UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO … · Visão 2.3. Olfato 2.4. Paladar 2.5. Tato...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
OS SENTIDOS: FERRAMENTAS SENSORIAIS
NA ARTETERAPIA
Por: Francisco Carlos de Paula
Orientador
Prof. Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
OS SENTIDOS: FERRAMENTAS SENSORIAIS
NA ARTETERAPIA
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Arteterapia em Educação e Saúde
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que incentivaram
esta minha trajetória: professores e
colegas de curso que contribuíram para
a alquimia perfeita da turma e aos
meus alunos do ensino fundamental,
especialmente a Igor, um dos meus
instrutores neste aprendizado que é a
vida.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meus pais Manoel
(in memorian) e Raimunda, meus
referenciais na vida; a Regina,
companheira de todas as horas; a meu
filho Miguel, presente de Deus e
companheiro constante nas minhas
aventuras, a meus irmãos Lizinha, Beto e
Déia, a meus sobrinhos Raul, Raphael,
Marianna, Angelique e Kelvin.
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RESUMO
Esta pesquisa busca demonstrar a importância dos canais sensoriais e dos
sentidos como ferramentas no processo arteterapêutico, bem como na
inclusão da criança portadora de necessidade especial motora numa escola
regular. Apresenta, em caráter ilustrativo, o caso de um aluno da rede
municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro, que desde muito cedo
aprendeu a desafiar seus limites, sem perder a alegria e a confiança de viver a
vida. Esta experiência foi comprovada por mim durante o ano de 2009, nas
aulas de Educação Artística, numa turma de 6º ano do Ensino Fundamental.
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METODOLOGIA
A metodologia utilizada para construir esta monografia se constituiu na
pesquisa bibliográfica utilizando informações e estudo de autores como Arthur
C. Guyton, Janie Rhyne, Violet Oaklander, Rubem Alves, Selma Ciornai,
Rudolf Steiner, entre outros, cada um contribuindo para uma visão mais ampla
a cerca dos sentidos, seja no aspecto fisiológico, filosófico, terapêutico. As
informações obtidas a partir das experiências vivenciadas por mim em sala de
aula também foram utilizadas, corroborando para a autenticidade e
legitimidade do processo na descoberta das potencialidades sensoriais na
arteterapia e na expressão artística das crianças e em especial, do aluno que
motivou este trabalho.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - O Sistema Nervoso 09
1.1. O Sistema Nervoso Sensorial
1.2. Sensação e Percepção CAPÍTULO II - Os sentidos: ferramentas sensoriais 16
2.1. Audição
2.2. Visão
2.3. Olfato
2.4. Paladar
2.5. Tato
CAPÍTULO III – A Arteterapia e a integração sensorial 25
3.1. Experiências sensoriais
3.1.1. Auditiva
3.1.2. Visual
3.1.3. Olfativa
3.1.4. Gustativa
3.1.5. Tátil
3.2. Um caso muito especial
CONCLUSÃO 35
BIBLIOGRAFIA 36
ÍNDICE 37
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INTRODUÇÃO
A escola deve ser um espaço inclusivo no qual a criança com
necessidades especiais deve ser cada vez mais observada, estimulada e
acima de tudo, acolhida. Muitas vezes estas necessidades são vistas como
obstáculos à inclusão desta criança no espaço escolar (predominantemente
formado por outras tidas como normais). Entretanto não se percebe um
trabalho específico no sentido de identificar as potencialidades sensoriais do
indivíduo que apresenta estas necessidades e nem a capacitação de
profissionais que promovam sua integração neste ambiente, desenvolvendo
suas aptidões e suas formas de expressão.
As crianças com dificuldades motoras, por exemplo, podem expressar
suas emoções tendo na arteterapia um canal de interação com o mundo que
as cercam, aumentando sua auto-estima, despertando sua autonomia a partir
do momento em que seus sentidos são reconhecidos como ferramentas
preciosas capazes de impulsioná-las a superação de suas deficiências. Ao
apropriarem-se dessas ferramentas tornam-se menos vulneráveis num mundo
que ainda não está totalmente adaptado às suas necessidades.
O capítulo I, “O Sistema Nervoso”, apresentará especificamente a
parte sensorial, além dos mecanismos nela existentes e que permitem ao
indivíduo sentir e perceber o movimento da vida dentro e fora de seu corpo.
No capítulo II, “Os sentidos: ferramentas sensoriais”, será feita a
abordagem dos sentidos como ferramentas fundamentais no desenvolvimento
do indivíduo e da necessidade da apropriação desses sentidos tornando-o
capaz de promover sua autonomia no mundo.
O capítulo III, “Arteterapia e a Integração Sensorial”, descreverá as
diversas experiências sensoriais compartilhadas numa turma de ensino
fundamental de uma escola regular e especialmente de um aluno com
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necessidades motoras especiais, cuja integração se deu num ambiente
transformado pela valorização do companheirismo, cooperação e respeito.
CAPÍTULO I
O SISTEMA NERVOSO
Neste capítulo farei uma breve descrição sobre o sistema nervoso, seu
funcionamento básico, suas particularidades relativas a processo de
informação. Abordarei em especial o aspecto sensorial, bem como a
diferenciação entre sensação e percepção de modo a facilitar o entendimento
do papel dos sentidos, objeto de estudo em capítulo posterior.
A relação do homem com o meio ocorre através do sistema nervoso,
responsável também pela internalização das experiências vivenciadas neste
processo, as quais são muito importantes na preservação da sua vida.
“Num espaço do organismo humano ainda mais interno
do que o sentido do tato, encontra-se o que podemos
denominar sentido da vida. Trata-se de um sentido, no interior
do organismo, a cujo respeito o homem não está habituado a
pensar, porque esse sentido atua, por assim dizer, de maneira
abafada. Quando há algum distúrbio dentro do organismo, logo
o percebemos. Mas geralmente nem notamos aquela ação
conjunta de todos os órgãos que se manifesta, no estado
cotidiano de vigília, como sentimento de vida, como disposição
vital; e não a notamos por considerá-la um direito adquirido.
Trata-se daquele sentimento que nos permeia com um certo
bem estar, um sentimento de vida. Quando esse sentimento de
vida fica um pouco desgastado, nós procuramos restabelecer-
nos para que ele se restaure novamente. Nós sentimos essa
restauração e esse desgaste do sentimento de vida, só que
geralmente estamos acostumados demais a ele para
podermos percebê-lo sempre.
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Porém esse sentido - o sentido da vida, por cujo
intermédio sentimos a vida em nós – existe nitidamente, da
mesma maneira como vemos com nossos um pouco do que
nos cerca. Nós percebemos a nós mesmos com o sentido da
vida, da mesma maneira como enxergamos com nossos olhos.
Não teríamos noção alguma do nosso processo vital se não
possuíssemos esse sentido interno da vida.” (STEINER, 2007,
p.9)
Segundo Guyton (1984, p.499), o papel primário do sistema nervoso é
controlar a maior parte das funções do corpo. Para isso, ele recebe
informações das áreas vizinhas e do próprio corpo. A partir de tal fato, o
sistema nervoso transmite, armazena, altera e utiliza essas informações de
diversas maneiras.
O sistema nervoso é único na imensa complexidade das ações de
controle que pode realizar. Literalmente, recebe milhares de bits de informação
dos diferentes órgãos sensoriais, integra todas elas para determinar uma
resposta a ser executada pelo organismo.
É através deste sistema complexo que o indivíduo se relaciona com as
singularidades dos mundos interno e externo, apreende conhecimentos
através de experiências múltiplas tornando-se único, especial.
A maior parte das atividades do sistema nervoso tem início com a
experiência sensorial derivada dos receptores sensoriais, sejam estes
receptores visuais, auditivos, táteis da superfície do corpo ou, ainda, outros
tipos de receptores.
Essa experiência sensorial pode provocar uma reação imediata ou
pode ser armazenada como memória no encéfalo por minutos, semanas ou
anos, capacitando-se a auxiliar na determinação das reações corporais numa
oportunidade futura. Esta parte do sistema nervoso relacionada à experiência
sensorial é conhecida como divisão sensorial do sistema nervoso.
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O papel mais importante do sistema nervoso é a coordenação das
atividades corporais. Isto é conseguido pelo controle da contração dos
músculos esqueléticos de todo o corpo, da contração da musculatura lisa dos
órgãos internos e da secreção das glândulas exócrinas e endócrinas em
muitas partes do corpo. Estas atividades recebem coletivamente a
denominação de funções motoras do sistema nervoso, e os músculos e
glândulas são chamados efetores porque realizam as funções determinadas
pelos impulsos nervosos. A porção do sistema nervoso diretamente envolvida
na transmissão de impulsos aos músculos e glândulas é conhecida como
divisão motora do sistema nervoso.
Pode-se afirmar que o sistema nervoso não teria eficácia no controle
das funções corporais se cada porção de informação sensorial originasse
alguma reação motora. Daí, tem-se que uma das principais funções do sistema
nervoso é processar a informação sensorial de tal maneira que se produzam
respostas motoras apropriadas. Mais de 99% de toda a informação sensorial
são continuamente eliminados pelo encéfalo como de pouca importância. Por
exemplo, normalmente, o indivíduo não se dá conta das partes do corpo que
estão em contato com a roupa e da pressão do assento quando está sentado.
Por outro lado este mesmo indivíduo quando tem a atenção atraída para um
determinado objeto no seu campo de visão, até mesmo o constante barulho do
meio ambiente costuma ser deixado em segundo plano.
Após a seleção, a informação sensorial importante deve ser canalizada
para as regiões motoras adequadas do encéfalo, a fim de produzir as
respostas desejadas. Assim se uma pessoa põe a mão sobre um fogão
quente, a resposta prevista é retirar a mão, além de outras respostas
associadas, como o movimento de todo o corpo, afastando-se do fogão e,
talvez até gritar de dor. Contudo, é importante frisar que mesmo essas
respostas representam a atividade de uma pequena fração do sistema motor
total do corpo.
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Apenas uma pequena fração da informação sensorial importante
produz resposta motora imediata. O resto é armazenado para futuro controle
das atividades motoras e utilização nos processos intelectuais. Este processo
de armazenamento da informação é chamado de memória. O impulso
sensorial experimentado por várias vezes dá ao indivíduo a percepção de
experimentar uma sensação original, embora se trate apenas da memória dela.
1.1 – O sistema nervoso sensorial
É a parte do sistema nervoso responsável pela análise dos estímulos
oriundos dos meios ambientes externo e interno do organismo.
As informações sensoriais são usadas para atender quatro grandes
funções: percepção e interpretação, controle do movimento, regulação de
funções de órgãos internos e a manutenção de consciência.
O sistema nervoso sensorial analisa o ambiente detectando
determinados aspectos por meio de órgãos sensoriais específicos cujas
informações são então processadas por vias neurais rotuladas. Assim
experimentamos sensações distintas (visão, audição, gustação, etc.) e suas
submodalidades (intensidade, duração e localização, etc.). Outro aspecto do
sistema nervoso sensorial é promover experiências sensoriais conscientes e
inconscientes.
As vias sensoriais de cada modalidade evocam sensações específicas.
Dentro de cada modalidade sensorial é possível distinguir diversas qualidades.
Por exemplo, dentro do sentido da visão, as suas qualidades são
luminosidade, visão colorida, dentro da gustação, as sensações qualitativas
são doce, salgado, amargo e ácido. Desse modo o sistema sensorial avalia
vários aspectos de uma mesma modalidade. A entrada no sistema nervoso
central é dada pelos receptores sensoriais que detectam estímulos sensitivos
como o tato, som, luz, dor, frio, calor, e assim por diante.
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Basicamente existem cinco tipos de receptores sensitivos:
• Mecanorreceptores – detectam deformação mecânica dos
receptores ou de células adjacentes a eles;
• Termorreceptores – detectam alterações na temperatura, alguns
deles detectam o frio e outros o calor;
• Nociceptores – detectam lesões nos tecidos tanto físicas quanto
químicas.
• Receptores eletromagnéticos – detectam a luz na retina;
• Quimiorreceptores –detectam gosto e olfato, nível de oxigênio no
sangue arterial, osmolalidade dos líquidos corporais, concentração
de dióxido de carbono e outros fatores que compõem a química
corporal.
Os receptores sensoriais possuem sensibilidade diferencial. Isto
significa que cada tipo de receptor é altamente sensível a um determinado
estímulo para o qual ele é adequado e, entretanto, é quase insensível às
intensidades normais de outros tipos de estímulos sensoriais.
Assim, os cones e bastonetes são altamente sensíveis à luz, mas são
quase completamente insensíveis ao calor, frio, pressão nos olhos, ou
alterações químicas no sangue.
Nishida (2007) afirma que “o sistema sensorial é capaz de detectar a
origem dos estímulos sensoriais (localização) e informar sobre a posição do
corpo no espaço fornecendo informações sobre o mapa corporal”.
Uma de suas definições é que “a estimulação sensorial é o processo
em que uma modalidade de energia do ambiente interage com um receptor
sensorial apropriado”.
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1.2 – Sensação e percepção
A integração do próprio corpo e da percepção do mundo se dá a partir
da reunião de impressões projetadas pelo indivíduo. Entretanto é importante e
necessário que se faça distinção entre sensação e percepção, uma vez que
ambas levam o indivíduo a conceber um mundo real e um mundo percebido.
Ciornai (2004) refere-se a dois aspectos que refletem os diferentes
estágios de desenvolvimento humano e de construção cognitiva, o que reforça
a existência de particularidades distintas entre sensação e percepção.
“O nível sensório-motor trabalha a liberação de energia
por meio da ação e do movimento, estimulando ou
simplesmente permitindo que esta se descarregue. O nível
sensório refere-se às sensações experienciadas pela atividade
interna do organismo; e o nível motor, ao movimento expresso
pela ação do sujeito. O nível perceptual-afetivo trabalha com
as percepções e as emoções geradas no indivíduo, a partir da
interação com os materiais artísticos. Tais percepções são
resultantes das ações e sensações do nível sensório motor e
expressam-se pela internalização das ações e das formas,
assim como pela emergência das imagens mentais associadas
a ela, registradas, por exemplo, em desenhos.” (CIORNAI,
2004, p. 120)
O sentir exige apenas detectores ou sensores; o perceber exige, além
desses sensores, órgãos capazes de interpretar aquilo que é sentido ou
captado.
Todas as coisas reagem a estímulos externos, mas algumas reagem
mais seletivamente que outras. Quando uma coisa reage somente a alguns
poucos estímulos, diz-se que elas os detecta. A detecção consiste algumas
vezes em filtrar todos os inputs com exceção de alguns, outras vezes, em
combinar-se com entidades de apenas alguns tipos.
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Essa detecção é freqüentemente um processo químico disparado por
um estímulo em um quimiorreceptor ligado a algum sistema sensorial, tal como
o sistema visual, ou gustativo, ou olfativo. Esses quimiorreceptores admitem
estímulos de determinados tipos e ignoram todos os demais: são seletivos.
Não basta a um animal possuir receptores: ele deve ser capaz de fazer
algo a respeito dos eventos que detecta – por exemplo, fugir deles, neutralizá-
los ou, ao contrário, procurar mais iguais a eles.
“A sensação corresponde à capacidade de os animais codificarem
certos aspectos da energia física e química do meio ambiente em impulsos
nervosos (NISHIDA, 2007) .“
Percepção é a capacidade de veicular os sentidos a outros aspectos
da existência como comportamento e o pensamento. Por exemplo, o sentido
da audição permite-nos detectar sons, mas é graças à capacidade de perceber
os sons que podemos apreciar uma música ou compreender a linguagem.
A percepção é processada em um nível de complexidade neural muito
maior do que a simples sensação; na espécie humana atingiu o nível mais alto
e é o que torna o ser humano peculiar em relação a outras espécies. No
entanto a qualidade perceptiva depende do nível de atenção do indivíduo.
É no cérebro que a percepção consciente das informações ocorre
assim como a sua interpretação. As diferentes modalidades sensoriais enviam
as respectivas informações sensoriais para áreas específicas do córtex
sensorial e ocorre a constituição completa do meio ambiente. Quando
enxergamos um sorvete de morango o reconhecemos e associamos a ele, o
sabor, cheiro, temperatura, consistência física, etc.
A capacidade de focar a atenção é extremamente importante se
levarmos em consideração o contexto em que uma presa deve escolher em
fração de segundos entre manter a atenção em seu alimento ou no predador
que se aproxima. Este capacidade tornou-se indispensável à espécie humana.
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CAPÍTULO II
OS SENTIDOS
“O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da
destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E
na mão esquerda, mão do coração, ele leva uma caixa de
brinquedos. Ferramentas são melhorias do corpo. Os animais
não precisam de ferramentas porque seus corpos já são
ferramentas. Eles lhes dão tudo aquilo de que necessitam para
sobreviver.” (ALVES, 2005, p.9)
Interessante refletir sobre os sentidos como sendo estas ferramentas
que dão ao homem a capacidade de criar, transformar, produzir. Porém, é
preciso que o homem se conscientize da necessidade de não limitá-los à
mecanicidade de sua natureza, mas extraindo deles o prazer como forma de
brincar com o mundo, tornando a vida mais fácil de ser vivida.
Como ferramentas, os sentidos nos dão certeza de nossa existência no
mundo, afinal podemos ver, ouvir, tocar, provar, cheirar.
Como brinquedos, estes mesmos sentidos nos brindam com a
possibilidade do êxtase na integração homem-mundo. Tornam-se varinhas
mágicas no mundo da percepção, capazes de despertar diferentes emoções.
Neste capítulo tratarei do funcionamento dos sentidos humanos e da
maneira particular como cada uma dessas ferramentas auxilia o homem.
“Os sentidos! Que prazeres extraordinários eles nos dão!
É verdade que em situação bruta, antes de sua educação, os
sentidos somente atendem às necessidades elementares de
sobrevivência. Um homem faminto não é capaz de fazer
distinções sutis entre gostos refinados: angu ou lagosta, tudo é
a mesma coisa. Seu corpo vive sob o imperativo bruto de
comer.” (ALVES, 2005, p.44)
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2.1. A audição
“É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a
palavra, se meus ruídos interiores forem silenciados. Só
posso a verdade do outro, se eu parar de tagarelar. Quem
fala muito não ouve.” (ALVES, 2005, p. 26)
Os ouvidos captam todos os sons ao redor e traduzem essa
informação para o cérebro, num processo completamente mecânico.
Um objeto produz som quando vibra na matéria. Pode ser algo sólido
como terra; líquido, como água; ou gasoso, como ar.
Quando algo vibra na atmosfera, move as partículas de ar. Estas, por
sua vez, movem outras ao redor delas, carregando a vibração pelo ar. Quando
um sino é tocado, ao balançar de um lado, ele empurra as partículas de ar ao
seu redor. Estas partículas colidem com outras que estão em sua frente e
assim sucessivamente, ocorre o processo de compressão.
Ao balançar para o outro lado, o sino puxa as partículas de ar. Isso cria
uma queda na pressão, puxando mais partículas ao redor, criando outra queda
na pressão num processo contínuo. Essa queda de pressão é chamada
rarefação.
Dessa maneira, o objeto vibrante envia onda uma de flutuação de
pressão através da atmosfera, produzindo variações na freqüência sonora,
originando sons diferentes.
A orelha serve para captar as ondas sonoras. Seu ouvido externo
virado para frente e cheio de curvas ajudam a determinar a direção do som,
Um som que vem de cima ou de trás vai ricochetear na orelha de uma maneira
diferente que um som vindo de baixo ou de frente. Essa reflexão do som altera
o padrão da onda sonora. O cérebro reconhece padrões distintos e determina
se o som está na frente, atrás, acima ou abaixo.
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Assim que as ondas sonoras entram no canal auditivo, elas vibram o
tímpano, produzindo vibrações físicas que são captadas e traduzidas pela
cóclea em informações elétricas que o cérebro pode entender como um som
distinto.
2.2. A visão
“A diferença se encontra no lugar onde os olhos são
guardados. Se os olhos estão na ‘caixa de ferramentas’, eles
são apenas ferramentas que usamos por sua função prática.
Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e
ajustamos a nossa ação. O ver subordina ao fazer. Isso é
necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas,
quando os olhos estão na ‘caixa de brinquedos’, eles se
transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem
olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.”
(ALVES, 2005, p. 24)
Quando a luz entra no olho, passa primeiro pela córnea, depois pelo
humor aquoso, cristalino e humor vítreo. E por último, ela alcança a retina, que
é a estrutura do olho que percebe a luz. A retina contém dois tipos de células,
os bastonetes e cones. Os bastonetes cuidam da visão em condições com
pouca luz, e os cones são os responsáveis pela visão de cores e detalhes.
Quando a luz entra em contato com esses dois tipos de células, ocorre uma
série de reações químicas complexas.
O composto químico formado – rodopsina ativada – cria impulsos
elétricos no nervo ótico da seguinte maneira:
• A membrana celular (camada exterior) de um bastonete possui
uma carga elétrica. Quando a luz ativa a rodopsina, causa uma
redução no GMP cíclico, que aumenta a carga elétrica. Isso produz
uma corrente elétrica ao longo da célula. Quanto mais luz for
detectada, mais rodopsina será ativada e mais corrente elétrica
será produzida.
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• Esse impulso elétrico posteriormente atinge um gânglio nervoso e,
depois, o nervo ótico. • Os nervos atingem o quiasma ótico, onde as fibras nervosas da
metade interior de cada retina cruzam para o outro lado do
cérebro, mas as fibras nervosas da metade externa da retina ficam
no mesmo lado do cérebro. • Estas fibras acabam atingindo a parte posterior do cérebro (lobo
occipital). É aqui que a visão é interpretada e chamada de córtex
visual primário. Algumas das fibras visuais ligam-se com outras
partes do cérebro para auxiliar no controle dos movimentos
oculares,resposta das pupilas e íris.
2.3. O olfato
“O pão continua ser o pão: alimento que tem a
função prática de matar a fome. Mas o seu cheiro bom
faz-me lembrar minha mãe, na cozinha... O pão tornou-se
portador de uma felicidade ausente...” (ALVES, 2005,
p.46)
Segundo GUYTON (1984. P.673) “olfato é o sentido menos
conhecido” dada sua condição de fenômeno subjetivo e da localização da
membrana olfativa na parte alta do nariz, além do fato de não poder ser
facilmente estudado em animais inferiores. No homem, em comparação com
alguns animais, pode-se perceber que o olfato é ainda muito rudimentar.
A membrana olfativa está localizada na parte superior das fossas
nasais. Medialmente ela se dobra sobre a superfície do septo e, lateralmente,
se dobra sobre a concha superior.
O olfato é um fenômeno cíclico que acontece junto com as inspirações,
indicando que os receptores olfativos respondem quase que instantaneamente
aos agentes voláteis.
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Admite-se a existência de sete classes primárias diferentes de
estimulantes olfativos, que excitam seletivamente células olfativas distintas.
São elas: canforado, almiscarado, floral, menta, etéreo, picante, pútrido.
Contudo, GUYTON (1984, p. 675) afirma que há indícios da existência de 50
ou mais sensações primárias do olfato, contrastando com apenas três
sensações primárias para a cor, percebidas pelos olhos e quatro sensações
primárias para o paladar, percebidas pela língua.
2.4. O paladar
“Com o sentido do paladar, o homem já quer ter um
contato maior com o mundo exterior. Nos vivenciamos
bastante interiormente as qualidades intrínsecas do
açúcar, do sal, ao degustá-los. O exterior já vai sendo
bastante interiorizado, mais do que com o sentido do
olfato.” (STEINER, 2007, p.12)
O paladar começa com a sensação na forma de impulsos elétricos. No
entanto, os sentidos - respostas a estímulos como pressão, luz ou composição
química – tornam-se percepções, como toque, visão ou paladar, somente
quando chegam ao cérebro.
Estímulos diferentes ativam receptores sensoriais. Os estímulos
químicos ativam os quimiorreceptores responsáveis pelas percepções
gustativas e olfativas. Como o paladar e o olfato são reações à formação
química das soluções, os dois sentidos estão estritamente relacionados. Ao
estarmos gripados durante um jantar, sabemos que não temos o paladar
quando não sentimos o cheiro.
Cerca de 50 células receptoras gustativas, células basais e de apoio
formam um botão gustativo. Os botões gustativos ficam na nas papilas em
forma de taça –as pequenas saliências que pontilham a língua. Algumas
papilas ajudam a criar atrito entre a língua e o alimento.
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Cada célula receptora gustativa possui uma protuberância fina e
comprida chamada pêlo gustativo. O pêlo gustativo chega ao ambiente externo
através de uma abertura chamada poro gustativo. As moléculas se misturam
com a saliva, entram no poro gustativo, estimulando o paladar.
Uma vez que um estímulo ativa o impulso gustativo, as células
receptoras formam sinapse com os neurônios e transmitem impulsos elétricos
à área gustativa do córtex cerebral. O cérebro interpreta as sensações como
paladar.
Acredita-se que existam quatro sensações gustativas primárias:
• Sabor ácido – é causado por ácidos, com a intensidade da
sensação gustativa aproximadamente proporcional à concentração
de íons hidrogênio (quanto mais forte o ácido, mais intensa a
sensação);
• Sabor salgado – depende de sais ionizados. Os cátions dos sais
são os principais responsáveis pelo sabor salgado, porém os
ânions também contribuem, pelo menos em parte;
• Sabor doce – não depende de nenhuma classe isolada de produto
químico. Quase todas as substâncias que causam o sabor doce
são orgânicas. Deve-se ressaltar que pequenas alterações na
estrutura química, como a adição de um simples radical, podem
muitas vezes mudar a substância doce para amarga.
• Sabor amargo – como o doce, não é causado por apenas um tipo
de agente químico; nesse caso, as substâncias que dão o sabor
amargo são quase todas orgânicas. Quando muito intenso, o
sabor amargo costuma fazer com que a pessoa ou animal rejeite o
alimento (função instintiva importante, pois muitas toxinas mortais
de plantas venenosas têm sabor muito amargo).
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2.5. O tato
A pele é a fronteira entre o corpo e o mundo que o rodeia. Em sua
superfície está um grande número de órgãos pequeninos chamados órgãos
sensoriais, os quais se comunicam com as extremidades dos nervos.
Esses órgãos sensoriais e as extremidades dos nervos alertam para as
coisas que são muito quentes ou muito frias, como também possibilitam
exercer o sentido do tato.
Embora o tato, a pressão e a vibração sejam freqüentemente
classificados como sensações distintas, todas são detectadas pelos mesmos
tipos de receptores. As únicas diferenças entre as três sensações são:
• A sensação do tato resulta, de maneira geral, da estimulação de
receptores táteis na pele ou nos tecidos imediatamente abaixo da
pele;
• A sensação de pressão geralmente resulta da deformação de
tecidos mais profundos;
• A sensação de vibração resulta de impulsos sensoriais
rapidamente repetitivos, porém são utilizados alguns dos mesmos
tipos de receptores que aqueles para o tato e a pressão –
especificamente os tipos de adaptação muito rápida.
Se alguém marcar um pequeno quadrado na pele do braço e depois
tocar em vários pontos dessa região com a ponta de uma agulha, observará
que em certos lugares a picada doerá mais que em outros. Estas áreas – onde
a dor se faz sentir mais vivamente – são poucas e diminutas.
A maior parte da superfície do quadrado revelará uma capacidade
sensorial bastante atenuada.
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Ao repetir-se a prova com um objeto capaz de provocar estímulos
térmicos – de frio ou calor -, a constatação será idêntica: os núcleos sensíveis
estão situados numa superfície de sensibilidade reduzida.
Por meio de experiências como essa foi possível fazer o levantamento
de um “mapa” da distribuição dos pontos que ficam no centro de pequenas
áreas sensíveis, de formato circular.
E assim concluiu-se que cada centímetro quadrado de pele humana
possui em média 2 receptores de calor, 13 de frio, 25 de tato e mais de 200
para a percepção da dor. Esses receptores recebem nomes especiais:
• Terminações nervosas livres – encontradas em parte na pele e em
muitos outros tecidos, podem detectar o tato e a pressão.
• Corpúsculos de Meissner – receptores do tato de sensibilidade
especial. Estão presentes nas partes sem pêlo da pele e são
abundantes nas polpas digitais, lábios e em outras regiões da pele
onde a capacidade do indivíduo de discernir as características
espaciais das sensações do tato é altamente desenvolvida.
Também se adaptam em menos de um segundo depois de
estimulados, o que significa que são particularmente sensíveis ao
movimento de objetos muito leves sobre a superfície da pele e à
vibração de baixa freqüência.
• Discos de Merkel – responsáveis pelo fornecimento de impulsos
estáveis que permitem ao indivíduo determinar o tato contínuo de
objetos contra a pele. Diferem dos corpúsculos de Meissner porque
transmitem um impulso inicialmente forte, de adaptação parcial e,
após isso, um impulso mais fraco contínuo que se adapta apenas
lentamente. Eles provavelmente desempenham um papel muito
importante na localização das sensações de tato em regiões
específicas da superfície do corpo.
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• Órgão piloso terminal – Receptor que se adapta prontamente e
detecta principalmente o movimento de objeto na superfície do
corpo ou o contato inicial com o corpo.
• Corpúsculo de Ruffini – situados em camadas mais profundas da
pele e em tecidos mais profundos. Adaptam-se muito pouco e são
importantes para assinalar impulsos contínuos e intensos de tato e
pressão. Também são encontrados nas cápsulas articulares,
assinalando o grau de rotação da articulação.
• Corpúsculos de Paccini – Só são estimulados pelo movimento
muito rápido dos tecidos, já que se adaptam em milésimos de
segundo. São de particular importância na detecção de vibração do
tecido ou de outras mudanças extremamente rápidas no estado
mecânico dos tecidos.
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CAPÍTULO III
A ARTETERAPIA E A INTEGRAÇÃO SENSORIAL
“Confie na sua percepção do que é certo para você.
Confie no seu corpo, mente e espírito – todo o seu eu – para
lhe dar consciência do que você é. Escute os outros, ouça o
que eles dizem, e então aceite como verdade somente aquilo
que lhe parecer válido. Você não é infalível, comete erros, mas
é a sua melhor autoridade.” (RHYNE, 2000, p.154)
Sempre me perguntei se minha inclinação para a arte poderia de
alguma forma ajudar alguém.
Surgiu então a arteterapia como possibilidade de reconhecer em mim o
que era preciso para dar sentido ao processo laborioso de reconstruir,
redescobrir um mundo novo – reaprender!
Recorro então às palavras de RHYNE (1994): “admitir que queria
ajudar outras pessoas significava reconhecer o quanto eu mesma precisava de
ajuda”. Era isso que faltava: o caminho!
“É nesta viagem ao encontro do território de Si mesmo
que a Arteterapia dá a sua grande contribuição. É muito
importante destacar que a Arteterapia não é a simples
utilização de técnicas expressivas no ambiente terapêutico; ela
é um processo do qual as imagens são o guia e em que as
técnicas são facilitadoras do surgimento dos símbolos
pessoais.” (CHRISTO e SILVA, 2008, p.13)
Nesse processo é extremamente importante que o indivíduo se
conscientize do fato de ele ser possuidor de ferramentas facilitadoras da sua
integração ao meio, ao mundo.
26
3.1. Experiência sensorial
A experiência em sala de aula como professor de artes tem mostrado a
existência de um distanciamento de muitas crianças em relação aos seus
próprios sentidos e, conseqüentemente, uma certa inconsciência a cerca de
suas potencialidades, capacidades e limitações. Boa parte apresenta
dificuldades em realizar atividades tais como identificar determinado aroma,
acompanhar o ritmo do bater palmas, concentrar-se num determinado som.
Não será isso um fator relevante para diversos casos de baixa auto-
estima, dificuldades no aprendizado e até mesmo nas relações sociais, na
escola e em casa?
Percebo que esse distanciamento não é exclusividade do aluno. Muitos
professores sentem esta dificuldade, embora não a reconheçam como algo a
ser trabalhado para melhorar sua práxis.
RHYNE (2000, p.154) ao sugerir diretrizes para aproveitamento
máximo da experiência gestáltica de arte diz que estas diretrizes são artigos de
fé no potencial humano de autodescoberta, autenticidade e autonomia criativa.
Recomenda que “Re-conheça suas percepções. Real-ize sua excitação; atual-
ize o seu potencial.” Isto é um bom exercício.
“Você pode: ser mais como quer ser, fazer mais o que
quer fazer, mover-se mais para onde quer se mover.
Quando puder: saber e aceitar como, o que e onde você
está agora.
Você pode: ter contato genuíno e comunicar-se com
outros além de você.
Quando puder: entrar em contato e se comunicar com as
complexidades dentro de si mesmo.
Você pode: viver mais completamente nas
complexidades do mundo ao seu redor.
Quando puder: dar toda atenção às simplicidades
diretamente percebidas por você.” (RHYNE, 2000, p.155/156)
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Partindo do princípio de que são as experiências que levam a uma
maior ou menor integração com o mundo interno e externo, é importante
proporcionar à criança experiências que renovem e fortaleçam sua consciência
de seus sentidos básicos nos quais floresce a visão, o paladar, tato, olfato,
audição.
“É através deles que experienciamos a nós mesmos e
estabelecemos contato com o mundo. Todavia, em algum
ponto do caminho muitos de nós perdemos a consciência plena
dos nossos sentidos; estes se tornam embotados e nebulosos
e parecem operar automaticamente, desligados de nós.”
(OAKLANDER, 1980, p.131)
A seguir relato algumas dessas experiências realizadas numa turma
de 6.° ano do ensino fundamental de uma escola regular da rede municipal de
educação da cidade do Rio de Janeiro, com alunos na faixa etária de 11 a 14
anos apresentando defasagem idade-série e grandes dificuldades de
relacionamento, indisciplina e baixíssimo rendimento escolar. Entre eles um
chamou minha atenção pelo fato de estar sempre alegre e motivado. Igor e
suas limitações se tornaram um grande estímulo para a integração da turma
durante o ano. Respeito, colaboração, cooperação foram conquistas do grupo
culminadas com a produção de um mural.
3.1.1. Experiências auditivas
O primeiro contato com a turma permitiu-me perceber um quadro de
completa desordem e confusão no qual todos falavam, gritavam e não ouviam
uns aos outros – nem a si mesmo. A única maneira de me fazer notar foi parar
no meio daquele caos e permanecer em completo silêncio. Este
posicionamento foi observado em dado momento por alguns e começou um
novo caos: diversos gritos de “Silêêêncio!”. Com o passar do tempo, meu
silêncio contagiou grande parte dos alunos e pude então me apresentar.
Convidei todos a fazer o mesmo, dizendo nome, idade e local onde moravam.
28
Sem que percebessem começamos a estabelecer uma conversa de
aproximação de mundos e perguntei se gostariam de ouvir uma história. Pude
então contar a história de um menino do bairro que havia estudado ali anos
atrás. Entrecortada por risos, olhares difusos, amplos e surpresos, minha
história chegou ao fim e fui bombardeado de perguntas, sugestões e críticas
também. Uma das perguntas me pegou de surpresa: - Esse menino era o
senhor? – Respondi afirmativamente e quebramos juntos a barreira inicial.
Constatei que ouvir é ação emotiva, amorosa e acolhedora. Diminui
distâncias, aproxima sem invadir. Durante bom tempo chegaram pedidos de
novas histórias.
Outro exercício de consciência auditiva que descobri foi no momento
da chamada, realizada quase sempre em meio a ruídos. Escolhi
aleatoriamente um aluno e dirigi-lhe o olhar, dizendo em seguida: “número 1!”.
Fiz o mesmo com outro e outro e mais outro, até que todos passaram a
responder na medida que seu número era falado. Outras vezes dizia o nome e
a resposta invariavelmente era acompanhada de um gestual. As expressões
começavam a sair da caixinha fechada que cada um trazia. Certa vez durante
a chamada , chamei o número 13 e por não ter ouvido claramente a resposta,
repeti o chamado e ouvi um sonoro e surpreendente “PRESENTE!”. Igor pela
primeira vez bradou seu grito de independência em sala. Todos vibraram,
inclusive eu... uma barreira vencida. Era o som da inteireza, pleno, vivo e
integrado. Sorrimos todos.
3.1.2. Experiências visuais
A capacidade de ver os outros expande os nossos horizontes. A
experiência visual estimula a observação, a atenção, A partir disso propus uma
brincadeira que consistia basicamente em identificar e, sem virar para trás,
desenhar o colega sentado atrás. O aluno escolhido deveria escrever o nome
do colega e anotar detalhes do tipo: roupa, penteado, acessórios que estava
usando naquele momento, etc. Entre erros e acertos o exercício mostrou
29
quanto observamos o outro e o que observamos dele. Este trabalho foi
colocado no mural da sala e durante um bom tempo os alunos descobriram
coisas novas sobre o colega e sobre si mesmos. Igor participou dessa
atividade e embora, não tenha desenhado, mostrou ter boa memória visual ao
descrever sua colega.
Outra experiência interessante na turma foi a complementação de
imagem. Pedi aos alunos que pesquisassem diversas fotos de revista e
recortassem cada figura pela metade. Em seguida misturei todo material
pesquisado. Cada aluno escolheu a metade de uma figura, colou-a no papel
A4 e complementou a imagem a partir da observação da figura existente.
3.1.3. Experiências olfativas
Observei que durante os intervalos alguns alunos gostavam de ficar
olhando o jardim da escola que andava meio maltratado. Perguntei se não
gostariam de fazer uma experiência: selecionar diversas plantas, flores e até
mesmo um pouco de grama e terra para descrever os diferentes cheiros
existentes nesse jardim. Colocamos o material separado em saquinhos
plásticos, tomando o cuidado de numerá-los.
Fixei no quadro uma tabela com as seguintes classificações: suave,
intenso, agradável, desagradável, forte, fraco. Pedi a turma que classificasse o
aroma do material de cada saquinho colocando o número na coluna
correspondente.
Ao final solicitei que relacionassem uma emoção para cada
característica e criassem a imagem desse sentimento. Creio que a experiência
levou as crianças a pensarem na emoção existente no jardim e a partir desse
fato a escola passou a contar com um pequeno grupo de voluntários para
cuidar daquele ambiente.
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3.1.4. Experiências gustativas
Certa vez propus a turma pesquisar sobre o sabor das coisas. Demos
a essa pesquisa o nome de Qualidades do Sabor. Conversamos sobre os
sabores e as suas diferenças e me responsabilizei por levar amostras.
Da proposta nasceu a sugestão de promover um lanche com frutas, o
que se transformou na possibilidade de integração da turma e da
conscientização da qualidade do alimento que ingerimos. Listamos algumas
frutas variadas e fizemos dessa aula um verdadeiro encontro. Levei os alunos
para o refeitório e conversamos sobre os sabores preferidos e aqueles menos
apreciados, a percepção da textura. Esse trabalho resultou na produção de
personagens construídos a partir do sabor da fruta e da sensação provocada
no aluno.
3.1.5. Experiências táteis
A massa plástica de modelagem foi um dos materiais utilizados pela
turma e através do qual a sensibilização pelo tato pode ser trabalhada.
Maleável e colorida, sua versatilidade estimula ainda a visão - pela vivacidade
das cores – e o olfato, se misturarmos uma gotinha de essência. Apresentei o
material, explicando que cada um poderia tirar um pedaço da cor que
quisessem e em seguida amassasse seguidamente com a palma das mãos.
Importante registrar que a maioria pegavam a massa e começavam a cheirar.
Seria o instinto primitivo de cheirar antes de comer – embora o material não
fosse comestível?
Perguntei a Igor qual a cor da massa com a qual ele trabalharia. Ele
respondeu: - Amarelo! Coloquei um pedaço em sua mão e pedi que ele o
pressionasse contra o tampo da mesa. A primeira reação foi um sorriso e em
seguida ele projetou o corpo para frente, apoiou o peso da mão sobre o
pedaço de massa amarela que assumiu um formato achatado. Os demais
fizeram o mesmo.
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Igor pediu então um pedaço de massa vermelha e amassou da mesma
forma que fez com o amarelo. Ajeitou as duas partes - amarela e vermelha, e
em movimentos repetitivos para frente e para trás produziu rolinhos de massa.
A partir disso as pontas de seus dedos foram usadas para apertar as
extremidades, fazer furos na massa. Notei que a ansiedade diminuiu.
Nesse momento pedi que todos fechassem os olhos e ouvissem um
conto cujos personagens eram um patinho e uma flor. Disse que a massa era a
extensão de seus pensamentos e que poderiam criar o que estavam sentindo.
Assim surgiram flores, sol, pessoas, patos e muitas outras coisas que foram
colocadas em exposição.
3.2. Um caso muito especial
Em cada uma destas experiências o maior desafio foi possibilitar a todos
a apropriação de suas habilidades, a conscientização de seus sentidos. Nesta
classe havia um aluno chamado Igor e foi ele quem me fez acordar para a
necessidade do esforço em compreender a linguagem dos sentidos como
ferramenta de integração. Daí a razão desse trabalho monográfico, cujo
embrião foram informações sobre este aluno registradas por mim em forma de
relatório.
Nome: Igor
Idade: 11 anos
Série-Ano: 5ª série (6º ano) do Ensino Fundamental da Rede Municipal
Foi um bebê que nasceu saudável, porém aos 7 meses de idade
sofreu uma infecção detectada a partir de febre intensa, perdendo o controle
dos movimentos próprios da idade e fazendo com que o corpo ficasse “mole”.
O aluno é uma criança vivaz, amável, bem humorada e muito
persistente. Possui comprometimento motor e da fala, sem perda cognitiva.
Apresenta melhora na sustentação da cabeça e no posicionamento do tronco.
Tem contrações involuntárias com espasmos mais visíveis nos momentos de
32
ansiedade e excitação. Imobilidade dos membros inferiores, sem perda da
sensibilidade.
A família é inteiramente envolvida no desenvolvimento integral do
aluno, fazendo-se presente em todas as etapas, participando efetiva e
afetivamente de todo este processo.
Atualmente faz acompanhamento médico no Hospital São Francisco de
Assis. Em breve passará por uma cirurgia corretiva do fêmur, por conta da má
postura.
Concluiu o primeiro segmento do Ensino Fundamental na Escola
Municipal Tia Ciata, fazendo parte de uma turma especial. Uma pedagoga
itinerante desta escola acompanha seu desenvolvimento desde então,
auxiliando com informações e sugestões, possibilitando que os professores do
segundo segmento dêem continuidade ao processo de aprendizagem do
aluno.
Não apresenta dificuldade de compreensão. Possui raciocínio rápido e
boa concentração. Sabe ler, contar, interpretar. Expressa suas emoções de
forma clara, sejam de alegria ou descontentamento. Revela ansiedade nos
momentos em que alguma atividade é compreendida e suas mãos não
obedecem ordenadamente ao comando do cérebro.
Por ser o primeiro aluno portador de necessidades especiais com quem
trabalhei, tudo me pareceu extremamente novo e desafiador. Não tive medo e
procurei compartilhar descobertas e aprendizado, não descartando a
possibilidade de erros.
Apostei nas diferentes capacidades que me foram reveladas e isso
mostrou que, além do aluno, toda a turma se transformou, principalmente no
que diz respeito ao comportamento e a maneira de lidar com as diferenças.
Surgiram demonstrações de solidariedade, colaboração, cooperação e afeto.
Isso já vale todo o trabalho: compartilhar.
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A respiração foi um assunto tratado devido à sua importância,
principalmente nas atividades que exigem concentração. Isto foi seguido de um
relaxamento conduzido, visando a percepção de si mesmo (batidas do coração
e pulsações, entrada e saída de ar, corrente sanguínea, etc.). Fui informado
pelo responsável do aluno que desde então ele passou a fazer este exercício
respiratório para relaxar, facilitando inclusive sua locomoção.
Foi trabalhada a estimulação dos sentidos, por exemplo: o cheiro e a
consistência das diferentes substâncias e materiais (cera, guache, canetinhas,
papel, massa de modelar, tinta plástica), a contação de histórias (fábulas de La
Fontaine).
Devido a dificuldade do aluno em segurar objetos menores, iniciei com o
toque, segurando suas mãos e pedindo que ele apertasse as minhas
alternadamente - as duas foram apertadas quase que ao mesmo tempo.
Porém ao utilizar a respiração ritmada, pude perceber que ele obedecia ao
comando de apertar ora uma das mãos, ora outra, embora com dificuldade.
Pedi que o aluno fizesse movimentos de abrir e fechar as mãos segurando um
objeto e depois os repetisse com as mãos vazias.
Após, trabalhei com o pincel atômico por considerá-lo mais fácil de
manuseá-lo e com meu auxílio, o aluno produziu linhas no papel branco,
movendo a caneta em várias direções, sem a preocupação de formar imagens.
Encaixei a caneta em sua mão esquerda (ele é canhoto) e segurei sua mão
fazendo movimentos circulares, em sentido horário e anti-horário. Em dado
momento, deixei de “conduzir” sua mão e ele esboçou a continuidade do
movimento.
No encontro seguinte, experimentei a massa de modelar, tentando fazer
com que o aluno percebesse a maleabilidade da massinha, sua transformação
através de movimentos de pressão, compressão e extensão, produzindo
bolinhas e rolinhos, furando a massa com a ponta dos dedos, etc. O resultado
disso foi um patinho colorido, uma flor, o sol e a lua.
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Trabalhamos a pintura com os dedos, misturando cores e produzindo
imagens abstratas. A alegria estampada no rosto do aluno e a surpresa de
seus colegas de turma se tornaram elementos estimulantes para todos,
inclusive para mim.
Com relação ao aluno Igor, passou a articular melhor as palavras,
resultando na melhor compreensão e conseqüentemente na diminuição de sua
ansiedade. Por tudo isso, sua integração na turma ocorreu naturalmente o que
facilitou o exercício de sua autonomia. Mostrou-se sempre atento a sua boa
aparência - unhas bem cuidadas, cabelos penteados com gel, perfumado – o
que revelou sua elevada autoestima.
Durante todo período de aulas, as experiências em sala mostraram
resultados positivos que se refletiram na turma inteira.
Diminuíram as faltas e a indisciplina, os conflitos não deixaram de existir
mas passaram a ser objetos de reflexão. Melhorou a qualidade do sentimento
e tornou-se mais visível a demonstração afetiva. Isso ficou marcado no último
trabalho chamado “O fio da vida”, um mural com a produção assinada por
todos os alunos da turma.
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CONCLUSÃO
A leitura do mundo é um fenômeno individual e subjetivo, dada as
singularidades e idiossincrasias do ser humano. Cada indivíduo é possuidor de
habilidades e ferramentas que podem facilitar seu caminhar no mundo. Neste
processo também deve ser levada em conta a existência de fatores como
inteligência, caráter, personalidade, preferências, sentimentos, valores,
sensações e percepções. Essa leitura é tão prazerosa para o indivíduo quanto
mais fácil for a apropriação de suas ferramentas sensoriais. O mundo não é o
mesmo para duas pessoas. Cada uma delas tem a sua individuação e
processos históricos distintos. Ainda que sabedor destas diferenças, é preciso
observar nelas semelhanças que aproximem uma da outra.
Num mundo globalizado a tendência que vigora é a diminuição de
distâncias e a superação de barreiras. Com este trabalho, visei identificar e
explicar a existência de um mecanismo muito especial denominado sistema
nervoso sensorial e a sua importância no gerenciamento de sensações e
percepções através dos sentidos humanos – verdadeiras ferramentas para
serem trabalhadas, aperfeiçoadas, compreendidas e além disso, apreendidas
por todos, especialmente por aqueles com alguma necessidade especial, como
o aluno Igor, várias vezes aqui citado.
As experiências relatadas neste trabalho são propostas de integração e
se constituem num grande desafio para o aperfeiçoamento do indivíduo, seja
ele professor ou aluno, com ou sem necessidades especiais. Afinal, de uma
forma ou outra, todos temos necessidades especiais de sermos amados,
compreendidos, aceitos, acolhidos. A intenção é que os sentidos sejam as
ferramentas e a percepção seja a mão direcionadora de toda e qualquer ação
que integre o indivíduo no mundo, sem perder a consciência de si mesmo.
36
BIBLIOGRAFIA
AYRES, A. J. Sensory integration and the child, Los Angeles, CA: western
Psycological Services, 1989.
ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais? Campinas: Verus, 2005.
GUYTON, Arthur C. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro:
Interamericana, 1984.
LAGO, Samuel e ENS, Waldemar. Ciências escola moderna. O homem:
corpo humano, ecologia e saúde. São Paulo: IBEP, 1987.
NISHIDA, Silvia M. Apostila do curso de fisiologia. Botucatu: IB Unesp,
2007.
RHYNE, Janie. The future of art therapy: In what context? Art Therapy:
Journal of the American Art Therapy Association, Nova York, 1994.
STEINER, Rudolf. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo:
Antroposófica, 1997.
CHRISTO, Edna Chagas e SILVA, Graça Maria Dias da. Criatividade em
arteterapia: pintando & desenhando, recortando, colando & dobrando. Rio
de Janeiro: Wak, 2008.
37
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - O Sistema Nervoso 9
1.2. O Sistema Nervoso Sensorial
1.2. Sensação e Percepção CAPÍTULO II - Os sentidos: ferramentas sensoriais 16
2.1. Audição 17
2.2. Visão 18
2.3. Olfato 19
2.4. Paladar 20
2.5. Tato 22
CAPÍTULO III – A Arteterapia e a integração sensorial 25
3.1. Experiências sensoriais 26
3.1.1. Auditiva 27
3.1.2. Visual 28
3.1.3. Olfativa 29
3.1.4. Gustativa 30
3.1.5. Tátil 30
3.2. Um caso muito especial 31
CONCLUSÃO 35
BIBLIOGRAFIA 36
ÍNDICE 37