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Universidade de Brasília Centro De Excelência Em Turismo Programa de Pós Graduação em Turismo Mestrado Profissional em Turismo Hospitalidade na oferta de bens e serviços em alimentação ao turista com restrição alimentar Brasília 2015

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Universidade de Brasília Centro De Excelência Em Turismo

Programa de Pós Graduação em Turismo Mestrado Profissional em Turismo

Hospitalidade na oferta de bens e serviços em alimentação ao

turista com restrição alimentar

Brasília 2015

Universidade de Brasília Centro De Excelência Em Turismo

Programa de Pós Graduação em Turismo Mestrado Profissional em Turismo

NÁDIA LÚCIA ALMEIDA NUNES

Hospitalidade na oferta de bens e serviços em alimentação ao

turista com restrição alimentar

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Turismo da Universidade de Brasília, na linha de pesquisa de Desenvolvimento, Políticas Públicas e Gestão no Turismo, como requisito parcial para obtenção do título de mestre. Orientador: Professor Doutor Luiz Carlos Spiller Pena.

Brasília 2015

Universidade de Brasília Centro De Excelência Em Turismo

Programa de Pós Graduação em Turismo Mestrado Profissional em Turismo

Dissertação de autoria de Nádia Lúcia Almeida Nunes, intitulada „A Hospitalidade na

Oferta de Bens e Serviços em Alimentação ao Turista com Restrição Alimentar‟,

submetida ao Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília, como

parte dos requisitos necessários para obtenção do grau de Mestre em Turismo, em

07//07/2015, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada.

_____________________________________________

Orientador Dr. Luiz Carlos Spiller Pena Universidade de Brasília

___________________________________________________

Professora Dr. Iara Lúcia Gomes Brasileiro Universidade de Brasília

_____________________________________________________

Professora Dr. Lana Magaly Pires Universidade de Brasília

Dedico esta dissertação aos meus pais, Nadilce e Francisco, ao meu marido Luis, e especialmente a minha Alice.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiro a Deus por ter me guiado com força e coragem até o final desta

caminhada, sempre ao meu lado com seu amor.

Aos meus pais, Nadilce e Francisco, sempre exemplos de vida, de profissionalismo

e de amor incondicional. Mãe, obrigada por cada palavra de incentivo, acreditando sempre

em mim, obrigada pela dedicação, amizade e amor. Pai, nas minhas memórias seu amor e

companheirismo estão sempre presente, obrigada por sempre ter me guiado no caminho do

bem e do amor. Essa conquista também é de vocês!

Aos melhores amigos de uma vida, meus três irmãos, César, Vinicius e Anamaria,

sempre ao meu lado em todos os momentos.

Ao meu marido que mesmo nos meus momentos de estresse e cansaço tinha

sempre um gesto de amor e uma palavra de apoio e incentivo às minhas escolhas, obrigada

por estar sempre ao meu lado, amo você!

A família do meu marido e minha segunda família sempre ao meu lado com muito

carinho.

As amigas que sempre incentivaram essa caminhada, Glenda, Sâmara e Gabrielly,

obrigada pelo carinho e apoio.

Ao meu Orientador, Prof Dr Luiz Spiller, obrigada pelo apoio e por seguir ao meu

lado nesta caminhada.

À querida, Profa. Dra. Iara Brasileiro que sempre me incentivou com seus conselhos

e palavra amiga e acima de tudo exemplo de ser humano e profissional.

A querida amiga e professora Alessandra Santos dos Santos que foi peça essencial

para iniciar este sonho, obrigada pelo apoio e carinho.

Meu obrigada a todos os amigos do CET que me apoiaram independente do volume

de trabalho paralelo a está dissertação, em especial a professora Lana, ao professor Neio,

professora Ana Rosa, aos amigos do PEHEG, aos colaboradores Cristina, Luiz Lucena e

Tatielle.

Aos colegas de mestrado, crescemos juntos!

Por fim a todos os amigos e familiares que durante esta trajetória me proporcionaram

momentos de alegria mesmo que o tempo não fosse suficiente para estamos fisicamente

juntos!

O meu obrigada repleto de carinho a todos que de alguma forma fizeram parte desta

caminhada!

Se, na verdade, não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas participar de práticas com ela coerentes.

Paulo Freire

RESUMO

Um dos desafios da oferta de alimentos e bebidas (A&B) para viajantes turistas é não somente garantir uma alimentação atrativa e gostosa, mas agregar qualidade de vida e saúde como benefícios, possibilitando aos turistas com restrição alimentar conforto e acesso seguro aos alimentos, característica do “bem receber” da hospitalidade. Contudo, a incerteza de ser atendido em suas necessidades alimentares pode gerar insegurança e desmotivar o turista, já que algumas pessoas, quando em viagem, tornam-se mais vulneráveis em relação à alimentação, uma vez que nem sempre o que está disponível permite opção de escolha dentro das suas necessidades e restrições, podendo trazer sérios danos à saúde em decorrência da mudança na rotina alimentar. A prática da hospitalidade em turismo pode agregar maior qualidade ao setor de alimentos e bebidas, contribuindo para a redução dos efeitos de uma inospitalidade quase sempre danosa para o público com necessidades especiais durante suas viagens. Este estudo objetiva contribuir para a compreensão acerca da relação existente entre a hospitalidade, turismo e oferta de A&B, adotando como ponto de reflexão a regulamentação (politicas públicas) existente e a necessidade de qualificação profissional para atendimento do público com as restrições alimentares. A construção deste estudo foi partir de referências coletadas em pesquisa bibliográfica sobre a complexidade que envolve os temas centrais. Em seguida, através de uma breve pesquisa documental, sobre a oferta de A&B, nos desjejuns dos meios de hospedagem de Brasília, para o publico com as restrições alimentares: Doença Celíaca e Intolerância a Lactose. Os resultados revelam que a maioria dos hotéis analisados oferece em seu desjejum algum alimento que possa ser consumido pelas pessoas com restrições alimentares abordadas nessa pesquisa. Contudo, a maioria dos hotéis desconhece essa informação e desta forma não pode assegurar que haja oferta, impossibilitando também a divulgação deste serviço diferenciado. Como resultado da reflexão, espera-se que os setores turismo/alimentação/hotelaria possam colocar em prática as políticas públicas existentes e propor a criação de novas, já que se percebe a necessidade de um olhar atento ao publico com restrição alimentar, onde nota-se falha na qualificação profissional destas áreas. Portanto, existe a necessidade da oferta de um serviço hospitaleiro que garanta segurança e conforto ao publico com restrição alimentar.

Palavras-chave: Turismo, Alimentação, Doença Celíaca, Intolerância a Lactose, Hospitalidade

ABSTRACT

One challenge of food and beverages (F&B) offer for tourist travelers is not only ensure attractive and tasty food, but add quality of life and health as benefits, enabling comfort and secure access to food for tourists with food restriction, the “welcoming” hospitality characteristic. However, the uncertainty of being attended to their dietary requirements can cause insecurity and discouraging tourists, since some people become more vulnerable in relation to food when traveling, because what's available not always allows the tourist to make a choice between the options according to its needs and restrictions, causing serious health problems due to eating routine changes. The practice of tourism hospitality can add more quality to food and beverages (F&B) sector, helping in reducing the effects of inhospitality almost always harmful to people with special needs during their travels. This study aims to contribute for the comprehension adopting as a point of reflection the existing regulation (public policies) and the need of professional qualification for customer service, focusing on people with food restrictions. The construction of this study started from references found in bibliographic research about the complexity that involves those central themes. Then, through a brief documentary research, about food and beverages (F&B) offered in breakfasts provided by lodging facilities in Brasilia (Brazilian Capital), to people with food restriction as Celiac Disease and Lactose Intolerance. The results showed that most of the hotels analyzed offer some products at breakfast that can be consumed by people with food restrictions approached in this research. Although, most of the hotels didn‟t know this information, meaning that they can‟t ensure the offer, also disallowing the divulgation of this differentiated service. As a result of the reflection, it is expected that tourism/food/hospitality sectors can put into practice the existing public policies and propose the creation of new ones, since there is a need of a cautious look at people with food restrictions because it can be noticed that there is a flaw in professional qualification of those areas (tourism/food/hospitality). Therefore, there is a need of the offer of hospitable service that ensures safety and comfort to the public with food restriction.

Keywords: Tourism, Food, Celiac Disease, Lactose Intolerance, Hospitality

LISTA DE SIGLAS

A&B – Alimentos e bebidas

DC – Doença Celíaca

IL – Intolerância a Lactose

ACELBRA - Associação dos Celíacos do Brasil

FENACELBRA – Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil

SGNC – Sensibilidade ao Glúten não Celíaco

DHAA – Direito Humano a Alimentação Adequada

SUS – Sistema Único de Saúde

PNAN – Política Nacional de Alimentação e Nutrição

OMS – Organização Mundial de Saúde

SHN – Setor Hoteleiro Norte

SNS – Setor Hoteleiro Sul

SIPEC – Sistema de Pessoa Civil da Administração Federal

LISTA DE FIGURAS E QUADROS

Figura 1 Cartão para celíaco apresentar nos restaurantes............................. 31

Figura 2 A rede turística e de Hospitalidade.................................................... 37

Figura 3 Mistura para bolo com indicativo “Contém Glúten” conforme legislação...........................................................................................

44

Figura 4 Massa Alimentícia de arroz – macarrão com inscrição “Não contém glúten” conforme legislação...............................................................

45

Figura 5 Produto alimentício sem indicação de “Contém ou Não Contém” lactose................................................................................................

46

Figura 6 Produto alimentício com indicações de “Não contém Lactose”, “Não contém Glúten” e “Contém Glicose”.........................................

47

Figura 7 Plano Piloto de Brasília – DF, identificando o Setor Hoteleiro Norte e o Setor Hoteleiro Sul.......................................................................

51

Figura 8 Capa do Guia “Hospitalidade: Guia para profissionais operacionais”.....................................................................................

59

Quadro 1 Informações obtidas nos cardápios dos desjejuns ofertados pela rede hoteleira de Brasília-DF e sobre a disponibilidade em ofertar alimentos fora do planejamento habitual dos desjejuns....................

52

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 13

2. O TURISMO E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO ..................................... 18

2.1 Restrições Alimentares: Doença Celíaca e Intolerância a Lactose, o que são e

Porque Relacionar com o Turismo ......................................................................... 26

3. HOSPITALIDADE ............................................................................................... 33

3.1 A Estreita Relação entre Hospitalidade e a Oferta de A&B aos Turistas com

Restrições Alimentares .......................................................................................... 40

4. ANALISE DA OFERTA DE A&B EM DESJEJUNS DE HOTÉIS DE BRASÍLIA-

DF, CONSIDERANDO A DOENÇA CELÍACA E A INTOLERÂNCIA A LACTOSE ... 50

5. QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E REGULAMENTAÇÃO .............................. 57

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 63

REFERÊNCIA ................................................................................................. 65

Anexo 1 - Lei federal n° 8543 (contém Glúten) ............................................... 71

Anexo 2 - Resolução nº 259 (Rótulos) ............................................................ 72

Anexo 3 - Lei Federal nº 10.674 ..................................................................... 73

Anexo 4 - Portaria Nº 307 - REPUBLICAÇÃO ................................................ 74

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1. INTRODUÇÃO

Um dos desafios da oferta de alimentos e bebidas (A&B) para viajantes

turistas é não somente proporcionar uma alimentação atrativa e saborosa, mas

agregar qualidade de vida e saúde. Garantindo conforto e segurança ao público com

restrição alimentar ao possibilitar-lhe o acesso a alimentos seguros1, ou seja,

alimentos que não causem danos à saúde física e à saúde psíquica, mas que

também assegure o sabor e qualidades sensoriais adequadas as preparações

disponíveis.

Para o fenômeno do turismo essa questão assume um duplo e importante

papel, uma vez que, por um lado, tais atividades estão diretamente relacionadas aos

setores que ofertam bens e serviços em alimentação, e, de outro, ao exercício da

condição hospitaleira ou de hospitalidade. Contudo, o receber bem, especialmente

as necessidades especiais diferentes das convencionais, nem sempre faz parte da

prática dos estabelecimentos que ofertam os serviços de alimentos e bebidas

consumidos pelo turista.

O foco da presente pesquisa é voltado à oferta de bens e serviços de A&B,

tomando como cenário os turistas com intolerância a lactose (IL) e/ou doença

celíaca (DC), por serem patologias/restrições alimentares que limitam o acesso a

ingredientes e preparações comuns do dia a dia, onde os alimentos permitidos, ou

seja, os alimentos seguros são considerados geralmente incomuns na oferta.

O celíaco apresenta intolerância ao glúten, substancia presente no trigo, na

aveia, no centeio, no malte e na cevada, necessitando ter o consumo restrito de

alimentos como pães, tortas e bolos, assim como os alimentos integrais, que tem na

sua constituição algum dos ingredientes que contém glúten, o mais comum nestes

casos é o trigo. Já o indivíduo que possui intolerância a lactose não deve consumir

preparados com leite e derivados, e desta forma, assim como na DC, os alimentos

comuns no café da manhã dos hotéis, como leites, queijos, iogurtes, bolos, pães,

biscoitos não podem ser consumidos por hóspedes que possuem tais restrições.

1 Por alimento seguro entendemos qualquer um dos preparados que não causem danos ou transtornos ao

consumidor que o ingere, aqui, especialmente, que atendam ás necessidades alimentares do público que possui Doença Celíaca ou Intolerância a Lactose.

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Como podemos observar as duas restrições alimentares são de difícil controle

por se tratarem de restrições a alimentos comuns no consumo da população

brasileira, envoltos de símbolos (memória, afeto, família...) e significados culturais.

O tema da alimentação, segundo Mariz (2012), é instigante devido à

essencialidade do alimento à vida, para além da necessidade fisiológica, e, portanto,

se torna objeto de interesse para investigação em diferentes campos de

conhecimento. Percorrendo gerações e cultivada na história de muitos países, a

comida é cultuada por seu cheiro e sabor, por suas relações sociais e culturais, e

pelas suas tradições e significados, diretamente relacionada com o “bem receber” da

hospitalidade.

A alimentação não é algo simples, e, na sua complexidade significa mais do

que responder a uma satisfação ou necessidade biológica indispensável à vida. Ela

é uma das grandes bases culturais de um povo (MACIEL e GOMBERG, 2007).

Desta forma, as dietas restritas, especialmente as com restrição de glúten e lactose

são naturalmente de difícil controle, especialmente por essa questão cultural, já que

fazem parte do cotidiano e do hábito das famílias (pães, bolos, leite, queijos e

alimentos com trigo e leite), e também pelo difícil acesso e identificação na oferta de

alimentos não danosos (pães e bolos isentos de trigo, e isentos de leite, por

exemplo).

Assim, seja para famílias que recebem convidados ou para os

estabelecimentos que ofertam serviços de alimentação e bebidas a garantia do

alimento seguro torna-se um desafio. Esse desafio é ainda maior quando a pessoa

que apresenta a restrição alimentar está desfrutando de viagens, distante da sua

rotina, do conforto do seu lar e dos estabelecimentos que ofertam A&B conhecidos,

assim sem conhecer a procedência dos alimentos ou ter a garantia da possibilidade

do alimento seguro, o turista pode ter uma experiência turística insatisfatória em sua

viagem. Destarte, o local que investe em propaganda e marketing para informar aos

clientes que o estabelecimento oferta alimentos sem glúten e sem lactose, torna-se

uma opção em potencial para aqueles que possuem estas necessidades especiais.

Contudo, a incerteza de ser atendido em suas necessidades alimentares pode

gerar insegurança ao turista, e ocasionar desmotivação para a realização das

viagens turísticas. Algumas pessoas, quando em viagem, tornam-se mais

vulneráveis em relação à alimentação, uma vez que nem sempre o que está

disponível permite opção de escolha dentro das suas necessidades e restrições,

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podendo agravar seu estado de saúde e nutrição e produzir danos à saúde em

decorrência da mudança na rotina alimentar.

É importante destacar que as melhorias nas condições de saúde mundial

aumentam a expectativa de vida da população, avançando em tratamentos e

medicamentos para a garantia do bem estar e da vida em sociedade, o que também

impacta no turismo já que ao cuidar mais da saúde, as pessoas passam a procurar

estratégias de lazer e de aproveitamento do tempo livre, em busca por destinos

turísticos que agreguem bem estar e qualidade de vida.

Ao considerar que o turista espera ser atendido em suas necessidades

durante as viagens, a prática da hospitalidade em relação ao fenômeno do turismo

assume importância objetiva em relação à alimentação, já que está estreitamente

relacionada à qualidade de vida e aumento da expectativa de vida da população. Por

outro lado, a hospitalidade carrega a dimensão subjetiva no como esse encontro se

realiza, entre aquele que necessita de cuidados especiais, e que muitas vezes

desconhece sua precisão, e aquele que o recebe, onde se espera um atendimento

ao turista baseado na cordialidade, na atenção que torna o estrangeiro “alguém de

casa”, devendo trazer conforto e confiança a fim de minimizar qualquer tipo de dano.

Para tal, é necessário readequação e qualificação na oferta dos serviços de A e B

para a garantia de um atendimento ao turista, seja ele convencional ou que

apresente alguma necessidade especial, que proporcione segurança e uma vivencia

turística plena.

A prática da hospitalidade em turismo em um sentido amplo pode agregar

maior qualidade à oferta de bens e serviços em alimentação, contribuindo para a

redução dos efeitos de uma possível inospitalidade quase sempre danosa para o

público com necessidades especiais durante suas viagens.

O Turismo assume importante papel para a alimentação, disponibilizando e

preparando „o onde‟, „o que‟, e „o como‟ nos alimentamos, Sampaio (2009) afirma

que grande parte da experiência turística é vivida entre comer ou a beber, ou ainda,

decidindo o que e onde comer.

A hospitalidade assume importante papel na oferta de serviços de A&B em

turismo, onde o cuidado com a alimentação deve fazer da viagem um momento de

prazer, um momento único para se conhecer a cultura local, experimentar novos

sabores, com recordações significativas e sem proporcionar danos à saúde ou

provocar uma vivencia negativa da experiência turística.

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Toda prestação de serviço, inclusive os desjejuns em meios de hospedagem,

representam uma prestação de serviço que envolve trocas essenciais à

hospitalidade, em busca pelo melhor receber/hospedar, incluindo aqueles com

alguma necessidade especial, neste estudo os turistas com DC e IL. Logo, o melhor

receber/hospedar envolve uma preparação que se dá desde as suas qualidades

objetivas, como um prisma de identificação do alimento a ser consumido, até a

qualificação profissional para tornar o que é especial em comum no dia a dia do

desjejum dos hotéis. Há uma necessidade de qualificação profissional, tanto para

preparar a oferta quanto para os prestadores de serviços, para atender tanto o

público com alguma necessidade especial, quanto o público convencional,

garantindo assim a inclusão de todos no mesmo espaço, sem segmentar a oferta e

por consequência a exclusão do convívio social aqueles com alguma necessidade

diferente dos padrões convencionais.

Este estudo objetiva contribuir para a compreensão acerca da relação

existente entre a hospitalidade, turismo e oferta de A&B.

Como objetivos específicos, tomaremos como pontos de reflexão a

regulamentação (politicas públicas) e a qualificação profissional para atendimento do

público com as restrições alimentares Doença Celíaca e Intolerância a Lactose.

A proposta de construção da dissertação acontece, primeiramente, a partir de

uma reflexão baseada em obras de referência coletadas em pesquisa bibliográfica

sobre a complexidade que envolve turismo, hospitalidade, oferta de A&B e as

restrições alimentares: Doença Celíaca e Intolerância a Lactose.

Em seguida, através de uma breve pesquisa documental, foi realizada uma

analise da oferta de A&B, considerando como cenário o desjejum dos meios de

hospedagem do setor hoteleiro do plano piloto de Brasília, para o público com as

restrições alimentares: Intolerância ao Glúten e Intolerância a Lactose.

A pesquisa aconteceu em dois momentos, no primeiro foi analisada nos

endereços eletrônicos dos hotéis em destaque, a presença ou não de informações

sobre os desjejuns e sobre a oferta/atendimento as restrições alimentares DC e IL.

No segundo momento, através de uma entrevista virtual, foram enviadas algumas

solicitações e pergunta direcionada por e-mail, aos mesmos hotéis observados

anteriormente, produzindo alguns dados qualitativos e quantitativos para análise e

interpretação sobre a oferta de A&B, nos desjejuns ofertados nos hotéis do setor

hoteleiro norte e sul de Brasília-DF.

17

A análise documental favorece a observação do processo de evolução de

indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, práticas e outros

(CELLARD, 2008). É uma técnica importante para as ciências sociais e humanas,

sendo as fontes, escritas ou não, a base do trabalho de investigação. Constitui uma

técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações

obtidas por outras técnicas, seja esclarecendo aspectos novos de um tema (LUDKE

e ANDRE, 1986).

Desta forma, espera-se que os resultados deste estudo possam ser utilizados

para conhecer as politicas publicas existentes e também propor a criação de novas

regulamentações que contemplem os consumidores com DC e IL. E ainda, que

subsidie a reflexão dos setores turismo/alimentação/hotelaria, no incentivo a

qualificação profissional e adequação da oferta de alimentos e bebidas para o

atendimento das restrições alimentares, promovendo uma hospitalidade comercial

humanizada aos consumidores.

18

2. O TURISMO E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO

Ao viajar, o turista procura cada vez mais conhecer os aspectos da

gastronomia local do destino escolhido, buscando uma aproximação com a

identidade da região/comunidade visitada. Para Almeida e Hostins (2011), no

desenvolvimento do turismo da atualidade, dois fenômenos se evidenciam: a

crescente preocupação com a qualidade da alimentação e a consolidação da

gastronomia como patrimônio cultural e produto turístico. A comida possibilita uma

viagem na identidade local, onde a descoberta de novos sabores propicia também a

descoberta de novas culturas.

De acordo com Gimenes (2012), a alimentação é uma prática cultural

cotidiana, que carrega múltiplos significados e valores, possibilita a construção da

memória gustativa, através dos sabores, cheiros, sons e do tato. A memória como

um processo dinâmico da própria rememorização, ligado às questões de identidade,

não apenas uma busca de sensações e sabores do passado, mas sim a

reconstituição e vivencia deste passado de gostos.

Há hoje uma obsessão pela historia da mesa, fazendo com que a

gastronomia saia da cozinha e passe a ser objeto de estudo, através do imaginário,

do simbólico, da representação da sociedade. As cozinhas locais, regionais,

nacionais, e internacionais são produtos da miscigenação cultural, fazendo com que

a s culinárias revelem vestígios das trocas culturais (SANTOS, 2004).

Isto porque o alimento participa ativamente do nosso desenvolvimento físico e

emocional, tanto por fazer parte da nossa existência desde o nascimento, quanto

porque em uma mesa junto à família, aprendemos a compartilhar, socializar e

saborear novos alimentos, repletos de significados que constroem a nossa

identidade, assim o turismo assume importante papel para a construção da

identidade e da memória gustativa, considerando que uma parcela significativa da

experiência turística é vivida durante a alimentação.

O turismo é uma atividade econômica que mobiliza pessoas, espaços,

recursos e diversos setores que a complementam. Os serviços de alimentação são

indispensáveis ao turismo, sejam os restaurantes, cafés, lanchonetes, bares, seja

nos meios de hospedagem que ofertam os desjejuns e/ou almoço e jantar. Ao viajar

19

é necessário que o turista se alimente, já que a alimentação é uma ação inerente à

vida.

Assim, ao pensar o turismo temos também que pensar na alimentação que

deve ser ofertada aos turistas e qual o perfil do público esperado, pois segundo

Cascudo (2011), a refeição é como uma cerimonia, que merece a devida atenção

em todos os momentos.

Inútil pensar que o alimento contenha apenas os elementos indispensáveis à nutrição. Contem substâncias imponderáveis e decisivas para o espirito, alegria, disposição criadora, bom humor (CASCUDO, 2011, p. 348).

A alimentação diferencia-se em cada cultura, e essa diferenciação se dá por

vários aspectos, como o clima, o solo, produção agrícola, tradições locais, rituais e

folclore. O homem cozinha de acordo com o que lhe é ofertado pelo meio ambiente

em que vive. É possível que através da cozinha se possa reconhecer culturas,

religiões, acontecimentos, épocas, etc. A cozinha é um símbolo cultural, é memória,

e principalmente patrimônio cultural de qualquer grupo social. O reconhecimento da

cozinha como Patrimônio da Cultura imaterial de um povo chama atenção para a

gastronomia como elemento decisivo na determinação da relação entre turismo e

alimentação (SCHLUTER, 2006).

Atualmente há uma crescente demanda dos turistas por produtos identitários,

o que torna a comida um dos componentes centrais da escolha do visitante por

determinado destino turístico, ela constitui-se como expressão das identidades

locais, que o turista reconhece e consome (BEBER e MENASCHE, 2011).

Cada vez mais urge a busca por novas propostas para o mercado turístico,

em decorrência da exigência dos consumidores por algo personalizado e

direcionado. Assim, o setor de alimentação e bebidas, se torna um diferencial,

especialmente por agregar a cultura local como atrativo comercial e turístico. A

concorrência é um dos fatores determinantes para a segmentação do mercado

turístico, buscando diferenças que garantam uma clientela identificada com seus

produtos.

Especialmente para turistas com restrição ao consumo de determinados

alimentos, como os que contêm glúten e lactose, a concorrência e a oferta do

20

alimento diferenciado, seguro e de qualidade agrega na no momento de viagem

deste público, além de inclui-lo na experiência de novos sabores da cultura local.

Nesta dissertação, ao abordar a oferta de serviços em A&B, pretende-se

direcionar a reflexão para a qualidade especialmente no atendimento universal, ou

seja, que atenda a todos os públicos (com ou sem restrições alimentares) no mesmo

espaço físico, evitando limitar essa oferta a um restaurante especifico que atenda

somente a determinada restrição, ou a um ambiente especifico, dentro dos

restaurantes, reservado a pessoas com restrições alimentares. Essa abordagem

busca refletir sobre a garantia do acesso sem exclusão e da vivencia plena do

turismo, impedindo que a experiência turística seja colocada em risco por algum

constrangimento nos serviços de alimentação e bebidas.

O processo de segmentação voltado para os turistas com restrições

alimentares significa considerar que os consumidores não possam ser encarados

como idênticos, no entanto apresentam algumas similaridades em termos do que

esperam de um produto turístico que devem ser mensuradas e consideradas.

Não apenas as viagens motivadas por lazer, mas também por outras causas

foram incorporadas ao que se chamou de sistema turístico, onde os serviços que

dão suporte às viagens são identificados como atividades turísticas (PAIVA, 1995).

Desta forma, os serviços A e B são atividades turísticas e precisam estar em estreito

relacionamento com o turismo, suas instancias e suas politicas.

O turismo consiste numa atividade econômica em franco processo de

desenvolvimento a nível mundial e que apresenta uma grande capacidade de gerar

empregos e divisas de forma direta e indireta, representando um dos principais

meios de lazer e de promoção do intercâmbio cultural entre os povos.

O desempenho do setor turístico é sensível e influenciável pelas políticas

públicas adotadas pelas esferas de governo nos níveis federal, estadual e municipal.

A presença do Estado exercendo algum tipo de interferência sobre a atividade

turística pode ser notada em três graus distintos: a) na política econômica definida

para o país; b) na infra-estrutura e nos serviços postos à disposição; c) nas medidas

específicas adotadas para o setor turístico (LIMA & SIMSON, 2010).

Segundo Krippendorf (1989), o turismo pode contribuir para a construção de

uma sociedade mais humana, para uma vida melhor, com qualidade, que agrega a

humanização da nossa vida cotidiana, onde ao viajar em direção a novos horizontes

e oportunidades, ganhamos a oportunidade de experimentar a liberdade, a

21

compreensão, a reciprocidade e a solidariedade sem esquecer do cotidiano e do

local para qual se deve voltar.

Moesch (2002) afirma que o desenvolvimento da sociedade e do turismo

caminha lado a lado, porque o turismo é uma prática social e como tal ocorre de

acordo com um dado momento histórico.

O turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviço, em cuja composição integram-se uma prática social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico (MOESCH, 2002, p. 9).

Para Cooper et al (2007), a visão tradicional do produto turístico tem sido

associada à economia e baseada nas relações de troca culturais, ambientais,

sociopolíticas, econômicas e tecnológicas, e mais recentemente baseada em

relacionamentos e na cocriação de valor e reconhecimento dos produtos

impalpáveis, especialmente a qualidade no serviço oferecido.

Hoje, o turismo é um fenômeno social bastante diversificado e complexo,

dentro do qual estão muitos atributos que constituem as motivações turísticas para

as mais diversas faixas etárias e grupos sociais. Segundo Beni (2001) “o mais

importante meio para segmentar o mercado é o motivo da viagem”, onde

percebemos que a segmentação do turismo é discutida como ferramenta para o

estudo de mercado, para se conhecer qual o público alvo e quais são suas

necessidades e expectativas para vivenciar este momento.

O turismo enquanto prática social permite a realização de desejos da

imaginação projetiva, e junto a essa teia de subjetividades, o fenômeno turístico é

constituído de valor econômico, expresso pelos bens e serviços produzidos e

consumidos nas localidades visitadas, com objetivo de atender aos desejos e

necessidades dos turistas (NOVAES, 2012), como o desejo de ser atendido nas

suas necessidades alimentares durante a viagem.

A sociedade coloca a nossa disposição à indústria do lazer, assumindo um

papel de amiga e ate conselheira, e assim o tempo livre torna-se uma indústria.

Viajamos para reconstruir as forças físicas e mentais, recarregando nossa energia

22

para retornar a vida cotidiana (KRIPPENDORF, 1989), proporcionando qualidade de

vida e melhores condições de saúde.

Para “reconstruir nossas forças”, conforme afirma Krippendorf, é preciso

vivenciar de forma plena e satisfatória a viagem, o que inclui ser recebido e atendido

nas necessidades e expectativas individuais ou coletivas de um grupo, em que para

obter o sucesso do “bem receber” a hospitalidade é o grande diferencial,

proporcionando ao turista uma boa estadia e um bom retorno a sua origem.

Segundo Lashley e Morrison (2004), ao levantar essa questão é preciso considerar

os dois principais elementos da hospitalidade, os alimentos e a honra.

Certamente na boca começa o coração. É justamente na boca, apoiada pelo sentido da visão, do olfato, da audição e do tato que a comida é integralmente entendida, assimilada e cerimonialmente integrada ao corpo. Comer é antes de tudo simbólico e tradutor de sinais, de reconhecimento formais, de cores, de texturas, de temperaturas e de estéticas, pois comer é um ato que une memória, desejo, fome, significados, sociabilidades, ritualidades que dizem da pessoa que ingere os alimentos (LODY, 2006, p. 20).

Afinal, ritualmente o bem receber pode ser associado a uma mesa com

disposição de vários sabores e fartura, repleta de alimentos que simbolizam a

cultura local, os hábitos e tradições de quem recebe.

Os atos relacionados com a hospitalidade consolidam estruturas de relações,

afirmando-as simbólica, ou estruturalmente transformativas, já que a hospitalidade

transforma estranhos em conhecidos, inimigos em amigos, amigos em melhores

amigos, forasteiros em pessoas intimas, não parentes em parentes, e esses

princípios ganham expressão em descrições etnográficas de uma variedade de

sistemas sociais (LASHLEY e MORRISON, 2004).

Segundo Paula (2002), a hospitalidade é vista como uma indústria do turismo,

composta de hotéis e de serviços de alimentação, do ponto de vista do marketing,

voltada para a produção de serviços e produtos que satisfaçam a demanda por

acomodação, alimento e bebida fora do lar.

O tema alimentação vem estimulando maior dialogo multi, inter e

transdisciplinar, que abrangem processos históricos, sociais, culturais, econômicos,

políticos, nutricionais, gastronômicos, antropológicos, e produto turístico, entre

tantas outras vertentes.

23

A alimentação é um objeto complexo, e sua abordagem é múltipla e

diversificada. Da fome à festa, passando pela religião, rituais, mitos, trabalho e

faixas etárias, múltiplas são as portas de acesso à comida em sua função social e

simbólica (MACIEL e GOMBERG, 2007), por isso é importante incluir as pessoas

com patologias que limitam a ingestão de alimentos nos espaços comuns.

Assim, quando se pensa em turismo é essencial falar da alimentação, já que

a experiência turística também acontece durante os momentos de alimentações no

decorrer das viagens, faz parte da cultura local. Carneiro (2003) afirma que o que se

come é tão importante quanto quando, onde, como e com quem se come.

A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a mais básica das necessidades humanas. Mas como “não só de pão vive o homem”, a alimentação, além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de significados sociais, políticos, éticos, estéticos, etc. (CARNEIRO, 2003, p. 1).

Assim, a Alimentação vem ao encontro da concepção de Turismo, que

também apresenta um complexo de ações sociais, politicas, éticas e estéticas. É

importante afirmar que a relação deve ser estreita entre estas duas áreas, pois elas

se complementam, na busca pela qualidade no atendimento e serviço ofertado, e

especialmente através da Hospitalidade, na inclusão dos turistas com restrição

alimentares, especialmente, no presente contexto, a Doença Celíaca e a Intolerância

a lactose.

Segundo Beni (2001), o mundo trouxe a atividade do turismo para o momento

crucial do seu desenvolvimento, onde questões qualitativas cada vez mais exigem

do setor, especialmente a realização de competitividade nos produtos, já que

estamos em um contexto de crescente preocupação com os impactos ambientais,

econômicos e sociais do turismo. O setor caracteriza-se pela supersegmentação da

demanda e a flexibilidade da oferta, onde atender as restrições alimentares deve

fazer parte deste contexto.

Ao pensar nas diversas patologias que restringem a alimentação, a

experiência turística pode ser transformada num verdadeiro martírio se o acesso aos

alimentos seguros for difícil, limitado, escasso ou mal sinalizado, ou ainda, se os

profissionais dos serviços de A e B não estiverem qualificados/preparados para lidar

com diferentes demandas e públicos, como no caso de clientes com restrições

alimentares. É importante afirmar que uma equipe de profissionais preparados para

24

atender ao público com necessidades especiais, de forma a garantir uma vivencia

turística e uma estadia segura e agradável, é essencial.

Para uma prática de turismo humanizada deve-se preocupar em ofertar

produtos universais que atendam a qualquer turista, incluindo aqueles com

restrições alimentares, minimizando ao máximo exclusão social daqueles que

possuem necessidades especiais.

Como já abordado, grande parte da vivencia/experiência turística se passa

nos momentos de alimentação, sejam os desjejuns nos hotéis, nos almoços e nos

jantares, conhecendo restaurantes e comidas regionais, nos cafés ou tantas outras

atrações e momentos gastronômicos. Contudo, como o turismo pode possibilitar

uma alimentação acessível para o público que apresenta restrições alimentares,

sem impactar negativamente na sua saúde e no seu bem estar?

No momento da escolha do local e dos alimentos a serem consumidos,

baseado nas preferencias e necessidades, o cardápio é um importante instrumento

para garantir a autonomia do turista, agregando em qualidade e segurança nas

viagens daqueles que possuem ou não restrições alimentares. O cardápio pode ser

o elemento mais importante para o sucesso de um restaurante, harmonizado ao

conceito do estabelecimento, que por sua vez deve basear-se nas expectativas de

um determinado público alvo (WALKER, 2002). Informações como os ingredientes

de uma preparação, devem estar presentes na descrição das preparações dos

cardápios. O acesso a informação poderá confortar o turista com restrição levando-o

a uma escolha segura dentro das suas possibilidades, além de evitar transtornos

tanto para o estabelecimento quanto para o cliente.

O crescimento do numero de consumidores preocupados com uma

alimentação saudável tem estimulado grande parte dos operadores de restaurantes

a fazer mudanças não somente nas seleções do cardápio, mas também em seus

métodos de preparação (WALKER, 2002). Tal prática ressalta a importância de

atender a todos os turistas, acompanhando as necessidades e mudanças do

mercado, o panorama de saúde e nutrição nacional e mundial, para que a oferta de

bens e serviços esteja condizente com cenário atual.

Ainda segundo Walker (2002) para o planejamento de qualquer cardápio é

fundamental levar em consideração as necessidades e os desejos da clientela em

detrimento das opiniões pessoais dos proprietários, do chef ou do gerente do

restaurante, o autor afirma que se foi determinado que existe um nicho no mercado

25

para um tipo de restaurante em particular, seu menu deve estar sincronizado com

essa demanda.

O alimento – sua cor, textura, aroma e sabor – remete o individuo às mais remotas lembranças de experiências e emoções positivas ou negativas vivenciadas em determinadas ocasiões que, dentro desse contexto, se coloca como de grande valor simbólico, intangível e de difícil aferição, uma vez que cada um apresenta experiências de vida impares e não quantificáveis (PAULA, 2002, p. 74).

Existem inúmeras patologias que limitam a alimentação, algumas mais

comentadas e ate mais assistidas, como diabetes (restrição de açúcar) e

hipertensão (restrição ao sal e a embutidos), e que apresenta mais facilidade para o

turista encontrar alimentos que irão substituir os convencionais, sem que isso traga

algum dano a sua saúde.

Por outro lado, existem também patologias como a doença de Parkinson que

apresenta limitações motoras para o ato de se alimentar, onde o movimento fica

comprometido. Para esses encontram-se no mercado produtos que facilitam e

minimizam os impactos motores durante o consumo alimentar, talheres adaptáveis

que são fáceis de serem encontrados pelo mercado hoteleiro e restaurantes, mas

que por falta de conhecimento ou formação profissional este público pode ficar

desassistido na sua necessidade especial. Logo, a qualificação do atendimento e do

serviço em alimentação e turismo agrega valor e promove uma oferta de qualidade.

Se o turista identificar estas vantagens na oferta de bens serviços, estes

estabelecimentos poderão ser mais procurados pelo público com necessidades

especiais em relação a alimentação, já que agregam qualidade de vida e bem estar

as viagens, garantindo um atendimento e uma estadia hospitaleira e feliz.

A abordagem da temática da hospitalidade passa, necessariamente, pelo

estudo das condutas alimentares, as quais são contextualizadas pelas crenças,

pelos valores e pelas estruturas sociais das diferentes sociedades, em cada época

(CASTELLI, 2010).

O ser humano, com o passar dos séculos, foi encontrando à mesa um dos

lugares e ocasiões mais propícios para o exercício da hospitalidade, que não deve

ser negado ao turista devido a uma necessidade alimentar especifica.

26

O prazer da mesa é o prazer que advém de várias circunstâncias, fatos, lugares, coisas e pessoas que acompanham a refeição. É prazer peculiar à espécie humana. Pressupõe cuidados com o preparo da refeição, com a arrumação do local onde será servida e com o número e tipo de convivas (FRANCO, 2001, p. 22).

Não é possível dissociar a alimentação do turismo, assim como a alimentação

da hospitalidade, são conceitos e ações que se misturam e se complementam para

ofertar um produto de qualidade durante as experiências de viagem, satisfazendo as

expectativas do turista.

Assim, o atendimento as diversas necessidades especiais é de suma

importância, para que o turista com necessidades especiais não seja considerado

como uma parcela ínfima e excluída do contexto, mas sim como parte do todo que

compõe a vivência plena do turismo (PAIVA, 1999).

2.1 Restrições Alimentares: Doença Celíaca e Intolerância a Lactose, o que são

e Porque Relacionar com o Turismo

O tema dietas com restrições ao glúten e a lactose está na moda, e é possível

encontra-los diariamente nos meios de comunicação, mas aqui dialogaremos sobre

as pessoas com as patologias intolerância ao glúten (Doença Celíaca) e intolerância

a lactose, onde o consumo de alimentos com estes componentes lesam o organismo

humano, e acarreta danos a saúde.

Temos como foco deste estudo os desjejuns dos hotéis, e considerando que

em viagens o turista mantém a necessidade de se alimentar, vale ressaltar que nos

hotéis o café da manhã é composto de muitos alimentos a base de glúten

(especialmente o trigo) e de lactose (alimentos produzidos com leite e derivados). A

seguir esclarecemos o que são essas intolerâncias, quais os riscos acarretam ao

organismo humano, e também a importância de qualificar, e até mesmo, adaptar a

oferta de serviços em A&B, como nos hotéis, quando necessário, para atender

satisfatoriamente a estas e outras necessidades especiais.

A Doença Celíaca (DC) é uma intolerância permanente ao glúten,

caracterizada por atrofia total ou subtotal da mucosa do intestino delgado proximal e

consequente má absorção de alimentos, em indivíduos geneticamente susceptíveis.

27

Essa atrofia pode ocasionar em doenças severas como o câncer e até mesmo levar

a morte (PENNA, 1991). A necessidade de esclarecer as causas e as manipulações

dietéticas necessárias para o tratamento da DC levou a criação da Associação de

Celíacos do Brasil - ACELBRA, da Federação Nacional das Associações de

Celíacos do Brasil – FENACELBRA, e de associações estaduais, onde são

disponibilizadas informações, espaço para trocas de experiências e receitas, e

organizados encontros e palestras.

O tratamento da Doença Celíaca consiste no consumo de uma dieta isenta de

glúten de forma permanente, devendo-se portanto excluir da dieta os alimentos que

contenham na sua composição: trigo, centeio, cevada, malte e aveia (PENNA, 1991;

SDEPANIAN, MORAES e FAGUNDES, 1999).

Segundo Sapone et al (2012), o trigo, o arroz, e o milho são os três grãos

mais consumidos no mundo, e o trigo especialmente é a cultura mais cultivada,

extremamente diversificada, com mais de 25000 diferentes espécies cultivadas

através de melhoramentos em todo o mundo. A grande maioria da produção mundial

do trigo é consumida depois de transformada em pão, ou outros produtos de

panificação, assim como bolos, biscoitos, tortas e macarrão, como hábito cultural.

A dieta do celíaco é especialmente de difícil controle por se tratar de uma

dieta livre de glúten de forma permanente, o que é um complicador diante do hábito

cultural da população de se alimentar de massas, pães e outros alimentos a base de

trigo.

De acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil

(FENACELBRA, 2013), uma das principais causas da restrição ao glúten é a doença

celíaca (DC), um processo inflamatório crônico que afeta o sistema autoimune do

organismo e que ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, pode-se

manifestar em qualquer fase da vida, com ou sem apresentar sintomas, quando

assintomática é mais difícil o diagnostico e tratamento. O sintoma mais comum é a

diarréia crônica onde as fezes apresentam características pálida, aquosa, volumosa

e fétida devido à má absorção de gordura. Além disso, o individuo com a doença

celíaca apresenta um comprometimento do estado nutricional e carências

vitamínicas múltiplas, podendo manifestar outros sintomas como a baixa estatura,

osteoporose, anemia, atraso puberal, hipoplasia do esmalte dentário, edemas,

artrites ou dores nas articulações, constipação intestinal e até dermatite

hepertiforme, os variados sintomas podem dificultar o diagnóstico da doença. Além

28

da DC, há a alergia ao trigo, e também casos de reações ao glúten no qual não há

mecanismos alérgicos ou autoimunes envolvidos, estes são geralmente definidos

como Sensibilidade ao Glúten Não Celíaca (SGNC).

A Doença celíaca pode ser considerada a intolerância alimentar mais comum

no mundo, e sua dieta tem caráter complexo e muito restritivo, pode apresentar um

custo elevado se comparado aos mesmos alimentos de uma dieta convencional,

tudo isso pode acarretar em dificuldades ao acesso e aquisição dos alimentos sem

glúten, condição que inflige o principio de Direito Humano a Alimentação Adequada

(DHAA) (NADAL et al, 2013).

O DHAA é o direito de acesso regular e permanente a alimentos de

qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras

necessidades essenciais, tendo como base as práticas alimentares promotoras de

saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental, cultural, econômica

e socialmente sustentável (ABRANDH, 2013). A dificuldade de acesso ao alimento

permitido leva o celíaco a uma permanente situação de Insegurança Alimentar e

Nutricional, podendo acarretar em problemas de saúde e de qualidade de vida.

Em viagem a condição de Insegurança Alimentar e Nutricional é mais

exacerbada, já que o celíaco sai do seu ambiente de conforto, onde conhece as

opções seguras para se alimentar e enfrenta na maioria das vezes o desconhecido.

Assim, se o turismo é um fenômeno diretamente relacionado ao bem estar e ao

prazer, pode, devido à insegurança alimentar, não ser atingido de forma plena.

Alimentos processados e industrializados como pães, bolos e biscoitos são na

maioria das vezes mais caros quando produzidos sem glúten, se comparado aos

convencionais com glúten, isso se deve ao maior custo da matéria prima, mas

também é muito influenciado pelo mercado e pelas mídias, devido aos modismos

alimentares das dietas sem glúten, o que superestima os valores destes alimentos.

Contudo há opções mais baratas que atendam as necessidades dos turistas com

restrição ao glúten (DC) e que não agregam maior custo aos hotéis em seus

desjejuns, como as frutas, os ovos mexidos, embutidos (presuntos), tapiocas, biju,

bolos e bolachas a base de milho e sucos, que inclusive são alimentos comuns na

maioria dos desjejuns dos hotéis.

A intolerância a lactose (IL) é também uma patologia que restringe a

alimentação, contudo não costuma ser tão grave como a Doença Celíaca. Segundo

o Ministério da saúde (2015), a intolerância a lactose é uma doença comum,

29

provocada pela incapacidade de digerir um açúcar encontrado no leite, a lactose,

que provoca sintomas gastrointestinais sempre que um alimento a base de leite é

consumido. Sintomas como diarreia, cólica abdominal, flatulência, náusea, vômito, e

abdômen distendido são comuns da intolerância a Lactose.

Assim como na DC, existem diferentes canais de comunicação que

conceituam e orientam a IL, porém não há associações e federações como na DC,

somente endereços eletrônicos que buscam esclarecer as duvidas do público com

intolerância a lactose e da comunidade em geral, onde também compartilham

experiências, receitas e divulgam eventos nesta temática, como exemplo o site

“www.semlactose.com” que traz informações com base em pesquisas cientificas e

estudos acadêmicos.

Usaremos o termo Intolerância a Lactose (IL) para as pessoas cujo organismo

não consegue digerir alimentos/produtos lácteos (leites e seus derivados), a

digestão não acontece porque não há produção a enzima lactase ou o organismo a

produz em quantidade insuficiente para digerir a lactose.

Assim como na DC, a Intolerância a Lactose esta presente em muitos

alimentos dos desjejuns da maioria dos hotéis, como leites, queijos, iogurtes,

alimentos processados com leite e derivados como pães, bolos, bolachas e

biscoitos, restringindo e limitando a alimentação do hospede.

Para os turistas com DC e IL, é importante que os alimentos estejam

identificados com os ingredientes que deles fazem parte, a identificação leva a

autonomia do hóspede. Esta informação pode ser disponibilizada ao turista de várias

maneiras como: funcionários qualificados para atender e esclarecer dúvidas de

diferentes demandas, através de identificação em cardápios, ou nos endereços

eletrônicos pela disponibilização do cardápio e demais informações, ou até na

própria identificação no alimento (em uma placa de acrílico, por exemplo) com

indicação de “Contém Gluten”, “Contem Lactose”. No Brasil, existem leis, resolução

e portaria que asseguram ao consumidor o acesso às informações nos alimentos

industrializados se contêm ou não o glúten.

Citaremos abaixo, algumas ferramentas e normas de cunho legal que dão

suporte ao estado para que as politicas públicas possam ser cumpridas, em

beneficio do público com Doença Celíaca. Em 1992, a lei federal n° 8543 de 23 de

dezembro deste ano (ANEXO 1), determinava a impressão de advertência em

rótulos e embalagens de alimentos industrializados que continham glúten, a fim de

30

evitar a doença celíaca ou síndrome celíaca. Dez anos depois, a Resolução n° 259

de 20 de setembro de 2002 (ANEXO 2), prevê nova rotulagem para alimentos com

glúten, através da aprovação do Regulamento Técnico para Rotulagem de Alimentos

e Bebidas Embalados que Contém Glúten, onde ainda se informa que “Se o portador

da Síndrome Celíaca ingerir inadvertidamente o glúten pode ter a superfície

intestinal destruída por anticorpos do próprio organismo”, esta proposta de

rotulagem da resolução 256 atendia a uma solicitação da Associação de Celíacos do

Brasil (Acelbra). Em 2003, a lei ° 10674 de 16 de maio (ANEXO 3) obriga que os

produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como

medida preventiva e de controle da doença celíaca, onde todos os alimentos

industrializados devem conter em seu rótulo e bula, obrigatoriamente, as inscrições

“contém Glúten” ou “não contém Glúten”, conforme o caso. Em 26 de maio de 2009

a Portaria n° 307 (ANEXO 4) aprova o „Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas

da Doença Celíaca‟, onde em Parágrafo único disciplina que

Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede, estabelecer os fluxos e definir os serviços de clinica medica, gastroenterologia ou pediatria para o atendimento dos doentes celíacos em todas as etapas descritas no anexo da portaria (BRASIL, 2009).

A política pública de saúde reforça a importância de proteger o celíaco, a fim

de evitar-lhes problemas de saúde e complicações oriundas da ingestão de

alimentos com glúten, já que o tratamento consiste exclusivamente em uma dieta

isenta de glúten, onde se deve excluir completamente da alimentação os alimentos

que contenham o trigo, o centeio, a cevada e a aveia por toda a vida.

A sociedade brasileira desencadeou no começo da década de oitenta um processo de debates, definição de conceitos, mobilização e implementação de políticas e medidas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), rumo ao Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Ao longo desses mais de vinte anos de história, o Brasil conseguiu com criatividade e ações multisetoriais incluir, aos poucos, o tema na agenda pública nacional. Em que pese a atuação do Poder Público ainda não ter cumprido todas as dimensões e princípios do DHAA, avanços indiscutíveis foram obtidos nesse período (VALENTE e BEGHIN, 2006, p 3).

31

Hoje ainda há necessidade de outras ações e ferramentas para que as

politicas públicas assegurem ao público com restrições alimentares o acesso a

alimentos seguros, que sejam especialmente direcionadas aos estabelecimentos

que ofertam alimentos processados no próprio local e não somente industrializados.

Mecanismos de regulação voltados para a discriminação dos ingredientes das

preparações servidas em restaurantes em geral, disponibilizando ao público os

ingredientes no próprio cardápio, e desta forma, proporcionando segurança

alimentar, empoderamento e autonomia ao cliente na escolha do que ira saborear.

Isto possibilitaria uma experiência sem traumas, já que o momento da alimentação

se torna seguro além de proporcionar uma vivencia plena em turismo com

recordações de conforto e prazer.

Korn (2013) traz em seu livro “Vivendo sem Glúten, para leigos” a ilustração

abaixo (Figura 01), que é um cartão que deve ser apresentado ao garçom, na qual

alerta ao funcionário que o cliente tem DC e o orienta do que é a restrição ao glúten,

e chama atenção para os alimentos permitidos e para os proibidos, a fim de ter uma

alimentação segura. Este também é um meio de se obter uma refeição segura e

tranquila, contudo o profissional precisa estar aberto a esta abordagem ou estar

qualificado para atender a este público.

Figura 1: Cartão para Celíaco apresentar nos restaurantes Fonte: Korn (2013)

32

Segundo Barreto (2014) quando o turista esta hospedado em hotéis, o café

da manhã é uma das principais refeições realizadas pelo hospede no hotel, e este

deve oferecer uma refeição saudável, atendendo a suas necessidades,

principalmente se ele apresenta alguma restrição alimentar, como a intolerância a

lactose a doença celíaca. Para a autora, quando falamos de restrições alimentares,

precisamos identificar se os alimentos oferecidos são seguros ao hospede, onde ele

possa tomar seu café da manhã e consumir os alimentos que estão no buffet sem

ter que perguntar aos funcionários do restaurante se o alimento contém ou não

glúten e lactose.

Através desta reflexão, sentimos a necessidade de se pensar em ampliar as

politicas públicas, e também ofertar qualificação profissional para atendimento às

necessidades especiais, particularmente às restrições alimentares. Muitas vezes

devido a modismos, como a “dieta sem glúten emagrece” podemos banalizar as

necessidades das pessoas com patologias graves como a DC que ao consumir

estes alimentos lesa seu organismo, podendo chegar a perder toda a absorção do

intestino e posteriormente ter complicações piores em decorrência destas lesões.

Assim, a hospitalidade seria um caminho para qualificar o atendimento a este

público?

33

3. HOSPITALIDADE

No capitulo anterior abordamos o turismo e sua estreita relação com a

alimentação, onde afirmamos que o enfoque deste estudo é proporcionar uma

reflexão em torno do atendimento hospitaleiro na oferta de bens e serviços de

alimentação, especialmente os desjejuns dos hotéis, para o turista com Doença

Celíaca e/ou intolerância a lactose, que são restrições alimentares severas em

decorrência de patologias.

Neste capitulo será abordado o conceito da hospitalidade, contudo daremos

ênfase à hospitalidade na oferta de serviços de A e B, com objetivo comercial de

bem receber o turista com ou sem restrição alimentar, garantindo o acesso a

alimentos seguros e desta forma uma hospedagem e experiência turística

prazerosa.

De acordo com Chon e Sparrowe (2014) a ideia de Hospitalidade surge em

épocas anteriores, a partir das evidencias históricas encontradas nos primeiros

centros da civilização, onde, por exemplo, as referencias bíblicas apontam para

tradição de lavar os pés dos hospedes, e os posteriores registros descrevem os

donos de hospedarias inglesas que recebiam os viajantes com uma caneca de

cerveja. Assim, eles afirmam que apesar do surgimento remoto, o conceito de

hospitalidade permaneceu o mesmo ao longo da história: satisfazer e servir os

hospedes.

Hospitalidade é uma palavra originária do latim hospitalitate que significa o ato

de hospedar, a qualidade de quem é hospitaleiro, alojando gratuitamente alguém.

Quando buscamos pelo conceito de “hospitalidade”, obtemos em vários dicionários

de língua portuguesa, mas também na francesa e na inglesa, a concepção de

“encontro feliz”.

Contudo, o bem receber deve ser sempre gratuito para se permitir ser

conceituado como hospitalidade? Um hotel, um restaurante ou uma agencia de

viagem não poderiam qualificar seus profissionais para um atendimento hospitaleiro

aos seus hospedes, satisfazendo-os em suas expectativas e proporcionando um

momento prazeroso em troca dos vencimentos?

Segundo Camargo (2007), a hospitalidade é toda forma de encontro entre

alguém que recebe e alguém que é recebido. Assim, mesmo o hotel ou o

34

restaurante que cobra pelo serviço prestado, ele está recebendo o cliente, e o cliente

esta sendo recebido. Comercial ou não, muitas são as definições para hospitalidade,

mas a maioria delas vai ao encontro de “bem receber”.

Para Lashley (2004), as diversas definições de hospitalidade da atualidade

confirmam a preocupação com a oferta comercial, o bem estar através da oferta de

alimentos, bebidas e/ou acomodações fora do lar, onde a hospitalidade é

determinada pela atividade econômica de consumidores e fornecedores, nichos de

mercados e ocupações, e também afirma:

Deste modo a hospitalidade pode ser concebida como um conjunto de comportamentos originários da própria base da sociedade. A partilha e a troca dos frutos do trabalho, junto a mutualidade e a reciprocidade, associadas originalmente à caça e a coleta de alimentos, sã a essência da organização coletiva e do senso de comunidade. A hospitalidade envolve, originalmente, mutualidade e troca e, por meio dessas, sentimentos de altruísmo e beneficência (LASHLEY e MORRISON, 2004, p. 5).

Desta forma, a hospitalidade intrinsecamente busca ofertar qualidade no ato

receber e acolher o viajante, seja no atendimento, na hospedagem, ou na

alimentação, se mantem desta forma uma relação estreita com o turismo que é um

setor que oferta estes serviços para o público que se encontra em viagem e fora do

seu lar.

Gotman e Camargo (2009) a principio questionam se a hospitalidade é uma

dádiva e, portanto, desinteressada, seria legítima a apropriação do termo pelo

turismo, ou se não seria apenas uma forma de disfarçar o negócio que o sustenta.

Os autores argumentam que nos textos derivados da herança judaica e grega,

encontramos os traços de um comércio da hospitalidade, considerada, desde a

Antiguidade até um período ainda recente, como hospitalidade limitada, reservada

aos viajantes desprovidos das relações locais e de reputação muitas vezes

medíocre. Contudo afirmam que esta hospitalidade gratuita aparece como resíduo

histórico, e não mais tão atuante nos tempos presente.

Assim, o comercio deve, para se impor, recorrer permanentemente a

hospitalidade, mesmo que pervertendo-o ou privando-o das suas características.

Hospitalidade e relação comercial estão em oposição constante, mas,

simultaneamente uma depende da outra e se complementam (GOTMAN e

CAMARGO, 2009).

35

Contudo, é importante ressaltar a necessidade da humanização2 na oferta dos

serviços, pensar em uma hospitalidade comercial humanizada, e com isso buscar

um ambiente pensado e planejado para proporcionar ao público alvo um

acolhimento de qualidade que proporcione bem estar. Especialmente em relação à

oferta de A&B, esse acolhimento deve gerar segurança alimentar, não proporcionar

danos à saúde e tampouco colocar em risco a credibilidade do restaurante e do

serviço ofertado.

Segundo Lashley e Morrison (2004), as oportunidades que a hospitalidade

comercial traz são inegáveis, seja através das possibilidades de viagem, seja na

comunicação e interação com terceiros, é uma necessidade de colher um superávit

através da troca monetária e dos limites de concessão e de satisfação aos

hospedes, hospedes estes que acabam por retribuir a hospitalidade com uma

conduta hospitaleira, e até mesmo promovendo um marketing pela sua experiência

satisfatória.

A hospitalidade, comercial ou não, proporciona a reciprocidade, onde o

hospede com gestos e atitudes hospitaleiras devolve a acolhida oferecida pelo seu

anfitrião. Essa hospitalidade agrega valor aos estabelecimentos, já que o turista,

seja como hospede ou apenas consumidor de algum estabelecimento de alimentos

e bebidas, que se sente bem recebido, terá memorias de satisfação da sua

experiência de viagem, vindo a agregar com feedback positivo aos estabelecimentos

e aos funcionários que os recebem, seja por meio de recomendações ou possível

retorno em outra viagem.

O ser humano é um ser social uma vez que os indivíduos precisam uns dos

outros para sobreviver. Esta necessidade do outro implica em uma abertura para o

acolhimento, para a convivência, para a troca. A vida moderna contribui para

aumentar a necessidade de acolhimento das pessoas, de ser bem recebido, de

estabelecer relações de hospitalidade, mesmo que esta finalidade de atender aos

indivíduos ocorra de forma aparentemente comercial. As relações de mercado

propõem novas solidariedades negociadas sob a forma de contrato, contudo, nem

tudo é negociável no que se refere ao estabelecimento de laços entre os indivíduos,

2 Humanização é a ação ou efeito de humanizar, de tornar humano ou mais humano, tornar benévolo,

tornar afável. A humanização cria condições melhores e mais humanas para os trabalhadores de uma empresa ou utilizadores de um serviço ou sistema. O processo de humanização implica a evolução do Homem, pois ele tenta aperfeiçoar as suas aptidões através da interação com o seu meio envolvente.

36

principalmente àqueles que compõem suas relações públicas e privadas, sociais e

íntimas. O atendimento das necessidades, sejam alimentares ou não, como

acolhimento, não podem ser realizadas, porém de forma estritamente comercial,

exigem um envolvimento maior, além das relações de mercado e que dizem respeito

aos vínculos sociais, entrando no espaço da dádiva (DENCKER, 2004).

Segundo Gotman e Camargo (2009), de forma geral, dádiva e comércio são

conceitos opostos, a relação, soldada pelo dinheiro, pela equivalência entre serviço

e preço, é anônima. Contudo, a hospitalidade comercial entrou na linguagem

turística como sinônimo de turismo e de grife, com referência a etiqueta norte

americana „hospitality‟, e mais amplamente, à difusão generalizada de uma

terminologia hospitaleira empregada nos termos „acolhimento‟, cuja função essencial

é de atrair fluxos adicionais de turistas.

Desta forma, podemos afirmar que o “bem receber” se relaciona diretamente

com a qualidade dos bens e serviços ofertados no Turismo, onde esta qualidade vai

influenciar diretamente em um atendimento dentro ou fora das expectativas do

turista. Beni (2001) afirma que a qualidade no Turismo refere-se ao serviço aliado ao

produto e que o fator qualidade é o único critério que se impõe de maneira natural

para determinar o êxito ou o fracasso desses.

O turismo e a indústria da hospitalidade são tão inter-relacionados que

algumas associações líderes, como o Council on Hotel, e o Restaurant and

Institutional Education, consideram a combinação “hospitalidade e Turismo” uma

única grande indústria, e como componentes desta grande indústria temos: 1- os

serviços de alimentação, 2- serviços de hospedagem, 3- serviços de recreação, 4-

serviços relacionados a viagens (deslocamento e pacotes), e 5- produtos e serviços

personalizados, acrescidos dos 4 primeiros componentes (CHON e SPARRAWE,

2014) Figura 02.

37

Figura 2: A rede turística e de Hospitalidade Fonte: Chon e Sparrawe (2014, p 8)

No momento de planejar a oferta da hospitalidade comercial do turismo e da

oferta de A&B não se pode esquecer o aspecto humanizador da hospitalidade.

Assim, a programação prévia de todas as ações desenvolvidas por parte dos

empregados, desde o mais simples dos sorrisos e cumprimentos, até os

agradecimentos, felicitações, entre outros, não necessariamente reflete um ambiente

hospitaleiro, o fator humano representa um item que faz a real diferença (FRAZEN e

REIS, 2013).

Pensemos, um instante, no que chamamos de “sorriso comercial” endereçado indiferentemente não a uma pessoa em particular mas a todo cliente em potencial, atitude de conveniência destinada a acolher mas ao mesmo tempo a neutralizar todo compromisso que não seja comercial e que hoje dá lugar a uma postura menos afetada mas também igualmente estudada, num tom igual, inalterado, exibido pelos recepcionistas que assim se defendem de toda demanda intempestiva fora de seu alcance. O sorriso comercial não é uma invenção de publicitário mas a própria estrutura da “mentalidade métropolitana” (SIMMEL,1903 apud GOTMAN e CAMARGO, 2009).

38

Honrar o hóspede, fazer o máximo por ele, confere simultaneamente prestígio

àquele que convida. Na esfera comercial, essa busca por fazer sempre mais pelo

cliente é uma tentativa de capturá-lo, mas pode também realçar o prestígio do

estabelecimento anfitrião. Esta obrigação de excelência, de algo mais, que

recomenda ir além da simples equivalência qualidade-preço, vai ao encontro da

dádiva, onde não basta simplesmente dar conta dos deveres, mas fazer mais e

assim marcar claramente a ausência de hostilidade.

A dádiva, e portanto, a hospitalidade exige diferencial competitivo, que são os

atributos que tornam a empresa única e superior aos seus principais concorrentes.

Trata-se das vantagens e benefícios exclusivos que a empresa proporciona à sua

clientela e que a concorrência ainda não oferece, agregando algo mais ao bem

receber do turista. Assim, quando falamos em necessidades especiais, os locais que

atendem as mais diversas necessidades oferecem vantagens ao cliente em relação

a outra empresa que não oferece. Especialmente em relação às restrições

alimentares, os hotéis e restaurantes que ofertam alimentos e bebidas a todos os

públicos, contemplando os que apresentam e os que não apresentam alguma

restrição ou alergia alimentar, passa a ser escolha dos turistas, familiares e grupos

de amigos que os acompanham, já que há necessidade serem incluídos com

segurança nas refeições fora de casa, e quando o estabelecimento oferta alimentos

que atendam a todos os públicos, torna essa inclusão parte do cotidiano comum dos

demais e não em um local excluído com alimentos direcionados apenas para a

restrição, proporcionando desta forma a real inclusão social e também o

empoderamento e a autonomia do cliente no momento da escolha.

Os empreendimentos que trabalham diretamente com serviços e revelam a

preocupação com a satisfação dos consumidores devem valer-se de um diferencial

competitivo, acolhendo todos os turistas, sejam eles viajantes/visitantes, hóspedes e

clientes em empreendimentos que ofertam bens e serviços. O diferencial competitivo

proporciona a excelência ao setor de serviços, mas não é algo inato à atividade, e

sim adquirido e conquistado. Sua manutenção é fundamental para fomentar o

empreendimento no segmento da hospitalidade como ato de acolher, interagir e,

sobretudo, de troca simbólica (QUADROS, 2011).

Mais do que uma conversação ritualizada, a hospitalidade exige hoje

autenticidade e conforto. Ontem, fornecidas apenas por meio das pessoas, e hoje

cada vez mais por empresas e também por elementos materiais. Trata-se de

39

proporcionar ao cliente tudo o que possa colocá-lo à vontade na sua experiência fora

do lar, tanto no hotel, no restaurante, como em seus deslocamentos, antecipando

suas necessidades.

O turista quer ter suas expectativas atendidas na experiência de viagem,

especialmente se há alguma necessidade especial envolvida, como relacionada a

locomoção, audição, visão e até mesmo como no caso deste estudo em relação as

restrições alimentares ocasionadas por patologias. Espera-se que o hotel, os

restaurantes, e os passeios programados estejam preparados para atender os

diferentes perfis de clientes, garantindo uma vivencia segura e feliz fora de casa

através da hospitalidade comercial.

Percebe-se assim a importância do entendimento das necessidades do

público-alvo com o qual se deseja trabalhar. No turismo, fenômeno social e atividade

econômica, entende-se de grande valia compreender como se dá o comportamento

dos turistas, para assim planejar e desenvolver suas atividades com plena satisfação

(FRAZEN e REIS, 2013). Nesse sentido, Olsen (2003) afirma que um novo turista,

mais exigente e ciente de seus direitos, vem se afirmando no mercado turístico,

aumentando esse mercado competitivo em busca de novas e melhores estratégias

que atendam as suas necessidades e expectativas.

Da mesma forma, os componentes da hospitalidade e turismo vêm crescendo e

com esse crescimento aumentam as possibilidades de oferta de novos produtos e

serviços, como de alimentos e bebidas que é um componente que vem ganhando

destaque e atenção nos últimos anos, especialmente com os avanços em saúde que

trouxe um novo panorama para a qualidade de vida diretamente relacionado à

alimentação. Assim as expectativas dos turistas tende a ampliar e com isso

favorecer ainda mais o mercado competitivo.

De acordo com Gotman e Camargo (2009), a alimentação é o marcador

identitário mais forte, mas é também o mais difícil de ser negociado, é aquele que

mesmo o turista mais impregnado por sua cultura original irá experimentar e

conservar por mais tempo como recordação da sua experiência turística. Por isso

mesmo, é um campo amplo de experimentação e estudos.

Hospitalidade pode ser vista como uma área de complementaridade, Gotman e

Camargo (2009), afirma que tudo o que a gestão chama de “problemas” e busca

minimizar, pode, na perspectiva da hospitalidade, constituir novos campos de ação e

potencializar para melhor a oferta de bens e serviços.

40

Assim, os turistas com restrições alimentares são um campo rico de novas

oportunidades para a oferta de bens e serviços em alimentação, merecendo uma

atenção especial baseada na hospitalidade comercial humanizada, a fim de incluir

aqueles com alguma necessidade especial em alimentação e nutrição aos demais

turistas no mesmo contexto e momento turístico.

3.1 A Estreita Relação entre Hospitalidade e a Oferta de A&B aos Turistas com

Restrições Alimentares

A hospitalidade como um ato de bem receber, pode estreitar as relações

humanas, tornando os espaços comuns acessíveis a todos os grupos,

oportunizando o convívio daqueles que possuem alguma necessidade especial com

aqueles que não possuem, garantindo assim não somente uma inclusão setorizada,

ou seja, que separa os públicos de acordo com seus perfis, mas também uma

inclusão social.

A acessibilidade configura-se, dentre outras formas, como a equiparação de

oportunidades, a todos os seres humanos, por meio do acesso seguro e autônomo,

sem constrangimentos e restrições, marginalização ou qualquer tipo de segregação,

seja ela social, racial, financeira, física, entre outras. Para tanto, deve-se extinguir ou

então amenizar os obstáculos que acentuam as limitações de forma plena e segura

(DECRETO Nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004; NBR 9050 ABNT, 2004).

Projetar igualdade social pressupõe garantir a acessibilidade a todos,

independentemente das diferenças, e principalmente entender a diversidade como

regra e não com exceção. Nessa reflexão, surge um novo paradigma, em que esses

valores agregados conduzem a acessibilidade a uma cultura na qual as

necessidades das pessoas com alguma restrição assumem um caráter estratégico

de ação efetiva do Estado, sendo sua responsabilidade promover a acessibilidade

em toda a abrangência do setor que engloba prestação de serviços, equipamentos e

atividades turísticas, e outras áreas, direta e indiretamente (BRASIL, 2006).

Para o turista com restrição alimentar, o acesso a alimentos seguros e

permitidos nem sempre é tão fácil, e quando presente acaba acontecendo em algum

41

lugar especifico que só fabrique ou oferte aquele tipo de alimento, limitando por

vezes, o convívio com o público sem restrições.

Para a doença celíaca e para a Intolerância a Lactose, os alimentos restritos

fazem parte do cotidiano da população brasileira, principalmente nos desjejuns e nos

lanches, contudo o consumo dos alimentos proibidos acarreta sérios danos à saúde.

Os hábitos alimentares estão diretamente relacionados com as emoções e

sentimentos dos indivíduos, relacionam-se com valores familiares e culturais. Nesse

aspecto, pode-se considerar que a restrição alimentar causa sofrimento, rompimento

do afeto pela perda do alimento. A experiência da doença impõe uma ruptura

obrigatória de um hábito alimentar, logo, a adesão a uma dieta isenta de glúten e

lactose implica a adoção de novas práticas alimentares e mudança brusca de

hábitos. Aderir a uma dieta isenta de glúten não influencia apenas o consumo de

alimentos, mas também diretamente a saúde e qualidade de vida dos que possuem

a Doença Celíaca (ARAUJO et al, 2010).

“A maioria da população come pão diariamente” (BRALY e HOGGAN, 2014),

essa é uma afirmação que faz parte do habito da população brasileira,

especialmente o pão branco, conhecido como pão francês, lembrando que ele é

constituído basicamente por trigo, nota-se também um crescente aumento do

consumo de pães integrais, contudo na maioria das vezes a composição principal é

o trigo integral, que também contem glúten. Entretanto, os autores Braly e Hoggan

(2014), afirmam “que eliminar o glúten não quer dizer que você vai eliminar pães,

cereais matinais e massas, pois eles fazem parte da nossa cultura gastronômica”,

assim, para garantir o acesso a estes alimentos, hoje já existem diversas opções de

pães, bolos, biscoitos e cereais sem glúten industrializados disponíveis no mercado

e também uma gama de receitas de como fazer estes alimentos, porém, devido a

modismos de dieta sem glúten, divulgadas diariamente na mídia, as pessoas que

realmente necessitam de uma alimentação totalmente isenta de glúten encontra no

mercado os produtos com valor monetário mais elevado se comparados aos

alimentos convencionais.

Para relembrar, a Doença Celíaca é uma doença severa ao organismo

humano e quando não tratada (o tratamento é somente uma alimentação totalmente

isenta de Glúten) ou não diagnosticada pode trazer sérios danos à saúde, por

exemplo, como afirmam Braly e Hoggan (2014) que a falta de controle da doença

Celíaca é a principal causa de muitas formas de câncer, doenças autoimunes,

42

doenças neurológicas, síndromes de dor crônica, perturbações psiquiátricas,

distúrbios mentais e até morte.

Por isso chamar a atenção para a necessidade de qualificação profissional e

dos estabelecimentos que ofertam alimentos e bebidas é tão importante, pois

garante um atendimento seguro, hospitaleiro e de inclusão de viajantes com esse

tipo de necessidade, na busca pelo ”bem receber” da hospitalidade. A alimentação

fora de casa pode trazer risco à saúde deste público e gerar insegurança ao turista,

ocasionando possível desistência de viajar ou até mesmo ter uma experiência

turística limitada e insatisfeita.

A adesão e a disciplina para seguir uma alimentação isenta de glúten, requer

muita autodeterminação do celíaco e de seus familiares, já que a dieta ocidental

inclui muitos itens alimentícios à base de trigo, como hábito da população em geral,

e o mesmo se aplica à intolerância a lactose. Segundo Araujo et al (2010), situações

como viajar, alimentar-se fora do lar e relacionar-se com amigos e familiares podem

representar problemas para os DC e os IL e interferir, dessa forma, na sua vida

social. Seguir uma dieta isenta de glúten representa mudanças no estilo de vida;

79% de celíacos entrevistados em pesquisa realizada por Lamontagn, West e

Galibois (2001) disseram evitar frequentar serviços de alimentação, 43% afirmaram

evitar viajar em função da dificuldade em encontrar produtos próprios no mercado e

do risco da ingestão acidental de produtos com glúten.

Assim pode-se ressaltar que a simples informação de um alimento ou sua

preparação nos desjejuns dos hotéis, por meio de placas, por exemplo, “contém

glúten” “contém lactose” ou no cardápio, ou no marketing do estabelecimento já

proporciona ao turista com restrição alimentar autonomia no momento da escolha.

Outra forma de atender com segurança é dispor de profissionais preparados para

sanar as dúvidas, já que um simples molho de uma preparação pode trazer

transtornos ao celíaco e ao intolerante a lactose, informações como “Molho branco

sem glúten (trigo) e sem lactose (leite)”, já agregam valor ao atendimento e ao local,

e isso é hospitalidade.

Para o turismo, a gastronomia representa papel importante dentro de um

contexto econômico e cultural (VILKAS, SINIGOI e BONI, 2014). Lashley e Morrison

(2004), afirmam que o estudo dos alimentos deve ser um elemento chave no estudo

da hospitalidade, pois estes desempenham papel importante na definição da

identidade de grupos, comunidades e sociedades, bem como na definição do

43

relacionamento entre pessoas. “[...] as preocupações atuais são, em parte,

estabelecer uma rigorosa compreensão da amplitude o significado das atividades

relacionadas com a hospitalidade, de modo que se possa entender melhor sua

aplicação comercial” (LASHLEY & MORRISON, 2004, p.18).

Franco (2001) ressalta que a “alimentação é um componente importantíssimo

da hospitalidade, já que atende/satisfaz o consumidor em vários aspectos, como o

de servir como fonte de prazer, de entretenimento e memoria”. Contudo, para

considerar a alimentação como componente da hospitalidade, com preocupação em

atender as diferentes necessidades, é necessário que haja o serviço de A&B de um

determinado estabelecimento, como o desjejum de hotéis, e esses serviços devem

ser dotados de uma qualidade preocupada em buscar sempre oferecer o melhor ao

hóspede e turista que ali se encontra (CAMPOS, 2008).

As variáveis e os indicadores existentes na relação paladar/hospitalidade

apresentam a capacidade de percepção de gostos do indivíduo e as expectativas e

memórias embutidas em degustar algum alimento, que são elementos que podem

fazer com que o indivíduo os associe a lembranças positivas ou não, e com isso

determinar ser algo hospitaleiro ou hostil (CAMPOS, 2008).

A associação entre a hospitalidade e o paladar é de origem arcaica. Desde os tempos bíblicos, já se fazia essa correlação, tratando o servir o outro como o elemento fundamental e de extrema importância para que a hospitalidade estivesse sendo colocada em prática. Assim como a visão e os demais sentidos, trata-se de algo único com um nível de percepção sensível e de caráter expressivo para conceituar hospitalidade, onde através do paladar se conhece e reconhecer os sabores de substâncias colocadas sobre a língua (CAMPOS, 2008, p. 9).

Para o público com alguma necessidade especial, e aqui principalmente as

restrições alimentares “Doença Celíaca e Intolerância Alimentar”, a hospitalidade

pode fazer a diferença no momento de decidir pela viagem ou não, já que a acolhida

desde o primeiro contato seja ele pelo endereço eletrônico do hotel ou agencia de

viagem que programa o deslocamento, a hospedagem e alimentação, ou pelo

telefone e correio eletrônico, pode proporcionar segurança e confiança, tendo a

certeza que esta sendo compreendido e será atendido em suas necessidades.

44

No Brasil, surgiram as Associações de Celíacos, com o objetivo de trazer

conhecimento, compartilhar informações, experiências, receitas e minimizar as

dificuldades e adesão ao tratamento.

Em fevereiro de 1994, os pais de alguns celíacos fundaram a Acelbra, que

objetiva, principalmente, orientar os pacientes quanto aos sintomas da DC, quanto à

dieta sem glúten e divulgam doença, já para a Intolerância a lactose, como abordado

anteriormente ainda não existe associações e federações. Além disso, como

abordado no capitulo 1.2, a Acelbra busca assegurar o cumprimento da Lei nº 8.543

(BRASIL, 1992) na área de vigilância sanitária, que obriga as indústrias alimentícias

a imprimirem em caracteres destacados uma advertência nos rótulos e nas

embalagens de produtos industrializados que contêm glúten ou seus derivados.

Em 2003, foi publicada a Lei nº 10.674, que obriga os produtos alimentícios

comercializados a trazerem informação sobre a presença de glúten como medida

preventiva e de controle da Doença Celíaca. Assim, todos os alimentos

industrializados devem conter em seu rótulo, obrigatoriamente, as inscrições

“contém glúten” ou “não contém glúten”, conforme exemplos nas figuras 3 e 4

abaixo:

Figura 3: Mistura para Bolo com indicativo “Contém Glúten” Conforme legislação

Fonte: Acervo da pesquisadora (2015)

45

Figura 4: Massa alimentícia de arroz – Macarrão com inscrição “Não Contém Glúten” conforme legislação

Fonte: Acervo da pesquisadora (2015)

Contudo, para Intolerância à Lactose ainda faltam ferramentas e normas de

cunho legal para subsidiar ao estado no cumprimento das politicas públicas

direcionadas ao Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA), conforme a

Constituição Federal no artigo 196:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).

Para isso as rotulagens dos produtos alimentícios comercializados deveriam

informar sobre a presença de lactose, como medida preventiva e de controle da

Intolerância a Lactose. Todos os alimentos industrializados deviam conter

obrigatoriamente em seu rótulo e bula, as inscrições “contém lactose” ou “não

46

contém lactose”, conforme a Lei ° 10674 de 16 de maio de 2003 para os produtos

com glúten. Podemos observar através de dois produtos como isso funciona na

prática, na figura 05, temos um leite em pó sem indicativo de ter ou não o açúcar

lactose, e conforme legislação apresenta o indicativo de “Não Contém Glúten”, já na

figura 06, por se tratar de um produto para dietas com restrição a lactose, esta

informação aparece, alertando o consumidor que este produto é à base de leite, mas

não possui o açúcar lactose, devido à presença da enzima lactase no produto, além

disso, também apresenta o indicativo de “Não Contém Glúten”, e salienta aos

diabéticos (outro grupo com restrição alimentar), que o produto apresenta o açúcar

“Glicose”.

Figura 5: Produto alimentício sem identificação de “Contém ou Não Contém Lactose”

Fonte: Acervo da pesquisadora (2015)

47

Figura 6: Produto alimentício com indicações de: “Não contém Lactose”, “Não Contém Gluten” e “Contem Glicose”

Fonte: Acervo da pesquisadora (2015)

Podemos observar que quanto mais completa as informações na rotulagem

do produto, conforme figura 6, mais autonomia o consumidor tem em escolher os

produtos que ira consumir, seja na sua casa ou em viagens. Contudo, ainda não há

legislação que norteie as regras para identificação em restaurantes, assim, por

exemplo, quando o hóspede chega ao restaurante do hotel para consumir o café da

manhã, não há qualquer regulamentação que o proteja para garantir que ele tenha

acesso à composição dos alimentos servidos, como existe para os industrializados

no caso da Doença Celíaca.

48

A alimentação está envolta nos mais diversos significados e as práticas

alimentares que incluem as etapas que vão desde os procedimentos relacionados

ao cultivo e seleção e preparo do alimento, até o seu consumo propriamente dito.

Esta subjetividade vinculada inclui a identidade cultural, a condição social, a religião,

a memória, e o hábito familiar (GARCIA, 1997) e por isso é complexo falar das

restrições alimentares nas diversas áreas que ofertam A&B.

As políticas públicas e a vigilância sanitária contemplam as ações capazes de

controlar, prevenir ou ainda diminuir ou eliminar os riscos à saúde, intervindo nos

problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da prestação de serviços, da

produção e da circulação de alimentos. Nesse aspecto, verifica-se a necessidade de

melhor caracterizar o cenário da DC e da IL, onde a natureza das ações de

vigilância sanitária é eminentemente preventiva, e deve atuar sobre fatores de

riscos, danos e seus determinantes associados a produtos. É importante atentar

para o fato de que a alimentação de cada cidadão não pode ser deslocada do

restante da sociedade (ARAUJO et al, 2010).

Segundo Botelho (2006), o hábito alimentar é um código que vai muito além

do ato de comer, podendo levar à compreensão da organização e até mesmo da

produção econômica de uma sociedade e suas relações sociais. É por meio dos

hábitos alimentares que os indivíduos ou grupos selecionam, consomem e utilizam

os alimentos disponíveis. A autora afirma que a alimentação é um componente

prioritário nas sociedades contemporâneas e tem repercutido, de forma crescente,

na área de saúde e também em outras áreas. A mesa é o centro das relações e

simboliza organização, contexto familiar, sentimentos de alegrias, dissabores,

novidades e memória. Os efeitos socializantes de alimentar-se em grupo

harmonizam, fortalecem vínculos, estabilizam estruturas de convívio.

Assim, garantir que todos os grupos, com ou sem restrições alimentares,

possam se alimentar juntos, agrega qualidade de vida para ambos os grupos, mas

ainda ficam os questionamentos: o Brasil tem condições para garantir por meio de

politicas públicas, essa alimentação em conjunto sem exclusão do convívio social a

ambos os grupos, os que apresentam e os que não apresentam restrições

alimentares? O turismo e a oferta de A&B estão preparados para lidar com as

diferentes necessidades especiais voltadas para a alimentação?

Existe uma dimensão sociológica em torno do alimento, os produtos

alimentares podem chegar até o comedor transitando por múltiplos canais, desde o

49

plantio, a colheita, a pesca, e a caça até o autoconsumo alimentar, muitas vezes

perpassa pela transformação culinária sob a forma de preparações. Para entender a

complexidade da dimensão sociológica da alimentação, convém ressaltar

principalmente que os alimentos não se deslocam sozinhos (POULAIN, 2004), assim

o fator humano é indispensável para manter o sistema alimentar e os serviços que

dele desdobram. É importante que para garantir a qualidade no atendimento e no

serviço prestado através da hospitalidade, haja formação e qualificação para os

profissionais que trabalham com A&B, assim como adequação no serviço e no

produto ofertado pelos estabelecimentos.

50

4. ANALISE DA OFERTA DE A E B EM DESJEJUNS DE HOTÉIS DE

BRASÍLIA-DF, CONSIDERANDO A DOENÇA CELÍACA E A INTOLERÂNCIA A

LACTOSE

Segundo Chon (2003), a oferta de serviço em alimentação e bebidas é uma

prática consagrada através dos tempos. O turismo e o crescimento das cidades

deram impulso à necessidade de mais e melhores estabelecimentos comerciais de

alimentos.

O objetivo desta pesquisa, como já enunciado, é analisar a oferta de A&B,

nos desjejuns dos hotéis situados no Plano Piloto de Brasília, particularmente no

Setor Hoteleiro Norte e Sul considerando as restrições alimentares: Intolerância ao

Glúten (Doença Celíaca) e Intolerância a Lactose, na sua relação com a

hospitalidade.

Para a seleção dos hotéis, utilizou-se o banco de dados do Sistema de

Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), onde localizamos 15 unidades no

Setor Hoteleiros Norte (SHT) e 11 unidades no Setor Hoteleiro Sul, totalizando 26

hotéis.

Brasília é um grande pólo hoteleiro do Brasil, conhecida por sua arquitetura

moderna, pelas linhas curvas do arquiteto Oscar Niemeyer, pelo urbanismo de Lúcio

Costa e pela arte de Athos Bulcão. Além desses atrativos turísticos, a capital federal

também apresenta fatos históricos, políticos e culturais relevantes, capazes de atrair

visitantes brasileiros e estrangeiros (CET-UnB, 2014).

O Plano Piloto de Brasília-DF foi elaborado por Lúcio Costa, vencedor do

concurso em 1957, para o projeto urbanístico da Nova Capital. Teve sua forma

inspirada pelo sinal da Cruz. O formato da área é popularmente comparado ao de

um avião. Lucio Costa, entretanto, defendeu a tese de que a capital federal pudesse

ser comparada a uma borboleta, rejeitando a comparação anterior (COSTA, 2011).

O projeto consistiu basicamente no Eixo Rodoviário no sentido norte-sul, e Eixo

Monumental no sentido leste-oeste. A criação arquitetônica dos monumentos

centrais foi designada a Oscar Niemeyer. O Eixo Rodoviário é formado pelas

asas Sul e Norte e pela parte central, onde as asas se encontram sob a Rodoviária

do Plano Piloto. As asas são áreas compostas basicamente pelas superquadras

residenciais, quadras comerciais e entrequadras de lazer e diversão (onde há

51

também escolas e igrejas). O Eixo Monumental é composto pela Esplanada dos

Ministérios e pela Praça dos Três Poderes, a leste; a rodoviária, os setores de

autarquias, setores comerciais, setores de diversão e setores hoteleiros em posição

cêntrica; a torre de televisão, o Setor Esportivo e a Praça do Buriti, a oeste. (GDF,

1991).

Como objeto de estudo, foi feito um levantamento dos 26 hotéis entre SHN e

SHS do plano piloto de Brasília-DF (Figura 7), identificando os endereços, correios

eletrônicos e os contatos telefônicos.

Figura 7: Plano piloto de Brasília-DF, identificando o Setor Hoteleiro Norte e o Setor Hoteleiro Sul

Fonte: Acervo da pesquisadora (2015)

Para esta pesquisa documental, foi adotada, no primeiro momento, a analise,

nos endereços eletrônicos dos hotéis em destaque, a presença ou não de

informações sobre os desjejuns e sobre a oferta/atendimento as restrições

alimentares DC e IL. No segundo momento, por meio de uma entrevista virtual,

foram enviadas questões/solicitações direcionadas por e-mail, aos gestores dos

mesmos hotéis anteriormente, produzindo alguns dados qualitativos e quantitativos

para análise e interpretação sobre a oferta de A&B, nos desjejuns ofertados nos

hotéis do setor hoteleiro norte e sul de Brasília-DF.

No primeiro momento, foi realizada uma analise nos endereços eletrônicos

dos hotéis investigados, de modo qualitativo a procura de informações sobre a oferta

de serviços em alimentação e bebidas, especialmente do café da manhã, se havia

cardápios disponíveis aos possíveis hospedes e também se havia alguma

52

informação direcionada a oferta de alimentos e bebidas aos clientes com doença

celíaca e/ou intolerância a lactose, ou qualquer outra restrição alimentar de origem

patológica.

Após avaliação qualitativa dos endereços eletrônicos (sites), foi realizado

contato telefônico para solicitar os correios eletrônicos dos responsáveis pela

gerencia de A & B de cada hotel. Listados todos os contatos, no segundo momento

da pesquisa, foram enviados, em períodos distintos, dois e-mails para todos os

hotéis. No primeiro e-mail solicitava-se o cardápio do café da manhã ofertado aos

hóspedes, informando se tratar-se de uma pesquisa confidencial e com análise

simples, baseada analise documental dos cardápios, com interpretação dos

alimentos disponíveis. O segundo e-mail enviado, a principio, somente como

resposta aos que retornaram com o cardápio do primeiro contato, questionava se um

cliente necessitasse de alimentação sem glúten e sem lactose devido às patologias

DC e IL se isso seria possível, e como segunda questão se haveria algum custo

extra pela mudança e/ ou acréscimo no cardápio. Após 15 dias do envio do primeiro

e-mail, foi enviado o segundo e-mail também aos que não responderam ao primeiro,

a fim de obter mais dados. Alguns gestores responderam aos dois contatos, houve

os que não responderam a nenhum, outros responderam somente o primeiro e-mail

e ainda alguns somente o segundo.

Foram enviados os mesmos e-mails para 26 hotéis, destes apenas doze (12)

responderam a um ou aos dois e-mails. Os dados aqui apresentados, Quadro 1,

são somente dos hotéis que responderam a no mínimo uma das duas mensagens.

Quadro 1: Informações obtidas nos cardápios dos desjejuns ofertados pela rede hoteleira de Brasília-DF e sobre a disponibilidade em ofertar alimentos fora do planejamento habitual dos desjejuns

Hotel

(Situados no

Setor Hoteleiro

Norte e Sul do

plano piloto de

Brasília - DF)

Há informações

no endereço

eletrônico do

hotel sobre o

cardápio do

desjejum?

Resultado 1°

e-mail:

No cardápio padrão

enviado pelo hotel há

alimentos sem glúten

e sem lactose?

Resultado 2° e-mail:

Há inclusão de alimentos sem glúten

e sem lactose no cardápio do

desjejum ofertado?

A - Sim Não pode fabricar ou incluir outros

produtos que não estejam no

53

planejamento do cardápio, mas

afirma que já disponibiliza alimentos

para as restrições, como tapioca,

gelatina, omelete, frutas e sucos.

B - Sim

* Não enviamos o segundo e-mail já

que no primeiro e-mail já havia sido

narrado que possuem um espaço

com produtos especiais para quem

tem intolerância a lactose e ao

glúten.

C - Sim

Informaram que não havia nenhum

alimento para estas restrições, mas

o hotel e o chef se prontificaram a

agregar algum outro produto para

melhor atender as necessidades

quando houvesse.

D - Sim Não respondeu

E - Sim Não respondeu

F - Não informou o

cardápio

Informou que não é possível fazer

nenhuma alteração no cardápio.

G - Sim Informou que não é possível fazer

nenhuma alteração no cardápio.

H - Não informou o

cardápio

Respondeu que não pode hospedar

um hospede com estas restrições.

I - Sim Não respondeu

J - Sim Não respondeu

L Sim Sim Respondeu que não podem incluir

nenhum outro alimento no cardápio.

M - Sim Não respondeu

Fonte: Elaborado pela pesquisadora (2014)

Para avaliação do cardápio foram considerados alimentos sem glúten e sem

lactose as frutas, saladas de frutas, sucos, tapioca, omelete, ovos mexidos,

presuntos e outros embutidos, presentes e comuns em todos os cardápios enviados

pelos hotéis, mesmo que o hotel não considerasse estes alimentos como sem glúten

e sem lactose.

Como mostra o Quadro acima, somente um (1) dos doze (12) hotéis que

aceitaram participar deste estudo divulga o cardápio do desjejum no seu site. Os

54

demais não disponibilizam cardápio e nenhuma informação sobre a oferta do

desjejum e tampouco para alguma possível necessidade especial em relação à

alimentação.

A informação no endereço eletrônico dos hotéis antecipa futuros

questionamentos realizados pelos hóspedes, permitindo autonomia para a escolha

do estabelecimento e do alimento a ser consumido, constituindo-se um diferencial de

destaque, agregando segurança e qualidade a viagem do turista.

Dos dez (10) hotéis que informaram o cardápio, todos apresentavam

alimentos sem glúten e sem lactose, conforme a nossa lista de avaliação. Contudo,

ao questionar aos responsáveis nesses mesmos hotéis, se seria possível, caso

houvesse necessidade de incluir alimentos sem glúten e sem lactose se seria

possível, dos doze (12) que responderam, apenas um (1) se prontificou a agregar

outros alimentos no cardápio, dois (2) ressaltaram que no cardápio já havia estes

alimentos, quatro (4) responderam que não é possível incluir nenhum outro alimento

no cardápio e cinco (5) não responderam ao segundo e-mail.

É possível afirmar que todos os dez (10) representantes dos hotéis que

enviaram o cardápio conseguem atender minimamente a estas restrições

alimentares, já que todos possuem algum alimento sem glúten e/ou sem lactose no

seu cardápio do café da manhã, no entanto ao receber o segundo e-mail solicitando

alimentos sem glúten e sem lactose no cardápio, alguns respondentes informaram

não ter estes alimentos e não poder oferecer nada fora do cardápio já estabelecido.

Somente dois (2) dos doze (12) responderam que estes alimentos já estão no

cardápio demonstrando desconhecer estas restrições e/ou os componentes que dela

que devem ser evitados pelos celíacos ou pessoas com Intolerância a Lactose. Esse

dado ressalta a importância de qualificação no serviço de A&B para atender as

necessidades especiais voltadas para a alimentação, falta conhecimento dos

profissionais que trabalham diretamente na oferta.

Contudo é importante ressalvar que para ofertar alimentos sem glúten às

pessoas com Doença Celíaca, é necessário se adequar as determinações da

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tendo um local próprio para

produzir e manipular alimentos com glúten diferente do local dos demais alimentos,

preocupação que não é preconizada para a intolerância a lactose, esse

procedimento busca se evitar a contaminação cruzada.

55

A contaminação cruzada por glúten pode agravar o estado de saúde do

celíaco que tenha uma intolerância mais acentuada. Ela acontece porque mesmo os

produtos alimentícios que não apresentam o glúten em sua composição, podem ter

traços de glúten, devido à contaminação cruzada, que é uma transferência de traços

ou partículas de glúten de um alimento para outro, direta ou indiretamente, podendo

ocorrer na área de manipulação de alimentos, mas também durante o plantio,

colheita, armazenamento, beneficiamento, industrialização e no transporte desse

produto. Assim, o conhecimento e a qualificação profissional agrega valor ao hotel

que já oferta ou tem interesse em ofertar alimentos para essas ou outras restrições

alimentares.

Apenas dois (2) respondentes mencionam que no cardápio há alimentos que

contemplam as restrições discutidas no presente trabalho e apenas um (1) se coloca

à disposição para oferecer outros alimentos fora do planejamento do cardápio. No

entanto nenhum deles expressa estas informações no site dos hotéis, sendo que

esta informação é um diferencial competitivo para o hotel e é um diferencial para

determinar a escolha do turista com restrição alimentar e para aqueles que os

acompanham em suas viagens, e que por consequência possibilita a autonomia

alimentar dos clientes.

Percebe-se assim, que falta conhecimento e qualificação para os

profissionais que atuam na oferta de bens e serviços para a alimentação, pois

conhecer as necessidades dos diferentes nichos de turistas e principalmente

conhecer a sua própria oferta agrega qualidade e melhora o produto ofertado.

Não havia informação nos cardápios, e também nenhum responsável dos

hotéis estudados respondeu que seria possível agregar produtos industrializados

sem glúten e sem lactose. Hoje os produtos industrializados são comuns no

mercado, não apresentam risco de contaminação cruzada, já que não há produção

na cozinha dos estabelecimentos, somente manipulação para exposição aos

clientes. Atualmente é possível encontrar diversos tipos de pães e bolos sem o trigo

(principal ingrediente fonte de glúten) e sem lactose no mercado, e com um prazo de

validade maior, podendo ficar estocado por alguns meses no estabelecimento e

sendo disponibilizado de acordo com a demanda.

Falar de turismo hospitaleiro é falar também da alimentação e da forma que

esta é concebida e ofertada. Como já diversas vezes enfatizado neste trabalho, o

alimento é carregado de símbolos e signos, que envolvem diretamente o bem

56

receber, podendo proporcionar emoções que fazem do momento turístico algo único

e inesquecível. Assim qualificar a oferta de bens e serviços é extremamente

importante para garantir uma experiência turística feliz, prazerosa e segura ao turista

e também ao empreendedor, já que o cliente satisfeito pode retornar outras vezes

além de fazer um marketing positivo da sua vivencia no estabelecimento em

questão.

Dentre diversos significados conhecidos e também os subentendidos acerca

do alimento, o mais comum é a comida como motivo e motivador de prazer e

também de desprazer. A comida é ao mesmo tempo fator de inclusão e exclusão

social, historiadores estudam e discutem como a comida nutre as sociedades, define

identidades e grupos (LODY, 2006).

Assim, o turismo e a hotelaria, devem minimizar os efeitos da exclusão

daqueles que possuem necessidades especiais em relação ao alimento, garantindo

o acesso a alimentos seguros no mesmo ambiente que as demais pessoas sem

distinção para que a inclusão pelo alimento não se torne em exclusão ao convívio

social.

É importante ressaltar a importância do alimento, Martins (2009) afirma que

mesmo quando o homem moderno compra um alimento, o consome ou o serve, ele

não simplesmente manipula um objeto, o alimento não é apenas um elemento que

revela motivações mais ou menos conscientes, mas é um verdadeiro símbolo, o

alimento possui e transmite uma situação, constitui uma informação, tem um

significado uma vez que a comida que o corpo ingere é mediada pelo gosto se

tornando um dos mais importantes ordenadores do mundo simbólico e cultural,

articulando inclusive como atrativo turístico.

Assim, fica o questionamento, como qualificar os serviços da oferta de bens e

serviços em alimentação e bebidas para receber de forma hospitaleira, na garantia

do bem estar e segurança, os clientes com ou sem restrição alimentar?

57

5. QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E REGULAMENTAÇÃO

A qualidade na prestação dos serviços em alimentação e bebidas deve ser

almejada pelos empreendedores, uma vez que representa grande diferencial para

que as empresas consigam permanecer no mercado, que se encontra cada vez

mais competitivo, em virtude de clientes cada vez mais exigentes, que buscam ter

suas expectativas alcançadas, ou até mesmo superadas. A qualidade é mensurada

a partir de uma ótica subjetiva, de acordo com o atendimento percebido e o

esperado pelos clientes, por isso não é tão simples de ser quantificada.

Segundo Araujo (2013), atualmente é difícil um empreendimento sobreviver

no mercado competitivo sem satisfazer as necessidades e desejos dos

consumidores, cada vez mais informados e exigentes, buscando inúmeras opções

que superem suas expectativas e atendam suas especificidades. Para que os

estabelecimentos obtenham sucesso, faz-se necessário investir em qualificação

profissional, sendo para tanto, importante refletir sobre a qualidade desejada pelos

clientes, bem como se as ferramentas utilizadas pelas empresas são as mais

adequadas.

O Ministério do Turismo contou com o apoio da Universidade de Brasília para

a criação das “Diretrizes Nacionais para a Qualificação em Turismo” por meio da

coleta e sistematização de informações, bem como para a realização das entrevistas

estruturadas com representantes do setor público e privado, academia inclusive,

além da realização de oficinas participativas para levantar dados e informações:

A qualificação é entendida como um processo contínuo, multidisciplinar e transversal que se realiza por duas vias. A primeira é a formação profissional, que se espraia nos cursos, pesquisas, observatórios e eventos diversos. A segunda é a via da certificação, que, por meio de comprovação de conhecimentos e habilidades exercidas, explicita ao mercado a qualidade dos profissionais (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2015).

Para a qualificação profissional, é importante ressaltar que a hospitalidade em

turismo precisa atender as necessidades e expectativas dos consumidores, e isso

inclui os serviços de alimentação e bebidas. Contudo, nem todos os consumidores

apresentam necessidades e expectativas idênticas em relação a esses serviços,

58

cada um pode apresentar interesses diferentes em momentos e situações diversas

(SILVA, 2006), ou até mesmo por condições e necessidades especiais, sejam

relativas à alimentação, a restrições alimentares, ou até mesmo de locomoção, para

se deslocar do quarto até o restaurante do hotel ou para chegar a outro

estabelecimento fora do ambiente hoteleiro.

Há uma crescente necessidade de se enfrentar, com urgência, a formação

profissional com a finalidade de melhorar o seu desempenho, obtendo resultados a

médio e longo prazo e, ao mesmo tempo, equacionar uma política de formação

profissional que aproxime a qualificação dos trabalhadores ao processo educativo

formal, consideradas como exigências do setor produtivo (ALVES e VIEIRA, 1995).

A qualidade não é uma novidade da atualidade, ela já era fomentada desde o

início do século XX, quando os próprios artesãos fabricavam os produtos,

fiscalizando e controlando sua qualidade. Com o passar dos anos, houve aumento

significativo na produção, originando a necessidade de ter-se pessoa específica para

o controle da qualidade dos produtos fabricados, denominada inspetor, que

fiscalizava as ações dos operários. Nos dias atuais os produtos são mais complexos,

havendo um mercado cada vez mais competitivo, onde o consumidor se torna o

inspetor, cada vez mais exigente, tornando a qualidade um diferencial competitivo de

mercado (ARAUJO, 2013).

Em 2007, o Ministério do Turismo, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas (SEBRAE) e o Instituto de Hospitalidade (Este como entidade

executora) lançaram o “Programa Bem Receber”, com o objetivo de contribuir para o

aumento da qualidade dos serviços prestados e estimular a competitividade dos

destinos turísticos, com foco em ações voltadas para a qualificação profissional e

gestão sustentável dos estabelecimentos envolvidos. Para tal, foi criado um conjunto

de Guias (Figura 8) que foi distribuído aos futuros instrutores no momento de sua

qualificação. Todos os guias foram baseados nas Normas Brasileiras de Ocupações

e Competências para o Setor de Turismo, publicadas pela Associação Brasileira de

Normas Técnicas (ABNT) (INSTITUTO DE HOSPITALIDADE, 2007).

59

Figura 8: Capa do Guia: “Hospitalidade – Guia para Profissionais Operacionais”

Fonte: Instituto de Hospitalidade (2007)

Contudo, não identificamos em nenhuma destas duas iniciativas do Ministério

do Turismo, a qualificação voltada para a inclusão das restrições alimentares no

contexto da prestação de serviço em Turismo, talvez por ser um tema atual e ainda

em debate. Mas quando se pensa em turismo, pensa em uma gama de

possibilidades, onde não há padrão para o perfil do turista. Sendo assim, as politicas

60

do Ministério do Turismo também devem se preocupar em incluir regulamentações

sobre a disponibilidade de alimentos aos turistas, considerando especialmente que o

público com alguma restrição alimentar, pode, devido à insegurança em ser atendido

em suas necessidades, vetar a possibilidade de viagem.

Como vimos no capitulo anterior, hoje encontramos no mercado produtos

industrializados para todos os tipos de restrições/patologias alimentares, mas nem

todas as patologias, são como a Doença Celíaca, que possuem legislação para

garantir que a informação “contém ou não glúten” (proteína que o DC não pode

ingerir) esteja bem sinalizada nos rótulos. Ainda faltam regulamentações para

assegurar que existam informações também nos estabelecimentos que fabricam o

próprio alimento, já que a regulamentação vigente só diz respeito aos produtos

industrializados e não aos cardápios dos restaurantes, por exemplo.

Também não há regulamentação para a oferta de produtos industrializados e

produtos processados para a presença de lactose e outros compostos que geram

danos ao organismo com restrições alimentares para esse açúcar.

Para minimizar essa ausência de regulamentação obrigatória de informação

na rotulagem dos produtos e na oferta de alimentos processados, deve-se se investir

em conhecimento e qualificação profissional.

Pensando na oferta de bens e serviços em alimentação, o desafio é o de

qualificar os trabalhadores com uma metodologia que rompa com a concepção

tradicional de capacitação profissional e que de fato incorpore a noção de

hospitalidade, e as concepções de politicas públicas que garantam o acesso a

alimentos seguros. Segundo Alves e Vieira (1995), a participação dos sindicatos

nessa discussão é importante e necessária, para que em conjunto com as

instituições de formação profissional (IFPs), possam definir o conteúdo programático

dos cursos. Além do mais, as implicações da modernização produtiva dizem respeito

à modernização das relações de trabalho, assim, a educação e a qualificação

profissional serão temas predominantes e permanentes para a sociedade brasileira.

O efeito da chamada flexibilização do mercado de trabalho decorrente da

modernização produtiva poderá ser a precarização do emprego, caso não haja uma

política eficiente de educação e qualificação profissional que vise ampliar as

possibilidades de emprego do trabalhador; ou seja, que forneça um conjunto de

habilidades que possibilite ao trabalhador exercer sua profissão com maior

qualidade. Os currículos, a tecnologia educacional e a metodologia empregada,

61

como são hoje, devem ser revistos para constituir-se em elemento facilitador do

processo de modernização produtiva (ALVES e VIEIRA, 1995), agregando

conhecimento necessário para o profissional enfrentar as diversas situações e perfis

de clientes da atualidade.

Um profissional preparado para atender os diferentes possíveis clientes de

um restaurante, considerando desde os clientes curiosos com a forma de preparo e

ingredientes de um prato, até os clientes com alguma restrição alimentar, como, por

exemplo, a Intolerância a Lactose, onde é preciso de fato saber se o leite e seus

derivados fazem parte da lista de ingredientes da preparação, para prevenir

qualquer dano ou transtorno a sua saúde, esse profissional se destaca e destaca o

estabelecimento de que faz parte, agregando valor ao serviço ofertado.

Além dos profissionais que lidam diretamente com o cliente, a qualificação

profissional dos que planejam e gerenciam os estabelecimentos também é um

diferencial competitivo de mercado, já que estas informações são importantes para a

segurança do turista com Doença Celíaca, e/ou com Intolerância a lactose, como

outras restrições alimentares. Tais informações podem estar disponíveis nos

endereços eletrônicos dos hotéis, ou expostas junto ao cardápio oferecido no

desjejum, como também dispostas nos cardápios impressos e em placas de

identificação localizadas junto ao alimento.

O ideal é que as informações fossem também regulamentadas, como vimos

no capítulo 2.1, para a rotulagem de produtos industrializados para o Glúten, como

obrigatórias também nos cardápios dos estabelecimentos que ofertam alimentos e

bebidas, como hotéis, restaurantes e lanchonetes, regulamentando também a

necessidade de haver a informação “Contém Glúten” “Não Contém Glúten” “Contém

Lactose” “Não Contém Lactose” nos cardápios e descrições de preparações, como

mais uma ferramenta para que a efetividade das politicas públicas para manutenção

da saúde e segurança alimentar seja cumprida.

As informações alimentares e nutricionais disponibilizadas através da

rotulagem constituem uma das formas de garantir o acesso à informação, onde o

consumidor pode se inteirar sobre a composição dos alimentos que está adquirindo

(OLIVEIRA, PROENÇA e SALLES, 2012), além de possibilitar que ele tenha

autonomia para escolher dentro do seu perfil alimentar e de saúde e nutrição, uma

escolha alimentar saudável e segura.

62

A informação nutricional é indicada na Política Nacional de Alimentação e

Nutrição (PNAN) e na Estratégia Global para Promoção da Alimentação Saudável,

Atividade Física e Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das

opções para fornecer à população informações precisas, padronizadas e

compreensíveis sobre os alimentos (OLIVEIRA, PROENÇA e SALLES, 2012).

A lei 8080 de 19 de setembro de 1990, que Dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos

serviços correspondentes e dá outras providências, manda em seu “Art. 2º § 1º:

É dever do Estado garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1990).

Assim, é dever de todas as instâncias do governo se preocupar em preservar

a saúde do individuo, especialmente por meio de regulamentações que auxiliem na

execução das politicas públicas, e considerando que as restrições alimentares

podem trazer danos à saúde se não controlada e que este controle pode ser limitado

ou nulo durante as viagens. Uma vez que o por o turista está longe do seu lar e dos

seus locais seguros para alimentação, faz-se necessário pensar, propor e executar

estratégias e iniciativas para regulamentação da oferta de A&B em turismo e de

qualificação profissional, a fim de instrumentalizar os empregados e empregadores

do setor, da hotelaria e da alimentação a oferecerem um serviço de qualidade

também para esse público.

63

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação tratou particularmente sobre a relevância de incluir os

turistas com restrições alimentares, pela oferta de A&B, aos espaços sociais e

comuns de alimentação durante viagens, como o buffet de café da manhã dos

hotéis, em busca de segurança e conforto no ato de alimentar-se, assegurando

assim uma experiência turística satisfatória.

Lembramos que o alimento não é adquirido somente por suas características

físicas ou propriedades culinárias, mas para satisfazer uma necessidade biológica e

social que o individuo apresenta, logo pode ser chamado de produto. Como produto,

deve ser preparado e comercializado com foco nos seus clientes em potencial, para

satisfazer não só as necessidades fisiológicas, mas também as suas expectativas e

necessidades especiais.

A Doença Celíaca e a Intolerância a Lactose são consideradas sérios

problemas de saúde pública, que merecem atenção tanto do poder público quanto

da iniciativa privada, com o intuito de minimizar seus efeitos danosos nas pessoas

que possuem as doenças. Para o celíaco a exposição ao glúten lesa seu organismo,

podendo ocasionar em morte quando a exposição é exacerbada e por um longo

período.

Contudo, ressalta-se a pertinência de novas regulamentações, obrigando a

presença de informações sobre a existência ou não de glúten e lactose nos

alimentos preparados nos serviços de alimentação, assim como há para os

alimentos industrializados. Pode-se regulamentar, por exemplo, a exigência de

descrição da composição dos alimentos, que pode aparecer pelo uso de placas de

acrílico (ou outro material) com identificação dos ingredientes das preparações

dispostas na mesa dos buffet de cafés da manhã dos hotéis, ou até mesmo placas

com símbolos para Intolerantes à lactose e para celíacos. Também devem ser

discriminados nos cardápios dos restaurantes com serviço a la carte, os

ingredientes. Estas ações, se aplicadas, são a porta de entrada para a realização da

hospitalidade, ao agregar qualidade ao serviço oferecido, autonomia e segurança ao

turista, além de ser um diferencial de mercado.

Com frequência vão surgindo novos tipos de restrições alimentares, algumas

mais graves à saúde e de mais difícil controle, o que chama atenção para a oferta de

64

alimentos e bebidas, setor este que deveria preocupar-se em qualificar seus

profissionais periodicamente para atender as novas demandas do mercado,

inclusive os profissionais que estão nas suas gerências, já que partem deles todas

as iniciativas e planejamentos futuros de adequação e qualificação de sua equipe,

exigindo-se o feed back. Para tal, ressalta-se a importância de profissionais

preparados e qualificados para lidar com diferentes perfis de turistas, o que

possibilita a hospitalidade no serviço prestado e a satisfação dos consumidores.

Notamos que a maioria dos hotéis analisados nesta dissertação, oferece

algum alimento para as restrições alimentares estudadas, contudo a maioria

desconhece essa informação e desta forma não têm o conhecimento necessário

para assegurar que haja oferta de A&B para as restrições alimentares - Doença

Celíaca e Intolerância à Lactose - e também para divulgar que já oferece esse

serviço. A oferta de um café da manhã diferenciado que possibilite acesso a

alimentos seguros para esse público é extremamente importante, possibilitando

minimizar danos e transtornos ao hotel e primordialmente a saúde do hóspede, o

que agrega valor ao estabelecimento. Diante do exposto, faz-se necessário, um

melhor planejamento para atender as diferentes demandas e para criar um

marketing de divulgação do serviço e dos produtos ofertados. Um cardápio

diferenciado, com no mínimo uma opção de preparação que atenda a alguma

necessidade do hóspede que chega sem reserva confirmada, seria um novo

elemento de venda, e ainda, uma forma de divulgação interna do hotel e externa do

hóspede, gerando assim um marketing positivo e diferenciado dentro e fora da

empresa.

Concluímos que a hospitalidade, representa um estabelecimento e/ou um

individuo preparado para atender, criar e fornecer um serviço que supere ou atenda

as expectativas dos seus clientes. Assim, a hospitalidade relaciona direta ou

indiretamente no planejamento e na organização dos recursos materiais, humanos,

naturais, e/ou financeiros da empresa, garantindo assim que o bem receber

aconteça.

65

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WALKER, J. R. 1944. Introdução à hospitalidade. Barueri: Manole, 2002.

70

ANEXOS

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Anexo 1 - Lei Federal n° 8543 (contém Glúten)

Lei no 8.543, de 23 de dezembro de 1992

Determina a impressão de Advertência em rótulos e embalagens de alimentos industrializados que contenham glúten, a fim de evitar a Doença Celíaca ou síndrome Celíaca.

O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Todos os alimentos industrializados que contenham glúten, como trigo, aveia, cevada, malte e centeio e/ou seus derivados, deverão conter, obrigatoriamente, advertência indicando essa composição.

§ 1º (VETADO)

§ 2º A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos industrializados em caracteres com destaque, nítidos e de fácil Leitura.

§ 3º As indústrias alimentícias ligadas ao setor terão o prazo de um ano, a contar da publicação desta Lei, para tomar as medidas necessárias ao seu cumprimento.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 23 de dezembro de 1992, 171º da Independência e 104º da República.

ITAMAR FRANCO

Lázaro Ferreira Barboza

Jamil Haddad

Este texto não substitui o publicado no D.O.U de 24.12.1992

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Anexo 2 - Resolução Nº 259 (Rótulos)

Informações obrigatórias nos rótulos de alimentos Resolução RDC n° 259 de 20 de setembro de 2002 – ANVISA - MS

Brasília, 23 de outubro de 2001

Consulta Pública prevê nova rotulagem para alimentos com Glúten

No Diário Oficial da União do dia 23 de outubro de 2001, a Anvisa públicou a Consulta Pública nº 88, que prevê a aprovação do Regulamento Técnico para Rotulagem de Alimentos e Bebidas Embalados que contém Glúten. O objetivo é proteger pessoas que sofrem de Síndrome Celíaca, doença hereditária ocasionada por intolerância alérgica - sensibilidade - ao glúten.

A Consulta Pública prevê que todos os alimentos e bebidas embalados que contém glúten -proteína presente no trigo, na aveia, na cevada, no malte, no centeio e/ou derivados-, devem apresentar obrigatoriamente no rótulo a advertência: "Contém Glúten".

Se o portador da Síndrome Celíaca ingerir inadvertidamente o glúten, pode ter a superfície intestinal destruída por anticorpos do próprio organismo, o que resultará em má absorção de nutrientes como gorduras, vitaminas e minerais.

Os sintomas mais comuns em crianças de até três anos portadoras de Síndrome Celíaca, ao entrar em contato com o glúten, são: diarréia, insuficiência de crescimento, vômito, abdômen inchado, fezes anormais na aparência, odor e quantidade. Já nos adultos, o apetite aumenta, há perda de peso, fraqueza, fadiga e anemia. A doença Celíaca pode ainda provocar câncer nos linfócitos-Linfoma. O único tratamento para a enfermidade é excluir o glúten da alimentação.

A proposta de rotulagem atende solicitação da Associação de Celíacos do Brasil (Acelbra), com sede em São Paulo. A indicação da presença do glúten nos rótulos e embalagens de alimentos industrializados é obrigatória desde 1992, quando foi publicada a Lei nº 8543. A partir de agora, com a nova regulamentação, as embalagens também vão apresentar um alerta informando a presença da substância.

As sugestões e críticas relativas à nova regulamentação devem ser encaminhadas para o endereço: Agência Nacional de Vigilância Sanitária SEPN 515, Bloco "B", Ed. Ômega, Asa Norte. Brasília, DF, CEP 70.770-502.

Os comentários também podem ser encaminhados via fax (61) 4481080 ou pelo e-mail: [email protected] e-mail address is being protected from spambots, you need JavaScript enabled to view it .

O prazo para apresentação das propostas é de 45 dias a contar da data de publicação da consulta pública (23/10/2001). PRAZO ENCERRADO

Mais informações Assessoria de Imprensa da Anvisa Tel: (61) 448-1022/448-1301/315-2005 Fax: (61) 448-1252 E-mail: [email protected]

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Anexo 3 - Lei Federal nº 10.674

LEI No 10.674, DE 16 DE MAIO DE 2003.

Obriga a que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a

presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional

decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Todos os alimentos industrializados deverão conter em seu rótulo e

bula, obrigatoriamente, as inscrições "contém Glúten" ou "não contém Glúten",

conforme o caso.

§ 1o A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos

respectivos assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com

destaque, nítidos e de fácil leitura.

§ 2o As indústrias alimentícias ligadas ao setor terão o prazo de um ano, a

contar da publicação desta Lei, para tomar as medidas necessárias ao seu

cumprimento.

Art. 2o (VETADO)

Art. 3o (VETADO)

Art. 4o A Lei no 8.543, de 23 de dezembro de 1992, continuará a produzir

efeitos até o término do prazo de que trata o § 2o do art. 1o desta Lei. (Incluído pela

Lei nº 10.700, de 9.7.2003)

Brasília, 16 de maio de 2003; 182o da Independência e 115o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Humberto Sérgio Costa Lima

Marcio Fortes de Almeida

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 19.5.2003

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Anexo 4 - Portaria Nº 307 – Republicação

PORTARIA Nº 307, DE 17 DE SETEMBRO DE 2009 - REPUBLICAÇÃO

Legislações – SAS

Qua, 26 de Maio de 2010 00:00

O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,

Considerando que a Doença Celíaca apresenta um caráter crônico, identifica-se pela intolerância permanente ao glúten e provoca lesões na mucosa do intestino delgado, gerando uma redução na absorção dos nutrientes ingeridos;

Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a Doença Celíaca no Brasil e de diretrizes nacionais para a identificação, diagnóstico e acompanhamento dos doentes celíacos;

Considerando as sugestões apresentadas à Consulta Pública SAS/MS Nº 8, de 29 de julho de 2008;

Considerando a necessidade de se atualizar o diagnóstico da Doença Celíaca e reorientar a codificação desses procedimentos no Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA-SUS);

Considerando as propostas do Grupo de Trabalho da Doença Celíaca do Conselho Nacional de Saúde;

Considerando o parecer do Departamento de Ciência e Tecnologia, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos - SCTIE/MS; e

Considerando a avaliação da Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada - Coordenação-Geral da Média e Alta Complexidade, resolve:

Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença Celíaca.

Parágrafo único. O Protocolo, objeto deste Artigo, que contem o conceito geral da Doença Celíaca, critérios de inclusão, critérios de diagnóstico, tratamento e prognóstico e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes.

Art. 2º Excluir, da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde -SUS, o procedimento 02.02.03.049-0 - Pesquisa de Anticorpos Antigliadina (Glúten) IGG IGM e IGA.

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Art. 3º Incluir, na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS, procedimento descrito a seguir:

Procedimento: 02.02.03.118-7 DOSAGEM DE ANTICORPOS ANTITRANSGLUTAMINASE RECOMBINANTE HUMANA IGA

Descrição: Detecção quantitativa do anticorpo antitransglutaminase da classe IgA por ensaio imunoenzimático, para o diagnóstico e acompanhamento da Doença Celíaca. Complexidade: MC - Média Complexidade Modalidade: 01 - Ambulatorial Instrumento de Registro: 01 - BPA (Consolidado) Tipo de Financiamento: 06 - Média e Alta Complexidade (MAC) Valor AmbulatorialSA: 18,55 Valor AmbulatorialTotal: 18,55 Sexo: Ambos Idade Mínima: 0 Mês Idade Máxima: 110 Anos CBO: 221105, 221205, 223148, 223410. Serviço/Classificação: 145 - Serviço de diagnóstico por laboratório clínico, 003 - Exames sorológicos e imunológicos

Art. 4º Definir que, identificado o anticorpo de que trata o Art. 3º desta Portaria, o examinado deverá ser encaminhado para confirmação diagnóstica, orientação e acompanhamento.

Parágrafo único. Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede, estabelecer os fluxos e definir os serviços de Clínica Médica, Gastroenterologia ou Pediatria para o atendimento dos doentes celíacos em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.

Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, com efeitos financeiros a partir da competência setembro/2009.

ALBERTO BELTRAME

ANEXO

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DA DOENÇA CELÍACA

1. INTRODUÇÃO

A Doença Celíaca (DC) é autoimune (1), causada pela intolerância permanente ao glúten - principal fração protéica presente no trigo, centeio, cevada e aveia - e que se expressa por enteropatia mediada por linfócitos T, em indivíduos geneticamente predispostos.

Estudos de prevalência da DC têm demonstrado que esta doença é mais frequente do que anteriormente se acreditava (2-15), e que continua sendo subestimada. A falta de informação sobre a DC e a dificuldade para o diagnóstico prejudicam a adesão ao tratamento e limitam as possibilidades de melhora do quadro clínico. Outra particularidade é o fato de a DC ser predominante entre os indivíduos

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faiodérmicos, embora existam relatos de sua ocorrência em indivíduos melanodérmicos. Estudos revelam que o problema atinge pessoas de todas as idades, mas compromete principalmente crianças de seis meses a cinco anos.

Também foi notada uma frequência maior entre mulheres, na proporção de duas mulheres para cada homem. O caráter hereditário desta doença torna imprescindível que parentes de primeiro grau de celíacos submetam-se ao teste para sua detecção.

Três formas de apresentação clínica da DC são reconhecidas, quais sejam: clássica ou típica, não clássica ou atípica, e assintomática ou silenciosa (16,17):

I - Forma Clássica: caracterizada pela presença de diarréia crônica, em geral acompanhada de distensão abdominal e perda de peso. O paciente também pode apresentar diminuição do tecido celular subcutâneo, atrofia da musculatura glútea, falta de apetite, alteração de humor (irritabilidade ou apatia), vômitos e anemia. Esta forma clínica pode ter evolução grave, conhecida como crise celíaca, que ocorre quando há retardo no diagnóstico e tratamento adequado, particularmente entre o primeiro e o segundo anos de vida, e frequentemente desencadeada por infecção. Esta complicação potencialmente fatal se caracteriza pela presença de diarréia com desidratação hipotônica grave, distensão abdominal por hipopotassemia e desnutrição grave, além de outras manifestações como hemorragia e tetania.

II - Forma Atípica: caracteriza-se por quadro mono ou oligossintomático, em que as manifestações digestivas estão ausentes ou, quando presentes, ocupam um segundo plano. Os pacientes deste grupo podem apresentar manifestações isoladas, como, por exemplo, baixa estatura, anemia por deficiência de ferro refratária à reposição de ferro por via oral, anemia por deficiência de folato e vitamina B12, osteoporose, hipoplasia do esmalte dentário, artralgias ou artrites, constipação intestinal refratária ao tratamento, atraso puberal, irregularidade do ciclo menstrual, esterilidade, abortos de repetição, ataxia, epilepsia (isolada ou associada à calcificação cerebral), neuropatia periférica, miopatia, manifestações psiquiátricas - depressão, autismo, esquizofrenia -, úlcera aftosa recorrente, elevação das enzimas hepáticas sem causa aparente, fraqueza, perda de peso sem causa aparente, edema de aparição abrupta após infecção ou cirurgia e dispepsia não ulcerosa.

III - Forma Silenciosa: caracterizada por alterações sorológicas e histológicas da mucosa do intestino delgado compatíveis com DC, na ausência de manifestações clínicas. Esta situação pode ser comprovada especialmente entre grupos de risco para a DC como, por exemplo, parentes de primeiro grau de pacientes com DC, e vem sendo reconhecida com maior frequência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento dos marcadores sorológicos para esta doença.

Deve-se mencionar a dermatite herpetiforme, considerada DC da pele, que se apresenta com lesões cutâneas do tipo bolhoso e intensamente pruriginoso e que se relaciona também com a intolerância permanente ao glúten.

2. CLASSIFICAÇÃO CID 10

K90.0 Doença Celíaca

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3. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Serão incluídos neste Protocolo:

I - Indivíduos que apresentem sintomas ou sinais das formas clássica e atípica de DC;

II - Indivíduos de risco, entre os quais a prevalência de DC é esperada como consideravelmente maior do que a população geral: parentes de primeiro grau (pais e irmãos) de pacientes com DC (18-21); indivíduos com anemia por deficiência de ferro refratária à reposição de ferro oral (22), com redução da densidade mineral óssea (23-24), com atraso puberal ou baixa estatura sem causa aparente (25-26); indivíduos com doenças autoimunes, como diabetes melito insulinodependente (27), tireoidite autoimune (28), deficiência seletiva de IgA (29), Síndrome de Sjögren (30), colestase autoimune (31), miocardite autoimune (32); indivíduos com síndrome de Down (33), com síndrome de Turner (34), com síndrome de Williams (34), com infertilidade (35), com história de aborto espontâneo (36) ou com dermatite herpetiforme (37).

4. DIAGNÓSTICO

Para o diagnóstico definitivo da DC é imprescindível a realização de endoscopia digestiva alta, com biópsia de intestino delgado, devendo-se obter pelo menos 4 fragmentos da porção mais distal do duodeno, pelo menos segunda ou terceira porção, para exame histopatológico do material biopsiado, exame este considerado o padrão-ouro no diagnóstico da doença (34).

Os marcadores sorológicos são úteis para identificar os indivíduos que deverão submeter-se à biópsia de intestino delgado, especialmente aqueles com ausência de sintomas gastrointestinais, doenças associadas à DC e parentes de primeiro grau assintomáticos. Os marcadores sorológicos também são úteis para acompanhamento do paciente celíaco, como, por exemplo, para detectar transgressão à dieta. São três os principais testes sorológicos para a detecção da intolerância ao glúten: anticorpo antigliadina, anticorpo antiendomísio e anticorpo antitransglutaminase.

Com relação ao anticorpo antigliadina, descrito por Haeney et al., em 1978, determinado pela técnica de ELISA, deve-se mencionar que a especificidade do anticorpo da classe IgA (71% a 97% nos adultos e 92% a 97% nas crianças) é maior do que da classe IgG (50%), e que a sensibilidade é extremamente variável em ambas as classes (38,39).

O anticorpo antiendomísio da classe IgA, descrito por Chorzelski et al, em 1984, é baseado na técnica de imunofluorescência indireta. Apresenta alta sensibilidade (entre 88% e 100% nas crianças e entre 87% a 89% no adulto), sendo baixa em crianças menores de dois anos, e sua especificidade também é alta (91% a 100% nas crianças e 99% nos adultos) (38,39). No entanto, é um teste que depende da experiência do examinador, de menor custo/benefício e técnica mais trabalhosa do que a de ELISA (40).

Com relação ao anticorpo antitransglutaminase da classe IgA, descrito por Dieterich et al., em 1997, obtido pelo método de ELISA, o seu teste é de elevada sensibilidade (92% a 100% em crianças e adultos) e alta especificidade (91% a 100%) (38).

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Em resumo, há superioridade do anticorpo antiendomísio e do anticorpo antitransglutaminase, ambos da classe IgA, principalmente o anticorpo antitransglutaminase recombinante humana IgA, em relação ao antigliadina. Considerando a maior facilidade da dosagem do anticorpo antitransglutaminase, aliado À elevadas sensibilidade e especificidade na população pediátrica e adulta, este é o teste sorológico de escolha para avaliação inicial dos indivíduos com suspeita de intolerância ao glúten (40).

Deve-se destacar que a deficiência de imunoglobulina A é responsável por resultados falsos negativos dos testes sorológicos antiendomísio e antitransglutaminase da classe IgA. Por este motivo, indica-se como testes diagnósticos iniciais da DC a dosagem sérica simultânea do anticorpo antitransglutaminase da classe IgA e da imunoglobulina A.

Deve-se enfatizar que, até o momento, os marcadores sorológicos para DC não substituem o exame histopatológico do intestino delgado, que continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico de DC. Os testes sorológicos serão considerados testes diagnósticos iniciais, que identificam os indivíduos a serem encaminhados para a biópsia duodenal.

No entanto, deve-se considerar que há indicação de biópsia para indivíduos com sintomas ou sinais de DC, mas com marcadores sorológicos negativos, principalmente se integram grupo de risco.

Em relação à biópsia de intestino delgado, para que a interpretação histológica do fragmento seja fidedigna, é fundamental o intercâmbio entre o médico endoscopista e o médico responsável direto pelo doente - de preferência médico experiente em Gastroenterologia Pediátrica ou Clínica - com o médico patologista. A orientação do fragmento de biópsia pelo endoscopista e a inclusão correta deste material em parafina pelo histotecnologista são de extrema importância para a avaliação anátomo-patológica dos fragmentos biopsiados.

O papel do médico endoscopista no diagnóstico da doença pela biópsia de intestino delgado é fundamental e a execução da técnica deve ser impecável. Após a retirada de cada fragmento da segunda ou terceira porção do duodeno - ou porções ainda mais distais do intestino delgado que o endoscópio consiga atingir. Deve haver cuidado com a manipulação dos fragmentos de intestino delgado que, por ser amostra muito delicada, facilmente está sujeita a se desintegrar e impossibilitar a análise histológica. Além disso, é imprescindível que cada fragmento de biópsia seja colocado, separadamente, em papel de filtro, com o correto posicionamento, num total de 4 (quatro) fragmentos em seus respectivos papéis de filtro dentro de um frasco contendo formol.

A lesão clássica da DC consiste em mucosa plana ou quase plana, com criptas alongadas e aumento de mitoses, epitélio superficial cubóide, com vacuolizações, borda estriada borrada, aumento do número de linfócitos intraepiteliais e lâmina própria com denso infiltrado de linfócitos e plasmócitos. Marsh, em 1992, demonstrou haver sequência da progressão da lesão da mucosa de intestino delgado na DC: estágio 0 (padrão pré-infiltrativo), com fragmento sem alterações histológicas e, portanto, considerado normal; estágio I (padrão infiltrativo), em que a arquitetura da mucosa apresenta-se normal com aumento do infiltrado dos linfócitos intra-epiteliais (LIE); estágio II (lesão hiperplásica), caracterizado por alargamento das criptas e aumento do

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número de LIE; estágio III (padrão destrutivo), em que há presença de atrofia vilositária, hiperplasia críptica e aumento do número de LIE; e estágio IV (padrão hipoplásico), caracterizado por atrofia total com hipoplasia críptica, considerada forma possivelmente irreversível. Nos últimos anos, alguns autores têm tentado aperfeiçoar este critério, tanto no que diz respeito à valorização do grau de atrofia vilositária (41), quanto em padronizar o número de linfócitos intraepiteliais considerados aumentados (41-44).

É necessário comentar que a alteração de mucosa intestinal do tipo Marsh III, que se caracteriza pela presença de atrofia vilositária, demonstra evidência de associação de DC (43,44), embora não seja lesão patognomônica desta doença.

A primeira padronização do diagnóstico da DC foi proposta pela Sociedade Européia de Gastroenterologia Pediátrica em 1969 (45). Este critério recomendava a primeira biópsia diagnóstica, a seguir dois anos de dieta sem glúten e biópsia de controle; caso esta fosse normal, seria necessário o desencadeamento com dieta com glúten por três meses ou até o aparecimento de sintomas, e a 3ª biópsia que, se mostrasse alterações compatíveis com a DC, a comprovaria definitivamente.

Caso não houvesse alteração nesta última biópsia, o paciente deveria permanecer em observação por vários anos, pois poderia tratar-se de erro diagnóstico ou retardo na resposta histológica.

Em 1990, após a introdução dos testes sorológicos e melhor experiência com a doença, a mesma Sociedade modificou estes critérios, dispensando a provocação e a 3ª biópsia na maioria dos pacientes (46). Exceções a isso seriam quando o diagnóstico fosse estabelecido antes dos dois anos de idade ou quando houvesse dúvida com relação ao diagnóstico inicial como, por exemplo, falta evidente de resposta clínica à dieta sem glúten, não realização de biópsia inicial ou quando esta biópsia foi inadequada ou não típica da DC (46).

5. FLUXO PARA O DIAGNÓSTICO DA DOENÇA CELÍACA

Na evidência de sintomas ou sinais das formas clássicas e atípicas da DC e para indivíduos de risco solicitar, simultaneamente, a dosagem do anticorpo antitransglutaminase recombinante humana da classe IgA (TTG) e da imunoglobulina A (IgA).

Se ambas as dosagens mostrarem-se normais, o acometimento do indivíduo pela DC é pouco provável no momento. Entretanto, na forte suspeita de DC, encaminhar o paciente para serviço de Clínica Médica, Gastroenterologia ou Pediatria para melhor avaliação quanto à realização de biópsia de intestino delgado. Em se tratando de indivíduo com parente de primeiro grau acometido de DC, ou com diagnóstico de doença autoimune ou doença não autoimune relacionada à DC, repetir dosagem do TTG no futuro.

Se a dosagem do anticorpo antitransglutaminase (TTG) for anormal, o indivíduo deverá ser encaminhado a serviço de Clínica Médica, Gastroenterologia ou Pediatria com vistas à realização de biópsia de intestino delgado.

Se a dosagem do anticorpo antitransglutaminase (TTG) for normal, mas a dosagem de imunoglobulina A (IgA) estiver alterada, deve ser considerada a

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possibilidade de falso negativo pela presença de imunodeficiência primária, e o indivíduo deverá ser encaminhado a serviço de Clínica Médica, Gastroenterologia ou Pediatria com vistas à realização de biópsia de intestino delgado.

Caso o exame histopatológico seja positivo para lesão clássica da mucosa intestinal da DC, confirma-se o diagnóstico desta doença.

Por último, para a situação de perfil diagnóstico TTG anormal, IgA normal e biópsia de intestino delgado negativa, o indivíduo não tem DC e o resultado da dosagem de TTG deve ser considerado falso positivo. Contudo, o exame histopatológico deve ser revisto e, se realmente for negativo, ou seja, se estiver ausente a lesão clássica da mucosa do intestino delgado, considerar o achado endoscópico como lesão em mosaico (acometimento em patchy) e indicar nova biópsia intestinal com a obtenção de múltiplos fragmentos. Se, novamente, o padrão histológico não for de DC, a existência desta doença é pouco provável.

6. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO

O tratamento da DC consiste na dieta sem glúten, devendose, portanto, excluir da alimentação alimentos que contenham trigo, centeio, cevada e aveia, por toda a vida (47).

Com a instituição de dieta totalmente (56) sem glúten, há normalização da mucosa intestinal, assim como das manifestações clínicas. Porém, no caso de diagnóstico tardio, pode haver alteração da permeabilidade da membrana intestinal por longo período de tempo e a absorção de macromoléculas poderá desencadear quadro de hipersensibilidade alimentar, resultando em manifestações alérgicas (48). Esse quadro deve ser considerado, quando o indivíduo não responde adequadamente à dieta sem glúten e apresenta negatividade nos exames sorológicos para DC.

É necessário destacar que as deficiências nutricionais decorrentes da má-absorção dos macro e micronutrientes, por exemplo, deficiência de ferro, ácido fólico, vitamina B12 e cálcio, devem ser diagnosticadas e tratadas. Assim, deve-se atentar para a necessidade de terapêutica medicamentosa adequada para correção dessas deficiências.

O dano nas vilosidades da mucosa intestinal pode ocasionar deficiência na produção das dissacaridases, na dependência do grau de seu acometimento. Por isso, deve-se verificar a intolerância temporária à lactose e sacarose, que se reverte com a normalização das vilosidades (49).

Há relatos de uma série de manifestações não malignas associadas à DC, como, por exemplo, osteoporose, esterilidade, distúrbios neurológicos e psiquiátricos (50).

Dentre as doenças malignas, são relatadas associações com o adenocarcinoma de intestino delgado, linfoma e carcinoma de esôfago e faringe (51). O risco dessas manifestações está associado com a inobservância à dieta isenta de glúten e com o diagnóstico tardio, como nos sintomas neurológicos (52).

Portanto, justifica-se a prescrição de dieta totalmente isenta de glúten, por toda a vida a todos os indivíduos com DC, independentemente das manifestações clínicas. A

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adoção da dieta isenta de glúten deve ser rigorosa, pois transgressões sucessivas a ela poderão desencadear um estado de refratariedade ao tratamento (49).

A dieta imposta é restrita, difícil e permanente, ocasionando alterações na rotina dos indivíduos e de sua família, lembrando-se que, devido ao caráter familiar da desordem, aproximadamente 10% dos parentes dos celíacos podem apresentar a mesma doença (53).

Também enfatiza-se a necessidade da atenção multidisciplinar e multiprofissional aos indivíduos com DC, pois, além dos cuidados médicos, eles podem precisar de atendimento por profissionais de nutrição, psicologia e serviço social de forma individualizada e coletiva (53, 54).

7. REGULAÇÃO, CONTROLE E AVALIAÇÃO

A regulação do acesso é um componente essencial da gestão para a organização da rede assistencial e garantia do atendimento dos doentes, e muito facilita as ações de controle e avaliação, que incluem, entre outras, a manutenção atualizada do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), o monitoramento da produção dos procedimentos (por exemplo, frequência apresentada versus autorizada, valores apresentados versus autorizados versus pagos) e, como verificação do atendimento, os resultados do teste de detecção e o resultado da biópsia duodenal e as consultas de acompanhamento. Ações de auditoria devem verificar in loco, por exemplo, a existência e observância da regulação do acesso assistencial, a compatibilidade da cobrança com os serviços executados, a abrangência e a integralidade assistenciais, e o grau de satisfação dos doentes.

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