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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL DO BRASIL: NORDESTE
FREI DAMIÃO NA RELIGIOSIDADE POPULAR
LUCIANA VIDAL CRISTO DE LIMA
Recife, 2005
2
Luciana Vidal Cristo de Lima
FREI DAMIÃO NA RELIGIOSIDADE POPULAR
Monografia apresentada no Curso de
Especialização em História Regional do
Brasil: Nordeste da Universidade Católica
de Pernambuco.Sob orientação da Professora
Maria da Glória D. Medeiros como requisito
para obtenção do grau de especialista em
História Regional do Brasil: Nordeste.
Recife, 2005
3
Lima, Luciana Vidal Cristo de. L732f Frei Damião na religiosidade popular / Luciana Vidal Cristo De Lima. Recife: UNICAP, 2005. 42 f. : il. Monografia do Curso de Especialização em História Regional do Brasil: Nordeste da Universidade Católica de Pernambuco.
1. Religiosidade. 2. Religião e política. 3. Mitologia. 4. Literatura de cordel brasileira. I. Damião, frei, 1898 – 1997 II. Título. CDU – 2 : 398
4
AGRADECIMENTOS
Ao Nosso Deus Supremo
Ao meu esposo
Aos amigos Maria das Dores, Ana Cristina,Renato e Ana Beatriz
E a minha orientadora Glória, pelo estímulo e preciosa colaboração para ser possível a
conclusão dessa monografia.
5
RESUMO
Os fenômenos religiosos causam grandes discussões entre a comunidade
científica. Muitos estudiosos buscam esclarecer esse polêmico tema fundamentando-se em
discursos sociais políticos e econômico. Esse trabalho aborda a religiosidade popular expressa
na pessoa de Frei Damião. Relaciona sua repercussão na Literatura de cordel e envolvimento
na política, como também, o misticismo religioso como ponte para construir fenômenos
religiosos tão comuns entre o povo nordestino.
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RESUMEN
Los fenómenos religiosos causan grandes discusiones entre la comunidad científica.
Muchos investigadores buscan aclarar esse polémico tema fundamentándose en los discursos
sociales, políticos y económicos. Esa investigación enseña la religiosidad expresa en la
Persona de Frei Damião. Relaciona su repercusion en la literatura de cordel y su relación en
la política, como también el misticismo religioso como puente para la construcción de
fenômenos religiosos muy comunes en el pueblo nordestino.
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SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................... 06
1 1NTRODUÇÃO................................................................................................................ 08
2 A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E MITO FREI DAMIÃO............................................... 10
3 FREI DAMIAO E A LITERATURA DE CORDEL..................................................... 16
4 FREI DAMIAO ENTRE A FÉ E A POLITICA............................................................ 25
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 28
REFERENCIAS................................................................................................................... 29
ANEXO A – Frei Damião em visita à cidade de Aliança............................................... 34
ANEXO B – Romaria à São Joaquim do Monte............................................................ 35
ANEXO C - Estátua do Frei em Guarabira /PB............................................................... 36
ANEXO D – O Frei recebendo o título de Cidadão Pernambucano............................... 37
ANEXO E – Nilo Coelho e Frei Damião............................................................................ 38
ANEXO F – Romaria no mês de maio – Convento de São Felix de Cantalice............... 39
ANEXO G – Tumulo de Frei Damião no Convento de São Felix de Cantalice.............. 40
ANEXO H – Leito de Frei Damião doado pelo hospital Português ................................ 41
ANEXO I – Estatua de frei Damião – Convento de São Féix de Cantalice.................... 42
ANEXO J – Documento para abertura da causa de canonização de Frei Damião ....... 43
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho mostrará a temática da Religiosidade popular contextualizada na
vida de Frei Damião. A religiosidade popular é atribuída a religiosidade constituída pelos
pobres distinta de um catolicismo estabelecido, o catolicismo clerical e que se encontra uma
mescla de diversas religiões como “espiritismo, cultos afro-brasileiros...”, etc.
Na Religiosidade popular o homem se expressa em todas as suas dimensões. Para as pessoas simples do campo e para o operário, a religião é um dos modos de manifestar sua existência, de viver a relação com os outros e de proclamar seu direito de existir. Sua religião mantém o sentido da dignidade, de uma certa coesão social, as lembranças de seu passado e as esperanças de um futuro melhor, uma certa utopia que lhe permite, protestando contra as opressões, pensar numa sociedade diferente. A Religiosidade popular se exprime no contexto histórico de um povo no qual Deus vem traçando sua história de salvação. Na religião popular o homem pode descobrir respostas para as suas aspirações humanas. (SEGNA, ano, p. - apud. RIBEIRO, 1984, p. 161 ) Ao celebrar festivamente sua fé, na música, na poesia, na dança, na procissão, nos tempos fortes da vida (nascer, casar etc.), na solidariedade, na defesa mútua da sua dignidade, o catolicismo popular expressa o amor de Deus, traduzido simbolicamente. A gestação do mítico na alma – que muitas vezes se manifesta na glorificação luxuosa e barroca de um santo ou qual – é um desejo profundo do encontro utópico no escatológico cristificante. A alma popular é capaz de expressar-se através de sua própria linguagem, superando imposições ideológicas e simbólicas. (VIDALES, ano, p.. - apud RIBEIRO, 1984, p. 161)
Uma das expressões marcantes para se vislumbrar ou entender a Religiosidade popular é
estudando Frei Damião, como personagem inserido nessa religiosidade. Um “fenômeno
religioso” que carrega todo um fanatismo, mistificação, simbologia de um povo que o
santificou, que o endeusou. Faz-se pertinente, contudo, fazer uma breve apresentação do
objeto de estudo deste trabalho, Frei Damião, “ O santo do Nordeste”. Frei Damião, batizado
como Pio Giannotti, nasceu em 5 de novembro de 1898 em Bozzano norte da Itália. Aos 12
anos começou a estudar religião na escola seráfica de Camigliano. Aos 16 anos ingressou na
Ordem dos Capuchinhos, em maio de 1914. Aos 19 anos foi convocado para servir o exército
italiano na Primeira Guerra Mundial, atuou como soldado por mais de três anos, sendo assim,
precisou abandonar os estudos religiosos. Com o fim do conflito Pio Giannotti retoma sua
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vida religiosa. Ordena-se sacerdote em 5 de agosto de 1923, aos 25 anos. Em 1931, com 33
anos, Frei Damião deixou a Itália designado para o estado de Pernambuco e estende sua
missão por todo Nordeste.
Frei Damião tem um perfil propício para ser transformado em mito pelo povo.
Missionário extremamente dedicado em suas convicções, carismático, conviveu durante anos
com o povo nordestino, que fragilizado, o adotou como símbolo de salvação para seus
problemas espirituais e especialmente financeiros. O convento de São Félix de Cantalice onde
se encontra o corpo do Frei é um dos vários ambientes onde se pode constatar a fé, o
fanatismo e o amor dedicado ao “Santo milagreiro”. No mês de maio, onde se homenageia o
Frei devido a seu aniversário de morte, podemos observar a grande concentração de romeiros
com o objetivo comum de interceder junto ao Santo Frei Damião seus pedidos de orações,
povo simples humilde, e fiel em suas crenças. É possível também observar o comércio que
fatalmente acompanham esse tipo de evento, são comercializados, fotos do Frei, terços,
fitinhas, dentre outros artigos religiosos que fazem parte do cenário das romarias. Desta feita,
para uma melhor compreensão dessa temática, a presente monografia está organizada em
capítulos que fazem as seguintes abordagens: A relação entre a fé e o mito Frei Damião; Frei
Damião na Literatura de Cordel e Frei Damião entre a Fé e a Política, esta última trazendo o
Frei para um plano mais humano.
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2 A RELAÇÃO ENTRE A FÉ E O MITO FREI DAMIÃO
“A idade pintou-me os cabelos e envergou-me a cabeça; não me conseguiu quebrantar o ânimo em lutar em prol do Reino de Deus na minha terra e no meio da minha gente”. Frei Damião
Existe o homem comum Frei Damião, religioso missionário, e existe o homem Santo
Frei Damião, este último construído completamente pelo imaginário popular. Para atender as
necessidades reais de angústias, medo, fome falta de moradia entre outros problemas esse
povo não precisa de homens iguais entre si com os mesmos defeitos e limitações, precisa sim,
de um ser divino com poderes providos de Deus, esse homem poderá amenizar e até resolver
suas dificuldades diárias que não são poucas. É fácil criar um mito e se apegar a ele, difícil é
assumir e encarar a dura realidade com a qual a todo o momento nos deparamos, “tão fácil é
criar um santo quanto forjar um demônio na ardente imaginação popular” (DELGADO, ano,
p. - apud COSTA, 1998, p. 34). O Interior nordestino, local onde o Frei capuchinho dedicou
toda sua vida religiosa, concentra toda uma carga de preconceitos e problemas sociais. Os
nordestinos são considerados um povo naturalmente religioso, o que propicia a tendência ao
fanatismo.
Um povo nordestino que não satisfaz suas necessidades econômicas, que não dispõe de terra para trabalhar, e não tem consciência crítica para perceber as verdadeiras causas de sua miséria só pode interpretar o mundo com mitos religiosos (MOURA, ano, p. - apud ESTEVES, 1971, p.49)
Estaria Frei Damião alimentando todo esse misticismo religioso? Vejamos o que
afirma Moura (1971, p.57) a esse respeito.
O fenômeno se explica pela tendência do povo ao fanatismo. Não é culpa de Frei Damião [...]. a culpa é do povo . O povo é que não é capaz de entender a verdadeira pregação de Frei Damião e assim deturpa-a. O povo não teve acesso à cultura e não dispõe, portanto, de recursos para entender devidamente o Frei Damião. Por
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isso fica preso à mistificação, ao sentimentalismo, às promessas e milagres. Por isso ver milagres a toda hora e castigo em toda a desgraça.
Conforme dito anteriormente, a religiosidade, a devoção já fazem parte do estereotipo
nordestino.
O nordestino analfabeto aprende as orações ditas pelos pais, avós, comadres e rezadeiras antigas. Quem não sabe ler leva a oração copiada no bolso ou no pescoço, costurada em um pano. Não se pode molhar a oração ou abrir o saquinho. O nordestino só gosta de rezar diante de um santo de gesso, barro ou madeira. Usa terço, retratos do santo preferido em casa ou em pequeno formato de bolso. Acredita em fortes orações contra inimigos, a inveja, o mau-olhado. Quebranto, carne quebrada, espinhela caída, bom parto, almas penadas, etc. É muito difícil encontrar um nordestino do sertão que não tenha ido aos socorros de uma rezadeira para curar o mau-olhado [...] (COSTA, 1998, p. 27)
Estudiosos buscam interpretações para explicar o fenômeno religioso Frei Damião.
Uma das interpretações exposta no livro ¹Frei Damião e os impasses da religiosidade
popular, aborda a “interpretação econômica”, conhecida, sobretudo, a partir das idéias de
Marx. Segundo o socialista alemão, a religião é dominada e determinada segundo a qual os
homens estão presentes no mundo e frente a frente com a natureza, para dela obter meios de
vida e produção. No caso do homem nordestino, é a sua situação econômica que produz
fenômenos como o de Frei Damião e outros mais. O povo nordestino, que não dispõe de
recursos para suas necessidades econômicas, de terra para trabalhar e não tem consciência
crítica para perceber as causas da miséria, só pode interpretar o mundo com mitos religiosos.
No caso de Frei Damião, para interpretá-lo, convém primeiro levar em conta as condições em
que vivem os homens e suas relações de produção. O fenômeno, portanto, se explicaria pela
estrutura social injusta, o desamparo dos camponeses , a seca, o latifúndio e a miséria. Se um
dia se mudarem estas condições mudarão também as representações que o povo faz do Frei.
“Em geral, o reflexo religioso do mundo só poderá desaparecer quando as condições do
trabalho e da vida prática apresentarem ao homem relações transparentes e racionais com seus
semelhantes e com a natureza” (MARX, ano, p. apud MOURA, 1978, p.50)
Ainda sobre a questão, Ataíde (1993) afirma que:
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O Sertão de contradições e diversidades, de santos como Padre Ibiapina e de párocos maçons e pais de família, encontrou no movimento leigo e, principalmente, nos seus piedosos conselheiros e líderes religiosos leigos, sinais divinos de que era possível aspirar por uma nova era.
Pessoas de semelhante “envergadura espiritual” se enquadram nessas devoções de
grande fervor espiritual por parte do povo. Frei Damião dorme pouco, come pouco,
incansável na sua fidelidade ao evangelho, para o povo, basta essas características para
notificar algo de divino no missionário. Homem que se preocupa com os pobres, se dedica a
eles só pode ser um “santo homem” marco para se proliferar pensamentos místicos em torno
da personagem Frei Damião. Com formação religiosa bastante rígida e tradicional o “Santo
das missões” apresentava características da cultura medieval da igreja, valorizando
veementemente pensamentos e comportamentos que atualmente são considerados retrógrados
pela linha progressista da Igreja Católica. Perseguição à sensualidade da mulher, como sendo
tentação do demônio, as mulheres não devem usar calça comprida, quem não rezar vai para as
profundas do inferno, quem deixa o casamento religioso para se casar com outro no civil está
no inferno de cabeça pra baixo, “Eu condeno a minissaia. Essa roupa não presta não. É causa
de muitos pecados. Muitos homens já perderam a cabeça por causa desse exagero das
mulheres”, “Um beijo dado no rosto da namorada, como um beijo dado numa parente, não
tem nada demais, estão ouvindo? Agora, um beijo na boca, um beijo de língua, isso não. É
pecado.” esses e outros ensinamentos fazem parte do discurso do “velho capuchinho”.
Segundo estudos acerca de seus sermões suas pregações são apresentadas num esquema
escolástico – apologético, no qual foi formado. Preocupa-se em provar as verdades
doutrinárias, através de um esquema lógico mais ou menos o mesmo para todas as pregações
da Igreja. Continua a pregar os mesmos temas dos missionários que o precederam, com
modificações acidentais e ilustrativas. Repete nas suas pregações os mesmos temas, mais ou
menos concentrados, e já os tem quase completamente decorados, Vejamos abaixo um trecho
de um sermão proferido pelo Frei.
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É grande a alegria que experimentais ao receberdes a minha visita. Eu vos asseguro que não menor é a que eu experimento ao chegar ao meio de vós, porque bem vejo que há um povo que ama Nosso Senhor e a sua religião. Eu não sou nobre, não sou rico, não sou político, nem sequer tenho a honra de ter nascido neste país. E, contudo, acabais de receber-me com tantas homenagens. È porque, com os olhos da fé, conheceis em mim um ministro de Nosso Senhor e em minha humilde pessoa quereis honrar a Ele mesmo. Nosso Senhor recompense a todos vós, recompense o bom povo de Bezerros que quis me acompanhar até aqui, estenda suas mãos sobre vós e vos abençoe, abençoe as vossas famílias, abençoe os vossos negócios (...) Ele vos dê saúde e prosperidade e, sobretudo, a perseverança no bem. E, um dia, nos reúna a todos, no Santo paraíso, é o que desejo a vós. (...) Neste mundo não se estima senão o que é útil para a vida presente. E só nisso se pensa, só por isso se trabalha, só por isso se fazem sacrifícios, mas chegará um dia em que a barquinha da nossa vida irá quebrar-se no escuro da morte. E, então, de que nos servirão os prazeres, os divertimentos, as honras, as riquezas e todos os bens em cima desta terra, se não salvarmos nossa alma? Perdemos tudo, e perdemos irreparavelmente. Mais que digo, perdemos tudo. Ah! Se não salvarmos nossa alma, além disso, seremos condenados a um eterno suplício. (...) E ninguém diga amanhã, porque o amanhã não existe e, de um momento para outro, nos pode alcançar a noite, aquela noite em que ninguém pode mias esperar; noite de espera e desejos e de muitos arrependimentos. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! (OLIVEIRA, 1997, p. 63)
Os Capuchinhos, ordem religiosa de Frei Damião chegou por aqui em 1612 para atuar
junto aos índios, e tem como método de doutrina a ameaça do “fogo do inferno” para os
pecadores. O último “profeta do nordeste”, com o trabalho de missões, não é aceito para
realizar suas pregações, por dezenas de paróquias do nordeste, devido à postura radical
apresentada pelo Frei. Como sendo um discípulo fiel às suas convicções, segue sem
questionar os “cinco pilares” sobre os quais devem apoiar a Ordem Capuchinha os quais são:
vida intensa e espírito de oração, de devoção e de contemplação, prática radical da «altíssima
pobreza» interior e exterior, a ponto de renunciar a todo o gênero de privilégio e propriedade,
mesmo comunitária, ardor e entusiasmo na pregação e no apostolado, segundo a simplicidade
e a humildade evangélicas, caridade concreta e prontidão em servir todo e qualquer irmão
necessitado e espírito eclesial na submissão e total docilidade ao Papa e à Igreja hierárquica.
Sendo assim, é com ardor e dedicação que Frei Damião propaga em suas missões todo o seu
aprendizado religioso. Diante de todas as virtudes demonstradas pelo Frei, é necessário
imortalizá-lo, pois ele é “um Santo”, para o povo sim ele é um santo. Cada fiel, com sua
história de vida, muitas vezes comum entre si, vai esculpindo um mito e este mito se torna
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real, pois cada pessoa tem depoimentos, que a seu ver, evidencia a natureza divina do Frei e
isso é propagado enraizado de tal forma que para seus seguidores não há dúvidas sobre a
santidade do missionário do Nordeste, “ O religioso é o mito, e os mitos não se desvanecem
tão rapidamente” ( MEDEIROS, ano, p. apud COSTA, 1998, p. 128). É como se houvesse
uma espécie de transe por parte dos devotos, todos querem ser curados, salvos por aquele
homem santo e que está tão próximo a eles, o povo não pode perder a oportunidade de tocá-lo,
reverenciá-lo.
O povo se comprime na praça. Muitos procuram no frade o perdão para seus pecados. Doentes, cegos e aleijados buscam o milagre da cura. Depois, Frei Damião se dedica às confissões dos homens, até sete horas, quando vai tomar o café da manhã. Nas refeições, o religioso é cercado por uma dezena de mulheres, que fazem questão de servi-lo. Ele não faz nenhuma exigência com comida. Come o que lhe é oferecido. Algumas mulheres esperam o final da refeição, para pegar as sobras. Acreditam que o sobejo dele cura doenças. Mais do que isso: as beatas chegam a brigar pelas toalhas com que Frei Damião enxuga o rosto e pelos restos de sabonetes que usa. (OLIVEIRA, 1997, p.56)
Todos esses fatos nos fazem entender então que o mito e a religião estão
intrinsecamente ligados entre si e estes por sua vez se relacionam intimamente com a história
humana. Os mitos da criação, por exemplo, cada povo baseado em suas vivências diárias
utilizando símbolos que lhe são corriqueiros, explicam a origem do mundo. Os pigmeus da
floresta equatorial africana contam: "Ele disse: isto! eu digo: isto!; e foi feito. - Mas como? -
ninguém sabe: nossos pais não o viram. Deus é Deus". Os yuki da Califórnia dizem que,
depois da criação, Deus olhou as coisas orgulhoso e falou: "Não acreditava que poderia
realizar todas essas coisas".
Essas histórias não servem para explicar alguma coisa, além do mais, muitas vezes, nem possuem lógica, mas exprimem a consciência do homem diante da presença do mistério, a contemplação do mundo do sagrado que escapa a qualquer explicação humana e que está presente na vida. O mito é a parte mais secreta do patrimônio de um povo; é a síntese de suas crenças, de seu valor religioso, de sua idéia de Deus e de sua referência moral. Porque o mito, lembrando ao homem os elementos fundamentais de sua realidade, chama-o ao dever do bem, evoca seu lugar no universo, o significado de sua história. (VEGETTI; NHAGA, 2005, p.1)
15
Por mais que estudemos analisemos, as relações que existem em torno dos fenômenos
religiosos que fazem parte da história do nosso povo, e particularmente Frei Damião, não
iremos esgotar nunca essa temática. O religioso, o místico, sempre trará algo a ser explorado,
aprofundado. Existirá sempre o confronto entre a explicação científica alicerçada, obviamente
na razão, e o sagrado, a fé, considerada alienante pelos mesmos.
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3 FREI DAMIÃO NA LITERATURA DE CORDEL
“Dizem que o trovador do Nordeste tudo inventa mesmo no caso verídico, o próprio poeta aumenta... não passa de uma quimera, se o trovador exagera porque o povo comenta” Rodolfo Coelho Cavalcanti
Com temas de ordem moral, religiosa, comportamental entre outros, os cordelistas
produzem o que há de mais rico em nossa literatura a “Literatura de cordel”, tornando real sob
a forma escrita o que é falado pelo povo, Tavares Júnior (1980, p. 13) afirma que “ o texto do
cordel é, de fato coletivo, plural, produzido pelo concurso de inúmeras vozes, vozes do
passado, do presente e do futuro, ou melhor, da grande voz do tempo único, do tempo do
povo”. O poeta popular espelha em versos o linguajar, as crenças o folclore e expressões
genuinamente nordestinas. Estudiosos se esforçam para identificar as origens do cordel em
território brasileiro, porém as informações a esse respeito não são efetivamente precisas.
Alguns autores afirmam que devido ao costume nordestino de contar histórias nos serões
familiares, nas fazendas ou engenhos sempre foi muito vivo. Marlyse Meyer (1980) , afirma o
seguinte: “Esse costume proveio de uma longa tradição ibérica, dos romanceiros, das histórias
de Carlos Magno de Doze Pares de França e outros grandes livros populares. Originou-se
também de contos maravilhosos de varinha de condão, de bichos falantes, de bois – sobretudo
na região nordestina, onde se desenvolveu o ciclo do gado” . Manuel Diegues Júnior (1986,
p.46) explica essa questão da seguinte forma:
No Nordeste [...], por condições sociais e culturais peculiares, foi possível o surgimento da literatura de cordel, da maneira como se tornou hoje em dia característica da própria fisionomia cultural da região. Fatores de formação social contribuíram para isso; a organização da sociedade patriarcal, o surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento de bandos de cangaceiros ou bandidos, as secas periódicas provocando desequilíbrios econômicos e sociais as lutas de família deram oportunidade, entre outros fatores, para que se verificasse o
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surgimento de grupos de catadores como instrumentos do pensamento coletivo, das manifestações da memória popular.
Sobre nome de literatura de cordel, os autores estão em comum acordo quanto a sua
origem, pois segundo eles, o nome provém de Portugal e os folhetos eram presos por um
pequeno cordel ou barbante, em exposição nas casas em que eram vendidos. Pode-se dizer
também que este tipo de poesia está relacionado ao romanceiro popular, a ele ligando-se, pois
se apresentam como romances em poesia, pelo tipo de narração que descreve. Os romances de
origem lusitana, que vieram para o nordeste, foram divulgados por aqui provavelmente nos
séculos XVI ou XVII, e inspiraram o nordestino para construir uma poesia peculiar ao nosso
povo que hoje conhecemos por Literatura de cordel.
Contudo, esse tipo de produção, tão preciosa e criativa, foi ou é ainda discriminada
pela elite.
A literatura de cordel, como quase tudo que vem diretamente da cultura popular, é, infelizmente e com freqüência, discriminada e tratada como algo de menor importância, no contexto cultural mais elitizado, mais socialmente aceito no Brasil. Assim, o cordel é uma poesia menor, o artesanato, uma arte de qualidade inferior, etc(LINHARES, 2005, p.1)
Entretanto, universitários e alguns órgão públicos, reconhecem e admiram essa arte
popular, isso acarreta em divulgação até para os turistas que apresentam grande interesse
pelos folhetos. O cordel “Poesia narrativa, popular, impressa”, vem despertando interesse de
muitos estudiosos que querem se aprofundar no assunto devido a muitas particularidades
desse tipo de obra, um exemplo é o poeta Patativa do Assaré,
Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), o mais contemporâneo (1909/2002), o mais estudado lá fora (tese de doutorado de muitos gringos). Como ninguém, soube poetizar a vida, os sonhos e os sofrimentos do nordestino. Versos criativos, sensíveis, poesia pura, eram decorados, pois o poeta não sabia escrever. Freqüentou escola por pouco mais de três meses, tornando-se um leitor autodidata. (LINHARES, 2005, p.12)
18
Milagres, santos, fé, devoção, são temas bastante explorados pelos cordelistas.
Falaremos então, de Frei Damião representado nos cordéis. Diante das proporções que a
pessoa do Frei alcançou no nordeste, nada mais oportuno que registrar seus feitos, sua fama
na literatura de cordel. Com uma mescla de respeito e uma pitada de humor os cordelistas
trazem nos folhetos sobre o “Ministro de Deus” o que só o poeta popular tem o dom de
descrever. É Frei Damião que aparece castigando um rapaz que toma a feição de um bode, no
folheto de José Costa Leite, e do mesmo modo vai transformando uma moça zombeteira num
“cachorro”, como nos mostrou o poeta J.J. Andrade. E um protestante que virou urubu no
descrever de Manoel Serafim, porque esse tentou matar o santo Frade. E assim, esses poetas
encantam e aguçam olhos ansiosos pelo desenrolar das linhas tão bem tracejadas e peculiares,
os causos sobre o “profeta do nordeste”
Assim que começou a pregar as primeiras missões Frei Damião com sua voz de sotaque meio estranho passou logo a combater a calça comprida, o cabelo curto, a minissaia para o público feminino, o beijo na boca para os namorados, a bebida alcoólica e o amancebado dos homens. De imediato, vários folhetos saíram pelas feiras e mercados como o de Francisco Borges, que conta um exemplo da moça que se transformou em uma jumenta, só porque foi ao encontro do religioso de “topless” (COSTA, 1998, p. 22)
Para testemunhar da veracidade daquele causo os cordelistas são enfáticos e dizem
provar o ocorrido, citando nomes das pessoas que conheciam a respeito dos castigos,
afirmando foi “minha santa vó que Deus a tenha! Ou foi um romeiro do meu padrinho Padre
Cícero Romão”, Com essas provas, não há então como duvidar. No seu livro A presença de
Frei Damião na Literatura de cordel, Gutenberg Costa cita trechos do folheto de Rodolfo
Coelho Cavalcante – “Frei Damião – O missionário do Nordeste” (1976), e traça comentários
sobre o folheto que expressa a “árdua missão de missionário do saudoso nordestino Frei
Damião”.
Enfrentando os adversários:
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“Por que os homens, meu Deus, Contra o Evangelho conspira?.., Por que a Santa Verdade Se mistura com a mentira?... Frei Damião éum Templo Do mais verdadeiro exemplo... Qual a razão dessa ira?
De boca a ouvido o sertão avisava a chegada de sua missão:
“Na cidade que ele chega É formada a romaria Por milhares de fiéis Que o próprio povo anuncia Vale a pena a Pregação Do frade Frei Damião Que fala sem hipocrisia. Foi comparado aos santos: Vi o exemplo de um santo No seu modo de vestir. Se o pregador faz milagres Como posso admitir, É o próprio Poder Supremo Que pode fazer o extremo De quem com Fé o pedir. Frei Damião é um Paulo De Tarso – na pregação: De Verbo igual João Batista Pelo fervor da oração: Tão humilde igual a Assis, Que fez o povo feliz No seu querido Sertão. [...]
Finaliza com o seu “acróstico”, para provar a autoria do folheto, conforme a tradição cordelista:
R-uiu o “AMAI-VOS Uns Aos Outros”, O-Amor é ficção. D-EUS é ser natural O-nde não há expressão... L-uzindo Jesus de novo F-rei Damião diz ao povo: O-remos de coração.”
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A insatisfação e denúncia da corrupção na política do Brasil, se misturam com a
religiosidade nos cordéis, vejamos alguns trechos o folheto do poeta José Costa Leite – “ O
Sonho de Frei Damião com o Padre Cícero “
Frei Damião outro dia Estava no Juazeiro Rezou e dormiu um sono Com fé em Deus verdadeiro Sonhou numa elevação Com o padre Cícero Romão Em pé defronte o cruzeiro O padre Cícero apertava A mão de Frei Damião E chorando ele falava Na maldita corrupção Que hoje em dia está forte No Brasil de Sul a Norte Do brejo até o sertão
A profecia de padre Cícero sobre o princípio dos finais dos tempos no ano 2000,
falação muito comum entre o povo do interior nordestino.
O padre Cícero Romão Que foi por Deus enviado Falou com Frei Damião Que não estava acordado E disse: - No pé do cruzeiro Da matriz do Juazeiro Tem um segredo enterrado. -- É um manuscrito antigo Escrito por minha mão Falando na carestia E na maldita corrupção Que contamina o Brasil E até perto de dois mil Ele dar explicação. Frei Damião rezou muito Contemplando o infinito Com os olhos cheios de lágrimas E olhando o manuscrito Passou mais de uma hora
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E vamos ouvir agora O que nele estava escrito. [...] -- Aviso as moças solteoras Que deixem o uso moderno Devem ir ouvir a missa E pedir ao Deus Eterno A todos quero avisar Pra depois ninguém chorar Quando chegar no inferno -- Devido a tanto pecado O mundo está diferente Daqui pra chegar 2000 Vai escapar pouca gente Só se ver é agonia Crise, fome e carestia Peste, guerra e tempo quente. -- O sertão vai virar praia E a praia virar sertão Devido ao povo envolvido Nos laços da corrupção Fugindo do Pai dos pais Dando gosto a Satanaz Na lama da perdição. -- De 90 até 2000 A crise ninguém agüenta A maldita carestia E s fome se apresenta Mesmo com toda morrinha Vai faltar carne e farinha E a Guerra vai ser sangrenta. [....]
E para se livrar desses temidos desastres o melhor é rezar uma oração recomendada
por Padre Cícero e Frei Damião que se encontra no folheto
Povo Católico de Deus Já Dei toda explicação E o resultado do sonho Do nosso Frei Damião Quem for da parte de Deus Leve um livrinho dos meus E reze esta oração.
Uma avalanche de folhetos foi vendida então, no período da doença e morte de Frei
Damião, fato ocorrido em 1997. A cobertura da mídia foi intensa e os poetas aproveitaram
toda essa gama de informações na produção dos seus folhetos. Em uma reportagem publicada
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pelo Jornal do Comércio- JC no dia 28 de maio sobre a venda de cordéis, mostra o poeta
Olegário Fernandes divulgando seu novo livro sobre o Frei e comentando o aumento intenso
das vendas dos cordéis, vejamos o texto:
O poeta de cordel Olegário Fernandes começou a preparar um novo livro em homenagem ao missionário. “Ao Grande Deus poderoso/ eu peço inspiração/ e a deusa da poesia/ rima métrica e oração/ enquanto escrevo a morte do senhor frei Damião”, declamou abalado Olegário. Os poucos exemplares que o poeta tinha do cordel Conselho de Frei Damião, escrito por ele em 1957 foram vendidos rapidamente. Só um comprador de Bom Conselho levou 200 livretos e mil unidades da oração do Frade. Desde o anúncio pelo serviço de som das feiras do fim do sofrimento do Frei Damião aumentou a procura dos fiéis por notícias e lembranças do religioso. [...] o comerciante Damião José de Araújo, que percorreu vários Estados da região durante 28 anos vendendo cordéis, “sobre os conselhos do Frei” ele pretende devolver a homenagem que seus pais fizeram ao frade colocando o nome do filho de Damião. O cordel já vendeu mais de 300 mil exemplares. (JC apud TRIGUEIRO, 2005, p.13)
Muitos poetas escreveram sobre a morte de Frei Damião, vejamos alguns trechos do
Folheto de Marcelo Soares “Agonia e morte de Frei Damião”
Oh, Musa da Poesia Dá-me agora inspiração Pra falar da dor que aflige Todo nosso coração: A agonia e a morte Do Santo Frei Damião [...] Levar Jesus às pessoas Era seu grande teste E nas peregrinações Às cidades do Nordeste O Frei Damião andava No sertão e no Agreste
O poeta mostra a certeza da santidade do frei e do amor de Jesus Cristo por ele Pois Frei Damião não era Um homem, e sim um santo E Jesus Nosso Senhor Mesmo banhado em pranto O levou aqui da terra E o cobriu com o seu manto.
Nesse trecho o poeta relaciona a vida de Frei Damião com outro fenômeno religioso
comparado ao Frei, Padre Cícero, que dizem também ter tido contato com os cangaceiros.
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Seu nome simbolizava A fé para os brasileiros Era respeitado até Por jagunços e coiteiros Com sua fé doutrinou Beatos e cangaceiros.
Embora o poeta já o considere Frei Damião santo, trecho exibido acima, neste outro
trecho ele comenta a necessidade de haver uma autenticidade de santidade do Frei através da
beatificação concedida pelo vaticano.
A Igreja e os fiéis Vai pedir ao Papado Que o nosso Frei Damião Seja beatificado Pois ele acima de tudo Era um ser abençoado. Certamente o Vaticano Não se negará a isso Reconhecer este fato É mais que um compromisso E os cristãos ficarão Muito contentes por isso. [...]
Num dos trechos finais do cordel, o poeta comenta os milagres do frei e a sua eterna
lembrança pelos fiéis.
O Frei Damião curou Com sua mão benfazeja E onde quer que ele esteja Agora neste momento Pra sempre louvado seja. [...]
Outros folhetos foram escritos sobre o Frei, trazendo as expressões, as crenças, o
pensar nordestino. E mesmo com o forte poder tecnológico que dispomos hoje em dia, como
televisão, Internet,
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A literatura de cordel continua sendo porta-voz do falar e do pensar do povo, retratadas em suas marcas principais: o traço forte da oralidade, presente nas falas das personagens populares (sertanejos, brejeiros, etc.), e a ideologia presente nas formas como esses personagens atuam e sobrevivem no interior das narrativas(CARDOSO, 2005, p.4).
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4 FREI DAMIÃO ENTRE A FÉ E A POLÍTICA
“Com suas missões, seu carisma e onipresença nos lares sertanejos Frei Damião, infelizmente é muito usado como cabo eleitoral pelos políticos do nosso Nordeste” (DANTAS, ano, p. apud COSTA, 1998, p.88)
Muitos afirmam que a “religião e a política não se misturam”, contudo, a prática vista
hoje em dia não está condizente com a afirmação acima. O que dizer então do envolvimento
considerável de pastores e outros fieis das Igrejas Evangélicas na ocupação de cargos
políticos. O que dizer também da Igreja Católica e sua posição em influenciar para esse ou
aquele candidato, incluindo comentários políticos em suas pregações? Ao contrário do que se
pensa a religião e a política tem muito em comum, entre outros fatores, ambas são polêmicas
e alienantes.
O cristianismo já desenvolveu um estado religioso, o Vaticano, estado da Igreja, que evidentemente tinha de atuar dentro de parâmetros políticos; mas mesmo as Igrejas e comunidades religiosas que não estão nesse papel não podem evitar totalmente a política. Dentro de cada religião, existe certa dose de política, ou seja, de luta pelas posições-chave dentro da sua própria organização, além de uma outra luta que cada religião trava para se fazer mais e mais conhecida no mundo, que também é uma espécie de luta política (REHFELD, 1994, p. 147)
Frei Damião, entretanto, não ficou fora do cenário político. Não teve participação
efetiva em cargos na política nacional, como Padre Cícero, mas influenciou e foi usado por
muitos políticos nordestinos como “cabo eleitoral”. Vejamos o que afirma Oliveira (1997,
p.107) acerca do assunto:
Por desfrutar de imensa popularidade e pela influência que exercia junto ao povo, viu com indignação seu nome ser usado para fins eleitorais. Expedientes dessa natureza – com o objetivo de induzir o eleitor a votar em determinado candidato ou partido, como se essa fosse a vontade de Frei Damião, - ocorreram com freqüência, e sua reação não era outra senão alertar seus seguidores: - Aproximam-se as eleições. Em muitos lugares do Nordeste querem os políticos explorar o meu nome e a popularidade de que gozo para induzir os simples a votarem em fulano ou sicrano. Essas pessoas não podem e não devem usar meu nome para tais fins. Eu os desautorizo e os condeno.
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Os políticos viam em Frei Damião uma oportunidade mais do que bem vinda para
conseguir vitória nas eleições. O que podemos questionar é como o Frei se deixava explorar
por esses políticos, seria realmente uma exploração ou estaria o Frei apoiando um candidato
realmente? É claro que muitos políticos usaram de má fé a imagem e o nome de Frei
Damião em suas campanhas, contudo, um estudo mais minucioso poderia explicar essa
questão. Foram inúmeros os políticos que se beneficiaram do carisma e popularidade do
Frei, Como comenta um artigo intitulado “Os políticos de-votos de Frei Damião”(2005) o
caso mais notório de uso da popularidade de Frei Damião na procura de votos foi o do ex-
presidente Fernando Collor, que fez toda campanha presidencial no Nordeste exibindo sua
“amizade” com o frade. Porém, Pernambuco também teve os seus políticos de votos do
capuchinho. Nilo Coelho foi um deles. Sertanejo de nascimento e com bases eleitorais em
Petrolina, lembrando que, nesse estado o Frei era muitíssimo querido, por várias vezes ele
se aproveitou da popularidade de Frei Damião, de olho no eleitorado. Quando governador,
por exemplo, em 1971 Nilo Coelho concedeu a Frei Damião a Medalha Pernambucana do
Mérito e a foto da solenidade de entrega da honraria foi estampada em todos os jornais do
Estado. Em 1978, ao disputar as eleições ao Senado, novamente Nilo Coelho apareceu ao
lado de Frei Damião. E, desta vez, numa peça de campanha eleitoral: um panfleto
(distribuído aos milhares) com a foto dos dois e o seguinte texto: “Com a graça de Deus e a
minha bênção: eu recomendo meu amigo Nilo Coelho para o Senado. Frei Damião.” Para
um bom observador a suposta assinatura do frade tinha a mesma grafia de todo o resto do
texto do panfleto. Isso implica dizer que, não era verdadeira. O atual deputado federal
Joaquim Francisco também gostava de posar para fotos ao lado de Frei Damião, o que, aliás,
ocorreu várias vezes. Mas, em nenhuma ocasião o fato foi tão extremista quanto ao que se
deu no dia 02 de setembro de 1991.Na época governador de Pernambuco, Joaquim decidiu
conceder uma pensão de dois salários-mínimos a Frei Damião e, como o frade estava
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doente, ficou decidido que a lei concedendo o benefício seria assinada no leito do enfermo.
E assim foi feito. No outro dia, os jornais estamparam a foto que mostrava: Frei Damião no
leito hospitalar segurando um crucifixo, o governador sentado numa carteira escolar
assinando papéis e, ao fundo, uma dezena de deputados governistas. A relação dos políticos
com Frei Damião era meramente eleitoreira, obviamente nenhum deles concordava com os
preceitos estabelecidos pelo Frei, tais como:
"Um beijo dado no rosto da namorada, como um beijo dado numa parenta, não tem nada demais, estão ouvindo? Agora, um beijo na boca, um beijo de língua, isso não. É pecado."
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Homens, mulheres, jovens ou velhos, muitos possuem conceitos em comum sobre Frei
Damião. São enfáticos, sim ele é um Santo, palavras facilmente escutadas na romaria em
homenagem ao aniversário do frei, no convento de São Felix de Cantalice. Aquele Frei
Capuchinho de baixa estatura e feições rígidas, possui mesmo depois de seu falecimento,
grande respeito e admiração por parte dos fieis. De modo que, para formalizar o que para o
povo já é certeza, pretende-se canonizá-lo. O processo de canonização este em andamento,
Frei Rinaldo Pereira é vice postulador da causa. Afirma ele que uma das fases desse processo
é o “histórico-documental” referente á pesquisa de manuscritos, livros publicações,
reportagens, etc.. tudo que possam documentar a santidade do religioso e esse material será
enviado à Sagrada Congregação para a Causa do Santos, no Vaticano. Mito, Santo ou homem
Pio Giannotti é um personagem de grande destaque na historia do Nordeste. Na época de suas
missões sua presença causava comoção nas cidades. Dividia opiniões entre alguns, devido a
imaginação popular. Uns tinham medo, receosos das pragas que o Frei pudesse lançar, outros
vinham a procura de suas “Santas mãos” para curar doenças, entre outras providencias, que
vindo de santo como ele, era certa a graça. Em conseqüência dessa mística em torno do Frei
cordelistas não perderam a oportunidade de escrever sobre “ O Santo as Missões”
“Pode muito bem ser que as esperanças para o futuro da humanidade dependam mais dos místicos e visionários que dos cientistas”(NIETZSCHE, ano, p. - apud COSTA 1994, p. 34)
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS
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ANEXO A -– Frei Damião em visita à cidade de Aliança
Foto mostra Frei Damião sendo recebido pelo ex-Prefeito José Frederico, por ocasião de sua festiva visita a cidade de Aliança.
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ANEXO B - Romaria à São Joaquim do Monte
Romaria até a pequena de cidade de São Joaquim do Monte, a 132 quilômetros do Recife, no Agreste, para pagar promessas ao frade.
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ANEXO C - Estátua do Frei em Guarabira
Estátua de Frei Damião localizada na cidade de Guarabira / PB.
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ANEXO D - O Frei recebendo o título de Cidadão Pernambucano
Na Assembléia Legislativa, em 1977 Frei Damião recebe o título de Cidadão Pernambucano.
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ANEXO E - Nilo Coelho e Frei Damião
Nilo Coelho e Frei Damião
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ANEXO F
Romaria de Frei Damião no mês de maio -
Convento de São Félix de Cantalice no bairro do Pina - Recife / PE.
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ANEXO G
Tumulo de Frei Damião no Convento de São Félix de Cantalice
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ANEXO H
Leito de Frei Damião doado pelo hospital Português.
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ANEXO I
Estatua de Frei Damião – Convento de São Félix de Cantalice
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ANEXO J
Documento para abertura da causa de canonização de Frei Damião