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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE LIMITES À TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL DIRETA Por: José Álvaro Manhães Wagner Orientador Prof. Roberto de Bastos Léllis Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITES À TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FEDERAL DIRETA

Por: José Álvaro Manhães Wagner

Orientador

Prof. Roberto de Bastos Léllis

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

PROJETO A VEZ DO MESTRE

LIMITES À TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FEDERAL DIRETA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Direito Público

e Tributário.

Por: José Álvaro Manhães Wagner

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AGRADECIMENTOS

A Fernanda Nunes, pelo incentivo.

A Gabriela Nunes, pelo espírito de

equipe revelado ao longo destes doze

últimos meses.

A Valéria Cordeiro, pela

disponibilização de parte do material

usado nesta pesquisa.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Maria Luísa e Ana

Carolina que, pequenas ainda, souberam

respeitar o papai quando este estava

concentrado no seu processo criativo.

Também aos meus colegas do TRE-RJ

que elaboram projetos básicos e editais,

pesquisam preços de mercado, realizam

licitações e fiscalizam contratos, dedico

estas reflexões.

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RESUMO

A terceirização de serviços na Administração Pública federal, admitida

e incentivada por lei desde a edição do Decreto-lei 200/67, ganhou forte

impulso a partir de meados da década de 1990, juntamente com as sucessivas

reformas à Constituição da República Federativa do Brasil/1988, visando à

mudança do paradigma de Estado prestador de serviços, atuando fortemente

na economia, para o de Estado gerencial, focado na prestação de serviços

essenciais e tipicamente estatais e na regulação de áreas estratégicas da

economia. Neste contexto, reformas na Administração Pública foram

empreendidas em busca de incremento da eficiência, da transparência e do

controle dos gastos públicos. A terceirização de serviços foi uma das

ferramentas utilizadas pelo poder público para alcançar estes objetivos e para

concentrar sua atuação nas suas funções essenciais. Contudo, a terceirização

indiscriminada gerou situações de fraude à legislação trabalhista, com

prejuízos para os trabalhadores e para o ordenamento jurídico em geral,

devido à ofensa ao princípio da legalidade. Esta realidade leva à indagação

acerca da existência dos limites para a terceirização na Administração Pública

federal e da importância em observá-los. A resposta foi buscada na legislação,

na doutrina jurídica, na jurisprudência e nas decisões do Tribunal de Contas da

União. Os limites existem e consistem em vedações impostas por diplomas

legais e entendimentos jurisprudenciais, em regras e boas práticas a serem

seguidas pela Administração ao realizar as licitações que precedem os

contratos de terceirização e ao fiscalizar sua execução, visando à redução dos

riscos inerentes a estes contratos, com especial destaque para a

responsabilidade da Administração por eventuais danos deles decorrentes,

causados a terceiros.

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METODOLOGIA

O acompanhamento diário do trâmite de processos administrativos

relativos a contratos de terceirização de serviços na Administração Pública

federal direta, aliado à leitura de algumas reportagens e artigos sobre a

terceirização, fez surgir o interesse em pesquisar este tema.

O trabalho aqui apresentado resulta de pesquisa bibliográfica, com

cinco fontes distintas. A base legal foi encontrada na Constituição da República

Federativa do Brasil, de 1988, além da legislação federal infraconstitucional,

destacando-se a relativa a licitações e contratos, à contratação temporária e à

regulamentação da terceirização de atividade-meio na Administração Pública

federal. A segunda espécie de fonte bibliográfica foram livros e artigos

doutrinários de cunho jurídico tratando de matérias dos ramos constitucional,

administrativo, trabalhista e civil. A terceira fonte foi a jurisprudência dos

Tribunais, especialmente a do Tribunal Superior do Trabalho, além das

decisões do Tribunal de Contas da União, pinçadas com a finalidade de

ilustrar, com casos concretos, os pontos apresentados ao longo da exposição.

Outro tipo de fonte bibliográfica foram apostilas de cursos e seminários que

também trataram do tema, de maneira específica ou dentro de um contexto

mais amplo. Por fim, algumas reportagens forneceram subsídios para

demonstrar a atualidade e o interesse despertado pelo tema nos meios de

comunicação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 9

CAPÍTULO I - ASPECTOS GERAIS DA TERCEIRIZAÇÃO ....................... 14

1.1 Conceito e espécies de terceirização .................................................... 14

1.2 Evolução da terceirização no mundo e no Brasil ................................... 15

1.3 Flexibilização da relação trabalhista

..................................................... 20

1.4 A relação jurídica tomadora x prestadora de serviço x empregado .... 22

1.5 Atividade-fim x atividade-meio ............................................................... 23

1.6 Terceirização lícita x ilícita ..................................................................... 25

CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA

CRFB/1988 .................................................................................................

29

2.1 Administração Pública ........................................................................... 30

2.2 Princípios da Administração Pública ...................................................... 31

2.2.1 Princípio da legalidade ....................................................................... 33

2.2.2 Princípio da impessoalidade ............................................................... 34

2.2.3 Princípio da moralidade administrativa ............................................... 35

2.2.4 Princípio da publicidade ...................................................................... 36

2.2.5 Princípio da eficiência ......................................................................... 36

2.3 Concurso público ................................................................................... 38

2.4 Licitação ................................................................................................ 43

CAPÍTULO III – CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL DIRETA .......................................

46

3.1 Contratos da Administração ................................................................... 46

3.2 Atividades administrativas passíveis de terceirização ............................ 47

3.3 Edital de licitação de contrato de terceirização ...................................... 51

3.3.1 Riscos inerentes ao contrato administrativo ........................................ 53

3.3.1.1 Riscos operacionais ......................................................................... 53

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3.3.1.2 Riscos técnicos ................................................................................ 54

3.3.1.3 Riscos financeiros ........................................................................... 55

3.3.1.4 Riscos jurídicos ............................................................................... 57

3.3.2 Riscos nos contratos de terceirização de serviços ............................. 57

3.3.3 Redação do edital de licitação de terceirização de serviços ............. 60

3.4 Fiscalização de contrato de terceirização .............................................. 68

CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES

DOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS ........................

72

4.1 Breve histórico da evolução da responsabilidade civil do Estado ....... 73

4.2 A regra do art. 37, § 6.º, da CRFB/1988 ................................................ 77

4.3 Responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes dos contratos

de terceirização

................................................................................................

80

4.4 Responsabilidade da Administração pelas obrigações trabalhistas,

previdenciárias, fiscais e comerciais da prestadora de serviço ...................

84

4.4.1 Responsabilidade pelas obrigações trabalhistas

................................. 84

4.4.2 Responsabilidade pelas obrigações previdenciárias .......................... 89

4.4.3 Responsabilidade pelas obrigações fiscais e comerciais .................. 91

CONCLUSÃO ............................................................................................. 92

ÍNDICE DE ANEXOS ..................................................................................

Anexo 1: Reportagem: Terceirização é ordem em Brasília .........................

Anexo 2: Entrevista com o Secretário de Recursos Humanos do governo

federal, Luís Fernando Silva ........................................................................

Anexo 3: Reportagem: O governo se prepara para reduzir a terceirização

Anexo 4: Decreto 2.271/97 ..........................................................................

99

100

102

110

112

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 114

ÍNDICE ........................................................................................................ 119

FOLHA DE AVALIAÇÃO ............................................................................. 121

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INTRODUÇÃO

O mundo vive uma era de irreversível globalização. Iniciado na época

das grandes navegações ibéricas, que culminaram com a integração

econômica de partes do mundo até então desconhecidas dos europeus às

suas metrópoles, este processo continuou com a era dos impérios coloniais,

que tiveram seu auge no século XIX, até chegar ao ponto atual, com o

enfraquecimento dos Estados nacionais em face do fortalecimento de

organismos privados transnacionais que paulatinamente forçam a derrubada

de barreiras legais nacionais ao livre trânsito de riquezas e pessoas.

É remota a existência do comércio entre povos de diferentes culturas.

Na Antigüidade existia um intenso intercâmbio de mercadorias e idéias entre o

Oriente e a Grécia. Séculos mais tarde, desenvolveu-se o comércio entre

algumas cidades-estado da península italiana e o Oriente. Portugal e Espanha,

a partir do século XVI, deram novo impulso a este movimento, introduzindo na

Europa produtos produzidos em seus vastos territórios na América e também

na Ásia. A partir da ascensão da Inglaterra como potência militar,

sobrepujando o poderio espanhol, o mundo conheceu o primeiro império

verdadeiramente global. Com efeito, tão grande era a presença do Império

Britânico no mundo todo, no século XIX, que era conhecido como o império

onde o sol nunca se punha. Ao domínio britânico sucedeu o norte-americano,

após o final da Segunda Guerra Mundial. Nestes dois últimos casos, havia

empresas britânicas e americanas instaladas em diversas partes do planeta e,

na segunda metade do século passado, sociedades empresárias norte-

americanas, européias e japonesas aumentaram o volume de investimentos

produtivos no exterior, especialmente nos países capitalistas, num mundo

dividido em duas esferas de influência e formas de condução da economia

bem distintas: a americana, baseada na livre iniciativa, e a soviética, centrada

no planejamento e condução estatais.

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Com o colapso da União Soviética, cujo processo começou nos últimos

anos da década de 1980, culminando com a extinção formal daquela

federação em 1991, o capitalismo, que desde o final dos anos 1970 já

retornava ao molde liberal do século XIX, viu-se sem opositor. O Estado do

Bem-Estar Social, intervencionista e prestador de numerosos serviços à

população, tornara-se muito oneroso e ineficiente e sua manutenção só era

viável como forma de afastar a influência política dos partidos comunistas. A

interligação econômica dos mercados dos países de todos os continentes do

planeta, que já vinha se acentuando desde a década de 1960, tornou-se cada

vez mais acelerada, devido ao espantoso avanço tecnológico no campo da

informática e das telecomunicações, o que ampliou mercados, homogeneizou

costumes e práticas empresariais e, conseqüentemente, diluiu a importância

das fronteiras nacionais.

O vácuo deixado pelo fim da União soviética permitiu que as idéias

econômicas neoliberais se tornassem hegemônicas na comunidade financeira

internacional, inspirando o Consenso de Washington, conjunto de regras

proposto pela Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos da América - EUA,

Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional – FMI, e as principais

instituições bancárias do G7 (grupo formado pelas sete maiores economias do

mundo), para estabilização das economias dos países emergentes, cujas

propostas básicas são abertura dos mercados internos, estrita disciplina fiscal

com corte de gastos sociais, privatizações, desregulamentação do mercado,

reforma tributária e flexibilização das relações de trabalho.

Já se afirmou que os mentores do Consenso de Washington são as

gigantescas sociedades empresárias que controlam a maior parte da economia

mundial e têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do

pensamento e da opinião. São estes atores que promovem a grande

mobilidade dos meios de produção, sempre em busca dos locais com menos

amarras de direito interno, possibilitando maiores menores custos e maiores

margens de lucro. A busca do menor custo e da maior produção para atender

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a uma demanda mundial levou ao ocaso do paradigma fordista de produção,

em que todas as fases de produção eram centralizadas numa mesma

empresa. Atualmente predomina o modelo toyotista, em que a produção é

fragmentada por vários agentes econômicos, empresas satélites que prestam

serviços e fornecem insumos à empresa-mãe, muitas vezes dispersas por

vários estados, com o objetivo de aproveitar seletivamente as vantagens

proporcionadas péla legislação interna de cada um. Este modelo de produção

leva à retração do mercado de trabalho formal e ao incremento do fenômeno

conhecido como terceirização, fragilizando a situação dos trabalhadores e dos

sindicatos.

Países de economias emergentes, ávidos por investimentos para

alcançarem os níveis de vida do Primeiro Mundo, têm que se ajustar à

realidade de que seus ordenamentos jurídicos têm que se adequar aos

interesses dos poderosos agentes econômicos privados e não o contrário. O

Brasil, que promulgara uma Constituição voltada para a promoção da justiça e

do bem-estar social, em 1988, foi pego pela onda neoliberal que varreu o

planeta logo após, tendo que promover diversas adaptações tanto na

Constituição como no ordenamento jurídico infraconstitucional, buscando a

eliminação das restrições ao capital estrangeiro e o aumento da participação

da iniciativa privada na economia do país. Neste sentido, vieram a

flexibilização de monopólios estatais sobre gás canalizado, telecomunicações e

o petróleo, o processo de privatizações e desestatizações e as reformas

visando à alteração da estrutura da administração pública, tornando-a menor,

mais eficiente, menos onerosa e preocupada com metas de desempenho. O

Estado brasileiro começou a se retrair, tornando-se gerencial, ao invés de

prestador de serviços, passando a receber o influxo de normas e práticas

adotadas por entidades privadas nacionais ou supranacionais, detentoras de

efetivo poder social e econômico.

O cenário deste novo modelo de Estado é o de sua fragilização diante

da mobilidade dos investimentos, da competição entre países por estes, e da

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volatilidade do capital financeiro, que circula com impressionante velocidade,

por meio eletrônico, por vários países. As fontes normativas situam-se, cada

vez mais, fora das fronteiras, em tratados de formação de blocos econômicos,

de redução de tarifas alfandegárias e livre comércio e também em convenções

sobre direitos humanos. Alterações no ordenamento jurídico são inevitáveis

para integrar-se no irrefreável processo de globalização econômica, muitas

vezes prejudiciais aos direitos dos trabalhadores.

É por estas razões que Daniel Sarmento alerta para a necessidade de

maior vinculação dos particulares aos direitos fundamentais consagrados na

Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, de 1988. A teoria

liberal clássica confinou os direitos humanos às relações entre indivíduo e

Estado. Contudo, o advento da sociedade de massas e o espetacular

desenvolvimento mundial fazem despontar poderes sociais independentes do

Estado, que podem oprimir tanto ou mais do que este. O enfraquecimento do

Estado, aliado à globalização econômica, apenas acentuou este cenário, o que

justifica a vinculação acima referida.

No Brasil, o movimento da iniciativa privada no sentido de obter maior

competitividade e de conquistar novos mercados, interno e externo, passa pelo

aumento da prática da terceirização, basicamente visando à redução de custos

e ao aumento da eficiência. Esta prática passou a ser adotada pela

Administração Pública, tendo sido recomendada pelo Decreto-Lei 200/1967 à

Administração Federal, como forma de reduzir seu tamanho, nas chamadas

atividades-meio.

De 1967 para cá, especialmente com o advento do Estado gerencial, a

prática da terceirização tornou-se cada vez mais comum, tanto nas sociedades

empresárias privadas, como na Administração Pública em geral, com a prática

de diversos abusos e fraudes que mereceram a atenção da doutrina e

jurisprudência pátrias, que buscam soluções para proteger os direitos dos

trabalhadores diante da realidade atual de um mercado cujo parâmetro é o

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custo da mão-de-obra de países distantes, como China, Índia e outros do

Leste Europeu. Internamente, já se vêem investimentos em áreas menos

desenvolvidas do país, onde a existência de mão-de-obra ociosa favorece a

redução de salários.

O maior problema da terceirização ocorre quando o prestador de

serviços não honra os encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais a que

está adstrito, com grave prejuízo para os trabalhadores, que passam a buscar

seus haveres em face do tomador do serviço. Esta situação agrava-se

sobremaneira quando o tomador é a Administração Pública, adstrita aos

princípios elencados no caput do art. 37 da CRFB/88, a saber, legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além dos demais

princípios consagrados nos seus incisos e parágrafos. Não se pode esquecer

que a República Federativa do Brasil é fundada nos valores sociais do trabalho

e da livre iniciativa (art. 1.º, IV, da CRFB/88), sendo a ordem econômica

fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput,

da CRFB/88), bem como nos princípios da função social da propriedade (inc.

II), da livre concorrência (inc. IV) e da busca do pleno emprego (inc. VIII).

Conciliar a realidade da competição internacional por investimentos

estrangeiros, a necessidade de flexibilização das normas trabalhistas para

redução dos custos e desenvolvimento da economia, com a proteção dos

direitos básicos dos trabalhadores, é a árdua tarefa dos Tribunais brasileiros.

Delimitar os limites aceitáveis da terceirização na Administração Pública Direta

do Brasil, de maneira a preservar os direitos dos trabalhadores e os princípios

constitucionais do art. 37, é a tarefa a que nos propomos ao longo deste

trabalho, com base em pesquisa em trabalhos doutrinários e decisões dos

Tribunais do país.

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CAPÍTULO I

ASPECTOS GERAIS DA TERCEIRIZAÇÃO

1.1 Conceito e espécies de terceirização

Do ponto de vista da administração de empresas, a terceirização pode

ser definida como uma estratégia de gestão empresarial através da qual a

realização de certas atividades não essenciais de uma sociedade empresária,

ou órgão da Administração Pública, é deslocada para outras sociedades

empresárias especializadas.

Distingue-se a terceirização de serviços da terceirização de mão-de-

obra. Na primeira espécie, certos serviços são transferidos de um tomador

para um prestador, conforme a conveniência do primeiro, visando ao foco na

sua atividade-fim, a um melhor planejamento de suas atividades, à redução de

gastos com salários e encargos sociais e, em tese, a uma maior eficiência no

desempenho das atividades-meio, uma vez que, se o prestador do serviço não

atender às expectativas do tomador, o contrato poderá ser rescindido. Na

segunda espécie, celebra-se um contato cujo objeto é o envio de trabalhadores

qualificados para o desenvolvimento de atividades dentro do espaço físico do

estabelecimento do tomador.1

Na terceirização de serviço, o objeto do contrato é a atividade, não a

pessoa física do trabalhador. A ênfase está no resultado da atividade. Já no

caso da terceirização de mão-de-obra, a mera intermediação da força de

trabalho leva a uma situação de subordinação fática e direta do empregado do

prestador ao tomador2 e, por este motivo, o direito brasileiro editou norma

específica sobre a matéria, a Lei 6.019/74.

1 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Cooperativas de trabalho, terceirização de mão-de-obra e direito do trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pg. 89. 2 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 90.

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Há argumentos favoráveis e contrários à terceirização. Os primeiros

são a possibilidade de compatibilização da eficácia econômica com os novos

métodos de gestão de mão-de-obra e as inovações tecnológicas,

possibilitando, para a tomadora de serviços, a redução de custos com pessoal

(transferidos à prestadora), a eliminação de capacidade ociosa, a

concentração na atividade-fim (o que, teoricamente, acarreta a melhoria da

qualidade dos produtos produzidos ou serviços prestados), a

desburocratização do negócio e a eliminação dos riscos da administração da

mão-de-obra.3 Os pontos negativos serão analisados no item 1.3.

1.2 Evolução da terceirização no mundo e no Brasil

A terceirização, tal como a conhecemos atualmente, ganhou grande

fôlego com o esforço desenvolvido pela indústria bélica norte-americana,

durante a 2.ª Guerra Mundial, para atender ao aumento da demanda por

armamentos.4 Esta situação acelerou a transição do “fordismo”5 para o

“toyotismo”.6

O avanço da globalização nas últimas décadas, gerando o aumento da

competitividade das sociedades empresárias em todo o mundo, em busca por

maior eficiência e menor custo, acarretou a generalização da prática da

3 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 97. 4 Cf. SCHNELL, Fernando. A terceirização e a proteção jurídica do trabalhador. A necessidade de um critério para definição da licitude das relações triangulares.A responsabilidade solidária da tomadora e da prestadora de serviço. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 703, 8 jun. 2005. Disponível em < www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6855>. Acesso em 17/03/2008. 5 O termo origina-se à forma de gerenciamento da produção dos veículos da marca Ford, em que todas as etapas eram realizadas nos estabelecimentos industriais da montadora, bem como a produção das peças e demais insumos necessários. Esta situação demandava a contratação de empregados para realizarem todas as etapas, bem como a existência de grandes estoques e espaços físicos para armazenar os insumos da produção. 6 Aqui, a expressão remete à fabricante japonesa de veículos Toyota, que revolucionou as linhas de montagem de veículos, com conseqüências para outros ramos da produção industrial, a tal ponto que seus carros são hoje aclamados mundialmente como parâmetro da fórmula ideal que conjuga qualidade e bom preço. A Toyota adotou o sistema just in time de produção, adquirindo o maior número possível de peças e insumos de diversos fornecedores, dentro do Japão ou fora dele, nos locais onde os custos fossem menores, porém de acordo com os padrões de qualidade por ela estabelecidos. A produção é flexível e sob medida, conforme as exigências e demandas do mercado. Esta estratégia gerencial leva à existência de

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terceirização. Com efeito, esta é comumente apontada como poderosa

ferramenta de racionalização e otimização da capacidade produtiva, podendo

ser aplicada tanto no setor privado como no setor público.7 Neste último, Maria

Sylvia Zanella di Pietro ensina que

...”suas principais vantagens seriam a especialização da empresa

contratada, a possibilidade de a empresa tomadora do serviço

concentrar-se na execução de suas atividades-fim, a diminuição dos

encargos trabalhistas e previdenciários, com a conseqüente redução

do preço do produto ou serviço, a simplificação da estrutura

empresarial. “8

Em síntese, alegam os defensores da terceirização que suas

vantagens consistem em propiciar maior especialização (possibilitando às

tomadoras de serviços o foco no seu objeto social), mais competitividade e

lucratividade (em decorrência de uma maior eficiência resultante do foco no

objeto social e na redução de custos proporcionada pela desoneração de

encargos trabalhistas e previdenciários).9 Integra o processo de flexibilização

do direito do trabalho, considerada indispensável à modernização do país e

para a atração de investimentos externos e o aumento da eficiência e

competitividade da economia brasileira no mundo globalizado. Contudo, essa

mesma flexibilização vem levando, ao menos em nosso país, a uma grave

precarização das condições de trabalho.10

Há no mundo, atualmente, países que proíbem a terceirização sob a

forma de trabalho temporário, como a Itália. Outros, como Alemanha e a

Inglaterra permitem a terceirização, porém com espaço para a negociação

uma empresa-mãe, em torno da qual gravitam as empresas-satélites, que passaram a desenvolver atividades próprias do pessoal permanente dos quadros funcionais das tomadoras do serviço 7 DOETZER, Isis Chamma. Contratos de terceirização firmados com a administração: a questão da responsabilidade trabalhista.Curitiba: Revista Zênite Informativo de Licitações e Contratos, vol. 14, n. 156, 2007. 8 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. Pg. 229. 9 GRUNWALD, Astried Brettas. Terceirização e flexibilidade em prol do desenvolvimento jurídico-social. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 38, jan. 2000. Disponível em <www. jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1185>. Acesso em 17/03/2008. 10 Cf. SCHNELL, Fernando. Op. cit.

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coletiva. No Japão, na Coréia do Sul e em Cingapura, a prática da

terceirização é amplamente utilizada.11

No Brasil, este tipo de contratação começou a ser implementado a

partir da década de 1950, quando aqui se instalaram as primeiras montadoras

de automóveis.12 Juridicamente, o primeiro diploma legal a mencionar a

possibilidade de terceirização de serviço foi o Decreto-Lei 200/1967, no âmbito

da Administração Pública Federal. Visava à descentralização das atividades da

Administração e a evitar seu crescimento desmesurado, conforme estabelece

o § 7.º do art. 10.13 Um pouco mais tarde, a Lei 5.645/70 estabeleceu, no já

revogado14 parágrafo único de seu art. 3.º:

Art. 3.º

Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte,

conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras

assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta,

mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7.º, do Decreto-lei

número 200, de 25 de fevereiro de 1967.

Posteriormente, surgiram as Leis 6.019/74 (trabalho temporário), a Lei

7.102/83 (terceirização na área de vigilância bancária) e, finalmente, a Lei

8.863/94, que estendeu as hipóteses de terceirização para toda a área de

vigilância patrimonial, pública ou privada, inclusive para pessoa física. Ainda

em 1994, a Lei 8.949/94 acrescentou u m parágrafo único ao art. 442 da CLT,

11 Cf. SCHNELL, Fernando. Op. cit. 12 COSTA, Luiz Bernardo Dias. Terceirização na administração pública. Curitiba : Revista Zênite Informativo de Licitações e Contratos, n. 131, 2005. Pg. 52-60. 13 Decreto- Lei 200/1967 Art. 10 A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. (...) § 7.º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. § 8.º A aplicação desse critério será condicionada, em qualquer caso, aos ditames do interesse público e à conveniências da segurança nacional. 14 Este dispositivo foi revogado pelo art. 18 da Lei 9.527/1997, que alterou diversos dispositivos da Lei 8.112/1990.

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admitindo e estimulando as terceirizações por meio de cooperativas. A locação

de serviços era hipótese prevista também no revogado Decreto-lei 2.300/86,

posteriormente revogado pela Lei 8.666/93, que traça as normas gerais para a

contratação de serviços, compras e alienações para toda a Administração

Pública, sendo cogentes para a Administração Pública Federal direta e

indireta.15

O direito brasileiro admite expressamente, portanto, a terceirização dos

serviços de vigilância e na hipótese de trabalho temporário. Estas são as

hipóteses legais tipificadas. Os demais casos de terceirização são lícitos, por

força do comando do inc. II, do art. 5.º, da CRFB/8816, uma vez que a adoção

da terceirização com a finalidade de tornar mais eficiente a administração dos

negócios privados está dentro do legítimo exercício do direito à iniciativa

privada, um dos fundamentos da ordem econômica vigente (art. 170, IV, da

CRFB/88) e da República Federativa do Brasil (art. 1.º, IV, da CRFB/88).

O Tribunal Superior do Trabalho – TST, em razão do avanço

desenfreado da prática da terceirização de forma a burlar os direitos dos

trabalhadores, editou, em 1986, o Enunciado 256 de sua jurisprudência

uniformizada, cujo conteúdo era o seguinte:

Enunciado nº 256

Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância,

previstos nas Leis n.º 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é

ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta,

formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de

serviços.

15 CRFB/88, art. 37, XXI. 16 CRFB/88 Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...)

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Isto significava que o TST considerava nulos os contratos em que a

situação fática indicava a subordinação direta do empregado da prestadora de

serviços à tomadora, posto que celebrados com o único propósito de a

tomadora esquivar-se de despesas relativas aos salários e encargos

trabalhistas, fiscais e previdenciários, podendo os contratos ser rescindidos

sempre que à tomadora não interessasse mais mantê-los. Como afirma Paulo

Renato Fernandes da Silva, na terceirização de modalidade de mera

intermediação da força de trabalho, “o fato do liame jurídico de emprego se

estabelecer formalmente com a empresa fornecedora da mão-de-obra não

elide a problemática, já que o princípio da primazia da realidade induz à

coibição da fraude na contratação.”17

Em 1993, já na vigência da Lei 8.666/93, o TST revisou o Enunciado

256, muito restritivo, sendo este substituído pelo Enunciado 331, cuja redação

transcrevemos.

Enunciado nº 331

Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,

formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo

no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa

interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da

administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da

CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de

serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação

e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à

atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a

subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do

empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos

serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da

17 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 90.

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administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das

empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que

hajam participado da relação processual e constem também do título

executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Analisando-se a redação do Enunciado 331 do TST, verificamos que,

na falta de clara legislação geral sobre a terceirização, o Tribunal procurou

preencher o vácuo.

1.3 Flexibilização da relação trabalhista

Alerta a doutrina, todavia, para o risco da terceirização. Apesar das

suas alegadas vantagens, a “modernização” advinda da flexibilização do direito

do trabalho pode ferir de morte o caráter tutelar das normas trabalhistas, o que

contraria o comando do caput do art. 7.º da CRFB/88, que consagra o princípio

da não prejudicialidade, ao preconizar, além dos direitos enumerados nos seus

incisos, outros que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores.18

Na verdade, no mundo todo ocorre uma retração do mercado formal de

trabalho, em contrapartida ao crescente predomínio da terceirização, sempre

com o objetivo de se obter custos menores, fragilizando-se trabalhadores e

sindicatos.19

Outros aspectos negativos da terceirização de serviços podem ser

verificados. As prestadoras de serviços passaram a desenvolver atividades

próprias do pessoal permanente dos quadros das tomadoras, o que gera

aumento de desemprego, subemprego, violação de diversas normas de direito

do trabalho, além da já mencionada precarização das condições de trabalho.20

A teoria da flexibilização funda-se na idéia da existência de um

pluralismo de fontes de Direito do Trabalho, em que a negociação individual ou

18 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 92. 19 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. Pg. 47. 20 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 97.

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coletiva pode ignorar a tutela legal do trabalhador hipossuficiente.21 Mas isto

não ocorre apenas no âmbito do direito do Trabalho. Com o avanço da

globalização, agentes econômicos vão criando um direito comum permeado

pela racionalidade própria do mercado, fazendo com que os ordenamentos

jurídicos se tornem policêntricos, permeado por regras formuladas por atores

privados ou por entidades supranacionais.22 Afirma Daniel Sarmento:

“Neste contexto, o próprio monopólio estatal na produção de normas é

flexibilizado, pois instâncias privadas nacionais ou supranacionais,

detentoras de efetivo poder social, passam a ditar regras de

comportamento, que se revestem de obrigatoriedade dentro de certos

âmbitos específicos, com a complacência do Estado. (...)

Desmistifica-se o dogma do monopólio estatal de produção de

normas de conduta. O pluralismo jurídico volta à tona, e com ele o

reconhecimento da existência de instâncias não estatais de regulação

social e de arbitragem de conflitos.”23

Verifica-se, portanto, que o avanço da terceirização decorre do

processo acelerado de globalização econômica. Se esta pode ser considerada

um processo irreversível, aquela também o é, o que justifica o esforço de

determinar os parâmetros de sua aceitabilidade no ordenamento jurídico pátrio,

para conciliar a necessidade de maior participação do Brasil na economia

mundial com a tutela dos direitos dos trabalhadores, por nós considerados

direitos fundamentais de terceira geração.

O maior campo de controvérsia da terceirização ocorre na modalidade

de intermediação de mão-de-obra. O ordenamento jurídico brasileiro hoje só a

admite nas estritas hipóteses da Lei 6.019/74, que regula a terceirização

temporária de mão-de-obra, nos casos de necessidade transitória de

substituição de pessoal regular e permanente da tomadora dos serviços, ou

para acudir a situação, igualmente temporária, de acréscimo extraordinário de

21 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 92. 22 SARMENTO, Daniel. Op. cit., pg. 47. 23 SARMENTO, Daniel. Op. cit., pg. 51-2.

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demanda pelos serviços prestados ou produtos produzidos pela tomadora. A

mesma lei estabelece que, tratando-se esta contratação de exceção no direito

brasileiro, a prestadora deste serviço há que se adequar a exigências

especiais, cuja análise foge ao escopo deste trabalho.24

1.4 A relação jurídica tomadora x prestadora de serviço x

empregado

Há três vértices na terceirização de serviços. O primeiro deles é a

tomadora do serviço, que figura no contrato como a parte cujo interesse é o

resultado da atividade que será desempenhada pela outra contratante, a

prestadora do serviço, cujo interesse é a remuneração pelo desempenho da

atividade contratada. Trata-se de um contrato consensual e bilateral, na

medida em que ambas as partes o ajustam em pleno exercício da autonomia

da vontade, com estipulação de direitos e obrigações recíprocos e

subjetivamente equivalentes.25 O terceiro vértice é o trabalhador que irá

realizar a atividade, empregado da prestadora e, ao menos teoricamente, sem

vínculo empregatício com a tomadora. Esta remunera a prestadora pelo

serviço contratado, cujo preço deverá levar em conta o adimplemento de todas

as obrigações trabalhistas, fiscais e previdenciárias relativamente aos seus

empregados.

Segundo Maurício Godinho Delgado, a terceirização, sob a ótica do

direito do trabalho, é o “fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica

de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”.26 Desta

descrição e do exposto no parágrafo acima, pode-se concluir que na

terceirização de serviços não há espaço para a subordinação direta do

empregado do prestador ao tomador. Contudo, quando a realidade dos fatos

opõe-se àquela triangulação ideal, configurando-se uma situação de fraude à

24 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Op. cit., pg. 94. 25 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado. Vol. III – Contratos – Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. Pg. 12. 26 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002. Pg. 417.

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lei trabalhista, eivada de nulidade27, o que poderá levar ao reconhecimento, em

sede judicial, do vínculo trabalhista entre o empregado da prestadora e a

tomadora, ou, ao menos, a responsabilidade solidária desta por todos os

encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários inadimplidos pela prestadora

contratada, conforme o entendimento adotado pelo TST no Enunciado 331 da

súmula de sua jurisprudência dominante, transcrito no item 1.2.

1.5 Atividade-fim x atividade-meio

Do exposto nos itens anteriores, podemos destacar a idéia dos

defensores da terceirização de serviços no sentido de que é uma boa

ferramenta para que a tomadora concentre esforços na sua atividade-fim, com

quadro de pessoal próprio, transferindo à prestadora a realização das

atividades-meio. A outra menção à atividade-meio está no inciso III do

Enunciado 331 do TST, já reproduzido no item 1.2.

É relevante traçar alguns contornos que distingam atividade-fim da

atividade-meio. A primeira é aquela diretamente relacionada ao objeto social

de uma sociedade, empresária, simples ou em comum, adotando-se aqui a

nova nomenclatura empregada pelo Código Civil de 2002. A segunda consiste

em atividade de apoio à primeira, viabilizando a concretização desta, porém

não integrando o objeto social.28 Tendo em vista que cada sociedade

empresária tem um ou mais objetos sociais específicos, conclui-se que a

diferenciação entre elas é casuística, de acordo com a estrutura operacional de

cada sociedade.

O serviço de conservação e limpeza é um dos exemplos clássicos de

atividade-meio, uma vez que só será atividade-fim em sociedades cujo objeto

social seja a prestação deste serviço; nas demais sociedades, a limpeza será

sempre uma atividade necessária, pois ninguém consegue produzir

27 Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, art. 9.º. 28 GRUNWALD, Astried Brettas. Op. cit.

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eficientemente num ambiente sem nenhuma conservação, porém passível de

ser transferida a uma contratada, por ter o caráter de apoio.

Assim, podemos conceituar atividade-fim como aquela diretamente

ligada ao núcleo da atividade empresaria ou estatal, enquanto a atividade-meio

é aquela que não se dirige propriamente àquele núcleo, sendo caminho para

alcançar a atividade final.29

Questão polêmica é definir qual a atividade-fim da Administração

Pública. O entendimento doutrinário converge para a identificação da

atividade-fim da Administração Pública com a prestação de serviços públicos

direcionados aos administrados. A atividade-meio seria aquela atinente à

organização interna da Administração, instrumental e acessória em relação à

primeira. A importância da polêmica reside na indagação acerca da

possibilidade de terceirização de atividade-fim da Administração Pública, o que

será objeto de análise no próximo item.

Adotando-se o entendimento de que a atividade-fim da Administração

Pública consiste na prestação de serviços públicos, resta responder à

indagação de quais são estes. Vivemos atualmente no Brasil a fase do Estado

Gerencial, que presta serviços públicos indispensáveis à população ou

indelegáveis à iniciativa privada, deixando a cargo desta todas as atividades

econômicas que não sejam monopólio estatal ou de interesse estratégico para

o país. Assim, o Estado brasileiro atua primordialmente nas áreas de

segurança interna e externa, educação, saúde, arrecadação e fiscalização

tributária, prestação jurisdicional e exercício do poder de polícia, além do

fomento e da regulamentação de diversas atividades econômicas cuja

execução foi transferida à iniciativa privada, através de autarquias de regime

especial.

29 COSTA, Luiz Bernardo Dias. Terceirização na administração pública. Curitiba : Revista Zênite Informativo de Licitações e Contratos, n. 131, 2005. Pg. 52-60.

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Há que se levar também em conta os cargos efetivos existentes no

órgão público, criados por lei. Por força de mandamento constitucional30, estes

cargos só poderão ser preenchidos por meio da realização de concurso

público, não por meio de contrato de terceirização de serviços. Isto leva à

conclusão que a existência de cargos efetivos cujas atribuições sejam de

típicas atividades-meio impede a terceirização destas atividades. Para que isto

ocorra, tais cargos deverão antes ser extintos. Enquanto esta providência não

for tomada, estes cargos hão de ser forçosamente considerados integrantes do

âmbito das atividades-fim do órgão, para não ser haver ofensa à regra do art.

37, II, da CRFB/88.

Exemplo de terceirização irregular por envolver a prestação de

atividade-fim da Administração será apresentado no item 1.6.

1.6 Terceirização lícita x ilícita

A relevância da distinção estabelecida no item 1.5 está no fato de que

a discussão acerca da licitude de um contrato de terceirização passa pela

identificação da atividade contratada como fim ou meio, conforme indica a

redação do inc. III do Enunciado 331 da súmula de jurisprudência dominante

do TST. Os Tribunais nacionais, seguindo o entendimento do TST, vêm

admitindo como lícitas somente as terceirizações de atividade-meio, o que é

válido tanto para a iniciativa privada quanto para a Administração Pública. A

este respeito, vejamos a ementa do Acórdão 352/2005 – Plenário, do Tribunal

de Contas da União – TCU:

“Acórdão 352/2005 – Plenário

Ementa: Representação formulada por cooperativa. Possíveis

irregularidades praticadas pela agência Nacional de Transportes

Terrestres – ANTT. Licitação. Pedido de reexame de acórdão que

proferiu determinação no sentido de que a referida Agência se

abstivesse de prorrogar a duração de contrato de terceirização de

30 CRFB/88, art. 37, II.

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serviços de atividades-fins, provendo-se os cargos com servidores

aprovados mediante concurso público ou por contratação temporária.

Apresentação de fatos novos. Conhecimento. Provimento. Alteração

da redação de item do acórdão.

(...)

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Pedido de Reexame

interposto pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT,

contra o Acórdão 307/2004 – Plenário – TCU.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em

sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, com

fundamento no art. 48, parágrafo único, c/c p 33 da Lei 8.443/92, em:

9.1. conhecer do pedido de reexame para, no mérito, dar-lhe

provimento, alterando-se a redação do subitem 9.2.1 do Acórdão

307/2004 – Plenário para os seguintes termos:

‘9.2.1. prorrogue excepcionalmente o prazo de duração do contrato

43/2002, celebrado com a empresa Agroservice Empreiteira Agrícola

Ltda, caso esteja em vigor, pelo tempo estritamente necessário ao

preenchimento dos cargos que integram o Plano de Carreira da

ANTT, mediante a realização de concurso público ou, se necessário,

por meio de contratação temporária, de acordo com o art. 37, incisos

II e IX, da Constituição Federal e da Lei 8.745/93 c/c o art. 30 da Lei

10.871/2004, tendo em vista que essas atividades não podem ser

objeto de terceirização, conforme determina o Decreto 2.271/97.’ “31

Quanto à terceirização de atividade-fim, só vem sendo admitida nas

hipóteses de trabalho temporário elencadas na Lei 6.019/7432 e, no âmbito

federal, na Lei 8.745/93. A prestação de trabalho temporário nos moldes

legais33, para o desenvolvimento de atividade-fim da tomadora, é considerada

terceirização de duração determinada, sendo o único caso em que atualmente

se permite a subordinação direta do empregado da prestadora à tomadora. Se

31 Acórdão 352/2005 - Plenário. TCU. Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues. J. 06/04/2005. DOU 18/04/2005. Disponível em <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/Mostradocumento?qn=3&doc=126&dpp=30&p=0>. Acesso em 17/03/2008. 32 COSTA, Luiz Bernardo Dias. Op. cit. 33 Vide item 1.3.

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o contrato de terceirização encobrir uma situação fática de subordinação

direta, fora dos casos de contratação temporária, estará eivado de nulidade.

A preocupação com os limites à terceirização na Administração Pública

tem sua razão de ser. Em 2002, a Revista Isto É Dinheiro noticiava que o

alastramento desta prática no governo federal já havia gerado uma distorção

tamanha que os custos decorrentes destes contratos ultrapassava as

despesas com pessoal do quadro permanente dos Ministérios, estimando-se

que metade da força de trabalho em cada um destes era composta de

terceirizados.34 Além disso, assessores especializados ganhavam salários

maiores do que o teto do Executivo, ou seja, mais do que o próprio Presidente

da República. Inicialmente, as contratações foram defendidas pelo governo,

mediante argumentos econômicos. No entanto, em 2003, o então Secretário

de Recursos Humanos do Governo Federal, Luís Fernando Silva, admitiu que,

por força de um acordo feito pelo governo com o Ministério Público, nos autos

de uma ação civil pública, estava sendo elaborado um levantamento da

quantidade de contratos de terceirização sem base legal, notadamente aqueles

cujo objeto era o preenchimento de vagas que deveriam ser preenchidas por

meio de concurso público. No curso da entrevista, admitiu que “...os contratos

terceirizados custam mais do que o cargo efetivo. Então, mesmo sob o aspecto

econômico há interesse da administração pública de substituir esses

terceirizados por servidores efetivos.”35 O alegado objetivo do levantamento

era o de identificar as situações em que os terceirizados estão

desempenhando atividades típicas de servidores efetivos, a fim de serem

realizados concursos públicos para corrigir a situação, exceto nos casos de

34 Terceirização É Ordem em Brasília. Revista Isto É Dinheiro. Economia. 15/05/2002. Disponível em <http://www.terrra.com.br/istoedinheiro/246/econmia/246_terceirizacao_ordem_brasilia.htm> Acesso em 22/03/2008. O inteiro teor da reportagem está no Anexo 1. 35 Entrevista com o Secretário de recursos Humanos do governo federal, Luís Fernando Silva. Ministério do Planejamento. Disponível em <http://www.planejamento.gov.br/recursos_humanos/conteudo/noticias/noticias_2003/entrevista_luis_fernando_srh.htm> Acesso em 22/03/2008. O inteiro teor da entrevista está no Anexo 2.

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necessidade efetivamente temporária de contratação de pessoal externo, para

projetos e serviços específicos, com duração determinada.

Em 2006, já havia no governo, novamente por força de acordo com o

Ministério Público do Trabalho, a disposição de rever os contratos de

terceirização na área de tecnologia de informação, a fim de ser corrigida a

distorção de terceirização de mão-de-obra, em clara burla à regra do concurso

público e dos princípios da legalidade e da impessoalidade, que serão

examinados no próximo capítulo.36

Do exposto, verifica-se que a questão da ilegalidade da terceirização

na Administração Pública direta está relacionada à burla do concurso público,

o que implica em ilegalidade, podendo haver ainda ofensa ao princípio

constitucional da impessoalidade, no caso de haver mera intermediação da

força de trabalho.

36 O Governo se Prepara Para Reduzir a Terceirização. TI & Governo. 28/03/2006. Disponível em <http://www.planoeditorial.com.br/ti_governo/TI_GOVERNO_148.pdf> Acesso em 22/03/2008. O inteiro teor do artigo está no Anexo 3.

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CAPÍTULO II

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA

CRFB/1988

O Brasil é uma República Federativa desde a Constituição de 1891,

sendo atualmente formada pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios37, tendo a União como ente central, com

competência para gerir e decidir os assuntos de interesse nacional, com a

participação dos demais entes, através da atuação das duas casas do

Congresso Nacional, o Senado e a Câmara dos Deputados Federais.38 A

federação é uma forma de Estado em que são repartidas competências entre

seus entes formadores, garantindo-se a cada um autonomias política,

legislativa e judiciária39, porém com uma direção central. À União também

compete representar o país perante a comunidade internacional de nações.

No estágio atual do Estado Democrático de Direito, o poder estatal,

uno, indivisível e indelegável, pode ser dividido em três funções distintas: a

legislativa, a executiva ou administrativa e a judiciária. Desta tripartição de

funções surgem os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário.40 A cada um destes poderes são

atribuídas as respectivas funções típicas, conforme seus nomes indicam,

porém cada um exerce pequenas parcelas dos outros poderes. Assim, ao

Legislativo compete precipuamente promulgar leis, mas também tem funções

judicantes41 e administrativas42. Já o Executivo tem a competência primordial

37 CRFB/88, art. 1.º, caput. 38 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 5. 39 Aos Municípios não foi dada autonomia judiciária, tendo somente poderes executivo e legislativo próprios. 40 CRFB/88, art. 2.º. 41 Por exemplo, o Legislativo da União julga os crimes de responsabilidade do Presidente da República (CRFB/88, art. 86). 42 Novamente tomando o Legislativo da União como exemplo, este realiza concurso público para servidores do Congresso Nacional, realiza licitações e celebra contratos administrativos, instaura

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de administrar a máquina pública a fim de ser alcançado o interesse público

primário, porém também exerce função legislativa43 e judicante44, porém sem o

atributo da imutabilidade advinda da coisa julgada. Finalmente, ao Judiciário

foi confiada a função jurisdicional, cabendo-lhe zelar pela observância da

Constituição e do ordenamento infra-constitucional45, cujas decisões têm o

atributo da imutabilidade após a constituição da coisa julgada. Exerce também

parcelas do poder executivo46 e do legislativo47. Toda esta repartição de

atribuições entre os Poderes nada mais é do que a aplicação do sistema de

freios e contrapesos no exercício do poder estatal.48

2.1 Administração Pública

A expressão Administração Pública é distinta de Governo, podendo

esta última ser entendida, em síntese, como o exercício da função política,

preponderantemente pelos poderes que se submetem ao sufrágio universal,

Executivo e Legislativo, com primazia do primeiro sobre o segundo, no

específico caso brasileiro.49 Já a Administração Pública diz respeito à função

administrativa e tem dois sentidos, o objetivo e o subjetivo. O primeiro refere-se

às atividades típicas da função administrativa, quais sejam a intervenção, o

fomento, a polícia e a prestação de serviços públicos.50 O segundo abrange o

procedimentos disciplinares em face dos membros do Congresso Nacional e de seus próprios servidores, além de outras atividades típicas da função administrativa. 43 Propõe projetos de leis nas matérias em que a iniciativa lhe é dada de forma privativa ou concorrente pela Constituição; expede decretos regulamentadores de leis ou que modifiquem a estrutura da Administração Pública sem incorrer em aumento de despesa e, finalmente, expede Medidas Provisórias que serão posteriormente apreciadas pelo Legislativo. 44 A título de exemplo, tomemos o processo administrativo fiscal, apreciado pela Secretaria de Receita Federal e pelo Conselho de Contribuintes, regulamentado pelo Decreto n.º 70.235/72. 45 Obrigação que também é dos demais Poderes, pois no Estado de Direito o exercício do poder está adstrito ao princípio da legalidade, o que significa que o próprio Estado promulga as leis (em sentido amplo) e se submete aos seus ditames. 46 Vide nota de rodapé n.º 42. 47 Elabora projetos de lei em matérias de sua iniciativa privativa e elabora seus próprios regimentos internos e regulamentos. Porém, quanto ao aspecto legislativo, o Judiciário é, acima de tudo, legislador negativo, o que significa que sua função primordial nesta área é declarar a inconstitucionalidade de ato normativos das outras esferas de poder. 48 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. Pg. 114. 49 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 58. 50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 59.

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conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi

atribuída a competência para o exercício daquelas atividades.51 As referências

que serão feitas a seguir à Administração Pública levam em conta estes dois

sentidos.

Fala-se em Administração Direta e Indireta. A distinção tem por base o

aspecto subjetivo, ou seja, aos entes que exercem a função administrativa. Se

esta for exercida diretamente pelo Estado, pessoa jurídica de direito público

interno ou externo (União, Estado, Distrito Federal ou Município), fala-se em

Administração Direta. Se for exercida por pessoa jurídica de direito público ou

privado, distinta do Estado, porém vinculada (seja para fins de subordinação

ou de controle) a um órgão deste, criada por lei ou tendo sua criação

autorizada por esta, dotada de autonomia orçamentária e financeira52,

estaremos diante de um órgão da Administração Pública Indireta. Integram

esta última as autarquias de regime comum, as de regime especial (agências

reguladoras), as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as

fundações públicas e privadas, mantidas pelo poder público ou que recebam

recursos financeiros públicos de forma direta ou indireta.

2.2 Princípios da Administração Pública

A Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados e dos

Municípios está estruturada nos arts. 37 a 43 da CRFB/88. O caput do art. 37

enumera como princípios básicos norteadores a legalidade, a impessoalidade,

a moralidade, a publicidade e a eficiência, tendo sido este último acrescentado

pela Emenda Constitucional n.º 19/98. Há ainda outros princípios nos incisos

do art. 37, dos quais dois são de especial interesse para este estudo: o do

51 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 340. 52 No caso das agências reguladoras, autarquias de regime especial, há também autonomia decisória, normativa e administrativa, pois seus dirigentes têm mandatos fixos e não coincidentes com o do chefe do Executivo.

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concurso público para acesso aos cargos públicos efetivos e o da licitação, em

regra necessária para a contratação.

José dos Santos Carvalho Filho menciona a existência, no âmbito da

União, de outros princípios norteadores da administração federal,

estabelecidos no decreto-lei 200/67: planejamento, coordenação,

descentralização, delegação de competência e controle53, além daqueles

mencionados no parágrafo anterior. Fala-se também nos princípios referidos

na Lei 9.784/99, que traz normas sobre o processo administrativo federal,

sendo eles o da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da

proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da

segurança jurídica, do interesse público e da eficiência.54 Verifica-se que este

diploma elevou à categoria de princípios alguns dos elementos dos atos

administrativos (finalidade e motivação), muito provavelmente com o intuito de

possibilitar o exercício dos direitos fundamentais do contraditório e da ampla

defesa, constantes do núcleo pétreo da CRFB/88.55

A enumeração dos princípios da Administração Pública varia conforme

o doutrinador. José Afonso da Silva enumera os princípios da legalidade,

finalidade, impessoalidade, moralidade, probidade administrativa, publicidade,

licitação pública, prescritibilidade dos ilícitos administrativos e responsabilidade

civil da Administração.56 Maria Sylvia Zanella di Pietro fala em legalidade,

supremacia do interesse público, impessoalidade, presunção de legitimidade,

especialidade, controle ou tutela, autotutela, hierarquia, continuidade do

serviço público, publicidade, moralidade, razoabilidade, proporcionalidade,

motivação, eficiência e segurança jurídica.57

53 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit. Pg.340. 54 Lei 9.784/99, art. 2.º. 55 CRFB/88, art. 5.º, LV. 56 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. Pg. 644-51. 57 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 66-85.

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Diante da falta de consenso doutrinário, que parece pender para uma

confusão entre princípios e regras, neste trabalho daremos ênfase aos

princípios contidos no caput do art. 37 da CRFB/88 e em alguns de seus

incisos, dos quais depende o desenvolvimento do tema em análise.

2.2.1 Princípio da legalidade

É o princípio máximo do Estado de Direito, tendo surgido juntamente

com este. Trata-se da principal garantia de respeito aos direitos individuais e

sociais58, significando que o próprio Estado se submete ao império da lei, de

forma diversa do que ocorria no Estado Absolutista, em que a figura do

soberano pairava sobre os súditos e sobre as próprias leis que ele expedia,

destinadas àqueles, mas não ao monarca.

Os limites da atuação administrativa são definidos pela lei,

especialmente quando aquela visar às restrições dos direitos individuais em

prol do interesse coletivo. A lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro é no sentido

de que “... a Administração não pode, por simples ato administrativo, conceder

direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos

administrados; para tanto, ela depende de lei.”59

Segundo este princípio, a Administração Pública só pode fazer o que a

lei permite, em contraste com o sentido que tem no âmbito da autonomia da

vontade privada, a quem é lícito agir conforme lhe aprouver, desde que não

haja vedação legal. Em resumo, no estado de Direito a Administração,

considerada sob o aspecto subjetivo, exercendo uma das funções típicas do

poder estatal, não poderá agir em desconformidade com a lei, pois é o próprio

Estado que a produz e se submete ao seu império.

58 CRFB/88, art. 5.º, caput e inc. II. 59 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 68.

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2.2.2 Princípio da impessoalidade

Dois sentidos podem ser identificados para este princípio. No primeiro,

a impessoalidade significa que “a Administração não pode atuar com vistas a

prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o

interesse público que tem que nortear o seu comportamento.”60 Como

exemplos da aplicação deste princípio, encontramos na própria CRFB/88 o art.

100 (que estabelece que os precatórios judiciais devem ser pagos na ordem

cronológica de sua apresentação) e o § 1.º do art. 37, que proíbe promoção

pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidade de atos,

programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.

O segundo sentido da impessoalidade significa a imputabilidade dos

atos e provimentos administrativos ao órgão da Administração Pública, não ao

servidor que os pratica61, em decorrência da teoria do órgão.

A contratação de empresas para a prestação de serviços à

Administração Pública, na qual esta determina à contratada quais serão os

seus empregados, constitui clara ofensa à impessoalidade, bem como à regra

do concurso público, conforme será visto no item 2.3. Trata-se de situação

comum na Administração, especialmente nos contratos de serviços

continuados, não apenas os ligados à tecnologia de informação62, mas

também de manutenção e de conservação, por exemplo.

Para exemplificar, suponhamos que determinado órgão haja realizado

licitação para contratação de serviços de conservação (limpeza), não

especificando parâmetros quantitativos ou qualitativos do serviço, mas sim a

60 Idem, pg. 71. 61 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. Pg. 645. 62 Conforme mencionado no item 1.6.

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quantidade de postos de trabalho a serem preenchidos, pelo prazo prorrogável

de um ano. Assinado o contrato, a contratada aloca pessoal para os postos de

trabalho. Findo o contrato, realizada nova licitação, em que empresa diversa se

sagre vencedora, o órgão determina a esta a contratação de daqueles que

julga serem bons profissionais de limpeza. Tal situação configura burla ao

princípio da impessoalidade, pois estará o órgão beneficiando pessoas

determinadas.

2.2.3 Princípio da moralidade administrativa

Apesar de constar no caput do art. 37 da CRFB, a existência deste

princípio suscita polêmica doutrinária. Por ter conteúdo vago e impreciso, há

autores que entendem que a imoralidade administrativa se reduz a uma das

hipótese de ilegalidade, pois sua idéia surgiu ligada à de desvio de poder, já

que em ambas as hipóteses a Administração se utiliza de meios lícitos para

atingir finalidades metajurídicas irregulares.

Todavia, outra corrente defende a tese que a moralidade administrativa

não se identifica com o princípio da legalidade, uma vez que há no

ordenamento jurídico brasileiro diversas referências à moralidade. O

argumento maior é o de sua inclusão no texto da CRFB/88, tanto no art. 37,

como no § 9.º do art. 14, que coloca a probidade administrativa e a moralidade

para o exercício do mandato como objetivos a serem alcançados pela lei das

inelegibilidades63, ou ainda no inc. LXXIII do art. 5.º, que ampliou as hipóteses

de cabimento de ação popular, para incluir ato lesivo à moralidade

administrativa. Outro exemplo eloqüente do acerto deste entendimento á a Lei

8.429/92, que estabelece sanções aos agentes públicos que enriquecerem

ilicitamente durante o exercício da função pública, através da prática de atos

de improbidade administrativa.

63 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 78-9.

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A moralidade administrativa pode, portanto, ser definida como o

comportamento da Administração em consonância não apenas com a lei, mas

também com a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os

princípios de justiça e de eqüidade e com a idéia comum de honestidade. Da

mesma maneira que a ilegalidade, a imoralidade administrativa produz efeitos

jurídicos, acarretando a invalidade do ato.

2.2.4 Princípio da publicidade

Ressalvadas as hipóteses legais de sigilo, os atos da Administração

Pública devem ter ampla divulgação. Diversos preceitos constitucionais

confirmam ou limitam este princípio, tais como o inc. LX do art. 5.º, que

restringe a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou

o interesse social o exigirem; o inc. XXXIII do art. 5.º garante a todos o direito

de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de

interesse coletivo ou geral, sob pena de responsabilidade, ressalvadas as

hipóteses de sigilo; o inc. LXXII do art. 5.º, que garante ao direito ao habeas

data64.

De maneira geral, os atos relativos à contração de obrigações de

cunho pecuniário, tais como a contratação de serviços, a aquisição de bens, a

nomeação, posse e exoneração de agentes públicos, estão sujeitos à

publicidade, como condição de eficácia.

2.2.5 Princípio da eficiência

Inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional 19/98, este

princípio apresenta dois aspectos distintos. Pode ser considerado tanto em

relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor

64 Procedimento regulado pela Lei 9.507/97, que assegura ao impetrante o conhecimento de informações relativas à sua pessoa, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como a retificação de dados a seu respeito.

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desempenho possível de suas atribuições para alcançar os melhores

resultados, como também em relação ao modo de organizar, estruturar e

disciplinar a Administração Pública, com o mesmo objetivo de alcançar os

melhores resultados.

Sua inserção recente traduz o empenho do Estado brasileiro em se

adequar ao seu novo papel gerencial, voltado para o alcance de metas de

resultado de forma a reduzir seu peso e, com o passar do tempo, tornar-se

menos oneroso, visando à melhoria do desempenho da economia brasileira.

A busca por uma maior eficiência sempre norteou a iniciativa privada,

que visa sempre ao lucro com menor custo e melhor resultado. No entanto,

adverte a doutrina que a eficiência exigida da Administração não deve ser

confundida com a das instituições privadas, nem pode ser um valor absoluto,

devendo ser ponderada com os demais princípios, especialmente o da

legalidade, pois a eficiência há de ser alcançada sempre em conformidade

com o ordenamento jurídico, que não poderá nunca ser ludibriado. Verificada a

inadequação deste aos ditames de uma maior eficiência, há de ser alterado,

porém nunca será justificável, no Estado de Direito, a atuação da

Administração Pública de forma contrária ao direito. Há que se lembrar que o

aparente conflito de princípios constitucionais não é resolvido da mesma

maneira que os conflitos de leis, mas sim com base na ponderação, na

proporcionalidade, na razoabilidade, casuisticamente, de acordo com as

peculiaridades do caso concreto, pois, em face do princípio da unidade

constitucional, a constituição não pode estar em conflito consigo mesma,

apesar da diversidade normas e princípios nela contidos.65 Finalmente, com

relação a este princípio, afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro:

“ Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais

princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a

65 MORAES, Guilherme Peña. Direito constitucional. Teoria da constituição. 1. ed. Rio mde Janeiro: Lumen Juris, 2003. Pg. 26.

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nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios

riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.”66

2.3 Concurso público

Trata-se de uma regra, não de um princípio, insculpida no inc. II do art.

37, da CRFB/88. Devido à sua relevância para o desenvolvimento do tema,

transcrevemo-lo abaixo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de

aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e

títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou

emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para

cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e

exoneração;

O dispositivo prevê duas espécies de agentes públicos, os servidores e

os empregados públicos. Os primeiros são regidos por estatutos legais

próprios e as regras gerais referentes a eles estão também nos artigos 38 a 41

da CRFB/88. Os segundos são regidos pela CLT, com todos os direitos

assegurados aos trabalhadores privados. Para ambos, contudo, vigora a

mesma regra de ingresso: concurso público de provas ou de provas e títulos,

vedada, desde a promulgação da CRFB/88, qualquer outra maneira de

ingresso nos cargos efetivos da Administração.

66 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 84.

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É a própria CRFB/88, no inc. IX do art. 37, que abre uma exceção para

a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária

de excepcional interesse público, hipótese regulada, no âmbito da

administração federal, pela Lei 8.745/9367, para a qual se prescinde de

concurso, podendo o recrutamento ser feito por meio de processo seletivo

simplificado.68 A flexibilização da regra do concurso, nesta hipótese específica,

tem sua lógica no fato de que os servidores temporários destinam-se a atender

à necessidade transitória de excepcional interesse público. Logo, a demora do

procedimento tradicional do concurso público pode ser incompatível com as

exigências imediatas da Administração.69 Não obstante, não paira dúvida de

que se trata de espécie do gênero servidor público, mesmo estando a

contratação sujeita a um prazo determinado.70

A regra do ingresso através do concurso público é o fundamento do

teor do inc. II do Enunciado 331 do TST (II – A contratação irregular de

trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com

os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II,

da CF/1988). Isto é válido tanto para a terceirização de força de trabalho para

67 A Lei 8.745/93 enumera taxativamente as hipóteses de cabimento de contratação destinada ao atendimento de necessidade temporária excepcional interesse público na Administração federal. As restrições legais referem-se ao tipo de atividade passível de contratação, bem como ao tempo de duração do contrato, variando os limites máximos de 6 meses a 6 anos, de acordo com o objeto do contrato, que poderá ser um dos seguintes: assistência a situações de calamidade pública; combate a surtos endêmicos; recenseamentos e outras pesquisas estatísticas realizadas pelo IBGE; admissão de professor substituto e professor visitante; admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro; admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de licença para exercer atividade empresarial relativa à inovação; atividades especiais nas Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia; identificação e demarcação desenvolvidas pela FUNAI; atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas; pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informação, sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações – CEPESC; vigilância e inspeção, relacionada à defesa agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal ou humana; atividades desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM; atividades técnicas especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado, implementados mediante acordos internacionais, desde que haja, em seu desempenho, subordinação do contratado ao órgão ou entidade pública. 68 Lei 8.745/93, art. 3.º. 69 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 443.

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desempenho de atividades-fim como de atividades-meio do órgão da

administração direta. O vínculo entre a Administração Direta e seus servidores

em sentido estrito só pode se dar por meio de concurso público.

No que diz respeito à terceirização de serviços na Administração

Direta, o entendimento pretoriano é no sentido de que só é regular para o

desempenho de atividade-meio. Mesmo que a terceirização tenha por objeto

uma atividade-fim do órgão, ou para atividade-meio, porém com subordinação

direta do empregado da prestadora à tomadora, em ambos os casos, sua

irregularidade não terá o condão de acarretar o reconhecimento do vínculo de

emprego, por causa da regra do art. 37, II, da CRFB/88. Esta é a ressalva que

deve ser feita à redação do inc. III do Enunciado 331 da súmula de

jurisprudência dominante do TST.71

O Tribunal de Contas da União já se manifestou neste sentido em mais

de uma ocasião. Além do Acórdão 352/2005 – Plenário, já transcrito no item

1.6 supra, aquele Tribunal aprovou em Plenário Resolução interna que dispõe

sobre a terceirização de alguns dos seus serviços administrativos. A seguir,

transcrevemos a ementa e alguns trechos relevantes do voto do relator, Min.

Benjamin Zymler, com expressas menções à terceirização como instrumento

do movimento de diminuição do Estado em todo o mundo, ao foco na

atividade-fim e à adequação das atividades acessórias como objeto de

terceirização:

Tribunal de Contas da União

Acórdão 26/2003 – Plenário (Boletim TCU 04/2003. Sessão

22/01/2003)

“Ementa: Administrativo. Estudos efetuados pela Secretaria-Geral de

Administração do TCU sobre a terceirização de serviços de apoio

administrativo, acompanhados de minuta de normativo regulamentar

– Implementação de medidas de gerenciamento e administração de

recursos humanos deste Tribunal, com a transferência para a

70 Idem, pg. 434.

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iniciativa privada da realização de serviços acessórios e não ligados

diretamente à atividade-fim. Cumprimento dos requisitos

estabelecidos no Decreto-Lei 2.271, de 1997, compatibilidade com a

Lei nº 10.356/2001 e com a jurisprudência do TCU. Aprovação da

resolução que dispõe sobre a terceirização de serviços de apoio

administrativo no âmbito do TCU.

(...)

Relatório do Ministro Relator

... a proposta de terceirização recairia sobre os cargos de técnico de

Controle Externo e Auxiliar de Controle Externo, ambos da

especialidade técnica Operacional, que agrupa os cargos de Agente

de Cinefotografia e Microfilmagem, Artífice, Auxiliar Operacional de

Serviços Diversos, Desenhista, Motorista Oficial e Telefonista, cargos

que realizam atividades administrativas acessórias e não ligadas

diretamente à atividade-fim deste Tribunal.

(...)

Aponta ... a Segedam, como fatores positivos à aprovação da

proposta de terceirização a possibilidade de ampliar o número de

cargos de Analista de Controle Externo com a transformação dos

cargos vagos de Técnico e Auxiliar de Controle Externo da

especialidade Técnica Operacional em Analista de Controle Externo –

Área de Controle Externo, sem aumento de despesa, bem assim a

possibilidade de contratação de serviços especializados, visando

reduzir as atuais carências na área de suporte administrativo ao

Controle Externo e a própria manutenção do Tribunal.

(...)

Venho, há muito, defendendo a terceirização como um dos principais

instrumentos de implementação da tendência moderna do Estado no

intuito de reduzir a sua atuação ao mínimo essencial. O movimento

retrátil do Estado, fenômeno esse experimentado não só no Brasil

como em todo o mundo, apresenta-se como reflexo dessa tendência

de enxugamento da máquina estatal.”

71 Vide item 1.2.

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Também o Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região já decidiu no

sentido de que a terceirização de serviços relacionados a funções típicas de

Estado caracteriza transgressão à regra constitucional do concurso público.72

Burlas à regra do concurso público têm sido comuns na Administração

Pública direta. Nos últimos dez anos, muitas fraudes vêm sendo cometidas

através da contratação de profissionais especializados, por salários maiores

que o teto vigente na administração federal73, por longos períodos de tempo,

situação que já atraiu a atenção do Ministério Público, que exigiu do governo a

adoção de medidas visando à sua regularização, a fim de que sejam realizados

concursos públicos para preenchimento dos cargos da atividade-fim da

administração, cujas atividades vinham sendo irregularmente executadas por

empregados terceirizados.74

Desta forma, num hospital público, a atividade-fim será a assistência à

saúde, devendo este serviço ser prestado por profissionais de saúde

pertencentes aos quadros permanentes do poder público, sendo a

terceirização destes profissionais considerada ilícita. A regularização da

prestação deste serviço dependerá da criação de cargos públicos destinados a

profissionais que tenham formação técnica compatível com suas atribuições,

com a realização de concurso de provas ou de provas e títulos para o seu

preenchimento.75

72 Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região. MS 00824-01. Rel. Min. José da Fonseca Martins Junior. J. 02.09.02. DORJ, III, s. II – Federal, 13/11/02. AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADES ESSENCIAIS DO ESTADO E CONCURSO PÚBLICO - PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DA JUSTIÇA SOCIAL - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. (...) 3- Havendo terceirização em serviços relacionados a funções típicas do Estado ligadas às áreas da saúde e da educação, cuja exploração da mão-de-obra denota transgressão à regra do ingresso pela via do concurso público, impõe-se, em sede de cognição sumária, a adoção dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, segundo os quais a preponderância do bem jurídico maior, vale dizer, o que maior atenda aos interesses da comunidade local, haverá de prevalecer. 73 CRFB/88, art. 37, XI e XII. 74 A este respeito, vide a entrevista no Anexo 2 e a reportagem no Anexo 3. 75 Este foi o entendimento do TCU na decisão proferida no Acórdão 127/2001 – Plenário, em 30/05/2001, que aplicou multa ao responsável pela Secretaria de Saúde do Município de Pesqueira/PE, pelo fato de não haver promovido a regularização dos profissionais de saúde que prestavam serviços no Hospital Dr.

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44

2.4 Licitação

Os contratos da Administração são, em regra, precedidos de licitação,

regida pelos princípios da competitividade e da proposta mais vantajosa para a

Administração, salvo nas hipóteses legais de competição inviável ou

emergenciais76. Tal é a regra estabelecida no art. 37, XXI, da CRFB/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo

de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os

concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de

pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos

da lei, a qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica

e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das

obrigações.

Regulando o dispositivo constitucional, vigoram as Leis 8.666/93 e

10.520/2002. A primeira é a lei geral das licitações e contratos para toda a

Administração Pública, cogente para a União e sua Administração Indireta. A

segunda instituiu a modalidade de pregão, para aquisição de bens e

contratação de serviços comuns. É através da licitação que a Administração

Lídio Paraíba, que recebia recursos financeiros federais oriundos do SUS, por meio de contratação verbal e de caráter emergencial. As providências determinadas pelo TCU eram a de criação dos cargos públicos e a realização de concurso público visando ao seu preenchimento. <http://contas.tcu.gov.br/portaltextual/MostraDocumento?qn=3&doc=36&dpp=30&p=0> Acesso em 17/03/2008. 76 Lei 8.666/93, arts. 24 e 25.

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abre a todos os interessados que se sujeitem às condições fixadas no

instrumento convocatório, a possibilidade de apresentação de proposta.77

O art. 2.º da L. 8.666/93 determina a licitação para os contratos

celebrados pela Administração Pública nos seguintes termos:

Art. 2.º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras,

alienações, concessões, permissões e locações da Administração

Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente

precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e

qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e

particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de

vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a

denominação utilizada.

Os contratos de terceirização de serviços celebrados pela

Administração Direta são contratos administrativos, posto que seu objeto é a

realização de atividades acessórias, porém imprescindíveis para ela. Sua

finalidade é o atendimento do interesse público, pois permite à Administração

reduzir custos e concentrar-se na realização de suas atividades-fim de polícia,

planejamento, regulação de mercados e prestação de serviços públicos típicos

do Estado, que não possam ser transferidos à iniciativa privada. Haverá nestes

contratos a presença de cláusulas exorbitantes, com a presença da

Administração Pública revestida de seu poder de império. As cláusulas destes

contratos já estarão definidas no instrumento convocatório da licitação, à

exceção do preço, que será o da proposta mais vantajosa para a

administração.

Na Administração Pública, a contratação de serviços sustenta-se em

quatro fundamentos: (a) a existência de uma necessidade a ser satisfeita; (b) a

identificação de uma solução para satisfazê-la, que consistirá no objeto de uma

eventual contratação; (c) a seleção de pessoa física ou jurídica com condições

77 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 300.

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de executar o objeto e (d) a melhor equivalência entre o objeto a ser obtido e a

remuneração a ser paga pela Administração.78

Definir o objeto para atender à necessidade é o cerne da licitação.

Disto e do conjunto de obrigações da futura contratada depende o sucesso ou

insucesso do certame e da eventual execução do contrato a ser celebrado.

Esta definição ocorre na denominada fase interna da licitação, na qual a

Administração identifica a necessidade, elabora o projeto básico com

detalhamento do objeto e todas as obrigações e garantias acessórias, justifica

a solução proposta e verifica a existência de previsão de dotação orçamentária

para a eventual contratação. É o objeto que define a modalidade e o tipo de

licitação e, em razão de sua complexidade, definem-se as exigências de

comprovação de capacidade técnica e econômico-financeiras para os

licitantes.79 Sua definição na fase interna é etapa essencialmente técnica,

porém com minucioso regramento legal, a fim de que se reduzam os lapsos

que dificultem ou inviabilizem a escolha da proposta mais vantajosa para o

interesse público80, bem como os riscos inerentes aos contratos

administrativos, relativos à seleção do contratado, além dos operacionais,

técnicos, financeiros, jurídicos e estratégicos.81

No capítulo 3 serão apresentadas as cautelas que deverão ser

adotadas pela Administração Pública e os limites de sua atuação com relação

à licitação e execução dos contratos de terceirização.

78 MENDES, Renato Geraldo. Os pilares de sustentação do regime jurídico da contratação pública (Leis n.º 8.666/93 e 10.520/02) – Quatro aspectos fundamentais que precisamos conhecer para entender a licitação. Curitiba: Revista Zênite de Licitações e Contratos, ano XV, n.º 168, fev. 2008. Pg. 123-31. 79 Idem. 80 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Pg. 5. 81 HERMES, Gustavo Cauduro. Apostila de prevenção de riscos em contratos administrativos. Porto Alegre: TAO Talentos e Organizações, dez. 2007.

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CAPÍTULO III

CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL DIRETA

3.1 Contratos da Administração

O Estado, no exercício de sua função administrativa pelos três poderes

que o compõem, pode celebrar contratos para aquisição de bens móveis,

compra, locação e doação de bens imóveis, realização de obras e serviços

diversos de engenharia e prestação de serviços em geral.

Fala-se no gênero contratos da Administração, do qual são espécies

os contratos administrativos e os contratos de direito privado por ela

celebrados.82 Contratos administrativos são aqueles de direito público, nos

quais a Administração exerce suas prerrogativas e seu poder de império sobre

o particular. Seu objeto é a consecução de fins públicos, segundo regime

jurídico público. Não anulam a autonomia da vontade, pois, apesar do

desequilíbrio entre as partes contratantes, decorrente do fato de a

Administração fixar o teor de suas cláusulas para garantir sua supremacia, o

particular aceita estas cláusulas por espontânea vontade. Tais cláusulas são

chamadas de exorbitantes, em relação ao direito contratual comum (aplicável

na seara civil e empresarial), conferindo à Administração, por exemplo,

poderes de alteração e rescisão unilateral83, de fiscalização84, de aplicação de

sanções85, de ocupação provisória das instalações e de assunção dos serviços

e pessoal vinculados ao objeto do contrato86, bem como limitando o direito do

82 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 245-50. 83 Lei 8.666/93, art. 58, I e II c/c arts. 78 a 80. 84 Lei 8.666/93, art. 58, III. 85 Lei 8.666/93, art. 58, IV 86 Lei 8.666/93, art. 58, V.

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particular contratante de interromper a execução por motivo de atraso ou falta

de pagamento no tempo e modo avençados.87

Nos contratos de direito privado celebrados pela Administração

Pública, há a prevalência das regras de direito privado. Neles, a Administração

se despe de seu poder de império e da maior parte de suas prerrogativas,

caracterizando-se a relação jurídica por uma quase horizontalidade. Todavia,

como a Administração os celebra visando à consecução de uma finalidade de

interesse público, sempre haverá o influxo de regras de direito público nestes

contratos, porém em menor grau do que ocorre nos contratos administrativos.88

Contratos de terceirização de serviços são contratos administrativos.

Levando-se em consideração que sua celebração tem por finalidade tornar

mais eficiente a Administração89 e que seu objeto é a prestação de serviços

ligados às atividades-meio do órgão público contratante90, este se cercará de

todas as prerrogativas asseguradas por lei a fim de que o interesse público

seja alcançado. A nítida posição de supremacia do interesse público sobre o

particular nestes contratos permite a assertiva inicial do parágrafo.

3.2 Atividades administrativas passíveis de terceirização

Conforme já mencionado no item 1.2, o § 7.º do art. 10, do Decreto-lei

200/67 possibilitava à Administração Pública federal desobrigar-se de certas

tarefas executivas, contratando sua execução com terceiros. Posteriormente,

em 1970, a Lei 5.645/70 permitiu que as atividades relacionadas com

transporte, conservação, operação de elevadores, limpeza e outras afins,

viessem a ser, preferencialmente, objeto de execução indireta. Mais tarde, o

Decreto-lei 2.300/86 e a Lei 8.666/93 possibilitaram a contratação de serviços

87 Lei 8.666/93, art. 78, XV. 88 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 245-6. 89 Vide, a este respeito, o exposto nos itens 2.2.5 e 2.3. 90 V. item 1.6.

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e obras. O ordenamento jurídico brasileiro não veda, portanto, a terceirização

de serviços na Administração Pública.

O Decreto 2.271/9791 estabeleceu, no âmbito da Administração Pública

federal, as atividades que devem ser preferencialmente exercidas através de

contratos de terceirização, a saber: conservação, limpeza, segurança,

vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia,

telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações, não

podendo ser objeto de execução indireta atividades inerentes às categorias

funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo

expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto,

total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.92

Nos itens 1.5 foi analisada a diferença entre atividade-fim e atividade-

meio. No item 1.6, concluiu-se que a terceirização de atividade-fim na

Administração Pública direta, fora dos casos excepcionais de necessidade

temporária da contratação, é considerada ilícita tanto pelos Tribunais

jurisdicionais do país, como pelo Tribunal de Contas da União.

O objetivo do Decreto 2.271/97 era, aparentemente, tornar menos

tormentosa a identificação das atividades-meio passíveis de terceirização. No

entanto, sempre se consegue, em nosso país, vislumbrar brechas legais ou ao

menos distorcer o sentido dos atos normativos de forma a causar prejuízos ao

erário. Um exemplo atual desta situação é o da contratação de prestação de

serviços de tecnologia da informação para o governo federal. Apesar de esta

atividade constar do rol do Decreto 2.271/97, a questão preocupa tanto o TCU

como o Ministério Público, já existindo uma forte tendência de criação de

carreiras de servidores desta área nos órgãos públicos.93 A preocupação tem

lógica, afinal não é conveniente que os conhecimentos acerca dos dados e dos

91 Vide Anexo 6. 92 Decreto 2.271/97, arts. 1.º e 2.º. 93 O Governo se Prepara Para Reduzir a Terceirização. TI & Governo. 28/03/2006. (Vide Anexo 5.) <http://www.planoeditorial.com.br/ti_governo/TI_GOVERNO_148.pdf>. Acesso em 22/03/2008.

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softwares da Administração Pública estejam com pessoas não vinculadas a ela

por meio do concurso público. Há também uma razão econômica, que consiste

no fato de que os serviços de informática tornaram-se vitais para o

funcionamento de quase toda a atividade econômica e administrativa atual,

razão pela qual sua prestação por meio de contratos de terceirização acaba

sendo mais onerosa para a Administração Pública.

A maior onerosidade acima referida decorre de dois fatores principais.

O primeiro é de ordem econômica: a prestadora de serviço cobra da

Administração-tomadora o custo dos salários acrescido dos encargos

trabalhistas e previdenciários e das despesas indiretas94, inclusive lucro. O

outro fator apontado é o salário mais elevado do que o pago na Administração,

geralmente para beneficiar pessoas específicas, conforme notícias veiculadas

na imprensa, que também registram o empenho do Ministério Público em

acabar com tais fraudes e distorções.95

Há ainda um outro risco inerente aos contratos de terceirização de

serviços de alta especialidade técnica, o da dependência, como é o caso dos

de tecnologia de informação. Se o contrato não contiver cláusula prevendo a

transferência de tecnologia para a Administração, esta poderá, com o passar

do tempo, tornar-se refém do know how da prestadora de serviço. Foi o que

ocorreu entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional GTech, contratada

da primeira para prestação de serviços, conforme amplamente noticiado pela

imprensa. Dentre as várias reportagens publicadas nos anos de 2004 e 2005,

destacamos o seguinte trecho96:

94 A melhor orientação é a que considera como despesas indiretas apenas aquelas que podem ser aplicadas a todos os itens da planilha de custos diretos, tais como tributos, administração central, seguros e lucro. ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Apostila de planejamento e condução de obras e serviços de engenharia. In Seminário Nacional “Planejamento e condução das licitações de obras e serviços de engenharia”. Brasília: Zênite Eventos, 10 a 13/03/2008. Pg. 51. 95 V. Terceirização é ordem em Brasília. Revista Isto É Dinheiro. Economia. 15/05/2002. <http://www.terra.com.br/istoedinheiro/246/economia/246_terceirizacao_ordem_brasilia.htm> Acesso em 22/03/2008. 96 Presidente da CEF é denunciado no caso GTech. Folha online. Brasil. São Paulo: Folha de S. Paulo, 30/03/2004. <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u59632.shtml> Acesso em 24/03/2008.

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Folha Online. Brasil. 30/03/2004

Presidente da CEF é denunciado no caso GTech

(...)

“Conforme a denúncia, a renovação, nos termos em que foi

feita em abril de 2003, por 25 meses e com um desconto de

15%, vai contra toda a negociação que até então vinha sendo

conduzida pela Caixa com o objetivo de cortar sua relação de

dependência com a GTech, seja do ponto de vista tecnológico

seja pela retirada da Justiça das sucessivas ações para

impedir que o banco procedesse à licitação para contratar

outras companhias.

O desconto obtido é "inócuo", segundo o Ministério Público. E

a renovação nesses termos teria produzido, de saída,

conforme apontado na página 22 da denúncia, um prejuízo

de aproximadamente R$ 40 milhões.

Para o procurador Marcelo Serra Azul, que protocolou a

denúncia no final da tarde de ontem, pelos princípios que

regem a administração pública, a GTech não poderia

simplesmente suspender a prestação dos serviços se a

renovação do contrato com a Caixa não acontecesse no prazo

previsto. Assim, ele desconsidera o principal argumento

utilizado até o momento pelo banco para defender sua

decisão pela renovação com a GTech.”

(...)

Segundo levantamento feito pelo TCU, os prejuízos ao erário advindos

deste contrato montavam, no período de 1996 a 2004, a estimados R$ 433

milhões, em decorrência de reajustes acima dos índices de inflação e da

aplicação de descontos baixos, por ocasião das renovações do contrato.97

97 Auditoria revela irregularidade em contrato firmado entre CEF e GTech. Folha de S. Paulo. Brasil. São Paulo: Folha de S. Paulo, 05/10/2005. <http://www.senado.gov.br/web/senador/alvarodi/b_menu_esquerdo/1_noticias/1a_o_senador_na_midia/2005_10_05_FolhadeSPaulo_Auditoria_revela_irregularidade_em_contrato_firmado_entre_CEFeGtech.pdf> Acesso em 24/03/2008.

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A aplicação do Decreto 2.271/97 não pode ser feita cegamente. A

Administração deverá estar atenta para a conveniência de determinada

atividade, a princípio acessória, vir a se exercida por servidores do quadro, se

o custo da terceirização vier a ultrapassar o que seria gasto com folha de

pagamento de servidores permanentes, em função do aumento do grau de

importância daquela atividade para o órgão.

3.3 Edital de licitação de contrato de terceirização

Partindo da premissa já apresentada de que os contratos de

terceirização de serviços celebrados pela Administração Pública são contratos

administrativos, com prevalência de regras de direito público derrogatórias do

direito contratual comum, bem como da necessidade de realização de certame

licitatório como condição em regra indispensável para sua celebração98,

passamos a discorrer sobre os cuidados que devem ser tomados na fase

interna da licitação, a fim de que sejam evitadas lacunas e imprecisões na

definição do objeto e das demais cláusulas que regerão a contratação e,

conseqüentemente, dos riscos que ela envolve.

O final da fase interna99 ocorre quando a autoridade competente do

órgão aprova a minuta do instrumento convocatório, após exame e aprovação

da assessoria jurídica do órgão100, contendo o projeto básico101, incluindo

98 Vide itens 2.4 e 3.1. 99 Vide item 2.4. 100 Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único. 101 Lei. 8.666/93 Art. 6.º Para os fins desta Lei,considera-se: (...) X – Projeto básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:

a) desenvolvimento da solução escolhida de forma a fornecer visão global da obra e identificar todos os seus elementos constitutivos com clareza.

b) soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a minimizar a necessidade de reformulação ou de variantes durante as fases de elaboração do projeto executivo e de realização das obras e montagem;

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orçamento102, previsão e existência de recursos orçamentários, além da minuta

do futuro contrato103, também previamente examinada e aprovada pela

assessoria jurídica104, contendo a especificação do objeto e as cláusulas de

vigência, pagamento105, direitos e obrigações das partes106, reajuste107, modo

de execução, penais108, de garantia109, cláusulas exorbitantes110, de vinculação

ao instrumento convocatório e à lei de regência da modalidade e demais

exigências peculiares ao objeto da contratação111, autorizando a instauração

do certame licitatório.

Começa então a fase externa da licitação, com a publicação do

resumo do instrumento convocatório112, indicando o local em que poderá ser

obtida sua íntegra113, na qual constam todas as informações necessárias para

que os interessados elaborem suas propostas à Administração, de acordo com

os parâmetros ali estabelecidos. Para a modalidade convite, o instrumento

convocatório é denominado carta-convite, sendo dispensada sua publicação

na imprensa114. Para as demais modalidades, fala-se em edital, termo que será

empregado na exposição que se seguirá.

c) identificação dos tipos de serviços a executar e de materiais e equipamentos a incorporar à obra,

bem como suas especificações que assegurem os melhores resultados para o empreendimento, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

d) informações que possibilitem o estudo e a dedução de métodos construtivos, instalações provisórias e condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;

e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendendo a sua programação, a estratégia dos suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

f) orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados; (...)

102 Lei 8.666/93, art. 40, § 2.º, II. 103 Lei 8.666/93, art. 40, § 2.º, III. 104 Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único. 105 Lei 8.666/93, arts. 40, XIV e 55, III. 106 Lei 8.666/93, art. 55, VII. 107 Lei 8.666/93, arts. 40, XI e 55, III. 108 Lei 8.666/93, art. 40, III c/c 77, 78, 79, 80, 86 e 87. 109 Lei 8.666/93, arts. 55, VI e 56. 110 Lei 8.666/93, arts. 55, VIII e IX c/c 58. 111 Lei 8.666/93, arts. 54 e 55; Lei 10.520/02, art. 3.º. 112 Lei 8.666/93, art. 21, caput; Lei 10.520/02, art. 4.º. 113 Lei 8.666/93, art. 21, § 1.º. 114 Lei 8.666/93, art. 21, caput c/c 22, § 3.º c/c 38, II.

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As mencionadas cautelas mencionadas no item 2.4, relativas à

redação do edital, têm o objetivo de permitir à Administração obter o objeto

pretendido com a melhor vantagem, o menor custo e os menores riscos, dentro

dos parâmetros do edital. A correta definição destes parâmetros, ainda na fase

interna da licitação, terá o condão de reduzir ou eliminar estes riscos.

3.3.1 Riscos inerentes ao contrato administrativo

Segundo Gustavo Cauduro Hermes, os riscos inerentes aos contratos

administrativos são classificados em: (a) riscos na seleção do contratado; (b)

riscos operacionais; (c) riscos técnicos; (d) riscos financeiros; (e) riscos

jurídicos e (e) riscos estratégicos para o órgão. 115

Os riscos na seleção do contratado decorrem de falhas na redação da

especificação do objeto; da condução da licitação por licitantes que solicitam

esclarecimentos em demasia, com o intuito de vincular o órgão às suas

respostas, ou de impugnar o edital, sempre com prejuízo para o órgão; de

exigências de habilitação técnica e econômico-financeira excessiva ou

deficitária, o que denota desconhecimento, por parte do órgão, da realidade do

mercado; do recebimento de documentação fraudulenta, devido a falha na

conferência pela comissão de licitação; de contenciosos judiciais visando à

paralisação do certame; e da opção equivocada pela contratação direta, em

hipóteses em que esta não é cabível ou justificada.

3.3.1.1 Riscos operacionais

Os riscos operacionais surgem na fase pós-licitatória, começando na

convocação do licitante vencedor para assinatura do contrato, após a

homologação e adjudicação pela autoridade competente116, podendo ocorrer

115 HERMES, Gustavo Cauduro. Op. cit., pg. 8. 116 Lei 8.666/93, art. 43, VI.

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que este se retarde injustificadamente, seja por desídia, seja com o intuito de

ganhar tempo para se preparar para o início da execução, uma vez que o

termo a quo da execução do objeto muitas vezes coincide, com esta

assinatura, salvo cláusula contratual com disposição diversa. Este retardo pode

decorrer do fato de o licitante vencedor não reunir todas as condições

necessárias para iniciar a execução do contrato no prazo definido no edital, o

que em princípio denota sua má-fé. Na fase de execução do objeto, os riscos

operacionais traduzem-se em atrasos e falhas na execução, ou o

inadimplemento parcial ou total das obrigações do contratado.117 Ressalte-se

que o inadimplemento parcial ou total pode ocorrer tanto por falhas do próprio

contratado, ou por falhas na especificação do objeto.

3.3.1.2 Riscos técnicos

Riscos técnicos guardam relação com a fase de execução do objeto

contratual, seja em decorrência de adoção de solução equivocada pela

Administração quando da elaboração do projeto básico e do edital, seja devido

à aplicação de tecnologia diversa da que foi definida no objeto, dificultando a

fiscalização pelo órgão. Em alguns casos, o risco técnico mais grave é o da

dependência da Administração em relação ao contratado, conforme exposto no

item 3.2.

Vide, a este respeito, a lição de Jessé Torres Pereira Junior: “O direito ao contrato decorre da convocação, que a lei exige seja regular, e não da licitação, posto que esta poderá inexistir e ainda assim haverá direito constituído ao contrato. Conforme destacado nos comentários aos arts. 43, VI, e 49, a só conclusão do torneio licitatório, com a adjudicação de seu objeto ao autor da proposta mais vantajosa, não gera para este direito ao contrato porque o resultado pende de apreciação pela autoridade competente (aquela a que se reporta a Comissão de Licitações), que poderá, ao invés de homologá-lo, revogar a licitação ou terá o dever de anulá-la.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Pg. 638-9). Maria Sylvia Zanella di Pietro entende que a adjudicação é ato administrativo vinculado, “...já que as únicas hipóteses em que a Administração pode deixar de efetuar a adjudicação são as de anulação ou revogação do procedimento, conforme previsto no art. 49 da Lei n.º 8.666/93. A anulação ocorrerá em caso de ilegalidade, e a revogação, em caso de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 341.) 117 HERMES, Gustavo Cauduro. Op. cit., pg. 11.

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3.3.1.3 Riscos financeiros

A boa redação do edital também tem por finalidade minimizar os riscos

financeiros. O objeto, inclusive o projeto básico, deve ser bem elaborado para

não haver sub-dimensionamento de atividade, com conseqüente subestimação

de custo, o que poderá gerar necessidade futura de aditivo, para o qual é

imprescindível a previsão de verba no orçamento do órgão.

A Administração deverá estar atenta à possibilidade de reajuste,

mesmo quando for estimada uma vigência contratual inferior a um ano. É de

bom alvitre haver sempre uma cláusula neste sentido, pois poderá haver

atrasos no cronograma, de tal forma que a execução do contrato ultrapasse

um ano, o que, conforme as especificidades do caso concreto, poderá gerar a

necessidade de realinhamento do preço.118

Outro risco é a superveniência de fato relevante e imprevisível, ou

previsível, porém de conseqüências incalculáveis previamente, que acarrete o

desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.119 Há ainda a possibilidade de

prejuízo para a Administração, oriundo de pagamento indevido em decorrência

de equívocos na fiscalização ou no procedimento de pagamento, fatos que

poderão acarretar a responsabilização do servidor que os houverem causado.

Outro problema comum é o denominado “jogo de planilha”. Ocorre em

licitações em que se adota o critério de preço unitário. O proponente, visando à

obtenção de vantagem indevida no futuro, estabelece preço unitário muito

elevado, acima do praticado no mercado, para itens da planilha com pequeno

impacto na composição do preço total (estando este dentro do limite aceitável

pela Administração), porém com grande possibilidade de vir a sofrer acréscimo

de quantidades no decorrer da execução do contrato. Desta forma, um item

118 Para o Superior Tribunal de Justiça – STJ, a ausência de previsão contratual acerca de reajuste em contrato administrativo, impede sua implementação. Todavia, as partes podem aditar o contrato de modo a contemplar essa condição. (STJ, Resp. n.º 730.568/SP. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 26.09.2007.) 119 Lei 8.666/93, art. 65, II, “d”.

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com preço elevado que, inicialmente, não causava nenhum impacto

significativo no preço total, pode vir a se tornar causa de grande prejuízo para

o erário, por ocasião de modificações contratuais supervenientes.120 Outra

forma conhecida desta manipulação consiste em propor preços muito elevados

para as etapas iniciais da contratação, de modo que o licitante, caso venha a

ser declarado vencedor e iniciar a execução do contrato, auferirá a maior parte

de seu lucro no início. Nos demais itens, com preços subestimados, o eventual

contratado não terá lucro e, no momento adequado, provavelmente alegará

desequilíbrio econômico-financeiro, pleiteando a revisão do contrato. Neste

momento, deverá a fiscalização estar atenta aos preços da planilha e defender

o interesse público, refutando a manobra fraudulenta.121

Por fim, vale ressaltar a possibilidade de o contratado não possuir

suficiente lastro econômico para cobrir prejuízos indenizáveis decorrentes da

execução do contrato.

120 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. Pág. 453. “Isso se passa quando o licitante identifica a inadequação do projeto e localiza certo item da planilha que contempla quantitativos insuficientes, verificando que, em outras passagens, há quantitativos sobejantes. O chamado ‘jogo de planilha’ consiste em formular preços elevados para os quantitativos insuficientes e preços irrelevantes para os quantitativos excessivos previstos na planilha anexa ao edital. Isso redunda em um preço global reduzido, que pode assegurar a vitória ao licitante. Iniciada a execução, confirma-se a previsão realizada por ocasião da licitação. Logo, é necessário modificação contratual para levar os quantitativos dos itens que têm preços elevados e reduzir as quantidades dos itens que têm preços reduzidos. O resultado é uma alteração radical da proposta, refletindo a incompatibilidade entre o objeto licitado e aquele levado à efetiva execução. É evidente que a melhor solução para eliminar o ‘jogo de planilha’ reside em tornar mais confiáveis os projetos da Administração Pública. Enquanto tal não se passar, a licitação continuará a ser uma disputa entre os licitantes para descobrir os pontos falhos do projeto e adotar soluções que permitam ampliar o ganho durante a execução. Veja-se que o dito ‘jogo de planilha’, nas licitações para empreitada por preço global, somente pode ser apurado por ocasião da licitação se houver critérios disciplinando os preços unitários. Esse é o motivo pelo qual o TCU vem insistindo na ampliação dos controles quanto ao tema, especialmente com a fixação de preços unitários máximos. De todo o modo, é evidente que o jogo de planilha somente é apto a produzir efeitos danosos por ocasião de eventual modificação futura. (...)

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3.3.1.4 Riscos jurídicos

Consistem no prejuízo para o interesse público decorrente da

inobservância dos princípios constitucionais e legais que regem a atuação da

Administração Pública. Esta inobservância se traduz no direcionamento da

contratação em favor de um determinado licitante (ofensa à impessoalidade),

no fracionamento do objeto da contratação, na celebração de aditivos além dos

limites legais122, inobservância de formalismos essenciais, desatendimento de

norma processual de contratação (violações dos princípios da legalidade e da

eficiência) e na falta de registro documental de ações contratuais. Os efeitos

destes problemas são a suspensão da contratação para análise das soluções,

sua eventual extinção com possibilidade de uma nova contratação para

atender ao interesse público insatisfeito, além da responsabilização dos

agentes públicos que houverem dado causa a todos estes problemas ou que

não houverem agido com diligência para evitar ou minimizar, dentro dos limites

de suas atribuições, os riscos operacionais, técnicos e financeiros

anteriormente descritos. A responsabilização poderá ocorrer, conforme o caso

concreto, nas esferas civil, administrativa e penal.123

3.3.2 Riscos nos contratos de terceirização de serviços

Em contratos de terceirização de serviços celebrados com a

Administração Pública, os riscos descritos no item 3.3.1 manifestam-se com

algumas especificidades.

Os licitantes, ao elaborarem suas propostas para a Administração,

fazem-no com base em planilhas de composição dos custos da mão-de-obra

necessária para a realização do serviço contratado, nas quais são

121 ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Apostila de planejamento e condução de obras e serviços de engenharia. In Seminário Nacional “Planejamento e condução das licitações de obras e serviços de engenharia”. Brasília: Zênite Eventos, 10 a 13/03/2008. Pg. 50-7. 122 Lei 8.666/93, art. 65. 123 HERMES, Gustavo Cauduro. Op. cit., pg. 18-20.

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considerados os salários e todos os encargos impostos pelas leis trabalhistas,

fiscais e previdenciárias, incluindo aqueles estabelecidos em dissídios coletivos

das categorias profissionais envolvidas. A estes itens somam-se as despesas

de administração do licitante e do fornecimento de insumos incluídos na

prestação do serviço. Sobre este conjunto, incide o lucro pretendido. Estas

planilhas são de grande importância tanto para a Administração quanto para o

futuro contratado. Para a primeira, a planilha permite, ainda na fase interna da

licitação, a avaliação da dimensão dos custos do contrato que vier a ser

celebrado124, devendo haver verba prevista no Plano Plurianual - PPA, na Lei

de Diretrizes Orçamentárias – LDO e na Lei Orçamentária Anual – LOA,

especialmente quando houver previsão de que a despesa ocorrerá em mais de

um exercício.125 É também com base na estimativa do custo que se define a

modalidade de licitação e o grau de publicidade que a ela será dado. Na fase

externa da licitação, a planilha servirá de subsídio para análise da

aceitabilidade do preço e para o julgamento das propostas. Por fim, na fase de

execução contratual, sua importância reside no fato de ser um parâmetro para

a fiscalização e para futuras negociações versando sobre o restabelecimento

do equilíbrio físico-financeiro do contrato ou sobre acréscimos ou supressões

que se façam necessários.126

A adoção do pregão, regulamentado em nosso ordenamento jurídico

pela Lei 10.520/2002 e pelo Decreto 3.555/2000127, para a contratação de

124 Revista Zênite de Licitações e Contratos, n.º 168. Perguntas e respostas. 07 – Terceirização. Qual a importância da planilha de composição de preços no processo de contratação pública? Curitiba: Zênite, fev. 2008. Pg. 198-9. 125 JUND, Sérgio. Administração, orçamento e contabilidade pública. 2. ed., 2. tir. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2007. Pg. 88-107. 126 Revista Zênite de Licitações e Contratos, n.º 168. Perguntas e respostas. 07 – Terceirização. Qual a importância da planilha de composição de preços no processo de contratação pública? Curitiba: Zênite, fev. 2008. Pg. 198-9. 127 A anterioridade do Decreto em relação à Lei deve-se ao fato de que ele regulamentava a Medida Provisória 2.026-3, de 28 de julho de 2000, que instituiu a modalidade pregão para a aquisição de bens e contratação de serviços comuns, no âmbito da União. Dispõe o parágrafo único do art. 1.º da Lei: Art. 1.º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei. Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

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serviços e aquisição de bens comuns, possibilitou a oferta de lances dos

licitantes, sempre com o intuito de diminuição de seus preços, até ser atingido

o limite mínimo, abaixo do qual nenhum deles se arrisca a descer.128 Deverá a

licitante vencedora adequar suas planilhas de composição dos preços ao preço

global assumido por ocasião do último lance. Dependendo da profundidade do

“mergulho”, ou seja, da dimensão do desconto ofertado pela licitante

vencedora, esta poderá ter sérios problemas durante a execução do contrato,

com prejuízo do adimplemento de suas obrigações trabalhistas e

previdenciárias relativas aos seus empregados, bem como de suas obrigações

fiscais.

Quanto a estes aspectos, faz-se necessário exigir das licitantes

comprovação de habilitação financeira compatível com o objeto do contrato e

seu valor estimado, dentro dos limites legais.

O inadimplemento das obrigações trabalhistas e fiscais não é a única

conseqüência da excessiva redução do preço. Outra possibilidade é o

desempenho da atividade contratada com baixo nível técnico e de eficiência,

aquém do esperado e especificado pela Administração no projeto básico

integrante do edital e, por conseguinte, do contrato.

Por outro lado, o fraco desempenho da contratada pode decorrer de

sua simples inaptidão técnica.

Em todas as situações, graves prejuízos poderão advir para a

Administração. Uma forma de evitá-los é exigir comprovação de habilitação

técnica e financeira compatíveis com o vulto do objeto, a necessidade da

Administração e a realidade do mercado. É importante observar que a

diminuição do nível de exigência pode atrair licitantes sem idoneidade técnica

ou financeira. Entretanto, exigências excessivas quanto a estas habilitações

podem indicar direcionamento da licitação para beneficiar um licitante

128 Lei 10.520/2002, art. 4.º, VIII a XI.

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específico, o que caracterizaria ofensa ao princípio da impessoalidade. Esta

situação pode levar à impugnação do edital por outros licitantes, acarretando

retardo no procedimento.

Para evitar os riscos acima descritos, atenção redobrada deverá ser

dedicada à elaboração do projeto básico e do edital, não apenas quanto à sua

concepção técnica e jurídica, mas também à redação de ambos. Os elementos

que constarão obrigatoriamente no edital, por imposição legal, estão no art. 40

da lei 8.666/93, dizendo respeito, em linhas gerais, à descrição detalhada do

objeto, incluindo projeto básico com planilhas orçamentárias e especificações,

ao regime de execução, ao tipo da licitação, à vinculação à lei, às condições

para recebimento e abertura das propostas, às condições de habilitação, aos

critérios objetivos de julgamento, ao critério de aceitabilidade de preços, ao

pagamento, ao reajuste e realinhamento da equação financeira, às sanções

por inadimplemento e às demais obrigações das partes contratantes.

3.3.3 Redação do edital de licitação de terceirização de

serviços

A correta elaboração do projeto básico e a boa redação do edital são

fundamentais para que a Administração obtenha resultado satisfatório na

contratação, com custo justo e o mínimo de riscos. Alguns destes podem ser

reduzidos com a adoção de procedimentos e cláusulas adequadas.

A importância da boa redação do edital e do contrato não reside

apenas nisso, mas também no fato de que facilita a compreensão tanto do

licitante, no momento de elaboração de sua proposta e no da execução, após

a celebração do contrato, como também do servidor ou comissão de

servidores que irá fiscalizar a execução do objeto contratual. Assim, uma

redação clara, detalhada mas não prolixa, em que todos os aspectos correlatos

estejam agrupados, ajuda na obtenção da uniformidade de interpretação, tanto

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por parte das pessoas que redigiram o projeto básico, o edital e o contrato,

como daqueles que o irão executar e fiscalizar sua execução.

O ponto principal é a correta definição do objeto, de forma que atenda

na exata medida a necessidade da Administração, com a melhor relação

custo-benefício, dentre as soluções disponíveis no mercado. As cláusulas de

vigência, pagamento, obrigações dos contratantes, reajuste, garantia, penais,

de vinculação ao edital e à Lei de regência da licitação, além de outras

específicas do objeto da contratação, os documentos exigidos para a

habilitação, tudo isto deve ser pensado e redigido com a finalidade de permitir

a escolha da proposta mais vantajosa para a Administração, nos aspectos de

preço, técnica e de uma execução livre de tropeços previsíveis, com relação

aos quais devem ser tomadas as devidas precauções.

Os cuidados se justificam pela regra do art. 41, caput, da Lei 8.666/93,

que traduz a vinculação da Administração ao edital por ela publicado, nos

seguintes termos:

Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições

do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.

Corroborando esta regra, o art. 44, caput, determina o julgamento das

propostas segundo critérios objetivos definidos no instrumento convocatório:

Art. 44. No julgamento das propostas, a comissão levará em

consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os

quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por

esta Lei.

Tais critérios são imposição legal, nos termos do inc. VII do art. 40 da

Lei 8.666/93, verbis:

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série

anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a

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modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de

que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da

documentação e proposta, bem como para início da abertura dos

envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

VII – critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros

objetivos; (...)

A inobservância das regras estabelecidas no edital acarretará a

desclassificação da proposta, conforme o disposto no inc. I do art. 48 da Lei

8.666/93:

Art. 40. Serão desclassificadas:

I – as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório

da licitação;

(...)

No caso de contrato de terceirização, as seguintes premissas para a

definição do objeto hão de ser adotadas:

a) A atividade cuja execução será incumbida a pessoa de direito

privado deverá ser acessória, atividade-meio, não a atividade-fim

do órgão.

b) Mesmo que se trate de atividade-meio, o fato de existirem cargos

públicos cujas atribuições sejam as atividades que se pretende

terceirizar, esta contratação não poderá ocorrer, pois configurará

ofensa à regra do concurso público insculpida no art. 37, II, da

CRFB/88.

c) A terceirização de mão-de-obra, com subordinação direta dos

empregados da prestadora à Administração-tomadora é, de regra,

ilícita, salvo nas estritas hipóteses de trabalho temporário previstas

em lei.129

Portanto, o objeto de um contrato de terceirização de serviço celebrado

pela Administração Pública será a prestação de uma atividade-meio que não

129 Decreto 2.271/97, art. 4.º, IV.

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seja atribuição de algum cargo público efetivo do órgão contratante. Tratar-se-á

da contratação de um serviço, não de mão-de-obra.130

A descrição do serviço deverá ser precisa e minuciosa, com indicação

do modo, horário e local de sua prestação, bem como outras informações

relevantes para a composição dos preços pelos licitantes. Item fundamental a

merecer especial atenção é o que define os parâmetros quantitativos e/ou

qualitativos do serviço, tanto para fins de fiscalização da execução do contrato,

como para fins de pagamento da remuneração avençada. Assim, se o objeto

for a contratação de serviços de conservação e limpeza, a Administração deve

descrever as áreas onde a atividade será prestada, os tipos de pisos, de

esquadrias e outros acabamentos existentes, a área dos vidros, a freqüência e

os horários para sua realização131, a quantidade de sanitários, copas e

cozinhas existentes, os tipos de uniformes exigidos, o estado de conservação e

limpeza dos uniformes, as exigências relativas à apresentação e higiene

pessoais dos empregados da prestadora, especificando também a quem

caberá o fornecimento dos materiais e equipamentos a serem empregados.

Não é recomendável a definição do número de empregados que serão

alocados nas instalações do órgão contratante, pois isto leva facilmente à

situação de subordinação direta dos empregados da prestadora a servidores

da Administração contratante. Devem ser evitadas todas e quaisquer cláusulas

que possam levar a situações de subordinação direta, a fim de se preservar a

legalidade132 e a regra do concurso público expressa no art. 37, II, da

CRFB/88.

O preço estimado pela Administração será feito com base nos salários

usuais no mercado, acrescidos de todos os encargos legais, inclusive tributos e

contribuições previdenciárias, demais insumos (materiais e equipamentos) e

130 Decreto 2.271/97, art. 1.º, § 2.º. 131 Por exemplo, se a Administração preferir que a maior parte da limpeza seja feita à noite, com um menor número de pessoas durante o dia, o preço será diferente do que se optar pela realização da limpeza durante o horário normal de expediente.

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despesas (por exemplo, com seguros e treinamentos), inclusive as indiretas. A

estimativa de custo bem feita baseia-se em planilhas detalhadas, que servirão

de parâmetro para comparação das composições dos preços dos licitantes

com o estimado pela Administração133, tendo como referência o critério de

aceitabilidade do preço máximo, acima do qual a proposta será

desclassificada. Ressalte-se que o critério de aceitabilidade é um dos itens

obrigatórios do edital, nos termos do inc. X do art. 40 da Lei 8.666/93.

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série

anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a

modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de

que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da

documentação e proposta, bem como para início da abertura dos

envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(...)

X – o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme

o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação

de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em

relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos §§ 1.º e 2.º

do art. 48;

(...)

A fixação do critério de aceitabilidade do preço máximo é de grande

importância para detectar o jogo de planilha134, coibindo-o, podendo levar à

desclassificação da proposta.

A planilha de preço estimado pela Administração serve também para

desclassificar propostas com preços subestimados, cuja inviabilidade em

relação à realidade de mercado há de ser demonstrada documentalmente.

Em ambos os casos, a desclassificação será fulcrada no inc. II do art.

48 da Lei 8.666/93, desde que esta possibilidade esteja prevista no edital:

132 O art. 4.º, IV, do Decreto 2.271/97 veda as cláusulas que permitam a subordinação direta. 133 Há outras funções importantes para estas planilhas, conforme exposto no item 3.3.2. 134 A respeito do jogo de planilha, vide item 3.3.1.3.

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Art. 40. Serão desclassificadas:

(...)

II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com

preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles

que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de

documentação que comprove que os custos dos insumos são

coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade

são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições

estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.

(...)

Quanto às regras para a habilitação técnica, deverá a Administração

dosá-las para não fazer exigências excessivas, nem de menos, para não

incorrer nos riscos descritos no item 3.3.2. O regramento desta exigência está

no art. 30 da Lei 8.666/93 (c/c arts. 32 e 33), que prevê a comprovação do

registro do licitante na entidade profissional competente para fiscalizar e

regulamentar a atividade contratada, da aptidão operacional da sociedade

licitante135, da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se

responsabilizará pela execução do objeto136, de que os licitantes tiveram

acesso a todas as informações necessárias para o conhecimento do objeto e a

elaboração das propostas, além do atendimento de outros requisitos previstos

em leis especiais.

Um cuidado especial é o de não exigir comprovação de realização de

quantidades de serviços com grandezas tão peculiares que favoreçam a

suspeita de direcionamento da licitação em benefício de um dado licitante, fato

que poderá ensejar a impugnação, com conseqüente retardo no procedimento

e eventual prejuízo para a Administração.

135 Através de atestados que indiquem a realização de atividades com características semelhantes à do objeto da licitação, com indicação de quantidades e prazos, tudo de acordo com as especificações do edital. Lei 8.666/93, art. 30, II. 136 Para estes, o art. 30, § 1.º, I, da Lei 8.666/93, veda a exigência de quantidades mínimas ou prazos máximos, porém exige a comprovação do vínculo com a licitante.

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As regras para comprovação da qualificação econômico-financeira

estão no art. 31, com incidência dos art. 32 e 33 da Lei 8.666/93. As exigências

de capital mínimo ou patrimônio líquido mínimo ou da prestação de uma das

garantias previstas no § 1.º do art. 56137 hão de ser proporcionais ao valor

estimado da contratação. Vigora, no entanto, o entendimento de que a

Administração só poderá fazer uma das três exigências, alternativamente, não

de forma cumulativa.

O campo para a exigência de garantias também está limitado pelas

alternativas do art. 56 da Lei 8.666/93, devendo a Administração optar pela

que conferir maior segurança no caso de inadimplemento pela futura

contratada de alguma de suas obrigações contratuais.

As regras para o pagamento devem fazer explícita referência ao

adimplemento satisfatório de todas as obrigações da contratada. Além do

estabelecimento dos critérios de quantidade e qualidade que orientação as

periódicas medições dos serviços contratados e as eventuais ações da

fiscalização visando a sanar falhas porventura constatadas, o pagamento

deverá ser condicionado à comprovação do adimplemento das obrigações

trabalhistas e previdenciárias da prestadora em relação aos seus empregados,

para evitar futuras ações judiciais visando à declaração da responsabilidade

subsidiária da Administração por estes encargos.138

No caso de terceirização de serviços de alta tecnologia, é necessária a

previsão de sua transferência para a Administração, pelos meios adequados

(transferência dos códigos de acesso a bancos de dados, treinamento de

servidores para conhecimento do serviço etc), de maneira a evitar sua

dependência em relação à contratada. Esta transferência tem um preço,

também a ser estimado pela Administração na fase interna da licitação,

137 Lei 8.666/93, art. 31, § 2.º. 138 Este aspecto será examinado no Capítulo IV.

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quando estiver coletando informações no mercado para elaboração de sua

planilha de preço.139

O Decreto 2.271/97 elenca, no seu art. 1.º, os serviços que serão

preferencialmente prestados por meio de contratos de terceirização, tais como

os de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática,

copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de

prédios, equipamentos e instalações140, além de outros referentes às

atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos

assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade

contratante.141

Em geral, estas atividades são de caráter contínuo, ou seja, são

sempre necessárias. Contudo, a legislação veda a contratação destas

atividades por prazo indeterminado, bem como a renovação contratual, no

âmbito da Administração Pública, sem limites. Destarte, a Lei 8.666/93 limita a

duração total destes contratos, abrangendo o período inicial de vigência e

todas as prorrogações por igual período, a sessenta meses, admitindo,

excepcional e justificadamente, uma última prorrogação por mais doze meses,

perfazendo o máximo de setenta e dois meses.142 O Decreto 2.2.71/97, por

sua vez, fixa o período inicial de vigência em doze meses, admitindo

prorrogações por igual período de tempo, admitindo repactuação visando a

adequação aos novos preços de mercado, com demonstração analítica da

variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.143

É necessário, portanto, a demonstração de que tanto a contratação

como as prorrogações legalmente admitidas hajam sido planejadas com o

intuito de tornar mais eficiente a prestação do serviço público pela

Administração. Contratações emergenciais decorrentes da injustificável falta de

139 Vide item 3.2. 140 Decreto 2.271/97, art. 1.º, § 1.º. 141 Decreto 2.271/97, art. 1.º, caput. 142 Lei 8.666/93, art. 57, II c/c §§ 3.º e 4.º.

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planejamento não atendem aos ditames da legalidade, da moralidade e da

eficiência144, nem ao da economicidade145, sendo todos estes aspectos objeto

de análise por parte dos Tribunais de Contas. O TCU vem combatendo

contratações emergenciais, com dispensa de licitação, em que se verifique a

desídia administrativa relacionada ao planejamento deficiente ou inexistente,

especialmente quando a Administração dispõe de longo tempo para sanar a

situação e, apesar de instada a fazê-lo, queda-se inerte.146

É importante a previsão de cláusula de responsabilização da

contratada pelos danos que sua atuação durante a execução do contrato vier a

causar tanto à Administração Pública quanto a terceiros. No caso de danos a

terceiros, a Administração também será responsável pela reparação, conforme

será visto no Capítulo IV, logo é conveniente deixar claro para a contratada

que ela também terá que arcar com os prejuízos que a Administração tiver em

decorrência de falha na execução, atribuíveis à conduta da contratada.

3.4 Fiscalização de contrato de terceirização

Realizada a licitação e celebrado o contrato, assinado pelas partes no

prazo estabelecido no edital, inicia-se sua execução, fiscalizada por servidor

nomeado pela Administração, admitida a contratação de terceiro apenas com a

finalidade de assistir o fiscal e subsidiá-lo de informações necessárias ao

desempenho deste encargo, se não as detiver.147

Fiscalizar a execução do contrato é poder-dever da Administração,

para resguardo do interesse público.148 Recursos públicos serão dispendidos

143 Decreto 2.271/97, art. 5.º, caput. 144 CRFB/88, art. 37, caput. 145 CRFB/88, art. 70, caput. 146 TCU. Acórdão 383/2003 – Plenário. Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti. J. 16/04/2003. DOU 28.04.2003. 147 Lei 8.666/93, art. 67. 148 Lei 8.666/93, art. 58, III. Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. Pág. 560. (“O dispositivo deve ser interpretado no sentido de que a fiscalização

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em decorrência da contratação, cabendo à Administração zelar para que a

despesa corresponda à prestação da atividade de acordo com todas as regras

do edital, cláusulas do contrato e preceitos legais e constitucionais que os

regem.

Uma rígida fiscalização provoca um efeito salutar no mercado, a médio

e longo prazo. A postura firme e constante do órgão cria uma reputação que

tende a se consolidar com o passar do tempo, o que lhe permitirá realizar boas

contratações, pois as licitações passarão a atrair interessados sérios e

idôneos, cujo objetivo seja o de cativar o cliente por meio da boa prestação do

serviço, não temendo a fiscalização. Estabelecer uma cultura de fiscalização

atenta e severa tenderá a afastar licitantes inidôneos.

Isto posto, o fiscal tem que conhecer todo o rol de obrigações contidas

naqueles documentos, para que, ao acompanhar a execução do objeto, tenha

domínio e conhecimento das exigências, apontando as falhas e requerendo as

providências necessárias à sua correção à autoridade competente, em tempo

hábil e sempre que a providência exorbitar de sua esfera de atribuições.

Deverá manter um registro de todas as ocorrências relativas à execução do

contrato.149 A fim de que todos os fatos relativos ao contrato sejam acessíveis

ao maior número de pessoas, bem como para facilitar a tomada de decisões

da Administração quanto a problemas ocorridos durante a execução, é

recomendável que os registros estejam no mesmo processo da contratação,

ou em autos abertos especialmente para esta finalidade, que façam referência

aos autos do processo principal.

Num contrato de terceirização de serviço, cuidado especial a ser

tomado pela Administração é o de não indicar nomes de pessoas para

preencherem os postos de trabalho da prestadora-contratada. Não se olvide

pela Administração não é mera faculdade assegurada a ela. Trata-se de um dever, a ser exercitado para melhor realizar os interesses fundamentais. Parte-se do pressuposto, inclusive, de que a fiscalização induz o contratado a executar de modo mais perfeito os deveres a ele impostos.”) 149 Lei 8.666, art. 67, § 2.º.

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que a contratação é de serviço, com base em critérios quantitativos e

qualitativos. A indicação de pessoas fere os princípios da impessoalidade e do

concurso público como meio de preenchimento dos cargos públicos. Esta

assertiva é especialmente verdadeira na hipótese de prorrogação do contrato

de terceirização e também na situação em que, realizada nova licitação, devido

à extinção do contrato anterior, a Administração “sugere” à nova contratada

que aproveite os profissionais do contrato findo.

Esta prática, além de ferir os princípios acima referidos, indica situação

fática de subordinação direta dos empregados da contratada aos gestores e/ou

aos fiscais do contrato no âmbito da Administração, eivando-o de ilicitude e,

conseqüentemente, maculando o princípio da legalidade, base não só do

exercício da função estatal administrativa, mas do próprio Estado de Direito.

A tarefa de fiscalizar implica também atenção para situações e

atuações da contratada que poderão causar danos ao próprio órgão

contratante. A existência de cláusula contratual prevendo a indenização por

danos causados não exime a fiscalização de se antecipar a esta ocorrência.

Para evitar ou minimizar eventual responsabilidade da Administração por

danos causados pela contratada, deve a fiscalização atuar firmemente na

correção de falhas que comprometam, além da quantidade do serviço

prestado, também a qualidade e a segurança, registrando as advertências e

exortações à prestadora do serviço e solicitando às autoridades competentes

hierarquicamente superiores as providências que escaparem à sua esfera de

atribuições. Os terceiros aqui referidos incluem os próprios empregados da

prestadora do serviço. A razão deste procedimento é o fato de que danos

causados a terceiros, decorrentes da execução do contrato de terceirização de

serviço celebrado pela Administração Pública, serão a esta atribuídos, bem

como o dever de ressarcir os prejuízos. Desta forma, é imprescindível agir com

zelo no desempenho da fiscalização, a fim de evitar eventual caracterização de

culpa in vigilando da Administração.

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Ponto importante a ser observado pela fiscalização é o do

cumprimento, pelo contratado, das obrigações trabalhistas, fiscais e

previdenciárias previstas no edital e no contrato, sob risco de

responsabilização da Administração e, eventualmente, do servidor que houver

dado causa, ou contribuído para os prejuízos sofridos pelos trabalhadores da

prestadora de serviços, no caso de inadimplemento daquelas obrigações.

O fiscal, ao atestar as faturas apresentadas pela contratada e

encaminhá-las para pagamento com seu parecer fundamentado, deverá ter

plena consciência de que todas as obrigações contratuais foram adimplidas,

assim o declarando por escrito. Portanto, a tarefa de fiscalizar a execução de

contratos deve ser desempenhada com o zelo e a falta de desídia esperados

de todo servidor público no exercício das atribuições atinentes ao cargo ou

função públicos regularmente ocupados.

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CAPÍTULO IV

RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES

DOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS

Algumas conseqüências podem advir da inobservância dos princípios e

regras que regem a Administração Pública. Dentre elas, além da lesão ao

interesse público primário e ao erário, está a responsabilização da

Administração por danos que sua atuação, mesmo lícita, eventualmente cause

a outrem, independentemente da perquirição do elemento culpa. Bastarão a

atuação administrativa, a ocorrência do dano injusto ao particular, o liame

etiológico entre os dois elementos anteriores e a comprovação de que o dano

não decorreu de fato da vítima ou de terceiro, para a caracterização da

responsabilidade do Estado, com base na teoria do risco administrativo. Esta é

a regra atual em nosso direito constitucional.

Responsabilidade civil significa o dever jurídico sucessivo de reparar o

dano decorrente da violação de um dever jurídico originário, ou seja, de uma

obrigação imposta pelo direito positivo ou por outras regras de convivência

social, como as contidas nos contratos. A violação do dever jurídico originário

configura um ilícito, da qual pode advir dano a outrem, passível de reparação e

este dever de reparar é o dever jurídico sucessivo. Esta é a razão pela qual já

se afirmou que a responsabilidade é a sombra da obrigação.150

A obrigação violada da qual decorre dano a alguém pode estar

expressa num comando jurídico, ou num contrato. No primeiro caso, fala-se

em responsabilidade extra-contratual ou aquiliana; no segundo caso, a

responsabilidade será contratual.

150 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 23-4.

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Também o Estado pode causar danos em virtude de sua atuação,

direta ou indireta, lícita ou contrária ao direito. Modernamente não se discute

mais a possibilidade de sua responsabilização por estes danos. Antes, porém,

de apresentarmos o panorama atual da responsabilidade do Estado brasileiro,

é conveniente traçar, em rápidas linhas, a evolução deste tema.

4.1 Breve histórico da evolução da responsabilidade civil do

Estado

Antes da submissão do Estado à lei, na época do absolutismo,

vigorava a idéia da total irresponsabilidade dos atos do monarca, expressa nos

brocardos the king can do no wrong e seu equivalente francês, le roi ne peut

mal faire.

Afirma Guilherme Couto de Castro que, antes da outorga da

Constituição do Império do Brasil, de 1824, não se concebia, mesmo no plano

internacional, que o Estado fosse responsabilizado por atuação errada de

algum de seus prepostos.151

Com o advento do Estado de Direito de cunho liberal, com a mínima

intervenção deste nos negócios celebrados entre os particulares. Assim, por

ser muito pequena a atuação estatal, entendia-se que pouca era a

probabilidade de sua atuação vir a causar prejuízo a terceiro. Não obstante,

mesmo que tal ocorresse, a responsabilidade era atribuída ao seu preposto,

com o agravante de ser fundada na culpa, cabendo então ao interessado

provar a conduta contrária ao direito do agente público. Esta solução resultava

da adoção da teoria da representação, segundo a qual o agente público é

representante do Estado por força de lei, equiparando-se à situação da

representação dos incapazes; por conseguinte, se o representante

151 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pg. 49.

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ultrapassasse os poderes de representação, o Estado não responderia por

esses atos ultra vires perante terceiros prejudicados.152

O surgimento da teoria do órgão, elaborada pelo alemão Otto Gierke,

permitiu imputar ao Estado os atos de seus agentes, considerados órgãos do

corpo denominado Estado, que, por ser pessoa jurídica, logo sem vontade

própria, depende da atuação de seus agentes para manifestar-se. Assim,

sempre que seus agentes atuarem no exercício da função pública ou em razão

dela, esta atuação será atribuída ao Estado.153

Surge então a possibilidade de responsabilização do Estado por danos

que seus agentes causassem a terceiros, porém fundada na culpa do agente.

A doutrina procurava distinguir os atos estatais em duas espécies, ius imperii e

ius gestionis. Os primeiros, coercitivos, manifestações do poder soberano

estatal, eram insuscetíveis de causar responsabilização. Os segundos

poderiam ensejar responsabilidade do Estado, desde que o dano resultasse da

conduta culposa do agente. Esta concepção causava grande dificuldade aos

prejudicados pela atuação estatal, pois, além da dificuldade natural de provar a

culpa de alguém, muitas vezes não se conseguia vislumbrar a linha divisória

entre os atos ius imperii e os ius gestionis.154

Este foi o entendimento consagrado no art. 15 do Código Civil

brasileiro de 1916, que dispunha:

Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente

responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade

causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito

ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra

os causadores do dano.

152 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 425. 153 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 236-7.

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Esta regra de responsabilização fundada na culpa do agente foi

posteriormente revogada tacitamente pela Constituição Federal de 1946, como

se verá adiante.

A insatisfação com o entendimento acima deu força à teoria da

responsabilização estatal fundada na culpa administrativa ou anônima, a

chamada faute du service, manifestada de três maneiras: (a) a inexistência do

serviço; (b) a má prestação do serviço e (c) o retardamento do serviço. Desta

forma, o particular lesado não mais precisava demonstrar a culpa de um

agente específico, mas sim que o dano decorrera da inexistência do serviço

(que deveria ser prestado), ou de seu mau funcionamento ou, ainda, do retardo

na sua prestação.155

A evolução do direito se deu no sentido da moderna consagração da

responsabilidade objetiva do Estado, fundada no risco administrativo. O

Estado, hoje, presta grande número de serviços públicos, dos quais se

beneficia a sociedade. Assim, é natural e justo que esta arque com a

reparação do prejuízo injusto e não razoável que estas mesmas atividades

possam vir a causar a um ou alguns de seus membros.156

A teoria da responsabilidade objetiva prescinde da análise do elemento

culpa, bastando, como afirmado no início deste capítulo, (a) o fato

administrativo, isto é, qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva,

legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao poder público, (b) a

154 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 413. 155 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 413. 156 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 239-40. (“A Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem ser também suportados por todos, e não apenas por alguns. Conseqüentemente, deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade, independentemente de culpa dos seus agentes. (...) esta teoria ... surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. É a forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública.”)

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ocorrência do dano injusto ao terceiro, (c) o liame etiológico entre o fato

administrativo e o dano e (d) a comprovação de que o dano não decorreu de

fato da vítima ou de terceiro.157 Havendo concorrência de fato da vítima ou de

terceiro para o dano, a responsabilidade do Estado poderá ser atenuada. Se o

dano decorrer inteiramente destes fatores, não caberá a responsabilização

estatal.158

Assim, a perquirição da culpa não é estranha na teoria da

responsabilidade objetiva do Estado, mas sim dispensável. Contudo, é

relevante apurar a existência de culpa do Estado para a finalidade de

indenização por dano moral, pois para a fixação deste é sempre relevante o

grau de culpa. Atente-se que a fixação do dano moral, nesta hipótese, há de

ser módica, limitada ao caráter compensatório, abstraindo-se do aspecto

punitivo, sob pena de ser socializada a punição.159

A discussão da culpa do agente poderá também servir à

Administração, em eventual ação de regresso para dele cobrar o prejuízo

causado ao erário, quando provada.

Conforme já afirmado, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado,

independente de pesquisa da culpa, já fora prevista na CEFB/1946, cujo art.

194 dispunha:

Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente

responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade,

causem a terceiros.

157 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 420. 158 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 245-6. 159 CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pg. 65.

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A essência do dispositivo acima foi mantida nos textos das

Constituições posteriores, inclusive a de 1988, cuja regra dá ensejo ao tema

tratado nos próximos itens.

4.2 A regra do art. 37, § 6.º, da CRFB/1988

O tema da responsabilidade do Estado por danos que venha a causar

em decorrência de sua atuação está regulado da seguinte forma na

CRFB/1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos

Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6.º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado

prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus

agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito

de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

A regra atual é, portanto, a da responsabilidade objetiva do Estado,

abrangendo tanto as pessoas jurídicas de direito público interno quanto as de

direito privado prestadoras de serviços públicos, como é o caso das

concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Prescinde-se a

comprovação da culpa da Administração, bastando a demonstração do dano

(injusto e fora da esfera de normalidade da vida), a atuação comissiva ou

omissiva160 do Estado e o nexo de causalidade entre ambos. Trata-se,

160 A responsabilidade do Estado por omissão é objeto de discussões doutrinárias.Parte dela, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, sustenta que a responsabilidade por omissão é sempre subjetiva, fundada na culpa pelo descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano, quando podia fazê-lo sem risco. Outra linha de entendimento, esposado por Sérgio Cavalieri Filho, José dos Santos Carvalho Filho e Guilherme Couto de Castro, sustenta a necessidade de distinção entre duas espécies de omissão, a genérica e a específica. A primeira relaciona-se com danos oriundos de fatos da natureza ou de terceiros, imprevisíveis e insuscetíveis de serem evitados pela Administração, sendo razoável impor a repartição do gravame pela coletividade. Havendo omissão genérica, a responsabilização do Estado será necessariamente fundada na culpa, quando provado que este, embora alertado dos riscos de danos que uma dada situação surgida podia causar, nada fez para evitá-los.

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portanto, de responsabilidade extracontratual do Estado, não incidindo a regra

nos casos de responsabilidade contratual, pois, segundo Sérgio Cavalieri Filho,

“aquele que contrata com o Estado não é terceiro; já mantém vínculo jurídico

com a Administração, pelo quê, ocorrendo o inadimplemento estatal, a

responsabilidade deverá ser apurada com base nas regras que regem o

contrato administrativo.”161

Ressalte-se, quanto às pessoas jurídicas de direito privado que

integram a Administração Pública indireta, que apenas aquelas que prestam

serviços públicos estão sujeitas à regra da responsabilidade objetiva. As que

desempenham atividade econômica poderão responder subjetiva ou

objetivamente. Neste último caso, o fundamento não será o art. 37, § 6.º, da

CRFB/1988, mas sim, eventualmente, os arts. 12 e 14 do Código do

Consumidor, ser forem fornecedoras de produtos ou serviços e o dano

decorrer de relação de consumo ou equiparada a este.162

Há também neste comando uma regra de responsabilidade subjetiva,

fundada na culpa, aplicável ao agente público que, procedendo com dolo ou

culpa comprovados, por meio de ação ou omissão inescusável, houver dado

causa ao dano cujo ônus de reparação recaíra sobre a Administração. Neste

caso, a responsabilização do agente será buscada por meio de ação de

regresso.163

A omissão específica estatal consiste na inércia em impedir a ocorrência do dano, quando presentes o dever legal e a possibilidade de fazê-lo. Neste último caso, não será necessário demonstrar a culpa, bastando aferir a conduta omissiva específica, o dano e o nexo de causalidade, e, inexistindo fortuito ou culpa exclusiva da vítima, a indenização será devida. (Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 248. CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. Pg. 56-7. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 427). 161 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 247. 162 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 252. 163 As discussões sobre a maneira de exercer o direito à ação de regresso, inclusive sobre o cabimento da denunciação da lide, não fazem parte do escopo deste trabalho.

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O termo “agente”, empregado na redação do dispositivo analisado, dá

ensejo à afirmação de que abrange tanto os servidores públicos que

ingressaram na Administração por meio de concurso público ou que tiveram

seu ingresso regularizado pela regra do art. 19 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias da CRFB/1988, como também os ocupantes de

funções comissionadas, servidores temporários, agentes contratados e de fato.

Citando mais uma vez o insigne Sérgio Cavalieri Filho:

“... incluem-se na qualidade de agente público desde as mais altas

autoridades até os mais modestos trabalhadores que atuam pelo

aparelho estatal. (...) Sempre que a condição de agente do Estado

tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda

que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o

comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória.

Não se faz mister, portanto, que o exercício da função constitua a

causa eficiente do evento danoso; basta que ela ministre a ocasião

para praticar-se o ato. A nota constante é a exigência de uma relação

entre a função pública exercida pelo agente e o fato gerador do

dano.”164

Afirma José dos Santos Carvalho Filho que, “ainda que o agente

estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido

como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo)

ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).”165 Quanto à

vinculação dos prestadores de serviços à Administração, o mesmo autor

posiciona-se neste sentido:

“Como já visto anteriormente, há muitas pessoas que

exercem sua atividade como efeito da relação jurídica que

as vincula ao poder público, podendo ser variados os

títulos jurídicos que fixam essa vinculação. Estão

164 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 244. 165 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 420.

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vinculadas ao Estado as pessoas de sua Administração

Indireta, as pessoas prestadoras de serviços públicos por

delegação negocial (concessionários e permissionários de

serviços públicos) e também aquelas empresas que

executam obras e serviços públicos por força de contratos

administrativos.”166

Assim, não resta dúvida que os fatos lesivos originados da relação

contratual entre a Administração e uma prestadora de serviço ensejarão o

dever jurídico sucessivo estatal de reparar o dano, pois os empregados da

prestadora, atuando em razão daquela relação contratual, serão considerados

agentes públicos, devido à vinculação indireta com o poder público. Se o

lesado for o empregado da prestadora, e o dano tiver relação direta com o

contrato administrativo de terceirização de serviços, também neste caso será

responsável a Administração.

Embora não se questione a responsabilidade estatal extracontratual

nestas situações, alguma polêmica subsiste a respeito da espécie de

responsabilidade, se solidária ou subsidiária, tema a ser analisado no item 4.3.

4.3 Responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes dos

contratos de terceirização de serviços

A possibilidade de atribuição ao Estado do dever jurídico sucessivo de

ressarcir prejuízos que seus agentes causem aos particulares é mais uma boa

razão, juntamente com a simples e desejada obediência aos comandos

constitucionais e legais que regem a Administração Pública, para que esta atue

convicta e firmemente na persecução do interesse público primário,

escolhendo bem a pessoa com quem irá contratar e acompanhando

166 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 428.

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atentamente a execução do contrato, tendo como parâmetros os documentos

que o integram e os ditames legais.

A responsabilidade objetiva independe da pesquisa sobre a culpa, mas

não a exclui. Também há espaço para a responsabilidade subjetiva do Estado,

quando ficar provado que sua omissão ou atuação deficiente houverem

concorrido decisivamente para a ocorrência do evento danoso.167 Como já foi

dito anteriormente, o fato de terceiro ou da própria vítima ou ainda evento

natural ou humano imprevisível, podem atenuar ou mesmo excluir totalmente a

responsabilidade estatal, conforme hajam concorrido para o resultado danoso

ou o tenham produzido com exclusividade, respectivamente.168 A atenuação ou

exclusão da responsabilidade estatal, nestes casos, decorre do fato de que

esta só existirá se o evento danoso for atribuído a um agente do Estado.

Atribuir responsabilidade ao Estado por fato de pessoa que a ele não está

vinculada, ou por algum evento fortuito ou de força maior, seria admitir a

responsabilidade fundada no risco integral.

Ainda assim, cabe discussão sobre a culpa do Estado, que servirá a

dois propósitos: (a) indenização do lesado por eventuais danos morais; (b)

ação de regresso em face do causador do dano, que houver agido com culpa

ou dolo, visando ao ressarcimento ao erário.

Em contratos de terceirização de serviços, a culpa da Administração

pode advir da má escolha da pessoa com quem celebrou o contrato (culpa in

eligendo) em decorrência de falhas no edital ou de negligência ou dolo na

verificação das exigências editalíceas, da atribuição da tarefa de fiscalização a

um agente inadequado cuja atuação contribua para o dano (novamente, culpa

167 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 257. 168 Por outro lado, há situações em que se pode provar que o prejuízo causado por enchentes e vendavais, por exemplo, poderia ter sido evitado ou minimizado se a Administração tivesse agido preventivamente, especialmente quando tais eventos ocorrem com freqüência tal que perdem o caráter de imprevisibilidade. V. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 257.

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in eligendo) ou da fiscalização deficiente da execução contratual (culpa in

vigilando).169

A responsabilidade da Administração Pública pelos danos a terceiros

decorrentes da execução de um contrato de terceirização de serviço será

extracontratual. Em regra, será também subsidiária, não direta. A

responsabilidade primária será da pessoa jurídica causadora do dano, mas

não é lícito eximir inteiramente a Administração das conseqüências do ato

lesivo, pois o contrato administrativo é um ato da Administração, devendo esta,

por força do art. 37, § 6.º, da CRFB/1988, reparar o dano causado por sua

atuação, ainda que lícita.170 Todavia, sua obrigação de reparar somente

nascerá quando esgotadas as forças da responsável primária e direta, a

contratada-prestadora de serviço.171 Trata-se, em verdade, de um benefício de

ordem para a Administração.

Não razoável afirmar que a responsabilidade da Administração é

solidária. A solidariedade não se presume, decorrendo da lei ou da vontade

expressa das partes contratantes.172 Esta é a razão pela qual o edital deve

conter previsão no sentido de que os prejuízos que a prestadora de serviço vier

a causar em razão do contrato, à própria Administração ou a terceiros, devem

ser reparados por ela.173

A importância da boa elaboração do projeto básico e do edital174 da

licitação consiste em reduzir os riscos de uma má contratação, seja por falhas

na especificação do objeto e das obrigações das partes, seja pela falta de

cautelas suficientes para aferir a idoneidade dos licitantes. É também uma

maneira de orientar a fiscalização para bem desempenhar sua tarefa,

169 SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Cooperativas de trabalho, terceirização de mão-de-obra e direito do trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pg. 128. 170 Vide item 4.2. 171 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. Pg. 428. 172 Código Civil, art. 265. 173 Vide item 3.3.3. 174 Vide item 3.3.

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reduzindo a possibilidade de interpretações prejudiciais ao interesse público.

Em suma, um bom projeto básico pode vir a reduzir o alcance de eventual

responsabilização da Administração.

A contrario sensu, a elaboração de um projeto básico e de um edital

com falhas pode dar ensejo à caracterização da culpa da Administração e, com

grande probabilidade, dos agentes públicos que houverem concorrido para as

falhas atribuídas ao poder público.

O mesmo pode ser afirmado quanto à fiscalização do contrato. O

desempenho desta atribuição deve ser orientado no sentido de exigir da

contratada o adimplemento de todas as obrigações expressas no contrato e no

edital que o integra, tendo sempre em vista o interesse da Administração. Deve

o fiscal pautar sua atuação pela razoabilidade, dando ciência dos problemas

surgidos durante a execução às autoridades superiores, tão logo eles surjam, a

fim de permitir uma rápida tomada de decisão. A desídia da fiscalização, ou

das autoridades superiores aos fiscais designados, pode acarretar eventual

responsabilidade funcional, cível ou penal a quem houver, com sua conduta

comissiva ou omissiva, concorrido para o dano ao terceiro e, em última análise,

à Administração.175

4.4 Responsabilidade da Administração pelas obrigações

trabalhistas, previdenciárias, fiscais e comerciais da

prestadora de serviço

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4.4.1 Responsabilidade pelas obrigações trabalhistas

Questão relevante muito debatida nos Tribunais brasileiros é relativa à

responsabilidade do Estado-tomador pelas obrigações trabalhistas da

contratada-prestadora, inadimplidas por esta.

O cumprimento destas obrigações deve ser objeto de especial atenção

pelos fiscais designados pela Administração para acompanhamento da

execução do contrato.

Esta situação ocorre quando o empregado da prestadora de serviço é

prejudicado pelo inadimplemento daquelas obrigações. Sendo a tomadora a

própria Administração Pública, regida pelo princípio da legalidade, é no mínimo

incoerente que ela não seja responsabilizada. Admitir o contrário seria uma

teratologia, pois corresponderia a uma tolerância do Estado diante de

ilegalidades cometidas em decorrência de seu próprio contrato administrativo.

Esta é a razão pela qual o TST firmou seu entendimento, expresso no

enunciado n.º 331 da súmula de sua jurisprudência dominante, nos seguintes

termos:

Enunciado nº 331

Contrato de prestação de serviços. Legalidade.

(...)

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do

empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos

serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da

administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das

empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que

hajam participado da relação processual e constem também do título

executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

175 Não está compreendida no escopo deste trabalho a discussão da responsabilidade funcional, cível ou penal dos agentes públicos.

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O valor que informa este entendimento, que se tornou referencial para

as decisões dos demais Tribunais, é o da proteção dos direitos dos

trabalhadores, considerados por boa parte da doutrina como direitos

fundamentais sociais, de segunda geração.176

Por outro lado, o entendimento adotado pelo TST constitui

interpretação ao comando do art. 71 da Lei 8.666/93, que assim dispõe sobre a

responsabilidade da Administração pelos encargos trabalhistas,

previdenciários, fiscais e comerciais relativos ao contrato administrativo:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,

previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do

contrato.

§ 1.º A inadimplência do contratado com referência aos encargos

trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração

Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o

objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e

edificações, inclusive perante o registro de imóveis.

176 Os direitos fundamentais de primeira geração, ou de liberdade, são as liberdades individuais e políticas, consagradas nas primeiras constituições modernas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, afirmando o direito individual de exigir do Estado uma postura de respeito à individualidade. A defesa destes direitos caracterizou o Estado Liberal de Direito. O agravamento das precárias condições de vida e trabalho dos trabalhadores, fomentando teorias que decretavam a morte do capitalismo e o crescimento da insatisfação das camadas mais desfavorecidas das populações levaram a própria Igreja Católica, no final do século XIX, a lançar a sua doutrina social, o que colaborou para o impulso para o gradual reconhecimento dos direitos sociais, inicialmente dos trabalhadores, tanto nas legislações como nas constituições, iniciando-se o processo de consagração constitucional destes direitos no México, em 1917, seguindo-se a Constituição de Weimar (Alemanha), em 1919. Estes direitos são chamados de segunda geração, mas não excluem os da primeira geração, mas sim procuram assegurar condições para que estes sejam usufruídos por todas as pessoas. Ou seja, é necessário promover a igualdade material, para que se atinja um nível de maior uniformidade no gozo dos direitos individuais e políticos pela maioria das pessoas. Modernamente se afirma que os direitos de segunda geração, ou direitos sociais, ou de igualdade,além de imporem certas prestações positivas aos poderes estatais, consagram também os valores mais importantes em uma comunidade política, passando a constituir as bases da ordem jurídica da coletividade. Em outras palavras, têm ao menos a força normativa de orientar a interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional preexistente para a afirmação destes direitos, além de estabelecerem parâmetros para o surgimento de nova legislação. No Brasil, a atual ordem constitucional confere ampla proteção à liberdade, porém garante também aos economicamente desfavorecidos as condições necessárias para o efetivo gozo da liberdade. Consagra o capitalismo e a livre iniciativa, mas também a função social da propriedade (CRFB/88, art. 5.º, XXIII), o que levou à consagração, no novo Código Civil de 2002, da função social do contrato (art. 421). Ou seja, a propriedade privada e a autonomia da vontade para contratar são garantidas, mas ambas as liberdades têm seu exercício condicionado à observância da função, da utilidade social. (V. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. Pg. 133-5, 196 e 220. SILVA, Paulo Renato Fernandes da. Cooperativas de trabalho, terceirização de mão-de-obra e direito do trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Pg. 104.)

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§ 2.º A Administração Pública responde solidariamente com o

contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do

contrato, nos termos do art. 31 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de

1991.

§ 3.º - VETADO

O reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração

pelos encargos trabalhistas de sua contratada-prestadora de serviço traduz o

esforço de conciliar a redação do § 1.º do art. 71 da Lei 8.666/93 com o

disposto no § 6.º do art. 37 da CRFB/88, que impõe à Administração o dever

ressarcitório relativo aos danos que vier causar a terceiros. Na hipótese em

exame, o terceiro lesado é o empregado da prestadora de serviço, que tem

seus direitos fundamentais de trabalhador177 consagrados no art. 7.º da

CRFB/88.

O inciso IV do enunciado n.º 331 da Súmula de jurisprudência

dominante do TST preserva a regra constitucional do § 6.º do art. 37, não

eximindo a Administração de responsabilidade pelo inadimplemento dos

encargos trabalhistas de sua contratada, porém não de forma direta e primária.

Tendo em vista a inexistência de preceito legal determinando a

responsabilidade solidária da Administração nesta hipótese, a solução adotada

pelo TST constitui exemplo de interpretação do texto da Lei 8.666/93 com a

finalidade de compatibilizá-lo com o comando constitucional, preservando-os.

Trata-se, em verdade, de exemplo de interpretação conforme a Constituição.

É abundante o volume de decisões judiciais reconhecendo a

responsabilidade subsidiária do Estado quanto ao inadimplemento das

obrigações trabalhistas das prestadoras de serviços relativas aos seus

empregados, que hajam atuado em serviços prestados à Administração

Pública. O fundamento destas decisões é sempre a garantia dos direitos do

trabalhador, alertando-se ainda para a necessidade de se contratar com uma

177 Adotamos o entendimento de que os direitos sociais previstos no art. 6.º da CRFB/88 são direitos fundamentais de segunda geração.

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prestadora idônea, sob pena de responsabilização fundada na culpa in

eligendo e/ou in vigilando.178

O TST, aplicando o entendimento consolidado no verbete n.º 331 de

sua própria súmula, tem reafirmado a responsabilidade subsidiária da

Administração pelos encargos trabalhistas inadimplidos por seus prestadores

de serviços, conforme pode ser verificado nos seguintes acórdãos recentes,

cujos trechos mais relevantes sobre o tema transcrevemos abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ARTIGO 37, II, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA. NÃO-CONFIGURAÇÃO.

(...) “Fato inconteste é que a 1.ª reclamada prestava serviços à 2.ª

reclamada, que assumia a condição de tomadora de serviços.

Pois bem, a empregadora não honrou as obrigações trabalhistas,

projetando a recorrente na posição de devedora subsidiária.

A Súmula 331 do colendo TST, em seu inciso IV, consagra o

entendimento.

(...)

A recorrente errou na escolha da prestadora de serviços, incorrendo

na culpa in eligendo e in vigilando; o inadimplemento das obrigações

trabalhistas por parte do empregador, implica na responsabilidade

subsidiária da empresa cliente.

(...)

Ademais, o entendimento predominante no âmbito desta Corte é o de

que inadimplente a prestadora de serviços, e se não observados pela

tomadora os parâmetros definidos pela Lei n.º 8.666/93 na escolha de

fornecedores e/ou prestadores de serviços idôneos e em condições

de executar integralmente o objeto do contrato, emerge (sic) as

figuras da culpa in eligendo e in vigilando (art. 186 do novo Código

Civil), autorizando a responsabilização subsidiária de órgãos da

Administração Pública Direta e Indireta.

178 TRT 1.ª Região. RO 04405-99. Rel. Min. Nelson Tomaz Braga. J. 06.12.00. DORJ, III, S. II – Federal, 12.01.01. Em outro julgado, o mesmo Tribunal afirma que quando a prestadora de serviços se dissolve sem deixar bens suficientes para cobrir o passivo, deve a tomadora do serviço ser responsabilizada subsidiariamente. No caso concreto, a tomadora não é a Administração Pública, mas o entendimento

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Portanto, a súmula em questão, em sua nova redação, trata da

matéria à luz da citada Lei n.º 8.666/93, se aplicando também à

hipóteses em que a pessoa jurídica de direito público adotou o

procedimento licitatório ali previsto e, nessa hipótese, a

responsabilidade é a subsidiária.”

(...)

TST. 1.ª T. AIRR – 1283/2004-033-02-40. Rel. Juiz Convocado

Guilherme Bastos. J. 13.06.07. DJ 03.08.2007.

RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONVÊNIO. PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS DE SAÚDE. MUNICÍPIO DE BELÉM. SÚMULA N.º 331,

ITEM IV, DO TST.

“O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do

empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos

serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da

Administração Pública Direta. A celebração de convênio de prestação

de serviços na área de saúde, em razão de interesse comum às

partes, implica, assim, a responsabilidade da Administração Pública

pelas conseqüências jurídicas dele decorrentes, devendo, pois, o

município responder subsidiariamente pelos direitos trabalhistas

reconhecidos, não se admitindo possa eximir-se da responsabilidade

decorrente dos serviços a ele prestados por trabalhadores, cujos

créditos não venham a ser adimplidos pelos reais empregadores por

ele contratados, na medida em que tal dano decorre da atuação

pública, incorrendo o tomador dos serviços, para além de sua

responsabilidade objetiva, em culpa in eligendo e in vigilando, nos

exatos termos do entendimento consagrado pela súmula n.º 331, IV,

do TST. Recurso de revista não conhecido.

(...)

O E. tribunal Regional do Trabalho concluiu pela responsabilidade

subsidiária do Município de Belém pelos créditos trabalhistas do

reclamante, em face de convênio firmado para a prestação de

serviços na área de saúde.

(...)

Vale ressaltar que a correta execução do contrato firmado com a

FEMECAM não se esgota com o cumprimento fiel do convênio,

estende-se à fiscalização do cumprimento das obrigações laborais.

adotado é aplicável a esta. (TRT 1.ª Região. RO 17451-99. Rel. Min. Nelson Tomaz Braga. J. 14.11.01.

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Destaque-se que o art. 71 da Lei n.º 8.666/93 não pode ser

interpretado isoladamente, porque existem dispositivos legais e

constitucionais aplicáveis aos entes públicos em casos como o que

ora se examina. Por exemplo, a norma do art. 186 do Código Civil, e o

art. 37, § 6.º, da Constituição da República.

(...)

Na verdade, a culpa do ente público é objetiva. Essa é a verdadeira

essência da Súmula n.º 331, IV, do TST, que adota a teoria da culpa

objetiva, ou seja, se o empregador principal não paga, caberá ao

tomador, que possui maior poder econômico, arcar com o

pagamento.”

(...)

TST. 6.ª T. RR – 1840/2005-014-08-00. 6.ª T. Rel. Min. Aloysio Corrêa

da Veiga. J. 06.06.07. DJ 03.08.07.

A despeito da louvável clareza e concisão dos trechos transcritos do

segundo acórdão acima reproduzidos, que resumem todo o exposto até aqui,

um reparo merece ser feito. Nos trechos em que há menção à “culpa objetiva”,

esta deve ser entendida como responsabilidade objetiva, cuja caracterização

independe da aferição da culpa, mas não a repele.

4.4.2 Responsabilidade pelas obrigações previdenciárias

O § 2.º do art. 71 da Lei 8.666/93, cuja redação foi determinada pela

Lei 9.032/95, prevê a responsabilidade solidária da Administração pelos

encargos previdenciários resultantes da execução do contrato.

A relevância do cumprimento destas obrigações é de tal ordem que a o

art. 195, § 3.º, da CRFB/88, veda às pessoas jurídicas em débito com o

sistema de seguridade social, na forma estabelecida em lei, contratarem com o

poder público ou dele receberem benefícios ou incentivos, fiscais ou

creditícios.

DORJ, III, S. II – Federal, 17.01.02.)

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Críticas são feitas ao dispositivo e, dentre elas, destaca-se, pela lógica,

a de Jessé Torres Pereira Junior, que questiona veementemente a utilidade da

regra. Ao criar a solidariedade, a lei estabeleceu para a Administração Pública

o dever específico de fiscalizar se a contratada está em dia com o

recolhimento daqueles encargos. Ora, pondera o autor, tal dever já deve

constar em cláusula contratual, conforme dispõe, de forma genérica, o art. 55,

XIII, da Lei 8.666/93. Na prática, o § 2.º do art. 71 levaria a Administração a

socorrer a previdência social, para depois buscar reaver o prejuízo em ação de

regresso em face da contratada. Todavia, a conseqüência para a contratada

da inadimplência de suas obrigações com a previdência social é a rescisão por

descumprimento de obrigação pactuada (art. 78, I, da Lei 8.666/93), sem

prejuízo de aplicação de penalidade administrativa (art. 80, caput, da mesma

lei). Por outro lado, a Lei 9.711/98 deu nova redação ao art. 31 da Lei

8.212/91, determinando ao contratante de serviços que impliquem em cessão

de mão-de-obra a retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal ou da fatura

de prestação do serviço, devendo recolhê-los até o dia 2 do mês subseqüente

ao da emissão da nota fiscal ou fatura, em nome da empresa contratada,

cabendo a esta compensar este valor por ocasião do recolhimento das

contribuições à seguridade social devidas sobre a folha de pagamento dos

segurados da previdência a seu serviço. Esta solução faz cessar a

solidariedade, desde que haja a retenção e o recolhimento no montante e no

prazo assinados pela lei.179

4.4.3 Responsabilidade pelas obrigações fiscais e comerciais

Na ausência de regra legal e de orientação jurisprudencial sumulada

no sentido da responsabilidade solidária ou subsidiária por estas obrigações da

179 PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Pg. 697-8.

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prestadora de serviço contratada, a regra a ser aplicada, na hipótese de

inadimplemento destas obrigações, é a do caput do art. 71, c/c § 1.º. Isto

significa que a Administração não responde pelo inadimplemento destes

encargos, nem solidária, nem subsidiariamente. Deve ser aplicada a regra

geral do art. 55, XIII, do mesmo diploma legal, ou seja, o contratado deve

manter, durante toda o período de execução do contrato, todas as condições

de habilitação e qualificação exigidas na licitação, compatíveis com as

obrigações assumidas, sob pena de rescisão fulcrada no art. 78, XI, por ato

unilateral da Administração (art. 79, I), com as conseqüências previstas no art.

80.

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CONCLUSÃO

Após a propalada vitória do capitalismo sobre o socialismo, na última

década do século XX, o processo de integração das economias dos países do

mundo acelerou-se a níveis espantosos, impulsionado pelo notável

desenvolvimento das tecnologias de comunicação, principalmente da rede

internacional de computadores. A facilidade de movimentação de grandes

somas de dinheiro em poucos minutos provoca o interesse de vários países

nestas quantias e, para atraí-las, muitas alterações são necessárias,

especialmente nas concepções acerca do tamanho do Estado e de suas

funções.

O Brasil busca, desde a promulgação da CRFB/88, tornar-se um

importante ator tanto no comércio como na política internacionais. Mas não

bastava a opção inequívoca pelo capitalismo e pela livre iniciativa como

fundamentos da República e de sua ordem econômica (arts. 1.º, IV e 170, II e

IV, da CRFB/88). A redução do Estado tornou-se um imperativo para permitir o

crescimento do país. O Estado brasileiro deixou de ser prestador de serviços,

passando a ser gestor, regulando áreas de importância estratégica, mas

entregando a atividade econômica que até então desempenhava à iniciativa

privada, salvo nas áreas petrolífera e de energia nuclear (art. 177 da

CRFB/88).

A atração de investimentos internacionais passa também pela redução

da carga tributária e de regras legais trabalhistas, a chamada “flexibilização”

trabalhista. Neste contexto se insere a terceirização de serviços, através da

qual uma empresa, por meio de contrato, atribui a outrem a realização de

atividades que não constituem o núcleo de seu objeto social. Esta forma de

contratação foi adotada também pelo poder público como um dos meios para

aumentar a eficiência do desempenho de suas funções essenciais (fomento da

atividade econômica através do planejamento e da regulação e, em casos

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excepcionais, da atuação direta na economia, exercício do poder de polícia,

jurisdição, segurança, saúde e educação) dentro do novo contexto do estado

gerencial.

Contudo o Estado brasileiro fundado pela ordem constitucional de

1988 não se baseia apenas em capitalismo, livre iniciativa e garantia da

propriedade privada. São também seus fundamentos a dignidade da pessoa

humana (art. 1.º, III), o valor social do trabalho (art. 1.º, IV), a função social da

propriedade (art. 5.º, XXIII e 170, III) e a defesa do consumidor (art. 170, V).

Como corolário do valor social do trabalho, o art. 6.º o consagra como direito

social, enquanto o art. 7.º estabelece um rol exemplificativo dos direitos dos

trabalhadores, cuja histórica e notória hipossuficiência levou à criação da

Justiça do Trabalho e de uma legislação especialmente voltada a sua tutela.

Neste diapasão, a terceirização de serviços não pode ser

indiscriminadamente utilizada pela Administração Pública, com foco apenas na

eficiência. Outros princípios regem o exercício da função administrativa estatal,

tais como os da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

Vigoram também para o poder público as regras do concurso público e da

licitação. Todos estes comandos devem ser observados, segundo critérios de

proporcionalidade. A atenção principal há de ser para a observância do

princípio da legalidade, pois este é o fundamento do próprio Estado de Direito,

que se submete às próprias leis que edita.

Existem, portanto, limites à terceirização de serviço, tanto na iniciativa

privada como na Administração Pública. As razões da existência destes limites

são, por um lado, a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores das empresas

prestadoras de serviços e, por outro, o respeito à legalidade inerente ao

Estado de Direito fundado na dignidade da pessoa humana e na valorização

do trabalho humano. No âmbito da Administração Pública federal direta, o

desrespeito destes valores positivados em regras constitucionais e legais

acarreta, além da violação aos princípios que regem a Administração, podem

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acarretar prejuízos econômicos para esta, em decorrência de sua

responsabilidade objetiva e, eventualmente, subjetiva, pelos danos causados a

terceiros, originados dos contratos administrativos de terceirização de serviços.

A doutrina, a jurisprudência dos Tribunais e as decisões do Tribunal de

Contas da União apontam os limites que devem ser observados para que a

terceirização seja reputada como lícita, preservando-se a legalidade e os

direitos dos trabalhadores. O enunciado n.º 331, da súmula de jurisprudência

dominante do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, condena a terceirização

de mão-de-obra e seu consectário da subordinação direta à direção da

Administração-tomadora de serviço, afirmando a responsabilidade subsidiária

desta pelos encargos trabalhistas inadimplidos pela contratada-prestadora de

serviço, relativamente aos seus empregados. Considera também ilícita a

terceirização de atividade-fim do órgão contratante. A orientação do TST é

seguida de perto pelos demais Tribunais do país, inclusive pelo Tribunal de

Contas da União.

Os limites identificados são os seguintes:

1) A contratação deve ter por objeto a prestação de um serviço.

Constitui ilegalidade a locação de mão-de-obra, selecionada e subordinada

diretamente à Administração Pública. A mera interposição de mão-de-obra

constitui ofensa à regra do art. 37, II, da CRFB/88, que impõe como condição

para acesso aos cargos públicos efetivos a aprovação em concurso público de

provas ou de provas e títulos. A exceção legal é a hipótese de atendimento a

necessidade excepcional e temporária da Administração, atualmente regulada

pela Lei 8.745/93, na esfera da Administração Pública federal.

2) Os serviços objeto de contrato de terceirização devem estar

relacionados com atividades-meio (acessórias, de apoio) do órgão contratante.

O Decreto 2.271/97 traz rol exemplificativo das atividades típicas de contratos

de terceirização, tais como conservação, limpeza, segurança, vigilância,

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transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações

e manutenção de prédios, equipamentos e instalações. Por outro lado, se

alguma destas atividades-meio constituir atribuição de cargo efetivo do órgão

público, será vedada sua terceirização enquanto não houver a extinção do

cargo. Isto porque tais cargos só poderão ser preenchidos por pessoas

aprovadas em concurso público.

3) A terceirização de serviços ligados à atividade-fim do órgão tomador

do serviço é ilegal, pois viola a regra do art. 37, II, da CRFB/88.

4) Contratos de terceirização celebrados pela Administração Pública

são contratos administrativos, o que leva à presença de cláusulas exorbitantes

garantidoras da supremacia do interesse público sobre o privado. Devem, em

regra, ser precedidos de licitação, salvo nas hipóteses de contratação de

trabalho temporário e para atender a excepcional e urgente necessidade

pública. Destarte, a elaboração do projeto básico e do edital da licitação deverá

permitir a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, que

atenda à sua necessidade pelo preço justo, de um licitante idôneo que tenha

condições de cumprir com todas as obrigações do futuro contrato a ser

celebrado, já especificadas no instrumento convocatório. As disposições

constitucionais e legais que regem as licitações devem ser estritamente

seguidas.

5) Projeto básico e instrumento convocatório bem elaborados são os

que descrevem o objeto de maneira detalhada, porém objetiva e clara, com a

finalidade de facilitar a compreensão de todos aqueles que irão manuseá-los:

servidores da própria Administração, licitantes e o futuro contratado. A

estimativa de custo deve ser compatível com os preços de mercado e baseada

em cálculos fundamentados. As exigências de habilitação, além de

obedecerem ao disposto em lei, deverão ser proporcionais ao objeto, ou seja,

à complexidade de sua execução e ao seu valor.

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6) Estes cuidados são importantes para a obtenção da melhor

proposta, isto é, daquela que atenda à necessidade da Administração, pelo

melhor preço. Visam também a evitar o direcionamento da licitação para

beneficiar ou prejudicar algum licitante específico, o que configuraria ofensa

aos princípios da legalidade e da impessoalidade.

7) Além do dever de escolher bem a pessoa com quem irá contratar a

prestação do serviço ligado à atividade-meio, a Administração tem também o

ônus de fiscalizar atenta e rigidamente a execução do objeto e de todas as

obrigações a ela relacionadas, especialmente o adimplemento dos encargos

trabalhistas e previdenciários decorrentes do contrato. O dever de fiscalização

abrange a comunicação, em tempo hábil, de todos os problemas que possam

interferir na execução e conduzir a uma eventual responsabilização da

Administração, às autoridades com competência decisória quanto às soluções

e aplicação das sanções contratuais.

8) Falhas na elaboração do projeto básico e do instrumento

convocatório, bem como na fiscalização da execução do contrato de

terceirização de serviço, podem acarretar a responsabilidade da Administração

pelos danos a terceiros que dele advirem. Por terceiro entenda-se todo aquele

que não for parte no contrato administrativo de terceirização, mas que tenha

algum direito lesado em decorrência deste contrato.

9) Em regra, a responsabilidade da Administração por estes danos

será objetiva, ou seja, prescindindo do exame da culpa, porém não excluindo

sua aferição, que serve a dois objetivos: (a) ação da regresso da

Administração em face dos servidores que houverem concorrido para o dano,

seja por ação ou omissão, violadoras do dever funcional de desempenhar com

zelo e atenção suas atribuições; (b) permitir a responsabilização da

Administração por danos morais. A jurisprudência, seguindo a orientação

sumulada do TST, tende a afirmar a culpa in eligendo e in vigilando da

Administração, conforme se verifique falha nos respectivos deveres de

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escolher uma prestadora de serviços idônea e fiscalizar bem a execução do

objeto do contrato e as demais obrigações a este relacionadas.

10) Quanto ao inadimplemento das obrigações trabalhistas da

prestadora de serviços em relação a seus empregados, o entendimento

jurisprudencial atualmente dominante é no sentido de responsabilizar

subsidiariamente a Administração, interpretando-se a regra do art. 71 da Lei

8.666/93 à luz do art. 37, § 6.º, da CRFB/88, o que dá relevo aos direitos dos

trabalhadores, consagrados no art. 7.º da CRFB/88 e na legislação trabalhista

infraconstitucional. Para evitar esta responsabilidade, justifica-se a exortação

relativa aos cuidados a serem tomados na elaboração do projeto básico e do

edital de licitação, bem como na fiscalização do cumprimento das obrigações

contratuais.

11) Relativamente aos encargos previdenciários da prestadora de

serviços, apesar de o art. 71, § 2.º, da Lei 8.666/93 prever a responsabilidade

solidária do ente público, a retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal ou da

fatura de prestação de serviços, com seu posterior recolhimento à previdência

social, previstos no art. 31 da Lei 8.212/91, têm o condão de afastá-la. Caberá

então à contratada deduzir, do montante devido por ela à previdência social

com base na sua folha de pagamento, os valores descontados pela

Administração dos pagamentos de suas faturas emitidas em razão do contrato.

12) A Administração Pública não será responsabilizada pelos prejuízos

causados por sua prestadora de serviços em decorrência da inadimplência

desta quanto às suas obrigações fiscais e comerciais oriundas do contrato de

terceirização, por força do disposto no art. 71, caput e § 1.º, da Lei 8.666/93.

Observando estes limites, estará a Administração Pública exercendo

de forma correta a função estatal de administrar, com foco não apenas na

eficiência, mas principalmente na legalidade, o que abrange, por óbvio, a fiel

observância aos preceitos constitucionais, fundamento de validade de todo o

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ordenamento jurídico infraconstitucional, orientando a edição de leis

posteriores à promulgação da CRFB/88 e impondo nova interpretação à

legislação preexistente. Num Estado Democrático de Direito, fundado não

apenas na filosofia capitalista de produção econômica, mas também na

valorização do trabalho humano e na dignidade da pessoa humana, a

compatibilização da necessidade de maior eficiência e agilidade do Estado

com a observância à Constituição e às leis é imprescindível para a sua

afirmação como poder soberano, sob pena de todos soçobramos perante os

poderosos interesses econômicos dos agentes não estatais atuantes em todo

o mundo moderno.

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ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1: Reportagem: Terceirização é ordem em Brasília ............................ 99

Anexo 2: Entrevista com o Secretário de Recursos Humanos do governo

federal, Luís Fernando Silva ......................................................................... 101

Anexo 3: Reportagem: O governo se prepara para reduzir a terceirização ...

109

Anexo 4: Decreto 2.271/97 ........................................................................... 111

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ANEXO 1

Reportagem

Revista Isto É Artigo disponível em www.terra.com.br/istoedinheiro/246/economia/246_terceirizacao_ordem_brasilia.htm Acesso em 22/03/2008.

ECONOMIA Quarta-feira, 15 de Maio de 2002

TERCEIRIZAÇÃO É ORDEM EM BRASÍLIA Governo federal gasta R$ 15 bilhões por ano em contratações muitas vezes usadas para pagar salários acima do teto permitido pela lei

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Depois de conquistar a iniciativa privada, a febre da terceirização está assolando o governo federal. De vigilantes a faxineiros, passando por engenheiros e economistas, estima-se que os funcionários públicos terceirizados representem hoje em Brasília a metade da força de trabalho de cada um dos 24 ministérios da Esplanada. Nas contas do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, eles são 300 mil em todo o País. Uma

casta que consumiu no ano passado R$ 15,2 bilhões do Orçamento da União. “A maioria dos prestadores de serviços ganha até seis vezes mais do que os concursados que fazem o mesmo trabalho”, diz Cláudio Santana, funcionário do Ministério das Relações Exteriores e diretor do sindicato. “Se o governo fosse um navio, o concursado estaria no porão, enquanto o terceirizado iria de primeira classe.”

O crescimento das contratações por terceirização obedece a um ritmo tão vertiginoso que até o governo perdeu as contas. “Não sabemos quantos terceirizados existem no serviço público”, reconheceu a secretária de Gestão do Ministério do Planejamento, Evelyn Levy. “Nossos contratos são feitos para a realização de serviços pré-determinados e não sabemos quantas pessoas atuam em cada projeto.” A desorganização vai além. A secretária também desconhece quantas empresas fornecedoras de mão-de-obra estão ligadas ao governo. “Devem ser mais de mil”, arrisca o sindicalista Santana.

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Com contratos de cessão de funcionários assinados com os ministérios da Saúde, Cultura, Educação, Esportes, Meio Ambiente, Planejamento, Transportes, Previdência e Marinha, além da Advocacia-Geral da União, a Uniway é uma campeã da política de terceirização do governo federal. Faturou no ano passado R$ 60 milhões em seus contratos com a União e a iniciativa privada. “Todas as nossas posições na administração pública foram conseguidas por meio de licitações”, lembra o empresário Guilherme Costa. Mas isso não elimina as críticas. “Essas organizações são verdadeiras ‘cooperfraudes’, montadas com a finalidade de burlar a legislação trabalhista”, define o advogado trabalhista João José Sady, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil-SP.

Hoje com 458 mil funcionários públicos concursados em atividade, que custaram em salários R$ 17 bilhões aos cofres públicos em 2001, o governo federal defende a terceirização pelo ângulo da economia. “É assim que conseguimos absorver profissionais qualificados para o desempenho de funções temporárias em projetos específicos”, justifica a secretária Evelyn. Ela avalia que programas de combate à Aids, à dengue e de controle de enchentes são casos típicos em que a terceirização é a melhor alternativa. Mas serviços de limpeza e segurança, feitos em caráter permanente, igualmente vão sendo realizados por funcionários vindos de empresas ou cooperativas terceirizadas. Além disso, em termos de remuneração, a terceirização causa situações incongruentes. O teto salarial de um funcionário público é a remuneração do presidente da República: R$ 9.076,00. Na Esplanada dos Ministérios, porém, assessores qualificados de ministros chegam a receber mais de R$ 15 mil. A secretária Evelyn admite a existência desses desvios, mas diz que eles têm vida curta. “Nos novos contratos, ninguém irá ganhar mais que o presidente”, afirma.

Desorganização: governo desconhece o número de prestadores de serviço que contrata

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ANEXO 2

Entrevista

<HTTP://www.planejamento.gov.br/recursos_humanos/conteudo/noticias/noticias

_2003/entrevista_luis_fernando_srh.htm>

Acesso em 22/03/2008.

Notícias

ENTREVISTA COM O SECRETÁRIO DE RECURSOS HUMANOS DO GOVERNO FEDERAL, LUÍS FERNANDO SILVA

07/04/2003

Como está a situação dos terceirizados no Governo Federal?

O Ministério do Planejamento está fazendo um levantamento da quantidade de contratos terceirizados. Existe um acordo feito pelo governo com o Ministério Público nos autos de uma Ação Civil Pública, voltada à questão de alguns contratos terceirizados que não teriam base legal para subsistir.

São contratos que, na verdade, substituem um emprego público, um cargo público

efetivo, e que foram contratados com a idéia de que fossem temporários, mas acabaram se prolongando, demonstrando que havia a necessidade no serviço público daquele trabalhador.

Nesse caso, como são contratos irregulares, o Ministério Público celebrou um acordo com o governo federal, nos autos de uma Ação Civil Pública, em que o Ministério Público Federal questionava a legalidade desses contratos. Em alguns casos, já existe orientação do governo de se fazer a revisão e, provavelmente, uma parcela desses empregos ou desses contratos terceirizados serão substituídos por empregos ou cargos públicos através de concursos que serão abertos.

Tem algum prazo estabelecido para esses concursos?

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Não existe prazo para que se faça um levantamento de todas as situações, porque as situações são diferenciadas. Existem diversos tipos de contratos e o governo vai levantar cada um deles.

Alguns contratos terceirizados são, de fato, corretos. Por exemplo: contratos de assessoria técnica, com prazos claramente definidos para um determinado projeto. Esses, de fato, podem ser contratados de forma terceirizada, temporária.

Outros em que o objetivo já seja prestar um determinado serviço que é de caráter permanente, não poderiam ser substituídos por contratos terceirizados.

A SRH solicitou a todos os órgãos públicos que nos enviem o levantamento de todos esses tipos e contrato, classificando cada um deles. A posição do governo é fazer uma revisão geral identificando os que têm base legal e os que não têm, para, a partir daí, se analisar de que modo o governo substituirá esses contratos por servidores efetivos, nos locais onde de fato houver necessidade.

Levantar a quantidade de contratos e de pessoas envolvidas é um processo lento.

Um dos exemplos de como isso será feito é o caso do INSS que, há quinze dias, realizou um concurso público para 3.800 vagas substituindo 3.900 terceirizados. Havia uma decisão do TCU de que aqueles contratos eram irregulares exatamente porque o fundamento era a prestação de serviço em caráter permanente. Então, não poderiam ser contratos terceirizados. Eram para trabalhar como servidor público e não para prestar um serviço temporário que vai terminar em um determinado espaço de tempo. Por isso, a decisão do TCU foi acatada e o Governo vai substituir esse pessoal.

O concurso do INSS foi o primeiro concurso público de peso do governo Lula e a grande quantidade de inscrições mostrou o interesse das pessoas pelo serviço público.

Vamos levantar também qual é a necessidade efetiva de pessoal no serviço público, em primeiro lugar. Pode ser que nós cheguemos à conclusão de que se precise mais do que o número de terceirizados que hoje substituem o servidor público. Talvez não se trate de substituir um pelo outro. Pode ser que se trate de ampliar, ou talvez não.

Nós iremos analisar todas as situações, inclusive locais de trabalho, em que haja uma quantidade de servidores maior do que o necessário. Aí talvez seja o caso de redimensionar e realocar servidores.

O primeiro passo foi o de reconhecer as situações irregulares nos contratos terceirizados na administração pública. Isso o governo já fez oficialmente através de um acordo judicial.

O segundo foi estabelecer a centralização de todos os contratos terceirizados aqui na SRH de modo que a gente possa analisar quais de fato são irregulares, pois nem todos são. Alguns contratos, como eu falei, têm razão de ser. São situações muito particulares em que o governo

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precisa de um determinado técnico por um espaço de tempo.

Não haveria razão para se abrir um concurso público de caráter permanente para alguém que vai exercer uma atividade por seis meses, um ano, dois anos. Quando esse projeto acaba, a permanência do servidor não tem mais razão de ser e se ele fosse contratado como cargo público, não poderia ser demitido.

Nesses casos devem permanecer alguns contratos terceirizados e outros de organismos internacionais. Enfim, nós vamos separar uma e outra situação. A pergunta que se tem que fazer é: a atividade é permanente ou não? Se a atividade é permanente, não se trata de contratar terceirizado ou temporário ou fazer contratos com organismos internacionais. Trata-se de fazer concurso público. Esse é o objetivo de todo o trabalho que vai desenvolvido agora no primeiro semestre.

Esse trabalho envolve também a Secretaria de Gestão que pensa a gestão da Administração pública como um todo, a renovação da gestão, a modernização da gestão administrativa. Nós vamos tentar concluir esse trabalho ainda no primeiro semestre. Algumas medidas serão adotadas antes, como já foi essa do INSS. À medida que essas questões forem sendo detectadas com clareza, o governo vai agindo. Pretendemos até o mês de junho ter um diagnóstico geral e aí dar uma orientação mais global para toda administração pública.

Terminada essa análise vai se pensar em fazer os concursos?

Terminado esse diagnóstico, ou antes dele, dependendo da situação, como nós já tivemos no INSS. Outros órgãos públicos vão poder apresentar à SRH e à SEGES pleitos de substituição de terceirizados cujo caráter era permanente, por vagas a serem preenchidas por concursos públicos.

É evidente que a realização dos concursos exige também previsão orçamentária. E tudo isso precisa ser levado em conta. A constatação que se faz a priori é de que os contratos terceirizados custam mais do que o cargo efetivo. Então, mesmo sob o aspecto econômico há interesse da administração pública de substituir esses terceirizados por servidores efetivos.

Há alguma idéia de quanto custam esses terceirizados?

Não, porque os contratos terceirizados não fazem parte da folha de pagamento, eles fazem parte do custeio da União de maneira geral. Eles não entram no limite da LRF porque não fazem parte da folha de pagamento. Eles são gastos da União com prestação de serviços. Sequer são identificados nominalmente.

Por exemplo, quando se faz um contrato com uma empresa para prestar serviços de vigilância, esse gasto é um gasto administrativo e não com pessoal. Nós ainda não temos esse levantamento. Agora, a partir da centralização das informações aqui na SRH, nós vamos poder saber qual é o gasto geral da União com esse tipo de contrato. Separando, evidentemente, o que é necessário do que não é necessário.

No caso desses serviços vigilância e de limpeza a terceirização é

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admitida?

Essa é uma discussão que já vem de muitos anos na administração pública, especialmente na questão de vigilância, se é um serviço público ou se é uma atividade que poderia ser exercida por uma empresa contratada.

A partir do levantamento das situações é que nós vamos entrar no detalhamento de cada uma dessas atividades para o governo poder decidir. Esta atividade aqui precisa ser exercida por servidor público? deve ser? É mais prudente que seja ? Ou não, isso é uma atividade típica de vigília de um prédio público e não precisa de ser exercida por um servidor. Não existe, ainda, uma posição do governo exatamente porque vamos analisar cada um dos aspectos da terceirização.

Há críticas de que as empresas pagam salários abaixo da média aos funcionários, não assinam carteira de trabalho. Os próprios funcionários terceirizados são prejudicados por essas empresas. O Governo não deveria ter um controle sobre isso?

Eu penso que o governo deve ter. Ainda que seja a empresa de prestação que esteja descumprindo a legislação trabalhista e não o governo, aí entra o Ministério do Trabalho com a fiscalização.

Não é admissível que a gente permita que uma empresa que presta serviço para o governo pratique uma ilegalidade contra o próprio governo e contra os direitos dos trabalhadores, previstos em Lei.

Quais os problemas que os serviços de terceirização têm trazido ao longo dos anos?

As contratações que não eram, vamos dizer, corretas, - ou seja, uma atividade permanente era substituída por um contrato temporário - acabavam por gerar para a Administração Pública um ônus maior.

O funcionário terceirizado é treinado, trabalha um certo tempo e muitas vezes a empresa o substitui depois de alguns meses - pelo contrato a empresa pode substituir no momento que quiser aquele trabalhador. Então, a Administração recebe novo trabalhador, treina novamente, enquanto isso a qualidade da prestação do serviço cai, portanto, e os recursos públicos são despendidos em treinamento que acabam perdendo o objetivo: o trabalhador não fica, não tem uma relação direta com o serviço público, com a história daquele setor, daquela atividade. É uma dificuldade maior do que se teria com um servidor público de caráter permanente.

Quais os órgãos federais que têm necessidade de contratar terceirizados?

O objetivo do levantamento que vamos fazer é exatamente esse, saber com clareza quanto cada órgão público tem, qual a necessidade que existe e se os contratos que mantém têm razão de ser. Mas, esse primeiro levantamento, atinge somente a administração direta, autárquica e fundacional, cujos servidores são regidos pela Lei 8.112.

Com relação a outros órgãos públicos, que têm legislação específica, levantamento semelhante será feito num segundo momento. Com certeza será necessário levantar essas informações também nas empresas

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públicas.

Com a proposta de alteração da idade mínima para se aposentar, que está sendo discutida na reforma da previdência, há um quadro que parece estar sendo agravado, com servidores fazendo uma corrida pela aposentadoria. Isso já estava previsto, vai realmente acontecer?

Nós esperamos que não. As alterações que eventualmente forem propostas na previdência - e isso ainda é preciso ficar claro - não atingem os servidores que têm direito adquirido. Isso sempre foi assim, não é uma garantia só desse governo. O Supremo Tribunal Federal já decidiu isso diversas vezes.

A regra que vale para a sua aposentadoria é a regra que você conquistou quando completou as condições para se aposentar. Se você já tem, no caso de servidor público federal, homem, 53 anos de idade, 35 anos de serviço e não se aposentou ainda porque não quis se aposentar, mesmo que você se aposente daqui a 10 anos a regra que será utilizada é a que está em vigência hoje, você tem direito a ela.

Qualquer que seja a alteração - se vier a ocorrer de fato uma alteração constitucional importante - não atingirá os servidores que já adquiriram esse direito. Vai eventualmente atingir aqueles que não completaram esses requisitos para a aposentadoria.

Se os servidores entenderem que esse direito lhes é garantido, não há nenhuma razão para uma corrida à aposentadoria. Ele não perde nenhum direito, com nenhuma alteração. Isso, inclusive, já ocorreu na Emenda Constitucional número 20, de 1998. Teve uma corrida grande de servidores com direito adquirido e que era uma coisa absolutamente sem razão. Aqueles que não pediram aposentadoria viram depois que não tiveram nenhuma perda. E os que correram para a aposentadoria se arrependeram.

Foram colocadas agora cinco mil vagas para a Polícia Federal e a intenção é que essas vagas sejam ocupadas logo. Mas depende de uma autorização do Ministério do Planejamento. Isso já está negociado?

Isso foi tratado direto pela Casa Civil com o Ministério da Justiça, pois era uma questão de emergência. E não chegou ainda à Secretaria de Recursos Humanos. Quando chegar aqui provavelmente já será com uma decisão do presidente da República e dos ministros da Casa Civil e do Planejamento. Nós vamos apenas ter que cumprir as determinações e acelerar esse processo, porque há uma necessidade de rapidamente contratarmos mais policiais federais. Fatos recentes demonstram isso.

A intenção do governo é contratar por concurso como determina a constituição?

Sempre que por necessidade de trabalho for constatada a necessidade de pessoal, os provimentos de cargo serão feitos através de concurso público, a Constituição manda que seja assim. Então, todos os atuais terceirizados vão, paulatinamente, ser substituídos por servidores públicos efetivos.

O governo federal pretende valorizar o servidor público e acabar com a essa distorção salarial que, aliás, está sendo discutida agora? Qual é

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a política de valorização do servidor?

Em primeiro lugar, tanto o ministro Mantega, quanto o ministro José Dirceu, na primeira reunião com os servidores federais, deixaram claro que o tratamento desse governo para com os servidores vai ser de valorização da função pública, coisa que não tivemos durante os últimos dez anos.

E como é que se valoriza a função pública? Através de carreiras efetivas, que demonstra ao servidor que a sua capacitação, a sua qualificação vão resultar numa melhoria, numa evolução na carreira, coisa que hoje nós não temos. As evoluções, hoje, ou são automáticas ou não existem. A grande maioria dos servidores está no final de cada uma das carreiras, portanto, não há nenhuma projeção de crescimento por merecimento ou por qualificação - não adianta se capacitar, fazer um curso, porque ele não resulta em absolutamente nada.

No período passado, as gratificações por produtividade eram, na verdade, substituição de reajuste, uma recomposição do poder aquisitivo mediante uma gratificação que jamais aferiu efetivamente se o servidor estava produzindo melhor, se estava sendo qualificado ou não.

O objetivo deste governo é alterar essa política, criar diretrizes de planos de carreira que efetivamente permitam ao servidor visualizar a sua carreira, saber, desde quando ele entra no serviço público que, se ele desempenhar a função pública dentro de determinados pressupostos que o governo defina, ele consegue ascender na função, sem ter necessidade de ficar na dependência de uma indicação político-partidária, por exemplo. Isso é, efetivamente, uma carreira. Nós queremos fazer com que os servidores voltem a ter a valorização que já tiveram na Administração Pública no Brasil, há 20, 30 anos atrás.

A negociação com os servidores públicos já é um primeiro passo. Pela primeira vez o governo federal se dispõe a abrir um processo de negociação com os servidores. É um processo efetivo, pleno. Não é sazonal, que ocorre porque existe uma greve ou uma mobilização - aliás, não existe agora nem uma coisa nem outra e ainda assim seis ministros de Estado participaram desse processo de negociação com os servidores.

Evidentemente, o governo não tem fórmulas prontas de como se valoriza o servidor. Nosso objetivo é discutir isso com o servidor na mesa de negociação. Quais as melhores fórmulas? Como envolveremos a sociedade na aferição do desempenho não só dos servidores, mas do próprio órgão público? A sociedade é quem vai dizer: esse órgão está funcionando bem, esse não está. Esse é um debate que se abre agora com os servidores.

No Ministério do Planejamento existe hoje necessidade de renovação de quadros?

O Ministério do Planejamento é um órgão público e, como os demais órgãos públicos, está fazendo esse levantamento. O ministério tem o seu setor de recursos humanos próprio, que não é esta SRH, e que estará fazendo o levantamento sobre os seus terceirizados.

O que posso dizer é que a Secretaria de Recursos Humanos tem cerca de 10% de seu pessoal terceirizado. E esta SRH tem atividades que são

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permanentes. Não existem aqui atividades temporárias, que não se repita ano após ano.

Portanto, são contratos que não têm razão de ser. São contratos que foram sendo acumulados ao longo dos anos. Algumas pessoas estão há três, quatro, cinco anos - são servidores de nível médio, intermediário e mesmo de nível superior - exercendo função típica de caráter permanente. Nós, logicamente, teremos que fazer nosso levantamento e apontar a necessidade de substituir esses servidores porque não se justifica serem contratos temporários ou terceirizados.

E o que a SRH poderia dizer a essas pessoas que estão à espera dos concursos para entrar no serviço público?

O que eu disse anteriormente: que o governo vai tratar a função pública com o respeito que deve ter. Nós temos claro que, se os servidores não tiverem compromisso com o que o governo pretende fazer de mudanças no País, esse governo vai ter dificuldades sérias de promover essas mudanças. Porque os servidores são os agentes do governo, são os agentes do Estado. Portanto, o Estado precisa valorizar a função pública, para que o servidor dê em troca um desempenho maior, um esforço maior.

Sabemos - e os servidores sabem - que nós temos dificuldades orçamentárias sérias, então esperamos que esse próximo período seja marcado por essa relação de respeito, com a valorização da função pública, da carreira, o que vai demonstrar que daqui pra frente as coisas, com certeza, serão diferentes na relação entre Estado e servidores.

O senhor acha que a estabilidade do Servidor Público é importante?

É importante sim. Eu não concordo com algumas pessoas que pensam que a estabilidade impede a demissão do servidor público. Ela não impede. Os critérios de demissão na Administração pública são muito claros. Se a Administração, quando constata uma irregularidade, instaura os processos de inquérito administrativo, com regularidade, ela chega a demissão.

A prova disso está em vários órgãos públicos no último período, em particular o INSS, que é um órgão que tem um controle muito pesado sobre isso, que fez milhares de demissões nos últimos cinco anos.

Não é a estabilidade que impede a demissão. A estabilidade é uma conquista, que não é só dos servidores, mas da sociedade, porque garante que os servidores estejam menos sujeitos às pressões de mudanças de governo e externas ao serviço público, porque ele sabe que pode desempenhar a função pública sem nenhum risco de demissão, a não ser pela prática de uma irregularidade.

Então eu penso que a estabilidade é algo que a gente deva manter, evidentemente aprimorando os critérios de aferição de irregularidade no serviço público.

Outro ponto importante na discussão é como envolver a sociedade na avaliação de desempenho dos servidores e do próprio órgão público. Não são só os servidores que têm que ser avaliados. O órgão público tem que ser também. Muitas vezes o servidor tem um desempenho fraco porque o

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órgão público tem um desempenho fraco. Porque não são dadas as condições de trabalho razoáveis para aquele determinado órgão público, para aquele setor. Todos esses aspectos precisam ser levados em conta quando se avalia se o servidor desempenhou ou não desempenhou bem uma função.

Os próximos concursos serão realizados pelo RJU ou na forma de Emprego público?

Por enquanto serão feito no RJU, porque a emenda constitucional 19 de 1998, que permitiu que houvesse a contratação também pela CLT, ou seja, acabou com a obrigação de um regime único, essa mudança está sub-judice no STF. Teria havido alguns equívocos no momento da votação da emenda, e o primeiro voto do relator foi no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade.

Essa foi a razão, inclusive, de todos os concursos realizados no final do ano passado e neste ano, terem sido realizados pelo RJU. O Governo não pode se arriscar a fazer concurso público por emprego público e daqui a seis meses, um ano, o Supremo decidir que esses concursos são inconstitucionais.

Nós teríamos aí uma situação de difícil solução. Empregados públicos efetivados cujo concurso, depois, seria invalidado pelo STF. Enquanto nós não tivermos uma decisão clara do Supremo, sobre qual é o caminho, apesar do assunto ser da Secretaria de Gestão, a prática tem demonstrado que deve se ter o cuidado de se fazer pelo RJU, na medida em que temos um problema quanto à outra forma de contratação.

Esplanada dos Ministérios - Brasília/DF

Bloco "K" PABX: 55 - 61 - 3429 4343 - CEP: 70.040-906 Bloco "C" PABX: 55 - 61 - 3313 1414 - CEP: 70

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ANEXO 3

INTERNET

http://www.planoeditorial.com.br/ti_governo/TI_GOVERNO_148.pdf Acesso em 22/03/2008. 28.3.06 > ano 3 > nº 148 uma publicação semanal da Plano Editorial

: : assinaturas 11-3178-1016 Diretor Editorial: Wilson Moherdaui Editora Executiva: Fátima Fonseca Editores Assistentes: Carmen Lúcia Nery (Rio de Janeiro) e Gilson Euzébio (Brasília) Repórter: Fabiano Candido Arte: Denis Torquato Diretor de Marketing: Márcio Valente Diretor de Publicidade: Fábio Sgarbi : : TI & Governo é uma publicação semanal da Plano Editorial Ltda. Av. Paulista, 1.159, 10º andar, CEP 01311-921, telefone (11) 3178-1000, Fax (11) 3178-1001 - São Paulo, SP [email protected] http://www.planoeditorial.com.br Diretor Responsável: Wilson Moherdaui (MT 10.821) : : serviços - I O governo se prepara para reduzir a terceirização O Ministério do Planejamento e o Ministério Público do Trabalho (um dos órgãos do Ministério Público Federal) estão negociando um acordo para disciplinar a terceirização no setor público federal, que deve atingir diretamente as empresas de informática fornecedoras do governo, especialmente as do Distrito Federal, que fornecem serviços e mão-deobra. Além de perder contratos, essas empresas terão despesas com a rescisão dos contratos de trabalho

de seus empregados. De acordo com o procurador do Trabalho, Fábio Leal Cardoso, o setor público pode contratar serviços : : serviços - III A Assespro e a Fenainfo apóiam a medida A Assespro e a Fenainfo apoiam a iniciativa do Ministério Público do Trabalho para acabar com a terceirização de mão- de-obra no setor. “Vai ser um impacto violento para as empresas que têm muitos empregados, mas na nossa opinião, a médio prazo é saudável”, afirma José Carlos de Luca, presidente da Assespro do Distrito Federal. O governo, defende ele, deve ter “excelência, competência para fazer a gestão de TI”. Para ele, a contratação de “mão-de-obra é um desvio”, que “não é saudável para o mercado”. Para fazer uma boa gestão de TI, o setor público “tem que se aparelhar”, ressalta Leonardo Butcher, diretor técnico da Fenainfo. “Somos a favor da contratação por projetos”, afirma Butcher, destacando que a situação atual é uma distorção: “Cria a possibilidade de favorecimento com a contratação de pessoas indicadas independente de qualificação”. A Fenainfo, segundo ele, acha que o Estado deve ter o controle da gestão, da qualidade e da gerência, e contratar no mercado os serviços. Entretanto, não deve promover o inchaço da máquina pública com a contratação de grande número de funcionários. : : serviços - II

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O Ministério Público negocia prazo para regularizar a situação O TCU já emitiu diversas determinações, sem sucesso, para que os órgãos públicos tenham funcionários públicos em seus centros de processamento de dados. A ação do Ministério Público do Trabalho, entretanto, pode ter resultados concretos: há inquéritos e ações na Justiça contra a terceirização de mão-de-obra. Fábio Leal diz que espera fechar um acordo com o governo dentro de no máximo dois meses, estabelecendo um prazo de quatro anos para a regularização total da situação. Se não der certo o acordo, avisa, o Ministério Público dará prosseguimento às ações judiciais. Segundo ele, o que não pode é a situação ficar como está: “Isso a gente não vai poder tolerar”. especializados, mas está impedido de recorrer à terceirização para contratar pessoal, prática adotada a partir do governo Fernando Henrique e mantida no governo Lula. Apesar da proibição legal, quase todos os técnicos de informática que trabalham no

governo são de empresas privadas. No Ministério do Trabalho, por exemplo, há 120 técnicos de informática, apenas dois são funcionários do Ministério, como revelou auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). “Daqui para a frente, isso não vai acontecer mais”, garante o procurador Fábio Leal. A terceirização de mão-de-obra, segundo o procurador, é ilegal, pois burla o princípio da exigência de concurso público. É uma questão, afirma, de interesse público, porque “essas pessoas têm a memória do serviço público”, lidam com informações importantes sem ter as responsabilidades do servidor público. Outro problema, ressalta ele, é que a maioria das empresas de terceirização de mão-de-obra não tem patrimônio. Quando elas não pagam os direitos trabalhistas, a União é obrigada a pagar. A redução da terceirização deve levar o governo a criar novas carreiras e cargos no serviço público. Atualmente, não há carreira para o setor de informática, por exemplo.

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ANEXO 4

Presidência da República Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO No 2.271, DE 7 DE JULHO DE 1997.

Dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no § 7º do art. 10 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,

DECRETA:

Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Art . 2º A contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta delegar competência, e que conterá, no mínimo:

I - justificativa da necessidade dos serviços;

II - relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratada;

III - demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis.

Art . 3º O objeto da contratação será definido de forma expressa no edital de licitação e no contrato exclusivamente como prestação de serviços.

§ 1º Sempre que a prestação do serviço objeto da contratação puder ser avaliada por determinada unidade quantitativa de serviço prestado, esta deverá estar prevista no edital e no respectivo contrato, e será utilizada como um dos parâmetros de aferição de resultados.

§ 2º Os órgãos e entidades contratantes poderão fixar nos respectivos editais de licitação, o preço máximo que se dispõem a pagar pela realização dos serviços, tendo por base os preços de mercado, inclusive aqueles praticados entre contratantes da iniciativa privada.

Art . 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam:

I - indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos;

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II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra;

III - previsão de reembolso de salários pela contratante;

IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante;

Art . 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstrarão analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

Parágrafo Único. Efetuada a repactuação, o órgão ou entidade divulgará, imediatamente, por intermédio do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - SIASG, os novos valores e a variação ocorrida.

Art . 6º A administração indicará um gestor do contrato, que será responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sua execução, procedendo ao registro das ocorrências e adotando as providências necessárias ao seu fiel cumprimento, tendo por parâmetro os resultados previstos no contrato.

Art . 7º Os órgãos e entidades contratantes divulgarão ou manterão em local visível e acessível ao público, listagem mensalmente atualizada dos contratos firmados, indicando a contratada, o objeto, valor mensal e quantitativo de empregados envolvidos em cada contrato de prestação de serviços.

Art . 8º O Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado expedirá, quando necessário, normas complementares ao cumprimento do disposto neste Decreto.

Art . 9º As contratações visando à prestação de serviços, efetuadas por empresas públicas, sociedades de economia mista e demais empresas controladas direta ou indiretamente pela União, serão disciplinadas por resoluções do Conselho de Coordenação das Empresas Estatais - CCE.

Art . 10 Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art . 11. Ficam revogados o Decreto nº 2.031, de 11 de outubro de 1996, e o art. 6º do decreto nº 99.188, de 17 de março de 1990, na redação dada pelo Decreto nº 804, de 20 de abril de 1993.

Brasília, 7 de julho de 1997; 176º da Independência e 109º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Pedro Malan Antonio Kandir Claudia Maria Costin

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.7.1997

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13/03/2008. Pg. 7-116.

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Congresso Nacional. Lei 9.784. Brasília-DF, 1999.

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DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 1. ed. São Paulo:

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo:

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_________. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

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Entrevista com o Secretário de Recursos Humanos do Governo Federal, Luís

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GRUNWALD, Astried Brettas. Terceirização: a flexibilidade em prol do

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HERMES, Gustavo Cauduro. Apostila de prevenção de riscos em contratos

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HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução de José

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_________. A era dos extremos. O breve século XX. 1914-1991. Tradução de

Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

JUND, Sérgio. Administração, orçamento e contabilidade pública. 2. ed., 2. tir.

Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2007.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos

administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado – Vol. III –

Contratos – Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

MENDES, Renato Geraldo. Os pilares de sustentação do regime jurídico da contratação pública (Leis n.º 8.666/93 e 10.520/02) – Quatro aspectos fundamentais que precisamos conhecer para entender a licitação. Curitiba:

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MORAES, Guilherme Peña. Direito constitucional. Teoria da constituição. 1.

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NIEBUHR, Joel de Menezes. Definição do procedimento e das regras da

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SCHNELL, Fernando. A terceirização e a proteção jurídica do trabalhador. A

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ................................................................................... 2

AGRADECIMENTO ................................................................................... 3

DEDICATÓRIA .......................................................................................... 4

RESUMO ................................................................................................... 5

METODOLOGIA ........................................................................................ 6

SUMÁRIO .................................................................................................. 7

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9

CAPÍTULO I - ASPECTOS GERAIS DA TERCEIRIZAÇÃO ...................... 14

1.1 Conceito e espécies de terceirização ................................................... 14

1.2 Evolução da terceirização no mundo e no Brasil .................................. 15

1.3 Flexibilização da relação trabalhista

..................................................... 20

1.4 A relação jurídica tomadora x prestadora de serviço x empregado .... 22

1.5 Atividade-fim x atividade-meio .............................................................. 23

1.6 Terceirização lícita x ilícita .................................................................... 25

CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA

CRFB/1988 ................................................................................................

29

2.1 Administração Pública .......................................................................... 30

2.2 Princípios da Administração Pública ..................................................... 31

2.2.1 Princípio da legalidade ...................................................................... 33

2.2.2 Princípio da impessoalidade .............................................................. 34

2.2.3 Princípio da moralidade administrativa .............................................. 35

2.2.4 Princípio da publicidade ..................................................................... 36

2.2.5 Princípio da eficiência ........................................................................ 36

2.3 Concurso público .................................................................................. 38

2.4 Licitação ............................................................................................... 43

CAPÍTULO III – CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL DIRETA ......................................

46

3.1 Contratos da Administração ................................................................. 46

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3.2 Atividades administrativas passíveis de terceirização

........................... 47

3.3 Edital de licitação de contrato de terceirização ..................................... 51

3.3.1 Riscos inerentes ao contrato administrativo

....................................... 53

3.3.1.1 Riscos operacionais ....................................................................... 53

3.3.1.2 Riscos técnicos .............................................................................. 54

3.3.1.3 Riscos financeiros .......................................................................... 55

3.3.1.4 Riscos jurídicos .............................................................................. 57

3.3.2 Riscos nos contratos de terceirização de serviços

............................. 57

3.3.3 Redação do edital de licitação de terceirização de serviços ............ 60

3.4 Fiscalização de contrato de terceirização ............................................. 68

CAPÍTULO IV – RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES

DOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS .......................

72

4.1 Breve histórico da evolução da responsabilidade civil do Estado ...... 73

4.2 A regra do art. 37, § 6.º, da CRFB/1988 ............................................... 77

4.3 Responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes dos contratos

de terceirização ..........................................................................................

80

4.4 Responsabilidade da Administração pelas obrigações trabalhistas,

previdenciárias, fiscais e comerciais da prestadora de serviço

...................

84

4.4.1 Responsabilidade pelas obrigações trabalhistas

................................ 84

4.4.2 Responsabilidade pelas obrigações previdenciárias ......................... 89

4.4.3 Responsabilidade pelas obrigações fiscais e comerciais ................. 91

CONCLUSÃO ............................................................................................ 92

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ÍNDICE DE ANEXOS .................................................................................

Anexo 1: Reportagem: Terceirização é ordem em Brasília ........................

Anexo 2: Entrevista com o Secretário de Recursos Humanos do governo

federal, Luís Fernando Silva .......................................................................

Anexo 3: Reportagem: O governo se prepara para reduzir a terceirização

Anexo 4: Decreto 2.271/97 .........................................................................

99

100

102

110

112

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 114

ÍNDICE ....................................................................................................... 119

FOLHA DE AVALIAÇÃO ............................................................................ 121

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez do

Mestre

Título da Monografia: Limites à Terceirização na Administração Pública

Federal Direta

Autor: José Álvaro Manhães Wagner

Data da entrega: 10 de abril de 2008.

Avaliado por: Conceito: