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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS E SUA ADMISSIBILIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito e Processo Penal. Por: Ralph Hage Nicolau Ritter Vianna Matrícula: k205951

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS

E SUA ADMISSIBILIDADE PELO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes

como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em

Direito e Processo Penal.

Por: Ralph Hage Nicolau Ritter Vianna

Matrícula: k205951

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3

2.DA PROVA ...................................................................................................................... 4

2.1 Direito à Prova .............................................................................................................. 4

2.2 Limites do Direito à Prova .......................................................................................... 5

3. DA PROVA ILÍCITA ................................................................................................... 7

3.1 Diferença entre Prova Ilegal, Ilegítima e Ilícita ....................................................... 7

3.2 A Inadmissibilidade da Prova Ilícita ......................................................................... 8

3.3 Prova Ilícita no Direito Brasileiro ............................................................................. 11

3.4 A busca da Verdade Real no Processo Criminal ..................................................... 14

3.5 Provas Ilícitas por Derivação .................................................................................... 16

3.6 Prova Ilícita por Derivação no Direito Brasileiro ................................................... 21

3.7 Princípio Constitucional da Proporcionalidade ...................................................... 24

3.8 A Teoria da Proporcionalidade e Prova Ilícita PRO REO .................................... 27

3.9 O Supremo Tribunal Federal e a Teoria da Arvore dos Frutos Envenenados .... 28

4. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 42

4.1 Direito à Prova ........................................................................................................... 42

4.2 Verdade Real .............................................................................................................. 42

4.3 Provas Ilícitas ............................................................................................................. 43

4.4 Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade ........................................... 44

4.5 Provas ilícitas por derivação .................................................................................... 44

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INTRODUCAO

O tema das provas ilícitas assumiu uma nova dimensão no sistema jurídico

brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988. O que antes eram apenas

construções jurisprudenciais e doutrinarias, passaram a integrar o processo

constitucional, em regra expressa inserida na Lei Maior. Com o tratamento dado ao

tema, pelo artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, que prescreve a

inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos, várias

questões ficam em aberto, e, em especial, quanto às provas ilícitas por derivação.

O presente trabalho tem por objetivo a análise da Teoria da Árvore dos Frutos

Envenenados (Fruit of Poisonous Tree). Serão abordados aspectos doutrinários e

jurisprudenciais desta teoria e, especialmente, sua influência no Direito Processual

Penal Brasileiro, particularmente, no que tange às decisões do Supremo Tribunal

Federal.

O tema sub studio trata de teoria criada pela doutrina anglo-americana,

segundo a qual, uma prova ilícita originária ou inicial teria o condão de contaminar

as demais provas decorrentes desta. Na doutrina brasileira, trata-se de provas ilícitas

por derivação.

Alguns aspectos que circundam a matéria serão abordados, em breve análise,

no capítulo seguinte, a fim de proporcionar ferramentas indispensáveis à

compreensão do tema. Seguidos, então, no capítulo subsequente, pela exposição da

teoria em si, bem como sua utilização no STF.

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DA PROVA

2.1 Direito à Prova:

A fim de decidir o processo penal, é preciso que o juiz esteja convencido da

procedência ou não de determinados fatos e a apuração deles é feita durante a fase

de instrução. Essa demonstração a respeito da veracidade ou falsidade da imputação,

que deve gerar no juiz a convicção necessária para o seu pronunciamento, é o que

constitui a prova. E no processo criminal, ao menos para a condenação, os juízos

aceitos serão sempre os de certeza.

Todo o processo penal, no que respeita o conjunto de provas, só tem

importância do ponto de vista da certeza do delito, alcançada ou não. Qualquer juízo

não pode resolver senão em uma condenação ou absolvição e é precisamente a

certeza conquistada do delito que legitima a condenação, como é a dúvida, ou, de

outra forma, a não conquistada certeza do delito, que obriga à absolvição1.

Para tanto, a prova, levada ao processo, pode ser utilizada por qualquer dos

sujeitos dele: juiz ou partes. É o princípio da comunhão dos meios de prova.2

A fase processual em que se realiza a instrução probatória não configura um

formalismo inútil, e sim, uma exigência ética a ser respeitada, em um instrumento de

garantia processual para o indivíduo. É, para muitos, o momento mais importante do

processo e, visando-se dar o cumprimento aos princípios constitucionais do

contraditório e da ampla defesa, faz-se indispensável assegurar às partes o direito de

produzir ou apontar conteúdo probatório, objetivando, cada qual, a procedência da

1 Malatesta, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 2004, p. 88 2 Mirabete, Julio Fabrini. Codigo de Processo Penal Interpretado, Atlas, 2003, p.453

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acusação ou da defesa. Este direito engloba todo e qualquer meio probatório, ao

dispor das partes.

Neste sentido, para muitos juristas, a atividade probatória representa o

momento central do processo. Estritamente ligada à alegação e indicação dos fatos,

visa a oferecer ao juiz a demonstração da veracidade destes, deduzidos ou levados a

seu conhecimento, de modo a se excluir razoavelmente as incertezas – assumindo,

portanto, uma importância fundamental para a formação do provimento

jurisdicional.

É o objeto da prova tudo aquilo utilizado pelo juiz, sobre o qual irá obter o

conhecimento necessário para resolver o litígio processual, que abrange não só o

fato delituoso, mas também suas circunstâncias objetivas e subjetivas que possam

influir na responsabilidade penal, com reflexos na fixação da pena ou na imposição

de medida de segurança.

2.2 Limites do Direito à Prova:

A regra é a liberdade probatória. Há, todavia, exceções e limites. Isso porque,

segundo a moderna doutrina constitucional, os direitos do homem não podem ser

entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio

da convivência das liberdades, acautelando-se sempre a ordem pública e as

liberdades alheias.

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Outra ordem de considerações também leva à necessidade de se colocarem

limites ao direito à prova: o processo só pode fazer-se dentro de uma escrupulosa

regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes.3

E é exatamente no processo penal, onde se avulta a liberdade do individuo,

que se torna mais nítida a necessidade de se colocarem limites à atividade

instrutória. A dicotomia defesa social/direitos de liberdade assume freqüentemente

conotações dramáticas no juízo penal; e a obrigação de o Estado sacrificar na

medida menor possível os direitos de personalidade do acusado transforma-se na

pedra de toque de um sistema de liberdades publicas.4

3 Grinover, Ada Pellegrini. Fernandes, Antonio Scarance. Gomes Filho, Antonio Magalhaes. As Nulidades no

Processo Penal, Editora Revista dos Tribunais, 6ª edicao, 2000, p.128

4 Ob. Cit. p.128

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DA PROVA ILÍCITA

3.1 Diferença entre Prova Ilegal, Ilegítima e Ilícita:

As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. É

caracterizada a ilicitude, ou a ilegitimidade, na sua origem, ou seja, no momento em

que surgiu a ilegalidade que deixou a prova maculada. Desta forma, estão inseridos

esses dois tipos, no grupo de provas ilegais. Conforme aduz o Ilustre Professor

Alexandre de Morais:

“as prova ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito

material, as provas ilegítimas são obtidas com desrespeito ao direito

processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as

espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela

obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento

jurídico”5.

A prova ilícita, ou obtida por meios ilícitos, enquadra-se em uma categoria de

provas vedadas, quais sejam, aquelas que forem colhidas com infração de uma

norma ou princípio de direito material. Para a violação dessas normas, é o direito

material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando de violação do

sigilo da correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, ou ainda de

uma prova obtida sob tortura, haverá sanções penais para o infrator.6

5 in Direito Constitucional, Atlas, 1999, p.114 6 Avolio, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas, 1999, p.44

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3.2 A Inadmissibilidade da Prova Ilícita:

Numa fase inicial, na qual, pela primeira vez, a atenção dos juristas fora

voltada ao tema das provas ilícitas, o pensamento condicionado aos dogmas do

“livre convencimento” e da “verdade real”, bem como, ao interesse da coletividade,

fazia com que uma eventual ponderação de interesses pendesse, inequivocamente,

em favor do princípio da investigação da verdade, mesmo quando esta fosse baseada

em objetos de prova ilicitamente obtidos.

Cabe ressaltar que, tais fundamentos, nitidamente enraizados no objetivo fim

de se atingir a verdade real, fazendo com que gerasse uma visão limitada dos

direitos individuais, é característica da ordem de valores da época. Podendo-se

observar, no passar dos tempos a evolução nos conceitos presentes nos diversos

ordenamentos jurídicos, surgindo então, uma série de critérios no estabelecimento

das regras de exclusão, sobre as quais, foi possível alcançar a questão de

inadmissibilidade da provas ilícitas – exclusionary rule, e, consequentemente, as

derivações do tema, como no caso, da inadmissibilidade das provas ilícitas por

derivação.

Inúmeros casos de inadmissibilidade de uso de provas ilícitas começaram a

surgir nos ordenamentos jurídicos pelo mundo. Neste trabalho, procuraremos

restringir o estudo, no direito comparado, ao direito norte-americano (por ser a

origem natural da teoria da “fruit of poisonous tree”) e ao brasileiro (cuja aplicação

no Supremo Tribunal Federal se estuda), no que tange as provas ilícitas por

derivação.

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A exclusionary rule regra que, a prova obtida em violação da Quarta Emenda

Constitucional Americana, é ordinariamente inadmissível no processo criminal.

Como as demais Emendas que constituem o Bill of Rights Americano, a Quarta

Emenda, escrita e ratificada com o intuito de proteger os cidadãos de um governo

abusivo e autoritário, reza:

“The right of the people to be secure in their persons, houses, papers,

and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be

violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by

Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched,

and the persons or things to be seized.”

Quanto à inadmissibilidade no direito norte-americano, embora a

jurisprudência já tivesse tido a oportunidade de repelir as provas obtidas de forma

ilegal, em diversas ocasiões, foi a partir da decisão, em grau de apelação, proferida

pela Suprema Corte no caso “Mapp v. Ohio”, de 1961, que se firmou esta posição

também nos procedimentos criminais dos Estados-Membros. Tratava-se de uma

apreensão, sem mandado judicial, de material obsceno encontrado na casa da Srta.

Mapp, cuja mera posse era proibida pelas leis do Estado de Ohio. A decisão afastou,

em caráter geral, tanto nos procedimentos estaduais como federais, a prova

ilegalmente obtida, por constituir violação a Constituição Federal.7

Segue parte da decisão, por três votos a dois, nesta apelação, que se tornou

conhecida como o leading case da exclusionary rule:

7 Lopez Barja de Quiroga, Jacobo. Las escuchas telf’onicas y la prueba ilegalmente obtenida.Madrid: Akal,

1989.

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“The ignoble shortcut to conviction left open to the State tends to

destroy the entire system of constitutional restraints on which the liberties of

the people rest. 11 Having once recognized that the right to privacy

embodied in the Fourth Amendment is enforceable against the States, and

that the right to be secure against rude invasions of privacy by state officers

is, therefore, constitutional in origin, we can no longer permit that right to

remain an empty promise. Because it is enforceable in the same manner and

to like effect as other basic rights secured by the Due Process Clause, we

can no longer permit it to be revocable at the whim of any police officer

who, in the name of law enforcement itself, chooses to suspend its

enjoyment. Our decision, founded on reason and truth, gives to the

individual no more than that which the Constitution guarantees him, to the

police officer no less than that to which honest law enforcement is entitled,

and, to the courts, that judicial integrity so necessary in the true

administration of justice.

The judgment of the Supreme Court of Ohio is reversed and the cause

remanded for further proceedings not inconsistent with this opinion.

Reversed and remanded” (Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961).

Juristas mais conservadores sempre se opuseram à regra, alegando a sua não

previsão constitucional, bem como, sua incompatibilidade na busca da verdade real

nos procedimentos criminais. Devendo-se buscar, separadamente do processo, a

punição daqueles que cometeram a ilegalidade na obtenção da prova.

Posteriormente, a conhecida sentença proferida no caso “Miranda v. Arizona”

(384 US 436), de 1966, aplica a garantia constitucional contra o self incrimination

no momento da detenção: as declarações de um suspeito enquanto detido pela

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polícia não podem ser aceitas como prova (segundo as 5ª e 14ª Emendas), salvo se a

polícia, nesse momento, tenha comunicado ao detido os seus direitos, segundo a

consagrada fórmula: 1) direito de permanecer calado; 2) qualquer coisa que diga

pode ser utilizada contra si no Tribunal; 3) direito à presença de um advogado; e 4

que este advogado, se necessário, pode ser fornecido gratuitamente.

De um modo geral, a jurisprudência da Suprema Corte Americana considera

ilegalmente obtida a prova quando ocorrer violação às Emendas Constitucionais IV,

V, VI e XIV, que tratam, em síntese, respectivamente: do direito do povo à

segurança de suas pessoas, casas, papéis e pertences contra registros, arrestos e

seqüestros “desarrazoados”; da necessidade de acusação formalizada, das garantias

da coisa julgada, do habeas corpus, do nemo tenetur se degetere e do due process of

law; do direito a um julgamento rápido e público perante juiz imparcial e natural; e

da liberdade dos Estados de reformarem suas leis procedimentais, vinculada ao

respeito, no fundo e na forma, `a garantia do devido processo legal.8

3.3 Prova Ilícita no Direito Brasileiro:

Apesar de se ter, durante algum tempo, dividida a doutrina brasileira a

respeito da admissibilidade processual das provas ilícitas, a Constituição Federal de

1988, em seu art. 5º, LVI, dispõe:

“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios

ilícitos.”

Com isso, afastou-se do processo brasileiro – de qualquer natureza – a

admissibilidade das provas ilícitas. Desta forma, a prova materialmente ilícita

8 Avolio. Ob. Cit. p.54

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também é processualmente ilegítima, estabelecendo então, uma sanção processual

para a ilicitude material, qual seja, a inadmissibilidade. Inibindo a prática de abusos,

por particulares ou autoridades oficiais, na perquirição da verdade, tanto no âmbito

penal quanto no civil.

Após a Constituição de 1988, nenhuma dúvida pode haver sobre o tema, eis

que, o dispositivo, acima transcrito, é peremptório e de clara dicção. Trata-se de

norma de eficácia plena e de imediata aplicabilidade, não fazendo distinção entre o

processo civil ou penal, devendo ser consideradas nulas as decisões que nela se

embasaram.

Exemplo concreto e de repercussão nacional, no qual, firmou-se decisão de

inadmissibilidade do uso de provas ilícitas, prevalecendo a tese da defesa, neste

sentido, ocorreu nos processos criminais movidos ao então Presidente Fernando

Collor de Melo. Neste caso, decidiu-se que as provas que ensejaram as acusações

foram obtidas por meios ilícitos, tendo em vista as mesmas terem sido arrecadadas

por força policial sem a devida autorização judicial, gerando então, a absolvição do

Ex-Presidente.

Seguem decisões de nossos tribunais, alicerçando o entendimento da

inadmissibilidade da prova ilícita, vejamos:

STF: “Prova: obtenção ilícita, mediante prisão ilegal do indiciado –

sem flagrante nem ordem judicial – e em razão dela: falta justa causa para a

condenação que se alicerçou exclusivamente na prova ilicitamente colhida”

(JSTF 187/296)

TJSP: “A busca domiciliar efetuada durante o repouso noturno sem a

devida autorização e baseada em denuncia anônima não se justifica pois não

caracterizada a fundada suspeita de flagrante. A prova assim obtida e’ ilícita

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e se a única a comprovar a materialidade do delito, imperiosa a absolvição

do réu com fundamento no art.386, II, do CPP” (RT670/273)

STJ: “Se o processo criminal foi instaurado com base em documentos

apreendidos de modo arbitrário e contraveniente com os preceitos

constitucionais, deve-se impor a nulidade do procedimento, pois, tratando-se

de crime de sonegação fiscal, nem outras provas colhidas no curso da

instrução podem servir para demonstrar a prática delituosa, eis que só os

documentos fiscais são imprescindíveis no conjunto probatório” (RT

740/553).

Complementamos com jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal do

Estado de São Paulo, ainda quanto à inadmissibilidade da prova ilícita no processo,

onde, no entanto, podemos observar uma leve inclinação no sentido da

admissibilidade pro reo, reflexo do tema que estudaremos mais adiante. In verbis:

TACRSP: “O réu tem direito à prova legitimamente obtida ou

produzida, em face da garantia da plenitude de defesa, sendo que a prova

clandestina, ilícita, não se presta à condenação do agente, conforme o art. 5º,

LVI, da Constituição Federal, somente sendo admissível se autorizada

judicialmente” (RJDTACRIM 18/122-3)

Outro problema acarretado pela admissibilidade da prova ilícita é que,

conforme visto, a Constituição Federal de 1988 considera expressamente

inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos, não estabelecendo, ao menos não

de forma explícita, as conseqüências da hipótese de, apesar da proibição, a prova ter

sido admitida no processo.

Como forma de solução do problema, deve-se partir do entendimento de que

o ingresso no processo, contra constitutionem, da prova ilícita, acarreta na nulidade

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absoluta dessa prova, não podendo ela ser tomada como fundamento em qualquer

decisão.

Por isso, em grau de recurso, o Tribunal que vier a se deparar, no julgamento

de autos, com a presença de prova ilícita nestes, deverá desconsiderá-las

plenamente, bem como a sentença ou decisão que delas levou-se consideração.

Julgando, então, a causa como se elas não existissem.

Quanto à sentença, passada em julgado, que tiver se baseado em provas

ilícitas, será nula e poderá ser desconstituída pela via da revisão criminal, em que o

juízo rescisório poderá absolver o réu. Mas se tratar de habeas corpus, o tribunal

deverá anular a sentença, indicando as provas viciadas e determinando seu

desentranhamento.9

3.4 A busca da Verdade Real no Processo Criminal:

Nos argumentos usados contra a inadmissibilidade das provas ilícitas,

encontramos freqüentemente a invocação do Princípio da Verdade Real no Processo

Penal. Segundo este princípio, a busca pela verdade, a qualquer custo, implicaria na

admissibilidade das provas ilícitas no processo, acarretando, quanto a esta utilização,

no máximo, na punição do agente que praticou a irregularidade.

Especificamente quanto à função democrática do processo penal, Afrânio

Silva Jardim, salientando tratar-se de um instrumento ético, afirma que a lide penal

9 Grinover. Fernandes. Gomes Filho. Ob. Cit. p.142

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deve pautar-se segundo os ditames da Constituição e da lei, para garantir exatamente

a prevalência do interesse social sobre o individual.10

Deve o processo atingir a verdade dos fatos objeto do litígio posto em

julgamento. Assim, no plano de uma teoria geral, só se admite um processo que vise

apurar a verdade. Neste sentido, tanto um processo civil quanto um processo penal

devem perseguir a obtenção de uma verdade material.

No entanto, por razões de ordens práticas, quando diante de interesses

eminentemente privados, o ordenamento jurídico permite que o julgador se satisfaça

com os fatos apenas com os fatos que lhe são trazidos para conhecimento.

Característica do processo civil, presidido pelo princípio da verdade formal.

Já na esfera penal têm-se o oposto. A regra é a indisponibilidade dos

interesses em jogo pelas partes. Tanto não poderá o Ministério Público, de comum,

deixar de perseguir o jus puniendi do Estado, quanto o réu poderá deixar de

defender-se, abrindo mão de seu jus libertatis. Eis as duas categorias de interesses

indisponíveis postas em jogo nas lides penais. Assim como bem salienta o eminente

processualista Tourinho Filho, “no Processo Penal o Juiz tem o dever de investigar a

verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem

realmente praticou a infração e em que condições a perpetrou, para dar base certa à

justiça”.11

Todavia, a busca desta verdade real deve sofrer limitações, tanto de ordem

ética, quanto para a própria instrumentalidade do processo. Possui ainda, tal busca,

limites certos no Estado Democrático de Direito, ante o caráter da tutela

constitucional, através de garantias fundamentais asseguradas pelas cláusulas

10 in Direito Processual Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1992, p.451 11 in Processo Penal, vol. 1, p.37

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pétreas. E é em nome dessa verdade material suprema que cabe aqui discutirmos

se, para atingi-la, devem ser admitidas as provas colhidas ilicitamente.

Parece razoável entender que, em nome da Ética processual, o Estado não

poderia compactuar, em qualquer hipótese, com um ato privado de legalidade.

Razão pela qual, havendo violação de princípios constitucionais para a obtenção de

qualquer material de prova, mesmo que em busca da verdade real, estaria este

material contaminado, não podendo ser carreado aos autos do processo. Fazendo

com que este sequer viesse a configurar prova.

3.5 Provas Ilícitas por Derivação:

Esta é a hipótese na qual a prova é obtida de forma lícita, entretanto, a via

pela qual se trilhou para atingir esta prova teve sua origem através de uma prova

ilícita. Ou seja, de informação extraída de uma prova obtida por meio ilícito. Por

uma questão de lógica, somente há de se falar em provas ilícitas por derivação nos

sistemas de inadmissibilidade processual de provas ilicitamente obtidas.

É exemplo claro, e de fácil compreensão da teoria, o caso em que um acusado

de tráfico de entorpecentes faz sua confissão, mediante tortura, informando o local

onde se encontra o tóxico – sua residência, por exemplo, e este vem a ser

regularmente apreendido, através do cumprimento de respectivo mandado.

Segundo a doutrina cunhada pela Suprema Corte norte-americana dos “frutos

da árvore envenenada” – fruit of the poisonous tree -, segundo a qual o vício da

planta se transmite a todos os seus frutos. Tradicional nos E.U.A., teve sua aparição

na decisão proferida no caso “Silverthorne Lumber Co. v. United States” (251 U.S.

385), de 1920, na seguinte decisão:

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Court fining the Silverthorne Lumber Company two hundred and fifty

dollars for contempt of court and ordering Frederick W. Silverthorne to be

imprisoned until he should purge himself of a similar contempt. The

contempt in question was a refusal to obey subpoenas and an order of Court

to produce books and documents of the company before the grand jury to be

used in regard to alleged violation of the statutes of the United States by the

said Silverthorne and his father. One ground of the refusal was that the order

of the Court infringed the rights of the parties under the Fourth Amendment

of the Constitution of the United States.

The facts are simple. An indictment upon a single specific charge

having been brought against the two Silverthornes mentioned, they both

were arrested at their homes early in the morning of February 25, and were

detained in custody a number of hours. While they were thus detained

representatives of the Department of Justice and the United States marshal

without a shadow of authority went to the office of their company and made

a clean sweep of all the books, papers and documents found there. All the

employes were taken or directed to go to the office of the District Attorney

of the United States to which also the books, &c., were taken at once. An

application was made as soon as might be to the District [251 U.S. 385, 391]

Court for a return of what thus had been taken unlawfully. It was opposed

by the District Attorney so far as he had found evidence against the

plaintiffs in error, and it was stated that the evidence so obtained was before

the grand jury. Color had been given by the District Attorney to the

approach of those concerned in the act by an invalid subpoena for certain

documents relating to the charge in the indictment then on file. Thus the

case is not that of knowledge acquired through the wrongful act of a

stranger, but it must be assumed that the Government planned or at all

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events ratified the whole performance. Photographs and copies of material

papers were made and a new indictment was framed based upon the

knowledge thus obtained. The District Court ordered a return of the

originals but impounded the photographs and copies. Subpoenas to produce

the originals then were served and on the refusal of the plaintiffs in error to

produce them the Court made an order that the subpoenas should be

complied with, although it had found that all the papers had been seized in

violation of the parties' constitutional rights. The refusal to obey this order is

the contempt alleged. The Government now, while in form repudiating and

condemning the illegal seizure, seeks to maintain its right to avail itself of

the knowledge obtained by that means which otherwise it would not have

had.

The proposition could not be presented more nakedly. It is that

although of course its seizure was an outrage which the Government now

regrets, it may study the papers before it returns them, copy them, and then

may use the knowledge that it has gained to call upon the owners in a more

regular form to produce them; that the protection of the Constitution covers

the physical possession but not any advantages that the Government can

gain over the object of its pursuit by doing the forbidden act. Weeks v.

United States, 232 U.S. 383, 34 Sup. Ct. 341, L. R. A. 1915B, 834, Ann.

Cas. 1915C, 1177, to be sure, had established that laying the papers directly

before the grand jury was [251 U.S. 385, 392] unwarranted, but it is taken to

mean only that two steps are required instead of one. In our opinion such is

not the law. It reduces the Fourth Amendment to a form of words. 232 U.S.

393, 34 Sup. Ct. 341, L. R. A. 1915B, 834, Ann. Cas. 1915C, 1177. The

essence of a provision forbidding the acquisition of evidence in a certain

way is that not merely evidence so acquired shall not be used before the

Court but that it shall not be used at all. Of course this does not mean that

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the facts thus obtained become sacred and inaccessible. If knowledge of

them is gained from an independent source they may be proved like any

others, but the knowledge gained by the Government's own wrong cannot be

used by it in the way proposed. The numberous decisions, like Adams v.

New York, 192 U.S. 585, 24 Sup. Ct. 372, holding that a collateral inquiry

into the mode in which evidence has been got will not be allowed when the

question is raised for the first time at the trial, are no authority in the present

proceeding, as is explained in Weeks v. United States,232 U.S. 383,394, 395

S., 34 Sup. Ct. 341, L. R. A. 1915B, 834, Ann. Cas. 1915C, 1177. Whether

some of those decisions have gone too far or have given wrong reasons it is

unnecessary to inquire; the principle applicable to the present case seems to

us plain. It is stated satisfactorily in Flagg v. United States, 233 Fed. 481,

483, 147 C. C. A. 367. In Linn v. United States, 251 Fed. 476, 480, 163 C.

C. A. 470, it was thought that a different rule applied to a corporation, on

the ground that it was not privileged from producing its books and papers.

But the rights of a corporation against unlawful search and seizure are to be

protected even if the same result might have been achieved in a lawful way.

Judgment reversed.

The CHIEF JUSTICE and Mr. Justice PITNEY dissent.”

A partir daí, as cortes passaram a excluir a prova obtida resultante de práticas

ilegais. Apesar de esta constituir decisão pioneira sobre o tema, o termo fruit of the

poisonous tree doutrine só foi empregado expressamente no caso “Nardone v. U.S.”,

de 1939, que tratava de provas obtidas através de gravação de conversas telefônicas

do acusado, realizada sem ordem judicial. Já em “Wong Sun v. United States”, de

1963, refere-se, de forma inovadora, a uma verbal evidence, pois até então a

exclusionary rule baseava-se unicamente em materiais físicos e tangíveis.

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Desta forma, se a prova ilícita tomada como referência comprometer a

proteção de valores fundamentais, como a vida, a integridade física, a privacidade

ou a liberdade, essa ilicitude há de contaminar a prova dela referida, tornando-a

ilícita por derivação, e, portanto, igualmente inadmissível no processo.12

Uma questão intrigante encontrada na doutrina das provas ilícitas por

derivação é o caso de se estabelecer um limite no número de pessoas que podem

invocar a regra de exclusão. É o caso em que se tem violado o direito de um

indivíduo A, por exemplo, no curso de uma investigação policial, através de

violação de seu domicilio, e que, a partir daí, venha a se obter provas que

incriminem um segundo elemento B, até então, não incluso naquela relação. Pode B

invocar a exclusão da prova, face à ilegalidade cometida a A?

Segundo o artigo 1º, §5º, da Constituição do Estado da Louisiana, qualquer

pessoa que se veja afetada por busca ou apreensão conduzida em violação de normas

estabelecidas naquele diploma legal, têm o direito de argüir sua ilegalidade no

tribunal adequado. Enquadrando-se então, na categoria de provas vedadas.

No entanto, é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da

inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore

envenenada, pelo próprio Supremo norte-americano e pela doutrina internacional:

excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a

conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as

secundárias como causa e efeito; ou ainda, quando as provas derivadas da ilícita

poderiam, e muito provavelmente iriam, de qualquer modo ser descobertas por outra

maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent source e, no segundo, na

inevitable discovery. Isso significa que se a prova ilícita não foi absolutamente

12 Avolio. Ob. Cit. p.78

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determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte

própria, não ficam contaminadas e podem ser produzidas em juízo.13

3.6 Prova Ilícita por Derivação no Direito Brasileiro:

Tratando-se de prova ilícita e, na falta de regulamentação específica,

tem-se defendido a tese de que o art. 573, §1º, do CPP, consagra a regra do direito

americano fruits of the poisonous tree (árvore dos frutos envenenados), que

prescreve a decretação da nulidade das provas subsequentes obtidas com

fundamento naquela (prova ilícita por derivação).14

Realizando-se uma leitura do dispositivo supra mencionado, nota-se prima

facie a sua adequação à questão da derivação da ilicitude:

“art.573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos

artigos anteriores, serão renovados ou retificados.

§1º A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que

dele diretamente dependam ou sejam conseqüência.”

Como o que é nulo não pode produzir efeito (quod nullum est, nullusefectu

producit), a nulidade do ato contamina os atos que dele dependam ou sejam

conseqüência, de acordo com o princípio da causalidade, ocorrendo o que se tem

13 Grinover. Fernandes. Gomes Filho. Ob. Cit. p. 135/136

14 Mirabete. Ob. Cit. p. 457/458

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denominado de nulidade derivada. São nulos todos os atos concomitantes,

posteriores ou mesmo anteriores ao ato viciado contaminados por ele.15

Ao escrever sobre provas obtidas por interceptações telefônicas, tal qual

como se escrevesse sobre o tema em estudo, o Professor Vicente Grecco Filho

consagra sabiamente que:

“(...) a CF, expressamente, determinou não serem admissíveis, no

processo, as provas obtidas por meios ilícitos, de modo que se a

interceptação não obedecer os preceitos legais e os parâmetros

constitucionais, a prova com ela obtida não poderá ser utilizada, bem como

as dela conseqüentes, porque se o meio de obtenção da primeira for ilícito,

ilícito também será o meio de obtenção das demais que dela decorram”.16

Neste mesmo seguimento, a ilustre análise de Eduardo Espínola Filho, nos

diz que, muitas vezes no próprio ato processual, uma parte está perfeita, outra

defeituosa. Encarando a hipótese, Manzini (Trettato di diritto processuale italiano

secondo il nuovo Codice,vol.3º, 1932, p.97), após registrar que a declaração de

nulidade priva de efeitos jurídicos o ato viciado pela irregularidade, que tenha

aquela conseqüência, ponderou: “Não pode um ato ser nulo senão na sua inteireza,

porque a nulidade vicia a sua origem e o processo da sua formação, sejam quais

forem a natureza e a eficiência do próprio ato. Os motivos de anulação, ao invés,

podem dizer respeito a uma parte do ato, como no caso em que ela contém várias

disposições, e, então, uma parte pode ser anulada e a outra sobreviver”.

É uma questão de economia e de moralidade do processo restringir a

invalidação de atos praticados ao estritamente afetado de nulidade, deixando

perdurar o que é apto a atingir a sua finalidade, sem prejuízo real para a acusação, ou

15 ob. cit. p. 1403/1404 16 in Interceptacao telefônica: consideracoes sobre a L. 9.296/96. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 25

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para a defesa, e indiferença da decisão final, dada a nenhuma influência sobre a

verdade substancial.17

No entanto, decorre o processo de uma sucessão de atos, numa seqüência

lógica, e muitas vezes interligada, em busca de um mesmo escopo final. Com isso,

em muitas vezes, pode ser maior ou menor essa relação entre atos. Eis a razão pela

qual se torna imperiosa a necessidade de que seja precisada a extensão dos efeitos de

anulação de um ato processual sobre os outros, que dele derivem.

Compreendendo tal necessidade, o legislador, em nosso Código de Processo

Penal, no §2º, do art.573, regrou:

“O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se

estende.”

É que a contaminação se subordina à circunstância de ser dependente, ou

conseqüente, o ato posterior, do anterior, cuja invalidade se pronuncia. Muitas vezes,

a identificação dessa relação pode ser imprecisa, ou de difícil visualização. Há de

existir esse vinculo de dependência, acrescido do nexo de causalidade, de que o ato

sucessivo resultou do ato nulo.

Eis porque, como complementa Eduardo Espínola Filho, a anulação dos atos

posteriores, dependentes do ou conseqüentes ao que é invalidado, não resulta,

automaticamente, da anulação deste; faz-se mister a manifestação do juiz, numa

decisão interlocutória, afirmando o nexo de conexão e a subsequente nulidade. É o

que dispõe o §2º do art. 573 do Código, impondo ao juiz, quando pronunciar a

nulidade, declarar os atos a que ela se estende.18

17 in Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Bookseller, 2000, v.5º, p.517 18 ob. Cit. p.520

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3.7 Princípio Constitucional da Proporcionalidade:

Princípios, no sentido jurídico, são proposições normativas básicas, gerais ou

setoriais positivadas ou não, que, revelando valores fundamentais do sistema

jurídico, orientam e condicionam a aplicação do direito.

Conforme averbou Celso Antônio Bandeira de Mello, em lição lapidar:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema,

verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua

exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá

sentido harmônico.

(...) violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma

qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico

mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma

de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,

porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores

fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua

estrutura mestra”19.

19 in Curso de Direito Administrativo, 12ª edicao, 2000, pp.747/748

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Antes de abordarmos diretamente a admissão da teoria da árvore dos frutos

envenenados no sistema jurídico brasileiro, não podemos deixar de analisar o

princípio constitucional da proporcionalidade, que terá grande e, fundamental,

influência nas decisões relativas à matéria.

Isto porque, a idéia de proporção sempre esteve ligada a compreensão do que

se têm como a própria noção de direito. Remontando aos arquétipos do pensamento

jurídico ocidental, sendo ilustrado como o equilibrium da balança de Thémis.

Exemplo prático deste vínculo, se faz mostrar em trecho de voto do Sr. Ministro

Celso de Mello, no Habeas Corpus nº 69.912, do STF - que será analisado na sua

íntegra em capítulo próprio, mais adiante – in verbis:

“Outra tendência que se coloca em relação às provas ilícitas é aquela

que pretende mitigar a regra de inadmissibilidade pelo princípio que se

chamou, na Alemanha, da ‘proporcionalidade’ e, nos Estados Unidos da

América, de ‘razoabilidade’; ou seja, embora se aceite o princípio geral da

inadmissibilidade de prova obtida por meios ilícitos, propugna-se a idéia de

que em casos extremamente graves, em que estivessem em risco valores

essenciais, também constitucionalmente garantidos, os tribunais poderiam

admitir e valorar a prova ilícita.”

Com isso, o princípio em questão, cumpre a relevante missão de funcionar

como critério para a solução de conflitos de direitos fundamentais, através de juízos

comparativos de ponderação de interesses envolvidos no caso concreto. Não

obstante, possui ainda, o caráter de instrumento de salvaguarda dos direitos

fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos, vale

dizer, como mecanismo de tutela dos direitos fundamentais contra os abusos do

poder público.

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No Brasil, apesar da falta de uma referência expressa ao princípio no texto

constitucional, este não passou desapercebido pela doutrina, não sendo obstáculo ao

reconhecimento de sua existência positiva.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao abordar os princípios

constitucionais do direito administrativo, refere que o princípio da proporcionalidade

enuncia a idéia de que “as competências administrativas só podem ser validamente

exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado

para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”.

Esclarece, ainda, que o principio da proporcionalidade não é senão uma faceta do

principio da razoabilidade, com idêntica matriz constitucional: o artigo 37 da Lei

Magna, conjuntamente com os artigos 5º, II, e 94, IV. Conclui que o fato de que

buscar o princípio pela trilha assinalada não o faz menos amparado, nem menos

certo ou verdadeiro, “pois tudo aquilo que se encontra implicado em um princípio é

tão certo e verdadeiro quanto ele”.20

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, tratando dos limites do poder de polícia,

exercido pelo Poder Público, afirma não poder “ir além do necessário para a

satisfação do interesse público que se visa proteger, a sua finalidade não e’ destruir

os interesses individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício,

condicionando-os ao bem-estar social ; só’ poderá reduzi-los quando em conflito

com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à

consecução dos fins estatais.21

Em vários princípios que informam o direito processual nos é possível

identificar manifestações da proporcionalidade. Especificamente no âmbito deste

trabalho, a teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também denominada

20 Elementos de Direito Administrativo, 1991, p.66-67 21 in Direito Administrativo, 1991, p. 93

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teoria do balanceamento ou da preponderância de interesses, consiste, exatamente,

numa construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas da

inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, e seus derivados, permitindo, em

face a uma vedação probatória, que se proceda uma escolha, no caso concreto, entre

valores constitucionalmente relevantes postos em conflito.

Ao se cogitar a utilização deste princípio, limites devem ser delineados para

esta. Como assim o fez Daniel Sarmento:

“Na técnica da ponderação de interesses, utiliza-se o princípio da

proporcionalidade, somente justificando-se a medida interventiva na medida

em que a) mostrar-se apta a garantir a existência do interesse contraposto; b)

não houver solução menos gravosa e c) o benefício obtido com a restrição a

um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse

antagônico”22.

3.8 A Teoria da Proporcionalidade e Prova Ilícita PRO REO:

Uma vez estudado o princípio da proporcionalidade, faremos agora sua

análise sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de

forma prioritária no processo penal, sua aceitação é praticamente unânime tanto pela

doutrina quanto pela jurisprudência.

Quando se trata de prova ilícita utilizada no processo, pro reo, tem-se

entendido que a ilicitude é eliminada por causas de justificação legais de

antijuridicidade, como a legítima defesa. Até mesmo quando colhida pelo próprio

acusado. É o exemplo da pessoa que grava sub-repticiamente sua conversa com

22 A Ponderação de interesses na Constituição Federal, Lumen Iuris, 2000, p. 96

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terceiro para demonstrar sua inocência. Neste conflito de interesses, o critério da

proporcionalidade, faz com que o direito fundamental da ampla defesa se

sobreponha ao direito à intimidade.

Ainda tratando do campo de interesses, justifica-se ainda a utilização da

prova ilícita, em benefício de um acusado, pois não há qualquer interesse que se

sobreponha ao da sociedade, em não condenar ou impor sanções indevidas a um

inocente.

As Mesas de Processo Penal, atividade ligada ao Departamento de Direito

Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a

coordenação da ilustre processualista, Ada Pellegrini Grinover, tomaram posição

sobre a matéria na seguinte súmula:

“Súmula 50 – Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente

colhidas, que beneficiem a defesa”.

3.9 O Supremo Tribunal Federal e a Teoria da Arvore dos Frutos

Envenenados:

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, que desde antes da Constituição de

1988 já havia delineado jurisprudência pela inadmissibilidade das provas obtidas por

meios ilícitos, após a nova Lei Fundamental cristalizou em definitivo aquela

posição, estendendo-a, inclusive, com a aceitação da doutrina norte-americana dos

frutos da árvore envenenada.

Neste sentido, aduz Ada Pellegrini Grinover, “O Supremo Tribunal Federal,

mesmo antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, havia sinalizado para

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a adoção da teoria dos frutos da árvore envenenada quando, contra o voto do relator,

concluíra não apenas pelo desentranhamento das gravações clandestinas, mas

também pelo trancamento do inquérito policial, por inexistirem nos autos elementos

não-viciados pela contaminação da prova ilícita (RTJ 122/47). Em julgados

posteriores à Constituição, após alguma incerteza, o Supremo aderiu, por maioria, à

tese dos frutos da árvore venenosa, considerando contaminadas pelo vício de

ilicitude derivada as provas alcançadas a partir do conhecimento de fatos apurados

por força da prova ilícita.23

Ainda acrescenta a eminente mestre, em outro trabalho, entender que a

posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais

intransigente com os princípios e normas constitucionais, é a que professa a

transmissão da ilicitude da obtenção da prova às provas derivadas, que são, assim,

igualmente banidas do processo. Afirma, ainda, que a Constituição brasileira não

toma partido na discussão sobre a admissibilidade das provas derivadas, deixando

espaço para a construção da doutrina e da jurisprudência.24

A decisão basilar do entendimento da aplicação da doutrina norte-americana,

pelo Supremo Tribunal Federal deu-se através do julgamento do Habeas Corpus de

nº 69.912-0, de 30.06.1993, suscitando divergência na análise da questão. Vejamos:

CONSTITUCIONAL. PENAL. PROVA ILICITA:

“DEGRAVAÇÃO” DE ESDUTAS TELEFONICAS. C.F., ART. 5º, XII.

LEI Nº4117, DE 1962, ART. 57, II, “e”. “HABEAS CORPUS” : EXAME

DA PROVA.

23 Grinover. Fernandes. Gomes Filho. Ob. cit. p. 139 24 As provas ilícitas na Constituição. Livro de estudos jurídicos, 1989, v.5, p. 28

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I – O sigilo das comunicações telefônicas poderá ser quebrado, por

ordem judicial, nas hipóteses e na forma que lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal (C.F., art. 5º, XII).

Inexistência da lei que tornará viável a quebra de sigilo, dado que o inciso

XII do art. 5º não recepcionou o art. 57, II, “e”, da Lei 4.117, de

conhecimento dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação

deste. É que a constituição, no inciso XII do art. 5º, subordina a ressalva a

uma ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida em lei.

II – No caso, a sentença ou o acórdão impugnado não se baseia apenas

na “degravação” das escutas telefônicas, não sendo possível, em sede de

“Habeas Corpus”, descer ao exame da prova.

III – H.C. indeferido.

O Ministro Sepúlveda Pertence, então relator, afirma que:

“Os problemas jurídicos atinentes à admissibilidade processual e às

conseqüências da admissão indevida, no processo, das provas ilícitas – da

barbárie primitiva da tortura física à sofisticação tecnológica da

interceptação telefônica – ainda geram controvérsia doutrinárias e

vacilações jurisprudenciais nos ordenamentos de maior tradição cultural.”

O Ministro Pertence faz referência em seu voto à teoria da arvore dos frutos

envenenados:

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“ Desse modo, sem necessidade de reexame de questões de fato, o caso

demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência americana

constituiu sob a denominação de princípios dos ‘fruits of poisonous tree’ é

que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações telefônicas

interceptadas só se pode chegar, segundo a própria lógica da sentença, em

razão do conhecimento delas, isto é, em conseqüência da interceptação

ilícita de telefones”.

E acrescenta, dando continuidade à análise da teoria:

“Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do ‘fruit

of the poisoness tree’ é a ‘única capaz de dar eficácia à garantia

constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita.

De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’

das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas

possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar

a outras provas, que sem tais que sem tais informações, não colheria,

evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da

gravação clandestina de conversas privadas.

Nossa experiência histórica, a que já aludi, em que a escuta telefônica

era notória mas não vinha aos autos, servia apenas para orientar a

investigação, e a palmar evidência de que, ou se leva às últimas

conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada

pelos frutos da informação ilicitamente obtida.

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Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta

telefônica indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a

apreensão da droga, elementos também decisivos, de sua vez, na construção

lógica da imputação formulada na denúncia, assim como na fundamentação

nas decisões condenatórias.

Dada essa patente relação genética entre os resultados da interceptação

telefônica e as provas subseqüentemente colhidas, não é possível apegar-se

a essas últimas – frutos da operação ilícita inicial – sem, de fato, emprestar

relevância probatória à escuta vedada.

Desse modo, não vejo, sem infidelidade aos princípios, como fugir da

nulidade radical do procedimento nele incluídos o inquérito e a prisão em

flagrante.

Nesses termos defiro a ordem: é o meu voto”.

O Senhor Ministro Francisco Rezek, acompanhando o voto do Ministro

Relator, consolidou a idéia de que:

“As normas que a Constituição de 1988 encerra sobre essa matéria são

prudentes: oferecem garantias aos cidadãos e à sua privacidade, sem

entretanto descurar do interesse legítimo da investigação criminal. Mas tudo

quanto a Carta, no particular, protege, estaria reduzido a zero caso se

estimasse que a escuta telefônica, quando ilícita, pode não obstante gerar

medidas investigatórias válidas em juízo. Isso me parece inadmissível.

Acompanho, pois, o primeiro voto do relator.”

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O Sr. Ministro Ilmar Galvão, também acompanhando o voto do relator,

adiciona:

“De outra parte, Sr. Presidente, também concordo com S. Exa. no

entendimento de que a prova colhida pelo meio ilícito contamina de

nulidade insanável todas as demais provas dela conseqüentes, sob pena de –

como advertiu S. Exa. – abrir-se uma larga porta para a burla da vedação

constitucional.

No caso sob enfoque, esclareceu o eminente Relator que a escuta

telefônica foi a chave da senda que levou à apreensão da substância tóxica

em poder do paciente. Parece-me que essa escuta não foi sequer decorrência

de outras investigações anteriores.

Assim sendo, Sr. Presidente, não tenho dúvida em também conceder a

ordem.”

O Senhor Ministro Carlos Velloso, em seu voto, apesar de ser o primeiro

discordante do voto do relator, não discorda da teoria, matéria de estudo neste

trabalho. Lastreia-se sim, no sentido de que haviam outras provas colhidas nos

autos, e estas não contaminadas, que sustentassem a condenação. Para tanto, aduz:

“Faço-o, não porque divirja do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence no

ponto em que S.Exª considera que a escuta telefônica é prova ilícita, porque

eu também penso assim, mas porque nos autos estão elementos que

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autorizam a afirmativa no sentido de que a condenação não se baseia

exclusivamente na prova ilícita, e porque não seria possível, nos estreitos

limites do habeas corpus, descer ao exame da prova para desconsiderar as

afirmativas postas nos votos que servem de base do acórdão impugnado.

Com essas breves considerações, indefiro o habeas corpus, data venia

do Sr. Ministro Relator.”

Em seu voto, o Senhor Ministro Paulo Brossard, também discorda do

Ministro Relator, declarando:

“Assim, se é certo que falta lei ordinária a cumprir a ordem

constitucional, indicando as hipóteses e a forma em que a escuta telefônica

pode ser autoridade pelo juiz, não falta a Convenção Internacional, já

incorporada ao direito interno, pela qual o Brasil se obrigou a colaborar no

combate ao tráfico de entorpecentes e drogas afins.

Assentadas essas premissas acerca do alcance do disposto no inciso

XII do art. 5º da Constituição, poderia concluir pela inocorrência de ofensa

ao direito do cidadão a ensejar concessão do HC impetrado, tendo em vista

que na espécie não teria havido utilização de prova obtida por meios ilícitos,

vedada pela Constituição no inciso LVI do mesmo art. 5º, a contaminar a

prova inteira, prova essa que o ilustre TRF da 4ª Região entendeu apta a

embasar a procedência da ação penal impondo ao paciente as penas dos arts.

12 e18, I e III da lei nº 6368/76, ao confirmar sentença do Juiz da 8ª Vara de

Justiça Federal de Porto Alegre.”

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E conclui o Ministro, apontando não se dever a condenação estritamente à

prova ilícita obtida:

“Não me parece que o STF possa ou deva conceder HC em favor de

traficante comprovado, quando a sua condenação nem sequer se deveu à

escuta telefônica, como acentuado no voto do Juiz PARGENGLER, que no

TRF considerou ilegal a escuta, a qual vale repetir, foi solicitada pela

autoridade policial e deferida pela autoridade judicial.” Acrescentando

adiante: “Assim, ainda que a escuta telefônica para fins de investigação

criminal ou instrução processual penal de crime considerado hediondo

pudesse ser considerada ilegítima, o fato é que outras provas existem e que

não são decorrência da escuta. De modo que, no caso, não se pode falar nos

frutos da árvore venenosa, ‘fruit of the poisonous tree’ (...)”

O Senhor Ministro Celso de Mello, em seu voto, discorre amplamente na

questão das provas ilícitas, bem como nas provas destas derivadas, valendo destacar:

“O fato irrecusável, Sr. Presidente, é que prova ilícita é prova inidônea.

Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa

explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo

providencia instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se

destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.

A Exclusionary Rule – considerada essencial pela jurisprudência da

Suprema Corte dos Estados Unidos na definição dos limites da atividade

probatória desenvolvida pela Polícia e Pelo Ministério Público – destina-se,

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na abrangência de seu conteúdo, a proteger, pelo banimento processual de

evidências ilicitamente coligidas, os réus criminais contra a ilegítima

produção ou a ilegal colheita de prova incriminadora (Garrity v. New

Jersey, 385 U.S. 493, 1967; Mapp v. Ohio, 367 U.S. 643, 1961; Wong Sun

v. United States, 371 U.S. 471, 1962, v.g.).

Essa questão – até em função das razoes subjacentes ao sistema da

inadmissibilidade, em nosso sistema constitucional, das provas ilícitas –

assume, a meu ver, inegável relevo jurídico.”

E aduz, mais adiante, abordando o tema da derivação:

“A prova ilícita, Sr. Presidente, não se revela idônea, ainda que – a partir

dos elementos de informação que eventualmente ministre aos órgãos da

persecução penal – possa produzir dados novos que atestem a materialidade

ou a autoria do fato delituoso. A ilicitude original da prova transmite-se, por

repercussão, a outros dados probatórios que nela se apóiem, dela derivem

ou nela encontrem o seu fundamento causal.” E conclui o Ministro, seu

voto: “Desse modo, Sr. Presidente, e com estas considerações, peço vênia

para, acompanhando o magnífico voto do em. Relator, deferir o pedido de

habeas corpus.

É o meu voto.”

O Senhor Ministro Sydney Sanches acompanha e se baseia nos votos dos Srs.

Ministros Carlos Velloso e Paulo Brossard, pelo indeferimento da ordem.

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Neste mesmo passo, votou o Senhor Ministro Néri da Silveira, concluindo

que a condenação não se baseou, estritamente, nas provas obtidas por meios ilícitos.

Também, o Senhor Ministro Moreira Alves, vota pelo indeferimento da

ordem, por não vislumbrar prevalecer a teoria das provas ilícitas por derivação, por

não haver previsão legal desta, valendo transcrever:

“Sr. Presidente, o que está em causa, neste habeas corpus, é o alcance

do inciso LVI do artigo 5º da Constituição, o qual reza: ‘São inadmissíveis,

no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.’ Como se vê, não diz esse

dispositivo que são nulos os processos em que haja prova obtida por meios

ilícitos. Portanto, se num processo houver provas ilícitas, a ilicitude destas

não se comunica àquelas para que se chegue à absolvição por falta de

provas, ou se anule o processo pela ilicitude de todas as provas produzidas.”

O voto do Senhor Ministro Octávio Gallotti, in verbis:

“Srs. Ministros, também considero que a ilicitude da quebra de sigilo

não pode Ter a conseqüência de nulificar tudo aquilo mais que se venha a

obter de prova e possa servir à instrução do processo e ao convencimento do

juiz. E muito menos, em habeas corpus, havendo, como há, no caso

presente, outras provas a corroborar o resultado da investigação impugnada,

não penso que se possa empreender um amplo reexame dessas provas para

concluir sobre o seu caráter, decisivo ou não, na condenação, proferida

contra os denunciados.

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É por isso, em síntese, que estou de acordo com os votos dos Ministros

que indeferiram a ordem”.

Desta forma, a decisão, por maioria de votos o Tribunal indeferiu o pedido de

habeas corpus, tendo como vencidos, os Ministros Sepúlveda Pertence, Francisco

Rezek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e Celso de Mello, em 30.06.93.

No entanto, a matéria deste habeas corpus teve a particularidade de haver

sido objeto de dois exames, e duas decisões do Supremo Tribunal Federal, que

importaram em julgamentos opostos, na mesma causa.

Primeiramente, na sessão de 30 de junho de 1993, acima referenciada,

prevaleceu, por seis votos contra cinco, a posição do Ministro Carlos Velloso que,

divergindo do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, denegou a ordem, entendendo

que, na hipótese, a prova constituída mediante quebra de sigilo de comunicações

telefônicas não era a única e outros dados probatórios lastreavam o processo penal.

Ocorre que, o paciente interpôs mandado de segurança, alegando o

impedimento do Ministro Néri da Silveira, cujo filho teria atuado no processo

condenatório, na qualidade de membro do Ministério Público. Acolhendo tal

impugnação, o Tribunal determinou a renovação do julgamento, admitindo o

impedimento invocado.

Em sessão de 16 de dezembro de 1993, inverteu-se a decisão anterior, sendo

então, concedida a ordem de habeas corpus, por maioria de votos. Nesta nova

sessão, foi mantida a posição do Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, e ratificaram

seus votos anteriores os Ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Marco Aurélio e

Celso de Mello.

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Ausente o Ministro Moreira Alves e impedido o Ministro Néri da Silveira, a

anterior maioria tornou-se minoritária, embora mantivessem seus votos os Ministros

Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sydney Sanches e Luiz Gallotti.

Nesta peculiar reviravolta, o escore original de 6 x 5 inverteu-se para 5 x 4,

conduzindo ao deferimento do pedido de habeas corpus.

A análise aprofundada desta decisão procura não somente salientar a

singularidade do caso como, especialmente, o relevo do debate sobre influência da

prova inicial ilícita sobre as desta derivadas. Servindo sempre como precedente nas

decisões que vieram posteriormente acerca da matéria, este foi o marco inicial de

uma série de acórdãos, que estariam por vir, admitindo a incidência da “fruit of

poisonous tree theory”, que agora destacamos, in verbis:

STF: “Examinando novamente o problema da validade de provas cuja

obtenção não teria sido possível sem o conhecimento de informações

provenientes de escuta telefônica autorizada por juiz – prova que o STF

considera ilícita, até que seja regulamentado o art. 5º, XII, da CF (‘É

inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de

dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem

judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal’) -, o Tribunal por

maioria de votos, aplicando a doutrina dos ‘frutos da ‘arvore envenenada’,

concedeu habeas corpus impetrado em favor de advogado acusado do crime

de exploração de prestígio (CP, art.357, par. único), por haver solicitado a

seu cliente (preso em penitenciária) determinada importância em dinheiro, a

pretexto de entregá-la ao juiz de sua causa. Entendeu-se que o testemunho

do cliente – ao qual se chegara exclusivamente em razão de escuta -,

confirmando a solicitação feita pelo advogado na conversa telefônica,

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estaria ‘contaminado’ pela ilicitude da prova originária. Vencidos os

Ministros Carlos Velloso, Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da

Silveira e Moreira Alves, que indeferiram o habeas corpus, ao fundamento

de que somente a prova ilícita – no caso, a escuta – devia ser desprezada.

Precedentes citados: HC 69912-RS (DJ de 26-11-93), HC 73351-SP (Pleno,

9-5-96; HC 72.588-PB, rel. Min. Maurício Corrêa, 12-6-96)” (Informativo

do STF de 10 a 14-6-96).

STF: “Prova ilícita – Contaminação. Decorrendo as demais provas do

que levado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo

qual não subsistem. Precedente: habeas corpus 69.912-RS, relatado pelo

Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no

Diário da Justiça de 25 de março de 1994” (HC 73.510, Informativo do STF

de 17-12-98, p.96)

STF: “É ilícita a prova produzida mediante escuta telefônica

autorizada por magistrado, antes do advento da Lei nº 9.296, de 24-7-96,

que regulamentou o art. 5º, XII, da Constituição Federal; são igualmente

ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes: aplicação da doutrina norte-

americana dos ‘frutos da ‘arvore venenosa’. Inexistência de prova

autônoma. Precedentes do Plenário: HC 72.588-1-PB (HC 74.116-9 – DJU

de 14-3-97, p.6.904).

STF: “HABEAS CORPUS. ACUSACAO VASADA EM

FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR

MEIO DE OPERACAO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE

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AUTORIZACAO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSENCIA DE

LEGISLACAO REGULAMENTADORA. ART. 5º, XII, DA

CONSTITUICAO FEDERAL. FRUIT OF THE POISONOUS TREE.

O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou

entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses

e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição não pode o Juiz

autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de

investigação criminal.

Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica - à falta de

lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-

la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos,

oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta.

Habeas Corpus concedido.” (HC 73351-4 SP)

Desnecessário dizer, que tais decisões, demarcam e iniciam a formação dos

alicerces da admissão, no direito brasileiro, da doutrina norte-americana da fruit of

poisonous tree. O que surgiu de um julgamento um tanto particular, sofrendo ainda

uma segunda decisão, diversa da anterior, transmite-se agora aos tribunais inferiores,

ganhando, gradualmente, seu espaço em nosso ordenamento jurídico.

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CONCLUSAO

Serão reunidas neste capítulo as conclusões obtidas no desenvolvimento deste

estudo, que se figuram mais pertinentes à matéria:

4.1 Direito à Prova

A prova tem, indubitavelmente, importância fundamental no processo, pois

constitui o elemento integrador do convencimento do juiz com os fatos da causa.

Com isso, a melhor opção se figura na liberdade probatória das partes, no entanto,

encontrado seu limite na dignidade da pessoa humana e no respeito aos seus valores

fundamentais, havendo a necessidade de se interpor limites no processo, dos meios

de prova que atentem contra esses princípios.

4.2 Verdade Real

A busca incondicional da verdade real no processo penal deve ser

desconstituída, em casos particulares, nos quais esta viole normas que visam

proteger a dignidade humana. Deve, portanto, ser observado o critério de

admissibilidade de provas. Não pode, o princípio da verdade real, ser instrumento de

escusa do julgador, para que se tenha ignoradas ilicitudes constantes dos autos. Tal

utilização remonta conceitos já ultrapassados e encontra-se superada, no atual

estágio de evolução das liberdades públicas.

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A verdade que deve ser buscada e alcançada é a verdade judiciária, que

pressupõe a observância do contraditório, das normas regentes do processo e dos

critérios de admissibilidade de provas.

4.3 Provas Ilícitas

São provas ilícitas aquelas obtidas com violação do direito material,

ocorrendo sua repercussão no plano processual, tornando a prova inutilizável. A

melhor hermenêutica do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas é aquela

que lhe dê amplitude máxima, que não a minimize, em qualquer aspecto, sob pena

de ineficácia do princípio.

O ordenamento jurídico norte-americano prevê a nulidade no processo das

provas ilícitas, através da construção jurisprudencial a partir do enunciado IV da

Emenda Constitucional, consubstanciada na exclusionary rule. Já o ordenamento

brasileiro prevê a inadmissibilidade, no processo, destas provas, no art. 5º, LVI, da

Constituição Federal de 1988.

Embora a Constituição, aparentemente, se limite a prescrever a

inadmissibilidade da prova ilícita no processo, o alcance dessa disposição, bem

como sua interpretação, deve extrapolar o a fase da admissibilidade das provas,

propriamente dita, para abranger os demais momentos do processo relativos à prova.

Qualquer que sejam estes momentos, tais como, os da sua produção, valoração pelo

juiz , em qualquer estado e grau do procedimento. Desta forma, se assim dispusesse,

estariam evitadas quaisquer interpretações que colidissem com o próprio espirito das

vedações probatórias.

A conseqüência que decorre da utilização da prova ilícita é, inegavelmente, a

da sua total ineficácia, como imposição lógica de sua inexistência jurídica. Ainda

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sim, no caso de ocorrer sentença que nela se baseou, será absorta de nulidade, dando

margem à revisão criminal ou ao habeas corpus, conforme o caso.

4.4 Princípio da Proporcionalidade ou da Razoabilidade

A idéia de proporcionalidade, desde as fases mais remotas, encontra-se

presente e de forma indissociável da noção de direito. A utilização do princípio da

proporcionalidade pelo julgador encontra limite na verificação dos reflexos da prova

ilícita no restante do processo criminal, a fim de que seja possível aferir o nível de

conexão e interdependência da prova ilícita com as demais provas existentes, e, por

conseqüência, valorar a contaminação ou não daquelas com vício da nulidade.

A teoria é reconhecida no Brasil, tanto pela doutrina quanto pela

jurisprudência, e vem sendo gradualmente aplicada principalmente no que se refere

à admissibilidade da prova ilícita pro reo. No âmbito da ponderação de interesses, o

princípio da proporcionalidade é ferramenta indispensável para que se tenha a

correta aplicação do direito. Desta forma, para se balancear e, consequentemente,

admitir a utilização da prova ilícita, bem como da dela derivada, quando em

benefício do réu.

4.5 Provas ilícitas por derivação

A doutrina norte-americana do fruit of poisonous tree tende a excluir as

provas lícitas, atingidas e colhidas a partir de provas ilícitas. Na falta de

regulamentação específica na legislação brasileira, e’ perfeitamente cabível o

entendimento de que o artigo 573, §3º do Código de Processo Penal, venha a

consagrar esta regra, dando-a seu embasamento jurídico necessário.

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Apesar da atipicidade constitucional, da tese de ilicitude de provas por

derivação, se limitando a prescrever a inadmissibilidade da prova ilícita no processo,

o alcance dessa disposição deve ser ampla, para que se atinja aos demais momentos

processuais que se tenha qualquer reflexo daquela prova viciada.

Com isso, na busca da garantia à pessoa humana, é de se admitir a utilização

da teoria das provas ilícitas por derivação. O Egrégio Supremo Tribunal Federal, que

desde antes da Constituição Federal de 1988, já vinha delineando jurisprudência no

sentido da inadmissibilidade das provas ilícitas, no processo, após a nova Lei

Fundamental cristalizou tal posição, ampliando-a, inclusive, com a aceitação da

doutrina dos frutos da árvore envenenada.

Por tudo que foi demonstrado, quer no âmbito doutrinário, quer no

jurisprudencial, podemos afirmar, sem nenhum receio, que, abstraindo a questão

correlacionada a esse tipo de “provas”, tudo que delas advier, estará, por derivação,

eivado de vício absoluto, porque tais provas, conforme o entendimento dominante e

em homenagem a sedimentada doutrina norte-americana dos frutos da ‘arvore

envenenada, hão de ser consideradas provas ilegais, dado serem ilícitas e, portanto,

de uso vedado no processo.

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