Unesco. história geral da áfrica, vol. 5

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Comitê Científico Internacional da UNESCO para Redação da História Geral da África HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA V África do século XVI ao XVIII EDITOR BETHWELL ALLAN OGOT UNESCO Representação no BRASIL Ministério da Educação do BRASIL Universidade Federal de São Carlos

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  • 1. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERALDA FRICA Vfrica dosculo XVI ao XVIIIEDITOR BETHWELL ALLAN OGOTUNESCO Representao no BRASILMinistrio da Educao do BRASILUniversidade Federal de So Carlos

2. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERAL DA FRICA Vfrica do sculo XVI ao XVIII 3. Coleo Histria Geral da frica da UNESCOVolume I Metodologia e pr-histria da frica(Editor J. Ki-Zerbo)Volume II frica antiga(Editor G. Mokhtar)Volume III frica do sculo VII ao XI(Editor M. El Fasi)(Editor Assistente I. Hrbek)Volume IV frica do sculo XII ao XVI(Editor D. T. Niane)Volume V frica do sculo XVI ao XVIII(Editor B. A. Ogot)Volume VI frica do sculo XIX dcada de 1880(Editor J. F. A. Ajayi)Volume VII frica sob dominao colonial, 1880-1935(Editor A. A. Boahen)Volume VIII frica desde 1935(Editor A. A. Mazrui)(Editor Assistente C. Wondji)Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro,bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO,nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e apresentao domaterial ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parteda UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regioou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites. 4. Comit Cientfico Internacional da UNESCO para Redao da Histria Geral da fricaHISTRIA GERALDA FRICA Vfrica do sculoXVI ao XVIIIEDITOR Bethwell Allan OgotOrganizaodas Naes Unidaspara a Educao,a Cincia e a Cultura 5. Esta verso em portugus fruto de uma parceria entre a Representao da UNESCO no Brasil, aSecretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao doBrasil (Secad/MEC) e a Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).Ttulo original: General History of Africa, V: Africa from the sixteenth to the eighteenth century.Paris: UNESCO; Berkley, CA: University of California Press; London: Heinemann EducationalPublishers Ltd., 1992. (Primeira edio publicada em ingls). UNESCO 2010Coordenao geral da edio e atualizao: Valter Roberto SilvrioTradutores: David Yann Chaigne, Luana Antunes Costa, Joo Bortolanza, Fbio Lucas Pierini,Mrcio Prado, Brbara Muniz Vieira (Glossrio)Reviso tcnica: Kabengele MunangaPreparao de texto: Eduardo Roque dos Reis FalcoReviso e atualizao ortogrfica: Ilunga KabengeleProjeto grfico e diagramao: Marcia Marques / Casa de Ideias; Edson Fogaa e Paulo Selveira /UNESCO no BrasilHistria geral da frica, V: frica do sculo XVI ao XVIII / editado por Bethwell AllanOgot. Braslia : UNESCO, 2010.1208 p.ISBN: 978-85-7652-127-31. Histria 2. Histria moderna 3. Histria africana 4. Culturas africanas 5. frica I.Ogot, Bethwell Allan II. UNESCO III. Brasil. Ministrio da Educao IV. UniversidadeFederal de So CarlosOrganizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO)Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-912 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail: [email protected] da Educao (MEC)Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC)Esplanada dos Ministrios, Bl. L, 2 andar70047-900 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2022-9217Fax: (55 61) 2022-9020Site: http://portal.mec.gov.br/index.htmlUniversidade Federal de So Carlos (UFSCar)Rodovia Washington Luis, Km 233 SP 310Bairro Monjolinho13565-905 So Carlos SP BrasilTel.: (55 16) 3351-8111 (PABX)Fax: (55 16) 3361-2081Site: http://www2.ufscar.br/home/index.phpImpresso no Brasil 6. SUMRIOApresentao....................................................................................VIINota dos Tradutores...........................................................................IXCronologia........................................................................................XILista de Figuras..............................................................................XIIIPrefcio...........................................................................................XXIApresentao do Projeto...............................................................XXVIICaptulo 1 A luta pelo comrcio internacional e suas implicaespara a frica............................................................................ 1Captulo 2 As estruturas polticas, econmicas e sociais africanasdurante o perodo considerado.............................................. 27Captulo 3 Os movimentos populacionais e a emergncia de novasformas sociopolticas na frica.............................................. 55Captulo 4 A frica na histria do mundo: o trfico de escravos apartir da frica e a emergncia de uma ordem econmicano Atlntico........................................................................... 91Captulo 5 A dispora africana no Antigo e no Novo Mundo.............. 135Captulo 6 O Egito sob o domnio do Imprio Otomano.................... 165Captulo 7 O Sudo de 1500 a 1800..................................................... 205Captulo 8 O Marrocos.......................................................................... 241 7. VI frica do sculo xii ao xviCaptulo 9 Arglia, Tunsia e Lbia: os otomanos e seus herdeiros........ 279Captulo 10 A Senegmbia do sculo XVI ao XVIII: a evoluo dosWolofes, dos Sereres e dos Tucolores................................. 313Captulo 11 O fim do Imprio Songhai................................................ 357Captulo 12 Do Nger ao Volta.............................................................. 389Captulo 13 Os Estados e as culturas da costa da Alta Guin............... 437Captulo 14 Os Estados e as culturas da costa da Guin Inferior......... 475Captulo 15 Do delta do Nger aos Camares: os fon e os iorubas....... 519Captulo 16 Os Estados Haussas........................................................... 541Captulo 17 O KanemBornu:suas relaes com o Mediterrneo,o Baguirmi e os outros Estados da bacia do Chade........... 583Captulo 18 Das savanas de Camares ao alto Nilo.............................. 611Captulo 19 O Reino do Congo e seus vizinhos.................................... 647Captulo 20 O sistema poltico luba e lunda: emergncia e expanso.... 695Captulo 21 A Zambzia do Norte: a regio do Lago Malaui............... 719Captulo 22 A regio ao Sul do Zambeze............................................. 755Captulo 23 A frica Austral ............................................................... 807Captulo 24 O chifre da frica.............................................................. 831Captulo 25 A costa oriental da frica.................................................. 883Captulo 26 A regio dos Grandes Lagos, de 1500 a 1800................... 915Captulo 27 O interior da frica do Leste: os povos do Quniae da Tanznia (15001800)................................................975Captulo 28 Madagascar e as ilhas do Oceano ndico......................... 1003Captulo 29 A histria das sociedades africanas de 1500 a 1800:concluso.......................................................................... 1057Membros do Comit Cientfico Internacional para a Redao deuma Histria Geral da frica................................................. 1071Dados Biogrficos dos Autores do Volume II....................................... 1073Abreviaes e Listas de Peridicos........................................................ 1079Referncias Bibliogrficas..................................................................... 1087ndice Remissivo.................................................................................... 1171 8. APRESENTAO VIIAPRESENTAOOutra exigncia imperativa de que a histria (e a cultura) da frica devem pelo menos servistas de dentro, no sendo medidas por rguas de valores estranhos... Mas essas conexestm que ser analisadas nos termos de trocas mtuas, e influncias multilaterais em que algoseja ouvido da contribuio africana para o desenvolvimento da espcie humana. J. Ki-Zerbo,Histria Geral da frica, vol. I, p. LII.A Representao da UNESCO no Brasil e o Ministrio da Educao tm a satis-faode disponibilizar em portugus a Coleo da Histria Geral da frica. Em seusoito volumes, que cobrem desde a pr-histria do continente africano at sua histriarecente, a Coleo apresenta um amplo panorama das civilizaes africanas. Com suapublicao em lngua portuguesa, cumpre-se o objetivo inicial da obra de colaborar parauma nova leitura e melhor compreenso das sociedades e culturas africanas, e demons-trara importncia das contribuies da frica para a histria do mundo. Cumpre-se,tambm, o intuito de contribuir para uma disseminao, de forma ampla, e para umaviso equilibrada e objetiva do importante e valioso papel da frica para a humanidade,assim como para o estreitamento dos laos histricos existentes entre o Brasil e a frica.O acesso aos registros sobre a histria e cultura africanas contidos nesta Coleo sereveste de significativa importncia. Apesar de passados mais de 26 anos aps o lana-mentodo seu primeiro volume, ainda hoje sua relevncia e singularidade so mundial-mentereconhecidas, especialmente por ser uma histria escrita ao longo de trinta anospor mais de 350 especialistas, sob a coordenao de um comit cientfico internacionalconstitudo por 39 intelectuais, dos quais dois teros africanos.A imensa riqueza cultural, simblica e tecnolgica subtrada da frica para o conti-nenteamericano criou condies para o desenvolvimento de sociedades onde elementoseuropeus, africanos, das populaes originrias e, posteriormente, de outras regies domundo se combinassem de formas distintas e complexas. Apenas recentemente, tem-seconsiderado o papel civilizatrio que os negros vindos da frica desempenharamna formao da sociedade brasileira. Essa compreenso, no entanto, ainda est restritaaos altos estudos acadmicos e so poucas as fontes de acesso pblico para avaliar estecomplexo processo, considerando inclusive o ponto de vista do continente africano. 9. VIII frica do sculo xii ao xviA publicao da Coleo da Histria Geral da frica em portugus tambm resul-tadodo compromisso de ambas as instituies em combater todas as formas de desigual-dades,conforme estabelecido na declarao universal dos direitos humanos (1948),especialmente no sentido de contribuir para a preveno e eliminao de todas as formasde manifestao de discriminao tnica e racial, conforme estabelecido na convenointernacional sobre a eliminao de todas as formas de discriminao racial de 1965.Para o Brasil, que vem fortalecendo as relaes diplomticas, a cooperao econ-micae o intercmbio cultural com aquele continente, essa iniciativa mais um passoimportante para a consolidao da nova agenda poltica. A crescente aproximao comos pases da frica se reflete internamente na crescente valorizao do papel do negrona sociedade brasileira e na denncia das diversas formas de racismo. O enfrentamentoda desigualdade entre brancos e negros no pas e a educao para as relaes tnicase raciais ganhou maior relevncia com a Constituio de 1988. O reconhecimento daprtica do racismo como crime uma das expresses da deciso da sociedade brasileirade superar a herana persistente da escravido. Recentemente, o sistema educacionalrecebeu a responsabilidade de promover a valorizao da contribuio africana quando,por meio da alterao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) ecom a aprovao da Lei 10.639 de 2003, tornou-se obrigatrio o ensino da histria eda cultura africana e afro-brasileira no currculo da educao bsica.Essa Lei um marco histrico para a educao e a sociedade brasileira por criar, viacurrculo escolar, um espao de dilogo e de aprendizagem visando estimular o conheci-mentosobre a histria e cultura da frica e dos africanos, a histria e cultura dos negrosno Brasil e as contribuies na formao da sociedade brasileira nas suas diferentesreas: social, econmica e poltica. Colabora, nessa direo, para dar acesso a negros eno negros a novas possibilidades educacionais pautadas nas diferenas socioculturaispresentes na formao do pas. Mais ainda, contribui para o processo de conhecimento,reconhecimento e valorizao da diversidade tnica e racial brasileira.Nessa perspectiva, a UNESCO e o Ministrio da Educao acreditam que esta publica-oestimular o necessrio avano e aprofundamento de estudos, debates e pesquisas sobrea temtica, bem como a elaborao de materiais pedaggicos que subsidiem a formaoinicial e continuada de professores e o seu trabalho junto aos alunos. Objetivam assim comesta edio em portugus da Histria Geral da frica contribuir para uma efetiva educaodas relaes tnicas e raciais no pas, conforme orienta as Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Educao das Relaes tnico-Raciais e para o Ensino da Histria e Cultura Afro-brasileirae Africana aprovada em 2004 pelo Conselho Nacional de Educao.Boa leitura e sejam bem-vindos ao Continente Africano.Vincent Defourny Fernando HaddadRepresentante da UNESCO no Brasil Ministro de Estado da Educao do Brasil 10. NOTA DOS TRADUTORES IXNOTA DOS TRADUTORESA Conferncia de Durban ocorreu em 2001 em um contexto mundial dife-rentedaquele que motivou as duas primeiras conferncias organizadas pelaONU sobre o tema da discriminao racial e do racismo: em 1978 e 1983 emGenebra, na Sua, o alvo da condenao era o apartheid.A conferncia de Durban em 2001 tratou de um amplo leque de temas, entreos quais vale destacar a avaliao dos avanos na luta contra o racismo, na lutacontra a discriminao racial e as formas correlatas de discriminao; a avaliaodos obstculos que impedem esse avano em seus diversos contextos; bem comoa sugesto de medidas de combate s expresses de racismo e intolerncias.Aps Durban, no caso brasileiro, um dos aspectos para o equacionamentoda questo social na agenda do governo federal a implementao de polticaspblicas para a eliminao das desvantagens raciais, de que o grupo afrodescen-dentepadece, e, ao mesmo tempo, a possibilidade de cumprir parte importantedas recomendaes da conferncia para os Estados Nacionais e organismosinternacionais.No que se refere educao, o diagnstico realizado em novembro de 2007,a partir de uma parceria entre a UNESCO do Brasil e a Secretaria de EducaoContinuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio da Educao (SECAD/MEC), constatou que existia um amplo consenso entre os diferentes participan-tes,que concordavam, no tocante a Lei 10.639-2003, em relao ao seu baixograu de institucionalizao e sua desigual aplicao no territrio nacional. Entre 11. X frica do sculo xii ao xvios fatores assinalados para a explicao da pouca institucionalizao da lei estavaa falta de materiais de referncia e didticos voltados Histria de frica.Por outra parte, no que diz respeito aos manuais e estudos disponveis sobrea Histria da frica, havia um certo consenso em afirmar que durante muitotempo, e ainda hoje, a maior parte deles apresenta uma imagem racializada eeurocntrica do continente africano, desfigurando e desumanizando especial-mentesua histria, uma histria quase inexistente para muitos at a chegadados europeus e do colonialismo no sculo XIX.Rompendo com essa viso, a Histria Geral da frica publicada pela UNESCO uma obra coletiva cujo objetivo a melhor compreenso das sociedades e cul-turasafricanas e demonstrar a importncia das contribuies da frica para ahistria do mundo. Ela nasceu da demanda feita UNESCO pelas novas naesafricanas recm-independentes, que viam a importncia de contar com uma his-triada frica que oferecesse uma viso abrangente e completa do continente,para alm das leituras e compreenses convencionais. Em 1964, a UNESCOassumiu o compromisso da preparao e publicao da Histria Geral da frica.Uma das suas caractersticas mais relevantes que ela permite compreendera evoluo histrica dos povos africanos em sua relao com os outros povos.Contudo, at os dias de hoje, o uso da Histria Geral da frica tem se limitadosobretudo a um grupo restrito de historiadores e especialistas e tem sido menosusada pelos professores/as e estudantes. No caso brasileiro, um dos motivosdesta limitao era a ausncia de uma traduo do conjunto dos volumes quecompem a obra em lngua portuguesa.A Universidade Federal de So Carlos, por meio do Ncleo de EstudosAfrobrasileiros (NEAB/UFSCar) e seus parceiros, ao concluir o trabalho detraduo e atualizao ortogrfica do conjunto dos volumes, agradece o apoioda Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD),do Ministrio da Educao (MEC) e da UNESCO por terem propiciado ascondies para que um conjunto cada vez maior de brasileiros possa conhecer eter orgulho de compartilhar com outros povos do continente americano o legadodo continente africano para nossa formao social e cultural. 12. Cronologia XICronologiaNa apresentao das datas da pr-histria convencionou-se adotar dois tiposde notao, com base nos seguintes critrios: Tomando como ponto de partida a poca atual, isto , datas B.P. (beforepresent), tendo como referncia o ano de + 1950; nesse caso, as datas sotodas negativas em relao a + 1950. Usando como referencial o incio da Era Crist; nesse caso, as datasso simplesmente precedidas dos sinais - ou +. No que diz respeito aossculos, as menes antes de Cristo e depois de Cristo so substitudaspor antes da Era Crist, da Era Crist.Exemplos:(i) 2300 B.P. = -350(ii) 2900 a.C. = -29001800 d.C. = +1800(iii) sculo V a.C. = sculo V antes da Era Cristsculo III d.C. = sculo III da Era Crist 13. Lista de Figuras XIIILista de FigurasFigura 1.1 frica: os principais pontos de contato do comrcio europeu do sculo XVII.......5Figura 1.2 Lavagem da lama diamantfera pelos escravos negros no Brasil...........................19Figura 1.3 Venda de mercadorias, de quadros e de escravos na Rotunda, em NovaOrlees, na Amrica..............................................................................................20Figura 1.4 Desenho satrico poltico intitulado: Homens e irmos!....................................25Figura 2.1 Entidades polticas do Sahel entre os sculos XI e XVI.......................................30Figura 2.2 Rotas e relaes comerciais na frica do sculo XVI...........................................40Figura 2.3 Sandlia em couro sudanesa, fabricada na regio de Kano...................................47Figura 2.4 Bolsa em couro proviniente da regio de Tombuctu.............................................47Figura 2.5 Espaos polticos do Saara ao Equador, no sculo XVII......................................51Figura 4.1 O comrcio atlntico no sculo XVIII e no incio do sculo XIX........................94Figura 4.2 Moeda espanhola representando Ferdinando e Isabel, 14741504.....................105Figura 4.3 Planta e corte de um navio negreiro europeu...................................................... 111Figura 4.4 Escravos negros trabalhando em uma plantao de caf no Brasil, por voltade 1870................................................................................................................ 115Figura 4.5 Escravos negros cortando canadeacarem uma plantao nas Antilhas,por volta de 1833................................................................................................. 118Figura 4.6 Embarque de escravos a bordo de um navio negreiro europeu........................... 123Figura 4.7 As fontes de abastecimento do trfico transatlntico nos sculos XVIII eXIX na frica...................................................................................................... 127Figura 4.8 A zona central da frica Ocidental.................................................................... 131Figura 5.1 General Alexandre Davy Dumas, 17621806.....................................................140 14. XIV frica do sculo xii ao xviFigura 5.2 Phyllis Wheatley, domstica que se tornou poetisa renomada nosculo XVIII........................................................................................................ 149Figura 5.3 Benjamin Banneker............................................................................................. 150Figura 5.4 Toussaint Louverture, de Haiti........................................................................... 152Figura 5.5 A frica, a Europa e a sia................................................................................ 154Figura 5.6 Mlik Ambar...................................................................................................... 161Figura 6.1 O Sulto Selim I................................................................................................. 167Figura 6.2 Janzaros. Miniatura turca do sculo XVI........................................................... 169Figura 6.3 Fachada em faiana da cmara funerria de Ibrhm.......................................... 173Figura 6.4 O Baixo Egito (alDelta)....................................................................................174Figura 6.5 O Mdio e o Alto Egito (al-Sad)...................................................................... 175Figura 6.6 A mesquita de Muhammad Bey Ab lDahab,1188/1774............................... 188Figura 6.7 A mesquita de Mah,mud Pasha, 975-1568......................................................... 193Figura 6.8 O wn da mesquita de Ahmad al-Burdayn, 1025/1616-1038/1629................. 193Figura 6.9 O cmodo principal (kaa) da casa de Djamluddn al-Dahab, 1047/1637....... 194Figura 6.10 A tela em madeira (machrabia) da casa de Djamluddn al-Dahab,1047/1637.......................................................................................................... 194Figura 6.11 Al Bey, vice-regente do Egito.......................................................................... 198Figura 7.1 Reinos e sultanatos do Sudo............................................................................. 208Figura 7.2 O porto de Suakin (gravura do sculo XIX)....................................................... 213Figura 7.3 As rotas comerciais do Sudo............................................................................. 219Figura 7.4 Os povos do Sudo............................................................................................. 232Figura 8.1 O Marrocos no sculo XVI e XVII..................................................................... 243Figura 8.2 As etapas do caminho de Dom Sebastio rumo ao campo de batalha dosTrs Reis em Wadi alMakhazin.........................................................................250Figura 8.3 Forma de po de acar descoberta em 1960 quando das buscas naaucareira de Chichawa....................................................................................... 254Figura 8.4 O imprio de Ahmad alMansur(1578 a 1603)................................................. 256Figura 8.5 Os principados do Marrocos Setentrional no incio do sculo XVII.................. 260Figura 8.6 O sulto Mulay Ismael........................................................................................ 264Figura 8.7 Carta nmero 12 da correspondncia entre o sulto Mulay Ismael e o shaykhalIslamSidi Muhammad alFasi........................................................................271Figura 8.8 Walad Dawud Ait Hamu, ou a kasaba de Mansur em Skoura, na provncia deUarzazate............................................................................................................. 273Figura 9.1 A Arglia, a Tunsia e a Lbia do sculo XVI ao XVIII...................................... 282Figura 9.2 Vaso de terracota do sculo XVII....................................................................... 291Figura 9.3 Alade (ud) de fabricao tunisiana.................................................................... 292Figura 9.4 Vista da cidade e do porto de Trpoli.................................................................. 294Figura 9.5 Vista da cidade e do porto de Argel................................................................... 295Figura 9.6 Leno bordado argelino...................................................................................... 299Figura 9.7 Cofre de casamento do sculo XVIII proveniente da Cablia, na Arglia.......... 300 15. Lista de Figuras XVFigura 9.8 Placa de cermica do sculo XVIII, procedente de Kallalina, em Tnis............. 303Figura 9.9 A cidade de Constantina..................................................................................... 305Figura 9.10 Ornamento cnico de prata para a cabea, do sculo XVIII, procedente daArglia............................................................................................................... 307Figura 9.11 Vista parcial de uma rua da cidade saariana de Ghadames, Lbia..................... 309Figura 9.12 Sala de estar de uma casa na cidade velha, Ghadames, Lbia............................ 310Figura 10.2 SaintLouis,na desembocadura do rio Senegal................................................ 320Figura 10.3 Trofeu composto por armas e outros objetos do Senegal.................................. 325Figura 10.5 Um chefe wolof em seu lar............................................................................... 332Figura 10.6 Guerreiro do Waalo.......................................................................................... 335Figura 10.7 Mulher fulbe no Futa Djalon............................................................................ 345Figura 11.1 Panorama de Tombuctu visto do terrao do viajante........................................ 359Figura 11.2 A regio de Tombuctu...................................................................................... 365Figura 11.3 Uma aldeia Songhai.......................................................................................... 369Figura 11.4 Touca imagem de um antlope....................................................................... 372Figura 11.5 As rotas do comrcio transaariano do sculo XVI ao sculo XVIII.................. 380Figura 11.6 Viajantes aproximandosede Tombuctu........................................................... 382Figura 11. 7 Uma mesquita em Tombuctu........................................................................... 386Figura 12.1 A regio do NgerVoltado sculo XVI ao XVIII............................................ 390Figura 12. 2 Estatueta soninke representando um hermafrodita ajoelhado.......................... 393Figura 12. 3 Estatueta mossi comemorativa de um antepassado feminino.......................... 411Figura 12. 4 Vista geral de Kong.......................................................................................... 422Figura 12. 5 Mercadores oferecendo seus produtos sombra de uma figueira..................... 427Figura 13.1 Os principais grupos de populao da frica do Oeste.................................... 439Figura 13.2 Os movimentos migratrios dos povos da frica do Oeste, do sculo XVao XVIII........................................................................................................... 447Figura 13.3 Saleiros esculpidos em marfim, do sculo XVI, provenientes da ilha Sherbro(bulom), Serra Leoa.......................................................................................... 456Figura 13.4 Corno de caa esculpido em marfim, do sculo XVI, proveniente da ilhaSherbro (bulom), Serra Leoa............................................................................. 457Figura 13.5 Os principais Estados da frica do Oeste, antes do sculo XVI...................... 460Figura 13.6 Os principais Estados da frica do Oeste, no sculo XVII.............................. 466Figura 14.1 Os povos akan, ga e ewe................................................................................... 476Figura 14.2 O forte de So Jorge, em Elmina, tal como era nos tempos dosportugueses....................................................................................................... 485Figura 14.3 As principais rotas comerciais das bacias do Bandama, do Volta e doMono................................................................................................................ 491Figura 14.4 Reconstituio de um mapa da Costa do Ouro datando de 1629..................... 493Figura 14.5 Os Estados da costa da Guin Inferior em 1700.............................................. 498Figura 14.6 Os Estados da costa da Guin Inferior em 1750.............................................. 502Figura 14.7 Tecelagem da frica do Oeste.......................................................................... 514 16. XVI frica do sculo xii ao xviFigura 14.8 Peso de lato akan servindo para pesar o ouro em p....................................... 515Figura 14.9 Nana Otuo Siriboe II, omanhene do Estado dwaben....................................... 517Figura 15.1 O delta do Nger e os Camares, do sculo XVI ao XVIII.............................. 520Figura 15.2 Cabea comemorativa, do sculo XV ou do XVI, proveniente do Benin.......... 523Figura 15.3 Cabea comemorativa, de lato, de um oba do Benin....................................... 526Figura 15.4 Estatueta feminina ioruba consagrada ao culto de Obatal, o orix dacriatividade........................................................................................................ 529Figura 15.5 Mscara de bronze do sculo XVII, usada na cintura, proveniente do Benin... 532Figura 15.6 Placa de bronze do sculo XVII, proveniente do Benin................................... 534Figura 15.7 Placa de bronze ornamental do sculo XVI, proveniente do Benin.................. 537Figura 16.1 A frica do Norte e o Sudo Central em 1600................................................ 543Figura 16.2 O pas haussa antes de 1800............................................................................. 551Figura 16.3 Os Estados haussas no sculo XVIII................................................................ 556Figura 16.4 Canga haussa chamada goranka da nono.......................................................... 567Figura 16.5 Vestido haussa................................................................................................... 567Figura 16.6 As rotas comerciais entre o pas haussa e a bacia do Volta................................ 568Figura 16.7 Representao esquemtica das principais ligaes comerciais e rotas decaravanas atravs do Saara e do Sudo Ocidental e Central, por volta de1215.................................................................................................................. 571Figura 16.8 Fachada decorada de uma casa de birni em Zinder........................................... 577Figura 16.9 Pginas decoradas de um Alcoro haussa em miniatura, fim do sculoXVIIinciodo XVIII....................................................................................... 578Figura 17.1 O Borno, o Kanem e seus vizinhos, no sculo XVIII....................................... 593Figura 17.2 Tecelo do Borno fabricando faixas de algodo (gabaga).................................. 594Figura 17.3 Mapa de Kukawa, capital do Borno no sculo XIX.......................................... 599Figura 17.4 Muro do palcio de vero do mai em Gambaru, construdo entre15701580.........................................................................................................600Figura 17.5 Recepo da misso DenhamClappertonpelo mai do Borno, entre1820 e 1830....................................................................................................... 605Figura 17.6 Rotas das caravanas ligando, no sculo XVIII, o Borno frica do Nortee ao vale do Nilo............................................................................................... 608Figura 18.1 Cabea em tufo vulcnico, Uele, data desconhecida.......................................... 618Figura 18.2 Migraes de populao nas regies do Uele e do Ubangui............................. 619Figura 18.3 Vista de face e vis de uma estatueta real kuba................................................. 623Figura 18.4 Mscara fang usada por um membro da sociedade Ngil................................... 628Figura 18.5 Mscara de estilo nguni do Gabo.................................................................... 632Figura 18.6 Estatueta kuba em ferro forjado, por volta de 1515.......................................... 638Figura 18.7 Bigorna kuba..................................................................................................... 640Figura 18.8 Povos e reas de influncia ao longo do eixo CongoZaire...............................643Figura 19.1 Topografia e recursos naturais do Congo.......................................................... 649Figura 19.2 Cermica yombe............................................................................................... 651 17. Lista de Figuras XVIIFigura 19.3 O Reino do Congo e seus vizinhos no sculo XVI........................................... 654Figura 19.4 So Salvador, capital do Reino do Congo, no stio de Mbanza Kongo............ 655Figura 19.5 Vaso nzimbu...................................................................................................... 656Figura 19.6 Nobres congos do reino do Loango vestindo aventais de pele de gato............. 658Figura 19.7 Os reinos e o comrcio na regio do Congo no sculo XVII............................ 661Figura 19.8 A corte do rei do Loango, 1668........................................................................ 664Figura 19.9 O porto de Luanda no sculo XVII.................................................................. 666Figura 19.10 A baia e a cidade de So Paulo de Luanda durante a ocupao holandesa,por volta de 1640............................................................................................. 667Figura 19.11 Painel decorativo de azulejos da fachada principal da igrejaNossa Senhora de Nazar, em Luanda, 1665.................................................. 669Figura 19.12 Detalhe do painel precedente representando a cabea do rei Antnio I,sepultado na igreja........................................................................................... 669Figura 19.13 Painel decorativo de azulejos da igreja Nossa Senhora de Nazar,em Luanda, representando a batalha de Mbwila............................................. 671Figura 19.14 As rotas martimas da frica Central, nos sculos XVII e XVIII.................. 673Figura 19.15 Runas do antigo palcio do bispo de Mbanza Kongo (So Salvador), de1548, fotografadas em 1955............................................................................. 679Figura 19.16 Mscara ndongo do Loango........................................................................... 682Figura 19.17 O trfico de escravos na frica Central do sculo XVIII............................... 684Figura 19.18 Farmcia porttil lemba (nkobi) em casca de rvore, com tampa ornadapor um motivo de ptalas caracterstico, proveniente de Ngoyo...................... 689Figura 19.19 A frica Central Ocidental no sculo XVIII................................................. 693Figura 20.1 Os Estados do Shaba antes de 1700................................................................. 697Figura 20.2 Hemba, Zaire.................................................................................................... 698Figura 20.3 O reino luba nos sculos XVIII e XIX............................................................. 702Figura 20.4 Kuba, centro do Zaire....................................................................................... 704Figura 20.5 Luba, Sul do Zaire............................................................................................ 705Figura 20.6 Luba, Zaire....................................................................................................... 706Figura 20.7 O imprio lunda no sculo XVIII..................................................................... 708Figura 20.8 Luba, Zaire....................................................................................................... 712Figura 20.9 Luba, Zaire....................................................................................................... 712Figura 20.10 Chokwe, Angola e Zaire................................................................................. 716Figura 21.1 Etnias da regio norte do Zambeze no sculo XVIII....................................... 720Figura 21.2 Grupos prdinsticosdo Zimbbue Setentrional............................................ 723Figura 21.3 Mscara usada pela sociedade secreta Nyau...................................................... 726Figura 21.4 A expanso maravi por volta de 1650............................................................... 728Figura 21.5 O tamborete real de ferro do chefe Kanyenda de Khota Khota, no MalauiCentral.............................................................................................................. 736Figura 21.6 Rotas do comrcio do marfim na frica Central Oriental no sculo XVIII.... 747Figura 21.7 Restos de um forno para fundir o ferro (nganjo) tumbuka.............................. 750 18. XVIII frica do sculo xii ao xviFigura 21.8 Enxada de ferro de fabricao tumbuka............................................................ 751Figura 22.1 A frica Central e do Sudeste sob os Estados mutapa e torwa........................ 756Figura 22.2 Runas na regio de Matendere........................................................................ 758Figura 22.3 Runas do tipo mutoko..................................................................................... 758Figura 22.4 Runas do tipo musimbira................................................................................. 760Figura 22.5 Gravura do Mutapa (sculo XVIII).................................................................. 762Figura 22.6 O padre Gonalo da Silveira que introduziu o cristianismo no ImprioMutapa em 1560............................................................................................... 768Figura 22.7 Os prazos do baixo vale do Zambeze............................................................... 772Figura 22. 8 O Imprio Rozwi............................................................................................. 775Figura 22.9 Muro decorativo em Danangombe................................................................... 776Figura 22.10 As principais feiras nos sculos XVI e XVII................................................... 801Figura 23.1 A frica Austral do sculo XVI ao XVIII........................................................ 809Figura 23.2 Um caador gonaqua (griqua)........................................................................... 815Figura 23.3 Agricultores khoi khoi fazendo a batedura dos cereais..................................... 818Figura 23.4 Uma famlia namaqua....................................................................................... 820Figura 23.5 Famlia khoi khoi fazendo pastar seu rebanho.................................................. 825Figura 24.1 O imprio etope e suas dependncias, por volta de 1550................................. 834Figura 24.2 O Sudeste da Etipia por volta de 1500........................................................... 840Figura 24.3 As migraes oromas no sculo XVI................................................................ 850Figura 24.4 O castelo de Gondar......................................................................................... 857Figura 24.5 Pintura copta sobre tecido representando a Virgem e a Criana, Gondar........ 868Figura 24.6 Pintura copta sobre tecido representando So Jorge e o drago, Gondar......... 868Figura 24.7 Pintura mural do sculo XVIII, na igreja de Dabra Birhan, Gondar................ 870Figura 24.8 Afresco copta do sculo XVIII representando o inferno e o diabo,na igreja de Dabra Birhan, Gondar................................................................... 870Figura 24.9 Antigo sino de igreja do Tigre.......................................................................... 876Figura 24.10 Os muros de Wolayta, na Etipia Meridional................................................ 877Figura 24.11 A cristandade na frica do Nordeste por volta de 1700................................. 881Figura 25.1 A bacia ocidental do Oceano ndico................................................................. 885Figura 25.2 Porta esculpida, Zanzibar.................................................................................. 889Figura 25.3 A costa da frica Oriental................................................................................ 892Figura 25.4 Forte Jesus (Mombaa) construdo pelos portugueses em 15931594..............899Figura 25.5 Ornamento proveniente de uma mesquita de Vumba Kuu............................... 909Figura 25.6 O grande Siwa de Mwinyi Mkuu, Zanzibar..................................................... 910Figura 26.1 O nyarubanga e a fragmentao dos luo entre aproximadamente 1570 e1720.................................................................................................................. 922Figura 26.2 O Sul da regio dos Grandes Lagos no fim do sculo XVII............................ 948Figura 26.3 O bosque sagrado de Bunywankoko, no Nkoma.............................................. 956Figura 26.4 Objetos encontrados no tmulo de Cyirima Rujugira, mwami de Ruanda...... 959 19. Lista de Figuras XIXFigura 26.5 O santurio de Banga, no Mugamba................................................................ 970Figura 26.6 Os antigos tambores reais conservados no santurio de Banga,no Mugamba..................................................................................................... 971Figura 27.1 Os diferentes grupos tnicos do Qunia e da Tanznia.................................... 976Figura 27.2 Ferreiros fabricando uma enxada...................................................................... 984Figura 27.3 Estatueta kamba representando uma figura feminina....................................... 991Figura 28.1 Os grupos tnicos de Madagascar................................................................... 1004Figura 28.2. tienne de Flacourt, governador de Fort-Dauphin (Madagascar) de1648 a 1658..................................................................................................... 1022Figura 28.3 Grupo tnico bara de Ambutsira (sudeste de Madagascar)............................ 1040 20. Prefciopor M. Amadou - Mahtar MBow,Diretor Geral da UNESCO (1974-1987)Durante muito tempo, mitos e preconceitos de toda espcie esconderam domundo a real histria da frica. As sociedades africanas passavam por socie-dadesque no podiam ter histria. Apesar de importantes trabalhos efetuadosdesde as primeiras dcadas do sculo XX por pioneiros como Leo Frobenius,Maurice Delafosse e Arturo Labriola, um grande nmero de especialistas no-africanos,ligados a certos postulados, sustentavam que essas sociedades nopodiam ser objeto de um estudo cientfico, notadamente por falta de fontes edocumentos escritos.Se a Ilada e a Odissia podiam ser devidamente consideradas como fontesessenciais da histria da Grcia antiga, em contrapartida, negava-se todo valor tradio oral africana, essa memria dos povos que fornece, em suas vidas, atrama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a histria de grandeparte da frica, recorria-se somente a fontes externas frica, oferecendouma viso no do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquiloque se pensava que ele deveria ser. Tomando freqentemente a Idade Mdiaeuropia como ponto de referncia, os modos de produo, as relaes sociaistanto quanto as instituies polticas no eram percebidos seno em refernciaao passado da Europa.Com efeito, havia uma recusa a considerar o povo africano como o criadorde culturas originais que floresceram e se perpetuaram, atravs dos sculos, por 21. XXII frica do sculo xii ao xvivias que lhes so prprias e que o historiador s pode apreender renunciando acertos preconceitos e renovando seu mtodo.Da mesma forma, o continente africano quase nunca era considerado comouma entidade histrica. Em contrrio, enfatizava-se tudo o que pudesse refor-ara ideia de uma ciso que teria existido, desde sempre, entre uma fricabranca e uma frica negra que se ignoravam reciprocamente. Apresentava-sefrequentemente o Saara como um espao impenetrvel que tornaria impossveismisturas entre etnias e povos, bem como trocas de bens, crenas, hbitos e ideiasentre as sociedades constitudas de um lado e de outro do deserto. Traavam-sefronteiras intransponveis entre as civilizaes do antigo Egito e da Nbia eaquelas dos povos subsaarianos.Certamente, a histria da frica norte-saariana esteve antes ligada quela dabacia mediterrnea, muito mais que a histria da frica subsaariana mas, nosdias atuais, amplamente reconhecido que as civilizaes do continente africano,pela sua variedade lingstica e cultural, formam em graus variados as vertenteshistricas de um conjunto de povos e sociedades, unidos por laos seculares.Um outro fenmeno que grandes danos causou ao estudo objetivo do passadoafricano foi o aparecimento, com o trfico negreiro e a colonizao, de esteretiposraciais criadores de desprezo e incompreenso, to profundamente consolidadosque corromperam inclusive os prprios conceitos da historiografia. Desde queforam empregadas as noes de brancos e negros, para nomear genericamenteos colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foramlevados a lutar contra uma dupla servido, econmica e psicolgica. Marcadopela pigmentao de sua pele, transformado em uma mercadoria, entre outras, econdenado ao trabalho forado, o africano passou a simbolizar, na conscincia deseus dominadores, uma essncia racial imaginria e ilusoriamente inferior quelado negro. Este processo de falsa identificao depreciou a histria dos povos afri-canos,no esprito de muitos, rebaixando-a a uma etno-histria em cuja apreciaodas realidades histricas e culturais no podia ser seno falseada.A situao evoluiu muito desde o fim da Segunda Guerra Mundial, emparticular, desde que os pases da frica, tendo alcanado sua independncia,comearam a participar ativamente da vida da comunidade internacional e dosintercmbios a ela inerentes. Historiadores, em nmero crescente, esforaram-seem abordar o estudo da frica com mais rigor, objetividade e abertura deesprito, empregando obviamente com as devidas precaues fontes africanasoriginais. No exerccio de seu direito iniciativa histrica, os prprios africanossentiram profundamente a necessidade de restabelecer, em bases slidas, a his-toricidadede suas sociedades. 22. Prefcio XXIII nesse contexto que emerge a importncia da Histria Geral da frica, emoito volumes, cuja publicao a Unesco comeou.Os especialistas de numerosos pases que se empenharam nessa obra, pre-ocuparam-se, primeiramente, em estabelecer-lhe os fundamentos tericos emetodolgicos. Eles tiveram o cuidado em questionar as simplificaes abusivascriadas por uma concepo linear e limitativa da histria universal, bem comoem restabelecer a verdade dos fatos sempre que necessrio e possvel. Eles esfor-aram-se para extrair os dados histricos que permitissem melhor acompanhara evoluo dos diferentes povos africanos em sua especificidade sociocultural.Nessa tarefa imensa, complexa e rdua em vista da diversidade de fontes eda disperso dos documentos, a UNESCO procedeu por etapas. A primeirafase (1965-1969) consistiu em trabalhos de documentao e de planificao daobra. Atividades operacionais foram conduzidas in loco, atravs de pesquisas decampo: campanhas de coleta da tradio oral, criao de centros regionais dedocumentao para a tradio oral, coleta de manuscritos inditos em rabe eajami (lnguas africanas escritas em caracteres rabes), compilao de inventriosde arquivos e preparao de um Guia das fontes da histria da frica, publicadoposteriormente, em nove volumes, a partir dos arquivos e bibliotecas dos pasesda Europa. Por outro lado, foram organizados encontros, entre especialistasafricanos e de outros continentes, durante os quais discutiu-se questes meto-dolgicase traou-se as grandes linhas do projeto, aps atencioso exame dasfontes disponveis.Uma segunda etapa (1969 a 1971) foi consagrada ao detalhamento e articu-laodo conjunto da obra. Durante esse perodo, realizaram-se reunies interna-cionaisde especialistas em Paris (1969) e Addis-Abeba (1970), com o propsitode examinar e detalhar os problemas relativos redao e publicao da obra:apresentao em oito volumes, edio principal em ingls, francs e rabe, assimcomo tradues para lnguas africanas, tais como o kiswahili, o hawsa, o peul, oyoruba ou o lingala. Igualmente esto previstas tradues para o alemo, russo,portugus, espanhol e chins1, alm de edies resumidas, destinadas a umpblico mais amplo, tanto africano quanto internacional.A terceira e ltima fase constituiu-se na redao e na publicao do trabalho.Ela comeou pela nomeao de um Comit Cientfico Internacional de trinta e1 O volume I foi publicado em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili,peul e portugus; o volume II em ingls, rabe, chins, coreano, espanhol, francs, hawsa, italiano, kiswahili,peul e portugus; o volume III em ingls, rabe, espanhol e francs; o volume IV em ingls, rabe, chins,espanhol, francs e portugus; o volume V em ingls e rabe; o volume VI em ingls, rabe e francs; ovolume VII em ingls, rabe, chins, espanhol, francs e portugus; o VIII em ingls e francs. 23. XXIV frica do sculo xii ao xvinove membros, composto por africanos e no-africanos, na respectiva proporode dois teros e um tero, a quem incumbiu-se a responsabilidade intelectualpela obra.Interdisciplinar, o mtodo seguido caracterizou-se tanto pela pluralidadede abordagens tericas quanto de fontes. Dentre essas ltimas, preciso citarprimeiramente a arqueologia, detentora de grande parte das chaves da histriadas culturas e das civilizaes africanas. Graas a ela, admite-se, nos dias atuais,reconhecer que a frica foi, com toda probabilidade, o bero da humanidade,palco de uma das primeiras revolues tecnolgicas da histria, ocorrida noperodo Neoltico. A arqueologia igualmente mostrou que, na frica, especifi-camenteno Egito, desenvolveu-se uma das antigas civilizaes mais brilhantesdo mundo. Outra fonte digna de nota a tradio oral que, at recentementedesconhecida, aparece hoje como uma preciosa fonte para a reconstituio dahistria da frica, permitindo seguir o percurso de seus diferentes povos notempo e no espao, compreender, a partir de seu interior, a viso africana domundo, e apreender os traos originais dos valores que fundam as culturas e asinstituies do continente.Saber-se- reconhecer o mrito do Comit Cientfico Internacional encarre-gadodessa Histria geral da frica, de seu relator, bem como de seus coordena-dorese autores dos diferentes volumes e captulos, por terem lanado uma luzoriginal sobre o passado da frica, abraado em sua totalidade, evitando tododogmatismo no estudo de questes essenciais, tais como: o trfico negreiro, essasangria sem fim, responsvel por umas das deportaes mais cruis da histriados povos e que despojou o continente de uma parte de suas foras vivas, nomomento em que esse ltimo desempenhava um papel determinante no pro-gressoeconmico e comercial da Europa; a colonizao, com todas suas conse-qnciasnos mbitos demogrfico, econmico, psicolgico e cultural; as relaesentre a frica ao sul do Saara e o mundo rabe; o processo de descolonizao ede construo nacional, mobilizador da razo e da paixo de pessoas ainda vivase muitas vezes em plena atividade. Todas essas questes foram abordadas comgrande preocupao quanto honestidade e ao rigor cientfico, o que constituium mrito no desprezvel da presente obra. Ao fazer o balano de nossosconhecimentos sobre a frica, propondo diversas perspectivas sobre as culturasafricanas e oferecendo uma nova leitura da histria, a Histria geral da fricatem a indiscutvel vantagem de destacar tanto as luzes quanto as sombras, semdissimular as divergncias de opinio entre os estudiosos.Ao demonstrar a insuficincia dos enfoques metodolgicas amide utiliza-dosna pesquisa sobre a frica, essa nova publicao convida renovao e ao 24. Prefcio XXVaprofundamento de uma dupla problemtica, da historiografia e da identidadecultural, unidas por laos de reciprocidade. Ela inaugura a via, como todo tra-balhohistrico de valor, a mltiplas novas pesquisas. assim que, em estreita colaborao com a UNESCO, o Comit Cient-ficoInternacional decidiu empreender estudos complementares com o intuitode aprofundar algumas questes que permitiro uma viso mais clara sobrecertos aspectos do passado da frica. Esses trabalhos publicados na coleoda UNESCO, Histria geral da frica: estudos e documentos, viro a cons-tituir,de modo til, um suplemento presente obra2. Igualmente, tal esforodesdobrar-se- na elaborao de publicaes versando sobre a histria nacionalou sub-regional.Essa Histria geral da frica coloca simultaneamente em foco a unidade his-tricada frica e suas relaes com os outros continentes, especialmente com asAmricas e o Caribe. Por muito tempo, as expresses da criatividade dos afro-descendentesnas Amricas haviam sido isoladas por certos historiadores em umagregado heterclito de africanismos; essa viso, obviamente, no correspondequela dos autores da presente obra. Aqui, a resistncia dos escravos deportadospara a Amrica, o fato tocante ao marronage [fuga ou clandestinidade] polticoe cultural, a participao constante e massiva dos afrodescendentes nas lutas daprimeira independncia americana, bem como nos movimentos nacionais delibertao, esses fatos so justamente apreciados pelo que eles realmente foram:vigorosas afirmaes de identidade que contriburam para forjar o conceitouniversal de humanidade. hoje evidente que a herana africana marcou, maisou menos segundo as regies, as maneiras de sentir, pensar, sonhar e agir decertas naes do hemisfrio ocidental. Do sul dos Estados-Unidos ao norte doBrasil, passando pelo Caribe e pela costa do Pacfico, as contribuies culturaisherdadas da frica so visveis por toda parte; em certos casos, inclusive, elasconstituem os fundamentos essenciais da identidade cultural de alguns doselementos mais importantes da populao.2 Doze nmeros dessa srie foram publicados; eles tratam respectivamente sobre: no 1 O povoamentodo Egito antigo e a decodificao da escrita merotica; no 2 O trfico negreiro do sculo XV ao sculoXIX; no 3 Relaes histricas atravs do Oceano ndico; no 4 A historiografia da frica Meridional;no 5 A descolonizao da frica: frica Meridional e Chifre da frica [Nordeste da frica]; no 6 Etnonmias e toponmias; no 7 As relaes histricas e socioculturais entre a frica e o mundo rabe; no8 A metodologia da histria da frica contempornea; no 9 O processo de educao e a historiografiana frica; no 10 A frica e a Segunda Guerra Mundial; no 11 Lbya Antiqua; no 12 O papel dosmovimentos estudantis africanos na evoluo poltica e social da frica de 1900 a 1975. 25. XXVI frica do sculo xii ao xviIgualmente, essa obra faz aparecerem nitidamente as relaes da frica como sul da sia atravs do Oceano ndico, alm de evidenciar as contribuiesafricanas junto a outras civilizaes em seu jogo de trocas mtuas.Estou convencido que os esforos dos povos da frica para conquistar oureforar sua independncia, assegurar seu desenvolvimento e consolidar suasespecificidades culturais devem enraizar-se em uma conscincia histrica reno-vada,intensamente vivida e assumida de gerao em gerao.Minha formao pessoal, a experincia adquirida como professor e, desdeos primrdios da independncia, como presidente da primeira comisso criadacom vistas reforma dos programas de ensino de histria e de geografia decertos pases da frica Ocidental e Central, ensinaram-me o quanto era neces-srio,para a educao da juventude e para a informao do pblico, uma obrade histria elaborada por pesquisadores que conhecessem desde o seu interioros problemas e as esperanas da frica, pensadores capazes de considerar ocontinente em sua totalidade.Por todas essas razes, a UNESCO zelar para que essa Histria Geral dafrica seja amplamente difundida, em numerosos idiomas, e constitua baseda elaborao de livros infantis, manuais escolares e emisses televisivas ouradiofnicas. Dessa forma, jovens, escolares, estudantes e adultos, da fricae de outras partes, podero ter uma melhor viso do passado do continenteafricano e dos fatores que o explicam, alm de lhes oferecer uma compreensomais precisa acerca de seu patrimnio cultural e de sua contribuio ao pro-gressogeral da humanidade. Essa obra deveria ento contribuir para favorecera cooperao internacional e reforar a solidariedade entre os povos em suasaspiraes por justia, progresso e paz. Pelo menos, esse o voto que manifestomuito sinceramente.Resta-me ainda expressar minha profunda gratido aos membros do ComitCientfico Internacional, ao redator, aos coordenadores dos diferentes volu-mes,aos autores e a todos aqueles que colaboraram para a realizao destaprodigiosa empreitada. O trabalho por eles efetuado e a contribuio por elestrazida mostram com clareza o quanto homens vindos de diversos horizontes,conquanto animados por uma mesma vontade e igual entusiasmo a servio daverdade de todos os homens, podem fazer, no quadro internacional oferecidopela UNESCO, para lograr xito em um projeto de tamanho valor cientficoe cultural. Meu reconhecimento igualmente estende-se s organizaes e aosgovernos que, graas a suas generosas doaes, permitiram UNESCO publi-caressa obra em diferentes lnguas e assegurar-lhe a difuso universal que elamerece, em prol da comunidade internacional em sua totalidade. 26. Apresentao do Projeto XXVIIApresentao do Projetopelo Professor Bethwell Allan Ogot*Presidente do Comit Cientfico Internacionalpara a redao de uma Histria Geral da fricaA Conferncia Geral da UNESCO, em sua dcima sexta sesso, solicitouao Diretor-geral que empreendesse a redao de uma Histria Geral da frica.Esse considervel trabalho foi confiado a um Comit Cientfico Internacionalcriado pelo Conselho Executivo em 1970.Segundo os termos dos estatutos adotados pelo Conselho Executivo daUNESCO, em 1971, esse Comit compe-se de trinta e nove membros res-ponsveis(dentre os quais dois teros africanos e um tero de no-africanos),nomeados pelo Diretor-geral da UNESCO por um perodo correspondente durao do mandato do Comit.A primeira tarefa do Comit consistiu em definir as principais caractersticasda obra. Ele definiu-as em sua primeira sesso, nos seguintes termos: Em que pese visar a maior qualidade cientfica possvel, a Histria Geralda frica no busca a exausto e se pretende uma obra de sntese queevitar o dogmatismo. Sob muitos aspectos, ela constitui uma exposiodos problemas indicadores do atual estdio dos conhecimentos e dasgrandes correntes de pensamento e pesquisa, no hesitando em assinalar,* Durante a XVI sesso plenria do Comit Cientfico Internacional para a redao de uma HistriaGeral da frica (Brazaville, agosto de 1983), procedeu-se eleio do novo Bureau e o professor Ogot foisubstitudo pelo professor Alberto Adu Boahan. 27. XXVIII frica do sculo xii ao xviem tais circunstncias, as divergncias de opinio. Ela assim preparar ocaminho para posteriores publicaes. A frica aqui considerada como um todo. O objetivo mostrar asrelaes histricas entre as diferentes partes do continente, muito amidesubdividido, nas obras publicadas at o momento. Os laos histricosda frica com os outros continentes recebem a ateno merecida e soanalisados sob o ngulo dos intercmbios mtuos e das influncias mul-tilaterais,de forma a fazer ressurgir, oportunamente, a contribuio dafrica para o desenvolvimento da humanidade. A Histria Geral da frica consiste, antes de tudo, em uma histria dasideias e das civilizaes, das sociedades e das instituies. Ela funda-menta-se sobre uma grande diversidade de fontes, aqui compreendidasa tradio oral e a expresso artstica. A Histria Geral da frica aqui essencialmente examinada de seu inte-rior.Obra erudita, ela tambm , em larga medida, o fiel reflexo damaneira atravs da qual os autores africanos vem sua prpria civilizao.Embora elaborada em mbito internacional e recorrendo a todos osdados cientficos atuais, a Histria ser igualmente um elemento capitalpara o reconhecimento do patrimnio cultural africano, evidenciandoos fatores que contribuem unidade do continente. Essa vontade emexaminar os fatos de seu interior constitui o ineditismo da obra e poder,alm de suas qualidades cientficas, conferir-lhe um grande valor deatualidade. Ao evidenciar a verdadeira face da frica, a Histria poderia,em uma poca dominada por rivalidades econmicas e tcnicas, proporuma concepo particular dos valores humanos.O Comit decidiu apresentar a obra, dedicada ao estudo sobre mais de 3milhes de anos de histria da frica, em oito volumes, cada qual compreen-dendoaproximadamente oitocentas pginas de texto com ilustraes (fotos,mapas e desenhos tracejados).Para cada volume designou-se um coordenador principal, assistido, quandonecessrio, por um ou dois codiretores assistentes.Os coordenadores dos volumes so escolhidos, tanto entre os membros doComit quanto fora dele, em meio a especialistas externos ao organismo, todoseleitos por esse ltimo, pela maioria de dois teros. Eles encarregam-se da ela-boraodos volumes, em conformidade com as decises e segundo os planosdecididos pelo Comit. So eles os responsveis, no plano cientfico, peranteo Comit ou, entre duas sesses do Comit, perante o Conselho Executivo, 28. Apresentao do Projeto XXIXpelo contedo dos volumes, pela redao final dos textos ou ilustraes e, deuma maneira geral, por todos os aspectos cientficos e tcnicos da Histria. o Conselho Executivo quem aprova, em ltima instncia, o original definitivo.Uma vez considerado pronto para a edio, o texto remetido ao Diretor-Geralda UNESCO. A direo da obra cabe, dessa forma, ao Comit ou ao ConselhoExecutivo, nesse caso responsvel no nterim entre duas sesses do Comit.Cada volume compreende por volta de 30 captulos. Cada qual redigido porum autor principal, assistido por um ou dois colaboradores, caso necessrio.Os autores so escolhidos pelo Comit em funo de seu curriculum vitae.A preferncia concedida aos autores africanos, sob reserva de sua adequaoaos ttulos requeridos. Alm disso, o Comit zela, tanto quanto possvel, paraque todas as regies da frica, bem como outras regies que tenham mantidorelaes histricas ou culturais com o continente, estejam de forma equitativarepresentadas no quadro dos autores.Aps aprovao pelo coordenador do volume, os textos dos diferentes captu-losso enviados a todos os membros do Comit para submisso sua crtica.Ademais e finalmente, o texto do coordenador do volume submetido aoexame de um comit de leitura, designado no seio do Comit Cientfico Inter-nacional,em funo de suas competncias; cabe a esse comit realizar umaprofunda anlise tanto do contedo quanto da forma dos captulos.Ao Conselho Executivo cabe aprovar, em ltima instncia, os originais.Tal procedimento, aparentemente longo e complexo, revelou-se necessrio,pois permite assegurar o mximo de rigor cientfico Histria Geral da frica.Com efeito, houve ocasies nas quais o Conselho Executivo rejeitou origi-nais,solicitou reestruturaes importantes ou, inclusive, confiou a redao deum captulo a um novo autor. Eventualmente, especialistas de uma questo ouperodo especficos da histria foram consultados para a finalizao definitivade um volume.Primeiramente, uma edio principal da obra em ingls, francs e rabe serpublicada, posteriormente haver uma edio em forma de brochura, nessesmesmos idiomas.Uma verso resumida em ingls e francs servir como base para a traduoem lnguas africanas. O Comit Cientfico Internacional determinou quaisos idiomas africanos para os quais sero realizadas as primeiras tradues: okiswahili e o haussa.Tanto quanto possvel, pretende-se igualmente assegurar a publicao daHistria Geral da frica em vrios idiomas de grande difuso internacional 29. XXX frica do sculo xii ao xvi(dentre os quais, entre outros: alemo, chins, italiano, japons, portugus, russo,etc.).Trata-se, portanto, como se pode constatar, de uma empreitada gigantescaque constitui um ingente desafio para os historiadores da frica e para a comu-nidadecientfica em geral, bem como para a UNESCO que lhe oferece suachancela. Com efeito, pode-se facilmente imaginar a complexidade de umatarefa tal qual a redao de uma histria da frica que cobre no espao, todoum continente e, no tempo, os quatro ltimos milhes de anos, respeitando,todavia, as mais elevadas normas cientficas e convocando, como necessrio,estudiosos pertencentes a todo um leque de pases, culturas, ideologias e tra-dieshistricas. Trata-se de um empreendimento continental, internacional einterdisciplinar, de grande envergadura.Em concluso, obrigo-me a sublinhar a importncia dessa obra para a fricae para todo o mundo. No momento em que os povos da frica lutam para se unire para, em conjunto, melhor forjar seus respectivos destinos, um conhecimentoadequado sobre o passado da frica, uma tomada de conscincia no tocante aoselos que unem os Africanos entre si e a frica aos demais continentes, tudoisso deveria facilitar, em grande medida, a compreenso mtua entre os povosda Terra e, alm disso, propiciar sobretudo o conhecimento de um patrimniocultural cuja riqueza consiste em um bem de toda a Humanidade.Bethwell Allan OgotEm 8 de agosto de 1979Presidente do Comit Cientfico Internacionalpara a redao de uma Histria Geral da frica 30. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 1CA P T U LO 1A luta pelo comrcio internacional e suasimplicaes para a fricaM. MalowistSe traarmos o mapa geopoltico do mundo no ano de 1500, veremos surgirum certo nmero de grandes regies relativamente autnomas que estavam emcerto grau interligadas fosse atravs do comrcio ou devido a conflitos. Havia,primeiramente, o Extremo Oriente que, representado pelo Japo e pela China,pelas regies do Pacfico e do oceano ndico, compreendendo as ilhas Moluscas,Bornu, Sumatra e a prpria ndia, era a fonte de abastecimento do mundo emespeciarias. Em seguida, havia o Oriente Mdio que cobria uma vasta zonacompreendendo a pennsula rabe, o Imprio Safvida e o Imprio Otomano, oqual logo englobou a frica do Norte. Depois, havia a Europa, com os eslavos,os escandinavos, os alemes, os anglosaxese os latinos, que permaneciamconfinados dentro de suas fronteiras. Enfim, havia a frica, com sua encostamediterrnea ao norte e suas costas do Mar Vermelho e do Oceano ndico queparticipavam, de forma crescente, do comrcio internacional com o ExtremoOriente e com o Oriente.O perodo que se estendeu de 1500 a 1800 viu estabelecerseum novo sis-temageoeconmico orientado para o Atlntico, com seu dispositivo comercialtriangular, ligando a Europa, a frica e as Amricas. A abertura do comr-cioatlntico permitiu Europa e, mais particularmente, Europa Ocidental,aumentar sua dominao sobre as sociedades das Amricas e da frica. Desdeento, ela teve um papel principal na acumulao de capital gerado pelo comr- 31. 2 frica do sculo xvi ao xviiicio e pela pilhagem, organizados em escala mundial. A emigrao dos europeuspara as feitorias comerciais da frica e dos territrios da Amrica do Norte e doSul fez surgir economias anexas que se constituram no almmar.Estas desem-penharam,em longo prazo, um papel decisivo na contribuio para a constanteascenso da Europa que impingia sua dominao sobre o resto do mundo.Do ponto de vista dos historiadores, o perodo que vai de 1450 a 1630 foimarcado, na maioria dos pases europeus, em particular, naqueles do Oeste e doSudoeste, por uma formidvel expanso econmica, poltica e cultural. Com otempo, acentuousea diviso do continente em um Noroeste avanado, do pontode vista econmico, uma pennsula ibrica relativamente pouco desenvolvida eum vasto CentroOesteem rpido desenvolvimento, mas, tambm, cada vezmais dependente dos mercados ocidentais.O perodo tambm marcado por um movimento de expanso almmarque atingiu imensos territrios situados na borda do Atlntico e, at mesmo,no Pacfico. A costa africana sofreu este movimento desde o incio do sculoXVI, ainda que a frica do Norte conhecesse uma situao diferente daquelada regio situada ao sul do Saara. O Mediterrneo foi o palco de uma violentarivalidade que ops Espanha, Portugal, Frana e frica do Norte muulmana,ao passo que a influncia do Imprio Otomano continuava em ascenso.Em 1517, os Otomanos apoderaramsedo Egito, depois, submeteram umagrande parte da pennsula rabe e estabeleceram, pouco a pouco, sua domina-osobre Trpoli, Tnis e Argel, onde se multiplicaram regncias otomanassob protetorado turco. Estas fizeram pairar uma grave ameaa sobre os navioseuropeus e sobre as costas meridionais da Itlia e da Espanha. No Marrocos,entretanto, os portugueses conseguiram assegurar o controle sobre uma grandeparte da costa, at Agadir e Safi, enquanto os castelhanos se estabeleciam emTlemcen e Oran1.Estas conquistas foram de grande importncia, pois elas asseguraram aosportugueses o controle das sadas de algumas grandes rotas do comrcio doouro e dos escravos, estabelecido h sculos, entre o Sudo Ocidental e as costasmediterrneas, atravs do Saara e do Magreb. As sadas de outros grandes eixos,de orientao nortesule lesteoeste,estavam nas mos dos turcos e de repre-sentantesmais ou menos autnomos do Imprio Otomano na frica (Argel,Tnis e Trpoli). Estes acontecimentos ocorreram aproximadamente um sculoaps o incio da expanso portuguesa pela frica Ocidental, o que explica o fato1 Ver captulo 9. 32. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 3de os europeus2 terem desviado, em benefcio prprio, uma parte do trfico doouro e dos escravos que, anteriormente, era destinado ao mundo muulmano.Da resulta uma reduo no abastecimento de ouro do Magreb, problema, cujoestudo aprofundado permitiria, sem nenhuma dvida, uma melhor compreensoda conquista do Arco do Nger pelos marroquinos, em 1591, que lhes permitiuassegurar o domnio sobre certos circuitos do comrcio do ouro e dos escravos,ligando a frica Ocidental ao Magreb e ao Egito. A clebre campanha do paxDjdar um exemplo tpico das grandes conquistas que marcaram o sculo XVI.Importa destacar que este pax era tambm um renegado de linhagem ibrica,e que sua armada, composta principalmente por homens da mesma origem,perpetuou a tradio das conquistas espanholas e portuguesas3.Na poca, pensavase,com razo, que a costa da frica Ocidental e da fricaOriental permaneceria por muito tempo sob dominao econmica e poltica dePortugal, que exercia tambm uma certa influncia cultural sobre seus parceiroscomerciais africanos. Durante todo o sculo XV e no incio do sculo XVI, osportugueses conseguiram estabelecer numerosas feitorias na costa ocidental,e fazer com que a populao do litoral e seus chefes participassem do comr-ciocom os europeus. A partir de 14811482,a fortaleza de Elmina tornousea feitoria mais importante da Costa do Ouro. Outras feitorias ampliaramse,igualmente, pela regio, como em Axim, Shema e Acra. Ao estabeleceremnovas feitorias, os portugueses esforavamsepara obter a autorizao dos chefesautctones e para comprar, de diversas formas, a benevolncia deles.Na frica Oriental, eles empregaram outros mtodos: dominaram pela foraSofala, Mombaa, e outras cidades costeiras, onde implantaram guarnies erecolheram o imposto em benefcio ao rei de Portugal. Ao mesmo tempo, elesprocuravam apoderarsedo comrcio do ouro, do marfim e dos metais exis-tentesentre a costa, o interior e a ndia. Nem todas as diversas feitorias por-tuguesasalcanaram o mesmo sucesso na frica. No comeo do sculo XVI,o comrcio em Elmina, no esturio da Gmbia, em Serra Leoa e, em Sofala,trouxe benefcios substanciais oriundos, principalmente, da compra do ouro acondies vantajosas, e, em menor escala, do trfico de escravos fornecidos pelointerior. Arguin, a mais antiga das feitorias portuguesas, todavia, continuavadeclinando4.2 V. de Magalhes Godinho, 1969, p. 184217.3 Ver captulo 2.4 V. de Magalhes Godinho, 1969, p. 185188. 33. 4 frica do sculo xvi ao xviiiO comrcio com a frica era assaz lucrativo para Portugal. Segundo osclculos de Lcio de Azevedo, os ganhos da Coroa, que se elevavam a cerca de60 milhes de reais, na dcada de 1480, j atingiam 200 milhes sob o reinadodo rei Manuel (14911521)e no menos de 279,5 milhes em 15345. Ao quetudo indica, esta progresso explicaseno s pelas trocas com a ndia, mastambm, e, sobretudo, pelas relaes econmicas com a frica. Alm disso,esta formidvel fonte de metal precioso, vindo do continente negro, permitiu aJoo II e ao seu sucessor Manuel estabilizarem a moeda de prata, de cunharemo cruzado, moeda de ouro de grande valor, e, sobretudo, de reforarem a frota,bem como, de desenvolverem a administrao do Estado e das colnias6. Estaltima medida teve um grande alcance no mbito poltico e social, pois ela ofe-receu aristocracia e pequena nobreza a possibilidade de obterem numerososcargos, to prestigiosos quanto lucrativos. Deste modo, a inoportuna oposioda aristocracia poltica centralizadora da monarquia se finda, e a coeso doEstado reforada.O comrcio com a frica, e mais tarde com a ndia, acelerou fortementea ascenso da classe dos negociantes portugueses, que, no sculo XV, ainda seencontravam, relativamente, pouco favorecidos. Ao longo deste primeiro quartodo sculo XVI, poderseiapensar que Portugal entrou em uma fase duradourade expanso econmica e poltica. Esta esperana , todavia, arruinada pelo car-terretrgrado e esttico da estrutura socioeconmica do pas. A expanso ultra-marinanecessitava de importantes investimentos financeiros e, para comprarouro e escravos, foi preciso escoar, pelas encostas africanas, grandes quantidadesde objetos de ferro, bronze e cobre, bem como txteis baratos, sem falar da prata,dos produtos alimentcios e do sal. Ora, estes bens no eram produzidos emPortugal e deviam ser comprados, no incio, junto aos mercadores estrangeirosou em Bruges, e, depois, nas grandes praas comerciais europias da poca. Almdisso, o desenvolvimento da frota dependia das importaes de madeira de obrae de outros produtos florestais provindos, essencialmente, dos pases blticos,que tambm forneciam um certo volume de cereais, cuja produo, em Portugal,era insuficiente desde o sculo XIV7. Esta situao ainda no foi investigada deforma aprofundada, mas evidente que o produto do comrcio exterior devia,em grande parte, ser alocado importao das mercadorias necessrias para ocomrcio com a frica. Portugal no pde aumentar sua produo interna em5 V. de Magalhes Godinho, 1978, vol. II, p. 5172.6 M. Malowist, 1969, p. 219.7 A. da Silva Costa Lobo, 1904, p. 83. 34. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 5MARROCOSBENIMACHANTI OYO0 500 1 000 milhas0 800 1 600 kmRio CongoCONGOMalindiLuanda KilwaCabo da Boa EsperanaM A G R E BS A A R ACaboVerdeEGITOSUDOOCIDENTALSERRALEOACOSTA DO OUROCAMARESGABOANGOLAMADAGASCARM O A M B I Q U EMar MediterrneoOCEANOATLNTICOOCEANONDICOGolfo do BenimGolfo do BiafraO CaboSenaSofalaTeteZANZIBARMombaaArgelOra TnisSafi TremecmAgadir TrpoliArguimSo-LusRufisqueJoalAcraUidPorto-NovoLagosCalabarLoangoElminaRio ZambezeRio GmbiaRio NgerRio SenegalRio NiloSANFigura 1.1 frica: os principais pontos de contato do comrcio europeu do sculo XVII (mapa estabelecidopor J. Jiles). 35. 6 frica do sculo xvi ao xviiirazo de sua frgil potncia demogrfica (na metade do sculo XVI, contavasesomente 1.400.000 habitantes)8 e, da intensa concorrncia no estrangeiro,notadamente, pelos produtos industriais que h anos eram muito procuradospelo mercado portugus.O formidvel crescimento econmico da Europa acarreta no continente, apartir de 1470, uma alta progressiva dos preos que se tornam espetacularesdurante a segunda metade do sculo XVI, e atinge, principalmente, os produ-tosagrcolas e industriais. Ainda no se estudou a relao entre a elevao dospreos e a progresso dos benefcios que Portugal tirou de seu comrcio ultra-marino;todavia, parece que o pas no se beneficiou. O monoplio do comrciocom a frica ou com a ndia, que, ademais, procede de uma outra concepoeconmica, no lhe foi de grande auxlio. O importante investimento, geradopela expanso ultramarina, apenas seria rentvel para Portugal se o pas pudesseimpor aos seus parceiros negros condies de troca que lhe fossem favorveis,ou seja, se pudesse comprar barato e vender caro. Para isto, foi preciso limitar,at mesmo proibir, o acesso s feitorias aos imigrantes europeus, sobretudo, aosoriundos de pases outros que no Portugal, atravs da manuteno de uma frotasuficientemente potente para ser, de fato, dissuasiva. Esta foi uma empreitadadispendiosa e se revelava acima dos recursos de Portugal.9Logo, a partir de 1470, Portugal teve que sustentar um conflito armado comCastela. Graas superioridade temporria de sua frota e aos seus movimentosdiplomticos, Portugal consegue eliminar Castela da frica Ocidental, segundoos termos dos tratados de Alcaovas e de Tordesilhas, os quais foram conclu-dos,respectivamente, em 1481 e em 1494, e, em virtude dos direitos exclusivossobre a expanso econmica e poltica do sudeste do Atlntico, conferidos aPortugal pelo papa Alexandre VI. A descoberta e a conquista da Amrica, talcomo a poltica europia em geral, afastaram Castela da frica. Entretanto,as relaes entre Portugal e seus outros rivais, na costa da frica Ocidentale, depois, na frica Oriental, evoluem de forma muito diferenciada, pois que,notadamente, esses pases rivais eram economicamente mais avanados do quePortugal.Os soberanos portugueses, Joo II e Manuel, foram forados a pedir auxlioaos grandes financiadores italianos e ao sul da Alemanha. Os banqueiros italia-nos em particular, os florentinos estabelecidos em Lisboa e na Anturpia,ou que possuam agentes nessas cidades, outorgaramlhesemprstimos em8 V. Magalhes Godinho, 1978, vol. II, p. 25.9 Ibid., p. 185203. 36. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 7numerrio ou em mercadorias, de valor considervel, que seriam, posterior-mente,reembolsados em espcie ou em mercadorias importadas do almmar.A partir de 1480, e talvez, mesmo mais cedo, alguns destes banqueiros comoBartolomeu MarChioni,Sernigi e outros participaram ativamente das trocascomerciais com a frica e, em consequncia, retriburam ao rei de Portugal.A contabilidade deste ltimo, primeiro em Bruges, depois em Anturpia,revela a estreita dependncia financeira da Coroa frente s grandes empresascomo aquelas dos Frescobaldi, Affaitati e Fuggers10. No primeiro estgioda expanso, os soberanos de Portugal conseguiram assegurar o domnio daimportao do ouro proveniente da frica, e, em certa medida, do trato dosescravos ou, pelo menos, conservaram os benefcios indiretos do trato. Con-seguiramisto graas a um sistema de licenas por eles concedidas, medianteelevadas taxas, a negociantes, basicamente portugueses, e a alguns estrangeiros.Frequentemente, em tempos difceis, a Coroa portuguesa renunciava aos seusdireitos na frica, em benefcio dos negociantes (salvo Elmina). As licenasprecisavam os limites da zona geogrfica na qual as operaes comerciais eramautorizadas.Por volta de 1525, os portugueses comearam a encontrar dificuldades paraachar ouro, mesmo na regio de Elmina11. Parece que, nas costas africanas, elesj no mais dispunham do suficiente de mercadorias para oferecer em troca.Ora, o vasto interior de Elmina e de Acra era, sem dvida alguma, ainda ricoem ouro. Desta situao, aproveitam, particularmente, os europeus rivais dosportugueses a saber, os negociantes franceses, ingleses e holandeses j queeles dispunham de maiores meios financeiros e no sofriam taxa de importao,pois suas mercadorias eram quase que exclusivamente de origem metropolitana.Enfim, a Frana, a Inglaterra e a Holanda ainda no sucumbiam sob os pesosde uma administrao pletrica que regulamentava o comrcio exterior e regiaa vida nas colnias. O aparelho administrativo portugus era, ao mesmo tempo,dispendioso e lento a se adaptar s flutuaes constantes, prprias do comrcioexterior. Na frica, os mercadores que chegavam da Frana, da Inglaterra ou daHolanda possuam os meios suficientes para comprar em maior escala e vendera melhores preos do que aqueles de Portugal. Documentos datados dos anos1570 mostram que os portugueses tinham conscincia desta situao, mas queeram incapazes de remedila.10 C. Verlindem, 1957, p. 624625;V. Rau, 1966.11 M. Malowist, 1969, p. 492500. 37. 8 frica do sculo xvi ao xviiiO trfico de escravosPortugal foi atrado inicialmente para a frica Negra pelo ouro, que eraanteriormente exportado pelos pases islmicos. No obstante, eles no tardarama perceber que a frica possua uma outra mercadoria, tambm fortemente pro-curadapelos Europeus: os escravos. Ainda que a escravido na frica fosse dife-renteda escravido praticada pelos europeus, a tradio de exportar escravos paraos pases rabes era muito antiga em grandes partes do continente, em particulardo Sudo. Nos sculos XV e XVI, esta tradio pareceu ter ajudado, em certamedida, os portugueses a conseguir, regularmente, escravos em uma grande parteda frica Ocidental, notadamente, na Senegmbia, parceira econmica, de longadata, do Magreb. Os portugueses, que penetravam cada vez mais profundamentenas regies do sudeste da frica Ocidental, aplicaram, com sucesso, as prticascomerciais utilizadas na Senegmbia. Compreendendo o carter indispensvelda cooperao dos chefes e dos mercadores locais, dedicaramsea interesslosao trato de escravos. Os portugueses no ignoravam que isto pudesse resultar emuma intensificao dos conflitos entre os diversos povos e Estados africanos, osprisioneiros de guerra tornandoseo principal objeto deste comrcio, mas elesdeixaram muito cedo de se opor s objees morais, pois, como muitos outrosna Europa, eles acreditavam que o trfico abria aos negros o caminho para asalvao: no sendo cristos, os negros haveriam de ser condenados por toda aeternidade se eles ficassem em seus pases.Logo, um outro argumento foi enunciado: os negros so descendentes deHam, que foi amaldioado, e, por isso, so condenados escravido perptua12.Estas motivaes ideolgicas no devem ser subestimadas. Devemos acrescentaraqui que os escravos negros comearam a aparecer na Europa em uma pocaem que o trfico de escravos brancos provenientes da zona do Mar Negro, haviapraticamente ceifado, poca esta em que se comea a identificar o escravo aonegro, sendo, ento, desconhecidos os outros representantes da raa negra.Durante todo o sculo XV e no incio do XVI, o principal mercado damadeira de bano era a Europa, em particular, Portugal e os pases sob domi-naoespanhola, assim como as ilhas do Atlntico quais sejam, Madeira, asCanrias, as ilhas de CaboVerdee, mais tarde, a ilha de So Tom , porm, ape-nasem certa medida, devido s suas pequenas superfcies. O trfico negreiro na12 o sentimento de numerosos autores portugueses. Ver G. E. de Zurara, 1994; J. de Barros, 15521613.Nota mais detalhada na edio inglesa: E. de Zurara, 1949, chs 7, 14, 25 and 38; J. De Barros and I. Desia, 1937, p.80. 38. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 9Madeira, nas ilhas de CaboVerdee, mais particularmente, na ilha de So Tomoriginouse,primeiro, em razo da introduo da cultura da canadeacaredo algodo. Na ausncia de tal imperativo econmico, a escravido teve poucasrazes para se desenvolver no continente europeu. Os africanos, introduzidosem Portugal e nos territrios espanhis, foram, majoritariamente, empregadosnas cidades como domsticos ou artesos pouco qualificados. Nada indica queeles desempenharam um papel relevante na agricultura, sobre a qual se apoiavaa economia europia. V. de Magalhes Godinho avaliou entre 25.000 e 40.00013o nmero de escravos levados de Arguin entre 1451 e 1505. A exportao deescravos de outras regies da frica era mnima naquela poca, exceto para ospases mulumanos. Segundo P. D. Curtin, o nmero de escravos arrancados dafrica pelos Europeus entre 1451 e 1600 subiu, aproximadamente, para 274.000.Desse nmero, a Europa e as ilhas do Atlntico receberam 149.000 escravos,a Amrica Espanhola 75.000 e o Brasil, cerca de 50.00014. Estes nmeros somuito emblemticos do incio do trato atlntico, ou seja, do perodo precedenteao prodigioso avano das grandes plantaes no Novo Mundo. Eles corroborama tese segundo a qual, a descoberta e o desenvolvimento econmico da Amricapelos Brancos, impulsionaram o trato, instaurado, principalmente, assim comoem geral admitido, para remediar a pungente escassez de mo de obra queatingia os colonos espanhis. A populao local era, de fato, pouco numerosapara executar as rduas tarefas da produo que lhe eram impostas pelos espa-nhis15.No se pode negar que o princpio do perodo moderno presenciou, naAmrica, uma intensa concentrao de negros nas plancies de clima tropical.Entretanto, todas as tentativas efetuadas para empregar maciamente os negrosna explorao de minas dos Andes, resultaram em fracasso, ao passo que umamultido de ndios conseguiu sobreviver nesta regio. No momento de seuapogeu, por volta do fim do sculo XVI, Potosi contava somente com 5.000africanos, dentre uma populao total em torno de 150.000 indivduos16. Aindaassim, no se conseguiu fazlostrabalhar nas minas.Os primeiros africanos introduzidos na Amrica vieram da Europa, levadospelos conquistadores (que eram seus senhores). Originrios da Senegmbia em suamaioria, primeiro, haviam sido conduzidos Europa ou l nasceram. Na Amrica,chamavamnosladinos, porque eles conheciam o espanhol ou o portugus e foram13 V. de Magalhes Godinho, 1962, p. 193.14 P. D. Curtin, 1971b, p. 259, quadro 7.1.15 Ver captulo 4.16 J. Wolff, 1964, p. 158169e 172174. 39. 10 frica do sculo xvi ao xviiimais ou menos influenciados pela civilizao ibrica. Pensavasemuito bem deles,contrariamente dos boais que, vindos diretamente da frica, estavam marcadospor uma outra cultura muito diversa17. Intensa nas Antilhas, desde o incio dosculo XVI, a demanda por mo de obra negra cresceu rapidamente com a expan-soterritorial das conquistas espanholas. Em razo da elevada taxa de mortalidadeentre os ndios, e do fato de o clero e a Coroa de Castela no mais conseguiremdefender seus interesses, tal demanda no cessou de aumentar, e o fornecimentode escravos negros, provenientes no s da Europa, mas tambm e, sobretudo, dafrica, tornouseuma forte preocupao dos novos senhores da Amrica.Os portugueses tiveram, igualmente, srios problemas na frica. Durante todoo sculo XV, eles tiveram um crescente interesse pelo comrcio dos escravos e, aolongo do sculo XVI, como nos outros seguintes, os territrios capazes de lhesfornecerem escravos em grande quantidade, cada vez mais, suscitavamlhescobia. sob esta tica que preciso alocar a penetrao portuguesa no Congo (onde nohavia nem ouro e nem prata), encetada no comeo do sculo XVI, e a conquistaposterior de Angola, que foi precedida pelo rpido avano do comrcio de escra-vosna ilha de Luanda. Obter grandes quantidades de escravos era, igualmente,a preocupao dos colonos da ilha de So Tom, no s porque eles precisavamdesta mo de obra para suas plantaes, mas tambm, porque vendiam os escra-voss colnias espanholas da Amrica e, a partir do fim do sculo XVI, tambmao Brasil portugus. A populao negra deste pas, que era somente de algunsmilhares de indivduos, sofreu, no sculo seguinte, um brusco aumento, da ordemde 400.000 a 450.000 pessoas, atribudo ao desenvolvimento da canadeacar18.A conquista da Amrica e a demanda por mo de obra tambm causaramproblemas considerveis Coroa de Castela. Fornecer escravos aos colonos eraindispensvel e, simultaneamente, as finanas reais tinham a uma abundantefonte de renda, pelo vis do sistema de licenas (essas foram concedidas aosnegociantes que se comprometiam a importar um certo nmero de escravos,por conta dos colonos, ao longo de um certo perodo, geralmente de cincoanos). Ora, o preo das licenas seguia o aumento da demanda por escravos.Com toda razo, R. Mellafe afirma que era devido ao interesse financeiro quea Coroa autorizava a importao de um enorme nmero de escravos negros19.Dentre os primeiros a obter tais licenas, que, frequentemente, concediam ummonoplio, encontravaseno somente aristocratas prximos do Trono (como17 R. Mellafe, 1975, p. 14, 15, 19, 21.18 F. Mauro, 1960, p. 179180.19 R. Mellafe, 1975, p. 39. 40. A luta pelo comrcio internacional e suas implicaes para a frica 11Gouvenet, o chanceler de Carlos V do Sacro Imprio RomanoGermnico,em1518), mas tambm, e, sobretudo, grandes capitalistas, como a famlia Welser,Heinrich Ehinger e Jrme Seiler, em 152820, muito provavelmente, no mbitode seus projetos de povoamento e de explorao mineira na Venezuela. O fato que este pas contava desde muito cedo com africanos que para l eram tra-zidos,entre outros, por financiadores e conquistadores que os compraram dosPortugueses como escravos na frica ou na Europa. Todavia, inevitavelmente,aqueles que desejavam participar do trfico de escravos tentavam se livrar dodispendioso intermedirio portugus, adquirindo e vendendo a madeira debano por conta prpria. Na frica, eles precisaram superar os obstculos cria-dospelos portugueses, ao passo que, na Amrica, eles tiveram que recorrer aocontrabando, pois, a Coroa de Castela autorizava a importao dos escravossomente aos titulares de licenas. No foi difcil superar esta dificuldade, pelofato de os colonos espanhis da Amrica, constantemente com falta de mode obra, estarem igualmente dispostos a negociar com os contrabandistas quedescarregavam suas cargas em portos clandestinos. Este comrcio ilegal, alis,favorecido pelos oficiais das colnias espanholas, que encontraram na corrupoum meio para melhorar seu soldo, seduziu particularmente os estrangeiros. Esteseram frequentemente pagos em ouro ou em prata, cuja exportao da Amricaespanhola, no mbito privado, apenas era oficialmente autorizada at Sevilha eCdiz, centros da potncia administrativa colonial de Castela. Os particularesno podiam, em princpio, exportar, da Espanha, nem o ouro e nem a prata.Portanto, tudo pareceu favorecer a exportao dos negros da frica para aAmrica; o trfico negreiro, entretanto, apenas alcanou a sua plena expansoquando foram criadas as grandes plantaes de canadeacar.Primeiro, naAmrica espanhola, depois, no Brasil, percebeuserapidamente que a populaoindgena no podia suportar a dura cadncia do trabalho imposto