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  • A PRESENA DO TEATRO NA EDUCAO (SO LUS/MA-BRASIL)

    Prof. Dr. Aro Paranagu de Santana Universidade Federal do Maranho / UFMA

    A presena do teatro no processo de escolarizao da maioria das naes um fenmeno caracterstico do sculo XX, vindo sugerir pesquisa muitas possibilidades exploratrias no mbito da esttica, da antropologia e da educao, chegando mesmo a ultrapassar as barreiras das chamadas cincias humanas: h ocorrncia de investigaes de natureza mdica, psicolgica, administrativa, filosfica e em outras reas do conhecimento. Hoje, alm de escolas, conservatrios, universidades, centros de pesquisa e demais instituies ligadas ao ensino formal, existem cursos de iniciao em associaes comunitrias, centros culturais, agncias profissionais, circos-escola, ONGS etc. Por inserir-se num cenrio de amplo espectro, o estudo do teatro na educao exige a compreenso de questes inerentes ao campo social, em articulao com variveis de natureza artstica e pedaggica, tais como a educao bsica, a formao profissional, a preparao dos docentes, as prticas inerentes ao ato de ensinar e aprender, as diversas maneiras de insero dos sujeitos no campo das artes, seja produzindo, criticando ou apreciando, para citar apenas alguns aspectos desse vasto universo temtico. O desafio de compreender as alternativas emergentes num pas como o Brasil, de vasta dimenso continental e mltiplas culturas, diz respeito anlise das situaes regionais, tornando-se necessrio inventari-las com rigor, organizao conceitual e conciso. A presente pesquisa insere-se nesse tipo de abordagem, buscando analisar o estado do ensino de teatro que se processa na cidade de So Lus (Maranho), com vistas ao dilogo com outras realidades e elaborao de propostas que contribuam para elevar a qualidade do ensino-aprendizado no mbito formal, no-formal e informal.1

    Os historiadores afirmam que o apogeu do teatro maranhense se deu entre os anos setentas at meados dos oitentas, quando os grupos locais conseguiram uma projeo razovel, inclusive em outros centros, ao passo que depois o movimento arrefeceu. Entretanto, devido a uma gama de fatores, o ensino do teatro floresceu progressivamente ao longo dos ltimos quinze anos, tornando-se urgente o mapeamento dos casos existentes antes que isso se torne impossvel, inclusive porque ainda no se conta com o registro histrico sistematizado sequer dos antecedentes. Alm da catalogao das instituies, dos profissionais e dos procedimentos metodolgicos que configuram o teatro na educao em So Lus, esta investigao se pauta no registro da histria oral, anlise de documentos e peridicos, observao participante e noutras possibilidades da pesquisa qualitativa, e conta com a colaborao de especialistas de outras regies, alm de pesquisadores da 1 A pesquisa Ensino do teatro: situao, conexes e possibilidades vem sendo desenvolvida desde outubro de 2000 no Departamento de Artes da UFMA. A primeira verso foi elaborada a partir de dados parciais e publicada nos anais do III Congresso Brasileiro de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas (Salvador, 9 a 11 de outubro de 2001). A presente redao mantm fragmentos daquele texto, atualizando-o e ampliando-o. Agradeo, pelo trabalho de coleta de dados, a colaborao dos alunos do curso de Licenciatura em Educao Artstica da UFMA Bianca Marques, Dirlene Santos, Fabiana Cruz de Oliveira, Fernanda Alencar de L. Costa, Jacqueline Silva Mendes, Lilian Fraso Angelin, Luiz Antonio Pereira Freire, Maria Raimunda Fonseca Freitas e Sandra Rgia Ferreira Costa. Agradeo tambm a professora Nerine Lobo Coelho pelos palpites importantes; a Leydnayre Rodrigues Costa e Domingos Elias de Souza Silva (Tourinho) pela leitura criteriosa.

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  • UFMA. A partir da sistematizao dessas informaes, pretende-se construir um projeto esttico-pedaggico para o ensino do teatro que contemple possibilidades de melhoria das prticas desenvolvidas em escolas e instituies ligadas ao cultural em So Lus, mas que podero ser alvo da reflexo de pessoas em outros lugares. guisa de esclarecimento, vale ressaltar que a tica da pesquisa vincula-se questo da preparao de professores e ao seu desenvolvimento profissional em continuidade a um trabalho anterior, centrado na licenciatura em artes cnicas , priorizando as seguintes finalidades: compreender o contexto histrico; catalogar e analisar as experincias existentes nos anos 1990; dialogar com especialistas; sistematizar propostas terico-metodolgicas; disponibilizar os contedos na World Wide Web. Nos itinerrios convencionais de uma cidade torna-se impossvel conhecer seus limites, pois so inmeras as personagens que a atravessam em mltiplas direes, instalando nos cruzamentos as crenas, saberes, atitudes, gostos, heranas e artefatos que compem a construo histrica, inscrevendo-se a, tambm, as conjunturas sociais, polticas e culturais do contexto em que est inserida. Para compreend-la em sua plenitude, o ideal seria a busca de conexes sem que se objetive apenas a um texto desvelador que v de um comeo a um fim, em captulos, tal como sugere a passagem abaixo:

    (...) talvez se possa usar este texto como uma cidade, na qual se entra pelo caminho do culto, do popular ou do massivo. Dentro, tudo se mistura, cada captulo remete aos outros, e ento j no importa saber por qual acesso se entrou (CANCLINI, 1998, p. 20).

    Situada num Estado que se destaca pela diversidade das manifestaes culturais danas dramticas, autos populares, msica, festejos, artesanato, culinria etc. e que valoriza as formas artsticas produzidas por seu povo, So Lus, hoje, enfrenta os dilemas comuns a muitas cidades brasileiras, sejam eles advindos da nova configurao econmica mundial, das polticas do poder pblico nacional ou do processo interno de desenvolvimento. No quadrante das artes cnicas, seu perfil assemelha-se ao da maioria dos centros urbanos das regies Centro-Oeste, Norte e Nordeste, com raras oportunidades de formao profissional, incentivo produo insuficiente, apresentao de espetculos restrita a poucas sesses, espaos pblicos limitados, embora ocorra, paradoxalmente, em segmentos considerveis da populao, uma busca constante pela participao em atividades cnicas, montagem de peas, aprendizado da linguagem, aperfeioamento, dentre outros aspectos de um quadro cuja leitura apresenta muitas complexidades. Tendo em vista a compreenso desse problema, destacam-se algumas categorias consideradas essenciais no mbito desta pesquisa o contexto histrico, o ambiente scio-cultural, o quadro da educao bsica e superior, as aes institucionais pblicas e privadas, a insero dos grupos organizados e dos sujeitos no panorama das artes e em particular do teatro, como ser visto a seguir.

    MARCAS DO PASSADO A histria do teatro maranhense ainda no conta uma obra referencial que analise de forma concisa os acontecimentos em relao linha do tempo. O que se pode encontrar so documentos e

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  • publicaes sobre temas especficos ou mesmo tangenciais ao assunto,2 embora se saiba que a preocupao com o ensino do teatro restringia-se, at um passado recente, ao exerccio da oratria, comemorao de efemrides ou representao de peas leves, rias e recitais de poesia marcas da tradio escolar colonial. A formao da cultura dramtica maranhense se deu de maneira semelhante de outras localidades brasileiras, com uma primeira fase voltada para o teatro catequtico; a presena ocasional de grupos estrangeiros ou sulistas durante todo o perodo colonial e mesmo aps o advento da Repblica; a construo de prdios e em decorrncia disso a necessidade de formao de elencos, conforme salienta o seguinte fragmento:

    O teatro no Maranho tem incio com a representao de dilogos e autos no Colgio de Nossa Senhora da Luz e na portaria do Convento de Nossa Senhora das Mercs, se no quisermos consider-lo j como instrumento usado desde cedo pelos padres na catequese dos ndios (LIMA, s/d, s/p).

    Nas primeiras dcadas e at meados do sculo XVI se fixaram no Maranho os padres franciscanos, carmelitas, mercedrios e jesutas, com a misso de cuidar da alma dos colonos, da catequizao dos ndios e, no caso dos ltimos, tambm da educao. Os colgios seguiam o modelo curricular previsto pelo Ratio Studiorum, com uma abordagem humanstica que previu a criao de primorosas oficinas de trabalhos artesanais com nfase na produo de imagens de santos , corais, grupos de interpretao musical e teatral. Entretanto, como o ensino jesutico no Brasil no se moldou ao rigor dos colgios europeus, quando foi amenizada a nfase na catequese a dramaturgia arrefeceu e reduziu-se dimenso de exerccio escolar (PRADO, 1993, p. 56). H registro da montagem de vrias peas em espaos variados e do empenho de pessoas como o proco Jos Lopes quanto edificao de uma casa para acomodar as recreaes religiosas e os gneros dramticos da poca (Cf. LEITE, 1943). Porm, durante os trs primeiros sculos, as atividades culturais no se resumiam apenas a essas manifestaes ldico-religiosas, pois, vez por outra, profissionais itinerantes exibiam como se fosse possvel suas habilidades (JANSEN, 1974, p. 18.), seja em espao religiosos ou em teatros construdos por pessoas de posse em suas prprias casas o prdio do Museu Histrico do Maranho, por exemplo, conserva um pequeno teatro contguo ao hall de entrada, construdo pelo primeiro proprietrio. Os prdios teatrais edificados no sc. XVIII tiveram durao efmera o do Largo do Palcio, o do Quartel de Polcia e o da Praa da Hortalia, mencionados por Jos Jansen , sendo adiada para o sculo seguinte a consolidao dos espaos cnicos perenes. Em 1817, com a vinda de uma companhia dramtica portuguesa, foi inaugurado o Teatro Unio, denominao alusiva ao Reino Unido formado por Brasil e Portugal, comportando 430 pessoas acomodadas em cadeiras e camarotes, fato que marcou um possvel incio da preparao de ajudantes de cena e outras funes necessrias ao

    2 A bibliografia resume-se principalmente nas seguintes obras: i) o livro de Jos Jansen sobre a histria do teatro maranhense, que no se constitui numa pesquisa exaustiva e no trata do teatro moderno; ii) informaes includas em livros sobre o teatro colonial, especialmente sobre o teatro jesutico, mas que no abordam detalhadamente a histria maranhense; iii) poucas matrias, ensaios e crticas publicadas nos jornais da cidade, por jornalistas ou analistas da cultura; iv) a dissertao de mestrado de Maria Jos Lisboa publicada recentemente e a Tcito Borralho, que se dirigem anlise da trajetria de seus respectivos grupos teatrais; v) trabalhos finais e monografias de alunos da licenciatura em Educao Artstica da UFMA; vi) programas de peas teatrais, revistas-programas e crticas; vii) o livro de Josias Sobrinho e Tcito Borralho sobre a trajetria do grupo Laborarte; viii) a biografia de Ceclio de S escrita por Lenita de S; ix) as publicaes de textos dramticos de vrios autores.

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  • fazer teatral, mesmo que de forma amadora e insipiente, visando atender s necessidades das companhias locais e das de fora que ocasionalmente precisavam de figurantes para completar o elenco. Como era prtica corrente em todos os teatros brasileiros, os proprietrios, na maioria das vezes o prprio Estado, permitiam a terceirizao dos servios, a manuteno da programao e conseqentemente a formao de pessoal para a prtica teatral; dessa forma o Teatro Unio foi cedido Sociedade Dramtica Maranhense, em 1841, mantendo-se um elenco improvisado de atores da terra, sem que por isso ficassem os artistas forasteiros impedidos de ali atuar (JANSEN, 1974, pg. 29). Mas o apogeu foi curto e o Teatro Unio foi runa, sendo reformado, adjudicado fazenda pblica e denominado Teatro So Lus, em 1852, contando, na fase de acabamento, com o apoio financeiro do empresrio portugus Lus Mir, autor, pianista e ensaiador de peras cmicas, que passou a administr-lo. Posteriormente ganhou a concesso o empresrio Germano Francisco de Oliveira que, conforme atesta Jos Jansen, era meticuloso na organizao de seus programas e, para satisfazer a platia,

    (...) exigia de seus contratados uma dico clara e harmnica, o que se constitua um dos elementos para atrair o pblico que, nas escolas, como sabido, os currculos orientados por mestres de reputao comprovada, no descuidavam desse aspecto (JANSEN, 1974, pg. 61, grifo nosso).

    A citao evidencia um aspecto interessante da educao maranhense no sculo XIX, a qual visava reproduzir o modelo da Escola Pedro II considerado como referncia de currculo, didtica, gesto e padro de exame para promoo vertical em todo o Brasil, fazendo parte da tabela de estudos Msica Vocal, Retrica e Potica buscando enfatizar, nos colgios e posteriormente nos liceus, a declamao de poemas, a leitura de obras clssicas em voz alta e a dramatizao de peas de autores de grande notoriedade, como Martins Penna, Gonalves de Magalhes e Gonalves Dias. Por sinal, o autor de Leonor de Mendona, alm de figurar no cenrio do teatro romntico mundial, contribuiu de forma mpar para a consolidao das artes dramticas entre ns, ao lado de nomes como Arthur Azevedo, Antonio Rayol, Joo Cols, Joo Nunes, Joaquim Serra, Elpdio Pereira, Apolnia Pinto, Coelho Netto e Viriato Corra. No segundo decnio do sculo XX o mais antigo prdio teatral do Brasil sofreu nova reforma, passando a integrar o patrimnio do governo estadual como Theatro Arthur Azevedo (TAA), passando a abrigar os espetculos de fora e as peas de autores locais montadas com atores amadores pelo Grupo Ateniense, criado em 1931 por Ceclio S e amigos. Duas dcadas depois disso, quando foi concedido a uma empresa cinematogrfica, o TAA enfrentou uma das suas piores crises, momento em que Ceclio S criou um novo grupo, o Renascena, encampando a luta pela retomada das atividades dramticas no TAA junto a intelectuais, artistas e jornalistas que gravitavam em torno da Associao Maranhense de Artistas e Intelectuais(AMAI), o qual promoveu debates e saraus literrios que movimentaram o panorama cultural da cidade. Contudo, a existncia de grupos organizados no garantiu uma ao voltada para a preparao de elenco, conforme se pode depreender nas duas citaes abaixo:

    Para os elencos dirigidos por Ceclio S a compulso de representar era o requisito primordial e suficiente, pouco ou nada importando a formao profissional (...) ou mesmo teatral dos atores (S, 1988, pg. 32, grifo nosso). O ator se preparava no palco, no havia ensaio de mesa ou leitura prvia, ia-se entrando e algum nos passava alguma coisa. Como havia o ponto, decorvamos o menos possvel, sendo necessrio apenas que

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  • se soubesse a fala. Uma escolinha de teatro muito interessante (...) se interpretavam bem ou mal, dependia da emoo de cada um.3

    Seria necessrio algum tempo ainda para que a preocupao com a formao de pessoal se tornasse essencial ao fazer teatral em So Lus, e para tanto foi imprescindvel a contribuio de Reynaldo Faray, considerado unanimemente pelos entrevistados4 como o fundador do moderno teatro maranhense. Depois de uma longa viagem de estudos Reynaldo trouxe consigo, em fins dos anos cinqentas, a experincia de estudar junto ao corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e acompanhar algumas montagens do Teatro Brasileiro de Comdia (TBC). Para o dramaturgo, ator, diretor e professor Aldo Leite, esse redimensionamento impulsionou progressivamente o fazer teatral de tal forma que impingiu um certo conceito de profissionalismo com alguma repercusso na educao. A atuao de Reynaldo Faray inspirou o surgimento de grupos teatrais, sendo que a maioria no teve continuidade, a exemplo do Teatro Escola do SESC e do Teatro do Clube das Mes, constitudos de artistas amadores sob a tutela de pessoas que amavam a arte dramtica. Concomitantemente renovao da cena teatral, eclodiram em So Lus movimentos semelhantes nas artes plsticas, msica e literatura, cujos partcipes reuniam-se em torno da Movelaria Guanabara, Farmcia Jesus, sede da Sociedade de Cultura Artstica (SCAM) e outros espaos culturais ou bares da cidade. Entretanto, somente em fins dos anos 1960 e sobretudo nas duas dcadas seguintes que surgem grupos cuja proposta ao menos buscava antenar-se ao fluxo esttico e artstico dos grandes centros urbanos brasileiros, valorizando, em alguns casos, as manifestaes da cultura regional o TEMA, de Reynaldo Faray; o Laborarte, de Tcito Borralho e outros; o Grita, de moradores do bairro Anjo da Guarda, coordenados por Cludio Silva e Maria Jos Lisboa; o GRUTAM, de Ceclio S; o Mutiro, dirigido por Aldo Leite; o Gangorra, ligado ao movimento universitrio e dirigido por Aldo Leite; o Upaon-A, da Escola Tcnica e dirigido por Cosme Jr.; o Ganzola, de Lio Ribeiro, cujas trilhas sonoras eram compostas por Zeca Baleiro e Nosly Jr.; o Teatro Popular do Maranho, de Wilson Martins; o Teatro Experimental Anilense / TEA, coordenado por Domingos Elias de Sousa Silva (Tourinho); o Aruanda, ligado ao SESC e coordenado por Augusto Rosa, tambm membro do TEA; o GRUTEA, de moradores do bairro Monte Castelo e coordenado por Aulino de Sousa Lbo (Lobinho), Maria Elizabeth Pinheiro e Paulinho Dimar; o GRUMATE, coordenado por Bill de Jesus. Desses grupos, os nicos que ainda sobrevivem so o Laborarte e o Grita, coincidentemente os que mais se ligaram a aes educativas e culturais. Entre fins dos anos 1980 e seguintes surgem a Cia Barrica de Teatro de Rua e o Bicho Terra, criados por Jos Pereira Godo, Lus Bulco e outros artistas do bairro Madre Deus; a COTEATRO, coordenada por Tcito Borralho; a Cia Circense de Teatro de Bonecos, reunindo artistas populares e uma ex-aluna de Educao Artstica da UFMA; o Caricareta, coordenado por Jaime Furtado e depois por Inaldo Lisboa e Jorge Milton Ewerton Santos; o Teatro Escola do CEUMA, coordenado inicialmente por Reynaldo Faray e depois por Armando Veras; o Grupo Universitrio de Teatro, vinculado UFMA e coordenado pela arte-educadora Ana Teresa Rabelo (Estrelinha); a Cia

    3 Depoimento de Tcito Borralho, in S, 1988, p. 88. 4 Ao longo de dois anos realizou-se cerca de cinqenta entrevistas com ex-alunos, professores de teatro e pessoas que guardam a memria oral do teatro maranhense.

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  • Cambalhota de Teatro de Bonecos, de Waldemir Nascimento e Renato Porto; a Cia Teatral Deixa de Bobagem.5 Como no se tem aqui a pretenso de sistematizar a histria do teatro de So Lus, tarefa que a cada momento torna-se mais necessria, a referncia aos grupos deve-se ao argumento de que parte do trabalho desses atores, figurinistas, cengrafos e diretores diz respeito preparao dos integrantes, na sua maioria leigos, uma vez que as duas nicas escolas de teatro datam dos anos 1990, conforme esclarece o depoimento do ator Domingos Elias de Souza Silva (Tourinho):

    As federaes estaduais de teatro tinham nos seus programas uma preocupao com a informao e formao tcnica dos seus federados, mesmo que de forma extra-oficial, no que diz respeito a intercmbio de oficineiros, com cursos de curto e mdio prazo (20 a 90 horas), com professores daqui e de fora.

    A par dessa histria oficial, convm registrar a que h carncia tambm de estudos sobre as formas que no se alojaram nos edifcios teatrais nem muito menos nas escolas, mas que tiveram forte influncia na formao cultural maranhense, como o teatro de bonecos, as manifestaes essencialmente de rua e as formas de drama e autos populares Bumba-Meu-Boi, Congada, Pastoril, Reisado, Divino e outras. No sentido de formular uma primeira concluso acerca da presena do teatro na educao ludovicense, considera-se que mesmo com a revoluo cnica que se deu entre os sculos XIX e XX na qual foram concebidas propostas que deram novos rumos ao teatro e especialmente arte do ator, exigindo um tipo de formao bem diferente daquela que se prendia a convenes fixas e aproximando o palco da escola , as repercusses por aqui se manifestaram tardiamente, seja em termos da esttica teatral ou da prtica pedaggica propriamente dita. Assim, a histria local acompanhou diacronicamente a trajetria esboada em outros locais, onde a criao de ncleos ou grupos teatrais desembocou aos poucos em cursos tcnicos ou superiores.6

    APONTAMENTOS PARA A CONSTRUO DA HISTRIA CONTEMPORNEA A mudana que se verificou no mbito do ensino das artes no Brasil, nos ltimos cinqenta anos, aconteceu devido a uma gama de fatores, dentre eles o reconhecimento crescente da importncia do teatro na aprendizagem, assim como o movimento de educadores que contriburam para sua insero na educao bsica (SANTANA e PEREGRINO, 2001, p. 97). Com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1960, que instituiu as prticas artsticas como forma de enriquecimento curricular, a Lei 5692/71, que tornou obrigatrio o ensino da educao artstica e agora a LDB n 9394/96, que assegura e aperfeioa as conquistas anteriores, as artes cnicas ganharam espao de atuao nas escolas, nas universidades e dinamizaram os centros culturais em todo o territrio nacional, resguardadas as diferenas regionais.

    5 Na compilao dos dados utilizou-se vrias monografias defendidas pelos alunos da UFMA, principalmente: Chris SANTANA; Hel SANTANA, Uma pequena histria do teatro no Maranho (monografia apresentada disciplina Evoluo do Teatro e da Dana, orientada pela Profa. Nerine Lobo Coelho). 6 No Brasil esse fenmeno ocorreu principalmente na dcada de 60, com a criao de grupos teatrais amadores em muitos lugares do pas e a profissionalizao que lhe foi decorrente; a realizao de festivais em todos os ramos das artes; a multiplicao das escolas de arte dramtica, muitas das quais foram federalizadas e, em alguns casos, incorporadas s universidades (SANTANA, 2000, p. 66).

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  • Na perspectiva local, alm das contribuies histricas mencionadas, h uma feliz coincidncia de fatos que impingiram um carter de mudana no ensino de teatro, a saber: i) o apogeu do moderno teatro maranhense e suas repercusses na preparao de pessoal; ii) os programas governamentais de apoio ao ensino da arte; iii) a implementao do primeiro curso de arte na UFMA, em 1970 e principalmente a criao da habilitao em artes cnicas, vinte anos depois; iv) a ampliao do mercado de trabalho para o magistrio em arte; v) o apoio do poder pblico quanto manuteno de cursos de iniciao teatral e de forma restrita produo teatral; vi) a criao de um curso profissionalizante em nvel mdio; vii) a ocorrncia de cursos de atualizao e projetos ligados a ONGS, dentre outros fatores. Uma das frentes de trabalho da presente pesquisa voltou-se para a leitura de matrias atinentes ao ensino do teatro publicadas na imprensa local, considerando-se a srie 1975-1979-1983-1985-1988-1990-1992-1995-1997-1999-2001.7 De acordo com as informaes ali colhidas, observou-se que a crtica insipiente em todos esses anos foram registradas apenas treze matrias e nenhuma analisava algo referente ao teatro na educao, sendo que sete delas eram transcries de agncias de outros Estados que no se referiam ao teatro local e restringe-se apenas a elogiar ou avaliar negativamente os espetculos, corroborando a seguinte observao de Lcia Sander:

    (...) a crtica da literatura em geral, e a crtica do texto dramtico e do teatro em particular, no tm evitado, historicamente, os caminhos fceis ou oportunistas, ou seja, a sua prtica servio da mera exibio, ou da adulao, ou da demolio. Para muitos, essas anomalias podem parecer endmicas ao exerccio crtico. No entanto, a crtica como um exerccio de reflexo no deixou de ser praticada, mesmo que tantas vezes desprezada por jornais, revistas, editores em geral.8

    No que diz respeito s informaes veiculadas na agenda dos cadernos culturais, a anlise da srie histrica evidencia que ocorreu um crescimento nos ltimos treze anos, tanto no nmero de espetculos quanto nas oportunidades de iniciao e aperfeioamento. Considerando-se que so poucas as referncias a esse tipo de atividade nos jornais, entre 1975 e 1988, aumentando a seguir, infere-se que foi no decorrer da dcada de 1990, sobretudo em perodo mais recente, que as atividades de iniciao e aperfeioamento na linguagem teatral tiveram maior repercusso na cidade, atravs de oficinas que apresentavam ttulos como sensibilizao teatral, iniciao teatral, interpretao teatral, histria do teatro e da dana, teatro de bonecos, teatro performtico, expresso corporal, mmica, iniciao ao teatro e relaxamento, dana popular, dana educativa, dentre outros.9 Atravs dos jornais tem-se notcia tambm de eventos como o Festival estudantil de talentos, o Encontro com diretores de teatro, o seminrio Os artistas e as tcnicas de espetculo e diverses, os dois Encontros de Teatro organizados por Sandra Cordeiro e Ana Teresa Rabelo (Estrelinha).10

    7 Escolheu-se o jornal O Estado do Maranho pela assiduidade deste peridico em termos de informao relativa rea cultural; contudo, foram consultados, a ttulo de ampliao e checagem dos dados, as pginas de O Imparcial em alguns dos anos estabelecidos na amostragem. 8 Palestra proferida no Colquio Teatro e Contemporaneidade, evento realizado na UFMA em agosto de 2002 e promovido pelo Grupo de Pesquisa Ensino do Teatro & Pedagogia Teatral. 9 De acordo com o nmero de vezes que tiveram seus trabalhos divulgadas, os oficineiros mais citados so: Urias de Oliveira, Sandra Cordeiro, Beto Bittencourt, Reynaldo Faray, Silvana Cartgenes, Afonso Arantes, Dionsio Neto, Mrcia Rego, Maria da Paixo, Domingos Elias de Sousa Silva (Tourinho), Flvio Sampaio, Lio Ribeiro, Clida Braga, Ir Amaro, Anderson Rios, Ana Teresa Rabelo (Estrelinha), Franklin Jos Carneiro Neto, Ubiratan Teixeira, Manoel Edilton Ribeiro e Gilson Csar. 10 Quanto aos locais, os mais citados pelos jornais foram: Centro de Criatividade Odylo Costa, filho; Laborarte; COTEATRO; SESC; Studium Art Ballet; Academia Reynaldo Faray; os colgios Gonalves Dias, Liceu Maranhense, Centro Integrado Rio Anil (CINTRA) e Almirante Tamandar.

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  • Infelizmente a maioria dos tijolinhos impressos nas agendas culturais registra apenas o local mas no os promotores, e somente atravs de pesquisa junto aos sujeitos se poder chegar a uma sistematizao adequada, considerando-se as prticas esttico-pedaggicas, as referncias tericas, o perfil dos alunos, dentre outras categorias. Para que se compreenda a busca do aprendizado da linguagem teatral efetivada nas trs ltimas dcadas, torna-se necessria a sua ordenao em categorias distintas, considerando os processos informais de ao cultural, a educao escolar em nvel bsico, superior e profissionalizante, o que ser visto a seguir. Na medida em que se disseminavam os grupos acentuava-se a necessidade de formao tcnica, esttica e artstica do pessoal envolvido no fazer teatral, mas as oportunidades concretas coincidem com a implantao compulsria da educao artstica nas escolas de 1 e 2 graus e a implementao de programas de incentivo ao seu ensino, como o Projeto Interao e principalmente o PRODIARTE (ambos do MEC), este com a coordenao local de Tcito Borralho e o envolvimento de pessoal dos grupos Laborarte, Gangorra e Mutiro, levando s escolas e centros culturais oficinas de reciclagem de professores. Naquele perodo, destacaram-se, em termos de continuidade das propostas de trabalho, o Centro Educacional do Maranho (CEMA), o Liceu Maranhense, a Escola Tcnica e o Colgio Gonalves Dias, tendo frente os professores Aldo Leite, Regina Telles, Cosme Jr., Rosa Almeida, Ana Teresa Rabelo (Estrelinha), Jaime Furtado e Miguel Veiga, dentre outros que contriburam para uma mudana no cenrio das escolas ludovicenses, onde a arte era tratada apenas como atividade manual sem maiores conseqncias na formao intelectual do aluno. Aquela foi uma tarefa rdua e lenta, pois a maioria das escolas convivia com a improvisao de professores e a inexistncia de referenciais metodolgicos ou materiais, ao sabor da orientao oficial que prescrevia uma educao artstica enquanto (...) rea bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendncias e dos interesses. Entretanto, apesar das condies de trabalho desfavorveis e da evidncia de um certo rano preconceituoso em relao ao teatro, considera-se que os trabalhos desenvolvidos nos estabelecimentos citados no pargrafo anterior foram de boa qualidade, marcando positivamente a presena e a influncia dessa linguagem artstica em diversos recantos da cidade o Grupo Grita, por exemplo, se reconhece cria das aulas de educao artstica no CEMA, conforme depoimento de Cludio Silva:

    A gente ia conhecendo coisas novas e despertando o desejo de fazer teatro, de se manifestar politicamente, viajando nas descobertas (...) a vieram as apresentaes, a gente se apresentou e o trabalho foi aceito (...) a professora, no me lembro o nome, deu a maior fora e ento a gente quis fazer mais, a comeou a se reunir e se juntar pra fazer o grupo, e de 1975 pra c vamos levando com muita garra, com o apoio da comunidade.

    Esse instante da histria local se conecta a uma movimentao nacional em torno do teatro amador, quando foram criadas associaes regionais e a Confederao Nacional de Teatro Amador com o apoio do Servio Nacional de Teatro e a tutela da ditadura militar e, apesar do forte aparato repressivo, foi um perodo rico em manifestaes polticas e artsticas tambm no Maranho. Contudo, somente nos anos 1990 o teatro inseriu-se de uma maneira mais ativa nas escolas da cidade e inegvel que isso se deu mediante a integrao da habilitao Artes Cnicas ao curso de Licenciatura em

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  • Educao Artstica da UFMA criava-se o primeiro ambiente formal de preparao de pessoal nesse ramo do conhecimento, em todo o Estado do Maranho! A produo da UFMA em termos de pesquisa e extenso limitada, pois so apenas sete os professores de artes cnicas lotados atualmente no Departamento de Artes e deles exige-se dedicao ao ensino como prioridade quase exclusiva. Apesar dessa restrio, j foram produzidas pelos docentes uma tese de doutorado e trs dissertaes de mestrado, estando em desenvolvimento quatro pesquisas e trs projetos de extenso que contam com participao discente. E, como para a concluso do curso exige-se a defesa de uma monografia, alguns trabalhos constituem-se em contribuies razoveis para a anlise e o registro do teatro na educao maranhense.11 Alm do curso de graduao, dos projetos de extenso e das atividades de pesquisa proporcionadas pela UFMA, outra contribuio importante ao ensino do teatro na educao bsica deve-se implantao dos contedos de arte no Programa de Seleo Gradual (PSG), uma alternativa ao vestibular tradicional implantada em 1998. Os candidatos escolhem uma dentre as trs linguagens da arte ofertadas no ensino de graduao da UFMA msica, artes cnicas e artes plsticas , o que, a partir de 2003, passou a valer tambm para o vestibular tradicional.12 At agora foram diplomados pela UFMA cerca de setenta professores na habilitao artes cnicas, sendo que 62% dos 37 ex-alunos entrevistados declarou atuar (ou j ter atuado, durante pelo menos dois anos) no sistema de ensino formal de So Lus. Considerando-se que esses docentes desenvolveram mtodos de trabalho com vistas ao ensino e aprendizado da linguagem dramtica, atravs de suas prprias prticas pedaggicas, tornou-se imprescindvel saber como essa histria de vida se desenvolveu, atravs de entrevistas e questionrios. A maioria dos ex-alunos declarou ter ingressado no curso sem nenhuma experincia anterior, sendo motivada a fazer essa opo ao cursar as disciplinas da parte comum do curso Expresso em Artes Cnicas I e II , afirmando ainda que a procura pelo curso de Licenciatura em Educao Artstica se deu em face da vontade de fazer arte e de poder se manifestar atravs do teatro. Cerca de 18% alegou buscar aprimoramento profissional e somente uma pequena parcela dos entrevistados (8%) manifestou ter feito vestibular visando carreira do magistrio. Uma parcela considervel (69%) iniciou a profissionalizao em estabelecimentos escolares no decorrer da graduao, ao passo que 12% j tinha experincia escolar em outras disciplinas e apenas 19% informou nunca ter se envolvido com a prtica de ensino at o momento do Estgio Supervisionado. Aps a concluso do curso, os ex-alunos que conseguiram permanecer por mais de dois anos na lida do ensino formal tambm atuaram em outras frentes, seja para complementao salarial ou no intuito da atuao artstica, que em So Lus geralmente no uma atividade compensadora em termos financeiros. Eles se ressentem de processos de educao continuada, pois so raras as oportunidades referentes rea de artes cnicas, a saber: aconteceu somente uma vez o curso de Especializao em Educao Artstica (UFMA); os cursos de extenso ligados ao Grupo Universitrio de Teatro

    11 Torna-se difcil a classificao das monografias pois algumas foram extraviadas e outras encontram-se fragmentadas, mas considerando-se os ttulos e resumos, pode-se dizer que elas se distribuem da seguinte forma: quase metade tratam da temtica do ensino do teatro na educao formal, enfatizando a descrio de processos escolares de ensino-aprendizagem, anlise do currculo PCN e propostas oficiais maranhenses , avaliao e formao do educador; uma outra parte aborda a rea de arte-educao, tocando apenas tangencialmente na linguagem teatral; em menor nmero h os que enfocam experincias de grupos teatrais, projetos ou instituies mantenedoras de atividades em teatro-educao e outros assuntos. 12 A monografia de Meireluce Portela Teles, cujo resumo est na parte final desta coletnea, teve o mrito de sistematizar informaes e produzir conhecimento original acerca dessa temtica.

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  • interessam mais aos iniciantes e menos aos graduados; no h mestrado nem doutorado especfico, restando como alternativa o interessado mudar de cidade ou procurar reas afins como educao, polticas pblicas e cincias sociais. Em decorrncia da carncia evidenciada no pargrafo anterior, muitos professores de teatro ludovicenses, segundo seus prprios depoimentos, consideram que no lem com a freqncia exigida ao profissional educador, no freqentam assiduamente as poucas bibliotecas pblicas existentes e, o que mais grave, apenas 37% declarou ser apreciador habitual de peas de teatro, exposies e cinema de arte. Outra fonte de informao, a Internet, utilizada apenas por cerca de 13% dos professores; os que no usam alegam no ter computador nem acesso nos seus locais de trabalho. Contudo, a grande maioria (93%) disse que participa assiduamente dos festejos de So Lus carnaval, So Joo, Divino Esprito Santo etc , onde se envolvem com as manifestaes da cultura local: Bumba-Meu-Boi, Cacuri, Tambor de Crioula, Tambor de Mina e outras. Ao que parece, os professores entrevistados demonstram um nvel razovel de satisfao em relao ao desempenho profissional, pois 72% considera que seu trabalho reconhecido na escola em termos de contedo e metodologia. No que diz respeito ao conhecimento dos Parmetros Curriculares Nacionais e da proposta curricular estadual, cerca de 82% alega que os utilizam como referncia na sala de aula, na medida do possvel, conforme evidenciam os depoimentos a seguir, extrados dos questionrios:

    Acho os PCN muito importantes mas tenho que seguir o currculo do PSG e do vestibular e a dou histria da arte.13 Acho que os PCN no so adequados para as temticas locais, restringem esse espao, mas em compensao colocam a questo da metodologia triangular que muito importante para facilitar o ensino. Na minha escola coordeno o Departamento de Teatro e tentamos trabalhar com os PCN e tambm com os contedos do PSG. A gente trabalha o fazer teatro de forma bem legal e assiste peas com os alunos sempre que d. Eles gostam de mostrar suas produes e a gente participa do festival de teatro do CACEN. O melhor que acabou a polivalncia mas o professor ainda fica sem saber o que fazer pois as diretoras exigem que ele d as quatro linguagens (grifo nosso). Os PCN norteiam a metodologia, o contedo, abre um leque interessante e atualizado, com uma viso de educao muito boa para a realidade brasileira. Mas uma pena que a maioria dos professores no l nem d ateno (...) eu lecionei um ano seguindo na risca e vi que era impossvel dar tudo o que era previsto, os alunos escolhiam uma linguagem, outros no queriam, e eu vi que era impossvel atender a esse desejo deles (grifo nosso).

    Os dois ltimos depoimentos referem-se questo da polivalncia, o que ainda um trauma em alguns setores da educao ludovicense at mesmo na UFMA h quem defenda o ensino generalista da msica, do teatro, da dana e das artes visuais ministrado por um s profissional!... Entretanto, o estudo efetivado ao longo desta investigao ressalta o quanto j se avanou no sentido de mudar o projeto original que vigorava tanto na UFMA quanto nas secretarias de educao e estabelecimentos particulares, e os resultados so evidentes: na universidade federal h projetos 13 Os contedos do PSG das disciplinas artsticas enfatizam mais a vertente histrica que as outras duas dimenses da abordagem triangular prevista nos PCN.

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  • tramitando nas reas de msica e teatro quanto criao de licenciaturas e bacharelados especficos, ao passo que o Conselho Estadual de Educao aprovou propostas curriculares para o ensino fundamental (em 2001) e mdio (esta ainda em trmite, tendo chegado ao CEE em 2003) que garantem o estudo e a autonomia das linguagens artsticas, como fica evidenciado nas recomendaes abaixo:

    No mbito dessa proposta, o componente curricular Arte, no ensino fundamental, dever basear-se no pensar, analisar, refletir e no refazer, devendo envolver as seguintes estratgias (...) prever duas horas de aulas semanais em todos os nveis de ensino (...) ser trabalhada, no ensino de 5 a 8 srie, uma linguagem por srie, em cada ano letivo, sendo que a escolha da mesma ficar a critrio da escola (MARANHO, 2001, pgs. 24-25). Em decorrncia dessa busca de qualidade no ensino da Arte, torna-se necessrio que a escola planeje duas aulas semanais em todas as trs sries do ensino mdio, devendo ser considerada a formao dos docentes quanto nfase nas linguagens, recomendando-se a permuta entre Artes Visuais, Dana, Msica e Teatro (...) Por exemplo, se a linguagem escolhida para ser ministrada na 1 srie de uma determinada escola for Msica, o professor dever ser habilitado e utilizar cerca de 75% do tempo para promover o aprofundamento desse contedo, reservando cerca de 25% da carga horria para o desenvolvimento de projetos envolvendo as outras linguagens (Artes Visuais, Dana e Teatro), atravs de visitas a espetculos e apresentaes; apreciao de mostras, produes em vdeos, cinema; participao em festas populares, folguedos etc (MARANHO, 2003, s/p).

    Quanto s condies de trabalho e ao tempo reservado para o ensino do teatro nas escolas, os professores entrevistados so unnimes em afirmar que se torna impossvel desenvolver um trabalho de qualidade, embora reconheam que atualmente est mais fcil lidar com a questo do respeito rea de arte. Considerando os dados coletados no decorrer desses dois anos de pesquisa, infere-se que o reconhecimento da arte enquanto contedo srio do currculo escolar ocorrer somente quando a escola maranhense contar com profissionais especializados e devidamente atualizados, pois a realidade ainda muito cruel: nas salas de aula do interior do Estado no h um nico professor formado em nvel superior em artes, ao passo que nas escolas estaduais de So Lus, segundo dados oficiais de 1999, apenas 11% possuem a qualificao exigida pela Lei 9394/96.14

    Entretanto, os estudos realizados no mbito do Grupo de Pesquisa Ensino do Teatro & Formao Teatral indicam que no so poucos os estabelecimentos onde ocorre uma movimentao salutar em relao ao ensino da arte, sejam privados ou pblicos, resultando na ampliao do tempo das aulas; na oferta de mais de uma linguagem artstica para escolha dos alunos, com professores especialistas; dotao de espaos fsicos adequados e em alguns casos at mesmo a adaptao de caixas pretas nas salas de aula; criao de departamentos e/ou coordenaes para a rea de arte; oferta de cursos extracurriculares e oficinas; implementao de projetos interdisciplinares a partir dos contedos de arte; implantao de projetos de apoio ao ensino ligados a rgos culturais do governo estadual; ampliao do mercado de trabalho, o que inclusive gerou a necessidade de criao da Associao Maranhense de Arte-Educadores (AMAE), em 2002.15

    14 Ainda no se teve acesso aos dados das escolas municipais nem das particulares, mas as monografias defendidas na UFMA que estudam a realidade escolar de So Lus reafirmam a anlise acima. Ademais, os governos estadual e municipal realizaram concursos pblicos em 2002 e ainda no disponibilizaram os dados de contratao efetiva. 15 Segundo depoimento do professor Aldo Leite, no final dos anos 1980 no passavam de cinco os docentes que lidavam com o ensino formal de teatro nas escolas de So Lus, ao passo que hoje em dia estima-se que esse nmero gira em torno de trs dezenas, considerando-se as redes pblica e particular.

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  • Para os alunos que cursam ou j concluram o ensino mdio e querem um aprofundamento na linguagem teatral ou mesmo a profissionalizao, uma opo o Curso Tcnico de Formao do Ator, ofertado pelo Centro de Artes Cnicas do Maranho (CACEM). Recentemente incorporado ao governo estadual, o CACEM teve como embrio o Curso Livre de Formao do Ator, mantido pela COTEATRO sob a coordenao de Tcito Borralho, sendo autorizado para funcionar oficialmente em 1997; j formou duas turmas, proporcionou a montagem de alguns espetculos e vem fornecendo mo-de-obra para o setor educacional, conforme evidenciou a pesquisa junto aos estabelecimentos escolares. Se a arte passou a freqentar a educao, isso aconteceu como reflexo das exigncias sociais que se apresentaram no decorrer do processo histrico contemporneo, fazendo com que a escola passasse a desempenhar um papel preponderante junto produo cultural comunitria, o que pode ser visto a bons olhos no contexto de uma cidade. Em face disso, esta pesquisa preocupou-se com o estudo das relaes entre o teatro e a ao cultural, na perspectiva dos procedimentos pedaggicos. A necessidade dessa investigao especfica surgiu em decorrncia da atuao dos ex-alunos artes cnicas da UFMA junto educao informal e produo artstica. Em So Lus, h poucos espaos oficiais de apoio ao ensino informal do teatro: uma fundao cultural ligada ao municpio e outra ao Estado, o Teatro Arthur Azevedo e o Centro de Criatividade Odylo Costa, filho, so as nicas instituies oficiais que mantm algum tipo de atividade regular nesse setor, ao passo que o Circo-Escola da Fundao da Criana e do Adolescente oferece iniciao na arte circense, teatro e dana popular para crianas e jovens de classes desfavorecidas. Numa outra vertente de atuao, a Rede Amiga da Criana, entidade que congrega vrias instituies pblicas e ONGS, oferece cursos regulares e mantm um trabalho com jovens e adolescentes desassistidos pelos sistemas formais de educao e cultura. Espalhados nos bairros da cidade, os grupos de teatro amador desenvolvem inmeras atividades junto a associaes culturais, comunitrias, entidades religiosas, ONGS etc, alguns com financiamento do Programa Comunidade Solidria, como foi o caso do curso Operrios do Fazer Teatral, ofertado pelo Grupo Grita em 2000, 2001 e 2002. Registre-se tambm a atuao de grupos teatrais junto a iniciativa privada e a programas educativos de rgos pblicos, bem como a contribuio do Tapete Criaes Cnicas, que vm ofertando oficinas prticas e sesses de estudo nos ltimos dois anos. Para finalizar esta seo, cabe mencionar dois projetos mantidos pelo governo estadual que vm colaborando para melhorar o cenrio das artes cnicas na cidade de So Lus. O primeiro deles possui duas vertentes, sendo uma voltada para a apreciao de espetculos no Teatro Arthur Azevedo (TAA) para alunos do ensino fundamental, e outra atinente iniciao nas profisses teatrais o projeto Viva em Cena, concebido pela equipe do TAA com a participao da Fundao Roberto Marinho, vm ofertando oficinas de dana e cursos tcnicos em So Lus e 39 cidades do interior, gratuitos e com a durao de dois meses. J o Festival Maranhense de Teatro Estudantil, promovido pelo CACEM e os rgos de cultura do Estado em seis oportunidades, tem como objetivo a formao de platia, a descoberta de talentos e a integrao entre as escolas atravs da realizao anual de uma mostra competitiva. A participao ativa e o aumento do nmero de escolas a cada verso so evidncias da presena do teatro na educao ludovicense: no ano de 2002 participaram 42 escolas, com espetculos nem sempre

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  • preocupados com propostas educativas de qualidade, embora alguns de nvel muito bom. O carter competitivo, apesar de no contribuir muito com a difuso do trabalho de teatro-educao de uma maneira saudvel, termina por demonstrar a importncia de se ter educadores habilitados na linguagem teatral a maioria dos trofus so ganhos por especialistas , refutando a improvisao de professores.

    COMENTRIOS GUISA DE CONCLUSO

    No processo de produzir e adquirir conhecimentos, terminamos tambm por aprender a tomar distncia dos objetos, maneira contraditria de nos aproximarmos deles. A tomada de distncia dos objetos pressupe a percepo dos mesmos em relao aos outros (FREIRE, 1995, p. 112).

    O sentido empregado por Paulo Freire na epgrafe acima se refere conscientizao dos sujeitos inseridos no processo educacional, o que se d atravs do aprofundamento dessa tomada de distncia, mas no caso do presente estudo, tambm indicou o mote epistemolgico sobre o qual assentaram-se os procedimentos da investigao em si. Considerando-se o carter processual desta pesquisa, a partir do relatrio que contempla a sistematizao e a anlise dos dados coletados em So Lus, pretende-se dialogar com especialistas em ensino de arte e teatro, da UFMA e de outras universidades brasileiras, com o fito de verificar o que h de comum nos variados casos; que tipos de entrave apresentam-se em determinadas situaes e noutras no; quais as solues encontradas em diferentes cidades; o que se pode aplicar ou no das mltiplas leituras acerca da realidade local em outras realidades; quais as contribuies que emergem na atualidade e ainda no foram efetivamente divulgadas, pelo menos no Maranho... enfim, trata-se da tentativa de desvelar os aspectos polissmicos da realidade do ensino do teatro no Brasil, a partir da compreenso das singularidades pontuais, localizadas. Toda pesquisa busca responder questo que a engendrou, sobretudo as de natureza exploratria e que tm finalidade preponderantemente aplicada. Neste caso, espera-se que os achados apresentem-se como contribuies relevantes que, embora se constituam em reflexes inconclusas e vises parciais acerca de um universo em mutao constante, possam sugerir pistas ou mesmo fazer com que luzes inspiradoras cintilem no espao do teatro-educao, cada vez mais fortes! E como o trabalho tem um carter pragmtico em sua origem, presta-se, enquanto investigao, reflexo sobre a prpria ao da pesquisa, gerando, dessa maneira, a possibilidade de atualizao constante das idias e propostas advindas ao longo do trabalho. Para concretizar essa idia, os materiais de memria e os achados da pesquisa sero editados em um stio virtual, a ser implantado no endereo eletrnico da UFMA, com os seguintes contedos: i) relatrio da pesquisa de campo; ii) textos crticos dos especialistas; iii) sugestes trabalhadas pela equipe de pesquisa, dirigidas especialmente ao pessoal de teatro-educao de So Lus; iv) textos produzidos pelos alunos, no decorrer do processo. Acredita-se que essa maneira interativa de promover o acesso ao debate e informao coincide com os desgnios de um tempo ps-moderno, no qual a arte no apenas uma questo de esttica, a educao transcende s barreiras do social e a cultura urbana exige a construo coletiva do porvir a partir de uma atitude compromissada com a mudana.

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