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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EMPREGADO COM DEFICIÊNCIA Peculiaridades da Admissão e da Dispensa AUTOR LUCIANA MELLO MARCOLINO ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

EMPREGADO COM DEFICIÊNCIA Peculiaridades da Admissão e da Dispensa

AUTOR

LUCIANA MELLO MARCOLINO

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM FACULDADE INTEGRADA

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

EMPREGADO COM DEFICIÊNCIA Peculiaridades da Admissão e da Dispensa

Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – AVM Faculdade Integrada, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito e Processo do Trabalho. Por: Luciana Mello Marcolino.

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Agradeço aos familiares, amigos e colegas de turma.

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Dedico àqueles que desejem um País em que se observe a dignidade de todos dos trabalhadores.

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RESUMO

Atualmente existem cerca de 44.073.377 pessoas com deficiência em idade ativa no Brasil., de acordo censo do ano de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao longo da produção legislativa brasileira, no âmbito constitucional, a pessoa com deficiência – e sob o enfoque de trabalhador – só recebeu relevante atenção do constituinte a partir de 1988. A vigente Carta da República garante à pessoa com deficiência o direito a trabalho e à sua não-discriminação. Na esfera infraconstitucional, a lei 8213 de 1991 estabelece quantitativos de pessoas com deficiência a serem empregadas nas empresas com mais de 100 trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho tem papel importante na concretização dos direitos laborais da pessoa com deficiência, mormente após as atribuições, garantias e prerrogativas previstas na Constituição de 1988. O MPT atua de forma judicial e extrajudicial para a inserção digna da pessoa com deficiência no mercado de trabalho e o respeito às cotas.

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METODOLOGIA

O presente trabalho constitui-se em uma descrição detalhada das

características jurídicas do fenômeno em estudo, do tratamento conferido a cada

uma delas pelo ordenamento jurídico nacional e de sua interpretação pela

doutrina especializada, tudo sob o ponto de vista específico do direito positivo

brasileiro.

Utilizou-se o método da pesquisa bibliográfica, com o consulta a

diversos tipos de publicações, como livros e artigos em jornais, revistas e outros

periódicos especializados, além de publicações oficiais da legislação e da

jurisprudência e sítios de órgãos oficiais na rede mundial de computadores.

Ademais, foi empregado o método dogmático positivista, buscando-se

apenas identificar a apresentação do tema na realidade brasileira e o no

ordenamento jurídico pátrio, sob o ponto de vista específico do Direito brasileiro e

com fundamento exclusivo na dogmática desenvolvida pelos estudiosos que já se

debruçaram sobre o tema anteriormente.

Pode-se dizer, no mais, que se tratou de pesquisa aplicada, porquanto

buscou produzir conhecimento para aplicação prática, e também qualitativa, e

visou a entender os aspectos concretos a partir da interpretação e da qualificação

do tema em estudo. Houve ainda um traço descritivo, na direção de se obter um

resultado puramente descritivo, isento de análise crítica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

PESSOA COM DEFICIÊNCIA............................................................................. 11

CAPÍTULO II

A RESERVA DE MERCADO.............................................................................. 20

CAPÍTULO III

DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA DOS

INTERESSES DAS PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA...................................................................................................... 38

CONCLUSÃO...................................................................................................... 45

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 47

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INTRODUÇÃO

Questionários específicos e detalhados acerca da pessoa com

deficiência passaram a constar do censo promovido pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) apenas no ano 2000 (GOMES, 2006, p. 15).

O censo realizado à época demonstrou que existiam cerca de 24,6

milhões de pessoas, no Brasil, com algum tipo de incapacidade ou deficiência, o

que correspondia a 14,5% da população brasileira da época (IBGE, acesso em 03

de agosto de 2015).

De acordo com dados oficiais da Secretaria Nacional de Promoção dos

Direitos da Pessoa com Deficiência, baseados em dados coletados pelo IBGE

para o censo 2010, 23,9% da população brasileira tem alguma deficiência e

44.073.377 dessas pessoas estão em idade ativa (SECRETARIA NACIONAL DE

PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, acesso em 15

de março de 2015).

A proteção à pessoa com deficiência só recebeu amparo constitucional

a partir da Constituição da República de 1967, através da Emenda nº 01 de 1969

(COSTA):

Encontra-se na Emenda 01 de 1969 a primeira referência constitucional expressa às pessoas portadoras de deficiência. Esta emenda constitucional alterou o artigo 175, §4º da Constituição Federal de 1967 que passou a ter a seguinte redação:

Art.175- A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.

§4º Lei especial disporá sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais.

Como pode ser observado o dispositivo faz referência à expressão “excepcionais” e em comentário a essa disposição constitucional alguns doutrinadores a conceituaram. Como exemplo, tem-se Pontes de Miranda[4] que afirma que “excepcionais está, aí, por pessoas que, por faltas, ou defeitos físicos ou psíquicos, ou por procedência anormal (nascido, por exemplo, em meio social perigoso), precisam de assistência.

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Em nova emenda realizada em 78, o legislador introduziu, naquela

Carta, diretrizes que visavam à melhoria das condições social e econômica dos

deficientes. O constituinte de 88, por sua vez, trouxe o princípio da igualdade e

estabeleceu a proteção ao trabalho, proibindo a discriminação do portador de

deficiência, entre outras garantias.

Vinte anos depois, introduziu-se nesse texto inovação legislativa mais

minuciosa. Em 2008, por meio do Decreto Legislativo 186, aprovou-se a

Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em 30 de

março de 2007 e ratificada pelo Brasil em 1º de agosto de 2008. Este foi o

primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado com equivalência à

emenda constitucional, nos termos da Emenda n° 45/2004.

De logo, verifica-se a constitucionalização de uma nova nomenclatura.

A pessoa portadora de deficiência passa a ser denominada pessoa com

deficiência, o que evidencia a conjugação do antigo modelo biomédico com o

modelo social, tocante aos aspectos sociais excludentes, que reforçam – ou

realizam – as deficiências.

E, com fins de combater as forças de exclusão, a Lei nº 7.853 de 24 de

outubro de 1989, disciplinou a atuação do Ministério Público como órgão agente e

interveniente, que tem legitimidade, no primeiro caso, para propor ação civil

pública, após a conclusão de inquérito civil instaurado no âmbito daquela

Instituição, em busca da proteção do direito da pessoa com deficiência.

Recentemente, em julho de 2015, foi publicada a Lei 13.146, chamada

de Estatuto da Pessoa com Deficiência e baseado na já referida convenção. O

mencionado estatuto ainda não está em vigor, cujo marco será 180 dias após sua

publicação.

A resistência das empresas privadas é grande: apenas 2% dos

brasileiros com deficiência, em idade de trabalhar, estão empregados no mercado

formal (PASTORE, 2000, p.7).

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Esta República funda-se na valorização do trabalho e na dignidade da

pessoa humana. Guia-se pelos objetivos de construir uma sociedade livre, justa,

solidária; de erradicar a marginalização; promover o bem de todos, sem qualquer

forma de discriminação (art. 3º, CF). A Lei Maior é expressa no tocante à

proibição de qualquer referente aos salários e aos critérios de admissão do

trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI, CF).

O presente estudo trata dos aspectos de admissão e de dispensa do

trabalhador com deficiência. Nessa direção, aborda-se como o legislador busca

promover o trabalho da pessoa com deficiência; qual o quantitativo legal de

empregados com deficiência deve ser observado nas empresas privadas; como

deve se dar a distribuição dessas pessoas por empresa\estabelecimento; como

se dá a dispensa da pessoa com deficiência.

Assim, no primeiro capítulo, faremos uma breve análise histórica da

proteção legal da pessoa com deficiência no Brasil, tocando a evolução da

nomenclatura no sentido de humanizar a referência à pessoa com deficiência.

No capítulo seguinte, abordaremos a questão da reserva de mercado,

elucidando os termos do art. 93 da lei 8.213/91, utilizado como parâmetro na

inclusão do obreiro com deficiência.

No último capítulo, trataremos da legitimidade do Ministério Público do

Trabalho na proteção do direito ao trabalho da pessoa com deficiência.

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CAPÍTULO I

PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Diferentes olhares pairaram sobre a figura das pessoas com deficiência

ao longo da história da humanidade, tendo sido percebidas de formas positivas e

negativas pelas civilizações.

Pelos romanos da Antiguidade, eram consideradas monstros e

condenadas à morte imediata, em cumprimento ao determinado na Lei das XII

Tábuas: I- que o filho nascido monstruoso seja morto imediatamente; II- que o pai

tenha sobre o filho o direito de vida e de morte (Tábua IV) (BARROS, 2009,

p.1183)

Os gregos atiravam as crianças consideradas fracas e disformes ao

abismo do Taigeto. Platão e Aristóteles também mencionaram a eliminação da

deficiência em suas respectivas obras “A República” e “Política” (GUGEL, 2006,

pp. 25-26):

A República, Livro IV, 460 c – Pegarão então nos filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém. Política, Livro VIII, Capítulo XIV, 1335 b – Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças;

Por outro lado, os guerreiros mutilados em combate recebiam proteção

e vantagens oficiais na sociedade espartana. Nas Ilíadas de Homero, havia um

deus portador de deficiência física. Chamava-se Hefesto e destacava-se pelo

talento nas artes marciais.

Na Idade Média, tais pessoas eram vistas como dotadas de poderes

demoníacos, razão pela qual eram eliminadas. O cristianismo, recém surgido,

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aceitava as pessoas com deficiência como filhos de Deus. Contudo, apesar de

estimular a caridade em relação a elas, os cristãos defendiam seu extermínio,

para expurgar-lhes o pecado.

O espírito científico do Renascimento ensejou, no século XVI,

tratamento mais humanitário. A deficiência começou a ser encarada sob o prisma

da alquimia, que a tinha como tratável. Foi nessa época que surgiram os

primeiros hospitais psiquiátricos e asilos de confinamento.

Mais tarde, nos séculos XVII e XVIII surgiram instituições para o

cuidado e tratamento de pessoa com deficiência mental, voltaram-se atenções

para o incentivo à comunicação de pessoas surdas e desenvolveu-se o código

Braille. Bengalas, muletas, próteses e outros instrumentos de apoio também

foram inventados neste período.

Ao século XVIII remonta-se a origem do Direito do Trabalho, fixando

controles para o sistema capitalista e conferindo-lhe civilidade, na tentativa de

afastar os abusos da utilização da força de trabalho pela economia. No

ensinamento de Mauricio Godinho Delgado (DELGADO, 2005, p.81):

O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa.

No Brasil, há quem aponte a criação do Asilo dos Inválidos da Pátria,

onde foram internados soldados egressos da Guerra do Paraguai (1864-1870),

como o marco do nascimento das relações de trabalho propriamente ditas, em

nosso Direito do Trabalho, para as pessoas portadoras de deficiências físicas

(SILVA, 1986). Nesse sentido, é válido transcrever a descrição elaborada pelo

historiador Marcelo Augusto Moraes Gomes, acerca das atividades praticadas no

Asilo, inaugurado em 29 de julho de 1868 (GOMES, 2006, p. 625):

Era durante o império, que os internos possuíam uma vida aprazível, vividas em belos jardins, escolas para se instruírem e conseqüentemente civilizarem-se. Foram empregados em alegres oficinas para trabalho honesto e preenchiam o seu dia-a-

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dia honesta e agradavelmente, evitando o temerário ócio, fonte de inúmeros vícios.

Por outro lado, tem-se que a primeira menção à pessoa com

deficiência no âmbito constitucional foi feita na Carta de 1967, em dispositivo

introduzido pela Emenda nº 1, onde se tratou da educação dos excepcionais.

Porém, a referência ao trabalhador com deficiência só veio em 1978, com a

Emenda Constitucional nº 12, que deu a seguinte redação àquela Constituição:

Artigo único - É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante:

I - educação especial e gratuita; II - assistência, reabilitação e reinserção na vida

econômica e social do país; III- proibição de discriminação, inclusive quanto à

admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros

públicos.

Desde então, as referências mais significativas foram obra do

constituinte de 1988. No bojo da Constituição da República promulgada naquele

ano, além do respeito à igualdade, impuseram-se a vedação a qualquer tipo de

discriminação no tocante a salários e admissão do trabalhador com deficiência

(art. 7º, inciso XXXI); a proteção e a integração social (art. 24, inciso XIV); a

reserva de percentual de cargos e empregos públicos às pessoas com deficiência

(art. 37, inciso VIII); a habilitação e reabilitação e a promoção da integração à vida

comunitária (art.203, inciso IV); a garantia de um salário mínimo a quem

comprovar não ter meios de suprir a própria manutenção (art. 203, inciso V); a

criação de programas de integração social do adolescente com deficiência,

mediante o treinamento para o trabalho (art. 227), entre outras determinações

protetivas.

Nesse Texto, é de extrema relevância a Convenção sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova

Iorque, em 30 de março de 2007. Este tratado foi aprovado com o Decreto

Legislativo nº. 186, de 2008, sendo o primeiro a cumprir o procedimento

estabelecido no art. 5º, § 3º da CR/1988, com redação dada pela Emenda

45/2004. Assim, em razão de seu conteúdo tocar os direitos humanos, a

Convenção equivale a uma emenda, sendo, portanto, internalizada como norma

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constitucional.

Seu fim é concretizar a dignidade da pessoa com deficiência,

reconhecendo seus direitos e vedando qualquer espécie de discriminação, em

todos os aspectos da vida. Nessa amplitude, demonstra-se um avanço em

relação à Convenção Interamericana Para Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 1999, porque

esmiúça as dificuldades enfrentadas e as diversas vertentes de discriminação. O

mesmo se pode dizer, em comparação à Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948, pois trata especificamente da questão da pessoa com

deficiência, conforme expôs Izabel Maria Madeira de Loureiro Maior,

coordenadora geral da Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas

Portadoras de Deficiência (CORDE), em 2007( PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,

acesso em 03 de junho de 2015):

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sem dúvida, o texto da Convenção reafirma o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, agora dirigida para a situação específica, no Brasil, de quase 25 milhões de pessoas de acordo com Censo IBGE, 2000. Sua adoção deu-se em um momento propício, quando no país já se conta, desde a Emenda nº. 45/2004, com a possibilidade de ratificar uma convenção de direitos humanos no nível equivalente ao de emenda constitucional. Ao comparecer à abertura das assinaturas, em 30 de março, o Brasil firmou a posição de ratificar a Convenção e o Protocolo Facultativo, assumindo compromisso em casa e no cenário internacional.

Encontram-se entre os princípios da Convenção: o respeito pela dignidade inerente, a independência da pessoa, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a autonomia individual, a não-discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, o respeito pela diferença, a igualdade de oportunidades, a acessibilidade, a igualdade entre o homem e a mulher e o respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiência.

No mais, nota-se que em 1999, na Convenção Interamericana Para

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras

de Deficiência, a nomenclatura utilizada era pessoa portadora de deficiência

física, definindo-se deficiência conforme o disposto no item 1 do art. 1º:

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1. Deficiência

O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

Tanto a nomenclatura quanto o conceito nela incutidos foram alterados

com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A pessoa

portadora de deficiência passou a ser denominada pessoa com deficiência.

Art 1º. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelec-tual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

O novo conceito implica na conjugação do modelo biomédico com o

modelo social. Aquele trata do aspecto físico e este das barreiras estruturais,

conjunturais. Sobre ambos, vale reproduzir definição adotada - a partir do livro “O

que é Deficiência?”, de Débora Diniz (São Paulo: Brasiliense, 2007) - na petição

inicial da ADPF nº 182-0, proposta pela Procuradoria Geral da Republica em 10

de julho de 2009:

As primeiras definições sobre deficiência, presentes na literatura e nas legislações, se atinham a critérios exclusivamente médicos. A deficiência era equiparada a lesões que incidiam sobre o corpo de um sujeito. Tratava-se do chamado “modelo biomédico da deficiência”. Contudo, segmentos do movimento das pessoas com deficiência passaram a questionar tal concepção vista como estigmatizante, propondo, como alternativa, um “modelo social da deficiência”. Neste outro paradigma, o problema essencial já não recai sobre o corpo da pessoa com deficiência, mas sobre a sociedade, que oprime e discrimina aqueles que não possuem as mesmas capacidades, organizando-se de maneira pouco sensível à diversidade.1

1 No site: <www.stf.jus.br>, acessado em 16 de junho de 2015. Na ação, o autor pretende o emprego do conceito de pessoa com deficiência, previsto no artigo 1 da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, na concessão dos benefícios de prestação continuada regulados pela Lei 8.742/93, com a declaração de invalidade, por não-recepção, do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que traz o seguinte conceito de deficiência: “§ 2º. Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”

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Em 2001, José Pastore já havia registrado em seu livro movimentos de

mudança O professor via com bons olhos a tendência ao abandono do conceito

exclusivamente individualista, trazido pela medicina e psicologia, em prol da

introdução do enfoque sociológico (PASTORE, 2000, p.20).. Este ângulo permite

a percepção de que o contexto social, por muitas vezes, reforça ou realiza a

deficiência, seja pela propagação da ideia erroneamente generalizada

(PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, acesso em 03 de junho de 2015) de que a

pessoa com deficiência é inútil, oprimida, infeliz ou doente, seja pelas barreiras

arquitetônicas que obstaculizam o exercício da atividade laboral. Transcrevem-se

as palavras de Pastore (PASTORE, 2000, pp. 27-28):

O termo portador de deficiência tende a ser usado para se referir a um grande número de pessoas que nada têm em comum entre si, a não ser o fato de que não funcionam da mesma maneira dos não-portadores. Essa definição descarta o fato de que a maioria dos portadores de deficiência possui uma larga gama de capacidades que não são encontradas entre não-portadores. Por isso, parece mais adequado considerar os portadores de deficiência como possuidores de habilidades e requisitos peculiares. Dentro dessa perspectiva, fica claro que muitas pessoas são deficientes simplesmente porque os referidos requisitos não podem se fazer presentes na vida diária ou no ambiente de trabalho. No campo de trabalho, a deficiência é muito mais determinada pela ausência de uma arquitetura adequada do que pela presença de uma limitação pessoal. Isso sugere que a deficiência resulta da forma como o mundo se organiza. Felizmente, o mundo está mudando. Muitas deficiências que antes eram estudadas exclusivamente pela medicina e psicologia como problemas individuais estão sendo encaradas como um fenômeno social e ganhando um espaço crescente no campo da sociologia.

Romeu Kazumi Sassaki, em texto reproduzido no sítio eletrônico do

Ministério do Trabalho e Emprego, elucida os diferentes conceitos e justifica a

nova denominação (SASSAKI, acesso em 31 de maio de 2015):

A denominação utilizada para se referir às pessoas com alguma limitação física, mental ou sensorial assume várias formas ao longo dos anos. Utilizavam-se expressões como "inválidos", "incapazes", "excepcionais" e "pessoas deficientes", até que a Constituição de 1988, por influência do Movimento Internacional de Pessoas com Deficiência, incorporou a expressão "pessoa portadora de deficiência", que se aplica na legislação ordinária. Adota-se, hoje, também, a expressão "pessoas com necessidades especiais" ou "pessoa especial". Todas elas demonstram uma transformação de tratamento que vai da

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invalidez e incapacidade à tentativa de nominar a característica peculiar da pessoa, sem estigmatizá-la. A expressão "pessoa com necessidades especiais" é um gênero que contém as pessoas com deficiência, mas também acolhe os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que implique tratamento diferenciado. Igualmente se abandona a expressão "pessoa portadora de deficiência" com uma concordância em nível internacional, visto que as deficiências não se portam, estão com a pessoa ou na pessoa, o que tem sido motivo para que se use, mais recentemente, conforme se fez ao longo de todo este texto, a forma "pessoa com deficiência".

Assim, os termos do Decreto-lei 186/2008 buscam conscientizar do

papel da comunidade na superação das dificuldades, bem como pretendem

ressaltar que as pessoas com deficiência também dispõem de habilidades e de

utilidade para a sociedade:

Artigo 8 Conscientização 1. Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência; b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da vida; c) Promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência.

Com efeito, é à luz das premissas trazidas pela Convenção de 2007,

incorporada ao texto constitucional em 2008, que deve ser interpretada a

legislação ordinária. Na opinião de Maria Aparecida Gugel, a concepção

internacionalmente reconhecida de deficiência vinha sendo mal compreendida e

interpretada pelo Poder Executivo, o que se evidencia na associação - segundo

ela, equivocada - de deficiência à doença e à incapacidade para o trabalho

(GUGEL, 2006, p. 30-31):

A definição e a caracterização da deficiência que se seguiu no art. 3º, do decreto n. 3298/99, que regulamentou a lei n. 7.853/89, contém a ótica da CIDID e ICIDH, editada pela OMS, em 1989, com elementos de definição esclarecedores sobre a deficiência: ‘deficiência’ transitória ou permanente deve ser entendida como perda ou anormalidade de estrutura ou função

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psicológica, fisiológica ou anatômica; a ‘incapacidade’ é a restrição que resulta da deficiência, ou seja, que impede ou limita a locomoção, a comunicação, o ouvir, o ver; o ‘impedimento’ é a situação de desvantagem da pessoa que tem deficiência em decorrência de condições desfavoráveis dos ambientes externos. Isto significa afirmar que os limites impostos pela incapacidade poderão cristalizar-se na pessoa com deficiência se persistir a situação de desvantagem, ou seja, se as condições desfavoráveis dos ambientes externos não forem modificados, adaptados, atenuados.

Infelizmente, essa concepção internacionalmente reconhecida de deficiência foi mal compreendida e interpretada pelo Executivo ao regulamentar a deficiência, assim também os intérpretes e aplicadores das leis nacionais, pois fazem associações equivocadas de deficiência à doença e à incapacidade para o trabalho e para a vida independente.

O decreto n. 3.298 considera deficiência ‘toda perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão normal para o ser humano. Por ‘deficiência permanente’ entende-se como aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir a recuperação ou alteração, apesar de novos tratamentos. O termo ‘incapacidade’ também foi considerado pelo regulamento como redução efetiva da capacidade de integração social” (...)

“Referida concepção, ainda que considerada um avanço, não reflete o reconhecimento de que a pessoa com deficiência é sujeito de direitos e, portanto, deve gozar das mesmas e todas oportunidades disponíveis na sociedade, independentemente do tipo ou grau de sua deficiência. É necessário construir um novo conceito que se afaste, em definitivo, do conceito de doença e de incapacidade para a vida independente.”(...) “os limites impostos pela incapacidade poderão cristalizar-se na pessoa com deficiência se persistir a situação de desvantagem, ou seja, se as condições desfavoráveis dos ambientes externos não foram modificados, adaptados ou atenuados.

No tocante à legislação ordinária, merece referência no presente

estudo, a Lei nº 7.853/89, que trouxe apoio à pessoa com deficiência, criando a

Coordenadoria Nacional para Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência

(CORDE). Ademais, atribuiu ao Poder Público a função de assegurar o pleno

exercício dos direitos básicos, como o direito à educação, saúde, trabalho, lazer e

previdência, entre outros apontados na Constituição e nas leis

infraconstitucionais, que visem ao bem-estar pessoal, social e econômico.

Ainda nesse diploma legal, previu-se a adoção de norma específica

que disciplinasse a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas com

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deficiência, tanto no setor público quanto no privado. Cumprindo a ordem, veio a

Lei nº 8.112/90, reservando 20% dos cargos oferecidos em concursos públicos ao

candidato com deficiência. Um ano depois, surgiu a lei 8.213/91, que disciplinou a

questão das cotas para as empresas privadas.

Na Consolidação das Leis do Trabalho, segundo José Pastore

(PASTORE, 2000, p.49), o estímulo à reinserção do trabalhador com deficiência

vem embutido no art. 461:

§4º O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.

Na mesma direção, seguiram o Decreto 914/93, que instituiu a Política

Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, dirigindo a

promoção de medidas de criação de empregos e atividades econômicas de

absorção de mão-de-obra de pessoas com deficiência, bem como a sua

qualificação; a Portaria nº 4.677/98, editada pelo Ministério da Administração

Federal e Reforma do Estado, recomendando a flexibilização do horário de labor

do trabalhador com deficiência, nos órgãos públicos; a Portaria nº 772/99, do

Ministério do Trabalho, com o fim de estabelecer mecanismo de apoio ao trabalho

em instituições contratadas por empresas, sem redução das cotas; a Lei nº

3.298/99, que traz a alternativa do trabalho protegido, mediante contratação das

cooperativas sociais, também sem redução de cotas e a Lei nº 8.069/90, o

Estatuto da Criança e do Adolescente, onde se assegura o trabalho protegido dos

menores com deficiência (art. 66).

Assim, embora as várias normas protetivas tragam definições diferentes de

pessoa com deficiência, não se pode perder de vista a constante tentativa de

humanização do conceito, com fins antidiscriminatórios. O fito é afastar a ideia de

doença e levar em conta os obstáculos externos que impõem determinadas

incapacidades.

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CAPÍTULO II

A RESERVA DE MERCADO

No contexto internacional de atenção à pessoa com deficiência,

inaugurou-se, no Brasil, a Política Nacional para a Integração da Pessoa

Portadora de Deficiência, prevista na lei 7.853/89:

Art. 9º A Administração Pública Federal conferirá

aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.

§ 1º Os assuntos a que alude este artigo serão objeto de ação, coordenada e integrada, dos órgãos da Administração Pública Federal, e incluir-se-ão em Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, na qual estejam compreendidos planos, programas e projetos sujeitos a prazos e objetivos determinados.

§ 2º Ter-se-ão como integrantes da Administração Pública Federal, para os fins desta Lei, além dos órgãos públicos, das autarquias, das empresas públicas e sociedades de economia mista, as respectivas subsidiárias e as fundações públicas.

Em 1999, o Decreto 3.298 veio regulamentar a Política Nacional para a

Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, cujos objetivos encontram-se nos

art. 1º e 2º:

Art.1. A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência.

Art.2. Cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

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Pode-se dizer que a previsão da Política Nacional se deu em cenário

desconhecido, haja vista que a situação da pessoa com deficiência no Brasil foi

averiguada, pela primeira vez, apenas no censo de 1991, por determinação do

art. 17 da lei 7.853/89.

Até então, as medidas referentes ao tema utilizavam o parâmetro

quantitativo estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que

estimava que 10% da população de qualquer país, em tempo de paz, era

portadora de alguma deficiência (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, acesso em 17 de

maio de 2015). Ou seja, era uma estimativa genérica, sem garantia de reflexo da

realidade específica do Brasil.

Mesmo assim, a pesquisa realizada por aqui, em 1991, foi pouco

ilustrativa, deixando de evidenciar o grau de comprometimento das questões

físicas e mentais, bem como os aspectos ligados a sexo, cor, renda e educação,

conforme admitido em relatório elaborado pelo Ministério da Justiça, em parceria

com o CORDE e a Associação Fluminense de Reabilitação (MINISTÉRIO DA

JUSTIÇA, acesso em 17 de maio de 2015):

Atendendo ao que preconiza a Lei, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, incluiu, pela primeira vez, no Censo Demográfico de 1991, questões referentes a essa população, atestando a presença de 2.198.988 deficientes numa população total de 146. 815. 750 habitantes, o que representa 1,49% de deficientes (JANNUZZI e JANNUZZI, 1994). Tomando-se como referência a estimativa da OMS, anteriormente citada, o percentual de pessoas portadoras de deficiências encontradas pelo Censo Demográfico de 1991, no Brasil, é extremamente baixo. (JANNUZZI e JANNUZZI, 1994). Encontram na metodologia utilizada algumas razões que podem explicar o baixo percentual de deficientes encontrados em relação à população em geral, quais sejam: a definição de fração amostral distinta – 10% para municípios com população superior a 15.000 habitantes e 20% para os demais municípios; o conceito de deficiências adotado pelo IBGE, o qual engloba apenas os grandes lesados e os que tenham passado por algum tipo de diagnóstico (clínico, pedagógico etc.); o provável ocultamento por parte dos informantes, fruto do preconceito que envolve a questão das deficiências, no Brasil; e as dificuldades do pesquisador em identificar deficiências são alguns dos fatores que, na visão desses autores, tiveram um impacto decisivo na qualidade dos dados levantados. Isso pode explicar, também, o alto percentual de respostas registradas no item “sem declaração” – 0,36%, encontrado no mesmo Censo.”

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Com efeito, foi com base nas estimativas genéricas da OMS, que o

legislador escolheu a reserva de mercado como método para garantir o direito ao

trabalho da pessoa com deficiência. Nos termos do inciso III, do art. 2º da Lei

7.853/89:

III - na área da formação profissional e do trabalho: (...) d) a adoção de legislação específica que discipline a

reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência;

Embora estivesse no afã de trazer melhorias para a situação das

pessoas com deficiência, na prática, a edição da lei 7.853/89 não amparou

mudanças imediatas, mantendo-se no campo das diretrizes (GUGEL, 2006, pp.

72-73):

A lei n.7.853, editada em 1989, resultado da ação do movimento de pessoas com deficiência da década de 1980, veio tratar da política nacional para a integração dessas pessoas com a edificação de direitos condicionados à sua capacidade de integração. A tão almejada lei n. 7.853, não trouxe a necessária eficácia imediata e integral, a permitir a sua plena execução, relativamente à reserva de percentual de vagas para cargos e empregos públicos. Manteve-se no patamar de norma declaratória do pleno exercício de direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência, determinando a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho na administração pública e no setor privado e, por regulamento a organização de oficinas congêneres integradas ao mercado de trabalho.

Nesta esteira, a Lei 8.213/91, sobre planos de benefícios da

Previdência Social, estabeleceu as cotas de empregos as serem preenchidas por

trabalhadores com deficiência no âmbito das empresas privadas, na busca de

realizar o direito ao trabalho e promover a inserção social, consoante a vontade

legislativa anotada na lei 7.853/89. Desta forma, ficou estabelecido, no art. 93 da

lei 8.213/91, o seguinte percentual:

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Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados ...........................2%; II - de 201 a 500......................................3%; III - de 501 a 1.000..................................4%; IV - de 1.001 em diante..........................5%. § 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de

deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Acrescenta-se que a Instrução Normativa n.º36, do Ministério do

Trabalho e Emprego, de 05 de maio de 2003, aduziu § 4º à Instrução nº 20, de

janeiro de 2001, impondo que as frações de unidade, resultantes do cálculo

percentual, dessem lugar à contratação de um trabalhador.

Faz-se necessário elucidar alguns pontos do artigo precedente para

que se reconheça a hipótese de incidência desta norma.

Primeiramente, é preciso esclarecer quem é a pessoa com deficiência

amparada pela cota. Isso porque o Decreto 5.296/04 alterou a caracterização dos

cotistas trazida no Decreto 3.298/99. Entre as mudanças, houve a ampliação de

deficiências abrangidas, incorporando-se à proteção normativa o nanismo e o

autismo, bem como do rigor em relação às deficiências visual e auditiva. In verbis:

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

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II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade;

(Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho; V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais

deficiências.

A comprovação da deficiência se dá através de atestados médicos

proferidos por médicos do trabalho de cada empresa. Como a norma legal não

abrange todas as deficiências assim consideradas pela medicina, os atestados

devem ser específicos, observando e apontando em qual qualificadora do artigo

supracitado incide no caso concreto. Assim, o Ministério Público do Trabalho

recomenda (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, 2002, p.37):

Não devem ser aceitos enquadramentos genéricos, como: ‘é portador de deficiência nos termos do Decreto 3.298/99’, eis que nem toda deficiência, assim considerada pelos padrões médicos, é objeto da proteção legal. São comuns considerações médicas no sentido de psicose-maníacodepressiva, síndrome do pânico, HIV, problemas de LER/DORT, desvios da coluna, visão monocular, etc., seriam objeto do art. 4º. Daí porque sugere-se que os atestados médicos sejam explícitos no enquadramento conforme restritivamente elencados nos incisos.

Atente-se ainda ao conceito de empresa para fins da reserva legal. De

acordo com Gugel, a lei 8.213/91 define empresa como a firma individual ou

sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins

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lucrativos ou não, bem como órgãos e entidades da administração pública direta,

indireta ou fundacional (GUGEL, 2006, p.78).

Tal definição é mais ampla que a abarcada para fins de Direito Civil,

onde a noção de empresário compreende entre seus requisitos o objetivo do

lucro, através do exercício da atividade de empresa, não se enquadrando neste

conceito a atividade filantrópica, por exemplo. No olhar da doutrina civilista, o

lucro tem que ser uma das finalidades da empresa e não apenas meio de manter

a atividade. Na lição de Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, 2007, pp. 11;13):

Conceito de empresário. Empresário é definido na lei como profissional

exercente de ‘atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços’ (CC, art. 966). Destacam-se da definição as noções de profissionalismo, atividade econômica organizada e a produção ou circulação de bens ou serviços. (...) A atividade empresarial é econômica no sentido de que busca gerar lucro (...).

É relevante destacar que também as empresas que terceirizam

serviços devem respeitar as cotas. O empregado terceirizado não é computado

no cálculo da empresa tomadora. Ambas se submetem à regra geral,

consideradas em apartado.

As cotas incidem, no mais, em relação às empresas de trabalho

temporário e às praticantes de atividades sazonais, haja vista não haver ressalva

legal quanto a elas. A obrigatoriedade de observância da norma pela primeira

encontra razão na interpretação extensiva do § 1º, do art.36, do Decreto 3.298/99,

de modo que a reserva legal baseie-se no quadro de empregados contratados a

prazo indeterminado ou determinado por mais de 90 dias.

Quanto ao método de aferição para as empresas de trabalho sazonal,

o Decreto e a lei são silentes. As normas também silenciam no tocante às

empresas com grande variação de mão-de-obra durante o ano e às que realizam

atividades com prazo determinado inferior a 90 dias. Mas o Manual de

Procedimentos do MPT indica o meio para aferição do número-base de

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empregados nestas hipóteses (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, 2002,

pp. 38-39):

A aferição do número de empregados pode ser feita utilizando-se a Norma Regulamentadora nº 4, que utiliza, como base para dimensionamento do SESMT em casos de atividades sazonais, a média de empregados vinculados à empresa no período dos últimos doze meses. Embora não exista base legal para a instituição desse critério, sugere-se que se observe para empregadores que realizam atividades com prazo determinado (construção civil ou construção pesada), a média da projeção de empregados para o período do contrato, a qual será aplicada do início ao fim deste.

Inexiste previsão de exclusão da reserva legal para empresas que

exercem atividades penosas ou que submetem seus empregados a condições

agressivas. Desta forma, o empregado com deficiência poderá ser investido em

qualquer vaga no âmbito dessas empresas, desde que capacitado para as

funções requeridas. Na visão do MPT(PROCURADORIA GERAL DO

TRABALHO, 2002, p. 39):

(...) o legislador considerou que, uma vez que sejam dados os instrumentos necessários ao exercício da função a pessoa portadora de deficiência, se capacitada, poderá exercer qualquer tipo de atividade dentro de uma empresa. É a busca da plena potencialidade das pessoas portadoras de deficiência.

As condições penosas, agressivas e o risco da atividade devem ser minimizados para todos os trabalhadores, sejam eles portadores ou não de deficiência. Assim, considerando-se a eventual gravidade da deficiência a impedir sua capacitação para o exercício, admite-se que determinadas funções não lhes sejam disponibilizadas, da mesma forma que não seriam disponibilizadas para um trabalhador não portador de deficiência que não estivesse preparado para o exercício da mesma. O elemento impeditivo seria a falta de capacitação e não a deficiência.

A despeito da necessária capacitação, no caso aludido, a empresa

deverá cumprir a reserva de vagas no tocante às funções que não exigem

capacitação específica. Entretanto, nesta hipótese, o MPT prevê eventual

ocorrência de impossibilidade jurídica do cumprimento da lei, em sendo essas

funções de número insuficiente (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO,

2002, p.39):

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Em contrapartida, a jurisprudência recente do TST parece não acolher

a exceção:

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMPRESA DE VIGILÂNCIA - VAGAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA - ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/91 - CÁLCULO DO PERCENTUAL

Demonstrada violação legal e constitucional, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para mandar processar o apelo denegado.

II - RECURSO DE REVISTA - EMPRESA DE VIGILÂNCIA - VAGAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA - ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/91 - CÁLCULO DO PERCENTUAL

1. A empresa que contar com 100 ou mais trabalhadores deverá obedecer a um percentual mínimo de empregados portadores de necessidades especiais, segundo o disposto no art. 93 da Lei nº 8.213/91.

2. A referida norma é de ordem pública e não excetua do seu âmbito de aplicação as atividades de vigilância.

Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-RR - 43740-09.2007.5.10.0018 , Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 07/04/2010, 8ª Turma, Data de Publicação: 09/04/2010, TST, www.tst.jus.br, acesso em 01 de agosto de 2015)

EMPRESA DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL.

RESERVA DE VAGAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. LEI 8.213/91. CÁLCULO DO PERCENTUAL. A reserva legal de vagas para pessoas com deficiência prevista no art. 93 da Lei 8.213/91 é de ordem pública e esse dispositivo não excetua do seu âmbito de aplicação atividade alguma. Ademais, a incapacidade do empregado para exercer a atividade de vigilância deve ser comprovada na prática, e não meramente presumida, de sorte que não se podem excluir do cálculo do percentual de cargos destinados aos portadores de deficiência as vagas referentes às atividades de vigilância.Recurso de Revista de que não se conhece. (TST- RR - 84200-21.2005.5.10.0014 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 09/06/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: 18/06/2010, TST, www.tst.jus.br, acesso em 01 de agosto de 2015)

Na onda da vedação a todas as formas de discriminação, o ideal seria

que as empresas contratassem empregados com tipos diversificados de

deficiência, ou seja, sensorial, mental, física e visual, deixando de optar por certos

tipos de deficiência. E, ainda, que esses trabalhadores ocupassem cargos

variados, para evitar a estigmatização.

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Contudo, as normas não fazem esta exigência. Com efeito, a aferição

da reserva de real se dá, em regra, em relação ao total do quadro de funcionários

da empresa, podendo os cotistas ser distribuídos em vários estabelecimentos ou

prestar o seu labor em um só deles, nos termos da Instrução Normativa nº 20 do

Ministério do Trabalho e Emprego.

Instrução Normativa N.º 20, de 26 de Janeiro de 2001 do MTE

Art. 10 O AFT verificará, mediante fiscalização direta ou indireta, se a empresa com cem ou mais empregados preenche o percentual de 2 a 5 por cento de seus cargos com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção:

I - até duzentos empregados, dois por cento; II - de duzentos e um a quinhentos empregados, três

por cento; III - de quinhentos e um a mil empregados, quatro por

cento; ou IV - mais de mil empregados, cinco por cento. § 1º Para efeito de aferição dos percentuais dispostos

neste artigo, será considerado o número de empregados da totalidade dos estabelecimentos da empresa.

§ 2º Os trabalhadores a que se refere o caput poderão estar distribuídos nos diversos estabelecimentos da empresa ou centralizados em um deles.

No mais, deve-se frisar que a teleologia da norma instituidora da

reserva de mercado não perpassa pelo prejuízo do direito ao trabalho do cidadão

sem deficiência. Caso inexista vaga ociosa ou demanda imediata para a

contratação de pessoas com deficiência, não se determina a demissão de

funcionários antigos para que se observem os percentuais reservados. Desse

modo, embora a obediência à lei não deva ser obstaculizada ou até abandonada,

inexiste prazo para o preenchimento das cotas. Coadunando-se ao princípio da

razoabilidade, segue a ordem de Serviço Conjunta do INSS n° 90/98:

6.2. A empresa cujo quadro de recursos humanos já esteja preenchido, sem no entanto atender ao percentual de reserva de vagas a que se refere o item 4, promoverá o preenchimento do mesmo, de forma gradativa, a medida em que surjam as vagas.

Na visão de Alice Monteiro de Barros (BARROS, 2009, p.1187):

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A medida consagrada na Ordem de Serviço é salutar, pois não se pode retirar do empregador o jus variandi, para simplesmente determinar a criação de posto para o trabalhador em condições especiais. O que se pode e deve buscar é a prioridade no provimento de vaga acaso existente, por trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado em condições de exercê-la. Assim, o citado item “6.2” deve ser interpretado no sentido de que, verificada a inexistência de vaga, não resulta violado o art. 93 da Lei n. 8.213, de 1991. É imperioso, entretanto, que sejam adotadas, no âmbito da empresa, providências no sentido de permitir o cumprimento gradativo da lei, na medida em que venham a surgir vagas passíveis de provimento por pessoal habilitado.

Há jurisprudência no sentido da manutenção dos contratos em curso,

autorizando a inclusão gradativa do trabalhador com deficiência, na esteira do

princípio da razoabilidade:

(...) Ao ser esta editada, já existia um quadro funcional, composto de profissionais que, por certo, serão despedidos, a fim de que sejam supridas as vagas dos deficientes, lançados, assim, na grande massa de desempregados, somente aumentando este verdadeiro -câncer social-. Nessa senda, não se diga que o legislador pretendeu ao fixar percentuais, que se fizessem dispensas de empregados para substituição por outros, portadores de deficiência. Consoante já referido acima, a preservação do emprego se impõe, tanto em razão das necessidades de sobrevivência dos trabalhadores, como da manutenção dos empreendimentos. O ajuste aos percentuais já citados há de se fazer ao longo do tempo, impondo-se ao recorrente, por certo, ao selecionar profissionais, abster-se de qualquer prática discriminatória em relação aos deficientes físicos, procedimento que, à evidência, já vem sendo observado. (...) (TST-AIRR - 45940-92.2000.5.04.0020 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, citando Clóvis Fernando Schunch Santos. Data de Julgamento: 25/11/2009, 6ª Turma, Data de Publicação: 04/12/2009, TST, www.tst.jus.br, acesso em 01 de agosto de 2015)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. TRABALHADORES REABILITADOS PELO INSS OU PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. APRENDIZAGEM INDUSTRIAL - PROFESSORES E INSTRUTORES. OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não possui qualquer comando em relação ao momento em que a regra deva ser inteiramente implementada. Por outra face, o escopo do art. 93 da Lei nº 8.213/91 é coibir, no âmbito das relações trabalhistas, a discriminação das pessoas portadoras de deficiências. Na hipótese dos autos, não há qualquer referência,

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na petição inicial ou mesmo no curso do processo, no sentido de que o recorrente tenha praticado qualquer ato discriminatório. À ausência de discriminação, a exigência de dispensa dos empregados que não atendam às condições em foco refoge à razoabilidade. Não há, assim, que se falar em violação direta e literal do preceito no bem lançado acórdão regional. Agravo de instrumento a que se nega provimento.”(TST- AIRR - 9413300-83.2003.5.04.0900 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 04/11/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 20/11/2009, TST, www.tst.jus.br, acesso em 01 de agosto de 2015)

A despeito do descumprimento da norma ser passível de gerar ação

civil pública, ao instaurar inquéritos civis para investigar empresas que não

preenchem a cota, o MPT considera o ramo da empresa para decidir o prazo da

adequação da conduta. Em geral, este Órgão Constitucional só ajuíza ação em

face do denunciado quando este se recusa a, ao menos, tentar satisfazer os

ditames da lei (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, 2002, p.34):

O objetivo é assinatura de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, com prazos razoáveis para seu cumprimento.

Para tal deve ser levada em consideração atividade da empresa, a qualificação necessária para o exercício da função a ser desempenhada e o número de portadores de deficiência/beneficiários reabilitados necessários ao preenchimento da reserva legal. Recomenda-se o ajuizamento de Ação Civil Pública somente em caso de recusa à adequação legal, uma vez que a inserção se dará de forma mais efetiva se a empresa se ajustar espontaneamente.

Além do percentual de mercado a ser reservado, o art. 93, da lei

8.213/91, traz relevante determinação no § 1º. Este dispositivo trata da dispensa

de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado, condicionando-a - nas

hipóteses de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e de

ausência de motivo justo, no contrato por prazo indeterminado – à contratação de

substituto em condição semelhante. Transcreve-se a redação do parágrafo

primeiro do artigo 93 atual e a que vigorará com a lei 13.146 de 2015:

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. (redação atual)

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§ 1o A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (art. 93 da lei 13.146 de 2015)

De acordo com a Procuradoria Geral do Trabalho, não se trata de

estabilidade no emprego para a pessoa com deficiência. O que o legislador

garantiu foi a reserva do posto de emprego a trabalhador em condições especiais

semelhantes. De logo, deve-se frisar que por condições semelhantes entendem-

se as estipuladas na cabeça do artigo 93 sob exame, quais sejam, beneficiários

reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência e não, necessariamente, a

mesma deficiência (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, 2002, p. 41):

Não se deve, no entanto, interpretar essa regra no sentido de que uma vaga antes ocupada por deficiente visual só o poderá ser por outro deficiente visual. Garante-se, sim, a vaga a outro portador de deficiência/beneficiário reabilitado, independentemente da deficiência que porte. Admite-se a substituição daquela vaga por outra, uma vez que o objetivo é a garantia de vaga compatível, qualquer que seja.

Desse modo seria possível, segundo o MPT, a demissão mesmo que

sem justa causa (PROCURADORIA GERAL DO TRABALHO, 2002, p.41), desde

que mantido o percentual de pessoas com deficiência determinado na lei.

Maria Aparecida Gugel também admite a demissão sem justa causa,

desde que não provoque a insatisfação do percentual legal. Da leitura a contrário

senso (GUGEL, 2006, p.80):

É possível dispensa sem justa causa do empregado das empresas públicas e sociedades de economia mista, a não exigir formalização do ato da dispensa pois, o empregado público não está ao abrigo da estabilidade prevista no art. 41 da Constituição. Ressalva deve ser feita, se a dispensa do empregado público com deficiência implicar em redução do percentual de reserva, significando que o administrador não poderá rescindir o contrato firmado.

Nessa linha, trazemos os seguintes julgados:

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DEFICIENTE FÍSICO. DISPENSA. REINTEGRAÇÃO. DEFICIENTE FÍSICO. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. A resilição unilateral pelo empregador do contrato de trabalho de deficiente físico só é possível quando mantido o percentual de participação de deficientes do total de empregados da empresa, como previsto no art. 93 da Lei nº 8.213/91. Para efetivar a resilição, inexistindo redução da quantidade total de empregados na empresa, há que ser atendida a condição de previamente contratar outro deficiente antes de efetivar a resilisão do deficiente a ser dispensado, como estabelece o § 1º do art. 93 da referida lei (TRT 1ª R. – 4ª T. – RO nº 17135/97 – Rel. Raymundo Soares de Matos – j. 29.4.98 – DORJ 13.5.98, TRT , TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015 acessado em 03 de agosto de 2015)

2.RECURSO DE REVISTA.REINTEGRAÇÃO.

GARANTIA DE EMPREGO. ART. 93, §1º, DA LEI 8.213/91. A obrigatoriedade de a empresa preencher de certos percentuais de cargos com pessoas portadoras de deficiências consiste em dever jurídico que protege indivíduos do grupo (proteção de interesse ou direito difuso, pertinente a uma coletividade indeterminada) e não, propriamente, de uma obrigação ligada a uma relação jurídica individual. A lei não instituiu vitaliciedade aos empregados contemplados pela cota, de tal modo que, se um desses deixa seus quadros da empresa e esta admite outro nas mesmas circunstâncias, não se reconhece ao primeiro o direito de voltar a ocupar aquele lugar. O que a lei exprime é a obrigação de a empresa manter determinado número de empregados na cota, sem personalizá-los. Ao reconhecer estabilidade ao autor, o Tribunal Regional conferiu ao art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91 natureza de direito individual.

Recurso de Revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST-RR - 2140-09.2004.5.02.0253, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 03/02/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: 19/02/2010, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015)

De outro modo, há posicionamento jurisdicional contemplando

individualmente os comandos contidos nos incisos do art. 93 e o parágrafo

primeiro. Nesta vertente, a contratação de outro trabalhador em condições

semelhantes seria sempre necessária, não havendo que se aceitar demissão sem

justa causa, mesmo que a empresa se mantenha nos liames da cota exigida.

Note-se:

RECURSO DE REVISTA. DEMISSÃO DE EMPREGADA REABILITADA (ART.

93, § 1º, DA LEI Nº 8.213/1991). REINTEGRAÇÃO. 1 - Nos termos do art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, a demissão do trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado, imotivada, no

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contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. 2 – É nula a demissão sem justa causa, quando não observada a exigência do referido dispositivo de lei federal, ficando assegurado, ao trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado, não propriamente o direito à estabilidade, mas, sim, à garantia provisória no emprego, ou seja, a sua manutenção na empresa enquanto não seja contratado substituto em igual condição. Nesse contexto, a jurisprudência predominante nesta Corte Superior adota o entendimento de que deve ser acolhido o pedido de reintegração. Precedentes. (...) (TST- RR - 67900-47.2004.5.17.0006 , Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 24/03/2010, 5ª Turma, Data de Publicação: 11/06/2010, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015)

RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PORTADOR

DE DEFICIÊNCIA. DISPENSA IMOTIVADA. NECESSIDADE DE IMEDIATA CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE. GARANTIA SOCIAL E INDIVIDUAL. LIMITAÇÃO LEGAL AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. REINTEGRAÇÃO. (...) As condicionantes previstas a) no caput e incisos I a IV, do art. 93 da Lei 8.213/91 e b) no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91, não obstante complementares de um ponto de vista de política social, são independentes e autônomas no que diz com a eficácia jurídica de suas disposições. A primeira estabelece uma garantia social objetiva, uma reserva de mercado, consubstanciada na fixação de cotas, dedicadas a segmento específico da população que experimenta significativa desvantagem no que diz com o acesso e manutenção da relação de emprego. A segunda institui espécie de garantia de índole individual, subjetiva, ainda que relativa e precária, para o trabalhador reabilitado ou deficiente habilitado, e o faz mediante a imposição do ônus de vincular a validade do ato da dispensa imotivada do empregado deficiente físico à tautócrona contratação de outro empregado em condições semelhantes. A obrigação relacionada à garantia individual prevista no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91 não se dá por satisfeita com a observância da garantia objetiva preconizada no caput do mesmo dispositivo legal, com a qual não se confunde. A redação categórica do § 1º em comento evidencia a autonomia semântica do enunciando normativo que encerra: a despedida sem justa causa- (TST-RR-14/2005-025-04-40, 3ª turma. ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA Ministra Redatora Designada DJ 10.10.2008) [grifamos] TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

EMPREGADO REABILITADO. DISPENSA

IMOTIVADA. NECESSIDADE DE IMEDIATA CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE. GARANTIA SOCIAL E INDIVIDUAL. LIMITAÇÃO LEGAL AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. REINTEGRAÇÃO. (...) As condicionantes previstas a) no caput e

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incisos I a IV, do art. 93 da Lei 8.213/91 e b) no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91, não obstante complementares de um ponto de vista de política social, são independentes e autônomas no que diz com a eficácia jurídica de suas disposições. A redação categórica do § 1º em comento evidencia a autonomia semântica do enunciando normativo que encerra: a dispensa imotivada do trabalhador reabilitado ou deficiente físico habilitado depende, sempre, da prévia contratação de substituto em condição semelhante. Recurso de revista integralmente não-conhecido. (TST-RR-103600-25.2003.5.09.0012, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, Data de Julgamento: 18/11/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 04/12/2009, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015)

Da interpretação sistemática da norma submetida a

exame se extrai a ilação de que o § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91 é regra integrativa autônoma, a desafiar até mesmo artigo próprio. Com efeito, enquanto o caput do supracitado art. 93 estabelece cotas a serem observadas pelas empresas com cem ou mais empregados, a serem preenchidas por beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas, o seu § 1º cria critério para a dispensa desses empregados (contratação de substituto de condição semelhante), ainda que seja para manter as aludidas cotas. É verdadeira interdição ao poder potestativo de resilição do empregador, na medida em que, antes de concretizada a dispensa, forçosa a contratação de outro empregado reabilitado ou portador de deficiência habilitado para ocupar o mesmo cargo daquele dispensado- (TST-RR-585/2004-029-04-40.4 - 4ª Turma - Ministro Barros Levenhagen, DJ 22.6.2007) [grifamos] TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE

REVISTA - DESCABIMENTO. ESTABILIDADE PROVISÓRIA - LEI Nº 8.213/91, ART. 93, § 1º. REEXAME DE FATOS E PROVAS. ARESTO INESPECÍFICO.(...) 2. O § 1º do art. 93 da lei nº 8213/91 estabelece que o empregado reabilitado somente poderá ser dispensado após a contratação de substituto de condição semelhante. Cuida-se de estabilidade provisória, na medida em que, claramente, garantida a manutenção do emprego até o adimplemento, pela empresa, da condição legal. Sem esta constatação, não subsiste o poder potestativo patronal de dispensar. A decisão que assim pontua dá efetividade à regra jurídica sob apreço. 3. Deixando a parte de fazer patentes as situações descritas nas alíneas do art. 896 consolidado, correto o despacho que nega curso à revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.-” (TST-AIRR-917/1999-006-17-00.3, Rel. Min. Alberto Bresciani, 3ª Turma, DJ 12.5.2006) [grifamos] TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

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O parágrafo sob exame descortina, ainda, discussão quanto à natureza

jurídica do instituto que condiciona a demissão sem justa causa à contratação de

novo empregado com deficiência. Conforme delineia Alice Monteiro de Barros

(BARROS, 2009, p. 1185), parte da doutrina defende que o art. 93 da lei 8.213/91

institui garantia de emprego. Outra vertente sustenta que se trata de ato jurídico

submetido à condição suspensiva, no caso, a admissão de empregado em

condição semelhante, cuja inocorrência levaria à nulidade da despedida, nos

termos do inciso XXXI, do art. 7º da CF e do 9º da CLT e 125 do CC/2002. À

última corrente, adere Alice Monteiro de Barros (BARROS, 2009, p.1186):

Compartilhamos desse posicionamento, por entender que o direito potestativo de o empregador despedir está condicionado à contratação de substituto em condição semelhante. À falta de prova dessa contratação, a dispensa injusta do empregado beneficiado pela reserva de mercado é nula, comportando reintegração, com o objetivo de dar efetividade ao comando contido no inciso XXXI do art. 7º da Constituição.

Já Maria Aparecida Gugel acredita se tratar de forma peculiar de

garantia de emprego, que objetiva a manutenção da reserva de mercado. Note-se

(GUGEL, 2006, p. 80):

o critério da lei, além de instituir ação afirmativa por meio da reserva de postos de trabalho para o trabalhador com deficiência ou trabalhador reabilitado, é fixar um mecanismo de preservação dessa reserva, estabelecendo como condição para dispensa desses empregados a contratação de substituto em condição semelhante. Isso significa dizer que se está diante de uma forma peculiar de garantia de emprego. Esta garantia de emprego, no entanto, não é dirigida a um indivíduo portador de deficiência, mas a uma situação em particular, a condição da deficiência, na qual o interesse a ser resguardado diz respeito à coletividade de pessoas com deficiência ou reabilitados da Previdência Social.

A jurisprudência do TST, embora fale em garantia de emprego, não é

uníssona. Entretanto, a reintegração é a solução adotada ante a inobservância do

§1º do art. 93. Nesse giro, reproduzimos alguns julgados:

(...) RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO REABILITADO OCUPANTE DE COTA - ART. 93, -CAPUT-, DA LEI 8213/91. LIMITAÇÃO LEGAL AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. REINTEGRAÇÃO. (...)A legislação

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previdenciária, no intuito de dar efetividade a tais preceitos, agregou restrição indireta à dispensa de empregados portadores de necessidades especiais: estipulou que o obreiro submetido a processo de reabilitação profissional somente poderia ser dispensado mediante a correlata contratação de outro trabalhador em situação semelhante, conforme dispõe o art. 93, § 1º, da Lei 8.213/91. Trata-se, portanto, de norma auto-aplicável, que traz uma limitação ao poder potestativo do empregador, de modo que, uma vez não cumprida a exigência legal, devida é a reintegração no emprego, sob pena de se esvaziar o conteúdo constitucional a que visa dar efetividade. Precedentes desta Corte. Recurso de revista provido.” (RR - 1127176-23.2003.5.04.0900, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT 19/03/2010) [grifamos] TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO

REABILITADO. DISPENSA IMOTIVADA. NECESSIDADE DE IMEDIATA CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÃO SEMELHANTE. GARANTIA SOCIAL E INDIVIDUAL. LIMITAÇÃO LEGAL AO DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR DE RESILIR UNILATERALMENTE O CONTRATO DE TRABALHO. REINTEGRAÇÃO. Decisão regional em consonância com o posicionamento de que o direito potestativo do empregador de denúncia vazia do contrato de trabalho não é absoluto, sendo certo que, enquanto garantia fundamental de caráter eminentemente institucional, sua própria existência depende da conformação que lhe é atribuída pela legislação infraconstitucional no momento em que delimita seu escopo, limites e alcance, delineando, dessa forma, seu próprio conteúdo. Com a criação de reserva de mercado para beneficiários reabilitados da Previdência Social ou trabalhadores portadores de deficiência, entendeu por bem o legislador, em também restringir a subjetividade inerente ao livre exercício do direito potestativo do empregador de resilir unilateralmente o contrato de trabalho do empregado em tais condições, mediante a imposição de ônus objetivo, com a finalidade de impedir, ou pelo menos dificultar, a ocorrência de práticas discriminatórias para efeito de permanência da relação jurídica de trabalho. (TST-RR-164/2003-028-01-00, Rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 3ª Turma, DJ de 5/6/2009) [grifamos] TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

REINTEGRAÇÃO. FÍSICO. ART. 93, § 1º, DA LEI Nº

8.213/91. (...) O dispositivo não confere, diretamente, garantia de emprego, mas, ao condicionar a dispensa imotivada à contratação de substituto de condição semelhante, resguarda o direito de o empregado permanecer no emprego, até que seja satisfeita essa exigência. O E. Regional consigna que os reclamados não se desincumbiram do ônus de comprovar a admissão de outro empregado em condições semelhantes (deficiente físico), razão pela qual o contrato de trabalho não poderia ter sido rescindido. O direito à reintegração decorre, portanto, do descumprimento, pelo

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empregador, de condição imposta em lei. Recurso de revista não provido” (TST – 4ª T. – RR nº 5287/2001-008-09-00 – Rel. Min. Milton de Moura França – j. 17.11.2004 – DJ 3.12.2004, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015)

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CAPÍTULO III

DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA

DOS INTERESSES DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Na Constituição da República de 1969, o Ministério Público era um

apêndice do Poder Executivo, conforme se depreende da topografia adotada na

EC nº 01/69, que tratou desse órgão na Seção VII, contida no Título VII – Do

Poder Executivo. In verbis:

CAPÍTULO VII DO PODER EXECUTIVO (...) Seção VII Do Ministério Público Art. 94. A lei organizará o Ministério Público da União

junto aos juízes e tribunais federais. (...) Parágrafo único. Lei complementar, de iniciativa do

Presidente da República, estabelecerá normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público Estadual, observado o disposto no § 1º do artigo anterior. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1977)

A semente das investigações ministeriais independentes veio com o

advento da Lei Complementar Federal nº40/81 - a primeira Lei Orgânica do

Ministério Público, prevista na Emenda Constitucional nº 7/77. Naquele estatuto

definiram-se as principais atribuições do MP, assegurando-lhe poderes diretos de

requisição e notificação.

Na Carta Magna de 88, o constituinte ampliou o papel do Ministério

Público, ensejando-lhe status de instituição permanente e essencial à Justiça,

com a missão de atuar na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis, com autonomia e independência.

Sobre as mudanças trazidas nos arts. 127 a 130-A do Texto Constitucional

vigente, vale citar a impressão de Carlos Henrique Bezerra Leite: é, pois, um

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órgão do Estado, de natureza constitucional, a serviço da sociedade e do

interesse público (LEITE, 2008, p.164).

Cabe reproduzir as palavras de Raimundo Simão de Melo (MELO,

2014, p.52):

O Ministério Público atua na preservação dos valores fundamentais do Estado-Comunidade. Age na proteção dos fracos e dos direitos e situações de abrangência comunitária, atuando como advogado da sociedade. [...]

Na esfera trabalhista, atuam os Procuradores do Trabalho na defesa da Constituição Federal (art. 7º e seguintes),das lis e dos instrumentos normativos que asseguram os direitos sociais e as liberdades individuais e coletivas dos trabalhadores. Exemplos: [...] o direito de não discriminação nas relações de trabalho, [...] a inserção de portadores de deficiência no mercado de trabalho. [...].

No olhar de Hugo Nigro Mazzilli, a desvinculação de dependência

excessiva do Poder Executivo não é o mais relevante na questão. Segundo ele,

os instrumentos, as garantias e os impedimentos são os ganhos mais importantes

para que a instituição desempenhe satisfatoriamente as suas funções, com

liberdade e independência desde o mais novo procurador ou promotor até o

procurador-geral (MAZZILLI, 2001, p. 96):

Indicador agora da consciência social que o Ministério Público tem despertado é o atual texto da Constituição democrática de 1988, que não apenas reconheceu a importância e o papel que um Ministério Público bem aparelhado e com os predicamentos apropriados pode conferir à coletividade, como ainda lhe assegurou novas atribuições e um relevo que jamais texto constitucional algum nem de longe conferiu ao Ministério Público, nem mesmo no direito comparado. De outra parte, a comunidade tem sabido procurar os membros do Ministério Público e deles cobrar providências nas diversas áreas (...)

O Texto Constitucional enseja a ampliação das funções do Ministério

Público. São várias as ferramentas utilizadas pelo MP na busca da realização do

interesse público, no cumprimento dos direitos metaindividuais (DINIZ, 2004,

p.241).

Judicialmente ou extrajudicialmente atua fiscalizando a relação entre capital-trabalho e o cumprimento da ordem jurídica. Preventivamente orienta os cidadãos e a sociedade por meio de

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audiências públicas, palestras, workshops, reuniões setoriais, etc., instaurando inquéritos civis públicos para investigar denúncias, com a possibilidade de ajustamento da conduta por meio dos ‘termos de ajustes de condutas’ (TACs). Repressivamente, ajuíza ações cabíveis, como ação civil pública, junto à Justiça do Trabalho, podendo, inclusive, resolver os conflitos individuais e coletivos atuando como mediador ou árbitro.

As atribuições do Ministério Público do Trabalho estão individualizadas

nos arts. 83 e 112 da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/83),

podendo atuar como órgão agente (ajuizando demandas e realizando

procedimentos administrativos) ou interveniente (atuando como fiscal da lei, na

condição de custos legis).

Da leitura da LOMPU, pressupõe-se que, em regra, a atuação

ministerial justifica-se na existência de interesse público em discussão no caso

concreto. Contudo, a citada norma ressalva a obrigatoriedade de intervenção em

lide de cunho individual que toque a direitos de incapazes:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas; (...) III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos; Art. 112. Os Procuradores do Trabalho serão designados para funcionar junto aos Tribunais Regionais do Trabalho e, na forma das leis processuais, nos litígios trabalhistas que envolvam, especialmente, interesses de menores e incapazes.

Por outro lado, a despeito de não serem incapazes para fins do Código

Civil (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, acesso em 14 de junho de 2015),

com o advento da lei 7.853/89, fixou-se a necessidade de atuação custos legis do

Ministério Público também nas ações em que figurem como parte pessoas com

deficiência:

Art. 5º O Ministério Público intervirá obrigatoriamente nas ações públicas, coletivas ou individuais, em que se discutam interesses relacionados à deficiência das pessoas.

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Todavia a obrigatoriedade do parecer ministerial só incide no caso

estrito de o objeto da demanda estar relacionado ao problema da deficiência, o

que é esclarecido em trecho de acórdão citado por Hugo de Brito Mazzilli:

no caso dos deficientes físicos, parece-nos que a só qualidade da parte não é suficiente para ensejar, sempre e sempre, a intervenção ministerial. Com efeito, a título de exemplo, um deficiente físico, que esteja propondo uma demanda patrimonial (a cobrança de uma cambial, v.g.), não necessita, em tese, de qualquer intervenção protetiva ministerial. Contudo, quando tal deficiente se põe a litigar sobre matéria que diz respeito com sua própria deficiência, e, mais ainda, que interessa a toda a categoria dos deficientes - como, no caso dos autos, a eliminação das barreiras arquitetônicas para seu acesso ao transporte público - é inegável, na hipótese concreta, que o interesse público evidenciado pela qualidade da parte se soma ao interesse público despertado pela natureza da lide, a ensejar a intervenção ministerial. No zelo do princípio da igualdade, permitirá atuação evidentemente protetiva a essas pessoas que ostentam grave forma de hipossuficiência. Afinal, a proteção das formas acentuadas de hipossuficiência interessa a toda a coletividade. À sociedade convém intensamente que menores, incapazes, acidentados e deficientes físicos sejam defendidos, mesmo porque todos nós poderemos um dia encontrar-nos nessas situações 2:

Outro ponto importante da lei 7.853/89 é a expressa legitimação do

MP, ao lado de outras entidades, à propositura de ação civil pública destinada, em

específico, à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas com

deficiência (art. 3º). Esta minúcia não se nota em outras normas que já

legitimavam o Parquet ao ajuizamento de ACPU, ex vi do inciso IV, do art. 1º, da

Lei n. 7.347/85 e do art. 129, III, da Constituição Federal. Segundo Hugo Nigro

Mazzilli, a autorização novidade colocou ponto final nas controvérsias

jurisprudenciais acerca do tema (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, acesso

em 14 de junho de 2015):

Isso em muito facilitou a atuação do Ministério Público, evitando decisões judiciais, que, antes disso, equivocadamente pretendiam negar a existência de interesse público na atuação do

2 MS n. 107.639-1-São Paulo, 7ª Câm. Cív. do TJSP, v. u., j. 17. 8.88, Rel. Des. Rebouças de Carvalho, transcrito por Hugo Nigro Mazzilli, na Conferência de abertura do I Seminário Internacional "Pessoa Portadora de Deficiência - Trabalhador Eficiente", promovido pelo Ministério Público do Trabalho, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP (4-4-01, São Paulo), extraída de http://saci.org.br/, consultado em 14 de junho de 2015.

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Ministério Público em defesa dos interesses globais das pessoas portadoras de deficiência.

De fato, a legitimidade do Ministério Público para tratar dos interesses

das pessoas com deficiência já encontrava respaldo na larga interpretação da

redação constitucional, visto que os direitos delas enquadram-se na seara dos

direitos difusos, cuja defesa está entre as funções do MP enumeradas no art. 129,

III, da CR/88.

Diz-se difuso o direito indivisível3, de que sejam titulares pessoas

indeterminadas e ligadas por circunstância de fato (art. 81, § único, inciso I, do

CDC). De acordo com Maria Aparecida Gugel, é exatamente o que se vislumbra

na hipótese de reserva de cargos e empregos públicos – explicação cabível

também em relação à quota legal no âmbito das empresas privadas (GUGEL,

2006, pp. 128-129):

A ação ou qualidade para agir do Ministério Público justifica-se porque os interesses violados transcendem à esfera de um conflito individual de natureza reparatória, afetando uma universalidade de pessoas com deficiência não individualizáveis ou determináveis, configurando o interesse difuso dos candidatos às vagas oferecidas no concurso público, pois: o interesse tutelado é indivisível e se constitui em bem jurídico que potencialmente pode ser usufruído por inúmeras pessoas com deficiência que, fundadas no princípio da igualdade de oportunidade, devem ter a garantia da reserva de vagas; (...) “indetermináveis, eis que não é possível individualizar as pessoas com deficiência interessadas em participar do concurso, e que foram ofendidas com a prática irregular que gerou a lesão,” (...) embora inexista relação jurídica entre potenciais candidatos ao concurso público ou, entre eles e a Administração, há uma relação comum que decorre da circunstância de fato.

Tudo em consonância com a jurisprudência do TST:

PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. EMPRESA PRIVADA. RESERVA DE VAGA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Manifesta a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação civil pública

3 Carlos Henrique Bezerra Leite observa que alguns juslaboralistas negam a existência dos interesses difusos no âmbito trabalhista. É o posicionamento exposto por Paulo Emídio Ribeiro de Vilhena, no artigo “Ação Civil Pública e a Tutela do Trabalhador”, publicado na Revista do TST, vol. 6, onde afirma que a ação civil pública tem por fim resguardar a posição de empregados que vêm a ser até nomeados e individuados, assim, seu objeto deixa de ser difuso ou coletivo, transindividual ou metaindividual. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação civil pública na perspectiva dos direitos humanos. – 2ª ed. – São Paulo: LTr, 2008. p. 56.

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visando garantir, com base no art. 93 da Lei nº 8.213/91, a tutela de interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, do qual são titulares deficientes protegidos pela mencionada Lei. Recurso de Revista conhecido e provido.”(TST- RR - 720691-73.2001.5.03.5555 , Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, Data de Julgamento: 27/09/2006, 2ª Turma, Data de Publicação: 23/02/2007, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015)

PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE

PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A manifestação do Tribunal Regional sobre os pontos suscitados no Recurso Ordinário significa prestação jurisdicional plena, não ensejando, pois, declaração de nulidade. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA QUOTA PREVISTA NO ART. 93 DA LEI 8.213/91. No caso, a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, visa a compelir a Empresa a dar efetividade à norma inserta no art. 93 da Lei nº 8.213/1991, ou seja, tem por escopo a contratação da cota mínima legal de empregados portadores de deficiência, na forma especificada pela legislação. Portanto, trata-se, na espécie, da atuação positiva do Ministério Público no sentido de assegurar o princípio constitucional da isonomia, promovendo a inserção no mercado de trabalho dos portadores de deficiência, abstratamente considerados, portanto de natureza difusa, haja vista a inexistência de uma relação jurídica base ou de origem comum. INTERESSE DE AGIR. O Tribunal Regional nada mais fez do que, conjugando as regras de direito que entendeu aplicáveis à hipótese concreta, emprestar-lhes razoável interpretação, amparado na averiguação dos fatos e provas, incidindo o óbice contido na Súmula 221 desta Corte. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 93 DA LEI N° 8.213/91. Não demonstrada a violação a dispostivo de lei.Recurso de Revista de que não se conhece.” (TST- RR - 137300-66.2003.5.03.0009 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 07/10/2009, 5ª Turma, Data de Publicação: 23/10/2009, TST, www.tst.jus.br, acessado em 03 de agosto de 2015

Sendo, portanto, inequívoca sua legitimidade para a proteção dos

interesses difusos das pessoas com deficiência, é de se destacar que o Ministério

Público do Trabalho, neste particular, cumpre prioritariamente o dever

constitucionalmente determinado.

Ante as grandes mazelas enfrentadas em nosso país, a consenso de

seus membros, a discriminação no trabalho, em especial a inserção da pessoa

com deficiência no mercado (LEITE, 2008, p.179), está entre os principais focos

de irregularidades a serem combatidos pela Especializada, fixados nas metas

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institucionais do Ministério Público do Trabalho. José Cláudio Monteiro de Brito

Filho justifica (BRITO FILHO, 2006, p. 66):

representam os mais graves problemas existentes no mundo do trabalho, sendo justificável a dedicação maior que se tem em favor delas, no âmbito do MPT. Mais que isso, elas se confundem, quase que na totalidade, com a busca da Instituição pelo estabelecimento do mínimo de condições de trabalho que configuram o ‘trabalho decente’, que é o conjunto mínimo de direitos do ser humano trabalhador, ou os direitos humanos no trabalho. (...) Pela necessidade que se tem de proteger, no melhor nível possível, o mínimo de direitos que precisa o ser humano para ver afirmado seu maior atributo, que é a dignidade.

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CONCLUSÃO

Vislumbrou-se, neste estudo, que o maior destaque ao empregado

pessoa com deficiência se dá no Texto de 1988, que veda qualquer tipo de

discriminação tocante à admissão e ao salário do obreiro com deficiência, entre

outras medidas protetivas. Nesse âmbito, foi ainda aprovada a Convenção sobre

Direito das Pessoas com Deficiência, o primeiro tratado de direitos humanos a

tramitar na forma do art.5º, §3º, da Carta Magna vigente, adquirindo, portanto,

status de Emenda a Constituição.

Essa Convenção é considerada um grande avanço. Busca a tomada de

medidas efetivas para eliminar a discriminação em todos os aspectos da vida das

pessoas com deficiência, enxergando-as em suas em suas particularidades. Além

disso, implantou nova nomenclatura, referindo-se a tais pessoas como pessoas

com deficiência. Esta denominação consagra a ideia de que a deficiência é mais

uma questão de má organização da sociedade, que não se sensibiliza para a

diversidade, do que, propriamente, um problema do corpo humano. Em se

articulando um cenário de inclusão, as incapacidades são minimizadas e os

impedimentos podem desaparecer.

A lei 7.853/89, ao introduzir a problemática da pessoa com deficiência

na Política Nacional, previu a reserva de mercado como meio de concretizar o

direito ao trabalho à pessoa com deficiência. Posteriormente, a lei 8.213/91 (art.

93) disciplinou a porcentagem a ser reservada no âmbito das empresas privadas.

As empresas com mais de 100 funcionários devem observar o preenchimento de

cotas - que vão de 2 a 5% do quadro, conforme o número geral de profissionais -

com empregados com deficiência.

As deficiências amparadas pela reserva de mercado estão elencadas

no Decreto 3.298/99, alterado pelo Decreto 5.296/04, e são comprovadas através

de atestado minucioso exarado por médicos do trabalho de cada empresa.

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Frisou-se que a obrigatoriedade de admissão de empregado com

deficiência é mitigada ao esbarrar em eventual necessidade de demissão de

trabalhadores sem deficiência. A jurisprudência do TST é uníssona ao destacar

que o preenchimento da cota pode ser gradativo e não deve acarretar o

desemprego de obreiros mais antigos. Contudo, ressalta-se a necessidade de

postura não discriminatória nas novas contratações, buscando-se observar o art.

93 da lei 8.213/91 sempre que surgirem novas vagas.

O desrespeito injustificado a essa lei configura lesão ao direito ao

trabalho das pessoas com deficiência. Trata-se de direito difuso, cuja defesa foi

atribuída ao MPT pela Carta da República de 1988 e pelo legislador

infraconstitucional (expresso em relação às pessoas com deficiência), tendo se

tornado uma das mais importantes metas institucionais do referido Órgão

Ministerial.

É certo que se busca o cumprimento das normas. Contudo, o objetivo

do legislador não é a mera corrida por números. A inserção do empregado com

deficiência deve ser guiada pela dignidade do trabalhador, na realização da

justiça social, que abarca ao empregado e o empregador.

Desse modo, comprovado que a empresa se empenhou em contratar

pessoa com deficiência, sem, entretanto, ter logrado êxito, o Ministério Público do

Trabalho deixa de ajuizar a demanda e busca medidas alternativas de se fazer

justiça social. Conduzindo o empregador para a adoção de cultura empresarial

antidiscriminatória e buscando uma conduta proativa do empresariado.

O emprego reafirma a dignidade inerente à pessoa humana e

oportuniza, a outros trabalhadores, a convivência próxima com pessoas com

deficiência. O contato favorece o rompimento de antigos estigmas de inferioridade

da pessoa com deficiência.

Com efeito, é inequívoca a contribuição do MPT para a disseminação

do ideal de não discriminação e de igualdade intuído pelo legislador, sendo certo

que os resultados ultrapassam o âmbito das relações de trabalho e repercutem

em todos os setores da sociedade.

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ÍNDICE

RESUMO................................................................................................................ 5

METODOLOGIA.................................................................................................... 6

SUMÁRIO.............................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8

CAPÍTULO I

PESSOA COM DEFICIÊNCIA...............................................................................11

CAPÍTULO II

A RESERVA DE MERCADO.................................................................................20

CAPÍTULO III

DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEFESA DOS

INTERESSES DAS PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA........................................................................................................38

CONCLUSÃO........................................................................................................45

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................47