fontes alirnentadoras do cuidado. Metaforicamente, poderíamos visualizar o

Cuidado Transdimensional como urn pássaro, cujas asas são a sabedoria e o amor. Deste modo, ambas as asas são fundarnentais e elementares para se voar e

transcender em direção a novos horizontes de possibilidades criativas e

transfonnativas no processo de ser e de viver no mundo. A sabedoria e amor embora sendo potencialidades inerentes aos seres, paradoxahnente vão sendo

expressas na medida em que os seres envolvidos no cuidado buscam uma crescente dinamização, 'complexificação e conscientização dos seus seres, a partir da dinâmica

'°6 rbiaem.

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 92

interação com os outros seres, com a natureza e com o Universom O Cuidado T ransdimensional se constitui, então, em um processo fundamental para que os seres envolvidos no cuidado possam ampliar as suas capacidades de expressar

sabedoria e amor no mundo. Podemos, assim, dizer que todo saber teórico-prático

do cuidado nos conduz a estes seres, porque ele é parte deles. Deste modo, cabe

considerarmos a diversidade de expressões deste cuidado.

Como vimos anteriormente, a principal e prevalecente expressão do cuidado parece ainda se dar na perspectiva do paradigma Particular-Determinista, ou seja,

na cura de doenças do corpo fisico. Contudo, de uma maneira não tão expressiva, convivemos com formas de cuidado relacionadas ao paradigma Interativo-

Integrativo, o qual embora amplie a concepção do ser para corpo-mente, ainda

enfatiza a cura de doenças. Estas ênfases parecem nortear o cuidado

predominantemente para o campo manifesto da alma/ser, como também da Alma Universal, a partir de uma perspectiva tridimensional, o que implica não só na

redução do ser humano e de seu meio, como também na do próprio cuidado. J á o

paradigma Unitário- Transformativo, embora amplie a concepção de ser humano, de

seu meio e do próprio cuidado, também evidencia redução no que se refere a não contemplar uma perspectiva integrada de ação e não explicitar a

transdimensionalidade do cuidado. '/\ Naturalrnente entendemos que, sendo a realidade tão complexa, qualquer

concepção que se tenha não só do ser e do seu meio ambiente, como também do cuidado é em si uma redução. Esta redução, por sua vez, é que nos leva a avançar em direção a novos horizontes. Cabe, portanto, considerarmos o grau de redução das concepções que adotamos. Tal consideração implica na nossa própria

consciência da redução das concepções presentes neste trabalho.

Neste sentido, o Cuidado T ransdimensional privilegia a alma/ser ou

consciência na sua indissociável interação com a Alma ou Consciência Universal,

1°? su.vA, op. cn., 1990 e 1993a.

/

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Cuidado Transdimensional: Uma Perspectiva de Ressacralização da Vida 93

em todas as suas ordens de existência. A expressão cuidado da alma não é uma abordagem nova, tendo em vista que ela já foi expressa por Platão, ao relatar os últimos dias de Sócrateslog Esta expressão foi também usada na medicinam e na

psicologia.” Neste estudo, o cuidado da alma busca ampliar o campo de ação do cuidado, englobando uma perspectiva transdimensional do ser e do universo. Este

cuidado, ao resgatar a essência do ser, do mundo e da vida, procura restituir a eles as suas naturezas sagradas e inalienáveis. O cuidado da alma resgata o sentido de reverência e de respeito para com a própria vida. Sentido este, que tem se tomado emergencial, na medida em que a nossa civilização moderna tem sido direcionada para erradicar toda a reverência, todo respeito para as qualidades elevadas da vida.

Deste modo, quando falta a reverência nas atividades da vida, o resultado é

crueldade, violência e solidãom No século vinte esta atenção reverente raramente existe, nem pode ela existir em qualquer modo vital, até que a espiritualidade de uma nova idade ecológica inicie a ser desenvolvida com alguma eficácial 12

Ao postulannos que o ser humano sobrevive à morte em um processo continuo de transformações, este cuidado modifica substancialmente a sua forma de

expressão no mundo, ampliando-a para uma ordem mais global de realidade. Deste modo, o cuidado da ahna é uma arte sagrada, cuja meta é tuna vida elaborada de forma mais rica, relacionada com a sociedade e a natureza, e construida na cultura da família, da nação e do mundo.“3 Ao privilegiarmos a interação da ahna

individual e Universal, o Cuidado Transdimensional tem como foco essencial o

processo de morte-renascimento, com vistas a complexidade crescente de expressão da consciência e de qualidade de vida humana~planetária-cósmica, o qual

abordamos a seguir.

1°* PLATO, op. cu., 1993. *

1°” JUNG, op. zu., 1933. “° MOÓRE, op. cu., 1994. “I zU1<Av, op. cu., 1990. “2 BERRY, T. The dream of me win. san Frazzziscoz Harper, 19ss. “3 MooRE, op. cu., 1994.

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CAPITULO Mil MQR TE-KEIVASÚIMHVTQ' P060 £SS£IVCIAL,

DO CUIDADO TKANSDIMHVSIOJVAL

EM ú¡.mfA A1vAus£, ronos os Moi/IM.=:1v1'os sA'o ¡z£A1.M£1vm uu... Po1zTA1vrro AGORA É A £r£mv1nAn1:... ronAs As co1sAs, 11vc1.u11vooA MIM. 1:s1'A'o Mommvno E 1vAscf:1vno A CADA MOMENTO NA £1"£R1v1nAn£.

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RÃSIIMO

Neste capítulo, elegemos como foco essencial do Cuidado T ransdimensional o processo de morte- renascimento humano-planetário-cósmico. Os conceitos de morte e renascimento, ao englobarem uma perspectiva oposta e complementar, emergem enquanto forças dinâmicas e criativas, presentes no movimento do processo do ser e do viver. Neste sentido, seres humanos, culturas, natureza, planeta e universo estão envolvidos no movimento cíclico de mo1te~ renascimento, com vistas à renovação, diversificação e complexidade criativa da vida. O processo de morte- renascimento, ao ser parte da existência humana, pode ser vivido nas mais diversificadas situações e nos momentos mais inesperados. Neste sentido, o Cuidado T ransdimensional emerge como processo facilitador do processo de morte-renascimento, buscando expandir as capacidades inerentes aos seres, para entrarem em contato com suas potencialidades de amor e sabedoria e serem os seus próprios cuidadores neste processo.

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Na enfermagem, os conceitos de morte e renascimento foram

encontrados somente em um estudo norte-arnericano. Hardin,1 ao buscar

estudar as experiências de saúde, a partir da perspectiva de viúvas idosas da

tribo indígena_Apache, encontrou seis temas principais. Em dois dos temas emergiram os conceitos de morte e renascimento, cujos significados sao

descritos como entidades opostas.

Neste estudo, os conceitos de morte e renascimento são entendidos a

partir de uma perspectiva oposta e complementar. Estes conceitos emergem enquanto forças dinâmicas e criativas, presentes no movimento continuo do

processo do ser, do viver. Desta forma, o processo de morte e renascimento é

entendido através do movimento do sistema de forças vitais: imanência e

transcendência. A morte é configurada através da força imanente e

renascimento através da força transcendente. Conseqüentemente, morte e

renascimento são ao mesmo tempo opostos e complementares e, assim,

paradoxais. Agindo enquanto um sistema de forças, morte e renascimento não existem separadamente, mas se encontram em um movimento permanente no processo da vida. ×

A morte pode ser visualizada enquanto um processo vitalna vida em si e no contexto de uma dada situação, procurando tomar-se através da

interiorização e permanência. Renascirnento, por sua vez, é também

considerado um processo vital, consubstanciado no próprio potencial da vida e

' HARDIN, S.R. Let the circle be unbroken: health of elderly Southern Appalachian widows. Tese de doutorado, School of Nursing, University of Colorado Health Sciences Center, 1990.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 97

em uma dada situação. Entretanto, o renascimento está permanentemente

tentando obter a mudança da mudança, traduzindo-se em desidentificação, em um avanço criador, em direção a novos padrões de complexidade de expressão da consciência. Assim, morte-renascirnento é um processo criativo, no qual, sob um dado aspecto, o anterior procura integração, interiorização, contração, organização e o posterior persegue diferenciação, exteriorização, expansão,

desorganização. Já analisadas a partir de outra perspectiva, o oposto pode

também ser verdadeiro.

Quando a morte prevalece no processo da vida, na perspectiva da Ciência da Complexidadef este estágio pode ser, aparentemente, considerado

como se o sistema se movesse através de níveis de caos ou desorganização. Quando o renascimento prevalece no processo, evidencia-se a possibilidade de um novo ciclo evolutivo, onde o renascimento, embora predominando, traz em si a própria potencialidade da morte. Na perspectiva da Ciência da Complexidadef este estágio pode ser, aparentemente, considerado como se o

sistema movesse através de níveis de ordem ou de auto-organização mais

complexas. Dizemos aparentemente porque, assim como, o caos ou

desorganização traz em si a potencialidade da organização, também a ordem ou auto-organização é acompanhada da potencialidade do caos ou

desorganização. Deste modo, ambos coexistem de fonna simultânea no

processo de morte-renascimento.\

O processo de morte-renascimento não pode ser entendido como um movimento linear e de mudança unidirecional, mas como um movimento que envolve uma ordem mais global de existência. Este

processo geralmente ocorre no viver cotidiano, a partir de pequenos

e isolados episódios de morte-renascimento, os quais podem passar

desapercebidos, mas que vão se multiplicando, com vistas a um

2 Ver as obras de GLEICK, op. cit., 1987 e BRIGGS, PEAT, op. cit., 1989, NEUSER, op. cit_, 1994. 3 núâem.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 98

processo mais global. Processo este, que traz em si fonnas superiores de

expressão da consciência e, conseqüentemente, de uma nova ordem de

expressão no mimdo. O processo de morte-renascimento, por sua vez, não

pode ser entendido como positivo, neutro ou negativo, tendo em vista que ele é

acompanhado de significados que envolvem inter-relações com todo o

universo. Significados estes, que podem, muitas vezes, não ser racionalizáveis,

nem mesmo suscetíveis de serem compreendidos na sua totalidade de forma inteligivel.

Nesta concepção, seres humanos, culturas, natureza, planeta e universo

estamos todos envolvidos no movimento cíclico de morte-renascimento.

Morte-renascimento constitui-se, assim, em um processo que envolve uma interação entre a alma individual e a Alma Universal. Deste modo, este

processo acarreta renovação e diversificação da vida, com vistas a ordens crescentes de complexidade criativa, sendo ele indispensável para a expressão,

sempre relativa, do absoluto potencial de amor e sabedoria da Alma Universal. Conseqüentemente, em cada ciclo emergente, uma nova ordem de

complexidade crescente pode ser evidenciada, através de novos padrões de

fonnas e de ritmos de vida, de interações e de ações no mundo. Quanto menor

for a complexidade de expressão da consciência e, conseqüentemente, do

Campo Manifesto onde se vive, menos freqüentes e menos harmoniosas são as experiências com o processo de morte-renascimento, ao passo que o inverso é

igualmente verdadeiro. A dificuldade em vivenciar o processo de morte- renascimento parece 'ser decorrente, em grande parte, da necessidade

preeminente de segurança e conservação e do desconhecimento ou não-

aceitação das mudanças dinâmicas no processo da vida. Esta necessidade, por

outro lado, é acentuada pelo nosso meio, em que o poder externo é priorizado em relação ao poder autêntico, estimulando a dominância e a competitividade. Deste modo, estes fatores geralmente desencadeiam medo e apego,

dificultando o processo de morte-renascimento. O medo e o apego, por outro

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 99

lado, geram uma estagnação momentânea em uma ordem evolutiva. Como resultado, o sofrimento pode emergir na vida, através das crises, dos conflitos,

da necessidade de dominação, da dor, das doenças, dentre outros. Neste

sentido, o processo de morte-renascimento pode ser retardado, caótico e

doloroso. Em nossa realidade tridimensional, esta característica do processo de morte-renascimento parece ainda ser dominante. A condição humana cheia de sofrimento tem ainda sido, o que nós poderíamos dizer, a motivação primária para o processo de morte-renascimento. Em um importante sentido, então, o

sofrimento tem ainda sido central para as diversificadas expressões deste

processo.

O processo de morte-renascimento implica em mudanças de antigos hábitos, condicionamentos, reflexos e percepções, dando surgimento a novos

padrões de vontade-pensamento-sentimento-emoção e ação no mundo. Deste

modo, este processo é acompanhado de novos significados e propósitos na

vida. Considerando que a vida é um processo permanente e dinârnico de

mudanças' e transformações, o processo de morte-renascimento requer todo

tipo de desapego, como por exemplo, o desapego de pessoas, situações, status social, poder exterior, de coisas materiais e de lugares. Neste sentido, o termo

desapego não é entendido como forma de desarnor ou descompromisso com os seres e com a vida; até porque para nós, amor implica na ausência de qualquer forma de possessividade e no compromisso com os seres e com a vida. O nosso envolvimento com o processo de morte-renascimento requer também coragem, enfrentarnento de riscos e que estejamos face a face conosco, com os outros seres e com a própria vida. Assim, a vida é uma grande aventura em direção à redescoberta da dimensão sagrada do nosso ser, dos outros seres e

da Alma Universal.

_ O processo de morte-renascimento, ao ser parte integrante da existência humana, pode ser vivido nas mais diversificadas situações. Este processo pode,

por exemplo, ser desencadeado por situações de crise, face à necessidade de

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 100

novos significados e propósitos na vida. Esta situação é evidente na

experiência vivida pela terapeuta e escritora Lucia Capacchione4:

Minha nova jomada emergiu durante um período de crise pessoal. Eu estava vivendo o final do processo de morte, após ter passado por uma série rápida de grandes mudanças. Em quatro anos eu me divorciei, mudei quatro vezes de residência e tive diferentes empregos como desenhista e consultora educacional. Eu estava educando duas filhas jovens. Eu sei agora que os frutos de sérias reflexões não podem ser medidos. Entretanto, o auto-conhecimento demanda tempo, solidão e coragem. Ele pode ser muito doloroso. Eu havia sobrevivido a diversas crises e adiado a minha confrontação comigo mesma. Finalmente, o estresse do enfrentamento de todas aquelas mudanças chegou para mim e, em 1973, eu fiquei doente e incapaz de trabalhar por muitas semanas. Eu estava confusa sobre a direção a tomar na minha carreira, como também na minha vida pessoal. O tempo era propício para parar e refletir. Quando eu estava doente, os anos de dor e confusão se assemelharam a algum monstro primitivo saído das profundidades. Eu tive de optar entre encarar “o monstro” ou afundar. Houve muitas noites em que eu sentia que eram as últimas. Eu vivia com medo de morrer. O estranho paradoxo foi quando, ao confrontar os meus medos, eu encontrei a mim mesma e criei uma nova vida.

O processo de morte-renascimento pode também ser vivido através das experiências próximas à morte clínica (NDE).5 Estas experiências vêm sendo estudadas na antropologiaf na medicina,7 na enfermagem,8 dentre outras

4 CAPACCI-IIONE, L. The creative joumal: the art of find yourself. North Hollywood, California: Newcastle Publishing Co., 1989. 5 NDE siglas do Inglês Near-Death Experiences. 6 OSIS, K. Deathbed observations by physicians and nurses. New York: Parapsychology Foundation, 1961. 7 Ver as obras de NOYES Jr., R. The experience of dying. Psychiatry, v.35, p.174-184, 1972, MOODY, op. cit., 1977 e 1979, RITCHIE, SI-IERRILL, op. cit. e SABOM, M.B. Recollections of death: a medical investigation. New York: Harper & Row, 1982. 8 Ver as;obras de OAKES, A . R Near-death events and critical care nursing. Top. Clin. Nurs., v.3, p.61-78,*1981, PAPOWITZ, L. Death-life. American Journal of Nursing, v.86, n°.4, p.417-418, 1986, ORNE, R.M. Nurses' views of NDEs. American Journal of Nursing, v.86, n°.4, p.419-420, 1986 e STROM-PAIKIN, J. Studying the NDE phenomenon. American Journal of Nursing, v.86, n°.4, p.420-421, 1986.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional l0l

áreas, tendo cuhninado na criação da International Association for Near~

Death Studies, Inc. (IANDS).9 Estes estudos retratam a experiência de pessoas

que foram ressuscitadas após afogamento, parada cardíaca e diversos outros

traumatismos. Nestes estudos, tem sido comum a vivência de um ou mais dos cinco estágios de uma NDE. No primeiro estágio, as pessoas relatam

experienciar euforia, um sentimento de paz, alegria e nenhuma dor ou

sensação fisica são sentidas. No segundo estágio, fora do corpo, elas se vêem acima de seu corpo fisico, observando-o e consciente do que acontece ao seu

redor, mas deforma passiva. Nesta situação, elas podem encontrar outras pessoas, frequentemente familiares já “mortos”, que a conduzem para o

próximo estágio. O estágio seguinte, denominado de entrando na escuridão ou túnel, as pessoas relatam ouvir um som alto, ao mesmo tempo em que se sentem movendo rapidamente através da escuridão ou túnel. A pessoa que a

guia pode ainda estar lá e acompanhá-la ao próximo estágio. Neste estágio,

mundo de luz brilhante, as pessoas se sentem flutuando e em paz. Elas se tomam conscientes da presença de uma luz brilhante, mas que não as cegam. Elas se sentem serenas e unas com o universo, sem consciência do tempo ou espaço, os quais são sem significado. No quinto estágio, entrando na luz e

tomando decisões, as pessoas têm, como em um filme, uma visão panorâmica de sua vida, não sendo acompanhada de julgamento. Elas sentem que têm de

tomar uma decisão, de retomar ou permanecer. Neste momento, elas relatam que gostariam de ficar neste estado de amor e paz, mas são de alguma forma

levadas a retomar. Esta decisão de voltar é relatada como não sendo fácil e

agradável. Os estudos, relatados acima, evidenciam que estas experiências

mudam significativamente o sistema de crenças e valores, especialmente as crenças espirituais das pessoas. Muitas delas mostram um alto grau de

habilidade psíquica; novos canais de comunicação são. abertos, os quais podem

A IANDS foi criada em Connecticut, em 1981 e funciona com sede na University of Cormecticut, Storrs. Profissionais de diversas áreas, dentre elas, enfermagem, medicina, psiquiatria, psicologia e assistência social trabalham nesta Associação, realizando pesquisas, conferências, encontros e cursos com proñssionais e apoiando gnipos de pessoas que passaram por estas experiências.

9

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 102

inicialmente causar medos e inseguranças. Deste modo, estas experiências

podem ser consideradas o que nós denominamos de processo de morte-

renascimento, na medida que elas são relatadas como sendo acompanhadas de novas formas de expressão da consciência e, conseqüentemente, de novos

padrões de significados e propósitos na vida.

Experiências com o fenômeno denominado de remissão de doenças

tidas como incuráveis, estudadas na área da psiconeuroimunologia, podem também desencadear o processo de morte-renascimento. O'Regan,l° um dos estudiosos deste fenômeno, selecionou 800 dos três mil encontrados em diversos países, como Estados Unidos, Japão, Suécia, Alemanha, Itália, dentre outros. Na maioria destas situações, ele detectou que as pessoas anteriormente desenganadas tiveram suas vidas dramaticamente modificadas, através de

novos padrões de consciência em relação a elas mesmas, aos seres humanos e

a vida de um modo geral.

Outros estudos têm abordado o processo de morte-renascimento, no

caso mais específico de crianças que relembram vidas passadas. A exemplo disto, citamos o estudo” do psiquiatra americano Dr. Ian Stevenson.” O método empregado' pelo autor consistiu em descobrir pessoas,

preferencialmente crianças, que espontaneamente manifestavam recordações

de vidas passadas._ As situações mais consistentes foram aquelas concernentes a crianças que, desde o início da comunicação verbal, afinnavam ter vivido antes em outro local, fomecendo informações suficientes para mn levantamento preciso dos dados de sua vida pregressa, como: identificação das

pessoas mencionadas, dos lugares e eventos narrados. Estudos similares vêm

'° O”REGAN, op. cit., 1991. “ Após .vinte e dois anos de estudo, este médico conseguiu catalogar cerca de dois mil fenômenos de criançasique relembram vidas passadas, tendo publicado cinco livros versando sobre vários destes fenômenos ocorridos no oriente e em diversos outros países, inclusive no Brasil. 12 STEVENSON, I., op. cit. O Dr. Stevenson é catedrático de neurologia e psiquiatria na Universidade de Virgínia.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 103

sendo desenvolvidos no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas

Psicobiofísicas- IBPP, com sede em São Paulo.

A experiência com o processo de morte-renascimento traz em si as mais diversificadas formas de expressão, podendo este processo ser desencadeado

~ nos momentos mais inesperados, seja através da reflexao, de uma leitura, de um diálogo, de uma frase e, até mesmo, por meio de uma única palavra. Citamos aqui o processo experienciado pela escritora Eva Thayerní

Em 1964 experienciei as palavras citadas em “Mais nós do que eu” e despertei para um tipo de amor e entusiasmo que eu não havia conhecido anteriormente. Pela primeira vez, eu experienciei a minha sabedoria e descobri que ela era mais do que apenas meu “Eu” humano. l\/linha sabedoria tomou-se meu guia, que me sustém e me mantem viva. Quando me comunico com meu centro, minhas capacidades se tomam claras, necessidades e desejos são preenchidos e a vida toma- se plena de surpresas, prodígios e alegrias. Amor, paciência, alegria, luz, perfeição, poder, paz e unidade de pensamentos contribuem para a qualidade das relações do ser com ele mesmo e com os outros. Se sozinha, com a família ou com amigos, gosto de tocar piano, viajar, estudar, ler, escrever, dançar, nadar, costurar, criar cartões de saudações, comer alimentos macrobióticos, cuidar do jardim, usar o computador e ser um membro ativo do T oastmaster 's International. Eu me sinto jovem com a idade de 72 anos e descubro em cada momento um senso de valor e satisfação.

A experiência com o processo de morte-renascimento tem sido parte integrante de nossa vida pessoal-profissional. Pessoalmente, sabemos o

quanto pode ser doloroso vivenciar os momentos de caos ou de morte que

precedem 0 renascimento. Deixar velhos hábitos e condicionamentos de vida,

para que novos padrões de ser e de viver venham tomar lugar, nos impõem grandes desafios e, muitas vezes, sofrimentos enormes. Isto porque, este

processo pode ser permeado pela incerteza, pelo desconhecimento do nosso

13 THAYER, E. More we than me. Rassford, Ohio: Tes Publishing Co., 1985.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional l04

próprio ser e, conseqüentemente, das potencialidades a nós inerente.

Metaforicamente, relacionamos este processo a uma longa jomada por um túnel escuro, sem muitas vezes saber aonde, como e quando chegar. A vivência deste processo é diñcil, principahnente quando somos condicionados

a posturas de controle e de certezas. Contudo, a vivência do processo de

morte-renascimento pode ser uma fonte inestimável de aprendizado, não só em relação a nós mesmos, quanto em relação aos outros seres e à própria vida. Em relação a nós, porque o processo de morte-renascimento requer que estejamos

face a face conosco, o que, por sua vez, pode nos levar à consciência das

imensas lirnitações que ainda estão presentes nos nossos padrões de expressão

da consciência no mundo. A aceitação destas lirnitações implica na própria possibilidade de transcendê-las. implica também em buscar aceitar as

limitações dos seres que nos circundam. Por outro lado, este processo passa a

ser entendido como um processo permanente, em que vamos gradativamente rompendo com os condicionamentos impostos por nós mesmos e pelo próprio meio. Um processo que é em si o próprio processo de redescoberta de nosso ser, dos outros seres e da vida. Neste processo, a atitude amorosa, a

flexibilidade, o _ viver atentivo e reflexivo se constituem em requisitos

importantes e a intuição em dimensão norteadora imprescindível para a busca de soluções e mesmo de caminhos a seguir.

A identificação do nosso ser com os nossos padrões de expressão de consciência podem \se constituir em barreiras ao processo de morte-

renascimento. O apego parece ser gerado, em grande parte, por esta

identificação, tomando dificil o processo de transcender os padrões expressos. A desidentificação pode ocorrer quando descobrimos que não somos, na

realidade, o que expressamos, quando compreendemos e aceitarnos a própria

temporalidade e transitoriedade dos nossos padrões de expressão, como tambérn, dos outros seres e da própria vida. Paradoxalmente, a identificaçao

constitui-se em fator importante para a busca de novos padrões de expressão

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 105

da consciência. A admiração que sentimos pelas qualidades de expressão do outro ser, pode nos levar a identificar em nós estas mesmas qualidades, de forma manifesta ou não-manifesta. O inverso pode ser verdadeiro; quando depreciamos algo em outro ser, podemos identificá-lo como sendo manifesto por nós, mas ainda não admitido. Aquilo que combatemos no outro ser é

, . . . __ /.~ ~ , usualmente nosso propno lado inferior.” Consequentemente, a.\1nteraçao\e

fundamental para o processo de morte-renascimento, na medida em que pode nos apontar caminhos para a descoberta de nosso ser.

A nossa experiência profissional do cuidado com clientes,15

enfatizamos aqui os portadores de AIDS, com enfermeiros e alunos, tem nos mostrado que o cuidado com foco no processo de morte-renascimento requer o

engajamento do ser cuidador no seu próprio processo.” Tal engajamento nos

permite compreender e aceitar as dificuldades inerentes ao processo de morte-

renascimento, bem como os diversificados padrões de expressão deste

processo. Deste modo, os sentimentos, valores e significados pessoais, enfim a

própria auto-compreensão dos seres, podem ser elementos críticos para o seu processo de morte-renascimento e, assim, para o processo do cuidado.

Conseqüentemente, cada ser experiencia cada processo de forma única e

original. Através do diálogo reflexivo, o ser cuidador pode acompanhar o outro

ser a estar face a face consigo, aceitando-se e compreendendo os seus próprios

limites de expressão, bem como os limites daqueles que o cercam, buscando transcender os atuais padrões de expressão. Neste sentido, o cuidado pode

acompanhar o cliente ao longo de sua trajetória evolutiva, atingindo uma expressão significativa no processo de morte-renascimento, enquanto um salto quântico. Contudo, para os seres cuidadores que desenvolveram formas

multisensoriais de percepção, este cuidado pode estender-se para além das

“ JUNG, op. cn., 1933. 15 Adotamos o termo cliente pela ausência de um outro mais adequado. Embora o termo paciente seja mais comumente utilizado, nós não o preferimos, tendo em vista as implicações patemalistas que tradicionalmente o acompanham. 'G Ver as obras de SILVA, op. cit., 1990 e l993a, b.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 106

barreiras do espaço-tempo, ou seja, para o Campo Não-manifesto da Alma Universal. 17

Com base no exposto acima, postulamos que morte-renascimento é um processo dinâmico, sempre presente na vida. Contudo, como referimos

anteriormente, este processo também é vivenciado pelas culturas, civilizações, as quais refletem os significados culturais compartilhados pelos seres que

nelas vivem. A história das civilizações oriental e ocidental pode evidenciar~

este processo, na medida em que os seus padrões atuais de expressão estao longe de serem considerados modelos ideais de civilizações. Nas últimas décadas podemos observar o início de uma significativa transformação nas

tradições oriental e ocidental. A tradição oriental, que tem baseado a sua

visão de mundo em uma pressuposição ontológica predominantemente de

totalidade, coloca o bem-estar coletivo em primeiro lugar. Formas dualistas e~ atomísticas de pensar as experiências e a realidade sao rejeitadas em favor de

uma ênfase nas relações entre todas as coisas.” Contudo, as pessoas do

oriente têm lidado com problemas de danos ambientais, com a pobreza, ambição, ódio e dominação como todos os outros.” Nas últimas três décadas nós temos observado uma crescente procura do povo oriental pela solução de seus problemas na cultura ocidental. Como um exemplo, o pêndulo tem

mudado da medicina tradicional para a modema medicina ocidental.” Este fato mostra um movimento incompleto; a imanência em si necessita ser

transcendida, tendo em vista que 'suas conseqüências podem ser catastróficas para a cultura oriental. -

'

“ Ibidem. '* ROCKEFELLER, s.c. Faith and zozmmmny in an ecological age. In; , ELDER, J.c. Spirit and nature. Boston: Beacon, 1992. p.l39-171. 19 Ibidern. 2° EISENBERG, D. Energy medicine in China: defining a research strategy which embraces the criticism of skeptical colleagues. In: McNEIL, B., GUION, c. (Eds.). Ten years of consciousness research. Noetic Science Collection 1980-1990. Sausalito, Ca.: Instituition of Noetic sciences, 1991. p.94-101.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 107

A tradição ocidental, por sua vez, tem baseado a sua visão de mundo em uma pressuposição ontológica de separatividade, de especificidade, a qual se traduz na ênfase do bem-estar individual. Como resultado nós temos visto na cultura ocidental uma grande pobreza material-espiritual, com conseqüente perda da dimensão sagrada da vida, que tem estado refletida nos padrões de

vida no mundo. Neste sentido, a visão de mundo ocidental tem estimulado a

ambição, a competição selvagem, dando surgimento à exploração científica da

natureza e ao abuso social dos seres humanos.

Seguindo os três séculos de acentuado desenvolvimento científico, toma-se insuportável ter de concordar com Wittgenstein, de que a acumulação de tanto conhecimento sobre o mundo tem se traduzido em tão pouca sabedoria do mundo, dos seres humanos em relação a eles mesmos, aos seus pares e em relação à natureza.”

Nas últimas três décadas, o ocidente vem buscando renovar a sua cultura, através de algumas importantes fontes orientais de conhecimento,

como por exemplo, as tradições do budismo e taoísmo. Este fato mostra

também um movimento incompleto; a transcendência em si necessita ser

transcendida, desde que suas conseqüências podem também ser catastróficas para a nossa cultura.

Neste sentido; o oriente, assim como o ocidente, necessitam transpor suas visões de mundo, as quais peipassam por um insíght espiritual e

reclamam métodos transfonnativos. Deste modo, partilhamos do pensamento

de Bohm e Peat quando referem que tanto o oriente como o ocidente requerem novos padrões de ordem criativa.” Padrões estes, que transponham as

fragmentações representadas pelos extremos das culturas oriental e ocidental

2' SANTOS, B. de S. Introdução a uma ciência pós-modema. Rio de Janeiro: Graal, 1989. 22 BoHM,1=EAr, op. Cir., 1989.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 108

Para tanto, não bastará que cada cultura adapte às suas necessidades os

elementos da outra, que lhe pareçam convenientes ou atrativos, já que fazê-lo

seria continuar com a rigidez das posições básicas, caracteristicas de ambas as culturas, com o conseqüente jogo falso e bloqueamento da criatividade.” O renascimento dessas culturas requer, dentre outras coisas, o diálogo genuíno

entre elas. Um diálogo que seja desprovido do apego a pontos de vista fixos, sempre no sentido de se favorecer uma mente comum, nova e fluida, e sem dúvida rica de novas possibilidades criativas.”

O momento em que ora vivemos parece evidenciar a predominância da morte e, ao mesmo tempo, de renascimento de novas civilizações, em direção

~ a novos padroes de vida. Neste momento caótico, incertezas, crises,

sofrimento, depressão e apreensão invadem todos os quadrantes do planeta.

Estas situações parecem anunciar a expectativa e ansiedade das pessoas por

novos padrões de expressão do ser e do viver no mundo. Parecem também evidenciar o medo da mudança e o apego aos velhos hábitos e

condicionamentos no mundo.

Neste momento, a enfermagem, juntamente com outras disciplinas e/ou profissões e com a sociedade, tem um compromisso com a vida no planeta e, conseqüentemente, com a Alma Universal. Este compromisso consiste em um movimento em favor da vida em todas as suas formas de expressão e de complexidade, ou seja, da vida humana, da natureza, do planeta e da vida

universal como um todo. Um movimento, em que o campo de ação do cuidado é efetivamente ampliado das Instituições (hospitais, universidades) para as

vidas em farnília, em grupos, comunidades e sociedades. Neste sentido, são requeridos novos padrões de cuidado, que privilegiem o processo espiritual de

renascimento da sagrada dimensão de amor e sabedoria na vida, no mundo. Neste processo, nós enquanto seres cuidadores em um permanente diálogo

23 lbiaem. 24 Ibiàem.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 109

podemos ajudar individuos, grupos, familias, comunidades e sociedades a

entender e experienciar de forma mais harmônica 0 processo de morte-

renascirnento em suas vidas. Processo este, que deve ter seu inicio desde a

vida intra-uterina e acompanhar o ser ao longo de sua caminhada existencial.

Podemos, assim, ajuda-los a entrar em contato com suas potencialidades de amor e sabedoria, expandindo as suas capacidades, para serem os seus

próprios cuidadores nos seus processos de morte-renascimento. Neste sentido,

o ritmo individual e/ou coletivo deve ser respeitado.

O Cuidado Transdimensional emerge, então, do diálogo genuíno entre o

ocidente e o oriente, no sentido de se favorecer a tuna mente comum, que é, sem dúvida, acompanhada de novas possibilidades criativas e transformativas no processo de ser e de viver no mundo. O Cuidado T ransdimensional pode

ser entendido como um processo eminentemente participativo e reflexivo, em que os seres envolvidos no cuidado, através de uma interação dinâmica,

intuitiva e criativa, oportunizarn um caminhar rumo a novas experiências, nas quais, de fonna original e única, se auto-conheçam e se auto-transfonnem.”

Neste processo, juntos, redescobrem novos significados para as situações

vividas e caminham em direção a uma crescente dinamização,

complexificação, simplificação e conscientização dos seus seres. Assim, no presente em expansão, passado e futuro ressurgem através de novos matizes de significados, que emergem das reflexões sobre as experiências vividas. Neste sentido, o Cuidado 'Transdimensional tem como base as histórias de vida, através de suas teias de significados, as quais refletem a singularidade e

complexidade dos seres. O Cuidado T ransdimensional, com foco no processo de morte-renascimento, requer, então, 0 engajamento dos seres nos

significados das experiências vividas, para que juntos teçarn um novo mosaico de padrões de significados. Neste processo, novas dimensões do viver se

descortinam, trazendo em si novos padrões de propósitos na vida. Este

25 srLvA, op. cn., 1990 fz 1993z.

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Morte-Renascimento: Foco Essencial do Cuidado Transdimensional 110

processo extrapola as tradicionais noções de espaço-tempo e envolve uma participação transdímensional. Com base no exposto, apresentamos, a seguir, os padrões de signíficado e de expressão estética do Cuidado T ransdimensional.

\

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CÁPJTULQ 1/111Â PADROES DL' SIGNIFICÀDO 5 D5 LLXPRÃSSÁO

ESTÉHCA DO CUIDADO T RANSDIMÃIVSIONAL,

\

NO ENCONTRO, OS SERES EIVIÍOLWDOS IVO CUIDADO SIMULTÀNEAMENHÍ DOAM E RECEBEM, TORIVÁM-SE MAIS COMPLETOS, CÁMIIVIIÀM PARÁ O IIIVÚ. PARÁ A UNIDADE COM O UIVIVÉRSO E. ASSIM, PARUCIPAM DO PROCESSO DE MOR T E -REIVAS-CIJIEIVT O DO TODO.

A. 1.. su.YA

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RESUMO

Neste capítulo, apresentamos os padrões de significado e de expressão estética do Cuidado Transdimensional. Estes padrões resultam de uma revisão retrospectiva de nossa prática pessoal-profissional, no plano individual e grupal. Os padrões de significados identificados caracterizam o Cuidado Transdimensional enquanto parceria, experiência interior, busca da unidade, prática não~espacial, atemporal, indeterminada e complexa. Estes padrões não são entendidos a partir de uma perspectiva linear e hierárquica, tendo em vista que eles são elementares e fimdamentais. Eles também são postos como um ponto de partida, a serem aprofundados a partir de futuras investigações. Introduzimos, a seguir, alguns padrões de expressão estética, os quais podem contribuir para a harmonização do ser, ampliando as possibilidades de auto- conhecimento e auto-transformação e favorecendo, assim, o processo de morte-renascimento. Selecionamos alguns, que utilizamos em nossa vida pessoal-profissional, como oração, meditação, toque terapêutico, musicoterapia, cromoterapia, mandala, radiônica, radiestesia e I ching. Estes padrões de expressão são considerados somente parte do processo mais amplo que é o Cuidado Transdimensional. _ __

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Quando olhamos para a história da enfermagem, podemos constatar que as concepções teórico-filosóficas do cuidado têm predominantemente reduzido o ser e

seu ambiente ao campo manifesto da alma individual e Universal, através de uma abordagem que enfatiza o uso dos cinco sentidos. Contudo, nas últimas duas

décadas, as concepções emergentes se caracterizam por novas dimensões e

possibilidades de cuidado. Este movimento parece estar se dando de forma

predominante na comunidade científica da enfermagem norte-americana. Na enfermagem brasileira, por sua vez, este movimento parece estar em seu inicio.

Martha E. Rogers introduziu em seu sistema conceitual A C íência dos Seres Humanos Unitários o conceito de quadridimensionalidade, o qual passou

posteriormente a ser denominado de pandimensionalia'ade.¡ Pandirnensionalidade

foi definida por Rogers como um domínio não linear, sem atributos espaciais

temporais, o qual está presente no campo humano e ambiental. Este conceito abriu a

possibilidade de explicar fenômenos multissensoriais, tais como: premonição, z« /

telepatia, clarividencia, dentre outros.

Jean Watson apresentou uma abordagem inovadora do cuidado, quando introduziu em sua teoria o construto do cuidado transpessoal.2 Este cuidado

consiste em um processo em que o ser se move em direção 'a um sentido mais elevado do self e a harmonia na unidade mente-corpo-espirito. O cuidado

transpessoal expande os limites de abertura e acessa o espírito humano, tendo a

possibilidade de expandir a consciência humana, de transcender o momento e

potencializar a cura (healing).

1 ver as ohms de ROGERS, op. err., 19'/o e 1990. 2 Ver as obras de WATSON, op. cit., 1988a e l995b.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 114

\ Margareth Newman também contribuiu para novas possibilidades de

cuidado, quando apresentou a evolução da consciência como o processo de saúde.3 Esta autora ao adotar a teoria de Young, reconheceu sete estágios no processo de

evolução. Neste processo, 0 início e o fim são caracterizados pela completa

liberdade e escolhas irrestritas. Os passos entre eles são uma seqüência do primeiro, perda da liberdade, quando a identidade na forma de um ser fisico evolui e, então, no quarto estágio inicia o reverso destas perdas, quando a entropia é revertida e a

compreensão evolui. O sétimo estágio é caracterizado pela consciência absoluta, a

qual foi relacionada ao amor.

Este movimento parece não estar se dando de forma isolada, na medida em que tem estado presente em outras áreas do saber. Como refere o fisico Gary'-Zukav, nós estamos evoluindo de uma civilização de cinco sentidos para urna civilização multissensorial.4 O autor explica que nossos cinco sentidos formam um único sistema sensorial, o qual é relacionado à percepção da realidade fisica. A percepção multissensorial, por outro lado, se estende para além da realidade fisica, englobando

um sistema amplo e dinâmico da qual nossa realidade fisica é uma partes Na visão deste fisico, um ser humano multissensorial é capaz de perceber e apreciar o papel que nossa realidade desenvolve na grande arena da evolução e a dinâmica pela qual

nossa realidade fisica é criada e sustentada. Este autor acrescenta que este domínio é

invisível para os cinco sentidos.

Os sistemas conceituais acima citados têm contribuído para a emergência de estudos teórico-filosóficos e exploratórios sobre o cuidado. Eles também abrem espaço para a concepção teórico-filosófica do Cuidado T ransdimensional. Este paradigma, por sua vez, amplia a perspectiva de construção de novas teorias e

de estudos exploratórios sobre o cuidado, que poderão contribuir para novas

possibilidades de cuidado, a partir de uma abordagem integrada e transdimensional.

3 NEWMAN, op. en., 1994. 4 ZUKAV, op. eu., 1990. 5 ibúaem.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimerisional 115

Deste modo, o Cuidado Transdimensional traz em si uma nova estrutura de

cuidado, a qual corresponde a padrões diferenciados de significado e de expressão

estética do cuidado, que envolvem ações predominantemente não-invasivas,

preventivas e que são em si coletivas, na medida em que resultam de uma abordagem transdimensional.

A teorização do Cuidado T ransdimensional emerge da nossa experiência pessoal-profissional, no plano individual e grupal. Esta teorização implica em buscarmos nas proftmdezas do ser os significados advindos da nossa experiência

com este cuidado. Deste modo, a apresentação dos padrões de significado e de expressão estética do Cuidado Transdimensional exigiu toda a construção teórica

anterior para que pudéssemos não só tomar compreensível estes padrões, mas também compor as idéias em um conjunto de significados inter-relacionados, com vistas a formar mn todo coerente.

A busca destes significados nos remete à infância, quando tomamos

conhecimento das formas multissensoriais de percepção paterna e materna e, sob a

orientação deles, fomos introduzida em práticas de cuidado que aqui denominamos de Cuidado Transdimensional. Por outro lado, sob a tutela patema, tivemos

instigada a nossa curiosidade e a busca de nossos questionamentos em diversas literaturas ocidentais e orientais, como por exemplo as filosóficas e espiritualistas. Em incontáveis madrugadas, juntos, exercitarnos as nossas capacidades de pensar e

abstrair sobre os mistérios da vida e do universo. Contudo, todas estas experiências

eram sempre precedidas de dúvidas, até que na adolescência passamos a vivenciar

as experiências com o Cuidado T ransdimensional . Naturalmente que é fácil duvidar das experiências dos outros, mas dificil é não acreditar naquilo que se vive

pessoahnente. Estas experiências nos levararn a optar por uma profissão do cuidado, no caso a enfermagem, em que continuamos a aprimorar a prática com o Cuidado T ransdimensional. Por outro lado, as dificuldades e sofrimentos vivenciados em nosso processo existencial (pessoal-profissional e de relação com o meio ambiente)

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 116

contribuiram para que iniciássemos o complexo processo de auto-conhecimento e de

auto-transformação, o que tem nos levado a inúmeras experiências com o processo de morte-renascirnento.

A nossa experiência ao longo dos anos e em diversos gruposó com o que denominamos de Cuidado T ransdimensional, por outro lado, tem nos mostrado o

seu aspecto emiquecedor, na medida em que as diversas formas de percepção multissensoriais dos integrantes se somam, potencializando umas às outras e

ampliando o quadro do fenômeno sob estudo e cuidado. Nestes grupos, o cuidado se

constitui em um fio condutor e catalizador das ações empreendidas pelos seus membros. O cuidado emerge, assim, de um encontro interativo, no qual os

membros do grupo comungam suas habilidades e talentos para criar um ritmo de propósitos e ações compartilhadas. Estes propósitos e ações são norteados para a

ajuda dos que procuram o grupo, como também dos próprios membros do grupo. Com base nesta experiência, temos constatado que a qualidade do Cuidado

T ransdimensional é muito maior quando há uma sintonia entre os elementos do grupo, quando este enfatiza mais a cooperação do que a competição, quando são

organizados por normas flexiveis e de forma horizontal, onde todos são importantes

e fundamentais para a qualidade do cuidado. Esta experiência nos leva a pensar que

as práticas em grupo tenderão a predominar no futuro, representando urna grande reformulação na estrutura do cuidado.

Conseqüentemente, este estudo não se faz somente enquanto uma tese elaborada no curso de doutorado, mas resulta de uma longa caminhada, em que vimos aperfeiçoando a compreensão teórico-prática sobre o Cuidado

Transdimensional. Diante do exposto, apresentamos, neste capítulo, os padrões de

significado e de expressão estética do Cuidado T ransdimensional.

5 Fazem- parte destes grupos profissionais de ambos os sexos de diversas áreas do saber, como terapeuta, médico, psicólogo, dentista, engenheiro, advogado, arquiteto, artista, economista e pessoas do senso comum.

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Padrões de Signiñcado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional ll7

PADRÕES DE SIGNIHCADO DO CUIDADO TRÁIVSDLMEIVSIONAL

Como referimos anteriormente, os padrões de significado do Cuidado

T ransdimensional, aqui apresentados, resultaram de uma revisão de nossa prática pessoal-profissional, no plano individual e grupal com o cuidado. Neste sentido, a

partir de uma perspectiva restrospectiva buscamos analisar, cuidadosamente, como esta prática foi vivenciada por nós e por aqueles que conosco compartilharam este

processo, tanto no sentido de cuidar como no de serem cuidados. Esta análise

evidenciou os seguintes padrões de Cuidado T ransdimensional: parceria,

experiência interior, busca da unidade, prática não-espacial, atemporal,

indeterminada e complexa? Constatamos que estes padrões se encontram de tal

forma interligados e interdependentes que se toma dificil desmembrá-los, ou seja, apresentá-los enquanto padrões isolados. Conseqüentemente, estes padrões não são

entendidos a partir de uma perspectiva linear e hierárquica, tendo em vista que todos eles são elementares e fundamentais. Por outro lado, considerando que a construção

do saber se constitui em um processo sempre inacabado e, portanto, em constante devir, os padrões apresentados a seguir são postos como um ponto de partida a

serem aprofundados a partir de futuras investigações.

O CUIDADO TRANSDIMENSIONÀL ENQUANTO PJHZCERIA

O Cuidado Transdimensional caracteriza-se por urna parceria entre dois ou mais seres, a qual extrapola as noções de espaço-tempo, envolvendo tuna relação

transdimensional e que tem como meta a complexidade crescente de expressão da consciência no planeta. Neste sentido, o processo saúde-doença pode ou não se

constituir em meio ou motivo para que o ser necessitado de cuidado procure ajuda e,

7 Estes padrões são melhor especificados ao longo do capitulo.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional ll8

Isto porque, em nosso meio, o sofrimento ainda se constitui em motivação primária para a busca de ajuda, a qual traz em si novas possibilidades de transcendência para formas mais complexas de expressão da consciência.

O encontro do cuidado deve, então, ser entendido como um acontecimento relativo, singular e original que envolve seres com os mais diversificados padrões e

ritmos de expressão da consciência. Neste encontro, o próprio Ser do cuidador é

parte integrante do cuidado, sendo a sua capacidade de expressão da consciência

fundamental para a qualidade do cuidado. Esta qualidade dependerá também dos propósitos que levam este ser a cuidar. Propósitos estes, que necessitam emergir de

um profundo compromisso com a vida no planeta, o qual tem como base o AMOR, sentimento que se desenvolve à medida que o ser cuidador busca uma crescente dinamização, complexificação e conscientização do seu ser.7 Este sentimento

impregna e magnetiza todo o ser do cuidador e se exterioriza no meio ambiente,

tomando este campo superenergizado, um campo composto de uma energia mais quintessenciada, poderosa e ativas Neste sentido, diríamos que o amor é o processo

mais simples e mais eficaz para expandir a negentropia do universo.9 Este

sentimento implica, por sua vez, em atitudes de lionestidade, aceitação, interesse e

respeito pelo outro, além de inspirar confiança.” A qualidade do cuidado

dependerá, conseqüentemente, das habilidades e talentos do ser cuidador para

acompanhar o ser cuidado na redescoberta de suas potencialidades próprias e,

assim, dar o seu salto quântico, ou seja, transcender a sua atual forma de expressão.

Este movimento não *pode ser considerado somente no plano individual, tendo em vista que além dele se dar no conjunto dos seres envolvidos no cuidado, também contribui para o movimento de uma ordem mais global.

A participação do ser cuidado, bem como a sua capacidade de expressão são

7 s1LvA, up. zu., 1990. 8 rbidezfz.

9 CHARON, op. cn., 1979. '° s1LvA, op. cn., 1990.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 119

também fundamentais neste processo. A capacidade de expressão deste ser

determinará, em grande parte, o ritmo e as potencialidades do cuidado. Contudo, cabe destacar que mesmo quando as metas propostas no cuidado não são atingidas, a sua efetividade não pode ser considerada nula ou pequena. As aquisições não se

perdem, ficarn registradas para que em um outro momento a transcendência para novos estágios de expressão do ser possa ocorrer. Deste modo, não podemos considerar o cuidado somente no plano de resultados, ou seja, de fracasso ou

sucesso, mas sim como experiências plenas de significados, as quais são

imprescindíveis na evolução dos seres. Considerando, por outro lado, que toda

transcendência pessoal é acompanhada de transformações no plano coletivo, o

cuidado constitui-se em requisito imprescindível na evolução global de nosso

planeta. No encontro do cuidado, os seres envolvidos recebem e doam e esta

interação será tão mais efetiva em decorrência da capacidade de expressão destes seres.

0 CUIDADO TRAIVSDIMEIVSIOIVAL £IVQUANTO £XPERIÊIVCIA INTERIOR

O Cuidado T ransdimensional emerge enquanto experiência interior,

vivenciada pelos seres envolvidos no cuidado. A experiência interior, em sua contextualidade, pode se caracterizar por uma diversidade de expressão, na medida em que desloca a ênfase da informação para os significados. Daí a singularidade e

originalidade de cada encontro do cuidado. Esta experiência pode ser rica em imagens simbólicas. Irnagens que podem adquirir os mais diferentes matizes de cores e significados. Esta experiência pode também se caracterizar por cenas, em que o movimento, as cores, sons, odores se encontram presentes. Outras vezes, esta

experiência pode se traduzir em intuições que surgem acompanhadas de um forte sentimento de certeza.

_

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va

Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 120

Em se tratando mais particularmente da intuição, destacamos que ela é uma dimensão imprescindível no processo de viver e de cuidar. Entretanto, não é fácil

explicar o processo intuitivo, na sua totalidade. Utilizando a temiinologia de

Charon, poderíamos considerar a intuição enquanto “voz interior”,“ que reflete a

sabedoria do nosso ser e nos aponta o melhor caminho e as mais apropriadas

decisões. Deixar-nos guiar pelas nossas intuições tem se constituido em atitude fundamental da nossa vida pessoal-profissional. Inicialmente, esta atitude não foi

fácil para nós, principalmente em função da nossa postura muito racional, de

certezas e controles. Deste modo, no inicio nos víamos em dificuldades,

principahnente quando a intuição nos apontava um caminho que não era,

aparentemente, o lógico, ou mesmo o mais adotado em situações semelhantes. Contudo, quando começarnos a perceber a sabedoria que existia em nossas

intuições, passamos a acatá-las. Inúmeras foram as decisões que tomamos no plano pessoal, com base na intuição, que foram seriamente criticadas por familiares e

amigos e, no entanto, decorrido algum tempo pudemos constatar que havíamos

optado pelo melhor caminho. Lembrarno-nos de uma vez em que tal ocorreu e após algum tempo parecia que os familiares e amigos estavam corretos, o que nos

acarretou dúvidas e questionamentos. Entretanto, pouco tempo se passou para que

constatássemos que havíamos decidido pela melhor opção . Ao incorpora-la em nossa prática profissional, esta sofreu uma grande reformulação. Assim, ao deixar- nos guiar pelas intuições, pelas dos seres envolvidos no processo e pelas situações

do momento, passamos a flexibilizar os objetivos desta prática. Vimos constatando

que, durante o processo, as ações fluem com espontaneidade, transformando o

mesmo em momentos ricos de aprendizagem, de novas experiências e, ao mesmo tempo, agradáveis. Dizemos isto, embasada em nossa prática anterior, quando

detectamos que existia a angústia e a preocupação em cumprir a cada dia os objetivos traçados, levando, conseqüentemente, a urna prática irnpositiva,

improdutiva e cansativa. Podemos dizer que o processo intuitivo, enquanto

“ CHARON, op. cn., 1979, pias.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 121

fenômeno de qualidade criativa e de síntese, é imprescindível na prática do Cuidado

T ransdimensional.

Quando lidamos com a experiência interior, a sua forma pode ser rica e se dar como um todo. Deste modo, relatar esta experiência nem sempre é uma tarefa fácil, tendo em vista as dificuldades encontradas para traduzi-la na sua riqueza de detalhes, de sentimentos, emoções e também na sua totalidade. A totalidade do fenômeno apreendido é, assim, prejudicada pelo ato de apresentá-la em partes. A nossa experiência evidencia esta dificuldade, pois, ao percebennos o todo,

perdemos de vista as partes e quando nos atemos às partes não percebemos o todo.

Ao mesmo tempo, quando percebemos o todo, não conseguimos traduzi-lo em palavras, sendo tal esforço acompanhado da perda da qualidade do fenômeno

vivenciado.

Esta experiência pode também extrapolar o momento do encontro, ou seja, ela pode tanto preceder como proceder àquele momento. Neste sentido, esta

experiência pode se caracterizar por intuições, sonhos e mesmo visões.

Exemplificando, citamos uma situação vivenciada com Carol,12 urna cliente

portadora de AIDS.”H

Carol se encontrava internada há aproximadamente 4 meses, sendo que três destes estava sob nossos cuidados. Esta cliente raramente recebia visitas de seus familiares, os quais apareciam após diversas solicitações. Quando da alta desta cliente os familiares se recusavam a recebê-la em casa, mesmo após as inúmeras orientações sobre o processo saúde-doença da AIDS. Após uma certa pressão por parte da administração do hospital e do médico, os familiares resolveram alugar um pequeno apartamento em Florianópolis para recebê-la, com a alegação de que eles moravam em outra cidade e, deste modo, dificultaria os retomos da cliente ao hospital. Considerando a solicitação da cliente, o seu bem- estar, os nossos sentimentos por ela e a necessidade emergente dela sair do hospital, em função das depressões que a longa permanência no local lhe causava, não vimos outra solução que não a de assumirrnos a responsabilidade que era da família. Deste modo, combinamos que seria

12 O nome da cliente foi modificado para assegurar o seu anonimato. 13 SILVA, op. cn., 1990.

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Padroes de Significado e de Expressao Estética do Cuidado Transdimensional 122

alugado um apartamento próximo ao nosso e, assim, poderiamos prosseguir o processo do cuidado. Naquela noite, foi dificil iniciar o sono, face à preocupação com o compromisso que assumíramos. Ao adormecer, sonhamos que estávamos na casa de Carol e em uma imensa sala nos reuníamos com a sua familia e outras pessoas, as quais não conhecíamos. Conversamos longamente sobre a situação de Carol e, no final, a família concordou em recebê-la. Acordamos e refletimos sobre os significados daquele sonho, pois todas as tentativas haviam sido feitas pelo médico, pela assistente social, pela administração do hospital e mesmo por nós. Estava decidido que Carol ficaria em Florianópolis. Naquela mesma manhã a assistente social nos ligou avisando que a familia havia alterado os seus planos e iria recebê-la. Nossa maior perplexidade ocorreu quando, ao visitar a cliente após a alta, constatamos que o local onde Carol morava não nos era estranho, havia a certeza de que ali já estivéramos anteriormente.

Uma outra situação que nos vem à mente, aconteceu há vários anos atrás, quando da morte de um cliente e nos dirigíamos para o enterro deste.

Enquanto estávamos a caminho do local, nos veio à mente que seríamos convidada a prestar os cuidados de despedida ao cliente. Não levamos muito a sério tal idéia, até porque é de praxe que um religioso o faça. Após demonstrarrnos os nossos sentimentos de pesar e de solidariedade

' aos membros da família, com quem mantinhamos uma relação de ajuda, nos colocamos em oração e meditação, aguardando o momento da despedida. Passado algum tempo, a mãe do cliente se dirigiu a nós e nos pediu para que fizéssemos a despedida. Naquele momento, refletimos sobre a necessidade de confiarmos mais em nossas intuições. Com este pensamento iniciamos a refletir para os presentes sobre as qualidades daquele Ser que acabava de partir, sobre a dignidade e coragem com que faceara as dificuldades vividas. Falamos também sobre a importância da vida, de nos amarmos mais enquanto estamos juntos a caminho e da necessidade de nos educarmos para a morte, enquanto uma passagem necessária ao nosso crescimento pessoal. Finalizamos a despedida com o Salmo 23 de Davi “Senhor, Pastor Hospitaleiro”.

_

A nossa experiência nos leva a considerar que o cuidado, enquanto vivência interior, requer que valorizemos principalmente o processo e que tenhamos abertura,

flexibilidade, confiança em nós e na “conspiração cósmica”.l4 Requer sobretudo

14 Estaflexpressão foi utilizada por R M. Bucke para designar o estado supremo de consciência. WHITE, J. (Org.) O mais elevado estado de consciência. Trad. R. Rusche. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1972. p.l1-19: Introdução.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 123

que valorizemos as nossas percepções, a sensibilidade, as idéias e imagens

simbólicas. Desta mesma forma, necessitamos proceder para com os seres que cuidamos. Enquanto experiência interior, o acesso aos dados não parece ser

necessariamente privado. A nossa experiência tem demonstrado que grupos podem vivenciá-la em uma diversidade de maneiras, emiquecendo os significados e

contribuindo para uma maior abrangência e qualidade do processo do cuidado.

0 CUIDADO TRÀIVSDIMEIVSIOIVAI. ENQUANTO BUSCA DA U1VIDAD£

O Cuidado T ransdimensional emerge enquanto busca da unidade. Quando nos referimos à busca da unidade, não estamos dizendo que ela já não exista e que,

portanto, deva ser criada. Estamos, sim, dizendo que esta unidade não pode ser

apreendida e vivenciada se não transcendermos a razão/intelecto como única fonna de compreensão da realidade e as nossas usuais formas de percepção, através dos

cinco sentidos, tendo em vista a fragmentação inerente a eles. A busca da unidade implica em que estabeleçamos uma comunicação, ou seja, que entremos em sintonia com a unidade do nosso ser, dos outros seres, do mundo e da Alma Universal. Este processo pode ser entendido a partir do movimento de imanência e transcendência

da consciência.” P4o¿lem9_s_cpm_parar metaforicamente este processo ao salto de um elétron de uma órbita para outra, sem atravessar linearmente o espaço que entre elas se interpõe. Nas palavras de Chuang-Tzu, filósofo oriental, contemporãneo_ de

Platão, podemos dizer que “... você usa seu olho interior, seu ouvido interior para

penetrar o coração das coisas...”.l6 Neste sentido, este processo se dá através das

potencialidades da síntese, na qual a apreensão dos eventos e seus significados

emerge, em conjunto, no presente em expansão. O cuidado enquanto processo compartilhado só pode, então, fazer sentido em tennos de unidade total. Nesta

'5 Este processo foi melhor especificado no capítuloVI, páginas 88 e 89. 'Õ Citado por IUNG, C.G. Syuchronicity: an acausal coneecting principle. Transl. by R.F.C. Hull. Princeton. N.J.: Princeton University, 1973b, p.73.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 124

comunicação, a estrutura dos significados é criada através de uma sintonia

compartilhada entre nós, os outros seres, o mundo e a Alma Universal.

A busca da unidade implica em que ativemos o complexo vontade-

pensamento-sentimento pelos propósitos do amor, de ajuda, os quais trazem em si o

compromisso comavida. Deste modo, esta busca parte de um anseio do ser e,

portanto, é intencional. Uma intenção que pode ser permanente, através do firme propósito e prontidão para servir. Em nosso meio, o termo servir vem sendo considerado pejorativo, pois parece vir acompanhado de uma submissão total ao outro e, até mesmo, de uma certa alienação. Contudo, o compromisso para servir é

uma das maiores forças na evolução da humanidade e implica na admissão de que a

vida é um todo indivisível, que todos nós estamos ligados uns aos outros e,

conseqüentemente, a ascensão evolutiva de cada ser está relacionada a do

conjunto. Nesta predisposição para servir, podemos nos sintonizar com seres que necessitam de ajuda. Inúmeras são as experiências em que nos vimos pensando em detennirradas pessoas, sendo tal pensamento acompanhado do forte desejo de nos

comtmicar com elas e ao fazê-lo verificannos que elas necessitavam de ajuda. Em algumas situações constatamos que algumas destas pessoas pensavam em nós, em outras elas somente sentiram a forte necessidade de ajuda. Outras vezes, enquanto

nos dirigíamos para um determinado lugar, fomos, sem que pudéssemos encontrar um motivo plausível, desviada para a casa de um parente, amigo ou vizinho, os quais verificamos que necessitavam de ajuda. Situações contrárias também foram observadas. Inúmeras vezes nos vimos em situações desesperadoras em que não vislumbrávamos uma saida e, no entanto, fomos socorrida por pessoas que vieram ao nosso encontro, sem que ao menos imaginassem as situações que vivenciávamos.

Um exemplo significativo ocorreu em um certo período de nossa vida, quando havíamos emprestado uma quantia significativa de dinheiro para uma pessoa que se encontrava em dificuldades fmanceiras. Após o empréstimo esta pessoa

_

3

simplesrnente desapareceu de nosso circulo de amizades. Passados vários anos,

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 125

quando não mais nos lembrávamos do ocorrido e nos encontrávamos em uma situação financeira precária, aquela pessoa apareceu e com um pedido de desculpas, nos devolveu aquela quantia. Naquele dia, sentimo-nos como se o céu nos abrisse as portas. Tais experiências nos levaram a pensar que não se tratavam de simples

coincidências, tal como é comumente interpretado, principalmente pelo número de vezes em que se apresentaram, passando estes fatos a serem interpretados por nós como uma conspiração da unidade, uma “conspiração cósmica”. Deste modo, na

medida em que elas se sucediam passamos a estar atenta às pistas ou sinais, o que

tem nos levado a uma postura atentiva e meditativa. Conseqüentemente, cada ser que encontramos nos pergrmtamos, na maioria das vezes, qual a finalidade daquele

encontro, 0 que temos que aprender com tal pessoa e o que necessitamos repassar a

ela.

A ativação do complexo vontade-pensamento-sentimento pode, assim,

ampliar a capacidade de expressão do ser, ou como diria Jung, alterar o espaço- tempo por “contração”," embora o autor pareça atribuir somente ao estado

emocional a responsabilidade pela alteração do estado da consciência. Neste

processo, o ser cuidador se põe, paradoxalmente, em um estado captativo e

receptivo, estado este, necessário ao estabelecimento de uma sintonia compartilhadai

com o seu ser, com os outros seres e mais amplamente com a Alma Universal. Tal estado não pode ser considerado como sendo de neutralidade, tendo em vista que a

ativação do complexo vontade-pensamento-sentimento faz do ser cuidador um Ser poderosamente ativo; aberto ao conjunto de significados provenientes do ritmo

compartilhado e da unidade estabelecida. Contudo, esta unidade se dá no estar em presença com 0 outro, ou seja estar por inteiro com o outro, pois é na presença, na inteireza, que as portas da sabedoria amorosa podem ser abertas. Neste sentido, o

estado captativo e de receptividade implica na admissão das limitações e

vuhrerabilidades, inerentes à nossa capacidade de expressão frente à Alma

“ IUNG, op. cn., 19'/sb.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 126

Universal, como também dos outros seres que conosco compartilham o destino

comum. Este estado é favorecido pelos propósitos, confiança e serenidade dos

seres envolvidos no cuidado, que aumentam a capacidade sensível destes seres, bem como por um ambiente harmonioso e saudável.

Não podemos deixar de destacar que o ambiente, ao ser indissociável desta unidade, pode tanto contribuir como prejudicar a harmonia do ser. Pessoas sensíveis parecem sentir mais as influências provenientes do ambiente. Neste sentido, estas

influências podem chegar a depauperar as forças dos seres, acarretando alterações gerais e levando a perdas significativas de qualidade de vida. Deste modo, quando o

meio se insere em padrões de caos e desorganização, requer de nós uma vigilância maior e a elevação de nosso padrão de sintonia vibratória, o que pode contnbuir

para ativar o padrão de ordem e organização deste meio. O padrão de qualidade do ambiente parece refletir o próprio padrão daqueles que com ele interagem. Isto pode até mesmo ser constatado pelo padrão do nosso meio natural, em que as sérias e

constantes agressões ao nosso ecossistema vêm acompanhadas da possibilidade crescente de um desastre ecológico. Assistimos, assim, à destruição das florestas tropicais e do solo, ao desaparecirnento de variadas espécies de plantas e de

animais, à poluição do ar e dos alimentos. Tais fatos evidenciam o nosso plano

evolutivo e traduzem a pouca sabedoria em relação a nós mesmos, aos demais seres e em relação .à natureza. ~

A busca da unidade implica, portanto, em uma visão de conjunto, na ousadia de querer buscar compreender o todo, tendo em vista que partilhamos com este todo um destino comum. Esta compreensão implica em um continuum, em que vamos gradativamente aprimorando os nossos conhecimentos face às experiências que

vivenciamos. Conseqüentemente, esta aprendizagem não implica em um simples meio ou fim, tendo em vista que ela se constitui em um processo com múltiplos meios e fins.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 127

o cumzwo rrznivsoluzivsroivzu. aivauzuvro PRÁ rrcn Não-gsm 01111. E A rmmmz

O padrão de não-espacialidade e de atemporalidade implica na ausência do atributo do espaço e do tempo nas práticas de Cuidado T ransdimensional. Jung já postulava, com base em experiências, que sob certas condições o espaço e o tempo,

3 “por contração” , podiam ser reduzidos quase a zero, sendo que a causalidade

desaparecia com eles, porque ela está ligada à existência de espaço e tempo e

mudanças físicas.” Dossey, ao abordar a Era 111 da medicina, utiliza a expressão

prática não-local ou à distância. 19 Entretanto, esta expressão não nos parece

apropriada quando falamos do Cuidado T ransdimensional. Isto porque, neste

paradigma, tudo está em íntima relação com tudo, tudo somente tem participação com o todo, o que faz com que a expressão não-local ou à distância pareça sem sentido. .

Os avanços na fisica moderna modificaram radicalmente a nossa

compreensão acerca do espaço-tempo. Neste sentido, a idéia de um tempo linear e

de um espaço absoluto no qual os eventos ocorrem em urna sucessão sem fm é

rejeitada pela fisica modema. Tal fato levou Bohm a afinnar que “...agora é a

eternidade...”.2° De Brogliezl especifica melhor esta questão, quando refere:\

Espaço e tempo deixam de possuir uma natureza absoluta.... No espaço-tempo, tudo que para nós constitui o passado, presente e futuro é dado em bloco e a coleção inteira de eventos, sucessiva para nós, que forma a existência de uma partícula material é representada por uma linha, a linha do mundo da partícula. Cada observador, enquanto seu tempo passa, descobre novas camadas do espaço-tempo que aparece para ele enquanto aspectos sucessivos do

18 IUNÇ, op. cit., 1973b. '” DOSSEY, op. cit., 1993. 2° BQHM, D. op. cit., 1987, p.ós. 21 Citado por DOSSEY, L. Space, time, and medicine. Boston, Massachusetts: Shambhala, 1985, p.32.

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mundo material, embora na realidade o conjunto de eventos que constitui o espaço-tempo exista a priori ao seu conhecimento delas.

Ao lidarmos, por outro lado, com a experiência interior, podemos constatar que esta não possui as tradicionais qualidades espacial e temporal, ou seja, o espaço simplesmente não existe como princípio condutor e o tempo não obedece' a uma cronologia linear, tendo em vista a vivência de um presente em expansão. A nossa experiência com o uso de mandalas” em grupos com clientes, alunas e enfermeiras evidencia, por exemplo, esta questão. Relatamos aqui, resumidamente, uma experiência com uma aluna do curso de graduação em enfennagem:

Esta aluna, juntamente com o grupo, foi solicitada a desenhar uma mandala que expressasse o seu processo existencial, incluindo a infância e se estendendo até a velhice. A seguir, pedimos à aluna que descrevesse a sua mandala o que, posteriormente, fizemos ao grupo. As imagens retratadas pela aluna chamaram a atenção do grupo pelos simbolismos que expressavam, os quais foram confirmados pelos significados a elas atribuídas. Ali, diante de nós, passado e futuro emergiam naquele momento presente. Esta aluna havia perdido o pai em um acidente automobilístico quando era pequena, tinha sido excluída do ambiente doméstico pelo padrasto e pela mãe, indo morar com a avó e o avô que era alcoólatra. Na adolescência perdeu o namorado que amava, também em um acidente. Toda aquela vivência acarretou para a aluna mágoas, revoltas e até mesmo poucas expectativas acerca da vida. Os significados atribuídos a toda aquela vivência levavam a aluna a projetar uma imagem de um futuro com uma só cor e sem vida, na qual a solidão, doença e morte estavam presentes em uma fase precoce de sua vida. Enquanto refletíamos com o grupo, sentimos a presença de um homem ao nosso lado, que sabíamos ,intuitivamente ser o seu pai. Ficamos, inicialmente, em dúvida se deveríamos falar sobre nossa percepção. Contudo, sentimos uma forte sensação de que deveríamos fazê-lo. Deste modo, após verbalizarmos nossa percepção, pedimos permissão a aluna e ao grupo para canalizar as emoções e pensamentos daquele ser. Este, então, chorando, falou sobre o seu amor por ela e lhe explicou que estava sempre ao seu lado, sofrendo com a sua situação sem poder ajudá-la efetivamente. Pedia-lhe que trabalhasse os seus sentimentos e refizesse sua vida, pois a felicidade dele estava ligada à dela. Após algum tempo de verbalização, permanecemos abraçadas chorando. A aluna referiu-nos

_

posteriormente que sempre solicitava ajuda ao seu pai, sendo esta solicitação mais insistente nos momentos de sofrimento. Com base

22 Ver definição e outras especificações na Expressão Estética do Cuidado Transdimensional.

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naquela vivência e nos significados evidenciados, iniciamos a trabalhar com ela, buscando através do processo de morte-renascimento a emergência de novo padrão de pensamento-sentimento-ação, apoiados em um novo mosaico de significados.

Poucos dias antes de iniciannos o relato deste capitulo, recebemos um cartão desta aluna, que, dentre outras coisas, dizia: “Aproveito para lhe agradecer tudo o

que fez por mim. Aprendi a ver a vida de outro modo e a ter uma boa expectativa do futuro”.

O padrão de não-espacialidade e atemporalidade implica em que a influência de um ou mais seres sobre outro possa se dar sem a utilização dos meios ñsicos conhecidos. Esta influência é, por outro lado, expandida para além do espaço-tempo

e a interação/comunicação entre infinitas dimensões da realidade é validada nesta

abordagem. Inúmeros são os relatos na literatura sobre as experiências com diagnóstico, quando o espaço não fimciona como princípio condutor. Um relato desta experiência no campo da medicina é feita por Shealy e Myss.” Em 1985, 0

Dr. Shealy, neurocirurgião e pesquisador, que fundou a “American Holistic

Medical Association”, iniciou a trabalhar com Myss, uma pessoa que utilizava formas multissensoriais de percepção. Enquanto seu paciente se encontrava com ele em seu consultório em Missouri, ele telefonava para Myss em New Hampshire, dava a ela o nome e a data de nascimento de seu paciente e pedia-lhe as suas impressões. A experiência mostrou que 93% dos dados eram acurados, o que foi considerado fantástico, tendo em vista que mesmo com instrumentos de diagnóstico sofisticados, tais como a análise do sangue e raio X, raramente os médicos

alcançavam estes níveis em fase precoce dodiagnóstico.

Práticas similares têm sido desenvolvidas, há vários anos, por nós

individualmente e em grupos de cuidado. Neste sentido, pessoas que vivenciam as

23 SHEALY, C.N., MY SS, C.M. The creation of health: merging traditional medicine with intuitive diagnosis. Walpole, N.H.: Stillpoint, 1988.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 130

mais diferentes situações, incluindo as do 'processo saúde-doença, são atendidas.

Como na experiência de Shealy e Myss, para que haja uma melhor sintonia, nós solicitamos o nome e o local onde o ser se encontra. Quando esta prática é grupal, o

grupo como um todo é solicitado, inicialmente, a avaliar a situação para,

posterionnente, desenvolvermos as práticas de cuidado. Esta experiência tem

resultado em inúmeras situações, em que os seres” que solicitam ajuda são

beneficiados. Como referimos anteriormente, a experiência em grupo se mostra valiosa, na medida em que os diferentes membros contribuem, validando e

complementando os achados do outro e contribuindo para uma maior abrangência e

qualidade do cuidado a ser prestado. Neste sentido, esta experiência pode ser

interpretada como uma expansão da consciência/alma/ser, transcendendo, assim, o

espaço-tempo e possibilitando avaliar e atuar no campo manifesto e não-manifesto

do ser e da Alma Universal.

Há, assim, um processo dinâmico, continuo c criativo de interação/

comunicação entre a dimensão física (ordem implicada) e as dimensões não-

ƒísicas (ordem explicada). A maior implicação desta visão de mundo é a

possibilidade dos seres humanos experienciarem diversas e diferentes ordens

flsicas/não-físicas da existência simultaneamentezs Neste sentido, estes seres

podem agir conscientemente em uma relação transdímensional e, então,

participarem da solidariedade transdimensional, tanto no sentido de ajudarem, como no de serem ajudados por seres mais evoluídos. Inúmeras foram as situações

vivenciadas por nós,` em que pudemostconfirmar estas manifestações. Uma delas aconteceu quando terminamos a nossa prática com os clientes com AIDS e já nos

24 Destacamos aqui que dentre os seres atendidos se encontravam os de diferentes faixas de idade, classes sociais, profissões, religiões, cor, de ambos os sexos e de outras nacionalidades. 25 Ver as obras de DAVIES, P. God and the new physics. New York: Simon & Schuster, 1983 e TART, Ch.T. Altered states of consciousness and the possibility of survival of death. In: MCNEIL, B., GUION, C. (Eds.) Ten years of consciousness research. Noetic Sciences Collection 1980-1990. Sausalito, Ca.: Institution of Noetic Sciences, 1991. p.35-42.

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dispúnhamos a relatar, em nossa dissertação de mestrado, as vivências com quatro daqueles clientes, sendo que três deles haviam partido desta ordem de existência 26

Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional

Após ter realizado a nossa prática tivemos a oportunidade de contatar com o campo dos três clientes que partiram. Estes acontecimentos não foram surpreendentes para nós, visto que, normalmente, embora independente de nossa vontade, sentimos as vibrações emanadas por seres, a partir de uma perspectiva transdimensional, com os quais muitas vezes nem chegamos a conviver. Inicialmente, não cogitamos de relatar estes acontecimentos no trabalho em questão. Contudo, por um longo período, as nossas intuições nos diziam que deveríamos fazê-lo. A nossa decisão ocorreu após uma luta tremenda conosco mesma e, assim, resolvemos assumir este relato e correr os riscos que pudessem surgir. No final do ano passado (l989)..., quando iniciávamos a descrever o processo desenvolvido com outra cliente, começamos a sentir-nos debilitada, com dores no corpo, insônia, sensação de angústia e depressão. Fizemos vários exames médicos, mas nada foi detectado. Tentamos analisar as possíveis interferências, mas não havia nada de importante a ser considerado. Algumas vezes tínhamos intuições de que as interferências eram provenientes do campo de Carol,27 mas as refiitávamos veemente. Após um certo periodo convivendo com aqueles sintomas, pudemos contatar Carol. Cabe destacar que o contato com os três clientes ocorreu em um grupo de pesquisa e cuidados, do qual participávamos.” Segundo ela,

encontrava-se ainda sem saber ao certo do seu processo de transição. Chorando, contou-nos que se encontrava ao nosso lado, apesar de sentir que a sua aproximação provocava interferências no nosso campo. Contudo, precisava da nossa ajuda. Sentia muitas saudades da sua família e nossas. Naquele dia, Carol foi orientada acerca da sua situação e da necessidade de prosseguir em sua trajetória evolutiva. Posteriormente, o nosso campo voltou a apresentar mais harmonia em sua ritmicidade. Decorridos aproximadamente sete meses após aquele acontecimento, voltamos a contatar com Carol, sem, contudo, apresentarrnos aquelas interferências anteriores. Segundo ela, sentia-se em maior harmonia. Estava ainda em tratamento e recebia ajuda. Embora mais sintonizada com o seu plano vibratório, sentia saudades da família, principalmente dos filhos e nossas. Encontrara as explicações para tudo o que lhe acontecera e inclusive para as reações de sua família. Sabia que havia optado por caminhos dificeis, mas tinha esperanças de prosseguir, fazendo novas opções. Ainda, segundo ela, o nosso encontro não fora casual. As

26 vez as obras de SILVA, op. cri., 1990, p.27ó-230, srLvA, op. cu., 1993z. (0 relato sofreu pequenas modificações no que se refere a algumas terminologias, em função do referencial adotado). 27 Os nomes dos clientes forma alterados para manter seus anonimatos. .

28 Cabe notar aqui que os seres cuidadores que canalizaram os pensamentos e sentimentos daqueles tres clientes desconheciam por completo as nossas vivências com eles.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional

orientações recebidas a ajudaram muito no seu processo de transição. Sabia que muitas vezes havia sido rebelde e agressiva conosco, apesar da nossa paciência. Agradecia-nos todo o apoio recebido e onde estivesse continuaria a nos amar e a torcer por nós. Assim, despediu-se com um até breve....

O nosso contato com Ricardo ocorreu de uma forma bem diversa da de Carol. Durante o período em que relatávamos o processo desenvolvido com ele, preocupava-nos se deveríamos ou não fazê-lo, tendo em vista o fato de seus familiares desconhecerem a sua condição de homossexual. Deste modo, pensávamos no caso de seus familiares lerem o relato, como reagiriam. Por outro lado, estávamos revelando um fato de sua intimidade. Naturalmente, Ricardo nos havia dado o aval para tal relato, mas ficara implícito no processo que ele revelaria a doença e a via de contágio à sua familia. Contudo, o desenrolar dos acontecimentos não o permitiram. Assim, a indecisão deste relato permaneceu até o dia em que pudemos contatar com ele. Estava ciente do seu processo de transição e sentia muitas saudades da sua familia. Havia sentido a nossa indecisão e nos autorizava a relatar todo o processo. Agradecia o apoio recebido e esperava que nós continuássemos interagindo com os seus familiares....

Quando iniciamos a relatar o processo desenvolvido com Davi, passamos a sentir novas interferências em nosso campo. Sempre quando nos sentávamos para escrever sentíamos um grande mal estar geral, cefaléia intensa, muita angústia e inquietação. Deste modo, não conseguíamos permanecer muito tempo sentada e o relato não fluía. Considerando que tínhamos as limitações do tempo, resolvemos abandonar o relato do seu processo temporariamente e desenvolver outras etapas do trabalho. Contudo, chegou o momento em que precisávamos retomar o relato e vimo-nos às voltas com as interferências sentidas anteriormente. Várias vezes tínhamos intuições de que se tratava de Davi, mas como nos contatos com Carol, nos recusávamos a acreditar, principalmente porque quando pensávamos nele imaginávamos que o seu processo de compreensão iria ser mais demorado do que o dos outros clientes. Havia a preocupação de se tratar de algum problema em nosso cérebro. Descartáramos a possibilidade de ser problema visual, pois havíamos realizado há pouco tempo um exame ofialmológico. Resolvemos, então, conversar com alguns amigos sobre o fato. Naqueles contatos, foi

levantada a hipótese de serem aquelas interferências provenientes de Davi, visto que quando nós relembrávamos todos os acontecimentos vividos, nós nos sintonizávamos com o seu campo e, assim, o atraíamos. Resolvemos que iríamos superar aquelas interferências e antes de iniciarmos o trabalho de cada dia orávamos por Davi. As interferências se tomaram menos acentuadas, mas convivemos diariamente com cefaléias intensas. Após termos terminado aquele relato pudemos contatar com Davi. Ele se encontrava ainda confiiso quanto a ter realizado o seu processo de transição. Segundo ele, havia permanecido ao nosso lado

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Padrões de Signifimdo e de Expressão Estética do Cuidado T '~ E ~ ~- Ã

ajudando-nos a relatar o nosso trabalho, tendo algumas vezes entrado em contato com os seus familiares. Naquele dia, Davi foi orientado e estimulado a prosseguir a sua trajetória e o nosso campo retomou a sua ritmicidade. ..

Esta experiência possibilita ver que o processo de cuidar independe do

espaço como fio condutor e do tempo enquanto movimento linear. Deste modo, este processo pode se estender para além das noções do espaço-tempo, consolidando-se

na participação e solidariedade transdimensional. Isto implica em que todos fazemos parte da unidade cósmica, não estando separados uns dos outros, nem pelo espaço- tempo, nem sequer pela própria morte.

0 CUIDADO T RÁNSDIMQVSIONAL ENQUANTO PRÁ T ICA UVD£ T £RMI1VADA

O Cuidado T ransdimensional enquanto prática indeterminada, caracteriza-se por uma não-repetitividade e pela imprevisibilidade do processo como um todo. Isto porque, os acontecimentos são particulares, únicos e singulares, não podendo ser

estruturado de forma rígida.E

A nossa experiência com o Cuidado T ransdimensional, ao longo dos anos, nos trouxe esta compreensão, a qual, por sua vez, requereu a vivência de um processo de reformulação nos nossos padrões de pensamento-sentimento-emoçãw

ação no mundo, no plano pessoal, profissional e de relação com o meio. Deste modo, ao percebermos que a nossa postura mecanicista, de auto-controle e de

certezas, se constituíam em obstáculos ao processo do cuidado, iniciamos a viver o

processo de construção, em que as incertezas e a imprevisibilidade, muitas vezes, se expressam no viver cotidiano. Naquele processo, a nossa tentativa de prever

exatamente o que iria acontecer era subestimada pela qualidade e riqueza das

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 134

vivências. A sensação era de que nenhuma situação melhor pudesse ter acontecido. Conseqüentemente, passamos a não estabelecer normas rígidas que nos

capacitassem a prever os resultados. Inclusive a nossa tentativa de repetir ou recriar

as mesmas situações foram abandonadas, tendo em vista a constatação de que o

fenômeno não se repete com a mesma identidade vibratória, de significados,

tonalidade, timbre e colorido.

Esta natureza do cuidado parece decorrer em parte do fato de ser este um processo coletivo de trabalho, no qual os seres envolvidos no cuidado participam em conjunto comia realidade transdimensional de um processo mais abrangente de cuidado. Processo este, que nem sempre pode ser explicado, tendo em vista a

totalidade dos significados envolvidos. Se considerássemos o ser cuidador e o ser

cuidado, por si só este significado já seria verdadeiro tendo em vista as suas

unicidades e o processo contínuo de transformação a que estão submetidos.

Conseqüentemente, cada ser em cada momento é único, tomando-se praticamente impossível prevermos como ele se comportará com base no comportamento de outros em situações semelhantes, ou mesmo o próprio ser, quando consideramos as

suas reações passadas. Por outro lado, as situações deixam de ser semelhantes,

quando consideramos cada acontecimento como sendo parcialmente definido pela1

capacidade de percepção dos seres e pelo conjunto de significados a eles atribuídos.

Deste modo, viver o Cuidado T ransdimensional implica em mudança dos velhos condicionamentos, em abertura, flexibilidade, confiança no processo e a

admissão de que somos etemos aprendizes na arte de cuidar. Aprendizado este, que

requer um revisitar contínuo da nossa prática, buscando através de seus padrões de significado moldá-la e aperfeiçoá-la, tal como faz o escultor com a obra de arte. Conseqüentemente, este processo traz em si a própria transcendência dos seres envolvidos no cuidado, em que tais como diamantes vão sendo lapidados para que a

luz transparente do brilhante possa emergir.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 135

0 CUIDADO TRANSDIMEIVSIONAL ENQUANTO PRÁ TICA COMPLEXA

O Cuidado T ransdimensional emerge enquanto prática complexa, tendo em vista que ela envolve uma multiplicidade e complexidade fenomênica, que não

pode ser contida e totalmente explicada pelas análises intelectivas. Isto porque, o

Cuidado Transdimensional é constituído por um conjunto de padrões de

significado, que emerge da interioridade dos seres envolvidos no cuidado, bem como da indissociabilidade destes com o meio onde se encontram e que se expressa habitualmente pelas percepções multissensoriais destes seres, em participação conjunta com a realidade transdimensional, através de seus aspectos multifacetados e matizes apropriadas. Enquanto fenômeno oriundo dos vórtices interiores da

alma/consciência dos seres envolvidos no cuidado, o Cuidado T ransdimensional é

sempre impermanente, como o é a própria natureza destes seres. Portanto, uma vez acontecido não poderá voltar a ocorrer e ser idêntico àquele que existiu antes. A própria observação do fenômeno pode alterar significativamente o próprio

fenômeno, tendo em vista a inseparabilidade do observador e do fenômeno

observado. Tais fatos fazem com que o Cuidado T ransdimensional não possa ser desenvolvido com base em modelos mecânicos, nem medidos pelos tradicionais métodos de pesquisa. Jung ao criar o seu modelo da sincronicidade já reconhecia

que nós necessitamos de métodos de investigação que imponham poucas condições possíveis, ou se possível nenhtuna condição e, então, leve a Natureza a responder

com toda a sua plenitude.” _

O próprio uso das percepções multissensoriais toma este cuidado um fenômeno complexo, na medida em que lidamos com múltiplas interferências.

Metaforicamente podemos imaginar um ser que acostumado a vislumbrar a

realidade através de cinco aberturas (sentidos) em sua casa, passa a fazê-lo a partir

29 JUNG, op. cn., 1993b.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 136

de um número variado delas. Naturalmente que a sua capacidade de observação se amplia, mas ao mesmo tempo ele fica sujeito a uma multiplicidade de intempéries provenientes do meio, bem como sujeito à sua própria inabilidade em lidar com uma maior quantidade e qualidade de informações e seus correlatos significados. Deste

modo, o desenvolvimento inicial destas faculdades pode acarretar inúmeras

dificuldades, até que o exercicio constante delas nos possibilitem uma expressão mais harmoniosa. Tal como a criança que aprende a andar se sujeita a inúrneras quedas e possíveis ferimentos, assim pode se dar com o ser que inicia a ampliar as suas faculdades perceptivas. Tal constatação decorre da própria experiência com este processo, em que através dos anos estamos buscando formas mais harmoniosas de lidar com as múltiplas interferências a que somos submetidos no viver cotidiano. Decorre também das nossas observações e do nosso trabalho com seres que

vivenciam as dificuldades inerentes ao inicio deste processo. Embora as faculdades multissensorias pareçam se constituir em aquisições dos seres em seu processo evolutivo, elas podem ser detectadas de forma isolada, ao longo da história, em várias culturas e civilizações. Contudo, podemos dizer com Zukav, que estamos evoluindo de uma civilização de cinco sentidos para uma civilização

multissensorial.3° Tal possibilidade implica em mudanças significativas nas fonnas de viver no mundo e, inclusive mudanças radicais nas estruturas dos sistemas de um modo geral. Mesmo em se tratando de faculdades naturais e muitas vezes latentes no ser, cabe destacar que elas podem emergir através de treinamento, para que este ser possa servir e, assim, contribuir no processo de evolução planetária. Esta

\ .

aprendizagem requer sobretudo disciplina na prática, no estudo, sendo

necessariamente acompanhada do processo do auto-conhecimento e da auto-

transformação. .

Outro fator de destaque na complexidade do Cuidado T ransdímensional se refere à participação coletiva neste processo. Embora cada ser envolvido no cuidado contribua com suas próprias habilidades e talentos, nos dominios do Cuidado

3° zUr<Av, op. cn., 1990.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 137

T ransdimensional toma-se dificil definir os limites de participação de cada ser. Esta constatação nos levou a abandonar tal preocupação, o que, por sua vez, implicou no

próprio abandono da fragmentação inerente a esta postura. Assim, poderíamos dizer

que este processo envolve parceria, na qual as partes perdem a sua primazia diante

da unidade e unicidade, as quais emergem da intima completitude e que se desvela

no caminhar em direção ao nosso próprio ser, aos outros seres e à Alma Universal. Para tanto, diríamos com Charon, será necessário que cada um de nós reencontre mn pouco mais a sua “voz interior”, que sabe o caminho, pois este caminho é o seu, mas é tambémo nosso.”

Após apresentannos os padrões de significado do Cuidado

T ransdimensional, passamos a seguir a delimitar alguns dos padrões de expressão estética deste cuidado.

P,‹w1:ô1z.s of §XP1z1zss.‹í o fsrrfrzcâ na culmina riawsnluizivszomu.

O Cuidado T ransdimensional apresenta padrões diferenciados de expressão estética, os quais contribuem para a harmonização do ser, ampliando as

possibilidades de auto-conhecimento e auto-transformação e, assim, favorecendo o\

processo de morte-renascimento. Selecionamos aqui alguns, que utilizamos em nossa vida pessoal-profissional, a saber: oração, meditação, toque terapêutico,

musicoterapia, cromoterapia, mandala, radiônica, radiestesia e I ching, os quais têm

contribuído para uma maior qualidade do processo do cuidado. Embora estejam

aqui apresentados separadamente, muitos deles incorporam um conjunto no

desenvolvimento do processo de cuidado. Não é nossa pretensão aprofundar esta

3' CHARON, op. eu., 1979.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 138

apresentação, tendo em vista que cada um deles, por si só, traduziria um único trabalho. Conseqüentemente, apresentamo-los de forma resumida, no sentido de dar

uma idéia àqueles que ainda não entraram em contato com estas formas de

expressão estética do cuidado.

Cabe destacar que os padrões de expressão estética do cuidado são somente

parte do processo mais amplo que é o Cuidado T ransdimensional. Diriarnos, assim, ~ ~ que estes padrões de expressao sao meros instrumentos para expandir as

capacidades inerentes aos seres, para entrarem em contato com suas potencialidades de amor e sabedoria. Pensamos que estas e outras formas de expressão estética

tenderão a ser disserninadas e incorporadas no processo do viver dos seres nas

diversas culturas, capacitando-os, desde a infância, a serem os seus próprios

cuidadores neste processo. Estes padrões estéticos podem ser considerados formas não invasivas de cuidado que complementam as outras formas não invasivas, bem como as formas invasivas ainda necessárias em nosso planeta. Entretanto, é

postulado que estas abordagens de caráter invasivo tenderao a desaparecer, na

medida em que as formas de ser e viver no mundo se tornem mais harmoniosas.

Mfnrmçšoúf omçmía

A meditação e a oração podem ser descritas como processo, no qual o ser

pode ampliar as suas formas de percepção e compreensão de si e da realidade, e\

expandir seus potenciais de amor e sabedoria. Este processo traz em si o movimento de imanência e transcendência do ser em 'direção à sua fonte interior/exterior.

Ambas as expressões podem levar o ser a transcender a temporalidade, a

espacialidade, as ambigüidades e paradoxalidades, levando-o, por conseguinte, à

desidentificação das suas atuais formas de expressão e a tomar expresso o seu

estado primordial de amor e sabedoria.

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Padrões de Si gnificado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 139

A nossa compreensão da oração é próxima à de Gandhi.” Neste sentido, a

oração não consiste em palavreado verbal; surge das profundezas do coração, quando estamos vazios de tudo, menos de amor; quando mantemos em perfeita harmonia todas as cordas, a sua música passa a ser vibração para além do alcance.

A oração, então, não é pedir, mas sim um anseio da alma e uma admissão diária das próprias vulnerabilidades.

Pesquisas com uso da oração vêm sendo desenvolvidas nos círculos

científicos, evidenciando as inúmeras possibilidades que a oração oferece. Castelli,

em seu livro “como eu oro”, refere que uma pesquisa, realizada nos Estados Unidos, constatou que noventa por cento dos americanos oravam, sendo que setenta e cinco

por cento destes o faziam diariamente e o restante mais do que nos últimos anos.”

O autor, em sua pesquisa com vinte e quatro pessoas das mais variadas crenças

religiosas, encontrou uma similaridade nas formas de oração e sobre o que acontecia a elas quando oravam. A questão que mais dividiu foi relativa à oração como forma de petição ou de agradecimento. Um estudo mais abrangente sobre o poder da oração na cura foi realizada por Dossey,34 que defende o seu uso na medicina. O autor apresenta estudos sobre o poder da oração na vida das pessoas. Estes estudos

demonstraram claramente que a oração pode tomar muitas forrnas. As respostas

podem ocorrer não somente quando as pessoas oram para pedir, mas também quando elas o fazem sem algum pedido específico. Algims estudos mostraram que uma simples abordagem “Senhor, seja feita a Vossa vontade” foi quantitativamente

mais poderosa do que quando pedidos específicos eram tidos em mente. Em muitos experimentos, tuna simples atitude de devoção, invadida pelo sentido de totalidade e

pelo sentimento de empatia, cuidado e compaixão por alguém em necessidade, pareceu encaminhar para o estágio de cura (healing). Experimentos com pessoas mostraram que a oração afeta positivamente a pressão alta, ferimentos, ataque

32 citado por RQHDEN, H. Marianna Gandhi. são Pauioz Alvorada, 1983. 3” CASTELLI, J. How 1 pray. Now York; Boiiammo, 1994. 3° DossEY, op. ou., 1993.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 140

cardíaco, cefaléias e ansiedade. Os sujeitos nos estudos também incluíam: água,

enzirnas, bactéria, fungos, leveduras, células sangüineas vermelhas, células

cancerígenas, sementes, plantas, algas, larvas, ratos e pintinhos; e entre os processos

que foram influenciados encontravam-se: as atividades das enzimas, as taxas de

células sangüíneas brancas leucêmicas, mutação das taxas de bactérias, genninação

e crescimento das de várias sementes, cura (healing) dos ferimentos, a diminuição

do tamanho do bócio e tumores, o tempo requerido para acordar da anestesia,

efeitos autonômicos, tais como, a atividade eletrodérmica da pele, taxas de

hemoglobinas -das células sangüíneas vermelhas e níveis de hemoglobina. Estes

estudos também demonstraram que a influência da oração na cura (healing) não dependia da presença do sujeito a ser atendido. Nada parecia ser capaz de deter a

oração; mesmo quando o sujeito era colocado em uma sala ao lado ou em um local protegido da influência de todas as formas conhecidas de energia eletromagnética, a

influência ainda persistia. Neste sentido, segundo Dossey, a oração está além da

dimensão temporal-espacial. Para o autor não há um lugar determinado para ir,

porque a oração é inerentemente não-local e infinita no espaço e tempo. Com base nos inúmeros resultados obtidos pelos estudos, o autor defende a oração como uma prática da medicina.

A meditação tomou-se popular no ocidente, em anos recentes, como instrumento de relaxamento e crescimento pessoal. Estima-se que, até 1980, mais de

seis milhões de pessoas, só nos estados Unidos, aprenderam alguma forma de

meditação.” Dentre as formas de meditação, a mais comum é a Meditação Transcendental (MT), modalidade hindu adaptada a uma prática essenciahnente secular viável para os ocidentais; outras modalidades praticadas amplamente no

ocidente incluem várias formas de ioga derivadas do hinduísmo e algtms tipos

distintos de práticas budistas, sendo. as mais populares o zen-budismo, o budismo

“S WALSH, R.N., VAUGHAN, F. (orgs). Além do ego. Trad. Adzúl U. sobrai, Maria s. Gonçalves. são Paulo: Cultrix/Pensamento, 1980: Meditação: passagem para o transpessoal, p.l49-152.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional l41

tibetano e a meditação vipassana (discernimento).36 A pesquisa da meditação ainda está na infância, mas já revelou efeitos fenomenológicos, comportamentais,

químicos e fisiológicos iuteressantes37. Os efeitos fenomenológicos incluem:

emoções intensas e instáveis, episódios de grande excitação e profundo

relaxamento, aumento da clareza de percepção e da sensibilidade a processos

psicológicos, aumento na mudança e na fluidez da percepção de objetos;

experiência de auto-transcendência e de unidade com os outros. Quanto aos efeitos comportamentais, podemos destacar: o aumento do bem-estar psicológico e da

sensibilidade de percepção, redução da tensão, medos e fobias, aumento da

confiança, da auto-estima, da auto-realização e do desempenho escolar. Os

efeitos químicos se destacam pelos reduzidos níveis sangüíneos de lactato e do

hormônio cortisol, que estão vinculados com a resposta à tensão. No que se refere aos efeitos fisiológicos, podemos citar: a redução da excitação, lateralização

hemisférica, ressonância e coerência das ondas cerebrais, uma modificação no equilíbrio entre os componentes ativadores e desativadores do sistema nervoso

autônomo, alteração do fluxo sangüíneo do cérebro e diminuição da pressão

zmeúal.”

Embora não tenhamos concluído nenhuma pesquisa sistematizada com estas fonnas de expressão, temos constatado, no plano individual e grupal, que ambas

são importantes para o auto-cuidado e para o cuidado de outros. No plano pessoal, muito temos nos beneficiado com estas práticas, como por exemplo, no nosso processo de auto-conhecimento e auto-transformação, na maneira de ver e

compreender a vida, nas relações conosco e com os outros, no auxílio a familiares, amigos e vizinhos e, principalmente, temos haurido forças e otimismo na superação

dos momentos dificeis. No plano profissional, temos repassado estas práticas a

36 -

Ibidem. 37 WALSI-I, R.N. A pesquisa da meditação: a evolução e a situação dos estudos sobre a meditação. In:

, VAUGHAN, F. (Orgs.). Além do ego. Trad. Adail U. Sobral, Maria S. Gonçalves. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1980, p.172-179. 3* ibâaem.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimerrsional 142

alunos, colegas e clientes, bem como a utilizamos para ajudar aqueles que nos solicitam ou que sabemos necessitar. Temos inclusive utilizado a meditação não exclusivamente para o auto-cuidado e transformações pessoais, mas como forma de cuidado do outro e a nível planetário, apesar dos estudos encontrados não se

referirem a este tipo de meditação. Os depoimentos daqueles que passam a adotar a

meditação e/ou oração como prática diária, confirrnarn as nossas impressões sobre as modificações em várias dimensões de expressões do ser e de relação com os outros. Neste sentido, consideramos estas formas de expressão como sendo

fundamentais no processo evolutivo do ser e do seu meio ambiente.

T OQUE TERÀPÊUTICO

Desde a antigüidade, seres, nas mais diferentes culturas e momentos

históricos, têm utilizado a imposição das mãos para ajudar na harmonização de

outros seres. Recentemente, esta prática tem sido retomada nos círculos da

enfermagem norte-americana e brasileira, conforme mostram as pesquisas de

Dolores Krieger,39 com a denominação de toque terapêutico. O toque terapêutico é

basicamente uma meditação para a busca da totalidade do ser; isto é, o ato primário para centrar alguém de uma marreira natural, livre de tensõesfw Esta prática consiste de habilidades aprendidas para ou sensitivamente modular as energias

humanasffl Neste processo, as mãos do terapeuta não tocam necessariamente o

cliente, mas são mantidas a uma curta distância dele. De acordo com Krieger, pesquisas usando toque terapêutico têm mostrado resultados consistentes e

altamente confiáveis como relaxamento, redução da dor, aceleração do processo da cura (healing) e alívio das doenças psicossomáticas.”

3° Ver as obras de KRIEGER, D. The therapeutic touch: how to use your hands to help or to heal. New York: Prentice Hall, 1986, KRIEGER, D. Accepting your power to heal: the personal practice of therapeutic touch. Santa Fe, New Mexico: Bear & Company, Inc., 1993. WKRIEGER, op. cri., 1986. 4' KRIEGER, op. cn., 1993. 42 KRIEGER, op. cat., rsss, 1993.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 143

O contato com esta forma de expressão vem desde a infância, através da prática patema e matema, bem como das observações relativas aos beneficios

proporcionados por ela em nós, em familiares e em outras pessoas. Embora tenhamos iniciado a irnplementá-la no final de nossa adolescência, somente tivemos

coragem de fazê-lo, no plano profissional, há aproximadamente treze anos. Deste

modo, temos repassado esta expressão estética do cuidado no plano teórico-prático

para alunas, enfermeiras, clientes, seus familiares e amigos em geral. A partir de nossas observações, detectamos que quando a implementamos sentimos ondas de

energias saindo das nossas mãos com muita intensidade, alteração da temperatura dos braços e das mãos e urna grande sensação de harmonia. A intensidade dessas energias, por sua vez, pode variar em função do nosso estado de harmonização e

de sintonia. Com o passar dos anos, temos modificado a expressão estética desta prática, incluindo o trabalho com os chacras, a utilização da cromoterapia mental e

da música, com vistas a uma maior qualidade nesta expressão, o que tem resultado em um estilo próprio no seu desenvolvimento. As pesquisas desenvolvidas com alunas e clientes confirmam os resultados obtidos por Krieger, as quais evidenciam: paz, serenidade, coragem, otirnismo, confiança/segurança, melhora da disposição e

do bem-estar, diminuição da ansiedade, depressão e insônia, cessação da febre,

redução da dor, diminuição da icterícia e maior ativação do sistema imunológico e

do processo de recuperação.” O toque terapêutico tem sido reconhecido como urna prática de cuidado importante e tudo indica que ela evoluirá e subsistirá às

transformações na enfermagem na próxima era.\

43 Ver as obras de SILVA, op. cit., 1990. SILVA, A. L.da. Toque terapêutico na enfermagem. Trabalho apresentado no “Encontro sobre A Enfermagem no século )O(I”, Florianópolis-SC., 26/06/l990b. SILVA, A.L.da._ Como utilizo o toque terapêutico no processo de cuidar-ensinar-pesquisando. Anais do IV Congresso Holistico Brasileiro, Salvador-Ba., ll/1993d. SILVA, A.L.da. O toque terapêutico no processo de cuidar. Trabalho apresentado no “Encontro da Semana da Enfermagem”, Salvador-Ba. 08/05/ l994b.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 144

MUSICOTERAPIA

A musicoterapia é outra expressão estética do Cuidado T ransdimensional, que tem sido recentemente incorporada ao ensino, prática e pesquisa em enfermagem. A música é um estímulo sonoro que age no ser e seu ambiente de fonna global, original e única.44 A música pode auxiliar o ser a entrar em contato com as suas potencialidades de sabedoria e amor. Ela pode, assim, tomar explícito o

implícito, tangível o intangível. Esta expressão estética do cuidado constitui-se em um processo que leva os seres envolvidos no cuidado a novas experiências, em que eles se redescobrem de forma original e única. Este processo requer o uso da

intuição, criatividade, sensibilidade e o estilo próprio de cuidado.”

Pesquisas usando musicoterapia têm mostrado resultados como: efeitos . . 46 _, , A . . ,`

sedativos ou estimulantes, reduçao da nausea e vorrnto entre chentes com cancer sob quimioterapia,47 redução da dor,48 diminuição significante da pressão arterial e

melhora do estado de ânimo.”

A decisão de incorporar a música em nossa prática profissional adveio dos~ estudos e observaçoes sobre a influência das diversas peças musicais em nosso ser e

sobre os beneficios que encontramos na convivência diária com a música. A partir daí, iniciamos as mesmas observações ao desenvolver sessões musicoterápicas com clientes e alunas, tendo estas se mostrado favoráveis à sua continuação.

Posteriormente, desenvolvemos um modelo para a utilização da música, associando os sete chacras, os instrumentos e estilo musical, e o desenvolvemos com clientes

“ s1LvA, ep. en., 1993e. “S Ibiaem. “G ver as eme de PEREi'r1, P.o., ZWEIFEL, J. Effeez ef musâeer preferenee en anxiety es aeremúned by physiological skin responses. Acta Psychiatr. Belg, v.83, p.437-442, 1983, SILVA, op. cit., I993c. 47 Ver as obras de FRANK, I.M. The effects of music therapy and guided visual imagery on chemotherapy induced nausea and vomiting. Oncol. Nurs. Fonrm, v.l2, n°.5, p.47-52, 1985 e COOK, J.D. Music as an intervention in the oncology setting. Cancer Nurs, v.9, n°.l, p.23-28, 1986. 48 SCHÇRR, J.A .Music and partem change in chronic pain. Adv. Nurs. Sci., v. 15, n°.4, p.27-36, 1993. 49 Ver as obras de DAVIS-ROLLANS, C., CUNNINGI-IAM, S. Physiologic responses of coronary care patients to selected music. Heart Lung, v.l6, p.370-378, 1987, UPDIKE, P. Music therapy results for ICU patients. Dimens. Crit. Care Nurs., v.l6, p.370-378, 1990 e SILVA, op. cit., 19930.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Trarrsdimensional 145

com síndrome neurológica decorrente da AIDS. O resultado desta pesquisa mostrou que o processo do cuidado com o uso da música desenvolvido com clientes,

incapazes de se comunicar verbalmente, aumenta a interação entre ele e o seu meio,

promovendo serenidade, paz, otimismo, bem-estar e reduzindo o sentimento de solidão.” Deste modo, a musicoterapia tem se revelado um campo promissor para o

Cuidado T ransdimensional.

GROMOTERAPIA

A cromoterapia é o processo criativo da utilização das diferentes cores para alterar ou manter as vibrações do ser e do seu ambiente, em uma freqüência que resulte em harmonia e bem-estar. Este processo pode se dar através da mente, de lâmpadas coloridas, da decoração, do alimento e vestuário. Podemos utilizar as cores também na energização da água, no relaxamento e visualização. As cores parecem ter, por conseguinte, propriedades terapêuticas. Elas representam as

diferentes freqüências vibratórias, que nos dão a impressão de cores. As cores se assemelham aos sons. Na cor, temos sete cores principais; na música temos sete notas na escala diatônica. As duas já foram equacionadas, mostrando -que cada nota emite urna cor. Podemos, assim, dizer que o som, o calor, a luz, o magnetismo são

compartilhados da mesma energia, diferindo apenas na freqüência da vibração e no meio de condução. Cada chacra em nosso corpo, ao vibrar em detenninada freqüência, emite uma cor específica, cuja alteração pode estar relacionada a

determinadas disfunções do ser.

Grande parte dos estudos hoje disponiveis sobre o uso da cor se deve ao

cientista, educador e filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), que

desenvolveu um sistema de educação e um modo de vida baseado na cor e na

5° s1LvA, op. za., 1993¢.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 146

harmonia.” Em iníuneras escolas criadas no Brasil, inclusive em Florianópolis, em Nova Iorque e em várias partes do mundo, pode-se ver a sua teoria posta em prática - a cor como parte inseparável do cturículo e atuando em cada fase da vida da pessoa. Steiner construiu uma ciência física da cor, inclusive a que é vista a olho nu e experimentada subjetivamente. Ensinou como compreender a cor através dos sentimentos e como provocar esta percepção. Este autor observou que a alma vive sempre em meio à cor, entre a luz e a escuridão, e o homem em sensações entre o

pensamento e a vontade. Na vontade revela-se o contínuo germinar do mundo; a

harmonia entre a reflexão e a vontade mantém-se graças ao sentir.

A cor vem sendo cada vez mais utilizada na terapia do ser e do seu ambiente. Nas instituições para doentes mentais, a cor e a música tornam-se parte integrante da terapia; as crianças menos desenvolvidas e com dificuldade na aprendizagem encontram mais facilidade no seu processo de ensirro-aprendizagem em salas

pintadas de amarelo. Enfirn, são inúmeros os exemplos em que as cores favorecem o

processo de ser e viver saudável.

Intuitivamente podemos escolher as cores necessárias à nossa harmonia, muitas vezes sem termos um conhecimento aprofundado das mesmas. Lembramo- nos de uma situação vivenciada há muitos anos atrás, quando sem que nos déssemos conta passamos a comprar e vestir roupas de cor preta, sendo que esta não

era a de nossa preferência. Um dia ao escolherrnos urna peça para vestir,

detectamos que o nosso guarda roupa estava repleto de peças de cor preta. Ficamos

intrigada e ao verificarmos o que a cor preta representava, pudemos encontrar a

explicação para a situação. Encontrávamos em uma fase de crise, de transformação e nos sentíamos debilitada e depressiva. A escolha intuitiva daquela cor, além

de representar o nosso processo de morte-renascirnento, refletia o processo

5' Veja as obras de STEINER, R. Color, science and thinking. Trad. John Salter. London: Rudolf Steiner, 1971, MCDERMOTT, R.A . The essential Steiner: basic writings of Rudolf Steiner. San Francisco: Harper, 1984, RICHARDS, M.C. Toward wholeness: Rudolf Steiner education in america. Middletown, Comi.: Wesleyan University, 1980.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 147

introspectivo por que passávamos e nos resguardava das perdas energéticas,

protegendo-nos das influências externas. Passada aquela fase nos desfizemos

daquelas peças, tendo em vista que não nos sentíamos confortáveis com o uso freqüente daquela cor. A partir daquele dia, passamos a estudar e a pesquisar a

influência das cores em nossa vida e muito nos beneficiamos com o uso deste conhecimento. Profissionalmente, no plano individual e grupal, temos utilizado as

diferentes freqüências vibratórias das cores no processo transdimensional do

cuidado dos seres e do ambiente. No processo ensino-aprendizagem, temos

repassado este conhecimento aos alunos, acompanhando-os no cuidado junto aos

clientes. A cromoterapia representa, assim, mn instnnnento importante no Cuidado T ransdimensional, cujos beneficios favorecem o processo de ser e viver saudável.

MANUAL!!

Mandala, do sânscrito, significa círculo mágico. Mandala são padrões

simbólicos de luz e som refletindo a ilumina ão da alma” - a ex eriência de › Ç

relembrar que somos um com a Alma Universal. A mandala é uma arte sagrada baseada na meditação, que espelha vários estados da consciência, através de padrões

simbólicos, tomando visível o invisível.” A origem da mandala remonta aos primórdios da história da humanidade. Conforme assevera Singer, o desenho

circular com a virtude de poder ligado a ela é encontradono oriente, no qual ela é `\

freqüentemente vista como um mantra, um objeto usado para focalizar a atenção nas práticas meditativas.54 A mandala é também proeminente em nossa cultura; a janela rosa da estrutura da igreja medieval fornece um exemplo excelente de mandala; certas pinturas na areia dos índios Navarros; Jerusalém, a cidade de Deus, como descrita no livro da revelação é uma cidade mandala; muitas delas têm o Cristo no

52 CORNELL, J. Mandala: a tool for healing. Sausalito, CA.: 1995. 53 Ibidem. 54 SINGER, I. Boundaries of the soul. New York: Doubleday, 1994.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 148

centro e os quatro evangelistas ou seus símbolos nos quatro pontos cardeais” . Nas

tradições espirituais do mundo, mandalas são usadas como uma arte transformativa e de cura (healing).56 Contudo, foi Jung quem primeiro a introduziu no ocidente, para descrever os desenhos circulares que ele e seus clientes faziam. Segundo o

autor, a disposição circular dos elementos no universo e no ser humano indica a

mandala, que por sua natureza quatemária simboliza o mundo e o homem57 e,

portanto, o inconsciente coletivo, camada inconsciente comum a todos os

indivíduos.” Jung diferencia a mandala oriental da utilizada em seus trabalhos. Para ele, as mandalas orientais usadas em cerimônias são figuras fixas por tradição; elas podem ser desenhadas ou pintadas, ou, em certas cerimônias especiais são representadas plasticamente.” A verdadeira mandala é sempre uma imagem intema, que é gradualmente construida, através da imaginação ativa, em tempos quando o

equilíbrio psíquico é perturbado ou quando um pensamento não pode ser

encontrado.”

A nossa experiência com a mandala remonta a alguns anos atrás, quando nos iniciamos neste processo através de gmpos de estudos e, posteriormente, através de

cursos no Brasil e durante o doutorado sandwich. A seguir, a introduzimos no processo de cuidado com alunas, culminando em cursos para enfermeiras. Lidar com a linguagem dosyisímbolos, contidos nas mandalas, nem sempre é um processo fácil e, deste modo, requer um processo contínuo de estudo e prática. Conforme afnma Singer, apesar da consideração de serem os símbolos problemáticos e

vagamente entendidos, eles podem tomar-se reais e vitalmente efetivos em nossas vidas; os símbolos atraem e levam o indivíduo ao caminho do tornar-se o que eles

podem tomar-sem

55 Ibidem. 56 CORNELL, op. oii., 1995. 57 JUNG, C.G. Mysterium coniunctionis. Trad. Frei Valdemar do Amaral. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1990. 5* JUNG, c.G. Psiooiogio o rougiâo orâooúzi. mo. PE. Dom Mateus R Room. Petrópolis, RJ.: vozos, 1991. 59 JUNG, C.G. Dreams. Trad. F .C. Hull.'Princeton, N.J.: Princeton University, 1974. 60 ~

Ibidem. 6* SINGER, op. ou., 1994.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 149

A mandala tem se revelado forma de expressão importante no nosso

processo de auto-conhecimento e auto-transformação, o qual nos direciona à

redescoberta da nossa totalidade, da unidade que estabelecemos com a vida.

Constitui-se em instrumento importante nos momentos críticos de morte-

renascimento, abrindo as portas para a manifestação da nossa luz interior, para a

emergência de nossas potencialidades de amor e sabedoria. No plano profissional, temos optado pelo trabalho em grupo, o qual se destaca pela riqueza e

potencialidades daqueles que dele participam, estimulando tanto a interpretação dos

simbolos, como também o desenvolvimento da intuição e de suas capacidades

criativas e imaginativas. Neste sentido, a mandala sugere as inúmeras formas com que a alma pode se manifestar no contexto de sua história de vida, as quais podem ir além de qualquer tentativa de nomeá-las ou descrevê-las. Diriamos, assim, com Jung, que as mandalas representam um horizonte de esperança tão necessário neste tempo de desordem e extennínio.62

RADIÔIVICA E RADIESTESIÁ

Os sistemas da radiônica têm sido desenvolvidos na Europa, Estados Unidos e Brasil por muitas décadas. Inúmeros aparelhos, freqüentemente referidos como caixas pretas da radiônica têm sido usados por médicos e outros profissionais desde

o início deste século. Um núrnero de pioneiros no campo, incluindo Albert Abrams, Thomas Colson, Ruth Drown, George de la Warr e Malcolm Era, desenvolveram e

aperfeiçoaram as bases teórico-práticas da radiônica.63 Os sistemas da radiônica são mais adequadamente classificados como tecnologias psicotrônicas. Muitos dos

sistemas radiôriicos raramente fazem uso da eletricidade, embora vários deles

contenham circuitos elétricos e elementos magnéticos. O funcionamento destes

62 IUNQ, cc. Psicologia om mzosiçâo. Trad. L. Booovomoro, L. Bon, Dora M.R.F. ao sirva, Joao Bonaventure. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1993. 53 Ver as obras de TANSLEY, D.V. Dimensions of radionics. Albuquerque, New Mexico: Brotherhood of life, 1992, GERBER, R. Medicina Vibracional. Trad. P.C. Oliveira. São Paulo: Cultrix, 1988.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 150

sistemas dependem basicamente das habilidades multissensoriais do operador. O feedbak fomecido por estes sistemas é usualmente feito através de um amplificador eletro-mecânico extemo da mudança fisiológica intema. Deste modo, as mudanças

fisiológicas medidas pelo aparelho de radiônica são relacionadas com as alterações psicoenergéticas que ocorrem com o sistema nervoso do operador. Os sistemas de radiônica requerem sensibilidade energética, a qual tem sido referido como radiestesia e que pode ser definida como uma sensibilidade multissensorial às

radiações sutis de variadas freqüências vibratóiias. Conseqüentemente, os sistemas

radiônicos captam e amplificarn a expressão implícita do sistema nervoso do

operador, traduzindo-a em dados explícitos, baseados nas informações obtidas

multissensorialmente.64

Os estudos iniciais com a faculdade radiestésica ocorreram na França, no final do século XVII e se espalhou por toda a Europa. Antoine Clement Gerboin, professor da Faculdade de Medicina de Strasbourg-França, após numerosas

experiências, elaborou em 1798 uma teoria para explicar os movimentos pendulares. Em 1806 publicou seu livro Recherches expérimentales sur un nouveau mode de l 'action életrique.65 Até então a radiestesia européia era praticada somente com varetas metálicas ou de madeira. Contudo, foi com Alexis Mermet (1866-1937) que a radiestesia se destacou nos mais variados campos, inclusive

'

no diagnóstico

médico, através de sua teoria clássica da radiestesia fisica.“ No século XX, a

radiestesia emergiu como uma nova ciência e começou a ser usada por

profissionais de várias áreas do conhecimento. Mais recentemente, na década de

sessenta, 0 fisico Yves Rocard, na França, descobriu que o corpo humano possui sensores magnéticos que podem detectar variações de campos magnéticos da ordem de 5 gamma, ou seja, 10.000 vezes menos que o campo magnético terrestre, tendo as

suas pesquisas sido publicadas em 1983 sob o título de “Le pendule explorateur”.67

64 .

Ibrdem. ¬

:Ê MERMET, A. Comment j'opere. Paris: Maison de Uradiestyése, 1933. Ibidem.

57 ROCARD, Y. Le pendule explorateur. Paris: Erg, Maure Court, 1983.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 151

A radiônica e radiestesia constituem-se em instrumentos valiosos no processo de avaliação e terapia, sendo a radiestesia mais apropriada para a avaliação. Este

processo pode se dar com a presença ou não do ser cuidado. Quando este está ausente, requer-se o que denominamos de testemunho, que é algo de qualquer

natureza e origem que possa representá-lo por homologia ou analogia e que permita

sintonizá-lo por ressonância durante o ato radiestésico. Este testemunho pode ser

natural ou sintético (cabelo, sangue, saliva, pertences ou uma foto). Como o

cuidador é integrante do processo, a qualidade deste dependerá em grande parte das suas condições e atitudes durante o processo. Deste modo, a interferência mental, a

fadiga mental ou física, estados emocionais alterados, doenças, dentre outras,

podem afetar o processo de avaliação.

Nosso primeiro contato com a radiestesia se deu há vários anos atrás,

quando iniciamos os nossos estudos e desenvolvimento prático. Inicialmente não a

levávamos muito a sério e a utilizávamos mais por curiosidade, até que ao longo do

processo passamos a valoriza-la pelos beneficios que esta forma de expressão nos

proporcionava. Contudo, após algum tempo, verificarnos que não necessitávamos do

pêndulo como forma de acessar as informações que necessitávamos e, então, o

abandonamos. Dois anos depois, entramos em contato com um amigo da

engenharia, estudioso da radiônica e radiestesia, e com ele passamos a aprofundar os nossos conhecimentos teórico-práticos e a iniciar algumas pesquisas. Realizarnos

alguns cursos e adquirimos vários dos dispositivos necessários ao processo. Desde

então, vimos utilizando este processo e fazendo algumas experiências. Este retomo

se deu face à necessidade sentida de quantificar as impressões que possuíamos.

Inúmeras são as experiências com esta forma de expressão do cuidado. Dentre elas podemos citar a avaliação da freqüência energética de pessoas,

incluindo a dos chacras, dos alimentos, do ambiente, de objetos, identificação de

medicamentos homeopáticos, dinamizações, período e dosagens. Ocorrem-nos

algumas situações vivenciadas com este processo. Em um período de nossa vida,

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 152

estávamos seriamente gripada e, então, resolvemos utilizar a radiestesia para

identificarmos o medicamento homeopático apropriado ao nosso caso. De posse dos nomes dos medicamentos retirados de um guia homeopático, do pêndulo e da “régua universal”68, selecionamos dois deles, as dinamizações, o tempo de uso, o número

de vezes e de gotas diárias. Dirigimo-nos, então, ao consultório de nosso médico,

especialista em homeopatia e acupuntura, e lhe perguntamos se eram apropriados à

nossa situação. Após consulta, ele afirmou que sim e perguntou quem os havia passado; então, relatamos todo o processo.

Uma outra situação ocorreu quando nosso filho foi passar um ano com o pai em outro estado. Duas a três vezes na semana, avaliávarnos a sua freqüência

vibratória, através de sua foto, com o uso do pêndulo e da régua de Bovis69 e nos certificávamos que estava tudo bem. Certa ocasião, tendo viajado para um congresso, não o fizemos por uma semana. No retomo, ao avaliannos a sua

condição de saúde, verificamos que a sua freqüência vibratória indicava doença.

Telefonamos e falamos com a empregada, que referiu estar tudo bem. Ficamos intrigada e pensamos que aquele processo não era tão bom quanto pensávamos. À noite, voltamos a ligar e seu pai nos falou que ele estava intenrado com.

pneumonia. Iniciamos, a seguir, uma terapia com vistas ao seu

restabelecimento, o que ocorreu em curto prazo.

Com relação ao ambiente, inúmeras são estas experiências. A nossa preocupação com a freqüência vibratória do ambiente se deve principalmente em função da nossa sensibilidade a ela e das inúmeras interferências em nossa qualidade de vida. Quando nos dispúnhamos a mudar para Denver-Colorado, para continuarmos os nossos estudos do doutorado, preocupávamo-nos com o local em que moraríarnos, principalmente porque planejávamos ao chegar estarmos com o

A régua universal contém as escalas universais de freqüência vibratória, dai o seu nome. 69 Esta régua denominada de Biométre de A.Bovis foi desenvolvida pelo fisico francês Bovis, e consiste de urna escala de freqüência de radiações que vai de 0 a 10.000 Angstrom. Estas freqüências incluem as do espectro solar, bem como a dos seres humanos.

68

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 153

local já à disposição. A coordenadora da parte executiva do Centro de Cuidado~ Humano nos encaminhou, entao, três endereços dos locais disponíveis perto do

Centro e quantia em dinheiro a ser depositada. Com base nestes endereços,

avaliamos as freqüências vibratórias daqueles locais e com base nos dados optamos pelo melhor. Contudo, por problemas bancários a quantia enviada foi extraviada.

Assim, ao chegarmos e nos dirigirmos aos três endereços, pudemos comprovar que

o escolhido era o mais apropriado para nós.

No momento estamos participando de uma pesquisa com a oração, meditação e a radiônica, e estamos constatando que ambas não só melhoram a qualidade

energética daqueles que o fazem e de seus ambientes, como também daqueles a que são destinados. A radiônica e radiestesia emergem enquanto instrumentos

importantes do cuidado, principalmente no que se refere ao caráter preventivo,

contribuindo sobremaneira para o processo de ser e viver saudável.

I CHING

O termo CHING significa livro clássico e a letra I é um ideograma chinês que representa camaleão, cujo mimetismo simboliza as mutações, representando a

etema mudança, a própria impermanência do universo. O que hoje conhecemos com o nome de I Ching, o livros das mutações, surgiu no periodo anterior à dinastia Chou (1150-249 a C), com figuras lineares, compostas de linhas inteiras e linhas interrompidas, superpostas em conjuntos de três e seis linhas, chamados “Kua”

(signo).7° Na literatura chinesa, quatro sábios são citados como autores do Livro das mutações: Fu Shi, rei Wen, o duque de Chou e Confúcio. Fu Shi, personagem lendário, criou a linha finne __ Yang para simbolizar o SIM e a linha maleável _ _ Yin, para simbolizar o Não. A duplicidade destas linhas e suas várias

combinações deram origem aos trigramas (três linhas), os quais representam as

7° WILHELM, R I ching: o livro das mutações. Trad. Alayde Mutzenbecher e Gustavo A.C. Pinto. São Paulo: Pensamento, 1982.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 154

forças da natureza. As diversas combinações destes trigramas dão origem aos

hexagramas (seis linhas), que representam todas as situações possíveis de mutações

no universo. Assim, o I Ching é composto de 64 hexagramas, ou seja, 64 possíveis

combinações de trigramas. O rei Wen da dinastia Chou criou os julgamentos escritos e os acoplou à forma gráfica dos hexagramas, auxiliando a sua compreensão

que, na época, já estavam se tomando obscuros. O filho do rei Wen, o duque de Chou adicionou os comentários das linhas. Confúcio criou as dez asas e vários estudos sobre a estrutura do I Ching." Ele reflete, assim, as duas vertentes da

filosofia chinesa, o confucionismo e o taoísmo.

A nossa experiência com o I Ching remonta a aproximadamente dez anos, quando o adotamos em nosso processo de viver. Muito mais do que um oráculo, o

I Ching representa um livro de sabedoria milenar, cujos ensinamentos têm nos auxiliado no nosso processo de auto-conhecimento e auto-transformação. A nossa convivência com I Ching nos faz concordar com Jung, ao considerar dificil

encontrar o modo correto de acesso a esse monumento do pensamento chinês, tão distante de nossa forma de pensar.” O I Ching fala para a nossa totalidade, que envolve todas as funções, como o pensar, o sentir, o perceber e o intuir. Enquanto manifestação de nosso mundo interior, ele nos fala através de uma linguagem simbólica e não do discurso racionalizado a que habitualmente estamos

acostumados; Deste modo, ele não é acessível para nós quando usamos somente a

razão como forma de compreensão. Diante destas dificuldades, relutamos por um longo período em incorpora-lo à nossa vida profissional, somente o utilizando com familiares, amigos e esporadicamente com alunos e clientes. '

Neste momento de nossa vida, quando temos que finalizar este trabalho, refletimos sobre este processo, fonnulamos uma pergunta e estabelecemos um

71 - .- Ibidem. 72 JUNG, C.G. Prefácio. In: WILHELM, R. I ching: o livro das mutações. Trad. Alayde Mutzenbecher e Gustavo A.C. Pinto. São Paulo: Pensamento, 1982.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 155

diálogo com o I Ching.” A resposta obtida foi o hexagrama 64 - WEI CHI, ANTES DA coNcLUsÃo.

Esse hexagrama indica o período em que a transição da desordem à ordem ainda não se completou. A transição já está, sem dúvida, preparada, uma vez que todas as linhas do trigrama superior encontram-se em relação com as do trigrama inferior, mas não se encontram em seus devidos lugares. Enquanto o hexagrama 63 se assemelha ao outono, que realiza a transição do verão para o inverno, este hexagrama é como a primavera, que conduz da estagnação do invemo à fertilidade do verão. O livro das mutações termina, então, com essa perspectiva cheia de esperança.

JULGAMENTO: Antes da conclusão: Sucesso. Porém, se a pequena raposa, quase ao completar a travessia, deixa sua cauda cair na água, nada será favorável. Isto implica em compreendermos que as condições são dificeis. A tarefa é grande e cheia de responsabilidade. Consiste em nada menos que contribuir para conduzir o mundo a melhor contomo de clareza do movimento de ordem e desordem. Mesmo assim é uma tarefa que promete sucesso, já que existe o objetivo de reunir as forças divergentes. Porém, ao início é necessário caminhar com toda a cautela, como uma velha raposa andando sobre o gelo. Na China, a cautela da raposa ao cruzar o gelo é proverbial. Seus ouvidos estão sempre atentos ao menor estalo do gelo partindo-se, enquanto procura, cuidadosa e intensamente, os lugares mais seguros. Uma jovem raposa que ainda desconhece essa prudência avança audaciosa e pode cair nfágua pouco antes de completar a travessia, molhando assim sua cauda. Então, é claro, todo esse esforço terá sido inútil. Por isso, no período que precede a conclusão os pré-requisitos do sucesso são reflexão e cautela."

.\ V

A resposta dada fez sentido para nós e, inicialmente, não exigiu nenhuma

sutileza especial de interpretação. Contudo, ela merece, ao longo deste processo,

uma reflexão mais aprofundada. .

Diante do exposto, o I Ching constitui-se em um instrumento importante no cuidado, auxiliando-nos a compreender os processos implícitos de nosso mundo

73 Quando estabelecemos este diálogo com 0 I ching, não era nossa intenção relatá-lo aqui. Contudo, posteriormente, achamos que ele poderia contribuir para um maior entendimento desta forma de expressão. 74 rbiúem, p.194-195.

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Padrões de Significado e de Expressão Estética do Cuidado Transdimensional 156

interior/exterior, evidenciando caminhos para o nosso processo de morte-

renascimento, estimulando as nossas capacidades intuitivas e contribuindo, assim,

para a redescoberta de nossas potencialidades de amor e sabedoria.

Procuramos, aqui, introduzir algumas das expressões estéticas do Cuidado

T ransdimensional. O fato de privilegiannos a experiência pessoal-profissional e de recorrermos principalmente à literatura estrangeira se deve a pouca expressividade

da literatura brasileira a este respeito. Embora a prática do cuidado no Brasil evidencie experiências valiosas com estas e outras expressões do cuidado, a

pesquisa neste campo se mostra incipiente, talvez porque a academia ainda

considere estas experiências de pouca relevância para o desenvolvimento da ciência.~ Cabe destacar que estas expressões requerem investigaçoes mais aprofundadas, no

sentido de evidenciar de forma mais abrangente as suas potencialidades no cuidado.

Destacamos também a necessidade de estudo e prática constante por parte daqueles que se propõem a incorporá-los em seu processo pessoal-profissional de vida, bem como o próprio engajamento do cuidador no seu processo de auto-conhecimento e

auto-transformação, enfim, em seu processo de morte-renascimento. Parafraseando Rogers,75 diríamos que o processo do Cuidado T ransdimensional é criativo e

imaginativo, não existindo fórmulas pelas quais as ações são determinadas. Nem o

seu próprio desenvolvimento é inquestionável, tendo em vista que este cuidado está em constante devir. Deste modo, o Cuidado T ransdimensional depende do padrão de expressão de consciência dos seres envolvidos no cuidado, no plano individual,

grupal, familiar, comunitário e societário. Padrões estes, que 'necessariamente

devem incluir novas visões, flexibilidade, curiosidade, imaginação, coragem,

entusiasmo, o compromisso com a vida em suas diversificadas formas de expressão e, acima de tudo, a esperança de que é possível um mundo melhor e que este mundo depende de cada um de nós.

75 ROGERS, op. zu., 1970.

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CAPITULO IX

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REÉUMO

Neste capítulo, apresentamos uma síntese da trajetória percorrida, buscando apontar os aspectos principais na teorização do Cuidado T ransdimensional. Embora ele apresente novas dimensões de cuidado e inúmeras possibilidades de transformação no processo de ser e de viver no mundo, estas nem sempre se darão de maneira fácil, frente às inúmeras implicações que toda mudança de visão de mundo impõe. Neste sentido, apontamos como um dos grandes desafios, a construção de uma nova ciência. Uma ciência que a princípio terá de ser necessariamente construída em direção à complementaridade e que, portanto, será acompanhada da ousadia de se querer buscar compreender o todo. O desafio consiste, assim, em reintegrar as dimensões ontológicas, epistemológicas e éticas no conhecimento teórico-prático.

\

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Ao nos propormos a caminhar em direção à construção de um referencial teórico-filosófico, aqui denominado de Cuidado T ransdimensional, buscamos

compor as idéias em um conjunto de significados irrter-relacionados que traduzem a síntese de um todo complexo e coerente. Idéias estas, que representam um revisitar a nossa própria experiência pessoal-profissional, no plano individual e

grupal com o cuidado. O Cuidado T ransdimensional emerge, assim, como abordagem relativa da realidade, com vistas a se constituir em outra solução possível dentro das diversas abordagens emergentes. Isto porque, face à

complexidade dos desafios existentes no mundo, necessário se faz o

desenvolvimento de novas e variadas concepções teórico-práticas, que sejam

acompanhadas de novas perspectivas de sentido e de ação no mundo.

Ao adotarmos o processo como caminho, evidenciamos a construção deste saber enquanto movimento dinâmico e criativo, que se expressa no diálogo entre a

razão e a intuição, entre o objetivo e subjetivo, tendo como aspecto norteador as crenças e valores, advindos das experiências vividas. Neste caminhar, delimitamos

a área de estudo deste trabalho, tomando por base a relação entre os três

paradigmas apontados na enfermagem e medicina, e nos propomos a avançar em direção a uma nova perspectiva. O Cuidado T ransdimensional traz em si uma

.\'

perspectiva de integração e de transdimensionalidade do ser e de seu meio,

ultrapassando o processo saúde-doença e tendo como prioridade a vida em suas mais diversificadas formas deexpressão. Ele busca, assim, resgatar o sentido de

reverência para com a vida; sentido este, que não pode ficar omisso quando se tem como meta a crescente complexidade de qualidade de vida no planeta. Com vistas

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Um Tempo para Novos Desafios 160

à elaboração dos pressupostos gerais do Cuidado Transdimensional, adotamos os

conceitos de imanência e transcendência enquanto princípios norteadores, os quais

receberam novos signíficados, incluindo oposição e complementaridade.

Ao defendermos o Cuidado T ransdimensional como sendo uma perspectiva para a integração e transformação, como forma de superar o extremo separativismo entre as disciplinas e/ou profissões e entre estas e o senso comum, elegemos a relação estética dos princípios Feminino e Masculino, através da

convergência de arte, ciência e espiritualidade. Deste modo, o Cuidado

Transdimensional privilegia o centro espiritual do ser, com vistas a expressar novas formas da consciência e de interação com os outros seres, com a natureza, com o planeta e com o universo. O Cuidado T ransdimensional prioriza, assim, a

vida em família, grupos, comunidades e sociedades, expandindo-se para além da vida profissional, para ser uma forma inerente de viver dos seres, a ser

desenvolvida desde a infância. Conseqüentemente, ele se caracteriza por uma forma inovadora de sentir-pensar e desenvolver o cuidado, que deve ser construída

a partir da interação pelo diálogo pennanente entre profissionais, indivíduos,

famílias, grupos, comunidades e sociedades, sem se perder de vista uma realidade que é transdimensional.

Ao abordarmos o Cuidado T ransdimensional como perspectiva de

ressacralização do ser e da vida, resgatamos os conceitos de alma individual e

Alma Universal e caminhamos em direção a uma concepção teórico-filosófica, tendo como referencial norteador a teoria da T oralidade e da Ordem Implicada de David Bohm. Neste xsentido, o Cuidado T ransdimensional, ao privilegiar a

ahna/ser na sua indissociável interação com a Alma Universal, em todas as suas formas de expressão da realidade, busca ampliar o campo de ação do cuidado e

restituir à vida a sua natureza sagrada e inalienável. O Cuidado Transdimensional representa, assim, uma fonna essencial de participação e, conseqüentemente, de

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Um Tempo para Novos Desafios 161

solidariedade, sendo, portanto, uma dimensão fundamental do processo evolutivo. Ele emerge da compatibilidade estética e amorosa entre os seres envolvidos no

cuidado, através da simultaneidade do doar e receber, sendo o saber, resultante dos

próprios seres que cuidam e são cuidados, porque eles são dimensões integrantes

do cuidado. Ao postular que o ser humano sobrevive à morte, em um processo contínuo de transformações, o Cuidado Transdimensional modifica

substancialmente a sua fonna de expressão, enriquecendo-a de novas

possibilidades transfonnativas no processo de ser e de viver no mundo.

O Cuidado T ransdimensional tem como foco essencial o processo de

morte-renascimento humano-planetário-cósmico. Morte-renascimento emerge

enquanto oposição de forças complementares, dinâmicas e criativas, presentes no

movimento do processo do ser e do viver. Neste sentido, seres humanos, culturas,

natureza, planeta e o universo estão envolvidos no movimento cíclico de morte-

renascimento, com vistas à renovação, diversificação e complexidade criativa da vida. O Cuidado T ransdimensional, com foco no processo de morte-

renascimento, tem como base as histórias de vida, através de sua teia de

significados, os quais refletem a singularidade e complexidade dos seres. Ele

requer o engajamento do ser cuidador e do ser cuidado nos significados das

experiências vividas, para que juntos teçam um novo mosaico de padrões de significado. Para os séres cuidadores que desenvolveram formas multissensoiiais

de percepção, o cuidado estende-se para além das noções de espaço-tempo. O Cuidado T ransdimensional constitui-se, assim, em um processo eminentemente participativo e reflexivo, em que o cuidador e o ser cuidado, através de uma interação dinâmica, intuitiva e criativa, oportunizam um caminhar rumo a novas experiências, nas quais, de forma original e única, se auto~conheçam e se auto-

transfonnem. Neste sentido, o Cuidado T ransdimensional emerge como um processo facilitador do processo de morte-renascimento, buscando expandir as

capacidades inerentes aos seres envolvidos, para entrarem em contato com suas

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Um Tempo para Novos Desafios 162

potencialidades de amor e sabedoria e serem os seus próprios cuidadores neste

processo.

Com base na nossa vivência pessoal-profissional, individual e grupal,

apresentamos os padrões de significado e de expressão estética do Cuidado

Transdimensional. Os padrões de significado resultam de uma análise

retrospectiva destas vivências, na qual se destaca: o Cuidado T ransdimensional enquanto parceria, vivência interior, busca da unidade, prática não-espacial,

atemporal, indeterminada e complexa. Estes padrões encontram-se de tal forma

interligados e interdependentes que dificulta o processo de desmembrá-los.

Conseqüentemente, não são entendidos a partir de urna perspectiva linear,

hierárquica e reducionista, tendo em vista que todos são elementares e

fundamentais. Por outro lado, considerando que a construção do saber se constitui

em um processo sempre inacabado e, portanto, em constante devir, tais padrões são postos como ponto de partida, a serem aprofimdados em futuras investigações. A seguir, introduzimos alguns padrões de expressão estética, os quais podem favorecer a harmonização do ser, ampliando as possibilidades de auto-

conhecirnento e auto-transforrnação, facilitando, assim, o processo de morte-

renascirnento. Selecionarnos alguns, que utilizamos em nossa vida pessoal-

profissional, como oração, meditação, toque terapêutico, musicoterapia,

cromoterapia, mandala, radiônica, radiestesia e I ching. Estes padrões de

expressão são considerados somente parte do processo mais amplo que é o

Cuidado T ransdimensional, que é entendido como sendo criativo e irnaginativo. Deste modo, 0 Cuidado T ransdimensional depende do padrão de expressão de consciência dos seres envolvidos no cuidado, no plano individual, grupal, familiar,

comunitário e societário. Padrões estes, que extrapolam as capacidades

intelectuais/racionais, incluindo: amor, sabedoria, compaixão, solidariedade,

intuição, criatividade, sensibilidade, intuição, criatividade, sensibilidade,

imaginação, bem como formas multissensoriais de percepção.

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Um Tempo para Novos Desafios 163

O Cuidado T ransdimensional traz em si novas dimensões de cuidado e

inúmeras possibilidades de transformação no processo de ser e de viver no mundo.

Contudo, esta transformação, que está em seus passos iniciais, nem sempre se .dará de forma fácil, tendo em vista que novas visões de mundo implicam em uma diversidade de mudanças, emocionais, políticas, administrativas, econômicas e

SOC1a1S.

O Cuidado T ransdimensional constitui-se em grande desafio para a

próxima era, principalmente porque requer a construção de urna nova ciência.

Uma ciência que terá de ser necessariamente construída em direção à

com lementaridadel e ue, ortanto, será acom anhada da ousadia de uerer P (1 P P Cl

buscar compreender o todo. O desafio consiste em reintegrar as dimensões

ontológicas, epistemológicas e éticas no conhecimento teórico-prático. A ciência clássica que ainda tem suas bases voltadas predominantemente para o exterior,

através dos dados dos sentidos fisicos, necessitará resgatar a dimensão interior dos

seres e da vida e ampliar as fonnas de interação com a realidade. A ciência necessitará privilegiar o movimento dinâmico entre irnanência e transcendência,

servindo à vida em todas as suas formas de expressão e contribuindo para a

crescente complexidade de qualidade de vida no planeta. Neste sentido, ela

necessitará contemplar o interior/exterior, o subjetivo/objetivo, o individual/

urriversal, o intuitivo/racional._

A ciência da “complementaridade” ou “totalidade”, como a denomina

Harman, necessitará ser baseada em uma ontologia de totalidadef em lugar de uma `\

ciência, ainda predominante em nossos dias, que fiagmenta, objetiva e reduz a

realidade, esperando que a simples soma do conhecimento das partes resulte no

conhecimento do todo. Portanto, trata-se de formular uma epistemologia que

*HARMAN, op. cn., 1991, p.11-116. 2 Ibiaem.

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Um Tempo para Novos Desafios 164

contemple todas as formas de evidência e não apenas aquelas consagradas pela

ciência clássica ocidental, que se reduz ao que é perceptivel aos sentidos físicos.3

Uma epistemologia que contemple as metodologias participativasf em que o

processo da pesquisa seja um ato de reciprocidade, intimidade e reflexividade, redimensionando o sujeito em participante ativo, encorajando-o a compreender e

mudar sua condição de ser e de viver. Neste sentido, o processo de pesquisa se

constitui em um ato de cuidados e esperança, ampliando este espaço para novas formas de expressão da consciência e de ação no mundo. O processo de pesquisa emerge, então, como ativismo político, em que os participantes juntos se engajam ativamente no processo de desconstrução das formas opressivas de vida, em direção à reconstrução de 'novas realidades. Esta nova ciência carninhará no

sentido de urna nova ética, uma ética de cuidado. Uma ética que, ao invés de ser vivida apenas como norma extema, imposta de fora, seja assumida, ao longo do processo existencial, como dimensão inerente à vida humana. Desta forma,

precisar-se-á questionar, por exemplo, o predomínio de Luna ética utilitarista, que

facihnente transforma, no caso do cuidado, o ser cuidado em um simples meio, ou em um objeto para se alcançar os fins do ser cuidador. A partir desta reintegração, esta ciência tenderá a ser construída em bases mais altruístas e solidárias,

contrárias a qualquer monopólio de conhecimento e de poder, contrária à

exploração da naturezaz_ e do abuso social dos seres humanos pelos seus próprios

parceiros. Ela tenderá a valorizar e priorizar a vida em todas as suas formas de expressão. Neste vislumbrar, poderíamos arriscar que esta seria uma Ciência de Sabedoria e Amor.

\

Neste sentido, todos somos convidados a assumir o compromisso de

3 Ibidem. 4 SILVA, A.L.da. O feminismo pós-modemo e a pesquisa: implicações para a enfermagem. Rev. Texto&Contexto-Enfermagem. (no prelo). 5 Ver as obras de VAN MANEN, M. Researching lived experience: human science for an action sensitive pedagogy. New York: The Stated University of New York, 1990 e WATSON, op. cit., l995a.

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Um Tempo para Novos Desafios 165

aprender e de compartilhar a sabedoria do cuidado, com vistas ao processo de morte-renascimento de novos padrões da consciência no mundo, de formas mais

criativas e dignas de vida, enfim, de uma civilização que busque viver

intensamente o amor e a sabedoria.

\

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