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Uma festa para poucos A Lei de Inovação faz dez anos e nunca tivemos tantos recursos para projetos de desenvolvimento. Mas a busca por novas tecnologias ainda está longe de ser uma prioridade do empresário brasileiro unesp ciência Shutterstock PERFIL MACARI E O SALTO DA PESQUISA NA UNESP HEPATITE C NOVO SENSOR ANTECIPA DIAGNÓSTICO AUIN AGÊNCIA TRIPLICA REGISTROS DE PATENTES fevereiro de 2014 ° ano 5 ° número 49 ° R$ 9,00 EDIÇÃO ESPECIAL

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Fevereiro de 2014 ∞ ano 5 ∞ Número 49

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Uma festa para poucos

A Lei de Inovação faz dez anos e nunca tivemos tantos recursos para projetos de desenvolvimento. Mas a

busca por novas tecnologias ainda está longe de ser uma prioridade do empresário brasileiro

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PERFIL MACARI E O SALTO DA PESQUISA NA UNESP

HEPATITE C NOVO SENSOR ANTECIPA DIAGNÓSTICO

AUIN AGÊNCIA TRIPLICA REGISTROS DE PATENTES

fevereiro de 2014 ° ano 5 ° número 49 ° R$ 9,00

EDIÇÃO ESPECIAL

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COLECAO

TOdOrOv

Teoria da literatura, de Tzvetan Todorov, é o primeiro título dessa

nova série de textos de um dos pensadores mais importantes do século 20.

A Coleção Todorov vai abranger obras relacionadas à crítica literária,

antropologia e linguística e já estão previstos mais quatro títulos :

A vida em comum, Simbolismo e Interpretação, Teorias do Símbolo e

Crítica da Crítica.

Produzir conteúdo, Compartilhar conhecimento. Editora Unesp, desde 1987.www.editoraunesp.com.br

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teoria da literaturatzvetan todorov

tzvetantodorov

teoriada literaturatextos dos formalistas russos

a ser determinante para o substrato me-todológico da Escola de Praga, tendo re-verberações inclusive na posterior análise estruturalista.“O objeto da ciência literária não é a lite-ratura, mas a literariedade [literaturnost], isto é, o que faz de uma dada obra uma obra literária,” disse Jakobson em 1921. O conceito de literariedade da escola russa foi fustigado por ataques de teóricos do mundo todo durante décadas, acusado de não dar conta da substância da litera-tura e de estreitar sem sucesso os limites de uma obra de arte. A polêmica que sub-siste no meio intelectual em torno desse e de outros conceitos presentes na obra faz desta publicação, após quase cinquenta anos, ainda necessária.

Nascido na Bulgária, em 1939, Tzvetan Todorov radicou -se na França em 1963. Filósofo, historia-dor, crítico literário, é autor de dezenas de obras. Sua trajetória intelectual é permeada pela multi-plicidade temática. Inscreve -se entre os expoen-tes surgidos no século XX no campo das ciências humanas.

Todorov é um daqueles pensadores que, a despeito da fragmentação e da especiali-zação do conhecimento, construíram uma obra multifacetada e nem por isso menos sólida. À semelhança de nomes como Bar-thes, Lukács, Benjamin, Bakhtin e Adorno, transitou por temas diversos  – �loso�a, antropologia, semiótica, teoria e crítica li-terária, história e política já passaram pela investigação todoroviana  – e vem tendo grande impacto na produção intelectual mundial desde a década de 1960.Seu primeiro livro, este Teoria da literatura, coletânea de traduções publicada origi-nalmente em 1965, revelou aos leitores franceses a existência de uma notável escola de análise literária, que prospera-ra em São Petersburgo (posteriormente, Leningrado) e Moscou entre 1915 e 1930. Mais tarde, aqueles que seus adversários chamavam de formalistas se tornariam célebres no mundo inteiro. Embora te-nham sofrido enorme resistência (tanto de críticos mais tradicionalistas, que os acusavam de se ligar demasiadamente à forma em detrimento do que a arte teria de mais elevado, quanto de teóricos mar-xistas, que esperavam que essa nova poé-tica tivesse algum engajamento político--social), o legado teórico do chamado Círculo Linguístico de Moscou, no qual se inscrevem nomes como Roman Jakobson, Victor Chklóvski e Boris Eichenbaum, veio

Segundo Jakobson, “o ‘formalismo’, etiqueta vaga e desconcertante que os difamadores lançaram para estigmatizar toda análise da função poética da linguagem, criou a miragem de um dogma uniforme e consumado”. O pre-sente livro traz a público as traduções feitas por Todorov de ensaios dos principais integrantes da chamada escola “formalista” russa, para que os leitores possam tecer suas próprias análises a respeito dessa vertente analítica.

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Teoria da literatura | Autor: Tzvetan Todorov | 662 pág.

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Governador Geraldo Alckmin

Secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e TecnologiaRodrigo Garcia

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTAReitorJulio Cezar DuriganVice-reitoraMarilza Vieira Cunha RudgePró-reitor de AdministraçãoCarlos Antonio GameroPró-reitor de Pós-GraduaçãoEduardo KokubunPró-reitor de GraduaçãoLaurence Duarte ColvaraPró-reitora de Extensão UniversitáriaMariângela Spotti Lopes FujitaPró-reitora de PesquisaMaria José Soares Mendes GianniniSecretária-geralMaria Dalva Silva PagottoChefe de GabineteRoberval Daiton VieiraAssessor-chefe da Assessoria de Comunicação e ImprensaOscar D’Ambrosio

Presidente do Conselho CuradorMário Sérgio VasconcelosDiretor-presidenteJosé Castilho Marques NetoEditor-executivoJézio Hernani Bomfim GutierreSuperintendente administrativo e financeiroWilliam de Souza Agostinho

unespciênciaDiretor de redação  Pablo NogueiraEditores-assistentes  André Julião e Guilherme RosaColunistas  Luciano Martins Costa e Oscar D’AmbrosioArte  Hankô Design (Ricardo Miura)Assistente de arte  Andréa CardosoColaboradores  Alice Giraldi, Fábio de Castro, Reinaldo José Lopes (texto); Agência Ophelia, Gui Gomes, Luiz Machado, Marcos Leandro Silva (foto); Marcus Penna (infográfico)Revisão  Maria Luiza SimõesProjeto gráfico  Buono Disegno Produção  Mara Regina MarcatoApoio de internet  Marcelo Carneiro da SilvaApoio administrativo  Thiago Henrique Lúcio Endereço Rua Quirino de Andrade, 215, 4o andar, CEP 01049-010, São Paulo, SP. Tel. (11) 5627-0323.    www.unesp.br/revista; [email protected]

PARA ASSINAR www.livrariaunesp.com.br

 Diretor-presidente Marcos Antonio MonteiroDiretora vice-presidente Maria Felisa Moreno GallegoDiretor industrial Ivail José de AndradeDiretor de gestão de negócios José Alexandre Pereira de Araújo Tiragem  15 mil exemplaresÉ proibida a reprodução total ou parcial de textos  e imagens sem prévia autorização formal.

Inovação no Brasil: em busca da maturidade 

C hegamos à segunda edição especial sobre ino-vação na Unesp. E nada mais adequado do que

aproveitarmos o aniversário de dez anos da própria Lei 10.973, chamada de Inovação Tecnológica, para discutir o cenário no país hoje.

A lei previa o fomento à inovação nas empresas e universidades, bem como ao inventor independente, e determinava a criação de fundos específicos e de am-bientes especializados onde ela pudesse ocorrer. Es-tas orientações desdobraram-se na criação de diversos mecanismos, e hoje dispomos de bolsas para desen-volvimento de produtos, linhas de financiamento para empresas, parques tecnológicos, agências de inovação, incubadoras, Cepids etc. No entanto, mesmo com este sistema em funcionamento, os resultados ainda custam a aparecer. Por quê? A reportagem do editor-assistente André Julião, que é a capa desta edição, traz respostas a essa pergunta.

Outra data importante que aparece nas páginas desta edição são os cinco anos de existência da Agência Unesp de Inovação (AUIN). O trabalho da agência tem permiti-do à nossa universidade proteger os resultados obtidos por nossos pesquisadores aqui e no exterior (onde, ali-ás, cresce o número de colaborações). Apesar da pouca idade, a AUIN já tem bons números para mostrar. Mas talvez seu maior feito, até agora, seja o de contribuir para criar, entre os próprios docentes da Unesp, uma cultura de busca da inovação que, até então, era rara.

Por fim, vale a pena destacar o perfil do professor e ex-reitor Marcos Macari. A gestão do professor Macari é considerada por muitos como um divisor de águas na Unesp, e foi nesse período que foi criada a AUIN. Na entrevista, ele conta de onde surgiu sua visão de universidade, e que tipo de futuro ele visualiza para a academia, junto à sociedade brasileira.

Um abraço e até a próxima edição.

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Pablo Nogueiradiretor de redação

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Proteção multiuso Projeto de estrutura metálica, premiado como melhor inovação em alumínio em 2013, atrai interesse de empresários por sua capacidade de facilitar dia a dia do transporte de cargas no Brasil

Cinco anos da AUIN Há meia década, a Agência Unesp de Inovação era apenas uma mesa na Pró-Reitoria de Pesquisa. De lá para cá, ela vem fortalecendo a cultura de inovação na universidade, e mira agora o interior do estado

Quem precisade Inovação? A Lei da Inovação foi o marco inicial da criação de um sistema brasileiro de suporte ao desenvolvimento e à transferência de tecnologia. Mas a demanda das empresas brasileiras ainda é baixa

Lavoura segura Uso de cápsulas de tamanho nanométrico para controlar liberação de defensivos agrícolas pode otimizar uso dos produtos e reduzir impacto ambiental

Parceiros ilustresDesenvolvimento de pesquisas em conjunto com universidades como MIT e Oxford gera novas patentes e fortalece busca pela inovação dentro da Unesp

De olho na hepatite CNovo exame vai permitir diagnóstico mais preciso da doença, e pode ajudar a diminuir descarte de bolsas de plasma sanguíneo em hospitais

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A tribo em pé de guerra

Governo federal quer mudar as regras de demarcação de terras indígenas. Propostas abrem espaço para agropecuária e grandes

obras, mas ameaçam direitos constitucionais dos índios

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ENGENHARIA ESPERANÇA PARA OS PARAPLÉGICOS

NUTRIÇÃO MATE A FOME COM SUCO DE LARANJA

CIDADES COMO ADAPTÁ-LAS À MUDANÇA CLIMÁTICA

dezembro de 2013 ° ano 5 ° número 48 ° R$ 9,00

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Site: www.unesp.br/revistablogE-mail: [email protected]

revistaunespciencia

@unespciencia

Imperialismo, capitalismo, comunismo, socialismo só mudam os

nomes. Quem manda, e faz as leis para favorecer a si mesma, é a elite miliardária. O resto é manipulação para o povão obedecer e andar na “canga”. Eduardo Correia, via Facebook

PEC 213, portaria 303: os verdadeiros donos do Brasil estão em extinção, e agora veem seus direitos plenos sendo contestados. Jacqueline Nicolusi,via Facebook

Prêmio AllianzUm belíssimo trabalho coroado com o Prêmio Allianz. Realmente os concorrentes eram fortíssimos, mas Alice e a Unesp Ciência mostraram que é possível ao jornalismo fazer uma bela dobradinha com a ciência. É sempre difícil levar aos leitores termos e conceitos científicos. Fica a lição de que quando a apuração é bem feita, quando o jornalista consegue traduzir ao leitor com clareza o que diz a ciência, o resultado só pode ser esse! Parabéns!!!Kléber Pereira Pinto, por Facebook

Apagadas da HistóriaEu li com interesse a matéria. Pesquisa interessante, mas tem afirmações graves. Fiz um comentário de improviso a respeito. Está em http://pastorbomepreparado.blogspot.com.br/2013/12/apagadas-da-historia-leitura-academica.htmlAcir da Cruz Camargo, por e-mail

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ArteEspecialista em percussão desenvolve método inovador para escrever partituras para pandeiro

Click!Usando nanotecnologia, pesquisador consegue fazer um dos menores mapas do Brasil de todos os tempos

Quem diriaNovo aparelho para medir a dureza dos objetos vai beneficiar setor de produtos de madeira no Brasil

PerfilEx-reitor, Marcos Macari combinou pesquisa com a gestão, e deu impulso à pesquisa e à inovação na Unesp

LivrosObra discute casos brasileiros bem--sucedidos de gestão em inovação de produtos e ensina metodologias

Ponto críticoNa era do diálogo multidisciplinar, computadores podem ajudar debates acadêmicos a manterem o foco

A promessa dos CepidsCentros de Pesquisa são aposta para inovar e gerar estudos de impacto

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O que vocês querem de mim?, questiona o biomédico Marcos Macari, com uma objetividade

desconcertante. “Por que essa história de fazer o meu perfil? Há tanta gente por aí que merece mais...” Ele nos recebe à porta do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp em Jaboticabal, onde é professor titular. É uma calorenta tarde de verão e ele está bem à vontade, usando uma camisa de mangas curtas e sandálias.

Macari, nascido em Dourado, no inte-rior de São Paulo, é mesmo um homem simples e direto. Quem o vê conversando com colegas e alunos, ou dirigindo o seu fusca branco 1980 pelo câmpus de Jabo-ticabal, talvez não imagine que se trata de uma espécie rara de pesquisador: em quatro décadas de trajetória acadêmica, não só conseguiu alcançar um lugar de

destaque na sua área de pesquisa como chegou aos mais altos postos nos campos da política científica e da gestão universi-tária no Estado de São Paulo.

Sua lista de atividades como gestor é longa, mas aí vão alguns destaques: Ma-cari exerceu a vice-presidência da Fapesp entre 2005 e 2007; foi pró-reitor de Pós- -graduação e Pesquisa da Unesp de 2000 a 2004; e reitor da Unesp de 2005 a 2008, num mandato que acabou se tornando um divisor de águas na universidade. “Enten-do a Unesp como uma instituição antes e depois da passagem do professor Maca-ri pela Reitoria”, afirma Roberval Daiton Vieira , atual chefe de Gabinete da Reitoria da Unesp. “Durante a gestão dele a uni-versidade recebeu um norte.” O “norte” a que se refere Vieira foi implementado na forma de iniciativas como o saneamento das finanças da universidade; o fortaleci-mento do sistema de gestão colegiada, com

O guerreiro da pesquisa

MarcosMacari

Marcos M

acari, sobre o salto qualitativo do setor avíc

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Até a década de

1990, a avicultura brasileira era fraca. Houve um misto de ação da academia e do setor produtivo, e

hoje é a melhor do mundo

Ele foi da fisiologia humana à animal e tornou-se referência na área avícola. Sua atuação como reitor trouxe novos rumos à Unesp, e fortaleceu na universidade o interesse pela inovação

entrevista a Alice Giraldi

a criação do Plano de Desenvolvimento Institucional; a condução da elaboração do código de ética; e a criação de pró-reitorias específicas para pesquisa e pós- -graduação. Foi também durante a atuação de Macari como reitor que, em 2007, foi

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Eduardo Moacyr KriegerConselheiro da Fapesp, diretor executivo da Comissão de Relações Internacionais da FMUSP

Fui professor dele na pós-gradua-

ção, na USP de Ribeirão Preto. Des-

de logo Macari mostrou uma forte

característica de liderança, dedica-

ção à área de pesquisa e vocação

para os temas universitários e para

liderar os movimentos em prol de

uma universidade melhor. Não me

surpreendi, depois de muitos anos,

quando o reencontrei como vice-pre-

sidente da Fapesp e reitor da Unesp.

Patricia Givisiez Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal da Paraíba

É alguém que soube se reinventar

profissionalmente: formou-se num

curso de saúde humana e mudou o

foco para a medicina veterinária. É

uma das pessoas mais inteligentes

que conheci, um visionário. Em 1995

já buscava maneiras de aplicar a bio-

logia molecular na área de produção

animal. O professor Macari tem um

profundo conhecimento sobre fisio-

logia. Seus livros vieram preencher

uma lacuna no país de obras de qua-

lidade para alunos de graduação.

Roberval Daiton Vieira Chefe de Gabinete da Reitoria da Unesp

Entendo a Unesp como uma insti-

tuição antes e depois da passagem

do professor Macari pela Reitoria.

A universidade recebeu um norte,

passou a ter uma gestão colegiada

e experimentou um crescimento ex-

pressivo. Se hoje a Unesp está entre

as cinco melhores universidades do

Brasil, isso também se deve ao tra-

balho de gestão que desenvolveu em

sua passagem pela Pró-reitoria de

Pós-graduação e Pesquisa e, depois,

pela própria Reitoria da universidade.

O que dizemsobre Marcos Macari

Em 2005, recebendo do professor José Carlos Trindade o cargo de reitor

Em 2006 o Guia do Estudante elegeu a Unesp uma das melhores universidades do país

Em 2008, durante a inauguração do Instituto Confúcio na Unesp

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criado o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp, que em 2009 deu origem à Agência Unesp de Inovação (AUIN).

Na área de pesquisa, o biomédico, cuja especialidade é a fisiologia, acabou se apro-ximando do setor de produção animal, mais especificamente da avicultura. Organizou e publicou sete livros sobre manejo de aves e, ao longo de 10 anos, foi editor-chefe da Revista de Ciência e Tecnologia Avícolas, única publicação especializada na área no Brasil. Desde 2012, é presidente da Fundação APINCO de Ciência e Tecno-logia Avícolas (FACTA), organização que congrega os esforços da pesquisa avícola e da avicultura no país.

Hoje, além de se dedicar às atividades na FACTA, Macari segue com seus projetos de pesquisa e na orientação de alunos de pós-graduação. “Sou muito disciplinado”, diz ele, explicando como tem encontra-do tempo e energia para tanta atividade. “Somente muito recentemente deixei de trabalhar à noite e nos fins de semana.” Confira, a seguir, a entrevista que Marcos Macari concedeu à Unesp Ciência.

Unesp CiênCia  Onde o senhor nasceu?MarCos MaCari Em Dourado, no interior de São Paulo, perto de São Carlos. Sou descendente de italianos. Meu avô era de Mântova, no norte da Itália. Meu pai era ferroviário, trabalhava na Estrada de Ferro Douradense, que depois foi fundi-da na Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Em Dourado só havia escola até o nível do ginásio, então fui fazer o cientí-fico em São Carlos. Morava com a minha avó. Trabalhava de dia, na papelaria de um tio, e estudava à noite.

UC  Como optou pela área de biomédicas?MaCari Todos os meus amigos gostavam de engenharia, mas eu não. Desde aquela época eu gostava da área de biológicas, então decidi prestar Ciências Biomédicas na USP de Ribeirão Preto. Entrei na facul-dade em 1969. O curso de biomédicas de Ribeirão era muito bom, diferenciado. Pena que acabou – como tudo o que é bom nes-te país. A visão de longo prazo do grupo de fundadores da USP em Ribeirão, que

Marcos M

acari, sobre a criação da Agência Unesp de In

ovaç

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O Varela e a

Vanderlan têm muito mérito na

criação da Agência de Inovação, pois tiveram

que começar praticamente do

zero

eram personalidades de peso, era que a faculdade era uma escola médica, sua fi-nalidade era formar médicos. O curso de pós-graduação ainda era incipiente, só foi criado em 1970. A visão desse grupo de fundadores era que para dar sustentação às áreas básicas do curso de medicina era preciso ter especialistas em fisiologia, farmacologia, bioquímica, imunologia, ge-nética. Então o curso de biomedicina foi criado para atrair esses especialistas. Os alunos de biomédicas faziam todo o ciclo básico, que tinha duração de três anos e meio, junto com os alunos de medicina. Depois disso, o aluno de biomédicas po-dia escolher um departamento para se especializar. O que acabou determinando o fim desse curso em Ribeirão Preto foi a possibilidade de, ao terminar o quarto ano, entre o básico e a especialização, o aluno de biomédicas ingressar no curso de medicina sem ter necessidade de prestar o vestibular. A maioria optava pela me-dicina: somente 10% dos alunos continu-avam no curso de biomédicas. Eu fiquei entre esses 10%.

UC E sua entrada na Unesp, como foi?MaCari Isso foi por mero acaso... na verda-de, foi por causa de mulher (risos). Entrei na USP e comecei a namorar a Leda, a minha mulher. Ela estava fazendo o curso Normal, dizia que ia ser professora, mas eu a incentivei a prestar um vestibular e cursar uma faculdade. Ela acabou entrando na Odontologia, em Ribeirão. Nessa época, para ganhar uns trocados, eu dava aulas em cursinhos pré-vestibulares em Ribeirão Preto e Franca. Quando me formei, em 1972, fiz o mestrado e o doutorado também na USP de Ribeirão. E, no começo de 1974, me casei. Vivíamos com uma bolsinha da Fapesp. Então um amigo me disse que ia haver um concurso para auxiliar de ensino no instituto isolado, aqui, em Jaboticabal. Eu já tinha sido chamado para ir para a USP, para a Unicamp e para várias outras escolas. Éramos muito procurados, porque não havia especialistas em áreas básicas de saúde. Mas com o meu casamento resolvi ficar em Jaboticabal, para ficar perto da minha mulher. Já são 40 anos na Unesp de Jaboticabal. Uma vida!

UC O senhor fez dois pós-doc em Cam-bridge, na Inglaterra, entre o fim dos anos 1970 e a segunda metade dos 1980. Como chegou lá?MaCari Naquele tempo não era como hoje, que há essa máquina aqui (aponta o PC na mesa de trabalho). Eu estava iniciando o doutorado e decidi escrever uma carta para um professor de Cambridge, autor de um livro muito interessante sobre a mi-nha área de estudo (termorregulação em suínos). Perguntei como poderia conseguir um exemplar do livro. Ele me respondeu, dizendo que a edição havia esgotado, mas que, se eu quisesse ir a Cambridge, ele me receberia. Aceitei, é claro, mas tinha de terminar o doutorado para que a Fa-pesp financiasse o meu pós-doc. Então acelerei tudo.

UC Como foi essa experiência?MaCari Muito boa, aprendi muito. Ainda mais naquela época, entre os anos 1980 e 1990, quando aqui, no Brasil, as coisas eram um caos. Então, quando se sai do caos e se vai para um país como a Ingla-terra, ainda mais para uma universidade como Cambridge, é muito bom. Havia cien-tistas premiados com o Nobel circulando pelo câmpus. Várias vezes vi o Stephen Hawking andando com a sua cadeirinha por lá. Era uma atmosfera acolhedora, a cidade ainda era pequena, dominada pe-los college. Fiquei um ano e meio e deixei bons amigos em Cambridge. Então, alguns anos mais tarde, quando quis fazer um segundo pós-doc, fui muito bem recebido.

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Com a esposa Leda, a responsável por sua decisão de ser professor em Jaboticabal

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UC O senhor tem dedicado parte de seus estudos aos mecanismos de termorregu-lação em animais, principalmente suí-nos e aves. Como chegou a essa linha de pesquisa?MaCari Meu mestrado foi em neurofisio-logia, uma área à qual dediquei cerca de 10 anos de estudos. Mas como a escola em Jaboticabal era técnica, dedicada à veteri-nária, quando chegou na hora de fazer o doutorado decidi buscar uma orientação para um tema no setor animal. Quem ti-nha o perfil certo para isso e acabou me acolhendo como orientador foi o professor José Venâncio Pereira Leite (fisiologista). Ele era uma enciclopédia ambulante, tinha um domínio e um conhecimento tecnológico impressionantes. Acabamos inventando um aparelho meio artesanal para medir o me-tabolismo de animais. Na verdade, minha formação de fisiologista e meus estudos de neurofisiologia me ajudaram muito a com-preender os mecanismos regulatórios, pois o cérebro sempre está envolvido neles.

UC E a aproximação com o setor de pro-dução animal, como aconteceu?MaCari Quando cheguei a Jaboticabal, co-mecei a fazer uma interface entre a fisio-logia básica e a aplicada na área animal. Fiquei bastante interessado pelo que esta-

va acontecendo no mercado. Minha ideia era contribuir com o setor produtivo para esclarecer alguns problemas que surgiam na criação de animais e que eram pouco compreendidos pelo pessoal técnico nas empresas. Eu saía da universidade e ia ver o que estava acontecendo com os criadores de gado, por exemplo. O pessoal da área técnica na produção animal não tinha um conhecimento mais profundo sobre fisio-logia e então, quando eu interagia com eles, conseguíamos esclarecer muita coisa.

UC Foi por esse mesmo caminho que in-gressou na área avícola, nos anos 1990?MaCari Eu orientava meus alunos em su-ínos, mas dois fatores me fizeram mudar para a área avícola. Um deles foi a política econômica do governo Collor. Trabalhar com suínos custa caro: é preciso ter um número mínimo de animais, instalações apropriadas, camas, gaiolas, ração. Tudo isso tem um valor alto. Como você sabe, no começo da década de 1990, durante o governo Collor, a inflação batia nos 80% ao mês. Não havia condições de a gente manter projetos de pesquisa em suínos, porque o financiamento que recebíamos num mês sumia no mês seguinte. Então, um dia, uma aluna foi até a minha sala e perguntou: “Professor, o senhor não quer

me orientar em aves?” Pensei: “Ai, meu Deus do céu...” Mas disse que daria uma resposta dali a alguns dias. Peguei uns li-vros sobre fisiologia de aves e dei uma boa olhada. Como fisiologista, bati o olho e logo entendi como funcionavam o organismo e o metabolismo dos frangos. Aceitei orien-tar a aluna. E, como a inflação continuava nas alturas, e trabalhar com aves era bem mais viável, fui mudando de área.

UC E entrou num setor que se tornou mui-to forte no país nas décadas seguintes...MaCari Até a década de 1990 a avicultu-ra no Brasil era muito fraca, o consumo per capita de carne de frango no país não chegava a 10 quilos/ano. Hoje está em 50 quilos. Então, além do trabalho de pesqui-sa e dos relacionamentos que fui desen-volvendo no setor, tive a sorte de pegar a curva de crescimento do próprio setor. Hoje a avicultura brasileira é a melhor do mundo. Somos o terceiro produtor mun-dial, e, em termos de exportação, somos os primeiros. A qualidade da carne do frango no Brasil é imbatível.

UC A pesquisa científica foi importante para o desenvolvimento da avicultura no país?MaCari Creio que houve um misto de ação da academia com o setor produtivo. A contribuição da academia tem sido muito forte na formação de recursos humanos para a indústria avícola. Hoje a maioria do pessoal que atua na área técnica nas empresas de avicultura tem uma boa for-mação de nível superior, fala inglês, não há mais mão-de-obra de nível técnico. Entre o fim dos anos 1990 até o início dos 2000, fizemos aqui no Departamento de Produ-ção Animal da Unesp de Jaboticabal um esforço especial para ampliar o quadro de pesquisadores. A ideia era nos tornarmos um centro de referência na área avícola. Chegamos a ter cerca de 40 professores e perto de 140 alunos de iniciação, mestrado e doutorado, todos desenvolvendo projetos de pesquisa ligados ao setor avícola, nas áreas de histologia, parasitologia, quími-ca, bioquímica, morfologia e patologia.

UC O senhor não tem uma formação espe-cífica em administração, mas fez mudan-

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ças importantes na Unesp durante a sua passagem pela Reitoria da universidade. De onde surgiu a sua visão de gestão?MaCari Acho que, mais do que uma visão de gestão, há uma visão de princípios. Ti-ve a oportunidade de ter bons professo-res e uma boa formação, estudei muito. Entrei na USP em 1969, em plena época do regime militar. O golpe foi em 1964, em 1968 o clima recrudesceu, vieram os “anos de chumbo”. Eu fazia parte de um grupo em Ribeirão Preto que tinha uma visão política, não éramos alienados do sistema. Embora não fôssemos ativistas, debatíamos os rumos da política, a ne-cessidade da redemocratização do país.

UC Então, quando o senhor chegou à Rei-toria da Unesp, trouxe esses princípios?MaCari Sim, os princípios da democracia, da liberdade...

UC E também da qualidade?MaCari Também, por causa da minha for-mação e da experiência no exterior, por ter visto como eles fazem as coisas por lá.

UC Vários de seus colegas creem que a iniciativa de criar pró-reitorias específicas para as áreas de pesquisa e pós-graduação deu impulso às atividades de pesquisa e inovação na Unesp. O que o motivou?MaCari Eu vinha de quatro anos à frente da Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa. Sa-bia que era impossível tocar as duas coisas ao mesmo tempo. Tinha muitas ideias, mas não as conseguia levar adiante, por pura falta de tempo. Acabei dedicando mais tempo e energia à pós-graduação, que estava numa situação mais complicada. Mas sabia que poderíamos ter feito muita coisa em rela-ção à pesquisa, junto aos órgãos federais, à Fapesp, à iniciativa privada. Então, quan-do assumi a Reitoria, senti que era minha obrigação determinar alguém full time para cuidar da pesquisa, da tecnologia, da inova-ção. Alguém para ficar de olho nessas áreas, obviamente sem perder a interação com a pós-graduação, porque uma coisa alimenta a outra. O [José Arana] Varela assumiu a Pró-reitoria de Pesquisa e as coisas andaram, fo-ram num crescendo, após um começo com muitas dificuldades financeiras. Tive sorte

de ele ter aceitado o meu convite. Mas eu o avisei: “Olha, a situação aqui é complicada, está muito difícil”.

UC Quando o senhor era reitor também foi criado o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da Unesp. Como se deu esse processo?MaCari A ideia surgiu de conversas na Rei-toria e foi fundamentalmente trazida pelo Varela e pela Vanderlan (Bolzani, atual di-retora da Agência Unesp de Inovação). O Varela é um grande cientista, respeitado nacional e internacionalmente. A Vander-lan também é uma pesquisadora muito respeitada, que sempre esteve envolvida com a iniciativa privada, além de ser uma pessoa crítica, arrojada. Então, a iniciativa de criar o Núcleo de Inovação Tecnológica da Unesp surgiu do próprio envolvimento desses dois cientistas com aquilo que é a ciência mais ampla, do ponto de vista da ciência a serviço da sociedade, da trans-ferência do conhecimento para o setor produtivo. O Varela, a Vanderlan e equipe têm muito mérito, tanto na criação do NIT como da Agência de Inovação, pois tiveram de sair do zero, o que é muito complicado. A partir do terceiro ano do meu mandato, houve toda uma conjuntura no país, com a criação da Lei do bem e da Lei da inovação, que ajudaram a consolidar esse trabalho.

UC Por que ainda é difícil inovar no Brasil?MaCari Isso tem melhorado, principalmen-te quando se comparam as condições de hoje com o que acontecia no país há 20 anos. Mas vários fatores atrasam o pro-

cesso de inovação tecnológica no Brasil. O empresariado é um pouco confuso a respeito desse tema, está mal acostumado no que diz respeito à competição. Houve uma fase da vida do país em que o em-presário vendia para o governo, o que é equivocado – a ideia, logicamente, é o empresário vender para o mundo. Isso criou uma mentalidade no Brasil de que sempre tem de haver facilidades para que o empresário possa atuar. Ele não apren-deu a ser competitivo, agressivo.

UC O diálogo entre a universidade e a empresa é difícil?MaCari Essa conversa não é difícil, desde que se foque no que se quer desenvolver. Um dos problemas é que a universidade é muito desconfiada. No Brasil, durante muitos anos a universidade foi cerceada e isso influenciou toda uma geração. Muitos colegas creem que o pesquisador não po-de ficar rico, o que é uma visão tacanha. A universidade tem de ser mais aberta à inovação, ter menos regras. A aproxima-ção com as empresas é necessária por-que temos a informação da academia e elas têm a informação técnica, da área de produção. A visão interdisciplinar é importante nesse aspecto. O que mais o empresariado reclama hoje é que forma-mos profissionais desvinculados da visão do sistema produtivo. Sempre falo para os meus alunos que eles têm de ter um pé na universidade e outro lá fora. Porque mesmo que a opção seja por uma carreira de professor universitário, é preciso saber o que está acontecendo fora da universi-dade. Se não, o risco é se tornar um redu-cionista, alienado do que acontece além dos muros da universidade.

UC O senhor diz que tem pensado em se aposentar. O que planeja fazer no futuro? MaCari Penso em me aposentar para dar a minha vaga, em 2014. Mas talvez eu con-tinue fazendo algumas coisas. Uma ideia que não aventei antes, mas é uma possi-bilidade, é fazer consultoria. As pessoas também me pedem muito para fazer uma nova edição do livro Fisiologia de frango de corte. Ou posso, simplesmente, virar um pescador profissional.

Marcos M

acari, sobre a criação da Pró-reitoria de P

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Quando assumi a

Reitoria, senti que era minha obrigação colocar alguém para cuidar da pesquisa, da tecnologia, da

inovação

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Dez anos depois de aprovada a Lei de Inovação, os resultados do Brasil na área ainda engatinham. Especialistas afirmam que há recursos públicos suficientes para mudar esse quadro, mas falta demanda das empresas

Inovar para que(m)?

texto André Julião

E m 1947, um grupo de cientistas propunha a criação do que veio a se tornar a Fundação de Am-

paro à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em um documento intitulado “Ciencia e Pesquisa – Contribuição de Homens do Laboratorio e da Cátedra à Magna Assembleia Constituinte de São Paulo”. O texto citava uma frase de Er-nest Rutherford, pai da física nuclear e ganhador do Premio Nobel de química de 1908. O neozelandes dizia: “A ciencia está destinada a desempenhar um papel cada vez mais preponderante na produção industrial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações es-cravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos”.

Quase 70 anos depois de promulgada a Constituição do Estado de São Paulo, que

Há 10 anos foi aprovada a Lei de Inovação, que facilitou os acordos entre empresas e universidades. Em 2006, a Lei do Bem instituiu a subvenção econômica, o des-conto do imposto de renda dos gastos em inovação das empresas. Ainda assim, o Brasil não decolou. Por que?

As leis certamente criaram um ambiente de inovação no país. Contudo, empresas e universidades ainda tem dificuldade em inovar por uma serie de razões, que vão desde uma falta de maturidade des-ses setores ate a pouca demanda do se-tor industrial. “A Lei de Inovação apenas tornou mais transparentes os acordos entre universidade e empresas, que já existiam. Tínhamos uma legislação que apoiava a pesquisa, via CNPq, mas que não deixava claro o papel das empresas, criando uma certa insegurança jurídica”, lembra Eduardo Martins Morgado, pro-

acabou incluindo em seu texto a necessida-de de uma fundação estadual de amparo à pesquisa, o país não e exatamente uma nação cortadora de lenha ou carregadora de água. No entanto, tampouco parece ter aprendido a lição de Rutherford. Os núme-ros brasileiros em inovação – a invenção de produtos ou processos decorrentes da pesquisa e desenvolvimento (P&D) – nos deixam abaixo de nações como Chipre, Argentina e África do Sul, isso sem falar dos líderes Suíça, Suecia e Reino Unido (veja ranking na página 18).

Órgãos federais como a Agencia Brasi-leira da Inovação (Finep), ligada ao Minis-terio da Ciencia, Tecnologia e Inovação (MCTI), e fundações de amparo à pesqui-sa estaduais, universidades e a propria indústria fizeram com que, de 2002 para cá, cerca de 1% do PIB do país fosse gasto anualmente em P&D, segundo a Unesco.

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LANTERNINHA GLOBAL

LÍDER NACIONAL

Em comparação com outros países, ficamos atrás em porcentagem do PIB gasta em P&D

No gasto das empresas em inovação, São Paulo está bem a frente do resto do país (gasto em inovação em % do PIB regional)

4,00%

3,50%

3,00%

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2002 2007 2009

Fonte: Unesco/UIS

Fonte: Fapesp

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0,20%

0,00%2000 2001 20052003 2007 2009 20112002 20062004 2008 2010 2012

São Paulo

Brasil

Demais estados

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BRASILEIRA QUE DECOLAUma das três maiores fabricantes de aeronaves do mundo, a Embraer conta com pelo menos 4 mil engenheiros trabalhando em desenvolvimento de produtos. Para especialistas, isso só ocorre porque a empresa tem como horizonte o mercado internacional

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fessor da Faculdade de Ciencias e Tec-nologia da Unesp em Bauru. “A lei vem para eliminar qualquer dúvida. Hoje eu posso fazer uma pesquisa tanto financia-da pela Fapesp quanto pela Motorola”, explica Morgado, que coordena na FCT o Laboratorio de Tecnologia da Informa-ção Aplicada (LTIA), totalmente equipado por meio de doações de empresas como a propria Motorola Solutions, a Intel, a Cisco e a Microsoft.

Mas a lei não gerou uma explosão de P&D no país. “Seu efeito e limitado. São várias as iniciativas, tanto por parte do governo federal quanto do estadual, para apoiar a inovação. Não e por falta de dinheiro que não tem mais pesquisa e desenvol-vimento. Na verdade, tem mais dinheiro do que projeto”, diz Sergio Robles Reis de Queiroz, professor do Instituto de Geo- ciencias da Unicamp e coordenador adjunto de pesquisa para a inovação da Fapesp. Ele aponta a falta de interesse, por parte das empresas, em investir em pesquisa. “O ambiente econômico permite ganhar dinheiro sem precisar se incomodar em montar equipes caras, que vão produzir resultados incertos. Elas conseguem so-

breviver sem esses gastos”, diz Queiroz.O economista Naercio Menezes Filho,

coordenador do Centro de Políticas Pú-blicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em São Paulo, afirma que a aco-modação por parte das grandes empre-sas ocorre no mundo todo. Mas o Brasil oferece condições ainda mais favoráveis a isso. “Em qualquer mercado existem empresas novas e antigas, inovadoras ou acomodadas. As menos inovadoras tendem a desaparecer, enquanto as mais inovadoras tendem a ganhar mercado e crescer.” O problema, segundo ele, e que

mesmo as mais inovadoras envelhecem e se acomodam. Segundo o pesquisador, dois fatores agravam a situação no Brasil.

Um e a proteção à competição interna-cional, por meio de tarifas de importação altíssimas. Graças a elas, um produto fa-bricado lá fora, mesmo sendo mais bara-to de se produzir, chega aqui mais caro, favorecendo os fabricantes brasileiros. “Isso protege setores específicos como o automobilístico, por exemplo”, diz Mene-zes. A competição interna e prejudicada pelo segundo fator: a oferta de credito do BNDES para empresas grandes e inefi-cientes. Isso permite que se perpetuem em seus segmentos, dificultando a entrada no mercado de concorrentes inovadoras. “Nos EUA, grande parte do crescimento das vendas, do emprego e dos gastos em P&D ocorre nas empresas novas. No Bra-sil, a maior parte do emprego e gerado pelas pequenas”.

Para Luiz Bevilacqua, professor emerito do Instituto Alberto Luiz Coimbra (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ), a acomodação das empresas e um fato, mas precisa ser analisada com cautela. Secretário-geral do Ministerio da

As leis certamente criaram um ambiente de inovação

no país. Contudo, empresas e universidades ainda têm dificuldade em inovar por uma série de razões, que

vão desde uma falta de maturidade desses setores

até a pouca demanda do setor industrial

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Ciencia e Tecnologia no governo Itamar Franco e ex-presidente da Agencia Es-pacial Brasileira, Bevilacqua afirma que em nenhum lugar do mundo a indústria investe fortemente em desenvolvimento tecnologico com alto risco. “O que acon-tece nos países desenvolvidos e que os projetos de alto risco são bancados pe-lo governo”, diz. “Quando o [presidente americano John] Kennedy disse ‘Vamos pra Lua em 10 anos’, isso demandou um desenvolvimento tecnologico fantástico, e de lá saíram muitas inovações. Mas quem bancava era o governo, os cofres públicos. É assim ate hoje, no mundo todo”, diz.

Para Bevilacqua, uma das causas para a baixa taxa de inovação nas empresas (veja gráfico na página seguinte) e que a indústria brasileira não tem a cultura de contratar doutores, gente capaz de fazer desenvolvimento. Isso teria acontecido em poucos momentos da historia brasi-leira. Um deles foi nos anos 1970, com o segundo Plano Nacional de Desenvol-vimento. Outro foi a construção das usi-nas nucleares brasileiras, nos anos 1980. “Quando se criou Angra I e II, empresas como a Promon contrataram pessoal de altíssima qualidade para elaborar proje-tos. Embora as usinas usassem tecnologia importada, havia problemas muito com-plexos a serem enfrentados, e investiu-se muito em desenvolvimento”, diz. Ele enfatiza que isso so ocorreu porque se tratava de um projeto encomendado pelo governo. “Embora as empresas em geral não tenham essa cultura [da inovação], existe a outra parte do problema, que e a falta de encomenda do poder público.”

Para Bevilacqua, um exemplo recente de como essa relação estado-indústria pode contribuir para a inovação foi a encomen-da de 36 caças Gripen NG, produzidos pela empresa sueca Saab, para equipar a FAB. O negocio incluiu a possibilidade de contratação de engenheiros aeroespaciais brasileiros e transferencia de tecnologia. A estimativa e que, ao final do processo de produção, 40% da aeronave e 80% da estrutura dos caças sejam de fabrica-ção nacional. Ele acha, no entanto, que a utilização da Embraer para alavancar o desenvolvimento tecnologico poderia

Quando era secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia, no co-

meço dos anos 1990, Luiz Bevilacqua, professor emérito da UFRJ, recebeu

a visita de um empresário brasileiro, no mínimo, ousado. João Augusto Con-

rado do Amaral Gurgel havia fundado, em 1969, a primeira fábrica nacional

de automóveis, usando motores Volkswagen. Em 1987, lançava o BR-800,

primeiro veículo 100% nacional. Gurgel buscava financiamento da Agência

Brasileira da Inovação, a Finep, para montar uma fábrica em Eusébio, no

Ceará, e expandir a produção da empresa, que no ano de fundação vendia

quatro carros por mês e em 25 anos de existência produziu 40 mil automó-

veis com carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro.

“Ele tinha todo o projeto da fábrica, que havia sido analisado e aprovado

pelo pessoal da Volkswagen. O que eu fiz força pra conseguir esse recur-

so para ele não está no gibi”, lembra Bevilacqua. “Mas a resposta que eu

recebia era sempre a mesma: ‘Não há mais mercado no mundo para isso.

Carro é japonês, europeu ou americano’. Esqueceram da Coréia!”. Em 1962,

o governo sul-coreano criava uma lei de proteção à nascente indústria au-

tomotiva local, ainda composta de montadoras de partes importadas. Uma

crise econômica interna fez os fabricantes concentrarem esforços nas ex-

portações nos anos 1990, e hoje o país é o quinto maior fabricante global

de automóveis, a frente de Índia e Brasil.

O pedido de Gurgel a Bevilacqua foi o último suspiro da empresa. Medidas

do governo Fernando Collor iniciaram a bancarrota da Gurgel. Uma delas

foi a isenção de IPI de todos os carros com motor menor que 1000 centíme-

tros cúbicos, fazendo com que as grandes montadoras instaladas no país

lançassem carros mais baratos que os da Gurgel e com mais recursos. A

liberação das importações de veículos foi outro duro golpe na empresa, que

pediu falência em 1993. Autor da biografia Gurgel – Um brasileiro de Fibra, o

jornalista Lélis Caldeira repetiu em várias entrevistas que o empreendedor

faliu pelo fato do Brasil “não ter um projeto de país”. “Ele era um visionário,

uma grande personalidade que não teve recurso nenhum”, diz Bevilacqua.

Gurgel morreu em 2009, depois de perder a luta para o Alzheimer. Muito

antes, porém, ele já havia sido esquecido pelo Brasil.

Um brasileiro de fibra

João Gurgel fabricou mais de 40 mil carros 100% nacionais em 25 anos

Rep

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Fonte: IBGE/Pintec 2011

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Total

Produto

Processo

Incidência de P&D Interno

PERÍODO DE QUEDAA taxa de inovação dentro das empresas caiu de 2008 para cáser bem maior. “Na fabricação de aviões,

as maiores empresas que existem são as gigantes Boeing [americana] e Airbus [europeia], e a terceira e a Embraer, do Brasil. E isso não e aproveitado. Voce não pode querer que saia da Embraer, já no ano que vem, um F15 [caça ame-ricano famoso por sua tecnologia]. Mas já vai sair coisa boa, e com o tempo vai melhorando”, afirma.

Outro exemplo de área que poderia se beneficiar desta colaboração são as turbinas hidráulicas. “O Brasil e um dos países que mais aproveita energia hidre-letrica no mundo, mas nunca se projetou uma turbina hidráulica aqui. A maioria e importada”, diz.

Exportação e competiçãoPara Menezes, do Insper, a solução para a falta de demanda por inovação seria tirar o foco das grandes empresas e criar polí-ticas horizontais, que beneficiem compa-nhias de todos os tamanhos, diminuindo a burocracia e permitindo a entrada de novos atores no mercado. Um exemplo de possível aperfeiçoamento e a propria Lei do Bem, que, atualmente, so pode ser usada pelas companhias que declaram ao imposto de renda seu lucro real. So que a maioria das empresas brasileiras e de porte pequeno e medio, e fazem sua de-claração por lucro presumido. Logo, não podem recorrer aos benefícios dessa le-gislação, e sua capacidade de investir em inovação fica prejudicada. “Alem disso, e preciso abrir mais a economia e reduzir as tarifas de importação, a fim de au-mentar a concorrencia”, diz. Bevilacqua ve essa proposta com cautela. “No gover-no Collor houve isso e muitas empresas quebraram”, relembra (veja quadro sobre uma delas na página ao lado).

Menezes rebate: “empresas ineficientes tem de quebrar mesmo. So precisam ser mantidas as que conseguem competir. As que so existirem se forem protegidas não servem para inovação, produtivida-de e crescimento do emprego. Estão lá artificialmente”, diz. Ele lembra que o período do fim dos anos 1980 e começo dos 1990 trouxe grande produtividade à economia brasileira, justamente porque

forçou os empresários a inovar para con-seguirem sobreviver.

Queiroz, da Fapesp, concorda que di-minuir a proteção e um bom caminho. “Melhorar as condições de competição e fundamental. É preciso estimular as empresas a competir internacionalmente e não olhar apenas para o mercado bra-sileiro”, afirma. Ele ressalta a ambigui-dade do discurso oficial, que, ao mesmo tempo em que fomenta a inovação com programas, desestimula-a, ao proteger certos setores.

Um exemplo e o setor automotivo, onde convivem tanto as barreiras comerciais, sob a forma de taxas de importação, quanto

medidas para estimular a inovação, como o programa Inovar-Auto, que preve um desconto de ate 30% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as empresas cujos automoveis produzidos e vendidos no país cumpram contrapar-tidas voltadas para a inovação. “Mas isso e pouco, as empresas do setor deveriam fazer do Brasil uma plataforma para o mundo”, diz Queiroz.

Ele argumenta que o país e o quarto maior mercado automobilístico do glo-bo, e apenas o setimo maior produtor. “E se em vez de defender o quarto mer-cado houvesse estímulo para torná-lo o quarto maior produtor, ou ate mesmo o terceiro, passando o Japão? A demanda tecnologica seria muito maior”, pondera. Ele coloca como exemplo a ser seguido a Coreia do Sul. “Uma empresa coreana tem uma demanda por tecnologia bem maior porque ela está olhando para o mundo, não para a Coreia”, diz.

Quem aproveita isso bem e, novamente, a Embraer. A fabricante de aeronaves tem seu foco no mercado internacional. E por isso sua demanda tecnologica não para de crescer. “Ela já tem 4 mil engenheiros trabalhando em desenvolvimento de pro-dutos”, diz Queiroz. A campeã brasileira

Para Sérgio Queiroz, coordenador adjunto de

pesquisa para a inovação da Fapesp, melhorar as

condições de competição é fundamental. É preciso estimular as empresas a

competir internacionalmente e não olhar apenas para

o mercado brasileiro

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em gastos em P&D, a mineradora Vale, tambem so faz tantos investimentos em inovação porque trabalha tendo em vista o mercado internacional.

O que poderia tornar o comercio exterior mais atrativo para as empresas brasileiras e, consequentemente, levá-las a buscar mais inovação? Uma das chaves pode ser desvalorizar o real em relação ao dolar. Car-los Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) defen-de a ideia, citando os resultados da última Pintec, pesquisa nacional de inovação nas empresas realizada pelo IBGE (veja gráfi-co na página 17). O estudo avaliou a taxa de inovação das empresas brasileiras no período de 2008 a 2011 e encontrou uma queda em relaçao ao período anterior, de 38,1% para 35,7%.“E essa queda aconteceu num período em que o real estava extre-mamente valorizado”, diz Calmanovici.

Para ele, a alta carga tributária nacio-nal e outro obstáculo. “E, alem da carga em si, há tambem o custo trabalhista e a complexidade do sistema fiscal. Isso tudo tem desdobramentos que, no mí-nimo, não estimulam a inovação”, diz Calmanovici. “Muitas vezes o empresário está preocupado com a sobrevivencia, antes de tudo, e outras questões, que são extremamente importantes, ficam para segundo plano”, avalia.

Queiroz reconhece que desvalorizar o real seria um caminho, mas que poderia trazer efeitos colaterais. “É fácil falar que precisa corrigir o câmbio, mas não e trivial fazer isso. Se o dolar estivesse a R$ 2,50, R$ 2,60, seria muito melhor para as em-presas buscarem mercado lá fora, mas se fizer isso, como fica a inflação?”

Menezes concorda, mas faz uma res-salva. “Dependendo do setor, realmente a situação não está fácil. Mas a empresa que tiver novas ideias, for criativa, desen-volver novas tecnicas, novos produtos, consegue sobreviver, exportar e crescer”, diz. Segundo o economista, quem quiser se tornar grande precisa ter gente criativa dentro da empresa e descobrir novos gos-tos do consumidor. O que não e fácil, mas que por isso mesmo exige assumir riscos. “Falta esse componente cultural de arriscar

mais das empresas brasileiras. Reclamar e fácil. Difícil e inovar.” Bevilacqua tambem acredita no fator cultural. “Nossos indus-triais são muito mais comerciantes. Se for mais barato importar um produto da China do que produzir aqui, ele fecha a fábrica e vira um representante do produto chines.”

No caminho do bemMesmo com todos os problemas, os es-pecialistas acreditam que os primeiros passos para que a inovação venha a flo-rescer por aqui já foram dados. “A Lei de Inovação foi fundamental para criar um ambiente mais legítimo de intercâmbio tecnologico entre o setor produtivo e os ambientes geradores de conhecimento, que são nossas instituições de ciencia e tecnologia”, diz a presidente da Associa-ção Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), Francilene Garcia.

“Quando a Lei de Inovação foi aprovada, 10 anos atrás, o Brasil já se preocupava com a relação universidade-empresa”, diz Alvaro Toubes Prata, secretário de Desenvolvimento Tecnologico e Inovação do MCTI. “Mas a questão do desenvolvi-mento tecnologico, da ciencia a serviço da sociedade, não era abordada como e hoje.”

Segundo ele, já somos uma potencia científica. Afinal, o Brasil e o 13º maior produtor de conhecimento no mundo, se usarmos como criterio a publicação de artigos científicos. No entanto, diferente-mente de outros países, esse crescimento não tem resultado numa melhora na tec-nologia dos nossos produtos e processos. “Por conta disso, não somos competitivos tecnologicamente como outros países são. Tendo uma ciencia forte, porque não a usamos em serviço à sociedade, com benefícios sociais e econômicos?”, inda-ga. Um exemplo clássico de como isso foi usado no passado foi a prospecção de oleo e gás, em que o Brasil desenvolveu várias tecnologias desde a fundação da Petrobras, em 1953, e pode fazer ainda mais agora, com a exploração do pre-sal. Alguns especialistas, inclusive, compa-ram a oportunidade do pre-sal com a descoberta de petroleo nos anos 1960 no Mar do Norte, na Europa, que fez com

Lanterninha GlobalNo ranking mundial de inovação,

o Brasil fica atrás de outros sul-

-americanos e só está à frente

de um dos Brics

1. Suíça

2. Suécia

3. Reino Unido

4. Holanda

5. Estados Unidos

35. China

46. Chile

56. Argentina

58. África do Sul

60. Colômbia

62. Rússia

63. México

64. Brasil

66. Índia

69. Peru

83. Equador

95. Bolívia

100. Paraguai

114. Venezuela

141. Sudão

142. Iêmen

Fonte: Global Inovation Index 2013

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GIGANTES NO MARA campeã nacional de patentes é a Petrobras, que desde sua fundação em 1953 vem desenvolvendo novas tecnologias de exploração de gás e petróleo; a descoberta da camada pré-sal é uma oportunidade para criar inovações ainda mais ousadas

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que países como Reino Unido e Noruega tivessem um desenvolvimento tecnologico sem precedentes.

Outro exemplo do que já foi feito no Brasil e que tem potencial para crescer e o setor agrícola, que nos anos 1970 in-troduziu alta tecnologia no Cerrado e o transformou num celeiro nacional. O se-cretário cita ainda o fato de a produção nacional de soja ter dobrado nos últimos anos, aumentando em apenas 20% a área plantada graças à tecnologia rural. “Por isso nossa agricultura e extremamente competitiva”, diz. “A 13ª diretriz do gover-no federal e colocar o desenvolvimento tecnologico e a inovação na linha de frente das nossas prioridades. A Lei de Inovação e seus desdobramentos tem contribuído muito para isso”, defende.

Morgado, da FCT de Bauru, acredita que os resultados não devem demorar para aparecer nos rankings internacio-nais. “Esperamos que em 2015 o Brasil suba de posição, pois deverão estar sen-do publicados os primeiros artigos dos alunos que foram fazer pos-graduação no exterior pelo programa Ciencia sem Fronteiras”, diz o professor.

Os pesquisadores concordam que já existe uma mudança na mentalidade dos pesquisadores, o que e fundamental para que a inovação seja um conceito cada vez mais aplicado tanto na academia quanto na indústria. A professora Maria Apareci-da Zaghete Bertochi, do Instituto de Quí-mica da Unesp em Araraquara, lembra de como a ciencia aplicada para a indús-tria era vista quando fez seu mestrado e doutorado na UFSCar e mesmo quando começou a dar aulas na Unesp. “Nos anos 1980, já existiam engenheiros ligados à indústria que foram meus professores.

Mesmo assim, a academia era muito dis-tante dos setores produtivos, praticamente não existia essa filosofia de desenvolver o conhecimento com o objetivo de criar novas tecnologias”, diz a pesquisadora, que e membro do Centro de Desenvolvi-mento de Materiais Funcionais, financiado pela Fapesp e coordenado pelo tambem professor do IQ Elson Longo.

“Ate pouco tempo atrás, o objetivo da pesquisa era desenvolver o aluno para aprender a buscar conhecimento, mas não o conhecimento com olhos na inovação. Eu achava aquilo muito chato. Voce fazia e pensava: para que?”, lembra a pesquisa-dora. Embora a pesquisa básica continue importante, não incluir a inovação nos planos de qualquer universidade ou em-presa não cabe mais no seculo 21, muito menos num país que tem tanto a evoluir tecnologicamente. Não e preciso nem re-lembrar Rutherford e sua frase citada no começo desta reportagem. A professora Zaghete, com sua forma simples de ex-plicar conceitos complexos, resume a importância de entrar de vez na corrida pela inovação numa frase: a fila anda. E ninguem quer ficar para trás.

“Esperamos que em 2015 o Brasil suba de posição

nos rankings de inovação, pois devem estar sendo publicados os primeiros

artigos de quem foi fazer pós-graduação no exterior

pelo programa Ciência sem Fronteiras”, diz Eduardo

Morgado, da FCT de Bauru

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A Agência Unesp de Inovação faz

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especial

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S ete. Este foi o total de pedidos de patentes depositados no INPI (Instituto Nacional de Proprie-

dade Industrial) por pesquisadores da Unesp em 2009, ano em que a Agência Unesp de Inovação Tecnológica (AUIN) começou a funcionar. O número modesto era um retrato do pouco apelo suscitado pela palavra inovação, dentro da uni-versidade. “No começo, tínhamos de ga-rimpar os projetos de inovação”, lembra Vanderlan Bolzani, diretora executiva da agência. Desde que começou a funcionar, a AUIN vem se dedicando a transformar esse quadro. E com sucesso. Em 2013, o total de pedidos chegou a 23. “Agora os pesquisadores nos procuram querendo saber o que devem fazer para patentear seus projetos”, diz Vanderlan.

Facilitou a proatividade dos cientistas a criação do Portal do Inventor, sistema on-line para registro de comunicações de invenções que a agência colocou no ar há cerca de um ano. Por meio dele, o pesquisador pode encaminhar e acompa-nhar via internet etapa por etapa de seu pedido de depósito de patente, desde a submissão da solicitação até o momento

começo da AUIN. O que seria o primeiro embrião da agência havia surgido já em 1999, com a criação de um pequeno núcleo na Fundunesp, ainda sem projeto definido. Naquela ocasião, os poucos pedidos de patente que pipocavam na universidade eram encaminhados pela área de fomento à pesquisa da fundação, cujo diretor era Éder Biazolla, conta o advogado Leopoldo Zuanet, assessor jurídico da AUIN, que ingressou no setor ainda como estagiário. “Biazolla procurou um modelo de núcleo de inovação para a Unesp e acabou se inspirando numa política que havia sido criada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul”, lembra ele.

Mais pesquisa, mais inovaçãoEm 2007, a Unesp criou o seu Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), conforme determinava a recém-regulamentada Lei de Inovação Tecnológica para todas as instituições de pesquisa. Uma mudança na estrutura da universidade, operada pelo então reitor Marcos Macari (ver perfil nesta edição), veio dar um novo fôlego à área de pesquisa e inovação. “A criação de uma Pró-reitoria de Pesquisa, separada

A Agência Unesp de Inovação faz

...e pode comemorar um crescimento de mais de 200% nos pedidos de patentes. O desafio, agora, é o gargalo do licenciamento para o mercado

em que ela é encaminhada ao INPI. As empresas, por sua vez, têm acesso a uma vitrine virtual, onde estão expostas todas as tecnologias da Unesp disponíveis para licenciamento. O acelerador tecnológico, outra novidade introduzida na AUIN em 2012, também facilitou a vida do cientista que quer inovar. A ideia é dar um empur-rão final a projetos de pesquisa que só ne-cessitam mostrar que de fato funcionam para obter um licenciamento. Trata-se de um fundo destinado a canalizar recursos, via editais, para a realização de provas de conceito, explica a engenheira Fabío-la Spiandorello, gerente de propriedade intelectual da AUIN. “As tecnologias ge-radas na universidade são embrionárias, estão em nível de bancada. Então, mui-tas vezes os pesquisadores não sabem se seu invento irá funcionar ou não, mas não dispõem de recursos para fazer um teste.” A prova de conceito não somente ajuda o pesquisador a bater o martelo em relação à sua pesquisa, como agrega valor à tecnologia.

“Há cinco anos a agência de inovação era uma mesa na Pró-reitoria de Pesqui-sa”, conta Bolzani, recordando o modesto

cinco anos...

texto Alice Giraldi

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Carlos Henrique de Brito CruzDiretor Científico da Fapesp

“A iniciativa de criar a AUIN há cin-

co anos foi ótima para o sistema de

ciência e tecnologia em São Paulo,

pois tornou mais viável para a Unesp

desenvolver parcerias com empre-

sas e criar oportunidades para que

a pesquisa feita na universidade che-

gue a aplicações que vão beneficiar

a sociedade paulista. O trabalho tem

sido muito bem-sucedido, e um dos

indicadores disso é um levantamento

da Fapesp, que mostra que a Unesp,

assim como a USP e a Unicamp, se

compara às universidades america-

nas, em termos do percentual de

recursos para pesquisas oriundos

de empresas. Isso tem a ver com

o trabalho da agência para desen-

volver conexões com a sociedade.

Herman VoorwaldSecretário de Educação de SP

“Num momento em que se tem as

universidades participando de forma

muito ativa no processo de formação

do conhecimento, e sendo incentiva-

das, inclusive, por um movimento

de internacionalização baseado em

produção científica, é absolutamen-

te fundamental que a Unesp tenha

uma agência do porte da AUIN, para

cuidar do domínio e da titularida-

de de tudo de bom que está sendo

produzido. O pesquisador está mais

preocupado com seu trabalho, e eu

mesmo senti dificuldades com re-

lação à solicitação de patentes, e a

agência de inovação viabilizou que

tudo corresse bem. E sei que esse

sentimento é compartilhado por ou-

tros pesquisadores na universidade."

O que dizemsobre a AUIN

PEDIDOS DE PATENTES AO INPIDo total de pedidos solicitados desde 1980, 40% do total

foram feitos nos últimos cinco anos

25

20

15

10

5

0

1980

198

6

1990

1991

1992

1993

1995

1997

1999

200

0

2001

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200

4

200

5

200

6

2007

2008

200

9

2010

2011

2012

2013

da Pró-reitoria de Pós-graduação, foi um marco importante”, avalia Bolzani. Dois anos mais tarde, com base nas ativida-des desenvolvidas pelo NIT, o pró-reitor de Pesquisa, José Arana Varela, criou a agência, que foi instalada no câmpus da Barra Funda. E, em 2011, a AUIN ganhou status institucional, passando a contar com orçamento próprio e a integrar o estatuto da universidade.

Uma das primeiras iniciativas da jovem agência foi estabelecer filtros legais para avaliar os pedidos de patente de proje-tos encaminhados pelos pesquisadores. “Existem critérios de patenteabilidade que têm de ser obedecidos”, explica Fabíola. “Micro-organismos, por exemplo, na forma em que se encontram na natureza, não são patenteáveis no Brasil.” Outro crité-rio é o da novidade: pesquisas realizadas há mais de 12 meses em relação à data do pedido de depósito também não são aceitas pelo INPI.

Hoje, um terço dos projetos encaminha-dos à AUIN pelos pesquisadores conse-guem vencer essas barreiras e chegam a receber o certificado de propriedade inte-lectual. Em 2012, das 60 comunicações de invenção que a agência recebeu – que incluem pedidos de patente, novos softwa-res e desenhos industriais –, 16 patentes foram depositadas no INPI. Parece pouco,

mas, proporcionalmente, esses números se repetem em instituições de pesquisa em outros países, afirma Fabíola. “Um estudo da Universidade da Califórnia mostrou que das 400 comunicações que a instituição recebe anualmente apenas 100 serão patenteadas e apenas uma será licenciada com um investimento acima de um milhão de dólares.”

O funil do mercadoDe fato, o funil mais estreito pelo qual tem de passar a pesquisa inovadora não é o processo para obter uma patente, mas o seu licenciamento. Só um pequeno nú-mero dos já poucos projetos de pesquisa patenteados no país conseguirá chegar ao mercado, na forma de produtos e serviços. “Agora as universidades estão preparadas para inovar, mas as empresas não estão capacitadas para absorver tecnologia, ou simplesmente não têm interesse”, aponta Zuanet. “Houve todo esse movimento, as instituições de pesquisa organizaram seus núcleos de inovação tecnológica, depois as agências de inovação, e agora as empresas não licenciam os projetos”, ecoa Fabíola, acrescentando que no Brasil são sempre as mesmas 10 organizações envolvidas nos processos de licenciamento da inovação tecnológica, numa lista que inclui nomes como Petrobras, Natura, Vale e Brasken.

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Fonte: AUIN

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PATENTES POR ÁREAS Grande produtividade em setores como engenharia e medicina reflete tendência nacional

AgropecuáriaAlimentos

“São empresas mais maduras”, diz ela.O desinteresse pela inovação de parte

do empresariado brasileiro também teria relação com a aversão ao risco, avalia a diretora executiva da AUIN. “O custo Brasil é muito alto e o nosso arcabouço regula-tório é arcaico, medieval. Isso assusta o empresário nacional, que é conservador por natureza”, aponta Vanderlan. Para ela, a grande oportunidade de inovação no país está na pesquisa incremental, vol-tada à melhoria de produtos ou serviços já existentes. É o caso, por exemplo, da introdução de um novo instrumento para aperfeiçoar um método de diagnóstico, ou de ideias para reduzir custos de pro-dução, como a substituição de um com-ponente químico por outro. “Esse tipo de inovação é muito mais fácil para o setor empresarial absorver do que a inovação radical, que implica na criação de produ-tos completamente novos, exigindo altos investimentos e o enfrentamento do ris-co da competição no mercado”, explica.

Os indicadores da agência de inovação da Unesp refletem essa tendência. Entre as áreas que mais produzem novas tec-nologias na universidade estão aquelas que concentram especialidades voltadas a saúde humana, engenharia e instru-mentação, aptas a desenvolver pesqui-sas incrementais de interesse imediato.

Centros no interiorNo horizonte da agência estão as propostas de ampliar o apoio ao empreendedorismo e contribuir com a criação de novos nú-cleos de inovação tecnológica no interior paulista, onde está a expertise da univer-sidade. “Temos de entrar nos parques tec-nológicos, nas incubadoras de empresas, nas start-ups”, crê Fabíola. Integra essa visão a recente inauguração de uma mes-cla de escritório com laboratório no Par-que Tecnológico de Sorocaba, ao lado de unidades similares de instituições como PUC-SP, Unisa, UFSCar, Fatec, Facens e Poli-USP. “A Unesp é uma universidade espalhada no interior de São Paulo, onde há muitas empresas de base tecnológica”, diz Vanderlan. “Nosso desafio é ajudar

a criar centros de inovação em cidades onde estão instaladas essas empresas, para que a agência possa atuar como um polo catalizador de inovação na região.”

No posto avançado do parque em So-rocaba estão concentrados todos os ser-viços prestados pela agência hoje aos pesquisadores da Unesp – que incluem proteção intelectual, assessoria jurídica e transferência de tecnologia – e mais um laboratório para o desenvolvimento de pesquisas em parceria com empresas. “A ideia é ter um espaço dentro do parque tanto para receber pedidos de patentes como para realizar pesquisas científicas”, explica a diretora da AUIN. “O escritório também irá funcionar como uma vitrine permanente das pesquisas já patenteadas e catalogadas na agência, que devem ser transferidas para o setor industrial.”

A próxima unidade da agência deve ser instalada no Parque Tecnológico Botucatu, com previsão para inauguração em 2014. Novos escritórios também já estão sendo planejados para os parques de São José dos Campos e Taubaté. “Nosso trabalho dentro dos parques será proativo”, ante-cipa Fabíola. “Tanto vamos atuar para vender parcerias como regulamentar os acordos que as próprias empresas pre-sentes nos parques possam vir propor para a Unesp.”

Também nos EUA o licenciamento é difícil, e só uma a cada cem patentes receberá um investimento

alto. Mas, por aqui, as novas tecnologias costumam

atrair o interesse de não mais do que uma dezena

de empresas grandes, como Petrobras e Natura

Saúde humana

Políticas públicas

Novos materiais

Engenharia e Instrumentação

Meio Ambiente

Biotecnologia

Energia 2%

Tecnologias Assistivas 2%Tecnologia da informação 1%

26%23%

6%

10%4%

7%10%

9%

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Fonte: AUIN

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A os 16 anos, Evandro Fiorin co-meçou a trabalhar em um barra-cão de frutas no interior de São

Paulo. Seu trabalho consistia em contar as caixas de frutas que eram embarcadas em caminhões e enviadas à capital do estado. Nesta função, logo percebeu a dificuldade que envolvia a última etapa do embarque: a colocação da lona sobre a carga. Colocar a lona de forma completamente estica-da e amarrada com cordas nas laterais da caçamba, para que a carga não caia nas estradas, é uma tarefa demorada e cansa-tiva. Hoje, com 36 anos, Fiorin é professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente e está à frente de um projeto que pretende tornar as cordas e lonas obsoletas. A pesquisa recebeu, em outubro passado, o Prêmio Alcoa de Ino-vação em Alumínio, concorrendo com 780 inscritos em duas categorias.

Ao longo de 2013, Fiorin e três estudan-tes do curso de Arquitetura e Urbanismo, Alex Daniel Ribeiro Pátaro, Luiz Gustavo da Silva Chagas e Pedro Henrique Benatti, criaram um equipamento chamado de

Nova estrutura retrátil de metal, desenvolvida por pesquisadores de Sorocaba, promete facilitar transporte de cargas em veículos, e pode ser usada até para estocar materiais ao ar livre

Da lona ao alumínio

cobertura retrátil multifuncional. Formado por uma estrutura articulada de alumí-nio envolta por uma lona impermeável, o dispositivo pode ser instalado, de forma simples e rápida, sobre os caminhões, ao simplesmente ser deslizado por cima de trilhos fixados nas laterais das caçambas. A cobertura funciona como uma espécie de biombo, mesmo uma única pessoa pode conseguir fechá-la, desacoplá-la do veí-culo e transportá-la para outros lugares.

O grande diferencial do projeto consis-te na sua polivalência. A cobertura pode ser adaptada para uso também em outros meios de transporte de carga, como va-gões de trens e balsas hidroviárias. Ou pode ser instalada diretamente no chão, e servir para proteger materiais estocados ao ar livre. Ou até transformar-se numa tenda, e abrigar seres humanos.

Segundo Evandro Fiorin, essa versa-tilidade é a característica mais impor-tante da cobertura. “Se ela for adotada em um canteiro de obras, por exemplo, terá vários usos. O mesmo dispositivo pode proteger os materiais durante seu

transporte de caminhão, pode abrigá-los no chão da obra e também criar uma es-pécie de sombreamento para as pessoas que trabalham na construção, durante o horário de almoço ou descanso“, afirma.

O projeto da cobertura surgiu durante uma disciplina de graduação ministrada por Evandro em 2010. Nela, os alunos Alex Pátaro e Luis Gustavo Chagas desenharam pela primeira vez a estrutura retrátil, com a intenção de criar uma barraca de acam-pamento que fosse montada de maneira rápida e prática. O alumínio foi escolhido pois deixava o equipamento muito mais leve. Com a conclusão da disciplina, o projeto foi engavetado e esquecido.

Da gaveta para as pranchetasNo dia 31 de maio passado, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou sua resolução de número 441, que exige que todo veículo que transporte cargas sólidas a granel proteja o material contra o risco de quedas, usando para isso mate-riais como a lona. A lei brasileira já exigia esse tipo de cuidado, mas, até então, não

texto Guilherme Rosa

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estipulava nenhum pena para quem não seguisse o procedimento — criando um vácuo jurídico. Com a nova regra, todo caminhão ou carro com carroceria aberta se tornou obrigado a proteger a carga que carrega em vias públicas.

A resolução foi o estopim para que Fio-rin contatasse os antigos alunos e propu-sesse uma mudança: a cobertura que eles haviam esboçado em aula poderia ser redesenhada. Mas desta vez para benefi-ciar, ao invés dos campistas, os mesmos empregados do setor de transporte que ele tanto havia visto se esforçarem para cobrir adequadamente os carregamentos de frutas. Com a ajuda dos dois autores do projeto e de um terceiro aluno de gra-duação, o professor conseguiu finalizar o primeiro esboço da nova cobertura re-trátil multifuncional.

Depois de terminado, o desenho foi inscrito no Prêmio Alcoa de Inovação em Alumínio, organizado por uma das maiores empresas de alumínio do mun-do com o objetivo de incentivar projetos criativos que utilizem o metal. Avaliado

por uma banca formada por profissionais da companhia, a cobertura retrátil foi escolhida como um dos cinco projetos finalistas na categoria Estudante.

Esta seleção valeu ao time um financia-mento de R$ 3 mil para tirar suas ideias do papel. A verba lhes permitiu construir um protótipo da cobertura. Semelhante a uma mesa, ele tem cerca de um metro de comprimento, e abre e fecha correndo sobre trilhos. O protótipo impressionou os jurados, e ganhou o prêmio em sua

categoria. Cada estudante levou para casa R$ 5 mil. Outros R$ 5 mil foram destina-dos ao professor, e a escola recebeu R$ 8 mil em equipamentos. Segundo a Alcoa, a cobertura retrátil foi premiada justamente por causa da velocidade com que pode ser montada e de sua versatilidade. Além disso, o dispositivo tem o potencial de ge-rar dinheiro às empresas que o adotarem, pois facilitará e acelerará o processo de abastecimento dos caminhões.

Os autores do projeto já entraram com um pedido de patenteamento pela Agên-cia Unesp de Inovação. Mesmo enquanto aguardam os trâmites burocráticos, eles já foram contatados por empresas inte-ressadas em comprar o produto. “Res-pondemos que a cobertura ainda não está sendo fabricada: por enquanto, é só o projeto de três alunos de graduação”, diz Fiorin. Mas o contato das empresas deixa claro que o dispositivo tem tudo para obter aceitação do mercado. “Isso é importante, pois mostra que estamos respondendo a uma demanda da socie-dade”, avalia Fiorin.

Mesmo antes de o processo de patenteamento ter sido

concluído, várias empresas já demonstraram interesse

em adquirir o produto. Outro fator atraente é sua polivalência. A cobertura pode ser usada também

em barcos, trens e até para abrigar pessoas Im

agem

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Shut

ters

tock

chapéu de business por um instantinho”, pediu o americano. “Lembro-me de ter respondido que eu não tinha esse chapéu de business”, brinca Orlandi.

“Mas o Tuller insistiu: ‘Não, por favor, faça um esforço. Eu acho que esse mate-rial novo no qual estamos trabalhando é especial, tem um potencial comercial interessante, e nós deveríamos protegê--lo com uma patente’. Conversamos um pouco mais e ficou combinado que no dia seguinte de manhã eu já deveria colocar nossas ideias sobre a patente no papel e

C erta noite, o pesquisador Marcelo Ornaghi Orlandi, do Instituto de Química da Unesp de Araraqua-

ra, estava trabalhando num laboratório do Departamento de Ciência e Engenharia de Materiais do MIT, nos Estados Unidos, onde atua um de seus colaboradores de longa data, o americano Harry Tuller. Por volta das 20 h, conta Orlandi, Tuller veio puxar conversa.

“Marcelo, eu sei que você está totalmen-te focado na parte científica, na ciência básica, mas queria que você colocasse seu

iniciar o processo todo”, relembra o pes-quisador.

Alguns meses depois da conversa, a pa-tente provisória do material – uma forma de monóxido de estanho com excelente potencial para atuar como sensor de ga-ses, em especial o poluente NO

2 (dióxido

de nitrogênio), emitido por automóveis e pela indústria química – já estava devida-mente depositada no USPTO, o escritório nacional de patentes dos Estados Unidos. A equipe agora aguarda o interesse de empresas, provavelmente americanas,

Junto com parceiros dos EUA, do Reino Unido e do Uruguai, cientistas da Unesp de Araraquara desenvolvem ideias inovadoras para sensores de poluição, testes médicos e novos fármacos antituberculose

Inovação sem fronteiras

texto Reinaldo José Lopes

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ESPERANÇA CONTRA A TUBERCULOSE Novo medicamento impede bactéria de destruir células de defesa do organismo

Info

gráf

ico:

Mar

cus

Pen

na

2 Dentro da célula, ele se multiplica, e termina por danificar a membrana do macrófago e gerar sua morte. Depois, ele se espalha, e contamina outras células.

3 Os complexos de ferro--quinoxalina que constituem o medicamento atingem as bactérias no interior dos macrófagos sem danificar a célula, interrompendo assim o processo de contaminação.

1 Quando ataca o corpo humano, a bactéria M. tuberculosis, causadora da tuberculose, invade células humanas saudáveis chamadas macrófagos, que são células de defesa.

1

2

3

para dar sequência ao desenvolvimen-to de um sensor com base no material. Caso um produto desse tipo chegue ao mercado, os royalties (pagamentos pelo uso de propriedade intelectual) obtidos desse modo serão divididos igualmente entre a Unesp e o MIT.

Histórias parecidas têm se tornado ca-da vez mais comuns entre os cientistas da Unesp de Araraquara. Clarice Queico Leite, da Faculdade de Ciências Farma-cêuticas, patenteou, junto com colegas da Universidade da República do Uruguai (principal instituição de ensino e pesqui-sa do nosso vizinho do sul), moléculas inovadoras capazes de levar à morte as células de Mycobacterium tuberculosis, bactéria causadora da tuberculose. Esse tipo de composto vem em boa hora, já que o aparecimento da tuberculose resis-tente a múltiplos tipos de antibióticos é um grave problema de saúde pública em países pobres, em especial se associado ao avanço da infecção pelo HIV.

Ainda na área das aplicações médicas, a equipe capitaneada por Paulo Roberto Bueno, trabalhando em parceria com cientistas da Universidade de Oxford,

no Reino Unido, tem usado proprieda-des quânticas da matéria para refinar a capacidade de detecção de moléculas de interesse médico por meio de eletro-dos. Segundo o pesquisador, a tecnolo-gia pode ser um passo importante para uma medicina diagnóstica muito mais rápida, evitando até a necessidade de o paciente ir ao laboratório de exames clí-nicos e esperar dias ou até semanas pelo resultado. Bueno diz que já há empresas interessadas em transformar o projeto em um novo produto.

As três experiências mostram como a colaboração internacional tem impulsio-nado a transformação da pesquisa básica em inovação, mas também deixam claras as dificuldades que o país ainda sofre para incorporar essa transformação ao meio empresarial e ao ambiente acadêmico.

DISCOS SURPREENDENTESNo caso da pesquisa que pode dar ori-gem, com alguma sorte, a novos senso-res para detectar NO

2, Orlandi confirma

que as aplicações de seu trabalho esta-vam relativamente longe do horizonte no começo. “Se eu te falar que a gente

começou pensando: ‘Ah, vamos criar o melhor sensor de dióxido de nitrogênio que existe’, estaria mentindo”, admite.

Orlandi e seus colegas já trabalhavam havia anos com óxidos de estanho, e em especial com o SnO, cujas propriedades como sensor de dióxido de nitrogênio eram conhecidas pelo grupo (o material-padrão usado industrialmente hoje é um óxido “aparentado”, o SnO

2). Havia indica-

ções de que o SnO poderia ser ainda mais sensível, mas os testes feitos pela equipe de Araraquara muitas vezes esbarravam na dificuldade de medir o desempenho do material. “Não dava para garantir, por exemplo, que algumas variações de tem-peratura e outros parâmetros não teriam levado a mudanças no desempenho”, ex-plica o pesquisador.

Nesse ponto, afirma Orlandi, a parceria com o MIT foi crucial, já que o equipa-mento da instituição americana permitia a medição do desempenho como sen-sor de gás de até amostras diferentes ao mesmo tempo. Se os resultados fossem relativamente uniformes, isso levaria os pesquisadores a descartar a ideia de que eram pequenas variações ambientais, de

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ARARAQUARA, ESLOVÊNIA E MIT Foi durante período no país europeu que Marcelo Orlandi pôde desenvolver ideias que resultaram na patente desenvolvida em parceria com o instituto americano

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um teste para outro, as responsáveis por respostas diferentes do material.

No caso, a equipe estava testando uma forma especial de SnO, na qual um único cristal desse óxido assume a forma do que parece ser um confete de Carnaval microscópico – discos finíssimos com dez mícrons (milionésimos de metro) de diâ-metro (para efeito de comparação, o olhar humano consegue divisar, no máximo, objetos que medem cem mícrons). Esse mesmo composto, também na forma de um único cristal, já era produzido pela equipe como fitas – pequenas variações no funcionamento dos fornos de labora-tório levaram ao surgimento dos discos. “A gente ainda não tem como dizer por que isso acontece”, diz o pesquisador.

O que ficou claro, no entanto, foi o de-sempenho extraordinário dos discos de monóxido de estanho no contato com o NO

2: alta seletividade de resposta (ou

seja, reação bem mais forte quando o gás testado era o dióxido de nitrogênio) e sensibilidade até 20 vezes superior à dos materiais utilizados hoje para o mesmo fim (veja na pág 31).

“Pensando com cabeça de cientista, fui logo dizendo: bem, vou propor um modelo para tentar explicar isso”, conta Orlandi. O pesquisador, no entanto, sofreu até che-gar a uma ideia viável. Foi preciso que ele fosse passar alguns dias na Eslovênia, no laboratório de outros colaboradores, para que o estalo finalmente viesse.

“Sabe como é: quando você está no la-boratório de outra pessoa, não adianta ir querendo mexer em tudo, tem de esperar a permissão da pessoa. Nos primeiros dias, a coisa estava indo devagar, e aca-bei tendo tempo para olhar alguns artigos científicos mais antigos. E foi num deles, dos anos 1980, que havia uma previsão teórica que provavelmente explicava o que estava acontecendo nos discos.”

Foi unindo o modelo com esses dados, e com um artigo científico já pronto para descrever o conjunto, que Orlandi che-gou ao laboratório de seu colega no MIT. A partir da proposta inicial, o escritório de patentes do instituto americano e a Agência Unesp de Inovação (cuja função é justamente assessorar pesquisadores

nesse tipo de tarefa) trabalharam jun-tos para conseguir o depósito da patente provisória no USPTO. A experiência de Tuller, que já tem cerca de 20 patentes em seu nome e é sócio de uma empresa em Boston, ajudou muito a facilitar as coisas, afirma o cientista da Unesp.

“Isso atrasou a publicação do artigo em uns seis meses, o que deixou alguns alunos chateados”, brinca Orlandi. “É aquela coisa, a pessoa vai ficar talvez um ano sem uma publicação no nome dela, é frustrante do ponto de vista puramente científico. Mas o pessoal acabou entendendo.”

CONTRA O BACILOClarice Queico Leite, que trabalhou junto com colegas uruguaios no teste de novos fármacos antituberculose, também res-salta que as moléculas ainda precisam vencer uma longa série de etapas antes de começarem a ser empregadas no com-bate à doença. “É importante deixar claro para as pessoas que não temos ainda um novo remédio contra a tuberculose, ape-nas substâncias que são ativas contra a bactéria num teste in vitro”, explica ela.

Mesmo assim, as moléculas, que são complexos de ferro com quinoxalina, parecem justificar uma dose considerá-vel de entusiasmo. Segundo Clarice, um dos testes básicos da viabilidade do uso de determinado fármaco contra a doença envolve verificar se a substância testada é tóxica para células de Mycobacterium tuberculosis e, ao mesmo tempo, relati-vamente inócua para células humanas conhecidas como macrófagos.

Essas células do sistema de defesa do organismo englobam os bacilos da tuber-culose e tentam destruí-los, mas muitas vezes o fazem sem sucesso, levando à proliferação dos micróbios. A ideia, por-

A colaboração internacional coloca os docentes da

Unesp em contato com uma outra perspectiva de

interface entre universidade e empresas. Por exemplo,

um colaborador americano, ligado ao MIT, possui

cerca de vinte patentes registradas em seu nome

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PROTÓTIPO DE ELETRODO PARA ANÁLISES POR TÉCNICAS ELETROQUÍMICAS O projeto, fruto da parceria de pesquisadores da Unesp com a Universidade Oxford, só foi indicado para patenteamento após rigorosa seleção feita na Inglaterra

PESQUISA PREMIADAO trabalho valeu a Paulo Bueno (acima) e ao seu colega inglês Jason Davis o prêmio Brian Mercer Feasability 2012, entregue pelo presidente da Royal Society

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tanto, é que os fármacos consigam destruir o invasor sem afetar os hospedeiros, os quais, afinal, são essenciais para o siste-ma imune humano (veja na pág. 28). Uma molécula com características inovadoras é interessante também porque é baixa a probabilidade de que mesmo as cepas de M. tuberculosis mais resistentes a medi-camentos também se mostrem duronas diante do novo fármaco.

A pesquisadora afirma que, para que uma substância possa ser considerada promissora, deve se mostrar ativa contra o bacilo em concentrações iguais ou infe-riores a 12,5 microgramas por mililitro de sangue, e se mostrar, ao mesmo tem-po, inócua para os macrófagos, mesmo numa concentração 10 vezes maior. Nos ensaios feitos até hoje, os complexos de ferro e quinoxalina têm sido aprovados com louvor: eles se mostraram capazes de atacar as bactérias mesmo em concen-trações de apenas 0,78 micrograma por mililitro de sangue.

O trabalho de Paulo Roberto Bueno e seu colega Jason Davis, de Oxford, tam-bém envolve concentrações baixíssimas de certas moléculas orgânicas, mas o objetivo, no caso da dupla e seus cola-boradores, é conseguir detectá-las com precisão e praticamente em tempo real. Segundo Bueno, a parceria vem desde 2011, quando Davis participou de um con-gresso de nanotecnologia em Natal (RN). Do encontro surgiu um convite para que o brasileiro passasse uma temporada em Oxford. Lá os dois desenvolveram uma nova ferramenta de análise de dados, que permitiu à pesquisa avançar.

A ideia é poder detectar concentrações baixíssimas de proteínas que são conside-radas marcadores de determinadas doen-ças (de câncer de próstata, por exemplo) com uma análise de sangue que dá o re-sultado na hora, como os atuais testes de glicemia em campanhas contra o diabetes. “Tanto o médico quanto o paciente ganha-riam muito mais autonomia e agilidade, e você teria a chance de tratar doenças muito mais precocemente, com melhores resultados”, resume Bueno.

“Já estamos em contato com empresas que fabricam eletrodos e com companhias

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SENSOR ULTRASSENSÍVEL Novo sensor poderá ser até 20 vezes mais sensível

1 Os discos são feitos de monóxido de estanho e têm a propriedade de estarem repletos de elétrons desemparelhados, que não estão presos a determinado átomo, mas circulam de forma relativamente livre pelo disco

2 Ao entrar em contato com um gás oxidante (isto é, que tem “fome” de elétrons) o disco começa a perder esses elétrons desemparelhados. Ao perder os elétrons, sua condutividade elétrica cai e sua resistência elétrica aumenta

3 À medida em que a interação continua, o disco perde cada vez mais elétrons, gerando o correspondente aumento de resistência elétrica. A partir desta propriedade, pode-se projetar um equipamento capaz de detectar essa variação e acionar algum tipo de alarme, como uma sireneIlu

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farmacêuticas como Novartis e Roche. Tu-do está caminhando rápido, embora seja difícil dizer quando teremos um produto no mercado. Mas algo vai acontecer, com certeza”, aposta Bueno.

DUAS CULTURASAlém das promessas tecnológicas signi-ficativas, os três grupos de pesquisado-res apresentam uma série de pontos em comum. Todos, por exemplo, afirmam que o apoio de uma equipe especializada como a da Agência Unesp de Inovação foi fundamental para que eles conseguissem navegar os meandros burocráticos do pe-dido de patente. Orlandi e Bueno também dizem ser inegável a diferença de cultura entre as comunidades científicas daqui e as do Reino Unido e dos EUA quando o assunto é inovação.

“Uma coisa que deu para sentir em Oxford é que, além da compreensão geral do que é inovação, existe um screening [seleção] muito forte das ideias que podem gerar patentes. Você tem de enfrentar uma sa-batina muito grande e só os mais fortes sobrevivem”, afirma Bueno. “Várias em-presas de tecnologia já surgiram por lá, e

eles sabem aproveitar muito bem a sinergia com a indústria local e com a de outros parceiros mundo afora. E outra coisa im-portante é que o ambiente da universidade não tem nada de acomodado. Os alunos sabem que Oxford é competitiva interna-cionalmente e que ela funciona segundo uma lógica que não evita o capitalismo.”

Orlandi diz que, quando se fala da questão cultural da inovação, as empresas daqui também são tão ou mais tímidas do que a comunidade acadêmica. “Um exemplo simples: uma empresa nos procurou, pe-dindo ajuda para tratar de resíduos. Vimos

que nesses resíduos havia ferro e outros materiais de interesse. Propusemos bo-lar formas de reaproveitá-los na cadeia produtiva. Nosso único pedido foi que pagassem, por dois anos, uma bolsa, diga-mos, de R$ 1.500 por mês, mais os gastos com material. Eles desistiram na hora.”

Orlandi e Clarice reconhecem que a transição de cientista para empreende-dor não é para todos e traz riscos. “Temos sempre de pensar em parceria com a in-dústria. Até porque medicamentos contra tuberculose não vão enriquecer ninguém, é uma doença negligenciada”, diz ela.

“Temos um material com uma sensibili-dade ótima para a faixa do ultravioleta. Eu adoraria espalhar esse material por todas as praias do Brasil como um medidor de níveis de radiação solar, mas não vou fazer isso. Minha vocação é para a ciência bási-ca”, diz Orlandi. Ele diz ter visto pessoas muito competentes que tentaram fazer a transição para o lado empreendedor. Ao observar essas experiências ele diz que “o que ficou claro é que não é suficiente você ter um produto bom. É preciso, também, saber se vender. E esse lado nem sempre é fácil de dominar”, avalia.

A valorização da inovação nas universidades inglesas

e americanas cria um ambiente dinâmico que

alcança até os estudantes. “Os alunos sabem que

Oxford funciona segundo uma lógica que não evita o capitalismo”,

diz Paulo Bueno

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proteção invisível embora seja impossível ver a olho nu, os pés de mostarda estão cobertos por nanopartículas

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s eu José Lopes Pereira, 63, vive na pequena São Miguel Arcanjo, uma cidade do interior paulista a

200 quilômetros da capital. Como a maior parte dos seus vizinhos, ele sobrevive da agropecuária. Mas, hoje, seu sítio São Se-bastião hospeda uma plantação diferente. Uma estufa rudimentar,improvisada nos fundos da propriedade principal, abriga algumas dezenas de pés de mostarda. A princípio, parecem plantas comuns; mas cada uma delas está coberta por nanopar-tículas criadas em laboratório, tão peque-nas que não podem ser vistas a olho nu.

Jose Lopes Pereira é pai de Anderson do Espírito Santo Pereira, um dos pesqui-sadores responsáveis por desenvolver as nanopartículas. Apesar de seu doutorado estar vinculado à Unicamp, todo o estudo foi realizado sob supervisão do professor Leonardo Fraceto, em seu laboratório na Unesp de Sorocaba. Sob o forte sol de ja-neiro, com os três cachorros da família ron-

dando ao redor da estufa, Anderson Pereira segura uma das plantas de mostarda em sua mão. Ela está pequena e murcha — a caminho da morte. O pesquisador expli-ca que, embora seja impossível enxergar, cada uma das nanopartículas aplicadas carrega, em seu interior, uma pequena quantidade do herbicida atrazina. “Co-mo a partícula vai se degradando com o decorrer do tempo, ela libera o herbicida aos poucos. Por ser uma liberação mais lenta do que a comum, é mais eficiente e menos tóxica ao ambiente”, diz Anderson.

O potencial da invenção está, justamente, em seu tamanho. A nanotecnologia lida com partículas muito pequenas, que me-dem menos de 1.000 nanômetros, ou 0,001 milímetro. Nessa escala, as substâncias ganham propriedades diferentes daque-las que têm em seu tamanho original. Por isso, nanopartículas são costumeiramente usadas em uma série de produtos farma-cêuticos e cosméticos. Até pouco tempo

Uso dos defensivos agrícolas pode se tornar mais efi ciente e menos tóxico, graças a nova tecnologia que recorre a cápsulas minúsculas para controlar liberação das substâncias

nano na lavoura

TEXTO Guilherme rosa ● FOTOS Gui Gomes

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sem as mãosanderson do espírito santo aguarda enquanto um agitador magnético dissolve o polímero e a atrazina na acetona, produzindo a fase orgânica do experimento

Banho-mariao rotoevaporador retira água e acetona da mistura, concentrando a atrazina

atrás, no entanto, elas eram praticamen-te ignoradas pela indústria agroquímica.

Essa situação mudou radicalmente nos últimos dois anos, quando mais de 3.000 patentes foram aplicadas no mundo todo citando o desenvolvimento de nanopesticidas.

As pesquisas coordenadas por Leonardo Fraceto no Laboratório de Química Am-biental da Unesp de Sorocaba representam a frente brasileira no assunto.

Ele deu início a seus estudos na área em 2007, quando começou a projetar os pri-meiros nano-herbicidas. Hoje, sua equipe desenvolve diversos outros tipos de nano-partículas, com fungicidas, hormônios de crescimento e biocidas (pesticidas desen-volvidos a partir de compostos naturais).

sumiçoO desenvolvimento do nano-herbicida fez parte do projeto de mestrado de Anderson do Espírito Santo. Para iniciar o seu pre-paro, os pesquisadores precisam dissolver um polímero chamado policaprolactona, além da atrazina, em uma pequena porção de acetona. Nessa etapa, os componentes que formarão a nanopartícula ainda são visíveis a olho nu. As duas estão em es-tado sólido: a atrazina em forma de pó e o polímero com o formato de pequenas bolinhas brancas, do tamanho de grãos de sal grosso. Quando o processo de dis-

solução na acetona termina, o resultado é um líquido transparente.

Em seguida, os pesquisadores adicionam um pouco de água na mistura. Como a po-licaprolactona não é solúvel em água, ela começa a precipitar. Todas as partículas do polímero que estavam dispersas pela mistura passam a se aglutinar, formando esferas nanométricas. No processo, levam consigo as partículas de atrazina. A ação é toda microscópica — visualmente nada parece acontecer no líquido. “Quando um sólido decanta, normalmente pensamos que ele precipita no fundo do líquido. Mas não é o que ocorre com partículas do tamanho de nanômetros. Nesse estado, a gravidade deixa de ser a principal força a atuar so-bre elas, e é formado o que chamamos de

suspensão coloidal estável”, diz Fraceto. A mistura precisa ser colocada em um

rotoevaporador, para que a maior parte da água e a acetona sejam retiradas da mistu-ra. O resultado final é um líquido branco espesso e repleto de nanopartículas. Elas podem estar em dois formatos diferentes: nanoesferas ou nanocápsulas. Segundo o pesquisador, ambas podem ser imagina-das como microscópicas bolas de isopor. A diferença é que a nanoesfera pode ser comparada a uma bola maciça. Se cortada ao meio, as partículas do polímero e da atrazina vão estar espalhadas por todo o interior da partícula, compondo de forma conjunta sua estrutura.

Já a nanocápsula seria como uma bola de isopor oca. O polímero está compondo toda a parte exterior, e a atrazina preen-chendo seu interior. Para produzir esse tipo de partícula, os pesquisadores preci-sam apenas adicionar um óleo à solução. “Se o óleo for misturado, ele faz com que grande parte do herbicida se acumule no centro da nanopartícula, como se fosse uma cápsula. É por isso que a nanocápsula é um pouco maior que a nanoesfera”, diz Anderson Espírito Santo.

ver o não vistoApesar da descrição detalhada das carac-terísticas das partículas, elas nunca são

Estudos mostraram que o nano-herbicida é mais seguro tanto para quem aplica quanto para o meio ambiente, minimizando os efeitos tóxicos no solo, nos rios e nos lençóis freáticos. Mas ainda não existe legislação regulando o uso desta classe de produtos

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relevo do invisívelo resultado do preparo é um líquido branco. Um microscópio de força atômica mostra aos pesquisadores o formato esférico das partículas em seu interior

mostarda secaapós o nano-herbicida ser aplicado nas plantas, elas são secas e analisadas

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vistas diretamente pelos pesquisadores. Para ter certeza que elas têm o tamanho, o formato e a concentração desejados, eles contam com os diversos equipamentos do laboratório. O Zetasizer, por exemplo, usa um feixe de laser para analisar a difusão das partículas e determinar seu diâmetro. Assim, os pesquisadores sabem que o ta-manho médio das nanocápsulas é de 500 nanômetros, e o das nanoesferas é 350.

Para ter certeza do formato das partícu-las, os pesquisadores usam um microscó-pio de força atômica — os microscópios óticos não têm resolução suficiente para enxergá-las. A substância precisa ser se-cada e colocada dentro do equipamento, que possui uma agulha sensível capaz de escanear toda a superfície do material. O resultado é uma espécie de mapa topográ-fico das nanopartículas, onde é possível discernir seu formato. Com a descrição completa da substância, os pesquisado-res precisam passar para a segunda etapa de seu estudo: descobrir se ela funciona.

testes em famíliaPara testar o nano-herbicida, os pes-

quisadores precisavam de um local onde pudessem dar início a uma plantação e irrigá-la com o produto. O Câmpus Ex-perimental da Unesp em Sorocaba, no entanto, não dispunha desse espaço. Por

isso, apelaram para o sítio São Sebastião, em São Miguel Arcanjo.

Ali, Anderson Espírito Santo construiu a pequena estufa onde cultivou os pés de mostarda e de milho utilizados no estu-do. As duas plantas foram escolhidas por causa das características da atrazina, um composto que impede a fotossíntese das plantas. A substância não age sobre o mi-lho e, por isso, é bastante usada para pro-tegê-lo da ação de outras ervas. Assim, os pesquisadores puderam testar a eficácia do nano-herbicida contra os pés de mos-tarda, e se continuaria a deixar os pés de milho incólumes.

Como resultado, viram que o novo de-fensivo era ainda mais eficiente que o tra-dicional. O fato de o herbicida ser liberado da partícula de forma gradual, conforme o polímero se degrada, permitiu que ele permanecesse protegido das intempéries. “Normalmente, o herbicida é aplicado de uma vez no ambiente, onde acaba sendo degradado pela ação do sol, das chuvas e de microrganismos. Estudos mostram que apenas entre 5% e 10% dele atinge o organismo alvo. Quando o colocamos em uma nanopartícula, melhoramos o direcionamento para o alvo e podemos usar uma quantidade menor de herbici-da para conseguir o mesmo efeito“, diz Leonardo Fraceto.

Ao impedir que grande parte do com-posto seja dispersado pela natureza, os pesquisadores também conseguem mini-mizar seu efeito tóxico no solo, rios e len-çóis freáticos, protegendo o ambiente. “Os estudos mostram que o nano-herbicida é mais seguro tanto para o ambiente quanto para a pessoa que aplica”, afirma Anderson, que já depositou a patente da tecnologia.

O fato de o nano-herbicida produzir o mesmo efeito que o tradicional em me-nor quantidade tem um forte apelo para a indústria. Isso, no entanto, não significa que ele poderá ser utilizado de imediato. Uma série de questões ainda precisam ser resolvidas. O preparo da substância, que hoje é realizado em quantidades da ordem de mililitros, precisaria ser escalo-nado para nível industrial — o que ainda não está claro como será feito.

E a própria legislação referente à nano-tecnologia é uma questão em aberto. “Isso ainda está sendo discutido. Atualmente, todos os pesticidas precisam obrigatoria-mente ser registrados no Ministério da Agricultura. Já quanto aos nanopesticidas, ninguém sabe ainda“, diz Fraceto. Os pes-quisadores esperam que mais testes pro-vem a segurança e eficácia da tecnologia, acelerando sua aprovação e regulação. Assim, ela poderia finalmente sair do sítio São Sebastião para o mundo.

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sangue

A hepatite C ainda é uma doença jovem. Foi só nos anos 1980 que o vírus causador da enfermidade

foi identificado pelos biólogos, e deixou de circular livremente pelas transfusões. Hoje minuciosos testes são feitos em cada bolsa de sangue, e o microrganismo é res-ponsável pelo descarte de grande volume de material. O Hemocentro da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, por exemplo, coleta cerca de 2 mil bolsas todos os meses. Depois dos testes, cerca de 12 têm de ser descartadas, pois carregam o patógeno. “Agora, imagine o volume des-cartado no Brasil inteiro, onde o sistema público coleta 4,5 milhões de bolsas de sangue por mês. É um numero gigantes-co de material de coleta, armazenagem e análise, que é simplesmente jogado fora”, diz Elenice Deffune, professora da Fa-culdade de Medicina de Botucatu. Líder do Laboratório de Engenharia Celular do Hemocentro do Hospital de Clínicas, ela participa de uma pesquisa que pode impedir esse desperdício.

A pesquisa tem como base um novo sensor, capaz de detectar a presença do

vírus da hepatite C em uma amostra de sangue em apenas três minutos. O dis-positivo foi projetado pela pesquisadora Marli Leite de Moraes durante seu pós--doutorado no Instituto de Química da Unesp de Araraquara, sob supervisão do professor Sidney José Lima Ribeiro.

O grande diferencial do dispositivo é o tempo que demora para fornecer seu resul-tado. Mesmo os chamados testes rápidos disponíveis hoje podem levar cerca de vinte minutos para finalizar sua análise. Com a maior velocidade, as pesquisadoras esperam que o teste possa ser aplicado — e seu resultado avaliado — antes mes-mo de o sangue ser retirado do doador. Se ele der negativo para a hepatite C, a coleta poderá ocorrer normalmente. Se o resultado for positivo, a doação não é rea-lizada, e o paciente é encaminhado para o tratamento da doença recém-descoberta.

A velocidade inédita do diagnóstico deve-se à tecnologia empregada no dispositivo. Os sensores para detectar a hepatite C não costumam procurar diretamente pelo vírus no sangue analisado, mas pelo anticorpo que o paciente produz para combater a

Sensor desenvolvido na Unesp de Araraquara detecta presença da hepatite C no plasma sanguíneo em apenas três minutos. Tecnologia pode reduzir o desperdício de material doado

Puro

doença. Para isso, os pesquisadores isolam o antígeno do vírus — uma pequena parte de sua estrutura responsável por despertar a resposta imunológica do corpo humano. Com essas proteínas instaladas em seus aparelhos, conseguem reter o anticorpo presente no sangue do paciente.

Acontece que os antígenos utilizados pelos outros aparelhos costumam ser pro-teínas grandes e difíceis de estabilizar, deixando os testes mais caros e lentos. Já em seu sensor, Marli não usou o antí-geno inteiro, mas um pedaço específico dele, muito menor: o peptídeo específico que é reconhecido pelo anticorpo. “Isso nunca foi feito antes pois a partícula é muito instável. Mas nós utilizamos a fi-broína, que é uma proteína que compõe a seda, para manter a conformação ideal do peptídeo”, diz Marli Leite de Moraes, que, após concluir seu pós-doutorado, agora leciona na Unifesp.

Com o biomaterial e o peptídeo instala-dos na superfície do aparelho, ao alcance do sangue, os pesquisadores usam um método de detecção eletroquímica para descobrir se a amostra está contaminada. Sh

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texto Guilherme Rosa

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O sensor é submetido a uma tensão elétri-ca e, se tiver retido anticorpos, a corrente elétrica resultante terá um valor maior.

O aparelho foi testado e calibrado uti-lizando bolsas de sangue do Hemocentro de Botucatu, que já haviam sido anali-sadas por outros métodos laboratoriais. Durante os experimentos, os pesquisa-dores confirmaram que todos os resul-tados positivos e negativos produzidos pelos outros métodos batiam com os do novo sensor.

Falsos negativosMais que isso: o teste mais utilizado em laboratório — chamado Elisa — costu-ma produzir um pequeno percentual de resultados inconclusivos. São amostras de sangue que podem ser falsos positi-vos ou falsos negativos e, por isso, têm de ser jogadas fora. Isso pode acontecer por vários motivos: o paciente pode ter sido infectado recentemente pela hepa-tite C ou estar com alguma outra virose, por exemplo. Por via das dúvidas, todas essas bolsas costumam ser descartadas.

Já o novo sensor não produziu nenhum resultado inconclusivo, apenas positivos ou negativos. “Para confirmar que esses resultados estavam corretos, nós segui-mos os pacientes por três meses. Se fosse uma virose, ela já teria se curado nesse período. Cerca de 10% das bolsas que a gente descarta são desses resultados in-conclusivos. Agora, não as descartaremos mais”, diz Elenice Deffune, que destaca que testes maiores precisarão ser reali-zados antes de a tecnologia ser utilizada laboratorialmente.

Só no Brasil, estima-se que 1,5 milhão de pessoas

estejam contaminadas com o vírus, mas sem

apresentar sintomas. Na Europa, já são realizados

exames em doadores para verificar a presença da

hepatite C, mas o tempo de espera chega a 20 minutos

Ataque silenciosoTanto cuidado na hora da transfusão de sangue se justifica pela natureza da he-patite C, uma doença conhecida pelo seu caráter silencioso. Nos primeiros anos de infecção — em alguns casos, décadas — os sintomas não aparecem. Enquanto a doença não se manifesta, o vírus vai aos poucos atacando o fígado do paciente, o que pode, no futuro, causar cirrose e câncer hepático.

Assim, um enorme contingente de pes-soas em todo o mundo carrega a doença — só no Brasil são 1,5 milhão de infecta-dos — mas nunca desenvolveu nenhum sintoma. Como não foi diagnosticado, o indivíduo pode, de boa-fé, doar sangue e infectar outros. Por isso, a tendência em alguns lugares do mundo, como Es-tados Unidos e Europa, é realizar o teste da hepatite C antes da doação de sangue. Para isso, é utilizado o teste rápido de 20 minutos. O mesmo, no entanto, não é rea-lizado costumeiramente no Brasil. “Aqui, a questão do tempo é central. O brasileiro doa sangue por emoção, se aumentarmos em 20 minutos o tempo de espera, ele vai embora”, diz Deffune, destacando que com o novo sensor o país poderá adotar os procedimentos do mundo desenvolvido.

As pesquisadoras afirmam que a tec-nologia, cuja patente já foi depositada, seria de grande interesse também para o SUS. Primeiro por conta de seu preço. Um teste Elisa, por exemplo, custa cer-ca de R$ 50. Para produzir um sensor, os pesquisadores gastam cerca de R$ 10 — valor que pode cair se produzido de forma comercial. Além disso, ele po-deria ser usado em campanhas de pre-venção da doença, que hoje utilizam os mais demorados testes importados. Isso é importante, pois a doença tem cura se for descoberta a tempo.

A tecnologia ainda apresenta o potencial de ser usada para diversas outras atividades médicas, como teste rápido para detectar HIV, infarto e até de tipagem sanguínea. “O segredo de nossa tecnologia está em termos usado a fibroína da seda para imobilizar um pedaço do antígeno. Essa técnica po-de ser usada para detectar diversas outras partículas”, diz Marli Moraes.

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O tungstato de prata – material composto de óxido de prata e tungstênio – tem comprovadas

propriedades bactericidas, fotoluminescen-tes e fotodegradantes, cujas origens, no entanto, ainda não estão totalmente claras. Um grupo de pesquisadores do Centro Mul-tidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), sediado na Unesp em Araraquara, dedicou dois anos para tentar descobrir a origem delas e fez uma observação inusitada. Os microscó-pios de varredura e de transmissão usados para estudar o material terminavam por afetá-lo, pois os elétrons irradiados pelos aparelhos induziam uma reação química nas amostras, ocasionando o crescimento dos filamentos de prata metálica.

A descoberta do grupo do CMDMC, co-ordenado por Elson Longo, abriu uma nova rota para a síntese do material: a eletrossíntese. O ineditismo da pesquisa valeu a publicação dos seus resultados na

revista Scientific Reports, do grupo Nature, em abril passado.

Mas a nova descoberta tem tudo para ir além do mundo das publicações cien-tíficas. Ela tem potencial para melhorar os métodos que dão propriedades bac-tericidas a materiais como polímeros, a partir da deposição de prata sobre eles. As possíveis utilizações são várias, desde a produção de materiais bactericidas para uso em embalagens de alimentos, até apli-cações para fotodegradação de compostos orgânicos, além das áreas de cerâmica, microeletrônica e química.

À primeira vista, pode parecer que os pesquisadores do CMDMC tiveram uma boa dose de sorte ao partirem de uma pesquisa básica e se depararem com uma descoberta com potencial para gerar ino-vação tecnológica. Mas, na verdade, este trajeto nada teve de casual. O CMDMC es-tava ligado ao projeto dos Centros de Pes-quisa, Inovação e Difusão (Cepids) , criado

Os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, criados pela Fapesp, são aposta para atacar grandes desafios científicos, estimular a cooperação, fomentar a transferência tecnológica e formar uma geração de cientistas

Impactoprofundo

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e que está em andamento desde 2000.

Esse modelo de financiamento à ciência trouxe uma possibilidade que até então era incomum no Brasil: sustentar por lon-go prazo – no caso, mais de uma década – centros de pesquisa que se dedicassem ao mesmo tempo à ciência de ponta, à transferência de tecnologia e à difusão do conhecimento, por meio de atividades de extensão. Os primeiros Cepids, em nú-mero de 11, funcionaram por 11 anos e, graças aos bons resultados, a Fapesp re-solveu lançar um novo edital. Em maio de 2012, 17 novos Cepids foram selecionados e entraram em atividade. Alguns deles já estavam entre os iniciais, mas foram remodelados. Foi o caso do CMDMC, que deu lugar ao Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF). O centro continua sediado na Unesp, sob direção de Elson Longo.

texto Fábio de Castro

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GENÉTICA Armazenamento de células

tronco no Cepid de pesquisas sobre o genoma humano

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INDÚSTRIA PAULISTA DE CERÂMICAAs pesquisas sobre propriedades da argila no polo de Santa Gertrudes fizeram a participação de SP na produção nacional de cerâmica saltar de 40% para 70%

Atualmente existem 17 Cepids com áre-as de atuação variadas. Ao lado de alguns temas de ciências exatas já consolidados, como “óptica e fotônica”, “engenharia com-putacional” e “materiais funcionais” , exis-tem espaços bem pouco explorados, como “materiais vidrocerâmicos”, “neuromatemá-tica” e “matemática aplicada à indústria”.

Mas o projeto não se limita às exatas. Dois Cepids de humanidades abordam as áreas “estudos da metrópole” e “estudos da violência”. E muitos têm foco em temas de medicina e biologia: “biodiversidade e descoberta de novas drogas”, “toxinas, resposta imune e sinalização celular”, “te-rapia celular”, “genoma humano e células tronco”, “neurociência e neurotecnologia”, “obesidade”, “doenças inflamatórias”, “pro-cessos redox em biomedicina” e “pesquisa em alimentos”.

Os centros viabilizaram estudos que se-riam inconcebíveis sem investimento de longo prazo. “Graças ao formato do Cepid, não precisamos nos preocupar apenas com pesquisas de resultados imediatos. O financiamento perene garante que possa-mos nos aventurar nos desafios científicos mais complexos, explorando a multidisci-plinaridade que é própria das fronteiras das ciências”, disse Longo.

Em seus 11 anos de atuação, o CMDMC produziu inovações por duas vertentes. Uma delas consistiu no desenvolvimento de projetos junto à indústria. “É a trans-ferência de tecnologia propriamente dita. À medida que nossos estudos sobre um tema se aprofundam, podemos identificar problemas específicos de interesse da in-dústria e atacá-los”, diz Longo.

Um dos exemplos de sucesso da interação com a indústria foi a parceria estabeleci-da com as empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes, na região de Rio Claro. As pesquisas sobre as propriedades da argila, feitas no CMDMC, ajudaram a melhorar a qualidade dos produtos, dando vantagens competitivas ao conglomerado de empre-sas locais. Isso contribuiu diretamente para que o Estado de São Paulo passasse de 40% para 70% da produção nacional de cerâmica em uma década.

A outra vertente da inovação no Cepid, segundo ele, é o estímulo para que os alu-

pensa os investimentos feitos pela Fapesp no centro. “Em uma década, calculamos que conseguimos gerar para as empresas, com as inovações, um valor maior que o investimento que recebemos da funda-ção”, avalia. Por outro lado, a universidade tem retorno também, com a formação de pessoal capaz de produzir ciência de alto impacto. “Tivemos muitas publicações e nos tornamos um dos grupos mais produ-tivos da nossa área.”

Esforço fenomenalHernan Chaimovich, coordenador dos Cepids na Fapesp, diz que os números sobre o retorno do investimento no pro-grama ainda não foram consolidados, e que o impacto produzido pelos primeiros 11 centros ainda está sendo avaliado. Em 2013, iniciou-se uma segunda fase, que vai contemplar 17 novos centros pelos próximos 11 anos com R$ 1,4 bilhão em recursos públicos.

Segundo Chaimovich, esse esforço se justifica pelo objetivo central do progra-ma: colocar o Brasil no mapa da ciência de alto impacto. “As pesquisas têm impac-to quando curam, quando geram riqueza e quando reduzem a desigualdade, por exemplo. Mas também temos o impacto das ideias que geram novas ideias”, diz.

nos de graduação e pós-graduação montem suas empresas “spin-offs”, a partir de ideias que surgem de seus temas de pesquisa. “A Unesp dá todo apoio a essas firmas até que elas decolem. No CDMF temos quatro exemplos de sucesso com spin-offs”, diz. Um deles é a Nanox, que produz e vende material formado por nanopartículas de prata – incluindo o tungstato – para dotar de propriedades bactericidas e autoesteri-lizantes uma série de produtos, como pu-rificadores de água, secadores de cabelo, tintas, embalagens de alimentos, cerâmicas e instrumentos cirúrgicos.

A geração de riqueza proporcionada pela transferência de tecnologia e pelas empresas spin-off, segundo Longo, com-

Nos próximos 11 anos, os Cepids vão receber R$ 1,4 bilhão em financiamento. Em alguns centros, o valor das novas tecnologias geradas ultrapassou o dinheiro investido. Mas há quem aposte que o maior retorno virá na formação de uma nova mentalidade

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DA PESQUISA BÁSICA À INOVAÇÃO, EM ALTA VELOCIDADE Estudo feito em centro coordenado por Elson Longo chegou às páginas de prestigiada revista científica, e gerou nova patente que já chama atenção da indústria

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O coordenador destaca o esforço que o Brasil empreendeu nas últimas cinco décadas para aumentar o número de pro-fissionais capazes de produzir ciência. Ele acredita que foram obtidos resultados im-portantes em alguns setores, como o agrí-cola, o petrolífero e o aeroespacial, por exemplo, mas o país ainda não alcançou o nível desejado de impacto científico. “Conseguimos aumentar muito o núme-ro de pessoas que dialogam com a ciên-cia internacional, mas os resultados, em termos de ideias que gerem ideias, não acompanharam esse crescimento. Por is-so a Fapesp propôs um programa voltado para enfrentar os grandes desafios cientí-ficos”, explica Chaimovich.

Além de proporcionar financiamento de longo prazo – o que não é comum no Brasil – e de propor um formato em que pesquisadores de diferentes áreas e ins-tituições se debrucem em conjunto sobre temas científicos complexos, o formato do Cepid tem outra característica importante: a busca da cooperação. “Tínhamos grande dificuldade para trabalhar em colabora-ção. Os Cepids estimulam uma mudança cultural, no sentido de buscar uma co-operação e não a competição”.

Chaimovich faz uma ressalva, no en-tanto, à capacidade dos Cepids para gerar

inovação. Apesar do ambiente estimulante para o pensamento inovador, os centros produzem avanços tecnológicos que só se tornam inovação quando são transfor-mados em produtos, o que não acontece dentro do Cepid. “O Cepid é um ponto de partida. A inovação não se faz na universi-dade, mas no chão de fábrica, seja de uma multinacional, ou de uma spin-off ”, diz.

Para Ruy Quadros, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Insti-tuto de Geociências da Universidade Es-tadual de Campinas (Unicamp), os Cepids são fundamentais para desenvolver a ci-ência de alto impacto no Brasil, mas não podem ser considerados centros de inova-ção. “O nome do programa não é o mais adequado, porque os Cepids são centros de produção científica, não de inovação. Eles podem até ter um papel decisivo no processo, mas quem faz inovação são as empresas”, diz Quadros.

Segundo Quadros, no entanto, o formato dos Cepids é adequado para seus objeti-vos científicos. “É um modelo que leva em conta elementos básicos da economia da ciência, como a necessidade de produzir massa crítica. Projetinhos isolados não levam a muita coisa. E a oportunidade de ter financiamento a longo prazo é muito importante para gerar massa crítica”, diz.

Ele acredita que os Cepids sigam a recei-ta ideal para estimular a ciência de alto impacto: alocar recursos consideráveis, por longo tempo, para um volume gran-de de cientistas, que trabalham de forma articulada, multidisciplinar e colaborativa em uma convergência de temas. “Esse é certamente um bom caminho. As empre-sas podiam adotar um modelo parecido, investindo em centros semelhantes, em vez de pulverizar recursos”, diz.

Um dos novos Cepids é o Centro de Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), que é dirigido por Glaucius Oli-va, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq). O CIBFar tem suas pesquisas voltadas para a identificação e seleção de compostos naturais da biodiversida-de brasileira com foco na descoberta de novos medicamentos e envolve cientistas da Unesp, Unicamp, USP e UFSCar. “To-dos já tinham forte atuação nessa área, e juntamos forças para cooperar”, diz Maysa Furlan, professora da Unesp no Instituto de Química de Araraquara, que é a pes-quisadora principal do centro.

O grupo da Unesp no CIBFar é ligado ao Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Eco Fisiologia de Produtos Naturais (Nubbe). Liderado pela professora Vanderlan Bol-zani, o Nubbe atua há 15 anos na química de produtos naturais. “Temos trabalhado na prospecção de moléculas e na eluci-dação estrutural de compostos naturais. Identificamos e catalogamos mais de 600 moléculas, e acumulamos experiência em parceria com empresas”, diz Maysa.

Ela acha que o potencial do programa em gerar inovação é imenso, e que passa pela formação de pessoal “Esse novo para-digma de ciência vai estimular nos alunos um pensamento mais voltado à inovação, abordando temas da fronteira da ciência sem perder de vista resultados que levem a avanços tecnológicos”, diz. Dentro de alguns anos, esses jovens pesquisadores, acostumados a inovar e a trabalhar em cooperação, assumirão postos de docên-cia e cargos de gestão científica, replican-do, assim, o paradigma. “Essa mudança cultural será a principal contribuição dos Cepids”, aposta Maysa.

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a apontar sua resistência à passagem do tempo e aos danos. “É muito importante conhecer a dureza dos materiais usados para fazer móveis e pisos, por exemplo, pois eles costumam sofrer muitos impactos. Os pisos principalmente, pois são cons-tantemente danificados por saltos e cal-çados”, diz Ballarin.

Ballarin é professor da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, espe-cializado nas propriedades da madeira. Durante anos, ele trabalhou estudando as propriedades que garantem a quali-dade e a segurança dos dormentes de ferrovias (as peças de madeira que são colocadas perpendicularmente entre os trilhos, por cima das quais o resto da estrutura é fixado). Essas peças preci-sam ser compostas por madeiras duras, do contrário as companhias ferroviárias podem sofrer grandes prejuízos com a degradação do material.

A capacidade de medir a dureza dos dor-mentes se tornou ainda mais importante nos últimos anos, pois as madeiras nobres brasileiras que eram normalmente usadas pela indústria, como jatobá e ipê, estão

A driano Ballarin empunha um equipamento alongado de me-tal, medindo cerca de 30 centí-

metros, e o posiciona sobre um pedaço de madeira. Com uma das mãos segura o aparelho firmemente, enquanto a outra levanta lentamente uma haste interna de um quilo, até atingir o seu limite — e sol-ta. A haste cai, e o impacto de sua ponta maciça contra a madeira produz um som seco e uma deformação no material tão suave que quase não dá para enxergar. Mas um sensor no equipamento informa a profundidade exata: 1,73 milímetro. É assim que funciona um durômetro. A par-tir da medição precisa da deformação, o operador pode saber quão duro é o ma-terial que está em teste.

A dureza é, justamente, a capacidade que um sólido tem de resistir à perfura-ção. Longe de ser um dado supérfluo, ela é encarada como um atributo essencial pela indústria e a academia, pois serve de indicação da qualidade geral de um mate-rial. Assim, durômetros são hoje em dia amplamente utilizados para testar peças como chapas e vigas de metal, ajudando

se tornando cada vez mais raras e caras. Seu uso tem sido substituído pelo do eu-calipto, uma madeira de reflorestamento originária de fora do país. O problema é que o gênero Eucalyptus é composto por várias espécies diferentes. Algumas são tão duras quanto as melhores madeiras nacionais, outras, nem tanto.

Adriano Ballarin percebeu, assim, que existia uma demanda por parte da indústria de um aparelho que avaliasse a qualidade dos lotes de dormentes que comprava. “Mais de 20 mil quilômetros de ferrovias brasileiras usam dormentes de madei-ra, e são utilizados 1.400 dormentes por quilômetro. As empresas compram um volume enorme de madeira, e precisam avaliar sua qualidade em campo”, diz o pesquisador. Os ensaios disponíveis para medir a dureza das madeiras, no entan-to, usavam máquinas grandes, pesadas e caras, que não podiam ser retiradas dos laboratórios — até a invenção de Ballarin.

Que durezaEsses equipamentos de laboratório são tão grandes porque precisam medir um tipo de

Tecnologia de pontaVem aí a nova geração de “durômetros”, equipamentos destinados a medir a dureza das coisas. O novo equipamento é uma boa notícia para as empresas que fazem produtos usando madeira, em que mais solidez significa mais segurança

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texto Guilherme Rosa ● fotos Agência Ophelia

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dureza chamado Janka. Esse tipo de ensaio usa uma esfera para causar determinada penetração superficial na madeira, e mede quanta força foi necessária para causar a deformação total. “O problema é que essa técnica exige forças de grande magnitude e um controle muito grande da profundidade da penetração — o que torna impraticável seu uso em campo”, diz Ballarin.

O novo equipamento segue outro mé-todo, analisando um tipo de dureza cha-mada Brinnel. Nesta medição, em vez de causar uma deformação fixa e medir a força aplicada, o pesquisador fixa a força que será usada e analisa a profundidade da deformação causada na madeira. No caso do equipamento de Ballarin, a força usada é sempre o peso da haste em queda. Como a intensidade do impacto é sempre igual, pode-se concluir a dureza da madeira a partir do tamanho do furo provocado.

A escolha pela dureza Brinnel permi-tiu a criação de um equipamento menor e mais leve, que pode ser carregado em apenas uma mão e utilizado repetidamen-te em campo (enquanto um durômetro convencional pode passar dos 200 kg,

o novo equipamento pesa apenas dois), além de ser muito mais barato. Os equipa-mentos comerciais normais podem custar mais de 15 mil reais. A expectativa de Ballarin é que o novo produto fique entre R$ 500 e R$ 700.

Na primeira versão do durômetro, os pesquisadores precisavam usar uma lupa para medir a deformação causada na ma-deira. Hoje, na terceira versão, um sensor de deslocamento instalado no equipamento mede todo o movimento da haste. O sen-sor começa a fazer medições logo depois

de a haste estar em queda livre, e a ponta de metal estar a apenas 2 mm do impac-to, e continua mesmo depois da colisão. O processo dura menos de 200 milisse-gundos e fica gravado no equipamento.

A próxima etapa será acoplar ao aparelho uma bateria interna, uma tela touchscre-en e bluetooth, para que possa funcionar de maneira autônoma. “A ideia é que o operador nem analise os dados“, explica Ballarin. “Ele poderia realizar dez medi-ções em um lote de madeira, por exem-plo. Feitos os testes, o aparelho poderia acender uma luz vermelha ou verde, para sinalizar se o lote foi aprovado ou não”.

A tecnologia foi testada por uma das maiores empresas fornecedoras de dor-mentes do país. Funcionou bem, e um pedido de patente, através da Agência Unesp de Inovação, está em andamento. O professor Ballarin já pensa em outros horizontes, muito além dos dormentes. “O Brasil é um grande exportador de madei-ra. O aparelho poderá ser usado por toda a indústria madeireira para testar vigas, caibros e pranchas, usadas em pisos e móveis”, conclui.

A nova tecnologia é portátil, mais leve,

e poderá ter um custo inferior a 10% do preço

dos aparelhos atuais. E a ideia é que os próximos

modelos possam dispensar o ser humano,

e realizar avaliações totalmente automáticas

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A escrita do batuque

A grande variedade de timbres disponíveis para os percussionistas levou um professor a criar uma

notação só para o pandeiro

N otação é o nome genérico de qualquer sistema de escrita utilizado para representar gra-

ficamente uma peça musical, permitindo a um intérprete que a execute da manei-ra inicialmente desejada pelo composi-tor ou arranjador. O sistema de notação mais utilizado no Ocidente é o que utiliza símbolos grafados sobre uma pauta de 5 linhas, também chamada de pentagrama.

Diversos sistemas de notação existem e muitos deles também são usados na música moderna. O elemento básico é a nota, que representa um único som e suas características básicas: duração e altura. Os sistemas também permitem represen-tar outras características, como variações de intensidade, expressão ou técnicas de execução instrumental. À medida que se deseja anotações cada mais exatas, cresce a complexidade do sistema de notação. O percussionista Carlos Di Stasi, professor do Instituto de Artes no Câmpus de São Paulo, desenvolveu uma notação musical própria, especificamente para pandeiro, que desafia a lógica do pentagrama.

Di Stasi é oriundo de uma família em que não havia músicos, e sua formação em boa parte foi autodidata. O desenvolvimento de sua própria notação está ligado ao seu contato diário com partituras próprias e alheias, como parte de sua experiência junto ao Grupo de Percussão do Institu-to de Artes do Planalto (PIAP) da Unesp. Di Stasi ingressou no PIAP como aluno. Depois tornou-se convidado, professor e

atualmente é o diretor. Se a música contemporânea já parte de

sistemas diferenciados, o desafio cresce quando se trata de lidar com instrumentos de percussão como pandeiro. Quando se deseja, por exemplo, trabalhar nele com 20 timbres distintos, há necessidade de se aventurar, ou seja, buscar soluções próprias.

Para Di Stasi, a questão ganha ainda com-plexidade. No mundo atual da música, as demandas são por fazer muito em pouco tempo e, geralmente, com pouco ensaio. Nessa encruzilhada, os desafios são cons-tantes entre a velocidade do que é preciso fazer, e a precisão e o cuidado da informação.

Assim foi desenvolvida uma notação própria, voltada para estudar, compor ou desenvolver técnicas e execuções. O sistema está baseado no processo de cria-ção de Di Stasi, ou seja, ao realizar uma composição, ele não pensa apenas naquela obra específica, mas nas possibilidades de ela ter 90 timbres a mais, por exemplo. Para colocar isso no papel, é necessário

transformar o sistema tradicional. A ideia central é, especificamente pa-

ra o pandeiro, deixar a partitura o mais simples possível, pois ela irá se compli-car a qualquer momento. É um processo que exige aperfeiçoamento constante e a hierarquização de interesses.

Para Stasi, no pandeiro, por exemplo, os principais tópicos são o som aberto, o som fechado, o som da ponta dos dedos e o do pulso. O método começou a ser elaborado por volta de 2000, quando um ex-aluno do PIAP lhe mandou um método de pandeiro para analisar. A partir daí foi desenvolvendo seu pensamento sempre dentro do princípio de não destruir o que já existe, mas de utilizar o tradicional, o já estabelecido, e subvertê-lo, fazendo novas escolhas.

Sobre a possibilidade de patentear o trabalho, houve uma primeira consul-ta junto à Agência Unesp de Inovação (AUIN). Inicialmente resistente à ideia, Stasi avalia hoje melhor a questão. Um fato essencial é que não existe hoje uma notação precisa e universal do pandeiro.

E isso gera incongruências nas partitu-ras que se espalham ao longo do tempo.Stasi já ouviu interpretações de que não

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Oscar D’Ambrosio

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gosta do que ele mesmo compôs, porque as notações a que o intérprete teve aces-so foram apenas “fantasmas” do que ele criou. Para evitar isso, existe o projeto de editar oficialmente cerca de dez das mais de 100 peças que ele escreveu.

O percussionista diz que as suas compo-sições, assim como o sistema de notação que ele propõe, nascem de seu estudo. Considera que seu olhar autodidata o faz explorar as obras até o virtuosismo, mas sem um estudo formal que subjugue a te-oria à prática. Em contrapartida, aponta que há compositores mais processuais, que valorizam fórmulas matemáticas e julgam o resultado sonoro a partir de es-quemas anteriormente estabelecidos.

Todo esse processo de reflexão ganhou novos contornos no final de 2013, quan-do, com a aposentadoria do fundador

do grupo, professor John Boudler, Di Stasi assumiu a direção do PIAP. Seus principais desafios são manter a qua-lidade do grupo, que hoje constitui o maior laboratório do gênero na Amé-rica Latina, e abraçar novos projetos.

Quanto à formação de novos per-cussionistas, aponta que são cada vez mais heterogêneos no sentido de sempre apresentarem novas caracte-rísticas e de estarem cada vez mais abertos a possibilidades. No entanto, ao se fiarem demais na internet, dei-xariam um pouco de lado “a jornada de buscar, por si mesmos, informações e respostas”, diz. Ganham em rapidez, mas perdem na prática da execução do instrumento, que constitui, justa-mente, o fundamento do método de notação desenvolvido pelo professor.

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A busca por meios para criar uma in-dústria verde e amarela tecnologica-

mente mais inovadora já está motivando pesquisas acadêmicas em áreas como a administração e a engenharia de produ-ção. Um dos frutos dessas investigações é o livro Inovação e Desenvolvimento de Produtos – Práticas de Gestão e casos brasileiros, de autoria de Daniel Jugend e Sérgio Luis da Silva. Na obra, os autores apresentam casos de empresas brasilei-ras e ensinam metodologias para aque-les que se dispõem a gerenciar projetos na área. Na entrevista a seguir, Daniel Jugend, que é professor do Departamento de Engenharia de Produção da Faculdade de Engenharia da Unesp em Bauru, traça

Livro investiga o desenvolvimento de novos produtos nas empresas brasileiras, e ensina caminhos para os profissionais que querem se especializar em gestão da inovação

um panorama do setor.

Unesp CiênCia Por que escrever este livro?Daniel JUgenD Observei que muitas das obras que já existiam no mercado não apresentavam a realidade brasileira, e eu levantei bastante material através de estudos de caso e pesquisas. Inclusive tive um projeto Fapesp só para estudar a ges-tão de portfólio de produtos em empresas brasileiras de base tecnológica. Além dis-so, também não se costuma abordar, de forma didática, diversas boas práticas que estão sendo empregadas hoje. Achei legal passar um pouco dessas informações, daí propus este livro junto com Sergio Luis da Silva, que é professor na UFSCar.

UC Existe alguma diferença entre a ma-neira como as empresas brasileiras de-senvolvem novos produtos e como esse processo acontece em outros países?JUgenD Os profissionais brasileiros são muito criativos e empreendedores. Isso é um ponto forte para a inovação nas empre-sas brasileiras. Porém, há falta de inves-timento em pesquisa e desenvolvimento no ambiente empresarial brasileiro. E há uma aversão cultural a projetos mais ar-riscados e de longo prazo. Isso faz com que grande parte das inovações, no Brasil, sejam de tipo incremental. Ou seja, você tem muito desenvolvimento de produto, mas que consiste em pequenas melhorias. É muito difícil observar casos de inovação

A teoria, na prática

entrevista a Pablo Nogueira

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livros

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radical, mesmo nas grandes empresas. Isso é bem diferente do que se vê nas grandes companhias de outras nações, ainda mais naquelas que já têm tradição em inovação, como EUA, Japão, Alemanha e, hoje, a China. E, certamente, afeta a competiti-vidade das nossas empresas.

UC As empresas brasileiras sabem inovar?JUgenD Sim. A inovação é necessária para fazer frente ao atual ambiente turbulento e competitivo. As empresas fazem, mas, como disse antes, é do tipo incremental. E nós temos profissionais qualificados para desenvolver inovações radicais.

UC O Brasil tem um bem-sucedido caso de transferência tecnológica do setor de pesquisa para o setor produtivo, a Em-brapa. Por que a indústria brasileira não teve ainda um sucesso parecido? JUgenD A Embrapa realmente é um caso muito bem-sucedido. Existem iniciativas atuais para melhorar a transferência de tecnologia entre institutos de pesquisa, universidades e indústrias. A própria lei de inovação é um exemplo, assim como o recente projeto de formação da Embrapii (Empresa Brasileira de Inovação Tecnoló-gica e Industrial, órgão criado ano passado pelo MCTI). Porém, apenas melhorar o ar-cabouço institucional não basta. É preciso criar uma cultura de aproximação entre a indústria, os institutos de pesquisa e a universidade. Acho que este é um dos grandes desafios que a gente enfrenta.

UC Você observa que várias empresas colocam profissionais com formação téc-nica, e não em administração, para cui-dar de projetos de novos produtos. Essa escolha gera algum problema? JUgenD É fundamental que haja nos pro-jetos de desenvolvimento de produto um profissional capaz de compreender os as-pectos técnicos. No entanto, ter só pro-fissionais com esse perfil pode ser algo perigoso. Acho que este é o problema de várias empresas que desenvolvem produtos no Brasil. Principalmente as pequenas de base tecnológica. Estas companhias mui-tas vezes desenvolvem produtos de alto conteúdo tecnológico, mas levam pouco

em conta aspectos como o mercado ou as necessidades do cliente. E isso pode levar o projeto ao fracasso. Por isso é impor-tante integrar o conhecimento gerencial ao desenvolvimento de novos produtos.

UC Em 2014 comemoram-se dez anos da criação da chamada Lei de Inovação, mas muitos analistas dizem que a inova-ção no Brasil ainda está longe de decolar. Como você vê esta questão? JUgenD Eu concordo. Como disse antes, apesar de termos já este arcabouço insti-tucional, falta a cultura de aproximação entre a universidade e a indústria. Até mesmo por uma questão de prazos. Na indústria, o desenvolvimento de tecnolo-gia tem que acontecer de forma rápida. A indústria é mais lenta... Enfim, falta esta cultura de as duas trabalharem de ma-neira conjunta. Um caso interessante de aproximação é o programa Natura Cam-pus, em que a empresa Natura estabelece parcerias com universidades através de editais, para o desenvolvimento conjunto de tecnologias. Esse caso está alinhado aos princípios do chamado open inovation, ou inovação aberta...

UC O que é isso?JUgenD É o caso onde a empresa abre seu processo de inovação, de forma a receber a colaboração de agentes externos. Sejam centros de pesquisa, outras empresas ou até mesmo concorrentes. Então esse pro-grama Natura Campus pode ser um mo-delo interessante a ser seguido por outras empresas no Brasil.

UC É comum ouvir a crítica de que o em-presário brasileiro tem pouco interesse em inovar, porque se beneficiaria de uma economia muito fechada. O que pensa? JUgenD Concordo que o Brasil deveria participar mais do comércio internacio-nal. Isso tornaria nossas empresas mais competitivas e inovadoras. No entanto, há um risco: devido ao nosso padrão atual de concorrência, seja no mercado interno ou externo, as empresas que não se esforçarem para diferenciar seus produtos e serviços estarão ameaçadas. E esse esforço passa por uma boa gestão da inovação.

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Inovação e Desenvolvimento de Produtos: práticas de gestão e casos brasileiros Daniel Jugend e Sérgio

Luis da Silva; Editora LTG;

184 págs. | R$ 53,00

TrechoO próprio governo brasileiro tem

apresentado diversas iniciativas que

têm a inovação tecnológica como

foco, entre as quais se podem des-

tacar a Lei de Inovação Tecnológica,

e o programa Ciência sem Fron-

teiras (...).

Apesar de incentivos e políticas

públicas, as empresas apresentam

dificuldades para transferir novas

tecnologias às linhas de produção

atuais e futuras. Essas dificulda-

des decorrem devido à carência e

à inadequada aplicação de práticas

adequadas de planejamento e de

gestão entre os diferentes depar-

tamentos que trabalham com o pla-

nejamento de produtos e de tecno-

logias em uma empresa. É comum a

presença de barreiras culturais e de

comunicação entre os departamen-

tos e especialidades envolvidos, o

que dificulta o gerenciamento das

atividades relacionadas à transfe-

rência de tecnologias a um ou mais

produtos durante o processo de

desenvolvimento.

Some-se a essas limitações a

dificuldade que muitas empresas

possuem em interagir com fontes

externas que possam efetivamen-

te auxiliá-las em seus esforços de

d e s e n v o lv i -

mento de tec-

nologias, como

universidades,

institutos de

pesquisa, con-

sultorias e ou-

tras empresas,

por exemplo.

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O gigante em miniatura

Esta é uma das menores representações já feitas do Brasil: mede meros 19 µm X 19 µm, sendo que cada µm

(micrômetro) equivale a 0,000001 metro. O autor da façanha é o físico Wagner Bastos, do Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF).

Como parte do seu pós-doutorado no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica Aplicada,

na Unesp de Araraquara, Bastos criou esta imagem, usando as técnicas de litografia

ferroelétrica e microscopia de piezorresposta.

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logia da informação vem se desenvol-vendo com a aceleração das tecnologias que permitem criar as chamadas nuvens computacionais, mas aparentemente os condutores do processo de inovação em educação ainda trabalham sob os para-digmas originais da “cibercultura”.

Esses padrões se referem quase exclu-sivamente aos potenciais dos sistemas computacionais de armazenar e proces-sar informações. O conceito de ecologia da informação deve levar em conta tam-bém a capacidade recente das máquinas de fazer escolhas, ainda que básicas, e de interagir com a inteligência humana. Essa é a via pela qual a tecnologia pode contribuir para a atualização da educação.

Por exemplo, num encontro multidisci-plinar sobre certo aspecto de um projeto educacional, uma conexão permanente com o sistema chamado de “big data” pode superar controvérsias e auxiliar os parti-cipantes a tomar decisões. A interlocução entre humanos já pode incluir um terceiro protagonista, por mais difícil que seja con-ciliar a oposição dialética entre o campo físico e o campo informacional, sendo esse novo elemento produto do gênio humano.

Em todas as circunstâncias, o processo comunicacional se realiza sob a forma das trocas de subjetividades, e é nesse aspec-to que ocorrem as perdas de significado. A introdução do elemento não humano com função referencial numa troca de conhecimentos entre humanos pode ser a chave para a realização do ideal hipoté-tico das conversações transdisciplinares. É preciso convidar as máquinas para a mesa de debates.

O s debates acadêmicos sobre a construção do conhecimento, pano de fundo da grande ques-

tão da educação, ainda se desenvolvem em campos paralelos, repetindo concei-tualmente a realidade das disciplinas que nunca se encontram, e que suposta-mente se pretende mudar. Nos territórios específicos dos saberes, cada um procura preservar sua reserva de valores simbóli-cos. O resultado é apenas o compartilha-mento do que não é essencial. Ou seja, no ponto futuro, onde deveriam convergir as vanguardas do conhecimento, só será encontrado o lugar comum.

Deve haver uma enciclopédia de expli-cações para essa contradição, e a mais evidente delas é o simples fato de que, quanto mais relevante o saber, maior a percepção de valor por quem o detém e, portanto, maior será sua resistência a compartilhá-lo. Quando a troca se dá em campo supostamente neutro, como, por exemplo, o do chamado jornalismo científi-co, basta que o conteúdo seja apresentado em linguagem vulgar para que o especia-lista se recolha a uma atitude defensiva.

Numa linguagem que não seja aquela sua original e específica, todo conheci-mento corre o risco de perder solenidade e elegância, ou seja, as informações que o compõem e organizam em um proces-so de comunicação estão sujeitas a uma grande margem de subjetividade. Ao ser decodificada e abstraída, como condições para sua difusão no ambiente social, toda informação corre o risco de cair no limbo das intepretações difusas, o que comu-mente produz calafrios nos especialistas.

No entanto, não há outra possibilida-de, porque todo conhecimento precisa ir ao mundo, caso contrário estaremos construindo uma sociedade de torres de

cristal que não se comunicam entre si. Se os doutos saberes resistem ao processo de vulgarização, permanecem presos à sua própria semântica, condição na qual correm o risco da entropia e da alienação. O mergulho no espaço informacional — ou, como preferem alguns, no espaço in-formativo — requer essa disposição para colocar o saber específico no campo geral dos conhecimentos diversos.

Portanto, é sensato considerar que a questão da inovação em educação deve ser colocada em um território no qual as qualidades de cada disciplina possam ser preservadas, ao mesmo tempo em que se constroem os espaços para a interação. O que se vê, em geral, é a disputa pela predominância desta ou daquela visão. Um exemplo é o acondicionamento da pedagogia no campo da psicologia, ou o sequestro da antropologia pela ciência po-lítica ou pela geografia. No fim das contas, o resultado será menos interdisciplina-ridade e a manutenção das hegemonias.

O desenvolvimento de um campo largo o suficiente onde caibam em paridade de condições todos os tipos de conhecimen-to exige a assunção do conceito segundo o qual todas as informações existem e interagem num ambiente que podemos chamar de ecológico. A ideia de uma eco-

O elemento não humano pode ser chave nos

diálogos multidisciplinares. É preciso convidar as máquinas para a

mesa de debates

O diálogo com a máquina

Luciano Martins Costa

Luciano Martins Costa é jornalista, autor de O mal-estar na globalização (Editora A Girafa, 2005), coordenador do curso Gestão de Mídias Digitais da Fundação Getúlio Vargas.

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ponto crítico

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