UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - dominiopublico.gov.br · 4.2 Esvaziamento da Supremacia do Interesse...
Transcript of UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - dominiopublico.gov.br · 4.2 Esvaziamento da Supremacia do Interesse...
�������������� ���UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS-BASES PARA UMA
INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO
ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA
LINCOLN SOARES
Fortaleza-CE
abril – 2008
1
LINCOLN SOARES
CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS- BASES PARA UMA
INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO
ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA
Dissertação apresentada à Banca examinadora do Mestrado
em Direito Constitucional, da Universidade de Fortaleza –
UNIFOR, em cumprimento dos requisitos necessários para à
obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do
Professor Doutor Rosendo de Freitas Amorim.
FORTALEZA – CE abril - 2008
2
__________________________________________________________________________ S676c Soares, Lincoln. Constitucionalismo e direitos fundamentais : bases para uma interpretação do controle judicial de proporcionalidade do ato administrativo, no exercício de competência discricionária / Lincoln Soares. - 2008. 146 f. Cópia de computador. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2008. “Orientação : Prof. Dr. Rosendo de Freitas Amorim.”
1. Direitos fundamentais. 2.Controle judicial. 3. Ato administrativo. 4. Direito constitucional. I. Título.
CDU 342.7 __________________________________________________________________________
3
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO/MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
DISSERTAÇÃO
CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS-BASES PARA UMA
INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO
ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA
por
Lincoln Soares
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ Prof. Dr. Rosendo de Freitas Amorim - Presidente
_______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Martins Rodrigues - Examinador
______________________________________ Prof. Dr. Francisco Tarciso Leite - Examinador
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela fidelidade, de seu amor e por haver me resgatado do sombrio abismo do pecado.
A meus pais, pelas lições ensinadas e que ainda ensinam.
A minha amada esposa, pelas horas de silencioso carinho e desvelo.
A meus filhos, pelo tempo a eles subtraído e não recuperado.
Aos mestres, em especial a meu orientador; aos colegas de mestrado pela valiosa contribuição
ao presente trabalho.
5
“Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca
mais. Das recordações, retratos do mal em si,
melhor é deixar pra trás. [...]No woman, do not cry.
Não, não chore mais,...[...]”Gilberto Gil. Esta
dissertação é dedicada a Deus, Pai Eterno e fonte de
toda vida. À família, célula-mater da Fé em Deus, e
a todos aqueles que tombaram no cumprimento de
seus múnus público.
6
RESUMO
A partir das transformações por que passam o Constitucionalismo e a Teoria dos Direitos Fundamentais, somos instados a dar respostas aos novos problemas surgidos na sociedade contemporânea, complexa e plural, a cobrar nova definição para questões que, antes, classicamente se desenvolviam sob o signo dos paradigmas liberais do interesse público, da autonomia da vontade e da abstenção do Estado frente aos direitos de igualdade e liberdade. De igual relevância é o fenômeno da fragilização do Estado Social ou do Estado Providência, que deu mostras de que seus mecanismos compensatórios não são mais suficientes para garantir sequer a propalada dignidade da pessoa humana, valor fundante de todo o ordenamento jurídico moderno. Assiste-se, de fato, a um crescimento vertiginoso do poder de outros setores da sociedade, nem sempre atentos à existência de uma carta de direitos e garantias dos indivíduos, os quais acabam sendo menosprezados, ameaçados e até agredidos por atos administrativos equivocados. Não se pode olvidar que os interesses pessoais e coletivos são, hoje, coordenados por grupos que retêm grande parcela de poder, como Sindicatos, Igrejas, Grupos Econômicos, Associações Patronais e Desportivas entre outros. Assim, as mudanças operadas na sociedade afastaram a idéia do Estado como “inimigo público”, pois o poder não mais é considerado exclusividade deste, sendo compartilhado por toda a sociedade. Por outro lado, os direitos fundamentais propiciam ao cidadão não só se identificar como destinatário da ordem jurídica, mas também como coautores dessa mesma ordem; de um lado existem os direitos fundamentais, que garantem o exercício da autonomia privada dos sujeitos e de outro, aqueles que garantem a participação dos sujeitos no processo de produção do ordenamento jurídico, tais como os direitos fundamentais de exercício de uma autonomia política, a partir da qual o direito legítimo é criado. Nesse contexto, busca-se, com o presente estudo, reforçar a noção de solidariedade social, como forma de dar novos contornos ao mover-se da sociedade hodierna, perante o Estado Constitucional Democrático de Direito, muito mais coeso do que as primitivas formas de organização, sobretudo no escopo da construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Não se descurou, neste estudo, a análise e o reconhecimento da presença dos direitos fundamentais nas relações cidadão-Estado Social, como elemento capaz de gerar grande expectativa em relação ao posicionamento e à atuação do Judiciário, tornando-o um dos responsáveis pela conformação da autonomia privada e dos direitos fundamentais, pelo reconhecimento da eficácia imediata dos mencionados direitos fundamentais, gerando a necessidade de um controle judicial mais eficaz, em relação aos atos administrativos e através do postulado da proporcionalidade, com a preocupação de expor a problemática de modo reflexivoteórico.
Palavras-Chave
Controle judicial. Ato administrativo. Competência discricionária. Postulado da
proporcionalidade.
7
ABSTRACT
From the very point the Constitucionalism and the Theory of Fundamental Rights suffer alterations, we must give answers for the new problems which are being put in contemporaneous society, plural and complex, that is collecting a new concept for questions that developed themselves under the sign of liberal paradgigms of public interest, selfgovernment and abstention of State, concerning on freedom and party rigths. It is also important the Social State fragility phenomenon or Providence State, which showed that its compensatory mechanisms are not sufficient, no longer, to hold the spread dignity of the human being, which is the fundamental value of juridical order as a whole. In fact, we face a severe growth of power of other segments of society, not always conscious of the existence of the promulgation of indivdual rights, which are being continously despised, disdained, threatened and even violated by administrative Acts. We can´t forget that personal and collective interests, nowadays, are coordinated in groups that congregate a huge piece of power, such as Trade Unions, Churches, Economic Groups, Patronal and Sport Associations among others. So, the changes occurred in society puting a part the idea of the State as a “public enemy”, provided that power is not considered its exclusivity, being shared now by the whole society. On the other hand, the fundamental rights give to the citizen not only the chance of identify himself as a juridical order addressee, but also as a co-author of this order, for, both exist the fundamental rights which hold the self-government exercice and those other rights which hold men´s paticipation in the process of juridical order production, such as the fundamental rights of acting a political self-government from which the lawful right is created. In this context, we search, in this study, to strengthen the notion of social solidarity, as a form of giving new outlines to the modern society movements, in front of a Democratic Constitucional State of Right, much more cohese than primitive forms of organization, mainly in the aiming of bulding a society more just and a equalitary in its principles. This work also analyses the recognition of the presence of fundamental rights in Citizen-Social State relations, as an element able to generate a great expectation in relation to judicial actuation, because turns it responsable for the conformation of private self-government and for the fundamental rights, recognizing the imediate efficient judicial control in relation to the administrative Acts, through the intention of establish a proportionality postulate.
Key words
Judicial Control – Administrative Act – Discretionary Competence – Porportionality
Postulate.
8
SUMÁRIO
Introdução 10
1. Teoria das Normas Jurídicas 15
1.1Norma Jurídica e Texto Normativo
1.2 Princípios e Regras – distinções 18
1.3 Conceituação das Normas Jurídicas 23
1.4 Eficácia dos Princípios 41
1.5 Modelo Tripartite das Normas Jurídicas 42
2. Interpretação dos Direitos Fundamentais 46
2.1. Colisão de Direitos Fundamentais 52
2.2. Teoria Estrutural dos Direitos Fundamentais 56
2.3 O Processo de Positivação dos Direitos Fundamentais 63
2.4.Funções dos Direitos Fundamentais no Constitucionalismo contemporâneo 67
3. A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais 71
3.1 Ordem de Valores e Constituição: prós e contras 74
3.2. Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais 80
3.3 Direito Público versus Direito Privado e a Constitucionalização do Direito Civil 84
5. O Postulado da Proporcionalidade 96
4. Discricionariedade Administrativa 106
4.1 Legitimidade e Discricionariedade 116
4.2 Esvaziamento da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado Como
princípio 122
4.3 Aplicação do Postulado da Proporcionalidade ao Controle de Discricionariedade 125
4.4. Objeções ao Postulado da Proporcionalidade e a Sindicabilidade dos Atos
Administrativos, no exercício de competência discricionária 129
9
6. Conclusão 136
Referências Bibliográficas
10
INTRODUÇÃO
A Hermenêutica Constitucional, despercebida por mais de um século e meio,
adquire, ao fim do segundo quartel do século XX, o status de genuína teoria científica, com
método e objetos próprios, mormente com os avanços do estudo sistematizado da Teoria dos
Direitos Fundamentais e da Teoria da Constituição, cujo conjunto possibilita dar amplitude
maior ao sentido e ao alcance daqueles direitos, que, em regra, não colidem in abstracto, não
sendo incomum entrarem em rota de colisão, em caso concreto, devendo a administração
pública zelar pelo cumprimento de seu múnus público, minimizando sua compressão dentro
do que permitem as possibilidades.
Antes da revisitação de três relevantes paradigmas do Direito Administrativo,
quais sejam, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, a
legalidade estrita e a insidicabilidade judicial das escolhas discricionárias da administração
pública, impõe-se um breve estudo da teoria da norma jurídica, reposicionando regras e
princípios como espécies do gênero norma jurídica, desmistificando o necessário, porém
nocivo senso comum, presente em grande parte da doutrina brasileira e alienígena atinente ao
tema.
A partir de então, é proposto um modelo tripartite, consistindo de regras,
princípios e postulados, em que se dará ênfase ao postulado da proporcionalidade, sendo este
o mecanismo a ser manejado pelo Constitucionalismo pós-1988, tendo como escopo
denunciar erro concernente aos paradigmas adotados pelo Direito Administrativo Tradicional,
11
solucionando questões relacionadas aos Direitos Fundamentais dos cidadãos atingidos por
medidas administrativas equivocadas.
Objetiva-se demonstrar, com este trabalho, que a interpretação do texto normativo
é aplicativa e que a ponderação, de modo distinto do que pensa parte dos doutrinadores
pátrios, é um momento muito valioso no interior deste processo de interpretação-aplicação.
Esta constantemente envolve a hermenêutica constitucional, a qual pressupõe a linguagem
(no caso a linguagem constitucional), os fatos e a norma-decisão, esta última uma perene e
inexorável (re)construção de sentidos. Separando a regra jurídica de princípio, avulta a
conclusão de que o postulado normativo, na medida em que estrutura a aplicação da norma
jurídica, não se enquadra em dimensão alguma da própria norma jurídica.
Interessa-nos, aqui, propor uma melhor colocação ao problema tratado. Nisto, cabe
analisar suas origens, seu idealizador e principalmente perquirir a essência das normas dos
Direitos Fundamentais e dos postulados aqui discutidos, normas metapositivas, aquilo que
individualiza a proporcionalidade em relação à razoabilidade, os seus sinais particulares, sem
o qual seriam desnaturadas, para, a partir de então, buscar nas inúmeras interações de ambos,
soluções que potencializem um controle judicial dos atos administrativos, que não fira a
separação de “poderes”, garantia constitucional por demais valiosa nos Estados
Constitucionais que primam pelos Direitos Fundamentais.
Já o novo Estado Constitucional, sucessor daquele (Estado Constitucional da
separação de poderes) e conspicuamente marcado de preocupações distintas, volvidas,
agora, menos para a liberdade do que para a justiça, porque a liberdade já se tinha por
adquirida e positivada nos ordenamentos constitucionais, ao passo que a justiça, com
anseio e valor social superior, estava longe de alcançar o mesmo grau de inserção,
positividade e concreção. (BONAVIDES, 2003, p.34)
12
Fazer justiça, no caso concreto, cotejando atos administrativos em face de direitos
fundamentais, lançando mão do postulado da proporcionalidade, sem comprometimento da
racionalidade argumentativa, eis uma das questões prementes do novel Estado Constitucional.
O presente estudo justifica-se pela necessidade premente de analisar a Teoria dos Direitos
Fundamentais, fornecendo, explicando e descrevendo, uma nova teoria das normas
constitucionais fundamentais, sem deixar de lado os enunciados ainda não superados por
outras teorias, especialmente a Teoria Estrutural dos Direitos Fundamentais, de Robert
Alexy.
Enfim, busca-se com este estudo, complementar alguns enunciados da supracitada
teoria, embasados na ciência jurídica, com o escopo de responder às novas demandas da
sociedade hodierna, no que pertine ao acatamento dos Direitos Fundamentais, cotejando-os
com as normas de regência da Administração Pública, com respaldo no Postulado
Constitucional da Proporcionalidade.
O estudo em questão fundamenta-se em pesquisa bibliográfica de procedência
nacional e comparada. Segundo a utilização dos resultados trata-se de uma pesquisa pura,
embora as conclusões apresentem sugestões de aplicação prática, por se considerar que o
Direito constitui-se numa ciência social aplicada. Quanto à abordagem, a investigação é
essencialmente qualitativa, com amplo predomínio da análise interpretativa. Em relação ao
objeto, a pesquisa é exploratória, porquanto o tema, não obstante a relevância, tem sido pouco
estudado, o que situa esta investigação na condição propulsora de questionamentos que dêem
margem, posteriormente, a um aprofundamento teórico do tema.
13
No primeiro capítulo, é analisado o fenômeno da interpretação-aplicação no
Direito, tratando-se do processo de reconstrução da norma jurídica regra, bem como da norma
jurídica princípio, sendo reveladas suas conexões valorativas, a partir do processo
interpretativo-aplicativo.
No capítulo seguinte, a abordagem contempla a interpretação dos Direitos
Fundamentais, distinguindo princípios, postulados e regras. Avançando um pouco mais,
serão discutidos, em itens próprios, a colisão de Direitos Fundamentais e a Teoria Estrutural
Dos Direitos Fundamentais, com ênfase no conflito real e aparente de normas. Não deixará de
ser aprofundado o processo de positivação dos direitos fundamentais, bem como suas funções
no constitucionalismo hodierno.
No terceiro capítulo, é feita uma análise sucinta sobre o lento evoluir das diversas
gerações de Direitos Fundamentais, sem perder o foco na ordem de valores consagrados no
Estatuto Fundamental, na eficácia irradiante dos supracitados direitos e na contenda
estabelecida entre o público e o privado, sendo estas prerrogativas apenas recentemente
superadas pela gradativa constitucionalização do Direito Civil.
No quarto capítulo, o postulado da proporcionalidade é mostrado como um
princípio relativamente recente, intrinsecamente ligado à evolução dos direitos fundamentais,
tornando-se mais perceptível a partir de sua exemplificação, momento em que se torna mais
fácil distingui-lo dos demais princípios existentes e com ele assemelhados.
No quinto e último capítulo, a discricionariedade administrativa é tratada a partir
de sua legitimidade, tomando-se como paradigma o esvaziamento da supremacia do interesse
14
público sobre o privado, através da concreção do controle discricionário por intermédio do
postulado da discricionariedade ou, ainda, sua objeção pelo questionamento da ponderação
como método apreendido racionalmente.
Como resultado, colima-se chegar à demonstração de que o Constitucionalismo
contemporâneo é consentâneo com a sindicabilidade do ato administrativo, ainda que nutrido
por alguns elementos discricionários (exempli gratia o motivo e o objeto), sujeitando-se, tais
atos, ao controle judicial, desde que respeitados os limites éticopolítico e éticojurídico, sob os
auspícios do Postulado da Proporcionalidade, como meio de afirmação e adiantamento do
Estado Constitucional dos Direitos Fundamentais.
15
1. TEORIA DAS NORMAS JURÍDICAS
1.1 Norma jurídica e texto normativo
Trata-se, aqui, do fenômeno da interpretação-aplicação no Direito, sem o qual não
se (re)constrói a norma jurídica-regra e a norma jurídica-princípio, que dependem de
conexões axiológicas ainda não prontas e só reveladas pelo processo interpretativo-aplicativo.
Desfazendo equívocos básicos, é certo afirmar que normas jurídicas não se
confundem com o texto normativo, embora se reconheça que, havendo o dispositivo, este
passa a ser o ponto de partida na construção da norma jurídica, porquanto, no
Constitucionalismo Brasileiro vige o primado do legislador sobre o juiz; não que este esteja
plenamente sujeito ao texto legal, consoante declara Rocha (1995, p.114) ao tratar da força
normativa da Constituição. Sustenta-se uma mudança na postura do Juiz, in verbis:
[...]especificamente, quanto ao princípio da sujeição do juiz à lei, que, a partir da
Constituição, deixa de ser absoluto para ser apenas condicionado, já que, ao juiz, cabe
o poder de rejeitar a aplicação de leis que considere manifestamente inconstitucionais.
Também não é verdadeira a assertiva segundo a qual, para cada texto, existe uma
norma. Não há esta correspondência, podendo a norma ser constituída de vários textos. Em
alguns casos, há a norma jurídica e não há o texto; basta que se parta do costume, que não está
previsto em nenhum dispositivo constitucional e infraconstitucional.
16
Vasconcelos (2002, p.27) afirma que não se aplica a lei, norma-texto; aplica-se a
interpretação que se extrai da lei.
Pelo que se observa, as propaladas estabilidade e segurança da própria norma escrita
são relativas, porque, em verdade, o que se aplica é a interpretação normativa, e nunca
a norma em seu presumível e problemático significado original. Ou melhor, suas
reinterpretações, dado que interpretada ela já o foi, quando de sua criação.
Magalhães Filho (2003,p.84), tratando a Hermenêutica como metodologia das
ciências culturais, incluindo-se aí o Direito, argumenta que o cientista do Direito é agente de
mudança social.
Conclui-se, por fim, que o que diferencia um mero técnico de um cientista do Direito
é o conhecimento que o último tem da Hermenêutica, e o que faz de um jurista um
agente de mudança e progresso social é a sua formação ética e humanista.
Complementando o sobredito raciocínio, Muller apud Ávila (2004, p.240) afirma:
O intérprete não atribui ‘o’ significado correto aos termos legais. Ele tão só constrói
exemplos de uso de linguagem ou versões de significado – sentidos – já que a
linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se concretiza como uso, ou melhor,
com o uso.
Aqui se percebe a importância da linguagem como liame entre a norma-texto e o
intérprete, que se revela a cada nova interpretação, em face da peculiaridade de cada caso
concreto, analisado em sua ambiência social.
17
Neste diapasão, Falcão (2000, p.79) sustenta que a linguagem não é o próprio texto
normativo, mas pertence ao caso concreto, que, em cotejo com o dispositivo, plenifica-se de
sentido. Desta forma, sem linguagem e ou comunicação, não haveria sentido. Conclui o autor
afirmando, in litteris:
O mesmo sentido que, inesgotável, enriquece em sua abundância o ser humano é o
elemento que, ao se prestar à inserção no discurso, vai colaborar na integração sócio-
política e conseqüentemente, no primado do Direito. Não do Direito que, por força da
imutabilidade, escraviza; porém do Direito que, por obra da fertilidade significativa,
liberta as alternativas de justiça e, por isto, civiliza e semeia a igualdade, à luz da
equidade flexibilizante e, por isso acomodadora, em camadas de interpretações
distintas, das diferentes situações individuais e dos fatos diferentes, embora sob o
pálio das mesmas leis.
Há, na verdade, sentidos anteriores ao processo de interpretação, captados pelo
enunciado de Wittgenstein (apud Ávila, 2004, p.24), quando este se refere aos jogos de
linguagem. Senão vejamos:
[...]há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação, na medida em
que resultam de estereótipos de conteúdo já existentes na comunicação lingüística
geral.
Estas estruturas, a priori de qualquer compreensão, já se encontram incorporadas
ao uso comum da linguagem. Não devem ser desconsideradas, enquanto pontos de vista a
partir dos quais se inicia o processo de interpretação-aplicação, sob pena de se ferir a
segurança jurídica, dissolvendo a normatividade do texto.
18
Assim, não há possibilidade de se conceber a ciência do Direito como meramente
descritiva, pois tanto o cientista como o aplicador reconstroem novos sentidos, com base no
dispositivo, que fornece pistas mínimas de sentido e, nas conexões sintáticas e semânticas do
caso concreto a resolver.
1.2 Princípios e regras – distinções
Os princípios, outrora tratados apenas como fontes secundárias do Direito,
ostentam, hodiernamente, novo patamar, sendo a eles conferido o tratamento de normas
jurídicas, convivendo com as regras e também colocados como espécies do gênero norma.
Bonavides (2000, p.243), comentando Joseph Esser, considera, ipsis litteris:
Se não chegam a ser, em rigor, uma norma no sentido técnico da palavra, os
princípios, como ratio legis – prossegue o abalizado jurista – são possivelmente ,
direito positivo, que pelos veículos interpretativos se exprimem, e assim se
transformam numa esfera mais concreta.
Observa-se que, de acordo com Esser, haveria, não apenas uma diferença entre
princípio e regra, quanto ao grau de abstração, mas também uma distinção qualitativa, sendo
discrimen (significando linha divisória, marco duferencial) a função do fundamento
normativo para a tomada de decisão.
Para o jurista alemão Karl Larenz (apud Ávila, 2004, p.27), os princípios
19
estabelecem fundamentos para a interpretação e aplicação do Direito, deles
decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.
Segundo Larenz (citado por Ávila, 2004, p. 27), os princípios podem, ainda,
configurar-se em
[...]pensamentos que direcionam uma regulação jurídica existente ou possível, mas
que não se aplicam ao caso concreto, por faltar-lhes o caráter formal de proposição
jurídica; é dizer, carece-lhe a conexão entre uma hipótese de incidência e uma
conseqüência jurídica.
Para Canáris (apud Ávila, 2004, p.29), duas características distanciam regras e
princípios, in verbis:
Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras,
possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para
sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas; os
princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por
meio de um processo dialético de complementação e limitação.
Através de Canáris, vislumbramos dois novos traços na distinção entre regras e
princípios: o primeiro, quando se predica como axiológica a fundamentação exercida pelos
princípios, e se considera distinto seu modo de interação.
Bonavides (2000, p.253), comentando Dworkin, afirma, in verbis:
[...]que as regras, segundo ele [Dworkin], são aplicadas à maneira tudo ou nada (all
or nothing). Se ocorressem os fatos por elas estipulados, averba ele; então a regra será
20
válida, e nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal porém não ocorrer, ai
a regra nada contribuirá para a decisão.
A dimensão de peso, ou importância ou valor (obviamente, valor numa acepção
particular ou especial) só os princípios a possuem, as regras não, sendo este talvez, o
mais seguro critério com que distinguir tais normas. A escolha ou a hierarquia dos
princípios é a de sua relevância.
Embora discordando, em parte, já que as regras também possuem dimensão de
peso e que os princípios também são aplicados no modo all or nothing, duas conclusões
devem ser feitas, com base em Dworkin: primeiramente, que tão somente os princípios
possuem uma dimensão de peso, razão pela qual, se um princípio não for aplicado a um caso
concreto, poderá, seguramente, ser aplicado a outro. Em segundo lugar, porque, com as
regras, passa-se de forma distinta, pois, aplicadas no modo tudo ou nada e havendo conflito
entre elas, resolve-se ele com a invalidação de uma delas ou com a previsão de uma cláusula
de exceção, que permita o convívio entre ambas. Nos princípios não se deve perquirir a
validade, pois se parte da premissa de que eles são válidos. Enfim, para Dworkin, a distinção
entre regras e princípios se dá, com mais ênfase, no modo de aplicação e no relacionamento
normativo.
Utiliza-se, doravante, como paradigma, os enunciados de Robert Alexy, para quem
os princípios são mandados de otimização aplicáveis em vários graus, em conformidade com
as possibilidades normativas e fáticas.
Ávila (2004, p.29), comentando Alexy, afirma:
Alexy demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre princípios:
nesse caso a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de
21
um princípio sobre o outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre
princípios colidentes, em função da qual, um deles, em determinadas circunstâncias
concretas, recebe a prevalência.
É dizer: o caso concreto determina a aplicação de um princípio que tenha maior
peso, prevalecendo, não significando esta assertiva, que, em outro caso concreto, o princípio
que não prevaleceu não possa preponderar, sendo, pois, aplicado.
Daí decorre a definição de princípio, segundo Alexy, como dever de otimização,
posto que aplicado em vários graus, de acordo com as possibilidades normativas, porquanto
depende de outros princípios e regras que a eles se contrapõem e, de possibilidades fáticas, já
que seu conteúdo só é delimitado quando diante dos fatos.
Conclui-se, com Alexy, que o discrimen entre princípios e regras dá-se por dois
fatores: diferença quanto à colisão, (princípios que colidem têm sua realização normativa
limitada reciprocamente) enquanto as regras, no tocante à colisão, têm como conseqüência a
invalidação da regra não aplicada, caso esta não possua cláusula de exceção.
A segunda discriminação consiste na diferença quanto à obrigação que instituem,
posto que as regras instituem obrigações absolutas e os princípios instituem obrigações que
podem ser superadas em função de um princípio colidente.
Algumas objeções foram levadas a cabo, com relação ao conceito de princípio, em
Alexy. O primeiro obstáculo refere-se ao fato de que, na colisão de princípios, também há
declaração de invalidade. Neste caso, a questão resulta de diminuta importância, pois a
22
invalidade de um dado princípio decorre do fato de ser ele extremamente fraco, e que, em
nenhuma situação de colisão, prevaleceria, não se refutando o enunciado de Alexy.
A segunda objeção se opõe à primeira, no sentido de que haveria princípios
absolutos, de modo a não poderem ser colocados em ordem de preferência em relação aos
demais, já que sempre seriam aplicados.
No contexto do presente trabalho, mostra-se a doutrina pátria insistindo no
mimetismo de enfatizar uma supremacia do interesse público sobre o privado, como se não
houvesse hipóteses em que o Direito Fundamental individual pudesse preponderar, em um
caso concreto. O interesse que o governante deve considerar como supremo é o interesse
público que se amolda à lei, ainda que de verniz individual.
Não há princípios absolutos, porque a vida gregária requer o compartilhamento de
liberdades entre pessoas, não havendo respeito à dignidade humana se o direito de um
necessariamente comprime, indefinidas vezes, a ponto de sufoco, o direito de outro.
Pensar em princípios absolutos é pensar em reduzir sujeitos à condição de objetos,
o que é impossível, até mesmo quando se reduz o outro à condição de escravo, pois sempre
lhe restará, enquanto vivo, algo de liberdade, ainda que ínfima. Resta reafirmar a máxima
kantiana, segundo a qual o homem deve ser tratado como fim e não como meio.
A última objeção diz respeito à argumentação de que o conceito de princípio é
demasiado amplo, decorrendo disto sua imprestabilidade, uma vez que englobaria todo e
qualquer interesse.
23
Esta objeção não deve também prosperar, pois, no caso concreto, a decisão de
prevalecer um princípio em relação a outro deve ser devidamente fundamentada, levando-se
em conta que um dos meios é o postulado da proporcionalidade, não havendo, portanto, a
ação de ferir o princípio da segurança jurídica nem o comprometimento da racionalidade
científica.
1.3 Conceituação das normas jurídicas
Do exposto, percebe-se restarem três critérios diferenciadores de regras e
princípios, a saber: caráter hipotéticocondicional, modo final de aplicação e conflito
normativo.
O critério hipotéticocondicional não é imprestável, pois atenta para o fato de que
as regras possuem um elemento frontalmente descritivo de conduta, enquanto que os
princípios apenas apontam uma direção, um fim, embora tal critério seja objeto de crítica.
É correto dizer que os princípios direcionam, num primeiro momento, uma espécie
de norma-matriz, para, a partir de outros passos, então obter ulterior produção de outras
normas, em geral, regras, embora o critério em comento não informe como se procede. Neste
sentido, é pertinente a crítica de Ávila (2004, p.32), abaixo transcrita:
Assim enunciado, este critério de distinção, ainda contribui para que o aplicador
compreenda a regra como desde já, fornecendo o último passo, para a descoberta do
conteúdo normativo. Isso, no entanto, não é verdadeiro, na medida em que o conteúdo
normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio – depende de possibilidades
normativas e fáticas a seguir verificadas no processo mesmo de aplicação. Assim o
24
último passo não é dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da norma,
mas pela decisão interpretativa.
Percebe-se que Ávila opta pela parte da doutrina em que entende não haver como
dissociar interpretação de aplicação, já que a produção da norma jurídica, através do ato de
decisão interpretativa, acaba se confundindo com a aplicação. Nas entrelinhas, percebe-se,
também, que a ponderação faz parte do todo harmônico interpretação-aplicação.
Partindo-se da premissa de que possibilidade de incidência diz respeito a uma
formulação da linguagem, via argumentação, outra objeção ao critério se faz, baseada na
constatação de que os princípios também podem ser formulados de modo hipotético, tal como,
exempli gratia: Se for descumprida a exigência de determinada hipótese, de incidência de
normas que instituem obrigações para a cobrança de um determinado tributo, então o ato
estatal de cobrança é nulo (princípio da tipicidade).
Por fim, ainda que o Poder Legislativo tenha produzido texto normativo sob a
forma hipotética, não se pode afirmar que, a partir desta norma-texto, não reuniria o intérprete
as condições de obter uma norma jurídica do tipo princípio, pois o nexo entre as normas
constitucionais e os fins e valores que elas veiculam, não se encontra completamente
concluído, antes do processo de interpretação.
Este nexo surge, como já explicitado alhures, com base na reconstrução de
sentidos que o intérprete faz, por via argumentativa, sem menosprezar os limites textuais e
contextuais. Daí não se poder, a priori, dizer que o texto de uma dada Constituição é um
princípio ou uma regra; tudo depende das conexões valorativas que o intérprete intensifica ou
deixa de fazê-lo, conexões estas só aferíveis no processo de interpretação. A outra
25
dependência diz respeito à finalidade, que se entende poder ser alcançada, levando-se sempre
em consideração o caso concreto a resolver.
A relevância do caso concreto é tamanha, no processo de produção da norma
jurídica, que Hesse, em aparte colacionado por Bonavides (2000, p.440) afirma,
categoricamente, justificando seu método concretista, que:
Não há interpretação da Constituição independente de problemas concretos.
Ousa-se ir além, ao dizer que não há interpretação de qualquer texto normativo,
seja ele constitucional ou infraconstitucional, sem o cotejo do caso concreto. Daí a
administração pública, no tocante a atos administrativos, no exercício de competência
discricionária, ao praticar atividade infralegal, não dever se furtar à apreciação do caso
concreto.
Vislumbre-se, a seguir, o exemplo em que se percebe, claramente, que a via
argumentativa é fundamental para se definir se uma norma é regra ou princípio. O dispositivo
constitucional brasileiro, previsto no art. 5º, XXXIX, reza que a definição de um novo tipo
penal é condição sine qua non para a incriminação dos fatos, ocorridos após o início da
vigência da lei que os houver instituído como conduta típica e antijurídica (delito), sendo
aplicada a regra constitucional pelo operador do direito, visualizando, na hipótese, o aspecto
imediatamente comportamental, devido à exigência de lei em sentido estrito, publicada
anteriormente ao fato enquadrado como crime.
Argumentando distintamente, o texto constitucional pode ser interpretado e
aplicado como princípio, caso o hermeneuta o concretize com a finalidade de realizar o valor
26
segurança jurídica, com o fim precípuo de proibir que alguém seja preso, sem que haja uma
lei penal anterior determinando a conduta como um ilícito penal.
O exemplo serve para demonstrar que, além do fato de qualquer dispositivo poder
vir a se tornar uma regra ou um princípio, dependendo do uso argumentativo do intérprete, ele
ainda desmistifica as afirmações segundo as quais todo e qualquer direito fundamental é
necessariamente um princípio.
É bem verdade que, em sendo o texto constitucional, principalmente o referente
aos direitos e garantias fundamentais, de textura aberta, com muito menos complexidade, dele
se faz surgir, por via interpretativa, um princípio, embora não se deva, de modo apressado,
concluir que, necessariamente, toda norma jurídica produzida por meio do referido dispositivo
seja um princípio.
Aqui, faz-se um reparo à afirmação de Guerra Filho (1999, p.44), quando, no
compêndio Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, este autor sustenta:
[...]cabe agora introduzir nosso tema no contexto da diferença entre normas que são
‘regras’ daquelas que são ‘princípios’, sendo entre essas últimas que se situam as
normas de direitos fundamentais.
Importa afirmar que, mesmo os princípios não sendo normas de caráter
eminentemente descritivo de condutas, eles podem ser interpretados, ainda no nível abstrato, e
indicar padrões de conduta a serem seguidos, mormente se for realizada reconstrução dos
casos mais importantes resolvidos, através de uma norma principal.
27
Acompanhando Guerra Filho (1999, p.45), admite-se:
[...]princípios, portanto, têm um grau incomparavelmente mais alto de generalidade
(referente à classe de indivíduos a que a norma se aplica) e abstração (referente à
espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras.
É dizer, com Ávila (2004, p.35), que
o ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comportamentos e de
conseqüências, no caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e
de conseqüências, o que é algo diverso.
Sobre o critério modo de aplicação final, Ávila também é parcialmente criticável,
pois sua aplicação não está previamente determinada no texto normativo, dependendo sua
aplicação de conexões axiológicas apenas intensificadas por meio de argumentos, que podem,
inclusive, inverter o disposto na norma-texto, modificando o modo final de aplicação, tido, a
priori, como ponto retórico de partida. Senão vejamos o exemplo do crime de atentado
violento ao pudor, com presunção de violência, extraído do arts. 214 e 224, “a” do Código
Penal Brasileiro.
A norma-texto não prevê, a priori, nenhuma exceção, de modo que, havendo
prática de atos libidinosos distintos da conjunção carnal, ainda que mediante consentimento
do adolescente (homem ou mulher) menor de 14 anos, deve-se presumir a violência, de modo
que, no caso haverá condenação do réu, sem qualquer exceção.
28
Ocorre que, tanto no atentado violento ao pudor como no estupro, já vem
ocorrendo o processo de uniformização da jurisprudência, no sentido de que, em não havendo
violência real e havendo maturidade psicológica do(a) adolescente, e tendo ele aparência
física de um rapaz ou moça que tenha mais de 14 anos, ainda assim não há crime.
Neste caso, percebe-se mais um avanço da magistratura brasileira, que, não mais
apegada ao sentido literal do dispositivo legal em comento, aos poucos se aparta da concepção
do juiz ‘boca da lei’, enveredando pelos fins buscados pelo legislador, no contexto histórico
atual, em que não mais se vislumbre a mulher como pessoa a priori, frágil, e sem qualquer
conhecimento sobre sexo, e sim a mulher informada e independente, coisa imprevisível ao
legislador em 1940, época em que entrou em vigor a citada lei.
Rocha (1995, p.112) resume a dupla mudança de atitude do juiz, afirmando:
[...]impondo ao Judiciário o dever de aplicar as normas constitucionais e não aplicar
as normas ordinárias com elas incompatíveis, modifica a habitual relação de sujeição
do juiz em face da lei: o juiz assume a postura de ‘censor’ da constitucionalidade das
leis; depois, porque o juiz, sendo obrigado a aplicar as normas portadoras dos valores
de transformação acolhidos na Constituição, deixa de ser agente de conservação de
valores tradicionais, previstos nas normas ordinárias, sobretudo nas normas ordinárias
codificadas, para ser agente de atuação desses valores de transformação previstos na
Constituição.
No caso analisado, percebe-se que a conseqüência estabelecida, a priori, pelo
texto, pode deixar de ser aplicada, mesmo havendo a hipótese de incidência, desde que haja
razões significativas para tanto, assim entendidas, conexões axiológicas que sirvam de base
para fundamentação suficiente do aplicador, superando aquelas que justificam a própria regra.
29
Aqui, deve-se ter em mente o argumento de Dworkin, segundo o qual as regras são
aplicadas ao modo “all or nothing”, sofrendo os devidos temperamentos, pois tal aplicação
das regras só tem razão de ser quando as conexões axiológicas já estiverem todas feitas, em
relação ao caso concreto, ou melhor, quando todas as questões referentes à validade , ao
sentido e à subsunção final dos fatos, já estiverem superadas.
Importante é concluir que, tanto princípios como regras levam em consideração as
peculiaridades do caso concreto. Não sendo os princípios normas prima facie descritivas, por
estabelecerem um status quo a ser preservado ou perseguido, sem a descrição pormenorizada
da conduta devida, as peculiaridades do caso concreto são observadas sem óbices
institucionais.
No caso das regras, como há descrição de conduta, a consideração aos aspectos
concretos e individuais, distintos da descrição contida no texto-norma, só pode ser feita com
base em argumentação mais extensa, com base em motivos razoáveis, ao ponto de superar o
obstáculo segundo o qual as regras devem ser obedecidas.
É dizer: havendo regras e princípios de uma mesma hierarquia, ao contrário do que
se defende, deve-se priorizar o atendimento àquelas. Bom que se diga que tal raciocínio
continua privilegiando o legislador que produziu o texto, em relação ao juiz.
Há casos de colmatação do ordenamento jurídico, em que a regra é aplicada sem
que haja hipótese de incidência; basta que haja um caso em que não exista previsão explícita
no ordenamento jurídico e tal situação seja semelhante às hipóteses de incidência previstas
30
por uma regra, em que a solução é a aplicação desta regra, ainda que nela não se tenha
incidido, utilizando-se a analogia legis.
Ainda no aspecto tratado, Ávila (2004, p.42) faz reparos às considerações de Alexy,
quando este afirma que o caso individual determina a aplicação de um princípio que tenha
maior peso, prevalecendo, não obstante, em outra situação, o princípio que não prevaleceu,
podendo ser este aplicado. Decorre desta argumentação de Alexy, que os princípios são
mandados de otimização, aplicados em vários graus (mais ou menos), de acordo com as
possibilidades normativas, porquanto dependem de outros princípios e regras que a eles se
contrapõem e, de outras possibilidades fáticas.
Quando se afirma que os princípios são aplicados mais ou menos, centra-se a análise,
em virtude da ausência de descrição da conduta devida, no estado de coisas que pode
ser mais ou menos atingido. Isto significa, porém, que não são os princípios que são
aplicados de forma gradual, mais ou menos, mas é o estado de coisas que pode ser
mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio. Mesmo
nesta hipótese, porém, o princípio é ou não aplicado; ou o comportamento necessário
à realização ou preservação do estado de coisas é adotado, ou não é adotado. Por isso,
defender que os princípios sejam aplicados de forma gradual é baralhar a norma com
os aspectos exteriores, necessários a sua aplicação.
Acirra-se a crítica aos princípios como mandados de otimização, na proporção em
que, para Alexy, eles deveriam ser aplicados em sua máxima medida. No entanto nem sempre
é assim: basta observar quais as colisões existentes entre os princípios.
A primeira delas ocorre quando os princípios são interdependentes, em que a
consecução de um princípio leva necessariamente à realização do outro. Aqui, um princípio
31
não limita o outro e vice-versa, ocorrendo o reforço dos dois, que serão aplicados na
necessária medida, não na máxima medida, havendo complementação e limitação recíprocas.
A segunda situação ocorre quando um princípio possui fim excludente da
finalidade do princípio oponente. Nesta condição, não haverá complementação e limitação
recíprocas, mas colisão entre eles, solucionada de modo que um dos dois, no caso concreto, é
afastado, enquanto o outro é aplicado, semelhante ao afastamento das regras, como
preconizado por Dworkin no modo all or nothing, sendo esta a única hipótese em que será
aplicada em máxima medida o princípio prevalente.
Quando ocorre o imbricamento ou entrelaçamento parcial, em que a realização de
um princípio só leve em conta a realização do outro, só há complementação e limitação na
parte em que os princípios estiverem entrelaçados, não havendo o dever de realização na
máxima medida.
Por derradeiro, a hipótese de que a realização da finalidade de um princípio é
indiferente à realização do fim de outro princípio. Nesta situação, não há sequer
entrelaçamento de princípios, não se vislumbrando colisão entre eles. Conclui-se que os
princípios também são aplicados no modo all or nothing, e não necessariamente na medida
máxima. Ávila (2004, p.55), citando Aulis Aarnio e Alexy, afirma:
Os princípios, eles próprios, não são mandados de otimização. Com efeito, como
lembra Aarnio, o mandado consiste numa proposição normativa sobre os princípios, e
como tal, atua como regra (norma hipotético-condicional): será ou não cumprido. Um
mandado de otimização não pode ser aplicado mais ou menos. Ou se otimiza, ou não
se otimiza. O mandado de otimização diz respeito ao uso de um princípio: o conteúdo
32
de um princípio deve ser otimizado no processo de ponderação. O próprio Alexy
passou a aceitar a distinção entre comandos para otimizar e comandos para serem
otimizados.
Por fim, o critério conflito normativo, de nosso particular interesse, pois nossa
pesquisa versa sobre a invasão da esfera dos Direitos Fundamentais dos administrados, por
atos administrativos, manejados no uso de competência discricionária, utilizando-se o suposto
“princípio” da supremacia do interesse público, envolvendo, portanto, colisão de direitos
fundamentais.
Não é plenamente adequado falar que existe apenas ponderação de princípios e
que somente eles possuem uma dimensão de peso. Advoga-se a tese de que a ponderação não
é transcendente, mas imanente ao processo interpretação-aplicação, pois envolve o
balanceamento de razões e fins, prós e contra, e que somente após este sopesamento surge a
norma-decisão.
Há casos em que regras, in abstracto, convivem em harmonia e que, em concreto,
podem entrar em conflito, sem que necessariamente seja declarada a invalidade de uma delas.
Ávila (2004) ilustra, com a regra do Código de Ética Médica segundo a qual ‘o médico deve
dizer a verdade a seu paciente’, a qual, em abstrato, convive com a regra por meio da qual ‘o
médico deve se utilizar de todos os recursos possíveis para curar o paciente’ (p.45).
Diante de caso concreto, em que a cura dependa diretamente da manutenção de um
equilíbrio psicológico do paciente, deve haver o sopesamento de razões e fins, prevalecendo a
regra da cura em detrimento da regra da sinceridade com o paciente, sem que esta última seja
33
declarada inválida, pois, na maioria das situações, ela continuará sendo observada e, não fora
o caso descrito, porque se privilegiou o valor vida, sobrepondo-o ao valor sinceridade.
Soma-se o fato de que o conteúdo preliminar das regras pode ser superado por
razões contrárias, por meio do balanceamento de razões, como soe ocorrer, no cotejo das
regras com suas cláusulas de exceção. Estando a cláusula de exceção prevista na própria
ordem jurídica, o intérprete/aplicador, ponderará fundamentos prós e contras e, do fruto de
seu ato de argumentação, explicitará, de modo fundamentado, as razões pelas quais se decidiu
pela regra ou pela clausula de exceção.
Vamos supor que haja uma norma-texto deixando em oitenta quilômetros por hora
a velocidade máxima permitida em uma via de trânsito rápido, embora o próprio código de
trânsito traga a cláusula de exceção em que tolera a transponibilidade do limite acima exposto,
quando levado a termo para se salvar uma vida.
Um servidor público do Corpo de Bombeiros desenvolve, em sua viatura,
velocidade de 110 km/h, no sentido de assegurar a sobrevida de três pessoas gravemente
feridas em acidente de trânsito. A viatura é fotografada por fotossensor. Comprovada a
ocorrência, o Departamento de Trânsito lavra o auto de infração administrativa, notificando a
instituição pública, conferindo prazo para que esta se defenda. Ela, então, informa o motivo
pelo qual se violou o limite de velocidade, de modo que o DETRAN possa ponderar as razões
e os fins pelos quais a regra deve ser aplicada, a saber: prevenir o risco abstrato de mortes e
lesões causadas pela velocidade excessiva do automóvel, e das razões e fins que levaram o
Corpo de Bombeiros a estar com velocidade assaz superior à permitida (evitar três mortes,
com risco concreto de ocorrerem), o DETRAN opta por eleger a cláusula de exceção.
34
No caso do exemplo de atentado violento ao pudor, não havia, explicitamente, uma
cláusula de exceção e, ainda assim, o intérprete-juiz analisou as razões pelas quais deve, a
pessoa que praticou atos libidinosos com outra menor de 14 anos, ser responsabilizada
penalmente, e as razões pelas quais ela não deve ser responsabilizada. Se estas razões forem
mais relevantes, cria-se uma exceção à regra. O juiz, no caso em comento, utiliza a sua
atividade criadora, movendo-se no exercício de sua competência discricionária, para
argumentar que não há norma-decisão pré-concebida tampouco fatos prontos.
Rentería (2002, p.24), tratando de uma das fontes de poder do juiz, em um Estado
Democrático de Direito, demonstra como é possível o juiz ter atividade criativa:
Los jueces gozan de amplios espacios de manobra durante la
aplicación de la ley, en razón, precisamente, de la necesidad de que el
juez sea independiente en las modernas democracias, y también por
razones intrínsecas al mismo proceso: la indeterminación y la
vaguedad del linguage mediante el cual se expresan las disposiciones
jurídicas, y, finalmente, los espacios discrecionales de naturaleza
técnico-intencional que con frecuencia el legislador deja en manos del
juez.
Existe, pois, um processo de valoração de razões e fins, através do balanceamento
dos argumentos favoráveis à regra e de argumentos contrários, o que faz surgir uma cláusula
de exceção implícita e ou a aplicação da cláusula já prevista pela ordem jurídica.
35
Necessário é que se diga que a superação axiológica das razões, previstas em
situação não vislumbrada por cláusula de exceção, em relação às razões pelas quais se
fundamenta a regra, devem restar claras e ser mais intensas do que quando a superação
axiológica ocorre em favor de uma cláusula de exceção explícita, em nome do princípio da
segurança jurídica.
Poder-se-ía argumentar que, entre regras e cláusulas de exceção, não haveria o
entrelaçamento ou imbricamento que há nos princípios, no caso concreto, porque as regras são
interpretadas e os princípios ponderados e, também pelo motivo de que não há conflito entre
regra e sua cláusula de exceção explícita, pois só e exclusivamente uma delas é aplicada, no
caso concreto. Ávila (2004, p.47) entende que tal argumentação não refuta o enunciado de que
há ponderação de regras.
A uma, porque não se pode extremar a interpretação da ponderação. Com efeito, a
decisão a respeito da incidência das regras depende da avaliação das razões que
sustentam e daquelas que afastam a inclusão do conceito no conceito previsto na
regra. Se, ao final, pode-se afirmar que a decisão é de mera subsunção de conceitos,
não se pode negar que o processo mediante o qual esses conceitos foram preparados
para o encaixe final é da ordem da ponderação de razões. A duas porque não é
consistente a afirmação de que no caso das regras e de suas exceções há a aplicação
de uma só norma, e no caso do imbricamento de princípios há a aplicação de ambas.
Ora, quando o aplicador atribui uma dimensão de peso maior a um dos princípios, ele
se decide pela existência de razões maiores para a aplicação de um princípio em
detrimento do outro, que, então, pode deixar de irradiar efeitos sobre o caso concreto.
36
Aqui, percebe-se que o princípio também pode ser aplicado, ao modo “all or
nothing”, e que tanto a colisão de princípios como a de regras podem ser resolvidas pela
ponderação de razões e fins.
Porém, a distinção está na diferença da contribuição do intérprete na determinação
in concreto da relação entre princípios ou regras que se entrelaçam, por via argumentativa.
Outra diferença é o modo de ponderação, que entre regra geral e cláusula de exceção explícita
possuem menor amplitude de apreciação, dado que as regras já possuem um elemento
descritivo, ou melhor, um conteúdo normativo inicial.
No caso de entrelaçamento de princípios, há maior amplitude de apreciação, já que
estes estabelecem apenas um estado de coisas a ser buscado. A atividade de ponderação é
vislumbrada claramente nas hipóteses de regras advindas de normas-texto de textura aberta,
como é o caso dos textos que contêm Direitos Fundamentais. Nessa situação, deve o aplicador
observar a finalidade da regra e, após a ponderação das circunstâncias do caso, optar pelo
elemento de fato prioritário, para definir a finalidade da norma-regra a ser construída.
Percebe-se, aqui, que as regras também são normas de fim, pois têm como dever,
embora mediato, a manutenção de certa lealdade às finalidade subjacentes. Suponhamos,
exempli gratia, que, em uma determinada empresa pública ferroviária, exista uma norma que
proíba a entrada de cães nas estações de trem destinadas ao transporte de passageiros. Não se
pode negar que a finalidade da proibição é a preservação da incolumidade física dos usuários.
Prima facie, a proibição é absoluta.
37
Suponha, agora, haver uma pessoa cega que se locomove com o auxílio de um cão
pequeno, manso, e adestrado para guiá-lo. Neste caso, o interprete não deve se apegar
somente à palavra cão, que o levará a subsumir a norma ao fato (pessoa com cão), proibindo a
entrada da pessoa cega; mas também deverá observar a razão justificativa da regra que impõe
a proibição (proteção da incolumidade pública e sossego dos usuários), abrindo-se a
possibilidade de não aplicar a regra, permitindo-se a entrada do animal com seu dono, pois o
cão, nestas circunstâncias, representa os ‘olhos’ da pessoa cega, além de não causar
transtornos aos usuários.
Também não se deve olvidar que a atividade de sopesamento de regras ocorre,
com certa freqüência, no sistema common law, na medida em que os precedentes, embora não
sejam nem autodefiníveis, tampouco autoaplicavéis, também possuem um elemento
descritivo, que somente é superado mediante a ponderação de razões e fins.
Por fim, como já descrito, a analogia e também o argumento em contrário são
aplicados com base na ponderação de razões e fins, caso a superação axiológica das razões
previstas em situação não vislumbrada pelo legislador (no caso da analogia) forem mais
relevantes em relação às razões e fins pela quais se fundamenta a regra.
Nenhuma norma jurídica possui dimensão de peso, e sim razões e fins a que tanto
princípios como regras fazem referência, a ela devendo ser atribuída uma dimensão de
relevância.
Há incorreção quando se enfatiza que os princípios têm uma dimensão de peso. A
dimensão de peso não é algo que já esteja incorporado a um tipo de norma. As
normas não regulam sua própria aplicação. Não são pois os princípios que possuem
38
dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser
atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o
peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em função do caso
concreto.(ÁVILA,2004,p.53)
Günther (apud Ávila, 2004, p.53) sintetiza o assunto ao afirmar que “a dimensão
de peso não é atributo empírico dos princípios, justificador de um diferença lógica
relativamente às regras, e sim um resultado de juízo valorativo do aplicador.”
Conclui Günther, citado por Ávila (2004, p.50-51), que
[...]a dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de
qualquer norma jurídica, como comprovam os métodos de aplicação que relacionam,
ampliam ou restringem o sentido das regras em função dos valores e fins que elas
visam a resguardar. As interpretações, extensivas e restritivas, são exemplos disso.
Importa dizer que os postulados entram na discussão, quando o assunto é a
estruturação da aplicação das normas jurídicas, porquanto estas não regulam sua própria
aplicação. Especificamente, no assunto colisão de Direitos Fundamentais, em que há uma
ponderação de bens e direitos, sobressai-se o postulado da proporcionalidade.
Resta-nos apontar o entendimento, ancorado em Ávila (2004):
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com
a pretensão de decidibilidade e abarcância, para cuja aplicação se exige a avaliação da
correspondência , sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios
que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da
descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
39
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e
com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se
demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os
efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (p.70)
Os princípios são primariamente complementares e preliminarmente parciais, pois
abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para a tomada de decisão, não pretendendo
gerar uma solução específica, e sim complementar, ao lado de outras razões, a consecução da
norma-decisão.
Percebe-se haver maior interdependência entre os princípios, porquanto
estabelecem diretrizes a serem buscadas, sem, no entanto, descreverem a conduta adequada
para a realização do status quo pretendido, tendo as diretrizes valorativas de cada princípio
um conteúdo bastante genérico. Tais conteúdos acabam por se imbricarem, embora não
necessariamente entrem em conflito.
As regras jurídicas são, preliminarmente, decisivas e abarcantes, porque tencionam
abranger, in totum, aspectos importantes para a feitura da norma-decisão. Resta dizer que, em
relação à pretensão de decidibilidade, existe uma refutação em relação ao dogma, segundo o
qual, havendo colisão entre uma regra e um princípio, este necessariamente prevalece.
Do exposto se pode argumentar, com mais segurança, que, havendo colisão entre
uma regra e um princípio, ambos de uma mesma hierarquia, deve-se priorizar a regra, já que
sua conduta, imediatamente descritiva, só deve ser superada por razões extremamente
substanciais ou se colidir com princípios superiores.
40
Prevalecendo a regra jurídica, também se está priorizando, neste estudo, a opção
do legislador, já que este se cinge à produção de texto normativo, com a intenção de que o
intérprete-juiz não se distancie em demasia do mesmo, dando a ele conotações mais
descritivas, além do fato de que o parlamentar ou o administrador público, ao produzir tais
textos, embora pretenda, em regra, que ele tenha vigência prolongada, fá-lo com base em uma
visão retrospectiva.
Princípios são valores? Em alguma medida, Bonavides (2000, p.248) assim os
considera.
São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que resultam
para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e variações acerca
do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por normas, são normas-
valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isto
mesmo providos, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma
de eficácia suprema.
Abbagnano apud Vasconcelos (2002) assim define valor:
Mas o que é o valor? A melhor definição dele é aquela que o considera como uma
possibilidade de escolha, isto é, com uma disciplina inteligente das escolhas, que pode
conduzir a eliminar algumas delas ou declará-las irracionais ou nocivas, e pode
conduzir(e conduz) a privilegiar outras, prescrevendo a sua repetição cada vez que
determinadas condições se verifiquem. (p.232)
Pela definição de valor, leva-se em consideração uma disciplina racional de
escolhas, elegendo uma determinada postura diante de um conjunto de situações semelhantes,
41
repetindo-a tantas quantas forem as oportunidades que se aproximem da situação
assemelhada.
Assim, não há como confundir princípios com valores, embora estejam
reciprocamente relacionados, na proporção em que o estabelecimento de fins implica
qualificação positiva de um status quo que se pretende preservar ou promover.
Os princípios afastam-se dos valores porque, enquanto os princípios se situam no
plano deontológico e por via de conseqüência, estabelecem a obrigatoriedade de
adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas, os
valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleológico e, por isso, apenas
atribuem uma qualidade positiva a determinado elemento. (ÁVILA, 2004, p.72)
1.4 Eficácia dos princípios
Urge, também, discorrer sobre a eficácia. Não apenas a eficácia formal, entendida
como aptidão da norma jurídica para gerar efeitos; mas, pensar também a eficácia enquanto
instância de validade social das normas jurídicas.
[...]enquanto o conceito de vigência se esgota no âmbito da norma legal, o de eficácia
tem sua projeção dirigida para o fato social, no qual se concretiza. Reponta a
importância da valoração do fato, para que a norma seja eficaz, ou melhor, para que
haja Direito. Não sem razão, sublinha Jellinek a força normativa do fato social. Se o
legislador não o distinguiu, desconhecendo sua influência, ele assim mesmo tem
condições de insinuar-se no mundo do Direito. (VASCONCELOS, 2002, p.229)
42
Comecemos pela eficácia dos princípios, dizendo que há possibilidade dos
princípios serem aplicados diretamente ao caso concreto, sem intermediação de regra ou outro
princípio hierarquicamente inferior. Tal ocorre quando o legislador não vislumbrou
determinada situação, servindo-se dele o juiz para colmatar as lacunas do ordenamento
jurídico.
Com a intermediação de outro princípio ou de regra jurídica, os princípios
exercem várias funções. Possui o princípio função interpretativa se for princípio
hierarquicamente superior, conferindo ao subprincípio sentido, seja ampliando, seja
restringindo.
Este mesmo subprincípio tem, em relação ao sobreprincípio, função definitória, na
medida em que define os contornos do comando mais amplo, previsto pelo princípio de maior
hierarquia.
Há uma terceira atuação dos princípios, quando eles colocam à margem, por
exemplo, elementos descritivos de uma norma, por serem incompatíveis com o status quo a
ser promovido.
Ávila (2004, p.80) afirma que os sobreprincípios, por serem princípio da maior
hierarquia, possuem função articuladora, “já que eles permitem a interação entre os vários
elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado.”.
1.5 Modelo tripartite das normas jurídicas
43
Quando Ávila (2004,p. 60-61) propõe como critério de dissociação de normas as
alternativas inclusivas, voltam à carga os postulados. Sua argumentação é no sentido de um
modelo tripartite, no sentido de que um dispositivo ou mesmo vários, podem dar origem a
uma regra e ou a um princípio ou a um postulado. Senão vejamos, in litteris:
Ao invés de alternativas exclusivas entre as espécies normativas, de modo que a
existência de uma espécie excluiria a existência das demais, propõe-se uma
classificação que alberga alternativas inclusivas, no sentido de que os dispositivos
podem gerar, simultaneamente, mais de uma espécie normativa.
Analise-se o dispositivo constitucional segundo o qual todos devem ser tratados
igualmente. É plausível aplicá-lo como regra, como princípio e como postulado.
Como regra, porque proíbe a criação ou aumento de tributos que não seja iguais para
todos os contribuintes. Como princípio, porque estabelece como devida a realização
do valor igualdade. E como postulado, porque estabelece um dever jurídico de
comparação a ser seguido na interpretação e aplicação, preexcluindo critérios de
diferenciação que não sejam aqueles previstos no próprio ordenamento.
De modo que o “nascimento” de uma regra, de um princípio ou de um postulado,
depende da argumentação, devidamente fundamentada, do intérprete/aplicador, ou melhor, do
magistrado. É dizer: os postulados normativos não possuem nem a dimensão imediatamente
comportamental, típica das regras, nem a dimensão finalística, própria dos princípios,
possuindo a dimensão metódica, organizando, coordenando e impondo condições a serem
observadas, quando da aplicação das regras e dos princípios. Neste sentido,
Superou-se o âmbito das normas para adentrar o terreno das metanormas. Esses
deveres situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de outras
normas, princípios e regras. Como tais, eles [os postulados normativos] permitem
verificar os casos em que há violação às normas cuja aplicação estruturam. Só
44
elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade,
proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas –
princípios e regras – que deixaram de ser aplicadas. (ÁVILA, 2004, p.88)
Como metanormas, os postulados situam-se em plano distinto das normas que
estruturam a aplicação. É dizer: são normas metódicas. Ao contrário dos princípios, não são
normas imediatamente finalísticas, não impondo a realização de determinado fim, embora
estruturem a aplicação do dever de promover um fim; por outro lado, não prescrevem
reflexamente condutas, mas formas de raciocínio e de argumentação relativamente a
princípios. Também se arredam das regras, porque não descrevem imediatamente condutas,
não obstante lhes estruturem a aplicação.
[...]a análise dos postulados de razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo,
está longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam,
em vez disso, a ordenação e a relação entre vários elementos(meio e fim, critério e
medida, regra geral e caso individual, e não um mero exame de correspondência
entre a hipótese normativa e os elementos de fato.(ÁVILA,2004,p.89-90)
Ávila resolve superar as dificuldades de enquadrar o postulado da
proporcionalidade, chamado de máxima ou topos argumentativo por Guerra Filho ou ainda de
princípios de legitimação, dentre outras denominações.
Por fim, cabe à aplicação do postulado da proporcionalidade em todas as
oportunidades em que houver uma medida concreta tomada, destinada à consecução de um
fim, em que a relação meio e fim passará pelo exame de adequação (relação empírica entre
meio e fim), necessidade (verificação do meio que promova o fim, com menor restrição aos
direitos fundamentais) e, por fim, o exame da proporcionalidade em sentido estrito
45
(contabilização de benefícios, comparando a importância da realização do fim e a intensidade
da restrição aos direitos fundamentais).
O presente estudo trata tão somente do postulado da proporcionalidade, porque
apto a informar se o ato administrativo atingiu seus fins constitucionais ou legais, a saber: o
específico interesse público, de uma forma proporcional e razoável e, portanto, constitucional,
ou assim não aconteceu, decorrendo nulidade ipso jure da medida administrativa, por parte do
Juiz, pela inconstitucionalidade derivada da desproporção.
46
2. INTERPRETAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Hermenêutica é a parte da filosofia que aplica técnicas de interpretação. No
Direito, uma técnica específica faz irradiar sua aplicabilidade e compreensão sobre as normas
jurídicas.
Passemos à interpretação dos direitos fundamentais, assinalando a crítica de
Bonavides (2000, p.420) ao jurista tradicional, in verbis:
O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente
desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade
política fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador que de
necessidade há de acompanhá-la.
Os métodos clássicos de interpretação de Savigny, baseados exclusivamente no
raciocínio dedutivo, germinam quase satisfatoriamente na esfera do Direito Privado, posto
que utilizados apenas para resolver questões jurídicas. Demonstravam-se insuficientes para a
hermenêutica constitucional, posto que a Constituição, embora tenha uma dimensão jurídica,
tem dimensão política, de modo a que esta dimensão decorre de todo um manancial de
interesses em conflito.
Desconsiderando a dimensão política da Constituição, Ernest Forsthof, citado por
Steinmetz (2001), deixa transparecer que o método da nova hermenêutica geraria
insegurança jurídica, afirmando:
47
Como ley, la Constitución está subordinada a las reglas de interpretación válidas
para las leyes. Con esto la Constitución se hace patente en su sentido y es controlable
en su ejecución. Su estabilidad se obtiene de los límites que se han trazado en la
interpretación de la ley por su objeto.( p.79)
A preocupação de Forsthoff era com a possibilidade de o método concretista
dissolver a normatividade da Constituição. Ocorre que seu apego à segurança jurídica,
possibilita a produção de injustiças, já que a utilização dos tradicionais métodos, “engessam”
o Direito Constitucional, que também é Direito Político e, assim fazendo, também imobilizam
o Direito Administrativo, que encontra seus fundamentos muito mais na Constituição do que
na lei.
Friedrich Muller (apud Steinmetz, 2001, p.81), concorda com Forsthoff, quanto ao
rigor técnico para a interpretação da Constituição, possibilitando a segurança jurídica, embora
não seja a hermenêutica tradicional, apta, de modo isolado, para solucionar as questões
constitucionais. Senão vejamos:
Tanto menos se pode reconhecer nos direitos fundamentais e na maioria das normas
restantes da Constituição enquanto lei ‘política’ institutos apreensíveis de forma
puramente técnica, cuja realização não deve formular para a hermenêutica e
metodologia jurídica nenhum problema que transcenda o organon silogístico.
Indispensável é que se frise serem as regras de Savigny critérios metodológicos,
que não devem ser desconsiderados na hermenêutica constitucional. Sobre as peculiaridades
das normas constitucionais, Barroso, comentado por Steinmetz (2001, p.82), afirma, ipsis
litteris:
48
(a) a superioridade hierárquica da Constituição confere à lei maior o caráter
paradigmático e subordinante de todo o ordenamento, de forma tal que nenhum ato
jurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravier seu sentido;
(b) a natureza da linguagem que dá aos preceitos constitucionais maior abertura,
maior grau de abstração e conseqüentemente menor densidade jurídica; (c) o
conteúdo específico, porque ao lado das normas de conduta, os enunciados
lingüísticos expressam normas de organização – que estruturam o Estado e
disciplinam a criação e aplicação de normas de conduta, que não se apresentam sob a
forma de juízo hipotético e não geram direitos subjetivos – e normas programáticas;
(d) o caráter político das normas veiculadas pela Constituição, quando a origem, ao
objeto e aos resultados de sua aplicação.
Aqui, salta aos olhos a relevância da linguagem constitucional, de modo que o
hermeneuta, com “os olhos postos” também na Constituição, seja ele constitucionalista ou
administrativista, deve interpretá-la de modo a explicitar suas versões de significado,
consoante os fins e os valores entremostrados na linguagem da Carta Magna.
Assim procedendo, o intérprete/aplicador, seja ele juiz ou administrador público,
pereniza a Constituição, através da mutação constitucional, evitando um permanente trabalho
do legislador constituinte seja ele o derivado, através das emendas; ou o originário, através da
feitura de uma nova constituição, já que a ‘velha’, teve sua normatividade dissolvida quase
plenamente.
Urge que se faça um repasse com relação à nova hermenêutica, da tópica à
hermenêutica concretizante Mulleriana, já que o postulado da proporcionalidade, por ter como
foco o caso concreto, possui feições tópicas. Diversamente do que acreditavam os positivistas
racionalistas, para Theodor Vihweg o pensamento jurídico é tópico.
49
Não se pode afirmar que a tópica é contrária à lógica dedutivista, embora ela
descarte tal lógica como único meio para controle da certeza racional. Para Nicolai Hartmann
apud Bonavides (2000, p.447),
[...]o pensamento sistemático parte do todo. A concepção é aqui primordial e
permanece dominante. Não buscamos aqui o ponto de vista senão o que
presumimos(...). Conteúdo do problema que não se compadece com o ponto de vista é
recusado.
O modo aporético (idêntico ao pensamento tópico) de pensar, em tudo procede
diferente. Os problemas se lhes afiguram sagrados. Não conhece nenhum fim da
pesquisa que não seja o da investigação do problema mesmo. O próprio sistema não
lhe é indiferente, mas vale para ele apenas como idéia, como perspectiva. Não se põe
ele em dúvida a existência do sistema, apenas encontra o que o determina latente em
seu próprio pensamento.
O elemento volitivo é instrumento que prepondera no método tópico, enquanto o
elemento cognitivo pesa mais na inquirição dedutiva, lógica e sistemática. Sobre a inserção do
método tópico, como superação do método clássico, vale observar Bonavides” (2000), quando
afirma:
A Constituição representa pois o campo ideal de intervenção ou aplicação do método
tópico em virtude de constituir na sociedade dinâmica uma estrutura ‘aberta’ e tomar,
pelo seus valores pluralistas, um certo teor de indeterminação. Dificilmente uma
Constituição preenche aquela função de ordem e unidade, que faz possível o sistema
se revelar compatível com dedutivismo metodológico. Diante destes obstáculos, só a
tópica, como hermenêutica específica, estaria adequada metodologicamente a resolver
dificuldades inerentes à Constituição nos seus fundamentos. (p.452)
50
Segundo a tópica, todos os meios interpretativos, inclusive os clássicos, são
considerados, desde que convergentes à solução do problema. A argumentação tem por ponto
de apoio o consenso e, por ponto de partida a compreensão prévia, tanto do problema como da
Constituição. Registre-se a crítica de Canáris (apud Bonavides, 2000), ipsis litteris:
O raciocínio tópico corre sempre o risco de menosprezar o mandamento da
congruência e da unidade intrínseca da ordem jurídica, por voltar com demasiada
intensidade para a compreensão isolada da maneira mais estreita possível. (p.452)
Quanto à metódica estruturante de Friedrich Muller, não resta dúvida de que teve
como paradigma o raciocínio tópico, embora o tenha ultrapassado. Busca seu método
aproximar a Constituição-forma da Constituição-matéria, confrontando a realidade social com
a Constituição.
Para Muller, a interpretação da norma jurídica se qualifica como concretização. A
norma constitucional é mais do que texto normativo. Muller (apud Bonavides, 2000) explica
que “não é possível isolar a norma da realidade. Antes, é a realidade, em seus respectivos
dados (círculo ou âmbito da norma) que é afetada pela disposição da norma (programa
normativo), o elemento material constitutivo da própria norma”. (p.456)
Muller comenta que a interpretação do texto da norma é parte importante e, por
isso, não é jamais desconsiderada. Mas não é a única, seguindo-se, a partir dela, norma-
programa, que inclui interpretação feita por métodos tradicionais e métodos da nova
hermenêutica, dando origem à norma-programa. Após, esta norma é cotejada com a
51
ambiência social e com o caso concreto, para ao final produzir-se a norma-decisão; de modo
que, para Muller, é mais adequado falar em concretização do que em interpretação.
Dizendo de outra forma, a norma jurídica não é o texto da Constituição, mas
constitui-se, após o cotejo do texto com a realidade vivencial. Dizendo mais, o texto da lei não
é a norma, mas o produto final da interpretação/aplicação do mesmo, com os olhos postos na
hipótese vertente e na Constituição Federal. O que Muller chama de concretização, nada mais
é do que aquilo que chamamos de interpretação/aplicação da norma jurídica.
Sobre o método concretista da Constituição aberta, de Peter Haberle, importa dizer
que o autor também é de influência tópica.
[...]a interpretação em sentido estrito, que o juiz leva a cabo no desempenho ordinário
de seu trabalho profissional, padece o influxo da própria interpretação que ele
também exercita em sentido lato e que resulta em grande parte de seu tirocínio,
conforme o debate hermenêutico acerca da ‘compreensão prévia’ já demonstrou
sobejamente.(HABERLE apud BONAVIDES, 2000,p.470)
Estendendo a interpretação a todas as pessoas, sugerindo uma ‘sociedade dos
intérpretes’, Haberle, tenciona democratizar a interpretação por meio da força produtiva do
pluralismo, que, em si, traria melhores soluções, por meio do processo dialético entre
consensos e dissensos, entre todas as pessoas.
Logo, não é só o legislador, o magistrado e o administrador público que devem
interpretar a Constituição, mas também o cidadão, afetado pelos atos de outros cidadãos e do
Estado, que invadem sua esfera de direito, especialmente os fundamentais.
52
Este método, por suas raízes democráticas, a um só tempo conferiria legitimidade
de exercício ao juiz que tivesse formação jurídica, política e sociológica; terminaria por negar
o caráter de legítimo ao juiz ‘boca da lei’.
A crítica que se faz a Haberle é comum aos demais métodos concretistas e tópicos,
no sentido de possibilitar o afrouxamento da normatividade e da juridicidade da Constituição,
creditando excessiva importância à dimensão política e deixando ao “rés do chão” a dimensão
jurídica. Vale anotar que esta crítica também seria possível quando do reexame dos atos
administrativos, por parte do Poder Judiciário, porquanto tal postulado vislumbra o caso
concreto.
Tais Críticas não são de todo razoáveis, pois métodos concretistas, como o de
Muller, se aplicados com critério e respeitados os limites da norma-texto, embora sobreleve o
caráter político da Carta Magna, não o faz em excesso, razão pela qual não dissolve a
Constituição normativa.
2.1. Colisão de direitos fundamentais
Após tratar das distinções entre princípios e regras e entre estes dois e os
postulados normativos, detectou-se a colisão de direitos fundamentais, que se caracteriza
como ponderação de bens. A ponderação é necessariamente concreta, ressalvando-se que
nenhuma norma jurídica tem dimensão de peso, e sim as razões e os fins aos quais tanto os
princípios como as regras fazem referência e devem conter uma dimensão de relevância.
53
José Carlos Vieira de Andrade (apud Steinmetz, 2001, p.63) afirma:
[...] haverá colisão ou conflito sempre que se deva entender que a Constituição
protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta (...) O
problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso
concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos)
se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais.
A preocupação se dá pelo fato de que, nos Estados Constitucionais do Direito
Fundamental, as normas de direito fundamental possuem eficácia plena, levando o
hermeneuta mais apressado a concluir que deveriam estar aptas para gerar os seus efeitos,
independentemente das circunstâncias fáticas e jurídicas.
Cada ser humano, cada coletividade de pessoas e o Estado, encarregado de
operacionalizar os direitos fundamentais prestacionais, poderia exercer plenamente um a um,
seus direitos fundamentais? Antes de responder, é bom ter presente o argumento de
Vasconcelos (2003, p.118):
O Direito, ele próprio, não representa uma desvantagem para o ser humano. Foi,
antes, a solução. É de outra espécie a inferioridade congênita do homem, e significa
precisamente não poder exercitar ele, de modo pleno, seu dom de liberdade. Se quiser
usufruí-la, há de limitá-la através do Direito, que deste modo se apresenta como
instrumento de compartição de liberdades.
É dizer: tendo as pessoas que compartilhar liberdades, não há direitos absolutos,
daí o porquê dos direitos fundamentais entrarem em conflito, no caso concreto. As situações
em que há conflito são três, nomeadamente: a concorrência dos direitos fundamentais, os
54
conflitos entre direito fundamental e um bem jurídico constitucional e a colisão de direitos
fundamentais, dita colisão em sentido estrito. Cingir-nos-emos às duas últimas, porque é onde
efetivamente se dá a colisão lato sensu dos direitos fundamentais.
[...]colisão em sentido estrito ocorre quando o exercício ou a realização do direito
fundamental de um titular de direitos fundamentais tem conseqüências negativas
sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais. Colisões em
sentido amplo ocorrem quando há uma colisão entre direitos individuais fundamentais
e bens coletivos constitucionalmente protegidos” (ALEXY apud STEINMETZ, 2001,
p.66).
Sobre a colisão em sentido amplo tem-se como exemplos: 1) a colisão de exercício
profissional dos produtores de tabaco e saúde pública; 2) a colisão entre a liberdade de um
acusado de crime hediondo e a segurança pública interna.
A literatura jurídica costuma classificar os casos concretos em rotineiros e difíceis.
Os rotineiros são os que exigem uma simples ou mera aplicação de textos normativos, com
raciocínio simplesmente dedutivo.
Os casos difíceis são intitulados hard cases. Neles, a decisão normativa final não é
fruto da simples interpretação de normas; não há sequer pronto enquadramento normativo
nem solução unívoca.
[…]un caso jurídico puede ser difícil de resolver por diversas razones. Básicamente,
por alguna de estas cuatro: no existe (o no está claro que exista) una norma jurídica
válida que se aplique al caso; la norma jurídica existe, pero su interpretación, en
relación con el caso, ofrece problemas; no está claro que se hayan producido los
55
hechos que configurarían el supuesto previsto en la norma; los hechos sí que se han
producido, pero su calificación jurídica resulta controvertida. (ATIENZA apud
STEINMETZ, 2001, p.68)
São as colisões de direitos fundamentais exemplos típicos de hard cases, pois
possuem a mesma hierarquia, em abstrato, e força vinculante, forçando a decisão legislativa
ou judicial a satisfazer os princípios de interpretação constitucional, principalmente os
princípios da unidade da Constituição, da máxima efetividade dos direitos fundamentais e da
concordância prática, além da aplicação do postulado da proporcionalidade, como veremos
mais adiante.
Dos poderes públicos, o executivo é quem mais atua na solução da colisão de
direitos, posto que é dado a ele o primeiro exame, porquanto sua função típica consiste na
administração da res pública. Neste sentido, com mais intensidade em relação à colisão em
sentido amplo, posto que, praticando atos administrativos, faz, dentre direitos fundamentais
individuais e bens coletivos constitucionalmente protegidos, aquele que deve prevalecer, no
caso concreto.
O reexame cabe ao Poder Judiciário, que avalia se ato administrativo que atingiu
direitos fundamentais individuais observou o direito e não apenas o princípio da legalidade,
embora esta nova ‘visita’ ao ato administrativo seja feita em números menores, já que nem
todos os atos administrativos são levados à reapreciação.
Neste diapasão, iremos tratamos mais amiúde, do dever de proporcionalidade que
o administrador e o juiz, no exame dos atos administrativos, devem observar, quando este ato
56
é levado a termo, com base nos argumentos da discricionariedade e no ‘suposto’ princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Ao contrário de parte considerável da doutrina, pregamos a constitucionalização
do direito administrativo, de modo a que restará possível ao menos o exame e os limites do
mérito do ato administrativo, sem que se fira a garantia constitucional da separação de
poderes.
2.2. Teoria estrutural dos direitos fundamentais
Trata-se, neste segmento, da teoria dos direitos fundamentais como necessária à
interpretação das normas de direito fundamental. Bonavides (2000, p.534) afirma que “toda
interpretação dos direitos fundamentais vincula-se, de necessidade, a uma teoria dos direitos
fundamentais.”.
Bockenförde, classicamente, divide as teorias de direitos fundamentais em teoria
liberal, teoria institucional, teoria democráticofuncional, teoria dos direitos fundamentais do
Estado Social e Teoria Axiológica.
Tais teorias não são comentadas, aqui, por desviarem-se do centro deste trabalho,
pois embora tenham seus contributos, são abstratas e expressam apenas uma tese básica, que
pode ser o valor e a instituição, dentre outros.
57
A teoria estrutural é uma teoria empírica, porque perquire os conceitos
fundamentais na ambiência dos direitos fundamentais, analisa a influência dos direitos
fundamentais no sistema jurídico e a fundamentação destes mesmos direitos.
A dimensão analítica tem preferência, mas não é exclusiva; justificando-se a
primazia, segundo Alexy apud Steinmetz (2001, p.121-122), porque “[...]la claridade
analítico-conceitual es uma condición elemental de la racionalidad de toda ciência.”.
A base da teoria estrutural tem como parte geral a dogmática dos direitos
fundamentais, uma teoria dos princípios e a teoria das posições jurídicas básicas. Com a teoria
dos princípios, Alexy tenciona resgatar a teoria dos valores. Aqui, cingimo-nos a sua teoria
dos princípios, reforçando os reparos previamente feitos.
Pela teoria estrutural dos direitos fundamentais, a principal distinção é a de regras
e princípios. Assim fazendo, possibilita-se a teoria de colisão e uma teoria sobre a função
desempenhada pelos direitos fundamentais, no sistema jurídico. Alexy crítica a atual
insuficiência dos critérios para distinguir regras de princípios, entendendo ele que não há
apenas uma diferença gradual entre ambos, mas também diferença de qualidade.
Para Alexy, os princípios dependem das possibilidades jurídicas e fáticas, ou seja,
são determinados pelo peso dos princípios opostos, o que implica que os princípios não
apenas são suceptíveis de ponderação, mas dela necessitam. Para ele, as regras não necessitam
de ponderação.
58
Um conflito entre regras, para a teoria estrutural, resolve-se pela declaração da
invalidade de uma delas ou pela inserção de uma cláusula de exceção em uma das duas regras.
Entretanto, no conflito de princípios, a teoria em comento, entende que não se deve declarar a
invalidade de nenhum deles, pois ambos já estão dentro do ordenamento jurídico. São válidos,
daí opera-se a prevalência de um, sem que o outro princípio seja declarado inválido, já que, se
são válidos a priori, o conflito se resolve no âmbito do peso que cada possui, em cada caso
concreto.
Como já dissertamos, na primeira parte desta pesquisa, os princípios também são
aplicados ao modo all or nothing. Ademais, não se poderia colocar em extremos a
interpretação da ponderação, pois a própria decisão a respeito da incidência das regras
depende da avaliação das razões que sustentam e daquelas que afastam a inclusão do conceito
no conceito previsto na regra.
Se, ao final do processo, é possível afirmar que a decisão é de mera subsunção de
conceitos, não se pode negar que o processo, mediante o qual esses conceitos foram
preparados para o encaixe final, é da ordem de ponderação de razões e fins. Como dito
anteriormente, tanto a colisão de princípios como a de regras podem ser resolvidas pela
ponderação de razões e fins e que a distinção depende do intérprete/aplicador da relação entre
princípios ou regras que se entrelaçam, por via argumentativa.
A lei de colisão, criada por Alexy, é relevante na medida em que descreve a
estrutura lógica da solução de colisão, além de indicar o que precisa ser fundamentado, a
saber, o resultado da ponderação. Steinmetz (2001) traz à lume o exemplo dado por Alexy,
para que melhor se compreenda a lei de colisão:
59
Alexy toma como exemplo de colisão o caso da incapacidade processual, na qual
trata-se da admissibilidade da realização de uma audiência quando o acusado sofre o
perigo de sofrer um infarto. De um lado, o princípio que ordena a aplicação do direito
penal no maior grau possível; de outro, o princípio da proteção à vida e da integridade
do acusado. Isoladamente, os princípios conduzem a resultados opostos. No caso
concreto, fática e juridicamente, um limita a atuação do outro. Ambos possuem,
abstratamente, idêntica hierarquia, de forma que não é possível declarar a invalidez de
um deles. (p. 126)
O próprio Alexy, apud Steinmetz (2001), comenta a solução, in litteris:
La solución de la colisión consiste más bien en que, teniendo en cuenta las
circunstancias del caso, se establece entre los principios una relación de precedencia
condicionada. La determinación de la relación de precedencia condicionada consiste
en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condiciones, bajo las cuales un
principio precede al otro. Bajo otras condiciones, la cuestión de la precedencia puede
ser solucionada inversamente. (p.127)
Que condições são estas, segundo as quais um princípio prevalece em relação a
outro? Responde-se com base no caso de adiamento de audiência, pelo risco de vida do
acusado, em que o caso concreto demonstra que o princípio da preservação da vida do réu
“pesaria” mais que o respeito ao princípio da aplicação do direito penal.
Por fim, Alexy, apud Steinmetz (2000, p.127), elabora a lei de colisão, nos
seguintes termos: “Las condiciones bajo las cuales un principio precede a otro constituyen el
supuesto de hecho de una regla que expresa la consecuencia jurídica del principio
precedente”
60
As condições de precedência, estabelecidas, entremostram o peso relativo dos
princípios e permitem, no caso concreto, uma decisão de prevalência. Tal assertiva é coerente
com a preteritamente comentada e criticada acepção dos princípios como mandados de
otimização.
Se partimos da premissa de que normas de direito fundamental têm natureza de
princípios, por sua textura aberta, argumentação baseada no texto, levando mais facilmente
àqueles e não a regras, havendo colisão entre direitos fundamentais ou entre um direito
fundamental e bens jurídicos, com proteção constitucional, é possível, no caso concreto, a
ponderação de bens (juízo de peso).
Do que foi dito até aqui, sobre a teoria estrutural, percebe-se que os princípios,
enquanto mandatos de otimização, ao contrário das regras, não têm o caráter de mandato
definitivo (all or nothing), mas prima facie; só o caso concreto decidirá se haverá prevalência
de um ou de outro princípio. Ainda na teoria de Alexy, importa dizer que o entendimento de
que os direitos fundamentais são princípios decorre da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais.
Discordamos de Alexy e tornamos a repetir que, no caso do entrelaçamento de
princípios, há uma amplitude maior de apreciação, em relação aos entrelaçamentos de regras.
A dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de qualquer
norma jurídica; e que nem regra nem princípio possuem dimensões de peso; embora se
reconheça que deve ser atribuída uma dimensão de relevância às razões e aos fins aos quais as
normas jurídicas comentadas fazem referência.
61
Disto não se conclua que a lei de colisão é imprestável para buscar solução na
colisão de direitos fundamentais, pois, no caso concreto, as razões e os fins a que fazem
referência as normas de direitos fundamentais, sejam elas princípios ou regras, possuem uma
dimensão de relevância, daí a necessidade da ponderação de razões.
Até aqui fica claro que existe colisão de direitos fundamentais quando o titular de
um direito fundamental afeta ou restringe direitos fundamentais de outro titular ou mesmo
afeta bens constitucionalmente protegidos (direito coletivo fundamental).
Também, só há colisão real, se os direitos fundamentais forem dispostos
diretamente pela Constituição, seja de modo expresso e ou implícito, de modo que a colisão se
resolve por meio da interpretação/aplicação, em que a ponderação de razões está inserta.
Em se tratando de colisão, segundo Alexy, a decisão do poder público deve
observar a otimização dos conteúdos, a saber, os direitos fundamentais em conflito,
observando-se, principalmente, os postulados da unidade da Constituição e da concordância
prática, no que nos pomos de plena concordância.
A ponderação de bens serve para que se adote a decisão de preferência entre os
direitos fundamentais, de modo que um só será aplicado no caso concreto, sem que o outro
perda a validade.
Para Canotilho (apud Steinmetz, 2001), a ponderação de bens é autônoma em
relação à interpretação, situando-se após a mesma, quando informa:
62
[...] neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da interpretação. A
actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação dos interesses
ou bens conflitantes procurando em seguida, atribuir um sentido aos textos
normativos e aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios de ordenação
para em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito.
(pp. 141-142)
No entender de Canotilho, a ponderação de bens requer uma colisão de direitos
fundamentais, in concreto, além do fato de não haver hierarquia, in abstracto, entre os direitos
colidentes. Assim, só há ponderação de bens, na primeira hipótese.
Não há como concordar, plenamente, com o mestre lusitano, pois a ponderação
faz parte do todo harmônico da interpretação-aplicação, não significando isto que não haja
ponderação in abstracto, para prever uma situação que se pretenda vá ocorrer, verificando-se,
numa espécie de ‘laboratório jurídico’, qual seria a carga argumentativa utilizada em um
situação X ou Y.
Este “laboratório” deveria ser o órgão cuja atribuição é defender, judicial e
extrajudicialmente, o Poder Estatal que pratique ato administrativo, em que, através de
instruções normativas, sem caráter vinculante, nem para este órgão consultivo nem para o
administrador que irá tomar as decisões, pois, por mais que se preveja uma situação, o caso
concreto nunca será igual a ela, pois a vida gregária é intangível.
Como se leva a termo a ponderação de bens? Através da aplicação do postulado da
proporcionalidade.
63
Considera-se que a ponderação concreta de bens, na colisão de direitos fundamentais,
realiza-se mediante o controle de proporcionalidade em sentido amplo, de modo
especial ou propriamente dito por meio do princípio da proporcionalidade em sentido
estrito. Assim o princípio da proporcionalidade em sentido amplo compreende a
ponderação de bens. (STEINMETZ, 2001, p.145)
2.3 Processo de positivação dos direitos fundamentais
A positivação dos direitos fundamentais pode ser encarada sob dois principais
aspectos, que não se confundem com o aspecto filosófico da discussão do tema, tratado
adiante. Deste modo, tem-se o aspecto doutrinário, que se consubstancia nas distintas
construções teóricas que serviram de base para o desenvolvimento ideológico do processo de
positivação de tais direitos, sendo o outro institucional, que considera a positivação dos
direitos fundamentais como um processo geral de formação das regras jurídicas, relacionado à
validade de um determinado ordenamento jurídico. Bem assim, as diferenças filosóficas,
religiosas e culturais, das comunidades, ensejarão concepções teóricas bastante distintas, até
mesmo contrárias, o que torna difícil estabelecer critérios gerais do referido processo de
positivação.
Segundo afirma Perez Luño, toda busca de fundamentação para os direitos
humanos se depara com um secular dilema: optar entre uma justificação desses direitos,
derivada de uma ordem natural e transcendente e ou aceitar o caráter positivo e empírico de
qualquer declaração de direitos (LUÑO, 1986, p. 52). Em linhas gerais, para os defensores da
concepção dos direitos fundamentais como direitos naturais, existem direitos que o Homem
possui em razão mesma de sua condição humana, sendo desnecessária uma positivação.
64
Entretanto, na dimensão institucional, importa menos perquirir acerca do fundamento racional
de em como deve ser entendida a fundamentação de tais direitos e mais: considerar as
instituições jurídicopolíticas por intermédio das quais tais direitos são positivados.
Na análise dos principais pontos de vista filosóficos, acerca da positivação dos
direitos fundamentais, tomamos por base o texto de Perez Luño, para quem as correntes que
mais contribuíram para dimensionar o referido processo de positivação são: a jusnaturalista, a
positivista e a realista.
De acordo com as teorias jusnaturalistas, a consagração normativa dos direitos
fundamentais tem um caráter essencialmente declaratório, porquanto decorre de direitos
inerentes ao Homem, relativos à sua própria natureza, ou seja, a positivação é o ponto alto de
um “proceso que tiene su origen en las exigencias que la razón postula como imprescindibles
para la convivencia social” (LUÑO, 1986, p. 54). Explica o referido autor que,
[…]para el jusnaturalismo el término ‘derecho’ no coincide con el derecho positivo, y, por tanto, defiende la existencia de unos derechos naturales del individuo originarios e inalienables, en función de cuyo disfrute surge el Estado. De ahí que la positivación de los derechos fundamentales se presente bajo esta óptica como el reconocimiento formal por parte del Estado de unas exigencias jurídicas previas que se encarnan en normas positivas para mejor garantía de su protección. (LUÑO, 1986, p. 54-55).
As Declarações de direitos do século XVIII expressaram a noção de supremacia
dos direitos naturais, como no caso da Declaração dos Direitos do Povo da Virgínia, em 1776
e a Declaração Francesa, em 1789, creditando-se a tais declarações a primeira marca de
transição dos direitos humanos de liberdade para os direitos fundamentais constitucionais.
Conforme ensina Ingo Sarlet sobre a importância das referidas declarações, com a nota
distintiva da supremacia normativa e a posterior garantia de sua justiciabilidade, por
65
intermédio da suprema Corte e, o controle judicial da constitucionalidade, pela primeira vez
os direitos naturais do Homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais
constitucionais [...]. (SARLET, 2001, p. 47).
No mesmo diapasão, Ingo Sarlet ressalta a importância da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, em 1789, uma vez que a mesma também possuía inspiração
jusnaturalista, com a vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade
humana, como valores históricos e filosóficos.
Há de se ressaltar que, sob o rótulo do jusnaturalismo, agruparam-se
historicamente muitas doutrinas heterogêneas e até contrapostas, em alguns casos ensejando
críticas ao caráter vago e contraditório do Direito Natural. Todavia, as diversas vertentes
teóricas jusnaturalistas possuem em comum o fato de advogarem a existência de postulados
de juridicidade anteriores e justificadores do Direito Positivo.
No que tange às teses positivistas, a linha de raciocínio é oposta à das correntes
jusnaturalistas, pois partem do pressuposto de que a juridicidade se identifica com o Direito
Positivo, ou seja, falar-se em Direito Natural anterior ao Direito Positivo, não faz sentido,
uma vez que a positivação dos direitos fundamentais, para os positivistas, em linhas gerais, é
entendida como um aspecto atinente às regras gerais que presidem a criação do direito no
ordenamento estatal. Os direitos naturais não seriam senão um setor das regras jurídicas.
Na visão de Luño, o progressivo descrédito da teoria dos direitos naturais,
principalmente na Alemanha do final do século XIX e início do século XX, motivado, em
grande parte pela crítica positivista, fez nascer uma nova categoria de direitos, conhecidos
66
como direitos subjetivos públicos. Tais direitos foram concebidos com o intento de oferecer
uma configuração jurídicopositiva à necessidade de afirmar as liberdades individuais frente à
autoridade do Estado, o que impunha o reconhecimento de uma personalidade jurídica do
mesmo, o qual passou a ter a condição de titular de direitos e obrigações para com os
particulares, com a possibilidade de socorro, mediante tutela jurisdicional das situações
subjetivas reconhecidas.
O mais famoso teorizador dos direitos públicos subjetivos foi Jellinek, para quem
tais direitos foram se afirmando progressivamente, em quatro fases ou status. Ao contrário da
concepção jusnaturalista, que enxergava no processo de positivação dos direitos fundamentais
uma natureza declaratória tão-somente, para os positivistas, esse processo será sempre visto
como sendo de natureza constitutiva, na medida em que, antes de sua positivação, os
postulados sociais podem ser definidos como expectativas de direitos, mas não como direitos.
Conforme ensina Perez Luño, os direitos subjetivos surgiram como uma
alternativa propositadamente técnica e asséptica da noção de direitos naturais, sendo estes
considerados pelo positivismo como uma categoria abertamente ideológica. E, conclui o
autor, afirmando que a positivação dos direitos fundamentais
no tienen el carácter de una mera declaración del derecho natural, sino que pose valor constitutivo. No se trata, pues, de ratificar los postulados del derecho natural, sino de dar vida en el marco de un ordenamiento a un conjunto de normas jurídicas” (LUÑO, 1986, p. 58).
Por fim, para aqueles que defendem uma concepção realista do processo de
positivação dos direitos fundamentais, estes não possuem natureza declaratória, como
apregoam os jusnaturalistas, tampouco natureza constitutiva, como querem os positivistas,
67
mas uma natureza vinculada às condições reais, como produto das exigências
econômicossociais do Homem histórico. Destarte, a positivação dos direitos fundamentais não
fica adstrita a ideais de direito natural, que inspiram a criação de normas positivas, nem
condicionada aos preceitos positivamente estabelecidos, senão que é a positivação urdida na
prática concreta dos Homens. Sobre a questão, manifestou-se Perez Luño, afirmando:
será la praxis concreta de los hombres, que son quienes a la postre sufren o se benefician de esos derechos, y quienes con sus comportamientos contribuyen a formatos en cada situación histórica, la pauta orientadora de su significación. (LUÑO, 1986, p. 59).
A concepção realista ora aparece vinculada ao movimento socialista, como no
caso da obra de Marx, ora é concebida a partir de uma perspectiva sociológica, como no caso
de Luhmann.
A despeito das três vertentes acima expostas basearem-se em premissas distintas
para a análise da positivação dos direitos fundamentais, Perez Luño adverte que, no plano
prático, essas três instâncias se condicionam mutuamente, “sendo todas ellas necesarias para
el desarrollo positivo de los derechos fundamentales”. (LUÑO, 1986, p. 62).
2.4. Funções dos direitos fundamentais no constitucionalismo
contemporâneo
Segundo afirma Perez Luño, o constitucionalismo atual não seria o que é sem os
direitos fundamentais, pois as normas que estabelecem os direitos fundamentais, juntamente
com aquelas que consagram a forma de Estado e o sistema econômico, são decisivas para
definir o modelo constitucional de uma sociedade. Há um estreito nexo de interdependência
68
“genético y funcional, entre el Estado de Derecho y los derechos fundamentales, ya que el
Estado de Derecho exige e implica para serio garantizar los derechos fundamentales,
mientras que estos exigen e implican para su realización al Estado de Derecho”. (LUÑO,
1988, p. 19).
Nessa perspectiva, os direitos fundamentais são reconhecidos como possuindo
dupla dimensão: uma objetiva e outra subjetiva. Em sua significação objetiva os direitos
fundamentais representam as bases do consenso sobre valores de uma sociedade democrática,
ou seja, sua função é a de sistematizar o conteúdo axiológico objetivo do ordenamento
democrático escolhido pelos cidadãos, comportando a garantia essencial de um processo
político livre e aberto, como elemento informador do funcionamento de qualquer sociedade
pluralista.
Ainda na visão de Perez Luño, na medida em que o Estado Liberal de Direito
evoluiu para formas de Estado Social, os direitos fundamentais dinamizaram sua significação,
agregando à sua função de garantidor das liberdades existentes, “la descripción anticipadora
del horizonte emancipatorio a alcanzar” (LUÑO, 1988, p. 21), pois, com o tempo, os direitos
fundamentais deixaram de ser meros limites ao exercício do poder político, para definir um
conjunto de valores ou fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos.
Outrossim, como conjunto de valores básicos de uma sociedade, os direitos
fundamentais, em sua dimensão objetiva, passaram a exercer função de conformadores do
ordenamento infraconstitucional, sendo ponto de partida para a interpretação e aplicação do
referido ordenamento.
69
Em sua dimensão subjetiva, os Direitos Fundamentais, têm a função de tutelar a
liberdade, a autonomia e a segurança dos cidadãos, não só em suas relações com o Estado,
mas em relação aos demais membros da sociedade. Não se trata, pois, da dimensão subjetiva
classicamente estruturada em bases liberais, mas de uma dimensão subjetiva repensada a
partir dos influxos axiológicos constitucionais, superando-se a concepção puramente formal
de igualdade entre os diversos membros da sociedade. Isto porque, com a passagem do Estado
liberal para o Estado social de Direito, supõe-se a extensão da incidência dos direitos
fundamentais a todos os setores do ordenamento jurídico, incluindo não só as relações
públicas, mas também as relações entre particulares, tema objeto do presente estudo.
Além das funções descritas pelas dimensões objetiva e subjetiva dos direitos
fundamentais, vale registrar o esforço de sistematização que se tornou clássico, desenvolvido
por Jellinek, que se tornou ponto de partida para outros estudos doutrinários, conhecido como
teoria dos quatro status. Tal teoria tomou por base as posições que o indivíduo pode assumir
perante o Estado, quais sejam: status subjectiones ou passivo, status negativo, status civitatis
ou positivo e status ativo. (LUÑO, 1988)
Em síntese, o status passivo diz respeito à posição do cidadão frente ao Estado, na
condição de submissão aos deveres impostos pelo mesmo. O status negativo é consectário da
personalidade de que são detentores os Homens, pois este enseja uma parcela de liberdade em
relação à interferência dos poderes públicos. O status positivo diz respeito à possibilidade de
o cidadão exigir do Estado algumas prestações em seu favor e, por fim, o status ativo é
concernente aos direitos políticos exercidos pelos cidadãos, como forma de possibilitar a
interferência direta destes sobre a formação da vontade estatal.
70
Luño adverte que tais status foram concebidos, prioritariamente, como
instrumentos de defesa dos interesses individuais, mas, na medida em que se foi adquirindo
consciência de que o desfrute de direitos e liberdades, por todos os membros da sociedade,
exigia garantir cotas de bem estar econômico que permitissem a participação ativa na vida
comunitária, surgiu a necessidade de se agregar um novo status aos demais previstos por
Jellinek, a saber: o status positivus socialis, na forma a seguir transcrita:
Este nuevo status, que comprende el reconocimiento de los denominados ‘derechos económicos, sociales y culturales, no tiende a absorber o anular la libertad individual, sino a garantizar el pleno desarrollo de la subjetividad humana, que exige conjugar, a un tiempo, sus dimensiones personal y colectiva. Por ello, estos derechos se integran cabalmente en la categoría ovni comprensiva de los derechos fundamentales, a cuya conformación han contribuido decisivamente. (LUÑO, 1988, p.25).
O constitucionalismo moderno vem testemunhando um avanço significativo de
novas categorias de Direitos Fundamentais, chegando a despontar novas dimensões dos
Direitos Fundamentais, como os de quarta e quinta gerações, que tratam da proteção da
identidade genética e da intimidade virtual, respectivamente. Tais reflexões impulsionam o
Constitucionalismo hodierno a ofertar soluções mais condizentes com os novos anseios
vivenciados pela geração atual.
71
3. DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
No constitucionalismo liberal, conforme visto nos capítulos precedentes, os
direitos fundamentais possuem uma dimensão subjetiva e caracteriza-se, exclusivamente,
como direitos de defesa do cidadão contra o Estado, tendo como parâmetro tão somente a
liberdade e a autonomia do indivíduo. Ao Estado cabe, em sua ingerência, a regulação da
liberdade em abstrato, tendo o indivíduo a competência para fixar o modo de sua utilização,
de acordo com o marco estabelecido pelas leis.
As primeiras mudanças na abordagem subjetivista dos direitos fundamentais
começaram a ser observadas com o surgimento da teoria institucional e a teoria da integração.
Em linhas gerais, para a primeira, os direitos fundamentais deixam de apresentar somente uma
dimensão subjetiva e se entremostram, também, como princípios normativos de tipo
institucional, que regulamentam as relações sociais e os fatos materiais em que ditas relações
são válidas. A teoria da constituição como integração exibe a dimensão meramente subjetiva
dos direitos fundamentais, que resta superada, porquanto concebe o Estado em permanente
processo de integração de uma comunidade, de seus valores e sua cultura. Como os direitos
fundamentais fixam os valores principais de uma comunidade e normatizam um sistema de
valores, tornam-se meios determinantes desse processo de integração e criação do Estado.
Ao aprofundar a análise da teoria da integração, ensina Gavara de Cara que, entre
as distintas formas de integração, destacam-se a integração pessoal, a funcional e a material.
A integração pessoal implica em que a integração do Estado se faz por meio de pessoas
72
capazes de criar uma coesão parlamentar que integre não somente os cidadãos ligados aos
governantes, mas a totalidade do povo, de modo a estabelecer a unidade política. As formas
de integração funcional ou processual, esclarece o citado autor, tendem a criar um sentido
coletivo, mediante processos que desenvolvam a substância espiritual da comunidade, que
constitui seu conteúdo objetivo, ou seja, a integração funcional se realiza mediante “procesos
de conformación de la voluntad comunicaría en el sentido de la permanente creación de las
condiciones necesarias para el establecimiento de una comunidad basada en las distintas
voluntades”. (DE CARA, 1994, p. 81).
Por fim, a forma de integração material, assinalada como a mais pertinente, uma
vez que os direitos fundamentais estão incluídos como fatores de seu conteúdo material,
implicando na existência de conteúdos substantivos para a realização do Estado, concebidos
como fins estatais.
Essa nova visão conferiu novos contornos ao estudo dos direitos fundamentais, até
então analisados sempre à luz do princípio da legalidade. A partir desse princípio, os direitos
fundamentais eram considerados, no âmbito de atuação da Administração Pública, como
direitos administrativos especiais. Entretanto, verificou-se que os direitos fundamentais não
poderiam ser estudados como parte do Direito Administrativo, tampouco como parte do
Direito Privado, sendo parte do Direito Constitucional.
A teoria da integração constitui o antecedente mais próximo da concepção
axiológica dos direitos fundamentais, embasando a dimensão objetiva desses direitos. Essa
nova dimensão abre outras possibilidades de utilização dos mesmos, ligadas à legitimação do
Estado e à Hermenêutica, em geral, pois como os direitos fundamentais proclamam um
73
sistema de valores que dão unidade à ordem jurídica, seus efeitos se irradiam por todo esse
ordenamento.
Muito importante no processo de consolidação da concepção objetiva dos direitos
fundamentais foi o advento dos direitos de segunda geração, os quais dominaram o século
XX. Conforme explica Bonavides, os direitos de segunda geração são
[...] os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, depois que geminaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. (BONAVIDES, 2000, p. 518).
A par das teorias acima expostas, outro marco muito importante para o
reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais foi a decisão da Corte
Constitucional alemã, em 1958, no caso Lüth, reconhecendo que cláusulas gerais de Direito
Privado devem ser interpretadas à luz dos valores sobre os quais se assenta a Constituição,
com base nos direitos fundamentais. Ingo Sarlet, ao comentar a decisão mencionada, afirma
que o julgamento da Corte Constitucional alemã deu continuidade a uma tendência que já se
manifestava em outros arestos daquela Corte.
[...] os direitos fundamentais não se limitam à sua função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra os atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. (SARLET, 2001, p. 143).
Böckenförde, ao analisar as mudanças introduzidas pelo novo posicionamento do
Tribunal Constitucional, no citado caso, esclarece que a decisão apresenta uma evidente
estrutura dual, pois, junto aos direitos fundamentais, como direitos subjetivos tradicionais
frente ao poder público, aparecem os direitos fundamentais como normas objetivas, que
74
expressam conteúdo axiológico de validade universal e estabelecem um correlativo sistema de
valores. (BÖCKENFÖRDE, 1993, p. 107).
Desde então, a questão envolvendo a dimensão objetiva dos direitos fundamentais
tornou-se uma das mais debatidas, não só na doutrina e jurisprudência alemãs, como também
em outros países, como é o caso da Espanha.
A objetivação dos direitos fundamentais deu-se sob a égide dos processos de
democratização e socialização, sendo certo que, para a comunidade, a relevância desse
processo não se limita ao reconhecimento de que a liberdade é um valor social e, portanto,
que aos poderes públicos impendem assegurar, além de respeitarem, efetivamente, as
condições de autonomia da vontade individual. Mais além, os direitos fundamentais agora
pressupõem também a solidariedade, a responsabilidade comunitária pelos indivíduos, de
modo a garantir o exercício efetivo de tais direitos.
A despeito do reconhecimento da importância da superação da perspectiva
individualista dos direitos fundamentais, típica do pensamento liberal, algumas críticas
também são lançadas pela doutrina à aceitação incondicional da dimensão objetiva dos ditos
direitos. A seguir, faremos uma análise de ambas as vertentes.
3.1 Ordem de valores e Constituição-prós e contras
Após impor-se sobre uma larga tradição positivista, que na sua versão mais radical
pretendeu um absoluto distanciamento entre Direito e Moral, bem como a visão jusnaturalista
de que ambas as esferas se fundem, baseando-se o Direito em valores universais e
75
transcendentais, desvinculados de qualquer cultura, surge a aceitação da força normativa dos
valores no ordenamento constitucional. Contudo, não são valores relativos a uma moral
imutável e supra-histórica, mas valores que possuem uma dimensão cultural e que se integram
à consciência ético-jurídica de uma comunidade histórica concreta.
Assim, ao se afirmar a aceitação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais,
isso não significa somente que as posições jurídicas subjetivas pressupõem um preceito de
direito objetivo que as preveja. Significa, isso sim, que os direitos fundamentais não podem
ser vistos apenas do ponto de vista dos indivíduos, mas valem juridicamente também do ponto
de vista da comunidade, como valores ou fins consagrados por seus integrantes.
Vieira de Andrade preleciona que, essa dimensão comunitária se expressa sob
duas diferentes perspectivas de vista, a saber: a dimensão objetiva sob a perspectiva ou
dimensão valorativa, que vai integrar o próprio conteúdo de sentido dos direitos fundamentais
e a dimensão objetiva como perspectiva ou dimensão jurídica estrutural, a qual produz
autonomamente, para além das posições jurídicas subjetivas, outros efeitos jurídicos.
(VIEIRA DE ANDRADE, 1987).
Será legítimo afirmar a dimensão objetiva dos direitos fundamentais como
dimensão valorativa, desde que esta seja tomada a partir da noção de responsabilidade social
dos indivíduos e não somente tendo por base a vontade de seus titulares. Não se trata, pois, de
simplesmente negar o caráter absoluto e incondicional dos direitos fundamentais, mas de
admitir-se a possibilidade de condicionamento e “até sua restrição para salvaguarda de
interesses da comunidade ou dos direitos dos outros”. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p.
146).
76
Noutro giro, não se trata também de aceitar uma natureza dupla aos direitos
fundamentais, ou seja, de reconhecer que os direitos são simultaneamente deveres dos
indivíduos por representarem valores coletivos.
Conclui o citado constitucionalista português que a previsão dos direitos implica a
afirmação de valores sociais, e que estes impõem tarefas de responsabilidade estatal, mas isso
não significa que cada direito possua, como reverso, um dever fundamental de seu titular
ativo, com uma instrumentalização dos poderes subjetivos em relação a finalidades sociais e
que “o Estado, através de sua competência para definir o interesse público e vigiar o seu
cumprimento, determine o conteúdo e controle o exercício dos deveres e, por essa via, dos
direitos individuais - Isso seria a destruição da liberdade e da autonomia da pessoa humana”.
(VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 149).
De outra parte, a dimensão objetiva como dimensão jurídica estrutural é definida
como produtora de efeitos jurídicos, os quais, diferentemente da dimensão objetiva enquanto
expressão de valores, ensejam uma visão complementar e suplementar da dimensão subjetiva.
Não é demais lembrar que segundo a concepção da dimensão objetiva enquanto expressão de
valores, os valores comunitários são tidos como contrapostos aos direitos individuais.
No que tange à dimensão objetiva como dimensão jurídica estrutural, alguns
preceitos constitucionais produzem efeitos que não são remetidos integralmente às posições
jurídicas que reconhecem, ou ainda, porque estabelecem deveres e obrigações, sem a
correspondente atribuição de direitos aos indivíduos, daí porque atuam numa dinâmica
complementar e suplementar da dimensão subjetiva. Assim, “a dimensão objectiva, em vez de
77
comprimir, reforça agora a imperatividade dos direitos individuais e alarga a sua influência no
ordenamento jurídico e na vida da sociedade”. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 161).
Na visão do citado autor, em matéria de direitos fundamentais, mais do que aceitar
o direito subjetivo como um mero reflexo do direito objetivo, existe uma autonomização da
dimensão subjetiva, já que toda a disciplina da matéria visa à garantia de valores ligados à
dignidade humana dos indivíduos. Nada obstante, não se trata de representar a dignidade
como um valor abstrato, senão como uma autonomia ética das pessoas humanas concretas, o
que enseja a uma conclusão:
ao predomínio no plano axiológico e funcional de uma (irredutível) dimensão subjectiva há-de naturalmente corresponder, no plano jurídico-estrutural. lugar central da posição jurídica subjectiva. [...] Estas posições subjectivas constituirão, assim, o núcleo de cada preceito ou conjunto de preceitos conexos em matéria de direitos fundamentais: será com base nessas posições, à volta delas e a partir delas que se organiza todo o sistema constitucional de protecção e promoção da dignidade da pessoa humana. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 162).
A concepção dos direitos fundamentais como ancorados em valores provocou
intensas reações. A crítica mais conhecida contra a ordem de valores foi desenvolvida por
Ernest Forsthoff, defensor da concepção liberal dos direitos fundamentais. Este considerava
que uma argumentação com base em valores significava o abandono da positividade do
direito, pois os valores possuem uma dimensão espiritual, e, portanto, sem caráter jurídico,
senão filosófico. Ademais, ressaltou que esse método de interpretação supõe a supressão da
lei constitucional, a insegurança do Direito Constitucional, a desformalização da Constituição
e implica a impossibilidade de controlar o subjetivismo nas sentenças que aplicam e
estabelecem valores, o que poderia levar à tirania dos valores. (FORSTHOFF apud DE
CARA, 1994, p. 84).
78
No Brasil, cumpre destacar a visão crítica de Giselle Cittadino em relação à
concepção dos direitos fundamentais como ordem de valores, pois segundo a autora, essa
visão teleológica dos direitos fundamentais se organiza em torno da concepção de que as
normas, práticas e instituições apenas podem ser justificadas em seus próprios contextos
históricos, e em algumas circunstâncias há um aniquilamento da confiança nas tradições.
Assim é que verdadeiras atrocidades são praticadas sob a roupagem de normalidade,
tornando-se necessário um certo distanciamento reflexivo em relação às tradições que
conformam a identidade da comunidade. Principalmente quando não se pode confiar nas
tradições é possível tomar “os direitos fundamentais como resultado de um processo reflexivo
a partir do qual os indivíduos podem tomar uma certa distância em relação às suas próprias
tradições e aprender a entender a figura do outro a partir de sua própria perspectiva”.
(CITTADINO, 2001, p. 105-106).
Dessa forma, ainda que os direitos fundamentais representem uma idéia normativa
de uma cultura particular, no caso a Europa, tais direitos, afirma a autora, possuem uma
pretensão de universalidade que não se compraz com a idéia de valores enquanto bens
preferidos, inclusive porque os mesmos, ao contrário de representar um eurocentrismo
incompatível com valores culturais distintos, podem ser aplicados em outros contextos e
outras culturas. Nesse sentido, enquanto idéia moral, “os direitos fundamentais podem ser por
todos compartilhados a partir de experiências comuns de violação da integridade e de
ausência de reconhecimento”. (CITTADINO, 2001, p. 105-106). Não se trata aqui de uma
moral objetiva que pressupõe a existência de princípios universais e inalteráveis, mas
historicamente construída, que decorre de uma razão prática, propagada por meio da história.
[...] os direitos fundamentais são normas legitimas de caráter obrigatório e não podem ser vistos como valores que, ao contrário das normas, estabelecem relações de preferência. De outra parte, mesmo na hipótese de um contexto histórico favorável –quando podemos confiar nas tradições – a visão teleológica dos direitos
79
fundamentais, ao considerá-los uma expressão valorativa de seu próprio sistema cultural e, portanto, um bem preferido e compartilhado por todos, parece desconhecer as relações de poder assimétricas presentes nas democracias contemporâneas. Afinal, as intervenções ilegítimas do poder social, engendradas tanto pelos imperativos do poder adminstrativo-burocrático como pelos mecanismos do mercado, constituem, nas sociedades contemporâneas, limites à visão teleológica dos direitos fundamentais [....]. (CITTADINO, 2001, p. 106).
Como adverte Faria, em prefácio ao livro Pluralismo, direito e justiça
distributiva, de Gisele Cittadino, a globalização dos mercados e a internacionalização do
sistema financeiro, com valores como ganhos incessantes de produtividade, acumulação
ilimitada e livre circulação de capitais, contaminaram todas as demais esferas da vida social.
Bem assim, com a ampliação da pobreza e da marginalização, nem mesmo o respeito ao outro
como ser moral é reconhecido, impedindo o reconhecimento dos mesmos direitos e garantias
que cada cidadão reconhece para si. Nesse contexto, com tamanho prevalecimento da lógica
mercantil, os anseios e expectativas formadas ao longo de tensos e conflitivos processos de
construção e reconstrução política, em cujo âmbito o tipo de sociedade corresponde a certa
concepção de moralidade, são sumariamente desqualificados e desconfirmados. (FARIA, in
CITTADINO, 2001, prefácio).
Não obstante, afirma o citado autor que, em reação a todas essas mudanças,
impõe-se a tentativa de retomar o debate ético, retornando-se a questões como o
reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da manutenção das redes sociais, da
atribuição ao poder público da responsabilidade pela equalização de oportunidades, “enfim, as
velhas, porém muitas vezes esquecidas questões de justiça distributiva e do bem comum, que
vinculam Estado e cidadania”. (FARIA, in CITTADINO, 2001, prefácio).
As críticas aqui lançadas, muito embora aparentemente pertinentes, na verdade,
não infirmam a concepção dos direitos fundamentais como ordem de valores, haja vista que é
80
justamente essa retomada do debate ético o cerne da teoria da dimensão objetiva. Esse é o
argumento que justifica a opção do presente estudo pela dimensão objetiva dos direitos
fundamentais, quer na análise da aplicação dos mesmos nas relações entre particulares, quer
na abordagem do princípio da boa-fé objetiva, entendida como a emanação de ato ou atos
prévios condutor(es) da formação de uma expectativa por outrem, passível de correção por
meio judicial.
3.2. Eficácia irradiante dos direitos fundamentais
O reconhecimento da eficácia irradiante dos direitos fundamentais apresenta-se
como uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva dos mesmos,
significando que os valores que os respaldam exercem influência por todo o ordenamento
jurídico, apresentando-se como vetor de interpretação das normas legais e vinculando o
legislador, a administração e o Judiciário. Conforme afirma Daniel Sarmento,
a eficácia irradiante, neste sentido, enseja a humanização da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento da aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substancial e da justiça social, impressas no tecido constitucional. (SARMENTO, 2003, p. 279).
No que concerne à interpretação constitucional e controle de constitucionalidade,
o consectário mais importante da eficácia vinculante dos direitos fundamentais é a
interpretação conforme o direito.
Nesse tipo de interpretação, decorrente do método hermenêutico-concretizador,
reconhece-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, não só sob a
81
perspectiva de sua supremacia hierárquica, ou seja, uma supremacia formal, mas como
parâmetro de controle da constitucionalidade das leis, reconhecida como supremacia material.
Esse método de interpretação torna imprescindível que não se permita que um preceito legal
fique sem qualquer função útil ou acolha critérios e soluções absolutamente contrárias às do
legislador constituinte, significando assim, que as leis é que devem ser interpretadas de acordo
com a Constituição e não o contrário.
Conforme preleciona Bonavides, esse método de interpretação constitucional
decorre da natureza rígida da Constituição, da hierarquia das normas constitucionais e do
caráter de unidade que a ordem jurídica necessariamente ostenta. (BONAVIDES, 2000, p.
474).
Essa hierarquia das normas, aliás, é o meio de atuação da própria Constituição,
que não se restringe a mecanismos de solução de conflitos entre normas dimanadas de
diversas fontes, mas abarca os valores consubstanciados no modelo constitucional vigente.
Assim, o respeito à Constituição, na visão de Pietro Perlingieri, “implica não somente a
observância de certos procedimentos para emanar a norma (infraconstitucional), mas,
também, a necessidade de que o seu conteúdo atenda aos valores presentes (e organizados) na
própria Constituição”. (PERLINGIERI, 1997, p. 10).
Ainda sobre a importância da interpretação conforme a Constituição, ensina Paulo
Ricardo Schier, ao tratar do conceito de filtragem constitucional, que esta toma como ponto
de partida a noção de preeminência normativa da Constituição, expressando a idéia de que
“toda a ordem jurídica deve ser lida à luz da Carta Fundamental e passada pelo seu crivo”
(SCHIER, 1999, p. 145). Destarte, as normas que não se coadunem com os valores
82
constitucionais devem ser eliminadas, e essa aferição de compatibilidade deve ser feita a
partir de três componentes principais: primado da interpretação conforme - impondo a
interpretação das normas infraconstitucionais a partir do sentido mais concordante com a
Constituição; anulação das normas de direito ordinário desconformes com a Constituição,
porquanto inválidas e, em terceiro lugar, o reconhecimento de que as normas constitucionais
aplicam-se diretamente, salvo quando não sejam exeqüíveis por si mesmas,
independentemente da existência de lei ordinária.
A interpretação conforme a Constituição, que teve seu desenvolvimento ligado à
jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, dá-se, para além dos limites da presunção
de constitucionalidade das leis e atos do poder público, quando entre várias possibilidades de
interpretação plausíveis e alternativas, existe alguma que permita compatibilizá-la com a
Constituição. Trata-se da escolha de uma linha de interpretação da norma entre outras tantas
que o texto comportaria, impondo-se seu aproveitamento sempre que possível, de modo a se
buscar uma interpretação que não seja a mais óbvia do dispositivo. Igualmente, a
interpretação conforme a Constituição determina a exclusão da interpretação ou interpretações
que sejam contrárias à Constituição.
Feita uma análise, ainda que perfunctória, da interpretação conforme a
Constituição, cumpre assinalar que a eficácia irradiante dos direitos fundamentais assume
especial importância no Brasil, pois a Constituição de 1988 apresenta-se fortemente marcada
pelos valores de solidariedade e valorização da dignidade da pessoa humana, o que impõe a
releitura da legislação infraconstitucional, muitas vezes editada em contextos diversos, como
é o caso do novel Código Civil, que mesmo vindo a lume sob a égide do citado diploma
83
constitucional, ainda conserva forte influência individualista, patrimonialista e liberal, nem
sempre privilegiando a pessoa humana em suas disposições.
Tal eficácia dos direitos fundamentais manifesta-se, sobretudo, em relação à
aplicação e interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, aspecto
que assume especial relevo na presente pesquisa no que tange à interpretação do princípio da
boa-fé objetiva na legislação civil.
De outra parte, a partir do reconhecimento da eficácia irradiante, tem-se destacado
o processo de constitucionalização do Direito Civil, o que no dizer de Daniel Sarmento,
“representa verdadeira virada copernicana para esse ramo do Direito, ao infiltrá-lo com novos
valores menos individualistas e patrimonialistas e mais voltado para a tutela da personalidade
humana, nas suas múltiplas dimensões”. (SARMENTO, 2003, p. 281). Por fim, releva
destacar a profunda alteração dos limites entre Direito Público e Direito Privado, o que será
analisado a seguir mais detalhadamente.
3.3 Direito público versus direito privado e a constitucionalização do direito
civil
O Direito, como ciência social aplicada que é, deve ser permeável aos influxos das
mudanças sociais, pois viver é conviver e ninguém vive isolado, o que impõe a conclusão de
que a conduta do homem deve compatibilizar-se com a dos demais homens, e isso significa
84
que haverá uma interferência intersubjetiva de condutas. Nessa toada, o Direito surge como
um conjunto de princípios e regras destinados a ordenar a coexistência dos homens,
representando a dimensão normativa da estrutura social. Assim qualquer alteração na
realidade social implica a transformação dessa dimensão normativa e vice-versa.
A definição positivista de que Direito é norma, representando uma disciplina
autônoma em relação à ordem social, há muito não atende aos reclamos da sociedade
contemporânea, estando superada, o que representa profundas mudanças no Direito Civil de
nossos dias. Segundo ensina Luis Edson Fachin (2000):
[...]o jurista, sob pena de omissão e cumplicidade farisaica, deve captar a mensagem para o seu tempo, não lhe cabendo acastelar-se em elucubrações vãs, na ânsia de interpretar fossilizados textos legais, em função de vírgulas ou reticências. Não pode limitar-se a uma postura estática na defesa de uma ordem senil, que não assimila o impacto das exigências sociais. (p. 1).
No mesmo sentido assevera Perlingieri que a afirmação da autonomia da ciência
jurídica em relação à realidade social é herança que ainda pesa sobre os juristas. E que
[...]levou à criação de uma cultura formalista, matriz de uma teoria geral do direito sem
(explícitas) infiltrações de caráter político, econômico, sociológico: como se o direito fosse
imutável, eterno, a-histórico, insensível a qualquer ideologia. (PERLINGIERI, 1997, p. 2).
Não obstante, até agora os civilistas em geral não aceitam sem reservas a
normatividade constitucional como fonte de padrões hermenêuticos passíveis de fundamentar
as novas condições sociais a que se dirige a atuação dos institutos de Direito Privado. Ao
contrário, tende-se a afirmar a separação entre Direito Público e Direito Privado, como
campos normativos que traduzem interesses dicotômicos, tudo isso se refletindo na dogmática
civil clássica, que não apresenta uma abertura para as mudanças ocorridas.
85
A separação entre Direito Público e Direito Privado, que remonta ao Direito
Romano, assumiu para a Escola da Exegese, o caráter de ramos rigidamente separados, pois
segundo essa Escola, os princípios constitucionais equivaleriam a normas políticas, destinadas
ao legislador e, apenas excepcionalmente, ao intérprete das normas de Direito Privado.
Gustavo Tepedino (2000) ressalta que o equívoco de tal concepção, até hoje bastante
difundida,
[...] acaba por relegar a norma constitucional, situada no vértice do sistema a elemento de integração subsidiário, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso da analogia e da regra consuetudinária. (p. 3).
Todavia, a despeito da crítica apresentada, alerta o autor que tal entendimento
apresentava-se consentâneo com a lógica individualista oitocentista, tendo o Código Civil
como referência legislativa exclusiva no âmbito das relações de Direito Privado.
(TEPEDINO, 2000, p. 3).
A vinculação entre as premissas do Estado Liberal e o surgimento das
codificações de Direito Privado é bastante estreita. Como foi visto no capítulo precedente, o
Estado Liberal surge para salvaguardar a liberdade individual frente ao seu maior inimigo,
representado então pelo Estado Absolutista, e isso se traduz na idéia de que o Direito vincula
positivamente o Estado, o qual só pode fazer o que a lei expressamente permite, e
negativamente o cidadão, que pode fazer tudo que não esteja proibido em lei. Um dos
postulados básicos do liberalismo assenta-se na separação entre Estado e sociedade civil,
aquele sem qualquer possibilidade de interferência no jogo das forças sociais.
86
Segundo a concepção liberal, a posição do Estado na economia tem um conteúdo
eminentemente negativo, pois a riqueza e o bem-estar coletivos são o somatório da riqueza e
bem-estar individuais, que, por sua vez, resultam da atividade particular, sem qualquer
intervenção do Estado.
A liberdade, no liberalismo, é considerada uma função social, porquanto atua
como ponto de equilíbrio entre os interesses particulares e o interesse geral, então satisfeito.
Ana Prata, citando Adam Smith, resume essa visão de que a soma dos interesses individuais
leva à satisfação do interesse geral.
o assegurar a liberdade individual garante a racionalização do processo produtivo e distributivo dos bens e da satisfação das necessidades: o empresário livre, que corre o risco da sua actividade por sua conta exclusiva, organizará da melhor forma a sua produção, com base na sua própria experiência e nos seus próprios problemas, pois o interesse em que a empresa funcione em condições ótimas é o seu interesse exclusivo e ninguém melhor que ele é juiz das condições de sua prossecução; o consumidor, por seu lado, é o melhor juiz das suas próprias necessidades, pelo que a procura livre no mercado é o melhor orientador da produção, e, simultaneamente, das condições da oferta, pois, num mercado fluido, cada produtor tem de lutar para colocar os seus produtos a preço sempre mais baixo e com qualidade cada vez maior, sem o que sua produção não será comprada. (PRATA, 1979/80, p. 27).
A partir dessa perspectiva, a sociedade era decomposta em sociedade civil,
definida como o conjunto dos indivíduos privados e o Estado, assim como decomposto era o
ordenamento jurídico, apresentando-se, de um lado o ius privatum, como direito regulador da
sociedade civil e o ius publicum, como direito regulador do Estado.
Essa a explicação segundo Juan Maria Bilbao Ubillos para o fato de ter o Código
Civil se transformado no centro do sistema normativo, “tornando-se a verdadeira carta
constitucional da sociedade autosuficiente” (UBILLOS, 1997, p. 237), ao assegurar a
autonomia da vontade e a liberdade contratual como fontes de regulação da sociedade
privada.
87
Assim, o Direito Privado constituía-se em autêntico baluarte da liberdade, sendo
certo que essa liberdade burguesa não era uma liberdade política, e sim uma esfera de
autonomia sem intromissão do Estado em relação sobretudo à propriedade. Por tal razão
afirmou Konrad Hesse que o Direito Privado regula as relações dos particulares do ponto de
vista da liberdade individual, à margem das relações políticas e das Constituições, concluindo
que “llegó el Derecho Privado a ser el Derecho constitutivo de la sociedad burguesa, junto al
cual el Derecho Constitucional tenia una importancia secundaria”. (HESSE, 1995, p. 38).
Nesse mesmo sentido é a conclusão de Ana Prata ao afirmar que a Constituição
traduzia a forma de organização do poder político, definindo os limites à atividade do Estado,
ao tempo em que garantia os cidadãos contra os abusos daquele, ou seja, “daí que a
Constituição não fosse, não a lei fundamental da ordem jurídica de uma colectividade
politicamente organizada, mas sim e apenas o estatuto da organização política da sociedade”.
(PRATA, 1979/80, p. 33).
O modelo liberal, com sua filosofia abstencionista, de desconsiderar as demandas
de igualdade real, entra em crise, quando a consciência da marginalização se generaliza e essa
população excluída passa a organizar-se politicamente para combater o modelo vigente.
Exatamente sob os influxos do princípio democrático, o Estado passou a intervir ativamente
na ordenação das relações sociais, de modo a que estas se ajustem, na medida do possível, aos
valores consagrados na própria Constituição.
[...] por um lado, concentração de poder na esfera privada do intercâmbio de mercadorias e, por outro, a esfera pública estabelecida, com a sua institucionalizada promessa de acesso a todos, reforçam uma tendência dos economicamente mais fracos: contrapor-se, agora com meios políticos, a quem seja superior graças a posições de mercado.[...] Apoiadas nessa possibilidade formalmente permitida de
88
participação política, as camadas pobres, bem como as classes ameaçadas de pauperização, procuravam conquistar uma influência que deveria compensar politicamente a igualdade de oportunidades que é violada no setor econômico. (HABERMAS, 1984. p. 173).
No que concerne aos direitos fundamentais e o Direito Privado, observa-se que
muitas são as causas que vão gradualmente dando ensejo à intervenção do Estado nas relações
privadas. Primeiramente, passou o Estado a atuar como garante da concorrência do mercado,
o que não conseguiu impedir que este se afastasse do modelo concorrencial e assumisse uma
dimensão monopolista. Tal fato evidenciou que a simples garantia formal de igualdade,
consubstanciada na autonomia individual, não assegurava a realização das necessidades do
homem. Assim, o Estado vai paulatinamente assumindo tarefas de realização do bem estar dos
cidadãos e de garante de valores mínimos da sociedade, à medida que tenta minimizar as
conseqüências que as desigualdades reais acarretam.
É dessa forma, sob os influxos da idéia de igualdade e do princípio democrático,
que a concepção liberal dos direitos fundamentais passa por acentuadas transformações, pois,
ao lado de uma dimensão subjetiva, a qual resguardava o indivíduo contra o abuso do Poder
do Estado, os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, lastreada, como foi
visto anteriormente, na noção de igualdade de todos no uso e fruição de tais direitos. A
democracia passa então a ser uma condição e uma garantia dos direitos fundamentais da
própria liberdade do homem.
Com a mudança do Estado Liberal para o Estado Social de Direito se desmascara
a ficção que vinculava o desfrute da liberdade na esfera social somente à afirmação do
princípio da igualdade jurídica. Segundo Bilbao Ubillos “el Estado no se limita a su funden
tradicional de garante das libertades, asume también el papel de promotor de esas mismas
89
libertades, para que no se conviertan en meras fórmulas vacías y pueden ser disfrutadas por
todos.” (UBILLOS, 1997, p. 264).
Neste ponto assume relevo a relação entre o Direito Constitucional e o Direito
Privado, pois na sociedade industrial organizada como Estado Social multiplicam-se relações
que não podem ser enquadradas nem como Direito Público e nem Direito Privado,
constatando Habermas que após a Primeira Guerra Mundial,
[...]a evolução jurídica também acompanha até certo ponto a evolução social e acarreta o surgimento de uma complicada mistura de tipos que, de inicio, foi registrada sob a rubrica publicização do direito privado, mais tarde aprendeu-se a considerar o mesmo procedimento também sob o ponto de vista imerso, o da privatização do Direito Público: elementos do Direito Público e elementos de Direito Privado se interpenetram até a incognoscibilidade e a indissolubilidade. (HABERMAS, 1984, p. 178).
As mudanças das relações entre o Direito Privado e o Direito Constitucional
expressam uma transformação nas tarefas, na qualidade e nas funções de cada um dos setores
jurídicos. A relação entre ambos os ramos do Direito alterou-se de uma inicial autonomia para
uma complementaridade e dependência. É o que conclui Konrad Hesse (1995):
Sí la valoración precedente de la naturaleza y de las tareas del actual Derecho Constitucional y del actual Derecho Privado es correcta, ambos aparecen como partes necesarias de un orden jurídico unitario que recíprocamente se complementan, se apoyan y se condicionan. En tal ordenamiento integrado, el Derecho Constitucional resulta de importancia decisiva para el Derecho Privado y el Derecho Privado de importancia decisiva para el Derecho Constitucional. (p. 81).
A clássica nitidez caracterizadora da distinção entre Direito Público e Direito
Privado encontra-se hoje arrefecida com a crescente publicização do direito aplicado às
relações interprivadas e uma privatização das normas aplicáveis à atividade do Estado. No
dizer de Ana Prata, a crise de separação entre o Direito Público e o Direito Privado vai além
da simples reorganização de categorias conceituais: “a orientação mais comum é a que se
90
pode reconduzir à fórmula ‘publicização do direito privado’, mas também não falta quem fale
em recontratualização da vida econômica, isto é, numa espécie de reprivatização do direito
público.” (PRATA, 1979/80, p. 52-53).
Não obstante, vale analisar com um pouco mais de detalhamento o que se chama
na doutrina de constitucionalização do Direito Civil. Seria lícito afirmar que, a partir do
processo de objetivação dos direitos fundamentais e do arrefecimento das fronteiras entre o
Direito Privado e o Direito Constitucional, ocorre um processo de publicização do Direito
Civil?
Uma análise da aproximação do Direito Civil e do Direito Constitucional exige,
de início, uma avaliação do conceito de Constituição como norma jurídica, bem como da
importância da normatização dos princípios jurídicos, pois, na lição de Teresa Negreiros,
“parece correto afirmar que a cruzada empreendida no sentido de normatização dos princípios
– pressuposta pelos estudos da doutrina especializada – encontra estreitas conexões com a
consolidação da nova ordem constitucional.” (NEGREIROS, 2001, p. 348).
Registre-se, por oportuno, que a teoria dos princípios teve o importante papel de
flexibilizar a interpretação dos Códigos e da legislação de Direito Privado, textos esses que
pretendiam regulamentar, de maneira exaustiva, as relações de Direito Privado. Todavia, fazer
referência à supremacia da Constituição como ordem de valores é fazer referência aos
princípios. Como resume Gustavo Kloh Muller Neves, além do fato de que os princípios são
fundamentais para uma funcionalização dos institutos jurídicos de Direito Privado.
qualquer bandeira levantada por uma ordem justa em uma sociedade cujos patamares jurídicos contemplem o pluralismo não pode prescindir dos princípios, os
91
quais, metodologicamente, são de todo adequados para a flexibilidade e as quebras necessárias em um sistema que contemple a discordância”. (NEVES, 2002, p. 14).
Segundo Joaquim Arce y Flores-Valdez, a Constituição, tomada em sua base
jurídica, significa uma superação de sua antiga condição de mero documento político, de
origem popular ou comunitária e que se limita a garantir direitos individuais e a separação de
poderes, concepção esta que remonta ao final do Séc. XVIII. A Constituição, de um lado
configura e ordena os poderes por ela construídos e, de outro, estabelece os limites do poder e
o âmbito das liberdades e dos direitos fundamentais. (FLORES-VALDEZ, 1991, p. 22 e
seguintes)
La Constitución, de esta suerte, limitando al poder, reconoce u otorga verdaderos derechos al ciudadano frente a la organización estatal. Y, porque así lo determina, vincula también, además de los poderes públicos, a los propios ciudadanos, erigiéndose, en definitiva, en verdadera norma jurídica de carácter general. Logra, pues, superar una condición meramente política, no ausente pero tampoco exclusiva y, desde luego, compatible con aquella condición normativa. (FLORES-VALDEZ, 1991, p. 23).
A Constituição situa-se, pois, no ápice do ordenamento jurídico, acima, portanto,
das demais normas desse ordenamento, principalmente porque incorpora o sistema de valores
essenciais de convivência da sociedade, que vão nortear e informar a interpretação desse
ordenamento, nos limites estabelecidos pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais,
acima exposta. Sobre o tema afirma Gustavo Tepedino que o legislador contemporâneo deve
valer-se de prescrições que consagrem expressamente valores a serem preservados, princípios
axiológicos com teor normativo e eficácia imediata, levando todas as demais regras do
sistema a serem interpretadas de maneira homogênea e de acordo com um critério
objetivamente definido. (TEPEDINO, 2000, p. 11).
A força normativa dos princípios e a Constituição como um conjunto de regras e
princípios, na esteira do estudo realizado no capítulo 1 é definida por Gomes Canotilho como
92
uma perspectiva teorético-jurídica, tendencialmente principialista do sistema constitucional,
como sistema processual de regras e princípios, assumindo particular importância, não só
porque fornece suportes rigorosos para solucionar certos problemas metódicos, mas porque
permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema.
Concordamos com Gustavo Muller Neves quando este afirma que em uma ordem
constitucional pluralista como a nossa, o papel dos princípios é fundamental para a efetiva
consecução dos objetivos do Estado Democrático de Direito, voltado para a valorização da
pessoa humana e a criação de uma sociedade justa, livre e solidária. E o que se depreende do
excerto a seguir colacionado
[...] é inegável que a renovação e a funcionalização do Direito Civil, voltadas para a valorização da pessoa, e a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, não prescindem da teoria dos princípios como marco teórico, nem da Constituição como repositório primaz destes princípios. Em uma ordem constitucional que admita uma interpretação pluralista e aberta, como a nossa, o conhecimento do papel dos princípios por parte dos operadores do direito é imprescindível. Apenas assim poderemos dar o correto atendimento aos objetivos fundantes de nosso Estado Democrático de Direito, que são compromissórios. amplos, flexíveis e normativos, e, portanto, princípios.” (NEVES, 2002, p. 16).
O reconhecimento dessa força normativa dos princípios constitucionais consolida
a noção de que o Direito Privado só pode ser interpretado à luz dos princípios como o da
solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, entre
outros, os quais foram consagrados na Constituição de 1988, princípios esses que imprimem
novos contornos às situações estritamente patrimoniais prevalentes no Código Civil em
obséquio a situações existenciais, em que o sujeito passa a ser o centro do sistema normativo.
Pietro Perlingieri, em lapidar síntese, exprime o sentimento acerca da necessidade
de mudança na aplicação e interpretação das normas de Direito Privado, baseando-se na
93
realidade de seu país, o que não torna a lição menos oportuna para o caso brasileiro como se
depreende do texto transcrito:
É impossível verificar o que de relevante aconteceu nestes últimos anos na justiça civil e na cultura jurídica, tão condicionadas no nosso país por um desenvolvimento econômico nem sempre apreciável pela qualidade e assim (tão) profundamente diversificado e desequilibrado. Não é suficiente evidenciar a grave diferença entre as garantias formais e potenciais e aquelas que concretamente encontram atuação na jurisprudência vivente, na história de todos os dias, que é sim, história da empresa, dos problemas produtivos, distributivos e financeiros, mas é também história dos desfavorecidos, dos tantos marginalizados, por escolha ou necessidade do ciclo produtivo. [...] É necessário que, com força, a questão moral entendida como efetivo respeito à dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja reposta ao centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a vitória de um direito sem justiça. (PERLINGIERI. 1997, p. 23).
Admite-se, assim, que a Constituição vincula tanto o legislador, ao editar normas
de Direito Privado, como o juiz e os demais órgãos estatais, quer no que tange às relações de
família, quer nas novas concepções acerca da função social do contrato ou da propriedade
privada. A Constituição possui “uma força geradora do Direito Privado”. (FACHEN, 2000,
p. 72).
Nesse processo de aplicação da Constituição nas relações com o Direito Privado,
assume o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1°, III, da Constituição
Federal, um valor central, galgando a posição de “valor-fonte de todos os valores”.
(MARTINS-COSTA, 2002, p. 181).
Quando o tema é o princípio da dignidade da pessoa humana, a doutrina parece
convergir em relação ao reconhecimento de sua posição de supremacia, pois é a dignidade da
pessoa humana o valor supremo para cuja proteção se orienta ideologicamente o sistema
jurídico. E a possibilidade de reconhecimento das diferenças, em nome de um princípio
democrático, deixa de ser um mero sistema político e passa a revestir a própria noção de
94
Estado de Direito, pois este não é somente aquele que cumpre os princípios formais de
legalidade, do equilíbrio entre os poderes e da publicidade. É, antes de tudo, “o Estado que
reconhece e protege o exercício mútuo das liberdades”. (RABENHORST, 2001, p. 47).
Conclui-se sobre a dignidade da pessoa humana e a democracia:
O que caracteriza a democracia é exatamente a falta de fundamentos absolutos (transcendentes e religiosos) e a diversidade de valores. Se existe algum fundamento último para democracia, ele não pode ser outra coisa senão o próprio reconhecimento da dignidade humana. Mas tal dignidade é, ela própria, destituída de qualquer alicerce religioso ou metafísico. Trata-se apenas de um princípio prudencial, sem qualquer conteúdo pré-fixado, ou seja, uma cláusula aberta que assegura a todos os indivíduos o direito à mesma consideração e respeito, mas que depende, para sua concretização, dos próprios julgamentos que esses indivíduos fazem acerca da admissibilidade das diversas formas de manifestação da autonomia humana. Assim concebida, a dignidade humana deixa de ser um conceito descritivo para tornar-se o próprio ethos da moralidade democrática. (RABENHORST. 2001. p. 48-49).
Por fim, cumpre registrar que uma das discussões mais intrigantes advinda da
aceitação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e de sua eficácia irradiante consiste
naquela referente à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois a
depender da corrente doutrinária que se adote, exsurgirá o reconhecimento de uma eficácia
imediata ou mediata desses direitos. Advirta-se, entretanto, que independentemente da
aceitação de uma possível eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações inter-
privadas, interessa-nos, para um posterior cotejo com o princípio da boa-fé objetiva, a
aplicação de tais direitos por intermédio da interpretação das cláusulas abertas, ínsitas na
legislação infraconstitucional.
95
4. O POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE
Importa, de antemão, fazer uma breve digressão da origem e evolução do
postulado da proporcionalidade no Direito Alemão. Até a 2ª guerra mundial, o postulado em
questão só havia atingido as raias do Direito Administrativo, e apenas em suas feições
96
referente à adequação e necessidade, no momento em que se ia avaliar o poder de polícia
administrativa.
Guerra Filho (1999, p.69) atesta a inserção do postulado, para além do exercício da
polícia administrativa:
Em 1955, aparece então a primeira monografia dedicada exclusivamente ao seu
estudo, devida a Rupprecht V. Krauss, ‘der Grundsatz der Verhaltnismäbigkeit (in
seiner Bedeutungfür die Notwendigkeit dês Mittels im Verwaltungsrecht)’, onde já
fez notar a preocupação terminológica, visando distinguir aspectos diversos da
proporcionalidade, sendo ele o primeiro a empregar a expressão ‘princípío da
proporcionalidade’ com a qualificação extra ‘em sentido estrito’. Nota-se, também,
também a intenção do autor de associar o princípio ao estabelecimento do Estado de
Direito e estender ao legislador a vinculação a ele.
Nesta primeira fase, percebe-se já os contornos do postulado em questão, que antes
apenas tinha o sentido de adequação e necessidade, e doravante passou a ter uma terceira
dimensão, a saber, a proporcionalidade stricto sensu, sugerindo que a ele se vinculasse o
Poder Legislativo.
Em 1956, aparece no ‘arquivo de Direito Público’ (Archiv für öffentliches Recht) o
influente ensaio de Dürig, em que defende a tese de haver um sistema de valores
imanente a Lei Fundamental alemã ocidental, cuja justificação última é fornecida pela
imposição de respeito à dignidade da pessoa humana, estabelecida logo na primeira
frase do art. 1º. Seria por intermédio dela que se incluiria o princípio da
proporcionalidade no plano constitucional, para ser observado em qualquer medida do
Estado (GUERRA FILHO, 1999, P.69).
97
Vê-se, nesta segunda fase, a inserção do postulado da proporcionalidade, na
ambiência constitucional. Ainda Guerra Filho fala de uma terceira fase, por meio da obra de
Peter Lecher, ”na qual fica definitivamente consagrada a distinção desses dois aspectos da
proporcionalidade, bem como a denominação de ‘princípio da exigibilidade’ para distinguir
da proporcionalidade em sentido estrito”(1999,p.69-70).
Neste ensaio Lecher, eleva a proporcionalidade ao nível do Direito Constitucional,
vinculando definitivamente o Poder Legislativo. Philippe (apud Bonavides, 2000, p.356)
afirma que “há princípios mais fáceis de compreender do que definir. A proporcionalidade
entra na categoria desses princípios”. Nesta discussão se percebe, a confusão terminológica
que rodeia o postulado, aqui enquadrado como princípio que possui certa complexidade, na
atividade de definir.
A partir do caráter finalístico do Direito, Feliz Ermacora apud Bonavides (2000,
p.358). afirma:
Do caráter teleológico do Direito, infere ele também a questão instrumental; de modo
que fim e meio, em razão da regra jurídica, se acham numa conexão normativa e
também numa relação sistemática, determinada pelo conjunto do Direito e da
Sociedade. Só a reflexão filosófica fundamenta a proporcionalidade na relação meio e
fim em ordem a que se possa determinar se tal exigência conduzirá a uma princípio
geral do Direito cristalizado na máxima da proporcionalidade.
Após a inserção da proporcionalidade no Direito Constitucional, ele ganha
importância quando passa a solucionar colisão de direitos fundamentais. A questão da
limitação das liberdades é tratada por Bonavides (2000):
98
[...] protegendo, pois, a liberdade, ou seja, amparando direitos fundamentais, o
princípio da proporcionalidade entende principalmente, como disse Zimmerli, com o
problema da limitação do poder legítimo, devendo fornecer o critério das limitações à
liberdade individual. (p.359)
Aqui ele é alçado a condição de limite do poder estatal em relação às limitações de
direitos fundamentais individuais, passando a abarcar a proporcionalidade, a segunda e
terceira gerações, expressões maiores do caráter objetivo dos direitos fundamentais.
Mediante o postulado da proporcionalidade surgiu uma teoria dos efeitos
recíprocos, onde quando se tem um direito fundamental que se confronta com uma lei geral,
esta lei limita o direito fundamental, mas concomitantemente, é interpretada à luz deste
direito.
Sem embargo, da discordância, porquanto a proporcionalidade não é princípio,
observemos o magistério de Bonavides (2000, p.396), in verbis:
O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso
ordenamento jurídico constitucional, embora ainda não haja sido formulado como
‘norma jurídica global’, flui do espírito que anima em toda a sua extensão e
profundidade o § 2º do art. 5º -, o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos
direitos e garantias fundamentais, a saber, aqueles direitos e garantias cujo
fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de
Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da
Constituição.
99
O postulado da proporcionalidade não se confunde com a igualdade, pois pode
inclusive resolver conflito envolvendo a igualdade e a liberdade, por exemplo.
Em suas mais variadas funções, vimos que o postulado da proporcionalidade só se
aplica a uma relação de causalidade entre meio e fim, onde se procede aos exames da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Neste sentido, ele estrutura a
aplicação de normas de direitos fundamental, que se entrelaçam, em torno de um nexo de
causalidade entre meio e fim.
Passemos ao estudo da adequação, onde Ávila (2004, p.98) afirma, que “(...) a
adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do
fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não ele próprio) possa
contribuir para a promoção gradual do fim”.
Urge também discorrer sobre a aptidão para gerar efeitos, o melhor, sobre a
eficácia; a instância de validade social das normas jurídicas. Percebe-se claramente que, para
a adequação, não é o meio em si o importante, mas a aptidão dele para gerar como efeito a
promoção do fim.
Importa dizer que, ao exame de adequação, o juiz só deverá decretar a invalidade
do ato administrativo, se houver manifesta incompatibilidade entre o ato administrativo
(meio) e o fim (interesse público a ser perseguido), caso contrário, ficaria difícil para o Estado
fazer justiça no caso concreto.
100
Pela exigibilidade ou necessidade, examina o magistrado, se o meio eleito pelo
poder público, no cotejo com outros meios, é aquele que menos restrinja direitos
fundamentais de coletividades ou mesmo de indivíduos. Ávila (2004) demonstra preocupação,
quanto ao exame da necessidade, senão, vejamos:
[...] quando são comparados meios cuja intensidade de promoção do fim é a mesma,
só variando o grau de restrição, fica fácil escolher o meio menos restritivo. Os
problemas começam, porém, quando os meios são diferentes não só no grau de
restrição dos direitos fundamentais, mas também no grau de promoção da finalidade.
Como escolher entre um meio que restringe pouco um direito fundamental mas, em
contrapartida, promove pouco o fim, e um meio que promove bastante um fim, mas
em compensação, causa muita restrição a um direito fundamental? A ponderação
entre o grau de restrição e o grau de promoção é inafastável. Daí a necessidade de que
o processo de ponderação, como já foi afirmado, envolva o esclarecimento do que
está sendo objeto de ponderação, da ponderação propriamente dita e da reconstrução
posterior da ponderação. (p.102)
Por fim, a proporcionalidade propriamente dita envolve contabilização de
benefícios, comparando entre a importância da realização do fim (interesse público) e a
intensidade da restrição de direitos fundamentais, onde efetivamente ocorre a ponderação de
bens.
Impõe-se considerações do postulado de razoabilidade, já que a doutrina e
jurisprudência, por vezes, confunde-o com a proporcionalidade, ou mesmo consideram-no
sub-princípio da razoabilidade, como Moreira Neto (1998, p.69), que afirma que “a
desproporcionalidade agride a razoabilidade”
101
Vale reafirmar que os postulados estruturam a aplicação de normas jurídicas. A
razoabilidade, enquanto postulado, possui três acepções, no magistério de Ávila (2004,
p.103):
Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas
gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva
a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em
virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a
razoabilidade é empregada como uma diretriz que exige uma vinculação das normas
jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de
um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma
relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro,
a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre
duas grandezas.
Um exemplo elucidará a primeira acepção, intitulada razoabilidade por equidade.
Um Defensor Público interpôs uma ação autônoma de impugnação, a saber, o habeas corpus,
em favor de um cidadão naquele dia preso, fazendo-o em papel, cujo timbre era da Secretaria
de Estado de Administração, que gentilmente estava, naquela ocasião, repassando material de
expediente para a Defensoria Pública.
O Magistrado, com formação estritamente jurídica, exigiu que fosse comprovada a
condição de Defensor Público, do subscritor, quer por juntada do título de nomeação para o
cargo, quer por documento emitido pelo Defensor Público Geral. Também foi alegada a
ausência de mandato, a questão foi levada a julgamento, onde se decidiu ser postura razoável
presumir a existência de mandato quando o Defensor Público possui mandato, decorrente da
lei.
102
Na interpretação/aplicação das normas legais deve-se presumir o que ocorre na
normalidade, e não aquilo que se passa esporadicamente. O fato de alguém se apresentar
como Defensor Público, sem que seja titular deste cargo, não é algo normal; razão pela qual, o
Habeas Corpus foi conhecido e posteriormente provido, em razão de sua ineficácia, por apego
a forma, afetar diretamente o direito fundamental a ampla defesa.
Neste caso, o postulado da razoabilidade atua como meio para determinar que as
circunstâncias do caso concreto presumem-se dentro da normalidade. Tal postulado atua na
interpretação dos fatos descritos no texto normativo.
Aqui, claramente, percebe-se que uma interpretação que levasse em consideração
o excepcional, feriria o princípio do due process of law, tido por Rocha (1995, p.34). “fórmula
de síntese para designar o modelo essencial de atuação do Judiciário, no exercício da
jurisdição. Caracteriza-se por oferecer certas garantias as partes de tal modo que possam
expor e defender, com maior liberdade, suas pretensões e respectivos fundamentos.”
Neste sentido, o devido processo legal é garantia fundamental a proteger o cidadão
contra excessos do administrador, que levou a cabo processo administrativo injusto; e contra o
juiz, que tenha sentenciado de modo abusivo.
Nesta acepção, a razoabilidade exige ainda a consideração das peculiaridades do
caso concreto, quando ele é menosprezado pela generalização e abstração da lei. Determinado
cidadão, e.g., de condição financeira paupérrima, foi condenado pela ‘boca da lei’, por crime
de abandono material, ao não ter provido o sustento de seu filho, encontrado em sua casa, pela
103
polícia sujo, seminu e em avançado estado de desnutrição. O cidadão, pai da criança também
era desnutrido e suas roupas mal cobria as suas “vergonhas”, comprovadamente um produto
do neoliberalismo, vinha buscando emprego, e por não ter nenhuma instrução, nada
conseguia, e o pouco que tinha, dado pela solidariedade dos vizinhos, partilhava com a mulher
e o raquítico rebento. O juiz alegou conhecer a situação de penúria do réu, mas ao fim,
utilizou o brocardo dura lex, sed lex, condenando-o, para que sirva de exemplo para os outros.
Em grau de recurso, interposto pela Defensoria Pública a sentença foi, in totum, reformada
absolvendo o infeliz homem, entendendo desarrazoada a decisão de 1º grau de jurisdição.
Aqui a norma penal incidiu, mas não deveria ser aplicada, pois o caso individual
impossibilitava a que o cidadão provesse, satisfatoriamente, o sustento de seu filho. Na
hipótese a razoabilidade é utilizada para demonstrar que a incidência da norma, embora
condição necessária, não é suficiente para que seja aplicada. Acresça-se que para a efetiva
aplicação, não deveria incidir a razão motivadora prevista na própria regra, ou a existência de
princípio de hierarquia superior que institua uma razão contrária, no caso o princípio da
justiça. É dizer, com Ávila (2004, p.106), que “a razoabilidade atua na interpretação das
regras gerais como decorrência do princípio da justiça (preâmbulo e art. 3º da CF)”
A segunda acepção do postulado em questão, a saber, a razoabilidade como
congruência, requer a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação,
quer exigindo um suporte empírico existente, quer exigindo uma relação congruente entre o
critério de diferenciação eleito e a medida adotada. A interpretação das normas exige o cotejo
com as condições externas a ela.
[...]os princípios constitucionais do Estado de Direito(art. 1º) e do devido processo
legal(art. 5º, LIV) impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão dos
104
procedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade é violar os
princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.
A derradeira acepção da razoabilidade é o postulado como equivalência, onde se
exige uma relação de equivalência entre a medida adotada o critério que a dimensiona. Neste
sentido, por força do Código Penal Brasileiro, a dosimetria da pena deve observar a
culpabilidade do réu; de modo que esta é critério para fixação da pena-base; de que é razoável
a absolvição de um cidadão, com participação ínfima, em um crime de pequeno potencial
ofensivo.
A aplicação da proporcionalidade exige um nexo causal entre meio e fim;
Entretanto, o postulado da razoabilidade não se refere a um nexo de causalidade entre meio e
fim. Na razoabilidade como dever de equidade, harmonizando a norma geral com o caso
individual, vimos que os princípios de hierarquia superior impõem verticalmente dada
interpretação; de modo que não há entrelaçamento de princípios de mesma hierarquia, nem
nexo causal entre meio e fim.
Note-se que aqui não se analisa nexo entre meio e fim, mas entre critério e medida,
Ávila (2004, p.111) comenta a diferença:
“Com efeito, o postulado da proporcionalidade pressupõe a relação de causalidade
entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim).
Adotando-se o meio, promove-se o fim: o meio leva ao fim. Já na utilização da
razoabilidade como exigência de congruência entre o critério de diferenciação
escolhido e a medida adotada há uma relação entre uma qualidade e uma medida
adotada: uma qualidade não leva à medida, mas é critério intrínseco a ela”.
105
Quanto à razoabilidade como dever de equivalência entre duas grandezas, de modo similar ao
dever de congruência, requer uma equiparação entre medida adotada e o critério que a
dimensiona, e não entre meio e fim.
5. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
A discricionariedade administrativa vem do primeiro Estado de Direito, intitulado
por Bonavides de Estado Constitucional da separação de poderes, onde sob a influência da
escola exegética, tínhamos a confusão do direito com a lei, havendo uma total identidade
entre o texto normativo e a norma jurídica, ao ponto de se dizer, no ensino jurídico que “não
se ensinava o direito civil, mas o código de Napoleão”.
106
Naquela ocasião e ainda hoje, com certo tempero, os atos administrativos são
praticados em sua maioria pelo Poder Executivo, com grande incidência discricionária, no
sentido de que o Administrador Público não sofria, por parte do Poder Judiciário, qualquer
reexame, que não fosse sobre a competência e a forma do ato.
Naquela ocasião, os princípios gerais do direito eram apenas formas de colmatação
do ordenamento jurídico, tais como a analogia e os costumes. Eram eles ratio legis, jamais
legis. Aqui ocorria a discricionariedade plena, funcionando como uma barreira intransponível,
onde o Poder Judiciário não deveria reexaminar o ato administrativo.
Neste primeiro Estado Constitucional, embora o poder fosse uno, condensado na
soberania popular, havia uma divisão de trabalho entre os diversos órgãos estatais, com o fim
de evitar que a concentração do exercício do poder gerada pela monarquia de outrora
propiciasse a corrupção.
O receio de um retorno a absolutização do exercício do poder levou a burguesia
emergente a tornar a separação de funções estatais praticamente absoluta, tornando-se esta
uma forma de proteção das liberdades públicas. Rocha (1995, p.62) afirma que ela “É, pois,
uma garantia específica dos direitos fundamentais contra investidas do Estado enquanto tal,
ou seja, do Estado encarado como categoria unitária.”.
Com a evolução do Estado liberal, e percebendo que insindicabilidade dos atos
administrativos, manejados com discricionariedade, produziam injustiças, evolui o Estado
para uma concepção socializante, onde já se discutia os limites da discricionariedade em face
dos prejuízos causados à direitos fundamentais individuais, sobretudo das classes populares
107
Era o início da superação dos Estados Constitucionais da Separação de poderes,
pelo novo Estado Constitucional dos Direito Fundamentais. De uma concepção absenteísta,
onde o Estado liberal, em regra, deixava a sociedade se conformar, por entender que seus
membros resolveriam seus conflitos, sem intervenção estatal, passou-se a um Estado, onde os
direitos fundamentais, não se cingiam às liberdade públicas e aos direitos políticos, mas
também adquiriram um caráter prestacional.
O Estado passou a intervir na sociedade, prestando serviços públicos, tais como
saúde, educação, cultura, desporto, assistência jurídica aos hipossuficientes, ou mesmo,
através de legislação sobre a proteção do trabalho e do trabalhador, além de incentivar a
manutenção e a geração de emprego e renda.
A igualdade, que outrora era apenas formal, passa a adquirir os contornos de uma
igualdade material, deixando de ser apenas perante a lei, para ser “na lei”, no sentido de que o
legislador também tinha que observar, critérios até discriminatórios, para reequilibrar as
relações em uma sociedade de massas, cada vez mais heterogênea, por via de conseqüência,
desigual.
Em tal modelo, um tema recorrente na história mundial se sobressai, a
preocupação, não apenas com o apego a legalidade estrita, mas também o apego a justiça, não
aquele justiça formal, mas uma justiça substancial, preocupada com as mudanças sociais, daí
intitulado de justiça social.
108
Neste diapasão os princípios gerais do direito adquirem o status de princípios
constitucionais, sendo este fenômeno acompanhado durante a segunda metade do século XX,
por praticamente todos os Estados europeus e americanos.
Com a constitucionalização dos princípios, surge o debate em torno do fato de
serem eles também norma jurídica, debate superado no mundo hodierno, pois tendo em conta
que a Constituição representa a expressão maior da normatividade estatal, não se poderia
dizer que, de seus dispositivos, não se produziriam normas jurídicas, logo se conclui que
passam os princípios jurídicos ao status de legis, sem também, em outra conotação, deixar de
ser ratio legis.
Tal irrupção chegou à esfera do direito administrativo, atingindo a
discricionariedade, de forma que, a partir de então, passou-se a postular que os atos
administrativos, não apenas se cingem ao controle de legalidade, mas também a um controle
jurídico, de modo que o ato administrativo passou a sofrer um controle, através dos princípios,
sobretudo aqueles, explícita ou implicitamente, constitucionais.
Esta mudança de perspectiva deve seguir a uma igual mudança por parte dos
juízes, principalmente o magistrado brasileiro, do momento constitucional da atualidade, que
não deve se apegar a separação absoluta de funções estatais, mas considerando que o poder é
uno, com titularidade no povo, relativizá-la, de modo a examinar profundamente o ato
administrativo, até os limites de seu mérito.
Rocha (apud Morais, 1999, p.23), afirma que “O administrador público submete-
se não apenas a lei, mas ao direito, e este pode ser instrumentalizado por outros meios que não
109
a lei formal.” Neste sentido, Rocha defende a substituição do princípio da legalidade estrita
pelo princípio da juridicidade, no controle dos atos administrativos, sendo, que além dos
demais princípios jurídicos positivados, entende que a legalidade administrativa está inserida
neste princípio mais abrangente.
Não resta dúvida de que o princípio da juridicidade amplia significativamente o
espectro de atuação da jurisdição relativo aos atos administrativos, de modo que a partir de
então, não seria mais adequada falar de duas áreas distintas, uma vinculada à lei e outra livre,
por ser discricionária.
Doravante, tratar-se-á de uma área passiva de reexame por parte do Poder
Judiciário, e outra não sujeita a uma revisitação por parte do deste Poder. Ao analisar-se os
textos de lei, confrontando-os com a Constituição, no cotejo dos casos concretos,
cotidianamente, decididos pela administração pública, perceber-se-á que não há ato
plenamente discricionário e nem plenamente vinculado, posto que a mutante sociedade induz
a que a linguagem constitucional e infraconstitucional dos textos traduza sentidos
inesgotáveis.
Falcão (2000, p.38) sustenta que “o sentido é livre porque o palco de sua criação é
o pensamento, que também o é por excelência. E é inesgotável por ser livre. (...) O
pensamento é desse modo, livre, em essência. Se algum limite se lhe puser, é a limitação pelo
rumo, pela teleologia”.
Apesar de advogar a tese de que existe o princípio da inesgotabilidade dos
sentidos, Falcão não quer dizer, que qualquer sentido que, por exemplo, o administrador
110
entenda ser adequado o será, posto que ele deve observar, ainda que operacionalizando textos
que contenham conceitos indeterminados, deve ele fazê-lo, com vistas ao princípio da
juridicidade, que engloba tanto o princípio da legalidade como os demais princípios
positivados.
De tudo se pode perceber que não há atos discricionários, apenas
discricionariedade em alguns elementos do ato administrativo, a saber, os motivos e o objeto,
porquanto que o fim é o interesse público especificado na Constituição e nas leis, portanto é
vinculado.
Embora seja a discricionariedade traduzida numa escolha, esta, necessariamente
sofrerá o influxo de parâmetros, de modo que escolha não limitada pela juridicidade é
exercício abusivo do poder estatal, é arbitrariedade.
Segundo Moraes (1999, p.38), a escolha parametrizada distingue-se, de modo que
“a aplicação de parâmetros contidos nas regras jurídicas distingue-se daquelas concernentes
aos princípios. Na primeira hipótese, verifica-se se há conformidade entre o ato administrativo
e as regras, na segunda, se há compatibilidade do ato com os princípios jurídicos.”
Os textos constitucional e legal encerram, em regra, textura aberta, seja por opção
do legislador, que entendeu de deixar à prudência dos administradores públicos, a atividade
criativa de complementá-lo, seja porque não há como prever todas as situações que venham a
ocorrer, que tornam os sentidos deles extraídos inesgotáveis.
111
Tal abertura, tanto pode surgir da previsão não completa dos pressupostos
necessários a decisão administrativa, intitulada discricionariedade quanto aos pressupostos;
quanto à determinação apenas parcial dos efeitos a serem produzidos com o ato
administrativo, chamada de discricionariedade de efeitos.
Há discricionariedade relativa aos pressupostos quando se acresce aos
pressupostos já previstos, outros tantos indispensáveis para determinar o conteúdo do ato
administrativo.
Utilizando-se a linguagem de Germana Moraes (1999, pp.39-41), quanto à
discricionariedade de efeitos, percebe-se que ela se subdivide em discricionariedade de
decisão, de escolha optativa e de escolha criativa.
A primeira ocorre quando o texto normativo possibilita praticar ou não o ato
administrativo. Já na discricionariedade de escolha optativa se deve escolher entre limitadas
opções, aquela dentre todas que seja mais conveniente e oportuna.
Quanto à discricionariedade de escolha integrativa, deve o administrador público
encobrir os efeitos jurídicos descritos de forma extremante genérica pelo legislador, havendo
aqui maior criatividade do administrador público, e portanto maior discricionariedade de
efeitos.
Nesta última hipótese vislumbram, com mais nitidez, a presença das normas que
delegam ao administrador público e ao magistrado, este em última instância, a função de dizer
112
o direito, ampliando os poderes do juiz. São elas as normas contratadas, que são fruto de
acordo entre forças políticas antagônicas, quando inexiste maiorias parlamentares.
Tal fenômeno ocorre no Brasil também, onde se verifica uma tendência de maior
representatividade popular no Congresso Nacional, evitando que haja maiorias qualificadas
por parte da classe empresarial.
Rentería (2002, p.410) tratando das normas contratadas, afirma que:
Dentro del área de significado que aqui se propone se coloca, a mi parecer, el
sentido de discrecionalidad que se suele llamar ‘intencional’, por cuanto que se
origina de opciones precisas tomadas por el legislador de manera, precisamente,
intencional, por ejemplo, dejando em manos de los jueces la posibilidad de elegir
entre um determinado tipo de sanción o bien entre um limite mínimo y uno máximo de
pena.
Como o sentido advindo do texto normativo é inesgotável, ainda que fazendo uma
escolha parametrizada pela direito, restará, em regra, uma valoração administrativa e no
reexame uma valoração judicial, baseada outros parâmetros, que transcende ao texto
constitucional e legal, daí entendermos que esta escolha é baseada em parâmetros não
positivados, que comumente é chamado de mérito do ato administrativo.
O mérito do ato administrativo é o seu núcleo, que por transcender ao campo da
juridicidade é um núcleo político, e como tal, não deve sofrer influxo de controle judicial.
Consiste o mérito do ato administrativo, após a observância do direito, nas regras de boa
administração, traduzida na conveniência e na oportunidade, conferida com exclusividade a
113
administração pública, sopesar fatos e decidir como e quando decidir em relação a tais
acontecimentos do mundo real.
Em outras palavras, Moraes (1999, p.44) afirma que mérito “consiste, pois, nos
processos de valoração e de complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato
administrativo não parametrizados por regras, nem por princípios, mas por critérios não
positivados.”.
Analisando o que vem a ser o núcleo do ato administrativo, vale conceituar
discricionariedade administrativa, com Melo (1996), para quem, ela é:
[...]a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo
critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos
cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução
mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das
expressões da lei, ou da liberdade conferida pelo mandamento, dela não se possa
extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente. (p.48)
Percebe-se, pelo conceito de Melo, que ele entende que além da discricionariedade
quanto aos pressupostos e quanto aos efeitos, há uma discricionariedade de fins. Cita o autor,
como exemplo, uma norma que determine que sejam expulsas do cinema as pessoas que se
portarem indecorosamente, a fim de proteger a moralidade pública.
Di Pietro (2001, p.117), comentando o exemplo afirma:
Também neste caso remanesce certa discrição para o administrador, porque além de
toda interpretação possível restará, afinal, um campo nebuloso onde não há como
114
desvendar um significado milimetricamente demarcado para os conceitos práticos.
Ele[Celso Antônio Bandeira de Melo] cita ensinamentos de Gonçalves Pereira de que
‘a discricionariedade começa onde acaba a interpretação...reduzir a discricionariedade
à simples formulação de um juízo é afinal negar o próprio poder discricionário,
reconduzir todo o poder à vinculação e pôr-se em contradição com o direito positivo.
Vale dizer que a discricionariedade é maior no texto normativo do que no cotejo
dele com o caso concreto, onde incide a argumentação jurídica, com a adequação dos
pressupostos fáticos com os motivo legais, a fim de que se chegue a uma decisão
administrativa.
Os fatos irão compor novo balizamento limitando a discricionariedade, chegando
ao ponto de suprimi-la plenamente. É que, embora os sentidos extraídos dos textos normativos
sejam inesgotáveis, não se admite interpretação/aplicação que vise interesses espúrios, de
modo que a perseguição do interesse público sempre subsistirá, ainda que ele esteja apenas
implícito no texto.
Com o escopo de evitar os abusos do administrador público, criou-se a teoria da
redução da discricionariedade a zero, a qual consiste em interpretar e aplicar os textos
normativos, de modo a tentar reduzir a decisão do administrador a uma só, relativo àquele
caso concreto.
Caso seja possível, uma única solução para a hipótese vertente, o juiz deverá
passar de um controle meramente negativo, consistente apenas na declaração de nulidade do
ato administrativo, para um controle positivo, onde o Magistrado, além de considerar nulo o
115
referido ato, deve determinar à administração pública, a adoção de uma única opção que deve
seguir em substituição ao ato guerreado.
Numa frase, a conveniência e oportunidade, na prática do ato administrativo nem
sempre estará presente, mais será o resultado do exercício da discricionariedade. Vale lembrar
que os conceitos verdadeiramente indeterminados, ditos de prognose, ou melhor, conceitos
cujo preenchimento de sentido requer uma avaliação pró-futuro, não são conceitos
discricionários, pelo fato de não encerrarem um conflito axiológico, um sopesamento de
interesses que concorrem, observando-se o interesse público eleito pelo texto normativo.
Entende Morais (1999, p.106) que “os princípios da publicidade, impessoalidade,
moralidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade viabilizaram o controle judicial no
domínio de atuação administrativa não vinculada, que abrange a discricionariedade
administrativa e a valoração dos conceitos verdadeiramente indeterminados.”
Discordamos da autora, por entender que, nem a razoabilidade nem a
proporcionalidade são princípios, mas postulados, embora estruturem aplicação dos referidos
princípios, além daqueles que só implicitamente decorrem do texto constitucional, tal como a
boa fé e a proibição do abuso de poder.
Cingir-nos-emos a proporcionalidade, a fim de explicar como ela estrutura a
aplicação de tais princípios em colisão, quando de um ato administrativo, que invade direitos
fundamentais individuais.
116
Na verdade, sendo a proporcionalidade uma metanorma, só reflexamente ela é
inobservada, já que quando não se toma uma medida administrativa desproporcional, lato
sensu, na verdade, o administrador, enquanto intérprete/aplicador, inobservou, diretamente, o
princípio ou a regra jurídica que tal postulado estrutura a aplicação, e nisto inobservou a
Constituição.
5.1 Legitimidade e discricionariedade
Em um Estado Democrático de Direito temos uma dimensão ético-política,
correspondendo a legitimidade e outra ético-jurídica, correspondendo a legalidade. A
legitimidade existiu, desde o momento em que o homem passou a viver gregariamente, pois
mesmo antes da concepção de Estado moderno, havia a crença da sociedade primitiva, de que
seus líderes eram os mais convenientes para a condução de seus destinos; de modo que a
legitimidade precedeu a legalidade.
Desta forma, a legalidade, enquanto criação do estado liberal surgiu a após a
legitimidade; embora a positivação de normas voltadas para atender os anseios da vontade
geral, tornava a legalidade uma objetivação da legitimidade. Não foi o que aconteceu com o
Estado liberal, que sob a falsa afirmação de que as leis serviriam a todos, passou a servir
apenas a classe burguesa.
Como o poder ilegítimo, por si só fenece, ocorreu a “revolta dos fatos contra os
códigos” e o Estado passou a ser prestacional, obtendo uma maior aproximação do consenso,
era o surgimento do Estado Constitucional dos direitos fundamentais.
117
Não é demais relembrar que há uma relação inversamente proporcional entre
legitimidade e coerção; na medida em que em regimes políticos de alto nível de consenso,
portanto mais legítimos, o nível de coerção é mínimo, pois o uso da força passa a ser um
aspecto secundário quando se observam os direitos fundamentais dos indivíduos e das
coletividades.
O conceito de interesse público passa pela relação entre legitimidade e legalidade.
Neste diapasão, Moreira Neto afirma que “o interesse público, antes ou depois de legislado, é
sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse público legislado alça-se ao padrão de
legalidade”(1998:14)
Aqui só se pode concordar com o autor, se ele conceber uma legalidade lato sensu,
no sentido de campo de juridicidade, porquanto o direito por princípios também é fonte de
legitimidade, sobretudo os princípios extraídos do texto constitucional.
Melhor seria, então, tratarmos não de princípio da legalidade, mas de princípio da
constitucionalidade. Mesmo ampliando a legitimidade objetivada pelo princípio da
constitucionalidade, remanesceria um resíduo de legitimidade que não fora positivada, e no
remanescente que autores administrativistas entendem que se forma um núcleo político do ato
administrativo, que não deveria o juiz adentrar, sob pena de ferir a separação de poderes.
Pelo que foi dito, já se pode conceituar interesse público, de acordo com Moreira
Neto, como “interesses coletivos gerais que a sociedade comete ao Estado, para que ele os
satisfaça, através de ação politicamente embasada ou através de ação jurídica politicamente
118
fundada” (1998:13); tomando a ação política como ato de dizer o direito, e como a ação
jurídica como a execução de atos administrativos e atos jurisdicionais .
Olvidou-se o autor de considerar que além dos interesses coletivos, não se pode
deixar de observar os direitos fundamentais individuais, que participam, ainda que
parcialmente dos interesses públicos, como veremos mais adiante.
Entregando ao Estado a realização de seus interesses, a sociedade perde a sua
liberdade natural e ganha segurança. Desta maneira o Estado, impondo a sociedade uma nova
liberdade intitulada jurídica, como não é titular do poder, mas de seu exercício, não pode
também ter liberdade fora do ordenamento jurídico.
Até mesmo o poder constituinte originário, que não tem limitações jurídicas,
encontra-se preso a observância da legitimidade, não devendo ignorar os consensos sociais
que traduzem o interesse público de um dado povo.
Quem não aprendeu esta lição básica, viu a Constituição “folha de papel” declinar
ante a força normativa dos fatos, seja por uma revolução, seja por uma mutação
constitucional.
O lamentável é que em Estados periféricos, onde a maioria parlamentar encontra-
se com a classe empresarial nacional e transnacional, o interesse público positivado afasta-se
da legitimidade, pois passa a responder por interesses de uma coletividade mínima; gerando
baixo consenso, daí o tão propalado autoritarismo que José de Albuquerque Rocha denuncia
nos Estado periféricos.
119
Sendo a função legislativa aquela que busca atuar primariamente, na positivação
de interesses públicos, enquanto a administração e o judiciário são modos derivados de
atuação estatal.
O gestor público observando que ocorrem distorções no momento de objetivar a
legitimidade, através da lei, deve observar a legalidade estrita, de forma imediata; mas
também o interesse público previsto na Constituição, posto que, de forma mediata, deve sua
conduta deve ser legítima, transcendendo a legalidade.
O magistrado, através da função jurisdicional, ao rever o ato administrativo, deve
observar o princípio da legalidade em seu sentido amplo, englobando todo o campo da
juridicidade, para julgar se o ato atendeu ou não o interesse público, e neste sentido a sua
legitimidade se extrai da constitucionalidade.
O controle de legitimidade só pode ser feito pelo judiciário, quando os fins a que
se busca com o ato administrativo, esteja dentro do campo de juridicidade.
Moreira Neto conclui que “aquilo que o judiciário pode controlar no ato
discricionário não é, diretamente, a sua legitimidade, ou seja, não é o mérito do ato
administrativo, mas a sua legalidade, à qual estarão sempre vinculados todos os atos da
administração, expressada na finalidade.” (1998, p.28-29)
Na verdade, o juiz não deve controlar a discricionariedade, mas o resultado da
mesma, ou seja, as regras da boa administração, traduzidas pela conveniência e oportunidade
120
de sua prática. Em suma, o mérito do ato administrativo é o núcleo político do ato, o seu
mérito, porque de feição nitidamente política.
Partindo-se da premissa que é impossível externar toda a legitimidade por meio do
ordenamento jurídico; o núcleo surge da dimensão não objetivada da legitimidade, que o
legislador constituinte originário, sabiamente, deixou aos cuidados da função que tenha por
fim levar a termo os direitos fundamentais prestacionais, a saber, o “poder” executivo.
Foi neste sentido que a Constituição da Republica afirma em seu art. 2º que “são
poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”. Aqui é consagrada a separação relativa de funções, que se não impede que o
Judiciário investigue a legitimidade objetivada do ato administrativo, embora proíba-o de
avançar sobre aspecto de legitimidade não positivada, e nisto preservar um conteúdo, embora
mínimo, para o administrador fazer valer sua restrita independência.
A teoria da redução da discricionariedade a zero demonstra claramente como o
juiz deve investigar o ato administrativo, perquirindo os motivos, ou melhor, os fatos e os
fundamentos jurídicos a que chegou o gestor público a decisão administrativa, e se
observando os princípios explícitos e implícitos, perceber que não haveria, senão uma só
decisão a tomar, anular o ato e determinar o seu imediato refazimento.
É dizer, embora no texto haja possibilidade de mais de uma opção, se no caso
concreto, só existe uma opção para se decidir, não há remanescente de legitimidade não
objetivada; de modo que o caso concreto é que ditará se há ou não um núcleo político
insindicável pelo Judiciário.
121
Moreira Neto (1998, p.47) sustenta que tanto a discricionariedade como o mérito
se relacionam com a legitimidade, pois “a discricionariedade a definirá nos seus aspectos
residuais e o mérito a conterá”.
A discricionariedade tem um fim, atingir o interesse público especificado no
ordenamento jurídico. Investigando se houve ou não discricionariedade, o magistrado
observará se no caso concreto houve exercício de competência discricionária, ou se a conduta
do administrador foi viciada, na medida em que não havia um núcleo político passivo de ser
apreciado pela jurisdição.
Coraggio (apud Moreira Neto, 1998, p.53) afirma que “o vício de mérito termina
como se fosse a mesma coisa que o vício de legitimidade”. Disto se pode dizer que mesmo o
motivo e objeto do ato administrativo pode, no caso concreto ser discricionário, se não houve
vedação no campo de juridicidade, onde o administrador público irá colmatar as lacunas do
ordenamento jurídico; mas também pode ser vinculado, não havendo espaços para a
integração do mesmo ordenamento.
5.2. O esvaziamento da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado como princípio
Defendemos que não existe princípio ou regra jurídica, antes da interpretação-
aplicação, levada a termo pela argumentação do administrador ou pelo magistrado. Também
argumentamos previamente que não há princípios absolutos, que em qualquer caso fosse
aplicado, quando em colisão com outro princípio. Pensar em absolutização de princípios é
negar a ponderação.
122
A suposta “supremacia” do interesse público não é norma-princípio porque não
decorre de uma interpretação sistêmica da Constituição e da legislação infraconstitucional;
posto que o ordenamento volta-se para a proteção do indivíduo e das coletividades, já que se
tem por princípio fundamental geral a dignidade da pessoa humana.
A Constituição Pátria nega o antagonismo irreconciliável entre interesses
individuais e interesses públicos, porquanto estes, ao fim e ao cabo, movem-se em vista
daqueles, incluídos como fins do Estado.
Neste sentido, o que se passa é que a tutela de um interesse privado previsto na
Constituição acaba por ser, ainda que de modo parcial, a realização de interesse público.
Não há como sustentar o “principio” da supremacia do interesse público, pois ao
fazê-lo, negaríamos as particularidades do caso concreto, e como “receita de bolo”, diríamos
que sempre irá prevalecer o interesse público em detrimento de direitos fundamentais
individuais e de coletividades. Na verdade a norma preferencial acaba por ser a norma
concretizada, após intensa argumentação.
Com o advento do novo constitucionalismo de efetivação dos direitos
fundamentais, supera-se a relação bipolar entre cidadão e Estado, posto que, mais e mais,
temos coletividades com interesses próprios, tais como associações ou sindicatos, que passam
também a compor o rol de interesses públicos, na medida em que, através de parlamentares
que os representem , positivam seus interesses.
123
Assim, estabelece-se um caráter multipolar das relações administrativas, cabendo o
gestor público, no caso concreto decidir qual interesse é prevalente; e não raras são as
oportunidades em que tal exame passa pelo crivo da jurisdição.
Ao invés de se partir de uma premissa de que o interesse público ditado “governo
de plantão” é supremo e irrenunciável, deve o magistrado ponderar razões e fins envolvidos
em cada um dos polos da ação, e só após o sopesamento dizer qual será aplicado no caso
concreto.
Deverá observar o magistrado os valores consagrados pela Constituição, e decidir
qual interesse público deve preponderar na sentença, se um interesse público geral ou um
interesse coletivo positivado ou um interesse tipicamente individual.
Basta observar que na prisão de um cidadão, que tenha cometido crime de baixo
potencial ofensivo, e que não tenha antecedentes criminais, não deveria o juiz, ao decidir
sobre um habeas corpus, entender que sua prisão deve ser mantida, para a preservação do
“supremo interesse público”, de manter a sociedade protegida, mas, no caso concreto, deve
restabelecer o jus libertatis do indivíduo; e nem por isto se pode dizer que o magistrado
desatendeu ao interesse público, pois a própria sociedade não se compadece com injustiças.
O exemplo serviu para demonstrar que o interesse público comporta um
entrelaçamento entre interesse público geral e interesse individual, não se podendo estabelecer
uma superioridade de um sobre outro, antes da decisão estatal.
124
A ponderação de razões e fins de cada uma das partes deve ser levada em
consideração, pelo administrador e a posteriori, pelo juiz, de modo a superar regras de
preferências estáticas, tais como o “princípio” da supremacia do interesse público sobre o
privado.
A legitimidade do chefe do poder executivo, que existe na sua própria investidura,
com base no sufrágio universal, perde-se no exercício do mandato, quando ele decide com
base em regras de preferências predeterminadas.
Situação difícil é a do magistrado, que por não ter legitimidade em sua investidura,
não tem outra opção para obtê-la, se não aplicando, no caso de colisão de direitos
fundamentais, a ponderação, levada a termo pelo postulado da proporcionalidade.
Assim o interesse público, enquanto aspecto vinculado do ato administrativo, não
necessariamente é o interesse do chefe do poder executivo, porquanto o caso concreto poderá
informar se havia os pressupostos de fato e de direito autorizadores do ato administrativo, e
se estes pressupostos guardam nexo com o interesse público específico, de forma a respeitar
as três dimensões da proporcionalidade, e só assim, poderá o gestor público justificar o
porquê do não atendimento de outro direito fundamental, que estava em rota de colisão com o
interesse eleito.
Assim, não existe o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado, embora exista sempre um interesse público a ser buscado pelo administrador,
vigiado, de perto, pelo magistrado.
125
5.3. Aplicação do postulado da proporcionalidade ao controle de discricionariedade
Primeiro passo para se aplicar o postulado da proporcionalidade é observar se no
ato administrativo a ser avaliado pelo Poder Judiciário, houve realmente colisão concreta de
direitos fundamentais e se o fim almejado por tal medida é previsto pela Constituição.
[...] apenas inicia-se o controle de proporcionalidade se o fim que se almeja tem
legitimidade constitucional. Em segundo lugar, procede-se uma descrição da situação
de conflito, objetivando identificar todas as circunstâncias relevantes do caso.
Enfatize-se que a verificação da constitucionalidade do fim e a identificação das
circunstâncias são controles ou tests prévios à aplicação do princípio da
proporcionalidade. Realizados os tests preliminares, procede-se, sucessivamente os
exames de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito,
observando-se a inter-relação entre os princípios. (STEINMETZ, 2001, p.154)
Conclui-se que se faz necessário a aplicação dos tests, espécies de exame
provisório, que se negativados, impossibilitam o controle de proporcionalidade. Além disto,
este controle é seqüencial, de modo que se começa pelo exame da adequação, e só se lograr
êxito, segue-se ao exame da necessidade e por fim o exame derradeiro da proporcionalidade
em sentido estrito.
Um exemplo melhor explicitará o que se defende. Suponhamos que um delegado
de polícia resolva, a título de investigação policial, fazer escuta telefônica, sem autorização
judicial, com o fim de prender um cidadão suspeito de tráfico de entorpecentes.
126
Nesta situação e sob a alegativa de que estaria exercendo o que doutrina chama de
poder de polícia administrativa, passou vários meses escutando as conversas telefônicas do
suspeito, devassando toda a sua vida.
Vejamos se esta devassa é caso de colisão de direitos fundamentais. O primeiro
test é satisfeito, pois resta demonstrado que há franca colisão entre direitos fundamentais em
sentido amplo; de um lado um direito individual (intimidade) e de outro, um coletivo, a
garantia constitucional da segurança pública. O segundo test é satisfeito, pois a finalidade
(preservar a incolumidade pública) é legítima e prevista diretamente na Constituição do
Brasil, por meio do caput do seu art. 144.
Pela adequação, não é o meio em si o relevante, mas a aptidão dele para gerar
como efeito a promoção do fim. Logo, se pelo exame de adequação, só há invalidade da
medida adotada pelo poder público, nomeadamente, a interceptação telefônica, se houver
manifesta incompatibilidade entre o meio utilizado para colher provas do crime de tráfico de
entorpecentes e o fim, nomeadamente, a garantia da segurança pública, e neste caso, a medida
nos parece adequada.
Ocorre que o ato de polícia administrativa não passa despercebido pelo exame da
exigibilidade, posto que, no caso concreto, como o suspeito tinha domicílio no Brasil, havia
outros recursos que a polícia poderia utilizar para flagrá-lo no cometimento do crime
hediondo em análise. Poderia, a polícia fazer um levantamento de toda a rotina diária de
“trabalho” do suspeito, e no momento propício seria levada a termo a sua prisão, com o
carregamento de drogas. Optou o aparelho policial, pelo meio mais fácil, embora mais
127
gravoso à intimidade do réu e aqueloutras pessoas que com ele conversaram, por meio da
comunicação telefônica.
Ainda que não houvesse outro meio que restringisse menos a intimidade do
acusado, partindo-se da premissa de que o mesmo não estabelecia uma residência fixa, ou
mesmo, que só viesse ao Brasil, esporadicamente, a medida ainda não lograria êxito no exame
da necessidade, pois, no caso concreto, a interceptação foi feita por muitos meses, quase ad
eternum, o que restringiu, exageradamente, a intimidade do réu.
Embora não passando pelo exame da necessidade, só a título de argumentação
analisaremos a proporcionalidade em sentido estrito. A medida é desproporcional, porque as
vantagens obtidas com a manutenção da ordem pública não são suficientemente superiores às
desvantagens trazidas pelo devassa quase que ilimitada à intimidade do réu. É dizer, as razões
que levaram o Estado a fazer a interceptação clandestina não são suficientes para se atingir o
fim colimado.
Pesou, neste caso concreto, as razões que levaram ao respeito do direito
fundamental a intimidade, apesar de estarmos tratando de um crime de elevado potencial
ofensivo. Aqui, percebe-se que houve ponderação de bens, de modo que o direito fundamental
que prevaleceu, no caso a intimidade do réu foi aplicado. Mais uma razão para afirmar que os
princípios são aplicados no modo all or nothing.
Logo, analisando o postulado da proporcionalidade, em sua inteireza, se por
ventura o suspeito viesse a ser preso, contra ele pesasse uma ação penal pública, o Tribunal
deveria conceder a ordem de habeas corpus, desconstituindo a decisão de prisão
128
(cerceamento do direito fundamental individual), já que a decisão de mantê-lo preso desborda
da discricionariedade do juiz, e adentrar ao campo da arbitrariedade.
Isto não significa dizer que, em outros casos, considerados extremos, tais como
tráfico internacional de drogas, onde a organização mafiosa, possua recursos tecnológicos
avançados, que impeçam outra medida, que não a prova obtida por meios ilícitos, esta não
possa ser considerada na persecutio criminis, desde que seja ela a que menos restrinja direito
fundamental individual do réu, e que mais benefícios à sociedade do que malefícios para o
réu.
Portanto, se pode concluir, com esteio na argumentação segundo a qual não há
princípios absolutos, que haverá hipótese onde se poderia produzir prova ilícita contrariando
direitos indisponíveis, a saber, a intimidade e a liberdade do réu.
Se existem princípios absolutos, então cabe modificar a definição do conceito de
princípio, visto que, se um princípio, em caso de colisão, precede todos os demais
princípios, e também o de que uma regra estabelecida há de se seguir, significa que
sua realização não conheceria limites jurídicos. Haveria somente fronteiras fáticas.
Não seria aplicável o teorema da colisão. (BONAVIDES, 2000, p.252).
A proporcionalidade é o postulado que elegemos como capaz de nortear
eficazmente a ponderação no surgimento de eventual conflito de princípios, servindo de apoio
para que se promova um controle equânime da discricionariedade.
5.4. Objeções ao postulado da proporcionalidade e a sindicabilidade dos
atos administrativos no exercício de competência discricionária
129
É certo que, parte da doutrina brasileira e até européia faz algumas objeções ao
postulado da proporcionalidade, como forma de solução de conflito entre direitos
fundamentais, e a crescente sindicabilidade judicial dos atos administrativos, por meio dele
sofre a mesma crítica.
A primeira afirma que o postulado da proporcionalidade e a maior sindicabilidade
dos atos administrativos ameaça a garantia constitucional da separação de poderes. Tal
argumento não deve prosperar, porquanto em um Estado Constitucional dos Direitos
Fundamentais, nem o legislador, nem administrador público são soberano em si, devendo suas
atividades sofrerem controle de constitucionalidade e em particular controle de
proporcionalidade.
Ademais, deve ser revista a concepção de separação de poderes de Monstequieu,
de modo que, hodiernamente, se pense em uma harmonização das funções legislativa,
executiva e judiciário, já que poder, só existe um, a soberania.
Souza Neto (2003, p.164) afirma que “Parece ser possível que Montesquieu, mais
do que separação, enfatiza verdadeiramente uma combinação de poderes, onde os juízes são
apenas ‘a boca que pronuncia as palavras da lei’”.
Aqui, só se pode concordar com Souza Neto, se a expressão ‘a boca que pronuncia
as palavras da lei’, é tomada como uma perquirição do juiz que extrai do ordenamento
jurídico, tendo por base o seu caráter político e sociológico, o direito.
130
Ademais o postulado da proporcionalidade como critério para reduzir a
discricionariedade a zero, possui balizas, que devem ser devidamente fundamentada pela
atividade de jurisdição, de modo que a separação.
A segunda objeção, diz respeito à argumentação segundo a qual, pelo postulado da
proporcionalidade e o avanço da sindicabilidade do ato administrativo relativizam a lei,
lesando-se a segurança jurídica e a igualdade.
Gonzalez-Cuellar Serrano apud Steinmetz (2001, p.198) responde a crítica, in
verbis:
Evidentemente, no âmbito do direito, a igualdade de tratamento e a previsibilidade
das decisões normativas são imperativos inafastáveis. Contudo, nem sempre a
diferença de tratamento significa discriminação. E quanto à insegurança, por parte
daqueles que podem ter direitos fundamentais limitados, destaque-se a importância da
reserva de lei, o que é , portanto a presença do princípio da legalidade na limitação de
direitos fundamentais.
Em verdade, este novo mecanismo de avaliação do ato administrativo, posto a
disposição do juiz, permite observar se o gestor praticou ato proporcional ao interesse público
especificado no ordenamento jurídico e neste sentido, ou se sua eleição privilegiou interesse
público secundário, causando malefícios bem maiores ao interesse da coletividade, ferindo
excessivamente o interesse colidente.
As objeções mais graves ao postulado da proporcionalidade questionam a
ponderação, como método apreendido racionalmente.
131
Para Alexy, as objeções metodológicas são corretas se pretendem mostrar que a
ponderação não conduz, e cada caso a um único resultado. Contudo, são incorretas se
pretendem provar ou demonstrar que o procedimento da ponderação é irracional.
Que a ponderação é um procedimento racional é o que se começa a provar pela lei de
colisão. A lei de colisão, formalizada por Alexy, descreve a estrutura da solução da
colisão de princípios[...]a lei informa que as colisões são solucionadas estabelecendo-
se uma relação de precedência condicionada. (STEINMETZ, 2001, p.203)
De modo que a ponderação é racional, porquanto o enunciado de precedência pode
ser fundamentado racionalmente, por argumentação jurídica. Ademais, todo o exame da
proporcionalidade deve ser devidamente fundamentado pelo Juiz, ao sentenciar, sob pena de
nulidade, consoante o art. 93, IX, da Carta Política da República.
O próprio Alexy distingue entre fundamentação não referida especificamente à
ponderação de enunciados condicionados de preferência e fundamentação referida
especificamente à ponderação.
A primeira permite a utilização de todo e qualquer argumento possível, sejam eles
cânones de interpretação, argumentos dogmáticos, prejudiciais, práticos e empíricos em geral,
bem como argumentos especificamente jurídicos.
Concluindo Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.204)
Así, para la fundamentación de un enunciado de preferencia condicionado u por lo
tanto, para la fundamentación de la regla correspondiente, puede, por ejemplo,
hacerse referencia a la voluntad del legislador constitucional, a las consecuencias
132
negativas de una determinación alternativa de preferencia, a los consensos
dogmáticos y a decisiones anteriores.
Embora importantes estes argumentos não se relacionem de forma direta com a
ponderação. Importa dizer que a lei de ponderação não fixa critérios para medir a afetação e o
grau de importância de cumprimento dos direitos fundamentais em colisão, não obstante diga
a referida regra, o que deve ser fundamentado, a saber, os enunciados sobre as medidas de
afetação e importância ou satisfação, que são enunciados de preferência condicionada e
formalizam o resultado da ponderação.
Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.205-206) cita como exemplo de fundamentação de
enunciados sobre graus de afetação e importância (realização), a sentença do Tribunal
Constitucional Federal Alemão, onde havia a colisão da proteção da personalidade e a
liberdade de informação, in verbis:
La tesis de que la veiculación televisiva afecta muy intensamente la protección de la
personalidad es fundamentada, por ejemplo, aduciendo el alcance de las emisiones
de televisión, los efectos de la forma de la emisión como teatro documental, el alto
grado de credibilidad que tienen estas emisiones en el público, los peligros que de
aquí u de otras características de la emisión resultan para la resocialización y el
perjuicio adicional que un teatro documental significa cuando es emitido algun
tiempo después de la información actual. Por lo que respecta a la importancia de la
satisfacción del principio de la libertad radial, se presentan, por lo pronto,
numerosas razones de la importancia de una información actual sobre hechos
delictivos graves. Sobre este transfondo, luego es calificada la repetición de la
información que ha de ser juzgada como lo suficientemente importante para
justificar la intensidad de afectación.
133
Há, como já frisamos, um modelo de argumentação referido especificamente à
ponderação, cuja regra constitutiva Alexy(apud Steinmetz, 2001, p.207) enuncia tomando
como base a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, assim enunciado pelo
mestre: “cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de um principio,
tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacción de otro”.
Aqui, mais uma vez, a lei da ponderação, que diz o que tem de ser fundamentado,
a saber, os enunciados sobre os graus de afetação e importância (satisfação, realização) dos
direitos fundamentais em colisão, que são enunciados de preferência condicionados e
formalizam o resultado da ponderação.
Alexy reconhece que essa forma de fundamentar o resultado da ponderação inclui
também valorações. Embora, neste sentido, não se pode negar que havendo valoração, não
haverá racionalidade, pois o Direito não é uma ciência natural, e sim uma ciência cultural,
onde não se requer resultados exatos, mas resultados prováveis, que é compatível com
reduzido grau da ponderação, em relação à interpretação levada a termo pela hermenêutica de
Savigny, de forma cartesiana.
Por fim, Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.207-208) assegura, com propriedade, que
a fundamentação referida especificamente à ponderação, além da objeção de irracionalidade,
evita outras dificuldades que freqüentemente são associadas à ponderação. Evita porque
“(a)ponde de manifiesto que la ponderación no es un procedimiento en el cual un bien es
obtenido con excesivo apresuramiento a costa de outro”.
134
Além disto, com a lei de colisão, revela-se que a ponderação, segundo Alexy
(apud Steinmetz, 2001, p.208):
[...] não é procedimento geral e abstrato (c) vincula a lei de ponderação á teoria da
argumentação jurídica racional (d) mostra que a ponderação não conduz a ‘decisiones
particulares’, a diluição da normatividade no caso concreto, porque ‘de acuerdo con la
ley de colisión, sobre la base de la decisión de ponderación, siempre es posible
formular uma regla. Por ello, la ponderación en el caso particular y la universalidad
no son inconciliables (e) refuta a afirmação de que a ponderação de bens é um jogo de
palabras, umas contra as outras, porque, na verdade, “se establece un princípio em
contra de otro principio, algo que tiene las consecuencias formuladas en la ley de
colisión e de ponderación.
Sobre a racionalidade, importa ouvirmos a posição de Vasconcelos (2003, p.175):
A teoria, de que é feita a ciência, já representa, por si só, uma prévia tomada de
compromisso no plano das idéias. De outra parte, a inexistência de um critério fixo e
permanente de avaliação empírica impossibilitaria, à sua vez, a verificação de
resultados. Sem que se tenha a prévia e clara visão do que se pretende ao formular
uma teoria, impossível medir o grau de sucesso alcançado pelo empreendimento
científico. Finalmente, a sujidade congênita ao mundo no qual atua a ciência, o
mundo dos fenômenos, impede seja alcançada a pureza de qualquer método ou objeto.
Indubitável intuir, a partir dos autores supra referidos, que o processo em que
meditamos coteja em seus dois pólos campos independentes, ora norteados pela racionalidade,
ora pelo argumento axiológico, dependendo seus resultados da avaliação dos elementos
eleitos como predominantes, seja no campo adstrito da particularidade, seja no manifestar
abstrato da generalidade.
135
6. CONCLUSÃO
Os direitos fundamentais, conforme restou assentado, constituem uma conquista
histórica, previstos em uma ordem constitucional específica e significam um grande desafio
do Direito Constitucional moderno, pois mais do que reconhecê-los, importa hoje saber como
136
torná-los efetivos. Como impedir que, a despeito das declarações solenes, esses direitos sejam
violados.
Os Direitos Fundamentais caracterizam o “direito” de um Estado Democrático e,
apesar de terem sido caracterizados em princípio como direitos de defesa contra o Estado,
hoje se transformaram nos princípios basilares da ordem jurídica, transformando, assim, o
conteúdo das liberdades individuais ou subjetivas no conteúdo de normas fundamentais que
penetram e moldam o direito objetivo.
Partiu-se, pois, de uma análise de algumas vertentes teóricas da dogmática dos
direitos fundamentais, para em seguida realizar um estudo histórico desses direitos,
considerando não somente a importância hermenêutica de tal abordagem, mas também o fato
de que seu surgimento remonta à gênese do moderno Estado constitucional, no seio do qual se
reconhece e busca-se assegurar a dignidade da pessoa humana.
Conforme visto no decorrer da pesquisa, de grande importância para o estudo
realizado é a mudança do paradigma liberal, segundo o qual os direitos fundamentais
possuíam uma dimensão apenas subjetiva, cujo parâmetro era tão somente a liberdade e
autonomia do indivíduo, em sua perspectiva formal e abstrata. Segundo esse modelo, ao
Estado era cometida a tarefa de resguardar a liberdade individual, abstendo-se de interferir na
esfera pessoal dos cidadãos, sendo que os direitos fundamentais representavam uma garantia
contra a ingerência do Estado na liberdade individual.
Sob os influxos dos processos de socialização e democratização, a liberdade
paulatinamente passou a ser conceituada como um valor social, passando o Estado a assumir a
137
tarefa de assegurar, além de respeitar, o efetivo exercício da liberdade individual.
Demonstrou-se que os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, significando
que os mesmos não podem ser vistos apenas da perspectiva do indivíduo, mas valem
juridicamente do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins consagrados por seus
integrantes.
Se aceitarmos que o juiz europeu e mais timidamente o magistrado brasileiro têm
utilizado o postulado da proporcionalidade para aferir a constitucionalidade de atos
administrativos no exercício de competência discricionária; não se percebe esta preocupação
por parte dos administradores públicos, o que só aumenta a responsabilidade do magistrado
que busca a excelência em seu mister.
Este trabalho questionou posturas da visão do direito administrativo pátrio,
buscando comprovar que é vazio o princípio da supremacia do interesse público; bem com
buscou demonstrar que a cada dia cresce a sindicabilidade judicial dos atos administrativos.
Pela teoria do direito, tencionou-se demonstrar um novo conceito de princípio,
contrapondo o conceito mais aceito, que é de Robert Alexy. Pela lição deste autor se observa
que a racionalidade existente na ponderação é perfeitamente plausível, porquanto se
enunciado de precedência condiciona que o fruto da lei de ponderação só se obtém após
intensa argumentação, e neste sentido, utiliza-se o modelo retórico de raciocínio judicial que
tem raízes no pensamento dialético e tópico.
E por este modelo de raciocínio observam-se as razões que concorreram para a
formação das premissas, não fazendo do momento dedutivo o único possível. Por ele, nota-se
138
claramente, que ocorre uma verdadeira justificação do porquê de se adotar bens e direitos
constitucionais de uma parte, e as razões pelas quais não se observará os direitos da outra
parte.
Nem se venha argumentar que o modelo de Alexy é decisionista, trazendo o
primado do juiz sobre o legislador, pelo primado da equidade sobre a certeza. Não nos parece
ter havido o abandono total dos instrumentos de controle pelos demais poderes, mas um
reconhecimento da insuficiência da lógica formal em explicar o fenômeno da aplicação do
direito, com os caminhos e conexões dele decorrentes.
Tal modelo supra-referido confere aquilo que o juiz necessita, qual seja a
legitimidade de exercício, pois sua justificação é tanto endoprocessual, como extraprocessual,
porquanto a decisão, permeada de discurso persuasivo, desborda do processo e vai ser
refletida de modo gradual na própria sociedade.
Na verdade, forçoso se faz reconhecer que as ameaças advindas do Estado são
hodiernamente cada vez menores se comparadas às ameaças oriundas da própria sociedade.
Acresça-se a isso o fato de que as decisões do poder público são controladas pelo Judiciário, o
que nem sempre acontece com as interferências do poder privado, que tende a receber uma
parcela de impunidade, em nome da autotutela dos interesses privados. Portanto, se reconhece
a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, justificando-se a
extensão desses direitos às relações privadas pela premência de proteção contra os abusos do
poder privado.
139
Pode-se inferir que é possível a convivência da racionalidade própria do Direito
Privado com as técnicas de proteção dos direitos fundamentais, que buscam regular situações
concretas da vida, quer se admita a aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações
entre particulares, quer se admita essa aplicação de maneira apenas mediata. Mas, tal decisão
se permite ser controlada em todas as suas articulações, tanto se ela é decisão administrativa,
como se ela já é decisão judicial, e passará pelo duplo grau de jurisdição.
O método retórico encontra pleno respaldo no ordenamento Jurídico brasileiro, na
medida em que por força do art. 93, IX e X, tanto as decisões administrativas como as
judiciais devem ser motivadas. Sem a pretensão de que seja o único meio de controle dos atos
administrativos, o postulado da proporcionalidade é ferramenta de libertação dos ‘poderes
administrativo e judiciário, de suas crises agudas de legitimidade, por não saberem a priori
qual interesse público deve prevalecer.
Estes e outros objetivos foram alcançados na presente pesquisa, sobretudo o de
maior primazia dentre os elencados, qual seja o escopo de mostrar ser possível o controle
judicial dos atos administrativos, manejados no uso de competência discricionária, quando
ocorrer a invasão da esfera dos direitos fundamentais dos administrados, resolvendo-se a
colisão de direitos fundamentais, através do Postulado da Proporcionalidade.
REFERÊNCIAS
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista Direito do consumidor. [SI], v. 14, p.20-27, abr./jun.1995.
140
______. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. ALVES, José Carlos Moreira. A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro. Revista Roma e América, Roma, v. 7, 1999. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da Definição à Aplicação. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004. AZEVEDO, António Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos. Revista da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.[São Paulo] n. 87, p 79-89, jan/dez 1992. BARBOSA Heloísa Helena. Perspectivas do direito civil para o próximo século. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro. N. 6/7, 98/99, p. BITTAR, Carlos Alberto (Coord). Contornos atuais da teoria dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BÖCKENFÖRDE, Ernest-Wolfgang. Escritos sobre derechos fundamentales. Baden-Baden: Nomos Verlagfgesellschaft, 1993. BONAVJDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. ___________. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. ____________; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1984. CASTRO, Roberto Siqueira. Aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas: Estudos em homengem a Carlos Alberto Menezes Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. CITTADINO, Gisele. Pluralismo Direito e Justiça Distributiva: Elementos da filosofia constitucional contemporânea. 2. ed. Rio de Janeiro: Lume Iuris, 2000. ______. Princípios Constitucionais, Direitos Fundamentais e História: Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2001. COMELLA, S. La eficácia horizontal de los derechos constitucionales frente a los particulares. Disponível em: <http://www.yale.edu/lawweb/lawfac/fiss/scomella.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2003.
141
COSTA, Mário Júlio de Almeida. Aspectos modernos do direito das obrigações. In: COSTA, Mário Júlio de Almeida et al. Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: (I Jornada Luso-brasileira de Direito Civil). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. COUTO E SELVA, Clóvis do. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. In: COSTA, Mário Júlio de Almeida et al. Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: (I Jornada Luso-brasileira de Direito Civil). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. DE CARA, Juan Carlos Gavara. Derechos Fundamentales y Desarrollo legislativo: La garantia del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley fundamental de Bonn. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1994. DELGADO, José Augusto. A evolução conceitual dos direitos fundamentais e a democracia. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva. Brasília, STJ, v. 12, n. 2, p. 161-196 Jul./dez. 2000. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1998. 2ªed., São Paulo: Atlas, 2001. DONTNI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. __________. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, Ruy Geraldo Camargo (Org). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo Revista dos Tribunais, 2000. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução: J. Batista Machado 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkia, 1983. FACHTN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ______; BANHOZ, Rodrigo Pelais. Crítica ao legalismo jurídico e ao historicismo positivista: ensaio para um exercício de diálogo entre história e direito, na perspectiva do Direito Civil contemporâneo. Diálogos sobre Direito Civil. Construindo a racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 47-74. FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2000. FILHO, José Carlos Moreira da Silva. Hermenêutica filosófica e Directo: O exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no direito contratual. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003. FLÓREZ-VALDÉS, Joaquín Arce y. El Derecho Civil Constitucional. Madrid: Editorial Civitas, 1991. GALLUPO, Marcelo Campos. O que são direitos fundamentais? Jurisdição Constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
142
GARCIA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contemporâneo. Madrid: Alinaza Editorial, 1982. GARCIA TORREZ e JIMENEZ BLANCO. Derechos fundamentales y relaciones entre particulares: La Drittwirkung en la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid: Civitas Editorial, 1986. GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. GOMES, Orlando. Contratos. 16. ed.: Rio de Janeiro: Forense, 1995. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa e DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 1997. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigação quanto a uma categoria de sociedade burguesa. Tradução: Flávio R. Kote. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. __________. A constelação pós-nacional e o futuro da democracia. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. São Paulo: Litera Mundi, 2001. HESPANHA, António M. Panorama Histórico da cultura jurídica européia. Portugal: Europa-América, 1997. HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado. Madrid: Editorial Civitas, 1995. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX – 1914-1991. Tradução: Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. JÚNIOR, Nelson Nery. Contratos no Código Civil. Apontamentos Gerais. Estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo. LTr. 2003. LA CRUZ, Rafael Naranjo de. Los limites de los derechos fundamentales en Ias relaciones entre particulares: la buena fe. Madrid: Centro de Estúdios Politicos Y Constitucionales, 2000. LEAL, Rogério Gesta. Teoria do Estado: Cidadania e poder político na modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. LEWICKL Bruno. Panorama da boa-fé objetiva. In: TEPEDINO, Gustavo (Org). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
143
LINETZKY, Andrés Jana. La eficácia horizontal de los derechos fundamentales. Disponível em: <http://www.yale.edu/lawweb/lawfac/fiss/sjana.pdf>. Acesso em: 21 ago. 2003. LOPES, Carla Patrícia Frade; SAMPAIO, Marília de Ávila e Silva. Curso básico de Direito Administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. LUÑO, António Enrique Perez. Derechos Humanos, Estado de derecho y Constitución. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1986. ______. Los Derechos Fundamentales. 3. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 1988. MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. A Essência do Direito. São Paulo: Rideel, 2003. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2002. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. ______; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. ______. Direito Privado como um “sistema em construção” – as cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista dos Tribunais, n.753, São Paulo, jul. 1998. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ªed., São Paulo: Malheiros, 1996. MENDES, Gilmar et al. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. ______. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade. 2.ed. São Paulo: Celso Bastos, 1999. MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Da Boa Fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina. 2001. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Editora. Coimbra, 1998. MORAES,Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo: Dialética, 1999. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: Novas Reflexões sobre os Limites e o Controle da Discricionariedade. 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 1998. MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História das cavernas ao terceiro milênio. São Paulo: Moderna, 1999.
144
NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. ______. A dicotomia Público-Privado frente ao problema da colisão de princípios. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.) Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ______. Teoria do contrato. Novos paradigmas. Rio de Janeiro. Renovar. 2002. NERY, Rosa Maria de Andrade e VIANA, Rui Geraldo Camargo. (Org). Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. NETTO, Menelick de Carvalho. A hermenêutica constitucional e os desafios postos aos direitos fundamentais: Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. NEVES Gustavo K. M. Os princípios entre a Teoria Geral do Direito e o Direito Civil Constitucional: ... Rio de Janeiro: Renovar, 2002. NOVAIS, Aline Arquete Leite. Os novos paradigmas da teoria contratual: o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da tutela do hipossuficiente. In: TEPEDINO, Gustavo (Org). Problemas de Direito Civil-Constitucional Rio de Janeiro: Renovar, 2000. PEREIRA DA SELVA, Vasco Manoel Pascoal Dias. Vinculação das entidades privadas pelos direitos, Iibertades e garantias. Revista de Direito Público, n. 82, p 41-52, abr./jun. 1987. PERLINGEERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil Constitucional. Tradução: Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. O princípio da boa-fé no direito privado alemão e brasileiro. Revista Síntese Trabalhista. Ano VIII, n. 103, p. 131-157, jan. 1998. PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Lisboa: Almedina, 1979/80. RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade Humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. RENTERÍA, Adrián. Discrecionalidad Judicial y Responsabilidad. México: Fontamara, 2002. ROCHA, José de Albuquerque.Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz. Revisão Judicial dos contratos. Autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo. Atlas, 2002. ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Tradução: Joel Pimenta de Ulhôa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
145
SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. Breves reflexões sobre a eficácia atual da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. In: TEPEDINO, Gustavo (Org). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Renovar: Rio de Janeiro, 2000. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2001. ______. (Org.). A Constituição concretizada. Construindo pontes entre o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de janeiro: Lumen Júris, 2004. ______. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 1999. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da Silva. A Boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro. Renovar. 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001. ______. Poder Constituinte e Poder popular. São Paulo: Malheiros, 2000. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Processo constitucional, democracia e direitos fundamentais. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003 SOUZA NETO et al. Cláudio Pereira. Teoria da Constituição- Estudos sobre o Lugar da Política do Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SUNFELD Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. TEPEDINO, Gustavo (Org). Problemas de Direito Civil - Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ______. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. Anais do Seminário Luso-brasileiro sobre as novas tendências do Direito Civil, v. 52. 1998. TORRES, Ricardo Lobo (Org). Teoria dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
146
UBILLOS, Juan Maria Bilbao. La eficácia de los derechos fundamentales frente a particulares: Analisis de la jurisprudência del Tribunal Constitucional. Madrid: Centro de Estúdios Politicos y Constitucionales, 1997. VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria das Normas Jurídicas. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987. WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. Trad. José Luís Carro. Madrid. Civitas. 1986. ______. Los Derechos Fundamentales en la frontera entre lo publico y lo privado. Madrid: Mcgraw Hill, 1997.