UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · ... que trabalhavam como babás, ......
Transcript of UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · ... que trabalhavam como babás, ......
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS E SEUS
DESDOBRAMENTOS
Por: Luzinete Nunes de Oliveira Alvarenga
Orientador
Profa. Mary Sue Pereira
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS E SEUS
DESDOBRAMENTOS
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Arteterapia em Educação e Saúde.
Por: Luzinete Nunes de Oliveira Alvarenga
3
AGRADECIMENTOS
À Deus, por me dar força de vontade
para continuar estudando e cada vez
mais me dando direcionamento para
enriquecer minha qualificação
profissional. As Amigas, Madrinha e
Companheiro que sempre me deram
uma palavra de estímulo.
4
DEDICATÓRIA
“Liberdade, essa palavra que o sonho
humano alimenta que, não há ninguém
que explique e ninguém que não
entenda.” (Cecília Meireles)
5
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo mostrar o diálogo entre oralidade e
artes plásticas, a história contada através da oralidade permite a interação
entre contador e ouvintes, já que o corpo e a voz propiciam vivências
comunitárias, perdidas na aceleração da vida moderna. A hipótese adotada na
pesquisa é a de que os contos de tradição oral incentivam a leitura dos livros
em que as histórias estão escritas. Numa sociedade de imensa mecanização
como a nossa, a contação de histórias faz refletir sobre qualidades esquecidas.
A valorização do conhecimento transmitido pela oralidade recompõe o valor
das experiências coletivas. Não a grandes discussões teóricas no tema, porém
podemos observar através dos discursos dos autores que seria primordial a
vivência da palavra e da escuta de todas as formas pela criança, explorando
diferentes modos de linguagens. Como é de suma importância a comunicação
dos educadores para despertar o interesse e a atenção a leitura para o
desenvolvimento infantil, quando temos a tecnologia tomando este espaço
atualmente e de como ela pode colaborar. Bem como as manifestações
plásticas e artísticas usadas pelos contadores de histórias e, como surgiram os
grupos de contadores de histórias que envolvem, as crianças na hora do conto.
6
METODOLOGIA
Trabalho desenvolvido através de pesquisas bibliográficas e vistas
feitas em oficina de contadores de histórias. Como base teórica foram
utilizados materiais publicados em livros, periódicos, artigos retirados da
Internet e, uma entrevista cedida por um contador de histórias via email.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Histórias – Porque contar? 10
CAPÍTULO II - A narração de histórias no desenvolvimento infantil 18
CAPÍTULO III – Os contadores de histórias e suas criatividades 36
CONCLUSÃO 53
BIBLIOGRAFIA 55
ANEXO 1 60
ÍNDICE 66
FOLHA DE AVALIAÇÃO 68
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho desenvolve considerações sobre a importância do diálogo
entre oralidade e artes plásticas, as intersecções entre texto e têxtil, bem como
as manifestações plásticas e suas interações artísticas usadas pelos
Contadores de Histórias, criando cenários representativos para a narração de
histórias na educação.
Contar histórias passou a ser compreendido como uma possibilidade
bastante rica de estratégia alternativa para se obter subsídios no
redimensionamento dos trabalhos com crianças, estabelecendo linhas muito
mais positivas na ação educativa.
O principal objetivo em contar uma história é divertir, estimulando a
imaginação, mas, quando bem contada, pode atingir outros objetivos, tais
como: educar, instruir, conhecer melhor os interesses pessoais, desenvolver o
raciocínio, ser ponto de partida para trabalhar algum conteúdo programático,
assim podendo aumentar o interesse pela aula ou permitir a auto-identificação,
favorecendo à compreensão de situações desagradáveis e ajudando a resolver
conflitos. De como o uso da tecnologia na educação marca sua presença
despertando o olhar da criança pela a arte. Além disso, ela agrada a todos sem
fazer distinção de idade, classe social ou circunstância de vida.
O trabalho dos profissionais ‘Contadores de Histórias’, apresentando
algumas definições da sociologia da profissão; enfocando algumas
características básicas dos profissionais o que levaram a iniciar este lindo
trabalho. Não existem regras fixas, alguns utilizam elementos (objetos), outros
preparam cenários e figurinos sofisticados, enquanto há aqueles que utilizam
somente a sua própria voz com grande maestria e são capazes de manter a
9
platéia atenta por bastante tempo. Cada um determina a sua maneira de
narrar.
“O melhor contador de histórias é aquele cujas histórias são lembradas muitos e muitos anos depois que seu próprio nome tenha sido esquecido.” (Tradição africana)
10
CAPÍTULO I
HISTÓRIAS – PORQUE CONTAR?
De acordo com Benjamin (1975), a arte de contar histórias encontra
suas raízes no povo. A transmissão oral era a maneira que os povos sem
escrita possuíam para passar adiante seus conhecimentos, crenças e valores,
de geração em geração. Para o autor, os principais responsáveis pela
preservação dessas histórias ao longo do tempo foram os camponeses, que
conheciam intimamente as histórias do lugar onde moravam, pois passavam ali
suas vidas; ou então, os navegantes e/ou comerciantes, que transitavam por
vários lugares do mundo vivenciando e/ou ouvindo histórias.
Para Warner (1999), o contador de histórias na Europa sempre esteve
associado à figura feminina. Geralmente, as contadoras eram mulheres de
baixo nível social e de escolaridade, que trabalhavam como babás, fiandeiras,
tecelãs, governantas e que faziam do momento de contar histórias um
momento em que podiam falar, transmitir sua sabedoria, já que a mulher
geralmente era proibida de participar da vida social e política dessas
comunidades.
Antes da escrita, todo saber era transmitido oralmente. Deve-se a isto
toda a importância dada à memória nas sociedades tradicionais, pois a
memória era o único recurso para armazenar e transmitir o conhecimento às
futuras gerações. O ato de contar histórias remete a este tempo em que o
homem confiava na sua memória e nas suas experiências, resgatando
qualidades tão necessárias ao desenvolvimento humano.
Numa sociedade de imensa mecanização como a nossa, a contação
de histórias faz refletir sobre qualidades esquecidas. A valorização do
11
Conhecimento transmitido pela oralidade recompõe o valor das experiências
coletivas.
O ofício de contar histórias é remoto (...) e por ele se perpetua a literatura oral, comunicando de indivíduo a indivíduo e de povo a povo o que os homens, através das idades, têm selecionado da sua experiência como mais indispensável à vida. (MEIRELES, 1979, p. 41)
Contar histórias é a união de muitas artes: da literatura, da expressão
corporal, da poesia, da musica, do teatro... Não há como ignorar esse quê de
performático do contar histórias. Ainda que o foco maior seja apenas a voz e o
texto, projetados no espaço, para atingir uma platéia. A utilização apenas
desses dois elementos, voz e texto, por si só já bastaria para caracterizar o
cênico e o dramático.
Mas as palavras merecem mais do que um espetáculo. As palavras na
boca de quem conta é o próprio espetáculo, se com isso extrapolar-se a noção
de cartilha. Se para isso o narrar, o comunicar, o dialogar, o atingir outrem, o
suspender o tempo, o emocionar, estiverem conjugados de modo a
transformarem um texto em objeto duplamente estético. Estético na escrita,
estético na passagem para a oralidade. Impacto estético antes, durante e
depois!
As palavras contadas, então, adquirem um aspecto melódico, rítmico,
visual; trazem no jeito que foram ditas, uma concretude que faz o outro ver o
que se narra. As palavras contadas surgem prenhes de intenção, força,
emoção. As palavras contadas querem dizer muito mais do que dizem em sua
camada fônica.
Então, o que é necessário para que contar histórias seja arte ao
alcance de quem deseja fazê-la? Extrapolar as amarras do didático, do
exemplar e do mero informativo. Saltar da obrigação de ensinamento para a
noção de fruição, de prazer estético, de embelezamento da conversa trocada
12
através de uma história, do exercício de linguagem que procura a forma
adequada para dizer-se de si mesmo.
De acordo com Sisto (2007), podemos dizer que uma história bem
contada pode produzir ecos no ouvinte! Ecos que se prolongam para além do
momento do narrado. Essas marcas, visíveis e invisíveis, nem sempre se pode
perceber no calor da hora. Quem ouve uma história quer sempre ser atingido,
de alguma forma, quer ser atingido. Quem conta, quer igualmente
experimentar o poder da palavra, o poder do encantamento, e o poder do vice-
versa: marcar e ser marcado! Estamos falando de uma arte que se faz, num
momento específico, irrepetível, e de uma arte do que fica, para o depois do
acabado! Contar, então, é também a arte da reverberação!
Barcellos e Neves (1995) afirmam que a criança que ouve histórias
com freqüência “educa sua atenção, desenvolve a linguagem oral e escrita,
amplia seu vocabulário e principalmente, aprende a procurar, nos livros, novas
histórias para o seu entretenimento.
A contação de histórias possibilita ainda, na visão de Umbelino (2005,
p. 7 e 19), o estímulo à imaginação, o acesso às diferentes culturas e o
convívio com o outro. Além disso, a narração de histórias na escola também
tem uma função de “animação de leitura” (ORTIZ, apud UMBELINO, 2005, p.
25), ou seja, é possível que ouvir histórias desperte o gosto pela leitura,
embora nem sempre isso seja alcançado.
1.1 - O conto – breve histórico
Um dia o homem descobriu o fogo, abrigou-se em cavernas e nas
longas noites da nossa pré-história reuniu-se com seus semelhantes para
aquecer-se, comer, narrar com gestos e pouquíssimas palavras aquilo que, de
13
alguma maneira, tocava-o profundamente. Dessa maneira, oral e rudimentar,
nasceu à narrativa, nasceu o conto.
Em sociedades antigas, como a desenvolvida no Antigo Egito, o conto
desempenhou um papel destacado (Os contos mágicos, por volta de 4000
a.C., são para alguns teóricos os mais antigos do mundo). Passando pela
cultura greco-romana, sem deixar de destacar as Mil e uma noites que
aparecem na Pérsia (século X), reaparecendo no Egito (século XII) e na
Europa (século XVIII), o conto vai adquirindo corpo e forma, diferenciando-se
de outras expressões orais ou escritas.
Na antiguidade, o conto podia constituir uma história isolada ou estar
inserido numa narrativa mais extensa.
Já Idade Média, a confusão tomou conta da narrativa: anedota,
parábola, exemplos morais, fábula, novela, conto e romance se misturaram e
se confundiram. No século XIV, temos um momento que deve ser destacado: o
conto se afirma como uma categoria estética, depois de passar da oralidade
para a escrita. Bocaccio, com os contos do Decameron (1350), rompe
barreiras com seu forte erotismo e ganha tradução para várias línguas.
Chegamos, assim, ao século XIX, quando o conto começou a aparecer
em jornais. Gotlib (1999, apud HIGGIE, 2008) destaca: Este é o momento de
criação do conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e
inicia o seu estudo comparado, um Edgar Allan Poe se afirma enquanto
contista e teórico do conto.
Portanto, enquanto a força do contar estórias se faz, permanecendo,
necessária e vigorosa, através dos séculos, paralelamente uma, outra história
se monta: a que tenta explicitar a história destas estórias, problematizando a
questão deste modo de narrar – um modo de narrar caracterizado, em
princípio, pela própria natureza desta narrativa: a de simplesmente contar
estórias.
14
Essa inserção de contos nos jornais e o surgimento de autores que
começaram a discutir a realidade do conto modificaram e projetaram este tipo
de narrativa, que ganhou nova força, adaptando-se aos novos tempos.
Pressionados pelo pouco espaço disponível nos jornais, os escritores tiveram
que reduzir/compactar cada vez mais os textos, sintetizando, concentrando ao
máximo a história para que fosse possível publicá-la no espaço destinado para
tal fim. Foram os jornais que popularizaram o conto no mundo ocidental,
fazendo dele um precioso produto cultural. Naquele século, marcado pelo
“apego à cultura medieval, pela pesquisa do popular e do folclórico, pela
acentuada expansão da imprensa, que permite a publicação dos contos nas
inúmeras revistas e jornais” (GOTLIB, 1999 apud HIGGIE, 2008) é quando o
gênero se desenvolve e ganha ares modernos.
O romance, a poesia e o conto disputaram, pelo menos nos últimos
dois séculos, a atenção do público leitor. Em alguns momentos, o romance
recebeu todas as glórias, em outros a poesia e, em outros períodos, o conto foi
o preferido. Grandes autores, como Jorge Luis Borges, asseguram que o conto
dominará o mundo literário por muitas décadas do século XXI. A irrupção da
Internet, com todas suas virtudes e defeitos, parece acelerar esse processo. O
conto, por ser breve e intenso, ocupa o maior espaço no mundo virtual, dentro
dos sites destinados à literatura. Se acrescentarmos a isso os blogs, as
páginas não especificamente literárias, alguns chats e fotologs veremos que o
conto está crescendo desmesuradamente, com maior força que a própria
poesia que, pela sua estrutura, poderia merecer um espaço maior.
1.2 - O enredo como coluna vertebral do conto
O enredo é o fio condutor de qualquer narrativa, mostrando uma
seqüência de fatos, ações, elementos que vão construindo o corpo do relato. É
um encadeamento de episódios, que tecem a teia daquilo que está sendo
narrado.
15
A palavra enredo pode assumir [...] algumas variações de sentido,
mas não perde nunca o sentido essencial de arranjo de uma história: a
apresentação/representação de situações, de personagens nelas envolvidos e
as sucessivas transformações que vão ocorrendo entre elas, criando-se novas
situações, até se chegar ao final – o desfecho do enredo. Podemos dizer que,
essencialmente, o enredo contém uma história. É o corpo da narrativa
(MESQUITA,1994, p.7).
Com essas palavras, Mesquita (1994) situa perfeitamente o enredo
dentro da narrativa, destacando sua importância dentro desta.
No conto, o enredo funciona como espinha dorsal, como estrutura que
sustenta e direciona. Nos contos que privilegiam o enredo, podemos distinguir
claramente as partes que vão se encaixando com perfeição, até chegar ao
desfecho ou desenlace.
O contista irlandês Sean O’Faolin afirma:
[...] o conto é um gênero curioso. Enredo, por si só, não
faz um conto. Por outro lado, a ausência de enredo
tampouco faz. Nos que são realmente bons, há um
enredo interno, secreto. (HIGGIE, 2008)
William Somerset Maugham considera o enredo fundamental: “é um
natural desejo do leitor saber o que acontece às pessoas por quem se
interessa e o enredo é um meio de satisfazer tal desejo”. (HIGGIE, 2008)
Porém, nem todos os contos oferecem uma estrutura tão clara e
precisa. Por isso é possível falar em enredo psicológico ou até em contos que
parecem não ter um enredo lógico e coerente.
16
[...] falta-nos falar sobre a narrativa psicológica, na qual
os fatos nem sempre são evidentes, porque não
equivalem a ações concretas do personagem, mas a
movimentos interiores; seriam fatos emocionais que
comporiam o enredo psicológico. Mais adiante, conclui: “o
enredo psicológico se estrutura como enredo de ação;
isto equivale a dizer que tem um conflito, apresenta
partes, verossimilhança e, portanto, é passível de
análise”. (GANCHO, 2000, p. 12-13.)
As partes que formam o enredo e servem como espinha dorsal do
conto são:
v Apresentação (ou introdução ou exposição) - Elemento que abre o
conto, introduzindo personagens, espaço, ambiente, ações iniciais, etc.
Alguns contos modernos começam abruptamente, entrando diretamente
no assunto, procurando surpreender o leitor, para provocar um impacto
desde o primeiro momento. Na apresentação, que geralmente coincide
com o início da história, aparecem pontos de referência para o leitor,
situando-o, ambientando-o e, de certa maneira, indicando o caminho
que será seguido.
v Complicação - Pode ser definido como o momento em que surge um
fato novo que muda o rumo da história, provoca uma reação do
personagem ou personagens, cria um clima instável que
necessariamente requer uma solução. Esse fato que muda destinos e
provoca modificações no rumo da história é parte integrante da
complicação. Esta parte é, também, o próprio desenvolvimento do
enredo. Desenvolve-se a história, mostrando o que acontece com o
personagem ou personagens, o movimento dele ou deles dentro da
narrativa, procurando solucionar o desequilíbrio causado por
determinada peripécia.
17
v Clímax - Momento de maior tensão e intensidade dentro da narração.
Pico máximo dos acontecimentos, facilmente identificado pelo leitor,
momento de auge no qual as ações atingem sua máxima expressão.
Toda a estrutura do enredo parece direcionada para este momento
culminante da história.
v Desenlace (ou desfecho) - Conclusão da narração. Os conflitos
desenvolvidos alcançam, ou não, um estágio de solução. O desenlace
pode ser feliz, trágico, engraçado, diferente, surpreendente. O desfecho
nem sempre traz uma solução à questão provocada pela peripécia.
Muitas vezes, o final é aberto e deixa o caminho livre para a imaginação
do leitor.
1.3 – A prática de contar: produção oral
Trata-se de assimilar a história, não de à memorizar, o que destruiria a
liberdade e a espontaneidade do contar, de ter a intuição perfeita do seu
sentido, o correto domínio do seu estilo. Para conseguir, o primeiro passo é
reduzir a narrativa aos seus elementos constitutivos, aos seus núcleos,
despojá-la de artifícios de estilo, de descrições supérfluas, até ter um sentido
exato da gradação, da percepção nítida dos incidentes que conduzem ao
desfecho. Preparar a narração da história, contando-a em voz alta para um
auditório imaginário, uma e outra vez, introduzir pausas, sabiamente,
intencionalmente, modelando o timbre e a intensidade da voz.
Utilizar palavras que evoquem cores, sons, perfumes, cheiros;
substituir, sempre que possível, uma palavra abstrata pela sua concretização
material, servir-se de um vocabulário simples e rico, evitar palavras difíceis,
conduzir o ouvinte na progressão da narrativa, recorrer a leitmotiv, a repetições
encantatórias. (TRAÇA, 1992. p. 138)
18
CAPÍTULO II
A NARRAÇÃO DE HISTÓRIAS NO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
Para Silva (2008), a contação de histórias age na formação da criança
em várias áreas. Contribui no desenvolvimento intelectual, pois desperta o
interesse pela leitura e estimula a imaginação por meio da construção de
imagens interiores e dos universos da realidade e da ficção, dos cenários,
personagens e ações que são narradas em cada história.
Outro ponto em que atua é no desenvolvimento comunicativo devido a
sua provocação de oralidade que leva a criança a dialogar com seus colegas
ouvintes e a (re)contar a história para seus amigos que não estavam presentes
naquele momento. Com isso também é desenvolvida a interação sócio-cultural
da criança ao proporcionar essa interação entre crianças e a criação de laços
sociais e formação de gosto pela literatura e artes. A criança recebe influência
até em seu desenvolvimento físico-motor, devido a manipulação do corpo e da
voz de que faz uso ao ouvir e recontar as histórias.
As escolas devem promover a formação de seus professores das
séries iniciais, possibilitando o contato com conceitos e técnicas de formação
para contadores de histórias capacitando-os para a percepção e uso dos
valores do texto, das múltiplas possibilidades de abordagem do texto literário,
para vivenciarem o contar histórias associando à teoria e a prática a partir do
acervo pessoal como a memória afetiva e as histórias da infância e, assim
promover a interação de suas interfaces com os demais textos, e
posteriormente, divulgar a arte de contar histórias com seus diversos enfoques
de leitura, (re)apresentação e representação.
19
As histórias também desenvolvem uma função de construção de
conhecimento social da realidade junto a formação de valores e conceitos, pois
embora seja ficção, o texto literário tem o poder de revelar a realidade social e
até desmascarar suas mentiras, de forma que “...a ficção pode ser mais real
que o que se quer real, e o real pode ser mais ficcional que o que se quer
ficcional” (BARTHES, 1983). Em uma sociedade tecnicista como a sociedade
atual, contar e, ouvir histórias é uma possibilidade libertária de aprendizagem e
uma atividade de suma importância na construção do conhecimento e do
desenvolvimento ético e significativo da criança enquanto ser humano. (SILVA,
2008)
Sugere-nos Bettelheim (1985) que o conto através da sua eficácia
comunicativa, embarca a criança numa viagem ao mundo maravilhoso para
depois, no final, a devolver à realidade de uma maneira mais reconfortante. O
conto ensina o que a criança deve saber ao nível do seu desenvolvimento, ao
permitir que a própria fantasia se aproprie dela, o que não será prejudicial uma
vez que não fica encerrado nela de modo permanente. Quando a história
termina, o herói volta à realidade, uma realidade feliz, mas desprovida de
magia. As personagens, por sua vez cumprem uma função simbólica.
Deste modo, a criança pode superar os seus temores, as suas
ansiedades, ordenar as suas tendências contraditórias, quando todos os seus
pensamentos cheios de desejos se expressam através da fada boa, os seus
impulsos através da bruxa má, as exigências da sua consciência através de
um sábio que é chamado durante as peripécias do protagonista e, ainda, os
seus ciúmes através de um animal que arranca os olhos do seu rival.
(QUESADO, 2008)
20
2.1 – O papel da literatura infantil na fase inicial da escrita.
As histórias infantis são utilizadas geralmente pelos adultos
interlocutores (sejam pais, professores ou terapeutas) como forma de
entretenimento ou distração; já que, pelo senso comum, freqüentemente a
criança sempre demonstra um interesse especial por elas, seja qual for a
classe social à qual pertença.
Especificamente em se tratando da aquisição da leitura e da escrita,
essas histórias podem oferecer muito mais do que o universo ficcional que
desvelam e a importância cultural que carregam como transmissoras de
valores sociais.
Existe uma acentuada diferença entre as histórias contadas e as
histórias lidas para uma criança, já que a linguagem se reveste de qualidade
estética quando escrita, e essa diferença já pode ser percebida por ela. Britton
(apud KATO, 1997:41) já afirmava que, "ao ouvir histórias, a criança vai
construindo seu conhecimento da linguagem escrita, que não se limita ao
conhecimento das marcas gráficas a produzir ou a interpretar, mas envolve
gênero, estrutura textual, funções, formas e recursos lingüísticos. Ouvindo
histórias, a criança aprende pela experiência a satisfação que uma história
provoca; aprende a estrutura da história, passando a ter consideração pela
unidade e seqüência do texto; associações convencionais que dirigem as
nossas expectativas ao ouvir histórias; o papel esperado de um lobo, de um
leão, de uma raposa, de um príncipe; delimitadores iniciais e finais ('era uma
vez... e viveram felizes para sempre') e estruturas lingüísticas mais elaboradas,
típicas da linguagem literária. Aprende pela experiência o som de um texto
escrito lido em voz alta".
Essa forma de contato com a linguagem escrita, por outro lado,
também oferece, ainda que subliminarmente, informações sobre um dos
papéis funcionais que ela pode desempenhar dentro da comunicação.
21
Do ponto de vista psicológico, podemos refletir sobre o impacto e a
fascinação que as histórias exercem sobre a criança, de qualquer raça, faixa
etária ou inserção social, tanto normal quanto portadora de algum distúrbio (de
origem física, psíquica ou funcional). As histórias são um denominador comum
a todas as crianças.
Assim, para que uma história realmente prenda a atenção da criança,
deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas, para enriquecer sua vida,
deve estimular sua imaginação, ajudando-a em seu desenvolvimento
intelectual, propiciando-lhe mais clareza em seu universo afetivo, auxiliando-a
a reconhecer, mesmo de forma inconsciente, alguns de seus problemas e
oferecendo-lhe perspectivas de soluções, mesmo provisórias.
Muito mais do que um adulto, a criança vive as experiências do tempo
presente, e possui apenas vagas noções do futuro, mesmo assim de caráter
imediato. Portanto, suas ansiedades frente a eventuais problemas e angústias
do cotidiano são supostamente bastante profundas, e é justamente no
enriquecimento de seus recursos internos para enfrentá-las que as histórias
infantis são um benefício.
É exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à
criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é
inevitável é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não
se intimida, mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e
muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos, e ao fim emergirá
vitoriosa (BETTELHEIM, 1985).
Segundo o autor, que elegeu especialmente os contos de fada e suas
relações benéficas para o desenvolvimento psíquico da criança como objeto de
seus estudos, a maioria das histórias tem seu enredo desenvolvido baseando-
se na equação: estabilidade + problema + solução = estabilidade, e trabalha
assim uma série de ansiedades da criança. Especialmente os contos de fada
que tratam de assuntos existenciais, como morte de progenitores, perigos, o
22
mal e o bem, etc. Eles colocam dilemas existenciais de forma simples e
categórica, o que possibilita à criança experienciar o problema de forma mais
essencial e trabalhar suas angústias com mais nitidez. Ele ainda coloca que,
“aplicando o modelo psicanalítico da personalidade humana, os contos de fada
transmitem importantes mensagens à mente consciente, à pré-consciente e à
inconsciente, em qualquer nível que esteja funcionando no momento. Lidando
com problemas humanos universais, particularmente os que preocupam o
pensamento da criança, estas histórias falam ao ego em germinação e
encorajam seu desenvolvimento, enquanto ao mesmo tempo aliviam as
pressões pré-conscientes e inconscientes. À medida que as histórias se
desenrolam, dão validade e corpo às pressões do id, mostrando caminhos
para satisfazê-las que estão de acordo com as requisições do ego e do
superego” (BETTELHEIM, 1985).
Tratando também dessa dimensão, segundo Winnicott (apud POSTIC,
1993), todos nós necessitamos de uma área de ilusão paralela ao mundo real
(ou das trocas sociais). Esse espaço interno é responsável pela transição entre
o consciente e o inconsciente, movimento que garante o equilíbrio do indivíduo.
Por suas atividades diárias, a criança tem contato com o real, com os outros.
Ao mesmo tempo, sua imaginação se desenvolve, pois ela toma consciência
de seus limites, vive conflitos, experimenta emoções contraditórias e tem
muitas dúvidas que não consegue esclarecer. Para tentar resolvê-las e
dominar suas angústias, impulsionada por sua curiosidade, ela procura sonhar,
imaginar. E, se conseguir canalizar esse mundo imaginário em ações no
mundo real, ela desenvolve a capacidade de criação.
Assim podemos ver que os desenhos, as narrativas, enfim, são
maneiras de agir para dominar as emoções; as explosões de sonhos e
imagens são dirigidas então para a criação. Portanto, a criança deve conseguir
alimentar seu imaginário e expressá-lo. Desenvolver a função simbólica por
meio de textos, imagens e sons é uma forma de sustentá-lo.
23
2.2 - Aprender a narrar na interação com o outro.
Na teorização de Vygotsky (1989), a criança, ao aprender as
habilidades necessárias para realizar uma dada tarefa cognitiva em
colaboração com o adulto, também aprende os tipos de tarefas cognitivas
valorizados culturalmente, aquelas habilidades que são necessárias para
alguém tornar-se um membro da cultura.
Os adultos próximos da criança têm um papel específico a
desempenhar no que concerne ao desenvolvimento de sua habilidade para
narrar. Brockmeier e Harré (2003) argumentam que as crianças desde cedo
são ensinadas a contar histórias, uma vez que, se ao contá-las, não utilizarem
devidamente as convenções, os ouvintes reclamam, param de ouvir, zombam,
corrigem o narrador, etc. Já por parte da criança, segundo Dunn (1988), existe
um entusiasmo natural por narrativas, que evidencia uma prontidão para
explorar e compreender o mundo social, o que deve ser encorajado e
desfrutado pelos adultos de seu ambiente imediato.
Na interação verbal adulto-criança, Michaels (2002), observa que o
adulto precisa captar o tópico oferecido pela criança e ajudá-la a prosseguir
por meio de afirmações, questões e respostas. Para que esse suporte seja
eficiente, o adulto deve antecipar a direção em que o tema vai se desenvolver.
Desse modo, a criança vai construir a narrativa tomando como base as
perguntas do adulto. Como lembra Perroni (1992), essas perguntas exigem da
criança o preenchimento de elementos dentro de uma estrutura típica de
discurso narrativo.
Entretanto, o papel do adulto nas interações narrativas modifica-se
durante o desenvolvimento da criança.
Miranda (2000), em uma pesquisa brasileira com crianças de três a
cinco anos e professoras, pôde constatar três formas diferentes de assistência
por parte do adulto. Quando a criança ainda mostra pouca elaboração, o adulto
24
funciona como modelo, questiona mais, conduz o processo de narração e
assume co-autoria. Com a crescente autonomia da criança, o adulto passa a
ser um ouvinte participante que escuta atentamente, acompanha a narração e
faz intervenções para ampliar a narrativa. E por fim, o adulto é o interlocutor
que solicita maior elaboração e produções mais complexas.
Em um estudo longitudinal que acompanhou duas crianças brasileiras
dos 2 (dois) aos 5 ( cinco) anos, Perroni (1992) já havia constatado esse
aumento progressivo na complexidade das perguntas, na medida em que
diminuía a participação do adulto.
Haden e cols. (1997) sugerem chamar de espiral colaborativa esse tipo
de suporte do adulto que se modifica diante das aquisições da criança.
No contexto da interação mãe-criança em situação de jogo, Matta
(2000, apud Matta, 2004) também verificou que as mães de crianças de três a
cinco anos oferecem um suporte para o estabelecimento de relações,
planificação, definição de objetivos, papéis e avaliação da situação de jogo.
Com as crianças dessa idade, estabelece-se uma parceria mãe-criança e a
responsabilidade sobre a tarefa é repartida, cabendo à mãe orientar e
interrogar. Já aos 5, 6 anos, há uma nítida diminuição das intervenções da
mãe.
Essa evolução no tipo de suporte que o adulto oferece à criança na
situação de jogo, assim como durante a narrativa de experiências pessoais,
parece ser decorrente da transferência que o adulto faz da responsabilidade na
realização da tarefa para a criança. Nesse momento, não haveria mais
necessidade de transmitir informações e habilidades, uma vez que, aos olhos
da mãe, a criança já estaria apta a realizar a tarefa por si mesma, isto é, já
teria internalizado e transformado os conhecimentos necessários à realização
da tarefa.
25
No que concerne a como perguntar, Michaels (2002) sugere que as
questões devem ir do geral para o particular e estar ritmicamente
sincronizadas, isto é, ocorrer após a criança fazer uma pausa com um tom
decrescente. As questões, assim, não serão vistas como interrupções, porque
essas pausas da criança indicam uma espécie de fechamento. Para a autora,
o sentido compartilhado do tópico e a sincronização dos intercâmbios com o
adulto tornam a criança capaz de desenvolver melhor o seu relato.
Já no que se refere aos tipos específicos de perguntas que melhor
funcionam como suporte para narrar, Low e Durkin (2001) e Peterson e
McCabe (1994) observam que quando os pais ou outros adultos perguntam
questões específicas sobre quem, o quê, quando, por que e onde,
conseqüentemente ampliam as respostas das crianças. Essas perguntas
fornecem uma codificação para as histórias, que as encoraja a fazerem
conexões entre os eventos.
As mães podem estruturar os eventos passados com seus filhos de
diferentes maneiras, e esses estilos maternos têm relação com o
desenvolvimento narrativo das crianças.
Fivush (1991) distinguiu dois diferentes estilos narrativos exibidos pelas
mães:
Ø O estilo altamente elaborador, que se verifica em mães que
freqüentemente falam sobre o passado com seus filhos, e utilizam uma
variedade de estratégias para eliciar um resultado mais elaborado e rico.
Essa descrição lembra a das mães que ampliam o tópico no estudo de
Peterson e McCabe (1994), que fazem perguntas específicas (onde,
quando, quem e o que aconteceu) para obter informações de orientação
que situam o contexto espaço-temporal e para esclarecer ações.
26
Ø O estilo pouco elaborador, por sua vez, corresponde às mães que se
referem menos ao passado e, que quando o fazem perguntam pouco,
oferecem descrições mínimas e tendem a fazer comentários repetitivos.
Contudo, Reese e cols. (1993) explicitam que o fator determinante não
é a quantidade de informações que a mãe fornece, mas a maneira como a
forma narrativa é ensinada. Assim, as mães que desde cedo fornecem
narrativas densas, temporal e informacionalmente complexas, têm crianças
que produzem narrativas igualmente densas mais tarde. Mães que fornecem
mais informações de orientação e avaliação em suas conversas sobre o
passado têm crianças, que incluem mais esse tipo de informação em suas
narrativas pessoais subseqüentes.
Piaget argumenta que o homem, em seu desenvolvimento, apresenta
três tipos de estrutura: aquelas herdadas pela filogênese (totalmente
programada); as estruturas parcialmente programadas (desenvolvimento
depende de construções sinápticas resultantes das interações com o meio) e
as estruturas em nada programadas (estruturas mentais específicas para o ato
de conhecer). De acordo com suas teorias, o conhecimento é gerado através
da interação do sujeito com o seu meio, a partir de estruturas previamente
existentes no sujeito. Dessa forma, a aquisição do conhecimento depende
tanto de certas estruturas cognitivas inerentes ao próprio sujeito, como
também de sua relação com o objeto. Piaget, portanto admite que a espécie
humana traz no seu genoma algumas “possibilidades”, mas argumenta
também, que outras possibilidades só se efetivarão mediante as interações
(Relvas, 2008. p.102).
27
2.3 – Quando o professor conta histórias.
O professor tem o papel de criar a ocasião para a narração, de sugerir
formas de contar, ouvir e explorar as histórias. Sem dúvida, sua dedicação em
escolher e preparar carinhosamente cada história que for contar é
fundamental, para que seus alunos vivam com maior intensidade possível a
viagem imaginária a que cada história convida.
O professor deve transformar a sala de aula num ambiente
estimulante, com as mais variadas situações, em que possa manifestar
livremente a compreensão e os questionamentos que faz a partir da leitura de
textos literários.
Por isso, o professor deve contar histórias, criando assim um clima
afetivo e de aproximação entre as crianças.
Ao ler uma história, o professor também proporciona esta aproximação
com a vantagem de o texto trabalhar com a linguagem e produção literária,
permitindo que a criança conheça o fascinante mundo da Literatura Infantil.
Através da leitura de histórias pelo professor, a criança deve ser
incentivada a se manifestar, a participar ativamente, fazendo perguntas,
comentários e a interpretação oral da história.
Ao entrar em contato com um conto maravilhoso, uma quadrinha ou um dito da sabedoria popular, o estudante talvez pense: “Peraí! Meus pais conhecem isso! Isso eu já ouvi! Isso faz sentido para mim!” A partir daí, é perfeitamente possível imaginar que tal aluno volte para casa, conte o conto que aprendeu na escola e, no dia seguinte, traga outros contados pelo pai ou por algum parente. (AZEVEDO, 2004, p. 158)
28
Ouvindo histórias, tomando contato com livros de Literatura Infantil, a
criança apresenta interesse para a leitura e produção de textos.
É necessário oferecer às crianças os mais diversos materiais de
leitura.
É importante que o professor selecione livros infantis no nível de
interesse das crianças, e ao mesmo tempo incentive-as a escolher livremente
sua leitura para que, aos poucos, possam fazer a seleção, tendo liberdade de
fazer a sua própria leitura.
Ensinar brincando tem como objetivo contribuir para a melhoria da
qualidade do ensino ao levar a criança a descobrir o mundo pelo caminho da
arte. “A fantasia é a forma que resulta da maestria do artista articulando
palavras: dando vida, cor, cheiro, mistério a coisas inanimadas e animadas, a
sonhos, desventuras, obstáculos, provas, paisagens e valores humanos”
(Machado, 2000, p.19)
Ao educar tornamos visíveis nossos valores, atitudes, idéias, emoções
e estes atributos estão evolvidos nas situações pedagógicas trabalhadas em
sala de aula.
Os educadores devem contribuir para fortalecer a idéia que vale a
pena aprender, deve ser um orientador, um sinalizador de possibilidades,
humanizador, uma pessoa aberta, acolhedora e compreensiva. Devem estar
atento as mudanças e abertos as atualizações e orientar a prática de acordo
com as características e a realidade dos alunos.
O educador no papel de contador de história estabelece uma relação
de afeto e encantamento, abrindo uma porta para o mundo criado, permitindo
aos ouvintes construir imagens, refletir sobre conteúdos, passear por emoções.
29
[...] é através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética, outra ótica... é ficar sabendo história, geografia, filosofia, política, sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser didática, que é outro departamento (não tão preocupado em abrir as portas da compreensão do mundo). (ABRAMOVICH, 2003, p.17)
Ao adentrar no mundo escolar, a leitura não mais se realizará como na
família, devendo sofrer modificações que são vitais para o desenvolvimento da
aprendizagem. Para poder transmitir à criança uma visão clara do que se está
lendo, o professor deverá ter algumas atitudes, tais como:
§ Visualizar o livro para a criança, através da exposição das gravuras;
§ Ler de forma liberal, porém clara e agradável, atraindo a atenção da
criança;
§ Manter-se aberto para as perguntas das crianças, incentivando a troca
de comentários sobre o texto lido.
O professor deve introduzir na sua prática pedagógica, métodos ou
estratégias criativos que estimulem a emancipação pessoal e o
desenvolvimento integral da criança. Na busca dos objetivos de:
Ø Desenvolver o gosto pela literatura e pela leitura;
Ø Desenvolver a atenção e a criatividade;
Ø Oportunizar a descontração e recreação;
Ø Descarregar tensões e resolver conflitos;
Ø Tornar clara as emoções infantis;
Ø Oportunizar contato com a linguagem escrita;
Ø Enriquecer experiências e o vocabulário;
Ø Estimular a imaginação;
Ø Desenvolver diferentes tipos de linguagem (escrita, oral, gestual).
30
2.3.1 – Para contar histórias sempre são necessários alguns cuidados.
Antes de contar história o contador deve verificar os elementos desta
história se for algo diferente, deve criar uma roda de conversa e discutir antes
com os ouvintes, isto porque não deve haver interrupção. O momento da
história é único e não deve ser interrompido, pois atrapalha a imaginação e o
raciocínio dos outros ouvintes.
O ambiente, a disposição das crianças, o tempo da história deve ser
levado em consideração de acordo com a exposição, o professor pode dar
ênfase em momentos diferentes nas histórias de acordo com a necessidade do
público. O que deve ser observado:
• Lugar tranqüilo;
• Todos devem estar bem acomodados, sentados em tapetes ou em almofadas, formando um semi-círculo, para que todos consigam
igualmente ver o material escolhido;
• É importante ajustar o tom de voz, o professor precisa conhecer a história e gostar dela, para contá-la com emoção;
• As gravuras devem ser apresentadas uma de cada vez, pela ordem;
• As histórias que mais agradam podem ser repetidas várias vezes, desde que solicitadas; se aparecerem palavras que não são conhecidas,
podem ser introduzidas naturalmente, com uma explicação que não
interrompa a narrativa.
31
2.3.2 – Considerações metodológicas.
A literatura para crianças e adultos se caracteriza pela sua linguagem
artística. É o trabalho de tecer as palavras de maneira poética que caracteriza
um bom livro, de tal maneira que, se ele é bom, qualquer pessoa pode apreciá-
lo. Nesse sentido, a literatura para crianças é mais abrangente que a literatura
de adultos, já que esta só pode ser desfrutada por adultos e, aquela, pode ser
apreciada por qualquer idade.
Constatada a importância da literatura como fonte de conhecimento e
prazer para a criança e a contribuição que favorece ao seu desenvolvimento,
não se pode correr o risco de improvisar. Para tanto, é necessário escolher a
melhor forma ou recurso mais adequado de apresentá-la. (CAGNETI, 2009)
Trabalhar a Literatura Infantil na escola é suscitar o imaginário, é ter a
curiosidade respondida em relação a tantas perguntas e encontrar idéias para
solucionar questões. É estimular para desenhar, musicar, teatralizar, brincar...
Afinal, tudo pode nascer de uma história, um conto, uma poesia,...
Ao utilizar a Literatura Infantil como um meio para desenvolver a
linguagem, pretende-se criar um todo, um conjunto de atributos que concorram
para um maior desenvolvimento da capacidade do aluno de comunicar-se e de
expressar-se de maneira clara e crítica, criando condições para que o aluno
possa usar a língua nas mais diversas situações.
Entretanto, o educador como contador de histórias, se transforma em
um mediador privilegiado dentro do contexto da educação quando leva o aluno
a pesquisa e a novas produções. A história passa a ser reinventada pela
educando por um desenho, uma pintura, ou mediante uma fala com enfoque
pessoal.
32
2.4 – A história contada através da mídia.
Considerar o cinema como um meio significa que a atividade de contar
histórias com imagens, sons e movimentos pode atuar no âmbito da
consciência do sujeito e no âmbito sócio-político-cultural, configurando-se num
formidável instrumento de intervenção, de pesquisa, de comunicação, de
educação e de fruição. No entanto, considerar o cinema como um meio não
significa reduzir seu potencial de objeto sociocultural a uma ferramenta
didático-pedagógica destituída de significação social, pois a experiência
estética possui um importante papel na construção de significados e os
diferentes modos de assistir aos filmes fazem com que o texto fílmico possa
atuar diferentemente conforme o contexto. De acordo com Bourdieu,
“a experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de “competência para ver”, isto é, uma certa disposição, valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, essa “competência” não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera cultural em que as pessoas estão imersas – que inclui, além da experiência escolar, o grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia – é o que lhes permite desenvolver determinadas maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o cinema” (in Duarte, 2002:13).
O cinema está presente na educação há muito tempo, sendo um dos
eixos sobre os quais a mídia-educação está centrada.
Rivoltella (2002, apud Fantini, 2006) distingue quatro épocas ou idades
que ajudam a entender o papel do cinema na educação na Europa e no
conjunto de sua relação com os outros meios:
a) A idade do texto impresso (presente sobretudo, na Inglaterra dos anos
30, refere-se aos textos impressos, gibis, romances e outros produtos
33
da indústria cultural que são confrontados com produtos da considerada
alta cultura, da tradição e da cultura literária);
b) A idade do cinema (presença marcante na década de 60, quando a
mídia-educação descobre o cinema a partir do trabalho teórico das
revistas Cahiers du Cinéma e Screen e a partir de experiências em
associações culturais do tipo cineclubes e cineforum, que exibiam filmes
com um projeto educativo e de sensibilização em relação ao cinema);
c) A idade da televisão (a partir do consumo televisivo de massa, a mídia-
educação focaliza sua intervenção na televisão como dispositivo e como
oportunidade de socialização, espaço de negociação cultural,
investimento emocional com visão crítica sobre exploração da violência,
da sexualidade e do consumo);
d) E a idade do computador e da Internet (sobretudo a partir dos anos
90, quando o computador passou a ocupar um espaço cada vez maior
na prática social e conseqüentemente no ensino-aprendizagem escolar,
exigindo uma reflexão dos educadores sobre as diversas possibilidades
de interação que propicia, configurando a rede como um “cenário de
ação” para situações sociais e comunicativas geradoras de
aprendizagens).
Considerando que a mídia-educação trabalha com a atualidade, diante
dessas “idades”, trabalhar com o cinema-educação hoje não significaria
retroceder à “idade do cinema” e sim pensar num “paradigma ecológico” de
mídia-educação a partir de uma concepção integrada, que se refere a fazer
educação usando todos os meios e tecnologias disponíveis: computador,
Internet, fotografia, cinema, vídeo, livro, CD, conforme o objetivo pretendido.
Ou seja, articular as propostas educativas com as exigências do ambiente
comunicativo a partir de cada inovação tecnológica, integrando-as umas nas
outras.
34
Benjamin (1994) destaca que o cinema oferece uma nova forma de
arte adequada à construção de uma, outra experiência de sensibilidade,
defendendo uma dimensão libertadora da arte sem aura que é o cinema, e
revela o potencial político progressista e transformador que essa nova
sensibilidade pode ter, tanto na sua forma de expressão como no conteúdo da
existência do homem moderno (apud FANTINI, 2004).
O cinema é um organismo altamente sensível com confluência de
várias áreas, pode-se dizer que é vital instrumentalizar professores e crianças
para um trabalho com a dimensão pedagógica da crítica das produções
culturais e cinematográficas, pois além de prolongar o impacto da obra, a
crítica de cinema pode fornecer meios para os espectador ter uma leitura mais
rica do que ele vai ver para fruir e aproveitar melhor o filme. Entretanto, a
crítica possibilita referências para ultrapassar a percepção ingênua e
desconstruir estereótipos a fim de valorizar e ressignifcar a cultura, amplia o
repertório do espectador e pode desenvolver algumas sensibilidades para
enriquecer a capacidade do olhar sem tirar o poder encantatório do cinema e
sem destruir o imaginário que com ele construímos.
Para Fantini (2004) as narrativas projetam e exercitam emoções
através de personagens com as quais o público pode se identificar e nas
histórias que os filmes contam, as crianças demonstram isso em seus
comentários e em suas percepções. Afinal, as percepções infantis envolvem
diferentes formas de recepções: a recepção ótica (fruição e contemplação
visual), a recepção tátil (vibração, tensão e movimentos corporais) até a
recepção verbal (falas, risos e comentários). Considerando que as recepções
são ativas, as experiências infantis são ricas em percepções ressignificadas
pelo olhar infantil já que a infância é um lugar onde o mundo se abre para
outros modos de ver. Além disso, as crianças lidam com arte de uma maneira,
mas descompromissadas, mais soltas fluem no espaço-tempo do filme,
sentem, não estão ali para satisfazer, simplesmente estão.
35
E neste processo de educação estética do olhar, muitas vezes
aprendemos a olhar o mundo, a natureza, o trabalho e a arte com o olhar do
outro, pela mediação de outros jeitos de olhar. Esses olhares podem ser
desinteressados, interpretativos ou criativos. Sentidos, sentimentos,
pensamentos e necessidades fazem da leitura-produção um ato complexo,
onde aquele que lê não é apenas um “receptor passivo” que consome imagens
- isso acontece se ficar apenas no nível superficial do visível, já que olha e só
vê alguns aspectos, impedido de olhar além - mas alguém que, com a
mediação necessária, tem a possibilidade de dialogar com o que vê, como
continuidade da obra, como processo ativo e criativo tal como o caráter
dialógico da intertextualidade que propõe Bakhtin (1997) em relação à
linguagem.
36
CAPÍTULO III
OS CONTADORES DE HIDTÓRIAS E SUAS
CRIATIVIDADES
A figura do contador de histórias reapareceu com grande vigor nas
últimas décadas do século XX, havendo um verdadeiro “boom”, com a
ampliação do número de pessoas interessadas em aprender técnicas desta
ocupação.
Além disso, há uma nova demanda, principalmente das instituições
escolares pela “contação de histórias” (neologismo referente ao ato de contar
histórias): abre-se espaço no currículo escolar para um horário próprio para
esta atividade.
Há ainda um estímulo pela capacitação de professores e bibliotecários
escolares a incorporarem essa prática no seu cotidiano e, não raro, contratam-
se pessoas especialmente dedicadas a realizar esta tarefa.
Contar histórias é arte performática, em que se tenta retransmitir os
contos pelos meios nos quais surgiram, ou seja, através de voz, corpo e gesto.
O contador vibra, o ouvinte estabiliza, integrando-se àquilo que é ele próprio.
Então, é ele que vibra de corpo e alma. A noção de performance perpassa a
idéia da presença de um corpo (ZUMTHOR, 2000). A contação de histórias em
performance permite a interação entre contador e ouvintes, o corpo e a voz
propiciam vivências comunitárias, perdidas na aceleração da vida moderna.
O corpo é o peso sentido na experiência que faço (...). Meu corpo é a materialização daquilo que me é próprio, realidade vivida e que determina minha relação com o
37
mundo (...). Na situação performancial, a presença corporal do ouvinte e do intérprete é presença plena, carregada de poderes sensoriais, simultaneamente, em vigília. (ZUMTHOR, 2000, p. 28 e 80)
É necessário que exista identificação entre conto e contador, para que
este possa conduzir a narrativa da melhor forma. Cada contador coloca nas
histórias um pouco de sua personalidade, priorizando passagens que, de
alguma forma, dialogam mais com seu íntimo. É essa identificação entre o
conto e seu contador que faz a diferença, pois dessa integração dependerá o
sucesso da performance. É como se o conto escolhesse o contador e não o
contrário. O contador deixa que a história mergulhe nele e só depois ele conta;
primeiro se apropria da história para depois contá-la. Ele se empenha na
escolha do tema e busca suas fórmulas para na hora do conto, recordar as
palavras que memorizou assim, ele recorda e reconta a história em vários
momentos.
Os contadores que se utilizam de histórias tradicionais o fazem por
basear-se no seu vínculo com a vida concreta, como também com o sagrado.
No momento em que ocorre a valorização das raízes, das religiões, das
manifestações culturais, das expressões artísticas, etnia e raças, como
também no compartilhamento da própria história, podemos ter a base sobre a
qual se estruturam os processos identitários (FARIA & GARCIA, 2002, p. 126).
Os contos possibilitam enxergar as diferenças culturais e constatar que a
diversidade é saudável. Auxiliam “a expansão da nossa consciência ética e
estética” (BUSATTO, 2003, p. 38).
Sempre que ouvimos uma história, ativamos nossa memória corporal,
pois antes de recebermos a história de forma racional a recebemos através
das sensações corporais. Toda contação de histórias vai ao encontro das
ansiedades da platéia, já que cada ouvinte se identificará com a história, ou
mesmo com parte da mesma, posto que dialogue com sua realidade atual. “A
arte de contar histórias nos liga ao indizível e traz resposta às nossas
inquietações” (BUSATTO, 2003, p. 9).
38
Os contadores de histórias precisam ter a devida habilidade, treino e
conhecimento técnico da atividade para atingir o âmago do ouvinte e alcançar
o objetivo a que se propõe tudo isso. Porém, revestido de arte, para que seja
também belo e aprazível ao ouvinte e também ao próprio contador.
O CONTADOR DE HISTÓRIAS.
−−−− Conta-me uma história – pedia-lhe a moça. −−−− Tenho de pensar! – respondia-lhe. Ora, acontecia que, por vezes, o tempo que levava
em sua meditação era longo demais para ela, que se zangava. Mas ele balançava a cabeça e respondia impassível:
−−−− Você deve ter pouco mais de paciência. Uma boa história é como uma boa montaria. A caça
brava fica escondida e é preciso armar emboscadas e ficar de tocaia horas a fio, na boca dos precipícios e florestas. Os caçadores mais apressados e impetuosos afugentam a caça e nunca obtêm os melhores exemplares. Deixe-me, pois pensar!
Mas, desde que tivesse meditado o tempo bastante e começasse a falar, não mais parava enquanto não tivesse contando a história completa, que corria ininterrupta e fluente como o rio descendo montanha abaixo e em cujas águas tudo se reflete – desde a pequena folha de grama até o azul da abóbada celeste (...).
Convertia-se num ser todo-poderoso assim que iniciava mais uma demonstração de sua arte, pois aprendera a arte de narrar no Oriente, onde essa função é altamente apreciada e seus praticantes são considerados uma espécie de magos.
Jamais começava suas histórias em países estranhos, para onde o espírito do ouvinte não podia voar com força própria.
Principiava sempre com algo que os olhos pudessem ver; depois, imperceptivelmente, levava a imaginação dos ouvintes para onde muito bem ele queria, de modo que a narrativa transcorria com naturalidade. Quem o escutava absorto, em suas palavras embora continuasse tranquilamente sentado, o espírito já vagava alegre e, receoso pelas regiões mais fascinante. Assim era a maneira de ele contar suas histórias. (O anão) (COELHO, 2006, p.49-50)
39
3.1 – O contador de histórias
Vivemos hoje, inegavelmente, em uma sociedade globalizada, e
certamente temos alguns privilégios que gerações passadas sequer
imaginavam, tais como o desenvolvimento de redes de comunicação, o
progresso da informática, da medicina, da ciência e o acesso à informação em
tempo real.
Na verdade, a globalização não é um fenômeno recente. Contar
histórias, para preservar a própria história é, portanto, uma forma de
resistência à imposição, tantas vezes cruel, das nações dominantes.
Sisto (2001) acrescenta que “contar histórias nunca é uma opção
ingênua. É uma maneira de olhar o mundo”.
Desde sempre, o homem contou histórias, deu vazão à sua intrínseca
necessidade de comunicação, traduzindo, por meio de palavras, os
acontecimentos cotidianos, as memórias transmitidas por seus ancestrais, as
dúvidas, alegrias, angústias e prazeres de sua existência. Em tempos
passados era ao redor de uma fogueira que pessoas se reuniam para escutar
os mais velhos narrarem suas aventuras, lembranças e ensinamentos.
Segundo Matos (2005) a presença do contador de histórias ressurgiu a
partir da década de 1970 em vários países do mundo. Foi um retorno no
mínimo surpreendente, tendo em vista a industrialização e urbanização das
cidades, e à enorme gama de estímulos científicos e tecnológicos que existem
na sociedade contemporânea.
Em fevereiro de 1989, foi realizado um colóquio internacional em Paris,
no ‘Museé National des Arts e Traditions Populaires’, onde se reuniram 350
participantes, com representação de quatorze países, e que teve como objetivo
40
avaliar o impacto social e cultural da volta dos contadores de histórias nos
países em que o fenômeno se manifestava com maior vigor (MATOS, 2005).
Esses narradores afirmaram que seu retorno, entre outras coisas,
representava uma reação à tecnologia e a tudo mais que a acompanha como o
consumismo, o imediatismo e a superficialidade das relações.
Assim, a valorização da cultura popular e dos contos tradicionais por
intermédio da narração de histórias é muitas vezes uma maneira de resguardar
a origem e a própria história de cada localidade ou região, especialmente
levando-se em conta a influência política, econômica e social que os países
hegemônicos exercem sobre os demais.
Embora o objeto de trabalho seja o mesmo, o contador de histórias
contemporâneo apresenta características bem distintas do contador tradicional.
Já século XXI, o contador de histórias apresenta seu trabalho por meio
de espetáculos de narração oral, performances artísticas elaboradas, com o
domínio de técnicas corporais e vocais e critérios de seleção para a escolha de
histórias.
A contação de histórias pode complementar-se também com a
utilização de outras artes como a música, a dança, a poesia, a declamação, a
mímica, as artes plásticas... Não existem regras fixas, alguns utilizam
elementos (objetos), outros preparam cenários e figurinos sofisticados,
enquanto há aqueles que utilizam somente a sua própria voz com grande
maestria e são capazes de manter a platéia atenta por bastante tempo. Cada
um determina a sua maneira de narrar. Os contadores se apresentam em
grupos, duplas ou sozinhos
O que define também o contador de histórias contemporâneo é o fato
de ser urbano, ou seja, vive e trabalha na cidade, ali também se manifestando.
E carrega consigo as marcas de seu tempo, apropriando-se dos recursos
41
tecnológicos e dos meios de comunicação em sua performance. Isso se traduz
na crescente comercialização de livros e multimeios (tais como, CD e DVD)
produzidos por contadores.
Além disso, há também uma proliferação de sites e blogs na Internet,
com o intuito de divulgar contadores, eventos, comercializar produtos e
possibilitar fóruns de discussão.
Para o desenvolvimento de seu trabalho o contador de histórias da
atualidade utiliza como fonte de pesquisa principalmente registros escritos,
pouco fazendo uso de registros orais como o contador tradicional. Ele baseia-
se tanto em livros de contos populares, que são relatos orais e tradicionais de
criação coletiva recolhidos por folcloristas4, quanto em textos autorais: contos,
crônicas, poesias, cordéis, de autores contemporâneos ou não, ou até mesmo
do próprio contador.
Seu campo de atuação é amplo e variado, podendo apresentar-se em
eventos esporádicos, assim como regularmente em (BUSATTO, 2003;
RIBEIRO, 2006; SISTO, 2001): hospitais; escolas; bibliotecas; centros
culturais; museus; teatros; empresas; cafés; livrarias; lojas de brinquedos;
festas de aniversário (infantis e adultas), casamentos, reuniões familiares.
3.2 – O contador de história no Brasil
É por volta da década de 1990, que os contadores de histórias se
manifestam por aqui. Alguns autores, como Sisto (2001, p. 60) acreditam que
isso se deu especialmente pela difusão das bibliotecas no país e pelo
reconhecimento de que elas não poderiam ser apenas depósitos de livros, mas
organismos dinâmicos de promoção da leitura.
42
É possível que o Proler, Programa Nacional de Incentivo à Leitura,
(instituído pelo Decreto Presidencial nº 519, em 13 de maio de 1992 e
vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura)
tenha contribuído para a proliferação dos contadores de histórias no Brasil,
haja vista que considerava essa prática fundamental para implementar o gosto
pela leitura e o consumo de livros.
O Proler tem como objetivo principal “promover o interesse nacional
pela leitura e pela escrita, considerando a sua importância para o
fortalecimento da cidadania” (PROLER, 2006). Um de seus três eixos de ação
é justamente a formação continuada de promotores de leitura.
Assim como ocorre com profissionais ligados a área artística, os
contadores de histórias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais se
destacam nacionalmente, até mesmo pelo fato de terem mais visibilidade na
mídia. De qualquer forma, o crescimento da figura do contador de histórias é
uma constante na maioria dos estados do país (SISTO, 2001).
Dentro do Programa Nacional de Leitura havia um projeto chamado
Prazer de Ler. Este projeto previa várias ações: apresentações de contadores
de histórias no saguão da Biblioteca Nacional, para os funcionários e o público
em geral; círculos de leitura; apresentações de contadores de histórias para os
meninos de rua que circulavam nas áreas próximas à Biblioteca Nacional. O
grupo Morandubetá participou do projeto, junto com outros contadores de
histórias, formados pelo próprio grupo nas suas oficinas.
Então chega a vez da primeira oficina fora do Rio de Janeiro. Esta
oficina foi dada em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, dentro do
primeiro seminário do PROLER. O ano de 1993 foi cheio de surpresas e
alegrias. Talvez a maior tenha sido a inauguração da Casa da Leitura, no Rio
de Janeiro, em agosto. A casa passou a ser a sede do PROLER, e fez nascer
um espaço cheio de prazer, alegrias, descobertas... um novo espaço para os
contadores de histórias.
43
O trabalho realizado na Casa da Leitura é constituído por cursos,
palestras, exposições, oficinas, seminários, e tem por objetivo incentivar e
promover a leitura. Seu público-alvo são os profissionais comprometidos com a
formação de leitores, dando prioridade a professores, bibliotecários e agentes
de leitura das redes públicas. Nas duas bibliotecas (infantil e juvenil e adulta)
da Casa da Leitura, também são realizadas atividades de leitura com grupos
de alunos das redes pública e particular visando à formação de leitores e
usuários de bibliotecas públicas. A Casa da Leitura também disponibiliza, em
seu Centro de Referência e Documentação/CRD livros, teses, artigos,
entrevistas, periódicos sobre o 6 tema leitura. Embora ainda incipiente essa
atividade constitui-se em uma ação permanente da Casa da Leitura, que
deverá expandir-se e caminhar para um estágio mais eficaz. (PROLER, 2006)
Diversos encontros têm reunido contadores de histórias em todo o
mundo. Vários eventos como: Simpósios, Encontros, Seminários, Pré-
Jornadas, Jornadas, Palestras e etc. Alguns sendo de porte internacional
ocorreram em países como Argentina, Bolívia, Espanha, Colômbia, Canadá,
Peru e Brasil. No ano de 2008 foi realizado VII Simpósio Internacional de
Contadores de Histórias - “Viajando nas ondas do rádio: ontem e hoje”,
realizado no Sesc/Rio de Janeiro. O tema é uma homenagem ao centenário de
Almirante (Henrique Foréis Domingues), a maior patente do rádio brasileiro e
criador do programa Incrível, fantástico, extraordinário, sucesso nas décadas
de 30 e 40.
44
3.3 – Apresentando grupos e um contador de histórias
v Costurando Histórias
Idealizado e coordenado pela atriz Daniela Fossaluza, “Costurando
Histórias” é um coletivo de artistas que transforma livros em tapetes, o projeto
reúne profissionais provenientes de diferentes áreas, formando uma equipe
que leva conhecimento e ludicidade às crianças e jovens de toda parte. Com
os tapetes confeccionados a partir das sugestões de lendas e contos de vários
lugares do mundo, visitam praças, escolas, bibliotecas, hospitais, teatros e
eventos. Entre as atividades desenvolvidas estão:
Ø Sessões de contação de hitórias;
Ø Oficina de contação;
Ø Palestras;
Ø Espetáculos e exposições interativas;
Ø Oficinas de artes para crianças e capacitação de profissionais e
interessados nessa técnica especial de narrar. Esta é uma manifestação
artística, plástica, musical e teatral bem particular.
A idéia nasceu na França através da educadora francesa Clotilde
Hammam: ela teve a idéia de fazer um tapete tridimensional para o neto onde
a história ficava palpável. O neto gostou e chamou os amigos e a coisa deu
certo. Ela que é pedagoga, levou para a biblioteca. Enfim, o tapete se tornou
um objeto de ajuda e incentivo à leitura. A idealizadora criou, então, um projeto
chamado Raconte-Tapis e chamou o filho Tarak Hammam, que é diretor de
teatro, para difundir o projeto. Há mais de vinte anos, eles criam tapetes,
contam histórias e ministram estágios de formação em toda a França. No
Brasil, Tarak é responsável pela formação de diversos artistas que trabalham
com o apoio de tapetes de histórias.
45
Daniela Fossaluza é formada em Artes Cênicas pela Universidade do
Rio de Janeiro, atriz (integrante do Grupo Teatral Moitará), contadora de
histórias, professora de teatro e editora do jornal Ato Ação (com distribuição
gratuita em diversos espaços culturais e educacionais). Na universidade, foi
bolsista do projeto de extensão Ateliê do Ator, colaborou com o
desenvolvimento do projeto Raconte-Tapis, os tapetes contadores de histórias
e integrou o Teatro da Passagem, ambos os trabalhos orientados pelo diretor
francês Tarak Hammam. Foi uma das responsáveis pelo desenvolvimento da
idéia no Brasil. Desde 1997 trabalha e pesquisa em parceria com Tarak
Hammam, contando histórias para adultos, jovens e crianças.
Para ela o contador de histórias é um canal por onde a mensagem flui,
uma informação que passa pela voz, corpo, olhar e psiquismo do artista, mas
que nasce num lugar outro não detectável com exatidão. Os tapetes devem
apoiar o contador no sentido de guiar-lhes a viagem, que vai do imaginário ao
concreto e vice-versa, e podem ajudá-lo a relembrar o estado de peculiar
aptidão à brincadeira das crianças. Com os personagens em mãos, ele vai
demonstrar objetivos e trajetórias que se cruzam. Na figura de condutor do fio
narrativo, ele vai percorrer todo um contexto de situações que se entrelaçam e
se desenlaçam como nas páginas de um livro. Com os bonecos de pano, ele
vai precisar re-despertar a cada vez a capacidade de brincar, de re-viver a
história com os olhares infantis atentos, procurando novas conexões, sem
deixar nada de visível para trás, porque elas, as crianças, jogando com o
contador, apontarão. Terá que manter desperto aquele tipo de olhar infantil que
descobre o mundo sem pré-julgamentos e que recebe as informações e afetos
mais imediatamente, que interage a partir de estados. (FOSSALUZA, 2009)
vvvv Fábio Sombra Além de escritor ele é pintor, viajante, ilustrador (ele mesmo ilustra
seus livros), repentista, violeiro. Nascido no Rio de Janeiro. Porém, ao
contrário de muitas pessoas que nascem e passam as suas vidas inteiras em
46
cidades grandes, teve a oportunidade de conhecer de perto a vida na roça. A
família da mãe era do interior de Minas Gerais e foi na fazenda da tia avó que
passou muitas férias, aprendeu a andar a cavalo, pescar, nadar em córregos e,
principalmente, aprendeu a gostar de ouvir e contar histórias à noite, ao pé de
um fogão de lenha.
Na vida. Já fez muitas coisas: foi advogado, pintou quadros e fez
exposições de suas pinturas em museus e galerias ao redor do mundo. Tendo
quadros seus, nos museus na França, Portugal e na Alemanha. Depois, por
uns tempos, foi guia de turismo e, com isso, viajou ainda mais. Conheceu
países distantes. Como a Rússia, Hungria, República Tcheca, Áustria,
Polônia... E outros lugares que daria uma lista enorme.
Eis que um dia, de volta ao Brasil, foi convidado para ilustrar um livro
infanto-juvenil. Era a história de Aladim e a lâmpada maravilhosa, recontada
em versos de cordel pelo grande poeta Patativa do Assaré. Ao final, ficou tão
encantado que resolveu começar a escrever e a ilustrar seus próprios livros.
Desse dia em diante não parou mais, já publicou quatro livros e esta com
vários outros prontinhos para sair.
Nas histórias que escreve, gosto de falar das coisas que admira e que
gosta desde a infância. Fala de disputas de versos e violeiros. Ele gosta tanto
desse instrumento, a viola caipira, que aprendeu a tocá-la. E de tanto tocar,
acabou gravando um CD com as músicas que compôs.
Na verdade, é um apaixonado pela cultura popular brasileira. Na época
do Natal, por exemplo, larga tudo o que estiver fazendo e corre para o seu
sitiozinho, na cidade de Lajinha, na Zona da Mata de Minas Gerais onde criou
um grupo de folias de reis chamado “A Caravana do Oriente”. É um tempo
muito gostoso, onde à noite, o grupo sai pelas estradas visitando sítios e
fazendas para anunciar, com músicas e versos o nascimento do menino Jesus.
Também faz viagens de pesquisa sobre o folclore brasileiro. Já viajou muito
47
pelo Brasil, entrevistando pessoas, documentando e registrando danças,
cantos e histórias que vivem na rica memória do nosso povo.
No dia 18 de Abril de 2009, foi uma data muito importante para ele.
Tomou posse da cadeira número três da ABLC - Academia Brasileira de
Literatura de Cordel. Esta cadeira tem como patrono o genial poeta Firmino
Teixeira do Amaral, que por sinal é autor de um dos folhetos mais famosos de
toda a história do cordel: A peleja do cego Aderaldo com Zé Pretinho de
Tucum. A seguir alguns livros e um CD publicado por Fábio Sombra:
Ø Curupiras, sacis e outras criaturas fantasticas das florestas –
publicado em 2009, pela Editora Rocco. Um guia de observação, o autor
apresenta flertando com os 'causos' populares, os seres encantados
que habitam nossas florestas tropicais.
Ø CANTOS E CONTAS – publicado em 2009, pela Editora Ao Livro
Técnico.
Ø Brincadeira de Arco-iris – publicado em 2009.
Ø A peleja do violeiro Magrilim com a formosa princesa Jezebel –
publicado em 2008, pela Editora Lê. Um romance em versos de cordel
repleto de desafios de calango e ponteados de viola.
Ø A caravana do oriente: uma historia de folia-de-reis – publicado em
2008, pela Editora Rocco. Um conto de natal brasileiro narrado ao som
de violas, pandeiros e tambores de folia.
Ø CD Manheceu – lançado em 2007 seu primeiro CD, distribuído pela
gravadora Kuarup, com treze composições de sua autoria em ritmos
tradicionais do sudeste brasileiro, como catiras, cirandas, batuques,
48
pagodes e modas de viola. O projeto foi realizado em parceria com o
violeiro Chico Lobo.
Ø A lenda do violeiro invejoso – publicado em 2005, pela Editora Rocco,
e recebeu o selo de Altamente recomendável para o jovem da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
Ø Rio de Janeiro by Fabio Sombra – publicado em 2004, pela Editora
Rocco retrata paisagens e cenas do cotidiano carioca, utilizando cores
fortes e alegres composições. Vários de seus trabalhos fazem parte de
coleções particulares e outros estão expostos em diversos museus,
tanto no Brasil, como no exterior.
Ainda no ano, 2008, assina a consultoria de conteúdo do programa
Vou te contar, sobre cultura popular e mitos brasileiros, exibido no Canal
Futura. Nos últimos anos, Fábio Sombra vem realizando palestras e oficinas,
sempre ligadas à divulgação da poesia popular, da viola e da música de raiz,
principalmente junto ao público infanto- juvenil. Através de seu blog, se
mantém em permanente contato com os leitores, bem como registra
informações sobre seus livros, pesquisas e projetos culturais.
vvvv Os Tapetes Contadores de Histórias
Em 1998, na cidade do Rio de Janeiro, depois de participar e produzir
uma série de atividades e oficinas com Tarak Hammam – e sob sua orientação
até 2001 – um grupo de atores resolveu fundar “Raconte-Tapis - Os Tapetes
Contadores de Histórias”, projeto e grupo que passaram a realizar suas próprias
atividades em diversos espaços do Brasil e exterior.
De início, o acervo do grupo era composto por tapetes criados por
Tarak Hammam, que representam cenários de contos da África, Ásia e Europa.
49
Em 2001, Carlos Eduardo Cinelli e Warley Goulart, integrantes do grupo,
confeccionaram tapetes baseados em contos de Carlos Drummond de
Andrade, especialmente para a sessão ‘Retalhos de Drummond’, inaugurando o
projeto de criação de tapetes a partir de histórias brasileiras. Neste movimento
de criar suportes baseados na literatura oral e escrita nacional, e após intenso
contato com a realidade educacional e cultural brasileira, o grupo mudou seu
nome para “Os Tapetes Contadores de Histórias”.
Sob coordenação deles, o grupo cria e se utiliza de tapetes, malas,
aventais, caixas e livros de pano como cenários de contos autorais e populares
de origens diversas. Mesclando narração de histórias, animação de formas e
teatro, o grupo desenvolve uma linguagem própria que vem proporcionando ao
público infantil e juvenil, novas qualidades de experimentação estética.
Confeccionado à mão, cada material é criado a partir de um livro
correspondente. Com um repertório que vai de contos populares de origens
diversas (Ásia, África, Europa e América do Sul) a escritores brasileiros como
Carlos Drummond de Andrade e Ana Maria Machado, o grupo conta atualmente
com um acervo de 38 suportes plásticos (tapetes, malas, aventais, caixas e
livros de pano, etc.) que convidam as crianças ao mundo das histórias: um
elefante que sai à procura de amigos, um menino que prova um pedaço da lua,
uma rainha que dança com as cores.
Em 2004, avançando na pesquisa de confecção de suportes plásticos
para narrativa, os artistas brasileiros criaram malas, tapetes, aventais, caixas de
pano e madeira para dar vida a histórias de Ana Maria Machado e Jutta Bauer.
Paralelamente, a integrante do grupo Rosana Reátegui mudou-se para o Peru a
fim de estudar as possibilidades criativas da arpillería (técnica artesanal andina
de costura à mão de painéis de tecido).
As pesquisas desenvolvidas pelo grupo no Brasil e Peru alcançaram em
2005 novos resultados: No Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Cinelli e Warley
Goulart criaram um tapete gigante de 12 metros para o mais novo espetáculo
50
do grupo ‘O rei que ficou cego’; e em Lima, Rosana Reátegui inaugurou o
projeto ‘Manos que cuentan’, onde coordena artesãs da Associación de
Arpilleras Taller Santa Julia na pesquisa e criação de livros de pano a partir da
literatura oral peruana, recebendo no mesmo ano o Prêmio de Melhor Livro-
Objeto pela Câmara Peruana do Livro.
Em 2006, convidados pela Editora Global (SP), Carlos Eduardo Cinelli e
Warley Goulart criaram ilustrações de tecido para o livro ‘O congo vem aí’ de
Sérgio Capparelli. No mesmo ano, o projeto recebeu o PRÊMIO CULTURA
NOTA 10, do Governo do Estado do Rio, como umas das 21 ações culturais
que mereceram destaque em 2006.
Para eles, contar e escutar histórias proporciona uma qualidade de
contato entre as pessoas que permite um profundo e prazeroso intercâmbio de
experiências: atua tanto na construção dos valores como contribui para a
formação de uma percepção crítica e sensível da vida, da arte e da sociedade.
Os Tapetes Contadores de Histórias, atualmente formado por um grupo
de atores e arte-educadores: Andrea Pinheiro, Carlos Eduardo Cinelli, Edison
Mego, Helena Contente, Ilana Pogrebinschi, Rosana Reátegui e Warley
Goulart, são formados em Artes Cênicas pela UniRio que, desde 1998, se
especializam nos conteúdos referentes à arte de contar histórias, animação de
formas, teatro, literatura e educação, tendo participado de oficinas, festivais,
seminários, simpósios e encontros no Brasil e exterior. O grupo apresenta
sessões de história como:
Ø Cabe na Mala? - É um espetáculo intimista, onde malas, aventais,
tapetes, caixas de pano e de madeira servem de cenário para histórias
de Ana Maria Machado e Jutta Bauer. As crianças se sentam próximas
aos três contadores de histórias para acompanhar a trajetória dos
bonecos de pano em seus cenários de sonho, luz e textura.
51
Ø Retalhos de Drummond - Cinco tapetes artesanais servem de pano de
fundo para a poesia e prosa de Carlos Drummond de Andrade. Na
sessão "Retalhos de Drummond", são contadas as histórias "O
elefante", "Rick e a girafa", "A doida", "A incapacidade de ser
verdadeiro" e "Governar", sob o ponto de vista dos meninos do Interior,
dos "deslocados" da sociedade, apoiados nas peripécias da sua
imaginação. Durante a sessão, entre as histórias, frases do poeta
costuradas em tiras de tecido são fixadas no chão do espaço do conto,
formando uma bela ‘poesia visual’.
Ø Histórias de outros povos - Composta por contos populares e autorais
de origens diversas, esta sessão pode ser montada de acordo com a
faixa etária predominante dos ouvintes e com histórias que
correspondem a um acervo de 17 tapetes artesanais.
Além das sessões histórias, trabalham com o ‘Ateliê de Histórias’: é
um estudo teórico-prático sobre a arte de contar histórias e seus
desdobramentos, onde os coordenadores d’Os Tapetes Contadores de
Histórias apresentam detalhadamente os diversos aspectos do processo de
pesquisa do grupo sobre os contos (estrutura, linguagem e conteúdo simbólico),
as manifestações narrativas, o diálogo entre narração de histórias e animação
de formas, e a criação de suportes plásticos para contar histórias. ‘Exposição
Interativa’: a exposição se constitui numa sala de leitura diferente com livros,
tapetes e outros suportes plásticos do acervo do grupo, disponíveis para o
manuseio dos visitantes que podem ler, contar, descobrir e inventar histórias.
Além disso, conta com uma programação repleta de atividades para crianças e
adultos.
Podemos observar aqui que tanto o grupo “Costurando Histórias”, como
“Os Tapetes Contadores de Histórias”, tiveram como base de experiência uma
série de atividades e oficinas com Tarak Hammam, este muito conhecido entre
52
eles, por ser responsável pela formação de diversos artistas que trabalham
com o apoio de tapetes de histórias.
53
CONCLUSÃO
Ao utilizarmos a contação de histórias, todos saem ganhando, sejam
os ouvintes, que serão instigados a imaginar e criar, seja o contador com sua
experiência da narrativa que colabora com a formação educativa ao sujeito da
oportunidade de recriar um ambiente de resgate da memória.
As histórias são expressões de uma mesma personalidade em
evolução, do princípio do prazer da realidade. Pórem, mostrar à criança que a
transformação, a mudança e o desenvolvimento são possíveis. Que o prazer
não é proibido. É contando histórias, que estimulará a criança a sonhar, criar,
vencer angústias, desenvolver a imaginação, viver outras vidas, conhecer
outras civilizações, aprender sobre o modo de vida de outras pessoas e,
aumentar sua comunicação de interagir com o outro
A leitura na infância é o meio mais eficiente de enriquecimento e
desenvolvimento da personalidade: é um passaporte para a vida e para a
sociedade. É na infância que se adquire o gosto de ler, por isso é de suma
importância a contação de histórias, pois o fantasiar antecede a leitura. Fazer
com que as crianças venham adquirir a busca pela leitura, em variados livros
infantis, escritos por grandes autores, que trazem lindas histórias com grandes
finais recheados de emoções, suspenses dramas entre outros. Mas não se faz
uma grande fantasia se não soubermos passar isto as crianças.
E, ao pensarmos na escola, os professores que inserem a leitura entre
seus alunos, terão uma aula muito mais atrativa e motivadora. Os educadores
de hoje, incentivam o uso da mídia na educação como mais uma ferramenta
de grande incentivo. Trabalhar a Literatura Infantil na escola é suscitar o
imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas e
encontrar idéias para solucionar questões. É estimular para desenhar, musicar,
54
teatralizar, brincar, se envolvendo com a arte que os deixara mais leves,
felizes. Ao afinal, tudo pode nascer de uma história, um conto, uma poesia.
Com isso a criança passa interessa-se também nos estudos.
Assim, quem mais sai ganhando é, na verdade, a sociedade, que
receberá cidadãos mais criativos e capazes de conviver com a diversidade que
enfrentamos atualmente.
55
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 3ª. ed. São
Paulo: Scipione, 2003. 174p.
AZEVEDO, R. Formas literárias populares e formação de leitores. In:
BARBOSA, M. H. S.; RETTENMAIER, M.; RÖSING, T. M. K. (Org.). Leitura,
identidade e patrimônio cultural. Passo Fundo: UPF, 2004.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2ª. ed. São Paulo, Martins
Fontes,1997
BARCELLOS, G. M. F.; NEVES, I. C. B. Hora do conto: da fantasia ao prazer
de ler. Porto Alegre: Sagra DC Luzzatto, 1995.
BARTHES, R. O prazer do texto. Lisboa: Edições 70, 1983.
BENJAMIN, W. Sobre o conceito da história. In: ______. Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. 7ª. ed. São
Paulo: Brasiliense,1994.
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985.
BROCKMEIER, J., HARRÉ, R. Narrativa: problemas e promessas de um
paradigma alternativo. Psicologia Reflexão e Crítica, 2003, 16(3):525-535.
BUSATTO, C. Contar e encantar: pequenos segredos da narrativa. Rio
de Janeiro, Vozes, 2003.
CAGNETI, S. S. Literatura infantil. [s.d]. Disponível em: <http://www.educacaocampolargo.pr.gov.br/educacaocampolargo/arquivos/File/
56
Escolas/Albina%20Winheski/literaturainfalbina2.pdf> Acessado em: 26/06/2009. COELHO, M. B. Contar histórias: uma arte sem idade. São Paulo: Ática,
2006.
Costurando Histórias. Disponível em:
<http://www.costurandohistorias.com/apresentacao.htm> Acessado em:
10/07/2009.
DUARTE, R. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
DUNN, J. The beginnings of social understanding. Massachusetts: Harvard
University Press, 1988.
FANTIN, M. Da mídia-educação aos olhares das crianças: pistas para
pensar o cinema em contextos formativos. 2006. Disponível em:
<http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT16-1760--
Int.pdf.> Acessado em: 25/05/2009.
FARIA, H.; GARCIA, P. Arte e Identidade Cultural na Construção de um
Mundo Solidário. In: ____. O reencantamento do mundo: arte e identidade
cultural na construção de um mundo solidário. São Paulo: Polis, 2002.
FIVUSH, R. The social construction of personal narratives. Merrill-Palmer
Quartely, 1991, 37(1):59-82.
GANCHO, C. V. Como analisar narrativas. 7ª. ed. São Paulo: Ática, 2000. p.
12-13.
HADEN, C. A., HAINE, R. A., & FIVUSH, R. Developing narrative structure
in parent-child reminiscing across the preschool years. Developmental
Psychology, 1997, 33(2):295-307.
57
HIGGIE, C. O Conto: alguns aspectos deste gênero literário. 2008.
Disponível em: <http://www.artigonal.com/literatura-artigos/o-conto-
395289.html> Acessado em: 20/06/ 2009.
KATO, M. A.; MOREIRA, N.; TARALLO, F. Estudos em alfabetização.
Campinas: Edusf Pontes, 1997.
LOW, J., DURKIN, K. Individual differences and consistency in maternal talk
style during joint story encoding and retrospection: associations with children’s
long-term recall. International Journal of Behavioral Development, 2001, 25(1):
27-36.
MATOS, G. A. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
MATTA, I. Aprender vivendo: as experiências de vida no desenvolvimento e na
aprendizagem. Análise Psicológica, 2004, 1(22):73-80.
MEIRELES, C. Problemas de leitura infantil. São Paulo: Summus, 1979. MESQUITA, R. M. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva,
1994.
MICHAELS, S. Apresentação de narrativas: uma preparação oral para a
alfabetização com alunos da primeira série. In: COOK-GUMPERZ, J. (Org.)
A construção social da alfabetização. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
MIRANDA, S. L. Adulto e criança construindo histórias conjuntamente: formas
de assistência. Revista SymposiuM, 2000, 4(n. esp.):50-59.
PERRONI, M. C. O desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
58
PETERSON, C.; MCCABE, A. A social interacionist account of developing
decontextualized narrative skill. Developmental Psychology, 1994, 30(6):937-
948.
POSTIC, M. O imaginário na relação pedagógica. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1993.
PROLER. 2006. Disponível em: <http://catalogos.bn.br/proler/Proler.htm>.
Acessado em: 22/06/2009.
QUESADO, S. Do aprender contos ao (ser) leitor. 2008. Disponível em:
<http://www.artigonal.com/educacao-artigos/do-aprender-contos-ao-ser-leitor-
649373.html> Acessado em: 04/06/2009.
REESE, E.; HADEN, C.; FIVUSH, R. Mother-child conversations about
thepast: relationships of style and memory over time. Cognitive Development
1993, 8:403-430.
RELVAS, M. P. Fundamentos biológicos da educação: despertando
inteligência s e afetividade no processo de aprendizagem. 3ª. ed. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2008.
RIBEIRO, J. Ouvidos dourados: a arte de ouvir as histórias (para depois
contálas). São Paulo: Ave Maria, 2006.
SILVA, F. A. Contação de histórias e desenvolvimento da criança. 2008 Disponível em: <http://portalliteral.terra.com.br/artigos/contacao-de-historias-e-
desenvolvimento-da-crianca> Acessado em: 04/06/2009.
SISTO, C. Contar histórias, uma arte maior. In: MEDEIROS, F. H.;
MORAES, T. M. R. (orgs.). Memorial do Proler: Joinville e resumos do
Seminário de Estudos da Linguagem. Joinville: Univille, 2007. p.39-41.
59
_______. Textos e pretextos sobre a arte da narrar histórias. Chapecó:
Argos, 2001.
SOMBRA, F. Disponível em: < http://www.violeiro.blogspot.com/> Acessado
em: 30/06/2009.
Tapetes Contadores de Histórias. Disponível em:
<http://www.tapetescontadores.com.br/> Acessado em: 01/07/2009.
TRAÇA, M. E. O Fio da Memória. Do Conto Popular ao Conto para
Crianças. Porto, Porto Editora, 1992. p. 138.
UMBELINO, J. D. A narração de histórias no espaço escolar: a experiência
do Pró-leitura. 121 f. 2005. Dissertação (Mestrado em educação). Universidade
Federal de Santa Catarina, 2005.
WARNER, M. Da fera a loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,
1989.
ZUMTHOR, P. Performance, Recepção, Leitura. São Paulo: EDUC, 2000.
60
ANEXO 1
ENTREVISTA
Esta entrevista foi cedida via e-mail por Warley Goulart, contador de
histórias, ator e músico, formado em artes cênicas pela UNIRIO e Pós em
Literatura Infanto-Juvenil pela UFF, Warley é um dos coordenadores do grupo
Os Tapetes Contadores de Histórias, onde atua também como artesão das
obras do projeto.
* Como aconteceu a narração de histórias com tapetes na vida de vocês?
Aconteceu em 1998 quando parte de nós (hoje somos sete integrantes) teve contato com o artesão e contador de histórias francês Tarak Hammam, na Escola de Teatro da UNIRIO, onde estudávamos artes cênicas. Ele foi convidado pela universidade para ministrar oficinas de treinamento para atores. Carlos Eduardo Cinelli (que hoje divide a coordenação do grupo comigo) e outros integrantes participaram de tal oficina e resolveram fundar um grupo de teatro que, a princípio, não estabelecia relação direta com as narrativas orais. Neste mesmo período, Tarak Hammam nos apresentou os tapetes artesanais do Raconte-Tapis – projeto que desenvolve no interior na França, ao lado de sua mãe, a educadora Clotilde Hammam, que há 20 anos teve a idéia de costurar um tapete que servisse de cenário para narrar um conto infanto-juvenil.
O grupo se encantou com os tapetes e as histórias e, a partir daí, produziu e participou de oficinas de formação com o artista francês. Logo no início, adquirimos um acervo de 16 tapetes artesanais que representavam contos populares e autorais de origens diversas (Ásia, África e Europa) com os quais passamos a estudar, ensaiar e nos apresentar nas escolas e centros culturais do Rio de Janeiro, apropriando-se pouco a pouco de tais recursos e enveredando nos conteúdos referentes às narrativas orais, estrutura dos contos, literatura infanto-juvenil, etc. Tivemos a orientação de Tarak Hammam por 3 anos, narrando exclusivamente o repertório correspondente ao acervo adquirido.
Mas com o passar do tempo, crescia em nós uma vontade de narrar contos brasileiros e experimentar o processo de planejamento e costura de nossos próprios materiais. Pois foi em 2001, seguindo dicas de minha mãe, que costurei o primeiro tapete aqui no Brasil, para narrar um conto popular brasileiro que eu havia escutado em Minas Gerais. No ano seguinte, a convite da coordenação da Campanha Paixão de Ler 2002, eu e Carlos Eduardo
61
Cinelli criamos cinco tapetes (ainda baseados no modelo francês) para a sessão “Retalhos de Drummond”, com contos e poema de Carlos Drummond de Andrade. Desejávamos neste momento investigar um território autoral, nos apropriando da beleza e força poética das palavras de Drummond.
Nestes cinco anos de vida do grupo, em viagens por cidades do Brasil, conhecemos uma profusão de objetos plásticos utilizados por toda gente para contar histórias. Vimos aventais, malas, colchas, dedoches, fantoches, cabaças, flanelógrafos, livros de pano, tapetes, painéis, etc. Isso nos estimulou a dar o próximo passo em nossa pesquisa: criar outros suportes, não somente tapetes, que servissem de apoio à transmissão oral. Como fruto em 2004, estreamos a sessão “Cabe na Mala?” para a qual construímos malas, avental, caixas de pano e madeira, com lâmpadas internas e etc, para revelar histórias de Ana Maria Machado e Jutta Bauer. Foi uma delícia todo processo de planejamento, criação e descoberta dos novos materiais. Queríamos abusar do conceito de suporte plástico, transportando a experiência que tínhamos com os tapetes. Com isso, abrimos enormes asas à criatividade. Montamos em seguida o espetáculo “O rei que ficou cego” – para o qual costurei um tapete de 12 metros, composto por montanhas e vales. Pela primeira vez, três contadores narravam juntos o mesmo conto, caminhando e ‘brincando’ sobre o tapete gigante. Paralelamente, em 2006, a integrante do grupo peruana Rosana Reátegui foi morar em Lima, onde inaugurou Manos que Cuentan, projeto de criação de livros de pano a partir de contos tradicionais andinos e com base na arpillería – técnica tradicional andina de costura à mão de painéis de tecido.
Há um ano estreamos as sessões infanto-juvenis “Bicho do Mato” e “Palavras andantes”, e a sessão adulta “O mundo de fora pertence ao mundo de dentro”. Em “Bicho do Mato”, foi a primeira vez em que cada integrante costurou seu próprio tapete-maquete (chamado assim por ser mais tridimensional que o tapete francês) como se fossem objetos de jardim (jardineira, moita, vaso de planta, pedra). Cada peça do jardim se abre e se transforma num belo cenário de pano para ilustrar contos populares brasileiros onde bichos do mato aprontam uma série de confusões. Para “Palavras andantes”, Carlos Eduardo Cinelli trabalhou diretamente com as artesãs peruanas na criação de belíssimos painéis. “O mundo de fora pertence ao mundo de dentro” é o primeiro espetáculo do grupo voltado exclusivamente para adultos, e apresenta uma série de objetos inusitados como um tear (para “A moça tecelã” de Marina Colasanti), caixas e vestidos (para “A moça de Bambuluá”, conto popular brasileiro na versão de Ricardo Azevedo), saia e painel preto e branco (para “A terra é redonda” do suíço Peter Bischel).
A experiência enfim com o tapete e outros objetos nos tem permitido ano após ano trilhar e avançar mais profundamente nesta pesquisa que compreende a intersecção entre oralidade, artesanato, literatura e artes plásticas, os diálogos entre texto e têxtil, bem como nos aproximar das manifestações plásticas que os povos criam para suas narrativas.
62
* Contem pra gente uma experiência muito (mas muito) marcante na trajetória do grupo.
Temos vivido dois tipos de experiência bem marcantes: as apresentações no exterior e as exposições interativas de nosso acervo que desde 2003 realizamos nas Caixas Culturais do Brasil.
No exterior, participamos de eventos e festivais em países como México, Argentina, Peru, Chile e Espanha, narrando nosso repertório em espanhol, dialogando com distintas realidades e conhecendo outras maneiras de lidar com a palavra oral. Em nossa última visita ao Peru, visitamos a escola pública “República Federativa do Brasil” onde os alunos, antes de entrarem em sala de aula, cantam os hinos dos dois países. Algumas delas têm noção maior da língua portuguesa e todas de grande interesse pela cultura de nosso país, para além das informações obtidas através da propaganda turística. Este confronto de culturas nos permite sempre a comparação de contos, de estruturas dos contos, escutar narrativas pessoais e da cultura local. Já trabalhei com um grupo de adolescentes em Urubamba, povoado do chamado vale sagrado, em que desenvolvemos a narração oral com utilização de objetos trazidos de casa ou da plantação. Foi encantador. Contamos histórias em português nos Centros de Estudios Brasileños (Lima e Buenos Aires) para alunos que estavam justamente aprendendo nossa língua, e vieram tirar muitas dúvidas. Fizemos intervenções em ônibus em cidades do México, conhecemos projetos de leitura desenvolvidos na periferia de Buenos Aires, participamos de saraus para adultos em Córdoba (Argentina), ministramos oficinas para alunos de pedagogia nas Ilhas Canárias, etc. Tudo isso tem sido muito marcante, porque a experiência em narrar em outra língua nos faz entender e apropriar ainda mais o nosso português.
Outra experiência magnífica tem sido a realização de nossa exposição interativa pelas Caixas Culturais do país. Geralmente ficamos por 30 a 40 dias numa cidade, trabalhando de terça a domingo, contando histórias para turmas de escolas durante a semana (quatro sessões por dia) e apresentando nossos espetáculos para o público espontâneo nos finais de semana. Esta experiência nos tem proporcionado muitos ganhos: a experiência constante e intensa de narrar (para crianças de idades diferentes, para grupos especiais, etc.), o contato diário com educadores e, narradores locais, o contato com as crianças e suas maneiras de ler e narrar, amigos e amigos. Em Brasília, por exemplo, muitas crianças de escolas localizadas nas cidades satélites chegavam cobertas de poeiras e de amor. Em São Paulo, contamos histórias para moradores de ruas, mendigos, travestis, prostitutas que queriam criar objetos para narrar suas histórias pessoais. Em Salvador, firmamos grande amizade com ONGs que investem no desmantelamento do racismo, na estima e reconhecimento da cultura afrodescendente, e que nos fornecem contos e informações sobre a cultura africana e brasileira. No Rio de Janeiro, com apoio da Secretaria de Educação, a possibilidade de inserir as escolas de localidades fora eixo Zona Sul e Norte nos programas de visita a museus. Além disso, em cada localidade desde 2003, ministramos oficinas de formação sobre
63
a arte de contar histórias e seus desdobramentos. Mais que formar contadores de histórias, fizemos grandes amigos. Porque a oralidade serve sobretudo para isso, para fazer e manter amigos e amigos.
* Como se dá a pesquisa de repertório? O grupo elege, em consenso, as histórias que integrarão o repertório ou são o(s) coordenador(es) que colocam os contos na roda?
As histórias vieram e vêm por várias vias: pela leitura individual, pela indicação externa, pela pesquisa em grupo, pela descoberta ocasional nas bibliotecas das escolas, pela escuta dos narradores locais, pelo contato com outros profissionais, cinema, literatura, etc. Contudo, a definição de uma nova sessão (tanto o trabalho sobre a palavra como o processo de criação dos materiais plásticos) fica por conta da coordenação e do diálogo com o restante do grupo. Esta escolha leva em conta os interesses artísticos das pessoas (o que querem contar, como querem contar, que tipo de histórias e, que temas tem sido relevantes para cada um, etc.) e as demandas externas (novos autores e livros, o que as escolas e centros culturais têm solicitados, propostas e projetos com ONGs ou empresas).
* Qual a periodicidade dos encontros do grupo?
Parte do grupo viaja muito. Então há momentos que todos estão no Rio, e propomos encontros e treinamentos em nossa sede, duas vezes por semana. A coordenação e a frente de produção se encontram quase que diariamente, de terça a sexta. Quando em viagem, nossos encontros são esporádicos, dependendo que tipo de projeto, quantos contadores, etc.
* Vocês também contam histórias autorais, não é? Vocês preservam a autoria do conto na íntegra ou adaptam com suas próprias palavras?
Nós acreditamos que a palavra oral não está subordinada à palavra escrita, ou seja, é pouco para nós acreditar que o contador de histórias é apenas uma ponte para a literatura escrita, ou que o objetivo principal do seu trabalho seja o estímulo à leitura. Não, para nós, há um diálogo fértil entre uma coisa e outra, mas não uma subordinação. Como assim o é entre cinema e literatura. Mudam-se os meios, então mudam as técnicas, processos e as formas de interação. Acreditamos que o contador de histórias, como todo artista, deve ser livre. Ou seja, pode decorar o texto e utilizá-lo na íntegra, pode fazer adaptação com suas próprias palavras, pode mesclar textos de diversas origens, enfim um artista criador sobretudo. Contudo, existem clara questões éticas. Se um contador adaptou um texto de Cecília Meireles e narra com suas próprias palavras, não é nada ético divulgar que ele narra as palavras de Cecília Meireles, mas sim que seu trabalho foi inspirado a partir da obra da poetisa (como faz o cinema). É para nós mais uma questão ética do que subordinação ou privação artística. Já vi adaptações maravilhosas, que não dariam evidentemente conta de Dom Casmurro inteiro, para que o público se aproximasse de Machado de Assis. Pois o contato enfim com a obra do autor
64
se faz de maneira inteira e concreta somente com o próprio livro, lendo-o. O contador de histórias faz seu trabalho inspirado no autor, mas não se constitui apenas meio sonoro para a literatura. Antes disso é gente, é artista, tem sua visão sobre a obra, seu comentário, seu corpo, sua voz, sua própria memória, e é isso que vai mostrar à audiência. Para mim há um rico diálogo entre palavra oral e escrita, mas independência dos meios, garantindo o valor e a potência de cada manifestação. Se o contador sente que é melhor adaptar, que tenha liberdade para isso. Já assisti a grupos que mantiveram o texto original e não havia vida, tudo formal, uma relação estereotipada com o som e o ritmo. As regras da cultura escrita prevaleciam sobre os recursos vivos do narrador (seu corpo, voz e memória), ou seja, a cadência da narrativa seguia mais as vírgulas e pontos que a respiração do próprio narrador. Temos que ter cuidado com os termos “preservar o original” até porque o original foi concebido para ser lido e não para se narrado. Já mudamos o meio de interação com a obra. Narrar oralmente (mesmo seguindo as palavras do autor) já prescinde adaptação, porque estamos imersos agora nos princípios que se referem à prática da oralidade e não à prática da leitura.
Trabalhamos, por exemplo, com os textos originais de Carlos Drummond de Andrade e Ana Maria Machado. Isso porque escolhemos decorar e trabalhar com a potência da palavra deles. Mas há claro pequenas adaptações, há cortes, há interferências do próprio narrador. Tudo a serviço de seu trabalho com a palavra oral. Este é um dos tipos de processo: decorar e atribuir vida sonora à narrativa. Mas há outro processo também, principalmente com os contos populares: que é conhecer a estrutura do conto, e de tanto contar e contar, e contar e contar, criar uma narrativa própria, particular, revisitada.
* Investigar juntos os símbolos e especificidades de um conto de fada faz parte da prática regular do grupo para a formação de repertório?
Sim, assim como traçar paralelos com situações sociais contemporâneas, vivências pessoais, comparação de contos, discussões temáticas, etc. É preciso ter muito delicadeza nestas horas, para que o conto não fique carregado de “interpretação”. Eles nasceram sem interpretação e sempre foram transmitidos assim. A análise psicológica ou social dos contos é de grande valia, muito interessante, mas não resume ou revela o conto. O conto é independente de sua análise. Até para que o ouvinte tenha uma outra e nova percepção que não só a do contador.
* Qual a palavra chave para o contador de histórias? Por quê?
Contato. CON-TATO. Contato entre as pessoas, num nível mais profundo, através das narrativas. Tato, tocar as pessoas, ser tocado por elas, comungar e resolver problemas, falar da vida, inventar um fazer que seja bom para nós, que nos dê sentido. As narrativas nos dão sentido de existir juntos, porque é contato.
65
* Três títulos fundamentais na formação de um contador de histórias.
Posso sugerir seis?
BENJAMIN, W. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ---. Magia e técnica, CASCUDO, C. Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1981. arte e política. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. HAVELOCK, E. A equação oralidade-cultura escrita: uma fórmula para a mente moderna. In: Cultura Escrita e Oralidade de David R. Olson e Nancy Torrane. 1982 MACHADO, A. M. Texturas: sobre leituras e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. MATOS, G. A. A palavra do contador de histórias. São Paulo: Martins Fontes, 2005. PAULINO, G. Diversidade de narrativas. In: Paiva, Aparecida. No fim do século a diversidade – o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. ------. Tipos de textos, modos de leitura. In: Pensando a leitura. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
66
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
HISTÓRIAS – PORQUE CONTAR? 10
1.1 – O Conto – breve histórico 12
1.2 – O Enredo como coluna vertebel do conto 14
1.3 – A Prática de contar: produção oral 17
CAPÍTULO II
A Narração de histórias no desenvolvimento infantil 18
2.1 – O Papel da literatura infantil na fase da escrita 20
2.2 – Aprender a narrar na interação com o outro 23
2.3 – Quando o professor conta histórias 27
2.3.1 – Para contar histórias sempre são necessários
alguns cuidados 30
2.3.2 – Considerações metodológicas 31
2.4 – A História contada através da mídia 32
CAPÍTULO III
Os Contadores de histórias e suas criatividades 36
67
3.1 – O Contador de histórias 39
3.2 – O Contador de histórias no Brasil 41
3.3 – Apresentando grupos e um contador de histórias 44
CONCLUSÃO 53
BIBLIOGRAFIA 55
ANEXO 1 60
ÍNDICE 66
68
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes
Pós-graduação Lato Sensu
Instituto a Vez do Mestre
Título da Monografia: A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS E SEUS DESDOBRAMENTOS
Autor: Luzinete Nunes de Oliveira Alvarenga
Data da entrega: 24/07/2009
Avaliado por: Conceito: