UNESCO-VOLUME I/Olhares das Ciências sobre as...

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Olhares das Ciências sobre as Crianças Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos volume 1 Brasília, janeiro de 2005

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Olharesdas Ciências

sobre as Crianças

Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 1

Brasília, janeiro de 2005

Edições UNESCO

Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge Werthein

Cecilia BraslavskyJuan Carlos Tedesco

Adama OuaneCélio da Cunha

Comitê para a Área de EducaçãoAlvana Bof

Candido GomesCélio da Cunha

Katherine GrigsbyMarilza Machado Regattieri

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentaçãodos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas,

que não são necessariamente as da UNESCO, do Banco Mundiale da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, nem comprometem as Organizações.

As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livronão implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCOa respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região

ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

Olharesdas Ciências

sobre as Crianças

Série Fundo do Milênio para a Primeira InfânciaCadernos Pedagógicos – volume 1

Organização: OMEP

F U N D A Ç A OMAURICIO SIROTKY SOBRINHO

Organização: Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar – OMEP, Brasil

Coordenação: Maria Helena Lopes

Elaboração:Elaine de Menezes Castro, Euclides Redin, Maria Helena Lopes, Marise Campos

Colaboração: Maria da Graça Souza Horn, Vital Didonet

Revisão Técnica:UNESCO (Alessandra Schneider),

Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (Alceu Terra Nascimento,Jéferson dos Santos, Márcio Mostardeiro)

Revisão: Ana Maria Marschall, Marise Campos

Capa:Edson Fogaça

Projeto Gráfico e Edição de Arte:Estúdio ADULTOS e CRIANÇAS CRIATIVAS®

© UNESCO, 2005

Olhares das Ciências sobre as Crianças. – Brasília: UNESCO,Banco Mundial, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, 2005.62 p. – (Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância:Cadernos Pedagógicos; 1)

1. Educação Infantil – Ensino de Ciências 2. Ensino de Ciências3. Educação Pré-escolar – Ensino de Ciências I. UNESCO II. Série

CDD 372

BR/2005/PI/H/2

Apresentação ................................................................................................................ 7

Introdução .................................................................................................................... 9

Concepção de infância................................................................................................ 11Marise Campos

Brincar e criar ............................................................................................................. 19Maria Helena Lopes

Desenvolvimento infantil e aprendizagem ................................................................... 33Elaine de Menezes Castro

Qual o perfil do profissional de educação infantil? ...................................................... 55Euclides Redin

Sumário

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ApresentaçãoO novo ordenamento legal, inaugurado pela Constituição Federal de 1988, assegura à criança

brasileira o atendimento em creche e pré-escola e, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, em 1996, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeiraetapa da Educação Básica. Essa importante conquista nacional reitera um dos postulados daDeclaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, no ano de 1990, de que aaprendizagem ocorre desde o nascimento e requer educação e cuidado na primeira infância.

Nas últimas décadas, várias pesquisas têm demonstrado que os primeiros seis anos de vidade uma criança se constituem em período de intenso aprendizado e desenvolvimento, em quese assentam as bases do “aprender a conhecer”, “aprender a viver junto”, “aprender a fazer” e“aprender a ser”. O atendimento educacional de qualidade, nessa fase da vida, tem umimpacto extremamente positivo no curto, médio e longo prazo, gerando benefícioseducacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento naárea social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de reprovação eabandono escolar, bem como maior probabilidade de completar o ensino médio foramobservados entre os que tiveram acesso à educação infantil de qualidade, quando comparadosaos que não tiveram essa oportunidade. A freqüência a instituições de educação infantil afetapositivamente o itinerário de vida das crianças, contribuindo significativamente para a suarealização pessoal e profissional.

Esse reconhecimento levou as nações a assumirem em Dacar, em 2000, entre os compro-missos pela Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta e melhorar a qualidade daeducação e dos cuidados na primeira infância, com especial atenção às crianças em situaçãode vulnerabilidade. Essa é uma das seis metas expressas no Marco de Ação de Dacar, do qual oBrasil é um dos signatários, sendo a UNESCO a instituição das Nações Unidas que tem, entresuas atribuições, a de apoiar os países no cumprimento dessa agenda.

Em 2003, a Representação da UNESCO no Brasil, o Banco Mundial e a Fundação MaurícioSirotsky Sobrinho firmaram parceria para a realização do Programa Fundo do Milênio para aPrimeira Infância em alguns estados do País. Esse desafio foi lançado pelo Banco Mundial eprontamente acolhido pela UNESCO e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, que com-partilham a firme convicção de que garantir uma educação de qualidade desde os primeirosanos de vida é um dos mais importantes investimentos que uma nação pode fazer.

O Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância tem como principal objetivo a qualifica-ção do atendimento em creches e pré-escolas, preferencialmente da rede privada sem fins

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 1

lucrativos, isto é, de instituições comunitárias, filantrópicas e confessionais que atendem crianças emsituação de vulnerabilidade social. A principal estratégia do programa é a formação em serviço dosprofissionais de Educação Infantil, considerando que a qualificação do educador é reconhecidamenteum dos fatores mais relevantes para a promoção de padrões de qualidade adequados na educação,qualquer que seja o nível, a etapa ou a modalidade. No caso da Educação Infantil, em que oprofissional tem a dupla responsabilidade de cuidar e educar bebês e crianças de até seis anos, suaformação é uma das variáveis que maior impacto causa sobre a qualidade do atendimento.

A série Fundo do Milênio para a Primeira Infância – Cadernos Pedagógicos constitui-se emimportante recurso à formação continuada dos educadores. Seus quatro volumes, a saber, Olha-res das Ciências sobre as Crianças; A Criança Descobrindo, Interpretando e Agindo sobre oMundo; Legislação, Políticas e Influências Pedagógicas na Educação Infantil e O Cotidiano noCentro de Educação Infantil, apresentam as principais temáticas relativas à aprendizagem e aodesenvolvimento infantil.

Pretende-se, portanto, que o presente volume e os demais dessa série constituam-se em importanteferramenta de trabalho para os profissionais da área de Educação Infantil, proporcionando o acesso anovos e atualizados conhecimentos, a reflexão crítica e a construção de práticas inovadoras àqueles quetêm em suas mãos a difícil e apaixonante tarefa de educar nossas crianças.

Desejamos, ainda, compartilhar essa realização com a Organização Mundial de EducaçãoPré-escolar (OMEP – Porto Alegre), reconhecendo sua colaboração inestimável, e com os Empre-endedores Associados ao Programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância, que comungamconosco a visão de que os primeiros anos de vida valem para sempre e de que a educação dequalidade, desde a mais tenra infância, é fundamental para a construção de um Brasil maisdesenvolvido, mais humano e socialmente mais justo.

Vinod ThomasDiretor do Banco Mundial no Brasil

Jorge WertheinRepresentante da UNESCO no Brasil

Nelson Pacheco SirotskyPresidente da Fundação

Maurício Sirotsky Sobrinho

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Cadernos Pedagógicos – volume 1 Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância

Convidamos todos vocês a percorre-rem conosco um espaço muito importan-te, que chamamos “Educação Infantil”.São caminhos que passam por diversasabordagens dos conteúdos de EducaçãoInfantil, oferecendo aos educadores váriaspossibilidades de despertarem para asensibilidade e a sabedoria das crianças.

É um trajeto interessante, vivo ecomprometido com a reflexão inteligente,com a disposição afetiva e com o desejode tentar vencer os obstáculos.

Nosso veículo será a leitura de algunstextos importantes, que terão como centroa Educação Infantil e as ações e vivênciasque podemos realizar com nossas crian-ças. Muitos desses assuntos já são conhe-cidos, mas uma releitura sempre traznovidades, assim como uma viagem emboa companhia. Na busca do melhorconvívio possível, vamos nos envolver emreflexões sobre algumas teorias importan-tes, que nos auxiliarão a repensarmosmelhor as práticas com as crianças.

Para que isso se torne realidade, temosque aprender a observá-las e a ouvi-las,pois, quando se expressam, querem sem-pre nos contar coisas e nos questionar.

Que mundo é este que nos recebe?Como são as pessoas? O que é a natureza?

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Quem sou eu? E muito mais. Diante detoda essa curiosidade, dessa avidez peladescoberta, pela surpresa e pela alegria,as crianças abrem-se como pequenos“girassóis”, receptivas a tudo e a todos,buscando a riqueza da luz. Ao recebê-las, o que precisamos é redescobrir comelas o ser poético, a espontaneidade, acapacidade de filosofar sobre as coisas ereconhecer suas diferenças e peculia-ridades.

Assim, elas nos sensibilizarão aoretorno à natureza, à alegria do jogo, dobrincar e da poesia. Nós lhes daremos acerteza de que trabalharemos pela defesade seus direitos.

Por elas, abriremos o livro da históriae das tradições. Partilharão conosco domundo, serão também artífices da mani-festação cultural e construtoras de suaprópria história.

Com elas, construire-mos um futuro mais feliz,porque através do deslum-bramento de seu olharreencontraremos a purezade nossa alma e a certezado profundo e transcenden-te milagre da vida.

Contamos com a parceria de todosnessa desafiadora aventura pelo espaçomuito especial que envolve a criança quenos é confiada na maior parte de seu dia.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 1

Nosso ponto de partida tem um embalo deciranda, que tenta desvendar alguns segredossobre a natureza das crianças, seus interesses,suas percepções, fantasias e realidades ao longoda história. Então, vamos dar as mãos e começar?

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oncepção de InfânciaMarise Campos

Na roda do mundo lá vai o meninoO mundo é tão grande e os homenstão sós.

Tiago de Mello – “Cantiga de Quase Roda”

Através da “Cantiga de Quase Roda”,fomos buscar inspiração para desvendar ouniverso infantil. Qual é o significado deinfância? Na realidade, é uma fase davida, mas o que realmente buscamos édesvendar o mistério da vida que começana infância. O que queremos é conhecera criança que é a pureza maior, o iníciode tudo. Mas isso já vem sendo feito hámuito tempo, através de estudos, pesquisase teorias, em diferentes épocas da história.

Diante de tantas reflexões que osestudiosos da infância proporcionaram,foram sendo abertas portas e janelas que

nos permitiram penetrar no grande misté-rio sobre o significado da infância e sobrea nossa própria razão de ser e estar aqui eagora. Porque, quando uma criança vemao mundo, ele já está estabelecido emconceitos, idéias. Um mundo feito porgente grande, onde tudo parece já estarpronto. O mundo é assim, as pessoas sãoassim, e a vida segue seu curso. Narealidade, estamos sempre querendolançar luzes sobre o desconhecido.

Mas o que nos traz a criança quandochega? Ela traz sua herança, sua vontadede viver e de ser feliz.

De pena o meninocomeça a cantar.Cantigas afastamas coisas escuras.

Quanto durou

a sua infância?

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As idéias a respeito do desenvolvi-mento infantil, da educação e do cuidadode crianças foram se modificando aolongo da história.

A escola veio substituir a famíliacomo meio de educação e aprendiza-gem. A criança deixou de ser vista comoum adulto em miniatura e de aprender avida diretamente, por meio do contatocom os adultos. Como conseqüência, afamília passou a ser o lugar de afeiçãonecessária entre os cônjuges e entre paise filhos. Podemos dizer que se iniciaaqui a valorização da infância. Essaafeição tornou-se real através da impor-tância que a educação passou a ter.

“Antigamente, a duração da infânciaera reduzida a seu período mais frágil.Enquanto o filhote do homem nãoconseguia bastar-se. A criança maladquiria algum desembaraço físico,era logo misturada aos adultos epartilhava de seus trabalhos e jogos.De criancinha pequena ela setransformava imediatamente emhomem jovem.”

Philippe Ariès – A História Social da Infância

A família organizou-se em torno dacriança, agora com identidade. Dessemodo, a infância encontrou um espaçoem sintonia com o processo de evoluçãoda vida humana.

Mãos dadas aos homens lá vai omenino.Lá vai o menino na roda da vida,rodando e cantando.

O que hoje sabemos sobre o modocomo crianças elaboram seus contextosde desenvolvimento é através de formascriativas de dar significado ao mundoque as recebe e de pensar sobre si mes-mas. Esse é o impulso que as leva amanifestar audaciosas maneiras de sentir,emocionar-se e maravilhar-se diante detudo o que o mundo lhes oferece. Assim,nessa dialética com o mundo adulto, vãodesbravando horizontes, pensando,crescendo e construindo cultura.

Ao seu lado, há muitos que cantamtambém.Cantigas de escárnio e de maldizer.

Embora haja toda essa energia quevem da infância, que vai questionando,exigindo, querendo, a criança buscaencontrar em todos que a cercam o refle-xo da alegria, da pureza, da esperança eda fantasia que traz em sua essência. Noentanto, depara-se muitas vezes com ummundo hostil, que a discrimina, que aviolenta e que pretende em nome daevolução inibir suas vontades, seus dese-jos, seus direitos de ser e de viver sua maisterna aspiração de manifestar felicidade.

Porém, independentemente dasrestrições a respeito da dignidade que ainfância merece, existem núcleosrepresentativos da sociedade que sededicam de corpo e alma ao resgate dosplenos direitos que as crianças têm deexercer sua infância. São políticaspúblicas que surgem, organismos nacio-

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nais e internacionais que se empenhamem garantir tais direitos. Este é um desa-fio que foi conquistado com muita lutapela educação e por uma infância melhor.

Com o ingresso das mulheres nomercado de trabalho e com as transfor-mações ocorridas no dia-a-dia dos indi-víduos e das famílias, especialmente noque diz respeito ao tempo e à qualidadedo convívio diário, muito do que antesera aprendido no lar agora precisa seraprendido na escola. Regras básicas deconvivência, noções de certo e errado,entendimento do mundo e de si mesmofazem parte dos aprendizadosfundamentais que, de forma crescente,acontecem fora dos lares.

Os Centros de Educação Infantil, nasua maioria, tendem a oportunizar àscrianças um ambiente saudável e organi-zado, oferecendo desde uma refeiçãoadequada até os mais sutis aspectos doeducar e cuidar, num ambiente emocio-nal e socialmente saudável.

Para muitas crianças que vêm de laresdesfeitos, que sofrem violência, queconvivem com a miséria e a falta dedignidade, encontrar um ambienteacolhedor, onde sua fome física e emoci-onal seja saciada, já as torna predispos-tas a responder afirmativamente à vida eao seu desenvolvimento.

Nesse aspecto, muitas vezes o profes-sor e o cuidador que lá encontram tor-nam-se, para elas, os adultos maisimportantes e os melhores modelos.

Para a grande maioria dessas crianças,esses adultos tornar-se-ão o saudávelreferencial para suas possibilidades decrescimento de auto-estima, de sucesso,de respeito e até mesmo como padrõesde paternidade e de alegria de viver. Paraas outras, somam-se a isso lembranças decarinho, amor e ternura.

Surge, então, a preocupação em tentaroferecer às crianças condições favoráveisao seu desenvolvimento saudável.

“Temas como o planejamento daorganização dos espaços coletivos paraas crianças pequenas, aintencionalidade dos adultos com ascrianças, a necessidade de formaçãoprévia e continuada para todos osfuncionários, as rotinas, os conteúdosorganizados para a criança pequena ea interação das ações de cuidado eeducação passam a ser foco de debatesque acabariam por mostrar anecessidade de construir uma políticanacional para as creches e centrosinfantis que respeitassem os direitosfundamentais das crianças, sendointensamente discutidos em muitosgrupos da sociedade.”

Moisés Kullman Jr. – Infância e Educação Infantil

Após a redemocratização do país, em1985, foi necessário reescrever aConstituição, o que aconteceu em 1988.Nela, a Educação Infantil começou a serreconhecida como direito fundamentalda criança e como dever do Estado.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), dando seqüência ao texto consti-tucional, veio em 1990 reforçar o direitoda criança à Educação Infantil e do deverdo Estado em proporcionar os serviçosligados a essa modalidade da educação.Finalmente, a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB), em 1996,completa esse quadro ressaltando, maisuma vez, o dever do Estado e o direito dacriança à Educação Infantil. Com a LDB, aEducação Infantil passa a ser consideradacomo “a primeira etapa da educaçãobásica.”

Mas como ele sabe que os homens,embora se façam de fortes, sefaçam de grandes,no fundo carecem de aurorae de infância.Então ele canta cantigas de roda.

O que está por trás dessa busca deentendimento e da necessidade de lançarolhares mais sensíveis à infância é, nofundo, a necessidade de se resgatar ainfância que há dentro de cada um denós. Resgatar a pureza, a imaginação, a

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fantasia e o puro brincar, criando condi-ções para que as interações sociais queenvolvem as crianças respeitem a sensi-bilidade, a criatividade e a fantasiainfantil. O que todos nós, adultos, busca-mos é redescobrir a capacidade de nosmaravilharmos com a vida, cantando,brincando de anéis e cirandas.

Então ele segue cantandode bosques, de rosas e de anjos,de anéis e cirandas.De nuvens e pássarosem sanchassenhoras cobertas de prata,de barcas celestes caídas no mar.

Há urgência em revisar valores, emrevigorar visões positivas para o futuro.Há urgência na transformação da reali-dade humana.Toda essa urgência noscoloca à frente de um grande desafio, odesafio de atuar sobre a educação doindivíduo e de colaborar para a formaçãode uma sociedade fundamentada nosmais altos princípios espirituais, osvalores eternos e as virtudes universais.

Dizem os estudiosos que a educaçãoé a mola propulsora da humanidade. Esteé o grande desafio. Ao contrário dosoutros animais, os seres humanos depen-dem da educação para sobreviver. Umrecém-nascido é incapaz de prover seupróprio sustento ou de sobreviver sem oamparo, a atenção e o carinho de adul-tos, o que vai acontecer após alguns anos

de seu amadurecimento.

Estamos vivendo em um período designificativas mudanças nas concepçõese metas humanas.

Está surgindo uma nova visão demundo e de sociedade que nos conduz amudanças nas concepções humanas,gerando uma série de implicações. Emdecorrência, emergem novos conceitos econcepções na educação, na ciência, naliteratura, na economia, na política, nosvalores espirituais.

Estamos em meio a uma mudança deparadigma e ao surgimento de uma novahumanidade. Toda essa mudança alteranão somente o conhecimento, masprincipalmente nos confere uma visãoholística do ser humano. Agora ele sepercebe como sujeito de seu própriodestino, na sua completa manifestaçãode corpo e alma, na sua inteireza, que sedá no mágico momento em que reen-contra a criança dentro deseu coração.

“O Sábio é tímido e humilde– o mundo não o entende. Ele secomporta como uma criança pequena.”

Tao - Te - Ching

A educação, transmitida pelos adultosàs novas gerações, sempre foi, assim, nãoapenas a ferramenta essencial da cons-trução da cultura e da civilização, mastambém o instrumento supremo da

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Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Quando eu era menino. Campinas: Papirus,2003.ARIËS, Philippe. História social da criança e da família. Rio deJaneiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.DAHLBERG, Gunilla. Qualidade na educação da primeirainfância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed,2003.KULLMANN Jr., Moysés. Infância e educação infantil: umaabordagem histórica. Porto Alegre: Editora Mediação,1998.GARDNER, Howard. O verdadeiro, o belo e o bom. Rio deJaneiro: Objetiva, 1999.

própria sobrevivência humanae de sua evolução.

Na roda do mundo,mãos dadas aos homens,lá vai o menino.Rodando e cantandocantigas que façamo mundo mais manso.Os homens mais crianças.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

“A infância não é uma coisa quemorre em nós e seca assim que cumpreseu ciclo.Não é uma lembrança… o mais vivodos tesouros e continua a nosenriquecer sem que o saibamos.”

Franz Hellens

“A infância deixa raízes e ramos atéem nossas mais entrincheiradasconstruções de pedras – e aí se dáuma invasão deliciosa.”

Georges Snyders

• Para aprofundar suas reflexõessobre a concepção de infância, assista aofilme A Invenção da Infância.

• Para melhor entendimento dos con-

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ceitos e reflexões sobre a concepção deinfância, os fatores nela contidos e ossentidos que a educação das criançastomaram ao longo do tempo, é importanteque você faça um resgate da sua memóriada infância. Registre em seu caderno aslembranças sobre a sua família, seus me-dos, suas alegrias, suas brincadeiras, etc.Se quiser, poderá anexar fotografias,desenhos, relatos de seus familiares, utili-zando linguagem coloquial ou metafórica,como uma poesia, por exemplo.

•Agora escreva seu modo de pensarsobre o que é infância hoje.

Sugestão de leituraO livro Quando eu era menino, de

Rubem Alves, ilustra a temática sobre aconcepção de infância. O autor relatasua memória quando criança, comparan-do aquela época com os dias atuais.

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Um passeio pelo mundo do brincar epelo mundo dos brinquedos vai noslevar, também, a uma passagem pelasbrincadeiras.

Essas três palavras semelhantes nosconvidam a pensar no seu significado enas possibilidades criativas que expressam.

Este segundo texto vai nos envolvercom o desejo de revivermos com ascrianças a arte, a sabedoria e o prazerdas brincadeiras e dos jogos.

O que se torna bem mais interessantequando lembramos que todas as cultu-ras, de todos os tempos, também realiza-ram atividades nos campos imaginário eartístico, já que essas atividades estão demãos dadas com o brincar e o criar doser humano.

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rincar e CriarMaria Helena Lopes

“Que há de bom nisso tudo?Oh! Vida!Que você está aqui.Que existe vida e identidade.Que o poderoso jogo continua,E que vocêpode contribuir com um verso.”

Walt Whitmann – Folhas da Relva

A atividade lúdica é inerente à condi-ção humana. Desde os tempos maisprimitivos, o homem e principalmente as

crianças brincam. Brincamos expressan-do nossos sentimentos, nosso ser poéticoe estético, com nosso corpo e intelecto.No brincar, estão implicados: esponta-neidade, imaginação, fantasia, criati-vidade e universo cultural.

Para as crianças, brincar é ação evida, pensamentos e descobertas, pala-vras e gestos, alegrias, emoção, tensão eliberdade. O prazer motivado pela curio-sidade e pelo desafio está sempre presen-te, é razão em si do ato de brincar.

Com o passar do tempo, através daatividade lúdica, espontânea ou orienta-da, as crianças compreendem o mundoque as cerca, constroem relações sociais,

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aprendem a ser, fazer e amar. Para quebrinquem, basta que lhes seja concedidoo exercício da imaginação.

A imaginação é um instrumento quepermite às crianças relacionar seus inte-resses e suas necessidades com a realida-de de um mundo a descobrir.Desconstruindo e reconstruindo o mun-do a sua maneira, expressando de modosimbólico suasfantasias, seusdesejos, medose sentimentosde afeto ouagressividade, ascrianças vão com-preendendo asrelações sociais,os fatos, os objetos,enfim, a realidadeque as cerca, come-çam a potencializara dimensão socialna interação queestabelecem comoutras crianças ouadultos pela experi-mentação de papéise regras.

É importantesituar a ação debrincar atribuindo-lhe o valor da açãoem si mesma.

Alternativamente, devemos pensar sobreo que representa o brincar para a con-quista das competências cognitivas –como a construção da linguagem, aelaboração de conflitos e as ansiedadessofridas passivamente pelas crianças.

O brincar é determinante na constru-ção da autonomia e, conseqüentemente,da interação entre pares. Propicia mo-

Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS/Gian Calvi

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mentos de aprendizagem e formulaçãode hipóteses sobre as coisas a conhecer.No jogo, as crianças aprendem a agir,incorporam atitudes de iniciativa eexercitam sua autonomia. O brincar éuma ação motivada. Nenhuma criançabrinca se na realidade não tem vontade,por isso se diz que é uma açãoespontânea, e ela decide se vai brincarou não, escolhe seus brinquedos e com-panheiros e transforma os espaços paraas suas brincadeiras.

Os brinquedos e objetos são parceirosnecessários que desafiam, que possibi-litam as descobertas e a compreensão deque o mundo está repleto de situaçõesque estimulam a expansão e a manifes-tação da criatividade. Para que as crian-ças possam brincar e desenvolver a suacapacidade de criar, é necessário quehaja profusão e variedade nas experiên-cias que lhe são oferecidas, sejam elasmais voltadas ao processo imaginativo efantasioso ou às aprendizagens.

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“É impossível pensar na formação de uma mentalidade democrática, em uma visão ecológica do mundo, naliberação do homem, sem um trabalhopedagógico que possibilite umcrescimento emocional, a descoberta denossos desejos e a revelação de seusjogos criadores.”

Luiz Alberto Warat – O Amor de Gigantes

A criatividade é inerente ao processoevolutivo do ser humano. Poderá mani-festar-se mais ou menos intensamente,conforme as influências ambientais eculturais, ou conforme a permissão e oestímulo que o adulto/educador propicieàs crianças. A educação, nos CentrosInfantis, assume um papel preponderantequando se constata que as criançaspassam ali um tempo significativo desuas vidas e que se tornarão mais ativase criativas se oportunidades individuais ecoletivas lhes forem oferecidas.

Foto de Pablo Picasso,1950

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Para Picasso, “todo ato de criação é,antes de tudo, um ato de destruição”. Essadefinição contribui para o nosso entendi-mento sobre a ressignificação que ascrianças atribuem aos objetos e aos brin-quedos enquanto brincam, bem como arelevância das brincadeiras com sucata,que oferecem inúmeras possibilidadescriativas por ser um material desestru-turado que, ao ser manipulado, tomaoutras formas e significados. Quando umacriança experimenta diferentes maneirasde utilização dos objetos, como, porexemplo, um cabo de vassoura é umcavalo, ela evolui da imitação até o usocriativo de objetos à medida que buscaexpressar suas idéias de como vê o mundoa que pertence.

Friedrich Froebel concebeu osjardins-de-infância e, sendo precursordos mesmos, propôs como metodologiapedagógica a utilização de jogos ebrincadeiras “organizadas e sutilmentedirigidas pelo professor”. Desde então,vários pesquisadores e educadoresenfatizam a importância do lúdico naeducação infantil. Há momentos oulugares em que tendências“escolarizantes” influenciam a antecipa-ção da vida escolar das crianças, camu-flando a necessidade e o direito debrincar na Educação Infantil.

A organização do cotidiano no Cen-tro de Educação Infantil busca, entrevárias atividades, a promoção e o desen-volvimento global das crianças, o que

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inclui apoiar o desenvolvimento de suacriatividade e a construção de novasaprendizagens.

Refletiremos sobre esses aspectos como seguinte pensamento:

“Por que motivo as crianças de ummodo geral são poetas e, com o tempo,deixam de sê-lo? Será a poesia umestado de infância relacionado com anecessidade de jogo, a ausência deconhecimento livresco, adespreocupação com os mandamentospráticos do viver, estado de pureza damente, em suma?(...) Mas se o adulto,na maioria dos casos, perde essacomunhão com a poesia, não estará naescola, mais do que em qualquer outrainstituição social, o elemento corrosivo

que o estudo sistemático se desenvolve,até desaparecer no homem feito epreparado supostamente para a vida?Receio que sim. A escola enche omenino de matemática, de geografia,de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, dageografia, da linguagem. A escola nãorepara em seu ser poético, não oentende em sua capacidade de viverpoeticamente o conhecimento do mundo.”

Carlos Drumond de Andrade – A Educação do Ser Poético

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A atividade lúdica é tão importanteque é considerada um DIREITO de todasas crianças. Muitas delas não têm essapossibilidade porque precisam trabalhar,ou porque não são compreendidas emsuas algazarras, risadas e correrias.Outras estão impedidas de brincar peloexcesso de estímulos às aprendizagensprecoces dos conhecimentos. Com tudoisso, a criatividade e a poesia, o prazer eo direito de brincar acabam não sendoexercidos pelas crianças.

Os brinquedos e as brincadeiras

“Como a gente era pobre e não tinhadinheiro para comprar os brinquedos,a gente fazia os brinquedos. Minhamãe me ensinou a fazer chapéus deNapoleão com jornais, a recortarbonequinhas, todas de mãos dadas, afazer corrupios com botões e linhas, afazer barquinhos de papel que eucolocava na enxurrada...”

Rubem Alves – “Quando eu era menino”

Assim como as concepções sobre ascrianças foram sendo historicamentemodificadas, as idéias sobre as brinca-deiras infantis também evoluíram comas organizações sociais.

Há registros históricos sobre a antigüi-dade de alguns brinquedos, como ocavalo-de-pau, o cata-vento, as pernas-de-pau, os quais, assim como algunsbrinquedos de hoje, representavam osobjetos do mundo adulto e da cultura local.O principal meio de locomoção, porexemplo, eram os cavalos.

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A cabra-cega, a bola, o fantoche, a boneca, acorda de pular também são brinquedos ebrincadeiras que encontramos representadosem pinturas e desenhos da antigüidade. Asbrincadeiras das crianças eram comuns atodos.

Os jogos tradicionais, como a amare-linha e a pipa, por exemplo, são aquelestransmitidos de geração a geração. São

universais, pois estão presentes emtodos os lugares do mundo e sua origemé desconhecida.

Os brinquedos já não são mais osmesmos; os fogõezinhos foram substituí-dos pelo microondas na brincadeira decasinha, que agora deixa de ser interes-sante somente para meninas. Na mo-dernidade, cada vez mais os homens

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têm assumido as tarefas domésticas e, porisso mesmo, os meninos também imitamos adultos nos afazeres da casa.

É importante igualmente pensarmossobre a influência que a televisão e osjogos eletrônicos vêm exercendo nobrincar infantil, transformando criançasem espectadores passivos, em vez deprotagonistas criativos. Esses aparelhos,além de informar, poderiam ocupar-seem disseminar palavras e imagens nosouvidos e nos olhos das crianças quelhes induzissem a sonhar e criar (semviolências).

Cada vez mais os jogos eletrônicos e asbrincadeiras sofisticadas estão substituindoas construções e criações de brinquedospelas crianças. As cinco marias, o aroempurrado por vara, os toquinhos demadeira são muito pouco utilizados nasbrincadeiras de hoje. Mesmo nas famíliasde baixa renda, cujo orçamento namaioria das vezes não disponibilizajogos eletrônicos sofisticados, as brinca-deiras e os brinquedos estão se modifi-cando. É um processo sociocultural,reflexo da sociedade de consumo, queestá afetando todas as camadas sociais.

Ao afirmarmos que existe um culturainfantil lúdica, entendemos que as crian-ças, através dos tempos, criam suas formasde brincar e seus personagens imaginários,abstraindo-os da realidade a sua volta.

Quando uma criança dá sentido a umcarrinho industrializado ou a sucatas,significa que o objeto em si não é abrincadeira, mas sim um elemento queestimula sua fantasia e criatividade.Por exemplo: se impedimos os meninos debrincarem com revólveres, por entender-mos que esses brinquedos estimulambrincadeiras violentas, eles constroemarmas com LEGO e dão prosseguimentoa sua brincadeira.

Um instrumento privilegiado para odesenvolvimento da criança é a brincadeira,uma maneira criativa e inventiva de acriança realizar a incrível jornada de desen-volvimento e crescimento. Por isso é quedevemos dizer que brincadeira é coisa séria.

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Não pretendemos, neste texto, esgotaro estudo sobre o brincar e o criar. Quere-mos sensibilizar os educadores para aimportância do jogo infantil e suas diversasnuances, enquanto aprendizagem, ouespaço transacional entre a atividade psí-quica e o real, ou apropriação de cultura.

A temática será retomada em outrosmomentos deste estudo, na abordagemdas artes, do corpo em movimento, daliteratura infantil, do desenvolvimentoinfantil e, caracterizando sempre as faixasetárias de 0 a 3 anos e de 4 a 6 anos,orientando sobre as intervenções necessá-

rias para auxiliar as crianças na resolu-ção de problemas ou simplesmente paraacompanhá-las em seu universo lúdicopelo prazer de sorrir, brincar, sonhare criar.

A Mão

A mãoÉ uma estrela de cinco pontas.Uma diz brinqueOutra, sonhe.Outra, cresça.Outra, crie.Outra, ame.

Maria Dinorah Mata – Tira-Tirarei

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Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema daeducação. São Paulo: Loyola, 2003.ALVES, Rubem. Quando eu era menino. Campinas: Papirus, 2003.BROUGÈRE,Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1995.CAÑEQUE, Hilda. Juego y vida: el ateneo. Buenos Aires: PedroGarcia S.A., 1991.

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LOPES, Maria Helena. A vivência lúdico-criativa naformação de professores. Dissertação de Metrado. PUCRS,1990.MOYLES, Janet R. Só brincar? O papel do brincar naeducação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1989.OLIVEIRA, Vera Barros de. O brincar e a criança: donascimento aos seis anos. Petrópolis: Vozes, 2000.WARAT, L. Alberto. O amor de gigantes. Brasília:Humanidades, 1989.WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio deJaneiro: Imago, 1976.

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Atividades de Estudo eAprofundamento

Maria Helena Lopes

• Você jogava amarelinha quandocriança? A resposta provavelmente seráafirmativa. Em todos os lugares do mundoessa brincadeira é conhecida, assimcomo cabra-cega, esconde-esconde,ovo-podre, etc.

O nome ou modo de jogar poderá teralguma variação de um lugar para outro,porém a brincadeira e o divertimentoserão sempre os mesmos. Estas são cha-madas de brincadeiras tradicionais.

Faça uma pesquisa sobre o brincar,

entrevistando pessoas de todas as idades.Pergunte como e com quem brincavam,com que brinquedos, em que espaços.Escreva tudo o que descobrir sobre obrincar “através dos tempos”, faça compa-rações e relacione com o texto “Brincar eCriar”. Sempre que possível, anexe fotospara ilustrar o seu estudo e acrescentequantas páginas julgar necessário pararegistrar sua pesquisa.

Você por acaso já pensou em realizarum festival de Jogos Tradicionais, contan-do com a participação da família e dacomunidade? Pense nessa sugestão!

Acesso a brinquedos atraentes nem

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sempre garante um período de brincadei-ras prazerosas, pois são fabricados semconsiderar a sensibilidade das crianças.

Para elas, tudo pode se transformarem brinquedo: uma lata pode ser trans-formada em tambor ou capacete desoldado, ao sabor da imaginação.

O brinquedo industrializado é lançadocom grande esforço publicitário, comoqualquer outro produto. Ele se torna atra-ente “para melhor tentar o comprador”.

Podemos afirmar que as crianças têmprazer e alegria em confeccionar seuspróprios brinquedos.

• Assista ao vídeo Do Brique aoBrincar e Aprender juntamente comseus colegas.

Procurem discutir as idéias do vídeo econstruir um texto de forma individualou coletiva.

• Observe uma criança ou um grupode crianças durante uma brincadeira defaz-de-conta e identifique:

– o local onde se passa;– a transformação em personagens;– a relação entre o real vivido pelas crianças e seu imaginário;– os objetos utilizados e a criatividade.

• Escreva sobre um dos itensobservados, relacionando-o com o texto“Brincar e Criar”.

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Convidamos o leitor a aprofundarseus conhecimentos sobre como ascrianças crescem e se desenvolvem.

Vamos transitar pelas condiçõesnecessárias a um bom equilíbrio geral denossas crianças, estudando aspectosfísicos, intelectuais, sócio-afetivos, sexu-ais e morais do desenvolvimento infantil.

Voltando à ciranda inicial, agora coma criança no centro da roda, podemosnos movimentar, cada um em seu ritmo,pelos caminhos teóricos, práticos epoéticos que os textos abriram para nós.E assim nos envolvermos com o corpo, amente, o espírito e o coração na arte dobom convívio entre crianças e adultos.

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esenvolvimentoInfantil e

AprendizagemElaine de Menezes Castro

O desenvolvimento infantil é umprocesso dinâmico, vivido aos poucos,gradativamente, de modo que a criançaacumule experiências e conhecimentos,inserida e integrada ao meio em que vivepara que possa despertar e desabrocharsuas capacidades e, assim, se realizarplenamente como pessoa.

Neste texto, apresentamos uma sínte-se relativa ao desenvolvimento e àaprendizagem, abordados sob diversosaspectos, na perspectiva de alguns auto-res, sem a intenção de esgotar as teoriaspor eles elaboradas. Nosso objetivo éfundamentar e ilustrar esses conteúdos.

A psicologia do desenvolvimentoinfantil é a ciência que estrutura conhe-cimentos relativos à evolução das mu-danças e à compreensão das seqüênciasdo desenvolvimento da criança com afinalidade de compreender sua essência,suas necessidades e suas características

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específicas com vistas ao maior enten-dimento do comportamento infantil e aomelhor atendimento da criança.

Condições para o DesenvolvimentoInfantil

Para que uma criança se desenvolvaadequadamente, é necessário:

• ser acolhida em suas característicaspessoais, aceitando-se o sexo com quenasceu, e suas características particularesque, às vezes, incluem deficiências quepodem torná-la uma criança com neces-sidades especiais;

• receber, dos familiares e daspessoas que cuidam dela, tudo aquilode que necessita quanto à alimenta-ção, à higiene, à saúde, à segurança eao afeto;

• ter seu processo de maturaçãopsiconeurológico respeitado, porquedele depende o surgimento e o desen-volvimento de suas capacidades moto-ras, intelectuais, sociais, afetivas emorais; • ter oportunidades de vivênciasfísicas, psicológicas e sociais para quepossa exercitar plenamente suaspotencialidades;

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Aspectos Físicos do DesenvolvimentoInfantil

As seqüências do desenvolvimentofísico são as mesmas para todos, mesmopara as crianças mais incomuns, emborao ritmo varie muito de uma para outra.Muitas mudanças físicas ocorrem semque o indivíduo precise se esforçar paraque elas aconteçam. É o caso, por exem-plo, do crescimento da pele. Outrasmudanças dependem de oportunidades ede vivências; entre elas, estão a coorde-nação motora e a fala.

• ser estimulada de acordo com onível de desenvolvimento em que seencontra.

“O período que vai do nascimento atéos oito anos de idade é consideradocrucial para a aquisição deconhecimentos básicos, dodesenvolvimento conceitual e dashabilidades cognitivas, bem como parao desenvolvimento lingüístico,ao qual está intimamente vinculado.”

Ana Maria Borzone de Manrique

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A alimentação é um dos aspectosmais importantes para o crescimentofísico e para um bom desempenho naaprendizagem da criança. É precisofornecer alimentos adequados às necessi-dades de nutrição específica de cadaidade em que a criança se encontra. Osmúsculos, os ossos e, em especial, osistema nervoso sofrem prejuízos signifi-cativos se não houver uma boa nutrição.

Quando a criança nasce, as estruturasnervosas já devem estar formadas sob oponto de vista anatômico. É necessária,ainda, uma evolução funcional quedeverá ocorrer principalmente através damielinização (maturação), que possibilitao aperfeiçoamento do sistema nervosocentral e torna possível o surgimento e oaprimoramento de diversas capacidades,como andar, falar e ler. Ao mesmo tempoem que acontece o processo dematuração do sistema nervoso, se realizao desenvolvimento psicomotor. As habili-dades motoras são adquiridas em ordemdefinida, de simples a complexas,seguindo os princípios cefalocaudal eproximodistal. Depois de adquirir ocontrole de movimentos separados debraços, mãos e pés, a criança será capazde coordenar esses movimentos paracaminhar. Com esses recursos, as primei-ras explorações e experimentações tor-nam-se possíveis. A partir daí, asvivências deverão aperfeiçoá-los.

A influência do ambiente é significati-va: quando a criança é bem nutrida,adequadamente estimulada, tem liberda-de física e oportunidades para praticarhabilidades motoras e para brincar, seudesenvolvimento motor provavelmenteserá normal.

Vygotsky afirma que, partindo deestruturas orgânicas elementares (sistemanervoso, órgãos dos sentidos), a criançaconstrói funções mentais complexas,

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como prestar atenção, memorizar, imagi-nar, raciocinar, à medida que se apropriade instrumentos simbólicos conhecidosnas interações sociais realizadas em seu

tribuirão para formar sua personalidade.

“Quando existe sincronia, ou seja,quando a experiência ou aaprendizagem acontecem no momentopropício de maturação, tem-se um bomponto de partida para o desabrochar deuma personalidade bem integrada.”

J.F. Prieto – Aspectos Intelectuais do Desenvolvimento Infantil

Piaget afirmou que a atividade inte-lectual não pode ser separada do funcio-namento total do organismo. Para queocorra o desenvolvimento cognitivo, énecessário que a criança atue sobre omeio ambiente. O conhecimento éresultante das ações da criança. Há trêstipos de conhecimento: o conhecimentofísico, o conhecimento lógico-matemáticoe o conhecimento social.

O conhecimento físico abrange ascaracterísticas físicas dos objetos e dosfatos: tamanho, forma, textura, movimen-to, etc. Esse conhecimento é adquiridoatravés do contato, da observação e damanipulação dos objetos. Os brinquedosse tornam conhecidos através do brincar.

O conhecimento lógico-matemáticoé estruturado a partir do pensar sobre asexperiências com objetos e eventos. Asações da criança sobre os objetos é quevão possibilitar a construção do conheci-mento lógico-matemático. Esse conheci-mento é produto das experiências que acriança faz com os objetos. Muitasvezes, é resultado de relações e

meio (família, escola). As vivênciasocorridas nesses contextos oportunizamque a criança experimente e responda adiferentes situações. Dessa forma, poderáaprender, por exemplo, a maneira dememorizar e de raciocinar vigente emdeterminada cultura. Essas vivências con-

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comparações entre os brinquedos.Brincar propicia o desenvolvimento dopensamento lógico.

O conhecimento social é realizadopela criança a partir de suas ações comoutras pessoas. Na interação com outrascrianças e com os adultos, surgem asoportunidades para a construção doconhecimento social.

Segundo Piaget, entre 0 e 7 anos deidade, a criança vivencia dois períodosde desenvolvimento: o período sensório-motor (0 a 2 anos) e o período pré-operacional (2 a 7 anos).

Período Sensório-MotorAo nascer, um bebê apresenta apenas

comportamentos com reflexos simples.O uso dos reflexos pelo bebê é essen-cial para o desenvolvimento do está-gio em que se encontra e para odesenvolvimento das estruturascognitivas dos estágios seguintes.Nenhum conceito é inato.

Todos os conceitos, incluindo o con-ceito de objeto, são desenvolvidos. Aconsciência de que os objetos são maisou menos permanentes e que não sãodestruídos, quando desaparecem, édesenvolvida a partir das experiênciassensório-motoras.

Outra característica do período sensó-rio-motor é o progresso da criança de um

comportamento não-intencional para umcomportamento intencional: ela coorde-na movimentos para um fim. A partirdesse momento, a atividade torna-seexploradora: tem início o uso da inteli-gência prática.

Período Pré-OperacionalSeguindo o caminho de sua evolução, a

criança passa de um nível de inteligênciasensório-motora para a inteligênciarepresentacional. “Isto significa que acriança torna-se apta a representar inter-namente (mentalmente) objetos e even-tos e subseqüentemente torna-se capazde (cognitivamente) resolver problemasatravés da representação”, dizWadsworth. Desse momento em diante,o desenvolvimento intelectual da criançase dá mais na área simbólica do que naárea motora.

A capacidade de representação deobjetos e eventos é a principal conquis-ta do estágio pré-operacional. O surgi-mento da função simbólica possibilita avivência da imitação diferida, do jogosimbólico, do desenho, das imagensmentais e da linguagem falada.

A imitação diferida é a imitação deobjetos e eventos já distantes háalgum tempo. Ela só é possível porquea criança desenvolveu a capacidadede representar mentalmente (recor-dar) o comportamento imitado.

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A criança repete um comportamento semque o modelo esteja presente.

No jogo simbólico, a criança brincacom os objetos, dando a eles um

significado diferente de seu significadoreal. Ela faz com que um objeto simboli-ze outro. Uma atividade de cunhoimitativo em que situações sãorepresentadas.

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O desenho realizado pela criançapré-operacional não inclui, no início, odesejo de representar alguma coisa. Ouso precoce do lápis, do giz de cera e dopincel resulta nas garatujas. À medidaque se desenvolve, ela se esforça pararetratar pessoas, animais e objetos deforma mais realística.

As imagens mentais são representa-ções internas (símbolos) de objetos ou deexperiências perceptivas passadas. Ima-gens não são cópias de percepçõesguardadas na mente. Elas são imitaçõesde percepções e a elas se assemelham.

A linguagem falada é uma forma deconhecimento social. O desenvolvimentoda linguagem falada proporciona àcriança, além da possibilidade de umrico intercâmbio sócio-afetivo, a facilita-ção do desenvolvimento conceitual queocorre no estágio pré-operacional.

Piaget classificou as falas das crian-ças em fala egocêntrica e fala socializa-da. A fala egocêntrica se caracteriza pelaausência da verdadeira comunicação:muitas vezes, a criança fala sem ter aintenção de se comunicar, mesmo estan-do na presença de outras pessoas – sãoos monólogos coletivos. A fala socializa-da é intercomunicativa: as conversasinfantis incluem troca de idéias e aintenção da comunicação.

Para Vygotsky, na interação da criançacom as outras pessoas, a linguagem temespecial importância. A fala, entendidacomo instrumento ou signo, tem umpapel fundamental de organizadora daatividade prática e das funções psicológi-cas humanas: atenção, memória, imagi-nação. Diz ele: “o momento de maiorsignificado no curso do desenvolvimentointelectual, que dá origem às formaspuramente humanas de inteligênciaprática e abstrata, acontece quando afala e a atividade prática convergem”.

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O pensamento e o comportamentode uma criança pré-operacional sãoegocêntricos, isto é, ela vê o mundoapenas de seu ponto de vista, sem terconsciência de que existem outrospontos de vista. Ela acredita que todospensam como ela e nunca questionaseus próprios pensamentos. O egocen-trismo está presente em todos oscomportamentos da criança pré-operacional. A criança de 2 a 4 anos émais egocêntrica do que uma criançade 6 ou 7 anos.

“‘Cale a boca’, ‘não mexa’, ‘fiquequieto’, injunções contínuas de quecertas crianças são saturadas ao longodos dias e que são, além disso, proibiçõesdo desejo que se expressa; proibições àbusca do prazer, essas injunçõesconstroem, já antes dos dois anos, a basedas personalidades neuróticas.”

Françoise Dolto

Aspectos Sócio-Afetivos doDesenvolvimento Infantil

Segundo Wallon, o desenvolvimentohumano é um processo de individuaçãocrescente, que acontece desde o nasci-mento através da interação social. Oambiente no qual a criança está inseridaé seu recurso básico de desenvolvimen-to. A atividade da criança éoportunizada tanto pelos recursos mate-riais disponíveis quanto pelas diversasinterações que vivencia com outraspessoas. O esforço que a criança faz

Segundo Vygotsky, o processo dedesenvolvimento do pensamento e dalinguagem segue a mesma trajetória dasoutras funções psicológicas. O percursoé da atividade social, interpsíquica, paraa atividade individualizada, intrapsí-quica. A criança primeiramente utiliza afala socializada, com a função de comu-nicar, de manter um contato social.Mais tarde, ela se torna capaz deutilizar a linguagem como instrumentode pensamento, com a função deadaptação pessoal.

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para compreender o mundo, atribuindo-lhe significados, obriga-a a exercitarações cada vez mais complexas.

Na teoria de Wallon, a dimensãoafetiva ocupa lugar central, tanto naconstrução da pessoa quanto na constru-ção do conhecimento.

Durante o estágio impulsivo-emocio-nal (primeiro ano de vida), o bebê étotalmente dependente e recebe tudo deque precisa das outras pessoas (mãe, pai,babá, educadora). Para obter a satisfaçãode suas necessidades, ele age sobre osoutros através de suas reaçõesemocionais, que são expressas pelochoro, pelo sorriso, pelos gestos. Aspessoas próximas interpretam as reaçõesdo bebê e agem de acordo com osignificado que atribuem a elas: mudam-no de posição, dão-lhe de mamar, aco-modam-no para dormir. Assim, empoucas semanas, os movimentos impulsi-vos que poderiam apenas manifestardesconforto ou bem-estar tornam-semovimentos expressivos à medida quesão interpretados pelos outros. A princi-pal relação que o bebê estabelece com oambiente é de natureza afetiva, é operíodo emocional em que as reaçõessão afetivas: alegria, surpresa, medo.

O bebê mantém com a mãe um“diálogo único”, ou seja, ele depende detoques, de carícias, de contatos visuais,

da voz em suas diversas modulações.Seus gestos são interpretados e respondi-dos pela mãe. Em torno dos seis meses,há uma dependência emocional, umasimbiose afetiva, em que a mãe compre-ende as manifestações do bebê e esteidentifica os comportamentos em respos-ta aos seus. A criança já reconhece aspessoas próximas, sorri ao ouvir uma vozconhecida, procura a mãe e apontaobjetos. Há necessidade de que alguémesteja sempre por perto para apresentar edar significado às coisas e, assim, orien-tar suas reações diante da realidade.

Capaz de explorar visualmente oambiente, de pegar e largar os objetos, acriança aprende, então, a andar e a falar.Dos 12 meses até os 3 anos, ela vive operíodo sensório-motor e projetivo.Interessa-se pela descoberta e manipula-ção dos objetos. “Projetivo” equivale a“simbólico”. Tendo adquirido a funçãosimbólica, seus gestos e posturas, agora,traduzem idéias, simbolizam coisas. Ouseja, sua forma de pensar o mundo estáprojetada em seus atos motores.

A linguagem é o recurso usado pelacriança para perguntar e descobrir omundo, dando nome às coisas.

Por volta de 2 a 3 anos, a criançaconstrói seu pensamento e sua identida-de através de um processo de imitar aoutra pessoa e opor-se a ela. Jogos de

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percepção de si se transforma, aos pou-cos, em consciência de si. Centrada emsi mesma, terá dificuldade para empres-tar ou repartir, tanto os brinquedos comoos alimentos, manifestando grandepossessividade. Brincar inclui ter osobjetos para si.

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alternância nos quais ela é ora o autor,ora o objeto de um mesmo gesto, auxili-am-na a diferenciar o eu e o outro. Asbrincadeiras de faz-de-conta são mani-festações dessas ações imitativas. Atravésdas atividades motoras e das imitações, a

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Aos 3 anos, a criança manifesta a crisede oposição caracterizada pela necessida-de de afirmação e independência, inclu-indo muitas rivalidades. Será a criança“do contra”, que recusa as propostas dosadultos e que freqüentemente tem um“não” como resposta. Nas palavras deWallon, esta é a “idade negativista donão, do eu, do meu”. Por necessidade deauto-afirmação, ela tenta impor seu pontode vista pessoal, fazer valer seus capri-chos ou sua oposição.

Durante o período personalista (dos 3aos 5 anos), a criança começa a se darconta de que é uma pessoa particular.

Ela sabe que faz parte de uma família eestá orientada quanto à idade, aonúmero de irmãos e à ordem de nasci-mento. Torna-se atenta às suas atitudes,ao seu comportamento. Surge a necessi-dade da imitação. Com o eu ainda frágil,precisa da admiração dos outros paracontemplar seus desempenhos e torna-se, em algumas ocasiões, “exibida”.

Nesse período, a criança mostraráinteresse por atividades de faz-de-contaem que irá copiar situações vividas emseu ambiente, experimentando diversospapéis e personagens. Brincar é, muitasvezes, imitar. O jogo simbólico possi-bilita a manifestação de suas fantasias,de seus desejos, de suas necessidades.Através das brincadeiras, ela pode reve-lar seus sentimentos, realizar compensa-ções, resgatar seu equilíbrio emocional.

É importante que a criança experi-mente o revezamento de papéis, isto é,que a ninguém seja permitida aexclusividade sobre determinado perso-nagem. Deve ser permitido aos meninose às meninas representar papéismasculinos e femininos. Nenhum delessofrerá qualquer espécie de prejuízo.

Ao contrário, diferentes papéis possibi-litam a vivência de diferentes sentimentos.Brincar inclui experimentar diversos senti-mentos e sensações.

A prática dos jogos de regras dá àcriança oportunidades de aprender a

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competir, a esperar sua vez de jogar e alidar com sucessos e frustrações. Estassão situações lúdicas que devem propor-cionar prazer e desenvolvimento. “Aevolução afetiva e social da criançaobedece às leis do mesmo processo

geral, visto que os aspectos afetivos,sociais e cognitivos da conduta são,de fato, indissociáveis”, afirmamPiaget e Inhelder. Brincar proporcionamuitas aprendizagens sociais e cresci-mento emocional.

Os jogos coletivos, emgeral, incluem acordossobre as regras da brinca-deira e a distribuição depapéis. As crianças maio-res exigem um bom de-sempenho das menores.Todas desejam “ganhar”,mas as crianças de 5 e 6anos são mais exigentes doque as de 3 e 4 anos. Brin-car é interagir, socializar-se,divertir-se na convivênciacom os iguais.

A evolução sócio-afetivada criança inclui necessari-amente o brincar. A esserespeito, cabe citarWinnicott: “O brincar éfazer. A brincadeira é uni-versal e é própria da saúde:o brincar conduz aosrelacionamentos grupais. Éno brincar, e talvez apenasno brincar, que a criança ouo adulto fruem sua liberda-de de criação. É no brincar,e somente no brincar, que oEs

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indivíduo, criança ou adulto, pode sercriativo e utilizar sua personalidadeintegral: e é somente sendo criativo queo indivíduo descobre o eu (self)”.

“As crianças brincam com maisfacilidade quando a outra pessoa podee está livre para ser brincalhona.”

Donald Winnicott

Aspectos Sexuaisdo Desenvolvimento Infantil

Desde muito cedo, a criança tem emsi a convicção de “Eu sou menino” ou

“Eu sou menina”. Esse conhecimento émuito importante para a construção desua auto-imagem e é determinante emseu comportamento.

A evolução da sexualidade infantilsupõe a vivência das etapas designadaspor Freud como fase oral, fase anal efase fálica, assim como a experiência dasituação edipiana e sua resolução.

A fase oral acontece durante o primeiroano de vida. O prazer da criança estáligado à ingestão de alimentos, aos atosde sugar e morder e à excitação damucosa dos lábios e da cavidade bucal.Ela usa a boca para descobrir caracterís-ticas dos objetos: forma, textura, etc.

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A fase anal se estende, aproximada-mente, de 1 a 3 anos. O prazer dacriança está centrado na excitação damucosa anal, na expulsão e na conten-ção das fezes. Segundo Freud, é umaetapa voltada ao controle e à domi-nação. Nessa fase, a criança tem maiorclareza sobre o que é interior e o que éexterior a ela. Manifesta prazer namanipulação dos objetos.

A fase fálica abrange o período dos 3aos 6 anos. A atenção da criança volta-separa os genitais, principalmente para aquestão “ter ou não ter pênis”.

Os órgãos genitais tornam-se a zonaerógena dominante. Freqüentementeacontece a masturbação. Nessa fase,manifesta-se a curiosidade infantil.Inicialmente a criança supõe quemeninos e meninas são iguais. Mais tarde,ela toma consciência da diferençaanatômica dos sexos e cria as “teoriassexuais infantis” relativas às diferençassexuais, à fecundação e ao nascimento.

O complexo de Édipo é vivido durantea fase fálica. Esse complexo é formadopela união dos desejos amorosos e hostisda criança por seus pais. Para o menino,ele se apresenta como um conflito exis-tente entre suas tendências libidinosas,mais ou menos genitalizadas, de possuirsua mãe com exclusividade, e a culpabi-lidade que ele sente por desejar, paratanto, a desaparição de seu rival, o pai.

A angústia de castração o convence arenunciar à possessão exclusiva da mãe.Com relação à menina, a evolução emdireção ao pai é motivada pelas decep-ções em suas relações com a mãe, prin-cipalmente pela ausência do pênis.

As pessoas que lidam com criançasdevem conhecer essa evolução e suasimplicações, uma vez que a compreensãode tais aspectos interfere no modo de agir

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dos adultos que contribuem para formar apersonalidade infantil, influindo significa-tivamente em sua saúde psicossexual.

Uma conversa com Louisa(5 anos e 2 meses).“Você sabe como nascem osgatinhos e os cachorrinhos?Em armários embutidos.Você tem gatinhos em casa?Não, é a vizinha...havia quatro vivos e um morto.”

Véronique Jgstaidt

Aspectos Moraisdo Desenvolvimento Infantil

Promover o desenvolvimento daconsciência moral nas crianças inte-ressa tanto a elas mesmas quanto aseus pais e à sociedade. A identificaçãocom modelos positivos, a internalizaçãode boas regras e a disposição para segui-los são determinantes da conduta hu-mana frente aos outros e diante das leise dos costumes vigentes na comunidade.

A criança não dispõe de uma consci-ência moral ao nascer, nem sabe quaissão os valores cultivados pela comuni-dade em que está inserida. É pela convi-vência com as outras pessoas, pelosexemplos que irá presenciar e pelasorientações que deverá receber que elairá estruturar suas próprias concepçõesmorais, as quais se traduzirão em atitudefrente às normas vigentes em seu meio.

Inicialmente heterônoma, a criançavincula o poder das regras e normas àpresença material da pessoa que asemitiu. O certo ou errado está predeter-minado e não sujeito às suas própriasavaliações. Nessa fase da heteronomia, amoralidade infantil está determinadapela obediência – o que Piaget chamou

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de respeito unilateral. Em sua evolução,porém, a criança encaminha-se para aautonomia porque, com os progressos queexperimenta na vivência da cooperaçãosocial e das ações, ela começa a sercapaz de fazer suas próprias avaliaçõesmorais e passa a manifestar considera-ções sobre o que é ou não é justo. “O

respeito mútuo é um agente nodesenvolvimento do pensamentoautônomo. O respeito mútuo é orespeito entre iguais”, dizWadsworth.

Referências Bibliográficas

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. PortoAlegre: Artmed, 1999.DOLTO, Françoise. As etapas decisivas da infância. SãoPaulo: Martins Fontes, 1999.FLAVELL, John. A psicologia do desenvolvimento deJean Piaget. São Paulo: Pioneira, 1986.GALVÃO, Izabel. Henry Wallon: uma concepçãodialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis: Vozes,1995.JAGSTAIDT, Véronique. A sexualidade e a criança. SãoPaulo: Manole, 1987.OLIVEIRA, Maria Aparecida D. de. Neurofisiologia docomportamento. Canoas: ULBRA, 1999.PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança.Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1973.PIAGET, Jean. A representação do mundo na criança.Rio de Janeiro: Record, s.d.PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. SãoPaulo: Mestre Jou, 1977.REGO, Teresa Cristina. Vigotsky: uma perspectivahistórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995.VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo:Martins Fontes, 1996.WADSWORTH, Barry. Inteligência e afetividade dacriança na Teoria de Piaget. São Paulo: Pioneira, 1993.WALLON, Henry. As origens do pensamento da criança.São Paulo: Manole, 1989.

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Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância Cadernos Pedagógicos – volume 1

Atividades de Estudo e AprofundamentoMaria Helena Lopes

• Assista ao filme Uma Tarde no Berçário. Releia no texto o item relativo àscondições para o desenvolvimento infantil. Após, identifique no filme as situações emque as crianças estão sendo atendidas adequadamente para que tenham um desen-volvimento sadio.

• Para discutir com os colegas, responder e registrar as respostas.

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A FESTAElaine de Menezes Castro

A casa está enfeitada com balõescoloridos. Muita gente circulando de umlado para outro. Crianças de todas asidades: irmãos, colegas da escola, primose amiguinhos. Os adultos colaboramaqui e ali. Sobre a mesa colocam doces,cachorros-quentes e um bolo com cincovelinhas. É o aniversário de Mariane.

No quintal, um grupo de meninosconversa: vão brincar de mocinho ebandido. Sérgio (6a2m) será o mocinho,Carlos (5a8m) será um policial e Renato(5a6m) será um guarda de trânsito.Rodrigo (6a1m) será o bandido que elesdeverão perseguir e prender.

Na sala, sobre o tapete, Lúcia (1a4m)empilha cubos, Júlia (1a3m) manipulaum urso de pelúcia e Sofia (1a2m) brincacom a boneca Emília.

Mariane está em seu quarto comIsabel (4a1m), Ana (5a2m), Laura (4a1m)e Flávia (3a8m) brincando de casinha.Usam potes de iogurte para fazer comidae dizem que a menina menor e as bone-cas são as “filhinhas”.

Perto da mesa, Eduardo (5a3m) co-chicha com Daniel (5a2m), propondoque peguem uns doces às escondidas.Daniel não concorda e pergunta: “Mas agente não combinou com a tia que é só

depois do parabéns?”. E convida oamigo para brincar no pátio.

Tia Irene cuida de Leandro (1a8m)para que não caia da escada. EIe subiualguns degraus, mas não consegue des-cer sozinho. Diana abraça Luiza (4a3m)e Ihe diz: “Você está linda! Que camisetabonita!”. E a mãe da menina responde:“Foi ela que escolheu”.

Fernando (2a1m) pega o carrinho comque Fábio (1a4m) está brincando e saicorrendo. O menino chora, mas Fernan-do diz: “É meu, é meu” e não quer de-volver o brinquedo.

Responda:Como se classifica e como se caracteriza a

brincadeira dos meninos no quintal?Por que Leandro sobe, mas não desce a

escada?O que está sendo proporcionado à Luiza?Por que Daniel não concorda com Eduardo?Como se classifica a brincadeira de

Mariane e suas companheiras? Como secaracteriza? Para que serve?

Como se pode designara atividade das crian-ças que brincam sobreo tapete?

Explique o compor-tamento de Fernandoe sugira alternativas desolução para o caso.

Em que período dedesenvolvimento seencontram Lúcia, Júliae Sofia?

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• Elabore um quadro-síntese dasetapas do desenvolvimento infantil e daaprendizagem, pesquise em outros livrose ilustre o seu trabalho com gravuras,fotos ou desenhos.

Nada teria inventado e muitopouco descoberto sem o uso dafantasia.

Imaginar e fantasiar são direi-tos da criança porque a fazemsonhar, criar, duvidar, divergir,discordar das coisas estabelecidase tentar mudá-las.

Toda criança imagina efantasia, a não ser que o adultoabafe sua criatividade.

Fantasiar é um direito dacriança e, quando ele não érespeitado, a criança fica prejudi-cada no seu desenvolvimentomental e afetivo.

Criança pequena não é egoísta.Ela é egoncêntrica. Isso quer dizerque ela pensa que tudo existe porcausa dela, para ela e por ela. Todacriança acredita que tudo aconteceporque ela existe.

Só quando ela aprende a con-viver com outras pessoas é queaprende as regras da convivênciae deixa de ser egocêntrica.

Forçar uma criança pequena,antes da hora, a deixar de seregocêntrica é forçar a natureza.Reprimida, a criança reage e nãodesenvolve normalmente. Aí sim éque corre o perigo de transformar-se em uma criança egoísta.

Sugestão de leituraOs novos direitos da criança, de

Luiz Lobo. O autor aborda de modosintético a temática dos direitos, docuidado e do desenvolvimento infantil,tornando a leitura agradável e compre-ensível. Destacamos neste espaçoalgumas idéias do autor que ilustram osconteúdos sobre o desenvolvimentoinfantil e a aprendizagem.

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Os anos mais importantes para o desenvolvimento da criança são osseis primeiros. Nesses seis anos se forma a estrutura da personalidade e abase de sua afetividade, em torno da imagem que ela faz de si mesma.

Aos seis anos, a criança já passou por experiências marcantes,conhecendo o amor ou a rejeição, o carinho ou a violência, aatenção ou a indiferença, a confiança ou a desconfiança, a alegriaou a tristeza. E essas experiências são fundamentais para determi-nar sua própria imagem.

Para ter uma oportunidade justa de desenvolver-se normalmentee de ser feliz, é preciso que a maior parte das experiências sejapositiva. Principalmente a que teve com os pais.

Quanto mais nova for a crian-ça, mais desastrosas serão asconseqüências da falta de compa-nhia para ela. Principalmente seela está obrigada a passar longashoras sem ver a mãe ou o pai.

Acompanhada de outras crian-ças ela não se sente abandonada,só, desamparada e sem apoio.

As crianças precisam tercontato diário com os pais porquesão dependentes afetivas.

A criança precisa também decompanhia de outras crianças parasocializar-se. Conviver quer dizerexatamente viver com. E é noconvívio que as crianças apren-dem as regras sociais.

Toda criança tem o direito de teruma boa imagem de si mesma. Paraisso, ela precisa ser confiante, de-senvolver sua autonomia e indepen-dência.

Quando ela consegue passarmais tempo longe dos pais, tranqüi-la e fazendos coisas sem precisar deajuda, ganha autonomia.

E ganha independência à medidaque vai ficando autônoma. Por issomesmo, devemos incentivá-la a fazeras coisas sozinha. Nessa fase doaprendizado, a criança não deve serridicularizada pelos seus erros edificuldades. E é preciso respeitá-laquando ela diz “deixa que eu faço”,mesmo que não faça muito bem.

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Agora é o momento ideal para areflexão sobre as características e asfunções do educador que atua comcrianças, responsabilidade esta que deveser compartilhada com as políticas deeducação do país e das comunidadesonde se situam as instituições.

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ual o perfil do profissional deEducação Infantil?

Euclides Redin

A partir da nova Constituição doBrasil (1988) e, emdecorrência, a partirda Lei de Diretrizese Bases da EducaçãoNacional (Lei nº9394 de 1996), aeducação oficial,pública, do Estado,conta com novonível: EducaçãoInfantil – dever doEstado e direitosubjetivo da criançadesde 0 até 6 anos e11 meses de idade.

Com essa decisão,se estabelece umaprioridade que, emtermos teóricos,revoluciona a pers-pectiva educacionalno Brasil. Surgem, então, dois desafiosfundamentais: a população a ser atendi-da perfaz o total assombroso de aproxi-madamente 27 milhões de crianças e aproposta de Educação Infantil, incluindoa idade de creche e pré-escola, quenecessita ser definida e instrumen-

talizada com fisionomia prioritariamenteeducacional.

Esse fato propõe algumas questõesbásicas profundamente difíceis:

1) Infra-estrutura física e operacionalpara atendimento de toda essa população

que numericamente é superior à popula-ção de diversos países do mundo.

2) A questão anterior não é tão com-plexa; exige planejamento, decisõescorajosas, audaciosas, e recursos. Maisdifíceis são as outras questões: qual seráa especificidade da Educação Infantil

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como um nível educacional antes ligadoa outros sistemas de atendimento? Épossível e viável unir na mesma dinâmi-ca aquilo que se fazia em nível de creche(0-3 anos) com aquilo que era específicona pré-escola (4-6 anos)? Qual o perfildo profissional de Educação Infantil? Seráassistente de atendimentos básicos à crian-ça de creche (alimentação, higiene, saú-

de)? Ou enfermeiro, pediatra, psicólogoinfantil especialista em desenvolvimentoinfantil, educador ou tudo issointegradamente?

Quem formará o profissional deEducação Infantil? A escola normal? A

escola de nível médio, com especializa-ção para magistério? A Universidade,com as habilitações do curso de Pedago-gia ou com as Licenciaturas? Ou outroscursos de nível superior? Quais? Ou sedeverá criar um curso específico? Qual?Ou, então, a tarefa de formação deprofissionais da Educação Infantil seráassumida por outra instituição?

Diante dessa problemática, gostariade propor algumas premissas. Todarelação humana é educativa. Todo conta-to com a criança deixa marcas que defi-nem posições. No caso da EducaçãoInfantil, fica difícil distinguir o que éespecífico de escola do que é de assis-

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tência, higiene e saúde. Toda relaçãoestabelecida com a criança, em qualqueridade, mediada pelo mundo dos objetos,das pessoas, pela instituição educacional,com seu cotidiano e seus rituais, éeducativa. É educativa também a relaçãoassistencial, de atendimento às necessi-dades imediatas de higiene, alimentação,saúde, proteção e aconchego.

Mas essas relações se dão tanto naescola como na família, na rua ou noparquinho. Então, onde fica aespecificidade dos diferentes espaços edos diferentes tempos da criança?

O tempo e o espaço das relações dainfância na família têm suaespecificidade na fragilidade do serinfantil e na suadependência, inici-almente total, de-pois vagarosamenterelativizada nosaspectos físicos,intelectuais, emoci-onais e afetivos, deaprendizagensbásicas para asobrevivência e aconvivência comas outras pessoas ecom o mundo.

O espaço e o tempo da EducaçãoInfantil, institucionalizado e formalizadocomo espaço público, gratuito e obriga-tório por parte do Estado e como direitopor parte da criança, tem todas as carac-terísticas do espaço familiar e mais: ofazer intencional, organizado em funçãoda convivência estimulante, cooperativa,“inter pares”; o fazer organizado, paraacesso a experiências, conhecimentos eformas de expressão ali facilitados, e otempo e espaço das relações pedagógicaspurificadas de qualquer autoritarismo,pressão, ameaças, temores e medos –tempo e espaço estes conhecidos pelosavanços da psicologia no estudo dopsiquismo infantil.

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Por ser a Educação Infantil um espaçoe um tempo pedagógicos, ela tem umafunção educativa explícita, organizada,que exige ação de profissionais especifi-camente preparados. A função educativainstitucionalizada inclui também o esta-belecimento de normas e convenções,comportamentos e conhecimentos quejuntos constituem o domínio das con-quistas realizadas pelos homens ao longode sua história.

Tradicionalmente, os conhecimentosbásicos acumulados, que constituem umacervo enriquecedor de quem a ele temacesso, são o domínio da linguagem, daciência, das artes, da cultura. Há necessi-

dade do ensino sistemático e intencionaldesses saberes. Porém, no período daEducação Infantil, eles deverão serviabilizados ao ritmo do psiquismoinfantil, com a alegria da descoberta, dasurpresa, do espanto, do encanto, dobelo, do novo, do prático, do tateio, docooperativo, do original no coletivo, dolúdico, do plástico, do harmonioso/desarmonioso, do surpreendente mundoautenticamente humano.

Tudo isso não se fará sem um mínimode disciplina, de organização, deintencionalidade. A permissividade éaltamente conservadora e reacionária;jamais será crítica, consciente etransformadora. Atenção: é possível umainstituição ser disciplinada e organizada,sem ser autoritária.

A especificidade da Educação Infantilprecisa ser clareada, e acredito que passepelos indicadores mencionados.

Qual o perfil do profissional de Edu-cação Infantil? A definição do profissio-

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nal de Educação Infantil se dará a partirdo seu campo de atuação: a realidade dacriança como um ser em desenvolvimen-to e como um ser histórico concreto,sujeito de direitos e necessidades, numaescala de importância própria, às vezesdifícil de perceber adequadamente numavisão adultocêntrica. Essa criança defini-rá o perfil do profissional que será seuparceiro no tempo e no espaço da Edu-cação Infantil.

A existência infantil tem múltiplas esurpreendentes formas de expressão eelaboração. Porém, a diversidade da ma-nifestação infantil não exclui a unidadede objetivos que qualificam as ações dosagentes da Educação Infantil.

É possível pensar um profissionalnovo, múltiplo, pleno, capaz de estartodo em todos os momentos, em todosos tempos e em todos os espaços dainfância. Evidentemente, esse profissio-nal não será um “especialista” no sentidotécnico do termo. Será, sim, omnidi-mensional, multidimensional, pleno,como são plenos aqueles que caminhamjuntos e repartem, a seu modo, aexistência dramática que lhes é comum.

O profissional da Educação Infantildeverá ter um preparo especial, porquepara a infância se exige o melhor do quedispomos. Mesmo porque, na relaçãopedagógica, não basta estar presente

para ser um bom companheiro. O profis-sional de Educação Infantil deverá terum domínio dos conhecimentos científi-cos básicos tanto quanto dos conheci-mentos necessários para o trabalho coma criança pequena (conhecimentos desaúde, higiene, psicologia, antropologiae história, linguagem, brinquedo e dasmúltiplas formas de expressão humana,de desenvolvimento físico e dasquestões de atendimento em situaçõesde necessidades especiais). Precisaainda ter sob controle seu próprio de-senvolvimento, bem como estar emconstante processo de construção deseus próprios conhecimentos. Ter elabo-rado, maduramente, a questão de seusvalores, cultura, classe social, históriade vida, etnia, religião e sexo.

A formação de profissionais de Educa-ção Infantil numa visão nova éprioritária, mas não é suficiente. Todas asoutras questões a que me referi no iníciodeste texto deverão ser equacionadas. Apar dessas definições, serão necessáriosinvestimentos de grande porte, basica-mente na qualificação e na dignificaçãode recursos humanos, infra-estruturafísica e equipamentos (todos), além detempo de infância e de relações pedagó-gicas significativas.

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Atividades de Estudoe Aprofundamento

Maria Helena Lopes

• Para melhor refletir sobre o profissi-onal da Educação Infantil, será interes-sante fazer uma retrospectiva da suaexperiência como aluno(a).

– Quais as características que vocêmais apreciava em seus professores?

– Qual foi o legado que lhesdeixaram?

– Que influências tiveram em suaformação pessoal e profissional?

– O que mais você apreciava naescola?

Faça um resgate atento de sua traje-tória e registre suas memórias. Podeutilizar fotografias, desenhos, relatos defamiliares, etc.

Ao chegar ao Centro de EducaçãoInfantil, as crianças desejam encontraralguém que as acolha, que as aceite emseu estágio de desenvolvimento infantil,com suas capacidades e dificuldades, comsuas peculiaridades culturais. O convíviofreqüente faz com que as crianças sevinculem afetivamente ao educador.

• Após a leitura do texto, reúna-secom seus colegas para discutir sobre ainfluência que os educadores exercemsobre as crianças. Elaborem um texto emconjunto e registre suas conclusões.

• Trace o perfil do educador infantil,destacando cinco características queconsidere importantes. Justifique suaescolha.

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Nota sobre os Autores

1º Texto – Concepção de InfânciaMARISE CAMPOSEspecialista em Tecnologia Educacional, naárea de Televisão Educativa, pela PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul.É assessora técnica da presidência da OMEP/BR/RS/Porto Alegre e da OMEP Brasil.

2º Texto – Brincar e CriarMARIA HELENA LOPESMestre em Educação, na área deAconselhamento Psicopedagógico, pelaPontifícia Universidade Católica do Rio Grandedo Sul. Preside a OMEP/BR/RS/Porto Alegre eocupa a vice-presidência da OMEP/Brasil.

3º Texto – Desenvolvimento Infantile AprendizagemELAINE DE MENEZES CASTROEspecialista em Neuroanatomia e Histologiado Sistema Nervoso pelo Departamento deFisiologia, Farmacologia e Biofísica daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul eem Psicologia Clínica e Escolar pela Fundaçãopara o Desenvolvimento de Recursos Humanosno Estado do Rio Grande do Sul. Ministra adisciplina de Psicologia Infantil nos Cursos dePreparação de Professores em Educação Infantilda OMEP/BR/RS/Porto Alegre.

4º Texto – Qual o Perfil do Profissionalde Educação Infantil?EUCLIDES REDINDoutor em Psicologia Escolar eDesenvolvimento Humano pela Universidadede São Paulo. Atua como Professor Titular doPrograma de Pós-Graduação em Educação daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS.

Ilustração: Estúdio CRIANÇAS CRIATIVAS / Gian Calvi