UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO ...heterogêneo e variável da norma culta e da popular...

70
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE Poderia o meio influenciar na utilização da nossa linguagem? Profª. Maria Luíza da Rocha Santos Orientador Profª. Mary Sue Rio de Janeiro 2007

Transcript of UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO ...heterogêneo e variável da norma culta e da popular...

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Poderia o meio influenciar na utilização da nossa linguagem?

Profª. Maria Luíza da Rocha Santos

Orientador

Profª. Mary Sue

Rio de Janeiro

2007

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Poderia o meio influenciar na utilização da nossa linguagem?

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Docência do

Ensino Superior

Por. Maria Luíza da Rocha Santos.

3

AGRADECIMENTOS

... ao meu pai, minha filha e parentes ...

4

DEDICATÓRIA

..... dedico à minha falecida mãe que

muito me incentivou,.......

5

RESUMO

Através de pesquisas bibliográficas, jornais, propagandas de tevê músicas,

investigou-se como se deu o percurso pelos quais transcorreu a dualidade do

português padrão e português não-padrão, com o objetivo de mostrar que não

há “erros” na utilização da língua portuguesa, mas sim, inadequação do seu

uso, pois dependendo de cada situação lingüística, este ou aquele modelo é

aceitável. Verificou-se então, que no percurso da história, o preconceito

lingüístico ganhou força com a confusão entre gramática normativa e língua,

pois não se levou em consideração elementos como dinâmica e interação da

linguagem. Além do mais, a sociedade moderna tem na concorrência um dos

traços mais característicos de sua sociabilidade e isso favorece, também, a

formação de preconceitos e a disputas no interior da sociedade. Desse modo,

o preconceito lingüístico acaba assumindo a força de uma “arma”, devido a

essa competição melhor na hierarquia social. Também, neste contexto,

averiguou-se quais fatores social-econômicos são desconsiderados do enfoque

do estudo da linguagem enquanto fator social.

Palavras-chave: Linguagem, inadequação, preconceito.

6

7

METODOLOGIA

Inicialmente, a inspiração para a confecção deste trabalho veio na

faculdade Sousa Marques, no curso de Letras; onde, nas aulas de filologia, o

professor Evanildo Bechara afirmava: “Não existe erro em nossa língua, mas

sim, inadequação”. Comparava a linguagem a um armário de roupas, de onde

se retiravam as “peças” adequadas para cada ocasião.

A partir daí, comecei a investigação em revistas, jornais, propagandas

de tevê, músicas, livros e internet para constatar que, realmente, a

comunicação só ocorrerá se o interlocutor se fizer entender. E para isto é

preciso utilizar uma linguagem compatível ao grupo ao qual se destina a

mensagem.

Para facilitar o entendimento foram acrescentados, ao trabalho, alguns

exemplos de textos jornalísticos, artigos de revistas, propagandas comerciais e

letras de músicas.

8

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

TECENDO COMENTÁRIOS 29

CONSIDERAÇÃO FINAL 43

ANEXOS 45

BIBLIOGRAFIA 65

ÍNDICE 69

FOLHA DE AVALIAÇÃO 70

BIBLIOGRAFIA CITADA (opcional) 55

ANEXOS 58

ÍNDICE 59

FOLHA DE AVALIAÇÃO 63

SUMÁRIO

10

11

1. INTRODUÇÃO

1.1 LINGUAGEM

Instrumento sem o qual seriam impossíveis a vida em sociedade e

qualquer forma de cultura, a linguagem pode ser considerada o - traço que

melhor define a espécie humana.

Linguagem é todo sistema de expressão que permite a comunicação

entre indivíduos por meio de signos convencionais, falados ou escritos. Por

extensão, fora do âmbito lingüístico, denomina-se linguagem todo sistema

humano de comunicação baseado em determinadas convenções - visuais,

auditivas, tácteis etc.

Chama-se linguagem a expressão da faculdade comunicativa. (Barsa,

vol.9,p.49,2002)

1.2 LINGÜÍSTICA

A vida humana em sociedade não teria sido possível sem sistemas de

signos que permitissem a comunicação. A ciência da lingüística começou a se

desenvolver quando os homens começaram a fazer perguntas sobre a

linguagem que embasava sua civilização.

Lingüística é a ciência que estuda a linguagem. O termo foi empregado

pela primeira vez em meados do século XIX, para distinguir as novas diretrizes

para o estudo da linguagem, em contraposição ao enfoque filológico mais

tradicional. A Filologia ocupa-se, principalmente, da evolução histórica das

línguas, tal como se manifestam nos textos escritos e no contexto literário e

cultural associado. A Lingüística tende a dar prioridade à língua falada e à

maneira como ela se manifesta em determinada época.

12

1.3 LINGUAGEM E CONCEPÇÃO DO MUNDO

Cada língua reflete de maneira diferente o mundo no qual se acha

inscrita. No vocabulário, por exemplo, é muito freqüente o significado de uma

palavra num idioma não corresponder de maneira exata ao de nenhuma

palavra de outro, o que constitui um dos fatos que mais dificultam as

traduções. Cada língua impõe uma determinada análise do mundo, sem que

isso queira dizer que aprisione a mentalidade de seus falantes.

A linguagem constitui também um elemento essencial de toda cultura,

sem o qual ela não poderia existir, pois possibilita a transmissão oral ou escrita

do passado de uma coletividade. (Barsa, vol.9,p.53)

1.4 HOMEM E LINGUAGEM

Só existe língua se houver seres humanos que a falem. Partindo desse

pressuposto, observa-se que linguagem e homem sempre estiveram

interligados, pela necessidade que esse sente de exprimir-se com clareza, seja

através de linguagem oral ou escrita. Mas, no entanto, falar ou escrever não é apenas uma questão de

gramática, de morfologia ou de sintaxe, não é apenas uma questão de

executar, certo ou errado, determinados padrões lingüísticos. Não é tampouco

formar frases, nem sequer juntá-las, por mais bem formadas que elas estejam.

Falar ou escrever é, pois, ativar sentidos e representações já

sedimentadas que sejam relevantes num determinado modelo de realidade e

para um fim especifico; é, antes de tudo, agir, atuar socialmente; é, nas mais

diferentes oportunidades, realizar atos convencionalmente definidos, tipificados

pelos grupos sociais; é uma forma a mais, de, tipicamente, externar intenções,

de praticar ações, de intervir socialmente, de "fazer" afinal.

Entretanto, apesar de toda essa significação, o desprestígio da

linguagem se consagra do emaranhado de distorções e mitos divulgados ao

13

longo da história nos quais a gramática, por assim dizer, é a grande "vilã", na

medida em que contribui para o discurso do pré-conceito.

A gramática, portanto, foi criada com o propósito de conservar o

padrão escrito, que exige treinamento, memorização de exercício e de regras

fixas.

E estas no decorrer do tempo, passaram a ser única via de regra para

a linguagem oral sob o discurso de que normas padronizadas facilitam a

compreensão da linguagem. Porém, neste processo, desconsiderou-se que a

linguagem não é um pacote fechado, pronto e acabado; sua vida e seu

dinamismo estão em constante movimento, já que toda língua viva é uma

língua em decomposição e em permanente transformação.

Portanto, para entendê-la é preciso levar em consideração a

concretude histórica, cultural, e principalmente, a condição de atividade social

da mesma, sempre sujeita às circunstâncias, às instabilidades, às flutuações

de sentido, à própria opacidade da experiência humana. (BAGNO,1999,p.69).

Neste âmbito, considerando-se o caráter que o estudo da gramática

adquiriu, tenta-se amadurecer esta reflexão através de pesquisa bibliográfica.

Para tanto, adotou-se como objetivo verificar quais são os fatores que fazem

da norma não-padrão uma variante passível de preconceito e para isto,

analisou-se historicamente, como se deu o processo de construção de juízo

de valor das variantes e investigou-se a língua enquanto fator de (des)

valorização social.

1.5 RAZÕES DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO: REFLEXÕES

Antes de tratar, em específico, do preconceito lingüístico, tratou-se de

fazer, resumidamente, um percurso histórico sobre os estudos da gramática,

14

pois estes são de suma importância para o entendimento de como se deu o

processo que desencadeou, em segundo plano, o "preconceito" lingüístico.

Foi na Grécia, por volta do séc. V a.C. que se iniciaram como ramo da

filosofia os estudos lingüísticos, que eram voltados para a discussão acerca da

relação entre linguagem e pensamento, visando-se como objetivo,

compreender a estrutura deste último.

A partir desse objetivo, o estudo gramatical grego foi dividido em três

momentos distintos: o primeiro constituído pelos pré-socráticos, Sócrates e

Platão, - no qual, para estes a língua não era preocupação independente,

encontrando-se, então, esparsa em suas obras.

No segundo, - denominado escola estóica -, os estudos lingüísticos

fazem então, parte da filosofia e, segundo este, o espírito do homem seria uma

espécie de folha em branco desde o momento do nascimento, e essa página

seria "escrita" pelas experiências sensoriais e intelectuais; e por fim, no

terceiro, chamado período dos Alexandrinos, se destacou dos dois anteriores

por sua preocupação com a língua literária em dois aspectos: - tornar

acessíveis aos contemporâneos às obras de Homero e manter o uso "correto"

da língua, a fim de preservar o grego clássico de corrupções.

Neste processo, com o decorrer da história, os romanos alcançaram

apogeu político e aproveitaram-se do conhecimento gramatical grego já

existente, pouco acrescentando-lhe além de sua língua, o latim. Logo depois,

na Idade Média, acontece o mesmo "apoderamento" de conhecimento, agora

herdado dos romanos, com estudos sobre o latim clássico no intuito de

preservá-lo.

Assim, a partir do séc. XVI cada país passou a apresentar interesse

por sua própria língua e foram formadas, então, gramáticas pedagógicas das

línguas modernas, todas pautadas nos estudos grego-latinos em relação à

15

orientação lógica e corretiva do "certo" e "errado", com a descrição de

verdadeiros fenômenos lingüísticos.

Entretanto, é apenas no séc. XIX, com o avanço dos estudos

lingüísticos que começa a se questionar a vertente que o estudo gramático

adquiriu e que, através da consagração do emaranhado de distorções e mitos

divulgados ao longo da história que acabaram por desprestigiar fatores

variacionais da linguagem.

A gramática, portanto, que foi criada com o propósito de conservar o

padrão escrito, passou de mera especulação filosófica, a ser consagrada como

verdadeiro dogma, que deveria ser seguido e obedecido à risca, sem

contestação.

1.6 CONCEPÇÃO DE PRECONCEITO

Segundo definição extraída do dicionário de Aurélio Buarque de

Holanda, a palavra preconceito significa idéia preconcebida; suspeita;

intolerância; aversão a outras raças, credo, religião, etc.

Assim, estar em contato com a norma culta da língua não é apenas um

aspecto cultural. Trata-se, principalmente, de uma questão de prestigio social,

num país que historicamente as desigualdades sociais se perpetuam.

Tratando, em especial, do preconceito lingüístico, pode se afirmar

segundo BAGNO (2004), que existem muitos mitos que auxiliam na

perpetuação desta situação que é, desde a muito, alimentada pelos seguintes

argumentos:

A língua falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente;

brasileiro não sabe português só em Portugal se fala bem o português;

Português é muito difícil; as pessoas sem instrução falam tudo errado; o lugar

onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão; é preciso saber

gramática para falar e escrever bem e, por fim, o domínio da norma culta é um

instrumento de ascensão social.

16

Esses mitos, no entanto, estabelecem afirmações de estreitamento

que prestigiam apenas uma variante do português, e estas variantes, como

sempre aconteceu, propagam um conceito que intervém na realidade social

vigente, reforçando um velho pré-conceito em relação à noção de língua.

Porém, apesar de todo este empenho de unificar a linguagem, não se

pode negar que:

Mesmo única, uma língua ainda é uma efervescência, uma mistura

esquizofrênica, uma roupagem de arlequim com a qual se realizam funções de

linguagem muito diferentes e se efetivam centros de poder distintos, insuflando

o que pode ser dito e o que não pode ser dito: se farão valer os coeficientes de

territoriedade e de desteriorização (SIGNORIM, 1975, p.48-49).

Por este motivo, pode-se argumentar que a norma culta do jeito que é

preconizada nas gramáticas, é apenas uma idealização, que funciona como

uma espécie de lei, que determina usos orais e escritos e serve de base

corretiva para as formas lingüísticas. Além disso, como bem esclarece

Signorim, os padrões reais de uso são movidos pela pressão social, mas,

mesmo assim, esses ainda são considerados inválidos, na medida em que a

memória coletiva ainda não superou o proverbial artificialismo e a rigidez dos

compêndios gramaticais.

Além do mais, verifica-se que a polarização definida dentro do sistema

heterogêneo e variável da norma culta e da popular intensificou

gradativamente o distanciamento entre esses dois sistemas num reflexo nítido

da progressão ideológica da elite sobre seus dominados.

Assim é pertinente ressaltar que:

17

Toda forma de valorização implica em exclusão..., e a variação, neste

contexto, é constitutiva das línguas humanas. Ela sempre existiu e sempre

existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, a imagem de

uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem,

subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e

mesmo dos programas de difusão da mídia sobre 'o que se deve e o que não

se deve falar' não se sustenta na análise empírica da língua" (BAGNO, 2002,

p.19)

1.7 LINGÜÍSTICA HISTÓRICA

A classificação das línguas, a evolução histórica de seus aspectos

fonológicos, morfológicos e léxicos, os estudos sobre distribuição geográfica

dos idiomas indo-europeus e a reconstrução da língua comum de que

provinham definiram o contorno geral dos estudos lingüísticos que dominaram

a segunda metade de século XIX. Na década de 1870, o movimento dos

neogramáticos, cujos principais representantes foram os alemães August

Leskien e Hermann Paul, marcou um dos períodos mais significativos da

lingüística histórica por conferir à disciplina um caráter mais científico e preciso.

Com base nas teorias evolucionistas de Charles Darwin e na

compreensão da língua como um organismo vivo, que nasce, se desenvolve e

morre, os neogramáticos atribuíram a evolução histórica das línguas a

determinadas leis fonéticas, regulares e imutáveis, a partir das seria possível

reconstruir as formas originais de que haviam surgido. Apesar das evidentes

limitações desse enfoque fonético, o método e as técnicas dos neogramáticos

muito influenciaram os lingüistas posteriores.

Nas correntes lingüísticas surgidas durante a primeira metade do

século XX, foram também importantes as teorias desenvolvidas um século

antes pelo alemão Wilhelm Von Humboldt, para quem a língua, organismo vivo

e manifestação do espírito humano, era uma atividade e não um ato. Com sua

concepção estruturalista da língua como um conjunto orgânico composto por

uma forma externa (os sons), estruturada e dotada de sentido por uma forma

18

interna, peculiar a cada língua, Humboldt foi o precursor do estruturalismo

lingüístico de Ferdinand de Saussure.

1.8 PSICOLINGÜÍSTICA E SOCIOLINGÜÍSTICA

A teoria gerativa de Chomsky abriu caminho para uma renovação

radical da lingüística e para sua aplicação a diversas disciplinas do saber

humano, como a psicologia ou a sociologia. Um dos principais campos de

aplicação da gramática gerativo-transformacional, sobretudo no que diz

respeito à percepção da fala e aos distúrbios patológicos, como por exemplo, a

afasia (perda da fala).

O caráter e função social da linguagem, suas repercussões no

comportamento do indivíduo e os condicionamentos sociais (diferenças de

classe, sexo, educação, idade e ocupação) que determinam as variações

lingüísticas dentro de uma língua representam os objetivos principais da

sociolingüística. Em oposição às teorias sociolingüísticas, segundo as quais a

língua é ao mesmo tempo causa e efeito das concepções sobre a realidade e o

mundo de uma comunidade de falantes (hipótese do americano Benjamin Lee

Whorft) ou resultado de estruturas sociais determinadas (teoria do georgiano

Nikolai Y. Marr), as pesquisas do americano William Labov tentaram explicar

as variações lingüísticas de uma determinada língua por meio de uma

redefinição do conceito chomskiano de competência. Labov entendia a

competência como o conjunto de regras de conteúdo sociológico-diferentes

níveis e registros de língua - que, uma vez conhecidas pelo falante, podem ser

empregadas de acordo com o contexto social ou a situação. (Barsa, vol. 9,

p.59).

1.9 A VARIAÇÃO HISTÓRICA

Condiciona-se o reconhecimento da variação histórica à observação

de pelo menos dois estados sucessivos de uma língua. Sob essa

consideração, é ocioso dizer que duas variantes diacrônicas, a substituta e a

19

substituída, a rigor não coexistem num mesmo plano temporal., uma vez que

uma deve cair em desuso para que a outra sobreviva. O conhecimento de

variantes históricas e seu reconhecimento pelos membros de uma

comunidade, como pertencentes à língua que falam, decorre em maior escala

da modalidade escrita, que faz preservar o passado de um instrumento de

comunicação.

É preciso lembrar que o processo de mudança lingüística não é tão

simples como pode parecer. Em sua origem, uma variante em processo de

adoção pela norma da comunidade é apenas uma das inumeráveis variantes

confinadas ao uso de um grupo restrito de falantes. Ao se propagar, é adotada

por um grupo sócio-economicamente expressivo, que reconhece nela um fator

de prestígio em contraste com a forma em desuso. Esta fica confinada ao uso

das gerações mais velhas. Finalmente, elege-se como variante normal na fala

da comunidade, com a eliminação completa da forma em substituição, que

acaba por fixar-se em virtude da modalidade escrita.

Alguns exemplos curiosos de mudança lexical são encontráveis na

crônica “Antigamente” de Carlos Drummond de Andrade: “ Antigamente as

moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito

prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os

janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando as

asas, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o

remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar noutra freguesia. As pessoas,

quando corriam,antigamente, era para tirar o pai da forca, e não caiam de

cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com

quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesses entrementes,

esse ou aquele embarcasse em canoa furada (...).

As variantes históricas de há muito em desuso, somente

registradas atualmente em obras especializadas em descrever a história da

língua ou em obras literárias do passado, são menos importantes que as

contemporâneas, que marcam uma evolução mais recente dos costumes,

permitindo entrever uma relação sócio-cultural entre dois níveis etários, no

sentido de que o jovem adolescente, procurando a novidade, afasta-se

20

sistematicamente dos padrões que regem as gerações anteriores,

consideradas ultrapassadas.

1.10 GÍRIAS

Criada por necessidade de sigilo ou capricho da moda, a gíria tem vida

efêmera, embora algumas de suas criações vocabulares, quando muito

expressivas, sejam eventualmente incorporadas à língua.

Gíria, em sentido amplo, é a linguagem especial nascida em certos

grupos sociais que, por sua expressividade, acaba por estender-se ao conjunto

da sociedade. Se o grupo de origem se constitui por terem seus membros a

mesma profissão, ou por desempenharem a mesma atividade, sua linguagem

é chamada dialeto científico, terminologia ou jargão técnico. Em sentido estrito,

é a linguagem usada por um grupo, geralmente à margem da sociedade, que

não deseja ser compreendido por outras pessoas. O conceito de gíria estende-

se ainda a termos empregados com a intenção estilística de retratar mais

expressivamente determinada realidade, independentemente do grupo

sociopolítico a que pertencem os falantes. É o caso dos vocábulos “frescão” e

“orelhão” empregados no Rio de Janeiro para designar, respectivamente,

ônibus com ar condicionado e telefone público. O uso da gíria pelos meios de

comunicação de massa, em programas de televisão e mensagens

publicitárias, concorre para ampliar sua área de penetração.

Na formação de novos vocábulos, tanto a gíria quanto a linguagem

técnica utilizam processos lingüísticos gerais, dentro das potencialidades do

sistema. São eles: (1) criação de novos vocábulos a partir de elementos

formais já existentes ou tomados de empréstimo a outras línguas, de que são

exemplos os helenismos da linguagem médica, como o termo patologia, que

vem do grego pathos, “doença”, mais logos, “estudo de”, ou na astronáutica, o

termo acoplagem ou acoplar, que substitui a expressão vernácula “engatar”; e

(2) o processo pelo qual um termo, sem perder seu significado habitual, ganha

um novo significado, como por exemplo, “precipitação”, do latim

praecipitationem, “queda”, que em química designa especificamente o

fenômeno que ocorre quando uma substância sólida se separa do líquido em

21

que estava dissolvida, e deposita-se como sedimento no fundo do vaso, ou fica

em suspensão no líquido.

Outro tipo de processo, na formação de novas gírias, pode se originar

de: (1) Derivação a partir de núcleos morfológicos já existentes, como por

exemplo, ”apagar”, usado como sinônimo de dormir, ou assassinar; (2) redução

de vocábulos independentemente de seus elementos morfológicos

constituintes, como em “mina”, possivelmente derivado de “menina”, que

significa garota ou mulher em geral; e (3) palavras derivadas de empréstimos

de outras línguas, como “ventanista”, que na linguagem dos gatunos indica a

pessoa que entra em casa alheia pela janela e deriva do espanhol ventana.

A criação de novos vocábulos a partir da combinação dos fonemas já

existentes na língua, muitas vezes usada como recurso literário, não é comum

na formação de gírias. Daí seu caráter parasitário, pois não enriquecem a

língua a partir das potencialidades dela. A ampliação ou restrição do campo

semântico de uma palavra já existente é recurso muito comum no surgimento

de novas gírias. Por exemplo, na linguagem metafórica dos usuários de

drogas, “viagem” é a alucinação provocada pelo uso delas e “bagulho” significa

cigarro de maconha. Por metonímia formam-se “pó” para designar cocaína e

“fumo”, para maconha. (Barsa,vol.7,p.117)

1.11 O SENHOR DAS PALAVRAS

“Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das

suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo

seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a

tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que

cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em

público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas.

Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção.A gramática precisa apanhar

todos os dias para saber quem é que manda”.

Eis um conceito funcional: o escritor como profissional das palavras,

alguém que faz com as palavras o que quer. Escritor que redigisse com

22

atenções de lexicógrafo ou escrúpulos de gramático, acabaria enredado em

palavras e regras. Escritor? O senhor das palavras, não servo delas.

Temos aqui uma concepção oposta à tradicional, da literatura como

mito, magia verbal, mundo esotérico acessível apenas a privilegiados que,

além do mais, se escravizam às palavras, à linguagem castiça, culta, clássica...

Segundo Luís Fernando Veríssimo, é preciso acabar com a

mitificação e mistificação. Literatura é também coisa do povo, com suas

lendas, provérbios, canções – e a língua, o arado com que ele lavra suas

sentenças cotidianas, suas frases humildes.

Urgente, também, desmitificar e desmistificar a Gramática.

Desmitificar sua máscara de teoria para iniciados; desmistificar

aqueles que a complicam inutilmente. A gramática, algo caseiro, doméstico, a

serviço da gente, “precisa apanhar todos os dias para saber quem é que

manda”.

Estaria nesse arremate, como veneno na cauda, aquele “insidioso

desrespeito” pela Língua?

Por certo que não. Ao menos não insidioso, visto que franco, direto.

Mas desrespeito, não haveria mesmo?

Antes de tudo, é preciso ver que o cronista se diverte jogando com

imagens e exageros. Afinal, nem a Gramática pode apanhar.

O humorista se diverte gracejando com uma visão tradicional da língua

e da gramática como objetos de culto e veneração, por isso mesmo

distanciados, inacessíveis, que nos deixam atordoados e inseguros, se não

humilhados, quando precisamos falar ou escrever.

Com essa visão, não admira que tantos alunos detestem aulas de

Português, e nossos profissionais liberais, mesmo brilhantes médicos,

advogados, engenheiros, e até filósofos, sejam tão freqüentemente bisonhos

no manejo do seu instrumento mais pessoal, a sua língua materna.

“A Gramática precisa apanhar?” O cronista sugere que ela deve estar

numa posição de serva – dócil e submissa. Isso pode incluir rebeldia contra

normas que tolhem a expressão livre de pensamentos e emoções. Grandes

23

escritores infringem aqui e ali alguma regra (dessas registradas em gramáticas

normativas), intencionalmente, com resultados positivos.

“Não há regra que não se pode violar por amor ao Belo”, dizia

Beethoven.

Mas, ainda no “apanhar”, não é a gramática profunda da língua a

atingida: essa, acima e além de descaminhos ou inabilidades de seus

usuários, prevê aberturas de expressão, e aperfeiçoamento progressivo de

suas próprias regras, acompanhando a vida, o crescimento, a transformação

permanente dos seus donos – falantes ou escritores.

1.12 O IMPORTANTE É COMUNICAR

“[...] a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e

que deve ser julgada exclusivamente como tal.”

Eis um óbvio freqüentemente esquecido pelos que transformam o

estudo da língua em estudo de Gramática. Crítica indireta do cronista à escola

tradicional, onde é tão raro que se estude a língua como meio de comunicação

– atual, vivo, eficiente.

Também a linguagem dos alunos, suas composições, deveriam ser

julgadas, exclusivamente, como atos de comunicação, e não como campo de

purismo gramatical ou exercícios de ortografia.

Ver a língua e tratá-la como instrumento de comunicação será

desrespeitá-la?

“ Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os

vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis.”

Só algumas regras? Qualquer ato de comunicação só é possível

mediante a aplicação de todas as regras nele envolvidas. Mas, todas elas,

regras naturais, da gramática natural, interior, dos falantes, na sua imensa

maioria, regras que não são conscientes, não se explicitam ou verbalizaram,

nem se poderiam ter presentes ao falar ou escrever. Fazer frases implica

respeitar regras em número maior do que suspeitam os professores de línguas.

24

O que seriam as “algumas” regras de Veríssimo? Claro: regras da

disciplina escolar chamada “Gramática”, que registra apenas normas da língua

culta, de preferência formal e escrita. Ali se aprende a diferença entre O e

LHE, para evitar o vexame de algum convidar-lhe em convite formal impresso:

a diferença entre HOUVE e HOUVERAM, para evitar a desafinação de um “se

houverem problemas” num discurso de governador, por exemplo; formas

verbais irregulares, como INTERVEIO e INTERVINDO, MANTIVE, ESTEJA e

SEJA (não esteje ou seje); etc. E, naturalmente, regras de ortografia, para não

dar, escrevendo, vexame de alfabetizado incompleto.

1.13 ESCREVER BEM É ESCREVER CLARO

“Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo”. Se a

gente fala (ou escreve) para comunicar algo, o que conta é fazê-lo da forma

mais clara possível. Às vezes precisa sacrificar uma correção preconceituosa

em benefício da clareza. Isso explica por que brasileiro fala vi ele e lhe vi em

lugar de vi-o (cp. viu) ou o vi (cp. ouvi); vi ela em vez de vi-a (cp. via).

Toda evolução lingüística começa com “erros”. E já que toda língua

evolui...

Veríssimo exemplifica num jogo de palavras bem ao seu estilo

humorístico: “Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo mas é

claro,certo?” . Perdoem-me a logomaquia, diria o velho Machado.

Por um princípio de lógica, adjetivo não poderia modificar verbo; isso é

função para advérbio. Mas qualquer um sabe que Veríssimo escreveu certo e

claro. Certo? “O importante é comunicar. (E quando possível

surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na área do talento,

que também não tem nada a ver com Gramática.)”.

O estudo da Gramática é indispensável para dominar a língua? Não;

indispensável é aprender a língua, que contém a gramática. Indispensável é

aprender a dominar o meio de comunicação.

25

Saber, de forma consciente, explícita, as regras de funcionamento

desse meio não é indispensável: a imensa maioria dos falantes as ignora

totalmente, e até os estudiosos apenas sabem uma parcela ínfima.

Podemos nos mover sem saber que músculos, nervos, ossos estão

em funcionamento; sem saber as regras de locomoção. Quanto pianista toca

de ouvido, sem conhecer teorias de notas, de acordes ou harmonização; sem

saber explicitamente as regras- a gramática- da música.

Importante é se habilitar a falar claro, escrever claro, de modo eficiente

utilizar com desembaraço e prazer seu bem pessoal mais íntimo: a língua. Isso

é o que importa estudar, praticar, desenvolver; não regras gramaticais.

1.14 A VARIAÇÃO SOCIAL

Não é provável que os membros de uma comunidade, nascidos e

criados num âmbito geográfico restrito, usem todos as mesmas formas de

expressão. O domínio (completo) da língua materna é um processo constante,

inacabado, que se origina do intercâmbio com os outros membros da

comunidade. A semelhança entre as formas de expressão depende

evidentemente do grau de intercâmbio entre os falantes. A variação social é o

resultado da tendência para maior semelhança entre os atos verbais dos

membros de um mesmo setor sócio-cultural da comunidade.

A capacidade verbal de cada membro de uma comunidade

lingüística homogênea do ponto de vista geográfico é, com efeito, adquirida

num meio-ambiente familiar e, num sentido mais geral, a classe social –

caracterizado por normas de conduta e padrões culturais e, portanto,

lingüísticos, diferentes dos de outros membros pertencentes a um setor

distinto.

Caracteriza o desempenho verbal de indivíduos pertencentes a

baixos extratos sócio-econômicos o uso de dois tipos de redução de ditongo:

(ein) (escrito em) para (i), em palavras como homem, devem, etc.; e (aun)

(escrito am) para (u), em verbos na terceira pessoa do plural, pretéritos perfeito

e mais-que-perfeito.

26

A execução de 0 em lugar de S em verbos como VAMOS ou

substantivos no plural como MENINOS é também de natureza social, sendo a

ausência de fricativa alveolar mais comumente observável entre indivíduos de

baixo nível social.

O nível sócio-econômico do indivíduo não é o único fator determinante

da formação de setores distintos de atividade verbal no interior de uma

comunidade geograficamente homogênea. São também fatores de diversidade

lingüística social o grau de educação, a idade e o sexo do indivíduo, isolados

entre si.

Na diferença etária, a gíria, um dos tipos de linguagem especial,

exerce um papel preponderante, por marcar caracteristicamente a linguagem

do adolescente, que julga desse modo afastar-se do padrão adulto,

ultrapassado em sua concepção. Paulo Mendes Campos em uma de suas

crônicas dá-nos exemplos contrastantes do estilo de dois falantes opostos pela

distância etária:

Outro dia um senhor de cinqüenta anos me falava da mãe dele mais

ou menos assim:

Se há alguém que eu adoro neste mundo é minha mãezinha. Ela vai

fazer 73 anos no dia 19 de maio. Está forte, graças a Deus, e muito lúcida. Há

41 anos que está viúva, papai, coitado, faleceu muito moço, com uma espinha

de peixe atravessada no esôfago: pois não há dia em que mãezinha não se

lembre dele com um amor tão bonito, com um respeito... (...)

Deu-se que no mesmo dia encontrei um rapaz de dezoito anos, que

me contou mais ou menos assim:

_ Velha bacaninha é a minha. Quando ela está meio adernada, mais

pra lá do que pra cá, ela ainda me dá uma broncazinha. Bronca de mãe não

pega meu chapa. Eu manjo ela todinha: lá em casa só tem bronca quando ela

encheu a cara demais. A velha toma pra valer! Ou então foi um troço em que

eu não meto a cara. Que eu tenho com a vida da velha? Pensa que eu me

manco. Quando ela ta de bronca, o titio aqui já sabe: taco-lhe três equanil. É

batata. Daí a pouco ela fica macia e vai soltando o tutu...” (“Dois bons filhos”).

E evidente que a diferença etária não determina sozinha as diferenças

27

correlativas no plano lingüístico. É possível deduzir que, além desse fator, os

falantes contrastados pertencem a meios sócio-culturais distintos.

A divisão de uma comunidade em setores sociais não significa

que o intercâmbio lingüístico entre indivíduos de distintos estratos seja

prejudicado por dificuldades de compreensão, como poderia ocorrer entre duas

comunidades regionais. Significa, antes, que o uso de certas variantes é

indício, numa sociedade estratificada, do nível sócio-econômico e cultural de

seus membros e, portanto, indício de alto ou baixo grau de prestígio.

Não significa também que um indivíduo provindo de classes sócio-

economicamente desfavorecidas não possa atingir o padrão de prestígio,

geralmente confinado às classes cultural e socialmente favorecidas. Embora o

padrão cultural, o grau de educação e as atividades profissionais sejam a

formação desses núcleos sociais distintos, o intercâmbio cultural e profissional

entre indivíduos de meio diverso possibilita a adaptação das formas de

expressão de um para outro grupo.

1.15 A VARIAÇÂO ESTILÍSTICA

A diversidade lingüística não histórica não se restringe às relações

interindividuais, seja no âmbito geográfico, seja no âmbito social. Efetivamente,

não há falante de região e meio social homogêneos que fale sempre da

mesma forma. Numa comunidade lingüística em que todos os membros

tenham nascido e vivido no mesmo local e no mesmo âmbito social, a simples

observação de sua atividade verbal revela diferenças notáveis de estilo, de

acordo com a variação das circunstâncias em que o ato se produz.

Um médico que se encontre entre amigos, no clube, não usará as

mesmas formas de expressão quando em situação de conferencista, versando

sobre os efeitos do fumo nas vias respiratórias a uma platéia seleta.

Soaria estranha uma sentença do tipo”venho respeitosamente

solicitar-lhe que vá pro diabo”, uma vez que há evidente mistura de estilos. O

uso inadequado de estilo lingüístico é semelhante à visão de um indivíduo na

praia, trajando “smoking”. Ou ao contrário, um indivíduo trajando calças “blue-

28

jeans” desbotadas, camisa esporte, numa recepção em palácio a uma alta

autoridade. O uso de formas tais como “cê” e “tá” não seria adequado numa

conferência ou numa circunstância em que se dirige a um superior; são,

todavia, perfeitamente plausíveis numa conversa familiar, entre amigos, ou

outra situação qualquer. Por outro lado, seria inadequado, da mesma forma, o

uso à mesa, de pai para filho, de uma expressão do tipo “prezado filho, faça-

me o obséquio de passar o bule de chá”.

As variantes observadas num mesmo indivíduo, conforme se

diversificam as circunstâncias em que se processa a atividade verbal resultam

da adequação de suas formas de expressão às finalidades específicas do ato

condicionadas pela situação respectiva. Tal adequação decorre de uma

seleção dentre o conjunto de formas que constitui o saber lingüístico individual,

de um modo mais ou menos consciente. Isso significa que o grau de reflexão

sobre as formas de expressão varia de acordo com o grau de formalidade da

situação em que o ato verbal é produzido.

Sendo a variação estilística o resultado da adaptação da forma

lingüística específica do ato verbal, relativamente às circunstâncias em que se

produz, é evidente que tantas são as variedades quantas são as situações

momentâneas em que se realiza a atividade verbal. Nesse sentido, cada ato

lingüístico apresenta um estilo específico.

Por mais que se consiga reunir as propriedades formais dos conjuntos

de atos verbais, de modo a obter uma tipologia de estilos, não se pode chegar

a um resultado definitivo, visto que há uma amplitude variável deles e é

insensível a transição de um para outro estilo.

Como, todavia, o estilo varia de acordo com o grau de reflexão do

sujeito falante às formas lingüísticas, podem-se estabelecer os dois limites

extremos na escala, abstraindo-se os graus intermediários: obtém-se um estilo

em que há grau mínimo de reflexão às formas de expressão empregadas e

outro em que há um grau máximo de reflexão. No primeiro, incluem-se os atos

verbais imediatos, decorrentes do intercâmbio lingüístico cotidiano, que se

convenciona por ESTILO INFORMAL; no segundo, incluem-se os atos verbais

em que as informações contidas não são de expressão diária, mas resultado

29

de grande elaboração intelectual e o conteúdo é rico e complexo – o ESTILO

FORMAL.

2 TECENDO COMENTÁRIOS

2.1 ASPECTOS PUBLICITÁRIOS NOS DISCURSOS

Os textos de propaganda, na maioria das vezes, não são constituídos

por frases ou períodos completos, podendo ocorrer ausência de verbos ou de

conectivos, o que não se verifica nos textos jornalísticos. O uso proposital de

erros ortográficos e estruturas não formais para a linguagem publicitária pode

trazer um efeito original e criativo, reiterando Eco (APUD SANDMANN, 1993,

p.47), quando diz: “A técnica publicitária, nos seus melhores exemplos, parece

baseada no pressuposto informal de que um anúncio mais atrairá a atenção do

espectador quanto mais violar as normas comunicacionais adquiridas (e

subverter, destarte, um sistema de expectativa retóricas). “ Assim, a

linguagem, tanto jornalística quanto da propaganda publicitária, é construída

conforme a intencionalidade de seu produtor que visa atingir públicos

determinados e objetivos específicos utilizando recursos lingüísticos e não

lingüísticos na construção das mensagens.

O espaço da divulgação científica não pode ser medido, mapeado

apenas em centímetros por colunas ou pelo número de inserções. É

necessário observar o conteúdo desta divulgação científica inserida na mídia e

como chega até o público. Além de alfabetizar cientificamente a população (

conceituando a alfabetização científica do público de entender os processos de

investigação científica, compreender sua terminologia), percebe-se que é

necessário também alfabetizar a mídia, percebe - se que, muitas vezes, há

deficiência de quem produz a informação. O discurso da divulgação científica

estabelece uma relação imaginária entre o divulgador, o cientista e o público

leitor. Além de estreitar o relacionamento entre pesquisadores e a mídia, é

30

necessário, também, capacitar jornalistas em assessorias de imprensa e na

mídia em geral e, assim, contribuir para uma divulgação mais qualificada e

eficiente da ciência desenvolvida no País.

2.2 NORMA PADRÃO X NÃO-PADRÃO

Existe uma disputa entre duas perspectivas distintas, dois modos

diferentes de encarar o fenômeno da linguagem: a doutrina gramatical

tradicional, e a linguagem popular, que começa a se firmar através dos estudos

lingüísticos.

A doutrina gramatical, no curso do tempo, defende a gramática sob o

discurso de que ela deve ser preservada em sua "pureza", comparando sua

significação tão importante, quanto a entidades sacrossantas como a família, a

pátria e a lei, que tem valores perenes e imutáveis. Ao passo que a lingüística

moderna lança outro olhar que defende a idéia de que "o padrão é sempre um

modelo, uma referência, uma medida..." POSSENTI (2001).

Por isso, pode-se afirmar que os padrões ideais definem o que se

espera que as pessoas façam ou digam em determinadas situações, ao passo

que os padrões reais derivam de observações sobre a maneira como as

pessoas se comportam em dadas situações.

Desse modo, o que acontece na perspectiva atual da linguagem, é que

existem "erros" que chocam e "erros" que não chocam. Por exemplo, em uma

situação informal, na qual praticamente não se nota que houve um "erro" se

ouvimos alguém dizer: Nossa, que frio tá fazeno hoje. Por outro lado, são

considerados ignorantes aqueles que dizem: “Agente fomos” ou “Os menino

foi”. Por que isso ocorre?

É que uma dessas formas já não distingue falantes, já que falantes de

todos os grupos sociais a utilizam, como ocorre no primeiro exemplo. Já a

31

outra forma distingue falante, porque certos grupos a utilizam e outros, não!

POSSENTI (1996).

Compartilhando desta visão, a perspectiva de norma é entendida sob

ótica de identificação de grupos através de suas características. Ou seja, é

entendida como um agregado de valores sócio-culturais articulados, na qual a

variante padrão é associada ao nível social - que detêm o poder -, dominada

por uma pequena parcela da população, que introduz a crença de que a

variante que domina é a verdadeira, portanto, melhor.

Porém, o que na verdade se pode observar, é que a linguagem, neste

contexto, funciona como "pano de fundo" para mascarar verdades, dissimular

conceitos e torná-los herança dos privilegiados sociais. E assim, neste

processo, o que deveria ser instrumento de socialização do indivíduo,

imprimindo-lhe conceitos de cultura é uma ferramenta de exclusão e

marginalização.

Por este motivo, a relação entre a norma padrão versus não-padrão,

perpassa questões de vocabulário e estruturas gramaticais e se depara com

um complexo entrecruzamento de elementos léxico-gramaticais e outros tantos

de natureza ideológica, multidisciplinar e não puramente lingüística. Pois, "O

padrão não conseguirá jamais suplantar a diversidade, porque para isso, seria

preciso homogeneizar a sociedade e a cultura, e estancar o movimento e a

história" FARACO, (2002).

Portanto, ao contrário do que tem perpetuado enquanto conceito, o

português não-padrão é diferente do português padrão, mais igualmente

lógico, bem estruturado e acompanha às tendências naturais da língua e,

pobres e carentes, são sim, aqueles que o falam e, errada sim, é a situação de

injustiça social em que essas pessoas vivem" BAGNO (2001).

32

Diante do exposto, a dicotomia padrão x não-padrão ao longo da

história, trilha caminhos opostos embora entrecruzados, no qual o contato

entre essas muitas normas no intercambio social, redundam em múltiplas

influências, e as normas, são, portanto, hibridizadas.

2.3 VARIEDADE LINGÜÍSTICA

"A variedade lingüística nada mais é que um conjunto de 'coisas'

aparentadas entre si, mas com algumas diferenças" BAGNO (2001). Portanto,

em razão de condicionamentos situacionais que afetam os falantes, tais como

o momento histórico em que se acham o espaço geográfico, social e temático

em que se movem; as variantes se correlacionam de maneiras diferentes, o

que resulta na complexidade dos usos lingüísticos.

Por esse motivo, o canal, sobretudo o da língua falada sofre a

interferência da origem social e geográfica dos falantes.

Nesse sentido, Signorin, esclarece que:

... a mistura de códigos tem caráter histórico e dinâmico, no micro

contexto interacional, mas está relacionado a distribuição de recursos

lingüísticos na comunidade, ou seja, a existência de fronteiras socioculturais e

políticas que determinam os repertórios lingüísticamente discursivos individuais

e que tanto podem ser ratificados quanto embaralhados localmente na

interação (2001).

2.4 A GRAMÁTICA MAL ENSINADA INCUTE SERVILISMO

33

Um fruto nocivo do ensino da língua materna orientado pelo teorismo

gramatical é a postura servil que incute nos estudantes diante de pretensas

autoridades, dos que ditam a Gramática e comandam regras, como se estas

não fossem imanentes à língua, anteriores e superiores a qualquer gramático,

ou como se os gramáticos fossem os donos da língua. Gramático (verdadeiro)

é cada falante, e donos da língua somos todos nós.

Muitos talvez achem que as falhas de teoria gramatical possam ser

evitadas ou corrigidas adotando-se um padrão oficial uniformizado, como, no

aspecto terminológico, a Nomenclatura Gramatical Brasileira.

Assim, sob a alegação comodista de seguir um modelo oficial, adota-

se, servilmente, uma tabela terminológica que desconhece, entre outros,

termos como nome (embora use seus derivados pronome, nominal,

adnominal), frase (como se a gente pudesse falar sem fazer frases), sintagma,

morfema; desagrega demonstrativos e interrogativos em duas classes

estanques, pronomes e advérbios; registra o grau como “flexão”; anota “flexão”

do advérbio; etc.; etc.

E fica a má teoria gramatical absolvida, por ser oficial...

Certamente a Nomenclatura Gramatical minorou o caos terminológico

da Gramática anterior a 1958. Mas não deixa de ser deficiente e desatualizada,

necessitada de muitas e constantes revisões — como aliás toda (e toda a)

teoria gramatical. De qualquer forma, não se justifica nenhum servilismo em

relação a ela. O único padrão fixo é a verdade.

O ensino de teoria gramatical, tradicional ou moderna, com termos

oficiais ou não, consome naturalmente largas fatias de tempo — prejuízo

irrecuperável para professores e alunos. Um tempo precioso, que devia ser

ganho na prática da língua, é malbaratado em definições e classificações

discutíveis, análises canhestras ou equivocadas, exercícios gramaticais sem

objetivo, etc., etc.

34

Um mínimo de bom-senso nos diz que a meta das aulas de língua

materna é conseguir que os alunos, apoiados em seu conhecimento intuitivo

da língua, desenvolvam e aprimorem sua capacidade comunicativa.

Ensinar a ler e escrever melhor. Dirão que estou sendo simplório, que

esqueço que o professor tem de fazer planejamentos, preencher dados de

currículos e, sobretudo, tem de cumprir programas onde constam conteúdos

gramaticais.

Ora, estamos cansados de ver o pífio resultado desse apego a

conteúdos de Gramática: teoria gramatical é exatamente o que o aluno não

aprende (talvez psicologícamente programado a rejeitá-la por um mecanismo

de defesa do seu órgão intuitivo). Ou então, aprende fragmentariamente

regrinhas soltas, que perturbam a comunicação livre e autêntica (como no

episódio dos jornalistas referido atrás).

Chegamos assim ao que constitui o mais grave dano causado por um

ensino de língua fundado na teorização gramatical: a relação negativa do

falante com sua própria língua. A convicção que se vai infiltrando de “não saber

a língua”, e com isso o bloqueio da criatividade, a inibição da linguagem,

sensação de incapacidade e insegurança. lá ouvi o absurdo de dizerem: “Em

Portugal, sim, qualquer criança ou lavadeira fala bem o português; no Brasil,

até doutor fala errado”. (E era um professor... de Lógica.)

De tanto ouvir definições e conceitos confusos e incoerentes,

classificações e subclassificações, regras e exceções; de tanto enfrentar

análises herméticas; de tanto ser obrigado a decorar coisas que não entende

ou que são estranhas ao seu uso e até ao uso das pessoas mais cultas – o

aluno vai sendo lingüisticamente arruinado. Conclui que sua língua é um

universo esotérico, só acessível a iniciados.

Daí os conceitos bizarros tão difundidos entre nós, e que já comentei

acima: falamos errado, a língua está em decadência, etc. Por trás de tudo, a

35

perigosa Idéia: somos um povo inferior, cidadãos incapazes... até na língua do

país.

Entrando na escola, a criança fala com desembaraço e naturalidade, e

em breve poderia escrever da mesma maneira, se bem orientada. Mas, aí, o

ensino vai lhe insinuando que não sabe a língua, que fala mal e escreve pior.

O sistema natural de regras que o falante possui vai sendo perturbado,

solapado pelo ensino de fora para dentro — teorizante, preconceituoso e

opressor.

Vítimas de verdadeira Inquisição gramatical, os alunos vão se

enredando em regras mal ensinadas e sem propósito. Há professores que se

comprazem em exercícios onde possam corrigir bastante, montanhas de erros,

convencendo os alunos de que são ignorantes e mantendo-os submissos,

reféns da Gramática. O que é igualmente grave e não raro acontece:

professores que usam desse instrumento de opressão para afirmar sua

autoridade e desabafar frustrações e ressentimentos pessoais.

Nos bancos universitários temos diariamente o doloroso testemunho

do fracasso do nosso ensino de Português: a maioria dos egressos do ensino

médio, inibidos, inseguros na língua nativa, redigem mal, não sabem

desenvolver raciocínio por escrito, têm vocabulário impreciso e sintaxe

confusa.

Aliás, antes mesmo dos bancos universitários, milhares de redações

levam nota zero no concurso vestibular. Culpa dos alunos? Culpa do péssimo

ensino de língua materna. Oito anos de Português no 1º Grau, três anos no 2°

Grau, além do “cursinho” — e centenas, milhares de jovens conseguem tirar,

zero em redação na sua própria língua. Existe fracasso maior?

2.5 A SALVAÇÃO NA LINGÜÍSTICA?

A Gramática tradicional tem sido muito criticada e até desacreditada

em muitos pontos pelas modernas ciências da linguagem. Um jovem professor

saldo de nossos cursos de Letras dificilmente irá ao ensino sem saber do mau

conceito que goza a Gramática tradicional. Por isso, de duas uma: ou ensinará

36

pouca Gramática ou nenhuma, ou tentará aplicar em seus alunos as aulas de

Lingüística que teve na universidade.

De fato, desmoralizada a Gramática, muitos vêem na Lingüística a

tábua de salvação. Haverá mesmo essa tábua? Dá para salvar nosso

deficiente ensino de língua materna.

2.6 NASCEMOS PROGRAMADOS PARA FALAR

O primeiro requisito de um professor de língua materna é ter noções

corretas sobre linguagem, língua e fala, e fazer delas o alicerce de suas

atividades. Essas noções corretas se podem buscar na Lingüística moderna.

Lingüistas contemporâneos nos alertam para um axioma que diz

exatamente o inverso do ingênuo pressuposto tradicional:

2.7 TODA PESSOA SABE A LÍNGUA QUE FALA Não somente a sabe mas sabe com surpreendente precocidade: a

criança de três anos é capaz de fazer análise sintática da fala (Chomsky e

Miller); entre quatro e seis anos, a criança é um adulto lingüístico (Hockett); as

crianças são lingüistas inconscientes (D. 1. Slobin), lingüistas já aos dois anos

de idade (Chukovsky).

É principalmente o revolucionador da Lingüística Noam Chomsky

(Aspectos da teoria da sintaxe, Lingüística cartesiana, Linguagem e

pensamento, Reflexões sobre a linguagem, Regras e representações, etc.) que

nos dá uma sólida fundamentação para reformular o ensino da língua materna.

Por que e como as pessoas começam a saber tão cedo a sua língua

nativa? Passemos em revista as principais teses chomskianas.

2.8 PROPENSÃO INATA PARA A LINGUAGEM

37

O ser humano nasce provido de uma gramática genérica, “gramática

universal, de universais lingüísticos”. E a tese do inatismo muitas vezes mal

interpretada. Evidentemente ninguém nasce com a gramática de uma língua

determinada. Nasce, isto sim, com uma estrutura lingüística genérica, base

para a apreensão das estruturas específicas de qualquer língua natural.

A linguagem repousa sobre uma estrutura inata, ativada pelo meio

social num processo que é o da aquisição da linguagem. A linguagem aparece.

com efeito, como aptidão própria da espécie humana [...]; essa aptidão

repousa em bases biológicas [...]; particularmente a localização da linguagem

na parte posterior do hemisfério esquerdo do cérebro (Dubois et alii. 1973:

262-3).

A gramática universal, condição genética prévia para a aprendizagem

da língua (qualquer que ela seja) pela criança, é o “conjunto de propriedades.

condições ou qualquer coisa que venha a constituir o estado inicial do indivíduo

que aprende uma língua, e portanto a base sobre a qual a língua se

desenvolve” (Chomsky, 1981: 59) estado que pressupõe “uma matriz biológica

subjacente que fornece uma estrutura dentro da qual se dá o crescimento da

linguagem” (id.. ihid.: 142).

Podemos encarar a gramática universal como o próprio programa

genético, o esquema que permite a gama de realizações possíveis que são as

línguas humanas possíveis. [...]. A gramática universal é um sistema

geneticamente determinado no estado inicial, e especificado, afinado,

estruturado e refinado sob as condições estabelecidas pela experiência,

formando as gramáticas específicas que são representadas nos estados

estacionários atingidos. Se encararmos desse modo a questão do crescimento

da linguagem (aprendizado da língua), poderemos entender como é possível

uma pessoa saber muito mais do que ela experimentou (Chninskv . 1981: 175).

De fato muito cedo qualquer criança surpreende os adultos sabendo e

falando muito mais e além das frases que ela ouviu. Não repete simplesmente

o que lhe dizem: com as regras que depreendeu das frases ouvidas forma

inúmeras outras, inclusive nunca ouvidas. Quer dizer, desde as primeiras

etapas a criança “cria” as suas frases. Essa criatividade é justamente o traço

38

característico da gramática que a criança Internaliza. A “graça” da linguagem

Infantil não está nos erros que, comete, mas nas suas engenhosas tentativas

(com muitas criações individuais) de utilizar o código fornecido pelos adultos.

Isso constitui uma das maiores provas desse esquema lingüístico Inato

ou “gramático universal”. Mais ainda: temos, aí, “aprendizado da língua” como

“crescimento da linguagem”, e não como depósito, em “tabula rasa”, de

elementos exteriores, impingidos à força de regras, e sedimentados por servil

memorização.

A noção de “programa genético”“sistema geneticamente determinado”

aparece também num discípulo de Chornsky:

Está em voga, nesta era de computadores eletrônicos, usar metáforas eletrônicas. Podemos dizer que o comportamento Inato...) está programado (grifo do autor) no organismo. Condições ambientais podem desencadear a seqüência (ou talvez por força impedir que ele ocorra), mas, uma vez liberada, ela segue um curso prescrito. (E H. Lenneberg, In Chomsky et alIl, 1970: 82.3). Pássaros nascem programados para voar, peixes para nadar — o

homem nasce programado para (entre outras coisas) falar. Tem “propensão

Inata para um tipo de comportamento que automaticamente se desenvolve sob

à forma de linguagem” (ld., lbid.: 70) ou impulso Inato para a comunicação

simbólica” (ld., Ibid.: 71). A linguagem, como parte de nossa “herança

biológica” (id., Ibid.: 63), pressupõe uma matriz biológica ou ‘Anlage’, que força

a fala a obedecer a um dado molde básico e não outro” (Id., ibid.: 69), de forma

que “a aquisição da linguagem é controlada por um conjunto de fatores

biologicamente determinados, e não por treinamento intencional” (id., ibid. 81;

grifo meu).

Isto nos sugere que aulas de linguagem não sejam treinamento

forçado, carregamento de fora para dentro, mas criação de condições e

estímulo para que se liberem capacidades Internas Inatas.

O falante, exposto a modelos de um ou outro nível, um ou outro

dialeto, um ou outro conjunto de variantes, exercita-se e cresce

39

lingüisticamente, ao natural, sem necessidade alguma de enunciar ou decorar

regras que apenas o confundem e tornam esse processo Ineficaz, frustrante.

2.9 COMO SE APRENDE A LÍNGUA?

Essa gramática universal inata — espécie de “órgão mental”, entre

outros órgãos mentais, interagentes (Chomsky, 1981:143), que constitui a

“faculdade lingüística” (id., ibid.: 52-3) ou faculdade da linguagem —

corresponde a um esquema lingüístico genérico, em aberto, que capacita a

criança a estruturar no cérebro o esquema lingüístico específico, ou seja, a

língua a cujos dados é exposta.

Essa "programação” lingüística inata é que viabiliza a “aquisição da

linguagem”, o “aprendizado de uma língua”, processo a respeito do qual

devemos evitar conceitos ingênuos, ou mal-entendidos. como as hipóteses de

estímulo-resposta dos behavioristas, de indução e imitação. desmentidas pelas

frases e formas novas, nunca ouvidas, que qualquer criança cedo produz, com

uma surpreendente criatividade, realmente manejando regras que “sabe”, para

produzir frases que não lhe ensinaram. E justamente o esquema inato que

possibilita isso.

Uma criança que adquire a língua deste modo sabe evidentemente

muito mais do que aquilo que “aprendeu”. O seu conhecimento da

língua, tal como determinado pela sua gramática interiorizada. vai

muito além dos dados lingüísticos primários que lhe foram

apresentados e não é de modo nenhum uma “generalização indutiva”

a partir desses dados. (Chomsky, 1975: 115.6).

Qualquer pessoa, observando um pouco a linguagem infantil, poderá

relatar experiências semelhantes às que contarei a seguir. Verá a criança

40

tentando, experimentando, criando, liberando capacidades, ajustando-se aos

poucos a um esquema geral comum, que já impera no mundo adulto. Tudo

isso prova que ela maneja signos (palavras, expressões) e regras do uso e

combinação desses signos. Enfim, maneja sua língua — léxico e gramática.

Lembro meus filhos, com cerca de dois, três anos, dizerem, por

exemplo:

“Mamãe, olha o cachorrinho passeandinho na rua!”

“Está chovendinho!”

Não é o reconhecimento, a análise, do gerúndio como forma nominal

(adjetiva, no caso)? passível portanto de receber o sufixo diminutivo

(expressivo) -inho.

Algumas formas que a criança emprega mostram bem que ela

obedece a uma gramática interior, segundo a qual vai elaborando o que lhe

fornecemos no convívio diário de linguagem. Assim, um filho meu, aos dois

anos e pouco, levou tempo até “acertar” em sua mente a palavra travesseiro.

Seguiu um processo curioso no qual foi desmontando e reconstruindo a

palavra até acertar: sevelo — tassevelo ‘tavesselo - travesseiro.

Está claro que ninguém lhe fornecera nenhuma das formas anteriores

à pronúncia normal da palavra.

Algumas expressões infantis são verdadeiras criações artísticas, com

metáforas, sinestesias, imagens variadas — coisa de lazer inveja a calejados

poetas.

Assim, aos três anos, minha filha, deitada com a mãe no escuro,

insistia que tinha “uma estrelinha no quarto fazendo trrr... trrr... trrr..”. Só depois

a mãe percebeu que se tratava de um grilo cricrilando por perto.

Nessa mesma idade, muito rica em formações originais. meu afilhado,

acostumado a espiar pirilampos no jardim de sua casa, informou a avó, ao ver

relâmpagos numa noite de tempestade, de que estava “pirilampando lá no

céu”. Poetas, antes dele, inventaram belezas semelhantes: pirilampear,

pirilampejar.

41

A língua é um sistema de regras apto a gerar tais formas — verbos a

partir de substantivos.

2.10 O PONTO DE FUSÃO ENTRE AS LINGUAGENS: JORNALÍSTICA,

DA DIVULGAÇÃO CINTÍFICA E PUBLICITÁRIA

A partir da investigação realizada nos meios de comunicação

selecionados, caracterizando formatos, conteúdos e a linguagem da divulgação

científica veiculada e, partindo-se do pressuposto de que não existem

discursos neutros, pôde-se identificar como acontece a fusão entre as

linguagens: jornalística, da divulgação científica e publicitária.

O ponto de fusão entre aspectos publicitários e divulgação científica

verificou-se através da análise dos textos e constatou-se que:

• O uso de analogias e metáforas está presente no veículo jornal nos

gêneros reportagem e artigo, mas não na revista. Assim, infere-se que o

jornal, por se destinar a um público mais amplo faz uso de analogias e

metáforas com a intenção de facilitar o entendimento do leitor. Já a

revista, por ser segmentada para um público composto por cientistas,

pesquisadores, professores, mestres e doutores universitários,

estudantes de vários níveis, médicos, engenheiros, profissionais liberais,

intelectuais, jornalistas, técnicos, dirigentes e gestores de instituições

públicas e privadas, não utiliza analogias e metáforas para facilitar o

entendimento. Se ocorrer uma comparação entre a linguagem utilizada

por outras revistas do gênero, percebe-se que há utilização mais

freqüente de analogias e metáforas, o que pode despertar maior

interesse e entendimento do leitor, justificando até a diferença da

tiragem das revistas;

42

• a maioria dos cientistas, enquanto divulgadores, não faz a fusão entre

divulgação científica e aspectos publicitários, mas através do argumento

de autoridade favorecem-na em reportagens e notícias veiculadas tanto

pelo jornal quanto pela revista;

• as reportagens e notícias apresentam, com maior freqüência, a fusão

entre divulgação científica e aspectos publicitários, favorecendo, na

maioria das vezes, os financiadores das pesquisas;

• o veículo jornal, utiliza a linguagem da divulgação científica como forma

de ‘‘ancorar’’ o texto publicitário, reforçada pelos efeitos de credibilidade

sugeridos por depoimentos de especialistas e termos científicos, com

exceção dos artigos produzidos por cientistas;

• predominam as instituições e órgãos do governo de apoio a pesquisas,

quando a fusão entre divulgação científica e aspectos publicitários

ocorre. Mas as empresas privadas também utilizam este formato;

• as empresas privadas procuram ‘‘anunciar’’, através da divulgação

científica, idéias e processos que criam situações propícias para a

aceitação de futuros produtos que serão comercializados;

• os órgãos e institutos públicos de apoio à pesquisa ‘‘anunciam’’, através

da divulgação científica, o produto institucional atrelado a cientistas e

pesquisadores, com a intenção de criar situações propícias para que

novos recursos financeiros sejam gerados ou ainda, para que os

programas de financiamento em andamento não sejam excluídos.

Assim, o estudo lingüístico sobre as variedades mostra,

fundamentalmente, que a noção de erro não é apenas uma questão lingüística

estrita, mas deriva de eleição social de uma das variedades como a certa.

43

Aquilo que era considerado “erro” em uma comunidade lingüística é

perfeitamente “correto” em outra.

Por isso, é importante salientar que embora a diferença seja o que

identifica cada uma das variedades lingüísticas, não se pode esquecer que há

cruzamento entre elas. Ou seja, as semelhanças não pesquisadas, porque não

pertinente, são maiores do que as diferenças. Por esse motivo, pode-se

afirmar que todas as variedades pertencem a mesma língua e devem ser

respeitadas.

Portanto, considerando-se o conceito de linguagem que hoje

prevalece, -enquanto fator social de interação. As variantes passam, por sua

vez, de "estigmatizadas" a fazer parte potencializadora constituinte do

processo de construção e enriquecimento dos contextos lingüísticos.

3 CONSIDERAÇÃO FINAL

3.1 RESULTADOS ENCONTRADOS

Após investigar os fatores que têm interferido ou influenciado para a

perpetuação de que a norma não-padrão seja uma variante passível de

preconceito, foram encontrados três resultados que são: a confusão criada

entre gramática normativa e língua; a sociedade moderna, tem na concorrência

um dos seus traços característicos e, fatores social-econômicos históricos,

estão interligados ao potencial estabelecido às variantes.

No primeiro, observou-se que no processo de construção da

gramática, ela foi de forma gradativa, assumindo a função de Língua, sendo,

44

portanto, imposta de maneira arbitrária. Neste percurso, fatores como dinâmica

e interação, que são inerentes à linguagem são desconsiderados, o que

favorece a desvalorização do que ficou considerado como não padrão, pois

este é constituído de tais elementos.

No segundo, constatou-se que a competição foi e é um ato comum ao

ser humano. E, com o desenvolvimento da ciência da linguagem não foi

diferente, esta passou a ser um recurso de estratificação social, nas quais

ideologias com fins separatistas e excludentes são utilizadas sob o discurso de

que é preciso "preservar" o idioma.

Por fim, no terceiro, fatores sociais, econômicos e históricos, que são

determinantes na sociedade, são desconsiderados do enfoque do estudo da

linguagem com relação à padronização.

Portanto, mediante as hipóteses levantadas e ratificadas, pode-se

afirmar que a língua possui variações que pertencem à parte da sociedade

detentora do poder econômico, político e outra à parte popular (aos “guetos”),

entretanto, fazem parte de uma mesma língua, com suas diferentes nuances e

que devem ser utilizadas em momentos propícios, a fim de promover a

comunicação.

Assim, apenas a variante padrão é tida como "legítima" pelo sistema

que organiza a sociedade, e elementos que justificam respeito a variante não-

padrão, como os apresentados ao longo do trabalho foram desconsiderados,

por esse motivo a variante não-padrão continua ainda, passível de preconceito.

ANEXOS

45

Índice de anexos

Anexo 1 >> Fragmento de entrevista em revistas especializadas;

Anexo 2 >> Trecho de livro;

Anexo 3 >> Diálogo de novela;

Anexo 4 >> Variação lingüística em musicas;

Anexo 5 >> Propagandas;

Anexo 6 >> Reportagem de jornal;

Anexo 7 >> Artigo de jornal e revista.

46

ANEXO 1

Um deles até se aproxima com o livro de cabeça para baixo pedindo um autógrafo invisível.

Revista piauí_maio 07— p. 83

Fragmento da entrevista de Antônio Nóbrega concedida à Revista Língua:

Revista Língua - A escolarização e a massificação da TV podem abafar as manifestações culturais regionais?

Antônio Nóbrega - Nem sempre a cultura iletrada é cultura de ignorantes. O analfabeto não é, necessariamente, um homem deseducado. Inúmeros têm compreensão da vida e atitude humanista muitas vezes superior à de uma pessoa letrada. Nem por isso vamos sair por aí dizendo que a cultura letrada é insignificante a esses homens. Se eles tivessem acesso a outras infonnações culturais, certamente se sentiriam melhor. Mas é preciso ter uma atitude generosa de compreender e de acolher essas tradições como tradições que têm conteúdo e agregam conhecimentos. Existe ainda uma biodiversidade, uni ecossistemana.Amazônia ainda: ignorado, mas que pode muito nos ensinar. Com a cultur ocorre o mesmo. A ecocultura, a biodiversidade cultural, tem muito a ensinar. O que é ruim é que há muito preconceito. Muitos falam que a cultura popular é rica, mas ainda têm no subconsciente a imagem de um trovador medieval de cinema, loiro de olhos azuis, roupa bonita e viola. E ainda é um choque quando encaram um cantador de pés descalços, com metade da dentição, negro, camisa desbotada e sem botão, dizendo palavras erradas. É provável que não se dêem ao trabalho de ir a um espetáculo ver algo assim, pois nem sempre conseguem fazer a tradução da profundidade daquele personagem.

Revista Língua - ano II - número 15 - janeiro de 2007. pp. 16-7.

Toma-se por norma aquela parte da língua que permite a expressão clara e precisa, favorecendo a comunicação. E aqui, então, que se coloca a importância da situação em que se desenvolve o discurso (personalidade dos interlocutores, tipo de relacionamento que existe entre eles, situação ambiental, social e circunstancial): a norma lingüística varia de acordo com a situação (o emprego de uma linguagem cuidada numa conversa informal será considerado “precioso” ou pedante; o emprego de uma linguagem familiar numa situação de formalidade será considerado grosseiro).

47

(VAYONE, Francis. Usos da Linguagem. 7 ed., São Paulo: Marfins Fontes, 1987. pp.32-13.)

Processos de Figuração: “ (...) processos por meio dos quais, em uma interação, os interlocutores se representam uns diante dos outros de determinada maneira. Em nossa vida cotidiana, por exemplo, nós nos representamos diante dos outros de formas bastante variadas. Uma mulher representa-se ora como mãe, ora como filha, ora como esposa, ora como amiga, ora como dona-de-casa, ora como profissional, etc., etc. Em cada uma dessas situações, agimos de modo diferente, SOBRETUDO EM TERMOS DE LINGUAGEM (...)“ lii: KOCH, Ingedore V. A inter-açjo pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992, p. 107.

Pluralidade lingüístlca e dinâmica social

Não será o caso, porém, de simplesmente substituir uma norma-padrão (NP), anacrônica e destoante da realidade presente na língua viva, por uma outra, mais atualizada. Isso implicaria simplesmente numa troca de referencial, na instituição de um novo modelo, que fatalmente se tomaria ele também obsoleto, uma vez que os processos de mudança e variação das línguas vivas são incessantes e ininterruptos. Além disso, escolhendo apenas os usos lingüísticos das camadas privilegiadas da sociedade (os chamados falantes cultos), essa norma nova perpetuaria a exclusão social •dos milhões de brasileiros que não peencem a essas camadas.

Também não é tarefa dos cientistas da linguagem elaborar, como sugerem algumas pessoas, outra gramática normativa em que se consubstancie uma nova NP. ‘Uma concepção de língua como a que propomos — a língua como uma atividade social, cujas normas evoluem segundo os mecanismos de auto-regulação dos indivíduos e dos grupos em sua dinâmica histórica de interação entre si e com a realidade — estaria em franca contradição com um trabalho normativo-prescritivo, com uma regulação imposta de cima para baixo, por mais bem-intencionada que fosse, por mais que se apoiasse cm teorias científicas consistentes. Afinal, “o que vem de cima está sempre morrendo e pode, por antecipação, já ser visto como cadáver desde o nascimento”(Santos, 2001: 145). O papel do lingüista é descrever a língua em suas múltiplas manifestações, oferecer hipóteses e teorias consistentes para explicar os fenômenos lingüísticos, de modo que os educadores possam se servir dessas descrições e explicações para empreender uma prática pedagógica que leve em conta a pluralidade de realizações empíricas da língua.

Me parece muito mais interessante (por ser mais democrático) estimular, nas aulas de iíngua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolingüísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos.

48

Isso se justificaria com base num rápido exame da organização social do Brasil contemporâneo. No que diz respeito à língua, verifica-se no Brasil de hoje uma interpenetração cada vez maior entre as diferentes variedades regionais, estilísticas, sociais etc. O trânsito intenso dos brasileiros dentro do país dificulta cada vez mais a identificação de “dialetos regionais”: as migrações populacionais entre as diversas regiões têm levado à difusão e interpenetração dos falares identificados geograficamente pela dialetologia brasileira clássica (por exemplo, a migração de nordestinos para São Paulo e outras áreas do Sudeste; a de contingentes populacionais de todas as regiões para o Distrito Federal depois da inauguração de Brasília; a de gaúchos para o Centro- Oeste, chegando até o Acre etc.). De igual modo, traços que antigamente caracterizavam os falares rurais são encontrados hoje em dia com grande freqüência também na fala urbana, devido ao processo ininterrupto e maciço de urbanização da nossa população. Um exemplo disso é a pron1incia do R retroflexo, o chamado “R de caipira”, que até pouco tempo caracterizava as variedades do interior de São Paulo e de outros estados, e que hoje podemos encontrar cada vez mais freqüentemente em amplas áreas da região metropolitana da capital de SãoPaulo. Assim, o que antes era uni traço característico da zona rural hoje já está presente na linguagem de moradores da zona urbana, muitos deles.nascidos e criados longe do meio rural.

A comunicação eletrônica via Internet vem tornando cada vez mais dificil a delimitação entre o que, tradicionalmente, só era admitido na língua falada e o que era cobrado na língua escrita: existe uma mescla cada vez maior entre os gêneros textuais, além da proliferação de novos gêneros (correio eletrônico, fórum de discussão eletrônica, bate-papo virtual etc.).

No que diz respeito à literatura, sabe-se que os escritores modernos e contemporâneos cada vez menos servirão de modelos e exemplos do uso “correto”das regras da NP tradicional: as obras literárias da atualidade se caracterizam pelo esforço de incorporação (e de eventual estilização) das regras lingüísticas “populares” e/ou por um emprego bem particular dos recursos da língua e de suas muitas variedades. Todos os grandes escritores desde então se caracterizam mais propriamente por um certo “hibridismo” do que pela “pureza”gramaticista. E mesmo um escritor de um período anterior ao Modernismo como Machado dêAssis— considerado em geral o arquétipo de usuário da NP clássica — serve-se em sua obra (como veremos mais adiante) de regras sintáticas que até hoje são consideradas “erros” pelos puristas mais extremados.

A televisão também já se tomou um mostuário da pluralidade lingüística, e os programas se distribuem ao longo de um continuum de gêneros (telejornais, humorísticos, telenovelas, documentários, educativos etc.) que, de acordo com o público-alvo, se servem de variedades estilísticas e de socioletos determinados. E mesmo a imprensa mais conceitlladR, que tenta ocupar o lugar deixado vago pela literatura como depositária da NP tradicional, só consegue fazer isso como discurso, pois na prática a imprensa escrita se revela também muito permeável a todas as formas lingüísticas que caracterizam o português brasileiro culto contemporâneo. (...)

49

(BAGNO, M. A inevitável travessia. da prescrição gramatical à educação lingüística. Iii: BAGNO, M., STUBBS, M. & GAGNE, G. Língua Materna — letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002. pp. 31-35.)

O que o malandro diz:

“Seu doutor, o patuá é o seguinte: depois de um gelo da coitadinha, resolvi esquiar e caçar outra cabrocha. Plantado como um poste na quebrada da rua, veio uma pára-queda se abrindo. Eu dei a dica, ela bolou.., chutei. Ela bronqueou, mas foi na despista, porque, vivaldina, tinha se adernado e visto que o cargueiro estava lhe comboiando. Morando na jogada, o Zezinho aqui ficou ao largo. Procurei engrupir o pagante, mas recebi um cataplum. Aí, dei-lhe um bico com o pisante na altura da dobradiça. Ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas espóletas. Papai, rápido, virou pulga e fez Dunquerque.”

(Extraído do jornal Correio da Manhã, de 5/4/5 9)

O que ele quer dizer:

“Seu doutor, a conversa é a seguinte: depois que fui abandonado por minha companheira, resolvi procurar uma outra. Parado na esquina, aproximou-se uma morena faceira. Eu a olhei, ela correspondeu... eu insisti. Ela achou ruim, mas foi para disfarçar, porque, muito esperta, havia olhado de lado e vira que o seu companheiro a estava seguindo. Percebendo tudo, fiquei de longe. Procurei enganar o malandro, mas, inesperadamente, fui agredido. Aí, dei-lhe um chute na altura do joelho. Ele procurou a arma, sacou-a e deu dois tiros. Eu, rápido, pulei e fugi.”

(Trechos do livro A gíria e outros temas, de Dino Preti. Extraídos da revista Superinteressante. março/ 1996.)

GRAÇAS A DEUS, CHEGOU A PRIMAVERA! GRAÇAS A DEUS,

CHEGOU A PRIMAVERA!

E EU DIZENDO TRIVIALIDADES !

50

Crime passional ou chifrudo vingativo? Depende do jornal que você lê.

O POVO

Jornalismo verdade. Ou seja: aqui não tem caô.

(Outdoor exposto na cidade do Rio de Janeiro. agosto/2001)

E: eh::... agora eu queria que você me contasse uma história... que tenha acontecido com alguém... algum amigo seu... seu pai... seu Irmão.., que você não estivesse presente... alguém te contou.., e que você achou a história engraçada... [ou triste ou/] I: [ahn... ahn]... ah::... essa eu... eu me lembro sim... achei tão engraçada... foi um ami/ um noi/ não... um amigo de um amigo meu... que foi jantar na casa da noiva... aquele jantar assim... primeira vez e tal... oficializar o noiva...do... aí ele... estava jantando e tal.. ele... ele já não gosta muito de bife... de carne... aí estava lá... não conseguia partir o bife de jeito nenhum e tal.. aí ele chamou a atenção do pessóal.. pra uma outra coisa... entendeu? apontou assim pra outro lado da mesa... e ele viu que tinha uma janela atrás ((riso de E)) ele pegou o bife e tacou ((riso)) mas ele não reparou muito... a janela estava

UM QUADRADO O CAVALHEIRO

VAI BEM ?

LIGADÃO UM PIRADO

UM BURGA

DEVE ESTAR

PENSANDO QUE EU SOU QUADRADO

DEVE ESTAR

PENSANDO QUE EU SOU

MUITO LOUCO

TUDO EM CIMA CARA?

51

fechada.... ((riso)) sério... o bife saiu... bateu na janela... e começou a escorrer... grudou... escorreu... quando eu (ouvi) ele contando aquilo... cara... eu dei/ muito... foi muito engraçado ele contando... ele contando o que aconteceu com ele... cara... foi multo engraçado... E: e ninguém viu... que o bife/ I: não... aí depois... todo mundo olhou... ele viu que o bife/ o bife ali... a família toda sem graça ((risos)) aí (é) o fim da história... E: e ele casou com a menina ou naquele dia acabou? I: não... não casou... não chegou a casar com essa não... foi casar com uma outra ((riso))

(Corpus do projeto Discurso & Gramática)

Quem não se comunica, se trumbica! Nina Bari

“Quem não se comunica, se trumbica!”. A frase que, ainda hoje é lembrada por

muitos, ficou famosa na boca de José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, conhecido também como o Velho Guerreiro. O Chacrinha, que é considerado o primeiro comunicador do Brasil, influenciou várias gerações, durante quase 50 anos, trabalhando em rádio e televisão. A frase dele continua viva e, mesmo com todas as dificuldades atuais, o ser humano busca desesperadamente um meio de se comunicar e se expressar. Adolescentes e jovens sempre buscam uma comunicação própria, que varia de geração para geração. Quem não se lembra da língua do P? No mundo moderno contemporâneo, muitas são as linguagens e formas de comunicação, que estão cada vez mais universalizadas e traduzidas para um mundo online. O virutal já faz, obrigatoriamente, parte do mundo de todos. A não ser para aqueles que estão excluídos da vida digital. Mas esse já é um mote para outra discussão.

Existe uma polêmica sobre a preservação da língua portuguesa, a norma culta, assim como as mudanças e a flexibilidade natural da língua, que se transforma ao longo do tempo por estar viva. Os jovens também sentem uma necessidade muito grande de promover mudanças, buscando novas formas de se expressar. Na internet, por exemplo, eles abreviam, mudam de letras, inventam códigos indecifráveis para os leigos. Adotam o vocabulário de tribos e, como em qualquer geração que transgride, são criticados e pouco compreendidos. É bem verdade que o código de linguagem nacional, a escrita culta é belíssima, e deve ser ensinada e preservada como tal. No entanto, as novas tentativas de comunicação, necessárias para o crescimento e auto-afirmação, devem existir. Jovens de qualquer classe social sentem necessidade de criar, de pensar, de pertencer a um grupo e de estar à frente dos fatos. Desejar e pensar abrem muitas portas e possibilidades de futuro. Mas qual é o limite ideal? E que limite é esse que pais e educadores devem estabelecer?

O limite ideal é o respeito à diversidade. Do mesmo jeito que é possível se comunicar com gírias, raps ou códigos na internet, devemos ensinar e estimular as normas de linguagem nacionais corretas, cultas, coerentes. A crítica excessiva inibe. Devemos tentar compreender essa nova linguagem, tentar decifrá-la, tomando-a rica e

52

interessante, valorizando, assim, o que esses adolescentes têm para nos ensinar. Precisamos sair da nossa arrogância do saber absoluto.

A comunicação rápida e a globalização, espalhadas em comunidades diversas, sinalizam que queremos conversar e ser ouvidos por muitos. Neste espaço virtual, idealizado, podemos fazer muitos “amigos”, temos uma sensação de intimidade e segurança. O jovem se sente acompanhado o tempo todo. Ocupa muitos espaços, carências e angústias. Muitas, inclusive, deixadas pela própria família.

Os limites para a criança e o jovem devem ser estabelecidos dentro de casa. Quando há diálogo, cria-se aforma de pensar, refletir, poder atuar. E aí temos também um jovem que multiplica saberes, que utiliza vários códigos e amplia seu próprio horizonte. Mais uma vez observo o quanto o diálogo ao vivo, não online, é importante. Não só entre filhos e pais, mas também entre pais e educadores. Até porque o diálogo engloba a escuta, o sentir e o perceber esse jovem como um todo, O que fala, com quem fala, como fala e que códigos ele usa.

Aprendemos a admirar os jovens pela beleza dos seus corpos perfeitos e rijos, mas nós esquecemos que existe também dor, solidão e desamparo nesta fase de crescimento. É preciso, então, dar significado, dar voz ativa a estes jovens para que possam, aos poucos, participar das decisões de suas vidas dentro e fora de casa. Não podemos nos dar o luxo de errar tanto, ou seja, fazer da frase de efeito do saudoso Chacrinha “quem não se comunica, se trumbica” uma verdade histórica.

Nina Bari é psicóloga

ANEXO 2

O Gigolô das Palavras

Luís Fernando Veríssimo

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram

lá em casa numa missão, designada por seu professor de Português: saber se

eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a

nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete,

certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando

opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava

53

diariamente com as suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela

oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas,

minha defesa (“Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco

antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem

entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não.

Então vamos em frente.

Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de

comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas

algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes,

as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de

princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo.Por

exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro,certo? O importante é

comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas

aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com a

Gramática.) A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas

mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente

em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas

fotografias em grupos dos membros da Academia Brasileira de Letras é de

reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando,

fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever

sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não

informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua mas sozinha não diz

nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.

Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti

que minha implicância com a Gramática na certa se devia à minha pouca

intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas -isto eu disse-

vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a

vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô

das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de

um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as

desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão.

Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto passageiro.

54

Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na

sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família

nem o que os outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o

mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com

isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas. Algumas

são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.

Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas

palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixona pelo seu

plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a

tediosa formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que

cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em

público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas.

Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar

todos os dias para saber quem é que manda.

ANEXO 3

“E aí Bebel, eu tava a fim de levá um lero com você, mas na encolha”

O que ele queria dizer:

“Como vai Bebel, eu gostaria de conversar com você, mas em particular”

(Novela Paraíso Tropical 26-7-2007)

Rede Globo

55

ANEXO 4

Observe algumas variações lingüísticas:

De tudo que é nego torto

Do mangue e do cais do porto

Ela já foi namorada

O seu corpo é dos errantes

Dos cegos, dos retirantes

É de quem não tem mais nada

Dá-se assim desde menina

Na garagem, na cantina

Atrás do tanque, no mato

É a rainha dos detentos

Das loucas, dos lazarentos

Dos moleques do internato

E também vai amiúde

Com os velhinhos sem saúde

E as viúvas sem porvir

Ela é um poço de bondade

Trecho de “Geni o zepelin” de Chico Buarque de Hollanda

Você sai de casa igual a uma bonequinha

Toda alinhada, maquiada, cheirosinha...

Mas lá na esquina o povo sempre diz que você é galinha

Você não tem bico, não tem pena, não tem asa

Não entendo nada por isso fico na minha

Só sei que na esquina o povo diz que você é galinha

Trecho de “Melô da galinnha” de Pedrinho da Flor, interprtada por Dicró

56

ANEXO 5

“O Gol é um carro resistente de verdade.

O Gol é um carro pra gente de verdade.”

(www.verdadessobreogol.com.br ,2007)

“Elegância, máximo conforto e alta tecnologia”

(http://www.novahiluxsw4.com.br/forcaeelegancia.htm ,2007)

57

“...e eu, quero ser só um bolinho de chuva. Se fizer

uma criança feliz, tá bom.”

( http://www.donabenta.com.br/massinhas/ ,2007)

“Beijação Kuat: Este sabor apaixona”

(http://www.kuat.com.br/default.aspx ,2007)

58

ANEXO 6

Polícia frustra festa de traficantes do Morro do Dendê

Agência JB

RIO - Policiais do 17º BPM fizeram uma operação ontem no Morro do Dendê,

na Ilha do Governador, onde estouraram uma central de TV a cabo

clandestina, na Rua São Sebastião. Os cerca de 15 PMs, que trocaram tiros

com bandidos, também apreenderam um bolo e várias bebidas alcoólicas em

um barraco na favela, onde os bandidos fariam uma festa para comemorar a

prisão do traficante Marcelo Soares de Medeiros, o PQD, detido na sexta-feira.

PQD planejava invadir o Dendê.

(http://jbonline.terra.com.br/extra/2007/06/02/e020615180.html ,

JB Online, 2 de Junho de 2007)

(Jornal Meia Hora, 3 de junho de 2007)

59

ANEXO 7

Jornal Folha de São Paulo - 27/02/2000

Caderno Educar - pag 3 Em primeira mão!

Curso inédito na América do Sul

A primeira turma do mais recente curso criado pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos): Engenharia Física, teve início neste semestre com 30 alunos aprovados no vestibular. 0 curso, inédito na América do Sul será desenvolvido em período integral e conta com mais de 30 disciplinas novas. Idealizado pelo chefe do Departamento de Física da universidade professor Fernando M. Araújo Moreira. e presidente da comissão, que contou com a ajuda de pesquisadores de todos os departamentos, envolvidos na sua grade curricular, ele explica que a idéia surgiu após o contato que teve com engenheiros físicos, durante o curso de pós-doutorado que fez nos Estados Unidos. Segundo o professor, a proposta do curso é a de formar engenheiros capazes de enfrentar os desafios científicos e tecnológicos do novo milênio."0 engenheiro físico tem uma formação muito forte e pode trabalhar em qualquer área da engenharia. Durante o curso de 5 anos, em período integral é necessário uma dedicação mais que o normal, a formação tem ênfase nas ciências básicas: Matemática, Física e Química", explica.

Araújo Moreira afirma que o objetivo do curso de Engenharia Física é formar multi-especialistas com ampla preparação nas áreas de aplicação da física moderna, o que permitirá um profissional capa citado para trabalhar em diversas áreas: desenvolvimento, instrumentação, ciências dos materiais. entre outros.

Outro diferencial segundo ele, é que força o aluno aprender a aprender, o que lhe proporcionará ferramentas suficientes para que possa se virar no seu dia-a-dia. "0 engenheiro físico terá um campo de trabalho extremamente abrangente, uma vez que sua formação básica geral aprofundada irá permitir ao aluno aprender a aprender, absorvendo as necessidades da empresa e implementando assim as soluções. Com certeza ele será um elemento essencial para as pequenas e médias empresas, responsáveis por 70% da produção industrial brasileira", afirma.

0 curso, inédito na América do Sul, existe há mais de 30 anos somente em países do hemisfério norte, em universidades em Berkeley, Cornell e Stanford nos Estados Unidos, e no Instituto Politécnico de Grenoble, na França. além de países como Canadá, Japão, República Tcheca e Portugal. No México, o curso existe há 25 anos.

Para o professor José Marques Póvoa, coordenador do curso de graduação em Física da UFSCar, o novo curso está direcionado a alunos com

60

forte aptidão para ciências e matemática, e que desejam aplicar esses conhecimentos básicos na investigação e na resolução de problemas tecnológicos, deixando de lado a história de divisão entre as especializações e atacando o problema proposto através do uso de uma estratégica multidisciplinar.

" objetivo é formar profissionais capacitados em diversas áreas"

Araújo-Moreira

Revista ciência hoje – 10/07/2003

Entusiasmo brasileiro com DNA é criticado Entre as novas tecnologias relacionadas ao DNA aquela que mais se

popularizou, em todas as classes sociais, foi o exame para investigação da paternidade. Os laboratórios proliferam, a mídia exalta sua confiabilidade, já é possível contratar o exame até pela internet e a justiça brasileira, em diferentes estados, incluiu o teste entre os exames pagos pelo Estado. Mesmo sem ter acesso à nova tecnologia pessoas de diferentes classes incorporaram a possibilidade do teste de DNA em seu modo de ver laços e responsabilidades familiares. Na contramão dos anúncios otimistas feitos com relação aos avanços dessas tecnologias, pesquisadores contestam a substituição dos antigos exames de investigação da paternidade pelo teste de DNA, questionam a necessidade de seu uso e os reais benefícios para as famílias.

A poderosa imagem do DNA construída pela mídia

Ao sair dos laboratórios e circular pelos jornais, programas de auditório, hospitais, salas de aula, cortes e os lares brasileiros, o DNA configura não apenas como uma entidade biológica/bioquímica, mas também como uma entidade cultural que detém outros significados que não os biológicos. Esta é a avaliação da pesquisadora Daniela Ripoll, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que utiliza referenciais dos Estudos Culturais para analisar modos de construção e os usos que se fazem de uma entidade como o DNA na mídia.

Para a pesquisadora, a mídia não reproduz e nem reflete os conhecimentos produzidos no âmbito das ciências, é antes uma instância cultural produtora e veiculadora de saberes sobre a genética, a biotecnologia, o DNA, o genoma. O uso, por exemplo, da imagem do DNA em xampus e gasolina, embora não contenham em suas fórmulas esta molécula, denota a utilização de uma imagem "poderosa" como a do DNA para conferir um caráter de legitimidade, cientificidade e inovação para os produtos.

Ripoll conta que duas pesquisadoras norte-americanas da área dos Estudos Culturais de Ciência, Dorothy Nelkin e M. Susan Lindee, afirmam que o DNA tem sido construído, na mídia contemporânea de

61

seu país, como um "poderoso texto imortal", no qual tanto o futuro quanto "a pré-história humana está escrita". O DNA seria a própria "linguagem com que Deus criou a vida". Para Ripoll "não se trata de dizer se isso é bom ou ruim, mas de dicutir como essa genética, centrada nos poderes dos genes e, mais especificamente, nos poderes do DNA, vem se colocando como um modo determinante de constituição de sujeitos e de identidades na contemporaneidade".

"A construção cultural do DNA como uma entidade que parece ser capaz de fazer muitas coisas - possuidora de muitos poderes e que conteria, em si, a chave para a resolução de todos os problemas humanos - é algo que precisa ser, continuamente, problematizada", avalia Ripoll. Em especial, porque a mídia possui um certo status frente a outros aparatos sociais - como por exemplo a igreja, a família, os governos - e tem se configurado como mais um espaço de legitimação das novas tecnologias do DNA junto à população.

No caso do exame de DNA, a mídia tem enaltecido sua capacidade de apontar a veracidade dos laços entre filhos, mães e pais. Recentemente, estourou na mídia o caso "Pedrinho", em que o teste de DNA apareceu como a prova irrefutável do sequestro do garoto e da irmã pela mãe de criação. O programa de auditório do Ratinho já há muitos anos é um dos grandes promotores do exame, usando-o para incendiar as platéias. Várias vezes, diante dos questionamentos de pais e mães quanto ao resultado do exame, o apresentador apostou todo seu salário, durante os anos trabalhados na emissora, alegando que o laboratório e a ciência eram inquestionáveis.

O Brasil abusa do exame de DNA para exclusão da paternidade

Seja por pressão da mídia, seja por crença no teste de DNA como prova irrefutável, ou ainda pela simples existência dessa nova tecnologia, o fato é que o número de solicitações de exames de DNA para afirmar ou refutar a apternidade tem aumentado consideravelmente.

"O Brasil é um dos poucos países que utiliza um exame tão complexo, e de forma tão irresponsável, para investigação de vínculo genético. Nos países mais desenvolvidos, em que o DNA tem importância capital no conhecimento humano, raramente se utiliza nos tribunais com esta finalidade. Aqui o maior incremento deve-se, muito provavelmente, por interesses econômicos de quem pede e de quem realiza o exame", avalia Ivo Antonio Vieira, professor e pesquisador de medicina legal na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

62

No artigo "Uso e abuso do exame do DNA sob o ponto de vista médico-legal" Ivo Vieira e Rodrigo Pinheiro Vieira, buscam despertar os juristas e médicos interessados no tema para uma reflexão sobre a utilização desse exame. Os pesquisadores apontam que o surgimento do exame de DNA está provocando a retirada de mercado de testes mais simples, mais baratos e que também apresentam alta confiabilidade.

Ivo Vieira argumenta que se um exame mais simples e barato como o ABO, ligado ao grupo sanguíneo, pode afastar um sem número de possibilidades de paternidade duvidosas, ou manter a possibilidade, ele deveria ser um dos exames iniciais a ser praticado nos serviços de justiça gratuita nas Varas de Família, combinado a um sem número de evidências milenares desenvolvidas pela medicina legal, que hoje foram inexplicavelmente esquecidas.

Grande parte das pessoas que solicitam hoje os exames de DNA não têm condições de pagar seus custos, que ficam em torno de R$900,00. Geralmente, essas pessoas se utilizam da justiça gratuita ou são atendidas pela Defensoria Pública e entram em filas de espera de 3 a 4 anos para serem atendidas.

Porém, o Poder Judiciário não dispõe de verbas suficientes para arcar com as despesas elevadas dos exames de DNA e atender a crescente demanda. Para Ivo Vieira "num país pobre como o nosso, onde os depauperados são as maiores vítimas sociais, com severas limitações do acesso à justiça, e geralmente de segunda qualidade, acatar como verdadeiro apenas o exame de DNA é no mínimo tirano".

Além do ABO, há um exame menos popular, mas com uma confiabilidade e relevância na investigação do vinculo genético reconhecida todo o mundo: o HLA (Human Leucocyte Antigen) ligado aos leucócitos humanos. Para Ivo Vieira e Rodrigo Vieira "não há porque acreditar que o exame de HLA deva ser substituído pelo de DNA".

Os pesquisadores explicam que as diferenças entre o HLA e o DNA residem na aplicabilidade das técnicas. Ao afirmar-se que o pai "A" não é o pai biológico do filho "B", o exame de HLA possui um poder de exclusão muito próximo ao do DNA. Já na situação de não exclusão, a probabilidade de paternidade com erros periciais com o exame de HLA pode chegar a 0,1 % e, nesse caso, o exame de DNA poderia resolver a dúvida e estabelecer uma certeza estatisticamente maior, com erro de aproximadamente 0,001 %.

Segundo Ivo Vieira o artigo foi bem recebido no meio acadêmico, "uma vez que alunos das faculdades de Direito têm se manifestado e cobrado dos juízes uma postura mais realista e de

63

maior valorização dos demais meios de exclusão de paternidade". Mas o pesquisador ressalta que alguns juízes e promotores ainda acreditam que é mais fácil continuar a pedir o exame, mesmo levando em consideração os argumentos apresentados. O pesquisador relata ainda que a maior repercussão ocorreu entre os peritos assistentes. "Eles se sentiram ofendidos pois ficou escancarada a situação. Geralmente eles somente emitem pareceres depois dos laudos prontos, não se envolvem nos meandros dos exames e não tomam conhecimento das falcatruas praticadas, além da falta de critério quando da indicação dos exames".

Aumento do teste de DNA: sintoma da falta de participação paterna na família

O artigo "A vingança de Capitu: DNA, escolha e destino na família brasileira contemporânea" da antropóloga Claudia Fonseca, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), aborda como os testes de DNA para a investigação de laços de paternidade passaram do mundo da fantasia ao dos fatos, trazendo consigo o potencial de uma nova mudança em nossa conceituação de família, relações de gênero e parentesco.

No romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, a dúvida sobre a fidelidade de sua esposa, Capitu, arruína Dom Casmurro e o relacionamento, que termina de forma trágica. Se Machado de Assis fosse escrever hoje a mesma história Casmurro poderia por fim às suas dúvidas por meio de um teste de DNA. Fonseca acredita que "os testes de DNA estão trazendo uma enxurrada de Dom Casmurros para fora do armário. Maridos que, em épocas passadas, teriam aguentado suas dúvidas em silêncio, agora estão procurando conhecer 'a verdade'".

Será que a verificação da paternidade "verdadeira" da criança teria sido recomendável? Quais as conseqüências potenciais deste tipo de tecnologia para as relações de gênero no âmbito do casal? Será que as mulheres, como Capitu, ganharam ou perderam algo na barganha? Será que os homens se submeteram a essa tecnologia com a intenção de aumentar a sua responsabilidade paterna e o compromisso com o casal, ou, pelo contrário, de cortar os laços sociais negando supostas relações consangüíneas? Essas são questões que mobilizam a pesquisa etnográfica realizada por Fonseca em favelas brasileiras.

Na avaliação da pesquisadora, a investigação genética da paternidade, ao permitir acesso público àquilo que até então havia sido um segredo da mulher, e conferir a "certeza" da paternidade, modifica as relações de poder no casal contemporâneo. A

64

pesquisadora lembra que a incerteza a respeito da paternidade de um homem era parte intrínseca do pacto conjugal. O reconhecimento da paternidade dos filhos, tradicionalmente, era prova implícita da afeição e confiança que um homem investia em sua esposa. A mulher, como única guardiã do "segredo" da paternidade biológica de sua criança, mantinha uma espécie de trunfo, isto é, podia decidir se ia ou não honrar a confiança que seu marido depositava nela.

Mas a pesquisadora vai mais além. O aumento de testes de DNA também mostra uma crise ao colocar a definição biogenética como tão importante: a falta da participação paterna na vida da família. Mas a avaliação da pesquisadora é que é altamente improvável que a ênfase "bio-social" possa reverter o atual conflito. "Envolvendo ou não os testes de DNA, nada garante que o homem declarado pela corte como o pai de certa criança, e portanto responsável por seu bem estar, se responsabilize por seus compromissos".

Ao que parece, nos últimos tempos, a investigação legal de paternidade tem contribuído pouco para melhorar a condição de mulheres e crianças pobres. A antropóloga compara, a partir de estudos já realizados, as políticas sociais de diversos países europeus e aponta as políticas francesas, que investem na autonomia de mães de família - tais como creches em tempo integral, subsídios familiares, ajudas especiais para mães solteiras etc - como mais bem sucedidas do que as da Inglaterra, por exemplo, que investem na identificação do genitor, como se isso fosse necessariamente promover o bem-estar da família.

Certamente não é possível virar as costas aos avanços da "tecnologia científica moderna" mas, para os pesquisadores, parece ser difícil conceber a investigação de paternidade como medida para o combate à pobreza e à exclusão social. Fonseca acha aconselhável "maneirar nosso entusiasmo pelos testes DNA levando em consideração a gama de diferentes e poderosos fatores em jogo que criam novas estruturas familiares".

65

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: _____________. Lingüística da Norma. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

_____________. Preconceito Lingüístico: O que é e como se faz. São Paulo:

1999, 33ª edição.

_____________. Secretaria de Estado da Educação – São Paulo –

Coodenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – subsídios à proposta

curricular de língua portuguesa para o 2º grau – vol. IV – Variação Lingüística e

Ensino da Língua Materna. São Paulo, 1978.

_____________. Barsa Planeta Internacional Ltda, vol. 7, p.117, vol. 9, p.49,

vol. 9, p.59) 2002.

BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália: Novela Sociolingüística. Contexto,

São Paulo, 2001, 11ª edição.

BORBA, Francisco da silva. Introdução aos Estudos Lingüísticos. São

Paulo: Editora Nacional; 1977, 5ª edição.

BURKER, Peter e PORTER, Roy. Lingüística, indivíduo e sociedade. Ed.

Unesp, 1987.

CARVALHO, José Augusto. Por uma política do ensino da língua. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 1988.

CATACH, Nina. Para uma teoria da linguagem escrita. Ed. Ática: 1996.

GERALDI, João Vanderley. Linguagem e ensino: Exercício de militância e

divulgação. São Paulo: Mercado de Letras-ALB, 1996.

66

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e Poder. São Paulo: Martins

Fontes; 1998, 4ª edição.

MALMBERG, Bertyl. A Língua e o homem. Introdução aos Problemas

Gerais da Lingüística. Ed. Mordica, 1976.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Ed.

Campinas, Mercado de Letras, 1997.

PEDRO, Celso. Língua e Liberdade. Ed. Ática, Fundamentos, 1998, 6ª

edição.

ANTUNES, I. Aula de Português — encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.

BAGNO, M. Nada na língua é por acaso — por uma pedagogia da variação lingüística. São Paulo: Parábola, 2007. _________ Preconceito Lingüístico . 16ª ed. São Paulo: ed. Loyola, 2002. _________Português ou Brasileiro, um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola, 2001. _________ Dramática da Língua Portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: ed. Loyola, 2000.

BAGNO, M., STUBBS, M. & GAGNÉ, G. Língua Materna — letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola, 2002.

BORTONI-RICARDO, S. M.. Nós cheguemu na escola, e agora? — sociolingüística & educação. São Paulo: Parábola, 2005. _________ Educação em língua materna — A sociolingüística em sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.

CAMPS A. e colaboradores. Propostas didáticas para aprender a escrever. Porto Alegre, RS: Artmed, 2006.

COSSON, R. Letramento Literário. São Paulo: Contexto, 2006.

DIONISIO, A. P., MACHADO, A. R. & BEZERRA, M. A. (orgs.) Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

67

FÁVERO,L.L. et alii Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 1999.

FREITAS, A. C. de & CASTRO, M. de F. F. G. de. Língua e Literatura: ensino e pesquisa. São Paulo: Contexto, 2003.

GERALDI, J.W. Linguagem e Ensino. Campinas, São Paulo: Mercado de Letras,1996.

KLEIMAN, A . Leitura, ensino e pesquisa, 2ª ed., São Paulo: Pontes, 2001. _________ (org.) Os significados do Letramento. 3ª ed., Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. _________ (org.) A Formação do Professor: perspectivas da lingüística aplicada. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2001.

KOCH, Ingedore. Desvendando os Segredos do Texto. São Paulo: Cortez, 2003. _________A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.

MAGALHAES, M. C. C. (org.). Á Formação do Professor como um Profissional Crítico. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

MARCUSCHI, L. A. Da Fala para a Escrita. São Paulo: Cortez, 2000.

MARQUES, P.C. et alii. Computador e ensino — uma aplicação à língua portuguesa. Série Princípios, São Paulo: Atica, 1995.

MATENCIO, M.L. Leitura, produção de textos e a escola. 2 ed., São Paulo: Mercado de Letras, 2000.

MOLLICA, M. C.. Da Linguagem Coloquial à Escrita Padrão. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003.

QUINO. Toda Mafalda — da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

RAMOS,J.M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes,1999.

ROJO, R & BATISTA, A.A. G. (orgs.) Livro Didático de Língua Portuguesa, Letramento e Cultura da Escrita. São Paulo: Mercado de Letras, 2003.

68

ROJO, R. (org.) A prática de linguagem em sala de aula — praticando os PCNs. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2000.

SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

SILVA, R.V.M. e - Contradições no ensino de português: a língua que se fala x a língua que se ensina. São Paulo: Contexto, 1996.

SOARES, M. Linguagem e escola: perspectiva social. São Paulo: Atica, 1986. ___________ Letramento — em tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

VALENTE A. A linguagem nossa de cada dia. 5 cd., Petrópolis, Ri: Vozes, 2001. ___________ Aulas de Português : perspectivas inovadoras. Petrópolis, R.J., Vozes, 1999.

69

ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 9

INTRODUÇÃO 11

LINGUAGEM 11

Lingüística 11

Linguagem e concepção do mundo

Homem e linguagem

Razões do preconceito lingüístico: reflexões

Concepção de preconceito

Lingüística histórica

Psicolingüística e sociolingüística

A variação histórica

Gírias

O senhor das palavras

O importante é comunicar

Escrever bem é escrever claro

A variação social

A variação estilística

TECENDO COMENTÁRIOS

Aspectos publicitários nos discursos

Norma padrão x não padrão

Variedade lingüística

A gramática mal ensinada incute servilismo

A salvação na lingüística

Nascemos programados para falar

Toda pessoa sabe a língua que fala

Propensão inata para a linguagem

Como se aprende a língua

O ponto de fusão entre as linguagens

CONSIDERAÇÃO FINAL

RESULTADOS ENCONTRADOS

ANEXOS

BIBLIOGRAFIA

ÍNDICE

FOLHA DE AVALIAÇÃO

2

3

4

5

7

9

11

11

11

12

12

13

15

17

18

18

20

21

23

24

25

27

29

29

30

32

32

35

36

36

36

39

41

43

43

45

65

69

70

70

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - A VEZ DO

MESTRE

Título da Monografia: Poderia o meio influenciar na utilização da nossa

linguagem?

Autor: Maria Luíza da Rocha Santos

Data da entrega: 31/07/2007

Avaliado por: Mary Sue Conceito: