UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS …€¦ · A SAÚDE MENTAL INFANTIL E A INTERVENÇÃO DA TERAPIA...

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2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A SAÚDE MENTAL INFANTIL E A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL Por: Juliana Xavier Ribeiro Orientadora Professora Maria Esther de Araújo Co-orientadora Professora: Giselle Böger Brand Campos Belos 2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A SAÚDE MENTAL INFANTIL E A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Por: Juliana Xavier Ribeiro

Orientadora

Professora Maria Esther de Araújo

Co-orientadora

Professora: Giselle Böger Brand

Campos Belos

2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A SAÚDE MENTAL INFANTIL E A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Saúde da Família. Por: Juliana Xavier Ribeiro.

Campos Belos

2014

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AGRADECIMENTOS

A Deus, obrigado pelo seu amparo! Agradeço por este sonho, pois,

se não fosse tua vontade, não seria possível vencer esta jornada.

Aos meus pais e meu esposo, por sempre acreditarem e confiarem

na minha capacidade.

Aos meus colegas de serviço do Centro de Reabilitação, pelo apoio

e carinho, pois nos momentos de dificuldades, sempre me ajudaram.

Quero ainda agradecer a Deus pela vida da Érica Regina, pois ela

foi mais que uma amiga, foi uma irmã, nesta jornada. Ela confirmou a palavra

que afirma que “[u]m amigo fiel é um poderoso refúgio, quem o descobriu,

descobriu um tesouro” (Ec. 6.14).

Aos meus pacientes/clientes, que foram os grandes inspiradores

para a realização deste trabalho.

Às professoras Giselle Brand, Maria Poppe e Adriana Spinelli, pelo

carinho, paciência e compreensão.

A Cassiane, por sua ajuda na finalização deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este sonho em primeiro lugar a Deus, pois foi quem me

iluminou para que tudo isso acontecesse, e foi quem me amparou nos

momentos de angústias e desesperos.

Ao meu esposo, João Batista, que sempre esteve ao meu lado,

dando todo o seu apoio e carinho nas horas em que mais precisei.

Te amo, paixão!!!

Aos meus pais, Jurimar e Lúcia Amélia, os quais, mesmo

fisicamente ausentes, nunca deixaram de confiar em mim, e fizeram de tudo

para que eu hoje esteja realizando mais este sonho.

Amo muito vocês!!!

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RESUMO

Nesta monografia tratamos da relação entre a Terapia Ocupacional (TO) e os transtornos mentais mais comuns em crianças (TDM, TAB, TDAH e autismo). Com base nos trabalhos de autores como Adriana Dias Barbosa Vizzotto (2007) definimos a TO, reconstituindo sua história e descrevendo seu foco de interesse. Abordamos ainda o perfil e o campo de atuação do terapeuta ocupacional, bem como discorremos sobre os rumos da TO no Brasil. Nos dedicamos a descrever e caracterizar os transtornos mentais infantis, elencando diagnósticos e enfrentamentos básicos, nos pautando por vários estudos, como os de Sheila Abramovitch e Lilian Aragão (2011); Maura Marques de Souza Nunes e Blanca Susana Guevara Werlang (2008); Letícia Wilke Franco, Patrícia Fantinel Matos e Márcia E. Wilke Franco (2014). Buscamos, sobretudo, apresentar uma contribuição sobre como a TO pode fornecer a pais, professores, cuidadores e terapeutas ocupacionais recursos para ajudar as crianças portadoras de TDM, TAB, TDAH e autismo a terem melhor qualidade de vida por meio de atividades laborais lúdicas e terapêuticas. Nosso estudo conclui que, apesar de ainda serem relativamente pouco estudadas, há hoje no Brasil várias modalidades de acompanhamento e tratamento de transtornos infantis via atividades laborais, sendo fundamental para o sucesso da TO a boa atuação do terapeuta ocupacional.

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METODOLOGIA

Esta monografia foi elaborada por meio de pesquisa qualitativa. Num

primeiro momento, foi feito o levantamento bibliográfico junto a revistas

especializadas sobre os temas estudados, bem como em sites de busca da

rede mundial de computadores. Após a coleta do material de consulta e

pesquisa, definiu-se o tema e o sumário básico. Em seguida, efetuou-se

leituras e fichamentos a respeito da Terapia Ocupacional (TO) e dos

transtornos estudados (TDM, TAB, TDAH e autismo).

As leituras definiram os rumos estruturais finais do trabalho. Decidiu-

se que a melhor forma de contribuir para a fortuna crítica da linha de pesquisa

envolvida seria fazer um trabalho que focasse o diagnóstico dos transtornos

avaliados, bem como algumas propostas de atividades terapêuticas disponíveis

nos textos consultados.

Para chegar a conclusões sobre a historia da TO, bem como de

suas principais correntes em sua fase de estabelecimento na Europa e Estados

Unidos, o presente estudo baseou-se em autores como Adriana Dias Barbosa

Vizzotto (2007). Fundamentou-se ainda em autores como Sheila Abramovitch e

Lilian Aragão (2011) para configurar o TDM; Lee Fu-I (2004) para tratar do

TAB; Maura Marques de Souza Nunes e Blanca Susana Guevara Werlang

(2008) para discorrer sobre o TDAH e Letícia Wilke Franco, Patrícia Fantinel

Matos e Márcia E. Wilke Franco (2014) para abordar o autismo.

As propostas terapêuticas para os transtornos descritos, tema do

capítulo 3 deste estudo, foram baseadas nos estudos de Oliveira, Mendes &

Antoneli (2014); Marques & Moya (2014); Araújo (2002) e em Franco; Matos &

Franco (2014).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................. 07

CAPÍTULO I - Surgimento e consolidação da Terapia Ocupacional ...............08

1.1 Definições de TO.........................................................................................08

1.2 Terapia ocupacional: da Antiguidade aos tempos modernos .....................09

1.3 O terapeuta ocupacional: perfil e campo de atuação .................................11

1.4 Rumos da TO no Brasil ..............................................................................12

CAPÍTULO II – Problemas de Saúde Mental Infantil.........................................13

2.1. O transtorno depressivo maior (TDM)......................................................13

2.2 O transtorno afetivo bipolar (TAB)............................................................14

2.3 O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).......................16

2.4 O autismo..................................................................................................17

CAPÍTULO III - Propostas terapêuticas para os problemas de saúde mental

infantil.................................................................................................................18

3.1 A TO e os problemas de saúde mental infantil .......................................... 18

3.1.1 Propostas terapêuticas para o transtorno depressivo maior (TDM).........19

3.1.2 Propostas terapêuticas para transtorno afetivo bipolar (TAB)..................19

3.1.3 Propostas terapêuticas para o transtorno de déficit de

atenção/hiperatividade (TDAH)..........................................................................21

3.1.4 Propostas terapêuticas para o autismo...................................................22

CONCLUSÕES..................................................................................................25

REFERÊNCIAS.................................................................................................26

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INTRODUÇÃO

A Terapia ocupacional (doravante, TO) é uma área do conhecimento

que estuda e emprega atividades para pessoas com distúrbios mentais e

físicos e desajustes emocionais e sociais. A importância e centralidade que o

labor, ou seja, o uso terapêutico das atividades assumem na TO é o que

distingue esta de outras áreas de atuação da saúde humana.

No presente trabalho procuraremos discorrer sobre esse campo de

atuação da saúde mental. Assim, no primeiro capítulo veremos que a atividade

é o instrumento da TO, e seu fim maior é melhorar significativamente a

qualidade de vida dos pacientes por meio da ocupação laboral e das atividades

lúdicas.

Como discutiremos a seguir, apesar de estar inserida nos

instrumentais da medicina moderna e contemporânea, a consciência de que

atividades laborais poderiam contribuir para melhoria da qualidade de vida de

pessoas com transtornos mentais esteve presente nos mais diferentes grupos

sociais desde a Antiguidade.

Gregos, romanos e egípcios acreditavam que a combinação de ritos

místicos e atividades como trabalho e lazer podia ajudar a reorganizar a vida

dos doentes, tidos então como possessos ou vítimas dos deuses.

Apesar de uma grande revolução racional haver marcado a

passagem da idade antiga para a idade moderna e de as concepções sobre

enfermidade mental haver evoluído bastante, até meados do século XIX os

pacientes de transtornos mentais eram tratados como seres qualitativamente

inferiores aos demais.

Até bem pouco tempo se achou que eles representavam um grande

risco para os indivíduos tidos como sadios e que, portanto, deveriam ficar

trancafiados em asilos, sem nenhum atendimento terapêutico e tratados como

pessoas sem solução.

Isolados e quase sempre ociosos, tais pacientes não podiam mesmo

apresentar melhoras, e a maioria tinha, inclusive, seu estado mental piorado.

Isso mostra que a percepção sobre o valor terapêutico do labor, já presente

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nas sociedades antigas, foi perdida ou colocada em segundo plano durante

boa parte da idade moderna.

Apenas no período entre o final do século XVIII e início do século

XIX, com o surgimento da obra de Philippe Pinel (1745-1826), médico francês,

o mundo voltará a repensar o labor dos pacientes como relevante para seu

tratamento e ressocialização.

Difundida por toda a Europa e pelos Estados Unidos, a proposta de

labor terapêutico defendida por Pinel acabou recebendo inúmeras

contribuições, como mostraremos a seguir.

Nesta monografia tratamos ainda da relação entre a TO e os

transtornos mentais mais comuns em crianças (TDM, TAB, TDAH e autismo).

Se, no final do primeiro capítulo, delineamos o perfil e o campo de atuação do

terapeuta ocupacional, bem como discorremos sobre os rumos da TO no

Brasil, no capítulo 2 nos dedicamos a descrever e caracterizar os transtornos

mentais infantis, elencando diagnósticos e enfrentamentos básicos.

No terceiro capítulo focamos de maneira mais direcionada a relação

entre os transtornos mentais abordados e as propostas terapêuticas da TO.

Acreditamos que, mesmo sendo de natureza de revisão bibliográfica,

o presente trabalho fornecerá recursos a pais, professores, cuidadores e

terapeutas ocupacionais que buscam ajudar crianças portadoras de TDM, TAB,

TDAH e autismo a terem melhor qualidade de vida por meio de atividades

laborais lúdicas e terapêuticas.

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CAPÍTULO I

SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DA TERAPIA

OCUPACIONAL

A TO é uma área do conhecimento que estuda e emprega atividades

para pessoas com distúrbios mentais e físicos e desajustes emocionais e

sociais. Mas essa definição simples não isenta da necessidade de uma

explicação mais abrangente sobre os significados desse campo de atuação da

saúde mental, como veremos a seguir.

1.1 – Definições de TO

Conforme o site da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão

Preto (TERAPIA, 2014, s/p),

[a] Terapia Ocupacional é um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia de pessoas que, por razões ligadas à problemática específica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais apresentam temporariamente ou definitivamente dificuldade na inserção e participação na vida social

Essa definição é exata, mas não devemos esquecer de

complementá-la, acrescentando a dimensão laboral que marca a TO e a

diferencia de outros campos terapêuticos. Para Adriana Dias Barbosa Vizzotto

(2007, p. 693)

[a] terapia ocupacional tem como proposta ampliar e buscar a sistematização de postulações, métodos e técnicas de

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diferentes referenciais teóricos utilizados para compreender o uso e a leitura de seu instrumento, “a atividade”, e todo contexto em que esta é realizada.

Como veremos com mais propriedade a seguir, os homens sempre

tiveram uma percepção acerca do potencial salutar da operação, do trabalho e

da ação laboral. Após o aprofundamento dos estudos nesse campo, os

estudiosos tem se convencido cada vez mais desse potencial. Para M. J.

Benetton (2008, p. 29), por exemplo, “com atividades podemos tratar, educar,

alterar o ambiente e incluir pessoas num sistema que permita integrações e

interações”.

Moraes (2008, p. 31) distribui as atividades conforme seus objetivos,

tais como “a observação, a informação, a análise, a educação, o tratamento, a

composição de histórias e a inserção social”. Para ele, “as atividades são

vindas e significadas na relação triádica. E a relação, por sua vez, é sustentada

no e pelo fazer atividades” (idem).

A variedade de objetivos e de resultados faz com que o labor com

fins terapêuticos não possa ser utilizado de maneira aleatória e mecânica, mas

exija do terapeuta, além de uma boa formação capacitadora, a sensibilidade de

manuseio e percepção das técnicas adequadas. Isso leva estudiosos como

Benetton (1994, p. I) a concluir que a TO precisa ser vista não apenas como

uma técnica, mas como uma arte:

a arte de aplicar conhecimentos científicos, empíricos e certas habilidades específicas decorrentes do uso de atividades à criação de estruturas, dispositivos e processos que são utilizados para converter recursos físicos, psicológicos e sociais em formas adequadas à prevenção, manutenção e tratamento em Saúde, Educação, na área Social e demais correlatas (idem).

Voltaremos a esse assunto logo mais à frente, quando trataremos do

perfil do profissional de TO. Agora seria importante conferir como surgiu e se

estabeleceu esse campo de atuação da saúde mental.

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1.2 Terapia ocupacional: da Antiguidade aos tempos modernos

Conforme Vizzotto (2007, p. 691), seria importante primeiro

compreendermos de que maneira, desde os primórdios, a atividade humana foi

compreendida como meio de terapia ocupacional, para, então, avaliarmos

devidamente sua natureza e importância na atualidade. De acordo com

Vizzotto, a TO

constitui-se como profissão da área da saúde no início do século XX nos Estados Unidos, mas as diretrizes para sua construção foram sistematizadas a partir do uso e do estudo da ocupação, trabalho e lazer, utilizados desde a Antigüidade1 como recurso terapêutico para tratar doentes mentais (idem, grifos da autora).

Conforme essa estudiosa, apesar de que, na Antiguidade, fosse

comum o fato de as doenças mentais serem compreendidas como resultado de

possessão demoníaca, castigo dos deuses ou efeito de magia, os doentes

eram tratados com uma combinação de métodos que incluíam rituais religiosos,

mas não excluíam as atividades ocupacionais. Vizzotto (ibidem) afirma ainda

que “Gregos, romanos e egípcios acreditavam que a ocupação e/ou lazer

traziam benefícios a esses indivíduos” (p. 691). Segundo ela, “[a]s praticas

terapêuticas combinavam os ritos de magia, astrologia e uma proposta de

reorganização da vida do doente, que incluía o trabalho e o lazer” (idem).

Para Vizzotto (ibidem), durante muito tempo, até meados do século

XIX, os loucos, assim como outros marginalizados pelas sociedades, eram

confinados em asilos, e isso era feito mais com a finalidade de se livrar as

comunidades dos perigos e ameaças que tais doentes pareciam representar do

que propriamente com a preocupação ou finalidade de tratamento ou cuidado

com os mesmos. Disso podemos concluir que nesses asilos os doentes

1 Neste trabalho estamos conservando a ortografia original dos textos citados e utilizando a nova ortografia da Língua Portuguesa em nosso próprio texto.

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geralmente não contavam com práticas ou rotinas que incluíssem a ocupação e

o lazer como forma de ressocialização ou terapia.

Portanto, as comunidades humanas como que perderam a

percepção, que já estava nas práticas terapêuticas das antigas civilizações, de

que a ocupação é fundamental para a recuperação e melhoria da qualidade de

vida dos pacientes de transtornos mentais. Assim, só muito recentemente essa

percepção foi recuperada e novamente trazida à tona para se pensar as formas

de tratamento.

Nessa perspectiva, foi de grande relevância a contribuição de Pinel,

psiquiatra francês, o qual, com seu Tratado médico filosófico sobre a alienação

mental ou a mania (publicado em 1801), forneceu ao mundo científico recursos

para se pensar os pacientes de transtornos não mais como loucos, ou seja,

pessoas qualitativamente inferiores à demais, mas apenas doentes, carentes

de tratamento adequado (cf. FACCHINETTI, 2008).

Pinel, conforme Vizzotto (2007, p. 691), propunha o labor como

dimensão central do tratamento dos doentes, sendo o trabalho encarado como

“responsável pela organização e manutenção do ambiente asilar e do ócio

desorganizador, passando a ser visto como possibilidade de reinserção social.”

(idem).

Ainda conforme Vizzotto (ibidem) a proposta de Pinel, conhecida

como tratamento moral, foi difundida pela Europa e América do Norte,

dividindo-se em duas grandes correntes: a teoria da psicobiologia (EUA) e a

terapia ativa (Alemanha). A teoria da psicobiologia, formulada por Adolf Meyer,

em 1900, preocupava-se, segundo Vizzotto (2007, p. 692), “com os

mecanismos pelos quais o comportamento humano era estruturado, enfatizou a

importância da função organizadora do tempo e propôs que a saúde deveria

ser encarada dentro do contexto de vida diária do indivíduo”.

Já a terapia ativa, proposta por Herman Simon em 1905, “consistia

no trabalho produtivo para combater a inatividade, organizar o meio manicomial

e desenvolver a responsabilidade do doente mental”. (op. cit. p. 692). Com

esse propósito, essa corrente ou proposta terapêutica propunha a ocupação

escalonada, dividindo o trabalho conforme o grau de dificuldade e por etapas,

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permitindo que todos os pacientes permanecessem ocupados e o ambiente de

convivência organizado (idem).

Logo após Meyer e Simon, Karl Schneider cria em Heidelberg o

programa de “Ocupação biológica”, em que “o exercício de funções

conservadas e a característica da atividade deveriam se contrapor aos

sintomas” (VIZZOTTO, 2007, p. 692).

Os nomes de Meyer, Simon e Schneider estão, portanto, associados

ao ressurgimento, na era moderna, da compreensão sobre a importância do

aspecto terapêutico das ações laborais, fazendo com que “a prática da terapia

ocupacional passasse a fazer parte da medicina, antes [mesmo] do surgimento

da profissão” (idem) de terapeuta ocupacional, o que só se daria em 1915, por

meio de um curso ministrado por Eleanor Clarke Slagle (1871-1942).

Conforme Benetton e Renata Cristina Bertolozzi Varela (2001),

Slagle é, de fato, lembrada pela consolidação do campo de atuação da TO e é,

inclusive, responsável pela consolidação da própria profissão de terapeuta

ocupacional. Segundo Benetton e Varela (op. cit. p. 32), Eleanor desenvolveu

“um programa de Treinamento de Hábitos, que constituiu-se como a primeira

técnica de Terapia Ocupacional, que objetivava uma adaptação social de

pacientes portadores de distúrbios emocionais ou deficiências físicas” (grifos

das teóricas).

1.3 O terapeuta ocupacional: perfil e campo de atuação

O terapeuta ocupacional é uma importante figura em qualquer

iniciativa de saúde mental. Apesar de que os aspectos materiais e

programáticos sejam bastante relevantes em qualquer projeto de auxílio aos

doentes, nunca deveremos esquecer que “[a]s atividades humanas são

instrumento privilegiado das ações dos terapeutas ocupacionais e constituem o

elemento centralizador e orientador na construção complexa e contextualizada

do processo terapêutico neste campo”. (TEORIA, 2014, s/p).

Quase sempre, a discussão sobre o perfil e o campo de atuação do

terapeuta envolve a discussão sobre a própria natureza da TO. Para conferir,

vejamos como a TO se configurou em nosso país desde suas origens, e

16

notemos como definir rumos e direcionamentos para a Terapia Ocupacional

quase sempre envolve discussões sobre a atuação e razão de ser do

terapeuta.

1.4 Rumos da TO no Brasil

Entre nós, os estudos sobre a terapêutica laboral souberam lançar

mão das conquistas já citadas. M. H. R. Medeiros, no entanto, ressalta que os

estudos sobre a profissão acabam esquecendo as diferenças e contradições

que marcaram a história desse campo de atuação. Medeiros lamenta que não

se analisem “as questões de saúde e doença como decorrentes de uma

sistematização conceitual da normatividade social” (2003, p. 134). Isso,

segundo Medeiros (idem) deveria ser lembrado, uma vez que “[a] ciência não

existe por si, mas é criada por uma comunidade de homens, determinada e

concreta”

Ainda conforme Medeiros, entre nós a profissão de terapeuta

ocupacional, que se consolida nos anos 1950, foi influenciada pelo Movimento

Internacional de Reabilitação. A Organização Mundial de Saúde (OMS), a

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Unesco, que tinham o

propósito de implantar na América Latina um centro de reabilitação, acabaram

escolhendo o Brasil para abrigar esse centro. No entanto, para Alessandra

Cavalcanti (2007, p. 5), o tratamento moral e a terapia pelo trabalho são bem

mais antigos entre os brasileiros, tendo sido trazidos para cá pela família real

portuguesa e fazendo parte do instrumental de saúde mental brasileira desde o

final do século XIX. Ainda conforme essa estudiosa,

[a] terapia pelo trabalho também foi nomeada ergoterapia, praxiterapia e laborterapia. Esses conceitos possuem similaridade e foram substituídos por Terapia Ocupacional na medida em que o curso e a profissão foram criados no país na segunda metade do século XX. (idem).

Passemos agora a uma avaliação sobre os principais transtornos

mentais infantis, localizando a contribuição da TO como campo terapêutico.

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CAPÍTULO II

PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL INFANTIL

Os transtornos mentais em crianças são relativamente comuns.

Apesar disso, existe grande desconhecimento a respeito de problemas dessa

natureza. Consequentemente, a criança portadora depara-se, além dos

problemas com os sintomas do transtorno, com incompreensão, preconceito e

despreparo por parte de pais, cuidadores e professores.

Essa realidade torna ainda mais relevantes trabalhos que se

proponham a descrever os problemas, bem como fornecer meios diagnósticos

e apontar recursos terapêuticos laborais para cada um deles.

É no propósito de contribuir para tal que passaremos, a partir de

agora, a relatar algumas doenças comuns em crianças e adolescentes e que

muita das vezes passam despercebidas por pessoas que convivem com esses

indivíduos.

2.1 O transtorno depressivo maior (TDM)

Segundo Sheila Abramovitch e Lilian Aragão (2011), tanto crianças

quanto adolescentes podem apresentar o diagnóstico de depressão ou

transtorno depressivo. No entanto, as autoras alertam para o cuidado que se

deve ter com a configuração médica desse problema, uma vez que deve ser

reservada atenção maior para os casos que realmente envolvam “considerável

morbidade e mortalidade” (p. 41).

Além de servir para evitar o falso diagnóstico, o cuidado se justifica

ainda porque, segundo as estudiosas, os jovens com esse transtorno “têm risco

aumentado para o suicídio. Trabalhos indicam, na história de adultos

deprimidos, a presença de episódios ou quadros depressivos já presentes na

infância, considerando a possibilidade de continuidade na vida adulta”. (idem).

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Abramovitch & Aragão (2011) ressaltam que a depressão não se

apresenta em crianças e adolescentes da mesma maneira que em adultos.

Segundo elas, “[s]eu conteúdo é diferente e representa uma experiência de

acordo com a idade em que se manifesta” (p. 42).

Assim, enquanto para alguns a depressão pode ser considerada

como normal, em outros ela pode caracterizar patologia. Daí, segundo as

autoras, a necessidade que a literatura médica teve de criar recursos para

diferenciar “termos como afeto depressivo, momento depressivo e equivalentes

depressivos, para se distinguir o fenômeno depressivo, que faz parte do ciclo

vital, daqueles que se referem à depressão patológica” (idem, grifos nossos).

Alguns dos sintomas que caracterizam esse transtorno em crianças

e adolescentes são similares aos da depressão em adultos, tais como “o humor

irritável, em vez de deprimido, e a redução ou perda de interesse ou prazer na

realização das tarefas, nos esportes, nas amizades, na escola, além da

presença de sentimentos de menos valia” (ABRAMOVITCH; ARAGÃO, 2011,

p. 43).

O tratamento do transtorno depressivo (TDM) está relacionado à

prevenção (por meio de medidas que evitem o abuso doméstico, por exemplo,

uma das grandes causas de depressão infantil) e à intervenção terapêutica e

medicamentosa:

O TDM que se apresenta de forma leve deve ser tratado com psicoterapia individual e orientação aos pais. Para o TDM com quadro clínico moderado devem ser iniciadas a psicoterapia, a orientação aos pais e à escola e aguardada a evolução para se avaliar a necessidade ou não da introdução de psicofármacos (ABRAMOVITCH; ARAGÃO, 2011, p. 44).

As estudiosas propõem, portanto, que haja devida atenção

diagnóstica e terapêutica antes da intervenção medicamentosa no TDM, dados

os riscos e cuidados envolvidos na aplicação de tais substâncias.

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2.2 O transtorno afetivo bipolar (TAB)

Assim como no caso do TDM, os estudos sobre transtorno afetivo

bipolar (TAB) em crianças e adolescentes são relativamente recentes. E isso

devido ao fato de que durante muito tempo se considerou que essas faixas

etárias talvez não pudessem se enquadrar em tais problemas.

Conforme Lee Fu-I (2004, p. 22), isso persistiu até

15 anos atrás, [mas] [...] [h]oje, a ocorrência do transtorno já foi constatada e as atenções estão voltadas para a investigações das apresentações clínicas de TAB com início na infância e na adolescência (TAB–IA), desenvolvimento de instrumentos para auxiliar no diagnóstico precoce e investigações de melhores formas de tratamentos.

O mesmo cuidado no diagnóstico exigido quanto ao TDM precisa ser

observado antes de se decidir que uma criança sofre de TAB, uma vez que

alguns comportamentos ou sintomas podem ser semelhantes ou

correlacionados. Ainda conforme Fu-I,

[a]s crianças com TAB podem ser vistas como irritadas mesmo nos momentos de eutimia e a maioria merece diagnóstico de transtorno oposicional-desafiante mesmo em eutimia. Alguns pesquisadores também interpretaram os sintomas de ansiedade das crianças enquanto eutímico como sinal de estado de humor persistentemente anormal associado ao TAB-IA.

Um cuidado maior deve existir para distinguir o TDM do TAB, já que,

conforme Fu-I (2004, p. 22-3), “[é] frequente o TAB de início precoce ter como

a primeira manifestação dos transtorno um episódio de depressão”. Segundo a

autora, estudos mostram que cerca de metade das crianças com TAB “já

apresentaram quadros de depressão anterior ao primeiro episódio de

(hipo)mania” (idem).

O tratamento da TAB-IA é, segundo Fu-I, costumeiramente

semelhante ao destinado aos adultos. No entanto, segundo ela (op. cit. p. 24),

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“[a] comunidade científica tem mostrado preocupação e promovido discussões

para analisar sobre: que tipo de tratamento deveria ser priorizado? Por quanto

tempo (duração)? Qual seria o impacto de tratamento precoce no curso da

doença?”. No entanto, como Fu-I ressalta, ainda não existem respostas

definitivas para tais questionamentos.

Apesar disso, segundo essa pesquisadora, a maioria dos estudiosos

concorda que o tratamento deve ser imediato ao diagnóstico, o que inclui o uso

de “estabilizador de humor, uso de antidepressivos ou antipsicóticos – se

necessário nas fases de depressão ou de (hipo)mania –, psicoterapia,

orientação familiar, suporte psicopedagógico e reabilitação neuropsicológica,

se necessário” (idem).

2.3 O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)

Infelizmente, o TDAH é mais comum do que se pensa, sendo esse

transtorno “uma das principais causas de procura de ambulatórios de saúde

mental de crianças e adolescentes” (ROHDE et al., 2004, p.123).

Como todo transtorno mental infantil, alguns sintomas são similares

aos de outros problemas, o que exige cuidado e atenção na fase diagnóstica.

Ainda conforme Rohde et al (op. cit., p. 123), essa enfermidade se caracteriza

principalmente por coisas como “a desatenção, a hiperatividade e a

impulsividade”. Como afetam a vida estudantil, familiar e social da criança que

deles sofrem, tais sintomas ou comorbidades precisam de adequada

intervenção, segundo Rohde et al (idem).

Conforme Alexandra Prufer de Queiroz Campos Araújo (2002, p.

108),

[o] TDAH é um distúrbio crônico. Na idade escolar, este transtorno se associa à possibilidade de baixo desempenho escolar, e na adolescência, o abuso de drogas ou o comportamento anti-social são freqüentes. Na idade adulta, embora exista a possibilidade de estabilidade emocional e sucesso profissional, podem ser observados os mesmos sintomas básicos (desatenção e impulsividade), podendo ocasionar dificuldades de relacionamento e dificuldades na vida profissional.

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Ainda quanto aos meios de se configurar o TDAH, Maura Marques

de Souza Nunes e Blanca Susana Guevara Werlang (2008, p. 209) afirmam

que as crianças com esse transtorno são, em geral, “instáveis emocionalmente,

agindo de forma impulsiva e irritadiça, podendo apresentar dificuldades em

participar de atividades em grupo, falhas na produtividade e prejuízos no

funcionamento acadêmico e social”.

As autoras alertam ainda para o fato de que comorbidades como

“sensação de inadequação, baixa auto-estima e adversidades no grupo social

provocam infelicidade e frustração, podendo gerar comportamentos

autodestrutivos ou autopunitivos”. (idem).

2.4 O autismo

Letícia Wilke Franco, Patrícia Fantinel Matos e Márcia E. Wilke

Franco (2014, s/p) afirmam que “[o] autismo é um tema polêmico do ponto de

vista de sua explicação teórica e não há um consenso sobre sua etiologia”.

Para essas autoras, “[i]sso torna o autismo um assunto um tanto

quanto inquietante, dando mais espaço para questionamentos a respeito dessa

psicopatologia. Assim o autismo se coloca como um tema misterioso que

muitos poucos se autorizam a tratar” (idem).

Apesar disso, alguns esforços têm sido feitos no sentido de mapear

o autismo infantil e fornecer meios para se diagnosticar e tratar esse transtorno.

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) (apud SILVA, 2003, p. 9), o

autismo infantil é uma

síndrome presente desde o nascimento, que se manifesta invariavelmente antes dos 30 meses de idade. Caracteriza-se por respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais, e por problemas graves quanto à compreensão da linguagem falada. A fala custa a aparecer e, quando isto acontece, nota-se ecolalia, uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical imatura, inabilidade de usar termos abstratos. Há também, em geral, uma incapacidade na utilização social, tanto da linguagem verbal quanto corpórea.

22

Os sintomas do autismo podem causar grande sofrimento nos

familiares e professores da criança portadora do transtorno, visto que, como

lembra Silva (2014, p. 12), “lidar com crianças autistas, certamente, não é fácil.

Temos de compreender e aceitar seu grau de retraimento, de recusa ou de

incapacidade para responder às propostas”.

Ainda de acordo com o estudioso, “[e]ssas situações podem gerar

em nós um misto de fortes sentimentos de rejeição, desespero e raiva” (idem).

Silva (2014) recorre à psicanálise para compreender de forma mais

abrangente a rejeição que pode resultar do surgimento dos sintomas do

autismo nas crianças. De acordo com ele, na psicanálise a imagem da criança

é constituída pelo olhar do outro; no caso, o imaginário da mãe. No caso do

autista, a mãe, que espera de sua criança os sinais típicos de choro e grito, e

que não os recebe de volta, pode acabar não fornecendo, por sua vez, os

estímulos que a criança precisa para constituir sua auto-imagem.

Segundo Silva (2014, p. 20), “[a] partir de uma leitura lacaniana,

poderíamos dizer que esta criança não encontra no Outro alguém que lhe

possa fornecer os significantes necessários à sua subjetivação; é, portanto,

uma criança que sofre da falta de lugar no desejo do Outro”.

23

CAPÍTULO III

PROPOSTAS TERAPÊUTICAS PARA OS PROBLEMAS

DE SAÚDE MENTAL INFANTIL

Tendo observado as características fundamentais de alguns

transtornos mentais infantis, passemos agora às propostas de tratamento ou

terapia ocupacional apontadas para cada um deles.

3.1 A TO e os problemas de saúde mental infantil

Conforme Carolina de Barros Marques e Clara Isabel Saeta Moya

(2014, p. 1),

[a] Terapia Ocupacional é um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia das pessoas que, por razões ligadas às problemáticas especificas físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e sociais apresentam temporariamente ou definitivamente, dificuldade na inserção e participação na vida social.

São diversas as possibilidades de tratamento terapêutico para os

transtornos descritos nos tópicos anteriores. No entanto, como lembram

Sadock & Sadock (2007, p. 1383) a respeito das psicoterapias, “[seja] qual for o

estilo ou a combinação de técnicas que o terapeuta escolhe usar na

psicoterapia, o relacionamento entre este e a criança é um elemento

essencial”.

Vamos, portanto, tentar apontar em seguida algumas propostas de

uso da TO para enfrentamento de alguns problemas de saúde mental infantil,

focando a atuação do terapeuta como fator decisivo para o sucesso da terapia.

24

3.1.1 Propostas terapêuticas para o transtorno depressivo maior (TDM)

Tendo em perspectiva o estudo de Benetton (2006), Oliveira,

Mendes & Antoneli (2014, p. 09) afirmam que a TO “procura compreender o

sujeito dentro de um contexto biopsicossocial, por meio de ações que dêem

sentido a sua vida, favorecendo a reabilitação social, cultural e emocional”.

Para eles, nesse propósito a TO tem como “norteadora de seu processo de

intervenção a relação triádica [...] terapeuta-paciente-atividade” (idem).

Ainda conforme Oliveira, Mendes & Antoneli (2014), a relevância do

terapeuta ocupacional se deve ao fato de que ele ajuda o paciente “a

selecionar, e em seguida a se engajar em atividades que sejam significativas

para sua vida” (p. 09).

O terapeuta deve ajudar o paciente a focalizar sua identidade,

fazendo a criança aderir ao tratamento e se envolver nas atividades (op. cit. p.

10). Segundo eles, esse envolvimento deve ser buscado pelo terapeuta, já que

“[a]prender através da atividade é o que possibilita a mudança” (idem).

Para os estudiosos citados, uma melhor qualidade de vida pode ser

conferida ao paciente de TDM que realiza atividades no dia a dia, o que

evidenciaria que as atividades são “elemento central e mediador na relação

entre paciente e terapeuta ocupacional, no processo de intervenção” (2014, p.

10-11).

3.1.2 Propostas terapêuticas para transtorno afetivo bipolar

(TAB)

Conforme Marques & Moya (2014, p. 1), “[d]iferentes profissionais

estão envolvidos no tratamento de pessoas com esse transtorno, sendo o

terapeuta ocupacional um importante profissional na equipe interdisciplinar”.

Elas lembram que na TO a atividade ocupa o centro das atenções

daquele que se propõe a tratar da criança com o TAB, uma vez que a atividade

25

é o “elemento centralizador e orientador na construção complexa e

contextualizada do processo terapêutico” (idem).

As autoras afirmam ainda que a autonomia e o autoconhecimento,

tão relevantes para as crianças portadoras do TAB, são fortalecidos por meio

dessas atividades arranjadas com o auxílio e orientação do terapeuta

ocupacional, que “pode construir junto ao paciente, possibilidades concretas de

lidar com seu pragmatismo. (ibidem).

Ainda de acordo com essas estudiosas (2014, p. 2) o jeito de operar

do terapeuta diante do TAB é auxiliando a criança a modificar sua maneira de

pensar, o que certamente contribuirá para surgir também as “mudanças

emocionais e comportamentais duradoras, embora o processo terapêutico

possa variar de acordo com as necessidades de cada paciente e com a

abordagem de cada tratamento”.

Para Marques & Moya (2014, p. 2-3), a TO é de grande relevância

no enfrentamento do TAB-IA por propiciar meios de a criança desenvolver o

seu desempenho laboral, além de fornecer a ela recursos para lidar de maneira

mais eficaz com o estresse decorrente dos sintomas da enfermidade. Em

conjunto, essa terapia, alerta ainda as autoras (idem), serve também para

afastar o risco da depressão, que sempre ronda crianças portadoras do TAB.

Marques & Moya (2014) apontam alguns recursos utilizados pelo

terapeuta ocupacional no tratamento do TAB, tais como: oficinas terapêuticas

(para reestruturar o cotidiano da criança de maneira mais organizada) e

terapias em grupo, para que as dinâmicas e exposição de experiências possam

proporcionar meios de identificação com o outro, efetivando a ressocialização

da criança.

As autoras afirmam (op. cit., p. 3) que ao promover alterações na

relação eu/outro “é possível criar novas oportunidades de reconstrução”. Por

último,

[o]utro recurso utilizado são as oficinas de geração de renda nos momentos de maior estruturação do paciente. O terapeuta ocupacional deve se preocupar com as demandas que os individuos apresentam nos atendimentos, preocupando-se com o pragmatismo, que é bastante afetado durante as crises.

26

Não obstante esses cuidados, o mais importante, como ressaltam as

autoras, é a consciência de que o paciente e a parceria do terapeuta com ele

são fundamentais para o sucesso do tratamento.

3.1.3 Propostas terapêuticas para o transtorno de déficit de

atenção/hiperatividade (TDAH)

A função do terapeuta ocupacional é de grande relevância na saúde

pública e há um aspecto da interferência causada pelos transtornos na

qualidade de vida das crianças que torna ainda mais importante a atuação

desse profissional: as dificuldades escolares das crianças que sofrem de tais

transtornos.

No caso do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), a

criança em fase estudantil é particularmente prejudicada, tornando importante a

presença e atuação do terapeuta.

No intuito de colaborar com a compreensão sobre as consequências

desse transtorno na vida escolar das crianças, Araújo (2002) escreveu um

artigo intitulado “Avaliação e manejo da criança com dificuldade escolar e

distúrbio de atenção”.

Nesse artigo, Araújo (op. cit., p. 108) afirma que “[o] tratamento do

TDAH inclui orientação da família e da escola, um suporte com terapia

especializada e uso de medicamentos”. Para a estudiosa, a participação da

família no tratamento deve se dar, entre outras coisas, por meio do

estabelecimento de

normas de comportamento bem claras e definidas, evitar castigar excessivamente a criança, fornecer espaço físico com poucos fatores de distração (brinquedos, janela) para a execução dos deveres de casa, manter horários regrados (para refeições, para dormir, para os deveres, para a diversão). (idem).

27

Quanto ao papel que cabe à escola no enfrentamento do TDAH,

Araújo (op. cit., p. 108) sugere que os professores sejam orientados quanto à

natureza do transtorno, de modo a não deixar de dar a devida atenção à

criança que dele sofre e ao mesmo tempo cuidar das demais crianças.

Segundo Araújo (2002), os professores que desejam lidar com a

criança portadora do TDAH precisam fazer tal criança se sentar próxima a eles,

bem como tentar manter no ambiente de aprendizado as seguintes condições:

turmas pequenas com até 20 alunos, salas com reduzido número de detalhes

que possam causar dispersão, além de tratamento diferenciado para tal

criança, tanto ao tempo quanto à maneira de realização de tarefas (p. 108).

Como as crianças portadoras de TDAH apresentam, em geral,

problemas como “dificuldade no controle de seus impulsos, dificuldade na

concentração, baixo limiar de frustração, instabilidade afetiva”, podendo

apresentar agressividade e estereotipias, bem como “estágios de

desenvolvimento aquém do esperado para a idade cronológica” (idem).

Segundo a estudiosa,

deve se procurar através da terapia de apoio, da psicoterapia, da fonoaudiologia e da terapia ocupacional, diminuir a ociosidade da criança, aumentar sua capacidade de comunicação (verbal ou não-verbal) e auxiliar os familiares a compreenderem a linguagem não-verbal de seus filhos. Fornecer ao paciente instrução dentro de suas capacidades e aprimorar seus relacionamentos em sociedade são os objetivos a serem alcançados (idem).

Vemos, assim, que para Araújo (2002, p. 108) o terapeuta deve

lançar mão de recursos interdisciplinares, visto que são muitos os fatores de

comorbidade na TDAH.

3.1.4 Propostas terapêuticas para o autismo

O terapeuta, professor, pai ou cuidador que buscar na literatura

disponível sobre o assunto subsídios para o enfrentamento do autismo infantil

encontrará uma contribuição em Franco; Matos & Franco (2014, s/p). Nesse

28

trabalho as autoras relatam um Estágio Básico em Psicologia da UNISINOS

realizado junto ao projeto da Clínica Espaço Vital – Gravataí, RS, com 4

crianças autistas de uma escola estadual local.

Após a fase de observações das crianças, realizadas durante um

semestre, as autoras fizeram a seguinte proposta de intervenção terapêutica:

“disponibilizar um espaço lúdico diferente do já oferecido pela escola, onde as

crianças pudessem criar e interagir através de atividades lúdicas semidirigidas,

como criação de histórias, jogos com música e esportes adaptados” (op. cit.,

s/p).

Segundo as autoras (2014, s/p), o lúdico foi priorizado por que a

criança, mesmo a autista, “possui um prazer natural e espontâneo em jogar e

brincar. Nas brincadeiras de faz de conta, a criança alcança o domínio da

situação e cria e vive uma fantasia e uma realidade própria”.

Para as autoras, que se baseiam na obra de D. W Winnicott,

estudioso das capacidades terapêuticas do lúdico perante crianças autistas,

“[e]sta capacidade de espontaneidade traz à atividade lúdica o sentido de

liberdade, o que reforça a motivação para o jogo” (idem).

Além do brincar, estratégia terapêutica por meio da qual “trabalha-se

a subjetividade do ser humano, cunha-se a realidade, estabelece-se um tempo

e espaço”, além de se proporcionar à criança autista “uma forma não

convencional de utilizar objetos, materiais, idéias, imaginar”, inventando “o

próprio tempo e espaço”, Franco, Matos & Franco (2014, s/p) descrevem ainda

o uso da dramatização.

Citando Peter Slade, um estudioso do jogo dramático infantil, as

autoras afirmam que, “[q]uanto à dramatização, instrumento também utilizado

na prática, é importante destacar que, mesmo não sendo usada para fins

terapêuticos, faz aparecer sentimentos e angústias importantes”.

O projeto de intervenção previa dez encontros com as crianças

autistas escolhidas para o trabalho, mas as autoras não conseguiriam realizar

senão parte dessa proposta. Após os quatro encontros de uma hora e meia de

duração cada um, as pesquisadoras puderam confirmar a relevância das

atividades lúdicas para a construção da interação e ressocialização das

crianças.

29

Além disso, o uso da câmera de filmagem para registrar as sessões

acabou se revelando de grande importância para a qualidade de vida dessas

crianças, que passaram a se mobilizar para a construção de sua própria

imagem, percebidas nos vídeos gravados (cf. FRANCO, MATOS & FRANCO,

2014, s/p).

30

CONCLUSÕES

A Terapia ocupacional (TO) estuda e emprega atividades para

pessoas com distúrbios mentais e físicos e desajustes emocionais e sociais,

dando importância central ao uso terapêutico do labor. Como vimos neste

trabalho, a atividade se constitui, portanto, no principal instrumento da TO no

afã de melhorar a qualidade de vida das crianças e adolescentes portadoras de

transtornos mentais.

Essa percepção acerca da importância da atividade como elemento

de equilíbrio e saúde esteve presente entre os homens desde a Antiguidade,

tendo sido esquecida por um período e reconquistada num tempo

relativamente recente.

Sabemos que até meados do século XIX os portadores de

transtornos mentais eram tratados como seres qualitativamente inferiores e

tidos como um risco para os indivíduos sadios. A maneira como as sociedades

lidavam com portadores de distúrbios mentais era marcada pela privação da

liberdade, a exclusão dos direitos fundamentais, o preconceito e, o que é mais

grave, pela ausência de uma percepção adequada sobre como utilizar-se ou

não as atividades e o labor. Assim, o isolamento e a ociosidade marcaram,

durante muito tempo, a forma como os pacientes eram tratados, sem

apresentar, consequentemente, melhora significativa.

Esse cenário teve significativa alteração com a obra de Pinel, que

reinseriu no universo médico a percepção sobre os direitos e vantagens da

ocupação laboral na vida dos pacientes. Os conceitos de terapia laboral e

ressocialização começam a se configurar por meio da vida e obra do médico

francês e dos trabalhos influenciados pela sua atitude pioneira.

A proposta do tratamento moral foi difundida pela Europa e América

do Norte, gerando duas grandes correntes terapêuticas: a teoria da

psicobiologia (EUA), que voltava-se para os mecanismos estruturadores do

comportamento humano e a terapia ativa (Alemanha), que contemplava o labor

dentro de uma perspectiva colaborativa e organizacional. Posteriormente,

essas correntes são enriquecidas com a abordagem de Karl Schneider, o qual

31

insere a idéia de “Ocupação biológica”, associando sintomas particulares a

abordagens específicas do labor.

Apesar dessa proliferação de estudos, técnicas e propostas, a tomar

conta da América do Norte e Europa desde o final do século XVIII, somente

recentemente a ocupação laboral ganha reconhecimento médico e social. A

profissão de terapeuta ocupacional só vai consolidar-se e ganhar nome próprio

nos anos 15 do século XX, durante a ministração de um curso de Eleanor

Clarke Slagle, considerada a mãe da TO moderna.

Apesar de tudo, a função do terapeuta ocupacional encontra-se em

franca valorização, devido à crescente percepção sobre sua relevância para o

enfrentamento mais humano de distúrbios que atingem uma significativa

parcela das crianças de todo o mundo.

No Brasil, a profissão de terapeuta ocupacional foi consolida nos

anos 50, com a implantação de um centro de reabilitação feito por iniciativa da

OMS, da OIT e da Unesco. Desde então, diversas frentes tem sido adotadas

para consolidar no país um conjunto de políticas públicas e uma fortuna crítica

científica capaz de dotar médicos, cuidadores e pais de recursos para

minimizar os problemas decorrentes de transtornos mentais em crianças.

Infelizmente, tais transtornos são estatisticamente comuns, tirando

de muitas crianças a qualidade de vida e reduzindo suas chances de realização

individual e social. Dentre tais transtornos, escolhemos abordar aqui o

transtorno depressivo maior (TDM), o transtorno afetivo bipolar (TAB), o

transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e o autismo.

Nossa abordagem desses transtornos permitiu perceber que é de

grande relevância o levantamento diagnóstico adequado de cada um deles,

pois alguns desses transtornos apresentam sintomas comuns e o diagnóstico

equivocado pode levar a tratamentos inadequados, o que pode inclusive

agravar o problema, em alguns casos.

Notamos que a literatura sobre TO no Brasil tem contribuído para

fornecer a terapeutas e cuidadores meios auxiliares tanto para o diagnóstico

adequado, quanto para as espécies de terapias adequadas para cada

transtorno e mesmo para cada classe de sintomas.

32

A propósito, nossas pesquisas permitem concluir que ainda não há

consenso sobre tratamento para os transtornos aqui estudados, havendo

propostas mais e menos medicamentosas. No entanto, concluímos também

que, apesar das discordâncias sobre profilaxia, um ponto de convergência nos

estudos sobre transtornos mentais e infantis é a centralidade da relação

terapeuta/paciente. Ou seja, em quase todos os trabalhos estudados, é

lembrado que os processos de cura ou minimização dos transtornos estão

relacionados à boa atuação do terapeuta ocupacional.

Por meio de jogos, brincadeiras e outras intervenções

fundamentadas, o terapeuta se apresenta como elemento motivador para a

criança reafirmar sua autoimagem e construir pontos de apoio para uma

gradativa reabilitação, que se constrói por meio de atos cotidianos e tarefas

laborais salutares.

33

REFERÊNCIAS

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