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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO DENISE BRUNO LOMBARDI FONSECA MODELO PEDAGÓGICO CONTEXTUALIZADO Construção de novas possibilidades na aplicação de medida sócio-educativa SÃO PAULO 2010

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO DENISE BRUNO LOMBARDI FONSECA

MODELO PEDAGÓGICO CONTEXTUALIZADO Construção de novas possibilidades na aplicação

de medida sócio-educativa

SÃO PAULO 2010

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO DENISE BRUNO LOMBARDI FONSECA

MODELO PEDAGÓGICO CONTEXTUALIZADO Construção de novas possibilidades na aplicação

de medida socioeducativa

Trabalho de conclusão apresentado ao Programa de Pós-Graduação “Stricto Sensu” Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei para obtenção do título de Mestre em Políticas e Práticas com Adolescente em Conflito com a Lei.

Orientador: Prof. Dr. Edson Luís de Almeida Teles

SÃO PAULO 2010

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Aos meus avós, que sempre estiveram

presentes em minha vida, mesmo que, neste

momento, apenas espiritualmente. Tenho

certeza de que estarão muito alegres. E ao

senhor �orio �agumo, meu grande

incentivador e mestre da vida.

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AGRADECIME�TOS

Primeiramente, a Deus.

À família, que sempre procurou reconhecer meus esforços.

Ao meu orientador, Edson Teles, muito mais que um professor orientador pois, com

sua dedicação, agrega valores espirituais e ideológicos ao trabalho, sem jamais

perder a crítica científica e metodológica e a essência da corporeidade, como

escreveu Merleau-Ponty.

Ao meu grande e querido amigo Gerardo Bohorquez Mondragón, que motivou,

colaborou e acreditou no trabalho, compartilhando todo seu saber, com muita

generosidade e entusiasmo.

À amiga Edna Souza, por tudo que aprendi sobre medidas socioeducativas, com

simplicidade e coerência.

À presidente da instituição de Atendimento Socioeducativo (Fundação Casa/SP)

Berenice Gianella. Em especial à Silvana Gallina, presidente do (Iases/ES), pelo

encorajamento, receptividade, reconhecimento e disponibilidade.

A todos os amigos do trabalho e amizades que pude construir nesse tempo de

pesquisa entre os estados de São Paulo e Espírito Santo.

Ao corpo docente do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, que

tanto motivou e motiva seus alunos, entre os quais me incluo, nessa jornada do

saber.

Ao corpo discente sempre entusiasmado e alegre, ávido por novas conquistas. Enfim,

a todos que ajudaram a tecer esta nova possibilidade de aprendizagem.

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�em palavras duras e olhares

severos devem afugentar quem

ama; as rosas têm espinhos e, no

entanto, colhem-se.

William Shakespeare

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RESUMO

O trabalho busca oferecer uma possibilidade de estudo sobre a importância da

implementação de um modelo pedagógico para adolescentes que se encontram em

conflito com a lei em sua medida mais gravosa, explícita nos artigos 121 e 122 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, com base em unidades de internação nas

entidades executoras de medida socioeducativa nos estados de São Paulo e do

Espírito Santo que administram o atendimento aplicando o Modelo Pedagógico

Contextualizado.

Palavras-chaves: modelo pedagógico, atendimento socioeducativo, políticas sociais

ABSTRACT

This work intends to give a possibility to investigate the importance of a pedagogical

model, its implementation and application, regarding adolescents in conflict with the

Law, according to the most severe actions, as determined in the Estatuto da Criança e

do Adolescente (Children and Adolescents Statement). Based from Institutions of

execution of social and educational measures, in the States of São Paulo and Espírito

Santo, which offer the Contextualized Pedagogical Model.

Key-words: pedagocical model, social and educational service, social policies

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SUMÁRIO

I�TRODUÇÃO............................................................................................................. 07 CAPÍTULO I 1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA HISTÓRICO DO

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL ......................................... 15 1.2 BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO NO ESTADO DE SÃO PAULO........................................ 21 1.3 BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.............................. 27 CAPÍTULO II 2.1 ANÁLISE E MAPEAMENTO DOS PONTOS RELEVANTES NA ESCOLHA

DE UM MODELO PEDAGÓGICO....................................................................... 35 2.2 UM PROCESSO COM VÁRIOS AUTORES ....................................................... 42 2.3 INTERFACE COM A POLÍTICA DE SOCIOEDUCAÇÃO................................ 51 CAPÍTULO III 3.1 A INFLUÊNCIA DO MPC PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ATORES

SOCIAIS................................................................................................................. 55 3.2 PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES....................... 61 3.2 DINÂMICA INSTITUCIONAL PARA IMPLANTAÇÃO DO MPC .................. 63 CO�SIDERAÇÕES FI�AIS ....................................................................................... 67 REFERÊ�CIAS............................................................................................................ 68

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I�TRODUÇÃO

Uma vez, voltando do trabalho que realizo com medida socioeducativa,

na região do Belenzinho, zona leste de São Paulo, pensei, ao entrar naquela estação

de metrô, quantas pessoas ali passavam por mim e eu, de certa forma, interagia com

elas. Talvez nunca as visse novamente, mas também poderíamos nos deparar com

situações adversas sem saber que aqueles rostos já haviam marcado nossos

pensamentos. Às vezes, muitos dos nossos conhecimentos não fazem a ponte com

esse cotidiano. Percebi como o mestrado profissional possibilita ao pesquisador a

proximidade com esse cotidiano que se estabelece na prática. Então me lembrei de

Rubem Alves que, em seu texto Escutatória, permite-nos refletir sobre o quanto não

ouvimos bem, nem mesmo o “barulho” do silêncio. Assim comecei a imaginar como

falar em protagonismo, projeto de vida, modelo pedagógico para comunidades,

famílias, jovens e leitores interessados em responsabilidade social.

Retomando ainda o pensamento de Rubem Alves (2004), a tristeza não é

uma intrusa da alegria no reino da beleza; então não é possível discutir sobre

problemas da sociedade sem que olhemos para ela na sua integralidade, ou seja, de

forma a estar nela e com ela, perceber qual é a responsabilidade, como intrusos em

um mundo no qual não se pode ficar alheios ao binômio tristeza / alegria. O convite

está feito para que, nesse momento, o leitor seja um bom intruso neste mundo social

do qual fazemos parte, com nossas perspectivas e nossos esquecimentos,

considerando o comprometimento e a responsabilidade que adquirimos ao longo de

nossa existência.

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Podemos utilizar algumas referências de Robert Castel (1999) sobre

visão de mundo e sociedade, como na obra As metamorfoses da questão social, em

que nos faz refletir sobre as novas formas de relações existentes na sociedade

contemporânea. Muitos elementos estão presentes no contexto brasileiro, como

“precariedade do emprego” e “desfiliação social”, apesar de o foco do autor estar

pautado no cenário francês na década de 1970. Sob essa reflexão e prosseguindo com

tais questões, o autor nos permite um olhar mais filtrado para nosso tempo social,

lançando luz para uma problematização sobre o ser humano. Hoje, a “questão social”

está mais voltada a expressões que envolvem um panorama de desigualdades sociais

em suas múltiplas manifestações nos vários segmentos envolvidos.

Cabe ressaltar que as ações sociais se caracterizam pela forma

assistencialista e acabam nutrindo as ações que rodeiam esse mesmo atendimento, de

forma consoante à categoria sociológica, em que crianças e adolescentes eram

tratados como simples objetos de intervenção. A essa prática se dá o nome de

“situação irregular”, que ainda perdura em algumas instâncias nos dias atuais.

Ao ler a obra de Castel (1999), somos mobilizados para questões que

trazem uma perspectiva de não conformismo e que, ao mesmo tempo, convergem as

reflexões para os parâmetros que a sociedade estabelece quando se trata de violência

e insegurança. A qualificação de marginalidade não deixou de estar associada a

intervenções sociais realizadas pelo Estado, que ainda circundam de forma reiterada

na esfera do assistencialismo, o que de forma explícita configura um padrão

estipulado na situação irregular. Os menos favorecidos são identificados como “sem

trabalho” ou têm de se submeter a critérios desiguais para receber aquilo que não é

benesse e sim direito. A composição de tais grupos esclarece e denuncia que as

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populações que dependem de intervenções sociais são basicamente tratadas de forma

distinta em função deste critério: pelo fato de serem ou não capazes de trabalhar.

Façamos uma análise em relação ao grupo de jovens atendidos por

entidades executoras de medidas socioeducativas e que nelas estão internados como

autores de ato infracional. Muitos desses jovens aparecem como provedores1 de seu

núcleo familiar e há uma correlação profunda entre o lugar ocupado pelo indivíduo

na divisão social do trabalho e sua participação nas redes de sociabilidade e nos

sistemas de proteção.

No trabalho a seguir, contextualizaremos de forma histórica o

atendimento pedagógico em dois estados do país, considerados após a Doutrina da

Proteção Integral ter sido instaurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em

1990. Com isso, vemos hoje uma política institucional voltada para questões que não

apenas contemplam adolescentes em atendimento, mas também a preocupação com

suas famílias e a comunidade de origem, o que faz jus ao artigo 227 da Constituição

Federal, reiterado no artigo 4º e na Lei 8069, de 13 de julho de 19902.

As entidades executoras de medidas socioeducativas nos estados de São

Paulo (Fundação Casa) e do Espírito Santo (Iases) buscaram possibilidades de

intervenção mais compatíveis com a proposta de atendimento socioeducativo neste

1 Conforme dados colhidos no site da Fundação CASA (disponível em www.casa.sp.gov.br, acessado em setembro de 2010), em pesquisa realizada pela Uniemp/2006, 46% dos jovens entrevistados de um total de 1190, com metodologia por sorteio aleatório, trabalhavam antes de adentrarem no universo socioeducativo. Mais da metade exercia atividade em labor não qualificado, ou seja, em trabalho informal. Também de acordo com o site www.educacional.com.br/trabalho_infantil.asp (acessado em setembro de 2010), a lei está longe de refletir a realidade do Brasil. Um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que há mais de 5 milhões de jovens trabalhando no país, sendo quase 3 milhões em situação irregular. Muitos deles trabalham como escravos ou para pagar dívidas assumidas pelos pais. O mesmo relatório indica que esses números vêm caindo desde o início da década de 1990, mas o trabalho infantil não deve acabar até 2015. 2 O artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

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tempo de mudanças. Para tanto, recorreram ao Modelo Pedagógico Contextualizado

como forma mais abrangente para atenção e cuidado com jovens que recebem

medida de internação. A seguir, discutiremos questões que abrangem necessidades

de vida dos adolescentes e um plano de atendimento. Faremos algumas indicações

que poderão ser subsídios na escolha de um modelo pedagógico para unidades de

internação (medidas socioeducativas), como também critérios para a escolha e a

construção de propostas pedagógicas. Contextualizando o histórico de atendimento

das unidades nos estados em questão, temos a visão de um cenário de muita

turbulência e interrupções na forma de gestar a política de atendimento

socioeducativo.

Possibilitar uma nova forma de intervir e ao mesmo tempo aprender a

realizar essa intervenção é respectivamente o exercício que se faz para compreender

a história que inclui a construção das subjetividades dentro do coletivo. Não é mais

possível um atendimento ambíguo, pois as diretrizes legais estão postas, como a

Constituição Federal (1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990), o

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (2006). Todos estes documentos

convergem para o estudo de novas práticas e modelos de intervenção que não

estejam em dissonância, que não contribuam para a violação de direitos, mas que

entendam essa nova categoria jurídica em que estão inseridos crianças e adolescentes

como sujeitos de direitos e não mais objetos de intervenção. Assim será possível a

sistematização de novas práticas. O trabalho pretenderá sistematizar as práticas

vivenciadas nas unidades de internação e a forma de contribuição para a escolha de

novos modelos, não apenas como medidas socioeducativas de internação, mas

também como possibilidades de aplicação no sistema educacional da rede de ensino.

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Em se tratando de legislação, não é possível desconsiderar os aplicativos

que fomentaram reflexões ao longo dos 20 anos de existência do ECA. Podemos

enumerar algumas conquistas, frutos do desenvolvimento de políticas públicas para a

infância e a juventude e assim não cair no paradigma da ambiguidade, como comenta

Antonio Carlos da Costa:

O terceiro paradigma, ou paradigma da ambiguidade, foi a

expressão que eu criei para designar a posição das pessoas que,

decepcionadas pelo fato de o Estatuto não ter transfigurado de um

dia para outro a realidade da população infanto-juvenil brasileira,

caem na frustração e, diante de seus detratores, em vez de defendê-

lo, começam a cair no velho ardil da adaptação da lei à realidade,

passando a interpretá-la de uma forma que eu chamaria, não de

neo-liberal, como é moda nomear a tudo e a todos nestes tempos

de grandes mudanças e de grandes perplexidades, mas de

neocínicas (2004: 30).

Nesse período, por exemplo, houve uma redução de 48,7% na

mortalidade infantil. O índice de acesso à educação pública foi ampliado para 98%,

entre tantos avanços que perpassam pela criação de novos fóruns e conselhos.

Contudo, a medida de internação aumentou de 4.245 adolescentes, em 1996, para

16.940, em 2009, ainda que nos últimos anos este número tenha sofrido um aumento

pequeno. No Espírito Santo, por exemplo, 320 adolescentes foram internados em

2007 e, em 2009, houve 324; em São Paulo, este mesmo índice foi de 4.538

adolescentes, em 2007, para 4.769, em 2009, mostrando que, apesar do crescimento

da taxa ter diminuído, ainda há uma forte opção por parte do ordenamento jurídico

pela internação3.

3 Cf. Levantamento nacional do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2009.

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Por outro lado, ainda falta muito para que, na prática, as diretrizes

normativas e legais do atendimento sejam cumpridas. Além das recorrentes violações

às diretrizes do Estatuto, observam-se problemas nos mecanismos de atendimento à

criança e ao adolescente, especialmente nos Conselhos dos Direitos da Criança e do

Adolescente e nos Conselhos Tutelares. Aparentemente, existe uma dicotomia entre

os aplicativos e o cotidiano do atendimento socioeducativo, pois não é perceptível o

interesse por esse público. Assim, naturalmente, não ocorrem na prática do

atendimento socioeducativo políticas de atendimento pensadas para o trabalho, mas

apenas um movimento socioeducativo solitário nas entidades executoras. Por isso,

em muitas delas ocorrem decisões incompatíveis com a categoria jurídica da qual

fazem parte hoje a criança e o adolescente, pois há falta de integração com o Sistema

de Garantia de Direitos.

Um modelo pedagógico não pode ser elaborado especificamente para

uma clientela, mas deve respeitar as especificidades do público que se quer atender.

Trata-se, portanto, de personalização e humanização contidos na proposta do Modelo

Pedagógico Contextualizado. O Modelo em questão está sendo aplicado em

adolescentes da periferia do Espírito Santo e em comunidades de São Paulo, tanto na

região metropolitana como no interior do Estado. O público-alvo de que estamos

falando são adolescentes que se vêm sendo apartados da sociedade e têm

dificuldades em integrar-se a sua comunidade. Trazemos a ideia de trabalho

educacional como ponto de partida, pois se trata da inclusão e da retomada dos

direitos violados e não da criação de um novo grupo, ao qual esses jovens não

pertencem.

Contudo, a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente

ainda enfrenta desafios muito grandes, dentre eles podemos salientar:

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- Em primeiro lugar, a insistência em manter o princípio da

centralização político-administrativa, violando o princípio

descentralizador e desrespeitando a autonomia dos municípios e

das comunidades para lutar, com seu próprio ponto de vista e suas

peculiaridades, pelos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Essa descentralização facilitaria o compartilhamento das

experiências para um modelo pedagógico que não tivesse apenas

um fim socioeducativo.

- Em segundo lugar, a continuidade de juízes, promotores e

delegados menoristas, os quais acabam por sabotar a inclusão de

crianças e adolescentes na rede de cidadania.

- Em terceiro lugar, o paralelismo de ações impostas pela esfera

federal aos programas que deveriam ser decididos, executados e

controlados em cada município, gerando pulverização de recursos

públicos, desperdício e, ao final, corrupção.

Dessa forma, se “o objetivo principal do projeto educativo emancipatório

consiste em recuperar a capacidade de espanto e de indignação e de orientar para a

formação de subjetividades inconformistas e rebeldes” (SANTOS, 2000: 28), isto

deve se dar, antes de tudo e até como condição de possibilidade, no próprio

educador, e ser encontrado essencialmente no trabalho e nos modelos de

atendimento. A prática socioeducativa poderá encontrar uma nova abordagem em

relação ao Modelo Pedagógico Contextualizado na tentativa de entender e procurar

subsidiar novas escolhas que coadunem com as perspectivas do atendimento. Os

objetivos do Modelo Pedagógico Contextualizado (MPC) estão baseados em uma

proposta de atendimento pedagógico e socioterapêutico para unidades, conforme o

artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O Modelo é uma prática

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elaborada por Gerardo Bohórquez Mondragón4, em virtude de suas experiências

como adolescente infrator e depois como educador social, até alcançar a gestão e a

assessoria no atendimento socioeducativo como especialista atuante nesta área, com

trabalhos desenvolvidos em São Paulo e no Espírito Santo.

4 Gerardo Bohórquez Mondragón nasceu na Colômbia e é o idealizador do Modelo Pedagógico Contextualizado. Foi frei na Congregação Amigoniana, também conhecida como Congregação dos Religiosos Terciários Capuchinhos. Hoje se encontra desligado da ordem religiosa e atua em programas sociais voltados para o atendimento de jovens em conflito com a lei. Tem experiência no trabalho com adolescentes em unidades na própria Colômbia, como também aqui no Brasil, tendo trabalhado em entidades de atendimento socioeducativo em diversos estados. Hoje é diretor executivo da Acadis (Associação Capixaba de Desenvolvimento Social), uma Oscip que faz gestão compartilhada com a entidade executora de medida socioeducativa no Estado do Espírito Santo. Atualmente, Gerardo Mondragón coordena um Centro Socioeducativo no Espírito Santo, em que a implantação do Modelo Pedagógico Contextualizado já fora realizado. Além dessa atuação, foi assessor da Presidência da Fundação Casa onde desenvolveu o MPC em 13 unidades do Estado de São Paulo. Atuou como consultor em diversos órgãos no Brasil. Em seu trabalho na Colômbia, viveu de perto todo o envolvimento de jovens, adolescentes e crianças em relação à dependência das drogas e o envolvimento com o crime, no qual os jovens eram disputados pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), paramilitares e por traficantes de drogas. Mondragón acredita que não existe outro meio de agir que não seja pelo viés da educação. Para o educador, a Colômbia utilizou uma ferramenta conjunta às ações educativas, que foi o atendimento terapêutico.

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CAPÍTULO I

1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA HISTÓRICO DO

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL

A problemática do adolescente em conflito com a lei coloca-se como um

desafio à atuação do poder público e da sociedade civil. O problema da criança

abandonada no Brasil tem, como data marcante, o ano de 1871 com a promulgação

da Lei do Ventre Livre:

Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos

senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-

los até a idade de oito anos completos [ou seja, ficando com suas

mães estariam semi escravos]. Chegando o filho da escrava a esta

idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a

indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor

até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o governo

receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente

lei (Artigo 1º da Lei do Ventre Livre, 1871).

Dando sequência à presença do Estado na política voltada às crianças e

adolescentes, em 1895 é criada a Casa dos Expostos, administrada pela Santa Casa

de Misericórdia (Chácara Wanderley, no Pacaembu), posteriormente denominada de

Asilo Sampaio Viana.

Com o advento da República em 1889, a associação entre infância

carente e delinquência ficou forte, levando em consideração fatores como:

crescimento das cidades; aumento do número de crianças sem acesso à escola

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(mercado de trabalho exploratório); contexto de exclusão social que aproximou

crianças e adolescentes da criminalidade juvenil.

A questão da infância sai paulatinamente da esfera religiosa para

ingressar no campo jurídico. Inicialmente, ainda havia o entendimento de assistência

pública à infância como uma espécie de “caridade oficial”. O Código Penal de 1890

altera a idade de imputabilidade relativa de sete para nove anos devido ao critério de

avaliação do “discernimento”:

Nesse texto, o Estado estabelece que não são considerados

criminosos "os menores de 14 anos". Mas os efeitos dessa regra

não são absolutos. Dito de outra maneira, eles dependem da

posição subjetiva do autor por ocasião do fato. Assim, se houver

prova de que o menor de 14 anos agiu com discernimento, será

recolhido à casa de correção (a limitação é fixada no art. 13). A

inimputabilidade em si, imprópria para a produção de qualquer

consequência, somente era reconhecida para quem, sendo menor

de 14, agisse sem aptidão para distinguir o bem do mal na base de

sua conduta (MENEZES, 2005).

Em 1902 foi criado o Instituto Disciplinar e Colônia Correcional, com o

objetivo de corrigir e punir a criança e o adolescente. Sabe-se que o projeto inicial

tinha um caráter técnico, científico, educativo, humano e cristão; mas, na prática,

passou a ter um caráter repressivo, correcional e punitivo.

A Lei n. 947/1902 dispõe sobre “menores viciosos”, nomenclatura

utilizada para menores acusados criminalmente e órfãos abandonados encontrados

em via pública. Quando assim considerados por um juiz, deveriam ser internados nas

colônias correcionais, permanecendo nelas até os 17 anos.

O período que vai de 1889 a 1930 é conhecido como República Velha.

Esse período da História do Brasil é marcado pelo domínio político das elites

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agrárias mineiras, paulistas e cariocas, no qual a grande maioria da população era

formada por imigrantes que vieram atrás de riquezas no Brasil. É nesse período que

se cria o primeiro Código de Menores, também chamado Código Melo Matos (1927).

Nesta época, o aparato do Estado encontrava-se a serviço de poucos, denotando a

afirmação de uma elite brasileira, como observa Roberto da Silva:

Tendo em mente também que as leis são formuladas, na sua

origem, para assegurar os direitos de um protótipo de homem, que,

no caso brasileiro, apresentava-se, no início do século, como

homem, branco, letrado e cristão, a mulher e a criança sendo

tributários desses direitos apenas a partir da relação de parentesco e

de consanguinidade com o varão5.

Apesar de sofrer mudanças, a concepção menorista permaneceu

praticamente sem alterações até o Golpe de Estado de 1964. A Ditadura Militar

configura-se como o período da política brasileira em que se criou, por meio da Lei

Federal 4.513, de 01/12/1964, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(Funabem), instituição à qual competia formular e implantar a Política Nacional do

Bem-Estar do Menor em todo o território nacional. A partir daí criaram-se as

Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor, com responsabilidade de observarem

a política estabelecida e de executarem, nos estados, as ações pertinentes a essa

política.

A Funabem deveria atender crianças e adolescentes abandonados,

delinquentes (termo assim designado por se tratar de condição sociológica e não de

categoria jurídica) ou até mesmo carentes, pois nenhuma dessas características

“qualificava os menores”, definidos na época como aqueles desprovidos de condição 5 Cf. Roberto da Silva. Painel: pobreza e exclusão social no Brasil - 300 anos de políticas públicas para a criança brasileira. Disponível em: http://www.abmp.org.br/textos/212.htm. Acessado em setembro de 2010.

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de emancipação. Na década de 1970, foram criadas as Febem´s, hoje chamadas

entidades executoras de medidas socioeducativas nos estados, com características de

fundação.

Desde a Situação Irregular até a Doutrina da Proteção Integral (assim

denominada com a promulgação do ECA), a história de atendimento a crianças e

adolescentes vai se constituindo sob outra ótica. Até o final da década de 1980,

vigorou no Brasil a Situação Irregular, representada juridicamente no Código de

Menores de 1927. Sua reformulação, em 1979, apesar de acontecer sob a vigência da

Declaração Internacional dos Direitos da Criança (de 1959), manteve os princípios

da teoria menorista de situação irregular, sob inspiração do regime autoritário vigente

no país.

O Código de Menores expressou-se por meio de “um conjunto de normas

jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e

prevenção” (CAVALLIERI, 1978: 9). Foi ideologicamente construído para intervir

na infância e na adolescência pobre e estigmatizada. Uma legislação paternalista e

assistencialista, cuja visão da criança e do adolescente era a de objetos de

intervenção da família e do Estado. Suas bases conceituais sustentavam a exclusão e

o controle social da pobreza. Na prática, garantia a intervenção estatal junto aos

“menores desamparados” e a sua institucionalização e encaminhamento precoce ao

trabalho. À criança pobre apresentavam-se duas alternativas: o trabalho precoce,

como fator de prevenção de uma espécie de delinquência latente, e a

institucionalização, como fator regenerador de sua perdição.

Mas, na década de 1980, a conjuntura nacional de redemocratização,

pressionada pelos movimentos sociais, juntamente com o cenário internacional,

quando ocorria a elaboração de documentos preparatórios da Convenção dos Direitos

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19

da Criança, contribuíram para fortalecer no país a tese da doutrina de proteção

integral. O artigo 227 da Constituição Federal de 19886 assegura uma série de

direitos à criança e ao adolescente, estabelecendo como responsáveis a sociedade, a

família e o Estado. A partir desta premissa, o artigo 98 do ECA estabelece que as

medidas de proteção serão aplicadas sempre que houver violação dos direitos

estabelecidos no próprio ECA por “ação ou omissão da sociedade ou do Estado”, ou

“por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável”.

As normativas internacionais são pertinentes às Regras de Beijing,

recomendadas no 7º Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delitos e

tratamento do delinquente, realizado em Milão no período de 26 de agosto a 06 de

setembro de 1985 e adotadas pela Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro do

mesmo ano, estabelecem como orientação fundamental a necessidade de promover o

bem-estar da criança e do adolescente, bem como o de sua família. Temos também as

Regras Mínimas para os Jovens Privados de Liberdade, de 14 de dezembro de 1990,

aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a vulnerabilidade

dos adolescentes e preconizando a necessidade de atenção e proteção especiais para

que sejam garantidos os direitos de cada adolescente. E ainda as Diretrizes de Riad

(1990), quando foram aprovadas as Diretrizes das �ações Unidas para Prevenção

da Delinquência Juvenil, reconhecendo que é necessário estabelecer critérios e

estratégias nacionais, regionais e inter-regionais para prevenir a delinquência juvenil.

Esse cenário é concomitante ao período em que se inicia a redemocratização.

6 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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No Brasil, o movimento de defesa dos direitos de crianças e de

adolescentes alcançou seu maior êxito na década de 1980, no processo de elaboração

da nova Carta Constitucional, a partir da emenda popular denominada Criança,

prioridade nacional, liderada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de

Rua (MNMMR) e pela Pastoral do Menor, que mobilizou a opinião pública,

registrando um milhão e meio de assinaturas na emenda popular que deu origem ao

Artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

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1.2 BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO NO ESTADO DE SÃO PAULO

Em 1903, foi inaugurada na cidade de São Paulo uma instituição pública

destinada a receber e “reeducar” meninos recolhidos nas ruas pela polícia ou por

ordem do judiciário. O Instituto Disciplinar, cujo nome mais tarde é completado pelo

bairro onde existiu, foi instalado nesse ano no Tatuapé em uma antiga fazenda,

dotado de um casarão, dormitórios e barracão, reformados com o fim de receber os

primeiros meninos internos. O espaço ganhava aspecto de prisão. Em 1931 sofreu

ampla e substancial reorganização para tornar-se uma instituição de reforma e

proteção dos jovens.

Num paralelo ao Poema pedagógico de Anton Makarenko (2005), é

possível perceber como a visão de reforma, num sentido de conserto, era empregada

com relação a crianças e adolescentes considerados fora do padrão. O livro é

resultado do diário pessoal que o autor manteve quando foi diretor de um

reformatório ucraniano, a colônia Gorki. Enfim, era preciso construir um “novo

homem” e essa construção deveria começar pela educação das crianças e dos

adolescentes, dos filhos dos camponeses, praticamente todos analfabetos como seus

pais; dos filhos dos operários com pouca ou nenhuma instrução; e dos menores

abandonados, os meninos e as meninas de rua.

Assim também se configurou, de certa forma, o sistema penal no Brasil,

na medida em que visava criar um “novo homem” ou retomar o homem “normal”

que se encontrava desviado do seu rumo. A prisão, símbolo do direito de punição do

Estado, teve, quando de sua implantação no Brasil, utilização variada: foi alojamento

de escravos e ex-escravos, serviu como asilo para menores e crianças de rua, foi

confundida com hospício ou casa para abrigar doentes mentais e, finalmente,

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fortaleza para encerrar os inimigos políticos. Monumento máximo de construção da

exclusão social, cercado por muros altíssimos ou isolados em ilhas e lugares

inóspitos, escondia uma realidade desconhecida e, às vezes, aceita pela população: os

maus-tratos, a tortura, a promiscuidade e os vícios, em uma representação nada

agradável do universo carcerário.

Em São Paulo acontecia um movimento similar quando foi criado o

Serviço de Reeducação, destinado à fiscalização e orientação pedagógica e

administrativa em todos os institutos disciplinares para menor, como os de Mogi

Mirim, Taubaté, Lins e Batatais. Introduziu-se o ensino profissional como parte das

medidas gerais de reeducação e recuperação de jovens. Às crianças foi destinado o

movimento de trabalho pela educação no campo, por meio de oficinas de arte.

Durante um período de mais de 20 anos, entre 1902 e 1924, conforme

levantamento na legislação e nos relatórios dos Presidentes de Estado7, a política

paulista para atendimento resultou nas seguintes medidas:

- Criação de três institutos disciplinares (na capital, em 1903, em

Mogi Mirim e em Taubaté, em 1911);

- Criação de uma penitenciária-modelo na capital, em 1920 (a

Penitenciária do Estado);

- Criação da Colônia Correcional da Ilha dos Porcos;

- Reorganização do aparato policial com a Secretaria de Segurança

Pública (de 1907);

- Consolidação da legislação sobre processos policiais;

- Implantação de um gabinete de identificação;

- Consolidação dos processos sobre menores em 1924 e 19258.

7 Título dado aos comandantes do governo durante o período de revolta em 1924. 8 De acordo com o texto escrito por Denilson Cardoso de Araújo, serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e Inês Joaquina Sant'Ana Santos Coutinho, juíza de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Teresópolis/RJ: “(...) Se evoluímos do paternalismo filantrópico

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Em 1964, em substituição ao Serviço de Atendimento do Menor (SAM),

foi instituída pela lei número 4.513 a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM), tendo em seu estatuto finalidades e objetivos, como por exemplo:

promover, mediante o estudo do problema e o planejamento das soluções, a execução

da política nacional do bem-estar do menor; atendimento das necessidades básicas do

menor atingido por processo de marginalização social; observar os compromissos

constantes de documentos internacionais a que o Brasil tenha aderido ou vier a

aderir.

Considerando novamente o universo político do atendimento em São

Paulo, podemos observar que, concomitante a esse poder concedido para o

atendimento estadual a esse tipo de “clientela”, a então Política Nacional do Bem-

Estar do Menor (PNBEM) normatizava e estabelecia diretrizes para o atendimento

como um todo.

Criada no final de 1973, sob a denominação de Fundação Paulista de

Promoção Social do Menor − Pró-Menor, a Febem SP propunha-se a promover a

integração social de crianças e adolescentes por meio da implementação das

diretrizes da PNBEM. A lei estadual 985/76 alterou a denominação de Pró-Menor

para Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). Prossegue com a

característica de estímulo e apoio às ações para minorar a incidência de processo de

marginalização social sobre a criança e o adolescente. A Missão da FEBEM,

à construção democrática de comprometimentos comunitários e estatais, temos ainda, ligando os dois marcos legais, a mesma miséria da realidade social brasileira. Injusta e excludente nos anos 20 do século passado. Cruel e certamente mais complexa em pleno século XXI. No entanto, vencer a injustiça não é obra somente de textos, mas tarefa de homens de bem. Com a ação, bons homens podem minorar imperfeições de ‘maus textos’ e podem maximizar o bem que lhes dispuserem ‘textos bons’. Mas os inertes e o omissos agravam maldades e impedem bondades, independente das letras que lhes forneçam”. Nessa trilha de raciocínio, cremos ser possível conceder à obra de Mello Mattos - e ao trabalho dos que o sucederam - a merecida importância, tantas vezes desnecessariamente mitigada no intuito de defenderem-se os inegáveis avanços promovidos pela Lei 8.069/90 (ARAÚJO e COUTINHO, 2007).

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conforme seu estatuto social (8.777, de 13/10/76), era “aplicar no Estado de São

Paulo as diretrizes e normas da política nacional do bem-estar do menor, assim como

promover estudos e planejar soluções”.

A Lei nº. 6.697/1979, o Novo Código de Menores, substituiu a

classificação de “menor abandonado e delinquente” por “sistema de descrição do

estado socioeconômico-familiar” dos menores e instituiu a prisão provisória para o

menor, a qual poderia ser decretada sem a presença do curador de menores.

Com a redemocratização do Brasil na década de 1980, o projeto de

ampliação da intervenção estatal daria lugar a novas propostas de atendimento aos

adolescentes em conflito com a lei, muitas delas provenientes dos movimentos

sociais de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes e de movimentos

internacionais.

Esses movimentos colaboraram com a promulgação da nova Constituição

Federal e a adoção de um novo paradigma de atendimento. Somente com a nova

visão de proteção integral as ações de atendimento a crianças e adolescentes

passaram a ser prioridade. Se esse paradigma estava posto no papel, ou seja, se

existia teoricamente, na prática levou muito tempo para começar. Após a aprovação

do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diversos planos de reorganização do

atendimento foram traçados. Vale ressaltar que a Instituição paulista ainda atendeu

“carentes e abandonados” até o ano de 2001, através do SOS Criança.

A FEBEM vigorou até 13 de dezembro de 2006, quando passou a se

chamar Centro de Atendimento Socioeducativo Fundação Casa. Também houve

empenho para mudança de paradigma já que a Fundação Casa é uma instituição com

personalidade jurídica de direito público interno, com autonomia administrativa e

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financeira, vinculada à Secretaria de Estado da Justiça, mantida pelo governo do

Estado de São Paulo.

Para atender às novas diretrizes de atendimento preconizadas pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo (Sinase), a FEBEM passou por um processo de

reestruturação que leva consigo, além da mudança de nome, a elaboração de um

plano de atendimento estadual aprovado em 04 de outubro de 2006. Esse plano

estabelece a nova política de atendimento, que tem sido implementada na instituição

desde 2005, com início na gestão sob a presidência de Berenice Gianella. Tal política

tem como principais características e eixos norteadores:

1. Construção de unidades pequenas e descentralizadas;

2. Criação do Plano de Atendimento Socioeducativo;

3. Regionalização administrativa;

4. Investimento na área pedagógica;

5. Capacitação de funcionários9.

Com o intuito de assegurar a participação das famílias e comunidades no

processo socioeducativo dos adolescentes, a Fundação Casa tem investido na

construção de unidades pequenas e descentralizadas. As novas unidades de

internação são planejadas para abrigar 40 adolescentes em cumprimento de medida

de internação e 16 adolescentes em internação provisória, levando em consideração o

atendimento na região de moradia do adolescente. Procura-se romper com a política

de grandes complexos e também se prioriza a relação dos adolescentes com as

famílias. Tanto as novas unidades de semiliberdade quanto às de internação podem

9 Política pública disponível no site da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania: http://www.justica.sp.gov.br/novo_site/modulo.asp?modulo=485&Cod=485, acessado em setembro de 2010.

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ser administradas em gestão compartilhada ou no sistema de gestão plena. Hoje, no

Estado de São Paulo, são 10 unidades com uma média de 56 adolescentes em

atendimento socioeducativo com o Modelo Pedagógico Contextualizado10.

Contrapondo qualquer movimento que inspire o paradigma da situação

irregular, os princípios norteadores do atendimento socioeducativo cedem caminho a

uma nova perspectiva de atendimento, dando prosseguimento às prerrogativas

trazidas no Estatuto da Criança e do Adolescente e cria seu processo de

regionalização. Nessa trajetória de regionalização administrativa, foram criadas 11

Divisões Regionais, sendo 6 na região metropolitana de São Paulo (DRM I a V e a

VI de Campinas, a partir de 17 de julho de 2008) e 4 no interior do Estado (Norte,

Oeste, Sudoeste, Vale do Paraíba e uma no litoral).

10 Hoje, no Estado de São Paulo, funcionam com base no Modelo Pedagógico Contextualizado as unidades de Sorocaba (2), Franca (1), Osasco (2,) Taubaté (1), Caraguatatuba (1), Jacareí (1), Jundiaí (1) Mogi Mirim (1), perfazendo um total de 10 unidades. Guarulhos iniciou com o Modelo pela metade e não teve avaliação, sendo, por isto, considerada de aplicabilidade inexistente (Dados da Fundação CASA SP, Núcleo de Produção e Informações Estratégicas - NUPRIE).

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1.3 BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Em 17 de julho de 1967, no governo estadual de Cristiano Dias Lopes

Filho (1967-1971), foi criada a Fundação Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor

(FESBEM) com o objetivo de executar a Política Estadual de Integração Social do

Menor à respectiva família e à comunidade, em conformidade com a Política

Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM).

Após uma reestruturação, em 27 de outubro de 1980, o órgão passou a

ser chamado de Instituto Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor (IESBEM),

denominação alterada em 15 de julho de 1999 por meio da Lei Complementar

nº162/99, artigo 5º, para Instituto da Criança e do Adolescente do Espírito Santo

(ICAES). Em dezembro de 2002, o ICAES foi submetido a intervenções judiciais,

por parte do Ministério Público, em razão do descaso do governo do Estado, bem

como pelo registro de irregularidades nas unidades.

No período entre 1995 e 2003, registra-se o desmonte institucional, a

descontinuidade das ações, a inércia política, descaso para o cumprimento das

determinações legais. Com o término da intervenção judicial, em junho de 2003, o

poder executivo reassume a responsabilidade pelo atendimento socioeducativo.

O governo do Estado do Espírito Santo, por meio da Lei Complementar

nº 314, de 03 de janeiro de 2005, reordena a estrutura organizacional básica do

Instituto, entidade autárquica com personalidade jurídica de direito público interno,

autonomia administrativa e financeira, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça,

passa a ser denominado como Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito

Santo (Iases). A mudança atendia à normativa prevista no ECA. O Iases é uma

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autarquia com personalidade jurídica de direito público interno, com autonomia

administrativa e financeira.

A partir do reordenamento institucional, houve a implantação de um

novo organograma que contemplou instâncias dos níveis de direção superior, de

gerência e de execução programática, em busca da instituição de uma política pública

de atendimento socioeducativo no Espírito Santo, pautada no paradigma da proteção

integral.

O Iases tem como objetivo coordenar e articular a execução das medidas

e promover a defesa dos direitos do adolescente em conflito com a lei, sendo

composto pelas seguintes unidades: Unidade de Internação Socioeducativa

Masculina (Unis), no município de Cariacica; Unidade Feminina de Internação

(UFI); Atendimento Inicial do Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo

(CIASE), no município de Vitória; e a Unidade de Internação Provisória (Unip), no

município de Cariacica.

Além de todas as unidades mencionadas, também faz parte do Iases, o

Centro Socioeducativo para Adolescentes Privados de Liberdade, unidade gerida em

regime de gestão compartilhada com uma Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (Oscip), a ACADIS (Associação Capixaba de Desenvolvimento e

Inclusão Social) 11.

Faz parte provisoriamente da estrutura do Iases a Casa de Passagem

Maria da Penha Guzzo, em Vila Velha, e a Unidade de Atendimento ao Deficiente

11 A Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social – ACADIS foi fundada em 30 de julho de 2008, a partir da experiência vivenciada por Gerardo Bohórquez Mondragón nas instituições com população adolescente no cumprimento de medidas de caráter socioeducativo, tanto na Colômbia, quanto no Brasil. As anteriores experiências fizeram suscitar no autor questionamentos contundentes sobre as diferentes estratégias de intervenção para abordar os adolescentes e suas famílias dentro do processo de mudança. O plano do Modelo Pedagógico Contextualizado para o Espírito Santo está disponível no site: http://www.biceal.org/e_upload/pdf/mpc__parte_i.pdf. Acessado em setembro de 2010.

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(Unaed), em Cariacica, até que sejam desvinculadas, conforme legislação pertinente

e previsto no Plano de Atendimento Socioeducativo12.

Para cumprir sua missão institucional é necessário ousar, dar um salto de

qualidade que proporcione o desenvolvimento da política pública institucional na

completude de suas dimensões legais, éticas, técnicas e operacionais. Com isso,

pode-se trabalhar não apenas o paradigma preexistente na sociedade civil, como

também nas pessoas que estão diretamente ligadas ao trabalho de atendimento

socioeducativo. Portanto, uma das preocupações do Iases é a implantação de uma

Escola de Formação, como a já existente no Estado de São Paulo.

Uma das estratégias para a implementação da política pública

estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pelo Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e pelas resoluções deliberadas

pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CRIAD) consiste

na elaboração do Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, eixo norteador

para o trabalho estratégico.

Esse plano contempla a premissa básica dos parâmetros, das diretrizes e

dos princípios do Sinase, utilizando a referência dos acordos internacionais sobre

direitos humanos, em especial na área da criança e do adolescente, porém

considerando a dificuldade de aplicação diante de uma sociedade com histórico

arraigado de violência.

O Iases, no desenvolvimento de suas ações, prioriza a municipalização

dos programas de medidas socioeducativas em meio aberto, estabelece um

reordenamento institucional compatível com as demandas apresentadas pelo

12 Todas as informações acima foram colhidas no Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo do Estado do Espírito Santo. O Plano, elaborado em 2006 e com proposituras até 2025, é um grande desafio.

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atendimento e propõe uma política de valorização dos funcionários. Enfim,

estabelece procedimentos que garantam mudanças nos conteúdos, métodos e

modelos de gestão.

O Espírito Santo apresenta concentração de renda13, principalmente nas

cidades com maior potencial de desenvolvimento econômico. Essa concentração é

parte da herança do vasto movimento migratório ocorrido no final da década de 1970

e início dos anos 1980, motivado pela busca de oportunidades quando da instalação

da Siderúrgica de Tubarão e com a expansão da Companhia Vale do Rio Doce. Esse

movimento continuou nos anos 1990 e prevalece até o momento atual, aquecido pelo

boom da construção civil.

Constata-se que o movimento migratório prevalece na ocupação dos

postos de trabalho, principalmente de pessoas oriundas dos municípios do sul da

Bahia, dada a proximidade geográfica, trazendo, como consequência, um

considerável contingente populacional com pouca ou nenhuma formação.

O impacto desse cenário é o posicionamento do Estado no ranking

nacional de violência, que o coloca em 13º lugar no Índice de Desenvolvimento

Juvenil (IDJ)14. A violência é o que mais afeta a qualidade de vida do jovem no

Espírito Santo. Quando se consideram mortes por causas externas, como homicídios,

suicídios e acidentes de trânsito, o Espírito Santo fica entre os três piores estados do

13 De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a renda per capita anual dos mais pobres no Estado do Espírito Santo chegou a encolher 2,3% em 2009. Os 10% mais ricos viram, em média, seus rendimentos crescerem 10,6%. Apesar disto, alguns dados melhoraram, como por exemplo, o percentual de adolescentes com idade entre 15 e 17 anos que frequentam as escolas continua aumentando. Segundo dados da mesma pesquisa, em 2009, 84,7% deles estavam indo às aulas. Percentual superior ao do ano anterior, quando 82,9% estavam matriculados. Dados disponíveis no site do Conselho Regional de Economia do Espírito Santo: http://www.corecon-es.org.br/noticias/3483-crise-financeira-deixou-ricos-ainda-mais-ricos-no-estado.html. Acessado em setembro de 2010. 14 Cf. Julio Jacobo Waiselfisz. Mapa da violência 2010: anatomia dos homicídios no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2010. Disponível em: http://www.institutosangari.org.br/mapadaviolencia. Acessado em setembro de 2010.

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país. Entre os 30 municípios do Brasil com as maiores taxas médias de homicídio,

entre 2002 e 2006, destacam-se as cidades capixabas de Serra (4º lugar), Vitória

(13º), Viana (17º) e Cariacica (20º).

Contudo, o Espírito Santo demonstra capacidade de desenvolvimento ao

pautar as oportunidades a partir da evolução do quadro político-institucional,

construída com um modelo de parceria entre poderes, instituições e sociedade15. A

capacidade das unidades de atendimento para as quais os jovens são encaminhados

ainda proporciona o fenômeno da superlotação, fator predominante durante todo o

período de 2003 a 200916. Sobre este problema devemos destacar a Carta de Vitória,

de 14 de maio de 2009, produzida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e

do Adolescente (Conanda):

Destacam-se, inicialmente, alguns avanços na implementação do

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) (...).

Embora tenham sido observadas estas iniciativas, o Conanda

identificou graves violações dos direitos dos adolescentes em

15 Uma análise deste modelo de gestão pode ser lida no relatório de Danielle Merisio Fernandes Alexandre e Fernando Antonio Marins de Albuquerque. O modelo OS do Espírito Santo: a gestão de um centro socioeducativo. Apresentado no III Congresso Consad (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração) de Gestão Pública, realizado entre 15 e 17 de março de 2010, em Brasília. Trabalho disponível em: http://www.repositorio.seap.pr.gov.br/arquivos/File/Material_%20CONSAD/paineis_III_congresso_consad/painel_41/o_modelo_os_do_espirito_santo.pdf. Acessado em setembro de 2010. 16 O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) noticiou, em 17/06/2010, que as unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei no Espírito Santo, visitadas por juízes do mesmo Conselho, foram consideradas inadequadas. A conclusão faz parte do Relatório dos juízes auxiliares da Presidência do CNJ, Ministro Cezar Peluso. Na visita às unidades, realizada no último mês de maio, os juízes auxiliares da Presidência, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho e Tatiana Cardoso de Freitas, verificaram a má conservação das unidades, falta de higiene, superlotação e sistema de segurança equiparado ao de presídios. Os juízes do Conselho visitaram o Centro Integrado de Atendimento Socioeducativo (Ciase), em Vitória; a Unidade de Internação Socioeducativa (Unis/Unip); o Centro Socioeducativo do IASES, ambos de Cariacica; e, a unidade de cumprimento das medidas de semi-liberdade, em Vila Velha. Na primeira visita, realizada no Ciase, os juízes constataram que o local tinha capacidade para 65 jovens e abrigava 107 adolescentes. “Nesse estabelecimento, que deveria apenas receber os adolescentes apreendidos para apresentação ao Ministério Público e onde eles permaneceriam até que fosse decidida por sua internação provisória ou não, existe um grande contingente de jovens que estão internados provisoriamente”, diz o Relatório. A única unidade que contempla as especificidades da lei é o Centro Socioeducativo (CSE), em que está implantado o Modelo Pedagógico Contextualizado. Disponível no site www.eshoje.com.br/portal/leitura-noticia,inoticia,3692,conselho+nacional+de+justica+considera+inadequadas+unidades+de+internacao+do+espirito+santo.aspx. Acessado em setembro de 2010.

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cumprimento de medidas socioeducativas (...). Das violações

postas, ressaltamos a extrema precariedade das instalações prediais

das unidades de internação, que operam com superlotação,

insalubridade, sem iluminação e ventilação, rede elétrica

danificada, condições sanitárias subumanas, alimentação imprópria

para o consumo e para a faixa etária, e que afrontam o princípio da

dignidade humana e colocam em risco a saúde e a própria vida dos

adolescentes17.

Uma das iniciativas para solucionar o problema foi a construção de uma

unidade com base no Modelo Pedagógico Contextualizado e a construção de outras

unidades para um número menor de atendidos. No que diz respeito ao funcionamento

das unidades de atendimento, é preciso destacar que existem espaços físicos sem

condições adequadas para a realização de um trabalho condizente com o respeito à

dignidade humana, tal como determinado pela legislação vigente. Um dos maiores

desafios do Iases é a estrutura organizacional, que não contempla a amplitude do

trabalho exigido pelo aumento da demanda de atendimento e pela ampliação do raio

de ação do Instituto na execução dos seus programas.

Constata-se que os adolescentes atendidos pelas unidades não têm acesso

ao amplo direito de defesa em virtude da fragilidade do Sistema de Garantia e Defesa

dos Direitos. As novas formas de atendimento ainda funcionam de modo muito

rudimentar. A centralização da execução do atendimento socioeducativo em meio

fechado, na Região Metropolitana de Vitória, tem como consequência o afastamento

do adolescente de seus familiares e de sua comunidade de origem, o que inviabiliza

sua inclusão social. O Iases revelou que planeja descentralizar o processo de

atendimento socioeducativo, justamente porque os adolescentes que são atendidos na

17 A “Carta de Vitória” está disponível em: http://www.forumdca.org.br/index.cfm?pagina=noticias&noticia=6. Acessado em setembro de 2010.

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capital ficam distantes de seus familiares. Contudo, para alcançar esta meta se faz

necessária uma reformulação em seu plano estadual, concernente à construção de

novas unidades e à contratação de recursos humanos.

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CAPÍTULO II

2.1 ANÁLISE E MAPEAMENTO DOS PONTOS RELEVANTES NA ESCOLHA

DE UM MODELO PEDAGÓGICO

Seguindo os caminhos do planejar um modelo, inspiramo-nos na

experimentação, pela primeira vez, do que vemos todos os dias. Parece algo fácil,

mas não é: o que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade.

Inicialmente, devemos nos preocupar com os elementos importantes para a

elaboração, escolha e aplicação de um modelo. Temos algumas definições iniciais

para o que vem a ser um modelo pedagógico.

Modelo pedagógico é o referencial teórico-metodológico que contém os

fundamentos pedagógicos orientadores das ações educacionais. Expressa a

concepção de sujeito e o perfil do profissional que a instituição deseja desenvolver,

além de definir as teorias de aprendizagem que melhor permitam orientar o

desenvolvimento desse perfil. Alinha-se ao planejamento estratégico, bem como ao

desenvolvimento dos indivíduos, na busca constante de aprendizagem. Sendo assim,

um projeto não pode ser concebido de forma abrupta e repentina e é necessário que

compreendamos o valor de seu alcance.

Quando falamos em modelos pedagógicos estamos abordando um

referencial teórico metodológico que traz fundamentos pedagógicos capazes de

orientar as ações educacionais. Funciona como um plano estratégico que tem por

finalidade nortear os atos educacionais a serem aplicados. Tendo como fonte de

inspiração o Art. 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a Declaração de

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Jomtien18 e o Relatório Aprendendo a Ser e Conviver (UNESCO), podemos dizer

que o conhecimento proposto pelo Modelo Pedagógico Contextualizado (MPC) tem

dez funções principais na vida do educando:

1. Continuar aprendendo;

2. Produzir novos conhecimentos;

3. Ser mediador de conhecimentos;

4. Participação na comunidade;

5. Aquisição de competências e habilidades;

6. Projeção do futuro;

7. Compreensão do passado;

8. Poder de decisão;

9. Alteridade;

10. Relação intrapessoal.

Um dos principais referenciais adotados pelo Modelo Pedagógico

Contextualizado é a concepção de Paulo Freire para quem “o ser humano é,

naturalmente, um ser da intervenção no mundo à razão de que faz a História. Nela,

por isso mesmo, deve deixar suas marcas de sujeito e não pegadas de puro objeto”

(2000: 119).

O Modelo prevê, em sua organização, as fases de desenvolvimento do

adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação e de sua

família, possibilitando a busca dos objetivos, estratégias, ações e metas a serem

conquistadas.

18 “Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem”, é também conhecida como Declaração Mundial sobre Educação para Todos e foi aprovada em 09 de março de 1990, na Tailândia, durante a Conferência Mundial sobre Educação.

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O MPC é crítico em relação às diversas formas de preconceito existentes

na sociedade e considera que uma entidade executora de medidas socioeducativas, ou

um local de atendimento educacional, deve contemplar em suas atividades algo que

forneça a eles (atendidos) possibilidades de crescimento e emancipação.

Um modelo pedagógico deve ter em seu arcabouço político a convicção

de que o seu acompanhamento e monitoramento é um exercício democrático, via

uma concepção dialógica e formativa. O primeiro passo é ter clareza sobre para

quem está sendo tecido o projeto. O segundo ponto aconselhável é que se trabalhe na

perspectiva daquilo que se pretende atingir. Redigir um projeto, pensar num modelo

de atendimento, não é mera atividade administrativa. Sobretudo, é a tradução de uma

elaboração do trabalho em equipe. Partimos para a fase de construção das diretrizes,

a parte operacional que estabelece a forma como serão realizadas as atividades e as

maneiras como elas se processarão na convivência. O passo final é o estudo

fenomenológico do processo, pois este nunca acaba e consiste justamente na síntese

das argumentações construídas. Para isso, é necessário que se monte a forma de

acompanhamento e avaliação do modelo como parte do projeto pedagógico.

De acordo com Regina Sobreira (2008)19, o olhar antropológico sobre a

educação considera o contexto social e cultural em que a criança, o jovem e o adulto

estão inseridos. Isto significa considerar que essas três faixas etárias são diferentes e

pertencem a classes sociais diversas. Os hábitos, os costumes e os valores presentes

nas famílias e na comunidade aos quais pertencem, bem como os valores dos

profissionais que atuam no ambiente escolar, interferem na sua percepção de mundo

e na sua inserção na sociedade.

19 Regina Sobreira. Do texto ao trabalho científico. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/9841/1/Do-Texto-ao-Trabalho-Cientifico/pagina1.html#ixzz0xCXg5A00. Consultado em outubro de 2010.

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Segundo Ítalo Gastaldi, o grande desafio da educação nos dias de hoje

reside na questão dos valores, ou seja, na capacidade de as gerações adultas

possibilitarem aos jovens identificar, incorporar e realizar os valores positivos

construídos. Nesse sentido, nos ensina Gastaldi, “valor é a força capaz de tirar o

homem de sua indiferença e provocar nele uma atitude de avaliação” (1994: 17).

O Modelo Pedagógico Contextualizado propõe uma mudança de

paradigma, uma nova postura no agir, uma opção preferencial pelo adolescente que

se encontra em conflito com a lei.

O MPC surge então a partir de:

1. Prática socioeducativa;

2. Necessidade de operacionalizar as leis que promovem a defesa

dos direitos da criança e do adolescente;

3. Uma resposta às exigências sociais.

E busca promover na sua implantação:

1. A desinstitucionalização;

2. A responsabilização da sociedade civil;

3. A responsabilidade compartilhada – adolescente, família,

instituição e sociedade;

4. O protagonismo juvenil e a autogestão para a construção de um

projeto de vida.

O Modelo Pedagógico Contextualizado vê o ser humano como uma

realidade concreta, susceptível à mudança e inserida no mundo. Caso contrário, o

trabalho com pessoas que estão vivendo a experiência delituosa estaria fadado a

permanecer estagnado. É preciso levar o adolescente a compreender a importância do

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trabalho para o autoconhecimento e a consciência clara da sua participação como

protagonista, a fim de não apenas cumprir as regras mecanicamente. O trabalho de

execução do Modelo estabelece a ponte entre a linha tênue da internação (privação

de liberdade) e a vivência paulatina de integração com a rede de serviços e parceiros

durante o cumprimento da medida socioeducativa.

A mudança de paradigma que se pretende alcançar, por meio da

educação contextualizada, tem como foco principal a desarticulação das chamadas

“universidades do crime”20, oferecendo uma proposta de inclusão gradativa ao meio

familiar, comunitário e social e minimizando as consequências da privação de

liberdade a partir de uma perspectiva de responsabilização social. É preciso educar

em um ambiente que não possua as características da rotina de um centro de

contenção, pois a ideia principal está em oferecer aos adolescentes condições de

inserção social e construção de uma nova trajetória. O olhar com amadurecimento

depende intimamente das mudanças internas pessoais. O conceito de resiliência21 é

muito particular e o socioeducador deverá ser sempre uma presença educativa, assim

como um desencadeador de questionamentos e de formas diferentes de pensar e agir,

de compreender. Sobretudo, de saber quem de fato ele é, o que gostaria de ser e

como vencer os desafios presentes no cotidiano.

Educar para incluir no âmbito da responsabilização social permite a

proposição do adolescente como um sujeito provocador de mudança na família e na

comunidade, esperando com isso que a visão no atendimento não seja somente

20, Cf. Elias Mattar Assad. Universidade do crime: lá ou aqui. Disponível em http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080917124938670, acessado em setembro de 2010. 21 Na neuropsiquiatria estudos têm demonstrado que nosso cérebro tem a capacidade de se moldar diante dos acontecimentos vivenciados em nosso dia a dia, sendo que o ambiente em que estamos inseridos tem grande papel transformador. Segundo Infante (2005),, a resiliência pode ser promovida com a participação de pais, pesquisadores, pessoas que trabalham na área implementando programas psicossociais e serviços sociais junto à comunidade.

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intramuros, mas também extramuros. O MPC parte de uma leitura do contexto onde

será desenvolvida a proposta educativa, considerando a cultura na qual o adolescente

está inserido. Deve-se ter em conta também o ambiente educativo institucional,

visando garantir um adequado processo de acompanhamento pedagógico e de

segurança.

Dentre todos os elementos conceituais que o MPC traz em seu

arcabouço, não podemos deixar de destacar a “voz”, sinal da presença do outro

remetendo ao contexto pedagógico (COSTA, 1995). Para o desenvolvimento do

atendimento ao adolescente é preciso ouvir a sua voz, o que, em algumas ocasiões,

torna-se impossível pelo deterioramento das relações, pelo cansaço, pela rotina do

cotidiano. A escuta exige, como primeiro gesto, que o atendimento se fundamente

numa antropologia do face a face, isto é, do saber situar-se na relação sujeito-sujeito.

É importante a leitura crítica dos dinamismos sociofamiliares e

comunitários que levam os adolescentes a se envolverem no cometimento de atos

infracionais. Além disso, é interessante desenvolver o pensamento transdisciplinar,

com a capacidade de gerenciar e criar mecanismos de atuação no ambiente educativo

sob diferentes perspectivas do saber. Leva-se em consideração, na construção de um

modelo, as necessidades especiais de cada um, destacadas nas intervenções

terapêuticas.

Um dos principais objetivos do MPC é oferecer uma intervenção integral

junto aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação por

meio de processos pedagógicos, socioterapêuticos, sistêmicos e reflexivos que sejam

eficazes na abordagem da sua problemática. Permitir a integração dos adolescentes

com as suas famílias e com o entorno social, com a finalidade de assegurar a busca

pelo seu projeto de vida, ou seja, uma ação fundamentada na identificação de fatores

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de risco, no reconhecimento e no desenvolvimento de potencialidades. A educação

“deve contribuir para o desenvolvimento integral da pessoa- espírito e corpo,

inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade social,

espiritualidade”22.

22 Cf. Jacques Delors et alli. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a U�ESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (1997).

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2.2 UM PROCESSO COM VÁRIOS AUTORES

O MPC possui uma metodologia construída sob a ótica do processo

intereducativo, que ocorre por meio de programas e projetos de crescimento. A

estrutura metodológica, assim como o alinhamento conceitual e teórico,

fundamentam-se no princípio de formação e construção coletiva – educadores,

adolescentes e famílias - que compõem a comunidade educativa do processo

socioeducativo (Sinase). Em seguida, na construção do projeto, há outra variável a

ser considerada: trata-se da transdisciplinaridade23, partindo da consideração de que a

complexidade do atendimento exige uma abordagem das várias áreas do

conhecimento, nas suas diversas dimensões.

O Modelo Pedagógico Contextualizado se desenvolve por meio de

programas e projetos de crescimento. O processo tem o foco na valorização das

experiências, na evolução e amadurecimento, por meio das conquistas. O tempo em

média para o atendimento e cumprimento desse modelo é de 10 meses. A somatória

dos meses nos quais o adolescente vivencia o MPC não sugere uma dicotomia com o

Estatuto da Criança e do Adolescente, mas sim um diferencial para a inclusão com

significado, no intuito de minimizar o índice de reincidência.

Cabe ressaltar que, em cada programa, com seus projetos específicos, o

adolescente vai trabalhando de forma a encontrar suas potencialidades. Da mesma

forma, a equipe de profissionais, por meio da interlocução com a rede

socioassistencial, vai restituindo a ponte social com a comunidade. Portanto, esse

tempo de 10 meses não é por mero acaso ou aleatório. O tempo é previsto para dar 23 A transdisciplinaridade atua na dinâmica que surge pela ação simultânea de vários níveis de conhecimento, cujo descobrimento passa necessariamente pelo processo de participação coletiva. Em outras palavras, é necessário que estejamos abertos para entender o que o outro (disciplina) enxerga, possibilitando compreender em que momento nos entrelaçamos na trama da vida e quando conseguiremos desatar certos nós. A temática utilizada de forma recorrente no Modelo Pedagógico Contextualizado pode ser encontrada no livro de Ubiratan D'Ambrosio, Transdisciplinaridade.

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conta de intervenções compatíveis e não apenas como mera punição, além de ser

previsto, no final do programa, o desligamento paulatino do adolescente e as visitas

aos familiares nos finais de semana. O plano de intervenção intereducativo das

unidades socioeducativas toma, como ponto de partida, as problemáticas e

potencialidades do adolescente encontradas no diagnóstico, para assim elaborar o

plano de intervenção individual e grupal.

O primeiro passo a ser dado para a organização do trabalho de

planejamento é analisar a situação da unidade em que se pretende implantar o

Modelo e fazer, em sua região geográfica, um mapeamento de todas as necessidades

por meio da ferramenta chamada Ecomapa24:

Sistema Familiar

S. De Rede Comunitária

S. Grupo de pares

R. SocialR. Institucional

Fig. 1

Conforme o desenho apresentado, uma entidade, ou unidade que atenda

adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, ou mesmo uma escola, ou

ONG, que deseje escrever ou constituir um modelo pedagógico de socioeducação

24 Ecomapa é uma ferramenta social utilizada para traçar diagnóstico geográfico social, a fim de subsidiar melhor questões imbricadas no desenvolvimento sócio-político, sob a ótica sistêmica. Nessa formatação foi pensado por Gerardo Mondragón. Foi desenvolvido pela autora da pesquisa a articulação e ligação dos pontos, bem como o relato nos quadrantes que serão observados em visita domiciliar, após dados coletados com o adolescente.

Unidade

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deverá, inicialmente, usar ferramentas que subsidiem a construção do universo no

qual se pretende trabalhar. Ou seja, definir para quem está sendo pensado o trabalho

e como as futuras intervenções deverão ser realizadas.

Em relação ao quadrante superior da direita, que aponta o Sistema

Familiar, podemos dizer que a problematização deve partir da questão sobre quantas

famílias residem próximo ao local da unidade em que os jovens se encontram em

atendimento. Como podemos notar na figura, a parte escura central, ou o alvo, trata

da unidade propriamente dita. O primeiro círculo envolvendo a unidade corresponde

à pequena distância25; o segundo círculo corresponde à média distância26 e o terceiro

círculo corresponde à longa distância27. Os pontos marcados fora do círculo não

residem no mesmo município. O que pretendemos estabelecer é a distância do local

de moradia das famílias e identificar quais são os pontos de vulnerabilidade para a

visitação de ambas as partes.

O quadrante inferior da direita trata da rede comunitária de serviços, de

como está localizada a unidade em relação ao contato com prestadores de serviço tais

como: Correios, supermercado, farmácia, ponto de ônibus, praça, local para

alimentação, entre outras. Neste caso, é importante que se perceba como fica o

desenvolvimento de cada serviço em relação aos funcionários que atuam no local,

bem como aos visitantes que o frequentarão. Cabe ressaltar que o processo de leitura

em relação aos círculos é o mesmo.

Em relação ao quadrante inferior da esquerda, trata-se da análise da rede

sócioassistencial que circunda o local composta por Sistema de Educação (escolas de

25 Pequena distância está relacionada à questão geográfica em que o tópico indicado encontra-se no mesmo quarteirão da unidade. 26 Média distância está relacionada à questão geográfica em que o tópico do quadrante dista de 3 a 4 quilômetros da unidade. 27 Longa distância está relacionada à questão geográfica em que o tópico do quadrante dista mais de 4 quilômetros da unidade.

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educação infantil, fundamental e médio e também creches, diretorias de ensino,

Secretaria Municipal de Educação); Sistema Único de Saúde (hospitais, postos de

saúde, clínicas entre outros); sistema de assistência social (CRAS, CREAs, Conselho

Tutelar, conselhos municipais entre outros); e sistema de justiça e segurança pública

(delegacia, postos policiais, fórum etc.).

O grupo de pares são as pessoas consideradas amigas e de relação bem

próxima. Quando cita pares, o MPC está se referindo a que distância os amigos se

encontram da instituição.

Com a leitura visual é possível identificar quais são os pontos nevrálgicos

e assim começar a construir um plano de ação para evitar riscos sociais, bem como

estabelecer a melhor forma de fazer a articulação e mobilização com a Rede,

minimizando perdas e dirimindo questões mais congruentes às necessidades do

sujeito a ser atendido.

Definidas as relações sociais com base no Ecomapa, o MPC propõe a

construção e o desenvolvimento da jornada pedagógica a ser desenvolvida na

instituição, tais como: o desenvolvimento de um programa integral para a família

(PIA Familiar); elaboração e delineamento de abordagens intereducativas e

socioterapêuticas, de acordo com as características da população; realização de

programas paralelos que favoreçam o processo de contextualização e aproximação à

vida cotidiana; estruturação de atividades de saídas da instituição; seleção e

capacitação do pessoal de forma contínua.

Uma tarefa pedagógica, ferramenta utilizada no Modelo Pedagógico

Contextualizado, são aquelas atividades que visam o aprofundamento do adolescente

nos programas e projetos que fazem parte da jornada pedagógica. Na Instituição, a

jornada do adolescente poderia ocorrer de forma a permitir que sua caminhada se

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desenvolva em um mesmo local. Um dos aspectos é o contrato pedagógico que o

adolescente, a família e o socioeducador selam em cerimônia de compromisso em

torno do reconhecimento mútuo no trabalho socioeducativo.

A atividade da jornada permite que o adolescente reflita sobre suas

dificuldades, situações pessoais, causas, consequências e alternativas. As tarefas

pedagógicas servem de auxílio ao adolescente, nos casos em que há dificuldade de

sociabilidade no grupo. Servem como expressão da criatividade do adolescente e de

espaço reflexivo sobre temáticas concernentes a sua realidade. Através de uma

convivência construtiva e crítica, educadores e educandos experienciam na prática

cotidiana o desenvolvimento pessoal em todas as suas dimensões: o corpo, a mente, o

domínio das novas tecnologias, a alteridade e a consciência ética28.

As jornadas diárias são utilizadas como introdução ao grupo

socioterapêutico e seguem uma programação: encontro da manhã, hora da família,

assembleias. As tarefas pedagógicas são parte deste cotidiano e se colocam, além do

adolescente, para os grupos terapêuticos e para as equipes técnicas.

Alguns tipos de tarefas diárias da jornada pedagógica:

Seminários: devem ser elaboradas frases simples correspondentes

ao tema, por exemplo, “minha história de vida”. Cada frase deverá

apresentar um desenho que represente o tema. O adolescente é

quem elabora e explica com suas próprias palavras as conclusões e

alternativas as quais chegou após a condução do seminário. O

tempo que deverá ser utilizado é de 15 a 30 minutos. Em seguida,

haverá o questionamento grupal a respeito do trabalho apresentado

pelo adolescente. O grupo oferece sugestões de mudança para o

adolescente.

28 Cf. Tarcísio Scaramussa e Genésio Zeferino. Pedagogia do Amor - O sistema preventivo de Dom Bosco.

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Projeções artísticas: tem como objetivo oferecer um espaço

lúdico, em que o adolescente se confronte com a situação geradora

do conflito no grupo, na família e na instituição. Na metodologia,

devemos contemplar a sequência: proclamar a filosofia, avaliação

do estado de espírito de cada participante e, em seguida, o

esclarecimento da temática pelo educador. Deverá ser dado aos

adolescentes material artístico para que possam utilizar a

criatividade e externar suas habilidades, rumo ao objetivo do tema.

Em seguida, será apresentado o trabalho para o grupo. O grupo de

socioeducadores deverá, de forma promotora e respeitosa, fazer

emergir a situação conflitante e possibilitar questionamentos por

parte do grupo. Não é indicado que a tarefa termine sem

encaminhamentos, pois deverá sempre existir compromissos

assumidos que serão ações de melhora do cotidiano. Após o

término, o resultado deverá ser registrado no diário

socioterapêutico29.

Ajudas pedagógicas: existem algumas e são aplicadas de formas

diferentes nos dois estados, tendo em vista a concepção de

segurança em cada Estado.

Encontro da manhã: tempo de 30 minutos (indicado para

realização das atividades), seu objetivo é motivar o adolescente a

iniciar a jornada pedagógica com boa disposição para assumir as

atividades durante o dia, igualmente sensibilizá-lo sobre a

importância da autoavaliação que deverá realizar, quer seja

positiva ou negativa, de acordo com o alinhamento semanal. Existe

sempre o mesmo procedimento para a realização da tarefa, pois se

cria o hábito e o espaço para o debate, não acúmulo de dúvidas e,

ao mesmo tempo, o amadurecimento das ideias.

Hora da família: tempo de 30 minutos (indicado para realização

das atividades), seu objetivo é motivar os adolescentes a

reconhecer as suas próprias conquistas ou dificuldades e também

29 Material em caderno dado aos adolescentes que funciona como diário, em que ele escreve seus avanços e desafios e depois, com sua permissão, é lido pela equipe psicossocial (técnica), na perspectiva de pensar novas maneiras de intervir. Conforme estabelecido como norma de segurança, o adolescente tem seu momento para escrita privado, mas ao término é recolhido e encaminhado para a equipe mencionada, tudo com ciência do adolescente.

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as de seus colegas, nos diferentes setores e atividades do programa

vivenciado durante o dia.

Assembleia geral: tempo de 90 minutos (indicado para realização

das atividades), seu objetivo é criar espaços democráticos onde os

adolescentes possam se posicionar e participar das mudanças

institucionais e incentivar o pensamento crítico das realidades

pessoal, familiar e social.

Reunião com os representantes de programas: tempo de 90

minutos (indicado para realização das atividades), seu objetivo é

incentivar o protagonismo juvenil e a promoção dos adolescentes

para que se sintam parte de um processo que está em evolução.

Equipe técnica: tempo de 60 minutos (indicado para realização das

atividades), seu objetivo é a realização de grupos dinâmicos e

participativos que definem critérios claros para operacionalizar,

comunicar, organizar, executar e avaliar o processo vivido pelos

adolescentes, além de propor alternativas por meio de dinâmicas

participativas na busca do alcance dos objetivos da intervenção.

Equipe técnica disciplinar: tempo de 30 - 40 minutos (indicado

para realização das atividades), seu objetivo é proporcionar um

espaço de encontro da equipe transdisciplinar com o adolescente

para confrontar situações que estão gerando conflito, tanto no

grupo de referência como na instituição, oferecendo elementos de

reflexão sobre as condutas apresentadas e apoio para superá-las.

Equipe técnica de acompanhamento e crescimento: tempo de 40

minutos (indicado para realização das atividades), seu objetivo é

motivar o adolescente a assumir de maneira efetiva os objetivos

dos programas e projetos, tendo como base as conquistas obtidas

por meio do processo.

Equipe técnica familiar: tempo de 60 minutos (indicado para

realização das atividades), seu objetivo é sensibilizar e motivar a

família a ser um apoio afetivo, coerente durante o processo

socioeducativo.

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A temática e o objetivo da tarefa pedagógica, geralmente, estão

relacionados ao tema do grupo socioterapêutico, ou estão de acordo com as

necessidades vistas na unidade ou centro socioeducativo. A equipe de

socioeducadores tem a responsabilidade pela discussão e apropriação da temática

extraída do atendimento prestado, não só entre equipes, mas também com o

adolescente e familiares, pois cada qual tem seu instrumental de avaliação. A última

etapa será informar ao adolescente como está sendo visto o desenvolvimento da

elaboração de novas ações e encaminhamentos. É possível notar que nem sempre os

adolescentes se sentem à vontade quando recebem esse aconselhamento. Assim

como alguns socioeducadores, que ainda se encontram numa visão favorável à maior

contenção, tendem a administrar as dificuldades de forma a confundir disciplina e

educação.

As atividades de escolarização são muito similares nos estados de São

Paulo e do Espírito Santo, pois o sistema de educação está presente nos centros

socioeducativos ou unidades de atendimento, possibilitando que os professores que

atuam nessa rede estejam presentes. No último programa do Modelo Pedagógico

Contextualizado, em ambos os estados, os adolescentes frequentaram a escola saindo

da unidade, ou seja, as escolas do próprio município.

Na Casa Sorocaba, unidade da Fundação Casa, tivemos, em quatro anos,

68 jovens encaminhados ao emprego formal, com registro em carteira. Já no Centro

Socioeducativo do Iases, em um ano de existência, foram encaminhados 26 jovens

com a mesma prerrogativa. Quanto aos dados de reincidência, na Casa Sorocaba

contabilizou-se até o ano de 2009, a cifra de 20 jovens reincidentes. Em relação ao

Espírito Santo, em um ano (utilizando a mesma sistemática de contagem), apenas 01

adolescente reincidiu. Analisando os encaminhamentos à rede socioassistencial, a

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Casa Sorocaba forneceu dados apenas de 2010, em que realizou 150

encaminhamentos. Quanto ao Espírito Santo, em um ano fez 200 encaminhamentos.

Sorocaba tem 02 adolescentes cursando nível universitário (cursos de Farmácia e

Sistema da Informação). O Espírito Santo não tem nenhum adolescente nessa

condição. Todos os jovens frequentam escola na unidade com professores da rede

estadual de ensino, o que difere são as modalidades de ensino estabelecidas pelo

sistema educacional.

Em relação aos cursos de educação profissional, no Estado de São Paulo

a visão está para um ensino profissional inicial, pois não contempla a formação

concomitante. Apesar de alguns jovens estarem inseridos em cursos de educação

profissional fora da unidade, não é esta política que rege o Modelo. Dessa forma, a

Superintendência Pedagógica da Fundação Casa acaba englobando a metodologia

dos cursos, sendo transversal ao movimento original concebido. No Espírito Santo,

há maior autonomia nesse sentido e o Departamento de Educação reitera a proposta

de outra formatação para qualificação profissional dos jovens em cumprimento de

medida socioeducativa30. O que percebemos são parcerias sendo feitas em ambos os

estados, mas com menos burocratização no Estado do Espírito Santo31.

É possível identificar uma nítida diferença entre os estados no que se

refere ao apoio às ações do projeto. No Espírito Santo, há uma tendência em

transformar as unidades que ainda não adotam o Modelo Pedagógico

30 O Centro Socioeducativo tem autonomia para escolher a proposta que considera mais assertiva e consoante com o modelo aplicado. Não há uma superintendência que indique e normatize tudo da mesma forma. Ao contrário de São Paulo, em que a unidade não tem autonomia para refletir sobre a proposta e discutir com o nível hierárquico, pois as diretrizes já estão postas. 31 No Estado de São Paulo as parcerias são as seguintes: Pastoral do Menor, Cedeca, GAAPS, Instituto Diet. Porém, para captar esses parceiros existe uma burocracia muito grande no que tange aos pré-requisitos de tempo no atendimento socioeducativo. Em São Paulo há repasse de recursos e a contratação é feita pelo corpo técnico, pedagógico, administrativo e operacional. A segurança e a direção são indelegáveis e mantidas pela Fundação Casa. No Espírito Santo, a parceria é com a ACADIS e os recursos e a contratação de toda a equipe é de responsabilidade do parceiro, inclusive a segurança.

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Contextualizado em um movimento de separação, para jovens que tenham múltiplas

passagens. São Paulo quer transformar essas unidades em modelos perfeitos, de

acordo com as diretrizes da Instituição, mas não consegue pela inexperiência em

relação ao projeto e o não acompanhamento das ações já instaladas. Contudo, não

foram abertas mais unidades com esse modelo desde 2009, quando foi implantada a

última unidade em Caraguatatuba.

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2.3 INTERFACE COM A POLÍTICA DE SOCIOEDUCAÇÃO

Para a compreensão das intervenções pedagógicas com o Modelo

Pedagógico Contextualizado faz-se necessário provocar a leitura no sentido de

encontrar as manifestações atuais que tratam da importância de fazermos novas

descobertas de modelos. O Sinase (Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo) é uma conquista como as outras do início da década de noventa que

trouxeram a perspectiva social acerca dos direitos humanos.

Adrián Guiza Lavalle, em um artigo para a revista Lua �ova32, escreve

que a cidadania se constitui na cristalização institucional desses novos expedientes de

solidariedade abstrata e generalizada. Tal constatação nos permite refletir que há,

sobretudo para alguns segmentos da comunidade, uma prática assistencialista que

ainda perdura nos meios sociais. Ao invés de emancipar, o que seria o sinônimo de

empoderar sem manter uma relação amalgamada, tal prática transforma o indivíduo

num objeto, com a identidade social se transformando em números e programas.

A discussão sobre a interface com o Sinase demanda que trabalhemos no

sentido de compreender a socioeducação de forma mais ampla, como uma educação

social de formação e informação. Segundo Marcela Rodrigues e Ângela Mendonça33,

o objetivo geral da socioeducação é propiciar o crescimento individual, ao mesmo

tempo em que harmoniza a individualidade desenvolvida com a unidade orgânica do

grupo social ao qual o indivíduo pertence, permitindo a sua inclusão como

32 Cidadania, igualdade e diferença. In Lua �ova. Revista de Cultura e Política, nº 59/2003. 33 Marcela Marinho Rodrigues: Promotora de Justiça, lotada no Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Criança e do Adolescente do Paraná. Especialista em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Angela Mendonça: Pedagoga e bacharel em direito, lotada no Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Criança e do Adolescente- PR tem registrado material sobre socioeducação e práticas que estão sendo desenvolvidas, como no texto elaborado para Revista Igualdade XLIII - Temática: Medidas Socioeducativas em Meio Aberto - Volume II equipes transdisciplinares e os desafios de uma prática articulada em socioeducação.

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adolescente-cidadão protagonista de sua realidade e comprometido com a

modificação do mundo que o cerca.

Os programas de execução de medidas socioeducativas devem

possibilitar que os adolescentes se apropriem de certos instrumentais capazes de

instruí-los para a cidadania. É importante que os adolescentes aprendam a

organização e distribuição de conhecimentos e habilidades disponíveis no momento

histórico; que lhes seja permitida a preparação para o trabalho; o acesso ao

desenvolvimento tecnológico; a participação crítica na vida política, ou seja, o acesso

à cidadania. A socioeducação, articulada a partir dos eixos do desenvolvimento

físico, mental, e social34, poderá constituir-se como um espaço de oportunidades.

Em ambos os estados, do Espírito Santo e de São Paulo, o Modelo

Pedagógico Contextualizado não é a diretriz única do atendimento, mas percebemos

que, em ambos os momentos, foram trazidos como possibilidade de mudança. Um

dos pontos nevrálgicos trazidos pelas instituições é como adotar esse modelo para

adolescentes de múltiplas passagens, ou seja, com trajetória delituosa reiterada.

Depois do desligamento do autor do MPC, Gerardo Mondragón, que

estava como assessor da Presidência da Fundação Casa, não houve quem se

apropriasse do material. As pessoas que atuam em unidades naturalmente conhecem

a proposta, mas muitas vezes dominam questões mais estratégicas e operacionais do

que questões imbricadas nos elementos conceituais.

A Escola para Formação e Capacitação Profissional, no Estado de São

Paulo, sem dúvida foi um ganho para a instituição. Porém, com o passar dos anos,

34 Esse alinhamento é trazido pelo Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), como possibilidade de aprimoramento e sinergia para o atendimento nas diferentes dimensões, fato importantíssimo para construção do projeto pedagógico. O marco situacional traz essa prerrogativa no início do documento para elucidar as demais etapas.

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também não se estruturou para melhor conhecer e fazer novos multiplicadores do

MPC. Assim, o Modelo foi sendo abandonado a partir de 2010, sem ocorrer a

avaliação e supervisão que antes era mediada pelo autor do projeto. No Espírito

Santo, a organização de uma Escola para Formação tem seu início em 2010. A partir

dessa premissa fica a questão: como pensar novas formas de atendimento quando, na

verdade, não nos desapegamos do mero sentido de intervenção?

Em relação ao Espírito Santo, por exemplo, na unidade Centro

Socioeducativo, a admissão dos funcionários não é por concurso público e todos

trabalham com o cumprimento de metas. Há um programa de formação continuada

semestral do qual todos os socioeducadores participam. O autor do projeto não

trabalha na assessoria, mas como diretor do Centro Socioeducativo em gestão

compartilhada.

Para termos clareza da construção do Modelo será necessário conhecer

previamente que modelo está sendo previsto. Um dos destaques que fazemos é em

relação ao PIA (Plano Individual de Atendimento), que nesse modelo tem uma

sistematização para o adolescente e a família. Devemos ficar atentos para o

empoderamento da família responsável pelo adolescente em atendimento; é preciso

procurar atentar para dificuldades, necessidades, ciclo delituoso. Enfim, não é

interessante pensar em trabalhar com a evolução do adolescente de forma a não

envolver a família.

A aplicação do Plano Individual de Atendimento é realizada por

intermédio de psicoterapia breve para intervenção grupal, familiar e social. Partindo

do fato de que a família é um sistema, com características próprias que influenciam

na relação com os adolescentes, a intervenção grupal e familiar serve para

compreender esta relação fundamental. Com a intervenção grupal, procura-se

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encontrar as redes de apoio, as que determinarão o sucesso na intervenção do

adolescente. O processo fundamenta-se na ideia de atendimento sociofamiliar.

Segundo Léo Buscaglia (1992), o papel da família é oferecer um campo

seguro, onde as crianças possam aprender a amar, a formar sua personalidade única,

a desenvolver sua autoimagem e a relacionar-se socialmente. No atendimento, é

necessário compreender melhor o que acontece no interior deste sistema familiar e

ajudar para que se encontre a forma de ser funcional. É de fundamental importância

levar a família a compreender a condição do adolescente e a situação problemática

do ato infracional, muitas vezes compreendendo sua própria condição social.

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CAPÍTULO III

3.1 A INFLUÊNCIA DO MPC PARA O DESENVOLVIMENTO DOS ATORES

SOCIAIS

Para o educador contextualizado é imprescindível o diálogo, pois, através

dele, se interpreta o contexto do adolescente e o mantém aberto às mudanças que ele

desenvolverá durante seu processo. O diálogo exige confiança em nós mesmos e nos

outros; é o encontro para a tarefa comum do saber e do educar. Exige uma mudança

do pensamento tradicional para uma visão transformadora.

No Sinase está a propositura da inclusão comunitária, ou seja, uma das

possibilidades de administrar junto à sociedade o que se faz no atendimento. Na

condição de rede interna,35 podemos pensar que os sujeitos não se formam a partir de

uma única perspectiva. A instituição, em si mesma, já é uma rede ou pelo menos

deve ser um sistema articulado de ações, tendo em vista que cada um dos

profissionais tem sua origem e pertence a outro sistema social. Por sua vez, todos

estes sistemas se articulam e permitem a comunicação externa. Já em relação à rede

externa, o Modelo Pedagógico Contextualizado direciona todos os seus esforços para

constituir uma teia de parceiros que promova os direitos do adolescente na sociedade

civil, visto que a finalidade desta medida socioeducativa é a inclusão do adolescente

no contexto social e comunitário. Nesta perspectiva, a estrutura do Modelo cria um

departamento dentro da instituição que trabalha para a constituição desta rede de

parceiros. 35 Trata-se de assessoramento e defesa de direitos integrados, constituindo assim, a rede socioassistencial na Política Nacional de Assistência Social. Rede interna é a visão de comunidade em que todos estão voltados para o mesmo objetivo.

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A construção de um conceito aplicável de comunidade socioeducativa

traz como objetivo superior a possibilidade de ser alcançada uma gestão mais

participativa, que seja composta por profissionais, adolescentes e/ou programas de

atendimento socioeducativo - operando com transversalidade, tendo sempre como

principal destinatário o coletivo em questão, contemplando peculiaridades e

singularidades.

No interior do Sistema de Garantia de Direitos existem diversos

subsistemas que tratam de forma diferenciada as situações peculiares. Dentre outros

subsistemas, incluem-se aqueles que regem as políticas sociais básicas, de assistência

social, de proteção especial e justiça. Por estar inserido no Sistema de Garantias de

Direitos, o Sinase deve servir também para produção de dados que favoreçam a

construção e o desenvolvimento de novos planos, políticas, programas e ações para a

garantia de direitos. Dessa forma, a escolha do modelo de atendimento deve observar

parâmetros que nos levem à reflexão sobre como a sociedade se mobilizará para

enfrentar as dificuldades.

As funções deverão ser desempenhadas não como exercício de poder-

dominação sobre pessoas e grupos, mas como serviço de relacionamento social. Os

tipos básicos de articulação podem ser operacionais: caráter técnico; logístico ou

administrativo; ético-político. Atitudes que favorecem o sucesso de um processo de

articulação devem ser alvo de atenção permanente no planejamento conjunto das

ações e de avaliação contínua das atividades. Ainda em relação ao Sistema de

Garantia de Direitos, é relevante a articulação das instâncias públicas governamentais

e da sociedade civil na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento

dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos nos

níveis federal, estadual, distrital e municipal. Hoje, existe um entendimento corrente

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de que os órgãos que compõem o sistema podem ser agrupados em três áreas

(Resolução 113, de 19 de abril de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da

Criança e Adolescente – Conanda):

1. Promoção dos direitos humanos: A política de atendimento aos

direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se por

meio de três tipos de programas, serviços e ações públicas: i)

políticas públicas, especialmente as políticas sociais, voltadas aos

fins da política de atendimento dos direitos humanos de crianças e

adolescentes; ii) execução de medidas de proteção de direitos

humanos; iii) execução de medidas socioeducativas e

assemelhadas.

2. Efetivação dos direitos e do controle social: Realizado por meio

de instâncias públicas colegiadas próprias, tais como: i) Conselhos

dos Direitos de Crianças e Adolescentes; ii) Conselhos setoriais de

formulação e controle de políticas públicas; iii) os órgãos e os

poderes de controle interno e externo definidos na Constituição

Federal. Além disso, de forma geral, o controle social é exercido

soberanamente pela sociedade civil, por meio das suas

organizações e articulações representativas.

3. Defesa dos direitos humanos: Os órgãos públicos judiciais;

Ministério Público, especialmente as promotorias de justiça, as

procuradorias gerais de justiça; a Advocacia Geral da União e as

procuradorias gerais dos estados; o Sistema de Segurança Pública,

principalmente as polícias; Conselhos Tutelares, ouvidorias e

entidades de defesa de direitos humanos, incumbidas de prestar

proteção jurídico-social.

O diagnóstico geral da atuação dos principais atores de garantia de

direitos aponta, ao mesmo tempo, motivos para celebração e preocupação. Por

ocasião em que se comemoraram os 18 anos do Estatuto da Criança e do

Adolescente, o balanço indicou um avanço na institucionalização e aprimoramento

dos mecanismos de exigibilidade de direitos das crianças e dos adolescentes.

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Durante o 40° Encontro do Fórum Nacional de Dirigentes

Governamentais de Entidades Executoras da Política de Promoção e Defesa dos

Direitos da Criança e do Adolescente (FONACRIAD), em São Paulo, de 9 a 12 de

março de 2010, foram veiculados dados interessantes para o diagnóstico da rede:

- 5104 Conselhos Municipais dos direitos da criança e do

adolescente, que cobrem 92% dos municípios do Brasil.

- 5004 Conselhos Tutelares, que cobrem 88% dos municípios

brasileiros;

- dezenas de núcleos especializados em infância e juventude das

defensorias públicas (presentes em 21 estados da Federação);

- centenas de centros operacionais das promotorias de justiça da

infância e da juventude;

- centenas de varas especializadas da infância e da juventude.

Os Conselhos de Direitos e Tutelares foram os dois mecanismos de

exigibilidade dos direitos da criança e do adolescente incorporados aos estados

brasileiros pelo ECA. Juntos, eles compõem uma rede de mais de 70 mil pessoas que

cotidianamente trabalham na construção da cidadania de crianças e adolescentes.

Essa rede atua hoje como um dinamizador do Sistema de Garantia de Direitos.

O Conanda vem desempenhando um papel importante na articulação e

fortalecimento dessa rede de conselhos de direitos e tutelares, por intermédio das

assembleias descentralizadas, dos encontros de articulação com os conselhos

estaduais, distrital e municipal das capitais, das conferências dos direitos da criança e

do adolescente e do recém-criado Portal dos Direitos da Criança e do Adolescente. O

Conanda busca potencializar o papel político dessa rede de conselhos na promoção e

defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

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Uma das questões a ser analisada, em ambos os estados, é o processo de

gestão compartilhada como forma encontrada pela administração dos estados de São

Paulo e Espírito Santo. Em São Paulo, a gestão compartilhada se fez com base na

parceria com a Pastoral do Menor, que trouxe a equipe técnica, pedagógica e

operacional, sendo a gestão e a segurança indelegáveis. No caso do Espírito Santo,

houve a prerrogativa de contratação de toda a equipe, depois da capacitação, para que

pudesse ser observado o trabalho prévio de um mês de formação.

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3.2 PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DOS SOCIOEDUCADORES

No contexto das normativas nacionais e internacionais, a formação dos

socioeducadores que atuam diretamente com os adolescentes e os familiares é uma

condição imprescindível ao sucesso do trabalho. Durante a implantação do MPC,

tanto no Espírito Santo quanto em São Paulo, a capacitação inicial tem carga horária

de 160 horas36. A escolha dos temas se fez importante e baseou-se na reflexão inicial

de conceitos e paradigmas acerca do trabalho socioeducativo e, sobretudo, da análise

da importância do papel do socioeducador.

Os temas desenvolvidos colaboraram para a efetividade do trabalho e a

compreensão da importância que alinhava o conhecimento, as relações institucionais

e sociais, bem como a qualificação do trabalho com as famílias. Todo esse processo

foi fundamentado nas premissas e princípios do Modelo Pedagógico

Contextualizado. Os elementos pensados no trabalho de articulação com a rede

socioassistencial puderam subsidiar e desencadear, para cada capacitando, uma

proposta individual para o reconhecimento de suas fraquezas, fortalezas,

conhecimento e práticas do trabalho social.

Um dos fatores mais positivos nas capacitações são os Encontros da

Manhã, ferramenta social utilizada na metodologia do MPC que possibilita ao grupo

de capacitandos ampliar sua pesquisa acerca da dinâmica de trabalho e desenvolver

junto aos adolescentes atendidos um clima de tranquilidade e confiança para o

estabelecimento de vínculos.

36 No Estado de São Paulo havia uma pauta para programação, dividida em quatro semanas, distribuída em: 40 horas voltadas para os princípios norteadores legais que embasam o atendimento socioeducativo; mais 40 horas de parâmetros de atendimento pedagógico em que são apresentadas as diretrizes e 80 horas para apresentação do conceito do modelo pedagógico e toda a operacionalização, com os instrumentais específicos utilizados e a vivência da jornada pedagógica, bem como a construção das normas de convivência. No Espírito Santo, além de toda parte descrita, também é conferido aos capacitandos a formação jurídica e na área de drogadição.

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Toda a reflexão e o desenvolvimento do trabalho, durante o período de

capacitação, procura atribuir um viés de argumentação e problematização, para que

seja observado, com espírito crítico, o sujeito de direitos que estará recebendo o

atendimento. A capacitação permitiu diálogo e construção de dinâmicas internas que

revelaram aos profissionais de que forma deveriam se comprometer e ir ao encontro

do trabalho, avaliando as dificuldades entre seus limites e o poder investido. Os

atores socioeducativos devem experimentar o movimento dos programas de

crescimento do Modelo Pedagógico Contextualizado e assim vivenciar, numa relação

prática, a construção do papel de socioeducador num exercício dialógico.

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3.3 DINÂMICA INSTITUCIONAL PARA IMPLANTAÇÃO DO MPC

Os muitos percalços enfrentados pelo atendimento socioeducativo no

Espírito Santo, em meio a décadas de violações dos direitos humanos, o advento do

Estatuto da Criança e do Adolescente e, principalmente, a visão social da gestão atual

do Iases, possibilitaram que muitos dos objetivos descritos no plano de atendimento

socioeducativo saíssem do papel. Já é possível vislumbrar uma realidade mais

emancipadora e protagonista aos jovens, mesmo considerando todas as dificuldades

enfrentadas durante esse tempo. Contudo, muitos fatores começaram a ser alterados,

como a construção de novas unidades e também a capacitação para os servidores.

Recentemente, foi divulgado, em site da instituição, o processo formativo

para os profissionais37, cuja temática visa a tessitura de um novo cenário, partindo da

intersetorialidade da rede de atendimento. Tendo em vista a ideia de incompletude, o

Iases, em parceria com a Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória (ELPV) e a

Faculdade de Direito de Vitória (FDV), pensaram em uma capacitação temática que

abordasse: a articulação das redes; a articulação das políticas de proteção às medidas

socioeducativas; o Sistema de Garantia de Direitos; o processo de descentralização,

regionalização e municipalização; e o papel dos atores do sistema de garantias.

Todo esse preâmbulo se faz necessário para que possamos compreender a

necessidade da instituição em apostar numa política de atendimento que pudesse

oferecer a adolescentes, familiares, socioeducadores e comunidade em geral

perspectivas de atendimento mais sistematizado e com ideias mais sólidas

concernentes ao programa para mudança de um paradigma que perdura por décadas.

37 Disponível no site www.iases.es.gov.br, acessado em 31 de agosto de 2010.

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A dinâmica concebida, ao contrário do Estado de São Paulo, visava a

implantação de um Centro Socioeducativo construído com recursos do governo

federal, sob a ótica arquitetônica prevista no Sinase (Sistema Nacional de

Atendimento Socioeducativo). O governo do Espírito Santo compreendeu que esse

tipo de programa seria mais eficiente se fosse implantado em gestão compartilhada

com uma Oscip (Organização da Sociedade Civil e Interesse Público). O sistema

deveria contemplar um projeto administrativo para alcançar metas em cada uma das

propostas. Assim, o programa se manteria conforme os resultados apresentados na

planilha de projetos.

No primeiro ano de trabalho, todas as metas foram alcançadas38.

Infelizmente, o projeto não contempla atendimento para todos os adolescentes do

Estado. Esforços não foram medidos para que no Centro Socioeducativo, onde está

sendo executado o Modelo Pedagógico Contextualizado, houvesse recursos

humanos, tecnológicos e orçamentários para sua realização.

Em São Paulo, a capacitação foi um pouco diferente. Quando a atual

gestão da Fundação Casa tomou contato com a possibilidade de trazer um modelo

pedagógico para a instituição, pensou em capacitar educadores junto à Escola para

Formação e Capacitação Profissional. De acordo com os moldes do Sinase (Sistema

Nacional de Atendimento Socioeducativo), a entidade socioeducativa culmina com

as prerrogativas que descentralizam as unidades para o local de moradia dos jovens.

A unidade chamada “experimental”, na época, foi a Casa Sorocaba. Mondragón foi

contratado como assessor da Presidência para subsidiar, contribuir e elaborar

conjuntamente novas capacitações para o Estado de São Paulo. Todas as unidades

38 A gestão da Unidade é realizada pela Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social (ACADIS), por intermédio de um Contrato de Gestão, sendo este o primeiro a ser firmado no Estado do Espírito Santo no quesito de contratualização por resultados.

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com implantação do Modelo Pedagógico Contextualizado tiveram gestão

compartilhada.

A capacitação das unidades se deu em parceria com a Escola para

Formação, porém dentro da Fundação Casa. Apesar de o Modelo ter sido concebido

e estruturado para os diversos segmentos, havia participação das superintendências

(saúde, pedagógica e segurança) que traziam também os apontamentos de suas

respectivas áreas, causando dificuldades para a equipe no cumprimento da tarefa.

Durante a capacitação, considerando que havia dois grupos: segurança, composto por

funcionários da Fundação (concursados); e pessoal técnico, pedagógico,

administrativo e operacional, contratado por ONG’s39, o primeiro grupo muitas vezes

trazia experiências mais drásticas e, ao mesmo tempo, amedrontava os profissionais

recém-chegados. O trabalho em relação aos paradigmas já instaurados era mais

difícil de ser realizado. Não houve, após três anos de trabalho de implementação, a

preocupação em capacitar mais pessoas para dar continuidade ao trabalho existente.

Com a saída de Gerardo Mondragón, o Modelo Pedagógico não recebeu mais a

supervisão e alimentação necessária que se prevê. Isso causou certamente muitos

danos para as unidades que recém adotavam o Modelo.

Um dos problemas apresentados para a efetivação do MPC é a

qualificação profissional pertinente ao modelo adotado. Em São Paulo, frente ao

concurso público existente40, os profissionais contratados nem sempre atuam de

maneira consoante com o Modelo. Falta formação continuada e, principalmente,

formação para as pessoas que executam o modelo pedagógico.

39 São diversas ONG’s que têm parceria com a Fundação Casa. As unidades citadas ao longo do trabalho, Sorocaba e Franca, possuem parceria com a Pastoral do Menor. 40 Os interessados deverão ter ensino médio completo. De acordo com a necessidade e conveniência da Fundação CASA-SP as vagas serão preenchidas pela ordem de inscrição. Há uma rotatividade alta em relação aos funcionários, isso faz com que não haja compromisso com o trabalho e com o MPC.

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A Fundação Casa parece viver uma crise de identidade em relação ao seu

modelo. Não foram sistematizados grupos de estudo e essas informações sobre os

diferentes modelos já adotados não foram disponibilizadas para todos os

socioeducadores. Talvez uma das questões mais veementes sobre essa incongruência

educacional se deva ao fato de não haver um projeto político pedagógico, pois

acreditava-se que, como já havia diretrizes para o atendimento, já havia também um

projeto. Enquanto a linha conceitual das áreas pedagógica e psicossocial não for

definida por escrito, qualquer eixo servirá e nunca estaremos em alinhamento

conceitual, estratégico e operacional com o Sinase.

Em relação ao trabalho desenvolvido no seu primeiro ano pela Fundação

Casa com o Modelo Pedagógico Contextualizado, não houve nenhum adolescente

reincidente. Porém, com o passar dos anos, os adolescentes que reincidiram na

trajetória delituosa acabaram voltando para a mesma unidade. Logo, é necessária a

realização de avaliação e de monitoramento, o que até agora não foi feito.

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CO�SIDERAÇÕES FI�AIS

Quando se discute o termo socioeducação, ainda pouco trabalhado em

nosso meio, considerando a questão “inovadora” no atendimento a adolescentes que

recebem medida socioeducativa, fica claro como nossa sociedade ainda possui a

cidadania pequena (DEMO, 2000). É necessário pensar nesse universo de trabalho

técnico pedagógico, pois nenhum modelo pedagógico sobreviverá se não existir

gestão política e participativa, como dispõe o Sinase.

O Modelo Pedagógico Contextualizado é uma possibilidade de

interlocução com o sistema educacional e tende a oferecer recursos para ampliar

nossa visão em relação aos adolescentes excluídos. De forma nenhuma o modelo

pretende ser a solução. Por mais que tratemos dessas ferramentas, os profissionais

que as terão em mãos serão os responsáveis para os momentos mais assertivos de

utilizá-las. Essas ferramentas serão uma possibilidade de os educadores e

socioeducadores, de todos os organismos e entidades, executarem seu trabalho.

Mondragón, o autor do projeto Modelo Pedagógico Contextualizado, diz

que o modelo que criou é uma tentativa social de recomposição e, de forma

simultânea, responsável, pois leva em consideração a parte mais difícil de execução

que é a inclusão social. Oferece aos adolescentes, familiares e comunidade

alternativas de qualificação para olhar a vida sob outra perspectiva: a da sua

valorização.

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REFER�CIAS

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