Unicamp Metodos de Prova

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MC405 – Teoria dos Grafos MC878 – Teoria e Aplica¸c˜ oes de Grafos Orlando Lee Resumo Na disciplina MO405/MC878 veremos v´arios teoremas e provas/demonstra¸c˜ oes desses. Este texto ´ e um pequeno resumo descrevendo algumas ecnicas de prova/demonstra¸ ao. Ele n˜ao pretende ser abrangente muito menos completo. Suporemos que o leitor esteja familiarizado com os seguintes conceitos: conjuntos, fun¸c˜ oes, n´ umeros (inteiros, racionais, reais), l´ogica proposicional etc. Tudo isto e muito mais podem ser encontrados em K. H. Rosen, Discrete Mathematics and its applications, McGraw-Hill, 2003. Se vocˆ e n˜ao possui familiaridade com esses conceitos, eu recomendo fortemente (e urgentemente) que vocˆ e leia pelo menos o Cap´ ıtulo 1 desse livro. 1 Teoremas e demonstra¸c˜ oes Na disciplina MO405/MC878 veremos v´arios teoremas e provas/demonstra¸c˜ oes desses. Algumas provas ser˜ao omitidas por serem complexas, mas de modo geral, um teorema que se preze possui uma prova. Um teorema ´ e uma afirma¸c˜ ao ou senten¸ ca que pode ser provada/demonstrada (veja abaixo). Teorema ´ e um nome chique para proposi¸ c˜ao, fato ou resultado . Um lema ´ e tipicamente um teorema cuja prova ´ e simples e que serve para demonstrar um teorema mais complicado. Um corol´ ario ´ e um teorema que ´ e conseq¨ encia imediata de outro teorema. Uma conjectura ´ e uma afirma¸c˜ ao que n´os n˜ao sabemos se ´ e verdadeira ou falsa (no caso, “n´os” quer dizer a comunidade cient´ ıfica). Certo. . . Mas o que ´ e uma prova/demonstra¸c˜ ao? Eis uma explica¸c˜ ao dada por Paulo Feofiloff [1]: Uma prova ´ e uma seq¨ encia de senten¸cas. 1

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MC405 – Teoria dos GrafosMC878 – Teoria e Aplicacoes de Grafos

Orlando Lee

Resumo

Na disciplina MO405/MC878 veremos varios teoremas eprovas/demonstracoes desses. Este texto e um pequeno resumodescrevendo algumas tecnicas de prova/demonstracao. Ele naopretende ser abrangente muito menos completo. Suporemos queo leitor esteja familiarizado com os seguintes conceitos: conjuntos,funcoes, numeros (inteiros, racionais, reais), logica proposicional etc.Tudo isto e muito mais podem ser encontrados em

K. H. Rosen, Discrete Mathematics and its applications,McGraw-Hill, 2003.

Se voce nao possui familiaridade com esses conceitos, eu recomendofortemente (e urgentemente) que voce leia pelo menos o Capıtulo 1desse livro.

1 Teoremas e demonstracoes

Na disciplina MO405/MC878 veremos varios teoremas eprovas/demonstracoes desses. Algumas provas serao omitidas porserem complexas, mas de modo geral, um teorema que se preze possui umaprova.

Um teorema e uma afirmacao ou sentenca que pode serprovada/demonstrada (veja abaixo). Teorema e um nome chiquepara proposicao, fato ou resultado. Um lema e tipicamente um teoremacuja prova e simples e que serve para demonstrar um teorema maiscomplicado. Um corolario e um teorema que e consequencia imediata deoutro teorema. Uma conjectura e uma afirmacao que nos nao sabemos see verdadeira ou falsa (no caso, “nos” quer dizer a comunidade cientıfica).

Certo. . . Mas o que e uma prova/demonstracao? Eis uma explicacaodada por Paulo Feofiloff [1]:

• Uma prova e uma sequencia de sentencas.

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• Cada sentenca e o uma afirmacao (por exemplo, “n e primo” ou “ografo H e conexo” ou “existe um caminho com extremos u e v”) ou umadefinicao de variaveis (por exemplo, “seja p um numero primo maiorque 2” ou “seja v um vertice nao-isolado” ou “seja X o conjuntos dosvertices que bla bla bla”).

• Cada afirmacao e uma consequencia logica simples das afirmacoes an-teriores (o leitor deve ser capaz de perceber e verificar isso facilmente).

• Cada afirmacao ou definicao so envolve variaveis que foram definidasem alguma sentenca anterior.

• A ultima sentenca e a declaracao do fato que voce pretende provar.

Apresentamos varios exemplos de prova/demonstracao na proxima secao.

Um teorema tem tipicamente a seguinte forma: se A entao B, onde

• A e uma afirmacao ou conjunto de afirmacoes que chamamos dehipotese e

• B e uma afirmacao ou conjunto de afirmacoes que chamamos de teseou conclusao.

Outra forma de dizer isto e: A implica B. Em linguagem de logica A implicaB e equivalente a expressao ¬A ∨ B. A expressao ¬A significa a negacaode A e ∨ e o operador logico “ou” (“or”). Em portugues, isto significa quepara mostrar que A implica B ou que ¬A∨B e verdade, temos que mostrarque se A for verdadeira entao B tambem deve ser verdadeira.

Eis alguns exemplos:

1. Se n e um inteiro par par entao 3n + 1 e ımpar.

2. Se o grafo G tem grau mınimo 2 entao G contem um circuito.

Em alguns enunciados, a hipotese fica implıcita:

1. A equacao x2 + bx + c = 0 possui no maximo duas raızes reais.

2. Existem infinitos numeros primos.

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3. Toda arvore tem pelo menos duas folhas.

4. Existem infinitos grafos 3-regulares sem aresta-de-corte.

Alguns teoremas tem a forma: A se e somente se B. Neste caso, e precisoprovar as duas implicacoes: se A entao B e se B entao A.

Eis alguns exemplos:

1. Um inteiro n e par se e somente se n2 e par.

2. Um grafo G e bipartido se e somente se nao contem circuitos ımpares.

2 Metodos de prova

2.1 Prova direta

Como o nome diz, este e o metodo direto. Supomos que vale a hipotesee tentamos chegar na tese/conclusao.

Teorema 2.1. Se n e um inteiro ımpar entao n2 e um inteiro ımpar.

Demonstracao. Suponha que n seja um inteiro ımpar. Entao existe alguminteiro k tal que n = 2k + 1. Logo,

n2 = (2k + 1)2 = 4k2 + 4k + 1 = 2(2k2 + 2k) + 1.

Portanto, n2 e um inteiro ımpar.

2.2 Prova indireta

Este metodo tambem e conhecido por prova pela contra-positiva. A ideiado metodo consiste no seguinte: em vez de provar que se A entao B, prova-mos que se B nao vale entao A nao vale. Em linguagem de logica, istoequivale a provar que se ¬B entao ¬A ou que ¬B implica ¬A.

Teorema 2.2. Se 3n + 2 e ımpar entao n e ımpar.

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Demonstracao. Suponha que a tese nao vale, ou seja, n e par. Entao existeum inteiro k tal que n = 2k. Logo,

3n + 2 = 3(2k) + 2 = 6k + 2 = 2(3k + 1),

e assim, 3n + 2 e par (ou seja, nao e ımpar). Como chegamos a negacao dahipotese, a implicacao original e verdadeira.

2.3 Prova por contradicao

Este metodo e bastante poderoso, embora seja um tanto confuso paraquem nao esta acostumado. A ideia e a seguinte: em vez de provar quese A entao B, supomos que A vale e B nao vale e tentamos chegar a umaconclusao absurda (por exemplo, concluımos que A nao vale ou chegamosa alguma coisa claramente sem sentido como 0 = 1). Isto mostra que aafirmacao se A entao B tem que ser verdadeira pois verificamos nao serpossıvel A ser verdade e B ser falso (esta e a negacao de se A entao B).

Teorema 2.3. O numero√

2 e irracional.

Demonstracao. Suponha por contradicao (ou por absurdo) que√

2 sejaracional. Entao existem inteiros p e q sem fatores em comum tais que√

2 = p/q (ou seja, a fracao p/q esta reduzida). Entao elevando os doislados da equacao ao quadrado obtemos

2 = p2/q2.

Portanto,2q2 = p2.

Isto significa que p2 e par e portanto p e par. Alem disso, como p e par,entao existe algum inteiro k tal que p = 2k. Logo,

2q2 = 4k2,

e assim,q2 = 2k2.

Isto significa que q2 e par e portanto q e par.

Acabamos de mostrar que tanto p quanto q sao divisıveis por 2. Istocontraria nossa hipotese inicial de que

√2 = p/q com p e q sem fatores em

comum. Portanto,√

2 e irracional.

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2.4 Prova por analise de casos

A prova de alguns teoremas consiste em particionar o universo de possi-bilidades em um numero finito de casos e entao provar a veracidade de cadaum desses. Para provar um caso qualquer tecnica pode ser usada, inclusiveuma nova subdivisao em casos.

Teorema 2.4. Se x e y sao inteiros com mesma paridade entao x+y e par.

Demonstracao. Ha dois casos que devem ser analisados:

Caso 1: x e y sao pares. Entao existem inteiros m e n tais que x = 2me y = 2n. Logo,

x + y = 2m + 2n = 2(m + n),

e assim x + y e par.

Caso 2: x e y sao ımpares. Entao existem inteiros p e q tais que x = 2p+1e y = 2q + 1. Logo,

x + y = (2p + 1) + (2q + 1) = 2(p + q + 1),

e assim x + y e par.

Portanto, se x e y tem a mesma paridade, entao x + y e par.

2.5 Prova por construcao

Alguns teoremas afirmam a existencia de certos objetos. Um metodopara provar um teorema deste tipo e simplesmente exibir um objeto daforma desejada.

Teorema 2.5. Existem inteiros x, y e z tais que x2 + y2 = z2.

Demonstracao. Tome x = 3, y = 4 e z = 5. Entao 32 + 42 = 9 + 16 = 25 =52.

Teorema 2.6. Existe um numero infinito de inteiros x, y e z tais que x2 +y2 = z2.

Demonstracao. Basta considerar o conjunto {(3n, 4n, 5n) : n ∈ N}.

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Prova nao-construtiva de existencia. Nao veremos muito estemetodo na disciplina, mas eis um exemplo.

Teorema 2.7. Existem irracionais x e y tais que xy e racional.

Demonstracao. Ja sabemos que√

2 e irracional. Considere o numero√

2√

2.

Sabemos que ele e racional ou irracional. Se ele for racional, entao existemdois irracionais x e y tais que xy e racional, mais exatamente x =

√2 e

y =√

2. Por outro lado, se√

2√

2for irracional, entao podemos tomar

x =√

2√

2e y =

√2 e assim, xy = (

√2√

2)√

2 =√

2(√

2√

2)=√

22

= 2.

Esta prova e nao-construtiva pois nao encontramos irracionais x e y taisque xy e racional. Em vez disso, mostramos que ou o par x =

√2, y =

√2

ou o par x =√

2√

2, y =

√2 tem a propriedade desejada, mas nao sabemos

qual!

3 Contra-exemplos

Um modo de mostrar que uma afirmacao se A entao B nao e verdadeirae exibir um contra-exemplo. Ou seja, exibir um objeto que satisfaz A masnao satisfaz B.

Considere por exemplo a afirmacao: para todo n ≥ 1, 22n+ 1 e primo.

Isto e verdade para n = 1, 2, 3, 4 (estou contando apenas, nao e tao facil dever. . . ) mas nao vale para n = 5 ja que 225

+ 1 = 232 + 1 = 4294967297 =641 × 6700417 nao e primo. Assim, n = 5 e um contra-exemplo para aafirmacao acima. Este exemplo mostra tambem que para provar um teoremanao e suficiente verificar que vale para alguns casos particulares.

4 Conjecturas

Uma conjectura e uma afirmacao que nao sabemos se e verdadeira oufalsa.

A seguinte conjectura e bem famosa e esta em aberto ha mais de 300anos!

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Conjectura 4.1 (Goldbach). Todo inteiro par maior que 2 pode ser escritocomo uma soma de dois primos.

E facil testar isso para numeros pares pequenos: 4 = 2 + 2, 6 = 3 + 3,8 = 3 + 5, 10 = 3 + 7 etc. No entanto este metodo nao serve para provar aconjectura ja que ha um numero infinito de numeros pares. Entretanto, noteque para mostrar que a conjectura e falsa bastaria exibir um contra-exemplo.

Referencias

[1] P. Feofiloff. Pagina da disciplina de Teoria dos Grafos no IME-USP.http://www.ime.usp.br/~pf/mac5770-2005/tarefas.html

[2] K. H. Rosen. Discrete Mathematics and its applications, McGraw-Hill, 2003.

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