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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO Por: Ramon Thomaz Gimenes Visoni Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DO

DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

Por: Ramon Thomaz Gimenes Visoni

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DO

DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Docência do Ensino Superior, Direito Ambiental.

São os objetivos da monografia perante o curso e

não os objetivos do aluno.

Por: Ramon Thomaz Gimenes Visoni

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AGRADECIMENTOS

....aos meus pais e aos meus queridos

amigos de turma que tanto me

incentivaram para nunca desistir.

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DEDICATÓRIA

.....dedico aos meus pais, pois sem a

insistência e o carinho destes não

chegaria até aqui.

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre o instituto da responsabilidade penal da

pessoa jurídica, demonstrando que esta inovação trazida ao ordenamento

jurídico pátrio é plenamente cabível, tanto em termos práticos quanto teóricos,

na medida em que os entes coletivos são os maiores poluidores do meio

ambiente e a realidade social clama por mudanças urgentes nos tradicionais

dogmas do Direito Penal.

Abordam-se as divergências doutrinárias existentes no meio jurídico com

relação à incriminação da pessoa jurídica, ressaltando o avanço que este

instituto traz para o Direito Brasileiro, tendo como objetivo principal reprimir de

forma mais eficaz as agressões perpetradas contra o meio ambiente e também

jurisprudência sobre a matéria suscitada. Ademais, apresenta-se a importância

do meio ambiente, na qualidade bem de uso comum do povo e indispensável

ao desenvolvimento econômico e social dos povos, bem como à própria

sobrevivência do ser humano.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I - ABORDAGEM CONSTIRUCIONAL 08

CAPÍTULO II - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 13

2.1 – A pessoa jurídica como sujeito ativo do crime

2.2 – Conflito com os princípios do Direito Penal

2.3 - Penas aplicáveis as pessoas jurídicas CAPÍTULO III - JURISPRUDÊNCIA 27 CONCLUSÃO

ÍNDICE

BIBLIOGRAFIA

FOLHA DE AVALIAÇÃO

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho científico tem por escopo traçar considerações

acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica por atividades danosas ao

meio ambiente, defendendo a aplicabilidade desse instituto no sistema jurídico

brasileiro, sem qualquer afronta aos princípios inerentes ao Direito Penal.

Com esse desiderato, desenvolveu-se a metodologia de pesquisa,

baseada em fonte doutrinária e breve citação jurisprudencial, abordando a

importância da prevenção do meio ambiente para garantia do bem-estar do

homem e para que ele goze de todos os direitos fundamentais previstos na

Constituição, notadamente o seu direito à vida.

Outrossim, defende-se a possibilidade de ser imputado um crime à

pessoa jurídica, em contradição ao princípio romano-germânico societas

delinquere non potest, pautando-se na teoria Organicista de Gierke, segundo a

qual a pessoa jurídica é um ser real, dotado de vontade de própria, distinta da

vontade de seus sócios e que, portanto, tal imputação não significa afronta aos

Princípios da Individualização da pena e da Intranscedência.

Ato contínuo, ressalta-se a necessidade de superação de dogmas do

Direito Penal, cujos conceitos de conduta e culpabilidade sempre se voltam

exclusivamente para a pessoa humana, haja vista que a realidade social

contemporânea no que tange à criminalidade vem forçando a superação

desses sistemas clássicos, com a adequação de um sistema penal capaz de

apresentar soluções em face da nova criminalidade econômica e ambiental.

Finalmente, discorre-se acerca das penas aplicáveis aos entes coletivos,

corroborando a plena aplicabilidade da Lei de Crimes Ambientais, que conferiu

eficácia ao comando constitucional expresso no Art. 225, 3º da Constituição

Federal, voltado para a proteção do meio ambiente e para garantia da

qualidade de vida do homem.

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CAPÍTULO I

ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

A nomenclatura Direito do Ambiente advém de uma evolução histórica,

que objetiva abranger o real conceito deste ramo do Direito Público, definido

pela melhor doutrina como sendo o “complexo de princípios e normas

coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente,

possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua

sustentabilidade para as presentes e futuras gerações”1.

Didaticamente, o Direito do Ambiente significa a ciência que estuda os

problemas ambientais e suas interligações com o homem, com vistas à

proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para José Afonso da

Silva, meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais

e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida humana.2

Deste último conceito, verifica-se que o Meio Ambiente se divide em

quatro grupos, a saber: Meio Ambiente Natural, que integra o solo, a água, o

ar, a flora e a fauna; o Meio Ambiente Cultural, que integra o patrimônio

arqueológico, artístico, histórico, paisagístico e turístico; o Meio Ambiente

Artificial, formado pelos edifícios, equipamentos urbanos, comunitários,

bibliotecas, museus; e o Meio Ambiente do Trabalho, constituindo-se na

proteção do trabalhador em seu local de trabalho e dentro das normas de

segurança, com o fim de lhe fornecer uma qualidade de vida digna, nos termos

Art. 200, inciso VIII da Constituição Federal.

A Constituição federal de 1988 abarca a tutela do meio ambiente em

capítulo próprio, definindo-o em seu Art. 225, in verbis: “Todos têm direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.”

1 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.109 2 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998. p.10.

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A par dos direitos e deveres individuais e coletivos elencados no Art. 5º

da CRFB/88, acrescentou o legislador constituinte, no caput do Art. 225, um

novo direito fundamental da pessoa humana - o meio ambiente -, direcionando

ao desfrute de condições de vida adequada em um ambiente saudável ou,

conforme expressa a lei, ecologicamente equilibrado.

Esse novo direito fundamental é reconhecido pela Conferência das

Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em junho

de 1972, dando ensejo à elaboração da Declaração do Meio Ambiente, cujos

princípios constituem prolongamento da Declaração Universal dos Direitos do

Homem, proclamando que “o Homem é, a um tempo, resultado e artífice do

meio que o circunda, o qual lhe dá o sustento material e o brinda com a

oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral e espiritualmente.” Os dois

aspectos do meio ambiente, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-

estar do Homem e para que ele goze de todos os direitos humanos

fundamentais, inclusive o direito à própria vida. A proteção e melhora do meio

ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o

desenvolvimento econômico e social em todo o mundo inteiro; é um desejo

urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos.

O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na

verdade, como extensão do direito à vida, tanto sob o enfoque da própria

existência física e saúde dos seres humanos, quanto pelo aspecto da

dignidade desta existência, ou seja, a qualidade de vida.

Por tais razões, a adoção deste direito pela nossa Carta Magna passou

a nortear toda a legislação subseqüente e a dar nova conotação a todas as leis

em vigor. Nesse esteio, é, sem dúvida, o alicerce de todo o ordenamento

jurídico ambiental, ostentando o status de verdadeira cláusula pétrea.

Além da qualidade de direito fundamental, a Constituição de 88 atribui

ao meio ambiente um caráter transindividual, indivisível e destinado a pessoas

indeterminadas. O caráter jurídico do meio ambiente ecologicamente

equilibrado é de um bem de uso comum do povo. A doutrina achou por correto

inseri-lo no campo dos direitos difusos. Por sua vez, o Código de Proteção e

Defesa do Consumidor, em seu Art. 81, inciso I, define os interesses ou direito

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difusos como sendo os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam

titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Assim,

percebe-se a natureza coletiva da proteção do meio ambiente.

Com efeito, pode-se afirmar que o meio ambiente é um direito também

regido pelo Princípio da Solidariedade entre as presentes e futuras gerações,

ou seja, entre pessoas que sequer foram concebidas, mas que, desde já, a

constituição impôs a elas o dever de protegê-lo, visando à futura fruição. Nesse

aspecto, cumpre relembrar a característica do meio ambiente como bem de

uso comum do povo. Assim, observa-se que a realização individual deste

direito fundamental está intrinsecamente ligada à sua realização social.

Na seara da ordem constitucional econômica, o meio ambiente também

mereceu enfoque na Carta de 88, ao dispor o Art. 170 que a ordem econômica,

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem como

princípio a defesa do meio ambiente (inciso VI). Aqui está um dos grandes

avanços da Constituição no que tange à tutela ambiental, na medida em que

serão reprimidas atividades decorrentes da iniciativa privada que violem a

proteção do meio ambiente. Ou seja, a propriedade privada, base da ordem

econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social – elementar para

garantia constitucional -, quando se insurge contra o meio ambiente.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica foi trazida ao ordenamento

jurídico pátrio pela Constituição Federal, através do Art. 173, §5º: “A lei, sem

prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica,

estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis

com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira

e contra a economia popular”; e do 225, §3º: “As condutas a atividades

consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas

ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados.”

Com base nesses dispositivos, afere-se que Constituição Federal

objetivou imputar a responsabilidade penal às pessoas jurídicas por extensão

em relação ao comportamento de seus dirigentes, responsáveis, mandatários

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ou prepostos, visto que, através da vontade destes, e somente assim, pode

uma pessoa jurídica incidir na prática de condutas lesivas ao meio ambiente.

O fato de ser o meio ambiente um bem de uso comum do povo justifica a

punibilidade pelos danos a ele causados. A responsabilização penal da pessoa

jurídica se justifica, também, pelo fato de que são as grandes empresas as

verdadeiras poluidoras, e não a pessoa natural mais humilde, referida por Edis

Milaré como o "pé-de-chinelo".3 Tal afirmação não retira a importância dos

crimes ambientais praticados por pessoas naturais, apenas ressalta a maior

dimensão dos danos causados pelos crimes que envolvem pessoas jurídicas.

Qualquer ato lesivo ao meio ambiente que prejudique o equilíbrio ecológico é

significativo. Por outro lado, a tutela ambiental é utilizada em ultima ratio, o que

significa dizer que a mesma é chamada a intervir somente nos casos em que

as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do

intolerável, ou sejam objeto de intensa reprovação do corpo social.

Por se tratar de um princípio constitucional, a responsabilização penal da

pessoa jurídica não deveria suscitar maiores controvérsias. Mas tal questão

está longe de ser pacífica. Sendo assim, reveste-se de importância ímpar o

Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº

564.960, cujo relator, Ministro Gilson Dipp, declarou: "a responsabilização

penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais surge, assim, como

forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio ambiente, mas

como forma mesmo de prevenção da prática de tais crimes, função essencial

da política ambiental, que clama por preservação".

Nesse esteio, a prevenção é princípio básico do Direito Ambiental,

esculpido no Art. 225 da Constituição da República, haja vista que, diante da

impotência do sistema jurídico pátrio, incapaz de restabelecer, em igualdade de

condições, uma situação idêntica à anterior, adota-se o princípio da prevenção

do dano ao meio ambiente como sustentáculo do direito ambiental,

consubstanciando-se como seu objetivo fundamental.

Portanto, dado que as Constituições Federais anteriores jamais previram

a hipótese de responsabilização penal dos entes coletivos, certo é convir que a

3 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p.451

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Carta Magna vigente tem o intuito de inovar, prevendo a possibilidade de que a

legislação infraconstitucional venha a contemplar delitos ambientais

perpetrados por pessoas jurídicas. Evidentemente que, respeitado o Princípio

da Legalidade, não haverá nenhum óbice para que tal possa ocorrer, dada a

hierarquia das normas.

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CAPÍTULO II

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

2.1 A pessoa jurídica como sujeito ativo de crime

Segundo um conceito formal, crime é toda ação ou omissão proibida

pela lei sob ameaça de pena. Já sob o ponto de vista material, crime é a

conduta que viola os bens jurídicos penalmente protegidos. O ordenamento

jurídico pátrio adota o conceito de crime, como sendo toda conduta típica,

antijurídica e culpável.

Num posicionamento contrário à responsabilidade penal da pessoa

jurídica, afirma-se não se configurar a capacidade delitual ao ente jurídico na

esfera penal, visto pelo conceito material e formal do delito, sendo este ato

exclusivo da atividade humana. Todavia, cabe ressaltar que o Brasil adotou o

conceito analítico de crime, o qual permite perfeitamente a punição dos entes

coletivos, como se verá adiante.

A aceitação da possibilidade de responsabilizar-se penalmente a pessoa

natural não impõe qualquer dificuldade, desde que observados os requisitos

legais impostos pelo ordenamento jurídico. Sabe-se que o crime é fato típico,

antijurídico e culpável. Tal conceito comporta perfeitamente a possibilidade de

ser o delito praticado por um ser humano à medida que este é dotado de

vontade, consciência, capacidade de agir, etc. Nesse sentido, a partir da

prática de um crime ambiental, verificada a culpabilidade da pessoa natural,

composta pela imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade

de conduta diversa, poderá ela ser responsabilizada penalmente. A dificuldade

existe quando o que se visa é responsabilizar criminalmente as pessoas

jurídicas, tema que enseja grandes discussões doutrinárias a serem

analisadas.

A razão, em suma, decorre do fato de que uma parte mais tradicional da

doutrina tem-se apegado ao princípio romano-germânico do societas

delinquere non potest (a sociedade não pode delinqüir). Segundo este

princípio, a pessoa jurídica é totalmente destituída de uma personalidade e,

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logo, incapaz de manifestar vontade. Desta forma, seria impossível que este

mesmo ente, puramente ficto, viesse a praticar uma conduta que gerasse

efeitos na esfera penal, pois, para isso, é necessário exatamente o atributo da

vontade, requisito essencial para que haja, aliás, também, a culpabilidade.

René Ariel Dotti4, contrário à responsabilização penal da pessoa jurídica, afirma

que só a pessoa humana tem capacidade genérica de entender e querer,

sendo a potencial consciência de ilicitude, isto é, a culpabilidade em si, uma

qualidade exclusiva da pessoa física e impossível de ser encontrada no ente

jurídico. Assim, por ser desprovida da capacidade de ação, a pessoa coletiva

não seria, então, capaz de praticar uma conduta infratora, pois não poderia ser

a ela atribuída a culpabilidade inerente à pessoa natural.

Todavia, segundo a Teoria da Realidade ou Organicista de Otto Gierke,

citada por Celeste Leite dos Santos5, a pessoa jurídica é um ser real, um

verdadeiro organismo, cuja vontade não é a soma de vontade de seus

associados, diretores ou administradores. A pessoa jurídica possui vontade

própria e o ato praticado por seus integrantes é distinto destes. Ou seja, as

pessoas coletivas se valem de pessoas físicas ou grupo delas para atuar e

expressar sua vontade no mundo exterior. Segundo a teoria, esta vontade,

atuando sobre as coisas, é o que constitui o poder do grupo, poder que o

Estado, às vezes, vem a limitar e a sancionar em nome do direito, com o

reconhecimento da personalidade do grupo. Assim, a pessoa jurídica deve

responder criminalmente pelos seus atos, uma vez que é o verdadeiro sujeito

do delito.

Além disso, há um fator que restou esquecido por esta fração mais

conservadora da doutrina. Primeiramente, destaque-se que o artigo 3º da Lei

dos Crimes Ambientais, o qual regularizou especificamente a aplicação do

instituto na legislação brasileira, ao responsabilizar a pessoa jurídica pelos

crimes ambientais, não menciona em nenhum momento o termo conduta

enfocado por esses doutrinadores, in verbis: “As pessoas jurídicas serão

4 DOTTI, René Ariel. A incapacidade criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do Direito brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, vol. 11, jul./set. 1995. 5 SANTOS, Celeste Leite. Crimes contra o Meio Ambiente. 3ª Ed. São Paulo. Editora Juarez de Oliveira.2002

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responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta

Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício da sua entidade”.

Não obstante, o parágrafo 3º do artigo 225 da Carta Magna, trouxe em

seu texto uma inovação ainda não suficientemente ressaltada, qual seja, a

responsabilização da pessoa jurídica, não necessariamente em razão de uma

conduta por esta praticada, mas sim, em decorrência de suas próprias

atividades.

Desse modo, a Constituição Federal responsabiliza a pessoa jurídica

pelos crimes cometidos através das atividades por ela desenvolvidas,

afastando, assim, a relevância da discussão concernente à capacidade ou não

de o ente coletivo praticar uma conduta. Ora, é pacífico que a pessoa jurídica

exerce uma atividade, e é exatamente através desta atividade que ela poderá

vir a ofender o meio ambiente. Nesse esteio, sendo o ente corporativo um

titular de direitos e obrigações, separadamente daqueles próprios de seus

sócios, obviamente possui uma personalidade também distinta daquela de

seus membros. Assim, tendo a pessoa jurídica uma personalidade,

conseqüentemente, vem a ser dona também de uma vontade coletiva

independente, o que tornaria perfeitamente viável a caracterização da conduta.

Quando se diz, por exemplo, que a imputação de crimes à pessoa

jurídica configuraria responsabilidade penal objetiva, ignora-se por completo a

realidade objetiva e jurídica que explica sua existência. Afinal, em suas

atividades, a pessoa jurídica emite inúmeras manifestações de vontade,

realizando negócios jurídicos e celebrando contratos essenciais à sua

existência. Ora, se tal vontade é reconhecida como válida para efeitos civis,

comerciais e administrativos, por que não o seria sob o prisma penal?

Nesse contexto, Valdir Sznick6 prevê a maneira de atribuir culpabilidade

à pessoa jurídica, nos seguintes argumentos: ”à pessoa jurídica pode-se

imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder

agir segundo as exigências do direito, a pessoa jurídica é culpável. Tratando-se

6 SZNICK, Valdir. Direito Penal Ambiental. São Paulo: Ícone, 2001. p. 66.

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de pessoas jurídicas, estamos diante de uma culpa social, diferenciada, mas

que atinge interesses coletivos.”

É certo que não se pode compreender a responsabilização do ente

moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento

subjetivo próprio, pois em princípio, sempre que houver a responsabilidade

criminal da sociedade estará presente também a culpa do administrador que

emitiu o comando para a conduta, e do preposto que obedeceu à ordem ilegal.

Isto posto, àqueles que se opõem à possibilidade de imputação criminal

às pessoas jurídicas, defendendo que estas podem ser sancionadas

administrativamente e seus representantes legais, penalmente, contrapõe-se a

dificuldade de provar a culpabilidade de tais dirigentes, especialmente pela

estrutura organizacional de tais empresas, praticamente inviabilizando o nexo

causal entre a ordem emanada e o resultado. Daí porque restam apenados os

empregados dela, executores da ordem, prevalecendo a odiosa impunidade.

2.2 Conflito com os princípios do Direito Penal

O Direito Penal tradicional traz conceitos dogmáticos incompatíveis com

a responsabilização penal da pessoa jurídica. As noções de conduta e de

culpabilidade são formuladas de acordo com a pessoa humana, sendo

impróprias para as pessoas jurídicas.

A realidade social em relação à criminalidade, entretanto, força a

superação dos dogmas clássicos, com a adequação do sistema penal para

apresentar soluções em face da nova criminalidade econômica, ambiental e

social hodierna.

Há necessidade de se criar um novo sistema teórico, apto a resolver os

conflitos supra-individuais existentes na atualidade e sequer imaginados pela

visão tradicional. Diga-se, de passagem, que a mudança não é exclusiva do

Direito Penal, mas de todo o Direito, diante dos novos desafios do convívio

social.

Um dos principais aspectos da mudança está exatamente no

reconhecimento da capacidade penal da pessoa jurídica. Todas as correntes

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doutrinárias reconhecem a importância da pessoa jurídica na criminalidade dos

dias atuais. Desde a efetuação do crime até a sua ocultação, como, por

exemplo, a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico ilícito de entorpecentes,

o que constitui, por si só, crime. As diferenças ocorrem apenas quanto à forma

de atuação do Direito em face desta realidade.

Uma modificação necessária no Direito Penal é o sistema da dupla

imputação, que, na hipótese de delitos praticados pelas pessoas jurídicas,

permite que, em relação às pessoas físicas, não ocorra mudança, continuando

o sistema penal tradicional com os conceitos e garantias individuais

historicamente fixados. Já em relação às pessoas jurídicas, entretanto, poderá

ser firmado um novo sistema, rápido e eficaz, conforme exige a realidade da

criminalidade empresarial.

Parte-se do pressuposto de que a pessoa jurídica está apta a praticar

ações independentes das ações das pessoas físicas que a integram. Isso é

reconhecido pelo Direito na atualidade, para a responsabilização civil e

administrativa da pessoa jurídica. O reconhecimento da vontade própria dos

entes coletivos, portanto, já está assentado, restando apenas a discussão da

utilização do Direito Penal para essa realidade.

João Marcelo de Araújo Júnior7 defende que, se a pessoa jurídica tem

capacidade de ação para contratar, tem também capacidade para descumprir,

por exemplo, criminosamente o contratado. E, portanto, tem capacidade de agir

de forma criminosa. Além do mais, principalmente no que se refere ao Direito

Penal Econômico, existem ilícitos em que a lei prevê, exclusivamente, a

conduta da empresa. É o que acontece, entre outros exemplos, com os crimes

contra a livre concorrência. Quem exerce a concorrência desleal é a empresa.

A ação da pessoa natural que atua por conta e no proveito dela é expressão do

agir da empresa, pois quem pratica a ação é a própria empresa .

Nesse esteio, a admissão da capacidade de agir conduz,

necessariamente, à da capacidade de culpa. Pode-se, destarte, agregar que a

teoria do risco da empresa legitima a responsabilidade penal da pessoa jurídica

7 Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada e estado atual da doutrina. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e Direito Penal. In: GOMES, Luiz Flávio. São Paulo: RT, 1999. p. 89

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e justifica a atribuição a ela, cumulativa ou isoladamente, do crime cometido

por seus representantes em proveito da empresa. É esta a teoria da vantagem

econômica, que fundamenta o juízo de reprovação pelo crime.

Segundo Sérgio Salomão Shecaira8, não há que se negar que, uma vez

constatada a culpabilidade em face da lesão a certo bem jurídico protegido pela

norma penal, a conseqüência imediata é a intervenção estatal através da pena.

Esta será aplicada, sempre, em ultima ratio, como uma última instância de

controle social, observados os princípios da subsidiariedade e da intervenção

mínima vigentes no Estado Democrático de Direito. O parâmetro para a

aplicação da pena é, pois, delimitado pelo próprio princípio da culpabilidade,

posto que a pena só há de ser implementada quando necessária e útil.

Grande parte da doutrina nega a consagração constitucional do societas

delinquere potest (sociedade por delinqüir), pelo argumento de que este

instituto violaria frontalmente a sistemática adotada pelo legislador constituinte

na esfera penal. Segundo esta vertente, seriam diversos os óbices sistêmicos

em sede constitucional, pela ofensa aos Princípios da Igualdade (Art. 5º caput),

da Individualização da Pena e da Intranscendência (5º, XLV, XLVI), da

Culpabilidade, e da Execução Penal (Art. 5º, XLVIII, XLIX e L).

Não obstante, uma análise mais atenta da sistemática constitucional faz

ruir os obstáculos supracitados. Em que pese a autoridade da doutrina

contrária à imputação corporativa, a Constituição, enquanto sistema, não

denuncia qualquer repúdio ao instituto da responsabilidade penal das pessoas

jurídicas. A argumentação de violação ao Princípio da Igualdade não merece

acolhida, na medida em que somente serão penalizados os agentes que

contribuíram para realização do ilícito, não havendo imputação corporativa ou

generalizada.

Também não merece prosperar a alegação de que estariam rompidos os

Princípios da Intranscendência e da Individualização da pena, esculpidos no

artigo 5º, incisos XLV e XLVI da Carta Magna, já que os acionistas ou sócios

da empresa seriam prejudicados com a sentença condenatória. É argumento

que dispensa esforço de eloqüência para ser combatido. A pessoa jurídica,

8 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: RT, 1999. p.80.

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pela teoria da realidade técnica já mencionada, tem patrimônio distinto de seus

sócios, não havendo qualquer transbordamento da solução penal para atingir

os bens e direitos destes. É claro que, se, por exemplo, uma empresa é

condenada a pagar multa por sentença criminal, este empobrecimento, que por

sinal é bem minguado pela previsão legal, poderia repercutir indiretamente na

riqueza dos sócios. Da mesma forma que o encarceramento de um homem,

chefe de família, por ter cometido homicídio, determina sérias dificuldades

financeiras a seus dependentes, sem que ninguém tenha a coragem de

sustentar que a pena tenha passado da pessoa do criminoso. Não há, portanto,

motivo para se alegar afronta ao mencionado princípio constitucional, quando

se tratam de pessoas distintas, a jurídica e seu sócio, com patrimônios próprios

e inconfundíveis.

Já os incisos, XLVIII, XLIX e L do Art. 5º da CRFB/88 não inviabilizam a

responsabilização penal dos entes morais. Tais dispositivos, ao erigirem uma

execução penal aplicável ao ser humano, por ser ele passível de sofrer

restrição em sua liberdade, buscaram apenas implementar as garantias

fundamentais dos homens, visando a reprimir eventuais abusos por parte do

Estado. A consagração do primado da dignidade da pessoa humana pela

Constituição Federal não colide com o princípio societas delinquere potest.

Ademais, a adoção implícita do princípio da culpabilidade no sistema

constitucional não afasta, de plano, a responsabilidade penal dos entes morais,

visa tão somente à não aplicação da responsabilidade penal objetiva, ou seja, a

imputação pela mera produção do resultado. Alegar que o princípio da

culpabilidade afasta a responsabilidade penal das pessoas jurídicas é uma

falácia que erroneamente considera como fundamento único a

responsabilidade penal objetiva. Assim, a responsabilidade penal da pessoa

jurídica não representa qualquer contrariedade à ordem constitucional,

entendimento este corroborado por ilustres catedráticos do Direito

Constitucional.

Como se pode perceber, a responsabilidade penal da pessoa jurídica faz

parte de um sistema lógico: existem razões para a responsabilidade recair não

somente na pessoa natural (dispositivos legais, urgência na tutela penal

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ambiental, dentre outras), e há uma finalidade para isso (reparação do dano,

preservação do bem de uso comum do povo, direito à vida, prevenção, etc.),

tudo em prol do meio ambiente. Por outro lado, a partir do momento em que um

fato encontra-se na esfera criminal, tendo em vista as conseqüências do

processo crime, o autor, por sua vez, tem mais possibilidades de defesa. Isso

significa que a responsabilização penal da pessoa jurídica não é sinônimo de

sua condenação, mas, pelo contrário, direito à ampla defesa e ao contraditório.

O processo penal é muito mais rígido do que os demais, o que acaba, de

certa forma, favorecendo o réu, seja ele pessoa natural ou ente coletivo.

Princípios que levam à aplicação de normas mais benéficas ao réu também o

favorecem. A sanção penal, por conclusão, é muito mais difícil de ser aplicada

do que as sanções extrapenais. No processo penal, a ampla defesa e o

contraditório são muito mais respeitados e valorizados do que em processos

administrativos, sendo que nenhuma sanção penal é aplicada sem que tenha

havido um devido processo legal com ampla instrução e exaustiva produção de

provas. Assim sendo, não há razão para o ente coletivo buscar eximir-se do

processo penal, ainda mais porque, como já foi explanado, a tutela penal do

meio ambiente configura ultima ratio, considerando o quão lesivas são, para

toda a coletividade, as conseqüências advindas de um crime ambiental.

Outro aspecto importante, conforme expressa disposição da Lei de

Crimes Ambientais, é o fato de que, se a pessoa jurídica teve benefício, ou o

visou, através do delito, maiores são as razões para sua punibilidade e

responsabilização penal. A responsabilização penal de uma pessoa jurídica

desestimula a prática de ilícitos, posto que constitui marca negativa para a sua

imagem. O interesse econômico é para Edis Milaré9 uma forma de se confirmar

o interesse institucional na prática do ilícito. É este interesse institucional que,

uma vez verificado, implica a capacidade de atribuição do delito à pessoa

jurídica.

9 MILARÉ, Édis; JÚNIOR, Paulo Ricardo da Costa. Direito Penal Ambiental: comentários à Lei 9.605/98. São Paulo: Millennium, 2002. p. 23

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2.3 Penas aplicáveis as pessoas jurídicas

Não resta dúvida de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica

está prevista constitucionalmente e necessita ser instituída, como forma,

inclusive, de fazer ver ao empresariado, que a empresa privada também é

responsável pelo saneamento da economia, pela proteção da economia

popular e do meio ambiente, pelo objetivo social do bem comum, que deve

estar acima do objetivo individual, do lucro a qualquer preço. Necessita ser

imposta, ainda, como forma de se aperfeiçoar a perquirida justiça, naqueles

casos em que a legislação mostra-se insuficiente para localizar, na empresa, o

verdadeiro responsável pela conduta ilícita.

As sanções de caráter administrativo e civil podem ser utilizadas para a

prevenção dos ilícitos praticados pelas pessoas jurídicas, mas são insuficientes

para responder à realidade criminal econômica e ambiental de nossos dias,

devendo ser aplicadas juntamente com medidas de caráter penal, fazendo

parte de um sistema jurídico-penal novo, apto a atuar de forma eficaz no

combate à criminalidade contemporânea, à lavagem de dinheiro, à

criminalidade organizada etc.

Nesse sentido, Fausto Martin de Sanctis10 esclarece que a

responsabilidade civil ou administrativa não pode impedir a responsabilidade

penal dos entes coletivos. Em primeiro lugar, porque esse tipo de

responsabilidade possui, respectivamente, o escopo de reparar o dano

causado ou meramente preventivo (no sentido de se impedirem maiores

prejuízos à coletividade), enquanto a responsabilidade penal possui o condão

de punir os atos que causam perturbação da ordem pública. Em segundo lugar,

não se pode deixar de mencionar a possibilidade de decisões de cunho

administrativo serem objeto de ingerências políticas, o que tem levado ao

descrédito desse tipo de sanção. Acrescente-se que, dotado o ato

administrativo de auto-executoriedade, não é incomum abusos no exercício

desse poder.

10 SANCTIS, Fausto Martin. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999. p.45.

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O legislador ordinário dá cumprimento à determinação constitucional

explícita de reconhecer a responsabilização criminal da pessoa jurídica no que

se refere aos crimes ambientais, por meio da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro

de 1998, que, em seu art. 3.º, assim dispõe: “As pessoas jurídicas serão

responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta

Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu

representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou

benefício de sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas

jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do

mesmo fato.”

No Brasil, com base no artigo supracitado, admite-se a possibilidade de

a pessoa jurídica ser sujeito ativo do delito ambiental, desde que preenchidos

os seguintes requisitos: a infração deve ser praticada por decisão do

representante legal ou contratual da empresa; a ação criminosa realizada deve

trazer um benefício para a empresa e ter relação com a sua atividade; e a ação

tem que ser praticada com suporte da empresa.

É incabível dizer que a pessoa jurídica não pode sofrer sanções penais,

uma vez que, mesmo em relação ao Direito Penal tradicional, aplicável às

pessoas naturais, sanção penal não é sinônimo de restrição da liberdade. A

pena corporal, privativa de liberdade, não é a única existente no rol das

sanções penais. Esta é a única que, evidentemente, é inaplicável às pessoas

jurídicas. Ressalta-se também que, no caso dos crimes ambientais, poucas

vezes a pena de prisão é cumprida pelas pessoas naturais que os praticam,

visto que, de acordo com os artigos. 7º e 16 da Lei de 9605/98, as penas

privativas da liberdade podem ser substituídas por penas restritivas de direitos

quando forem aplicadas a crimes culposos, com duração inferior a quatro anos

e, também de modo geral, em se tratando de pena privativa de liberdade não

superior a três anos, pode esta ser condicionalmente suspensa.

Assim, tendo em vista que poucos crimes ambientais, como os previstos

nos artigos 35, 40 e 54 da Lei de Crimes Ambientais, praticados por pessoas

naturais, podem ter pena privativa de liberdade superior a quatro anos, é

razoável deduzir que raramente a pena privativa de liberdade é aplicada às

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pessoas naturais, o que não suprime o caráter de sanção criminal das penas

restritivas de direito que podem substituí-las. Portanto, não se pode afirmar que

não há sanção penal aplicável às pessoas jurídicas como se a única sanção

penal prevista no ordenamento jurídico fosse a pena privativa da liberdade,

ignorando todos os dispositivos da LCA que fixam penas específicas para as

pessoas jurídicas.

A Lei de Crimes Ambientais prevê, em capítulo especial, as penas

aplicáveis às pessoas jurídicas. Não se trata de sanções administrativas ou

civis, posto que estão dispostas na Lei dos CRIMES ambientais e aplicam-se

às pessoas jurídicas. São elas: multa, suspensão parcial ou total das

atividades, interdição temporária, proibição de contratar com o poder público,

prestação de serviços à comunidade e liquidação forçada.

Para que seja aplicada a multa, leva-se em conta a situação econômica

do infrator. Este fato remete a mais uma vantagem da possibilidade de se

responsabilizar a pessoa jurídica: normalmente sua situação econômica tende

a ser bem melhor do que a situação econômica de seus representantes. A

crítica a esta pena reside no fato de que a multa cominada à pessoa jurídica

não ganhou disciplina própria: aplica-se a regra do art. 18 da LCA, que remete

às normas do Código Penal, o que faz com que a multa possa não ser

condizente com o faturamento da empresa. Há um posicionamento contrário:

para alguns juristas o legislador foi prudente ao fixar a sanção pecuniária

máxima nos moldes do Código Penal. Sustenta-se que os valores podem ser

significativos até mesmo para empresas de grande porte e que já são

suficientes para exercer a função preventiva.

A pena de multa, tão criticada por sua suposta ineficácia, no caso da

pessoa jurídica, pode ser uma das sanções mais eficazes, visto que muitos

delitos ambientais são cometidos pelos entes coletivos com o intuito de reduzir

custos, tais como o despejo de resíduos tóxicos sem qualquer tratamento, a

utilização de agrotóxicos não permitidos, entre tantas outras atividades lesivas

ao meio ambiente e, via de conseqüência, à saúde humana. Se um crime é

cometido por ambições financeiras, uma pena que envolva prestação

pecuniária pode mostrar-se eficaz. O caráter da multa penal (e não

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administrativa) deixa marcas negativas e indesejáveis à pessoa jurídica,

marcas estas que podem obstar a celebração de futuros contratos. Nesse

sentido, a tutela penal do meio ambiente visa a não reincidência na prática de

crimes ambientais.

No que tange às penas restritivas de direitos, deve o juiz agir com

cuidado quando as impuser, mantendo-se atento à eqüidade. Para Gilberto

Passos de Freitas e Vladmir Passos de Freitas11 "essas restrições acabarão

sendo as verdadeiras e úteis sanções" à proporção que remetem à reparação

do dano, quando for possível. A questão que suscita dúvidas diz respeito ao

prazo de duração da pena restritiva de direitos, que, de acordo com o art. 55 do

Código Penal, limita-se à duração da pena privativa de liberdade substituída,

sendo que, muitas vezes, os efeitos do crime se prolongam mais no tempo.

Entretanto, não há como se impor sanção superior ao máximo permitido por

Lei, devendo ser o acompanhamento da recuperação integral feito através de

ação civil pública.

A suspensão parcial ou total das atividades é aplicada sempre que as

leis de proteção ambiental estiverem sendo desrespeitadas. Visa, portanto,

uma espécie de "ressocialização", à medida que conduz a pessoa jurídica à

adequada e não prejudicial inserção social.

A pena de interdição temporária do estabelecimento, obra ou atividade

deve ser aplicada quando houver falta de autorização, ou discordância entre a

autorização e a atividade efetivamente realizada ou, ainda, quando tal atividade

for contrária à lei.

A proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter

subsídios, subvenções ou doações pelo prazo de até dez anos aplica-se

quando normas, critérios e padrões ambientais são descumpridos, também

visando à mudança da política da empresa, no sentido de estar ela apta a

desenvolver suas atividades sem lesar o meio ambiente, bem de uso comum

do povo.

A pena de prestação de serviços à comunidade consiste em custear

programas e projetos ambientais, executar obras de reparação de áreas 11 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.73

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degradadas, manter espaços públicos e contribuir com entidades ambientais ou

culturais públicas. A função é social e seu cumprimento implica a educação

daqueles que ainda não têm discernimento acerca da melhor forma de usufruir

e preservar os recursos naturais.

Ao contrário do que ocorre normalmente no direito penal, na esfera

ambiental, esta pena não é substitutiva (para as pessoas jurídicas). O que é

lógico, pois a prestação de serviços à comunidade substitui a pena quando

esta é privativa de liberdade igual ou inferior a seis meses e, por questões

ontológicas, a pessoa jurídica não é passível de ser penalizada com penas

privativas de liberdade.

Esta pena pode ser aplicada isolada, cumulativa ou alternativamente

com a pena de multa e com as penas restritivas de direito, o que é muito útil,

uma vez que a prestação de serviços à comunidade é a pena que reverte em

maiores benefícios à sociedade a curto prazo, porque demanda investimentos

diretos na própria efetivação do cumprimento da pena.

A liquidação forçada é a penalidade mais grave. Aplica-se quando a

pessoa jurídica for constituída ou utilizada preponderantemente com a

finalidade de envolver-se em crimes ambientais. No âmbito das penas

aplicáveis às empresas, a maior diferença entre estas e as penas aplicáveis à

pessoa natural, no que tange às funções da pena, é o fato de que o sistema

jurídico admite a "pena de morte" para a pessoa jurídica – e veda sua aplicação

à pessoa natural no direito brasileiro – sendo esta pena de morte representada

pela liquidação forçada. Para Gilberto e Vladmir Passos de Freitas12, por não

se conhecer empresas que se encaixem nas exigências legais para a

liquidação, em razão da atividade preponderante, a pena de liquidação forçada

tem forte caráter preventivo, e sua aplicação deverá ser rara, até porque

depende de pedido expresso na denúncia, e, ainda, sendo diretamente imposta

pelo juiz na sentença, obsta o direito à ampla defesa e ao contraditório.

Após discorrer sobre as espécies de penas a serem aplicadas às

pessoas jurídicas, cumpre traçar considerações acerca de suas funções. É

necessário consignar que não se espera que a pena tenha função redentora. 12 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.71

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Espera-se, em verdade, que seja ressocializadora, preventiva e retributiva. A

sanção aplicada à pessoa jurídica é retributiva: cometeu o ilícito, responderá

por ele. A punição também exerce função preventiva, pois à medida que traz

(ou pode trazer) prejuízos à própria empresa, faz a prevenção específica e, à

proporção que as demais pessoas jurídicas tomam conhecimento da

possibilidade de sofrerem sanções penais (como sofreu determinada empresa)

a sanção aplicada gerou efeito de prevenção geral. Na verdade, tais

sentimentos, por requererem reflexão e raciocínio para serem compreendidos,

incidem diretamente na pessoa natural responsável pela atividade que

culminou no ilícito imputado à pessoa jurídica, mas o efeito reflete-se

integralmente na pessoa jurídica, à medida que determinará o rumo desta, a

maneira pela qual serão desenvolvidas das suas atividades. Assim sendo, é

plenamente possível se verificar efeitos da função da pena na pessoa jurídica.

O exercício da função de ressocialização também é possível. Não se faz

necessário um entendimento acerca da pessoa jurídica de acordo com a teoria

da realidade, ou organicista, segundo a qual a pessoa jurídica é um ser real,

possuidor de vontade própria. Acontece a ressocialização simplesmente

quando a pessoa jurídica (após cumprir a pena de suspensão, por exemplo)

encontra-se reintegrada à sociedade (ou seja, volta às atividades) sem causar

danos às pessoas e ao meio ambiente.

A adaptação às normas de proteção ao ecossistema não deixa de ser a

reeducação da pessoa jurídica. Do ponto de vista da pessoa natural, o objetivo

da ressocialização é atingido quando ela volta a viver no grupo social sem

trazer a este qualquer prejuízo, risco ou desequilíbrio. Este mesmo princípio é

aplicável à pessoa jurídica.

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CAPÍTULO III

JURISPRUDÊNCIA

Após a introdução da norma de responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico pátrio, a primeira sentença que condena criminalmente uma pessoa jurídica ocorreu na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (Santa Catarina). No julgamento, realizado em agosto de 2003, a turma acompanhou o voto do relator, desembargador federal Élcio Pinheiro de Castro, que negou a apelação da parte ré.

Eis o inteiro teor do acórdão:

Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.04.002225-0/SC RELATOR : DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO APELANTES : A J BEZ BATTI ENG/ LTDA/

: AROLDO JOSE BEZ BATTI ADVOGADO : Alexandre Reis de Farias e outros APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO ADVOGADO : Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

RELATÓRIO

DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO: - O Ministério Público ofereceu

denúncia contra Aroldo José Bez Batti e A. J. Bez Batti Engenharia Ltda. pela

prática das infrações penais tipificadas nos artigos 48, 50 e 55 da Lei nº

9.605/98. A inicial, recebida em 14.05.2001 (fl. 64), assim narrou os fatos:

“No dia 31 de julho de 2000, foi constatado por agentes da

Fundação do Meio Ambiente - FATMA, que a empresa A. J. Bez Batti Engenharia, por determinação de seu diretor, Aroldo José Bez Batti, estava extraindo areia quartzoza, na localidade de Rio Vargedo,

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município de Morro da Fumaça-SC, sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM ou licença da Fundação do Meio Ambiente - FATMA, utilizando-se de bombas de sucção, acarretando com a aludida atividade de extração a destruição de vegetação localizada na margem do Rio Urussanga (fl. 05 e fotografias à fl.45). Ademais, em virtude da atividade de mineração, bem como da utilização da área de preservação para depositar o mineral e da construção de estrada no local para dar acesso à lavra, os denunciados impediram a regeneração da referida vegetação (fl. 05 e fotografias à fl. 45). Ressalta-se que, em 18 de outubro de 1999, a empresa expediu correspondência à Fundação do Meio Ambiente solicitando um prazo de 06 (seis) meses para regularizar a extração de areia junto ao DNPM (fl. 03). Em resposta, a FATMA determinou a imediata paralisação das atividades, até a regularização da lavra junto aos órgãos competentes, alertando a empresa sobre as possíveis sanções em caso de desobediência (fl. 04). Ocorre que a empresa, não cumpriu a determinação do órgão ambiental e, apesar de ciente da irregular atividade, continuou a exercer a lavra, sendo, então, autuada em 31 de julho de 2000, através do Auto de Infração nº 02556 (fl. 44) e Termo de Embargo nº 03/01 (fl. 08). Segundo o Relatório de Vistoria confeccionado pela FATMA, juntado à fl. 46, a extração de areia ocasionou a supressão de vegetação nativa pertencente à Mata Atlântica, bem como de Floresta Ombrófila Densa em regeneração igualmente integrante do ecossistema, composta de várias espécies, dentre as quais, leiteiro maricá (Mimosa bimucronata), tanheiro (Alchornea triplinervea), capororoca (Myrsine ferruginea), grandiuva (Trema micrantha), figueiras (Ficus spp). Sendo verificado no local uma série de animais integrantes da fauna brasileira, relacionados no mencionado Relatório de Vistoria. Salienta-se que a inexistência de licença ou autorização para a realização da aludida atividade ficou comprovada através do Relatório da FATMA juntado à fl. 03 e ofício do DNPM acostado à fl. 21...”.

Devidamente instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 143/161) julgando

parcialmente procedente a pretensão punitiva do Estado para absolver os

acusados quanto aos fatos relativos à supressão de vegetação de preservação

permanente (art. 50 da Lei nº 9.605/98) com base no artigo 386, inciso VI, do

CP, bem como condenar Aroldo José Bez Batti e A. J. Bez Batti Engenharia

Ltda., pela infração aos arts. 48 e 55 do mesmo Diploma normativo, em

concurso formal (art. 70, 1ª parte, do Código Penal).

A reprimenda, quanto ao denunciado AROLDO, foi estabelecida em 7

(sete) meses de detenção (pena-base de seis meses acrescida de 1/6) além de

12 (doze) dias-multa no valor de meio salário mínimo, substituída a sanção

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prisional por prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da condenação.

No tocante à empresa, restou fixada a pena de prestação de serviços à

comunidade, representada pelo custeio de programas/projetos

ambientais no importe total de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com apoio no

art. 21, inc. III c/c art. 23, inc. I, da referida Lei nº 9.605/98, na forma a ser

estabelecida pelo Juízo da Execução.

O decisum foi publicado em 22.04.2002 (fl. 161).

Irresignados, apelaram os réus sustentando, preliminarmente, a nulidade

do feito frente à inexistência de exame de corpo de delito, bem como por falta

de citação pessoal e interrogatório de AROLDO, eis que foi ouvido apenas na

condição de Representante Legal da Pessoa Jurídica. No mérito, alegam

ausência de provas da materialidade delitiva, postulando, em face disso, sua

absolvição (fls. 166/174).

Com as contra-razões (fls. 175/82) subiram os autos. Oficiando no feito,

a douta procuradoria da República ofertou parecer opinando pelo improvimento

do recurso. (fls. 187/91). É o relatório. À revisão.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.04.002225-0/SC RELATOR : DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO APELANTES : A J BEZ BATTI ENG/ LTDA/ : AROLDO JOSE BEZ BATTI ADVOGADO : Alexandre Reis de Farias e outros APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO ADVOGADO : Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

VOTO

DES. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO:– Ab initio, no que pertine ao

aspecto relativo à responsabilidade penal da pessoa jurídica, tenho que a

sentença hostilizada, da lavra do eminente Juiz Federal Luiz Antônio Bonat,

praticamente esgotou o exame da matéria, colacionando pertinentes lições

doutrinárias, motivo por que não merece nenhum reparo.

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Complementando o bem-lançado decisum monocrático, permito-me

transcrever importante comentário de Eládio Lecey, extraído da obra “Direito

Ambiental em Evolução” (Editora Juruá, 2ª ed., 2002, p. 45/9, organizado por

Vladimir Passos de Freitas) verbis:

“Como interesse juridicamente tutelado, consoante acentua a

norma constitucional brasileira (art. 225), o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à qualidade de vida a ponto de impor-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo às futuras gerações. Bem de tal extrema importância não pode ficar alheio ao Direito Penal, cujas regras devem estender-lhe proteção. (...) Sabidamente, os mais graves atentados ao meio ambiente são causados pelas empresas, pelos entes coletivos. Em razão de serem cometidos no âmbito das pessoas jurídicas, surge extrema dificuldade na apuração do (ou dos) sujeitos ativos de tais delitos. A complexidade dos interesses em jogo na estrutura das empresas pode levar à irresponsabilidade organizada dos indivíduos. A diluição da responsabilidade não raro é buscada deliberadamente, com a utilização de mecanismos colegiados de decisão. (...) Deve-se, portanto, na responsabilização do sujeito ativo das infrações através da pessoa jurídica, dar especial atenção à figura do dirigente. (...) A par da responsabilização do dirigente, seja como autor ou coautor, seja como partícipe, impõe-se a criminalização da pessoa jurídica para que, na restrita imputação à pessoa natural, não acabe recaindo a responsabilidade, como de regra, sobre funcionários subalternos que, na maioria das vezes, temendo represálias, não incriminam seus superiores. Ou porque, punindo-se apenas o indivíduo, pouco importaria à empresa que um simples representante, ou ‘homem de palha’ sofresse as conseqüências do delito, desde que ela, pessoa jurídica, continuasse desfrutando dos efeitos de sua atividade atentatória. Bem andou, pois, nossa Constituição de 1988 ao estabelecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica nas infrações contra o meio ambiente (art. 225, § 3º). O legislador infraconstitucional, finalmente, recepcionou a norma da Carta Magna, consagrando a criminalização da pessoa coletiva nesses delitos (Lei 9.605/98, art. 3º)...”

Idêntica é a conclusão de Ney de Barros Bello Filho e outros (in Crimes

e Infrações Administrativas Ambientais: Comentários à Lei nº 9.605/98, 2a ed.,

Brasília Jurídica, 2001, p. 60), lançada nestes termos:

“... não é crível que a Constituição tenha sugerido a

responsabilidade administrativa e cível para as pessoas jurídicas e a responsabilidade penal apenas para as pessoas físicas. É plenamente compatível com os princípios constitucionais da culpabilidade e da individualização da pena a moderna tendência insculpida na

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Constituição Federal e na Lei nº 9.605/98 de criminalizar condutas e responsabilizar por suas atividades os entes morais. Por outro lado, ainda é forçoso concluir ser irrespondível o argumento de que, se não fora para criminalizar condutas das pessoas jurídicas, para que se haveria de inserir no texto a norma do § 3º ? O Legislador não se utiliza de palavras inúteis, razão pela qual é extreme de dúvida que a CF nada mais fez do que reconhecer e admitir o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica...”

A respeito do tema, salientou o Des. Vladimir Passos de Freitas, da

Sétima Turma desta Corte, que, “neste particular a Constituição é expressa e

foi complementada por lei específica. Argumentar com outros raciocínios, como

a impossibilidade de apurar-se a culpabilidade, é querer negar cumprimento à

Carta Magna e à lei. É querer impor o pensamento próprio, por mais respeitável

que seja, ao que decidiu o Poder Constituinte e Legislativo. (...) Estando a

responsabilidade penal das pessoas jurídicas prevista no art. 225, § 3º, da CF

e no art. 3º da Lei 9.605/98, descabe criar interpretações destinadas a

reconhecer como inconstitucional o que a Constituição criou, pois é vedado ao

Juiz substituir-se à vontade do constituinte e do legislador, ainda que dela

possa discordar” (MSeg nº 2002.04.01.054936-2/SC, julg. em 25.02.2003). Na

mesma esteira, embora com fundamentos diversos, foi o Acórdão proferido nos

autos do Mandado de Segurança nº 2002. 04.01.013843-0/PR, 7ª Turma,

Relator Des. Fábio Bittencourt da Rosa, publicado no DJU em 26.02.2003, p.

914.

Com efeito, o art. 3º da Lei nº 9.605/98, ao regulamentar o disposto no

art. 225, § 3º, da Magna Carta, prevê de forma inequívoca que as pessoas

jurídicas podem sofrer sanções criminais por danos causados ao meio

ambiente.

Superada essa questão, mister examinar a prefacial de nulidade do feito,

ao argumento de que AROLDO JOSÉ BEZ BATTI foi citado e interrogado tão-

só na qualidade de representante legal da empresa e não pessoalmente na

condição de réu.

Contudo, “segundo a jurisprudência, a falta de citação do réu é sanada

pelo seu comparecimento a juízo para o interrogatório. STF: ‘O

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comparecimento do réu a juízo sana a falta ou defeito da citação’ (RT 610/542).

No mesmo sentido: STF: RTJ 71/699.” (MIRABETE, CPP Interpretado, p.709).

In casu, embora tenha assinado o mandado de citação apenas na

condição de diretor da sociedade, AROLDO foi regularmente interrogado,

tomando plena ciência da acusação formulada contra si e a pessoa jurídica.

Sendo ele próprio o titular da empresa, como se vê do estatuto social acostado,

não seria judicioso realizar-se duas citações, muito menos dois interrogatórios,

o que consistiria em extremado formalismo.

Além disso, nos termos do art. 563, do Diploma Processual, “nenhum ato

será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou

para a defesa”. Cabe transcrever, por oportuno, trecho das contra-razões

ofertadas pelo ilustre agente ministerial de primeira instância, que bem elucidou

a quaestio:

“Não merece acolhida a preliminar levantada pelos réus, pois,

após ocorrida a citação, a empresa ré e seu representante legal, o co-denunciado Aroldo José Bez Batti, tendo ciência da imputação que lhes fora feita, compareceram a todos os atos do processo, acompanhados de defensor constituído, não tendo ocorrido qualquer prejuízo. A defesa prévia de fls. 68/9 e as procurações juntadas às fls. 70/1 referem-se a ambos os réus, não tendo havido em nenhum momento, durante a instrução processual, qualquer alegação de cerceamento de defesa. Ademais, dos instrumentos de mandato referidos, assim como do mandado de citação de fl. 65, observa-se que a única assinatura constante é a do réu Aroldo José Bez Batti, que responde em nome próprio e como representante legal da empresa, verificando-se que tanto a pessoa física quanto a pessoa jurídica são expressões de uma mesma individualidade. Registre-se, em reforço a esta constatação, que o contrato social da empresa às fls. 34/6 demonstra que a forma de constituição adotada é de sociedade por quotas, porém tendo sido apenas pro forma, uma vez que o acusado Aroldo José Bez Batti exerce, exclusivamente, na qualidade de Diretor, a administração da sociedade, representando-a ativa e passiva, judicial e extrajudicialmente, e na forma dos artigos 6º e 7º, possui 99% (noventa e nove) por cento das quotas, cabendo apenas 1% à sócia minoritária, que por acaso é sua mulher. (...) Verifica-se nos autos que os réus fizeram uso das prerrogativas legais para exercerem suas defesas, não sendo suprimida qualquer fase processual, não existindo, portanto, o alegado cerceamento, muito menos no que diz respeito à não realização de seu interrogatório, pois na peça de fls. 66/7 está claro que todas as perguntas lhe foram direcionadas, tendo sido por ele respondidas igualmente na condição de

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pessoa física, levando-se em consideração a dificuldade em separar, no caso concreto, a empresa da pessoa do sócio...”

Nesse contexto, tendo em conta a instrumentalidade do processo bem

como o princípio pas de nullité sans grief, não há falar em nulidade, porquanto

o ato atingiu o fim a que se destinava, inexistindo prejuízo ao direito de defesa.

A respeito da suposta necessidade de perícia técnica (exame de corpo

de delito) cumpre salientar que a jurisprudência pátria tem entendido não ser

indispensável nos casos em que o crime pode ser comprovado por outros

meios, mesmo porque “o juiz não ficará adstrito ao laudo” (art. 182, CPP) e

“formará sua convicção pela livre apreciação da prova” (art. 158, idem).

Veja-se, a propósito, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. ESTELIONATO E FRAUDE. CONDENAÇÃO. PROVA. CORPO DE DELITO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA. PRETENSÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO. A ausência de exame de corpo de delito, mesmo nas infrações que deixam vestígios, não desnatura a sentença condenatória, se esta restou embasada em outros elementos de prova, tais como documentos e memória testemunhal, que guardam sintonia com a confissão do réu. Habeas Corpus denegado. (STJ, HC nº 13752/PE, Sexta Turma, publ. no DJU em 12/11/2001, pág. 00174. No mesmo sentido: RHC 10858/PE).

INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS. A nulidade decorrente de ausência de exame de corpo de delito não se sustenta quando existentes outros elementos de prova (TRF–4, ACR 97.04.47177-7/SC, Segunda Turma, Relator Juiz Vilson Darós, public. no DJU de 02/12/1998, pág. 182).

Na espécie sub judice, além da confissão do réu, os ilícitos penais foram

efetivamente constatados pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina

– FATMA, que lavrou auto de infração (fl. 53) e termo de embargo/interdição (fl.

52), este último nas seguintes letras:

“Ficam embargadas as atividades de extração de areia quartzoza

por bomba de sucção, comércio e transporte na localidade de Rio Vargedo, município de Morro da Fumaça, por estar operando sem o devido licenciamento ambiental e sem autorização do DNPM, causando degradação ambiental e danos à vegetação considerada de vegetação permanente às margens do Rio Urussanga e, tornando área rural

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imprópria para ocupação humana, até que sejam cumpridas as sanções administrativas impostas e promova a recuperação da área degradada.”

A par disso, mediante requerimento da Procuradoria da República em

Criciúma, foi realizada vistoria no local por Engenheiro/Técnico em Controle

Ambiental da FATMA, constatando a atividade ilegal de extração de areia, bem

como os danos à vegetação do local. Diante desse quadro, as condutas

atribuídas aos Recorrentes foram tipificadas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro

de 1998, assim estabelecendo:

“Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena - detenção seis meses a um ano, e multa.”

“Art. 55: Executar pesquisa, lavra ou extinção de recursos

minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção seis meses a um ano, e multa.”

Com efeito, a atividade de mineração causa consideráveis impactos

ambientais e por essa razão mereceu tutela específica do legislador, pois “o

desmatamento nas áreas de pesquisa, lavra e extração, bem assim a alteração

do padrão topográfico, quer na abertura da cava, quer na deposição de estéril,

constituem as principais expressões de impactos ambientais causados pela

atividade de mineração (...) É possível a existência de agressões a recursos

hídricos, o que é comum principalmente quando se trata de garimpagem em

leito de rio. De igual forma, a extração de minério encravado na terra pode

gerar modificações, ou até mesmo alterações no lençol freático.” (in Crimes e

Infrações Administrativas Ambientais: Comentários à Lei nº 9.605/98, Ruy de

Barros Filho e outros, 2a edição, ed. Brasília Jurídica, 2001, p. 322).

Assim, não há dúvida a respeito do enquadramento dos fatos em debate

à norma legal incriminadora, pois mostra-se indiscutível que houve extração de

areia no leito do Rio Urussanga sem a respectiva autorização do órgão

competente, sendo que o depósito contínuo desse mineral às margens do

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curso d’água causou danos à cobertura florística, impedindo a regeneração da

vegetação natural existente.

Nesse sentido, asseverou o ilustre representante do Parquet, em seu

parecer, que “a materialidade delitiva restou consubstanciada nos relatórios de

vistoria (fls. 13, 13v. e 55) e imagens digitalizadas do local devastado (fl. 54) no

auto de infração ambiental nº 02556 (fl. 20) e no Termo de Embargo nº 03801

(fl. 16) elaborados por agentes da FATMA, comprovando que o depósito de

grandes quantidades de areias extraídas impediu a regeneração da vegetação

nativa. Acrescenta-se a esses elementos probatórios o Ofício nº 1332/00 do

DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral – fl. 29, que informa a

inexistência de autorização, permissão, concessão ou licença à empresa A. J.

Bez Batti Engenharia Ltda. para a atividade de lavra de areia na localidade de

Rio Vargedo, Município de Morro da Fumaça, Santa Catarina. Ressalta-se,

como bem fez o agente ministerial de primeira instância, que todos esses

documentos, pelo fato de terem sido elaborados por agentes públicos, gozam

de legitimidade e veracidade e constituem prova suficiente do cometimento dos

delitos...” (fl. 190).

No que pertine à Autoria, restou evidenciada em relação à empresa A. J.

BEZ BATTI ENGENHARIA LTDA., considerando que as infrações foram

cometidas por decisão de seu sócio majoritário e Administrador, o denunciado

AROLDO, no interesse da mesma. (art. 3º, da Lei nº 9.605/98). Relativamente

ao réu, embora cientificado da interdição das atividades, prosseguiu

dolosamente com a extração ilegal de areia, desrespeitando a restrição

administrativa.

Logo, pela acurada análise do conjunto probatório, não se vislumbram

motivos para alterar a decisão condenatória imposta no primeiro grau de

jurisdição.

Por fim, as penas aplicadas, bem como a substituição por restritivas de

direitos, foram corretamente estabelecidas, em atenção aos ditames legais,

nada havendo a modificar.

Frente ao exposto, nego provimento ao apelo.

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Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Relator

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.72.04.002225-0/SC RELATOR : DES. FEDERAL ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO APELANTES : A J BEZ BATTI ENG/ LTDA/

: AROLDO JOSE BEZ BATTI ADVOGADO : Alexandre Reis de Farias e outros APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO ADVOGADO : Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle

EMENTA

PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. EXTRAÇÃO DE PRODUTO MINERAL SEM AUTORIZAÇÃO. DEGRADAÇÃO DA FLORA NATIVA. ARTS. 48 E 55 DA LEI Nº 9.605/98. CONDUTAS TÍPICAS. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. PROVA. MATERIALIDADE E AUTORIA. SENTENÇA MANTIDA.

1. Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, a

Constituição Federal (art. 225, § 3º) bem como a Lei nº 9.605/98 (art. 3º)

inovaram o ordenamento penal pátrio, tornando possível a responsabilização

criminal da pessoa jurídica. 2. Nos termos do art. 563 do CPP, nenhum ato

será declarado nulo, se dele não resultar prejuízo à defesa (pas de nullité sans

grief). 3. Na hipótese em tela, restou evidenciada a prática de extrair minerais

sem autorização do DNPM, nem licença ambiental da FATMA, impedindo a

regeneração da vegetação nativa do local. 4. Apelo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima

indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,

por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e

notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de agosto de 2003.

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Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Relator

Estamos no caminho certo.

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CONCLUSÃO

Através do presente trabalho, buscou-se demonstrar que o instituto da

responsabilidade penal da pessoa jurídica pode ser o único instrumento

legítimo para coibir a degradação ambiental cotidiana, uma vez que as sanções

civis e administrativas se tornaram insuficientes, gerando a impunidade para os

verdadeiros infratores do meio ambiente, os entes coletivos.

O constituinte brasileiro, pensando nisso, acolheu a responsabilidade

penal dos entes coletivos, contrariando o princípio societas delinquere non

potest, e reprimindo a macrocriminalidade. Tal repressão advém da urgência

da tutela requerida pelo meio ambiente, bem de uso comum do povo, cuja

preservação está intrinsecamente ligada ao direito à vida.

Urge afirmar que não podem ficar sem resposta as atividades delituosas

dos vários grupos que atuam protegidos pelo manto da personalidade coletiva,

sem qualquer princípio ético a reger suas ânsias incontroláveis de lucro.

Não há dúvida de que o processo para responsabilização penal da

pessoa jurídica tem de ser diverso do processo instituído contra pessoas

físicas. Mas é certo que, sendo observados alguns requisitos e fazendo uma

verdadeira ponderação de alguns princípios penais, como por exemplo, o da

culpabilidade, pode-se atribuir a responsabilidade penal às pessoas jurídicas,

não cabendo aos operadores do Direito a imposição de obstáculos à aplicação

da Lei de Crimes Ambientais, que foi criada por quem tem legitimidade para

tanto - o legislador-, e encontra-se em profunda sintonia com a Constituição

Federal.

Por todo o exposto, numa análise teleológica do texto constitucional,

observa-se que a Carta Magna, instituída pelo Estado Democrático de Direito,

incluiu como vontade popular a responsabilidade penal dos entes morais.

Pautando-se na conciliação entre o necessário desenvolvimento econômico-

social e o pleno gozo dos direitos fundamentais, a Lei Maior buscou

instrumentalizar a defesa da cidadania. Nessa toada, encontra-se a

responsabilidade penal da pessoa jurídica na tentativa de defesa de outros

direitos fundamentais. Ao apontarem para essa responsabilidade penal, os

artigos 173, parágrafo 5º e 225, parágrafo 3º da CRFB, reafirmam que a

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atuação da pessoa jurídica nunca poderá se sobrepor ao primado da cidadania,

atribuindo um plus à proteção dos direitos eminentemente difusos.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

ABORDAGEM CONSTITUCIONAL 8

CAPÍTULO II

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA

2.1 – A pessoa jurídica como sujeito ativo de crime 13

2.2 – Conflito com os princípios do Direito Penal 16

2.3 – Penas aplicáveis as pessoas jurídicas 21

CAPÍTULO III

JURISPRUDÊNCIA 27

CONCLUSÃO 38

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 40

ÍNDICE 42

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Instituto a Vez do Mestre – Universidade Cândido

Mendes

Título da Monografia: A responsabilidade penal da pessoa jurídica no

âmbito do direito penal brasileiro

Autor: Ramon Thomaz Gimenes Visoni

Data da entrega: 10 de agosto de 2009.

Avaliado por: Conceito: