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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Instituto de Ciências Biológicas Departamento de Biologia Celular DESENVOLVIMENTO E MAPEAMENTO DE MARCADORES MICROSSATÉLITES E IDENTIFICAÇÃO DE QTLs LIGADOS À PRODUTIVIDADE E À RESISTÊNCIA À MANCHA PRETA EM Arachis spp. Tese de Doutorado MÁRCIO DE CARVALHO MORETZSOHN Brasília - DF 2006

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA Instituto de Cincias Biolgicas Departamento de Biologia Celular

DESENVOLVIMENTO E MAPEAMENTO DE MARCADORES MICROSSATLITES E IDENTIFICAO DE QTLs LIGADOS

PRODUTIVIDADE E RESISTNCIA MANCHA PRETA EM Arachis spp.

Tese de Doutorado

MRCIO DE CARVALHO MORETZSOHN

Braslia - DF

2006

ii

Universidade de Braslia

Departamento de Biologia Celular

Curso de Ps-Graduao em Biologia Molecular

DESENVOLVIMENTO E MAPEAMENTO DE MARCADORES MICROSSATLITES E IDENTIFICAO DE QTLs LIGADOS PRODUTIVIDADE E RESISTNCIA

MANCHA PRETA EM Arachis spp.

Mrcio de Carvalho Moretzsohn

Orientador: Dr. David John Bertioli

Tese apresentada ao Departamento de

Biologia Celular do Instituto de Biologia, da

Universidade de Braslia, como requisito

parcial para obteno do grau de Doutor em

Cincias Biolgicas, rea de concentrao:

Biologia Molecular.

Braslia-DF, 2006

iii

Termo de Aprovao Tese apresentada ao Departamento de Biologia Celular da Universidade de Braslia, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Cincias Biolgicas, rea de concentrao Biologia Molecular. Tese defendida e aprovada em 29/11/2006 por:

Dr. David John Bertioli Universidade Catlica de Braslia / UnB

Dr. Dario Grattapaglia Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia / UnB

Dr. Mrcio Elias Ferreira Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia / UnB

Dr. Alexandre Siqueira Guedes Coelho Universidade Federal de Gois

Dr. Marcos Aparecido Gimenes Instituto Agronmico de Campinas

Membro suplente: Dra. Glucia Salles Cortopassi Buso (Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia)

iv

minha esposa, Anna,

e aos meus filhos, Jlia e Henrique,

DEDICO.

memria de meu pai,

OFEREO.

v

AGRADECIMENTOS

A realizao dessa tese somente foi possvel pelo apoio recebido de diversas

pessoas e instituies, mas gostaria de agradecer de maneira especial:

Embrapa, pela oportunidade do treinamento e pela concesso da bolsa de

estudo;

Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia, pela infra-estrutura de

trabalho e pelo apoio recebido; Ao Departamento de Biologia Celular da UnB, pela concesso desse

treinamento e aos professores da UnB, pelos ensinamentos;

Ao Dr. David Bertioli, pela amizade, orientao, sugestes e apoio durante a

realizao desse trabalho;

Ao Dr. Dario Grattapaglia, pela co-orientao, sugestes e tambm pela

amizade e por todo o apoio recebido;

Dra. Patrcia Guimares, pelo acompanhamento desse trabalho, na

condio de Conselheira Acadmica junto Embrapa;

s Dras. Soraya Leal-Bertioli e Alessandra Fvero, pela conduo dos

bioensaios;

Ao BIRD/PRODETAB, Unio Europia e ao Generation Challenge Program

pelo suporte financeiro e aos Drs. David, Patrcia e Soraya pelo empenho na gesto

desses projetos, cuidando do fornecimento dos meios necessrios para a realizao

dessa tese;

Aos estagirios do Laboratrio de Gentica Vegetal da Embrapa Recursos

Genticos e Biotecnologia, Raphael, Aryanne, Saulo, Ronaldo e Ediene, pela ajuda

nas atividades de laboratrio em diferentes fases desse trabalho;

Ao Leandro, pelo cuidado com as plantas nas casas de vegetao;

Llia Leoi, pela ajuda na construo das bibliotecas genmicas;

Carol Jos, pela anlise dos marcadores RGA;

Ao Dr. Valls pela concesso dos acessos de Arachis utilizados;

toda a equipe envolvida nos projetos de amendoim, pela colaborao;

Aos meus amigos do Laboratrio de Gentica Vegetal da Embrapa Recursos

Genticos e Biotecnologia, em especial, Glucia, Ana Ciampi, Marco Antnio,

Zilneide, Marlia e Vnia.

vi

ndice

Lista de figuras ......................................................................................................... viii Lista de tabelas ...........................................................................................................x Resumo ...................................................................................................................... 1 Abstract ...................................................................................................................... 3 1. INTRODUO GERAL .......................................................................................... 5

1.1. O amendoim cultivado (Arachis hypogaea L.) ................................................. 5 1.2. O gnero Arachis ............................................................................................. 7 1.3. Uso de espcies silvestres no melhoramento do amendoim ........................... 8 1.4. Mapeamento gentico.................................................................................... 10

1.4.1. Construo de mapas genticos ............................................................. 10 1.4.2. Mapas genticos em Arachis .................................................................. 14

1.5. Marcadores moleculares................................................................................ 16 1.5.1. Marcadores microssatlites..................................................................... 16 1.5.2. Marcadores ncoras................................................................................ 19 1.5.3. Anlogos a genes de resistncia............................................................. 20

1.6. Mapeamento de QTLs e seleo assistida por marcadores .......................... 22 1.7. Mapeamento de QTLs em Arachis................................................................. 25

2. OBJETIVOS GERAIS........................................................................................... 27 Captulo 1 - Desenvolvimento e caracterizao de marcadores microssatlites para o amendoim (Arachis hypogaea L.) 1. INTRODUO ..................................................................................................... 29 2. MATERIAL E MTODOS ..................................................................................... 31

2.1. Material vegetal.............................................................................................. 31 2.2. Extrao e quantificao de DNA .................................................................. 31 2.3. Construo de bibliotecas genmicas............................................................ 33 2.4. Seqenciamento de DNA e desenho de primers ........................................... 34 2.5. Condies de PCR e eletroforese dos marcadores microssatlites .............. 35 2.6. Caracterizao dos novos marcadores microssatlites ................................. 35

3. RESULTADOS E DISCUSSO............................................................................ 37 3.1. Desenvolvimento de marcadores microssatlites .......................................... 37 3.2. Caractersticas das regies repetitivas em Arachis ....................................... 39 3.3. Polimorfismo e transferibilidade dos novos marcadores microssatlites ....... 40 3.4. Caracterizao do contedo gnico das bibliotecas usadas para desenvolvimento dos marcadores ........................................................................ 46 3.5. Relaes genticas entre acessos de A. hypogaea ...................................... 48

4. CONCLUSES .................................................................................................... 51 Captulo 2 - Construo de um mapa de ligao e mapeamento de QTLs ligados produtividade e resistncia mancha preta em espcies diplides de Arachis com genoma AA 1. INTRODUO ..................................................................................................... 53 2. MATERIAL E MTODOS ..................................................................................... 55

2.1. Material vegetal.............................................................................................. 55 2.2. Extrao de DNA e PCR dos locos microssatlites ....................................... 55

vii

2.3. Construo do mapa...................................................................................... 55 2.4. Avaliao fenotpica....................................................................................... 58 2.5. Anlise de QTLs ............................................................................................ 59

3. RESULTADOS E DISCUSSO............................................................................ 61 3.1. Construo do mapa...................................................................................... 61 3.2. Anlise de QTLs ............................................................................................ 67

3.2.1. QTLs para peso de sementes ................................................................. 69 3.2.2. QTLs para nmero de sementes por planta ............................................ 75 3.2.3. QTLs para resistncia mancha preta (C. personatum)......................... 78 3.2.4. Co-localizao de QTLs .......................................................................... 82 3.2.5. Genes candidatos.................................................................................... 82

4. CONCLUSES .................................................................................................... 84 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 86 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 88 ANEXOS

ANEXO 1 - Moretzsohn et al., 2005.....................................................................104 ANEXO 2 - Martins et al., 2006............................................................................117 ANEXO 3 - Planilha com as informaes sobre os marcadores ..........................122

viii

Lista de figuras INTRODUO GERAL

Figura 1 Base gentica dos marcadores microssatlites: (A) Seqncia de DNA contendo as regies repetitivas, (B) gentipos para esse loco de 3 plantas hipotticas e (C) migrao dos diferentes alelos em gel de eletroforese. ............. 17

Captulo 1 - Desenvolvimento e caracterizao de marcadores microssatlites para o amendoim (Arachis hypogaea L.)

Figura 1 Nmero de marcadores detectados por classe de tamanho de repeties (grfico A) e relaes entre nmero de repeties dos microssatlites e o polimorfismo detectado nas anlises de A. duranensis e A. stenosperma e em seis acessos de A. hypogaea (grfico B). Nessa anlise, foram considerados 225 marcadores que amplificaram produtos com boas resolues em A. duranensis e A. stenosperma e 236 marcadores na anlise de A. hypogaea. ........................... 41 Figura 2 - Dendrograma, obtido pelo mtodo UPGMA, baseado nas distncias de alelos comuns (shared allele distance), entre 16 acessos de A. hypogaea (Tabela 1). As letras aps cada acesso correspondem s subespcies e variedades: FF-fastigiata/fastigiata; FV-fastigiata/vulgaris; FA-fastigiata/ aequatoriana; FP-fastigiata/peruviana; HH-hypogaea/hypogaea; HHi-hypogaea/hirsuta. Xingu corresponde ao tipo Xingu, que parece pertencer subespcie hypogaea. .......................................................................................... 50

Captulo 2 - Construo de um mapa de ligao e mapeamento de QTLs ligados produtividade e resistncia mancha preta em espcies diplides de Arachis com genoma AA

Figura 1 Padres de amplificao obtidos com o primer RN8C09, por eletroforese em gel de poliacrilamida 5% (foto A) e com os primers RN10F09 (foto B) e Leg69, que um marcador ncora (foto C), em gis de agarose 3,5%. Na foto A, a primeira e a ltima linhas so padres de tamanhos conhecidos (10-bp DNA ladder). Nos trs gis, da esquerda para a direita: A. duranensis (acesso K7988), usado como progenitor feminino; A.stenosperma (acesso V10309), progenitor masculino; hbrido F1 e 45 indivduos F2 na foto A e 21 indivduos F2 nas fotos B e C. A seta, na foto A, indica o fragmento de 250 pares de bases. ......................... 62 Figura 2 Mapa gentico obtido pela anlise de 93 plantas F2, resultantes do cruzamento entre A. duranensis e A. stenosperma. Marcadores que no segregaram de acordo com as propores esperadas apresentam o smbolo # aps o nome, sendo # para distores a 5%; ## a 1% e ### para marcadores altamente distorcidos, com valores de X2 maiores do que 30. Marcadores que compem o framework map esto sublinhados e os possveis marcadores gnicos esto em itlico. esquerda de cada grupo aparecem as distncias de Kosambi. Os marcadores dominantes apresentam Ad ou As aps os nomes, dependendo da origem do fragmento amplificado (Ad - A.duranensis e As - A.stenosperma). Marcadores que amplificaram dois locos apresentam os nmeros _1 e _2 aps os nomes. Locos mapeados com LOD

ix

marcadores RGA tm RGA aps o nome da sonda utilizada (RFLP) ou da espcie de origem da banda amplificada (AFLP modificado). Os demais marcadores so microssatlites............................................................................ 64 Figura 3 Distribuio de freqncias fenotpicas das trs caractersticas avaliadas na populao F2: (A) peso de sementes, (B) nmero de sementes por planta e (C) resistncia mancha-preta. Os fentipos dos progenitores feminino (P1) e masculino (P2) e do hbrido F1 so indicados para as caractersticas peso de sementes e resistncia mancha-preta. Para nmero de sementes apresentada somente a mdia fenotpica. ................................................................................. 68

Figura 4 Localizao de QTLs para as trs caractersticas fenotpicas avaliadas: peso de sementes (psem), nmero de sementes por planta (nsem) e resistncia ao fungo Cercosporidium personatum (Cp). Os marcadores adjacentes aos QTLs aparecem em negrito. As demais informaes referentes nomenclatura dos marcadores e ao mapa de ligao encontram-se na legenda da figura 2 (pgina 67)......................................................................................................................... 74

Figura 5 QTLs identificados para a caracterstica nmero de sementes por planta, pelo mtodo de mapeamento por intervalo composto. So apresentados apenas os dois grupos de ligao nos quais foram mapeados QTLs com valores de LOD escore maiores do que 4,1. Cada pico acima da linha horizontal, que indica o ponto de corte (LOD escore=4,1), representa um possvel QTL.. ........... 76

Figura 6 Mapeamento de QTLs para resistncia ao fungo Cercosporidium personatum, causador da mancha-preta em Arachis spp, pelo mtodo de mapeamento por intervalo composto.. .................................................................. 80

x

Lista de tabelas

Captulo 1: Desenvolvimento e caracterizao de marcadores microssatlites para o amendoim (Arachis hypogaea L.)

Tabela 1 Acessos de Arachis hypogaea includos na caracterizao dos novos marcadores microssatlites. Os acessos utilizados na triagem inicial dos 271 novos marcadores so identificados com um asterisco aps o nome. So apresentados tambm a classificao taxonmica e o local de coleta de cada acesso................................................................................................................... 32

Tabela 2 Nmero de marcadores polimrficos detectados na anlise de dois acessos de espcies silvestres de Arachis - A. duranensis (K 7988) e A. stenosperma (V 10309) - e de seis acessos de A. hypogaea, incluindo as seis variedades botnicas. Os seis marcadores desenvolvidos a partir de genes de A. hypogaea, depositados no GenBank, no foram includos. .................................. 42

Tabela 3 Pares de primers, nota referente qualidade dos produtos amplificados, amplitude de comprimento dos fragmentos, nmero de indivduos analisados (n), nmero total de alelos amplificados (A) e diversidade gnica (GD) para os 62 novos marcadores microssatlites polimrficos para A. hypogaea, identificados no presente estudo .......................................................................... 43

Tabela 4 Contedo gnico de diferentes bibliotecas estimado por BlastX (valores de E < 10-8) contra Arabidopsis e protenas de leguminosas. Os dados de ESTs so apresentados apenas para comparao com as bibliotecas genmicas. ...... 47

Tabela 5 Matriz de distncias genticas entre 16 acessos de A. hypogaea, estimadas pelo mtodo de alelos comuns (shared allele distance). As letras aps cada acesso correspondem s subespcies, variedades e tipos: FF-fastigiata/fastigiata; FV-fastigiata/vulgaris; FA-fastigiata/aequatoriana; FP-fastigiata/peruviana; HH-hypogaea/hypogaea; HHi-hypogaea/hirsuta; Xingu - hypogaea tipo Xingu ............................................................................................. 49

Captulo 2: Construo de um mapa de ligao para espcies diplides de Arachis com genoma AA e mapeamento de QTLs de interesse agronmico para o amendoim

Tabela 1 - Mdias e desvios-padres (s) para trs caractersticas fenotpicas estimados para os acessos progenitores e plantas F1 e F2. Para a populao F2 so apresentados tambm os valores mnimos e mximos.................................. 67

Tabela 2 Coeficientes de correlao de Pearson, obtidos para as trs caractersticas avaliadas na populao F2............................................................ 68

Tabela 3 Marcadores significativamente associados caracterstica peso de sementes pela anlise de marcas simples. Todos os marcadores so codominantes........................................................................................................ 69

xi

Tabela 4 QTLs detectados para a caracterstica peso de sementes, pelo mtodo de mapeamento por intervalo mltiplo. Todos os marcadores so codominantes................................................................................................................................ 71

Tabela 5 Marcadores significativamente associados caracterstica nmero de sementes por planta, pela anlise de marcas simples. Todos os marcadores so codominantes........................................................................................................ 75

Tabela 6 QTLs detectados para a caracterstica nmero de sementes por planta, pelo mtodo de mapeamento por intervalo mltiplo. Os marcadores S1A36RGA_B e S1A36RGA_D so dominantes (RGA); os demais so codominantes.. ............ 77

Tabela 7 Marcadores significativamente associados resistncia ao fungo Cercosporidium personatum, causador da mancha preta, pela anlise de marcas simples. Todos os marcadores so codominantes.. ............................................. 79

Tabela 8 QTLs detectados para a caracterstica resistncia ao fungo Cercosporidium personatum, causador da mancha preta em Arachis spp, pelo mtodo de mapeamento por intervalo mltiplo ..................................................... 81

Resumo

O amendoim cultivado (Arachis hypogaea) uma cultura importante, amplamente cultivada nas regies tropicais e subtropicais do mundo. bastante

susceptvel a diversos estresses biticos e abiticos, para os quais muitas das

espcies silvestres so resistentes. Como um primeiro passo visando a introgresso

desses genes de resistncia no amendoim cultivado, um mapa de ligao foi

construdo, usando uma populao F2, obtida do cruzamento entre duas espcies

silvestres diplides de genoma AA (A. duranensis e A. stenosperma). Esse mapa foi

baseado em marcadores microssatlites e marcadores ncoras, ambos

codominantes e transferveis entre espcies aparentadas. Um total de 271 novos

marcadores microssatlites foi desenvolvido no presente trabalho, a partir de

bibliotecas genmicas enriquecidas para microssatlites, de bibliotecas de etiquetas

de seqncias expressas (ESTs ou expressed sequence tags) e por minerao

(data mining) de seqncias disponveis no GenBank. Para facilitar o

desenvolvimento dos marcadores a partir de um grande nmero de seqncias, foi

utilizado um mdulo de programas desenvolvido em parceria com a Universidade

Catlica de Gois e com a Universidade Catlica de Braslia. Esse mdulo integra

um programa para busca de microssatlites (TROLL), um conjunto de programas

para agrupamento e processamento das seqncias (Staden package) e um terceiro

programa, para desenho de primers (Primer3). Com isso, o desenvolvimento dos

marcadores pde ser automatizado, tornando o processo bem mais rpido e

eficiente. Dos 271 novos marcadores microssatlites, 66 mostraram-se polimrficos

para o amendoim cultivado e 62 deles foram utilizados para anlise das relaes

genticas entre acessos representando as seis variedades botnicas descritas de A.

hypogaea. Os resultados obtidos foram consistentes com a classificao taxonmica

atual, exceto para as variedades fastigiata/peruviana e fastigiata/aequatoriana, que

formaram um grupo separado e distante das outras duas variedades da subespcie

fastigiata. Os 271 novos marcadores microssatlites, alm de outros 218 publicados

ou em publicao para o amendoim foram testados, usando-se os dois progenitores.

Desses 489 marcadores microssatlites, 215 (44,0%) mostraram-se polimrficos,

sendo 181 codominantes e 34 dominantes (amplificaram alelos nulos em um dos

progenitores). Os 99 marcadores microssatlites codominantes que no

apresentaram distores da segregao 1:2:1 esperada (p

2

marcadores ncoras no distorcidos (de um total de 72), foram utilizados para o

estabelecimento dos grupos de ligao. Em seguida, os marcadores distorcidos e os

dominantes foram includos no mapa. Usando um LOD escore mnimo de 11, 182

marcadores microssatlites, 66 marcadores ncoras e 12 RGAs foram mapeados

em 10 grupos de ligao, como esperado, uma vez que Arachis duranensis e A.

stenosperma so espcies diplides com 2n=20 cromossomos. Um comprimento de

mapa total igual a 1645,1 cM foi obtido, com uma distncia mdia de 6,32 cM entre

marcadores. Esse mapa foi utilizado para o mapeamento de QTLs que controlam

trs caractersticas de interesse para o melhoramento do amendoim. Dez QTLs que

controlam o peso de sementes, oito QTLs que controlam o nmero de sementes

produzidas por planta e dois QTLs para resistncia ao fungo causador da mancha

preta (Cercosporidium personatum) foram significativamente identificados pelo

mtodo de mapeamento por intervalo mltiplo. Esse o primeiro mapa baseado em

marcadores microssatlites desenvolvido para Arachis. Alm disso, os primeiros

QTLs para componentes da produtividade e para resistncia mancha preta foram

mapeados em Arachis spp. Uma vez que a maioria dos marcadores microssatlites

utilizados foi desenvolvida a partir de ESTs e de bibliotecas genmicas digeridas

com enzimas de restrio sensveis a metilao, mais da metade dos marcadores

mapeados, incluindo os marcadores ncoras, so provavelmente gnicos. Os

grupos de ligao identificados nesse trabalho, as ordens dos marcadores obtidas e

os QTLs mapeados esto sendo validados em outras populaes de mapeamento,

visando a construo de um mapa de referncia para Arachis e a obteno de

estimativas mais robustas sobre os QTLs identificados, para uso dessas informaes

nos programas de melhoramento do amendoim.

3

Abstract

Cultivated peanut (Arachis hypogaea) is an important crop, widely grown in tropical

and subtropical regions of the world. It is highly susceptible to several biotic and

abiotic stresses to which wild species are resistant. As a first step towards the

introgression of these resistance genes into cultivated peanut, a linkage map was

constructed, using an F2 population obtained from a cross between two diploid wild

species with AA genome (A. duranensis and A. stenosperma). The map was based

on microsatellite and anchor markers that are both codominant and transferable

among related species. A total of 271 new microsatellite markers were developed in

the present study from SSR-enriched genomic libraries, ESTs, and by data-mining

sequences available in GenBank. To aid the development of microsatellite markers

from a great number of sequences, a module, developed in collaboration with the

Catholic University of Gois and the Catholic University of Braslia, was used. This

module integrates a program for the detection of microsatellites (TROLL), the Staden

Package for the assembly and processing of sequences, and a software for primer

design (Primer3). By using this module, the SSR marker development was

automated, and the process proved to be fast and efficient. Of the 271 new SSR

markers, 66 were polymorphic for cultivated peanut and 62 were used for the genetic

relationship analysis of accessions representing the six described botanical varieties

of A. hypogaea. Results were consistent with the actual taxonomic classification,

except for the fastigiata/peruviana and fastigiata/aequatoriana varieties, which

formed a separated group, distant from the other two fastigiata varieties. The 271

new markers plus another 218 published or being published for peanut were

screened against both progenitors. A total of 215 (44.0%) were polymorphic, with 181

codominant and 34 dominant markers (amplified null alleles in one of the

progenitors). The 99 codominant markers segregating 1:2:1 (p

4

for the mapping of QTL for three traits of interest for the peanut breeding programs.

Ten QTL controlling seed weight, eight QTLs for seed number and two QTLs for

resistance against the fungus C. personatum were significantly mapped by using the

multiple interval mapping method. This is the first microsatellite-based map published

for Arachis. Moreover, the first QTLs for yield components and for resistance to late

leafspot were mapped in Arachis spp. Because most markers used were derived

from ESTs and genomic libraries made using methylation sensitive restriction

enzymes, more than a half of the markers, including the anchor markers, are genic.

Linkage group ordering and the mapped QTL are being validated in other mapping

populations, with the aim of constructing a transferable reference map for Arachis

and to obtain more robust estimates about the mapped QTL for use in the peanut

breeding programs.

5

1. INTRODUO GERAL

1.1. O amendoim cultivado (Arachis hypogaea L.)

O amendoim uma cultura importante internacionalmente, tanto para

produo de leo, como para consumo direto, constituindo uma das principais fontes

de protenas e vitaminas em diversos pases em desenvolvimento da sia, frica e

Amrica do Sul (Savage & Keenan, 1994). Seus gros contm cerca de 45% de

leos, 25% de protenas e 20% de carboidratos (Godoy et al., 1999; Holbrook &

Stalker, 2003). Sua folhagem utilizada como forragem e a torta resultante da

extrao do leo usada como rao animal. Alm disso, a capacidade de fixar

nitrognio da raiz do amendoim, mantendo a fertilidade do solo, especialmente

importante para os pequenos produtores que, em geral, no tm condies de

utilizar fertilizantes qumicos. Por isso, o amendoim tambm bastante cultivado

para subsistncia por pequenos agricultores, principalmente na sia, frica e no

nordeste do Brasil (Singh & Singh, 1991; Hammons, 1994). Outras espcies do

gnero Arachis possuem grande valor como plantas forrageiras (A. glabrata, A.

pintoi) e alto potencial como cobertura para controle de eroses e como plantas

ornamentais (A. repens, A. helodes, A. kempff-mercadoi) (Valls, 2000). Alm disso,

A. villosulicarpa e A. stenosperma permanecem sendo cultivadas para produo de

gros alimentcios por indgenas brasileiros (Stalker & Simpson, 1995; Freitas et al.,

2003).

O amendoim cultivado, sob diversos sistemas de produo, em mais de 80

pases nas Amricas, na sia e na frica (Singh & Singh, 1991; Holbrook & Isleib,

2001). A produo mundial encontra-se estvel nos ltimos seis anos, tendo atingido

36,4 milhes de toneladas de amendoim com casca e 5,9 milhes de toneladas de

leo em 2004, o que coloca o amendoim em quinto lugar entre as plantas

oleaginosas, atrs da soja (30 milhes de toneladas), dend (28 Mt), colza (12,6 Mt)

e girassol (9,9 Mt) (FAO, 2006). Mais de 90% da produo de amendoim provm da

sia e da frica, sendo a China (34,1% da produo mundial), ndia (28,5%) e

Nigria (5,2%) os maiores produtores mundiais (FAO, 2006). No Brasil, o cultivo de

amendoim pequeno, representando menos de 1% da produo mundial. Apesar

disso, a produo nacional aumentou cerca de 34% nos ltimos quatro anos, tendo

atingido 291.966 toneladas de amendoim com casca e 45.000 toneladas de leo na

6

safra 2004/2005, colhidos em 125.490 hectares (FAO, 2006). Cerca de 85% da rea

plantada no Brasil encontra-se no estado de So Paulo (CONAB, 2006).

Arachis hypogaea possui duas subespcies fastigiata e hypogaea,

classificadas em seis variedades botnicas, com base em caractersticas

morfolgicas e nos hbitos de crescimento da planta (Krapovickas & Gregory, 1994).

A subespcie hypogaea apresenta ciclo longo, hbito rasteiro, sementes com

dormncia, flores no eixo central e possui duas variedades, hypogaea e hirsuta. A

variedade hypogaea apresenta vagens com 2 ou 3 sementes, enquanto a variedade

hirsuta apresenta vagens com nervuras bem marcadas, com uma salincia em uma

das extremidades em forma de bico de papagaio e 3 ou 4 sementes. A subespcie

fastigiata, de ciclo mais curto, porte ereto, sem dormncia e sem flores no eixo

central, dividida nas variedades fastigiata, vulgaris, aequatoriana e peruviana. A

variedade fastigiata apresenta 3 ou 4 sementes por vagem e a variedade vulgaris,

apenas duas. As variedades aequatoriana e peruviana apresentam distribuio

bastante restrita. A variedade peruviana apresenta vagens com reticulao

acentuada e nervuras longitudinais salientes. A variedade aequatoriana

caracterizada por fololos pilosos e vagens rugosas, contendo de 3 a 5 sementes

coloridas. Agronomicamente, o amendoim tem sido classificado em diferentes

grupos, sendo os principais Valncia, Spanish e Virgnia. Embora cultivares de cada

um desses grupos possam ter em sua origem acessos de diferentes subespcies e

variedades, morfologicamente, o grupo Valncia classificado como subsp.

fastigiata var. fastigiata; o grupo Spanish como fastigiata var. vulgaris e o grupo

Virgnia como pertencente subsp. hypogaea var. hypogaea.

Arachis hypogaea considerada uma espcie autgama, com estrutura floral

que facilita a autofecundao: anteras e estigma na mesma altura e envoltas por

uma quilha (Santos & Godoy, 1999). A peculiaridade do amendoim que, embora as

flores sejam areas, os frutos e as sementes so produzidos abaixo da superfcie do

solo. Aps a fertilizao, a regio basal do ovrio alonga-se, formando uma estrutura

conhecida como pendo (peg) ou ginforo, que dotado de geotropismo positivo.

Devido produo subterrnea da semente, a disperso natural do amendoim

torna-se limitada, resultando em populaes com lenta expanso de permetro e

grande isolamento geogrfico (Valls, 2000).

7

1.2. O gnero Arachis

O gnero Arachis pertence famlia Leguminosae ou Fabaceae e nativo da

Amrica do Sul, provavelmente, da regio de divisa entre o Brasil Central e o

Paraguai (Gregory et al., 1980). Sua distribuio natural restrita ao Brasil, Bolvia,

Paraguai, Argentina e Uruguai (Valls & Simpson, 1994). Possui 80 espcies

descritas, reunidas em nove sees taxonmicas, de acordo com a morfologia,

distribuio geogrfica e viabilidade de cruzamentos (Krapovickas & Gregory, 1994;

Valls & Simpson, 2005). As nove sees so: Trierectoides, Erectoides,

Extranervosae, Triseminatae, Heteranthae, Caulorrhizae, Procumbentes,

Rhizomatosae e Arachis. A seo Arachis, qual pertence o amendoim, apresenta

outras 30 espcies descritas, que so classificadas nessa seo por cruzarem com

A. hypogaea.

A grande maioria das espcies da seo Arachis diplide, mas o amendoim

cultivado (A. hypogaea) alotetraplide (2n=4x=40), com genoma AABB. O genoma

AA caracterizado pela presena de um par de cromossomos, chamado A (Husted,

1936), de tamanho bastante reduzido e que apresenta um menor nvel de

condensao da eucromatina em relao aos demais cromossomos (Seijo et al.,

2004). As espcies diplides de genoma AA podem ser perenes ou anuais, mas

cruzam-se facilmente entre si, produzindo hbridos com viabilidade de plen de

mdia a alta (Gregory & Gregory, 1979; Krapovickas & Gregory, 1994; Fvero,

2004). As demais espcies diplides com 2n=20, todas anuais, formam um grupo

mais heterogneo, com aparentes subgrupos (Valls, 2000; Moretzsohn et al., 2004).

Essas espcies, que no apresentam o par A, so consideradas como possuidoras

do genoma BB de A. hypogaea, com exceo de A. glandulifera, que possui o

genoma chamado DD, caracterizado pela presena de seis pares de cromossomos

subtelocntricos (Stalker, 1991). Alm disso, trs espcies possuem 2n=18

cromossomos (A. decora, A. praecox e A. palustris) (Lavia, 1996; 1998; Pealoza &

Valls, 1997) e uma outra espcie tambm tetraplide, A. monticola, considerada

por vrios autores como uma espcie progenitora do amendoim cultivado (Gregory &

Gregory, 1976; Raina & Mukai, 1999; Raina et al., 2001, Moretzsohn et al., 2004;

Milla et al., 2005).

A origem de A. hypogaea tem sido objeto de bastante debate. Por ser um

alotetraplide, acredita-se que tenha surgido da hibridizao entre duas espcies

8

diplides. Diversas espcies tm sido sugeridas como as possveis doadoras dos

genomas AA e BB (revisto por Fvero et al., 2006). Com base em dados de

marcadores moleculares, de distribuio geogrfica e de FISH (Fluorescent In Situ

Hybridization), acredita-se que o amendoim seja resultante de um cruzamento entre

A. ipansis, doadora do genoma BB, e A. duranensis, doadora do genoma AA

(Kochert et al., 1991; 1996; Seijo et al., 2004). Recentemente, o amendoim pde ser

refeito a partir do cruzamento entre essas duas espcies (Fvero et al., 2006).

Assim, A. ipansis, usada como parental feminina foi cruzada com A. duranensis,

usada como doadora de plen. A planta F1 resultante, diplide, foi duplicada com

colchicina, obtendo-se uma planta tetraplide AABB. Essa planta foi cruzada com A.

hypogaea, gerando hbridos frteis e dando suporte hiptese de que A. duranensis

e A. ipansis so os provveis doadores dos genomas AA e BB, respectivamente,

para o amendoim.

O amendoim, portanto, deve ter-se originado da hibridizao de duas

espcies diplides, seguida de um evento de duplicao espontnea de

cromossomos (Halward et al., 1991; Young et al., 1996). A planta resultante devia

apresentar maior vigor hbrido, mas, por ser tetraplide, tornou-se isolada

reprodutivamente de seus parentes silvestres. Como conseqncia, todas as raas

locais de amendoim so, provavelmente, derivadas de uma ou poucas plantas. Esse

fato levou a uma variabilidade gentica reduzida, o que tem dificultado os avanos

no melhoramento molecular do amendoim. Por outro lado, espcies silvestres de

Arachis apresentam maior variabilidade gentica (Hilu & Stalker, 1995; Stalker et al.,

1995; Burow et al., 2001; Moretzsohn et al., 2004; Milla et al., 2005), alm de

possurem resistncias a diferentes fatores biticos e abiticos, que so de interesse

para o melhoramento do amendoim (Stalker & Simpson, 1995; Rao et al., 2003b;

Dwivedi et al., 2003; 2006).

1.3. Uso de espcies silvestres no melhoramento do amendoim

Por constiturem importante fonte de genes teis, espcies silvestres de

Arachis vm sendo introduzidas em programas de melhoramento do amendoim. A

transferncia de genes dessas espcies para A. hypogaea tem tido algum sucesso,

sempre a partir de espcies da seo Arachis. A. monticola, espcie tambm

tetraplide, foi usada em cruzamentos interespecficos com A. hypogaea, resultando

9

nas primeiras cultivares de amendoim com genes de espcies silvestres, Spancross

e Tamnut 74 (Isleib & Wynne, 1992). Apesar disso, essas cultivares no apresentam

nenhuma caracterstica fenotpica que possa ser identificada como derivada de

espcies silvestres.

Simpson & Starr (2001) registraram a primeira cultivar de amendoim com

genes identificveis que foram transferidos de espcies silvestres de Arachis. Essa

cultivar, chamada COAN, foi obtida a partir de retrocruzamentos (RC5) de A.

hypogaea cv. Florunner, usada como parental recorrente, com um complexo hbrido

interespecfico, chamado TxAG-6, resultante do cruzamento entre {A. batizocoi x (A.

cardenasii x A. diogoi)} e posterior duplicao de cromossomos por colchicina.

COAN resistente ao nematide-das-galhas (Meloidogyne arenaria e M. javanica),

mas extremamente susceptvel ao tomato spotted wilt virus- TSWV, que uma das

principais doenas do amendoim, especialmente nos Estados Unidos (Holbrook &

Stalker, 2003). A seleo de plantas na gerao RC7 desse mesmo programa de

retrocruzamentos resultou na cultivar NemaTAM, resistente a nematides, mais

produtiva do que a COAN, mas tambm bastante susceptvel ao TSWV (Starr et al.,

2002; Simpson et al., 2003).

Outras tentativas de introgresso de genes oriundos de espcies silvestres de

Arachis para o amendoim vm sendo feitas em diferentes programas de

melhoramento (Dwivedi et al., 2003; Holbrook & Stalker, 2003). No entanto, essas

iniciativas so ainda bastante reduzidas, se considerado o grande potencial que

essas espcies representam. A introgresso de genes teis em A. hypogaea

apresenta uma srie de dificuldades que tem limitado o uso dessas espcies no

melhoramento do amendoim. Mesmo quando espcies compatveis so utilizadas,

barreiras de esterilidade esto presentes, devido a diferentes nveis de ploidia,

incompatibilidades genmicas e diferenas genticas (Holbrook & Stalker, 2003). O

mtodo mais utilizado tem sido o retrocruzamento, usando-se as espcies silvestres

como parental doador e A. hypogaea como parental recorrente. Dessa forma, junto

com o(s) gene(s) de interesse, partes do genoma do parental doador so

transferidas para o parental recorrente (linkage drag). Freqentemente, essas

regies do genoma possuem genes que controlam caractersticas indesejveis,

como por exemplo, baixa produtividade e qualidade inferior. O processo de

introgresso apenas dos genes teis pode ser otimizado e acelerado pelo uso de

seleo assistida por marcadores. Para isso, a construo de mapas genticos e o

10

mapeamento de genes que controlam as caractersticas de interesse so de

fundamental importncia e essas tcnicas comeam a ser introduzidas nos

principais programas de melhoramento da cultura (Dwivedi et al., 2006).

1.4. Mapeamento gentico

1.4.1. Construo de mapas genticos

Os fundamentos tericos sobre ligao gnica, base para a construo de mapas genticos, surgiram com os trabalhos de Morgan e colaboradores (1910) e

Sturtevant, que em 1913 sugeriu a utilizao de freqncia de recombinantes como

medida da distncia entre dois genes (Coelho & Silva, 2002). Mas foi com o

surgimento dos marcadores moleculares, na dcada de 80, que a construo de

mapas genticos saturados tornou-se possvel. Marcadores moleculares so

disponveis em grande nmero, so polimrficos, seletivamente neutros e no

sofrem influncia ambiental. Mapas genticos de marcadores moleculares permitem

identificar, mapear e medir a magnitude do efeito dos principais genes envolvidos no

controle de caractersticas monognicas ou quantitativas (Ferreira & Grattapaglia,

1998). Uma vez mapeados, marcadores associados a esses genes podem ser

utilizados para seleo indireta, o que torna mais rpido e eficiente o melhoramento

tradicional (seleo assistida por marcadores).

Mapas genticos tambm servem de base para o isolamento de genes,

visando sua utilizao em biotecnologia. Essa estratgia conhecida como

clonagem baseada em mapeamento ou clonagem posicional. Para isso,

necessria a construo de uma biblioteca, contendo grandes fragmentos de DNA

genmico (por exemplo, BACs bacterial artificial chromosomes). Nos ltimos

anos, bibliotecas de BACs tm sido construdas para diversas espcies de plantas,

incluindo o amendoim cultivado (Yuksel & Paterson, 2005) e espcies silvestres de

Arachis com genomas AA (A. duranensis) e BB (A. ipansis) (Bertioli e

colaboradores, ainda no publicado).

A construo de mapas genticos envolve trs etapas principais: (1)

produo da populao de mapeamento; (2) identificao de polimorfismos e (3)

anlise de ligao entre os marcadores.

11

Populaes de mapeamento

A construo de mapas genticos baseia-se na existncia de desequilbrio de

ligao, que definido como desvios das freqncias allicas, em relao s

freqncias esperadas sob independncia (Coelho & Silva, 2002). Fatores como

migrao e seleo podem causar desequilbrio de ligao e, por isso, para a

construo de mapas genticos necessrio o desenvolvimento de populaes de

mapeamento. Nesse caso, o desequilbrio de ligao causado, basicamente, pela

ligao fsica entre os locos. Os indivduos utilizados como progenitores na formao

dessas populaes devem ser contrastantes para caractersticas de interesse, alm

de possurem uma distncia gentica suficiente para a identificao de marcadores

polimrficos, possibilitando a construo do mapa. O tamanho das populaes de

mapeamento em plantas varia, geralmente, de 50 a 250 indivduos, mas populaes

maiores so necessrias para mapeamento de alta resoluo (Mohan et al., 1997;

Collard et al., 2005).

Diferentes tipos de populao podem ser utilizados para a construo de

mapas, sendo as mais comuns as populaes obtidas por retrocruzamentos,

populaes F2, linhagens puras recombinantes (RILs ou Recombinant Inbred

Lines), linhagens de duplo-haplides e, no caso de espcies de fecundao

cruzada, cruzamentos entre indivduos heterozigotos (Ferreira & Grattapaglia, 1998;

Collard et al., 2005). Cada um desses delineamentos possui vantagens e

desvantagens. Populaes F2 e de retrocruzamentos so as mais fceis e rpidas

de serem obtidas, mas apresentam a desvantagem de que os indivduos so nicos,

o que dificulta a avaliao de uma determinada caracterstica em diferentes

ambientes. Uma vantagem da populao F2 sobre a populao de retrocruzamentos,

que os indivduos da gerao F2 so formados por dois gametas com locos em

desequilbrio de ligao, e no por um nico, como no caso dos indivduos obtidos

por retrocruzamentos (Coelho & Silva, 2002). Linhagens puras recombinantes so

obtidas por autofecundaes sucessivas, a partir de F2, gerando uma srie de

linhagens homozigotas, cada uma contendo uma combinao nica de segmentos

cromossmicos provenientes dos progenitores. A principal desvantagem o longo

tempo necessrio para desenvolvimento dessas populaes, que requer,

geralmente, de seis a oito geraes (Collard et al., 2005). Populaes de duplo-

haplides so produzidas pela induo de duplicao cromossmica a partir de

12

gros-de-plen, regenerando plantas inteiras. Esses dois ltimos delineamentos

apresentam a vantagem de produzir populaes imortalizadas, que podem ser

multiplicadas e reproduzidas, sem alteraes genticas. Isso possibilita a conduo

de ensaios em diferentes ambientes e anos. Para espcies algamas, de ciclo longo

ou que apresentam depresso por endogamia, a obteno de linhagens

endogmicas impraticvel. Nesse caso, o cruzamento entre indivduos

heterozigotos geralmente utilizado para a construo de mapas. A escolha do tipo

de populao mais apropriada ao mapeamento est relacionada espcie em

questo, mas tambm ao tipo de marcador empregado (Tanksley et al., 1988),

considerando que o mximo de informao gentica alcanado com uma

populao F2 e marcadores codominantes (Staub et al., 1996; Carneiro & Vieira,

2002).

Identificao de polimorfismos

O segundo passo na construo de mapas genticos a identificao de

marcadores polimrficos. Nesse caso, algumas centenas de marcadores so

testadas nas plantas progenitoras, dependendo da distncia gentica entre elas.

Para escolha do tipo de marcador molecular a ser utilizado devem ser consideradas

as caractersticas de cada marcador, com suas vantagens e desvantagens, alm de

outros fatores, como a disponibilidade de marcadores para a espcie em questo, a

infra-estrutura laboratorial disponvel e o treinamento do pessoal envolvido. Uma vez

identificados, os marcadores polimrficos so genotipados na populao de

mapeamento e os padres de segregao analisados (1:2:1, 3:1 ou 1:1,

dependendo do tipo de populao e marcador utilizados). Para isso, so utilizados

geralmente testes de X2.

Anlise de ligao entre os marcadores

As etapas seguintes envolvem a deteco de ligao entre os marcadores, a

determinao das distncias genticas e o ordenamento dos marcadores nos grupos

de ligao.

A ligao entre cada par de marcadores verificada por comparaes entre

as freqncias allicas observadas e as freqncias esperadas sob independncia.

Para isso, geralmente so utilizados os testes de significncia de X2 ou pela razo

13

de verossimilhana (LR). Segundo Lynch & Walsh (1998), LR calculada pela razo

da funo de verossimilhana, sob a hiptese de que h ligao e sob a hiptese

nula de que no h ligao. Esse teste estatstico tem distribuio aproximada de X2.

Para facilitar a interpretao desse teste, tem sido utilizada a estatstica do LOD

escore (Log of the odds), que consiste em utilizar a estatstica da razo de

verossimilhana convertida para o logaritmo na base 10. Em geral, consideram-se

ligados locos que apresentam valores de LOD superiores ou iguais a 3, uma vez que

esse valor indica que a hiptese alternativa 103 = 1000 vezes mais verossmil do

que a hiptese nula de segregao independente.

As distncias genticas entre os marcadores ligados so calculadas, pelas

freqncias de recombinantes, em porcentagens. No entanto, essa medida no

aditiva, uma vez que permutas duplas em segmentos adjacentes no so

detectadas. Com isso, a incluso de novos marcadores no mapa requer que as

distncias j mapeadas sejam ajustadas. Para se evitar esse problema, so

utilizadas funes de mapeamento. Um grande nmero de funes de mapeamento

foi desenvolvido, mas as mais utilizadas em plantas so as funes de Haldane

(1919) e de Kosambi (1944) (Liu, 1998; Coelho & Silva, 2002). A funo de Haldane

assume que as ocorrncias de permutas gnicas em segmentos adjacentes so

independentes (sem interferncia), enquanto a de Kosambi leva em considerao a

interferncia, sendo, provavelmente, mais prxima da situao real. As funes de

mapeamento so, em geral, expressas em cM (centiMorgan) que igual a 0,01

Morgan. Um Morgan equivale distncia entre dois genes ao longo da qual se

espera que ocorra uma permuta (crossing-over) por gameta por gerao (Weir,

1996).

Uma vez conhecidas as fraes de recombinao entre cada par de

marcadores, os grupos de ligao so identificados. Do ponto de vista biolgico,

grupos de ligao so definidos como grupos de genes (marcadores), cujos locos

esto localizados no mesmo cromossomo (Carneiro & Vieira, 2002). Programas

como Mapmaker (Lander et al., 1987) e GQMOL (Cruz, 2004) permitem a deteco

de ligao em um conjunto de centenas de marcadores, como comum nos

experimentos atuais, e o ordenamento dos marcadores dentro dos grupos de

ligao. O estabelecimento dos grupos de ligao, usando-se esses programas,

feito pela funo de verossimilhana ou LOD escore. Dessa forma, um valor de LOD

mnimo utilizado (geralmente 3) para identificao dos grupos de ligao. A

14

etapa seguinte consiste na determinao da melhor ordem dos marcadores dentro

de cada grupo. Historicamente, o ordenamento de locos tem sido um processo que

visa minimizar o nmero de crossing-overs ou permutas genticas (Liu, 1998). O

ordenamento de grupos de trs marcadores pode ser feito, de maneira simples, pela

identificao dos duplo-recombinantes, ou seja, por comparaes das classes

paternais (com maior freqncia) e as classes originadas de permutas duplas, com

menor freqncia, obtidas a partir do cruzamento entre o triplo heterozigoto e um

homozigoto recessivo (Schuster & Cruz, 2004). Para ordenamento de marcadores

mltiplos, vrios mtodos tm sido desenvolvidos, incluindo mnima soma de fraes

de recombinao adjacentes (SARF), mnimo produto de fraes de recombinao

adjacentes (PARF), mxima soma de LOD escores adjacentes (SALOD), mnima

soma de probabilidades de duplas recombinaes (PDR) e mxima verossimilhana

(ML) (Liu, 1998; Carneiro & Vieira, 2002; Coelho & Silva, 2002). Esses mtodos so

impraticveis quando muitos locos esto envolvidos, uma vez que o nmero de

ordens possvel para m locos igual a m!/2. Por isso, alguns algoritmos tm sido

utilizados para determinao da ordem dos marcadores nos grupos de ligao, tais

como seriao, anelamento simulado, ramos e conexes ou combinaes de mais

de um desses mtodos (Liu, 1998). Seriao e anelamento simulado so algoritmos

de aproximao e, portanto, no garantem que a melhor ordem seja obtida. Por

outro lado, o mtodo de ramos e conexes garante a melhor ordem, mas a anlise

pode demorar bastante tempo, no caso de grupos com muitos marcadores.

Simulaes de ordenamento de locos usando cinco desses mtodos (SARF, PARF,

SALOD, ML e seriao) em uma populao hipottica de duplo-haplides resultaram

em coeficientes de correlao maiores do que 0,99, indicando que todos os mtodos

produziram ordens de marcadores bastante similares (Wu et al., 2003). Deve-se

ressaltar, no entanto, que a acurcia da determinao da melhor ordem de

marcadores em um grupo de ligao est diretamente relacionada ao nmero de

indivduos da populao de mapeamento e, quanto maior o nmero de indivduos,

maior a acurcia.

1.4.2. Mapas genticos em Arachis

Mapas de ligao baseados em diferentes tipos de marcadores moleculares

tm sido construdos para as mais diversas espcies de plantas (revisto por Ferreira

15

& Grattapaglia, 1998; Collard et al., 2005). No entanto, poucos mapas genticos

foram publicados para Arachis. Halward e colaboradores (1993) desenvolveram um

mapa baseado em marcadores RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphism),

utilizando uma populao de 87 indivduos F2, derivada de um cruzamento entre

duas espcies silvestres diplides com genoma AA (A. stenosperma x A. cardenasii).

Foram mapeados 117 locos em 11 grupos de ligao, com uma distncia de mapa

total de 1063 cM e uma distncia mdia de 9,08 cM. Com base nesse mapa, embora

pouco saturado, Garcia e colaboradores (1995) utilizaram marcadores RFLP

dispersos pelos 11 grupos de ligao, junto a marcadores RAPD (Random

Amplified Polymorphic DNA) no mapeados, para a anlise de linhas de

introgresso tetraplides, resultantes de um cruzamento entre A. hypogaea (AABB)

e A. cardenasii (genoma AA, duplicado com colchicina). Com isso, os autores

detectaram a introgresso de regies cromossmicas da espcie silvestre diplide

no amendoim cultivado. Essa anlise mostrou que recombinao, e no substituio

cromossmica era o mecanismo de introgresso, o que um resultado importante

para o uso de espcies silvestres de Arachis nos programas de melhoramento do

amendoim.

Devido baixa variabilidade gentica do amendoim cultivado, populaes

anfidiplides sintticas tm sido usadas para a construo de mapas genticos

(Dwivedi et al., 2006). Dessa forma, uma planta anfidiplide sinttica, obtida pelo

cruzamento de {A. batizocoi x (A. cardenasii x A. diogoi)} e posterior duplicao de

cromossomos com colchicina, foi utilizada como parental doador em um cruzamento

com A. hypogaea, gerando uma populao RC1 de 78 indivduos, que foi utilizada

para a construo de um mapa de ligao (Burow et al., 2001). A. cardenasii e A.

diogoi possuem genoma AA, enquanto A. batizocoi possui genoma BB. Esse mapa

consistiu de 370 marcadores RFLP, mapeados em 23 grupos de ligao, com uma

distncia total de 2210 cM e uma densidade mdia de 5,97 cM. Esse foi o primeiro

mapa tetraplide publicado para Arachis. Recentemente, o primeiro mapa para

o amendoim cultivado, embora bastante preliminar, foi publicado, a partir de uma

populao F2 (Herselman et al., 2004). Cinco grupos de ligao com apenas 11

marcadores AFLP (Amplified Fragment Length Polymorphism) foram obtidos,

cobrindo 139,4 cM do genoma.

16

1.5. Marcadores moleculares 1.5.1. Marcadores microssatlites

A anlise com marcadores RFLP requer pessoal tcnico habilitado,

instalaes adequadas para a manipulao de DNA recombinante e de material

radioativo e uma tcnica laboriosa e de alto custo, enquanto marcadores RAPD e

AFLP so dominantes e, portanto, pouco informativos. Conseqentemente, esses

trs tipos de marcadores moleculares no so ferramentas ideais para uso em

seleo assistida. Microssatlites ou SSR (simple sequence repeats ou seqncias

repetitivas simples) so seqncias de 1 a 6 nucleotdeos que se repetem lado a

lado na fita de DNA (Figura 1), no genoma de eucariotos (Tautz & Renz, 1984; Litt &

Luty, 1989). Regies contendo essas seqncias podem ser amplificadas por PCR

(Reao em Cadeia da Polimerase), utilizando um par de primers especficos (cerca

de 20-25 bases) complementares a seqncias conservadas que flanqueiam o

microssatlite. Essa tcnica revela polimorfismo em um loco, devido a diferenas no

nmero de vezes que o microssatlite (por exemplo, CA, AG, TTG, ATGC) repete-se

naquele loco (Tautz, 1989; Weber & May 1989; Hancock, 1995). Cada segmento

amplificado de tamanho diferente representa um alelo diferente do mesmo loco. A

taxa de mutao nestas seqncias repetitivas em geral alta. Isso ocorre devido

alta incidncia de slippage ou escorregamento da enzima polimerase, causando

um pareamento incorreto dos microssatlites durante a replicao, resultando em

cpias de trechos de DNA com tamanhos diferentes (Levinson & Gutman, 1987;

Schltterer & Tautz, 1992). Marcadores SSR caracterizam-se por serem

codominantes, abundantes, aparentemente distribudos por todo o genoma,

multiallicos e dependentes de pequena quantidade de DNA dos indivduos

analisados, por serem baseados em PCR e em eletroforese em gel.

17

Figura 1 Base gentica dos marcadores microssatlites: (A) Seqncia de DNA contendo as regies repetitivas, (B) gentipos para esse loco de 3 plantas hipotticas e (C) migrao dos diferentes alelos em gel de eletroforese.

Essas caractersticas fazem dos microssatlites os marcadores mais

indicados para diversos estudos, incluindo a construo de mapas de ligao

(revisto por Gupta & Varshney, 2000; Ellegren, 2004). Uma vantagem adicional

que esses marcadores apresentam, em geral, alta taxa de transferncia entre

espcies aparentadas e at mesmo entre gneros da mesma famlia (Choumane et

al., 2004; Gutierrez et al., 2005). Isso ocorre porque, embora as regies

microssatlites estejam sujeitas a altas taxas de mutao, as regies flanqueadoras

so freqentemente conservadas entre espcies ou gneros prximos. Em Arachis,

a taxa de transferncia foi estimada em 76% para espcies da seo Arachis e em

45% para as demais oito sees do gnero (Moretzsohn et al., 2004). Isso possibilita

55

TTGTTGTTGTTGTTGTTGTTGTTGAACAACAACAACAACAACAACAAC

Alelo (TTG)8

55

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55

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Alelo (TTG)9

Alelo (TTG)10

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Alelo (TTG)8

A5

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Alelo (TTG)8

55

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55

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Alelo (TTG)9

Alelo (TTG)10

55

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Alelo (TTG)8

A

Planta 1

Planta 2

Planta 3

TTG8 / TTG8

TTG9 / TTG10

TTG13 / TTG15

1 2 3B CPlanta 1

Planta 2

Planta 3

TTG8 / TTG8

TTG9 / TTG10

TTG13 / TTG15

1 2 3B C

18

o uso dos marcadores microssatlites em estudos de genmica comparativa e para

validao de mapas de ligao obtidos em diferentes backgrounds genticos. A

principal desvantagem desses marcadores o alto custo inicial para seu

desenvolvimento, que geralmente requer a construo de bibliotecas genmicas

enriquecidas para seqncias contendo SSRs. No entanto, com a crescente

disponibilidade de etiquetas de seqncias expressas (expressed sequence tags

ou ESTs) e de outros dados de seqncias de DNA, o desenvolvimento de

marcadores SSR, por meio de minerao de dados (data mining), tornou-se uma

opo rpida, eficiente e de baixo custo para muitas espcies de plantas.

Um grande nmero de marcadores microssatlites tem sido desenvolvido

para o amendoim nos ltimos anos. Hopkins e colaboradores (1999) publicaram os

primeiros marcadores microssatlites para o amendoim, desenvolvidos a partir de

bibliotecas genmicas enriquecidas para repeties GT/CA e CT/GA. De um total de

26 pares de primers desenhados, seis mostraram-se polimrficos em uma anlise de

19 acessos de A. hypogaea, incluindo quatro das seis variedades botnicas

conhecidas. Nesse trabalho, apenas as seqncias dos seis primers polimrficos

foram publicadas. Posteriormente, 56 novos marcadores foram desenvolvidos a

partir de uma biblioteca genmica enriquecida para repeties GA/CT (He et al.,

2003). Desses, 19 mostraram-se polimrficos na anlise de 24 acessos de

amendoim, incluindo as seis variedades conhecidas. Esses mesmos autores

publicaram outros 19 marcadores SSR polimrficos para o amendoim, sendo 10 a

partir da biblioteca mencionada acima e nove, a partir de uma biblioteca de cDNAs

(He et al., 2005). O nmero de marcadores microssatlites disponvel para Arachis

aumentou consideravelmente com a publicao de Ferguson e colaboradores

(2004b). Nesse trabalho, foram desenvolvidos 192 novos marcadores, a partir de

bibliotecas enriquecidas para diferentes repeties de di, tri e tetranucleotdeos. A

anlise de 24 acessos das seis variedades de A. hypogaea resultou na identificao

de 110 marcadores polimrficos para o amendoim. Alm disso, 67 marcadores

microssatlites foram desenvolvidos, a partir de uma biblioteca genmica

enriquecida para repeties TTG/AAC, dos quais apenas trs mostraram-se

polimrficos na anlise de cinco acessos de A. hypogaea representando cinco

variedades botnicas (Moretzsohn et al., 2004). Finalmente, 36 marcadores

microssatlites foram desenvolvidos para A. hypogaea, A. pintoi e A. glabrata pelo

mesmo grupo de pesquisa, a partir de bibliotecas genmicas enriquecidas para

19

AC/TG, AG/TC, TA/AT e TTC/AAG (Palmieri et al., 2002; 2005; Bravo et al., 2006;

Gimenes et al., 2006). Devido estreita base gentica de A. hypogaea, esses 396

marcadores disponveis so ainda insuficientes para a construo de mapas

genticos intra-especficos para o amendoim e, mesmo, para a construo de

mapas saturados para as espcies silvestres de Arachis. Por isso, neste trabalho,

uma bateria de marcadores microssatlites foi desenvolvida, a partir de bibliotecas

genmicas enriquecidas, de bibliotecas de cDNAs e por busca de seqncias no

GenBank (Captulo 1).

1.5.2. Marcadores ncoras Diversas iniciativas de seqenciamento de ESTs ou do genoma completo

encontram-se em andamento para diferentes espcies de plantas, incluindo

leguminosas. Com isso, tornou-se possvel o desenvolvimento de marcadores

universais (ncoras), que so marcadores gnicos e de cpias nicas, transferveis

entre espcies de uma mesma famlia, o que possibilita seu uso em estudos de

genmica comparativa. Mapeamento gentico comparativo permite a integrao de

informaes entre diferentes taxa e possibilita que espcies menos estudadas,

como Arachis, se beneficiem da grande quantidade de dados genmicos que esto

sendo gerados para espcies-modelos de leguminosas, como Lotus japonicus e

Medicago truncatula, a partir dos projetos de sequenciamento em larga escala que

se encontram atualmente em andamento para estas duas espcies (Young et al.,

2005; Cannon et al., 2006).

Em leguminosas, o desenvolvimento desses marcadores tem sido feito

seguindo a metodologia descrita por Lyons e colaboradores (1997), mas usando

programas de computador recentemente desenvolvidos para aumentar a eficincia

do processo (Fredslund et al., 2005; Fredslund et al., 2006). Por comparaes de

ESTs de Medicago truncatula, Glycine max e Lotus japonicus, so identificadas

seqncias conservadas evolutivamente (ECSs ou evolutionary conserved

sequences). As ECSs so alinhadas e introns so identificados, uma vez que essas

regies so mais sujeitas a mutaes e, portanto, tendem a ser mais polimrficas do

que as regies codificadoras. O comprimento dos introns importante porque a PCR

final limitada a um amplicon de 2,5 kb, aproximadamente, usando-se polimerases

padres e tambm porque introns muito pequenos tm menor probabilidade de ser

20

polimrficos. Em seguida, seqncias com similaridades nicas no proteoma de

Arabidopsis so selecionadas para desenho de primers, geralmente com bases

degeneradas, complementares s seqncias conservadas que flanqueiam os

introns. Esses primers so ento usados em PCR com os progenitores das

populaes de mapeamento e os fragmentos obtidos so seqenciados para

identificao de polimorfismos em introns e desenho de novos primers, especficos

para Arachis (ou outra espcie em questo). Dessa forma, possvel amplificar

regies ortlogas, com primers especficos para cada espcie analisada.

Alguns desses marcadores revelam polimorfismo de comprimento. No

entanto, para a grande maioria, so identificados SNPs (single nucleotide

polymorphisms ou polimorfismos de nucleotdeo nico) e os produtos de PCR so

clivados com enzimas de restrio especficas para cada marcador, gerando

marcadores dos tipos CAPS Cleaved Amplified Polymorphic Sequence

(Konieczny & Ausubel, 1993) ou dCAPS derived CAPS (Neff et al., 1998). A

tcnica de CAPS consiste do uso de primers especficos para amplificar uma

determinada regio no genoma, na qual polimorfismos so detectados pela perda ou

ganho de um stio de reconhecimento de uma determinada enzima de restrio. Na

tcnica dCAPS, um stio de reconhecimento de uma enzima de restrio que inclui

um SNP introduzido no produto de PCR por um primer que contm uma ou mais

bases no complementares ao DNA molde. Essas duas tcnicas apresentam as

vantagens de produzirem marcadores codominantes e de serem baseadas em PCR

e eletroforese em gel de agarose ou poliacrilamida.

1.5.3. Anlogos a genes de resistncia

Ao longo da evoluo, as plantas tm desenvolvido vrios mecanismos de

defesa para sua proteo contra doenas e parasitas. Um desses mecanismos

envolve o reconhecimento especfico do patgeno. Entre os eventos celulares que

caracterizam este tipo de resistncia esto a induo da expresso de genes de

defesa, freqentemente manifestada como uma resposta de hipersensibilidade

envolvendo morte celular programada no local da infeco (De Wit, 1995). Estes

genes so chamados genes de resistncia (R-genes).

Nos ltimos anos, um grande nmero de genes de resistncia para diferentes

patgenos tem sido isolado em plantas (Dixon et al., 1998; Yoshimura et al., 1998;

21

Wang et al., 1999; Wang et al., 2002). Esses genes de resistncia podem ser

agrupados pela similaridade em sua seqncia de aminocidos e apresentam

regies comuns. O maior grupo de genes de resistncia, em plantas, codifica para

protenas com o que se supe ser uma regio para ligao de nucleotdeos (NBS

nucleotide binding sites) no N-terminal, assim como uma regio com repeties de

leucina (LRR leucine-rich repeat) no C-terminal. O domnio LRR parece estar

ligado ao reconhecimento do patgeno (Jones & Jones, 1997). Em plantas, a nica

funo associada ao domnio NBS em resistncia a doenas (Tameling et al.,

2002). Enquanto a regio LRR muito varivel, a regio NBS apresenta motivos

conservados (Kobe & Deisenhofer, 1994). Esses motivos (por exemplo, P-loop,

Kinase-2, Kinase-3a) tm sido bastante utilizados para o desenho de primers

degenerados. Os fragmentos amplificados usando-se esses primers so

seqenciados e o produto de traduo putativo desses fragmentos tem indicado

similaridade com genes de resistncia conhecidos. Portanto, estes fragmentos so

chamados anlogos a genes de resistncia (RGAs). Esses trabalhos tm mostrado

que RGAs so freqentemente ligados a genes de resistncia ou, mesmo, partes de

genes de resistncia funcionais (Kanazin et al. 1996; Aarts et al., 1998; Collins et al.,

2001; Donald et al., 2002; McIntyre et al., 2005; Mammadov et al., 2006).

Essa metodologia foi utilizada, com sucesso, em Arachis (Bertioli et al., 2003;

Yuksel et al., 2005). No primeiro trabalho, primers degenerados para a regio NBS

foram desenhados e usados para amplificao em A. hypogaea var. Tatu e quatro

espcies silvestres (A. duranensis, A. cardenasii, A. stenosperma e A. simpsonii) que

apresentam resistncias a vrias doenas que atacam o amendoim. Setenta e oito

RGAs foram identificados, sendo que 63 deles apresentavam ORFs (Open Reading

Frames) no interrompidos. Anlises filogenticas dessas 63 seqncias e de

RGAs de outras espcies, como Glycine max, Lotus japonicus, Medicago truncatula,

Phaseolus vulgaris e Arabidopsis thaliana mostraram a formao de clados,

especficos para as leguminosas, de acordo com o tipo de RGA.

Representantes de cada um desses clados foram utilizados como sondas na

anlise de RFLPs e primers complementares ao motivo kinase-2 foram utilizados em

uma tcnica de AFLP modificada (Hayes & Saghai Maroof, 2000; van der Linden et

al., 2004), para desenvolvimento e mapeamento de RGAs em Arachis spp. (Jos,

2006). Essa tcnica similar ao AFLP (Vos et al., 1995), mas, na segunda PCR

utilizado um primer, especfico ou degenerado, complementar a regies conservadas

22

do motivo NBS, alm de um primer complementar ao adaptador ligado

extremidade do fragmento cortada com a enzima de corte freqente (nesse caso,

Mse I).

1.6. Mapeamento de QTLs e seleo assistida por marcadores

Tradicionalmente, nos programas de melhoramento de plantas em que se

utilizam espcies silvestres, so comuns os retrocruzamentos para a introduo de

genes que conferem caractersticas de interesse, como por exemplo, genes de

resistncia a pragas ou doenas. Em cada gerao de retrocruzamento so

selecionadas as plantas que apresentam o fentipo do alelo a ser introgredido e o

fentipo do parental recorrente para as outras caractersticas. Este processo resulta

na manuteno de parte do genoma doador associada ao gene a ser introgredido

(linkage drag), ou seja, genes no desejveis ou deletrios do parental doador

podem ser transferidos junto aos genes de interesse. Nesse esquema, vrias

geraes de retrocruzamento (8 a 10 geraes) so, em geral, necessrias para a

eliminao das caractersticas indesejveis.

O processo de seleo aps a introgresso pode ser otimizado por meio da

construo de mapas genticos e da identificao de marcadores moleculares

associados aos genes de interesse. Desta forma, possvel, em cada fase de

seleo, a escolha dos indivduos que contm o(s) gene(s) de interesse, mas

tambm, o mximo do gentipo do parental recorrente, diminuindo assim o tempo do

processo de melhoramento. Isso particularmente importante em programas que

visam a introgresso de genes de resistncia a doenas. Neste caso, a seleo

indireta atravs de marcadores moleculares oferece, alm da reduo de tempo, a

possibilidade de identificao e seleo de gentipos resistentes, sem que haja

necessidade da presena do patgeno e ainda possibilita a transferncia e a

manuteno de mais de um gene de resistncia principal durante a seleo

(piramidizao de genes de resistncia).

Para implementao de um esquema efetivo de seleo assistida por

marcadores em programas de melhoramento gentico, trs requerimentos so

essenciais: (1) os marcadores devem estar fortemente ligados aos genes que

controlam as caractersticas de interesse; (2) os marcadores moleculares utilizados

devem estar facilmente disponveis para a anlise de grandes populaes (portanto,

23

baseados em PCR), devem ser codominantes e dispersos por todo o genoma e (3)

as tcnicas utilizadas devem ser de baixo custo e reproduzveis entre laboratrios

(Mohan et al., 1997).

A maioria das caractersticas importantes agronomicamente, como

produtividade, precocidade, qualidade do gro e resistncias a alguns estresses

biticos ou abiticos em plantas controlada por vrios genes (caractersticas

polignicas, quantitativas ou de herana complexa). Nesse caso, os fentipos

resultantes apresentam uma variao contnua, em vez de classes fenotpicas

discretas. Os genes ou locos cromossmicos que controlam uma determinada

caracterstica quantitativa so denominados QTLs (Quantitative Trait Loci).

O mapeamento de QTLs consiste em se detectar uma associao entre o

fentipo em questo e o gentipo de marcadores. Marcadores so utilizados para

dividir a populao de mapeamento em classes genotpicas diferentes de acordo

com os gentipos do loco marcador. Em seguida, mtodos estatsticos so utilizados

para determinar se os indivduos das diferentes classes genotpicas diferem

significativamente, com respeito caracterstica sendo avaliada (Tanksley, 1993).

Se h diferenas significativas, considera-se que os genes que controlam a

caracterstica em questo esto ligados ao loco marcador. Os testes de significncia

desses parmetros so, geralmente, feitos pela razo de verossimilhana (LR) ou

por LOD escore. Os valores de LR ou de LOD so estimados para cada posio do

cromossomo e ento plotados em grficos, para facilitar a visualizao.

Trs mtodos tm sido mais utilizados para mapeamento de QTLs: anlises

de marcas simples, mapeamento por intervalo (Lander & Botstein, 1989) e

mapeamento por intervalo composto (Jansen, 1993; Zeng, 1993; 1994). O mtodo

de marcas simples baseia-se na comparao entre as mdias fenotpicas obtidas

para as diferentes classes genotpicas de um determinado marcador

individualmente. Os mtodos estatsticos geralmente utilizados para verificar se as

diferenas observadas so significativas incluem o teste de t, anlises de varincia

(ANOVA), regresso linear simples e o mtodo de mxima verossimilhana (Ferreira

& Grattapaglia, 1998; Coelho & Silva, 2002). Esse mtodo o mais simples e no

requer a construo de mapas. No entanto, de acordo com Liu (1998), a posio do

QTL no pode ser precisamente determinada e no possvel distinguir um QTL de

pequeno efeito situado muito prximo ao marcador de um QTL de grande efeito

situado mais longe.

24

O mapeamento por intervalo feito com base nas freqncias conjuntas de

um par de marcadores adjacentes e um QTL localizado entre esses dois marcadores

e, portanto, requer a existncia de um mapa de ligao. De acordo com Schuster &

Cruz (2004), esse mtodo consiste resumidamente das seguintes etapas: (a) como a

distncia entre cada par de marcadores conhecida, o mtodo investiga o intervalo

em incrementos predefinidos, usando a funo de mapeamento e estimando os

parmetros do modelo a cada ponto de anlise; (b) a funo de verossimilhana (ou

a anlise de regresso, Haley & Knott, 1992) ento usada para os clculos,

utilizando os valores estimados e tambm sob a hiptese nula de ausncia de QTL,

sendo calculada na forma de LOD escores para cada ponto ao longo do genoma; (c)

o mximo LOD escore entre todas as anlises indica a presena de um QTL, caso

seja maior do que um mnimo estabelecido estatisticamente. Esse mtodo apresenta

vantagens em relao ao mtodo de marcas simples, pois permite que sejam

estimados os parmetros envolvidos na anlise, como a mdia, a varincia, o efeito

do QTL e a distncia entre o QTL e os marcadores adjacentes (Lander & Botstein,

1989; Liu, 1998). No entanto, esse mtodo apresenta problemas quando h QTLs

ligados ou interaes entre QTLs (Liu, 1998). Por isolar o intervalo analisado do

restante do genoma, no considera os efeitos de outros QTLs prximos ao QTL

contido no intervalo, levando identificao de QTLs fantasmas (Lynch & Walsh,

1998; Coelho & Silva, 2002).

Esses problemas so quase totalmente resolvidos com o mtodo de

mapeamento por intervalo composto (Schuster & Cruz, 2004). Esse mtodo combina

o mapeamento por intervalo com a anlise de regresso linear mltipla, com o intuito

de se eliminar a interferncia de QTLs adjacentes ao intervalo que est sendo

mapeado, reduzindo a identificao de QTLs inexistentes (Coelho & Silva, 2002).

Atualmente, esse tem sido o mtodo mais utilizado, por permitir um aumento na

preciso e no poder de deteco de QTLs, especialmente quando QTLs ligados

esto envolvidos. No mtodo de mapeamento por intervalo composto, marcadores,

selecionados por regresso, so utilizados como cofatores, permitindo controlar os

efeitos de outros QTLs, enquanto o QTL do intervalo de interesse investigado. No

entanto, esse mtodo considera um nico QTL de cada vez. Recentemente, um

quarto mtodo foi desenvolvido, chamado mapeamento por intervalo mltiplo (Kao et

al., 1999). Esse mtodo utiliza intervalos mltiplos de marcadores simultaneamente

para a identificao de mltiplos possveis QTLs. Com isso, podem ser estimados os

25

efeitos de interao entre QTLs (epistasia), os valores genotpicos dos indivduos e

as herdabilidades das caractersticas quantitativas (Kao et al., 1999). Comparado

aos mtodos de marcas simples, de mapeamento por intervalo e por intervalo

composto, esse mtodo permite um aumento na preciso e no poder de deteco de

QTLs (Kao et al., 1999; Coelho & Silva, 2002).

1.7. Mapeamento de QTLs em Arachis

Poucos estudos de mapeamento de genes individuais ou de QTLs tm sido

publicados em Arachis. Garcia e colaboradores (1996) identificaram dois genes

dominantes, ligados, que conferiam resistncia ao nematide-das-galhas

(Meloidogyne arenaria raa 1), usando uma populao F2 tetraplide, derivada de

um cruzamento entre A. hypogaea e A. cardenasii (tratada com colchicina). Esses

genes foram designados Mae, gene que reduz a capacidade de reproduo do

patgeno (produo de ovos) e Mag, gene que inibe a formao de galhas.

Marcadores RAPD, SCAR e RFLP, junto a BSA ou Bulked Segregant Analysis

(Michelmore et al., 1991), foram utilizados para anlise dessa populao F2, sendo

detectada a ligao de um marcador RAPD a 10 cM e a 14 cM de Mag e Mae,

respectivamente. Tambm para mapeamento de genes de resistncia a nematides,

uma populao de retrocruzamento (BC4F2) entre A. hypogaea e uma planta

anfidiplide sinttica, obtida por duplicao de cromossomos com colchicina da

planta resultante de cruzamentos entre trs espcies silvestres diplides {A.

batizocoi x (A. cardenasii x A. diogoi)}c foi utilizada, junto tcnica de BSA (Burow et

al., 1996). Trs marcadores RAPD foram identificados ligados a um nico gene

dominante (RKN para Root-knot nematode), que confere resistncia a M.

arenaria, estando o mais prximo a 5,4 cM desse gene. Anlises de seis populaes

BC5F2 resultantes desses cruzamentos, possibilitaram a identificao de trs

marcadores RFLP distantes a 4,2; 5,2 e 11,2 cM desse gene (Choi et al., 1999). Os

dois marcadores RFLP mais prximos a esse gene de resistncia foram utilizados,

posteriormente, na seleo assistida do amendoim (Church et al., 2000). Com isso,

indivduos homozigotos para resistncia a M. arenaria puderam ser identificados,

ainda no viveiro, resultando em grande economia de tempo e espao. No entanto,

esses marcadores encontram-se ainda distantes dos genes de resistncia,

resultando em erros de identificao das plantas selecionadas (estimados em 4%).

26

Stalker & Mozingo (2001) relataram a identificao de marcadores RAPD que

explicavam cerca de 35% da variao para resistncia mancha castanha

(Cercospora arachidicola) em uma populao de amendoim que tinha A. cardenasii

em seu pedigree e 10% da variao em um cruzamento de A. hypogaea x A.

hypogaea. Esse ltimo foi o primeiro relato de marcadores moleculares associados a

genes de resistncia em um cruzamento intraespecfico de A. hypogaea.

Recentemente, marcadores AFLP, em conjunto com BSA, foram utilizados para o

mapeamento de genes de resistncia a um afdeo, vetor do vrus rosette, que a

principal doena do amendoim causada por vrus na frica (Herselman et al., 2004).

Foi utilizada uma populao segregante F2, resultante do cruzamento entre dois

acessos de A. hypogaea. Um marcador foi mapeado a 3,9 cM de um nico gene

recessivo, que explicava 76,1% da variao para resistncia ao afdeo.

27

2. OBJETIVOS GERAIS

1 - Desenvolver uma bateria de marcadores microssatlites para o amendoim, a

partir de bibliotecas genmicas enriquecidas para dinucleotdeos, de

bibliotecas de ESTs e por minerao (data mining) de seqncias

depositadas no GenBank para Arachis spp. (Captulo 1);

2 - Caracterizar os marcadores obtidos em um grupo de acessos de A.

hypogaea, representando as seis variedades botnicas descritas para o

amendoim (Captulo 1);

3 - Construir um mapa gentico para espcies diplides de Arachis, de genoma

AA, usando marcadores microssatlites, marcadores ncoras e RGAs

(Captulo 2);

4 - Mapear QTLs que controlam caractersticas de interesse agronmico para o

melhoramento gentico do amendoim, sendo dois componentes da

produtividade (peso de sementes e nmero de sementes por planta) e

resistncia ao fungo causador da mancha preta (Cercosporidium

personatum) no amendoim (Captulo 2).

28

Captulo 1

Desenvolvimento e caracterizao de marcadores microssatlites para o amendoim (Arachis hypogaea L.)*

*Este captulo a traduo de parte do artigo publicado na Theoretical and Applied Genetics (Moretzsohn et al., 2005 ANEXO 1), acrescida da anlise das

relaes genticas entre acessos de Arachis hypogaea.

29

1. INTRODUO

Arachis hypogaea possui considervel variabilidade para diversas

caractersticas morfolgicas, fisiolgicas e agronmicas. No entanto, pouca variao

tem sido detectada por marcadores moleculares, tais como RAPD, AFLP, RFLP e

microssatlites (Halward et al., 1991; Kochert et al., 1991, 1996; Lanham et al.,

1992; Paik-Ro et al., 1992; Hilu & Stalker, 1995; He & Prakash, 1997; Subramanian

et al., 2000; Gimenes et al., 2002; Herselman, 2003; Moretzsohn et al., 2004; He et

al., 2005; Milla et al., 2005). Acredita-se que essa baixa variabilidade gentica seja

decorrente de trs fatores: (1) isolamento reprodutivo do amendoim em relao s

espcies silvestres diplides, devido poliploidizao (Young et al., 1996); (2)

evento de poliploidizao recente, a partir de um ou poucos indivduos de cada

espcie ancestral, associado ao modo de reproduo autgamo do amendoim

(Halward et al., 1991) e (3) uso de poucas linhagens-elite e pouco germoplasma

extico nos programas de melhoramento da cultura, resultando em uma base

gentica estreita (Knauft & Gorbet, 1989; Isleib & Wynne, 1992; Isleib et al., 2001).

Essa pouca variabilidade gentica tem dificultado os avanos no

melhoramento molecular do amendoim. A identificao de marcadores moleculares

polimrficos seria, portanto, de grande utilidade. Marcadores microssatlites

constituem a ferramenta ideal para a construo de mapas genticos, para o

mapeamento de QTLs e para o uso em seleo assistida por marcadores, por serem

multiallicos, codominantes e baseados em PCR. Microssatlites tm sido utilizados

em diversas espcies de plantas com esse fim (revisto por Gupta & Varshney, 2000,

Ellegren, 2004). No entanto, pouco tem sido feito com o amendoim e, at o

momento, nenhum mapa baseado em marcadores microssatlites foi publicado para

Arachis.

At recentemente, marcadores microssatlites eram desenvolvidos

basicamente a partir de bibliotecas genmicas enriquecidas para essas seqncias.

Esse processo apresenta custo elevado, lento e bastante intensivo em mo-de-

obra, considerando-se todas as etapas. Nos ltimos anos, diversos projetos de

seqenciamento de ESTs tm surgido para as mais diversas espcies de animais e

plantas. Esses projetos tm mostrado que SSRs esto localizados tambm em

regies transcritas do genoma (Kantety et al., 2002; Morgante et al., 2002; Gao et

al., 2003; Eujayl et al., 2004; Li et al., 2004; Varshney et al., 2005). Muitas dessas

30

seqncias so depositadas em bases de dados pblicas e constituem uma nova

fonte de desenvolvimento de marcadores microssatlites. Com isso, esses

marcadores podem ser gerados rapidamente e quase sem custo.

Embora um grande nmero de marcadores microssatlites tenha sido

publicado para o amendoim nos ltimos anos (Hopkins et al., 1999; He et al., 2003;

2005; Ferguson et al., 2004b; Moretzsohn et al., 2004), os marcadores disponveis

so ainda insuficientes para a construo de mapas saturados para o amendoim.

Alm disso, o uso de marcadores desenvolvidos de diferentes formas, amostrando

diferentes regies do genoma, com diferentes modos de evoluo, dever

possibilitar uma melhor cobertura do genoma, na construo de mapas genticos.

Portanto, os objetivos do presente trabalho foram: (1) desenvolver um grande

nmero de marcadores microssatlites para o amendoim, a partir de bibliotecas

genmicas enriquecidas para dinucleotdeos TC/AG e AC/TG, de bibliotecas de

ESTs e por minerao (data mining) de seqncias publicadas no GenBank para

Arachis spp.; (2) caracterizar os novos marcadores em um grupo de acessos de A.

hypogaea; e (3) analisar as relaes genticas entre acessos de A. hypogaea,

representando as seis variedades conhecidas de amendoim.

31

2. MATERIAL E MTODOS 2.1. Material vegetal

Uma nica planta de A. hypogaea cv. Tatu foi utilizada para a construo das duas bibliotecas genmicas. Para a caracterizao dos novos marcadores e anlise

das relaes genticas, foram includos 16 acessos de A. hypogaea representando

as duas subspcies (hypogaea e fastigiata) e as seis variedades descritas por

Krapovickas & Gregory, 1994 (Tabela 1). Essas plantas foram obtidas no Banco

Ativo de Germoplasma de Arachis (BAG-Arachis), mantido na Embrapa Recursos

Genticos e Biotecnologia, Braslia, DF.

2.2. Extrao e quantificao de DNA

DNA genmico total foi extrado de fololos jovens, de acordo com o mtodo descrito por Ferreira & Grattapaglia (1998), com algumas modificaes. Aps a

extrao com clorofrmio-lcool isoamlico (24:1), a fase aquosa foi dividida em dois

tubos e acrescentados 3 volumes de tampo de precipitao (CTAB 1%, Tris-HCl 50

mM, EDTA 20 mM). Aps centrifugao, o sobrenadante foi descartado e o pellet

ressuspenso em NaCl 1,2 M. Em seguida, o DNA foi precipitado com etanol 100% e

lavado duas vezes com etanol 70%.

A concentrao de DNA de cada tubo foi estimada por eletroforese em gel de

agarose a 1,5% de concentrao, comparando-se as intensidades de fluorescncia

de cada amostra corada com brometo de etdio com diferentes padres de DNA

Lambda.

32

Tabela 1 Acessos de Arachis hypogaea includos na caracterizao dos novos marcadores microssatlites. Os acessos utilizados na triagem inicial dos 271 novos marcadores so identificados com um asterisco aps o nome. So apresentados tambm a classificao taxonmica e o local de coleta de cada acesso.

Nmero Acesso Espcie / Subespcie / Variedade (Tipo) Local de coleta 1 cv. BR-1* A. hypogaea ssp. fastigiata var. fastigiata (Valncia) Paraba, Brasil 2 cv. IAC Tatu-ST A. hypogaea ssp. fastigiata var. fastigiata (Valncia) So Paulo, Brasil 3 V 6265 A. hypogaea ssp. fastigiata var. fastigiata (Valncia) Bahia, Brasil 4 Mf 3207* A. hypogaea ssp. fastigiata var. vulgaris (Spanish) Desconhecido 5 V 13115 A. hypogaea ssp. fastigiata var. vulgaris (Spanish) Minas Gerais, Brasil 6 Mf 1560* A. hypogaea ssp. fastigiata var. peruviana Pastaza, Ecuador 7 Sv 429 A. hypogaea ssp. fastigiata var. peruviana Yurimguas, Peru 8 Mf 1678* A. hypogaea ssp. fastigiata var. aequatoriana Sucurubios, Ecuador 9 Mf 2389 A. hypogaea ssp. fastigiata var. aequatoriana Desconhecido

10 cv. IAC Runner 886 A. hypogaea ssp. hypogaea var. hypogaea (Virgnia) So Paulo, Brasil 11 V 10067 A. hypogaea ssp. hypogaea var. hypogaea (Virgnia) Santa Catarina, Brasil 12 V 13009* A. hypogaea ssp. hypogaea var. hypogaea (Virgnia) Tocantins, Brasil 13 Of 109 A. hypogaea ssp. hypogaea var. hypogaea (Xingu) Mato Grosso, Brasil 14 Of 128 A. hypogaea ssp. hypogaea var. hypogaea (Xingu) Mato Grosso, Brasil 15 Mf 3618 A. hypogaea ssp. hypogaea var. hirsuta Desconhecido 16 Mf 1538* A. hypogaea ssp. hypogaea var. hirsuta Pichincha, Ecuador

33

2.3. Construo de bibliotecas genmicas

Duas bibliotecas de DNA genmico total, enriquecidas para dinucleotdeos

TC/AG e AC/TG foram construdas, seguindo o protocolo descrito por Rafalski e

colaboradores (1996), com modificaes. DNA genmico total foi extrado de uma

nica planta de amendoim (A. hypogaea c