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UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA DEPARTAMENTO DE DIREITO AS CONTRAVENÇÕES LABORAIS NO ORDENAMENTO JURIDICO ANGOLANO MESTRADO EM DIREITO VARIANTE EM CIÊNCIAS JURÍDICAS CANDIDATO: MARIA DE FÁTIMA DE LIMA A. BAPTISTA DA SILVA ORIENTADOR: DOUTOR CARLOS CAMPOS LOBO Lisboa, Fevereiro 2015

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  • UNIVERSIDADE AUTNOMA DE LISBOA

    DEPARTAMENTO DE DIREITO

    AS CONTRAVENES LABORAIS NO ORDENAMENTO

    JURIDICO ANGOLANO

    MESTRADO EM DIREITO

    VARIANTE EM CINCIAS JURDICAS

    CANDIDATO: MARIA DE FTIMA DE LIMA A. BAPTISTA DA SILVA

    ORIENTADOR: DOUTOR CARLOS CAMPOS LOBO

    Lisboa, Fevereiro 2015

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    s minhas queridas filhas, Hugueth Silva e Hieda Silva,

    no esquecendo o meu querido amigo e esposo Manico,

    fontes da minha dedicao e inspirao.

  • 2

    AGRADECIMENTOS

    Agradecer no uma tarefa fcil, na medida em corremos o risco do possvel esquecimento

    de algum a quem deveramos ter agradecido e no o fizemos.

    Perfeitamente consciente deste risco, insisto contudo em deixar registados alguns

    agradecimentos:

    - Ao Senhor Juiz Desembargador Doutor Carlos Campos Lobo, orientador desta dissertao,

    pela permanente disponibilidade e ajuda na elaborao da mesma;

    - Aos Docentes do Curso de Mestrado em Direito Variante em Cincias Jurdicas, pelo alto

    nvel pedaggico demonstrado;

    - Ao Departamento de Direito da Universidade Autnoma de Lisboa;

    - Ao Sr. Dr. Antnio Domingos Pitra Neto, Ministro do Emprego de Angola;

    - Ao Sr. Dr. Jesus Faria Maiato, Director Nacional no MAPESS;

    - Ao Sr. Dr. Augusto Pombal, Inspector-Geral do Trabalho;

    - Sra. Dra. Juza Mariana Bessa Calei;

    - Sra. Dra. Isabel Marques e Sra. Dra. Snia Afonso;

    - Ao Sr. Dr. Carlos Farias e ao Sr. Dr. Jos Carlos Coelho.

  • 3

    RESUMO

    A presente investigao tem como propsito analisar as contravenes laborais no

    ordenamento jurdico angolano, designadamente a tramitao do respectivo procedimento

    contravencional, desde a elaborao do auto de notcia at deciso final condenatria e

    eventual impugnao judicial.

    Para tal, a anlise desenvolvida apoia-se no direito contravencional angolano, comparando-o

    com o direito contra-ordenacional portugus, atenta a proximidade existente entre ambos.

    Era nossa inteno fazer uma anlise doutrinal mais profunda do procedimento

    contravencional angolano, no entanto debatemo-nos com a dificuldade na obteno de

    bibliografia angolana a este respeito que suportasse a nossa investigao, pelo que optmos

    por dissecar a legislao existente, confrontando-o com a sua aplicabilidade aos casos

    concretos.

    Concluindo, esperamos que o presente trabalho possa no s vir a contribuir para uma cabal

    compreenso e enquadramento dos diplomas legais angolanos que tm por objecto esta

    matria, como tambm humildemente contribuir para o preenchimento de algumas lacunas,

    nomeadamente de ordem processual, existentes no procedimento contravencional angolano.

    Palavras-chave: contra-ordenao, contraveno laboral, sanes e procedimento.

  • 4

    ABSTRACT

    This research aims to analyze the job misdemeanours in the Angolans legal system, including

    the transfer of its misdemeanour procedure since the drafting of the police report until final

    conviction decision and eventual judicial review.

    Therefore the analysis relies on misdemeanour Angolan law comparing it with the contra-

    ordenacional Portuguese law, given the nearness existing between them.

    We intended to put together a deeper doctrinal analysis of the Angolans contravention

    procedure, however we find ourselves with the difficulty in obtaining Angolan literature

    regarding this issues to support our research, so we chose to scrutinize the existing legislation

    and compare it with its applicability to concrete cases.

    In conclusion, we hope the present work shall contribute to both a broader understanding and

    structure of Angolans lawful documentation concerning this subject matter, as well as

    modestly contribut to filling some gaps, namely of a procedural nature, existing in Angolans

    contravention procedure.

    Key words: contra-ordenao, job misdemeanors, sanctions e procedure.

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    NDICE

    Introduo 11CAPTULO I - O Direito de mera ordenao social no ordenamento jurdico portugus 131. Resenha histrica 132. Caracterizao 163. O ilcito de mera ordenao social e o ilcito criminal 17CAPTULO II - O Regime Geral das Contra-Ordenaes 191. Definio de contra-ordenao 192. Elementos da contra-ordenao 193. Princpios da legalidade, da tipicidade e da no retroactividade da lei contra-ordenacional 21

    3.1. Princpio da legalidade 213.2. Princpio da tipicidade 223.3. Princpio da no retroactividade 22

    4. Responsabilidade contra-ordenacional 244.1. Responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas 24

    5. Direito de aplicao subsidiria 266. A culpa - dolo e negligncia 27

    6.1. Princpio da responsabilidade e da culpa 276.2. Dolo 286.3. Negligncia 29

    7. Inimputabilidade 297.1. Inimputabilidade em razo da idade 297.2. Inimputabilidade em razo de anomalia psquica 30

    8. A tentativa 319. A comparticipao 3310. Coima 35

    10.1. Montante da coima 3510.2. Determinao da medida da coima 3510.3. Fins da coima 36

    11. Admoestao 3712. Concurso de contra-ordenaes 3913. Contra-ordenao continuada 3914. Sanes acessrias 4115. Prescrio 43

    15.1. Prescrio do procedimento contra-ordenacional 4315.1.1. Suspenso da prescrio do procedimento contra-ordenacional 4415.1.2. Interrupo da prescrio do procedimento contra-ordenacional 44

    15.2. Prescrio da coima e das sanes acessrias 4515.2.1. Suspenso da prescrio da coima e das sanes acessrias 4515.2.2. Interrupo da prescrio da coima e das sanes acessrias 45

    16. Concurso entre crime e contra-ordenao 4617. Tramitao do processo contra-ordenacional 46

  • 6

    17.1. Princpio da oficialidade ou obrigatoriedade (fase administrativa do procedimento) 46

    17.1.1 Interveno das autoridades policiais 4817.2. Medidas cautelares 4817.3 Identificao do infractor pelas autoridades administrativas e policiais 4817.4. Auto de notcia 49

    17.4.1. Elementos do auto de notcia 5017.5. Denncia 5117.6. Notificao de acusao 52

    17.6.1. Princpios da imparcialidade e da objectividade 5317.6.2. Direito de audio e defesa do arguido 5317.6.3. Direito assistncia de um defensor 56

    17.7. Pagamento voluntrio da coima 5617.8 Deciso condenatria da autoridade administrativa 57

    17.9. Impugnao judicial da deciso condenatria da autoridade administrativa (Fase judicial do procedimento) 58

    17.9.1. Princpio da garantia de defesa perante os tribunais 5917.9.2. Garantia de acesso ao direito e aos tribunais 5917.9.3. Forma e prazo da impugnao judicial 5917.9.4. Apreciao do recurso pelo Tribunal 6017.9.5. Participao da autoridade administrativa nesta fase 6017.9.6. Recurso para Tribunal superior 61

    18. Execuo da coima 6119. Substituio da coima por prestao de trabalho a favor da comunidade 62CAPTULO III - As contra-ordenaes laborais no ordenamento jurdico portugus 641. O regime substantivo 64

    1.1. Contra-ordenao laboral 641.2. Tipos de contra-ordenaes laborais 651.3. Os sujeitos da contra-ordenao laboral 671.4. A culpa: dolo e negligncia 67

    1.4.1. Presunes de negligncia e de dolo 681.4.1.1. Da negligncia 681.4.1.2. Do dolo 68

    1.5. Graduao das infraces laborais e os valores das coimas 691.6. A reincidncia 711.7. Pluralidade de contra-ordenaes 721.8. O concurso de contra-ordenaes 731.9. A determinao da medida da coima 731.10. Admoestao e a dispensa de coima 741.11. Pagamento e destino das coimas 751.12. As sanes acessrias 77

    2. O regime adjectivo 782.1. Competncia para o procedimento e para a aplicao de coimas 78

    2.1.1. A Autoridade para as Condies do Trabalho 79

  • 7

    2.2. Auto de notcia 802.3. Participao 812.4. Elementos do auto de notcia e da participao 832.5. Auto de advertncia 842.6. Direito de audio e defesa do arguido 852.7. Instruo do procedimento contra-ordenacional 862.8. Processo especial 882.9. Da deciso condenatria 882.10. Da impugnao judicial da deciso condenatria proferida pela ACT 902.11. Do recurso da sentena do Tribunal de 1. Instncia 952.12. Prescrio do procedimento 962.13 Prescrio da coima 972.14. Prescrio das sanes acessrias 97

    CAPTULO IV - As contravenes laborais no ordenamento jurdico angolano 981. Terminologia: contraveno e contra-ordenao 982. Enquadramento legal 993. A Lei Geral do Trabalho 994. O Regime das multas por contraveno ao disposto na LGT e legislao complementar 100

    4.1. mbito 1004.2. Definio de contraveno 1014.3. Prescrio das contravenes 1014.4. Tipos de contravenes laborais 1014.5. Graduao das multas 104

    5. Lei n. 23/91, de 15 de Junho (Lei da Greve) 1046. Lei n. 7/04, de 15 de Outubro (Lei de Bases da Proteco Social) 1057. Decreto n. 38/08, de 19 de Junho (Regime jurdico de vinculao e de contribuio da Proteco Social Obrigatria) 1058. Inspeco-geral do Trabalho 107

    8.1. mbito de actuao e atribuies da IGT 1098.2. Aces pedaggicas 1098.3 Aces coercivas 1108.4. Medidas de execuo imediata 1108.5. Poderes dos inspectores do trabalho 111

    9. O processo de contraveno laboral 1129.1. O auto de notcia 1129.2. Comunicao do auto de notcia ao infractor 1139.3. Reclamao do infractor 1159.4. Graduao das multas 116

    10. Competncia dos Tribunais em matria laboral 11711. A realidade do procedimento contravencional angolano 117CAPTULO V - Outros regimes contravencionais especiais 1201. Lei n. 12/11, de 16 de Fevereiro (Lei das Transgresses Administrativas) 1202. Lei n. 1/07, de 14 de Maio (Lei do Exerccio das Actividades Comerciais e Servios) 1233. Lei n. 13/05, de 30 de Setembro (Lei das Instituies Financeiras) 126

  • 8

    4. Decreto-Lei n. 5/06, de 4 de Outubro (Cdigo Aduaneiro) 1325. Diploma Legislativo n. 3868, de 30 de Dezembro de 1968 (Cdigo Geral Tributrio) 1386. Decreto-Lei n. 5/08, de 29 de Setembro (Cdigo da Estrada) 1417. Lei n. 27/12, de 28 de Agosto (Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas) 1448. Legislao da indstria petrolfera 145

    8.1. Decreto n. 37/00, de 6 de Outubro (Regime das actividades de transformao, armazenagem, distribuio, transporte e comercializao de produtos petrolferos) 1458.2. Lei n. 10/04, de 12 de Novembro (Lei das Actividades Petrolferas) 1468.3. Lei n. 13/04, de 24 de Dezembro (Lei Sobre a Tributao das Actividades Petrolferas) 1478.4. Decreto n. 1/09, de 27 de Janeiro (Regulamento das Operaes Petrolferas) 1478.5. Decreto-Lei n. 17/09, de 26 de Junho (Lei do Recrutamento de Pessoal para a Execuo das Operaes Petrolferas) 148

    CAPTULO VI - Contributo para a melhoria do procedimento contravencional angolano 1491. De ordem substantiva 1492. De ordem adjectiva 1533. O ordenamento jurdico (contra-ordenacional) portugus como modelo 161CAPTULO VII - Concluses 1631. Do ordenamento jurdico portugus 1632. Do ordenamento jurdico angolano 166Bibliografia 170

  • 9

    Lista de Abreviaturas

    I. Portuguesas

    ACT: Autoridade para as Condies do Trabalho

    CC: Cdigo Civil

    CP: Cdigo Penal

    CPA: Cdigo do Procedimento Administrativo

    CPP: Cdigo de Processo Penal

    CRP: Constituio da Repblica Portuguesa

    CT: Cdigo do Trabalho, Lei n. 7/2009, de 12 de Fevereiro, com as alteraes introduzidas

    pelas Leis n.s 105/2009, de 14 de Setembro, 53/2011, de 14 de Outubro, 23/2012, de 25 de

    Junho, 47/2012, de 29 de Agosto, 69/2013, de 30 de Agosto, 27/2014, de 8 de Maio, e

    55/2014, de 25 de Agosto

    DMOS: Direito de Mera Ordenao Social

    RGCO: Regime Geral das Contra-Ordenaes, Decreto-Lei n. 433/82 de 27 de Outubro, com

    as alteraes introduzidas pelos Decretos-Lei n.s. 356/89 de 17 de Outubro, 244/95 de 14 de

    Setembro, 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n. 109/2001 de 24 de Dezembro

    RPCOLSS: Regime Processual das Contra-Ordenaes Laborais e de Segurana Social, Lei

    n. 107/2009, de 14 de Setembro

    STJ: Supremo Tribunal de Justia

    II. Angolanas

    AMN: Autoridade Martima Nacional

    AP: Autoridade Porturia

    CA: Cdigo Aduaneiro, Decreto-Lei n. 5/06, de 4 de Outubro

    CGT: Cdigo Geral Tributrio, Diploma Legislativo n. 3868, de 30 de Dezembro de 1968

    CE: Cdigo da Estrada, Decreto-Lei n. 5/08, de 29 de Setembro

    CPPA: Cdigo de Processo Penal Angolano

    CRA: Constituio da Repblica de Angola

    IGT: Inspeco-Geral do Trabalho

    LAP: Lei das Actividades Petrolferas, Lei n. 10/04, de 12 de Novembro

    LBPS: Lei de Bases da Proteco Social, Lei n. 7/04, de 15 de Outubro

  • 10

    LEACS: Lei do Exerccio das Actividades Comerciais e Servios, Lei n. 1/07, de 14 de Maio

    LG: Lei da Greve, Lei n. 23/91, de 15 de Junho

    LGT: Lei Geral do Trabalho, Lei n. 2/00, de 11 de Fevereiro

    LIF: Lei das Instituies Financeiras, Lei n. 13/05, de 30 de Setembro

    LMMPAC: Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, Lei n. 27/12, de 28 de

    Agosto

    LRPEOP: Lei do Recrutamento de Pessoal para a Execuo das Operaes Petrolferas,

    Decreto-Lei n. 17/09, de 26 de Junho.

    LTA: Lei das Transgresses Administrativas, Lei n. 12/11, de 16 de Fevereiro

    LTAP: Lei sobre a Tributao das Actividades Petrolferas, Lei n. 13/04, de 24 de Dezembro

    Kz: Kwanza Angolano

    MAPESS: Ministrio da Administrao Pblica, Emprego e Segurana Social

    RATADTCPP: Regime das Actividades de Transformao, Armazenagem, Distribuio,

    Transporte e Comercializao de Produtos Petrolferos, Decreto n. 37/00, de 6 de Outubro

    RIGT: Regulamento da IGT, Decreto n. 9/95, de 21 de Abril

    RJVCPSO: Regime Jurdico da Vinculao e de Contribuio da Proteco Social

    Obrigatria, Decreto n. 38/08, de 19 de Junho

    RMCLGT: Regime de Multas por Contraveno ao disposto na LGT e legislao

    complementar, Decreto n. 11/03, de 11 de Maro

    ROP: Regulamento das Operaes Petrolferas, Decreto n. 1/09, de 27 de Janeiro

    RPCA: Regulamento do Processo Contencioso Administrativo, Decreto-Lei n. 4-A/96, de 5

    de Abril

    UCF: Unidade de Correco Fiscal

    USD: Dlar Estados Unidos da Amrica

  • 11

    INTRODUO

    Esta dissertao decorreu do nosso conhecimento sobre a manifesta dificuldade dos Tribunais

    Laborais Angolanos em dirimirem ilcitos de mera ordenao social de cariz laboral, face s

    diversas vicissitudes de ordem processual e substantiva com que se deparam.

    Assim, faremos uma comparao entre os regimes substantivos e adjectivos das

    contravenes laborais no ordenamento jurdico angolano e das contra-ordenaes laborais no

    ordenamento jurdico portugus.

    Almejando encontrarmos solues tcnico-jurdicas que possam preencher e agilizar o

    procedimento contravencional laboral angolano, quer na fase administrativa, atribuda

    Inspeco Geral do Trabalho (IGT), quer essencialmente na fase judicial, quer ainda ao nvel

    da eventual impugnao judicial da deciso proferida pela IGT, bem como no que concerne

    execuo das multas no liquidadas pelos arguidos.

    Na busca de tal desiderato, comearemos por abordar o Direito de mera ordenao social no

    ordenamento jurdico portugus, reportando-nos sua gnese, assim como s suas

    caractersticas e evoluo legislativa de que foi alvo, destacando-se como um ramo de

    direito autnomo.

    Enquadraremos o D.L. n. 433/82, de 27 de Outubro, revisto e actualizado, que aprovou o

    Regime Geral das Contra-Ordenaes, considerada a lei de referncia do direito contra-

    ordenacional portugus, partindo seguidamente para a compreenso dos regimes substantivos

    e adjectivo do procedimento contra-ordenacional laboral portugus, pois s deste modo

    poderemos interlig-los com o direito contravencional angolano, nomeadamente com as

    normas de direito adjectivo.

    Abordaremos seguidamente as competncias e a actividade da Autoridade para as Condies

    do Trabalho, da Inspeco-Geral do Trabalho Angolana e da Sala do Trabalho do Tribunal

    Provincial.

    Procederemos anlise de diplomas especiais contravencionais angolanos, com o objectivo

    de melhor enquadrarmos o procedimento contravencional laboral.

  • 12

    Teceremos consideraes que constituiro propostas para a melhoria substancial e processual

    da tramitao do procedimento contravencional laboral angolano, incluindo a execuo quer

    do valor das coimas aplicadas mas no liquidadas pelos arguidos, quer das sanes acessrias

    no cumpridas pelos mesmos, nas fases administrativa e judicial do procedimento.

    Por fim, enumeraremos as principais concluses resultantes desta dissertao.

  • 13

    Captulo I O Direito de mera ordenao social no ordenamento jurdico portugus

    1. Resenha histrica

    O Direito de mera ordenao social (DMOS) teve a sua origem na Alemanha do ps-II

    Grande Guerra mundial, com o propsito de descriminalizar condutas de menor desvalor

    tico-social.

    Em Portugal, designadamente no ano de 1979, foi aprovado o Decreto-Lei n. 232/79, de 24

    de Julho, que aprovou o novo Regime Geral das Contra-Ordenaes (RGCO), prevendo um

    regime em tudo semelhante ao da Repblica Federal Alem, de 1968, que contemplava um

    conceito legal de contra-ordenao e um conjunto de regras substantivas e processuais para a

    aplicao de coimas prtica de contra-ordenaes.

    O Decreto-Lei n. 232/79, de 24 de Julho, refere-se, no prembulo, aos factores que levaram

    sua criao: A superao definitiva do modelo do Estado liberal, por um lado, e o conhecido

    movimento de descriminalizao, por outro. O movimento de descriminalizao liga-se ao

    fenmeno de hipertrofia do direito criminal face a uma inflao de incriminaes.

    Tal descriminalizao caracterizou-se, por um lado, por uma passagem para a alada

    administrativa de condutas ilcitas consideradas menores, atravs da criao de um sistema

    punitivo conciliador dos princpios de eficcia e de respeito das garantias individuais,

    reservando ao poder judicial a punio dos ilcitos merecedores de maior reprovao, e, por

    outro, numa repenalizao de outras condutas que foram adquirindo maior relevncia

    social, especialmente face ao fenmeno da globalizao, em reas como a proteco do meio

    ambiente ou a economia.

    A criao de um ordenamento sancionatrio novo e distinto do Direito Penal visou, segundo o

    legislador de 1979, libertar o Direito Penal do (...) nmero inflacionrio e incontrolvel de

    infraces destinadas a assegurar a eficcia dos comandos normativos da Administrao, cuja

    desobedincia se no reveste da ressonncia moral caracterstica do direito penal, reservando

    a sua interveno para a tutela dos valores tico-sociais fundamentais e salvaguardar a sua

    plena disponibilidade para retribuir e prevenir com eficcia a onda crescente de criminalidade,

    nomeadamente, da criminalidade violenta.

  • 14

    Na generalidade dos pases europeus, o fenmeno de proliferao da legislao penal especial

    resultante do crescente intervencionismo estadual conduziu a uma hipertrofia do Direito

    Penal e incapacidade dos tribunais para julgar com eficincia e rapidez todos os delitos,

    face sobrecarga de trabalho que sobre eles passou a recair.

    Ou seja, conforme defende COSTA PINTO1, A afirmao do Direito de Mera Ordenao

    Social em diversos Estados da Europa, em especial no perodo subsequente 2. Guerra

    Mundial, constituiu um indcio da superao de um modelo liberal do Estado ao dot-lo de

    um importante instrumento de interveno jurdica em diversas reas da vida social e

    econmica. (...) a opo confirmou tambm, no plano poltico-criminal, uma importante

    premissa do pensamento penal de matriz liberal: a vocao subsidiria da tutela penal em

    relao a outros mecanismos de proteco jurdica e, portanto, o princpio da interveno

    mnima do Direito Penal.

    O recurso s solues facultadas pelo Direito de Mera Ordenao Social revelou-se uma

    alternativa idnea criminalizao de condutas e permitiu uma seleco mais racional do

    mbito da interveno do Direito Penal. Por outro lado, e uma vez mais dando cumprimento

    ao propsito liberal da subsidariedade da interveno penal, a articulao entre o Direito

    Penal e o Direito de Mera Ordenao Social criou condies para uma descriminalizao

    prudente, sem o perigo de surgirem abruptamente vazios na tutela jurdica.

    Para alm disso, a incerteza sobre a capacidade das autoridades administrativas (que ficaram

    em mos com uma nova competncia) para processar e decidir os procedimentos contra-

    ordenacionais desencadeou uma significativa reaco jurisprudencial e legislativa.

    Neste sentido, advoga LOBO MOUTINHO2, que ao contrrio do que muitas vezes se supe,

    na legislao, como na doutrina que a inspirou, a eficincia no processamento das infraces

    em questo no desempenhou papel de relevo na consagrao do novo regime. No havia

    qualquer previso de que esse processamento fosse mais eficiente levado a cabo pela

    Administrao Pblica, cuja impreparao para receber as competncias subtradas aos

    1 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa - O ilcito de mera ordenao social e a eroso do princpio da subsidariedade da interveno penal. Revista Portuguesa de Cincia Criminal (1997), pp. 7-100. Coimbra: Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Direito Penal e Econmico Europeu: textos doutrinrios. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, I Vol., p. 213.2 MOUTINHO, Jos Lobo - Direito das Contra-Ordenaes, 1. ed. Lisboa: Ensinar e Investigar, Universidade Catlica Editora, 2008. 23 p.

  • 15

    tribunais determinou mesmo uma hesitao de mais de 3 anos no movimento da sua efectiva

    entrada em vigor. Quando muito, as razes de ordem prtica ter-se-o limitado ao alvio dos

    tribunais penais.

    Realce-se que foi suscitada a constitucionalidade do diploma por omisso, uma vez que a

    Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) no comportava qualquer meno ao regime das

    contra-ordenaes e ainda por falta de autorizao legislativa do decreto-lei.

    Com efeito, o diploma de 1979 foi revogado pelo Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro.

    A reviso da CRP de 1982 j previa uma meno ao regime das contra-ordenaes, mas a

    nova verso da CRP no se encontrava ainda em vigor na data da publicao do diploma de

    1982.

    O novo diploma repetiu o anterior, apresentando uma novidade no que concerne

    regulamentao do concurso de crimes e contra-ordenaes. Como salvaguarda dos efeitos

    nocivos que poderiam advir da transformao automtica e repentina das transgresses em

    contra-ordenaes, o novo diploma manteve as transgresses em vigor.

    Este novo diploma foi alvo de reviso por quatro vezes, uma em 1989, outra em 1995 e duas

    em 2001.

    O Decreto-Lei n. 356/89, de 19 de Outubro, agravou o elenco das sanes acessrias e

    aumentou o prazo de recurso da deciso administrativa condenatria, com o intuito de manter

    o carcter de lei-quadro do RGCO e no o carcter de lei exemplificativa, conforme se

    extrai do estudo preparatrio do mencionado decreto-lei.

    O Decreto-Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, procedeu a uma reforma global do RGCO.

    Alis, como defende LOBO MOUTINHO3 a profunda reforma do RGCO operada pelo

    Decreto-Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, visou salvaguardar a (...) garantia do cidado

    perante o poder sancionatrio da administrao, mediante uma maior aproximao s regras

    do direito e processo penal que, desde o incio, constituem direito subsidirio daquele.

    3 MOUTINHO, Jos Lobo, op. cit., 25 p.

  • 16

    O Decreto-Lei n. 323/2001, de 17 de Dezembro, limitou-se a proceder converso dos

    valores em escudos para euros.

    A Lei n. 109/2001, de 24 de Dezembro, procedeu a alteraes ao regime da prescrio do

    procedimento contra-ordenacional.

    Autonomamente tm surgido mltiplos regimes especiais de contra-ordenaes, como as

    previstas no Cdigo do Trabalho e tramitadas ao abrigo do regime processual, aplicvel s

    contra-ordenaes laborais e de segurana social, aprovado pela Lei n. 107/2009, de 14 de

    Setembro, que tambm sero objecto de estudo na nossa dissertao.

    unanimemente reconhecido, que o DMOS encontra-se disperso na legislao portuguesa,

    uma vez que o RGCO no sistematizou um regime geral aplicvel a todas as contra-

    ordenaes, as quais revestem os mais variados tipos, verificando-se, deste modo, a

    necessidade da elaborao de um Cdigo do Direito de mera ordenao social, unificador

    deste ramo de Direito.

    2. Caracterizao

    O DMOS tem acompanhado as vrias transformaes ocorridas nos planos poltico e socio-

    econmico, bem como no ordenamento jurdico portugus, afirmando-se como um ramo de

    direito em permanente evoluo.

    O DMOS vem, assim, retirar da alada dos Tribunais a apreciao e eventual punio de

    certas condutas humanas que no envolvem uma especial censura tica, contribuindo, desta

    forma, para o descongestionamento dos Tribunais e, consequentemente, para a celeridade da

    tramitao dos processos que neles correm os devidos trmites.

    Revela-se importante para a temtica em estudo, a preocupao do legislador em determinar

    que os ilcitos de mera ordenao social e respectivo processo, se encontrem

    constitucionalmente consagrados como sendo matria da exclusiva competncia da

    Assembleia da Repblica, salvo autorizao ao Governo, conforme disposto na alnea d), do

    n. 1, do artigo 165. da CRP, o que sedimenta a autonomizao do DMOS em relao ao

    Direito Penal.

  • 17

    Ou seja, conforme defende ANA LUSA PINTO4 () o direito contra-ordenacional o

    conjunto de regras jurdicas que regulam as contra-ordenaes. Ao RGCO () acrescem

    diversos regimes especiais, que regulam as contra-ordenaes de cada domnio de interveno

    do Estado (por exemplo, o Cdigo da Estrada).

    Em suma, podemos afirmar, acolhendo o entendimento de ESTEVES de OLIVEIRA5, que

    no Ilcito Administrativo, se privilegiam as sanes pecunirias (coimas), a execuo

    subsidiria ou sub-rogatria pela Administrao, custa do patrimnio do infractor, as

    sanes impostas at ao cumprimento do dever violado - tudo em detrimento da sano

    criminal tpica de privao de liberdade, a priso.

    3. O ilcito de mera ordenao social e o ilcito criminal

    A principal diferena entre os ilcitos de mera ordenao social e criminal, consiste no facto

    de no primeiro a competncia punitiva ser da Administrao (Central, Local e Regional), e no

    segundo ser dos Tribunais, excepto quando estivermos perante um concurso de crime e

    contra-ordenao, em sede do qual a aplicao da coima da competncia do Tribunal.

    No DMOS a principal sano de natureza pecuniria, utilizando o legislador o termo

    coima, para distingui-lo do termo multa, utilizado para definir outra sano pecuniria,

    prevista no Direito Penal, no qual a sano primordial a pena de priso, exclusiva deste

    ramo do direito.

    Pelo que, a coima, diferentemente da multa, no poder ser convertida em pena de privao

    da liberdade, nem ser acompanhada, na deciso condenatria, de um cumprimento alternativo

    em pena de priso.

    Ainda assim, h quem defenda no existir diferena material entre o ilcito criminal e ilcito

    contra-ordenacional ou de mera ordenao social, defendendo que as contra-ordenaes

    constituem meras bagatelas penais, cuja autonomizao do Direito Penal no se justifica.

    4 PINTO, Ana Lusa O Regime Geral das Contra-Ordenaes. 1 ed. Coimbra: Centro de Estudos e Formao Autrquica, 2006. 11 p.5

    OLIVEIRA, Mrio Esteves de - Direito Administrativo. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1980. Vol. I , p. 127.

  • 18

    Entendimento que no partilhamos, uma vez que bem patente a autonomizao do DMOS

    no espectro do ordenamento jurdico portugus.

    Tanto mais que afirmar que as penas criminais so mais graves que as sanes contra-

    ordenacionais tambm no completamente correcto, uma vez que estas podem infligir um

    sacrifcio aos infractores maior do que o resultante da aplicao de uma pena propriamente

    dita, impondo o pagamento de coimas de valor superior ao das multas penais, ou por exemplo,

    impondo a sano acessria de interdio do exerccio de determinada actividade.

    No entendimento de EDUARDO CORREIA6, a coima construda como uma advertncia

    dirigida ao cidado que omite o cumprimento do dever de colaborar com a administrao na

    realizao das tarefas que a esta incumbem, traduzindo uma censura puramente social.

    A coima no se apresenta, assim, como expresso de um juzo de reprovao dirigido pela

    colectividade a um dos seus membros7 que pe em causa atravs da sua conduta valores

    essenciais normalidade da vida comum, mas apenas uma censura dirigida pela

    Administrao a um dos membros da colectividade, fundada no incumprimento do dever de

    no obstar execuo da ordem definida. Este facto articula-se com a caracterizao da

    conduta subsumvel ao tipo de contra-ordenao como uma infraco desprovida de qualquer

    ressonncia tica, axiologicamente neutra, no entendimento de FIGUEIREDO DIAS8, ao

    contrrio do crime, o que implica que a coima, como sano especfica da contra-ordenao,

    seja privada de qualquer desvalor tico, de qualquer censura com aquela natureza. Assim

    sendo, a ilicitude prpria das contra-ordenaes uma ilicitude de natureza formal derivada

    de uma directiva administrativa9, enquanto a ilicitude penal tem uma natureza material,

    derivada da ofensa a valores pr-jurdicos e que so o fundamento da vida colectiva.

    6 CORREIA, Eduardo - Direito Penal e Direito de Mera Ordenao Social. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito, 1973, Vol. XLIX, 273 p.7 Aviso ao cidado que faltou ao seu dever de colaborar na prossecuo dos interesses do Estado e como medida preventiva, desprovida de todo o carcter infamante - ANDRADE, Costa - Contributo para o conceito de contra-ordenao, Revista de Direito e Economia, Anos VI/VII, p. 114.8 DIAS, Jorge de Figueiredo - Para uma dogmtica do Direito Penal Secundrio. Direito e Justia, 1990, IV Vol., p. 26.9 Para COSTA ANDRADE enquanto no direito penal clssico a ilicitude material que serve de fundamento ilicitude formal, nas Zuwiderhandungen (no Direito Penal Alemo) a ilicitude formal da proibio normativa que serve de fundamento ilicitude material. Contributo para o conceito de contra-ordenao, Direito e Economia, Anos VI e VII, 1980/1981, p. 114.

  • 19

    Captulo II - O Regime Geral das Contra-Ordenaes

    1. Definio de contra-ordenao

    Nos termos do artigo 1. do RGCO Constituiu contra-ordenao todo o facto ilcito e

    censurvel que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.

    Da podermos afirmar que o facto que constitui contra-ordenao consiste numa conduta

    humana, voluntria e culposa, que preenche um tipo onde legalmente esto protegidos bens

    jurdicos.

    Com efeito, em contraposio ao ilcito penal, as contra-ordenaes correspondem ao novo

    tipo de ilicitude que o legislador optou por qualificar de mera ordenao social.

    Neste sentido advogam SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA10, quando afirmam que Este

    art. 1. consagra um critrio puramente formal de distino entre crimes e contra-ordenaes,

    que tem a vantagem prtica de evitar, no plano da aplicao do direito, a tomada de posio

    sobre a controversa questo da distino substantiva entre ilcito criminal e ilcito contra-

    ordenacional.

    Assim, de qualificar como contra-ordenao qualquer facto para o qual esteja prevista na lei

    a aplicao de uma coima. () A coima a sano normal do direito de mera ordenao

    social. () No entanto, para alm da coima, as contra-ordenaes podem ser sancionadas

    com sanes acessrias previstas no art. 21..

    2. Elementos da contra-ordenao

    No entendimento de SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA11, so elementos da contra-

    ordenao:

    10 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de - Contra-ordenaes Anotaes ao Regime Geral. 6. ed. Lisboa: reas Editora, 2011. 48 p.11 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, op. cit., 52-54 pp.

  • 20

    - A conduta: entendida como o comportamento humano, expresso de forma voluntria e

    consciente (no a conduta o acto meramente reflexo ou inconsciente), activo (isto ,

    expresso de forma positiva, actuante) ou negativo (ou seja, expresso pela inactividade, a

    absteno, a omisso, o no fazer), que produz um resultado (o mesmo dizer, uma alterao

    no mundo exterior).

    A conduta pode, como afirmam os autores, manifestar-se por aco ou omisso. Entendendo

    os mesmos que com a aco viola-se a norma jurdica, fazendo o que a lei probe, e com a

    omisso viola-se a norma jurdica, no fazendo o que a lei manda12.

    Definindo, os referidos autores, aco como o facto positivo, a actuao, que implica que o

    agente leve a cabo um ou mais movimentos corporais que conduzem produo do evento.

    E omisso, como sendo a absteno de actuar, isto , o no fazer ou deixar fazer, podendo

    ser simples ou prpria (a que se traduz num comportamento negativo voluntrio ou

    imprudente, ainda que no conduza a um resultado material) ou omissiva ou imprpria (a que

    se materializa numa absteno que produz um resultado material proibido). Com a omisso

    viola-se a norma jurdica, no fazendo o que a lei manda.

    Concluindo estes autores que as contra-ordenaes praticadas por meio de aco so as

    contra-ordenaes comissivas, e as praticadas por omisso so as contra-ordenaes

    omissivas .

    - A tipicidade: entendida pelos mesmos autores como a adequao da conduta ao tipo, ou

    seja, o enquadramento de um comportamento real hiptese legal, preenchendo-se tal

    requisito quando a conduta de algum encaixa exactamente na abstraco plasmada na lei.

    Definindo tipo como sendo a descrio legal de uma contra-ordenao, ou seja, o molde

    concebido pelo legislador e que nos oferece os modelos ou padres do comportamento

    humano tido em cada momento histrico como merecedores de censura, na medida em que

    violam valores essenciais da comunidade. O tipo ser, pois, o desenho da contra-ordenao,

    ou melhor, a indicao dos elementos que constituem determinado ilcito contra-ordenacional

    e que devem ser preenchidos pela conduta do agente.

    12 No entregar o modelo de IRS em tempo (contra-ordenao tributria); o condutor do veculo no vestir o colete em caso de avaria/acidente (contra-ordenao rodoviria).

  • 21

    - A ilicitude: definida pelos autores como a desconformidade com o direito. Referindo

    que ilcita toda a conduta humana que contrria ao estabelecido na lei. A ilicitude, pois,

    a antijuricidade do comportamento, ou antijurdica uma aco tpica que no justificada.

    - A culpabilidade: vista pelos mesmos autores como o elemento subjectivo do delito,

    consistindo na relao que se estabelece entre a vontade do agente em cometer o facto e a

    conduta que o conduz a esse mesmo facto: a vontade de infringir o dever de agir ou no agir,

    imposto por lei. No fundo a possibilidade de o comportamento assumido pelo agente vir a

    ser-lhe censurado por lhe ter dado causa. A culpabilidade pode manifestar-se atravs do dolo

    ou inteno (propsito de cometer o facto ilcito culpabilidade directa) e da negligncia

    (falta de cuidado devido que leva a esse cometimento culpabilidade indirecta).

    3. Princpios da legalidade, da tipicidade e da no retroactividade da lei contra-

    ordenacional

    O artigo 2. do RGCO dispe que S ser punido como contra-ordenao o facto descrito e

    declarado passvel de coima por lei anterior ao momento da sua prtica, isto , s aquele que

    previamente j se encontrar tipificado (princpio da tipicidade) na lei, consagrando, deste

    modo, o princpio da no retroactividade da lei contra-ordenacional, tambm subjacente ao

    artigo 3. do RGCO.

    3.1. Princpio da legalidade

    Resulta do princpio da legalidade que a lei incriminadora no admite interpretao extensiva,

    nem as suas lacunas podem ser supridas por recurso analogia, por fora da exigncia de

    clareza e determinabilidade dos vrios tipos contra-ordenacionais.

    Este princpio constitui no apenas um limite, mas tambm o fundamento do exerccio do

    poder administrativo, abrangendo toda a actividade administrativa e no apenas a

    sancionatria.

    Ou seja, o princpio da legalidade, aplicvel ao regime substantivo das contra-ordenaes ex

    vi do artigo 32. do RGCO, um princpio basilar de direito penal, nos termos do qual

  • 22

    nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, funcionando como um garante para os

    cidados face face crescente autoridade sancionadora do Estado.

    3.2. Princpio da tipicidade

    Corresponde ao aspecto material do princpio da legalidade. Ou seja, s podemos considerar

    um facto ilcito e punvel, quando de forma exacta, taxativa e inequvoca, esteja consagrado

    na lei o tipo contra-ordenacional e as sanes aplicveis.

    O princpio da tipicidade em sede do DMOS decalcado do mesmo princpio aplicado s

    penas criminais, conferindo aos cidados segurana e confiana no ordenamento jurdico

    vigente.

    Nos termos do artigo 5. do RGCO, o facto tipificado como contra-ordenao considera-se

    praticado:

    - No caso de aco: () no momento em que o agente actuou ();

    - No caso de omisso: no momento em que o agente () deveria ter actuado,

    independentemente do momento em que o resultado tpico se tenha produzido.

    3.3. Princpio da no retroactividade

    Consiste na proibio de sancionar condutas anteriores lei tipificadora. Nenhum cidado

    pode ser punido com base num preceito inexistente data da sua actuao, uma vez que do

    mesmo no poderia ter conhecimento.

    Inclusivamente este princpio encontra-se consagrado na Declarao Universal dos Direitos

    do Homem, designadamente no artigo 11., n. 2, 1. parte, prevendo-se que Ningum ser

    condenado por aces ou omisses que, no momento da sua prtica, no constituam acto

    delituoso face do direito interno ou internacional..

    Conforme o preceituado no artigo 3. do RGCO, no que diz respeito punio de determinado

    facto como contra-ordenao, ter-se- que observar:

  • 23

    - A () lei vigente no momento da prtica do facto ();

    - Se a lei vigente aquando da prtica do facto sofrer alteraes, aplicar-se- a lei mais

    favorvel ao arguido () (princpio da aplicao retroactiva da lei mais favorvel),

    () salvo se este j tiver sido condenado por deciso definitiva ou transitada em

    julgado e j executada;

    - Quando a lei for temporria, isto , a lei que destinada desde o seu incio de vigncia a

    vigorar durante um determinado perodo de tempo, a cessao da vigncia da lei no

    impede a sua aplicao aos factos punveis cometidos durante a sua vigncia.

    GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA13 distinguem vrias vertentes deste princpio:

    (i) s a lei competente para definir crimes (bem como os pressupostos das medidas de

    segurana) e respectivas penas (bem como as medidas de segurana) princpio da

    legalidade; (ii) a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de

    crime (ou que constituem os pressupostos de medida de segurana), bem como tipificar as

    penas (ou as medidas de segurana) princpio da tipicidade: (iii) a lei no pode criminalizar

    factos passados (nem dar lhes relevncia para efeito de medidas de segurana), nem punir

    mais severamente crimes anteriormente praticados (ou aplicar medidas de segurana mais

    gravosas a pressupostos anteriormente verificados) princpio da no retroactividade da lei

    penal; (d) a lei despenalizadora ou que puna menos severamente determinado crime aplica-se

    a factos passados (princpio da aplicao retroactiva da lei penal mais favorvel) .

    Os mesmos autores entendem que estes princpios devem, na parte pertinente, valer por

    analogia para os demais domnios sancionatrios, designadamente o ilcito de mera ordenao

    social (...)14 .

    Tambm JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS15 defendem esta extenso, afirmando que

    embora o artigo 29. se refira somente lei criminal, deve considerar-se que parte destes

    princpios (nomeadamente, o da proibio da aplicao retroactiva desfavorvel) se aplicam

    tambm aos outros dois ramos de direito pblico sancionatrio: o direito de mera ordenao

    13 CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA Vital - A Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. I Volume, p. 494.14 CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA Vital, op.cit., 498 p.15 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui - Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. I Tomo, p. 331.

  • 24

    social (...). No sentido da aplicao do princpio criminal da lei mais favorvel tambm ao

    ilcito contraordenacional e ao ilcito disciplinar vai o artigo 282., n. 3 da CRP.

    4. Responsabilidade contra-ordenacional

    A responsabilidade contra-ordenacional recai tanto nas pessoas singulares, como nas pessoas

    colectivas (sociedades comerciais, associaes sem fins lucrativos), bem como nas

    associaes sem personalidade jurdica, conforme o previsto no artigo 7. do RGCO.

    4.1. Responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas

    De acordo com o disposto no n. 2, do artigo 7. do RGCO, As pessoas colectivas ou

    equiparadas sero responsveis pelas contra-ordenaes praticadas pelos seus rgos no

    exerccio das suas funes.

    Estipulando o n. 1, do artigo 87. do RGCO que As pessoas colectivas () so

    representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deva representar ou, na

    falta de disposio estatutria, pela administrao ou pessoa por ela designada, nos termos

    do artigo 163., n. 1 do Cdigo Civil.

    Com efeito, a responsabilidade criminal tal como sucede com a contra-ordenacional tanto

    pode aplicar-se a pessoas singulares como a pessoas colectivas, sendo as pessoas colectivas

    responsveis pelas infraces praticadas pelos seus rgos no exerccio das suas funes.

    Assim sendo, no entendimento de SIMAS SANTOS e LOPES de SOUSA16, que

    corroboramos, apesar de as pessoas colectivas estarem desprovidas de um organismo fsico,

    entende-se que elas tm capacidade de agir por a relao entre elas e as pessoas fsicas que

    constituem os seus rgos ser de verdadeira identificao e, sendo assim, agindo o rgo a

    prpria pessoa que age. Consequentemente, os praticados pelos rgos das pessoas colectivas

    valem como actos desta, que assim age mediante os seus rgos jurdicos, de forma

    semelhante pessoa singular ao actuar e atravs dos seus rgos fsicos, pois os factos ilcitos

    que pratiquem no mbito das suas funes so actos da mesma pessoa e a culpa com que

    16 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, op. cit., 119 p.

  • 25

    tenham agido ser igualmente culpa dessa pessoa e sobre esta recair a correspondente

    responsabilidade criminal, contra-ordenacional, ou civil, que ser, juridicamente, responsvel

    pelos prprios actos e por culpa prpria.

    Pelo que, a questo reside no facto de se saber quem so os rgos da pessoa colectiva. E

    rgos aqui tem uma maior abrangncia do que os centros institucionalizados de poderes

    funcionais a exercer pelo indivduo ou pelo colgio de indivduos, da que, como

    entendimento unnime da jurisprudncia portuguesa17, o conceito de orgos integra os

    trabalhadores ao servio da pessoa colectiva ou equiparada, desde que actuem no exerccio

    das suas funes ou por causa delas, sendo nesta caso responsvel (a pessoa colectiva) do

    ponto de vista contra-ordenacional.

    Efectivamente, quando se fala de uma empresa o rosto da mesma so os trabalhadores por

    serem quem praticam ou omitem os actos susceptveis de censura contra-ordenacional.

    No obstante, apenas assim se o funcionrio da pessoa colectiva agir de acordo com

    instrues da sua entidade empregadora, ou, pelo menos, num quadro de aco previamente

    traado e delineado pelos rgos sociais da mesma.

    De outro modo, isto , se o funcionrio agir espontaneamente, sem estar a obedecer a ordens

    genricas, ou num quadro de aco previamente definido pelos rgos da sociedade, no a

    esta entidade que pode imputar-se o facto, mas ao prprio agente18.

    Atentemos em algumas concluses do Parecer n. 11/2003 da Procuradoria-Geral da

    Repblica, publicado no Dirio da Repblica, 2. Srie, n. 178, de 16 de Setembro de 201319,

    que se pronunciou no s sobre a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas

    ou equiparadas, mas tambm sobre a desnecessidade de identificao da pessoa singular que

    cometeu a infraco em nome daquelas, assim: (...) 2. Atualmente pacificamente admitida

    a responsabilizao criminal das pessoas colectivas em certos tipos penais. No direito das

    contraordenaes, contudo, a responsabilidade das pessoas colectivas um princpio geral

    que decorre do artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes, que constitui uma regra

    17 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa, de 23/10/2007, Proc. n. 6245/2007, disponvel em www.dgsi.pt e Acordo do STJ, de 15/06/1994, Proc. n. 085720, disponvel em www.stj.pt.18 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto, de 24/01/2007, proc. n. 06443899, disponvel em www.dgsi.pt.19 Disponvel em https://dre.pt/.

  • 26

    geral de imputao, com inmeras concretizaes em regimes especiais. (...) 4. O preceito do

    nmero 2 do artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes deve ser interpretado

    extensivamente, como, alis, tem sido feito pela jurisprudncia, incluindo do Tribunal

    Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os

    mandatrios ou representantes da pessoa colectiva ou equiparada, desde que atuem no

    exerccio das suas funes ou por causa delas. 5. A responsabilidade contraordenacional das

    pessoas colectivas assenta numa imputao direta e autnoma, quer o fundamento dessa

    responsabilidade se encontre num defeito estrutural da organizao empresarial (defective

    corporate organization) ou culpa autnoma por dfice de organizao, quer pela imputao

    a uma pessoa singular funcionalmente ligada pessoa colectiva, mas que no precisa de ser

    identificada nem individualizada. (...) 7. O artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes

    adota a responsabilidade autnoma, tal como os regimes especiais em matria laboral (artigo

    551. do Cdigo do Trabalho), tributria (artigo 7. do Regime Geral das Infraces

    Tributrias), econmica (artigo 3. do Decreto-Lei n. 24/84, de 20 de janeiro), de valores

    mobilirios (artigo 401. do Cdigo dos Valores Mobilirios), de concorrncia (artigo 73. da

    Lei da Concorrncia) e de contraordenaes ambientais (artigo 8. da Lei-Quadro das

    Contraordenaes Ambientais), pelo que no necessria a identificao concreta do agente

    singular que cometeu a infrao para que a mesma seja imputada pessoa coletiva.

    5. Direito de aplicao subsidiria

    Como refere ANA LUSA PINTO20, o Direito subsidirio aquele a que recorremos para

    regular uma situao ou resolver um problema jurdico, na falta de disposies directamente

    aplicveis. Quando o RGCO seja omisso relativamente a algum aspecto do regime substantivo

    das contra-ordenaes e se possa concluir que tal lacuna no foi deliberada ou intencional,

    aplica-se, com as necessrias adaptaes, o regime da parte geral do Cdigo Penal. Esta regra

    resulta do artigo 32. do RGCO. A aplicao subsidiria do direito penal compreensvel

    atendendo a que se trata, semelhana do direito das contra-ordenaes, de direito

    sancionatrio de carcter punitivo. Todavia, a aplicao subsidiria da lei penal tem que

    respeitar uma condio: no pode colidir com os princpios gerais do regime jurdico das

    contra-ordenaes.

    20 PINTO, Ana Lusa, op. cit., 27 p.

  • 27

    No que concerne ao regime adjectivo das contra-ordenaes consagrado no RGCO, aplicar-

    se-o subsidiariamente as normas do Cdigo de Processo Penal (CPP) e demais legislao

    especial avulsa reguladora do processo criminal, ex vi do preceituado no artigo 41 do RGCO.

    Saliente-se que o papel subsidirio dos preceitos reguladores do processo criminal no

    processo contra-ordenacional foi reforado com a reforma do RGCO de 1995.

    6. A culpa - dolo e negligncia

    6.1. Princpio da responsabilidade e da culpa

    A exigncia de culpa como pressuposto de punio de um ilcito, seja ele penal ou contra-

    ordenacional, surge como salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

    Alm disso, consideramos difcil conceber conceitos de dolo ou negligncia (ou ainda de erro

    ou de causas de justificao ou de excluso da culpa) seno enquanto figuras construdas a

    partir do entendimento jurdico-penal tradicional de culpa, especialmente em domnios em

    que a aplicao subsidiria do Direito Penal expressamente convocada (aplicando-se os

    artigos 14. e 15. do Cdigo Penal (CP) ex vi artigo 32. do RGCO).

    A culpa do agente e, por conseguinte, a imputabilidade da sua conduta a ttulo de dolo ou

    negligncia surge como pressuposto de punibilidade no domnio do DMOS.

    Alis esta exigncia est consagrada nos artigos 1. e 8. do RGCO, referindo este ltimo que

    S punvel o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com

    negligncia.. Isto , o legislador exige que o diploma sancionatrio preveja expressamente

    que a negligncia punvel.

    A culpa influi na determinao do montante da coima e na aplicao da sano acessria,

    como adiante veremos (artigos 18. n. 1 e 21. do RGCO).

  • 28

    Refira-se que conforme observa ANA LUSA PINTO21, As regras da punio da negligncia

    esto consagradas nos n.s. 3 e 4, do artigo 17. do RGCO. Destas disposies resulta que o

    limite mximo da coima aplicvel s contra-ordenaes praticadas com negligncia

    reduzido para metade do limite mximo aplicvel s contra-ordenaes praticadas com dolo.

    6.2. Dolo

    Importa caracterizar os vrios tipos de dolo, de acordo com o artigo 14. do CP ex vi do artigo

    32. RGCO. O dolo, em sede de DMOS, na concepo de PINTO DE ALBUQUERQUE,

    reside no conhecimento intelectual dos elementos do tipo e no desrespeito pelas proibies

    ou obrigaes legais tuteladas pelas normas contra-ordenacionais22.

    Para SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA23, na estrutura do dolo podemos destacar dois

    elementos essenciais:

    - Um elemento intelectual ou cognoscitivo traduzido no conhecimento material dos

    elementos e circunstncias do tipo legal da infraco em causa, bem como do seu

    sentido e significao (elementos existentes no momento em que o agente inicia a sua

    conduta; elementos produzidos por essa conduta; processo causal da infraco quando

    constituir elemento do tipo; e circunstncias modificativas agravantes).

    O elemento intelectual do dolo resume-se, por um lado, representao ou previso

    pelo agente do facto ilcito com todos os seus elementos integrantes e, por outro,

    conscincia de que esse facto censurvel ( o que de forma inequvoca refere o

    legislador no art. 14. do Cdigo Penal, ao falar em representao de um facto que

    preenche um tipo de crime);

    - Um elemento emocional ou volitivo ou seja uma especial direco da vontade, qual seja

    a de realizao do facto ilcito previsto pelo agente, e que pode dar lugar a diferentes

    tipos de dolo (...).

    21 PINTO, Ana Lusa, op. cit., 40 p.22 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de - Comentrio do Regime Geral das Contra-Ordenaes luz da Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem. 1. ed. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2011. 62 p.23 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 136 p.

  • 29

    Assim sendo, a intensidade do dolo aferida atendendo forma como o infractor aps os

    elementos intelectual e emocional na sua conduta. Estamos perante o dolo (directo) mais

    intenso quando o agente teve como fim, como inteno, a realizao do facto ilcito, ou seja,

    quis o resultado da sua conduta24; Quando o agente, tendo porventura outro fim diferente,

    prev o facto ilcito como consequncia necessria da sua conduta25, estamos perante o dolo

    (necessrio) de intensidade intermdia; Por sua vez quando o agente ao actuar, se conformou

    com a possvel realizao do facto ilcito como consequncia da conduta, ou seja o agente no

    quer directamente o resultado da aco, mas assume o risco de produzi-lo26, comete a

    infraco com o dolo (eventual) de intensidade reduzida.

    6.3. Negligncia

    Nas palavras de SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA27, mesmo que se mostre excludo o

    dolo, ainda ser possvel censurar o agente pelo facto, se tiverem sido omitidos os deveres de

    diligncia a que se era obrigado segundo as circunstncias e os conhecimentos e capacidades

    pessoais.

    Com efeito, caso o agente no tenha praticado a infraco com dolo, sempre subsiste a outra

    forma de culpa menos gravosa, a negligncia. Deste modo, quando o agente previu o

    resultado da conduta, mas confiou em que o mesmo no teria lugar ou mostrou-se indiferente

    sua produo28, agiu com negligncia (consciente) mais intensa; J quando o agente nem

    sequer previu, como podia e devia, a produo do resultado da sua conduta29, actuou com

    negligncia (inconsciente) menos intensa.

    7. Inimputabilidade

    7.1. Inimputabilidade em razo da idade

    Consideram-se inimputveis em razo da idade, para efeitos de serem responsabilizados

    contra-ordenacionalmente, os menores de 16 anos, bem como () quem, por fora de uma

    24 Artigo 14., n. 1 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.25 Artigo 14., n. 2 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.26 Artigo 14., n. 3 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.27 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 137 p.28 Artigo 15., alnea a) do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.29 Artigo 15., alnea b) do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.

  • 30

    anomalia psquica, incapaz, no momento da prtica do facto, de avaliar a ilicitude deste ou

    de se determinar de acordo com essa avaliao, excluindo-se os casos em que a anomalia

    seja provocada pelo prprio agente30.

    Assim, no que concerne em concreto inimputabilidade em razo da idade, SIMAS SANTOS

    e LOPES DE SOUSA31 entendem que O princpio da culpa pressupe a liberdade de

    deciso, pois s assim se poder considerar responsvel o agente por ter praticado o facto em

    vez de dominar os seus impulsos para a prtica das infraces e a capacidade para os valores.

    E s quem atingiu determinada idade e no sofre de graves perturbaes psquicas possui o

    mnimo de capacidade de autodeterminao que o ordenamento jurdico requer para a

    responsabilidade contra-ordenacional.

    Aqueles que ao tempo do facto no tm ainda 16 anos so inimputveis, o que quer dizer que

    o legislador nega, de forma geral, que abaixo desta idade exista capacidade de determinao,

    sem ter de se averiguar o estado de desenvolvimento individual da criana envolvida.

    Enquanto para os casos de anomalia psquica foi adoptado um critrio biopsicolgico, para os

    menores de 16 anos foi adoptado um critrio biolgico, com uma presuno absoluta de

    inimputabilidade, no sendo preciso que, em decorrncia da menoridade, o menor seja

    incapaz de entender o carcter ilcito do facto ou de determinar-se de acordo com esse

    entendimento.

    7.2. Inimputabilidade em razo de anomalia psquica

    Os mesmos autores32, a respeito da inimputabilidade em razo de anomalia psquica,

    observam que A determinao da inimputabilidade est condicionada existncia de dois

    pressupostos:

    1. biolgico (anomalia psquica) indispensvel que o agente sofra de um mal psquico,

    preferindo o legislador utilizar a designao ampla de anomalia psquica do que fazer uma

    enumerao, sempre precria, das doenas e estados psquicos anmalos susceptveis de

    fundamentar a inimputabilidade. de notar que o conceito de anomalia psquica ultrapassa os

    casos de doena mental, v.g., as perturbaes de conscincia, as oligofrenias, as psicopatias,

    as neuroses, as pulses, etc.;

    30 Artigos 10. e 11. do RGCO31 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 150-151 pp.32 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 152 p.

  • 31

    2. psicolgico, ou normativo (incapacidade para avaliar a ilicitude do facto ou se determinar

    de harmonia com essa avaliao) indispensvel tambm que o agente, em virtude do mal de

    que padece, no possa avaliar intelectualmente o contedo normativo (portanto ilcito) dos

    seus comportamentos, nem tenha liberdade para agir de modo diferente.

    Tambm a propsito da inimputabilidade em razo de anomalia psquica, e na linha dos

    autores que antecedem, SRGIO PASSOS33 advoga que O n. 134 define a inimputabilidade

    em geral. Segundo o n. 2 a inimputabilidade pode ser reconhecia nalguns casos de

    imputabilidade diminuda do agente. No n. 3 reconhece-se a doutrina da imputabilidade

    diminuda. A inimputabilidade est condicionada pela verificao de dois pressupostos: o

    Biolgico, resultante de anomalia psquica que o sujeito portador, e o Psicolgico, ou

    Normativo, que se revela pela incapacidade do sujeito para avaliar a ilicitude do facto por si

    praticado, ou se determinar de harmonia com essa avaliao, bem como ele no possa avaliar

    intelectualmente o carcter ilcito dos seus comportamentos, nem possuindo a liberdade para

    agir de modo diferente.

    8. A tentativa

    Sempre que expressamente prevista na lei, A tentativa punvel, com a coima aplicvel

    contra-ordenao consumada, especialmente atenuada35.

    Efectivamente, estamos perante esta figura jurdica quando o infractor praticou actos de

    execuo de uma contra-ordenao sem que esta chegue a consumar-se36. Considerando-se

    actos de execuo37:

    - Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de contra-ordenao;

    - Os que so idneos a produzir o resultado tpico;

    - Os que, segundo a experincia comum e salvo circunstncias imprevisveis, so de

    natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espcies indicadas nos itens

    anteriores.

    33 PASSOS, Srgio - Contra-Ordenaes Anotaes ao Regime Geral. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2004. 279 p.34 Do artigo 11. do RGCO.35 Artigo 13. do RGCO.36 Artigo 12., n. 1 do RGCO.37 Artigo 12., n. 2 do RGCO.

  • 32

    No entendimento de SRGIO PASSOS38, A tentativa punvel releva para efeitos de punio

    enquanto tentativa de cometimento de uma contra-ordenao. E para tanto indispensvel que

    reuna uma resoluo, ou vontade de cometimento de um ilcito, um ou mais actos de

    execuo segundo a previso das alneas a), b) e c) do n. 2 do art. 12.39 -, que preencham

    pelo menos um dos elementos do ilcito, e no a sua consumao, ou seja, que os actos em

    causa tenham sofrido uma interrupo do processo de execuo da infraco visada.

    A este respeito, SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA40 entendem que A aco dolosa vai

    desde a deciso de cometer a infraco at sua consumao, passando pela preparao,

    comeo de execuo, concluso da aco executiva e produo do resultado e, diferentemente

    do que acontece com a preparao, a tentativa de cometimento de uma infraco j , em

    princpio punvel. Para tanto indispensvel que se reunam os seguinte elementos:

    - resoluo vontade de realizao de factos ilcitos;

    - actos de execuo necessidade de verificao de comeo de execuo desse facto (um ou

    mais actos na tentativa inacabada, todos na tentativa acabada), isto , do preenchimento de

    pelo menos um dos elementos do ilcito;

    - no consumao interrupo do processo executivo da infraco.

    Ressalvam ainda estes autores que Os diplomas que prevem contra-ordenaes contm a

    descrio apenas das infraces consumadas, pelo que, atento o princpio nulla poena sine

    lege, h a necessidade de uma norma que preveja a punibilidade da tentativa.

    Uma opinio doutrinal de excelncia sobre a tentativa, qual no nos podemos deixar de

    referir no nosso trabalho a de CLAUS ROXIN41, quando observa que O direito vigente

    encontra-se, em contrapartida, numa posio intermdia em relao s posies da teoria

    subjectiva e da objectiva e que, de forma vincada, caracterizada como teoria da impresso

    (1): a tentativa punvel, quando, e na medida em que apropriada para produzir na

    generalidade das pessoas uma impresso abaladora; ela pe, ento, em perigo a paz jurdica

    e necessita, por isso, de uma sano correspondente a esta medida.

    38 PASSOS, Srgio, op. cit., 111 p.39 Do Regime Geral das Contra-Ordenaes.40 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 155-156 pp.41 ROXIN, Claus - Problemas fundamentais de Direito Penal. 2. ed. Lisboa: Edies Veja, 1993. 296-297 pp.

  • 33

    A teoria da impresso uma teoria subjectivo-objectiva. Com efeito, a impresso

    juridicamente abaladora pode dizer respeito, tanto tendncia da vontade do autor,

    comprovadamente hostil ao direito como objectiva colocao em perigo do objecto da

    aco. No caso normal, os dois factores podem actuar conjuntamente; (...) No entanto, pode

    falar-se de uma predominncia do elemento subjectivo, na medida em que, na tentativa

    impossvel, a criao do perigo no existe, enquanto a vontade de cometimento do crime

    nunca pode faltar.

    9. A comparticipao

    De acordo com o preceituado no artigo 16. do RGCO:

    N. 1 - Se vrios agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em

    responsabilidade por contra-ordenao mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto

    dependam de certas qualidades ou relaes especiais do agente e estas s existam num dos

    comparticipantes;

    N. 2 - Cada comparticipante punido segundo a sua culpa, independentemente da punio ou

    do grau de culpa dos outros comparticipantes;

    N. 3 - aplicvel ao cmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada..

    OLIVEIRA MENDES e SANTOS CABRAL42, defendem que (...) o legislador ao

    determinar a aplicao de uma atenuao especial da coima para o cmplice, o que implica a

    diferenciao abstracta desta forma de comparticipao, afastou intencionalmente do regime

    das contra-ordenaes o conceito unitrio de autor.

    Apesar disso, certo que a referncia base do sistema comparticipativo no Direito de mera

    ordenao social continua a ser a primeira preposio constante do nmero 1 (..)43, a qual

    contem um amplo conceito de autoria (conceito extensivo de autor), segundo o qual a cada

    um dos comparticipantes imputa-se o ilcito contra-ordenacional e no apenas a parcela

    correspondente ao seu contributo ou envolvimento no facto (como acontece no conceito

    42 MENDES, Antnio de Oliveira e CABRAL, Jos dos Santos - Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenaes e Coimas. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009. 56-57 pp.43 Do artigo 16. do RGCO.

  • 34

    restritivo de autor) pois, de acordo com a matriz dogmtica do conceito extensivo de autor,

    cada um dos comparticipantes considerado autor do facto, na medida em que aquele

    conceito parte da ideia de que os diversos tipos de ilcitos permitem imputar as condutas aos

    vrios agentes envolvidos na sua execuo desde que estes tenham um contributo causal para

    o facto, isto , qualquer contributo causal para o facto da parte de uma pluralidade de agentes

    faz com que cada um deles incorra em responsabilidade por contra-ordenao (teoria da

    causalidade), independentemente da maior ou menor extenso do tipo preenchido.

    (...) Quanto ao nmero 2 o mesmo reproduz integralmente o texto do artigo 29., do Cdigo

    Penal, o qual reflecte um dos princpios basilares do Direito penal, segundo o qual no h

    pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.

    A atenuao especial da coima obrigatria em todas as situaes ou casos de cumplicidade,

    sendo que apenas beneficia da atenuao o cmplice.

    A propsito da comparticipao, observa COSTA PINTO44 que Importa notar (...) que o

    regime geral das contra-ordenaes no delimita expressamente o mbito e o contedo de

    cada uma das figuras da comparticipao em ilcitos contra-ordenacionais. Mas esse facto

    longe de constituir uma omisso do legislador corresponde antes a uma opo dogmtica

    especfica relativamente ao regime da comparticipao.

    A tcnica utilizada pelo legislador portugus foi a de juntar no mesmo preceito, com uma

    redaco simplificada, o conceito extensivo de autor e o amplo regime de comunicao da

    ilicitude (que se apoiava tambm na doutrina da comparticipao de Eduardo CORREIA) mas

    sem que cada um deles perdesse autonomia. O que alis corroborado pelo confronto entre a

    redaco do art. 16., n. 1, do regime geral das contra-ordenaes e a redaco do art. 28., n.

    1, do Cdigo Penal: os dois preceitos so idnticos na parte respeitante ao regime da

    comunicao da ilicitude entre os comparticipantes (embora a excepo da parte final do art.

    28., n. 1, do Cdigo Penal no tenha sido acolhida nas contra-ordenaes, o que irrelevante

    para a questo ora tratada) mas a primeira preposio do art. 16., n. 1, que formula o

    conceito extensivo de autor no tem correspondncia alguma na citada norma do Cdigo

    Penal. O que bem se compreende pois o legislador penal no quis adoptar este modelo de

    autoria na comparticipao criminosa. (...) o art. 16., n. 1, do Decreto-Lei n. 433/82, de 27

    de Outubro, contm nas suas duas proposies matrias diferentes relativas

    44 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa, op. cit., 219-221 pp.

  • 35

    comparticipao: um amplo conceito de autoria (conceito extensivo ao autor) e um regime de

    comunicao da ilicitude dos comparticipantes.

    A (...) reviso do regime geral das contra-ordenaes, concretizada pelo Decreto-Lei n.

    244/95, de 14 de Setembro, mantendo intacto o regime do art. 16., n. 1, passou a impor a

    obrigatoriedade de aplicao de uma atenuao especial para a cumplicidade, prevista no (...)

    n. 3, do art. 16. do Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro.

    10. Coima

    A coima , como j dissemos, a sano (pecuniria) por excelncia aplicvel no mbito do

    processo contra-ordenacional.

    10.1. Montante da coima

    O montante da coima ser o que resultar da prpria lei, postura ou regulamento autnomo.

    Fixando os nmeros 1 e 2 do artigo 17. do RGCO que, se o contrrio no resultar da lei, o

    montante mnimo da coima aplicvel s pessoas singulares ser de 3,74, e o montante

    mximo ser de 3.740,98, em caso de dolo, ou de 1.870,49, em caso de negligncia;

    Quanto s pessoas colectivas, o montante mximo aplicvel ser de 44.891,81, em caso de

    dolo, ou de 22.445,91, em caso de negligncia.

    Porm, quando se tratar de regulamento autnomo, este no poder conter molduras contra-

    ordenacionais diferentes das previstas na lei habilitante.

    10.2 Determinao da medida da coima

    Conforme observam SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA45, constituem critrios que a

    autoridade administrativa deve ter em considerao na determinao da medida da coima, os

    previstos no artigo 18.do RGCO:

    45 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 189-190 pp.

  • 36

    - A gravidade da contra-ordenao, devendo atender-se:

    a) Ao grau de violao ou perigo de violao dos bens jurdicos e interesses ofendidos;

    b) Ao nmero de bens jurdicos e interesses ofendidos e suas consequncias;

    c) eficcia dos meios utilizados.

    - A culpa do agente, devendo atender-se:

    a) Ao grau de violao dos deveres impostos ao agente;

    b) Aos sentimentos manifestados no cometimento da contra-ordenao;

    c) Ao grau de intensidade da vontade de praticar a infraco;

    d) Aos fins ou motivos determinantes;

    e) conduta anterior e posterior;

    f) personalidade do agente.

    - A situao econmica do agente, devendo atender-se:

    a) situao econmica;

    b) s suas condies pessoais.

    - O benefcio econmico que o agente retirou da prtica da contra-ordenao, devendo

    atender-se, no ao valor do dano causado, que considerado na gravidade da contra-

    ordenao, mas ao benefcio obtido. Se esse benefcio for superior ao limite mximo da

    coima, e no existirem outros meios de o eliminar, pode aquele limite elevar-se at ao

    montante do benefcio, at mais um tero do limite mximo estabelecido.

    10.3. Fins da coima

    Nas palavras de PINTO DE ALBUQUERQUE46 a coima tem um fim preventivo e

    desempenha uma funo de preveno geral negativa e de preveno especial negativa (..)

    A coima no tem um fim retributivo da culpa tica do agente, pois no visa o castigo de uma

    personalidade deformada reflectida no facto ilcito, nem tem um fim de preveno especial

    positiva, pois no visa a ressocializao de uma personalidade deformada do agente.

    46 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 2011. 84-85 pp.

  • 37

    A coima tem um fim de preveno especial negativa, isto , visa evitar que o agente repita a

    conduta infractora, bem como um fim de preveno geral negativa, ou seja, visa evitar que os

    demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta.

    A este respeito e fazendo uma pertinente aluso execuo dos valores das coimas no pagas

    pelos arguidos, FERREIRA ANTUNES47 argumenta que (...) no est em causa apenas a

    execuo de uma mera quantia em dinheiro, mas, mais do que isso, procura atingir as

    finalidades da punio: os fins das penas e das coimas. Por muito que se diga da neutralidade

    axiolgica da conduta, temos para ns que a sano contra-ordenacional no pode ser

    inteiramente desligada das finalidades de reprovao e preventivas. A coima no se confunde

    com uma prestao de imposto, nem de taxa.

    Ou seja, a coima de nenhum modo se liga personalidade do agente, nem visa a sua

    ressocializao, porm serve como especial advertncia ou reprimenda conducente

    observncia de certas proibies ou imposies legais.

    11. Admoestao

    Como vimos acima, a coima a sano de primordial aplicao pela autoridade

    administrativa ao infractor, no entanto Quando a reduzida gravidade da infraco e da culpa

    do agente o justifique ()48, pode optar pela aplicao de uma admoestao, no deixando a

    deciso da autoridade administrativa de ter carcter condenatrio, embora com efeitos muito

    menos penosos para o arguido, dada a sua caracterstica no pecuniria.

    Na prtica a admoestao, consagrada no artigo 51. do RGCO, funciona como um aviso ao

    arguido para no voltar a infringir, sob pena se o fizer ser punido com uma coima.

    Da deciso condenatria da autoridade administrativa que aplicar uma admoestao ao

    arguido, h lugar a impugnao judicial, uma vez que embora os artigos 58., n. 1 e 59., n. 1

    do RGCO no se refiram admoestao, como alis o artigo 59., n. 1 do RGCO tambm

    no se refere s sanes acessrias, o artigo 55. taxativo quando prev que As decises,

    47 ANTUNES, Manuel Ferreira - Contra-Ordenaes e Coimas Regime Geral. 2. ed. Lisboa: Petrony Editora, 2013. 199 p.48 Artigo 51., n. 1 do RGCO.

  • 38

    despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do

    processo so susceptveis de impugnao judicial por parte do arguido. Ademais,

    constituindo a admoestao uma verdadeira sano, ainda que no pecuniria, deve assistir ao

    arguido o direito de reagir contra a aplicao da mesma, at porque constituir antecedente

    contra-ordenacional que ser tido em conta pela autoridade administrativa no caso de o

    arguido voltar a praticar o mesmo tipo de ilcito.

    Discordamos, por isso, de OLIVEIRA MENDES e SANTOS CABRAL49, quando afirmam

    que, A admoestao em direito contra-ordenacional assume natureza distinta da admoestao

    aplicada em direito penal uma vez que esta uma sano que origina uma deciso final

    condenatria, por isso mesmo recorrvel e com efeitos penais em termos de reincidncia,

    registo criminal e pagamento das custas. Diferentemente, a admoestao contra-ordenacional

    no d origem a uma deciso condenatria impugnvel pelo arguido, como decorre do

    disposto no artigo 58. n. 1 e 59. n. 1 do D.L. 433/82. Alm do mais no uma sano

    proferida com publicidade e dela no decorrem expressamente efeitos condenatrios para

    futuro, apenas tendo, em termos inequvocos, um efeito negativo: afasta a possibilidade de os

    mesmos factos voltarem a ser apreciados como contra-ordenao.

    Por sua vez COSTA PINTO50 entende a este propsito que O art. 51. da lei geral das contra-

    ordenaes modela o regime que agora contempla em torno de dois pressupostos (reduzida

    gravidade da infraco e da culpa do agente), uma formalidade ( proferida por escrito) e um

    efeito negativo: quando proferida a admoestao impede que o facto que a motiva volte a ser

    apreciado como contra-ordenao. Estes so os (...) contornos da admoestao no ilcito de

    mera ordenao social, nada mais se acrescentando expressamente na lei.

    Esclarea-se ainda que em sede de processo penal, quando inteno do Tribunal aplicar uma

    admoestao ao arguido, o Juiz previamente pergunta ao arguido se prescinde, ou no, de

    interpor recurso da aplicao da admoestao, caso responda afirmativamente punido com

    admoestao (oral, como j vimos) e no poder interpor recurso da mesma. Em contraponto,

    como tambm j abordado, em sede de procedimento contra-ordenacional no qual a

    Autoridade Administrativa aplique a sano de admoestao ao arguido este pode impugn-la

    judicialmente.

    49 MENDES, Antnio de Oliveira e CABRAL, Jos dos Santos, op. cit., 173 p.50 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa, op. cit., 267 p.

  • 39

    12. Concurso de contra-ordenaes

    Corroborando o entendimento de FERREIRA ANTUNES51, de acordo com o previsto no

    artigo 19. do RGCO: Para que se verifique a aplicao de uma coima nica necessrio (...)

    que:

    - o acoimado tenha praticado vrias contra-ordenaes; e

    - que se encontrem numa relao de concurso.

    Verificada a existncia de uma relao de concurso de contra-ordenaes, determina-se o

    quantum da coima unitria, do seguinte modo:

    - o limite mximo -nos dado pela soma das coimas concretas aplicadas;

    - o limite mnimo no pode ser inferior coima concreta parcelar mais elevada aplicada;

    - e no pode exceder o dobro do limite mximo mais elevado das contra-ordenaes

    em concurso.

    Atente-se que na determinao, primeiro das coimas parcelares, e depois da coima nica com

    base na moldura contra-ordenacional encontrada por aplicao do artigo 19. do RGCO, deve

    ter-se em conta os critrios analisados no ponto 10.2. do presente captulo.

    Conforme defende PINTO DE ALBUQUERQUE52, a norma ora em anlise (...) at mais

    do que a regra gmea do direito penal, pois o cmulo das coimas no pode exceder o dobro do

    limite mximo mais elevado das contra-ordenaes em concurso".

    Por outro lado, entendimento deste autor, por ns corroborado, que relativamente ao

    conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenaes, no h concurso entre contra-

    ordenaes que tenham sido cometidas antes do trnsito em julgado da sentena de qualquer

    uma delas e contra-ordenaes que tenham sido aplicadas por deciso definitiva anterior53 54.

    13. Contra-ordenao continuada

    H que recorrer, por aplicao subsidiria, s disposies do CP para aferirmos se estamos, ou

    no, perante uma contra-ordenao continuada (elementos do crime continuado).

    51 ANTUNES, Manuel Ferreira, op. cit., 132 p.52 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 89 p.53 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 90 p.54 Diz-se definitiva a deciso proferida pela autoridade administrativa que, pelo decurso do prazo para o efeito, j no permite impugnao judicial para o tribunal competente. Diz-se transitada em julgado a sentena do Tribunal de 1. Instncia, que pelo decurso do prazo ou por que o recurso no legalmente possvel, j no permite recurso para o Tribunal da Relao (Vid 1. parte do n. 1, do artigo 79. do RGCO).

  • 40

    Alguns autores, como SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA55 tm entendido que ser de

    transpor para o domnio do direito de mera ordenao social, pela via subsidiria, a figura do

    crime continuado. Assim, e apesar de no expressamente consagrada no RGCO, a contra-

    ordenao pode ser continuada se consistir na () realizao plrima do mesmo tipo de

    infraco () ou de vrios tipos de contra-ordenao que fundamentalmente protejam o

    mesmo bem jurdico, executada por forma essencialmente homognea e no quadro da ()

    persistncia de uma situao exterior que facilita a execuo e que diminui

    consideravelmente a culpa do agente. Aplicando subsidiariamente ao RGCO o n. 1, do

    artigo 79. do CP, a contra-ordenao continuada punvel com a coima aplicvel conduta

    mais grave que integra a continuao.

    Neste sentido, SRGIO PASSOS56, preconiza que A contra-ordenao continuada d-se

    quando, por vrias aces levadas a cabo por um mesmo agente, que repete o preenchimento

    do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurdico, e que, usando de um

    tipo de actuao que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo

    exterior que propicia a repetio, diminui consideravelmente a sua culpa.

    Tambm nesta linha de pensamento, entende FERREIRA ANTUNES57 que (...) a repetio

    (retius, a realizao plrima) do ilcito contra-ordenacional constitui uma s e nica contra-

    ordenao na forma continuada, quando se trate de:

    - uma repetio do mesmo tipo contra-ordenacional ou

    - de vrios tipos contra-ordenacionais que fundamentalmente:

    - protejam o mesmo bem jurdico,

    - seja executada de maneira essencialmente homognea,

    - no quadro de solicitao de

    - uma mesma situao exterior,

    - que diminua consideravelmente a culpa do agente.

    55 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 204 p.56 PASSOS, Srgio, op. cit., 143 p.57 ANTUNES, Manuel Ferreira, op. cit., 133 p.

  • 41

    O conceito de ilcito continuado tem subjacente a ideia de que o agente tenha formulado uma

    nica resoluo delituosa.

    Por outro lado, pressupe que o agente tenha actuado num quadro de uma mesma situao

    factual, que lhe facilitou (solicitou) a repetio da actuao delituosa.

    essa facilitao derivada de uma mesma situao exterior, que provoca a tentao e permite

    ao agente, de novo, repetir o ilcito, e, porque o facilita e o tenta, pode eventualmente

    diminuir a sua culpa, de forma considervel.

    Alm dessa facilitao propiciada pela mesma situao exterior, necessrio para que exista

    uma contra-ordenao na forma continuada, que se trate de contra-ordenaes que:

    - fundamentalmente protejam o mesmo bem jurdico; e que

    - seja executada por forma essencialmente homognea.

    Por fim, apraz-nos salientar que nesta matria assume especial relevncia a distino entre

    contra-ordenao instantnea e contra-ordenao permanente ou duradoura, nomeadamente

    quanto forma de consumao. Na primeira a consumao imediata, j na segunda a

    consumao prolonga-se no tempo58.

    14. Sanes acessrias

    Conforme entende LEONES DANTAS59, opinio que merece a nossa concordncia, Ao lado

    da coima como sano principal o Direito das Contra-ordenaes consagra, igualmente, um

    conjunto de sanes acessrias que podem desempenhar um papel importante na realizao

    dos objectivos subjacentes a este ramo de Direito e que, em certas situaes, podem ter uma

    eficcia interventiva mais intensa do que a prpria coima.

    Como sanes acessrias elas tero necessariamente que ser aferidas ao facto ilcito cometido,

    culpa manifestada pelo agente e s exigncias de preveno que se verifiquem no caso

    concreto, no se configurando como efeitos da condenao da coima, do que resulta que no

    so de aplicao automtica.

    58 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 31 p.59 DANTAS, Antnio Leones - Direito das Contra-Ordenaes Questes Gerais. 2. ed. Braga: AEDUM, 2011. 92 p.

  • 42

    A sua aplicao dever (...) atender-se dimenso da ilicitude do facto, culpa manifestada e

    situao econmica do agente.

    Tal como LEONES DANTAS, a doutrina portuguesa em geral defende que para alm da

    gravidade da infraco e da culpa do agente, conforme previsto no n. 1, do artigo 21. do

    RGCO, a autoridade administrativa dever ter em conta tambm a situao econmica do

    infractor, conquanto a aplicao e durao das sanes acessrias trazem frequentemente

    implicaes graves e importantes para a actividade profissional dos infractores, da qual

    muitas vezes depende a subsistncia econmica dos prprios e do seu agregado familiar, bem

    como a solvncia das empresas.

    Pode, assim, a autoridade administrativa aplicar ao arguido60, as sanes acessrias elencadas

    no n. 1, do artigo 21. do RGCO, das quais destacamos, atenta a temtica de fundo desta

    nossa dissertao - as contravenes laborais - as previstas nas alneas a), b) e e),

    concretamente:

    - Perda de objectos pertencentes ao agente;

    - Interdio do exerccio de profisses ou actividades cujo exerccio dependa de ttulo

    pblico ou de autorizao ou homologao de autoridade pblica;

    - Privao do direito de participar em arremataes ou concursos pblicos que tenham

    por objecto a empreitada ou a concesso de obras pblicas, o fornecimento de bens e

    servios, a concesso de servios pblicos e a atribuio de licenas ou alvars.

    Saliente-se que, o RGCO no n. 2 do artigo 21. do RGCO prev durao limitada a dois anos

    para todas as sanes acessrias previstas, excepto, como bvio, para a perda de objectos

    pertencentes ao agente, alm de definir, no artigo 21.-A, os pressupostos da aplicao de

    cada uma das sanes, os quais exigem normalmente uma relao directa entre a sano

    acessria e a infraco e entre estas e a funo ou actividade exercida.

    60

    Quando as sanes acessrias estiverem expressamente previstas no diploma sancionador. Devendo ser salvaguardados pela autoridade administrativa os pressupostos da aplicao de cada uma das sanes, definidos no artigo 21.-A do RGCO, os quais exigem normalmente uma relao directa entre a sano acessria e a infraco e entre estas e a funo ou actividade exercida pelo infractor. Pelo que, na aplicao das sanes acessrias a autoridade administrativa deve respeitar o princpio da proporcionalidade das penas.

  • 43

    15. Prescrio

    Podemos definir prescrio como sendo a extino de um direito em virtude do decurso de

    certo perodo de tempo, havendo prescrio no mbito contra-ordenacional quando a

    autoridade administrativa no tiver exercido o direito de perseguir contra-ordenacionalmente

    o agente que pratique uma contra-ordenao, ou o de executar a coima e sanes acessrias

    que eventualmente lhe tenham sido aplicadas.

    A previso de prazos de prescrio diversos nas vrias reas de actuao administrativa

    coloca problemas de integrao face lei geral contra-ordenacional, verificando-se uma

    tendncia para a sua dilatao.

    Apesar da previso do regime geral da prescrio pelo RGCO, grande parte da legislao

    especial prev o prazo de prescrio aplicvel s contra-ordenaes que regem no seu mbito,

    como acontece no caso das contra-ordenaes laborais (artigo 52. e ss. da Lei n. 107/2009,

    de 14 de Setembro).

    15.1. Prescrio do procedimento contra-ordenacional

    A prescrio do procedimento contra-ordenacional, quando no se encontrem previstos prazos

    prescricionais prprios nos regimes especiais, ocorre quando hajam decorrido os seguintes

    prazos, e tendo em conta os seguintes valores da coima61:

    - Cinco anos, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja igual ou

    superior a 49.879,79;

    - Trs anos, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja igual ou superior

    a 2.493,99 e inferior a 49.879,79;

    - Um ano, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja inferior a

    2.493,99.

    61 Artigo 27. do RGCO.

  • 44

    15.1.1. Suspenso da prescrio do procedimento contra-ordenacional

    Para alm dos casos especialmente previstos na lei, de acordo com o preceituado no artigo

    27.-A do RGCO a prescrio do procedimento suspende-se, durante o tempo em que o

    procedimento:

    - No puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorizao legal;

    - Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministrio Pblico at sua

    devoluo autoridade administrativa, nos termos do artigo 40. do RGCO;

    - Estiver pendente a partir da notificao do despacho que procede ao exame

    preliminar do recurso da deciso da autoridade administrativa que aplica a coima, at

    deciso final do recurso.

    A durao destas duas ltimas causas de suspenso no pode ultrapassar seis meses62.

    Como afirmam SIMAS SANTOS e LOPES de SOUSA63, na suspenso o tempo decorrido

    antes da verificao da causa de suspenso conta para a prescrio, juntando-se, portanto, ao

    tempo decorrido aps essa causa ter desaparecido (n. 3 do art. 120. do Cdigo Penal).

    15.1.2. Interrupo da prescrio do procedimento contra-ordenacional

    Pode interromper-se a prescrio do procedimento contra-ordenacional, quando ocorra

    alguma das situaes descritas no n. 1 do artigo 28. do RGCO, designadamente com:

    - A () comunicao ao arguido dos despachos, decises ou medidas contra ele

    tomados ou com qualquer notificao;

    - A () realizao de quaisquer diligncias de prova ();

    - A () notificao ao arguido para exerccio do direito de audio ou com as

    declaraes por ele prestadas no exerccio desse direito;

    - A () deciso da autoridade administrativa que procede aplicao da coima.

    62 Artigo 27.-A, n. 2 do RGCO.63 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 261 p.

  • 45

    Salvaguarda o n. 3 deste artigo 28., que a prescrio tem sempre lugar quando, desde o seu

    incio e ressalvado o tempo de suspenso, tiver decorrido o prazo da prescrio acrescido de

    metade.

    Ao contrrio do que acontece na suspenso, conforme entendem SIMAS SANTOS e LOPES

    de SOUSA64, (...) verifica-se a interrupo quando o tempo decorrido antes da causa de

    interrupo fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se o perodo logo que desaparea a

    mesma ca