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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “ LATU SENSU ”
PROJETO VEZ DO MESTRE
O LÚDICO COMO FACILITADOR DO
CONHECIMENTO NA PRÉ-ESCOLA
POR: ANA PAULA FERREIRA CANELLAS
ORIENTADOR: Prof. Ms NILSON GUEDES FREITAS
RIO DE JANEIRO
ABRIL / 2005
2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “ LATU SENSU ”
PROJETO VEZ DO MESTRE
CURSO: PSICOPEDAGOGIA
O LÚDICO COMO FACILITADOR DO
CONHECIMENTO NA PRÉ-ESCOLA
Monografia apresentada à Universidade
Cândido Mendes como requisito final para
conclusão do curso de pós-graduação em
Psicopedagogia.
3 AGRADECIMENTO
A Deus, por me guiar e permitir ver as
possibilidades que a vida nos traz.
A meus pais, Paulo e Silvia, por terem
sempre acreditado e creditado em minhas
potencialidades.
A meus irmãos, Paulo e Bruno, pela
compreensão dos inúmeros momentos de
ausência.
A meu marido, Alex, pelo incentivo e
compreensão nos momentos difíceis.
As amigas conquistadas durante o
curso, a certeza de boas e alegres lembranças.
Ao professor Nilson, orientador deste
trabalho, que soube ouvir as angústias e
ansiedades no processo de elaboração do mesmo.
A todos os professores do curso pela
contribuição em meu processo de conhecimento.
Enfim, a todos aqueles que de forma
direta ou indireta, vem contribuindo em minhas
conquistas ao longo da vida !
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meu marido,
Alex Canellas Dias, pelo incentivo e carinho com
que acompanhou o mesmo. À ele a certeza do
meu amor e reconhecimento.
5
EPÍGRAFE
O brincar tem um lugar e um tempo...
Para dominar o que está fora, é preciso fazer
coisas não só pensar ou desejar, e fazer coisas
leva tempo. Brincar é fazer.
Winnicott
6
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância do lúdico no processo de aprendizagem, limitando-se ao seguimento da pré-escola e vislumbrando responder se este é agente facilitador da mesma ou não. Para tanto a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica do tema, encontrando em Piaget e Vygotsky resposta positiva a nossa questão problema. Estes teóricos da educação afirmam os benefícios cognitivos, afetivos, sociais, físicos e didáticos dos jogos e brincadeiras, apontando-os como fonte de lazer e simultaneamente como fonte de conhecimento.
PALAVRAS – CHAVES: LÚDICO. DESENVOLVIMENTO INFANTIL. PRÉ-ESCOLA. APRENDIZAGEM
7
SUMÁRIO
Introdução 08
1. A Trajetória do Lúdico na Infância 10
2. O Lúdico na Pré-Escola 18
3. O Lúdico Enquanto Metodologia na Pré-Escola 27
Conclusão 40
Referência Bibliográfica 42
Anexo 44
Índice 46
Folha de Avaliação 47
8 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância do
lúdico no processo de aprendizagem, limitando-nos ao seguimento da pré-escola,
cuja função principal é favorecer o desenvolvimento integral da criança, ou seja,
contribuir para seu amadurecimento, estimulando suas potencialidades, levando em
conta os conhecimentos e valores que já possuem, possibilitando a construção da
autonomia, criticidade, criatividade e responsabilidade: elementos fundamentais para
a constituição de um sujeito.
Os jogos e brincadeiras oferecem oportunidades para o professor
promover o desenvolvimento de habilidades motoras, perceptivas, intelectuais e
sociais, como a cooperação e a solidariedade, pois estimulam a imaginação, a
inteligência, provocam o uso de regras, de funções etc, propiciando a internalização
de valores, hábitos, atitudes e conhecimento de seu grupo sócio-cultural.
Para atingir nosso objetivo recorremos a pesquisa bibliográfica do
tema, encontrando diversos autores, que serão mencionados mais adiante, que tratam
do mesmo.
Desta forma, no primeiro capítulo, recorremos a leitura do
historiador francês Philippe Áries (1981) com intuito de compreender a entrada do
lúdico na educação. Assim verificamos que é a partir de uma nova concepção de
infância que iniciam-se estudos e técnicas de como lidar e trabalhar com as crianças.
No capítulo seguinte procuramos, com a leitura de Wajskop (1995)
e Kishimoto ( 1993 ), definir e diferenciar jogos e brincadeiras, termos que integram
o conceito de lúdico, mas que possuem particularidades. Os jogos são definidos
enquanto estruturas organizadas através de regras, já as brincadeiras são
caracterizadas pela espontaneidade e autonomia, onde a imaginação é quem
comanda.
Em seqüência, no terceiro capítulo, apontamos a importância dos
jogos e brincadeiras para o desenvolvimento infantil na pré-escola, na perspectiva de
Piaget e Vygotsky. Tais autores foram escolhidos porque desenvolveram – cada um
9 em sua particularidade – teorias de suma importância para a compreensão do
desenvolvimento e educação infantil.
Para Piaget ( 1978 ), os jogos e brincadeiras impulsionam a criança
em direção ao desenvolvimento na medida que oferece situações que põem em prova
o raciocínio, desequilibrando esquemas de ações estabilizados, gerando outros mais
diferenciados.
Já Vygotsky ( 1995 ), aponta o lúdico como um dos fatores
responsáveis por alargar os horizontes da zona de desenvolvimento proximal,
facilitando o processo imaginativo, rompendo com as restrições do ambiente.
Desta forma, concluímos o trabalho, verificando que o lúdico é a
formação mais criativa e construtiva, viabilizadora do desenvolvimento e expressão
infantil, possibilitando a construção de significados, de indagações e transformações
do próprio significado. Estas atividades não promovem apenas uma conquista
cognitiva, mas também emoções, afetividade estabelecimento e ruptura de laços e
compreensão da dinâmica interna que perpassa a ligação entre as pessoas.
10 1. A TRAJETÓRIA DO LÚDICO NA INFÂNCIA
Antes de pensarmos a questão do lúdico na pré-escola, é preciso
privilegiar um outro aspecto, que, aparentemente pode não ser relevante, mas que em
muito contribui para a contextualização do tema, afinal: como pensar hoje em
brincadeiras e jogos sem pensar na infância?
A questão do lúdico está vinculada às concepções de infância
vigentes em cada momento histórico.O contexto vivenciado pela criança reflete-se no
seu modo de brincar.
Cada tempo histórico oferece uma valorização diferente do ato de
brincar. Os jogos e brincadeiras se modificam, se estruturam, se aperfeiçoam, se
modernizam, se perpetuam, geração após geração, sofrendo alterações e adaptações
ao novo contexto social.
A noção de infância varia de acordo com o contexto sócio-políticos
da época. Nesse sentido, a criança é reflexo da sociedade em que vive,
correspondendo às expectativas e ideais de sua época.
A concepção de criança percorreu diferentes fases ao longo do
tempo até alcançar o status que possui hoje. Através de estudos do historiador
francês Philippe Áries, podemos conhecer a trajetória histórica e social da criança
nas suas diferentes concepções, partindo do pressuposto de que a noção e o cuidado
com a infância é uma invenção tardia nas sociedades ocidentais.
Segundo Ariès (1981), na idade média, a infância era uma fase sem
importância, não passava de uma etapa de transição para a vida adulta. A criança era
considerada um adulto em miniatura; nada, além do tamanho a distinguia do mesmo,
por isso desempenhava as mesmas atividades dos mais velhos. Aos sete anos, todas
as crianças eram postas em famílias desconhecidas, a fim de obter um melhor
aprendizado dos serviços domésticos. Com essa saída antecipada do convívio
familiar, o afeto não era cultivado entre pais e filhos, não havendo o sentimento de
infância tal qual o entendemos hoje, como nos mostra Ariès:
11 As pessoas se divertiam com a criança pequena
como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois uma outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. ( ARIÈS, 1981, p. 11 )
Ainda segundo Ariès (1981), foi a partir do século XVI que
começou a surgir o sentimento de infância pela criança. Um dos fatos que expressa
esse novo sentimento refere-se a dor da perda. Quando o filho falecia, seus pais
passaram a guardar seu retrato, como forma de lembrança, lamentando a morte
prematura.
Em decorrência dessa alta taxa de mortalidade houve, na idade
moderna, uma maior preocupação em modificar esse quadro, ocorrendo as primeiras
iniciativas de assistencialismo ( vacinação e políticas medico-higienistas ) e
aflorando o interesse pela educação e pela psicologia infantil, o que de fato, obteve
resultados satisfatórios.
As políticas higienistas constituíram um movimento realizado pelos
médicos no intuito de introduzir novos valores, costumes e hábitos higiênicos dentro
do seio familiar, visando o combate à mortalidade infantil, como nos relata Merisse:
O higienismo constituiu-se num forte movimento, ao longo do século XIX e início do século XX, de orientação positivista. Foi formado por médicos que buscavam impor-se aos centros de decisão do Estado para obter investimentos e intervir não só na regulamentação daquilo que estaria relacionado especificamente à área da saúde, mas também no ordenamento de muitas outras esferas da vida social. . . No que concerne à questão da educação, esta era vista como a forma através da qual corações e mentes poderiam ser transformados. A prática educativa dirigida principalmente às crianças, deveria revolucionar os costumes familiares. Por seu intermédio, os indivíduos aprenderiam a cultivar o gosto pela saúde, exterminando, assim, a desordem higiênica dos velhos hábitos coloniais (. . .). Assim, o movimento higienista teve forte repercussão não apenas em áreas como as da saúde e da nutrição, com as quais estaria diretamente relacionado, mas também se projetou em áreas tão variadas como as da educação, da arquitetura, da engenharia, do urbanismo, da moral e mesmo da moda. ( MERISSE, 1997, p. 34 )
Já o aprendizado deixou de ter cunho pratico nas casas alheias e
passou a ser teórico, realizado nos colégios, de forma mais pedagógica. Essa
renovação no ensino possibilitou o retorno do convívio entre pais e filhos, uma vez
que estes não mais partiram para as casas de outras famílias. Esse fato propiciou o
12 desenvolvimento de novos sentimentos pela criança, embora a finalidade do ensino
escolar fosse educar e moralizar as crianças e não promover a estruturação das
relações familiares.
Os mestres e a família usavam de artifícios corporais ( como o
chicote ) como forma de punição pelos erros cometidos. Isso refletia a ideologia da
época: a moralização e o enquadramento da criança.
Verificamos, assim, que na idade moderna ocorreram as primeiras
mudanças rumo a uma concepção de infância compactuante com a ideologia da
época. Essa nova sensibilidade atribui às crianças uma particularidade antes
ignorada. O pensamento iluminista da época colocou a criança numa posição entre a
paparicação, onde era vista como um ser sensível e fonte de alegria dos adultos e sua
suposta condição de incompletude, onde a criança era vista como um ser imperfeito,
necessitando ser educado e moralizado.
Essa trajetória percorrida pela infância na Europa se deu de forma
semelhante no Brasil sob a influência marcante da Companhia de Jesus1. A
preocupação dos jesuítas era educar a criança para a fé católica e para a submissão, e
pra tanto os jogos e as brincadeiras começaram a ser utilizados, seguindo o
movimento renascentista europeu. 2.
Com o renascimento, os jogos e brincadeiras são novamente
introduzidos no universo infantil, começando a fazer parte da realidade cotidiana e
educativa, deixando para traz uma infância e educação disciplinadora, de coerções
sobre o corpo propagados pelo cristianismo primitivo, que através de um estado forte
e poderoso impôs uma educação rígida, onde as crianças não recebiam significação
para a aprendizagem. Só sabiam que deveriam aprender a escrita e a leitura,
importantes para os adultos, não havendo associação de jogos como facilitadores do
conhecimento. A sociedade cristã impunha uma educação disciplinadora através dos
dogmas da memorização e da obediência, castrando os primeiros pensamentos sobre
o lúdico na educação que tiveram sua origem na Roma e Grécia antiga, como nos
1 A Companhia de Jesus instalou-se no Brasil em 1549, passando a comandar o setor educacional da então colônia. 2 A renascença, através da difusão dos ideais humanistas, incentivou o desenvolvimento das ciências pelo uso dos métodos racionais de investigação.
13 relata Wajskop ( 1995, p.19 ): “ Desde os primórdios da educação greco-romana,
com base nas idéias de Platão e Aristóteles, utilizava-se o brinquedo na educação,
associando a idéia de estudo e prazer.”.
No século XVII, com o desenvolvimento dos ideais humanistas,
advindos do renascimento, há uma constante expansão e reformulação dos jogos na
educação devido ao novo sentimento de infância. A apreensão do conhecimento
torna-se objeto de estudo, passando a ser debatida por estudos filosóficos e
científicos.
Já no século XVIII, o movimento cientifico3. dá sinais de
crescimento, e, com isso, há uma diversificação dos jogos, que ganham inovações e
se popularizam, deixando de ser apenas elementos para educação de nobres,
tornando-se veículos de divulgação critica. É neste período, ainda, que se concluirá
que a criança é distinta do adulto, e, por isso, a educação infantil deve ser
estabelecida através de pressupostos e praticas particulares, o que passa a ocorrer no
século XIX.
Uma preocupação, antes desconhecida, de preservar sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então classificados como maus, e recomendando-lhe os jogos então reconhecidos como bons. ( ARIÈS, 1981, p. 104 )
Novas inovações pedagógicas surgirão no século XIX, com o fim da
Revolução Francesa. Tenta-se por em pratica as idéias de Rousseau, Pestalozzi e
Frorbel, que apontavam a infância, segundo Wajskop (1995), como um período
especial do desenvolvimento do ser humano, valorizando as brincadeiras, e que, por
esta especificidade, deveria ter um lugar específico para se desenvolver.
No final do século XIX, não só a família como outras instituições que ofereciam algum tipo de atendimento a crianças passam a incorporar uma esfera educativa associada à pedagogia higiênica. . . Surgem novos colégios e novas entidades para educação de crianças pré-escolares, tais como os jardins de infância, criados no Rio de Janeiro e na Bahia, em 1875, e em São Paulo, em 1877, todos por iniciativas particulares (. . .) O primeiro jardim de infância público no Brasil teria sido instalado em 1886, quatro anos depois de Rui Barbosa
3 O século XVIII assistiu ao movimento chamado Iluminismo, que propagava a razão, somente através dela se poderia alcançar o conhecimento, a convivência harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. Teve influência marcante em todo desenvolvimento da cultura, educação e ciências em geral, como afirma Francisco José Calazans Falcon em seu livro ILUMINISMO.
14 ter proposto no município da Corte o “ jardim de creanças ”, como uma educação preliminar à escola, que deveria ter a duração de três anos e integrar-se ao ensino primário. ( MERISSE, 1997, p. 35 ).
Desta forma os jogos e as brincadeiras vão sendo incluídos na
historia da educação infantil brasileira, onde a criança passa a ser alvo de forças
sociais que objetivam o controle e o desenvolvimento das pessoas.
Mas é no século XX que a expansão dos jogos na área da educação
terá seu ponto mais expressivo, uma vez que há o crescimento da rede de ensino
infantil e da discussão sobre as relações entre jogo e educação. É a partir desse
momento que slogans como “instruir divertindo” são divulgados por fabricantes de
jogos, que procuram melhorar a qualidade de seus produtos, compreendendo o ato de
brincar como espontâneo e livre, possibilitando a criança adquirir conhecimentos e
desenvolver noções corporais, visuais, táteis ao manusear objetos.
Os jogos e as brincadeiras devem ser sempre entendidos como ações
culturais, que, portanto, não podem ser isolados da sociedade que os constitui e
transforma. Como vimos, desde os tempos passados, os estudos dos historiadores nos
mostram uma ligação entre jogos / brincadeiras e aprendizagem. Em um momento
eram associados à recreação e situações que nada tinham de relacionadas ao contexto
da aprendizagem, alegando-se que os jogos e brincadeiras não contribuíam para a
formação moral e desenvolvimento cognitivo, em outro tornaram-se condição de
possibilidade para sua facilitação. Portanto a utilização de jogos e brincadeiras na
pratica pedagógica surgem a partir de uma nova concepção de infância e como
suporte a ação docente que agora teria que se adaptar a uma linguagem infantil.
Atualmente vivemos um contexto político-social de valorização e
adequação do ensino para a infância através do Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil - RCNEI ( 1998 ), que é um documento criado e elaborado pelo
Ministério da Educação e Desporto, objetivando auxiliar os profissionais da
educação infantil, que atuem direta ou indiretamente com as crianças.
O documento foi elaborado em três partes. A primeira tem caráter
introdutório, contendo reflexões sobre a função das creches e pré-escolas, definindo
concepções importantes as outras partes tais como o conceito de brincadeira:
15 A brincadeira é uma linguagem infantil que mantém
um vínculo essencial com aquilo que é o não brincar. Se a brincadeira é uma ação que ocorre no plano da imaginação isto implica que aquele que brinca tenha domínio da linguagem simbólica. Isto quer dizer que é preciso haver consciência da diferença existente entre a brincadeira e a realidade imediata que lhe forneceu conteúdo para realizar-se. Nesse sentido, para brincar é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. Essa peculiaridade da brincadeira ocorre por meio da articulação entre a imaginação e a imitação da realidade. Toda brincadeira é uma imitação transformada, no plano das emoções e das idéias, de uma realidade anteriormente vivenciada. ( RCNEI, 1998, Vol. I, p. 27 )
Na segunda parte vemos dois temas: a formação pessoal e a
socialização, ou seja, refere-se às experiências que favorecem a formação do sujeito,
pela construção da autonomia e da identidade através do brincar, desenvolvendo
capacidades como: atenção, imitação, memória, imaginação, socialização. . .
enquanto a criança interage com outras crianças, adultos e objetos experimentando
regras e papéis sociais.
A terceira parte, titulada “ Conhecimento de mundo ”, refere-se a
construção das diferentes linguagens: arte, música, matemática, corporal, linguagem
oral, linguagem escrita. . . e sua relação com elas, colocando a criança em contato
com o mundo social e natural, assim como com sua historia.
Assim, o governo brasileiro reconhece a importância do brincar e do
jogo, objetivando mostrar que legitima em todo seu discurso acerca da educação
infantil, a necessidade dos jogos e brincadeiras fazerem parte do cotidiano escolar na
pré-escola, criando condições de conhecimento, significando e resignificando
valores, idéias e posições sociais. Tornando a escola mais um espaço de introdução
às relações éticas e morais da sociedade.
Esta postura política, marca a necessidade de ampliação dos
horizontes pedagógicos para novas metodologias, vendo nos jogos e brincadeiras a
possibilidade de desenvolvimento infantil que está para além da recreação. A
brincadeira de uma criança é uma séria ocupação, e é por meio desta que se
proporciona o aprender fazendo, é a vivencia na qual a criança começa a construir
suas relações emocionais, sociais e expressão oral, familiarizando-se com a cultura e
os costumes da sociedade.
16 Logo verificamos que o lúdico é introduzido na pré-escola não só
como fonte de lazer, mas como fonte facilitadora do conhecimento a partir de uma
nova concepção de infância que coloca a criança enquanto ser diferenciado do
adulto, com processo de desenvolvimento e apreensão do conhecimento particular.
Desta forma o lúdico vem sendo colocado como parte integrante da atividade
educativa, desenvolvendo a criatividade, a imaginação, o estabelecimento de regras e
a construção de categorias, ampliando assim, os conceitos nas várias áreas do
conhecimento.
Ao observar uma brincadeira e as inter-relações entre as crianças
em sua realização, o educador pode verificar o nível de elaboração de perdas e
ganhos que estão, suas possibilidades de interação, suas habilidades e falhas em
conduzir-se conforme as regras do jogo, suas experiências do cotidiano. . .
acompanhando assim seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, como nos
mostra Winnicott:
A criança adquire experiência brincando. A brincadeira é uma parcela importante da sua vida. As experiências tanto externas como internas podem ser férteis para o adulto, mas para a criança essa riqueza encontra-se principalmente na brincadeira e na fantasia. Tal como as personalidades dos adultos se desenvolvem através de suas experiências da vida, assim as das crianças evoluem por intermédio de suas próprias brincadeiras e as feitas por outras crianças e adultos. ( . . . ) A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência ( . . . ) Por exemplo pode-se facilmente ver que as brincadeiras servem de elo entre, por um lado, a relação do indivíduo com a realidade interior e, por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada. ( 1979, P. 163 )
Desta forma, podemos concluir que, o lúdico como meio de
construção do conhecimento é muito mais que uma estratégia didática, pois
pressupõe o comportamento integral da criança numa atividade, unindo interesse e
inteligência, na medida que transmite o conteúdo, despertando atenção diante do
assunto, fazendo com que as crianças participem ativamente, liberando e canalizando
suas energias, transformando a realidade.
Se historicamente vemos que nem sempre, os jogos e brincadeiras
tiveram sua importância afirmada no processo ensino-aprendizagem na pré-escola,
hoje a Pedagogia moderna, conforme estudo de vários teóricos ligados a educação,
dentre eles Piaget e Vygotsky, reconhece a função do lúdico no processo de
17 adaptação da criança ao meio social, viabilizando a percepção e compreensão da
realidade através principalmente das funções de imitação e fantasia. Desta forma, os
jogos e brincadeiras, permitem a criança lidar com o mundo, construindo sua relação
com o saber, estruturando sua personalidade.
18 2 . O LÚDICO NA PRÉ-ESCOLA
O lúdico na pré-escola permite a criança o desenvolvimento de
habilidades motoras, perceptivas, cognitivas e afetivas, pois estimula a imaginação, o
conhecimento de seu próprio corpo, provoca o uso de regras e cooperação através da
socialização. . . levando a internalização de valores e hábitos sócio-culturais.
Através dos jogos e brincadeiras, a criança explora o ambiente ao seu redor,
manipula objetos e vivencia situações que lhe propiciam o desenvolvimento integral
de suas potencialidades.
Morais afirma que:
O conceito de imagem corporal torna-se indispensável para qualquer tipo de aprendizagem, pois é através de uma boa formação deste pré-requisito que a criança torna o seu corpo um ponto de referência estável. . . . A criança que não consegue desenvolver a imagem corporal, poderá ter sérios problemas em orientação espacial e temporal; na aquisição dos conceitos em cima e embaixo; dentro, fora; esquerdo, direito; horizontal, vertical, diagonal, etc; no equilíbrio postural; dificuldades em se locomover num espaço determinado ou escrever obedecendo aos limites da folha. ( MORAIS, 2003, p. 33 )
Assim vemos que algumas crianças apresentam dificuldades na
escola porque não tiveram oportunidades para desenvolver atividades na pré-escola
que conduzissem a habilidades como expressão oral, acuidade auditiva e tátil,
rapidez de reação, destreza manual e coordenação motora. Ou, talvez, porque estas
atividades não foram valorizadas da forma mais apropriada, o que não ocorreria se o
lúdico fizesse parte da educação destas crianças. O emprego de jogos desperta e
mantém a motivação, servindo de instrumentos para a aprendizagem, além de
facilitar a expressão dos sentimentos. No jogo, o pré-escolar aprende quem é e qual o
papel das pessoas que o cercam, familiarizando-se com a cultura e os costumes da
sociedade, desenvolvendo o senso de competência, elevando a confiança e eficácia,
diminuindo a ansiedade e elevando o auto-respeito.
Até aqui muito falamos sobre: lúdico, jogos e brincadeiras, sem
fazer distinção entre esses termos, talvez porque ao longo dos tempos vêm recebendo
diversas conceituações e associações, e, conseqüentemente hoje temos certa
dificuldade em defini- los mas para uma compreensão embasada e menos arbitrária
faz-se necessária esta diferenciação.
19 2.1 Lúdico
O lúdico é uma das necessidades básicas da personalidade humana,
da formação da mente e do corpo. Faz parte das atividades essenciais da dinâmica
humana, caracterizando-se por ser uma atividade espontânea, funcional, satisfatória e
promovedora de prazer; sendo definida no dicionário Aurélio como “ relativo a jogos
brinquedos e divertimentos.”. Portanto pensar em lúdico na pré-escola é pensar nas
brincadeiras e jogos infantis.
Os jogos, tanto quanto as brincadeiras, são processos que envolvem
o indivíduo e a cultura, adquirindo especificidades de acordo com cada grupo. Eles
possuem um significado cultural muito marcante, pois é através do brincar que a
criança vai conhecer, aprender e se constituir como um ser pertencente ao grupo,
construindo significados, indagações e transformações do próprio dignificado, assim
como sua identidade cultural.
Estas atividades não promovem apenas conquistas cognitivas, mas
também envolvem emoções, afetividade, estabelecimento e ruptura de laços e
compreensão da dinâmica interna que perpassa a ligação entre as pessoas.
Uma vez compreendida a dimensão do lúdico, faz-se necessário
diferenciar seus elementos constituintes: o emprego do termo jogo deve corresponder
a uma referência à descrição de uma atividade lúdica que envolve situações
estruturadas através de regras externas. Ao contrário da brincadeira que independe
das mesmas, dando autonomia à criança.
Wajskop ( 1995 ) aponta que as brincadeiras são mais valiosas que
os jogos, definindo-as como estrutura organizada pela criança de forma espontânea e
autônoma, onde cada coisa se transforma através do faz-de-conta. A imaginação é
quem comanda.
Os jogos são definidos enquanto estruturas organizadas através de
regras explicitas ou implícitas, com sua existência marcada por uma
sequencialização própria e limitação espaço-temporal.
20 Uma outra diferenciação necessária é quanto ao termo “ recreação ”
também associado aos jogos e brincadeiras. Wajskop ( 1995 ) afirma que recreação é
uma atividade que leva muito em conta o movimento, deixando a imaginação em
segundo plano. É uma atividade organizada pela criança espontaneamente, com gasto
grande de energia e sem a dimensão simbólica.
Veremos agora mais especificamente as funções dos jogos e
brincadeiras na pré-escola.
2.2 A Brincadeira na Pré-Escola
A brincadeira é um sistema que integra a vida social das crianças,
sendo transmitida de geração a geração e incorporada pelas crianças de forma
espontânea. A forma de brincar muda ao longo dos tempos, mas o conteúdo, que
corresponde ao seu objetivo básico não.
As brincadeiras são imitadas e reinterpretadas em função das
necessidades e interesses do grupo cultural, traduzindo valores. As características do
brincar são dadas em função das etapas do desenvolvimento, do tempo e espaço
destinados a ela. Ao decorrer das brincadeiras a criança estabelece interações sociais,
durante as quais pode assumir vários papéis e colocar-se no lugar do outro. Os
brinquedos utilizados não são só meios para brincar, mas veículos da inteligência e
ação que refletem os padrões culturais dos contextos sócio-econômicos, como nos
mostra Wajskop ( 1995, p. 25 ): “ A brincadeira é uma atividade humana na qual as
crianças são introduzidas, constituindo-se em um modo de assimilar e recriar a
experiência sócio-cultural dos adultos”.
Como já vimos, a brincadeira, é uma linguagem, é a forma mais
fácil e graciosa de inserção da criança à cultura. Mas, e o brinquedo?
Meyer ( 2004 ), define brinquedo como suporte da brincadeira,
potencializando as reproduções do cotidiano, substituindo os objetos reais o que
viabiliza sua manipulação.
21 O brinquedo educativo é definido pela mesma autora enquanto
recurso que “ensina, desenvolve e educa de forma prazerosa” (MEYER 2004, p. 37 ),
citando como exemplo o quebra cabeça, brinquedos de móbiles, encaixe, carrinho. . .
Nesse sentido, os brinquedos educativos têm duas funções: A
função lúdica, entendida enquanto possibilidade de diversão, entretenimento, sem
associação a aprendizagem; e a função educativa: entendida como via de
facilitação do saber.
Podemos encontrar também uma classificação dos tipos de
brincadeiras, definidos por Kishimoto ( 1993 ) como:
1 – Brincadeiras tradicionais infantis: manifestação livre da cultura com função
perpetuadora da cultura infantil;
2 – Brincadeiras de faz-de-conta: brincadeira simbólica, permitindo à criança criar
símbolos, resignificando objetos e sua realidade;
3 – Brincadeiras de construção: fonte de enriquecimento sensorial, perceptivo, motor
e criativo.
A brincadeira é uma atividade “séria”, através da qual a criança dá
liberdade para a criação de suas fantasias, relatando sua vivencia, liberando seu
potencial criador, cooperando e dominando situações de conflitos, relacionando suas
percepções com suas experiências anteriores.
De todas as brincadeiras, o “ faz de conta” , é a atividade lúdica
primordial. Através de suas fantasias as crianças aprendem a lidar com o mundo
real, assumindo um papel fundamental no desenvolvimento ao permitir um
comportamento mais avançado do que seu desenvolvimento real.
Quando a criança representa o papel de professor, por exemplo, age
de acordo com o comportamento já vivenciado na interação com o outro, permitindo
criar o que Vygotsky ( 1995 ) chamou de zona de desenvolvimento proximal.
22 Com os estudos de Piaget ( 1978 ) e Vygotsky ( 1995 ) verificamos
que a brincadeira não é apenas um meio de passar conteúdos, mas um meio de poder
ajudar a criança a desenvolver sua identidade e interação. Na brincadeira a criança
desenvolve algumas capacidades que fazem, inclusive, parte do conteúdo da pré-
escola, tais como: atenção, imitação, memória, coordenação motora e visual,
socialização. . . por meio da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.
Portanto para que os pré-escolares possam desenvolver mais
facilmente a auto-estima, a autonomia, a imaginação, a socialização e a fantasia
devemos garantir no cotidiano escolar o espaço das brincadeiras, do faz de conta.
Afinal como Pereira nos diz:
Brincar é uma forma própria da criança se relacionar com o mundo, é a exteriorização de sentimentos através do concreto, é o encontro com o próprio mundo, a interação com o outro, a descoberta do mundo construído no real e no faz de conta. Hoje é inegável a importância da atividade lúdica. ( PEREIRA, 2002, p. 93 )
Desta forma a pré-escola cumpre sua função pedagógica de ampliar
os conhecimentos e o repertório vivencial objetivando a autonomia e a cooperação na
medida que proporciona o espaço da brincadeira possibilitando uma educação
criadora, voluntária e consciente.
2.3 Os Jogos na Pré-Escola
O jogo é definido por Kishimoto ( 1993 ) como resultado de um
sistema lingüístico, que assume a imagem e o sentido que cada sociedade lhe atribui;
e de regras, identificando uma estrutura seqüencial. Quando uma criança joga
vivencia a possibilidade da existência de regras vinculadas à diversão.
Na categoria jogo está incluído uma série de classificações, como:
os jogos simbólicos, jogos motores, jogos sensórios-motores, jogos cognitivos, jogos
verbais, individuais e coletivos. . . envolvendo sempre o prazer e a vontade de
participar livremente. Caso contrário, o jogo deixa de ter o caráter lúdico ( sem
interesse de criação ) e passa a ser competição ou trabalho ( preocupação em criar ou
adquirir algo ).
23 O jogo só é jogo quando o pensamento único da criança é “ brincar”
sem buscar efeitos ou resultados. É por este motivo que alguns jogos educativos
fracassam, porque dão prioridade ao produto. O jogo deve ser selecionado
espontaneamente pela criação, para que não se torne trabalho. Os próprios jogadores
é que devem determinar o desenvolvimento dos acontecimentos. Por este motivo, os
jogos utilizados na educação, não devem ser impostos de forma coercitiva, mas
libertar os alunos para a aprendizagem. Se não existe controle do aluno sobre o jogo,
resta apenas a direção do professor.
Portanto, o que torna um jogo educativo é o fato de o jogo ser
apresentado para as crianças como espaço de liberdade, no qual devem apenas
brincar; e, ao mesmo tempo, ter para o professor o objetivo de promover o processo
cognitivo, sem fazer imposições e sem mostrar o que devem alcançar no final da
ação. Se o pré-escolar sabe, inicialmente, que deve ser capaz de conquistar um
objetivo, vai jogar na busca de alcançá-lo, e não livremente.
Embora existam vários tipos de jogos, há alguns pontos que são
comuns a todos: 1 – Liberdade de ação do jogador; 2 – Caráter voluntário; 3 –
Prazer; 4 – Existência de regras; 5 – Sem exigência de produção; 6 – Incerteza dos
resultados; 7 – Situação no tempo e espaço.
Segundo Piaget ( 1978 ), os jogos passam de uma atividade
egocêntrica e espontânea para uma atividade social, onde as relações interindividuais
são essenciais. Os jogos apresentam três formas básicas de atividades, cuja
classificação é de fundamental importância para sua utilização na pré-escola, pois,
nivelam-se com o desenvolvimento social e intelectual das crianças. São elas: jogos
sensórios-motores; jogos de representação simbólica e jogos de regras ou sociais.
2.3.1 Jogos Sensórios-Motores
Os jogos sensórios-motores são os que caracterizam e fase que vai
desde o nascimento até o aparecimento da linguagem, apesar de estarem presentes
durante toda infância. Refere-se ao gesto que a criança faz e repete várias vezes, por
simples prazer, por exemplo, quando a criança joga um objeto fora para que o adulto
24 o pegue. Neste ato, vemos o jogo do prazer do funcionamento: “eu jogo o outro
pega”.
Os jogos motores consistem na repetição de gestos e movimentos
simples, com valor exploratório, através de movimentos de seu próprio corpo, seu
ritmo. . . . Nesta categoria temos os jogos: sonoros, visuais, táteis, olfativo,
gustativos, motor e de manipulação.
2.3.2 Jogos de Representação Simbólica
O jogo simbólico é a possibilidade de substituição do real concreto
por algo que o represente, é atribuir valor a alguma coisa que não tem vida,
viabilizando a assimilação do real e a auto-expressão.
É no período entre dois e seis anos que a tendência lúdica se
manifesta sob a forma de jogo simbólico classificado em: ficção, imaginação e
imitação. Este processo inicia-se a partir dos esquemas sensórios-motores.
Nesta fase, as crianças começam a reproduzir em suas brincadeiras,
gestos e atitudes predominantes em seu meio. Por exemplo, quando a criança brinca,
sentada no sofá, que está dirigindo tende a repetir o comportamento daqueles que
dirigem em sua presença: ficar agitado ou não, emitir palavras para fora do veículo
com a intenção de agredir o outro verbalmente ou não. . .
Logo, através dos jogos simbólicos podemos observar e trabalhar
conflitos afetivos e sociais surgidos na relação da criança com o outro e com ela
própria.
2.3.3 Jogos de Regras ou Sociais
Os jogos de regras são a terceira forma de atividade lúdica a surgir,
começando a se manifestar por volta dos cinco anos, mas desenvolve-se dos sete aos
doze anos, predominando no decorrer da vida do sujeito.
Estes jogos são atividades sociais, por excelência, necessitando de
parceiros e do cumprimento de algumas regras para sua execução.
25 Como Piaget nos diz, os jogos de regras são atividades lúdicas, que
permitem a troca do egocentrismo em prol do coletivo, do social.
Com a exposição anterior podemos constatar que a atividade lúdica
depende das ações das crianças, ou seja, só à medida que se desenvolvem suas ações
vão tornando-se abstratas, simbólicas.
Ao propiciar brincadeiras e jogos na pré-escola, criamos um espaço
de experimentação do mundo e internalização de sentimentos, viabilizando a
observação dos processos de desenvolvimento. Cabe ao professor, organizar
situações para que as brincadeiras e jogos ocorram de forma diversificada,
possibilitando a escolha do tema pela criança, e adequadas a seu nível de
desenvolvimento, considerando as diferenças e funções do brincar e jogar. É o que
Meyer ( 2004, p. 36 ), em Brincar & Viver nos diz:
Percebi ser necessário definir as diferenças existentes entre jogo e brincadeira, pois planejamos muitas situações didáticas que são jogos, e não brincadeiras. Estas definições colaboram para que as próprias crianças percebam que cada momento tem um objetivo.
Assim, rompemos com o conceito arbitrário que associa os jogos e
brincadeiras a “ puro divertimento ” e a pré-escola como “ lugar só para brincar ”,
permitindo-nos desviar o olhar para uma concepção que os fundamenta através da
ampliação do desenvolvimento cognitivo, afetivo e social; elaborando um
planejamento adequado a atividade lúdica.
Sobre a seleção das atividades na pré-escola, Pereira ( 2002 ) nos
coloca que se deve ter alguns pontos em mente:
1 – Favorecer a aprendizagem criadora: oferecer uma variedade de
materiais e atividades para a escolha da criança, possibilitando olhar, tocar, provar,
identificar-se em plenitude;
2 – Permitir que os objetivos sejam atingidos: favorecer o processo
de desenvolvimento cognitivo afetivo e social;
3 – Favorecer a aquisição de atitudes: através de um clima de
liberdade e confiança;
26 4 – Misturar experiências: refere-se à associação, a pontos de
ligação, das atividades desenvolvidas;
5 – Respeitar o nível de desenvolvimento da criança: para não gerar
sentimentos como: insatisfação, incapacidade, dispersão. . . ;
6 - Favorecer o processo avaliativo: a variedade de atividades
permite ao professor o feedback, ou seja, que ele perceba o nível de evolução do
desenvolvimento de cada aluno.
Desta forma, a pré-escola, por ampliar os laços sociais da criança,
torna-se introdutora de uma lógica extra familiar, mostrando que é possível,
aprender, conhecer novas pessoas, gostar delas, responder a avaliação do outro, sem
depender de uma ou mais pessoas de seu primeiro núcleo social ( família ). E esta
construção / preparação para autonomia do sujeito e compreensão da realidade social
é facilitada através dos jogos e brincadeiras, trabalhando com cada um de forma
específica, reconhecendo suas funções.
27 3. O LÚDICO ENQUANTO METODOLOGIA NA
PRÉ-ESCOLA.
Na pré-escola, o principal objetivo é favorecer o desenvolvimento
integral da criança, ou seja, contribuir para o seu amadurecimento, estimulando suas
potencialidades, levando em conta os conhecimentos e valores que já possuem,
possibilitando a construção da autonomia, criticidade, criatividade e
responsabilidade: elementos fundamentais para constituição de um sujeito.
A atividade lúdica é de extrema importância, pois possibilita a
criança se desenvolver sócio-emocional, cognitiva e afetivamente através da
interação com o outro social: seja ele o jogo ou o brinquedo ( que em si possui uma
função social ) ou outra(s) criança(s).
Vários teóricos ligados à educação como: Vygotsky ( 1995 ) e
Piaget ( 1978 ), afirmaram a importância do lúdico, apontando que esta atividade
contribui para o desenvolvimento das crianças através de benefícios físicos
(coordenação motora); intelectuais ( memória, atenção, observação, raciocínio. . . );
sociais ( desinibição, fortalecimento das relações humanas ) e didáticos ( utilizados
como facilitadores da metodologia de ensino ).
Os jogos e brincadeiras deixaram de ser um simples passatempo, na
medida que passaram a ser mais observados e estudados, tornando-se um
instrumento poderoso no processo de ensino-aprendizagem, facilitando-o.
Para Vygostky ( 1995, P. 73 ) a função do lúdico no
desenvolvimento infantil é um dos fatores responsáveis por alargar os horizontes da
zona de desenvolvimento proximal, definida por ele como:
A distancia entre aquilo que a criança é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real ) e aquilo que ela realiza em colaboração com outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial ). O desenvolvimento da criança é visto de forma prospectiva, pois a zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação e só se torna possível esse amadurecimento com ajuda de adultos e crianças mais experientes, contribuindo assim, para o seu aprendizado. ( Vygostky, 1995, p. 73 )
28 Nesta concepção o conceito de aprendizagem é intrínseco as
motivações internas e ao relacionamento social, transformando o outro em espelho
para a própria aquisição do conhecimento. Vygotsky enfatiza a função da imitação
não como uma atividade mecânica, mas sim como uma oportunidade da criança
potencializar-se para tarefas além de seu desenvolvimento. O brinquedo funciona
como “faz-de-conta”, promovendo na criança a criação de situações de transição
entre a ação, um objeto concreto e suas ações com significados, como por exemplo:
brincar de escolinha, casinha, contribuindo na aceleração da aprendizagem.
O que na vida real é “natural” e passa desapercebido, na brincadeira
torna-se regra e contribui para que a criança entenda o universo particular dos
diversos papeis que desempenha, conseguindo articular situações imaginarias,
tornando-as reais em sua brincadeira, facilitando e contribuindo para o seu
desenvolvimento.
Vygotsky ( 1995 ) valoriza a brincadeira, pois a partir dela, a criança
toma decisões, segue regras, experimenta e vivencia emoções aprendendo a lidar
com sus angustias.
Já Piaget ( 1978 ) através de sua obra “ A Formação do Símbolo na
Criança”, analisa os jogos e as brincadeiras integrados a vida mental e orientados
pelo comportamento que denominou de assimilação. Para ele cada ato de inteligência
é resultado do equilíbrio entre duas tendências: assimilação e acomodação, ou seja,
Piaget parte de uma concepção de desenvolvimento que envolve um processo
continuo de trocas entre o organismo e o meio, implicando uma noção de equilíbrio.
O desenvolvimento cognitivo ocorre através de constantes
desequilíbrios e equilíbrios. Ocorrendo um desequilíbrio, são acionados mecanismos
internos (assimilação e acomodação), para que haja seu restabelecimento.
Os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência humana. (Piaget. 1978, p. 15)
Para Piaget ( 1978 ) os jogos e brincadeiras não são apenas formas
de alivio ou diversão, mas também um meio de enriquecimento para o
29 desenvolvimento intelectual da criança, dividindo os em três sistemas sucessivos de
jogos: os jogos de exercícios; os simbólicos e de regras.
Os jogos de exercícios seriam aqueles que acontecem nos primeiros
meses de vida, que envolvem repetições de seqüências por mero “prazer funcional”.
Com um ano de idade esses exercícios tornam-se numerosos e começam a se
transformar em outras formas, ou seja, a criança passa a fazer repetições eventuais e
combinações de ações e manipulações, definindo metas. Desta forma os jogos de
exercícios são transformados em jogos de construção, e conseqüentemente obtem
regras claras, transformando-se assim em jogos de regras.
No entanto, o que mais nos interessa em se tratando de pré-escola,
são os jogos simbólicos que surgem a partir do segundo ano de vida com a
representação e a linguagem, ultrapassando a simples satisfação da manipulação, de
forma a assimilar a realidade externa ao seu eu, ou seja, transformando a realidade de
acordo com suas necessidades. Através do jogo simbólico a criança revive suas
experiências, suas vivencias e desenvolve-se cognitivamente.
Assim verificamos que Piaget relaciona a brincadeira a natureza
infantil, quer dizer, o brincar é visto como um ato espontâneo e natural da criança,
que vai impulsioná- la em direção ao desenvolvimento na medida em que esta oferece
situações que põem em prova o raciocínio, desequilibrando esquemas de ações já
estabilizados e gerando outros cada vez mais diferenciados. Quanto mais a criança
avança em idade mais ela caminha para a realidade.
Agora veremos de forma mais detalhada, as concepções de Piaget e
Vygotsky sobre o lúdico. Tais autores foram escolhidos porque desenvolveram
- cada um em sua particularidade - teorias de suma importância para a compreensão
do desenvolvimento e educação infantil. Piaget, enquanto seguidor de sistemas
psicológicos naturalistas, aposta numa racionalidade universal comum, desenvolvida
através de mecanismos biológicos auto-reguladores.
Vygotsky ( 1995 ), através da psicologia sócio-histórica, nega a
condição de possibilidade da humanidade estar associada a forças naturais internas
30 ou externas, fundando sua teoria sobre os pilares da sociedade, ou seja, a condição
humana surge da integração dialética do homem com seu meio sócio-cultural.
Apesar de pertencerem a escolas psicológicas diferentes, ambos
apontam a importância do lúdico no desenvolvimento infantil.
3.1 O Lúdico para Vygotsky
A teoria de Vygotsky fundamenta-se sobre a lógica dialética de
orientação marxista, portanto com caráter histórico-cultural . As leis do
desenvolvimento do pensamento refletem as leis do movimento da realidade social,
ou seja, os processos naturais entrelaçam-se aos culturais, através da supremacia
sócio-cultural sobre o biológico-natural, através do sistema de comunicação e
relações com o outro.
Vygotsky contribui na área da educação infantil a medida que suas
pesquisas visam compreender a natureza do comportamento humano. Destacando-se
neste contexto a relação entre pensamento e linguagem, e suas relações entre os
processos de desenvolvimento e aprendizagem. Vemos, ainda, que o brinquedo é
fundamental ao desenvolvimento infantil ao facilitar o processo imaginativo,
rompendo com as restrições do ambiente.
Nesta perspectiva, como vemos em Rego ( 1999, P. 83 ), o
brinquedo é libertador:
Mesmo havendo uma significativa distância entre o comportamento na vida real e o comportamento no brinquedo, a atuação no mundo imaginário e o estabelecimento de regras a serem seguidas criam uma zona de desenvolvimento proximal, na medida em que impulsionam conceitos e processos em desenvolvimento.
É através do brinquedo que vemos a promoção da zona de
desenvolvimento proximal, já citada neste capitulo, permitindo que a criança
comporte-se via brinquedo, como se fosse um outro, colocando-se em outra posição,
vivenciando e revendo seus conceitos sobre ela. Por exemplo, quando a criança
brinca de casinha e coloca-se na posição de mãe ( maior ) assume todas as funções
cabíveis ao papel já vivenciadas e observadas por ela, entrando num jogo de regras
31 do que é ser mãe ( conforme o contexto social em que vive ), comportando-se como
tal.
Ao brincar de ser mãe, há paralelamente o reconhecimento do que é
ser filho e quais as suas funções, necessidades e possibilidades. Quando na posição
de mãe pode ensinar ao filho ( brinquedo ou outra criança ) atualizando suas próprias
dúvidas e o que fazer com elas.
Assim verificamos que toda situação imaginária, mesmo a dita
“livre”, ou seja, sem regras pré-estabelecidas tem regras de comportamento porque
inseridas no contexto social; da mesma forma que os jogos de regras pré-
estabelecidas também possuem uma situação imaginária.
Uma outra observação feita por Vygotsky ( 1995 ) é a mudança
ocorrida no desenvolvimento do brincar: a situação imaginária evolui para a
predominância de situações de regras.
Numa primeira etapa a criança limita o brincar a uma situação
imaginária muito próxima a sua situação real, ou seja, reproduz aquilo que vivencia.
Voltando ao exemplo anterior, nesta fase, a criança repete, copia, exatamente as
situações vivenciadas com sua própria mãe. Nesta fase, Vygotsky ( 1995 ) aponta o
brinquedo como uma lembrança, memória em ação de algo que aconteceu, sem a
presença de uma situação imaginária nova.
A imitação é um instrumento de reconstrução interna daquilo que a
criança observa no ambiente externo. Para Vygotsky ( 1995 ) compreender a
imitação é um caminho para o aprendizado e compreensão do sujeito pois é através
dela que a criança é capaz de superar seus limites e suas capacidades. É importante
ressaltar que quando Vygotsky refere-se a imitação não está falando em fazer cópias
ou de uma imitação mecânica. Fala, sim, da reconstrução pela criança de uma
situação que já vivenciou, abstraindo dela, através da apreciação, observação e
interação, valores e conceitos, modos de agir e pensar de seu grupo social.
Numa segunda etapa, não estanque a primeira, a medida que o
brincar se desenvolve a criança caminha conscientemente em direção ao propósito do
jogo, deixando o brincar- imitar indo em direção ao objetivo do jogo. Assim ao final
32 do desenvolvimento surgem as regras e quanto mais rígidas maior a exigência de
atenção e regulação da atividade.
Logo, para Vygotsky ( 1995 ), a brincadeira é primordial para o
desenvolvimento cognitivo, pois é através do processo de criar situações imaginárias
que a criança desenvolverá o pensamento abstrato. Através da brincadeira e do ato de
brincar, a criança estabelece seu desenvolvimento, como aponta Rego ( 1999, P. 81 ):
De acordo com Vygotsky, através do brinquedo, a criança aprende a atuar numa esfera cognitiva que depende de motivações internas. Nessa fase ( idade pré-escolar ) ocorre uma diferenciação entre os campos de significado e da visão. O pensamento que antes era determinado pelos objetos do exterior passa a ser regido pelas idéias. A criança poderá utilizar materiais que servirão para representar uma realidade ausente, por exemplo, uma vareta de madeira como uma espada, um boneco como filho no jogo de casinha, papéis cortados como dinheiro para ser usado na brincadeira de lojinha etc. Nesses casos ela será capaz de imaginar, abstrair as características dos objetos reais ( o boneco, a vareta e os pedaços de papel ) e se deter no significado definido pela brincadeira.
Quando o significado da palavra, do objeto, domina e determina o
comportamento da criança, a estrutura psicológica desta modifica-se
consideravelmente. Vygotsky ( 1995 ) representou esta estrutura como:
significado/objeto. Um exemplo dessa estrutura é quando ao dizer para a criança a
palavra “ boneca ”, ela imediatamente a olha, indicando que a palavra tem um
significado.
A criança, quando passa por uma situação imaginária, aprende a
conduzir seu comportamento pela situação que a afeta de forma imediata, devido a
significação que a situação traz. Quando chega a idade pré-escolar, surge uma
divergência entre o campo do significado e o de visão, ou seja, ao brincar o
pensamento está separado dos objetos e a ação surge da idéia, a não do objeto. Por
exemplo, esta situação é vivenciada quando a criança transforma um cabo de
vassoura em cavalo. Este mecanismo é chamado de significado/ação, que traz a
criança uma nova forma de brincar. Como Vygotsky ( 1995, p. 134 ) nos diz: “ a
criança ao querer realizar seus desejos, ao pensar, ala age. ”
3.2 O Lúdico para Piaget
33 Piaget inaugura uma nova forma de pesquisa científica: a
Epistemologia Genética, que dentro de uma tendência pedagógica cognitiva, objetiva
compreender os processos de aquisição do conhecimento, ou seja, visa não o
conhecimento em si, mas o processo de formação dos estados alcançados.
Para Piaget ( 1978 ), o desenvolvimento é influenciado pela
maturação (crescimento biológico dos órgãos ), pela exercitação ( que implica na
formação de hábitos ), pela aprendizagem social ( aquisição de valores, linguagem e
padrões sócio-culturais ) e pela equilibração ( processo de auto-regulação interna ). O
conhecimento não é visto como espontaneamente descoberto pela criança, nem como
meramente transmitido pelo meio exterior, mecanicamente, mas como resultado da
interação, na qual a criança é considerada como sujeito ativo.
O lúdico, através do jogo, caracteriza a evolução da criança
possibilitando seu desenvolvimento, como Maranhão ( 2004, P. 21 ) nos diz:
O desenvolvimento cognitivo vai acontecendo a partir do desequilíbrio provocado palas suas necessidades, tais como conhecer, descobrir as conseqüências resultantes de determinados atos seus, ou seja, suas brincadeiras irão incorporar-se através dos seus sentidos ao cérebro e conseqüentemente irão provocar o processo de equilibração e desta forma farão aflorar o desenvolvimento cognitivo.
Piaget analisa o desenvolvimento da criança e do jogo/ brincadeira
por etapas, explicando suas definições e seus significados no desenvolvimento
intelectual, classificando-os em: jogos de exercícios ( ou sensórios motores ), jogos
de representações simbólicas e jogos de regras ou sociais.
Os jogos de exercícios são também denominados jogos sensórios
motores porque esta atividade é praticamente constituinte do período sensório-motor
do desenvolvimento infantil, dito por Piaget. Iniciando-se ao nascimento e indo até o
aparecimento da linguagem, embora reapareçam durante toda a infância. São assim
denominados porque fundados puramente em experiências sensoriais e motoras,
experiências estas que objetivam o conhecimento dos objetos através dos reflexos.
Portanto a primeira manifestação de inteligência do ser humano é a ação.
Mas, de onde surgem os reflexos? Piaget ( 1978 ) fala de esquemas,
ou melhor, de uma estrutura interna de ações já existentes na criança. E é através
34 deles que inicia sua relação com o mundo: o reflexo, por exemplo, de sugar que em
primeira instancia tem o objetivo de nutrição, torna-se via de conhecimento de sua
boca e de outros objetos.
Maranhão ( 2004, p. 20 ) aponta que o “ corpo é o primeiro
brinquedo utilizado pela criança, provocando assim, a adaptação do seu corpo ao
meio ”. A adaptação é alcançada a partir dos desequilíbrios e equilíbrios provocados
por suas necessidades.
Os jogos de exercícios consistem na repetição de gestos e
movimentos simples com valor exploratório. Dentro desta categoria ressalta-se os
seguintes jogos: visual, tátil, olfativo, gustativo, motor e de manipulação. Um
exemplo desses jogos é o realizado pela criança com o chocalho. A ação de sacudi- lo
é feita de forma espontânea e livre, pelo prazer de sacudir e escutar o som: e aí está o
jogo, o som aparece e desaparece conforme o movimento feito, começando a
perceber que existem diferentes tipos de sons, que poderão ser feitos com objetos
variados.
Logo, os jogos de exercícios marcam o valor exploratório no
desenvolvimento. Ao realizar estes movimentos exploratórios exercita seus
movimentos do corpo, seu ritmo, sua cadência e seus desembaraços, bem como os
efeitos que sua ação pode produzir.
No período pré-operacional vemos emergir os jogos de
representação simbólica que surgem por volta do segundo ano de vida. Tendo como
características: as convenções ( escolha da substituição de um objeto por outro ), a
presença do objeto, a socialização, a tematização de papéis e os esquemas
simbólicos.
Esse tipo de jogo, desenvolve-se a partir dos esquemas sensórios-
motores que, a medida que são interiorizados, dão origem à representação. Nesta fase
a criança substitui o real concreto por algo que o represente, via imitação. Um
exemplo deste jogo é quando a criança brinca de carro no sofá: o jogo simbólico
permite a ela transformar o sofá da sala de estar em um veículo com movimentos
(quando inclina-se de um lado para o outro simulando as curvas ) e sons ( quando os
35 simula com a própria boca ou outro brinquedo ). Transforma ainda o ambiente ( sala
de estar ) numa estrada.
Neste tipo de jogo vemos o deslocamento do interesse da criança: de
seus atos ( tocar, chutar, lamber, abraçar. . . ) para o objeto que os estimula ( bola,
boneca. . .). É o objeto que passa dar sentido e regula suas ações.
Falar em jogo simbólico é falar da presença do outro, da inserção do
sujeito na cultura, afinal as ações passam a estar vinculadas a ela com todas as suas
exigências, como nos mostra Macedo ( 1997, P. 161 ):
É por intermédio dos jogos simbólicos que a criança entra no mundo da cultura, da civilização, da sociedade. No período sensório-motor, as ações das crianças estavam mais associadas a sua significação cognitiva e funcional ( “este objeto é para. . . ” ; “ essa ação serve para..”). No nível em que os jogos podem ser simbólicos, as significações são, para a criança, também associadas ao universo sociocultural ( “ . . . deve-se, nesta casa ou escola, comer à mesa, deste ou daquele jeito. . . ” ). Ou seja, associada a uma ação sempre existe uma significação. Mas, as significações são diferentes em um ou outro nível de desenvolvimento cognitivo. ( MACEDO, 1997, p. 161 )
Os papéis desempenhados nas brincadeiras assumem importante
função no processo de socialização do conhecimento sobre si e sobre os outros. Os
jogos simbólicos permitem a apreensão da realidade ao possibilitar a vivencia dos
diversos papéis sociais como: o feminino ( coisas de menina ), o masculino ( como
um menino ceve se comportar ), o bom filho ( a ), o negro, o branco, o feio, o bonito,
o grande, o feio. . .
Por fim, ao atingir o nível operacional-concreto, os jogos de regras
tornam-se mais evidentes e constantes. Surgem por volta dos cinco anos mas
desenvolvem-se dos sete aos doze e vão predominar na vida do adulto.
Ocorre um declínio do simbolismo em favorecimento aos
jogos/brincadeiras de regras. As construções simbólicas aproximam-se mais do real
crescendo progressivamente a adaptação social, pois este tipo de jogo implica na
convivência com outras pessoas e o cumprimento de alguns regulamentos para que a
atividade chegue a seu fim.
36 Piaget ( 1978, P. 182 ) aponta que é neste período que o jogo é
concluído: o jogo que era inicialmente uma atividade egocêntrica e espontânea,
torna-se cada vez mais social onde as relações interindividuais são de fundamental
importância:
Com efeito, tal como o simbolismo substitui o exercício simples logo que surge o pensamento, do mesmo modo a regra substitui o simbólico e enquadra o exercício, quando certas relações sociais se constituem; portanto o problema apenas consiste em determinar quais são elas.
Assim conclui-se a terceira forma de atividade lúdica a surgir no
desenvolvimento infantil, combinando ações motoras e intelectuais, regulamentadas
por regras, inserindo definitivamente o sujeito na sociedade.
3.3 Contraposições de Piaget e Vygotsky sobre o lúdico
Tanto Piaget quanto Vygotsky observam que, ao brincar, as crianças
na fase pré-escolar sofrem mudanças em seu desenvolvimento psíquico. Embora
tenham alguns pontos em comum vão divergir em outros.
Ambos admitem existir influência entre o meio e o indivíduo,
considerando que os fatores sociais e biológicos vão interagir no processo de
desenvolvimento individual. Para os autores, a criança é um ser ativo, capaz de
atribuir valores ao mundo e a si mesma, por meio de suas atitudes, seja por sua
inserção social ou herança genética.
Os autores passam a valorizar o processo de desenvolvimento da
criança entendendo que elas são o sujeito que constroem seu conhecimento, a partir
das interações que serão estabelecidas com o meio, e não mais como sendo um
sujeito que assimila os estímulos externos passivamente.
A perspectiva piagetiana coloca que desde o nascimento as crianças
organizam seu ambiente, dando-lhe significações e identificando algumas
características. Desta forma, vão surgir modificações nos esquemas que já existiam
para o surgimento de novos esquemas, novos conhecimentos significativos vão ser
construídos. Esses processos contínuos e infinitos de construções de estruturas
cognitivas pelas crianças obedecem características próprias, levando o autor a
37 organizá- las em estágios ou fases de desenvolvimento. Como Maranhão ( 2004, P.
18) nos diz:
De acordo com Piaget, o desenvolvimento da inteligência está voltado para o equilíbrio; a inteligência é adaptação. O homem está sempre buscando uma melhor adaptação ao ambiente. Dessa forma podemos entender a importância do brincar para o desenvolvimento da criança. Através da brincadeira, a criança se apropria de conhecimentos que possibilitarão sua ação sobre o meio em que se encontra.
Logo, para Piaget, faz-se necessário que as situações inseridas no
processo de ensino/aprendizagem, tragam desequilíbrio e reequilibrio dos esquemas.
Vygotsky ( 1995 ) valoriza a interação estabelecida desde o
nascimento entre a criança e o meio, afirmando que só através da construção do
conhecimento, da linguagem e da subjetividade é que se dará esta interação. O meio,
para o autor, é o conjunto das circunstâncias e práticas sociais e ideológicas inseridas
em sua cultura. As relações que se dão entre os indivíduos transformam-se
dinamicamente, o que significa que alguns aspectos e elementos existentes como
recurso privilegiado para o desenvolvimento, podem modificar-se ao longo da vida.
Rego (1999 ) aponta que o termo brinquedo utilizado por Vygotsky
refere-se fundamentalmente ao ato de brincar, privilegiando os jogos de papéis
(brincadeira de faz de conta ), devido a presença da linguagem, que implica a
capacidade de representação simbólica.
Outro aspecto que se destaca em relação ao desenvolvimento
infantil, é considerar a zona de desenvolvimento proximal ou potencial, isto é, a
diferença do que a criança pode fazer sozinha, e o que pode fazer e aprender com a
ajuda de outras pessoas. Este fato é de grande importância para as relações
interpessoais, pois só através da interação com os adultos e parceiros mais
experientes, as crianças organizam-se e modificam os ambientes, desenvolvendo
formas mais complexas de agir, de conhecer e simbolizar o mundo. Além disto, estão
inseridas nestas interações as trocas afetivas, que estão presentes nas bases da
socialização infantil, ajudando na construção das estruturas mentais das crianças, e a
reconstrução das normas de grupo e questões relativas à moralidade.
38 Segundo Piaget ( 1978 ), o conhecimento é conseguido com o meio.
Contudo, este “meio” não abrange a cultura nem a história social de homem. Para
ele, o indivíduo atingirá os estágios cognitivos plenos, independente do contexto
social e cultural nos quais estão inseridos através da auto-regulação das estruturas
cognitivas.
Os dois autores não negam a importância da linguagem no
desenvolvimento infantil. Todavia, vão divergir quanto a seu papel da linguagem na
construção da consciência e do pensamento.
Para Vygotsky ( 1995 ), o sistema de signos produzidos
culturalmente cria no indivíduo maneiras de transformar sua consciência sobre a
realidade, provocando assim mudanças nos seus processos mentais. Para Piaget, a
linguagem não tem um papel tão marcante na estrutura do pensamento, mas a ação
da criança, é o elemento fundamental para o início das organizações simbólicas e das
estruturas cognitivas.
As interações sociais têm importante lugar na construção dos
sentidos para Vygotsky, pois ele destaca que só através da intermediação com o
outro e a partir dos signos lingüísticos outros elementos são incorporados. Piaget tem
posição diferente, alega que a linguagem pertence a uma organização cognitiva mais
ampla, embasada na ação e nos mecanismos sensórios-motores, sendo estes mais
determinados do que a linguagem. Logo, para Piaget ( 1978 ), as interações sociais
são produtos de uma lógica crescente do pensamento e da criança. Sendo o
egocentrismo um aspecto limitador do pensamento que deverá ser ultrapassado pela
criança, para que atinja uma forma mais elaborada do pensamento.
Concluindo estas considerações a respeito de Piaget e Vygotsky,
chegamos a conclusão que para Piaget o pensamento se forma através de uma
estrutura lógica de raciocínio e o conhecimento se dá através da construção científica
feita pelo homem. Para Vygotsky, há uma relação entre a linguagem e o pensamento,
não havendo priorização do pensamento em relação à linguagem, mas a inter-relação
entre ambos.
39 São importantes para a educação infantil as obras de Piaget ( 1978 )
e Vygotsky ( 1995 ), pois se Piaget tem suas teorias estruturadas e fundamentadas,
Vygotsky aparece com suas teorias renovadoras, que nos fazem questionar e analisar
como usá- las em nosso cotidiano escolar. Sabemos que não devemos desprezar ou
tomar por absolutas suas proposições, e sim retirar delas o que nos possa ajudar, no
avanço ao desenvolvimento infantil.
40 CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho tivemos como objetivo analisar a importância
do lúdico na aquisição do conhecimento na pré-escola, partindo do problema: O
lúdico facilita o processo de aprendizagem na pré-escola ? Para tanto iniciamos nossa
pesquisa sobre o pressuposto de que os jogos e brincadeiras interagem positivamente
no desenvolvimento, facilitando a aprendizagem da criança.
Verificamos em Áries ( 1981 ) que o tema lúdico associado a
criança é introduzido na sociedade a partir de uma nova idéia de infância, não
possuindo uma natureza em si. Só a partir de uma nova concepção de infância, que
coloca a criança enquanto ser diferenciado do adulto, com um processo de
desenvolvimento e apreensão do conhecimento particulares, que o lúdico começa a
estar associado intrinsecamente a ela. Passando a ser visto, não só como fonte de
lazer, mas como fonte facilitadora do conhecimento, para as pessoas que agora
possuíam características diferenciadas dos adultos.
Com esta nova concepção de infância surgem vários teóricos do
desenvolvimento e educação infantil ao longo da história, que iniciaram e avançaram
seus estudos sobre a criança.
É com os estudos de Piaget ( 1978 ) e Vygotsky ( 1995 ) que
pensamos em nossa hipótese. Com eles verificamos que as brincadeiras e jogos não
são apenas um meio de facilitar a aquisição de conteúdos, mas de também
possibilitar o desenvolvimento da identidade e interação. Através deles a criança
desenvolve a atenção, a imitação, memória, coordenação motora e visual,
socialização etc, por meio da utilização e experimentação de regras e papéis sociais.
Piaget ( 1978 ) aponta que os jogos passam de uma atividade
egocêntrica e espontânea para uma atividade social, apresentando três formas de
atividades: os jogos sensórios-motores, os de representação simbólica e os jogos de
regras ou sociais, cuja classificação é fundamental para utilização na pré-escola, pois
correspondem ao nível de desenvolvimento social e intelectual das crianças.
41 Para Vygotsky ( 1995 ) as brincadeiras são responsáveis pela
promoção da zona de desenvolvimento proximal, sendo fundamental para o
desenvolvimento cognitivo, pois através das situações imaginárias a criança
desenvolve seu pensamento abstrato.
Com o estudo destes teóricos pudemos atestar a veracidade de nossa
hipótese, ao constatar que os jogos e brincadeiras são mais que recursos didáticos
pois neles a criança mostra e viabiliza seu desenvolvimento total, enquanto pessoa e
não só o cognitivo. Vemos aí uma, ou melhor, várias possibilidades de investigação
que não foram abordadas no presente trabalho, afinal ao observar uma brincadeira e
as inter-relações entre as crianças podemos verificar o nível de elaboração de perdas
e ganhos que estão seja eles físicos ou afetivos; suas possibilidades de interação
viabilizadas pelos jogos e brincadeiras; suas habilidades e falhas em conduzir-se
conforme as regras do jogo e idade etc
Outro aspecto importante a ser pesquisado refere-se a forma de
articulação dos jogos e brincadeiras com o conteúdo programático, pelo professor.
Com que idade, em que fase do desenvolvimento, como, que tipo de jogo utilizar em
cada momento do aprendizado ?
Afinal é importante ressaltar que os jogos e brincadeiras por si não
dão conta do processo de aprendizagem, é preciso que sejam articulados com outras
formas de apreensão do conhecimento, tornando-se seu facilitador, afinal o processo
de aprendizagem inclui ação, reflexão e sistematização, que promoverá o
desenvolvimento dos processos psíquicos, físicos, sociais e aquisições lingüísticas e
lógico-matemáticas.
42 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFIA
ÁRIÈS, Phillippe. Historia Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar
editores, 1981.
BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo:
Summus, 1994.
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Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília:
MEC / SEF, 1998.
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Pioneira editora, 1994.
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educação. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
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MARANHÃO, Diva. Ensinar Brincando: A aprendizagem pode ser uma grande
brincadeira. Rio de Janeiro, Wak Editora, 2004.
MERISSE, Antonio. Origens das Instituições de Atendimento à Criança: o caso das
creches in Lugares da Infância: reflexões sobre a história da criança na fábrica,
creche e orfanato. São Paulo: Arte e Ciência, 1997.
MEYER, Ivanise Corrêa. Brincar & Viver: Projetos em Educação Infantil. Rio de
Janeiro, Wak Editora, 2004.
43 MORAIS, Antonio Manuel Pamplona. Distúrbios da Aprendizagem: uma
Abordagem Psicopedagogica. São Paulo: Edicon, 10º ed., 2003.
OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento: um processo
sócio-historico. São Paulo: Scipione, 1993.
PEREIRA, Mary Sue. A Descoberta da Criança. Rio de Janeiro, Wak Editora, 2002.
PIAGET, Jean. A Formação do Simbolismo na Criança: Imitação, Jogo, Sonho e
Representação. Rio de Janeiro: Zaar, 1978.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural da educação.
Petrópolis, Vozes, 1999.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos
pedagógicos Superioras. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
WAJSKOP, Gisela. Brincar na Pré-escola. Rio de Janeiro: vol 48, Coleção Questões
de Nossa Época, Es. Cortez, 1995.
WINNICOTT, D. W. A A Criança e seu Mundo. São Paulo:Zahar, 1979
44 ANEXO
45
46 INDICE
Folha de Rosto 02
Agradecimentos 03
Dedicatória 04
Epígrafe 05
Resumo 06
Sumário 07
Introdução 08
1. A Trajetória do Lúdico na Infância 10
2. O Lúdico na Pré-Escola 18
2.1. Lúdico 19
2.2. A Brincadeira na Pré-Escola 20
2.3. Os Jogos na Pré-Escola 22
2.3.1. Jogos Sensórios-Motores 23
2.3.2. Jogos de Representação Simbólica 24
2.3.3. Jogos de Regras ou Sociais 24
3. O Lúdico Enquanto Metodologia na Pré-Escola 27
3.1. O Lúdico para Vygotsky 30
3.2. O Lúdico para Piaget 32
3.3. Contraposições de Piaget e Vygotsky sobre o Lúdico 36
Conclusão 40
Referência Bibliográfica 42
Anexo 44
Folha de Avaliação 47
47 FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRACUAÇÃO “ LATU SENSU ”
PROJETO VEZ DO MESTRE
CURSO: PSICOPEDAGOGIA
TÍTULO: O LÚDICO COMO FACILITADOR DO CONHECIMENTO NA
PRÉ-ESCOLA
DATA DE ENTREGA: 09 / 04 / 05
AVALIAÇÃO:
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AVALIADO POR: Prof. Ms NILSON GUEDES FREITAS