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UNIP UNIVERSIDADE PAULISTA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA DO TRÂNSITO DANIELE ALCÂNTARA PAIVA MULHERES E O PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) MACEIÓ - AL 2013

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UNIP UNIVERSIDADE PAULISTA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA DO TRÂNSITO

DANIELE ALCÂNTARA PAIVA

MULHERES E O PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA

NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH)

MACEIÓ - AL

2013

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DANIELE ALCÂNTARA PAIVA

MULHERES E O PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE

HABILITAÇÃO (CNH)

Monografia apresentada à Universidade Paulista/UNIP, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicologia do Trânsito.

Orientador: Prof. Dr. Manoel Ferreira do Nascimento Filho

MACEIÓ - AL

2013

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DANIELE ALCÂNTARA PAIVA

MULHERES E O PROCESSO DE OBTENÇÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE

HABILITAÇÃO (CNH)

Monografia apresentada à Universidade Paulista/UNIP, como parte dos requisitos necessários para a conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Psicologia do Trânsito.

APROVADO EM ____/____/____

__________________________________________________

PROF.DR. MANOEL FERREIRA DO NASCIMENTO FILHO

ORIENTADOR

__________________________________________________

PROF. DR. LIÉRCIO PINHEIRO DE ARAÚJO

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

PROF. ESP. FRANKLIN BARBOSA BEZERRA

BANCA EXAMINADORA

4

DEDICATÓRIA

Aos meus pais e irmãos, por estarem sempre ao meu lado.

Ao meu esposo José Edson, pelo companheirismo, respeito e incentivo, sempre

presente em minha vida.

Ao meu filho Guilherme, pela oportunidade de experimentar a mais pura forma de

amor.

Revelando-me a certeza de que todos os dias, ao lado deles são maravilhosos,

Dedico-lhes este trabalho.

5

AGRADECIMENTOS

À Deus pela oportunidade de vivenciar fases importantes e difíceis que me foram

essenciais ao aprendizado.

Aos meus familiares e amigos por todo o amor e compreensão em minhas

ausências.

Aqueles que diretamente e indiretamente contribuíram para a realização desse

trabalho.

6

“Todo o homem é doido. Quem não é doido não é

normal; e isso nada tem a ver com ser homem de

verdade”

(Manoel Ferreira).

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RESUMO

No Brasil, a cada dia é maior o número de mulheres que dão entrada ao processo para obtenção da CNH. Entretanto, assumir o volante de um automóvel sempre foi visto como uma tarefa restrita ao universo masculino, o espaço público. E a mulher ficaria restrita a realização de atividades do lar, ou seja, ao espaço privado. Alguns autores afirmam que, isso justifica o fato de boa parte dos motoristas brasileiros ainda se recusar a conviver de forma pacífica, com as mulheres motoristas, mesmo que estas sejam consideradas, segundo dados estatísticos, como mais atenciosas, mais prudentes, se envolvem em menos acidentes e cometem menos infrações. Dessa forma, objetivou-se com este estudo identificar quais os principais motivos que levam mulheres em diferentes faixas etárias buscar a CNH. Contou-se assim, com a participação de 10 mulheres, divididas em: grupo I - cinco mulheres de 18 a 20 anos de idade e grupo II - cinco mulheres com idade acima de 45 anos, que submeteram-se à testagem psicotécnica em uma clínica especializada e credenciada pelo Departamento de Trânsito da Cidade de Manaus. Para esta investigação realizaram-se entrevistas, onde foi utilizado um roteiro semi-estruturado, os resultados destas mostraram que, as respostas das jovens concentram-se na realização de atividades ligadas às questões acadêmicas, questões de lazer com amigos e poderem ficar até tarde fora de casa. No grupo II, as respostas estão relacionadas à expansão de um trabalho autônomo e a independência, geralmente já possuem carro, mas este é dirigido por pessoas da família ou até por pessoas contratadas para este serviço. Cada grupo atribui um significado e uma representação a CNH. Pode-se afirmar que, o grupo I, a percebe como sinônimo de “liberdade” e “independência” para a realização de atividades sem ter que depender dos pais. No grupo II, ela é vista com a possibilidade de recomeçar ou reviver algo que foi deixado pra trás, representa uma realização pessoal e uma vitória diante do medo e das dificuldades sentidas nas avaliações. Espera-se que este estudo abra caminho para realização de outros trabalhos no âmbito da Psicologia do trânsito e que os resultados desta possibilitem a “desnaturalização” da visão sobre o universo da CNH e sobre as mulheres que buscam sua obtenção.

Palavras-Chave: Psicologia do Trânsito; Mulheres; Carteira Nacional De

Habilitação; Psicotécnico.

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ABSTRACT

In Brazil, every day is greater the number of women who give input to the process for obtaining the driver’s license. However, take the wheel of a car has always been seen as a task restricted to the male public space. And the woman would be restricted to performing home activities, the private area. Some authors claim that this justifies the fact that much of the Brazilian’s driver still refuse to live in a peaceful way, with women drivers, even if they’re considered, according to statistics, as more thoughtful, more cautious, engage in fewer accidents and make fewer infractions. Thus, the aim of this study was to identify the main reasons why women in different age groups seek the driver’s license. He told himself so, with the participation of 10 women divided into: Group I - five women 18-20 years of age and group II - five women over the age of 45 years who underwent testing in a clinical psycho specialized and accredited by the Traffic Department of the City of Manaus. For this research interviews were conducted, where we used a semi-structured, their results showed that the responses of young people focus on the execution of activities related to academic issues, issues of leisure with friends and they can stay up late outside from home. In group II, the answers are related to the expansion of a self-employment and independence usually already own a car, but this is driven by family members or by the people hired for this service. Each group assigns a meaning and representation driver’s license. It can be said that the group I, perceives it as synonymous with "freedom" and "independence" to conduct activities without having to depend on their parents. In group II, it is seen with the ability to start or revive something that was left behind, represents a personal achievement and a victory over fear and the difficulties experienced in evaluations. It is hoped that this study will pave the way for the realization of other jobs within the Psychology of traffic and allow the results of the "denaturalization" of insight into the universe of driver’s license and on women who seek its attainment.

Keyword: Traffic Psychology; Women; Driver's License; psycho.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 01 – Relação das atividades fins para utilização da CNH pelos jovens, na

faixa etária entre 18 a 20 anos............................................................30

Gráfico 02 – Relação das atividades fins para utilização da CNH pelos adultos, na

faixa etária acima de 45 anos.............................................................34

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Número de Vítimas em Acidentes de Trânsito no Brasil...........................15

11

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 14

2.1 Trânsito .............................................................................................................. 14

2.1.1 Dados Estatísticos Sobre Trânsito ............................................................... 15

2.2 Psicologia do Trânsito ...................................................................................... 17

2.2.1 O Psicólogo do Trânsito e seu Papel ........................................................... 20

2.3 Homem versus Mulher ...................................................................................... 21

2.3.1 Trânsito e Gênero: Do Estigma a Direção .................................................... 23

3. MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................... 26

3.1 Ética .................................................................................................................... 26

3.2 Tipo de Pesquisa ............................................................................................... 26

3.3 Universo da Pesquisa ....................................................................................... 26

3.4 Sujeitos da Amostra .......................................................................................... 26

3.5 Instrumentos de Coleta de Dados ................................................................... 27

3.6 Plano para Coleta dos Dados ........................................................................... 27

3.7 Plano para a Análise dos Dados ...................................................................... 27

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 28

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 38

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 40

ANEXOS ................................................................................................................... 43

APÊNDICE ................................................................................................................ 44

12

1. INTRODUÇÃO

O carro geralmente é ligado à imagem masculina, entretanto dados

estatísticos mostram que a cada dia tem aumentado o número de mulheres que

buscam a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para condução de

veículos. O que nos remete a pensar em mais uma forma de demonstração da saída

da mulher do espaço privado - o lar - para o espaço público - a rua - antes destinado

somente aos representantes do sexo masculino.

A mulher vem há muito tempo tentando livrar se de estigmas impingidos a sua

imagem, buscando melhores condições de vida, reconhecimento e crescimento

profissional. Nestas buscas conquistou vários espaços e sofreu muitos preconceitos.

O trânsito é um exemplo, visto que frases do tipo: “mulher no volante, perigo

constante” ou ainda “só existe dois tipos de mulher: a que não sabe dirigir e a que já

desistiu”, permeiam sua imagem como condutora de um veículo.

Observa-se que, em termos de atuação profissional em Psicologia do trânsito,

ainda apresentam-se poucas pesquisas científicas realizadas. Estas são de extrema

importância para que intervenções sejam realizadas com o objetivo da melhoria do

bem estar do indivíduo e a segurança nas vias públicas.

São poucas as universidades que têm a Psicologia do Trânsito como opção

em suas grades curriculares. Os acadêmicos pouco conhecem esta extensa área de

atuação, o que demonstra que há muito a ser feito pela classe profissional em

Psicologia.

No desenvolvimento deste estudo, primeiramente será apresentado

conceitos sobre o trânsito e algumas questões estatísticas sobre o mesmo.

Seguindo com o texto que se refere à Psicologia do Trânsito e ao papel do Psicólogo

nesta área. Seguida da apresentação de uma revisão bibliográfica sobre a mulher no

trânsito e questões sociais de gênero, como a concepção dos espaços sociais. E,

por fim, a apresentação e discussão dos dados coletados e a apresentação das

considerações finais com o objetivo de explicitar questões referentes aos dados

coletados nas entrevistas em relação aos aspectos da fundamentação teórica e da

análise qualitativa de conteúdo das entrevistas.

Espera-se que os resultados desta pesquisa possibilitem um maior

conhecimento quanto ao perfil da mulher motorista, além de abrir caminho para

novas pesquisas científicas nesta área de estudo e atuação da psicologia.

13

Possibilitando assim uma maior compreensão da mulher dentro do universo da

CNH.

14

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Trânsito

O Código Nacional de Trânsito Brasileiro (1997), em seu art. 1º, parágrafo 1º,

considera trânsito como sendo a utilização das vias, por pessoas, veículos e

animais, isoladas ou em grupos, conduzindo ou não, para fins de circulação, parada,

estacionamento e operação de carga e descarga.

Rozestraten (1988) propõe uma definição mais abrangente tendo o trânsito

como o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro

de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de

seus participantes. Estes deslocamentos realizam-se através de comportamentos.

Logo, o trânsito é visto como um conjunto de comportamentos e deslocamentos

regido por um sistema de normas, e quando se fala em comportamento ligamos

imediatamente a uma área de estudo da psicologia.

Para Vasconcelos (1998 apud TEBALDI & FERREIRA, 2012), o trânsito é

visto como uma disputa pelo espaço físico, que também reflete uma disputa pelo

tempo e pelo acesso aos equipamentos públicos. É como uma negociação contínua,

coletiva e conflituosa pelo espaço. Nessa disputa, surgem divergências de idéias, de

valores, de cultura. Dada às características de nossa sociedade, essa disputa pelo

espaço tem uma base ideológica e política, depende de como as pessoas se veem

na sociedade e de seu acesso real ao poder (TEBALDI & FERREIRA, 2012).

Rozestraten & Dotta (1996), acreditam que o trânsito tem o caráter e a

inteligência de quem o realiza e o veículo se constitui no espelho da pessoa que o

conduz. As pessoas dirigem como vivem, demonstrando seu grau de sensibilidade,

satisfação ou insatisfação com a vida como um todo. Para eles o ser humano

funciona por inteiro, com suas neuroses, frustrações, alegrias, contentamentos e, o

veículo passa a ser uma verdadeira extensão da pessoa que o conduz.

O veículo dá condições para que a pessoa se revele como é em seu dia-a-dia

e em suas relações. Segundo Bassani (apud DOTTA, 2000, p. 9), “o veículo não

deixa de ser uma caixa metálica, que, quando passa a ser conduzido assume a

inteligência, a alma, a sensibilidade e o comportamento do condutor”. Dessa forma,

para Tebaldi & Ferreira (2012) o veículo assume as características da personalidade

de quem o conduz e por isso, o trânsito, não pode ser analisado e estudado

15

isoladamente, pois envolve tudo o que o ser humano carrega consigo, sua cultura,

seus valores, seus ideais.

2.1.1 Dados Estatísticos Sobre Trânsito

O Brasil apresenta, segundo Toni (2004), um dos maiores índices de mortos

no trânsito, comparado esses dados a países como o Japão que apresenta uma

média de 1,32 por dez mil veículos ou Estados Unidos com média de 1,93, o índice

brasileiro é de 6,8, isso vem revelar, para o autor, o estado primitivo do sistema de

trânsito e a indigência dos investimentos públicos e privados no setor.

Toni (idem), apresenta também uma tabela (Tabela 1) do número de vítimas

em acidentes de trânsito no Brasil no período de 1961 a 2001:

Tabela 1 - Número de Vítimas em Acidentes de Trânsito no Brasil.

Ano Feridos Mortos Mortos/100.000

pessoas

Mortos/10.000

veículos

1961 23.358 3.356 4,6 53,6

1971 124.283 10.692 11,1 34,4

1981 243.001 19.782 15,9 17,0

1991 248.885 23.332 15,1 11,3

2000 358.762 20.049 11,8 6,8

Fonte: (IPEA/ANTP, 2003 apud Toni, 2004)

Segundo Marín & Queiroz (2000), os estudos sobre acidentes de trânsito no

Brasil são escassos. Ações de prevenção e controle estão apenas iniciando e pouco

se conhece a respeito do comportamento do motorista e do pedestre, além das

consequências traumáticas dos acidentes de trânsito. As condições de segurança de

nossas vias e dos veículos também são fatores desconhecidos, temos pouco

conhecimento sobre a engenharia de tráfego e, dos custos humanos e ambientais

do uso de veículos motorizados.

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Para Gladwell (2001 apud GÜNTHER, 2003), a cada 3 Km o motorista realiza

400 observações, toma 40 decisões e comete um erro. A cada 800Km um desses

erros vira um evento “desagradável”, ou seja, um acidente.

Podemos assim observar que o fator humano, de uma forma geral, é um dos

maiores, ou até mesmo o maior responsável por acidentes de trânsito. Não podemos

nos prender as diferenças entre sexos, entretanto alguns dados sobre as diferenças

entre o condutor do sexo masculino e a condutora do sexo feminino devem se

destacadas em função dos números estatísticos.

Corassa (2003), inicia apresentando um perfil dominante para cada sexo. Os

homens são competitivos/agressivos, apresentam raciocínio lógico, têm orientação

espacial, definem objetivos e por eles se condicionam. Quanto às mulheres, estas

preferem argumentar, são intuitivas e pensam no futuro, têm destreza manual e são

voltadas para o cuidado (maternidade).

As estatísticas comprovam, segundo Ataíde & Marques (2012), que as

mulheres costumam, ser mais cuidadosas e atenciosas para dirigir do que os

homens e, por isso, envolvem-se menos em acidentes de trânsito.

Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), em 73,1% dos

casos de acidentes de trânsito, os principais envolvidos são pessoas do sexo

masculino. Os jovens são as principais vítimas, e a faixa etária que contém 24,32%

do total de vítimas, é a que vai dos 15 aos 24 anos de idade. Mostra também que há

uma predominância de morte masculino no trânsito, em especial no grupo de 20 a

64 anos, atingindo cinco vezes mais homens do que mulheres. (MIRÍN & QUEIROZ,

2000).

As estatísticas do DENATRAN (2012) destacam que em 2009 teve um total

de 20.604 acidentes com vitimas. Sendo que deste total, 16.077 eram do sexo

masculino e 3.651 do sexo feminino.

O homem também é bem mais agressivo que as mulheres no que diz respeito

a comportamento no trânsito. Nos resultados apresentados pela pesquisa realizada

por Tebaldi & Ferreira (2012) sobre comportamentos no trânsito e causas da

agressividade. Apresentam-se os dados que, o homem tende a ultrapassar em

locais proibidos com muito mais frequência que a mulher, tende a se vingar de

determinadas atitudes, dirige alcoolizado, ultrapassa os limites de velocidades

estabelecidos, buzina quando o motorista da frente se atrapalha ou demora, fala que

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só podia ser mulher ao volante e discute mais por pequenos acidentes ocorridos

com seu veículo.

Enquanto que a mulher, ainda segundo os estudos de Tebaldi & Ferreira

(2012), apresenta agressividade com menos frequência e nestas situações citadas

acima, a agressividade apresentada é mais na fala, por gestos, buzinas e se irrita

com os motoristas desatentos. Embora o homem apresente agressividade e atitudes

comportamentais que socialmente não são aceitas e ainda assim ele se considera

um bom motorista.

De acordo com Ataíde & Marques (2012), empresas do ramo de seguro de

veículos dão descontos em torno de 15% quando a o condutor do veículo for mulher.

Pois, os números apontam para um envolvimento de mulheres em apenas 18,1%

dos acidentes e 22,1% das infrações. Enquanto isso, os condutores masculinos são

responsáveis por 81,9% dos acidentes e 77,8% das infrações.

Segundo Duarte (2000 apud ALMEIDA, LIMA, ALBUQUERQUE & ANTUNES,

2005), tudo indica que as mulheres são mais sociáveis e têm mais facilidade de lidar

com as emoções no transito, enquanto o homem, que é educado para ser mais

competitivo, acabaria refletindo esse comportamento no trânsito. As mulheres com o

comportamento menos agressivo no trânsito e maior tendência a obedecer as leis e

regras acabam envolvendo-se em menor número de acidentes sérios.

Vale ressaltar que, os problemas do trânsito envolvem uma rede complexa de

fatores que se mesclam. Nesta avaliação dos números, as mulheres estão a cada

dia mais preparadas para conviver com o trânsito e os problemas decorrentes deste,

inclusive profissionalmente, como afirma Ataíde & Marques (2012).

2.2 Psicologia do Trânsito

Segundo Rozestraten (2003), a Psicologia do trânsito (PT) nasceu em 1910,

com o aluno de Wundt, Hugo Musterberg. Este se tornou o primeiro a submeter os

motoristas de bondes de Nova York a uma bateria de testes de habilidades e

inteligência.

Hoffmann & Cruz (2003), mostram a PT como uma das primeiras

competências profissionais de intervenção legalmente regulamentada e mantida ao

longo de toda a história da Psicologia no Brasil. É vista também como uma das

áreas mais abrangentes e mais extensas da Psicologia, visto que incluindo muito

18

mais categorias de indivíduos do que outras ênfases da Psicologia

(ROZESTRATEN, 1988).

Rozestraten (1988) define a PT como uma área da psicologia que estuda,

através de métodos científicos válidos, os comportamentos humanos no trânsito e os

fatores e processos externos e internos, conscientes e inconscientes que o

provocam ou os alteram. Afirma também que os Psicólogos demoraram a descobrir

que o comportamento no trânsito pode e deve ser estudado cientificamente.

Para Günther (2004), a conceitualização da PT expande o conceito de

Psicologia Ambiental, no sentido que estuda a relação entre pessoas e ambiente,

investigando a relação recíproca entre três elementos: pessoa, ambiente enquanto

veículo e ambiente enquanto via.

Outra perspectiva concebida por Günther (2004) em relação à PT, é que esta

é vista como uma variante da Psicologia Social, entendendo a psicologia Social

como o estudo da relação indivíduo com seu grupo social, assim para o autor a PT

seria um caso específico desta relação indivíduo e grupo social num ambiente social

composto por mais de um participante do trânsito.

Esta área de atuação profissional em psicologia nasceu do estudo de

acidentes, mas avançou na direção da avaliação dos fatores que levam ao acidente

e, em particular, dos conflitos associados, logo está ligada ao tema de saúde em

geral e a saúde mental em particular (ROZESTRATEN, 2003).

Para Hoffmann & Cruz (2003) a evolução da PT no Brasil pode ser

estruturada em quatro grandes etapas:

Primeira etapa: deu-se, segundo os autores, nas décadas de 20 e 30

quando foram criadas as primeiras condições iniciais para o

desenvolvimento da Psicologia como ciência e seria marcada por três

vertentes: 1) instrumentalização do conhecimento psicológico no meio

pedagógico, 2) a produção científica no meio acadêmico das faculdades

e universidades e 3) por ter emergido do mundo social do trabalho, ou

seja, do conhecimento oriundo da Psicologia Industrial e do Trabalho. Foi

nesta etapa que se deu a criação de instrumentos de avaliação de

aptidões e de personalidade e, em 1953 o Exame Psicotécnico tornou-se

obrigatório em todo país para os aspirantes a CNH;

Segunda etapa: para os autores, está ligada a consolidação da PT nos

anos de 1963 a 1985, os problemas psicológicos passaram a ser

19

encarados segundo condições metodológicas diferenciadas, e o exame

psicotécnico passou a ser uma das possibilidades de avaliar a

personalidade, mas não o único método disponível;

Terceira etapa: destaca-se aqui o desenvolvimento e expansão da PT

em ações interdisciplinares, tais como: avaliação do fator humano nos

acidentes, a mobilização da categoria dos Psicólogos do Trânsito no

intuito de assumirem o papel de profissionais responsáveis por pensar a

segurança viária brasileira, além da realização de Congressos Brasileiros

de PT, concursos públicos para psicólogos atuarem no DETRAN e a

criação da Associação Nacional de PT;

Quarta etapa: teve início, segundo os mesmo autores, com a aprovação

do Código de trânsito Brasileiro em setembro de 1997, e em vigor desde

1998, proporcionou um grande debate nacional sobre as questões

ligadas à circulação humana e, por conseguinte a intensificação dos

estudos e análises da circulação humana a partir dos seres humanos e

não mais a partir dos veículos de circulação, destacando um maior

envolvimento das universidades e o oferecimento de cursos de pós-

graduação e cursos voltados para esta área de estudo.

Segundo Hoffmann, Cruz & Alchieri (2003), nesta primeira década do século

XXI, necessitamos construir novas referências e perspectivas de avanço da

Psicologia nas questões relativas à circulação humana. Ressaltando que a

Psicologia e os Psicólogos precisam avançar qualitativamente na discussão acerca

dos aspectos sociais, econômicos, éticos e tecnológicos que envolvem e

determinam a prática da PT como um exercício profissional e cientificamente

comprometido.

Rozestraten & Dotta (1996), complementam afirmando que os Psicólogos

devem enveredar pelo caminho do comportamento, quando se fala em trânsito e

deixar um pouco de lado os testes de labirinto, de atenção concentrada. Pois,

continua, a função do Psicólogo é estar intensamente preocupado com o estudo dos

processos mentais que estão implicados na condução de um veículo, tais como a

percepção, a tomada de informações, antecipação (da evolução) da situação,

avaliação e tolerância aos perigos no trânsito.

Segundo Tonglet (1999), é notório que a Psicometria, que se constitui na

teoria e nos métodos de medidas em ciências do comportamento, tem recebido

20

questionamentos dentro e fora do contexto psicológico. Dessa forma, a avaliação

psicológica tem passado por um momento de reflexão e transição.

Tonglet (1999) continua defendendo que, a avaliação psicológica deve ser

encarada como um momento dentro do processo de formação do candidato à

obtenção da CNH e como uma possibilidade de revisão periódica das funções

mentais do condutor profissional. Logo, os testes devem estar de acordo com a

realidade tanto do trânsito como da função mental necessária a ser utilizada no ato

de conduzir um veículo.

Lemes (2003) finaliza afirmando que, o comportamento no trânsito pode ser

considerado uma manifestação do sistema cultural de um povo, pois se existe algo

que diferencie os seres humanos das outras espécies é a herança cultural, no

sentido de que os costumes do dia-a-dia são compartilhados e transmitidos de uma

geração para outra.

2.2.1 O Psicólogo do Trânsito e seu Papel

Para Rozestraten (2003) e muitos outros autores a PT nos últimos 40 anos

pouco evoluiu, no sentido que há uma desatualização em relação ao uso de

materiais de testagem, há poucos programas de capacitação profissional para a

área de atuação no trânsito e são raros os Psicólogos brasileiros nos congressos

internacionais de trânsito.

Assim Rozestraten (2003), destaca as possíveis ações que podem ser

desenvolvidas por Psicólogos em relação ao trânsito, tais como:

Trabalhar com as fobias de pessoas que possuem CNH e carro na

garagem e não têm coragem de dirigir em via pública;

Propor intervenções com alcoólicos, visto que estatisticamente 50% dos

acidentes de trânsito são em virtude de ingestão de álcool;

Desenvolver atividades e estudos com viciados em drogas, tendo em

vista que as drogas têm efeitos sobre o comportamento, como a euforia e

o aumento de traços de agressividade;

Trabalhar nas comunidades de bairros, avaliando com a população quais

as dificuldades enfrentadas em relação ao trânsito;

21

Trabalhar junto às empresas que operam ônibus e outros veículos que

atendem à população;

Promover a educação e motivar professores a falar sobre o trânsito,

preparando os jovens para o trânsito;

Ajudar na promoção da educação ambiental para o trânsito;

Promover, na área da Psicologia Hospitalar, terapia de apoio aos

acidentados de trânsito;

Lutar pela introdução ou reintrodução de medidas mundialmente

reconhecidas como boas para o melhoramento do trânsito;

Lutar pelo melhoramento das calçadas de nossas cidades;

Pesquisar, junto com outros profissionais, quais os pontos de alto risco

na cidade e movimentar os órgãos responsáveis a tomarem medidas

para sanar e prevenir os problemas detectados e;

Formar, nas universidades, núcleos interdisciplinares de estudos sobre

os problemas do trânsito;

Pode-se afirmar que muitas destas ações, acima citadas por Rozestraten

(2003), nunca passou pela cabeça de muitos profissionais de Psicologia. Visto que

para Günther (2003) para muitos parece óbvio que o Psicólogo do Trânsito cuida da

“cabeça” do condutor, o Engenheiro do Trânsito da via, o Engenheiro Mecânico e o

Ergonomista do veiculo e o Legislador da legislação.

Para Günther (2003), o Psicólogo do Trânsito além de cuidar de questões

individuais do motorista deve cuidar da interação de todos os participantes do

trânsito com o veículo, a via, a política e a legislação, ampliando seu leque de

preocupações e atuações. Para o autor o Psicólogo precisa colaborar com todos os

profissionais voltados para a área do trânsito, tais como: engenheiros, desenhistas,

urbanistas e legisladores.

2.3 Homem versus Mulher

Muitas pesquisas estabeleceram características dominantes para cada sexo,

Segundo a Revista Isto é Saúde da Mulher (2001), os homens são considerados

mais objetivos, diretos e têm melhor noção geométrica e espacial, são mais

22

agressivos quando contrariados. São, também, mais focados, pois eram caçadores

e precisavam se concentrar para poder capturar a presa.

As mulheres são descritas, na Revista Isto é Saúde da Mulher (2001), com

uma maior facilidade para se emocionar, dominam melhor a linguagem e são

capazes de se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo. São mais

observadoras, tem sensibilidade visual. Esta sensibilidade visual é derivada de seu

papel familiar incorporados na pré-história, onde cuidavam dos filhos e eram

responsáveis pela extração de frutas e outras fontes de energia, ou seja, tinham que

arranjar alimentos ao mesmo tempo em que cuidavam do seu bebê e se protegiam

dos predadores.

Nesta concepção, da evolução humana os homens são melhores com mapas,

são seguros, decididos e mais agressivos. As mulheres são mais cuidadosas,

inseguras, indecisas, são voltadas para o cuidado maternal e preferem à utilização

da linguagem como a argumentação.

Entretanto, a concepção sócio-histórica contesta a relação entre as

necessidades pré-históricas e a natureza humana, pois as diversidades físicas e

comportamentais são reflexos do ambiente, da cultura e da sociedade na qual o

homem evolui. Sendo assim, para Bock, Gonçalves & Furtado (2001), o homem é

um ser histórico, isto é, um ser constituído no seu movimento; constituído ao longo

do tempo, pelas relações sociais, pelas condições sociais e culturais engendradas

pela humanidade. Vincula o desenvolvimento do ser humano à sociedade, as forma

que assumimos como identidades, personalidades e subjetividades são construídas

historicamente.

Segundo Almeida, Lima, Albuquerque & Antunes (2005), quando dizemos que

os homens são competitivos e as mulheres sociáveis no trânsito, estamos

exteriorizando um comportamento que é reflexo de nossa historia social e familiar e,

muitas vezes fica difícil romper essas barreiras históricas, pois essa diferença

homem-mulher é introjetada em nossa sociedade. Assim, não cabe discutir quem é

melhor no transito, mas criar um ambiente em que haja espaço para que todas as

diferenças sejam respeitadas.

23

2.3.1 Trânsito e Gênero: Do Estigma a Direção

Após a Segunda Guerra Mundial, Marín & Queiroz (2000) afirmam que o

automóvel particular converteu-se num fenômeno de massa em todo mundo.

Tornou-se um artigo de consumo e símbolo de status social, impulsionados pelo

forte aparato de propaganda das economias capitalistas, que a mobilidade individual

e a prosperidade material sem precedentes. E Méa & Ilha (2003, p. 266),

complementam, “o carro é muito mais do que um simples meio de transporte. O

carro significa status, poder, papéis, estereótipos”.

A produção anual de automóveis cresceu de 11 para 53 milhões entre 1950 e

1995. Entre 1970 e 1988, nos Estados Unidos da América (EUA), o volume do

tráfego aumentou de 1,78 trilhões de km percorridos por veículos para 3,24 trilhões

(ROBERTS, 1995 apud MARIN & QUEIROZ, 2000).

Marin & Queiroz, (Idem) afirmam que no Brasil, nos últimos anos, em

decorrência da estabilidade econômica, o volume de carros tem aumentado

significativamente. E segundo dados estatísticos do Departamento Nacional de

Trânsito (DENATRAN, 2012) desde 2004 houve um aumento de 44% de mulheres

habilitadas, e no início de 2010 pra cá aumentou ainda mais o número de mulheres

tirando a primeira habilitação, confirmando assim o crescimento contínuo do número

de mulheres motorista.

Almeida, Lima, Albuquerque & Antunes (2005) também afirmam que, as

mulheres aparecem em um número cada vez mais acentuado nos volantes

brasileiros. Pois, a mulher exerce hoje, vários papéis e tem várias jornadas a cumprir

e o carro ajuda muito.

Entretanto, Ataíde & Marques (2012) afirmam que em pleno século XXI ainda

reina no trânsito a mentalidade machista – historicamente cultuada – sobre mulheres

motoristas. Justificando que o motivo de tanto preconceito, segundo estudos

sociológicos, reside no fato de que, por várias décadas, assumir o volante de um

automóvel sempre foi uma tarefa restrita ao universo masculino. Para os autores é aí

que surge à explicação de por que boa parte dos motoristas brasileiros ainda se

recusa a conviver, de forma pacífica, com as mulheres motoristas. Vários

especialistas em Engenharia de Trânsito e outros profissionais que lidam

diretamente com está área de pesquisa também corroboram com essa ideia.

24

Tebaldi & Ferreira (2012), afirmam que o homem sempre foi visto como o

responsável pela proteção da sua espécie e chefe de família, porém a mulher vem

ocupando mais espaço na sociedade. E isto não deixa de ser diferente no trânsito,

mas o homem continua discriminando-a muito. Pois, a maioria dos homens

considera a mulher uma péssima motorista, que faz “tudo errado”, que atrapalha,

além de colocar muitos defeitos no que as mesmas fazem, como nas

ultrapassagens, na hora de estacionar e na noção de espaço.

Este pensamento pode estar relacionado às questões de funções agregadas

à divisão dos papéis sexuais e ao gênero, visto que segundo Reis (1994), na

segunda metade do século XIX com a melhoria das condições de vida dos operários

industriais, passou-se a ter uma diferenciação dos papéis sexuais: a mulher passou

a ficar mais tempo em casa com os filhos e os homens estabeleceram a fábrica e o

bar como pólos de gravitação de sua vida social, marcando uma clara separação

entre a residência e o local de trabalho, ou seja, a Vida Pública - destinada ao

homem e a Vida Privada – destinada à mulher.

O homem passou a ser visto como o provedor material da família, a

autoridade dominante, considerada racional e capaz de resolver quaisquer

situações. E a mulher ficou responsável pela vida doméstica, pela organização da

casa e educação dos filhos. Considerada menos capaz e mais emotiva que o

homem. (REIS, Idem).

Da Matta, (2001 apud MACHADO, 2003), confirma esta concepção,

afirmando que os espaços são muito mais do que meros espaços geográficos.

Considerando assim, os espaços como que carregados de sentido, ou melhor, em

duas “categorias sociológicas” que revelam como a nossa sociedade pensa e vive.

O Mundo da Casa (Espaço privado) e Mundo da Rua (Espaço Público) são

marcados, na nossa sociedade, por uma relação de oposição, de tensão, ao mesmo

tempo em que interagem e se complementam.

O Mundo da casa (Espaço privado) pode ser definido como o local de

moradia, da calma e da tranquilidade. Enquanto o Mundo da Rua (Espaço Público) é

o espaço reservado ao movimento, ao perigo, à tentação, ao logro. É o lugar da luta

(trabalho ou batente), da batalha (MACHADO, 2003).

Para Cordi (et al 1995 apud Machado, 2003), o homem moderno, encontra-se

no cruzamento de duas vias: a vida privada e a vida pública onde vive a duplicidade

de sua natureza social: a de ser indivíduo e cidadão.

25

Dessa forma, segundo Brain Sex (1996 apud HOFFMANN & LEGAL, 2003), a

presença da mulher ao volante de um veículo é, às vezes, causa de manifestações

agressivas por parte de alguns homens condutores. Alguns estudos mostram que

em uma situação idêntica, por exemplo, bloquear deliberadamente o tráfego, não

responder á mudança de sinal vermelho para verde, são produzidas reações

agressivas mais tensas quando a causadora do congestionamento é uma mulher e

não um homem.

Também, pode-se afirmar segundo Hoffmann & Legal (2003), que em

condições iguais de trânsito e circunstancias idênticas, os protestos com a buzina

torna-se mais ruidoso e permanente quando é uma mulher a causadora do conflito

ao invés de ser um homem. Na atual sociedade existe um comportamento agressivo

contra a mulher que dirige um veículo, fruto de estereótipos construídos sobre ela.

Segundo Almeida, Lima, Albuquerque & Antunes (2005), a imagem do sexo

feminino ficou estereotipada como pé-duro, mas que o podemos observar no trânsito

contradiz essa ideia. Na verdade nossa cultura nos leva a pensar que as mulheres

são barbeiras no trânsito. Assim, os autores afirmam que contextualizar o fenômeno

gênero no âmbito do sistema do trânsito num tempo e num espaço requer um olhar

que permita conhecer e avaliar a dimensão das mudanças e transformações sociais

vividas num momento histórico bem como a construção de novos padrões de

conduta normativos.

Rondon (2012) acredita que a mulher tem muita a ensinar no trânsito, porque

desde pequenas as mulheres são educadas para o cuidado. São as mulheres que

normalmente transportam as crianças para a escola, que transportam a família, mas

também se constata um aumento de mulheres que usam o veículo de forma

profissional, além disso, as mulheres estão ficando muito tempo dentro dos carros, e

por isso mesmo a obrigação de manter a atenção e o respeito ao trânsito.

26

3. MATERIAIS E MÉTODOS

3.1 Ética

A presente pesquisa segue as exigências éticas e científicas fundamentais

conforme determina o Conselho Nacional de Saúde – CNS nº 196/96 do Decreto nº

93933 de 14 de janeiro de 1987 – a qual determina as diretrizes e normas

regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos:

A identidade dos sujeitos da pesquisa segue preservada, conforme apregoa

a Resolução 196/96 do CNS-MS, visto que, não foi necessário identificar-se ao

responder o questionário. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE). Foram coletados dados a respeito de Psicologia do Trânsito,

obtenção da CNH, dados estatísticos e históricos sobre mulheres no trânsito, para

que se possam obter maiores informações sobre a população pesquisada.

3.2 Tipo de Pesquisa

O estudo aqui apresentado constitui uma pesquisa de campo qualitativa,

realizada com o objetivo de pesquisar os principais motivos que levam mulheres, em

diferentes faixas etárias, buscar a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação

(CNH). Objetivo este, surgiu no dia-a-dia de trabalho em uma Clínica de

Psicotécnico credenciada pelo DETRAM, no qual aparecem mulheres e senhoras

com o intuito de obter a CNH.

3.3 Universo da Pesquisa

O presente estudo abrangeu dois grupos de mulheres que estavam

passando pelo processo de testagem Psicotécnica para obtenção da CNH em uma

clínica especializada e credenciada pelo DETRAN-AM da Cidade de Manaus.

3.4 Sujeitos da Amostra

O estudo foi realizado com a participação de 10 mulheres subdivididas em

dois grupos: Grupo I - composto por 5 (cinco) mulheres em idades de 18 à 20 anos

27

e, Grupo II – com 5 (cinco) mulheres com idade acima de 45 anos que estavam

passando pelo processo de testagem Psicotécnica para obtenção da CNH em uma

clínica especializada e credenciada pelo DETRAN-AM da Cidade de Manaus.

3.5 Instrumentos de Coleta de Dados

Na coleta de dados foi utilizado um Roteiro de Entrevista, com questões semi-

estruturadas, somando um total de oito questões. Na aplicação deste foi utilizado um

gravador quando autorizado pelas participantes, estas mostraram-se receptivas ao

estudo e, das 10 mulheres consultadas nenhuma recusou-se ser entrevistada.

3.6 Plano para Coleta dos Dados

As participantes da pesquisa foram devidamente consultadas e informadas

acerca dos objetivos e procedimentos do estudo. Sendo solicitada a assinatura do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na oportunidade, a entrevista foi realizada e em todos os casos houve

colaboração, e, o estudo e a entrevista desenrolou-se de forma natural seguindo o

roteiro pré-estabelecido para a entrevista.

3.7 Plano para a Análise dos Dados

Após a realização das entrevistas as mesmas foram transcritas na integra,

afim da sistematização dos núcleos geradores de sentidos pelas questões

apresentadas.

Os dados apresentados pelos dois grupos (I e II) foram discutidos a partir do

método de analise de conteúdo segundo Bardin (1977), onde elegeu-se conteúdos

que possibilitassem, além da análise das informações obtidas uma melhor

compreensão das questões abordadas, evidenciando os fatores que influenciam

mulheres, em diferentes faixas etárias, buscarem a obtenção da CNH.

28

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A faixa etária escolhida no grupo I (18 a 20 anos) justifica-se, pelo fato das

mulheres estarem vivenciando os reflexos de todo movimento da presença feminina

de uma forma mais igualitária e constante nas dimensões socioculturais e

econômicas da nossa atual sociedade, na produção de sentidos conquistados por

gerações que antecederam o seu momento histórico.

Isto fica evidente quando, ao serem informadas acerca dos objetivos da

pesquisa, Margarida*, 18 anos verbaliza – “A diferença entre as idades é que agora

isso (obter a CNH) se tornou uma necessidade de qualquer ser humano, até mesmo

pela questão da igualdade com o homem. As mulheres vão adiando pelo medo bobo

que elas têm do passado e isso tem repercutido agora, já que hoje em dia a gente

não precisa mais de homem, elas (grupo II) têm que correr atrás”.

A declaração acima está relacionada a questões sócio-históricas, sócio-

econômicas e culturais de nossa sociedade. A mulher, que por muito tempo esteve

por atrás da figura masculina, hoje busca a oportunidade de se mostrar, assumindo

novos papéis, seja dentro do lar, dentro de grandes empresas e, por que não no

trânsito. Entretanto, para isso teve, por muitas vezes, que enfrentar conflitos consigo

mesma e com a sociedade.

Em busca de novos espaços a mulher por muitas vezes enfrenta obstáculos

duplos, no sentido de ter que enfrentar seus próprios medos e o olhar de uma

sociedade da qual deseja aprovação. Assim, Cravinea*, 20 anos, declara: “ter a

carteira significa garantir que eu aprendi e que eu não estou ali (no trânsito) pra

brincar”. Isto nos remete ao pensamento de que as mulheres se sentem desafiadas

a comprovar sua competência para a sociedade.

Outra questão apresentada é a de que os pais estão presentes nas

verbalizações de quatro das cinco jovens entrevistadas, onde estas afirmam estarem

sendo influenciadas e apoiadas diretamente pelos pais a buscarem a obtenção da

CHN.

* Para preservar a identidade das participantes, todas serão identificadas por nomes de flores nos dois grupos (I e II), estando somente a idade e o conteúdo apresentado correspondendo aos dados reais coletados nas entrevistas.

29

Os dados mostram que, quando uma jovem de 18 a 20 anos busca obter a

CNH a figura masculina está presente o tempo todo, nas verbalizações de incentivo

ou no banco ao seu lado no carro. Ou seja, os pais, tios, amigos e cunhados são

colocados como os primeiros a concretizar o que antes era simplesmente uma

curiosidade, isto fica claro quando Rosa*, 19 anos, relata: “Eu tinha certo interesse,

mais foi ele (o pai) que pegou e disse – vamos você precisa dirigir e veio me

ensinar” e Tulipa*, 19 anos, afirma: “Eu não queria tirar a CNH, mas foi mais meu pai

que chegou e falou pra eu ir procurar uma auto-escola, aí eu vim”.

Quando questionadas em relação à possibilidade de existir alguém que não

gostaria que elas obtivessem a CNH é a figura materna que aparece. Em dois

casos, as entrevistadas afirmaram que suas mães não sabem dirigir e vêem o

trânsito como sendo um espaço violento e perigoso e por esse motivo não desejam

que suas filhas tirem a CNH.

Neste sentido podemos pensar como Almeida, Lima, Albuquerque & Antunes

(2005), onde destacam que, o homem é educado desde criança para pegar em

máquinas; a mulher, para cuidar da casa. A menina vai ajudar a mãe na cozinha; o

menino vai lavar o carro. Aos 18 anos o homem já sabe dirigir, a garota entra para o

Centro de Formação de Condutores. Assim, pode-se pensar que o comportamento

das mães é mais uma questão de proteção maternal e não uma proibição.

Todas as jovens entrevistadas no momento não possuem carro próprio,

entretanto vão compartilhar um carro com as mães ou com irmãs mais velhas. E

conseguir tirar a CNH é uma condição imposta por alguns pais para presentear as

filhas com um prêmio, o tão almejado símbolo de “independência” e “liberdade”, ou

seja, o carro.

Como dito anteriormente, na perspectiva da adolescência pode até mesmo

arriscar uma análise da relação dessas jovens com o veículo como sendo um “rito

de passagem” moderno.

Em relação à possibilidade de terem adiado, por algum motivo o processo

para tirar a CNH, uma porcentagem de 40% verbalizou que a questão financeira é

algo que pesa, pois tirar a CNH custa caro. E uma pequena porcentagem afirmou

que o processo em si é algo desgastante e que exige tempo. Rosa*, 19 anos, afirma:

“É muito chato esse negócio de tirar a carteira, olha só: tem que fazer psicotécnico,

tem a legislação, depois tem que ir lá fazer a prova e passar horas na fila. É muito

longo”.

30

No Brasil o indivíduo ao completar 18 anos, pode iniciar o processo para obter

a permissão para dirigir. Esta permissão restringe-se às categorias A e/ou B. Depois

de passarem por uma avaliação psicotécnica, os candidatos que atenderam o perfil

desejado para ser um condutor terão de passar obrigatoriamente por um Centro de

Formação de Condutores (CFC), para as aulas teóricas. Após esse curso, será

realizado o exame teórico no órgão de trânsito, no caso o DETRAN-AM.

Os aprovados no exame de legislação recebem a Licença de Aprendizagem

de Direção Veicular (LADV), para que iniciem o mínimo de 20 horas de aulas do

curso prático de direção veicular, ministrado pelo CFC. Depois do curso prático, os

candidatos passam pelo exame direção e, se aprovados, recebem sua permissão

para dirigir. O documento terá validade por um ano e, após esse período, deverá ser

trocada pela CNH definitiva.

Quando já estiverem dirigindo as jovens afirmaram que utilizaram a CNH para

as seguintes atividades descritas no gráfico 01.

Gráfico 01 – Relação das atividades fins para utilização da CNH pelos jovens, na faixa etária entre 18 a 20 anos.

0

1

2

3

4

5

1

Grupo I

Utilização da CNH

Ir para Faculdade

Ir para festas, sair

com amigos/Lazer

Sair com a família

Ir ao

supermercado

Trabalho/Estágio

Viagens

Fonte: Dados da Pesquisa. Manaus/AM. 2013

As jovens afirmaram que primeiramente pensam em utilizar a permissão de

dirigir para deslocar-se para a faculdade, todas as entrevistadas estão cursando o

ensino superior. Em segundo lugar as respostas concentram-se mais nos amigos,

ou seja, “sair para festas com os amigos”, “sair com os amigos”, “divertir-se com os

amigos”. Em terceiro lugar vem a família, ou seja, sair junto ou simplesmente

31

locomover parentes de um lugar para outro a pedido destes. O quarto lugar vai para

atividades voltadas ao trabalho e estágios em função da faculdade e por fim o quinto

lugar para viagens com a família e com os amigos.

Quando falamos de locomoção, as jovens estão sendo levadas a tirar a CNH

incentivada principalmente por pais muito ocupados, com muitas atividades diárias e

que não tem tempo de ficar levando seus filhos para os locais que estes desejam.

Locais que geralmente estão ligados às questões acadêmicas, como faculdade,

estágio ou questões de lazer, como sair com os amigos e ficar até tarde fora de

casa. Muitos pais têm uma jornada de trabalho que ocupa o dia todo e ficar levando

os filhos para os locais que estes devem ir ou desejam ir torna-se uma tarefa difícil e

algumas vezes impensável de ocorrer diariamente.

O oposto também apareceu, ou seja, as filhas tornam-se motoristas dos pais

por questões de necessidade, como afirma Margarida*, 18 anos, ao relatar que tirar

a CNH “é uma questão de necessidade, minha mãe não sabe dirigir e isso vai ajudar

ela também”, não ter que depender de condução pública e poder economizar tempo

é algo presente nas verbalizações de algumas jovens. Ou seja, para Pólo (1993

apud ALCKIMIN, 2012), o tempo é mais um bem de consumo e, como é um bem

escasso, é preciso viver cada vez mais depressa, fazer mais coisas em menos

tempo. A vivência da velocidade como condição da vida humana está presente nos

hábitos dos modelos de vida atuais.

Outro fator apresentado pelas jovens é o de que a CNH ultimamente tem sido

vista por algumas empresas como pré-requisito para contratação, é uma exigência

do atual mercado de trabalho e isso fica evidente quando Rosa*, 19 anos, relata: “os

empregos agora exigem” e Hortência*, 19 anos, confirma: “é uma exigência do meu

trabalho”.

Até então temos falado de questões relativas às exigências do mundo

moderno, tais como: tempo, velocidade e mercado de trabalho. Entretanto, além das

questões da modernidade, também estão presentes outros fatores, visto que ao

serem questionadas sobre os motivos que as levaram buscar a obtenção da CNH,

estas apresentaram repostas do tipo – Margarida*, 18 anos: “é tipo uma espécie de

independência” e Tulipa*, 19 anos: “É a possibilidade, não de eu chegar a hora que

quiser, mais de eu poder ter a liberdade de ir para os locais, sair com os amigos, ir

para festas sem ter que ficar me preocupando com horas”.

32

Pode-se dessa forma afirmar que a busca da CNH é sim uma necessidade no

mundo atual, pois este exige a realização do maior número de atividades ou a

construção e produção do maior número de coisas no menor espaço de tempo

possível. Mas a busca CNH também é vista pelas jovens como a possibilidade de

“liberdade” e “independência”, onde estas passam a estar aptas a realização de

atividades independentes, que antes não faziam parte de seus mundos. É o direito

de ir e vir sem “depender” dos pais, comprovado e defendido por um documento

concreto e palpável.

O carro sempre foi colocado como um símbolo que representa status social e

poder. A permissão para dirigir um carro representa para as jovens um símbolo de

liberdade e independência, colocado muitas vezes de forma direta como relata

Margarida*, 18 anos: “Representa muitas coisas, é tipo uma espécie de liberdade, de

independência vou poder ir para onde eu quiser sem ter que depender”, Tulipa*, 19

anos, afirma: “É mais uma questão de liberdade, não que eu queira chegar a hora

que quiser em casa, mas eu vou poder me locomover para aos locais sem ter que

depender da minha mãe. Tirar a carteira é conquistar a independência”.

Para as jovens, a CNH representa o direito de ir e vir sem ter que ligar “pra

mamãe ou pro papai” e dizer “vem me pegar”. Representa a possibilidade de fazer

parte de um grupo de iguais, Tulipa*, 19 anos, afirma: “todos lá em casa já dirigem e

eu já estou tirando tarde. A maioria dos meus amigos já dirige e eles acham que

carro está relacionado à responsabilidade de poder ir pra onde quiser e voltar à hora

que quiser”.

Podemos pensar que, quando Tulipa*, 19 anos, verbaliza que todos seus

amigos já têm carteira, está na verdade afirmando que faz parte desse grupo e,

dessa forma a CNH passa a ser uma das características do grupo. Para Campos

(2002), quando um indivíduo busca sua identidade, ele busca uniformidade, que lhe

garanta segurança e estima pessoal, um grupo onde todos se identificam com cada

um.

Ter a CNH representa, para as jovens entrevistadas, uma questão de

segurança em relação às leis do trânsito brasileiro, as quais não permitem que uma

pessoa dirija um carro em via pública sem ser habilitada para aquela atividade. É

segundo Rosa*, 19 anos: “um documento que falta na minha carteira para eu não ser

multada. Ganhar é muito difícil e perder é muito rápido, eu tenho que conservá-la em

minhas mãos sem multas e sem infrações”, para Hortência*, 19 anos é: “Eu não

33

quero pagar multas, em blitz” e para Cravinea*, 20 anos: “É respeitar as leis de

trânsito, manter-se sempre dentro das leis sem levar multas”. Os discursos

demonstram certa “disposição” em seguir às regras do trânsito, sem cometer

infrações, manter as documentações em dias e garantir que aprendeu.

As multas e a possibilidade de perder a habilitação é algo muito presente nos

discursos, visto que, no primeiro ano já estando habilitada, se a pessoa cometer

algum tipo de infração a CNH é recolhida e a pessoa terá que passar pelo processo

de re-habilitação, onde tudo é repetido.

A faixa etária escolhida no grupo II (acima de 45 anos), deve-se pela

oportunidade e possibilidade de termos o relato de experiências trazido pelas

possíveis protagonistas das conquistas femininas realizadas desse campo sócio-

histórico e cultural das décadas de 60 e 70, haja vista serem mulheres que

vivenciaram intensamente tais décadas que nos remetem a acontecimentos

históricos, tais como conquista da independência feminina.

É sabido que, apenas a escolha das idades acima sugeridas não nos garante

o protagonismo dessas mulheres nas situações de conquistas femininas, porém

torna-se necessário ouvi-las em suas histórias e percepções sobre o tema a fim de

delinearmos com mais precisão as questões por elas defendidas.

As entrevistadas deste grupo, afirmam possuir carro próprio ou já terem

possuído em algum momento de suas vidas. Relatam que tais carros são ou eram

conduzidos por pessoas da família, como os filhos e maridos, ou até mesmo por

pessoas pagas para lhe conduzirem a determinados locais.

Por esse motivo, relatam que quando decidiram obter a CNH receberam o

apoio familiar de um modo geral e de amigos próximos, mas principalmente são

motivadas por essa ser uma decisão própria, ou seja, como afirma Laranjeira*, 49

anos: “Todos estão me apoiando, mas quem quer mesmo sou eu. Eu sou a minha

motivação”.

Das cinco entrevistadas quatro afirmam já saber dirigir ou já terem conduzido

um carro por algum tempo, pois já possuem experiência em auto-escolas, pois

estas, anteriormente, já haviam iniciado o processo para obtenção da CNH e em

função de alguns aspectos desistiram de continuar. Tais aspectos serão discutidos

de forma mais abrangente no próximo item: aspectos apresentados relativos à

obtenção da CNH.

34

Em relação às atividades em que vão utilizar a permissão para dirigir o grupo

apresentou as seguintes respostas, como descritas no gráfico 02.

Gráfico 02 – Relação das atividades fins para utilização da CNH pelos adultos, acima de 45 anos.

0

1

2

3

4

5

1

Grupo II

Utilização da CNH

Sair com a família/Lazer

Trabalho

Ir ao supermercado

Igreja

Outras

Fonte: Dados da Pesquisa. Manaus/AM. 2013.

O gráfico mostra que as entrevistadas afirmaram que primeiramente pensam

em utilizar a permissão de dirigir para sair com a família ou para o lazer, como ir a

banhos que não envolvam estradas ou que sejam muito longes da cidade. Em

segundo lugar as respostas concentram-se no trabalho, desejam poder utilizar o

carro para expandir um negócio próprio ou simplesmente ir ao trabalho. O terceiro

lugar está ligado às atividades do lar, como ir ao supermercado. O quarto lugar é

relativo ao deslocamento para igrejas. E por fim, o quinto lugar ligado às atividades

de condução para hospital, escola e, etc.

Neste subitem serão apresentados, primeiramente os aspectos relatados pelo

grupo como sendo fatores que as estimularam na busca a obtenção da CNH e, em

um segundo momento os aspectos opostos, ou seja, que as levaram a adiar a

obtenção da CNH.

Na entrevista, quando questionadas sobre quais os aspectos que as levaram

a busca pela obtenção da CNH, estas afirmaram que é mais uma questão de

locomoção, relativo às atividades do dia-a-dia, sem ter que depender de condução

pública.

35

A necessidade de locomoção rápida para atividades que não são freqüentes

ou diárias também estão presentes, como afirma Gardênia*, 47 anos: “Meu marido tá

doente perdeu uma das visões e eu preciso dirigir. Leva-lo ao médico sem ter que ir

de táxi ou de ônibus” ou ainda, como relata Laranjeira*, 49 anos, “É só para eu ir pra

igreja mesmo”.

Outro aspecto apresentado é o objetivo de expansão de um trabalho

autônomo. Assim, Flora*, 46 anos, afirma: “Eu tenho um negócio próprio e eu preciso

montar as bancas. A carteira é um meio da gente lutar” e, Gardênia*, 47 anos, relata:

“Eu preciso transportar as mercadorias da minha loja”.

Almeida, Lima, Albuquerque & Antunes (2005) contextualiza isto afirmando

que, para a mulher o carro não é lazer, e, sim instrumento de trabalho.

Relatam também que o fato de ficar com o carro na garagem ou ter outras

pessoas da família, como os filhos, dirigindo seu carro é algo que as estimula na

busca pela obtenção da CNH. Laranjeira*, 49 anos, relata: “Ás vezes eu tenho que ir

para igreja e eu não quero ficar tendo que pedir dos meus filhos para me levarem.

Eles sabem dirigir e tudo, eles sempre dirigem meu carro”. Enquanto, Maria*, 62

anos, afirma: “Sempre tive filhos que dirigiam pra mim e tinha um rapaz que eu

pagava pra dirigir pra mim também”.

Os dados apresentados no parágrafo acima nos remetem a questões mais

abrangentes, que não se ressumem somente em aspectos relativos a não

dependência dos filhos ou de ter um carro parado na garagem, mas ao que as leva a

ficar com um carro parado na garagem ou o que as fez adiar a busca pela obtenção

da CNH?

Segundo as entrevistadas, o primeiro aspecto é o medo em relação ao

trânsito. Ou seja, o medo aparece nos discursos de quatro das cinco entrevistadas.

Gardênia*, 47 anos, afirma: “Eu já dirigi nos meus 20 anos de idade, depois eu parei.

Eu comecei a ficar com medo do trânsito, que ficou bem mais agressivo. Aí eu não

me interessei mais em tirar a carteira” e Jasmim*, 54 anos, afirma: “Eu tinha assim,

um temor de dirigir, sabe? Houve um acidente seriíssimo na minha família e eu

fiquei muito tensa e com medo de dirigir. Eu não estava no acidente, mas eu fiquei

com aquilo, mas isso já passou e agora eu tenho necessidade”. Enquanto, Maria*, 62

anos, relata: “Com o acidente eu fiquei, digamos assim, nervosa”.

O medo existe em função de experiências que foram traumatizantes ou ainda

o medo é colocado como algo simplesmente presente, Laranjeira*, 49 anos, relata:

36

“Eu tenho medo do próprio trânsito. Eu tenho que me liberta dessa barreira, por que

isso é uma barreira”.

Bellina (2003 apud CALO, 2012), realizou uma pesquisa com 4.000 pessoas

com fobia de dirigir. Os resultados mostram que 28% dessas pessoas nunca sofreu

acidente automobilístico, 40% sofreu, mas não estavam dirigindo e, 85% dos

entrevistados eram do sexo feminino, o que revela que a mulher é grande maioria no

diagnóstico para fobia de dirigir. A maioria das pessoas possuía entre 30 e 48 anos

e 85% possuíam carro próprio.

Segundo Santos (2012), o medo não é da mesma forma para todas as

pessoas com fobia de dirigir. Pois, existem pessoas que não conseguem nem

chegar perto de um carro, o que não caracteriza o caso das participantes da

pesquisa; e outras pessoas podem entrar em pânico quando aparecem situações

inusitadas enquanto estão dirigindo. Alguns motoristas se apavoram com os

xingamentos ou com a possibilidade de acidentes.

Para Caló (2012), quando se tem medo de dirigir, há um estado de apreensão

(ansiedade) significativo, porém controlável e um nível de atenção maior quando se

está dirigindo. Diante do medo, pode-se até desejar que outras pessoas dirijam em

ruas onde o trânsito é mais movimentado ou nas rodovias. Todavia, sendo

necessário, a pessoa assume o volante do carro.

O segundo aspecto é colocado como a “falta de necessidade” o por já

possuírem alguém que as conduzissem. Gardênia*, 47 anos, afirma: “Meu esposo

sempre dirigiu”, Jasmim*, 54 anos, relata: “Eu já havia tentado tirar a carteira há 15

anos atrás, mais eu fiquei só ali. Aí eu tinha marido e filho pra me levar e me buscar,

eu não tinha necessidade”.

O discurso acima pode ter influenciado no seguinte aspecto. Das cinco

entrevistadas, três já haviam, no passando, dado início ao processo de obtenção da

CNH, mas afirmam ter desistido, por aspectos que não ficaram claros nas

entrevistas, como coloca Flora*, 46 anos, “Eu fui deixando pra trás, não quis mais.

Só voltei agora mesmo”.

Entretanto algo que fica claro é a obtenção de um primeiro resultado negativo,

como ter reprovado na legislação ou direção e, até mesmo no processo

Psicotécnico, em relação a este aspecto Jasmim*, 54 anos relata “Eu me frustrei por

que eu não passei de primeira”.

37

Há a presença de aspectos relativos a indícios de certo grau de cobrança

pessoal relativo a ser aprovada em todas as etapas do processo para obtenção da

CNH. No primeiro momento, não foi encontrado nenhum levantamento estatístico

quanto ao que é chamado no senso comum de “reprovação” ou “inapto” neste

processo, que se inicia com o Psicotécnico, seguido das aulas presenciais de

legislação, da prova optativa de legislação, das aulas de direção e da prova prática.

Ser “reprovada” em uma dessas etapas constitui-se na desistência ou

interrupção do processo, mesmo tendo respaldo e segurança de um ano para levar

adiante, seja por quantas vezes forem necessárias à repetição de uma mesma

etapa. Passado esse período de um ano todo o processo deve ser reiniciado, que é

o caso de três das entrevistadas no grupo.

A obtenção da permissão para conduzir um veículo automotor é visto pelo

grupo como uma vitória, ligado muitas vezes a questões de idade ou por

considerarem um processo difícil de ser realizado com êxito. Jasmim*, 54 anos,

relata: “Pra mim é uma vitória... É uma conquista a mais, sei lá, como mãe, mulher

eu já me realizei. Faz só seis anos que eu tirei o meu mestrado, agora falta só isso”.

A realização pessoal também é algo marcante, para Gardênia*, 47 anos,

representa: “Eu acredito que pra mim seja um sonho que está sendo realizado. É

provar pra mim mesma que eu tenho capacidade e que a gente não deve se

acomodar”. Ou ainda a possibilidade de recomeçar ou reviver algo que foi deixado

pra trás, como relata Laranjeira*, 49 anos: “... eu vou começar a viver o outro lado

que eu já tinha esquecido... Sei que vou conseguir, pra me despertar pelo menos em

estudar, em aprender mais”.

Poder conduzir um carro é visto, pela maioria das entrevistadas como a

possibilidade de vitória, recomeço e realização pessoal. Ou como afirma Maria*, 62

anos, “É simplesmente uma segurança, pra me respaldar diante do guarda. Significa

mais um documento, mais também significa uma responsabilidade”.

38

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa foi realizada com 10 mulheres, subdivididas em dois

grupos. Grupo I, composto por cinco mulheres na faixa etária de 18 anos aos 20

anos de idade e um segundo grupo (Grupo II), composto por cinco mulheres com

faixa etária igual ou superior a idade de 45 anos.

A realização desse estudo possibilitou uma aprendizagem dinâmica da prática

profissional no âmbito da Psicologia do Trânsito e o universo acerca da CNH. O

interesse pela temática surgiu em função da experiência possibilitada pela atuação

profissional em uma clínica de testagem Psicotécnica credencia pelo DETRAN-AM

da Cidade de Manaus.

Tal experiência possibilitou a visualização de um crescente número de

mulheres em busca da CNH, inclusive mulheres com faixa etária superior a 45 anos

de idade.

Diante do que foi apresentado, objetivou-se pesquisar os principais motivos

que levam mulheres em diferentes faixas etárias buscarem obter a CNH. Verificou-

se que a fala do grupo I concentrou-se em torno de exigências da modernidade,

como velocidade, economia de tempo, estudos e, exigências do mercado de

trabalho no qual ainda serão inseridas.

Desejam uma locomoção rápida para a realização de atividades diárias sem

ter que depender de ônibus público ou dos pais. Tais atividades estão ligadas às

questões acadêmicas e também a questões de lazer, como sair com os amigos e

ficar até tarde fora de casa. São estimuladas e apoiadas principalmente pelos pais,

considerados os primeiros as colocarem frente à direção de um carro.

No grupo II, as repostas estão relacionadas à expansão de um trabalho

autônomo e a independência, pois possuem o desejo de não ter que depender mais

de pessoas da família ou até pessoas pagas para dirigir seu próprio carro.

Os dados destacam que as mulheres do Grupo II estão ou já estiveram com

seus carros parados na garagem, tendo seus maridos e filhos(as) dirigindo para

elas, ou até mesmo a falta de alguém disponível para continuar dirigindo é colocado

como algo que as estimula na busca pela obtenção da CNH.

Um dado importante a ser destacado acerca destes dados é que, o medo

aparece como algo presente na vida das entrevistadas do Grupo II quando nos

39

referimos ao trânsito, este medo, segundo as entrevistadas, é o principal

responsável pelo atraso na obtenção da CNH. Porém, é um medo controlável e se

necessário estas assumem o volante.

Considerando o significado e representação da CNH para os grupos pode-se

afirmar que, o grupo I, percebe a obtenção da CNH como sinônimo de “liberdade” e

“independência” para a realização de atividades sem ter que depender dos pais.

Representa o direito de ir e vir, respaldado por um documento que comprova sua

capacidade para determinada atividade. No grupo II, é a representação da

possibilidade de possibilidade de recomeçar ou reviver algo que foi deixado pra trás,

representa uma realização pessoal e uma vitória diante do medo e das dificuldades

sentidas nas avaliações.

Espera-se que os dados apresentados contribuam de alguma forma para o

desenvolvimento da Psicologia do Trânsito no âmbito acadêmico, abrindo espaço

para a realização de outros estudos, pois somente com pesquisa e com

conhecimento destas e que poderemos construir uma Psicologia do Trânsito com a

qual possamos intervir preventivamente e, por conseguinte sermos mais efetivos.

A realização deste estudo possibilitou um maior conhecimento do universo da

busca pela obtenção da CNH por parte das mulheres que, a cada dia contribuem

para o crescimento do número de condutores de veículos automotores. Dessa forma

espera-se que, os dados apresentados nesse estudo possibilitem a

“desnaturalização” da visão sobre o universo da CNH e sobre as mulheres inseridas

neste.

40

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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APÊNDICE

Roteiro de Entrevista

Idade: ______anos

1) Você já possui carro? Se sim, foi você mesma quem comprou?

2) Você sabe dirigir? Se sim, quem a ensinou?

3) O que levou você a querer a Carteira Nacional Habilitação (CNH)?

4) Você percebe que está sendo motivada por alguém próximo a você?

5) Existe alguém que você acredita que não gostaria que você tivesse a CNH?

6) Você adiou, por algum motivo, a obtenção da CNH?

7) Pra você, o que significa ter em mãos a CNH?

8) Quando já estiver habilitada com a CNH, em quais atividades vai utilizá-la?

Dirigir o carro e/ou moto para:

a) Ir ao supermercado ( )

b) Ir para faculdade ( )

c) Ir para festas, sair com os amigos ( )

d) Sair com a família ( )

e) Lazer ( )

f) Levar os filhos para escola ( )

g) Trabalho ( )

h) Outros ( ) Especificar quais:_____________________________________