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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ETNOMATEMÁTICA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA O ENSINO SUPERIOR Por: Profª Aline Cosme Neves Orientador Prof. Nilson Guedes Niterói

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ETNOMATEMÁTICA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

PARA O ENSINO SUPERIOR

Por: Profª Aline Cosme Neves

Orientador

Prof. Nilson Guedes

Niterói

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2005

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ETNOMATEMÁTICA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

PARA O ENSINO SUPERIOR

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Docência

do Ensino Superior, objetivando estabelecer a

importância da Etnomatemática como mudança no

processo de ensino-aprendizagem e como

valorização das diversas etnias.

Por: Profª Aline Cosme Neves

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AGRADECIMENTOS

...à minha amiga Caroline pelo incentivo

e ao Professor Nilton Guedes pelo

ensinamento.

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DEDICATÓRIA

...dedico ao meu pai João Carlos e a

minha mãe Rita pelo carinho e atenção

sempre prestados nos meus momentos

mais difíceis.

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RESUMO

A principal proposta deste trabalho monográfico foi dar mais ênfase às

pesquisas na área de Educação, haja visto o tamanho desinteresse dos alunos

no aprendizado de Matemática.

Durante algumas pesquisas, surge então o termo Etnomatemática. Pode-

se, através de sua etimologia, dar-lhe um simples significado: Etnomatemática é

a “matemática das várias etnias”, ou seja, as diversas maneiras, técnicas,

habilidades de explicar, de entender, de lidar e de conviver com os distintos

contextos naturais e sócio-econômicos da realidade.

Tendo em vista, que todo ser humano possui uma matemática

espontânea, que lhe permite resolver as situações da vida obedecendo a um

instinto, por que não se incentiva esse indivíduo com tal espontaneidade? As

recentes pesquisas sobre a mente mostram que assim como falar, também

comparar, classificar, ordenar, medir, contar, inferir, são próprios da natureza

humana. Dessa maneira, os indivíduos percebem a realidade e a representam

através da arte, das crenças, dos mitos e das teorias. Essas percepções e

representações são socialmente compartilhadas e codificadas por grupos.

Entender que o índio, o pedreiro, o feirante, os africanos, dentre outros,

possuem uma matemática própria distante do padrão eurocêntrico, significa

buscar dentro do próprio contexto cultural de cada indivíduo, seus processos de

pensamento e seus modos de explicar, de entender e de desempenhar a sua

realidade. È o que se entende por Programa Etnomatemática.

Contudo, a monografia permite ao leitor a compreensão de como a

Etnomatemática propõe uma mudança no processo ensino-aprendizagem, a fim

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de que o educador use o dia a dia do aluno no contexto sócio-cultural para

ensinar Matemática e não só reproduzir os livros.

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METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica através dos recursos de : Lilac,

Bireme, MEC, Livros, Internet e Artigos Científicos.

Nesta pesquisa foi enfocado o estudo da Etnomatemática desde os

primórdios até o final de 2004.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I Um Pouco de História 10

CAPÍTULO II - O Nascimento da Etnomatemática 15

CAPÍTULO III – Um Programa Etnomatemático 20

CAPÍTULO IV – Pesquisas em Etnomatemática 26

CAPÍTULO V – A Etnomatemática dos Índios 34

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41

SITES CONSULTADOS 42

ÍNDICE 43

FOLHA DE AVALIAÇÃO 44

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INTRODUÇÃO

Um dos objetivos deste trabalho é relatar um pouco da história do

surgimento da prática matemática em povos de diversas etnias, que entendemos

como um grupo de pessoas de mesma cultura, língua própria, ritmos próprios,

etc, o que hoje conhecemos por Etnomatemática. Serão expostas idéias críticas

e autênticas de alguns precursores, sendo que a monografia será direcionada

nas linhas de pesquisa do Professor Ubiratan D’ Ambrosio, um dos pioneiros no

estudo de etnomatemática no Brasil. Ubiratan D’Ambrosio é bacharel e

licenciado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo, possui Doutorado em Matemática pela Escola de

Engenharia de São Carlos e Pós-Doutorado na Brown University, USA.

Atualmente é Professor Emérito de Matemática da Universidade Estadual de

Campinas, Professor do Programa de Estudos de Pós-Graduados de História da

Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Professor

credenciado no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo, entre outros. Ubiratan tem um enorme prestígio no

campo da Etnomatemática devido seu pioneirismo e coerência de idéias.

D`Ambrósio define Etnomatemática como a arte ou técnica (techné = tica) de

explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um

contexto cultural próprio (etno).

A Etnomatemática tem um papel importante para a sociedade, pois

possibilita conhecer a origem dos povos, seus comportamentos e suas

influências no mundo atual. Vale a pena ressaltar que a Etnomatemática não se

relaciona somente com povos de diversas nações, mas também este estudo

pode ser feito para grupos da vida cotidiana como os pequenos lojistas, as

cozinheiras, os feirantes,etc. Observa-se que cada um desses grupos possui uma

matemática própria, mais este trabalho não pretende aprofundar tais práticas,

uma vez que, dependeria de uma pesquisa mais aprofundada.

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Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da

história, criado e desenvolvido técnicas de reflexão, de observação e habilidades

para explicar, entender, conhecer, aprender, a fim de saber e fazer como

resposta à necessidade de sobrevivência e de transcendência em ambientes

naturais, sociais e culturais e a etnomatemática é uma dessas técnicas.

Essa monografia está dividida em cinco capítulos. No primeiro capítulo

será enfocada a parte histórica, ou seja, como povos da antiguidade se

relacionavam com a Matemática. No segundo capítulo, comentaremos as

primeiras pesquisas, o surgimento da palavra Etnomatemática e suas

repercussões no Mundo. No terceiro capítulo, será apresentado um Programa

Etnomatemático. No quarto capítulo, será apresentada a evolução da

Etnomatemática na atualidade, suas direções e aplicações. A idéia deste quarto

capítulo é tentar extrair, a partir de alguns trabalhos, o conteúdo de Matemática

que esses pesquisadores conseguiram absorver dos seus grupos, uma vez que

segundo Ubiratan D`Ambrósio, a contextualização da Matemática não pode ser

esquecida em Etnomatemática. Para finalizar, no quinto capítulo enfocaremos

um pouco da etnomatemática do índio.

Contudo, a monografia tem como objetivo central permitir ao leitor a

compreensão de como a Etnomatemática surge como proposta de mudança no

processo de ensino-aprendizagem, a fim de que o educador use o dia-a-dia do

aluno no contexto sócio-cultural para ensinar Matemática e não só reproduzir o

que está nos livros.

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CAPÍTULO I

UM POUCO DE HISTÓRIA

“Um bom ensino de Matemática forma melhores

hábitos de pensamento e habilita o indivíduo a

usar melhor a sua inteligência”.

(Irene de Albuquerque)

Esse capítulo enfoca a relação de alguns povos da antiguidade com a

Matemática, suas descobertas e contribuições para a Humanidade.

É importante iniciar este estudo com o povo árabe, que foi um dos povos

que mais colaborou para o progresso moral e material da Humanidade. Os

árabes contribuíram com traduções e uma larga divulgação das obras de

Euclides, de Menelau, de Apolônio, entre outros. Destacou-se também na

renovação do cálculo de números envolvendo o sistema indo-arábico. No século

X, foi atribuída ao árabe Mohammed Ibn Ahmad a invenção do zero, visto que, em

um de seus livros fez a seguinte recomendação:

“Sempre que não houver um número para representar as

dezenas, ponha um pequeno círculo para guardar o lugar”

(AHMAD, século X).

Destaca-se ainda a enorme colaboração do povo árabe para o

progresso da Aritmética e da Álgebra, além da invenção das Trigonometrias

Plana e Esférica.

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O sistema numérico criado pelos romanos foi usado na Europa durante

muitos séculos. Isto aconteceu, sobretudo, devido ao grande poder da Igreja

Católica Apostólica Romana durante toda a Idade Média (do século V ao século

XV, aproximadamente). O sistema de numeração decimal, como vimos, chegou à

Europa, levado pelos árabes, por volta do século VIII. Portanto, quando a

numeração hindu chegou à Europa, os europeus estavam acostumados com a

numeração romana. Foram necessários alguns séculos para que as novas idéias

triunfassem definitivamente. Isto só aconteceu no século XVI. Durante muitos

anos, uma verdadeira batalha foi travada entre os adeptos do novo sistema e os

defensores do sistema antigo. Os numerais hindu-arábicos chegaram a ser

proibidos nos documentos oficiais, mas eram usados na clandestinidade. A

perseguição, contudo, não conseguiu impedir a disseminação do novo sistema,

que se impôs pelas suas qualidades.

No século XVI, os cálculos com numerais indo-arábicos se padronizaram.

Muitos dos campos nos quais os cálculos numéricos são importantes, como a

astronomia, a navegação, o comércio, a engenharia e a guerra, fizeram com que

esses numerais fossem utilizados para tornar os cálculos rápidos e precisos.

A necessidade de “medir a terra” e a construção de templos e pirâmides

pelos faraós deram origem à Geometria, uma vez que em função dessas

atividades, o estabelecimento de formas e tamanhos foi obtido através de

observações e comparações. A necessidade de sobrevivência das civilizações à

beira dos Rios Nilo, Tigre, Eufrates, Ganges e Indo fez com que os povos dessa

região desenvolvessem uma grande habilidade na engenharia de drenagem de

pântanos, na irrigação e na defesa contra inundação, uma matemática específica

do cotidiano desses povos.

Os maias, que viveram na América Central em tempos mais recentes,

também desenvolveram um modo interessante de registrar números. É

importante observar que estas civilizações não vieram umas depois das outras.

Pelo contrário, muitas coexistiram durante séculos e, embora localizadas em

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regiões diferentes, mantiveram contato umas com as outras. Com exceção dos

maias, que habitavam a América, as civilizações da Europa, Oriente e Oriente

Médio trocavam mercadorias e conhecimentos. O intercâmbio cultural envolveu

também os conhecimentos matemáticos daqueles povos e se refletiu nas suas

maneiras de contar e escrever os números. Os sacerdotes, detentores do saber,

eram responsáveis pela organização do calendário, pela interpretação da

vontade dos deuses por meio de seus conhecimentos dos astros e da

matemática. Foram seus conhecimentos de aritmética que lhe permitiram fazer

cálculos astronômicos de notável exatidão, inventando o conceito de abstração

matemática.

Em povos primitivos, a Geometria era observada na construção de

objetos, utensílios, enfeites e desenhos no corpo. Uma diversidade de formas

geométricas via-se presente. As formas triangulares, quadráticas e circulares se

misturavam com outras mais complexas. A cerca de dois milhões de anos tem-se

evidência de instrumentos de pedra lascada, a qual a avaliação de suas

dimensões talvez seja a primeira manifestação matemática da espécie. Os

conceitos de horizontalidade e verticalidade surgem quando o homem sai das

cavernas e necessita construir sua morada.

O australopiteco, que viveu na África por volta de quatro milhões de anos

atrás, ao escolher e lascar um pedaço de pedra, com o objetivo de descarnar um

osso, a sua mente matemática se revelou. Para selecionar a pedra foi necessário

avaliar suas dimensões, e lascá-la o necessário e o suficiente para cumprir os

objetivos a que ela se destinava, exigia avaliar e comparar dimensões. Essa é

mais uma manifestação de como o homem desenvolveu os instrumentos

materiais e intelectuais para lidar com o seu ambiente.

As tabulas de argila dos babilônios (datadas em 3000 a. C)e os papiros

(datados em 1850 a. C) demonstravam relações do homem com a Geometria.

Os babilônios descobriram, mais de mil anos antes de Pitágoras, a relação da

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diagonal do quadrado com a medida do lado do mesmo, ou seja, o conhecido

teorema associado a Pitágoras, mais tarde demonstrado por ele.

Outra evidência clássica da utilização da Matemática é a pirâmide de

Giseh, datada em 2900 a.C, que continha alinhamento, medição e ângulos retos

precisos.

Os gregos estabeleceram um sistema de regras organizado não apenas

forma atual, por procedimentos empíricos. Daí entende-se o motivo pelo qual, só

ouvíamos falar de Geometria pelos gregos. Em todas as evidências e

descobertas, sejam nas pirâmides ou em outras construções, já se percebiam as

relações com a Geometria e com a Matemática em geral, mas foram os gregos

que as formalizaram da maneira que é ensinada hoje.

A disciplina Matemática originou-se na Europa, tendo recebido

contribuições das civilizações indiana e islâmica e que chega imposta no período

colonial, nos séculos XVI e XVII.

A Matemática praticada na academia tem sua história traçada à

antiguidade mediterrânea, com evidente influência das culturas africanas e

orientais.

Inglaterra, França, Itália e Alemanha tiveram grande importância no

avanço e consolidação da Matemática na Antiguidade Grega e, posteriormente,

na Idade Moderna, juntamente com seus ilustres pensadores matemáticos.

Um estudo bem mais aprofundado na História da Humanidade nos

possibilitaria conhecer outras relações culturais dos povos da antiguidade com a

Matemática. Essa metodologia de analisar as peculiaridades de cada povo é

chamada por uns de Modelagem Matemática e por outros Etnomatemática. Um

fator importante, nesse estudo, é a contextualização da Matemática, que é

essencial a todos.

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Toda essa análise fundamentada na diversidade de culturas não teria

reconhecimento sem a interpretação histórica dos conhecimentos dos egípcios,

babilônios, judeus, gregos e romanos, que estão nas origens do conhecimento

moderno.

Para finalizar esse capítulo, falaremos um pouco da história do educador.

Em Roma destacava-se a figura do “escravo pedagogo”, o escravo, seja ele em

uma família, mestre das crianças de várias famílias ou aquele liberto que

ensinava na sua própria escola, ensinava em sua própria língua e transmitia sua

cultura aos romanos. Na busca pela história do educador no Egito, onde se

encontram os primeiros escritos, era atribuída ao escriba a tarefa de ensinar.

Assim o escriba era aquele que “escrevia” os papiros na casa do rei e também

seguindo os ensinamentos do rei, instruía seus colegas, guiava seus superiores,

era mestre dos filhos do rei e das crianças e conhecia o cerimonial do palácio.

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CAPÍTULO II

O NASCIMENTO DA ETNOMATEMÁTICA

Comenta-se nesse capítulo algumas das primeiras pesquisas sobre o

surgimento da palavra e pesquisa em Etnomatemática e suas repercussões no

Mundo.

Inicialmente a Etnomatemática será tratada através da sua etimologia a

fim de que possa entender o real significado da palavra. Etno se refere à Etnia,

então definida como grupamento humano homogêneo quanto aos caracteres

lingüísticos, somáticos e culturais, matema (explicar, entender) e tica (arte,

técnica). Bem antes das primeiras aparições da palavra Etnomatemática, outras

palavras com esse mesmo prefixo destacaram-se: Etnociência, Etnozoologia,

Etnologia, Etnolinguística, entre outros.

Com o fracasso da Matemática Moderna, na década de 70, diversos

educadores matemáticos descontentes com a Matemática imposta numa só

visão, como um conhecimento universal, fugindo da realidade do aluno, ou seja,

do seu convívio social onde suas experiências cotidianas nada tinham a ver com

aquela matemática ensinada nas salas de aula, passaram a se dedicar ao

estudo, que traria a realidade do aluno para o convívio escolar e que hoje

conhecemos como etnomatemática.

Ainda não conceituada, a Etnomatemática surge com alguns termos

metafóricos que designavam a Matemática do contexto social diferenciando-a da

Matemática das salas de aula. Após varias pesquisas em dicionários do Mundo

inteiro com um conjunto imensurável de significados, surgem as primeiras

evidencias em Etnomatemática.

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Em 1973, Claudia Zalavski chamou de Sociomatemática as aplicações

da Matemática na vida dos povos africanos.

O Movimento de Etnomatemática surgiu no Brasil em 1975 a partir dos

trabalhos de Ubiratan D`Ambrósio. Em 1979, na 5ª CIAEM (Conferência

Interamericana de Educação Matemática), em Campinas, já se observava o

passo inicial desta “nova matemática”, de embasamento etnoantropológico.

Desde o início, Rodney Bassanezi e Eduardo Sebastiani Ferreira, interligados ao

projeto, muito contribuíram com suas pesquisas. Já em 1980, a Unesp de Rio

Claro, SP, em seu curso de Pós-Graduação em Educação Matemática, divulgava

as primeiras pesquisas acadêmicas centradas em Etnomatemática.

D’Ambrosio (1982), em uma de suas primeiras obras, denominou de

Matemática Espontânea os métodos matemáticos desenvolvidos por povos na

sua luta pela sobrevivência. Ainda neste ano, Posner designa de Matemática

Informal aquela que transmite e aprende fora do sistema de educação formal.

Paulus Gerdes chamou de Matemática Oprimida aquela desenvolvida em países

subdesenvolvidos. Uma das primeiras aproximações para o conceito de

Etnomatemática dada por Paulus foi a seguinte: “A Etnomatemática tenta estudar

as idéias matemáticas nas suas relações com a vida cultural e social”.

O Movimento alargou suas fronteiras oficializando, em 1985, o ISGEm

(Grupo de Estudos Internacional sobre Etnomatemática).

No ano seguinte, Mellin-Oslem chama de Matemática Popular aquela

desenvolvida no dia a dia. Eduardo Sebastiani utilizou, nessa época, o termo

Matemática Codificada.

Em 1987, Gerdes, Caraher e Harris utilizavam o termo Matemática Não-

Estandartizada, ou seja, não-padronizada, para diferenciá-la da Acadêmica.

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D’Ambrosio foi o primeiro a utilizar o termo Etnomatemática no seu livro

“Etnomathematics and its Place in the History of Mathematics”, onde o termo foi

inserido no contexto da História da Matemática. Mais um indício de constatação

da importância de mencionar as relações dos povos da Antiguidade com a

Matemática.

A Etnomatemática repercute no Mundo todo. Uma vasta gama de

direções surge, mas a mais importante, talvez, pelo pioneirismo e coerência de

idéias, é a de D’Ambrosio. Sua conceituação decorre de:

“Etnomatemática é a arte ou técnica (techné = tica) de

explicar, de entender, de se desempenhar na realidade

(matema), dentro de um contexto cultural próprio (etno)”

(D´AMBROSIO, 1998).

Mas não só de elogios sustentou-se a Etnomatemática. Segundo

Sebastiani, as maiores críticas foram as de Milroy, Dowling e Taylor.

Milroy fala do paradoxo da Etnomatemática quando pergunta: “Como

pode alguém que foi escolarizado dentro da Matemática Ocidental convencional

‘ver’ qualquer outra forma de Matemática que não se pareça com esta

Matemática, que lhe é familiar?” O autor tem razão em parte na sua preocupação,

pois existem pesquisas em Etnomatemática com a preocupação somente de

traduzir o saber de grupo social para a Matemática Institucional, por exemplo,

“Etnomatemática e Educação: Possibilidades e limitações de um processo

pedagógico” de Cláudio J. de Oliveira cujo trabalho buscou descrever o

processo pedagógico que estabelece vínculos entre práticas cotidianas de um

grupo social e a Matemática escolar.

Dowling se refere ao discurso da Etnomatemática que, segundo ele, é

uma manifestação ideológica. Ele diz que a sociedade é heteroglóssica,

composta de uma pluralidade de comunidades culturais, e as comunidades são

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monoglóssicas; e como a Etnomatemática faz falar estas comunidades, então ela

tem um discurso ideológico monoglóssico, onde o falar de um subgrupo é

privilegiado em relação ao falar de toda a sociedade que o contém.

Taylor afirma que a Etnomatemática tem um discurso político

pedagógico, mas não epistêmico, ou seja, ela tenta discutir

epistemologicamente, mas seu discurso fica somente na relação política-

pedagógica.

A Etnomatemática enfatiza a questão cultural presente na educação,

buscando a inclusão e o respeito à diversidade. Uma outra tendência, chamada

Educação Matemática Crítica, enfatiza a questão política, na busca de uma

educação democrática e cidadã.

Skovsmose (1997) propõe discutir o papel social da Matemática,

combatendo o seu poder formatador na sociedade. Segundo esse autor, a

Matemática tem poder formatador desde que partes do nosso mundo são

organizadas de acordo com ela; modelos matemáticos são usados para

estabelecer ações e tomar decisões. Cita como exemplos o overbook usado

pelas linhas aéreas (reservam-se mais passagens que assentos disponíveis),

com base em modelos matemáticos de probabilidade, o ADAM e outros

modelos econômicos que utilizam sistema de equações para levantar situações

hipotéticas e tomar decisões políticas. Segundo o autor, a Matemática tem sido

largamente utilizada nos sistemas de administração modernos, tornando-se parte

da realidade. Mas ela é apenas uma das formas de estudar um fenômeno, e não

o caminho para tal. Além disso, tal uso pode corroer condições para uma vida

democrática, desde que modelos são construídos por certos grupos sociais para

justificar ou legitimar decisões muitas vezes tomadas anteriormente, iludindo ou

enganando grandes parcelas da sociedade.

Barbosa (2001), que estudou o poder formatador da Matemática, diz que

na indústria, na tecnologia, no comércio, no governo etc. os modelos

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matemáticos são construídos para subsidiar a tomada de decisões e, portanto,

participam da vida social, tendo impactos diretos ou indiretos sobre o nosso

modo de viver.

Bassanezi diz que "o reconhecimento de uma teoria científica passou a

ter como condição necessária o fato de poder ser expressa em linguagem

matemática". A objetividade é forte argumento. Raramente se questiona a origem

dos modelos, encobrindo-se a pré-compreensão que o modelador tem do

fenômeno e a partir da qual constrói o modelo. Não se percebe que algumas

aplicações da Matemática refletem os interesses sociais dos grupos em que são

feitos os modelos usados. Tal visão pode limitar eventuais questões sobre as

aplicações da Matemática e serve para manter o poder de certos grupos sociais

sobre outros.

Contudo, percebe-se a importância de se saber bem a Matemática e

olhar criticamente suas formas de uso em nossa sociedade. A capacidade de

compreender e criticar os argumentos matemáticos empregados nos debates

pode potencializar a intervenção das pessoas na tomada de decisões coletivas,

fortalecendo o exercício da cidadania.

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CAPÍTULO III

UM PROGRAMA ETNOMATEMÁTICO

Não há como ignorar a existência de mudanças na Matemática hoje em

dia, basta observar as mudanças na vida social do nosso planeta. Segundo D. J.

Struik em uma nota pessoal afirma:

“Uma mudança radical na natureza de nosso

relacionamento social, será refletida numa mudança em

como organizar o fazer matemático e esta mudança

afetará o modo como pensamos em relação ao conteúdo

matemático” (STRUIK).

Nosso relacionamento social parece estar mais questionador e crítico. A

cada dia mais pessoas questionam o modelo de Matemática infalível, absoluto,

longe da realidade do aluno.

Para uma melhor compreensão dessa nova visão da matemática, é

necessário que se faça uma nova interpretação de sua “história oficial” contida na

maioria dos livros. A História da Matemática relatada é internalista e

eurocêntrica, ou seja, ignora completamente toda e qualquer matemática

desenvolvida fora do âmbito ocidental.

O modelo tecnológico dominante na educação atual não trouxe melhorias

significativas para a sala de aula, bem como não responde às questões dessa

sociedade emergente. Há, pois, que se buscar novas ‘ saídas’ para a Educação

Matemática que atendam, quer aos anseios de professores e alunos, quer à

sociedade compreendida como um todo.

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O Programa Etnomatemático teve sua origem na busca de entender o

fazer e o saber matemático de culturas marginalizadas. Como também não se

esgota no entender o conhecimento matemático das culturas periféricas, ou seja,

procura entender o ciclo da geração, organização intelectual, organização social

e difusão do conhecimento. Recorre a análises comparativas desses fazeres e

saberes e da dinâmica cultural intrínseca a eles, contemplando aspectos

cognitivos, filosóficos, históricos, sociológicos, políticos e, naturalmente,

educacionais.

Reconhecer essa dinâmica no saber e fazer matemático presentes no

Brasil e, com esse reconhecimento, contribuir para a organização de um modelo

educacional que responde às aspirações do seu povo, é o grande objetivo do

Programa Etnomatemático.

A pesquisa em Etnomatemática deve ser feita com muito rigor. É

necessário que o pesquisador esteja sempre aberto a um novo enfoque, a uma

nova metodologia e a novas visões do que é ciência e sua evolução. Contudo, o

saber/fazer matemático de culturas diversas não se esgota, já que estes estão

sempre em evolução.

O cotidiano de grupos, de famílias, de tribos, de comunidades, de

agremiações, de profissões, de nações, se dá em diferentes regiões do planeta,

em ritmo e maneiras distintas, entre muitos fatores, por condições ambientais,

modelos de urbanização e de produção, sistemas de comunicação e estruturas

de poder.

Visto que os indivíduos de uma nação, de uma comunidade, de um

grupo, compartilham seus conhecimentos tais como linguagem, mitos, cultos,

culinária e costumes, demonstram dessa forma, que têm seus comportamentos

compatibilizados e subordinados a um sistema de valores evidenciados pelo

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grupo. Esses aspectos de compartilhar conhecimento e compatibilizar

comportamento sintetizam as características de uma cultura.

A proposta pedagógica da Etnomatemática é fazer da Matemática algo

vivo, lidando com situações reais no tempo e no espaço. E, através da crítica,

questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e

praticamos dinâmicas culturais. Dessa forma, estamos reconhecendo na

educação a importância de várias culturas e tradições na formação de uma nova

civilização, transcultural e transdisciplinar. Por tudo isso, a Etnomatemática surge

como um caminho para uma educação renovada, capaz de preparar gerações

futuras para construir uma civilização mais feliz.

O professor Ubiratan D’Ambrósio propõe uma reformulação radical nos

currículos das Licenciaturas e após ter discutido sobre essa proposta em seu

livro “Educação Matemática: da teoria à prática”, praticou um modelo semelhante

no Curso de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática da

OEA/MEC/UNICAMP de 1975 a 1979. A proposta feita por ele é a de um

currículo de 20 disciplinas, distribuídas em 3 blocos totalizando aproximadamente

1300 horas.

CONTEÚDO MATEMÁTICO (940 horas)

1) Aritmética (teoria elementar dos números), 60 horas;

2) Geometria Euclidiana (basta demonstrar, com todos os detalhes e

comentários, um teorema), 60 horas;

3) Álgebra Moderna “concreta” (reduzido à construção dos chamados

campos numéricos: naturais, inteiros, racionais, reais e complexos), 60 horas;

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4) Introdução aos Conceitos do Cálculo (sem preocupação em ensinar

as técnicas para calcular derivadas e integrais), 120 horas;

5) História da Matemática (focalizando tópicos que aparecem nos

programas tradicionais: equações de 1° e 2° grau, trigonometria, geometria

analítica), 60 horas;

6) Etnomatemática e modelagem (exemplos de modelos e práticas

matemáticas no cotidiano e em outras culturas, particularmente dos povos

indígenas brasileiros), 120 horas;

7) Tendências da Educação Matemática (um curso feito sobre uma

apreciação dos programas dos Congressos de Educação Matemática e de

índices de revistas de Educação Matemática, do Brasil e do exterior), 60 horas;

8) Análise dos PCN, 60 horas;

9) Utilização das calculadoras e computadores (programação aberta, ir

“brincando” com a calculadora e com o computador, entrar na internet e deixar o

curso evoluir), 120 horas;

10) Tema monográfico (“dissecar o resultado maior da Matemática"),

120 horas.

O conteúdo matemático apresentado condiz com nossa realidade e com

o perfil dos professores do Brasil. Para que nos aprofundarmos naqueles cálculos

desgastantes de integrais, por exemplo, se não é disso que nossos alunos

precisam. O Curso de Licenciatura deve ser mais direcionado ao que se

pretende ensinar em sala de aula.

CONTÉUDO DE EDUCAÇÃO (180 horas)

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1) História da Educação (em geral no Brasil, com foco na Matemática),

30 horas;

2) Teorias da Aprendizagem e da Cognição (com enfoque matemático),

60 horas;

3) Sociologia e Política da Educação (as teorias de Paulo Freire,

Apple, Giroux e outros, sempre que possível com referência à Matemática), 60

horas;

4) Tendências da Educação (tomar conhecimento dos grandes planos

internacionais da educação e das estatísticas educacionais do Brasil e do

exterior, baseando-se nos vários documentos produzidos pela UNESCO e pelo

MEC, examinando algumas revistas), 30 horas.

Esses conteúdos até são abordados nos Cursos da Licenciatura, porém

em menor quantidade e sem fazer referências matemáticas (“lembro-me, durante

a graduação, de apenas de duas disciplinas específicas da educação: Didática

da Matemática e Prática de Ensino da Matemática que foram ministradas em um

semestre”).

DISCIPLINAS DE APOIO (180 horas)

1) Revisão de Literatura e da mídia (crítica de livros recentes, jornais e

revistas, cinema e programas de televisão, CD Roms, e discussão sobre

acontecimentos recentes), 30 horas;

2) Cultura da Paz e da Não-violência (uma rápida análise do panorama

internacional e das possibilidades de se atingir a paz nas suas múltiplas

dimensões – interior, social, ambiental e militar, focalizando a espiritualidade do

ser humano), 30 horas;

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3) História da Ciência, 30 horas;

4) Atualidade e perspectivas da ciência e da tecnologia (uma

abordagem do que está sendo feito no momento em ciência e tecnologia e dos

grandes projetos em andamento), 30 horas;

5) Temas Transversais, 30 horas;

6) Matemática curiosa e divertida (uma seleção, por exemplo, no estilo

de Malba Tahan, com explicações sobre o conteúdo envolvido), 30 horas.

Com as disciplinas de apoio, os alunos estariam vinculados a temas

transversais e multidisciplinares de acordo com os PCN`s.

Vale ressaltar que, para cada uma dessas disciplinas há uma boa

bibliografia em português, o que facilita o aprendizado. Acredita-se que com

essa metodologia as aulas expositivas e repetitivas, deixariam de ser tão

desinteressantes para os alunos.

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CAPÍTULO IV

PESQUISAS EM ETNOMATEMÁTICA

A Evolução da Matemática será apresentada através de suas direções e

aplicações na educação e no cotidiano.

Este capítulo inicia-se citando a prática de vivência dos esquimós do

Círculo Polar Ártico. Sabe-se que esse povo não desenvolveu a habilidade na

agricultura, devido à localidade onde moram. Quando eles estavam à procura de

alimento, não pensavam em plantar, mas sim em pescar. Com isso,

desenvolveram a habilidade para a pesca. Além disso, os esquimós, possuíam

grande percepção dos céus e das forças da natureza que influenciavam no seu

dia-a-dia, permitindo assim um bom desenvolvimento em Astronomia.

Observando-se assim, uma etnomatemática bem diferente.

A Etnomatemática está presente em todas as etapas da evolução da

espécie e em todas as culturas. As recentes pesquisas sobre a mente mostram

que,assim como o falar também comparar, classificar, ordenar, medir, contar,

inferir, são próprios da natureza humana. Todos os indivíduos da espécie

percebem a realidade e a representam, através da arte, das crenças, dos mitos e

das teorias, e essas percepções e representações são socialmente

compartilhadas e codificadas por grupos de indivíduos.

Tendo em vista que todo ser humano possui uma matemática

espontânea, que lhe permite resolver as situações da vida obedecendo a um

instinto, porque não incentivamos esse indivíduo com essa espontaneidade?

Caberia aos educadores, além do que é dado nas escolas, exercitar tal prática,

ou seja, utilizar situações do dia a dia dos alunos em suas aulas. Dessa maneira,

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nossos alunos estariam prontos para o exercício da cidadania, como afirma a

LDB. Segundo D’Ambrósio: “A distorção do ensino nas escolas é

desinteressante e inútil”. E ainda cita:

“A criança que antes não se confundia com o troco, chega

na escola, é reprovada em Aritmética. A balconista que

corta um pedaço de papel para embrulhar uma caixa,

dobrando um objeto de três dimensões para o plano, é

reprovada em geometria” (D’AMBROSIO, 1999, p. 06).

O aluno não consegue entender o porquê de se aprender a matemática

ensinada na sala de aula, ou seja, ele não observa a aplicação desta na sua vida

cotidiana. Por isso, os resultados, cada vez mais baixos , apresentados pelos

sistemas educacionais que não reconhecem esse fato e insistem na

exclusividade da matemática da cultura dominante. Esses resultados são

indicadores da falta de aproximação do aluno ao seu ambiente cultural. Sem

esquecer que a educação deve preparar o jovem para se incorporar à vida social

e exercer sua cidadania, é importante reconhecer que essa preparação deve ser

ancorada nas raízes culturais do jovem.

Serão citados alguns trabalhos realizados no campo da Etnomatemática

e sempre que possível, tentar ressaltar, ou melhor, comentar o conteúdo de

matemática que poderia ser extraído dessas pesquisas. A idéia é mostrar aos

educadores que sempre é possível trabalhar com o cotidiano dos alunos e a

partir desse trabalho, retirar os conteúdos de matemática que o educador precisa

ensinar para cumprir as deliberações do MEC. O objetivo é também mostrar que

não estamos deixando a contextualização do ensino da Matemática de lado,

rebatendo dessa maneira alguns estudiosos que são contra a etnomatemática.

Dentre os primeiros trabalhos de Etnomatemática destaca-se o projeto

de educação, centrado na construção de hortas caseiras, desenvolvido por José

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Carlos Borsato. Seria possível nesse trabalho o pesquisador ensinar o conceito

de proporção, pois se em um pedaço de terra fosse possível plantar 10 pés de

alface, por exemplo, em um espaço que fosse o dobro, seria possível plantar 20

pés. Ou ainda, a adição e multiplicação de números naturais, pois se o agricultor

vendesse uma alface por R$ 0,50, duas seriam R$ 1,00 e dez seriam R$ 5,00.

Um dos mais atuais trabalhos desenvolvidos em assentamentos

agrícolas está os de Gelsa Knijnik e Alexandrina Monteiro. Os de Gelsa tratam da

interface dos saberes populares e dos saberes acadêmicos, especificamente em

Matemática, e das relações do poder associadas ao saber. O trabalho de campo

foi realizado junto ao MST. A investigação examina as conexões entre cultura e

pedagogia, sob a ótica da Sociologia da Educação, inserindo-se na perspectiva

da vertente da Educação Matemática, denominada Etnomatemática. O estudo

tem, como referenciais empíricas, práticas sociais vinculadas às atividades

produtivas das mulheres e homens do campo do Rio Grande do Sul, em

particular, das/os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

(MST). Nesse convívio com os trabalhadores rurais, a idéia de área, proporção,

unidade de hectares e outras, foram de fácil identificação na pesquisa. A

criança que vive no campo identifica com mais facilidade as unidades de medida

como hectare e metro do que a que vive na cidade.

Um enorme destaque dá-se a etnomatemática do cotidiano (saberes e

fazeres próprios da cultura) realizados por Maria Luisa Oliveras com artesãos em

Granada, Espanha.

Ainda no campo cotidiano, se tem as práticas matemáticas dos feirantes.

Destacam-se os trabalhos de Terezinha Nunes, David Carraher e Ana Lúcia

Schliemann. Nesses estudos foi possível perceber a prática aritmética adquirida

pelas crianças que ajudavam seus pais na feira.

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Marilyn Frankenstein propôs, pioneiramente, uma matemática crítica nas

escolas, através da análise comparativa de preços, de contas e de orçamentos.

Introduziu nos alunos a etnomatemática do comércio. Segundo Marilyn, seu

trabalho se baseia na idéia de que as aplicações do conhecimento matemático

que se ensina nas escolas transmitem uma imagem de neutralidade de

determinadas disposições sociais, que obscurecem a estrutura de classe de

nossa sociedade. Uma proposta semelhante foi a de Cinzia Bonotto, na Itália.

Tod L. Shockey identificou, na sua Tese de Doutorado, práticas

matemáticas de cirurgiões cardíacos, analisando o tempo e o risco nas cirurgias.

Nesse trabalho uma observação interessante foi a aplicação de noções

topológicas na manipulação de sutura.

Maria do Carmo Vila pesquisou os vendedores de suco de frutas, ou

melhor, a maneira pela qual esses vendedores disponibilizavam seus sucos na

barraca, de acordo com a freguesia. Nessa pesquisa foi possível observar

modelos probabilísticos.

N.M Acioly e Sérgio R. Nobre estudaram a matemática praticada pelos

bicheiros. Aqui o conceito de classes de equivalência aparece, pois dividindo o

conjunto A={1,2,3,...,100} em subconjuntos disjuntos A1 = {1,2,3,4}, A2 = {5,6,7,8},

A3={9,10,11,12},....,A25={97,98,99,100} , cada bicho representaria um desses

conjuntos ou melhor uma dessas classes de equivalência. Na realidade, o que se

está fazendo é uma partição do conjunto A={1,2,.....,100}, definindo assim uma

relação de equivalência.

O reconhecimento pelas práticas matemáticas do cotidiano africano tem

crescido enormemente. Um exemplo é a utilização de instrumentos de percussão.

O ritmo que acompanha os instrumentos pode ser estudado na compreensão de

razões, destacando-se os trabalhos de Cláudia Zaslavsky e Paulus Gerdes.

Dentre alguns dos mais importantes trabalhos de Gerdes destacam-se: “A

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numeração em Moçambique. Contribuição para uma reflexão sobre cultura, língua

e educação matemática” que propõe perguntas tais como: Quais são os

principais sistemas de numeração da África? Como se pode melhorar o

processo de ensino-aprendizagem da Aritmética nas escolas moçambicanas?

Assim como suas respectivas respostas, bem características do povo

moçambicano. Outro trabalho de grande importância de Gerdes foi “Pitágoras

Africano: Um estudo em cultura e Educação Matemática” cujo objetivo foi mostrar

diversos ornamentos e artefatos africanos que foram usados para criar um

contexto para a descoberta e demonstração do “Teorema de Pitágoras”. Claudia

Zaslavsky também se dedicou muito às práticas africanas. Em “Contagens da

África: Número e padronagens na cultura africana” a autora descreve sistemas de

numeração, de Geometria na arte, de Arquitetura e de matemática nos jogos.

Dessa maneira fica evidente a dedicação aos trabalhos africanos. Moçambique

dispara na aplicação da etnomatemática africana. A partir dessa prática, os

alunos que iam mal em Matemática e até tinham medo dela, hoje, recuperam a

matemática da sua própria cultura, já que a matéria era ensinada nos padrões

europeus. Os africanos agora estudam Geometria tomando como modelo as

espécies de tapeçarias e as construções de cabanas.

A Etnomatemática tem sido bastante difundida no Brasil. Por volta de

1994, na Escola da Vila, no Butantã, o professor Antônio José Lopes usava

dados extraídos dos jornais do dia nas aulas.Temas como temperatura média,

densidade demográfica e índices de inflação eram pontos centrais das aulas,

enfocando construção e leitura dos gráficos.

Mônica Andreia Tomeiro Bueno em “Código e Arte: A Etnomatemática

dos incas” desenvolveu um trabalho muito importante com a civilização inca, a

qual não se evidenciou apenas em suas técnicas de engenharia, mas também na

maneira como esta civilização organizou seu Estado, criando um sistema de

cordas – os quipus- para registro alfanumérico, usado nos séculos XV e XVI para

codificar suas informações e resolver problemas numéricos. Esse trabalho

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enfoca a etnomatemática dessa civilização, visando a compreensão da maneira

particular como esta conhecia, entendia, explicava e organizava seus

conhecimentos matemáticos.

Guida Maria C. P. de Abreu em sua tese “O uso da Matemática na

agricultura: o caso dos produtores de cana-de-açúcar” investigou o conhecimento

matemático desses agricultores em atividades inerentes à cultura. Foram

incluídas questões sobre a forma de execução da atividade e problemas com

quantidades definidas pelos agricultores e com atividades manipuladas pelo

pesquisador. Os problemas faziam parte do campo das estruturas multiplicativas,

envolvendo isomorfismo de medidas e produto de medidas. Guida estudou como

o agricultor usa medidas e fórmulas peculiares, como realiza cálculos e como

converte medidas de natureza universal para aquelas mais familiares.

Fernanda Wanderer em sua pesquisa “Produtos da mídia na Educação

Matemática de jovens e adultos: um estudo etnomatemático” analisou o processo

pedagógico que vinculou a Matemática Escolar com elementos da cultura de um

grupo de alunos. A pesquisa foi desenvolvida para compreender e analisar as

potencialidades, na Educação de jovens e adultos, de um processo pedagógico

etnomatemático centrado em produtos da mídia. Durante o trabalho de campo,

um integrante do grupo de alunos mencionou que, na construção de ângulos

retos, utilizava conhecimentos matemáticos que são diferentes da Matemática

Escolar. Fernanda pediu para que o aluno explicasse como havia aprendido

aquela relação. O aluno explicou: “nós aprendemos, utilizamos a Matemática que

é ensinada de pessoa para pessoa, não está aí (referindo-se ao que estava

escrito no quadro)”. Fica claro que o saber deste aluno é um conhecimento que

lhe foi ensinado, de geração a geração, e também construído em suas práticas

laborais. O papel do educador, nesse contexto, é mostrar ao aluno a ligação das

duas matemáticas, a que é ensinada na escola e a que é ensinada de pessoa a

pessoa.

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O trabalho “A Etnomatemática nos fazeres do trabalhador” de Ereci

Terezinha V. Druzzian descreve a observação realizada numa empresa do ramo

coureiro. O objetivo principal foi o de compreender como os trabalhadores

utilizam os conhecimentos matemáticos. A partir de entrevistas , embasada na

Etnomatemática, constatou-se que os trabalhadores utilizam no dia-a-dia, por

exemplo, os conceitos de área e proporção. Ereci observou que, um dos

principais problemas enfrentados pela empresa foi o desperdício da matéria-

prima, o couro. Diante disso, ela acompanhou a jornada de alguns trabalhadores

e observou que a maioria dos trabalhadores só possuía noções das quatro

operações, justificando dessa maneira o motivo do desperdício.

Em 1997, na Universidade Santa Úrsula, foram desenvolvidos trabalhos

de etnomatemática realizados por alunos no Núcleo de Mestrado em Educação

Matemática e ministrados por Eduardo Sebastiani Ferreira e Alexandrina

Monteiro. Destacaremos alguns desses trabalhos e o conteúdo matemático

encontrado em cada um deles.

Marco André F. Rabelo, autor de “Uma proposta de ensino de

probabilidade - A análise combinatória para alunos do 2º grau a partir de um

estudo com apostadores de jogos de loteria na cidade do Rio de Janeiro”,

descreve que o trabalho foi realizado com uma pesquisa de campo, cujo objetivo

era o de verificar algumas particularidades apresentadas por uma determinada

comunidade no que diz respeito à utilização de uma matemática informal. O tema

escolhido foi o de Jogos e Loteria que, além de se relacionar diretamente com o

Cálculo de Probabilidades e com a Análise Combinatória, foi peça fundamental

no surgimento de ambos.

Em “A construção da pipa – Uma proposta de ensino de Geometria para

5ª série numa abordagem etnomatemática”, Cláudio C. M. Passos teve como

objetivo resgatar o conhecimento que os alunos trazem para a sala de aula,

formalizar estes conhecimentos através da construção de pipas e apresentar,

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dessa forma, a Geometria como meio de descrever o mundo físico, explorar as

transformações geométricas através da simetria e aplicar propriedades

geométricas.

Rosa M. Reis em “Remuneração de vendedores de coco na orla marítima

do Rio de Janeiro – Proposta pedagógica para trabalhar porcentagem com

crianças de 4ª série” mostrou uma etnografia realizada com uma família

estabelecida em um quiosque na orla marítima do Rio de Janeiro, que

determinou uma proposta pedagógica para o trabalho com porcentagem, a partir

de profissões comissionadas, num processo de modelagem para esses alunos.

Um dos conteúdos matemáticos abordados foi o cálculo por estimativa, por

observações de padrões e com o uso da calculadora. O cálculo de porcentagem,

a idéia de proporcionalidade, a adição, a comparação e o sistema monetário

poderiam ser abordados em tal projeto.

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CAPÍTULO V

A ETNOMATEMÁTICA DOS ÍNDIOS

Nesse capítulo dar-se-á um enfoque a civilização indígena, a qual possui

uma etnomatemática muito importante no contexto cultural. Fazer o estudo dessa

civilização, buscando entender suas raízes, seus costumes e seu meio de

sobrevivência, é uma das formas de valorizar essa cultura.

A Etnomatemática tem, no Brasil, um campo fértil para seu

desenvolvimento.

As inúmeras nações indígenas, surpreendidas com a chegada dos

conquistadores europeus, tiveram suas raízes culturais profundamente afetadas

por uma política de repressão, que vai da sua redução paternalística a objeto

folclórico até a sua supressão.

No Caderno Educação Básica, série institucional (vol. 2), encontra-se um

panorama da situação indígena brasileira hoje e a filosofia de como deve ser

pensada a sua escolarização:

“Existem hoje no Brasil cerca de 200 sociedades

indígenas diferentes, falando em torno de 180 línguas e

dialetos e habitando centenas de aldeias situadas em

diferentes estados da Federação. Remanescentes de um

grande contingente populacional, cujas estimativas

históricas indicam estar em torno de 6 milhões de

indivíduos quando desde a chegada dos europeus no

século XVI, sociedades indígenas são portadoras de

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tradições culturais específicas e vivenciam processos

históricos distintos. Cada um desses povos é único, tem

uma identidade própria, específica, fundada na própria

língua, no território habitado e explorado, nas crenças,

costumes, histórias, organização social” (CADERNO

EDUCAÇÃO BÁSICA).

Essas considerações determinam que as “escolas indígenas” devem ser

específicas e diferenciadas das outras escolas (de branco).

O conhecimento matemático é inerente ao ser humano e não a um

determinado grupo. Atividades que dão origem ao conhecimento matemático

como contar, localizar, medir, projetar, jogar e explicar estão presentes no

cotidiano dos grupos indígenas como em qualquer outro grupo. Por isso,

acredita-se que o índio deva estudar matemática e que isto, mais do que um

direito é uma necessidade.

O povo Kayabi do Parque Nacional Xingu, por exemplo, confecciona as

chamadas “apás indígenas”, espécies de peneiras, sem furos, utilizadas como

tampas ou enfeites. É fácil identificar os conceitos de geometria e simetria

presentes na confecção das apás.

A Pesquisadora Mariana Kawall L. Ferreira (1994), orientou professores

indígenas e trabalhou com educação matemática no Parque Xingu e na

Amazônia. Seu trabalho identificou o motivo da dificuldade dos índios com a

Matemática dos brancos. Percebeu que treinar os índios para obter notas altas

em exames e testes não garantia que usassem na vida diária os conhecimentos

adquiridos na escola.

A maior dificuldade que enfrentavam na escola era com a linguagem

usada, dadas as formas tão diferentes que eles têm de viver, pensar, explicar,

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contar, comparadas com o ensino formal oferecido a eles. Para os índios, a

noção do todo é mais importante que a de unidade; as quantidades estão

vinculadas a valores da cultura.

A noção de problema é diferente, consiste em buscar soluções para

questões reais como transporte, comércio e terra; querem aprender a

Matemática dos brancos para solucionar problemas reais vividos nas relações

com eles. Não têm como objetivo encontrar respostas exatas, mas soluções

viáveis.

Ao resolver um problema, pensam em todas as variáveis ligadas a eles e

não apenas nos dados informados. Assim, respostas aproximadas são mais

valorizadas e mais reais do que cálculos abstratos e exatos, como temos

costume de trabalhar em sala de aula.

Como a sociedade indígena baseia-se na reciprocidade, o dar não

significa ficar com menos, mas pode equivaler a ganhar. No modelo capitalista, é

mais associado a comprar, ganhar, achar e até a roubar; e menos a dar, perder,

emprestar, doar. Tais valores aparecem nos problemas que levamos aos alunos

em sala de aula e, na maioria das vezes, não temos consciência disso.

A pesquisadora comenta que os índios tiveram muita dificuldade em

entender divisões inexatas, pois dividem tudo o que têm, não permitindo sobras.

A noção de tempo também é bem diferente da nossa, ocidental, que se

caracteriza por termos cronológicos em relação a passado, presente e futuro e

corresponde à ordem da reta numérica.

A concepção xavante, por exemplo, apresenta características cíclicas,

expressas pelas atividades sazonais, como tempo de seca e tempo de chuva; e

por elementos da estrutura social, pela interação dos grupos, usando conjuntos

ou classes de idade. Alguns exemplos: "Quando os Anorowa furaram as orelhas",

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o que acontece aos 15 anos; "quando o professor era morador da casa dos

solteiros".

Outra noção interessante é a de medida entre dois pontos. Para

determinar a distância entre dois locais, não usam, como nós, medidas de

comprimento, mas medem pelo tempo gasto para percorrer a distância, além de

levarem em conta outras variáveis, como a força da correnteza do rio, o ritmo dos

remadores, o peso do barco e até o fato de terem conhecidos no caminho. Veja

como um índio suyá fala da distância de sua aldeia até um posto: “A aldeia Suyá

fica longe do Diauarum, a umas duas horas de motor ou um dia de viagem a

remo. Se a gente viajar mais três horas de barco pelo Suyá-Missu, chegamos à

divisa do parque”.

Os conhecimentos nas tribos são transmitidos visualmente e oralmente

de uma geração para outra. Porém esses conhecimentos já são insuficientes,

pois nas relações com o não-índio existe uma necessidade de adaptação. De

fato, a exploração está continuamente presente nas relações de trabalho e

comércio, principalmente porque os índios não entendem como os brancos lêem

e fazem contas.

É necessário que se pense em uma escola diferenciada para os índios,

onde não se ofereça somente a matemática que eles necessitam. Deve-se

oferecer também uma que valorize uma matemática que conserve o vínculo com

as situações a partir das quais foi gerada. Que traduza um valor desejado pela

tribo, que é legitimado pela sua utilização e que reforça seus valores culturais;

assegurando às comunidades o uso de suas línguas maternas e de processos

próprios de aprendizagem.

A Matemática a ser ensinada numa escola verdadeiramente indígena

deve ser capaz de ajudar os índios a lutarem contra a exploração e valorizarem

sua cultura.

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Fica para nós a certeza de que existem várias formas de pensar, que

dependem do contexto vivido pelos indivíduos. É preciso conhecer a Matemática

presente na vida dos alunos, a forma como pensam e organizam seu

conhecimento, valorizando-os. Também é importante mostrar-lhes as convenções

sociais construídas dentro do corpo de conhecimentos matemáticos, pois é o que

geralmente buscam na escola. É importante saber e mostrar onde usar cada

procedimento, tendo em vista que não há um melhor do que o outro, mas sim um

mais adequado de acordo com a situação vivida. É preciso refletir sobre o que

se faz. É preciso, sobretudo, ter a humildade de saber que estamos em situação

de aprendizagem permanente, num mundo em constante.

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CONCLUSÃO

Tendo percebido o tamanho desinteresse dos alunos no aprendizado de

Matemática e os baixos rendimentos em sala de aula, eis a importância do tema

escolhido. Tendo em vista que as tentativas de resolver esse baixo nos sistemas

escolares são, em maioria, através de mecanismos classificatórios e punitivos,

os resultados acabam dificultando o mesmo e impedindo o acesso das classes

menos privilegiadas da sociedade aumentando o número de excluídos dos

sistemas de produção e consumo e da participação social e política. A

Etnomatemática surge como uma resposta a essa situação.

Através de sua etimologia, Etnomatemática não significa apenas a

“matemática de diversas etnias”, mas sim as várias maneiras, técnicas,

habilidades de explicar, de entender, de lidar e de conviver com distintos

contextos naturais e sócio-econômicos da realidade.

Entender que o índio, o pedreiro, o feirante, os africanos, dentre outros,

possuem uma matemática própria, distante do padrão eurocêntrico, significa

buscar dentro do próprio contexto cultural de cada indivíduo, seus processos de

pensamento e seus modos de explicar, de entender e de desempenhar a sua

realidade. É o que se entende por Programa Etnomatemático.

Esse trabalho não perdeu, em nenhum momento, a originalidade das

idéias matemáticas nas pesquisas apresentadas. A essência matemática foi,

em toda monografia enfatizada. Não teria fundamento se propor em fazer a

etnografia (estudo étnico) de alguns grupos, sem contextualizar também a

Matemática. Essa certamente foi a maior preocupação da pesquisa.

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Contudo, mostrou-se a possibilidade do educador em utilizar a

Etnomatemática no cotidiano dos alunos, num processo de mudança uma vez

que o educador de hoje deve ter consciência de que ensinar não é apenas uma

transmissão de conhecimentos, mas sim dar condições para que o aluno

construa seu próprio conhecimento, de forma crítica, não aceitando tudo que lhe é

imposto.

A busca pela valorização das culturas num Programa Etnomatemático

acompanhado com uma vasta pesquisa de campo, traria resultados brilhantes

para o progresso da educação.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Educação Matemática: Da teoria a prática. 4 ed. São

Paulo: Papirus, 1998.

D’AMBRÓSIO, Ubiratam. Educação Matemática em Revista, São Paulo, ano 6,

n.7, p. 5-10, julho 1999.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a

modernidade. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 107 p. – Coleção

Tendências em Educação Matemática.

FERREIRA, Eduardo Sebastiani. Etnomatemática: Uma proposta metodológica.

Rio de Janeiro: MEM/USU, 1997.Vol. 3. 101 p. – Reflexões em Educação

Matemática.

TAHAN, Malba. O homem que calculava. 55 ed. RJ, SP: Record, 2001. 300 p.

A MATEMÁTICA ESTÁ ERRADA. Globo Ciência, Rio de Janeiro, p. 47-51, maio

1994.

BOLEMA: Boletim de Educação Matemática. Rio Claro: Unesp, Programa de

Pós-Graduação em Educação Matemática, ano 15, n.17, 147 p., 2002.

REFLEXÃO E AÇÃO: Revista do Departamento de Educação. Santa Cruz do

Sul: UNISC, vol.10, n.1, 124 p., jan/jun 2002.

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SITES CONSULTADOS

Os principais comentários de Ubiratan D’Ambrósio poderão ser vistos

em seu site oficial:

1. www.sites.uol.com.br/vello/ubi.htm

As teses citadas nessa pesquisa monográfica são encontradas em:

2. http://www.fe.unb.br/etnomatematica/resumosdeteses.htm, 7-12, 2004

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

UM POUCO DE HISTÓRIA 10

CAPÍTULO II

O NASCIMENTO DA ETNOMATEMÁTICA 15

CAPÍTULO III

UM PROGRAMA ETNOMATEMÁTICO 20

CAPÍTULO IV

PESQUISAS EM ETNOMATEMÁTICA 26

CAPÍTULO V

ETNOMATEMÁTICA DOS ÍNDIOS 34

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41

SITES CONSULTADOS 42

ÍNDICE 43

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: Etnomatemática: Uma Proposta Metodológica para o

Ensino Superior.

Autor: Profª Aline Cosme Neves

Data da entrega: 04/03/2005

Avaliado por: Conceito:

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