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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A Importância das Primeiras Vivências para o Desenvolvimento Psicomotor Samantha Ferraz Lobo Cavalcanti Orientador Profª. Maria Poppe Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A Importância das Primeiras Vivências para o Desenvolvimento

Psicomotor

Samantha Ferraz Lobo Cavalcanti

Orientador

Profª. Maria Poppe

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A Importância das Primeiras Vivências para o Desenvolvimento

Psicomotor

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em

Psicomotricidade.

Por: Samantha Ferraz Lobo Cavalcanti

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AGRADECIMENTOS

Aos professores da UMEI Professor Nilo

Neves por sua dedicação ao trabalho com

crianças e a permanente busca por

conhecimento.

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DEDICATÓRIA

Ao meu filho, Frederico, e a minha

afilhada, Alice, fontes de alegria, orgulho

e conhecimento.

Às mães dedicadas comuns.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a importância dos três primeiros anos de

vida para o desenvolvimento psicomotor. A ênfase está no estudo das relações

de vínculo e apego desenvolvidas pelos bebês e suas mães como também nas

interações existentes na creche entre os bebês e os adultos que deles cuidam

e educam.

O referencial teórico utilizado neste trabalho são os estudos dos psicanalistas

ingleses Donald W. Winnicott e John Bowlby e a teoria do desenvolvimento de

Henry Wallon.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a realização deste trabalho monográfico foi

a pesquisa bibliográfica.

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“Encontro você;

Você sobrevive ao que lhe faço à medida

que

A reconheço como um não-eu;

Uso você;

Esqueço-me de você;

Você, no entanto, se lembra de mim;

Estou sempre me esquecendo de você;

Perco você;

Estou triste.”

Winnicott

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO

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1 - A IMPORTÂNCIA DAS PRIMEIRAS VIVÊNCIAS PARA O

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR

11

1.1 – Vínculo Primário e Teoria do Apego: definindo

conceitos

11

1.2 – Primeiras Vivências e Creche 16

2 – DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR: A TEORIA DE HENRY

WALLON

22

3 – SÍNTESE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO

BRASIL

29

4 – EDUCAÇÃO PSICOMOTORA 35

4.1- Jogo e Brincadeira 36

4.2 – A Atividade psicomotora de 0 a 3 anos 39

4.2.1 – Objetivos da Educação Psicomotora – 0 a 3 anos 41

4.3 – Sugestões de Atividades Psicomotoras 42

CONCLUSÃO 44

BIBLIOGRAFIA 45

ÍNDICE 48

FOLHA DE AVALIAÇÃO 49

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INTRODUÇÃO

“Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo...

Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...

Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma...”

Fernando Pessoa

A atividade psicomotora se inicia ainda no período gestacional quando o

feto reage de forma motora aos estímulos provenientes do meio, que são

recebidos e percebidos através de sua mãe. As pesquisas realizadas

comprovam que o estado emocional da mãe influencia as reações do bebê

ainda na gestação, gerando sensações de conforto e de desconforto, de prazer

e de desprazer. A relação entre motricidade e emoção está presente desde

antes do nascimento e evolui a partir deste.

As pesquisas sobre as relações entre mãe-bebê foram realizadas por

estudiosos de diferentes áreas como a pediatria, a psiquiatria e a psicologia e

com enfoques diferenciados.

Neste trabalho estaremos discutindo a influência das interações entre

mãe e bebê para o desenvolvimento psicomotor (motor, cognitivo e emocional)

saudável da criança do nascimento aos três anos de vida.

Este estudo bibliográfico utiliza como referencial teórico os estudos de

Henry Wallon sobre o desenvolvimento psicomotor e as teorias de dois

psicanalistas ingleses – Donald W. Winnicott e Jonh Bowlby – que se

dedicaram ao estudo das dinâmicas de apego (Bowlby) e vínculo (Winnicott)

entre a mãe e o bebê.

A atuação do psicomotricista na creche promovendo a Educação

Psicomotora precoce será abordada a partir dos estudos sobre as dinâmicas

de apego, apontando suas possibilidades de atuação junto às crianças de 0 a 3

anos e no trabalho com pais e cuidadores / professores a partir de um

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programa de educação indireta e de formação em serviço respectivamente, de

forma a levá-los a discussão e compreensão das etapas do desenvolvimento

infantil e da importância da psicomotricidade e das relações entre

adultos/crianças para o desenvolvimento saudável destas.

Este trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo são

apresentados os conceitos de Vínculo e Apego, de D. W. Winnicott e J. Bowlby

respectivamente, e a relação entre a qualidade das interações iniciais entre o

bebê e sua mãe no ambiente familiar e as primeiras vivências na creche para o

desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor da criança.

No segundo capítulo são apresentadas as fases do desenvolvimento

psicomotor, e suas principais características, propostas por Henry Wallon do

nascimento aos três anos de idade.

No terceiro capítulo é apresentada uma síntese da história da Educação

Infantil no Brasil a partir do início do século XX objetivando uma melhor

compreensão das características deste tipo de atendimento. Tal compreensão

se faz necessária para o entendimento da proposta de atuação do

psicomotricista na perspectiva deste trabalho.

O último capítulo aborda a Educação Psicomotora precoce realizada em

creches está dividido em dois sub-capítulos onde serão apresentadas reflexões

sobre o jogo e a importância do lúdico no desenvolvimento infantil e sugestões

de atividades para crianças de 0 a 3 anos de vida. As sugestões de atividades

psicomotoras apresentadas podem ser desenvolvidas pelo psicomotricista, e

também pelas famílias e pelos professores e cuidadores, sob a supervisão do

psicomotricista.

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CAPÍTULO 1

A IMPORTÂNCIA DAS PRIMEIRAS VIVÊNCIAS PARA O

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR

“O bebê se desmancha aos pedaços a não

ser que alguém o mantenha inteiro.”

(Winnicott)

A qualidade dos vínculos desenvolvidos pelo bebê com sua mãe ou

substituta tem sido objeto de estudos e pesquisas de diferentes áreas visando

o diagnóstico e a intervenção precoces nos casos em que a criança apresenta

algum distúrbio psicofuncional ou psicomotor.

Neste capítulo estaremos abordando os estudos sobre a formação de

vínculos entre mães e bebês de dois importantes estudiosos do tema – Donald

W. Winnicott e John Bowlby - e as interações entre bebês e adultos

(professores e cuidadores) no ambiente da creche.

1.1. Vínculo Primário e Teoria do Apego: definindo conceitos

O termo Vínculo Primário foi utilizado por Winnicott para definir as

relações entre bebês e suas mães. O comportamento materno normal de

cuidados, e pré-disposição a manter esse bebê e satisfazer suas necessidades

foi chamado por Winnicott de preocupação materna primária (2006:30).

“Dentre as teses que defendo, há uma especial: a de que

as mães, a não ser que estejam psiquiatricamente

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doentes, se preparam para a sua tarefa bastante

especializada durante os últimos meses de gravidez, mas

que gradualmente voltam ao seu estado normal nas

semanas e meses que se seguem ao processo de

nascimento. Já escrevi muito sobre este assunto, sob o

título de "preocupação materna primária”. Neste estado,

as mães se tornam capazes de colocar-se no lugar do

bebê, por assim dizer. Isto significa que elas desenvolvem

uma capacidade surpreendente de identificação com o

bebê, o que lhes possibilita ir ao encontro das

necessidades básicas do recém-nascido, de uma forma

que nenhuma máquina pode imitar, e que não pode ser

ensinada.”.

A mãe dedicada comum ou mãe suficientemente boa (Winnicott)

percebe as necessidades de seu bebê e as satisfaz fazendo com que este se

sinta seguro. É um diálogo silencioso (Winnicott). A partir dessas interações o

bebê se constitui enquanto sujeito, e inicia o processo de individuação que é o

primeiro passo rumo a construção de sua imagem e esquema corporal.

Atitudes aparentemente simples, realizadas comumente, como segurar o bebê,

falar com ele, olhá-lo, vão ser à base do desenvolvimento psíquico do bebê.

Segurar tem o significado de: tornar seguro, amparar, firmar, impedir que

caia, garantir, afirmar, assegurar, tranqüilizar, serenar, sossegar, não se

desfazer de, conservar, garantir, apoiar-se, precaver-se. Winnicott utiliza o

termo segurar o bebê (holding the baby) com significado bastante amplo que

vai do ato físico de segurar a estrutura física do bebê até a função do grupo

familiar, quando o bebê vai crescendo e seu mundo externo se ampliando

(Winnicott,2006: 53-54).

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“Os bebês não se recordam de que as pessoas os

seguravam bem –no entanto, lembram-se da experiência

traumatizante de não terem sido segurados de forma

adequada”.

A Teoria do Apego elaborada por John Bowlby e construída durante 40

anos é uma abordagem etológica ao desenvolvimento da personalidade e

considera que no ser humano há uma tendência a desenvolver relações de

apego.

Esse comportamento de apego é uma resposta a uma função biológica

de sobrevivência da espécie.

Para John Bowlby vínculo e apego são diferentes.

“(...) vínculo é um laço relativamente duradouro que se

estabelece com um parceiro. O apego é uma disposição

para buscar proximidade e contato com uma figura

específica, e seu aspecto central é o estabelecimento do

senso de segurança (BOWLBY, 2004: 316)”.

Apego e comportamento de apego também são distintos para Bowlby,

pois apego é a predisposição a procurar manter proximidade e contato com

outro indivíduo; e comportamento de apego são condutas inatas exibidas pelo

bebê que promovam e mantenham proximidade com o outro, em geral a mãe

ou sua substituta.

Os comportamentos de apego são observáveis e podem ser muito

variados. Dentre os mais comuns podemos destacar o choro, o balbucio e mais

tarde a vocalização, o agarrar-se, o sorrir, chamar, a sucção, o seguir. São

todos os comportamentos que promovem a proximidade com a figura materna.

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“Sorrir e chorar são ações que tendem a trazer a mãe

para o bebê e mantê-la junto dele e são disparadores de

comportamento de cuidado. Seguir e agarrar-se têm o

efeito de levar o bebê até a mãe e retê-lo junto dela,

preservando a proximidade e restaurando a segurança.

Chamar tem um sentido social que visa manter a mãe

perto do bebê; evolui do balbuciar para a plena

articulação da linguagem. A sucção tem uma função mais

complexa: visa promover a ingestão de alimento mas

muito precocemente sofre alterações decorrentes da

experiência do bebê” (BOWLBY, 1984:361).

A Teoria do Apego apresenta sete características do apego:

1. Especificidade – os comportamentos de apego são dirigidos a

pessoas específicas;

2. Duração – o apego persiste, geralmente, em grande parte da vida;

3. Envolvimento emocional – muitas das emoções mais intensas surgem

durante a formação, manutenção, rompimento e renovação de relações de

apego;

4. Ontogenia – o comportamento de apego desenvolve-se durante os

primeiros nove meses de vida dos bebês humanos;

5. Aprendizagem – recompensas e punições desempenham um papel

secundário. De fato, o apego pode desenvolver-se apesar de repetidas

punições por uma figura de apego;

6. Organização – o comportamento de apego é organizado segundo

linhas muito simples e mediado por sistemas comportamentais cada vez mais

complexos. Esses sistemas são ativados por certas condições e terminados

por outras. Entre as condições ativadoras estão o estranhamento, a fome, o

cansaço, e qualquer coisa assustadora. As condições terminais incluem a visão

ou som da figura materna e a interação com ela. Quando o comportamento de

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apego é fortemente despertado, o término pode requerer o contato físico ou o

agarramento à figura materna e (ou) ser acariciado por ela.

7. Função Biológica – o comportamento de apego acontece nos jovens

de todas as espécies de mamíferos e, em certas espécies, perdura durante

toda a vida adulta. A manutenção da proximidade com um adulto preferido por

um animal imaturo é a regra, o que sugere que tal comportamento possui valor

de sobrevivência. Assim, a função do comportamento de apego é a proteção,

principalmente contra predadores.

O Apego também foi classificado em quatro padrões. Tal

classificação se deu a partir de um procedimento denominado “Teste de

Situação Estranha” elaborado por Ainsworth e Wittig na década de 60 que

permitiu a observação de manifestações de apego em bebês sob condições de

baixo e de alto estresse. A observação dos comportamentos dos bebês na

separação e no reencontro com suas mães demonstrou que o apego resultante

da interação mãe-bebê varia na dependência do tipo de cuidado materno e das

características inerentes ao bebê.

O apego seria então classificado em:

APEGO SEGURO – o bebê sinaliza a falta da mãe na separação,

saúda ativamente a mãe no reencontro, e então volta a brincar;

APEGO INSEGURO-EVITANTE – o bebê exibe pouca ou

nenhuma aflição quando separado da mãe e evita ativamente e ignora a mãe

no reencontro;

APEGO INSEGURO-RESISTENTE - o bebê sofre muito, tem

muita angústia pela separação e busca o contato no reencontro, mas não pode

ser acalmado pela mãe e pode exibir forte resistência;

APEGO INSEGURO-DESORGANZADO – o bebê apresenta

comportamento misto, ora como evitante, ora como resistente.

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1.2 - Primeiras Vivências e Creche

“Todo aquele que cuida de uma criança deve conhecê-la e

trabalhar com base em uma relação viva e pessoal com o

objeto de seus cuidados, e não aplicar de forma mecânica

um conhecimento teórico. Basta estarmos presentes, e

sermos coerentemente iguais a nós mesmos, para

proporcionarmos uma estabilidade que não é rígida, mas

viva e humana, com a qual o bebê já pode sentir-se seguro.

É em relação a isso que o bebê cresce”. (Winnicott, 2006).

Pesquisas mostram que bebês abandonados, órfãos ou negligenciados

tornam-se apáticos, sem tonicidade motora, desinteressados pelo mundo ao

seu redor e podem até chegar a falecer. A Síndrome do Hospitalismo foi

descrita pelo psicanalista René Spitz após observar bebês separados de seus

pais que viviam em hospitais ou abrigos e onde recebiam cuidados físicos,

porém pouco afeto e atenção (Mente e Cérebro, vol. 1).

Com a entrada da criança na creche, o que acontece cada vez mais

cedo devido às atividades profissionais da mãe independentemente da classe

social a qual pertençam, faz com que este espaço se torne de fundamental

importância para o desenvolvimento do bebê/criança, assim como o ambiente

familiar.

A creche é hoje compreendida como espaço educativo, onde os

cuidados físicos e a satisfação de necessidades básicas como sono,

alimentação, banho, troca de fraldas, estão presentes não apenas como ações

de rotina, mas como situações de aprendizagens significativas tanto nos

aspectos cognitivo e motor como também afetivo. Tais situações permitem que

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a criança construa sua imagem corporal, esquema corporal, relações espaciais,

temporais, assim como são formas de comunicação não verbal.

Nessas interações entre o bebê e os adultos responsáveis pelos

cuidados a ele dispensados, o bebê constrói conhecimentos e acumula

experiências afetivas, cognitivas e motoras que vão sendo ampliadas através

de novas interações e de seu próprio desenvolvimento.

Na creche assim como no ambiente familiar o bebê precisa ter suas

necessidades físicas, mas também afetivas supridas pelos adultos através do

contato físico, da atenção. E assim como no ambiente familiar a criança tem na

mãe ou em alguns casos sua substituta a sua figura de referência, também na

creche esta figura de referência é desejável. A personalização das relações na

creche implica em grandes transformações qualitativas do atendimento

contribuindo para o desenvolvimento de relações significativas para a criança

que favorecem o seu desenvolvimento. Através das intervenções cotidianas

continuadas realizadas pelo mesmo adulto este percebe as necessidades da

criança e passa a ser capaz de atendê-las de forma eficiente.

“O papel central que pertence sempre à figura adulta não

está no colocar-se ao centro da atividade ou da atenção

das crianças, por exemplo, expressando avaliações, mas

está na sistematicidade com a qual, através das

intervenções diretas e indiretas, garante em cada situação

a correspondência pontual entre a experiência vivida

pelas crianças e os objetivos educacionais. (BANDIOLLI,

1998:146)”.

Uma especificidade da educação infantil é o binômio cuidar-educar que

vai se opor ao dualismo cartesiano corpo e mente, que em nossa sociedade

sempre esteve muito presente. O termo foi introduzido na década de 90 do

século passado, isto é, a pouco mais de 15 anos, a partir do reconhecimento

da educação infantil como primeira etapa da educação básica quando as

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atividades de cuidados precisavam estar integradas as atividades de cunho

mais pedagógico, assumindo o corpo como objeto da educação (TIRIBA,

2005:68 in: KRAMER, 2005).

O cuidar não se limita a ações de cuidados físicos, banho, entre outros,

mas também a cuidados individuais que são dedicados à criança como atenção

à sua fala, aos seus desejos e necessidades, aconchego.

A entrada da criança na creche é na maioria das vezes um processo

difícil tanto para os bebês quanto para suas famílias, o que requer do

educador/professor conhecimentos sobre este momento que é de grande

ansiedade para o bebê e que vai variar conforme a idade e as características

individuais. O período de adaptação ou de inserção da criança na creche varia

de indivíduo para indivíduo, no entanto, pode-se afirmar que é por volta dos 18

meses de vida que o processo de adaptação é mais difícil. Sendo muito comum

que neste período uma criança já adaptada necessite de novos períodos de

adaptação, já que com o seu crescimento e desenvolvimento suas percepções

sobre a separação da mãe se modificam.

A criança pode reagir de formas diferentes à separação da mãe:

o Olhar de cautela;

o Inibição;

o Expressão facial assustada;

o Tremor;

o Choro;

o Agarrar-se a alguém;

o Esconder-se;

o Gritar;

o Resistir à alimentação;

o Resistir ao sono;

o Apatia;

o Comportamentos agressivos;

o Passividade;

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o Agitação motora;

o Vômito;

o Diarréia;

o Febre;

o Alergia.

Os efeitos da separação vão variar conforme:

o Idade da criança;

o Duração da separação;

o Ambiente estranho;

o Se quem passa a cuidar é uma figura desconhecida (professores,

auxiliares).

Alguns fatores dificultam uma boa adaptação:

o Baixa responsividade dos educadores;

o Muitas crianças para 1 educador;

o Trocas constantes da equipe;

o Faltas freqüentes;

o Horários irregulares de entrada e saída.

Momentos mais estressantes para o bebê/criança:

o Chegada e saída;

o Hora de comer;

o Hora de dormir;

o Troca de fraldas;

o Mudanças de horários e hábitos;

o Brincar com crianças desconhecidas;

o Ser cuidado por adultos desconhecidos.

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O momento da adaptação da criança à creche vai ser decisivo para as

relações e interações futuras da criança naquele ambiente e no ambiente

familiar, o que influencia seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor.

Alguns aspectos são importantes para que esse processo ocorra de

forma mais tranqüila e, portanto mais favorável ao bom desenvolvimento da

criança.

Um adulto com quem a criança tem forte vínculo afetivo (mãe ou outro

parente) deve estar presente nos primeiros dias para auxiliar a criança na

descoberta do novo ambiente e das pessoas.

É importante que um adulto (professor/cuidador) crie vínculos com a

criança (figura de referência) e preferencialmente que permaneça(m) o(s)

mesmo(s) educador(es) durante pelo menos dois anos.

O horário de saída é muito importante para o bebê porque a partir da

rotina do berçário (horário de sono, de alimentação, etc) ele percebe que está

na hora de reencontrar a mãe. A irregularidade nesse horário causa angústia e

insegurança.

Após o fim de semana e feriados prolongados é comum que haja um

retrocesso na adaptação.

Algumas fases são mais críticas para a entrada na creche/berçário: 6 a

12 meses (fase do estranhamento), 15 a 22 meses (fase da crise da

reaproximação).

Durante o período de adaptação.os educadores devem observar e

registrar diariamente os seguintes aspectos: Interesse em brinquedos e no

ambiente, interação com outras crianças, interação com os adultos, qualidade

do afeto (Aceita ser consolado? Tem interesse nas atividades? Fica apático?,

Fica retraído?, etc...).

Uma boa adaptação não é marcada apenas pela ausência de choro.

Outros fatores são muito importantes: demonstrar interesse por outras crianças

e objetos; mostrar-se fisicamente ativo; diminuir a demanda pela necessidade

constante do adulto.

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Quanto mais satisfeita fica a mãe com a qualidade dos cuidados e da

atenção dispensados a ela e ao bebê, mais facilmente se dá o período de

adaptação, pois o bebê sente como a mãe se sente.

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CAPÍTULO 2

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR: A TEORIA DE

HENRY WALLON

“É contra a natureza tratar a criança de forma

fragmentária. Em cada idade constitui um conjunto

indissociável e original. Na sucessão de suas idades é um

único e mesmo ser em contínua metamorfose”. (Wallon,

1981:233).

Segundo Wallon (apud FONSECA, 2004) o desenvolvimento psicomotor

é uma organização hierarquizada que vai dos deslocamentos exógenos aos

deslocamentos coordenados e construtivos.

O Desenvolvimento infantil conforme proposto por Henri Wallon está

dividido em quatro fases ou estágios: Impulsivo-emocional, Sensório-motor e

Projetivo, Personalístico, Categorial e Puberdade e Adolescência.

A seqüência desses estágios obedece a algumas leis reguladoras

propostas por Wallon:

1ª Lei reguladora – Alternância de direções opostas entre os estágios.

O movimento predominante é para dentro (em direção ao conhecimento

de si mesmo) ou para fora, em direção ao conhecimento e exploração do

mundo exterior, e essa predominância se alterna entre os períodos ou estágios.

2ª Lei Reguladora – Alternância de predomínio das funções motoras,

cognitivas e emocionais.

3ª Lei Reguladora – Há uma hierarquia entre os conjuntos funcionais,

Istoé, os primeiros estágios são mais simples com atividades mais primitivas

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que vão sendo integradas aos conjuntos mais complexos, conforme as

possibilidades do sistema nervoso e do meio ambiente.

Podendo tais leis reguladoras serem expressas através do quadro

abaixo.

ESTÁGIOS DIREÇÃO FUNÇÃO

Impulsivo

emocional

Para o

conhecimento de

si mesmo

Motor

Sensório-motor e

Projetivo

Para o

conhecimento do

mundo exterior

Cognitivo

Personalístico Para o

conhecimento de

si mesmo

Afetivo

Categorial Para o

conhecimento do

mundo exterior

Cognitivo

Puberdade e

Adolescência

Para o

conhecimento de

si mesmo

Afetivo

Quando a direção é para o conhecimento de si mesmo, direção

centrípeta, a predominância é no componente afetivo. Enquanto na direção

para o conhecimento e exploração do mundo exterior, direção centrífuga, o

predomínio é no componente cognitivo. E afetivo e cognitivo tem como suporte

a atividade motora e acompanha todo o desenvolvimento.

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As características dos estágios ou fases do desenvolvimento propostos

por Wallon vão das atividades mais simples como as respostas reflexas a

diferentes estímulos até as mais complexas como a capacidade simbólica.

Neste capítulo serão abordados os dois primeiros estágios que

compreendem o período entre 0 e 3 anos de vida que é o período que este

trabalho enfoca.

O primeiro estágio – Impulsivo Emocional – vai do nascimento até o final

do primeiro ano de vida e está sub-dividido em duas etapas: a Impulsividade

motora e a tônico-emocional.

A primeira etapa vai até aproximadamente 3- 4 meses de vida e se

caracteriza pela total dependência do meio externo e a incapacidade de

perceber a diferenciação eu-outro, vivendo assim um estado fusional onde o

bebê não se percebe diferente de sua mãe.

Este estado fusional ou de simbiose afetiva marca o período inicial do

psiquismo em que a reciprocidade se dá por impulsos contagiantes suscitada

pela força da emoção.

Os movimentos reflexos e movimentos impulsivos são descontínuos e

não intencionais. Há uma total ausência de sistemas inibidores (Impulsividade

motora pura). Não é capaz ainda de perceber suas necessidades fisiológicas

primárias (alimentação, sono, etc) e nem as diferentes formas de satisfazê-las.

Suas percepções são de mal estar ou bem estar expressas através de

descargas motoras indiferenciadas. Cabe à mãe ou substituta estar atenta a

esses sinais para compreendê-lo e agir de forma a satisfazer suas

necessidades.

Da satisfação das necessidades básicas do bebê decorrem os primeiros

passos do desenvolvimento psicomotor (FONSECA, 2004) através do conforto

tátil produzido pelas e nas relações com a mãe. Nesta fase ocorre também a

maturação interoceptiva:

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“na qual as funções de respiração, nutrição, eliminação,

de sono, de reflexos intra e intersegmentares, entre

outros, atingem o seu período de integração tônica

visceral mais significativo, cujos substratos neurológicos

se situam preferencialmente e funcionalmente ao nível do

tronco cerebral (miencéfalo, metencéfalo e mesencéfalo).”

(FONSECA, 2004:97)

Através das respostas da mãe ou de sua substituta às suas ações, é que

o bebê transforma suas explosões impulsivas orgânicas em formas de ação

sobre o meio externo. Essas interações recíprocas entre o bebê e o adulto

cuidador (geralmente a mãe) são indispensáveis ao na evolução do

desenvolvimento do bebê.

“Segundo Wallon, é exatamente a ausência de

instrumentos cognitivos que faz a emoção ser um

instrumento de comunicação e de sobrevivência típico da

espécie humana, com o forte poder de mobilizar o

ambiente para atender às necessidades primordiais do

bebê, sem o qual ele pereceria.” (p. 25)

A passagem para a segunda etapa – tônico-emocional - se dá a partir do

momento que as descargas motoras indiferenciadas se transformam em meios

de expressão e comunicação mais elaborados, surgindo os primeiros sinais de

cognição.

A criança mantém com a mãe um diálogo tônico-postural, sendo afetado

por ela e a afetando, respondendo às suas carícias, entonação de voz, sorriso

e olhar. Os objetos não são mais interessantes para os bebês do que a

atividade ou presença humana.

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26

O tônus é a fonte da emoção uma vez que as manifestações da emoção

se dão através das variações do tônus. Através do tônus podemos perceber as

emoções que o sujeito está vivenciando.

“Podemos considerar que a função tônica dá suporte à

manifestação da emoção, o que estabelece entre elas

uma relação de profunda complementaridade”.(p.27)

No segundo estágio, o sensório-motor e projetivo, prepondera à

sensibilidade exteroceptiva dando espaço para as relações exploratórias do um

do mundo exterior e compreende o período entre 1 e 3 anos de idade. Este

estágio está sub-dividido em duas etapas: a etapa sensório-motora e a etapa

projetiva.

A etapa sensório-motora que compreende o período aproximado entre 1

e 2 anos de vida e se caracteriza por uma evolução psicomotora que vai dos

deslocamentos exógenos aos deslocamentos autógenos, onde apesar de

haver ainda uma dependência psicomotora os deslocamentos permitem uma

maior apropriação dos objetos e do mundo exterior.

Com o desenvolvimento da capacidade de se colocar na posição

sentada, por volta dos 9 meses aproximadamente, da posição bípede (por volta

dos 12 meses) e a capacidade de locomoção (engatinhar, marcha) a criança

passa a ver e interagir com o mundo e os objetos e as pessoas de forma mais

independente podendo manusear os objetos, subir e descer, ir de encontro às

pessoas, lugares e objetos, ampliando seu conhecimento do mundo exterior e

também do seu mundo interior.

“A maturação proprioceptiva, duplicando a interoceptiva,

reúne então novos substratos neurológicos, como o

cerebelo e o sistema límbico, nos quais a noção de corpo

(body percept) emerge como resultado de padrões

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locomotores, agora mais ativos, coordenados e

complexos do que na fase anterior”.(FONSECA, 2004:97).

Os exercícios sensório-motores iniciados no estágio anterior se tornam

cada vez mais objetivos. A criança percebe os efeitos causados pelos seus

movimentos e pela manipulação dos objetos passando a repeti-los de forma

consciente para que eles se repitam. Essa atividade circular permite a criança

vivenciar as diversas reações que seus atos produzem. Dessa forma ela

percebe a permanência do objeto, escondendo-o e encontrando-o, percebe

que a mãe não deixou de existir quando não está ao alcance de seus olhos.

Nesta fase o bebê/criança joga repetidas vezes um objeto ao chão para que o

adulto pegue-o, brincadeiras de esconder o rosto com uma fralda, por exemplo,

são muito interessantes para ele.

Com a conquista da capacidade da comunicação verbal que se

desenvolve a partir de uma dinâmica interativa, portanto social (Vygotski) a

criança amplia sua interação com o mundo externo. A competência para

comunicação verbal, isto é, a aquisição da linguagem, tem seu início no terreno

da ação de onde decorrem as primeiras ações mentais. Para FONSECA

(2004:60):

“O gesto reconstrói, assim, as primeiras intuições

representativas da intersecção social. O gesto precede a

representação”.

Com a capacidade de locomoção e da comunicação verbal a criança

ingressa num novo mundo que é o mundo dos símbolos. A capacidade

simbólica leva a criança à segunda parte desse período, a projetiva, que se

inicia por volta dos dois anos de idade. Pela ação motora a criança dá forma ao

seu pensamento. Nesta fase a criança fala e gesticula, indicando o tamanho

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daquele objeto que ela está descrevendo, ou movimenta seu corpo repetindo o

acontecimento que ela está narrando.

“Graças à função simbólica, isto é, à possibilidade de

representar o real, a criança pode elaborar mentalmente o

espaço, distribuir os objetos no espaço e no tempo,

representá-los e estabelecer signos para as

representações (MAHONEY, 2007:36)”.

Neste momento a criança através da experimentação a criança

estabelece as relações entre seus movimentos e sensações e começa a

explorar seu corpo assim como faz com os objetos. Essa exploração permite

que ela construa seu eu corporal, não apenas nomeando as partes do seu

corpo mas se diferenciando do mundo exterior, percebendo o que pertence ao

seu próprio corpo e o que pertence ao mundo exterior. A percepção das partes

de seu corpo vão se incorporando a sua unidade corporal.

No estágio seguinte, o personalístico, a criança irá fortalecer sua

capacidade simbólica e alcançar uma nova etapa em seu desenvolvimento que

é a diferenciação do seu eu psíquico.

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CAPÍTULO 3

SÍNTESE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO

BRASIL

Pensar a atuação do psicomotricista no contexto da creche1 exige

a compreensão das características deste tipo de atendimento em diferentes

contextos sociais e históricos, e das diferentes concepções sobre

desenvolvimento humano que influenciaram os diferentes modelos de

atendimento a essa faixa etária.

3.1 – Educação Infantil no Brasil

O atendimento em creches modificou-se muito ao longo dos anos por

estar associado às concepções do papel da mulher na sociedade e às

mudanças sociais e econômicas, como a expansão da indústria e o processo

de urbanização cada vez maior.

Até o início do século XX as crianças que freqüentavam creches eram

oriundas de famílias pobres, geralmente filhos de mães solteiras que não

podiam oferecer os cuidados necessários em casa durante parte do dia porque

precisavam trabalhar para prover o sustento da família – papel este entendido

neste período como dever do pai – o que gerava um sentimento de culpa

nessas mulheres fazendo com que a creche fosse vista por elas (mulheres),

pelas entidades mantenedoras da creche e pela sociedade em geral como um

favor prestado a essas mulheres.

1 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20/12/1996, em seu artigo 30 a educação infantil será oferecida em creches , ou entidades equivalentes , para crianças de até 3 anos de idade.

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Com a industrialização no país, e a chegada de muitos imigrantes para o

trabalho nas fábricas e a entrada no mercado de trabalho de mulheres não

apenas solteiras, mas também casadas, os trabalhadores, que começavam a

se organizar em sindicatos, começaram a reivindicar entre outros direitos, o

direito a creche para seus filhos durante a jornada de trabalho que muitas

vezes excedia às 12 horas diárias. Ainda assim as creches continuavam a

ter um cunho assistencial, remediando uma situação entendida como não ideal,

na visão dos trabalhadores tanto como dos patrões para quem o cuidado dos

filhos era papel da mulher e que estas não o estavam desempenhando por

necessidade econômica.

O atendimento de cunho assistencial era reforçado por médicos

sanitaristas que viam na creche a saída para as questões de saúde dessas

crianças. Desta forma, o atendimento as crianças era voltado para a guarda,

para a satisfação das necessidades básicas de sono, alimentação, higiene e

segurança física.

Com um novo aumento da participação feminina no mercado de trabalho

nas décadas de 30 e 40 do século passado e a preocupação com o aumento

da marginalidade de crianças das classes populares a discussão sobre a

necessidade de creches como agências promotoras de bem-estar foi retomada,

perdurando durante décadas.

“(...) com o Decreto nº 20.525, de setembro de 2001, a

Secretaria Municipal de Educação (SME) entrou na

trajetória histórica das creches no município do Rio de

janeiro que antes estavam sob a responsabilidade da

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS).

As creches administradas estavam sob uma ótica da

política de assistência, ao passo que, vinculadas a SME,

postulariam o caráter de políticas públicas básicas”.

(SOUSA, 2007:153).

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Em meados da década de 60 surge a teoria da “privação cultural”,

segundo a qual as crianças das classes populares necessitavam de maiores

estimulações cognitivas para serem preparadas para a alfabetização,

considerando que a carência do ambiente familiar e social em que estavam

inseridas às deixavam cognitivamente aquém das crianças de ouras classes

sociais, se propondo a compensar as carências culturais, deficiências

lingüísticas e defasagens afetivas. Assim o atendimento em creches visava

superar as condições sociais precárias das crianças através de uma educação

compensatória. Inexistia uma preocupação com o desenvolvimento infantil, a

sociabilidade, a criatividade e a construção de conhecimentos. O papel da

creche era suprir deficiências e carências das crianças das classes populares e

prepará-las para o ingresso no ensino primário.

Com os movimentos feministas, populares e de luta por creches nos

grandes centros urbanos nas décadas de 60 e 70 houve um aumento de

creches mantidas pelo poder público. No Rio de Janeiro é criada em 1979 a

Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social que torna institucional

“(...) o atendimento às crianças que era feito na

informalidade em creches e escolas comunitárias e por

crecheiras, foi marcado pelas recomendações de

organismos internacionais que propunham a expansão do

serviço a baixo custo, o que significa dizer, com a

utilização da mão-de-obra comunitária para a execução

do trabalho. A participação da comunidade era restrita,

impedindo –a de atuar nos direcionamentos políticos do

serviço”.(SOUSA, 2007:153).

Com a Constituição Federal de 1988, a creche passa a ser reconhecida

como instituição educativa, um direito da criança, uma opção das famílias e um

dever do Estado. Inicia-se um processo de repensar a função da creche

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enquanto espaço educativo voltado para o desenvolvimento cognitivo,

emocional e social da criança.

Um novo avanço é alcançado com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional nº 9.394 de 20/12/1996 que inclui a educação infantil como

primeira etapa da educação básica que tem por “finalidade o desenvolvimento

integral da criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico,

intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (art.

29)”.

A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança (ECA) de 1990, a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 são indicativos

dos avanços nas discussões sobre a função da educação infantil. No entanto,

“Essa mudança não se faz por simples determinação

legal; é um processo gradativo e exige reestruturações

que vão das regulamentações dos Conselhos Municipais

de Educação (CME), reorganização das SMEs e alocação

de recursos físicos (instalações, equipamentos, materiais)

e financeiros à qualificação, formação, ao plano de

carreira, ao vínculo empregatício, entre outros, dos

profissionais que trabalham na educação infantil. A

integração implica, numa primeira instância, em

reconhecer as instituições que atendem crianças de 0 a 6

anos para levantar as condições em que o atendimento é

feito, criar critérios mínimos para seu funcionamento e

credenciamento, rever convênios, contratos, captar

recursos e buscar formas de ampliar e homogeneizar, é

respeitar as diferenças saudáveis e necessárias e diminuir

as que têm segregado a infância desde os primeiros

meses de vida (NUNES, CORSINO, KRAMER, 2005:21).

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Essa mudança no enfoque do atendimento em creches e de sua função

se dá concomitantemente aos processos sociais e econômicos e às diferentes

concepções de desenvolvimento infantil que podem ser divididas em três

grupos teóricos: inatista, ambientalista e interacionista.

A concepção inatista considera que o desenvolvimento humano é um

processo biológico e as características do indivíduo, não somente físicas, mas

psicológicas seriam passadas hereditariamente, não sofrendo influência do

meio em que o indivíduo está inserido.

Na concepção ambientalista o desenvolvimento não é influenciado por

características biológicas, somente os mais simples reflexos humanos são

inatos. A criança nasce sem características psicológicas determinadas. O

desenvolvimento infantil é determinado basicamente pelas experiências e pelo

ambiente, assim, todos os importantes atributos comportamentais são

adquiridos. O sujeito tem um papel passivo no processo de conhecimento e

desenvolvimento e a partir das condições que o ambiente oferece que a

criança se desenvolve. “O bebê é uma folha de papel em branco (tabula rasa)”.

As teorias ambientalistas nortearam os programas de estimulação

precoce e de educação compensatória voltados para as classes populares nas

décadas de 60 e 70 e influenciaram de forma efetiva o trabalho realizado em

creches neste período.

A concepção interacionista, que tem como seus principais teóricos Jean

Piaget, Henry Wallon e Lev S. Vigotsky, considera que o desenvolvimento é

biológico e social.

“As características biológicas preparam a criança para

agir sobre o social e modificá-lo, mas esta ação termina

por influenciar na construção das próprias características

biológicas da criança. (OLIVEIRA, 2005: 29)”.

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O indivíduo nasce com características biológicas próprias, mas estas

não são determinantes de suas capacidades. A interação com o meio social em

que está inserida e suas vivências interagem com o biológico. E a ação do

indivíduo no ambiente também o modifica. Há uma relação recíproca: o

indivíduo é influenciado pelo meio e o meio também é influenciado pelo

indivíduo.

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CAPÍTULO 4

Educação Psicomotora

“As pequenas atividades cotidianas tornam-se hábitos

sobre os quais a criança fundamenta sua autonomia”.

(Tonnucci)

A educação psicomotora realizada em creches com crianças portadoras

ou não de necessidades educativas especiais tem a finalidade de criar

condições para que a criança possa desenvolver as funções psicomotoras

(esquema corporal, imagem corporal, tônus muscular, coordenação motora

global, coordenação motora fina, coordenação óculo-manual e óculo-pedal,

estruturação e organização espacial e temporal, lateralidade, equilíbrio e ritmo)

favorecendo seu desenvolvimento global.

“Pela educação psicomotora, a criança reestuda

dentro de si, as informações recebidas de fora e, depois,

as exterioriza através de uma linguagem corporal

coerente com seu equilíbrio psíquico. A criança bem

estruturada, internamente, trabalha com sucesso, os três

fatores básico vitais: as sensações, as emoções e os

movimentos.(Canougia, 1986, 97).”

Para Lapierre (apud Alves, 2005: 115):

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“a educação psicomotora é uma ação

psicopedagógica que utiliza os meios da educação física,

com a finalidade de normalizar ou melhorar o

comportamento do indivíduo”.

Para Alves (2005:131) na educação psicomotora realizada na educação

infantil:

“a prioridade deve ser ajudar a criança a ter uma

percepção adequada de si mesma, compreendendo suas

possibilidades e limitações reais e ao mesmo tempo,

auxiliá-la a se expressar corporalmente com maior

liberdade, conquistando e aperfeiçoando novas

competências motoras”.

A educação psicomotora vai considerar as fases do desenvolvimento em

que se encontra a criança e atuar de forma a estimular suas potencialidades

através de atividades prazerosas e lúdicas onde a motricidade é desenvolvida

através da realização das atividades cotidianas, do jogo e da brincadeira.

4.1 – Jogo e Brincadeira

O jogo e a brincadeira são os instrumentos de trabalho do

psicomotricista, permitindo a expressão dos sentimentos e o desenvolvimento

das áreas (comunicação, expressão, afetividade, agressividade, limites,

corporeidade), e funções psicomotoras.

O termo jogo nos remete a diversos e diferentes tipos de jogos: faz-de-

conta, de construção, de regras, de palavras, políticos, de animais, entre outros

(KISHIMOTO, 2003).

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O jogo foi objeto de estudo de diversos teóricos do desenvolvimento

infantil e de diferentes áreas como a antropologia (Bateson, Schwartzman,

Sutton-Smith, Henriot, Brougère), lingüística (Cazden, Vygotski, Weir), história

(Huizinga, Caillois, Ariés, Manson, Jolibert, Margolin), filosofia (Aristóteles,

Platão, Schiller, Dewey), psicologia (Bruner, Jolly e Sylva, Fein, Freud, Piaget,

Winnicott, Wallon), educação (Chateau, Vial, Alain) (KISHIMOTO, 2003).

Os autores que discutem o jogo e suas características assinalam alguns

elementos que pertencem aos jogos infantis:

“1. liberdade de ação do jogador ou o caráter

voluntário, de motivação interna e episódica da ação

lúdica; prazer (ou desprazer), futilidade, o "não-sério” ou o

efeito positivo;

2. regras (implícitas ou explícitas);

3. relevância do processo de brincar (o caráter

improdutivo), incerteza de resultados;

4. não-literalidade, reflexão de segundo grau,

representação da realidade, imaginação, e

5. contextualização no tempo e no espaço.

(KISHIMOTO, 2005:27)”

O jogo nem sempre é fonte de prazer para a criança. Par Vygotski o jogo

nem sempre é prazeroso porque em muitos casos há esforço e desprazer na

busca do objetivo da brincadeira. Para a psicanálise o prazer também não está

sempre presente visto que em muitas situações de jogos a criança representa

através deles muitas situações dolorosas.

O jogo na educação infantil é um instrumento que favorece as situações

de aprendizagem e o próprio desenvolvimento infantil ao favorecer a

afetividade através da ação intencional; a cognição, através das

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representações mentais; o desenvolvimento motor, através da manipulação de

objetos e de ações sensório-motoras; assim como o aspecto social, através as

interações que ele permite do indivíduo com o mundo exterior e com seus

pares e com adultos.

O jogo assume então as funções lúdica e educativa. Lúdica quando

escolhido voluntariamente e proporciona diversão, prazer ou desprazer; e

educativa, quando através do jogo o indivíduo apreende novos conhecimentos,

reelabora conhecimentos prévios.

Para Winnicott o brincar está presente no bebê e a mãe é figura

fundamental nesse processo que permite ao bebê sua constituição como

sujeito. É nesse brincar do bebê com sua mãe e através de sua mãe que o

bebê vai sair do estado fusional que se encontrava para um estado de

diferenciação eu-outro.

As primeiras relações com o outro se dão após o nascimento, no contato

mãe-bebê, quando para o bebê:

“nada existe além dele próprio, e, portanto a mãe é,

inicialmente, parte dele. Em outras palavras, há algo aqui,

que as pessoas chamam de identificação primária. Isto é

o começo de tudo, e confere significado a palavras muito

simples, como ser”. (WINNICOTT, 2006:.9).

Nesta primeira fase da vida pós-uterina bebê e mãe vivem em um

estado fusional, onde o bebê não se percebe como diferente de sua mãe, nem

percebe o mundo. A mãe suficientemente boa (WINNICOTT) está atenta às

necessidades do seu bebê e as satisfaz, e a partir dessas interações mãe-bebê

são desenvolvidas as bases para todas as relações que uma criança vai

desenvolver. E relações significam contatos com os objetos, com as pessoas,

com as sensações e sentimentos, com seu desenvolvimento cognitivo, motor,

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etc. A partir dessas relações o bebê inicia o processo de diferenciação eu-outro

(bebê-mãe).

4.2 - A Atividade Psicomotora de 0 a 3 anos

“Tomo consciência de

mim, originalmente, através

dos outros: deles recebo a

palavra, a forma e o tom que

servirão para a formatação

de mim mesmo”.

BAKHTIN

A construção da noção de espaço se dá primeiramente pelo

conhecimento e pela diferenciação EU-OUTRO. É a partir da diferenciação do

seu eu corporal e do mundo ao seu redor o sujeito percebe o espaço exterior e

se orienta nele.

A primeira percepção do espaço é dinâmica, e se dá no espaço vivido,

espaço concreto. Essas relações com o espaço vão se modificando até chegar

a ser capaz de abstrair as noções espaciais.

1º - A criança percebe seu corpo no espaço;

2º - A criança percebe a posição dos objetos em relação ao seu corpo;

3º - A criança percebe a posição dos objetos entre si.

A conquista desse espaço se dá primeiro no plano horizontal e depois

no vertical.

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“A verticalidade é a primeira aquisição e o seu controle

permite a criança ver o mundo de outra maneira, não mais

depende do outro passando de um espaço bucal para um

espaço próximo, havendo mais liberdade de manipulação.

Com o domínio da marcha, ocorre o ingresso num espaço

locomotor, passando a agir através do seu próprio

deslocamento”. (ALVES, 2005: 70).

A partir das relações no espaço vivido a criança estabelece as relações

topológicas, que, de acordo com CONDE (1997 in SANCHEZ, 2003:37),

possibilitam o conhecimento dos seguintes conceitos espaciais:

o Relações de orientação: esquerda-direita; acima-abaixo; em

frente-atrás;

o Relações de situação: dentro-fora; em cima-embaixo; interior-

exterior; aqui-ali;

o Relações de superfície: espaços cheios-espaços vazios;

o Relações de tamanho: grande-pequeno; alto-baixo; largo-estreito;

o Relações de direção: à esquerda - à direita; a partir daqui;

o Relações de distância: perto - longe; junto-separado;

o Relações de ordem ou sucessão: primeiro - último; seqüências

por diversas qualidades.

A construção da imagem corporal e do esquema corporal pela criança é

um processo que se inicia nos primeiros dias de vida e vai se aperfeiçoar e

organizar ao final da infância entre os seis e os doze anos de vida.

Durante os três primeiros anos de vida, o controle do tônus muscular, a

mobilidade do corpo desde os deslocamentos exógenos aos deslocamentos

autógenos vão permitindo a construção da imagem e esquema corporal.

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A atuação do psicomotricista nesta fase vai auxiliar no desenvolvimento

das diferentes áreas e funções psicomotoras através de exercícios/atividades

que permitam ao bebê/criança explorar seu corpo com suas possibilidades de

ação e de equilíbrio (passagem da postura deitada para a bipedal), a

consciência das partes do seu corpo e de sua totalidade, a exploração do

ambiente, dos objetos, os deslocamentos (arrastar-se, engatinhar, ficar de pé

com apoio, ficar de pé sem apoio, andar, andar, correr, pular em dois pés, rolar,

etc).

4.2.1 – Objetivos da Educação Psicomotora – 0 a 3 anos

A atividade psicomotora realziada na creche com crianças entre 0 e 3

anos de vida deve contribuir para que a criança seja capaz de:

o Familiarizar-se com a imagem do seu próprio corpo por meio das

brincadeiras, espelhos e da interação com os outros;

o Deslocar-se com destreza progressiva no espaço ao andar, correr, pular,

rolar, engatinhar, arrastar-se, etc.;

o Explorar e utilizar os movimentos de preensão, encaixe, lançamento, de

objetos diversos;

o Explorar as sensações e ritmos do próprio corpo por meio de gestos e

linguagem oral;

o Ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros diversos;

o Brincar com a música, imitar, reproduzir canções;

o Participar de brincadeiras e jogos cantados;

o Participar de situações que integram música e movimentos corporais;

o Participar de diferentes situações de comunicação oral;

o Participar de situações de leitura de diferentes gêneros feita pelos

adultos com livros, fantoches, dedoches, etc.;

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o Ampliar o conhecimento de mundo manipulando diferentes objetos e

materiais, explorando suas características e propriedades;

o Comunicar e expressar seus desejos, desagrados, necessidades,

preferências e vontades em brincadeiras, atividades cotidianas e através

da linguagem oral;

o Reconhecer e nomear as partes do próprio corpo;

o Identificar progressivamente algumas singularidades próprias e das

pessoas com as quais convive no seu cotidiano;

o Interessar-se pelas brincadeiras e pela exploração de diferentes

brinquedos;

o Participar de brincadeiras de “esconder e achar” e brincadeiras de

imitação.

4.3 – Sugestões de Atividades Psicomotoras

o Trocar sua posição no berço para que o bebê possa observar o

ambiente, os objetos e as pessoas de diferentes e diversos

ângulos;

o Utilizar móbiles no berço e no teto, pendurados de modo que se

movimentem e que o bebê possa alcançar;

o Oferecer / mostrar objetos com cores e formas diferentes (leves e

sem pontas) que devem ser movimentados pelo adulto, de forma

que o bebê o acompanhe com o olhar, o pescoço e o corpo;

o Oferecer blocos, caixas e objetos que possam ser relacionados a

seu modo através da manipulação do bebê enquanto brinca;

o Dar ao bebê para brincar objetos redondos que possam rolar;

o Mexer o corpo do bebê de um lado para o outro, rolar seu corpo,

sentá-lo;

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o Utilizar as cantigas, parlendas, brincos para bater palmas,

movimentar o corpo, mapear as partes do corpo, imitar animais,

situações, etc;

o Colocar o bebê frente a um espelho preso à parede, na sua

altura, de modo que ele possa ver seu corpo inteiro e interagir

com a imagem refletida;

o Em banheiras ou piscininhas, oferecer brinquedos que flutuem e

que afundem, que esguichem água, que emitam sons, esponjas,

etc;

o Atividades de esconder e achar com fraldas, panos, escondendo

o rosto ou objetos;

o Brinquedos de entrar e sair, como caixas e túneis de pano;

o Oferecer fantoches, marionetes, bonecos de pano, onde possa

enfiar a mão e outros objetos;

o Manusear livros de pano e de banho;

o Jogos com bolas;

o Amarelinha;

o Exploração de Blocos lógicos;

o Blocos de encaixe;

o Jogos de construção;

o Morto-vivo;

o Coelhinho na toca;

o Boliche gigante;

o Circuitos motores;

o Jogos orais (imitar sons onomatopaicos: tic-tac, piuí-piuí; imitar os

sons dos animais: au-au, miau, muuu, etc).

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CONCLUSÃO

A importância dos três primeiros anos de vida para o desenvolvimento

integral da criança é entendido por profissionais de educação e saúde como

um fato incontestável. Muitas questões ainda permanecem em aberto, outras

causam polêmica, mesmo assim um ponto é aceito por todos: a qualidade das

interações e experiências que a criança tem e vive tanto no ambiente familiar

como na creche, em hospitais, nos casos de crianças que ficam hospitalizadas

por pequenos ou longos períodos, orfanatos e abrigos são fundamentais para

que seu desenvolvimento ocorra de forma favorável.

Este trabalho pretendeu abordar algumas questões relativas ao papel da

creche, enquanto instituição educativa, no processo de desenvolvimento

integral da criança a partir da educação psicomotora como um processo de

ajuda que acompanha a criança em seu próprio percurso maturativo, que vai

desde a expressividade motora e do movimento até a capacidade de

descentração (SÁNCHEZ, 2003) de forma global, onde afetividade, cognição e

motricidade são aspectos globais do desenvolvimento.

A qualidade dos vínculos entre os adultos responsáveis pelos cuidados

com a criança na creche estão diretamente ligadas ao grau de responsividade

desses profissionais e vão proporcionar às crianças melhores ou piores

experiências em diversos níveis influenciando de forma benéfica ou não seu

desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo.

O papel do psicomotricista que atua na educação infantil, e neste caso

específico na creche com crianças entre 0 e 3 anos de vida, é estar atuando de

forma direta no atendimento às crianças, mas também junto aos profissionais e

pais abrindo espaços de escuta e de debate acerca das necessidades e

características desta fase da vida, incentivando que a prática psicomotora não

se restrinja apenas aos momentos em que o psicomotricista está atuando

diretamente com as crianças e sim que a atividade psicomotora é natural do

ser humano.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO S 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

EPÍGRAFE 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

A IMPORTÂNCIA DAS RIMEIRAS VIVÊNCIAS PARA O

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR 11

1.1 – Vínculo Primário e Teoria do Apego: definindo conceitos 11

1.2 Primeiras Vivências e Creche 16

CAPÍTULO II

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR: A TEORIA DE HENRY

WALLON 22

CAPÍTULO III

SÍNTESE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL 29

CAPÍTULO IV

EDUCAÇÃO PSICOMOTORA 35

4.1 – Jogo e Brincadeira 36

4.2 – A Atividade Psicomotora de 0 a 3 anos 39

4.2.1 – Objetivos da Educação Psicomotora – 0 a 3 anos 41

4.3 – Sugestões de Atividades Psicomotoras 42

CONCLUSÃO 44

BIBLIOGRAFIA 45

ÍNDICE 48

FOLHA DE AVALIAÇÃO 49

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

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