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Nº 28 Dezembro de 2008 Constituição & Democracia C&D DH, isso é coisa de bandido? A atualidade de Nísia Floresta Entrevista: Giácomo Marramao Os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

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Nº 28

Dezembro de 2008 Constituição & DemocraciaC&D

DH, isso é coisade bandido?

A atualidade deNísia Floresta

Entrevista: GiácomoMarramao

Os 60 anos da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos

EDITORIALOObbsseerrvvaattóórriioo ddaa CCoonnssttiittuuiiççããoo ee ddaa DDeemmooccrraacciiaa

Há 60 anos a Assembléia Geral das Nações Unidas adotava e proclamava umadeclaração de direitos humanos. A data era 10 de dezembro de 1948. O mun-do ainda se ressentia dos efeitos nefastos da grande guerra que findara não ha-

via muito tempo. As atrocidades cometidas durante o conflito militar e a experiênciados campos de concentração pareciam demandar uma resposta significativa, aindaque de alguma forma simbólica. Assim foi assinada a Declaração Universal dos Direi-tos Humanos, sem dúvida um dos documentos internacionais mais importantes rela-tivamente à proteção de direitos e liberdades.

Passados sessenta anos, podemos comemorar o fato de que neste período nãorevivemos a experiência barbarizada de uma grande guerra mundial. Mas a concreti-zação dos direitos humanos, previstos na declaração de 1948, ainda demanda um lon-go caminho a ser percorrido.

Frente a esses desafios, o observatório da Constituição e da Democracia voltaseu olhar para a Declaração Universal dos Direitos Humanos e para as dificuldadesque ela vem e continua enfrentando na árdua tarefa de sua materialização, bem co-mo para as questões suscitadas por outras normas internacionais de proteção de di-reitos e liberdades.

Argemiro Martins destaca a entrada em vigor da Convenção sobre os direitosdas pessoas com deficiência. No cenário das comemorações dos sessenta anos daDeclaração Universal dos Direitos Humanos, Sven Peterke busca resgatar o legado la-tino-americano nessa declaração. Nossa correspondente na Inglaterra, Giovanna Fris-so, mostra alguns reflexos das legislações anti-terror e da separação "nós/eles".

Neste número, trazemos também uma entrevista com Giácomo Marramao, pro-fessor da Universidade de Roma e que, entre outros temas, tratou de globalização, se-cularização e diferenças culturais. Boaventura de Sousa Santos encerra esta ediçãoabordando algumas expectativas da eleição de Barack Obama nos EUA.

GGrruuppoo ddee ppeessqquuiissaa SSoocciieeddaaddee,, TTeemmppoo ee DDiirreeiittooFFaaccuullddaaddee ddee DDiirreeiittoo –– UUnniivveerrssiiddaaddee ddee BBrraassíílliiaa

02 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DEZEMBRO DE 2008

AA CCoonnvveennççããoo ssoobbrree ooss DDiirreeiittooss ddaass PPeessssooaass ccoomm DDeeffiicciiêênncciiaaAArrggeemmiirroo MMaarrttiinnss -- Mestre em Instituições Jurídico-polícas pela UFSC, doutor em Direito Constitucional pelaUFMG, professor adjunto de Direito Público na UnB. 0033

OO LLeeggaaddoo LLaattiinnoo--AAmmeerriiccaannoo nnaa DDeeccllaarraaççããoo UUnniivveerrssaallSSvveenn PPeetteerrkkee - Professor visitante da Faculdade de Direito da UnB, doutor em Direito pela Universidade Ruhr de Bochum (RFA). 0044

RReefflleexxõõeess ssoobbrree ooss 6600 aannooss ddaa DDeeccllaarraaççããooMMaarrccooss LLeeiittee GGaarrcciiaa -- Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid. Atua como docene permanenteno Programa de pós-graduação Stricto sensu em Ciência Jurídica, custos de mestrado e doutorado, daUniversidade do Vale do Itajaí - SC. 0066

PPrrootteeççããoo ddoo ddiirreeiittoo aaoo ttrraabbaallhhoo:: aa nneecceessssiiddaaddee ddee mmoottiivvaaççããoo ddaass ddeessppeeddiiddaassNNooeemmiiaa PPoorrttoo -- Mestranda em Direito, Estado e Constituição na UnB, especialista em Direito Constitucional pelaUnB, diretora da Escola de Magistratura do Trabalho da 10ª Região (Ematra-X) e juíza do TrabalhoTTaahhiinnaahh AAllbbuuqquueerrqquuee MMaarrttiinnss -- Mestranda em Direito. 0088

DDoo iinníícciioo aaoo ffiimm ddooss ddiirreeiittooss hhuummaannoossGGeeoorrggee RRooddrriiggoo BBaannddeeiirraa GGaalliinnddoo -- Professor da Faculdade de Direito da UnB 1100

OOss iimmppaaccttooss ddaa DDUUDDHH ssoobbrree aass CCoonnssttiittuuiiççõõeessLLaaííss MMaarraannhhããoo,, MMiilleennaa PPiinnhheeiirroo ee VViinniicciiuuss FFooxx TTrriinnddaaddee -- Graduandos em Direito na UnB 1111

EEnnttrreevviissttaa ccoomm pprrooffeessssoorr GGiiááccoommoo MMaarrrraammããoo -- doutor em Filosofia por Firenze, professor da Universidade de Roma III""PPoorr uummaa ffiilloossooffiiaa gglloobbaalliizzaaddaa"" 1122

DDeeccllaarraaççããoo UUnniivveerrssaall ddee DDiirreeiittooss HHuummaannooss:: rruuppttuurraa ee ccoonnssttrruuççããooLLuucciiaa MMaarriiaa BBrriittoo ddee OOlliivveeiirraa - Professora da Faculdade de Direito - UnB, Advogada, Mestre em RelaçõesInternacionais pela UnB e Pesquisadora do Grupo Sociedade, Tempo e Direito da UnB. 1144

AA eexxiiggêênncciiaa ddee iimmuuttaabbiilliiddaaddee iiddeennttiittáárriiaa ((ppaarraa ooss oouuttrrooss))JJooeellmmaa MMeelloo ddee SSoouussaa -- Mestranda do curso de Direito da UnB. 1166

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO LLEEGGIISSLLAATTIIVVOOAAddooççããoo:: iinnsseerrççããoo ffaammiilliiaarr ee ssoocciiaallRRiiccaarrddoo MMaacchhaaddoo LLoouurreennççoo FFiillhhoo -- Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB, professor universitário,membro do grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito da UnB 1177

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO JJUUDDIICCIIÁÁRRIIOODDiirreeiittooss HHuummaannooss:: iissssoo éé ccooiissaa ddee bbaannddiiddoo??DDaammiiããoo AAllvveess ddee AAzzeevveeddoo -- Mestre em Direito pela UnB, advogado e professor universitário. 1188

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOOSS MMOOVVIIMMEENNTTOOSS SSOOCCIIAAIISSSSee eessssaa rruuaa ffoossssee mmiinnhhaa......SSoorraaiiaa ddaa RRoossaa MMeennddeess -- Doutoranda em Direito pela UnB, mestre em Ciência Política pela UFRS,pós-graduada em Direitos Humanos pelo CESUSC, professora da UDF e da UnB. 2200

OO ddiirreeiittoo aacchhaaddoo nnooss ggaabbiinneetteessGGuuiillhheerrmmee FF.. AA.. CCiinnttrraa GGuuiimmaarrããeess -- Mestre em Direito pela UnB, Pesquisador do Grupo Sociedade, Tempo e Direito da UnB, Advogado da União. 2211

OOBBSSEERRVVAATTÓÓRRIIOO DDOO MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO PPÚÚBBLLIICCOOUUmm ssiisstteemmaa eemm ffaallêênncciiaaWWaaggnneerr GGoonnççaallvveess - Ex-presidente da ANPR, subprocurador-geral da República e coordenador da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão e Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal. 2222

NNOOTTAA DDOO CCOORRRREESSPPOONNDDEENNTTEENNóóss ee eelleessGGiioovvaannaa FFrriissssoo -- Professora substituta da Faculdade de Direito da UnB, mestra em Direito Internacional Públicopela Universidade de Uppsala (Suécia) e integrante do grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito. 2233

TThhee ddaayy aafftteerrBBooaavveennttuurraa ddee SSoouussaa SSaannttooss -- Direitor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. 2244

EXPEDIENTE

Caderno mensal concebido, preparado eelaborado pelo Grupo de PesquisaSociedade, Tempo e Direito (Faculdade de Direito da UnB – Plataforma Lattes do CNPq). IISSSSNN 11998833--88664466

CoordenaçãoAlexandre Bernardino CostaArgemiro MartinsCristiano PaixãoJosé Geraldo de Sousa JuniorMenelick de Carvalho NettoValcir Gassen

Comissão executivaMariana CirnePaulo Rená da Silva SantarémRicardo Machado Lourenço FilhoSilvia Regina Pontes LopesSven Peterke

Integrantes do ObservatórioAdriana Andrade MirandaAline Lisboa Naves GuimarãesBeatriz VargasDamião Alves de AzevedoDaniel Augusto Vila-Nova GomesDaniela DinizDaniele Maranhão CostaDouglas Antônio Rocha Pinheiro

Douglas LocateliEneida Vinhaes Bello DultraFabiana GorensteinFabio Costa Sá e Silva Giovanna Maria FrissoGuilherme ScottiJean Keiji UemaJorge Luiz Ribeiro de MedeirosJudith KarineJuliano Zaiden BenvindoLeonardo Augusto Andrade BarbosaLúcia Maria Brito de OliveiraMariana Siqueira de Carvalho OliveiraMarthius Sávio Cavalcante LobatoNatália DinoNoêmia Porto Paulo Henrique Blair de OliveiraRamiro Nóbrega Sant´AnaRaphael Augusto PinheiroRenato BigliazziRosane Lacerda

Projeto editorialR&R Consultoria e Comunicação Ltda

Editor responsávelLuiz Recena (MTb 3868/12/43v-RS)

Editor assistenteRozane Oliveira

Diagramação - Gustavo Di AngellisIlustrações - Flávio Macedo Fernandes

[email protected] www.fd.unb.br

Sindicato dos Bancáriosde Brasília

Assine C&Dhttp://www.unb.br/fd/ced/PPrreeççoo aavvuullssoo:: RR$$ 22,,0000

CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DEZEMBRO DE 2008 UnB – SindjusDF | 03

Argemiro Cardoso Moreira Martins

Sem muito alarde entrou em vi-gor no Brasil, em 10 de julhodeste ano por meio do Decreto

Legislativo nº 186, a Convenção so-bre os Direitos das Pessoas com De-ficiência, assinada em New York emmarço de 2007. Trata-se do primei-ro acordo internacional de direitoshumanos a ser recepcionado com ostatus de norma constitucional, naforma prevista no art. 5º, § 3º, daConstituição. Esse acontecimentoobteve pouca ou nenhuma atençãopor parte da imprensa, bem como,por parte dos juristas. Apesar disso,o fato não deixa de ser importante,basicamente por duas razões.

A primeira diz respeito à aceita-ção dos tratados ou acordos inter-nacionais sobre direitos humanoscomo normas constitucionais. Em-bora constasse no texto origináriode nossa Constituição (art. 5º, § 2º)a previsão expressa de que os direi-tos fundamentais constitucionaisnão excluíam outros decorrentesdos tratados internacionais dosquais o Brasil tomasse parte, houveuma grande resistência a essa idéia.O Supremo Tribunal Federal em di-versos julgamentos afirmou a re-cepção dos tratados ou acordos in-ternacionais com o status de normainfraconstitucional. Talvez, o maisfamoso desses casos tenha sido oque envolveu o Pacto de San José deCosta Rica e a questão relativa à pri-são do depositário infiel.

Com a Emenda Constitucionalnº 45 de 2004, a cláusula de abertu-ra dos direitos fundamentais foi ex-plicitada no art. 5º, § 3º, condicio-nando-se a sua entrada em vigorcom status constitucional à aprova-ção formal por maioria qualificadaem duas votações em cada Casa le-gislativa. O fato da Convenção so-bre os Direitos das Pessoas com De-ficiência ter sido a primeira a entrarem vigor nesta condição é de gran-de significado, pois coloca um pon-

to final na discussão. Os tratadosinternacionais sobre direitos hu-manos integram a nossa Constitui-ção e isso reforça a idéia de que osdireitos fundamentais são abertospara o futuro e não simplesmenteum rol rigidamente estabelecidopelo constituinte originário em al-gum lugar no passado.

A segunda razão é relativa à pró-pria Convenção de New York que éo resultado do trabalho de uma Co-missão Especial, criada pela As-sembléia Geral da ONU em dezem-bro de 2001. Esta Comissão foicomposta pelos representantes dosgovernos, de organizações interna-cionais e de organizações não-go-vernamentais que, pela primeiravez, tomaram parte na formulaçãode um tratado de direitos humanos.O texto da Convenção proposto pe-la Comissão foi aprovado em de-zembro de 2006 pela AssembléiaGeral, ficando a disposição para

adesão por parte das nações a par-tir de março de 2007. Foi uma dasnegociações mais rápidas na histó-ria dessa organização.

Em seu art. 1º, a Convenção es-tabelece como propósito “asseguraro exercício pleno e eqüitativo” dos“direitos humanos e liberdades fun-damentais” das pessoas portadorasde deficiência. É significativa a defi-nição das pessoas protegidas poresta Convenção: “são aquelas quetêm impedimentos de longo prazode natureza física, mental, intelec-tual ou sensorial, os quais, em inte-ração com diversas barreiras, po-dem obstruir sua participação ple-na e efetiva na sociedade em igual-dades de condições com as demaispessoas.” Aqui a deficiência é defi-nida a partir do princípio da igual-dade, na medida em que as atitudessociais e as condições materiais doambiente não impeçam a plena eefetiva participação dos portadores

de deficiência na vida social. Ou se-ja, igualdade é tratada como direitoà diferença.

Além disso, a Convenção procu-ra assegurar a liberdade enquantorespeito dessas mesmas diferen-ças. Em seu art. 3º, ela dispõe co-mo princípios básicos, por exem-plo: “a autonomia individual, in-clusive a liberdade de fazer as pró-prias escolhas, e a independênciadas pessoas”; “a plena e efetivaparticipação e inclusão da socie-dade” e “o respeito pela diferença epela aceitação das pessoas comdeficiência como parte da diversi-dade humana e da humanidade”. Aconcepção de igualdade como di-reito à diferença e liberdade comorespeito a essas mesmas diferen-ças corresponde a Constituição deum Estado democrático de direito,a única possível nas sociedadespluralistas e complexas da moder-nidade, como já apontaram Mene-lick de Carvalho Netto e PauloHenrique Blair de Oliveira, no arti-go “Igualdade como diferença e li-berdade como respeito” (Constitu-ição & Democracia, nº 26).

Por fim, a Convenção não con-templa os direitos dos portadoresde deficiência como prestaçõespositivas à maneira do Estado so-cial de forte cunho paternalista ouclientelista. Em seu Preâmbulo, aConvenção reconhece “que as pes-soas com deficiência devem ter aoportunidade de participar ativa-mente das decisões relativas a pro-gramas e políticas, inclusive aosque lhes dizem respeito direta-mente.” Ou seja, a cidadania nãose reduz ao mero atendimento dedemandas concretas, mas exige aparticipação dos afetados na for-mulação de respostas a essas mes-mas demandas. Portanto, temosalgo mais o que comemorar nesteano em que a nossa Constituiçãofez vinte anos e a Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos fazsessenta.

A Convenção sobre os Direitosdas Pessoas com Deficiência

Wagner Gonçalves

Nos Estados Unidos, há umgrande respeito pelas deci-sões dos juízes de primeira

instância. Aqui, ao contrário, alte-ram-se, continuamente, suas deci-sões, que às vezes chegam a ser exe-cradas em público. Lá, a execução dapena começa com a sentença. Profe-rida esta, o réu já está condenado e épreso. No Brasil não. Só se pode exe-cutar a pena depois do “trânsito emjulgado”, que pressupõe o julgamen-to final do recurso extraordinário pe-lo Supremo Tribunal Federal. Nãohavendo prisão cautelar (temporáriaou preventiva), saindo a sentença,com o réu solto, apela-se. Vai-se paraum tribunal (estadual ou federal). Ojulgamento leva alguns meses, às ve-zes anos.

Os tribunais estão abarrotados deprocessos e são muitos os incidenteslevantados pelos bons advogados.Confirmada a sentença, numa ousa-dia, já que atendido o duplo grau dejurisdição, expede o tribunal o man-dado de prisão. Antes de ele ser cum-prido, é deferido, pelo Superior Tri-bunal de Justiça, um habeas corpus,porque “ninguém será consideradoculpado até o trânsito em julgado desentença penal condenatória” - art.5o inc. LVII, da CF.

Se o STJ não deferir o habeas, o Su-premo Tribunal Federal o fará, por-que esta é a jurisprudência que estáse firmando naquela Augusta Casa,nos últimos anos. Ao mesmo tempo,após a decisão na apelação, são inter-postos os recursos especial e extraor-dinário, porque os bons advogadossabem que não se pode nunca, em hi-pótese alguma, deixar a sentençatransitar em julgado. Chegando aoSTJ, o recurso especial do réu - eleainda é considerado inocente, apesarde já condenado em duas instâncias -o julgamento demora e demora mui-to, pois são milhares de processos.

O do Edmundo, jogador de fute-bol, condenado por matar duasmoças em um acidente de carro,encontra-se no STJ há mais de 7anos. Nunca foi preso. Depois de

julgado o recurso especial - leva-seanos, seja pelo acúmulo de traba-lho, seja pelos constantes inciden-tes causados pela defesa - os autossobem ao Supremo Tribunal Fede-ral. E aí começa outra batalha. Sãomilhares de recursos extraordiná-rios e também milhares de habeascorpus O Supremo Tribunal Fede-ral está-se transformando em Su-premo Tribunal Penal. Ou o relatortranca o recurso por incabível oupor não atender aos pressupostos(e aí cabem recursos...) ou, admi-tindo-o, há que se aguardar. Aomesmo tempo em que todos essestrâmites estão ocorrendo, os bonsadvogados questionam tudo, des-de o início, por meio do habeascorpus, contra “o qual não podehaver qualquer restrição”. Alegam:inépcia da denúncia; falta de justacausa para a ação penal; nulidadesde tudo e por tudo; falta de funda-mentação da prisão temporária oupreventiva - não há dados concre-tos; falta de fundamentação dasentença, do acórdão, só há “consi-derações genéricas...” E cada habe-as se desdobra em “dois”: um, paraapreciar a liminar e o “outro” retor-na, após, para apreciar o mérito.Mérito esse que, muitas vezes, épróprio dos recursos especial e/oudo extraordinário, que ainda estãotramitando. Quando calha, ao fime ao cabo, de a sentença transitarem julgado, ainda há a possibilida-de de um novo habeas corpus paradar efeito suspensivo à última de-cisão, até que se aprecie este últi-mo habeas.

Enquanto isso, a prescrição estácorrendo e a impunidade é certa. Daío fato de os juízes, procuradores epromotores de primeira instânciaserem como exército de brancaleo-ne. Não porque sejam “perseguido-res implacáveis”, “violadores de di-reitos humanos” (dos poderosos?),mas porque, devido à juventude,ainda não sabem que o sistema pe-nal brasileiro está falido. E só não oestá para os pobres, que não podempagar bons advogados.

22 | UnB – SindjusDF CONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DEZEMBRO DE 2008

Um sistema em falênciaGiovanna Frisso

Os ataques terroristas de 11de setembro conduziramà adoção de várias medi-

das anti-terror. Neste sentido,não só os ataques, mas suas pos-síveis causas e conseqüenciastêm sido tema de constante dis-cussão. Comum a diversos posi-cionamentos nestes inúmerosdebates é a idéia de comunidade,tal como exemplificado nos dis-cursos de George W. Bush.

A separação nós/eles não ape-nas gerou, como manteve poranos, o conflito armado no Afe-ganistão. Várias outras sançõesforam adotadas contra paísesque, mesmo sem condições deexercer controle efetivo sobre seuterritório, supostamente apoia-vam células terroristas. Enfim, aidéia romântica de comunidadeé refletida, em âmbito internaci-onal, na tentativa de ampliar oconceito de legítima defesa.

Todavia, o discurso nós/elesnão produziu efeitos apenas en-tre nações. Comunidades nacio-nais também sofreram as conse-qüências deste discurso com aadoção de várias medidas anti-terror. Na agenda doméstica, nósfomos opostos a eles, imigrantes,inclusive os legais. Nós, cidadãos,também fomos opostos a eles, ci-dadãos, imigrantes de segunda,terceira, quarta geração.

Excluídos da comunidades,eles foram privados de seus direi-

tos individuais. O caráter clara-mente discriminatório das legis-lações anti-terror possibilitouseu aceite sem maiores questio-namentos. O carárer abusivo daslegislações anti-terror propagouo receio de identificação comeles, a exclusão da comunidade.

Todavia, agora, o aspecto abu-sivo das legislações anti-terrorcomeça a se voltar contra aquelesque se acreditavam membros dacomunidade. Há praticamente 2meses, policias de South Yorkshi-re - Inglaterra - começaram a em-pregar legislação anti-terror paraprender menores que apresen-tam identidades falsas para fre-quentarem os famosos pubs in-gleses. Um dos agentes policiaisexplica que a legislação anti-ter-ror sobre identificação pessoal,que prevê pena de reclusão deaté 10 anos, mostrou-se extrema-mente adequada para lidar como grande uso de falsos documen-tos. Eles, agora, estão entre nós,são apenas mais novos.

Será que agora haverá moti-vos para questionar o potencialpreventivo do direito penal e osriscos que esta perspectiva im-põe aos indivíduos? Ou haverámotivos para refletir sobre as vio-lações de direito possibilitadaspelo uso político da retórica dacomunidade? Haverá motivospara discutir a possibilidade decomunidades plurais pautadasno direito à liberdade e no respei-to à autonomia e privacidade?

Nós e elesCONSTITUIÇÃO & DEMOCRACIA | DEZEMBRO DE 2008 UnB – SindjusDF | 23

NOTA DO CORRESPONDENTEOBSERVATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A separação nós/eles nãoapenas gerou, como mantevepor anos, o conflito armado

no Afeganistão.