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A REVISTA Univap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos detrabalhos desenvolvidos na Univap - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveramparticipação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica.Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação totalou parcial dos artigos desta revista é permitida, desde que seja feita referência completa àfonte.

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Universidade do Vale do ParaíbaFicha Catalográfica

Revista Univap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993) - .São José dos Campos: Univap, 1993-

v. : il. ; 30cm

Semestral com suplemento.ISSN 1517-3275

1 - Universidade do Vale do Paraíba

Campus Centro: � Praça Cândido Dias Castejón, 116 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-720 - Tel.: (12) 3928-9800� Rua Paraibuna, 75 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-020 - Tel.: (12) 3928-9800

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S U M Á R I O

v. 12 n. 22 dez. 05 ISSN 1517-3275

PALAVRA DO REITOR. ..................................................................................... 5

EDITORIAL. .......................................................................................................... 7

A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E AUNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ............................... 9

CARREIRAS NEGRAS/CARREIRAS BRANCAS: QUANDO RAÇA ECLASSE SE ENCONTRAM

André Augusto Brandão, Mani Tebet A. de Marins ......................................... 1 3

AS SOCIEDADES DE CONTROLE DE GILLES DELEUZE

Luis Fernando Zulietti ......................................................................................... 2 3

O ESPAÇO E AS INTER-RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ECOMUNITÁRIAS

A. S. Cristiane de Carvalho, Elizabeth M. Liberato ....................................... 3 2

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, SEU TERRITÓRIO, POSTURAS E LEIS:UMA CONTRIBUIÇÃO À DISCUSSÃO DO CONTROLE DO USO EDA OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO

Bernadete de Fátima Gonçalves ........................................................................ 4 1

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DE 1980 A 1990, NA PERSPECTIVA DEGOTTDIENER

Cristiane Paiva, Dayana Nogueira, Hamilton Freitas, Laura Peloso, MárioMoreira ................................................................................................................ 4 8

ESTUDO DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA

Domiciano Marcos de Magalhães, Friedhilde M. K. Manolescu ................... 5 7

IMPACTOS ESPACIAIS DA TRANSFORMAÇÃO NA ESTRUTURAPRODUTIVA

Dayana Nogueira ................................................................................................ 6 9

RELIGIOSIDADE POPULAR, O SAGRADO E A MODERNIDADE:RELAÇÕES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO

Adriano Lopes Saraiva, Josué da Costa Silva ................................................... 7 7

PLANOS NACIONAIS E PLANOS DIRETORES URBANOS: ASDIRETRIZES DA SAÚDE PARA O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOSCAMPOS

Vera Lúcia Ignácio Molina ................................................................................. 8 5

O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE ÉMILE DURKHEIM

Luis Fernando Zulietti ...................................................................................... 104

A OFICINA DE APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR:ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Maria Tereza Dejuste de Paula, Sonia Sirolli ................................................. 109

NOVAS COMPETÊNCIAS EM INFORMAÇÃO TECNOLÓGICA: AEXPERIÊNCIA DO SENAI-RS JUNTO AO SERVIÇO BRASILEIRO DERESPOSTA TÉCNICA - SBRT

Alexandro Oto Hanefeld, Enilda Terezinha dos Santos Hack, Geverson Lessados Santos, Silvia Rossana Caballero Poledna ............................................... 113

NEON DIMER BINDING: AN AB INITIO CALCULATION

Alexandre Martins Dias ................................................................................... 120

NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NAREVISTA UNIVAP ........................................................................................... 123

Baptista Gargione FilhoReitor

Antonio de Souza Teixeira JúniorVice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade -Sociedade

Ana Maria C. B. BarsottiPró-Reitora de Assuntos Estudantis

Ailton TeixeiraPró-Reitor de Administração e Finanças

Elizabeth Moraes LiberatoPró-Reitora de Avaliação

Élcio NogueiraPró-Reitor de Graduação

Fabiola Imaculada de OliveiraPró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu

Luiz Antônio GargionePró-Reitor de Planejamento e Gestão

Maria Cristina Goulart Pupio SilvaPró-Reitora de Assuntos Jurídicos

Maria da Fátima Ramia ManfrediniPró-Reitora de Cultura e Divulgação

João Luiz Teixeira PintoDiretor Geral do Campus Villa Branca - Jacareí

Francisco José de Castro PimentelDiretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba

Francisco Pinto BarbosaDiretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura eUrbanismo

Frederico Lencioni NetoDiretor da Faculdade de Educação

Marcio MaginiDiretor da Faculdade de Ciência da Computação

Renato Amaro ZângaroDiretor da Faculdade de Ciências da Saúde

Samuel Roberto Ximenes CostaDiretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas

Vera Maria Almeida Rodrigues CostaDiretora da Faculdade de Comunicação e Artes

Marcos Tadeu Tavares PachecoDiretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento

Maria Valdelis Nunes PereiraDiretora do Instituto Superior de Educação

COORDENAÇÃO GERALAntonio de Souza Teixeira Júnior

REVISÃO DE TEXTOGlória Cardozo Bertti

DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃOGlaucia Fernanda Barbosa Gomes

CONSELHO EDITORIALAlexandro Oto HanefeldAmilton Maciel MonteiroAntonio de Souza Teixeira JúniorAntônio dos Santos LopesCláudio Roland SonnenburgÉlcio NogueiraElizabeth Moraes LiberatoFrancisco José de Castro PimentelFrancisco Pinto BarbosaFrederico Lencioni NetoHeitor Gurgulino de SouzaJair Cândido de MeloLuiz Carlos Scavarda do CarmoMarcos Tadeu Tavares PachecoMaria da Fátima Ramia ManfrediniMaria Tereza Dejuste de PaulaPaulo Alexandre Monteiro de FigueiredoRosângela TarangerSamuel Roberto Ximenes CostaVera Maria Almeida Rodrigues Costa

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PALAVRA DO REITOR

Morreu o vienense, radicado nos Estados Unidos, Peter Drucker, em Novembro de 2005.

As pessoas competentes são importantes e constituem a maior vantagem competitivadas empresas e das nações.

Esta foi, em síntese, a tese sempre defendida por Peter Drucker.

A competência individual deve ser continuamente aumentada, de modo a manter-se atua-lizada e a crescer seu nível de produtividade.

O sucesso das empresas reside na sua sabedoria de empregar gente competente epropiciar-lhe ambiente de trabalho com grande liberdade e indução à criatividade.

A maior produtividade, e conseqüente progresso da empresa, é o resultado da sua ges-tão inteligente e descentralizada.

Trabalhar para o progresso da empresa significa que cada um de seus servidores atueem uníssono com os demais, tendo em vista a eficácia do seu setor e que cada setor atuecomo a empresa.

Conseguir esta identidade de pessoas e setores em prol dos objetivos da empresa é atarefa maior do empresário eficiente. O sucesso será conseqüência da gestão integradora daempresa.

O pensamento da Peter Drucker coincide com o se Stuart Mill, que sintetiza a essênciada vida como a combinação da atuação, focada na eficácia dos resultados, com plena liberda-de de dar expansão a sua criatividade.

O ser humano precisa sentir-se útil e, em conseqüência, produtivo, para o que, muitasvezes, sacrifica a sua liberdade, ao menos parcialmente, mas o faz conscientemente, desdeque lhe proporcionem condições de trabalhar prazerosamente.

É sempre instrutivo lembrar como evoluiu a economia ao longo dos anos, sempre emfunção do conhecimento, até a atual era do conhecimento:

a) a revolução industrial concentrou todo o conhecimento na evolução da máquina;

b) a revolução da produtividade (Taylor) fez do trabalho executado o destinatário da apli-cação do conhecimento;

c) a revolução gerencial, a partir de meados do século 20, aplicou o conhecimento novona contínua evolução do já conhecido.

Vivemos hoje a era do conhecimento, na qual o mais fundamental são as pessoas e nãoo sistema ou a empresa.

Gestores e empresários devem sobretudo entender que a empresa depende dos seusfuncionários e, na sua seleção e aperfeiçoamento, devem ser concentrados os esforços demelhora: os empregados não são robôs, mas pessoas que têm família, amizades, emotividade,saúde e disposição criativa para o trabalho.

A linha de montagem da produção industrial, alma do fordismo, ainda presente em mui-

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tas empresas, elimina o talento e elege a rotina como regra, exigindo que cada operário traba-lhe mais rápido, executando atividades repetitivas.

A não necessidade do talento gerou uma profusão de humanóides robotizados propician-do a contínua substituição, do homem pelas máquinas, mostrando que se não há talentoenvolvido, pode não haver também necessidade de gente na produção.

Mais importante que trabalhar mais é trabalhar de modo mais inteligente, o que leva ànecessidade crescente de pessoas capacitadas para programar a automação e, da mesmaforma, de dominar novas especialidades profissionais, que vão surgindo em decorrência doprogresso.

Peter Drucker alerta os empresários e governos de que há necessidade crescente depessoas bem educadas, com boa formação geral e adequação profissional, para serem efica-zes e atuarem como seres livres e criativos, num mundo globalizado e altamente competitivo.

Cada vez mais, a igualdade real, prevista nas Constituições de todos os países, só seráassegurada pela educação de qualidade, cujo domínio é, por sua vez, repetimos, a maiorvantagem competitiva dos países desenvolvidos.

E país desenvolvido é bem representado por suas universidades, livres, criativas, queformam gente também livre e criativa. E que dão origem às inovações, estas por sua vezresultantes de ações não perfeitamente conhecidas, mas que parecem depender de interaçõescomo as espelhadas nos artigos aqui presentes.

Baptista Gargione Filho, Prof. Dr.Reitor da Univap

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EDITORIAL

Está ocorrendo muita ênfase no desenvolvimento da Biotecnologia e, de um modo geral,nas “ciências da vida”. Novas firmas são abertas todos os dias e ganhos resultantes dasinovações vêm se acentuando.

Nos EUA, 70% das autorizações de novos produtos provêm de desenvolvimentos ligadosàs “ciências da vida”.

“O Brasil possui um sistema imaturo de inovação, tem razoável competência acadêmicaem Biotecnologia, porém, pouca industrialização e baixa transferência de tecnologia daacademia para as empresas”, sintetiza o grupo de pesquisadores, conduzido por MaríliaCoutinho e outros, do NUPES – Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP.

A Biotecnologia é o resultado da incorporação do conhecimento e instrumentaldesenvolvidos pelas pesquisas em Física, Química, Matemática e Ciência da Computação àBiologia, mormente no decorrer do século 20.

Longe vai o desprezo de Rutherford pela Biologia e um pouco também pela Química, aodeclarar que “a única ciência é a Física, o resto são colecionadores de borboletas”. Apesardesta declaração, o prêmio Nobel outorgado a Rutherford não foi em Física, mas sim emQuímica, em 1908.

As nações enriquecem porque têm potencial de recursos humanos disponíveis e emcondições de se adaptar a novas contingências, captando o progresso por todos os meios eestabelecendo um sistema capaz de produzir, vender, distribuir, oferecer garantias e assistênciatécnica, mantendo estoques para reposição de partes e peças. As empresas sabem comoproduzir e comercializar, mas nem sempre mantêm setores de P&D para as inovações deprodutos e processos. Como resultado, elas têm vida breve, muitas vezes, ou são absorvidaspor outras, mais espertas.

Quantas empresas desapareceram no decorrer da segunda metade do século 20?

Vejamos algumas, em São Paulo:

Light and Power; Panair; Mappin Stores; I.R.F. Matarazzo; Cia. Paulista de Estradas deFerro; Cooperativa Agrícola de Cotia; Banco de São Paulo; Banco Comercial do Estado deSão Paulo; Banco Comércio Indústria; Banco Santos; Banco Econômico; Banco Bandeirantes;Banco Noroeste do Estado de São Paulo; Metal Leve.

O que aconteceu com essas empresas?

Por que Petrobras, Votorantim, Embraer, Vale do Rio Doce se agigantaram e são casosde sucesso?

É bem possível que a resposta esteja na sua capacidade de adequação, absorvendonovas tecnologias, adotando métodos modernos de gestão, tornando-se competitivas ecapazes de comprar as concorrentes e seguir rumo ao sucesso. Até quando?

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Talvez a resposta seja: enquanto seus gestores souberem reunir pessoas competentese permitir-lhes serem criativas.

A Fundação Valeparaibana de Ensino – FVE é um exemplo de sucesso, comomantenedora da Univap, da mesma forma que esta.

Vejamos os pontos mais marcantes que balizaram a sua trajetória.

Criada em 24 de agosto de 1963, a Fundação foi incorporando diversos cursos, por elamantidos, sempre com vistas à condição de futura universidade, o que se verificou em 1º deabril de 1992.

A criatividade da FVE, a partir de 1992, foi impressionante, denotando uma visão defuturo notável, mantendo-se fiel à definição, contida no Art. 207, da Constituição da República,de que, como universidade, a Univap goza de autonomia didático-científica, administrativa,financeira e patrimonial e deve obedecer o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisae extensão.

E, dentro da estrita obediência ao texto legal, a FVE criou na Univap um sistema depesquisa e desenvolvimento com a presença ativa de doutores em diferentes núcleos deP&D, com resultados relevantes, publicando artigos em revistas indexadas de tradição,sobretudo em setores ligados às ciências da vida, com forte ligação com mestrados diversose doutorado em Engenharia Biomédica.

Da mesma forma, no que se refere à Extensão, a FVE vem incentivando as atividadesde prestação de serviços, visando à inclusão social, além de atividades ligadas aodesenvolvimento econômico-empresarial, com parcerias de cooperação técnico-científica, apartir de convênios. Com esta visão, assumiu a gestão de duas incubadoras tecnológicas, emparceria com PMSJC, SEBRAE, CIESP e Petrobras, além de construir e fazer funcionar seucampus, com área de 6 milhões de m2; como um Parque tecnológico, com um edifício-sedede área total de 19.000 m2, que já abriga 12 empresas, todas dotadas de tecnologias portadorasde futuro, muitas das quais em áreas ligadas às ciências da vida.

Os artigos aqui publicados, por pesquisadores da Univap e de outras instituições,estabelecem interações relevantes para o entendimento de diferentes problemas e de suaspossíveis soluções. É esta crença que nos habilita a todos a prosseguir sempre, procurando

esclarecer e definir metas que nos ajudem a bem desfrutar a nossa maior herança: a vida.

Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr.Pró-Reitor de Integração Universidade - Sociedade

e Vice-reitor da Univap

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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 9

A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E AUNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP)

A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede àPraça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade deSão José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita noMinistério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20, Ins-crição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição filan-trópica e comunitária, que não possui sócios de qual-quer natureza, com seus recursos destinados integral-mente à educação, instituída por escritura pública de 24de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1ºOfício da Comarca de São José dos Campos, às folhas93 vº/96 vº, do livro 275.

A Universidade do Vale do Paraíba (Univap), mantida pelaFVE, tem como área de atuação prioritária o DistritoGeoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção daeducação para o desenvolvimento da Região do Vale doParaíba e Litoral Norte (DGE-31).

Até o presente, a Univap possui os seguintes Campi:

a) Campus Centro, em São José dos Campos, situado àPraça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua Paraibuna,75.

b) Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi, 2911.c) Campus Urbanova/Jacareí, com acesso pela Av.

Shishima Hifumi, 2911.d) Campus Aquarius, em São José dos Campos, situado

à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181.e) Campus Villa Branca, localizado em Jacareí, na Estrada

Municipal do Limoeiro, 250.f) Campus Platanus, localizado em Campos do Jordão,

na Av. Frei Orestes Girardi, 3.g) Unidade Caçapava,na Estrada Municipal Borda da

Mata, 2020.

A Educação Superior, objetivo da Univap, abrange oscursos e programas a seguir descritos:

1) Graduação, abertos a candidatos que tenham con-cluído o ensino médio ou equivalente e que tenhamsido classificados em processo seletivo.

2) Pós-graduação, compreendendo programas deMestrado, Doutorado, Especialização e outros,abertos a candidatos diplomados em cursos de gra-duação e que atendam aos requisitos da Univap.

3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aosrequisitos estabelecidos pela UNIVAP.

4) Educação a distância, com uso de novas tecnologiasde comunicação.

5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogosem nível de 3º grau.

A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educa-ção integral dos futuros alunos da Univap, de cursos deEducação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio eainda de Formação Profissional e Técnica.

A Univap, em seu Projeto Institucional, centra-se:

1) numa função política, capaz de colocar a educaçãocomo fator de inovação e mudanças na Região doVale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31;

2) numa função ética, de forma que, ao desenvolver asua missão, observe e dissemine os valores positi-vos que dignificam o homem e a sua vida em socie-dade;

3) numa proposta de transformação social, voltadapara a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte;

4) no comprometimento da comunidade acadêmica como desenvolvimento sustentável do País e, emespecial, com a Região do Vale do Paraíba e LitoralNorte, sua principal área de atuação.

A Univap está em permanente interação com agentessociais e culturais que com ela se identificam. Como de-corrência da demanda de seus cursos ou dos serviçosque presta, estabelece convênios com instituiçõespúblicas e privadas, no Brasil e no Exterior. Estesconvênios resultam na cooperação técnica e científica,na qualificação de seus recursos humanos e tecnoló-gicos, na viabilização de estágios acadêmicos e naprestação de serviços. A história da Univap, enraizadana trajetória da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte,traz consigo a marca da participação comunitária, a partirdo compromisso que tem com a sociedade regional,alicerçado na tradição, na busca da excelência acadêmica,na qualidade de seu ensino, no diálogo com a comunidadee no exercício da tríplice função constitucional deassegurar a indissociabilidade da pesquisa institucional,ensino e extensão.

Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP,aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm porobjetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabeti-zação e melhoria da qualidade de vida de populaçõescarentes. Dentro deste Programa, foram realizadasatividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Edu-cação e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM),Teotônio Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE),Carnaubal (CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaiado Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba,nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí,Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos.

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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005.10

Todas as pesquisas institucionais da Universidade es-tão centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvol-vimento (IP&D), o qual executa programas e projetos econgrega pesquisadores de todas as áreas da Univap,envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimen-to e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nasáreas sócio-econômica, genômica, instrumentaçãobiomédica, espectroscopia biomolecular, estudos e de-senvolvimentos educacionais, ciências ambientais etecnologias espaciais, computação avançada, biomé-dicas, atrai e dá condições de trabalho a pesquisadoresde grande experiência, do País e do exterior. Os alunostêm condições de participar, com os professores, depesquisas, executando tarefas criativas, motivadoras, quepropiciam a formulação de modelos e de simulações,trabalhando com equipamentos de primeira linha, e istofaz a diferença entre a memorização e a compreensão.Bolsas de estudo vêm sendo oferecidas a alunos e

pesquisadores, quer pela Univap, quer por instituiçõescomo CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP.

O esforço da Univap em construir, no Campus Urbanova,uma Universidade com instalações especiais para cadaárea de atuação, com atenção especial aos laboratórios,tem por objetivo um ensino de qualidade, compatível comas exigências da sociedade atual.

A Univap, para o ano letivo de 2005, fiel ao lema de que“o saber amplia a visão do homem e torna o seu caminharmais seguro”, oferece à comunidade da Região do Valedo Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa, de seusdiversos cursos, que vão desde a Educação Infantil àPós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio Técni-co Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade.

- Administração de Empresas e Negócios- Arquitetura e Urbanismo- Biomedicina- Ciência da Computação- Ciências Biológicas- Ciências Contábeis- Ciências Econômicas- Ciências Sociais- Direito- Educação Física- Enfermagem- Engenharia Aeroespacial- Engenharia Ambiental- Engenharia Biomédica- Engenharia Civil- Engenharia da Computação- Engenharia de Materiais- Engenharia Elétrica

- Farmácia- Fisioterapia- Geografia- História- Jornalismo- Letras- Matemática- Normal Superior- Nutrição- Odontologia- Pedagogia- Publicidade e Propaganda- Rádio e TV- Secretariado Executivo- Serviço Social- Terapia Ocupacional- Turismo

- Doutorado

- Engenharia Biomédica

- Mestrado

- Bioengenharia- Ciências Biológicas- Engenharia Biomédica- Planejamento Urbano e Regional

- Especialização - Lato-Sensu

- Administração e Planejamento da Educação- Computação Aplicada- Comunicação Empresarial- Dentística Restauradora- Direito Processual- Gestão Ambiental- Gestão Empresarial- Neurologia Funcional- Odontopediatria- Psicopedagogia- Saúde da Família- Terapia Familiar

CURSOS DE GRADUAÇÃO

CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO

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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 11

São José dos Campos

Com cerca de 600.000 habitantes, São José dos Camposé o município com maior população na sua região, sendoque seu grande desenvolvimento começou realmente coma construção da Rodovia Presidente Dutra e do CentroTécnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localizaçãoestratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janei-ro e a topografia apropriada para a construção de grandesindústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertigi-nosamente na década de 70, passando a ser uma dasáreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa decrescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidadepassou por grandes transformações, alcançando avan-ços na área da saúde, desenvolvimento econômico, edu-cação, criança e adolescente, saneamento básico e obras.

O comércio de São José dos Campos é bastante desen-volvido e vive um período de extensão, com vários cen-tros de compras e grandes supermercados e ShoppingCenters. Com mais de 800 indústrias, 4.000 estabeleci-mentos comerciais e superando 7.000 prestadores deserviço, o perfil industrial de São José dos Campos temdois lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespaciale aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, comindústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson,Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi,Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto municípiodo Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrásapenas da capital, Santo André e Campinas.

São José dos Campos possui, como resultado da atuaçãode suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e

dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta,mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos des-tacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seusInstitutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica,IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto deFomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Institutode Estudos Avançados.

Com uma vida cultural bastante intensa, o município contacom uma Fundação Cultural e vários espaços culturais,como o Museu Municipal, galerias de arte, centros deexposição, casas de cultura, Teatro municipal, Cine-Tea-tro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e oTeatro Univap Prof. Moacyr Benedicto de Souza,cinemas, emissoras de rádio FM e AM, Central Regionalda TV Globo, jornais diários com circulação regional,além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares,Universitárias e de Pesquisa, como a da UNIVAP, a doINPE e a do ITA.

A Univap constitui, além do CTA e do INPE, o maiorcentro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escolaà Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e daTerceira Idade, a Univap mantém o IP&D - Instituto dePesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorpora-ção da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP,permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pes-quisa. A Univap tem estado aberta à interação com em-presas e instituições do município, notadamente as deensino e pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, deonde são provenientes o reitor, pró-reitores e vários pro-fessores.

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R. Univap, São José dos Campos, SP, v.12, n.22, dez.2005. 13

Carreiras Negras/Carreiras Brancas: Quando Raça eClasse se Encontram

André Augusto Brandão *Mani Tebet A. de Marins **

Resumo: Este trabalho foi construído a partir do Censo Étnico-racial realizado na UniversidadeFederal Fluminense com o objetivo de conhecer o perfil racial dos alunos dos cursos de graduaçãoda instituição. A partir daí criamos um banco de dados que organizou as variáveis sócio-econômi-cas apreendidas no questionário aplicado. No trabalho que propomos investigamos de formacomparada os dois cursos com maior presença de alunos negros e os dois cursos com maior presen-ça de alunos brancos. Traçamos um perfil de ambos e comprovamos que os negros são mais presen-tes nos cursos com menor nível de disputa no vestibular e com menor possibilidade de retornofinanceiro futuro. Mostramos, ainda, que existe um padrão sócio-econômico que se articula àdistribuição de negros e brancos pelos cursos da universidade.

Palavras-chave: Negros, ensino superior, desigualdade.

Abstract: Using data collected from a survey carried out among undergraduate students at Univer-sidade Federal Fluminense, this article seeks to analyze the racial profile of such students. Twoundergraduate courses were examined in more detail: one with a majority of black students and onewith a majority of white students. Results show that black students consistently seek careers thatare easy to access in the scholastic exams and with possible lower pays in the labor market. Moreover,the study shows the existence of a clear relationship between a social and economical pattern andthe distribution of black and white students among the university courses.

Key words: Blacks, higher education, inequality.

* Professor da ESS-UFF, Pesquisador do PENESB-UFF,Doutor em Ciências Sociais.

** Graduanda da ESS-UFF, Bolsista do CNPq.

1. INTRODUÇÃO

Não restam dúvidas sobre o caráter normativoque as ciências humanas ganharam na modernidade. Nocaso específico dos discursos produzidos sobre as rela-ções entre grupos de cor ou raça no Brasil, as interpreta-ções científicas compuseram no decorrer de nossa histó-ria afirmações que condicionaram uma “imaginação naci-onal” (1) que, por sua vez, esteve na base da produção depolíticas públicas ou na negação da necessidade de al-gumas destas.

Um dos consensos “científicos” que vigiu pordécadas e foi fundamental para articular representaçõessocietárias mais amplas diz respeito à inexistência de uma“linha de cor” no Brasil. Nesta perspectiva, as fronteirasde cor ou raça entre nós seriam permeáveis ou mesmoapagadas pelo fato de que – no extremo oposto da máxi-

ma norte-americana – uma gota de sangue branco pro-duz uma classificação na qual o indivíduo pode seralocado em qualquer ponto do que poderíamos denomi-nar como um “espaço cromático”. Assim, do negro aobranco passaríamos por inúmeras categorias indicadorasde mestiçagem (moreno, mulato, pardo, mestiço etc).

Desta afirmação se constroem outras tambémmuito importantes. Uma delas é a noção de que o Brasilteria destruído a ordem estamental que alicerçou o perío-do escravista e construído uma sociedade de classes –no sentido weberiano do conceito (2) – onde não prolife-ravam grupos aproximados pela raça. Estaríamos, por-tanto, em uma sociedade de classes, na qual, pela impos-sibilidade de discriminação racial dado à mestiçagem, nãose formariam barreiras impeditivas à mobilidade socialque tivessem como critério um elemento imutável como ofenótipo do indivíduo (PIERSON, 1971) (3).

Marvim Harris, outro pioneiro dos estudos sobre re-lações raciais no Brasil corrobora a afirmação acima ao indicarque seria a classe e não a raça que levaria à ações de discrimi-nação, preconceito ou hierarquização (HARRIS, 1974) (4).

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Sintetizando estas “imagens”, Thales de Azevedoem livro publicado pela primeira vez pela Unesco (AZEVE-DO, 1955) afirma que as classificações de cor tupiniquins sebaseiam em um cálculo complexo, em que entram o fenótipo,os aspectos sociais, culturais e educacionais. O que maisuma vez aponta para múltiplas imprecisões que desfazempossibilidades de agregações tipicamente raciais.

Há algumas décadas vemos que as ciências hu-manas no Brasil estão produzindo outras afirmações e,portanto, novas possibilidades para a “imaginação” na-cional, para a auto-representação societária e para aprópria agenda das políticas públicas.

Desde os estudos de Hasenbalg (1979) e de Silva(1978), descobrimos através de relatos quantitativosirrefutáveis, baseados em dados oficiais, que existe umainequívoca “linha de cor” no Brasil. Tal desigualdade semostra em todos os indicadores sociais disponíveis.Obviamente estes estudos quantitativos não estavaminvestigando diretamente as relações primárias, subjeti-vas e lúdicas, mas pode se deduzir que estas não consti-tuíam nenhum paraíso, exatamente porque nas relaçõesde mercado ou de acesso às políticas públicas a desi-gualdade quantitativamente verificada entre brancos porum lado e pretos e pardos por outro, eram enormes (5).

A linha de cor que transcendia o “mito” da cordi-alidade, da harmonia ou da não discriminação entre osbrasileiros de “cores” diferentes, somente pôde ser en-contrada por que estes estudos lançaram mão de recur-sos quantitativos de escopo macro-social. Ou seja, estu-dos generalizáveis para o conjunto do território nacional(até mesmo porque muitas vezes construídos a partir debancos de dados censitários) tendo por base informa-ções “inquestionáveis” produzidas não por militantespassionais, mas sim por técnicos do governo federal.

Destes estudos em diante, vários outros surgirame reafirmaram no tempo a perspectiva de que nos índicesde acesso às políticas sociais e de beneficiamento comestas, mas também nas diferenças de ocupação, posiçãona ocupação e renda, brancos e negros se encontrammuito distantes.

De fato, Hasenbalg (1979) mostrou a existênciano Brasil de um “ciclo de desvantagens cumulativas”que se coloca em todas as fases da trajetória de vida dosnegros, desta forma:

“...não apenas o ponto de partida dos negrosé desvantajoso a herança do passado), mas ...em cada estágio da competição social, na edu-cação e no mercado de trabalho, somam-senovas discriminações que aumentam tal des-vantagem.” (HASENBALG, 1979, p. 67)

Neste sentido, seguindo as indicações de Hasenbalg(1979) e Hasenbalg & Silva (1988), podemos afirmar que adiscriminação racial possui uma específica funcionalidade,no sentido de proporcionar maiores potencialidades de ga-nhos materiais e simbólicos para os “brancos”, ao diminuiras perspectivas dos negros no mercado de bens materiais esimbólicos. Existem suficientes evidências empíricas paracorroborar a idéia de que a discriminação racial no Brasilestá ligada de forma muito precisa à luta por melhoresposicionamentos na estrutura hierarquizada da sociedade.(HASENBALG; SILVA, 1988). Assim, negros sofrem umconjunto de desvantagens sócio-econômicas cumulativasque se consubstanciam em bem-estar e qualidade de vidaem média inferior àquelas dos brancos.

Trata-se aqui de uma desvantagem competitivaque é produzida e mantida pela discriminação racial. Maisespecificamente, os negros, em maior número proporcio-nal que os brancos: nascem em áreas pouco desenvolvi-das, se originam de famílias mais pobres, possuem difi-culdades de realização escolar em todos os níveis deensino e ainda se concentram em atividades ocupacionaisdesqualificadas e de baixo rendimento.

Neste sentido, acreditamos que a questão racialconstitui uma variável fundamental para a compreensãoda lógica de produção e reprodução da pobreza e daexclusão social no Brasil. A raça, portanto, se relacionadiretamente com a distribuição dos indivíduos na hierar-quia social.

A partir disto, verificamos que os níveis de segre-gação racial são indicadores de variáveis sócio-econô-micas, tais como: local de residência e condições de ha-bitação, acesso ao emprego formal e informal, acesso adeterminadas categorias ocupacionais, níveis educacio-nais, renda e mobilidade social. Assim, como afirmaHasenbalg (1991, p. 265), a “raça ou filiação racial deveser tratada como uma variável ou critério que tem umpeso determinante na estruturação das relações sociais,tanto no sentido objetivo quanto subjetivamente”.

Mais recentemente, Pastore & Silva (2000) mos-traram o quanto a educação é fundamental para a conti-nuidade da desigualdade entre brancos e negros (consi-derando neste grupo a soma dos autodeclarados pretose pardos) e para a manutenção da “linha de cor”.

Estes autores pesquisaram como os processosde mobilidade social no Brasil se diferenciam por “cor”.Afirmam que a faixa de escolaridade e o status ocupacionaldo pai aparecem como fatores fundamentais quecondicionam a escolaridade e o status ocupacional dofilho. A concentração dos negros em patamares inferio-res de escolaridade sobredetermina, portanto, a situaçãodesprivilegiada deste grupo racial no conjunto das posi-

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ções de ocupação e renda e conseqüentemente, impactasuas possibilidades de mobilidade social ascendente.

Pastore & Silva (2000) agregam as mais de 300 cate-gorias ocupacionais definidas pela PNAD/IBGE de 1996 em6 grupos assim definidos: Baixo-inferior (trabalhadores ru-rais não qualificados - pescadores, agricultores autônomosetc); Baixo-superior (trabalhadores urbanos não qualifica-dos - empregados domésticos, ambulantes, trabalhadoresbraçais, serventes, vigias etc); Médio-inferior (trabalhado-res qualificados e semiqualificados - motoristas, pedreiros,mecânicos, carpinteiros etc); Médio-médio (trabalhadoresnão-manuais – auxiliares administrativos, profissionais deescritório, pequenos proprietários etc); Médio-superior (pro-fissionais de nível médio e médios proprietários - adminis-tradores e gerentes, encarregados, chefes no serviço públi-co etc); Alto (profissionais de nível superior e grandes pro-prietários - empresários, professores de ensino superior, ad-vogados, médicos, oficiais militares etc).

Investigando, a partir destes dados de 1996, oshomens entre 35 e 49 anos por cor ou raça, os autoresverificam que as rotas médias de mobilidade entre brancose negros são idênticas até o tipo Médio-inferior. A partirdeste ponto, enquanto os filhos de brancos, em maioria,permanecem sempre no mesmo grupo ocupacional do pai,os filhos de negros, em maioria, caem para gruposocupacionais inferiores. Mais precisamente, os filhos depais brancos que atuavam no tipo Médio-médio ficam emmaioria neste mesmo tipo; já os filhos de pais negros queatuavam neste tipo, aparecem em maioria no tipo Médio-inferior. O mesmo verificamos nos tipos Médio-superior eAlto. A maioria dos filhos de pais brancos mantém a posi-ção ocupacional respectiva e a maioria dos filhos de paisnegros ficam na categoria ocupacional Médio-inferior.

A contundência destas informações merecem queas vejamos de forma numérica. Em 1996, considerando aamostra citada acima, enquanto somente 29,04% dos fi-lhos de brancos do tipo Baixo-inferior estão neste tipo ouno tipo Baixo-superior, entre os filhos de pardos esta taxaé de 35,71 %, chegando a 39,24% entre os filhos de pretos.

Na outra ponta, 38,54% dos filhos de pai do tipoAlto permanecem neste tipo quando adultos. Entre os fi-lhos de pretos estes são 18,18% e entre os filhos de par-dos 17,89%. No que tange ao tipo Médio-superior, 51,73%dos filhos de pais brancos deste grupo aí permanecem oumigram para o tipo Alto. Já entre os filhos de pais pretos,estes são 30,75% e entre os filhos de pais pardos 35,95%.Ou seja, pretos e pardos que possuem pais em grupo destatus ocupacional Alto têm muito mais possibilidades queos brancos de uma mobilidade social descendente.

Tomando os dados da PNAD de 1996 de forma mais“fotográfica”, Pastore & Silva (2000, p. 88) afirmam que nes-

ta data, estavam nos tipos Baixo-inferior e Baixo-superior36,4% dos brancos, 48,4% dos pretos e 53,7% dos pardos.Já nos tipos Médio-inferior, Médio-médio e Médio-inferiorestavam 54,9% dos brancos, 49,4% dos pretos e 44,5% dospardos. Por último, no grupo Alto, estavam 8,7% dos bran-cos, 1,9% dos pretos e 2,2% dos pardos.

Tais diferenças se relacionam diretamente com asperformances de escolaridade. Como mostram Pastore &Silva (2000, p. 93), 64,8% dos filhos de pais brancos dotipo Alto chegam a 12 anos e mais de escolaridade. Entreos filhos de negros com a mesma posição ocupacional,somente alcançam os 12 anos e mais de estudos 24,3%.

Na outra ponta, entre os filhos de brancos do gru-po ocupacional Baixo-superior, um total de 19,8% chegaaos 12 anos e mais de estudos. Já entre os filhos de negrossomente 6,7% chegam a este patamar de escolaridade.

Assim, os autores concluem que “... o núcleo durodas desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer selocaliza no processo de aquisição educacional”(PASTORE; SILVA, 2000, p. 96).

Nesta mesma direção, outro estudo recente apontaem detalhes a magnitude das desigualdades de realiza-ção educacional entre os dois grupos de cor ou raça.Segundo o trabalho de Henriques (2001) – que se apóianos dados produzidos pela PNAD do IBGE – em fins dosanos 1990 a diferença de anos de escolaridade médiaentre um negro e um branco, ambos com 25 anos de ida-de, era de 2,3 anos de estudo, o que corresponde a umaelevada desigualdade, à medida que, a média de escolari-dade dos adultos, em geral, no Brasil não ultrapassa os 6anos. O mais significativo, porém, é que tal padrão dedesigualdade no que tange aos anos médios de estudotem se mantido estável há décadas.

Henriques (2001), verifica que, tomando os nascidosem 1929 e os nascidos em 1974 e desagregando-os entre osgrupos branco e negro, encontramos uma situação onde:

“... a escolaridade média de ambas as raçascresce ao longo do século, mas o padrãode discriminação racial, expresso pelos anosde escolaridade entre brancos e negros,mantém-se absolutamente estável entre asgerações.” (HENRIQUES, 2001, p. 27)

Henriques (2001) nos mostra ainda que se tomar-mos o ano de 1999, em todos os índices ligados àescolarização, a população negra apresenta performancesinferiores à população branca. Os analfabetos entre 15 e25 anos no Brasil correspondem a 5% da população total,no entanto são 7,6% da população negra e somente 2,6%da população branca. Considerando o analfabetismo de

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todos os maiores de 15 anos no Brasil encontramos umataxa de 13,3% para os brancos 19,8% para os negros. Ascrianças entre 7 e 13 anos que não freqüentam a escolaseriam 3,6% no Brasil, mas 2,4% entre os brancos e o do-bro (4,8%) entre os negros.

As pessoas entre 11 e 17 anos que ainda nãocompletaram a 4ª série do ensino fundamental corres-pondem a 27,4% na população total, mas somente a 17,1%na população branca, enquanto chega a 37,5% na popu-lação negra. A lista de desigualdades continua: 73,2%das pessoas entre 18 e 25 anos no Brasil não completa-ram o ensino secundário, mas entre os brancos na mes-ma faixa etária este número é de 63,1%, já entre os negrosalcança 84,4%. Por último, o ingresso ao ensino superioré alcançado por somente 7,1% dos brasileiros entre 18 e25 anos, mas entre os brancos nesta faixa de idade oacesso à universidade chega à 11,2%,enquanto que en-tre os negros não passa de 2,3%.

Henriques (2001) lembra também que

“... todos os níveis de escolaridade dos adul-tos negros em 1999 são inferiores aos indi-cadores dos adultos brancos em 1992. Des-taca-se em particular, a taxa de analfabetis-mo de pessoas com mais de 15 anos: em1999 essa taxa era de 19,8% entre os ne-gros, sendo que em 1992 era de 10,6% entreos brancos. Observamos, portanto, que àmedida que avançamos nos níveis de esco-laridade formal da população adulta, as po-sições relativas entre brancos e negros sãocrescentemente punitivas em direção aosnegros.” (HENRIQUES, 2001, p. 31-32)

Mas existe ainda um outro ponto fundamental queacentua as desigualdades demonstradas por Henriques(2001). Trata-se do fato de que o pequeno percentual denegros que acessam o ensino superior se concentram emmaior quantidade nas carreiras que tendem a oferecer me-nores possibilidades de retorno financeiro futuro, enquantoque os brancos se concentram nas carreiras que em geralredundam em maiores possibilidades de renda.

Exatamente por isso, resolvemos investigar o per-fil dos alunos de dois cursos superiores oferecidos poruma instituição federal de ensino superior situada naRegião Metropolitana do Rio de Janeiro, a UniversidadeFederal Fluminense. Escolhemos para análise o curso commaior percentual de brancos e o curso com maiorpercentual de negros (considerando a soma de pretos epardos), estes são respectivamente medicina earquivologia.

Para a produção deste estudo contamos com obanco de dados do “Censo Étnico-racial da UFF e daUFMT” (BRANDÃO; TEIXEIRA, 2003) realizado pelo Pro-grama de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira(PENESB-UFF), em 2003 (6) (vide Tabela 1).

2. O PERFIL DOS ALUNOS

Inicialmente devemos observar que o curso mais“branco” se encontra entre os mais disputados no con-curso vestibular da UFF em 2003. Mais especificamenteo curso de Medicina é o mais concorrido entre todos osoferecidos por esta instituição federal. O contrário ocor-re com o curso mais “negro”. Arquivologia era o penúlti-mo na relação candidato-vaga neste ano.

A Tabela 1 mostra a configuração de cor ou raçanos cursos selecionados e no total da UFF. Como vemos,mesmo a distribuição total dos alunos aponta para umasuper-representação dos brancos e para uma acentuadasub-representação dos alunos pretos e pardos quandocomparados com o conjunto da população do Estado.

No entanto, os brancos estão ainda mais super-repre-sentados no curso mais disputado e se mostram sub-repre-

sentados no curso menos disputado. Exatamente o contrárioocorre com os negros. É necessário apontar, porém, que nogeral a sub-representação dos pardos na UFF é da ordem de13,89%, enquanto que a dos pretos ultrapassa os 50%.

A partir de agora passamos a comparar caracterís-ticas selecionadas dos dois cursos com o perfil da pró-pria universidade (Tabelas 2 a 15).

Tabela 1 - Distribuição percentual dos alunos nos cursos selecionados, no conjunto da UFF e da população doEstado do Rio de janeiro, segundo a cor ou raça

Fonte: Censo Étnico-Racial da UFF e da UFMT (2003) e Censo Demográfico Brasileiro (2000).

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Tabela 2 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

De início, é bastante aparente que ter freqüenta-do escolas privadas no ensino médio constitui um fatorimportante para o acesso a esta universidade pública,pois nada menos que 64,02% dos alunos da UFF cursa-ram este nível de ensino especificamente neste tipo deinstituição. Para além disto, como podemos verificar, osalunos do curso mais “branco” são em muito maior medi-da oriundos de escolas privadas que os alunos do curso

mais “negro”. De fato, se tomarmos os números geraiscomo parâmetro, veremos que no curso de Medicina, opercentual de oriundos de escola privada ultrapassa o jáelevado número correspondente ao total da UFF, enquan-to que no curso de Arquivologia ocorre rigorosamente ocontrário. Vale ressaltar a contundente informação de quesomente 19,81% dos alunos de Medicina cursaram a redepública de ensino médio.

Tabela 3 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade do pai

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

Tabela 4 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a escolaridade da mãe

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

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As Tabelas 3 e 4 corroboram as proposições deBourdieu (1999) acerca da noção de “capital cultural em esta-do incorporado” e também comprovam as já comentadas in-dicações de Pastore e Silva (2000), acerca do impacto que aescolaridade da família exerce sobre o status dos filhos.

Assim, vemos que na totalidade da UFF mais de50% dos alunos possuem um pai que acessou o ensinosuperior. Os percentuais de distribuição destes vão dimi-nuindo na mesma ordem em que diminuem os graus deescolarização tomados em blocos. Assim, 25,97% dosalunos têm pais que acessaram o ensino médio e 20,95%que acessaram o ensino fundamental. Como vemos, so-mente 0,77% dos alunos da UFF possuem pais que nun-ca freqüentaram a escola.

Quando comparamos os dois cursos em análise,vemos uma gigantesca clivagem. Enquanto que a maiorconcentração de pais dos alunos de Medicina se encon-tra entre os que acessaram o ensino superior (75,75%),entre os pais dos alunos de Arquivologia, a maior con-centração está no âmbito do ensino fundamental (49,64%).De fato, quando comparamos as três colunas da tabela 3vemos que no curso de Medicina os pais dos alunos sãoem larga medida mais bem situados na hierarquia deescolarização, quando comparados aos pais dos alunosde Arquivologia. Vemos ainda que tomado comoparâmetro o total da UFF, os pais dos alunos do cursomais “branco” estão sub-representados entre os que

nunca freqüentaram a escola e entre os que acessaramou concluíram o ensino fundamental e médio. Estão, noentanto, super-representados entre os que iniciaram ouconcluíram o ensino superior. Exatamente o contrárioocorre com os pais dos alunos do curso mais “negro”.

A análise da Tabela 4 nos leva a resultados idên-ticos aos encontrados para a Tabela 3. De fato, podería-mos repetir para as mães dos alunos as mesmas afirma-ções que produzimos para os pais. A única diferença se-ria que no total da UFF e também nos dois cursos, asmães apresentam uma performance de escolaridade umpouco inferior àquela dos pais (7).

Por fim, vale lembrar mais uma vez a questão relati-va ao “capital cultural em estado incorporado”. SegundoBourdieu (1999 e outros), a trajetória escolar de um indiví-duo depende substancialmente de um conjunto de dispo-sições que são forjadas na própria relação familiar. Trata-se de um tipo de capital cultural que é incorporado deforma mesmo insensível pelos agentes sociais. À medidaque a escola valoriza imensamente os efeitos deste capitalpara selecionar e premiar os discentes, este adquire umaenorme importância e, em conjunto com outros fatores,explica até mesmo a distribuição dos alunos entre carreirasmais e menos concorridas. Não é por acaso, portanto, queos pais e mães dos alunos do curso de Arquivologia estãoem posição muito pior que os dos alunos de Medicina noque tange à estrutura de escolaridade.

Tabela 5 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho anterior

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

No que tange à questão das atividades de traba-lho anterior, verificamos que a grande maioria dos alunosda UFF não trabalhou antes de cursar a universidade.Porém, os alunos de Arquivologia mostram uma trajetó-ria mais sujeita às pressões materiais, à medida que exer-

ciam atividades de trabalho com freqüência maior que ototal da UFF, enquanto que o inverso ocorre com os alu-nos de Medicina. A diferença entre os que nunca traba-lharam é de aproximadamente 24 pontos percentuais en-tre os dois cursos.

Tabela 6 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a condição de trabalho atual

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

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Comparando as Tabelas 5 e 6, verificamos que aochegar à universidade um número significativo de alu-nos ingressa no mercado de trabalho. Assim, se os quehaviam trabalhado antes eram 20,39 %, os que não traba-lham agora que chegaram à universidade são 43,89 %.

De qualquer modo, a maioria dos alunos da UFFnão exercia atividades de trabalho por ocasiãoda realiza-ção do Censo Étnico-racial em 2003. Mas, quando desa-

gregamos este dado geral entre os dois cursos estuda-dos, mais uma vez nos deparamos com diferençasabissais, à medida que somente 19,81% dos alunos deMedicina exercem atividades de trabalho, enquanto osalunos que trabalham da Arquivologia são 59,33% dototal. Trata-se de uma distância de aproximadamente 40pontos percentuais que reafirma as diferenças de perfildos alunos do curso mais “branco” e do mais “negro”desta universidade.

Tabela 7 - Distribuição percentual dos alunos por curso, segundo a renda familiar

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

A análise da tabela acima nos coloca frente a umcontundente e expressivo contraste que sinaliza a inten-sa desigualdade na educação superior brasileira. Na pri-meira linha da tabela, ou seja, aquela relativa a até umsalário mínimo de renda mensal, encontramos no totaldos alunos somente 0,95%. Este percentual, no entanto,triplica quando olhamos a coluna referente ao curso deArquivologia (2,99%). No oposto disto, entre os alunosde Medicina, nenhuma família se localiza nesta faixa queremete a patamares de pobreza extrema.

Se considerarmos agora as famílias situadas entre1 e 5 salários mínimos de renda, verificamos que no totalda UFF este percentual é de 26, 99%. No que tange aocurso de Arquivologia estas mesmas faixas de renda com-portam 60,83% das famílias dos alunos, ou seja, mais doque o dobro da freqüência encontrada para o total. Já naMedicina este percentual cai para 8,63%, o que significauma freqüência cerca de três vezes menor que o geral.

Analisando agora as famílias mais bem situadasno espectro de renda, ou seja, tomando as faixas acimade 20 salários mínimos, veremos que as desigualdadesse mantêm. O percentual total da UFF é de 19,47%, en-quanto que na Arquivologia encontraremos somente3,73% das famílias neste patamar – o que significa umpercentual cerca de quatro vezes menor do que a somade todos os alunos da UFF. Por outro lado, na Medicina

o percentual encontrado nestas faixas é aproximadamen-te o dobro (40,10%) do existente no conjunto desta ins-tituição.

Mais do que nunca os dados se impõem com muitaforça. Indiscutivelmente, através das tabelas apresenta-das, vemos de forma transparente uma desigualdade in-terna à UFF na variável renda familiar por curso. Não poracaso, aqueles que têm acesso aos cursos mais “dispu-tados” são aqueles mais bem situados na estrutura derenda familiar e são também em maior quantidade de corou raça “branca”. Na mesma direção, não é uma “ordemnatural das coisas” que explica o fato de que os cursosmenos disputados são aqueles com mais alunos oriun-dos de famílias da base da pirâmide de renda e com maiorquantidade de pretos e pardos.

Todas as variáveis discutidas acima (trabalho an-terior, trabalho atual, escolaridade do pai e da mãe, tipode escola freqüentada no ensino médio e renda familiar)mostram que não há uma aleatoriedade no campo da es-colha e do acesso aos cursos de uma instituição federalde ensino superior. Com as próximas tabelas, vamosdesconstruir mais uma vez qualquer argumentação queaponte aleatoriedade no perfil dos cursos universitáriosno que tange à cor ou raça dos alunos (vale ressaltar queanalisaremos somente os dados referentes aos alunosde cor ou raça “branca”, “preta” e “parda”).

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Tabela 8 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça,segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

Tabela 9 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça,segundo o tipo de escola freqüentada no ensino médio

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

Já havíamos verificado que poucos alunos deMedicina eram oriundos de escolas públicas de ensinomédio, enquanto que mais da metade dos alunos deArquivologia vinham de tal origem. Vejamos agora comoeste dado geral se distribui entre os grupos de cor ouraça. De início, nos dois cursos encontramos uma mesmaconfiguração: a maior freqüência de origem em escolaspúblicas é dos pretos, seguidos dos pardos e dos bran-cos, respectivamente.

Na Medicina, os brancos apresentam menorpercentual de origem na escola pública do que o total docurso. O contrário ocorre com os pretos e pardos. Já naArquivologia mantém-se a sub-representação dos bran-

cos na origem em escola pública e aparece uma pequenasub-representação dos pardos. Entre os pretos, maisuma vez, observamos freqüência maior do que no total.

No geral, porém, em ambos os cursos os alunospardos estão mais próximos dos brancos do que dospretos no que tange a esta origem em escola pública. NaMedicina os pardos apresentam uma distância de 15,53pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,06 emrelação aos pretos. Na Arquivologia a distância é de 4,68pontos percentuais em relação aos brancos e de 18,38 emrelação aos pretos. Assim, no que tange à origem emescola pública, os pardos apresentam performance maissemelhante à dos brancos.

Tabela 10 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

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Tabela 11 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade do pai

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

Verificando a escolarização dos pais dos alunosda Arquivologia percebemos uma maior concentraçãodos pretos nas faixas correspondentes ao ensino funda-mental, com 69,23% estando este percentual acima dototal do curso em aproximadamente 19 pontospercentuais. Já os pardos, embora estejam também acimado total do curso, mostram menor super-representação(aproximadamente 6 pontos). No que diz respeito aospais dos alunos brancos, estes são menos freqüentesneste nível do que o total do curso.

Nas duas últimas faixas de escolarização, os paisdos alunos brancos são mais freqüentes que os dos alu-nos pretos (que nem mesmo aparecem) e os dos alunospardos (7,45%), ficando assim acima do total do cursoem exatos 10,76 pontos percentuais.

No que diz respeito ao curso de Medicina, podemosver que os pretos estão super-representados em 43,94 pon-tos percentuais entre aqueles que possuem pais com até o

ensino fundamental completo, contra a sub-representaçãode pardos em 1,89 e de brancos em 0,28 pontos percentuais.

No que tange às faixas de escolarização relativasao ensino superior, verificamos que há uma maior freqüên-cia dos pais dos alunos brancos, seguidos dos pais dosalunos pardos, porém somente os primeiros ultrapassam ototal do curso (em aproximadamente 2 pontos percentuais).Enquanto que os pais dos alunos pretos estão sub-repre-sentados em nada menos que 50,75 pontos.

Vale ressaltar, por último, que no curso de Medici-na os pais dos alunos pardos estão mais próximos dosbrancos do que dos pretos no que tange ao acesso aoensino superior (distância de 23,93 pontos percentuaisem relação aos primeiros e de 44,46 em relação aos se-gundos). No entanto o inverso ocorre com os pais dosalunos de Arquivologia, em que os pardos estão em 18,11pontos percentuais distantes dos brancos nestas duasfaixas e 7,84 pontos distantes dos pretos.

Tabela 12 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

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Tabela 13 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a escolaridade da mãe

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

O mesmo desenho de desigualdades encontra-do no caso da escolaridade dos pais dos alunos pode serverificado também para o caso das mães. A única diferen-ça substancial corresponde ao fato de que estas apre-sentam entre os alunos brancos e pardos uma freqüênciamenor que os pais nas faixas mais altas; no entanto, noque tange aos alunos pretos, as mães destes apresentamem média um melhor posicionamento na escolarização

que os pais.

A situação das mães dos alunos pardos repete-senos dois cursos estudados aqui, o que fora encontradopara os pais dos alunos. Ou seja, no que tange às duasfaixas mais altas de escolaridade, os pardos se encon-tram mais próximos dos brancos na Medicina e mais pró-ximos dos pretos na Arquivologia.

Tabela 14 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Arquivologia por cor ou raça, segundo a renda familiar

Tabela 15 - Distribuição percentual dos alunos do curso de Medicina por cor ou raça, segundo a renda familiar

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

Fonte: Censo Étnico-racial da UFF e da UFMT (2003).

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As tabelas anteriores expressam a renda familiardos grupos de cor ou raça dos alunos dos cursos deArquivologia e Medicina. Neste último vemos que entreos autodeclarados brancos encontramos uma freqüên-cia maior que os demais e mesmo maior que o total docurso, entre os que se localizam em famílias com rendaacima de 20 salários mínimos. Quando, porém, observa-mos a faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos, percebe-mos uma maior presença de alunos pretos super-repre-sentados em larga medida. Os pardos estão também super-representados, mas em pequena escala. Já os brancosestão sub-representados em cerca de 1 ponto percentual.

Na Arquivologia, verificamos que, na faixa de ren-da de 20 a 50 salários mínimos (8), há um percentual maiorde brancos (5,88%) acima 2,11 pontos percentuais dototal do curso. Neste patamar de renda os pretos nemsequer aparecem e os pardos chegam a somente 1,06%(2,71 pontos percentuais abaixo do total deste curso).

Já na faixa de renda de 1 a 5 salários mínimos seconstata uma maior freqüência dos pardos (77,66%) sen-do estes super-representados em 13,84 pontospercentuais. Entre os pretos a super-representação é de5,41 pontos percentuais. Entre os autodeclarados bran-cos o percentual é de 52,10, configurando uma sub-re-presentação de 11,72 pontos.

Os alunos dos três grupos de cor ou raça sãooriginários de famílias mais pobres, como já esperáva-mos, no curso de Arquivologia em comparação com o deMedicina. No entanto, mesmo no curso com maior pre-sença negra e com menor nível de disputa no vestibular,os brancos são significativamente mais ricos que os pre-tos e pardos. Por último, devemos apontar que os par-dos estão mais próximos dos brancos na Medicina e maispróximos dos pretos na Arquivologia.

3. CONCLUSÃO

Em praticamente todos os indicadores utilizadosna análise que envidamos neste artigo, encontramos umainsistente regularidade: os pretos apresentam asperformances que indicam maiores dificuldades de reali-zação escolar, seguidos dos pardos e dos brancos. Istovale para ambos os cursos.

É claro que os pretos e pardos que conseguemacessar o curso de Medicina (poucos indivíduos em nú-meros absolutos) devem estar mais bem situados sócio-economicamente do que os alunos de Arquivologia (dequalquer grupo de cor ou raça), mas não se igualam aposição de seus colegas brancos.

Como já anunciávamos no título deste pequenotrabalho, parece que a raça e a classe se encontram aqui.

O curso mais “branco” da UFF reúne alunos mais bemsituados sócio-economicamente do que o curso mais “ne-gro”. No caso por nós estudado, ou seja, o acesso a umcurso muito disputado e a outro pouco disputado deuma instituição pública de ensino superior, o que maisimporta: a classe ou a raça?

Vejamos. Se a classe fosse o condicionante maisimportante, deveria existir uma relativa homogeneidadeentre os indicadores pertinentes aos três grupos de cor ouraça em ambos os cursos. O que definitivamente não ocor-re. Ou, antes disso, deveria existir uma configuração naqual o curso com o maior nível de disputa agregasse maiorpercentual de alunos bem posicionados na estrutura soci-al (independente da cor destes), e um curso com menordisputa deveria agregar tão somente um número maior dealunos “despossuídos” e não de alunos negros.

Voltando ao que Hasenbalg já apontava desde osanos de 1970, para além da pobreza como ponto de parti-da, os negros enfrentam a cada dia a operação do racis-mo na sociedade brasileira. Tal enfrentamento produz umaespiral de desvantagens materiais, simbólicas e subjeti-vas que somente podem ser debeladas por políticas con-cretas no campo das ações afirmativas.

Este aspecto subjetivo apontado por Hasenbalg(1991) diz respeito ao solapamento das expectativas eanseios dos negros, à medida que é construído um este-reótipo racial que aponta “o local adequado” para estesna sociedade. Mais especificamente, o acúmulo de desi-gualdades sócio-econômicas numa sociedade que se afir-ma como uma “democracia racial” tem como efeito pro-mover um verdadeiro massacre subjetivo sobre os ne-gros. Trata-se, portanto, de um processo no qual estegrupo racial, além do enfrentamento cotidiano das práti-cas discriminatórias, precisa encontrar caminhos de ope-ração frente à violência simbólica que esconde tais práti-cas. Neste contexto, o referencial teórico de PierreBourdieu nos parece importante, principalmente o seuconceito de habitus.

Peça fundamental no esquema teórico propostopor este sociólogo, o habitus constitui uma matriz deações e representações que é gerado pelas experiênciasfamiliares primeiras dos indivíduos em sua vida social, oque compreende as primeiras relações com as condiçõesmateriais de existência. A partir daí, o habitus torna-seprincípio da “percepção e da apreensão de toda experiên-cia ulterior”. (BOURDIEU, 1983, p. 64). Assim, determina-das condições materiais de existência originam habitusque são o produto do meio socialmente estruturado e dascondições de existência apreendidas2 Trata-se de um “sis-tema de estruturas interiorizadas” que atua entre as estru-turas sociais e as práticas dos sujeitos.

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O habitus refere-se à história do agente social(que nunca poderá ser unicamente individual). Refere-se, portanto, a princípios formados desde a primeira rela-ção familiar e que se atualizam no desenvolvimento datrajetória social, estabelecendo representações acerca doque pode e deve ser almejado. Assim, as aspirações,motivações, interesses e escolhas possuem este fundoque se instaura na relação entre as práticas individuais eas condições coletivas de realização destas.

Em última instância, o habitus conforma as ações,porém, como é produto de relações sociais determina-das, tende a reproduzir estas relações que o geram. Apossibilidade de uma ação social ocorrer se encontraestruturada, sem no entanto ser “uma obediência às re-gras... ou uma previsão consciente” de metas a alcançar(ORTIZ, 1983, p. 15).

A partir disto podemos inferir que indivíduos queviveram uma trajetória longe de pressões materiais imedia-tas desenvolvem um habitus onde o tempo (e o gasto detempo) tem um significado muito diferente em relação aoutros indivíduos que desde suas primeiras experiênciasse relacionam com urgências materiais de sobrevivência.Esta questão explica a dificuldade dos jovens pobres enegros em “perder tempo” na escola, o que leva ao proble-ma da evasão escolar; o que fica bastante claro nas esta-tísticas acerca de anos médios de estudo por cor.

As condições materiais de pobreza e exclusão so-cial às quais os afrodescendentes, muito mais do que osbrancos (como os dados sócio-econômicos demonstram)são submetidos, produzem um habitus que tende a cola-borar com a reprodução da própria situação depauperização e exclusão, que se consubstanciam na difi-culdade de mobilidade social ascendente ao nível da ocu-pação e da renda. A imagem utilizada por Bourdieu (1989,p. 87) é, neste ponto, bastante elucidativa: trata-se datensão entre “o que a história fez deles e o que ela lhespede para fazer.”

A legitimidade de uma certa ordem social, mesmode uma ordem segregadora do ponto de vista racial, temseu funcionamento extremamente facilitado pelo fato deque se realiza quase automaticamente no mundo objetivo.

Por isso são tão necessários os trabalhos científi-cos que possam “desnaturalizar” e “desfatalizar” o mun-do social e seus condicionamentos no campo fugidiodas relações raciais no Brasil e servir de base para a lutapela implantação de políticas públicas capazes de modi-ficar as configurações no plano objetivo para que a partirdaí, uma vez mudada a “ordem das coisas”, possam serdiferentemente pensadas as coisas da ordem.

Enfim, o racismo brasileiro, e a conseqüente desi-

gualdade racial que produz, não será debelado somentepor palavras. Estas deverão ser a ponta de lança dasreivindicações por igualdade e justiça na direção daefetivação de políticas concretas; mas somente aefetivação e a plena operação destas poderão alterar aforma de inserção dos negros nos vários circuitos mate-riais e subjetivos da sociedade e, assim, retirar toda abase falsa – mas extremamente eficaz ao nível do sensocomum – de sustentação da ideologia racista.

4. NOTAS

(1) Sobre a idéia de nação como comunidade ima-ginada ver Anderson (1989).

(2) A classe social na perspectiva de Max webercorresponde a um grupo cuja possibilidade de entradade novos indivíduos é aberta, ou seja, os membros sãoaqueles que alcançam determinados padrões de proximi-dade que se constroem e se atualizam socialmente e nãosão fixos. Uma sociedade de classes seria caracterizadapela inexistência de mecanismos formais que impedis-sem o trânsito dos indivíduos pela estrutura de distribui-ção dos ganhos sociais (WEBER, 2000).

(3) Esta obra foi publicada originalmente nos Es-tados Unidos, pela Universidade de Chicago em 1942.

(4) Esta obra foi publicada originalmente nos Es-tados Unidos em 1964.

(5) Um importante indicador de nossas relaçõesraciais não paradisíacas nas áreas mais subjetivas da exis-tência social encontra-se no que podemos denominarcomo casamentos inter-raciais. Telles (2003), utilizandodados do censo de 1991, mostra que naquele ano somen-te 23,1% dos casais brasileiros (formados em qualquertipo de união consensual) agrupavam indivíduos de corou raças diferentes.

(6) As análises preliminares deste censo forampublicadas em Brandão & Teixeira (2003).

(7) Atualmente verificamos uma progressiva van-tagem das mulheres em relação aos homens no que tan-ge às taxas de escolarização. Todavia esta tendência nãose configura nas gerações que correspondem aos pais emães dos alunos da UFF.

(8) É importante destacar que não existem, nestecurso, famílias com renda mensal superior a 50 saláriosmínimos.

(9) As práticas sociais oriundas do habitus se relaci-onam assim com o passado interiorizado e, portanto, repro-duzem as estruturas objetivas de ação e representação.

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As Sociedades de Controle de Gilles Deleuze

Luis Fernando Zulietti *

Resumo: Para Deleuze a filosofia não é uma potência. As religiões, os Estados, o capitalismo, aciência, o direito, a opinião, a televisão são potências, mas não a filosofia.A filosofia pode ter grandesbatalhas interiores (idealismo – realismo etc.), mas são batalhas visíveis. Não sendo uma potência, afilosofia não pode empreender uma batalha contra as potências; em compensação, trava contra elasuma guerra sem batalha, uma guerra de guerrilha. Não pode falar com elas, nada tem a lhes dizer,nada a comunicar, e apenas mantém conversações. Como as potências não se contentam em serexteriores, mas também passam por cada um de nós, é cada um de nós que, graças à filosofia, encontra-se incessantemente em conversações e em guerrilha consigo mesmo.

Palavras-chave: Sociedade, controle, filosofia, idealismo, realismo.

Abstract: According to Deleuze philosophy isn’t potency. Religions, States, capitalism, science, law,opinion and television are potencies, but not philosophy. Philosophy can have big interior battles(idealism – realism etc.) but they are visible ones. Not being potency, philosophy cannot undertakea battle against potencies, but on the other hand it fights a war without battles, a war of guerrilla.It cannot speak to them, because it has nothing to say to them, nothing to communicate, but it onlykeeps conversations. Potencies do not get satisfied to be exterior and they also pass through eachof us. Therefore, thanks to philosophy, we are constantly in conversation and on guerrilla withourselves.

Key words: Society, control, philosophy, idealism, realism.

* Professor da Univap.

1. INTRODUÇÃO

“Um pouco de possível, senão eu sufoco...” Comestas palavras, Gilles Deleuze definiu o que teria levadoMichel Foucault, na última fase da sua obra e vida, a selançar de forma tão inesperada à descoberta dos proces-sos de subjetivação. Um grande pensador precisa doinesperado como do ar, para respirar e viver; o pensa-mento, esclarece Deleuze, jamais foi questão de teoria,mas de vida.

A obra de Gilles Deleuze pode ser colocada porinteiro sob o signo destes comentários. Na sua própriabusca do inesperado, ele não parou de surpreender: osfilósofos, pela maneira audaciosa com que amou e usouos grandes nomes da tradição (Espinosa, Nietzsche,Bérgson); os não filósofos, pelo vigor de seus conceitosprediletos (diferença, multiplicidade, acontecimento); ospsicanalistas, pela irreverência com que forjou (em asso-ciação com Guattari) a concepção de um inconscienteprodutivo; os artistas, pela originalidade com que cru-zou a pintura, a literatura, o cinema...

Mas em que consiste, afinal, a força secre: o quepode o pensamento contra todas as forças, quem, ao nosatravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos?Deleuze não cessou de dar a essa pergunta inquietanteuma resposta alegre: criar. Sua obra é uma prodigiosa cri-ação e renovação de conceitos, e o conceito, apesar desua irrelevância no comércio do mundo, nada tem de ino-cente. Inspira novas maneiras de ver, ouvir e sentir – por-tanto, de viver. Assim, a filosofia nunca é abstrata: inventae implica um estilo de vida, uma maneira de viver, umaética; ou, mais radicalmente, uma estética, estética da exis-tência ou arte de si mesmo. A vida como obra de arte, ofilósofo como grande estilista do agora (PELBART, 1992).

2. HISTÓRICO

Para Deleuze (1992, pp. 219 e 220), “Foucault si-tuou as sociedades disciplinares nos séculos XVIII eXIX; atingem seu apogeu no início do século XX. Elasprocedem à organização dos grandes meios deconfinamento. O indivíduo não cessa de passar de umespaço fechado a outro, cada um com suas leis: primeiroa família, depois a escola (“você não está mais na suafamília”), depois a caserna (“você não está mais na esco-la”), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, even-tualmente a prisão, que é o meio de confinamento porexcelência”. “Mas as disciplinas, por sua vez, também

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conheceriam uma crise, em favor de novas forças que seinstalavam lentamente e que se precipitariam depois daSegunda Guerra Mundial: sociedades disciplinares é oque já não éramos mais, o que deixávamos de ser”.

“Encontramo-nos numa crise generalizada de to-dos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica,escola, família. A família é um “interior”, em crise comoqualquer outro interior, escolar, profissional etc. Os mi-nistros competentes não param de anunciar reformas su-postamente necessárias. Reformar a escola, reformar aindústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sa-bem que essas instituições estão condenadas, num pra-zo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir suaagonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novasforças que se anunciam. São as sociedades de controleque estão substituindo as sociedades disciplinares”.

3. OS CORPOS DÓCEIS

A sociedade disciplinar é uma das inúmeras for-mas de organização social que o ser humano pode cons-truir. Antes dela tínhamos outra. Depois dela, temos ou-tra. Foucault aponta em Vigiar e Punir algo da anterior,mas sobre a posterior, ele apenas começa a constatar quejá estávamos em outro momento, mas não chega a elabo-rar nova teoria. Deleuze, que admira e acompanha o tra-balho de Foucault, é quem nos propõe a sociedade decontrole que abordaremos. O que nos é válido para omomento é ter a certeza de que discursos e seus resulta-dos são sempre produzidos. Não há estado inato de qual-quer discurso no homem, e se atualmente nos depara-mos com um discurso de controle é porque assim ele foiproduzido e pode, da mesma forma, ser transformado.Portanto, o maior intuito destas linhas é o de iniciar umareflexão sobre a sociedade disciplinar na qual estáva-mos presos para pensar a sociedade de controle pelaqual, segundo Deleuze, estamos sendo levados. Do bu-raco da toupeira e dos anéis da serpente. “Não se deveperguntar qual o regime é mais duro ou mais tolerável,pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações esujeições” (DELEUZE, 1992).

Delimitamos a sociedade disciplinar sendo inicia-da no século XVII e percorrendo os anos até o séculoXX, sendo que sua forma de funcionar foi sendo aospoucos estabelecida. “A formação da sociedade discipli-nar está ligada a um certo número de amplos processoshistóricos no interior dos quais ela tem lugar: econômi-cos jurídico-políticos, científicos, enfim. De uma maneiraglobal, pode-se dizer que as disciplinares são técnicaspara assegurar a ordenação das multiplicidades huma-nas. É verdade que não há nisso nada de excepcional,nem mesmo de característico: a qualquer sistema de po-der se coloca o mesmo problema. Mas o que é própriodas disciplinas é que elas tentam definir em relação às

multiplicidades uma tática de poder que responde trêscritérios: tornar o exercício do poder o menos custosopossível (economicamente, pela parca despesa que acar-reta; politicamente, por sua discrição, sua fracaexteriorização, sua relativa invisibilidade, o pouco de re-sistência que suscita); fazer com que os efeitos dessepoder social sejam levados a seu máximo de intensidadee estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso,nem lacuna; ligar enfim esse crescimento “econômico”do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dosquais se exerce (sejam os aparelhos pedagógicos, milita-res, industriais, médicos), em suma fazer crescer ao mes-mo tempo a docilidade e a utilidade de todos os elemen-tos do sistema. Esse triplo objetivo das disciplinas res-ponde a uma conjuntura histórica bem conhecida. É porum lado, a grande explosão demográfica do século XVIII:aumento da população flutuante (fixar é um dos primei-ros objetivos da disciplina; é um processo deantinomadismo); mudança da escala quantitativa dosgrupos que importa controlar ou manipular (do começodo século XVII às vésperas da Revolução Francesa, apopulação escolar se multiplicou, como sem dúvida apopulação hospitalizada; o exército em tempo de paz con-tava no fim do século XVIII mais de 200.000 homens). Ooutro aspecto da conjuntura é o crescimento do apare-lho de produção, cada vez mais extenso e complexo, cadavez mais custoso também e cuja rentabilidade urge fazercrescer. O desenvolvimento dos modos disciplinares deproceder responde a esses dois processos ou antes semdúvida à necessidade de ajustar sua correlação”.(FOUCAULT, 1987, pp. 179 e 180). Trabalharemos aquicom os exemplos maiores de sua captura. Temos comisso o que Foucault chama de corpos dóceis, aquelesque podem ser submetidos, aperfeiçoados e dominados– o que inclui praticamente toda humanidade inseridanesta sociedade. Manter os corpos “docilizados”, disci-plinados, adestrados é a forma de controle. Adestrar como intuito de dominar e, o que não deveria surpreender,mas inevitavelmente apavora, promover produção parao sistema. Tanto mais obediente quanto mais útil.

Através de métodos de controle minucioso dasoperações do corpo impõe-se uma relação de docilidade-utilidade aos indivíduos. Estes métodos são as chamadasdisciplinas. Através das disciplinas estabelece-se umamecânica do poder: ter domínio sobre o corpo alheio paraque opere como se espera, com as técnicas, segundo arapidez e a eficácia que se determina. “A disciplina fabricaassim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”.A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos eco-nômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (emtermos políticos de obediência). Em uma palavra: eladissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “ap-tidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e in-verte por outro lado a energia, a potência que poderiaresultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se

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a exploração econômica separa a força e o produto dotrabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece nocorpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e umadominação acentuada (FOUCAULT, 1987, p. 119).

O adestramento é realizado tendo as instituiçõescomo meio de funcionamento. Disciplina e Instituiçãoestão sempre vinculadas na sociedade disciplinar. Semas Instituições não havia como controlar e elas se repro-duzem aos montes durante este período: prisões, hospi-tais, escolas (internatos), indústrias, famílias. Elas trans-mitem a lei e criam leis próprias de funcionamento tam-bém, cerceando e vigiando o indivíduo em seus menoresatos. No entanto, “A disciplina não pode se identificarcom uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipode poder, uma modalidade para exercê-lo, que comportatodo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de pro-cedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma‘física’ ou uma ‘anatomia’ de poder, uma tecnologia.” Epode ficar a cargo seja de instituições “especializadas”(as penitenciárias, ou as casas de correção do séculoXIX), seja de instituições que dela se servem como ins-trumento essencial para um fim determinado (as casas deeducação, os hospitais), seja de instâncias preexistentesque nela encontram maneira de reforçar ou de reorgani-zar seus mecanismos internos de poder (um dia se preci-sará mostrar como as relações infrafamiliares, essencial-mente na célula pais-filhos, se “disciplinares”, absorven-do desde a era clássica esquemas externos, escolares,militares, depois médicos, psiquiátricos, psicológicos, quefizeram da família o local de surgimento privilegiado paraa questão disciplinar do normal e do anormal), seja deaparelhos que fizeram da disciplina seu princípio de fun-cionamento interior (disciplinação do aparelho adminis-trativo a partir da época napoleônica), seja enfim de apa-relhos estatais que têm por função não exclusiva, masprincipalmente fazer reinar a disciplina na escala de umasociedade (a polícia)” (FOUCAULT, 1987, pp. 177 e 178).

Temos exemplos que vão do uso da caligrafia aouso do esporte como formas de adestramento. Todos osdetalhes dos movimentos corporais são percorridos. Es-crever, por exemplo, só com a mão direita. “Um corpobem disciplinado forma o contexto da realização do míni-mo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe umaginástica – uma rotina cujo rigoroso código abrange ocorpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do indi-cador. Um corpo disciplinado é a base de um gesto efici-ente” (FOUCAULT, 1987, p. 130).

Segundo Ciscato (2004, pp. 2 e 4) corpos submis-sos e exercitados (dóceis) aumentam a força do corpo.Esta força precisa ser vista como uma força que aumentaem termos de utilidade e, portanto, em termos econômi-cos, ao mesmo tempo em que é diminuída, já que emtermos políticos é apenas a obediência que é visada.

Dissocia-se o poder do corpo: o corpo passa a ser umaaptidão, uma capacidade a ser aumentada. Faz-se destapotência uma relação de sujeição estrita.

Em um subcapítulo denominado A arte das distri-buições, Foucault fornece alguns bons exemplos de comoa organização desta sociedade era feita e como podemosvisualizá-la com maior clareza:

1) A disciplina exige a cerca (princípio de clausura):

Disciplina provém em primeiro lugar da arte dedistribuições dos indivíduos no espaço. Pri-sões: como mais evidentes. Escolas: como maisdiscretos (uso do internato). Quartéis: criaçãode vários. Manufaturas e depois as Indústrias(segunda metade do século XVIII – 1780 a1850): parecem conventos, fortalezas, cidadesfechadas. Articular-se o domínio com a produ-ção. O propósito é o de retirar o máximo devantagens e evitar inconvenientes.

2) Princípio da localização imediata (quadricu-

lamento): cada indivíduo no seu lugar e em cadalugar um indivíduo. Evitam-se grupos e aglome-rações. É preciso saber onde e como encontraros indivíduos. Vigiar, apreciar, medir. Procedi-mentos para conhecer, dominar e organizar.

3) Regra das localizações funcionais: codificar es-

paços arquitetonicamente para facilitar as vi-gilâncias (médica, militar, fiscal, econômica...).Mesmo em um hospital estas instâncias esta-vam presentes (vide a divisão de leitos). Nas-ce da disciplina um espaço útil do ponto devista médico.

4) A posição na fila, o lugar que alguém ocupa em

uma classificação (elementos intercambiáveis).Divisão e classificação dos alunos, marca delugares. Espaços mistos reais regem as posi-ções de móveis e indivíduos, espaços ideaisprojetam caracterizações, estimativas, hierar-quias. A constituição de quadros vivos quetransformam as multidões confusas, inúteis eperigosas em multiplicidades organizadas. Or-ganizar o múltiplo e impor ordem.

A tática disciplinar situava-se, portanto, sobre o

eixo que liga o singular e o múltiplo. Temos aí a base parauma microfísica do poder que poderia ser chamado celular.Foucault resume bem este sistema: “De um modo geraltodas as instâncias de controle individual funcionam numduplo modo: o da divisão binária e da marcação (louco-não louco; perigoso-inofensivo; normal-anormal); e o dadeterminação coercitiva, da repartição diferencial (quem éele; onde deve estar; como caracterizá-lo; como reconhe-

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cê-lo; como exercer sobre ele, de maneira individual, umavigilância constante etc.)” (FOUCAULT, 1987, p. 165).

Com isso, temos base para visualizar o modelo doPanóptico proposto por Bentham. Foucault tem uma defi-nição maravilhosa para este modelo: “O Panóptico é umamáquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periféri-co, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central,vê-se tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 1987,p.167). O Panóptico é isto: uma construção arquiteturalproposta por Bentham para prisões e na qual o preso éolhado por um vigia que se encontra em uma torre elevadaao centro das celas individuais que estariam configuradaslado a lado formando um círculo. O que ele permite é que opreso possa estar sempre sendo observado sem poderolhar para seu vigia. Da torre vêem-se todas as celas comclareza e, portanto, todos os movimentos realizados pelospresos. Das celas não se vêem nem os presos situadospróximos nem o vigia. De forma que não há necessidadede se ter alguém de fato exercendo a vigilância o tempotodo, pois se o preso não tem como saber se está ou nãosendo monitorado, não tem como agir. “É visto e não vê;objeto de uma informação, nunca sujeito de uma comuni-cação” (FOUCAULT, 1987, p. 166).

No entanto, já podemos perceber que o modeloPanóptico não ficou restrito a um projeto para a arquite-tura de prisões, mas reflete toda a cultura disciplinar. Oindivíduo é vigiado, adestrado e punido quase que per-manentemente. E as instituições são as reprodutorasdeste sistema que está em função da otimização da pro-dução e da evitação de transtornos maiores com a mas-sa. “O Panóptico (...) tem um papel de amplificação; seorganiza o poder, não é pelo próprio poder, nem pelasalvação imediata de uma sociedade ameaçada: o queimporta é tornar mais fortes as forças sociais – aumentara produção, desenvolver a economia, espalhar a instru-ção, elevar o nível da moral pública; fazer crescer e multi-plicar” (FOUCAULT, 1987, p. 172).

Nesta sociedade que não é a do espetáculo, mas ada vigilância, temos um mecanismo pouco custoso emtermos financeiros, máximo de efeitos de poder e de ex-tensão dos domínios deste poder e crescimento econô-mico. Em suma, faz-se crescer ao mesmo tempo adocilidade e a utilidade de todos os elementos do siste-ma (FOUCAULT, 1987, p. 180).

3.1 Sobre as Sociedades de Controle

Deleuze nos aponta que uma mudança aconteceu,sendo que seu estabelecimento tem início talvez logo apósa segunda guerra – isto porque o processo já havia sidoiniciado - e indo aos poucos tomando conta da configura-ção social. É certo que entramos em sociedades de “con-trole”, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é

com freqüência considerado como o pensador das socie-dades de disciplina e de sua técnica principal, oconfinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola,a fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeirosa dizer que as sociedades disciplinares são aquilo queestamos deixando para trás, o que já não somos. Estamosentrando nas sociedades de controle, que funcionam nãomais por confinamento, mas por controle contínuo e co-municação instantânea” (DELEUZE, 1992, pp. 215 e 216).

Segundo Ciscato (2004, pp. 4 e 5), algumas trans-formações foram estabelecidas e dentre elas temos asinstituições em crise. Inicia-se a implantação de novostipos de soluções, educação e tratamentos no lugar dasociedade disciplinar, da educação aos moldes do inter-nato e dos tratamentos médico-hospitalares restritos àsreservas da sede institucional. Sugestões governamen-tais para reformas das instituições são tentadas aos mon-tes, mas todos sabem: elas estão condenadas. É a socie-dade de controle substituindo a sociedade disciplinar.

Assim como a empresa substitui a fábrica, a for-mação permanente tende a substituir a escola. Com asociedade disciplinar, tínhamos os indivíduos indo daescola à caserna, da caserna à fabrica, situados “entreconfinamentos”. Com a sociedade de controle, o “entre”está também agenciado. Não há “entre”. Na sociedadede controle nunca se termina nada. A empresa, a forma-ção, o serviço, agem como “deformadores universais”.

Das fábricas geograficamente situadas earquiteturalmente analisadas passamos às empresas di-vidas, habitando inúmeros espaços ao mesmo tempo.Quem sabe onde fica situada a Nike, a Adidas, a Reeboketc.? Em todo lugar. Em nenhum lugar. São os anéis daserpente. Atualmente o capitalismo não é dirigido para aprodução que é relegada à periferia do terceiro mundo. Éum capitalismo de sobreprodução. Sem compra de maté-ria prima e fábrica localizada. Quer vender serviços e com-prar ações. Capitalismo dirigido para o produto e nãopara a produção. Ocorrendo da passagem do capitalismoindustrial ao capitalismo pós-industrial, só para se teruma idéia, entre outras. Conforme Ciscato (2004, p. 5):

a) Capitalismo Industrial· Dominante capital nacional;· Dominante industrialização;· Dominante industrialização;· Poder disciplinar;· Estados nacionais influenciando os parâmetros

do desenvolvimento econômico;· Instituição do Estado de bem-estar como políti-

ca acomodadora do trabalho, da pobreza extre-ma, marginalização;

· Geopolítica;· Pirataria ecológica.

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b) Capitalismo Pós-Industrial· Dominante capital de firmas transnacionais e

oligopólios mundiais;· Dominante capital financeiro;· Poder de controle mundializado;· Fim da influência dos Estados nacionais nas

decisões econômicas, declínio do Estado-nação;· Desmantelamento do Estado de bem-estar: fim

do sistema de proteção social, pobreza e de-semprego, precarização do trabalho, pobrezaextrema, exclusão;

· Intensificação da exploração;· Geoeconomia;· Expansão da pirataria ecológica;· Acelerada degradação de existência.

“O capitalismo pós-industrial traz ao mundo modi-ficações importantes: 1- dispensa o Estado de bem-estar;2- acentua o processo de fragmentação dos operários en-quanto classe; 3- transforma a relação salarial, que se es-tende agora a uma escala mundial, tornando frágil a relati-va força que os operários gozavam na era fordista; 4- pro-duz uma força de trabalho flutuante e móvel que tende aacentuar a segmentação social e a decompor as estreitasrelações entre a fábrica e o território que unifica as catego-rias populares. Portanto, desenhado pelo capitalismo, onovo contexto da economia-mundo se caracteriza pela gran-de concentração e transnacionalização do capital, pelo jogodo mercado financeiro, pelo desenvolvimento desigual,pela produção do desemprego, pela proletarização de enor-me contingente de trabalhadores (nações inteiras) e pelaacumulação flexível. Esta é a realidade da modernizaçãocapitalista planetária” (KEIL, 2004, p. 4).

As instituições disciplinares não são mais espa-ços analógicos distintos que convergem ao proprietário.São figuras cifradas, deformáveis e transformáveis. Omercado passa a se dar por tomada de controle e acorrupção ganha nova potência. O marketing é a formade controle social.

Segundo Cobra (1995, p. 28), as novas condiçõesdo Marketing Global impõem mercados representadospor blocos de países e a mística do consumidor indiví-duo. O marketing passa a ser suportado por bancos dedados – data bases que passam a acompanhar o indiví-duo desde o nascimento até à morte. Lembra ainda Raimar,citando Daniel Bell, que o ponto-chave de todo proces-so evolutivo será um deslocamento dos tradicionais fa-tores de produção, capital e trabalho, para um novo tipode recurso econômico, ou seja, a informação. E assim, os“capitalistas” da era pós-industrial serão os donos dainformação tanto da aparelhagem que processa e arma-zena (o hardware), quanto dos sistemas que comandamos fluxos de sua comunicação (o software). O homem

não é mais o homem confinado, mas o homem endivida-do. “É verdade que o capitalismo manteve como cons-tante a extrema miséria de três quartos da humanidade,pobres demais para a dívida, numerosos demais para oconfinamento: das fronteiras, mas também a exploraçãodos guetos e favelas” (DELEUZE, 1992, p. 224).

Conforme Ciscato (2004, p. 5), Deleuze propõe umaespécie de novo capitalismo já que o do século XIX é deconcentração para produção e propriedade, é o do capita-lista como proprietário dos meios de produção e outrosbens (moradia etc). Estamos no início de alguma coisa.

Deleuze vai ainda mais longe e nos deixa entreverque mesmo a sociedade de controle estaria em uma espé-cie de crise e algo já estaria sendo internamente transfor-mado. Não sabemos ainda do que se trata, mas não pare-ce estar no campo de uma quebra e sim de um aceleramentodo processo.

Estamos em um tempo em que os discursos, asproduções intelectuais e artísticas, as tentativas de es-capar à mercantilização do conhecimento são sucessiva-mente agenciados pelo sistema capitalista. A produçãode um discurso que vise um rompimento é quase queimediatamente agenciada. Pensamentos de esquerda, crí-ticas ao capitalismo, Marx e comunismo são falas quetendem a ser ridicularizadas. Caem no campo do ridículoem um sistema em que a aparente abertura à pluralidadede discursos nos faz pensadores medíocres. Ou o pensa-mento é rapidamente agenciado ou é jogado ao campodo ridículo ou da loucura. Negar o capitalismo hoje éisto. Não porque de fato o seja ridículo ou louco, masporque é isto que se produz no discurso vigente. Deleuzenos aponta a corda bamba em que estamos. “Os anéis deuma serpente são ainda mais complicados que os bura-cos de uma toupeira” (DELEUZE, 1992, p. 226).

A partir destas linhas, ficamos com a questão: apsicanálise na sociedade disciplinar pode ter servido,por alienação de alguns daqueles que a realizavam, aosistema disciplinar. É uma das críticas que faz Foucault: afala no consultório como modo de dominar o sujeito noseu dizer de si, de suas fantasias, de suas práticas sexu-ais etc. Lacan (1997), no seminário 7, nos alerta tambémpara este tipo de uso que foi feito pelos psicanalistas dateoria psicanalítica. Um uso agenciado, a serviço domantimento de um sistema em que se desejava adestrar edominar os mínimos detalhes dos corpos e dos pensa-mentos humanos a fim de um controle social e aumentode produção de capital. Sabemos bem que não é a favorde um sistema que tem como base a aniquilação do sujei-to que a psicanálise busca seu lugar no mundo contem-porâneo. A ingenuidade não nos é mais permitida. É pre-ciso saber dos anéis da serpente.

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4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CISCATO, M. A. Algo do Contemporâneo comFoucault e Deleuze. Disponível em: <http://maciscato.sites.vol.com.br/macl.html>. Acesso em: 23nov. 2004.

COBRA, M. Ensaio de Marketing Global. MarcosCobra,1995.

COBRA, M. Administração de Marketing. 2. ed. SãoPaulo: Atlas,1992.

DELEUZE, G. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.Petrópolis: Vozes, 1987.

KEIL, I. M. O Paradoxo dos Direitos Humanos.Disponívelem <http://biblioteca.bib.vnrc.edu.ar/completos/cooredor/corredel/comi-a/[email protected]>. Acessoem: 26 nov. 2004.

LACAN, J. Seminário, livro 7. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1997.

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O Espaço e as Inter-relações Institucionais e Comunitárias

A. S. Cristiane de Carvalho *Elizabeth M. Liberato **

Resumo: O foco deste trabalho é refletir sobre alguns aspectos da prática desenvolvida pela insti-tuição FUNDHAS - Fundação Hélio Augusto de Souza, localizada em S. José dos Campos. Preten-de-se verificar as contribuições relevantes da Instituição e a repercussão na comunidade, bemcomo a articulação da Unidade CAIC D. Pedro (Centro de Atenção Integral à Criança) com a redede serviços comunitários, como a Unidade Básica de Saúde, Secretaria de Desenvolvimento Social,Escola e Liderança Comunitária. Busca-se, assim, assinalar a importância dos vínculos de traba-lho da FUNDHAS com a comunidade da região sul e com a rede de serviços comunitários.

Palavras-chave: Espaço, rede de relações, Instituição.

Abstract: This paper purpose is to reflect on some aspects regarding work performance of FUNDHAS– Hélio Augusto de Souza Foundation that is located in São José dos Campos. It is intended to verifythe institution’s relevant contributions and their effects for the community. Also, this paper willanalyze the articulation of CAIC D. Pedro (Children’s Integral Attention Center) with the communityservices network such as Basic Health Unit, Social Development Secretary, Community school andleadership. By means of this the paper looks for highlighting the importance of FUNDHAS work forSão José dos Campos south region community and with the community services network.

Key words: Space, net of relations, Institution.

* Assistente Social.** Pró-Reitora de Avaliação e Professora da Univap. E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a refletir sobre al-guns aspectos da prática institucional desenvolvida pelaFUNDHAS – “Fundação Hélio Augusto de Souza”, umainstituição sem fins lucrativos, com personalidade jurídi-ca própria, criada em 28/4/87, pela Prefeitura de São Josédos Campos.

A instituição atende cerca de 7.000 crianças e ado-lescentes, de diversos bairros da cidade, na faixa etáriade 7 a 18 anos, em seus Programas/Projetos que visam odesenvolvimento integral da criança e do adolescente.

Pretende-se, com este trabalho, ter como foco oespaço de trabalho da Unidade CAIC D. Pedro daFUNDHAS, o que esta representa e suas repercussõesnos bairros D. Pedro I e II, região sul, as articulações coma comunidade local e a ligação com a rede de serviçoscomunitários, ressaltando a importância do estreitamentoe fortalecimento dos vínculos de trabalho da Instituiçãocom a comunidade.

Para embasá-lo teoricamente, o estudo irá tratarda noção de espaço, de redes de relações, de espaçoinstitucional, assim como de espaço profissional do Ser-viço Social.

1. A INSTITUIÇÃO FUNDHAS

A FUNDHAS – Fundação Hélio Augusto de Sou-za, tem sua sede à Rua Santarém, 560, Parque Industrial -São José dos Campos – SP. É uma Instituição sem finslucrativos com personalidade jurídica própria. Foi criadapela Prefeitura do município de São José dos Camposnos termos das Leis Municipais nº 3227/87, de 28 de abrilde 1987 e nº 3570/89, de 1º de setembro de 1989.

O município de São José dos Campos, considera-do, em âmbito nacional, um importante pólo industrial etecnológico, está localizado no eixo Rio-São Paulo, naregião valeparaibana. Segundo o Censo de 2000, contacom uma população de 539.313 habitantes, com distri-buição, por faixa etária, representada por 113.084 habi-tantes entre 7 e 17 anos.

A FUNDHAS atende crianças e adolescentes apartir de critérios que analisam a condição sócio-econô-mica familiar. Os Programas desenvolvidos pela institui-ção visam criar condições para o desenvolvimento inte-

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gral de crianças e adolescentes no plano físico, social,emocional, cognitivo, cultural e profissionalizante, pormeio do trabalho integrado de uma equipe multidisciplinartotalmente adequado ao Estatuto da Criança e do Ado-lescente.

1.1 Programas

São programas da FUNDHAS:

· Programa Direito de Ser Criança,

· Programa Adolescente,

· CEPHAS – Centro de Educação Profissional“Prof. Hélio Augusto de Souza”.

1.2 Projetos Intersecretarias

· Projeto Adole-Ser,

· Projeto Aquarela,

· Projeto UAI: Unidade de Atendimento Inicial /COFACI – Centro de Orientação às Famílias deAdolescentes em Situação de Custódia eInternação,

· Projeto Agente Jovem Joseense,

· PETI – Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil.

1.3 Unidade CAIC D. Pedro

A FUNDHAS CAIC D. Pedro recebeu este nomepor estar localizada em uma área de 29.694,85 metros qua-drados, pertencente ao CAIC – Centro de Atenção Inte-gral à Criança, e tem uma área construída de aproximada-mente 3200 metros quadrados; as atividades foram inici-adas em 5 de Setembro de 1992.

Compartilhando o gerenciamento de várias ativi-dades, o CAIC, atualmente, conta com uma escola de ensi-no fundamental, Unidade Básica de Saúde, FUNDHAS,Supervisão de Esportes, Instituto Materno-Infantil (Cre-che), Programa para Terceira Idade, parceria com oSINDUSCON (Sindicato dos construtores) e SENAI.

A Unidade CAIC D. Pedro integra a Divisão Criança,com o Programa Direito de Ser Criança (DSC) e tem capaci-dade de atender 150 crianças, na faixa etária de 12 a 14 anos.

1.4 O Serviço Social na FUNDHAS

O objetivo do Serviço Social na FUNDHAS é con-

tribuir para o desenvolvimento integral da criança e ado-lescente.

O trabalho do Serviço Social compreende:

· Atuação integrada com o gestor da unidade/bloco/projeto;

· Articulação com a rede de serviços: busca ofortalecimento institucional das organizações,na troca de experiências e de capacitação siste-matizadas;

· Tipos de Abordagem: atendimento individual;atendimento familiar; visita domiciliar; discus-são de caso no plantão multidisciplinar;

· Abordagem Grupal: busca favorecer experiên-cias de convívio grupal que propiciem a socia-lização e a prática coletiva;

· Estágio Supervisionado: tem por objetivo ga-rantir espaço na Instituição para a supervisãoao aluno estagiário no processo de ensino-aprendizagem do exercício da profissão do Ser-viço Social;

· Trabalho com famílias: visa o estreitamento darelação entre as famílias atendidas e a institui-ção. Esse trabalho ocorre por meio da represen-tação de pais no Conselho Curador; GrupoMultifamília; busca a integração família e insti-tuição. São realizadas reuniões bimestrais e abor-dagem individual com as famílias.

2. O ESPAÇO

“O espaço impõe a cada coisa um determina-do feixe de relações, porque cada coisa ocu-pa um lugar dado” (CAILLOIS, apud SAN-TOS, 1998, p. 81).

A reflexão sobre espaço toma por embasamentoteórico Santos que afirma: “[...] a essência do espaço ésocial. O espaço não pode ser apenas formado pelas coi-sas, os objetos geográficos, naturais e artificiais cujoconjunto nos dá a natureza. O espaço é tudo isso, maisa sociedade: cada fração da natureza abriga uma fraçãoda sociedade atual” (SANTOS, 1997, p. 1).

Assim, pensar a instituição FUNDHAS, represen-tada pela Unidade CAIC D. Pedro, significa visualizar oespaço em que ela está inserida, na região sul da cidadede São José dos Campos, no bairro D. Pedro I, onde essaUnidade corresponde não só a um equipamento comdeterminada localização geográfica, mas vai além e en-

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volve a comunidade e suas diversas formas de interação.

Assim, para Santos:

Cada homem vale pelo lugar onde está: oseu valor como produtor, consumidor, cida-dão, depende de sua localização no territó-rio. Seu valor vai mudando, incessantemen-te, para melhor ou para pior, em função dasdiferenças de acessibilidade (tempo, fre-qüência, preço), independentes de sua pró-pria condição (SANTOS, 1998, p. 81).

No espaço, cada coisa ocupa um lugar dado, comvalores e significado diferente, cada lugar está em cons-tante mudança, devido à dinâmica social. O movimentosocial é que propicia as transformações, as mudanças eas múltiplas possibilidades de interação.

Para que haja tal interação, é necessário que setenha “algo” interagindo, são os chamados elementosdo espaço, os quais Santos define como:

Os homens, as firmas, as instituições, ochamado meio ecológico e as infra-estru-turas; ... Os homens são elementos do es-paço, seja na qualidade de fornecedoresde trabalho, seja na de candidatos a isso.As firmas têm como função essencial aprodução de bens, serviços e idéias. Asinstituições por seu turno produzem nor-mas, ordens e legitimações. O meio ecoló-gico é o conjunto de complexos territoriaisque constituem a base física do trabalhohumano. As infra-estruturas são o traba-lho humano materializado e geografizado naforma de casas, plantações, caminhos, etc(SANTOS, 1997, p. 6).

Ao trazer essas definições de Santos para a reali-dade institucional, vê-se que para a instituição existir sefaz necessário um espaço territorial e toda infra-estruturapara que de fato ela se materialize, mas é necessário tam-bém o trabalho humano. Assim, destaca-se, na FUNDHAS,os profissionais como prestadores de serviços no desem-penho de suas funções. Considerando que a FUNDHAS éuma instituição, e as instituições podem ser “considera-das como conjunto de normas, padrões, leis, valores epráticas que regem as relações entre os homens, as insti-tuições são como uma das instâncias fundamentais dasociedade” (SOUZA, 1984, p. 41), também ela possui suasnormas, estatuto, regimento interno e critérios de elegibili-dade para seu funcionamento institucional.

Pode-se refletir sobre a instituição FUNDHAS,cuja sede mantém relação direta com todas as unidades,

mas cada unidade leva em conta o lugar que ocupa noespaço a sua infra-estrutura. Explicita Santos:

Dessa forma, cada lugar atribui a cada ele-mento constituinte do espaço um valor par-ticular. Em um mesmo lugar, cada elementoestá sempre variando de valor, porque, deuma forma ou de outra, cada elemento doespaço – homens, firmas, instituições, meio– entram em relação com os demais, e essasrelações são em grande parte ditadas pelascondições do lugar (SANTOS, 1997, p. 10).

A instituição leva em conta, também, a demandaque atende e a equipe profissional que realiza o trabalho.Cada unidade tem características próprias e peculiares,cada equipe de trabalho diferencia-se das demais, assimcomo cada profissional tem sua maneira de atuar que lheé própria. Percebe-se que “ao mesmo tempo em que oselementos do espaço se tornam mais intercambiáveis, asrelações entre eles se tornam também mais íntimas e mui-to mais extensas” (SANTOS, 1997, p. 7).

À medida que ocorrem as relações entre a sede daFUNDHAS e suas unidades, e entre as próprias unida-des, as relações se fortalecem, se tornam mais estreitas,favorecendo o vínculo de toda instituição.

As mudanças ocorrem a todo instante, umas maisrápidas, outras em processos lentos e gradativos, mas épreciso levar em conta essas mudanças nos diversosaspectos: político, econômico, cultural e espacial. ParaSantos: “As mudanças atingem contextos, pois não hámudança que não seja contextual: a coisa, o fato, o ho-mem apenas existem e valem dentro de uma relação”(SANTOS, 1997, p. 81). Portanto, quando se faz referên-cia à FUNDHAS, deve-se destacar que é uma instituiçãoque está em constante mudança para se adequar à reali-dade do município e à demanda que é atendida, em buscado estreitamento e fortalecimento das relações, para amelhoria contínua do seu trabalho.

O contexto leva em conta o movimento do todo.Pelo movimento conjunto do todo é que se pode valorizarcada parte e analisá-la. Esse movimento leva às múltiplaspossibilidades de interação. Nesse entendimento, a análi-se da unidade CAIC D. Pedro como uma parcela dessetodo mostra que essa unidade dá sua contribuição na for-mação da criança e do adolescente, da mesma forma comocada uma das unidades que compõem a instituição. Essainteração faz da FUNDHAS uma instituição que vem sen-do respeitada pela qualidade e consistência dos serviçosprestados, servindo ao município com competência.

Cada local/espaço geográfico tem uma história,que vai se modelando com o passar do tempo, com as

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transformações que o homem nele produz, modelando ereconstruindo uma nova história, pelas relações do ho-mem com o meio. Santos ressalta:

O que nos interessa é o fato de que a cadamomento histórico cada elemento mudaseu papel e a sua posição no sistema tem-poral e no sistema espacial e, a cada mo-mento, o valor de cada qual deve ser toma-do da sua relação com os demais elementose com o todo (SANTOS, 1997, p. 9).

Para analisar a unidade CAIC D. Pedro, desdesua fundação, há doze anos, comparando-a aos dias dehoje, após diversas mudanças, deve-se considerar queforam necessárias adequações em sua infra-estrutura;houve uma grande evolução em seu desenvolvimento, acomeçar pela ampliação da capacidade de atendimento,reflexo da expansão da instituição.

Para Santos,

A história é uma totalidade em movimento,um processo dinâmico cujas partes coli-dem continuamente para produzir cadanovo momento. O movimento da socieda-de é sempre compreensivo, global,totalizado, mas a mudança ocorre em dife-rentes níveis e em diferentes tempos: a eco-nomia, a política, as relações sociais, a pai-sagem e a cultura mudam constantemente,cada qual segundo uma velocidade e dire-ção próprias – sempre, porém,inexoravelmente vinculadas umas às ou-tras (SANTOS, 1997, p. 53).

Ao analisar a história da FUNDHAS, considerando aunidade CAIC D. Pedro como uma parcela dessa totalidade,nota-se que está inserida num processo dinâmico, em cons-tante movimento, que leva à produção de novos movimen-tos, decorrendo daí as transformações e novas relações.

3. REDE DE RELAÇÕES

A partir do espaço geográfico da unidade CAICD. Pedro, no bairro D. Pedro I, busca-se ir além e analisaras relações existentes nesse espaço geográfico, porque“É somente a relação que existe entre as coisas que nospermite realmente conhecê-las e defini-las. Fatos isola-dos são abstrações e o que lhe dá concretude é a relaçãoque mantém entre si” (SANTOS, 1997, p. 14).

Essa relação, a que Santos se refere, destaca arede de relações que a FUNDHAS estabelece com Secre-tarias, Conselhos, Rede Municipal de serviços, Rede deescolas, convênio com empresas, parcerias e outras re-

lações que ainda pretende estabelecer.

Segundo Fernandes (1990),

Rede é uma unidade que concentra as suasatenções sobre outras unidades equiva-lentes, num conjunto ilimitado, em que serelacionam umas com as outras em nume-rosos sentidos e direções, [...] cada uma éum centro voltado para si e interagindocom outras unidades; entendido como atotalidade das unidades ligadas entre sipor um certo tipo de relações, bem defini-das e não necessariamente equivalentes;[...] (FERNANDES, 1990, p. 25).

No intuito de identificar a rede de relações que aFUNDHAS vem estabelecendo não se poderia deixar deentender os tipos de redes existentes: a rede primária ea rede secundária. A primeira é constituída por um con-junto de indivíduos que se comunicam entre si com baseem laços pessoais; constitui o conjunto das relaçõesafetivas que se estabelecem com os parentes, os amigos,os vizinhos. “A rede secundária define-se a partir deuma tarefa, um ideal, uma Instituição: é o conjunto daspessoas reunidas numa ação comum ou num quadroinstitucionalizado, [...]” (FERNANDES, 1990, p. 26). A redeé um lugar de reflexão e de ação para um trabalho social,que articula o privado e o individual com as condiçõesobjetivas.

A FUNDHAS, tomando por base Fernandes, seenquadra como uma rede secundária, mas tem-se que con-siderar que a rede primária é fundamental nas relaçõescom a rede secundária. O autor afirma que “As redes pri-márias participam, mais do que elas próprias imaginam, dadinâmica social, para transformar ou para a manter, na suainteração com as instituições sociais que a rede recobre”(FERNANDES, 1990, p. 27). Percebe-se a inter-relação queexiste entre as redes, tão necessárias à dinâmica social daFUNDHAS que trabalha com crianças, adolescentes e suasfamílias, em seu espaço institucional.

4. O ESPAÇO INSTITUCIONAL

A reflexão sobre espaço institucional se embasateoricamente em Souza que aponta: “As instituições re-presentam um conjunto articulado de saberes (normas,valores, ideologia), [...] e que são produzidos a partir dasrelações que se estabelecem entre os homens na produ-ção da existência material” (SOUZA, 1984, p. 44).

Segundo Karsch “O termo Instituição denominaformações sócio-organizacionais, governamentais ouparticulares, onde se efetiva o exercício profissional doassistente social” (KARSCH, 1989, p. 136).

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A FUNDHAS, enquanto Instituição social, se con-figura como espaço onde o profissional do Serviço Soci-al desenvolve sua prática voltada para o atendimento àcriança, ao adolescente e sua família.

Souza afirma que “Entender as instituições, porconseguinte, é entender o processo histórico que as produ-ziu. Conforme foi dito, as instituições surgem sempre apartir de determinadas demandas” (SOUZA, 1984, p. 42).

Assim, o resgate da história da InstituiçãoFUNDHAS mostra que o trabalho desenvolvido por ela,no atendimento à criança e ao adolescente no município,iniciou-se na década de 70. Em 1972, recebeu o nome de“Clubinho” e era desenvolvido pelo Departamento deEducação da Prefeitura do município. Em 1975, recebeu onome de “Programa de Menores” com a implantação deum trabalho social sistematizado. Em 1979, foi instituídoo COSEMT – “Centro de Orientação Sócio-Educativa aoMenor Trabalhador”. Em função do crescimento desteCentro, e com a mudança administrativa, foi criada, em 15de Dezembro de 1987, a FUNDHAS – Fundação de aten-dimento à criança e ao adolescente “Prof. Hélio Augustode Souza”, maior projeto social do município, que hojevem se expandindo, havendo necessidade de ampliaçãopara atender a uma crescente demanda.

A FUNDHAS, com a sua equipe de trabalho, na qualo assistente social tem papel preponderante, realiza um tra-balho com a criança e o adolescente, buscando atendê-losa partir das suas necessidades especiais e/ou emergenciais,respeitando sua condição de sujeitos de direitos, visandoseu desenvolvimento e proteção integral.

A instituição realiza, também, o trabalho com fa-mílias, que objetiva o estreitamento da relação com asfamílias atendidas, para que, conhecendo o contexto fa-miliar, se possa desenvolver uma ação eficaz. O profissi-onal do Serviço Social realiza a intermediação entre aInstituição e as famílias atendidas, e, como afirma Souza:

A organização se coloca comointermediadora entre os bens e serviçosprocurados e a população que os procura.E, na organização, o Serviço Social é, emgeral, o serviço que informa, encaminha,estimula, anima e orienta a população emfunção das exigências necessárias à aqui-sição desses bens e serviços. Como tal,ele é a intermediação da intermediação(SOUZA, 1984, p. 39).

Para entender as inter-relações nesse espaçoinstitucional se faz necessário entender a dinâmica doEstado, pois, para Souza (1984, p. 49): “Compreender adinâmica de determinadas instituições supõe, por con-

seguinte, conhecer a característica e a dinâmica do Esta-do.” E continua: “O Estado tem também uma interferên-cia básica em toda a dinâmica dessas instituições e orga-nizações” (SOUZA, 1984, p. 46).

É o que permeia a prática cotidiana do assistentesocial, na qual o Estado exerce influência através da de-finição das políticas sociais e das negociações políticas,que direcionam as instituições e as ações profissionais.As instituições têm por finalidade implantar as políticassociais e aos profissionais cabe o papel, muitas vezes,de reproduzir essas políticas. Alerta Montaño: “Ou oAssistente Social se mantém realizando tarefas instrumen-tais simples, subordinadas (...) ou, por outro lado, o Servi-ço Social participa ativamente (...) desenvolvendo ativida-des mais complexas, as que demandam destrezas e qualifi-cações mais sofisticadas” (MONTAÑO, 1997, p. 123).

Na FUNDHAS, o Serviço Social participa no de-senvolvimento das políticas do Estado e do Município.O assistente social deve buscar, como Montaño (1997)afirma, manter-se como um ator necessário, não só naexecução de ações, mas envolver-se no planejamento,na investigação da realidade do usuário, na avaliação eno estabelecimento de vínculos com a população.

Destaca-se o momento institucional da FUNDHAS,que está passando por um processo de transição paraadequação ao atendimento à família de forma global, queenvolve uma série de discussões com a Rede Municipalde serviços e com a Secretaria de Desenvolvimento Social.

Para tanto, a Instituição precisa se estruturar, for-talecer as parcerias com a Rede, para que de fato o obje-tivo que o município almeja alcançar com essa propostadiferenciada de atendimento à família possa ser atingidocom maior eficácia. Existem dificuldades com relação aoatendimento global da família, porém trata-se de uma pro-posta que deverá trazer resultados no futuro, ampliandoo espaço de atuação da FUNDHAS.

5. O ESPAÇO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL

Ao pensar em espaço profissional do assistentesocial, considerando que ele é o intermediador entre apopulação e os serviços oferecidos pela Instituição,repassadora da transmissão de idéias, normas e valores,entende-se que o Serviço Social se instala como serviçocomplementar, atendendo às chamadas “deficiências” apre-sentadas pela população, por vezes necessidades sócio-econômicas e de alcance de bem-estar social.

Na FUNDHAS, o assistente social tem um papelfundamental no atendimento às famílias, na maioria combaixo poder aquisitivo, com prole numerosa, que apre-sentam diversos problemas sociais, as quais buscam a

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inserção de seus filhos nos programas da Instituição.

Afirma Karsch:

Nas formações organizacionais, o assis-tente social executa atividades de suporteàs funções que garantem a obtenção dafinalidade institucional, e faz a sua partena administração das carências que a so-ciedade desenvolve. Simultaneamente,participa da administração interna do tra-balho dividido e organizado, produzindoe efetuando intermediações através de re-lacionamentos (KARSCH, 1989, p. 104).

São esses relacionamentos que são referidos peloembasamento teórico de Souza:

O Assistente Social está entre os agentesinstitucionais e, assim, o produto da suaação deve ser entendido também comoproduto das inter-relações entre os demaisagentes e atores. Neste sentido, a dinâmi-ca dessas inter-relações fala sobre a pró-pria significação da prática do Serviço So-cial (SOUZA, 1984, p. 45).

A prática exercida pelo assistente social é funda-mental e não pode ser entendida isoladamente, mas develevar em conta a dinâmica das relações no contextoinstitucional.

Como diz Karsch, “O desempenho hábil nos relaci-onamentos faz do Assistente Social o profissional com-plementar na tomada de decisões, o suporte articuladorindispensável para entendimentos, negociações, tratados,combinações e ajustamentos” (KARSCH, 1989, p. 106).

Com a sua prática profissional, segundo Souza,“O Assistente Social intervém nas relações sociais nãosimplesmente por se relacionar com uma população, maspor se relacionar alterando as relações dessa populaçãocom os grupos sociais que têm uma situação e uma posi-ção de dominação na sociedade” (SOUZA, 1984, p. 45)

O assistente social, ao realizar suas intervenções,busca o crescimento individual e do grupo familiar, possi-bilitando às famílias um processo de reflexão sobre seucotidiano, sobre suas relações com o sistema social, vi-sando criar um espaço mobilizador de relações intergrupaisque permeiam uma ação cujos efeitos possam ser transfor-madores; acredita-se que “o Serviço Social tem no homem,enquanto protagonista de sua própria história e por issomesmo capaz de transformá-la, o princípio de suasrelações”(FILGUEIRAS et al.,1995, p. 170).

Por isso, a prática profissional do assistente so-cial na instituição não deve ser uma prática assistencia-lista, mas uma prática consciente, que suscite na deman-da atendida a possibilidade de transformação social. Comodiz Montaño (1997), uma prática que rompa com os me-canismos de controle, direcionando-a na busca de no-vos espaços de trabalho, que tornem efetivas as práticasde Serviço Social que priorizem a inserção social.

6. ARTICULAÇÕES COM A COMUNIDADE

Na FUNDHAS, ao pensar em relações, direciona-se o estudo à reflexão sobre a rede de relações que aunidade CAIC D. Pedro vem estabelecendo com a comu-nidade da região sul, tendo em vista a importância daInstituição diretamente articulada à comunidade. “A im-portância de uma comunidade segue daí: ela evidenciaum “nós” necessário para a constituição de cada ser hu-mano, que atesta que vidas privadas não surgem a partirde dentro, mas a partir de fora, isto é, em público”(JOVCHELOVITCH, 1995, p. 70).

No intuito de identificar as articulações da unida-de CAIC D. Pedro com a comunidade nos bairros D. PedroI e D. Pedro II, realizou-se um levantamento com repre-sentantes dos segmentos comunitários como a UnidadeBásica de Saúde, a Secretaria de Desenvolvimento Soci-al, Escola e Liderança Comunitária, com os quais se esta-beleceu contato por meio de seus dirigentes, ou repre-sentantes, envolvidos na rede de relações Instituição-comunidade, apresentando-lhes a questão: “O que aFUNDHAS representa para a comunidade?”

Contribuíram para esse estudo:

� A presidente da Associação de Moradores doBairro D. Pedro II.

� A presidente da Sociedade Amigos de Bairrodo D. Pedro I.

� A diretora e a orientadora eEducacional daEMEF “D. Pedro de Alcântara”.

� A assistente social da Secretaria de Desenvol-vimento Social – Centro de Orientação SocialD. Pedro I.

� Duas enfermeiras da Unidade Básica de Saú-de CAIC D. Pedro I.

� O administrador do CAIC.

Todos os representantes têm conhecimentos dacomunidade, suas experiências variam de 5 a 15 anos deatuação. As entrevistas foram gravadas, com anuência

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do entrevistado, para posterior transcrição.

Para obter um melhor aproveitamento do conteú-do colhido, foi realizada uma análise de conteúdo; “[...] aanálise de conteúdo se apresenta como uma propostametodológica dinâmica que se faz permanentemente pormeio de uma interação contínua com o analista”(MARTINELLI, 1999, p. 61); também pode ser entendidacomo “[...] técnica de compreensão, interpretação e ex-plicação das formas de comunicação (escrita, oral, icônica)(MARTINELLI, 1999, p. 73).

Dando seqüência ao estudo, como forma de orde-nar e organizar os dados para que pudessem ser analisa-dos, iniciou-se pela classificação, sabendo-se que “[...] aclassificação é uma forma de discriminar e selecionar asinformações obtidas, a fim de reuni-las em grupos, de acor-do com interesse da pesquisa.” (RUDIO, 1991, p. 99).

Em seguida foi feita a codificação dos dados que,segundo Rudio,

É o processo pelo qual se coloca uma de-terminada informação (ou, melhor, o dadoque ela oferece) na categoria que lhe com-pete, atribuindo-se cada categoria a umitem e dando-se, para cada item e para cadacategoria, um símbolo. Este símbolo podeser apresentado na forma de palavra ou,bem preferivelmente, na forma de lingua-gem numérica. (RUDIO, 1991, p. 100).

Assim, foram elencadas quatro categorias de aná-lise: a. A importância da FUNDHAS para a comunida-de; b. Características da comunidade; c. Maiorintegração com a família e d. Capacidade de atendi-mento da Instituição. O conteúdo transcrito das entre-vistas mostra que essas categorias foram consideradasas mais expressivas.

A partir destas categorias, foi realizada a análise,cujos resultados foram sintetizados para efeito de ilus-tração neste artigo, transcrevendo-se algumas frases dasentrevistas que expressam o conteúdo das falas.

a. A importância da FUNDHAS para a comunidade:

“Este trabalho é muito importante, tirando as cri-anças da rua e dando mais oportunidades de esporte,lazer e cultura; é fundamental o trabalho da FUNDHASque realiza um trabalho social para a comunidade. A co-munidade só tem a ganhar com o trabalho que é desem-penhado” (Administração CAIC).

“A importância para a comunidade é que eles vêema FUNDHAS como uma porta de saída para entrar no mer-

cado de trabalho, serve para tirar as crianças da rua, pararesgatar os valores de convívio, porque a maioria das cri-anças não têm com quem ficar; elas ficam na escola e outraparte na FUNDHAS” (EMEF “D. Pedro de Alcântara”).

“Eu tive a chance de conhecer o trabalho daFUNDHAS, trabalhar com a FUNDHAS e ver a seriedadedo trabalho com criança e adolescente, sempre batalheicom a família a importância do filho estar numa Unidadeda FUNDHAS, das oportunidades que a FUNDHAS ofe-rece. A FUNDHAS sinceramente não deveria ser só anível de São José dos Campos, deveria ser copiada portodas as cidades do Vale do Paraíba, Estado e até mesmodo Brasil” (SDS-SUL – COS D. Pedro I).

b. Características da Comunidade:

“A nossa comunidade é muito carente, é uma dasmais carentes da região Sul, nós não temos lazer e aFUNDHAS é uma integração”(Associação de Morado-res D. Pedro II).

“O ideal é que fosse para toda população; nessebairro há uma carência muito grande, a população quasetoda é de baixa renda, não pode pagar um curso, a FUNDHASé o ideal para essas crianças” (UBS – CAIC D. Pedro I).

c. Maior integração com a família:

“A FUNDHAS é um ganho para a comunidadesem dúvida; o que precisamos é estar estreitando maisesses laços, estar pensando uma forma de atingir, realizarum trabalho mais próximo aos pais, para estar resgatan-do esses valores de cultura e educação” (EMEF “D.Pedro de Alcântara”).

“O trabalho da FUNDHAS é formar um novo ci-dadão. O trabalho é maravilhoso e não é só com a crian-ça, mas com a família também. Vocês resgatam esse cida-dão para ter futuro, mas naquele meio em que ele viveprecisaria trabalhar a família como um todo. Tem coisasque a FUNDHAS faz pela criança, mas é preciso traba-lhar a família de forma global” (UBS – CAIC D. Pedro I).

d. Capacidade de atendimento da Instituição:

“Acredito que é preciso investir mais naFUNDHAS, criando novos núcleos, porque a FUNDHAStem um papel muito importante na educação das criançase adolescentes, passando a eles valores morais, que atu-almente estão meio esquecidos, e que deveriam ser trans-mitidos pela família” (Presidente da SAB D. Pedro I).

“A FUNDHAS é de suma importância, pena quenão tenha condições de abranger toda a demanda; nóssabemos da lista de espera, também sabemos de pessoas

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que acabaram passando o tempo, passando da idade, enão foram chamadas. O ideal seria que esse serviço am-pliasse a possibilidade de atendimento” (SDS-SUL – COSD. Pedro I).

“A comunidade do D. Pedro tem uma população jo-vem, seria muito bom se pudesse atender mais pessoas, por-que eu acho muito importante esse trabalho da FUNDHAS evejo realmente que há necessidade de ampliar, para mais cri-anças serem atendidas” (UBS – CAIC D. Pedro I).

7. ANÁLISE

A partir do estudo realizado, percebe-se que aFUNDHAS é um espaço e uma Instituição importantepara a comunidade; seu trabalho é reconhecido e valori-zado, é visto como um trabalho de proteção e de forma-ção para a criança e adolescente, por ser um lugar seguropara sua permanência no período alternativo à escola,tirando-os da rua e oferecendo oportunidades de lazer ecultura. Os entrevistados referem-se à formação nos as-pectos moral, educacional e profissional, pois aFUNDHAS oferece, com seus Programas/Projetos, a for-mação integral à criança e ao adolescente, para o exercí-cio pleno da cidadania.

A FUNDHAS é um projeto social modelo paraoutros Municípios e Estados, pela importância e eficáciado trabalho, e tem uma aceitação positiva na comunida-de e no Município.

A FUNDHAS tem uma importância fundamental,principalmente nessa comunidade onde a população é,em sua maioria, de baixa renda, carente nos mais diver-sos aspectos: cultural, financeiro, educacional e moral.A FUNDHAS vem ao encontro das necessidades e re-presenta um ganho para essa comunidade.

A FUNDHAS não consegue abranger toda a de-manda, principalmente nessa comunidade, onde grandeparcela da população é jovem. Foi apontada a necessida-de de ampliação para que mais crianças e adolescentespossam ser atendidos.

A Instituição está redirecionando seu trabalho parafortalecer a integração com a família, estreitar e fortalecero vínculo entre Instituição, família e comunidade, pararesgatar valores de cultura, educação e trabalhar a famí-lia de forma global.

Ao analisar as articulações da unidade CAIC D.Pedro com a comunidade, nota-se que a Instituição estábem articulada com a comunidade da região Sul, tem bus-cado fortalecer essas parcerias com o Encontro FUNDHASe Escola, Encontro FUNDHAS e Rede de Serviços da Re-gião Sul, Projeto Gibiteca – que é uma locadora de gibis

para a comunidade que funciona na unidade CAIC D. Pedro;estabeleceu parceria com o Coral Alegretto, com o grupoda terceira idade “Por do Sol”, com o Centro Cultural D.Pedro I, em que as crianças e adolescentes têm aulas dedança de rua e com a Administração do CAIC; à medidaque essas relações se tornarem mais estreitas, a comuni-dade será cada vez mais beneficiada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o estudo dos espaços geográfico e institucio-nal e a rede de relações que estabelecem, constata-seque existe uma inter-relação entre Instituição e comuni-dade; a unidade CAIC D. Pedro tem buscado fortaleceras parcerias com a comunidade.

Ao verificar o espaço em que a Unidade Caic D.Pedro se encontra, conclui-se que ela vai além de ser umelemento com determinada localização geográfica, poisestá em constante interação com a comunidade, num pro-cesso dinâmico, o chamado movimento social, que pro-picia as possibilidades de interação e as transformações.

A FUNDHAS tem uma importância significativanessa comunidade, é vista como um trabalho de prote-ção e de formação para a criança e adolescente e repre-senta um ganho para a comunidade, mas não consegueabranger toda a demanda, havendo a necessidade deampliação de sua capacidade de atendimento.

A Instituição precisa ampliar as parcerias com aRede Municipal de serviço, no que se refere ao atendi-mento à família, para que os objetivos almejados possamser atingidos com maior eficácia.

A Instituição, como elemento do espaço, necessi-ta, para sua existência material, do espaço territorial, deinfra-estrutura e do trabalho humano.

Ao estudar o espaço profissional do Serviço So-cial na FUNDHAS, pode-se ressaltar que o assistentesocial é um profissional essencial na estruturaorganizacional e de trabalho da Instituição.

É preciso levar em conta, ainda, a demanda que éatendida, bem como as relações que se mantém nesse espa-ço, como essas relações se fortalecem, se tornam mais es-treitas e favorecem o vínculo de toda instituição.

Como proposta para o fortalecimento das rela-ções e participação da comunidade, poderiam ser promo-vidos eventos, tais como “Casa Aberta”, trazendo a co-munidade mais próxima à realidade da Instituição, oueventos comemorativos e atividades de esporte, de re-creação e oficinas culturais.

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Ao concluir, espera-se que esse trabalho possacontribuir para a ampliação do conhecimento sobre aInstituição e seus Programas/Projetos e para a avaliaçãodas ações que se constituem espaço de prática profissi-onal do Serviço Social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RUDIO, F. V. Introdução ao Projeto de PesquisaCientífica. 16 ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

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_______. Espaço & Método. 4. ed. São Paulo: Nobel, 1997.

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SOUZA, M. L. de. Serviço Social e Instituição: a questãoda participação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1984.

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São José dos Campos, seu Território, Posturas e Leis:Uma Contribuição à Discussão do Controle do Uso e da

Ocupação do Solo Urbano

Bernadete de Fátima Gonçalves *

Resumo: O presente trabalho refere-se ao estudo da legislação de uso e ocupação do solo domunicípio de São José dos Campos, no período de 1860 a 2002. Trata-se de averiguar os impactosocorridos no território, tanto diretos como indiretos, quais são as suas áreas de uso, expansão,ocupação e, conseqüentemente, as transformações espaciais que ocorreram, através da leitura eentendimento das posturas e leis estabelecidas no período.

Palavras-chave: Planejamento urbano, zoneamento, legislação, segregação espacial.

Abstract: This paper studies the occupation and land use legislation in São José dos CamposMunicipality in the period from 1860 to 2002. Through the reading and understanding theestablished laws within this period, it is analyzed the impacts over the territory either direct orindirect such as areas for use, expansion, occupation and consequently the resulted spacetransformations.

Key words: Urban land planning, zoning, urban laws, space segregation.

* Mestranda em Planejamento Urbano e Regional -PLUR, Univap, 2005.

O CONTEXTO

Era prática no Brasil colonial a constituição depovoados, aldeias e vilas através da concessão desesmarias.

Uma das primeiras atividades de planejamento urba-no de modo formal ou strictu sensu no Brasil é o plano paraBelo Horizonte de 1875, contudo, no âmbito da província deSão Paulo, já por volta dos anos de 1860 procurava-se pormeio de posturas emanadas da Câmara estabelecer um rígi-do controle da ocupação dos espaços da cidade.

Sabe-se que esse controle era mais do que tudooriundo de uma vontade de estabelecer tanto o controleda apropriação dos solos, já então mercadoria, e oportu-nidade de gerar e reproduzir riqueza, quanto e especial-mente forma de exercer o controle social por meio daseparação dos diversos segmentos sociais no urbano.

De uma maneira geral, é possível inferir que essasposturas – e diga-se a bem da verdade que estas erameditadas quase que a cada ano – iam, à medida que erameditadas, incorporando em seu texto reflexos dos hábi-tos e transformações sócio-culturais por que ia passan-

do a província. Em especial, essas posturas refletiam odesejo de parecer organizado e civilizado como na Euro-pa, assim como o jogo de forças pela disputa em apropri-ar-se das riquezas expressas na posse do solo.

Desde então, até nossos dias, desenvolveram-sediversas formas de posturas públicas e leis com o intuitode regular o crescimento das cidades e de estabelecer ocontrole do acesso às maiores vantagens relativas queforam se constituindo no urbano por meio do controledo uso e da ocupação dos solos.

Um outro objetivo, não menos importante, que sepercebe expresso nas leis, foi o de imprimir uma aparên-cia boa e de qualidade no urbano através das obrigaçõesreferentes ao alinhamento, a correta disposição das cons-truções nos lotes e da mais adequada distribuição e loca-lização das atividades no solo urbano.

Dessa forma, foram se estabelecendo gradati-vamente respostas espaciais para a organização de umasociedade cada vez mais baseada na produção industrialonde a segregação é cada vez mais uma estratégia do queum efeito. Assim, toma-se a parte, ou seja, um dos instru-mentos de ordenação do território, pelo todo, e organiza-se – ainda que saibamos que é uma ordem falaciosa – oterritório com um projeto de ordenação, sem adequaçãoao ambiente, sem uma estrutura de paisagem. Procura-seem verdade estabelecer os valores do solo urbano, e ga-

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rantir as melhores vantagens relativas mesmo que paraisso perdas sejam necessárias, desde que os ganhos imo-biliários diretos ou indiretos compensem.

A SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL COMO PRODU-TO E MEIO DA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

É possível identificar, inseridos no texto da legis-lação, desde os períodos mais remotos, dispositivos deordenação do uso e da ocupação do solo com flagranteintenção de segregação sócio-espacial. Seja no que serefere exclusivamente às exigências de dimensionamentomínimo das parcelas de solo a serem ocupadas – o lote –seja no que se refere aos próprios usos admissíveis emcada zona ou mesmo com relação às restrições maldisfarçadas na modalidade de diversidades restritivasdentro de uma mesma zona.

Característica essa, de segregação e valorizaçãodiferenciada do solo, típica e já muito estudada, do“zoneamento” como instrumento de “planejamento ur-bano” no Brasil, e que vem a se confirmar e explicitarmais uma vez no caso do município ora estudado.

A citação a seguir explicita bem os fatores de se-gregação e a valorização diferenciada no espaço urbanopresentes no zoneamento implantado:

“Ao nos determos um pouco mais no dese-nho da distribuição espacial das zonas deuso determinadas pela lei, verificamos quealém de todos aqueles fatores de segrega-ção espacial bem ao gosto do funcionalis-mo, seja separando os usos em incompatí-veis ou indesejáveis, seja ‘organizando’ a dis-tribuição espacial da população segundofaixas de renda, parece ter havido uma sele-ção criteriosa de sítios para as localizações,procurando indicar aqueles com relevo maisadequado no sentido de mais suaves e ostopos das colinas, traçando os perímetrosde modo a sempre evitar a ocupação dosfundos de vales, que estariam protegidos porzonas não edificantes, destacando-se tam-bém a preocupação em resguardar da ocu-pação a orla do platô central, paracoletivizar o cenário do banhado. De outrolado, percebe-se também a intenção de re-forçar a ocupação do eixo da rodovia Presi-dente Dutra, criando um grande corredorindustrial, resguardando a cidade do corre-dor de circulação e transporte da rodovia eresguardando para a cidade as áreas decolina suave que se debruçam em direção àvárzea do Paraíba defronte para os contra-fortes da Mantiqueira” (SANTOS, 2002, p. 44).

Esta lei, que vigorou até o início de 1980, sofreualterações referentes na maioria das vezes à inclusão denovos loteamentos em determinadas zonas de uso, e aampliação e modificação dos perímetros das zonas de uso.

O sítio urbano de São José dos Campos, situadoentre os principais centros dinâmicos da economia doPaís, São Paulo e Rio de Janeiro, devido a fatores econô-micos quanto militares e, pelas condições locais favorá-veis, com importante via de circulação e transporte emdireção ao planalto brasileiro, e pelo pessoal técnico gra-duado nas instituições militares e nas indústrias aquiinstaladas, resultou de certa forma, numa divisãoterritorial do trabalho que foi sendo redefinida na baseda ciência e da tecnologia, vinculada à nova produçãoindustrial e aos seus centros de pesquisa e desenvolvi-mento, como condição necessária para a aceleradareestruturação do território.

O incentivo fiscal para instalação de indústriasdesde os anos 20 e a ampliação do parque industrial entreos anos de 1950 e 1970 foram reforçados na Lei nº. 1606,em que foram estabelecidas as áreas para a implantação deindústrias, áreas essas definidas a partir da Rodovia Presi-dente Dutra, por onde se permitia a integração nacionalcomo previsto no plano de metas do governo federal.

Ainda que no ano de 1974 o governo federal, pro-pusesse uma política urbana no II PND, direcionada parauma visão econômica mais localizada e setorial, definin-do áreas de intervenção com uma política nacional dedesenvolvimento urbano que conduziria as ações sobreo urbano até os anos 80, a cidade de São José dos Cam-pos recebeu investimentos governamentais para instala-ção da indústria petroquímica, tecnologia militar, bélica ede aeronáutica, incentivo às instituições de pesquisas eestudos científicos e tecnológicos e também para a áreade telecomunicações e microeletrônica.

São José dos Campos situado nessa área de con-tenção apresentava uma situação de crescimento em rit-mo acelerado desde a inauguração da Rodovia Presiden-te Dutra, na década de 50.

Nos anos 70, o quadro urbano das principais ci-dades brasileiras e em especial as do Estado de São Pau-lo, com intensa produção industrial, foi acompanhado deproblemas sociais devido à intensificação dos fluxos mi-gratórios, segregação espacial e favelização descontro-lada, aumento de poluição e degradação do meio ambi-ente e retenção especulativa de terras que provocaramenormes vazios urbanos, aumentando com isso os cus-tos de urbanização (CANO; SENEGHINI, 1991).

Nesse processo de crescimento industrial e deintensificação dos fluxos migratórios que ocorriam no

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País, São José dos Campos, como pólo atrativo que era,preparou uma indução da configuração espacial do seutecido habitacional de baixa renda, amparada pela Lei nº.1606, em seu artigo 4 º, onde se previa a implantação degrandes conjuntos habitacionais aos moldes do BNH.

A Lei nº. 1606 aborda também a preservação daárea central do banhado através da Zona Especial, “es-quecendo-se” de incluir aí a continuidade dessa áreacentral, reservando como área de extensão urbana a áreade várzea existente ao longo do Jardim das Indústrias eem direção ao Rio Paraíba.

Como controle ambiental, é muito pouco o que sevê na lei, talvez porque as questões ambientais eram as-sunto relativamente novas até então. Somente após areunião em Estocolmo/72, este assunto passou a ser re-levante e chegou até a nortear planos municipais.

As questões ambientais eram tratadas com rela-ção às instalações industriais consideradas nocivas ouperigosas, indicando a localização destas fora da área deexpansão urbana proposta, sem fazer considerações, aí,se essas áreas fora da zona de expansão urbana seriamou não constituídas de algum potencial paisagístico.

Não havia, também, obrigatoriedade de que asindústrias poluidoras apresentassem projetos de siste-ma de controles dos poluentes emitidos, mas apenastransferia-se quaisquer desses inconvenientes para ou-tro local do município.

Entendemos que assim agindo a administraçãomunicipal na época não impediria a continuidade de ins-talação industrial, criando restrições, mas que, de certamaneira, buscava-se uma qualidade ambiental desejada.

A ocupação do território de São José dos Camposé fortemente marcada pela indústria, pois, de uma organi-zação sócio-espacial agrária sem muita expressão, passa,a partir do final dos anos 20, por um processo de modifi-cação em sua dinâmica sócio-econômica moldando umaorganização sócio-espacial em que a indústria parece terdesenhado a cidade. E as leis e decretos que se estabele-ceram vão moldando, estruturando e reestruturando acidade industrial que se firmava.

A cidade que crescia revelava um déficithabitacional, devido ao desenvolvimento industrial ace-lerado que ocorria, não havendo na época uma políticahabitacional para acompanhar o “boom” industrial.

A administração municipal, na época, impossibilita-da de atender à demanda habitacional em curto prazo, bus-cou entendimento com grupos privados, para o investimen-to na área habitacional, período em que grupos estrangei-

ros se apresentaram para a execução e implantação de vári-os conjuntos habitacionais em São José dos Campos.

Os empreendimentos aqui executados, normalmen-te próximos às Zonas Industriais - ZI ou na Zona de pre-dominância industrial - ZpI, acompanhando a localizaçãoindustrial, onde havia a concentração de trabalho para asclasses de média e baixa rendas, eram situados em gran-des áreas, sendo os conjuntos habitacionais horizontais.

Ao final dos anos de 70, após um período em queos procedimentos para a construção de edificações e parao uso e a ocupação do solo do município ficavam regidospor um conjunto de três leis: Lei de Uso e Ocupação doSolo-Zoneamento, Lei de Arruamento e Loteamento-Parcelamento, e o Código de Edificações, passa-se a umanova maneira de apresentar a legislação urbanística.

Os aspectos referentes ao parcelamento e aozoneamento ficavam, a partir de agora, reunidos em umaúnica lei a qual passou a receber a denominação de Leide Uso e Ocupação do Solo, sendo que as construçõescontinuavam a ser regidas pelo Código de Obras, agoradenominado Código de Edificações.

Essas duas leis passaram a ser o objeto efetivo deplanejamento urbano no município, uma vez que procu-ravam organizar a distribuição e localização das ativida-des e usos, o padrão dos parcelamentos, os requisitosmínimos exigidos para as edificações, inclusive como con-dição para autorização de funcionamento, e também osaspectos de proteção ambiental, de reserva e localizaçãode espaços públicos livres coletivos urbanos e de inte-resse paisagístico.

A Lei nº. 2263/80, que dispõe sobre o parcelamento,uso e ocupação do solo do município, e outras providên-cias, é o resultado de um processo que se inicia em 1978.Essa lei dividiu o município em zona urbana, zona de ex-pansão urbana e o território restante como zona rural.

As zonas urbanas e de expansão urbana foramsubdivididas em quinze zonas de uso sendo elas: ZR-1de uso exclusivamente residencial; ZR-2 de uso exclusi-vamente residencial de densidade média; ZC de uso mis-to de densidade média alta, subdividida em ZC-1 de usopredominante residencial e de serviços, ZC-2 de uso mis-to de densidade média, ZC-3 de uso diversificado de altadensidade e ZC-4 de uso misto de densidade média alta;ZE de uso especial com características próprias e subdi-vididas em ZE-1 de fundo de vale, de uso diversificado einstitucional, ZE-2 de uso de transporte de pessoas, demercadorias e equipamentos, ZE-3 de Banhado, de usoexclusivamente recreacional, cultural, esportivo e turísti-co, ZE-4 de caráter institucional, com equipamento decaráter cultural, esportivo, de saúde e de educação, ZE-5

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do CTA e EMBRAER, e ZE-6 de uso para unidadeshabitacionais de caráter social e industrial para implanta-ção de distritos industriais; e ZI de uso industrial, comcaracterísticas especificadas e subdivididas em ZI-3 deuso predominantemente industrial, de potencial poluidormédio-baixo, sujeito a controle pelos órgãos competen-tes, e ZI-4 de uso exclusivamente industrial, de potencialpoluidor médio-alto, com sistema de controle específicocontra poluição determinado pelos órgãos competentes.

Já no ano de 1986, ocorreu um fato de grande im-portância, a retração do perímetro da zona urbana, com afinalidade de reduzir as áreas disponíveis com infra-estru-tura e no aguardo para especulação imobiliária; procura-va-se aí conter a implantação de loteamentos em áreasdesprovidas de infra-estrutura mínima e necessária.

A Lei nº. 3721/90 surge para substituir a de nº.2263/80 que estava em vigência havia dez anos. Na novalei aparecem as zonas residencial, mista, especial, indus-trial e a de proteção ambiental.

Essa lei sofre várias modificações, sendo a de mai-or efeito no que tange à ocupação a que trata da anistia àsconstruções clandestinas. De certa forma, estas leis vão àcontramão dos conceitos de zoneamento, tido como ins-trumento ordenador e regulador dos usos diferenciadossocial e economicamente existentes no território.

No contexto nacional, o avanço da informática eautomação, no final dos anos 90, devido às crises mundi-ais que ocorreram as quais desencadearam aperto na eco-nomia com redução da produção industrial e aumento dedesemprego, amplia a atividade de prestação de serviçose informações, através da terceirização, em especial noramo das tecnologias em informática. Assim, a cidade deSão José dos Campos vai aos poucos mudando e se reor-ganizando para a nova atividade, de forte predominânciaindustrial a ser agora também prestadora de serviços, oque de certa maneira vai estimulando a economia local.

AS POSTURAS, AS LEIS E O TERRITÓRIO

As primeiras leis de posturas datam dos anos de1860, nos artigos 1º a 14º do Capítulo 1º do Código dePosturas de 19 de maio de 1862. É onde se percebe desdecedo a preocupação em ordenar o sítio urbano, atravésdo controle sanitário, com imposições de certa regulari-dade pelo alinhamento, o que nos leva a observar queessas imposições eram norteadas pela definição dos pro-cedimentos e requisitos para execução de estradas earruamentos que iam desenhando e definindo a cidade.

Os padrões de alinhamento, tanto das edificaçõescomo dos caminhos e estradas, eram dados pela Câmara.As ocupações fabris também passavam por essa

obrigatoriedade, apresentando ainda como exigência lu-gar, tipo, condições, manuseio e equipamentos a seremutilizados, para a liberação de sua instalação no município.

Nota-se a preocupação com o meio ambiente nasquestões relativas às atividades desenvolvidas pelasunidades fabris, tais como poluição atmosférica, conta-minação dos recursos hídricos seja através do lençolfreático ou através do leito com a deposição de lixos.

Estas obrigações, que permitiam ou não a ocupa-ção por determinada atividade, em determinado local den-tro ou fora do perímetro do sítio urbano, eram de certaforma uma organização que ia determinando zonas deocupação em função da atividade desenvolvida, surgin-do aí referências ao zoneamento inicial da cidade, con-forme estabelecido no Código de Posturas de 1885.

É aí também que fica delimitado o sítio urbano,norteado pelo Rio Paraíba, Estrada de Ferro, área do Ba-nhado e Córrego do Lavapés. A partir dessa delimitaçãoda área urbana estabelece-se o que está fora e o que estádentro dos limites da cidade. As ruas que não foram con-templadas dentro desse limite urbano seriam encaixadasdesde que fosse solicitado e obedecesse à legislação quan-to às dimensões, orientação e alinhamentos previstos.

O que se pode verificar foi que desde cedo o ali-nhamento era primordial para a formação da cidade, sen-do que o realinhamento deveria ser feito a cada quatroanos, como fator essencial para manter a harmonia e oembelezamento; definia-se dessa forma os espaços dacidade, donde vão surgindo os espaços públicos e estesvão se diferenciando dos espaços particulares.

As disposições de controle de limpeza, embele-zamento, ordenação, direcionamento e alinhamento do sítiourbano são sempre citadas a cada novo Código de Posturaque é feito, reforçando sempre o que estava disposto nosartigos anteriores em que esses assuntos são tratados.

É no ato nº. 110 de 10 de março de 1932 que apare-ce o zoneamento formalmente instituído como instrumen-to de controle e uso do espaço. Passados sessenta enove anos desde a publicação do Código de Postura de1885, o Código de Obras é instituído através da Lei nº.281, para regulamentar as disposições a respeito dearruamentos, loteamentos, construções e demolições.

É com o Código de Obras de 1954 que definitiva-mente é instituído o zoneamento de modo bastante deta-lhado, estabelecendo o direcionamento e o controle douso e ocupação do solo no município. O município é entãodividido em três zonas: Urbana, suburbana e rural, e, des-tas, as zonas urbana e suburbana subdivididas em outrascinco zonas: Industrial, Comercial, Residencial, Sanatorial

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e Aeronáutica. Assim, “percebe-se o ideário modernistae funcionalista de organização do espaço urbano, se-gundo funções e localizações bem definidas e separadas,procurando com isso a eficiência, a eficácia e o maiorrendimento – às vezes chamado de otimização de recur-sos e de infra-estrutura, às vezes de relação custo-benefí-cio – do espaço urbano” (SANTOS, 2002, p. 36).

A cada artigo percebe-se essa preocupação emseparar usos e atividades, como por ocasião da proibi-ção de sanatórios e/ou congêneres destinados a manterpessoas de moléstia contagiosa nas zonas industrial, co-mercial e residencial, e ainda por ocasião da proibição dainstalação de hospitais, colégios, internatos e indústriasna zona comercial. Ainda com referência a indústrias, asque praticavam qualquer atividade perigosa deveriam serinstaladas em zona rural ou suburbana. Essas preocupa-ções faziam-se presentes inclusive em função de umaforte tendência à expansão da atividade industrial que jáse verificava no município.

Através do Decreto nº. 286/59, ficaram estabelecidasas regras específicas para o parcelamento do solo urbano edo solo rural, e, mais à frente, no Decreto de nº. 657/60,constavam as exigências para a aprovação de loteamentoscom a obrigatoriedade de instalações de infra-estrutura, taiscomo redes de água, de esgoto, energia etc.

Até o final da década de 60 nota-se um crescimen-to significativo na área urbana, principalmente devido àlegalidade estabelecida pelo poder público que permitia aconstrução de casas geminadas em lotes de 100,00 a 250,00m², de custos mais baixos, com otimização da infra-estru-tura implantada, ocorrendo com isso um adensamento naárea urbana com esse padrão de uso e ocupação do solo.

O Código de Obras de 1954, o Decreto nº. 286/59 eo Decreto de nº. 657/60 eram os instrumentos quenorteavam o crescimento, a ocupação e o uso do solo domunicípio até ser elaborado o Plano Diretor de Desen-volvimento Integrado (PDDI), em 1970, que foi executa-do em decorrência do Decreto Estadual nº. 28.399/57, emque se previa que as dotações orçamentárias para Estân-cias Hidrominerais estavam condicionadas às discrimi-nações contidas no referido PDDI.

O PDDI de 1970 é composto por um conjunto derecomendações de legislação para o controle urbano,resultando em leis, dentre elas a de zoneamento, que fo-ram promulgadas antes da aprovação daquele.

A partir de um diagnóstico dos “aspectos do meiofísico, da dinâmica sócio-econômica, dos padrões de ocu-pação e uso do solo, e da acessibilidade e circulação, foitraçado um cenário de tendências preferenciais para o de-senvolvimento do município, e que, como não poderia dei-

xar de ser, identificando uma intensa dinâmica industrial ea conseqüente demanda por áreas para o seu atendimentocomo o aspecto de relevância com relação aos cuidadoscom o uso e a ocupação do solo” (SANTOS, 2002, p. 41).

O zoneamento vai se configurando como o instru-mento principal de ordenação do território e através deleprocura-se um controle do uso e ocupação do solo. Esseuso e ocupação do solo passa então a ser regulamentadoem 1971, pela Lei nº. 1606, que subdivide o município emtrês áreas: urbana, de expansão urbana e rural.

As áreas urbana e de expansão urbana foram clas-sificadas em nove zonas de uso predominantes. A zona depredominância comercial-ZpC abrangia dois perímetros,um constituído pelo centro antigo, descendo a encostaem direção norte, transpondo a estrada de ferro até próxi-mo ao rio Paraíba do Sul, e outro perímetro abrangia o topodo platô central em direção sul.

Nota-se entre estes dois perímetros uma inter-rupção configurando um setor que poderíamos chamarde centro expandido, a zona comercial onde era permitidaa maioria das atividades urbanas, pequenas oficinas, ex-cetuando-se apenas as atividades industriais.

A zona especial-ZE, com quatro perímetros, abri-gava os serviços especiais, os edifícios públicos junto àárea central, as áreas já ocupadas com edificação junto àfalésia do banhado, as vias estruturais partindo do cen-tro, algumas vias centrais de tráfego de passagem, ondejá estavam se caracterizando os corredores de uso, alémde abrigar a área do banhado.

Com maior adensamento de atividades comerci-ais e administrativas, configurando um anel no centroantigo, fica instituída a zona central-ZC.

A zona de predominância habitacional-ZpH, deforma geral era de uso residencial individual, consultó-rios e escritórios em edifícios individuais, comércio vare-jista e serviços é subdividida em zona de predominânciahabitacional A e zona de predominância habitacional B.A ZpHA é constituída por dois perímetros, um corres-pondente ao setor de uso predominantemente residencialde caráter mais elitista, pois era proibida a habitação co-letiva em série, e outro da zona predominantemente co-mercial, ocupando o platô central em direção sul até ovale do córrego do Vidoca; o segundo perímetro destasubzona constitui-se de uma área remanescente entre aindústria Johnson & Johnson e a área de propriedade daindústria Ford do Brasil em um outro platô na região su-doeste. Os três perímetros da ZpHB localizavam-se,um em direção norte em terrenos planos próximo ao rioParaíba do Sul, envolvendo parte da zona de predomi-nância comercial, e outro em direção leste, formando uma

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faixa que acompanha os eixos da Rodovia PresidenteDutra e da Rede Ferroviária Federal S.A. e um terceiro eúltimo em direção sul, fazendo limite com parte da zonapredominantemente comercial -centro expandido-, zonapredominantemente residencial A e o córrego do Vidoca.

Na zona de predominância industrial-ZpI, permiti-am-se todas as atividades urbanas, excetuando-se apenasas indústrias classificadas como nocivas e ou perigosas,definindo-se como perigosas aquelas que produzissemmau cheiro, ruídos incômodos, poluíssem as águas oucolocasse em risco a saúde dos habitantes.

Ficava a ZpI constituída por seis perímetros, osquais procuravam abrigar as áreas com morfologia derelevo favorável e ainda disponíveis junto ao eixo daRodovia Presidente Dutra, as áreas lindeiras à Rodoviados Tamoios e ao Centro Técnico Aeroespacial, uma árealinear acompanhando a estrada velha Rio - São Paulo emdireção a Jacareí e uma área ao norte junto ao rio Paraíbado Sul e a estrada SP 50 em direção a Campos do Jordão.

A ZI compreendendo sete perímetros, objetivavaabrigar as áreas das indústrias já instaladas e uma faixaao longo do eixo da Rodovia Presidente Dutra em seulado direito em direção a Caçapava.

As zonas de predominância recreacional e especialnão tiveram os perímetros definidos por este decreto, emque ficou estabelecido que a delimitação da zona especialfosse estabelecida por decreto e que nesta deveriam selocalizar os edifícios públicos e os serviços especiais, queviessem a requerer áreas consideráveis ou localização es-pecífica. Quanto à zona de predominância recreacional,que deveria compreender as áreas verdes e livres destina-das à recreação com o objetivo específico de criar as con-dições físicas para o desenvolvimento da recreação, seriatambém demarcada por decreto.

A zona central, com atividades comerciais e admi-nistrativas com um adensamento mais intenso, tinha al-gumas restrições ao gabarito das edificações, à delimita-ção para permissão de construções em determinadas viase exigências quanto ao número de vagas para estaciona-mento de veículos dentre outras.

As características de ocupação e uso para cada zonaou subzonas estavam estabelecidas na Lei nº. 1606/71, emque ficavam definidas as taxas de ocupação, os recuos, asdensidades, as atividades permitidas e/ou toleradas em ca-sos especiais, e as condições especiais para as edificaçõesna área central. A segregação espacial, o que de todo modoé implícito ao zoneamento, se percebe de forma mais acen-tuada nas áreas destinadas às implantações industriais, lo-calizando zonas para estes fins junto à Rodovia PresidenteDutra em terrenos com relevo particularmente suave, con-

tando sempre com a presença de água e sem coberturavegetativa significativa e distante preferencialmente dasáreas predominantemente residenciais.

Na zona de predominância industrial seriam permi-tidos além das atividades industriais de pequeno e médioporte, que seguiam os mesmos padrões de ocupação dazona industrial, os usos residenciais e comerciais, os quaisdeveriam obedecer a uma dimensão mínima de lote de 200,00m², permitindo-se a construção geminada em série.

Criava-se, dessa maneira, para essas zonas, umtecido misto para uma população com uma faixa de rendamais baixa ou mesmo para atendimento aos trabalhado-res da indústria.

Nas zonas de predominância comercial permitia-se uma grande diversidade de usos, caracterizando-secomo uma grande zona mista, onde caberiam desde habi-tação individual e coletiva, edifícios públicos, comércioe serviços, até atividades prestadoras de serviços de gran-de porte, como os centros atacadistas, e de recreação.Os lotes nestas áreas deveriam possuir dimensão mínimade 360,00 m², com frente mínima de 12,00 m. Ainda hoje épossível identificar lotes com essas dimensões na zonacomercial ou centro expandido.

Nas disposições para ocupação e uso na zona depredominância residencial é que vamos encontrar umasofisticação um pouco maior, iniciando-se com a sua sub-divisão em duas subzonas. Essa subdivisão pretendiainstituir dois padrões habitacionais diferenciados, sen-do um deles para uma faixa de renda média – ZpHB - e ooutro para uma faixa de renda mais alta – ZpHA.

A diferenciação poderia ser sentida pela próprialocalização dessas duas subzonas na área urbana, sendoque aquela prevista para a renda mais alta localizava-seem uma área de continuidade do platô central próximo aobanhado, o que garantia, portanto, de um lado, visuaisprivilegiados, e de outro a confinando entre a zona docentro expandido e o córrego do Vidoca. As dimensõesmínimas dos lotes nesta subzona, que deveriam respeitarum mínimo de 450,00 m² de área, bem como as taxas deocupação e de usos, contribuíram mais ainda para criarum padrão imobiliário só acessível pela alta renda. A ou-tra subzona, aquela prevista para as faixas de renda mé-dia, localizava-se a sudoeste, em área bem distante dasfacilidades e infra-estruturas existentes, apesar de suarelativa acessibilidade junto ao eixo da Rodovia Presi-dente Dutra. O padrão dos lotes exigia uma área mínimade 300,00 m², com taxa de ocupação de 2/5 e taxa de usoigual a duas vezes a área do lote, permitindo, portanto,um adensamento maior, com gabarito em torno seis pavi-mentos. Permitia-se também para esta subzona as habita-ções geminadas em série, conforme o mesmo padrão para

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a zona de predominância industrial.

Por fim, destacamos como de especial relevânciao art. 23 que obrigava a reserva de faixa não edificante de15,00 m às margens de águas correntes e dormentes defaixas de domínio público ocupadas com ferrovias, rodo-vias e dutos de qualquer natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade conta na sua história com mudanças naordenação de seu território ao longo desses anos sem aparticipação expressiva de sua comunidade nas discussõesdos problemas e na identificação das soluções. Somente noinício da década de 90 é que se intensifica a participaçãopopular em alguns planos e projetos para o município.

O que percebemos na elaboração deste trabalho éque as leis sempre trouxeram impactos no território, sejana forma de seu uso, seja na ocupação, na sua organiza-ção com reflexo na organização do trabalho, além de re-fletir as deliberações políticas da sociedade.

A legislação pertinente ao espaço destinado à pro-dução tecnológica reflete bem a organização de trabalhoque foi se estabelecendo desde a década de 50 até os diasde hoje, por ocasião da implantação dos centros de pesqui-sa aeronáutica nacional, passando mais tarde pelamultinacional, posteriormente pela terceirização e até maisrecente pela produção através da montagem de componen-tes num espaço livre que expressa o capitalismo em rede.

Na cidade de São José dos Campos percebemosalguns problemas urbanos em conseqüência, dentre ou-tros fatores, das excessivas modificações na legislaçãoda ordenação para ocupação e uso do território, comotambém dos padrões e modelos adotados para sua ela-boração. Destaca-se como fator de inadequação dos ins-trumentos de planejamento a ausência da participaçãoefetiva da comunidade no processo.

Esse processo resulta numa morfologia sócio-espa-cial, em que se reforça a segregação, a concentração dapopulação em determinadas zonas, a proliferação deloteamentos clandestinos, moradias precárias, déficit deinfra-estrutura básica etc. Além dos efeitos de uma crise emque as origens aparecem no período da industrialização ace-lerada da década de 70, gerando urbanização, fluxo migrató-rio, déficit habitacional, degradação ambiental, violênciaurbana, frutos de uma ideologia de planejamentofuncionalista, em que a participação sequer se faz presente.

Pode-se, portanto, afirmar que as transformaçõesocorridas no território, além da legislação de ordenação,retratam uma ocupação espacial que representa a mani-festação concreta de uma estrutura social vivenciada.

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São José dos Campos de 1980 a 1990, na Perspectiva deGottdiener

Cristiane Paiva *Dayana Nogueira*Hamilton Freitas*

Laura Peloso*Mário Moreira*

Resumo: No período de 1980 a 1990, o município de São José dos Campos apresentou um aumentopopulacional considerável, num contexto de recessão econômica, em função da reestruturaçãoeconômica promovida pela inserção tecnológica na produção industrial. Esta acelerada urbani-zação refletiu-se na organização do espaço urbano, que, na visão de Gottdiener, revela-se nainteração entre os agentes sociais na busca do lucro, que são beneficiados pela ação do Estado.

Palavras-chave: Expansão urbana, agentes sociais, Gottdiener.

Abstract: In the period from 1980 to 1990, São José dos Campos, a city in São Paulo State, presenteda considerable population increase in a scenario of economic crisis due to the economy reorganizationpromoted by technological development in industrial production. This accelerated urbanizationreflected in the urban space organization. According to Gottdiener, urban space reveals the interactionamong the social agents who search for profit and are benefited by the State’s action.

Key words: Urban increasing, social agents, Gottdiener.

* Mestrando(a) em Planejamento Urbano e Regional -PLUR, Univap, 2005.

1. INTRODUÇÃO

Gottdiener (1997) acrescenta o físico-territorial àstrês instâncias que Castells (1981) preconiza: a econômi-ca, a política-institucional e a ideológica, que se relacio-nam dialeticamente no tempo.

Segundo Gottdiener, a produção da cidade permi-te a reprodução do capital com a apropriação de maisvalia. Considera que há grupos de interesses diversosno jogo de poder que se articulam em rede para promovera acumulação capitalista na cidade e, assim, definirem asáreas nobres que receberão investimentos.

Neste sentido, o espaço molda a sociedade e estase refletirá no espaço. No espaço físico, se manifestará oconflito de classes dialeticamente à acumulação de capi-tal, em que a geração de riqueza se reproduzirá concomi-tantemente à de pobreza. No espaço urbano, apresen-tam-se dois circuitos de acumulação de capital: a produ-ção de bens duráveis e o setor imobiliário.

O objetivo deste trabalho é apresentar, na óticade Gottdiener, que descreve e explica o processo peloqual o espaço é produzido e é produtor: a evolução doprocesso de urbanização do município de São José dosCampos, nas décadas de 1980 a 1990.

2. O ESPAÇO SEGUNDO GOTTDIENER

Para Gottdiener (1997), o espaço é uma das instân-cias da sociedade onde ocorre a acumulação capitalista,que se realiza pela produção e produto do espaço enquan-to mercadoria. Ou seja, a produção da cidade permite areprodução do capital com a apropriação de mais valia.

Ele entende que o conflito de classes, assalariadoe capitalista, prerrogativa do marxismo, também se dáacerca do espaço, sendo o espaço almejado por todas asclasses, portanto, o conflito, além de econômico, é só-cio-espacial. Do mesmo modo que Marx interpreta o con-flito entre o capitalista e o assalariado, em que o que osdiferencia é a posse dos meios de produção, Gottdienerdiz que a terra também se torna um conflito, ao passo queexiste uma diferenciação entre quem a possui e quem nãopossui, além da sua localidade na cidade.

A produção do espaço, para o mesmo autor, éfruto da relação dialética entre as instâncias da socieda-

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de e o espaço. Da mesma maneira que a sociedade moldao espaço, o espaço influencia a sociedade, o que o dife-rencia de Castells que compreendia o espaço como umaestrutura onde ocorrem os conflitos e que o espaço é umreflexo do modo de reprodução do trabalho, ou seja, oespaço para Castells se dá numa relação causal; e paraGottdiener o espaço se dá numa relação dialética.

Este autor considera que há grupos de interessesdiversos no jogo de poder que se articulam em rede parapromover a acumulação capitalista na cidade e, assim,definirem as áreas nobres que receberão investimentos.Nesse sentido, o mercado imobiliário também é respon-sável pela direção que a elite toma na cidade.

O setor de produtividade rege o lucro imobiliáriono qual os diferentes investimentos possibilitam alucratividade do espaço urbano. A terra permite o lucro,aumentando a acumulação capitalista. O Estado, com suasações, alia-se à atuação dos agentes do setor de propri-edade privada (bancos, construtoras e imobiliárias) arti-culando-se em redes, para definir as formas espaciaisurbanas e, por fim, aumentar a acumulação capitalista doespaço urbano.

As instâncias da sociedade (que englobam os sis-temas econômicos, político, ideológico e espacial), os agen-tes em ação (imobiliárias, construtoras etc) em coalizãocom o Estado estruturam o espaço para Gottdiener. A ma-neira como o autor compreende o espaço urbano é maiscomplexa e pode ser percebida na realidade do urbano.

3. O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

Devido à sua localização estratégica, a região doVale do Paraíba apresenta um histórico de importâncianacional durante a economia cafeeira, cujo apogeu pos-sibilitou vultosos investimentos em infra-estrutura que,por conseguinte, desencadeou a gênese da industriali-zação nacional. A região tornou-se o locus do projetogeopolítico moderno durante o governo militar, que pos-sibilitou a construção de um complexo militar-industrialcom a implantação do Centro Técnico Aeroespacial(CTA), a ENGESA e a AVIBRÁS (BECKER; EGLER, 1994).

Localizado nesta região, o município de São Josédos Campos é considerado de porte médio, servido porimportantes rodovias, tais como Presidente Dutra, Car-valho Pinto, D. Pedro I e Tamoios.

Historicamente, a economia do município basea-va-se na cultura do algodão para atender às indústriastêxteis e, em seguida, pela cultura cafeeira que promoveuo crescimento econômico da região e do País, até 1930.

Neste período os investimentos do Estado em infra-es-trutura beneficiaram a região.

O município foi referência nacional como centrode tratamento de tuberculose de 1930 a 1950, preservadona arquitetura dos sanatórios, que resistem ao tempo e àdegradação, como Vicentina Aranha, Vila Samaritana,Maria Imaculada e Adhemar de Barros.

Embora a implantação das primeiras indústriastenha sido em 1920, favorecida pela concessão de incen-tivos fiscais municipais, a fase industrial se intensificana década de 1950, com a inauguração da Rodovia Presi-dente Dutra (1951). A instalação de grandes indústriaspassaria, então, a comandar o desenvolvimento da cida-de e o processo de urbanização.

O crescimento urbano pode ser verificado na Fig.1 com uma explosão demográfica a partir de 1960, quan-do se instalam na cidade as indústrias de grande porte einstituições de pesquisa.

Fig. 1 - Distribuição da população em São José dosCampos (1940-2000)

Fonte: SEADE.

Apesar da estagnação da economia no País nasdécadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve umaumento no número de indústrias em 107%. Nessa épo-ca, o processo industrial diversificou-se com a inovaçãotecnológica, com a produção de equipamentos eletrôni-cos, material fotográfico, produtos químicos, farmacêuti-cos, calçados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais.

O desenvolvimento econômico do município podeser observado na Fig. 2 que aponta um crescimento dovalor adicionado fiscal de 60,4% no período de 1993 a 2000.

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Fig. 2 - Valor adicionado fiscal total do município(1993-2001).

Fonte: SEADE.

A busca contínua de inovações e o avançotecnológico, associados com a globalização, resultam emterceirizações, que geram impacto nas indústrias da re-gião, especialmente em São José dos Campos.

Como resultado da implantação das novastecnologias no setor industrial, a força de trabalho temse deslocado para outros setores da economia (vide Ta-bela 1), bem como um contingente considerável tem mi-grado para a informalidade.

Tabela 1 - Distribuição percentual do pessoal ocupadopor setor

Fonte: PMSJC.

Este deslocamento da força de trabalho tem evi-denciado uma tendência de mudança no perfil sócio-eco-nômico dos trabalhadores no município.

Castells (1999) aponta para uma ‘era da informa-ção’, exigindo novas qualificações e até provocando maisredução de postos de trabalho.

Os indicadores sociais refletem esse momento. OÍndice de Gini (vide Tabela 2), que avalia a desigualdadee exclusão social - tendo o máximo igual a um -, mostrauma concentração de renda em poder da minoria.

Observa-se ainda o aumento da pobreza em 12,2%e chama a atenção o aumento de 26,3% do número decrianças em lares com renda inferior a meio salário míni-mo, o que evidencia a crise de moradia local.

Tabela 2 - Índices sócio-econômicos deSão José dos Campos

Fonte: SEADE – Pochmann e Amorim (2003) –Atlas Desenvolvimento Humano.

4. A POLÍTICA ECONÔMICA NO PERÍODO DE 1980A 1990

No contexto econômico internacional, durante ogoverno Ronald Reagan (1980–1988), consolidou-se apolítica econômica norte-americana baseada em taxa dejuros alta, déficits gigantescos na conta corrente e dimi-nuição de impostos. Os investimentos estrangeiros fi-nanciavam o déficit público em detrimento da diminuiçãodas exportações norte-americanas, e o controle na emis-são das moedas debelou a inflação da década anterior.Era a falência do modelo econômico keynesiano e a ado-ção do modelo neoliberal, que propunha uma menor in-tervenção do Estado na economia.

Para aumentar o lucro é necessário cortar custos,tanto no governo quanto nas empresas. Isso se traduziunuma redução do tamanho do Estado, que passou adesestatizar a economia, retirar barreiras alfandegárias,flexibilizar as leis trabalhistas, limitar seus gastos, entreoutros, atendendo aos interesses do grande capital.

Neste contexto de forte crise, a ideologia neoliberalfoi posta em prática pela hegemonia dos agentes deten-tores de poder, como o FMI (Fundo Monetário Internaci-onal) e o BIRD (Banco Internacional para a Reconstru-ção e Desenvolvimento), através das normas ditadas combase no Consenso de Washington (1989), para os paísesreformar suas economias.

O Brasil chega ao fim da década de 1970 como aoitava economia mundial, com um setor industrial forte ebastante diversificado. Esse quadro se constituiu devi-

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do aos investimentos do governo em infra-estrutura comfinanciamento externo.

A partir de 1980, o País se depara com a crise, de-corrente do aumento no preço do petróleo e, por conse-guinte, da elevação das taxas de juros que acarretaram naampliação da dívida externa (herança do governo militar).

A década de 1980 é marcada pela exorbitante taxade inflação anual de 1.783% (ARAÚJO, 2000) e pela cres-cente emissão de títulos da dívida imobiliária, que aque-ceram o mercado imobiliário e a construção civil.

A próxima década é determinada por estratégiasgovernamentais de abertura comercial e financeira, compolíticas como a redução dos impostos de importação. OPlano Real surge objetivando controlar a inflação ou oaumento nos preços dos produtos internos, e assim con-quista a opinião popular. Entretanto, o presidente FernandoHenrique Cardoso (1994-2002) adota políticas de estímuloà importação gerando déficit externo; com base na idéia deabertura econômica do País em face da internacionalizaçãodo capital. Para amenizar esse déficit externo, o governoprivatizou os ativos públicos e para atrair capital de curtoprazo, as taxas de juros são elevadas.

O País começa a sofrer as conseqüências dessaspolíticas, enfrentando a recessão, observada no aumen-to considerável do desemprego que já se verificava nadécada anterior. Uma das estratégias do governo FHCfoi o incentivo à entrada de empresas brasileiras no mer-cado mundial, a desregulamentação financeira e ainternacionalização do sistema bancário.

5. IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO EM SÃO JOSÉDOS CAMPOS

Em um cenário geopolítico marcado pelo final da2ª Guerra Mundial e pelo início da Guerra fria, o municí-pio de São José dos Campos passou a sediar o CentroTécnico Aeronáutico (1951), evidenciado na propostamilitar de promover o Estado nacional em potência regio-nal com o domínio da tecnologia de ponta. Tornava-seevidente o interesse do Estado de obter domíniotecnológico de ponta. Planejado para ser um instituto deformação especializada, tornou-se o embrião para aindustria aeronáutica, bélica e aeroespacial. Em 1961, foicriada a Avibrás, referência da nascente industria bélicae aeronáutica, e o GOCNAE, que deu origem ao INPE(Instituto de Pesquisas Espaciais). A década de 1970 foimarcada pelo forte crescimento das industrias de defesaque se instalaram na cidade (Embraer, Engesa e Avibrás),fornecendo material bélico e aeronaves de uso militarpara o Oriente Médio. Destaca-se a Embraer, EmpresaBrasileira de Aeronáutica (1969) e constituída como em-presa estatal de capital misto, privatizada em 1994.

Mesmo no período recessivo do início dos anos80, a cidade continuava a crescer com base no capitalindustrial. Isso decorreu dos investimentos estatais e damoderna tecnologia das unidades fabris, beneficiadaspelas políticas de fomento à exportação.

No final dos anos 80 e início dos 90, a indústriabrasileira entra definitivamente no ajuste global do mode-lo neoliberal, com bruscos cortes nos investimentos esta-tais e ajustamento tecnológico no setor privado. Com odesmantelamento da indústria bélica e a falência de outrasindústrias, ocorre um aumento no desemprego na região.

O município se ressente com o grande volume dedesemprego, necessitando de execução de políticas pú-blicas ou privadas que redirecionem o perfil de ocupa-ção. Proliferam-se micro e pequenas empresas e percebe-se um aumento substancial da ocupação no setor de co-mércio e serviços. Esse fenômeno dividiu a produção domunicípio ainda mais, pois não se verifica aumento defaturamento nestes setores.

Uma medida adotada nesse período foi a lei com-plementar nº 001 de 1990, que dispõe sobre a instalaçãode atividades econômicas de pequeno porte e de âmbitodoméstico em edificações residenciais. No entanto, deve-se obedecer alguns requisitos, entre os quais: as ativida-des devem ser desenvolvidas em residências isoladasou agrupadas horizontalmente; não perturbar o sossegopúblico, obedecendo à legislação vigente quanto ao vo-lume de ruídos, odores, e outros.

A Fig. 3 ilustra a evolução das indústrias no muni-cípio, mostrando um crescimento acelerado a partir da dé-cada de 60. Apesar da estagnação da economia no País,nas décadas de 1980 e 1990, São José dos Campos teve umaumento no número de indústrias em 107%. Nessa épocao processo industrial diversificou-se, com a inovaçãotecnológica, produção de equipamentos eletrônicos, ma-terial fotográfico, produtos químicos, farmacêuticos, cal-çados, combustíveis, aviões e foguetes espaciais.

Fig. 3 - Evolução da quantidade de indústrias emSão José dos Campos - SP

Fonte: PMSJC.

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A industrialização no município continuou fomen-tando a economia joseense em função da inserção datecnologia que diversificou a produção industrial, numperíodo de estagnação econômica no País.

Entre as décadas de 1980 e 1990, alternaram-se nopoder executivo oito prefeitos com ideologia partidáriade postura conservadora. Contudo, esse quadro foi rom-pido com a eleição para prefeita de Ângela Guadagnin(1993 – 1996), com viés progressista, do Partido dos Tra-balhadores. Sua gestão participativa pode ser verificada,por exemplo, nos programas sociais e na aprovação deloteamentos destinados à classe de baixa renda e na con-secução do Plano Diretor de Desenvolvimento Integra-do (PPDI) em 1994.

No entanto, na gestão seguinte, com o prefeitoEmanuel Fernandes (1997 – 2004) do partido PSDB, em-bora tenha dado continuidade às obras da gestão anteri-or, constata-se em sua administração alterações na lei deuso e ocupação do solo.

5.1 A Legislação no Espaço Urbano

A lei de zoneamento, como instrumento de orde-nação, adota a subdivisão do território em zonas de usoe regula o parcelamento, o uso e a ocupação, visando aorganização do espaço para diferentes atividades urba-nas e orientação do desenvolvimento urbano, propician-do a distribuição equilibrada da população, das ativida-des econômicas e dos equipamentos no território domunicípio, entre outros. Portanto, é um instrumento que,teoricamente, teria o atributo de organização do espaçourbano, mas que na sua origem trata-se de um instrumen-to ideológico que atende a interesses econômicos.

No município, a lei de zoneamento foi sendo alte-rada com o decorrer do tempo: leis de zoneamento de nos

1.606/71, 2.263/80 e 3.721/90.

Em São José dos Campos, a lei de zoneamento éum instrumento que contemplou em alguns momentosora interesses mercantis, ora do capital industrial, finan-ceiro, da classe média e elite, criando áreas individualiza-das e segregadas. Tais leis foram alteradas e áreas antesindustriais se tornaram de uso residencial, ou vice-versa,de acordo com os interesses dos diversos grupos deten-tores de poder. Os exemplos desse modelo podem serilustrados com a transferência, em 1982, da Ericsson S.A.,da Avenida Deputado Benedito Matarazzo para o distri-to de Eugênio de Melo. Em seu lugar, em 1986, instalou-se o Center Vale Shopping. Outro exemplo é a instalaçãodo Vale Desconto Shopping (atual Vale Sul Shopping),em 1994, nas antigas instalações da São Paulo Alpargatas.

Vale ressaltar que na elaboração da legislação de

uso e ocupação do solo, não houve efetiva participaçãopopular, mas de alguns segmentos organizados da soci-edade civil, como a ACONVAP (Associação de Constru-toras do Vale do Paraíba e Litoral Norte), em função deseus interesses imobiliários em determinadas regiões.

5.2 O Espaço Urbano e a Ideologia

A ideologia da elite, juntamente com o mercadoimobiliário, rege a expansão da cidade, entendendo porideologia as ações tomadas pela elite e que são coloca-das e vistas como ações benéficas para toda a popula-ção, como, por exemplo, a percepção de cidade comoapenas uma parcela do município onde são realizadas asmelhorias em infra-estrutura e planejamento urbano, pre-ferencialmente onde estão as classes dominantes.

Conforme Gottdiener, o espaço é um gerador deriqueza direto, portanto o conflito, além de social, tam-bém é espacial. A elite também luta pelo espaço, e, nocaso da cidade de São José dos Campos, esta se concen-trou no setor oeste da cidade. Sendo assim, os investi-mentos em infra-estrutura, de comércio e de serviços tam-bém são deslocados com fim de atender essa demandaque comanda juntamente com o setor imobiliário e o po-der público o crescimento do município.

Observa-se que o Estado sofre influências da clas-se dominante, através das alterações na legislação urba-nística, pois “existe uma forte relação das Leis deZoneamento com o deslocamento da classe de alta rendadesde o início do século na cidade de São José dos Cam-pos (...) O que se observa em São José dos Campos é esempre será a colocação aos interesses e soluções espe-cíficos da elite local” (FERNANDES, 2002). Prova dessaafirmação são as obras de embelezamento e de acessibi-lidade nas áreas de concentração da elite.

O mercado imobiliário, conforme Gottdiener, tam-bém é responsável pela direção que a elite toma nas cida-des, como a expansão para a zona oeste em São José dosCampos onde um dos fatores estimuladores foi a doaçãodo terreno da Univap (Universidade do Vale do Paraíba)que influenciou a implantação de infra-estrutura na re-gião e possibilitou uma melhor acessibilidade. Um dosaspectos da escolha da melhor localização na cidade é odeslocamento para áreas de importância na cidade.

5.3 Os Agentes Sociais e a Questão Habitacional

De acordo com o PDDI - Plano Diretor de Desenvol-vimento Integrado (1994), e as pesquisas até então, comrelação às diversas situações de moradia, deve-se destacaraquelas situadas na periferia da área urbana, localizadas naregião mais central e na área rural, que não tem direito àcidade com as benfeitorias na área ocupada pela classe média

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e elite. Tratando-se de assentamentos habitacionais precá-rios, sem regularização urbanística e/ou fundiária, excluídosdo processo de urbanização da cidade, incluem-se aí osloteamentos irregulares, as favelas, os cortiços e outros,que fazem parte da cidade real (incluindo o informal) emcontraposição à cidade legal (formal).

“O direito à cidade não pode ser concebido comoum simples direito de visita ou de retorno às cidadestradicionais. Só pode ser formulado como direito à vidaurbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2001).

A implementação de uma política habitacional quepossibilite o acesso democrático à cidade deve ser asso-ciada à política de desenvolvimento urbano abrangentee, para tanto, faz-se necessário trabalhar com a cidadereal e não só com a cidade legal.

Percebe-se que nos programas habitacionais faltauma melhor articulação entre a política urbana e a políticahabitacional, o que vem a agravar cada vez mais o problemada falta de habitação, que, de acordo com o IBGE - Censo2000, chega a mais de seis milhões de moradias no Brasil.

A falta da participação de toda a sociedade empriorizar as ações e planos do governo retrata a crisehabitacional que vive nosso País, com o aumento de fa-velas, lotes clandestinos, cortiços e muitos vivendo defavor nas casas de seus familiares ou amigos.

Na elaboração de uma nova política habitacionalmunicipal era fundamental que esta avançasse em rela-ção aos padrões impostos pelo BNH e posteriormentepela CEF e outros órgãos, que não consideraram os as-pectos sócio-culturais na proposição de programashabitacionais, além da gestão centralizada emanada deBrasília e operacionalizada pelas COHABs e secretariasestaduais e órgãos municipais de habitação.

Ainda não há uma articulação entre política urba-na e política habitacional, que se reforça pela ausênciade canais para a participação popular na gestão dos re-cursos e da política habitacional. A elite está sempreoperante e atenta para sufocar decisões que venhambuscar a justiça social e a inclusão das classes menosfavorecidas com o intuito de manter a ordem econômica,política e espacial que lhe interessa no município. Paraque se reverta a situação atual com relação às políticashabitacionais, é importante que esta seja concebida den-tro da realidade local com toda a participação popular,garantindo empreendimentos onde se encontram as clas-ses de baixa renda.

Na década de 80, a política habitacional conti-nuou focando a classe média e alta. As obras do em-preendimento do bairro Urbanova aconteceram nesta épo-

ca, na região oeste da cidade, que deveria abrigar unida-des residenciais distribuídas para todas as faixas econô-micas. Entretanto, este empreendimento converteu-se emloteamentos privilegiados, sendo favorecido com a infra-estrutura básica. Para fortalecer este interesse, foi doadauma gleba para que fosse instalado na região oeste a Uni-versidade do Vale do Paraíba, como foi dito anteriormente,consolidando o setor de crescimento da área nobre, visa-da por interesses especulativos e pela elite dominante.

Ainda na década de 80, houve uma explosão deloteamentos na região sul, norte e leste do município, cadavez mais distantes da parcela da cidade, considerada central(ocupada pela elite), criando um grande número de vaziosna malha urbana, objetivando a especulação imobiliária.

Nesta época, a lei 2263/80 empliou o perímetrourbano, restringindo a instalação de grandes indústriase o parcelamento do solo, mantendo a exigência a cargodo empreendedor de toda a infra-estrutura, o que onerouo custo final dos lotes urbanizados. Assim, limitou-sedrasticamente a oferta de lotes populares no mercado.

Em 1981, tentou-se amenizar o problema do déficithabitacional com legislação, dispondo sobre a criaçãode loteamentos especiais, diminuindo os encargos deinfra-estrutura e vinculando a aprovação dessesloteamentos à garantia de que fossem vendidos exclusi-vamente à população de renda de até três salários míni-mos. A indústria da construção civil e os demais agentesimobiliários não tiveram interesse nesse projeto, man-tendo a situação habitacional precária.

Nesta época surgiram vários loteamentos na zonarural, próximos ao perímetro urbano e sem qualquer infra-estrutura, que eram denominados de chácaras de recreio,com lotes de 1000 a 2000 m2, e que foram subdivididos parafins residenciais urbanos, e que se transformaram em lotesclandestinos, ocupados por população de baixa renda.

Por outro lado, verifica-se a grande influência dosagentes imobiliários e das grandes construtoras, pois, emmenos de um mês após a aprovação da lei que proibia averticalização no Bairro Vila Ema, é promulgada a lei nº3096 de 1986 que incentiva “a construção de edifícios naZE-9, região próxima ao Ribeirão Vidoca” (SOUZA, 2000),próxima ao bairro Vila Ema. Esta lei dispensava para a ZE-9 as exigências mínimas de alturas máximas de 35 metros,anteriormente fixada pela lei nº 2490/81, estipulando no-vos coeficientes para a referida zona: 4 para edificaçõesdestinadas ao uso residencial e 3 para a de uso comercial.Com isso, esta lei promoveu a atração de construtoras demaior porte para o município, com capacidade e tecnologiapara construção de edifícios de alto padrão.

Na década de 90, cresce o número de loteamentos

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para a classe média preferencialmente localizados na re-gião oeste. Os possíveis loteamentos para a classe dealta renda na região sul, Quinta das Flores, que estavamsendo oferecidos, foram desprezados e o mercado imobi-liário tomou a direção da zona oeste como vetor de em-preendimentos, que era o interesse da sociedade de elite.

5.4 A Questão dos Loteamentos em São José dos Campos

Na década de 80 ressalta-se a quantidade deloteamentos aprovados com 25.567 lotes totalizando 15milhões de metros quadrados, colocados à venda em to-das as regiões de São José dos Campos. Nesta década,chama a atenção a aplicação em investimentos no setorimobiliário, num período de recessão na economia comreflexos no setor primário de produção.

A Tabela 3 mostra a quantidade de loteamentos,por região, e o Mapa 1, a expansão urbana, ambos paraas décadas de 80 a 90, em São José dos Campos.

Na década de 90 foram aprovados 33 loteamentosdistribuídos em 9 para a classe social A, 2 para a B, 22para a C e nenhum para a classe D, mesmo sendo estetipo de loteamento previsto nas leis de zoneamento domunicípio (Nº 3721/90 e LC 165/97).

Os loteamentos aprovados para a classe social C,destinados à população de baixa renda, aconteceram noperíodo de 1995 e 1996, época do governo social deÂngela Guadagnin. Por outro lado, o maior número delotes aprovados na década de 90 foram para a classe dealta renda, correspondendo a 53,3% da quantidade total.

Este fenômeno pode ser entendido pela aborda-gem de Gottdiener (1997) ao tratar do espaço e da acumu-lação de capital, registrando que “em tempos difíceis [...]o bem imóvel tende a atrair investimentos mesmo nasépocas em que as atividades de produção primária não oatraem”. O autor aponta o papel do mercado imobiliáriono processo de acumulação de capital, na forma de in-vestimento. Acrescenta que há várias formas de investirna terra, “e exatamente qualquer um que disponha deuma reserva de dinheiro, independentemente da posiçãode classe, pode participar do mercado imobiliário. Istonão quer dizer, porém, que todos aqueles que investemna terra obtenham lucro” (GOTTDIENER, 1997).

Tabela 3 - Loteamentos aprovados por região -(1980 a 1990)

Fonte: Secretaria de Planejamento e Meio Ambienteda Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

Mapa 1 - Expansão Urbana de São José dos Campos - SP - (1980 - 1990)

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A classe de alta renda ou elite, conforme assinalaFernandes (2002), definiu a direção para a zona oeste,que vai sendo influenciada pelos agentes do mercadoimobiliário, com o apoio do poder público através dosinvestimentos em benfeitorias e na construção de impor-tantes eixos viários, como o Anel Viário.

Conclui-se que, de acordo com as propostas deGottdiener, existe uma forte interação e dependência en-tre as instâncias política, econômica, ideológica e físico-territorial (espacial) na construção do espaço intra-urba-no e no entendimento da sua dinâmica. No caso de SãoJosé dos Campos, esse quadro foi claramente constata-do através do mapa da expansão urbana para o períodoestudado. Verificou-se que, na década de 80, foram pre-enchidos vazios nas zonas leste, sul e norte, onde a por-centagem média de expansão urbana foi de 29,2%, en-quanto que na zona oeste houve um menor crescimentodas glebas aprovadas para loteamento de 12,4%. Já nadécada de 90, verificou-se um crescimento periférico nomunicípio e direções opostas, destacando-se a zona les-te (bairros com pouca infra-estrutura) destinada às clas-ses sociais menos favorecidas, e a zona oeste, (bairroscom considerável infra-estrutura), destinada às classesdominantes.

Constata-se, desse modo, a ação dos empreende-dores, da elite e do Estado, com vistas em manter a domi-nação espacial de equipamentos e a valorização imobiliá-ria. A concentração de bairros residenciais de alta renda,em setores específicos da malha urbana, tende a atrair con-sigo o comércio e serviços principais que venham a aten-der a esta população. Esta situação contribui para o pro-cesso de especulação imobiliária, uma vez que promoveuma supervalorização da área, que passa a contar comuma proximidade e facilidade de acesso a serviços e co-mércio de grande porte. O próprio poder público contribuicom o processo de segregação nas cidades, ao concentraros investimentos em infra-estrutura nas áreas habitadaspela população de mais alta renda e ao transferir muitos deseus prédios administrativos para estas regiões.

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Estudo da Pobreza no Vale do Paraíba

Domiciano Marcos de Magalhães *Friedhilde M. K. Manolescu **

Resumo: O estudo da pobreza no Vale do Paraíba procurou demonstrar a situação de cada municípioperante a região. Para cumprir o objetivo de analisar a situação de pobreza na região, houve a neces-sidade de considerar a questão histórica da economia tanto nacional, como regional. Os momentoseconômicos nacionais no período entre 1970 e 2000 tiveram grande influência sobre a incidência depobreza nos municípios. A pobreza na região vista através da renda, bem como pelas necessidadesbásicas insatisfeitas, denota a correlação entre o modelo de desenvolvimento econômico e situação depobreza. Com a finalidade de demonstrar a pobreza permitindo a distinção entre os municípios queapresentam melhores ou piores situações, foi realizado um mapeamento onde foram utilizados indicado-res de renda das pessoas e também das condições de atendimento pelos governos locais, das necessida-des básicas de sobrevivência. Ao buscar uma explicação para as causas da pobreza, entram na discus-são as teses individualista e estruturalista que divergem entre o livre mercado e a intervenção governa-mental. Quanto à forma de atuação das políticas voltadas para a proteção social, procurou-se chegara um denominador comum entre focalização e universalização, analisando também a história do sistemade proteção social nacional. A situação de pobreza na região obteve uma sensível melhora nas trêsúltimas décadas, no entanto ainda sofre com o modelo de desenvolvimento econômico concentradorque, além de causar o entrave no desenvolvimento dos municípios menores, mantém os problemasrelativos à grande aglomeração nos municípios mais desenvolvidos. Tal fato denota, não apenas apobreza relativa no confronto entre os municípios, traduzida no desequilíbrio regional, mas também aface urbana da pobreza vista através da pobreza absoluta, resultado da desigualdade social.

Palavras-chave: Pobreza, desenvolvimento econômico regional, proteção social.

Abstract: The poverty study in the Paraíba Valley looked for demonstrating each municipalitysituation within the region. To accomplish the objective of this analysis, it was needed to consideratethe economy history either national or regional. The economic national moments in the period from1970 to 2000 had great influence over the municipalities’ poverty incidence. The poverty in theregion seen through the income as well as the non-satisfied basic necessities demonstrates thecorrelation between economic development model and poverty situation. Aiming to demonstratethe poverty allowing the distinction between the municipalities that present better or worse indexes,a mapping was elaborated using people income indicators and also over the performance of localgovernments’ attendance to basic needs for survival. In searching for an explanation to povertycauses it is brought up the individual and structural thesis that diverges between the free marketand the governmental intervention. In relation to the way the social protection politics are performed,it was tried to achieve a common denominator between focalization and universalization, alsoanalyzing the history of the national social protection system. The regional poverty situation got asensible improvement in the last three decades, nevertheless it still suffers with the concentratingeconomic development model that besides avoiding the development to minor municipalities itkeeps the problems related to great agglomeration in the more developed cities. This not onlydenotes the relative poverty in confrontation among municipalities, revealed in regional socialunbalance, but also the poverty urban face seen through the absolute poverty resulted from theunequal social aspect.

Key words: Poverty, regional economic development, social protection.

* Mestrando em Planejamento Urbano e Regional -PLUR, Univap, 2005.

** Professora da Univap.

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1. INTRODUÇÃO

A pobreza é um problema que requer discussõese ações para sua erradicação em âmbito global, nacional,regional e local. Com o intuito de tentar ao menos minimizara situação de pobreza de pessoas que estejam envolvi-das com os diversos tipos de carências, torna-se necessá-rio, num primeiro momento, a identificação dos fatores queinfluenciam direta ou indiretamente a vida dessas pessoase que podem ser considerados causas da pobreza.

A desigualdade social no Brasil é um fato ampla-mente divulgado, porém, também é fato sua perpetuaçãocomo resultado do modelo de desenvolvimento econô-mico. O desenvolvimento sustentado é o que procuraconciliar o econômico com o social, porém, o que se ob-serva, é que no Brasil, apesar de ser inegável o desenvol-vimento alcançado também na área social, este ficou muitoaquém do que poderia representar, não fossem a desi-gualdade de renda e os desequilíbrios regionais.

O estudo da pobreza na região do Vale do Paraíbaprocura demonstrar, além da desigualdade existente en-tre os municípios, a situação de pobreza absoluta queatinge tanto os municípios mais desenvolvidos, como osmais pobres.

A pobreza vista como a incapacidade de o indiví-duo usufruir direitos básicos ou minimamente necessá-rios, pode refletir quão injusta é a sociedade, ao conside-rar os recursos existentes e os acessos tanto a bens deextrema necessidade como a possibilidade de participa-ção política na sociedade.

O estado de pobreza condensa diversos proble-mas os quais denotam a condição de exclusão social daspessoas. O pobre mora na periferia, tem dificuldades deatendimento a necessidades básicas, tais comonutricionais, saúde, educação, transporte; além de serdifícil o seu acesso à participação social, seja através dolazer ou das decisões da Comunidade.

A evolução da pobreza no Vale do Paraíba nasúltimas três décadas demonstra a melhora nos índices depobreza de renda para todos os municípios, porém a quan-tidade de pobres ainda é grande. Este estudo, além demapear a pobreza, procurou analisar o que pode ser feitoem termos de políticas públicas para a minimização doproblema.

A descrição das formas de intervenção (progra-mas e projetos) e tipos de políticas demonstrou a estru-tura do Sistema de Proteção Social brasileiro; e as dis-cussões sobre os tipos de políticas questionam a capaci-dade de o governo erradicar a pobreza.

2. ESTUDO DA POBREZA

Segundo Romão (in Camargo e Giambiagi, 2000),há dois critérios para identificar a pobreza; um de caráterobjetivo e o outro de caráter subjetivo. Os critérios obje-tivos baseiam-se em certos aspectos relacionados com asituação do indivíduo tais como a renda, situaçãoocupacional, condições de habitação e saneamento. Jáos critérios subjetivos dizem respeito a opiniões ou sen-timentos das pessoas.

O critério objetivo envolve duas variantesoperacionais importantes: a que enfoca a pobreza do pon-to de vista relativo e a que considera apenas do ânguloabsoluto. Sob o prisma relativo a pobreza é enfatizada nacomparação situacional do indivíduo em termos da posi-ção que ocupa na sociedade em relação a seus “semelhan-tes”. Os pobres são os que se situam na camada inferiorda distribuição de renda em comparação com os membrosmais bem aquinhoados da sociedade nessa distribuição.O conceito absoluto implica o estabelecimento de pa-drões mínimos de necessidades, ou níveis de subsistên-cia, abaixo dos quais as pessoas são consideradas po-bres. Esse padrão de vida mínimo (em termos de requisi-tos nutricionais, moradia, vestuário etc.) em geral é ava-liado a preços de mercado e a renda necessária paracusteá-lo é calculada. São consideradas pobres as pes-soas que têm rendimentos abaixo de uma linha de pobre-za previamente determinada.

2.1 Mensuração da Pobreza

Medir o nível de pobreza de uma dada sociedadeenvolve dois passos básicos: A definição de quem é con-siderado pobre e a escolha dos indicadores sintéticosque irão descrever a situação de pobreza.

A situação da pobreza pode ser sintetizada atra-vés de indicadores que a demonstrem por meio das con-dições de atendimento a necessidades básicas ou da ren-da. Do ponto de vista da renda, determinam-se as linhasde pobreza através da definição de cestas de consumoou de acordo com a proporção do salário mínimo. Já asnecessidades básicas podem ser sintetizadas em indica-dores que avaliem as condições de habitação, sanea-mento básico, saúde, educação etc.

Quando se deseja medir a pobreza em populaçõesinteiras, o enfoque mais adequado é o dos rendimentosdas pessoas, e o método é a construção de linhas depobreza, fronteiras classificatórias que separam os po-bres dos não pobres (HOFFMANN, 1998). Para medir apobreza sob o enfoque dos rendimentos, temos a linhade indigência calculada conforme o custo das necessi-dades alimentares e a linha de pobreza definida de acor-do com o custo das necessidades básicas.

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A linha de indigência corresponde à estrutura decustos de uma cesta alimentar, definida regionalmente,que cubra as necessidades de consumo calórico mínimode um indivíduo.

A linha de pobreza, além das necessidades de con-sumo calórico mínimo, inclui um mínimo de outros gas-tos essenciais, como vestuário, habitação e transportes.

O método de definir a linha de indigência/pobrezapela estrutura de consumo surgiu como uma alternativaà utilização da proporção do salário mínimo. Basicamen-te, trata-se de definir uma cesta básica de alimentos, deacordo com a estrutura de consumo e preços regionais.Definindo-se o custo desta cesta, considera-se indigen-te a população cuja renda familiar per capita não alcanceo valor desta cesta alimentar; e como pobres, as pessoasque não atingem a renda necessária para adquirir a cestade alimentos mais os bens não alimentares básicos (mo-radia, transporte etc).

3. ANÁLISE DA POBREZA NO VALE DO PARAÍBA

O estudo da pobreza na região se torna importan-

te e útil a fim de colaborar com o delineamento de políti-cas públicas que visem à diminuição da desigualdaderegional e também à minimização da condição de pobrezadas pessoas. Por isso torna-se necessário situar, no tem-po, a evolução da pobreza na região, bem como verificaras atuais condições para que cada município atue nadireção de sua erradicação.

3.1 Caracterização da Área de Estudo

O Vale do Paraíba, para fins do estudo da pobreza,engloba todos os municípios da Região Administrativade São José dos Campos (Quadro 1 e Mapa 1 - anexo).Fazem parte da região, trinta e nove municípios, distribu-ídos no Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e regiãolitorânea.

O Vale do Paraíba liga as metrópoles de São Pauloe do Rio de Janeiro através de trinta e dois municípiosque se agrupam em torno do Rio Paraíba do Sul. O Valeé cercado pela Serra da Mantiqueira, ao norte, e pelaSerra do Mar, ao sul. Na Serra da Mantiqueira, a Regiãopossui três municípios e na Serra do Mar e região litorâ-nea outros quatro municípios.

Quadro 1 – Composição da Região Administrativa de São José dos Campos

Fonte: SEADE, 2002.

3.2 Mapeamento da Pobreza no Vale do Paraíba

Com a finalidade de demonstrar a evolução dapobreza na região, no período de 1970 a 2000, foi feito omapeamento dos índices de pobreza, através de um Sis-tema de Informações Geográficas. O sistema utilizado(SPRING), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (INPE), funcionou como uma ferramen-ta de produção de mapas.

Os mapas gerados têm como objetivo a espaciali-zação das informações, considerando todos os municí-pios da região de modo a classificá-los de acordo com aapresentação dos melhores ou piores índices de pobrezae ainda permitir, através do efeito visual, a localizaçãodos municípios perante a região, ou seja, onde estão lo-

calizados os municípios mais ou menos pobres.

Primeiramente foi mapeada a incidência da pobre-za, que consiste no percentual de pobres existente emcada município. Foram consideradas pobres as pessoascuja renda era inferior a meio salário mínimo.

Os mapas de incidência da pobreza para os anosde 1970, 1980, 1991 e 2000 demonstram a evolução dopercentual de pobres nos municípios nas três últimas dé-cadas; para tanto classificam os municípios em seis faixasde abrangência de acordo com o percentual de pobresrelativo à população total: municípios que apresentarampercentual de pobres até 20%, de 20% a 25%, de 25% a30%, de 30% a 35%, de 35% a 45% e acima de 45% (videMapas 2 a 5, anexos).

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A classificação nestas faixas, juntamente com acomparação consecutiva dos mapas, permite a observa-ção da evolução da pobreza desde 1970 a 2000. Utiliza-das as mesmas faixas de abrangência para os quatro ma-pas, pode-se visualizar o deslocamento (troca de faixa)ou estabilidade de cada um dos municípios quanto àmelhora ou piora em termos de pobreza de renda.

A visualização através destas faixas permite ain-da a contextualização dos municípios da região de formaa notar a homogeneidade ou não da situação de pobrezadentro da mesma região de governo ou por áreas de loca-lização geográfica, considerando a classificação pelopercentual de pobres e observando qual município selocaliza entre os que comportam os maiores ou menoresindicadores de pobreza.

Após o mapeamento da incidência da pobreza atra-vés dos percentuais de pessoas com renda insuficiente,foram elaborados os mapas relativos à situação na re-gião, das condições de renda dos pobres perante a Linhade Pobreza, medida através dos índices de insuficiênciamédia de renda e também a desigualdade de renda entreos pobres, através do grau de desigualdade na popula-ção com renda insuficiente.

3.2.1 Medida da Pobreza através do Percentual dePessoas com Renda Insuficiente (1970, 1980, 1991 e 2000)

A pobreza na região para o ano de 1970 refleteuma situação homogênea em termos dos percentuais depobreza se considerados seus altos índices, porém, jádestacava os municípios de São José dos Campos,Jacareí, Taubaté, São Sebastião, Cruzeiro e Guaratinguetácom a menor incidência de pobreza. Esta menor incidên-cia de pobreza, apresentada para os municípios em ques-tão, confirma a influência do desenvolvimento econômi-co para a minimização das situações de carência da po-pulação em geral.

Apesar de a pobreza não ter uma justificativa acei-tável, em 1970, a situação que se pode visualizar na regiãoreflete a situação nacional em que o percentual de pobresnas regiões metropolitanas era de 65,3%, nas regiões ur-banas não metropolitanas 65,3% e nas regiões rurais 78,6%.Ainda não havia sido consolidado o sistema de políticassociais nacional de modo que o acesso à proteção socialera permitido apenas aos trabalhadores formais de algu-mas categorias específicas e quem tinha a sorte de partici-par de projetos assistencialistas da Legião Brasileira deAssistência (LBA), cuja função era a proteção à materni-dade e à infância, o amparo aos velhos e desvalidos.

Em 1970, das cidades do Vale do Paraíba (mapa 2),apenas Jacareí e São José dos Campos apresentavampercentuais de pobreza abaixo de 50% do total de suas

populações, sendo que contavam com 43,24% e 42,44%de pobres, respectivamente.

Em 1980 (Mapa 3), houve uma considerável melho-ra na qualidade de vida da população, com a diminuiçãodos níveis de pobreza da região, sendo que apenas osmunicípios de Areias, Cunha, Lagoinha, Natividade daSerra, Monteiro Lobato e Silveiras apresentarampercentuais de pobreza da população maiores que 50%.Os municípios de Bananal, Igaratá, Lavrinhas, Queluz,Santo Antônio do Pinhal, São Bento do Sapucaí, São Josédo Barreiro e São Luiz do Paraitinga apresentaram umamédia em torno de 48% de pobres; o restante dos municí-pios, ao apresentarem uma média de 24% de pobres emsua população, obtiveram um grande avanço em relação a1970 quando todos os municípios apresentavam em média70% de pobres.

O desenvolvimento econômico nacional (de 1970para 1980) favoreceu a todos os municípios da região notocante ao impacto sobre os índices de pobreza. Houveuma queda média no percentual de pessoas abaixo dalinha de pobreza nos municípios da região de estudo, detrinta e nove pontos percentuais (39%), sendo que, entreos mais desenvolvidos, a queda (média) foi de sessentae oito por cento (68%). O chamado período do milagrebrasileiro (década de 70), em que o produto interno bruto(PIB) cresceu numa média de 8,6% ao ano, permitiu aqueda nos indicadores de pobreza, sendo que foi obser-vado o aumento da renda para todas as classes de rendi-mento (ROCHA, 2003).

Mesmo considerando que os indicadores de inci-dência da pobreza diminuíram para todos os municípios,vale lembrar que para os mais desenvolvidos esta quedafoi maior.

Ao observar que os municípios mais desenvolvi-dos foram os que mais se beneficiaram da redução dapobreza na década, pode-se considerar que houve au-mento da desigualdade na região tendo em vista que ofenômeno de desconcentração da indústria não chegouaté os municípios menores de modo a reduzir a participa-ção dos pobres na população total.

No ano de 1991 (Mapa 4), os seguintes municípi-os apresentam percentual de pobres acima de 50 % dapopulação: Areias (72%), Bananal, Cunha e Silveiras(64%), Lagoinha (65%), Lavrinhas (54%), Natividade daSerra (60%), Queluz, Redenção da Serra (53%), São Josédo Barreiro (57%). Vale destacar que, exceto São Bentodo Sapucaí, Santo Antônio do Pinhal, Campos do Jordão,Igaratá e Tremembé, todos os outros municípios da re-gião tiveram aumento do nível de pobreza em 1991, refe-rente à década anterior. Para este ano, o mapa apresentauma disposição com certa homogeneidade, destacando

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bem municípios localizados ao longo da rodovia Presi-dente Dutra, com menores percentuais de pobreza, muni-cípios do Litoral Norte (com São Sebastião apresentan-do menor índice) e municípios do Vale Histórico e Serrado Mar com os maiores índices.

O impacto da estagnação econômica nacional (de1980 para 1991) foi maior nos municípios mais desenvol-vidos – sedes das regiões de governo mais Jacareí e SãoSebastião –, pois neles observou-se aumento médio daincidência da pobreza da ordem de 45% (com maior au-mento para Taubaté + 71,02%, seguida de Jacareí, +62,85%, e São José dos Campos, + 54,50%). Já nos muni-cípios menos desenvolvidos, a incidência pôde ser ob-servada através do aumento médio deste índice de po-breza em torno de 14,62% (com menor aumento paraMonteiro Lobato, + 0,14%, e maior para Areias, + 37%).

Seguindo a tendência nacional, é justificável en-tão o fato de as economias mais industrializadas sofre-rem maior impacto referente à estagnação econômica, ten-do em vista a maior complexidade de suas estruturas ur-banas, provocadas principalmente pela grande aglome-ração de pessoas alavancada pelas maiores oportunida-des de emprego e condições de vida.

Em 2000 (Mapa 5), a média geral da pobreza nosmunicípios da Região Administrativa de São José dosCampos foi de 29% (percentual de pobres). Das novecidades que apresentaram percentuais abaixo de 20% depobres, destacam-se Campos do Jordão, Ilhabela eGuaratinguetá, que, inclusive, demonstraram melhoramais significativa em relação ao ano de 1980. Vale lem-brar que os municípios de Campos do Jordão(14,2%),São José dos Campos (15,6%) e Taubaté(15,2%) obtive-ram os menores índices de pobreza no período.

Outra observação importante é que alguns muni-cípios não recuperaram seus índices de pobreza aos pata-mares do ano de 1980, situação à qual se enquadram osmunicípios São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, SãoSebastião, Pindamonhangaba, Lorena e Piquete.

Apresentaram os mais altos índices de pobrezaos seguintes municípios: Areias (49%), Cunha (51%),Lagoinha, Natividade da Serra (44%), Queluz (41%), Re-denção da Serra (40%), São José do Barreiro (45%) eSilveiras (43%). Porém, em relação a 1991, a pobreza dimi-nuiu até nestes municípios, pois apresentavam em 1991índices que variavam de 53 a 72% de pobres.

O impacto da política econômica nacional (de 1991para 2000) sobre a incidência da pobreza nos municípiosmais pobres pode ser observado através da queda médiadeste índice de pobreza em torno de (27,69%) com menorqueda para Cunha (20,56%) e maior para Lagoinha

(32,73%) enquanto os municípios mais desenvolvidos –municípios sede das regiões de governo mais Jacareí eSão Sebastião – apresentaram queda média de 23,77%,com menor queda para São Jospe dos Campos (5,28%) emaior para Cruzeiro (34,64%).

Ao relacionar a população total dos municípioscom os percentuais de pobres pode-se visualizar arepresentatividade de cada município tanto na popula-ção total como nos índices de pobreza. Desta forma, con-segue-se agrupar os municípios que apresentam situa-ção desproporcional na comparação da população com aquantidade de pobres .

Os quatro municípios do Litoral Norte abrigam11% da população total do Vale do Paraíba; porém quan-do apresentam a classificação dos pobres representan-do 13,20% do total dos pobres da região é caracterizadauma desproporção. Mesma desproporção é notada paraa maioria dos municípios, com exceção para Tremembé,Campos do Jordão, Guaratinguetá, Jacareí, Taubaté, SãoJosé dos Campos, São Sebastião e Caçapava. Estes oitomunicípios apresentam menor percentual relativo de po-bres que percentual relativo de população total conside-radas as totalizações para o vale. Por serem os municípi-os mais desenvolvidos, concentram as melhores oportu-nidades de trabalho e condições de desenvolvimentohumano apesar de também concentrarem a maioria dospobres da região.

4. CONCLUSÃO

Com este trabalho conclui-se:

1) A proporção de pobres para os municípios doVale do Paraíba decresceu, passando da média de 68,97%de pobres em 1970 para 28,59% em 2000. A evolução dosíndices de pobreza demonstrou melhoria para todos osmunicípios, porém em patamares bem distintos, contras-tando, ao final do período, municípios com baixa propor-ção de pobres em torno de 14 % com outros que apresen-taram percentuais próximos ou acima de 50% de pobres.

2) A pobreza na região diminuiu mais por causadas mudanças do sistema de proteção social nacional doque de uma política de desenvolvimento regional. A desi-gualdade de renda diminuiu ao longo do período, porémesta diminuição se mostrou mais significativa para osmunicípios com maiores percentuais de pobreza, ou seja,os menos desenvolvidos.

A mensuração da pobreza pela renda permitevisualizar através dos mapas temáticos (Mapas 2, 3, 4 e5) a situação da pobreza em cada município da região,inclusive podendo classificá-los da seguinte forma:

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a) Pobreza da população decorrente da pobrezado município, em que são notados municípios com altaincidência de pobreza e posição relativamente baixa emrelação ao total de pobres da região. Ocorre nos municí-pios menores geralmente com população abaixo de 20.000habitantes e com baixa densidade demográfica. Tais mu-nicípios não se desenvolveram economicamente, tendodificuldade quanto à geração de renda que melhoraria ascondições de vida de seus munícipes.

b) Pobreza da população decorrente da desigual-dade existente no município. Municípios em que con-trastam elevados graus de riqueza com situações diver-sas de pobreza, decorrente dos variados tipos de desi-gualdades. Tais municípios apresentam baixa incidênciade pobreza e alta contribuição para a pobreza absolutaregional, ou seja, comportam grande número de pobresapesar de apresentarem os menores índices de pobrezaem relação à população total.

3) O agrupamento dos municípios de forma ho-mogênea inicialmente pode ser estruturado pela sua com-paração, tendo em vista a representação de suas popula-ções e incidência da pobreza na população total do Vale.Tal comparação permite a divisão da seguinte forma:Municípios que apresentam percentuais de pobres me-nores que os percentuais da população total relativos àpopulação total do Vale e municípios que apresentampercentuais de pobres maiores que os percentuais dapopulação total relativos à população total do Vale. Porconseguinte permite a classificação em vários grupos:

3.1 Municípios que apresentam percentuais depobres menores que os percentuais da população totalrelativos à população total do Vale (localizados ao longoda rodovia Presidente Dutra): São José dos Campos,Taubaté, Jacareí, Guaratinguetá, Caçapava, São Sebasti-ão, Campos do Jordão e Tremembé. Municípios em suamaioria com população acima de 50.000 habitantes (exce-ção para Campos do Jordão – 44.000, e Tremembé – 33.000habitantes), mais próximos da capital, com os menorespercentuais de pobreza (Mapa 5). Estes oito municípiosrepresentam 63 % da população e 53 % dos pobres totaisdo Vale em 2000.

3.2 Municípios que apresentam percentuais depobres maiores que os percentuais da população totalrelativos à população total do Vale:

3.2.1 Municípios localizados ao longo da rodoviaPresidente Dutra e Litoral Norte: Caraguatatuba, Cruzei-ro, Lorena, Pindamonhangaba, Ubatuba. Municípios compopulação acima de 50.000 habitantes, com percentuaisde pobreza de 20 a 25% da população total. Os cincomunicípios representavam 20 % da população e 26% dospobres totais do Vale em 2000.

3.2.2 Municípios localizados próximos ao muni-cípio sede da região de governo: Aparecida, CachoeiraPaulista, Igaratá, Ilhabela, Jambeiro, Paraibuna, Piquete eSanta Branca. Municípios em sua maioria com populaçãoentre 10 e 35.000 habitantes (exceção para Jambeiro – 4.000e Igaratá – 8.000 habitantes), e que apresentaram índicesde pobreza de 25 a 30% da população total em 2000.

3.2.3 Municípios localizados no eixo que vai daSerra do Mar até Bananal e bolsão de pobreza da Serra daMantiqueira: Areias, Bananal, Cunha, Lagoinha,Lavrinhas, Monteiro Lobato, Natividade da Serra, Queluz,Redenção da Serra, Roseira, Santo Antônio do Pinhal,São Bento do Sapucaí, Silveiras, São José do Barreiro eSão Luiz do Paraitinga. Municípios em sua maioria compopulação entre 4 a 10.000 habitantes (exceção para Cu-nha com 23.000 habitantes), que apresentaram índices depobreza acima de 30% da população total em 2000 e taxasde urbanização, em sua maioria, menores que 50%. Clas-sificados como os municípios com as piores condiçõesde pobreza, representavam apenas 5,7% da população e11% dos pobres totais do Vale em 2000.

Quanto ao nível de atendimento dos serviçosbásicos, o maior problema na região está relacionado como provimento do esgotamento sanitário principalmentenos municípios do Litoral, onde o nível de atendimentonão chega a 40% dos domicílios e em alguns municípiosmenos desenvolvidos. O provimento de água encanadaapresentou uma média de 95% para os municípios daregião, porém novamente os municípios do litoral fica-ram abaixo da média com percentuais em torno de 70%dos domicílios. A coleta de lixo apresentou bons indica-dores em todos os municípios.

Os dados sobre a renda per capita comprovamnovamente as diferenças entre os municípios da regiãodivididos por subáreas de localização, onde são notadosmunicípios com renda per capita acima da observada noEstado de São Paulo e municípios com renda muito baixa.

Analisando a evolução da renda per capita dosmunicípios da região de 1991 para 2000, observa-se que asmaiores taxas de crescimento da renda ocorreram nos mu-nicípios considerados mais pobres, tais como Bananal,Arapeí, Monteiro Lobato etc. Porém, em 2000, ainda haviana região municípios cuja renda per capita não atingia nema metade da renda per capita do Estado, inclusive municí-pios entre os quais as taxas apresentaram maior evolução,tais como Arapeí, Lagoinha e Natividade da Serra.

4) O desequilíbrio regional se perpetua por causado modelo de desenvolvimento econômico concentradorde investimentos apenas nos municípios mais desenvol-vidos. A atração dos investimentos para os municípiosque já possuem mercados bem estruturados causou um

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esvaziamento dos municípios menores, não permitindo oseu desenvolvimento.

O processo de industrialização no Vale do Paraíbase concentrou nas cidades localizadas mais próximas àCapital do Estado ao longo da Rodovia Presidente Dutra(importante canal de escoamento para a produção) e temcomo pólo regional a cidade de São José dos Campos. Acidade se constituiu em pólo regional pelo fato de terrecebido a partir da década de 50, diversos investimen-tos do governo federal na área da tecnologia, o que ser-viu de incentivo para o grande atrativo tantopopulacional, como de investimentos.

A cidade de São José dos Campos e outras cida-des localizadas ao longo da Rodovia Presidente Dutra(Jacareí, Caçapava, Taubaté, Lorena, Guaratinguetá eCruzeiro) se tornaram atrativos para a migração, causan-do um esvaziamento (ou não desenvolvimento) das ou-tras cidades do Vale em termos populacionais e conse-qüentemente das economias locais.

5) A orientação deste estudo indica a necessida-de de propostas por parte dos governos das instânciassuperiores, pois a maioria dos municípios não consegui-rá, com recursos próprios, tornar-se atrativa para os in-vestimentos da iniciativa privada. Os investimentos de-verão visar à questão social se pautando pela busca dadiminuição da desigualdade, tanto entre as economiasmunicipais quanto à desigualdade entre os cidadãos emtermos absolutos.

Quanto à busca da diminuição das desigualdadesna região, com certeza os municípios mais pobres depen-dem de subsídios que demonstrem o esforço do governoestadual com a finalidade de provê-los de infra-estruturamínima para atendimento à sua população com vistas nadiminuição da pobreza. As necessidades são notadas deacordo com os dados apresentados, percebendo-se ca-rências nos diversos setores, tais como saneamento bá-sico, saúde e educação.

Para o efetivo combate à pobreza, a forma reco-mendada é a articulação entre programas e políticas soci-ais que visam ao alívio da pobreza e os que podem con-tribuir com a superação da pobreza.

No primeiro caso - o de alívio da pobreza – há anecessidade de focalização sobre os grupos mais vulne-ráveis, pois tem um caráter mais imediato, e deverá consi-derar a urgência de minimizar as graves carências da po-pulação visando prover as necessidades básicas de so-brevivência; principalmente as que influenciam nas con-dições de saúde, tais como ações que combatam a mor-talidade infantil e a fome.

Já no segundo caso - o da superação da pobreza– trata-se de políticas voltadas para a construção de umnovo modelo de desenvolvimento econômico, que priorizeo crescimento econômico com eqüidade social e no qualas políticas econômicas assumam também a dimensão depolíticas sociais.

As ações públicas na área social passam a ter debuscar a articulação entre aquelas de curto prazo, de ca-ráter mais imediatista, focalizadas nos grupos identifica-dos como os mais despossuídos, e aquelas de longoprazo, de caráter permanente, universalizantes, voltadaspara a eqüidade do acesso dos cidadãos aos direitossociais, independentemente do nível de renda e da inser-ção no mercado de trabalho.

6) Considerando que a região sofre os impactosdas políticas econômicas nacionais, vale destacar quepara a distribuição de recursos e implementação de pro-jetos federais ou estaduais, tanto a caracterização dascondições de atendimento com serviços básicos (sanea-mento, educação, saúde) para cada município, como acaracterização de subáreas homogêneas contribuirá paraatuação no sentido de buscar o desenvolvimento com aimplementação de programas adequados à região.

A análise da pobreza e das tendências referentesà atuação de governo através de políticas sociais poderáauxiliar os planejadores no desenvolvimento de progra-mas que visem à minimização da pobreza e também cha-mar a atenção para a necessidade da diminuição das de-sigualdades entre os municípios através de investimen-tos que aqueçam as economias locais, com vistas em umdesenvolvimento econômico homogêneo da região, o quepermitirá um esforço conjunto em busca da erradicaçãoda pobreza.

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ANEXO

Mapa 1- Localização do Vale do Paraíba

Mapa 2 - Percentual de pobres no município 1970 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.

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Mapa 3 - Percentual de pobres no município 1980 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.

Mapa 4 - Percentual de pobres no município 1991 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS, 2003.

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Mapa 5 - Percentual de pobres no município 2000 (Linha de pobreza de meio salário mínimo per capita)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IETS 2003.Nota: os dados para os municípios Arapeí, Canas e Potim foram extraídos do

Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000, da Fundação João Pinheiro.

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Impactos Espaciais da Transformação na EstruturaProdutiva

Dayana Nogueira *

Resumo: As questões apontadas neste artigo tentam explicar, em parte, as mudanças processadasna rede urbana regional brasileira nas últimas décadas, que passou a ter como principal caracte-rística o crescimento de um número significativo de cidades médias que estão, muitas delas, com-pondo regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas e concentrando parcela crescente dapopulação. Esse processo é aqui analisado com base nas transformações da estrutura produtivadecorrentes, em grande medida, do processo de reestruturação produtiva.

Palavras-chave: Estrutura produtiva, reestruturação produtiva, hierarquia urbana.

Abstract: The questions pointed in this article try to explain, in part, the processed changes in theBrazilian regional urban net in the last decades, that started to have as main characteristic thegrowth of a significant number of medium cities that are, many of them, composing metropolitanregions or urban agglomerations and concentrating the increasing parcel of the population. Thisprocess, in this article, is analyzed with basis on the transformations of the productive structure, inwhich major part, are resulted from the process of the productive reorganization.

Key words: Productive system, productive reorganization, urban hierarchy.

* Mestranda em Planejamento Urbano e Regional - PLUR,Univap, 2005.

1. INTRODUÇÃO

O período da “Revolução Tecnológica”, de acor-do com Santos (1997), causou a mais profunda transfor-mação espacial nos países subdesenvolvidos. Tambémchamado de “Terceira Revolução Industrial” (SINGER,2001), este período se consolida, a partir da década de 70,quando se destacam as grandes indústrias e as grandescorporações. É o período da implementação de novastecnologias, processos informatizados, da robotização edo suporte inovador das telecomunicações no processoindustrial. Esta nova era da tecnologia aparece como umacondição essencial para o crescimento.

Na Inglaterra, este período encontrou as condi-ções necessárias ao seu surgimento, como o grau dedesenvolvimento técnico e condições de acumulação decapital. Spósito (1991) aponta que a revolução industrial,ocorrida na segunda metade do século XVIII, foi muitomais do que decorrência simples da descoberta da má-quina a vapor (1769) e dos teares mecânicos de fiação(1767 a 1801), mas devido ao próprio processo de produ-ção que já estava em transformação desde o século XVI.

Como observa Carlos (2001), a máquina chegou,

não com o objetivo de aliviar o trabalho do homem, maspara baratear as mercadorias, gerando a intensificaçãodo trabalho e transformando o trabalhador em uma parteda máquina. Este processo de evolução continuou comvários modelos industriais, como o de Frederick Taylor,em que a organização científica do trabalho e do controledos tempos de sua execução era o eixo central do proces-so (Taylorismo).

Com a implementação das linhas de montagens(Fordismo), em que os trabalhadores permaneciam fixosem seus postos de trabalho e os materiais ou peças che-gavam até eles através de linhas transportadoras, as ope-rações tornam-se simples e repetitivas, exigindo baixaqualificação e especialização da mão-de-obra.

A revolução tecnológica no setor industrial e aglobalização trazem a exigência da qualificação e da es-pecialização que passam a ser fatores de sucesso e sur-gem as terceirizações, reduzindo o tamanho das indús-trias e provocando sua evasão para outros centros pro-dutivos regionais.

Os avanços tecnológicos trazem consigo umasubstituição progressiva da força de trabalho, aumen-tando o número de desempregados, que outrora eramdenominados de “exército industrial de reserva”. Comoresultado deste processo tem havido um deslocamentoda força de trabalho para os setores do comércio e servi-

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ços, e outro contingente tem migrado para o terceiro se-tor e a informalidade (SINGER, 2001).

Junto com a redução do número de postos detrabalho e com o conseqüente aumento do desemprego,os problemas urbanos são ampliados e agravados, taiscomo, aumento dos lotes clandestinos, ocupação emáreas de riscos e de proteção ambiental, problemas desaneamento básico, além da modificação do perfil sócio-econômico dos municípios e, para muitos cidadãos, comodestaca Lefebvre (2001), comprometendo-lhes o direito àcidade e a negação de seu espaço.

Nesse processo, o setor terciário teve um significa-tivo crescimento, induzido pelo desenvolvimento da pro-dução industrial, do emprego e do crescimento da popula-ção regional, principalmente a partir da década de 1980.

Como observa Gonçalves (1998), as transforma-ções surgidas com as novas tecnologias geram mudan-ças industriais e espaciais. O primeiro caso é dado com areestruturação industrial que tem como chave a flexibili-dade do novo sistema de produção. Esse processo reba-te-se no espaço ao provocar alterações sobre as tendên-cias locacionais de empresas e no surgimento de umanova divisão espacial do trabalho.

2. IMPACTOS ESTRUTURAIS DAS MUDANÇASTECNOLÓGICAS

Com a Terceira Revolução Científica e Tecnológica(1) alteram-se os padrões de localização das empresasligadas à alta tecnologia (2), em que o desenvolvimentodestas depende de fatores locacionais como mão-de-obraqualificada, presença de centros de ensino e pesquisa einfra-estrutura adequada ao setor. A partir desse proces-so, a atividade produtiva redistribui-se espacialmente,redefinindo o dinamismo econômico das regiões.

De acordo com a Teoria Clássica de Localização(3), o custo de transporte, a distância aos centros consu-midores e fornecedores de matérias-primas seriam os prin-cipais definidores da localização de uma firma. Insumoscomo trabalho e informação são considerados como ubi-qüidades, tendo, portanto, sua importância reduzida.

A teoria clássica ainda é importante para os setoresprodutivos baseados em recursos naturais, entretanto, háum consenso de que ela não consegue explicar os fatoreslocacionais para os setores de alta tecnologia.

Dentre as tentativas teóricas para explicar o pa-drão locacional da indústria de alta tecnologia está a Te-oria do Ciclo Produto. De acordo com esta teoria, na fasede inovação haveria uma tendência de localização da in-dústria em regiões com oferta de trabalho qualificado e

centros de P&D. Com a maturidade do processo produti-vo, a indústria poderia se deslocar para a periferia já quepassaria a adotar a produção em massa, necessitando demão-de-obra menos qualificada e com baixa remuneração.

Como destaca Gonçalves (1998), o contexto pro-dutivo da Terceira Revolução Científico-Tecnológicacoloca à prova a capacidade de explicação da Teoria doCiclo Produto, como pode ser observado em algumasdas críticas feitas a ela:

Sternberg (1996, apud Gonçalves, 1998, p.18) e Scott e Storper (1988, apud Gonçal-ves, 1998, p. 18) criticam o padrão invariá-vel de evolução atribuída a todos os seto-res e a pequena contribuição para o porquêda localização no início do ciclo. Sayer (1986apud Gonçalves, 1998, p. 18) pondera que aintrodução de métodos de produção no-vos, como o just-in-time, diminui a necessi-dade de a indústria madura aumentar a es-cala de produção e procurar local de traba-lho barato. Walker (1985, apud Gonçalves,1998, p. 18) afirma que várias exceções ini-bem generalizações e condena o determi-nismo técnico como modo de análise.

Uma outra tentativa de explicação da localizaçãodas indústrias de alta tecnologia é a “Sinergia de um Con-junto de Fatores”. É identificada uma lista de fatores quesão necessários para o desenvolvimento destes setores,entretanto, os fatores são enfatizados de forma diferentepelos autores e de acordo com o caso de estudo.

Sternberg (apud Gonçalves, 1998) apresentou aabordagem do “ambiente inovativo”, em que a interaçãoentre atores (firmas, instituições de P&D, setor financei-ro e governo local), com o auxílio da proximidade espaci-al, explicaria a origem do processo de inovação regional.Essa teoria apresenta várias limitações ao descrever ape-nas as inovações conduzidas por firmas pequenas, tratarpouco das fases posteriores de inovação e apresentarpouca evidência empírica. Entretanto, tem a vantagem deconsiderar as condições regionais para o surgimento dasinovações.

A Teoria da Organização Industrial ou Especiali-zação Flexível é apresentada em 1996 por Sternberg(1996), mas sua concepção se dá em Scott e Storper (1988)e Storper e Walker (1989).

Segundo esta teoria, a mudança da forma de orga-nização industrial e a liberdade locacional adquirida comas inovações permitem que as novas indústrias intensi-vas em P&D escolham arbitrariamente o sítio de localiza-ção. Assim sendo, a teoria se concentra nas “dinâmicas de

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organização industrial, especialmente na divisão do traba-lho e na conseqüente estrutura de transações entre fir-mas, e no mercado de trabalho local” (GONÇALVES, 1998).

Quando uma empresa é desintegrada verticalmente,o aumento das transações externas às firmas faz com queestas busquem uma maior proximidade no intuito de reduziros custos das intensas relações inter-industriais. Esse pro-cesso acaba por estimular ainda mais a desintegração com aredução do custo de busca e recontratação.

O crescimento localizado também é estimulado comas economias de aglomeração geradas a partir da con-centração de trabalhadores. Entretanto, existe a possibi-lidade de surgirem deseconomias como a organizaçãosindical e custos sociais oriundos de um intenso povoa-mento de uma determinada região sem um respectivo pla-nejamento da parte do poder público.

Um dos aspectos negativos dessa abordagem é ofato de diminuir a importância da intervenção estatal parapromover o desenvolvimento regional por colocar as in-dústrias como “produtoras” de regiões e não apontar osfatores que determinam a localização arbitrária das indús-trias, ficando a questão locacional em aberto (DINIZ, 1991).

Apesar das várias abordagens e críticas, pode-seafirmar que há um relativo consenso quanto a algunsfatores que explicam a origem e o desenvolvimento dasregiões de alta tecnologia:

...política industrial, tecnológica, regional, deeducação e de defesa, conjunto de trabalha-dores qualificados, coincidências históricas(pessoas-chave, por exemplo), acesso a mer-cados, espírito empreendedor, amenidades,disponibilidade de grandes empresas,interconexões entre empresas intensivas emP&D e os fatores passíveis de serem orien-tados politicamente como infra-estruturabásica de transportes e de pesquisa e o capi-tal de risco (GONÇALVES, 1998, p. 22).

Como agentes do processo de criação da indús-tria de alta tecnologia, os novos empresários podem servistos como spin-offs locais quando um indivíduo quetrabalha numa firma, instituição de ensino ou de pesqui-sa encontra boas vantagens para montar uma firma, umavez que, sendo um indivíduo qualificado, a tecnologiaestá incorporada a ele. Esse processo pode ser estimula-do por grandes empresas com o intuito de ter fornecedo-res que invistam em inovações (GONÇALVES, 1998),como fez a Embraer, na região de São José dos Campos,ao incentivar seus ex-funcionários a instalarem peque-nas e médias empresas que vieram compor o seu quadrode subcontratadas.

Além dos novos empresários, Gonçalves (1998)aponta as instituições de ensino e pesquisa - por criaremeconomias de aglomeração pela transferência de pesso-as e de conhecimento - e o governo - ao cuidar da infra-estrutura física, presença de instituições, redução de im-postos e disponibilização de linhas de capital de risco,por exemplo - como principais agentes do processoinovativo e da criação da indústria de alta tecnologia.

2.1 Aglomeração da Indústria de Alta Tecnologia

Os ambientes de aglomeração de alta tecnologia,através de agentes como governos, instituições de ensi-no e pesquisa e empresas de base tecnológica, são pro-pícios para a realização de pesquisas que possam sertransferidas para o setor produtivo e contribuam para odesenvolvimento regional.

Os arranjos institucionais que concentram empre-sas de alta tecnologia recebem diferentes nomes combase em suas características. É chamada de PóloTecnológico uma aglomeração de empresas de basetecnológica, que usam recursos disponíveis nas institui-ções de ensino e pesquisa e podem se estruturar de modoformal ou informal. Quando há um planejamento e asempresas estão fisicamente reunidas num loteamentourbanizado e sob administração de uma entidade, passaa receber o nome de Parque Tecnológico. Caso a econo-mia da região ou cidade dependa de sua capacidade ci-entífica ou tecnológica usa-se a expressão Tecnópole.Por fim, a Incubadora é um ambiente “que abriga empre-endedores por determinado tempo, facilitando a trans-posição de barreiras administrativas, mercadológicas etécnicas de empresas nascentes ou que se transferempara a incubadora” (GONÇALVES, 1998, p. 24).

2.2 Desenvolvimento Regional e Mudanças Tecnológicas

Nesse processo de desconcentração, a indústriade alta tecnologia é a que detém uma maior liberdadelocacional. Entretanto, para sua instalação é necessária apresença de toda uma infra-estrutura de pesquisa etecnologia que não está distribuída homogeneamente noPaís. Assim, o processo histórico de concentração in-dustrial, com desigualdade de potencial de pesquisa e derenda, impede a dispersão da indústria de alta tecnologia.

Como observa Gonçalves (1998, p. 39), “todas asevidências demonstram que a indústria de alta tecnologiareforça os limites do processo de reversão da polarizaçãoque atenua as desigualdades impostas pelo desenvolvi-mento regional concentrado”. Mas, deve ser observadoque, mesmo diante desse contexto, surgem novas concen-trações localizadas que não estão nas grandes cidades.

Nos centros urbanos de porte médio existem eco-

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nomias de aglomeração e vantagens locacionais adequa-das ao desenvolvimento da alta tecnologia, sendo que

são neles que estão localizadas as principais experiênciasde pólos e parques tecnológicos no Brasil (vide Tabela 1).

3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O DESENVOL-VIMENTO ECONÔMICO

Nos anos 90, processa-se no Brasil uma reestru-turação produtiva que, segundo Castro (2001), avançouprincipalmente no sentido da adoção de métodos moder-nos de gestão, busca de padrões e gabaritos contempo-râneos de produtividade e qualidade, diversificação deprodutos com aumento dos investimentos em tecnologiae deslocamento de fábricas para áreas com boa infra-estrutura, mão-de-obra e matérias-primas baratas, bene-fícios fiscais e acesso fácil a grandes mercados. No cam-po do emprego esse fenômeno promoveu uma intensaredução do contingente de operários industriais. Essadestruição de ocupações é amenizada com a convivên-cia de diferentes gerações de tecnologia e pelo fato de asmudanças introduzidas na organização do trabalho mes-clarem-se com as antigas estruturas de cargos e salários.

A terciarização, resultado do processo dereestruturação produtiva, tem seus efeitos no território,contribuindo para o surgimento de novas formas hierár-

quicas urbanas ou consolidando as já existentes.

O processo de industrialização teve o papel deindutor do desenvolvimento econômico durante o sécu-lo XX, mas se observou uma reestruturação econômicaque se iniciou nos anos 50 e tomou vulto a partir dosanos 80. Contemporaneamente, uma outra transforma-ção está em andamento, agora mais associada ao aumen-to das atividades de serviços, fenômeno este que se in-tensificou nas últimas duas décadas do século XX, masque, enquanto tendência, já vinha se insinuando atrela-do ao desenvolvimento industrial desde a década de 1950.

Kon (1999) discute o papel das atividades secun-dárias enquanto indutoras do desenvolvimento para asquais se dirigiriam inicialmente o capital e a mão-de-obraoriundas do meio rural. Nos países subdesenvolvidos,ou em desenvolvimento, após a II Guerra Mundial o imi-grante rural dirige-se primeiramente ao setor Terciário,para atividades que não exigem alta qualificação (em al-guns casos, o subemprego). Quando adquire maior pre-paro, pode vir a deslocar-se para o setor Secundário.

Tabela 1 - Principais Pólos e Parques Tecnológicos no Brasil

*Refere-se ao ano de criação do Parque Tecnológico ou, no caso do Pólo, do órgão gestor. Fonte: Elaboração própria com base em Gonçalves (1998) e Censo (2000).

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Esse movimento de centralização produtiva e fi-nanceira na atividade industrial ganhou intensidade e ve-locidade após a II Guerra Mundial, e teor como repercus-são a distribuição das atividades e da população impulsi-onada por centros regionais de desenvolvimento.

Através da exportação de capital e de uma novaDivisão Internacional do Trabalho, conservando, porémuma desigualdade estrutural já consolidada anteriormen-te, resultante do monopólio do conhecimento científicoe técnico, novas áreas do globo se industrializaram (NPIs- Novos Países Industrializados). Dessa maneira, com acontinuidade dos avanços tecnológicos nos transpor-tes e comunicações do pós-guerra, o aparato produtivodas empresas é deslocado para o exterior, para a produ-ção de mercadorias acabadas.

Posteriormente, a partir dos anos 60, decorrentedos avanços advindos nas áreas da microeletrônica e datecnologia da informatização, o processo de produçãofoi sendo cada vez mais internacionalizado, com o de-senvolvimento de cada componente do produto, de cadaparte do processo, em uma diferente região mundial.

A capacidade de multiplicação das atividades, sobo impulso da industrialização ocorreu de forma concen-trada localmente em pólos econômicos, num processocumulativo, gerando economias de aglomeração. Essaconcentração favoreceu a modernização da economia,ao diluir os gastos e os riscos quando as atividades reú-nem um fundo comum.

Após a II Guerra Mundial, o processo de concen-tração e centralização de capital exigiu uma reestruturaçãona administração e no controle das empresastransnacionais, implicando a necessidade da criação deuma rede de empresas de serviços auxiliares que funda-mentassem novas formas de organização, configurandouma crescente complementaridade da produção de bense serviços (atividades financeiras, de contabilidade, deinformação, de assessoria jurídica etc.).

Quando se passou do paradigma fordista para aprodução flexível do modelo toyotista, resultou na dinâ-mica de rápida elevação da demanda por serviços, sendoque produtores de bens e serviços tiveram de adotarestratégias que visassem à obtenção de inovaçãotecnológica e adaptação.

O desenvolvimento desigual entre algumas regi-ões é considerado, em parte, como sendo uma conse-qüência da reorganização de certas firmas industriais emface da demanda declinante para sua produção e da pres-são competitiva, que encorajam a obtenção de melhoriasna produtividade do trabalho.

As atividades de serviços, em suas formas mais so-fisticadas, como serviços industriais, de profissionais libe-rais, financeiros e de formas superiores de entretenimentoforam concentrados em grandes áreas metropolitanas.

A teoria das localidades centrais, elaborada porWalter Christaller, em 1933, diz respeito à hierarquia urba-na. Segundo sua proposição, existiriam elementos regula-dores sobre número, tamanho e distribuição das cidades(apud KON, 1999).

Independente de seus respectivos tamanhos, todonúcleo de povoamento é considerado uma localidadecentral, equipado de funções centrais. Essas funçõesseriam as de distribuição de bens e serviços para a popu-lação externa à localidade, residindo em sua área de mer-cado ou influência. A centralidade de uma localidade se-ria dada pela importância dos bens e serviços – funçõescentrais – oferecidos. Quanto maior fosse o número desuas funções, maior seria a centralidade, sua área de in-fluência e o número de pessoas por ela atendida(Christaller, apud KON, 1999).

No contexto das reflexões sobre a “nova hierar-quia urbana”, Sassen (1991) defende que, com o proces-so de globalização da economia concomitante com a dis-persão espacial das atividades econômicas, as cidadesmundiais passaram a funcionar em quatro caminhos:

... these cities now function in four newways: first, as highly concentratedcommand points in the organization of theworld economy; second, as key locationsfor finance and for specialized servicefirms, which have replaced manufaturingas the leading economic sectors; third, assites of production, including theproduction of innovations, in these leadingindustries; and fourth, as markets for theproducts and innovations produced(SASSEN,1991, p. 3).

As cidades mundiais descritas pela autora (4) fun-cionam segundo uma nova estratégia independente deseu passado de centros internacionais de comércio, pas-sando por um processo de mudança interna em sua orga-nização espacial e na estrutura social de cada cidade.Desse modo, elas passaram a deter sofisticadas redes deinfra-estrutura de serviços para apoiar instituições finan-ceiras e ramos altamente especializados da indústria e docomércio direcionados para o atendimento das deman-das de consumidores exigentes. Ainda segundo Sassen(1991), São Paulo tem passado por processos semelhan-tes aos das cidades por ela analisadas.

De acordo com Rezende e Lima (apud SOUZA,

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2002), São Paulo ocuparia o lugar de uma cidade mundialde hierarquia inferior, sugerindo que as cidades do Riode Janeiro e São Paulo poderiam se unir e formar umagrande região urbana global, dando origem a um comple-xo como forma de “assumir uma posição de destaque narede de cidades mundiais”.

4. A NOVA HIERARQUIA URBANA

O processo nacional de reestruturação produtivatem implicações sobre o desenvolvimento regional nosentido de reforçar o processo de concentração econô-mico-populacional nos grandes centros urbanos brasi-leiros. De acordo com Andrade e Serra (1998), tais impli-cações territoriais, entre outros fatores, estariam sendofundamentadas:

- pelo aumento da importância das economias ex-ternas às firmas nos critérios de localização rei-nantes na chamada produção flexível, que exigeproximidade entre fornecedores (just in time),existência de mão-de-obra altamente qualifica-da, assim como de sofisticados serviços produ-tivos, fatores encontrados quase exclusivamen-te nos grandes centros urbanos nacionais;

- pela escolha de uma política de desenvolvimen-to regional orientada pela eficiência, em prejuízodo conteúdo de eqüidade na distribuição da ri-queza nacional;

- pela perda da capacidade de investimentos dire-tos e deterioração dos mecanismos de incenti-vos, impostos pela política de privatização e pelotamanho dos compromissos orçamentários comas gigantescas dívidas interna e externa; e

- por um planejamento de uma infra-estrutura viáriavalorizando o escoamento de exportáveis, em de-trimento de uma orientação que visa permitir acomplementaridade do parque industrial nacional.

O crescimento das cidades tem ampliado a divisãode funções urbanas entre algumas cidades e ampliado aatração que alguns centros exercem sobre o território. Nasregiões mais dinâmicas registra-se o fenômeno de cidadesarticuladas, onde dois ou três núcleos urbanos formamum conjunto com forte grau de complementaridade, divi-dindo a polarização, espacialidade também denominadaaglomeração urbana (IPEA, 2000a).

Nas regiões menos dinâmicas, ou estagnadas, operfil da rede urbana apresenta-se quase sempre compoucos, ou mesmo um único, centros urbanos com im-portância relativa quanto à centralidade, e que tiveramdiminuído seu papel polarizador, à medida que a melhoria

da infra-estrutura de transportes gerou facilidades deacesso às regiões metropolitanas ou aglomerações urba-nas e aos centros mais importantes e dinâmicos, mesmoque mais distantes (IPEA, 2000a).

De acordo com IPEA (2000b), a definição da hie-rarquia das redes urbanas vem apontar as áreas que ma-nifestam atratividade por períodos longos e que tendemà manutenção. O principal indicador é o crescimentopopulacional associado com outros como tamanho dapopulação, nível de centralidade, grau de urbanização,PEA (População Economicamente Ativa), densidadedemográfica e participação no total do VAF (Valor Adici-onado Fiscal).

Mudanças nos processos de produção contribu-íram para as alterações processadas nas redes urbanas.Dentre essas mudanças Mérenne-Schoumaker (apudKon, 1999) apontam:

- Avanço nas telecomunicações;

- Maior mobilidade das pessoas;

- Generalização dos serviços;

- Redução dos custos de transporte;

- Serviços de alto nível prestados às empresas.

Segundo Kon (1999), as mudanças têm-se pro-cessado de modo a tornar a hierarquia urbana cada vezmais vinculada ao contexto econômico internacional onde“a estrutura da rede urbana aparece de forma menos pira-midal” devido ao aumento das relações de complemen-taridade e às sinergias que vão se desenvolvendo entreos mesmos níveis hierárquicos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É no contexto de crise econômica e social associ-ada a uma transformação da natureza, dos agentes e dalocalização do crescimento que as indústrias enfrentamgraves dificuldades, como o esgotamento do mercado edas fontes dos ganhos de produtividade, e assistem aosurgimento das indústrias de alta tecnologia.

Mutações, geralmente ligadas ao uso generaliza-do da informática e dos mais variados meios de comuni-cação, afetam o processo de produção em praticamentetodos os setores da economia.

Diante desse novo quadro, o padrão de acumula-ção passa a ser caracterizado pela busca de modos deprodução mais flexíveis, interconectados, e mercados detrabalho fragmentados.

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Os impactos espaciais dessas mudanças são maisbem compreendidos pelas mudanças observadas na or-ganização da hierarquia urbana. Grandes pólos industri-ais tradicionais entraram em declínio, ao mesmo tempoem que as novas formas de produção encontraram me-nos restrições na localização de suas atividades.

Há um intenso desenvolvimento dos centros ur-banos intermediários, relacionado aos circuitos do capi-talismo mundial. Este processo ocorre a partir dainteriorização do desenvolvimento.

Entretanto, há fatores que ainda impedem que esseprocesso ocorra com maior intensidade e que estão rela-cionados com os imperativos da organização industrial eà qualidade dos mercados de trabalho. Desse modo éque São Paulo mantém sua posição hierárquica sobre avida econômica nacional. Se ela perde relativamente oseu poder industrial, aumenta o seu papel de regulaçãograças à concentração da informação, dos serviços e datomada de decisões. É a conjugação desses três dadosque permite à metrópole paulistana renovar o seu co-mando em todo o território brasileiro. Desse modo,onipresente no espaço nacional, mediante uma ação ins-tantânea e diretora, pode-se falar numa verdadeira “dis-solução da metrópole, já que ela está em toda parte”(SANTOS; SILVEIRA, 2001).

7. NOTAS

(1) A Terceira Revolução Científica e Tecnológicase dá com as transformações que vêm ocorrendo a partirde meados do século XX, decorrentes dos avanços naeletrônica que impulsionaram a informática e as comuni-cações. Esse processo modificou, além de todos os seto-res econômicos, aspectos da vida social e política.

(2) A expressão “alta tecnologia” diz respeito aoprocesso de produção que tem como insumo principal oconhecimento e a informática (CASTELLS, 1986).

(3) A Teoria Clássica de Localização teve origemcom Alfred Weber (Uber den standort des industrien,1909), e foi desenvolvida posteriormente pela economianeoclássica.

(4) Londres, Tóquio e Nova Iorque.

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Religiosidade Popular, o Sagrado e a Modernidade:Relações em uma Sociedade em Transformação

Adriano Lopes Saraiva *Josué da Costa Silva **

Resumo: A partir dos conceitos sobre a modernidade e a manifestação do sagrado e do profanodiscute-se neste artigo o modo de vida de populações ribeirinhas e sua religiosidade representadana forma de festas religiosas, buscando estabelecer as bases para a compreensão deste universo sobo prisma das transformações orquestradas pela modernidade e pelo modo de ver e perceber omundo das populações ribeirinhas. São utilizados os conceitos sagrado, profano, modernidade emodo tradicional de vida das comunidades da região ribeirinha de Porto Velho, Estado de Rondônia.

Palavras-chave: Religiosidade popular, sagrado e o profano, modernidade, populações ribeirinhas.

Abstract: Starting from the concept of modernity and the manifestation of sacred and profane, thisarticle discuss the way of life of communities living alongside river and their religiosity representedby religious feasts, seeking to establish the bases for a comprehension of this universe by the pointof view of the transformations generated by the modernity and by the way of seeing and perceivingthe world of the communities cited above. Using as concepts the sacred, the profane, the modernityand the traditional way of live of communities of the region alongside river in Porto Velho, RondôniaState.

Key words: Popular religiosity, sacred and profane, modernity, communities living alongside river.

* Mestrando em Desenvolvimento Regional e MeioAmbiente – PGDRA/UNIR. Membro do Grupo deEstudos sobre Cultura e Modo de Vida Amazônico –GEP Cultura/CEDSA.E-mail: [email protected]

** Prof. Adjunto do Dep. de Geografia da UNIR. Coor-denador do Grupo de Estudos sobre Cultura e Modode Vida Amazônico – GEP Cultura/CEDSA.E-mail: [email protected]

1. INTRODUÇÃO

O modo de vida do Ocidente no atual momento érepresentado por um deslocamento para império da ra-zão e da racionalidade instrumental, característicasmarcantes e apregoadas pela modernidade. A partir des-te contexto é necessário discutir algumas situações ine-rentes às Ciências Humanas e que fazem parte de umcontexto local e regional; que são dois modos de ser nomundo, o sagrado e o profano, bem como o momento noqual estão inseridos estes modos.

Dessa forma, refletir a religiosidade e o sagradonum contexto da modernidade não se constitui um pro-blema pessoal e nem de um projeto individual de pesqui-sa, posto que estes itens fazem parte da condição huma-

na. Afinal, o conceito de cultura e religiosidade populartem sua origem no culto e está presente em todas ascivilizações, permitindo as mais diversas análises; con-tribuindo para entender as relações do homem com suascrenças e o modo de relacionar-se em sociedade.

Para que se possa compreender com mais facili-dade a carga emocional contida nas promessas, festasreligiosas, romarias e procissões, dentre outras manifes-tações que materializam a fé, faz-se mister um estudopormenorizado da religiosidade popular.

Oscar Beozzo, por exemplo, defende a substitui-ção da expressão “religiosidade popular” por “práti-cas religiosas das classes populares”, do qual, salvomelhor juízo, julga-se lícito discordar, pois o autor insisteem tê-la como exclusivo “patrimônio de classes sociaisexploradas e oprimidas” (BEOZZO, 1982, p. 745),desconsiderando que as manifestações de religiosidadepopular independem de classe social.

Sejam as práticas do catolicismo oficial, sejam asmanifestações de religiosidade popular, ambas se sus-tentam em alicerce comum: a noção do sagrado. Aclivagem do “sagrado”, no entanto, é o “nó górdio” nãosó dos que elaboram as doutrinas que nortearão qual-quer ortodoxia religiosa, mas também do estudioso das

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religiões. Efetuar esse processo de clivagem é sem dúvi-da difícil. Até meados do século XIX caracterizava-se anoção de “popular” como “a de tudo que representasseo supersticioso, o grosseiro, curioso, vulgar” (CESAR,1976, p. 7), ou seja, estava adjunto ao termo um caráter decerta forma pejorativo.

De qualquer forma, a designação de “popular” énormalmente empregada em relação às classes sociaissubalternas, ou aos indivíduos que ocupam uma posi-ção periférica na organização espacial de uma dada soci-edade. Refere-se, dessa forma, às manifestações de me-mória coletiva, aí incluídas a linguagem e a religiosidade.

Partindo de uma realidade como a região ribeiri-nha de Porto Velho, Estado de Rondônia, buscam-se ele-mentos capazes de dar sustentação ao debate estabele-cido por este trabalho, visto que estudar a realidade ama-zônica se constitui um objeto de reflexão privilegiada paraqualquer área das Ciências.

E quando falamos de sagrado e de religiosidade,fazemos isso no sentido de que não se trata de algoinexistente, impossível, distante ou mesmo separado doque poderia ser pensado como o “resto” da experiênciahumana, e sim como um fato real, presente e que é reves-tido de grande importância no modo de vida das popula-ções da Amazônia, visto que o sagrado não é mais místi-co do que lógico, estético ou político. Inclui todas estasdimensões, mas não se reduz a nenhuma delas. Assim,como outros conceitos, o sagrado também é um produtoda criação humana, isto o caracteriza não como um equí-voco ou uma crença sem fundamento, mas o legitima e otorna válido como parte do universo mental do homem.

O homem que vive na Amazônia tem dentro desuas práticas religiosas mais comuns o catolicismo. Nes-te universo amazônico é muito comum a crença em su-perstições e mitos que fazem parte do cotidiano das co-munidades situadas à margem dos rios, como as lendasda cobra grande, da mãe da mata, do curupira, e nas cren-ças como o mau olhado e os encantamentos. Essa é umareligiosidade que tem como um dos pontos fortes a de-voção aos santos católicos e da reunião da comunidadeem momentos específicos para celebrarem seus padroei-ros, transformando-se em eventos que se caracterizampela realização de festas religiosas ou festejos, como sãopopularmente chamados na região ribeirinha. Dessa ma-neira, as comunidades ribeirinhas passam grande parte doano ora envolvidas com a preparação, ora com a realizaçãoou participação nesses acontecimentos religiosos.

No decorrer do artigo nossa discussão se pautaráem dois pontos principais: as festas religiosas e as mani-festações do sagrado e do profano, relacionando esseseventos com as concepções de modernidade, visto que

os conceitos propagados pela modernidade nos dizemque do mundo foram retiradas as concepções sagradasde senti-los e percebê-los, colocando a ciência e oracionalismo como elementos fundamentais na relaçãodo homem com o mundo em que habita.

O propósito deste artigo é discutir se este modode ver o mundo está presente nas comunidades ribeiri-nhas ou se a modernidade com toda a sua mudança rele-ga as populações ribeirinhas a outro contexto, destinan-do a estas apenas suas conseqüências e malefícios.

2. O SIGNIFICADO DA MODERNIDADE

De modo geral, afirma-se que a modernidade sur-giu com o Renascimento e foi definida em relação à Anti-güidade, como no debate entre os Antigos e os Moder-nos. Do ponto de vista da teoria sociológica alemã dofinal do século XIX e do começo do século XX, do qualderivamos grande parte de nosso sentido atual do termo,a modernidade contrapõe-se à ordem tradicional, impli-cando a progressiva racionalização e diferenciação eco-nômica e administrativa do mundo social.

Na definição de Giddens, modernidade “[...] refe-re-se ao estilo, costume de vida ou organização socialque emergiu da Europa a partir do séc. XVII e que ulte-riormente se tornaram mais menos mundiais em sua in-fluência.” (1991, p. 11).

Dessa forma a modernidade é construída a cada ins-tante, com a superação de cada etapa histórica, buscandoimplantar novos conceitos e novos modos de vida. Nessecontexto, Harvey nos diz: “a modernidade, por conseguin-te, não apenas envolve uma implacável ruptura com todase quaisquer condições históricas precedentes, como é ca-racterizada por um interminável processo de rupturas efragmentações internas inerentes.” (1993, p. 22).

A modernidade é, em suma, a superação do velho,para que possa nascer o novo. Deve ser entendida comouma busca permanente de superação dos velhos valorese de construção de uma outra sociedade. E essa supera-ção passou por vários aspectos da sociedade, desde aestética e a produção da arte, transitando na política e naorganização da sociedade, na forma como o homem or-ganiza sua vida, o viver urbano e as conseqüências de seviver na cidade e a mudança operada no modo de produ-ção e na forma de acumulação e de gerar lucro. Amodernidade trouxe consigo uma grande fragmentaçãoda sociedade, pois operou a organização do capitalismoindustrial e na forma que o homem se relaciona com ooutro e com seu universo mental.

Este modo de vida pautado no caráter industrial ecapitalista acarretou graves distinções na sociedade, na

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criação de classes sociais e na organização de movimen-tos que se opunham a esta organização; e, claro, a brutalretirada de parcelas da população que não fazem partedo modo de produção orquestrado pela modernidade.Fala-se de mudança e de ruptura, no entanto estas mu-danças não se operam na sociedade, elas se configuramdentro de pequenos grupos; o que vem formando emgrande medida um grupo de excluídos.

Permanecendo no aspecto social, a modernidadeainda colaborou na transformação de identidades soci-ais, indo mais fundo e contribuindo para sua fragmenta-ção; formando assim toda uma geração dita moderna quenão tem dentro de si aspectos que os integram comosujeitos. Isso é refletido na cultura e no universo mentaldos grupos humanos, uma vez que esta fragmentaçãovem descaracterizando a forma de ver e sentir o mundo,todas as mudanças advindas deste processo de rupturaenfraquecem em grande medida as culturas locais, aspopulações tradicionais e as manifestações da culturapopular; reduzindo estes fenômenos a reflexos de mo-dos de vida que estão em vias de deixar de existir.

Dessa forma, como falar de modernidade dentrode um contexto amazônico e ribeirinho? Como analisartais conceitos e saber se são benéficos ou maléficos paraas populações ribeirinhas?

No contexto atual, a modernidade deveria colabo-rar para a superação de toda a fragmentação que se ope-rou historicamente. Por óbvio, o termo modernidade nãotem um significado único. A modernidade, em todo o tem-po, sempre traz o novo, que surge para a superação dovelho, como já se destacou anteriormente. A modernidadepode trazer à tona os valores antigos para assim buscar-mos entendimentos que irão colaborar para a inserçãodo homem nos diversos contextos, frutos destes proces-sos históricos.

3. FALANDO DO SAGRADO NO CONTEXTO DAMODERNIDADE

Há inúmeras definições e referências ao sagrado;vários autores e pesquisadores já se debruçaram sobre otema nos trazendo grande material de análise; um dosgrandes pesquisadores sobre a temática é Mircea Eliade(1988), que vai nos dizer que só o sagrado é realidade deuma maneira absoluta, porque age eficazmente, criando efazendo durar as coisas; influenciando em grande medi-da para a forma como o homem organiza sua vida.

O sagrado manifesta-se por intermédio da“hierofania” (ELIADE, 1992, 1998), significa dizer que algode sagrado revela-se na realidade vivida pelo homem. Alémdisso, Eliade (1998, p. 297) nos explica que a manifestaçãodo sagrado é imposta ao homem, o que implica dizer que o

homem que vive nessa realidade não a percebe, ele apenasa vive, ele faz parte dela e dela retira suas crenças.

Outro teórico que analisou esse fenômeno do sa-grado e do profano foi Èmile Durkheim, que o caracteri-zam como uma qualidade individual tratada como se fos-se dotada de poderes sobrenaturais e divinos. Qualquercoisa, sensível ou supra-sensível pode ser classificadacomo sagrado (assim como profana), variando de reli-gião para religião. Sagrado e profano são dissociados,mas mantêm uma relação de complementação, posto queonde há a manifestação do sagrado, lá o profano tambémterá uma manifestação; é uma relação sentida e avaliadapelo indivíduo através de sua religiosidade e de seu uni-verso mental. O que nas palavras de Durkheim pode serentendida como “... uma divisão bipartida do universoconhecido e conhecível em dois gêneros que compreen-dem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmen-te...” (1989, p. 72). Tal distinção entre coisas sagradas eprofanas seria uma das principais características de to-das as religiões, por conta de que, dentro do universodas crenças e das religiões, haverá em grande medida adivisão em dois aspectos, comumente chamados de sa-grado e de profano. (DURHKEIM, 1989, p. 492).

Esta oposição marca, por exemplo, a percepçãodo sagrado subordinado por um Deus único e absoluto,reduzível ao âmbito da fé, característica do catolicismooficial da população brasileira. Esta redução coloca ofenômeno do profano como algo a ser vivenciado longedo “criador”, mesmo que tal fenômeno seja inerente aosagrado a situação a qual o profano está subordinado éa seu esquecimento e desprezo. Situação muita bem retra-tada pelo trabalho da geógrafa Zeny Rosendahl, quandonos diz que “... a palavra sagrado tem o sentido de sepa-ração e definição, em manter separadas as experiênciasenvolvendo uma divindade, de outras experiências quenão envolvam, consideradas profanas” (1999a, p.231).

Na atualidade, sobram elementos para se pensar oque foi historicamente uma liberação e uma dignificação,um avanço ou um retrocesso, no que tange ao entendi-mento do fenômeno do sagrado, visto que o modo de vidamoderno leva ao empobrecimento da realidade e da distin-ção da experiência do campo religioso, reduzindo-o a umasuperstição ou crença popular, desprovida de importânciae significados. O ser absoluto e a crença nos modismosadvindos dos meios de comunicação de massa, levam emgrande medida a uma coisificação de “Deus”. Colocandoe estabelecendo conceitos e ações que são frutos da açãohumana e não da crença e da religiosidade dos grupossociais. A figura de Deus desponta dentro de um contextocomo este, colocando o sagrado em segundo plano, vistoque as formas que os indivíduos têm de acreditar advêmda conduta e do comportamento apregoado pelo sistemareligioso oficial, ou seja, esse sistema remete o sagrado e o

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profano para um plano inferior.

Este fato nos leva a uma discussão acerca da se-cularização das crenças e da própria religião. A idéia deum Deus e de uma religião vista sob o ponto de vista daciência e do modo de produção capitalista coloca o “rei-no de Deus” substituído pelo “reino dos homens”; emcerta medida tal fato irá colaborar para a formação de umaantítese ao sagrado. No âmbito das crenças, essa secula-rização vem operando de forma poderosa, trazendo parao grande público novas formas de religião ou mesmooutras maneiras de se chegar ao sagrado. É o que noscoloca Leila Amaral (2000) quando nos apresenta o ocul-tismo, a espiritualidade, o oráculo e demais formas deestar em contato com o sagrado. Todas essas formasmuito próximas aos sujeitos e difundidas no meio da po-pulação com discursos voltados à cura e ao encontrodos questionamentos que levam os indivíduos à buscaincessante de respostas às perguntas clássicas da filo-sofia e da própria existência do homem.

O mundo moderno, secularizado, está repleto deídolos e deuses não divinos. Mas esta crítica não ques-tionou a economia geral da salvação, nem muito menosa monetarização da fé, ou seja, a lógica que dá sustentotanto à religião quanto à ideologia moderna do trabalho,do progresso e do desenvolvimento. O mundo pautadono trabalho e na acumulação descartou a religião, e comela o sagrado, porque dentro dos ciclos de desenvolvi-mento do capitalismo o aspecto religioso foi colocado delado em função de uma ideologia que buscava a consoli-dação do projeto da modernidade. (SANTOS, 2001)

Dessa forma, a modernidade, o sagrado e suasmanifestações ficaram submersos e inibidos, mas nãodesapareceram, deixaram de ter grande importância paradar lugar a outros tipos de espetáculos, à fábrica, à bolsade valores e demais fenômenos do capitalismo organiza-do, como a oposição da cultura de massas e a recusa docontexto social (SANTOS, 2001, p. 85). De toda maneira,a divisão do mundo de forma julgadora e valorativa emprofano e sagrado, muito bem destacada por Durkheim,vem de uma das grandes características do sagrado: ofato de este fenômeno ter diversos significados, comotranscendental, misterioso e divino. E também porque osagrado vem colocar ao indivíduo aquilo que ele nãoconsegue definir e nem muito menos nomear, é algo ina-cessível, ainda que seja parte do universo das crenças eda religiosidade dos grupos sociais colaborando para amanutenção da fé do sujeito dentro de sua comunidade,localidade ou mesmo de toda a sociedade.

4. A RELIGIOSIDADE POPULAR NO CONTEXTODAS COMUNIDADES AMAZÔNICAS

Para tecermos comentários sobre a religiosidade

popular existente nas comunidades amazônicas, é ne-cessário, antes, buscarmos fundamentos para trazer àtona a grande diversidade das crenças e religiosidadesexistentes no Brasil.

Um aspecto importante está ligado à definição de“popular”, visto que já é por demais polêmica ter taldefinição, outro aspecto é definir religiosidade popularde uma forma tal que se obtenha unanimidade. Nessesentido a própria noção de religião popular foi objeto deinúmeras tentativas de definição e de contestaçõesfreqüentemente renovadas, chegando até a dar a impres-são de um recomeço indefinido dos mesmos equívocos.Porém, ao nos aprofundarmos, encontramos outras no-ções, designando os grandes componentes da noção-mãe: preces, devoções, peregrinações.

Neste caso, torna-se menos complexo um delinea-mento do termo religiosidade popular, não pelo que elerepresenta, mas, ao contrário, pelo que não representa, jáque está ligado ao universo mental dos grupos humanos.Ademais, a religiosidade popular não é corpo eclesial nemcorpo doutrinário, configurando-se em uma religiosidadedotada de razoável independência da hierarquia eclesi-ástica; incluindo nesse contexto toda a documentaçãooficial da Igreja e todos os teólogos elaboradores da dou-trina. Independência essa ao caráter sistemático do catoli-cismo oficial, materializada em uma explosão quase íntimaao “sagrado”, humanizando-o, sentindo-o próximo, tes-tando-o e sentindo sua força por métodos criados, nãopelo clero, mas pelos próprios devotos, métodos essesque são transmitidos, em sua grande totalidade, oralmen-te. Em suma, o vivido em oposição ao doutrinal.

Diante destes aspectos surge o questionamento:Que fundamentos e razões levam o catolicismo oficial aconviver com as mais variadas formas de religiosidadepopular? As causas são várias e diversas, e têm comopano de fundo a implantação da fé católica em Portugal eas condições de seu domínio americano. Inúmeros gru-pos étnicos implantaram no território português, abertoao mar e vizinho à África, um vasto caleidoscópio cultu-ral, onde uma religiosidade de caráter híbrido plasmou-se ao longo dos séculos, tendo como principais verten-tes o catolicismo, o islamismo e as práticas fetichistasafricanas, todas permeadas de rituais, feitiçarias e su-perstições. Somando-se a isto a predominância do cará-ter rural, tem-se o quadro de uma religiosidade plural,muito mais afeita ao misticismo e à continuidade das cren-ças pagãs do que próxima a uma religiosidade análogaaos padrões desejados pelas instituições católicas.

No ambiente amazônico esta relação se deu se-guindo os seguintes aspectos e características:

[...] A interação dos elementos religiosos

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processou-se de modo desigual e por eta-pas que dependeram de fatores diversos,porém específicos ao ambiente amazôni-co, ou sejam – os recursos econômicos dafloresta tropical, a organização das socie-dades tribais, as técnicas primitivas de ex-ploração do meio, a influência dos missio-nários, o caráter do catolicismo ibérico emconfronto com a ideologia do aborígine e,finalmente, as características da sociedademestiça de índios e brancos que emergiu ese desenvolveu na atual sociedade ruralcontemporânea. (GALVÃO, 1976, p. 7)

As manifestações de religiosidade popular vãopermear o imaginário do povo brasileiro em suas rela-ções com o sobrenatural, formando-se em nosso país umcatolicismo extra-oficial, de caráter pragmático, popular etributário de superstições tomadas a outras religiões. Aeste irá se opor ao catolicismo romano, baseado nos pre-ceitos do Clero, na figura da Santíssima Trindade, nafigura do indivíduo e nos sacramentos.

Já os santos católicos, cada um com sua “especi-alidade”, serão os companheiros de jornada nesta vida,auxiliando ou impedindo projetos e sendo por conse-qüência “recompensados” pelos fiéis com festas, roma-rias, pagamentos de promessas e procissões, ou então“punidos”, seja com blasfêmias, seja com o não atendi-mento dos pedidos, seja com “castigos” advindos nonão cumprimento das promessas.

Dentro da realidade amazônica vamos ter uma re-ligiosidade permeada por vários aspectos. Somados aosque já foram comentados temos o fator indígena e ascrenças do caboclo. Estes aspectos, por si só, já sãocapazes de dar novas características às crenças e ao modocomo o homem se relaciona com o sagrado. Nas comuni-dades amazônicas temos desde os mistérios das encan-tarias, da pajelança, dos rituais até os momentos eferves-centes das festas religiosas e o imaginário das entidadesmíticas do mundo da natureza. Essa maneira de se relaci-onar com o sagrado e com o universo das crenças nãorepresenta apenas o produto da amalgamação de duastradições, a ibérica e a do indígena, estas duas fontessão formadoras da religião do ribeirinho da Amazônia,ressaltando que o componente ambiente físico é granderesponsável por este fenômeno. (GALVÃO, 1976)

Estamos nos referindo às sociedades tradicionais,que têm uma relação com o sagrado e o mundo das cren-ças caracteristicamente diferente das sociedades moder-nas. O que nas palavras de Giddens quer dizer que “nasculturas tradicionais, o passado é honrado e os símbo-los são valorizados porque contêm e perpetuam a expe-riência de gerações.” (1991, p. 44).

Ainda neste sentido, podemos fundamentar nos-sos argumentos no tocante às populações tradicionaislevando em conta que o mundo do ribeirinho amazônicoé orientado pela construção de uma rede de significadosmanifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada.Nesse momento cabe uma discussão sobre este modo devida, visto que Antônio Carlos Diegues (1996), com oseu livro “O Mito Moderno da Natureza Intocada”, nosapresenta conceitos que podem ilustrar a realidade des-crita neste trabalho. Já que analisar populações ribeiri-nhas é estar se deparando com um modo de vida tradici-onal, que possui características próprias como:

[...] modo de vida, dependência e atésimbiose com a natureza, os ciclos natu-rais e os recursos naturais renováveis;conhecimento aprofundado da naturezae de seus ciclos que se reflete na elabora-ção de estratégias de uso e de manejo dosrecursos naturais, noção de território ouespaço onde o grupo social reproduz-seeconômica e socialmente; importância dasatividades de subsistência, ainda que aprodução de mercadorias possa estar maisou menos desenvolvida, o que implica umarelação com o mercado; reduzida acumu-lação de capital; importância dada àunidade familiar, doméstica ou comunal eàs relações de parentesco ou compadriopara o exercício das atividades econômi-cas, sociais e culturais; importância dassimbologias, mitos e rituais associados àcaça, à pesca e atividades extrativistas; atecnologia utilizada é relativamente sim-ples, de impacto limitado sobre o meioambiente (DIEGUES, 1996, p. 87-88).

No contexto das populações tradicionais ribeiri-nhas a religiosidade é latente. As crenças e os valoresreligiosos perpassam as instituições oficiais, uma vez quea Igreja não se faz presente na grande maioria das comuni-dades. Fato muito bem ilustrado por Galvão (1976, p. 3):

As instituições religiosas [...] traduzem ospadrões sócio-culturais característicos doambiente regional. Organizado na base dopequeno grupo local, o povoado, o sítio[...], o catolicismo do caboclo é marcadopor acentuada devoção aos santos padro-eiros da localidade e a um pequeno núme-ro de “santos de devoção” identificados àcomunidade. (Grifo nosso)

E esta devoção é marcada por rituais que são con-duzidos por membros da própria comunidade que pos-suem características que os distinguem dos demais; nor-

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malmente são os líderes, as pessoas mais antigas do lo-cal ou mesmo aqueles que detêm mais “posses” (recur-sos econômicos). Assim, percebemos uma estreita rela-ção entre o universo das crenças e das devoções com omodo de vida das populações ribeirinhas e, diante docontexto da modernidade, elas, enquanto populações tra-dicionais, ainda sustentam este modo de se relacionarcom o sagrado, levando em conta que estes aspectosderivam de uma herança indígena e ibérica; resultandodaí uma colcha de retalhos extremamente rica e que ca-racteriza as populações residentes nas áreas ribeirinhasda Amazônia.

5. FALANDO DO CULTO AOS SANTOS E DA MANI-FESTAÇÃO DO SAGRADO E DO PROFANO

Desde a chegada dos portugueses na costa bra-sileira e sua entrada no interior do país com o intuito deconquista, exploração e dominação do território, existeregistro de festividades religiosas e de devoção aos san-tos. José Ramos Tinhorão (2000) descreve com riquezade detalhes o ritual religioso da primeira missa e o conta-to dos portugueses recém-chegados com os indígenas.A partir daí a inserção do catolicismo e de seus preceitoscomeçou a ser disseminado naquela terra nova.

A vinda de missões jesuítas que datam do séculoXVII para a Amazônia e o contato com os indígenas, comsuas crenças e suas devoções, somado a fenômenos quemais tarde vieram a contribuir para o atual formato da reli-giosidade praticada na região ribeirinha - como é o casodas correntes migratórias do início do fim do século XIX einício do XX - colaboram para originar uma forma de cato-licismo que dá ênfase ao culto dos santos, às festas desantos e grupos organizados para realizar tais eventos.

Nessa realidade temos os santos padroeiros comofiguras de relevada importância dentro do universo dasdevoções das comunidades; dessa forma, a figura deDeus e Jesus Cristo como entidades sagradas não sedestacam tanto como dentro do contexto de populaçõesurbanas. A figura da Virgem Maria assume a imagem deNossa Senhora que nas comunidades ribeirinhas aparecerevestida sob a identidade de santas de devoção de gru-pos de mulheres e de algumas praticantes de cultos místi-cos como as benzedeiras e rezadeiras, bem como as par-teiras tradicionais que se pegam em oração às suas santasde devoção na hora da realização de seu ofício, o parto.

A devoção aos santos e a realização de festas têmcaracterísticas peculiares, posto que existem os santosde devoção que são individuais e existem os santos pa-droeiros da comunidade. A devoção individual a um san-to leva o ribeirinho a prestar suas homenagens de formaisolada; já os santos padroeiros entram no calendáriofestivo das comunidades. Passam a ser comemorações

coletivas de uma crença que perpassa apenas um indiví-duo, chegando a congregar toda a comunidade em tornodaquele santo. Alguns destes santos, representados porsuas imagens, fazem o papel de protetores ou patronosde alguns ofícios desenvolvidos pela comunidade; SãoSebastião como santo dos pescadores é bom exemplodesta devoção (GALVÃO, 1976).

A imagem de um santo possui grande importânciapara uma comunidade, visto que “[...] acredita-se quedeterminadas imagens tenham poderes especiais, ca-pacidades de milagres e de maravilhas que outras idên-ticas não possuem” (GALVÃO, 1976, p. 29-30). A imagemde Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil érevestida de uma áurea de misticismo e poderes especi-ais a ela atribuídos; da mesma forma é na região ribeiri-nha, as imagens de madeira ou de outro material, tornam-se as protagonistas das festividades e para elas são vol-tadas as crenças e as adorações.

Na região ribeirinha do rio Madeira, as popula-ções denominam estas festividades tanto como festasde santo como também de festejos religiosos, dessa for-ma utilizaremos neste trabalho ambas as denominações.Assim, os festejos se caracterizam por serem manifesta-ções de fé, de agradecimento por benefícios alcançadose renovação dos pedidos feitos à imagem do santo pro-tetor. Podemos considerar que as festas de santo sãopromessas coletivas que visam o bem-estar da comuni-dade. Dessa forma “acredita-se firmemente que, se o povonão cumprir com sua obrigação ao santo, isto é, festejá-lo na época apropriada, ele abandonará a proteçãoque dispensa. Aqueles que custeiam as despesas dasfestas têm a convicção que o santo retribuirá esse sacri-fício” (GALVÃO, 1976, p. 31).

Outra característica que merece destaque é que oribeirinho cumpre suas promessas por meio de rituais,traduzidos muitas vezes na forma de festas religiosas,almoços comunitários, missas, procissões, novenas, bai-les etc. Dessa forma, cada evento deste possui sua pró-pria história e razão de existência, forma única de serorganizado, e sua representatividade para a comunidadevaria de grupo para grupo.

Nas comemorações dos festejos o sagrado e oprofano estão presentes, no entanto diluídos nos váriosmomentos da festa. A organização do festejo e os váriosmomentos que dele fazem parte é que vão caracterizarestes dois momentos. O sagrado e o profano são desta-cados por Eliade (1992, 1998) como modos distintos deser no mundo, capazes de promover mudanças espaci-ais. Nesse sentido, Rosendahl (1999b) contextualiza aquestão do sagrado e do profano como formador emodificador do espaço, seja de uma comunidade ou deuma cidade.

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O momento da festa religiosa é efetivamente umespaço religioso que não separa o mundo em sagrado eprofano; nela tudo é potencialmente sagrado, ainda quenão seja eqüitativamente, já que certos lugares, certos tem-pos e objetos o são mais que os outros. Para Rosendahl(1997, p.125) “o espaço sagrado se revela não somenteatravés de uma hierofania, mas também por rituais deconstrução e, nesse caso, os rituais representam repeti-ções de hierofanias primordiais conhecidas”.

Outro aspecto fundamental é que as festas desanto se constituem em uma das características das po-pulações que congregam da fé católica, pautando-se nocaráter socializador, posto que com a realização desteseventos o grupo se encontra, realiza mais atividades emconjunto. O que é destacado por MAFFESOLI (1998,p.112) quando diz que é o “estar-junto à toa” que temsua importância nas coletividades dos momentos espe-cíficos das festas. A partir daí encontramos algumas ca-racterísticas essenciais do grupo que se fundamenta,antes tudo, no sentido partilhado. O que nas sociedadesmodernas não é observado, posto que não há interaçãocomumente entre os estranhos, vemos nas populaçõestradicionais e nos momentos dos festejos: a comunidadecelebrando como um todo (GIDDENS, 1991). O estar-jun-to é um dado fundamental, pois ele consiste numa es-pontaneidade vital que assegura a uma cultura sua forçae sua solidez específica; dessa forma os elementos queconstituem essa cultura solidificam o modo de vida doribeirinho, já que a festa é ritual, divertimento, mas tam-bém modo de ação e resistência do ribeirinho.

6. ANOTAÇÕES CONCLUSIVAS

Refletir sobre a modernidade é antes de tudo umexercício de entendimento do modo de vida ligado à ci-dade, ao trabalho, ao mundo capitalista e ao modo deprodução industrial. E nesse contexto falar de religiosi-dade popular de populações ribeirinhas e da manifesta-ção do sagrado e do profano, reveste-se de significativaimportância, visto que essas populações desde osprimórdios da história encontram-se à margem desse modode produção.

O universo da religiosidade parece muito tímidoem relação à modernidade e suas características, no en-tanto, é importante buscar os elos de ligação que esteprocesso de mudança e do chamado “projeto damodernidade” trouxe para os grupos sociais que com-põem a sociedade.

O universo do sagrado e do profano, que desem-boca nas festas religiosas, não se caracteriza apenas porprestar homenagens a santos do catolicismo, mas tam-bém por servir de momentos de confraternização coleti-va entre várias famílias e comunidades, trazendo ao gru-

po unidade e os reunindo em torno de um ritual que refleteo modo como o grupo vê o ambiente no qual está inserido,bem como o seu modo de organizar e traçar as estratégiasde permanência do grupo enquanto ribeirinho.

O que pode, em certa medida, transparecer comorespostas simbólicas e religiosas às mudanças e secula-rização do sagrado produzido pelos novos valores soci-ais em voga na sociedade moderna. Tais práticas surgemcomo maneiras de resistir e manter relações e identida-des sociais diante de novas práticas e valores sociais.

As festas religiosas realizadas nestas comunida-des são exemplificações de uma história cultural na qualhá uma impregnação no universo cultural do grupo. Nes-tes casos os rituais aparecem como manifestaçõesmarcadas por atividades coletivas, pela qualidade e quan-tidade de danças, pelas inúmeras representações e pelacelebração em torno da imagem do santo protetor. Sãoverdadeiros encontros de uma unidade primeira, criaçãoque se cria através do seu próprio criador, desde as ori-gens e nas várias histórias culturais. Os festejos religio-sos ultrapassam a si mesmos como unidades temporaispara religar o visível e o invisível, aquilo que está dentroe fora de um tempo, sempre buscando estabelecer laçoscomunitários, de identidade étnica e tradição dentro dasmais variadas relações de poder.

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Planos Nacionais e Planos Diretores Urbanos: as Diretrizesda Saúde para o Município de São José dos Campos

Vera Lúcia Ignácio Molina *

Resumo: Este artigo reconstrói, por meio da pesquisa documental e da análise temática, as relações deingerência dos planejamentos ou planos nacionais e os planos diretores urbanos de São José dosCampos, no período que se estende de 1970 a 1996, no que se refere às políticas de saúde. Entre osaspectos relevantes encontram-se a ausência de diretrizes para a saúde, a não definição de diretrizes,programas e ações de saúde nos Planos Preliminar/1961 e Setorial/1971, e nem definição dos espaçosurbanos para a alocação dos serviços de saúde, mas, mesmo assim, o Governo Local instala o Departa-mento de Saúde Pública (1970) e inicia a organização da Rede Municipal de Saúde em cumprimento aoPlano de Ação Econômica do Governo (Castelo Branco, 1964-1967), ao Programa Estratégico deDesenvolvimento (Costa e Silva, 1967-1969) e ao Plano Nacional de Desenvolvimento I (Médice, 1969-1974). Dá-se ampliação do FAMME, do Convênio INAMPS/PMSJC, e a organização de UnidadesMédicas e Odontológicas entre 1979 e 1982. Estes programas foram sugeridos pelo Plano Nacional deDesenvolvimento II (Geisel, 1974-1979 e Figueiredo, 1979-1985). A implantação do SUS (1988) indicaa obrigação de os municípios organizarem o COMUS e as Conferências Municipais de Saúde, o que foirealizado em São José dos Campos. Retoma-se, neste momento, a questão da Política de Saúde. O PDI Ivem contemplar o setor de Saúde, com a definição de metas, programas e ações para os próximos 10 anose confirmação das exigências da CF/1988. Conclui-se que muito se caminhou no sentido da formulaçãoda Política de Saúde. Dentro do possível, os princípios filosóficos e organizativos da Política de Saúdeforam cumpridos e indicam grandes conquistas, mas, na prática, a luta pela autonomia dos recursosmateriais e para as decisões políticas permanece até 1996, no nível do discurso, uma vez que adescentralização torna-se tutelada e se perpetuam o controle e a seletividade.

Palavras-chave: Gestão em saúde, planejamento, políticas de saúde.

Abstract: This article reconstructs through the documentary research and thematic analysis theintervention aspects of the national planning or plans and São José dos Campos urban plan in theperiod from 1970 to 1996 regarding health politics. Among the relevant aspects there are the lackof guidelines for health, the non-definition of health guidelines, programs and activities in the 1961Preliminary and 1971 Sectorial Plans and the health urban space non-definition to allocate healthservices, but, even so, the local government creates the Public Health Department (1970) and startsorganizing the municipal health network in accordance with the Government Economic ActionPlan (Castelo Branco, 1964-1967), the Strategic Development Plan (Costa e Silva, 1967-1969)and the National Development Plan I (Médice, 1969-1974). FAMME is extended through anagreement with INAMPS/PMSJC and the Medical and Odontological Units are organized from1979 to 1982. These programs were suggested in the National Development Plan II (Geisel, 1974-1979 and Figueiredo, 1979-1985). The SUS creation (1988) obligates the municipalities to orga-nize the COMUS and the Municipal Health conferences that took place in São José dos Campos. Atthis moment, the health politics subject is retaken. The PDI I covers the health sector defining goals,programs and activities for the next 10 years and confirms the CF/1988 requirements. It is concludedthat a long way has been taken towards health politics formulation. Within the possibilities, theHealth Politics philosophical and organizing principles were accomplished and showed bigconquests, but in practice the battle for material resource autonomy and for politic decisionsremain until 1996 in the speech level since the decentralization becomes tutored and the controland selectivity are perpetuated.

Key words: Health management, planning, health politics.

* Professora da Univap e da UNESP.

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INTRODUÇÃO

As evidências empíricas têm apontado algumasdas limitações impostas aos planos de desenvolvimentopelos planejamentos econômicos estabelecidos pelo Es-tado Brasileiro, notadamente durante o regime militar de1964 a 1984, quando a cultura do planejamento parecefavorecer o ato de intervenção racional como único ins-trumento viabilizador do desenvolvimento econômico.Questões como educação, habitação e saúde são, nesteperíodo, resolvidas pelo Governo Central, retirando dosEstados e Municípios autonomia para geri-los e gerenciá-los, em concordância com seus projetos políticos e pro-gramas de governo.

A cultura do planejamento emerge na sociedadebrasileira pelos idos dos anos 30 quando Getúlio Vargas,durante o período conhecido como Estado Novo, e comoconseqüência de uma nova concepção do Estado (RI-BEIRO; CARDOSO, 1994), faz uso da técnica e da ideolo-gia do planejamento para propor a renovação, moderni-zação e nacionalização dos espaços urbanos. Utilizandoa técnica e a ideologia do planejamento, a cidade do Riode Janeiro ganha o seu Plano Diretor e, posteriormente,as cidades de São Paulo e de Recife também conquistama racionalização de seus espaços urbanos, já que a ocu-pação do solo é decidida, agora, pelos Planos Diretores,que definem o lugar onde os projetos urbanos e sociaisserão fixados (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).

Estando o planejamento presente no processo deformação da sociedade urbano-industrial brasileira, dosanos 30 até o presente momento, decidindo as políticasurbanas, sociais e os programas e as ações dos diversossetores da organização social, parece oportuno questio-nar sobre as interfaces entre os planos/planejamentoslocais e os nacionais e as políticas de saúde propostaspelo Estado Brasileiro.

ESTADO, SOCIEDADE E PLANEJAMENTO

Os planos tornam-se necessários quando as so-ciedades industrializadas ou em fase de desenvolvimen-to apresentam demandas crescentes de diferentes ordense a capacidade do sistema torna-se insuficiente. As de-mandas sociais acabam gerando as condições históricasnecessárias aos atos de intervenção técnica e político-ideológica do Estado, com a intenção de racionalizar areprodução ampliada do capital.

Os planejamentos podem ser pensados conside-rando o Estado como o aparelho dotado de conteúdoinerente aos interesses da classe dominante; e a concep-ção de política, nesta perspectiva, acolhe a competiçãoentre possíveis históricos não equivalentes.

Oliveira (1984) e Ianni (1987) são os autores queindicam com clareza o significado e o desenvolvimentodos planos nacionais (ou plano do Estado, programacapitalista, programação indicativa, como preferem ou-tros autores); Ribeiro e Cardoso (1994) também indicamalguns paradigmas e algumas experiências de planeja-mentos urbanos no Brasil, na linha de reflexão que trata oplanejamento como mecanismos de subordinação dasclasses populares, usados pelas classes dominantes.

Foi nos anos sessenta, tendo o Plano de Metascomo marco histórico do uso de estratégias racionaliza-das, que a idéia de planejamento se colocou de formaimperiosa como uma das atribuições do Estado para con-trolar a sociedade civil, inibindo a participação dos seusdiferentes segmentos e fortalecendo a participação dosburocratas.

O Estado Brasileiro, nestas últimas décadas, temfeito uso do planejamento para impor diferentes pacotessobre a sociedade civil, para tratar as demandas sociaiscomo uma questão política e para determinar as diversasatividades econômicas.

No período que vai de 1950 a 1996, os planosnacionais, e no seu interior as políticas de saúde, sãotambém recomendados pelo Conselho da OEA, já que osprojetos, programas e ações de saúde são tidos comoessenciais e complementares a qualquer programa dedesenvolvimento. Este é o pensamento internacional quese impõe à sociedade brasileira.

PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE SAÚDE

O planejamento implementa a política do grupohegemônico uma vez que as ações intervencionistas con-duzem àquelas medidas que mantêm o status quo, refor-çando as peculiaridades do capitalismo (OLIVEIRA, 1984;IANNI, 1987).

O planejamento da política de saúde, uma políticasetorial do planejamento estatal, elaborado nos mean-dros dos Governos Federal, Estadual e Municipal, é pen-sado como capaz de resolver os obstáculos organiza-cionais e, desta maneira, facilitar a satisfação das deman-das sociais daquele momento, pois se racionalizam asprioridades e os recursos humanos e materiais.

A política social, enquanto um conjunto de medi-das encontradas pelo Estado para, a seu modo, resolveros problemas sociais, é inserida no planejamento parapropor o bem-estar social pela regulação do sistema eco-nômico, fazendo uso de práticas comuns às sociedadescapitalistas contemporâneas, os seja a implantação deuma rede de seguridade.

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De um lado, a política social inserida no planeja-mento estatal, seja ela qual for, demonstra as disputasefetivas quando se processam as decisões, quando sediscute a repartição dos custos e benefícios sociais ouas relações entre os agentes do processo, seus interes-ses e formas pelas quais se inserem na ordem social.

De outro, os embates econômico e político pres-sionam o Estado a intensificar a seleção de políticas epráticas sociais. As políticas sociais, e particularmenteas políticas de saúde, são assumidas pelos gestores comopossibilidades de redução das desigualdades sociais, àmedida que se expande a rede de serviços de saúde.

Mesmo assim, as políticas de saúde, incorpora-das ao planejamento urbano, têm estabelecido um siste-ma de exclusão político-social, mais do que a inclusãodas vastas camadas populares (SILVA, 1986; FALEIROS,1986), já que os planejamentos não definem, com a clare-za necessária, os recursos humanos e materiais suficien-tes à manutenção de uma infra-estrutura viável à rede deserviços de saúde que correspondam às expectativas eaos canais de participação popular.

O planejamento de políticas setoriais de saúde,mesmo excluindo vastas camadas da população e ocul-tando a capacidade de participação política de seus usu-ários, tem servido para emprestar uma face humanistaaos seus gestores.

A inadequação entre as propostas do planejamen-to, especialmente as referentes à saúde, e as ações/ prá-ticas de saúde, resulta num contínuo processo de exclu-são político-social, ocultamento da capacidade de parti-cipação política e endeusamento dos gestores das políti-cas de saúde, pela possibilidade de redução das desi-gualdades sociais, as quais, por fim, se vêem, durante aexecução, com a falta de recursos humanos e materiais.

Muitas são as explicações sobre as razões destainadequação (BROWNE E GEISSE, s/d). Entre elas é pos-sível arrolar a falta de perspectivas dos administradores,a escassez de recursos e a instabilidade política, masexistem outras que se encontram fora do processo dedecisão como, por exemplo, a educação dos planejadores,responsável pela sua acomodação às benesses do cargoque ocupam na área de planejamento.

O Estado, ao tomar para si a responsabilidade depromover políticas sociais descentralizadas, responde àcentralização, à medida que as políticas sociais relacio-nam-se com a reprodução ampliada do capital edesprestigiam as instâncias de representação (JACOBI,1993; ARRETCHE, 1995).

A descentralização das políticas sociais, e em par-

ticular as de saúde, não elimina a necessidade de plane-jamento, o que fortalece a racionalização e a ordenaçãodos serviços públicos e envolve a centralização, mesmoque se ampliem os direitos sociais e o nível de participa-ção dos cidadãos.

Descentralizar sem garantias de colocar as informa-ções à disposição dos cidadãos, sem ter a sociedade civilorganizada e sem dispor de canais e formas de participaçãoeficientes é, na verdade, retornar à centralização (ARRETCHE,1995; JACOBI, 1993; BROWNE; GEISSE, s/d).

O acesso aos serviços, dificultado por questõesburocráticas, deterioração e desprestígio das instituiçõese pelo aumento da população usuária, coloca o processode descentralização em risco. A prática do incremen-talismo dificulta também esse processo, pois os meca-nismos inovadores e os organismos reformistas reafir-mam estruturas centralizadoras (JACOBI, 1993;BROWNE; GEISSE, s/d).

Os governos, em qualquer um de seus níveis, sãochamados a iniciarem a institucionalização da inclusãodos cidadãos no processo decisório e eliminarem aque-las formas particulares de participação (ARRETCHE,1995; ROSALAVALLON, 1993; TANZI, 1995, apudARRETCHE, 1995), para fazerem frente ao processo dedescentralização. Os programas e as estratégias dedescentralização propõem um rearranjo das estruturaspolítico-institucionais.

A sociedade brasileira é permeada de uma culturade planos/planejamentos. Entende-se que facilitam o al-cance do desenvolvimento econômico pela racionaliza-ção das políticas. Na história recente (1956 a 1996), ogoverno federal elaborou e colocou em prática dez pla-nos de intervenção no espaço nacional. Entre eles, en-contram-se do mais liberal ao mais coerente com a reali-dade histórica e, daí, aos mais autoritários. A maioria foisubstituída tão rapidamente, que não se consegue avali-ar quais seriam os resultados se fossem implementados.

Bierrenbach (1987) elabora uma análise interes-sante sobre os planos nacionais de 1956 a 1978, indican-do os impasses econômicos determinantes na sua elabo-ração e decidindo o motivo do mínimo interesse concedi-do aos serviços sociais. Ribeiro e Cardoso (1994), inte-ressados em propor um paradigma para futuros planeja-mentos urbanos, revisam e classificam os planejamentosexistentes no período de 1930 a 1980. Estes são os auto-res selecionados para orientar a reflexão das interfacesentre os planos nacionais e os três planos de desenvol-vimento urbano elaborados para São José dos Campos,naquilo que se refere à política social de saúde.

Se em nível federal são 10 os planos nacionais

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implementados entre 1956 e 1996 por 11 presidentes (Fig.1), em nível local há três planos sendo implementadospor 11 elites políticas. Claro que a importância não secentra na quantidade de planos e gestores, mas os nú-meros apontam uma descontinuidade em nível nacional,alterando as formas de intervenção nos municípios.

A alternância das elites no poder local evidenciatanto os diferentes rumos dados às diretrizes geraisestabelecidas nos planos de desenvolvimento urbanodo município, quanto as intervenções no espaço urba-no, na implementação de políticas e ações distantes dasdiretrizes dos planos locais para atender aos interessesdo governo central.

Os planos de intervenção no espaço nacional di-vergem em sua fundamentação político-ideológica e emsua preocupação com a política setorial da saúde. De1956 a 1970, o cenário nacional se vê orientado por qua-tro planos, dos quais dois são considerados de tendên-

cia democrática com bases ideológicas diversas, o Planode Metas e o Plano Trienal.

O Plano de Metas tornou-se conhecido como oprimeiro instrumento sistematizado para direcionar ativi-dades geradoras do desenvolvimento. A luta pelo de-senvolvimento e a segurança nacional ampliada para adefesa do mundo ocidental o fundamentam ideologica-mente. Quanto às preocupações com o social, sãoinexistentes, a não ser que se considere o treinamento depessoas como medida social.

Durante este período, o município de São José dosCampos não conta com qualquer plano que direcione asatividades humanas no seu espaço. É um período em que apreocupação com o espaço urbano tem início com o convê-nio estabelecido entre a prefeitura local e o Centro de Pes-quisa e Estudos Urbanísticos (CPEU) /FAU/USP, em princí-pios de 1958. Deste convênio define-se o Plano Preliminar/1961 que evolui para o Plano Diretor Integrado/1971.

Fig. 1 - Gestores e Planos (1956-1996).OBS.: Os * indicam a substituição dos eleitos pelos vices e destes pelo Presidente da Câmara dos Vereadores,quando se trata dos prefeitos locais; em relação ao governo central indica a substituição por perda de mandato, nocaso de Fernando Collor, e, no caso do Sarney, se deu pela morte de Tancredo Neves.

O CPEU e a equipe do Escritório Técnico de Pla-nejamento/SJC propõem, também, aos prefeitos locais, acriação de um Consórcio de Desenvolvimento Integraldo Vale Paraíba/1963 - CODIVAP - para a execução de

obras e serviços visando o desenvolvimento. Para ga-rantir a execução e implementação dos estudos realiza-dos pelo CODIVAP, foram acionados a cooperação deordem estadual e federal, o apoio dos administradores

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locais e das Câmaras de Vereadores e os estudos realiza-dos pelo SVP e pelo próprio CPEU.

Parece ser uma atitude política isolada e local, masuma reflexão mais atenta para o espaço brasileiro permiteidentificar que neste período muitos outros municípios,alguns importantes da Região do Vale Paraíba, adotam oplanejamento como forma de enfrentar o desenvolvimen-to local e regional. A região já era considerada estratégi-ca para o Estado de São Paulo, como prova a existência eos objetivos do Serviço do Vale Paraíba (SVP)/SP.

Esta preocupação acentua-se na década de 50,quando o governo federal o percebe como zona de inte-resse estratégico dedicando-lhe uma atenção especial,quando se fortalecem e se redirecionam os objetivos doagora SVP.

O planejamento dos Serviços do Vale Paraíba(SVP ex-SMVP, 1946), em 1960, tem como objetivos:

a) a conservação dos recursos naturais e a suautilização harmônica e integral;

b) a reformulação da política atual de exploraçãoagropecuária e florestal;

c) a implantação de indústrias básicas de interes-se regional;

d) o disciplinamento do crédito;

e) a melhoria das condições sociais e assistenciais;

f) a educação e o ensino (Prefeitura Municipal,PDI/1971, p.18).

O SVP assume, a partir de sua reorientação, a res-ponsabilidade de orientar o zoneamento urbano-industrial;melhorar os planos de habitação, que com o surto da indus-trialização passaram a exigir prioridade de crédito; evitar acrise de energia com a instalação da usina de Caraguatatubae facilitar o desenvolvimento da rede escolar.

No que diz respeito à Saúde, o SVP não ultrapas-sa a identificação das condições sanitárias insatisfatóriasdas zonas urbana e rural do Vale Paraíba e a insuficiênciados serviços públicos, graças à pouca capacidade finan-ceira dos municípios. Além disto, a saúde só tem lugarna relação dos objetivos e, assim mesmo, em penúltimolugar. Nenhuma proposição prática para as demandassociais, nessa área, é colocada devido ao surto de indus-trialização.

O Plano Trienal é tido como aquele que melhorse aproximou da realidade brasileira, tanto em nível

institucional como administrativo. Reconhece asdisparidades regionais, a burocratização exagerada, aausência de uma política bancária, os efeitos negativosda concentração de renda. É o primeiro plano que identi-fica, de forma clara, a preocupação com o social, quandoprioriza a distribuição de renda, o combate à inflação, asmedidas sanitárias preventivas de baixo custo e o sane-amento básico.

Enquanto o governo Goulart acende uma discus-são política efervescente, no município de São José dosCampos a discussão se dá em relação à necessidade deum planejamento regional que dê conta de questões co-muns aos diferentes municípios do Vale Paraíba; a ne-cessidade de um Consórcio de Desenvolvimento Inte-grado do Vale Paraíba - CODIVAP - para ganhar forçajunto aos governos federal e estadual e assim conseguirverbas com maior facilidade e, ao mesmo tempo, venceras resistências do prefeito municipal recém-empossado,Dr. José Marcondes Pereira, ao planejamento do espaçodo município.

O CODIVAP é o primeiro consórcio para o Desen-volvimento regional. Foi apresentado pelo município deSão José dos Campos como tese no VI Congresso Naci-onal dos Municípios realizado em junho de 1963. Entreos problemas arrolados como prioritários encontram-sea saúde e os serviços públicos, e para resolvê-los acio-nava o governo

“(...)através de concessão de crédito preferencialàquelas atividades que se realizem consoante oplano. Assim, seriam concedidos, prioritariamente,créditos às indústrias, planos de habitação e ser-viços públicos que se enquadrassem no planeja-mento” (PMSJC/PS/PDI/1971).

Com tantas discussões e dificuldades, o primeiroplano para o espaço urbano do município de São Josédos Campos - Plano Preliminar/61 - iniciado em 1958 nagestão do Prefeito Elmano Ferreira Veloso, fica prontoem 1960 e começa a orientar o espaço joseense em 1961,assim permanecendo até 1970. O documento focaliza asnecessidades políticas locais na implementação, sem,contudo, fazer qualquer alusão à saúde, seja em termosde espaços físicos destinados a programas e ações, sejaem termos de diretrizes que norteiem as decisões futuras.A grande preocupação do Plano Preliminar/61 é com aárea central e nela o centro cívico.

No período que se estende de 1964 a 1970, doisoutros planos nacionais, o Plano de Ação Econômica doGoverno - PAEG - e o Programa Estratégico de Desen-volvimento - PED - iniciam a centralização das decisõespolíticas. O poder local garante a preparação de um se-gundo plano, inicialmente como Estudos e Planos

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Setoriais, e que evolui para o Plano Diretor Integrado/1971 - Lei n.o 1623/71.

O PAEG e o PED inauguram a coordenação doespaço nacional sob a guarda do regime revolucionário.O PAEG é utilizado como instrumento de legitimação e,para tanto, conta com representantes das diversas cama-das sociais no Conselho Consultivo de Planejamento. Apolítica de Produtividade Social relaciona os componen-tes sociais aos componentes de produção. Tem-se o Es-tado como guardião do capitalismo (KUENZER;CALAZANS; GARCIA, 1990). Sem um diagnósticoabrangente da realidade, com a setorização do social ecom o social subordinado ao econômico, o plano éimplementado com a intenção de restituir o clima de tran-qüilidade ao País.

O PED recomenda a transição da economia desubstituição de importações para uma economiadiversificada, o combate à inflação e o fortalecimento daempresa privada. Este é o conceito de desenvolvimentono governo Costa e Silva.

No PAEG, a Política Social de Saúde orienta a ins-talação de centros comunitários e a normalização de ini-ciativas públicas e privadas. No que toca à área de sane-amento básico, a proposta é aumentar a rede de abasteci-mento de água e esgoto, e na área de Previdência Socialé reformular a base organizacional.

No PED, a dimensão do social aparece por meiodas diretrizes que sintetizam a “Meta-Homem”. A saúdese apresenta em três grandes linhas: assistência médico-sanitário-hospitalar, saneamento básico e combate àsdoenças transmissíveis. A Política Previdenciária cum-pre a tarefa de unificar os antigos institutos no InstitutoNacional de Previdência Social -INPS.

O social é a tônica do Plano Trienal. Já nos doisplanos subseqüentes, PAEG e PED, a dimensão do soci-al, e particularmente a política de saúde, encontra-se pre-sente como medida intervencionista e setorizada paracolaborar com o desenvolvimento econômico. De um ladoé a subordinação do social ao econômico, de outro favo-recer o social é diminuir as tensões sócio-políticas.

O compromisso com o social, presente no PlanoTrienal, alcança o município na atitude, em princípio par-ticular, do prefeito Dr. Marcondes, em colocar à disposi-ção da população os serviços da Farmácia Comunitária ea Casa da Criança. Até os anos setenta nada mais do queisto é realizado.

O município torna-se, em 1970, área de SegurançaNacional dada a presença, em seu território, do CentroTécnico Aeroespacial, do Instituto Nacional de Pesqui-

sas Espaciais e da Empresa Brasileira de Aeronaves; etambém devido à sua localização geográfica, próxima aoPorto de São Sebastião, fronteira com o Estado de Mi-nas Gerais e localizada entre os dois eixos econômicos:Rio de Janeiro e São Paulo.

Como município de Segurança, o poder local deSão José dos Campos era assumido por prefeitos nome-ados pelo governo central. Durante as gestões do Dr.Sérgio Sobral de Oliveira e do Eng. Ednardo J. de PaulaSantos encontrava-se em vigor o Plano Diretor Integra-do/71 (PDI/71). O documento trata, basicamente, datransformação física do espaço urbano, sugerindo umalegislação de ocupação do solo sem, no entanto, tratardas questões da saúde pública.

Embora o PDI/71 deixe de lado as questões refe-rentes à saúde, é sob as administrações nomeadas pelogoverno central que o município coloca à disposição deseus habitantes o Fundo de Assistência Médica eMedicamentosa (FAMME), o Departamento de SaúdePública, as primeiras Unidades Básicas de Saúde e o Pron-to Socorro “Dr. Carlino Rossi”. Estrutura-se, desta for-ma, a Rede Municipal de Serviços de Saúde.

Pode-se presumir, sem correr grandes riscos, quea Rede Municipal de Serviços de Saúde sintoniza-se coma centralização política iniciada com o PAEG e PED econtinuada com os dois Planos Nacionais de Desenvol-vimento (I PND, 1969, e II PND, 1979).

Deste período, década de 70, data a criação doSistema Nacional de Saúde com a tarefa de integrar asações estatais; cria-se o Sistema Nacional de Previdên-cia e Assistência Política Social (SINDAS,1978), para re-organizar as atividades finais e o Instituto Nacional deAssistência Médica de Previdência Social (INAMPS),para coordenar as atividades médicas.

A importância dada à saúde, pelos equipamentossociais colocados à disposição e pelos serviços instalados,tanto em nível federal como local, relaciona-se com o desen-volvimento econômico. É o intervencionismo estatal no setorda saúde. Melhoram-se os seus serviços, mas inibe-se aemergência da cidadania, mesmo a chamada cidadania desobrevivência (SPÍNOLA, 1992; SANTOS, 1979).

Os índices de miséria continuaram elevados. Osíndices de desigualdade social não foram diminuídos.Não se pode chamar as instalações de serviços e equi-pamentos sociais como Política Social de Saúde, já quenão se reconhece como tal a implementação de medidasmeramente compensatórias.

Pelo fato de essas medidas não redistribuírem ren-da e nem privilégios, e não efetivarem o acesso dos cida-

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dãos aos serviços públicos, elas não devem ser conside-radas como Política Social de Saúde. Estas são algumasdas razões que levam Oliveira (1984) a reconhecer o Es-tado Brasileiro como um Estado Malfeitor. A preocupa-ção é ofertar serviços para assim financiar, por fundospúblicos, a reprodução da força de trabalho.

No período que se estende de 1978 a 1992, SãoJosé dos Campos contou com oito prefeitos municipais.Todos eles tinham à sua disposição o mesmo planeja-mento de desenvolvimento urbano: o Plano Diretor In-tegrado/71 (PDI/71). A alteração das elites de poder, as-sunto que será tratado mais adiante, vai favorecer o privi-legiar da política setorial definida pelos governos federale estadual, facilitando desta maneira a arrecadação dosrecursos necessários, sem que estas diretrizes estivessemcontidas no Plano Diretor Integrado/71 (PDI/71).

O documento Plano Setorial/Plano Diretor Inte-grado (PS/PDI/71) não contém políticas para a saúde.Ele prioriza a transformação física do centro urbano. Emnível nacional, o I PND legou os programas do PIS e doPASEP que visavam, como proposta social, assegurar aparticipação do trabalhador na renda nacional, e priorizou,também, mediante a criação de pólos de desenvolvimen-to, a descentralização econômica e a articulação regional.

O II PND, reorganização da intervenção do Esta-do na Saúde, manteve os programas sociais como formade remuneração indireta e deslocou a Previdência Socialpara o Ministério da Previdência e Assistência Social.

O II PND influi na forma do espaço nacional àmedida que utiliza os conceitos de concentração de in-vestimentos em pontos estratégicos do espaço e de con-trole da administração municipal. É o início da ingerênciado governo federal sobre as prefeituras municipais, tan-to “por via do controle financeiro (...), mas também pelosistema de planejamento” (SERRA, 1991). O resultado é anegação da racionalidade à autoridade local.

A racionalidade encontra-se na esfera federal, e“passa a ser monopólio dos donos do poder” (SERRA,1991), e a

“(...)centralização das decisões é necessá-ria, pois os diversos agentes econômicose políticos poderão não obedecer às dire-trizes do ‘plano’ ” (SERRA, 1991, p. 148).

Como resultado da ingerência do governo federalsobre os municípios, os Planos Regionais e os PlanosLocais ou Setoriais, também chamados de Planos Direto-res, refletem os conceitos desenvolvidos nos PlanosNacionais - centralismo, hierarquismo, ausência de parti-cipação popular - as propostas da área na qual se instala

o município; como deveriam ser cumpridas as recomen-dações dos Planos Regionais e as três condições obriga-tórias, que são a:

“(...)criação de um órgão executivo do pla-no, atuação do Conselho de Desenvolvi-mento Regional junto às esferas dos go-vernos estadual e federal e aos própriosmunicípios da região; [e]interesse dos mu-nicípios e da população da região, no sen-tido de implantar as diretrizes do plano,gerando cooperação e apoio a nível comu-nitário” (SERRA, 1991, p. 135),

os municípios brasileiros foram coagidos a elaborar osseus planos diretores. As cooperações e apoios das es-feras estadual e federal eram facilitadas para aquelesmunicípios cujos Planos Diretores cumprissem as diretri-zes dos Planos Nacionais.

O poder local, ao solicitar empréstimos junto aosórgãos oficiais para a execução do Plano Diretor, terminapor aceitar a ingerência desses órgãos em cada uma dasetapas do plano.

Os chamados Planos Regionais tornam-se esfor-ços conscientes de construção do sistema de planeja-mento integrado, procurando incluir as grandes diretri-zes referentes às áreas de concentração e dedesconcentração em nível estadual e metropolitano. Re-conhecem e intervêm no planejamento municipal ao faze-rem recomendações em nível local.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado/95 (PDDI/95), que racionaliza o espaço do município deSão José dos Campos, embora não especifique nem de-talhe as áreas do território, ordena os aglomerados e osinvestimentos sobre eles em conformidade com a Políti-ca Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) (Mi-nistério do Interior: Resolução n.º 0003/1979).

As políticas setorizadas, a preocupação com aregião do Vale Paraíba, a insistência num macroplane-jamento, o fortalecimento de uma Secretaria de Planeja-mento com um setor de pesquisa de alta qualidade, sãoalguns indicadores da presença da PNDU sobre a políticade planejamento do município de São José dos Campos.

Em se tratando de serviços de saúde colocados àdisposição da população local, o primeiro governoBevilacqua (1978, I Gestão) fez os melhores investimen-tos garantindo a ampliação da Rede Municipal de Saúde,mesmo interrompido por duas vezes: a primeira pela suasaída para disputar uma eleição para o legislativo, a se-gunda quando o vice-prefeito, Francisco Ricci, retira-sedo cenário por desentendimentos políticos e viabiliza o

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acesso ao poder local do então presidente da câmara dosvereadores, José Luiz de Almeida.

A Secretaria Municipal de Saúde, a partir daquelemomento, passa a contar com uma estrutura física e umaorganização de serviços que se estende do Pronto-So-corro a Unidades de Atendimento à Saúde Bucal espa-lhadas por todas as regiões do município. Em especial,este governo dá atenção à saúde do escolar, instituindo44 unidades médicas e 44 unidades odontológicas. É deletambém a assinatura do primeiro Convênio INAMPS/Pre-feitura Municipal de São José dos Campos.

Parece que, embora o PDI/71 não estabelecessediretrizes norteadoras para a política social de saúde, acontinuidade do Plano Nacional de Desenvolvimento - IPND e II PND - e a intervenção do Estado no setor emnível nacional, com programas de serviços de saúde jáapontados, direciona o poder local na Atenção à Saúde.O advogado Robson Marinho, depois de uma excelentecampanha e consagrado nas urnas por maioria absoluta,chega ao poder local como o realizador das demandassociais. Antes de completar um ano de sua gestão é subs-tituído pelo vice, o assistente social Hélio Augusto deSouza, para concorrer à Câmara Federal dos Deputados ecompor o conjunto de deputados constituintes. O vice-prefeito, conhecido por seu comprometimento com o so-cial, mantém acesa a esperança de se verem priorizadasas demandas sociais, mas falece durante o primeiro anode seu mandato.

O governo local é assumido pelo presidente dacâmara de vereadores, Dr. Antônio José Mendes de Fa-ria, que embora do mesmo partido político, o PMDB,prioriza outras políticas sociais. No programa de saúde,consta como sendo desse período o Convênio com oSistema Unificado de Saúde (SUS), exigência federal; areativação do Centro Cirúrgico do Pronto Socorro Muni-cipal e a inauguração do Centro do Adolescente da Uni-dade Central de Saúde “Maria José Rodrigues” (Prefei-tura Municipal: “Manual de Recursos e EquipamentosSociais/1989-1992”; PDDI/95; Relatórios Oficiais/95).

O governo Sarney, com o l.º Plano Nacional deDesenvolvimento da Nova República, inaugura os gover-nos civis para a sociedade brasileira, sem contudo rom-per com a fundamentação político-ideológica que norteiaos governos militares.

O compromisso com o social, presente no discur-so durante toda a campanha presidencial, na prática mas-cara a desigualdade social ao favorecer os pobres, ocu-pando espaços que, por direito, são da sociedade civil.

As equipes de planejamento das políticas soci-ais, educação e saúde, começam a ser esvaziadas, o que

não diminui a prevalência do econômico sobre todos osdemais aspectos. Inserido neste contexto encontram-seos governos de Robson Marinho/Hélio Augusto de Sou-za e Antônio José Mendes de Faria (1983-1988).

A inserção do governo local num cenário políticoque continua reproduzindo a prioridade pelo econômicotalvez justifique a ausência de projetos e programas desaúde inovadores, como se discursava durante a campa-nha política. A Fundação Hélio Augusto de Souza -FUNDHAS - (Leis Municipais: 3227/87 e 3570/89) é oprojeto que mais deslancha nesta época. Seu objetivobásico é atender crianças e adolescentes do município,oferecendo programas de natureza sócio-educativa eocupacional.

A chegada de Fernando Collor à Presidência daRepública inaugura um novo momento na história doBrasil. É o primeiro governo civil desde 1961, eleito porvoto popular. É o candidato que elabora uma ferrenhaoposição ao governo Sarney e que consegue

“(...)preencher o espaço dito de centro-di-reita com as mesmas armas do populismo,logrando sólida implantação entre os elei-tores de baixa renda e baixa escolaridade(além, é claro, do eleitorado do interior, demodo geral” (LAMOUNIER, 1989, p. 143).

Ao sair Collor (1989-1992) vencedor encontra umagrave conjuntura econômica e passa a sofrer uma verti-ginosa perda de autoridade que o impede de corresponderàs expectativas de um eleitorado ávido por mudanças. OPlano de Reconstrução Nacional (PRN) não chega a serde fato implementado. De um lado, as equipes de plane-jamento são esvaziadas, e, de outro, tem início o declínioda cultura de planejamento, que vingou por tantos anos.O mesmo ocorre com o Plano de 5 Metas proposto porFernando Henrique Cardoso, o que indica enfraqueci-mento da cultura de planejamento na Sociedade Brasilei-ra, dando lugar as outras formas de racionalização dasnecessidades de sobrevivência da sociedade.

Em 1993, São José dos Campos conta com umanova elite de poder: a Dr.ª Ângela Moraes Guadagnin, doPartido dos Trabalhadores, ascende ao poder local reno-vando todos os membros do primeiro e segundo esca-lões do governo. A elite de poder encontra vários obstá-culos junto à câmara de vereadores para a aprovaçãodos projetos políticos apresentados à comunidadejoseense durante a campanha eleitoral. Não foi muito fá-cil governar de forma petista, insistindo na democracia ena participação popular, sem contar com maioria no po-der legislativo.

O governo Guadagnin se esforça para preparar e

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aprovar um Plano Diretor de Desenvolvimento Integra-do (PDDI/95) para o município de São José dos Campos.O PDDI/95 apresenta um diagnóstico que, se não com-pleto sobre a realidade joseense, é atualizado, com dire-trizes, políticas, programas e projetos para cada políticasetorial. Isto, no entanto, não basta.

O documento não esclarece a origem dos recur-sos materiais e humanos, o tempo de implementação,assim como não informa a qual secretaria caberá a res-ponsabilidade de cada projeto, e quais serão as penalida-des para o não cumprimento dos programas e projetos.

Durante a preparação do documento do PDDI/95,e sem contar com qualquer orientação estabelecida noPDI/71, o governo Guadagnin melhora a Rede Municipalde Saúde, instalando novos serviços, estendendo osanteriores e oferecendo uma cobertura maior.

São José dos Campos, ao contar com um PlanoDiretor Integrado (PDI/71), que orienta o espaço urbanopor aproximadamente 22 anos, mostra por quais razõesele acaba não dando conta e permitindo intervençõessobre o espaço por decisões do momento político.

Com o esvaziamento das equipes de planejamen-to, fortalecido a partir do governo Collor, entra-se na fasede desaceleração tanto dos planos/planejamentos comoda centralização político-econômica. A ruptura com ogoverno militar, a chegada da Constituição Federal em1988, as novas Constituições Estaduais, e a aprovaçãodas Leis Orgânicas dos Municípios propõem um novocaminho para o desenvolvimento: a descentralização e aparticipação popular.

Na saúde, a Constituição/1988, o Decreto 99438/1990 e a Lei Orgânica/1990 tomam como caminho aefetivação do Conselho Municipal de Saúde em São Josédos Campos - COMUS -. Esta situação se instala em todoo território nacional, nem sempre da mesma forma, já queas condições locais são levadas em consideração.

O COMUS/SJC, segundo o Decreto 7043/90,

“(...) tem como objetivo básico o estabele-cimento, acompanhamento, controle e ava-liação da Política Municipal de Saúde naconformidade da Lei Orgânica do Municí-pio, constituindo-se no órgão colegiadomáximo (Decreto 7043/90:capítulo II, arti-go 3.º) (grifos nossos). O COMUS/SJCserá composto de representantes de mo-vimentos e entidades, trabalhadores e re-presentantes governamentais, interessa-dos na questão de saúde do Município”(capítulo III - artigo 3.º).

O COMUS/SJC deveria observar, de formasimplificada, as seguintes diretrizes básicas e prioritárias(capítulo IV - artigo 6.º; anexo 4): “garantir a saúde medi-ante políticas sociais; constituir uma rede organizada,regionalizada e hierarquizada de ações e serviços; asse-gurar o desenvolvimento e a complementaridade entreas dimensões preventivas e sociais; e descentralizar efe-tivamente as ações de saúde”.

Com os Conselhos - Nacional e Municipais - aPolítica de Saúde toma o rumo da descentralização e fa-vorece a participação popular. Parece confirmar o pres-suposto das relações entre políticas sociais e necessida-des sociais.

As necessidades sociais, derivadas do sistemaprodutivo capitalista, impulsionam as demandas sociaise estas acabam levando o Estado a cumprir alguns deseus compromissos sociais, gerar bem-estar social, pro-duzindo políticas sociais descentralizadas.

A sociedade brasileira adentra a década de 90 comum processo de descentralização da Política de Saúde,que representa a recuperação da racionalidade da deci-são local (plano econômico) e a possibilidade de amplia-ção dos direitos e da participação dos cidadãos (planopolítico-administrativo) (JACOBI, 1993).

A sociedade encontra-se diante de novas regrasde convivência entre o poder e a população local. Asresponsabilidades dos cidadãos também são outras, jáque muitos exemplos de descentralização têm significa-do re-privatização, fortalecimento do poder central / lo-cal e a criação de entraves à participação por ineficiênciade canais (BORJA apud JACOBI, 1993). Os cidadãos de-vem estar atentos para que os canais de participaçãonem dificultem nem desprestigiem a representação, mas,ao contrário, sejam facilitadores das ações dos diferen-tes grupos na obtenção de poderes públicos.

O COMUS inaugura uma política de saúde des-centralizada e participativa. Não se garante a reduçãodas desigualdades sociais, objeto das políticas sociais.Ainda falta muito para que sejam eliminadas as incerte-zas dos cidadãos de terem garantido o acesso aos servi-ços de saúde.

PLANOS DIRETORES URBANOS PARA SÃO JOSÉDOS CAMPOS

São José dos Campos conta, em sua história, comtrês planos. O Plano Preliminar/61 (PP/61), realizadono período de 1958 a 1961 (gestão de Elmano FerreiraVeloso) e implantado em 1962, durante o governo do Dr.José Marcondes Pereira. O Plano Setorial (PS), de 1961a 1964, posteriormente denominado Plano Diretor Inte-

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grado/71 (PDI), elaborado a partir dos dados e informa-ções contidos no Plano Preliminar, implementado com aLei N.º 1623/1971 e que gerenciou o espaço urbano domunicípio de São José dos Campos até 1994. O PlanoDiretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI/95), inici-ado em 1990 e que vai orientar o uso do espaço urbanopor 10 anos, foi aprovado pela câmara dos vereadores ea lei sancionada pela prefeita Dr.ª Angela M. Guadagnin.

O Plano Preliminar/61 começou a ser preparadoem 4 de abril de l958, logo após a assinatura de um con-vênio entre a Secretaria de Viação e Obras Públicas doEstado de São Paulo (SVOP/SP), o Centro de Pesquisa eEstudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Ur-banismo da Universidade de São Paulo (CPEU/FAU) ea Prefeitura Municipal de São José dos Campos.

A orientação técnica ficou sob a responsabilida-de do CPEU/FAU, e durante o desdobramento dos estu-dos e recomendações do próprio CPEU/FAU, a prefeitu-ra local criou um Escritório Técnico de Planejamento, queassumiu algumas das responsabilidades técnicas, tantodeste Plano Preliminar como do Plano Diretor Integrado/1971. Os encargos financeiros ficaram sob a responsabi-lidade da SVOP/SP.

O convênio previa a preparação de um Plano Pre-liminar que desse conta de ordenar o desenvolvimentocaótico do município. Esse plano representa a primeiraetapa no processo de planejamento do município de SãoJosé dos Campos. As demais etapas previstas são (Pre-feitura Municipal/PP/196l:0138-IV.3.1): Plano Preliminarpara a Zona Rural, Plano de Desenvolvimento Econômi-co para o Município, Planejamento das Instituições So-ciais do Município e Plano Diretor, com a setorização daszonas urbanas e rurais, sistema de zoneamento, sistemade vias principais, sistema de distribuição, projetos paraa distribuição e prestação de serviços públicos.

O documento - Plano Preliminar/1961- é compostode uma Introdução, que reconstrói a história do Mmnicípio;do Levantamento Básico para o Planejamento; do PlanoPreliminar e, por fim, da Implantação do Plano.

Os levantamentos incluem a formação e desen-volvimento de São José dos Campos, além de elementosgeográficos e cartográficos; cadastro imobiliário e equi-pamentos; estudos de circulação, o econômico edemográfico; pesquisa social, incluindo serviços de saú-de e legislação urbanística do Município.

A preocupação do prefeito Elmano Ferreira Velosocom o espaço urbano, durante sua gestão, parece colo-car em prática as diretrizes político-ideológicas propos-tas para a sociedade brasileira no final dos anos 50: tratara rede urbana enquanto instrumento e objeto de desen-

volvimento. É a ingerência do Estado Federal medianteas metas do Plano de Metas (JK/1956-1960). O municí-pio, para disciplinar o espaço e combater a especulaçãoimobiliária, passa a contar com um instrumento aprova-do em 1959, e moldado na Lei n.o 5261 do município deSão Paulo. Reconhece-se que o instrumento utilizado éuma forma de ingerência estadual no poder local.

O Plano Preliminar/61, com o zoneamento de mas-sa, delimita as áreas urbanas e as de expansão urbana eseus usos. Fatores de ordem geográfica e climática, soci-ais, econômicos e políticos foram considerados para odimensionamento de 4 setores residenciais, 6 setores paraas indústrias (728 hectares foram deixados para as indús-trias incômodas) e 4 setores para as áreas verdes.

Os planejadores do Plano Preliminar/61 dividemas zonas residenciais em setores e unidades de vizinhan-ça (Bairros), justificando ser este o princípio que permite o

“(...)planejamento da cidade como organis-mo poli-nucleados, com diversos centrose sub-centros, (...)” (PMSJC/PP/1961).

A Zona de Expansão Urbana foi composta pelasáreas desabitadas, quase 50% da zona residencial totalprevista.

A possibilidade de o município tornar-se um futu-ro centro metropolitano, ponto de convergência de inte-resses regionais, exigiu dos planejadores a

“(...)obstaculização de um local para sediartodos os serviços administrativos Muni-cipais, Estaduais e Federal, além da Câma-ra Municipal, escritórios de autarquias ealgumas instituições culturais. Este con-junto irá constituir o Centro Cívico de SãoJosé dos Campos” (PMSJC/PP/1961),

na área da Praça Afonso Pena, que foi reservada e decla-rada de utilidade pública, pois já se entendia nesta oca-sião que a consecução seria demorada e muito depois deoutras prioridades terem sido resolvidas com o planeja-mento do espaço.

Com o andamento dos trabalhos, as comissõeschegam a concluir que as pesquisas até então realizadaspoderiam fundamentar um planejamento integral de de-senvolvimento, requerido pelos Municípios da Regiãodo Vale Paraíba.

Alguns obstáculos políticos que arrastavam asconclusões dos trabalhos e, ainda, a interrupção daspesquisas sob a coordenação do CPEU/FAU, por teremconcluído sobre a necessidade do Planejamento Regio-

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nal, apontam para uma mudança dos rumos firmados peloConvênio/1958.

De 1961 a 1964 executa-se o Plano Diretor Inte-grado de São José dos Campos - PLANOS SETORIAIS,Documento “Estudos e Planos Setoriais” (PrefeituraMunicipal de S.J. dos Campos/1971). É, na verdade, aúltima etapa prevista pelo Plano Preliminar, que vai orien-tar o uso do espaço urbano do município de 1972 a 1994,e que se transforma na Lei n.º 1623/1971.

O período de execução dos estudos e planossetoriais é bastante turbulento. O Prefeito eleito, Dr. JoséMarcondes Pereira, demora a dar importância política aoPlano de Desenvolvimento Urbano do Município, fatoque vem a ser alterado somente com a apresentação econseqüente aclamação da tese de um consórcio no VICongresso Nacional dos Municípios, em 1963.

A equipe do CPEU opta por acelerar o Planeja-mento Regional e Planejamento Rural, secundarizando,desta maneira, os trabalhos necessários ao cumprimentodas etapas indicadas no Plano Preliminar. Dificuldadesna organização de um setor no poder local, que assumis-se a coordenação dos trabalhos, complicam o processode planejamento. Surge, então, a idéia de um EscritórioTécnico de Planejamento que assume o processo entre-gando em 1971 o relatório final intitulado “Estudos e Pla-nos Setoriais (1961-1964)”(Prefeitura Municipal, Arqui-teto Brenno Cyrino Nogueira/ PDI, 1971, p.12).

O segundo plano, pensado por uma equipe local,inclui um novo diagnóstico da realidade, um estudo debairros incluindo os equipamentos sociais, o planejamentode um conjunto de setores habitacionais, trabalho reali-zado pelos alunos do 6.o ano/FAU/1962, orientações parao uso da área central, transformação da estrutura física:sistema viário, criação de espaços abertos, reorganiza-ção locacional e volumétrica dos edifícios, e a identifica-ção das áreas a serem desapropriadas para a transforma-ção da estrutura física da área central.

O Plano propõe como programa uma legislaçãode ocupação do solo e organização da circulação eremanejamento viário e ocupacional, sem a qual não seviabilizaria a transformação física da área e a centraliza-ção das atividades terciárias, centralização das funçõesligadas à Administração Pública Municipal, Estadual eFederal. Prevê, também, espaços para o Centro Cívico(proposição do Plano Preliminar), para a cultura, habita-ção e equipamentos sociais.

Mesmo não existindo propostas concretas para asaúde, seja no Plano Preliminar ou no Plano Setorial, tam-bém chamado de Plano Diretor Integrado para São Josédos Campos, é apresentado um conjunto de serviços

colocados à disposição da população pelo governo domunicípio e, segundo os próprios gestores da saúde enoticiados pela imprensa, notadamente pelo Jornal “OVale Paraibano”, considerado o único na época de gran-de circulação local, os serviços de saúde estavam orien-tados pelo PDI/SJC/1971 e pelo CODIVAP/1971.

Além destas informações, outros dados sobre osserviços de saúde, abaixo relatados, foram conseguidosdas seguintes fontes: Prefeitura Municipal de São Josédos Campos/Secretaria de Desenvolvimento Social/Su-pervisão de Apoio às Entidades Sociais: “Manual deRecursos e Equipamentos Sociais de S.J. dos Campos”:1989 a 1995; Prefeitura Municipal de São José dos Cam-pos: “Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado deSão José dos Campos/1995”; Prefeitura Municipal de SãoJosé dos Campos /Correspondências.

Durante o governo do Dr. José Marcondes Pereira,a Farmácia Comunitária e a Casa da Criança são os doisserviços colocados à disposição da comunidade local.

No período em que o município se encontravasob intervenção federal, tanto o prefeito Dr. Sérgio Sobralde Oliveira (1970-74) como o Eng. Ednardo de Paula San-tos (1975-79) colocam à disposição dos joseenses os se-guintes serviços, que compunham a então chamada RedeMunicipal de Saúde: Unidade Central de Saúde(FAMME), em 1971, destinada a prestar assistência mé-dico-odontológica e ofertar medicamentos a servidoresmunicipais e seus dependentes; Departamento de SaúdePública, em 1976; as primeiras Unidades Básicas de Saú-de - UBS - (Bonsucesso, São Francisco Xavier, JardimSatélite, Torrão de Ouro e Alto da Ponte), em 1976; UBSde Eugênio de Melo, em 1977; Pronto-Socorro Munici-pal “Dr. Carlino Rossi”, em 1978, administrado pela SantaCasa de Misericórdia de São José dos Campos; Unida-des Médico-Odontológicas Escolares em 10 escolas mu-nicipais, durante o ano de 1979.

Entrando na década de 80, mas ainda orientado pe-las diretrizes do Plano Diretor Integrado - PDI/71- e pelasdiretrizes do CODIVAP, o poder municipal coloca à disposi-ção os seguintes serviços de saúde: 10 Unidades de Atendi-mento à Saúde (UAS) e mais 1 UBS, em 1980; instala aSecretaria de Saúde e Promoção Humana, em 1981.

No período de 1981 a 1982, implantam-se outras uni-dades básicas de saúde possibilitando que a Secretaria deSaúde dispusesse da seguinte estrutura: Pronto-SocorroMunicipal, FAMME, 2 Unidades de Pronto Atendimento(UPAs), 12 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), 18 Unidadesde Atendimento à Saúde (UASs), 44 Unidades Médicas Es-colares e 44 Unidades Odontológicas; ao final de 1982, assi-na-se o primeiro Convênio INAMPS/PMSJC.

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No período de 1983 a 1988 (governo Robson R.Marinho, Hélio Augusto de Souza e Antônio José M. deFaria), inaugura-se a UPA de Saúde Mental, assina-se oconvênio AIS/PMSJC e o convênio com o SUS (1988),transforma-se a UPA Morumbi e Vila Paiva em UBS, inau-gura-se o Centro do Adolescente da Unidade Central deSaúde “Maria José Rodrigues” e a UBS Vila Tatetuba ereativa-se o Centro Cirúrgico do PSM.

No período de 1989 a 1992 (governo Joaquim V.Bevilacqua e Pedro Ives Simão), ocorre a implantação doSUS, a ampliação de atendimento primário (ampliação econstrução de novas UBSs) e de atendimento secundá-rio (melhorias dos recursos humanos e materiais).

Em setembro de 1994, a prefeita Ângela MoraesGuadagnin encaminha à câmara dos vereadores do mu-nicípio o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado(PDDI, 1995, 165 p.) para São José dos Campos, conduzi-do sob a coordenação da Secretaria de Planejamento eMeio Ambiente, que deverá orientar o desenvolvimentodo município nos próximos 10 anos.

O PDDI/95 foi elaborado em quatro etapas. No 2.ºsemestre/1988 realizou-se o levantamento sócio-econô-mico; em 1990, os dados coletados para o censo escolarmostram os principais aspectos físicos e urbanísticos doprocesso de desenvolvimento do município e foram uti-lizados para o PDDI/95; em 1991, com a assessoria daUNESP/Rio Claro, organiza-se o Plano Preliminar. Em 1993,o governo local analisa o Plano Preliminar da gestão an-terior, aprofunda a análise de alguns aspectos, entre eles

“ (...)a Carta das Unidades Territoriais que in-dica a Capacitação do Solo para todo o terri-tório do Município e a proposta deMacrozoneamento” (PMSJC/PDDI/95, p. 10).

O PDDI/95 caracteriza-se por:

“ (...) Abordar o Município sob doisenfoques: o regional e o local, em termos desua estrutura interna; diagnosticar a situa-ção de todos os setores nos meios urbanoe rural e estabelecer as interrelaçõessetoriais; resgatar as aspirações das comu-nidades locais; determinar os objetivos ediretrizes para o desenvolvimento do muni-cípio; (...)” (PMSJC, PDDI/1995, p. 10).

Entre as diretrizes gerais do PDDI/95 encontra-sea participação popular na formação, implementação eavaliação das políticas públicas; o movimento dos bense serviços essenciais à vida digna; uma abordagem multie interdisciplinar e a oferta de um lugar social digno paraassegurar uma vida física e mental sadia a todos.

Diferentemente dos dois planos anteriores (PP/61e PDI/71), no PDDI/95 a saúde faz parte das chamadaspolíticas setoriais e encontra-se alocada na Secretaria deDesenvolvimento Social - SDS - já que é dela a compe-tência de intervenção nas questões sociais.

Distanciando-se do assistencialismo, reconhecen-do a política social como dever do Estado e como a açãodirecionada a viabilizar justiça social, reconhecendo aestrutura e a organização da sociedade como fontes daconcentração de renda e da exclusão social,

“ (...)a Secretaria de Desenvolvimento Soci-al adota políticas setoriais e estabelece doiseixos básicos da direção do trabalho socialna gestão democrática e popular: a) o in-centivo à organização e participação popu-lar, de forma que a população ocupe e forjecada vez mais a criação de canais de partici-pação (...); b) a adoção da assistência soci-al como prerrogativa (...) garantindo a qua-lidade da prestação de serviços à popula-ção usuária, conforme critérios previstos naLei Orgânica da Assistência Social – LOAS–” (PMSJC/PDDI/1995, p. 92).

Em se tratando da Política Setorial de Saúde, oPDDI/95 a entende como um indicador da organizaçãosocial e econômica de um País, resultante das ações des-tinadas a garantir as condições de bem-estar físico, men-tal e social das pessoas, do acesso aos bens e serviçosessenciais, do acesso às necessidades básicas como ali-mentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente,trabalho, renda, educação, transporte e lazer.

Todo o diagnóstico, as políticas, os projetos e asações de saúde explicitados no PDDI/95 fundamentam-se na Constituição Federal, seção II, na Lei 8080 de 19/9/1994 e na Lei Orgânica do Município de São José dosCampos de 5/4/90.

A Secretaria Municipal de Saúde de São José dosCampos tem como base a

“ (...)implantação definitiva do SUS, o queiniciou com a real absorção do INAMPS ea municipalização dos serviços estaduais,garantindo acesso, gratuidade e melhoriana qualidade e oferta de serviços (...), in-vestindo no gerenciamento, em programasde saúde e na participação popular”(PMSJC/PDDI/1995, p. 106).

A saúde, enquanto direito inalienável de todos edever do Poder Público, é assegurada no artigo 270 da LeiOrgânica do Município de São José dos Campos, mediante:

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“ (...), II. Acesso universal e igualitário àsações e serviços de saúde em todos os ní-veis; III. Atendimento integral do indivíduo,abrangente à promoção, preservação e re-cuperação de sua saúde; IV. Atendimento eorientação para a defesa da vida a partir daconcepção” (PMSJC/PDDI/1995, p. 106).

O PDDI/95 levanta os seguintes problemas daSecretaria da Saúde de São José dos Campos, identifica-dos como insuficiência e ineficiência para garantir o di-reito à saúde da população: falta de recursos financeiros(mesmo que na administração da prefeita Ângela M.Guadagnin sejam destinados 20% do orçamento, consi-derado um dos mais altos do País), ineficiência geradapor questões da administração municipal e por questõesinternas à Secretaria da Saúde como falta de recursoshumanos e de participação popular.

Embora se considere que a participação poderiaser melhor, contudo a sua fragilidade, tanto na adminis-tração municipal geral como na da saúde, não a leva adeliberar sobre questões de saúde. No sentido de tornaro compromisso da administração petista uma realidade,o PDDI/95 reconhece e fortalece os três mecanismos bá-sicos possíveis de desenvolver a participação popular:

Os Núcleos de Saúde Comunitária - NUSAC’s -que podem ter seus representantes nos ConselhosGestores de Unidade - CGU’S. Os

“ (...)NUSAC’s discutem seus problemas deSaúde e levam suas idéias e encaminhamen-to de solução através dos CGU’s e/ouUBS’s (...). O NUSAC é composto por pes-soas da comunidade” (PDDI/1995, p. 117).

Os Conselhos Gestores de Unidade - CGU’s - que

“ (...)são grupos de pessoas da comunidadeque se encontram na Unidade e participamdiretamente da Administração Central, deforma paritária e tripartide, juntamente com achefia da mesma. (...)” (PDDI/1995, p. 117);

e o Conselho Municipal de Saúde - COMUS - o qual

“ (...)é formado por representantes de Ins-tituições, Associações, Sindicatos e ou-tros segmentos da Sociedade, num totalde 28 membros, sendo 14 representantesde usuários, 7 dos prestadores de servi-ços e 7 da administração pública é, portan-to, tripartide e paritário. (...)” (PrefeituraMunicipal/PDDI/1995, p. 117).

O PDDI/1995 (art.55), ainda na política setorial desaúde, esclarece as suas Diretrizes dos Programas eProjetos da Saúde: desenvolver a descentralização dasunidades orçamentárias e financeiras em nível regional;remodelar as estruturas física e de suprimentos; desen-volver recursos humanos e sistemas informatizados einvestir no planejamento ascendente.

O artigo n.º 58 do PDDI/SJC/95 define como pro-gramas da política municipal de saúde a ampliação dasUnidades Básicas de Saúde; e como diretrizes dos proje-tos da Rede Física de Saúde a serem desenvolvidos nospróximos dez anos: a instalação de uma UBS, cobrindouma população de 10.000 habitantes, uma UBS desen-volvendo ações de vigilância incluindo aproximadamen-te 10.000 a 20.000 habitantes; uma Unidade de Especiali-dade de Saúde e uma Unidade de Pronto Atendimento demaior complexidade; um Hospital Geral ou Regional parauma população de 100.000 a 250.000 habitantes, um Hos-pital Municipal de referência e a construção de um Cen-tro de Zoonoses para as ações preventivas e curativasde vigilância.

Conclui-se que os três planos são gerais etecnoburocráticos, com escassa participação popular esem linhas de ação concretas, como afirmam alguns es-pecialistas como Ianni; Lamparelli; Lafer. Cada um delestraz, evidentemente, as características da equipe de tra-balho e as linhas político-ideológicas de cada elite depoder local, o que será objeto de discussão mais adiante,quando serão discutidas as relações entre os planosmunicipais e as políticas sociais de saúde.

PLANOS DIRETORES URBANOS DE SÃO JOSÉ DOSCAMPOS E SEUS PARADIGMAS

Planejamento, como se vê, centraliza no governofederal as decisões políticas geradoras do desenvolvi-mento, secundarizando as chamadas áreas sociais. Acentralidade das questões do desenvolvimento conso-me boa parte das últimas três décadas. O governo Sarneymarca-se pela promulgação da Constituição de 1988, cujoavanço é identificado pela formalidade dadescentralização, particularmente no que concerne aosetor da Saúde. É durante o governo Collor que teminício a desaceleração da área de planejamento e umareestruturação da estrutura do Estado.

Em ambas ocasiões, os movimentos sociais naárea da saúde fizeram pressões significativas, mediante aorganização tanto dos profissionais da saúde, como dosusuários do sistema. As conquistas destes movimentosencontram-se presentes nas Constituições Federal eEstadual e nas Leis Orgânicas Municipais: Conselhos deSaúde, Conferências de Saúde e as propostas dedescentralização do Sistema de Saúde.

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É interessante lembrar que a tendência históricadas conferências nacionais de saúde se funda, de umlado, numa política de saúde que seja assumida comopolítica de governo; de outro, numa descentralização enuma participação popular que sejam compromissos pú-blicos e de organização do sistema. A III ConferênciaNacional de Saúde, realizada em momento de grandemobilização democrática (1963), já inseria adescentralização como eixo das suas recomendações. AVIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986,no apogeu da retomada do regime democrático, contextodiferente da III, consolidou a proposta de um SistemaNacional de Saúde e lançou princípios e diretrizes decompromisso público e de organização, entre eles o con-trole pela sociedade e a descentralização. A seguir osprincípios e o controle foram incorporados e ampliadosnos debates da Assembléia Nacional Constituinte, dan-do origem ao Sistema Único de Saúde - SUS.

Por mais que se tenha obtido êxito nas questõesrelativas à Saúde nos últimos 60 anos, nem sempre asaúde do cidadão foi o objeto central das discussões eprojetos políticos. O projeto de desenvolvimento econô-mico leva o Estado a se preocupar com o espaço urbanopara, tornando-o saudável, acomodar a modernização.Vários foram os modelos ou padrões praticados pelo Esta-do no sentido de favorecer a saúde do espaço urbano.

Não parece ousado afirmar, neste momento, que acentralização das decisões políticas, tendo o desenvol-vimento econômico como meta, leva o Estado Brasileiroa priorizar a “saúde dos espaços urbanos”, em detrimen-to da saúde de seus cidadãos.

Pelas análises realizadas, até o momento, dos pla-nos de desenvolvimento urbano de São José dos Cam-pos, não parece precipitado e nem empirista afirmar queos dois primeiros (PP/61 e PDI/71) foram elaborados emconformidade com o padrão tecnoburocratismodesenvolvimentista, tal como proposto por Ribeiro e Car-doso (1994), já que assume o urbano como um problemado desenvolvimento, e adota as idéias de racionalizaçãoadministrativa e de geografia humana para enfrentar oproblema que se apresenta.

O PDDI/95, que em princípio poderia ser classifica-do como Reforma Urbana Redistributiva, classifica-se comoReforma Urbana Modernizadora, uma vez que sua con-cepção desenvolvimentista fundamenta o diagnóstico eorganiza um discurso produtor dos problemas urbanos ehabitacionais. Mas, como o objeto da intervenção é o pró-prio poder, já que os obstáculos são os entraves políticos,pode ser classificado, também, no técnicoburocratismodesenvolvimentista (RIBEIRO; CARDOSO, 1994).

O político é o ordenador das ações políticas, cen-

tralizando a idéia de um sistema nacional de planejamen-to, o que exige a organização e racionalização da açãopública sobre as cidades. O CNDU, o IBGE, o IBAM e oIAB são resultados destas ações centralizadoras.

Na leitura do documento que contém o Plano Pre-liminar/61 de São José dos Campos, é clara a idéia deseus propositores quanto aos obstáculos políticos-ad-ministrativos encontrados durante o processo de plane-jamento: a não aceitação imediata da necessidade de umplanejamento do espaço urbano pelo prefeito Dr.Marcondes, quando assume o poder local e recebe comoherança as comissões de trabalho e a equipe do CPEU/FAU; e as dificuldades políticas colocadas pelos verea-dores, sejam na aprovação de uma legislação facilitadorado uso do solo, sejam as solicitações do executivo dasreformas da estrutura administrativa ou, ainda, nas soli-citações das desapropriações necessárias às transfor-mações da área central.

As melhores evidências, contudo, são a solicita-ção das comissões de estudos mais profundos, queviabilizassem informações necessárias a um planejamen-to integral requerido por um município do alcance de SãoJosé dos Campos, como também a organização e atuali-zação da máquina administrativa para facilitar a tomada dedecisões quanto ao orçamento municipal e quanto aosplanos executivos futuros (PMSJC/ PLANO PRELIMI-NAR, 1961).

Pela leitura do Relatório do Escritório Técnico dePlanejamento sobre os Estudos e Planos Setoriais/PlanoDiretor Integrado/1971, o discurso centra-se, primeiro,na importância de um planejamento para eliminar a situa-ção caótica em que se encontrava o município, apontan-do os bons resultados pelo Vale de Tenessee/EstadosUnidos, obtidos mediante o instrumento de intervenção- o planejamento.

Em segundo lugar, a equipe do CPEU/FAU suge-re a necessidade de um Planejamento Regional e um Pla-nejamento Rural e elabora o CODIVAP, um consórcio que,entre outras tarefas, possibilitaria decisões regionais edivisão dos custos do processo de elaboração eimplementação. Este fato indica a relevância dada a umaintervenção centralizada e regionalizada no espaço urba-no com o intuito de resolver os problemas que se apre-sentavam naquele momento histórico, e dirimir os obstá-culos emergentes no seio do poder político, que atrapa-lhavam o desenvolvimento econômico.

Os diferentes planos, organizados pelos diferen-tes governos brasileiros de 1960 para cá, federais, esta-duais e municipais, têm em comum o fato de terem sidoexecutados nos meandros da burocracia estatal, depriorizarem o econômico em detrimento do social, de con-

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centrarem investimentos para a criação da infra-estrutu-ra necessária ao desenvolvimento. Na maioria deles, asaúde é alocada na programação setorial, não merecen-do, como deveria, nenhuma atenção especial por partedos decisores, os técnicos da burocracia estatal.

Circunscrevem limites de ação, determinam a po-pulação alvo, mas não deixam claro quem assumirá oscustos sociais e os ônus do processo. Embora as deci-sões sobre o que deve ser feito no futuro sejam anunci-adas, as fontes de onde sairão os recursos humanos emateriais não o são. As intervenções são expressas, masas ações não correspondem a elas.

O Relatório do Plano Diretor de DesenvolvimentoIntegrado/95 (PDDI/95) permite uma melhor análise, umavez que o próprio documento encontra-se em ótimascondições de leitura e seqüência lógica de suas fases -objetivos, objeto de estudo, conhecimento da realidadee execução, que facilita essa análise.

O PDDI/95 parece não fazer uso de um único pa-drão de intervenção. Com certeza a ordem social não dei-xa de ser a base de legitimidade dos discursos e ações, eo objeto de ação continua sendo a sociedade, medianteos diversos canais colocados à disposição, os Conse-lhos Gestores de Unidade, os Núcleos de Saúde Comu-nitária e o Conselho Municipal de Saúde.

O objeto de intervenção é a conscientização e ahumanização da sociedade, pois os obstáculos ao de-senvolvimento social precisam ser removidos. OMacrozoneamento Regional, proposto nos anos 90, e oalerta constante de vincular as diretrizes ao regional sãoexemplos de práticas urbanas constantes no PDDI/95 eque acabam por configurar o modelo lebretiano (RIBEI-RO; CARDOSO, 1994), para o qual as intervenções urba-nas racionalizadas serão realizadas à medida que se co-nhecem as condições de vida do povo (Itens 3.3.7 a 3.4.11:diagnósticos/PDDI/95).

O PDDI/95 traduz a expressão de “esquerda” dopadrão desenvolvimentista, uma vez que trata de elabo-rar um diagnóstico sobre os problemas urbanos (Itens3.4: educação, saúde, habitação e 3.3: ocupação urbana/PDDI/95) e de propor uma terapêutica. Assim, a Habita-ção e a Cidade são os pontos essenciais das reformas debase propostas pelo padrão modernizador (RIBEIRO;CARDOSO, 1994).

O objeto da intervenção é o espaço nacional medi-ante políticas públicas centralizadoras, racionalizadas eredistributivas. Adota-se um discurso de esquerda, masmodernizador, e planejam-se intervenções técnicas, racio-nalizadas e centralizadas, mantendo uma visão terapêutica,mesmo abrindo canais que facilitem a participação popular.

O PDDI/95, ao reconhecer uma estratégia políticapara articular as entidades de classe e os movimentospopulares, no caso da saúde os CGUs, os NUSACs e oCOMUS, e ainda elaborar diagnósticos para todas aspolíticas setoriais, centrado nas desigualdades e nosdireitos sociais, adota o padrão de intervenção, definidopor Ribeiro & Cardoso (1994) como redistributivo. O eixodo discurso são os excluídos e a política das camadaspopulares (PDDI/Participação Popular/95).

O objeto de intervenção é a propriedade privadada terra, o uso do solo urbano e a participação direta dascamadas populares na gestão da cidade. O campo deatuação é o jurídico. Propõe-se a produção de novosdireitos sociais por meio dos movimentos sociais. A es-tratégia para o desenvolvimento é a conscientização enão a casa (PDDI/ Políticas Públicas Setoriais/95).

O PDDI/95 evitou ser um planejamento elaboradoexclusivamente pelo governo municipal sem a participa-ção dos diferentes segmentos da sociedade civil. Evitoudesta maneira ser impositivo, alcançar de um lado maiorracionalidade e, de outro menor, rejeição/divergência.

O PDDI/95 reconhece que a participação no pro-cesso geral e na política setorial de saúde ainda é frágil einsuficiente para dar legitimidade e aceitação de deman-das sociais não solucionadas. Abre canais de participa-ção e recomenda para os futuros administradores a gran-de necessidade de promover a mobilização popular econtar com as camadas populares na implementação daspolíticas que lhes forem prioritárias.

A base de legitimidade de qualquer plano/plane-jamento, quando entendido como instrumento demobilização, num Estado Democrático, é o apoio populardado a ele, pois é em nome dos interesses da populaçãoque os governos asseguram a sua própria manutenção.

A efetivação do planejamento das políticas de saú-de é uma resposta há muito esperada pelos melhores ele-mentos das carreiras técnicas dos serviços de assistênciamédica. Estas exigências continuam a se esbarrar em situ-ações cristalizadas e interesses investidos, que acabampor impedir sua efetivação (RAMOS apud IYDA, 1994).

O planejamento, independente do padrão que onorteia, é uma ferramenta efetiva, faz uso, não apenas demétodos e técnicas baseados na análise, mas também desuposições, intenções ou sentimentos. Como os interes-ses políticos estão presentes e os técnicos de planeja-mento se deixam influir por seus próprios valores ou pe-los dos grupos com os quais trabalham, a dimensão po-lítico-ideológica é, na maioria de vezes, prioridade emrelação à técnica e ao método.

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CONCLUSÃO

Conclui-se que:

l.º) As possibilidades de ocorrência de pontua-ções entre os planos nacionais e os planos/planejamen-tos locais de desenvolvimento do município no queconcerne à Política Setorial de Saúde são, na verdade,ingerências do governo federal sobre os municípios bra-sileiros, no período que se estende de 1964 a 1988;

2.º) Os dois primeiros planos/planejamentos ela-borados pelo e para o município de São José dos Cam-pos, Plano Preliminar/61 e Plano Setorial/Plano DiretorIntegrado/71 (este transformado em Lei Municipal), nãodefinem uma Política Municipal de Saúde, não orientamprogramas e ações de saúde e nem definem espaços ur-banos para alocação desses serviços;

3.º) Entre 1964 a 1976, ao se pensar em Política deSaúde, deveria-se partir, basicamente, dos serviços desaúde destinados à periferia urbana ofertados por insti-tuições de benemerência, uma vez que programas e açõesde saúde não eram motivos de pautas políticas. A Políti-ca de Saúde era resultante de ações de benemerência,sem instituições municipais envolvidas e sem qualquerorientação formal sobre quais serviços seriam prioritários;

4.º) Foi justamente no período em que o municípiode São José dos Campos encontrava-se sob intervenção(1970-1978) é que a Rede Municipal de Saúde foi instala-da (1977 e 1978), sugerindo mais uma ingerência do go-verno militar no cumprimento da Política Nacional de Saú-de, como consta dos planos nacionais em vigência, doque uma Política Municipal de Saúde, já que o PDI/71não contempla esse setor;

5.º) Em São José dos Campos cinco são os perío-dos marcantes quando se refere à colocação de serviçoslocais de saúde à disposição da comunidade:

5.1. o período de intervenção (1970 - 1978), duran-te o qual se institucionalizam os serviços desaúde no município: criação do Departamen-to de Saúde Pública e a instalação da RedeMunicipal de saúde;

5.2. a primeira gestão do prefeito Joaquim VicenteBevilacqua, reconhecida como a fase de pro-liferação dos serviços de saúde; são desteperíodo as unidade médicas e odontológicas,a ampliação do FAMME e o convênioINAMPS/PMSJC;

5.3. o governo Robson R. Marinho, incluindo osperíodos de Hélio Augusto de Souza e Anto-

nio José M. de Farias, em que há desacele-ração dos programas e ações de saúde. Duassão as hipóteses explicativas do refluxo: aprimeira considera eficiente e eficaz a Políti-ca de Saúde e os serviços - ações - progra-mas herdados de seu antecessor; a segundarefere-se ao fato de a preocupação políticaestar concentrada em outra política setorialem detrimento da política de saúde;

5.4. é na II gestão de Bevilacqua e no governoPedro Yves (1989-1992) que se tem a implan-tação do SUS e a instalação do projeto deMunicipalização da Saúde. É deste período ofuncionamento dos Conselhos (COMUS,NUSACs e CGUs) e duas das quatro Confe-rências Municipais de Saúde. O Planejamen-to Ascendente é colocado em prática. Reto-ma-se a Política de Saúde;

5.5. a atual gestão municipal (1993: governo doPT). Sem contar ainda com um Planejamentode Desenvolvimento que contemple o setorde saúde (o PDDI foi aprovado em fins de1995), a Política de Saúde é projeto de cam-panha política. O avanço está na elaboraçãodo PDDI/95, que define metas, programas eações para os próximos 10 anos a partir deum diagnóstico bastante completo sobre omunicípio. Há continuidade das políticas.

O compromisso de campanha reflete-se na implan-tação de programas como o Hospital/Dia, Saúde da Mu-lher, Saúde do Trabalhador, Projeto Casulo, Saúde Men-tal e a abertura de novos espaços destinados aos servi-ços e ações de saúde.

Acredita-se que o avanço do Sistema de Saúdedo Município de São José dos Campos, em particular,não se insere exclusivamente numa proposta progressis-ta de se fazer política de saúde. O avanço se deu tambémgraças ao Movimento Sanitário e à conquista de trêsinstrumentos legais: a Constituição Federal/1988, as LeisOrgânicas Municipais e os Decretos que regulamentamos Conselhos Nacional e Municipais de Saúde. São es-tes instrumentos, aliados aos projetos políticos da elitede poder local, que passam a orientar e a facilitar as no-vas decisões políticas para o setor.

Não se pode afirmar que o avanço dado peloCOMUS (Decreto N.º 7043/90) garanta, de um lado, a realparticipação dos cidadãos na definição de uma políticade saúde e, de outro, o acesso real aos diversos serviçoslocais oferecidos.

Avaliar os serviços locais de saúde, a descentrali-

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zação e o nível de participação popular nos Conselhosde Saúde são algumas questões que podem e devem serdesenvolvidas num outro estudo.

Nesse sentido, alguns trabalhos já foram realiza-dos em outros municípios. Um deles é o de Bodstein(1993). Neste estudo, a autora reúne textos sobre a pres-tação de serviços para demonstrar que o nível local é umespaço privilegiado para a constituição dos atores, paraa construção da cidadania, para a expressão de conflitos,consensos e referenciais concretos para a programaçãoe avaliação da atenção à saúde.

Nesta primeira etapa de reconstrução da formula-ção das políticas de saúde por meio dos Planos DiretoresUrbanos (PP/61; PDI/71; PDDI/95), foi possível identifi-car as diretrizes definidas, os equipamentos disponíveisaos seus serviços e a implantação e desenvolvimento daRede Municipal de Saúde.

Foi também possível perceber as recomendaçõesdefinidas nos Planos Nacionais e que passaram a serconsideradas e praticadas pelo poder local, independen-te dos projetos políticos da elite nesse poder.

No período que se estende de 1976 a 1995, esti-vessem ou não definidas as diretrizes para a saúde noPlano Diretor Urbano (PDI/71), mas atendendo às reco-mendações do governo federal, - a chamada políticaintervencionista no setor da saúde -, o poder local colo-ca à disposição da comunidade, trabalhadores ocupa-dos ou não no mercado de trabalho formal, uma RedeMunicipal de Saúde que conta com 12 UASs, 44 UBSs,44 UOs, 1 UPA de Saúde Mental, a assinatura dos Con-vênios com o SUS e com a AIS, a reativação do CentroCirúrgico do Pronto Socorro Municipal e o início da im-plantação do SUS.

Verifica-se total inadequação do PDI/71 no refe-rente à questão da saúde no Município de São José dosCampos e às exigências sociais do momento histórico.Este município possui, na década de 80, uma realidadesócio-econômica e política muito diversa daquela do iní-cio dos anos 70. De um lado, as altas taxas inflacionáriasatingem o município, as altas taxas de desemprego, ofechamento de grandes indústrias e as densas manifes-tações sindicais. De outro, o município desloca-se para osetor de serviços, aumenta o número de favelados e, noque diz respeito à saúde, o retorno de epidemias, como osarampo e a tuberculose, reacende a discussão sobre aqualidade dos serviços locais de saúde e a carência dosrecursos para o setor.

Um outro momento que merece destaque é a or-ganização do PDDI/95. O seu conteúdo se apresentacomo inovador e progressista, não pelo fato de ter sido

construído em suas últimas etapas por uma elite de po-der que se dizia democrática e popular, mas pelo avançono plano jurídico-político com a aprovação da Constitui-ção de 1988, que passa a recomendar aos municípios aorganização de Conselhos Municipais, fóruns de partici-pação popular e oferece a eles um papel mais relevantenas decisões sobre a saúde, graças ao processo dedescentralização.

Assim, o PDDI/95 traz em seu bojo diretrizes quenorteiam a política de saúde como direito do cidadão eresponsabilidade do Estado. Respeitando as exigênciasconstitucionais fortalece o COMUS/90, as ConferênciasMunicipais de Saúde, os Conselhos Gestores de Unida-des, garantindo a participação dos reais interessadosnestes fóruns.

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O Método Sociológico de Émile Durkheim

Luis Fernando Zulietti *

Resumo: Durkheim parte da idéia fundamental de Comte de que a sociedade deve ser vista como umorganismo vivo. Também concorda com o pressuposto de que as sociedades apenas se mantêmcoesas quando, de alguma forma, compartilham sentimentos e crenças comuns. Entretanto, criticaComte na sua perspectiva evolucionista, pois entende que os povos que sucedem os anteriores nãonecessariamente são superiores, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus conheci-mentos, sua forma organizacional. Entende que a seqüência das sociedades adapta-se melhor àanalogia de uma árvore cujos ramos se orientam em sentidos opostos que uma linha geométricaevolucionista. Também Spencer foi alvo de críticas porquanto Durkheim que, de forma geral, esten-deu esta crítica a uma série de outros pensadores. Segundo Durkheim muitos sociólogos trabalha-vam, não sobre o objeto em si, mas de acordo com a idéia preestabelecida acerca do fenômeno.Assim, ele entendia que a perspectiva de análise de Spencer não definia sociedade e sim contempla-va sua visão particular de como efetivamente eram as sociedades. Também ponderou como serpossível encontrar a fórmula suprema da vida social quando ainda se ignoravam as diferentesespécies de sociedades, suas principais funções e suas leis. Como então empreender em um estudoda sua evolução quando não se sabe exatamente o que são e a que vieram?

Palavras-chave: Idéia, método sociológico, sociedade, visão.

Abstract: Durkheim starts her analysis from Comte´s fundamental idea that the society must be seenas an organism. She also agrees to the pretext that the societies are kept associated only when, byany way, they share common feelings and beliefs. However, she criticizes Comte’s evolutionistperspective, as she understands that the peoples that follow after the former ones are not necessarilysuperior. They are only different in structure, values, knowledge, and organizational form. Sheunderstands that societies’ sequence is better adapted to a tree analogy whose branches are orientedto opposite sides of a geometric evolutionist line. Durkheim criticized Spencer too as in a generalform she extended the critics to other thinkers. According to Durkheim, many sociologists workednot on the object itself but on pre-established idea over the phenomenon. Therefore, she understoodthat Spencer’s analysis perspective didn’t define society but showed his own point of view on howsocieties were like effectively. Also she pondered as possible to find the supreme formula of socialliving when different society species were ignored as well as their functions and laws. How couldone undertake an evolution study when one doesn’t know exactly what the societies were like andwhat they had come for?

Key words: Idea, sociological method, society, vision.

* Professor da Univap

1. INTRODUÇÃO

A obra de Durkheim se caracteriza pelo ataque per-sistente a um número limitado de problemas, dos quais ode destaque foi o estabelecimento da Sociologia numabase empírica, tentando dar mais precisão à concepção dométodo sociológico e demonstrar sua aplicação na inves-tigação empírica. Outro problema era encarar o surgimentodo individualismo na sociedade moderna. No entanto, asidéias do individualismo liberal na França estavam um tan-to distantes da realidade, e sistematicamente atacadas por

grupos direitistas, que as viam como sinais de decadência“da estrutura cultural”. Um terceiro problema é sua preo-cupação com as fontes e a natureza da autoridade moral. Etambém a preocupação pelas implicações práticas do co-nhecimento científico social. Essa última preocupaçãomarcava a concepção de Durkheim, para quem o sociólo-go é como um médico, distinguindo entre a saúde e doen-ça, diagnosticando causas e tratamento.

O autor preocupou-se com a definição de um cam-po específico às ciências sociais; “a vida social não é ou-tra coisa que o meio moral, ou melhor, o conjunto de diver-sos meios morais que cercam o indivíduo” (DURKHEIMapud RODRIGUES, 1993, p. 18). A Sociologia constitui uma

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ciência entre outras “positivas”, que através do estudometódico procura estabelecer leis, através da experimen-tação. Essas leis são “produzidas mecanicamente por cau-sas necessárias” (GIDDENS, 1978, p. 23). Os fatos sociaistêm de ser tratados como coisas, ou seja, os fenômenossociais pertencem ao âmbito da natureza, o que indica quea sociedade tem existência objetiva, independendo da exis-tência de determinados indivíduos. Fatos sociais são ex-ternos ao indivíduo e exercem coerção sobre eles. O indi-víduo é apenas um elemento de uma totalidade maior, masessa totalidade não se reduz à soma desses indivíduos. ASociologia estuda as propriedades que derivam da associ-ação de indivíduos em sociedade e os fatos sociais têm deser explicados em relação a outros fatos sociais (“o socialsó se explica pelo social”).

Durkheim espera explicar o social pelo social – háalgo de particular na sociedade, exigindo uma nova esferade conhecimento, a Sociologia. Isso implica um “rompi-mento com as antigas formas de conhecimento, o que sig-nifica um distanciamento da filosofia” (ORTIZ, 1989, p.10). A inversão dos métodos, do dedutivo para o indutivo,marca a posição de Durkheim, rompendo com o pensa-mento filosófico, fundando uma ciência positiva, partindoda realidade. Se Comte e Spencer são propulsores da Soci-ologia, por outro lado, continuam como filósofos: para oprimeiro o social é a realização da idéias de humanidade; e,para o segundo, a sociedade é a realização da idéias decorporação. Durkheim torna-se o divisor de águas (“o he-rói fundador”). O papel do indivíduo e sua relação com asociedade é mais bem compreendida dentro desse esfor-ço para delimitar um campo da Sociologia, pois a ação doindivíduo é mediatizada pelas forças sociais.

Durkheim contestava essa filosofia moral tradici-onal, nas duas versões vigentes: a representada porSpencer, que se preocupava com o indivíduo na buscados próprios interesses na troca econômica, produzindosolidariedade na divisão do trabalho. Mas, a trocacontratual, para nosso autor, pressupõe uma estruturamoral dentro da qual é ordenada e, portanto, não podeexplicá-la. A outra corrente a ser contestada era a expres-sa, entre outros, por Comte: a solidariedade exige a exis-tência de um consensus universal, donde se conclui queo enfraquecimento do consenso (dado pela individua-lização) acarreta um declínio da coesão social. Em A Divi-são do Trabalho Social, as conclusões contrastam comesse pano de fundo. O consenso moral é apenas um tipode coesão social característico das sociedades mais sim-ples, e é chamada solidariedade mecânica, que foi gradu-almente substituída pela solidariedade orgânica, umacoesão baseada nas relações de troca, dentro de umadivisão diferenciada do trabalho.

Segundo Machado Neto (1998), no texto Prepon-derância progressiva da solidariedade orgânica (do li-

vro A Divisão do Trabalho Social), Durkheim se utilizamais freqüentemente da expressão “estrutura social”, quedepois foi largamente difundida por Radcliffe-Brown (1978).Como também pretendo fazer uma breve história da difu-são dessas idéias Durkheimianas pela Inglaterra, escolhium trecho desse texto que bem demonstra como o concei-to é manipulado por Durkheim: “Existe pois uma estruturasocial de determinada natureza, à qual corresponde a soli-dariedade mecânica. O que a caracteriza é que ela é umsistema de segmentos homogêneos e semelhantes entresi. (...) Inteiramente diferente é a estrutura das sociedadesonde a solidariedade orgânica é preponderante. Elas sãoconstituídas (...) por um sistema de órgãos diferentes, cadaum dos quais tem um papel especial e se forma de partesdiferenciadas” (In RODRIGUES (org.), 1993, p. 90). O quecaracteriza a estrutura são sistemas em relação na própriasociedade, não importa se esses são “segmentos homo-gêneos” ou “órgãos diferentes” (1).

2. AS REGRAS DO MÉTODO SOCIOLÓGICO

Para Durkheim, a reflexão é anterior à ciência, po-rém, ao utilizar de maneira metódica esta reflexão, o homempassa a regular sua conduta a partir das noções que utilizapara compreender as coisas e não a partir da coisa em si.

Em lugar de observar as coisas, descrevê-las,compará-las, contentamo-nos em tomar consciência denossas idéias, analisá-las, combiná-las. Em lugar de ciên-cias das realidades, nada mais fazemos do que análise ide-ológica.(...) Não há dúvida de que tal análise não excluinecessariamente toda e qualquer observação. Pode-se ape-lar para os fatos com o fim de confirmar as noções ou asconclusões que dele tiramos. Mas os fatos não intervêmentão de maneira secundária, a título de exemplos ou deprovas confirmatórias; não são objetos de ciência. Estavai então das idéias para as coisas, e não das coisas paraas idéias (DURKHEIM, 1990, p. 13-14).

Ele considera que os conceitos não podem tomar olugar das coisas, pois os mesmos somente têm como obje-tivo “harmonizar nossas ações com o mundo que nos cer-ca; são formados pela prática e para a prática. (...) Constitu-em elas, ao contrário, como que um véu interposto entre ascoisas e nós, e que no-la mascaram tanto mais quanto julga-mos transparente o véu” (DUKHEIM, 1990, p. 14).

Segundo Dukheim (1990), este modo de procederé uma inclinação natural do homem e dominou também aprópria ciência natural em sua origem. A Sociologia, paraDurkheim tratava de conceitos, não de coisas. Daí a suacrítica ao evolucionismo de Comte, que estaria assenta-do sobre as idéias, não sobre os fatos.

O que existe, a única coisa que realmente é oferecidaà observação, são sociedades particulares que nascem, se

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desenvolvem, morrem, independentemente umas das ou-tras. Se as mais recentes fossem ainda continuação daque-las que as precederam, cada tipo superior poderia ser consi-derado como a simples repetição do tipo imediatamente in-ferior, acrescido de alguma coisa; seria possível, então, alinhá-las, por assim dizer, umas após outras, confundindo as quese encontram no mesmo grau de desenvolvimento, e a sérieassim formada seria encarada como representativa da hu-manidade. Mas os fatos não se apresentam com esta simpli-cidade extrema. Um povo que substitui o outro não é umsimples prolongamento do anterior com o acréscimo de al-guns caracteres novos; é diferente, ora tem propriedades amais, ora a menos; constitui uma nova individualidade etodas as individualidades distintas, sendo heterogêneas,não podem se fundir numa mesma série contínua, nem so-bretudo numa série única. Pois a seqüência de sociedadesnão poderia ser figurada por uma linha geométrica; ela separece antes com uma árvore cujos ramos se dirigem emdireções divergentes (DURKHEIM, 1990, p. 17-18).

Uma outra crítica feita por Durkheim se dirige àteoria formulada por Spencer, que estabeleceu como ca-racterística básica de uma sociedade a cooperação (coo-peração de caráter privado, predominante em sociedadesindustriais, e de caráter público, em sociedades militares).De acordo com Durkheim, ele também teria se deixado le-var por prenoções e não observado as coisas em si.

“...A definição é apresentada como a expres-são de um fato imediatamente visível, quebasta constatar através da observação, umavez que é formulada como um axioma já noinício da ciência. E toda via é impossívelsaber por simples inspeção se realmente acooperação forma o todo da vida social. Talafirmação só se tornaria cientificamente le-gítima passando-se em revista todas asmanifestações da existência coletiva, e fa-zendo-se ver que todas elas constituem for-mas diversas da cooperação. Assim, umacerta maneira de conceber a realidade denovo se substitui a esta realidade”(DURKHEIM, 1990, p. 19).

Os fatos que Spencer inscreve em sua sociologiasão, para Durkheim, apenas uma forma de ilustrar suasprenoções. O mesmo acontece no que ele vai chamar de“ramos especiais da Sociologia”: a moral e a economia polí-tica. Segundo ele, ...toma-se como base da moral a maneirapela qual ela se prolonga nas consciências individuais enelas repercute – isto é, aquilo que não lhe constitui se-não o cume. (DURKHEIM, 1990, p. 21). No que se refere àeconomia política, não é ...a partir da observação das con-dições de que depende a coisa que estuda que vai reco-nhecer a existência dos fatos; pois senão teria começadopor expor as experiências das quais tirou esta conclusão.

(DURKHEIM, 1990, p. 21-22). É assim que ele diz ser neces-sário ir à coisa para daí então deduzir os conceitos, realizan-do assim o método indutivo. Ele exemplifica com o modocomo é construída a noção de valor:

Se o valor fosse estudado como uma realidade,ver-se-ia o economista, em primeiro lugar, indicar segun-do que traços reconhecer a coisa que responde por essenome, classificar-lhe as espécies, procurar por meio deinduções metódicas as causas em função das quais vari-am, comparar finalmente esses diversos resultados parachegar a desvendar uma formulação geral. A teoria nãopoderia, pois, existir senão quando a ciência já tivessesido levada assaz avante (DURKHEIM, 1990, p. 22).

Durkheim afirma que muito do que é tido comociência não é nada mais nada menos que arte, pois ocientista não se atém à coisa em si, mas às idéias que elasuscita. Para ele ...estas especulações abstratas não cons-tituem ainda uma ciência, uma vez que, na verdade, têmpor objeto determinar, não em que consiste a regra su-prema da moral, e sim o que deve ser tal regra. Assim éque, para ele, as leis econômicas e da moral tidas comonaturais são meros “conselhos de sabedoria prática”,não podendo ser chamada cada uma delas de lei naturalporque não são constatadas indutivamente.

Os fenômenos sociais, para Durkheim, devem sertratados como coisas, ou seja:

“...tratá-los na qualidade de data que cons-tituem o ponto de partida da ciência. (...)Não nos é dada a idéia que os homensformulam a respeito do valor; esta é ina-cessível, e o que nos é dado são os pró-prios valores que se trocam realmente nodecorrer das relações econômicas. Não éesta ou aquela concepção do ideal moral;é o conjunto de regras que determinam efe-tivamente a conduta. Não é a idéia do útilou da riqueza; são todos os detalhes daorganização econômica. (...) Não sabemosa priori que idéias estão na origem dasdiversas correntes entre as quais se repar-te a vida social, nem se tais idéias existem;somente depois de ter subido até suas fon-tes, poderemos saber de onde provêm”.

Por isso que, para Durkheim, é necessário que osfenômenos sejam estudados de fora, isto é, do exterior, ...des-tacados dos indivíduos conscientes que formulam repre-sentações a seu respeito (DURKHEIM, 1990, p. 24). Assimprocedendo, o cientista poderá alcançar a objetividade dosfatos. Daí decorre a importância do postulado estabelecidopor Durkheim: O caráter convencional de uma prática oude uma instituição não deve jamais ser pressuposto.

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Apesar da crítica que é feita a Durkheim no sentidode que sua teoria não contempla a mudança, vemos que amudança é admitida, porém dentro de certas condições.

Com efeito, a coisa é reconhecida principalmente pelosintoma de não poder ser modificada por intermédio de umsimples decreto da vontade. Não que seja refratária a qual-quer modificação. Mas não é suficiente exercer a vontadepara produzir uma mudança, é preciso além disso um esforçomais ou menos laborioso, devido à resistência que nos opõee que, outrossim, nem sempre pode ser vencida. Ora, já vimosque os fatos sociais apresentam esta propriedade. Longe deser um produto de nossa vontade, eles a determinam a partirdo exterior; constituem como que moldes dentro dos quaissomos obrigados a plasmar nossas ações. Esta necessidadeé muitas vezes de tal ordem que não temos jeito de escapar aela. Mas, ainda mesmo que chegássemos a triunfar, a oposi-ção encontrada seria suficiente para nos advertir de queestamos em presença de algo que não depende de nós. Con-siderando, então, os fenômenos sociais como coisas, nãofazemos mais do que nos conformar com a natureza que apre-sentam (DURKHEIM, 1990, p. 25).

Durkheim compara as reformas propostas por eleà Sociologia àquelas experimentadas pela Psicologia, quetambém era baseada nas idéias formuladas a respeito dassensações que os indivíduos experimentavam, não nassensações em si. Mesmo reconhecendo esta similarida-de, ele diferencia os fatos psíquicos dos fatos sociais:

“...os fatos psíquicos são naturalmente en-carados como estados do indivíduo, doqual não se parecem sequer separáveis.Interiores por definição, julga-se impossí-vel tratá-los como exteriores, a não ser vi-olentando-lhes a natureza. (...) Os fatossociais, pelo contrário, apresentam demodo muito mais natural e imediato todosos caracteres de coisa. (...) Os fatos soci-ais são talvez mais difíceis de interpretarporque são mais complexos, mas são tam-bém mais fáceis de atingir. A Psicologia,pelo contrário, não tem apenas dificulda-de em elaborá-los, mas também em apreen-dê-los” (DURKHEIM, 1990, p. 26-27).

3. O MÉTODO

Após enunciar essa diferenciação, Durkheim es-tabelece as regras através das quais os fatos sociais se-riam alcançados:

1. É preciso afastar sistematicamente todas as prenoções.– Durkheim sugere que todas as prenoções sejam aban-donadas em nome da verdadeira ciência, mas reconhece,contudo, ser esta uma tarefa difícil, “...porque o sentimen-

to afetivo freqüentemente intervém na questão. (...) O ob-jeto em si e as idéias que a seu respeito formulamos nostocam de perto e tomam assim tal autoridade que não su-portam contradição. Toda opinião que as atrapalhe é trata-da como inimiga. (...) O próprio fato de as submeter, assimcomo os fenômenos que exprimem, a uma fria e seca análi-se, revolta certos espíritos. (...) O sentimento é objeto deciência, não é critério de verdade científica. De resto, nãoexiste ciência que, em seus primórdios, não tenha encon-trado resistências análogas” (DURKHEIM, 1990, p. 29).

2. Nunca tomar por objeto de pesquisa senão um grupode fenômenos previamente definidos por certoscaracteres exteriores que lhe são comuns, e compreen-der na mesma pesquisa todos aqueles que correspondema esta definição:

“...chamaremos crime todo ato que recebeuma punição, e fazemos do crime assim de-finido o objeto de uma ciência especial, acriminologia. Observamos, também, no in-terior de todas as sociedades conhecidas,uma sociedade parcial, reconhecível pelosinal exterior de ser formada por indivíduosconsanguíneos em sua maioria, e unidosentre si por laços jurídicos. (...) Chamare-mos família todo agrupamento dessa espé-cie...” (DURKHEIM, 1990, p. 31).

Durkheim diz ser imprescindível definir o objeto es-tudado porque em Sociologia é comum a referência a coisassem uma definição rigorosa do que se tratam. Este procedi-mento é necessário a fim de eliminar as ambigüidades. Comoexemplo, ele cita um autor, Garofalo, que define como crimeapenas uma espécie de crime, encontrada numa determina-da sociedade. Para Durkheim, seria necessário localizar ocrime em cada sociedade estudada, entendendo-o não comoalgo atrelado às regras de moralidade vigente, mas conside-radas no contexto em que ocorre, seja uma sociedade “civi-lizada” ou “primitiva”. Isto é o que leva, de acordo comDurkheim, à consideração de que os “selvagens” são des-providos de quaisquer regras de moralidade.

Parte da idéia de que nossa moral é a moral que éevidentemente desconhecida dos povos primitivos, ou quenão existe entre eles senão em estado rudimentar. Definiçãoarbitrária, porém. Apliquemos nossa regra e tudo se modifica.Para decidir se um preceito é moral ou não, examinaremos seapresenta ou não sinal exterior de moralidade; este consistenuma sanção repressiva difusa, isto é, numa condenaçãoformulada pela opinião pública que vinga a violação do pre-ceito. Todas as vezes que estivermos diante de um fato apre-sentando tal caráter, não temos o direito de lhe negar a quali-ficação de moral; pois é prova de que sua natureza é igual àdos outros fatos morais (DURKHEIM, 1990, p. 35-36).

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Para Durkheim, tais regras podem ser encontra-das tanto nas sociedades consideradas “superiores”como nas “inferiores”. À acusação de que estaria deri-vando o crime da punição, Durkheim rebate dizendo: “éclaro que a punição não cria o crime, mas é pela puniçãoque o crime se revela exteriormente a nós, e, por conse-guinte, é dela que se deve partir se quisermos chegar acompreendê-lo. (...) a menos que o princípio de causali-dade não passe de vã palavra, quando determinadoscaracteres são encontrados de maneira idêntica e semnenhuma exceção em todos os fenômenos de uma certaordem, podemos estar seguros de que se ligam estreita-mente à natureza destes últimos e deles são solidários”.

3. ...quando um sociólogo empreende a exploração deuma ordem qualquer de fatos sociais, deve se esforçarpor considerá-los naquele aspecto em que se apresen-tam isolados de suas manifestações individuais(DURKHEIM, 1990, p. 39).

Para Durkheim, tanto a ciência como o conhecimentovulgar partem da sensação, pois é dela que se originam todasas idéias, sejam científicas ou não. O que diferencia o sabercientífico do saber comum é o modo como vai ser elaboradaesta matéria comum.”...A sensação é tanto mais objetiva quan-to mais fixo for o objeto ao qual se liga; pois a condição detoda objetividade é a existência de um ponto de apoio cons-tante e idêntico, ao qual a representação se possa ligar, e quepermita eliminar tudo o que ela apresenta de variável e por-tanto de subjetivo. Se os únicos pontos de apoio dados são,eles mesmos variáveis, se são perpetuamente diferentes cmrelação a si mesmo, fica faltando toda medida comum e nãotemos nenhum meio de distinguir, em nossas impressões, oque depende do exterior ou o que vem de nós mesmos. (...)Fora dos atos individuais que suscitam, os hábitos coletivosse exprimem por meio de formas definidas: regras jurídicas,morais, provérbios populares, fatos de estrutura social etc.Como estas formas existem de maneira permanente, comonão mudam com as diversas aplicações que delas são feitas,constituem um objeto fixo, uma medida constante que estásempre à disposição do observador e que não deixa lugar àsimpressões subjetivas e às observações pessoais”(DURKHEIM, 1990, p. 38-39).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Durkheim a sociedade prevalece sobre o in-divíduo. A sociedade é um conjunto de normas de ação,pensamento e sentimento que não existem apenas naconsciência dos indivíduos, mas que são construídasexteriormente, isto é, fora das consciências individuais.Na vida em sociedade o homem se defronta com regrasde conduta que não foram diretamente criadas por ele,mas que existem e são aceitas na vida em sociedade,devendo ser seguidas por todos. Sem essas regras a so-ciedade não existiria, e é por isso que os indivíduos de-

vem obedecer a elas. Em toda sociedade existem leis queorganizam a vida em conjunto. O indivíduo isolado nãocria leis nem pode modificá-las. São as gerações de ho-mens que vão criando e reformulando coletivamente asconstituições etc. Durkheim afirma que os fatos sociaissão diferentes dos fatos estudados por outras ciênciaspor terem origem na sociedade e não na natureza, comonas ciências naturais, ou no indivíduo como na Psicolo-gia. Durkheim chama de reino social, o lugar onde estesfatos se desenvolvem.

NOTA

(1) É preciso não confundir estrutura social commorfologia social, pois essa, para Durkheim é uma das trêsdivisões da Sociologia (Morfologia Social, Fisiologia Social eSociologia Geral), é um a ciência que estuda a “base geográ-fica dos povos em suas relações com a organização social;estudo da população, seu volume, densidade e distribuiçãogeográfica” (In Rodrigues [org]: p. 45). A noção de “organiza-ção social”, ao contrário, pode ser tomada como equivalentea de estrutura social, pois é usada praticamente no mesmosentido no mesmo texto; a diferença é que idéia de estruturasocial carrega uma noção de funcionalidade mais explícita, jáque trata de relações entre os segmentos ou órgãos que fun-cionam para a manutenção da coesão social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DURKHEIM, E. As formas elementares da vida eeligiosa:o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Paulinas, 1989.

GIDDENS, A. As idéias de Durkheim. São Paulo: Cultrix, 1978.

MACHADO NETO, A. L. Sociologia Jurídica. SãoPaulo: Saraiva, 1998.

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A Oficina de Aprendizagem no Espaço Escolar:Algumas Considerações

Maria Tereza Dejuste de Paula *Sonia Sirolli *

Resumo: É objetivo deste trabalho discutir características da oficina como um recurso para oensino/aprendizagem na escola. A oficina oferece condições para o desenvolvimento da aprendiza-gem ativa, em grupo e orientada para um produto. Sua realização exige cuidados como o planeja-mento a partir dos interesses dos alunos e a avaliação dos resultados.

Palavras-chave: Oficina, aprendizagem, aprendizagem ativa.

Abstract: This paper objective is to discuss the workshop characteristics as a resource for theteaching-learning process at school. The workshop offers conditions for the active learningdevelopment, in groups and oriented for a product. To implement the workshop it is needed carefulplanning based on the learners’ interests and the results evaluation.

Key words: Workshop, learning, active learning.

* Professora da Univap.

INTRODUÇÃO

A escola tem sido solicitada a garantir aprendiza-gens que atendam às exigências de formação para a so-ciedade do conhecimento e contribuam para o desenvol-vimento das potencialidades de cada aluno. Modos deensino tradicionais que favorecem o acúmulo de infor-mações, a passividade do aluno e centram-se no ensino,estão sendo questionados, buscando-se outros que pos-sam favorecer a atividade do aluno, a criatividade e oprocessamento das informações. Em algumas reflexões,como a de Calvo (1997), que focalizou a América Latina,ressalta-se que predominam ainda nesta região os mo-dos tradicionais de ensino com posturas de indiferençapor parte do professor às interações e fatores que influen-ciam a capacidade de motivação e de aprendizagem dosalunos. Ressalta-se também que os progressos nesse camposão lentos e os ambientes de aprendizagem não são usa-dos de modo a favorecer as relações dos alunos com osmestres, com os outros alunos e com o conhecimento.

Têm havido esforços para implementar novas ma-neiras de entender e desenvolver as situações de apren-dizagem. No mesmo estudo acima citado, Calvo (1997, p.8) assinala experiências consideradas inovadoras naAmérica Latina no sentido de modificarem as relações doprofessor com o aluno e de levarem em conta “experiên-cias, interações, contextos e saberes dos diversos atoresdos processos de aprendizagem”. Duas experiências

apontadas são a oficina de aprendizagem e a aula ofici-na. A primeira é descrita como uma modalidade de semi-nário que atendeu a crianças do terceiro e quarto anosbásicos de escolas de setores pobres do Chile que apre-sentavam atraso escolar, buscando o reforço do ensinoescolar, a elevação da auto-estima, da sociabilidade ecriatividade. A segunda é descrita como uma estratégiadidática da escola ativa.

No Brasil, a oficina tem sido uma estratégia utili-zada em diferentes espaços de aprendizagem, inclusivena escola. A literatura nacional registra, entretanto, pou-cas contribuições para o tema da oficina na escola.

É objetivo deste estudo descrever algumas dascaracterísticas e potencialidades da oficina como ummodo de organizar a aprendizagem dos alunos na escola.

A OFICINA DE APRENDIZAGEM NO ESPAÇO ESCOLAR

Diferentes características são associadas à ofici-na de aprendizagem. A oficina é descrita, em alguns con-textos, como uma experiência de trabalho ativo; envolvetrabalho coletivo na forma de participação dos integran-tes com suas experiências, opiniões e argumentações; éexperiência de trabalho criativo (as experiências dos par-ticipantes, a reflexão e as discussões ajudam a encontrarsoluções novas); é experiência de trabalho vivencial esistemático (MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN, 1998).

A oficina desenvolvida no espaço escolar é tam-bém descrita como um recurso que possibilita ao aluno

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construir o seu conhecimento por meio de açõeseducativas desenvolvidas, em um espaço de tempo com-pacto definido, e planejadas pelo professor para atendera objetivos específicos previamente estabelecidos. Naoficina, o aluno deve realizar atividades com o grupo, e oprofessor atua como um facilitador. O aluno na oficinaadquire maiores conhecimentos ou gera um produto apartir das contribuições dos demais participantes, den-tro de um período determinado, e com atividades previa-mente planejadas (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004).

Como uma atividade dentro da escola, os objeti-vos da oficina podem focalizar o desenvolvimento decompetências visadas à série e ao curso e contribuir parao desenvolvimento de algum aspecto específico das uni-dades de conteúdos do curso ou série para os quais aoficina será proposta, somando esforços para atingir operfil de aluno que a escola busca formar, declarado emseu projeto político pedagógico.

A escolha da temática da oficina deve partir dosinteresses dos alunos, das orientações do projeto peda-gógico da escola e considerar, também, as propostas dosParâmetros Curriculares Nacionais.

É fundamental, na oficina, a participação de to-dos os alunos, o que permitirá a construção do conheci-mento a partir da contribuição de todos. Essa caracterís-tica pode concorrer para que todos se beneficiem pormeio das contribuições oriundas dos diferentes estágioscognitivos dos outros participantes do grupo como apon-tado por Vygotsky (OLIVEIRA, 1995). O contato dosparticipantes com os materiais e atividades dá suporte àsações e interações dos alunos uns com os outros e como professor.

O conceito de oficina é muito conhecido, especi-almente no âmbito dos artistas, e tem sido apropriadopela escola como um recurso para aproximar a sala deaula do cotidiano.

AS ORIGENS DA OFICINA

Tradicionalmente, o conceito de oficina foi gera-do a partir da idéia de que ela existe quando um grupotem uma determinada formação, propõe-se a melhorá-la ese organiza para consegui-lo de maneira colegiada.

No início do século XX, as oficinas foram umadas primeiras alternativas ao método de ensino-aprendi-zagem expositivo ou tradicional e buscaram trazer algoda “realidade” à sala de aula. O conceito evoluiu paraseminário educativo, “workshop”, atelier, denominandouma forma de aprendizagem organizada preferencialmen-te para construir aprendizagem significativa (FLECHSIG;SCHIEFELBEIN, 2004).

No século XXI as oficinas ainda são um desafiopara o espaço escolar. Um desafio que precisa contar como conhecimento, experiência e vivência do professor oufacilitador para que o seu planejamento atinja de modopleno os objetivos que justificam o seu uso no espaçoescolar: aprendizagem significativa e permanente , isto é,agregada às rotas cognitivas e emocionais dos alunos.

PRINCÍPIOS DIDÁTICOS DA OFICINA

Na oficina, pode-se considerar que três princí-pios didáticos (FLECHSIG; SCHIEFELBEIN, 2004) sãolevados em conta:

- aprendizagem orientada para a produção de umresultado relativamente preciso, que seja dointeresse dos participantes;

- aprendizagem em grupo, ou aprendizagem quese produz graças a uma troca de experiênciasentre os participantes;

- aprendizagem ativa, a aprendizagem é parte dodesenvolvimento da prática, especialmente deprocessos e produtos.

AMBIENTE DE APRENDIZAGEM

O ambiente de aprendizagem de uma oficinaeducativa deve contar com amplos recursos para as ati-vidades e aprendizagem dos participantes e estarestruturado de forma flexível. Deve-se assegurar que cadaparticipante tenha liberdade para fazer contribuições.Muitos materiais devem estar à disposição dos alunosda oficina, tais como manuais, dicionários, livros, revis-tas, internet e outros que se relacionem ao tema desen-volvido. O local onde a oficina se processa deve ser ade-quado às atividades previstas. Pode ser na sala de aula,no pátio, em um parque, em um museu, em uma praça.

PAPEL DO ALUNO E DO PROFESSOR

Na oficina, cada participante é um ator responsá-vel pela sua própria aprendizagem e deve estar ativo.Para Flechsig e Schiefelbein (2004) cada participante emuma oficina deve ser responsável por criar informaçãopara a formulação do resultado, por organizar o processode aprendizagem e por difundir os resultados.

O professor, por sua vez, é um facilitador e devese encarregar de organizar a preparação e a realização daoficina, determinando as atividades que serão nela de-senvolvidas, as competências que serão trabalhadas eselecionando os materiais necessários. Exerce o papel demoderador nos debates, sendo um mediador da aprendi-zagem dos alunos.

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A ESTRUTURAÇÃO DA APRENDIZAGEM NAOFICINA

Sendo um ambiente de aprendizagem ativo eparticipativo, a oficina permite o desenvolvimento deobjetivos de aprendizagem complexos como a resoluçãode problemas. Todas as atividades da oficina devem con-tribuir para os objetivos visados. Cada atividade deveser planejada de modo a oferecer informações ou desen-volver ações relevantes ligadas aos objetivos.

O professor deve elaborar atividades participa-tivas para permitir que os alunos desenvolvam ativida-des na prática.

O formato e a seqüência das atividades da oficinadevem ser determinados a partir dos objetivos e dos tó-picos a serem desenvolvidos. Dessa maneira, tanto sepode começar com uma atividade aplicada para depoisapresentar informações, quanto se pode iniciar com in-formações e depois atividades de aplicação.

Ao final de cada atividade, é recomendável uma rea-limentação feita de modo coletivo para que os alunos pos-sam compartilhar percepções, descobertas e observaçõesa respeito da atividade e para determinar como esta se rela-ciona com seus conhecimentos atuais e experiências.

O professor deve planejar uma variedade de ativi-dades participativas para os alunos, como, por exemplo:apresentações; pequenas palestras; estudos de caso;simulações de papéis; atividades de resolução de pro-blemas; dramatização; painéis; discussões em grupos;tempestade de idéias; pequenos grupos de trabalho; usode perguntas fechadas (sim, não) para obter informações;uso de perguntas abertas (como, por quê) para promoverdiscussões ou desenvolver idéias; debates; vídeos; usodo retroprojetor para trabalhar imagens, desenvolvimen-to de material áudio-visual, dentre outras.

AVALIAÇÃO REFLEXIVA

A avaliação é importante para a aprendizagemparticipativa e a construção coletiva do conhecimento.O professor tanto pode ir avaliando durante a realizaçãoda oficina através da observação e de perguntas, quantopode fazer uma avaliação ao final da oficina para verifi-car os resultados e possíveis necessidades de modifica-ção para aplicações futuras da mesma oficina.

A avaliação pelos participantes é de inestimávelvalor, pois, com base nela, podem ser feitos ajustes ne-cessários e correções na estrutura da oficina.

Apresenta-se uma sugestão de instrumento paraavaliação ao final da oficina (oral ou por escrito) pelos

alunos:

1- O que você aprendeu na oficina?

2- Houve atividades desenvolvidas nesta oficinaque foram proveitosas e agradáveis a você?Se houve, cite-as.

3- O professor ajudou você no que diz respeito àsua aprendizagem? De que forma?

4- De que forma você contribuiu para os resulta-dos desta oficina?

5- Na sua opinião, o que contribuiu para o suces-so ou para o fracasso da oficina?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A oficina é um recurso capaz de favorecer a apren-dizagem ativa. Sua criação exige, do docente, criatividadee planejamento cuidadoso. Segundo Honsberger e George(2004) os pontos principais para a elaboração de umaoficina são:

- desenvolver os objetivos;

- determinar a duração da oficina;

- identificar os conhecimentos, habilidades e ati-tudes que o grupo precisa atingir;

- escolher atividades apropriadas para o profes-sor-facilitador e para o grupo, por meio das quaisseja possível atingir os objetivos;

- planejar as atividades da oficina e definir mate-riais de apoio para cada atividade;

- planejar uma variedade de atividades parti-cipativas: apresentações, estudos de caso, si-mulação de papéis, atividades de resolução deproblemas, dentre outras;

- planejar a avaliação das atividades e do apren-dizado.

O professor ou facilitador não deve se esquecer de:

- pesquisar com antecedência o tema a ser abor-dado;

- consultar manuais e pessoas que tenham expe-riência no assunto da oficina;

- focalizar o conteúdo no que foi estabelecido

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para aquele espaço de tempo ao invés de tentarcobrir tudo sobre o tema;

- fazer um esboço da oficina e planejar a sincro-nização das atividades;

- reservar um tempo flexível para discussão; res-ponder perguntas pode ser mais importante parao grupo do que novas informações;

- fazer uma pausa a cada 1h e 30 min ou a cada 2h;

- ter estratégias prontas para reduzir o tempo exi-gido para uma atividade ou para preencher umtempo disponível não esperado;

- ser sensível às necessidades do grupo;

- alternar aprendizado interativo e apresentaçõesformais de material;

- sempre permitir mais tempo do que imagina quea tarefa levará.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FLECHSIG, K-H; SCHIEFELBEIN, E. Veinte modelosdidácticos para América Latina. Disponível em: <http://www.educoas.org/portal/bdigital/contenido/interamer/interamer_72/Schiefelbein-Chapter20New.pdf>. Acessoem nov. 2004.

HONSBERGER, J.; GEORGE, L. Facilitando oficinas: dateoria à prática. Canadian International DevelopmentAgency. Manual eletrônico. Disponível em: <http://www. a i d s a l l i a n c e . o rg / a p o i o o n g / r e s o u r c e s /0201087p01.pdf>. Acesso em nov. 2004.

MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN. Guia metodologica.Material de apoyo para la gestión del centro de padres yapoderados. n. 1 Santiago de Chile, 1998.

OLIVEIRA, M. K. Vygotysk - aprendizado e desenvolvimentosócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995. 109 p.

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Novas Competências em Informação Tecnológica:a Experiência do SENAI-RS junto ao Serviço Brasileiro de

Resposta Técnica – SBRT

Alexandro Oto Hanefeld *Enilda Terezinha dos Santos Hack **

Geverson Lessa dos Santos ***Silvia Rossana Caballero Poledna ****

Resumo: O presente artigo tem como objetivo principal descrever a experiência do Serviço Nacio-nal de Aprendizagem Industrial - Departamento Regional do Rio Grande do Sul (SENAI-RS) naimplementação compartilhada do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - SBRT, apresentandoseu efeito-demonstração e a importância para o aumento da competitividade das empresas, en-quanto facilitador da construção de um processo de desenvolvimento sustentável. O detalhamentodo processo estratégico de modernização deste serviço, através da utilização da metodologia doSBRT, que disponibiliza respostas técnicas na Internet, constitui a metodologia empregada. Aprincipal contribuição do presente estudo consiste em identificar as novas tendências domicroempresário no setor industrial e verificar estratégias de recepção, coleta e análise da deman-da, com a finalidade de oferecer produtos customizados, conduzindo à efetiva resolução das de-mandas dos usuários. A experiência do SBRT/SENAI-RS evidencia também o funcionamento de ummecanismo de fidelização de clientes, aumento de competitividade e prospecção de necessidadesdo mercado, valorizando a gestão de informação tecnológica como elemento de agregação devalor e estímulo ao desenvolvimento. Para tanto, após a introdução, serão apresentadas conside-rações sobre o escopo SBRT para, na seção terceira, discutir a conexão com novos perfis do profis-sional que atua na área de informação tecnológica.

Palavras-chave: Informação tecnológica, Serviço Brasileiro de Resposta Técnica, profissional da áreade informação.

* Coordenador do Núcleo de Informação do SistemaFIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZA-GEM INDUSTRIAL – Departamento Regional doRio Grande do Sul (SENAI-RS). Doutorando deEconomia pela UFRGS.E-mail: [email protected]

** Bibliotecária do Núcleo de Informação do SistemaFIERGS/SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZA-GEM INDUSTRIAL – Departamento Regional doRio Grande do Sul (SENAI-RS).E-mail: [email protected]

*** Mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial eEngenheiro Agrícola. Bolsista do Serviço Brasilei-ro de Resposta Técnica – SBRT/SENAI-RS.E-mail: [email protected]

**** Engenheiro Químico e Especialista de Tratamentode Efluentes Líquidos, Sólidos e Gasosos. Bolsis-ta do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica –SBRT/SENAI-RS.E-mail: [email protected]

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Abstract: This article aims to describe the experience of the National Industrial ApprenticeshipService – Rio Grande do Sul Regional Department (SENAI-RS) in the shared implementation of theBrazilian Technical Response Service (SBRT), through presenting its demonstration effect and itsimportance in the companies’ competitiveness increase as an auxiliary in the construction of asustainable development process. The methodology consists in detailing this service strategic processof modernization using the SBRT, an online technical question answering resource. The maincontribution of this study is to identify new trends of industrial micro-entrepreneurs and to checkstrategies of reception, collection, and analysis of demand, aiming to offer customized products forthe clients and to give support to their requirements. The SBRT/SENAI-RS experience alsodemonstrates strategies customer loyalty, competitiveness increase, and antecipation of the marketneeds, giving more value for the technological information management as a value-adding elementand an important tool for their development. For that purpose, this article introduction is followedby considerations on the SBRT scope, in order to discuss, in the third section, the connection withnew profiles of the professionals who work in the technological information field.

Key words: Technological information, Brazilian Technical Response Service, information areaprofessional.

INTRODUÇÃO

A globalização de mercados financeiros, aconsolidação de potenciais tecnológicos, represen-tados pelas grandes empresas, entre outros fato-res, são elementos que evidenciam crescentementea informação como fator estratégico de competi-tividade para as empresas. As micro e pequenasempresas – MPEs, predominantemente, têm aces-so menos facilitado às informações, configurando-se como estruturas mais frágeis diante do mercadocaracterizado pela competição globalizada.

O dinamismo do perfil do profissional quetrabalha com informação é bastante intenso e, porigual, recorrente. A Federação Internacional deInformação e Documentação (FID), já em 1991,criou o Grupo de Interesse Específico sobre Pa-péis, Carreiras e Desenvolvimento do ModernoProfissional da Informação (SIG FID/MIP), envol-vendo profissionais das áreas de Biblioteconomia,Arquivologia, Museologia e Administração, reali-zando uma pesquisa mundial entre esses profissi-onais para identificar seu perfil. Segundo Arruda,Marteleto e Souza (2000), essa pesquisa despon-ta a tecnologia como propulsora das principaismodificações no perfil desses profissionais, se-guida por elementos de gestão organizacional edo trabalho.

Atualmente, o que era antes proporciona-do para o indivíduo por ocasião da leitura e daescrita é proporcionado pelo advento de novastecnologias, que se disseminaram muito fortemen-te na área da educação (1). O cotidiano da socieda-de contemporânea passa a conviver com o usointensivo de informações e com o gerenciamento

de atividades vinculadas à propriedade intelectual e aosbens intangíveis. Coadunando com tal quadro, Crawfordpondera, de forma sintética:

“Avanços tecnológicos permitem a acele-ração e o maior volume no tratamentomassificado das informações e no seuprocessamento, análise e transmissão. Oparadigma da informação – que, com basena tecnologia vem substituir o modeloTaylorista e Fordista. A informação e o co-nhecimento substituem o capital físico e fi-nanceiro, tornando-se uma das maioresvantagens competitivas nos negócios, e ainteligência criadora constitui-se na rique-za da nova sociedade.” (CRAWFORD, 1994).

Este fato, simultaneamente, destaca o capital huma-no e proporciona mudanças quanto à função da informaçãono ambiente produtivo e força os empreendedores e empre-sários a ter uma visão diferenciada de perceber a importân-cia dos Serviços de Informação, que pressupõem tambémum novo paradigma quanto à função do típico “Profissionalda Informação” – o Bibliotecário. Desta feita, verificamosque o novo perfil do bibliotecário está focado na capacida-de deste em gerenciar a informação e trabalhar de forma quea informação tenha valor agregado e seja encarada comoum produto capaz de garantir a competitividade para asinstituições, sobretudo as empresas.

Com base nestas considerações, o presente tra-balho tecerá, na primeira seção, comentários alusivos aoServiço Brasileiro de Respostas Técnicas – SBRT, e ainserção do SENAI-RS em tal rede de competências múl-tiplas, trazendo à tona aspectos estratégicos e opera-cionais e estatísticas que abarcam resultados prelimina-res obtidos com a participação no referido Serviço. A

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segunda seção abarca o novo perfil do profissional liga-do à área de informação e como o SENAI-RS está traba-lhando, de forma estritamente vinculada à experiência detrabalho junto ao SBRT. Subseqüentemente, considera-ções finais sinalizam para a importância da atuação reno-vada dos profissionais que lidam com informação.

1. O SENAI-RS E O SERVIÇO BRASILEIRO DE RES-POSTA TÉCNICA (SBRT)

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial doRio Grande do Sul atua no campo da educação e tecnologia,conta com 131 pontos de educação profissional, 17 agên-cias de treinamento e 8 Centros Tecnológicos (Automotivo,Calçado, Couro, Mobiliário e Madeira, Polímero,Mecatrônica, Mecânica de Precisão e o Centro Nacionalde Tecnologias Limpas) (SENAI-RS, 2004). Os CentrosTecnológicos do SENAI-RS objetivam realizar pesquisaaplicada, absorver, gerar e transferir conhecimentostecnológicos diretamente ao setor produtivo, o que se dáatravés de uma gama de serviços como:cursos, assessoriae consultoria em tecnologia de produtos e processos, de-senvolvimento de ensaios e análises laboratoriais e a pres-tação de serviços de informação tecnológica.

O SENAI-RS, mediante carta convite FVA/TIBCNPq/2002, passou a integrar o SBRT. São entidadesparticipantes da rede, como provedores de respostas téc-nicas: Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais -CETEC, Instituto de Tecnologia do Paraná - TECPAR,Rede de Tecnologia da Bahia – RETEC/BA, Rede deTecnologia do Rio de Janeiro - REDETEC, Universidadede Brasília UnB/CDT e Universidade de São Paulo USP/Disque-Tecnologia. Como instituições que apóiam oSBRT, temos o Instituto Brasileiro de Informação em Ci-ência e Tecnologia - IBICT, Serviço Brasileiro de Apoioàs Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -CNPq e os programas TIB/CNPq do Ministério da Ciên-cia e Tecnologia do Governo do Brasil. O projeto, cumpreressaltar, faz parte de programa estratégico do Ministérioda Ciência e Tecnologia.

O SBRT, que iniciou sua operacionalização em me-ados de 2003, é um serviço de informação tecnológica quefoi desenvolvido em bases dinâmicas com o uso intensivoda web e de operação em rede, com o objetivo de facilitaro rápido acesso das empresas às soluções tecnológicasde baixa complexidade e em áreas específicas, bem comopromover a difusão do conhecimento e contribuir paracom o processo de transferência de tecnologia, especial-mente, para a micro, pequena e média empresa, conformeconsta em seus materiais de divulgação.

Foi oficialmente lançado no último trimestre de2004, já com a metodologia de gestão definida e equipes

treinadas, capacitadas e alinhadas estratégica eoperacionalmente. Seu funcionamento está pautado navalorização do uso de tecnologias da informação, uma vezque os atendimentos do SBRT ocorrem preponderante-mente através de um portal da Internet, o qual se configu-ra como receptáculo de demandas e elemento de integraçãoentre ofertantes e demandantes de tecnologia (2). Atravésdeste projeto capitaneado pelo Ministério de Ciência eTecnologia – MCT, o SENAI-RS obteve a oportunidadede implementar o Serviço de Resposta Técnica como umdos serviços de Informação Tecnológica em toda suaRede de Informação.

1.1 Aspectos estratégicos e operacionais do SBRT e oSENAI-RS

Lidar com informações e processá-las de forma ade-quada é uma necessidade recorrente para as pessoas e or-ganizações. Atualmente, esta importância encontra-se re-forçada, à medida que as empresas têm de ter respostas deforma cada vez mais ágil para responder de forma eficiente eeficaz aos estímulos de demanda, garantindocompetitividade. A informação é marcada por quatro ele-mentos básicos: velocidade, conectividade, intangibilidadee criatividade. A informação tecnológica, neste contexto,passa a ser vista como agregadora de valor, algo que temcusto de elaboração e preço para disponibilização. Dito deoutra forma, ela é um PRODUTO e, como tal, tem valor nomercado (HACK; HANEFELD, 2004).

A Resposta Técnica, portanto, deve ser percebidacomo uma informação tecnológica estratégica. O deman-dante de informação tecnológica – seja uma empresa dequalquer porte, um empreendedor ou uma entidade repre-sentativa tal como sindicatos ou associações - quando sereporta a uma instituição como o SENAI-RS para atender auma demanda de resposta técnica, o faz porque precisa deuma proposição a um produto, processo ou gestão queseja Confiável, entregue num Prazo Curto e a um CustoBaixo. A Fig. 1, a seguir, sintetiza esta dinâmica.

Fig. 1 - Dinâmica de funcionamento da resposta técnica.Fonte: Hack; Hanefeld, 2004.

A importância de desenvolver competências quetrabalhem diretamente com a informação como matéria-prima, atendendo os avanços da tecnologia induz à refle-

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xão sobre a necessidade de estruturar um novo perfilpara o Profissional da Informação que forneça as variá-veis que possibilitem atender a esta nova situação, con-templando formas de ação renovadas.

Tendo sido feita, ex ante, a definição estratégicada participação do SENAI-RS neste relevante projeto –referendada pelo Departamento Nacional do SENAI, aprimeira ação efetiva (que partiu da alta gerência e gerên-cias intermediárias do SENAI-RS) foi concernente à mo-tivação, apoiando o esforço de realização deste serviço eapoiando as atividades de implementação do serviço.Foi realizada a capacitação dos profissionais da infor-mação da Rede de Informação do SENAI-RS, em adesãoaos demais parceiros da rede, na metodologia nos mol-des do SBRT – Serviço Brasileiro de Resposta Técnica,capacitação formal e momentos de avaliação das Res-postas Técnicas que já se encontravam no Portal.

A esta etapa que se configurou em adesão ao proje-to e de motivação para participação, seguiram-se atividades

de implementação. Foi oferecido treinamento em técnicasde pesquisa em bases de dados na Internet e repasse deferramentas de busca, replicando no Rio Grande do Sulmetodologia desenvolvida pelo SBRT. Também foram leva-dos a cabo estudos de identificação de demandas, proposi-ção e negociação e solução e realizados atendimentos àsdemandas de respostas técnicas através do banco de com-petências e especialistas da rede SENAI-RS.

Tratando do caso gaúcho, no que tange a aspec-tos operacionais, as demandas chegam no SENAI-RSadvindas do Portal SBRT, fax, e-mail, telefone ou consul-ta local. Elas são imediatamente identificadas pelos mo-deradores (especialistas que se encontram no Departa-mento Regional) e distribuídas para execução da respos-ta pelos bibliotecários e técnicos das unidades do SENAI-RS. O bibliotecário é responsável pelo refinamento dademanda, ou seja, pelo processo de análise da demandaque, sendo necessário, inclui um refinamento da deman-da (contato com o cliente). A Fig. 2, a seguir, mostra ofuncionamento de um serviço de resposta técnica.

Fig. 2 - Funcionamento do serviço de resposta técnica.Fonte: Hack; Hanefeld, 2004.

Faz-se, em seguida, um estudo prévio do contex-to da questão e prepara-se um roteiro de perguntas, per-guntas estas que objetivam refletir sobre o problema eesclarecer a real necessidade de informação. O esforçoinicial em captar corretamente a necessidade de informa-ção do cliente é de fundamental importância para a apre-sentação de uma solução que atenda às suas expectati-vas. A solução da demanda, dependendo da complexida-de, pode ser formulada pelo próprio bibliotecário, atra-vés de pesquisa no acervo, pesquisa na web ou repassa-da para o especialista responder. Após, o formulário pa-drão do Serviço Brasileiro de Resposta Técnica é preen-chido e enviado aos moderadores, os quais, por seu tur-no, providenciam o encaminhamento ao cliente e a publi-cação da Resposta Técnica no Portal.

Tendo, portanto, as metodologias de gestão bem

definidas, o Serviço Brasileiro de Resposta Técnica - nãosó no SENAI, mas em todas as instituições parceiras daRede - tem um resultado imediato e efetivo junto ao seupúblico-alvo, sobretudo as micro e pequenas empresas,evidenciando resultados preliminares animadores e querevalidam a importância deste serviço. As estatísticasconstantes da subseção seguinte representam uma amos-tra destes resultados e de seu alcance.

1.2 Resultados preliminares da atuação do SENAI-RS

Conforme estatística realizada desde a implanta-ção do SBRT até o dia 9 de maio de 2005, demonstradapela Figura 3, verifica-se que do total de 503 respostastécnicas elaboradas pela rede, 19,09% das solicitações,ou seja, o equivalente a 96 respostas técnicas, forampublicadas pelo SENAI/RS.

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Através da Tabela 1, a seguir, nota-se que boaparte (45,83%) das demandas atendidas pelo SENAI/RSfoi originada por clientes do próprio Estado do Rio Gran-de do Sul, seguido respectivamente pelos de SantaCatarina (20,83%) e Rio de Janeiro (6,25%).

Tabela 1 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/RS, desde a implantação do SBRT até o dia 9/5/2005,

conforme Unidade Federativa de origem

Fonte: SENAI/RS.

Através da Fig. 4, é possível verificar que os seg-mentos demandados apresentam-se bastante diversifi-cados, sendo o de maior representação, no SBRT em ge-ral, o setor da Agricultura e Pecuária com 28,51%, se-guido pelo de Alimentos e Bebidas com 20,48% e o deServiços Industriais com 13,65%. De maneira semelhan-te, os segmentos mais atendidos especificamente peloSENAI/RS foi o da Agricultura e Pecuária com 22,34%,seguido pelo de Serviços Industriais com 21,28% e o deAlimentos e Bebidas com 18,09%.

Fig. 4 - Respostas técnicas publicadas pelo SBRT emgeral e somente pelo SENAI/RS, desde a implantação até odia 9/5/2005, conforme os segmentos de maior interesse.

Fonte: SENAI/RS.

Pela Tabela 2, a seguir, podem ser obtidasinferências acerca do crescimento médio mensal de soli-citações, respondidas pelo SBRT tanto em nível nacional(geral), como especificamente pelo SENAI/RS.

Tabela 2 - Crescimento mensal de respostas técnicaspublicadas pelo SBRT em geral e pelo SENAI/RS.

Fonte: SENAI/RS.

Estes dados permitem verificar a intensificaçãodo uso do serviço por parte dos usuários, ao longo dosquatro últimos meses. Os bibliotecários cumprem papelimportante nestas demandas atendidas, por serem medi-adores do processo, dentro da área de informaçãotecnológica da rede SENAI-RS.

Os dados apresentados não são absolutos, re-presentando um recorte temporal dos atendimentos rea-lizados pelo SENAI-RS. É mister destacar, entretanto, quetais dados denotam o resultado consolidado da efetivaparticipação acumulada do SENAI-RS na rede SBRT nosúltimos meses. O dinamismo dos atendimentos é umacaracterística que confere peculiar importância eoperacionalidade ao SBRT, remetendo a um perfil reno-vado do bibliotecário e dos profissionais vinculados àsrespostas técnicas.

2. NOVO PERFIL PARA O BIBLIOTECÁRIO: DINA-MISMO CONTUMAZ

2.1 Características do profissional da área de informação

O paradigma vigente provocou, de forma inequí-voca, alterações no próprio mercado de trabalho, em queo capital humano e a valorização das capacidades dosindivíduos vinculadas a ativos intangíveis – caso do co-nhecimento, em particular – passaram a assumirindubitavelmente tratamento diferenciado (HANEFELD,2004b). Conforme o SENAI.DN (1999) são característicasdesejáveis ao profissional da informação que vai elabo-rar a Resposta Técnica: conhecer o setor industrial parao qual está direcionado o Núcleo/Unidade, no que serefere aos procedimentos, tecnologias e mercado do se-tor em questão; ser capaz de compreender e utilizar tantoo jargão técnico do setor industrial a que atende quantode se comunicar com pessoas de diferentes níveis hierár-quicos e/ou com diferentes níveis de formação dentro daempresa; ter a capacidade de sintetizar conceitos e teori-

Fig. 3 - Respostas técnicas publicadas pelo SENAI/RS,em relação ao total do SBRT, desde sua implantação

até o dia 9/5/2005.Fonte: SENAI/RS.

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as e de resumir informações, visando torná-las inteligí-veis para o cliente; ter autonomia na execução de seusprojetos; ser uma pessoa voltada para a busca de solu-ções rápidas e estar sempre pronto para ouvir e avaliardiferentes opiniões, dentro de uma perspectiva de traba-lho em equipe.

Adicionalmente, outros aspectos do perfil do bi-bliotecário – muitos deles subjacentes à sua própria for-mação - merecem ser destacados, quais sejam: atençãoàs técnicas biblioteconômicas e documentais; atitudesgerenciais pró-ativas; tratamento e disseminação de in-formação, independente do suporte físico; espírito críti-co e bom senso; atendimento real e/ou virtual aos clien-tes; profundo conhecimento dos recursos informacionaisdisponíveis e das técnicas de tratamento da documenta-ção com domínio das tecnologias mais avançadas; domí-nio de línguas estrangeiras; fusão entre as abordagensqualitativas e quantitativas; estudo das necessidadesde informação dos clientes e avaliação dos recursos dossistemas de informação; relação coerente entre informa-ção e sociedade; planejamento e gerenciamento de siste-mas de informação; preocupação na análise, comunica-ção e uso da informação; intenso processo de educaçãocontinuada; ativa participação nas políticas sociais, edu-cacionais, científicas e tecnológicas.

Neste último grupo estão imbricados elementosque traduzem um perfil renovado para o bibliotecário. Apartir da experiência do SBRT, que trabalha com o for-necimento de respostas técnicas – as quais são estilizadascomo sendo fundamentalmente atendimentostecnológicos de baixa complexidade – é possível identifi-car características desejáveis que objetivam perceber ainformação tecnológica como um elemento de agregaçãode valor. Como tal, é necessário um processo desensibilização e mudança de comportamento e atitudefrente à nova realidade.

2.2 Competências do bibliotecário associadas ao SBRT,no SENAI-RS

As competências abarcadas na subseção anteri-or são indispensáveis e subjacentes ao profissional vin-culado à área de informação, em especial quando trata-mos de bibliotecários. No SENAI-RS, os contatos princi-pais para atuação em rede são os responsáveis pelosNúcleos de Informação, os quais são os elementos deligação e mediação com todo o banco de especialistas doSENAI-RS. O Departamento Regional, através da Unida-de de Negócios em Serviços Tecnológicos - UNET, re-presenta o nó principal da rede, dentro do SENAI-RS,perante os demais parceiros da rede SBRT, ou seja, atra-vés da UNET são mediados e gerenciados todos os aten-dimentos que são direcionados ao SENAI-RS. Portanto,o contato da UNET com as suas unidades operacionais

viabiliza um atendimento de qualidade e com excelentecapilaridade. Os bibliotecários, neste processo, assumempapel relevante.

Complementarmente às atribuições ou competên-cias detalhadas na subseção anterior, as habilidades decomunicação, organização e de negociação necessáriasao bibliotecário, visto como um “profissional da informa-ção” conforme as necessidades atuais, estão centradasprincipalmente na facilidade de comunicação (verbal,escrita e no uso das telecomunicações e-mail, fax e tele-fone), capacidade em organizar informações digitais esaber interagir e negociar com o usuário. Como requisitoespecífico, necessita-se principalmente obterembasamento e conhecer a utilização de critérios de usode páginas web para atender à demanda.

O que deve assumir maior peso relativo em relaçãoà Resposta Técnica é a capacidade do profissional dainformação de selecionar, avaliar e transformar a informa-ção para que esta se torne útil, ou seja, ser um facilitador,buscar soluções para as demandas que advenham dasempresas e/ou empreendedores. E esta é a percepção vivi-da atualmente entre os bibliotecários da rede SENAI-RS,que somam treze profissionais Tudo isto somado às de-mais atribuições clássicas do bibliotecário, que reconhe-cemos e revalidamos a sua importância.

No SENAI-RS foi adotada a metodologia desen-volvida pelo SBRT para a gestão e atendimento de res-postas técnicas. À luz da percepção do potencial de agre-gação de valor que a informação tecnológica e seus ser-viços e atividades conexas oportunizam, tem-se traba-lhado buscando a sensibilização dos colaboradores doseu quadro, vinculados à área de informação, no sentidode aprimorar crescentemente o sentido de entender, aten-der e encantar o cliente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do presente trabalho foi apresentada, deforma sumária, a atuação do SENAI-RS dentro do Servi-ço Brasileiro de Resposta Técnica – SBRT, projeto pau-tado, em essência, em uma atuação em rede através dedistintas instituições brasileiras com reconhecida atua-ção na área de ciência, tecnologia e inovação, dentre osquais se encontra o SENAI-RS na condição de provedorde respostas técnicas.

As estatísticas apresentadas oportunizaramdimensionar a atuação do SENAI-RS dentro desta redeestratégica de fornecimento de respostas técnicascustomizadas. Não obstante sinalizarem para sua valida-de, atestando a certeza do governo federal em ter pro-posto – no ano de 2002 - e viabilizado subseqüentemen-te a implantação e implementação de um projeto absolu-

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tamente alinhado, oportunizaram provocar inferênciasacerca do perfil dos profissionais diretamente envolvi-dos com a área de informação tecnológica.

Dentro deste prisma renovado, novas atribuiçõespassam a desafiar esses profissionais, incitando assumi-rem atribuições inovadoras ou, de outra forma, formasdiferentes de tratar situações semelhantes. As novas atri-buições sinalizam para uma postura absolutamente pró-ativa, onde o bibliotecário passa a voltar-se cada vezmais ao mercado. À medida que o faz, encontracrescentemente entre seus clientes não apenas alunos eprofessores como usuários de sua biblioteca, mas simclientes. Estes clientes, inseridos em uma sociedade ca-rente de informações qualificadas e ancorados em ummundo marcado pela globalização em suas mais diversasformas de manifestação, deve encontrar neste novo bi-bliotecário um profissional focado em negócios e perfei-tamente sensível a conceitos, valores e metodologiasvinculadas à produtividade e competitividade. O insightmais significativo a ser retirado deste trabalho consisteem sensibilizar o capital humano existente nas organiza-ções voltado à área de informação tecnológica quanto àimportância de perceber as oportunidades existentes alémdo espaço físico das bibliotecas.

Seu papel diante do paradigma vigente, típico daeconomia baseada no conhecimento, é de importânciaímpar. A informação tecnológica, enquanto instrumentode vinculação entre o conhecimento vinculado àmultiplicidade de competências acumuladas nas institui-ções que a provêem e a dimensão de mercado requer queo profissional de informação tenha um papel essencialde intermediação, prescindido pelos empreendedores eempresários. Isto sempre em paralelo à atenção dedicadaaos alunos, usuários recorrentes das bibliotecas.

NOTAS

(1) Em estudo recente de HANEFELD (2004a), sãoabordadas especificamente as teorias tecnológicas apli-cadas à educação, sustentando-se justamente a relevân-cia de se proceder a uma consubstanciada revisão nasformas de atuação dos profissionais frente às novastecnologias.

(2) O portal, viabilizado preponderantemente como apoio do Governo do Brasil, por interveniência do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, pode ser acessado emhttp://www.sbrt.ibict.br.

REFERÊNCIAS

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Neon Dimer Binding : an ab initio Calculation

Alexandre Martins Dias *

Resumo: Usando o método Hartree Fock Restrito (RHF) e a teoria de Perturbação de SegundaOrdem de Moller-Plesset (MP2) para sistemas de camada fechada, com um conjunto de funções debase do tipo TZV (Triple Zeta Valence), como implementado no programa ab initio GAMESS, versão4.0, para cálculos de estrutura eletrônica, este estudo apresenta o cálculo da curva de potencialpara o estado fundamental da molécula Ne

2. Os resultados proporcionam uma boa predição da

energia de ligação da molécula.

Palavras-chave: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2.

Abstract: Using Restricted Hartree Fock (RHF) method and Second Order Moller-PlesserDisturbance theory (MP2) for closed layer systems with a set of basis functions like Triple ZetaValence (TZV) as implemented in the version 4.0 ab initio GAMESS program for electronic structurecalculations, this study presents a potential curve calculation for the ground state of the Ne

2 molecule.

The results provide a good prediction about the molecule linking energy.

Key words: Ne2, GAMESS, ab initio, RHF, MP2.

* Professor e Coordenador da Faculdade de Ciência daComputação da UNIFENAS - Alfenas - MG.E-mail: [email protected]

1. INTRODUCTION

Diatomic molecules of noble gases have beenstudied from several points for empirical and ab initiocalculations (TANAKA; YOSHINO, 1972; COHEN;SCHNEIDER, 1974). The interest in these molecules weredue to the fact that they constitute a class of moleculesfor laser applications (MICHELS; HOBBS; WRIGTH,1978). Recently, new ab initio potentials for neon dimerhave been obtained in the studies of molecular globalsimulations, condensed phase and tests of the severalbasis sets for weakly interacting system (EGGENBERGERet al., 1994; NASRABAD, 2003).

Ab initio calculations (CLEMENTI, 1965) showed

that ground 1

∑+g state of dimer Ne

2 with configuration

(1σu)2(1σ

g)2(2σ

g)2(2σ

u)2(1π

g)4(1π

u)4 (3σ

g)2(3σ

u)2,

dissociates into two ground states Ne (1σ2 2σ22π6) atomswith the total energy -257.0940 E

h (hartrees).

Calculations based on MS-Xa (not frozen coreapproximation) (KONOWALOW et al., 1972), LCAO-MO-SCF (GILBERT; WAHL, 1967) and VCM-Xa (LEITE et al.,1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO, 1982) methods havenot shown the van der Waals minimum for this molecule.

The ab initio calculation performed in this work isa trial to predict the binding of the Ne

2 dimer, since that

recent calculations (EGGENBERGER et al., 1994;NASRABAD, 2003) have been performed for this purpose.

2. CALCULATION REPORTS

These ab initio calculations were performed byRHF with 2nd order Moller-Plesset (MP2) computationmethods, as implemented into GAMESS (SCHMIDT etal., 1993) package, for Windows PC computers optimizedby Alex A. Granovsky in Moscow State University, usingTriple Zeta Valence(TZV) with one d function basis set,initial orbitals generated by Huckel guess routine withmolecule in D2H point symmetry group and MP2 appliedto the last orbital.

Figure 1 shows the potential curve obtained inthis work. The separated atom limit energy reached thevalue of -257.090146 E

h. The minimum for total energy of

molecule has been evaluated as -257.090273 Eh at R

e = 5.6

au (bohr) or 2.968 Å, assumed as the equilibriuminternuclear distance of the ground state of the molecule.Then, the binding, obtained as the difference betweenthe separated atom limit and the minimum of the potentialcurve, is 0.000127 E

h or 0.00346 eV.

Experimental results related by Herzberg (HUBER;HERZBERG, 1979) and Ira N. Levine (1991) shown 0.00013E

h or 0.0035 eV for binding energy to the equilibrium

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internuclear distance at Re = 5.85 au or 3.1 Å. Recent

calculations (NASRABAD, 2003), using extensive(av45z) basis set, result in a more deep binding energythan experimental value at R

e = 3.097 Å related to the HF-

limit of separated atoms.

Table 1 sums up the numerical values for theseab initio calculations and several others results obtainedby different methods for comparison.

Table 2 shows the numerical values for the totalenergies from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCFmethods for the same internuclear separations. Thesevalues are plotted in Figure 2, showing repulsive potentialcurves.

Table 2 - Total energies for the ground state of Ne2

Molecule for different internuclear separation,in hartree units

Table 1 - Total energies for ground state of Ne2

molecule. All energies in hartree units and internuclearR

e distance in atomic units

Fig. 1 - Potential curve for the ground state of Ne2

molecule from RHF+MP2 calculations.

a) This work.b) VCM-Xα (KONOWALOW et al., 1972; GILBERT; WAHL,1967; LEITE et al., 1981).c) MS-Xα (NASRABAD, 2003).

d) LCAO-MO-SCF (CLEMENTI, 1965).

a) VCM-Xα (LEITE et al., 1981; DIAS, 1981; DIAS; ROSATO,1982).b) MS-Xα with not frozen core approximation (KONOWALOWet al., 1972).c) LCAO-MO-SCF (GILBERT; WAHL, 1967).

Fig. 2 - Potential curves for ground state of Ne2

molecule from VCM-Xα, MS-Xα and LCAO-MO-SCFmethods.

3. FINAL REMARKS

It is well known from early calculations with theRestricted Hartree-Fock methods (WAHL, 1964), that itis not easy to exhibit the binding for these class ofmolecules and only half of the binding was obtained fromthe extensive CI calculations (DAS; WAHL, 1966).

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The small value of the binding for this molecule isthe main reason for the difficulties in theoreticalcalculations, because of the exactness necessary by thecalculations with approximated methods, but the resultsobtained in this work have shown an attractive potentialcurve compared with the repulsive curves of the othersmethods. In Figure 2, we observe that VCM-Xα and MS-Xα methods present similar potential curves. It is due tothe muffin-tin approximations used for charge densityinto some space regions of the molecule geometryadopted in VCM calculations and MS methods, but weobserve that VCM-Xα leads to the separated atom limitenergy close to the Hartree-Fock limit (CLEMENTI, 1965).

The results obtained for the RHF + MP2 energiesfor the ground state of the Ne2 molecule in this work,with TZV basis set as implemented into GAMESSpackage, essentially shows weakly bound Ne atoms.The separated atom limit energy obtained is in goodagreement to the HF limit (CLEMENTI, 1965), and thebinding of molecule subject of this work is close to theexperimental value.

We know that the ground state of Ne2 molecule

has the same number of electron pairs in p ligand orbitalsand π non-ligand orbitals, producing unstable state(HUBER; HERZBERG, 1979).

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- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa.Caso o trabalho seja escrito em Inglês, o Abstract deveser traduzido para o Português (Resumo).

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importantes para evitar sobrecargasanormais em ossos em crescimento ealterações adaptativas em músculos etecido mole. (KISNER; COLBY, 1998).

Nas citações são utilizadas sobrenome e data,apresentadas em maiúsculas dentro do parênteses eem minúsculas fora do parênteses.Ex.: 1. Segundo Spector (2003), “A discussão dosresultados é a parte mais livre da tese, onde o autortem maior latitude para demonstrar o seu domínio dotema e o valor do estudo.”Ex.: 2. A discussão dos resultados é a parte mais livreda tese, onde o autor tem maior latitude parademonstrar o seu domínio do tema e o valor do estudo(SPECTOR, 2003).

- Referências Bibliográficas: devem ser apresentadasno final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenomedo(s) autor(es), como nos seguintes exemplos:

a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Localde publicação: Editora, data. Exemplo: PÉCORA,Alcir. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo: MartinsFontes, 1992.

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b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título docapítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título dolivro. Local de publicação: Editora, data. Páginainicial-final. Exemplo: LACOSTE, Yves. Liquidar ageografia... liquidar a idéia nacional? In: VESENTIN,José William (org.). Geografia e ensino: textos críticos.Campinas: Papirus, 1989. p.31-82.

c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Títulodo artigo. Título do periódico, local de publicação,volume do periódico, número do fascículo, páginainicial-página final, mês(es). Ano. Exemplo:ALMEIDA JÚNIOR, M. A economia brasileira.Revista Brasileira de Economia, São Paulo, v. 11, n.1, p. 26-28, jan./fev. 1995.

d) Dissertações, Teses e Trabalhos Acadêmicos:SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (ou tese).Local. Número de páginas (Categoria, grau e área deconcentração). Instituição em que foi defendida. data.Exemplo: BRAZ, A. L. Efeito da luz na faixa espectraldo visível em adultos sadios. 2002. 1 disco laser.Dissertação (Mestrado em Bioengenharia) - Institutode Pesquisa e Desenvolvimento, Universidade doVale do Paraíba, São José dos Campos, 2002.

e) Outros casos: Consultar as Normas da ABNT paraReferências Bibliográficas (NBR6023). Ou acessar osite: http://www.univap.br/cultura/abnt.htm

4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) etabelas devem apresentar boa qualidade e seremacompanhados de legendas breves e claras. Indicar noverso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da figura,o nome do autor e o título abreviado do trabalho. Asfiguras devem ser numeradas seqüencialmente comnúmeros arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendoficar na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráficode controle de custo. (fonte 10). As tabelas tambémdevem ser numeradas seqüencialmente, com númerosarábicos, e colocadas na parte superior da tabela.Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figurase tabelas devem ser impressas juntamente com o originale quando geradas no computador deverão estar gravadasno mesmo arquivo do texto original. Fotografias,desenho artístico, mapas etc., devem ser de boaqualidade e em preto e branco.

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