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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PRISÕES CAUTELARES E SEUS REMEDIOS CONSTITUCIONAIS Por: Gabriel Melo de Oliveira Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PRISÕES CAUTELARES E SEUS REMEDIOS

CONSTITUCIONAIS

Por: Gabriel Melo de Oliveira

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PRISÕES CAUTELARES E SEUS REMÉDIOS

CONSTITUCIONAIS

Monografia apresentada à Faculdade de Direito

Candido Mendes – A Vez do Mestre como requisito

parcial para a obtenção do título Especialista em

Direito Penal e Processual Penal.

Por: Gabriel Melo de Oliveira

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AGRADECIMENTOS

Aos meus professores e colegas do

curso de pós-graduação em Direito e

Processo Penal do Instituto A Vez do

Mestre por compartilharem de seus

conhecimentos.

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DEDICATÓRIA

A pequena Maria Clara, que a partir de sua concepção me fez enxergar horizontes e desfrutar sentimentos jamais imaginados. Ao meu pai e minha mãe, alicerces dar minha vida, cujo amor e respeito serão eternos. Aos meus irmãos que sempre estiveram do meu lodo compartilhando carinho e alegrias.

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RESUMO

Neste trabalho discorrer-se-á sobre as prisões cautelares e os caminhos

cabíveis para cessar a restrição à liberdade de locomoção, estabelecendo uma

correlação entre o princípio constitucional e o direito de punir estatal de forma a

fixar limites considerados aceitáveis de convivência harmônica entre preceitos

constitucionais aparentemente díspares, quais sejam, a presunção de

inocência e a custódia de pessoas em função de delitos, antes que surja a

sentença penal condenatória transitada em julgado.

Palavras-chave: prisões cautelares, presunção de inocência, princípio,

constituição, processo penal, direito penal.

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METODOLOGIA

Para este estudo foi necessário buscas nos mais variados gêneros de

materiais disponíveis para análise do tema objeto deste trabalho.

Logo, essencial se faz a análise das legislações pertinentes ao tema da

monografia em questão, dissecando normas constitucionais e suas garantias

fundamentais, assim como o conjunto de leis que envolvem a matéria penal,

sendo estes o Código Penal, Processual Penal e Leis extravagantes

pertinentes ao tema estudado.

Não podemos deixar de destacar a importância de doutrinadores e seus

manuscritos, compartilhando de seus singelos conhecimentos, confrontando

teorias e pensamentos, pois o direito proporciona debates de grandes

esclarecimentos e relevância.

Destacaremos oportunamente o posicionamento de nossos Tribunais

Superiores referente à matéria abordada durante o estudo apresentado, assim

como posições de nossos magistrados.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................08 CAPÍTULO I - Prisões Cautelares.....................................................................10 1.1 - Espécies E Disciplina Geral.......................................................................12 1.2 - Da Prisão Em Flagrante Delito..................................................................14 1.3 - Da Prisão Preventiva.................................................................................16 1.3.1 - Garantia Da Ordem Pública....................................................................18 1.3.2 - Garantia Da Ordem Econômica..............................................................22 1.3.3 - Conveniência Da Instrução Criminal......................................................24 1.3.4 - Garantia Da Aplicação Da Lei Penal......................................................25 1.4 - Considerações Extras................................................................................26 CAPÍTULO II - Da Prisão Temporária...............................................................27 2.1 - Prisão Resultante De Pronúncia E Decorrente De Sentença Penal.........30 Capítulo III - Presunção De Inocência E Prisões Nos Tribunais Superiores....31 CONCLUSÃO....................................................................................................36 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................................................................39 FOLHA DE AVALIAÇÃO....................................................................................41

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INTRODUÇÃO

O objetivo desse estudo visa demonstrar que a medida coercitiva de

restringir a liberdade de locomoção em nosso país, antes mesmo de uma

decisão definitiva, coaduna com o modelo de exceção cada vez mais aplicada,

e a regra comum sendo menos utilizada em detrimento daquela.

Nos dias atuais a cidade do Rio de Janeiro vem passando por grandes

transformações com relação à política de segurança pública, a implementação

de Unidades Pacificadoras e a inclusão social de áreas antes abandonadas

pelo poder público, com o apoio da população fluminense por uma legislação

penal mais dura e exigindo sua aplicabilidade, coibindo a sensação de

impunidade que paira por nossa cidade.

Porém, nós, profissionais do Direito, não devemos deixar nos levar por

esse capricho, e exigir que princípios fundamentais sejam defendidos e

aplicados em sede das prisões cautelares, para assim afastar o pensamento

que só indivíduos menos afortunados são penalizados.

O direito penal e a privação de liberdade têm de ser aplicada de forma

subsidiária, ou seja, como ultima medida de penalização do indivíduo, pois

nosso país encontra-se com o sistema carcerário defasado, falido, e até

ultrapassado, tendo seu objetivo função oposta à sua proposta, que é a

ressocialização.

A partir dos dados alarmantes com que nos deparamos, percebe-se

que a dificuldade de alocar os detentos em um local com o mínimo de

dignidade e segurança, torna a prisão cautelar até pior do que a pena. Os

presídios, de longe, não são um lugar de correção, mas verdadeiros depósitos

de humanos.

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É de bom alvitre relembrar que a ordem jurídica, na esfera penal,

contrapõe o direito estatal de punir (jus puniendi) e o direito do cidadão à sua

liberdade de locomoção (jus libertatis). É nesse embate que se encontra a

discussão referente ao tema proposto.

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CAPÍTULO I - PRISÕES CAUTELARES

Originada do latim “prehensio”, a prisão significa o ato de prender ou

agarrar uma pessoa ou coisa. No âmbito jurídico, tal qual leciona De Plácido e

Silva, é “o vocábulo tomado para exprimir o ato pelo qual se priva a pessoa de

sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, recolhendo-a a um

lugar seguro e fechado”.

No mesmo sentido, Mirabete, também acentua que a prisão consiste

na privação de liberdade, “por motivo lícito ou ordem legal”, mas ressalva que o

termo tem diversos significados no direito pátrio, podendo expressar a pena

privativa de liberdade, o ato da captura e a custódia. Do mesmo modo, João

Carvalho de Matos pondera as acepções de prisão como local de cumprimento

de sanção, pena (prisão simples e penas de modo em geral) e como medida ou

meio de cerceamento da liberdade individual.

Para se falar em prisões cautelares, é necessário entender a sua

natureza. Em direito processual penal, a cautela visa garantir a consecução do

objetivo final, qual seja, a de atribuir ao agente a responsabilidade pelo crime

por ele praticado.

No Estado democrático de direito, em tese, a prisão só deveria ocorrer

para o cumprimento de sentenças penais condenatórias transitadas em

julgado. Apenas quando se tivesse a certeza plena da culpa, assegurada por

um pronunciamento judicial definitivo, é que o agente deveria ter privada a sua

liberdade individual, sob pena de ferimento ao princípio da presunção da

inocência.

Ocorre, no entanto, que ao direito de acautelar o processo penal,

contrapõe-se o direito pessoal do réu de ir e vir. E a cautela de que trata o

processo penal rege-se, sobretudo, pela necessidade. É esse o princípio

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adotado para justificar a ocorrência de sanção em matéria penal antes de

determinada a culpabilidade do agente.

O arcabouço normativo que se constitui, segundo assente na doutrina,

no direito objetivo, configura a essência estrutural da ordem social. Pelo

princípio da legalidade, segundo o qual as pessoas estão sob o império da lei,

não podendo fazer o que ela veda e tendo autorização para executar aquilo

que ela não proíbe, pode-se deduzir que não cabe a quem quer que seja agir

contrariamente a esse conjunto de normas.

Qualquer violação a essa ordem é, portanto, uma ruptura que autoriza

o Estado a mover-se na direção da restauração. A ordem jurídica será

quebrada sempre que alguém praticar algo vedado por uma norma. Essa

ruptura possui uma escala axiológica, em decorrência do valor do bem

protegido. Com o direito penal, de natureza eminentemente pública, os

infratores violam cabalmente os direitos de outros cidadãos ou do próprio

Estado, de maneira que a repressão virá por meio de uma norma

incriminadora.

Ocorre que, consoante ensina João Carvalho de Matos, ao Estado

incumbe resguardar interesses sociais e, quando estes se encontrarem

ameaçados ou violados, justifica-se o sacrifício do indivíduo para o bem

comum.

A restauração da ordem ocorrerá por meio de um processo penal,

obedecida a legalidade e respeitados os direitos individuais, para, ao final da

instrução, chegar-se à estipulação, por meio de sentença, da medida capaz de

restabelecer a ordem e devolver à sociedade a necessária paz. É sempre bom

ter em mente que essa sentença poderá reconhecer a inexistência do fato, a

ausência da sua ilicitude, a prescrição ou a exclusão da culpabilidade.

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Os processos, porém, nem sempre atingirão o seu objetivo se não

houver meios de assegurar que pessoas e coisas sejam preservadas ou

custodiadas para assegurar o cumprimento da norma incriminadora que

determina o cumprimento de uma pena qualquer, desde que devidamente

fundamentada, a prisão pode ocorrer antes ou no transcurso do processo penal

por razões de necessidade ou oportunidade. É exatamente nesse momento

que surgem as medidas cautelares e, dentre elas, as prisões.

Nas palavras de Mirabete:

“A prisão preventiva só deveria ocorrer para o cumprimento de uma

sentença penal condenatória. Entretanto, pode ela ocorrer antes do julgamento

ou mesmo na ausência do processo por razões de necessidade ou

oportunidade. Essa prisão assenta na Justiça Legal, que obriga o indivíduo,

enquanto membro da comunidade, a se submeter a perdas e sacrifícios em

decorrência da necessidade de medidas que possibilitem ao Estado prover o

bem comum, sua última e principal finalidade.”

1.1 - ESPÉCIES E DISCIPLINA GERAL

O Código de Processo Penal estabelece, no Título IX, os limites gerais

da prisão e da liberdade provisória. O artigo 282 do Código assim especifica:

Art. 282. À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se

senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante

ordem escrita da autoridade competente.

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O legislador penal estabeleceu, como primeiro parâmetro,

excepcionando o flagrante delito, a pronúncia ou casos descritos em lei, sem,

no entanto, prescindir da ordem escrita da autoridade competente.

Sendo necessário estabelecer o que vem a ser prisão, podemos

entendê-la em dois sentidos, um processual e outro penal. Interessa,

sobretudo, a noção processual do que vem a ser prisão. De modo geral, a

prisão constitui, uma privação da liberdade. Quando essa privação decorre da

sentença penal transitada em julgado, diz-se do sentido penal. No entanto, no

curso do processo ou mesmo antes dele pode ser necessário ao Estado, para

assegurar o cumprimento da sanção, custodiar o infrator. Nessa hipótese,

ocorre a prisão processual, cujas modalidades são: prisão em flagrante delito,

preventiva, temporária, por pronúncia e por sentença condenatória recorrível.

Discorrer-se-á sobre cada uma delas, confrontando-as com o princípio da

presunção da inocência.

Sobre o tema, Tourinho Filho assim se manifesta:

“Em princípio, prisão é a supressão da liberdade individual, mediante

clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir; e, tendo em vista a

denominada prisão-albergue, podemos definir a prisão como a privação, mais

ou menos intensa, da liberdade ambulatória”.

Continua o doutrinador:

“Esse conceito abrange as duas espécies de prisão: a prisão como

pena, ou prisão-sanção, isto é, a decorrente de sentença penal condenatória,

utilizada como meio de repressão aos crimes e contravenções, e a prisão sem

o caráter de pena, também conhecida sob a denominação genérica de prisão

sem pena”.

A prisão cautelar, provisória ou processual se verifica antes do trânsito

em julgado da sentença penal condenatória e abrange as prisões em flagrante,

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preventiva, temporária, resultante de pronúncia e de sentença penal

condenatória ou recorrível.

1.2 - DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

Desnecessário incursionar na etimologia da palavra flagrante, do latim

flagrans, flagrantis (do verbo flagare, queimar), ou seja, aquilo que arde, brilha,

resplandece, que está em chamas, crepitando, eis que já extensamente

explicado na literatura especializada. Cabe aqui assinalar que a prisão em

flagrante exige a “certeza visual do crime”, como também a relação de

imediatidade/atualidade do crime com a prisão.

Quando se afirma que alguém está em flagrante delito diz-se dizer

ocorre ou acabou de ocorrer um crime. Nesse caso, o simples encontrar o

agente autoriza a prisão, que pode ser feita por qualquer pessoa do povo.

Seu fundamento acha-se inserido no artigo 5º, inciso LXI, da

Constituição Federal de 1988, que assim versa: “ninguém será preso senão em

flagrante delito...”

A prisão em flagrante pode ser feita, ou realizada tanto pela autoridade

policial quanto por qualquer pessoa. No primeiro caso, o policial não pode

prescindir do seu dever de realizar a prisão. O popular, no entanto, pode

realizar uma prisão em flagrante. Eles constituem os sujeitos ativos dessa

modalidade de prisão.

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Os sujeitos passivos são aqueles que se encontra em situação de

flagrância. O artigo 302 do Código de Processo Penal estabelece critérios para

definição do que seja estado de flagrância:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por

qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou

papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Como a lei não estabelece que o estado se limite em um lapso de

tempo (vinte e quatro horas, como supõe o senso comum), é possível, pelas

hipóteses dos incisos III e IV, do artigo 302, que a prisão em flagrante ocorra

num prazo maior, dias até. E em complementação, o artigo 303 contempla a

hipótese das infrações permanentes, em que o autor do fato pode ser preso a

qualquer tempo enquanto durar a permanência.

A hipótese de prisão em flagrante delito é, a nosso ver, a que menos

agride a presunção de inocência. Isso porque o procedimento descrito no CPP

sobre como se deve proceder obriga, sob pena de nulidade do auto de prisão,

o integral cumprimento das disposições legais.

Em princípio, o Código estipula a apresentação do preso à autoridade

competente, a autoridade policial, que — nessa ordem — ouvirá o condutor,

colhendo sua assinatura, entregando-lhe cópia do termo e recibo de entrega de

preso. Depois ouvirá as testemunhas e colherá o depoimento do acusado,

colhendo as respectivas assinaturas, para depois lavrar o auto de prisão em

flagrante.

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Mas o preso em flagrante não ficará necessariamente sob custódia

estatal. Nos casos em que pode responder em liberdade, assim deverá ocorrer.

Se o delito for afiançável, também lhe será arbitrada fiança e permitido que o

mesmo responda o processo em liberdade. Não se deve esquecer a

inviabilidade da manutenção da prisão sem que permaneçam seus

pressupostos. Na hipótese de o réu ter bons antecedentes, residência fixa,

trabalho e se comprometa a colaborar com a investigação, salvo nas hipóteses

legais, não haverá motivo para a manutenção da prisão, pelo que o abuso das

autoridades enseja a impetração de habeas corpus.

1.3 - DA PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva, prevista nos artigos 311 a 316, do Código de

Processo Penal, é a medida cautelar que consiste na privação de liberdade de

um agressor da norma penal, decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou

durante a instrução criminal, na conformidade dos requisitos legais que a

autorizem.

O artigo 311, do CPP, estabelece que a autoridade competente para

sua decretação é o juiz. Com efeito, se não se chegou a uma definição final

sobre a culpabilidade, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, é

natural que se restrinja a competência para sua decretação, a fim de evitar

abusos.

Quem pode pedir a prisão preventiva? O dispositivo já citado

estabelece que o Ministério Público e a parte querelante, nos casos de ação

penal privada, apresentam requerimento. A autoridade policial, por sua vez,

apresenta representação.

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Como toda medida cautelar, a prisão preventiva tem seus

pressupostos, quais sejam:

1) prova da ocorrência de crime, quer durante o inquérito, quer durante

a instrução processual penal. Portanto, indícios ou dúvidas quanto a ocorrência

de fato típico e antijurídico não podem ensejar a prisão preventiva.

O fumus comissi delicti, no ordenamento jurídico brasileiro, está

materializado, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, no

binômio “prova de existência do crime” e “indícios suficientes de autoria”. Esses

pressupostos são cumulativos, de modo que a inexistência de um deles

inviabiliza a prisão preventiva.

Bem lembra Tourinho Filho que a lei exige prova da existência do

crime; não bastando, portanto, mera suspeita: é indispensável que haja prova

da materialidade delitiva45. A palavra crime, a rigor, exclui a possibilidade de

decretação desta modalidade de prisão provisória nos casos de incidência das

excludentes de antijuridicidade, ilicitude e culpabilidade, pois não verificados os

elementos da conduta delitiva (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade);

2) indícios suficientes a apontar uma pessoa como autora do fato.

Quanto aos indícios suficientes de autoria, apoiado em lições de

Borges da Rosa e Beling, assim aduz:

“Devem ser tais que gerem a convicção de que foi o acusado o autor

da infração, embora não haja certeza disto. No entanto eles devem ser

suficientes para tranqüilizar a consciência do Juiz”.

Razão assiste a Beling quando, ao tratar da matéria, preleciona que

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“la prisión significa una intervención más grave em la esfera jurídica Del

inculpado... Por eso no basta para la orden de detención que se la condena

sea más probable que la absolución: el grado de sospecha debe alcanzar casi

la seguridade”..

Igual lição traz Roberto Delmanto Junior, quando assevera que Diante

do primado da presunção de inocência, que abrange em matéria probatória o in

dubio pro reo e, em matéria de prisão cautelar, o in dubio pro libertate, se

houver qualquer dúvida quanto à existência do crime ou se inexistir indício

suficiente acera de sua autoria, não só a prisão preventiva como também

qualquer outra modalidade de prisão provisória serão ilegais.

Aury Lopes Júnior adverte que para a configuração dos indícios

suficientes de autoria deve existir um juízo de probabilidade, não bastando

mera possibilidade49. Este juízo (de probabilidade) significa, ao arremate, “a

existência de uma fumaça densa, a verossimilhança de todos os requisitos

positivos e, por conseqüência, da inexistência de verossimilhança dos

requisitos negativos do delito”.

Além disso, a prisão preventiva requer uma finalidade específica,

constante do elenco do artigo 312, do CPC. Tais pressupostos serão

analisados a seguir.

1.3.1 - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

É chegada a hora de explorar a garantia da ordem pública como

fundamento da prisão preventiva, não sem antes assinalar – como todo bom

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realista marginal faria – que esta modalidade de encarceramento provisório é

indisfarçavelmente a mais utilizada na práxis jurídica do país.

Este fenômeno se deve ao fato de a doutrina tradicional conferir à

garantia da ordem pública um sentido amplo, vago, subjetivo, classificá-la como

cláusula aberta, dando espaço para que qualquer justificativa amolde-se ao

conceito, uma vez que desprovido de qualquer referencial semântico. Daí ser

esta hipótese a válvula de escape para o exercício arbitrário das prisões, em

total desrespeito às garantias fundamentais do processo.

As decisões judiciais que se baseiam nesta circunstância utilizam-se,

basicamente, de dois fundamentos: o clamor social (que influenciaria na

credibilidade da justiça) e/ou a periculosidade do acusado (que, solto, tornaria a

delinqüir).

Quanto ao primeiro aspecto, entende-se ser a repercussão social do

evento delituoso, causando sentimentos de revolta e repulsa na população,

cabendo ao Poder Judiciário restaurar a confiança da sociedade na Justiça e

na lei penal.

Além de assumir contorno de verdadeira antecipação de pena, violando

o devido processo legal e a presunção de inocência, o clamor social muita vez

é gerado apenas pela ampla exposição midiática do crime.

A influência da mídia no sistema penal, tão bem analisada por Nilo

Batista em excelente artigo sobre o tema, é tamanha que se pode dizer que a

punição deixou de ser meramente física, passando à expiação moral do

acusado: não basta levá-lo à prisão, impõe-se exibir sua imagem no horário

nobre em rede nacional.

Ora, a alarma social, diz Aury Lopes Júnior, por mais respeitáveis que

sejam os sentimentos de vingança, não pode servir como fundamento da

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prisão preventiva, “nem o Estado, enquanto reserva ética, pode assumir esse

papel vingativo”. Aliás, muitas vezes não é o crime, em tese cometido, que gera

a chamada “vigorosa reação social”, mas sim a desmedida dramatização e até

mesmo alteração da versão dos fatos pela imprensa, ressaltando-se, ainda,

que a opinião “publicada” pode muito bem não se identificar com a opinião

pública, como lembra Alessandro Baratta.

Os meios de comunicação em massa, ao contribuírem para a inversão

da ordem cronológica do processo – prende-se para depois investigar, pune-se

para depois processar –, prestam um desserviço ao direito e ao processo

penal, condenando o acusado, através do processo midiático (obviamente que

sem direito algum de defesa), a uma pena que não está prevista em lei alguma:

o suplício moral.

A credibilidade do Poder Judiciário passa não pela punição antecipada

dos acusados, mas sim por uma resolução rápida sobre o delito investigado e

processado, “porque solo la sentecia dectada em um proceso penal

determinará La culpabilidad y la sanción del acusado”.

No que toca à periculosidade do imputado, discorre Basileu Garcia:

“Para garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a

prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é

acentuadamente propenso às práticas delituosas, ou porque, em liberdade,

encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida. Trata-

se, por vêzes, de criminosos habituais, indivíduos cuja vida é uma sucessão

interminável de ofensas à lei penal: contumazes assaltantes da propriedade,

por exemplo. Quando outros motivos não ocorressem, o intuito de impedir

novas violações determinaria a providência”.

Do simples passar de olhos sobre este conceito – repetido

acriticamente por milhares de decisões judiciais em todo o país – vislumbra-se

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com facilidade a ocorrência de dupla presunção: primeiro, presume-se que o

acusado tenha realmente cometido o delito investigado (o que só poderia ser

feito em sentença) e, segundo, que, em liberdade, praticará outro crime. Ora,

ao se decretar a prisão preventiva olhando-se para o registro de antecedentes

e para a personalidade do acusado, violam-se, com efeito, duas garantias

constitucionais do processo: primeiro, o due process of law; segundo, a

presunção de inocência.

Quando se mantém uma pessoa presa em nome da ordem pública,

diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo

não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado,

completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal.

Inadmissível, portanto, a prisão preventiva sob o argumento de “perigo

de reiteração” de condutas criminosas. Trata-se de (absurdo) exercício de

vidência por parte de julgadores, que até onde temos conhecimento ainda não

possuem um periculosômetro (diria ZAFFARONI) à disposição. Além de ser um

diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de

vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única

presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta

em relação a fatos futuros.

Não há, inquestionavelmente, como se prever com absoluta certeza

que alguém vá cometer novos delitos e formular tal presunção é

constitucionalmente vedado. Além do mais, encerra verdadeira hipocrisia

jurídica: todas as pessoas já cometeram algum tipo de delito, apenas não

foram criminalizadas em virtude da atuação seletiva do sistema penal, que se

dá através dos processos de criminalização primária e secundária.

A 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande

do Sul, aliás, já deixou assentado, em acórdão da lavra do Desembargador

Amilton Buneo de Carvalho, citado por Aury Lopes Júnior, que:

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A futurologia perigosista, reflexo da absorção do aparato teórico da

Escola Positiva – que, desde muito, têm demonstrado seus efeitos nefastos:

excessos punitivos de regimes políticos totalitários, estigmatização e

marginalização de determinadas classes sociais (alvo do controle punitivo) –

tem acarretado a proliferação de regras vagas e ilegítimas de controle social no

sistema punitivo, onde o sujeito – considerado com portador de uma

perigosidade social da qual não pode substrair-se – torna-se presa fácil ao

aniquilante sistema de exclusão social.

A prisão sob tal fundamento deixa de ser medida cautelar para se

transformar em medida de segurança e, justamente por isso, atrita com a

ordem constitucional vigente: esta só admite a prisão provisória em função do

resguardo do processo penal e de sua eficácia.

De concluir, então, juntamente com Maria Ignez Lanzellotti Baldez

Kato, que a garantia da ordem pública como fundamento da prisão preventiva

identifica dissimulada opção pelo “controle social do acusado/excluído/inimigo,

sem qualquer preocupação em preservar a medida cautelar como instrumento

de garantia da prestação jurisdicional”, de modo que deve ser expurgada do

ordenamento jurídico brasileiro.

1.3.2 - GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA.

Diferentemente da ordem pública, este fundamento apresenta uma

restrição quanto ao campo de incidência da possível atuação do agente.

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Pode-se considerar que, muito embora a lesão ocorra, ela pode não

atingir a sociedade como um todo, senão somente aquela parte em que

predominam os interesses econômicos em geral. Nesse caso, também, está

autorizado o juiz, desde que com robustas provas e fundamentadamente, a

decretar a prisão preventiva. Convém lembrar que essa expressão foi inserida

no artigo pela Lei 8.884/94, que trata dos crimes contra a ordem econômica.

Bastam, para o estudo desta hipótese autorizadora de prisão

preventiva, as certeiras, agudas e irônicas críticas de Fernando da Costa

Tourinho Filho:

“Como a prisão decretada como garantia da ordem econômica não

apresenta caráter cautelar, é medida esdrúxula. Sua esdruxularia repousa na

circunstância de não ser ela a medida ideal para coibir os abusos contra a

ordem econômica. Antes, tem acentuadas e inequívocas funções repressivas.

Se a medida visa a preserva-la, evitando a ganância, a auri sacra fames, o

certo seria adotar uma espécie de medida de segurança à maneira daquelas

que havia, entre nós, antes da reforma da Parte Geral do nosso Código Penal.

Que se estabeleçam sanções contra a empresa. Para nós, trata-se de medida

sem nexo e inútil. Se a providência tem como objetivo perseguir a ganância, o

lucro fácil, a safadeza de industriais e comerciantes desonestos, que se

estabeleçam sanções em relação à pessoa jurídica: fechamento por

determinado prazo, aumento desse prazo nas recidivas, impossibilidade de,

durante certo tempo, fazer empréstimos em quaisquer estabelecimento de

crédito etc. Se a farmácia vende um produto por preço extorsivo, que se

instaure processo-crime contra o proprietário e, ao mesmo tempo, que se

aplique, provisoriamente, esta ou aquela medida de segurança de natureza

patrimonial em relação ao estabelecimento. Os resultados seriam bem

melhores... Essa a medida certa. Para o ganancioso, o industrial ou

comerciante que só tem em vista o lucro, para esses Shylock da vida, meter-

lhes a mão no bolso é pior que a prisão”.

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1.3.3 - CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL

Ab initio, cumpre salientar, na esteira de Paulo Rangel, que o termo

conveniência não é o mais adequado ao fundamento sub examen, pois a

instrução criminal não é conveniente, mas absolutamente necessária e

imprescindível para a retirada do jus libertatis do cidadão. Assim, melhor faria o

legislador se falasse em necessidade da instrução criminal e não em

conveniência.

De qualquer maneira, a doutrina tem conceituado este requisito como a

“perturbação ao andamento do processo”, exemplificando sua ocorrência

quando o acusado intimidar, ameaçar ou subornar testemunhas, peritos ou a

própria vítima, subtrair documentos indispensáveis à comprovação da

existência do crime etc.

Eventual “medo” ou “receio” do ofendido ou de testemunhas pelo fato

de o réu estar em liberdade não é fundamento para decretação da preventiva,

porque a prisão cautelar não admite presunções ou ilações da ocorrência de

seus fundamentos, pelo contrário: deve, sempre, ser empiricamente e

concretamente verificada a existência de prova suficiente da situação de risco.

Também não se pode confundir a conveniência da instrução criminal

com a livre atuação da defesa, que pode utilizar-se dos recursos e meios

probatórios que entender necessário, mesmo que objetive a mera

procrastinação da instrução, desde que atue nos limites da lei. Conveniência

não é o mesmo que comodidade, nas palavras de Tourinho Filho.

Por derradeiro, como adverte Roberto Delmanto Júnior com esteio em

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a instrução criminal vai somente

até a fase das diligências, previstas, no CPP, em seu artigo 499 e, uma vez

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encerrada, deve resultar na soltura imediata do acusado detento

provisoriamente sob tal fundamento.

1.3.4 - GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Eugenio Pacelli de Oliveira bem sintetiza o fundamento ao escrever

que a prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal contempla as

hipóteses em que haja risco real de fuga do acusado, e assim risco de não

aplicação da lei na hipótese de decisão condenatória. É bem de ver, porém,

que semelhante modalidade de prisão há de se fundar em dados concretos da

realidade, não podendo revelar-se fruto de mera especulação teórica dos

agentes públicos, como ocorre com a simples alegação fundada na riqueza do

réu.

Vale repetir: é definitivamente inconcebível qualquer presunção de

fuga, visto que a Constituição impõe ao juiz considerar o acusado como

verdadeiro inocente e que vai, inclusive, comparecer a todos os atos do

processo – até mesmo na eventual condenação. O risco, anota Aury Lopes

Júnior, “deve apresentar-se como um fato claro, determinado que justifique o

medo de evasão do acusado. É imprescindível um juízo sério, desapaixonado

e, acima de tudo, racional”.

A mera rebeldia ao cumprimento de eventual condenação não enseja a

prisão preventiva do insurgente se não acompanhada de prova da intenção de

fuga, pois lei nenhuma determina ao condenado que se contente ou aceite

resignadamente sua condenação.

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Cabe dizer, ao fim, que, em razão do princípio da homogeneidade das

detenções cautelares, não há que se falar em prisão preventiva sob o

fundamento da asseguração da lei penal se o acusado, acaso condenado,

poderá ter sua pena substituída por alguma prestação alternativa, na forma do

artigo 44 do Código Penal.

1.4 - CONSIDERAÇÕES EXTRAS

É conveniente lembrar que a periculosidade do acusado, demonstrada

na torpeza do seu comportamento agressivo, consta do Código de Processo

Penal Militar, como fundamento para decretação da prisão preventiva. Não

consta no CPP esse elemento, exatamente porque a hipótese já se enquadra

na garantia da ordem pública, sendo que, no caso do militar, este poderia

abusar da condição de militar, ou seja, de garantidor da ordem, para causar

dano de gravidade maior à sociedade. Fora dessas hipóteses não existe como

se decretar a prisão preventiva de quem quer que seja.

É de suma importância lembrar, ainda, que os motivos ensejadores da

medida extrema deixem de existir, razão por que poderá o juiz revogá-la. E na

hipótese de retornarem esses motivos, também poderá o juiz decretá-la

novamente.

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CAPÍTULO II - DA PRISÃO TEMPORÁRIA

A prisão temporária, não prevista no Código de Processo Penal, foi

inserida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 7.960, de 21 de dezembro de

1989. Seu primeiro requisito é que ela só pode ocorrer durante a investigação

policial por meio do inquérito. Como não se trata de cumprimento de pena, sua

natureza é cautelar.

Assim dispõe o artigo 1º da Lei 7.960/89:

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer

elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova

admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos

seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e

parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o

art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e

parágrafo único);

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i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou

medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de

1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de

1986).

A hipótese do inciso I não pode ser afastada em nenhuma hipótese

para a decretação da prisão temporária. Isso porque, ultrapassada a fase

inquisitorial ou mesmo durante ela, já dispõe o CPP da prisão preventiva, pelo

que dois institutos para a mesma função não parece ser medida legalmente

adequada.

A questão das “fundadas razões” constante do inciso III, que enumera

os delitos nos quais possa ocorrer a prisão temporária, causa celeuma

justamente por causa da falta de critérios objetivos, pois o que um juiz acha

como fundadas razões, outro compreende de forma diversa, e a liberdade de ir

e vir não pode ficar adstrita ao juízo de valor que o julgador possa atribuir a um

delito. O doutrinador Luiz Flávio Gomes assim se manifesta:

“[...] o eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no

Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes,

pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando

ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tenha bons

antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a

prisão antes do trânsito em julgado da decisão”.

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Ada Pellegrini Grinover e outros compreendem que "...a melhor

exegese, até porque consentânea com os princípios constitucionais do

processo, preconiza a cumulação de um dos requisitos previstos nos incisos I e

II (caracterizadores do periculum libertatis), com a condição do inciso III que

configura o fumus boni iuris".

No que se refere ao momento, a prisão temporária deverá ser

decretada logo no início do inquérito. É indispensável a representação da

autoridade policial ou o requerimento do Ministério Publico.

Sua decretação, à exceção dos crimes hediondos, só pode atingir

prazo de cinco dias, além disso, dentro de critérios absurdos, de tal forma que

a agressão ao princípio constitucional da presunção de inocência vem por

intermédio da seqüência de prisões. A possibilidade de prorrogação por mais

cinco dias dificulta inclusive a impetração de habeas corpus. De se mencionar

também que a prisão temporária acaba virando, como aponta a doutrina,

instrumento de custódia enquanto a autoridade procura motivos que provem a

materialidade do fato e dêem indícios da autoria, para pedir, então, a

preventiva.

Deduz-se, logicamente, que a falta de critérios objetivos diversos dos

da prisão preventiva agride o princípio constitucional da presunção de

inocência. Tourinho Filho assinala que a prisão temporária é absurda, porque

“... prende-se o ‘indiciado’ por um espaço de tempo julgado suficiente, para, em

segunda, poder prendê-lo preventivamente...”.

Nos crimes hediondos, o prazo da decretação de prisão temporária é

de 30 dias, prorrogável por mais trinta, conforme disposto no artigo 2º, § 3º, da

Lei de crimes hediondos (8.072/90), bem como no caso de tráfico de

entorpecentes, de terrorismo e de tortura.

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2.1 - PRISÃO RESULTANTE DE PRONÚNCIA E

DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL

O artigo 282 do CPP estabelece que, fora da hipótese de flagrante

delito, a prisão só pode ser efetuada em virtude de pronúncia. Como seu nome

sugere, é necessária uma sentença de pronúncia, ou seja, na hipótese de

crimes dolosos contra a vida. A finalidade dessa modalidade de prisão é

submeter o réu ao júri popular.

No caso específico da pronúncia, são utilizados os pressupostos da

prisão preventiva. Se houver convencimento do juiz quanto à materialidade do

fato e indícios da autoria, ele pronunciará o réu e decretará ou não a sua

prisão, de conformidade com os requisitos para tal. Assim, se o réu for primário

e de bons antecedentes o juiz pode deixar de decretar a prisão ou revogá-la

(art. 408, § 2º, CPP).

Em sentido contrário, ou seja, na hipótese de o réu ter maus

antecedentes, ser reincidente, o juiz deve decretar a prisão. Se o crime for

afiançável, deverá também fixar o valor da fiança. Essa hipótese provoca a

impetração de habeas corpus com vistas a poder recorrer em liberdade. Na

pronúncia não existe mérito definido, pois o juiz apenas submete o réu ao

julgamento social. Dessa forma, também não se deve considerar essa

modalidade como de prisão com pena, pois o julgamento ainda ocorrerá.

Ao contrário, na prisão em face de sentença penal condenatória

recorrível, ocorre uma decisão de mérito que, no entanto, não transitou em

julgado. Essa sentença considera o réu culpado, impõe-lhe uma pena privativa

de liberdade porém ainda é passível de recurso.

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CAPÍTULO III - PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E

PRISÕES NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Uma vez observada a presunção de inocência em face das prisões

cautelares sob a ótica de parte da doutrina, é de bom alvitre que se busque a

relação entre essa visão e a manifestação das cortes superiores sobre o

princípio da presunção de inocência e as prisões cautelares, notadamente, pois

já é sabido que a prisão-pena, após o trânsito em julgado da sentença

condenatória subtrai legitimamente a liberdade do agente, retribuindo-lhe em

supressão de direitos o abalo ou a ruptura provocados na ordem social.

Em decisão de cunho amplo, decidiu o Supremo Tribunal Federal,

sobre a aplicação do princípio da presunção de inocência, da seguinte forma:

A presunção constitucional de não-culpabilidade não desautoriza as

diversas espécies de prisão processual, prisões inscritas em lei para o fim de

fazer cumprida a lei processual ou para fazer vingar a ação penal. (HC 81.468,

Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 01/08/03)

Adverte, portanto, a Suprema Corte, de início, para a legalidade, e a

coexistência pacífica entre as prisões cautelares e a presunção de inocência,

pelo que se pode extrair uma presunção não absoluta. Chama a atenção o fato

de ter denominado o princípio de presunção de não-culpabilidade, como de

resto designa aquela Corte. Ressalvando o caráter de exceção das prisões,

manifestou-se assim o STF, elucidando o assunto concernente à prisão

preventiva e seus pressupostos:

A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter

excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta

necessidade. A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema

jurídico, impõe — além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art.

312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de

autoria) — que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea,

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razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida

cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. (...) Mesmo que se

trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que

sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível —

por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) — presumir-

lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja

a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista,

a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio

constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma

regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em

relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já

houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.

(HC 80.719, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/09/01). No mesmo sentido: HC

79.812, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 16/02/01

Por exemplo, na prisão por pronúncia, o Superior Tribunal de Justiça,

ao julgar o Habeas Corpus 61508, cuja relatoria coube ao Ministro Felix

Fischer, pela 5ª Turma, assim ementou:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, I, DO

CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. APELAÇÃO

PROVIDA. NOVO JULGAMENTO. RESTABELECIMENTO DA PRISÃO POR

PRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

I - A anulação pelo Tribunal de Justiça da decisão proferida pelo

Tribunal do Júri para que seja submetido o réu a novo julgamento, não implica

em automático restabelecimento da custódia decretada em momento anterior.

(Precedentes).

II - A prisão por pronúncia, como uma das modalidades de custódia

cautelar, deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-

se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo,

consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida

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constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real

indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a

aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

III - Em razão disso, deve o decreto prisional ser necessariamente

fundamentado de forma efetiva, com dados concretos extraídos dos autos,

demonstrando a necessidade da custódia do paciente, dada sua natureza

cautelar nessa fase do processo. (Precedentes).

IV - Ademais, na linha de precedentes desta Corte, os maus

antecedentes, por si só, não justificam a imposição da prisão decorrente de

pronúncia ou para apelar. (Precedentes).

Writ concedido.

(HC 61508/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,

julgado em 28.11.2006, DJ 26.02.2007 p. 621)

Devem ser levados em consideração, no julgado acima, algumas

questões fundamentais. Em primeiro lugar, o restabelecimento de uma prisão,

ou de uma custódia, não decorre da anulação de uma decisão do tribunal do

júri. É necessária fundamentação. Em segundo lugar, verifique-se que o STJ

reconhece na prisão por pronúncia uma prisão de natureza cautelar. Sendo

cautelar, ela subtrai o direito de liberdade do agente antes do trânsito em

julgado da sentença penal condenatória e, por isso, só pode ser restabelecida

se existirem os pressupostos da prisão preventiva.

A Corte Superior de Justiça, em consonância com o Supremo Tribunal

Federal, também compreende que no caso da prisão provisória é necessário

fundamentar a determinação de que o réu deva se recolher à prisão para poder

apelar:

Sentença condenatória (prisão provisória). Fundamentação

(necessidade). Apelação (em liberdade).

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1. A prisão provisória só há de ser imposta por meio de decisão

fundamentada, por exemplo, no caso da preventiva, o despacho (ou a decisão)

que a decretar "será sempre fundamentado".

2. Tal é o que, de igual sorte, acontecerá com a sentença penal, se e

quando o juiz entender que o réu, para apelar, haverá de ser recolhido à prisão.

3. Faltando à sentença persuasiva motivação, o melhor dos

entendimentos é o de que o réu, já em liberdade, pode apelar em liberdade.

4. A gravidade abstrata do delito e o fato de o réu ser reincidente

específico, por si sós, não justificam se lhe imponham restrições ao direito de

apelar em liberdade.

5. Habeas corpus deferido a fim de se assegurar ao paciente a

apelação em liberdade.

(HC 47571/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado

em 24.11.2006, DJ 05.03.2007 p. 320).

Questões polemizadas por doutrinadores como Tourinho Filho, cuja

opinião acerca da prisão temporária é no sentido da sua total desnecessidade

foram tratadas com entendimento curioso no STJ, como se pode ver a seguir:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE

RECURSO ORDINÁRIO. PRISÃO TEMPORÁRIA. DECRETAÇÃO DE PRISÃO

PREVENTIVA. NOVO TÍTULO LEGITIMADOR DA CUSTÓDIA. HABEAS

CORPUS ORIGINÁRIO JULGADO PREJUDICADO POR PERDA DE OBJETO.

AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE A SER SANADA. ORDEM DENEGADA.

1. Não há ilegalidade a reparar no acórdão que mantém decisão que

julgara prejudicado pedido de relaxamento da prisão temporária, ao argumento

de que, com a decretação da prisão preventiva, resta superada a análise de

eventuais ilegalidades na custódia temporária.

2. Ordem denegada.

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(HC 48.019/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA

TURMA, julgado em 13.02.2007, DJ 12.03.2007 p. 267)

Nesta hipótese, surge a questão da ilegalidade da prisão temporária

inquinada de ilegal pela parte e cuja decisão de primeiro grau considerou

ultrapassada uma vez que foi decretada a prisão preventiva e esta se revestia

de toda a legalidade. Como visto anteriormente, a prisão temporária corre o

risco de ser usada como instrumento necessário à formação da convicção

sobre a prisão preventiva. Entende, portanto, o Superior Tribunal de Justiça

que a modificação da modalidade de prisão de temporária para preventiva,

ainda que a primeira tenha sido ilegal, causa a perda do objeto de writ que vise

suspender por ilegalidade a prisão temporária.

Ainda sobre prisão decorrente de sentença, embora reconheça a

convivência harmônica entre a presunção de inocência (ou não-culpabilidade),

o Superior Tribunal de Justiça compreende que decretação de prisão por

sentença com base apenas na gravidade do delito não pode prevalecer, porque

mister a fundamentação legal para tanto.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE

ASSOCIAÇÃO E TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. SENTENÇA

CONDENATÓRIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DILAÇÃO

PROBATÓRIA. NEGATIVA DE APELAR EM LIBERDADE FUNDAMENTADA

APENAS NA GRAVIDADE DO DELITO. NECESSIDADE DE

DEMONSTRAÇÃO CONCRETA DA MANUTENÇÃO DO RÉU NO CÁRCERE,

À LUZ DO DISPOSTO NO ART. 312, DO CPP. PRECEDENTES.

1. Não é possível, na via exígua do habeas corpus, proceder amplo

reexame dos fatos e das provas para declarar se o caso é de absolvição ou

não, sobretudo se a instância ordinária, soberana na análise fática dos autos,

restou convicta quanto à existência do crime e a certeza da autoria.

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2. A gravidade abstrata do delito não é argumento apto a ensejar, por si

só, a manutenção do recolhimento do paciente ao cárcere para apelar. A prisão

decorrente de sentença penal condenatória recorrível é modalidade da custódia

cautelar e, para ser mantida ou decretada, deve atender aos requisitos

autorizativos previstos no art. 312, do Código de Processo Penal, os quais

deverão ser demonstrados com o cotejo de elementos reais e concretos que

indiquem a necessidade da segregação provisória.

3. Ordem parcialmente concedida apenas para assegurar ao paciente o

direito de apelar em liberdade, determinando, por conseqüência, a expedição

de alvará de soltura em seu favor se por outro motivo não estiver preso.

(HC 52948/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado

em 12.12.2006, DJ 12.02.2007 p. 279)

CONCLUSÃO

Considera-se a prisão do réu no curso do processo um fenômeno

excepcional, tratando-se de uma medida que deve ser aplicada em último caso.

Entretanto, observando dados da atual realidade, percebe-se que a exceção

tem se tornado a regra, haja vista a enorme quantidade de prisões cautelares -

em algumas unidades da federação a quantidade de presos provisórios supera

a de presos que, de fato, cumprem pena.

De acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), entre

2000 e 2008 a população carcerária cresceu 89%, saltando de 232 mil para

mais de 440 mil presos. Nesses oito anos, o número de presos provisórios foi

de 43 mil para 190 mil presos. Hoje esse número é menor: de acordo com

relatório divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), até o

fim do primeiro semestre de 2010, a quantidade de presos custodiados no

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sistema corresponde a quase 441 mil, desse total, cerca de 163 mil são

provisórios.

As taxas anuais de encarceramento têm diminuído, fato que seria

explicado pela expansão, ainda que tímida, da aplicação de medidas e penas

alternativas pelo Judiciário além da atuação do CNJ no cenário penitenciário.

Mesmo assim, velhos problemas (como a superlotação) se mantêm e,

atualmente, o déficit de vagas é de 194.650.

A partir dos dados alarmantes com que nos deparamos, percebe-se

que a dificuldade de alocar os detentos em um local com o mínimo de

dignidade e segurança, torna a prisão cautelar até pior do que a pena. Os

presídios, de longe, não são um lugar de correção e ressocialização, mas

verdadeiros depósitos de humanos.

As modalidades de prisão cautelar existentes, à exceção da prisão

temporária, cuja existência com bem menos requisitos que a própria prisão

preventiva, constitui, sim, uma violação ao princípio constitucional citado

anteriormente, mormente se utilizada como trampolim, como ferramenta

instrumentalizadora da prisão preventiva, como alerta parte da doutrina,

comentada em tópicos anteriores.

Em suma, verifica-se, a partir da análise doutrinária e jurisprudencial,

chegou–se à seguinte conclusão que:

a) a presunção de inocência confunde-se ou tem a mesma natureza da

não-culpabilidade;

b) as prisões ocorrentes antes do trânsito em julgado da sentença

penal, ainda que oriundas dessa sentença condenatória, são todas de natureza

instrumental e, portanto, exceções que só devem ser utilizadas quando forem

realmente necessárias;

c) a prisão temporária, em que pese haver quem a considere legal,

parece-nos arbitrária, injusta e inconstitucional, no que concerne à privação da

liberdade sem a necessária fundamentação e por ser passível de uso

instrumental para a prisão preventiva. Só neste ano, entre janeiro e setembro, o

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Superior Tribunal Federal (STF) concedeu 344 pedidos de Hábeas Corpus,

sendo 39 deles por deficiência de fundamentação na decretação da prisão

cautelar.

Se de um lado temos uma corrente que critica a quantidade excessiva

de prisões cautelares, há também quem considere que haja uma banalização

do uso da ação. Mas o fato é que a medida pode ser utilizada em diversas

situações: sempre que alguém entender que está sofrendo violência ou coação

em relação a sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder,

ou mesmo para discutir questões de natureza jurídica, como nos casos de

nulidades processuais, inépcia na denúncia, abusos processuais de juízes ou

quando há a falta de justa causa para a ação penal.

E, por fim, como nos parece mais adequada posição do Superior

Tribunal de Justiça, usou-se, neste trabalho, a terminologia presunção de

inocência, crendo, no entanto, que, afastadas essas divergências semânticas,

há um só princípio inserido no inciso LVII do artigo 5º, da Constituição Federal.

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