UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência...

39
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PEDAGOGIA EMPRESARIAL A GLOBALIZAÇÃO E O ADOECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES Por MICHELE GOMES DE ARAÚJO Orientadora CARLY MACHADO Rio de Janeiro, 24 de julho de 2004.

Transcript of UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência...

Page 1: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PEDAGOGIA EMPRESARIAL

A GLOBALIZAÇÃO E O ADOECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Por MICHELE GOMES DE ARAÚJO

Orientadora CARLY MACHADO

Rio de Janeiro, 24 de julho de 2004.

Page 2: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PEDAGOGIA EMPRESARIAL

A GLOBALIZAÇÃO E O ADOECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Trabalho apresentado à Universidade Candido Mendes - Projeto A Vez do Mestre como requisito para obtenção do título de Pós-Graduada em Pedagogia Empresarial.

Page 3: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

3

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PEDAGOGIA EMPRESARIAL

A GLOBALIZAÇÃO E O ADOECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Dedico este trabalho ao meu marido, ao meu filho, à minha mãe e aos grandes amigos por acreditarem que eu conquistaria esta vitória

Page 4: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

4

Resumo:

Este trabalho monográfico propõe à análise do impacto da globalização e

o adoecimento das pessoas nas organizações. O trabalho fundamentou-se

na análise de três aspectos: a globalização – seus conceitos, objetivos,

vantagens e desvantagens, conseqüências e panoramas empresariais; os

efeitos psicossociais do indivíduo frente ao fenômeno da globalização; o

adoecimento psíquico e orgânico se constituindo em perdas.

Na conclusão se pretende apontar caminhos que possibilitem à

Pedagogia uma atuação mais eficaz dentro das organizações, como canal

de resgate e construção de saúde do indivíduo.

Page 5: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

5

SUMÁRIO

I- Introdução 07

II- A Globalização 10

III- Os Efeitos Psicossociais 15

IV- O Adoecimento 20

4.1. Contexto Histórico da Saúde nas Relações Capital-Trabalho

4.2. Contexto Atual

4.3. As Causas do Estresse

4.4. O Estresse e as Doenças

20

24

27

29

V- Conclusão 33

VI- Referências Bibliográficas 37

VII- Bibliografia Complementar 38

ANEXO 1

ANEXO 2

ANEXO 3

ANEXO 4

FICHA DE AVALIAÇÃO

Page 6: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

6

“ Primeiro faça o necessário, depois faça o

possível e de repente você vai perceber que pode fazer

o impossível”

(São Francisco de Assis)

Page 7: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

7

I- INTRODUÇÃO

O século XXI vem sendo anunciado como a era das transformações,

gerando a expectativa de um mundo igualitário, justo; contexto que deve

contemplar principalmente, melhor qualidade de vida para a sociedade.

No entanto, não é essa a realidade que se apresenta, visto que, a

sociedade permanece estagnada, retrógrada no perverso modelo de

distribuição de riqueza e posição social da era industrial iniciada no século

XX, e, ao esmo tempo, precisa se mostrar adequada aos critérios de

modernidade propostos pela globalização.

Desde a década de 80, do século XX, a globalização é tema constante

nas páginas de jornais, revistas, televisão e vem ocupando

progressivamente um lugar de destaque no mundo corporativo, sob o

argumento de unificar as nações e torná-las mais produtivas e eficazes.

A partir de atributos como velocidade, informação, tecnologia e

mudanças, propõe um mundo que deve contemplar tudo em toda parte, todo

o tempo, ou seja, um mundo de um único mercado e global.

Esta concepção vem exigindo trabalhadores cada vez mais velozes, mais

competitivos e principalmente, com muita capacidade para se adaptar às

mudanças impostas.

A sociedade globalizada, que de um lado, preconiza a totalidade, a

integração e igualdade, de outro, paradoxalmente fragmenta o indivíduo, à

medida que lhe nega a singularidade, impondo padrões e modelos de

produção, submetendo-o a mudanças tão velozes, sem que haja tempo

suficiente de assimilá-las, pois há sempre algo novo surgindo.

A vivência de tal processo pode desencadear a perda ou obstrução de

uma parte do referencial básico de valores, crenças e aprendizados do

sujeito. A partir dessa obstrução, o indivíduo pode se fragmentar e ter como

conseqüências perdas na sua estruturação psíquica, afetando o

entendimento mental e afetivo sobre si mesmo e sobre tudo que lhe cerca.

Page 8: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

8

Contingências que, em última instância, podem provocar o adoecimento a

partir da não-adptação à submissão das regras de competitividade,

informação, velocidade e tecnologia que as organizações ditam sob o

pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global.

O adoecimento das pessoas dentro das organizações tem sido tema

constante e proeminente nos tempos modernos preconizados pela

economia global. Atualmente, já há um grande número de empresas que

disponibilizam aos seus funcionários, programas de qualidade de vida, por

exemplo, com vistas à problemática das doenças no trabalho.

Em proporções cada vez maiores, o mercado de trabalho vem exigindo

indivíduos competitivos, velozmente adaptáveis às mudanças e bem

informados, intelectual e tecnologicamente, como condição “sine-qua-non”

de permanência e manutenção do emprego.

Trata-se de um contexto de insegurança, em tempo integral, porque

requer do indivíduo, um estado de alerta constante, pois a qualquer

momento sua capacidade produtiva pode ser superada e substituída por um

outro considerado mais capaz. Dessa forma desencadeia-se um processo

de estresse que pode ser a principal fonte causadora do adoecimento no

trabalho.

Ao trabalhar no mercado educacional por dez anos, foi possível observar

quanto o excesso de competitividade; a pressão por resultados imediatos e

a interminável adaptação às mudanças, podem fragmentar, polarizar o

indivíduo, inferindo-lhe comprometimentos psicofísicos, ocasionando

interferências e seqüelas na sua condição produtiva.

A partir desta experiência, nasce desejo, a motivação para pesquisar as

razões pelas quais, as promessas de um mundo novo pode estar

negligenciando a saúde do indivíduo, estudar maneiras de participar do

resgate da saúde dentro das organizações.

Pretende-se com esta experiência pesquisar se os preceitos da

globalização, e principalmente o binômio: mudanças e a velocidade com que

Page 9: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

9

elas ocorrem, podem contribuir no processo de adoecimento das pessoas

no trabalho.

Para que esse objetivo seja passível de uma compreensão amplificada,

acreditamos n necessidade de analisar três aspectos que fundamentam este

tema.

A globalização – seus conceitos, objetivos, vantagens e desvantagens,

conseqüências e panoramas empresariais que será abordada no primeiro

capítulo.

O segundo capítulo, vai estar evidenciando os efeitos psicossociais do

indivíduo frente ao fenômeno da globalização, pontuando sobre os aspectos

da afetividade, das inter-relações dentro do modelo global de trabalho.

O adoecimento que pode se dar dentro deste contexto, partindo do

psíquico que evolui para o orgânico, constituindo-se em perdas como

resultado final, será discutido no capítulo três. Toda fundamentação teórica

deste estudo calcada numa atualização bibliográfica sistêmica e pesquisa

qualitativa.

A conclusão deste estudo pretende apontar caminhos que possibilitem o

resgate de uma atuação mais eficaz da pedagogia dentro das organizações.

Acreditamos que ao transformar a organização num canal de construção

de saúde psíquica, tem-se a possibilidade de maior abrangência de

resultados; que do individual vai refletir no coletivo, permitindo organizações

mais saudáveis e conseqüentemente uma sociedade mais saudável, mais

igualitária, mais integrada que “a priori”, são conceitos contemplados pela

globalização.

Page 10: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

10

II- A GLOBALIZAÇÃO

De acordo Cardoso (in Gentilli, 2002), o adjetivo global surgiu no começo

dos anos 80 nas grandes escolas americanas de administração de empresas e

foi propagado por consultores de estratégia e marketing formado nessas

escolas. Através da imprensa econômica e financeira norte-americana, o termo

“globalização” gradativamente invadiu o discurso político-econômico das

grandes nações e atualmente muito se fala de globalização. Tornou-se um

termo comumente utilizado, inclusive como parâmetro para justificar e/ou

explicar fenômenos da modernidade.

Apesar de tanto se falar da globalização, poucos sabem o que ela de fato

é e o que representa. A noção de globalidade nos remete a conjunto,

integralidade, totalidade. A palavra global tem esse mesmo sentido de conjunto,

inteiro, total, o equivalente à integração. Sob esse pressuposto, o uso do termo

“global” supõe que o objeto ao qual ele é aplicado é ou tende a ser integral, sem

quebras ou hiatos. Portanto, “globalizar” sugere o oposto de dividir,

marginalizar, expulsar, excluir.

Therborn (in Gentilli, 2002) afirma que, dentro do contexto vivenciado na

prática, a globalização pode ser de dois tipos diferentes, o de interação global e

o de sistema global.

A interação global é fundamentada nos atores subglobais, gerados e

enraizados fora da globalidade, onde, por exemplo, nos processos de

racionalização, superatores dominantes impõe sua vontade sobre um número

de atores menos poderosos. O outro tipo de globalização deriva da existência

de um sistema global através do qual os atores obtém seu roteiro e sua

localização no palco, e aqui neste caso existem processos sociais comuns

universais, em que os atores humanos tomam parte, sejam eles Estados,

corporações, ou outras organizações / indivíduos.

Page 11: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

11

“Tanto a interação como sistema, a globalização deveria estar liberta de

qualquer reducionismo econômico, tendo em perfeita conta a

multidimensionalidade dos fenômenos sociais”. (Therbon in Gentilli; 2002, p.65).

A partir do contexto da desigualdade, ambos tipos de globalização

suscitam a indagação: - Igualdade para quem?; Igualdade de quê?

O modelo econômico-produtivo calcado no capitalismo sempre promoveu

a desigualdade, mas “o capitalismo mundializado continua a reproduzir, a uma

escala maior, a desigualdade e heterogeneidade.

Ainda, segundo Cardoso (in Gentilli, 2002), globalizar implica na ideologia

do pensamento único, o decreto de que somente uma política econômica é

possível e que somente com competitividade, produtividade, livre-troca e

rentabilidade é possível à sobrevivência de uma sociedade que se tornou uma

selva concorrecional. Mas neste novo mundo sem fronteiras, o consumidor

também têm ganhos, pois finalmente tem liberdade para comprar os produtos

que quiser, com melhor qualidade e menor preço. Esta é a modernidade que

inevitavelmente requer nossa veloz adaptação em detrimento de sermos

ignorados e marginalizados pelo crescimento econômico que somente a

globalização pode propiciar.

O fenômeno da globalização parece fundamentado pelo dito

“neoliberalismo” – uma nova versão do liberalismo clássico, onde os tradicionais

princípios de liberdade, justiça e democracia se realizavam através da livre

expansão da economia.

Convencionou-se sobre o peso das transnacionais, a crença de que o

mercado é o elemento de salvação humana, de maneira que neoliberalismo

parece confundir-se com a globalização.

Essa ideologia conjuga interesse de grandes bancos, de transnacionais e

de algumas nações ou bloco, em plano mundial.

Page 12: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

12

A “acepção dominante de globalização é, pois, uma

ideologia. Expressa posições e interesses de forças econômicas

extremamente poderosas e vem comandando intensa luta ideológica –

luta essa que passa pela mídia e pela universidade – para tornar-se

dominante mundo a fora”. (Cardoso in Gentilli; 2002, p.98).

O que se pode perceber ao longo da história é que a reestruturação do

capitalismo mundial é um fenômeno simultaneamente político e econômico e

que, portanto se “a globalização é uma obra material dos mercados, sua

verdadeira direção e significado vêm sendo dados pelas opções político-

ideológicas de algumas poucas potências mundiais”. (Fiori; 1997,p.10)

O papel do estado na nova conformação mundial vem sendo amplamente

questionado. O economista francês (François Chesnais; 1997, p.4) prevê um

encolhimento do Estado e de seu âmbito de atuação em favor da regulação

através das forças de mercado – o que já pode ser assistido na área

econômica, incidindo, conseqüentemente para as políticas sociais.

A diminuição dos poderes do Estado nos dirige portanto, para o

crescimento da influência de mecanismos econômicos na determinação de

políticas sociais. Portanto, a globalização necessita dessa redistribuição de

poderes entre organizações e Estados.

Para ditar as regras do novo quadro político, as corporações

precisam exercer uma influência através dos governos nacionais que

detém o poder sobre os processos que, de acordo com seu

direcionamento, podem tanto dificultar como facilitar o estabelecimento

das condições necessárias à expansão mundial do capitalismo.

Enquanto a grande indústria fordista necessitava do keynesianismo, a

indústria da produção flexível necessita da liberdade de mercado e da abolição

dos controles do estado sobre as condições de uso da força de trabalho.

Page 13: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

13

Pensando de forma sucinta, conclui-se que a globalização expressa uma

nova onda de expansão do capitalismo, como forma de produção e processo

civilizatório.

A partir de uma análise econômica, pode-se dizer que “o fim do

comunismo permitiu de fato globalizar o capitalismo e que implicou num

aumento no fluxo do comércio, de informações e de expansão das empresas

multinacionais para mercados antes fechados”. (Folha de São Paulo,

1997b,p.2).

O que se apresenta de forma relevante neste fenômeno é a

interdependência crescente entre países e mercados. Esse processo é

facilmente percebido na redistribuição do poder entre Estados e mecanismos

reguladores de mercado; no “efeito dominó” das oscilações das bolsas de

valores em escala mundial; nas mudanças nas relações de trabalho; na

tendência crescente à consolidação de blocos econômicos e áreas de libre

comércio com planificação de tarifas alfandegárias e, em última instância, de

políticas econômicas, visando, como resultado a criação de moedas comuns

entre as nações integrantes de cada grupo.

Essas mudanças se relacionam intimamente à questão da distribuição da

riqueza e de renda, que vem ganhando destaque nos últimos anos, no entanto,

por motivos pouco nobres:

(...) o total de ativos das três pessoas mais ricas do mundo se equivale ao

PIB dos 48 países mais pobres do planeta.(Conforme Washington Novaes em

entrevista no programa “Conexão Dávila”)

(...) dos cerca 180 países existentes no mundo, aproximadamente 100

deles recebem em conjunto, algo em torno de 1% do investimento direto

estrangeiro.

O que sinaliza o “gap” cada vez maior que separa os países ricos dos

países pobres do globo.

(...) do ponto de vista social, a globalização tem sido parceria de um

gigantesco aumento da polarização entre países e classes do ponto de vista da

distribuição da riqueza, da renda e do emprego. (Fiori, 197,p.11-12)

Page 14: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

14

Números ainda mais assustadores são citados pela ONU, em seu relatório

sobre o desenvolvimento humano, editados em 1997. A concentração de renda

chegou a um ponto de o patrimônio conjunto dos raros 447 bilionários que há

no mundo ser equivalente à renda somada da metade mais pobre da população

mundial, cerca de 2,8 bilhões de pessoas.

Em virtude desta abertura dos mercados à participação internacional, os

parâmetros de avaliação das organizações se modificaram, impondo a

satisfação de novos requisitos que possibilitem a permanência e consolidação

das mesmas no novo quadro da economia global.

Sob a ideologia do desenvolvimento, acenava-se com a

esperança do progresso. Sob a ideologia da globalização

parece que se ameaça com a degradação à condição de

pobreza, caso o país não se adapte e não se integre à

comunidade mundial dentro dos padrões propostos para essa

integração. (Cardoso, in Gentili; 2002; p.118).

Page 15: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

15

III – OS EFEITOS PSICOSSOCIAIS

Ao tratarmos das organizações, o quadro acima se traduz em novas

exigências para sustentação das empresas frente a um mercado continuamente

mais competitivo.

A partir desta necessidade surge a “reestruturação produtiva”, que

fundamentalmente e exige do trabalhador a inserção numa nova “cultura

organizacional”.

“Deseja-se, basicamente, que o trabalhador tenha, iniciativa, seja criativo

e responsável, saiba resolver problemas, trabalhar em equipe, lidar bem com as

constantes inovações tecnológicas e que seja portador de alta capacidade de

abstração que o predisponha a constante aprendizagem (...)” (Zibas, 1997, p.

123).

Em resumo, tem-se a idéia e a exigência de um trabalhador polivalente,

participativo e flexível.

E falar de flexibilidade, implica no ajustamento, na capacidade do

trabalhador atender as demandas de mercado, em última instância, são do

capital.

A partir desse “ajustamento” como pré-requisito da submissão ao modelo

global de produção, de trabalho, o que pode ser vislumbrado é uma crescente

população alienada dentro desse processo, disputando um espaço, ainda que

mínimo, para exercer a tão necessária competitividade como meio de

sobrevivência a tanta perversão.

O território organizacional quase sempre não é percebido como espaço

neutro, pois contém elementos técnicos, ergonômicos, mas tem também um

significado psicossocial em termos de status, relacionamento, comunicação,

poder relativo, autonomia. Daí a importância da família e das interelações do

indivíduo, como fatores que normalmente contribuem de forma positiva e

agregadora para produtividade.

Page 16: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

16

E apesar da globalização negar o aspecto espiritual e afetivo dentro das

organizações, o racional e o emocional invariavelmente se encontram.

E ainda que, a cultura global faça uso da competição para massacrar o

afeto, mesmo assim, ele se mantém de alguma forma dentro das organizações,

visto que as emoções são consideradas fundamentais para o processo

produtivo do indivíduo, aliás, a teoria da inteligência emocional, teve e ainda

tem, muita repercussão no meio empresarial.

A ciência moderna reconhece as diferenças individuais como

componentes reais do comportamento humano. Se esta é a realidade, como

pensar em desempenhos uniformes no trabalho dentro da empresa?

Muito se tem apregoado sobre a importância de recursos humanos

qualificados para a empresa competitiva e apesar de discursos e mais

discursos sobre a otimização de recurso, tecnologia de qualidade, conceitos e

técnicas de gerências do capital humano, este ainda não é gerido, nem

aproveitado total e adequadamente.

Através dos trabalhos de Fela Moscovici, tem-se a oportunidade de

constatar que, a gestão, tanto do capital intelectual, quanto do capital

emocional, ainda carece de maior compreensão e de habilidades específicas.

De acordo (Moscovici; 2001, p. 107)

“as emoções e sentimentos ainda não ignoradas ou

menosprezadas como se fossem variáveis menos importantes

e menos decisivas da dinâmica da organização. Quase sempre

emoções e sentimento precisam ficar de fora das atividades

produtivas”.

Moscovici defende ainda que, se o capital emocional é abandonado à

sua sorte, pose acontecer o mesmo que com o capital financeiro mal gerido:

não rende, diminui, esgota-se, gera dívidas, inadimplência, falência. A gestão

competente do emocional contribui para a saúde do indivíduo e da organização,

criando condições favoráveis ao relacionamento e ao trabalho produtivo.

Page 17: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

17

A gestão adequada do capital emocional completa e integra a do capital

intelectual, criando condições favoráveis ao crescimento pessoal e coletivo e ao

estabelecimento de um clima sadio de trabalho, colaboração e sinergia de

esforços.

Partindo do pressuposto de que o homem é um ser gregário é natural

concebê-lo como um ser globalizante.

Os homens sempre procuraram globalizar seus

conhecimentos. Primeiro, por meio da descoberta, da

exploração e da cartografia de todo planeta. Depois, com

grandes viagens. Com armas e mercadorias, tentou conquistar-

se as regiões recém descobertas do mundo. Depois as

conquistas se deram por meio dos capitais e das idéias. A

igreja as fez com os missionários. A CNN as faz por meio de

sua rede de televisão. E o Brasil, por suas novelas.

A globalização política passou à econômica e agora está se

tornando psicológica. Tem-se dados desconcertantes: 32

milhões de pessoas por hora consomem coca-cola, 18 milhões

de pessoas consomem por hora um hambúrguer do

McDonalds. Somos globalizados em tudo. Não só a economia

foi globalizada. Nossa personalidade e nossos sentidos

também. Vemos em qualquer lugar os mesmos filmes.

Ouvimos em qualquer lugar a mesma música. Todos os

aeroportos do mundo têm o mesmo cheiro. Vivemos em uma

globalização psicológica, que, de um lado, transforma o mundo

numa grande vizinhança e mescla as experiências, mas, de

outro, aniquila as diferenças “.

A idéia do “homem sem fronteiras” que a globalização propaga, é, na

realidade, uma perspectiva essencialmente consumista. A sociedade moderna

engaja seus membros pela condição de consumidores.

Page 18: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

18

A maneira como a sociedade atual molda seus membros, é

ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o

papel de consumidor. A norma que a nossa sociedade coloca

para seus membros é a da capacidade e vontade de

desempenhar esse papel. (Bauman; 1999, p.88).

Teoricamente todos podem desejar ser um consumidor e aproveitar as

vantagens oferecidas por esse modo de vida. Mas não basta desejar, nem

todos podem ser um consumidor. Estamos fadados á vida de opções, mas não

são todos que tem os meios de serem optantes.

Como todas as outras sociedades, a sociedade pós-moderna

de consumo é uma sociedade estratificada. Mas é possível

distinguir um tipo de sociedade do outro, pela extensão ao

longo da qual ela estratifica seus membros. A extensão ao

longo da qual os de “classe alta” e os de “classe baixa” se

situa, numa sociedade de consumo é o grau de mobilidade –

sua liberdade de escolher onde estar. (Bauman; 1999, p.94)

A ideologia do consumo se tornou um atributo de igualdade, de inclusão.

São nos balcões dos “fast-food”, por exemplo, que ao comerem o mesmo

hambúrguer, que as crianças pobres igualam-se às ricas. E é esse modelo, que

a mídia perversamente reforça e reproduz, apontando o “hambúrguer” como

importante requisito igualitário, inclusivo, ao invés da educação. Do lugar de

consumista, o indivíduo passou a ser consumido.

Segundo Seabrook (in Bauman; 1999, p. 104)

Os pobres não habitam uma cultura separada dos ricos, eles

têm que viver no mesmo mundo ideado em benefício dos que

têm dinheiro. E sua pobreza é agravada pelo crescimento

econômico, assim como é intensificada pela recessão e o não

crescimento.

Page 19: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

19

A recessão significa mais pobreza e menos recursos; já o crescimento,

por sua vez, implica na frenética exibição de maravilhas de consumo,

prenunciando um abismo ainda maior entre o desejado e o real.

Não estamos com isso, sugerindo a extinção do consumo, nem tão pouco

a estagnação das “novas invenções” e “novas maravilhas”, a criatividade e a

evolução sempre andaram juntas.

A reflexão que se propõe é de que “os fascínios do consumismo moderno”

possam ser concebidos a partir de um indivíduo imbuído de juízo crítico; de

discernimento dos valores internos e externos que determinam a sua conduta,

suas crenças e sua capacidade de escolher o que bom e o que é ruim para o

seu crescimento e desenvolvimento, enquanto mais uma pessoa integrante da

sociedade. Uma realidade que somente é possível através da educação.

Acreditamos na importância do homem sem fronteiras, no entanto, é

imprescindível que ele seja sem fronteiras em si e por si mesmo.

Page 20: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

20

IV – O ADOECIMENTO

4.1. – Contexto Histórico da saúde nas Relações Capital-

Trabalho

Antes de falarmos sobre o adoecimento nas organizações do séc. XX e

início do séc. XXI, é necessário recordar-se o contexto histórico do

desenvolvimento das organizações, da história dos operários, do movimento

operário e a correlação de forças entre trabalhadores, patrões e Estado, para

entender como se dão às relações entre o trabalho e a vida psíquica.

Para Dejours, a evolução das condições de vida e de trabalho e, portanto,

de saúde dos trabalhadores não pode ser dissociada do desenvolvimento das

lutas e das reivindicações operárias em geral. Assim, pode-se falar de uma

história de saúde dos trabalhadores.

Falar de saúde é sempre difícil. Evocar o sofrimento e a

doença pe, em contrapartida, mais fácil: todo mundo o faz. ...

Aquilo que, no afrontamento do homem com a sua tarefa, põe

em perigo sua vida mental. (Dejours; 1992, p. 11)

O século XIX é caracterizado por grandes transformações sócio-

econômicas e demográficas. A instalação do capitalismo industrial incentivou o

êxodo rural e a migração das pessoas do campo para as cidades, causando o

começo da concentração das populações urbanas, além do crescimento da

produção.

Neste período da história, trabalhava-se dezesseis horas por dia,

empregava-se crianças na produção industrial. Os salários eram muito baixos e

insuficientes para assegurar o estritamente necessário. Períodos de

desemprego punham em perigo a sobrevivência da família. A moradia, na maior

parte das vezes, constituía-se em um pardieiro. Havia falta de higiene, e, por

Page 21: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

21

outro lado, constatava-se promiscuidade, esgotamento físico, acidentes de

trabalho, subalimentação, enfim, condições de vida e trabalho verdadeiramente

precárias, quase sub-humanas. Fome, miséria criavam condições favoráveis ao

desenvolvimento da delinqüência, do banditismo, da violência e da prostituição.

A mortalidade crescia em razão inversa ao bem estar.

Diante deste quadro da classe operária, não se podia falar em saúde, mas

sim na luta pela sobrevivência: “viver, para o operário, é não morrer”.

A burguesia temendo perder o seu lugar, sua imagem de cunho

humanista, e temendo o esfacelamento das famílias operárias necessárias à

produção e manutenção de seu “status-quo”, recorre à autoridade da ciência

visando manter a ordem moral e social nas aglomerações operárias. Surgem

três correntes para tratar deste cenário: o movimento higienista, o movimento

das ciências morais e políticas e o movimento dos grandes alienistas, onde os

médicos ocupavam uma posição de destaque criando a idéia do “Trabalho

Social”.

Considerando-se que a solidariedade operária vai desenvolvendo-se e

ganhando corpo em movimentos reivindicatórios organizados, que

posteriormente vão constituindo-se em organizações sindicais, federações e até

mesmo em partidos políticos, o Estado é cada vez mais chamado a intervir nos

conflitos entre o patrão e empregado. O Estado acaba tornando-se uma espécie

de árbitro, no entanto, na maior parte das vezes, em defesa dos atentados à

prioridade privada, ou seja, em nome dos patrões.

Assim, é fácil compreender que as reivindicações operárias desta época

estão muito relacionadas à luta pelo direito à vida, à sobrevivência. Lutas em

favor de idades máxima e mínima para se trabalhar; proteção às mulheres;

trabalho noturno; regulamentação de trabalhos sem segurança, perigosos e

penosos; repouso semanal; marcarão período da história, sendo a mais famosa

reivindicação que marcou todo século: a redução da duração da jornada de

trabalho. Em síntese, o século XIX caracteriza-se pela luta pela sobrevivência.

Já o que vem caracterizar o período da Primeira guerra Mundial até

meados de 1968 é a luta pela saúde do corpo.

Page 22: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

22

Dejours afirma que a partir desta época o movimento operário avançou

tomando a dimensão de uma força política crescente no tabuleiro de xadrez das

relações de poder. Se no século XIX a questão central era a luta pela

sobrevivência, nesta fase a questão desloca-se para a proteção à saúde, onde

o corpo é a preocupação dominante. Salvar o corpo de acidentes, prevenir

doenças profissionais, intoxicações por produtos industrias, disponibilizar

cuidados e tratamentos convenientes, usufruídos até então somente pelas

classes mais abastadas, são os eixos das lutas neste momento.

A guerra causa mudanças radicais nas relações de trabalho: salto

qualitativo na produção industrial, esforço de produção para atender às

necessidades da própria guerra, redução da jornada nas indústrias de

armamento, desfalque da população devido às baixas da guerra, esforços de

reconstrução, reinserção dos inválidos na linha de produção.

A introdução do taylorismo e sua forma de organização científica de

divisão do trabalho em linhas de produção, trazem novas questões relacionadas

à submissão e disciplina do corpo submetido a performances de tempo e ritmos

de trabalho completamente desconhecidos, conseqüentemente apresentando

exigências fisiológicas também desconhecidas.

Ao separar o trabalho intelectual do manual, o sistema Taylor neutraliza a

atividade mental dos operários. Porém, não é o aparelho mental que aparece

como primeira vítima do sistema, mas sim o corpo dócil entregue à exploração

do trabalho e sem a proteção da mente.

A partir de 1944, o movimento operário continua a buscar a melhoria das

condições de vida (duração do trabalho, férias, aposentadorias, salários),

porém, destacam-se as reivindicações referentes à saúde, principalmente do

corpo. Prevenção de acidentes, luta contra doenças, direito a cuidados médicos

continuam sendo o centro das atenções.

Assim, a luta pela sobrevivência deu lugar à luta pela saúde do corpo.

Page 23: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

23

...Miséria operária, luta pela sobrevivência, redução da jornada de

trabalho, corrente da ciências morais e políticas, corrente higienista e

corrente alienista, deram lugar, respectivamente, ao corpo doente, à luta

pela saúde, à melhoria pelas condições de trabalho, e à corrente

contemporânea da medicina do trabalho, da fisiologia do trabalho e da

ergonomia. (Dejours; 1992, p.22)

Apesar da complexidade do tema, é a partir de 1968, que se iniciam

reflexões e ações em prol da saúde mental dos trabalhadores.

O esgotamento do sistema Taylor, greves, paralisações de produção,

operações padrão, desperdício, absenteísmo, rotatividade, sabotagem levam a

sociedade procurar alternativas.

Quanto ao controle social, este sistema organizacional também já não

garante sua superioridade e na questão da ideologia o sistema Taylor é

denunciado como desumanizante e acusado de todos os vícios, tanto pelos

operários quanto pelo patrões. Discussões sobre o objetivo do trabalho e a

relação homem-tarefa acentua a dimensão mental do trabalho industrial.

Trabalhos administrativos de escritório, funções que necessitam de pouca carga

física para o seu desenvolvimento e o crescimento do setor terciário contribuem

para um aumento na carga de tarefas intelectuais, gerando a preocupação com

a questão da saúde mental dos trabalhadores.

Pode-se dizer que a “crise da civilização” de 68 trouxe à tona

questionamentos contra a sociedade de consumo e a alienação do homem.

Questionou também a desilusão do pós-guerra centrada na capacidade da

sociedade industrial em trazer a felicidade. As drogas e as toxicomanias

denunciam uma nova busca do prazer de viver, intrinsecamente relacionada à

questão da saúde mental.

O mês de maio de 1968 é um marco nas relações trabalhistas, a partir do

qual o patronato reconhece a necessidade de considerar as reivindicações

qualitativas da classe trabalhista.

Page 24: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

24

Dessa forma, enquanto a luta pela sobrevivência condenava a duração

excessiva do trabalho, e a luta pela saúde do corpo buscava melhoria das

condições de trabalho referentes ao ambiente físico, a luta pela saúde metal

está relacionada à organização do trabalho. Incluem-se aqui fatores como:

divisão do trabalho, o conteúdo das tarefas, o sistema hierárquico, as

modalidades de comando, as relações de poder, as questões de

responsabilidade, por exemplo. Questões que levam ao confronto entre a

vontade e o desejo dos trabalhadores e o comando do patrão e que permeiam

toda a organização do trabalho.

4.2. Contexto Atual

A partir desta breve contextualização sobre a saúde do trabalhador dentro

das organizações ao longo da história, abre-se espaço para um estudo

amplificado sobre os processos de adoecimento, inerentes ao meio

organizacional da atualidade.

Ao se falar em Medicina do Trabalho, são os riscos ambientais, tais como:

físicos, químicos e biológicos que são apontados na sua constituição. Seriam

exclusivamente estes, os riscos aos quais os trabalhadores estariam

submetidos no desempenho de suas funções?

Também sabemos, que em Medicina do trabalho há o reconhecimento de

situações e diagnósticos do âmbito mental, ou seja, a existência do aspecto

psíquico como integrante na constatação de adoecimentos (psico e somático) a

partir do trabalho.

Enquanto especificidades físicas (calor, frio, ruído, etc.), químicas (gases,

vapores, produtos químicos, etc.) e biológicas (vírus, bactérias, fungos, etc.)

são reconhecidas como riscos, a especificidade psíquica, a existência de climas

emocionais já são consideradas, embora com controvérsias.

Page 25: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

25

As exigências que o modelo econômico faz para o indivíduo sobreviver

enquanto trabalhadores deflagram, uma outra condição que é a do estresse, ou

seja, não bastando a condição de submissão e alienação impostas pela

modernidade corporativa, tem-se uma conseqüência ainda mais danosa, o

estresse como principal fator de adoecimento.

O estresse está na ordem do dia (tanto quanto a globalização). O ritmo, a

velocidade dos acontecimento, mudanças e informações chegaram num nível

tal, em que as pessoas vivem correndo “alucinadas”, sem tempo para elas, sem

tempo para ninguém. A sociedade vive estressada. O estresse se tornou um

fato comum.

O ser humano vivencia o estresse a partir de três fontes básicas: o meio

ambiente, o corpo e os pensamentos. O meio ambiente exige do homem sua

adaptação. É preciso suportar mudanças de temperatura, barulho, excesso de

pessoas, exigências interpessoais, pressões relacionadas a prazos, padrões de

desempenho e diversas ameaças à sua segurança e auto-estima.

A segunda fonte de estresse é fisiológica. O rápido crescimento durante a

adolescência, a menopausa para as mulheres, o envelhecimento, doenças,

acidentes, falta de exercício, nutrição deficiente e distúrbios do sono são

experiências que sobrecarregam o corpo. A reação às ameaças e mudanças

ambientais também provoca mudanças corporais que, em si mesmas, são

estressantes.

A terceira fonte do estresse são os pensamentos. O cérebro humano

interpreta e traduz mudanças complexas no ambiente e determina quando o

botão do pânico deve ser pressionado. A maneira do indivíduo interpretar,

perceber e rotular suas experiência atuais e futuras pode deixa-lo relaxado ou

estressado.

A base do moderno significado da palavra estresse como problema

psicológico foi estabelecida na virada do século, por Walter B. Cannon, um

filósofo da Universidade de Harvard. Ele foi o primeiro a descrever a “resposta

lutar ou fugir” como um conjunto de mudanças bioquímicas que nos preparam

para lidar com as ameaças. O homem primitivo precisava de rápidas descargas

Page 26: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

26

de energia para lutar ou fugir dos seus predadores. Atualmente quando os

hábitos sociais nos impedem de lutar ou fugir, o estresse desencadeia uma

resposta mobilizadora que não tem mais utilidade. Na verdade, uma resposta

lutar ou fugir crônica pode ser bastante prejudicial, física e emocionalmente.

Hans Selye, o primeiro importante pesquisador do estresse, consegui

descrever com exatidão o que acontece em nosso corpo durante a resposta

lutar ou fugir. Ele descobriu que qualquer problema, imaginário ou real, pode

fazer com que o córtex cerebral envie um sinal de alarme ao hipotálamo – que é

o principal gatilho para a resposta de estresse. O hipotálamo estimula o

Sistema Nervoso Simpático a realizar um série de mudanças em nosso corpo.

A freqüência cardíaca, o volume de sangue e a pressão sanguínea aumentam.

Começamos a transpirar. As mãos e os pés ficam frios, enquanto o sangue é

desviado das extremidades e do sistema digestivo para músculos maiores que

podem nos ajudar a lutar ou fugir. O diafragma e o ânus se contraem. As

pupilas se dilatam para aguçar a visão e a audição fica mais aguçada.

Juntamente com todas essas modificações, as glândulas adrenais

começam a secretar corticóides (adrenalina, epinefrina, norepinefrina) que

inibem a digestão, a reprodução, o crescimento, a renovação dos tecidos e as

reações imunológicas e antiinflamatórias. Em outras palavras, algumas funções

muito importantes, que nos fazem sentir saudáveis e fortes, começam a

paralisar.

O mesmo mecanismo que desencadeou a resposta de estresse pode

elimina-la. Assim que decidimos que uma situação não é mais perigosa, o

cérebro pára de enviar sinais de emergência para o tronco cerebral que, por

sua vez, pára de enviar mensagens de pânico para o sistema nervoso. Os

hormônios e as substâncias químicas que levam o corpo a um estado de alerta

são rapidamente metabolizados. Três minutos depois de pararmos de enviar

mensagens de perigo ao corpo, a resposta lutar ou fugir se extingues e

retornamos ao estado normal. Infelizmente, se a mensagem para eliminar a

resposta lutar ou fugir não ocorrer e se as mudanças bioquímicas e hormonais

Page 27: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

27

que acontecem durante a resposta lutar ou fugir continuarem, pode resultar o

estresse crônico.

Outro ponto relevante é a distinção entre os estresse “bom” e o estresse

“ruim”, mencionada por vários autores. De acordo com França e Rodrigues

(1977), eustresse é a quantidade de estresse que melhora o desempenho do

indivíduo, enquanto o distresse é o excesso ou insuficiência deste estado, que

paralisa o sujeito ou o leva a ter respostas inadequadas. A doença seria uma

resposta de distresse.

4.3 – As Causas do Estresse

O que é o ESTRESSE:

“Conjunto de reações do organismo, a

agressões de ordem física, psíquica,

infecciosa, e outras, capazes de perturbar-lhe

o equilíbrio.”

As causas do estresse são muito variadas e possuem efeito cumulativo.

As exigências físicas ou mentais exageradas provocam “stress”, mas este pode

incidir mais fortemente naqueles trabalhadores já afetados por outros fatores,

como conflitos com a chefia ou até um problema doméstico. Vamos examinar

algumas dessas principais causas:

• Emocionais: ansiedade, depressão, histeria e outros;

• Comportamentais: alcoolismo, tabagismo excessivo, dependência de drogas,

aumento do absenteísmo e, em casos extremos, o suicídio;

Page 28: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

28

• Fisiológicas: Alterações hormonais e bioquímicas que provocam taquicardia,

sudorese, hipertensão arterial, aumento de lipídios sangüíneos, dentre outras.

- Sobrecarga quantitativa: muita coisa para fazer em pouco tempo;

- Carga qualitativa inferior às possibilidades: atividades pouco estimulantes ou

desafiadoras, que não exigem criatividade, monótonas ou repetitivas;

- Conflitos de papéis e responsabilidades;

- Falta de controle sobre as tarefas: como, onde, tempo e ritmo para executar

tarefas;

- Falta de apoio social de chefias, colegas de trabalho e outras pessoas;

- Estressores físicos (Ergonômicos): barulho, calor e frio extremos, iluminação

deficiente ou excessiva, odores incômodos, trânsito e outros; conforto humano

deve ser sempre considerado (conforto térmico, acústico, horas trabalhadas

ininterruptamente, exigência física, postural ou sensorioperceptiva).

- Estressores específicos do trabalho: tecnologia de produção em massa,

processos de trabalho altamente automatizados e trabalho em turnos;

- Alterações do Sono: atraso do sono por horários de trabalho, viagens e

variações do ritmo das atividades sociais podem ocasionar insônia e

conseqüentemente acidentes, irritabilidade, desinteresse, levando ao

estresse.

- Mudanças Determinadas pela Empresa: adaptação a novas chefias ou fusões;

as pessoas passarão por momentos de ansiedade gerados por mudanças,

mas devem ter em mente que, embora algo esteja sendo “desmontado” ou

algum colega possa perder posição, elas continuarão sendo o mesmo

profissional, com os mesmos conhecimentos e a Empresa vai saber utilizá-los

da melhor forma.

Page 29: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

29

- Mudanças determinadas por novas tecnologias: o estresse vai variar de

acordo com as disposições pessoais (instabilidade afetiva, ansiedade) e de

acordo com o tipo de nova tecnologia a ser implantada (ideologias diferentes

das anteriores).

- Mudanças devidas ao Mercado: processos de ansiedade que aparecem antes

de qualquer mudança. “Sofrer antecipadamente”.

- Mudanças Auto-impostas: Exigências feitas por nós mesmos. O

inconformismo é o que nos movimenta na busca por melhores resultados,

mas devemos encarar a mudança sob uma perspectiva de crescimento e

adequação, que pode ajudar nessa adaptação; considerar uma tarefa tediosa,

inútil e humilhante "para quem já sabe tanto", favorece o descontentamento, a

ansiedade e, conseqüentemente, o estresse.

4.4 – O Estresse e as doenças

O modelo unicausal, que concebe a doença a a partir de causadores

“concretos”, como os vírus e as bactérias, passou a apresentar inconsistências

e teve que ser repensado, inclusive porque a presença destes agentes não

necessariamente provocaria a doença. Surge então um novo modelo. Uma

pessoa não adoece unicamente em função da existência de elementos nocivos

no ambiente, mas pelo fato de ser ou tornar-se sensível a ação destes agentes.

Este modelo enfatiza a relação organismo-ambiente como a determinante no

desenvolvimento ou não da doença. Trata-se do modelo de multicausalidade

das doenças.

A teoria da multicausalidade implica na seguinte noção: há uma interação

recíproca entre os múltiplos fatores envolvidos na causalidade das doenças,

como o potencial patogênico do agente agressor (seja microorganismo, químico

ou físico), a susceptibilidade do organismo que recebe a agressão, e o

ambiente (entendido como biopsicossocial) a que todos estão imersos.

Page 30: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

30

Este desenvolvimento dos métodos científicos, muito mais recentes em

termos de história da promoção da saúde, criou condições para sairmos de uma

perspectiva individual e penetrarmos na dimensão coletiva do processo saúde-

doença em um grupo de trabalhadores e de como eles podem ser influenciados

por agentes sociais, como o ambiente e a organização do trabalho. Entram em

foco as estruturas sociais como um dos fatores de risco para o desenvolvimento

de doenças.

A escola de pensamento, dentro da medicina, que se tem ocupado com a

integração dos fatores biológicos e os aspectos psicológicos e sociais do

adoecer é a “Abordagem Psicossomática”.

A partir dessa perspectiva, o estresse é apontado como principal fator de

adoecimento, considerando que os agentes psicossociais podem ser tão

potentes quanto os microorganismos, na constituição das doenças.

Como já foi citado, anteriormente, Hans Selye endocrinologista radicado

no Canadá e o primeiro grande estudioso do estresse, utilizou este termo para

denominar aquele “conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser

submetido a uma situação que exige esforço para adaptação”. (Mello Fo.; 1992;

p.98)

Estamos fazendo movimento de adaptação a todo instante, ou seja,

tentativas de nos ajustarmos à mais diferentes exigências, seja no ambiente

externo ou no interno – este vasto mundo de idéias, sentimentos, desejos,

expectativas, sonhos, imagens, etc., que cada um tem dentro de si.

Selye, através dos seus estudos, mostrou que o organismo quando

exposto a um esforço desencadeado por um estímulo percebido como

ameaçador a homeostase, seja físico, químico, biológico ou psicossocial,

apresenta tendência de responder de forma uniforme e inespecífica, anatômica

e fisiologicamente, respostas que constituem a “Síndrome Geral de Adaptação”,

que se desdobra em três fases: Alarme; Resistência e Exaustão.

O que cabe ressaltar é que, as reações de estresse resultam dos

esforços de adaptação. Se a reação do agressor for muito intensa ou se o

Page 31: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

31

agente do estresse for muito potente e/ou prolongado, poderá haver, como

conseqüência, a doença o maior predisposição ao desenvolvimento da doença.

Para Selye, “as doenças de adaptação são conseqüências do excesso

da hostilidade ou do excesso de reações de submissão”. (Mello Fo.; 1992; p.99)

As úlceras digestivas, as crises hemorroidárias, as alterações de pressão

arterial, alguns tipos de doenças renais, as alterações inflamatórias do aparelho

gastrintestinal, as diversas afecções dermatológicas, alterações metabólicas,

artrites reumáticas,alergias, perturbações sexuais, comprometimento do

sistema imunológico, são alguns exemplos de doenças com um componente de

esforço de adaptação.

O porquê surge uma enfermidade e não outra depende das diferenças

individuais que são determinadas pela história de vida da pessoa e de suas

vulnerabilidades condicionadas pela genética e pela sua constituição.

Os conceitos teóricos básicos de psicopatologias no trabalho de Dejours

tratam sobre as noções de prazer no trabalho, a de sofrimento criativo e

sofrimento patogênico. Suas pesquisas objetivam o entendimento das relações

que eventualmente podem se estabelecer entre a organização do trabalho e

sofrimento psíquico.

De acordo Dejours, o conflito que opõe o trabalho à vida mental é um

território quase desconhecido. É verdade que os especialistas do homem no

trabalho se concentram, em matéria de psicologia, em definir métodos de

seleção psicológica.

Ainda nesse contexto, Dejours afirma que a reestruturação das tarefas

como alternativa para a organização científica do trabalho fez nascer amplas

discussões sobre o objetivo do trabalho, sobre a relação homem-tarefa e

acentua a dimensão mental do trabalho.

A sensibilidade às cargas intelectuais e psicossensoriais de trabalho

preparam o terreno para as preocupações com a saúde mental.

Por essa razão, Dejours vai sustentar a importância do fator humano, da

relevância da psicodinâmica nas relações de trabalho, para um entendimento

maior das psicopatologias oriundas da relação do homem com o seu trabalho.

Page 32: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

32

Como já foi mencionado, anteriormente, “as novas organizações” exigem

trabalhadores cada vez mais dinâmicos, versáteis, flexíveis, criativos e

responsáveis para atender todas as prerrogativas da era das transformações

preconizadas pela globalização.

Isso coloca o indivíduo frente a uma possibilidade de perder ou obstruir

parte do seu referencial básico de valores, crenças e aprendizados,

desencadeando uma luta constante entre adaptar-se e não-adaptar-se,

podendo fragmentar sua estrutura psíquica e afetar o entendimento mental e

afetivo sobre si mesmo e sobre o tudo o que lhe cerca.

Esse quadro evidencia a negligência de fatores importantes ao bem estar

dos trabalhadores dentro dessa “nova organização”, muito mais que isso, esse

contexto acaba negando a saúde do trabalhador, pois à medida que o sistema

impõe modelos e padrões de trabalho e comportamento, invariavelmente ele

está negando a singularidade, as emoções, à individualidade, o que em última

instância, mas não menos importante, provoca o adoecimento do indivíduo.

Page 33: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

33

V- CONCLUSÃO

Esse estudo permitiu que se pudesse chegar a algumas conclusões,

considerando os questionamentos e os objetivos deste trabalho, que se dedicou

ao estudo da globalização e seus efeitos, especialmente aos fatores geradores

do adoecimento nas organizações.

Descobrimos que a relação capital – trabalho, sob o impacto global

sofreu profundas alterações e que, conseqüentemente, impuseram

transformações significativas para o indivíduo.

Sob a necessidade de se manter apto e qualificado para acompanhar a

velocidade com que as mudanças ocorrem, o indivíduo acredita que ao se

integrar às condições igualitárias que o sistema global propõe, estará

garantindo “o seu lugar ao sol”.

No entanto há que se atentar para os possíveis danos que esse “lugar”

pode desencadear, pois não há individualidade que não se despersonalize

dentro deste contexto de igualdade.

Partindo da premissa de que para que um indivíduo seja saudável, faz-se

necessário um psiquismo inteiro e equilibrado, é pertinente afirmar que a

despersonalização psíquica implica em uma fragmentação que

conseqüentemente vai interferir nas emoções e nos afetos do sujeito.

Essas emoções associadas à tensão e ao estresse inerentes ao meio

organizacional são o solo fértil para germinar o adoecimento.

As profundas transformações na natureza do trabalho estão abrindo

espaço para uma nova civilização para o recém-nascido século XXI. Uma

civilização adoecida e sem trabalho.

E que civilização é essa, onde os homens são substituídos por

máquinas?

As máquinas podem ser inteligentes, mas não possuem a capacidade

criativa do homem; poderão simular sentimentos e emoções, no entanto serão

incapazes de gozar e de sofrer como os homens. A capacidade de produzir, de

Page 34: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

34

fazer mais e melhor, a priori, é da máquina também, mas será ela capaz de

avaliar a necessidade de fazer e a hora de parar?

O homem está carente da humanização e do afeto que lhe são

peculiares. É disso que a psicologia cuida e trata. Solução tão simples quanto

utópica.

Celso Furtado (1998, pg. 69), afirma que, mais do que a globalização, “o

que caracteriza a civilização atual é a sua falta de imaginação para pensar o

futuro e para criar uma utopia nova”.

Maior ainda é a dificuldade de traduzir as novas utopias em práticas

concretas, cotidianas. Elas normalmente nos servem apenas de acalento, de

refúgio contra as rudezas da realidade. Freqüentemente a grandeza das utopias

nos assusta, nos dá a sensação de impotência frente aos fortes ventos

contrários.

No entanto, as utopias não se dão de forma mágica elas precisam ser

concretizadas no cotidiano com paciência e perseverança; elas são medidas

por conquistas diárias, por micro-utopias.

O surgimento da conjugação de interesse, de utopias divergentes, de

alienações e ironias é inevitável. Mas surge também uma recriação diária da

nossa eterna sede por um novo significado para a jornada humana, um

significado que deve ser construído dia-a-dia.

Transformar a globalização na guerra do fim do mundo, certamente não

pe o caminho. Ela pode ser o início de uma ordem econômica internacional

mais justa. “Isto é possível, é necessário e pode abrir novas perspectivas para o

melhor dos mundos – produtividade capitalista com bem-estar socialista”.

(Moscovici; 2001, p.277)

Que implicações a diminuição da interação direta das pessoas, em razão

do trabalho, pode ter sobre a qualidade de vida e a saúde do indivíduo?

Uma receita preconizada por Freud, quando indagado sobre o que

comporia uma vida plenamente equilibrada, resumia-se ao binômio Amor-

Trabalho.

Page 35: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

35

Quando as pessoas ocupam seu tempo de maneira construtiva,

fazendo algo que sirva para atender as necessidades de outras

pessoas, estarão provendo sua própria subsistência e,

concomitantemente, desenvolvendo sua auto-estima. E quando criam

relações afetivas entre si, tendem a um intercâmbio mais equilibrado

entre o pensar, o fazer e o sentir. Assim, pensamentos, atividades e

sentimentos funcionam harmonicamente, configurando bem-estar,

saúde física e mental e qualidade de ida.

É preciso trabalhar. É preciso amar.

“Desenvolver habilidades de executar bem as tarefas, desenvolver

habilidades de dar e receber afeto; competência profissional e

competência emocional para viver em – eis uma fórmula básica para

buscar equilíbrio e realização intra-pessoal, interpessoal e

transpessoal.” (Moscovici; 2001, p.144).

A receita parece simples e teoricamente de fácil execução, no entanto

não é o que a realidade nos mostra, pois são muitos os problemas contra os

quais a pedagogia enfrenta.

Problemas como o modelo idealista na formação profissional da

pedagogia como um todo e das organizações; associado à falta de agregação

dos mesmos, reduzindo sua representatividade social, seu poder de atuação e

sua identidade, além dos graves problemas sociais, que historicamente afetam

o trabalhador brasileiro.

Para uma profunda reflexão sobre o assunto, reproduzo as palavras de

Felá Moscovici (2001, p.278).

“A distância entre a tecnologia e a cultura está se tornando

insuportável. Somos capazes de acabar com a humanidade mas não

conseguimos tornar a vida minimamente saudável e digna para a

grande maioria. Não será o momento de realinhar os valores e orientar

os costumes? Não será a hora de produzir uma cultura de vida e

felicidade em vez de morte, consumo e desperdício. Onde estão os

Page 36: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

36

religiosos? Onde estão os filósofos? Onde estão os ativistas? Onde

estamos todos nós?

Cultura é sabedoria. É experiência acumulada e depurada. Aproxima-

se a era do saber. Temos que cuidar para que a informação não se

torne um divisor iníquo entre os que detêm o saber e os que dele

fazem uso. A sociedade da informação não pode se restringir a uma

mega-internet acionando robôs em obediência aos comandos de

algum poder hegemônico. A ética dessa sociedade não pode ser a

ética do mercado”.

Antes de produzir organizações inteligentes, organizações que

aprendem, temos que produzir seres humanos holisticamente

educados. Educados em espíritos, em corpos, em corações e mentes,

capazes de respeitar a natureza e a continuidade da vida antes de

pensar em produzir, consumir e desperdiçar. Quem fará isso? Todos

nós. As organizações inclusive.”

Page 37: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

37

VI- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

* BAUMAN, Zygmunt (1998) Globalização – As conseqüências Humanas.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

* CHESNAIS, Françoise (1997) Novo Capitalismo intensifica velhas formas

de exploração. Folha de São Paulo, 2 nov. Especial Globalização, p. 4.

Entrevista.

* DEJOURS, Christophe (1992) A Loucura do Trabalho: Estudo de

Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré.

* DEJOURS, Christophe; ABDOUCHELI, Elizabeth e JAYET, Christian (1994)

Psicodinâmica do Trabalho. São Paulo: Atlas.

* FRANÇA, Ana C. Limongi e RODRIGUES, Avelino L. (1996) Stress e

Trabalho – Guia Básico com Abordagem Psicossomática. São Paulo: Atlas.

* FURTADO, Celso(1998) A lição de uma mestre. In ABDE (org.). Lições de

mestres: entrevistas sobre globalização e desenvolvimento econômico.

Rio de Janeiro: Campus e ABDE. p.65-75.

* GENTILLI, Pablo (2002) Globalização Excludente. Petrópolis: Vozes.

* MASI, Domenico di (2001) O Futuro do Trabalho. Rio de Janeiro: José

Olympo.

* MELO FILHO, Julio (1992) Psicossomática Hoje. Porto Alegre: Artes

Médicas.

* MOSCOVICI, Felá (2001) A Organização por trás do Espelho – Reflexos e

Reflexões. Rio de Janeiro: José Olympo.

* ZIBAS, D.M.L (1997) O reverso da medalha: os limites da administração

industrial participativa. In: CARLEILAS, Liana: Valle, R. Restruturação

produtiva e mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Hucitec-Abet. P. 122-

139.

Page 38: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

38

VII- BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

* DEJOURS, Christophe (1995) O Fator Humano. Rio de Janeiro: Fundação

Getúlio Vargas.

DEJOURS, Christophe (1998) A Banalização da Injustiça Social. Rio de

Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

* MARTIN, Peter-Hans e SCHUMANN, Harald (1999) A Armadilha da

Globalização. São Paulo: Globo.

* MASI, Domenico de (1999) A Emoção e a Regra. Rio de Janeiro: José

Olympo.

* MASI, Domenico de (2000) A Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Senac.

* MOTTA, Fernando C. Prestes e FREITAS, Maria Éster de (2000) Vida

Psíquica e Organizações. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

* SENNET, Richard (1999) A Corrosão do Caráter – Conseqüências

Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. São Paulo: Record.

* GLINA, Débora Miriam Raab e ROCHA, Lys Esther (2000) Saúde Mental no

Trabalho – Desafios e Soluções. São Paulo: VK.

Page 39: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO … GOMES DE ARAUJO.pdf · pretexto de sobrevivência e adequação ao mundo global. ... civilizatório. A partir de uma análise econômica,

39

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” CURSO DE PEDAGOGIA EMPRESARIAL

A GLOBALIZAÇÃO E O ADOECIMENTO NAS ORGANIZAÇÕES

Por MICHELE GOMES DE ARAÚJO

Orientadora CARLY MACHADO

Aprovado em _____ / _____ / _____ Nota: _____________

__________________________________________ Avaliador (a)