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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O DIREITO AO NOME DO PAI: O NÃO-RECONHECIMENTO PATERNO, QUESTÕES HISTÓRICAS, DE CIDADANIA, DE DIREITO E DE JUSTIÇA Por Susana Mara da Silva Lira Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O DIREITO AO NOME DO PAI: O NÃO-RECONHECIMENTO

PATERNO, QUESTÕES HISTÓRICAS, DE CIDADANIA, DE

DIREITO E DE JUSTIÇA

Por Susana Mara da Silva Lira

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O DIREITO AO NOME DO PAI: O NÃO-RECONHECIMENTO

PATERNO, QUESTÕES HISTÓRICAS, DE CIDADANIA, DE

DIREITO E DE JUSTIÇA

Apresentação de monografia a AVM Faculdade Integrada como requisito

parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Internacional e

Direitos Humanos.

Por: Susana Mara da Silva Lira

3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus que me dá saúde e inquietude suficiente para

criar e provocar. A Ministra Nilcéa Freire que foi a primeira pessoa a acreditar

na importância deste tema e investir energia e recursos para que essa

pesquisa pudesse existir. A minha consultora de conteúdo Ana Liesi Thurler

pelo incentivo e pela inspiração. Aos meus colegas de trabalho Luciana e Tito,

que sempre estimulam o meu aperfeiçoamento profissional e a minha filha

Pilar, que se ressente com minhas ausências, mas compreende que sou um

ser humano em busca de respostas e o estudo é um tentativa de encontrá-las.

4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho única e exclusivamente à minha inenarrável mãe,

que não interrompeu a gravidez quando para todos essa era a melhor solução,

e por isso, sendo mulher sofreu todos os tipos de preconceitos e rejeições por

ser uma mãe solteira e resistiu bravamente me educando com ternura, afeto e

coragem, nunca permitindo que eu desistisse de mim.

5

RESUMO

O objeto deste estudo está delimitado a investigação da questão da

filiação tida como ilegítima desde a formação da sociedade brasileira com a

chegada dos primeiros colonizadores, até os dias de hoje onde o direito ao

nome do pai se constitui muitas vezes em casos de justiça. No universo de

influência no direito brasileiro, o avanço no enfrentamento dessa cruel

desigualdade começou com as Ordenações Filipinas, e perpassando pela Lei

Teresoca, que no Brasil, sinalizou pela primeira vez pela proteção igualitária de

filhos, mesmo que havidos fora do casamento, e oriundos duma relação dita

imoral. Mas, definitivamente foi com a Carta Magna de 1988 que finalmente foi

afastado o espectro dessa marca e o princípio da dignidade humana foi

efetivamente aplicado à filiação.

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METODOLOGIA

Essa pesquisa teve início em 2005 quando comecei o estudo do

fenômeno da deserção de paternidade no Brasil para a realização do

documentário intitulado NADA SOBRE MEU PAI. Ao longo desses anos tive

como principal consultora a socióloga Ana Liesi Thurler, que me apontou os

caminhos para a investigação do tema e que sempre me estimulou a ter

determinação e tenacidade para prosseguir.

Como base de pesquisas tive como fonte os artigos da própria Ana

Liesi, e contei também com a colaboração de algumas instituições brasileiras

que lidam com as causas e consequências da ausência paterna no Brasil como

por exemplo o Ministério Público do Distrito Federal (através do Projeto Pai

Legal na Escolas), a Polícia Civil (Implementação dos testes de DNA), o

UNICEF (Projetos sociais voltados para crianças em situação de abandono), a

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (pela missão de alcançar a

equidade de gênero) , a Secretária de Direitos Humanos (Campanha Nacional

do registro Civil), a Associação de mães Solteiras de Pernambuco, a Fundação

Casa, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e a ANOREG-

Associação de Notários e Registradores do Rio de Janeiro.

Ao longo de seis anos percorri cinco cidades brasileiras entrevistando

representantes de instituições e pessoas comuns sobre o tema. Para entender

a questão psicossocial do abandono paterno fui até Paris (França) para

entrevistar Jacques-Alain Miller , responsável pela disseminação da obra do

psicanalista francês Jacques Lacan, autor da tese sobre a função paterna.

Além do contato direto e pessoal, aprofundei minha pesquisa com a leitura de

livros, jornais, revistas, filmes e livros.

O resultado desses anos de imersão no vazio da ausência paterna

poderá ser visto nesta monografia, no filme NADA SOBRE MEU PAI, cuja

personagem principal é também autora deste texto, e na série DIAS DE PAIS

que será exigida em agosto de 2012 no canal GNT.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------------8

CAPÍTULO I - O desconhecimento do pai e suas origens históricas-------------10

CAPÍTULO II - A desqualificação do status de filiação e as consequências na

sociedade brasileira.---------------------------------------------------------------------------17

CAPÍTULO III -A Justiça e o nome do pai------------------------------------------------23

CONCLUSÃO------------------------------------------------------------------------------------44

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA------------------------------------------------------------45

ÍNDICE--------------------------------------------------------------------------------------------49

FOLHA DE AVALIAÇÃO

8

INTRODUÇÃO

A figura mítica, inacessível e heróica do pai está presente no Brasil

desde seus primeiros anos de surgimento. Com a vinda da comitiva portuguesa

para o país, as relações sexuais permitidas ou não entre índias e brancos se

multiplicaram ao longos dos anos e a figura do mameluco (mistura do índio

com o branco) surge então como o primeiro mestiço brasileiro. Algum tempo

depois, com o ápice da escravatura, o sexo entre as escravas e seus

“senhores” fazia parte do cotidiano da sociedade. Nasce a figura do mulato

(mistura entre branco e negro) e também surge a denominação bastardo. O

filho ilegítimo, que nasceu somente da vontade da mãe. A mestiçagem ganhou

contornos ainda mais contundentes ao logo de nossa história, mas o pai

continua uma incógnita.

Considerando a gênese de nossa nação, não é surpresa constatar que

o pai brasileiro ainda hoje permanece omisso, ausente e desconhecido. Não há

pesquisas oficiais sobre o cidadão-pai embora sua ausência reflita cruelmente

em estatísticas e índices sociais ligados à miséria e a violência.

Nosso estudo tem como ponto de partida a ausência do pai na

sociedade brasileira e como o espaço vazio deixado pelo progenitor abriga

razões para a miséria e para o abandono em um ciclo que se perpetua ao

longo de gerações tornando notória a limitação do acesso aos direitos de

cidadania do indivíduo com o não engajamento masculino no reconhecimento

da paternidade. E também trataremos sobre a vergonhosa realidade exposta

aos filhos havidos fora do casamento os quais, ao longo das legislações

vigentes no Brasil, desde as Ordenações Filipinas possuíam tratamento

repugnante, afastando-os, inclusive, de direitos sucessórios.

Podemos constatar que história do direito, no Brasil, demonstra a

condição subumana dos filhos “ilegítimos” a qual foram relegados durante

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longo período nos séculos passados até a década dos aos 80, em pleno século

XX, os filhos considerados ilegítimos ou espúrios desde que advindos de

relações ditas proibidas ou pecaminosas.

A história narra que os filhos nascidos fora do casamento conviviam em

paralelo com a marginalização jurídica, com a perseguição da Igreja que não

admitia que algo pudesse abalar a instituição sagrada do casamento: e esses

seres como que “extraterrestres” causavam pânico a sua excelência a “família

legítima”, único modelo de família reconhecido nessa época.

Observando fatores históricos e culturais será elaborado um estudo

com visão crítica de uma realidade que se arrastou por longos anos e que com

Assis Chateaubriand, nos idos de 1942, teve inicialmente um momento

importante quando ele obteve a proteção do então Presidente da República do

Brasil, Getúlio Vargas, para reconhecer sua filha Teresa Acuña, havida de

relação ilegítima aos olhos da lei, mas sob certas condições tanto que precisou

valer-se de uma segunda norma promulgada em 1943.

Para construirmos uma narrativa refletiva sobre as principais causas da

deserção paterna em nosso país foi importante observarmos e investirmos em

uma investigação histórica, política e social, onde foi possível perceber como

essa ausência foi construída e consolidada ao longo dos tempos, e o quanto

ainda se apresenta nas estatísticas como causa principal de inúmeras

tragédias sociais em nossa sociedade contemporânea.

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CAPÍTULO I

A ausência paterna desde o início formação da

sociedade brasileira

1.1. Relações sociais desiguais “geram” o filho bastardo no estado brasileiro.

O Brasil faz questão de esquecer que foi o país que recebeu o maior

número de escravos pelo maior período de tempo na historia da humanidade.

O escritor Gilberto Freyre é o autor que mergulha nessa raiz brasileira, dessa

fornicação permanente entre o dono da Casa-Grande e o seu rebanho de

mulatas ou de negras, e daí nasce também o bastardo, o filho cujo pai é

inacessível e cuja mãe de certa forma lhe traz vergonha.

“A verdade, porém, é que nós é que fomos os sadistas; o elemento ativo na corrupção da vida de família; e muleques e mulatas o elemento passivo. Na realidade, nem o branco nem o negro agiram por si, muito menos como raça, ou sob a ação preponderante do clima, nas relações de sexo e de classe que se desenvolveram entre senhores e escravos no Brasil. Exprimiu-se nessas relações o espírito do sistema econômico que nos dividiu, como um Deus todo poderoso, em senhores e escravos. Dele se deriva a exagerada tendência para o sadismo característica do brasileiro, nascido e criado em casa grande, principalmente em engenho; e a que insistentemente temos aludido neste ensaio. Imagine-se um país com os meninos armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão” (Freyre, 1957, p. 361).

É exatamente no ponto de encontro do português e do negro que Freyre

cria o drama social do Brasil colônia. O ponto problemático é a afirmação

simultânea de desigualdade despótica, que a relação escravo/senhor propicia,

com intimidade e até, em alguns casos, afetividade e comunicação entre as

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raças e culturas1. Nesse ponto, urge a discussão do que afinal constituiria a

especificidade da escravidão brasileira. De onde ela vem, como e porque ela

se distinguiria de outras sociedades escravocratas.

A explicação sociológica para a origem desse “pecado original” da

formação social brasileira, para Gilberto Freyre, exige a consideração da

necessidade objetiva de se analisar o contexto da questão de paternidade e

maternidade na gênese brasileira.

O patriarcalismo narrado por Freyre e analisado por Jessé de Souza

tem esse sentido de apontar para a extraordinária influência da família como

alfa e ômega da organização social do Brasil colonial. Dado o caráter mais

ritual e litúrgico do catolicismo português, acrescido no Brasil do elemento de

dependência política e econômica em relação ao senhor de terras e escravos,

o patriarcalismo familiar pode desenvolver-se sem limites ou resistências

materiais ou simbólicas.

A família patriarcal como que reunia em si toda a sociedade. Não só o

elemento dominante, formado pelo senhor e sua família nuclear, mas também

os elementos “intermediários” constituídos pelo enorme número de bastardos e

dependentes, além da base de escravos domésticos e, na última escala da

hierarquia, os escravos da lavoura.

Os donos da casa-grande casavam-se consecutivamente, sempre

preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o sentimento da

propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e

parentes próximos. Aos filhos bastardos, gerados nas casas-grandes e paridos

na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes

e sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a

simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome dos brancos. Na tentativa

de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de

superioridade. Mas muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos

1 Souza, Jessé - Gilberto Freyre e a singularidade cultural brasileira. Tempo Social; Rev. Social

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apelidos indígenas e africanos das propriedades rurais - a terra recriava os

nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança.

Gilberto Freyre não estabelece o significado da igualdade entre as culturas e raças. Ele confirma que houve domínio e subordinação sistemática, melhor, ou pior no caso, houve perversão do domínio no conceito limite do sadismo. Nada mais longe de um conceito idílico ou róseo de sociedade. Foi sádica a relação do homem português com as mulheres índias e negras. Era sádica a relação do senhor com suas próprias mulheres brancas, as bonecas para reprodução e sexo unilateral de que nos fala Gilberto (Freyre, 1957, p. 60, 326 e 332). Era sádica, finalmente, a relação do senhor com os próprios filhos, os seres que mais sofriam e apanhavam depois dos escravos (cf. Freyre, 1990, p. 68 e 71).

Como a participação no manto protetor paterno depende da discrição e

arbítrio deste último, todas as modalidades de “protetorado pessoal” são

possíveis. O leque de possibilidades vai desde o reconhecimento privilegiado

de filhos ilegítimos ou naturais em desfavor dos filhos legítimos, como nos

exemplifica Freyre em numerosos casos de divisão de herança, até a total

negação da responsabilidade paterna nos casos dos pais que vendiam os

filhos ilegítimos. A proteção patriarcal é, portanto, pessoalíssima, sendo uma

extensão da vontade e das inclinações emocionais do patriarca.

Considerando a casa como o ponto de partida para visualização de

choques entre raças, culturas, idades, cores, e entre o sexo feminino e o

masculino – como centro de interesse para o dito estudo, à medida que o autor

vai tecendo no livro as relações que se construíram no seu interior e no seu

exterior – nas ruas – vai surgindo a figura do moleque, “expressão mais viva da

rua brasileira – foi se exagerando no desrespeito pela casa. Emporcalhando os

muros e as paredes com seus calungas às vezes obscenos. Mijando e

defecando ao pé dos portões ilustres e até pelos corredores dos sobrados, no

patamar das escadas. Reluz a figura das matriarcas – “matronas que na

ausência ou fraqueza do pai ou do marido, e dando expansão a predisposições

ou característicos masculinóides de personalidade, foram às vezes os homens

das suas casas” – e do maternalismo, verificado muitas vezes na figura das

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mães-sinhás que costuravam e ensinavam órfãs a técnica dos trabalhos

artesanais.2

1.2. A filiação e suas raízes antropológicas e sociais.

A análise reflexiva sobre a posição jurídica da filiação ilegítima, ao

longo de nossa história, encontra raízes antropológicas e sociológicas uma vez

que nas classes menos favorecidas, esse tipo de ocorrência de situações

envolvendo estas práticas levavam ao preconceito, mas não se afastava a

incidência também entre as mulheres abastadas da Corte.3

Ao investigar os registros de batismos e comparando-se com as demais

fontes, é possível afirmar que uma grande parcela das mulheres, mãe de filhos

ilegítimos, pertencia às camadas populares - escravas e forras. Contudo, os

dados demonstraram que a ilegitimidade rompe esse universo, instalando-se

entre as mulheres livres, brancas e abastadas da Comarca, que gozavam de

certo prestígio, que sabiam ler e escrever e que eram tratadas como donas. Tal

constatação não só desmistifica a ideia de dona, tal qual foi concebida e

cravada no imaginário social brasileiro, como também a associação direta entre

pobreza, a ilegitimidade e a cor.

A história dessa filiação pode ser resumida na perpetuação do culto,

que se fazia por meio do filho varão, não era deferida pelo pater ao filho havido

fora do matrimônio religioso - justo e legítimo - e este, então, não se

responsabilizaria jamais pelo culto doméstico nem seria encarregado de

manter, ardendo, o fogo sagrado no altar da família. Isto porque o pai, senhor e

guarda vitalício do lar e representante dos antepassados, não declarava o

vínculo moral e religioso decorrente do nascimento do filho ilegítimo. Sem esta

formalidade, portadora de força obrigatória em Roma, na Grécia e na Índia, o

recém-nascido não integrava a família e o seu nascimento se constituía em tão

2 Souza, Jessé- A construção Social da Subcidadania, 2003

3 PRAXEDES, Vanda Lucia (2002, p.2)

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apenas um laço físico. Na casa, tal criatura não possuía um lugar definido, não

participava dos atos sacros, não podia sequer fazer orações. Era um ser que

se resumia a representação dos erros e pecados dos seus pais que violaram o

sistema estatuído, gerando um filho de forma contrária à moral e à religião.

A questão mais agravante era a situação do filho advindo do adultério,

que sequer podia ser enterrado no túmulo familiar, ao lado dos demais

membros da família. Estes filhos extramatrimoniais, denominados liberi iniusti,

classificavam-se em spurii ou vulgo quaesiti ou vulgo conceptus e naturales

liberi. A situação ou estado de filho espúrio era circunstância de absoluto

desprestígio em face do direito romano que não admitiu a ação de investigação

de paternidade, não permitindo, pois, que o espúrio pudesse agir judicialmente

contra o seu pai, em busca do reconhecimento.4

No Brasil, conforme a legislação vigente, em 1822, quando vigoravam

as Ordenações Filipinas, que dispunham sobre o direito das pessoas e seus

bens, na ordem privada, estabeleciam que os filhos de plebeus havidos de

relações livres, embora pecaminosas, mas não incestuosas, proibidas, podiam

herdar, desde que resguardada a terça parte de seu pai, então intocável. Aos

incestuosos ou adulterinos, nada era reservado, sendo-lhe vedado inclusive o

reconhecimento. 5

Na realidade a visão legislativa mantida em patamar idêntico quando da

promulgação no Código Civil de 1916, diga-se construído a partir de Clóvis

Beviláqua (seu crítico), nele os filhos foram colocados em situação

marginalizada preservava-se o patrimônio e a prevalência da instituição do

matrimônio.

4 Hironaka, Giselda -Dos filhos havidos fora do casamento . Acesso em 5 de jan 2012. Disponível em:

http://jus.com.br/revista/texto/528/dos-filhos-havidos-fora-do-casamento#ixzz1qixHhLao

5 Delenski, , Julie Cristine. O novo direito à filiação. São Paulo: Dialética, 1997.1997, p.17)

15

Somente em 1942 e 1949 , foi autorizado, pela primeira vez o

reconhecimento de filhos havidos fora do casamento, mas somente após o

desquite do genitor, como será observado mais adiante.6

A própria Igreja Católica, extremamente conservadora, pela voz do

Sumo Pontífice Pio XII no I Congresso Mariano, na Argentina, quando estava

para ser promulgado naquele país o Legionário, n.o 795, 2 de novembro de

1947, que versava sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos, manifestou-se

dizendo:“

... prometei a Maria que vos dedicareis, com todas as vossas forças, a conservar e favorecer a dignidade do matrimônio cristão, a instrução religiosa da juventude, as escolas e a aplicação dos ensinos da Igreja na ordenação social: ser fiéis à Igreja nestes pontos fundamentais da civilização cristã será hoje uma prova palmar do verdadeiro e genuíno amor a Maria e seu Divino Filho.” (PIO XII, 1947)

Para Corrêa Oliveira (2005) o Papa, com estas palavras estava a

expressar sua preocupação na manutenção da família sacrossanta mistificada

pela Igreja longe de estar pensando nos filhos mesmo que ilegítimos, mas nos

atos de seus pais, que se unidos pelo matrimônio não poderiam ter suas

práticas, tidas como pecadoras, aprovadas.

As leis, os costumes e a moral da época jogavam os filhos ilegítimos à

marginalidade. Entretanto, ao cruzar informações jurídicas com dados do dia a

dia, fica a mostra que, em paralelo à marginalização jurídica, Igreja e Estado

também faziam vistas grossas à condição dessas pessoas como forma de

reabsorvê-las na sociedade.

Nesse ambiente hostil o nascimento de filho tomado como ilegítimo a lei

sutilmente fazia de conta que ele não existia, negava-lhe o reconhecimento e

excluía-lhes direitos (DIAS, 2007, p. 319).

6 Dutra, Vera Carmem de Avila - Bastardos nunca mais. Acesso em 2 de jan 2012 disponível em :

www.viannajr.edu.br/revista/dir/down.asp?url=doc/...pdf

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Entre as figuras materna e paterna parece que, no Brasil, se desenrolou

o drama de muito menino de formação patriarcal ou tutelar, a figura materna

servindo de refúgio ao temor e às vezes terror à figura do patriarca. 7

Outras inferências sobre ao tratamento destinado à criança podem ser

visualizadas ainda na rápida explanação que Gilberto Freyre faz nos prefácios

sobre as famílias patriarcais ou tutelares que pretenderam firmar seu domínio

não só no espaço como no tempo; além de podermos precisar também sobre

informações a respeito das casas de caridade – com destaque para a casa-

grande de caridade de Ibiapina, em Olinda – escolas domésticas,

reformatórios, escolas de arte e ofício entre outras instituições criadas com o

objetivo de prestar assistência à infância desvalida, aos desajustados, aos

bastardos.8

As transformações que ocorriam na sociedade que aos poucos

começava a enxergar de forma diferenciada – acrescentemos, mais humana –

mulheres, crianças, negros e os estrangeiros que para cá vieram e ajudaram a

construir o Brasil que temos hoje.

Mudanças socioculturais que se concretizavam nas transformações

ocorridas na estrutura dos vários tipos de sobrados e mucambos que foram

surgindo no decorrer do período; no papel de destaque que a rua aos poucos

foi adquirindo com suas casas comerciais, aristocratizando-se, passando a não

ser frequentada apenas por moleques, negros, mascates; nos cuidados e

estudos sobre higiene e doenças venéreas como a sífilis; no surgimento dos

cortiços; no aparecimento de outras figuras, como o padre e posteriormente

médico, que aos poucos findaram com a figura do patriarca. Mudanças que

lentamente foram permitindo que classes antes subjugadas, ascendessem

socialmente.

7 Silva, Nelly Monteiro Santos “A infância vivida em sobrados e mucambos: um olhar através de

Gilberto Freyre” Disponível em : www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/.../54NellyMonteiroSantosSilva.p... Acesso em : 5 de fev 2012

8 Freyre, Gilberto- Sobrados e Mucambos, 1936

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Freyre nos falou de um Brasil que existiu e, de certa forma, ainda

existe. Os atores se movem o tempo todo, segundo pressões materiais e

impressões subjetivas, mas a impressão que se tem é que no tocante a filiação

e a especialmente aos filhos ilegítimos a mobilidade se seus papéis na

sociedade é lenta e percorre uma caminho árduo na direção da garantia de

seus direito

CAPÍTULO II

A desqualificação do status de filiação e as consequências na sociedade

brasileira.

2.1- Os efeitos da deserção paterna

Utopia, o direito de sonhar

“..não podemos adivinhar futuro, mas temos ao menos, o direito de imaginar o futuro que queremos. E, 1948 em 1976, as Nações Unidas proclamaram longas listas de direitos humanos, mas para a imensa maioria da humanidade eles se limitam ao direito de ver, ouvir e calar-se. E se começamos a exercer um direito sobre o qual jamais se fala: o direito de sonhar?...”

Em carta ao 6º bilionésimo ser humano, Eduardo Galeano

Se o sexto bilionésimo ser humano citado por Eduardo Galeano tiver o

reconhecimento legal paterno e materno garantido, a ele podemos vislumbrar

ao menos um padrão de cidadania que possa planejar um futuro com direitos

garantidos. Mas se a ele for negado o direito ao nome do pai, uma tortuosa

estrada se apresentará em sua trajetória logo em seus primeiros anos de vida.

Segundo Ana Liési Thurler, a possibilidade do exercício de cidadania é

condição para afirmação e aprofundamento da democracia. A primeira

dificuldade à universalidade deste exercício é apresentada no elevado número

de brasileiros sem o nome do pai em seu registro paterno.

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Os documentos têm uma dimensão cultural que não pode se perder nos

labirintos burocráticos e administrativos. E têm, ao lado de um significado

cultural, um significado político.9

O Brasil é um país em busca do pai, porque de certa forma esse pai

esteve ausente desde o início, é um país que tem que ir para o divã correndo” ,

essa frase proferida pelo jornalista e historiador Eduardo Bueno em entrevista

durante nossa pesquisa, é carregada de significados sobre o vazio deixado

pelo pai.

Um país que sonha com um lugar e um estado de coisas melhor no

futuro há de ter que olhar para suas raízes e dar alguns passos atrás para

refletir sobre as causas de suas mazelas e dilemas sociais. A deserção de

paternidade, assunto que permanece ainda tabu em muitos setores de nossa

sociedade é na verdade citada como principal causa dos principais problemas

que hoje atravancam o progresso brasileiro.

O filho do pai desconhecido nasce sob a pecha da rejeição e de certa

forma passa ao longo de sua vida experimentando sub-formas de renegação. A

indiferença exercida pelo pai ganha contornos em comportamentos sociais. O

vazio no lugar do nome do pai na filiação enche de estigmas a vida do

indivíduo cujo reconhecimento paterno lhe foi negado.

Os efeitos da deserção de paternidade sobre o estatuto jurídico das

crianças amplia consideravelmente o questionamento sobre a paternidade e

nos leva a interrogar sobre as relações entre estado civil e democracia.

“..No estudo das consequências para a democracia brasileira da deserção da paternidade, a questão primordial é o exercício de uma cidadania ligada ao não-engajamento de homens no reconhecimento de seus filhos. Quando se trata de cidadãs precarizadas, a questão da negação de direitos pode ser ainda mais grave. Por exemplo, para trabalhadoras rurais sem documentos e sem meios de acesso à terra ou de justificar a posse dela, a ausência de reconhecimento paterno para as/os filhas pode pesar bastante.

9 Peirano, Maria Luíza G.S-“Sem lenço e sem documento. Reflexões sobre a cidadania no Brasil“. 1986.

Sociedade e Estado, Brasília, v.1, n.1, p. 49-63.

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ANA LIÉSI THURLER, (Em nome da mãe).

A questão do não-reconhecimento é vinculada a possibilidades, limites

e contradições da democracia atual, com referência às relações entre homens

e mulheres e homens, à igualdade de oportunidades, de direitos e deveres

distribuídos também na paternidade e na maternidade, na parentalidade,

repercutindo na esfera privada e na esfera pública.

O princípio da igualdade entre os sexos no Brasil está

constitucionalmente consagrado no inciso Iº do artigo 5º que estabelece:

homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

constituição”. O parágrafo 5º do artigo 226 anuncia: “Os direitos e deveres

referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela

mulher”. Na prática social estamos longe dos parâmetros deste principio do

tocante a igualdade entre mães e pais. 10

Hoje, há uma multidão de brasileiros que não tem o nome do pai

declarado no registro de nascimento. Apesar da legislação proteger a criança

nascida de uma relação informal, na prática a negligência ainda impera na

maioria dos casos. Esse vazio no espaço da filiação traz consequências e

questionamentos para esses filhos nascidos “somente da vontade materna.

Um retrato do Brasil de hoje se revela na alta incidência de não-

reconhecimento da paternidade nos registros civis de crianças aqui nascidas

anualmente. Apesar de naturalizado, o fenômeno da deserção de paternidade

não é uma fatalidade. É um fenômeno socialmente construído, por via histórica,

jurídica e cultural, envolvendo questões de cidadania, de desigualdade nas

relações sociais entre os sexos e de efetivação da democracia.11

10 Thurler, Ana Liési –Em Nome da mãe, 2009 11 Thurler, Ana Liési- Reconhecimento paterno, direito de cidadania. Disponível em : www.colegioregistralrs.org.br/.../anathurler_reconhecimentopaterno acesso em 12 de dez de 2011

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A verdade é que o Brasil não possui oficialmente até agora um sistema

de monitoramento do quadro de crianças sem reconhecimento paterno, como

se o estabelecimento da filiação do pai não tivesse nenhuma importância para

o estado.

Registros civis qualificados, com filiação paterna estabelecida, têm a ver

com melhor padrão de democracia. Têm a ver com mais cidadania para

homens-pais, para nossas crianças, para mulheres-mães, que ainda têm sido

penalizadas por conceberem crianças fora do território do casamento.

O estigma de ser filho de uma mãe sozinha ainda reverbera em notas

dissonantes em nossa sociedade. Em recente entrevista o humorista Evandro

Santos relata sua experiência da ausência da figura paterna:

“... Eu detesto meu nome: Evandro Márcio dos Santos, eu

odeio, acho feio, acho brega, não gosto de nome composto, aí vem lá aquele nome de mãe; Helena Maria dos Santos, pai: fica aquela coisa clean, vazia... não existe pai. Eu acho... ordinário!... As vezes até vergonhoso não ter o nome do pai. As vezes, quando eu vou fazer check-in, eu dou o RG, vejo que a pessoa dá uma olhada... pode ser coisa da minha cabeça, acho que a pessoa dá uma olhada, assim... eu tenho essa impressão, assim... você não tira o RG com orgulho... Mas o pai mesmo, o verdadeiro eu não sei o nome, nunca vi por foto, não sei como é, eu tenho uma ideia de como ele seja porque eu pareço com ele, eu não pareço com a minha mãe.”

Ainda no terreno onde se discute a mácula da figura da mãe solteira, a

cantora Patrícia Mello em recente declaração falou de seu sentimento de cuidar

um filho sozinha:

”Tem essa coisa assim, parece que você é culpada, claro que houve um erro. Foi um momento que a gente se deixou levar e a gente não se cuidou, não usamos camisinha... mas eu não errei sozinha, foi um erro dos dois... e acho que mesmo com erro ou sem erro, tem uma criança que nasceu aí. Ele não tem o nome do pai na certidão. isso é horrível, ele não sabe quem é a avó, ele sabe que ele tem irmãos, mas não sabe quem são...”.

Filhos e mães estigmatizados pela ausência do pai e por consequência

do marido são os principais “clientes” dos projetos sociais empreendidos hoje

no Brasil. Segundo dados da UNICEF, se houvesse pai em casa, metade dos

projetos para crianças em situação de vulnerabilidade simplesmente não

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existiram.

Marli Márcia da Silva, diretora da Associação de Mães Solteiras de

Pernambuco, criou uma organização em defesa de mães e filhos sem apoio

paterno a partir de suas próprias experiências. Para Marli, a mãe solteira tem

vergonha de se declarar mãe solteira por conta do abandono que ela vivencia.

Primeiro por parte do pai da criança, depois pela família, pelos amigos, pela

sociedade, pela justiça e pelo Estado. Sua principal motivação é lutar pra

garantir o direito e a cidadania dos filhos. A associação inicia o trabalho a

principio buscando o direito legal, a pensão de alimentos. Mas pra obter o

direito a pensão de alimentos é necessário ter a paternidade legalizada.

Marli, faz uma interessante análise sobre as relações desiguais de

gênero no tocante a filiação:

“...A gente não quer ser vitima, mas nós também não somos vilãs dessa história. A gente não quer ter a posição de dama, mas também não somos prostitutas como a maioria dos homens dizem, porque não querem assumir seus filhos, alegam que a gente se envolveu com metade da população. Então, fica muito difícil a gente educar um filho sozinha e hoje eu percebo que as mães dizem: “Eu sou pai e mãe”, até porque elas acreditavam que poderia substituir o papel do pai. Ou ela, ou o pai dela, ou o namorado ou irmão. Mas não substitui. Todo mundo tem um pai, e o pai faz falta. Então isso faz com que os homens se afastem da paternidade. Paternidade é direito, é cidadania, todos tem um pai e é um direito do filho, não é nosso. Os homens abandonam os filhos todos os dias. E isso não tem nenhum problema na vida social dele, na vida profissional, muito pelo contrario, todo mundo quer acobertar esse homem, seja no time de futebol onde ele joga, no trabalho, na casa... Mas se uma mulher abandona uma criança, essa mulher é vista como uma desnaturada, uma mulher que não é mãe, uma pessoa má, uma pessoa que muitas vezes quando descobrem onde ela se encontra, então pegam essa mulher e colocam logo no instituto prisional, por abandono de incapaz... E o pai? onde é que fica o pai dessa criança? Quer dizer, a criança só tem a mãe como responsável? a gente não faz um filho sozinha. Então eu acho que o maior desafio que nós temos é fazer com que os homens reflitam em relação à importância dessa paternidade. Porque a justiça pra mim, pra nós não é desafio. Desafio é dar amor, que a justiça não pode obrigar ninguém a dar amor. infelizmente. Os homens quando vem na associação das mães solteiras, a gente não diz: “Olha, tu tem que reconhecer e tem de pagar pensão!” não . A gente diz; “Você tem idéia do quanto você faz falta na vida dessa criança?” Não é só questão financeira não, é de pegar a criança na escola, é de jogar uma bolinha com ela, de ir numa praça, tomar um sorvete, qualquer coisa. Ele diz: “Não, nunca pensei nisso.”Mas eu digo: “Você é muito importante na vida do seu filho. Eu acho que o mundo já ta com muitos problemas, e a gente pode diminuir pelo menos os dos nossos filhos. Eu falo pra você como mãe que sou, como mãe solteira que fui abandonada. E que

22

meu filho hoje poderia ser até um cara muito melhor do que ele é. Mas se ele ta preso a um passado, de um abandono que ele viveu..”

Observar e refletir sobre as questões de desigualdade de gênero é

fundamental para o debate em torno do reconhecimento paterno. A

verticalização das relações ainda é fator predominante para o índice de

ausência paterna no Brasil.

Uma pesquisa em documentos legislativos sobre o lugar dado à

paternidade em seu texto, como o corpo do pai é tratado pela lei. É possível

demonstrar historicamente estas transformações no Código. A pesquisa

mostrou que em 14 séculos o pai manteve-se soberano na ordenação das

relações familiares, sustentando o instituto do pátrio poder de forma absoluta,

concorrendo com o princípio hierárquico do Ordenamento Jurídico. Em menos

de um século teve seu poder restrito ao lugar de procriador e provedor. Hoje,

seu poder concorre com os direitos da criança e da mulher e, no que diz

respeito à guarda dos filhos, é a mãe quem tem maior poder.12

O privilégio concedido a mulher na filiação torna-se uma de suas

principais responsabilidades sociais, transformando o homem em um

personagem especial na aventura humana de lançar ao mundo um novo ser.

Diante disso, o pai se permite o direito do não estabelecimento do vinculo de

filiação e do não engajamento na construção da parentalidade com uma

dimensão pública e cidadã. Ao não reconhecerem seus filhos, os homens

sobrecarregam as mulheres em suas relações parentais. Tal atitude significa

resistência à democratização nas relações de gênero e resistência ao

estabelecimento de igualdade de frátria.13

12 Barros, Fernanda de Otoni- O direito ao nome do pai no ordenamento jurídico. 13 Thurler, Ana Liési- Paternidade e deserção. Crianças sem reconhecimento, maternidades penalizadas

pelo sexismo, 2004.

23

CAPÍTULO III

A justiça e o nome pai

3.1 O direito ao nome do Pai

As estáticas são impressionantes: o registro de nascimento de quase

cinco milhões de crianças e adolescentes matriculados nas escolas brasileiras,

consta somente o nome da mãe.

Segundo Maria Berenice Dias em recente artigo intitulado “Filhos da

mãe, até quando?“ A autora relata que ao se deparar com esse dado, de

pouco adianta o ECA (art.26) e o Código Civil (art.1.609) admitirem que o

reconhecimento dos filhos não ocorra somente por ocasião do registro do

nascimento. Vale tanto escritura pública como escrito particular e até

testamento. Também pode ser feito perante o juiz, e isso em qualquer

demanda judicial (art. 1.609, IV, CC).

Do mesmo modo, absolutamente ineficaz o procedimento criado pela

Lei 8.560/92, chamado de averiguação oficiosamente da paternidade. Por

ocasião do registro do nascimento, o Oficial do Registro Civil tem o dever de

questionar a genitora e comunicar ao juiz sobre a identidade do suposto pai. O

magistrado, depois de ouvir a mãe deve notificar o genitor. Sempre que houver

silêncio, omissão ou negativa, ao Ministério Público cabe propor ação

investigatória de paternidade.

Nem mesmo a presunção de paternidade – gerada pela Lei

12.004/2009, quando há recusa do réu em se submeter ao exame de DNA –

conseguiu reverter o número dos chamados “filhos de pais desconhecidos”. As

consequências dessa omissão são severas. Subtrai do filho o direito à

identidade, o mais significativo atributos da personalidade. Também afeta o seu

pleno desenvolvimento, pois deixa de contar com o auxílio de quem deveria

24

assumir as responsabilidades parentais. Claro que a mãe acaba onerada por

assumir, sozinha, um encargo que não é só seu.

Com o objetivo de reverter esta realidade o Conselho Nacional de

Justiça – CNJ instituiu o “Programa Pai Presente”, por meio do Provimento

12/2010, determinando às Corregedorias de Justiça dos Tribunais de todos os

Estados que encaminhem aos juízes os nomes dos alunos matriculados sem o

nome do pai, para que deem início ao procedimento de averiguação da

paternidade.

Agora, o CNJ, por meio do Provimento 16, de 17/2/2012, faculta tanto à

mãe, como ao próprio filho maior de idade, comparecerem perante qualquer

Cartório do Registro Civil apontando o suposto pai. O Oficial lavra um termo e o

encaminha ao juiz que ouve a mãe e notifica o genitor. Não havendo o

reconhecimento espontâneo o Ministério Público ou a Defensoria Pública

propõe ação investigatória de paternidade.

Ainda que reste evidenciado o esforço de reverter o número de “filhos

da mãe”, absurdamente é assegurado que a notificação ao pai seja feita em

segredo de justiça.

Depois, de forma mais do que injustificada, é determinada a propositura

de uma ação investigatória de paternidade. Mesmo que tenha sido notificado

judicialmente, o indigitado pai deverá ser citado, podendo fazer uso de todas as

manobras para procrastinar o fim da demanda. Enquanto isso o filho fica sem

alimentos, sem nome e sem identidade, por tempo indeterminado.

Nota-se o exacerbado protecionismo ao homem, que acaba sendo o

grande beneficiado. Afinal, sempre teve direito ao livre exercício da

sexualidade, como prova de virilidade, alvo da admiração e inveja de todos. Ou

seja, a sociedade é conivente com sua postura irresponsável, pela qual paga o

próprio Estado que precisa cumprir o comando constitucional de assegurar a

crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, todos os direitos inerentes à

cidadania.

25

Um dos destaques deste estudo é a fixação das alterações no estado

de filiação introduzidas pela regra contida no artigo 27 da Lei 8069/90, nos

dispositivos 178 § 9°, VI e 362 do Código Civil.

Importa destacar que o direito personalíssimo de buscar o

reconhecimento do estado de filho previsto no artigo 27 da lei nova é

indisponível e imprescritível sem as limitações impostas pelo Código Civil nos

artigos 178 § 9°, VI, bem como imprescritível é o direito de ação a declará-lo,

mesmo quando configurado o prazo decadencial do direito de ação ex vi do

artigo 362, do Código Civil, porque contraria a característica do direito

personalíssimo do status familiae, buscado a qualquer tempo, objetivando a

integração do ser a sua origem.

Ao exercício desse direito inexiste diferença entre os filhos havidos no

casamento, os nascidos da relação extramatrimonial, ou por adoção uma vez

que a Constituição Federal assegura a todos os mesmos direitos relativos a

filiação, proibindo qualquer discriminação.

Importa comparar a evolução dos costumes e das leis que

regulamentam as mudanças, transformando o poder/autoridade do pai em

poder de proteção e alcançaram aos filhos a condição de igualdade com os

pais participarem das relações familiares.

No artigo “O estado de filiação é um direito do filho e dever dos pais“ ,

Maria Dinair Acosta Gonçalves reafirma que a definição dos direitos e deveres

dos cidadãos, numa sociedade moderna sob a forma de Estado,

tradicionalmente coube ao Direito Civil. Impunha-se necessário positivar o

direito subjetivo individual e as normas reguladoras da convivência social,

cunhando-as com as expressões verbais ordenatórias – impor, proibir, estatuir

– e as facultativas – postular, reclamar, defender.

Sabe-se que o legislador brasileiro de 1916, espelhado no Código

napoleônico, sediou no Código Civil as normas a governar as relações entre a

26

pessoa natural, a jurídica e o poder institucional. Este diploma

infraconstitucional, nos artigos 2º ao 12 º, seus parágrafos e incisos, conceitua

e fixa o início e o fim da existência da pessoa natural, suas incapacidades,

direitos e obrigações na ordem civil.

O Código afirma, no artigo 2º, que todo homem, ao nascer com vida, é

considerado, pela lei civil, pessoa natural, dotada de personalidade e sujeito

das relações jurídicas. A personalidade é um atributo inseparável da pessoa

humana. Sobre ela, assim preleciona o jurista Caio Mário Pereira da Silva: "A

personalidade civil é uma faculdade reconhecida à pessoa, independente do

preenchimento de qualquer requisito psíquico que dependa da participação da

consciência ou da vontade do indivíduo". Configura, a personalidade civil,

indubitavelmente, um direito personalíssimo, inalienável e imprescritível.

Pertence ao recém-nascido, ao louco, ao portador de enfermidade física ou

mental com ausência de discernimento da realidade, ou mesmo de qualquer

reação psíquica.

Na linha da escola jusnaturalista, os direitos inatos ao nascimento eram

concebidos como irradiados da personalidade. Modernamente, os direitos

naturais foram positivados sob o nome de Direitos Fundamentais, e elencados

no artigo 5º e no artigo 227 como direitos inatos irradiados da personalidade. 14

É importante referir-se à individualidade da personalidade civil, a iniciar-

se com a oficialização do nome civil, elemento designativo do indivíduo e fator

de sua identificação social e jurídica. Assim, o nome integra a personalidade,

individualiza as pessoas e indica a sua procedência e raiz familiar. Tal é a força

da individualidade civil, que alguns autores consideram o nome um direito do

qual seu titular goza de maneira absoluta, inalienável e imprescritível – um

direito de propriedade. Sustentam que a integração do nome com a

14 Gonçalves , Maria Dinair Acosta- “ O Estado De Filiação É Um Direito Do Filho E Dever Dos Pais“. Disponível em: j.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/DOUTRINA/O+ESTADO+DE+FILIA%C7%C3O+%C9+UM+DIREITO+DO+FILHO+E+DEVER+DOS+PAIS.HTM. Acesso em 15 de fev de 2012.

27

personalidade ocorre com caráter pessoal, e não patrimonial, servindo à

fixação da personalidade: um direito individual e um interesse social, que

respalda a ação de reprimir abusos cometidos por terceiros em nome de

outrem.

A pessoa natural no correr de sua existência passa por situações

várias, ligadas à posição por ela ocupada na sociedade. Essas se perpetuam,

por interesse individual e público, nos registros públicos, e tem a finalidade de

vincular com segurança aquela identidade declarada no nascimento às

certidões futuras, exaradas pelos oficiais responsáveis por tais assentos.

Nesse sentido se pronuncia Cezar Fiúza: "É direito subjetivo individual,

personalíssimo. É direito subjetivo público."

O registro público da pessoa natural é uma norma ordenatória do direito

positivo, como reza artigo 12 do Código Civil: "Serão inscritos em registro

público: I. os nascimentos". Essa regra atribui ao direito ao nome uma

conotação de direito público, disciplinando e regulamentando o exercício e a

forma de utilização do mesmo. Das regras institucionais aflora a designação do

indivíduo da forma inscrita nos livros dos registros públicos, servindo para

identificar o portador daquele nome na sociedade com caráter de um direito

inalienável integrando a personalidade civil, aliás, também outorgada pelo

Estado.

As colocações lançadas neste tópico levam a estabelecer, mesmo que

en passant, um diálogo entre o Direito Civil codificado, e a constitucionalização

deste em relação à matéria de Direito de Família, e apontar, por consequência,

a vinculação dos direitos e deveres da criança e do adolescente em suas

relações familiares primeiramente aos dogmas, princípios e valores

constitucionais e, logo, às expressões ordenatórias e facultativas constantes do

microssistema de direito positivo, contidas na Lei 8069/90.

A Carta Federal de 1988 constitucionalizou a matéria família, ao redefinir

a sua composição e assegurar, "aos filhos, havidos ou não da relação do

28

casamento, ou por adoção", os mesmos direitos e qualificações, "proibidas

quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". O caráter das

normas de direito positivo a regerem a vida desse ser social e seus direitos não

são mais as de direito privado codificado, mas as de direito público, regido por

princípios gerais vinculados a uma maior repercussão na vida social,

garantindo os direitos civis e dessa forma refletindo a finalidade do Estado, qual

seja garantir e assegurar ao cidadão a dignidade humana.

A instituição família, de onde se origina o nome, é um dos pilares do

Estado de grande repercussão na vida coletiva, justificando-se assim, a

proeminência do direito público das leis ou princípios de ordem pública sobre

esse instituto, inderrogáveis pela vontade do indivíduo, sobressaindo o cunho

institucional do direito público, a imperatividade do comando estatal sobre o

direito privado, a instituir normas obrigacionais a abarcar as pessoas

singulares.

Importa repetir, a fim de fixar o entendimento, o novo paradigma,

determinado em nível constitucional e infraconstitucional da proteção integral à

criança e ao adolescente que orientará as relações familiares, os direitos e

deveres, os interesses dos seus membros. Assim, a partir da vigência da

Constituição de 88 e da Lei 8069/90, os conflitos de interesse porventura

existentes entre os membros de uma família, não podem continuar sendo

discutidos pelas normas do Código Civil, naqueles pontos não recepcionados

pela lei nova e sim, pelas expressões ordenatórias ou facultativas positivadas

nesses diplomas.

A Lei Federal 8069/90 ordena, em seu artigo 1º: "Esta lei dispõe sobre a

proteção integral à criança e ao adolescente" e em seu artigo 2º, esclarece:

"Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de

idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade".

Os princípios aqui contidos se harmonizam com os dogmas constitucionais,

princípios e valores, ao rezar o seu artigo 3º:

29

"A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade".

Modernos e adequados ao momento social são seus dispositivos, haja

vista a regra do seu artigo 27: "o reconhecimento do estado de filiação é direito

personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os

pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de

justiça". Quando, porém, o reconhecimento formal dos filhos havidos fora do

casamento não ocorre espontaneamente, subtraindo-se os pais da

responsabilidade pela fixação do nome do filho e, por decorrência, negando a

proteção, o afeto, o sustento, a educação e os direitos hereditários dali

emanados, tem o sujeito/filho à sua disposição a ação de investigação de

paternidade e de maternidade, fundamentada na exigibilidade de seu direito

indisponível, inalienável e imprescritível de ter definida e fixada a sua condição

de pessoa/personalidade na vida civil e jurídica, conforme dispõe a norma do

artigo 27 da Lei 8069/90 e o Código de Processo Civil sobre as ações com tal

objeto. O professor Gustavo Tepedino leciona:

"Interpretando-se tais dispositivos de acordo com a proibição constitucional de discriminação da filiação extramatrimonial e com o aludido art. 27 do Estatuto, vê-se que a possibilidade de propositura de ação de contestação de reconhecimento, atribuída ao filho ilegítimo pelo art. 362, há de alcançar necessariamente o filho havido na constância do matrimônio, sob pena de se lhes oferecer tratamento desigual. Mais ainda: verifica-se que o prazo de quatro anos fixados pelo mesmo art. 362, para a impugnação do reconhecimento, ao menos com relação ao filho reconhecido não se coaduna com a imprescritibilidade fixada pelo art. 27 sobretudo diante dos princípios estatuídos em favor do prioritário interesse da criança e do adolescente. Diante de tais considerações, pode-se afirmar que as restrições do Código Civil foram revogadas, seja no que tange à irrestrita legitimação processual do próprio filho, decorrente do art. 27 do Estatuto, para investigar a sua paternidade, quando for o caso da atribuição insincera da paternidade, seja no que concerne ao prazo oferecido ao filho para a propositura das respectivas ações".

A respeito da imprescritibilidade da investigação de paternidade a 8ª CC

do TJRGS tem decidido, ora admitindo-a, embora o filho já tenha sido adotado,

conforme AC nº 595.118.787 no ano de 1995, ora negando-a com fundamento

nos artigos 177 e 179 do Código Civil que determina a prescrição das ações

pessoais.

30

É oportuno fixar, neste capítulo, a afirmação da família como base da

sociedade, contida no artigo 226 da Constituição Federal, dispensando

igualdade de tratamento tanto à família biológica firmada nos laços de sangue,

quanto à substituta, fundada nos laços afetivos. É claro o aceno estimulado da

família substituta quando no artigo 227, § 4º, nomeia o instituto da adoção, na

forma da lei, garantindo aos filhos conforme artigo 226, § 6º, "havidos ou não

da relação do casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e qualificações,

proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Estes

princípios/normas constitucionais estão minuciosamente disciplinados nos

artigos 28 a 52 da Lei 8069/90, onde se apontam as formas de procedimento e

requisitos a serem preenchidos, tanto para o requerente da guarda, tutela ou

adoção, como pelo requerido, completadas nos artigos 165 a170. 15

Importa que se esclareça que o enfoque constitucional de reconhecer a

Criança e o Adolescente como sujeitos de direitos, pessoa em peculiar

condição de desenvolvimento, produziu uma nova matriz para os

procedimentos nessa área, principalmente quanto ao instituto da adoção,

retirando-o da jurisdição voluntária onde o juiz deixa de ser "independente" e se

transforma em uma das partes, maculando a imparcialidade ao regular uma

declaração ou atribuição de poder sobre o adotante. Quando vigente o Código

de Menores, os "menores" eram estes considerados em situação irregular,

incapaz de todo gênero, e sem direitos fundamentais e garantias processuais,

"os juizados de menores" adotavam o procedimento administrativo próprio e a

jurisdição era considerada voluntária.

Com o advento da Constituição de 1988, assegurando a todos, a

igualdade perante a lei, afirmou que os assuntos que envolvem os direitos (não

só o melhor interesse) da Criança e do Adolescente serão conhecidos e

15 Gonçalves , Maria Dinair Acosta- “ O Estado De Filiação É Um Direito Do Filho E Dever Dos Pais“. Disponível em: j.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/DOUTRINA/O+ESTADO+DE+FILIA%C7%C3O+%C9+UM+DIREITO+DO+FILHO+E+DEVER+DOS+PAIS.HTM. Acesso em 15 de fev de 2012.

31

julgados numa jurisdição especializada, onde o magistrado exerce o ofício de

conhecer dos pedidos pelo detentor do jus postulandi, cuidar

administrativamente da regularidade do processo e, finalmente, julgar o pedido.

"Constitui desvio de finalidade transformar o juiz, cuja função é processual, em

atendente de crianças e jovens" afirma Amaral e Silva. Também José Frederico

Marques, apresentando as diferenças entre atividade administrativa e atividade

jurisdicional do juiz, explana: "o que assinala, especialmente, a atividade

jurisdicional é a aplicação processual da lei e do direito objetivo em geral"

(1974).

Atualmente, o princípio garantista da Carta Maior e do sistema jurídico e

a inteligência do artigo 148, III, do ECA, o juiz da infância e da juventude é

competente para "conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes",

requeridos pelo advogado detentor do jus postulandi, não se considerando, in

casu, conflito de interesses, mas reafirmando-se a defesa de direitos ou "a

tutela de interesses públicos e privados mediante ação", conforme explana o

professor de Direito Processual Civil José Tesheiner.

Clara é a norma constitucional que assegura a igualdade jurídico-formal

de todos, tornando iguais pais e filhos e respaldando as mudanças no "pátrio

poder", ou "poder-dever", ou "poder parental", alguns já colocados no Código

Civil, sob a denominação de "direito dos pais".

No entanto, é importante considerar que a pessoa humana é ser de

relação; portanto, nem só de direitos se compõe a relação parental do filho.

Este tem, para com os pais, o dever de obediência e respeito, prestando-lhes

serviços adequados à sua idade (pessoa em condição peculiar de

desenvolvimento.

O regime de governo democrático espelhado na Carta de 1988, ao fixar

a condição jurídica da Criança e Adolescente, como sujeitos de direitos,

atribuiu não só identidade à população na faixa etária de zero a dezoito anos,

mas também capacidade e autonomia para participar nas vidas familiar e

32

social/comunitária. Nesse sentido, ao apontar como princípio fundamental do

Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, fixou o princípio

hierarquizador e harmonizador de todo o sistema jurídico, estabelecendo

alterações na tradicional forma de autoridade do pai do Código Civil na relação

parental. Com essa definição, assegurou aos novos sujeitos/filhos o direito de

participar com igualdade entre os diferentes familiares. Tais avanços

legislativos conduzem à transformação da percepção, em relação à

prerrogativa do "pátrio poder do pai", considerado, em épocas passadas,

autoridade suprema com poderes de vida, de morte e de venda do filho recém-

nascido e mesmo adulto.

Nesta nova perspectiva, o pátrio poder, que decorre do parentesco

entre pais e filhos e reflete o poder daqueles sobre estes, enquanto menores

de idade, passou a sofrer um abrandamento. O pátrio poder, traduzia, então, a

subordinação autocrática e continha o enfeixamento de direitos parentais. Com

a modificação dos costumes, houve transformações e alterações na sua

caracterização jurídica, no seu fundamento e na sua finalidade.

Assim, o poder/autoridade, do qual era investido o pai, passou a ser

entendido, em uma concepção mais moderna, como "poder de proteção", e

deixou de ser prerrogativa do pai, para se firmar como direito do filho, optando

a sociedade pela nova diretriz dos fatos sociais que, captados pelo Direito e

transformados em lei, consideram a Criança e o Adolescente, (os antigos

menores submissos ao pater família), sujeitos de direitos e deveres com

igualdade jurídico-formal igual a todos cidadãos desta Nação.

A Carta das Nações Unidas, votada pela ONU em 10 de dezembro de

1948, alude ao direito de fundar uma família, e considera "família" o núcleo

natural e fundamental da sociedade. Diz do seu direito à proteção da sociedade

e do Estado. Desde essa época, a família está sendo vista com proeminência

pelas normas de direito público, e sob o fundamento de que não se deve

restringir à proteção da pessoa, mas, ao contrário, oportunizar a afirmação de

direitos subjetivos, coletivos e difusos, voltados para o indivíduo sob a tutela de

toda a sociedade/Estado.

33

Relatam os fatos notórios que a família tradicional se preocupava com o

princípio da autoridade, os efeitos sucessórios e alimentares, e as implicações

fiscais e previdenciárias, muito diferentemente da visão moderna: a importância

social da família, voltada para a felicidade de seus membros.

Politicamente, está posto as relações parentais foram bafejadas pelas

novas concepções democráticas: ter na obediência à lei o seu fundamento, e,

na democracia participativa, a atribuição da construção de uma sociedade

igualitária e solidária, centrada no exercício do poder diretamente pelo povo.

Na família, amplia-se o conceito de participação vinculado ao momento, qual

seja, a socialização das pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

O Direito, na sua função de ordenamento social, procura nos interstícios

da cultura elementos para a fundamentação da letra da lei. Em seu trabalho

cotidiano depara-se insistentemente com a subjetividade humana

desarrumando a consistência de seus dogmas, enfrentando a emergência da

singularidade num contraponto ao seu discurso universal.

3.2 - A função paterna , a psicanálise e os aspectos jurídicos

As relações familiares são complexas e desfilam sob vestes jurídicas,

nos autos processuais. Lá encontraremos os variados disfarces do drama

edipiano, o romance familiar de cada um dos envolvidos, procurando nos

corredores do tribunal, nas salas de audiência, uma possibilidade de

ordenação. Esse é o cotidiano de um tribunal. Um lugar onde as relações

atravessam um lugar que ordena os afetos a partir da lei.

Do direito ao pai: sobre a paternidade no ordenamento jurídico, recente

trabalho de Fernanda Otoni de Barros faz um percurso do Direito ao nome do

pai e revela como essa questão é fruto dos impasses que atravessam o campo

de interface, direito e psicanálise.

.

34

A norma fundamental é uma ficção jurídica. Torna-se necessário

entender que a ficção se diferencia de uma hipótese, pois não pode ser

verificada. É um recurso que se serve o pensamento, um lugar temporário onde

ele se detém para alcançar o papel que cumpre em si mesmo... E a teoria do

"Como se".

KELSEN, para explicar a norma fundamental, lança um exemplo, dentro

da estrutura familiar, em que fica claro que o fundamento se funda em um

terreno que não é próprio do campo Jurídico. É curioso perceber que tanto

KELSEN quanto BOBBIO utilizam exemplos que traduzem a realidade familiar,

comparando o Ordenamento Jurídico à estrutura do Ordenamento Familiar,

sempre supondo ao pai o poder normativo constituinte.

Esse fundamento só funciona, postula KELSEN, por estar ancorado na

premissa da "obediência às leis". Durante o percurso de sua obra, a autoridade

imaginária, com o poder de ordenar a obrigação da obediência, foi sempre

referida à figura paterna, ou seja, a uma metáfora do pai, representada por

Deus, o Papa, o Rei ou o próprio pai, como o exemplo firmado por KELSEN,

numa analogia. Essa lógica só encontra seu sentido apoiada conceitualmente

na estrutura de uma ficção, segundo a Filosofia do "como se", um desvio

arbitrário da realidade. KELSEN, ao tentar resolver o problema do fundamento

de validez da norma, indica a autoridade imaginária capaz de obrigar à

obediência ao deter temporariamente seu, pensamento na figura do pai - uma

ficção Kelsiana, sustentando a teoria pura do Direito.16

Foi revelador, durante esta pesquisa constatar que em todos os

ordenamentos, a autoridade normativa superior capaz de determinar a norma

fundamental sempre foi, em analogia, aproximada da figura paterna. "Como se"

fosse o pai de família. A autoridade imaginária sempre foi apresentada como

uma metáfora do pai, seja Deus, o Estado ou o próprio pai.

16 Barros , Fernanda de Otoni “ Do Direito ao nome do pai“, pag. 17

35

Quando os jusfilósofos não encontraram na realidade um referente que

fundamentasse a autoridade suprema, apelaram para a ficção e encontraram o

pai. Na realidade, sabemos que é na infância que pela primeira vez a criança

escuta a norma fundamental. A obediência é uma característica que

aprendemos na infância. A transmissão da obediência à lei ocorre na base da

civilização, passa de pai para filho, na família, estrutura inabalável que conjuga

autoridade e amor, e o pai tem uma papel central neste complexo. Isso que

chamamos de pai, que não necessariamente coincide com o corpo do pai, mas

com o exercício de sua função.

Esta estrutura é que confere legitimidade ao Ordenamento Jurídico.

Mas o que é um Ordenamento. Um Ordenamento é um conjunto de normas

articuladas em um texto, chamado texto jurídico. Para que um texto funcione é

preciso crer nele. Crer na lei é obedecê-la, é crer no texto. Fazer crer é a

grande arte do poder.

O fundamento de toda lei encontra-se na fé dos homens, no poder da

sua crença. Crer num Ordenamento outorga legitimidade a ele e o faz operar

socialmente.

O discurso jurídico é o discurso do poder por excelência e o Direito se

revela como a mais antiga ciência para dominar e fazer marchar a humanidade.

Dominar e marchar segundo as técnicas de fazer crer.

É notável que a civilização se tenha edificado na transmissão dessa

crença no mito fundador da lei, por uma metáfora paterna. No Direito Canônico

isso fica muito claro, na figura do pontífice. Ele encarna o Deus, o "Ausente", o

grande Outro. Ausente porque sua material idade só é possível de ser pensada

no registro da ficção. Não há nada na realidade que garanta ao ser humano um

lugar de proteção e amparo diante das dificuldades do mundo cotidiano, das

injustiças corriqueiras e da morte inevitável como condição humana, mas,

mesmo as. sim, o homem não cessa de reinventar a todo instante instâncias

imaginárias de proteção. O Papa fala em seu nome, tem autoridade para falar

em nome da lei Os crentes em Deus crêem na palavra do pontífice e se

36

submetem à sua ordem crêem na sua proteção. Assim, o Direito Canônico

assegurou por vários séculos a submissão dos seus súditos, pela crença na

palavra vinda desse lugar sustentado pela ficção de um pai protetor e ao

mesmo tempo censor.17

Podemos identificar claramente a força psíquica que atravessa esse

sistema de crenças. É em nome desse "Ausente", desse lugar onde qualquer

um pode supor proteção imaginária, e somente em nome dele que o Papa, o

Rei, os Doutores, os Governadores ditam as normas e os legisladores a

escrevem e transmitem.

A norma fundamental encontra na base de seu fundamento a

articulação entre estas três forças: ficção, crença e amor. "Deverás obedecer",

norma fundamental, é uma ficção. "Como se" essa ordem fosse determinada

por uma autoridade imaginária, metáfora paterna que detém o poder de

obrigar, pois mantém a crença, entre seus filiados, de que os protegerá e

amparará. Sua autoridade é máxima, sua palavra tem poder... lugar idealizado,

lugar provável de ser causa de amor, portanto, lugar assegurado pela

submissão.

A crença e o amor são forças que autorizam esse complexo e

sustentam a ficção de autoridade. A crença se sustenta na indicação de um

objeto que, de forma imaginária, asseguraria uma estrutura que ampara e

protege. Essa é a matriz da legalidade.

No campo jurídico o objeto é uma palavra, ordenada num texto, torna-

se objeto pela promessa que ele aponta... e, assim, torna-se objeto de amor.

LEGENDRE vai nos informar que um texto só funciona se crermos nele e o

trabalho do jurista é exatamente a arte de inventar palavras tranquilizadoras, de

indicar o objeto de amor, em que a política coloca seu prestígio ao manipularas

ameaças primordiais. Assim, o amor é a força que assegura a submissão à lei.

Amor ao chefe, ao pai, ao censor.

17 Barros , Fernanda de Otoni “ Do Direito ao nome do pai“, pag. 19

37

O Estado também é uma ficção, Personoficta. Não tem corpo, não tem

autor, é uma idéia-força que lhe dá autoridade. A materialidade do Estado se

faz através do seu corpo de normas, do qual cada governo retira a palavra que

garanta uma certa ideologia.18

FREUD aproxima o Estado (ideal do eu) à autoridade paterna e nos diz

que o grupo deseja ser governado pela força irrestrita e possui uma paixão

extrema pela autoridade. O pai primevo é o ideal do grupo que dirige o eu no

lugar do ideal do eu.

Percebemos, então, que o pai, ou melhor, sua função, está no centro

das relações do sujeito com a lei. O imperativo de obediência à lei funciona

porque há nos indivíduos que compõem uma sociedade um imperativo

estrutural de amor ao censor.

A humanidade reinventa fórmulas e mitos que vivificam a ilusão de que

há, em algum lugar, uma instância que garanta o destino humano. A

identificação a este lugar pode vir sob as mais diversas formas, na sua falha

inclusive. Isso modula a posição do sujeito diante da lei. Na neurose, o sujeito

nem sempre obedece a lei, mas ele a terá sempre no horizonte, como marca

indiscutível, cunhagem significante, seja para burlá-la, obedecê-la ou

interpretá-la, mas ela estará sempre lá.19

Pela pesquisa realizada podemos assentir que o próprio ordenamento

jurídico reconhece as limitações de sua eficácia ao retirar os alienados, loucos

de todos os gêneros, do alcance da lei. O Ordenamento Jurídico pressupõe

uma lógica que é própria da estruturação neurótica, é uma ordenação que

necessita da inscrição do nome do pai, pois pressupõe em sua norma

fundamental, um submeter-se à lei, à castração simbólica no tempo edipiano, à

efetuação da metáfora paterna, possibilitando as identificações. O

reconhecimento de um princípio ordenador que une o desejo com a lei. 18 Enriquez, Eugène Da Horda Primitiva ao Estado: psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1990. 19 Lacan, Jaques- Nomes-do-Pai - Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.Conferências:"O simbólico, o

imaginário e o real" e "Introdução aos Nomes-do-Pai"

38

É na procura dessa ordem que o neurótico sustenta a crença na

instituição, e esta cumpre sua função de oferecer um caminho. É um recurso

do sujeito. Diante do desamparo, uma saída possível é apelar para as

instituições, num deslocamento, em busca de uma lei que proteja, que promova

o encontro com uma ordem já inscrita: o "Nome-do-pai". Crer nesta Instância

apelatória é constituir um outro, lugar com estrutura de ficção, lugar que

tememos e adoramos, onde endereçamos os restos de um impossível de

realizar para que ele continue a operar a causa do desejo. É um lugar que

ordena, censura, mas protege.

Percebemos, então, que a Instituição Jurídica, para ter eficácia na sua

função de regulação social, para que os indivíduos de uma nação legitimem o

Estado no lugar de Ideal-do-eu e se submetam as seu corpo de direito, é

preciso que a sua ideologia, idéia-força, transmita uma palavra que possa ser

objeto de investimento, provocando a identificação a esse lugar num

deslocamento da metáfora paterna, mas ainda será necessário uma operação

anterior, que os indivíduos tenham-se constituído enquanto sujeitos neuróticos,

que em algum momento da sua constituição tenha havido a efetuação

significante do nome-do-pai, que tenha tido um corpo a sustentar a função

paterna, o exercício de uma paternidade.

Mas voltemos o nosso olhar para a atualidade. As instituições jurídicas,

cada vez mais, são acionadas para regular o caos, um certo excesso que

transborda por não haver uma delimitação das funções sociais que opere

satisfatoriamente. A transgressão à lei impera a cada dia. O Estado perde seu

prestígio, a autoridade carece de legitimidade para fazer falar a lei.

O nome, o pai e a lei não têm o mesmo valor simbólico ordenador do

caos. Num passado bem recente, acordos e vendas eram lavrados sem

assinaturas, bastava dar o próprio nome. A tradição familiar que o pai marcava

no nome do indivíduo abria portas, selava contratos, fazia casamentos. Isto

bastava para operar a lei.

39

O descrédito desses três registros da lei, signos do nome do pai, na

atualidade, aponta para uma carência do simbólico em nossa sociedade. O real

borbulha suas ordens, transformando os códigos da cultura em frágeis

sinalizações que podem, a qualquer momento, serem transpostas. Como se

ultrapassa um sinal vermelho sem temer seus efeitos.

Para onde endereçaremos as razões de tanta violência, injustiças e

barbáries? Ao fracasso da autoridade, à falência da instituição jurídica, à falácia

política dos nossos líderes... ao declínio da paternidade?

LACAN, no Seminário "A Transferência", trabalhou um pouco a questão

do pai, quando fala sobre o Édipo hoje. O tema que o interessa, nesse

momento, em relação ao pai, é o pai humilhado, uma versão do pai diferente

da versão clássica, digamos, do próprio mito do Édipo.

Ao longo de toda a sua obra de formulação teórica, veremos que

FREUD não cessa de se interrogar o que é um pai, percorrendo as fantasias

dos neuróticos e tentando fazer consistir um pai. Já LACAN faz o percurso de

FREUD e aponta para os nomes do pai, esvaziando de poder o pai freudiano e

conferindo- lhe uma forma plural.

Quando a literatura e a psicanálise demonstram um esvaziamento do

pai no percurso da história, verifica-se que a paternidade carece de

representação absoluta nos tempos contemporâneos: E o campo jurídico

também refletiu essa carência paterna em seu texto.

Nesse sentido, veremos que com as transformações da família na

contemporaneidade, o Ordenamento Jurídico teve que modificar o seu texto

sobre o lugar do pai de família.

Mas encontraremos aí um grande impasse: se a paternidade e sua

função estão na base e fundação do Direito, existiria uma relação entre as

modificações jurídicas no tratamento da paternidade, o declínio da função

paterna e o desprestígio da própria instituição jurídica nos tempos que correm?

40

Causa impacto a constatação inequívoca do declínio da paternidade no

Código, uma vez que a estruturação hierárquica do Ordenamento Jurídico

parte do pressuposto da efetuação de uma autoridade com o poder de obrigar

a obediência às leis. Em tempos de desobediência às leis, marcados

estatisticamente pela crescente marginalidade, não deixa de ser uma questão o

fato do poder paterno ter passado do centro à margem no texto que

regulamenta as leis.

3.3 . A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO CIVIL QUALIFICADO

O registro civil é o primeiro documento de qualquer cidadão. É ele que

potencializa o desenvolvimento da personalidade humana pela identificação

das origens da identidade genética. Também é o registro civil que promove a

inclusão familiar e social do indivíduo. Por isso, toda pessoa tem direito a ter

um registro civil completo com o nome do pai e da mãe no documento.

Estudos apontam que, no Brasil, mais de 700 mil crianças não tem a

paternidade declarada na Certidão de Nascimento. Um fato que gera vergonha,

revolta, constrangimento psicológico, sensação de abandono, rejeição e muito

desconforto às pessoas atingidas, sejam elas crianças ou adultos.

Dário Graffapaglia, especialista em DNA, diz que este é um grave

problema no país: “foi feito um estudo anos atrás na Penitenciária Papuda, do

Distrito Federal, e no Centro de Atendimento Juvenil Especializado, e

constatado que cerca de 80% dos internos no Caje não tinham o pai na

certidão de nascimento”.

No Distrito Federal, o Ministério Público firmou parceria com escolas

públicas da região, para desenvolver o projeto "Pai Legal". Foi através deste

projeto que um adolescente, depois 18 anos, ganhou o nome do pai na certidão

de nascimento. “Todo homem tem de ter o nome do pai“.

41

Considerando ser dever das autoridades públicas, da sociedade em

geral e dos pais em especial, propiciar o crescimento saudável das crianças e

garantir-lhes o direito fundamental à convivência familiar e tendo em vista o fato

de importante parcela da população infanto-juvenil possuir registro de

nascimento incompleto, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

desenvolveu ferramenta voltada à promoção da Dignidade Existencial do Ser

Humano em formação, através do acesso à justiça por parte da população

infanto-juvenil visando à investigação da ascendência genética. A ideia é

invocar a responsabilidade de quem, de fato e de direito, deve propiciar o

crescimento físico, emocional, material, psicológico, existencial de sua prole e,

num país de tantas crianças negligenciadas a nível parental e, sendo em sua

maioria registrados apenas em nome da mãe, busca-se, de uma maneira

prática e desburocratizada, também registrá-las “EM NOME DO PAI".

O projeto visa a incrementar a atuação extrajudicial do Ministério

Público na erradicação do sub-registro paterno, por meio do levantamento, em

cada comarca, das pessoas que não têm identificação paterna em seu registro

civil. A seguir, há a notificação dos respectivos responsáveis para

esclarecimentos acerca das medidas que poderão ser utilizadas para o

reconhecimento paterno e possível regularização da convivência parental e da

prestação alimentar. Trata-se da atuação do Parquet em prol da regularização

dos registros de nascimento e outros aspectos jurídicos relacionados à filiação

de crianças e adolescentes matriculados em rede de ensino.

O projeto desenvolve-se através da formação de um banco de dados

coletados a partir de informações fornecidas, num primeiro momento, pelos

gestores da rede de ensino público mediante um sistema de parceria

articulada. Os diretores das escolas públicas oficiadas relacionam as crianças e

adolescentes matriculadas (com indicação de respectivos dados qualificativos,

responsáveis legais e endereço) cujos registros de nascimento encontram-se

incompletos (notadamente, sem registro paterno) e, a partir desse rol, o

Promotor de Justiça inicia atividade investigatória com vistas a regularizar o

42

registro de nascimento em comento. Para tanto, fomenta-se a atuação

ministerial extrajudicial e pró-ativa.

Nesse diapasão, o acesso à justiça ora proposto para resolução de

temáticas relacionadas ao exercício responsável da paternidade, implica a

efetivação dos direitos de personalidade do ser humano em desenvolvimento.

Para a concretização de direitos de personalidade do ser humano e o direito ao

conhecimento da ascendência biológica, direito ao nome, direito ao

conhecimento da origem genética como desdobramentos da própria dignidade

de todo cidadão, o Ministério Público imprescinde da ampliação de sua atuação

extrajudicial.

Ressalte-se que há um impacto positivo gerado na comunidade em

geral e no indivíduo em especial pela definição do Ministério Público em ter por

prioridade o amparo aos incapazes, especificamente no que se refere à

efetividade do Princípio Constitucional do exercício da Paternidade

Responsável.

Nesse sentido, a eleição de um projeto que priorize a regularização da

filiação de crianças e adolescentes pelo Ministério Público mediante um

procedimento célere, informal e de simples execução, alinha-se a um

desiderato de concretização de direitos indisponíveis através de expedientes

técnicos desburocratizados. A referida ferramenta é de simples e eficiente

execução a ser implementada, com o cumprimento de etapas bem delineadas

para a atuação articulada, com obtenção de impacto social relevante, soluções

extrajudiciais imediatas e ágil ajuizamento de demandas, quando necessárias,

para resolução de situações de filiação incompleta. Ademais, a organização da

empreitada jurídica através da instauração de procedimentos controlados por

sistema informatizado, possibilita o fluxo de informações entre os operadores e

é democratizado e dinamizado, permitindo que estes possam melhor exercer

seu papel na garantia da paternidade responsável.20

20 3º Caop Cível do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, πrojeto de Gestão Estratégica "EM

NOME DO PAI", 2004.

43

Com a proteção dada à família no texto constitucional de 1988 ao

patamar de entidade familiar criou-se verdadeira o elo de interdependência

entre a filiação e seus paters tornando-a ponto de identificação social.

Assim não só a família advinda do casamento civil mas as

monoparentais, as naturais (união estável), as civis (adoção), desde que

constituídas por um homem e uma mulher (art. 226 da CFR/88) passando a ser

adotada a doutrina da proteção integral.

Maria Berenice Dias (2007) diz expressamente que finalmente a

sociedade respirou aliviada pois coube ao filho o direito de identificação de seu

vínculo de parentesco – entre ele e seus pais e ao pais as responsabilidades

do poder familiar. A disciplina da nova filiação há que se edificar sobre três

pilares constitucionalmente fixados: plena igualdade entre filhos, desvinculação

do estado de filho do estado civil dos pais e a já referida doutrina da proteção

integral, não cabendo ao Estado nem a sociedade estabelecer limites ou

condições. Entretanto ainda estava em vigor o Código Civil de 1916 em cujo

art. 358 vedava o reconhecimento de filhos espúrios (incestuosos ou

adulterinos). Havia, portanto, um flagrante desrespeito a nova regra

constitucional o que foi reparado com a edição de nova Lei 7.841, de

17.10.1989 que revogou expressamente o supra referido dispositivo.

Em 1992, foi editada a Lei 8.590, cujo teor é especificamente relativo à

investigação de paternidade e a permissibilidade da mulher declinar o nome do

suposto pai e dá legitimidade extraordinária ao Ministério Público para deflagrar

essa ação investigatória, quando necessário. Esta norma veda com veemência

qualquer referência à situação de origem da filiação em documentos de

registro. A nova ordem jurídica, introduzida pela Constituição Federal, priorizou

a dignidade da pessoa humana. Proibiu qualquer designação discriminatória

relativa a filiação, ao assegurar os mesmos direitos e qualificações aos filhos

havidos ou não fora da relação do casamento ou adoção (CF 227 § 6o).21

21 RIBEIRO, Maria Aparecida da Silva; BUSATO, Ana Maria. Sobreposição da paternidade afetiva ante

a paternidade biológica. Revista Científica da FAJAR, v.1, n.8, p. 128-163, jan./jun., 2009.

44

CONCLUSÃO

Fatores históricos e culturais construíram socialmente a figura do pai

desertor. Do Brasil colônia ao Brasil promissor pouca coisa mudou neste

âmbito. O amparo jurídico é instrumento poderoso na busca dos direitos, mas

as sequelas sociais da ausência paterna ainda são notas dissonantes na

organização do país. A análise dessas fontes permite afirmar, que um grande

número dos filhos ilegítimos ainda paira na sociedade sem que sequer saiba de

seus direitos, portanto ainda não reconhecidos pois muito embora a nossa Lei

de Introdução, em seu art. 3º, deixe claro que não se pode alegar o

desconhecimento da lei como meio de nossa defesa, muitos ainda a ela não

têm acesso: por ignorância, por falta de condições, por falta de oportunidade.

A conclusão é que a verdadeira exclusão social, sem que tais filhos

pudessem ter uma sobrevivência digna, constituiu não só uma destituição

material, mas, moral e afetiva. Além de levarem consigo o espectro da

ilegitimidade, como um verdadeiro estigma de preconceito e dor, é passível de

afirmação que, dentre outros fatores, a desigualdade social foi que relegou,

muitos deles, ao abandono, à perda de laços familiares e à marginalidade, fator

que ainda não está superado no Brasil.

Reafirmamos que buscar o reconhecimento do estado de filho é

indisponível e imprescritível sem as limitações, bem como imprescritível é o

direito de ação a declará-lo, porque contraria a característica do direito

personalíssimo do status familiae, ser buscado a qualquer tempo, objetivando a

integração do ser a sua origem.

Finalmente destacamos que o exercício desse direito inexiste diferença entre

os filhos havidos no casamento, os nascidos da relação extramatrimonial, ou

por adoção uma vez que a Constituição Federal assegura a todos os mesmos

direitos relativos à filiação, proibindo qualquer discriminação.

45

BIBLIOGRAFIA

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49

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ------------------------------------------------------2

AGRADECIMENTO ------------------------------------------------------3

DEDICATÓRIA------------------------------------------------------------4

RESUMO-------------------------------------------------------------------5

METODOLOGIA----------------------------------------------------------6

SUMÁRIO------------------------------------------------------------------7

INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------8

CAPÍTULO 1

A ausência paterna desde a formação da sociedade brasileira

1.1- Relações sociais desiguais “geram” o filho bastardo no

estado brasileiro---------------------------------------------------------10

1.2- A filiação e suas raízes antropológicas e sociais------13

CAPÍTULO 2

A desqualificação do status de filiação e as consequências na

Sociedade brasileira

2.1 Os efeitos da deserção paterna--------------------------------17

CAPÍTULO 3

3.1 – A justiça e o nome do pai--------------------------------------23

3.2 – A função paterna, a psicanálise e os aspectos

e ordenamentos jurídicos---------------------------------------------33

3.3 - A importância do registro civil qualificado------------------40

CONCLUSÃO-------------------------------------------------------------44

BIBLIOGRAFIA-----------------------------------------------------------45

ÍNDICE----------------------------------------------------------------------49

50

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por:

Conceito: