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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO LETRAMENTO DIGITAL E PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS: NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO? ELSON MARCOLINO DA SILVA BRASÍLIA DF DEZEMBRO 2013

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DA EDUCAÇÃO

LETRAMENTO DIGITAL E PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS:

NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO?

ELSON MARCOLINO DA SILVA

BRASÍLIA – DF

DEZEMBRO 2013

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ELSON MARCOLINO DA SILVA

LETRAMENTO DIGITAL E PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS:

NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO?

Tese apresentada à Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília como requisito parcial para

a obtenção do grau de Doutor em Educação sob a

orientação da Professora Dra. Raquel de Almeida

Moraes.

BRASÍLIA– DF

DEZEMBRO 2013

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LETRAMENTO DIGITAL E PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS:

NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO?

Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília como requisito parcial para

a obtenção do grau de Doutor em Educação sob a orientação da Professora Dra. Raquel de Almeida

Moraes.

Data da Aprovação:____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Professora Dra. Raquel de Almeida Moraes

(Presidente)

__________________________________________

Professora Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo

(Examinadora Interna - Universidade de Brasília)

______________________________________

Professor Dr. Lúcio França Teles

(Examinador Interno - Universidade de Brasília)

_______________________________________

Professora Dra. Sandra Valéria Limonta Rosa

(Examinadora Externa – UFG)

_______________________________________

Professora Dra. Débora Cristina Santos e Silva

(Examinadora Externa – Universidade Estadual de Goiás)

_____________________________________

Prof. Dr. Gilberto Lacerda dos Santos

(Suplente – Universidade de Brasília)

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AGRADECIMENTOS

À vida, pelas oportunidades de desenvolver-me como ser humano crítico, ético e afetuoso;

À Nelita, minha querida e paciente esposa;

À Anne Beatrice e Thâmisa, duas preciosidades das quais jamais saberei viver sem as suas

presenças;

À Professora Raquel de Almeida Moraes, pelas preciosas aprendizagens proporcionadas que me

marcarão eternamente;

Às Professoras Débora Cristina Santos e Silva, Stella Maris Bortoni-Ricardo, Sandra Valéria e aos

Professores Gilberto Lacerda, Lúcio Teles por aceitar o convite para contribuir com esta tese;

Aos amigos inesquecíveis da UnUCSEH: Einstein, Marcelo, Eliane Anderi, Carol, Darci, Gláucia,

Daniela Costa, Ivana Monnerat, Débora; Tatiane, Janes, Sóstenes e Mirza;

Aos professores, alunos, coordenadores e diretora do Colégio investigado que, sem eles e elas, essa

investigação não se concretizaria;

Aos amigos (as) da Pesquisa “Leitura na Tela”.

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“Ainda que encontre no seu caminho desafios que

pareçam ser insuperáveis, jamais se esqueça de

quem você é e do que você é capaz!” (Elson M. da

Silva)

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RESUMO

Esta investigação, de cunho qualitativo-crítico, parte da problemática da introdução das tecnologias

digitais na educação escolar em sua dimensão pedagógica. Neste sentido, o objetivo foi investigar

quais eram os pressupostos teóricos e pedagógicos que orientavam as práticas de letramento digital

de professores e alunos, quando esses faziam usos dos computadores e da internet no laboratório de

informática de um colégio público estadual localizado em Anápolis – GO. Com o desenvolvimento

das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), estas configuram-se um novo tipo de

linguagem denominada de digital. Entre as múltiplas TICs, a linguagem digital se expressa também

através do computador e da internet. As práticas sociais decorrentes dos usos que as pessoas fazem

da linguagem digital, mediada pelo computador e internet, são denominadas de práticas de

letramento digital. Em relação aos pressupostos teóricos e pedagógicos, para Saviani, esses podem

se manifestar na prática escolar de duas maneiras: hegemônica ou contrahegemonicamente. A

primeira orienta as práticas pedagógicas escolares para a conservação da sociedade, mantendo a

ordem existente e leva em consideração, primeiramente, os interesses dominantes. Em

contrapartida, a segunda segue projetos que buscam intencional e sistematicamente colocar a

educação a serviços das forças que lutam para transformar a ordem vigente, visando à instauração

de uma nova sociedade. Como procedimento metodológico, elegeu-se o nível explicativo com o

delineamento do estudo de caso. Para a coleta dos dados foram realizadas observações das práticas

de letramento digital de professores e alunos quando esses faziam usos do computador e da internet

no laboratório de informática do colégio; análise do projeto político pedagógico do colégio; e

realização de entrevistas com três professoras da instituição pesquisada. Esses procedimentos, após

passarem por um processo inicial de tratamento, constituíram-se no corpus da investigação e foram

submetidos à análise de conteúdo. A pesquisa evidencia contradições entre o nível discursivo e o

prático. Ainda que a concepção de educação, que orienta as práticas de letramento digital de

professores e alunos, esteja subsidiada em discursos contra-hegemônicos que possibilitam visões

críticas e transformadoras da realidade social, contraditoriamente há indícios de que as práticas de

letramento digital destes mesmos sujeitos educativos estejam sendo subsidiadas por pressupostos

hegemônicos do neotecnicismo em que identificou-se e analisou-se no corpus da pesquisa: a) o

conceito de aprendizagem na noção do aprender “sempre”; b) o de formação, considerado uma

constante ao longo de toda carreira por exigência natural do mercado; c) as capacidades e

comportamento como interagir positivamente no colégio, trabalhar em equipe de forma

empreendedora e criativa e capacidade de tomar iniciativa; d) o de metodologia explicitada, que é o

“aprender/aprendendo”. O entendimento de que esses conceitos são desdobramentos do conceito de

ensino “renovado”, também identificado e analisado no corpus da pesquisa, reforça a conclusão de

que as práticas de letramento digital dos professores e alunos orientam-se por pressupostos

pedagógicos hegemônicos, pois tanto o neotecnicismo, quanto o ensino “renovado” surgem e se

desenvolvem com a finalidade de manter a educação e os fenômenos que a compõem atrelados aos

interesses produtivo-capitalistas.

Palavras-Chave: Letramento Digital. Neotecnicismo Pedagógico. Neoliberalismo. Análise de

Conteúdo.

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ABSTRACT

This research, a qualitative-critical, the problem starts from the introduction of digital technologies

in school education in its pedagogical dimension. In this sense, the aim was to investigate what

were the theoretical and pedagogical practices that guided the digital literacy of teachers and pupils,

when these were using computers and internet in the computer lab of a state school for basic

education located in Anápolis – GO. With the development of Information and Communication

Technologies (ICTs) sets up a new type of language called digital. Among the multiple ICTs, the

digital language is also expressed through the computer and the internet. Social practices arising

from the use that people make of the digital language, mediated by computer and Internet, are called

digital literacy practices. Regarding the theoretical and pedagogical pressuposition, to Saviani, these

can manifest in school practice in two ways: hegemonic or not hegemonic. The first one guides the

school pedagogical practices for the conservation of society, keeping the existing order and takes

into account, first, the dominant interests. In contrast, the second follows projects that seek to

intentionally and systematically put the education to services the forces fighting to transform the

existing order, aiming at the establishment of a new society. As a methodological procedure, we

chose the explanatory level with the delimitation of the case study. For data collection were carried

out observations of the digital literacy practices of teachers and students when these were using

computers and Internet in the computer lab of the college; analysis of the political pedagogical

project, and interviews with three teachers of the institution researched. These procedures, after

passing through an initial process of treatment, it was constituted the corpus of research and were

subjected to content analysis. The research highlights the contradictions between discursive and

practical level. Although the conception of education that guides the practices of digital literacy of

teachers and students is subsidized in speeches not hegemonics that enable critical and

transformative visions of social reality, there is contradictory evidence that digital literacy practices

of these same educational subjects are being subsidized by pressuposition hegemonic of the

neotecnicism in that we identify and analyze the corpus of the research: : A) the concept of learning

in the notion of "always learn"; b) the concept training, considered a constant throughout career by

natural requirement of the market c) the capabilities and behavior as positively interact at school,

work as a team in an entrepreneurial and creative ability to take initiative; d) the concept of

methodology explained, is that " learn / learning." The idea that these concepts are offshoots of the

concept of teaching "renewed", also identified and analyzed in the research corpus, reinforces the

conclusion that the digital literacy practices of teachers and students are guided by pedagogical

assumptions hegemonic because both neotecnicismo and "renewed" teaching appear and develop in

order to maintain education and phenomena that comprise interests tied to capitalist-productive

Keywords: Digital Literacy. School Neoctecnicism. Neoliberalism. Content Analysis.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Caracterização socioeconômica das colaboradoras da investigação.............................145

Quadro 2- Perfil envolvendo o letramento digital das colaboradoras.............................................145

Quadro 3- Se sabiam o que são: 1-neotecnicismo pedagógico; 2- letramento Digital...................146

Quadro 4- Grade de leitura do projeto político pedagógico do Colégio.........................................157

Quadro 5- Grade de leitura das observações das práticas de letramento digital de professores e

alunos................................................................................................................................................157

Quadro 6- Grade de leitura das respostas das professoras entrevistadas........................................158

Quadro 7- Grade de leitura do corpus da pesquisa......................................................................... 160

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Foto do laboratório de informática do Colégio............................................................. 140

Figura 2- Foto da capacitação da Pesquisa “Leitura na Tela”................................................ 143

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LISTA DE TABELA

Tabela 1- Quantidade de alunos matriculados.................................................................................139

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LISTA DE SIGLAS

AÇOMINAS - Aço Minas Gerais

AIE- Aparelho Ideológico de Estado

ARE - Agente de Repressão do Estado

ARPA - Advanced Research Projects Agency

ARPANET- Advanced Research Projects Agency Network

BIRD - Banco para Reconstrução e Desenvolvimento

BITNET- Because It's Time to NETwork ou Because It's There NETwork

BM - Banco Mundial

CFE - Conselho Federal de Educação

PPCH: Pressupostos pedagógicos contra-hegemônicos

CNI - Confederação Nacional da Indústria

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

COSIPA - Companhia Siderúrgica Paulista

CSN - Companhia Siderúrgica Nacional

CSNET - Computer Science Network

EJA - Educação de Jovens e Adultos

EMBRAER - Empresa Brasileira de Aeronáutica

ENADE - Exame Nacional de Desempenho de Estudantes

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

ESG - Escola Superior de Guerra

ESCELSA- Espírito Santo Centrais Elétricas S. A.

FHC - Fernando Henrique Cardoso

FMI - Fundo Monetário Internacional

G7 - Grupo dos Sete

GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

Gerasul - Centrais Geradoras do Sul do Brasil

GQT - Gestão da Qualidade Total

H: Pressupostos pedagógicos hegemônicos

ICQ- I Seek You

Ipes - Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

JIT – Just-In-Time

LD- Letramento Digital

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LDB – Leis de Diretrizes e Bases

LI - Laboratório de Informática

Ligh - Light Serviços de Eletricidade S.A.

LRF- Lei de Responsabilidade Fiscal

MEC - Ministério da Educação

MILNET - Military Network

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OIT - Organização Internacional do Trabalho

OPP: Outros Pressupostos Pedagógicos

OMC - Organização Mundial do Comércio

OMS - Organização Mundial da Saúde

ONU - Organização das Nações Unidas

OTA - Office of Technology Assessment

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte

P1: Professora entrevista 1

P2: Professora entrevistada 2

P3: Professora entrevistada 3

PAI - Programa de Ação Imediata

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PIB – Produto Interno Bruto

PND - Programa Nacional de Desestatização

PP - Primária-Profissional

PPP- Projeto Político Pedagógico

PPPE - Projeto Político Pedagógico Escolar

PR: Protocolo e Registro das Observações das Práticas de Letramento Digital

PTB - Partido Trabalhista Brasileiro

SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEDUC-GO – Secretaria de Educação do Estado de Goiás

SM - Salário-Mínimo

SS - Secundária-Superior

STF - Supremo Tribunal Federal

TICs - Tecnologia da Informação e Comunicação

TP - Trabalho Pedagógico

UEG - Universidade Estadual de Goiás

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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USAID - United States Agency for International Development

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 15

CAPÍTULO I SOBRE A ORIGEM E O DESENVOLVIMENTO DO NEOTECNICISMO

PEDAGÓGICO .............................................................................................................................. 22

1.1 O MODELO DE PRODUÇÃO FORDISTA: ORIGEM E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

.................................................................................................................................................... 23 1.2 O MODELO TOYOTISTA DE PRODUÇÃO: ORIGEM E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

.................................................................................................................................................... 29 1.3 GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO ....................................................................... 38

1.3.1 Globalização .................................................................................................................... 39 1.3.2 Neoliberalismo: origem e pressupostos teóricos ........................................................... 42

1.3.3 Neoliberalismo no Brasil ................................................................................................ 47

CAPÍTULO II AS MUDANÇAS NA BASE PRODUTIVA E NA CONCEPÇÃO DE ESTADO E

SUAS REPERCUSSÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR: TECNICISMO E

NEOTECNICISMO PEDAGÓGICOS .......................................................................................... 58

2.1 A PEDAGOGIA TRADICIONAL ....................................................................................... 59

2.3 PEDAGOGIA TECNICISTA ............................................................................................... 63 2.4 CRÍTICAS AO TECNICISMO PEDAGÓGICO E A OUTRAS TENDÊNCIAS

PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS E O SURGIMENTO DAS TENDÊNCIAS

PEDAGÓGICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS........................................................................ 69 2.4.1 As Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas no Brasil ........................................ 73

2.4.1.2 Tendência Pedagógica Libertária ................................................................................... 76

2.4.1.3 Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos ....................................................................... 77 2.4.1.4 A Pedagogia Histórico-Crítica ....................................................................................... 79 2.5 DÉCADA DE 1990: ENFRAQUECIMENTO DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

EDUCACIONAIS CONTRA-HEGEMÔNICAS E A HEGEMONIA DO NEOTECNICISMO

PEDAGÓGICO .......................................................................................................................... 84

CAPÍTULO III LETRAMENTO DIGITAL .................................................................................... 100 3.1 O LETRAMENTO NA CULTURA DO PAPEL ............................................................... 101 3.2 A CONCEPÇÃO DE “SOCIEDADE TECNOLÓGICA INFORMATIZADA” E A

ORIGEM DO LETRAMENTO DIGITAL .............................................................................. 108

CAPÍTULO IV METODOLOGIA .............................................................................................. 128

4.3.2 Realização das entrevistas e a aplicação de questionário junto às professoras ....... 137

4.3.3 Análise do projeto político pedagógico do colégio ...................................................... 140 4.3.4 Procedimento de análise dos dados: a análise de conteúdo ....................................... 144

CAPÍTULO V RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................. 149

5.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ............................................................................ 156

5.1.1 Conceito de Educação ................................................................................................... 156 5.1.2 Conceito de Ensino ........................................................................................................ 157

5.1.3 Conceito de Aprendizagem/Formação ........................................................................ 158 5.1.4 Conceito de Aluno ......................................................................................................... 159

5.1.6 Conceito de Metodologia .............................................................................................. 162 5.1.7 O que é ler na tela do computador .............................................................................. 164

5.1.8 Tipo de trabalho escolar produzido com as práticas de letramento digital ............. 164 5.1.10 Visões das práticas de letramento digital .................................................................. 167 5.1.11 Para que servem e não servem as práticas de letramento digital? ......................... 168 5.1.12 Usar o computador e a internet forma o aluno para o mercado de trabalho......... 169

CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 171

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REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 175

APÊNDICES ................................................................................................................................ 186

APÊNDICE A - MODELO DE ROTEIRO USADO PARA A ENTREVISTA

SEMIESTRUTURADA COM AS PROFESSORAS .................................................................. 186

APÊNDICE B - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 1 ................................. 187

APÊNDICE C - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 2 ................................. 188

APÊNDICE D - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 3 ................................ 179

APÊNDICE F -DESCRIÇÃO DAS OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO

DIGITAL NO LI DO COLÉGIO ................................................................................................. 182

APÊNDICE G-TABELA DOS PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS DAS TENDÊNCIAS

PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS E CONTRA-HEGEMÔNICAS ........................................ 193

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS ............................................... 194

ANEXOS ......................................................................................................................................... 195

ANEXO A - CÓPIAS DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO ...................... 195

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INTRODUÇÃO

Esta tese está vinculada à linha de pesquisa “Políticas Públicas e Gestão da Educação”

do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília e teve como

objetivo geral investigar quais os pressupostos teóricos e pedagógicos que orientavam as

práticas de letramento digital de professores e alunos, quando esses fazem usos dos

computadores e da internet no laboratório de informática de um colégio público estadual da

cidade de Anápolis - GO. Com base neste objetivo geral procurou-se descobrir se havia, ou

não, uma relação causal entre as práticas de letramento digital de professores e alunos e o

neotecnicismo pedagógico.

BREVE HISTÓRICO SOBRE O INTERESSE EM ESTUDAR O FENÔMENO

LETRAMENTO DIGITAL

O interesse em estudar o fenômeno “letramento digital” tem seu início desde o

momento em que ainda cursava, entre os anos 2000 e 2002, o mestrado em Educação na

Universidade de Brasília. Como trabalho final de conclusão do curso, a pesquisa de mestrado

tinha como objeto de investigação o letramento, concebido na cultura do papel. Interessava-

me, então, compreender como uma pessoa recém “alfabetizada” lidava com a leitura e a

escrita no seu cotidiano e quais as mudanças e transformações ocorridas nela após ter

adquirido o “domínio” da leitura e da escrita. A pesquisa da dissertação de mestrado foi

desenvolvida dentro da perspectiva etnográfica, sendo subsidiada pela abordagem qualitativa

interpretativista.

Quando estava prestes a defender a dissertação, ocorreu-me um fato curioso que

mudou significativamente a minha relação com o fenômeno letramento. Eu e minha

orientadora da pesquisa de mestrado dialogávamos, no corredor da Faculdade de Educação,

sobre a defesa do relatório da investigação, quando um professor, ligado à área das novas

tecnologias educacionais da instituição, passou por nós e nos cumprimentou. Em seguida,

minha orientadora disse a ele que gostaria, num futuro próximo, de com ele dialogar sobre a

relação entre letramento e tecnologias educacionais.

A partir daquele momento, começaram a fazer parte de mim as primeiras indagações

sobre a relação entre letramento (práticas sociais de leitura e escrita) e tecnologias

educacionais. Após concluir o mestrado, passei a destinar os meus estudos e reflexões para a

relação entre letramento e novas tecnologias educacionais com ênfase aos usos do

computador e da internet em sala de aula.

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Entre os anos de 2006 e 2007, foi desenvolvido um estudo intitulado “Letramento

Virtual: Refletindo Sobre o Papel da Internet como um Novo Espaço da Escrita em Sala de

Aula”, cujo objetivo era compreender os processos de letramento virtual de professores da

educação básica no contexto da sala de aula. No ano seguinte, 2008, foi realizada outra

pesquisa em que investigávamos as práticas e os conceitos relacionados aos usos diversos da

leitura e da escrita, em contexto de cibercultura, por docentes universitários. Esta última

investigação mencionada intitula-se “Um Estudo Sobre as Práticas de Letramento Virtual em

uma Universidade Pública de Goiás: Perspectivas Docentes”, e foi concluída em 2008.

A realização e o envolvimento nas investigações citadas fizeram com que me

aproximasse, cada vez mais, do fenômeno letramento digital, buscando aprofundamento

teórico e metodológico no sentido de compreender a sua presença e seus usos no contexto

educacional, sobretudo na sala de aula.

O interesse em investigar sobre a relação entre letramento digital e os pressupostos

teórico-pedagógicos, com a hipótese de um suposto neotecnicismo pedagógico surge com a

minha atuação, como pesquisador, na Pesquisa “Leitura na Tela”. No capítulo “Metodologia”

desta tese apresentarei maiores detalhes sobre essa pesquisa e, por isso, me limitarei, aqui,

apenas a mencioná-la.

Durante participação na pesquisa “Leitura na Tela”, foram realizados estudos sobre

como professores e alunos estavam fazendo usos pedagógicos do computador e da internet

nos laboratórios dos colégios estaduais do Goiás.

Em novembro de 2010, concluímos os estudos da Pesquisa “Leitura na Tela”. No

entanto, e já planejando essa tese de doutoramento, continuei realizando trabalhos empíricos

em um dos colégios públicos estaduais de Anápolis - GO, em que estavam sendo

desenvolvidos, até 2010, os estudos da Pesquisa “Leitura na Tela”.

Na continuidade às observações das práticas de letramento digital dos professores e

alunos que faziam usos do computador e da internet no laboratório de informática do colégio,

passaram a chamar minha atenção algumas características que subjaziam as práticas de

letramento digital dos sujeitos educativos. Como exemplo, destacamos: a) alguns alunos (as)

concebiam o Google, gênero digital da internet, como um “espaço” em que as informações lá

armazenadas eram consideradas “confiáveis”, caracterizando, assim, visão “ingênua” e

acrítica em relação aos usos desta mídia para fins educacionais; b) alunos (as) relataram que

não precisavam “pensar muito” quando usavam as informações disponíveis nos sites da

internet para a realização de suas pesquisas escolares, pois, e segundo eles (as), o que

“pensavam” já se encontra na internet, bastando copiarem as informações que lá se encontram

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para seus trabalhos; c) em decorrência disto, eles (as) reproduzem para os seus cadernos,

pastas no computador e também para os seus trabalhos escolares informações armazenadas

nos sites sem critérios críticos explícitos; d) enquanto resultado final das atividades

pedagógicas, os trabalhos escolares dos alunos eram caracterizados “homogêneos” do ponto

de vista da produção em si mesmo, uma vez que todos reproduziam as mesmas informações

contidas nos sites que foram consultados por eles (as).

Ao buscar explicações na fundamentação teórica inicial para essas observações

empíricas, envolvendo as práticas de letramento digital de professores e alunos, quando esses

faziam usos do computador e da internet no laboratório de informática do colégio, foi-me

sinalizado para a possibilidade de que as práticas de letramento digital dos sujeitos educativos

poderiam estar sendo orientadas por pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos do

neotecnicismo.

Essas sinalizações despertaram mais indagações e me instigaram a buscar maiores

explicações com o objetivo de compreender, mais profundamente, quais eram os pressupostos

teóricos e pedagógicos que estavam orientando as práticas de letramento digital dos

professores e alunos e se essas práticas de letramento digital estavam sendo alicerçadas,

teórica e pedagogicamente, por pressupostos do neotecnicismo.

Se, realmente a partir da década de 1980, o neotecnicismo pedagógico começa a

ganhar espaço no contexto educacional em função da reestruturação do modo de produção do

sistema capitalista que se inicia no final da década 1960, tornando-se hegemônico na década

seguinte, conforme afirmam Saviani (2008a, 2008b), Kuenzer (1990) e Freitas (1995), como

pode-se, então, explicar e compreender as práticas de letramento digital neste novo contexto

socioeconômico educacional?

PORQUE DESENVOLVEMOS ESTA INVESTIGAÇÃO CUJA HIPÓTESE É

“LETRAMENTO DIGITAL E PRESSUPOSTOS TEÓRICO-PEDAGÓGICOS:

NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO?”

Para Ramal (2002), a primeira questão que se coloca quando se pensa na introdução

das tecnologias digitais na área da educação escolar é, inevitavelmente, a questão pedagógica.

Neste sentido, entende-se ter sido de fundamental importância compreender quais são os

pressupostos teórico-pedagógicos que orientavam as práticas de letramento digital de

professores e alunos quando esses faziam usos do computador e da internet no laboratório de

informática de um colégio público estadual de Anápolis – GO.

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Os estudos que investigam as práticas de letramento digital tornam-se importantes na

medida em que as tecnologias digitais estão, cada vez mais, adentrando no interior da escola e

modificando, sobretudo, a organização do trabalho escolar.

Contudo, é importante explicar a partir de quais aspectos sociais, econômicos e

políticos muda-se a organização do trabalho pedagógico escolar e a quem, de fato, esta

mudança interessa.

Kleiman (1995), afirma que, até há pouco tempo, o termo letramento era concebido

enquanto práticas sociais de usos diversos de leitura e de escrita, na cultura do papel e, com a

utilização massiva do computador e da internet em nosso cotidiano surge uma nova forma de

linguagem que Soares (2002) entende por letramento digital.

O termo letramento, no sentido da cultura do papel, é considerado por Soares (2002, p.

151) como “[...] estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as

práticas sociais que usam a escrita. Este termo continua etimologicamente ligado à ideia de

letra e de escrita e no que tange à cultura digital, o termo letramento sofre ampliação e passa a

ser definido como “[...] um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da

nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou

condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel”

(SOARES, 2002, p. 152).

Ainda segundo Soares (2002), o letramento digital está relacionado à questão das

práticas de leitura e escrita, possibilitadas pelos usos do computador e da internet, afirmando,

ainda, esta autora, a necessidade de se desenvolver investigações com objetivo de refinar tal

conceito em função do surgimento destas novas práticas sociais de leitura/escrita advindas da

cibercultura. Propõem-se hoje, segundo a autora, diferentes letramentos gerados por diferentes

espaços e diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita,

proporcionados pelas tecnologias, inclusive as digitais.

No campo escolar, o computador e a internet são considerados os artefatos

tecnológicos digitais mais presentes nos ambientes escolares que, quando usados pelos

agentes educativos, desenvolvem práticas de letramento digital. Só para se ter uma ideia da

presença destes artefatos tecnológicos digitais na educação, segundo dados do Censo

Educacional (BRASIL, 2011), cerca de aproximadamente 95% dos estudantes que frequentam

o Ensino Médio, no Brasil, estão conectados à internet.

Entretanto, é importante atentar para a questão de que o fato das telemáticas estarem

presentes em grande parte das escolas brasileiras não significa, necessariamente, qualidade no

ensino, pois elas, na maioria das vezes, ainda não são utilizadas, tanto pelos professores como

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pelos alunos, como ferramentas pedagógicas que, de fato, conduzem ambos às práticas

pedagógicas críticas e que possibilitam uma visão que aponte para a transformação social.

Diante disto, fica mais do que evidente que computadores e internet já fazem parte do

cotidiano da maioria das escolas brasileiras. Mas, diante desta evidência, coube a seguinte

problematização: quais são os pressupostos teóricos e pedagógicos que orientam as práticas

de letramento digital de professores e alunos, quando esses fazem usos dos computadores e da

internet no laboratório de informática de colégio?

Em vista dessa problemática, o objetivo de pesquisa foi descobrir se havia uma

relação causal entre neotecnicismo e as práticas de letramento digital de professores e alunos.

Na busca pela explicação sobre quais eram os pressupostos pedagógicos que estavam

orientando as práticas de letramento de digital de professores e alunos, apoiou-se,

especialmente, em Saviani (2008a, 2008b). Para esse autor, ao longo da história da educação

escolar brasileira as práticas pedagógicas escolares vêm sendo orientadas por pressupostos

que podem apresentar-se como hegemônicos ou contra-hegemônicos.

Os pressupostos pedagógicos hegemônicos procuram orientar as práticas pedagógicas

escolares para a conservação da sociedade, mantendo a ordem existente e levam em

consideração, primeiramente, os interesses dominantes. Em contrapartida, os pressupostos

pedagógicos contra-hegemônicos seguem projetos “[...] que buscam intencional e

sistematicamente colocar a educação a serviços das forças que lutam para transformar a

ordem vigente visando à instauração de uma nova sociedade”, tendo em vista a transformação

da sociedade, posicionando-se contra a ordem existente (SAVIANI, 2008a, p. 170).

Segundo Saviani (2008a, 2008b), os pressupostos pedagógicos hegemônicos inserem-

se dentro das tendências pedagógicas educacionais tradicional, nova, tecnicista e

neotecnicista. Na perspectiva contra-hegemônica, estão situadas à proposta libertadora de

Freire; as concepções libertárias de origem anarquista; a teoria Crítico Social dos Conteúdos

de Libâneo e a Pedagogia Histórico-Crítica, de Saviani.

A realização desta pesquisa é considerada relevante na medida em que o tema, em

questão, encontra-se adequado ao estágio atual da evolução científica, quer seja o

desenvolvimento nas áreas da informática, e se apresenta como uma necessidade

contemporânea, já que tanto computadores quanto internet encontram-se presentes em quase

todo o sistema de ensino brasileiro.

Ademais, realizou-se uma investigação na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações1

1Acesso em setembro de 2012 na Internet: <http://bdtd.ibict.br/>.

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e, até o ano de 2012, nada foi encontrado que relacionasse os dois temas.

Com a realização desta pesquisa, teve-se condições de analisar criticamente em quais

circunstâncias e com quais interesses são desenvolvidas as práticas de letramento digital de

sujeitos em situações educativas.

Com o intuito do (a) leitor (a) melhor compreender a investigação realizada,

organizou-se esta tese em cinco capítulos.

No primeiro capítulo, denominado “Sobre a Origem e o Desenvolvimento do

Neotecnicismo Pedagógico” apresentou-se um panorama histórico sobre as mudanças

ocorridas na base produtiva do capital a partir do final da década de 1960. Esse esforço

intelectual foi necessário uma vez que se entendia, e ainda entende-se que as bases originárias

do neotecnicismo se localizam historicamente nas mudanças do padrão produtivo taylorista-

fordista para os modos de organização do trabalho mais flexíveis, entre eles o toyotismo.

No segundo capítulo, intitulado “As mudanças na Base Produtiva e na Concepção de

Estado e suas Repercussões no Campo da Educação Escolar: Tecnicismo e Neotecnicismo

Pedagógicos”, procurou-se entender as repercussões e consequências ocasionadas no campo

pedagógico-administrativo educacional, em decorrência das mudanças que vêm ocorrendo na

base produtiva do capital, desde o final da década de1960. Nesse capítulo, ganha destaque as

discussões sobre as tendências pedagógicas hegemônicas e contra-hegemônicas mais

marcantes no Brasil e seus respectivos pressupostos teóricos e pedagógicos.

A origem, o desenvolvimento e as características mais marcantes do letramento e do

letramento digital são apresentados no terceiro capítulo desta tese, que recebeu a denominação

“Letramento Digital”.

No capítulo seguinte, “Metodologia”, apresentou-se o tipo de abordagem e os

procedimentos de coleta e análise dos dados que foram utilizados para a realização da

investigação. Sempre que possível apresentou-se também as justificativas das escolhas, tanto

do tipo de abordagem, quanto dos procedimentos que serviram para a operacionalização do

estudo.

No quinto, e último capítulo, foram apresentados os resultados e as discussões geradas

com a realização da análise do corpus da investigação.

Por fim, na conclusão, evidenciou-se haver indícios da presença nas práticas de

letramento digital de professores e alunos no contexto estudado de pressupostos teóricos

pedagógicos hegemônicos do neotecnicismo, ainda que se tenha identificado também que as

práticas de letramento digital podem estar sendo orientadas por pressupostos contra-

hegemônicos como a concepção de educação.

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O estudo evidencia que a concepção de educação que orienta as práticas de letramento

digital de professores e alunos, quando esses fazem usos do computador e da internet no

laboratório de informática, está subsidiada por pressupostos contra-hegemônicos que

possibilitam visões críticas e transformadoras da realidade social.

Contraditoriamente, há indícios da presença de pressupostos teóricos e pedagógicos

hegemônicos do neotecnicismo nas práticas de letramento digital destes mesmos sujeitos

educativos. Isto porque identificamos e analisamos no corpus da pesquisa: a) o conceito de

aprendizagem na noção do aprender “sempre”; b) a formação é considerada uma constante ao

longo de toda carreira por exigência natural do mercado; c) as capacidades e comportamento

esperados dos alunos são: interagir positivamente no colégio, trabalhar em equipe de forma

empreendedora e criativa e capacidade de tomar iniciativa; d) a metodologia explicitada é o

“aprender/aprendendo”. Esses conceitos são desdobramento de outro conceito que é maior e

mais abrangente do ponto de vista educacional- pedagógico que é o conceito de ensino

“renovado”. Segundo a fundamentação teórica definida para explicar os dados empíricos,

esses conceitos estão subsidiados pelos pressupostos teóricos e pedagógicos do

neotecnicismo.

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CAPÍTULO 1 SOBRE A ORIGEM E O DESENVOLVIMENTO DO NEOTECNICISMO

PEDAGÓGICO

No meio acadêmico e intelectual, a partir da década de oitenta do século XX, já eram

visíveis os debates envolvendo a presença do neotecnicismo pedagógico no âmbito da educação

escolar no Brasil, segundo Saviani (2008a, p. 442). Contudo, suas ideias tornam-se hegemônicas na

década de 1990 nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Para o autor, o neotecnicismo

pedagógico surge e se desenvolve em função das mudanças no mundo do trabalho ocorridas a partir

da década de 1970. Esta é marcada, sobretudo, pela crise estrutural do sistema capitalista que o

obrigou a introduzir significativas mudanças, inclusive em sua base técnica produtiva, provocadas

pela crise estrutural do capitalismo, que levou a “substituição” do modelo fordista pelo modelo

toyotista de produção. Nas palavras do próprio autor: “A crise da sociedade capitalista que eclodiu

na década de 1970 conduziu à reestruturação dos processos produtivos, revolucionando a base

técnica da produção e conduzindo à substituição do fordismo pelo toyotismo” (SAVIANI, 2008a, p.

429).

Nessas novas condições, em que o capitalismo muda a base técnica de produção e

“substitui” o modelo de produção taylorista pelo modelo de produção toyotista, reforçou-se a

importância da educação escolar como instituição que deve contribuir para o processo econômico

produtivo.

Contudo, seria insuficiente compreender o neotecnicismo pedagógico apenas à luz do

modelo de produção toyotista uma vez que, tanto o toyotismo quanto o neotecnicismo pedagógico

se fundam e se desenvolvem num projeto ideológico societário. Para Libâneo, Oliveira e Toschi

(2003, p. 131), no Brasil, a partir da década de 1980, o panorama socioeconômico já indicava uma

tendência neoconservadora que assinalava para a minimização do Estado, enquanto instituição

provedora dos serviços públicos, como saúde e educação. Paralelamente ao desenvolvimento da

concepção de “Estado-mínimo”, que se traduzia em políticas neoliberais, nessa mesma década, a de

1980, começam a circular no Brasil os debates envolvendo a presença de pressupostos

neotecnicistas na educação escolar.

Nesta linha de raciocínio, o neotecnicismo pedagógico só pode ser compreendido, de fato, à

luz do modelo de produção toyotista e da ideologia neoliberal. Mas, o que são? Como surgem e

quais são os princípios e características do modelo de produção toyotista e do neoliberalismo? Se

ambos, ou seja, toyotismo e neoliberalismo, são considerados estágios do desenvolvimento

capitalista, que visam manter a sua sobrevivência, como se dá a relação entre ambos? No âmbito da

escola pública, especialmente do trabalho pedagógico-administrativo escolar, como o toyotismo e o

neoliberalismo se materializam na perspectiva do neotecnicismo pedagógico?

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Na tentativa de buscar respostas para os questionamentos apresentados acima, parte-se do

pressuposto de que, para compreensão do toyotismo faz-se necessário recorrer a alguns elementos

históricos que o antecederam e que, ao mesmo tempo, serviram de base para o surgimento e

desenvolvimento deste modelo de produção. Tomando como base as ideias apresentadas por Saviani

(2008a, 2008b), especialmente quando afirma que as transformações do sistema produtivo-

capitalista, que geram novas necessidades e interesses para o capital, são frutos da crise deste

próprio sistema produtor de mercadorias que eclodiu na década de 1970, em que se “substituiu” o

modelo taylorista/fordista pelo modelo toyotista de produção, entende-se ser de fundamental

importância recorrer à origem e pressupostos teóricos do taylorismo-fordismo para, então, iniciar-se

na compreensão do toyotismo e, consequentemente, do neotecnicismo pedagógico.

1.1 O MODELO DE PRODUÇÃO FORDISTA: ORIGEM E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para Harvey (2001, p. 121), o fordismo tem sua data inicial de constituição no momento

histórico em que Henry Ford, idealizador do modo de produção fordista, institui nos Estados

Unidos o seu “oito horas e cinco dólares”, na década de 1914. Contudo, Harvey relata que, essa data

de surgimento do fordismo é considerada simbólica na medida em que, para que esse modo de

produção tornasse um regime de acumulação “maduro”, teve-se que enfrentar períodos muito

turbulentos, grandes negociações como vários atores sociais e que resultaram em várias

configurações políticas, sociais, econômicas e culturais. Para Harvey (2001, p.22), “[...] isto levou

quase meio século.” O modo de produção e organização fordista passa a ser considerado como um

regime de acumulação “maduro”, a partir de 1945, e se mantém intacto até mais ou menos 1973. E

para que ele se tornasse um regime de acumulação plenamente “maduro” e “acabado” necessitou,

sobretudo, da parceira do Estado norte-americano que, a partir de 1930, assume configuração de

Estado-Keynesiano para colocar em práticas as concepções fordistas.

Frigotto (1999, p.70), ao analisar a trajetória do fordismo, afirma que, por cerca de sessenta

anos, foi utilizado esse modelo de produção e seu desenvolvimento pode ser compreendido em duas

fases. A primeira fase caracteriza-se até 1930 e nela são identificadas: a) grandes fábricas; b)

decomposição de tarefas na ótica taylorista; c) mão de obra com pouca exigência de qualificação; d)

gerência científica do trabalho; e) divisão acentuada entre concepção e execução do trabalho. A

partir de 1930, segunda fase do fordismo, começa tomar corpo o fordismo propriamente dito,

caracterizado por: a) um sistema de máquinas acopladas; b) aumento intensificado do capital morto

e da produtividade; c) produção em grande escala; d) consumo em massa e “[...] torna-se um modo

social e cultural de vida após a segunda guerra mundial.”.

Para Harvey (2001), o Estado precisou passar por uma regulamentação no que diz respeito

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ao seu papel na sociedade para atender aos critérios fordistas. A “grande depressão” da década de

1930, marcada pelo quase colapso do capitalismo, é considerada como principal fator que fez como

que se repensasse a concepção e atuação do Estado, especialmente nas sociedades capitalistas. Na

visão de Frigotto (1999), na segunda fase de hegemonia do sistema fordista de produção como

forma de superar a crise de 1929, caracterizada pela superprodução que ameaçava “asfixiar” o

sistema de produção, começa a ganhar força a ideia de “Estado Intervencionista”, embasada em

teorias keynesianas, que defendem a tese de que o Estado deve intervir na economia como uma das

estratégias para evitar o colapso total do sistema produtor de mercadoria.

Durante o período pós-guerra, e até mais ou menos a década de 1973, o fordismo, já em sua

fase “madura” e aliado à concepção keynesiana de Estado, serviu de base para o desenvolvimento

capitalista. Esse período (1945-1973) é marcado por grandes conquistas tais como: estabilidade no

crescimento econômico, elevação dos padrões de vida, freamento de crises e preservação da

democracia de massa, além de tornar remota a possibilidade de guerra intercapitalistas (HARVEY,

2001, p.125). Além disso, esse período também é caracterizado pelo crescimento intensificado de

indústrias automobilísticas, naval, transporte, aço, petroquímica, borracha e eletrodoméstico,

tornando-se grandes desencadeadores do crescimento econômico nos países capitalistas avançados.

Segundo Frigotto (1999), nessa fase do fordismo, que ele a denomina como segunda fase

desse modo de produção, ganha força a ideia de Estado de Bem-Estar Social caracterizado,

sobretudo, pelo desenvolvimento de políticas nas áreas sociais, incluindo: educação, transporte,

saneamento e emprego. Também, essa fase, é marcada pelo desenvolvimento de políticas de renda

(ganho de produtividade) e de previdência social (inclusão do seguro desemprego). Entretanto, para

que esse desenvolvimento fenomenal ocorresse foi necessário que os “atores sociais”, entre eles

Estados, corporações, sindicatos e mercado de trabalho, assumissem novos compromissos e

posicionamento.

Nas palavras de Harvey (2001, p.125):

O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes

institucionais; o capital corporativo teve de ajustar às velas em certos aspectos para seguir

mais suave a trilha da lucratividade segura, e o trabalho organizado teve de assumir novos

papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processo de

produção.

Mas, em que se constitui o modelo de produção e de organização do trabalho fordista? Para

Harvey (2001), as inovações tecnológicas e organizacionais do sistema fordista de produção são

consideradas simplesmente extensão de tendências que já haviam sido estabelecidas antes mesmo

da data simbólica (1914) do surgimento do fordismo, pois a forma corporativista de organização dos

negócios, a racionalização tecnológica a partir de detalhada divisão do trabalho e a separação entre

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gerência, concepção, controle e execução, já faziam parte do universo industrial mesmo antes de

Ford. Na perspectiva de Harvey (2001) é a produção de massa, sinônimo de consumo de massa,

considerada visão explícita de Ford que dá, ao fordismo, um caráter de autenticidade em relação aos

outros modos de organização e produção no mundo capitalista. Ford (1954, p. 47) criticava as

empresas que produziam sob encomenda e achava que este tipo de produção pertencia às formas

primitivas de trabalho. Para ele “[...] trabalhar por encomenda, ao invés de fazer em grande escala, é

tradição da era do trabalho manual” (FORD,1954, p. 47).

Segundo Gounet (1999, p. 18), os princípios tayloristas, surgidos antes do fordismo, são

considerados a base para a implantação e desenvolvimento do modo de produção e organização

fordista. Para Cattani (1999, p. 248), o taylorismo é considerado como um sistema de organização

do trabalho oriundo das indústrias que, aliado ao modo de produção fordista, integra a Organização

Científica do Trabalho. Os princípios básicos do taylorismo são: a) separação programada entre

concepção e planejamento das atividades de execução; b) intensificação da divisão social do

trabalho; c) controle do tempo e movimento.

Na separação programada entre concepção e planejamento das atividades de execução

predominava a tentativa de expropriar-se ao máximo do “saber” do operário, delegando-o, na

organização produtiva, apenas a função de executar as tarefas produtivas que são concebidas,

planejadas e controladas pela administração superior. Nas palavras de Cattani (1999, 248) “[...] as

iniciativas e o trabalho cerebral são banidos das oficinas e centrados na administração superior.”

Ford (1954) reafirmava, em sua teoria, esse princípio taylorista, caracterizado pela separação

entre concepção e execução do trabalho produtivo, na medida em que acreditava que no âmbito da

produção não é o homem que deve dirigir o trabalho e, sim, o trabalho que o dirige e o

planejamento da produção deveria ser de responsabilidade da direção “[...] de modo que cada

homem e cada máquina só realizem uma coisa.” (FORD, 1954, p. 277).

Na intensificação da divisão do trabalho, em função do estudo dos tempos e movimentos

desenvolvido por Taylor (1990), era possível decompor o trabalho em parcelas elementares e

simplificadas e, assim, buscar o “melhor” processo de executar o trabalho no menor espaço de

tempo possível. Na decomposição do trabalho produtivo, cada operário ficava responsável pela

execução de determinadas tarefas o que intensificava, mais ainda, a divisão do trabalho no ambiente

de produção. O controle do tempo e movimento, outro princípio básico do taylorismo que

fundamenta o fordismo, é fruto, também, dos estudos sistemáticos sobre os tempos e movimentos

desenvolvidos por Taylor. Neste princípio, tinha-se uma preocupação muito acentuada com a

“porosidade” dos operários durante a produção e, através dos seus estudos objetivava eliminá-la.

Para Ford (1954, p.93), era importante calcular em cada operação, o espaço de que deve

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dispor os operários, dando-lhes necessária liberdade de movimento, porque do contrário haveria

desperdícios. Ainda, e como forma de eliminar a “porosidade” dos operários e, consequentemente,

evitar o desperdício durante a produção, Henry Ford demostrava preocupação até com a posição

que deveriam ficar as ferramentas e peças a serem utilizadas pelos operários, uma vez que,

dependendo do movimento que eles fizessem poderia caracterizar trabalho “improdutivo”. Nas

palavras de Ford: “Agachar-se para colher uma ferramenta ou peça também não é movimento

produtivo, daí pormos todo o material ao nível da cintura dos homens.” (1954, p. 278). Para Cattani

(1999), o taylorismo entendia por “porosidade” na jornada de trabalho o tempo que não era

dedicado às atividades produtivas.

Para colocar em prática os seus princípios Taylor (1990) introduziu, na organização do

trabalho produtivo, o sistema de pagamento por unidade produzida. Nesse sistema, segundo a visão

taylorista, os operários se sentiriam mais motivados durante a produção, pois quanto mais peças eles

produzissem, maior seria a sua remuneração. De certa forma esta estratégia taylorista também

levaria os operários a uma desarticulação política, uma vez que isto proporcionaria a

competitividade entre a classe operária.

Segundo Rago (1997), o processo de produção, na visão taylorista, não deveria ser deixado

nas mãos dos próprios trabalhadores, pois isto poderia representar “perigo” aos interesses do

capital. Para isto, Taylor (1990) introduziu a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual

no processo de organização e gerenciamento no sistema fabril e acreditava que cada tarefa e cada

movimento dos operários deveriam ser estudados, classificados e sistematizados por cientistas

especializados no trabalho, desde as fases de planejamento, e concepção e até a produção.

De acordo com Cattani (1999), na perspectiva taylorista-fordista, o trabalho assume

características monótonas, repetitivas e fragmentárias uma vez que o operário transformou-se em

“operário massa”, destituído de autonomia, de criatividade, e alienado do conteúdo do seu próprio

esforço produtivo. Antunes (1999) defende esta mesma linha de raciocínio de Cattani (1999) ao

relatar que a organização do trabalho, no modo de produção taylorista/fordista, estrutura-se de

forma parcelada, fragmentada em função da decomposição das tarefas requeridas pelo sistema de

produção que acabava reduzindo as ações do operário às atividades repetitivas e mecânicas durante

a produção das mercadorias. Ainda segundo Antunes (1999, p. 37), os diferentes trabalhos presentes

na linha de produção, articulavam-se tendo como base uma linha rígida de controle da produção do

qual a “máquina” era quem determinava o “quanto” e em que “tempo” a mercadoria deveria ser

produzida.

Para Frigotto (1999, p.69), o modelo fordista de produção e organização do trabalho

constitui-se das seguintes características básicas: a) organização do trabalho apoiada em bases

tecnológicas, cujo sistema de máquinas assume características rígidas, com forte predominância da

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divisão do trabalho, exigindo um determinado patamar de conhecimento e uma determinada

composição da força de trabalho; b) compatibilização entre produção em grande escala e consumo

de massa; c) e uma determinada forma de regulação social.

Belloni (2009, p.11) relata que o modo de produção industrial fordista é fundamentalmente

caracterizado por: produção de produtos estandardizados e de massa; b) automação do processo de

produção, uma vez que as máquinas se dedicavam a produzir bens determinados e uniformes; c) o

trabalho produtivo era considerado segmentado que por sua vez levava o operário à realização de

tarefas parceladas, mecânicas e especializadas; no ambiente produtivo predominavam, ainda, a

hierarquia e a burocracia em excesso.

Na visão de Hirata (1994, p.129), durante a produção de mercadorias os trabalhadores, sob a

égide do modelo fordista, deveriam se sujeitar ao cumprimento das normas operatórias bem como

submissão e cumprimento às tarefas rigorosamente prescritas.

Gounet (1999, p.17), analisando o processo de produção na indústria automobilística refere-

se ao fordismo como um sistema de produção dominante até o início da década de 1970 e o

considera como um símbolo da exploração do capitalismo em função dos operários, sob este

modelo de produção e organização do trabalho fabril, terem seus trabalhos cada vez mais

desqualificados, além de serem considerados “máquinas” lucrativas para as indústrias. Entretanto, e

de acordo com Gounet (1999) e Antunes (1999), a introdução e o desenvolvimento do fordismo nas

indústrias não foram bem aceitos pela classe operária o que desencadeou lutas operárias em vários

países como França, Itália, Grã-Bretanha e no próprio Estados Unidos, considerado “berço” do

fordismo.

Para Gounet (1999, p.19), o modo de organização da produção e do trabalho fordista se

alicerça em cinco pontos fundamentais: 1º) racionalização extrema das operações realizadas pelos

operários como forma de eliminação dos desperdícios de um modo geral e, principalmente, de

tempo; 2º) parcelamento das tarefas atividades operárias. Nesse processo inicia-se a desqualificação

dos operários uma vez que esse parcelamento “[...] significa que o trabalhador não precisa mais ser

um artesão especializado [...]”; 3º) criação da linha de montagem como forma de impedir o diálogo

entre os operários enquanto executam suas tarefas parceladas. Nesta fase da produção os operários

são colocados lado-a-lado e frente a uma esteira rolante e, nessa situação, realizam as operações que

lhe cabem. A “máquina” é quem define o ritmo da produção e esta última, juntamente com os

operários, é controlada pela direção da empresa; 4º) padronização das peças como estratégia de

redução das tarefas dos operários a gestos simples e evitar os desperdícios de adaptação das peças

aos carros. Neste sentido, com a padronização das peças dos veículos, os operários já saberiam

“onde” e “como” encaixá-las “produtivamente” além do que, com isto, o mesmo tipo de peça

padronizada poderia ser montada no mesmo modelo de carro. Contudo, para Ford obter esses

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resultados, segundo Gounet (1999, p. 19), ou seja, possuir os componentes exatamente adaptáveis

aos seus veículos teve que adquirir as fábricas de autopeças. Com mais este processo, a organização

da produção e do trabalho fordista passou a ser caracterizada como “[...] integração vertical, ou seja,

ao controle direto de um processo de produção de cima a baixo”; 5º) automatização das suas

fábricas que pôde ser alcançada após a transformação dos quatros pontos fundamentais

mencionados.

Gounet (1999) relata que os resultados da implantação destes cinco pontos fundamentais da

organização e produção fordista no âmbito da produção automobilística são considerados, no

mínimo, prodigiosos na medida em que, na “antiga” forma de produção para se montar um carro

precisava-se de 12:30 horas. No modo de produção taylorista-fordista, apenas com a introdução do

parcelamento das tarefas, da racionalização das atividades sucessivas e a padronização dos

componentes (taylorismo), o tempo de produção de um carro baixa para 5:50 horas. Posteriormente,

em função do treinamento do operário cai para 2:38 horas. E, por fim, com a introdução, em 1914,

das primeiras linhas automatizadas o tempo de produção de veículos nas fábricas fordistas passa a

ser de 1:30 horas, ou seja, “[...] pouco mais de oito vezes mais rápido que no esquema artesanal

usados pelos concorrentes” (GOUNET, 1999, p.20).

Para Antunes (1999, p.37), o processo produtivo taylorista-fordista expandiu-se por toda a

indústria automobilística dos Estados Unidos para, em seguida, estender-se para praticamente a

todos os países capitalistas. A fusão do taylorismo (Princípios da Organização Científica) e do

fordismo (produção em grande escala e consumo em massa) representa, ao longo de várias décadas

do século XX, a forma mais avançada de racionalização do processo de trabalho na vertente

capitalista. Entretanto, no início da década de 1970, o tripé Taylorismo/fordismo/keynesiano, até

então considerado dominante no mundo capitalista, entra em crise.

Para Frigotto (1999, p.73), os primeiros sinais de fragilização do modelo de acumulação e

regulação social taylorista/fordista/keynesiano datam-se já no final da década de 1960 e podem ser

identificados principalmente por: a) progressiva saturação dos mercados internos de bens de

consumo duráveis; b) concorrência intercapitalista e crise inflacionária, que ocasionou a retração

dos investimentos.

Antunes (1999), ao referir-se a crise do fordismo e da fase keynesiana de Estado, afirma que

os seus traços mais evidentes foram: a) a queda da taxa de lucro do capital em função, entre outras,

do aumento do preço da força de trabalho conquistado durante o período pós-45 e, também, pelas

lutas sociais ocorridas nos anos 1960 em que se objetivava o controle social da produção. A

conjugação desses elementos ocasionou refração na produtividade capitalista e, com isto, acentuou-

se decréscimo da taxa de lucro também para o capital; b) o esgotamento do padrão de acumulação

taylorista-fordista de produção em grande escala que já demonstrava a sua incapacidade de

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corresponder à refração do consumo que se intensificava em função do desemprego estrutural que,

então, se iniciava; c) hipertrofia da esfera financeira; d) maior concentração de capitais decorrente

das fusões de mercado monopolista e oligopolista; e) crise fiscal ocasionada pelas políticas sociais

do “Estado de Bem-Estar Social” que o obrigava a reduzir os gastos, tanto com a esfera pública

como com o capital privado; f) incremento acentuado das privatizações, uma vez que isto levaria às

desregulamentações e às flexibilizações do processo produtivo, do mercado e da força de trabalho,

[...] entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse novo quadro crítico.”

(ANTUNES, 1999, p. 30).

Para Frigotto (1999), a crise deflagrada na década de 1970 nada mais é do que uma crise que

caracteriza o esgotamento do regime de acumulação do sistema capitalista, fase esta caracterizada

como a mais “bem” sucedida e longa da sua história, apresentando contradições mais agudas.

Os sinais de esgotamento do fordismo, enquanto regime de acumulação e regulação social,

coincidem com uma revolução ocasionada na base técnica do processo produtivo em que “A

microeletrônica associada à informatização, à microbiologia e à engenharia genética que permitem

a criação de novos materiais e as novas fontes de energia são à base da substituição de uma

tecnologia rígida por uma tecnologia flexível.” (FRIGOTTO,1999, p. 77).

De acordo com Antunes (1999, p.36), a reestruturação do sistema produtor de mercadorias

se deu a partir de aspectos fenomenológicos, uma vez que o capital “optou” por reestruturar apenas

o padrão produtivo mantendo, portanto, os pilares de sustentação do capitalismo. Para Belloni

(2009, p.11), a crise, a qual enfrentou o sistema capitalista na década de 1970 em que até, então, o

modelo de produção taylorista/fordista era tido como o “alicerce” do sistema capitalista, deu origem

a outros modelos industriais de produção. Para Saviani (2008a, 2008b), as transformações do

sistema produtivo-capitalista, que geram novas necessidades e interesses para o capital, são frutos

da crise deste próprio sistema produtor de mercadorias que eclodiu na década de 1970, em que se

“substituiu” o modelo taylorista/fordista pelo modelo toyotista de produção. Mas, quais são os

princípios e fundamentos deste novo modelo de produção? Em que medida rompe com o binômio

taylorista/fordista? E, quais as suas consequências para o campo educacional?

1.2 O MODELO TOYOTISTA DE PRODUÇÃO: ORIGEM E PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para Oliveira (2004), o toyotismo, também denominado “Modelo Japonês” e “Modelo

Ohnista” de organização e produção do trabalho, é considerado como uma forma de organização do

trabalho surgida no Japão a partir da década de 1950 “[...] cujos elementos constitutivos articulam a

base sobre a qual emergem as características do desenvolvimento do capitalismo japonês, no pós-

guerra.”(p. 17). O processo histórico da industrialização no Japão, a partir do período pós-guerra, se

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confunde com a própria história do toyotismo, uma vez que os movimentos de mudanças, que

visavam tirar o país do atraso econômico, confluem para essa nova forma de organização e

produção do trabalho, considerada responsável pelo acentuado desenvolvimento produtivo,

alcançado desde os anos 70 pela indústria automobilística, especialmente a Toyota Motor Co., que

consegue alcançar posição de liderança no Japão, bem como alcança o terceiro lugar mundial na

produção automobilística.

Antunes (2001, p.30) e Coriat (1994, p.38) relatam que o surgimento do toyotismo pode ser

explicado a partir de quatro fases. A primeira fase é marcada pelas experiências desenvolvidas no

ramo têxtil em que os trabalhadores operavam várias máquinas simultaneamente e essa experiência,

segundo os autores, foi introduzida na indústria automobilística Toyota. A segunda fase diz respeito

à forma utilizada pelas empresas japonesas para se sobressaírem à crise financeira caracterizada

pelo aumento da produção sem aumentar, entretanto, a quantidade de operários. Coriat (1994), ao

referir-se a essa segunda fase de desenvolvimento do toyotismo, afirma que a crise financeira, pela

qual passou a Toyota na década de 1950 e que resultou, entre outras consequências, no

enxugamento da empresa em que se demitiu mais de 1600 operários, já assinalava a política da

Toyota Motor Co. caracterizada pelo início da produção com uma quantidade mínima de operários.

A terceira fase está relacionada à importação da técnica de gestão dos supermercados norte-

americanos cuja característica era repor os produtos somente após sua venda, o conhecido método

Kanban. Segundo Coriat (1994), é a importação dessa técnica norte-americana que, aplicada ao

sistema produtivo japonês, origina o Kanban. Já a quarta fase de surgimento do toyotismo é

caracterizada pela expansão desse método Kanban às empresas subcontratadas e fornecedoras.

Além dessas quatro fases que caracterizam o advento do toyotismo, Antunes (2001) aponta,

ainda, outros traços significativos que impulsionaram a origem do “Modelo Japonês” de produção.

Entre eles, o autor destaca: a necessidade de atender a um mercado interno que solicita produtos

diferenciados em pedidos pequenos, e a limitação produtiva na Toyota em função da predominância

nas indústrias japonesas do método Dekánsho caracterizado, sobretudo, por um longo período de

preparação para, posteriormente, iniciar-se a produção. A adoção do método Dekánsho colocava a

indústria automobilística japonesa em situação de defasagem produtiva se comparada a outros

países capitalistas. Além disto, a indústria automobilística japonesa se deparava com o combativo

sindicalismo japonês que representava entrave à expansão do toyotismo já na década de 1950.

Gounet (1999, p.23) aponta mais dois fatores, além dos que são apresentados por Antunes

(2001, p.32) e Coriat (1994, p.38), que propiciaram a origem e o desenvolvimento do toyotismo.

Para ele, como todas as nações capitalistas do século XX, que se sentiam pressionadas pela

concorrência intercapitalista provocada, sobretudo, pelo estrondoso sucesso do modelo

taylorista/fordista de produção industrial, que obrigava as indústrias a adotar o método de produção

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e organização industrial fordista sob pena de falirem, o Japão também produziu tentativas de

implantação do “método de produção em série” no Arquipélago. A Nissan, criada em 1933, é

considerada como a primeira indústria automobilística japonesa a introduzir o fordismo em sua

organização produtiva. Entretanto, como a hegemonia das indústrias estadunidenses já se

consolidara também no Japão, pois desde os anos 1920 foram instaladas filiais de grandes indústrias

automobilísticas cuja matriz situava-se em Detroit – EUA, a possibilidade de sucesso na produção

local frente à produção norte-americana fordista era mínima. Gounet (1999, p.32) diz que: “Mas o

que podem os japoneses diante do poderio norte-americano? Os fabricantes dos Estados Unidos têm

tamanha vantagem no domínio da produção em massa que podem inundar o Japão com veículos

baratos, tarefa impossível para os concorrentes locais [...].”

A partir da década de 1930, como estratégia para enfraquecer o poderio das indústrias

fordistas no Japão, o Governo de Tóquio implanta políticas estatais no sentido de proteger e

expandir a produção automobilística local frente à produção estrangeira, especialmente a norte-

americana. Para colocar em práticas estas políticas, que enfraqueceriam as indústrias

automobilísticas fordistas implantadas no Japão, o Estado edita, em 1933, uma lei em que são

criados vários obstáculos às importações, bem como institui a proibição de produção estrangeira em

âmbito japonês.

Para Gounet (1999), pressionados pelas políticas fascistas do Governo Japonês, as grandes

empresas norte-americanas, que funcionavam no Japão desde 1920 sob a filosofia fordista, deixam

o país em 1939. Entretanto, no pós-guerra, em que o Japão foi derrotado pelos seus adversários,

ocorre o retorno da intervenção norte-americana no arquipélago, contudo “[...] não em certos

setores, mas no conjunto do aparelho econômico, político e militar.” (p. 23).

Nessas novas condições do pós-guerra e sob a pressão das políticas norte-americanas, os

empresários japoneses do setor automobilístico retomam discussões iniciadas na década de 1930,

que envolvem a possibilidade do Japão expandir suas indústrias automobilísticas e superar a

produção norte-americana.

Segundo Gounet (1999), a necessidade que os japoneses sentiram de elevar o nível de

produção automobilística do País, que se encontrava aquém se comparada à produção de outros

países capitalistas inclusive dos Estados Unidos, é o primeiro aspecto que impulsiona o toyotismo.

O segundo aspecto, que contribui para o surgimento do toyotismo, de acordo com Gounet

(1999, p. 25) diz respeito “[…] a necessidade de aplicar o fordismo no Japão.” Contudo, o autor

chama a atenção, considerando as condições sociais, culturais, econômicas e geográficas do

arquipélago, uma vez que o Japão não comporta um mercado automobilístico com as mesmas

características do fordismo americano havendo, portanto, necessidade de adaptá-lo às

peculiaridades japonesas.

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Neste sentido, para os japoneses adaptarem o fordismo norte-americano às suas condições

próprias, o Governo Japonês teve que, novamente, intervir diretamente no mercado automobilístico

nacional, implantando políticas que consideravam esse ramo da produção como prioridade de

Estado. Nas análises de Gounet (1999), entre as várias medidas tomadas pelo Governo Japonês, no

sentido de incrementar a produção automobilística nacional, destacam-se, especialmente: a) o

estabelecimento de metas para a indústria japonesa como estratégia global para enfrentar a

concorrência, sobretudo a norte-americana; b) a criação de barreiras protecionistas para proteger o

setor local da invasão dos EUA; c) concessão de empréstimos para auxiliar na execução de projetos

de companhias nacionais; d) investimento na malha viária do país e; d) investimento em pesquisas

tecnológicas não só no setor automobilístico, como também em outros ramos da produção em geral.

Em relação às políticas adotadas pelo Governo Japonês, no sentido de tirar o país da

situação caótica que se encontrava no pós-guerra, Oliveira (2004, p. 21) relata que: “[...] em 1956, o

setor da indústria de componentes automobilísticos é decretado como prioridade nacional,

associando-se, a partir de então, aos programas de pesquisas tecnológicas financiadas pelo Estado.”

E, com base nesta política, durante a década de 1960, desenvolveu-se uma rede de autoestrada,

oferecendo infraestrutura para a indústria automobilística e contribuindo para consolidar o mercado

interno.

Para Gounet (1999), é a partir dessas condições que nasce um novo sistema produtivo,

“próprio” do Japão, denominado toyotismo, em função da Toyota ser a primeira indústria

automobilística a implantá-lo.

Wood (1991) chama atenção para o fato do Japão e seus métodos e técnicas de organização

do sistema produtivo ganharem grande destaque no cenário econômico, especialmente quando este

país acabara de sair derrotado de uma guerra e, em pouco tempo, consegue reerguer-se ocupando,

inclusive, boa parte das discussões da ciência social moderna.

Neste sentido, e tomando o fordismo “tradicional” como arcabouço teórico, Wood (1991)

levanta algumas provocações teóricas no sentido de refletir se os métodos e as práticas de

organização produtivas do Japão representam, ou não, um rompimento com os princípios centrais

da “produção em massa” fordista do início do século XX. Assim, tomando como eixo das

discussões as concepções fordistas, Wood (1991), destaca, especialmente, os termos “especialização

flexível”, “pós-fordismo”, “neofordismo” e “japonização do fordismo”, este também denominado

toyotismo, num esforço teórico de se compreender até que ponto os métodos japoneses rompem, ou

não, com os princípios centrais do fordismo.

Para Wood (1991) os termos “especialização flexível”, cunhado por Piore e Sabel na década

de 1980, e “pós-fordismo” são designados para fazer referências às correntes teóricas que afirmam

que os métodos e as práticas produtivas japonesas significariam uma ruptura radical com o fordismo

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norte-americano, introduzindo modos de produção qualitativamente novos. Em contrapartida, os

termos “japonização do Fordismo”, expressão cunhada por Roobeck na década de 1980, e

“neofordismo” abarcariam os teóricos que defendem a tese de que os métodos orientais de

organização produtiva representam continuidade e aperfeiçoamento do fordismo clássico, ainda

que, hipoteticamente, implicam “grandes” avanços no mundo da produção, contudo mantendo a

mesma ótima dos sistemas fordistas tradicionais.

Os teóricos do “pós-fordismo” e da “especialização flexível”, segundo Wood (1991),

sustentam a tese do fim do fordismo, pelo menos no Japão, uma vez que este país teria renunciado à

produção em massa em seu novo modelo de organização produtiva. Entretanto, relata Wood (1991),

a afirmação de que o Japão teria renunciado à produção em massa é contestada pelos teóricos do

neofordismo, uma vez que a produção em massa nas indústrias japonesas está bem viva e floresce

no Japão. Para Wood (1991), existem alguns pontos convergentes no pensamento de diversos

analistas que estudam sobre o sistema japonês e sua relação com o arcabouço teórico fordista. Entre

outros pontos, destacam-se: a) ritmo acelerado de renovação de modelos e de desenvolvimentos de

novos produtos; b) flexibilidade produtiva alcançada por meio de inovações organizacionais com o

suprimento Just-In-Time (JIT) de componente; c) troca rápida de matrizes ou linhas de montagem

adaptadas para vários modelos; d) predominância da rotação de cargos, do trabalho em equipe e de

outras formas de flexibilidade funcional em amplos seguimentos da força de trabalho; e)

importância da relação de subcontratação entre as grandes e pequenas empresas.

De acordo com Antunes (2001, p.32), os traços básicos e constitutivos do modelo de

produção toyotista podem ser assim sintetizados: a) a produção das mercadorias deve ser variada e

diversificada bem como deve estar pronta para suprir apenas o consumo. É este último, o consumo,

quem determina o “que” e “quanto” será produzido. Neste sentido, esse traço constitutivo do

toyotismo opõe-se a um dos princípios básicos do fordismo, caracterizado pela produção em série e

consumo em massa. O toyotismo se fundamenta, entre outros, nos princípios do Just-In-Time.

Para Oliveira (2004, p. 32), o JIT é uma forma de gerenciamento da produção que se

diferencia do modelo fordista de produção, especialmente em função de sustentar a tese que é o

consumo quem define o ritmo e a quantidade da produção, diferentemente do princípio fordista que

advoga o início da produção em grande escala para, posteriormente, pensar na distribuição e na

venda dos produtos. As estratégias de produção das mercadorias devem ser concebidas em perfeita

sintonia com as estratégias de mercado, uma vez que a primeira (produção) subordina-se a segunda

(mercado).

Franzoi (1997, p.137), em relação ao Just-In-Time, afirma que ele é considerado como uma

forma de administração da produção industrial, bem como de seus materiais, em que a matéria-

prima e os estoques intermediários para o desenvolvimento da produção são fabricados no momento

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certo e na quantidade exata e têm como princípio melhorar a eficiência, a qualidade e a

produtividade bem como a redução dos custos. O reconhecimento do Just-In-Time como uma forma

de administração eficiente do mundo produtivo não seria possível, caso não contasse com a

combinação de outros elementos que, não só explicam o toyotismo como, também, servem de base

para a implementação da sua filosofia, cujo lema é “produzir o necessário, na quantidade necessária

e no momento necessário." Entre outros elementos que compõem o modelo toyotista de produção e

organização do trabalho produtivo destacam-se: o kanban, gerenciamento participativo e

flexibilização do processo produtivo.

O sucesso do JIT, pelo menos para o capitalismo japonês, talvez não acontecesse caso o

Japão não tivesse adaptado a gestão dos supermercados estadunidenses ao sistema kanban de

produção automobilística japonesa. Para Franzoi (1997, p. 172), o kanban, na versão japonesa, foi

utilizado pela primeira vez pela Toyota Company Co. em 1950 e refere-se a um sistema visual de

informações usado para colocar em prática o Just-In-Time. Em outras palavras, pode-se dizer que

ele é um “meio” pelo qual se realiza JIT.

Para Gounet (1999), o kanban constitui-se de placas cuja função no fluxo da produção é

repassar várias informações aos envolvidos no processo produtivo. Entretanto, a informação mais

importante disposta no kanban é aquela em que a peça está ligada a ele. Gounet (1999), apresenta

resumidamente em sua obra como funciona o sistema Kanban. Para ele: “Assim, quando a equipe

precisa de um painel para o carro que está montando, pega um painel na reserva. Nesse momento,

retira o Kanban da peça empregada, este volta ao departamento que fabrica painéis. Esta unidade

sabe, então, que precisa reconstruir o estoque esgotado.” (GOUNET, 1999, p.28). Ainda segundo

esse mesmo autor, o kanban, como técnica para colocar em prática a filosofia JIT, intensifica a

exploração do trabalho na medida em que faz como que os operários desenvolvam suas atividades

produtivas sob gerenciamento by stress que é caracterizado pela pressão cognitiva e física que

sofrem para produzirem, cada vez mais, e manter, ou colocar, a empresa nos níveis de

competitividade exigidos pelo capitalismo atual.

Outro elemento que integra o toyotismo e que tem contribuído para a intensificação e

exploração do trabalho está relacionado à política toyotista de iniciar a produção com um mínimo

de operários. De acordo com Oliveira (2004, p.23), o modelo de produção e organização industrial

toyotista aposta na redução do número de operários durante o processo produtivo como estratégia

para o acirramento da competitividade. Contudo, essa política toyotista, caracterizada pela produção

iniciada com um número mínimo de operários, não é adota pelo toyotismo apenas em situações

emergenciais em contexto de crises econômicas. Na verdade, essa política faz parte da “filosofia

toyotista” sendo considerada prática estrutural do toyotismo. Contudo, o toyotismo não “descarta”

apenas os operários, uma vez que sua política estrutural de redução do número de trabalhadores

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atinge também outros atores do processo produtivo. Se no fordismo a figura do inspetor de

qualidade era fundamental para o desenvolvimento da produção em série e consumo em massa, no

toyotismo o espaço de atuação deste profissional é reduzido significadamente ou, até mesmo,

eliminado da produção, uma vez que sob a ótica do “Modelo Japonês” cada operário é responsável

pela qualidade da produção. Nas palavras de Oliveira (2004, p. 23): “A gestão do toyotismo é uma

máquina de produzir desempregados.”.

A flexibilidade do processo produtivo, que se opõe à dimensão rígida do fordismo, é uma

importante categoria que fundamenta e orienta o processo de produção na ótica do Modelo Japonês

industrial. De acordo com Antunes (2001), sob a ótica do ideário toyotista, deve-se flexibilizar o

processo produtivo para possibilitar que o operário, durante a produção, possa manusear várias

máquinas, superando a relação um homem/uma máquina, característica do modelo de produção

taylorista/fordista. Nas palavras de Antunes (2001, p. 32): “[…] esta é a polivalência do trabalho

japonês [...]”.

Nos seus estudos sobre o toyotismo, Oliveira (2004, p. 24) relata que bases originárias da

polivalência operária estão relacionadas às tecelagens Toyota, onde uma operária executava o seu

trabalho produtivo operando 40 teares automáticos e essa relação, caracterizada por um operário e

várias máquinas no ramo têxtil, pode ser considerada como a fase que deu origem a polivalência do

operário japonês na produção automobilística da Toyota. Só para se ter uma ideia do quanto a

flexibilidade do processo produtivo goza de grande importância no toyotismo, Antunes (2001),

relata que o operário japonês opera, em média, cinco máquinas na indústria automobilística Toyota.

Na perspectiva da polivalência, os operários, durante a produção, devem estar aptos a

desempenhar novas atividades produtivas e a se locomoverem pela empresa em sistema de rotação,

sem delimitação de postos, de tarefas, de lugar no processo produtivo.

Para Oliveira (2004, p. 25), é possível compreender a polivalência operária exigida pelo

toyotismo à luz do termo “autonomação”. Para essa autora, a autonomação pressupõe a combinação

dos conceitos de “autônomo” e “automação” e não significa, apenas, o funcionamento automático

da produção, mas também, significa a parada da produção em caso de defeito durante o processo

produtivo. A responsabilidade pela busca de solução para os problemas surgidos durante a produção

fica a cargo do operário que deve agir rápida e eficazmente para resolver a situação. A autonomação

do processo produtivo, aliada à polivalência dos operários, traz consequências seríssimas,

especialmente para o desenvolvimento do trabalho, na medida em que se pressupõe que um mesmo

operário execute suas atividades produtivas operando simultaneamente várias máquinas.

Diferentemente do modelo taylorista/fordista de produção, que delegava ao operário apenas

a função de execução da produção, o toyotismo pressupõe, além da execução, também o “pensar”

sobre o processo produtivo, até mesmo para ele saber o “que” e “como” fazer” no caso de surgirem

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problemas com as máquinas automatizadas. Como o toyotismo exige do operário também a

capacidade de “pensar” produtivamente, além de manter a sua habilidade de execução durante o

processo produtivo, isto pode intensificar a exploração do trabalho, não somente física, mas

mentalmente também, na medida em que, do operário, passa-se a exigir maior atenção, raciocínio

rápido e aceleração mental como forma de aumentar a produtividade.

Além da flexibilização do processo produtivo, que preconiza a multifuncionalidade e

polivalência do operário, o toyotismo também advoga a flexibilidade da organização do trabalho e

do operário. Na flexibilidade da organização do trabalho o toyotismo preconiza o desenvolvimento

do trabalho em equipe.

Segundo Antunes (2001, p.34), esse é outro ponto básico que diferencia o toyotismo do

fordismo uma vez que este último preconiza o trabalho “solitário” e parcelado. Para Oliveira (2004,

p. 43), o trabalho em equipe tem como razão a implementação de técnicas que visam captar o

envolvimento dos operários, segundo objetivos da empresa. A partir de uma perspectiva

“democrática” o toyotismo desenvolve estratégias no sentido de fazer com que os operários

contribuam para o desenvolvimento produtivo através de sugestões que são dadas por eles e que

possam melhorar e ampliar a produtividade. Na medida em que “democraticamente” os operários

participam não somente da execução, mas, também, da “concepção” de trabalho produtivo ocorre o

comprometimento deles, cada vez mais acentuado, aos interesses e necessidades da empresa. Como

forma da empresa capturar a subjetividade dos operários, o toyotismo lhes oferece uma série de

contrapartidas.

Entre outras contrapartidas, a empresa toyotista oferece aos funcionários investimento em

formação e capacitação, salário fixo, com possibilidade de ampliação de acordo com o ritmo da

produção, e progressão na carreira. O trabalho em equipe, por outro lado, também pode provocar a

competitividade e, portanto, desarticulação entre os operários na medida em que, se um deles não

cumprir seu papel na produção passa a ser mal avaliado pela hierarquia da empresa e, até mesmo,

pelos demais operários que atuam nesta. Isto pode ocorrer porque para o toyotismo o sucesso da

produção depende do trabalho em equipe e se um operário “falha” toda a produção fica

comprometida.

Segundo a “lógica” do toyotismo, a flexibilidade do operário está relacionada, sobretudo, à

flexibilização dos seus direitos trabalhistas. Para Gounet (1999), no toyotismo, a flexibilidade do

operário, incluindo os seus direitos sociais e trabalhistas, conquistados historicamente, ocorre tanto

no nível das empresas subcontratadas/terceirizadas, como nas próprias fábricas montadoras.

No âmbito da organização industrial horizontalizada toyotista, diferentemente da

organização verticalizada taylorista/fordista, cuja principal característica é produzir internamente

todos os produtos e processos que servem de complementação para a caracterização do produto

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final, predominam concepções de trabalhos em que sujeitam os operários a contratações

temporárias ou por tempos parciais. A política estrutural do toyotismo, segundo Oliveira (2004,

p.23), é iniciar a produção com um número mínimo de operários. Na medida em que o consumo

exige maior ritmo da produção, ao invés de se contratar mais operários para atuar no processo

produtivo, o toyotismo mantém o número de operários já contratados e amplia sua jornada de

trabalho com possibilidades de ganhos adicionais através, por exemplo, do pagamento de horas

extras.

Segundo Gounet (1999), manutenção, ou não, do operário na empresa, contratado sob

condições precárias de trabalhos, seja no nível de atuação no “chão da fábrica”, seja em relação aos

seus direitos trabalhistas que foram “flexibilizados” para atender aos interesses do capital, depende

das condições e flutuações do mercado. Neste sentido, se o mercado está favorável à produção, a

empresa toyotista determina que os operários aumentem o ritmo da produção visando atender o

fluxo de demanda que está em alta, tendo como contrapartida o pagamento adicional na modalidade

de horas extras. Caso contrário, ou seja, se o mercado determina que a indústria deve diminuir a

produção, o toyotismo demite facilmente os operários. Estes, que são, na maioria das vezes,

contratados sob as leis trabalhistas “flexíveis”, que não lhes garantem a permanência no mercado de

trabalho formal, são arremessados, ora à fila dos que lutam em busca do emprego, ora vão fazer

parte do mercado de trabalho informal. Nas palavras de Antunes (2001, p.34), “[...] o toyotismo

estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os através de horas extras,

trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado.”

De acordo com Gounet (1999), para a consolidação da flexibilidade do aparato produtivo, da

organização do trabalho e do próprio operário é importante, para o toyotismo, que ocorra a

desregulamentação ou, até mesmo, a extinção do sindicato de natureza classista. Para Oliveira

(2004, p. 56), a introdução do sistema toyotista de produção industrial somente ocorreu após a

derrota do sindicalismo de natureza combativo/classista e isto porque uma organização que visasse

defender os interesses dos trabalhadores representaria obstáculo intransponível aos interesses do

capital.

Gounet (1999) relata que, para as indústrias japonesas o sindicato classista possui dois

“defeitos” básicos que representam obstáculos à implantação das políticas toyotistas. O primeiro

“defeito” refere-se ao fato deste tipo de sindicato ter, como base, a solidariedade de classe e não

visa simplesmente colaborar com os interesses e necessidade da empresa. O segundo “defeito” do

sindicato classista é que sua natureza é combativa porque consegue aglomerar grande número de

operários que, através de duradouras paralisações e greves, como as que aconteceram no Japão em

1946, 1947 e 1948, reivindicam melhorias nas condições de trabalho e de salário. Em substituição

ao sindicato classista-combativo o toyotismo institui o “sindicato empresa” também denominado de

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“sindicato casa” e “sindicato patronal”.

Segundo Oliveira (2004, pp. 64-65), a relação entre toyotismo e a emergência do “sindicato

empresa”, pode ser assim sintetizada: a) o desenvolvimento do toyotismo só foi possível após a

“destruição” do sindicalismo de natureza classista e a criação nos anos 1950 de um “novo” tipo de

sindicalismo, vinculado e submetido aos ditames da empresa capitalista; b) o toyotismo necessita do

sindicato na medida em que esta instituição opera para garantir a participação e o consentimento da

classe operária, sobretudo na introdução e desenvolvimento de inovações tecnológicas; c) a direção

sindical atua na seleção e ascensão dos operários no âmbito da própria empresa e tornou-se

elemento definidor das políticas de carreira especialmente dos graduados; d) o toyotismo não só

precisa do sindicato, mas, também, se permite selecionar o tipo de sindicato que deve existir.

Se o modelo taylorista/fordista de produção se desenvolveu e tornou-se hegemônico até o

início da década de 1970, sob as bases de um Estado de bem estar - social, ou Estado –

intervencionista, o modelo de produção toyotista se desenvolve sob as bases de um Estado

“mínimo”, especialmente quando se trata de intervenção nas esferas econômicas e em investimentos

públicos em áreas sociais, uma vez que, para atender aos interesses do capitalismo, esse Estado tem

que se manter forte e amplo.

Mas, em qual contexto sociopolítico, econômico e ideológico surge a noção de Estado-

mínimo? O que é esse Estado mínimo? Quais são as suas principais características? Em que medida

a articulação dos pressupostos toyotistas e neoliberais contribuem para o surgimento de visões

neotecnicista no âmbito da educação escolar?

A hipótese geral para os questionamentos apresentados acima é de que as mudanças na base

produtiva, ou seja, mudança do modelo de produção taylorista/fordista para o modelo de produção

toyotista, desencadeou uma nova ideologia e, por conseguinte, forçou o capital a pensar num

“novo” projeto societário.

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), a partir da década de 1980, o panorama sociopolítico

e econômico que passa a orientar a nova concepção de Estado alicerça-se na ideologia da

globalização que tem como projeto societário a visão neoliberal de mundo.

1.3 GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO

Para se ter uma compreensão do contexto econômico, político e ideológico que caracteriza a

emergência e o desenvolvimento do neotecnicismo pedagógico educacional, mais visivelmente

identificado no sistema público de ensino brasileiro, a partir da década de 1990, entende-se ser de

fundamental importância recuar um pouco na história no sentido de identificar as raízes destas

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concepções que, segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), Frigotto (1999) e Saviani (2008a,

2008b), configuram-se a partir do início do século XXI na ideologia da globalização mundial da

economia e no projeto societário do neoliberalismo. Mas, o que são globalização e neoliberalismo?

Quais são as bases teóricas que os sustentam? No âmbito da organização educacional, como seus

pressupostos se materializam? E mais: qual a relação entre toyotismo, globalização, neoliberalismo

e neotecnicismo pedagógico?

1.3.1 Globalização

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), a globalização caracteriza-se por uma gama de

fatores que envolvem aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais e expressa o espírito e o

estágio atual do desenvolvimento do sistema capitalista, em sua fase concorrencial-global. Neste

sentido, e de acordo com os esses autores, o processo de aceleração, integração e reestruturação

capitalista que envolve o progresso técnico-científico nas áreas das telecomunicações e da

informática, a privatização de amplos setores de bens e serviços oferecidos pelo Estado, a ênfase na

busca da eficiência e de competitividade, bem como a desregulamentação do comércio entre países,

denomina-se globalização ou mundialização e que pode ser entendida como uma forma de

enfrentamento da crise do capitalismo, constituindo como uma nova ordem econômica mundial.

Entretanto, os autores alertam para o fato de que o modo de produção capitalista “[...]

sempre experimentou ciclos de internalização e de mundialização do capital, mas que [...]” os

traços, os aspectos e as características principais dessa etapa do capitalismo são bastante

diferenciados e tornam-se mais visíveis a partir da década de 1980, como o discurso e o projeto

neoliberais, que criaram as condições para o impulso e a efetivação da globalização. Diferentemente

do que sugere, a princípio, este termo, que aparentemente transmite a ideia de inclusão de países, de

regiões e de pessoas que se adequarem aos novos padrões produtivos, o que se percebe, na

realidade, é a lógica de exclusão da maioria, uma vez que, esta etapa do desenvolvimento capitalista

“[...] é orientada pela ideologia do mercado livre”, que rompe fronteiras e enfraquece governos,

pelo menos nos países em desenvolvimento, promove a unificação e dispersão dos mercados e, ao

mesmo tempo, impõe a lógica da exclusão, presente no mundo da produção. (LIBANEO, ET AL,

2003, p. 76).

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), dentro da lógica da globalização capitalista dos

séculos XX e XXI, a marca mais distintiva das transformações do sistema capitalista é o que se

pode chamar de acumulação flexível do capital que ocorre em um sistema integrado. Neste sentido,

a acumulação flexível do capital inaugura um novo modo de acumulação de capital na medida em

que se flexibilizam os processos de trabalho e os mercados de produto e de consumo. Ainda, e na

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concepção de Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), nesta nova fase do desenvolvimento capitalista a

produção global flexível caracteriza-se, entre outras, pela aceleração do ritmo da inovação do

produto; a exploração dos mercados sofisticados e de pequena escala; a introdução de novas

tecnologias e de nova forma de organização; o aumento do poder das fusões corporativas, redução

do tempo de usos dos produtos em função de sua menor durabilidade e, por meio de propagandas,

criam-se novas necessidades de consumo.

Também, a flexibilização global da produção é impulsionada, sobretudo, pela revolução

tecnológica, baseada na microeletrônica e informática, e pela globalização da economia,

provocando, também, transformações significativas no mercado de trabalho.

Neste sentido, o mercado de trabalho passa por profundas transformações, pois na medida

em que se avançam as bases do novo processo produtivo, que tem como base tecnológica a

microeletrônica e informática, passa a exigir maior qualificação do trabalhador em função da forma

de organização do trabalho, nesta fase do desenvolvimento capitalista, ser caracterizada como mais

horizontalizada e demandar múltiplas e complexas tarefas do trabalhador. Inserido no processo

produtivo, o trabalhador deverá desempenhar múltiplas tarefas exigidas pelos novos padrões

produtivos e, neste sentido, serão exigidos, dele, além de treinamento e aprendizagem permanentes

como forma de inserir e manter a produção nos patamares de uma economia competitiva e global.

Por outro lado, esse processo produtivo institui regimes e contratos de trabalhos mais

“flexíveis” traduzindo-se, na maioria das vezes, em redução do emprego formal e trabalhos

caracterizados em tempo parcial, temporário e subcontratado. Outras consequências também

advinham em função das exigências demandadas pela nova base produtiva, entre elas: o

estabelecimento de políticas salariais “flexíveis”, acentuação da economia informal, retrocesso do

poder sindical e a ampliação do desemprego estrutural causado, sobretudo, pela introdução no

ambiente produtivo de novas tecnologias, especialmente as de natureza informatizada.

Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), chamam atenção, também, que o processo de

globalização da produção passa a redefinir a geografia do mercado de trabalho em nível mundial,

uma vez que as corporações mundiais instalam-se em locais em que as condições de produção e de

consumo possibilitam taxas elevadas de lucros, especialmente em locais que se encontram mão de

obra barata e qualificada, mercado consumidor emergente, pouca ou nenhuma regulamentação do

Estado para as relações trabalhistas bem como fraca atuação do sindicalismo. Oliveira (1995), ao

apresentar reflexões sobre a hegemonia do neoliberalismo no Brasil na década de 1990, relata o

depoimento de um grande empresário do ramo da produção de automóvel, que parece convergir

com a tese apresentada, acima, por Libâneo, Oliveira e Toschi. Nas palavras de Oliveira:

Na entrevista que o presidente da General Motors do Brasil deu recentemente, ao tratar da

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localização da nova fábrica da empresa, explicitamente ele mandou o recado: a fábrica não

será em São Paulo, nem em São Caetano, tão pouco em São Bernardo e muito menos em

São José dos Campos. Ela irá para o interior de Minas, por que lá não tem sindicato.

(OLIVEIRA, 1995, p.27.)

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), a globalização deve ser entendida, também, no

âmbito do poder uma vez que, a partir da década de 1990 são mais visíveis os arranjos e as

configurações da nova ordem econômica e política mundial. Assim, os arranjos e as configurações

desta nova ordem econômica devem-se, sobretudo, ao desenvolvimento do neoliberalismo, à

derrocada do socialismo real ocorrida no final da década de 1980, ao desmonte da ordem

constituída pelos Estados-nacionais no pós-guerra e à globalização do sistema de mercado mediante

a globalização do capital.

Nesta nova ordem mundial, a definição das estratégias de desenvolvimento, incluindo a

reestruturação econômica e os ajustes político-financeiros, fica a cargo de grandes grupos

financeiros e industriais em combinação com os Estados. E, alinhados com os interesses das

corporações mundiais emergem e atuam, com poder de decisão, os organismos internacionais

vinculados à concentração de poder nas esferas econômicas: Banco para Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD), Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do

Comércio (OMC), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT); políticas: Organização das Nações Unidas (ONU);

socioideológicas: ONU, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Internacional do Trabalho (OIT),

e; militares: Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), no novo estágio de desenvolvimento do sistema

capitalista, embasado na ideologia do binômio globalização-neoliberalismo, é a atuação das

corporações mundiais ou transnacionais, aliadas aos organismos internacionais, que detém os

mecanismos de controle das esferas políticas, econômicas, social, ideológica e militar. Nas palavras

dos próprios autores “Há, em geral, perfeita simbiose entre os interesses das corporações

transnacionais e a tomada de decisão nas instâncias superiores de concentração do poder mundial,

sobretudo naquelas que tratam dos assuntos econômicos e militares” (LIBÂNEO; OLIVEIRA;

TOSCHI, 2003, p. 82).

Nesta linha de raciocínio, ambas as instituições – corporações transnacionais e instâncias

superiores de concentração do poder - são cada vez constituintes, ordenadoras e controladoras da

nova ordem mundial, pois possuindo o poder de deliberação em âmbito mundial nas esferas

econômicas, políticas e militar impõem e controlam “[...] as políticas de ajustes do projeto

sociopolítico-econômico do neoliberalismo de mercado” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003,

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p. 82).

Ademais, o grupo formado, na década de 1990, pelos sete países mais ricos do mundo, os

G7, que inclui Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha, Inglaterra, França e Itália, desempenham

papel ativo na criação e sustentação dessa política global e “Embora ocorram conflitos por causa de

interesses divergentes, as decisões do G7, no tocante a nova ordem econômica mundial,

correspondem à cota de poder de cada país no interior do Estado global”, segundo Libâneo, Oliveira

e Toschi (2003), que, sob essas condições, estes países desenvolvidos têm conseguido

principalmente: a) atender aos interesses do capital transnacional; b) controlar os riscos da

sociedade global; c) instalar um sistema de rápida advertência aos mercados emergentes de países

do terceiro mundo; d) impor uma hierarquia de poder transnacional; e) implementar as políticas

neoliberais nos países terceiro-mundistas e disseminar a visão de mundo neoliberal, isto é, de uma

sociedade regida pelo livre mercado.

1.3.2 Neoliberalismo: origem e pressupostos teóricos

Para entender no que consiste o neoliberalismo é preciso, antes, remeter às condições em

que foram gestadas as primeiras ideias que, a partir do final da década de 1970, começam a fazer

parte dos programas de governos de diversas nações capitalistas, sejam as consideradas mais ou

menos, desenvolvidas economicamente. Para Anderson (1995), a década de 1940 pode ser

considerada como o momento em que os arautos do neoliberalismo acentuaram seus estudos e

estratégias visando, sobretudo, atacar as concepções e políticas do Estado de bem - estar social e de

Estado intervencionista que, até então, tornavam-se hegemônicas na Europa. Segundo esse autor, a

partir da década de 1940, Hayek, considerado como o principal expoente do neoliberalismo, reunia-

se, sistematicamente, de dois em dois anos com outros adeptos e simpatizantes do neoliberalismo.

Esses encontros eram realizados numa pequena estação, denominada de Mont Pèlerin, na Suíça.

De acordo com Anderson (1995, p.10), o objetivo destas reuniões era ”[...] combater o

keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e

livre de regras para o futuro.”

Inicialmente, a luta em busca da hegemonia neoliberal esbarrava em vários obstáculos uma

vez que, o capitalismo, subsidiado pelas políticas do Estado de Bem-Estar Social, encontrava-se

numa fase de desenvolvimento sem precedente na história, especialmente nos anos 1950 e 1960. E,

sob esta circunstância, que se caracterizava pleno desenvolvimento do capitalismo, sob as baseadas

concepções de Estado Bem-Estar Social, afirmar a ideia de um Estado não regulamentador das

políticas sociais e econômicas, como defendiam, e ainda defendem os neoliberais, representava, no

mínimo, um desafio ao consenso oficial na época.

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Para Anderson (1995), a deflagração da grande crise do modelo econômico no início da

década de 1970, fase histórica em que o mundo capitalista caiu numa longa e profunda recessão

econômica, é considerada como o momento em que as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno.

Para os neoliberais, no entendimento de Anderson (1995), as raízes desta crise se localizavam em

dois aspectos. O primeiro aspecto gerador da grande crise localizava-se no poder excessivo e

nefasto dos sindicatos, especialmente dos movimentos operários que, “[...] havia corroído as bases

de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários.” (ANDERSON,

1995, p. 11). O segundo aspecto estava localizado no fato do Estado ter aumentado,

significativamente, seus gastos sociais em decorrência das pressões advindas dos sindicatos e dos

movimentos sociais. Na visão dos neoliberais, esses dois aspectos destruíram os níveis necessários

de lucratividade das empresas e, com isto, desencadearam processos inflacionários que, como não

podia deixar de ocorrer, desembocaria numa crise generalizada das economias de mercado.

Mas, qual seria, então, o remédio receitado pelos neoliberais para solucionar o problema da

crise? Anderson (1995), relata que o remédio que os neoliberais receitavam para solucionar o

problema da crise reside numa nova concepção de Estado e, também, num modo diferente do

apregoado pelo keynesianismo de se relacionar com os sindicatos. Segundo os neoliberais: “O

remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos

sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções

econômicas” (ANDERSON, 1995, p. 12).

Para Anderson (1995), dentro da concepção de Estado que deve romper com o poder dos

sindicatos e não intervir na economia e nas políticas sociais, os neoliberais defendem, ainda,

estabilidade monetária suprema que deve ser atingida pelas Nações capitalistas como forma de sair

da crise. E, para que as nações atinjam essa meta suprema, defendem, também, uma disciplina

orçamentária rígida e severa como, por exemplo, na contenção de gastos com o bem-estar,

restauração da taxa “natural” de desemprego, entendida como a criação de um grande contingente

de reserva de trabalhadores para desestabilizar os sindicatos e, ainda, reformas fiscais. Para os

neoliberais, o crescimento econômico seria retomado na medida em que essas ideias fossem

colocadas em práticas em forma de políticas de Estado no mundo capitalista.

De acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.86), a expressão neoliberalismo surge no

período entre as Guerras Mundiais, nos anos 1930/1940, e ressurge, a partir da década de 1970

como programa de Governo de algumas Nações capitalistas, especialmente da Inglaterra, na gestão

de Margareth Thatcher, e dos Estados Unidos sob, então, governo de Ronald Reagan. O

ressurgimento do neoliberalismo deve-se em resposta à crise do modelo econômico de Estado

baseado em teorias fordistas e keynesianas que se materializa no modelo de Estado bem estar -

social, também denominado, Estado de serviços. A configuração deste modelo de Estado surge no

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“pós - Segunda Guerra Mundial” e representava um ordenamento sociopolítico do capitalismo.

Naquele contexto, as políticas, até então vigentes, procuravam resguardar um relativo equilíbrio

entre acumulação do capital e direito político-sociais básicos. Para Frigotto (1999, p.73), o fracasso

das políticas do Estado de Bem-Estar Social pode ser evidenciado já nos fins dos anos 1960 e início

dos anos 1970 quando, a partir deste período, começam a se tornarem hegemônicas as ideias

neoliberais, especialmente nas grandes nações capitalistas, uma vez que, nos países da América

Latina, seus efeitos começam a ser percebidos, de fato, a partir da década de 1980 e tornam-se

hegemônicas nos países terceiro-mundistas a partir da década de 1990.

Anderson (1995) parece compartilhar com a mesma ideia de Libâneo, Oliveira e Toschi

(2003) em relação à origem do neoliberalismo, e afirma que a primeira oportunidade de aplicação

das ideias neoliberais na Europa se deu em 1979 na Inglaterra durante o governo Thatcher. Na

década seguinte, 1980, outros países de capitalismo avançado, como os Estados Unidos, na gestão

de Reagan e a Alemanha, sob o governo de Khol, aderiram ao neoliberalismo. Assim, “quase todos

os países do norte da Europa ocidental, com exceção da Suécia e da Áustria, também viraram à

direita” (ANDERSON, 1995, p.13).

De acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), os traços mais evidentes que constituem o

projeto político-econômico-social do neoliberalismo são: desregulamentação do Estado bem como a

privatização dos bens e serviços oferecidos à população; abertura externa; liberação de preços,

prevalência da iniciativa privada; redução das despesas e do déficit público; flexibilização das

relações trabalhistas e desformalização e informatização nos mercados de trabalho; cortes nos

gastos sociais com eliminação de programas e benefícios sociais; supressão dos direitos sociais,

programas de descentralização com incentivo os processos de privatização; cobrança dos serviços

públicos e remercantilização dos benefícios sociais, arrocho salarial com queda do valor real do

salário.

Diferentemente da concepção de Estado, que prevalecia durante a hegemonia das políticas

de Estado de Bem-Estar Social, na visão neoliberal, o Estado assume a configuração de Estado-

mínimo, enquanto provedor e regulador das políticas, especialmente nas áreas econômica e social.

Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), ao referirem-se à concepção de Estado, que se efetivou na fase

do capitalismo monopolista de Estado, sobretudo no período de 1945 a 1973, que se desenvolveu

sob as bases do fordismo e keynesianismo, afirmam:

[...] assiste-se ao crescimento e ao fortalecimento do Estado, com o objetivo de intervenção,

de planejamento de coordenação e de participação na esfera econômica. Neste sentido, o

Estado desempenha funções múltiplas: regula os monopólios e intervém, quando preciso,

executa o planejamento macroeconômico em busca de economia planificada, coordena a

divisão social do trabalho e as políticas de renda e de pleno emprego para ampliar a

socialização das forças produtivas e, também, participa da esfera econômica com a

produção de bens e serviços (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 90).

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Já em relação ao advento do neoliberalismo, esses autores afirmam que sob sua ideologia

assiste-se:

[...] luta contra o estatismo, ou seja, contra o Estado máximo, contra o planejamento

econômico, contra a regulamentação da economia e contra o chamado protecionismo, ao

mesmo tempo que se enraíza no mercado mundial, direcionando a construção da nova

ordem mundial (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p.100).

Na perspectiva dos neoliberais postula-se a tese de que, sem liberdade de mercado, dentro de

uma visão de economia autorregulável, as demais liberdades, como por exemplo, a política, a

cultural, religiosa entre outras, não podem ser asseguradas. A base de sustentação desta tese,

defendida pelos neoliberais, apoia na derrocada do socialismo, ocorrida na década de 1980, que

representaria a “vitória” do sistema capitalista e, com isto, instauraria a supremacia da sociedade

aberta, regida pelas leis do mercado. E, neste sentido, os neoliberais entendem também que: “A

economia de mercado autorregulável deve, portanto, se expandir e se generalizar. O mercado deve

ser o princípio fundador, unificador e autorregulável da nova ordem econômica e política nacional”

(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 96).

Anderson (1995), alerta que o neoliberalismo, ao ser tomado como base de orientação para

as políticas de Estado em várias áreas, assume variantes distintas e isto ocorre em função dos

interesses dominantes de cada Nação. Na Inglaterra, por exemplo, considerada como o “berço” do

neoliberalismo europeu, e, também, como o Estado que mais puramente aplicou as teses

neoliberais. Segundo Anderson (1995, p.12), lá:

Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros,

baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre

os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves,

impuseram uma nova legislação antissindical e cortaram gastos sociais [...]. [...] se

lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública, e

passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a

água.

Para Anderson (1995), esse “pacote” de medidas, adotadas e aplicadas na Inglaterra durante

os governos da “Dama de Ferro”, é considerado como o mais sistemático e ambicioso de todas as

experiências neoliberais em países de capitalismo avançado.

Os Estados Unidos da América, nação capitalista que passa a incorporar as políticas

neoliberais a partir de 1980 com o Governo de Ronald Reagan, também adotaram algumas políticas

semelhantes das que foram implementadas na Inglaterra. Nos Estados Unidos, segundo Anderson

(1995, p.12), Reagan “[...] também reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juro

e aplastou a única greve séria de sua gestão.” Mas, e diferentemente da Inglaterra, não seguiu uma

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disciplina orçamentária, “[...] ao contrário, lançou-se numa corrida armamentista sem precedentes,

envolvendo gastos militares enormes que criaram um déficit público maior do que qualquer outro

presidente da história norte-americana.” Ainda no continente europeu, alguns governos de direita

colocaram em prática os ideais neoliberais de forma mais cautelosa, “[...] mantendo a ênfase na

disciplina orçamentária e nas reformas fiscais, mais do que em cortes brutais de gastos sociais ou

enfrentamentos deliberados com os sindicatos.” (ANDERSON, 1995, 13).

Anderson (1995), ao apresentar um balanço provisório e panorâmico do neoliberalismo

aponta algumas reflexões no sentido de identificar até que ponto ele conseguiu cumprir suas

promessas. Segundo o autor, como a prioridade mais imediata do neoliberalismo era conter a grande

inflação dos anos 70, neste objetivo, o êxito das políticas neoliberais é inegável. Para o referido

autor, no conjunto dos países da OCDE, a taxa de inflação caiu de 8.8% para 5.2% entre os anos 70

e 80 e a tendência de queda continua nos anos 90. E, ainda, a contenção da inflação, por

conseguinte, deveria ser tomada como condição para a retomada dos lucros e, neste sentido,

também as políticas neoliberais obtiveram êxitos. Segundo Anderson (1995): se nos anos 70, a taxa

de lucro das indústrias nos países da OCDE caiu cerca de 4,2%, nos anos 80 aumentou 4,7%.

Mas, qual é a razão que possibilitou esses êxitos do neoliberalismo? Anderson (1995) relata

que a principal razão destas transformações estava relacionada com a “derrota” do movimento

sindical, identificada na redução acentuada da quantidade de greves durante a década de 1980, bem

como, também, numa notável contenção dos salários. Outro grande êxito obtido em função da

hegemonia do neoliberalismo nos países capitalistas está relacionado ao surgimento de um novo

tipo de sindicato, que assume postura menos combatível e mais moderada, frente aos interesses do

capitalismo.

Para Anderson (1995, p. 16), esse tipo de sindicato “[...] era produto de um terceiro êxito do

neoliberalismo, ou seja, o crescimento das taxas de desemprego, concebido como um mecanismo

natural e necessário de qualquer economia de mercado eficiente.”.

Além de obter êxitos com a deflação da economia dos países mais industrializados do

mundo, e com a retomada dos lucros para as indústrias, bem como o incremento de políticas para a

ampliação do desemprego, via desestruturação sindical e redução do salário, outra meta alcançada

pelo neoliberalismo diz respeito à tributação dos salários mais altos que, segundo Anderson (1995,

p. 16) “[...] caiu 20% em média nos anos 80, e os valores das bolsas aumentaram quatro vezes mais

rapidamente do que os salários.”

Entretanto, Anderson (1995) alerta para o fato de que todas essas medidas, concebidas como

meios para reanimar o capitalismo mundial, que possibilitariam a restauração de taxas altas de

crescimento estável, como predominavam antes da crise de 70, apresentaram-se, no final das contas,

como decepcionantes. Na relação destas medidas implementadas pelos neoliberais e a reanimação

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do capitalismo mundial, Anderson (1995, p. 17) afirma: “Neste aspecto, no entanto, o quadro se

mostrou absolutamente decepcionante. Entre os anos 70 e 80 não houve nenhuma mudança –

nenhuma – na taxa de crescimento, muito baixa nos países da OCDE. Dos ritmos apresentados

durante o longo auge, nos anos 50 e 60, resta somente uma lembrança distante.”

Já no início da década de 1990, o mundo capitalista, incluindo a Inglaterra e os Estados

Unidos, cai, novamente, numa profunda recessão, caracterizada pelas dimensões alarmantes que se

encontravam as dívidas públicas e o endividamento privado das famílias e das empresas destas

nações. Também, todos os índices econômicos dos países pertencentes à OCDE apresentavam-se

sombrios, inclusive o número de desempregados que chegava, na década de 1990, a casa dos 38

milhões. Diante desta nova situação preocupante, caracterizada por mais uma crise aguda, era de se

esperar fortes reações contra o neoliberalismo na década de 1990.

Entretanto, Anderson (1995, p.17) relata que “Ao contrário, por estranho que pareça, o

neoliberalismo ganhou um segundo alento, pelo menos em sua terra natal, a Europa.”

Anderson (1995), ao concluir seu balanço provisório sobre o projeto neoliberal, chama

atenção que ele ainda continua a demonstrar uma vitalidade impressionante, e o seu dinamismo

ainda não está totalmente esgotado como se pode ver na onda de privatizações que assola boa parte

do mundo. O autor chama atenção, ainda, que a hegemonia do neoliberalismo se expressa,

igualmente, nas atitudes de partidos e governos que, formalmente, apresentam-se contra a ideologia

e projeto neoliberal.

1.3.3 Neoliberalismo no Brasil

Segundo Silveira (2009, p.78), o governo de Sarney pode ser considerado como uma fase

histórica da política brasileira caracterizada pela “oscilação” entre os interesses nacionais e, neste

caso, contrapondo-se ao ideário neoliberal, e os interesses da “nova ordem mundial”. Talvez essa

“oscilação” tenha se dado em função do momento histórico que o Brasil atravessava. Por um lado, e

naquele contexto histórico-político, já era forte a pressão política sobre o Governo, uma vez que o

País passava por um processo de redemocratização política, pós-ditadura militar, caracterizado por

significativas disputas hegemônicas, sobretudo dos movimentos populares e sindicais diversos que

buscavam sensibilizar as esferas políticas nacionais no sentido de investir significativamente na área

social. Por outro lado, nesta mesma época, o Governo também era pressionado internacionalmente,

especialmente pelo FMI e Banco Mundial, no sentido de incorporar as políticas neoliberais de

ajuste econômico. Para Silveira (2009, p.78), a “oscilação” entre a política de Estado do governo

José Sarney pode ser identificada na medida em que o Governo assinalava, publicamente, posições

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políticas que pareciam negar o receituário neoliberal. Entre as posições do Governo Sarney, que

assinalavam para o não alinhamento do Brasil aos receituários neoliberais, identificadas já no

primeiro ano do seu mandato (1985), destacam-se: a) recusa do Governo federal em fechar um novo

acordo econômico com o FMI e, a decretação da moratória em que o Brasil absteve-se em liquidar a

dívida externa junto aos bancos credores internacionais por tempo indeterminado. Também, e neste

mesmo ano, contrariando as recomendações dos países desenvolvidos, especialmente dos Estados

Unidos, o Governo reatou relações diplomáticas com Cuba que haviam sido rompidas no período da

ditadura militar.

Ainda segundo Silveira (2009, p.78), José Sarney afirmava:

[...] que o FMI trabalhava para impor ao Brasil condições contrárias aos interesses

nacionais, assinando com o presidente do Uruguai um documento afirmando que o

pagamento das dívidas externas se daria, desde que não gerasse prejuízo ao crescimento

sustentado ou ao nível de vida já alcançados pelas populações dos dois países.

Outro gesto político, publicamente assumido, que parecia assinalar que o Governo Sarney

não aderiria ao receituário neoliberal é relatado por Silveira (2009) quando: “Em Nova Iorque, em

setembro do mesmo ano, Sarney falou a Assembleia das Nações Unidas que a dívida externa

brasileira não seria paga com a recessão, o desemprego ou a fome, pois o povo brasileiro já estava

no limite do suportável. E, “Em setembro de 1989, na mesma ONU, acusou os países desenvolvidos

de adiar uma solução real para a dívida dos países em desenvolvimento, beneficiando com isto os

bancos credores.

Entretanto, e por outro lado, esse mesmo Governo também assinalava claramente posição de

alinhamento com o credo neoliberal. Para Silveira (2009, p.178), a implantação do “Plano Verão”,

no final da década de 80 (1989), já assinalava políticas que convergiam com o ideário neoliberal na

medida em que, neste plano, constavam diretrizes que visavam implantar o processo de privatização

das empresas estatais, incentivavam cortes de gastos públicos, como a demissão de funcionários, e

previa-se, a extinção de ministérios ligados à habitação e ao bem-estar e social da população, entre

outras medidas que estavam alinhadas, claramente, com a cartilha das Instituições econômico-

financeiras internacionais.

Na análise de Oliveira (1995, p.24), o processo de dilapidação do Estado brasileiro, que se

iniciou no período da ditadura militar e prosseguiu, sem interrupções, no governo caracterizado

“democrático” de Sarney, propiciara o clima “fértil” para a introdução e geminação da ideologia

neoliberal que, nos países de capitalismo avançado ganhava, cada vez mais, hegemonia. Esse clima

“fértil”, que possibilitou a introdução e “aceitação” do neoliberalismo no Brasil, era caracterizado

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por um desespero popular que gerava grande desconfiança e descrença da sociedade em geral em

relação ao real papel do Estado brasileiro. Naquele contexto político-histórico, generalizava-se a

ideia de um Estado “desperdiçador”, que o então candidato, e depois eleito Presidente do Brasil

Fernando Collor de Melo, concebia, em seus discursos, como o “Estado dos Marajás”. Este Estado

“desperdiçador” era considerado, segundo Oliveira (1995, p.25), como “[...] o bode expiatório da

má distribuição de renda, da situação depredada da saúde, da educação e todas as políticas sociais.”.

E, assim como mostra a história da política brasileira, na eleição de 1989, Collor é eleito,

democraticamente, Presidente da República e foi o voto de desespero que elegeu o Bismark das

Alagoas acentuando, então, as políticas neoliberais no contexto brasileiro.

Para Sodré (1996, p.41), foi no governo Collor que se estabeleceu, oficialmente, a “vitória”

incontestável do neoliberalismo no Brasil. Para o autor, a política de Governo adotada por Collor

estava alinhada aos interesses internacionais e este alinhamento teria contribuído para o

desmantelamento do aparelho estatal brasileiro.

O desmantelamento do aparelho estatal brasileiro teve início, por exemplo, com a

implantação, na “era” Collor, da “Reforma Administrativa” que se traduzia, entre outras, em

demissões e aposentadorias compulsórias de milhares de funcionários públicos. De acordo com

Sodré (1996), essa política fazia parte do receituário da “nova ordem mundial” que propunha, entre

outras medidas, o ajuste econômico, via enxugamento da máquina estatal, para que o Brasil

“entrasse” na era da globalização.

Segundo as análises de Silveira (2009, p.92), é possível afirmar que as políticas

implementadas no Governo Collor tinham como referenciais premissas neoliberais, uma vez que

suas ações tinham como foco, a economia de mercado. Para este autor, os vieses neoliberais podiam

ser identificados mais claramente, a partir de janeiro de 1991, especialmente com a implantação do

Plano Collor II. Nesta fase do governo Collor, é possível identificar as premissas neoliberais em,

pelo menos, três aspectos importantes que caracterizam a política brasileira do Governo Collor

nesta fase.

O primeiro aspecto está ligado à elaboração do documento denominado “Um Projeto de

Reconstrução Nacional”, lançado pelo Governo Federal em março de 1991.

Segundo Silveira (2009, p.88), o “Projetão”, como ficou mais conhecido popularmente esse

documento, previa, entre outras medidas de cunho neoliberais, a redução do Estado e da

estabilidade do funcionalismo público; a substituição da aposentadoria por tempo de serviço pela

aposentadoria por idade, como forma de “corrigir” o déficit da máquina pública estatal; a introdução

do ensino superior pago, com tentativa de privatizar as universidades federais.

O segundo aspecto, que acenava para o alinhamento do Brasil ao credo neoliberal na “era”

Collor, está relacionado à “queda”, em maio de 1991, da então Ministra da Economia Brasileira

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Zélia Cardoso de Mello e a ascensão do novo ministro desta pasta, Marcílio Marques Moreira. Para

Silveira (2009), o ministro Marcílio Marques Moreira, que antes de assumir a pasta da economia no

lugar que era, até então, ocupado por Zélia Cardoso de Mello, tinha sido, pouco antes, embaixador

do Brasil nos Estados Unidos e gozava de grande trânsito no mercado financeiro internacional o

que, assim, pode-se inferir que esta condição favoreceria, mais ainda, o estreitamento do Brasil em

relação aos ideários neoliberais.

Com a implantação do “Plano Marcílio”, durante o Governo Collor, várias medidas foram

tomadas visando atender os interesses de grupos internacionais e dominantes ligados às áreas

econômicas e financeiras. Entre outras medidas, destacam-se a elevação das taxas de juros,

eliminação do controle de preços e a implementação de uma série de medidas com o objetivo de

abrir o mercado de capitais nacionais aos investidores estrangeiros. Também, o então ministro da

economia do Governo Collor “[...] pagou dívidas de usineiros alagoanos junto a um banco inglês,

numa clara demonstração de alinhamento ao establishment”, segundo apontam os estudos

realizados por Silveira (2009).

Outra postura do Governo Collor, que caracteriza o alinhamento de suas políticas ao

receituário neoliberal, está relacionada aos acordos que foram firmados no seu Governo entre o

Brasil e o FMI. Silveira (2009) relata que, no final de 1991, sob o intermédio do Ministro da

Fazenda Marcílio Marques Moreira, foi assinada uma carta de intenções junto ao FMI para a

obtenção de empréstimos no valor de US$ 2 bilhões que se destinariam à rolagem da dívida externa

brasileira. Em contrapartida, o Brasil se comprometeria a adotar ajustes fiscais cada vez mais

drásticos e levar a cabo um amplo programa de privatização.

O terceiro aspecto, em que se pode identificar o claro alinhamento da política adotada pelo

Governo Collor às diretrizes do receituário neoliberal, na verdade pode ser considerado como

consequência do primeiro aspecto, citado acima. Ou seja, o empréstimo de US$ 2 bilhões que o

FMI fez ao País em 1991, impunha, ao Brasil, a viabilização de um amplo programa de privatização

das empresas públicas no Brasil. Esse processo de privatização se dá por intermédio da

implantação, a partir de outubro de 1991, do “Programa Nacional de Desestatização” (PND). Para

Silveira (2009, p.90), o governo Collor coloca em prática a política de privatização das estatais,

conforme recomendava o receituário neoliberal, privatizando, inicialmente, a USIMINA, sendo que

“[...] até o final de 1992, 13 empresas públicas foram vendidas e, terminado o ano de 1993, já sob o

governo de Itamar, outras 12 estatais também seriam repassadas à iniciativa privada.”.

Com a destituição de Collor, via impeachment, do poder, pelo menos no sentido de tirar-lhe

a condição de presidente da república, uma vez que, até hoje, ele ainda continua a ditar a política

nacional no Congresso Nacional, assume o governo do País Itamar Franco.

Para Sodré (1996, p.41), o governo de Itamar Franco “[...] manteve as linhas gerais de uma

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política de debilitamento do Estado e de uma crença absoluta nas virtudes do mercado”. Na visão

do “Governo Itamar”, segundo Sodré (1996, p.41), só havia um mal a ser combatido: a inflação, e

para isto era necessário, além de dar continuidade ao desmantelamento do Estado que havia iniciado

nos governos anteriores, era preciso, também, dar continuidade ao processo de privatização das

instituições públicas, consideradas, na perspectiva da ideologia neoliberal, como fonte de todos os

males.

Para Neves (2006, p.92), o plano real, implantado, inicialmente, no Governo Itamar Franco,

e, posteriormente, aprofundado pelo seu sucessor Fernando Henrique Cardoso, estava em perfeita

sintonia com os ideais e práticas neoliberais. Ainda sob a tutela deste mesmo Governo, várias outras

ações, em conformidade com o receituário neoliberal, foram tomadas, especialmente aquelas que

contavam com o apoio econômico e supervisão do Fundo Monetário Internacional e do Banco

Mundial. Na visão da autora, o Estado Brasileiro na gestão de Itamar Franco:

[...] viabilizou a abertura irrestrita do mercado nacional, o fim da reserva de mercado da

informática, a privatização das empresas estatais, o desmonte do aparato da ciência e

tecnologia instalado nos anos de desenvolvimentismo e iniciou o desmonte do Estado

inspirado no modelo de bem-estar social, precarizando as políticas sociais públicas e

estimulando sua privatização (NEVES, 2006, p.92).

Para Silveira (2009), no período em que o Brasil foi “governado” por Itamar Franco é

possível afirmar que, muitas medidas adotadas por sua equipe econômica estiveram sob as bases do

neoliberalismo. Entre essas medidas de cunho neoliberal destacam-se as contidas no Plano de Ação

Imediata (PAI). Para esse autor, na implantação do PAI, partia-se do pressuposto básico de que a

recessão havia combalido a economia brasileira, mas que, entretanto, os seus fundamentos eram

considerados sólidos e podia voltar a crescer, desde que algumas medidas fossem tomadas no

sentido de liquidar a hiperinflação, considerada não só pelo governo Itamar, mas, também pelos

governos de Sarney e Collor, como a causadora de toda desordem financeira e administrativa do

setor público.

Assim é que, para atingir esse fim, ou seja, acabar com a hiperinflação que chegara a casa de

1.140% no ano de 1992, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o

governo Itamar Franco adotou algumas políticas de cunho neoliberal, conforme medidas já haviam

sido anunciadas no PAI. Entre elas, destacam-se o corte de verbas públicas para as áreas sociais e a

privatização de instituições públicas. Para Silveira (2009), o corte de despesas públicas que atingiu

todos os ministérios, inclusive o da educação, era de US$ 6 bilhões já no orçamento de 1993,

representando cerca de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Em relação ao processo de privatização das empresas públicas, que havia iniciado nos

governos anteriores, este processo foi acelerado e ampliado no Governo Itamar Franco. Esta

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medida, que constava no PAI, segundo Silveira (2009), é considerada como a mais claramente

neoliberal deste governo e se dava, segundo o autor: “Sob o argumento de que o governo deveria

concentrar esforços em outras áreas e parar de gastar com empresas públicas tomadas por interesses

corporativos, políticos e econômicos, e precisava ser levado adiante o programa de privatização já

em curso”. SILVEIRA, 2009, p. 82).

A aceleração e a ampliação do processo de privatização das instituições públicas são

consideradas como clara demonstração de alinhamento das políticas brasileiras às diretrizes

neoliberais, durante o governo de Itamar Franco. Durante este Governo foram privatizadas, entre

outras instituições Estatais, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Aço Minas Gerais

(AÇOMINAS), a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA) a Empresa Brasileira de Aeronáutica

(EMBRAER), além de subsidiárias da Petrobras.

Além de introduzir severos cortes nos investimentos públicos, inclusive na área social, e

acelerar e acentuar o processo de privatização das empresas públicas, Silveira (2009) relata, ainda,

que a abertura comercial aos interesses estrangeiros e a aprovação da Lei n. 8.949/94, se deram de

acordo com as “sugestões” da ortodoxia monetarista.

Em relação à abertura comercial brasileira aos interesses estrangeiros, o Governo se

empenharia no sentido de “[...] derrubar eventuais barreiras ainda existentes para a ampla

participação do capital estrangeiro na compra de empresas privatizadas” (SILVEIRA, 2009, p. 97).

Já a aprovação da Lei n. 8.949/94 atinge a esfera dos direitos trabalhistas, conquistados

historicamente, na medida em que, com a aprovação desta Lei permite-se que cooperativas de

trabalhadores prestem serviços dentro da própria empresa sem que, com isto gere-se vínculo

empregatício com a mesma. Na prática, a aprovação desta Lei viabilizou a terceirização e a

flexibilização de serviços-meio, especialmente nas áreas de segurança, de limpeza, portaria, entre

outros.

Para Antunes (2005), o Governo Itamar Franco caracterizou-se por muitas ambiguidades,

oscilando entre discursos meramente retóricos que proclamavam os interesses dos menos

privilegiados social e economicamente e os interesses dos setores dominantes. Nas palavras do

autor:

[...] quanto mais fala (o Presidente Itamar) no “social”, na miséria e sofrimento de milhões

de compatriotas, conforme a peça final do discurso em que anunciou seu plano econômico,

mais implementa um projeto com traços de continuidade do Projeto Collor: critica a fome e

concede mais de um milhão de dólares aos usineiros; fala em um projeto autônomo e

independente, mas dá continuidade às privatizações escandalosas, como a da Companhia

Siderúrgica Nacional (CSN); chama Luiza Erundina para um ministério fraco e recruta

Eliseu Resende para o Ministério da Fazenda; em vez de um imposto para o capital

financeiro, tributa o assalariado que recebe pelos bancos (ANTUNES, 2005, p. 21).

Nas eleições de outubro de 1994, Fernando Henrique Cardoso que, até então, ocupava o

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cargo de Ministro da Fazenda do Governo de Itamar, é eleito Presidente da República do Brasil e

dão-se, então, continuidade às políticas de Reforma do Estado tendo como base as diretrizes

neoliberais “sugeridas” pelos organismos internacionais.

Para Antunes (2005, p.131), no Brasil, o neoliberalismo começa a fazer parte dos programas

de Governo a partir do final de década de 1980, com a eleição de Fernando Collor de Melo para

Presidente da República. Entretanto, foi nos dois mandatos do Governo Fernando Henrique Cardoso

(1994-1998 a 1999- 2002) que, de fato, o projeto neoliberal se deslanchou.

Para Silveira (2009), os vários discursos proferidos pelo Presidente FHC, já no início do seu

primeiro mandato, assinalavam para a convergência das políticas de Reforma do Estado que

adotaria para o Brasil com as diretrizes neoliberais. Em fevereiro de 1995, ao discursar à Nação, o

Presidente chama atenção sobre a importância dos parlamentares aprovarem um projeto de Lei de

sua autoria, quando ainda era Senador, que tratava sobre concessão e permissão da prestação de

serviços públicos. No discurso do Presidente:

[...] Com essa Lei e com a transformação que já fiz nos mecanismos das privatizações,

abre-se um enorme espaço para a modificação do Estado brasileiro. Com o concurso da

iniciativa privada, poderemos retomar as obras de geração de energia elétrica, melhorar

nossos portos, nossas estradas e assim por diante [...] (DISCURSO DO PRESIDENTE FHC

apud SILVEIRA, 2009, p.110).

Dando outra clara demonstração de uma política alinhada ao receituário neoliberal, em

outro discurso, Fernando Henrique Cardoso fala sobre as privatizações:

[...] À nossa moda, sem fazer alarde, sem fazer barulho, nós já mudamos todas as regras da

privatização. Poucos registraram, mas já mudamos as regras da privatização. Chamamos

para o governo a responsabilidade direta de levar adiante o processo de privatização e

recolocamos, na lista de privatizações, as empresas que deveriam ser privatizadas, que, para

nossa sorte, são hoje mais valorizadas do que eram antes. E o patrimônio público terá,

portanto, um ganho quando essa privatização vier a ser feita nesses próximos meses. Não

será problemas de anos, será problema de meses. E é uma lista grande, polpuda. Espero que

haja uma forte participação dos capitais privados para que efetivamente tenhamos

condições de uma transformação profunda nessa matéria. Vamos privatizar, porque isto é

condição necessária para que haja realmente a confiança no equilíbrio das contas do Estado

e para que haja uma redefinição da própria estrutura do Estado, das funções, dos objetivos

do Estado [...] (DISCURSO DO PRESIDENTE FHC apud SILVEIRA, 2009, p.110).

De acordo com Silveira (2009), mais uma clara evidência da possibilidade de estreitamento

entre a política brasileira e o projeto neoliberal no Governo FHC, pode ser identificada num

pronunciamento realizado em 26 de abril de 1995, onde Fernando Henrique Cardoso afirmara que

estava adotando medidas para defender o Real. Entre essas medidas, no seu discurso o Presidente

destacara: a) cortes nas despesas públicas, pois do contrário haveria inflação; b) redução das tarifas

de importação visando ampliar a competição e provocar queda nos preços; c) agilização da

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privatização, com previsão de vender 17 empresas públicas apenas nos anos de 1995 e, com o

capital obtido no processo de privatização, pretende-se reduzir as dívidas do Estado.

Ainda neste mesmo pronunciamento, segundo Silveira (2009), o Presidente FHC menciona

que mudará a Constituição Federal para que sejam facilitados os investimentos estrangeiros em

setores como os da mineração, do petróleo, da telecomunicação, da telefonia entre outros, dando

mais uma clara demonstração de adoção de medidas de cunho neoliberal.

Na posse do seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso reitera sua política de

privatização dos bens públicos e de Reforma de Estado. Segundo o discurso do Presidente, citado

por Silveira: “[...] completaremos as reformas. Não só a previdência e a administrativa, mas a

tributária, a política e a judiciária [...]. [...] para continuar a construir uma economia estável,

moderna, aberta e competitiva. Para prosseguir com firmeza na privatização”. (2009, p. 112.).

Fernando Henrique Cardoso desenvolveu, então, os seus dois mandatos como Presidente do

Brasil, implementando políticas em várias áreas da esfera pública, tendo como base os pressupostos

e princípios do neoliberalismo que, segundo Frigotto (1999) estão mais afinados aos interesses das

grandes nações capitalistas do que com os do próprio Brasil.

Para Silveira (2009) durante todo o primeiro mandato do governo FHC, o foco das suas

políticas estava voltado para a reforma da gestão pública que se concretizava a partir de uma série

de princípios muitos afinados com a redução e flexibilidade da máquina pública. A redução do

Estado pôde se ver, por exemplo, na ampliação do processo de privatização das instituições públicas

pertencentes, não somente a União como, também, aquelas que pertenciam aos estados federativos e

municípios. Durante a gestão FHC, grandes instituições públicas estatais, como a (ESCELSA), a

Light, a Gerasul, a Rede Ferroviária Federal, a Cia. Vale do Rio Doce foram privatizadas. Também,

e neste mesmo governo, foram privatizados os bancos estaduais e outras dezenas de companhias

ligadas, por exemplo, à geração e distribuição de energia elétrica; à telefonia; ao gás canalizado; ao

saneamento básico; aos transportes ferroviários, metroviários e marítimos, entre muitas outras

instituições pertencentes aos estados e municípios brasileiros. Segundo Relatório de Atividades do

Programa Nacional de Desestatização, citado por Silveira (2009) e publicado em 2003, foram

privatizadas 69 instituições públicas da União, estados e municípios.

Outra medida que fazia parte da “Reforma do Estado”, empreendida pelo Governo FHC e

que estava alinhado ao receituário neoliberal, foi a aprovação, em maio de 2000, da Lei

Complementar n. 101, conhecida, também, como “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF). Para

Silveira (2009, p. 126), esta Lei impunha severa e rigorosa redução de despesas públicas aos estados

e municípios que se viam “obrigados” a legislar com limitações de despesas, sobretudo de pessoal.

Com a aprovação desta Lei, que limitava as despesas de pessoal do Estado e demais entes

federativos, levaria a redução de investimento em equipamentos públicos de uso popular, como

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instituições escolares e postos de saúde, e “[...] isto porque a maior parte dos recursos necessários

para por em funcionamento esses órgãos repousa exatamente no pessoal.” (SILVEIRA, 2009, p.

127).

Segundo Silveira (2009), a aprovação da “Lei de Responsabilidade Fiscal” se deu em função

do cumprimento das diretrizes negociadas com o Fundo Monetário Internacional que sugeria ao

Brasil, entre outras medidas, limitação acentuada dos gastos governamentais com a máquina

pública; impedir refinanciamento de dívidas dos entes federativos e criminalizar, severamente, os

legisladores que não cumprirem os preceitos desta Lei.

Antunes (2005), refere-se à Lei de Responsabilidade Fiscal como “lei de irresponsabilidade

social” e denuncia que, com a vigência desta Lei, Estado, estados federativos e municípios

brasileiros deixaram de investir, mais ainda, em áreas sociais consideradas básicas e que deveriam

ser prioridades por parte dos governos. Para Antunes (2005), a elaboração e aprovação desta Lei se

deram sob a submissão dos ditames neoliberais.

A “Reforma de Estado”, empreendida nos governos de Fernando Henrique Cardoso, além de

se caracterizar pela redução da participação do Estado, sobretudo no que tange a investimento

público em áreas consideradas básicas para a população, como as da educação, saúde, saneamento

básico entre outras, também insere, em suas políticas, o princípio da “flexibilidade” da máquina

pública. Para Antunes (2005, p.48), o neoliberalismo se desenvolve e se impõe aos países

“mundistas” incorporando os princípios e características do modelo produtivo toyotista/acumulação

flexível. Neste Sentido, a modernização neoliberal, introduzida nos países do chamado “Terceiro

Mundo”, no qual o Brasil está inserido, segundo concepção dos países desenvolvidos, penaliza, de

forma muito mais brutal e nefasta, o mundo do trabalho. Nas análises feitas por Antunes (2005), a

classe trabalhadora fica, cada vez mais, despossuída, dilapidada e desqualificada e não consegue,

sequer, nem mesmo viver do seu trabalho. Muitos trabalhadores acabam convertendo-se numa

classe “sem” trabalho e sobrevive da miséria da economia informal.

Por outro lado, adverte o autor, os trabalhadores que conseguem permanecer no mercado de

trabalho formal “[...] vivenciam níveis de subtração salarial, de subexploração do trabalho que

tornam sua cotidianidade marcada pela escassez e pela redução crescente da satisfação de suas

necessidades.” (ANTUNES, 2005, p.18).

A partir da década de 1990, durante os Governos de FHC foram introduzidas mudanças

significativas no âmbito das relações do trabalho que fizeram eco às condicionalidades do FMI.

Essas mudanças, ocorridas no âmbito das relações do trabalho, são caracterizadas como “flexíveis”

e faziam parte do pacote da “Reforma do Estado”, levada a cabo pelo, então, Presidente da

República. Como o capital internacional já insistia, desde o final da década de 1970, na necessidade

de se terem trabalhadores e legislações mais “flexíveis”, como forma de atender aos novos

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interesses e necessidade da produção, pode-se hipotetizar que, nos Governos FHC foram feitas

adequações das legislações trabalhistas em relação a essa nova realidade do mundo do trabalho,

imposta pelo sistema capitalista.

Nas observações de Silveira (2009), a aprovação e regulamentação de vários dispositivos da

legislação trabalhista, ocorridos durante os dois mandatos de FHC, estavam de acordo com o

receituário neoliberal, imposto, especialmente, pelo FMI e Banco Mundial. Entre os vários

dispositivos legais trabalhistas, gestados na “era FHC” e que tinham como diretrizes o receituário

neoliberal, o autor explicita, entre outros, o Decreto n. 2100, de 20 de dezembro de 1996; a Lei n.

9.601/98; a Medida Provisória n. 1.952-22/00 e a Medida Provisória n. 1.878-64/99.

Segundo Silveira (2009), desde 1992 até janeiro de 1996, estava vigente a norma de n. 158

da Organização Internacional do Trabalho que proibia os países signatários a demissão de

trabalhadores “sem justa causa”. Esta Norma Internacional da OIT representava, de acordo com a

análise do autor, oposição a qualquer forma de flexibilização das formas de trabalho.

Entretanto, durante o “governo” de Fernando Henrique Cardoso foi baixado o Decreto n.

2.100, de 20 de dezembro de 1996, denunciando que o Brasil não mais cumpriria a determinação

dessa Norma Internacional e, com a vigência desse decreto, estava mantida a demissão “sem justa

causa” de empregados (BRASIL, 1996). Silveira (2009) relata, ainda, que a publicação deste

Decreto atendia aos interesses da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que, antes da denúncia

deste Decreto, feita pelo Governo a OIT, havia entrado com uma ação direta de

inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Norma de n. 158 da OIT.

Como forma de dificultar a atuação dos membros que atuavam nos sindicatos e que

representavam os interesses dos trabalhadores, o Governo Federal baixou o Decreto n. 2066/96. Na

visão de Silveira (2009) com a vigência deste Decreto introduziram-se limitações no que diz

respeito à liberação de empregados, eleitos para exercerem mandatos em entidades sindicais. A

aprovação da Lei n. 9601/98 institui, entre outras, o trabalho temporário e o banco de horas, o que, e

na prática, passa a significar compensação de horas trabalhadas em empresas, sem que estas últimas

necessitem pagar as horas extras aos seus empregados. Silveira (2009), observa, ainda, que, outras

consequências podem surgir com a aprovação desta Lei Trabalhista. Uma delas reside no fato dessa

Lei flexibilizar, mais ainda, os direitos trabalhistas representando, assim, perdas significativas para

a categoria dos trabalhadores, pois os dispositivos presentes nela permitem as empresas contratarem

funcionários com redução de seus direitos trabalhistas por até dois anos.

Outra medida tomada no Governo FHC, afinada com ideologia neoliberal e que “flexibiliza”

os direitos trabalhistas conquistados historicamente, foi a aprovação das Medidas Provisórias n.

1952-22/00 e n. 1.878-66-99. Nas palavras de Silveira (2009, p.148), a Medida Provisória n. 1952-

22/00: “[...] regulamentou o trabalho em tempo parcial e a dispensa temporária, permitindo redução

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de jornada, de salário e de férias, além da suspensão, por parte da empresa, do contrato de

Trabalho.” Em relação à segunda Medida Provisória, a de n. 1.878-66/99 autorizou o trabalho aos

domingos.

Silveira (2009), ao fazer um balanço panorâmico sobre os dois mandatos de Fernando

Henrique Cardoso, considera, provisoriamente, que a “Reforma do Estado” brasileiro, empreendida

por este Governo, estava alicerçada na ideologia neoliberal. Para esse autor, muitas medidas

adotadas nos dois mandatos de FHC, se não todas, constavam, expressamente, no Consenso de

Washington e nos protocolos de Bretton Woods. Entre as medidas adotadas nos dois mandatos do

Governo FHC, e que estavam de acordo com os receituários neoliberais impostos, não só ao Brasil,

mas também, a outros países do chamado “Terceiro Mundo”, pelo Consenso de Washington e pelos

protocolos de Bretton Woods, estavam: a) redução acentuada das despesas com o funcionalismo

público; b) privatização das empresas estatais; c) ajuste fiscal, definindo como meta prioritária da

política de Estado o combate, a todo custo, da inflação; c) abertura do mercado nacional em relação

ao mercado internacional, favorecendo os interesses dos países desenvolvidos e de suas grandes

corporações de mercado; d) reforma previdenciária, e; e) redução das áreas de atuação direta do

Estado.

Na visão de Neves (2006, p.90), os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso na

Presidência da República do Brasil estavam voltados prioritariamente para a “Reforma do Estado”

nas suas funções econômicas e políticas. Para a autora, o Estado, que antes assumira uma concepção

de Estado produtor direto de bens e serviços, passa, em função da imposição do receituário

neoliberal, a ser concebido como coordenador de iniciativas privadas. Nestes Governos, que

legislaram de forma submissa ao projeto do neoliberalismo, como governos de desresponsabilização

direta e universal pela proteção ao trabalho, além do desmonte e enfraquecimento do Estado e de

propiciarem retrocessos nas áreas sociais, de infraestruturas, científicas e tecnológicas.

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CAPÍTULO 2 AS MUDANÇAS NA BASE PRODUTIVA E NA CONCEPÇÃO DE ESTADO

E SUAS REPERCUSSÕES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR:

TECNICISMO E NEOTECNICISMO PEDAGÓGICOS

Para uma compreensão crítica do sistema escolar é preciso, antes de tudo, situá-lo às

questões socioeconômicas e políticas. Nesta linha de raciocínio, portanto, a educação escolar e os

fenômenos que as circunscrevem só podem ser analisados e compreendidos, de fato, à luz das

transformações do sistema capitalista. Diante das transformações ocorridas na base técnica do

sistema produtivo-capitalista, a educação, e a escola também, passam por transformações em vários

aspectos, uma vez que é impossível ambas não serem influenciadas pelas necessidades e interesses

do capital.

A partir da década de 1960 até os fins da década de 1970, durante a hegemonia do modelo

de produção taylorista-fordista, como era a configuração do sistema educacional escolar brasileiro?

E, a partir da década de 1980, com a ascensão dos pressupostos e características do toyotismo e do

neoliberalismo, quais são os novos desafios impostos pelo sistema capitalista à educação escolar,

sobretudo nos seus aspectos pedagógicos e administrativos?

Para Saviani (2008a, 2008b), nas décadas de 1960 e 1970 a pedagogia tecnicista representa a

sistematização do taylorismo-fordismo no campo educacional que, tendo como base os pressupostos

de neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade,

defende a tese de reordenação do sistema educativo como forma de torná-lo objetivo e operacional

e, de modo semelhante ao que ocorreu no processo fabril, em que o trabalho foi objetivado na sua

relação com o operário, a pedagogia tecnicista pretende, também, a objetivação do trabalho

pedagógico como forma de torná-lo mais eficiente e produtivo.

Com a “substituição” do modelo de produção taylorista/fordista pelo modelo toyotista de

produção, e a ascensão do neoliberalismo, ambas ocorridas a partir da década de 1970, novas

determinações foram impostas ao sistema escolar e para a sua organização do trabalho pedagógico-

administrativo.

Referindo-se a essa nova fase da educação escolar, hegemonicamente caracterizada no

Brasil a partir da década de 1990, Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.104) afirmam:

[...] Manifesta-se, desse modo, a tentativa de vincular a educação ao novo paradigma

produtivo, na ótica do que se denomina neotecnicismo. Há uma volta ao discurso do

racionalismo econômico, do gerenciamento/administração privado como modelo para o

setor público e do discurso do capital humano (formação de recursos humanos).

Esta reconfiguração do tecnicismo pedagógico, ocorrida já nos meados da década de 80 em

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função da reestruturação do sistema produtivo capitalista, leva outros autores, como Saviani (2008a,

2008b), Freitas (1995), Kuenzer e Machado (1990), a afirmarem que, a partir deste período, a

educação e a escola encontram-se diante do tecnicismo pedagógico reconfigurado ou neotecnicismo

pedagógico.

Assim, questiona-se o que é o neotecnicismo pedagógico? O que ele conserva e altera do

tecnicismo pedagógico original das décadas de 1960/70? Qual contexto possibilitou o surgimento e

desenvolvimento desta tendência pedagógica?

Em busca de resposta para estes questionamentos, foi necessário, primeiramente, buscar

uma compreensão dos pressupostos centrais do tecnicismo pedagógico desvelando, sobretudo, em

que medida essa tendência pedagógica apresenta rupturas e continuidades em relação a tendências

pedagógicas que as antecederam e procederam na história da educação brasileira.

Para Saviani (2007b), a tendência pedagógica tecnicista é analisada juntamente com as

tendências pedagógicas tradicional e nova, dentro do grupo das tendências pedagógicas

educacionais denominadas hegemônicas. Essas tendências pedagógicas são consideradas

hegemônicas porque seguem orientações da classe dominante visando à conservação da sociedade,

para manter a ordem existente e leva, em consideração, apenas os interesses dominantes visando a

hegemonizar o campo educativo.

Saviani (2008a) analisa a origem e o desenvolvimento histórico das principais tendências

pedagógicas hegemônicas no Brasil em três fases. A primeira fase, de 1554 a 1920, é caracterizada

pela preponderância da pedagogia tradicional; a segunda fase, que se inicia a partir desta última

década e se estende até o início da década de 1970, é marcada pela vigência da pedagogia nova; e, a

partir deste período, destaca-se e torna-se hegemônica a pedagogia tecnicista que se estende no

Brasil até os fins da década de 1980. A partir da década de 1980, a tendência pedagógica tecnicista

sofre uma inflexão, em função dos movimentos educacionais e pedagógicos contra-hegemônicos,

ressurgindo, na década seguinte, de forma reconfigurada.

Para Saviani (2008a), cada uma destas tendências pedagógicas, advogando uma determinada

concepção de homem e de mundo, influenciou na concepção de educação e na organização e

funcionamento do sistema escolar e das escolas.

Nos páginas seguintes serão apresentadas as características mais marcantes e os

pressupostos teóricos pedagógicos das tendências pedagógicas educacionais que maior repercussão

tiveram no âmbito da educação brasileira.

2.1 A PEDAGOGIA TRADICIONAL

Para Saviani (2008b, p. 169), a denominação “pedagogia tradicional” foi introduzida no

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vocábulo educacional no final do século XIX com o advento do movimento “renovador”

educacional que, “[...] para marcar a novidade das propostas que começavam a ser veiculadas,

classificou como “tradicional” a concepção até então dominante” e que abarca concepções

pedagógicas que vinham sendo gestadas desde a Antiguidade.

A pedagogia tradicional é entendida por Saviani (2008b) a partir de duas vertentes: a

religiosa e a leiga. A primeira vertente da pedagogia tradicional, a religiosa, tem suas bases

originárias na Idade Média e sua base filosófica fundamenta-se no tomismo e no neotomismo que

constituem como referência primordial da educação católica.

A vertente leiga da pedagogia tradicional foi elaborada pelos pensadores da modernidade

“[...] já como expressão da ascensão da burguesia e instrumento de consolidação da sua hegemonia”

onde a educação escolar emerge como grande “meio” para a realização dos pressupostos liberais,

“[...] tal como formulado pelo racionalismo iluminista que advogava a implantação da escola

pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória” (SAVIANI, 2008b, p. 169).

Segundo Saviani (2007b), a vertente leiga da pedagogia tradicional insere-se na constituição

dos chamados “sistemas nacionais de ensino” dos meados do século XIX, cujo princípio orientador

era de que a educação era direito de todos e dever do Estado.

Entretanto, o direito de todos à educação estava relacionado aos interesses da burguesia que

buscava consolidar-se no poder para manter a sua hegemonia social. Neste sentido, assumindo o

poder e intencionando, nele, se consolidar, a burguesia defende a constituição de uma sociedade

“democrática”, portanto, a constituição de uma democracia burguesa. E, para ascender a um tipo de

sociedade fundada nos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade entre os indivíduos, era

imprescindível vencer a barreira da ignorância. Somente, assim, seria possível transformar cidadãos

em indivíduos livres e esclarecidos. Essa tarefa só poderia ser realizada através da escola.

Do ponto de vista dos pressupostos pedagógicos, a pedagogia tradicional entendia que o

professor era a autoridade “máxima” na educação escolar e sua função era de transmitir os

conhecimentos universalmente acumulados aos alunos, sendo que, estes últimos, eram concebidos

como seres “passivos” diante do processo de ensino e aprendizagem.

Na relação pedagógica entre ambos predominava a unilateralidade e o dogmatismo do

professor sobre o aluno, com ênfase na disciplina intelectual, valorizando, do aluno, sua atenção,

concentração, silêncio e muito esforço, pois a escola era o lugar, por excelência, onde se raciocinava

e o ambiente deveria ser convenientemente austero para o aluno não se dispersar durante o trabalho

educativo.

A metodologia de ensino, segundo pressupostos pedagógicos da pedagogia tradicional, dava

ênfase na exposição oral da matéria pelo professor aos alunos. A avaliação centrava-se no mestre

que avaliava os alunos, seja por meio de interrogatórios ou com a aplicação de provas

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fundamentadas em visões de mensuração e classificação que reafirmavam e acirravam as

concepções da sociedade capitalista.

Para Saviani (2007b), na pedagogia tradicional predominava uma visão intelectualista e

enciclopedista, uma vez que os “conteúdos” trabalhados nas escolas eram separados da experiência

e da vivência dos alunos, prevalecendo uma concepção de educação/ensino formalística e acrítica.

Nas considerações de Saviani (2007b, p. 6), o entusiasmo que ocorreu com o advento da

pedagogia tradicional, que prometera acabar com a ignorância, convertendo os súditos em cidadãos,

seguiu progressivamente uma crescente decepção, pois “[...] além de não conseguir realizar seu

desiderato de universalização, ainda teve de curvar-se ante o fato de que nem todos os bens

sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se queria consolidar.”

2.2 A PEDAGOGIA NOVA

Para Saviani (2008b), a pedagogia nova começa a se desenvolver a partir do final do século

XIX e se estende ao longo do século XX, situando-se, assim como a pedagogia tradicional, dentro

da concepção pedagógica moderna. Sua denominação abarca um amplo movimento filosófico

educacional, integrado por diversos intelectuais e educadores e que faziam contraposição à

pedagogia tradicional.

Entretanto, alerta Saviani (2008b), os defensores da pedagogia nova mantinham a crença,

tão cara à pedagogia tradicional, no poder da educação escolar para transformação social, e em sua

função de equalização social, desconsiderando, contudo, os condicionantes sociopolíticos que

determinavam, e, ainda, determinam o fazer educativo em suas várias dimensões.

Neste sentido, é que Gadotti (2004, p. 144) infere que, para uma compreensão sobre a

origem e o desenvolvimento da pedagogia nova deve-se levar em consideração os interesses da

“nova” sociedade burguesa que se consolidara no poder em que “[...] a escola deveria preparar os

jovens para o trabalho, para a atividade prática, para o exercício da competição.”

Neste sentido, o tipo de escola, sob a égide da pedagogia nova, acompanhou o

desenvolvimento do capitalismo, representando uma exigência desse desenvolvimento. Propunha a

construção de um “novo” homem dentro do projeto burguês de sociedade não evidenciando a

exploração do trabalho e a dominação política, próprias das sociedades de classes.

Segundo Saviani (2008a, 2008b), no Brasil a pedagogia nova ganha corpo e começa a fazer

parte dos discursos educacionais por meio do movimento escolanovismo, que ganha força a partir

da década de 1920 e tem o seu apogeu marcado pela publicação, em 1932, do Manifesto dos

Pioneiros da Educação.

Para Saviani (2007b), as três primeiras décadas do século XX no Brasil são marcadas pelo

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que Nagle (1974, p. 41) denominou de “entusiasmo pela educação”, momento histórico em que a

escola era pensada como instrumento de participação política. Isto se deu, segundo o autor, por que

essas três décadas “[...] foram muito ricas em movimentos populares que reivindicavam

participação maior na sociedade, e faziam reivindicações também do ponto de vista escolar.”

A pedagogia nova surge neste contexto histórico das três primeiras décadas do século XX,

marcada pela organização dos trabalhadores; greves operárias e movimentos organizacionais, como

instrumento de recomposição da hegemonia da classe dominante na medida em que desloca a

articulação da escola como instrumento de participação política para uma visão de que “[...] as

coisas vão bem e resolvessem-se no plano interno das técnicas pedagógicas” (SAVIANI, 2007b, p.

42).

Segundo Saviani (2007b, p. 42), a pedagogia tradicional, tendência pedagógica hegemônica

surgida anteriormente à pedagogia nova, abriu espaço para a participação popular com a

implantação dos “sistemas de ensino”, onde a escola era um direito de “todos” e dever do Estado.

Entretanto, quando a massa começou a participar, a participação popular já não era mais

vista com bons olhos pela burguesia. Surgindo, então, a pedagogia nova – considerada como um

instrumento de recomposição da hegemonia dominante.

Do ponto de vista dos pressupostos pedagógicos, Saviani (2007b) entende que a pedagogia

nova surge por efetuar críticas aos métodos educativos da pedagogia tradicional, e proporcionou

deslocamento do eixo pedagógico: a) do intelecto para o sentimento; b) do aspecto lógico para o

aspecto psicológico; c) dos conteúdos científicos para os “métodos” pedagógicos; d) do professor

para o aluno; e) do esforço para o interesse; f) da disciplina para o espontaneísmo.

Em suma, segundo o autor, “Trata-se de uma teoria pedagógica que considerada que o mais

importante não é aprender, mas aprender a aprender” (SAVIANI, 2007b, p.8).

Na tendência pedagógica nova, o professor é concebido como o orientador da aprendizagem

do aluno, colocando-o em posição secundária durante o processo educativo em sala de aula. O

aluno é visto como o “centro” do processo educativo para quem todo o material pedagógico é

cuidadosamente preparado. Os conteúdos programáticos passam a ser selecionados a partir dos

interesses dos alunos. As técnicas pedagógicas cedem lugar aos trabalhos e dinâmicas de grupo,

pesquisa, jogos de criatividade. A avaliação deixa de valorizar apenas os aspectos cognitivos, com

ênfase na memorização, passando a valorizar os aspectos afetivos (atitudes) com ênfase na

autoavaliação. Há, também, em decorrência do ideário escolanovista, uma mudança no "clima" da

escola: de austero para afetivo, alegre, ruidoso e colorido.

A pedagogia nova trouxe seríssimas consequências ao ensino público. Com o afrouxamento

da disciplina e a despreocupação com a transmissão dos conteúdos, acabou por rebaixar o nível de

ensino destinado às camadas populares que viam, nas escolas públicas, o único meio de acesso ao

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conhecimento culturalmente elaborado pela humanidade. Por outro lado, esse tipo de escola acabou

por aprimorar a qualidade do ensino da elite na medida em que, sua implantação na maioria dos

países, inclusive no Brasil, ficou restrita a pequenos grupos de elites (SAVIANI, 2007b, p. 9).

2.3 PEDAGOGIA TECNICISTA

Para Saviani (2008b, p.109), a tendência pedagógica dominante no Brasil desde a década de

1960 é denominada de concepção produtivista de educação. Inspirada, sobretudo, nos pressupostos

da teoria do Capital Humano de Schultz (1967), essa concepção de educação começa a ser impressa

no sistema educacional brasileiro na passagem dos anos 1950 para 1960 quando surgem propostas,

inclusive no Congresso Nacional, em ocasião dos debates envolvendo a aprovação da primeira Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que preconizavam subordinar a educação aos

interesses do sistema produtivo-capitalista.

Saviani (2008b) relata que a concepção produtivista de educação defende a tese de que a

organização do sistema de ensino deve ser concebida em estreita vinculação com o

desenvolvimento econômico do País e, aliada à teoria do capital humano, a educação passa a ser

concebida como um bem de produção, subordinando, assim, a educação aos interesses econômicos.

No campo educacional escolar, a concepção produtivista educacional se oficializa através da

tendência pedagógica denominada tecnicismo pedagógico.

Para Saviani (2008a), o tecnicismo pedagógico incorpora o sistema educacional brasileiro na

segunda metade da década de 1960 no contexto de adoção do modelo econômico associado-

dependente. Esse modelo econômico, segundo Saviani, estreitou os laços entre o Brasil e os Estados

Unidos, sobretudo com os acordos MEC-USAID, firmados entre ambos os países e das articulações

políticas e ideológicas da classe empresarial, ocorridas no início da década de 1960 no interior do

Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes).

Saviani (2008a) relata, ainda, que o Ipes foi fundado em 29 de novembro de 1961 por um

grupo de empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo e, articulado com os empresários

multinacionais e com a Escola Superior de Guerra (ESG), esse Instituto desenvolvia ações

ideológicas, sociais e político-militares por meio da guerra psicológica. Como forma de difundir

suas ações utilizava-se dos meios de comunicação de massa tais, como o rádio, a televisão, cartuns

e os filmes.

De acordo com as análises de Saviani (2008a), o Ipes representa a maior investida dos

empresários com amplas consequências para o campo educativo e suas “investidas” visavam

desagregar as organizações que representavam os interesses populares.

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Na verdade, as políticas adotadas pelo Estado no contexto de consolidação do modelo

econômico associado-dependente visavam favorecer, especialmente, a entrada das empresas

multinacionais no Brasil e a baixa produtividade do sistema escolar, caracterizada pelo baixo índice

de atendimento à população que se encontrava em idade escolar e o alto índice de repetência e

evasão escolares, representavam entraves ao desenvolvimento econômico com segurança.

Para Kuenzer e Machado (1990), a pedagogia tecnicista, que emerge no contexto de

consolidação da fase monopolista do desenvolvimento capitalista, surge como uma das soluções

para a baixa produtividade do sistema educaciona brasileiro.

Segundo Saviani (2008a), com a entrada das multinacionais no Brasil, ocorre, também, a

importação do modelo de organização norte-americano não só para as indústrias como, também,

para o campo da educação escolar. Neste contexto, o sistema escolar passou a ser concebido como a

principal instituição educacional promotora de mão de obra para satisfazer as demandas exigidas

pelo sistema fabril.

De acordo com Aranha (2006, p.258), a tendência tecnicista surgiu no Brasil a partir da

segunda metade do século XX e seus pressupostos teóricos e técnicos passaram a influenciar os

países latino-americanos, em via de desenvolvimento. No Brasil, essa tendência foi introduzida no

início da ditadura militar e prejudicou, sobretudo, as escolas públicas.

A partir da década de 1960, surgiram, então, propostas de inspiração tecnicista, baseadas na

convicção de que a escola só se tornaria mais eficaz se adotasse um modelo empresarial. O processo

típico das empresas acabou por afetar a escola a partir do momento em que a tendência tecnicista

foi “assimilada” no cotidiano escolar. Suas principais marcas se processaram nas ações de

planejamento e organização racional do trabalho pedagógico, na operacionalização dos objetivos,

parcelamento do trabalho com a especialização das funções. O lema do tecnicismo pedagógico era

planejar para ter domínio e controle, sendo que a razão instrumental deveria ditar o rumo “certo” do

presente, planejando o futuro com a máxima segurança e previsibilidade.

Em outras palavras, o planejamento garantiria o domínio. O tecnicismo é caracterizado

como autoritário e antidemocrático, pois o que valia era a decisão técnica dos tecnocratas e, por

isso, a participação popular sempre foi desnecessária.

Segundo Saviani (2008a), do ponto de vista pedagógico, tanto o movimento das escolas

tradicional e nova como o do tecnicismo, apresentavam doutrinas aparentemente favoráveis a

democratização do ensino, mas que se revelaram inoperantes, uma vez que esse não era, de fato, o

seu objetivo. O compromisso da escola tecnicista estava relacionado especificamente à eficiência

econômica e, nem tanto, com o desenvolvimento humano do aluno.

É uma tendência pedagógica considerada politicamente “neutra”, pois tomava o

conhecimento como neutro e objetivo, e o aluno, por conseguinte, como um depositário de

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conhecimentos que devem ser acumulados na mente através das associações. Desse modo, a

pedagogia tecnicista passou a ser a organização racional dos meios de acesso ao conhecimento

positivo, colocando o professor na posição de mero executor de um processo que somente os

especialistas eram capazes de organizar, planejar, coordenar e controlar.

De acordo com Aranha (2006), além de se fundamentar nos pressupostos da Teoria do

Capital Humano, o tecnicismo pedagógico se apoia, também, nos pressupostos teóricos do modelo

taylorismo-fordismo e na corrente psicológica behaviorista.

Para Saviani (2008a, 2008b), a pedagogia tecnicista representa a sistematização do

taylorismo-fordismo no campo educacional que, tendo como base os pressupostos de neutralidade

científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, defende a tese de

reordenação do sistema educativo como forma de torná-lo objetivo e operacional e, de modo

semelhante ao que ocorreu no processo fabril, em que o trabalho foi objetivado na sua relação com

o operário, a pedagogia tecnicista pretende, também, a objetivação do trabalho pedagógico como

forma de torná-lo mais eficiente e produtivo.

No âmbito da pedagogia tecnicista, uma das formas para ocorrer a objetivação do processo

educativo é intensificar, no âmbito escolar, a fragmentação e especialização do trabalho educativo

em consequência da introdução da dicotomia “concepção e execução” do trabalho produtivo, tão

cara ao modelo taylorista-fordista de produção industrial.

Para Aranha (2006), o processo taylorista-fordista enfatiza a separação entre concepção e

execução do trabalho. Para isto, esse modo de produção cria o setor de planejamento e, assim,

submete o operário à execução de tarefas parceladas e fragmentadas.

No Brasil, sob a égide da tendência tecnicista, influenciada, sobretudo, pelo taylorismo-

fordismo e pelo behaviorismo, a institucionalização da fragmentação e a especialização do trabalho

educativo, consolidam-se com a aprovação da Lei n. 5540/68 (Reforma Universitária) e do Parecer

n. 252/69 do, então, Conselho Federal de Educação (CFE) que regulamentava o Curso de Pedagogia

no Brasil.

De acordo com Saviani (2008a), a incorporação das ideias pedagógicas tecnicistas no âmbito

do sistema educacional brasileiro influenciou, inicialmente, o nível superior, a partir dos estudos

que foram desenvolvidos no então Conselho Federal de Educação. Neste sentido, a “Reforma

Universitária”, elaborada por um grupo de trabalho especialmente designado pelo Presidente da

República, General Costa e Silva, e que foi aprovada em tempo recorde, estava calcada em cima de

propostas que visavam garantir “[...] a eficiência, modernização e flexibilidade administrativa da

universidade brasileira, tendo em vista a formação de recursos de alto nível para o desenvolvimento

do país” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1992, p.23).

Segundo Aranha (2006), a Lei 5540/68 ao instituir o sistema de matrícula por

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disciplina/crédito tinha como objetivo desfazer grupos relativamente “estáveis” para atenuar a

crescente politização dos alunos. A estrutura administrativa das universidades, em decorrência da

divisão em departamentos, também foi fragmentada para enquadrar o ensino superior, segundo

parâmetros de produtividade. Ainda sob o contexto do tecnicismo pedagógico, a fragmentação do

trabalho pedagógico também pode ser identificada no curso de Pedagogia que passa, com a

regulamentação do Parecer CFE n. 252/69, a formar especialistas em educação nas áreas de

Orientação Educacional, Supervisão Escolar, Administração e Inspeção Escolar.

Para Aranha (2006), a introdução dessas habilitações no Curso de Pedagogia, que “divide” a

formação do pedagogo, trouxe como consequência a acentuação da fragmentação do trabalho

educativo, sobretudo no interior das escolas.

Os pressupostos do tecnicismo pedagógico também podem ser identificados no sistema

educacional brasileiro com a aprovação da Lei n.5692/71 que reformulou os ensinos primário e

secundário transformando-os em ensinos de 1º e 2º graus. Com a vigência dessa Lei, o acesso ao

sistema educacional, em nível médio, passa a ser compulsória e “universalmente” oferecido

oficialmente apenas na modalidade profissionalizante, “extinguindo” a modalidade acadêmico-

propedêutica.

Na prática, essa profissionalização compulsória em nível médio não se efetivou por dois

motivos. Primeiro, e como base nas inferências feitas por Aranha (2006), porque não houve o

investimento financeiro por parte do Estado, necessário para a implantação da pedagogia tecnicista,

uma vez que faltavam professores especializados e a infraestrutura das escolas públicas, incluindo

oficinas, laboratórios e materiais, era inadequada em relação às novas exigências do sistema

produtivo. Segundo, e agora parafraseando Saviani (2007b, p.12) “[...] a pedagogia tecnicista, ao

ensaiar transpor para as escolas a forma de funcionamento fabril, perdeu de vista a especificidade da

educação, ignorando que a articulação entre escola e processo produtivo se dá de modo indireto e

por meio de complexas mediações.”

Para Aranha (2006) e Saviani (2008a, 2008b), além de ser influenciado pelos pressupostos

do taylorismo-fordismo e da Teoria do Capital Humano, o behaviorismo, especialmente em sua

versão skinneriana, também subsidia, teoricamente, o tecnicismo educacional da década de 1960.

Segundo Triviños (2008), o behaviorismo representa uma das vertentes do positivismo

clássico no campo da psicologia humana. Com fortes apelos aos princípios positivistas, a corrente

psicológica comportamentalista, também conhecida como behaviorismo psicológico, advoga a tese

de que o comportamento humano, assim como os fenômenos naturais, poderia ser estudado à luz

dos princípios cientificistas modernos. Assim, tem-se o motivo pelo qual esta corrente psicológica é

denominada como behaviorismo que, traduzindo para o português, significa comportamento. Então,

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pode-se dizer que o behaviorismo é o estudo científico do comportamento.

Ainda que o behaviorismo esteja ligado a nomes como Pavlov e Watson, Skinner talvez seja

o intelectual que mais representatividade possui em relação a esta corrente científica, especialmente

quando se trata da área educacional.

Para melhor compreensão das bases originárias do behaviorismo, necessita-se situá-lo dentro

do contexto da visão de ciência “moderna”. Capra (1982) relata que a lógica da ciência moderna,

dominante até o século XX, tem seus referenciais teóricos embasados nas disciplinas exatas,

especialmente das áreas da Matemática, da Astronomia e da Física. Segundo esse autor, esta

concepção de ciência vai influenciar fortemente a concepção de sociedade moderna que, por sua

vez, vai influenciar culturalmente o mundo, principalmente o ocidental. Os fenômenos e objetos

existentes no “mundo moderno” passariam a ser explicados, segundo o método da ciência moderna.

A partir desta premissa maior, a corrente psicológica behaviorista defende a tese de que o

comportamento humano, e não necessariamente “aspectos abstratos” dos seres vivos, podiam ser

estudados cientificamente, dentro do conceito de ciência moderna. E, como o comportamento

humano se enquadrava nos postulados do “método científico”, ele passou a ser considerado como o

principal objeto da psicologia, pois poderia ser, então, testado, medido e classificado, ou seja,

estudado objetivamente.

Nas palavras de Davis e Oliveira (1994, p. 31): “Partindo de uma concepção de ciência que

defende a necessidade de medir, comparar, testar, experimentar, prever e controlar eventos de modo

a explicar o objeto de investigação, Skinner (1972) propõe a construir uma ciência do

comportamento.”

Segundo a visão skinneriana, o homem é considerado apenas produto do meio e,

consequentemente, acreditava que a partir desta premissa maior poderia manipulá-lo e controlá-lo

por meio da transmissão da cultura dominante. Para Altóe (2005, p.67), a cultura, segundo a visão

skinneriana, deveria “ser representada pelos costumes dominantes, pelos comportamentos que se

mantém porque são reforçados na medida em que servem ao poder econômico e político”.

Na tendência pedagógica tecnicista, as concepções e ideias de Skinner (1972) podem ser

identificadas, sobretudo, quando se têm em pauta as ideias de planejamento e de tecnologia

educacional.

Para Saviani (2007b, p. 11), na pedagogia tecnicista, tanto professor quanto alunos ocupam

posição secundária no âmbito pedagógico escolar, uma vez que o elemento principal do trabalho

educativo passa a ser a organização racional dos meios, e o processo educativo é concebido,

planejado, coordenado e controlado por especialistas, supostamente habilitados.

Nesta linha de raciocínio, em que a tendência tecnicista advoga que não cabem ao professor

e nem ao aluno as tarefas mencionadas acima e que envolvem, também, a concepção e controle do

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trabalho educativo, encontra-se, explicitamente, a visão de Skinner (1972) sobre “quem” deve se

responsabilizar por estas tarefas. Nas palavras do próprio Skinner:

[...] Deve o professor fazer com que os alunos se comportem ou induzi-los a se

comportarem? Deve fazê-los estudar ou interessá-los nos estudos. As respostas devem ser

assuntos da política educacional, uma vez que se levem em consideração os efeitos finais de

instrução sobre os comportamentos do estudante, mas a decisão tende a ser deixada a cargo

dos administradores como a questão da rotina do dia a dia. Dificilmente pode ser deixada

ao professor (SKINNER, 1972, p. 228).

Na visão de Skinner, portanto, cabem aos professores apenas a tarefa de execução do

trabalho pedagógico e as outras dimensões do fazer educativo, tais como planejamento, avaliação e

controle, devem ser assuntos tratados pelas políticas educacionais e não pelos professores e alunos.

Skinner (1972), reconhecia os problemas e desafios enfrentados pelo sistema escolar

brasileiro. Contudo os via como um problema apenas de “método” e acreditava na possibilidade de

melhoria da educação sem que houvesse modificação na política, ampliação de verba e

reorganização do sistema social. Para ele, a escola pública fracassava em função de negligenciar o

“método” de ensino “adequado” e a tecnologia de ensino, instrução programada e máquina de

ensinar, por exemplos, surge com uma valiosa solução para os problemas educacionais.

Numa leitura desinteressada da obra de Skinner (1972), é possível identificar visões

consideradas “críticas” para o campo da educação escolar. Contudo, numa leitura mais detida e

rigorosa podem-se identificar como suas concepções têm, como pano de fundo, visões

conservadoras.

Ao criticar as concepções tradicionais presentes no sistema escolar como, por exemplo, a

concepção de aluno como mero receptor de instrução e a aversão que subsidia as práticas

pedagógicas escolares, Skinner (1972), em contrapartida, propõe que o aluno seja concebido como

um ser “ativo” no processo de ensino e aprendizagem. Contudo, a concepção de aluno “ativo”,

defendida por Skinner, inseria-se numa visão de aprendizagem em que o aluno deveria ser induzido

a “agir” e, por conseguinte manipulado a aprender e o ensino é definido, por Skinner (1972, p. 108)

como o dispor de contingências de reforçamentos sob as quais o comportamento se modifica.

Segundo a visão skinneriana de educação, o professor é considerado como um “especialista”

em comportamento humano e sua tarefa constitui-se em “[...] produzir mudanças

extraordinariamente complexas em um material extraordinariamente complexo”. E, nessa tarefa, a

análise experimental do comportamento poderia ajudar o professor em dois aspectos e “[...]

proporcionar materiais e práticas padronizados e permitir um compreensão de comportamento

humano [...]”. (SKINNER, 1972, 244).

Para Saviani (2008a), a padronização do sistema de ensino, tendo como base esquemas de

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planejamento previamente formulados, é considerada como uma das estratégias do tecnicismo

pedagógico para ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas.

Segundo o enfoque tecnicista, a dimensão do planejamento educacional era tida como

fundamental para a implementação dos pressupostos tecnicistas no campo da educação escolar.

Neste sentido, o planejamento educacional, em todos os seus níveis e modalidades, deveria

minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco a eficiência do sistema

educacional.

No que tange à organização do trabalho pedagógico, dentro da perspectiva do tecnicismo

pedagógico, as tecnologias de ensino são consideradas como ferramentas fundamentais para a

realização do trabalho educativo na escola, visando tornar a aprendizagem “mais objetiva”, eficaz e

produtiva de acordo com os interesses e necessidades da produção do capital.

Dentro da perspectiva educacional tecnicista, subsidiada pelos pressupostos skinnerianos, o

usos das tecnologias educacionais, tais como: o rádio, a televisão, o computador entre outras, são

planejadas a partir de pressupostos da neutralidade científica que incentivam a organização racional

da atividade pedagógica; a operacionalização dos objetivos definidos; o parcelamento/divisão do

trabalho pedagógico, com ênfase na especialização das funções educativas.

Skinner (1972) considerava que as tecnologias educacionais eram consideradas como

ferramentas “educativas” que tornariam o ensino mais eficiente e eficaz, chegando a sugerir,

inclusive, que a presença delas na escola poderia suprimir a função do professor e de recursos

didáticos.

Neste sentido é que para Skinner (1972, p. 28): “Os recursos audiovisuais suplementam e

podem mesmo suplantar aulas, demonstração e livros didáticos. Ao fazer, suprem uma função do

professor: apresentam as matérias aos estudantes e, quando o fazem bem, tornam–se tão claras e

interessantes que o estudante aprende”.

Skinner, além de ser considerado um grande defensor do uso das tecnologias na educação

também demonstrava grande preocupação no sentido de que os alunos não se tornassem meros

receptores passivos de conteúdos diante das tecnologias. Para isto, Skinner aperfeiçoa o projeto,

iniciado por Pressey na década de 1920, das “máquinas de ensinar”.

Para Saviani (2008a), a instrução programada, como é também divulgada na proposta

pedagógica de Skinner baseada em “máquinas de ensinar”, não se preocupava com os ritmos

diferenciados de aprendizagens dos estudantes, pois a questão central desta proposta pedagógica

estava posta na variação do tempo que cada aluno passava para adquirir os conhecimentos, levando,

assim, a preocupação com a variação do comportamento dos estudantes.

2.4 CRÍTICAS AO TECNICISMO PEDAGÓGICO E A OUTRAS TENDÊNCIAS

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PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS E O SURGIMENTO DAS TENDÊNCIAS

PEDAGÓGICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

Para Saviani (2008a), na mesma década do apogeu da pedagogia tecnicista no Brasil, ou

seja, década de 1970, surgiram estudos empenhados em realizar críticas ao sistema educacional que

denunciavam o quanto a educação estava subordinada aos interesses dominantes.

De um modo geral, os estudos críticos sobre educação, que surgiram nessa época, partiam da

constatação de que o sistema de ensino apenas reproduzia os interesses dominantes. Esses estudos

tinham como inspiração as teorias crítico-reprodutivistas, especialmente nas obras de sociólogos e

filósofos franceses. Nas palavras de Saviani: “[...] Paralelamente ao predomínio da tendência

tecnicista, emergiu, na década de 1970, um conjunto de estudos que podem ser agrupados sob a

denominação tendência crítico-reprodutivista.”. E, prossegue o autor afirmando que: “As principais

referências desses estudos são a teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, teoria da

escola enquanto aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista”. (SAVIANI, 2008a, pp.

393-394).

Saviani (2007b), então, analisa as teorias desenvolvidas por Bourdieu e Passeron (1975),

Althusser (1972) e Baudelot e Establet (1971) integrando-as ao chamado grupo das teorias crítico-

reprodutivistas. Essas teorias educacionais surgem na França, no final da década de 1960 e início

da década de 1970, e opõem-se radicalmente aos postulados das tendências pedagógicas

hegemônicas, denunciando o caráter reprodutivista da educação e da educação escolar.

Segundo as análises de Saviani (2207b), na teoria do sistema de ensino enquanto violência

simbólica, desenvolvida por Bourdieu e Passeron (1975) afirma-se que, nas bases de uma sociedade

constituída de classes e grupos, coexistem diferenças de culturas. Assim, essas diferenças culturais

correspondem às diferenças entre as classes e grupos sociais, burguesa e proletária. Neste sentido, a

classe social burguesa é constituída de uma cultura que abrange determinados valores, condutas e

modos de linguagem. Em contrapartida, a classe proletária cerceia-se de um patrimônio cultural

diferente do da cultura burguesa.

A escola, ao desenvolver o Trabalho Pedagógico (TP) nos alunos das diferentes classes e

grupos sociais tende a valoriza o patrimônio cultural da classe social dominante burguesa,

desconsiderando, no interior das práticas pedagógicas escolares, a cultura da classe proletária.

Ao referir-se à teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica, Saviani (2007b)

entende e, neste sentido, o seu pensamento assemelha-se ao de Bourdieu e Passeron, quando

elaboram a teoria da violência simbólica, que “[...] a cultura é violência simbólica na medida em

que reproduz, legitimando e reforçando, por dissimulação, as relações de força que lhe servem de

base [...].” (p. 133).

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Nas análises feitas por Saviani (2007b), sobre a teoria do sistema de ensino enquanto

violência simbólica, não há dúvida de que a escola reproduz “simbolicamente” a sociedade de

classe através da imposição arbitrária da cultura da classe dominante sobre a classe dominada.

Ao analisar a teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado, desenvolvida por

Althusser (1972), Saviani entende que o autor desta teoria parte do pressuposto básico de que a

Escola é um aparelho ideológico do Estado e passa a ser considerada como:

[...] o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista

[...]. E, para o cumprimento da reprodução das condições de produção capitalista, [...] toma

a si todas as crianças de todas as classes sociais e inculca-lhes durante anos a fio de

audiência obrigatória “saberes práticos” envolvidos na ideologia dominante [...]

(ALTHUSSER, 1972, p.64 apud SAVIANI, 2007b, p. 19).

Na visão althusseriana de educação, segundo Saviani 2007b), grande parte dos alunos

consegue cumprir o tempo de escolaridade básica e são introduzidos no processo de produção. Essa

parte da população é constituída por operários e camponeses. Outros alunos conseguem avançar no

tempo de escolarização. Contudo, estes acabam por interromper os seus estudos e vão compor os

quadros médios da sociedade. E, enfim, poucos alunos conseguem concluir os seus estudos e vão

assumir postos profissionais, ora como Agente de Repressão do Estado (ARE) ora como agente da

ideologia nos (AIE).

De acordo com Saviani (2007b), Baudelot e Establet (1971) ao desenvolverem a teoria da

escola dualista empenharam-se, assim como Bourdieu, Passeron (1975) e Althusser (1972), em

demonstrar como o sistema educacional reproduz a divisão de classe no contexto capitalista.

Nesses estudos, Baudelot e Establet (1971) desenvolveram suas análises teóricas também, e

a partir, de dados estatísticos tendo como realidade empírica o sistema educacional francês. Ao

término das suas reflexões, chegaram à conclusão de que o sistema de ensino francês constitui-se de

duas redes de escolarização (PP – primária-profissional e SS – secundária-superior) que, dentro

dessa configuração, reproduz as condições de classe (proletariado e burguesia). Para Saviani

(2007a, p.134) “[...] essas se articulam no objetivo comum de realizar a inculcação ideológica e a

reprodução das relações sociais de produção.”

Para Saviani (2007b), na visão das tendências pedagógicas hegemônicas, a educação é

concebida como instituição autônoma em relação à sociedade e a sua função é a de integrar os

indivíduos, ajustando-os ao contexto social de cada época. Neste sentido, pode-se inferir que todos

os fenômenos educativos, tais como professores, alunos, aprendizagem, avaliação, alfabetização,

letramento digital, etc., seriam tratados dentro da perspectiva de isolamento da escola em relação ao

contexto social mais amplo e complexo.

Contrariamente, as teorias crítico-reprodutivistas partem do pressuposto de que educação e

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sociedade são duas entidades articuladas, e que a segunda (sociedade) determina materialmente não

só a concepção da primeira (educação) como também todos os processos educativos presentes nela.

Saviani (2008a) relata que segundo os autores da visão crítico-reprodutivistas, entre as teorias de

Bourdieu e Passeron (1975), de Althusser (1971) e de Baudelot e Establet (1972), não haveria

dúvida de que a função única da educação é a reprodução do sistema capitalista, caracterizado pelos

interesses da classe dominante que, através da educação, impõe à classe social dominada os seus

valores, ideologias e crenças. Em relação às teorias crítico-reprodutivistas o autor entende:

Tal denominação se justifica nos seguintes termos: trata-se de uma tendência crítica por que

as teorias que a integram postulam não ser possível compreender a educação senão a partir

dos seus condicionantes sociais. [...] mas é reprodutivista porque suas análises chegam

invariavelmente à conclusão que a função básica da educação é reproduzir condições

sociais vigentes (SAVIANI, 2008a, p.393).

Saviani (2008a) refere-se às teorias crítico-reprodutivistas como “teorias sobre a educação”

e não como “teorias da educação”, uma vez que, os objetivos dos autores que as elaboraram

estavam mais voltados no sentido de explicar, compreender e denunciar o modo de funcionamento

da educação e não, necessariamente, fornecer orientações didático-pedagógicas da realização da

prática educativa escolar. São “teorias sobre a educação” e não “teorias da educação”, isto porque

não apresentam alternativas no sentido de propor uma maneira de lidar com a escola frente às

críticas realizadas, e grande contribuição deram para os estudos educacionais de natureza crítica.

Para o autor, essas teorias sobre a educação desempenharam:

[...] um papel muito importante na década de 1970. Suas análises constituíram-se em armas

teóricas utilizadas para fustigar a política educacional do regime militar, que era uma

política de ajustamento da escola utilizada como instrumento de controle da sociedade

visando a perpetuar as relações de dominação vigentes (SAVIANI, 2008a, p. 397).

Ademais, e do ponto de vista acadêmico e da produção intelectual, a visão crítico-

reprodutivista serviu de inspiração à boa parte dos intelectuais brasileiros que se empenharam, e

ainda empenham-se, em denunciar sistematicamente a utilização da educação em favor dos setores

dominantes. Na visão de Saviani (2008, p. 395): “[...] o mérito da tendência crítico-reprodutivista

foi dar sustentação teórica para resistência ao autoritarismo, para a crítica à pedagogia tecnicista e

para desmitificar a crença, bastante comum entre os educadores, na autonomia da educação em face

das relações sociais.”

Saviani (2007a) aponta que os limites da concepção crítico-reprodutivista residem,

especialmente, no fato delas fazerem críticas e denunciarem o quanto a educação escolar reproduz

os interesses dominantes sem, contudo, apresentar propostas que possam superar os interesses

dominantes, não acenando para a luta e possibilidades dos interesses, também das classes ou grupos

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dominados, via educação escolar. E, é neste contexto de busca por propostas pedagógicas

educacionais que sirvam de base para se pensar uma concepção de educação, ao mesmo tempo

crítica, mas que supere a visão crítico-reprodutivista de educação, que surgem e passam a ganhar

certa hegemonia, as pedagogias contra-hegemônicas.

2.4.1 As Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas no Brasil

Numa análise sobre o desenvolvimento das tendências pedagógicas educacionais contra-

hegemônicas, Saviani (2008b) observa que, a década de 1980, no Brasil, é marcada, histórico e

politicamente “[...] como um momento privilegiado para a emersão de propostas pedagógicas

contra-hegemônicas.”

Para Saviani (2008b, p. 170), as propostas pedagógicas contra-hegemônicas são entendidas

como aquelas em que se inserem dentro das tendências pedagógicas educacionais cujas orientações

“[...] não apenas não conseguiram torna-se dominantes, mas que buscam intencional e

sistematicamente colocar a educação a serviço das forças que lutam para transformar a ordem

vigente visando instaurar uma nova sociedade.”

Saviani (2008b), adverte em suas análises para as ambiguidades e heterogeneidades que

essas tendências pedagógicas educacionais contra-hegemônicas carregam, em si, e que incorporam

pressupostos que vão “[...] desde os liberais progressistas até os radicais anarquistas, passando pela

concepção libertadora e por uma preocupação com a fundamentação marxista.” Portanto, para esse

autor, a denominação que poderia abranger o conjunto das propostas contra-hegemônicas seria a

expressão “pedagogia de esquerda” e não “pedagogias marxistas” ou “pedagogias revolucionárias”,

ainda com toda vagueza que essa expressão comporta, “[...] e também com todas as esperanças de

entendimento, de união de que o termo carrega” (SAVIANI, 2008a, p. 413).

Saviani (2008a) organiza, em suas análises, as tendências pedagógicas educacionais contra-

hegemônicas que tiveram maior repercussão no campo educacional brasileiro em duas modalidades.

A primeira modalidade, centrada no saber do povo e na autonomia das suas organizações,

defende uma educação autônoma e, até certo ponto, à margem da estrutura escolar e que, quando

direcionada à educação escolar propriamente dita, busca transformá-la em espaço de expressão das

ideias populares, de exercício da autonomia popular.

A segunda modalidade pauta-se na centralidade da educação escolar e valoriza o acesso das

camadas menos favorecidas ao conhecimento sistematizado (SAVIANI, 2008a, pp. 414-415).

Na primeira modalidade, estão agrupadas as propostas contra-hegemônicas das tendências

pedagógicas libertadora e libertária, esta última com forte influência do pensamento anarquista.

No Brasil, a tendência pedagógica libertadora tem como principal expoente o educador

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Paulo Freire. A tendência pedagógica libertária tem suas manifestações expressas por meio das

publicações e manifestações de Santos (1985), Arroyo (1986) e Tragtenberg (1980). Fazem parte da

segunda modalidade de análise, a pedagogia crítico social dos conteúdos de Libâneo (1985) e a

pedagogia histórico-crítica de Saviani (2007a).

Segundo Saviani (2008a, p. 415), em termos teóricos, essas tendências pedagógicas

apresentaram-se como contra-hegemônicas porque como base em seus postulados e características

“[...] surgiram tentativas de elaborar propostas suscetíveis de orientar à prática educativa numa

direção transformadora.”

2.4.1.1 Tendência Pedagógica Libertadora

Observando a sociedade da maneira em que ela se mostra alienada, estruturalmente

hierarquizada, classista, opressora, seletiva e excludente, Freire (1980) percebeu que a maioria da

população não tinha acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela humanidade como, por

exemplo, a educação, e comovia-se com o sofrimento humano diante da divisão de classes e da

injustiça social. A dominação do colonizador sobre o colonizado, dos ricos sobre os pobres, dos que

sabem sobre os que não sabem, retrata a sociedade atual, onde a organização do trabalho e da vida

social é fundada numa separação de tarefas intelectuais para a classe dominante e tarefas de

execução para a classe dominada.

De acordo com Freire (1980, p.94): “qualquer que seja a sociedade, a função da educação é

sempre a de preparar para a vida adulta, para o mundo dos adultos”. Porém, a maneira como a

educação é realizada nas escolas não visa uma formação para a vida, pois os conhecimentos,

aptidões, valores e comportamentos visam atender apenas às exigências do sistema produtivo.

Na concepção pedagógica freireana afirma-se que a divisão de classes da nossa sociedade é

reforçada pela escola, que se encontra submetida à lógica da divisão social do trabalho, refletindo e

reforçando a hierarquização da sociedade. O papel da educação, segundo essa concepção de

educação, é o de auxiliar na construção de uma sociedade justa e democrática e esta sociedade só

poderá se construir por meio da luta dos grupos populares por serem eles os únicos capazes de

operar tal mudança, refletindo e agindo sobre a realidade.

Na visão freireana, à educação escolar é atribuída papel fundamental, pois ela é a principal

instituição capaz de contribuir para a transformação da sociedade na medida em que oferece os

subsídios para que seus atores “oprimidos” conheçam, de forma crítica, a realidade na qual estão

inseridos e se tornem agentes transformadores. Segundo Freire (1980), somente o homem

“protagonista” da sociedade opressora, portanto o oprimido, e após ter passado por um processo de

conscientização crítica, via educação, é capaz de entender e transformar a própria condição

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opressora em que vive.

A concepção educacional freireana, indiscutivelmente, acredita no poder da educação como

fator de conscientização do homem, oprimido social e culturalmente. Para tanto, não poderia ser

uma concepção de educação em que o sujeito é colocado como objeto em seu processo de formação

educacional. Portanto, o fato de insistir na crítica da educação em que vê o homem não como

sujeito da sua própria história e, sim, como objeto manipulado pelas classes dominantes e

opressoras. A este tipo de educação Freire (1980) denomina de educação bancária.

As principais características da educação bancária, além de conceber os homens como

objetos, são: a) hierarquização de poder nas relações sociais educativas; b) ausência da dialética

entre “homem – mundo” e “objetividade – subjetividade”. A educação bancária enfatizaria a

domesticação, a instrução, a alienação e a opressão do homem, frente ao seu processo de formação

educacional.

Contra a educação bancária, Freire (1980) desenvolve a teoria da educação problematizadora

e emancipadora. Nesta, o homem é visto como sujeito de sua própria história e, através da

conscientização crítica, ele se libertaria das amarras da opressão social e cultural.

A educação problematizadora e emancipadora tem como finalidade não apenas o

desenvolvimento de habilidade e competências linguísticas no sujeito, mas, sim, o desenvolvimento

da consciência crítica no homem. Para isto, esta educação propõe o método do diálogo e dialético

entre os homens.

Em outras palavras: a educação libertadora levaria o homem ao desenvolvimento da

conscientização crítica através do método dialógico-crítico e este processo levaria o homem, até

então considerado oprimido, à condição de libertado que, por sua vez e após liberto da opressão via

consciência crítica, teria condições de transformar a sociedade desumana em uma sociedade mais

humana.

Neste sentido, apresenta-se o porquê do método de Paulo Freire ser considerado além de

dialógico também dialético. Dialeticamente falando, o homem se constitui como sujeito histórico a

partir do momento em que ele desvela e age sobre a realidade social que é considerada opressora.

Os postulados da educação problematizadora e emancipadora, opostos aos da educação

bancária, têm um papel fundamental no processo de transformação do “sujeito-objeto” em sujeito

histórico, onde este último denuncia e anuncia a realidade social rumo a uma sociedade mais

humanizadora e mais solidária.

Nas palavras de Saviani (2008a, p. 415), esta pedagogia aspirava a “[...] uma educação do

povo e pelo povo, para o povo e com o povo em contraposição àquela dominante caracterizada

como da elite e pela elite, para o povo, mas contra o povo”. Nesta perspectiva, é que a tendência

pedagógica libertadora é considerada como uma tendência educacional que se insere dentro do

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quadro de referência das propostas pedagógicas contra-hegemônicas.

2.4.1.2 Tendência Pedagógica Libertária

Para Saviani (2008a), a tendência pedagógica libertária acirrava críticas à educação

burguesa, afirmando que esta levaria os trabalhadores à subordinação e interesses do Estado, da

Igreja e, até mesmo, dos partidos políticos. Assim, esta tendência pedagógica advogava uma

concepção de educação e escola autogestionária.

Para Libâneo (1985), a autogestão é, assim, o conteúdo e o método da tendência pedagógica

libertária e resume tanto o objetivo pedagógico quanto o político dela.

Ainda que essa tendência pedagógica contra hegemônica não defenda a primazia do trabalho

pedagógico realizado em sala de aula, portanto em escolas, quando os seus pressupostos se aplicam

ao âmbito escolar tende a instituir modalidades de aprendizagem com base em participação grupal e

em mecanismos institucionais de mudanças, tais como: assembleias, conselhos, reuniões,

associações.

Libâneo (1985) apresenta as bases pedagógicas da tendência pedagógica libertária a partir de

quatro categorias: conteúdos de ensino, método de ensino, relação professor-aluno, pressupostos de

aprendizagem.

As matérias de ensino (conteúdos de ensino) são disponibilizadas aos alunos. No entanto,

não são consideradas exigências precípuas aos mesmos, uma vez que são consideradas apenas um

instrumento adicional sendo que, o mais importante são os conhecimentos que resultam das

experiências vivenciadas pelos grupos, com ênfase naquelas com viés de participação crítica.

Em outras palavras: “[...] os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de

necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são necessárias e nem

indispensavelmente, as matérias de estudo” (LIBÂNEO, 1985, p. 26).

O método de ensino enfatizado pela tendência pedagógica libertária é baseado na vivência

grupal, na forma de autogestão, onde os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias da sua

própria “instituição”, graças a sua própria iniciativa e sem influência de qualquer força de poder.

Para Libâneo (1985), os alunos teriam liberdade para se envolver, ou não, nas atividades

pedagógicas escolares, subjugando o interesse pedagógico à dependência das necessidades dos

alunos ou dos grupos que integram.

Libâneo apresenta de forma breve e resumida as fases do “método” de ensino, proposto

pelos libertários:

O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, se dá num

“crescendo”: primeiramente a oportunidade de contatos, aberturas relações informais entre

os alunos. Em seguida, o grupo começa a se organizar, de modo a que todos possam

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participar de discussões, cooperativas, assembleias [...]. [...] No terceiro momento, o grupo

de organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento, parte para a execução

do trabalho (LIBÂNEO, 1985, p. 27).

A relação professor-aluno é entendida a partir da não-diretividade, recusando e repudiando,

nesta relação, qualquer noção que se assente em obrigações e ameaças. Libâneo entende que,

embora professor e alunos sejam considerados desiguais e diferentes, nada impede que o primeiro

se ponha a serviço dos segundos, sem impor suas concepções e ideias. O professor, na perspectiva

libertária, é um orientador e um catalisador que se “mistura” ao grupo para uma reflexão em

comum. Os alunos são “livres” frente ao professor e vice-versa.

Em relação aos pressupostos de aprendizagem, os libertários entendem que as formas

burocráticas presentes nas instituições comprometem o crescimento pessoal dos alunos, porque não

levam com conta os traços de suas impessoalidades. Neste sentido, a ênfase é na aprendizagem

informal com base grupo na negação a toda forma de poder.

No Brasil, segundo Saviani (2008a), a partir da década de 1980, esta tendência pedagógica

ficou mais conhecida no meio acadêmico pela denominação de “pedagogia da prática” e tem como

principais expoentes os intelectuais Oder José dos Santos, Miguel Gonzales Arroyo e Maurício

Tragtenberg.

Para os defensores desta tendência pedagógica, o saber gerado pela prática social deve ser

considerado a principal “matéria-prima” do processo de ensino. Entretanto, ele é, na maioria das

vezes, relegado pela escola que tende a valorizar a transmissão-assimilação de conhecimentos

articulados com os interesses da classe social dominante, quer seja da burguesia.

Numa posição mais radicalizada, os intelectuais adeptos da tendência pedagógica libertária

defendem a construção da escola para as classes dominadas “[...] a partir da destruição do projeto

educativo da burguesia e dos seus pedagogos, feito para a constituição de cidadãos – trabalhadores

formados à imagem de seus interesses de classe” (SAVIANI, 2008a, p418).

2.4.1.3 Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos

Para Saviani (2008a), diferentemente das tendências pedagógicas libertadora e libertária, a

tendência pedagógica hegemônica formulada pelo Professor José Carlos Libâneo no final da década

de 1970, denominada crítico-social dos conteúdos, acentua a primazia dos conteúdos no processo de

ensino e aprendizagem confrontados com as realidades sociais, políticas, econômicas e culturais.

Por conteúdos de ensino, Libâneo (1985) entende que são conteúdos culturalmente

universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos e que foram

incorporados pela humanidade, contudo, permanentemente reavaliados frente às realidades sociais.

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De acordo com o autor, “[...] embora se aceite que os conteúdos são realidades exteriores ao

aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e

refratários às realidades sociais” (LIBÂNEO, 1985, p. 30).

Na medida em que coloca a primazia dos conteúdos na organização do trabalho pedagógico

de sala de aula, essa tendência pedagógica valoriza, também, o papel da escola e o do professor.

Para Libâneo (1985, pp. 29-30), a valorização da escola enquanto instrumento de

apropriação do saber é considerado o melhor serviço que a sociedade pode prestar aos interesses e

necessidades das classes populares, garantindo-lhes “[...] um bom ensino, isto é, a apropriação dos

conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida dos alunos”.

Para que esse “bom” ensino aconteça, é necessário que o professor assuma o papel de agente

engajado em transformações sociais, que vai possibilitar, através da intervenção direta e orientação

na aprendizagem dos alunos, a passagem de uma visão sincrética para uma visão sintética de

mundo, por meio da aquisição dos conteúdos e da socialização.

Neste sentido, o papel do professor é insubstituível, ainda que se acentue também a

participação dos alunos no processo educativo. Portanto, a tendência pedagógica crítico-social dos

conteúdos faz crítica às tendências pedagógicas que defendem a não-diretividade no trabalho

educativo. Segundo palavras do próprio autor:

A não-diretividade abandona os alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma

tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados pela educação. [...] é necessária a

intervenção do professor para levar o aluno a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais

longe, a prolongar a experiência vivida (LIBÂNEO, 1985, p. 33).

Para não pairar a impressão de que o professor, ao ter o seu papel destacado em sala de aula

agiria de forma autoritária, Libâneo tem a preocupação de explicitar, também, na sua tendência

pedagógica as bases teóricas da relação pedagógica entre professor e aluno.

Evidentemente que, ao se advogar a intervenção do professor, não se está concluindo pela

negação da relação professor-aluno. A relação pedagógica é uma relação com um grupo e o

clima de grupo é essencial na pedagogia. Neste sentido, são bem- vindas as considerações

formuladas pela dinâmica de grupo, que ensinam o professor a relacionar-se com a classe; a

perceber conflitos; a saber que está lidando com a uma coletividade e não com indivíduos

isolados, a adquirir-se a confiança dos alunos (LIBÂNEO, 1985, p. 36).

Os métodos de ensino, na pedagogia crítico-social do conteúdo, não têm como ponto de

partida um saber artificial que é depositado de fora para dentro no aluno, como proposto na

tendência pedagógica tradicional, e nem de um saber espontâneo, como advoga a tendência

pedagógica hegemônica nova, mas de uma relação direta com a experiência do aluno, confrontada

com o saber e relacionada à sua prática vivida com os conteúdos propostos pelo professor, momento

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em que se dará a ruptura em relação à experiência pouco elaborada do aluno (visão sincrética da

realidade). Em outras palavras:

[...] uma aula começa pela constatação da prática real, havendo, em seguida, a consciência

dessa prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma de um

confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se da ação à

compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa senão a

unidade entre teoria e prática (LIBÂNEO, 1985, p. 32).

Para Libâneo (1985), na perspectiva da tendência pedagógica crítico-social dos conteúdos, a

aprendizagem é tida como o desenvolvimento das capacidades de processar informações e saber

lidar com estímulos do “ambiente”, organizando os dados disponíveis da experiência. Em

consequência, admite-se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo primeiro,

que o professor tome conhecimento sobre aquilo que o aluno já sabe.

Em outras palavras: o professor precisa saber e compreender o que os alunos dizem ou

fazem. Por outro lado, os alunos precisam compreender o que o professor procura dizer-lhes. A

transferência da aprendizagem se dá a partir do momento da síntese, isto é, quando o aluno supera a

visão parcial e confusa, portanto, uma visão sincrética, e adquire uma visão mais clara e

unificadora, caracterizada como uma visão sintética.

Para esta tendência pedagógica, a escola passa a cumprir a sua função social e política na

medida em que assegura a difusão dos conteúdos sistematizados a todos, e isto é considerado

condição primeira para a participação do povo nas lutas sociais.

Saviani (2008a), ao referir-se à obra de Libâneo (1985), infere que esse autor sinaliza para o

horizonte teórico do marxismo. Com efeito, suas aproximações com o materialismo histórico-

dialético ocorreram, de modo mais efetivo, na sua tese de doutoramento, defendida em 1990 na

PUC-SP, intitulada “Fundamentos Teóricos e Práticos do Trabalho Docente: Estudo Introdutório

sobre a Pedagogia e Didática.

2.4.1.4 A Pedagogia Histórico-Crítica

No final década de 1970, começam a ser esboçadas as primeiras ideias sobre outra tendência

pedagógica educacional de natureza contrahegemônica que, na década seguinte, ou seja, 1980, é

denominada por Saviani (2007b) de pedagogia crítica não-reprodutivista. Na década de 1990,

Saviani (2007a) a reconceitua e passa a ser intitulada pedagogia histórico-crítica.

Ao apresentar as bases teórico-filosóficas da pedagogia histórico-crítica, Saviani (2008a, p.

418) afirma que ela é “[...] tributária da concepção dialética, especificamente na versão do

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materialismo histórico, tendo fortes afinidades no que se refere às suas bases psicológicas, com a

psicologia histórico-cultural desenvolvida pela Escola de Vigotski.”

Para Saviani (2007a, p.143), a década de 1980 é considerada como um momento de busca de

alternativas pedagógicas, uma vez que o meio intelectual educativo estava sob forte influência do

pensamento crítico-reprodutivista que se opunha à visão da pedagogia oficial, subsidiada pela

tendência pedagógica hegemônica tecnicista, contudo não apresentava “alternativas” para superar

os limites do seu reprodutivismo.

É neste contexto de impasses teóricos que surge a pedagogia histórico-crítica como forma de

superar dialeticamente as oposições teórico-metodológicas entre a concepção e função de educação,

advogadas, por uma lado, pelas tendências pedagógicas hegemônicas e, do outro, pela concepção

crítico-reprodutivista de educação.

Para as tendências pedagógicas hegemônicas tradicional, nova e tecnicista, a educação é

concebida como instituição autônoma em relação à sociedade, tendo como função a integração dos

indivíduos, ajustando-os ao contexto social. A ideia de educação, enquanto instituição social capaz

de transformar a sociedade, sem levar em consideração que condicionantes socioeconômicos

determinam as práticas educativas, é evidente nessas tendências pedagógicas.

Neste sentido, à educação é atribuída grande autonomia em relação ao contexto social “[...]

tanto é que lhe cabe um papel decisivo na conformação da sociedade evitando a sua desagregação e,

mais do que isto, garantindo-lhe a construção de uma sociedade mais igualitária” (SAVIANI,

2007b, p.16).

De acordo com os pressupostos das tendências pedagógicas hegemônicas todos os

fenômenos educativos, como professores, alunos, aprendizagem, avaliação, alfabetização,

letramento digital e a própria concepção de educação, seriam tratados dentro da perspectiva de

isolamento da escola em relação ao contexto social mais amplo e complexo.

Contrariamente às tendências pedagógicas hegemônicas, as teorias crítico-reprodutivistas

afirmam que educação e sociedade são duas entidades articuladas e que a segunda (sociedade)

determina materialmente não só a concepção da primeira (educação) como também todos os

processos educativos presentes nela. Segundo a concepção educacional crítico-reprodutivista, não

haveria dúvida de que a função única da educação é a reprodução do sistema capitalista,

caracterizado pelos interesses da classe dominante que, através da educação, impõe à classe social

dominada os seus valores, ideologias e crenças.

Saviani (2008a) reconhece o mérito das teorias crítico-reprodutivistas, que reside no fato de

terem desmitificado a falsa tese, defendida pelas tendências pedagógicas hegemônicas, de que

educação e seus processos educativos poderiam ser compreendidos à luz de si mesmos

desconsiderando os condicionantes socioeconômicos que os cercam. Estas teorias também

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desempenharam papel importante no Brasil em função de terem impulsionado críticas ao regime

militar e à pedagogia “oficial”, que vigorava na época, ou seja, a pedagogia tecnicista.

Para Saviani (2008b, p.67), “[...] progressivamente, no entanto, foram tornando-se cada vez

mais evidentes os limites da teoria crítico-reprodutivista”, pois ainda que essas concepções fossem

consideradas críticas não apresentavam nenhuma proposta pedagógica para a educação como forma

de superar o reprodutivismo capitalista.

De acordo com Saviani (2007a, 2008a, 2008b), a pedagogia histórico-crítica surge a partir

da necessidade que se evidenciou no campo educativo brasileiro no sentido de superar os impasses

teóricos colocados pelos defensores das vertentes teóricas hegemônicas e crítico-reprodutivistas.

Por um lado, as primeiras advogavam uma visão ingênua e otimista de educação; por outro

as segundas mostravam um panorama “realista” e “pessimista” desta mesma educação, concebendo-

a como Instituição que apenas reproduz os interesses das classes hegemônicas burguesas e, assim,

colocando os agentes socioeducativos numa situação de impotência perante a realidade social.

Saviani (2007a) entende que essas duas visões opostas e aparentemente “excludentes”

podem ser superadas material e dialeticamente com uma pedagogia revolucionária, na medida em

que se reconhece que a educação é determinada por condicionantes socioeconômicos. Contudo, essa

educação possui especificidades, e, portanto, desenvolve mecanismos que se contrapõem aos

interesses dominantes, possibilitando transformação do contexto social capitalista.

Nessa nova pedagogia revolucionária, de cunho materialista-dialético, ainda que a educação

escolar e seus processos educativos sejam considerados elementos determinados materialmente pela

sociedade vigente, estes possuem condições de influenciar o elemento determinante. Neste sentido,

a educação passa a desenvolver práticas sociais educativas que possibilitam a transformação das

condições sociais vigentes. As teorias educacionais que compactuam com esta visão de educação,

Saviani (2007a, 2007b, 2008a) denomina de tendências pedagógicas contra-hegemônicas, uma vez

que as considera como pedagogias que se articulam aos interesses da população menos favorecida

social e economicamente em oposição aos interesses da classe burguesa dominante.

Para Saviani (2008b), mesmo as tendências pedagógicas hegemônicas tendo muitos dos seus

pressupostos teóricos e pedagógicos criticados pelas teorias críticas, essas tendências deram grandes

contribuições à educação.

Neste sentido, a pedagogia histórico-crítica surge da tentativa de superar, por incorporação,

as contribuições teóricas, advindas, especialmente, das tendências pedagógicas hegemônicas

tradicional e nova. Nas palavras do próprio autor: “[...] a pedagogia histórico-crítica [...] situa-se,

assim, para além dos métodos tradicionais e novos, visando a superar por incorporação as

contribuições dessas duas tendências pedagógicas” (SAVIANI, 2008b, p. 129).

A pedagogia histórico-crítica propõe, basicamente, os seguintes pressupostos teóricos e

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pedagógicos, tomando como base a superação, por incorporação, dos principais postulados das

tendências pedagógicas tradicional e nova: a) valorização da atividade e iniciativa por parte dos

alunos sem abrir mão da iniciativa do professor; b) favorecimento do diálogo dos alunos entre si e

com o professor, sem deixar de valorizar o intercâmbio com o saber clássico acumulado

historicamente; c) valorização dos aspectos biopsicológicos (ritmos, desenvolvimento entre outros)

dos alunos sem esquecer-se da sistematização lógica dos conhecimentos.

Tendo a prática social concreta como expressão da realidade material, a pedagogia histórico-

crítica, segundo Saviani (2008b, p. 129), concebe a educação como “[...] mediação no seio da

prática social global.” e, “[...] é entendida como o ato de produzir, direta e intencionalmente, em

cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos

homens”. Neste sentido, a prática social é considerada tanto como ponto de partida (primeiro passo)

como ponto de chegada (quinto passo) da ação educativa.

Do ponto de vista do trabalho pedagógico escolar, a pedagogia histórico-crítica apresenta-se,

metodologicamente, a partir de cinco momentos ou passos, segundo Saviani (2008b).

O primeiro momento refere-se ao reconhecimento da prática social no processo educativo,

situação considerada comum, tanto para o professor quanto para os alunos. Neste sentido, a prática

social é considerada como o ponto de partida (primeiro passo) como, também, é ponto de chegada

(quinto passo) da ação educativa. Nesta primeira fase, professores e alunos se reconhecem inseridos

na prática social, ainda que suas vivências e experiências sejam consideradas diferentes e desiguais,

pois parte-se do pressuposto de que o professor já possui uma visão sintética, ainda que com

limitações, e os alunos uma visão sincrética da realidade social que os cerca.

O segundo momento de operacionalização da pedagogia histórico-crítica diz respeito à

problematização, que “[...] trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da

prática social e, em consequência, que conhecimento é necessário dominar” (SAVIANI, 2008a, p.

171). Nesta fase, é importante, também, que se suscitem questões de como professor poderá ajudar

os alunos na compreensão e superação das dificuldades elencadas.

O terceiro momento é caracterizado pela “instrumentalização”, em que os agentes

educativos tomam posse dos instrumentos teóricos e práticos que os auxiliarão na compreensão e

soluções dos problemas e dificuldades colocados pela prática social. Nas palavras do próprio autor:

[...] trata-se de se apropriar dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao

equacionamento dos problemas detectados na prática social; [...] trata-se da apropriação

pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam

diuturnamente para se libertarem das condições de opressão em que vivem (SAVIANI,

2008a, 172).

O quarto momento de orientação do trabalho pedagógico em sala de aula, com base na

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pedagogia histórico-crítica, é denominado de cartase. Segundo Saviani, esse termo deve ser

entendido “[...] na acepção gramsciana de elaboração superior da estrutura em superestrutura na

consciência dos homens.” (2008a, p. 132) e é caracterizado quando “ocorre a efetiva incorporação

dos instrumentos culturais, transformados em elementos ativos de transformação social” (SAVIANI,

2008a, p. 132).

O quinto, e último momento de operacionalização da pedagogia histórico-crítica, é o

“retorno” à prática social (primeiro momento). No entanto, e já nesta fase, os educandos,

diferentemente de como se encontravam na primeira fase, já possuem uma visão mais crítica e

ampla da realidade social com possibilidade de transformá-la. Segundo o autor:

[...] a prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada

(quinto passo) é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao

mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade

da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em

seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos,

enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito

concluir que a própria prática se alterou qualitativamente (SAVIANI, 2008a, p. 134).

Saviani (2008a, p.425) observa que, no final dos anos 80 já eram visíveis, no Brasil, as

dificuldades que estavam enfrentando as correntes pedagógicas “contra hegemônicas”, entendidas

como aquelas tendências que buscavam historicamente a sua hegemonia, cujos projetos se

colocavam como alternativas para orientar práticas educativas e escolares numa direção

transformadora da realidade social.

Neste sentido, se a década de 1980 pode ser considerada como um período histórico

marcado pelo surgimento de ideias pedagógicas contra-hegemônicas, na década seguinte, 1990, em

função da hegemonia do neoliberalismo, ocorre um recrudescimento destas ideias pedagógicas e o

ressurgimento de concepções pedagógicas conservadoras.

Anderson (1995), ao realizar uma radiografia sobre o neoliberalismo, chegou à conclusão

provisória de que economicamente o seu projeto fracassou, pois não conseguiu nenhuma

revitalização básica do sistema capitalista avançado. Entretanto, o autor indica que, do ponto de

vista político e ideológico, seu êxito pode ser considerado histórico.

Nas palavras do próprio autor:

[...] política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o

qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples ideia de que

não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de

adaptar-se as suas normas. Provavelmente, nenhuma sabedoria convencional conseguiu um

predomínio tão abrangente desde o início do século com neoliberal hoje (ANDERSON,

1995, p. 23).

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Se do ponto de vista político e ideológico, o neoliberalismo alcançou êxito sem precedente

na história do capitalismo avançado, a ponto da literatura, incluindo a de Anderson (1995, p. 23),

considerá-lo como hegemônico, como se deu, então, a influência da ideologia neoliberal no campo

pedagógico escolar brasileiro? Se, o ideário neoliberal, “finca” suas bases na política brasileira a

partir da década de 1980 e torna-se hegemônico a partir da década de 1990 com os governos de

FHC, como se pode, então, compreender a educação em termos pedagógicos?

2.5 DÉCADA DE 1990: ENFRAQUECIMENTO DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

EDUCACIONAIS CONTRA-HEGEMÔNICAS E A HEGEMONIA DO NEOTECNICISMO

PEDAGÓGICO

Saviani (2008a, p.425) observa que, no final dos anos 80, já eram visíveis, no Brasil, as

dificuldades que estavam enfrentando as tendências pedagógicas contra-hegemônicas, entendidas

como aquelas que buscavam historicamente a sua hegemonia, cujos projetos se colocavam como

alternativas para orientar práticas educativas e escolares numa direção transformadora da realidade

social.

Neste sentido, se a década de 1980 pode ser considerada como um período histórico,

marcado pelo surgimento de ideias pedagógicas contra-hegemônicas, na década seguinte, 1990, em

função da hegemonia do neoliberalismo, ocorre um recrudescimento destas ideias pedagógicas e o

ressurgimento de concepções pedagógicas, ancoradas em princípios e pressupostos conservadores.

Silva (1994, p. 14) infere que, para se ter a compreensão das estratégias que o

neoliberalismo tem para o campo da educação, é de fundamental importância ter em mente que

essas estratégias fazem parte de um processo internacional mais amplo e que, na era da globalização

e internacionalização, não podem ser compreendidas fora de sua dinâmica internacional.

Neste sentido é que Saviani (2008a), observa que a década de 1990 é marcada,

historicamente, pela hegemonia do neoliberalismo, fase em que os países “em desenvolvimento”

passam a adotar, em suas políticas de Estado, o receituário elaborado, no final da década de 1980,

pelo “Consenso de Washington”.

Para Saviani (2008a), o “Consenso do Washington”, como ficou mais conhecida essa

denominação na literatura, diz respeito a um conjunto de recomendações saídas de uma reunião que

se realizou em Washington, Estados Unidos, em 1989. Desta reunião, que fora presidida por John

Williamson e que contou com a participação de representantes de vários organismos internacionais

e, também, de intelectuais, estes últimos ligados a diversos institutos de economia, saíram as

diretrizes para a reformulação das reformas consideradas “necessárias” para a América Latina,

segundo a cúpula que participou desta reunião.

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Em 1990, as diretrizes formuladas pelo “Consenso de Washington”, e que serviriam de base

para as reformas políticas nos países latino-americanos, foram publicadas e passaram, então, a

orientar as políticas de Estado na maioria dos países da América Latina.

Assim, qual seria a relação entre o “Consenso de Washington” e neoliberalismo?

Nas análises de Saviani (2008a), as “recomendações” do “Consenso de Washington”,

publicadas em 1990 e que serviram de base para orientar as políticas de Estado nos países latino-

americanos, refletiam, na realidade, os rumos tomados pela política em nível mundial após a

ascensão da Thatcher, na Inglaterra, de Reagan, nos Estados Unidos e de Kohl na Alemanha. Esses

governos, segundo Saviani: “[...] representavam a posição conservadora nos respectivos países e se

instauraram sob o signo do ultraliberalismo de Hayek e do monetarismo de Milton Friedman, cujo

prestígio na década de 1970 pode ser aferido pela obtenção do Prêmio Nobel da Economia em 1974

e 1976, respectivamente” (SAVIANI, 2008a, p. 427).

De acordo com Saviani (2008a, p.428), era evidente a convergência entre as

“recomendações” para os países latino-americanos, publicadas em 1990 pelo “Consenso de

Washington”, e as políticas adotadas, a partir do final da década de 1970, pelos Governos de

Thatcher, Reagan e Kohl. Para o autor, tanto as “recomendações” do “Consenso de Washington”

como as políticas adotadas nesses países tinham, como denominador comum, o ataque à concepção

de Estado provedor do bem público e a defesa do retorno da concepção liberal de Estado,

idealizados pelos clássicos.

Nesse novo contexto sociopolítico e econômico, marcado pela hegemonia do

neoliberalismo, os países da América Latina, incluindo o Brasil, passaram a adotar em suas políticas

de Estado as “recomendações” do “Consenso de Washington” que, inicialmente, tiveram que ser

impostas pelos organismos internacionais mediante as chamadas “condicionalidade”, mas que,

numa fase seguinte, passaram a ser assumidas pelas próprias elites econômicas e políticas dos

países latino-americanos.

Para Saviani (2008a, p. 428), essas políticas impunham aos países latino-americanos “[...]

um programa rigoroso de equilíbrio fiscal a ser conseguido por meio de reforma administrativa,

trabalhista e previdenciária tendo como vetor um corte profundo nos gastos públicos.”. Também,

essas políticas “[...] impunham-se uma rígida política monetária visando à estabilização e a

desregulamentação dos mercados tanto financeiro como do trabalho, privatização radical e abertura

comercial” (SAVIANI, 2008a, p. 428).

Neste novo contexto da hegemonia do neoliberalismo, que impunha aos países latino-

americanos o seu projeto de modernização através do “Consenso de Washington” como se situa o

campo das ideias pedagógicas? E, ainda neste contexto marcado pelas políticas neoliberais, como

emerge o neotecnicismo pedagógico?

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Para Saviani (2008a), nesse novo contexto de hegemonia do neoliberalismo e do “Consenso

de Washington”, as ideias pedagógicas educacionais sofrem grande inflexão e passam a assumir, em

seus próprios discursos, o fracasso da escola pública, justificando esse fracasso como algo inerente

à incapacidade do Estado de gerir o próprio bem comum. E, nessas novas circunstâncias advoga-se,

também na esfera da escola pública, a primazia da iniciativa privada, regida pelas leis de mercado.

Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p. 101), ao refletirem sobre as novas orientações

educacionais, surgidas a partir da década de 1990, em decorrência da hegemonia da visão neoliberal

e do “Consenso de Washington”, chegam a semelhantes análises feitas por Saviani (2008a, p. 49) e

inferem que:

No tocante à educação, a orientação política do neoliberalismo de mercado evidencia,

ideologicamente, um discurso de crise e de fracasso da escola pública, como decorrência da

incapacidade administrativa e financeira de o Estado gerir o bem comum. A necessidade de

reestruturação da escola pública advoga a primazia da iniciativa privada, regida pelas leis

de mercado. Desse modo, o papel do Estado é relegado a segundo plano, ao mesmo tempo

que se valorizam os métodos e o papel da iniciativa privada no desenvolvimento e no

progresso individual e social (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p.101).

Para Saviani (2008a), neste novo contexto, marcado pela inflexão das ideias pedagógicas,

alguns postulados da concepção educacional produtivista da década de 1960 foram

refuncionalizados para fazer jus aos novos interesses e necessidades do sistema produtivo, mas que

já vinham sendo gestados, pelo sistema capitalista, desde a década de 1970.

De acordo com Saviani (2008a), a concepção produtivista educacional é oficializada, no

Brasil, por meio da pedagogia tecnicista, convertida em pedagogia “oficial” a partir da década de

1970, com a aprovação da Lei n. 5.692/71. E, por meio desta pedagogia tecnicista procurou-se

estender a visão produtivista de educação a todas as escolas brasileiras.

Neste sentido, e apoiando-se nas análises apresentadas pelo autor, para uma compreensão do

tecnicismo pedagógico, é preciso analisá-lo dentro da concepção educacional produtivista, uma vez

que, as bases do tecnicismo pedagógico remontam à noção da concepção educacional-produtivista.

Assim é que, de acordo com as análises realizadas por Saviani (2008a), no Brasil a

concepção educacional produtivista começa a incorporar os discursos empresariais e educacionais a

partir da década de 1960 com “O aprofundamento das relações capitalistas decorrente da opção pelo

modelo associado-dependente”. Este aprofundamento desencadeou na ideia de que a educação

desempenhava papel importante no desenvolvimento e consolidação destas relações capitalistas.

Para Saviani (2008a, p. 429) a concepção educacional produtivista tinha, como pano de

fundo, os pressupostos da teoria do capital humano e, como base nestes pressupostos, passou a

orientar as políticas e as práticas pedagógicas educacionais no Brasil a partir da década de 1960. A

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teoria do capital humano, que subsidiava a concepção educacional produtivista, tem suas origens na

chamada era do ouro do capitalismo cuja fase era dominada pela economia keynesiana e pelas

políticas do Estado de Bem-Estar Social que preconizavam o pleno emprego.

Na linha de raciocínio, a função da educação numa perspectiva produtivista, e subsidiada

pela teoria do capital humano em sua versão original, era a de preparar as pessoas para um mercado

de trabalho que se expandia e que, portanto, exigia força de trabalho “educada”. Nas palavras do

próprio autor: “À escola cabia formar a mão de obra que, progressivamente, seria incorporada pelo

mercado, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas e o incremento da riqueza social

e da renda social” (SAVIANI, 2008a, p. 365).

A lógica econômica que predominara na fase educacional produtivista, subsidiada pela

teoria do capital humano em sua versão original, estava focada em demandas coletivas e, naquele

contexto, o capital se pautava, por exemplo, pelo crescimento econômico do país, pela riqueza

social, pela competitividade das indústrias, bem como pelo incremento dos rendimentos dos

trabalhadores.

Entretanto, como “[...] consequência das transformações materiais que marcaram a

passagem do fordismo ao toyotismo [...]” (SAVIANI, 2008a, p, 411), a partir da década de 1990,

fase em que tornam-se hegemônicas as políticas neoliberais e as diretrizes do “Consenso de

Washington”, também para o campo da educação, a lógica econômica que passa a ser apregoada

pelo sistema capitalista se desloca das demandas coletivas para a satisfação de interesses privados.

Gentili (2002, p. 51), ao se referir sobre a mudança da lógica do sistema capitalista afirma

que ela tende a ser “Guiada pela ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve

adquirir no mercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho”. E, sob

as novas condições capitalistas, acaba definitivamente a promessa do pleno emprego, e “[...] restará

ao indivíduo e não ao Estado, às instâncias de planejamento ou às empresas, definir suas próprias

opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não) conquistar uma posição mais competitiva no

mercado de trabalho” (GENTILI, 2002, p.51).

Neste sentido, e de acordo com Saviani (2008a, p.430), a educação, já sob as bases de uma

nova versão da teoria do capital humano, passa a ser concebida como um investimento em capital

humano individual, cuja função é a de habilitar as pessoas para a competitividade na busca por

empregos disponíveis no mercado de trabalho.

As escolas, neste novo contexto capitalista e determinadas pelo ideário neoliberal, já não

asseguram a preparação profissional no sentido dos trabalhadores ocuparem postos de trabalho

definidos em um mercado que se expandia rumo ao pleno emprego, como ocorria na fase

produtivista educacional da década de 1960 que era guiada pela teoria do capital humano em sua

versão original.

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De acordo com Saviani (2008a, p.430), como na fase atual do capitalismo não há empregos

para todos, e a escola tem como missão preparar os trabalhadores, ainda que tenham acesso a vários

níveis de escolarização e de aperfeiçoamento, para competir no mercado em busca de um emprego,

assumindo, assim, a condição de empregável. Neste sentido, a escola, especialmente a pública,

estaria cumprindo a sua função reprodutivista neste novo contexto de reconfiguração dos interesses

do capitalismo.

Para Santos (2004, p.86), o acirramento da concorrência intercapitalista, inevitavelmente,

impõe a necessidade de se criar formas para as pessoas suportarem e enfrentarem o aumento da

concorrência na busca ou manutenção do emprego. Neste sentido é que a concorrência pela busca

ou manutenção do emprego tem exigido, por um lado, a ampliação do grau de escolaridade dos

“empregáveis” e, por outro lado, verifica-se, também, uma perda da valorização do título formal.

Nas análises do autor, a ampliação do grau de escolaridade, exigência da nova base

produtivo-capitalista, “[...] decorre da necessidade de reduzir o número de pretendentes a um

determinado posto de trabalho [...]” e a desvalorização do título formal “[...] se prende à

necessidade de comprovar, cotidianamente, o saber fazer, de demonstrar competências” (SANTOS,

2004, p.86).

Saviani (2008a), considera que, no campo da educação, sobretudo da área da educação

escolar, as ideias pedagógicas que emergem no final década de 1980 e tornam-se hegemônicas na

década seguinte, têm, como base, a teoria do capital humano refuncionalizada, caracterizada pela

manutenção da crença, alimentada pela versão original desta teoria, da contribuição da escola para o

desenvolvimento do processo econômico-produtivo. Essa consideração leva o autor a considerar

que, as ideias pedagógicas, emergidas a partir da década 1990, podem ser analisadas dentro de uma

perspectiva educacional neoprodutivista. “Eis por que a concepção produtivista, cujo predomínio

na educação brasileira se iniciou na década de 1960, com a adesão à teoria do capital humano,

mantém a hegemonia nos anos 1990, assumindo a forma de neoprodutivismo.”. (SAVIANI, 2008a,

p. 430.)

Com a reconceituação da concepção educacional produtivista da década de 1960, tornando

possível analisar a educação escolar, a partir da década de 1990, à luz da visão educacional

neoprodutivista, qual é a relação entre a visão educacional neoprodutivista e o neotecnicismo

pedagógico?

Se, a concepção educacional produtivista da década de 1960 se objetiva no tecnicismo

pedagógico, enquanto forma de organização e funcionamento das escolas, e essa concepção

produtivista é refuncionalizada a partir de década de 1990, mantendo, contudo, a ideia central de

que a educação escolar deve manter-se atrelada aos processos produtivo-capitalistas, o

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neotecnicismo pedagógico objetiva-se no contexto da concepção educacional neoprodutivista e

passa a “desenhar”, portanto, uma ”nova” forma de organização e funcionamento das escolas,

alinhadas aos novos interesses e necessidade do capitalismo.

Como seria, então, essa nova forma de organização e funcionamento escolar na perspectiva

do neotecnicismo pedagógico?

Freitas (1995, p. 127), hipoteticamente já assinalara no início da década de 1990, fase em

que o ideário neoliberal torna-se hegemônico, que o interesse do sistema capitalista pela educação

escolar, traria algumas consequências. Entre outras consequências deste interesse, o autor

destacava:

[...] o ensino básico e técnico vai estar na mira do capital pela sua importância na

preparação do novo trabalhador [...]; [...] a “nova escola” que necessitará de uma “nova

didática” será cobrada por um “novo professor” – todos alinhados com as necessidades do

“novo trabalhador”[...]; [...] tanto na didática como na formação do professor haverá uma

ênfase muito grande no “operacional” nos resultados- a didática pode restringir-se cada vez

mais ao estudo dos métodos específicos para ensinar determinados conteúdos considerados

prioritários [...] e; [...] os determinantes sociais da educação e o debate ideológico poderão a

ser considerados secundários – uma perda de tempo motivada por um excesso de

politização da área educacional.

Ao concluir o seu pensamento, em relação a essas possíveis consequências, advindas dos

novos interesses do capital pela educação, Freitas (1995), infere que: “É muito provável que

estejamos diante de uma retomada do tecnicismo sob novas bases: uma espécie de neotecnicismo”.

Para Saviani (2008a, p. 439), o neotecnicismo pedagógico, enquanto forma de organização

educacional, se faz presente no âmbito da organização e funcionamento das escolas por meio da

introdução, no ambiente escolar, do método de gerenciamento produtivo-industrial denominado

“Qualidade Total”.

De acordo com Saviani (2008a, p. 439), o conceito de “qualidade total”, está relacionado ao

processo de reconversão produtiva, promovida pelo sistema toyotista de produção ao “[...]

introduzir, em lugar da produção em série em grande escala visando a atender a necessidade do

consumo em massa, a produção em pequena escala dirigida ao atendimento de determinados nichos

do mercado, altamente exigentes”.

Neste ponto de referência, argumenta Saviani (2008a, p. 440), o conceito de “qualidade

total” visa atender a dois aspectos: primeiro, a satisfação “total” do cliente, altamente exigente, e

segundo, a captura, para o capital, da subjetividade dos trabalhadores conduzindo-os a “vestir a

camisa da empresa”.

Para Santos (2004), a cada fase de reorganização do sistema capitalista são criados

determinados mecanismos de controle visando solucionar os conflitos sociais. Na fase atual do

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capitalismo, com o advento do toyotismo, os processos produtivos voltam-se para a exploração das

capacidades intelectuais dos trabalhadores que, antes não eram tão valorizadas pelo capital, pelo

menos quando se tratava da classe trabalhadora. Segundo o autor: as formas produtivas atuais

[...] preocupam-se, especialmente, em obter a cooperação dos trabalhadores, incentivando-

os a maior liberdade de ações e à participação na vida da empresa. Tudo isto em prol dos

objetivos da empresa. Mas, a decisão dos fins a serem alcançados é centralizada e tomada

pelos gestores. Entretanto, é importante que se acentue a participação dos trabalhadores

para reforça-las. Surge, então, a autofiscalização- um ideal a ser conseguido para reduzir os

custos da vigilância (SANTOS, 2004, p. 86.).

Nas análises de Saviani (2008a, p440.), “com a projeção do toyotismo para a condição de

método universal de incremento do capitalismo em nível mundial, a partir da década de 1990

surgem tentativas de transferir o conceito de ‘qualidade total’ oriundo do sistema empresarial, para

as escolas”.

Para Kuenzer (2002), nessa nova fase de valorização do capital demanda-se um novo tipo de

educação do trabalhador, que, em decorrência, exige, também, uma nova pedagogia. É neste sentido

que a autora afirma que “[...] os métodos flexíveis de organização e gestão de trabalho, não só

exigem novas competências, como também invadem a escola como os novos princípios do

toyotismo” (KUENZER, 2002, p.87).

De tentativas à realidade educacional, na década de 1990, com a transposição desse conceito

de “qualidade total” às escolas, manifestou-se na tendência de “[...] considerar aqueles que ensinam

como prestadores de serviço, os que aprendem como clientes e a educação como produto que pode

ser produzido com qualidade variável.” (SAVIANI, 2008a, p, 441).

Silva (1994, p. 20) esclarece que, a retórica da “qualidade total” na educação apregoa a

participação dos “clientes” e as definições dos objetivos e métodos educacionais a partir das

necessidades e desejos dos “consumidores”, passando a ideia ilusória de democracia, escolha e

participação. Na verdade, segundo o autor, a estratégia da “qualidade total” na educação tenta

enquadrar o processo escolar e educacional numa estrutura de pensamento e concepção que tende a

impedir de se pensar a educação escolar de outra forma.

No âmbito da “qualidade total”, segundo o autor, os “clientes” teriam autonomia para

determinarem as situações educativas de acordo com suas necessidade e realidades. Contudo, essas

necessidades e realidades dos “clientes” já estariam determinadas “[...] antecipadamente quando

todo o quadro mental e conceitual está previamente definido em termos empresarias e industriais”

(SILVA, 1994, p. 21).

Santos (2004) infere análises semelhantes à de Silva (1994, p. 21). Para Santos, se a

dinâmica econômica caminha para uma ruptura das organizações verticalmente integradas e

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hierárquicas, desembocando em sistemas de produção mais flexíveis, os seus efeitos se fizeram

sentir, também, nos sistemas escolares. Segundo o autor:

Garantindo-se, pois, a centralização das decisões, pode-se, agora, descentralizar as ações,

ampliando a autonomia administrativa, financeira e pedagógica das unidades escolares.

Esta é a lógica básica, esta é a nova ordem da racionalidade- o fim já está definido, os

meios para consegui-los podem ser de livre escolha, decididos localmente [...] (SANTOS,

2004, p.88).

Segundo Saviani (2008a, p.440), na educação, sob o prisma do método da “Qualidade

Total", os verdadeiros clientes das escolas são as empresas. Os alunos são considerados produtos

que as escolas fornecem a seus clientes e, para que esses produtos, no caso os alunos, “[...] se

revistam de alta qualidade, lança-se mão do método da qualidade total, que, tendo em vista a

satisfação dos clientes, engaja na tarefa todos os participantes do processo, conjugando suas ações

[...].”

Silva (1994, p.20), já advertia, em suas análises, sobre os novos interesses do capital pela

educação e que a Gestão da Qualidade Total (GQT) em educação, era uma demonstração de que a

estratégia neoliberal não se contentaria em apenas orientar a educação institucionalizada para as

necessidades das indústrias nem, tão pouco, organizá-la na forma de mercado. Para o autor, essa

estratégia neoliberal “[...] tentaria reorganizar o próprio interior da educação, isto é, as escolas e as

salas de aulas, de acordo com esquemas de organização do processo de trabalho”.

Silva (1994), chama atenção, ainda, para o fato de que é um equívoco tomar o conceito de

“qualidade total” apenas com uma solução técnica para os problemas educacionais, vendo-o e

analisando-o isoladamente do contexto educacional-neoliberal.

De acordo com Freitas (1995, p. 135), a adoção da “qualidade total” na organização e

funcionamento das escolas, portanto na perspectiva do neotecnicismo pedagógico, visa levar, para o

âmbito destas, exigências que devem configurar o novo tipo de trabalhador que está sendo esperado

pelo sistema capitalista.

Para Saviani (2008a), com a crise do sistema capitalista da década de 1970, que conduziu a

reestruturação dos processos produtivos e revolucionou a base técnica da produção e desencadeando

na substituição do fordismo pelo toyotismo, reforçou-se a importância da educação escolar na

medida em que, é ela, quem deve formar o trabalhador para atender essas novas exigências do

sistema produtivo.

Freitas (1995) infere análise semelhante a de Saviani (2008a, p.429), quando entende que,

no contexto atual de desenvolvimento do capitalismo, a educação desempenha um papel importante,

pois, e segundo o autor, ela é a principal responsável pela “[...] preparação de um trabalhador mais

adequado aos novos parâmetros produtivos”.

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Freitas (1995), explica, ainda que, no Brasil o padrão predominante de exploração da classe

trabalhadora baseava-se na fragmentação do trabalho, associada à rotatividade do trabalhador. A

educação, neste modelo de exploração, não gozava de papel central, uma vez que bastava treinar

rapidamente o trabalhador no âmbito da própria empresa para a realização de tarefas repetitivas

durante algum tempo. Neste sentido, esse padrão predatório da força de trabalho não requereria

maior preparação do trabalhador, segundo o autor.

Entretanto, esse modelo de exploração já não mais assegura o lucro necessário ao capital,

entrando em crise e sendo substituído por outro modelo de exploração que se “afasta” do modelo

fordista de produção.

Para Freitas (1995), nessas novas condições são requeridas do trabalhador “[...] novas

habilidades no campo interpessoal, da comunicação com seus pares, maior capacidade de abstração,

maior flexibilidade e capacidade de integração.”

Kuenzer (2002) explica que, com a mudança nos processos produtivos de base

eletromecânica; rigidamente organizada e que não abria espaços significativos para mudanças,

participação e criatividade para a maioria dos trabalhadores, para o toyotismo; caracterizado por

dimensões flexíveis que passam a fazer parte de várias esferas sociais e produtivas nas últimas

décadas, passa-se a exigir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamento tais como:

“[...] análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas, criatividade diante de

situações desconhecidas, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes linguagens,

capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos e estudar continuamente [...]”

(KUENZER, 2002, p. 86).

Santos (2004), também menciona os tipos de capacidade que são exigidos pela nova base

produtiva-capitalista. Para o autor, o que se pretende na nova fase do desenvolvimento do

capitalismo é criar novos tipos de relacionamento interpessoal com o objeto de ampliar as

iniciativas individuais e as motivações para o trabalho. E para isto é importante o trabalhador: “Ser

capaz de trabalhar em equipe, saber relaciona-se com os outros, participar, expressar-se, propor

soluções e oferecer sugestões [...]”. Para o autor, essas capacidades “[...] passam a ser virtudes e

disposições fundamentais à nova organização do processo de trabalho” (SANTOS, 2004, p.86).

Nas análises empreendidas por Freitas (1995), esse novo perfil do trabalhador, exigência da

nova forma de organização do processo produtivo-capitalista, demanda formação que não pode ser

oferecida apenas em treinamento de curto prazo e dentro da empresa. Para esse autor, esse novo

perfil de trabalhador exige o desenvolvimento de “[...] habilidades que necessitam ser

desenvolvidas dentro do sistema educacional regular- ainda que não necessariamente dentro da

escola pública.” (p. 127).

Neste sentido é que, no neotecnicismo pedagógico, a organização do trabalho pedagógico

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escolar deve ser pensada no sentido de formar um trabalhador polivalente e multifuncional com

capacidade para desempenhar simultaneamente várias funções diferentes. Além da formação

polivalente e multifuncional, a escola deve empenhar-se em desenvolver, nos trabalhadores,

capacidades flexíveis, a fim de fazer com que se adaptem mais “naturalmente” às mudanças do

mundo do trabalho.

Kuenzer (2002) chama atenção para o conceito de polivalência, que tem suas origens nos

métodos flexíveis de organização do trabalho produtivo, e que passa a fazer parte dos discursos e

práticas educacionais a partir da década de 1990. Para a autora, por polivalência

[...] entende-se a ampliação da capacidade do trabalhador para aplicar novas tecnologias,

sem que haja mudança qualitativa desta capacidade. Ou seja, para enfrentar o caráter

dinâmico do desenvolvimento científico-tecnológico o trabalhador passa a desempenhar

diferentes tarefas usando distintos conhecimentos, sem que isto signifique superar o caráter

de parcialidade e fragmentação destas práticas ou compreender a totalidade. A este

comportamento no trabalho corresponde a interdisciplinaridade na construção do

conhecimento, que nada mais é do que a inter-relação entre conteúdos fragmentados, sem

superar os limites da divisão e da organização segundo os princípios da lógica formal. Ou

seja, a uma “juntada” de partes sem que signifique uma nova totalidade, ou mesmo o

conhecimento da totalidade com sua rica teia de interrelações; ou ainda, uma racionalização

formalista com fins instrumentais e pragmáticos calcada no princípio positivista da soma

das partes. É suficiente usar os conhecimentos empíricos disponíveis sem apropriar-se da

ciência, que permanece como algo exterior e estranho (KUENZER, 2002, p. 88)

Em detrimento ao conceito de polivalência, a autora sugere que se aprofundem estudos no

sentido de verificar se, no âmbito escolar o trabalho pedagógico situa-se numa concepção de

politécnica. Para autora, a politecnia

[...] significa o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de exercer trabalhos

flexíveis, recompondo as tarefas de forma criativa; supõe a superação de um conhecimento

meramente empírico e de formação apenas técnica, através de formas de pensamento mais

abstratas, de crítica, de criação, exigindo autonomia intelectual e ética. Ou seja, é mais que

a soma de partes fragmentadas; supõe uma rearticulação do conhecido, ultrapassando a

aparência dos fenômenos para compreender as relações mais íntimas, a organização

peculiar das partes, descortinando novas percepções que passam a configurar uma

compreensão nova, e superior, da totalidade, que não estava dada no ponto de partida. A

politecnia cria a possibilidade de construção do novo, permitindo aproximações sucessivas

da verdade, que nunca se dá a conhecer plenamente; por isto, o conhecimento resulta do

processo de construção da totalidade, que nunca se encerra, pois há sempre algo novo para

conhecer. Nesta concepção, evidencia-se que conhecer a totalidade não é dominar todos os

fatos, mas as relações entre eles, sempre reconstruídas no movimento da história.

(KUENZER, 2002, p. 89).

Saviani (2008a), ao analisar o contexto do pensamento pedagógico que passa a ser

hegemônico no Brasil a partir da década de 1990 infere que, neste contexto, configura-se uma

verdadeira pedagogia da exclusão. Segundo o autor, essa configuração se dá, primeiro, porque na

atual fase do capitalismo admite-se, preliminarmente, que não há lugar, nem emprego, nem trabalho

para todos. Segundo, porque na medida em que se incorpora a crescente automação do processo

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produtivo, a ordem econômica atual descarta, também, e de forma acentuada, a mão de obra.

Nas palavras de Saviani, essa pedagogia da exclusão pode ser assim sintetizada:

Trata-se de preparar os indivíduos para, mediantes sucessivos cursos dos mais diferentes

tipos, se tornarem cada vez mais empregáveis, visando escapar da condição de excluídos. E,

caso não o consigam, a pedagogia da exclusão lhes terá ensinado a introjetar a

responsabilidade por essa condição (SAVIANI, 2008a, p. 431).

Como forma de reforçar o neotecnicismo pedagógico, no âmbito da organização do trabalho

pedagógico escolar os pressupostos didático-pedagógicos também passam por profundas

ressignificações para atender as novas exigências do sistema produtivo-capitalista.

Saviani (2008a), entende que, do ponto de vista pedagógico-didático, a partir da década de

1990, há uma retomada do lema “aprender a aprender” do movimento escolanovismo. Contudo, e

no contexto de hegemonia das políticas neoliberais, ocorre uma ressignificação desse lema. Para o

autor, a ressignificação do lema “aprender a aprender” é uma das estratégias do capital para

reforçar, mais ainda, a concepção educacional neoprodutivista e o neotecnicismo pedagógico que

mantém a escolar atrelada aos interesses produtivo-capitalistas.

De acordo com Saviani (2008a), o lema “aprender a aprender”, tão propagado nos discursos

e práticas educacionais, tem suas origens no núcleo das ideias pedagógicas escolanovistas.

Segundo o autor, em comparação às principais características da pedagogia tradicional, no

movimento da pedagogia nova, há o deslocamento no processo educativo: do aspecto lógico para o

psicológico; dos conteúdos para os métodos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse,

e da disciplina para a espontaneidade.

Para Saviani (2008a, p. 431), como o deslocamento destes eixos no processo educativo

configurou-se uma teoria pedagógica que enfatiza ser mais importante o “aprender a aprender” em

detrimento ao ensinar ou, até mesmo, “[...] aprender algo, isto é assimilar determinados

conhecimentos.” Neste sentido, o “aprender a aprender” corresponderia a aprender a estudar,

aprender a buscar novos conhecimentos e aprender a lidar com novas situações.

Em relação ao “aprender a aprender”, cuja análise remete ao núcleo do movimento da escola

nova, Saviani (2008a), explica, ainda, que esse lema trazia como ideia a “[...] valorização dos

processos de convivência entre as crianças, do relacionamento entre elas e com os adultos, de sua

adaptação à sociedade [...]”. Nesta perspectiva, e no âmbito do movimento escolanovismo, o

“aprender a aprender” apresentava o significado do próprio aluno em adquirir a capacidade de busca

pelo conhecimento, bem como de sua capacidade de se adaptar a uma sociedade que era concebida

como um organismo em que cada indivíduo tinha um lugar, desempenhando um papel determinado

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em benefício de todo o corpo social. (SAVIANI, 2008a, p. 432).

A partir da década de 1990, no contexto de reconfiguração da concepção educacional

produtivista e do tecnicismo pedagógico, o lema “aprender a aprender” é ressignificado e passa a

ligar-se “[...] a necessidade de constante atualização exigida pela necessidade de ampliação da

esfera da empregabilidade.” (SAVIANI, 2008a, p. 432).

Nas análises do autor, a ressignificação do lema “aprender a aprender” no sentido de ampliar

a esfera da empregabilidade fica evidente, por exemplo, na obra de Fonseca, publicada em 1998.

Segundo Fonseca (1998, p.307), “[...] a mundialização da economia exige a gestão do

imprevisível. Não se trata mais de contar com um emprego seguro; tanto os empresários como os

trabalhadores devem cada vez mais investir no desenvolvimento do seu potencial de adaptabilidade

e empregabilidade.”.

Saviani (2008a), analisando a visão de Fonseca (1998), infere que, para esse autor, a chave

para o sucesso profissional nesta nova fase da mundialização da economia, estaria, então, na “[...]

capacidade de adaptação e de “aprender a aprender” e reaprender, pois, os postos de trabalho vêm

reduzindo, tanto na agricultura como na indústria”, fazendo com que “[...] os postos de empregos

que restam vão ser mais disputados, pelos trabalhadores mais bem preparados.” (SAVIANI, 2008a,

p. 432). Segundo a linha de raciocínio de Fonseca (1998), o papel central da educação e das escolas

é definido como “Consubstanciando uma maior capacidade de aprender a aprender”.

Tendo como base esses referenciais, é que Saviani (2008a) evidencia que, a partir da década

de 1990 o lema “aprender a aprender”, originalmente elaborado no âmbito do movimento

escolanovismo, passa por ressignificações em funções dos interesses produtivos, e leva o autor a

considerar adequada a denominação de neoescolanovismo.

Segundo Saviani (2008a), a materialização do lema “aprender a aprender” reconfigurado

pode ser evidenciada em dois documentos brasileiros que, a partir da década de 1990 passam a

servir de subsídios teóricos para orientação, tanto das políticas educacionais quanto da prática

pedagógica escolar.

O primeiro documento é mais conhecido como “Relatório Jacques Delors”. Segundo o autor,

esse relatório foi publicado pela UNESCO em 1996 e sintetiza os resultados dos trabalhos

realizados pela comissão desse organismo internacional entre o período de 1993-1996. O

“conteúdo” desse relatório institui as linhas orientadoras da educação mundial para o século XXI.

Segundo análises realizadas por Saviani (2008a), há forte presença do lema “aprender a

aprender”, calcado em pressupostos neoescolanovistas no “Relatório Jacques Delors” e infere que

neste documento

[...] afirma-se que a exigência da educação ao longo de toda vida para responder aos

desafios de um mundo em rápida transformação já se vinha impondo faz algum tempo, mas

só ficará satisfeita quando todos aprenderemos a aprender. Esse entendimento vai

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explicitando-se ao longo do texto, deixando claro qual seria o desiderato da escola:

transmitir cada vez mais” o gosto e prazer de aprender, a capacidade de ainda mais aprender

a aprender, a curiosidade intelectual (SAVIANI, 2008a, p. 433).

Nas observações de Saviani, a visão neoescolanovista, calcada no lema “aprender a

aprender” também pode ser evidenciada nos Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados, pelo

MEC, em 1997. Segundo o autor (p.434), “[...] as justificativas em que se apoia a defesa do

“aprender a aprender” no MEC são as mesmas que constam no Relatório Jacques Delors.”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais colocam, às escolas, exigências mais amplas e, neste

novo contexto, elas terão, como função, que capacitar as pessoas para adquirirem novas

competências e novos saberes, uma vez que, “as novas relações entre conhecimento e trabalho

exigem capacidade de iniciativa e inovação e, mais do nunca “aprender a aprender” num contínuo

processo de educação permanente” (BRASIL, 1997, p. 34).

Quais seriam, então, as implicações didático-pedagógicas do lema “aprender a aprender”

ressignificado no contexto do neotecnicismo pedagógico?

A ressigficação do lema “aprender a aprender” a partir da década de 1990, passa à objetivar-

se no neotecnicismo pedagógico. Neste sentido, a escola passa a ser entendida como instância que

deve manter os indivíduos atualizados. Não para, necessariamente, garantir-lhes uma vaga no

mercado de trabalho, que como explica Saviani (2008a), está cada vez mais rara no contexto atual

do desenvolvimento capitalista. Mas, sim, para garantir a esses indivíduos a condição de

empregabilidade.

Segundo a lógica do capital, no âmbito didático-pedagógico o papel dos professores passa

ser encarado como aquele que deve preparar os seus alunos para internalizar a ideia de continuar

aprendendo sempre. Contudo, essa aprendizagem permanente deve contemplar as exigências do

novo modo de produção capitalista, ou seja; desenvolvimento da capacidade de trabalhar em

equipe, flexibilidade, cooperação, saber solucionar problemas e uma série de habilidades e

competências consideradas necessárias para a sua inserção, se isto ocorrer, no mercado de trabalho.

Em relação à ressignificação que sofre o lema “aprender a aprender”, que passa a fazer parte

das políticas educacionais neoliberais da década de 1990, Duarte adverte que:

Quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender”, com síntese de uma

educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar para um detalhe

fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações

radicais, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em

termos de encontrar novas formas de ação que permitam adaptação aos ditames do processo

de produção e reprodução do capital (DUARTE, 2006, p. 42).

Para Saviani (2008a), a pedagogia tecnicista tem como base os princípios de racionalidade,

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eficiência e produtividade que resultou na busca do máximo resultado com o mínimo de dispêndio.

Segundo o autor, essa busca do máximo resultado com o mínimo de dispêndio era perseguida numa

concepção de Estado que tinha a iniciativa, o controle e a direção direta das políticas educacionais.

A partir da década de 1990, os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade do

“velho” tecnicismo pedagógico são mantidos nas escolas em função das políticas educacionais

neoliberais desse período. Contudo, no interior dessas escolas passa-se a assumir uma nova

conotação pelo qual “[...] advoga-se a valorização dos mecanismos de mercado, o apelo à iniciativa

privada e às organizações não-governamentais, a redução do tamanho do Estado e das iniciativas do

setor público.” (SAVIANI, 2008a, 438).

Neste sentido, Saviani (2008a), entende que as diversas reformas educativas implantadas a

partir desse período em diferentes países tinham como ponto em comum “[...] o empenho em

reduzir custos, encargos e investimentos públicos buscando senão transferi-los, ao menos dividi-los

[...]”com as esferas privadas e as instituições não-governamentais. (p. 438).

Saviani (2008a), entende que, em lugar da uniformização e do rígido controle do processo

como se caracterizava as políticas educacionais e, por conseguinte, a organização das escolas sob a

égide do tecnicismo pedagógico embasado no taylorismo-fordismo, “[...] flexibiliza-se o processo

como recomenda o toyotismo” (p.439). Neste sentido, o autor entende que “Estamos, pois, diante de

um neotecnicismo: o controle decisivo desloca-se do processo para o resultado.” (p. 439).

Neste contexto, ganha maior relevância nas políticas educacionais a avaliação do sistema

educacional como um “todo” uma vez que “[...] é pela avaliação dos resultados que se buscará se

garantir a eficiência e produtividade.” (SAVIANI, 2008a, p. 439).

Para Santos (2004), a avaliação “total”, pela qual passam as escolas a partir da década de

1990, é um fenômeno “global” que visa satisfazer as novas exigências do modelo produtivo-

capitalista, especialmente no que tange ao novo perfil do trabalhador demando pelo capital.

Neste sentido, a avaliação “externa” surge como estratégia do sistema produtivo, no sentido

de verificar se as escolas estão, ou não, desempenhando seu papel de produtivista (re), sendo que, o

mais importante nessa nova lógica de avaliação é o controle dos resultados e não, necessariamente,

dos procedimentos (meios).

Para que a lógica da avaliação “externa”, sob as bases dos novos processos produtivos, seja

consistente e adequada dentro dos interesses e necessidades do capital, são estabelecidos padrões

básicos comuns a todas as escolas. Para isto, fixa-se os conteúdos mínimos e cria-se testes

padronizados que são aplicados a todas as escolas de forma sistematizada e, a partir da adoção

desses testes padronizados e aplicados a todas escolas “[...] pode-se medir o desempenho dos

alunos, dos professores, da escola” (SANTOS, 2004, p. 88).

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Por meio desses testes padronizados poderão, ainda, ser diagnosticados e revisados os

trabalhos pedagógicos de qualificação profissional e orientar o orçamento financeiro das escolas

públicas bem como o salário dos profissionais dessas escolas.

Nas palavras de Santos (2004, p. 89), “[...] somente essa avaliação externa é que garante os

mecanismos de controle desse tipo de racionalidade- a racionalidade das diferenças, das hierarquias,

e da valorização da concorrência.”.

Saviani (2008a) observa que, o Estado, nessa nova forma de avaliar as escolas, tendo como

base os resultados que elas forem capazes produzir, exerce importante papel, seja de forma direta ou

indiretamente como vem ocorrendo na educação brasileira desde da década de 1990. Tanto é que, a

partir dessa década são instituídas várias modalidades de avaliação educacional externa como, por

exemplo: a Provinha Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Exame Nacional de

Desempenho de Estudantes (ENADE), o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

(SAEB), a Prova Brasil entre outras, cuja finalidade é verificar se as escolas estão produzindo os

resultados que delas se esperam “[...] e, a partir dos resultados obtidos, condicionar a distribuição de

verbas e a alocação dos recursos conforme os critérios de eficiência e produtividade.” (SAVIANI,

2008a, p.439).

Para Santos (2004, p. 81), na fase capitalista, marcada pela hegemonia dos princípios e

pressupostos do taylorismo/fordismo, predominava uma organização do trabalho que exigia

demasiado esforço físico e habilidade manual bem desenvolvida, sendo considerado “qualificado” o

trabalhador capaz de realizar apenas as tarefas requeridas pela tecnologia capitalista daquele

contexto.

Naquele contexto, e dentro das concepções produtivas tayloristas/fordistas, para o

desenvolvimento da tecnologia capitalista “[...] bastava o trabalhador possuir pouca escolaridade,

curso de treinamento profissional e muita experiência, que combinariam no desenvolvimento de

habilidades psicofísicas e conduta com algum conhecimento apenas necessário para o exercício da

ocupação” (KUENZER, 2002, p. 84).

Para Santos (2004, p. 82), sob essas condições, então, bastava o trabalhador ter desenvolvido

as habilidades básicas do ler, escrever e contar que seriam consideradas suficientes para atender as

demandas do capital naquela época.

Entretanto, com as transformações ocorridas no mundo trabalhado, a partir da década de

1970, que demandaram, e, ainda, demandam novas e complexas capacidades, não somente para o

exercício profissional, mas, também, para todas as atividades sociais; apenas ler, escrever e contar

não são mais consideradas habilidades suficientes para atender as novas exigências do capitalismo.

Neste sentido é que, com a ideia de que apenas a alfabetização, entendida enquanto

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habilidade de ler e escrever, não é suficiente para responder as demandas do capital em sua nova

fase é que surgem os estudos sobre letramento e letramento digital, colocando novos desafios para a

educação de um modo geral e, especialmente às escolas.

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CAPÍTULO 3 LETRAMENTO DIGITAL

A partir da década de 1990, alguns termos pertencentes às várias esferas sociais foram

reconfigurados para fazer jus ao desenvolvimento do sistema capitalista e, assim, continuar

impondo hegemonicamente o seu projeto societário.

Saviani (2008a) entende que essas reconfigurações, que passam a circular nas várias esferas

sociais a partir da década de 1990, também podem ser identificadas no campo da educação, de um

modo geral, e em especial na área da educação escolar. Na área da educação escolar, por exemplo,

Saviani (2008a) observa que a teoria do capital humano, a concepção educacional produtivista e o

lema “aprender a aprender”, este último originalmente pertencente ao movimento escolanovista,

entre outros termos presentes no campo da educação escolar, foram reconceituados/reconfigurados

visando adaptar o sistema escolar às novas exigências da base produtiva.

Nessas novas exigências, a questão de como as pessoas devem lidar com os suportes

tecnológicos passa por uma profunda transformação. E a escola, novamente, é conclamada como a

principal Instituição que deve ter como função precípua desenvolver nos alunos as novas

capacidades requeridas pela sociedade capitalista.

Segundo Santos (2004, p. 81), sob a égide do taylorismo/fordismo exigia-se do trabalhador

demasiado esforço físico e habilidade manual “bem” desenvolvida, sendo considerado

“qualificado” o trabalhador capaz de realizar tarefas requeridas pela tecnologia capitalista daquela

época.

Neste sentido, no contexto capitalista do taylorismo-fordismo considerava-se suficiente, para

atender as demandas do capital naquela época, que o trabalhador possuísse pouca escolarização e

tivesse adquirido as habilidades básicas do ler, escrever e contar.

Kuenzer (2002, p. 84) parece inferir semelhante análise feita por Santos (2004, p. 81) ao

observar que, na relação entre educação-trabalho, sob a égide do taylorimo/fordismo, bastava o

trabalhador possuir pouca escolaridade, curso de treinamento profissional na própria empresa e

muita experiência, que combinavam o desenvolvimento de habilidades psicofísicas e conduta com

algum tipo de conhecimento apenas o necessário para o exercício da ocupação profissional.

Se, no período de hegemonia do taylorismo/fordismo, a escola tinha como função básica

desenvolver nos alunos as capacidades básicas de leitura, de escrita e de contagem, portanto tinha

como função torná-los alfabetizados no sentido “tradicional” do termo, a partir da década de 1980,

com o início da hegemonia do neoliberalismo e das formas de organização do trabalho mais

“flexíveis” e toyotizadas, apenas o desenvolvimento dessa capacidade não é mais considerado

suficiente para atender as novas demandas sociais, impostas pelo sistema capitalista.

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Para Kuenzer (2002, p. 86), com a mudança, a partir da década de 1970, na base produtiva

do sistema capitalista, a relação entre educação-trabalho “[...] passa a ser mediada pelo

conhecimento, compreendido enquanto domínio de conteúdo e de habilidades cognitivas

superiores”. Neste novo cenário social, determinado hegemonicamente pelas novas exigências do

capital, já não caberia à escola formar os alunos apenas na perspectiva da alfabetização

“tradicional”, entendida como o desenvolvimento das capacidades básicas de leitura, escrita e

contagem.

A partir da década de 1980, começa a ser introduzido no meio acadêmico-educacional o

termo letramento que, em tese, surgiria como uma ampliação do conceito de alfabetização numa

perspectiva tradicional.

Segundo Soares (2002), a partir da década de 1990, os estudos sobre letramento começam a

ser introduzido na política e nas práticas da educação brasileira. Nesta mesma década, há uma

ampliação do campo de estudo do letramento que passa a englobar, além da “cultura no papel”,

também a cultura digital. Na medida em que as práticas de leitura e escrita passam a ser estudadas

também na cultura digital, surge o termo letramento digital.

E, o que é letramento digital? De onde surge esse termo?

Para entender o que é, e como surge o letramento digital é importante, analisar esse

fenômeno à luz das condições histórico - sociais que o engendrou. Para isto, faz-se necessário

recorrer a uma discussão sobre as últimas transformações tecnológicas que desembocaram numa

visão de sociedade, marcadamente influenciada pelas tecnologias da informação e comunicação de

natureza digital. O letramento digital e as práticas sociais decorrentes da presença e dos usos que as

pessoas fazem das mídias digitais, estão fortemente ligados a essa visão de sociedade.

O que é letramento na “cultura do papel”? E, como esse fenômeno passar a ser estudando

também na cultura “digital”?

3.1 O LETRAMENTO NA CULTURA DO PAPEL

Segundo Kleiman (1995), o termo letramento passa a integra o discurso de especialistas das

áreas de educação e de linguística na segunda metade do século passado, mais especificamente a

partir do final da década 1980.

O termo letramento começou a ser utilizado, no Brasil, por especialistas das áreas da

Educação e das Ciências Linguísticas, a partir da publicação da obra de Kato (1986), em que a

autora levanta a asserção de que a língua falada “culta” é consequência do letramento. Ainda nessa

mesma década, 1980, é publicado o livro de Tfouni (1988) onde a autora, logo na introdução do

livro, apresenta a distinção entre alfabetização e letramento. Na década seguinte, 1990, são lançadas

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as obras de Kleiman (1995) e Soares (1998) contribuindo, mais ainda, para discussões e reflexões

teóricas e metodológicas acerca do fenômeno letramento.

Em consequência do surgimento dos estudos sobre letramento, nas duas últimas décadas a

maneira de se pensar em relação à leitura e à escrita vem-se transformando enormemente.

Estudiosos e professores, especialmente das áreas educacional e linguística, têm mudado suas

visões no que se refere à linguagem que passa a ser vista como um processo dinâmico em contextos

significativos da atividade social em todos os seus aspectos quer sejam eles: familiares,

comunitários, profissionais, religiosos etc.

Segundo Soares (1998), o termo letramento é uma palavra recém-chegada ao vocabulário da

Educação e das Ciências Linguísticas que ainda não se encontra registrada no mais conhecido

Dicionário da Língua Portuguesa (Aurélio). No referido dicionário encontra-se a palavra letrado,

que quer dizer pessoa “culta”, “erudita”. Outro dicionário de Língua Portuguesa (Dicionário da

Língua Portuguesa de Caldas Aulete) editado há mais de um século no Brasil, contempla a palavra

letramento e lhe atribui o significado de escrita “antiga”, “ultrapassada” e “antiquada”.

No entanto, a edição atualizada do Dicionário Houaiss (2001) contempla a denominação

letramento e lhe atribui três significados: 1. Representação da linguagem falada por meio de sinais;

escrita. 2. Alfabetização (‘processo’). 3. (década de 1980) conjunto de práticas que denotam a

capacidade de uso de diferentes tipos de materiais escritos (HOUAISS, 2001, p.1474).

Como se pode observar, as definições de letramento apresentadas pelos principais

dicionários brasileiros encontram-se um tanto amplas e confusas. Em um, por exemplo, o termo

letramento é definido ora como sinônimo de alfabetização, ora como conjunto de práticas que

envolvem a capacidade de usos de diferentes suportes escritos (HOUAISS, 2001, p.1474).

Essa confusão, em relação ao significado do letramento, não é apenas identificada nos

principais dicionários brasileiros de Língua Portuguesa, mas também na literatura que aborda esse

fenômeno.

Para Soares (1998), a denominação letramento é uma versão, em português, da palavra

inglesa “literacy”, palavra essa que quer dizer pessoa educada, especialmente capaz de ler e

escrever (educated; especially able to read and write). Nas palavras da própria autora: “É esse,

pois, o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo ao pé-da-letra o inglês literacy”.

(SOARES, 1998, p.18).

A partir do pressuposto de que o letramento surge e é introduzido no Brasil, tendo como

noção básica a tradução da palavra inglesa literacy, Soares (1998) afirma que, letramento é o estado

ou condição que assume o sujeito quando aprende a ler e escrever.

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Para Soares (1998, p.18), assim:

[...] é esse, pois, o sentido que tem letramento, palavra que criamos traduzindo “ao pé da

letra” o inglês literacy. Em português, o letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar

ou de aprender a escrever: o estado ou a condição que adquiriu um grupo social ou um

indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 1998, p. 18).

Na concepção, acima delineada, entende-se que a referida autora parte do pressuposto de

que existe um “elo”, uma “conexão”, entre alfabetização e letramento, pois, concebe a

alfabetização, entendida como aquisição do código da leitura e da escrita pelo sujeito, como pré-

requisito para o letramento, apropriação e uso social da leitura e da escrita pelo sujeito. Subjacente a

essa concepção de letramento está a ideia de que a escrita pode trazer consequências de ordem

social, cultural, políticas, econômicas e linguísticas, “[...] quer para o grupo social em que seja

introduzida, quer para o indivíduo que aprende a usá-la” (SOARES, 1998, p.17).

Partindo do princípio de que afirmar que um sujeito para ser considerado letrado ou estar em

processo inicial de letramento, segundo Soares (1998), precisa ser, no mínimo alfabetizado, ou seja,

ter adquirido a tecnologia da leitura e da escrita, equivale a afirmar, também, que pessoas que não

adquiriram a tecnologia da leitura e da escrita, são, portanto, pessoas “analfabetas”, pois não

“sabem” codificar/decodificar letras e palavras, ou seja, são consideradas iletradas.

Essa questão pode ser considerada muito polêmica, uma vez que existem teóricos que

afirmam que, em uma sociedade moderna, marcada pelo avanço científico e tecnológico, onde a

escrita está presente em todo o contexto social do indivíduo, é impossível afirmar que existem

pessoas iletradas.

Tfouni (1995) entende o conceito de letramento a partir de uma perspectiva sócio-histórica e

afirma que os estudos sobre letramento devem procurar examinar não somente as pessoas que

adquiriram a tecnologia do ler e escrever, portanto alfabetizadas, mas, também aquelas que não

adquiriram essa tecnologia, portanto os considerados “analfabetos”. Ainda segundo a visão da

autora, não é possível falar em pessoas “iletradas” ou, até mesmo, de grau zero de letramento, pois

vive-se em uma sociedade moderna, caracterizada como grafocêntrica.

Assim é que para a autora:

[...] proponho mostrar que o termo “iletrado” não pode ser usado com antítese de letrado.

Isto é, não existe, nas sociedades modernas, o letramento grau zero, que equivaleria ao

“iletramento”. Do ponto de vista sócio-histórico, o que existe de fato nas sociedades

industriais modernas são “graus de letramento” sem que com isto se pressuponha sua

inexistência (TFOUNI, 1995, p. 23).

Ainda que Tfouni (1995) apresente uma concepção ampliada de letramento, concebendo-a a

partir de uma perspectiva sócio-histórica, a alfabetização, para a autora, é definida dentro de uma

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perspectiva individual que é independe do processo do letramento. Para a autora “Enquanto a

alfabetização se ocupa da aquisição por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza

os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI,

1995, p.20).

Kleiman (1995) observa que, inicialmente, os estudos sobre letramento acontecem a partir

do século XVI, no momento em que a escrita passou a ser introduzida/exigida nas sociedades

industrializadas de forma mais significativa, transformando, assim, as relações entre os indivíduos e

o meio em que vivem. Portanto, segundo a referida autora, os estudos que contemplavam o

letramento preocupavam-se em examinar a expansão da sociedade que, de certa forma, acompanhou

a introdução e o desenvolvimento dos usos da escrita.

Na realidade, segundo Kleiman (1995, p. 16), esse desenvolvimento social ocorreu em

função de vários marcos históricos daquela época, tais como: “emergência do Estado como unidade

política; a formação de identidades nacionais não necessariamente baseadas em alianças étnicas ou

culturais; as mudanças socioeconômicas nas grandes massas que se incorporavam às formas de

trabalhos industriais; a emergência da educação formal”. Assim é que esses marcos históricos e

sociais, citados pela autora em sua obra, fizeram com que a escrita ganhasse importância cada vez

mais acelerada na sociedade e possibilitou o aprofundamentos dos estudos sobre letramento.

Kleiman (1995) infere que, tradicionalmente o fenômeno letramento era estudado em termos

da dicotomia oral/escrito estabelecendo, assim, a distinção entre culturas orais e culturas escritas.

Para autora, os trabalhos Goody (1977), Havelock (1982), Olson (1983) estão entre os principais

estudos sobre letramento que reforçavam a dicotomia oral/escrito que imperava na chamada “great

divide” de Ong. (1982).

Nas análises de Kleiman (1995), os trabalhos de Goody (1977) partem do princípio de que

existe forte relação entre aquisição da escrita e evolução social em todos os âmbitos, inclusive no

desenvolvimento de capacidades cognitivas, o que, segundo o autor não aconteceria com a

linguagem oral. Segundo a autora (1995) Havelock (1982) parece comungar com a mesma

afirmação de Goody (1977) ao também enfatizar a superioridade da escrita em relação à oralidade.

Nos estudos realizados por Ong (1982) sobre letramento, Kleiman (1995) observa que o

autor caracteriza como negativa a oralidade quando afirma, por exemplo, que ela é restritiva.

Segundo a autora, Ong (1982) parte dessa afirmação ao fundamentar seus estudos numa complexa

comparação entre processos mentais orais e processos mentais da escrita, afirmando que existem

características específicas para cada processo mental. Assim sendo, os processos mentais orais

teriam como características: a simplicidade, a subjetividade, e o tradicional voltados para a

exterioridade e para os aspectos vitais da condição humana.

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Por outro lado, Ong (1982), segundo Kleiman (1995), entendia que os processos mentais

característicos da escrita seriam mais objetivos, inovadores e complexos, voltados para a vida

psicológica interna.

Diferentemente dos estudos sobre letramento que reforçam a dicotomia oral/escrito,

polarizando-as, surgem no âmbito acadêmico resultados de pesquisas que questionam a

superioridade da escrita e sua relação com o desenvolvimento social e cognitivo.

Kleiman (1995) evidencia que os estudos investigativos realizados por Graff (1979) podem

ser considerados como um dos trabalhos mais expressivos no campo do letramento que evidenciam

a não superioridade da escrita em relação à oralidade.

Graff (1979), em seus estudos enfocando a história do letramento, observa que não existem

dados estatísticos significativos que comprovem a relação entre investimento em projetos de leitura

e escrita em massa e mobilização social da população menos favorecida social e economicamente

nos países do Hemisfério Sul no século XIX. A essa relação visão determinista de leitura e escrita

Graff (1979) a denomina como “mito do letramento”.

Portanto, parece que Graff questiona a relação entre letramento universal e desenvolvimento

econômico, igualdade social e modernidade.

A partir da década de 1980, surgem, em consequência de vários trabalhos relacionados à

escrita, os denominados “novos estudos de letramento”. Street (1984) propõe, então, análises sobre

o fenômeno letramento, considerando-o a partir de dois modelos de letramento: o modelo autônomo

e o modelo ideológico de letramento.

Segundo Street (1984), no modelo autônomo de letramento este é considerado como uma

ferramenta neutra que pode ser aplicada de forma homogênea, com resultados igualmente

homogêneos em todos os contextos sociais e culturais.

Nesse modelo autônomo de letramento, a grande divisa oral/escrito ainda está presente,

sendo que, nas sociedades em que o letramento escrito não está presente, o fato é visto como uma

grande “lacuna” a ser preenchida por métodos ocidentais que levariam ao progresso político,

econômico e pessoal. A aquisição do letramento levaria à aquisição de lógica, de raciocínio crítico e

de perspectivas científicas, tanto no nível social como pessoal.

Kleiman (1995) aponta falhas no modelo autônomo de letramento. Entre elas, a autora

destaca: a) o determinismo tecnológico na qual predomina uma crença segundo a qual o progresso

social deriva dos desenvolvimentos tecnológicos específicos, tais como: a imprensa escrita, a

televisão ou, atualmente, a computação e a tecnologia da informação e comunicação; b) a

indiferença às variações culturais; c) o fato de ser sumamente economicista como também ser

etnocêntrico. Para essa autora, essas falhas desqualificam o modelo autônomo de letramento por ser

considerado discriminatório e contra o “iletrado” e por supervalorizar a produção de textos escritos

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em detrimento da oralidade.

Street (1984) observa que a maioria dos programas governamentais de leitura e escrita estão

fadados ao fracasso por assumirem uma concepção de leitura e escrita dentro da perspectiva do

modelo autônomo de letramento. E, neste sentido, para se pensar uma concepção de leitura e escrita

menos preconceituosa, crítica e que dê mais relevância a fatores culturais, o autor sugere um

modelo alternativo de letramento, denominado, por ele, de modelo ideológico de letramento.

Na visão de Street, o modelo ideológico de letramento;

[...] oferece uma visão culturalmente mais sensível das práticas de letramento, conforme

variam de um contexto para o outro. Esse modelo parte de premissas diferentes que as do

modelo autônomo. Considera, ao invés disso, que o letramento é uma prática social, e não

simplesmente uma habilidade técnica e neutra, que está sempre inserida em princípios

epistemológicos socialmente construídos (STREET, 1984, p. 78).

Neste sentido, o modelo ideológico de letramento tem como base a natureza social do

letramento e considera a leitura e a escrita como práticas sociais. Kleiman (1995) considera que a

leitura e a escrita fazem parte de atividades sociais, tais como ler um manual ou pagar contas.

Assim, existe a importância de se encarar a leitura e a escrita não só como atividades com um fim

em si mesmas, como propõe o modelo autônomo de letramento, mas como atividades que servem a

um propósito específico. E, analisar esse propósito deve ser parte de um modelo mais eficaz de

letramento.

Kleiman (1995, pp.19-25), ao analisar esses dois modelos de letramento, propostos por

Street (1984) infere que, no primeiro modelo de letramento, o autônomo, a noção de “autonomia”,

presente nesse modelo, refere-se ao fato de que a escrita seria considerada um produto em si mesmo

e que, portanto, não estaria preso ao contexto da sua produção para ser interpretado. A autora

observa, também, que nesse modelo de letramento predomina apenas uma maneira do letramento se

desenvolver e essa forma de desenvolvimento associa-se, causadamente, com o progresso, a

civilização e a mobilidade social.

Em relação ao modelo alternativo de letramento, o ideológico, Kleiman (1995, p. 21)

entende que as práticas de letramento são social e culturamente determinadas, sendo que os

significados específicos que a escrita assume para um grupo social ou indivíduo dependem dos

contextos e instituições em que ela foi produzida. Nesse modelo de letramento, não há relação

causal entre práticas de letramento e progresso, civilização ou modernidade. Kleiman (1995, p. 25)

observa também que, no modelo ideológico de letramento, as práticas de letramento estão

relacionadas não apenas a aspectos culturais, como também estão relacionadas às estruturas de

poder numa determinada sociedade.

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Kleiman (1995, p. 19) concebe o letramento “[...] como um conjunto de práticas sociais que

usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para

objetivos específicos”. Para a autora, o conceito de letramento começou a ser usado nos meios

acadêmicos numa tentativa de separar os estudos sobre os impactos sociais da escrita sobre os de

alfabetização.

Kleiman (1995, p. 21) entende que, gradativamente os estudos sobre o fenômeno letramento,

que até então voltavam as suas atenções para os efeitos do letramento em uma dimensão universal,

passaram a contemplar unidades “específicas”, tais como grupos minoritários em certas

comunidades e comunidades não-industrializadas, preocupando-se em descrever as condições de

usos da escrita naqueles contextos com a finalidade de compreender como e quais eram os efeitos

da prática de letramento naquelas comunidades minoritárias, que começavam a integrar a escrita

como uma tecnologia de comunicação dos grupos que sustentavam o poder.

Além disso, os estudos que envolvem o letramento estão se alargando para as mais variadas

áreas de conhecimento, não se restringindo apenas à leitura e à escrita.

Mendes (2000), em sua tese de doutoramento, realizou um estudo relacionando

numeramento/letramento. A pesquisadora chama a atenção para a visão equivocada que alguns

pesquisadores e professores possuem em relação à concepção de numeramento. Mendes (2000),

parte do princípio de que “contar”, referindo-se a uma das funções básica da escola quando se fala

em matemática, não pode ser simplesmente reduzida às capacidades de quantificar, medir,

classificar e ordenar números/numerais desprovidos do “mundo” sociocultural de um povo. Com

referência à concepção tradicional de lidar com os números/numerais, muitas vezes concebida de

forma neutra e descontextualizada da realidade do sujeito, a autora propõe a relação entre

matemática e letramento. Nesse binômio, a “arte” de lidar com os números, assim como a leitura e

a escrita, envolve “[...] uma série de conhecimentos, de capacidades, e de competências que não

abrangem apenas a mera decodificação/codificação dos números [...]” (Mendes, 2000, p.58),

contemplando, assim, a complexidade e as diversas situações relacionadas ao contexto social.

Para Gadotti (2005), o surgimento do termo letramento, que designa o processo de

desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita e que passa a ser incluindo nas políticas e

práticas educacionais escolares a partir da década de 1990, visa atender as novas demandas sociais

que, acentuando cada vez mais o poder da escrita, reclamam por “[...] adaptabilidade às

transformações que ocorrem em ritmo acelerado, atualização constante, flexibilidade e mobilidade

para ocupar novos postos de trabalho” (GADOTTI, 2005, p. 48).

Gadotti (2005) observa ainda que, além do termo letramento estar subjugado aos novos

interesses produtivo-capitalistas, do ponto de vista conceitual, representa um retrocesso uma vez

que, muito antes da introdução desse termo no vocabulário educacional brasileiro, Freire (1981) já

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entendia o processo de desenvolvimento da leitura e da escrita num conceito de alfabetização muito

próximo do conceito de letramento.

Entretanto, é importante ressaltar que, para Freire (1981), o conceito de alfabetização

implica questionar a realidade socioeconômica com possibilidade de transformação das estruturas

de poder, diferentemente do conceito de letramento que surge, segundo o Gadotti (1995), para

responder às novas necessidades da base produtivo-capitalista. Neste sentido, a relação entre as

mudanças na base produtivo-capitalista, ocorridas a partir da década de 1970, e a introdução do

termo letramento nos meios acadêmico-educacionais no Brasil na década de 1980, hipoteticamente

pode ser considerada estreita, se levar em consideração o perfil de trabalhador que o capital passa a

exigir na contemporaneidade.

Para Soares (2002, p. 146), o momento atual oferece uma oportunidade extremamente

favorável para o desenvolvimento dos estudos sobre letramento, na medida em que estão sendo

introduzidas, em várias esferas sociais, práticas de leitura e escrita possibilitadas pelos usos das

tecnologias da informação e comunicação de natureza digital. Essas práticas de leitura e escrita, que

surgem com o advento dos computadores e da internet são denominadas pelos estudiosos da área de

letramento digital. Assim, qual é concepção de sociedade que torna possível o surgimento do termo

e das práticas de letramento digital?

3.2 A CONCEPÇÃO DE “SOCIEDADE TECNOLÓGICA INFORMATIZADA” E A ORIGEM

DO LETRAMENTO DIGITAL

A década de 1970 é caracterizada como o início do processo histórico em que o sistema

capitalista substitui, nos países capitalistas centrais, o modelo taylorista/fordista por modelos de

organização e produção de trabalho mais “flexível”, incluindo o toyotismo. Saviani (2008a, 2008b)

infere que, nesse novo modo de organização e produção do trabalho mais “flexível”, o capital

“adota” o toyotismo como “método universal” para o incremento das suas novas necessidades e

interesses. Para o autor, sob a égide do taylorismo-fordismo, o modo de produção e organização do

trabalho se dava por meios de tecnologias pesadas e rígidas. Já sob a gestão toyotista, o modo de

organização e produção do trabalho se desenvolve a partir da utilização de tecnologias consideradas

mais “leves” e “flexíveis”, tendo como base a tecnologia da microeletrônica.

A introdução da tecnologia de base microeletrônica na esfera social e do trabalho produtivo

vai demandando, sobretudo, complexas e variadas formas de lidar com o mundo sociocultural e

profissional. No campo sociocultural, por exemplo, a introdução e disseminação das tecnologias

microeletrônicas impõem mudanças radicais na forma de pensar e viver em sociedade. No campo

profissional, ela vai exigindo, cada vez mais, maior qualificação e formação, sobretudo dos

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trabalhadores.

Para Santos (1993, p. 35), no estágio “contemporâneo” de desenvolvimento do capitalismo,

a tecnologia de base microeletrônica-informática, que está sob o domínio das empresas

transnacionais que, segundo o autor, possuem os mecanismos de controle das esferas econômico-

social e cultural, é quem determina o grau de conhecimento e o tipo de qualificação profissional

demandados na sociedade atual. Segundo o autor, a nova base produtiva “[...] exigirá,

necessariamente, e cada vez mais, o aparecimento de tecnologias que garantam a eficiência das

comunicações, bem como a redução dos seus custos. A resposta a tais exigências encontra-se na

microeletrônica, na informática [...].”

Na medida em que o ramo da tecnologia da microeletrônica vai se desenvolvendo e

incorporando novas dimensões e formatos, surgem outras tecnologias também de base

microeletrônica, com capacidade maior de processar, armazenar e veicular informações e

conhecimentos de vários tipos e natureza. Entre muitas tecnologias, que têm sua origem também na

microeletrônica, passam a ganhar destaque no cenário mundial internacional a partir da segunda

metade do século XX, àquelas de natureza informático-digital. A partir desse período, então, alguns

autores começam a entender e difundir o conceito de sociedade a partir das modificações e

determinações impostas pelo desenvolvimento tecnológico baseado na informática e na

digitalização.

É neste sentido que Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p. 59) entendem que o estágio em que

se encontra a sociedade é consequência das transformações técnico-científicas, ocorridas nas

últimas décadas. Segundo os autores, esse estágio em que se encontra a sociedade “atual” pode ser

identificado na literatura a partir de diferentes denominações, tais como: “terceira revolução

industrial”, “revolução científica e técnica”, “revolução informacional”, “revolução informática”,

“era digital”, “sociedade técnico-industrial”, “sociedade do conhecimento” ou, simplesmente,

“revolução tecnológica”.

E, portanto, quais são as consequências das transformações técnico-científicas para a

concepção de sociedade atual? E, qual é a relação entre a concepção de sociedade “atual” e as

práticas de letramento digital?

Para Schaff (1995), o contexto atual em que se encontra a sociedade é consequência de três

grandes revoluções técnico-científicas, sendo que, uma delas deriva, também, do desenvolvimento

da microeletrônica. Para o autor, a revolução da microeletrônica, aliada a outras duas revoluções, a

da microbiologia a e da termonuclear, provocaram transformações em várias esferas da sociedade,

demandando novas qualificações no campo do trabalho, reorganização da base produtiva e

provocando transformações nos mais variados campos sociais e culturais.

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Numa tentativa de explicação e compreensão sobre as possíveis consequências sociais,

políticas e culturais, que poderiam surgir em função das transformações técnico-científicas, Schaff

(1995) caracteriza a sociedade do final século XX e início do século XXI, sob a influência dessas

transformações técnico-científicas, como “sociedade informática”. Para o autor, a “sociedade

informática” seria “[...] uma sociedade em que todas as esferas da vida pública estarão cobertas por

processos informatizados e por algum tipo de inteligência artificial, que terá relação com

computadores de geração subsequentes” (SCHAFF, 1995, p. 46).

Ainda que não se concorde com algumas “futurologias” indicadas por Schaff quando da

publicação inicial da sua obra, por exemplo, quando esse autor prevê que, na “sociedade

informática” “[...] assistirá ao desaparecimento do trabalho manual [...]” e o trabalho humano “[...]

assumirá o caráter de ocupações intelectuais, de natureza criativa, dado que o trabalho intelectual

rotineiro, que consiste em realizar operações repetitivas que podem ser automatizadas, também

desaparecerá” (SCHAFF, 1995, p. 46), o fato é que, muitas outras “previsões” deste intelectual se

concretizaram na chamada “sociedade informática” em função da introdução e do desenvolvimento

das tecnologias de natureza microeletrônica-informatizada.

No que diz respeito ao surgimento das “novas” tecnologias baseadas na microeletrônica,

Schaff (1995) já alertava, também, sobre os possíveis problemas que a sociedade enfrentaria. Para o

autor: “Por um lado, a automação e a robotização provocarão um grande incremento da

produtividade e da riqueza social; por outro lado, os mesmos processos reduzirão, às vezes de forma

espetacular, a demanda de trabalho humano.” (SCHAFF, 1995, p. 27).

Segundo Schaff (1995), outro perigo que poderia surgir em relação ao desenvolvimento das

tecnologias baseadas na microeletrônica-informatizada, e que se evidencia na atualidade, está

relacionado à importância que a informação assumiria para as sociedades produtoras e detentoras

dessas tecnologias. Para o autor, na medida em que a informação fosse tratada como “[...] algo

socialmente importante na sociedade e, estando esse “algo” circunscrito ao “aparato tecnológico” de

quem o produz, essa divisão acentuaria em relação aos que "[...] têm algo que é socialmente

importante e as que não têm este "algo", no caso é a informação" (SCHAFF, 1995, p. 49).

Em relação ao computador, instrumento tecnológico cujo desenvolvimento tem suas bases

originárias também na microeletrônica, Schaff (1995, p. 73) acreditava que “[...] é um produto do

homem, portanto parte da sua cultura e esta tecnologia está destinada a revolucionar o processo de

formação da cultura.”.

Além da sua preocupação em relação à redução do trabalho humano, provocada pela

introdução e desenvolvimento das tecnologias microeletrônicas no sistema produtivo, que levaria ao

desemprego estrutural, Schaff (1995) alertara, também, para os perigos das revoluções da

microbiologia e da energia. Para o autor, a manipulação da engenharia genética e dos recursos da

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energia nuclear poderia estar sob a dominação e a serviço dos interesses das nações mais ricas e

industrializadas, uma vez que, são esses países os proprietários dessas novas tecnologias.

Duarte (2008, p. 12) assume uma posição mais crítica em relação ao estágio atual que se

encontra a sociedade. Segundo o autor, a “sociedade do conhecimento”, que teria as tecnologias da

informação e comunicação como principal propulsora e definidora da sociedade na

contemporaneidade, deve ser analisada à luz da lógica do capitalismo que, mesmo reconhecendo

que a sociedade, desde o “[...] final do século vinte e início do século vinte e um passa por

mudanças e que podemos sim considerar que estejamos vivendo uma nova fase do capitalismo.”.

Entretanto, alerta o autor, “[...] isso não significa que a essência da sociedade capitalista

tenha se alterado, isso não significa que estejamos vivendo uma sociedade radicalmente nova, que

pudesse ser chamada de sociedade do conhecimento” (DUARTE, 2008, p. 13).

Na linha de raciocínio deste autor, a “sociedade do conhecimento” representa “[...] uma

ideologia produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do

capitalismo.” (DUARTE, 2008, p. 13), que tem como objetivo provocar o enfraquecimento às

críticas feitas ao sistema produtor de mercadoria bem como tentar direcionar as manifestações

críticas para outros campos da atividade humana.

Como Duarte (2008) entende que as possibilidades propagadas pelo sistema capitalista são

mera e puramente ilusões, a “sociedade do conhecimento” é entendida, pelo autor, como uma ilusão

que cumpre uma determinada função ideológica na sociedade capitalista contemporânea, também

propaga ilusões.

Duarte (2008, pp. 14-15) apresenta cinco ilusões propagadas pela “sociedade do

conhecimento”: a) o conhecimento nunca esteve tão acessível como hoje, isto é, vive-se numa

sociedade na qual o acesso ao conhecimento foi amplamente democratizado pelos meios de

comunicação, pela informática, pela internet etc.; b) a capacidade para lidar de forma criativa com

situações singulares no cotidiano em que, exemplo, a habilidade de mobilizar conhecimentos é

muito mais importante que a aquisição de conhecimentos teóricos, especialmente nos dias de hoje,

quando já estariam superadas as teorias pautadas em metanarrativas, isto é, estariam superadas as

tentativas de elaboração de grandes sínteses teóricas sobre a história, a sociedade e o ser humano; c)

o conhecimento não é apropriação da realidade pelo pensamento e, sim, uma construção subjetiva

resultante de processos semióticos intersubjetivos nos quais ocorre uma negociação de significados;

d) os conhecimentos têm todos os mesmos valores, não havendo hierarquia entre eles quanto à sua

qualidade ou quanto ao seu poder explicativo da realidade natural e social; e) o apelo à consciência

dos indivíduos, seja através das palavras, seja através dos bons exemplos dados por outros

indivíduos ou por comunidades, constitui o caminho para a superação dos grandes problemas da

humanidade.

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Duarte (2008) explica, ainda, que essa ilusão contém outra ilusão, qual seja, a de que esses

grandes problemas existem como consequência de determinadas mentalidades. As concepções

idealistas da educação apoiam-se todas nessa ilusão. É nessa direção que são difundidas,

atualmente, pela mídia, certas experiências educativas tidas como aquelas que estariam criando um

futuro melhor por meio da preparação das novas gerações. Assim, acabar com as guerras seria algo

possível através de experiências educativas que cultivem a tolerância entre crianças e jovens. A

guerra é vista como consequência de processos primariamente subjetivos ou, no máximo

intersubjetivos, segundo o pensamento do autor.

Duarte (2008) infere que essas ilusões propagadas pela e na “sociedade do conhecimento”

são consideradas como armadilhas ideológicas que são, inclusive, aceitas e defendidas, sem muitos

questionamentos por boa parte dos intelectuais brasileiros. Em sua obra, Duarte continua alertando

para os perigos da tão conhecida “sociedade do conhecimento” dizendo que: “É preciso, porém,

estar atento para não cair na armadilha idealista que consiste em acreditar que o combate às ilusões

pode, por si mesmo, transformar a realidade que produz essas ilusões” (DUARTE, 2008, p. 16).

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), na tríade revolucionária apresentada por Schaff

(1990) a microeletrônica é a que mais facilmente pode ser sentida e percebida na concepção de

sociedade atual, uma vez que, cotidianamente as pessoas fazem usos, espontaneamente ou não, ou

se veem diante de algum tipo de aparato tecnológico de natureza microeletrônica, e “[...] o

computador é considerado a vedete da revolução técnico-científica [...]” que tem, como principal

desencadeador tecnológico, as tecnologias de base microeletrônica-informática (LIBÂNEO;

OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 63).

Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.66) inferem que, além da tríade revolucionária apontada

por Schaff (1995), faz-se necessário destacar, também, as novas configurações que surgem em

várias esferas da atividade humana em decorrência da “revolução informacional emergente” que

tem, por base, um espantoso e contínuo avanço das telecomunicações, dos meios de comunicação

(mídias) e das novas tecnologias da informação, em cujo contexto a internet é considerada a

principal estrela dessa revolução informacional.

Para Castells (1999), a origem da internet se deu nos Estados Unidos e no âmbito da

Agência de Projeto de Pesquisa Avançada (ARPA - Advanced Research Projects Agency). Naquela

ocasião, foram realizados estudos científicos voltados para os interesses militares norte-americanos.

Ainda segundo o autor, o nascimento da internet foi uma resposta ao avanço tecnológico soviético

que lançara, no final de década de 1950, o seu primeiro Sputnik. Para Castells (1999, p.82), o

lançamento do Sputnik soviético: “[...] assustou os centros da alta tecnologia estadunidense, a

ARPA empreendeu inúmeras iniciativas ousadas, algumas das quais mudaram a história da

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tecnologia e anunciaram a chegada da Era da Informação em grande escala.” Uma dessas iniciativas

foi a criação, pela ARPA, de um sistema de comunicação invulnerável aos ataques militares. Em

relação a essa iniciativa, Castells explica que:

Com base na tecnologia de comunicação de troca de pacotes, o sistema tornava a rede

independente de centro de comando e controle, para que a mensagem procurasse suas

próprias rotas ao longo da rede, sendo remontada para voltar a ter sentido coerente em

qualquer ponto da rede. (CASTELLS, 1999, p. 82).

Com o aperfeiçoamento da tecnologia digital, foi possível mais tarde, e ainda no âmbito da

ARPA, a criação de uma rede que possibilitou a comunicação através de “nós”, sem utilizar-se de

centro de controle. Segundo Castells (1999, p.82) isto possibilitou “[...] o empacotamento de todos

os tipos de mensagem, inclusive de som, imagem e dados [...]”. Com a universalização da

linguagem digital e a pura lógica das redes do sistema de comunicação foram geradas “[...] as

condições tecnológicas para a comunicação global horizontalizada” (CASTELLS, 1999, p.82).

É neste contexto de efervescência tecnológica digital que surge, em setembro de 1969, a

primeira rede de computador, denominada Advanced Research Projects Agency Network

(ARPANET).

Segundo Castells (1999), a utilização da ARPANET se deu, inicialmente, no âmbito de

algumas universidades norte-americanas, que passaram a colaborar com o Departamento de Defesa

Americano. Entretanto, a utilização da ARPANET não ficou restrita aos interesses deste órgão

americano, pois “[...] os cientistas começaram a usá-la para suas próprias comunicações, chegando a

criar uma rede de mensagem entre entusiastas de ficção científica” (CASTELLS, 1999, p. 83). Tem-

se, portanto, outro forte indício de práticas de letramento digital, ocorridas também na década de

1960, em decorrência do surgimento e dos usos dos primeiros computadores.

A partir dessa situação, em que a ARPANET passou a ser usada também para as

comunicações pessoais de cientistas, além dos interesses militares e acadêmicos, o governo norte-

americano criou, na década de 1980, outra rede de computador denominada Military Network

(MILNET) que, segundo Castells (1999, p. 83), era “[...] orientada diretamente às aplicações

militares” liberando à utilização da ARPANET para fins científicos.

Outras redes de computadores utilizadas para comunicação com fins científicos e não

científicos, por exemplo: a Computer Science Network (CSNET) e a Because It's Time to NETwork

ou Because It's There NETwork (BITNET, BITNET), também foram criadas na década de 1980. No

entanto, Castells (1999, p. 83) chama atenção que, todas essas redes de comunicação tinham na

espinha dorsal o sistema de comunicação da ARPANET.

Aliás, Castells (1999, p. 83) infere que a “rede” das redes, que se formou em várias partes do

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mundo durante a década de 1980, denominou-se Advanced Research Projects Agency Network

(ARPA-INTERNET) que, já na década seguinte, passou a denominar-se de internet.

Para Harasim et al. (2005), a década de 1960 é considerada como a data em que, pela

primeira vez, aconteceu uma comunicação através de redes de computadores. Para a realização

dessa primeira comunicação em rede foram utilizados o correio eletrônico e os computadores de

tempo compartilhado. Ainda segundo os autores, para que as pessoas se comunicassem via

computadores naquela época “[...] enviavam mensagens pelos mesmos computadores mainframe,

por meio de terminais burros a eles conectados ou através de linhas telefônicas discadas (locais e

interurbanas)” (HARASIM et al., 2005, pp. 21-22).

Tomando como base o exposto anteriormente, pode-se supor, então, que, de um modo geral,

o surgimento dos primeiros computadores eletrônicos possibilitou o desenvolvimento das primeiras

práticas de letramento digital. A criação da ARPANET, também na década de 1960, possibilitou o

desenvolvimento de práticas de letramento em ambientes digitais.

Da década de 1960, até os dias atuais, em função do desenvolvimento constante das

tecnologias da informatização e comunicação de base informático-digital, as práticas de letramento

digital têm sido ampliadas e complexificadas em decorrência, sobretudo, do surgimento e dos usos

dos aparatos tecnológicos dessa natureza. Desse período, até os dias atuais, a internet passou a

fazer parte do cotidiano da maioria da população mundial.

Para Toschi (2012, pp. 195-196), o número de população que acessa a internet é considerado

assustador. A autora assinala que, a cada dia cerca de 500 mil pessoas acessavam pela primeira vez

a rede mundial de computadores e foram publicados 200 milhões de twites; a cada minuto eram

disponibilizados, no site do Youtube, cerca de 48 horas de vídeos; e a cada segundo criava-se um

blog digital. Chamando atenção, mais ainda, para o crescimento vertiginoso da internet, a autora

cita, também, que 315 sites constituíam a internet em 1982 e que em 2011 esse número saltara para

174 milhões de sites.

Assim, qual seria a relação entre surgimento e desenvolvimento da internet e o letramento

digital?

Para Kensky (2007), com o advento e desenvolvimento das tecnologias eletrônicas de

informação e computação, vai se configurando um novo tipo de linguagem denominada de

linguagem digital. Segundo a autora, a linguagem digital é considerada, após a oralidade e a escrita,

a “terceira linguagem” que surge e desenvolve em articulação com as tecnologias eletrônicas de

informação e comunicação. Entre as múltiplas TIC, a linguagem digital se expressa também através

da internet. As práticas sociais decorrentes dos usos que as pessoas fazem da linguagem digital,

mediada pelo computador, internet e outras tecnologias digitais é o que se denomina de práticas de

letramento digital.

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Os estudiosos da área do campo do letramento digital (DURAN, 2010; SOARES, 2002;

BUZATO, 2001; COSCARELLI; RIBEIRO, 2005), partem de um ponto em comum em suas

teorizações sobre o letramento digital no sentido de que as práticas de letramento digital surgem e

se desenvolvem em função dos usos e da presença das mídias digitais na sociedade contemporânea,

incluindo, entre estas mídias digitais, o computador e a internet.

No estágio em que se encontra a sociedade, as práticas de letramento digital mediada pelos

computadores e internet, emergem em várias esferas sociais. Por exemplo, quando as pessoas

acessam a internet para: a) fins comerciais, compras e vendas de produtos e mercadorias, fechar

negócios usando assinatura digital; b) busca de informação e conhecimento na rede, usando os sites

de buscas; c) se comunicar e interagir em tempo real através das redes sociais e chats; d)

aperfeiçoar sua formação acadêmica e profissional, entre outras possibilidades quase infinitas dos

usos da internet.

Toschi (2012, p. 199), apoiando-se na ideia de “Ágora2” eletrônico, proposta por Mitchell

(1996), infere que a internet é o “[...] espaço virtual onde se pode comunicar, comprar, vender,

reunir, estudar e tudo mais o que os homens sempre fizeram sem ela.”

A definição de letramento digital, bem como os significados que lhe são atribuídos, decorre,

sobretudo, de outras definições cujo foco também estava voltado para a relação entre novas

tecnologias da informação e comunicação e práticas de leitura e escrita.

Neste sentido, é que Saito e Souza (2011) observam que, um dos primeiros registros

relacionando letramento ao computador, aparece na década de 1970 no documento intitulado

“Computerized Manufacturing Automation: Employment, Education, and the Workplace”,

elaborado pelo Office of Technology Assessment (OTA), para o Congresso Norte-Americano.

Segundo os autores, a elaboração desse documento se deu num contexto fortemente marcado

pelo tecnicismo social norte-americano em que o “computer literacy” era definido, nesse

documento, “[...] como um conjunto de habilidades básicas e funcionais para os usos do

computador” (SAITO; SOUZA, 2011, p. 118). Segundo o documento norte-americano, com

tradução dos autores:

Embora letramento computacional possa englobar diferentes níveis de conhecimento de

tecnologia computacional, usualmente refere-se a habilidades básicas de digitação, mais um

conhecimento funcional de como os sistemas computacionais operam e dos modos gerais em

que os computadores podem ser usados (OFFICE OF TECHNOLOGY ASSESSMENT, 1984,

p. 233 apud SAITO; SOUZA, 2011, p. 118).

Saito e Souza (2011) observam, ainda, que o interesse do governo norte-americano por

políticas de letramento por meio dos computadores surge em função do aumento na demanda de

2 Toschi explica que Ágora era o espaço onde os gregos discutiam as questões da polis e decidiam os seus destinos.

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consumo de computadores pelos norte-americanos. E, sob essas novas circunstâncias

socioeconômicas, e como já inclusive previa o documento entregue ao Congresso Norte-americano,

o governo deu início as políticas de letramento computacional.

Dado o aumento do uso de computadores em muitos aspectos da vida norte-americana, a

demanda por programas de letramento computacional está em alta. Somado a isso, há

necessidade de preparar melhor os indivíduos para uma exposição maior às novas

tecnologias em suas vidas cotidianas, escolham eles ou não serem participantes da força de

trabalho. (OFFICE OF TECHNOLOGY ASSESSMENT, 1984, p. 233 apud SAITO;

SOUZA, 2011, p. 119).

Na década seguinte, ou seja, 1980, os EUA vivem o boom dos personal computers e,

segundo Saito e Souza (2011, p. 19), esse país reconhece “[...] que avanços contínuos nas

Tecnologias da Informação e Comunicação junto ao crescimento do uso de computadores nos locais

de trabalho, na educação e nos lares criaram uma “conscientização” do valor de uma população

‘computacionalmente letrada.”.

No Brasil, especialmente a partir da década de 1990, é possível identificar em algumas

produções intelectuais que abordam a problemática envolvendo leitura e escrita e o

surgimento/desenvolvimento das tecnologias digitais, forte influencia do conceito de computer

literacy, amplamente utilizado pelas políticas norte-americanas nas décadas de 1970.

No Brasil, para Saito e Souza (2011), a influência do conceito norte-americano computer

literacy assume sua expressão mais significativa nos conceitos de alfabetização digital. Aliás, esses

autores hipotetizam, inclusive, que tanto o conceito de alfabetização digital quanto o de letramento

digital, que só existem apenas no contexto brasileiro, são traduções da expressão digital literacy

que, no Brasil, “[...] foi traduzida em um primeiro momento como ‘alfabetização digital’, e

posteriormente, como ‘letramento digital’” (SAITO; SOUZA, 2011, p.124).

A alfabetização digital, excetuado a visão que Freire (1980), defendia de alfabetização na

cultura do papel, é entendida dentro uma perspectiva instrumentalizadora, mecanicista e

determinista na qual considera, como sujeito alfabetizado digitalmente, aquele que apenas

desenvolveu as habilidades básicas de uso das tecnologias digitais.

Para Duran (2010) e Saito e Souza (2011), um dos primeiros documentos brasileiros a

apresentar o conceito de alfabetização digital foi o “Livro Verde”, publicado em 2000.

Para Saito e Souza (2011), na medida em que no “Livro Verde” registra “[...] alfabetização

digital- processo de aquisição de habilidades básicas para o uso de computadores, redes e serviço de

Internet” (TAKAHASHI, 2000, p.165), tem-se uma concepção de alfabetização digital, muito

próxima da definição de computer literacy, presente no documento da OTA e que orientou as

políticas de informática nos Estados Unidos na década de 1970.

Duran (2010) infere mesma análise feita por Saito e Souza (2011) em relação ao conceito de

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alfabetização digital expresso no “Livro Verde”. Para a autora, “[...] a concepção de alfabetização

proposta no Livro Verde restringe-se ao processo de instrumentalização [...] e, não há referência à

importância da mediação humana, às práticas sociais ou ainda sobre as perspectivas a respeito das

condições dos letrados digitalmente” (DURAN, 2010, p. 75).

Contudo, em outro trecho do “Livro Verde” pode-se identificar o termo “fluência em

tecnologias da informação e comunicação”, que parece superar a concepção instrumental de

alfabetização digital apresentada no mesmo livro. Segundo o trecho da obra:

Em 1999, o Comitê de Alfabetização em Tecnologia da Informatização (Committee of

Information Technology Literacy), instituído pelo Conselho Nacional de Pesquisas dos

EUA, divulgou relatório de trabalho em que se propunha a noção de fluência (em

tecnologias da Informação) em contraposição a alfabetização, para denotar a “capacidade

de reformular conhecimentos, expressar-se criativa e apropriadamente, bem como produzir

e gerar informações (em vez de meramente compreendê-la)”. O objetivo dessa revisão

conceitual era endereçar o problema de pessoas que, embora “alfabetizadas” no mundo

digital, necessitavam de algo mais para efetivamente funcionar na sociedade da informação.

(TAKAHASHI, 2000, p. 49).

Duran (2010) entende que, em certo sentido, é possível inferir que a definição de fluência

em tecnologias da informação apresentada no “Livro Verde” está em consonância com o termo

letramento digital. Esse último termo entendido como “o estado ou condição dos que se apropriam e

desenvolvem práticas sociais de leitura e escrita no contexto da cibercultura” (SOARES, 2002,

p.144).

No entanto, observa a autora, ainda que esse termo denuncie a insuficiência da noção de

alfabetização digital para atender as necessidades da “sociedade da informação”, ele tende a incluir

apenas os já alfabetizados digitalmente. Neste sentido, problematiza a autora: e os cidadãos comuns

que ainda não têm acesso aos instrumentos tecnologicamente digitalizados ficarão de fora, uma vez

que o conceito de fluência das tecnologias da informação é endereçado aos “profissionais

especializados”, portando os já “alfabetizados digitalmente”?

Para além da noção instrumentalizadora de alfabetização digital, é possível identificar na

literatura que trata sobre a relação entre desenvolvimento da linguagem, especialmente da leitura e

da escrita, e a introdução das novas tecnologias da informação e comunicação, conceito de

alfabetização digital muito próximo dos conceitos de letramento digital.

É neste sentido que Gomez (2004) entende a alfabetização digital, pois para ela:

O conceito de alfabetização vai além de simplesmente poder ler e escrever; é significar o ler

e o entender; é dar sentido a partir da leitura de mundo. A alfabetização digital é a

habilidade para entender e usar informações, em múltiplos formatos, em uma extensiva

gama de fontes digitais apresentadas por computadores. É um ato de leitura e escrita, de

cognição do que se visualiza na tela, de escuta, por meio dos arquivos de som, da animação

por meio das simulações, da colaboração com os outros, da possibilidade de buscar e

adquirir textos e das habilidades de usar tais coisas na própria vida (GOMEZ, 2004, p. 53).

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Para Duran (2010), a definição de alfabetização digital, proposta por Gomez (2004), insere-

na filosofia freireana “[...] que concebe a alfabetização como um processo que ultrapassa a

aprendizagem da leitura e da escrita enquanto modalidade de codificação e decodifição”. E, neste

sentido,

[...] o processo de alfabetização digital não se restringe à instrumentalização tecnológica em

si, uma vez que envolve o domínio dos códigos culturais e de um desejável diálogo

conscientizador capaz de propiciar, uma última instância, a possibilidade de intervenção a

partir da participação política (DURAN, 2010, p. 78).

Outros autores assumem, explicitamente, em suas publicações o termo letramento digital.

Assim é que para Soares (2002, p.47), o conceito de letramento, no sentido da cultura do papel, é

considerado como “[...] estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva as

práticas sociais que usam a escrita [...]”.

Segundo esta mesma autora, este termo continua, etimologicamente falando, interligado à

noção de leitura e de escrita. Já no campo da “cultura digital”, o termo letramento é reconceituado e

passa a ser entendido como um “[...] certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da

nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou

condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita do papel” (SOARES,

2002, p.151).

Duran (2010) entende que, aparentemente o conceito de letramento digital apresentado por

Soares (2002) pode estar situado dentro de um contexto emancipatório e democrático,

principalmente por, neste conceito de letramento digital, incorporar a ideia de apropriação das novas

tecnologias.

Entretanto, assinala a autora, na medida em que este conceito inclui “somente os que se

apropriam da nova tecnologia digital” parece excluir os sujeitos que ainda não se apropriaram

destas tecnologias digitais, mas que, no entanto, direta ou indiretamente, são influenciados pela

presença destas tecnologias digitais na sociedade. Pode-se citar, como exemplo, a situação de

muitos professores brasileiros que ainda não se apropriaram da internet, mas que, em sala de aula,

sentem as pressões da cultura “geração net”. Assim, a partir de uma perspectiva sócio-histórica e

cultural de letramento digital, é impossível considerar os professores, bem como outros sujeitos, que

encontram-se marginalizados pelos usos das mídias digitais como “iletrados digitalmente”.

Buzato (2001, p. 13) concebe as práticas decorrentes dos usos do computador e outros

dispositivos informáticos como “um conjunto de conhecimentos que permite às pessoas

participarem das práticas letradas mediadas por computadores e outros dispositivos eletrônicos no

mundo contemporâneo”.

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Para Duran (2010), o conceito de letramento apresentado por Buzato (2001) também parece

apresentar vieses conservadores na medida em que nele, segundo a autora, está explícita a ideia de

valorização apenas dos conhecimentos como se, os usos que são feitos dos computadores e outros

artefatos tecnológicos como a internet, pudessem excluir outras dimensões, como o saber que,

culturalmente, também constitui. Ainda neste conceito, segundo análise feita por Duran (2010),

tem-se a ideia do conhecimento, ainda que em sentido de conjunto, como algo que autoriza (ou não)

o sujeito a desenvolver práticas sociais de leitura e escrita mediadas por instrumentos tecnológicos.

Neste sentido, parece estabelecer uma relação hierárquica entre a máquina (dispositivos

informáticos) e quem produz conhecimento, neste caso o sujeito.

No livro “Letramento digital: Aspectos sociais e possibilidades pedagógicas” publicado em

2005, Coscarelli e Ribeiro aderem a uma concepção de letramento mediada pelas “telemáticas”

tanto quanto generalizada, pois e para as autoras “[...] o letramento digital é o nome que damos,

então, à ampliação do leque de possibilidades de contato com a leitura e a escrita também em

ambiente digital” (COSCARELLI; RIBEIRO, p. 2005, p.9).

O conceito de letramento digital, delineado acima, sugere a ideia de que este, ou melhor, as

práticas de letramento digital possibilitam aos sujeitos apenas o “contato” com a leitura e com a

escrita, também em ambiente digital. Ora, sabe-se que, apenas o “contato” com qualquer escrita e

leitura não são mais suficientes, pois há necessidade, também, de dominar os códigos linguísticos e

desenvolver, permanentemente, práticas sociais de letramento, também na cultura digital. Outra

interrogação que surge a partir do conceito de letramento digital apresentado por Coscarelli e

Ribeiro (2005): o que seria este ambiente digital? Incluiria, também, as práticas de linguagem

decorrentes dos usos das máquinas digitais? Da utilização das tecnologias digitais presentes, por

exemplos, nos automóveis?

Segundo Duran (2010, p. 81), o fato de Coscarelli e Ribeiro entenderem o letramento digital

dentro da ideia de ampliação, torna a sua definição um tanto vaga e genérica, não apontando, ao ver

dessa autora, “[...] para as perspectivas efetivas de transformação, isto é, para as peculiaridades do

fenômeno, ou ainda para as mudanças qualitativas que o tipificam”.

Duran (2010) reconhece que a teorização sobre o letramento digital ainda se encontra num

estágio incipiente, constituindo-se, portanto, numa organização provisória de ideias. Para a autora, o

letramento digital é definido como “[...] o processo de configuração de indivíduos ou grupos que se

apropriam da linguagem digital nas diferentes práticas sociais relacionadas direta ou indiretamente à

leitura e á escrita mediadas pelas TIC” (DURAN, 2010, p.83).

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3.3 LETRAMENTO DIGITAL E EDUCAÇÃO ESCOLAR

Segundo Silva (2003), ainda que se possa verificar a presença e os usos dos aparatos

tecnológicos digitais, entre eles o computador e a internet, em várias esferas da sociedade, a

educação escolar, especialmente nos níveis fundamental e médio, ainda se encontra aquém das

transformações que vêm ocorrendo nas últimas décadas na sociedade. No campo da educação

escolar, a questão da formação/qualificação dos professores que atuam na Educação Básica parece

ser a mais problemática quando se fala em usos do computador e da internet no processo de ensino

e aprendizagem.

Silva (2003) aponta três fenômenos que, inicialmente, podem explicar as lacunas existentes

na formação dos professores, ocasionadas em função da introdução dos computadores e da internet

no ambiente educativo escolar. Para o autor, esses três fenômenos são: 1º) a “tecnofobia” – recusa a

qualquer tecnologia de natureza elétrica ou eletrônica; 2º) o “mal estar docente”- confusão frente ao

variado conjunto de tecnologias atualmente disponíveis. Defendendo a presença, nas escolas,

sobretudo às públicas, de especialista ou técnico de informática, Silva (2003) entende que a

infraestrutura para a aprendizagem da informática, é o terceiro fenômeno que contribui para a

permanência de lacunas na formação/qualificação dos professores da educação básica.

Para Ramal (2002, grifo nosso), a primeira questão que se coloca quando se pensa na

introdução das tecnologias digitais na área da educação escolar é, inevitavelmente, a questão

pedagógica. Neste sentido, entende-se ser de fundamental importância compreender quais são os

pressupostos teórico-pedagógicos que orientam as práticas educativas escolares de letramento

mediadas também pelos aparatos tecnológicos digitais.

No campo especificamente pedagógico-escolar, as práticas de letramento digital estão

subsidiadas em pressupostos pedagógicos que podem assumir tanto uma versão reprodutivista,

quando uma versão possibilitadora da transformação social em suas diversas perspectivas contra-

hegemônicas, como mostrado anteriormente: libertadora, libertária e histórico-crítica.

Silva (2010) apresenta algumas reflexões acerca das práticas de letramento digital a partir de

duas perspectivas: a perspectiva instrucionista e a perspectiva dialógica de letramento digital.

Segundo o autor, a perspectiva instrucionista do letramento digital enfatiza a instrução, entendida

apenas como treinamento no âmbito escolar, o que é também analisado por Demo (2003). Nesta

perspectiva, o sujeito é condicionado a pensar de uma determinada forma, desprovida de visão

crítica e emancipadora do contexto que o cerca.

Ainda nesta perspectiva de letramento digital, as mídias digitais teriam como função

condicionar o comportamento do aluno de acordo com os interesses do mercado de trabalho, ora

para fazer dele mão de obra barata e qualificada às indústrias, ora para exercer o papel de mero

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consumidor na “sociedade do conhecimento”. O aluno, considerado um ser passivo no processo de

formação, é testado periodicamente através de atividades e provas objetivas on-line e, o que se

espera dele é a memorização dos conteúdos. As práticas de letramento digital são consideradas

como produtos das pressões do ambiente digital que geram, assim, um conjunto de comportamentos

que são medidas, previstas e controladas. Ao professor, cabe desenvolver a função de simplesmente

repassar os “conteúdos” com predominância dos aspectos técnicos em detrimento aos aspectos

políticos, através da utilização de mídia digital, diga-se de passagem, através da internet.

A perspectiva instrucionista de letramento digital defende, ainda, a ideia de que o letramento

digital é considerado uma ferramenta neutra que pode ser aplicada de forma homogênea, com

resultados igualmente homogêneos em todos os ambientes digitais. O autor levanta outras

características da perspectiva instrucionista de letramento digital como, por exemplos: a) o

pressuposto de que letramento digital é um atributo pessoal, “algo” que está relacionado à simples

posse individual das tecnologias mentais complementares de ler e escrever na internet; b) a ideia de

que um indivíduo, para ser considerado letrado digitalmente, ou estar em processo inicial de

letramento digital, necessita ter, no mínimo, adquirido a habilidade de ler e escrever.

Como alternativa à perspectiva instrucionista de letramento digital, Silva (2010) apresenta a

perspectiva dialógica de letramento digital. Nesta perspectiva, as mídias digitais são utilizadas como

ferramentas pedagógicas em sala de aula dentro de uma visão crítica e emancipatória de educação

cuja função não se resume à “[...] atender os interesses específicos do mercado de trabalho (sistema

produtivo), mas, também, para formar um sujeito emancipador para o mundo de trabalho” (SILVA,

2010, pp. 89-90).

Na perspectiva dialógica de letramento digital, o conhecimento é resultados e construído

através da interação sujeito-objeto-sujeito com predominância dos aspectos histórico- culturais. O

professor age como um “problematizador” das informações disponibilizadas aos sujeitos na/pela

mídia digital, envolvendo confronto e contradições entre os pontos de vista, visando à superação

dos mesmos. As mídias digitais, no contexto dessa perspectiva de letramento digital, não são

consideradas como ferramentas neutras no processo de formação educacional do sujeito, pois estão

permeadas de conotações ideológicas e só podem ser verdadeiramente compreendidas à luz de uma

análise histórica. Na perspectiva dialógica de letramento digital, diferentemente da perspectiva

instrucionista de letramento digital, “[...] todas as práticas de letramento digital são aspectos não

apenas da esfera cultural, como estão, também, relacionadas às estruturas de poder em uma

sociedade” (SILVA, 2010, p. 90).

Para Coscarelli e Ribeiro (2005), com as invenções e avanços ocorridos, principalmente a

partir do século XX, e que envolveram a área de tecnologias da comunicação e da informação,

surgiu, então, a necessidade de um aprendizado eletrônico-digital, que, segundo as autoras, “[...] é a

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utilização de tecnologia da informação e comunicação, inclusive na internet, para o ensino e

aprendizagem [...]” (COSCARELLI; RIBEIRO, 2005, p.21). Para essas autoras, as TIC podem ser

utilizadas para fomentar o desenvolvimento e a aquisição de conhecimentos visando melhorar as

capacidades pessoais de utilizar as novas tecnologias no estudo e no trabalho, adaptando as pessoas

aos sistemas de educação e de formação de modo a responder aos desafios impostos às esferas

sociais.

A introdução dos computadores e da internet na educação escolar tem incitado os

profissionais da educação, incluindo os professores, numa repensar contínuo sobre a questão dos

modos como se desenvolvem as práticas de leitura e escrita mediadas pelas temáticas, portanto um

repensar sobre as práticas de letramento digital.

Para Silva (2003), as questões envolvendo a leitura na internet precisam estar situadas em

um contexto mais amplo da sociedade brasileira, cujas reflexões e discussões devem ter como base

um projeto de cidadania que envolva, pelo menos, dois componentes básicos: o acesso à informação

e à produção do saber, considerados instrumentos básicos de trabalho, de desenvolvimento social e

participação política e, o segundo “[....] o domínio, pelos cidadãos, de competências capazes de

possibilitar práticas de leitura e de letramento contínuo, aqui entendidas como atividades

estruturante do pensamento-linguagem, do conhecimento e da cultura” (SILVA, 2003, p. 13).

De acordo com Silva (2003), é importante que a sociedade como um todo se mobilize para

que sejam alcançadas as condições necessárias para a superação do “analfabetismo digital” que vem

se acentuando com o processo de globalização acelerada desde o início do terceiro milênio. Se

medidas não forem tomadas nesse sentido, “[...] corre-se o rico de bloqueio, de exclusão ou, no

mínimo, de uma pesada dificuldade para que grande parcela do povo brasileiro tenha acesso aos

bancos de dados e informações hoje disponibilizados pelas redes www” (SILVA, 2003, p.14.).

Neste sentido, ainda que reconhecendo que as práticas de letramento digital mantém uma

relação mediada historicamente com os processos produtivos capitalistas, de que outra forma, senão

por meio da educação escolar, se pode pensar em concretizar ações que possam, pelo menos,

contribuir para atenuar o problema do analfabetismo digital que assola boa parte da população

brasileira, especialmente as pessoas menos favorecidas economicamente?

Para Silva (2003), a produção e a circulação de textos no “mundo digital” trazem grandes

desafios para à educação escolar das novas gerações, ainda que para essa produção e circulação de

textos ocorram por meio da escrita. Para o autor, os textos “digitais”, disponibilizados na “tela” do

computador, adquirem configurações únicas e possibilitam, por exemplo: “[...] ações de

interatividade por parte do leitor e as múltiplas possibilidades de trajetos de leitura pelas janelas do

hipertexto” (SILVA, 2003, p.14), e que resultam em atividades e comportamentos diferentes das

leituras realizadas em textos impressos. Essas diferenças, relata o autor, situam-se em dimensões

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que vão desde as físicas, onde o leitor dos hipertextos digitais lê “[...] com o corpo na horizontal o

texto na tela do computador e verticalmente na página do livro.”, até as atitudinais, pois caso leitor

do texto digital não desenvolva a capacidade de seleção das informações que se apresentam imensas

na tela do computador “[...] é provável que ele se perca nos labirintos da informação (SILVA, 2003,

p.15). Sem falar das especificidades das práticas de letramento digital, em relação as práticas de

letramento na “cultura do papel” e da velocidade da produção/circulação dos textos através de todas

as fronteiras do mundo, muitas vezes superando as barreiras linguísticas.

Assim, o que é hipertexto? Qual a sua relação com a internet? Em que medida sua presença

e usos impõem desafios á educação escolar, especialmente em relação à leitura e escrita?

Para Levy (1999, p. 33), a base de constituição da internet é o hipertexto que é concebido

como:

[...] um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens,

gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser

hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com

nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular.

Navegar em um hipertexto significa, portanto, desenhar um percurso em uma rede que pode

ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede

inteira.

Entretanto, antes do surgimento da internet, já existiam outros artefatos tecnológicos, tais

como o livro e o memex, que possibilitavam leitura não-linear e não sequencial, estas últimas

características marcantes do hipertexto digital.

A tecnologia da informação e da comunicação, entretanto, proporcionou maior velocidade

de acesso e um volume infinitamente maior de documentos disponíveis à sociedade. Dessa forma,

com o surgimento do hipertexto digital, criou-se uma nova maneira de leitura e escrita de

documentos, pela qual e o leitor participa ativamente da redação e edição do documento que lê,

podendo traçar caminhos nunca antes imaginados pelo autor, conectando uma infinidade de

documentos, como se estivesse criando um novo documento hipertexto a partir dessas associações.

Para Silva (2003), o letramento digital propõe novas exigências como, por exemplo, a

emergência de gêneros de discurso e formas de materialidade linguísticas inovadoras. A internet é,

em especial, um tipo de comunicação mediada por computadores, em suas modalidades síncronas

(bate-papos) e assíncronas (fóruns, lista de discussão, correio eletrônico), que tem permitido o

exercício da linguagem de forma diferenciada. Ferramentas para a produção escrita (editores de

texto, de páginas web, de histórias em quadrinhos) e para comunicação à distância (bate-papo, ICQ

e correio eletrônico) inauguram novas condições de produção de discurso, integrando elementos

originais ao que hoje denominamos leitura e escrita digitais.

Segundo Ramal (2002), os textos que são lidos na internet, que também são chamados de

web pages, são considerados tipicamente hiperdigitais e possuem características de não-linearidade,

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uso não-sequencial, acessibilidade ilimitada, sistema multisemiótico e interativo. Nos textos

hiperdigitais, há diversos “nós” ou entradas que podem estar permeadas de palavras, letras, imagens

e sons etc. Basta clicar com o mouse na entrada desejada e o rumo da leitura dependerá apenas da

necessidade ou da curiosidade do internauta.

Santaella (2004) entende que, a “era digital” trouxe também para o campo da leitura,

modificações significativas que possibilitam pensar três tipos de leitor: o contemplativo, o movente,

ou errante, e o imersivo. Cada um destes tipos de leitor tem suas práticas de letramento marcadas

pelos contextos sócio-histórico e tecnológicos de cada época.

É neste sentido que Santaella (2004) infere que, mesmo que cada tipo de leitor apresente um

modo diferente de realização de leitura, em função de que cada um apresenta um tipo de cognição

demandada pelas condições sociais de cada época, o fato é que essas cognições não se anulam e

nem se sobrepõem umas às outras. Nas palavras da própria autora:

[...] embora haja uma sequencialidade histórica no aparecimento de cada um desses tipos de

leitores, isso não significa que um exclui o outro, que o aparecimento de um tipo de leitor

leva ao desaparecimento do tipo anterior. Ao contrário, não parece haver nada mais

cumulativo do que as conquistas da cultura humana. O que existe, assim, é uma

convivência e reciprocidade entre os três tipos de leitores, embora cada tipo continue, de

fato, sendo irredutível ao outro, exigindo, aliás, habilidades perceptivas, sensório-motoras e

cognitivas distintas (SANTAELLA, 2004. p. 19).

O leitor contemplativo, primeiro tipo de leitor apresentado por Santaella, nasce das práticas

de letramento em decorrência da realização de leituras de livros a partir do século XII. Explica a

autora que, se antes a leitura era realizada com se fosse uma liturgia grupal em que apenas um lia, e

muitos outros ouviam, foi a partir das “[...] modificações intelectuais e sociais, provocadas

especialmente pela fundação de universidades e pelo desenvolvimento da instrução entre leigos

[...]” (SANTAELLA 2004, p. 20), que a leitura caracterizou-se silenciosa, reservada a lugares

silenciosos, exigindo concentração do leitor. Santaella refere-se a esse tipo de leitor como silencioso

e de obras escritas em livros. Segundo a autora: “Esse tipo de leitura nasce da relação íntima entre o

leitor e o livro, leitura do manuseio, da intimidade, em retiro voluntário, num espaço retirado e

privado, que tem na biblioteca seu lugar de recolhimento, pois o espaço de leitura deve ser separado

dos lugares de um divertimento mais mundano” (SANTAELLA, 2004, p. 23).

O tipo de leitor-movente, segundo Santaella (2004, p.25), surge com o advento da revolução

industrial que, como consequência, desencadeou o êxodo rural, que provocou o crescimento

desenfreado das cidades.

Naquele contexto, as práticas de letramento se desenvolviam num contexto de imersão

socioeconômico fortemente marcado pelo bombardeamento da publicidade, recém-consolidada. E,

neste sentido, Santaella caracteriza a leitura do leitor-movente como fragmentada, que habitava o

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cenário volátil, dinâmico da vida urbana marcada por fotos, imagens, outdoors. Esse cenário foi

considerado fértil para o surgimento de várias mídias impressas como revistas, jornais e livros de

bolso e, “É nesse ambiente que surge o nosso segundo tipo de leitor, aquele que nasce com o

advento do jornal e das multidões nos centros urbanos habitados de signos” (SANTAELLA, 2004,

p.29).

Contudo, Santaella (2004, p. 35) chama atenção que esse novo tipo de leitor não pode ser

considerado superior ou inferior em relação ao leitor do tipo movente, pois ele apenas entende o

mundo de forma diferente do primeiro tipo de leitor, e isto decorre em função de novas habilidades

de leituras que foram acrescentadas ao seu repertório cognitivosocial.

O terceiro tipo de leitor apresentado por Santaella, o imersivo, tem suas capacidades

transformadas em decorrência da “revolução” que vem acontecendo nas últimas décadas em

consequência do surgimento e desenvolvimento das tecnologias digitais. Esse terceiro tipo de leitor,

é caracterizado, por Santaella (2004, p. 32-22), também, como o leitor dos “códigos binários” ou,

simplesmente, “leitor da tela do computador.”

Para Santaella (2004, p. 33), o leitor do tipo imersivo realiza as leituras na tela do

computador a partir da noção de não linearidade, “[...] conectando-se entre nós e nexos, num roteiro

multilinear, multissequêncial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós

entre palavras, imagens, documentação músicas, vídeos, etc.”

Diferentemente dos outros dois tipos de leitores, esse terceiro leitor, denominado por

Santaella (2004, p. 32) de “leitor-imersivo”, não apenas “lê” as informações disponíveis na “tela”

do computador. Ele também “navega”, “surfa” nessas informações disponíveis no suporte

tecnológico. E, como esse tipo de leitor está imerso à linguagem hipermidiática no “mundo digital”

a sua cognição o permite realizar simultaneamente várias tarefas tais como: ler uma informação,

ouvir músicas e assistir a vídeos na tela do computador.

Presnky (2001) parece inferir análise semelhante à de Santaella (2004, p. 32) quando infere

que a partir da “era digital” as pessoas desenvolvem capacidades e habilidades complexas na

medida em que fazem usos cotidianos das tecnologias digitais, inclusive do computador e da

internet.

Segundo o autor, em decorrência da chegada e disseminação das tecnologias digitais, é

possível identificar dois tipos de população, altamente influenciada por estas tecnologias digitais.

Na primeira, que o autor a denomina de imigrante digital, estão os que não nasceram no “mundo”

digital, mas que, por algum motivo, passaram a fazer usos das tecnologias digitais. Estes, ainda que

façam algum tipo de uso das tecnologias digitais, mantém seu “sotaque”, “that is, their foot in the

past” (PRESNKY, 2001, p.2).

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O “sotaque” dos imigrantes digitais pode ser percebido nos diversos modos como ele lida

com o computador e a internet, por exemplo, quando acessa a internet apenas para obtenção de

informação e, ainda quando:

[…] printing out your email (or having your secretary print it out for you – an even

“thicker” accent); needing to print out a document written on the computer in order to edit

it (rather than just editing on the screen); and bringing people physically into your office to

see an interesting web site (rather than just sending them the URL) (PRESNKY, 2001, p.

2).

A segunda população é caracterizada por Presnky (2001) como os nativos digitais e

representa as primeiras gerações que nasceram e cresceram cercados e fazendo usos diversos das

tecnologias digitais, entre elas o computador, celulares, tocadores de músicas digitais e internet.

Para o autor, como consequência deste ambiente social, marcado pelo grande volume de

interação com as tecnologias digitais, os nativos digitais pensam e processam as informações bem

diferentes das gerações anteriores e “[…] They like to parallel process and multi-task. […]”, “[…]

prefer random access (like hypertext).”, e “[…] function best when networked.” (PRESNKY, 2001,

p. 2). Acrescenta, ainda, que os nativos digitais podem “[…] learn successfully while watching TV

or listening to music” (PRESNKY, 2001, p.3).

No campo da educação escolar, Presnky (2001, p.3) entende que os estudantes – do ensino

básico à universidade, são considerados nativos digitais, pois “falam” a linguagem digital, e os

professores são, em sua grande parte, imigrantes digitais que usam, nas escolas, uma linguagem

“ultrapassada”, a “pre-digital age”, para ensinar seus alunos que “falam” uma linguagem

totalmente nova.

Para Almeida (2003, p. 34), “o leitor na web não lê da mesma forma que o leitor dos livros

ou revistas de papel”, pois esse tipo de leitor – navegador tem acesso a um número quase infinito de

informações na “tela” do computador, bastando, para isto, um clique no mouse.

Entretanto, além dessa grande possibilidade de acesso às informações quase infinitas nos

“oceanos” da internet, Almeida (2003) chama atenção que a produção e a introdução de textos na

rede mundial (textos hiperdigitais) desencadearam vários desafios, inclusive para o sistema escolar.

Entre muitos, está a questão de como os alunos podem selecionar os textos online considerados

“válidos” e “verdadeiros” para a elaboração dos trabalhos escolares, uma vez que, na cibercultura,

também esses alunos se deparam com o “lixo digital”.

Nas palavras do próprio autor: “[...] é extremamente difícil diferenciar a informação válida

da falsa ao se navegar na internet” (ALMEIDA, 2003, p. 91). Contudo, alerta o autor, “O

discernimento e a vivência do leitor são os únicos recursos para verificar a validade das

informações” retiradas da web.

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Diante desta questão, e, em se tratando de alunos que frequentam a educação básica que,

supõe-se, encontrar-se em processo de formação, inclusive da personalidade, qual é o papel que a

escola, enquanto instituição social pública compromissada com o desenvolvimento dos alunos em

suas várias dimensões, deve assumir? Não seria a escola a principal, mas não a única, que poderá

ajudar os alunos a discernir as informações consideradas “válidas” e “inválidas” na internet?

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128

CAPÍTULO 4 METODOLOGIA

Segundo Minayo (2012), a metodologia é o caminho do pensamento e da prática exercida na

abordagem da realidade e inclui, simultaneamente, a teoria de abordagem, os procedimentos de

operacionalização do conhecimento, ou seja, as técnicas, e criatividade, experiência, capacidades

pessoais e sensibilidade do investigador.

Com base no conceito de metodologia, apresentado por Minayo (2012), apresenta-se, neste

capítulo, o tipo de abordagem e os procedimentos de coleta e análise dos dados que foram utilizados

para a realização da investigação. Sempre que possível apresenta-se também as justificativas das

escolhas tanto tipo de abordagem quanto dos procedimentos que serviram para a operacionalização

do estudo.

4.1 O TIPO DE ABORDAGEM DA INVESTIGAÇÃO

Esta investigação, cujos processos e produtos são apresentados nesta tese de doutoramento,

foi desenvolvida com base nos postulados e características da pesquisa qualitativa com enfoque em

pressupostos teóricos crítico-participativo com visão histórico-estrutural, segundo acepção

apresentada por Triviños (2008).

Na América Latina, os interesses dos pesquisadores da educação em desenvolverem estudos

de cunho qualitativo surgiram nos meados década de 1970, ainda que “[...] o ensino sempre se

caracterizou pelo destaque de sua realidade qualitativa, apesar de manifestar-se frequentemente

através de medições, de quantificações (porcentagem de analfabetos de repetentes, do crescimento

anual de matrícula) [...]” (TRIVIÑOS, 2008, p. 116).

A fase inicial do desenvolvimento das pesquisas qualitativas é caracterizada como um

momento histórico de resistência à visão hegemônica de se estudar os fenômenos sociais à luz da

dimensão positivista de ciência que se embasava em princípios e métodos das ciências naturais.

Na medida em que as pesquisas qualitativas ganham espaço no meio acadêmico e

intelectual, surgindo como alternativa “metodológica” para a realização de pesquisas nas áreas das

ciências humanas e sociais foi-se produzindo algum tipo de confusão que, de certa forma,

contribuiu para a falsa visão dicotômica entre quantitativo e qualitativo.

Segundo Triviños (2008, p. 116), essa confusão se deu, sobretudo, pela falta de maturidade

intelectual dos investigadores sociais que optaram, sem maior aprofundamento nessa questão, por

retirar toda possibilidade de análise quantitativa na investigação “[...] e optar definitivamente pela

exaltação do qualitativo na pesquisa em educação e em todos os aspectos possíveis de estudar no

sistema educacional.”

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Ainda segundo esse autor, “Abriu-se caminho, desta maneira, à falsa dicotomia quantitativo-

qualitativo. E alguns rejeitaram a medida no ensino por absurda, artificial e inútil; enquanto outros

expressavam que o enfoque qualitativo era, simplesmente, um exercício especulativo sem valor para

a ciência” (TRIVIÑOS, 2008, p.117) .

Nas análises de Triviños (2008), a noção de quantificação dos fenômenos sociais apoia-se no

positivismo e também no empiricismo, enquanto que as noções qualitativas tomam como

referenciais teóricos especialmente da fenomenologia e do materialismo dialético.

Partindo do pressuposto de que as pesquisas qualitativas se apoiam especialmente nos

postulados da fenomenologia e do materialismo dialético para o seu desenvolvimento, Triviños

(2008), entende que a abordagem qualitativa pode assumir dois tipos de enfoques: os enfoques

subjetivistas-compreensivistas e os enfoques crítico-participativos com visão histórico-estrutural.

A pesquisa qualitativa, desenvolvida sob os enfoques subjetivistas–compreensivistas,

privilegia os aspectos da consciência e da subjetividade dos atores como, por exemplo: “[...]

percepções, processos de conscientização, de compreensão do contexto cultural, da realidade a-

histórica, de relevância dos fenômenos pelos significados que eles têm para o sujeito (para o ator

etc.)” (TRIVIÑOS, 2008, p. 117).

Já as investigações qualitativas, desenvolvidas sob os enfoques crítico-participativos com

visão histórico-estrutural, captam dialeticamente a realidade social e partem da necessidade de

conhecer, por meio de percepções, reflexões e intuição, “[...] a realidade para transformá-la em

processos contextuais e dinâmicos complexos [...]” (TRIVIÑOS, 2008, p. 117).

Como a presente investigação foi desenvolvida apoiada nos pressupostos teóricos da

pesquisa qualitativa com enfoque crítico-participativo com visão histórico-estrutural se limitará,

aqui, a apresentar as bases teóricas desse tipo de pesquisa qualitativa.

Triviños (2008, pp. 128-130), apoiado em Bogdan e Birten (1982, pp. 27-30), apresenta

algumas características de pesquisa qualitativa orientada pelos fundamentos teóricos do

materialismo histórico. Entre elas, destacam-se: a) o ambiente natural como fonte direta dos dados e

o pesquisador como instrumento-chave; b) descrição; c) ênfase no processo em detrimento aos

resultados e produtos da pesquisa; d) análise dos dados indutivamente, e; e) o significado como

preocupação inicial.

A importância do ambiente na reconfiguração de situações de existência dos sujeitos, sendo

esse ambiente constituído de realidades sociais e econômicas amplas e complexas, que precisam ser

compreendidas dialeticamente e, ainda que privilegiem aspectos econômicos em algum momento da

história, outorga também significados essenciais à humanidade. De acordo com Triviños (2008)

outra característica marcante da pesquisa qualitativa, sob os fundamentos do materialismo histórico,

é que na investigação ressalta-se a importância da aparência e da essência do fenômeno estudado

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130

onde os seus significados são avaliados na prática social.

Em relação ao papel do pesquisador durante a realização da investigação, este assume um

papel importante no desenvolvimento da pesquisa, uma vez durante a sua realização não se esquece

da visão ampla e complexa do fenômeno estudado.

Os outros “sujeitos” do contexto estudado e que participam da investigação também podem

dar grande parcela de contribuição ao desenvolvimento do estudo.

Para Minayo (2012), em relação ao papel do pesquisador social, este não é o único que tem

capacidade de dar sentido ao seu trabalho intelectual, pois “Todos os seres humanos, em geral,

assim, como grupos e sociedade específicos dão significados as suas ações e as suas construções.

[...]” (MINAYO, 2012, p. 13).

Ainda de acordo com Minayo (2012), na investigação na área social a relação entre o

pesquisador e o seu campo de estudo se estabelece definitivamente, uma vez que a visão de mundo

de ambos está implicada em todo o processo de construção do conhecimento, desde a concepção do

objeto aos resultados do trabalho até a sua aplicação.

Para Triviños (2008), a pesquisa qualitativa com fundamento no materialismo histórico

contempla a descrição do fenômeno estudado e, neste processo, intenta captar não apenas a

aparência como também a essência do fenômeno estudado, buscando suas causas e procurando

explicar sua origem, suas mudanças bem como se esforça em intuir as possíveis consequências para

a vida da humanidade.

Dentro da perspectiva do materialismo dialético, o pesquisador não se limita a apenas

descrever os dados coletados. Sua missão e ir além dos dados descritos atingindo, também, a análise

e a interpretação do que foi descrito.

Para Gomes (2012), na descrição os dados e informações coletados são apresentados da

maneira mais fiel possível como se os dados e informações falassem por si próprios. Na análise do

pesquisador o objetivo é ir além do descrito, uma vez que ele faz uma decomposição dos dados

buscando relações entre as partes decompostas. Na interpretação, que pode ocorrer após a análise ou

a descrição, o pesquisador intenta buscar os sentidos das falas e das ações para, então, ele chegar à

compreensão e explicação do fenômeno indo além da descrição e da análise.

Na pesquisa qualitativa também há uma preocupação com o processo e não apenas com os

resultados e o produto da pesquisa. Neste sentido, contempla o desenvolvimento do fenômeno não

apenas no modo como ele se apresenta na atualidade para o pesquisador durante o início da

pesquisa como também aprofunda em sua estrutura íntima, latente, muitas vezes não visível, a

simples observação e reflexão, tendo preocupação também com as forças decisivas responsáveis

pelo seu desenvolvimento e características.

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Para Triviños (2008), na pesquisa qualitativa, orientada pelo enfoque do materialismo

dialético, o pesquisador parte o pressuposto teórico básico de que o fenômeno que está sendo

estudado é real e concreto e tem sua própria realidade fora das consciências dos sujeitos. Neste

sentido, o pesquisador tende a enfocar o fenômeno indutivamente.

Entretanto, na medida em que o pesquisador vai conhecendo a aparência e a essência do

fenômeno, isto requer um suporte teórico, portanto atua também dedutivamente. Em outros termos,

segundo Triviños (2008, pp. 129-130): “[...] o fenômeno social é explicado num processo dialético

indutivo-dedutivo. E compreendido em sua totalidade, inclusive, intuitivamente”.

Para Triviños (2008), a questão do significado deve fazer parte da pesquisa qualitativa.

Entretanto, o significado dentro da perspectiva do materialismo dialético não se circunscreve às

visões relativamente simples, superficiais e estéticas. O pesquisador deve ir às raízes do fenômeno e

buscar as causas da sua existência, do seu desenvolvimento, suas relações dentro de um quadro

amplo e complexo, na qual o sujeito é visto como um ser histórico e social e “[...] tratando de

explicar e compreender o desenvolvimento da vida humana e de seus diferentes significados no

devir dos diversos meios culturais” (TRIVIÑOS, 2008, p. 131).

4.2 O LÓCUS DA INVESTIGAÇÃO

A presente investigação configura-se como estudo de caso. Para Triviños (2008, p. 133)

“Entre os tipos de pesquisa qualitativa característicos, talvez o Estudo de Caso seja um dos mais

relevantes.”.

Segundo Triviños (2008), o estudo de caso é um procedimento de pesquisa cujo objeto ou

fenômeno é uma unidade, e tem como objetivo o aprofundamento descritivo/analítico de uma

determinada realidade educativa. Ainda segundo o autor, “[...] a complexidade do exame aumenta à

medida que se aprofunda o assunto” (TRIVIÑOS, 2008, p.134).

Para Lanville e Dione (1999, p. 157) uma das grandes contribuições do estudo de caso reside

“[...] na possibilidade de aprofundamento que ele oferece”, uma vez que, ao utilizar-se desse tipo de

estudo, o investigador opta por investigar um determinado fenômeno que passa a ser estudado a

partir de um contexto específico. Contudo, os resultados gerados nesse contexto específico, em que

a investigação se desenvolve, podem, ou não, corresponder a outras realidades educacionais,

dependendo da relação que se faz dos resultados gerados pela investigação com outras práticas e

realidades socioeducativas.

De acordo com Yin (2005) apud Gil (2009, p. 58) “o estudo de caso é um estudo empírico

que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre o

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132

fenômeno e o contexto não estão claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de

evidências”.

Portanto, entende-se que a presente investigação está inserida dentro das características do

estudo de caso, uma vez que limitou-se a estudar um determinado fenômeno a partir de uma

realidade educacional “específica”, quer seja: as práticas de letramento digital de professores e

alunos, desencadeadas por meio dos usos de computadores e da internet no laboratório de

informática de um colégio público estadual de Anápolis–GO.

A instituição escolar, escolhida como lócus da investigação, é um colégio público estadual,

localizado na região central do município de Anápolis no Estado de Goiás. A escolha desse Colégio

para a realização dos trabalhos empíricos se justifica em função de aspectos geográfico-

econômicos.

Nos aspectos geográficos-econômicos, a escolha deste colégio aconteceu em função de que

o autor dessa investigação reside e exerce funções profissionais na mesma cidade em que o colégio

está inserido, ou seja, Anápolis e, por este motivo, os custos financeiros para a realização desta

investigação encontravam-se dentro do orçamento pessoal do investigador, uma vez que não

recebeu nenhum tipo de incentivo financeiro para a realização desta investigação.

Segundo informações do Museu Virtual da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e do

Projeto Político Pedagógico da Instituição Escolar, o colégio foi criado para suprir necessidade da

população Anapolina no sentido de ter, na cidade, uma instituição escolar que formasse normalistas

para atuarem na educação básica da região. Por intermédio do, então, deputado estadual do Partido

Trabalhista Brasileiro (PTB) Luiz Fernando da Silva, foi elaborado, nos fins de 1957, um projeto de

lei solicitando a criação de uma escola normal estadual, com sede em Anápolis.

Nesse mesmo ano, esse projeto foi remetido à Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

Em 25 de outubro do mesmo ano é aprovado o Decreto de n. 1.652 que cria, legalmente, a Escola

Normal de Anápolis. De acordo com o Projeto Político Pedagógico do Colégio, na sua origem esse

colégio recebeu, inicialmente, a denominação de Escola Normal de Anápolis.

Entretanto, ainda que criada legalmente por meio do decreto de n. 1652, de 25 de outubro de

1957, a então Escola Normal de Anápolis, começou a funcionar, de fato, a partir de fevereiro de

1958, “[...] quando Dr. Feliciano Ferreira, secretário estadual de educação da época, autoriza a

realização dos “exames de vestibular” para a seleção dos alunos interessados em ingressar no curso

Normal” (MUSEU VIRTUAL DA UEG, [s.d]).

A troca da denominação “Escola” para “Colégio” estadual ocorreu no ano de 1978, quando a

Instituição Escolar passou por um processo de reestruturação curricular, em decorrência da vigência

da Lei n. 5692/71.

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Segundo informações do Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio e do Museu Virtual

da UEG, até o final de 1977, na então “Escola” Normal, só era oferecido o ensino de segundo grau,

atual Ensino Médio, na modalidade normal. Dessa forma, desde a sua criação, até essa data, essa

Instituição Escolar é denominada de “Escola” e não de “Colégio” estadual.

Com a vigência da Lei n. 5692/71, em que institui-se a denominação ensinos de 1º e 2º

Graus às escolas brasileiras, a Instituição Escolar passa a oferecer, além do Curso Normal em nível

de 2º Grau, também o ensino de primeiro grau, atual Ensino Fundamental. Com isto, ela passa a

receber a denominação de “Colégio Estadual” e não mais de “Escola Normal”.

No ano de 2006, em decorrência da vigência da Lei n. 9.394/96, novamente o Colégio

Estadual passa por um processo de reestruturação curricular em que são extintos, da sua matriz

curricular, a primeira fase do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e o Curso Normal em nível médio.

Desde esse período, então, no Colégio são oferecidas a segunda fase do Ensino Fundamental

(do 6º ao 9º de ano) e o Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o

Ensino Médio na modalidade propedêutica.

Encontram-se regularmente matriculados em 2012, 1105 alunos nos cursos de níveis

fundamental e médio. Esses cursos são ministrados nos períodos matutino e noturno, sendo que, a

maior parte das matrículas, encontra-se efetivada na Educação de Jovens de Adultos, conforme

demonstra tabela a seguir:

Tabela 1- Quantidade de alunos matriculados

Níveis de Ensino Matriculados- 2012

Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano, EJA 470

Ensino Médio – “Regular” 229

Ensino Médio – EJA 406

Total de Matriculados 1105

Fonte: Secretaria do Colégio Estadual pesquisado, 2012

Ainda em relação ao ano de 2012, 32 professores constituem o quadro docente do colégio e

todos possuem cursos de licenciatura plena nas diversas áreas do conhecimento.

De um modo geral, a estrutura física do colégio encontra-se similar aos padrões de outros

colégios estaduais públicos localizados nas proximidades da região central de Anápolis.

O interior da instituição escolar se constitui, basicamente, de: 18 salas de aula localizadas

em dois pavilhões, sendo que, cada uma delas tem capacidade para atender até 45 alunos; sete

banheiros sanitários; duas cozinhas; um depósito para armazenamento da merenda escolar; uma

biblioteca; uma quadra esportiva coberta; um anfiteatro; um auditório; um almoxarifado; uma

secretaria, e; salas dos professores, da coordenação pedagógica, da diretoria e de vídeo.

O colégio estadual conta, ainda, com um laboratório de informática, espaço em que foram

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realizadas observações sistemáticas sobre as práticas de letramento digital de professores e alunos

quando desenvolviam atividades pedagógicas por meio dos usos de computadores e da internet.

O laboratório de informática do colégio possui 23 computadores, todos ligados à internet. Ar

condicionado, quadro de giz, televisão, Datashow, retroprojetor e aparelho de DVD também fazem

parte do ambiente informatizado.

O laboratório de informática do colégio funciona desde o início de 2008 e o sistema

operacional dos computadores é o Linux. No ambiente, encontram-se cartazes afixados nas paredes

e neles estão escritas frases que passam uma visão otimista em relação aos usos do computador e da

internet. Entre as frases contidas nos cartazes, destacam-se: “Aqui a informática acontece com a

evolução da tecnologia”, “Esse espaço é prá você aprender mais.”, e “A inclusão digital começa por

aqui e quando você acessa a internet”.

A utilização do laboratório de informática do colégio é agendada pelo professor com pelo

menos três dias de antecedência em relação ao dia de realização de suas aulas. Para isto, no local

está disponível uma agenda onde os professores podem consultar a disponibilidade do local bem

como reservá-lo para a realização das suas aulas.

Figura 1 - Foto do Laboratório de Informática do Colégio

Fonte: Autor da Pesquisa, 2011.

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135

4.3 OS PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS

No âmbito do estudo de caso, foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos de

pesquisa: a) análise documental do PPP do colégio; b) realização de observações das práticas de

letramento digital de professores e aluno, quando estes desenvolviam atividades pedagógicas no

laboratório de informática do colégio usando o computador e a internet; c) realização de entrevistas

semiestruturadas e estruturadas com três professoras do universo estudado.

Os dados e materiais, gerados com a utilização destes procedimentos metodológicos,

constituíram-se no corpus da pesquisa e foram analisados à luz da Análise de Conteúdo.

Nas páginas que se seguem, neste capítulo, será apresentado um pouco mais sobre as

escolhas dos procedimentos metodológicos com suas respectivas fundamentações teóricas.

4.3.1 As observações sobre as práticas de letramento digital desenvolvidas no laboratório de

informática do Colégio

Segundo Triviños (2008), uma das técnicas mais utilizadas para a realização da coleta de

dados é a observação. Este tipo de técnica permite observar o fenômeno que está sendo pesquisado

atentando-se às suas características e aos acontecimentos que o cercam.

Ainda, de acordo com Triviños (2008, p. 153), a observação não corresponde somente a

olhar o fenômeno que esta sendo estudado. Na observação, dentro de uma realidade que é

indivisível, isolam-se ou agrupam-se fenômenos para assim “descobrir seus aspectos aparenciais e

mais profundos até captar, se for possível, sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao

mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações, etc.”

Na investigação, em questão, parte das observações sobre as práticas de letramento digital

de professores e alunos foram realizadas durante o desenvolvimento da Pesquisa “LEITURA NA

TELA – compreender a leitura virtual de professores e estudantes da educação básica e formar para

os novos tempos”. Essa pesquisa foi desenvolvida no período de março de 2008 a novembro de

2010 e envolveu pesquisadores e estudantes de diversas áreas do conhecimento. Para o seu

desenvolvimento, contou com o apoio da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Secretaria de

Educação do Estado de Goiás (SEDUC-GO) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq), este último órgão foi financiador da pesquisa.

Em relação ao trabalho empírico da pesquisa “Leitura na Tela”, segundo Toschi et al. (2010,

p. 17), “A coleta de dados foi feita em 18 escolas, em quatro cidades de Goiás – Anápolis (9), São

Luiz de Montes Belos (5), Inhumas (2), São Miguel do Araguaia (2)”. Muitas dessas escolas situam-

se em localizações geográficas muito extremas em relação ao local de onde eram coordenadas as

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ações para a realização dos trabalhos da pesquisa (UnUCSEH/Anápolis). Diante deste fato, o

deslocamento para a realização da coleta e análise dos dados empíricos em algumas escolas

distantes de Anápolis foi realizado levando-se em consideração, principalmente, a disponibilidade e

o domicilio de cada pesquisador, envolvido com a investigação.

Como o autor desta investigação reside em Anápolis e dispunha, na época, de pouco tempo

para a realização de viagens longas, em função de que cursava disciplinas do doutorado, ficou,

então, responsável em coletar dados empíricos da Pesquisa “Leitura na tela” em dois colégios

situados em Anápolis.

Um destes colégios estaduais, localizados em Anápolis em que o autor desta investigação

coletou dados empíricos na Pesquisa “Leitura na Tela”, foi delimitado como lócus deste estudo.

Com as observações realizadas sobre as práticas de letramento digital de professores e alunos no

laboratório de informática deste colégio, é que surgiram as primeiras indagações que deram origem

a investigação aqui, denominada, de “Letramento Digital e Neotecnicismo Pedagógico”.

Os dados e as informações que surgiram por meio das observações sobre as práticas de

letramento digital dos professores e alunos, que faziam usos pedagógicos do computador e da

internet no laboratório de informática do colégio, foram anotados em um diário de campo. Triviños

(2008, p.154) refere-se a “anotações de campo” que, num sentido restrito do termo, podem ser

consideradas como todas as observações e reflexões que o pesquisador faz, envolvendo expressões

verbais e não verbais e ações diversas dos sujeitos. Assim, entendeu-se que o diário de campo podia

ser muito útil na realização desta parte empírica da investigação, uma vez que essa técnica é muito

usada pelos pesquisadores para a anotação de trabalhos empíricos.

Foram observadas, e anotadas no diário de campo, o modo como as práticas de letramento

digital de professores e alunos estavam sendo desenvolvidas durante as aulas de Matemática,

Biologia e Língua Portuguesa, em que estavam sendo utilizados pedagogicamente o computador e a

internet no laboratório de informática do colégio.

Também, foram observados alguns momentos em que alunos se deslocaram para o

laboratório de informática do colégio para buscar na internet informações para a elaboração de

trabalhos solicitados pelos professores de Filosofia, Biologia e Arte. Nestes momentos de idas ao

laboratório de informática do colégio esses alunos estavam desenvolvendo práticas de letramento

digital por meio dos computadores e da internet.

O tempo total de realização das observações das práticas de letramento digital de professores

e alunos no laboratório de informática do colégio foi de, aproximadamente, 30 horas.

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Figura 2- Foto da Capacitação da Pesquisa “Leitura na Leitura”

Fonte: Autor da Pesquisa, 2010.

4.3.2 Realização das entrevistas e a aplicação de questionário junto às professoras

Como forma de atingir os objetivos da investigação foram realizadas, também, entrevistas

semiestruturadas e aplicação de questionário estruturado junto a três professoras que lecionam no

colégio escolhido como lócus para a realização da presente investigação.

A escolha dessas três professoras para a realização das entrevistas semiestruturadas e

aplicação de questionário estruturado se justifica pelo fato de que, no decorrer da investigação, elas

tiveram suas práticas de letramento digital observadas quando desenvolviam, juntamente com seus

alunos, atividades pedagógicas por meio dos computadores e da internet no laboratório de

informática do colégio. Neste sentido, é importante frisar que a observações das práticas de

letramento digital, realizadas no laboratório de informática do colégio, é que conduziram a seleção

das professoras, colaboradoras nessa investigação.

Segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 199), a entrevista é caracterizada pelo “[...] encontro

de duas, ou mais pessoas, a fim de que uma dela obtenha informações a respeito de determinado

assunto.”

As entrevistas foram realizadas nas próprias dependências do Colégio e foram agendadas

com antecedência mínima de 15 dias, respeitando a disponibilidade de cada professora em nos

atender. O tempo total de realização das entrevistas foi de aproximadamente duas horas.

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A realização das entrevistas semiestruturas aconteceu por meio da gravação das respostas

das professoras entrevistadas em áudio. Para tanto, utilizou-se um formulário elaborado pelo

pesquisador que continham perguntas abertas que serviram de base para iniciar os diálogos com as

professoras entrevistadas (Apêndice A). Na medida em que os diálogos foram acontecendo, outros

questionamentos, a partir do que as professoras “falavam”, foram sendo provocados durante a

realização das entrevistas.

Para Triviños (2008, p. 146), “a entrevista semiestruturada oferece todas as perspectivas

possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a

investigação”. Ainda de acordo como o autor, esse tipo de entrevista possibilita o esclarecimento de

pontos “escuros” dos dados, sempre apoiados em teorias e hipóteses que fazem parte do interesse da

investigação.

Para Marconi e Lakatos (2003), o formulário é considerado um dos instrumentos essenciais

para a realização de pesquisas na área social “[...] cujo sistema de coleta de dados consiste em obter

informações diretamente do entrevistado”. Em outras palavras: “o que caracteriza o formulário é o

contato face a face entre pesquisador e informante e ser o roteiro de perguntas preenchido pelo

entrevistador numa situação face a face com outra pessoa” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 195).

Em seguida à realização das entrevistas semiestruturas, foram iniciadas o processo de

transcrição das “falas” das professoras que haviam sido gravadas em áudio. Por opção do

pesquisador desta tese, o processo de transcrição das “falas” das professoras entrevistadas ocorreu

de forma artesanal.

Outro procedimento metodológico que foi utilizado durante a investigação para coletar

dados junto às professoras entrevistadas, por meio das entrevistas semiestruturadas, foi o

questionário estruturado.

Para Marconi e Lakatos (2003, p. 184), o questionário é um instrumento para coleta de

dados, que se constitui de uma série de questionamentos e “[...] que devem ser respondidos por

escrito e sem a presença do entrevistador”. Na modalidade estruturada ou fechada, o questionário

pode ser utilizado pelo pesquisador para “[...] caracterizar um grupo de acordo com seus traços

gerais (atividades ocupacionais, nível de escolaridade, estado civil, função que desempenha etc.)”

(TRIVIÑOS, 2008, p. 137).

O questionário estruturado foi respondido pelas mesmas professoras que participaram das

entrevistas semiestruturadas. Ele foi entregue as estas logo após a realização das entrevistas

semiestruturadas e foi devolvido ao pesquisador em no máximo cinco dias após a realização das

entrevistas face a face. A ideia de aplicar o questionário estruturado para as professoras surgiu

numa tentativa de caracterizar as colaboradoras da pesquisa.

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139

As três professoras, colaboradoras da investigação, possuem, respectivamente, as seguintes

habilitações acadêmicas: a) professora 1- Biologia; b) Professora 2 - Letras; c) Professora 3-

Matemática.

Nos quadros a seguir, apresentam-se: a caracterização socioeconômica, o perfil em relação

ao letramento digital e o nível de conhecimento em relação à definição de letramento digital e

neotecnicismo das professoras, colaboradoras do estudo.

Quadro 1- Caracterização Socioeconômica das Colaboradoras da Investigação

COLAB S IDADE FORM. EXPERIÊNCIA FILIAÇÃO A

SINDICATO

PERÍODOS DE

TRABALHO

RENDA

SALARIAL

Profa. 1 F 45 ESPEC. 25 NÃO NOT. R$3.600,00

Profa. 2 F 42 ESPEC. 20 NÃO MAT. E NOT. R$4.300,00

Profa. 3 F 37 ESPEC. 08 NÃO MAT. E NOT. R$ 3.500,00

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Como demonstra o quadro acima, todas as professoras entrevistadas são do sexo feminino e

possuem formação em nível de especialização. A idade delas varia entre 37 a 45 anos idade e o

tempo de experiência que possuem no magistério é de, no mínimo, oito anos. Todas as professoras

entrevistadas responderam, também, não serem filiadas a sindicato. A faixa salarial que recebem

fica em torno de 5.6 salários mínimos. A jornada de trabalho no colégio é, em sua maioria, de dois

períodos.

Quadro 2 - Perfil Envolvendo o Letramento Digital das Colaboradoras

Colaboradoras

?

Profa. 1 Profa. 2 Profa. 3

Possui computador/Quantos Sim. 01 Sim. 01 Sim: 01

Frequência de uso do computador Diariamente Diariamente Diariamente

Considera o uso do computador e da internet no

contexto atual

Imprescindível Imprescindível Imprescindível

Usa a internet com mais frequência para acessar e-mail e redes

sociais

e-mail e redes

sociais

e-mail e redes

sociais

Fez curso de atualização profissional de

computador/internet. Quantos

Sim. 2 a 4 Sim. 1 Sim. Acima 5

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Como ilustra o quadro acima, todas as professoras entrevistadas disseram considerar que o

uso dos computadores e da internet no contexto social atual é imprescindível. Todas possuem pelo

menos um computador pessoal e acessam diariamente a internet.

Em relação aos usos da internet, as colaboradoras afirmaram que os gêneros digitais que

mais acessam são os sites que possuem e-mail e as redes sociais. Inicialmente, pode-se inferir que

as três professoras demonstram preocupação em relação aos usos das tecnologias digitais,

especialmente no que tange aos usos do computador e da internet, uma vez que todas participaram

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de pelo menos um curso de atualização profissional na área da computação.

Esses dados são considerados importantes, pois, a partir deles, pode-se inferir que as

colaboradoras da pesquisa desenvolvem práticas de letramento digital em seus computadores

pessoais.

Quadro 3 - Se Sabiam o que são: 1-Neotecnicismo Pedagógico; 2- Letramento Digital

COLABORADORAS RESPOSTAS.

Profa. 1 1-Não. 2-Não

Profa. 2 1-Não. 2-Não

Profa. 3 1-Não. 2-Não Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Como o objetivo da pesquisa foi analisar quais eram os pressupostos teóricos e pedagógicos

que orientavam as práticas de letramento digital de professores e alunos quando esses faziam usos

do computador e da internet no laboratório de informática do colégio, almejou-se saber também se

as professoras entrevistadas tinham, ou não, uma definição em relação à letramento digital e a

neotecnicismo pedagógico.

As três professoras entrevistadas assinalaram que não sabiam o que eram neotecnicismo

pedagógico e nem letramento digital. Esta informação causou certa preocupação, uma vez que o

nível de formação acadêmica delas é considerado razoável, pois todas concluíram curso de pós-

graduação lato-senso e, em tese, elas deveriam, no mínimo, ter adquirido noção básica em relação a

esses dois termos.

4.3.3 Análise do projeto político pedagógico do colégio

Segundo informações fornecidas pelos professores e pela coordenadora pedagógica da

instituição escolar definida como lócus desta investigação, o Projeto Político Pedagógico do colégio

estadual começou a ser elaborado em 2007. Na sua fase de elaboração, foram realizados encontros

para estudos, debates e encaminhamentos acerca dos fundamentos teórico-práticos e das diretrizes

que constituiriam e norteariam o trabalho pedagógico-administrativo do colégio. Em função das

várias modificações curriculares ocorridas, fruto das reformas políticas nacional e estadual, todos os

anos ele passa por reformulações e atualização.

Na sua versão atual, 2012, o PPP do colégio está estruturado em 14 capítulos, sendo: I-

Identificação da Escola; II- Histórico da Criação; III- Diagnóstico e Caracterização da Situação

Atual; IV- Tipo de Sociedade que se quer Construir e o Papel da Escola na Formação desse

Cidadão; V- Concepção de Educação; VI- Princípios que Fundamentam a Proposta e Diretrizes de

Convivência Social; VII- Estrutura Organizacional da Instituição; VIII- Organização

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Administrativa, Pedagógica e dos Serviços de Apoio; IX- Organização do Ensino; X- Registro

Escolar e Documentação; XI-Aperfeiçoamento Profissional; XII- Acompanhamento e Avaliação das

Ações Empreendidas; XIII- Bibliografia, e XIV- Anexos.

Assim, porque analisar o Projeto Político Pedagógico do colégio, além das observações das

práticas de letramento digital, realizadas no laboratório de informática, e das transcrições das

entrevistas realizadas com as professora colaboradores da investigação? No que este “material”

pode ajudar na compreensão do objeto desta investigação, ou seja, na compreensão dos

pressupostos teóricos e pedagógicos que orientam as práticas de letramento digital de professores e

alunos, quando estes fazem usos do computador e da internet no laboratório de informática do

colégio?

A escolha por analisar, também, o Projeto Político Pedagógico do colégio justifica-se por

dois motivos, sendo um de ordem empírica e outro de ordem teórica que serão explicitados a seguir.

De ordem empírica

No início da realização dos trabalhos empíricos no Colégio, recebeu-se informação da

coordenadora pedagógica da instituição escolar de que os professores, antes de ministrarem aulas no

laboratório de informática, planejavam as suas atividades pedagógicas, apoiando-se em

pressupostos teóricos e pedagógicos do PPP do colégio.

Partindo da premissa básica de que os professores planejavam suas atividades pedagógicas a

serem realizadas no laboratório de informática com base nos pressupostos do PPP, iniciou-se, então,

a realização de leituras flutuantes deste material.

Na medida em que se avançava na análise do PPP do Colégio, descobriu-se que nele

mencionava-se um projeto denominado “Laboratório de Informática”, ao qual todas as disciplinas,

no âmbito do ensino e aprendizagem, deveriam vincular-se a ele. (PPP, 2012, p. 171).

Com base nessa informação analisada no PPP do colégio, e acreditando inicialmente na

existência de um projeto de laboratório de informática que abarcasse os fundamentos teóricos e

metodológicos e que orientassem as práticas de letramento de digital dos professores e alunos, este

pesquisador retornou ao colégio e perguntou à coordenadora pedagógica da instituição escolar se

este poderia ter acesso ao “documento-projeto” “Laboratório de Informática”, mencionado no PPP

do colégio.

Como resposta a indagação, a coordenadora pedagógica informou que os fundamentos

teóricos e metodológicos do projeto “Laboratório de Informática” estavam respaldados no próprio

PPP do colégio e que a Instituição escolar não havia elaborado especificamente esse projeto,

mencionado no PPP.

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A informação de que os professores fundamentavam seus planejamentos didáticos, para as

aulas serem ministradas no laboratório de informática do colégio, no Projeto Político Pedagógico,

pôde ser constatada durante a análise das entrevistas semiestruturadas realizadas com as três

professoras da instituição.

Segundo relatos das professoras entrevistadas3:

Não tinha muito documento sobre ele (projeto no laboratório), mas nós íamos no PPP do

colégio e com base nele nós dávamos aulas no laboratório. [...] Sempre que um professor

leva a sua turma de alunos para fazer uso, seja do computador ou da internet, ele tem que

fazer realmente um bom planejamento com base no PPP do colégio. Eu, sinceramente,

sempre que planejo as aulas que vão acontecer no laboratório de informática, eu formulo

sempre esses objetivos. Daí, vou sempre ao PPP do Colégio (PROFESSORA 1).

Então, a gente recorre ao projeto pedagógico do Colégio para planejar as aulas no LI

(PROFESSORA 2).

Nós temos um projeto que acontece no laboratório de informática daqui. Para isto, o

projeto pedagógico do Colégio nos ajuda na hora de planejar aulas que vão acontecer

também no laboratório (PROFESSORA3).

Apoiando-se nas informações obtidas junto à coordenadora pedagógica e nos relatos das

professoras entrevistadas, inferiu-se, então, que, no âmbito da organização do trabalho pedagógico

no laboratório de informática do colégio, as práticas de letramento digital de professores e alunos se

desenvolvem por meio do projeto “Laboratório de Informática” cujos fundamentos teóricos e

pedagógicos estão respaldados no PPP do Colégio.

Neste sentido, entendeu-se ter sido importante analisar o Projeto Político Pedagógico do

colégio, uma vez que foram analisados dados fornecidos pela coordenadora pedagógica e pelas

professoras entrevistadas de que as práticas de letramento digital desenvolvidas por meio do

computador e da internet no laboratório de informática da instituição, poderiam estar sendo

subsidiadas por pressupostos teóricos e pedagógicos contidos no PPP da instituição escolar.

De ordem teórica

O Projeto Político Pedagógico Escolar, segundo Veiga (2008, p. 13), é entendido como a

própria organização do trabalho escolar e está relacionado a dois níveis de organização escolar: [...]

“com a organização da escola como um todo e com a organização da sala de aula, incluindo sua

relação com o contexto social imediato, procurando preservar a visão de totalidade” . Neste sentido,

trabalhar com a noção de projeto significa dar um rumo ou direção ao fazer educativo, traduzindo-

se em ações intencionais e explícitas, permeadas por compromissos coletivamente definidos.

3 Os relatos das professoras foram mantidos e transcritos mantendo suas originalidades, assim, permanecerão, também,

os erros e a coloquialidade apresentada por elas.

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Veiga (2003; 2005), infere que, dependendo das condições sociopolíticas e culturais em que

ocorre a construção e implementação do PPPE, seu processo pode estar fundamentado em, pelo

menos, duas perspectivas: a perspectiva regulatória ou técnica e a perspectiva emancipatória ou

edificante.

A perspectiva regulatória ou técnica de PPPE apoia-se em princípios normativos e alicerça-

se numa concepção de ciência conservadora sendo que, o mais importante, nessa visão de PPP, são

os resultados quantificáveis atingidos, via processos burocráticos e de padronização.

Segundo Veiga (2003, p. 272), o PPPE, embasado na perspectiva regulatória ou técnica,

“[...] está voltado para a burocratização da instituição educativa, transformando-a em mera

cumpridora de normas técnicas e de mecanismos de regulação convergentes e dominadores.”,

estando atrelado ao discurso do planejamento estratégico-empresarial e serve de controle “[...] de

técnicas, de manobras e de estratégias que emanam de vários centros de decisões [...]” (VEIGA,

2005, p. 47).

Durante a construção do PPP, a perspectiva regulatória ou da técnica não leva em

consideração as reais vivências e necessidades das escolas, em suas peculiaridades e resume-se à

apenas um documento escolar “pronto e acabado”, que tende a perpetuar o “instituído”, com ênfase

na “[...] dimensão técnica, em detrimento das dimensões políticas e socioculturais” (VEIGA, 2003,

p. 271).

Como alternativa à concepção de PPPE fundamentada na perspectiva da regulação e da

técnica, Veiga (2003, 2005) propõe a concepção de PPPE numa perspectiva emancipatória ou

edificante. Esta concepção visa superar a visão conservadora de PPPE e extrapolar o centralismo

burocrático, característica da perspectiva regulatória ou técnica de PPPE, defendendo ser de vital

importância o envolvimento consciente das diferentes instâncias que constituem o campo da

educação, incluindo a comunidade escolar, na construção do seu PPP, “[...] exprimindo sua

intencionalidade pedagógica, cultura, profissional e construindo um modelo de gestão que podemos

entender como democrático” (VEIGA, 2005, p. 55).

Diferentemente da concepção regulatória ou técnica, o PPPE na perspectiva da emancipação

ou edificação, não se resume a um simples documento escolar pronto e acabado, “[...] mas na

consolidação de um processo de ação-reflexão-ação que exige o esforço conjunto e a vontade

política do coletivo-escolar” (VEIGA, 2005, p. 56).

Segundo Veiga (2003, pp. 273-274), o PPPE, na perspectiva emancipatória e edificante, não

assenta sua concepção de inovação nos fundamentos de evolução, reforma, invenção ou mudanças,

como entende a perspectiva regulatória ou técnica de PPPE. Isto porque essa concepção de

inovação, fundamentada na regulação e técnica, apenas provoca “inovações metodológicas na

escola”, reproduzindo o mesmo sistema, só que parcialmente modificado.

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A concepção de inovação, na perspectiva emancipatória ou edificante, envolve ruptura com

o status quo e com o institucional, “[...] significando a construção dos projetos pedagógicos para

atingir objetivos, no âmbito de uma determinada instituição educativa.” (VEIGA, 2003, 274).

Como a construção, a implementação e a avaliação do PPPE envolvem uma produção coletiva de

todos os sujeitos envolvidos com o processo educativo, o PPPE, fundamentado na visão

emancipatória e edificante, vai além de uma simples inovação metodológica na escola, provocando

rupturas epistemológicas.

Veiga (2005) assinala que, assumir o PPPE, fundamentado na perspectiva emancipatória ou

edificante, requer que todos os sujeitos envolvidos com o campo da educação concebam a escola

dentro de uma visão emancipadora e cidadã “[...] que deverá ser estatal, enquanto ao

funcionamento, democrática, quanto à gestão e pública quanto à destinação” (2005, p. 55, grifo da

autora).

A autora infere, ainda, que, o PPPE à luz da visão emancipatória e edificante, precisa ser

contextualizado dentro de uma concepção de instituição educacional/escolar, não considerada

apenas como reprodutora das relações socioeconômicas capitalistas mas, também, como “[...] uma

instituição de confronto, de resistência e proposições de inovações [...]”, e que produzam rupturas

numa tentativa de romper com a clássica separação entre concepção e execução, divisão própria da

organização do trabalho fragmentado sob a ótica capitalista (VEIGA, 2003, p. 278).

Entendendo o PPP do colégio como um “guia”, que traduz os interesses e as necessidades da

comunidade escolar, expressando também as concepções pedagógicas que orientam as práticas

educativas dos docentes e discentes, pode-se inferir que as práticas de letramento digital podiam

estar sendo desenvolvidas, subsidiadas por pressupostos teórico-metodológicos, filiados a essas

mesmas concepções pedagógicas, expressas no PPP do colégio.

4.3.4 Procedimento de análise dos dados: a análise de conteúdo

Os protocolos e registros, sobre o desenvolvimento das práticas de letramento digital de

professores e alunos quando esses faziam usos do computador e da internet no laboratório de

informática do colégio; as transcrições das “falas” das professoras, obtidas por meio da realização

das entrevistas semiestruturadas e estruturadas; e o Projeto Político Pedagógico do colégio, após

passarem por um processo de tratamento inicial de análise, constituíram-se no corpus desta

investigação e foram analisados à luz da Análise de Conteúdo.

A Análise de Conteúdo, segundo Triviños (2008, p. 160), é considerada como um

procedimento de investigação científica que abarca uma série de outras técnicas, e que, quando

concebida dentro do referencial teórico crítico, possibilita o investigador, a desvendar as ideologias

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145

e os interesses que podem estar presentes, explícitos ou não, nos materiais a serem estudados.

Franco (2008, p. 23) entende o conceito de Análise de Conteúdo semelhante ao de Triviños

(2008) quando infere que ela é considerada um procedimento de pesquisa que se situa em um

delineamento mais amplo da teoria da comunicação, tendo como ponto de partida a mensagem, que

pode ser verbal (oral e escrita), gestual, silenciosa, figurativa, documental ou diretamente provocada

e que permite ao pesquisador fazer inferências sobre qualquer um dos elementos da comunicação.

O investigador que se utiliza da Análise de Conteúdo deve ir além da mera descrição das

características da mensagem, pois, e desta forma, pouca contribuição pode fornecer para a

compreensão das características dos seus produtores. Do contrário, ou seja, quando a análise dos

dados é direcionada a indagações sobre as causas ou os efeitos da mensagem, a Análise de

Conteúdo cresce em significados, uma vez que, desta forma, considera-se as condições contextuais

de seus produtores que envolvem a evolução histórica da humanidade e as situações econômicas e

socioculturais nos quais os emissores estão inseridos.

Para Franco (2008, p. 28), o investigador que se apoia na Análise de Conteúdo para a

realização das suas investigações deve iniciar o processo de análise do material levando em

consideração o conteúdo manifesto e explícito para evitar a possível condição de realizar uma

análise baseada, apenas, em um exercício equivocado e que pode redundar em situação de uma

mera projeção subjetiva.

Porém, alerta a autora, isso não significa que o investigador deva descartar, em suas análises,

o conteúdo oculto/latente das mensagens que, aliás, quando incorporado às análises tende a

valorizar, mais ainda, o material, especialmente se esse conteúdo oculto/latente for analisado e

interpretado tendo como parâmetros os contextos sociais e históricos no qual foi produzido.

A Análise de Conteúdo, segundo Triviños (2008) e Franco (2008), ambos apoiados

teoricamente em Bardin (1974), envolve três fases de operacionalização. A primeira, denominada de

pré-análise refere-se às técnicas que serão empregadas para a reunião das informações; a segunda,

intitulada de descrição analítica é momento de análise do material propriamente dita; e a terceira, e

última fase, denominada de interpretação inferencial, onde o investigador encontra-se bem próximo

da conclusão do trabalho.

Para Franco (2008, p. 51), a fase da pré-análise envolve, principalmente: a) a escolha dos

documentos a serem submetidos à análise; b) a formulação das hipóteses ou asserções iniciais a

cerca do problema levantado, e c) a definição dos objetivos e, por último, a elaboração de

indicadores que fundamentam a interpretação final da investigação.

Toda essa parte inicial do trabalho deve ser planejada, inclusive com a elaboração de um

plano de análise, como forma de preparar o material para ser explorado, fase essa caracterizada

como a da exploração do material, ou a análise propriamente dita.

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Contudo, é importante o investigador ter em mente que essas três fases da pré-análise não

precisam, necessariamente, serem seguidas dentro de uma ordem cronológica, pois uma fase pode

ser, ou não, subsequente à outra.

Nesta fase da pré-analise, ocorre, também, o que Bardin (1974, p. 96) denomina de “leitura

flutuante”, que é o momento em que o pesquisador realiza leituras não muito aprofundadas do

material, deixando-se envolver pelas impressões que o material possa fornecer.

Isto, segundo Bardin (1974), pode ajudar o pesquisador, por exemplo, na hora de definir os

objetivos e as hipóteses iniciais da análise.

Na seleção dos documentos, a serem submetidos à análise, Bardin (1974, p. 96) entende que

estes devem constituir-se em um “corpus de documentos” que, nas palavras da autora “[...] é o

conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos”

Para a seleção do corpus de documentos, a autora define três regras fundamentais: a)

exaustividade – levar em conta todos os elementos do corpus; b) representatividade – possibilidade

da análise ser realizada a partir de uma amostragem, considerada representativa do universo inicial

em que os resultados obtidos podem ser generalizados ao todo4; c) pertinência – quando os

documentos selecionados para a análise devem ser adequados e de modo que correspondam aos

objetivos da análise.

Ainda que sua formulação não ocorra sistematicamente na fase da pré-análise, as hipóteses

podem servir de “guias” para a realização das análises dos conteúdos. Para Bardin (1974, p. 98),

uma hipótese é uma afirmação provisória e “aberta” a reformulações, que o pesquisador se propõe a

verificar recorrendo aos procedimentos analíticos.

Os objetivos, que também devem constar no plano de análise, dizem respeito à finalidade

geral a que se propõe na investigação, e podem ser fornecidos pelo quadro teórico e/ ou pragmático,

no qual os resultados obtidos serão utilizados.

No que tange à escolha dos índices, estes estão relacionados com as hipóteses e podem ser

considerados como menções explícitas ou subjacentes de um tema numa mensagem, segundo

Bardin (1974, p.100). Neste momento de definição dos índices, observa-se com que frequência o

tema aparece nas análises e, isto, servirá de indicador para a presença dele na análise.

Os índices, presentes no material a ser analisado, servirão de indicadores de frequência. Para

Bardin (1974, p. 109), a frequência é a medida mais usada em Análise de Conteúdo e se apoia no

postulado de que “[...] a importância de uma unidade de registro aumenta com a frequência de

aparição”.

Contudo, Bardin (1974, p. 109) adverte que, se o pesquisador optar pelo tipo de medida

4 Bardin (1974, p. 97) chama atenção que “Nem todo material de análise é susceptível de dar lugar a uma amostragem,

e, nesse caso, mais vale abstermo-nos e reduzir o próprio universo e, portanto, o alcance da análise”.

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frequencial simples, sua escolha não deve ser automática, uma vez que ela se assenta no

pressuposto implícito de que” [...] a aparição de um item de sentido ou de expressão, será tanto mais

significativa- em relação ao que procura atingir na descrição ou na interpretação da realidade

visada- quanto mais esta frequência se repetir”. E, neste sentido, a regularidade quantitativa com

que aparece o “item” é aquilo que se considera como mais significativo em Análise de Conteúdo.

A preparação formal do material, ou a “edição” dele também faz parte dessa primeira fase da

Análise de Conteúdo. Para a autora, essa atividade da pré-análise “[...] pode ir desde o alinhamento

dos enunciados intactos, proposição por proposição, até à transformação linguística dos sintagmas,

para standartização e classificação por equivalência”. (BARDIN, 1974, p. 101).

A segunda fase da Análise de Conteúdo, intitulada descrição analítica, está relacionada com

a primeira fase (pré-análise), sendo o momento em que o material (conteúdo) é tratado de forma

mais aprofundada.

Para Bardin (1974, p. 103), tratar o material é codificá-lo e corresponde a uma

transformação dos dados “brutos” do texto, efetuada segundo critérios precisos. Essa transformação,

que envolve recorte, agregação e enumeração, permite ao investigador atingir uma representação ou

expressão do conteúdo susceptível de esclarecer ao investigador questões sobre as características do

texto, podendo, também, servir de indicadores.

De acordo com Bardin (1974, p.104), a organização da codificação compreende três

escolhas: a) o recorte, que é o momento da definição das unidades; b) a enumeração, definição das

regras de contagem e, c) a classificação/agregação, caracterizada pela definição das categorias.

A definição das unidades de análises, para Bardin (1974), divide-se em unidades de registro

e unidades de contexto. As unidades de registros dizem respeito à significação das mensagens a

codificar e correspondem ao segmento do conteúdo.

Para Franco (2008, p. 41), as unidades de registro são consideradas a menor parte do

conteúdo, podendo ser de diferentes tipos (palavra, frase, gestos, tema etc.) que, embora utilizadas

de forma inter-relacionadas e complementares, devem estar adaptadas à natureza e especificidades

da investigação.

Franco (2008, p. 46) entende que, não existe razão plausível que endosse a ideia de que em

Análise de Conteúdo o investigador tenha que se utilizar apenas de um tipo de unidade de registro.

Ao contrário, afirma a autora, os vários tipos de unidades de registro podem e devem ser

combinados, compartilhados e inter-relacionados como forma de assegurar a possibilidade de

análises e interpretações mais amplas e que levem em conta as variadas dimensões de sentido e de

significados, contidas nas mensagens analisadas.

A unidade de contexto, segundo Bardin (1974, p.107), “[...] serve de unidade de

compreensão para codificar a unidade de registro e, também, corresponde ao seguimento da

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mensagem”.

Franco (2008, p. 47) apoiando-se nas colocações de Bardin (1974), considera a unidade de

contexto como a parte mais ampla do conteúdo a ser analisado e a considera fundamental para a

necessária análise e interpretação dos textos a serem decodificados.

Para Bardin (1974, p. 108), a regra de enumeração diz respeito ao modo de como o

investigador fará a contagem dos índices de frequência, identificados nas mensagens analisadas do

material. Na verdade, essa forma de contagem dos índices, que aparecem no material analisado e

que podem servir de indicadores, já se encontra definida na fase de pré-análise da investigação. O

que o investigador realiza, nesta segunda etapa da Análise de Conteúdo, é a sua operacionalização.

Para Franco (2008, p. 59), a categorização em Análise de Conteúdo é uma operação de

classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação, seguida de um

reagrupamento baseado em analogias, a partir de critérios definidos.

Os critérios de categorização podem ser semânticos - categorias temáticas-; sintáticos -

verbos adjetivos -; léxicos - classificação das palavras, segundo o seus sentidos-; e, ainda,

expressivos. A definição das categorias de análise pode ocorrer a priori, ou seja, antes da realização

da descrição/análise do material e, ainda, posteriormente à análise do material. Nesta última forma,

a posteriori, as categorias de análise surgem dos dados analisados e implicam constantes idas e

voltas do material de análise à teoria, segundo Franco (2008, p.61).

Em se tratando de Análise de Conteúdo, Franco (2008, p. 67), apoiando nos pressupostos

teóricos de Bardin (1974), sugere alguns requisitos básicos para a criação de categorias de análise

sendo eles: a) a exclusão mútua - onde um único princípio de classificação deve orientar sua

organização; b) a pertinência- quando uma categoria está adaptada ao material de análise escolhido

ao quadro teórico definido; c) produtividade - quando as categorias possibilitam o fornecimento de

resultados férteis, com visualizações de índices de inferências, hipóteses/asserções novas e “[...]

dados considerados relevantes para o aprofundamento de teorias e para a orientação de uma prática

crítica, construtiva e transformadora” (FRANCO, 2008, p. 68).

A interpretação inferencial é a terceira e última fase da Análise Conteúdo, e é caracterizada

pelo momento em que se prossegue no estudo do material que se iniciou na primeira fase (pré-

análise) alcançada, a partir desta etapa, sua intensidade. Tendo o material empírico descrito

analiticamente (fase anterior), o pesquisador o interpreta/analisa estabelecendo relações, conexões

com realidades sociais mais amplas e complexas, em que o investigador não fica apenas na análise

do conteúdo manifesto, ele deve ir além disto, analisando também o conteúdo latente, vinculando-o

às relações, conexões, contradições.

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CAPÍTULO 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta parte do trabalho apresentam-se os resultados e as discussões gerados com a

realização da análise do corpus da investigação. Como explicitado no capítulo “metodologia”,

constitui o corpus de análise nesta investigação os seguintes documentos: a) os protocolos e

registros das anotações feitas no diário de campo, sobre o desenvolvimento das práticas de

letramento digital de professores e alunos quando esses faziam usos do computador e da internet no

laboratório de informática do colégio; b) transcrições das “falas” das professoras, obtidas por meio

da realização das entrevistas semiestruturadas; c) o projeto político pedagógico do colégio, e; d)

respostas ao questionário estruturado aplicado nas três professoras, colaboradas desta investigação.

No capítulo anterior foram apresentadas, também, as justificativas das escolhas dos materiais que

constituem o corpus da investigação.

Neste sentido, é que entendeu-se que a definição desse corpus poderia auxiliar no sentido de

analisar quais pressupostos teóricos e pedagógicos estariam subsidiando as práticas de letramento

digital de professores e alunos do colégio, este escolhido como lócus da investigação.

A partir do problema desta pesquisa que é descobrir se há uma relação causal ao

neotecnicismo e ao letramento digital, a pergunta-chave que orientou à análise foi: quais são os

pressupostos teóricos e pedagógicos que orientam as práticas de letramento digital de professores e

alunos, quando esses fazem usos dos computadores e da internet no laboratório de informática do

colégio?

Durante a investigação, foram definidos índices temáticos que serviram de apoio para a

busca de respostas no sentido de analisar quais pressupostos teóricos e pedagógicos que

subsidiavam as práticas de letramento digital dos sujeitos educativos no intuito de buscar respostas

para o problema desta pesquisa.

Para Bardin (1974), os índices temáticos são considerados como menções explícitas ou

subjacentes de um tema numa mensagem e que na sua definição observa-se com que frequência o

tema aparece nas análises sendo que isto servirá de indicador para a presença dele na análise do

material estudado.

Os índices temáticos escolhidos para a realização da análise do corpus foram: pressupostos

pedagógicos hegemônicos; pressupostos pedagógicos contra-hegemônico, e outros pressupostos

pedagógicos. A ideia de criar um índice denominado “outros pressupostos pedagógicos” surgiu em

função de entender que durante a realização da análise do “material” poderiam surgir pressupostos

teóricos e pedagógicos que não se caracterizariam nem como hegemônicos e nem como contra-

hegemônicos.

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150

A definição de índices temáticos ajudou, sobretudo, na verificação sobre que frequência as

unidades de registros analisadas indicavam a presença, ou não, dos pressupostos teóricos

pedagógicos, mencionados acima.

Historicamente, os pressupostos teóricos e pedagógicos considerados hegemônicos inserem-

se dentro das matrizes teóricas das tendências pedagógicas educacionais denominadas tradicional,

nova, tecnicista e neotecnicista. Essas tendências pedagógicas são consideradas hegemônicas

porque seguem orientações da classe dominante visando à conservação da sociedade para manter a

ordem existente e leva, em consideração, apenas os interesses dominantes visando hegemonizar o

campo educativo (SAVIANI, 2007b).

Em contrapartida, as propostas pedagógicas educacionais contra-hegemônicas são

entendidas como aquelas em que se inserem dentro das tendências pedagógicas educacionais cujas

orientações “[...] não apenas não conseguiram torna-se dominantes, mas que buscam intencional e

sistematicamente colocar a educação a serviço das forças que lutam para transformar a ordem

vigente visando instaurar uma nova sociedade” (SAVIANI, 2008a, p.170). No Brasil, ainda segundo

o autor, destacam-se as seguintes tendências pedagógicas contra-hegemônicas: libertadora,

libertária, crítico social dos conteúdos e a pedagogia histórico- crítica.

As unidades de registros foram selecionadas e analisadas e, durante o processo de análise

elas foram agrupadas em categorias temáticas. Para Franco (2008, p. 59), apoiada em Bardin

(1974), a categorização em Análise de Conteúdo é uma operação de classificação de elementos

constitutivos de um conjunto, por diferenciação, seguida de um reagrupamento baseado em

analogias, a partir de critérios definidos.

As categorias temáticas que possibilitaram analisar de forma mais sistemática quais os

pressupostos teóricos e pedagógicos que subsidiam as práticas de letramento digital de professores e

alunos são: conceito de educação; conceito de ensino; conceito de aprendizagem/formação;

conceito de aluno; capacidades e comportamentos; conceito de metodologia; o que é ler na tela do

computador; tipo de trabalho escolar produzido com as práticas de letramento digital; tipo de

relação estabelecida com as informações da internet; visões das práticas de letramento digital; para

que servem as práticas de letramento digital; para que não servem as práticas de letramento digital;

se o colégio ao usar o computador e a internet, forma o aluno para o mercado de trabalho.

Nos quadros 4, 5 e 6, representam as grades de leitura de cada “documento” analisado. O

quadro 7, que foi construído a partir dos quadros 4,5, 6, fornece uma visão mais sintética do corpus

analisado.

Nas páginas seguintes, apresentam-se as análises e as discussões, levando em consideração

cada categoria também apresentada nas tabelas abaixo.

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151

Quadro 4 - Grade de Leitura do Projeto Político Pedagógico do Colégio

PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS

UNIDADES DE ANÁLISE E CATEGORIAS

H CH

OP

CONCEITO DE EDUCAÇÃO

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para

o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

X

CONCEITO DE ENSINO

Estamos vivendo, no mundo de hoje, uma sociedade tão dinâmica e complexa que a escola passou

a assumir novas responsabilidades e funções. As rápidas e frequentes modificações da vida atual

causadas, em parte pelos grandes acontecimentos e repercussão mundial, criaram necessidades de

um novo tipo de ensino. Assim, surgiram tendências e orientações através de diferentes doutrinas

pedagógicas, em função da própria evolução da sociologia, da filosofia e psicologia dando origem

a um processo de renovação, com influência da tecnologia, que vem tomando grande impulso

desde o princípio deste século, daí surgindo as ideias de Ensino Renovado.

X

CONCEITO DE APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO

O Colégio Estadual “Professor Faustino” propõe, manter linha participativa com a integração e

responsabilidade de toda Comunidade Escolar, na realização dos projetos propostos com o

objetivo de proporcionar um ensino de qualidade, a preparação básica para o trabalho e a

cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com

flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.

Que o estudo e formação não são uma etapa da vida, mas uma constante ao longo de toda a

carreira. Isso se manifesta tanto como iniciativa de aperfeiçoamento do currículo dentro de um

ambiente cada vez mais concorrido quanto por exigência natural do mercado.

X

X

CONCEITO DE ALUNO

[...] constituindo (alunos do Colégio) numa clientela mista, objetivando o desenvolvimento

integral do educando e focalizando o preparo para o ingresso no campo do trabalho.

X

CAPACIDADES E COMPORTAMENTOS

Ser capaz (professor) de construir práticas de investigação e de estudo que possam contribuir,

positivamente, com o trabalho da escola.

Ser capaz de interagir, positivamente, no cotidiano da Unidade Escolar, trabalhando em equipe, de

forma empreendedora e criativa.

X

CONCEITO DE METODOLOGIA

A metodologia trabalhada é aprender/aprendendo X

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Legenda

H: Pressupostos Pedagógicos Hegemônicos

CH: Pressupostos Pedagógicos Contra-hegemônicos

OP: Outros Pressupostos Pedagógicos

Quadro 5- Grade de Leitura das Observações das Práticas de Letramento Digital de Professores e Alunos

PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS

UNIDADES DE ANÁLISE E CATEGORIAS

H CH OP

CAPACIDADES E COMPORTAMENTOS

Conhecer e saber manusear o computador/internet. X

Acessar vários gêneros digitais ao mesmo tempo. X

Trabalhar em equipe quando fazem usos do computador/internet. X

Criatividade nos usos das mídias digitais. X

CONCEITO DE METODOLOGIA

Fazendo mesmo, sem orientação dos professores. X

Simplesmente, mexendo na “máquina”. X

O QUE É LER NA TELA DO COMPUTADOR

Superficiais X

Dinâmicas X

Rápidas X

Atentas X

continua

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152

Quadro 5- Grade de leitura das observações das práticas de letramento digital de professores e alunos

Continuação

TIPO DE TRABALHO ESCOLAR PRODUZIDO COM AS PRÁTICAS DE LD

Cópia dos conteúdos dos sites para os cadernos X

Cópia dos conteúdos dos sites para um programa do computador (Word, PowerPoint) X

Padronização dos trabalhos escolares X

TIPOS DE RELAÇÃO ESTABELECIDA COM AS INFORMAÇÕES NA INTERNET

Professora: confiança, pois no site Wikipédia as informações estão fundamentadas na ciência. X

Alunos: confiança, pois se as informações estão lá, são confiáveis. X

Confiança no site de busca Google. X

Subordinação do pensamento às informações dos sites: tudo o que se pensa está nos sites

bastando pegar as informações que estão lá.

X

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Legenda

H: Pressupostos Pedagógicos Hegemônicos

CH: Pressupostos Pedagógicos Contra-hegemônicos

OP: Outros Pressupostos Pedagógicos

Quadro 6 - Grade de Leitura das Respostas das Professoras Entrevistadas

PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS

PROFESSORES, UNIDADES DE ANÁLISE E CATEGORIAS

H CH OP

P

VISÕES DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

3 Se não desenvolvê-las, não conseguirá emprego

Hoje em dia você não entra no mercado trabalho, não faz o mínimo, sem o conhecimento básico de

informática, sem saber manusear o computador. Hoje em dia realmente não tem como a pessoa viver

sem usar internet. Ou se adéqua, ou se adéqua, não tem outro jeito. Usar o computador de forma

criativa na empresa.

X

1 Essas pessoas não vão conseguir trabalho, pois não têm domínio dessa tecnologia (a digital) X

2 O próprio mercado exige que a pessoa tenha esse processo. Hoje, tudo está voltado para isto. No

meio social, nós temos essa conexão com as tecnologias. No mercado de trabalho, num

supermercado, numa loja também, o aluno precisa saber mexer num caixa, que é eletrônico. A

informática favorece a tudo isso, o mercado exige que eles saibam isto. E gostam, não é?

X

PARA QUE SERVEM AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

1 Contribuem com a sociedade e a escola X

1 Ajudar o aluno a arrumar emprego, com o conhecimento lá, disponível, elabora e entrega o seu

currículo.

X

1 Para a sociedade se organizar e fazer o bem X

1 Para o crescimento do aluno, preparando-se para o mercado de trabalho, para seu futuro X

2 Para a formação de um profissional que interaja com os outros, que coopere no trabalho X

2 Contribui (uso do computador e da internet) para que ele (aluno) se torne um bom profissional X

2 Ajudar o aluno na busca de conhecimentos na internet para fazer e enviar currículo profissional X

PARA QUE NÃO SERVEM AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

1 Redes sociais. Acho que isto não ajuda na formação deles X

1 Normalmente eles querem ir ao Facebook, e sites de joguinhos X

2 Redes sociais apenas para bater papo X

2 Não usem (alunos) de forma errada o computador durante a aula (MSN, Facebook, Twitter) X

2 A dinamizadora estava presente (no LI), e trabalhava com esses alunos de maneira a conscientizá-los

do uso correto das mídias, e ensinavam que eles não deviam ficar em redes sociais.

X

3 A dinamizadora ajuda a controlar os alunos para que não desviem a atenção para uma outra situação

fora do planejamento das aulas (Orkut, por exemplo)

X

continua

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153

Quadro 6 - Grade de Leitura das Respostas das Professoras Entrevistadas

Continuação

CAPACIDADES E COMPORTAMENTOS NAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

3 Ter conhecimento básico de informática

X

3 Saber manusear o computador X

1 Sensibilização X

1 Cooperação do trabalho em equipe X

1 Humanização X

1 Boas motivações e muita criatividade na hora de usar a internet X

1 Conscientização de que como eles (aluno) devem se comportar numa empresa, com motivação

profissional, isso já contribuía para o mercado de trabalho.

X

1 As aulas ocorriam (LI) de maneira sempre, sempre com muita criatividade e nunca havia discórdia

dos alunos.

X

1 Nos alunos ( com a introdução das TICs na sociedade e na educação) passou-se a exigir mais

raciocínio rápido. Exige que façam (eles) muita coisa e tudo de uma vez.

X

2 Vejo que os alunos quando usam o computador no Colégio têm mais criatividade, abertos e gostam

de fazer trabalho em grupo. Isto é bom, na minha opinião.

X

2 O trabalho, dentro do laboratório de informática, se enriquece, em todo o sentido. Aula fica muito

criativa, cooperativa quando os alunos usam a internet.

X

SE A USAR O COMPUTADOR E A INTERNET FORMA O ALUNO PARA O MERCADO DE TRABALHO

3 Não, nós no Colégio não preparamos o aluno para o mercado, Não temos tempo disponível para isto X

1 A gente leva os alunos para o laboratório de informática do colégio, e lá os alunos do ensino médio

usam o computador e a internet para assistir filmes, digitar trabalho e buscar informações na rede

para os trabalhos que os professores pedem. Mas a gente não forma esses alunos para o mercado de

trabalho quando os coloca para manusear as tecnologias.

X

CONCEITO DE APRENDIZAGEM

1 Formação: estudar mais para fazer uso do computador na empresa

Aprendizagem: aprendendo sempre

X

3 Formação: professor se capacitar sempre. Tem que sempre fazer curso de preparação, inclusive sobre

tecnologias informatizadas.

X

3 Formação: o aluno que também precisa estudar sempre. X

CONCEITO DE ALUNO

3 Jogar o aluno no mercado de trabalho dizendo-lhe como funciona o “mercado”, e formando “esse

aluno para isto”.

X

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Legenda

H: Pressupostos Pedagógicos Hegemônicos

CH: Pressupostos Pedagógicos Contra-hegemônicos

OP: Outros Pressupostos Pedagógicos

P1: Professora Entrevista 1

P2: Professora Entrevistada 2

P3: Professora Entrevistada 3

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154

Quadro 7 - Grade de Leitura do Corpus da Pesquisa

PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS

DOCUMENTOS, UNIDADES DE ANÁLISE E CATEGORIAS

H CH OP

CONCEITO DE EDUCAÇÃO

PP

P

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

X

CONCEITO DE ENSINO

PP

P

Estamos vivendo, no mundo de hoje, uma sociedade tão dinâmica e complexa que a escola passou a

assumir novas responsabilidades e funções. As rápidas e frequentes modificações da vida atual

causadas, em parte pelos grandes acontecimentos e repercussão mundial, criaram necessidades de

um novo tipo de ensino. Daí surgindo as ideias de Ensino Renovado.

X

CONCEITO DE APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO

PP

P

A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo

a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento

posteriores.

Que o estudo e formação não são uma etapa da vida, mas uma constante ao longo de toda a carreira.

Isso se manifesta tanto como iniciativa de aperfeiçoamento do currículo dentro de um ambiente cada

vez mais concorrido quanto por exigência natural do mercado.

X

1 Formação do aluno: estudar mais para fazer uso do computador na empresa

Computador e internet surgem para enquadrar professores no tipo de sociedade que está ai.

Aprendendo sempre

X

2 Formação: professor se capacitar sempre. Tem que sempre fazer curso de preparação, inclusive

sobre tecnologias informatizadas.

Formação: o aluno que também precisa estudar sempre.

X

CONCEITO DE ALUNO

PP

P

[...] constituindo (alunos do Colégio) numa clientela mista, objetivando o desenvolvimento integral

do educando e focalizando o preparo para o ingresso no campo do trabalho.

X

P3 Jogar o aluno no mercado de trabalho dizendo-lhe como funciona o “mercado”, e formando “esse

aluno para isto”.

X

CAPACIDADES E COMPORTAMENTOS

PP

P

Ser capaz (professor) de construir práticas de investigação e de estudo que possam contribuir,

positivamente, com o trabalho da escola. Ser capaz de interagir, positivamente, no cotidiano da

Unidade Escolar, trabalhando em equipe, de forma empreendedora e criativa.

X

PR Conhecer e saber manusear o computador/internet. Acessar vários gêneros digitais ao mesmo tempo.

Trabalhar em equipe quando fazem usos do computador/internet. Criatividade nos usos das mídias

digitais.

X

P3 Ter conhecimento básico de informática. Saber manusear o computador X

P1 Sensibilização, cooperação do trabalho em equipe, humanização, boas motivações e muita

criatividade na hora de usar a internet, conscientização de que como eles (aluno) devem se

comportar numa empresa, com motivação profissional, isso já contribuía para o mercado de

trabalho, as aulas ocorriam (LI) de maneira sempre, sempre com muita criatividade e nunca havia

discórdia dos alunos.

X

P2 Nos alunos (com a introdução das TIC na sociedade e na educação) passou-se a exigir mais

raciocínio rápido. Exige que façam (eles) muita coisa e tudo de uma vez; Vejo que os alunos

quando usam o computador no Colégio têm mais criatividade, abertos e gostam de fazer trabalho em

grupo. Isto é bom, na minha opinião; O trabalho, dentro do laboratório de informática, se enriquece,

em todo o sentido. Aula fica muito criativa, cooperativa quando os alunos usam a internet.

X

CONCEITO DE METODOLOGIA

PP

P

A metodologia trabalhada é aprender/aprendendo X

PR Fazendo mesmo, sem orientação dos professores. Simplesmente, mexendo na “máquina”. X

O QUE É LER NA TELA DO COMPUTADOR

PR Superficiais, Dinâmicas, Rápidas X

PR Atentas X

TIPO DE TRABALHO ESCOLAR PRODUZIDO COM AS PRÁTICAS DE LD

PR Cópia dos conteúdos dos sites para os cadernos

Cópia dos conteúdos dos sites para um programa do computador (Word, PowerPoint)

Padronização dos trabalhos escolares

X

continua

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155

Quadro 7 - Grade de Leitura do Corpus da Pesquisa

continuação

TIPOS DE RELAÇÃO ESTABELECIDA COM AS INFORMAÇÕES NA INTERNET

PR Professora: confiança, pois no site Wikipédia as informações estão fundamentadas na ciência. X

PR Alunos: confiança, pois se as informações estão lá, são confiáveis. Confiança no site de busca

Google. Subordinação do pensamento às informações dos sites: tudo o que se pensa está nos sites

bastando pegar as informações que estão lá.

X

VISÕES DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

P3 Se não desenvolvê-las, não conseguirá emprego

Hoje em dia você não entra no mercado trabalho, não faz o mínimo, sem o conhecimento básico de

informática, sem saber manusear o computador. Hoje em dia realmente não tem como a pessoa

viver sem usar internet. Ou se adéqua, ou se adéqua, não tem outro jeito. Usar o computador de

forma criativa na empresa.

X

P1 Essas pessoas não vão conseguir trabalho, pois não têm domínio dessa tecnologia (a digital) X

P2 O próprio mercado exige que a pessoa tenha esse processo. Hoje, tudo está voltado para isto. No

meio social, nós temos essa conexão com as tecnologias. No mercado de trabalho, num

supermercado, numa loja também, o aluno precisa saber mexer num caixa, que é eletrônico. A

informática favorece a tudo isso, o mercado exige que eles saibam isto. E gostam, não é?

X

PARA QUE SERVEM AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

P3 Contribuem com a sociedade e a escola

Ajudar o aluno a arrumar emprego, com o conhecimento lá, disponível, elabora e entrega o seu

currículo.

Para a sociedade se organizar e fazer o bem.

Para o crescimento do aluno, preparando-se para o mercado de trabalho, para seu futuro

X

P1 Para a formação de um profissional que interaja com os outros, que coopere no trabalho.

Contribui (uso do computador e da internet) para que ele (aluno) se torne um bom profissional

Ajudar o aluno na busca de conhecimentos na internet para fazer e enviar currículo profissional

X

PARA QUE NÃO SERVEM AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL

P3 Redes sociais. Acho que isto não ajuda na formação deles

Normalmente eles querem ir ao Facebook, e sites de joguinhos, e não para se prepararem para o

mercado de trabalho.

X

P1 Redes sociais apenas para bater papo (os alunos)

Não usem (alunos) de forma errada o computador durante a aula (MSN, Face book, Twitter).

A dinamizadora estava presente (no LI), e trabalhava com esses alunos de maneira a conscientizá-

los do uso correto das mídias, e ensinavam que eles não deviam ficar em redes sociais.

X

P2 Orkut, Facebook desviam a atenção para uma outra situação fora do planejamento das aulas. Isso

chama muita atenção do aluno. Eles querem fazer coisas no Laboratório que fazem em casa e em

qualquer Lan House.

X

SE O COLÉGIO, AO USAR O COMPUTADOR E A INTERNET, FORMA O ALUNO PARA O MERCADO

DE TRABALHO

P3 Não, nós no Colégio não preparamos o aluno para o mercado, Não temos tempo disponível para isto X

P1 A gente leva os alunos para o laboratório de informática do colégio, e lá os alunos do ensino médio

usam o computador e a internet para assistir filmes, digitar trabalho e buscar informações na rede

para os trabalhos que os professores pedem. Mas a gente não forma esses alunos para o mercado de

trabalho quando os coloca para manusear as tecnologias.

X

Fonte: Autor da Pesquisa, 2013.

Legenda

H: Pressupostos Pedagógicos Hegemônicos

CH: Pressupostos Pedagógicos Contra-hegemônicos

OP: Outros Pressupostos Pedagógicos

PPP: Projeto Político Pedagógico do Colégio

PR: Protocolo e Registro das Observações das Práticas de Letramento Digital

P1: Professora Entrevista 1

P2: Professora Entrevistada 2

P3: Professora Entrevistada 3

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156

5.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

5.1.1 Conceito de Educação

Para Libâneo (2001), educação é um conceito amplo que se refere ao processo de

desenvolvimento unilateral do homem, envolvendo a formação de qualidades humanas (físicas,

morais, intelectuais, estéticas, profissionais) tendo em vista a orientação da atividade humana na sua

relação com o meio social num determinado contexto de relações sociais.

O conceito de educação no corpus, aqui analisado, está inspirado no artigo 2º da LDB

9.394/96 e é considerado amplo, uma vez que possibilita trabalhar a formação dos alunos em suas

várias dimensões.

Segundo Pereira e Teixeira (2009), o conceito de educação explicitado no artigo 2º da LDB

aponta para uma postura participante, crítica e libertadora, tornando-se uma das grandes

contribuições da educação no processo de formação da cidadania plena, focalizando a ação na

pessoa e apontando para ela como sujeito da história.

Para Veiga (2010), o conceito de educação, explicitado na Lei n. 9394/96, pode traduzir-se

em práticas educativas e escolares transformadoras da realidade social na medida em que se assenta

em finalidades educativas de natureza tríplice, considerando:

[...] a) o pleno desenvolvimento do educando, voltado para uma concepção teórico

educacional que leve em conta as dimensões intelectual, afetiva, física, ética, estética,

política, social e profissional; b) o preparo para o exercício da cidadania, centrado na

condição básica de ser cidadão, isto é, sujeito histórico, social e cultural, sujeito de direitos

e deveres; c) a qualificação para o trabalho, fundamentada na perspectiva de educação

como um processo articulado entre ciência e trabalho, este concebido como expressão

criadora e transformadora (VEIGA, 2010, p. 2)

Neste sentido, e apoiando nas posições teóricas apresentadas acima, pode-se inferir que

quando as atividades pedagógicas são desenvolvidas no laboratório de informática do colégio,

usando o computador e a internet como ferramentas pedagógicas e embasadas nesse conceito de

educação, podem desencadear práticas de letramento digital subsidiadas em pressupostos críticos e

emancipadores, uma vez que, no desenvolvimento delas, os trabalhos pedagógicos levam em

consideração princípios como “liberdade” e “solidariedade humana”, tendo por fim “[...] o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho." (PPP, 2012, p.11).

Por outro lado, essas respostas se limitaram a reproduzir o aspecto legal, denotando uma

visão que se adequa à realidade.

Nessa linha de pensamento, e tomando como base as últimas transformações que vêm

ocorrendo no mundo produtivo e que vêm exigindo das pessoas novas demandas e necessidades

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157

sociais e culturais, a questão da qualificação para o trabalho está associada, direta ou indiretamente,

também aos usos e à presença das tecnologias digitais.

5.1.2 Conceito de Ensino

Para Libâneo (2001), tal como a concepção de educação, o ensino também é determinado

socialmente. Segundo o autor, o ensino, ao mesmo tempo que desempenha o papel de cumprir os

objetivos e as exigências da sociedade, conforme interesses de grupos e classes sociais que a

constituem, cria as condições metodológicas e organizativas, incluindo formas de aprender,

conteúdos programáticos, metodologias de ensino, formas de avaliação entre outras formas de

organização do processo de ensino, para a realização do trabalho pedagógico na escola e em sala de

aula. O ensino, neste sentido, corresponderia às ações e às condições para a realização do trabalho

pedagógico escolar.

Ainda que o conceito de educação, expresso no corpus da análise, possa ser considerado

amplo, contraditoriamente o conceito de ensino, analisado no corpus da pesquisa, é entendido

dentro da lógica da “renovação” e não da transformação social.

O conceito de ensino “renovado” foi identificado e analisado no corpus da investigação, em

que, em relação a esse termo, afirma-se:

Estamos vivendo, no mundo de hoje, uma sociedade tão dinâmica e complexa que a escola

passou a assumir novas responsabilidades e funções. As rápidas e frequentes modificações

da vida atual causadas, em parte pelos grandes acontecimentos e repercussão mundial,

criaram necessidades de um novo tipo de ensino. [...] daí surgindo as ideias de Ensino

Renovado (PPP, 2012, p. 15).

O conceito de ensino “renovado” e que em tese orientaria pedagogicamente as práticas de

letramento digital de professores e alunos no laboratório de informática da Instituição Escolar, é

considerado problemático e desafiador quando se trata de práticas socioeducacionais,

possibilitadoras da transformação social. Esse conceito de ensino “renovado” possibilita que as

práticas de letramento digital se desenvolvam no sentido delas apenas reproduzirem os interesses do

capital/mercado, quando os alunos e professores fazem usos das tecnologias digitais nos ambientes

pedagógicos escolares.

Historicamente, a questão de a educação escolar reproduzir, em seu seio, os interesses do

sistema capitalista é bastante estudada e debatida no vasto campo da literatura que aborda essa

problemática.

Quando se trata de como as escolas públicas estão usando as tecnologias digitais, entre elas

o computador e a internet, apoiando-se em pressupostos pedagógicos que desencadeiam práticas de

letramento digital que vão ao encontro dos interesses da nova base produtiva, esse campo de estudo,

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158

ainda, é considerado fértil, carecendo, assim, de investigações e produções intelectuais.

Assim, existe a importância de se problematizar o conceito de ensino “renovado”, uma vez

que esse pode estar passando a imagem de um trabalho pedagógico crítico, mas, que, na realidade,

camufla os reais interesses do capital sobre a escola, visando mantê-la como instituição escolar que

apenas reproduz os seus interesses.

5.1.3 Conceito de Aprendizagem/Formação

A aprendizagem, para Libâneo (2001), é um processo de assimilação de determinados

conhecimentos e modos de ação física e mental, organizados no processo de ensino. O conceito de

formação, também envolve, assim o de aprendizagem, assimilação de determinados conhecimentos

e modos de ação física e mental, organizados também e durante o processo de ensino.

Os conceitos de aprendizagem e de formação, assim como o de ensino “renovado”, também

parecem possibilitar o desencadeamento de práticas de letramento digital no laboratório de

informática do colégio subsidiadas em pressupostos pedagógicos que tendem a reproduzir as

demandas do capital em sua fase atual. Isto se dá por meio do conceito de aprendizagem “para

sempre”.

O conceito de aprendizagem que parece subsidiar teoricamente as práticas de letramento de

digital de professores e alunos, quando esses fazem usos do computador e da internet no laboratório

de informática do colégio, pôde ser identificado no corpus da pesquisa e está relacionado ao

“aprender sempre” (PPP, 2012, p. 15) em que o computador e a internet surgiram para “enquadrar

os professores no tipo de sociedade que está ai”, exigindo deles o “aprendendo sempre.” (RELATO

DA PROFESSORA 1), sendo que “o aluno também precisa estudar sempre” (RELATO DA

PROFESSORA 2). Adotando esse conceito de aprendizagem para “sempre”, o educando “[...] deve

ser capaz de se adaptar com flexibilidade as novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento

posteriores” (PPP, 2012, p.15).

Aliado ao conceito de aprendizagem para “sempre”, identificou-se o conceito de formação

que não é mais considerado como: “[...] uma etapa da vida, mas uma constante ao longo de toda

carreira”. (PPP, 2012, p. 160). E ainda: “Isso se manifesta tanto como iniciativa de aperfeiçoamento

do currículo dentro de um ambiente cada vez mais concorrido quanto por exigência natural do

mercado [...]” (PPP, 2012, p.160). Nesta perspectiva, o professor precisa “se capacitar sempre,

tendo que sempre fazer curso de preparação, inclusive sobre tecnologias informatizadas” (RELATO

DA PROFESSORA 2) e o aluno tem que “estudar mais para fazer uso do computador na empresa”

(RELATO DA PROFESSORA 1).

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159

De acordo Saviani (2008a), os conceitos de aprendizagem para “sempre” e de formação para

“toda a vida”, estão associados às novas demandas do capital que necessitam de trabalhadores com

perfis mais alinhados aos interesses da nova base produtiva.

Se, os professores e os alunos fazem usos do computador e da internet no laboratório de

informática do colégio, embasados nos conceitos de aprendizagem para “sempre” e de formação

para “toda” a vida, pode-se, no mínimo, deduzir que as práticas de letramento digital estão sendo

desenvolvidas reproduzindo os interesses do capital, na medida em que se pode estar internalizando

nos professores e nos alunos a ideia de aprendizagem para “sempre”, e formação para a “toda a

vida”, pois o desenvolvimento das tecnologias digitais está em pleno desenvolvimento e, para

acompanhá-lo, será preciso que os alunos e professores estudem e aprendam “sempre”.

5.1.4 Conceito de Aluno

Estando as práticas de letramento digital subsidiadas pelos conceitos de ensino “renovado”,

da aprendizagem e formação para “sempre”, onde o aluno deve adaptar-se com “flexibilidade” às

novas realidades profissionais e não transformá-las, esse último, o aluno, é considerado como

“cliente da escola”, segundo análise do corpus da investigação.

O conceito de aluno, embasado na visão de “cliente do colégio”, pôde ser identificado a

medida que faz-se menção aos alunos como “[...] constituindo numa clientela mista, objetivando o

desenvolvimento integral do educando e focalizando o preparo para o ingresso no campo do

trabalho.” (PPP, 2012, p.4). Neste sentido, o papel do colégio é “jogar o aluno no mercado de

trabalho dizendo-lhe como funciona o mercado”, e formando “esse aluno para isto”. (RELATO DA

PROFESSORA 3).

Freitas (1995) e Saviani (2008a), já alertavam que a partir da década de 1990 com a

transposição do conceito de “Qualidade Total” às escolas, manifestou-se na tendência de “[...]

considerar aqueles que ensinam como prestadores de serviço, os que aprendem como clientes e a

educação como produto que pode ser produzido com qualidade variável.”. (SAVIANI, 2008a, p.

441).

Caso entende-se o neotecnicismo pedagógico como uma forma de reorganização da escola

que visa adequar à escola aos novos interesses da base produtiva, conforme aponta Saviani (2008a),

a questão de considerar o aluno como “cliente” da instituição escolar traz contradições do ponto de

vista dos próprios interesses do capital. Ser “cliente” da escola corresponderia, aos alunos, a ter boa

parte do trabalho pedagógico educativo escolar voltado para os seus interesses e necessidades,

inclusive sendo os alunos os “direcionadores” das políticas e ações na escola.

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Entretanto, há contradição na medida em que, no neotecnicismo pedagógico são as grandes

empresas e os grandes conglomerados comerciais internacionais que, não só definem as políticas

educacionais, como também, direcionam e avaliam os trabalhos pedagógicos desenvolvidos nas

escolas a fim de atender interesses e necessidades “específicas”.

Nesta linha de pensamento, o aluno já não seria mais considerado “cliente” da escola e, sim,

“produto” que, por meio do processo educativo escolar, receberia “formação” para adequar-se às

novas realidades “sociais” de acordo com os interesses dos verdadeiros “clientes” da escola, ou seja,

o mercado de trabalho.

Na perspectiva do neotecnicismo pedagógico, sendo os alunos considerados como

“produtos” da escola, ao desenvolverem práticas de letramento digital por meio dos usos do

computador e da internet, receberiam formação técnica, polivalente e multifuncional de acordo com

os ditames empresariais, afinal é deste tipo de formação profissional que o capital mais necessita na

atualidade para continuar com seu projeto social hegemônico.

5.1.5 Capacidades e Comportamentos

Durante a análise do corpus da investigação foram encontrados indícios de que nas práticas

de letramento digital de professores e alunos há presença de comportamentos e capacidades que

estão sendo requeridos pela nova base produtiva.

Em relação às práticas de letramento digital dos professores esse indício foi evidenciado na

medida em que, deles (as) o colégio espera que possam;

[...] construir práticas de investigação e de estudo que possam contribuir, positivamente,

com o trabalho da escola; interagir, positivamente, no cotidiano da Unidade Escolar,

trabalhando em equipe, de forma empreendedora e criativa e capacidade de contextualizar a

gradação dos conteúdos necessários para a continuidade dos estudos (PPP, 2012, p. 47).

Concluiu-se, que há indícios de que as práticas de letramento digital dos alunos também

estão sendo desenvolvidas no laboratório de informática do colégio com a presença de algumas

capacidades e comportamentos exigidos pela nova produtiva.

Inferiu-se a presença de capacidades e comportamentos que são exigidas pela nova base

produtiva, na medida em que, no corpus da pesquisa, espera-se: “[...] a efetiva presença e a

participação do aluno nas atividades escolares, sua comunicação com os colegas, com os

professores e com os agentes educativos, sua sociabilidade, sua capacidade de tomar iniciativa, de

criar e de apropriar-se dos conteúdos disciplinares inerentes à sua idade e série (PPP, 2012, pp.147-

148).

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Também do aluno espera-se que ele saiba: “conhecer e saber manusear o computador e a

internet; acessar vários gêneros digitais ao mesmo tempo; trabalhar em equipe; e possuir

criatividade nos usos das mídias digitais” (REGISTRO DAS OBSERVAÇÕES DAS PLD NO LI)

A presença de comportamentos e capacidades a serem desenvolvidas nos alunos e que

estariam relacionadas às novas necessidades do capital, também foram analisadas nos relatos das

professoras entrevistadas.

Segundo os relatos analisados das professoras entrevistadas, o aluno precisa: “ter

conhecimento básico de informática” e “saber manusear o computador” (RELATO DA

PROFESSORA 3); “sensibilização, cooperação do trabalho em equipe, humanização, boas

motivações e muita criatividade na hora de usar a internet, conscientização de como eles (alunos)

devem se comportar numa empresa com motivação profissional, com aulas que ocorrem no LI de

maneira sempre, sempre com muita criatividade e nunca havendo discórdia dos alunos. (RELATO

DA PROFESSORA 1); “raciocínio rápido, que façam (alunos) muita coisa e tudo de uma vez; usem

o computador no colégio com mais criatividade, sejam abertos e gostam de fazer trabalho em

grupo”. (RELATO DA PROFESSORA 2). Ainda segundo relato dessa última professora: “Isto é

bom, na minha opinião; o trabalho, dentro do laboratório de informática, se enriquece, em todo o

sentido; aula fica muito criativa, cooperativa quando os alunos usam a internet”.

É preciso lembrar que, saber lidar com as tecnologias informáticas é uma das necessidades

que vem se impondo não apenas aos trabalhadores, mas praticamente em quase todas as situações

sociais. Neste sentido, o colégio, aqui estudado, cumpre o seu papel de preparar o aluno para saber

lidar com essas tecnologias, na medida em que, na realização do trabalho pedagógico escolar, usa o

computador como “meio” pedagógico e, a partir disto, propicia meios para desenvolver as

capacidades exigidas pela nova base produtiva. É importante frisar que, o uso do computador, neste

caso, está propiciando práticas de letramento digital que vão ao encontro das novas necessidades do

capital, quer seja, de ter “cidadão” já familiarizado com os usos dos meios tecnológicos de base

eletrônica-informática.

Entretanto, ainda que esta questão seja imposta pelo capital, é importante, também, afirmar a

necessidade das pessoas dominarem não apenas a dimensão técnica, mas, também, a dimensão

intelectual das tecnologias digitais.

Nas análises realizadas por Saviani (2008a), formar o aluno para atender às novas demandas

exigidas pelo capital, cuja base produtiva acontece a partir do toyotismo, é um dos pressupostos

teóricos do neotecnicismo. E o computador, “tecnologia” que se desenvolve sob a égide do modelo

de produção toyotista, vem sendo introduzido no âmbito escolar, também com essa função. Mas

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isso não pode levar a afirmação de que a introdução do computador nas escolas venha cumprir,

apenas, os interesses do capital em sua nova fase de desenvolvimento.

No caso específico do corpus analisado, em que identificou-se haver vestígios da presença

de capacidades e comportamentos que são esperadas pela nova base produtiva nas práticas de

letramento digital de professores e alunos pôde-se inferir, então, de que essas práticas de letramento

digital se desenvolvem subsidiadas em pressupostos pedagógicos neotecnicistas, conforme posição

teórica defendidas por Freitas (1995), Kuenzer (2002) e Saviani (2008a; 2008b).

Segundo Freitas (1995), Kuenzer (2002), na fase atual do desenvolvimento do capital, trabalhar em

equipe, saber se relacionar com outros pares, criatividade e saber usar várias tecnologias

simultaneamente, fazem parte do rol das capacidades e comportamentos que passam a interessar,

nas últimas décadas, a nova base produtiva. Segundo esses autores, isto é uma das exigências do

capital em relação ao novo perfil de trabalhador e está relacionado com a multifuncionalidade e

polivalência do mundo do trabalho.

Para Saviani (2008a), com as mudanças ocorridas nas últimas décadas na base produtiva do

capital e as demandas de novos comportamentos e capacidades, a escola é, mais uma vez,

convocada a formar os alunos de acordo com essas capacidades e comportamentos, exigidos pela

nova base produtiva. Entres muitas e complexas capacidades e comportamentos exigidos pela nova

base produtiva estão: trabalhar em equipe de forma empreendedora e criativa, valorização da

comunicação com os colegas; e capacidade de contextualizar a gradação dos conteúdos necessários

para a continuidade dos estudos; capacidade de tomar iniciativa, capacidade de criar e de apropriar-

se dos conteúdos disciplinares.

A identificação de capacidades e comportamentos que são considerados, pela literatura,

como “condições” básicas que devem fazer parte do perfil do “novo” trabalhador, reforçou, mais

ainda, nas análises desta tese, a ideia de que as atividades pedagógicas mediadas pelo computador e

pela internet estariam desencadeando práticas de letramento digital reprodutivistas.

5.1.6 Conceito de Metodologia

Para Libâneo (2001), metodologias de ensino referem-se às ações docentes e visam

organizar e direcionar as atividades de ensino, para que os alunos possam atingir os objetivos em

relação a um determinado fim. Tem como resultado a assimilação dos conhecimentos e o

desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas dos seus alunos.

Na análise do corpus da pesquisa foi possível identificar e analisar o conceito de

metodologia que pode estar subsidiando, teórica e pedagogicamente, as atividades pedagógicas em

que professores e alunos usam o computador e a internet no laboratório de informática do colégio e

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com esses usos desencadeiam práticas de letramento digital.

A metodologia que pode estar embasando teórica e pedagogicamente as atividades

pedagógicas realizadas com os computadores e a internet, ambos disponíveis no laboratório de

informática do colégio, é o “aprender/aprendendo” (PPP, 2012, p. 136).

O conceito de metodologia, embasado no “aprender/aprendendo” pode ser reafirmado em

função dos alunos relatarem, durante as aulas no laboratório de informática, que aprenderam a

manusear o computador e a internet “fazendo mesmo, sem orientação dos professores” e

“simplesmente, mexendo na máquina”. (REGISTROS DAS OBSERVAÇÕES SOBRE AS

PRÁTICAS DE LD NO LI DO COLÉGIO).

Duarte (2008) infere que a partir da década de 1990 começa a fazer parte dos discursos e das

políticas educacionais um tipo de conhecimento “tácito”. Segundo o autor, esse tipo de

conhecimento passa a ser supervalorizado nos discursos e nas políticas educacionais a partir dessa

década e é caracterizado como pessoal, não verbalizado e circunstancial. O autor tece críticas a esse

tipo de conhecimento entendendo que ele, quando introduzido nos trabalhos pedagógicos escolares,

levaria à desvalorização dos conhecimentos científicos, teóricos e acadêmico.

Na linha de pensamento de Duarte (2010), tanto os conteúdos curriculares quanto o papel

dos professores no processo de aprendizagem dos alunos ficariam relegado a segundo plano e o

aluno passaria a aprender com base em pressupostos mais práticos e utilitarista e de forma mais

“independente” do professor. Segundo o autor, “Em suma, tudo gira em torno ao aprender a

aprender e ao aprender fazendo” (DUARTE, 2010, p. 11).

As práticas de letramento digital subsidiadas teórica e pedagogicamente na noção do

“aprender/aprendendo”, podem ser sinônimos de “formar” os alunos, nos usos do computador e da

internet, sem dar-lhes embasamentos teóricos e científicos que os auxiliem, ao menos, a refletir

criticamente sobre suas próprias práticas de letramento digital.

Analogicamente, pode-se analisar a metodologia do “aprender/aprendendo” também

vinculando-a à “pedagogia das competências”, apresentada por Saviani (2008a).

Neste sentido, “aprender/aprendendo” insere-se dentro da “pedagogia das competências” em

que é substituída a noção de “objetivos” por “competências”, para atender às novas necessidades do

capital. A reflexão do ato educativo, na perspectiva do “aprender/aprendendo”, está embasada em

visões práticas, utilitaristas e, especificamente, ligada ao empírico, não valorizando as teorias

científicas e críticas que fundamentam as práticas socioeducativas.

Nesta análise, parece ficar claro que os alunos estão desenvolvendo práticas de letramento

digital no computador e na internet sem apoiar-se num referencial teórico científico. Eles aprendem

a usar o computador e a internet e, assim, desenvolverem práticas de letramento digital apenas com

base no “empírico”, ou seja, aprendendo a fazer. Neste sentido, o colégio parece não contribuir

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significativamente para o desenvolvimento das práticas de letramento digital fundamentadas em

visões críticas e contra-hegemônicas.

5.1.7 O que é ler na tela do computador

No corpus da pesquisa analisou-se, também, o modo como os alunos estão realizando

leituras na “tela” do computador. Na sua maioria, pode-se observar que as leituras dos alunos no

contexto da cibercultura são realizadas assumindo características “superficiais” “dinâmicas” e

“rápidas”. (REGISTROS DAS OBSERVAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO

DIGITAL NO LI).

Ainda que Almeida (2003) entenda que os leitores da “tela” do computador não leem da

mesma forma que os leitores de materiais impressos, essa diferenciação, entre um tipo de leitor e

outro, precisa ser melhor compreendida, pois não é o suporte em si que vai definir as características

do leitor ou de leituras realizadas no suporte, pois existem complexas e variadas situações

socioculturais e econômicas que influenciam as concepções, necessidades e desejos de leitor e de

suas leituras, essas últimas realizadas nos mais variados tipos de suportes tecnológicos.

A questão que se coloca é: com todas as possibilidades que a internet disponibiliza aos

alunos, no sentido de terem acesso mais facilitado às informações, muito pouco a escola parece ter

alcançado no sentido de realmente formar leitores críticos.

No contexto analisado, as práticas de letramento digital dos alunos, desenvolvidas por meio

de leituras realizadas na “tela” computador, ainda apresentam limitações e características

semelhantes aos modos de leitura dos alunos quando realizadas em suportes tecnológicos surgidos

antes da “era digital”.

Assim, conclui-se que, mesmo os alunos desenvolvendo práticas de letramento digital por

meio das leituras dos hipertextos digitais e, nessas práticas, eles tendo acesso a “infinidade” de

informações disponibilizadas na internet, parece não ter havido superação de problemas históricos

de leitura.

Nesta linha de análise, pouco o trabalho escolar pode estar contribuindo para a formação de

alunos críticos.

5.1.8 Tipo de trabalho escolar produzido com as práticas de letramento digital

No corpus da pesquisa analisou-se como as práticas de letramento digital dos alunos

estavam sendo desenvolvidas no laboratório de informática do colégio, quando faziam usos da

internet, para a elaboração de trabalhos escolares solicitados pelos professores do colégio.

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Os alunos elaboravam os seus trabalhos escolares e, para isto, apenas copiavam, seja com o

apoio de uma caneta ou de um mouse, as informações dos sites e as “colavam” para outros recursos

tecnológicos, como por exemplo: “cadernos, Word, PowerPoint” (REGISTROS DAS

OBSERVAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL NO LI).

Para Freire (1981), fazer com que os alunos apenas copiem conteúdos e informações para

algum suporte tecnológico durante uma atividade pedagógica em sala de aula é um dos pressupostos

pedagógicos da tendência pedagógica tradicional. Essa tendência pedagógica, como assinala

Saviani (2008a), é uma das tendências pedagógicas hegemônicas que surgem e se desenvolvem

levando em consideração os interesses da burguesia.

Antes da introdução dos computadores e da internet nas salas de aula, era comum, e ainda o

é, em boa parte das escolas brasileiras, os professores “passarem” os conteúdos que estavam

expostos em cartilhas e quadro de giz para os alunos e esses deveriam copiá-los nos seus cadernos.

Para Saviani (2007b), esse tipo de atividade pedagógica se dava dentro de uma concepção de

educação voltada para a reprodução social, uma vez que não era interessante para a escola, dentro

de uma visão tradicional de educação, desenvolver trabalho pedagógico que possibilitasse fazer

com que os alunos “pensassem” de forma ampla e crítica a realidade que o cercava.

Na medida em que o professor era considerado como o “detentor” do conhecimento em sala

de aula, e era ele quem definia “no quê”, “o quê” e “como” o aluno deveria aprender, o acesso à

informação durante as aulas era quase que unicamente responsabilidade do professor. Desta forma,

havia possibilidade da escola controlar, via centralização do trabalho pedagógico da professora, o

acesso às informações dos alunos, pelo menos durante a realização das aulas nas escolas.

O surgimento e desenvolvimento de computadores e da internet, e sua introdução nos

ambientes pedagógicos escolares, diminuíram boa parte dos desafios relacionados à falta de acesso

a informações que podem levar às pessoas a construção de conhecimentos em diversas áreas. Não

somente a falta de acesso a informações como, também, em relação à elaboração e formatação de

trabalhos acadêmicos.

Contudo, precisa-se reconhecer, também, que o acesso mais “facilitado” às informações e as

possibilidades de elaboração e formatação de trabalhos escolares com o uso de computadores e rede

mundial de computadores em tempo menor, se comparado a outras tecnologias, surgidas antes da

“era digital”, colocam desafios à educação de um modo geral e, em especial à educação escolar.

Neste caso observado, a internet é usada apenas como o “livro” tradicional em que o aluno

retira as informações dele e as copiam, ora para o caderno, ora para outro suporte tecnológico. Por

outro lado, parece haver algo de diferente em relação à pedagogia tradicional. Agora, a internet é o

“livro”, é a “cartilha” só que em vez de impresso, como tradicionalmente é conhecido, passou para

o digital. O que mudou, então? Ou melhor, será que mudou algo?

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No âmbito da educação escolar, sobretudo no que tange à organização do trabalho

pedagógico de sala aula, o modo e as finalidades para quais alguns alunos fazem usos do

computador e da internet têm sido motivo de muita preocupação por parte de educadores, gerando

debates e discussões nos meios acadêmicos.

5.1.9 Tipo de relação estabelecida com as informações da internet

Na medida em que professores e alunos fazem usos do computador e da internet, isto os

obriga, conscientemente ou não, a estabelecer algum tipo de relação com as informações que

buscam na “tela” do computador.

No caso do corpus, desta investigação, tanto professores como alunos parecem ter

demonstrado estabelecer uma relação de “confiança” quase que absoluta com alguns hipertextos

digitais.

Essa questão ficou evidenciada no corpus da pesquisa, na medida em que a professora

relatou ter “confiança no site Wikipédia, argumentando que as informações disponíveis nesse site

estavam fundamentadas na ciência” (REGISTROS DAS OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS DE

LD NO LI).

A relação de confiança quase absoluta nas informações disponíveis em alguns sites também

pode ser analisada durante as observações das práticas de letramento digital dos alunos, quando

realizam buscas na internet. Para os alunos cujas práticas de letramento digital foram observadas, a

confiança absoluta nas informações na tela do computador se justificaria, segundo relatos deles pelo

simples fato delas estarem “lá” e ainda pelo fato de” tudo o que se pensa está nos sites, bastando

pegar as informações que estão lá” (REGISTROS DAS OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS DE LD

NO LI).

Almeida (2003, p. 91) entende que: “[...] é extremamente difícil diferenciar a informação

válida da falsa ao se navegar na internet” e essa questão tem trazido sérios problemas para o sistema

escolar. O autor parte dessa análise na medida em que considerada que, no mundo “digital” também

existe lixo virtual.

Como encaminhamento para esse desafio, Almeida (2003, p.91) entende que, “O

discernimento e a vivência do leitor são os únicos recursos para verificar a validade das

informações” retiradas da web.

No corpus, aqui analisado, e diante desta questão, em se tratando de alunos que frequentam

a educação básica que, supõe-se, encontrar-se em processo de formação, inclusive da personalidade,

entende-se ser o papel do colégio, enquanto instituição social pública compromissada com o

desenvolvimento dos alunos em suas várias dimensões, assumir esse compromisso. Pois, é ela, a

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educação escolar, a principal, mas não a única, instituição que pode ajudar os alunos a discernirem

as informações consideradas “confiáveis, ou não, inclusive das que estão disponíveis na internet”.

Nesse sentido, a questão da “confiança” que os alunos e professores demonstraram possuir

nas informações da internet é considerada problemática e desafiadora. “Esquecem-se”, por

exemplo, que no “mundo digital” também tem lixo virtual. Pelo fato de haver uma confiança “cega”

na internet, as práticas de letramento digital podem estar se dando dentro de uma visão “ingênua” e

acrítica dos conteúdos da net.

5.1.10 Visões das práticas de letramento digital

Ainda que todas as professoras entrevistadas assinalassem no questionário estruturado não

terem conhecimento em relação à definição de letramento digital e de neotecnicismo pedagógico,

partiu-se do pressuposto básico de que, mesmo elas não tendo essas definições bem elaboradas em

sua formação docente e profissional, ainda assim elas desenvolvem práticas de letramento digital,

quando fazem usos do computador e da internet no laboratório de informática do colégio.

A partir desse pressuposto básico, elaboraram-se, com base nas unidades de registros

analisadas, categorias que pudessem fornecer uma compreensão no sentido de analisar quais são as

visões que poderiam estar subsidiando pedagogicamente as práticas de letramento digital durante os

momentos em que as atividades pedagógicas são realizadas no laboratório de informática do

colegiado.

Assim é que, foi possível analisar que as visões que as professoras demonstrarem ter, e que

podem estar subsidiando as práticas de letramento digital dos alunos, estão mais próximas de

pressupostos pedagógicos hegemônicos.

Inferiu-se, neste sentido, pelo fato de que nas análises e os relatos das professoras

apresentaram estar subsidiados em pressupostos pedagógicos que assinalam para perspectivas

deterministas mercantilistas que não possibilitam transformação social.

Segundo análise do corpus da pesquisa, as visões determinista-mercantilistas que podem

estar subsidiando as práticas de letramento digital no laboratório de informática do colégio,

puderam ser analisadas na medida em que elas entendem que: “Se não desenvolvê-las, não

conseguirá emprego”, “Hoje em dia você não entra no mercado trabalho, não faz o mínimo, sem o

conhecimento básico de informática, sem saber manusear o computador. Hoje em dia realmente não

tem como a pessoa viver sem usar internet. Ou se adéqua, ou se adéqua, não tem outro jeito.”.

(RELATOS DA PROFESSORA 3). E, ainda, “Essas pessoas (alunos) não vão conseguir trabalho,

pois não têm domínio dessa tecnologia (a digital)” (RELATO DA PROFESSORA 1). E, ainda: “O

próprio mercado exige que a pessoa tenha esse processo. Hoje, tudo está voltado para isto. No meio

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social, nós temos essa conexão com as tecnologias. No mercado de trabalho, num supermercado,

numa loja também, o aluno precisa saber mexer num caixa, que é eletrônico. A informática favorece

a tudo isso, o mercado exige que eles saibam isto. E gostam, não é?”. (RELATOS DA

PROFESSORA 2).

Na análise do corpus, estão as visões que as professoras apresentaram em relação às práticas

de letramento mediadas pelos computadores e pela internet estão muito voltadas para uma visão

hegemônica, que de acordo com Saviani (2008a) estão atreladas aos interesses produtivos e da

classe social dominante.

5.1.11 Para que servem e não servem as práticas de letramento digital?

Subsidiadas as visões das professoras entrevistadas em pressupostos pedagógicos

hegemônicos determinista-mercantilistas, relacionadas aos interesses produtivos, pôde-se analisar

também que as professoras entrevistadas deram a entender que as práticas de letramento digital

devem ser desenvolvidas também dentro de pressupostos pedagógicos atrelados aos interesses e

necessidade do capital. Isto, porque, ora apresentaram ter visão ingênua das práticas de letramento

de letramento digital, por exemplo, quando relataram que elas: “Contribuem com a sociedade e a

escola” e “Para a sociedade se organizar e fazer o bem” (RELATO DA PROFESSORA 3), ora

porque demonstraram que as práticas de letramento digital devem estar atreladas aos interesses da

produção, por exemplo, quando entendem que elas servem: “Para o crescimento do aluno,

preparando-se para o mercado de trabalho, para seu futuro”, (RELATO DA PROFESSORA 3),

“Para a formação de um profissional que interaja com os outros, que coopere no trabalho”,

“Contribuir (uso do computador e da internet) para que ele (aluno) se torne um bom profissional” e

“Ajudar o aluno na busca de conhecimentos na internet para fazer e enviar currículo profissional”.

(RELATOS DA PROFESSORA 2).

Entendendo que as práticas de letramento digital dos alunos podem estar sendo

desenvolvidas no laboratório de informática do colégio, levando em consideração necessidades da

produção capitalista, com a análise do corpus, pode-se inferir que não há muito espaço durante as

atividades mediadas pelos computadores e pela internet para entretenimento e lazer para os alunos.

Isto porque, segundo elas, alguns gêneros digitais, por exemplo, Orkut, MSN, Facebook, não devem

ser acessados pelos alunos durante às aulas no laboratório de informática do colégio.

Segundo relatos delas as redes sociais: “não ajudam na formação deles” e “normalmente eles

querem ir ao Facebook, e sites de joguinhos e não para se prepararem para o mercado de trabalho”

(RELATO DA PROFESSORA 3). E “usam “apenas para bater papo” (RELATO DA

PROFESSORA 1) e, ainda desviam “a atenção para uma outra situação fora do planejamento das

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aulas (Orkut, por exemplo)” (RELATO DA PROFESSORA 2).

Quando se trata de atividade pedagógica no LI do colégio, neste ambiente não há espaço

para o entretenimento dos alunos e, sim, apenas para um trabalho que valorize o conteúdo, com

ênfase na técnica. Não são permitidos, por exemplo, os alunos acessarem as redes sociais (MSN,

Twitter, Orkut, sites de jogos e brincadeira).

Em decorrência disto, parece que criatividade, trabalho em equipe, e outras capacidades e

comportamentos que foram analisados e que parecem estar subsidiando as práticas de letramento

digital no laboratório de informática do colégio, não estão voltados para a satisfação dos alunos e,

sim, para atender às novas demandas do mercado de trabalho, ainda que as professoras pareçam não

reconhecerem essa questão.

5.1.12 Usar o computador e a internet forma o aluno para o mercado de trabalho

Segundo relatos das professoras: “Não, nós no colégio não preparamos o aluno para o

mercado, não temos tempo disponível para isto” (RELATO DA PROFESSORA 3). Também,

A gente leva os alunos para o laboratório de informática do colégio, e lá os alunos do

ensino médio usam o computador e a internet para assistir filmes, digitar trabalho e buscar

informações na rede para os trabalhos que os professores pedem. Mas a gente não forma

esses alunos para o mercado de trabalho quando os coloca para manusear as tecnologias

(RELATOS DA PROFESSORA 1).

Duas, das três professoras entrevistadas relataram que, ao desenvolverem atividades

pedagógicas mediadas pelos computadores e pela internet no laboratório de informática do colégio,

não estariam formando os seus alunos de acordo com as novas exigências do sistema produtivo-

capitalista. Entretanto, nas análises dos outros relatos delas e das observações realizadas das

práticas de letramento digital no laboratório de informática do colégio, foram percebidas

contradições.

Isto porque na análise dos relatos das professoras e dos registros das observações sobre as

práticas de letramento digital desenvolvidas no laboratório de informática do colégio, identificou-se

a presença de pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos que assinalam para às novas

exigências do modo de produção dominante.

Os pressupostos pedagógicos hegemônicos percebidos e que poderiam estar subsidiando

teoricamente as práticas de letramento digital foram identificados e analisados nos conceitos de

ensino renovado, de aprendizagem para “sempre” e de formação para o longo de toda vida, de aluno

visto como “produto” do colégio, nas capacidades e comportamentos presentes nas práticas de

letramento digital dos alunos e das próprias professoras, no conceito de metodologia e nas visões e

utilidades das práticas de letramento digital das professoras entrevistadas.

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Para Freitas (1995), Saviani (2008a) e Kuenzer (2002), esses pressupostos pedagógicos

hegemônicos surgem e são introduzidos nas políticas e na organização do trabalho pedagógico

escolar com a finalidade de manter a instituição escolar sob a égide do capitalismo, que na sua

versal mais atual se desenvolve de acordo com os interesses e ideologia do mercado.

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CONCLUSÃO

A problemática que orientou o desenvolvimento desta investigação foi: quais são os

pressupostos teóricos e pedagógicos que orientam as práticas de letramento digital de professores e

alunos, quando esses fazem usos dos computadores e da internet no laboratório de informática do

colégio? A hipótese que inquietava era se havia uma relação causal entre neotecnicismo e as

práticas de letramento digital de professores e alunos.

Para a realização da análise dos dados teve-se como apoio os referenciais teóricos da

Análise de Conteúdo. A análise do corpus da pesquisa possibilitou inferir que há fortes indícios de

que as práticas de letramento digital de professores e alunos, no contexto especificamente

investigado, estão sendo orientadas por pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos do

neotecnicismo ainda que, nesse mesmo corpus analisado, foi possível identificar a concepção de

educação respaldada em pressupostos teóricos e pedagógicos contra-hegemônicos.

Existem fortes indícios que levam a compreender que as práticas de letramento digital dos

sujeitos educativos, aqui analisadas, estão subsidiadas em pressupostos teóricos e pedagógicos

hegemônicos neotecnicistas. Na medida em que essas práticas são desenvolvidas, incorporam-se à

visão de “ensino renovado” ou neo-escolanovismo (aprender a aprender). Essa visão de ensino

“renovado”, em função de não dar espaço no contexto educativo pedagógico para questionamento

das estruturas socioeconômicas, inclusive quando professores e alunos desenvolvem práticas de

letramento digital, dificulta a realização de trabalhos pedagógicos que possibilitem transformações

nos próprios sujeitos em situação educativo-escolar e, provavelmente na sociedade.

À luz do conceito de “ensino renovado” foi possível identificar no corpus da pesquisa outros

conceitos embasados em pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos que orientavam as

práticas de letramento de digital de professores e alunos quando esses fazem usos do computador e

da internet no laboratório de informática do colégio.

Assim, é que identificou-se e analisou-se no corpus da pesquisa: a) o conceito de

aprendizagem na noção do aprender “sempre”; b) o de formação, considerado uma constante ao

longo de toda carreira por exigência natural do mercado; c) as capacidades e comportamento como

interagir positivamente no colégio, trabalhar em equipe de forma empreendedora e criativa e

capacidade de tomar iniciativa; d) o de metodologia explicitada é o “aprender/aprendendo”. Esses

conceitos estão subsidiados em pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos do

neotecnicismo.

Ao entender esses conceitos com um desdobramento de outro conceito maior e mais

abrangente do ponto de vista educacional-pedagógico que é o de ensino “renovado”, esse dado

reforça a conclusão de que as práticas de letramento digital dos professores e alunos no corpus

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analisado estão sendo orientadas por pressupostos teóricos pedagógicos hegemônicos, pois tanto o

neotecnicismo quanto o conceito de ensino “renovado” surgem e se desenvolvem com a finalidade

de manter a educação escolar, e os fenômenos que a compõem, atreladas aos interesses produtivo-

capitalistas.

A análise do corpus da pesquisa possibilitou, também, a formulação de categorias de análise

que reforçam a inferência de que as práticas de letramento de digital de professores e alunos, no

contexto estudado, estão sendo orientadas por pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos.

Além dos conceitos analisados e apresentados acima, embasados em pressupostos teóricos e

pedagógicos hegemônicos do neotecnicismo, a análise do corpus da pesquisa possibilitou inferir

também que: a) o modo como os alunos estão lendo na “tela” do computador é superficial e rápido;

b) o tipo de trabalho escolar que os alunos estão produzindo por meio das práticas de letramento

digital no computador e na internet são cópias das informações da internet; c) a relação que as

professoras e os alunos estabelecem com as informações da “rede” é uma relação de confiança sem

muito questionamento sobre a veracidade, ou não, das informações lidas; d) as visões que

professoras e alunos têm da internet, na maioria das vezes, são atreladas aos interesses da produção;

e) para que servem as práticas de letramento digital desenvolvidas por meio do computador e da

internet grande parte das práticas de letramento digital apresenta ora caráter de ingenuidade ora

caráter mercantilista.

Segundo a fundamentação teórica definida para explicar os dados analisados, estão

alicerçados em pressupostos pedagógicos hegemônicos, inclusive do neotecnicismo pedagógico.

Este último é uma forma de organizar as escolas, que torna-se hegemônico na década de 1990 e

visa manter a instituição escolar atrelada aos interesses produtivos capitalistas.

O neotecnicismo pedagógico foi explicado e compreendido nessa investigação como uma

forma de organização escolar contemporânea que visa manter a visão produtivista de instituição

escolar reprodutora dos novos interesses e necessidades da base produtivo-capitalista.

O neotecnicismo pedagógico foi analisado do ponto de vista histórico, conjuntural sendo que

sua influência no campo da educação escolar ocorreu, e ainda ocorre, a partir de relações complexas

e dinâmicas que envolvem, sobretudo, mudanças na base produtiva do capital que vai introduzir

outras mudanças, por exemplo, de estado, de sociedade, de política, de educação.

Neste sentido, para explicar e compreender o neotecnicismo pedagógico foi preciso, então,

remeter não apenas a aspectos ligados ao modo como esse fenômeno se apresentava, sobretudo

quando observava-se, no início da investigação, as práticas de letramento digital de professor e

alunos quando faziam usos do computador e da internet no laboratório de informática do colégio.

Foi preciso ir além da “aparência”, ou seja, ao modo como as práticas de letramento digital se

apresentavam superficialmente, e buscar a “essência” do neotecnicismo pedagógico. Assim, teve-se

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que, neste estudo, recorrer ao contexto histórico do modo de produção que engendrou e caracteriza

o neotecnicismo pedagógico.

Como todo fenômeno histórico social, o neotecnicismo pedagógico foi estudado também

dentro da perspectiva conjuntural, ou seja, dentro de um contexto histórico e social marcado por um

conjunto de determinações e acontecimentos contemporâneos.

Entretanto, pôde-se inferir que a origem e o desenvolvimento do neotecnicismo carregam a

gênese do modo de produção de capitalista que, historicamente, passa por mudanças para manter

hegemônico o seu projeto de sociedade e de educação.

A influência do neotecnicismo no campo da educação escolar não ocorre de modo direto e

imediato. Isto, porque, como fenômeno histórico social que é considerado, a sua influência nos

campos empíricos, inclusive na educação escolar, acontece por meio de relações mediatas e

complexas. Assim, para explicar e compreender o neotecnicismo, e como esse fenômeno se torna

hegemônico a partir da década de 1990 no campo da educação brasileira, foi preciso contextualizá-

lo à luz das mudanças que vêm ocorrendo no modo de produção capitalista desde o final da década

de 1960 e que envolve, sobretudo, questões relacionadas ao toyotismo, neoliberalismo, globalização

da econômica, concepção de Estado, surgimento das tecnologias digitais entre outras. Essas

questões vão impor novos desafios e novas demandas também para o campo educacional, além de

reconfigurar, do ponto vista político, organizacional e pedagógico, o sistema de ensino, incluindo,

aí, as escolas públicas.

Assim, como o neotecnicismo pedagógico, o letramento digital também procurou ser

explicado e compreendido nessa investigação dentro de um contexto histórico e social, permeados

por relações dinâmicas, complexas e conjunturais.

Compreendeu-se, nesta investigação, o letramento digital como um fenômeno que surge e se

desenvolve a partir da introdução e desenvolvimento das tecnologias digitais, sobretudo com o

advento do computador e da internet.

Contudo, o desenvolvimento das tecnologias digitais também tem seu processo, direta ou

indiretamente, vinculado ao desenvolvimento da base produtiva, sobretudo quando ocorrem

mudanças no modo de produção capitalista em que o capital foi obrigado a substituir a modo de

produção taylorismo – fordista pelos modos de organização da produção mais flexíveis, entre eles o

toyotismo. Nesse modo de organização produtiva mais flexível, a tecnologia de base

microeletrônica e, em seguida, a informática-digital, passa a ser introduzida em muitas esferas do

trabalho humano e, com isto, produzir mais rentabilidade ao capital ainda que a presença e usos

dessas tecnologias possam trazer benefícios também para a humanidade de um modo geral.

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Os mais variados usos para as mais variadas finalidades que as pessoas fazem do

computador e da internet vão configurando novas e variadas práticas de letramento digital na

sociedade.

A introdução dos computadores e da internet no ambiente escolar, inclusive em ambientes

sociopedagógicos como o laboratório de informática, também propicia o desenvolvimento de

práticas de letramento digital.

Como toda prática educativa em ambiente escolar está subsidiada, explicita ou

explicitamente, em pressupostos teóricos e pedagógicos, as práticas de letramento digital

desenvolvidas por professores e alunos quando estes fazem usos do computador e da internet no

laboratório de informática do colégio, também estão sendo subsidiadas, por pressupostos teóricos e

pedagógicos explícitos ou não, na organização e no planejamento didático – pedagógico da

Instituição escolar.

Assim, a importância de se ter interrogado, explicado e compreendido no presente estudo

quais são os pressupostos teóricos e pedagógicos que estavam subsidiando as práticas de letramento

digital de professores e alunos quando esses faziam usos do computador da internet no laboratório

de informática do lócus escolhido para a realização empírico-teórico dessa investigação.

Como a análise do corpus da pesquisa revelou que os professores e os alunos não possuem

consciência e nem clareza teórica de que o desenvolvimento das suas práticas de letramento digital,

por meio dos computadores e da internet no laboratório de informática do colégio, estão sendo

subsidiadas por pressupostos teóricos e pedagógicos hegemônicos do neotecnicismo, propõe-se, ao

lócus investigado, aperfeiçoamento profissional dos docentes por meio do oferecimento de curso de

extensão universitária.

Esse aperfeiçoamento profissional, que será ofertado aos docentes e a outros profissionais

que atuam no lócus investigado, será planejado e realizado em cima da temática “letramento digital

e as práticas pedagógicas na escola” e será respaldado em fundamentação teórica crítica. O objetivo

a ser alcançado com a realização desse aperfeiçoamento profissional é fazer com os professores e

outros profissionais do colégio tenham consciência de que existem dimensões socioeconômicas e

políticas que independem das suas vontades e determinam não somente as suas práticas de

letramento digital no âmbito escolar como, também, determinam o seu ser social.

Neste sentido, acredita-se que, na medida em que os professores e outros profissionais do

colégio tiverem consciência e clareza da influencia dessas dimensões sociopolíticas e econômicas

nas suas práticas sociais, educacionais e escolares, será possível vislumbrar possibilidades de

transformação social e educacional. A meta a ser atingida é muito desafiadora, mas de que outra

forma se pode pelo menos começar a pensar em transformação social e educacional senão por meio

de uma formação crítica e emancipadora dos sujeitos?

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186

APÊNDICES

APÊNDICE A - MODELO DE ROTEIRO USADO PARA A ENTREVISTA

SEMIESTRUTURADA COM AS PROFESSORAS

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PESQUISA: LETRAMENTO DIGITAL E NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO

Doutorando: Elson Marcolino da Silva

ROTEIRO PARA A REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS

1) Atualmente, fala-se em “sociedade da informação e da comunicação” e/ou em “sociedade do

conhecimento.” Como é que você entende a presença e os usos de computadores e da

internet na sociedade atual?

2) Você entende que o computador e a internet podem contribuir na formação dos seus alunos

(as)? De que forma? Para quê?

3) Quando você propõe em seus planejamentos didáticos a usar o computador e/ou a internet

como recursos pedagógicos, quais são as capacidades e comportamentos que você espera

que seus alunos (as) desenvolvam?

4) Comente, a partir das suas experiências docentes, como ocorre o trabalho pedagógico

quando as aulas são realizadas no laboratório de informática do colégio usando o

computador e/ou a internet como ferramentas educativas.

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APÊNDICE B - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 1

Observação: conteúdo não disponibilizado para preservação do lócus investigado.

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188

APÊNDICE C - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 2

Observação: conteúdo não disponibilizado para preservação do lócus investigado.

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APÊNDICE D - TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: PROFESSORA 3

Observação: conteúdo não disponibilizado para preservação do lócus investigado.

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APÊNDICE E - MODELO DE QUESTIONÁRIO ESTRUTURADO –

PROFESSORAS

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PESQUISA: LETRAMENTO DIGITAL E NEOTECNICISMO PEDAGÓGICO

Doutorando: Elson Marcolino da Silva

Prezado (a) Professor (a);

No sentido de desenvolver minha pesquisa de doutoramento, peço-lhe a gentileza de responder as

questões apresentadas abaixo. Muito agradecido pela sua colaboração e tenha certeza de que sua

contribuição será muito importante. Elson M. da Silva

PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS

1- Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: ____________________________________

2- Titulação máxima: ___________________________________________________________

3-Tempo de serviço total na educação: _____________________________________________

4- Disciplina (s) que leciona:_____________________________________________________

_____________________________________________________________________________

5- Faixa Salarial como professor: R$_______________________________________________

6- É filiada a algum sindicato: ( ) sim ( ) não. Caso positivo, qual?__________________

7- Atua na escola em quais períodos: ( ) matutino ( ) vespertino ( ) noturno

PERFIL ENVOLVENDO O LETRAMENTO DIGITAL

12- Possui computador ( ) sim ( ) não

13- Se possui, o seu computador é: ( ) de mesa ( ) notebook ( ) netbook ( ) Iphone ( )

0utro tipos: ___________________________________________________________________

14-Você: ( ) Não possui computador pessoal, mas faz usos dele

( ) Não possui computador pessoal e nem faço uso dele

15- Não possuo computador pessoal, mas faço usos dele com maior frequência em:

( ) Lan House ( ) no laboratório de informática da escola que trabalho ( ) Centros

comunitários públicos

16- Se não faz uso do computador é por que: ( ) Não me faz falta ( ) Não me acho preparada (0)

para lidar com ele ( ) Outros motivos:__________________________________________

_____________________________________________________________________________

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17- No contexto social atual, o uso do computador e da internet é considerado: ( ) imprescindível

( ) importante, mas não imprescindível ( ) sem importância

18- Geralmente, você acessa internet: ( ) diariamente ( ) uma vez por semana ( ) três vezes

por semana ( ) Uma vez ao mês ( ) nunca acessei internet

19- Você usa internet com mais frequência para: ( ) abrir minha caixa de e-mail ( ) acessar

redes sociais tais como Orkut, Facebook, Twitter, etc. ( ) Fazer download de vídeos

( ) outros usos e quais? _____________________________________________________

20- Tem feito curso para usos do computador e da internet ( ) sim ( ) Não

21- Caso afirmativo, quantos: ( ) apenas 1 ( ) 2 a 4 ( ) acima de 5 cursos

Sabe o que é neotecnicismo pedagógico ( ) sim ( ) não

Se sim, descreva a sua definição: _______________________________________________

_____________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

Sabe o que é letramento digital ( ) sim ( ) não

Se sim, descreva a sua definição:_______________________________________________

________________________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

[email protected] – Elson M. da Silva

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APÊNDICE F -DESCRIÇÃO DAS OBSERVAÇÕES DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO

DIGITAL NO LI DO COLÉGIO

1- Primeira Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

Primeiras observações no laboratório de Informática do Colégio Estadual foram das aulas da

disciplina Matemática. Estavam presentes aproximadamente 16 alunos do Ensino Médio.

A aula foi ministrada pela professora. Após os alunos entrarem no LI e se sentarem de frente

para os computadores a professora os informou o objetivo daquela aula. Segundo ela: - “Conhecer e

saber manusear o Excel.”. Aparentemente, a professora apresentou ter domínio técnico do

computador e do programa que estava sendo usado para a realização da aula, ou seja, o Excel.

Além do computador, outras “tecnologias” também estavam sendo usadas durante a aula.

Quadro de giz, cadernos, canetas. Interessante observar que a professora escrevia no quadro de giz

os “conteúdos” da disciplina de matemática e os alunos os copiavam para os seus cadernos. Entre o

quadro de giz e o caderno dos alunos encontrava-se o computador que, naquele momento, não

parecia ter nenhuma importância pedagógica. O ambiente, no LI, era de muito silêncio, pois a

professora, no começo da aula, havia pedido aos alunos que não conversassem durante as aulas.

De vez em quando, a professora dirigia-se aos alunos e conferia se estavam copiando em

seus cadernos o que estava sendo escrito no quadro de giz.

Com os retornos da professora ao quadro de giz para dar continuidade à escrita do conteúdo,

alguns alunos deixavam de copiar o conteúdo no caderno e passaram a acessar a internet. Alguns

acessavam o Orkut, outros o Messenger e o Youtube. Como a professora encontrava-se de “costas”

para os alunos, não percebeu que haviam mudado de “tecnologia” em “sala de aula”. Ou seja; os

alunos mudaram do caderno para a internet.

Após os alunos copiarem o “conteúdo” que a professora havia escrito no quadro de giz, ela

pediu aos alunos que abrissem o Excel. Ela percebe que um aluno já estava fazendo uso do

computador mesmo antes dela pedir. Então, flagra esse aluno que estava acessando o Orkut, e não o

Excel, que havia acabado de “recomendar” o acesso à turma.

A reação da professora foi surpreendente. Desligou o computador na “cara” do aluno que,

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em resposta a tal atitude dela, retirou-se do LI, xingando-a de desgraçada em tom de voz alto. Em

seguida, a professora pede, novamente, que os alunos usem o Excel.

A atividade no Excel estava voltada para a realização de cálculos matemáticos. Segundo

explicação da professora, os alunos deveriam fazer cálculos matemáticos usando o Excel. Nessa

atividade, questões com valores de salário mínimo, horas extras e funções estavam presentes. Por

exemplo, a partir do valor do salário mínimo, os alunos deveriam calcular quanto que um vendedor

de loja receberia por 15 horas extras trabalhadas. A atividade, junto ao Excel, estava centrada no

cálculo matemático em si e não se apoiava numa concepção filosófica crítica de trabalho.

Em momento algum, por exemplo, a professora problematizou as questões socioeconômicas

envolvendo as condições de trabalho assalariado no contexto capitalista.

Diferente da postura adotada no início da aula no LI, a professora passa a incentivar a

interação entre os alunos que fazem a atividade pedagógica proposta no Excel. Os alunos trocam

“ideias” entre si sobre a atividade no Excel, houve muita interação nesse momento. Contudo, o foco

da realização da atividade volta-se apenas para o conteúdo em si, ou seja, cálculos matemáticos, não

fazendo nenhuma relação do “conteúdo” com as questões socioeconômicas.

Alguns alunos que se envolvem na atividade no Excel, passam a acessar também outros

gêneros digitais, tais como Orkut e Youtube. A professora não se dá conta deste fato. Os alunos são

muito rápidos na troca de gêneros no computador. Quando percebem que a professora vai se

aproximar do computador que fazem uso, trocam rapidamente de gêneros passando dos sites de

divertimentos novamente para o Excel.

2- Segunda Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

Participaram desta aula 26 alunos do Ensino Médio. A disciplina ministrada era Biologia.

Antes dos alunos entrarem no LI a professora já havia disponibilizado, na tela do computador, o site

(Wikipédia) que seria usado para a realização da atividade pedagógica.

Perguntou-se a professora porque havia selecionado aquele site para a realização da

atividade pedagógica. Ela disse que o Wikipédia era um site confiável em função de que os textos

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disponíveis nesse ambiente estavam fundamentados em teorias científicas.

Perguntou-se, então, quais os critérios que havia utilizado para seleção das informações que

os alunos teriam acesso nesse site durante a aula no LI. Ela disse que não se preocupava com esta

parte do trabalho, pois o importante era que os alunos acessassem apenas “aquele” site de consulta

para a realização da atividade e a informação que buscariam nele ficaria a cargo dos próprios

alunos.

Os alunos entraram no LI e se dirigiram aos computadores. Em seguida, a professora

explicou aos alunos que o objetivo da aula no LI era realizar uma pesquisa na internet para

aprofundar as experiências que haviam realizado, dias antes, no laboratório de Ciências do Colégio.

Antes disto, ainda segundo a fala dela, os alunos teriam estudado os conteúdos da “experiência” da

disciplina em sala de aula. Ficou claro, nessa explicação, que os alunos haviam estudado a “teoria”

em sala de aula.

Em seguida, e no laboratório de ciências, eles realizaram a “prática”. E que naquele

momento, e já no laboratório de informática, os alunos iriam aprofundar os “conteúdos” teórico-

práticos, por meio de pesquisas na internet, e realizar um trabalho solicitado pela professora da

disciplina de Biologia.

A professora pediu aos alunos que buscassem no site Wikipédia o “conteúdo” sobre

quilópodes e invertebrados. Ela explicou aos alunos que, após acharem o “conteúdo” no site

Wikipédia eles teriam que copiá-lo, escrevendo para os seus cadernos.

Os alunos começam a busca pelo “conteúdo” no site Wikipédia. Para isto, alguns digitam no

campo “pesquisa”, que localiza-se à direita do site, as palavras “quilópode” e “invertebrado”.

Quando aparecem na tela do computador os hipertextos com as opções de busca para as palavras

“quilópode” e “invertebrado”, que foram digitadas por eles no referido campo de “pesquisa”,

percebe-se que ficam meio “confusos”.

Por alguns momentos, parecem não saber o que fazer diante de tantas e inesperadas opções

de pesquisa, disponibilizadas na tela. Então, começam a dialogar entre si sobre essa situação,

caracterizada pela excessiva quantidade de informação disponibilizada na tela do computador e que,

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naquele momento, pareciam não saber lidar.

Após várias discussões chegaram ao entendimento, entre eles, que seria mais “fácil” buscar

o “conteúdo” na internet digitando no campo “pesquisa” palavra por palavra. Assim é que, no

primeiro momento, digitaram no campo “pesquisa”, do site Wikipédia, a palavra “quilópode”. Após

aparecerem os hipertextos digitais relacionados a essa temática, clicaram em um, tido como o mais

“adequado” para a realização do trabalho escolar. Em seguida, começaram a copiar partes do

conteúdo desse hipertexto digital para o caderno, dando início à elaboração da atividade escolar.

Em seguida, voltaram ao campo “pesquisa” do Wikipédia, digitaram a palavra

“invertebrado” e repetiram o mesmo processo que foi adotado para a elaboração da primeira parte

do trabalho escolar, que tratava sobre o tema “quilópode”.

Depois, a professora ausentou-se do LI e então foi perguntado para alguns alunos se a

professora de Biologia havia lhes passado alguma informação mais detalhada sobre usos da internet

no LI e eles relataram que a professora disse que realizariam, apenas, uma pesquisa na internet

sobre o conteúdo ministrado em sala de aula e experimentado no laboratório de ciências do colégio.

Com a ausência temporária da professora no LI, alguns alunos deixaram de copiar

informação do site Wikipédia para o caderno e começaram a acessar outros sites (Orkut, MSN e

Youtube). Pôde-se verificar, também, que outros alunos jogavam “paciência” no computador.

Outros alunos “saem” do Wikipédia e passam a acessar o Google. Estes começam a copiar

informações do primeiro site que aparece na tela para o caderno, sem saber se eram confiáveis ou

não essas informações. Perguntou-se a um aluno se poderia confiar nas informações retiradas do

site, e que foram copiadas para o seu caderno. Ele respondeu que “se estava na internet, poderia

confiar, senão “lá” o conteúdo (invertebrados) não estaria”.

Um aluno copiou informações sobre “quilópodes” e “invertebrados” do Wikipédia. Em

seguida, as “cola” no PowerPoint. Perguntou-se onde ele havia aprendido a mexer nesse programa.

Respondeu que aprendeu “fazendo ele mesmo” e que os professores nunca o haviam ensinado.

Percebeu-se que alguns alunos apresentaram cansaço por apenas copiar, para o caderno, os

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“conteúdos” disponibilizados na “tela” do computador. Um aluno chamou a professora para

mostrar-lhe que aprendeu clicar as teclas Ctrl+c e Ctrl+v para realizar os trabalhos escolares nos

slides do PowerPoint.

Parecendo preocupada apenas com a “criatividade” do trabalho e não, necessariamente, com

o “conteúdo” da atividade pedagógica, a professora de Biologia elogia esse aluno por demonstrar

capacidade no uso dessas teclas do computador e elaborar o trabalho de forma tão “criativa” nos

slides. E ela diz para toda a turma ouvir: “Você é tão craque!”, e o aluno responde: “-Mas isto é tão

fácil, professora!” A professora ri da situação.

Preocupação com a criatividade do trabalho escolar e não com o “conteúdo” da disciplina. O

que significa isto? O computador e a internet servem para desenvolver a criatividade dos alunos e

não para apropriação e produção de conhecimentos? A quem isto, de fato, interessa?

Nessa mesma “cena”, outro aluno se manifesta e diz que vai também copiar e colar

informações dos sites para o Word e, assim, elaborar os seus trabalhos escolares, pois, e segundo

depoimento dele, “estava complicado ficar só copiando da tela do computador para o caderno”.

Dois alunos assistiam vídeo, ouviram músicas com fone de ouvido e, ao mesmo tempo,

acessaram a internet para buscar informação para a realização do trabalho solicitado pela

professora.

Próximo do final da aula no LI foi possível identificar que os trabalhos de pesquisa

realizados pelos alunos, usando o computador e a internet, estavam muito parecidos, tendendo a

padronização do resultado do trabalho.

A duração da aula foi de aproximadamente 35 minutos. No final, a professora agradeceu a

turma, e assim saíram do LI.

3- Terceira Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

A aula foi ministrada pela professora da disciplina Língua Portuguesa. Participaram, desse

momento, cerca de 25 alunos do Ensino Médio. Nessa aula, os alunos fizeram apresentação de

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trabalhos usando as “tecnologias” disponíveis no computador. Os temas dos trabalhos apresentados

eram “variados”.

A apresentação dos trabalhos dos alunos aconteceu por meio do PowerPoint e do Youtube.

No que tange ao PowerPoint, os slides estavam repletos de efeitos especiais que contemplavam

imagens estáticas e dinâmicas. No que tange ao Youtube, esse gênero digital foi utilizado para

apresentação de vídeos musicais cujos gêneros envolviam desde Axé, nas vozes de Ivete Sangalo e

Chiclete com Banana; MPB, Tribalhista, por exemplo; e músicas cantadas por duplas sertanejas

como Victor e Léo e Bruno e Marrone.

Chamou atenção, também, o gênero musical gospel, especialmente as músicas de Aline

Barros e Matos Nascimento, que bateram o recorde de apresentação, se comparados a outros

gêneros musicais que fizeram parte das apresentações dos trabalhos escolares.

As práticas de LD se deram a partir dos usos que alunos e professora fizeram do computador

(PowerPoint) e da internet (youtube).

Pôde-se perceber que a professora, e boa parte dos alunos, cantavam as músicas que eram

reproduzidas pelo computador em tom de voz alto. A aula era muito “criativa” do ponto vista dos

efeitos tecnológicos, propiciados pelos usos do computador e da internet, que estavam fazendo na

aula.

Observou-se, contudo, que mesmo em um clima de empolgação e muita criatividade

tecnológica, no que tange aos “conteúdos” curriculares de Língua Portuguesa havia pouca

finalidade pedagógica. A professora ficava sentada durante toda a “aula” e não fazia nenhuma

intervenção pedagógica nos conteúdo de LP e nem nas apresentações realizadas pelos os alunos.

Percebeu-se que, nessa “aula”, houve valorização acentuada dos “efeitos tecnológicos”,

causados em função da utilização da mídia digital no LI, do que de “conteúdos curriculares” da

Língua Portuguesa.

Ainda que a aula no LI se desse em um clima de euforia, alegria e muita criatividade, alguns

alunos acessavam gêneros digitais como o Orkut e o MSN. Outros estavam, simplesmente,

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debruçados sobre as mesas e pareciam não apresentar muita empolgação em relação à aula no LI.

Chegado o horário do intervalo, alguns alunos aproveitaram o momento para organizar as

apresentações dos trabalhos que ocorreriam no segundo período da “aula”. Nesse intervalo, um

aluno apresentou dificuldade em usar o PowerPoint. Então, solicitou a ajuda da professora de

Língua Portuguesa, que ainda se encontrava no LI.

Contudo, ela não o ajudou, pois apresentou claramente não possuir habilidade de manuseio

para com essa mídia. Outros alunos, que também estavam presentes no LI, o ajudaram a organizar a

sua apresentação no Power Point. Nesse momento, perguntou-se a nove alunos, quem os ajudara a

preparar as apresentações no computador. Disseram ter feito toda a organização dos trabalhos no

PowerPoint e no Youtube sem a ajuda da professora, pois, e segundo relato deles mesmos, -“Ela não

dominava a ‘máquina’”.

Perguntando-lhes onde havia aprendido a lidar com o computador e seus programas, a

maioria afirmou ter aprendido, “simplesmente, mexendo na máquina”.

A falta de preparação técnica e pedagógica do professor, para usar as “tecnologias” da

informática em sala de aula, é uma questão muito séria. Os alunos têm apresentado maiores

desenvolturas em relação aos usos das mídias digitais, enquanto que os professores ainda possuem

baixo grau de letramento digital.

Após intervalo, ocorreram mais apresentações de trabalho dos alunos usando o computador.

O som estava muito alto, todos riam, cantavam e se “encantavam” diante dos efeitos especiais,

causados pelos usos do computador e da internet, inclusive a professora de LP.

Era nítido o fato de a professora estar com sua atenção voltada mais para os efeitos especiais

produzidos pelo computador do que para “conteúdos curriculares” de Língua Portuguesa.

Novamente, detecta-se, nesta observação, a valorização da tecnologia digital, ou dos seus efeitos

especiais, em detrimento aos “conteúdos” curriculares.

A professora, maravilhada com os efeitos tecnológicos produzidos pelo computador, não

fazia intervenção pedagógica em relação aos conteúdos das apresentações. Alguns alunos

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continuavam a acessar o Youtube durante as aulas no LI. Outros trocavam mensagens via Orkut e

MSN.

4- Quarta Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

A “aula” que estava programada para acontecer neste dia no LI do colégio havia sido

cancelada de última hora pela própria professora da disciplina. Assim, optou-se por permanecer no

local para realizar observações de como se desenvolviam as práticas de letramento digital de alunos

que, porventura, procurassem o LI para a realização de alguma atividade pedagógica usando o

computador e a internet.

Assim, entrou no LI, um aluno do Ensino Médio. Segundo depoimento desse aluno, sua ida

ao LI foi motivada pela necessidade de elaboração de um trabalho escolar, solicitado pelo professor

da disciplina Filosofia. O tema do trabalho, cujas informações seriam buscadas na internet, era

“Positivismo”. Segundo relatou o aluno, a “recomendação” do uso da internet, para buscar

informações para a elaboração do trabalho escolar, partiu do próprio professor da disciplina de

Filosofia.

No processo de busca das informações na “rede” para a realização do trabalho escolar, o

aluno apresentou ter domínio básico do computador e da internet. Ligou o computador e inseriu a

senha na tela. Após o acesso autorizado pelo “sistema” de informática do colégio, clicou no

navegador Mozilla Fire. De imediato, apareceu na tela do computador o site de busca Google. No

campo “pesquisar”, deste site, ele digitou a palavra “positivismo” e, em seguida, acionou a tecla

enter.

Na medida em que o site Google disponibilizava os hipertextos que tratavam sobre o tema

positivismo, ele os clicava e realizava leituras “superficiais". Em seguida, e após realização de

leituras “superficiais” dos hipertextos digitais, começou a “copiar” partes das informações contidas

neles para o Word. Sempre que copiava parte da informação de um hipertexto digital, colava no

documento Word.

Diante dessa situação, perguntou-se ao aluno se aquelas informações retiradas dos

hipertextos digitais poderiam ser consideradas corretas e confiáveis. Demonstrando ter uma visão

ingênua e acrítica da Internet, disse que as informações disponíveis na internet eram consideradas

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corretas e confiáveis, pois “senão elas não estariam na internet”.

Foi-lhe perguntado, também, se o professor de Filosofia, que solicitara o trabalho escolar

sobre Positivismo, havia indicado algum site específico e falado sobre como usar a internet para a

realização da consulta. O aluno respondeu que não, e acrescentou “[...] ele não me passo nem um

roteiro básico de pesquisa”. O que evidenciava que o professor havia passado o tema da pesquisa

(positivismo) e o “meio” de busca das informações (internet) para a realização da atividade.

O aluno prosseguiu realizando a pesquisa na internet com a finalidade de fazer o trabalho

solicitado pelo professor de Filosofia. Clicava nos hipertextos digitais que apareciam na tela do

computador, e lia “dinamicamente” as informações que se apresentavam neles. Depois as copiava

para o documento Word, configurando, assim, o seu trabalho escolar.

Novamente, perguntou-se ao aluno porque apenas copiava as informações disponíveis nos

hipertextos digitais e as colava para o Word, resultando em “seu” trabalho escolar. Ele disse ser mais

fácil copiar da internet do que escrever com as “próprias” palavras dele. Relatou, também, que,

sempre a turma fazia trabalhos escolares desta maneira e que os professores nunca fizeram objeções

quanto a essa forma de elaborar trabalhos escolares. Davam, inclusive, notas boas, segundo

depoimento dele.

Ler dinamicamente um texto digital. O que isto significa? Quais são as características e

implicações deste tipo de leitura. Ler “dinamicamente” um hipertexto digital tem alguma relação

com mudanças na base produtiva?

5- Quinta Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

Neste dia, também não houve aula programada para ser realizada no LI. Optou-se, assim,

como na observação anterior, por analisar as práticas de letramento digital de alunos que se

deslocassem para o LI para a realização de atividades escolares mediadas por computador e pela

internet.

Assim, Adentrou no LI uma aluna do Ensino Médio. Segundo relatou, havia se deslocado

para o LI do colégio a pedido da professora de Biologia para a realização de uma pesquisa na

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internet sobre o tema “Gravidez na Adolescência”. A realização da pesquisa, a ser realizada na

internet, culminaria na elaboração de um trabalho escolar da disciplina.

Para a realização da sua pesquisa na internet, a aluna fez uso do site Google. Em seguida,

digitou no campo “pesquisa”, deste site, a frase “gravidez na adolescência”. Em seguida, clicou no

primeiro hipertexto digital que apareceu na “tela” do computador que trazia, em seu bojo,

informações sobre a temática pesquisada, ou seja, “gravidez na adolescência”.

Após a realização de leituras rápidas das informações contidas neste hipertexto digital, ela

selecionou partes delas. Em seguida, as copiou e as colou em uma página do Word. Feito isto, ela

acrescentou informações sobre o trabalho acadêmico, como por exemplo, o nome dela, da disciplina

e do professor que havia solicitado o trabalho.

Diante deste fato, perguntou-se à aluna sobre o porquê de apenas copiar as informações da

internet para o “seu” trabalho escolar. Segundo relato da própria aluna, ela não “precisava pensar

muito” para fazer o trabalho escolar, uma vez que, tudo o que ela “pensava” estava, lá, na internet.

Ainda segundo relato dela: precisaria apenas, “pegar as informações que estavam lá”.

Para ela, também, foi perguntado se algum trabalho escolar que havia sido feito a partir de

cópias das informações retiradas da internet, teria sido reprovado por algum professor do colégio.

Ela disse que não, pois os professores achavam essa “prática” de pesquisa na internet até “normal”.

6- Sexta Observação das Práticas de Letramentos Digital no LI do Colégio

Não tinha nenhuma aula programada para o LI neste dia. Então, optou, novamente, em

observar como é que se davam as práticas de letramento digital de alunos que faziam usos dos

computadores e da internet no LI do Colégio.

Um aluno, também cursando o Ensino Médio, se deslocou para o LI do colégio para realizar

uma pesquisa na internet sobre “naturalismo” e “realismo”. Com a realização desta pesquisa na

internet, o aluno objetivava elaborar um trabalho escolar solicitado pelo professor da disciplina

Artes.

Após ter acesso ao computador, ele clica no Mozilla Fire. Ao ser disponibilizado, na tela do

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computador, o site Google, digita no “campo” pesquisar” as palavras “naturalismo” e “realismo”.

Aparecem na “tela” vários hipertextos digitais que abordam a temática que estava sendo pesquisada

pelo aluno.

Durante esse momento, percebeu-se que o aluno ficava certo tempo lendo atentamente os

hipertextos digitais que estavam disponibilizados na tela do computador.

Neste tempo, ele não clicou em nenhum deles, pois parecia não saber prosseguir com a sua

pesquisa digital. É como se ele se visse “perdido” diante de tantas possibilidades de buscas de

informações a partir do tema da sua pesquisa. Pareceu não entender a complexidade dos temas que

colocou no site de busca.

Após observar, por um determinado tempo, os hipertextos digitais dispostos na tela do

computador, clicou em um deles. Começou a ler rapidamente as informações contidas nesse

hipertexto digital. Em seguida, selecionou e copiou partes das informações do hipertexto e as colou

numa página do Word.

A primeira parte da informação copiada do hipertexto digital e colada na página do Word

recebera a denominação de “Contexto Histórico do Realismo e Naturalismo”.

Depois de “elaborar” a primeira parte do “seu” trabalho escolar, o aluno continuou a busca

de mais informações na internet para elaborar a segunda parte do trabalho escolar. Em outro

hipertexto digital, cujas informações tratavam, agora, sobre o naturalismo, ele repetiu o mesmo

processo de “elaboração” da primeira parte do seu trabalho escolar. Ou seja, selecionou e copiou

partes das informações sobre “naturalismo” de um hipertexto digital e as inseriu junto a primeira

parte do seu trabalho escolar.

Segundo o aluno, ao realizar pesquisa na internet dá “preferência” ao site Google que, na

visão dele é mais confiável. Conhece outros sites de buscas na internet, como o Yahoo, mas sempre

procura fazer uso do Google.

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APÊNDICE G-TABELA DOS PRESSUPOSTOS PEDAGÓGICOS DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS HEGEMÔNICAS E CONTRA-

HEGEMÔNICAS

Tradicional Nova Tecnicista (modelo empresarial) Neotecnicista

Professor/função Autoridade

máxima/transmitir

conhecimento

Orientador da

aprendizagem/posição

secundária

Professor na posição de mero executor de um

processo que somente os especialistas eram

capazes de organizar, planejar, coordenar e

controlar. Posição secundária.

“Prestador” de serviço. Que visa preparar os seus alunos

para internalizar a ideia continuar aprendendo sempre.

Aluno Ser passivo “Centro” do processo

educativo

Depositário de conhecimentos que devem ser

acumulados na mente através das

associações. Posição secundária.

“Cliente”

Relação

pedagógica

Unilateral e dogmática do

professor sobre o aluno

“Camaradagem” Baseada em contingência e manipulação

(professor para o aluno)

“Flexível” desde que esteja alinhada aos novos interesses do

capital.

Comportamentos

esperados

Disciplina intelectual,

valorizando, do aluno, sua

atenção, concentração,

silêncio e muito esforço

“Aberto” para aprender a

aprender

De mercado (eficiente, eficaz e “produtivo”).

“Saber fazer”

Cooperação; maior capacidade de abstração, de

flexibilidade e de integração; análise, síntese,

estabelecimento de relações, rapidez de respostas,

criatividade diante de situações desconhecidas,

comunicação clara e precisa, interpretação e uso de

diferentes linguagens, capacidade para trabalhar em grupo,

gerenciar processos e estudar continuamente. saber

relaciona-se com os outros, participar, expressar-se, propor

soluções e oferecer sugestões, ser polivalente e

multifuncional com capacidade para desempenhar

simultaneamente várias funções diferentes.

Concepção

aprendizagem

“Produto” “Processo” Mecanizada, padronizada Aprendizagem permanente. Para “sempre”

Metodologia de

ensino

Exposição oral da matéria

pelo professor aos alunos

Trabalhos e dinâmicas de

grupo, pesquisa, jogos de

criatividade.

Tecnologia de ensino, instrução programada,

máquina de ensinar, rádio, TV.

Qualquer recurso didático, descentralizando as ações

(como) e centralizando as decisões (porque)

Avaliação Centrada no “mestre”,

interrogatórios e aplicação

de provas.

Valoriza os aspectos afetivos

(atitudes) com ênfase na

autoavaliação

Objetiva, mecânica, estímulo-resposta. Forma de controlar e direcionar o trabalho da escola. Ênfase

no resultado esperado e não no processo

Conteúdo Intelectualista e

enciclopedista, separados

da experiência e da

vivência dos alunos.

Selecionado a partir dos

interesses dos alunos.

Conhecimento “neutro” e “objetivo”.

“Positivo”. Fragmentado, especializado e

padronizado.

Ligados a conceitos gerais, de ordem especialmente aqueles

de natureza matemática.

Levam em consideração os interesses da classe dominante em detrimento aos da classe popular. Lutam para manter o tipo de sociedade atua (capitalista, sociedade de classes)

ELABORADO NO CONTEXTO DA PESQUISA POR ELSON MARCOLINO DA SILVA

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Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas

Libertadora (Freireana) Libertária CSC (Libâneo) PHC (Saviani)

Professor/função Contribuir para a transformação crítica do aluno “Livre” de qualquer imposição

e coerção

Orientador e interventor na/da

aprendizagem dos alunos

Autoridade/sem agir de forma autoritária.

Interventor na/da aprendizagem dos alunos

Aluno Sujeito consciente da sua própria história num

mundo em transformação

“livre” de qualquer imposição e

coerção

Um sujeito com uma visão

sincrética de mundo e que

precisa transformá-la em visão

sintética.

Ser histórico, inserido numa prática social

concreta.

Relação pedagógica Dialógica e dialética Não-diretiva Baseado grupo que é essencial

porque ensina o professor a

relacionar-se com a classe; a

perceber conflitos; a saber, que

está lidando com a uma

coletividade e não com

indivíduos isolados, a adquirir-

se a confiança dos alunos.

Diretiva, resgatando, refletindo e propondo

soluções sobre a prática social.

Comportamentos

esperados

Além das habilidades e competências

linguísticas, desenvolvimento da consciência

crítica perante a realidade.

Consciência crítica Consciência crítica por meio da

apropriação dos conteúdos

Preparo técnico e intelectual com uma visão

crítica e ampla da realidade social com

possibilidade de transformá-la.

Concepção de

aprendizagem

Se desenvolve com a relação do “outro” e com

o mundo.

Ênfase é na aprendizagem

informal com base grupo na

negação a toda forma de poder.

Desenvolvimento das

capacidades de processar

informações e saber lidar com

estímulos do “ambiente”,

organizando os dados

disponíveis da experiência.

Integração entre conteúdo e realidade concreta e

“viva”.

Metodologia de

ensino

Temas geradores Participação grupal e em

mecanismos institucionais de

mudanças, tais como:

assembleias, conselhos,

reuniões, associações.

Dinâmicas de grupo,

coletividade onde ensinam o

professor a relacionar-se com a

classe e a perceber conflitos.

“Instrumentos” teóricos e práticos que auxiliam na

compreensão e soluções dos problemas e

dificuldades colocados pela prática social

Avaliação “Processo” Do ponto de vista dos

conteúdos, sem sentido.

Importante, mas não como um

fim em si mesma.

Importante, mas não como um fim em si mesma.

Conteúdo Extraído da realidade do aluno “oprimido”. Gerado pela prática social. O

“oficial” é secundário

Conhecimentos universalmente

acumulados, mas confrontados

com a realidade em seus vários

aspectos.

Saber acumulado historicamente

Surgem em função dos interesses dos dominados, das classes dominadas. Lutam por outro tipo de sociedade (justa para todos)

ELABORADO NO CONTEXTO DA PESQUISA POR ELSON MARCOLINO DA SILVA

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ANEXOS

ANEXO A - CÓPIAS DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DO COLÉGIO

Observação: conteúdo não disponibilizado para preservação do lócus investigado.

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