UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOArepositorio.ual.pt/bitstream/11144/1863/1/Tese Mestrado - Maria...
Embed Size (px)
Transcript of UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOArepositorio.ual.pt/bitstream/11144/1863/1/Tese Mestrado - Maria...
-
UNIVERSIDADE AUTNOMA DE LISBOA
DEPARTAMENTO DE DIREITO
AS CONTRAVENES LABORAIS NO ORDENAMENTO
JURIDICO ANGOLANO
MESTRADO EM DIREITO
VARIANTE EM CINCIAS JURDICAS
CANDIDATO: MARIA DE FTIMA DE LIMA A. BAPTISTA DA SILVA
ORIENTADOR: DOUTOR CARLOS CAMPOS LOBO
Lisboa, Fevereiro 2015
-
1
s minhas queridas filhas, Hugueth Silva e Hieda Silva,
no esquecendo o meu querido amigo e esposo Manico,
fontes da minha dedicao e inspirao.
-
2
AGRADECIMENTOS
Agradecer no uma tarefa fcil, na medida em corremos o risco do possvel esquecimento
de algum a quem deveramos ter agradecido e no o fizemos.
Perfeitamente consciente deste risco, insisto contudo em deixar registados alguns
agradecimentos:
- Ao Senhor Juiz Desembargador Doutor Carlos Campos Lobo, orientador desta dissertao,
pela permanente disponibilidade e ajuda na elaborao da mesma;
- Aos Docentes do Curso de Mestrado em Direito Variante em Cincias Jurdicas, pelo alto
nvel pedaggico demonstrado;
- Ao Departamento de Direito da Universidade Autnoma de Lisboa;
- Ao Sr. Dr. Antnio Domingos Pitra Neto, Ministro do Emprego de Angola;
- Ao Sr. Dr. Jesus Faria Maiato, Director Nacional no MAPESS;
- Ao Sr. Dr. Augusto Pombal, Inspector-Geral do Trabalho;
- Sra. Dra. Juza Mariana Bessa Calei;
- Sra. Dra. Isabel Marques e Sra. Dra. Snia Afonso;
- Ao Sr. Dr. Carlos Farias e ao Sr. Dr. Jos Carlos Coelho.
-
3
RESUMO
A presente investigao tem como propsito analisar as contravenes laborais no
ordenamento jurdico angolano, designadamente a tramitao do respectivo procedimento
contravencional, desde a elaborao do auto de notcia at deciso final condenatria e
eventual impugnao judicial.
Para tal, a anlise desenvolvida apoia-se no direito contravencional angolano, comparando-o
com o direito contra-ordenacional portugus, atenta a proximidade existente entre ambos.
Era nossa inteno fazer uma anlise doutrinal mais profunda do procedimento
contravencional angolano, no entanto debatemo-nos com a dificuldade na obteno de
bibliografia angolana a este respeito que suportasse a nossa investigao, pelo que optmos
por dissecar a legislao existente, confrontando-o com a sua aplicabilidade aos casos
concretos.
Concluindo, esperamos que o presente trabalho possa no s vir a contribuir para uma cabal
compreenso e enquadramento dos diplomas legais angolanos que tm por objecto esta
matria, como tambm humildemente contribuir para o preenchimento de algumas lacunas,
nomeadamente de ordem processual, existentes no procedimento contravencional angolano.
Palavras-chave: contra-ordenao, contraveno laboral, sanes e procedimento.
-
4
ABSTRACT
This research aims to analyze the job misdemeanours in the Angolans legal system, including
the transfer of its misdemeanour procedure since the drafting of the police report until final
conviction decision and eventual judicial review.
Therefore the analysis relies on misdemeanour Angolan law comparing it with the contra-
ordenacional Portuguese law, given the nearness existing between them.
We intended to put together a deeper doctrinal analysis of the Angolans contravention
procedure, however we find ourselves with the difficulty in obtaining Angolan literature
regarding this issues to support our research, so we chose to scrutinize the existing legislation
and compare it with its applicability to concrete cases.
In conclusion, we hope the present work shall contribute to both a broader understanding and
structure of Angolans lawful documentation concerning this subject matter, as well as
modestly contribut to filling some gaps, namely of a procedural nature, existing in Angolans
contravention procedure.
Key words: contra-ordenao, job misdemeanors, sanctions e procedure.
-
5
NDICE
Introduo 11CAPTULO I - O Direito de mera ordenao social no ordenamento jurdico portugus 131. Resenha histrica 132. Caracterizao 163. O ilcito de mera ordenao social e o ilcito criminal 17CAPTULO II - O Regime Geral das Contra-Ordenaes 191. Definio de contra-ordenao 192. Elementos da contra-ordenao 193. Princpios da legalidade, da tipicidade e da no retroactividade da lei contra-ordenacional 21
3.1. Princpio da legalidade 213.2. Princpio da tipicidade 223.3. Princpio da no retroactividade 22
4. Responsabilidade contra-ordenacional 244.1. Responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas 24
5. Direito de aplicao subsidiria 266. A culpa - dolo e negligncia 27
6.1. Princpio da responsabilidade e da culpa 276.2. Dolo 286.3. Negligncia 29
7. Inimputabilidade 297.1. Inimputabilidade em razo da idade 297.2. Inimputabilidade em razo de anomalia psquica 30
8. A tentativa 319. A comparticipao 3310. Coima 35
10.1. Montante da coima 3510.2. Determinao da medida da coima 3510.3. Fins da coima 36
11. Admoestao 3712. Concurso de contra-ordenaes 3913. Contra-ordenao continuada 3914. Sanes acessrias 4115. Prescrio 43
15.1. Prescrio do procedimento contra-ordenacional 4315.1.1. Suspenso da prescrio do procedimento contra-ordenacional 4415.1.2. Interrupo da prescrio do procedimento contra-ordenacional 44
15.2. Prescrio da coima e das sanes acessrias 4515.2.1. Suspenso da prescrio da coima e das sanes acessrias 4515.2.2. Interrupo da prescrio da coima e das sanes acessrias 45
16. Concurso entre crime e contra-ordenao 4617. Tramitao do processo contra-ordenacional 46
-
6
17.1. Princpio da oficialidade ou obrigatoriedade (fase administrativa do procedimento) 46
17.1.1 Interveno das autoridades policiais 4817.2. Medidas cautelares 4817.3 Identificao do infractor pelas autoridades administrativas e policiais 4817.4. Auto de notcia 49
17.4.1. Elementos do auto de notcia 5017.5. Denncia 5117.6. Notificao de acusao 52
17.6.1. Princpios da imparcialidade e da objectividade 5317.6.2. Direito de audio e defesa do arguido 5317.6.3. Direito assistncia de um defensor 56
17.7. Pagamento voluntrio da coima 5617.8 Deciso condenatria da autoridade administrativa 57
17.9. Impugnao judicial da deciso condenatria da autoridade administrativa (Fase judicial do procedimento) 58
17.9.1. Princpio da garantia de defesa perante os tribunais 5917.9.2. Garantia de acesso ao direito e aos tribunais 5917.9.3. Forma e prazo da impugnao judicial 5917.9.4. Apreciao do recurso pelo Tribunal 6017.9.5. Participao da autoridade administrativa nesta fase 6017.9.6. Recurso para Tribunal superior 61
18. Execuo da coima 6119. Substituio da coima por prestao de trabalho a favor da comunidade 62CAPTULO III - As contra-ordenaes laborais no ordenamento jurdico portugus 641. O regime substantivo 64
1.1. Contra-ordenao laboral 641.2. Tipos de contra-ordenaes laborais 651.3. Os sujeitos da contra-ordenao laboral 671.4. A culpa: dolo e negligncia 67
1.4.1. Presunes de negligncia e de dolo 681.4.1.1. Da negligncia 681.4.1.2. Do dolo 68
1.5. Graduao das infraces laborais e os valores das coimas 691.6. A reincidncia 711.7. Pluralidade de contra-ordenaes 721.8. O concurso de contra-ordenaes 731.9. A determinao da medida da coima 731.10. Admoestao e a dispensa de coima 741.11. Pagamento e destino das coimas 751.12. As sanes acessrias 77
2. O regime adjectivo 782.1. Competncia para o procedimento e para a aplicao de coimas 78
2.1.1. A Autoridade para as Condies do Trabalho 79
-
7
2.2. Auto de notcia 802.3. Participao 812.4. Elementos do auto de notcia e da participao 832.5. Auto de advertncia 842.6. Direito de audio e defesa do arguido 852.7. Instruo do procedimento contra-ordenacional 862.8. Processo especial 882.9. Da deciso condenatria 882.10. Da impugnao judicial da deciso condenatria proferida pela ACT 902.11. Do recurso da sentena do Tribunal de 1. Instncia 952.12. Prescrio do procedimento 962.13 Prescrio da coima 972.14. Prescrio das sanes acessrias 97
CAPTULO IV - As contravenes laborais no ordenamento jurdico angolano 981. Terminologia: contraveno e contra-ordenao 982. Enquadramento legal 993. A Lei Geral do Trabalho 994. O Regime das multas por contraveno ao disposto na LGT e legislao complementar 100
4.1. mbito 1004.2. Definio de contraveno 1014.3. Prescrio das contravenes 1014.4. Tipos de contravenes laborais 1014.5. Graduao das multas 104
5. Lei n. 23/91, de 15 de Junho (Lei da Greve) 1046. Lei n. 7/04, de 15 de Outubro (Lei de Bases da Proteco Social) 1057. Decreto n. 38/08, de 19 de Junho (Regime jurdico de vinculao e de contribuio da Proteco Social Obrigatria) 1058. Inspeco-geral do Trabalho 107
8.1. mbito de actuao e atribuies da IGT 1098.2. Aces pedaggicas 1098.3 Aces coercivas 1108.4. Medidas de execuo imediata 1108.5. Poderes dos inspectores do trabalho 111
9. O processo de contraveno laboral 1129.1. O auto de notcia 1129.2. Comunicao do auto de notcia ao infractor 1139.3. Reclamao do infractor 1159.4. Graduao das multas 116
10. Competncia dos Tribunais em matria laboral 11711. A realidade do procedimento contravencional angolano 117CAPTULO V - Outros regimes contravencionais especiais 1201. Lei n. 12/11, de 16 de Fevereiro (Lei das Transgresses Administrativas) 1202. Lei n. 1/07, de 14 de Maio (Lei do Exerccio das Actividades Comerciais e Servios) 1233. Lei n. 13/05, de 30 de Setembro (Lei das Instituies Financeiras) 126
-
8
4. Decreto-Lei n. 5/06, de 4 de Outubro (Cdigo Aduaneiro) 1325. Diploma Legislativo n. 3868, de 30 de Dezembro de 1968 (Cdigo Geral Tributrio) 1386. Decreto-Lei n. 5/08, de 29 de Setembro (Cdigo da Estrada) 1417. Lei n. 27/12, de 28 de Agosto (Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas) 1448. Legislao da indstria petrolfera 145
8.1. Decreto n. 37/00, de 6 de Outubro (Regime das actividades de transformao, armazenagem, distribuio, transporte e comercializao de produtos petrolferos) 1458.2. Lei n. 10/04, de 12 de Novembro (Lei das Actividades Petrolferas) 1468.3. Lei n. 13/04, de 24 de Dezembro (Lei Sobre a Tributao das Actividades Petrolferas) 1478.4. Decreto n. 1/09, de 27 de Janeiro (Regulamento das Operaes Petrolferas) 1478.5. Decreto-Lei n. 17/09, de 26 de Junho (Lei do Recrutamento de Pessoal para a Execuo das Operaes Petrolferas) 148
CAPTULO VI - Contributo para a melhoria do procedimento contravencional angolano 1491. De ordem substantiva 1492. De ordem adjectiva 1533. O ordenamento jurdico (contra-ordenacional) portugus como modelo 161CAPTULO VII - Concluses 1631. Do ordenamento jurdico portugus 1632. Do ordenamento jurdico angolano 166Bibliografia 170
-
9
Lista de Abreviaturas
I. Portuguesas
ACT: Autoridade para as Condies do Trabalho
CC: Cdigo Civil
CP: Cdigo Penal
CPA: Cdigo do Procedimento Administrativo
CPP: Cdigo de Processo Penal
CRP: Constituio da Repblica Portuguesa
CT: Cdigo do Trabalho, Lei n. 7/2009, de 12 de Fevereiro, com as alteraes introduzidas
pelas Leis n.s 105/2009, de 14 de Setembro, 53/2011, de 14 de Outubro, 23/2012, de 25 de
Junho, 47/2012, de 29 de Agosto, 69/2013, de 30 de Agosto, 27/2014, de 8 de Maio, e
55/2014, de 25 de Agosto
DMOS: Direito de Mera Ordenao Social
RGCO: Regime Geral das Contra-Ordenaes, Decreto-Lei n. 433/82 de 27 de Outubro, com
as alteraes introduzidas pelos Decretos-Lei n.s. 356/89 de 17 de Outubro, 244/95 de 14 de
Setembro, 323/2001, de 17 de Dezembro e pela Lei n. 109/2001 de 24 de Dezembro
RPCOLSS: Regime Processual das Contra-Ordenaes Laborais e de Segurana Social, Lei
n. 107/2009, de 14 de Setembro
STJ: Supremo Tribunal de Justia
II. Angolanas
AMN: Autoridade Martima Nacional
AP: Autoridade Porturia
CA: Cdigo Aduaneiro, Decreto-Lei n. 5/06, de 4 de Outubro
CGT: Cdigo Geral Tributrio, Diploma Legislativo n. 3868, de 30 de Dezembro de 1968
CE: Cdigo da Estrada, Decreto-Lei n. 5/08, de 29 de Setembro
CPPA: Cdigo de Processo Penal Angolano
CRA: Constituio da Repblica de Angola
IGT: Inspeco-Geral do Trabalho
LAP: Lei das Actividades Petrolferas, Lei n. 10/04, de 12 de Novembro
LBPS: Lei de Bases da Proteco Social, Lei n. 7/04, de 15 de Outubro
-
10
LEACS: Lei do Exerccio das Actividades Comerciais e Servios, Lei n. 1/07, de 14 de Maio
LG: Lei da Greve, Lei n. 23/91, de 15 de Junho
LGT: Lei Geral do Trabalho, Lei n. 2/00, de 11 de Fevereiro
LIF: Lei das Instituies Financeiras, Lei n. 13/05, de 30 de Setembro
LMMPAC: Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas, Lei n. 27/12, de 28 de
Agosto
LRPEOP: Lei do Recrutamento de Pessoal para a Execuo das Operaes Petrolferas,
Decreto-Lei n. 17/09, de 26 de Junho.
LTA: Lei das Transgresses Administrativas, Lei n. 12/11, de 16 de Fevereiro
LTAP: Lei sobre a Tributao das Actividades Petrolferas, Lei n. 13/04, de 24 de Dezembro
Kz: Kwanza Angolano
MAPESS: Ministrio da Administrao Pblica, Emprego e Segurana Social
RATADTCPP: Regime das Actividades de Transformao, Armazenagem, Distribuio,
Transporte e Comercializao de Produtos Petrolferos, Decreto n. 37/00, de 6 de Outubro
RIGT: Regulamento da IGT, Decreto n. 9/95, de 21 de Abril
RJVCPSO: Regime Jurdico da Vinculao e de Contribuio da Proteco Social
Obrigatria, Decreto n. 38/08, de 19 de Junho
RMCLGT: Regime de Multas por Contraveno ao disposto na LGT e legislao
complementar, Decreto n. 11/03, de 11 de Maro
ROP: Regulamento das Operaes Petrolferas, Decreto n. 1/09, de 27 de Janeiro
RPCA: Regulamento do Processo Contencioso Administrativo, Decreto-Lei n. 4-A/96, de 5
de Abril
UCF: Unidade de Correco Fiscal
USD: Dlar Estados Unidos da Amrica
-
11
INTRODUO
Esta dissertao decorreu do nosso conhecimento sobre a manifesta dificuldade dos Tribunais
Laborais Angolanos em dirimirem ilcitos de mera ordenao social de cariz laboral, face s
diversas vicissitudes de ordem processual e substantiva com que se deparam.
Assim, faremos uma comparao entre os regimes substantivos e adjectivos das
contravenes laborais no ordenamento jurdico angolano e das contra-ordenaes laborais no
ordenamento jurdico portugus.
Almejando encontrarmos solues tcnico-jurdicas que possam preencher e agilizar o
procedimento contravencional laboral angolano, quer na fase administrativa, atribuda
Inspeco Geral do Trabalho (IGT), quer essencialmente na fase judicial, quer ainda ao nvel
da eventual impugnao judicial da deciso proferida pela IGT, bem como no que concerne
execuo das multas no liquidadas pelos arguidos.
Na busca de tal desiderato, comearemos por abordar o Direito de mera ordenao social no
ordenamento jurdico portugus, reportando-nos sua gnese, assim como s suas
caractersticas e evoluo legislativa de que foi alvo, destacando-se como um ramo de
direito autnomo.
Enquadraremos o D.L. n. 433/82, de 27 de Outubro, revisto e actualizado, que aprovou o
Regime Geral das Contra-Ordenaes, considerada a lei de referncia do direito contra-
ordenacional portugus, partindo seguidamente para a compreenso dos regimes substantivos
e adjectivo do procedimento contra-ordenacional laboral portugus, pois s deste modo
poderemos interlig-los com o direito contravencional angolano, nomeadamente com as
normas de direito adjectivo.
Abordaremos seguidamente as competncias e a actividade da Autoridade para as Condies
do Trabalho, da Inspeco-Geral do Trabalho Angolana e da Sala do Trabalho do Tribunal
Provincial.
Procederemos anlise de diplomas especiais contravencionais angolanos, com o objectivo
de melhor enquadrarmos o procedimento contravencional laboral.
-
12
Teceremos consideraes que constituiro propostas para a melhoria substancial e processual
da tramitao do procedimento contravencional laboral angolano, incluindo a execuo quer
do valor das coimas aplicadas mas no liquidadas pelos arguidos, quer das sanes acessrias
no cumpridas pelos mesmos, nas fases administrativa e judicial do procedimento.
Por fim, enumeraremos as principais concluses resultantes desta dissertao.
-
13
Captulo I O Direito de mera ordenao social no ordenamento jurdico portugus
1. Resenha histrica
O Direito de mera ordenao social (DMOS) teve a sua origem na Alemanha do ps-II
Grande Guerra mundial, com o propsito de descriminalizar condutas de menor desvalor
tico-social.
Em Portugal, designadamente no ano de 1979, foi aprovado o Decreto-Lei n. 232/79, de 24
de Julho, que aprovou o novo Regime Geral das Contra-Ordenaes (RGCO), prevendo um
regime em tudo semelhante ao da Repblica Federal Alem, de 1968, que contemplava um
conceito legal de contra-ordenao e um conjunto de regras substantivas e processuais para a
aplicao de coimas prtica de contra-ordenaes.
O Decreto-Lei n. 232/79, de 24 de Julho, refere-se, no prembulo, aos factores que levaram
sua criao: A superao definitiva do modelo do Estado liberal, por um lado, e o conhecido
movimento de descriminalizao, por outro. O movimento de descriminalizao liga-se ao
fenmeno de hipertrofia do direito criminal face a uma inflao de incriminaes.
Tal descriminalizao caracterizou-se, por um lado, por uma passagem para a alada
administrativa de condutas ilcitas consideradas menores, atravs da criao de um sistema
punitivo conciliador dos princpios de eficcia e de respeito das garantias individuais,
reservando ao poder judicial a punio dos ilcitos merecedores de maior reprovao, e, por
outro, numa repenalizao de outras condutas que foram adquirindo maior relevncia
social, especialmente face ao fenmeno da globalizao, em reas como a proteco do meio
ambiente ou a economia.
A criao de um ordenamento sancionatrio novo e distinto do Direito Penal visou, segundo o
legislador de 1979, libertar o Direito Penal do (...) nmero inflacionrio e incontrolvel de
infraces destinadas a assegurar a eficcia dos comandos normativos da Administrao, cuja
desobedincia se no reveste da ressonncia moral caracterstica do direito penal, reservando
a sua interveno para a tutela dos valores tico-sociais fundamentais e salvaguardar a sua
plena disponibilidade para retribuir e prevenir com eficcia a onda crescente de criminalidade,
nomeadamente, da criminalidade violenta.
-
14
Na generalidade dos pases europeus, o fenmeno de proliferao da legislao penal especial
resultante do crescente intervencionismo estadual conduziu a uma hipertrofia do Direito
Penal e incapacidade dos tribunais para julgar com eficincia e rapidez todos os delitos,
face sobrecarga de trabalho que sobre eles passou a recair.
Ou seja, conforme defende COSTA PINTO1, A afirmao do Direito de Mera Ordenao
Social em diversos Estados da Europa, em especial no perodo subsequente 2. Guerra
Mundial, constituiu um indcio da superao de um modelo liberal do Estado ao dot-lo de
um importante instrumento de interveno jurdica em diversas reas da vida social e
econmica. (...) a opo confirmou tambm, no plano poltico-criminal, uma importante
premissa do pensamento penal de matriz liberal: a vocao subsidiria da tutela penal em
relao a outros mecanismos de proteco jurdica e, portanto, o princpio da interveno
mnima do Direito Penal.
O recurso s solues facultadas pelo Direito de Mera Ordenao Social revelou-se uma
alternativa idnea criminalizao de condutas e permitiu uma seleco mais racional do
mbito da interveno do Direito Penal. Por outro lado, e uma vez mais dando cumprimento
ao propsito liberal da subsidariedade da interveno penal, a articulao entre o Direito
Penal e o Direito de Mera Ordenao Social criou condies para uma descriminalizao
prudente, sem o perigo de surgirem abruptamente vazios na tutela jurdica.
Para alm disso, a incerteza sobre a capacidade das autoridades administrativas (que ficaram
em mos com uma nova competncia) para processar e decidir os procedimentos contra-
ordenacionais desencadeou uma significativa reaco jurisprudencial e legislativa.
Neste sentido, advoga LOBO MOUTINHO2, que ao contrrio do que muitas vezes se supe,
na legislao, como na doutrina que a inspirou, a eficincia no processamento das infraces
em questo no desempenhou papel de relevo na consagrao do novo regime. No havia
qualquer previso de que esse processamento fosse mais eficiente levado a cabo pela
Administrao Pblica, cuja impreparao para receber as competncias subtradas aos
1 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa - O ilcito de mera ordenao social e a eroso do princpio da subsidariedade da interveno penal. Revista Portuguesa de Cincia Criminal (1997), pp. 7-100. Coimbra: Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Direito Penal e Econmico Europeu: textos doutrinrios. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, I Vol., p. 213.2 MOUTINHO, Jos Lobo - Direito das Contra-Ordenaes, 1. ed. Lisboa: Ensinar e Investigar, Universidade Catlica Editora, 2008. 23 p.
-
15
tribunais determinou mesmo uma hesitao de mais de 3 anos no movimento da sua efectiva
entrada em vigor. Quando muito, as razes de ordem prtica ter-se-o limitado ao alvio dos
tribunais penais.
Realce-se que foi suscitada a constitucionalidade do diploma por omisso, uma vez que a
Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) no comportava qualquer meno ao regime das
contra-ordenaes e ainda por falta de autorizao legislativa do decreto-lei.
Com efeito, o diploma de 1979 foi revogado pelo Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro.
A reviso da CRP de 1982 j previa uma meno ao regime das contra-ordenaes, mas a
nova verso da CRP no se encontrava ainda em vigor na data da publicao do diploma de
1982.
O novo diploma repetiu o anterior, apresentando uma novidade no que concerne
regulamentao do concurso de crimes e contra-ordenaes. Como salvaguarda dos efeitos
nocivos que poderiam advir da transformao automtica e repentina das transgresses em
contra-ordenaes, o novo diploma manteve as transgresses em vigor.
Este novo diploma foi alvo de reviso por quatro vezes, uma em 1989, outra em 1995 e duas
em 2001.
O Decreto-Lei n. 356/89, de 19 de Outubro, agravou o elenco das sanes acessrias e
aumentou o prazo de recurso da deciso administrativa condenatria, com o intuito de manter
o carcter de lei-quadro do RGCO e no o carcter de lei exemplificativa, conforme se
extrai do estudo preparatrio do mencionado decreto-lei.
O Decreto-Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, procedeu a uma reforma global do RGCO.
Alis, como defende LOBO MOUTINHO3 a profunda reforma do RGCO operada pelo
Decreto-Lei n. 244/95, de 14 de Setembro, visou salvaguardar a (...) garantia do cidado
perante o poder sancionatrio da administrao, mediante uma maior aproximao s regras
do direito e processo penal que, desde o incio, constituem direito subsidirio daquele.
3 MOUTINHO, Jos Lobo, op. cit., 25 p.
-
16
O Decreto-Lei n. 323/2001, de 17 de Dezembro, limitou-se a proceder converso dos
valores em escudos para euros.
A Lei n. 109/2001, de 24 de Dezembro, procedeu a alteraes ao regime da prescrio do
procedimento contra-ordenacional.
Autonomamente tm surgido mltiplos regimes especiais de contra-ordenaes, como as
previstas no Cdigo do Trabalho e tramitadas ao abrigo do regime processual, aplicvel s
contra-ordenaes laborais e de segurana social, aprovado pela Lei n. 107/2009, de 14 de
Setembro, que tambm sero objecto de estudo na nossa dissertao.
unanimemente reconhecido, que o DMOS encontra-se disperso na legislao portuguesa,
uma vez que o RGCO no sistematizou um regime geral aplicvel a todas as contra-
ordenaes, as quais revestem os mais variados tipos, verificando-se, deste modo, a
necessidade da elaborao de um Cdigo do Direito de mera ordenao social, unificador
deste ramo de Direito.
2. Caracterizao
O DMOS tem acompanhado as vrias transformaes ocorridas nos planos poltico e socio-
econmico, bem como no ordenamento jurdico portugus, afirmando-se como um ramo de
direito em permanente evoluo.
O DMOS vem, assim, retirar da alada dos Tribunais a apreciao e eventual punio de
certas condutas humanas que no envolvem uma especial censura tica, contribuindo, desta
forma, para o descongestionamento dos Tribunais e, consequentemente, para a celeridade da
tramitao dos processos que neles correm os devidos trmites.
Revela-se importante para a temtica em estudo, a preocupao do legislador em determinar
que os ilcitos de mera ordenao social e respectivo processo, se encontrem
constitucionalmente consagrados como sendo matria da exclusiva competncia da
Assembleia da Repblica, salvo autorizao ao Governo, conforme disposto na alnea d), do
n. 1, do artigo 165. da CRP, o que sedimenta a autonomizao do DMOS em relao ao
Direito Penal.
-
17
Ou seja, conforme defende ANA LUSA PINTO4 () o direito contra-ordenacional o
conjunto de regras jurdicas que regulam as contra-ordenaes. Ao RGCO () acrescem
diversos regimes especiais, que regulam as contra-ordenaes de cada domnio de interveno
do Estado (por exemplo, o Cdigo da Estrada).
Em suma, podemos afirmar, acolhendo o entendimento de ESTEVES de OLIVEIRA5, que
no Ilcito Administrativo, se privilegiam as sanes pecunirias (coimas), a execuo
subsidiria ou sub-rogatria pela Administrao, custa do patrimnio do infractor, as
sanes impostas at ao cumprimento do dever violado - tudo em detrimento da sano
criminal tpica de privao de liberdade, a priso.
3. O ilcito de mera ordenao social e o ilcito criminal
A principal diferena entre os ilcitos de mera ordenao social e criminal, consiste no facto
de no primeiro a competncia punitiva ser da Administrao (Central, Local e Regional), e no
segundo ser dos Tribunais, excepto quando estivermos perante um concurso de crime e
contra-ordenao, em sede do qual a aplicao da coima da competncia do Tribunal.
No DMOS a principal sano de natureza pecuniria, utilizando o legislador o termo
coima, para distingui-lo do termo multa, utilizado para definir outra sano pecuniria,
prevista no Direito Penal, no qual a sano primordial a pena de priso, exclusiva deste
ramo do direito.
Pelo que, a coima, diferentemente da multa, no poder ser convertida em pena de privao
da liberdade, nem ser acompanhada, na deciso condenatria, de um cumprimento alternativo
em pena de priso.
Ainda assim, h quem defenda no existir diferena material entre o ilcito criminal e ilcito
contra-ordenacional ou de mera ordenao social, defendendo que as contra-ordenaes
constituem meras bagatelas penais, cuja autonomizao do Direito Penal no se justifica.
4 PINTO, Ana Lusa O Regime Geral das Contra-Ordenaes. 1 ed. Coimbra: Centro de Estudos e Formao Autrquica, 2006. 11 p.5
OLIVEIRA, Mrio Esteves de - Direito Administrativo. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1980. Vol. I , p. 127.
-
18
Entendimento que no partilhamos, uma vez que bem patente a autonomizao do DMOS
no espectro do ordenamento jurdico portugus.
Tanto mais que afirmar que as penas criminais so mais graves que as sanes contra-
ordenacionais tambm no completamente correcto, uma vez que estas podem infligir um
sacrifcio aos infractores maior do que o resultante da aplicao de uma pena propriamente
dita, impondo o pagamento de coimas de valor superior ao das multas penais, ou por exemplo,
impondo a sano acessria de interdio do exerccio de determinada actividade.
No entendimento de EDUARDO CORREIA6, a coima construda como uma advertncia
dirigida ao cidado que omite o cumprimento do dever de colaborar com a administrao na
realizao das tarefas que a esta incumbem, traduzindo uma censura puramente social.
A coima no se apresenta, assim, como expresso de um juzo de reprovao dirigido pela
colectividade a um dos seus membros7 que pe em causa atravs da sua conduta valores
essenciais normalidade da vida comum, mas apenas uma censura dirigida pela
Administrao a um dos membros da colectividade, fundada no incumprimento do dever de
no obstar execuo da ordem definida. Este facto articula-se com a caracterizao da
conduta subsumvel ao tipo de contra-ordenao como uma infraco desprovida de qualquer
ressonncia tica, axiologicamente neutra, no entendimento de FIGUEIREDO DIAS8, ao
contrrio do crime, o que implica que a coima, como sano especfica da contra-ordenao,
seja privada de qualquer desvalor tico, de qualquer censura com aquela natureza. Assim
sendo, a ilicitude prpria das contra-ordenaes uma ilicitude de natureza formal derivada
de uma directiva administrativa9, enquanto a ilicitude penal tem uma natureza material,
derivada da ofensa a valores pr-jurdicos e que so o fundamento da vida colectiva.
6 CORREIA, Eduardo - Direito Penal e Direito de Mera Ordenao Social. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito, 1973, Vol. XLIX, 273 p.7 Aviso ao cidado que faltou ao seu dever de colaborar na prossecuo dos interesses do Estado e como medida preventiva, desprovida de todo o carcter infamante - ANDRADE, Costa - Contributo para o conceito de contra-ordenao, Revista de Direito e Economia, Anos VI/VII, p. 114.8 DIAS, Jorge de Figueiredo - Para uma dogmtica do Direito Penal Secundrio. Direito e Justia, 1990, IV Vol., p. 26.9 Para COSTA ANDRADE enquanto no direito penal clssico a ilicitude material que serve de fundamento ilicitude formal, nas Zuwiderhandungen (no Direito Penal Alemo) a ilicitude formal da proibio normativa que serve de fundamento ilicitude material. Contributo para o conceito de contra-ordenao, Direito e Economia, Anos VI e VII, 1980/1981, p. 114.
-
19
Captulo II - O Regime Geral das Contra-Ordenaes
1. Definio de contra-ordenao
Nos termos do artigo 1. do RGCO Constituiu contra-ordenao todo o facto ilcito e
censurvel que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.
Da podermos afirmar que o facto que constitui contra-ordenao consiste numa conduta
humana, voluntria e culposa, que preenche um tipo onde legalmente esto protegidos bens
jurdicos.
Com efeito, em contraposio ao ilcito penal, as contra-ordenaes correspondem ao novo
tipo de ilicitude que o legislador optou por qualificar de mera ordenao social.
Neste sentido advogam SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA10, quando afirmam que Este
art. 1. consagra um critrio puramente formal de distino entre crimes e contra-ordenaes,
que tem a vantagem prtica de evitar, no plano da aplicao do direito, a tomada de posio
sobre a controversa questo da distino substantiva entre ilcito criminal e ilcito contra-
ordenacional.
Assim, de qualificar como contra-ordenao qualquer facto para o qual esteja prevista na lei
a aplicao de uma coima. () A coima a sano normal do direito de mera ordenao
social. () No entanto, para alm da coima, as contra-ordenaes podem ser sancionadas
com sanes acessrias previstas no art. 21..
2. Elementos da contra-ordenao
No entendimento de SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA11, so elementos da contra-
ordenao:
10 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de - Contra-ordenaes Anotaes ao Regime Geral. 6. ed. Lisboa: reas Editora, 2011. 48 p.11 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, op. cit., 52-54 pp.
-
20
- A conduta: entendida como o comportamento humano, expresso de forma voluntria e
consciente (no a conduta o acto meramente reflexo ou inconsciente), activo (isto ,
expresso de forma positiva, actuante) ou negativo (ou seja, expresso pela inactividade, a
absteno, a omisso, o no fazer), que produz um resultado (o mesmo dizer, uma alterao
no mundo exterior).
A conduta pode, como afirmam os autores, manifestar-se por aco ou omisso. Entendendo
os mesmos que com a aco viola-se a norma jurdica, fazendo o que a lei probe, e com a
omisso viola-se a norma jurdica, no fazendo o que a lei manda12.
Definindo, os referidos autores, aco como o facto positivo, a actuao, que implica que o
agente leve a cabo um ou mais movimentos corporais que conduzem produo do evento.
E omisso, como sendo a absteno de actuar, isto , o no fazer ou deixar fazer, podendo
ser simples ou prpria (a que se traduz num comportamento negativo voluntrio ou
imprudente, ainda que no conduza a um resultado material) ou omissiva ou imprpria (a que
se materializa numa absteno que produz um resultado material proibido). Com a omisso
viola-se a norma jurdica, no fazendo o que a lei manda.
Concluindo estes autores que as contra-ordenaes praticadas por meio de aco so as
contra-ordenaes comissivas, e as praticadas por omisso so as contra-ordenaes
omissivas .
- A tipicidade: entendida pelos mesmos autores como a adequao da conduta ao tipo, ou
seja, o enquadramento de um comportamento real hiptese legal, preenchendo-se tal
requisito quando a conduta de algum encaixa exactamente na abstraco plasmada na lei.
Definindo tipo como sendo a descrio legal de uma contra-ordenao, ou seja, o molde
concebido pelo legislador e que nos oferece os modelos ou padres do comportamento
humano tido em cada momento histrico como merecedores de censura, na medida em que
violam valores essenciais da comunidade. O tipo ser, pois, o desenho da contra-ordenao,
ou melhor, a indicao dos elementos que constituem determinado ilcito contra-ordenacional
e que devem ser preenchidos pela conduta do agente.
12 No entregar o modelo de IRS em tempo (contra-ordenao tributria); o condutor do veculo no vestir o colete em caso de avaria/acidente (contra-ordenao rodoviria).
-
21
- A ilicitude: definida pelos autores como a desconformidade com o direito. Referindo
que ilcita toda a conduta humana que contrria ao estabelecido na lei. A ilicitude, pois,
a antijuricidade do comportamento, ou antijurdica uma aco tpica que no justificada.
- A culpabilidade: vista pelos mesmos autores como o elemento subjectivo do delito,
consistindo na relao que se estabelece entre a vontade do agente em cometer o facto e a
conduta que o conduz a esse mesmo facto: a vontade de infringir o dever de agir ou no agir,
imposto por lei. No fundo a possibilidade de o comportamento assumido pelo agente vir a
ser-lhe censurado por lhe ter dado causa. A culpabilidade pode manifestar-se atravs do dolo
ou inteno (propsito de cometer o facto ilcito culpabilidade directa) e da negligncia
(falta de cuidado devido que leva a esse cometimento culpabilidade indirecta).
3. Princpios da legalidade, da tipicidade e da no retroactividade da lei contra-
ordenacional
O artigo 2. do RGCO dispe que S ser punido como contra-ordenao o facto descrito e
declarado passvel de coima por lei anterior ao momento da sua prtica, isto , s aquele que
previamente j se encontrar tipificado (princpio da tipicidade) na lei, consagrando, deste
modo, o princpio da no retroactividade da lei contra-ordenacional, tambm subjacente ao
artigo 3. do RGCO.
3.1. Princpio da legalidade
Resulta do princpio da legalidade que a lei incriminadora no admite interpretao extensiva,
nem as suas lacunas podem ser supridas por recurso analogia, por fora da exigncia de
clareza e determinabilidade dos vrios tipos contra-ordenacionais.
Este princpio constitui no apenas um limite, mas tambm o fundamento do exerccio do
poder administrativo, abrangendo toda a actividade administrativa e no apenas a
sancionatria.
Ou seja, o princpio da legalidade, aplicvel ao regime substantivo das contra-ordenaes ex
vi do artigo 32. do RGCO, um princpio basilar de direito penal, nos termos do qual
-
22
nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege, funcionando como um garante para os
cidados face face crescente autoridade sancionadora do Estado.
3.2. Princpio da tipicidade
Corresponde ao aspecto material do princpio da legalidade. Ou seja, s podemos considerar
um facto ilcito e punvel, quando de forma exacta, taxativa e inequvoca, esteja consagrado
na lei o tipo contra-ordenacional e as sanes aplicveis.
O princpio da tipicidade em sede do DMOS decalcado do mesmo princpio aplicado s
penas criminais, conferindo aos cidados segurana e confiana no ordenamento jurdico
vigente.
Nos termos do artigo 5. do RGCO, o facto tipificado como contra-ordenao considera-se
praticado:
- No caso de aco: () no momento em que o agente actuou ();
- No caso de omisso: no momento em que o agente () deveria ter actuado,
independentemente do momento em que o resultado tpico se tenha produzido.
3.3. Princpio da no retroactividade
Consiste na proibio de sancionar condutas anteriores lei tipificadora. Nenhum cidado
pode ser punido com base num preceito inexistente data da sua actuao, uma vez que do
mesmo no poderia ter conhecimento.
Inclusivamente este princpio encontra-se consagrado na Declarao Universal dos Direitos
do Homem, designadamente no artigo 11., n. 2, 1. parte, prevendo-se que Ningum ser
condenado por aces ou omisses que, no momento da sua prtica, no constituam acto
delituoso face do direito interno ou internacional..
Conforme o preceituado no artigo 3. do RGCO, no que diz respeito punio de determinado
facto como contra-ordenao, ter-se- que observar:
-
23
- A () lei vigente no momento da prtica do facto ();
- Se a lei vigente aquando da prtica do facto sofrer alteraes, aplicar-se- a lei mais
favorvel ao arguido () (princpio da aplicao retroactiva da lei mais favorvel),
() salvo se este j tiver sido condenado por deciso definitiva ou transitada em
julgado e j executada;
- Quando a lei for temporria, isto , a lei que destinada desde o seu incio de vigncia a
vigorar durante um determinado perodo de tempo, a cessao da vigncia da lei no
impede a sua aplicao aos factos punveis cometidos durante a sua vigncia.
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA13 distinguem vrias vertentes deste princpio:
(i) s a lei competente para definir crimes (bem como os pressupostos das medidas de
segurana) e respectivas penas (bem como as medidas de segurana) princpio da
legalidade; (ii) a lei deve especificar suficientemente os factos que constituem o tipo legal de
crime (ou que constituem os pressupostos de medida de segurana), bem como tipificar as
penas (ou as medidas de segurana) princpio da tipicidade: (iii) a lei no pode criminalizar
factos passados (nem dar lhes relevncia para efeito de medidas de segurana), nem punir
mais severamente crimes anteriormente praticados (ou aplicar medidas de segurana mais
gravosas a pressupostos anteriormente verificados) princpio da no retroactividade da lei
penal; (d) a lei despenalizadora ou que puna menos severamente determinado crime aplica-se
a factos passados (princpio da aplicao retroactiva da lei penal mais favorvel) .
Os mesmos autores entendem que estes princpios devem, na parte pertinente, valer por
analogia para os demais domnios sancionatrios, designadamente o ilcito de mera ordenao
social (...)14 .
Tambm JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS15 defendem esta extenso, afirmando que
embora o artigo 29. se refira somente lei criminal, deve considerar-se que parte destes
princpios (nomeadamente, o da proibio da aplicao retroactiva desfavorvel) se aplicam
tambm aos outros dois ramos de direito pblico sancionatrio: o direito de mera ordenao
13 CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA Vital - A Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. I Volume, p. 494.14 CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA Vital, op.cit., 498 p.15 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui - Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. 1. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. I Tomo, p. 331.
-
24
social (...). No sentido da aplicao do princpio criminal da lei mais favorvel tambm ao
ilcito contraordenacional e ao ilcito disciplinar vai o artigo 282., n. 3 da CRP.
4. Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade contra-ordenacional recai tanto nas pessoas singulares, como nas pessoas
colectivas (sociedades comerciais, associaes sem fins lucrativos), bem como nas
associaes sem personalidade jurdica, conforme o previsto no artigo 7. do RGCO.
4.1. Responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas
De acordo com o disposto no n. 2, do artigo 7. do RGCO, As pessoas colectivas ou
equiparadas sero responsveis pelas contra-ordenaes praticadas pelos seus rgos no
exerccio das suas funes.
Estipulando o n. 1, do artigo 87. do RGCO que As pessoas colectivas () so
representadas no processo por quem legal ou estatutariamente as deva representar ou, na
falta de disposio estatutria, pela administrao ou pessoa por ela designada, nos termos
do artigo 163., n. 1 do Cdigo Civil.
Com efeito, a responsabilidade criminal tal como sucede com a contra-ordenacional tanto
pode aplicar-se a pessoas singulares como a pessoas colectivas, sendo as pessoas colectivas
responsveis pelas infraces praticadas pelos seus rgos no exerccio das suas funes.
Assim sendo, no entendimento de SIMAS SANTOS e LOPES de SOUSA16, que
corroboramos, apesar de as pessoas colectivas estarem desprovidas de um organismo fsico,
entende-se que elas tm capacidade de agir por a relao entre elas e as pessoas fsicas que
constituem os seus rgos ser de verdadeira identificao e, sendo assim, agindo o rgo a
prpria pessoa que age. Consequentemente, os praticados pelos rgos das pessoas colectivas
valem como actos desta, que assim age mediante os seus rgos jurdicos, de forma
semelhante pessoa singular ao actuar e atravs dos seus rgos fsicos, pois os factos ilcitos
que pratiquem no mbito das suas funes so actos da mesma pessoa e a culpa com que
16 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, op. cit., 119 p.
-
25
tenham agido ser igualmente culpa dessa pessoa e sobre esta recair a correspondente
responsabilidade criminal, contra-ordenacional, ou civil, que ser, juridicamente, responsvel
pelos prprios actos e por culpa prpria.
Pelo que, a questo reside no facto de se saber quem so os rgos da pessoa colectiva. E
rgos aqui tem uma maior abrangncia do que os centros institucionalizados de poderes
funcionais a exercer pelo indivduo ou pelo colgio de indivduos, da que, como
entendimento unnime da jurisprudncia portuguesa17, o conceito de orgos integra os
trabalhadores ao servio da pessoa colectiva ou equiparada, desde que actuem no exerccio
das suas funes ou por causa delas, sendo nesta caso responsvel (a pessoa colectiva) do
ponto de vista contra-ordenacional.
Efectivamente, quando se fala de uma empresa o rosto da mesma so os trabalhadores por
serem quem praticam ou omitem os actos susceptveis de censura contra-ordenacional.
No obstante, apenas assim se o funcionrio da pessoa colectiva agir de acordo com
instrues da sua entidade empregadora, ou, pelo menos, num quadro de aco previamente
traado e delineado pelos rgos sociais da mesma.
De outro modo, isto , se o funcionrio agir espontaneamente, sem estar a obedecer a ordens
genricas, ou num quadro de aco previamente definido pelos rgos da sociedade, no a
esta entidade que pode imputar-se o facto, mas ao prprio agente18.
Atentemos em algumas concluses do Parecer n. 11/2003 da Procuradoria-Geral da
Repblica, publicado no Dirio da Repblica, 2. Srie, n. 178, de 16 de Setembro de 201319,
que se pronunciou no s sobre a responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas
ou equiparadas, mas tambm sobre a desnecessidade de identificao da pessoa singular que
cometeu a infraco em nome daquelas, assim: (...) 2. Atualmente pacificamente admitida
a responsabilizao criminal das pessoas colectivas em certos tipos penais. No direito das
contraordenaes, contudo, a responsabilidade das pessoas colectivas um princpio geral
que decorre do artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes, que constitui uma regra
17 Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa, de 23/10/2007, Proc. n. 6245/2007, disponvel em www.dgsi.pt e Acordo do STJ, de 15/06/1994, Proc. n. 085720, disponvel em www.stj.pt.18 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto, de 24/01/2007, proc. n. 06443899, disponvel em www.dgsi.pt.19 Disponvel em https://dre.pt/.
-
26
geral de imputao, com inmeras concretizaes em regimes especiais. (...) 4. O preceito do
nmero 2 do artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes deve ser interpretado
extensivamente, como, alis, tem sido feito pela jurisprudncia, incluindo do Tribunal
Constitucional, de modo a incluir os trabalhadores, os administradores e gerentes e os
mandatrios ou representantes da pessoa colectiva ou equiparada, desde que atuem no
exerccio das suas funes ou por causa delas. 5. A responsabilidade contraordenacional das
pessoas colectivas assenta numa imputao direta e autnoma, quer o fundamento dessa
responsabilidade se encontre num defeito estrutural da organizao empresarial (defective
corporate organization) ou culpa autnoma por dfice de organizao, quer pela imputao
a uma pessoa singular funcionalmente ligada pessoa colectiva, mas que no precisa de ser
identificada nem individualizada. (...) 7. O artigo 7. do Regime Geral das Contraordenaes
adota a responsabilidade autnoma, tal como os regimes especiais em matria laboral (artigo
551. do Cdigo do Trabalho), tributria (artigo 7. do Regime Geral das Infraces
Tributrias), econmica (artigo 3. do Decreto-Lei n. 24/84, de 20 de janeiro), de valores
mobilirios (artigo 401. do Cdigo dos Valores Mobilirios), de concorrncia (artigo 73. da
Lei da Concorrncia) e de contraordenaes ambientais (artigo 8. da Lei-Quadro das
Contraordenaes Ambientais), pelo que no necessria a identificao concreta do agente
singular que cometeu a infrao para que a mesma seja imputada pessoa coletiva.
5. Direito de aplicao subsidiria
Como refere ANA LUSA PINTO20, o Direito subsidirio aquele a que recorremos para
regular uma situao ou resolver um problema jurdico, na falta de disposies directamente
aplicveis. Quando o RGCO seja omisso relativamente a algum aspecto do regime substantivo
das contra-ordenaes e se possa concluir que tal lacuna no foi deliberada ou intencional,
aplica-se, com as necessrias adaptaes, o regime da parte geral do Cdigo Penal. Esta regra
resulta do artigo 32. do RGCO. A aplicao subsidiria do direito penal compreensvel
atendendo a que se trata, semelhana do direito das contra-ordenaes, de direito
sancionatrio de carcter punitivo. Todavia, a aplicao subsidiria da lei penal tem que
respeitar uma condio: no pode colidir com os princpios gerais do regime jurdico das
contra-ordenaes.
20 PINTO, Ana Lusa, op. cit., 27 p.
-
27
No que concerne ao regime adjectivo das contra-ordenaes consagrado no RGCO, aplicar-
se-o subsidiariamente as normas do Cdigo de Processo Penal (CPP) e demais legislao
especial avulsa reguladora do processo criminal, ex vi do preceituado no artigo 41 do RGCO.
Saliente-se que o papel subsidirio dos preceitos reguladores do processo criminal no
processo contra-ordenacional foi reforado com a reforma do RGCO de 1995.
6. A culpa - dolo e negligncia
6.1. Princpio da responsabilidade e da culpa
A exigncia de culpa como pressuposto de punio de um ilcito, seja ele penal ou contra-
ordenacional, surge como salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
Alm disso, consideramos difcil conceber conceitos de dolo ou negligncia (ou ainda de erro
ou de causas de justificao ou de excluso da culpa) seno enquanto figuras construdas a
partir do entendimento jurdico-penal tradicional de culpa, especialmente em domnios em
que a aplicao subsidiria do Direito Penal expressamente convocada (aplicando-se os
artigos 14. e 15. do Cdigo Penal (CP) ex vi artigo 32. do RGCO).
A culpa do agente e, por conseguinte, a imputabilidade da sua conduta a ttulo de dolo ou
negligncia surge como pressuposto de punibilidade no domnio do DMOS.
Alis esta exigncia est consagrada nos artigos 1. e 8. do RGCO, referindo este ltimo que
S punvel o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com
negligncia.. Isto , o legislador exige que o diploma sancionatrio preveja expressamente
que a negligncia punvel.
A culpa influi na determinao do montante da coima e na aplicao da sano acessria,
como adiante veremos (artigos 18. n. 1 e 21. do RGCO).
-
28
Refira-se que conforme observa ANA LUSA PINTO21, As regras da punio da negligncia
esto consagradas nos n.s. 3 e 4, do artigo 17. do RGCO. Destas disposies resulta que o
limite mximo da coima aplicvel s contra-ordenaes praticadas com negligncia
reduzido para metade do limite mximo aplicvel s contra-ordenaes praticadas com dolo.
6.2. Dolo
Importa caracterizar os vrios tipos de dolo, de acordo com o artigo 14. do CP ex vi do artigo
32. RGCO. O dolo, em sede de DMOS, na concepo de PINTO DE ALBUQUERQUE,
reside no conhecimento intelectual dos elementos do tipo e no desrespeito pelas proibies
ou obrigaes legais tuteladas pelas normas contra-ordenacionais22.
Para SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA23, na estrutura do dolo podemos destacar dois
elementos essenciais:
- Um elemento intelectual ou cognoscitivo traduzido no conhecimento material dos
elementos e circunstncias do tipo legal da infraco em causa, bem como do seu
sentido e significao (elementos existentes no momento em que o agente inicia a sua
conduta; elementos produzidos por essa conduta; processo causal da infraco quando
constituir elemento do tipo; e circunstncias modificativas agravantes).
O elemento intelectual do dolo resume-se, por um lado, representao ou previso
pelo agente do facto ilcito com todos os seus elementos integrantes e, por outro,
conscincia de que esse facto censurvel ( o que de forma inequvoca refere o
legislador no art. 14. do Cdigo Penal, ao falar em representao de um facto que
preenche um tipo de crime);
- Um elemento emocional ou volitivo ou seja uma especial direco da vontade, qual seja
a de realizao do facto ilcito previsto pelo agente, e que pode dar lugar a diferentes
tipos de dolo (...).
21 PINTO, Ana Lusa, op. cit., 40 p.22 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de - Comentrio do Regime Geral das Contra-Ordenaes luz da Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem. 1. ed. Lisboa: Universidade Catlica Editora, 2011. 62 p.23 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 136 p.
-
29
Assim sendo, a intensidade do dolo aferida atendendo forma como o infractor aps os
elementos intelectual e emocional na sua conduta. Estamos perante o dolo (directo) mais
intenso quando o agente teve como fim, como inteno, a realizao do facto ilcito, ou seja,
quis o resultado da sua conduta24; Quando o agente, tendo porventura outro fim diferente,
prev o facto ilcito como consequncia necessria da sua conduta25, estamos perante o dolo
(necessrio) de intensidade intermdia; Por sua vez quando o agente ao actuar, se conformou
com a possvel realizao do facto ilcito como consequncia da conduta, ou seja o agente no
quer directamente o resultado da aco, mas assume o risco de produzi-lo26, comete a
infraco com o dolo (eventual) de intensidade reduzida.
6.3. Negligncia
Nas palavras de SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA27, mesmo que se mostre excludo o
dolo, ainda ser possvel censurar o agente pelo facto, se tiverem sido omitidos os deveres de
diligncia a que se era obrigado segundo as circunstncias e os conhecimentos e capacidades
pessoais.
Com efeito, caso o agente no tenha praticado a infraco com dolo, sempre subsiste a outra
forma de culpa menos gravosa, a negligncia. Deste modo, quando o agente previu o
resultado da conduta, mas confiou em que o mesmo no teria lugar ou mostrou-se indiferente
sua produo28, agiu com negligncia (consciente) mais intensa; J quando o agente nem
sequer previu, como podia e devia, a produo do resultado da sua conduta29, actuou com
negligncia (inconsciente) menos intensa.
7. Inimputabilidade
7.1. Inimputabilidade em razo da idade
Consideram-se inimputveis em razo da idade, para efeitos de serem responsabilizados
contra-ordenacionalmente, os menores de 16 anos, bem como () quem, por fora de uma
24 Artigo 14., n. 1 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.25 Artigo 14., n. 2 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.26 Artigo 14., n. 3 do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.27 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 137 p.28 Artigo 15., alnea a) do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.29 Artigo 15., alnea b) do Cdigo Penal, ex vi do artigo 32. do RGCO.
-
30
anomalia psquica, incapaz, no momento da prtica do facto, de avaliar a ilicitude deste ou
de se determinar de acordo com essa avaliao, excluindo-se os casos em que a anomalia
seja provocada pelo prprio agente30.
Assim, no que concerne em concreto inimputabilidade em razo da idade, SIMAS SANTOS
e LOPES DE SOUSA31 entendem que O princpio da culpa pressupe a liberdade de
deciso, pois s assim se poder considerar responsvel o agente por ter praticado o facto em
vez de dominar os seus impulsos para a prtica das infraces e a capacidade para os valores.
E s quem atingiu determinada idade e no sofre de graves perturbaes psquicas possui o
mnimo de capacidade de autodeterminao que o ordenamento jurdico requer para a
responsabilidade contra-ordenacional.
Aqueles que ao tempo do facto no tm ainda 16 anos so inimputveis, o que quer dizer que
o legislador nega, de forma geral, que abaixo desta idade exista capacidade de determinao,
sem ter de se averiguar o estado de desenvolvimento individual da criana envolvida.
Enquanto para os casos de anomalia psquica foi adoptado um critrio biopsicolgico, para os
menores de 16 anos foi adoptado um critrio biolgico, com uma presuno absoluta de
inimputabilidade, no sendo preciso que, em decorrncia da menoridade, o menor seja
incapaz de entender o carcter ilcito do facto ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
7.2. Inimputabilidade em razo de anomalia psquica
Os mesmos autores32, a respeito da inimputabilidade em razo de anomalia psquica,
observam que A determinao da inimputabilidade est condicionada existncia de dois
pressupostos:
1. biolgico (anomalia psquica) indispensvel que o agente sofra de um mal psquico,
preferindo o legislador utilizar a designao ampla de anomalia psquica do que fazer uma
enumerao, sempre precria, das doenas e estados psquicos anmalos susceptveis de
fundamentar a inimputabilidade. de notar que o conceito de anomalia psquica ultrapassa os
casos de doena mental, v.g., as perturbaes de conscincia, as oligofrenias, as psicopatias,
as neuroses, as pulses, etc.;
30 Artigos 10. e 11. do RGCO31 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 150-151 pp.32 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 152 p.
-
31
2. psicolgico, ou normativo (incapacidade para avaliar a ilicitude do facto ou se determinar
de harmonia com essa avaliao) indispensvel tambm que o agente, em virtude do mal de
que padece, no possa avaliar intelectualmente o contedo normativo (portanto ilcito) dos
seus comportamentos, nem tenha liberdade para agir de modo diferente.
Tambm a propsito da inimputabilidade em razo de anomalia psquica, e na linha dos
autores que antecedem, SRGIO PASSOS33 advoga que O n. 134 define a inimputabilidade
em geral. Segundo o n. 2 a inimputabilidade pode ser reconhecia nalguns casos de
imputabilidade diminuda do agente. No n. 3 reconhece-se a doutrina da imputabilidade
diminuda. A inimputabilidade est condicionada pela verificao de dois pressupostos: o
Biolgico, resultante de anomalia psquica que o sujeito portador, e o Psicolgico, ou
Normativo, que se revela pela incapacidade do sujeito para avaliar a ilicitude do facto por si
praticado, ou se determinar de harmonia com essa avaliao, bem como ele no possa avaliar
intelectualmente o carcter ilcito dos seus comportamentos, nem possuindo a liberdade para
agir de modo diferente.
8. A tentativa
Sempre que expressamente prevista na lei, A tentativa punvel, com a coima aplicvel
contra-ordenao consumada, especialmente atenuada35.
Efectivamente, estamos perante esta figura jurdica quando o infractor praticou actos de
execuo de uma contra-ordenao sem que esta chegue a consumar-se36. Considerando-se
actos de execuo37:
- Os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de contra-ordenao;
- Os que so idneos a produzir o resultado tpico;
- Os que, segundo a experincia comum e salvo circunstncias imprevisveis, so de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espcies indicadas nos itens
anteriores.
33 PASSOS, Srgio - Contra-Ordenaes Anotaes ao Regime Geral. 1. ed. Coimbra: Almedina, 2004. 279 p.34 Do artigo 11. do RGCO.35 Artigo 13. do RGCO.36 Artigo 12., n. 1 do RGCO.37 Artigo 12., n. 2 do RGCO.
-
32
No entendimento de SRGIO PASSOS38, A tentativa punvel releva para efeitos de punio
enquanto tentativa de cometimento de uma contra-ordenao. E para tanto indispensvel que
reuna uma resoluo, ou vontade de cometimento de um ilcito, um ou mais actos de
execuo segundo a previso das alneas a), b) e c) do n. 2 do art. 12.39 -, que preencham
pelo menos um dos elementos do ilcito, e no a sua consumao, ou seja, que os actos em
causa tenham sofrido uma interrupo do processo de execuo da infraco visada.
A este respeito, SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA40 entendem que A aco dolosa vai
desde a deciso de cometer a infraco at sua consumao, passando pela preparao,
comeo de execuo, concluso da aco executiva e produo do resultado e, diferentemente
do que acontece com a preparao, a tentativa de cometimento de uma infraco j , em
princpio punvel. Para tanto indispensvel que se reunam os seguinte elementos:
- resoluo vontade de realizao de factos ilcitos;
- actos de execuo necessidade de verificao de comeo de execuo desse facto (um ou
mais actos na tentativa inacabada, todos na tentativa acabada), isto , do preenchimento de
pelo menos um dos elementos do ilcito;
- no consumao interrupo do processo executivo da infraco.
Ressalvam ainda estes autores que Os diplomas que prevem contra-ordenaes contm a
descrio apenas das infraces consumadas, pelo que, atento o princpio nulla poena sine
lege, h a necessidade de uma norma que preveja a punibilidade da tentativa.
Uma opinio doutrinal de excelncia sobre a tentativa, qual no nos podemos deixar de
referir no nosso trabalho a de CLAUS ROXIN41, quando observa que O direito vigente
encontra-se, em contrapartida, numa posio intermdia em relao s posies da teoria
subjectiva e da objectiva e que, de forma vincada, caracterizada como teoria da impresso
(1): a tentativa punvel, quando, e na medida em que apropriada para produzir na
generalidade das pessoas uma impresso abaladora; ela pe, ento, em perigo a paz jurdica
e necessita, por isso, de uma sano correspondente a esta medida.
38 PASSOS, Srgio, op. cit., 111 p.39 Do Regime Geral das Contra-Ordenaes.40 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 155-156 pp.41 ROXIN, Claus - Problemas fundamentais de Direito Penal. 2. ed. Lisboa: Edies Veja, 1993. 296-297 pp.
-
33
A teoria da impresso uma teoria subjectivo-objectiva. Com efeito, a impresso
juridicamente abaladora pode dizer respeito, tanto tendncia da vontade do autor,
comprovadamente hostil ao direito como objectiva colocao em perigo do objecto da
aco. No caso normal, os dois factores podem actuar conjuntamente; (...) No entanto, pode
falar-se de uma predominncia do elemento subjectivo, na medida em que, na tentativa
impossvel, a criao do perigo no existe, enquanto a vontade de cometimento do crime
nunca pode faltar.
9. A comparticipao
De acordo com o preceituado no artigo 16. do RGCO:
N. 1 - Se vrios agentes comparticipam no facto, qualquer deles incorre em
responsabilidade por contra-ordenao mesmo que a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto
dependam de certas qualidades ou relaes especiais do agente e estas s existam num dos
comparticipantes;
N. 2 - Cada comparticipante punido segundo a sua culpa, independentemente da punio ou
do grau de culpa dos outros comparticipantes;
N. 3 - aplicvel ao cmplice a coima fixada para o autor, especialmente atenuada..
OLIVEIRA MENDES e SANTOS CABRAL42, defendem que (...) o legislador ao
determinar a aplicao de uma atenuao especial da coima para o cmplice, o que implica a
diferenciao abstracta desta forma de comparticipao, afastou intencionalmente do regime
das contra-ordenaes o conceito unitrio de autor.
Apesar disso, certo que a referncia base do sistema comparticipativo no Direito de mera
ordenao social continua a ser a primeira preposio constante do nmero 1 (..)43, a qual
contem um amplo conceito de autoria (conceito extensivo de autor), segundo o qual a cada
um dos comparticipantes imputa-se o ilcito contra-ordenacional e no apenas a parcela
correspondente ao seu contributo ou envolvimento no facto (como acontece no conceito
42 MENDES, Antnio de Oliveira e CABRAL, Jos dos Santos - Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenaes e Coimas. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009. 56-57 pp.43 Do artigo 16. do RGCO.
-
34
restritivo de autor) pois, de acordo com a matriz dogmtica do conceito extensivo de autor,
cada um dos comparticipantes considerado autor do facto, na medida em que aquele
conceito parte da ideia de que os diversos tipos de ilcitos permitem imputar as condutas aos
vrios agentes envolvidos na sua execuo desde que estes tenham um contributo causal para
o facto, isto , qualquer contributo causal para o facto da parte de uma pluralidade de agentes
faz com que cada um deles incorra em responsabilidade por contra-ordenao (teoria da
causalidade), independentemente da maior ou menor extenso do tipo preenchido.
(...) Quanto ao nmero 2 o mesmo reproduz integralmente o texto do artigo 29., do Cdigo
Penal, o qual reflecte um dos princpios basilares do Direito penal, segundo o qual no h
pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
A atenuao especial da coima obrigatria em todas as situaes ou casos de cumplicidade,
sendo que apenas beneficia da atenuao o cmplice.
A propsito da comparticipao, observa COSTA PINTO44 que Importa notar (...) que o
regime geral das contra-ordenaes no delimita expressamente o mbito e o contedo de
cada uma das figuras da comparticipao em ilcitos contra-ordenacionais. Mas esse facto
longe de constituir uma omisso do legislador corresponde antes a uma opo dogmtica
especfica relativamente ao regime da comparticipao.
A tcnica utilizada pelo legislador portugus foi a de juntar no mesmo preceito, com uma
redaco simplificada, o conceito extensivo de autor e o amplo regime de comunicao da
ilicitude (que se apoiava tambm na doutrina da comparticipao de Eduardo CORREIA) mas
sem que cada um deles perdesse autonomia. O que alis corroborado pelo confronto entre a
redaco do art. 16., n. 1, do regime geral das contra-ordenaes e a redaco do art. 28., n.
1, do Cdigo Penal: os dois preceitos so idnticos na parte respeitante ao regime da
comunicao da ilicitude entre os comparticipantes (embora a excepo da parte final do art.
28., n. 1, do Cdigo Penal no tenha sido acolhida nas contra-ordenaes, o que irrelevante
para a questo ora tratada) mas a primeira preposio do art. 16., n. 1, que formula o
conceito extensivo de autor no tem correspondncia alguma na citada norma do Cdigo
Penal. O que bem se compreende pois o legislador penal no quis adoptar este modelo de
autoria na comparticipao criminosa. (...) o art. 16., n. 1, do Decreto-Lei n. 433/82, de 27
de Outubro, contm nas suas duas proposies matrias diferentes relativas
44 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa, op. cit., 219-221 pp.
-
35
comparticipao: um amplo conceito de autoria (conceito extensivo ao autor) e um regime de
comunicao da ilicitude dos comparticipantes.
A (...) reviso do regime geral das contra-ordenaes, concretizada pelo Decreto-Lei n.
244/95, de 14 de Setembro, mantendo intacto o regime do art. 16., n. 1, passou a impor a
obrigatoriedade de aplicao de uma atenuao especial para a cumplicidade, prevista no (...)
n. 3, do art. 16. do Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro.
10. Coima
A coima , como j dissemos, a sano (pecuniria) por excelncia aplicvel no mbito do
processo contra-ordenacional.
10.1. Montante da coima
O montante da coima ser o que resultar da prpria lei, postura ou regulamento autnomo.
Fixando os nmeros 1 e 2 do artigo 17. do RGCO que, se o contrrio no resultar da lei, o
montante mnimo da coima aplicvel s pessoas singulares ser de 3,74, e o montante
mximo ser de 3.740,98, em caso de dolo, ou de 1.870,49, em caso de negligncia;
Quanto s pessoas colectivas, o montante mximo aplicvel ser de 44.891,81, em caso de
dolo, ou de 22.445,91, em caso de negligncia.
Porm, quando se tratar de regulamento autnomo, este no poder conter molduras contra-
ordenacionais diferentes das previstas na lei habilitante.
10.2 Determinao da medida da coima
Conforme observam SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA45, constituem critrios que a
autoridade administrativa deve ter em considerao na determinao da medida da coima, os
previstos no artigo 18.do RGCO:
45 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 189-190 pp.
-
36
- A gravidade da contra-ordenao, devendo atender-se:
a) Ao grau de violao ou perigo de violao dos bens jurdicos e interesses ofendidos;
b) Ao nmero de bens jurdicos e interesses ofendidos e suas consequncias;
c) eficcia dos meios utilizados.
- A culpa do agente, devendo atender-se:
a) Ao grau de violao dos deveres impostos ao agente;
b) Aos sentimentos manifestados no cometimento da contra-ordenao;
c) Ao grau de intensidade da vontade de praticar a infraco;
d) Aos fins ou motivos determinantes;
e) conduta anterior e posterior;
f) personalidade do agente.
- A situao econmica do agente, devendo atender-se:
a) situao econmica;
b) s suas condies pessoais.
- O benefcio econmico que o agente retirou da prtica da contra-ordenao, devendo
atender-se, no ao valor do dano causado, que considerado na gravidade da contra-
ordenao, mas ao benefcio obtido. Se esse benefcio for superior ao limite mximo da
coima, e no existirem outros meios de o eliminar, pode aquele limite elevar-se at ao
montante do benefcio, at mais um tero do limite mximo estabelecido.
10.3. Fins da coima
Nas palavras de PINTO DE ALBUQUERQUE46 a coima tem um fim preventivo e
desempenha uma funo de preveno geral negativa e de preveno especial negativa (..)
A coima no tem um fim retributivo da culpa tica do agente, pois no visa o castigo de uma
personalidade deformada reflectida no facto ilcito, nem tem um fim de preveno especial
positiva, pois no visa a ressocializao de uma personalidade deformada do agente.
46 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 2011. 84-85 pp.
-
37
A coima tem um fim de preveno especial negativa, isto , visa evitar que o agente repita a
conduta infractora, bem como um fim de preveno geral negativa, ou seja, visa evitar que os
demais agentes tomem o comportamento infractor como modelo de conduta.
A este respeito e fazendo uma pertinente aluso execuo dos valores das coimas no pagas
pelos arguidos, FERREIRA ANTUNES47 argumenta que (...) no est em causa apenas a
execuo de uma mera quantia em dinheiro, mas, mais do que isso, procura atingir as
finalidades da punio: os fins das penas e das coimas. Por muito que se diga da neutralidade
axiolgica da conduta, temos para ns que a sano contra-ordenacional no pode ser
inteiramente desligada das finalidades de reprovao e preventivas. A coima no se confunde
com uma prestao de imposto, nem de taxa.
Ou seja, a coima de nenhum modo se liga personalidade do agente, nem visa a sua
ressocializao, porm serve como especial advertncia ou reprimenda conducente
observncia de certas proibies ou imposies legais.
11. Admoestao
Como vimos acima, a coima a sano de primordial aplicao pela autoridade
administrativa ao infractor, no entanto Quando a reduzida gravidade da infraco e da culpa
do agente o justifique ()48, pode optar pela aplicao de uma admoestao, no deixando a
deciso da autoridade administrativa de ter carcter condenatrio, embora com efeitos muito
menos penosos para o arguido, dada a sua caracterstica no pecuniria.
Na prtica a admoestao, consagrada no artigo 51. do RGCO, funciona como um aviso ao
arguido para no voltar a infringir, sob pena se o fizer ser punido com uma coima.
Da deciso condenatria da autoridade administrativa que aplicar uma admoestao ao
arguido, h lugar a impugnao judicial, uma vez que embora os artigos 58., n. 1 e 59., n. 1
do RGCO no se refiram admoestao, como alis o artigo 59., n. 1 do RGCO tambm
no se refere s sanes acessrias, o artigo 55. taxativo quando prev que As decises,
47 ANTUNES, Manuel Ferreira - Contra-Ordenaes e Coimas Regime Geral. 2. ed. Lisboa: Petrony Editora, 2013. 199 p.48 Artigo 51., n. 1 do RGCO.
-
38
despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas no decurso do
processo so susceptveis de impugnao judicial por parte do arguido. Ademais,
constituindo a admoestao uma verdadeira sano, ainda que no pecuniria, deve assistir ao
arguido o direito de reagir contra a aplicao da mesma, at porque constituir antecedente
contra-ordenacional que ser tido em conta pela autoridade administrativa no caso de o
arguido voltar a praticar o mesmo tipo de ilcito.
Discordamos, por isso, de OLIVEIRA MENDES e SANTOS CABRAL49, quando afirmam
que, A admoestao em direito contra-ordenacional assume natureza distinta da admoestao
aplicada em direito penal uma vez que esta uma sano que origina uma deciso final
condenatria, por isso mesmo recorrvel e com efeitos penais em termos de reincidncia,
registo criminal e pagamento das custas. Diferentemente, a admoestao contra-ordenacional
no d origem a uma deciso condenatria impugnvel pelo arguido, como decorre do
disposto no artigo 58. n. 1 e 59. n. 1 do D.L. 433/82. Alm do mais no uma sano
proferida com publicidade e dela no decorrem expressamente efeitos condenatrios para
futuro, apenas tendo, em termos inequvocos, um efeito negativo: afasta a possibilidade de os
mesmos factos voltarem a ser apreciados como contra-ordenao.
Por sua vez COSTA PINTO50 entende a este propsito que O art. 51. da lei geral das contra-
ordenaes modela o regime que agora contempla em torno de dois pressupostos (reduzida
gravidade da infraco e da culpa do agente), uma formalidade ( proferida por escrito) e um
efeito negativo: quando proferida a admoestao impede que o facto que a motiva volte a ser
apreciado como contra-ordenao. Estes so os (...) contornos da admoestao no ilcito de
mera ordenao social, nada mais se acrescentando expressamente na lei.
Esclarea-se ainda que em sede de processo penal, quando inteno do Tribunal aplicar uma
admoestao ao arguido, o Juiz previamente pergunta ao arguido se prescinde, ou no, de
interpor recurso da aplicao da admoestao, caso responda afirmativamente punido com
admoestao (oral, como j vimos) e no poder interpor recurso da mesma. Em contraponto,
como tambm j abordado, em sede de procedimento contra-ordenacional no qual a
Autoridade Administrativa aplique a sano de admoestao ao arguido este pode impugn-la
judicialmente.
49 MENDES, Antnio de Oliveira e CABRAL, Jos dos Santos, op. cit., 173 p.50 PINTO, Frederico de Lacerda da Costa, op. cit., 267 p.
-
39
12. Concurso de contra-ordenaes
Corroborando o entendimento de FERREIRA ANTUNES51, de acordo com o previsto no
artigo 19. do RGCO: Para que se verifique a aplicao de uma coima nica necessrio (...)
que:
- o acoimado tenha praticado vrias contra-ordenaes; e
- que se encontrem numa relao de concurso.
Verificada a existncia de uma relao de concurso de contra-ordenaes, determina-se o
quantum da coima unitria, do seguinte modo:
- o limite mximo -nos dado pela soma das coimas concretas aplicadas;
- o limite mnimo no pode ser inferior coima concreta parcelar mais elevada aplicada;
- e no pode exceder o dobro do limite mximo mais elevado das contra-ordenaes
em concurso.
Atente-se que na determinao, primeiro das coimas parcelares, e depois da coima nica com
base na moldura contra-ordenacional encontrada por aplicao do artigo 19. do RGCO, deve
ter-se em conta os critrios analisados no ponto 10.2. do presente captulo.
Conforme defende PINTO DE ALBUQUERQUE52, a norma ora em anlise (...) at mais
do que a regra gmea do direito penal, pois o cmulo das coimas no pode exceder o dobro do
limite mximo mais elevado das contra-ordenaes em concurso".
Por outro lado, entendimento deste autor, por ns corroborado, que relativamente ao
conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenaes, no h concurso entre contra-
ordenaes que tenham sido cometidas antes do trnsito em julgado da sentena de qualquer
uma delas e contra-ordenaes que tenham sido aplicadas por deciso definitiva anterior53 54.
13. Contra-ordenao continuada
H que recorrer, por aplicao subsidiria, s disposies do CP para aferirmos se estamos, ou
no, perante uma contra-ordenao continuada (elementos do crime continuado).
51 ANTUNES, Manuel Ferreira, op. cit., 132 p.52 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 89 p.53 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 90 p.54 Diz-se definitiva a deciso proferida pela autoridade administrativa que, pelo decurso do prazo para o efeito, j no permite impugnao judicial para o tribunal competente. Diz-se transitada em julgado a sentena do Tribunal de 1. Instncia, que pelo decurso do prazo ou por que o recurso no legalmente possvel, j no permite recurso para o Tribunal da Relao (Vid 1. parte do n. 1, do artigo 79. do RGCO).
-
40
Alguns autores, como SIMAS SANTOS e LOPES DE SOUSA55 tm entendido que ser de
transpor para o domnio do direito de mera ordenao social, pela via subsidiria, a figura do
crime continuado. Assim, e apesar de no expressamente consagrada no RGCO, a contra-
ordenao pode ser continuada se consistir na () realizao plrima do mesmo tipo de
infraco () ou de vrios tipos de contra-ordenao que fundamentalmente protejam o
mesmo bem jurdico, executada por forma essencialmente homognea e no quadro da ()
persistncia de uma situao exterior que facilita a execuo e que diminui
consideravelmente a culpa do agente. Aplicando subsidiariamente ao RGCO o n. 1, do
artigo 79. do CP, a contra-ordenao continuada punvel com a coima aplicvel conduta
mais grave que integra a continuao.
Neste sentido, SRGIO PASSOS56, preconiza que A contra-ordenao continuada d-se
quando, por vrias aces levadas a cabo por um mesmo agente, que repete o preenchimento
do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurdico, e que, usando de um
tipo de actuao que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo
exterior que propicia a repetio, diminui consideravelmente a sua culpa.
Tambm nesta linha de pensamento, entende FERREIRA ANTUNES57 que (...) a repetio
(retius, a realizao plrima) do ilcito contra-ordenacional constitui uma s e nica contra-
ordenao na forma continuada, quando se trate de:
- uma repetio do mesmo tipo contra-ordenacional ou
- de vrios tipos contra-ordenacionais que fundamentalmente:
- protejam o mesmo bem jurdico,
- seja executada de maneira essencialmente homognea,
- no quadro de solicitao de
- uma mesma situao exterior,
- que diminua consideravelmente a culpa do agente.
55 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 204 p.56 PASSOS, Srgio, op. cit., 143 p.57 ANTUNES, Manuel Ferreira, op. cit., 133 p.
-
41
O conceito de ilcito continuado tem subjacente a ideia de que o agente tenha formulado uma
nica resoluo delituosa.
Por outro lado, pressupe que o agente tenha actuado num quadro de uma mesma situao
factual, que lhe facilitou (solicitou) a repetio da actuao delituosa.
essa facilitao derivada de uma mesma situao exterior, que provoca a tentao e permite
ao agente, de novo, repetir o ilcito, e, porque o facilita e o tenta, pode eventualmente
diminuir a sua culpa, de forma considervel.
Alm dessa facilitao propiciada pela mesma situao exterior, necessrio para que exista
uma contra-ordenao na forma continuada, que se trate de contra-ordenaes que:
- fundamentalmente protejam o mesmo bem jurdico; e que
- seja executada por forma essencialmente homognea.
Por fim, apraz-nos salientar que nesta matria assume especial relevncia a distino entre
contra-ordenao instantnea e contra-ordenao permanente ou duradoura, nomeadamente
quanto forma de consumao. Na primeira a consumao imediata, j na segunda a
consumao prolonga-se no tempo58.
14. Sanes acessrias
Conforme entende LEONES DANTAS59, opinio que merece a nossa concordncia, Ao lado
da coima como sano principal o Direito das Contra-ordenaes consagra, igualmente, um
conjunto de sanes acessrias que podem desempenhar um papel importante na realizao
dos objectivos subjacentes a este ramo de Direito e que, em certas situaes, podem ter uma
eficcia interventiva mais intensa do que a prpria coima.
Como sanes acessrias elas tero necessariamente que ser aferidas ao facto ilcito cometido,
culpa manifestada pelo agente e s exigncias de preveno que se verifiquem no caso
concreto, no se configurando como efeitos da condenao da coima, do que resulta que no
so de aplicao automtica.
58 ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, op. cit., 31 p.59 DANTAS, Antnio Leones - Direito das Contra-Ordenaes Questes Gerais. 2. ed. Braga: AEDUM, 2011. 92 p.
-
42
A sua aplicao dever (...) atender-se dimenso da ilicitude do facto, culpa manifestada e
situao econmica do agente.
Tal como LEONES DANTAS, a doutrina portuguesa em geral defende que para alm da
gravidade da infraco e da culpa do agente, conforme previsto no n. 1, do artigo 21. do
RGCO, a autoridade administrativa dever ter em conta tambm a situao econmica do
infractor, conquanto a aplicao e durao das sanes acessrias trazem frequentemente
implicaes graves e importantes para a actividade profissional dos infractores, da qual
muitas vezes depende a subsistncia econmica dos prprios e do seu agregado familiar, bem
como a solvncia das empresas.
Pode, assim, a autoridade administrativa aplicar ao arguido60, as sanes acessrias elencadas
no n. 1, do artigo 21. do RGCO, das quais destacamos, atenta a temtica de fundo desta
nossa dissertao - as contravenes laborais - as previstas nas alneas a), b) e e),
concretamente:
- Perda de objectos pertencentes ao agente;
- Interdio do exerccio de profisses ou actividades cujo exerccio dependa de ttulo
pblico ou de autorizao ou homologao de autoridade pblica;
- Privao do direito de participar em arremataes ou concursos pblicos que tenham
por objecto a empreitada ou a concesso de obras pblicas, o fornecimento de bens e
servios, a concesso de servios pblicos e a atribuio de licenas ou alvars.
Saliente-se que, o RGCO no n. 2 do artigo 21. do RGCO prev durao limitada a dois anos
para todas as sanes acessrias previstas, excepto, como bvio, para a perda de objectos
pertencentes ao agente, alm de definir, no artigo 21.-A, os pressupostos da aplicao de
cada uma das sanes, os quais exigem normalmente uma relao directa entre a sano
acessria e a infraco e entre estas e a funo ou actividade exercida.
60
Quando as sanes acessrias estiverem expressamente previstas no diploma sancionador. Devendo ser salvaguardados pela autoridade administrativa os pressupostos da aplicao de cada uma das sanes, definidos no artigo 21.-A do RGCO, os quais exigem normalmente uma relao directa entre a sano acessria e a infraco e entre estas e a funo ou actividade exercida pelo infractor. Pelo que, na aplicao das sanes acessrias a autoridade administrativa deve respeitar o princpio da proporcionalidade das penas.
-
43
15. Prescrio
Podemos definir prescrio como sendo a extino de um direito em virtude do decurso de
certo perodo de tempo, havendo prescrio no mbito contra-ordenacional quando a
autoridade administrativa no tiver exercido o direito de perseguir contra-ordenacionalmente
o agente que pratique uma contra-ordenao, ou o de executar a coima e sanes acessrias
que eventualmente lhe tenham sido aplicadas.
A previso de prazos de prescrio diversos nas vrias reas de actuao administrativa
coloca problemas de integrao face lei geral contra-ordenacional, verificando-se uma
tendncia para a sua dilatao.
Apesar da previso do regime geral da prescrio pelo RGCO, grande parte da legislao
especial prev o prazo de prescrio aplicvel s contra-ordenaes que regem no seu mbito,
como acontece no caso das contra-ordenaes laborais (artigo 52. e ss. da Lei n. 107/2009,
de 14 de Setembro).
15.1. Prescrio do procedimento contra-ordenacional
A prescrio do procedimento contra-ordenacional, quando no se encontrem previstos prazos
prescricionais prprios nos regimes especiais, ocorre quando hajam decorrido os seguintes
prazos, e tendo em conta os seguintes valores da coima61:
- Cinco anos, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja igual ou
superior a 49.879,79;
- Trs anos, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja igual ou superior
a 2.493,99 e inferior a 49.879,79;
- Um ano, quando a coima aplicvel contra-ordenao praticada seja inferior a
2.493,99.
61 Artigo 27. do RGCO.
-
44
15.1.1. Suspenso da prescrio do procedimento contra-ordenacional
Para alm dos casos especialmente previstos na lei, de acordo com o preceituado no artigo
27.-A do RGCO a prescrio do procedimento suspende-se, durante o tempo em que o
procedimento:
- No puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorizao legal;
- Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministrio Pblico at sua
devoluo autoridade administrativa, nos termos do artigo 40. do RGCO;
- Estiver pendente a partir da notificao do despacho que procede ao exame
preliminar do recurso da deciso da autoridade administrativa que aplica a coima, at
deciso final do recurso.
A durao destas duas ltimas causas de suspenso no pode ultrapassar seis meses62.
Como afirmam SIMAS SANTOS e LOPES de SOUSA63, na suspenso o tempo decorrido
antes da verificao da causa de suspenso conta para a prescrio, juntando-se, portanto, ao
tempo decorrido aps essa causa ter desaparecido (n. 3 do art. 120. do Cdigo Penal).
15.1.2. Interrupo da prescrio do procedimento contra-ordenacional
Pode interromper-se a prescrio do procedimento contra-ordenacional, quando ocorra
alguma das situaes descritas no n. 1 do artigo 28. do RGCO, designadamente com:
- A () comunicao ao arguido dos despachos, decises ou medidas contra ele
tomados ou com qualquer notificao;
- A () realizao de quaisquer diligncias de prova ();
- A () notificao ao arguido para exerccio do direito de audio ou com as
declaraes por ele prestadas no exerccio desse direito;
- A () deciso da autoridade administrativa que procede aplicao da coima.
62 Artigo 27.-A, n. 2 do RGCO.63 SANTOS, Manuel Simas e SOUSA, Jorge Lopes de, op. cit., 261 p.
-
45
Salvaguarda o n. 3 deste artigo 28., que a prescrio tem sempre lugar quando, desde o seu
incio e ressalvado o tempo de suspenso, tiver decorrido o prazo da prescrio acrescido de
metade.
Ao contrrio do que acontece na suspenso, conforme entendem SIMAS SANTOS e LOPES
de SOUSA64, (...) verifica-se a interrupo quando o tempo decorrido antes da causa de
interrupo fica sem efeito, devendo, portanto, reiniciar-se o perodo logo que desaparea a
mesma ca