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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS-BASES PARA UMA INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA LINCOLN SOARES Fortaleza-CE abril – 2008

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CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS-BASES PARA UMA

INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO

ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA

DISCRICIONÁRIA

LINCOLN SOARES

Fortaleza-CE

abril – 2008

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LINCOLN SOARES

CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS- BASES PARA UMA

INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO

ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA

DISCRICIONÁRIA

Dissertação apresentada à Banca examinadora do Mestrado

em Direito Constitucional, da Universidade de Fortaleza –

UNIFOR, em cumprimento dos requisitos necessários para à

obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do

Professor Doutor Rosendo de Freitas Amorim.

FORTALEZA – CE abril - 2008

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__________________________________________________________________________ S676c Soares, Lincoln. Constitucionalismo e direitos fundamentais : bases para uma interpretação do controle judicial de proporcionalidade do ato administrativo, no exercício de competência discricionária / Lincoln Soares. - 2008. 146 f. Cópia de computador. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2008. “Orientação : Prof. Dr. Rosendo de Freitas Amorim.”

1. Direitos fundamentais. 2.Controle judicial. 3. Ato administrativo. 4. Direito constitucional. I. Título.

CDU 342.7 __________________________________________________________________________

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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO/MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

DISSERTAÇÃO

CONSTITUCIONALISMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS-BASES PARA UMA

INTERPRETAÇÃO DO CONTROLE JUDICIAL DE PROPORCIONALIDADE DO

ATO ADMINISTRATIVO, NO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA

DISCRICIONÁRIA

por

Lincoln Soares

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Dr. Rosendo de Freitas Amorim - Presidente

_______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Martins Rodrigues - Examinador

______________________________________ Prof. Dr. Francisco Tarciso Leite - Examinador

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela fidelidade, de seu amor e por haver me resgatado do sombrio abismo do pecado.

A meus pais, pelas lições ensinadas e que ainda ensinam.

A minha amada esposa, pelas horas de silencioso carinho e desvelo.

A meus filhos, pelo tempo a eles subtraído e não recuperado.

Aos mestres, em especial a meu orientador; aos colegas de mestrado pela valiosa contribuição

ao presente trabalho.

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“Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca

mais. Das recordações, retratos do mal em si,

melhor é deixar pra trás. [...]No woman, do not cry.

Não, não chore mais,...[...]”Gilberto Gil. Esta

dissertação é dedicada a Deus, Pai Eterno e fonte de

toda vida. À família, célula-mater da Fé em Deus, e

a todos aqueles que tombaram no cumprimento de

seus múnus público.

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RESUMO

A partir das transformações por que passam o Constitucionalismo e a Teoria dos Direitos Fundamentais, somos instados a dar respostas aos novos problemas surgidos na sociedade contemporânea, complexa e plural, a cobrar nova definição para questões que, antes, classicamente se desenvolviam sob o signo dos paradigmas liberais do interesse público, da autonomia da vontade e da abstenção do Estado frente aos direitos de igualdade e liberdade. De igual relevância é o fenômeno da fragilização do Estado Social ou do Estado Providência, que deu mostras de que seus mecanismos compensatórios não são mais suficientes para garantir sequer a propalada dignidade da pessoa humana, valor fundante de todo o ordenamento jurídico moderno. Assiste-se, de fato, a um crescimento vertiginoso do poder de outros setores da sociedade, nem sempre atentos à existência de uma carta de direitos e garantias dos indivíduos, os quais acabam sendo menosprezados, ameaçados e até agredidos por atos administrativos equivocados. Não se pode olvidar que os interesses pessoais e coletivos são, hoje, coordenados por grupos que retêm grande parcela de poder, como Sindicatos, Igrejas, Grupos Econômicos, Associações Patronais e Desportivas entre outros. Assim, as mudanças operadas na sociedade afastaram a idéia do Estado como “inimigo público”, pois o poder não mais é considerado exclusividade deste, sendo compartilhado por toda a sociedade. Por outro lado, os direitos fundamentais propiciam ao cidadão não só se identificar como destinatário da ordem jurídica, mas também como coautores dessa mesma ordem; de um lado existem os direitos fundamentais, que garantem o exercício da autonomia privada dos sujeitos e de outro, aqueles que garantem a participação dos sujeitos no processo de produção do ordenamento jurídico, tais como os direitos fundamentais de exercício de uma autonomia política, a partir da qual o direito legítimo é criado. Nesse contexto, busca-se, com o presente estudo, reforçar a noção de solidariedade social, como forma de dar novos contornos ao mover-se da sociedade hodierna, perante o Estado Constitucional Democrático de Direito, muito mais coeso do que as primitivas formas de organização, sobretudo no escopo da construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Não se descurou, neste estudo, a análise e o reconhecimento da presença dos direitos fundamentais nas relações cidadão-Estado Social, como elemento capaz de gerar grande expectativa em relação ao posicionamento e à atuação do Judiciário, tornando-o um dos responsáveis pela conformação da autonomia privada e dos direitos fundamentais, pelo reconhecimento da eficácia imediata dos mencionados direitos fundamentais, gerando a necessidade de um controle judicial mais eficaz, em relação aos atos administrativos e através do postulado da proporcionalidade, com a preocupação de expor a problemática de modo reflexivoteórico.

Palavras-Chave

Controle judicial. Ato administrativo. Competência discricionária. Postulado da

proporcionalidade.

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ABSTRACT

From the very point the Constitucionalism and the Theory of Fundamental Rights suffer alterations, we must give answers for the new problems which are being put in contemporaneous society, plural and complex, that is collecting a new concept for questions that developed themselves under the sign of liberal paradgigms of public interest, selfgovernment and abstention of State, concerning on freedom and party rigths. It is also important the Social State fragility phenomenon or Providence State, which showed that its compensatory mechanisms are not sufficient, no longer, to hold the spread dignity of the human being, which is the fundamental value of juridical order as a whole. In fact, we face a severe growth of power of other segments of society, not always conscious of the existence of the promulgation of indivdual rights, which are being continously despised, disdained, threatened and even violated by administrative Acts. We can´t forget that personal and collective interests, nowadays, are coordinated in groups that congregate a huge piece of power, such as Trade Unions, Churches, Economic Groups, Patronal and Sport Associations among others. So, the changes occurred in society puting a part the idea of the State as a “public enemy”, provided that power is not considered its exclusivity, being shared now by the whole society. On the other hand, the fundamental rights give to the citizen not only the chance of identify himself as a juridical order addressee, but also as a co-author of this order, for, both exist the fundamental rights which hold the self-government exercice and those other rights which hold men´s paticipation in the process of juridical order production, such as the fundamental rights of acting a political self-government from which the lawful right is created. In this context, we search, in this study, to strengthen the notion of social solidarity, as a form of giving new outlines to the modern society movements, in front of a Democratic Constitucional State of Right, much more cohese than primitive forms of organization, mainly in the aiming of bulding a society more just and a equalitary in its principles. This work also analyses the recognition of the presence of fundamental rights in Citizen-Social State relations, as an element able to generate a great expectation in relation to judicial actuation, because turns it responsable for the conformation of private self-government and for the fundamental rights, recognizing the imediate efficient judicial control in relation to the administrative Acts, through the intention of establish a proportionality postulate.

Key words

Judicial Control – Administrative Act – Discretionary Competence – Porportionality

Postulate.

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SUMÁRIO

Introdução 10

1. Teoria das Normas Jurídicas 15

1.1Norma Jurídica e Texto Normativo

1.2 Princípios e Regras – distinções 18

1.3 Conceituação das Normas Jurídicas 23

1.4 Eficácia dos Princípios 41

1.5 Modelo Tripartite das Normas Jurídicas 42

2. Interpretação dos Direitos Fundamentais 46

2.1. Colisão de Direitos Fundamentais 52

2.2. Teoria Estrutural dos Direitos Fundamentais 56

2.3 O Processo de Positivação dos Direitos Fundamentais 63

2.4.Funções dos Direitos Fundamentais no Constitucionalismo contemporâneo 67

3. A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais 71

3.1 Ordem de Valores e Constituição: prós e contras 74

3.2. Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais 80

3.3 Direito Público versus Direito Privado e a Constitucionalização do Direito Civil 84

5. O Postulado da Proporcionalidade 96

4. Discricionariedade Administrativa 106

4.1 Legitimidade e Discricionariedade 116

4.2 Esvaziamento da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado Como

princípio 122

4.3 Aplicação do Postulado da Proporcionalidade ao Controle de Discricionariedade 125

4.4. Objeções ao Postulado da Proporcionalidade e a Sindicabilidade dos Atos

Administrativos, no exercício de competência discricionária 129

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6. Conclusão 136

Referências Bibliográficas

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INTRODUÇÃO

A Hermenêutica Constitucional, despercebida por mais de um século e meio,

adquire, ao fim do segundo quartel do século XX, o status de genuína teoria científica, com

método e objetos próprios, mormente com os avanços do estudo sistematizado da Teoria dos

Direitos Fundamentais e da Teoria da Constituição, cujo conjunto possibilita dar amplitude

maior ao sentido e ao alcance daqueles direitos, que, em regra, não colidem in abstracto, não

sendo incomum entrarem em rota de colisão, em caso concreto, devendo a administração

pública zelar pelo cumprimento de seu múnus público, minimizando sua compressão dentro

do que permitem as possibilidades.

Antes da revisitação de três relevantes paradigmas do Direito Administrativo,

quais sejam, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, a

legalidade estrita e a insidicabilidade judicial das escolhas discricionárias da administração

pública, impõe-se um breve estudo da teoria da norma jurídica, reposicionando regras e

princípios como espécies do gênero norma jurídica, desmistificando o necessário, porém

nocivo senso comum, presente em grande parte da doutrina brasileira e alienígena atinente ao

tema.

A partir de então, é proposto um modelo tripartite, consistindo de regras,

princípios e postulados, em que se dará ênfase ao postulado da proporcionalidade, sendo este

o mecanismo a ser manejado pelo Constitucionalismo pós-1988, tendo como escopo

denunciar erro concernente aos paradigmas adotados pelo Direito Administrativo Tradicional,

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solucionando questões relacionadas aos Direitos Fundamentais dos cidadãos atingidos por

medidas administrativas equivocadas.

Objetiva-se demonstrar, com este trabalho, que a interpretação do texto normativo

é aplicativa e que a ponderação, de modo distinto do que pensa parte dos doutrinadores

pátrios, é um momento muito valioso no interior deste processo de interpretação-aplicação.

Esta constantemente envolve a hermenêutica constitucional, a qual pressupõe a linguagem

(no caso a linguagem constitucional), os fatos e a norma-decisão, esta última uma perene e

inexorável (re)construção de sentidos. Separando a regra jurídica de princípio, avulta a

conclusão de que o postulado normativo, na medida em que estrutura a aplicação da norma

jurídica, não se enquadra em dimensão alguma da própria norma jurídica.

Interessa-nos, aqui, propor uma melhor colocação ao problema tratado. Nisto, cabe

analisar suas origens, seu idealizador e principalmente perquirir a essência das normas dos

Direitos Fundamentais e dos postulados aqui discutidos, normas metapositivas, aquilo que

individualiza a proporcionalidade em relação à razoabilidade, os seus sinais particulares, sem

o qual seriam desnaturadas, para, a partir de então, buscar nas inúmeras interações de ambos,

soluções que potencializem um controle judicial dos atos administrativos, que não fira a

separação de “poderes”, garantia constitucional por demais valiosa nos Estados

Constitucionais que primam pelos Direitos Fundamentais.

Já o novo Estado Constitucional, sucessor daquele (Estado Constitucional da

separação de poderes) e conspicuamente marcado de preocupações distintas, volvidas,

agora, menos para a liberdade do que para a justiça, porque a liberdade já se tinha por

adquirida e positivada nos ordenamentos constitucionais, ao passo que a justiça, com

anseio e valor social superior, estava longe de alcançar o mesmo grau de inserção,

positividade e concreção. (BONAVIDES, 2003, p.34)

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Fazer justiça, no caso concreto, cotejando atos administrativos em face de direitos

fundamentais, lançando mão do postulado da proporcionalidade, sem comprometimento da

racionalidade argumentativa, eis uma das questões prementes do novel Estado Constitucional.

O presente estudo justifica-se pela necessidade premente de analisar a Teoria dos Direitos

Fundamentais, fornecendo, explicando e descrevendo, uma nova teoria das normas

constitucionais fundamentais, sem deixar de lado os enunciados ainda não superados por

outras teorias, especialmente a Teoria Estrutural dos Direitos Fundamentais, de Robert

Alexy.

Enfim, busca-se com este estudo, complementar alguns enunciados da supracitada

teoria, embasados na ciência jurídica, com o escopo de responder às novas demandas da

sociedade hodierna, no que pertine ao acatamento dos Direitos Fundamentais, cotejando-os

com as normas de regência da Administração Pública, com respaldo no Postulado

Constitucional da Proporcionalidade.

O estudo em questão fundamenta-se em pesquisa bibliográfica de procedência

nacional e comparada. Segundo a utilização dos resultados trata-se de uma pesquisa pura,

embora as conclusões apresentem sugestões de aplicação prática, por se considerar que o

Direito constitui-se numa ciência social aplicada. Quanto à abordagem, a investigação é

essencialmente qualitativa, com amplo predomínio da análise interpretativa. Em relação ao

objeto, a pesquisa é exploratória, porquanto o tema, não obstante a relevância, tem sido pouco

estudado, o que situa esta investigação na condição propulsora de questionamentos que dêem

margem, posteriormente, a um aprofundamento teórico do tema.

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No primeiro capítulo, é analisado o fenômeno da interpretação-aplicação no

Direito, tratando-se do processo de reconstrução da norma jurídica regra, bem como da norma

jurídica princípio, sendo reveladas suas conexões valorativas, a partir do processo

interpretativo-aplicativo.

No capítulo seguinte, a abordagem contempla a interpretação dos Direitos

Fundamentais, distinguindo princípios, postulados e regras. Avançando um pouco mais,

serão discutidos, em itens próprios, a colisão de Direitos Fundamentais e a Teoria Estrutural

Dos Direitos Fundamentais, com ênfase no conflito real e aparente de normas. Não deixará de

ser aprofundado o processo de positivação dos direitos fundamentais, bem como suas funções

no constitucionalismo hodierno.

No terceiro capítulo, é feita uma análise sucinta sobre o lento evoluir das diversas

gerações de Direitos Fundamentais, sem perder o foco na ordem de valores consagrados no

Estatuto Fundamental, na eficácia irradiante dos supracitados direitos e na contenda

estabelecida entre o público e o privado, sendo estas prerrogativas apenas recentemente

superadas pela gradativa constitucionalização do Direito Civil.

No quarto capítulo, o postulado da proporcionalidade é mostrado como um

princípio relativamente recente, intrinsecamente ligado à evolução dos direitos fundamentais,

tornando-se mais perceptível a partir de sua exemplificação, momento em que se torna mais

fácil distingui-lo dos demais princípios existentes e com ele assemelhados.

No quinto e último capítulo, a discricionariedade administrativa é tratada a partir

de sua legitimidade, tomando-se como paradigma o esvaziamento da supremacia do interesse

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público sobre o privado, através da concreção do controle discricionário por intermédio do

postulado da discricionariedade ou, ainda, sua objeção pelo questionamento da ponderação

como método apreendido racionalmente.

Como resultado, colima-se chegar à demonstração de que o Constitucionalismo

contemporâneo é consentâneo com a sindicabilidade do ato administrativo, ainda que nutrido

por alguns elementos discricionários (exempli gratia o motivo e o objeto), sujeitando-se, tais

atos, ao controle judicial, desde que respeitados os limites éticopolítico e éticojurídico, sob os

auspícios do Postulado da Proporcionalidade, como meio de afirmação e adiantamento do

Estado Constitucional dos Direitos Fundamentais.

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1. TEORIA DAS NORMAS JURÍDICAS

1.1 Norma jurídica e texto normativo

Trata-se, aqui, do fenômeno da interpretação-aplicação no Direito, sem o qual não

se (re)constrói a norma jurídica-regra e a norma jurídica-princípio, que dependem de

conexões axiológicas ainda não prontas e só reveladas pelo processo interpretativo-aplicativo.

Desfazendo equívocos básicos, é certo afirmar que normas jurídicas não se

confundem com o texto normativo, embora se reconheça que, havendo o dispositivo, este

passa a ser o ponto de partida na construção da norma jurídica, porquanto, no

Constitucionalismo Brasileiro vige o primado do legislador sobre o juiz; não que este esteja

plenamente sujeito ao texto legal, consoante declara Rocha (1995, p.114) ao tratar da força

normativa da Constituição. Sustenta-se uma mudança na postura do Juiz, in verbis:

[...]especificamente, quanto ao princípio da sujeição do juiz à lei, que, a partir da

Constituição, deixa de ser absoluto para ser apenas condicionado, já que, ao juiz, cabe

o poder de rejeitar a aplicação de leis que considere manifestamente inconstitucionais.

Também não é verdadeira a assertiva segundo a qual, para cada texto, existe uma

norma. Não há esta correspondência, podendo a norma ser constituída de vários textos. Em

alguns casos, há a norma jurídica e não há o texto; basta que se parta do costume, que não está

previsto em nenhum dispositivo constitucional e infraconstitucional.

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Vasconcelos (2002, p.27) afirma que não se aplica a lei, norma-texto; aplica-se a

interpretação que se extrai da lei.

Pelo que se observa, as propaladas estabilidade e segurança da própria norma escrita

são relativas, porque, em verdade, o que se aplica é a interpretação normativa, e nunca

a norma em seu presumível e problemático significado original. Ou melhor, suas

reinterpretações, dado que interpretada ela já o foi, quando de sua criação.

Magalhães Filho (2003,p.84), tratando a Hermenêutica como metodologia das

ciências culturais, incluindo-se aí o Direito, argumenta que o cientista do Direito é agente de

mudança social.

Conclui-se, por fim, que o que diferencia um mero técnico de um cientista do Direito

é o conhecimento que o último tem da Hermenêutica, e o que faz de um jurista um

agente de mudança e progresso social é a sua formação ética e humanista.

Complementando o sobredito raciocínio, Muller apud Ávila (2004, p.240) afirma:

O intérprete não atribui ‘o’ significado correto aos termos legais. Ele tão só constrói

exemplos de uso de linguagem ou versões de significado – sentidos – já que a

linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se concretiza como uso, ou melhor,

com o uso.

Aqui se percebe a importância da linguagem como liame entre a norma-texto e o

intérprete, que se revela a cada nova interpretação, em face da peculiaridade de cada caso

concreto, analisado em sua ambiência social.

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Neste diapasão, Falcão (2000, p.79) sustenta que a linguagem não é o próprio texto

normativo, mas pertence ao caso concreto, que, em cotejo com o dispositivo, plenifica-se de

sentido. Desta forma, sem linguagem e ou comunicação, não haveria sentido. Conclui o autor

afirmando, in litteris:

O mesmo sentido que, inesgotável, enriquece em sua abundância o ser humano é o

elemento que, ao se prestar à inserção no discurso, vai colaborar na integração sócio-

política e conseqüentemente, no primado do Direito. Não do Direito que, por força da

imutabilidade, escraviza; porém do Direito que, por obra da fertilidade significativa,

liberta as alternativas de justiça e, por isto, civiliza e semeia a igualdade, à luz da

equidade flexibilizante e, por isso acomodadora, em camadas de interpretações

distintas, das diferentes situações individuais e dos fatos diferentes, embora sob o

pálio das mesmas leis.

Há, na verdade, sentidos anteriores ao processo de interpretação, captados pelo

enunciado de Wittgenstein (apud Ávila, 2004, p.24), quando este se refere aos jogos de

linguagem. Senão vejamos:

[...]há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação, na medida em

que resultam de estereótipos de conteúdo já existentes na comunicação lingüística

geral.

Estas estruturas, a priori de qualquer compreensão, já se encontram incorporadas

ao uso comum da linguagem. Não devem ser desconsideradas, enquanto pontos de vista a

partir dos quais se inicia o processo de interpretação-aplicação, sob pena de se ferir a

segurança jurídica, dissolvendo a normatividade do texto.

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Assim, não há possibilidade de se conceber a ciência do Direito como meramente

descritiva, pois tanto o cientista como o aplicador reconstroem novos sentidos, com base no

dispositivo, que fornece pistas mínimas de sentido e, nas conexões sintáticas e semânticas do

caso concreto a resolver.

1.2 Princípios e regras – distinções

Os princípios, outrora tratados apenas como fontes secundárias do Direito,

ostentam, hodiernamente, novo patamar, sendo a eles conferido o tratamento de normas

jurídicas, convivendo com as regras e também colocados como espécies do gênero norma.

Bonavides (2000, p.243), comentando Joseph Esser, considera, ipsis litteris:

Se não chegam a ser, em rigor, uma norma no sentido técnico da palavra, os

princípios, como ratio legis – prossegue o abalizado jurista – são possivelmente ,

direito positivo, que pelos veículos interpretativos se exprimem, e assim se

transformam numa esfera mais concreta.

Observa-se que, de acordo com Esser, haveria, não apenas uma diferença entre

princípio e regra, quanto ao grau de abstração, mas também uma distinção qualitativa, sendo

discrimen (significando linha divisória, marco duferencial) a função do fundamento

normativo para a tomada de decisão.

Para o jurista alemão Karl Larenz (apud Ávila, 2004, p.27), os princípios

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estabelecem fundamentos para a interpretação e aplicação do Direito, deles

decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.

Segundo Larenz (citado por Ávila, 2004, p. 27), os princípios podem, ainda,

configurar-se em

[...]pensamentos que direcionam uma regulação jurídica existente ou possível, mas

que não se aplicam ao caso concreto, por faltar-lhes o caráter formal de proposição

jurídica; é dizer, carece-lhe a conexão entre uma hipótese de incidência e uma

conseqüência jurídica.

Para Canáris (apud Ávila, 2004, p.29), duas características distanciam regras e

princípios, in verbis:

Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao contrário das regras,

possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para

sua concretização. Em segundo lugar, há o modo de interação com outras normas; os

princípios, ao contrário das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por

meio de um processo dialético de complementação e limitação.

Através de Canáris, vislumbramos dois novos traços na distinção entre regras e

princípios: o primeiro, quando se predica como axiológica a fundamentação exercida pelos

princípios, e se considera distinto seu modo de interação.

Bonavides (2000, p.253), comentando Dworkin, afirma, in verbis:

[...]que as regras, segundo ele [Dworkin], são aplicadas à maneira tudo ou nada (all

or nothing). Se ocorressem os fatos por elas estipulados, averba ele; então a regra será

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válida, e nesse caso, a resposta que der deverá ser aceita; se tal porém não ocorrer, ai

a regra nada contribuirá para a decisão.

A dimensão de peso, ou importância ou valor (obviamente, valor numa acepção

particular ou especial) só os princípios a possuem, as regras não, sendo este talvez, o

mais seguro critério com que distinguir tais normas. A escolha ou a hierarquia dos

princípios é a de sua relevância.

Embora discordando, em parte, já que as regras também possuem dimensão de

peso e que os princípios também são aplicados no modo all or nothing, duas conclusões

devem ser feitas, com base em Dworkin: primeiramente, que tão somente os princípios

possuem uma dimensão de peso, razão pela qual, se um princípio não for aplicado a um caso

concreto, poderá, seguramente, ser aplicado a outro. Em segundo lugar, porque, com as

regras, passa-se de forma distinta, pois, aplicadas no modo tudo ou nada e havendo conflito

entre elas, resolve-se ele com a invalidação de uma delas ou com a previsão de uma cláusula

de exceção, que permita o convívio entre ambas. Nos princípios não se deve perquirir a

validade, pois se parte da premissa de que eles são válidos. Enfim, para Dworkin, a distinção

entre regras e princípios se dá, com mais ênfase, no modo de aplicação e no relacionamento

normativo.

Utiliza-se, doravante, como paradigma, os enunciados de Robert Alexy, para quem

os princípios são mandados de otimização aplicáveis em vários graus, em conformidade com

as possibilidades normativas e fáticas.

Ávila (2004, p.29), comentando Alexy, afirma:

Alexy demonstra a relação de tensão ocorrente no caso de colisão entre princípios:

nesse caso a solução não se resolve com a determinação imediata da prevalência de

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um princípio sobre o outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre

princípios colidentes, em função da qual, um deles, em determinadas circunstâncias

concretas, recebe a prevalência.

É dizer: o caso concreto determina a aplicação de um princípio que tenha maior

peso, prevalecendo, não significando esta assertiva, que, em outro caso concreto, o princípio

que não prevaleceu não possa preponderar, sendo, pois, aplicado.

Daí decorre a definição de princípio, segundo Alexy, como dever de otimização,

posto que aplicado em vários graus, de acordo com as possibilidades normativas, porquanto

depende de outros princípios e regras que a eles se contrapõem e, de possibilidades fáticas, já

que seu conteúdo só é delimitado quando diante dos fatos.

Conclui-se, com Alexy, que o discrimen entre princípios e regras dá-se por dois

fatores: diferença quanto à colisão, (princípios que colidem têm sua realização normativa

limitada reciprocamente) enquanto as regras, no tocante à colisão, têm como conseqüência a

invalidação da regra não aplicada, caso esta não possua cláusula de exceção.

A segunda discriminação consiste na diferença quanto à obrigação que instituem,

posto que as regras instituem obrigações absolutas e os princípios instituem obrigações que

podem ser superadas em função de um princípio colidente.

Algumas objeções foram levadas a cabo, com relação ao conceito de princípio, em

Alexy. O primeiro obstáculo refere-se ao fato de que, na colisão de princípios, também há

declaração de invalidade. Neste caso, a questão resulta de diminuta importância, pois a

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invalidade de um dado princípio decorre do fato de ser ele extremamente fraco, e que, em

nenhuma situação de colisão, prevaleceria, não se refutando o enunciado de Alexy.

A segunda objeção se opõe à primeira, no sentido de que haveria princípios

absolutos, de modo a não poderem ser colocados em ordem de preferência em relação aos

demais, já que sempre seriam aplicados.

No contexto do presente trabalho, mostra-se a doutrina pátria insistindo no

mimetismo de enfatizar uma supremacia do interesse público sobre o privado, como se não

houvesse hipóteses em que o Direito Fundamental individual pudesse preponderar, em um

caso concreto. O interesse que o governante deve considerar como supremo é o interesse

público que se amolda à lei, ainda que de verniz individual.

Não há princípios absolutos, porque a vida gregária requer o compartilhamento de

liberdades entre pessoas, não havendo respeito à dignidade humana se o direito de um

necessariamente comprime, indefinidas vezes, a ponto de sufoco, o direito de outro.

Pensar em princípios absolutos é pensar em reduzir sujeitos à condição de objetos,

o que é impossível, até mesmo quando se reduz o outro à condição de escravo, pois sempre

lhe restará, enquanto vivo, algo de liberdade, ainda que ínfima. Resta reafirmar a máxima

kantiana, segundo a qual o homem deve ser tratado como fim e não como meio.

A última objeção diz respeito à argumentação de que o conceito de princípio é

demasiado amplo, decorrendo disto sua imprestabilidade, uma vez que englobaria todo e

qualquer interesse.

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Esta objeção não deve também prosperar, pois, no caso concreto, a decisão de

prevalecer um princípio em relação a outro deve ser devidamente fundamentada, levando-se

em conta que um dos meios é o postulado da proporcionalidade, não havendo, portanto, a

ação de ferir o princípio da segurança jurídica nem o comprometimento da racionalidade

científica.

1.3 Conceituação das normas jurídicas

Do exposto, percebe-se restarem três critérios diferenciadores de regras e

princípios, a saber: caráter hipotéticocondicional, modo final de aplicação e conflito

normativo.

O critério hipotéticocondicional não é imprestável, pois atenta para o fato de que

as regras possuem um elemento frontalmente descritivo de conduta, enquanto que os

princípios apenas apontam uma direção, um fim, embora tal critério seja objeto de crítica.

É correto dizer que os princípios direcionam, num primeiro momento, uma espécie

de norma-matriz, para, a partir de outros passos, então obter ulterior produção de outras

normas, em geral, regras, embora o critério em comento não informe como se procede. Neste

sentido, é pertinente a crítica de Ávila (2004, p.32), abaixo transcrita:

Assim enunciado, este critério de distinção, ainda contribui para que o aplicador

compreenda a regra como desde já, fornecendo o último passo, para a descoberta do

conteúdo normativo. Isso, no entanto, não é verdadeiro, na medida em que o conteúdo

normativo de qualquer norma – quer regra, quer princípio – depende de possibilidades

normativas e fáticas a seguir verificadas no processo mesmo de aplicação. Assim o

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último passo não é dado pelo dispositivo nem pelo significado preliminar da norma,

mas pela decisão interpretativa.

Percebe-se que Ávila opta pela parte da doutrina em que entende não haver como

dissociar interpretação de aplicação, já que a produção da norma jurídica, através do ato de

decisão interpretativa, acaba se confundindo com a aplicação. Nas entrelinhas, percebe-se,

também, que a ponderação faz parte do todo harmônico interpretação-aplicação.

Partindo-se da premissa de que possibilidade de incidência diz respeito a uma

formulação da linguagem, via argumentação, outra objeção ao critério se faz, baseada na

constatação de que os princípios também podem ser formulados de modo hipotético, tal como,

exempli gratia: Se for descumprida a exigência de determinada hipótese, de incidência de

normas que instituem obrigações para a cobrança de um determinado tributo, então o ato

estatal de cobrança é nulo (princípio da tipicidade).

Por fim, ainda que o Poder Legislativo tenha produzido texto normativo sob a

forma hipotética, não se pode afirmar que, a partir desta norma-texto, não reuniria o intérprete

as condições de obter uma norma jurídica do tipo princípio, pois o nexo entre as normas

constitucionais e os fins e valores que elas veiculam, não se encontra completamente

concluído, antes do processo de interpretação.

Este nexo surge, como já explicitado alhures, com base na reconstrução de

sentidos que o intérprete faz, por via argumentativa, sem menosprezar os limites textuais e

contextuais. Daí não se poder, a priori, dizer que o texto de uma dada Constituição é um

princípio ou uma regra; tudo depende das conexões valorativas que o intérprete intensifica ou

deixa de fazê-lo, conexões estas só aferíveis no processo de interpretação. A outra

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dependência diz respeito à finalidade, que se entende poder ser alcançada, levando-se sempre

em consideração o caso concreto a resolver.

A relevância do caso concreto é tamanha, no processo de produção da norma

jurídica, que Hesse, em aparte colacionado por Bonavides (2000, p.440) afirma,

categoricamente, justificando seu método concretista, que:

Não há interpretação da Constituição independente de problemas concretos.

Ousa-se ir além, ao dizer que não há interpretação de qualquer texto normativo,

seja ele constitucional ou infraconstitucional, sem o cotejo do caso concreto. Daí a

administração pública, no tocante a atos administrativos, no exercício de competência

discricionária, ao praticar atividade infralegal, não dever se furtar à apreciação do caso

concreto.

Vislumbre-se, a seguir, o exemplo em que se percebe, claramente, que a via

argumentativa é fundamental para se definir se uma norma é regra ou princípio. O dispositivo

constitucional brasileiro, previsto no art. 5º, XXXIX, reza que a definição de um novo tipo

penal é condição sine qua non para a incriminação dos fatos, ocorridos após o início da

vigência da lei que os houver instituído como conduta típica e antijurídica (delito), sendo

aplicada a regra constitucional pelo operador do direito, visualizando, na hipótese, o aspecto

imediatamente comportamental, devido à exigência de lei em sentido estrito, publicada

anteriormente ao fato enquadrado como crime.

Argumentando distintamente, o texto constitucional pode ser interpretado e

aplicado como princípio, caso o hermeneuta o concretize com a finalidade de realizar o valor

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segurança jurídica, com o fim precípuo de proibir que alguém seja preso, sem que haja uma

lei penal anterior determinando a conduta como um ilícito penal.

O exemplo serve para demonstrar que, além do fato de qualquer dispositivo poder

vir a se tornar uma regra ou um princípio, dependendo do uso argumentativo do intérprete, ele

ainda desmistifica as afirmações segundo as quais todo e qualquer direito fundamental é

necessariamente um princípio.

É bem verdade que, em sendo o texto constitucional, principalmente o referente

aos direitos e garantias fundamentais, de textura aberta, com muito menos complexidade, dele

se faz surgir, por via interpretativa, um princípio, embora não se deva, de modo apressado,

concluir que, necessariamente, toda norma jurídica produzida por meio do referido dispositivo

seja um princípio.

Aqui, faz-se um reparo à afirmação de Guerra Filho (1999, p.44), quando, no

compêndio Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, este autor sustenta:

[...]cabe agora introduzir nosso tema no contexto da diferença entre normas que são

‘regras’ daquelas que são ‘princípios’, sendo entre essas últimas que se situam as

normas de direitos fundamentais.

Importa afirmar que, mesmo os princípios não sendo normas de caráter

eminentemente descritivo de condutas, eles podem ser interpretados, ainda no nível abstrato, e

indicar padrões de conduta a serem seguidos, mormente se for realizada reconstrução dos

casos mais importantes resolvidos, através de uma norma principal.

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Acompanhando Guerra Filho (1999, p.45), admite-se:

[...]princípios, portanto, têm um grau incomparavelmente mais alto de generalidade

(referente à classe de indivíduos a que a norma se aplica) e abstração (referente à

espécie de fato a que a norma se aplica) do que a mais geral e abstrata das regras.

É dizer, com Ávila (2004, p.35), que

o ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comportamentos e de

conseqüências, no caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e

de conseqüências, o que é algo diverso.

Sobre o critério modo de aplicação final, Ávila também é parcialmente criticável,

pois sua aplicação não está previamente determinada no texto normativo, dependendo sua

aplicação de conexões axiológicas apenas intensificadas por meio de argumentos, que podem,

inclusive, inverter o disposto na norma-texto, modificando o modo final de aplicação, tido, a

priori, como ponto retórico de partida. Senão vejamos o exemplo do crime de atentado

violento ao pudor, com presunção de violência, extraído do arts. 214 e 224, “a” do Código

Penal Brasileiro.

A norma-texto não prevê, a priori, nenhuma exceção, de modo que, havendo

prática de atos libidinosos distintos da conjunção carnal, ainda que mediante consentimento

do adolescente (homem ou mulher) menor de 14 anos, deve-se presumir a violência, de modo

que, no caso haverá condenação do réu, sem qualquer exceção.

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Ocorre que, tanto no atentado violento ao pudor como no estupro, já vem

ocorrendo o processo de uniformização da jurisprudência, no sentido de que, em não havendo

violência real e havendo maturidade psicológica do(a) adolescente, e tendo ele aparência

física de um rapaz ou moça que tenha mais de 14 anos, ainda assim não há crime.

Neste caso, percebe-se mais um avanço da magistratura brasileira, que, não mais

apegada ao sentido literal do dispositivo legal em comento, aos poucos se aparta da concepção

do juiz ‘boca da lei’, enveredando pelos fins buscados pelo legislador, no contexto histórico

atual, em que não mais se vislumbre a mulher como pessoa a priori, frágil, e sem qualquer

conhecimento sobre sexo, e sim a mulher informada e independente, coisa imprevisível ao

legislador em 1940, época em que entrou em vigor a citada lei.

Rocha (1995, p.112) resume a dupla mudança de atitude do juiz, afirmando:

[...]impondo ao Judiciário o dever de aplicar as normas constitucionais e não aplicar

as normas ordinárias com elas incompatíveis, modifica a habitual relação de sujeição

do juiz em face da lei: o juiz assume a postura de ‘censor’ da constitucionalidade das

leis; depois, porque o juiz, sendo obrigado a aplicar as normas portadoras dos valores

de transformação acolhidos na Constituição, deixa de ser agente de conservação de

valores tradicionais, previstos nas normas ordinárias, sobretudo nas normas ordinárias

codificadas, para ser agente de atuação desses valores de transformação previstos na

Constituição.

No caso analisado, percebe-se que a conseqüência estabelecida, a priori, pelo

texto, pode deixar de ser aplicada, mesmo havendo a hipótese de incidência, desde que haja

razões significativas para tanto, assim entendidas, conexões axiológicas que sirvam de base

para fundamentação suficiente do aplicador, superando aquelas que justificam a própria regra.

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Aqui, deve-se ter em mente o argumento de Dworkin, segundo o qual as regras são

aplicadas ao modo “all or nothing”, sofrendo os devidos temperamentos, pois tal aplicação

das regras só tem razão de ser quando as conexões axiológicas já estiverem todas feitas, em

relação ao caso concreto, ou melhor, quando todas as questões referentes à validade , ao

sentido e à subsunção final dos fatos, já estiverem superadas.

Importante é concluir que, tanto princípios como regras levam em consideração as

peculiaridades do caso concreto. Não sendo os princípios normas prima facie descritivas, por

estabelecerem um status quo a ser preservado ou perseguido, sem a descrição pormenorizada

da conduta devida, as peculiaridades do caso concreto são observadas sem óbices

institucionais.

No caso das regras, como há descrição de conduta, a consideração aos aspectos

concretos e individuais, distintos da descrição contida no texto-norma, só pode ser feita com

base em argumentação mais extensa, com base em motivos razoáveis, ao ponto de superar o

obstáculo segundo o qual as regras devem ser obedecidas.

É dizer: havendo regras e princípios de uma mesma hierarquia, ao contrário do que

se defende, deve-se priorizar o atendimento àquelas. Bom que se diga que tal raciocínio

continua privilegiando o legislador que produziu o texto, em relação ao juiz.

Há casos de colmatação do ordenamento jurídico, em que a regra é aplicada sem

que haja hipótese de incidência; basta que haja um caso em que não exista previsão explícita

no ordenamento jurídico e tal situação seja semelhante às hipóteses de incidência previstas

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por uma regra, em que a solução é a aplicação desta regra, ainda que nela não se tenha

incidido, utilizando-se a analogia legis.

Ainda no aspecto tratado, Ávila (2004, p.42) faz reparos às considerações de Alexy,

quando este afirma que o caso individual determina a aplicação de um princípio que tenha

maior peso, prevalecendo, não obstante, em outra situação, o princípio que não prevaleceu,

podendo ser este aplicado. Decorre desta argumentação de Alexy, que os princípios são

mandados de otimização, aplicados em vários graus (mais ou menos), de acordo com as

possibilidades normativas, porquanto dependem de outros princípios e regras que a eles se

contrapõem e, de outras possibilidades fáticas.

Quando se afirma que os princípios são aplicados mais ou menos, centra-se a análise,

em virtude da ausência de descrição da conduta devida, no estado de coisas que pode

ser mais ou menos atingido. Isto significa, porém, que não são os princípios que são

aplicados de forma gradual, mais ou menos, mas é o estado de coisas que pode ser

mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio. Mesmo

nesta hipótese, porém, o princípio é ou não aplicado; ou o comportamento necessário

à realização ou preservação do estado de coisas é adotado, ou não é adotado. Por isso,

defender que os princípios sejam aplicados de forma gradual é baralhar a norma com

os aspectos exteriores, necessários a sua aplicação.

Acirra-se a crítica aos princípios como mandados de otimização, na proporção em

que, para Alexy, eles deveriam ser aplicados em sua máxima medida. No entanto nem sempre

é assim: basta observar quais as colisões existentes entre os princípios.

A primeira delas ocorre quando os princípios são interdependentes, em que a

consecução de um princípio leva necessariamente à realização do outro. Aqui, um princípio

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não limita o outro e vice-versa, ocorrendo o reforço dos dois, que serão aplicados na

necessária medida, não na máxima medida, havendo complementação e limitação recíprocas.

A segunda situação ocorre quando um princípio possui fim excludente da

finalidade do princípio oponente. Nesta condição, não haverá complementação e limitação

recíprocas, mas colisão entre eles, solucionada de modo que um dos dois, no caso concreto, é

afastado, enquanto o outro é aplicado, semelhante ao afastamento das regras, como

preconizado por Dworkin no modo all or nothing, sendo esta a única hipótese em que será

aplicada em máxima medida o princípio prevalente.

Quando ocorre o imbricamento ou entrelaçamento parcial, em que a realização de

um princípio só leve em conta a realização do outro, só há complementação e limitação na

parte em que os princípios estiverem entrelaçados, não havendo o dever de realização na

máxima medida.

Por derradeiro, a hipótese de que a realização da finalidade de um princípio é

indiferente à realização do fim de outro princípio. Nesta situação, não há sequer

entrelaçamento de princípios, não se vislumbrando colisão entre eles. Conclui-se que os

princípios também são aplicados no modo all or nothing, e não necessariamente na medida

máxima. Ávila (2004, p.55), citando Aulis Aarnio e Alexy, afirma:

Os princípios, eles próprios, não são mandados de otimização. Com efeito, como

lembra Aarnio, o mandado consiste numa proposição normativa sobre os princípios, e

como tal, atua como regra (norma hipotético-condicional): será ou não cumprido. Um

mandado de otimização não pode ser aplicado mais ou menos. Ou se otimiza, ou não

se otimiza. O mandado de otimização diz respeito ao uso de um princípio: o conteúdo

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de um princípio deve ser otimizado no processo de ponderação. O próprio Alexy

passou a aceitar a distinção entre comandos para otimizar e comandos para serem

otimizados.

Por fim, o critério conflito normativo, de nosso particular interesse, pois nossa

pesquisa versa sobre a invasão da esfera dos Direitos Fundamentais dos administrados, por

atos administrativos, manejados no uso de competência discricionária, utilizando-se o suposto

“princípio” da supremacia do interesse público, envolvendo, portanto, colisão de direitos

fundamentais.

Não é plenamente adequado falar que existe apenas ponderação de princípios e

que somente eles possuem uma dimensão de peso. Advoga-se a tese de que a ponderação não

é transcendente, mas imanente ao processo interpretação-aplicação, pois envolve o

balanceamento de razões e fins, prós e contra, e que somente após este sopesamento surge a

norma-decisão.

Há casos em que regras, in abstracto, convivem em harmonia e que, em concreto,

podem entrar em conflito, sem que necessariamente seja declarada a invalidade de uma delas.

Ávila (2004) ilustra, com a regra do Código de Ética Médica segundo a qual ‘o médico deve

dizer a verdade a seu paciente’, a qual, em abstrato, convive com a regra por meio da qual ‘o

médico deve se utilizar de todos os recursos possíveis para curar o paciente’ (p.45).

Diante de caso concreto, em que a cura dependa diretamente da manutenção de um

equilíbrio psicológico do paciente, deve haver o sopesamento de razões e fins, prevalecendo a

regra da cura em detrimento da regra da sinceridade com o paciente, sem que esta última seja

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declarada inválida, pois, na maioria das situações, ela continuará sendo observada e, não fora

o caso descrito, porque se privilegiou o valor vida, sobrepondo-o ao valor sinceridade.

Soma-se o fato de que o conteúdo preliminar das regras pode ser superado por

razões contrárias, por meio do balanceamento de razões, como soe ocorrer, no cotejo das

regras com suas cláusulas de exceção. Estando a cláusula de exceção prevista na própria

ordem jurídica, o intérprete/aplicador, ponderará fundamentos prós e contras e, do fruto de

seu ato de argumentação, explicitará, de modo fundamentado, as razões pelas quais se decidiu

pela regra ou pela clausula de exceção.

Vamos supor que haja uma norma-texto deixando em oitenta quilômetros por hora

a velocidade máxima permitida em uma via de trânsito rápido, embora o próprio código de

trânsito traga a cláusula de exceção em que tolera a transponibilidade do limite acima exposto,

quando levado a termo para se salvar uma vida.

Um servidor público do Corpo de Bombeiros desenvolve, em sua viatura,

velocidade de 110 km/h, no sentido de assegurar a sobrevida de três pessoas gravemente

feridas em acidente de trânsito. A viatura é fotografada por fotossensor. Comprovada a

ocorrência, o Departamento de Trânsito lavra o auto de infração administrativa, notificando a

instituição pública, conferindo prazo para que esta se defenda. Ela, então, informa o motivo

pelo qual se violou o limite de velocidade, de modo que o DETRAN possa ponderar as razões

e os fins pelos quais a regra deve ser aplicada, a saber: prevenir o risco abstrato de mortes e

lesões causadas pela velocidade excessiva do automóvel, e das razões e fins que levaram o

Corpo de Bombeiros a estar com velocidade assaz superior à permitida (evitar três mortes,

com risco concreto de ocorrerem), o DETRAN opta por eleger a cláusula de exceção.

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No caso do exemplo de atentado violento ao pudor, não havia, explicitamente, uma

cláusula de exceção e, ainda assim, o intérprete-juiz analisou as razões pelas quais deve, a

pessoa que praticou atos libidinosos com outra menor de 14 anos, ser responsabilizada

penalmente, e as razões pelas quais ela não deve ser responsabilizada. Se estas razões forem

mais relevantes, cria-se uma exceção à regra. O juiz, no caso em comento, utiliza a sua

atividade criadora, movendo-se no exercício de sua competência discricionária, para

argumentar que não há norma-decisão pré-concebida tampouco fatos prontos.

Rentería (2002, p.24), tratando de uma das fontes de poder do juiz, em um Estado

Democrático de Direito, demonstra como é possível o juiz ter atividade criativa:

Los jueces gozan de amplios espacios de manobra durante la

aplicación de la ley, en razón, precisamente, de la necesidad de que el

juez sea independiente en las modernas democracias, y también por

razones intrínsecas al mismo proceso: la indeterminación y la

vaguedad del linguage mediante el cual se expresan las disposiciones

jurídicas, y, finalmente, los espacios discrecionales de naturaleza

técnico-intencional que con frecuencia el legislador deja en manos del

juez.

Existe, pois, um processo de valoração de razões e fins, através do balanceamento

dos argumentos favoráveis à regra e de argumentos contrários, o que faz surgir uma cláusula

de exceção implícita e ou a aplicação da cláusula já prevista pela ordem jurídica.

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Necessário é que se diga que a superação axiológica das razões, previstas em

situação não vislumbrada por cláusula de exceção, em relação às razões pelas quais se

fundamenta a regra, devem restar claras e ser mais intensas do que quando a superação

axiológica ocorre em favor de uma cláusula de exceção explícita, em nome do princípio da

segurança jurídica.

Poder-se-ía argumentar que, entre regras e cláusulas de exceção, não haveria o

entrelaçamento ou imbricamento que há nos princípios, no caso concreto, porque as regras são

interpretadas e os princípios ponderados e, também pelo motivo de que não há conflito entre

regra e sua cláusula de exceção explícita, pois só e exclusivamente uma delas é aplicada, no

caso concreto. Ávila (2004, p.47) entende que tal argumentação não refuta o enunciado de que

há ponderação de regras.

A uma, porque não se pode extremar a interpretação da ponderação. Com efeito, a

decisão a respeito da incidência das regras depende da avaliação das razões que

sustentam e daquelas que afastam a inclusão do conceito no conceito previsto na

regra. Se, ao final, pode-se afirmar que a decisão é de mera subsunção de conceitos,

não se pode negar que o processo mediante o qual esses conceitos foram preparados

para o encaixe final é da ordem da ponderação de razões. A duas porque não é

consistente a afirmação de que no caso das regras e de suas exceções há a aplicação

de uma só norma, e no caso do imbricamento de princípios há a aplicação de ambas.

Ora, quando o aplicador atribui uma dimensão de peso maior a um dos princípios, ele

se decide pela existência de razões maiores para a aplicação de um princípio em

detrimento do outro, que, então, pode deixar de irradiar efeitos sobre o caso concreto.

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Aqui, percebe-se que o princípio também pode ser aplicado, ao modo “all or

nothing”, e que tanto a colisão de princípios como a de regras podem ser resolvidas pela

ponderação de razões e fins.

Porém, a distinção está na diferença da contribuição do intérprete na determinação

in concreto da relação entre princípios ou regras que se entrelaçam, por via argumentativa.

Outra diferença é o modo de ponderação, que entre regra geral e cláusula de exceção explícita

possuem menor amplitude de apreciação, dado que as regras já possuem um elemento

descritivo, ou melhor, um conteúdo normativo inicial.

No caso de entrelaçamento de princípios, há maior amplitude de apreciação, já que

estes estabelecem apenas um estado de coisas a ser buscado. A atividade de ponderação é

vislumbrada claramente nas hipóteses de regras advindas de normas-texto de textura aberta,

como é o caso dos textos que contêm Direitos Fundamentais. Nessa situação, deve o aplicador

observar a finalidade da regra e, após a ponderação das circunstâncias do caso, optar pelo

elemento de fato prioritário, para definir a finalidade da norma-regra a ser construída.

Percebe-se, aqui, que as regras também são normas de fim, pois têm como dever,

embora mediato, a manutenção de certa lealdade às finalidade subjacentes. Suponhamos,

exempli gratia, que, em uma determinada empresa pública ferroviária, exista uma norma que

proíba a entrada de cães nas estações de trem destinadas ao transporte de passageiros. Não se

pode negar que a finalidade da proibição é a preservação da incolumidade física dos usuários.

Prima facie, a proibição é absoluta.

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Suponha, agora, haver uma pessoa cega que se locomove com o auxílio de um cão

pequeno, manso, e adestrado para guiá-lo. Neste caso, o interprete não deve se apegar

somente à palavra cão, que o levará a subsumir a norma ao fato (pessoa com cão), proibindo a

entrada da pessoa cega; mas também deverá observar a razão justificativa da regra que impõe

a proibição (proteção da incolumidade pública e sossego dos usuários), abrindo-se a

possibilidade de não aplicar a regra, permitindo-se a entrada do animal com seu dono, pois o

cão, nestas circunstâncias, representa os ‘olhos’ da pessoa cega, além de não causar

transtornos aos usuários.

Também não se deve olvidar que a atividade de sopesamento de regras ocorre,

com certa freqüência, no sistema common law, na medida em que os precedentes, embora não

sejam nem autodefiníveis, tampouco autoaplicavéis, também possuem um elemento

descritivo, que somente é superado mediante a ponderação de razões e fins.

Por fim, como já descrito, a analogia e também o argumento em contrário são

aplicados com base na ponderação de razões e fins, caso a superação axiológica das razões

previstas em situação não vislumbrada pelo legislador (no caso da analogia) forem mais

relevantes em relação às razões e fins pela quais se fundamenta a regra.

Nenhuma norma jurídica possui dimensão de peso, e sim razões e fins a que tanto

princípios como regras fazem referência, a ela devendo ser atribuída uma dimensão de

relevância.

Há incorreção quando se enfatiza que os princípios têm uma dimensão de peso. A

dimensão de peso não é algo que já esteja incorporado a um tipo de norma. As

normas não regulam sua própria aplicação. Não são pois os princípios que possuem

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dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser

atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o

peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em função do caso

concreto.(ÁVILA,2004,p.53)

Günther (apud Ávila, 2004, p.53) sintetiza o assunto ao afirmar que “a dimensão

de peso não é atributo empírico dos princípios, justificador de um diferença lógica

relativamente às regras, e sim um resultado de juízo valorativo do aplicador.”

Conclui Günther, citado por Ávila (2004, p.50-51), que

[...]a dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de

qualquer norma jurídica, como comprovam os métodos de aplicação que relacionam,

ampliam ou restringem o sentido das regras em função dos valores e fins que elas

visam a resguardar. As interpretações, extensivas e restritivas, são exemplos disso.

Importa dizer que os postulados entram na discussão, quando o assunto é a

estruturação da aplicação das normas jurídicas, porquanto estas não regulam sua própria

aplicação. Especificamente, no assunto colisão de Direitos Fundamentais, em que há uma

ponderação de bens e direitos, sobressai-se o postulado da proporcionalidade.

Resta-nos apontar o entendimento, ancorado em Ávila (2004):

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com

a pretensão de decidibilidade e abarcância, para cuja aplicação se exige a avaliação da

correspondência , sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios

que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da

descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

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Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e

com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se

demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os

efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (p.70)

Os princípios são primariamente complementares e preliminarmente parciais, pois

abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para a tomada de decisão, não pretendendo

gerar uma solução específica, e sim complementar, ao lado de outras razões, a consecução da

norma-decisão.

Percebe-se haver maior interdependência entre os princípios, porquanto

estabelecem diretrizes a serem buscadas, sem, no entanto, descreverem a conduta adequada

para a realização do status quo pretendido, tendo as diretrizes valorativas de cada princípio

um conteúdo bastante genérico. Tais conteúdos acabam por se imbricarem, embora não

necessariamente entrem em conflito.

As regras jurídicas são, preliminarmente, decisivas e abarcantes, porque tencionam

abranger, in totum, aspectos importantes para a feitura da norma-decisão. Resta dizer que, em

relação à pretensão de decidibilidade, existe uma refutação em relação ao dogma, segundo o

qual, havendo colisão entre uma regra e um princípio, este necessariamente prevalece.

Do exposto se pode argumentar, com mais segurança, que, havendo colisão entre

uma regra e um princípio, ambos de uma mesma hierarquia, deve-se priorizar a regra, já que

sua conduta, imediatamente descritiva, só deve ser superada por razões extremamente

substanciais ou se colidir com princípios superiores.

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Prevalecendo a regra jurídica, também se está priorizando, neste estudo, a opção

do legislador, já que este se cinge à produção de texto normativo, com a intenção de que o

intérprete-juiz não se distancie em demasia do mesmo, dando a ele conotações mais

descritivas, além do fato de que o parlamentar ou o administrador público, ao produzir tais

textos, embora pretenda, em regra, que ele tenha vigência prolongada, fá-lo com base em uma

visão retrospectiva.

Princípios são valores? Em alguma medida, Bonavides (2000, p.248) assim os

considera.

São momentos culminantes de uma reviravolta na região da doutrina, de que resultam

para a compreensão dos princípios jurídicos importantes mudanças e variações acerca

do entendimento de sua natureza: admitidos definitivamente por normas, são normas-

valores com positividade maior nas Constituições do que nos Códigos; e por isto

mesmo providos, nos sistemas jurídicos, do mais alto peso, por constituírem a norma

de eficácia suprema.

Abbagnano apud Vasconcelos (2002) assim define valor:

Mas o que é o valor? A melhor definição dele é aquela que o considera como uma

possibilidade de escolha, isto é, com uma disciplina inteligente das escolhas, que pode

conduzir a eliminar algumas delas ou declará-las irracionais ou nocivas, e pode

conduzir(e conduz) a privilegiar outras, prescrevendo a sua repetição cada vez que

determinadas condições se verifiquem. (p.232)

Pela definição de valor, leva-se em consideração uma disciplina racional de

escolhas, elegendo uma determinada postura diante de um conjunto de situações semelhantes,

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repetindo-a tantas quantas forem as oportunidades que se aproximem da situação

assemelhada.

Assim, não há como confundir princípios com valores, embora estejam

reciprocamente relacionados, na proporção em que o estabelecimento de fins implica

qualificação positiva de um status quo que se pretende preservar ou promover.

Os princípios afastam-se dos valores porque, enquanto os princípios se situam no

plano deontológico e por via de conseqüência, estabelecem a obrigatoriedade de

adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas, os

valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleológico e, por isso, apenas

atribuem uma qualidade positiva a determinado elemento. (ÁVILA, 2004, p.72)

1.4 Eficácia dos princípios

Urge, também, discorrer sobre a eficácia. Não apenas a eficácia formal, entendida

como aptidão da norma jurídica para gerar efeitos; mas, pensar também a eficácia enquanto

instância de validade social das normas jurídicas.

[...]enquanto o conceito de vigência se esgota no âmbito da norma legal, o de eficácia

tem sua projeção dirigida para o fato social, no qual se concretiza. Reponta a

importância da valoração do fato, para que a norma seja eficaz, ou melhor, para que

haja Direito. Não sem razão, sublinha Jellinek a força normativa do fato social. Se o

legislador não o distinguiu, desconhecendo sua influência, ele assim mesmo tem

condições de insinuar-se no mundo do Direito. (VASCONCELOS, 2002, p.229)

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Comecemos pela eficácia dos princípios, dizendo que há possibilidade dos

princípios serem aplicados diretamente ao caso concreto, sem intermediação de regra ou outro

princípio hierarquicamente inferior. Tal ocorre quando o legislador não vislumbrou

determinada situação, servindo-se dele o juiz para colmatar as lacunas do ordenamento

jurídico.

Com a intermediação de outro princípio ou de regra jurídica, os princípios

exercem várias funções. Possui o princípio função interpretativa se for princípio

hierarquicamente superior, conferindo ao subprincípio sentido, seja ampliando, seja

restringindo.

Este mesmo subprincípio tem, em relação ao sobreprincípio, função definitória, na

medida em que define os contornos do comando mais amplo, previsto pelo princípio de maior

hierarquia.

Há uma terceira atuação dos princípios, quando eles colocam à margem, por

exemplo, elementos descritivos de uma norma, por serem incompatíveis com o status quo a

ser promovido.

Ávila (2004, p.80) afirma que os sobreprincípios, por serem princípio da maior

hierarquia, possuem função articuladora, “já que eles permitem a interação entre os vários

elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado.”.

1.5 Modelo tripartite das normas jurídicas

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Quando Ávila (2004,p. 60-61) propõe como critério de dissociação de normas as

alternativas inclusivas, voltam à carga os postulados. Sua argumentação é no sentido de um

modelo tripartite, no sentido de que um dispositivo ou mesmo vários, podem dar origem a

uma regra e ou a um princípio ou a um postulado. Senão vejamos, in litteris:

Ao invés de alternativas exclusivas entre as espécies normativas, de modo que a

existência de uma espécie excluiria a existência das demais, propõe-se uma

classificação que alberga alternativas inclusivas, no sentido de que os dispositivos

podem gerar, simultaneamente, mais de uma espécie normativa.

Analise-se o dispositivo constitucional segundo o qual todos devem ser tratados

igualmente. É plausível aplicá-lo como regra, como princípio e como postulado.

Como regra, porque proíbe a criação ou aumento de tributos que não seja iguais para

todos os contribuintes. Como princípio, porque estabelece como devida a realização

do valor igualdade. E como postulado, porque estabelece um dever jurídico de

comparação a ser seguido na interpretação e aplicação, preexcluindo critérios de

diferenciação que não sejam aqueles previstos no próprio ordenamento.

De modo que o “nascimento” de uma regra, de um princípio ou de um postulado,

depende da argumentação, devidamente fundamentada, do intérprete/aplicador, ou melhor, do

magistrado. É dizer: os postulados normativos não possuem nem a dimensão imediatamente

comportamental, típica das regras, nem a dimensão finalística, própria dos princípios,

possuindo a dimensão metódica, organizando, coordenando e impondo condições a serem

observadas, quando da aplicação das regras e dos princípios. Neste sentido,

Superou-se o âmbito das normas para adentrar o terreno das metanormas. Esses

deveres situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de outras

normas, princípios e regras. Como tais, eles [os postulados normativos] permitem

verificar os casos em que há violação às normas cuja aplicação estruturam. Só

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elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade,

proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas –

princípios e regras – que deixaram de ser aplicadas. (ÁVILA, 2004, p.88)

Como metanormas, os postulados situam-se em plano distinto das normas que

estruturam a aplicação. É dizer: são normas metódicas. Ao contrário dos princípios, não são

normas imediatamente finalísticas, não impondo a realização de determinado fim, embora

estruturem a aplicação do dever de promover um fim; por outro lado, não prescrevem

reflexamente condutas, mas formas de raciocínio e de argumentação relativamente a

princípios. Também se arredam das regras, porque não descrevem imediatamente condutas,

não obstante lhes estruturem a aplicação.

[...]a análise dos postulados de razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo,

está longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam,

em vez disso, a ordenação e a relação entre vários elementos(meio e fim, critério e

medida, regra geral e caso individual, e não um mero exame de correspondência

entre a hipótese normativa e os elementos de fato.(ÁVILA,2004,p.89-90)

Ávila resolve superar as dificuldades de enquadrar o postulado da

proporcionalidade, chamado de máxima ou topos argumentativo por Guerra Filho ou ainda de

princípios de legitimação, dentre outras denominações.

Por fim, cabe à aplicação do postulado da proporcionalidade em todas as

oportunidades em que houver uma medida concreta tomada, destinada à consecução de um

fim, em que a relação meio e fim passará pelo exame de adequação (relação empírica entre

meio e fim), necessidade (verificação do meio que promova o fim, com menor restrição aos

direitos fundamentais) e, por fim, o exame da proporcionalidade em sentido estrito

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(contabilização de benefícios, comparando a importância da realização do fim e a intensidade

da restrição aos direitos fundamentais).

O presente estudo trata tão somente do postulado da proporcionalidade, porque

apto a informar se o ato administrativo atingiu seus fins constitucionais ou legais, a saber: o

específico interesse público, de uma forma proporcional e razoável e, portanto, constitucional,

ou assim não aconteceu, decorrendo nulidade ipso jure da medida administrativa, por parte do

Juiz, pela inconstitucionalidade derivada da desproporção.

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2. INTERPRETAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Hermenêutica é a parte da filosofia que aplica técnicas de interpretação. No

Direito, uma técnica específica faz irradiar sua aplicabilidade e compreensão sobre as normas

jurídicas.

Passemos à interpretação dos direitos fundamentais, assinalando a crítica de

Bonavides (2000, p.420) ao jurista tradicional, in verbis:

O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional é querer exatamente

desmembrá-la de seu manancial político e ideológico, das nascentes da vontade

política fundamental, do sentido quase sempre dinâmico e renovador que de

necessidade há de acompanhá-la.

Os métodos clássicos de interpretação de Savigny, baseados exclusivamente no

raciocínio dedutivo, germinam quase satisfatoriamente na esfera do Direito Privado, posto

que utilizados apenas para resolver questões jurídicas. Demonstravam-se insuficientes para a

hermenêutica constitucional, posto que a Constituição, embora tenha uma dimensão jurídica,

tem dimensão política, de modo a que esta dimensão decorre de todo um manancial de

interesses em conflito.

Desconsiderando a dimensão política da Constituição, Ernest Forsthof, citado por

Steinmetz (2001), deixa transparecer que o método da nova hermenêutica geraria

insegurança jurídica, afirmando:

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Como ley, la Constitución está subordinada a las reglas de interpretación válidas

para las leyes. Con esto la Constitución se hace patente en su sentido y es controlable

en su ejecución. Su estabilidad se obtiene de los límites que se han trazado en la

interpretación de la ley por su objeto.( p.79)

A preocupação de Forsthoff era com a possibilidade de o método concretista

dissolver a normatividade da Constituição. Ocorre que seu apego à segurança jurídica,

possibilita a produção de injustiças, já que a utilização dos tradicionais métodos, “engessam”

o Direito Constitucional, que também é Direito Político e, assim fazendo, também imobilizam

o Direito Administrativo, que encontra seus fundamentos muito mais na Constituição do que

na lei.

Friedrich Muller (apud Steinmetz, 2001, p.81), concorda com Forsthoff, quanto ao

rigor técnico para a interpretação da Constituição, possibilitando a segurança jurídica, embora

não seja a hermenêutica tradicional, apta, de modo isolado, para solucionar as questões

constitucionais. Senão vejamos:

Tanto menos se pode reconhecer nos direitos fundamentais e na maioria das normas

restantes da Constituição enquanto lei ‘política’ institutos apreensíveis de forma

puramente técnica, cuja realização não deve formular para a hermenêutica e

metodologia jurídica nenhum problema que transcenda o organon silogístico.

Indispensável é que se frise serem as regras de Savigny critérios metodológicos,

que não devem ser desconsiderados na hermenêutica constitucional. Sobre as peculiaridades

das normas constitucionais, Barroso, comentado por Steinmetz (2001, p.82), afirma, ipsis

litteris:

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(a) a superioridade hierárquica da Constituição confere à lei maior o caráter

paradigmático e subordinante de todo o ordenamento, de forma tal que nenhum ato

jurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravier seu sentido;

(b) a natureza da linguagem que dá aos preceitos constitucionais maior abertura,

maior grau de abstração e conseqüentemente menor densidade jurídica; (c) o

conteúdo específico, porque ao lado das normas de conduta, os enunciados

lingüísticos expressam normas de organização – que estruturam o Estado e

disciplinam a criação e aplicação de normas de conduta, que não se apresentam sob a

forma de juízo hipotético e não geram direitos subjetivos – e normas programáticas;

(d) o caráter político das normas veiculadas pela Constituição, quando a origem, ao

objeto e aos resultados de sua aplicação.

Aqui, salta aos olhos a relevância da linguagem constitucional, de modo que o

hermeneuta, com “os olhos postos” também na Constituição, seja ele constitucionalista ou

administrativista, deve interpretá-la de modo a explicitar suas versões de significado,

consoante os fins e os valores entremostrados na linguagem da Carta Magna.

Assim procedendo, o intérprete/aplicador, seja ele juiz ou administrador público,

pereniza a Constituição, através da mutação constitucional, evitando um permanente trabalho

do legislador constituinte seja ele o derivado, através das emendas; ou o originário, através da

feitura de uma nova constituição, já que a ‘velha’, teve sua normatividade dissolvida quase

plenamente.

Urge que se faça um repasse com relação à nova hermenêutica, da tópica à

hermenêutica concretizante Mulleriana, já que o postulado da proporcionalidade, por ter como

foco o caso concreto, possui feições tópicas. Diversamente do que acreditavam os positivistas

racionalistas, para Theodor Vihweg o pensamento jurídico é tópico.

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Não se pode afirmar que a tópica é contrária à lógica dedutivista, embora ela

descarte tal lógica como único meio para controle da certeza racional. Para Nicolai Hartmann

apud Bonavides (2000, p.447),

[...]o pensamento sistemático parte do todo. A concepção é aqui primordial e

permanece dominante. Não buscamos aqui o ponto de vista senão o que

presumimos(...). Conteúdo do problema que não se compadece com o ponto de vista é

recusado.

O modo aporético (idêntico ao pensamento tópico) de pensar, em tudo procede

diferente. Os problemas se lhes afiguram sagrados. Não conhece nenhum fim da

pesquisa que não seja o da investigação do problema mesmo. O próprio sistema não

lhe é indiferente, mas vale para ele apenas como idéia, como perspectiva. Não se põe

ele em dúvida a existência do sistema, apenas encontra o que o determina latente em

seu próprio pensamento.

O elemento volitivo é instrumento que prepondera no método tópico, enquanto o

elemento cognitivo pesa mais na inquirição dedutiva, lógica e sistemática. Sobre a inserção do

método tópico, como superação do método clássico, vale observar Bonavides” (2000), quando

afirma:

A Constituição representa pois o campo ideal de intervenção ou aplicação do método

tópico em virtude de constituir na sociedade dinâmica uma estrutura ‘aberta’ e tomar,

pelo seus valores pluralistas, um certo teor de indeterminação. Dificilmente uma

Constituição preenche aquela função de ordem e unidade, que faz possível o sistema

se revelar compatível com dedutivismo metodológico. Diante destes obstáculos, só a

tópica, como hermenêutica específica, estaria adequada metodologicamente a resolver

dificuldades inerentes à Constituição nos seus fundamentos. (p.452)

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Segundo a tópica, todos os meios interpretativos, inclusive os clássicos, são

considerados, desde que convergentes à solução do problema. A argumentação tem por ponto

de apoio o consenso e, por ponto de partida a compreensão prévia, tanto do problema como da

Constituição. Registre-se a crítica de Canáris (apud Bonavides, 2000), ipsis litteris:

O raciocínio tópico corre sempre o risco de menosprezar o mandamento da

congruência e da unidade intrínseca da ordem jurídica, por voltar com demasiada

intensidade para a compreensão isolada da maneira mais estreita possível. (p.452)

Quanto à metódica estruturante de Friedrich Muller, não resta dúvida de que teve

como paradigma o raciocínio tópico, embora o tenha ultrapassado. Busca seu método

aproximar a Constituição-forma da Constituição-matéria, confrontando a realidade social com

a Constituição.

Para Muller, a interpretação da norma jurídica se qualifica como concretização. A

norma constitucional é mais do que texto normativo. Muller (apud Bonavides, 2000) explica

que “não é possível isolar a norma da realidade. Antes, é a realidade, em seus respectivos

dados (círculo ou âmbito da norma) que é afetada pela disposição da norma (programa

normativo), o elemento material constitutivo da própria norma”. (p.456)

Muller comenta que a interpretação do texto da norma é parte importante e, por

isso, não é jamais desconsiderada. Mas não é a única, seguindo-se, a partir dela, norma-

programa, que inclui interpretação feita por métodos tradicionais e métodos da nova

hermenêutica, dando origem à norma-programa. Após, esta norma é cotejada com a

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ambiência social e com o caso concreto, para ao final produzir-se a norma-decisão; de modo

que, para Muller, é mais adequado falar em concretização do que em interpretação.

Dizendo de outra forma, a norma jurídica não é o texto da Constituição, mas

constitui-se, após o cotejo do texto com a realidade vivencial. Dizendo mais, o texto da lei não

é a norma, mas o produto final da interpretação/aplicação do mesmo, com os olhos postos na

hipótese vertente e na Constituição Federal. O que Muller chama de concretização, nada mais

é do que aquilo que chamamos de interpretação/aplicação da norma jurídica.

Sobre o método concretista da Constituição aberta, de Peter Haberle, importa dizer

que o autor também é de influência tópica.

[...]a interpretação em sentido estrito, que o juiz leva a cabo no desempenho ordinário

de seu trabalho profissional, padece o influxo da própria interpretação que ele

também exercita em sentido lato e que resulta em grande parte de seu tirocínio,

conforme o debate hermenêutico acerca da ‘compreensão prévia’ já demonstrou

sobejamente.(HABERLE apud BONAVIDES, 2000,p.470)

Estendendo a interpretação a todas as pessoas, sugerindo uma ‘sociedade dos

intérpretes’, Haberle, tenciona democratizar a interpretação por meio da força produtiva do

pluralismo, que, em si, traria melhores soluções, por meio do processo dialético entre

consensos e dissensos, entre todas as pessoas.

Logo, não é só o legislador, o magistrado e o administrador público que devem

interpretar a Constituição, mas também o cidadão, afetado pelos atos de outros cidadãos e do

Estado, que invadem sua esfera de direito, especialmente os fundamentais.

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Este método, por suas raízes democráticas, a um só tempo conferiria legitimidade

de exercício ao juiz que tivesse formação jurídica, política e sociológica; terminaria por negar

o caráter de legítimo ao juiz ‘boca da lei’.

A crítica que se faz a Haberle é comum aos demais métodos concretistas e tópicos,

no sentido de possibilitar o afrouxamento da normatividade e da juridicidade da Constituição,

creditando excessiva importância à dimensão política e deixando ao “rés do chão” a dimensão

jurídica. Vale anotar que esta crítica também seria possível quando do reexame dos atos

administrativos, por parte do Poder Judiciário, porquanto tal postulado vislumbra o caso

concreto.

Tais Críticas não são de todo razoáveis, pois métodos concretistas, como o de

Muller, se aplicados com critério e respeitados os limites da norma-texto, embora sobreleve o

caráter político da Carta Magna, não o faz em excesso, razão pela qual não dissolve a

Constituição normativa.

2.1. Colisão de direitos fundamentais

Após tratar das distinções entre princípios e regras e entre estes dois e os

postulados normativos, detectou-se a colisão de direitos fundamentais, que se caracteriza

como ponderação de bens. A ponderação é necessariamente concreta, ressalvando-se que

nenhuma norma jurídica tem dimensão de peso, e sim as razões e os fins aos quais tanto os

princípios como as regras fazem referência e devem conter uma dimensão de relevância.

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José Carlos Vieira de Andrade (apud Steinmetz, 2001, p.63) afirma:

[...] haverá colisão ou conflito sempre que se deva entender que a Constituição

protege simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta (...) O

problema agora é outro: é o de saber como vai resolver-se esta contradição no caso

concreto, como é que se vai dar solução ao conflito entre bens, quando ambos (todos)

se apresentam efetivamente protegidos como fundamentais.

A preocupação se dá pelo fato de que, nos Estados Constitucionais do Direito

Fundamental, as normas de direito fundamental possuem eficácia plena, levando o

hermeneuta mais apressado a concluir que deveriam estar aptas para gerar os seus efeitos,

independentemente das circunstâncias fáticas e jurídicas.

Cada ser humano, cada coletividade de pessoas e o Estado, encarregado de

operacionalizar os direitos fundamentais prestacionais, poderia exercer plenamente um a um,

seus direitos fundamentais? Antes de responder, é bom ter presente o argumento de

Vasconcelos (2003, p.118):

O Direito, ele próprio, não representa uma desvantagem para o ser humano. Foi,

antes, a solução. É de outra espécie a inferioridade congênita do homem, e significa

precisamente não poder exercitar ele, de modo pleno, seu dom de liberdade. Se quiser

usufruí-la, há de limitá-la através do Direito, que deste modo se apresenta como

instrumento de compartição de liberdades.

É dizer: tendo as pessoas que compartilhar liberdades, não há direitos absolutos,

daí o porquê dos direitos fundamentais entrarem em conflito, no caso concreto. As situações

em que há conflito são três, nomeadamente: a concorrência dos direitos fundamentais, os

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conflitos entre direito fundamental e um bem jurídico constitucional e a colisão de direitos

fundamentais, dita colisão em sentido estrito. Cingir-nos-emos às duas últimas, porque é onde

efetivamente se dá a colisão lato sensu dos direitos fundamentais.

[...]colisão em sentido estrito ocorre quando o exercício ou a realização do direito

fundamental de um titular de direitos fundamentais tem conseqüências negativas

sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais. Colisões em

sentido amplo ocorrem quando há uma colisão entre direitos individuais fundamentais

e bens coletivos constitucionalmente protegidos” (ALEXY apud STEINMETZ, 2001,

p.66).

Sobre a colisão em sentido amplo tem-se como exemplos: 1) a colisão de exercício

profissional dos produtores de tabaco e saúde pública; 2) a colisão entre a liberdade de um

acusado de crime hediondo e a segurança pública interna.

A literatura jurídica costuma classificar os casos concretos em rotineiros e difíceis.

Os rotineiros são os que exigem uma simples ou mera aplicação de textos normativos, com

raciocínio simplesmente dedutivo.

Os casos difíceis são intitulados hard cases. Neles, a decisão normativa final não é

fruto da simples interpretação de normas; não há sequer pronto enquadramento normativo

nem solução unívoca.

[…]un caso jurídico puede ser difícil de resolver por diversas razones. Básicamente,

por alguna de estas cuatro: no existe (o no está claro que exista) una norma jurídica

válida que se aplique al caso; la norma jurídica existe, pero su interpretación, en

relación con el caso, ofrece problemas; no está claro que se hayan producido los

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hechos que configurarían el supuesto previsto en la norma; los hechos sí que se han

producido, pero su calificación jurídica resulta controvertida. (ATIENZA apud

STEINMETZ, 2001, p.68)

São as colisões de direitos fundamentais exemplos típicos de hard cases, pois

possuem a mesma hierarquia, em abstrato, e força vinculante, forçando a decisão legislativa

ou judicial a satisfazer os princípios de interpretação constitucional, principalmente os

princípios da unidade da Constituição, da máxima efetividade dos direitos fundamentais e da

concordância prática, além da aplicação do postulado da proporcionalidade, como veremos

mais adiante.

Dos poderes públicos, o executivo é quem mais atua na solução da colisão de

direitos, posto que é dado a ele o primeiro exame, porquanto sua função típica consiste na

administração da res pública. Neste sentido, com mais intensidade em relação à colisão em

sentido amplo, posto que, praticando atos administrativos, faz, dentre direitos fundamentais

individuais e bens coletivos constitucionalmente protegidos, aquele que deve prevalecer, no

caso concreto.

O reexame cabe ao Poder Judiciário, que avalia se ato administrativo que atingiu

direitos fundamentais individuais observou o direito e não apenas o princípio da legalidade,

embora esta nova ‘visita’ ao ato administrativo seja feita em números menores, já que nem

todos os atos administrativos são levados à reapreciação.

Neste diapasão, iremos tratamos mais amiúde, do dever de proporcionalidade que

o administrador e o juiz, no exame dos atos administrativos, devem observar, quando este ato

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é levado a termo, com base nos argumentos da discricionariedade e no ‘suposto’ princípio da

supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Ao contrário de parte considerável da doutrina, pregamos a constitucionalização

do direito administrativo, de modo a que restará possível ao menos o exame e os limites do

mérito do ato administrativo, sem que se fira a garantia constitucional da separação de

poderes.

2.2. Teoria estrutural dos direitos fundamentais

Trata-se, neste segmento, da teoria dos direitos fundamentais como necessária à

interpretação das normas de direito fundamental. Bonavides (2000, p.534) afirma que “toda

interpretação dos direitos fundamentais vincula-se, de necessidade, a uma teoria dos direitos

fundamentais.”.

Bockenförde, classicamente, divide as teorias de direitos fundamentais em teoria

liberal, teoria institucional, teoria democráticofuncional, teoria dos direitos fundamentais do

Estado Social e Teoria Axiológica.

Tais teorias não são comentadas, aqui, por desviarem-se do centro deste trabalho,

pois embora tenham seus contributos, são abstratas e expressam apenas uma tese básica, que

pode ser o valor e a instituição, dentre outros.

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A teoria estrutural é uma teoria empírica, porque perquire os conceitos

fundamentais na ambiência dos direitos fundamentais, analisa a influência dos direitos

fundamentais no sistema jurídico e a fundamentação destes mesmos direitos.

A dimensão analítica tem preferência, mas não é exclusiva; justificando-se a

primazia, segundo Alexy apud Steinmetz (2001, p.121-122), porque “[...]la claridade

analítico-conceitual es uma condición elemental de la racionalidad de toda ciência.”.

A base da teoria estrutural tem como parte geral a dogmática dos direitos

fundamentais, uma teoria dos princípios e a teoria das posições jurídicas básicas. Com a teoria

dos princípios, Alexy tenciona resgatar a teoria dos valores. Aqui, cingimo-nos a sua teoria

dos princípios, reforçando os reparos previamente feitos.

Pela teoria estrutural dos direitos fundamentais, a principal distinção é a de regras

e princípios. Assim fazendo, possibilita-se a teoria de colisão e uma teoria sobre a função

desempenhada pelos direitos fundamentais, no sistema jurídico. Alexy crítica a atual

insuficiência dos critérios para distinguir regras de princípios, entendendo ele que não há

apenas uma diferença gradual entre ambos, mas também diferença de qualidade.

Para Alexy, os princípios dependem das possibilidades jurídicas e fáticas, ou seja,

são determinados pelo peso dos princípios opostos, o que implica que os princípios não

apenas são suceptíveis de ponderação, mas dela necessitam. Para ele, as regras não necessitam

de ponderação.

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Um conflito entre regras, para a teoria estrutural, resolve-se pela declaração da

invalidade de uma delas ou pela inserção de uma cláusula de exceção em uma das duas regras.

Entretanto, no conflito de princípios, a teoria em comento, entende que não se deve declarar a

invalidade de nenhum deles, pois ambos já estão dentro do ordenamento jurídico. São válidos,

daí opera-se a prevalência de um, sem que o outro princípio seja declarado inválido, já que, se

são válidos a priori, o conflito se resolve no âmbito do peso que cada possui, em cada caso

concreto.

Como já dissertamos, na primeira parte desta pesquisa, os princípios também são

aplicados ao modo all or nothing. Ademais, não se poderia colocar em extremos a

interpretação da ponderação, pois a própria decisão a respeito da incidência das regras

depende da avaliação das razões que sustentam e daquelas que afastam a inclusão do conceito

no conceito previsto na regra.

Se, ao final do processo, é possível afirmar que a decisão é de mera subsunção de

conceitos, não se pode negar que o processo, mediante o qual esses conceitos foram

preparados para o encaixe final, é da ordem de ponderação de razões e fins. Como dito

anteriormente, tanto a colisão de princípios como a de regras podem ser resolvidas pela

ponderação de razões e fins e que a distinção depende do intérprete/aplicador da relação entre

princípios ou regras que se entrelaçam, por via argumentativa.

A lei de colisão, criada por Alexy, é relevante na medida em que descreve a

estrutura lógica da solução de colisão, além de indicar o que precisa ser fundamentado, a

saber, o resultado da ponderação. Steinmetz (2001) traz à lume o exemplo dado por Alexy,

para que melhor se compreenda a lei de colisão:

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Alexy toma como exemplo de colisão o caso da incapacidade processual, na qual

trata-se da admissibilidade da realização de uma audiência quando o acusado sofre o

perigo de sofrer um infarto. De um lado, o princípio que ordena a aplicação do direito

penal no maior grau possível; de outro, o princípio da proteção à vida e da integridade

do acusado. Isoladamente, os princípios conduzem a resultados opostos. No caso

concreto, fática e juridicamente, um limita a atuação do outro. Ambos possuem,

abstratamente, idêntica hierarquia, de forma que não é possível declarar a invalidez de

um deles. (p. 126)

O próprio Alexy, apud Steinmetz (2001), comenta a solução, in litteris:

La solución de la colisión consiste más bien en que, teniendo en cuenta las

circunstancias del caso, se establece entre los principios una relación de precedencia

condicionada. La determinación de la relación de precedencia condicionada consiste

en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condiciones, bajo las cuales un

principio precede al otro. Bajo otras condiciones, la cuestión de la precedencia puede

ser solucionada inversamente. (p.127)

Que condições são estas, segundo as quais um princípio prevalece em relação a

outro? Responde-se com base no caso de adiamento de audiência, pelo risco de vida do

acusado, em que o caso concreto demonstra que o princípio da preservação da vida do réu

“pesaria” mais que o respeito ao princípio da aplicação do direito penal.

Por fim, Alexy, apud Steinmetz (2000, p.127), elabora a lei de colisão, nos

seguintes termos: “Las condiciones bajo las cuales un principio precede a otro constituyen el

supuesto de hecho de una regla que expresa la consecuencia jurídica del principio

precedente”

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As condições de precedência, estabelecidas, entremostram o peso relativo dos

princípios e permitem, no caso concreto, uma decisão de prevalência. Tal assertiva é coerente

com a preteritamente comentada e criticada acepção dos princípios como mandados de

otimização.

Se partimos da premissa de que normas de direito fundamental têm natureza de

princípios, por sua textura aberta, argumentação baseada no texto, levando mais facilmente

àqueles e não a regras, havendo colisão entre direitos fundamentais ou entre um direito

fundamental e bens jurídicos, com proteção constitucional, é possível, no caso concreto, a

ponderação de bens (juízo de peso).

Do que foi dito até aqui, sobre a teoria estrutural, percebe-se que os princípios,

enquanto mandatos de otimização, ao contrário das regras, não têm o caráter de mandato

definitivo (all or nothing), mas prima facie; só o caso concreto decidirá se haverá prevalência

de um ou de outro princípio. Ainda na teoria de Alexy, importa dizer que o entendimento de

que os direitos fundamentais são princípios decorre da dimensão objetiva dos direitos

fundamentais.

Discordamos de Alexy e tornamos a repetir que, no caso do entrelaçamento de

princípios, há uma amplitude maior de apreciação, em relação aos entrelaçamentos de regras.

A dimensão axiológica não é privativa dos princípios, mas elemento integrante de qualquer

norma jurídica; e que nem regra nem princípio possuem dimensões de peso; embora se

reconheça que deve ser atribuída uma dimensão de relevância às razões e aos fins aos quais as

normas jurídicas comentadas fazem referência.

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Disto não se conclua que a lei de colisão é imprestável para buscar solução na

colisão de direitos fundamentais, pois, no caso concreto, as razões e os fins a que fazem

referência as normas de direitos fundamentais, sejam elas princípios ou regras, possuem uma

dimensão de relevância, daí a necessidade da ponderação de razões.

Até aqui fica claro que existe colisão de direitos fundamentais quando o titular de

um direito fundamental afeta ou restringe direitos fundamentais de outro titular ou mesmo

afeta bens constitucionalmente protegidos (direito coletivo fundamental).

Também, só há colisão real, se os direitos fundamentais forem dispostos

diretamente pela Constituição, seja de modo expresso e ou implícito, de modo que a colisão se

resolve por meio da interpretação/aplicação, em que a ponderação de razões está inserta.

Em se tratando de colisão, segundo Alexy, a decisão do poder público deve

observar a otimização dos conteúdos, a saber, os direitos fundamentais em conflito,

observando-se, principalmente, os postulados da unidade da Constituição e da concordância

prática, no que nos pomos de plena concordância.

A ponderação de bens serve para que se adote a decisão de preferência entre os

direitos fundamentais, de modo que um só será aplicado no caso concreto, sem que o outro

perda a validade.

Para Canotilho (apud Steinmetz, 2001), a ponderação de bens é autônoma em

relação à interpretação, situando-se após a mesma, quando informa:

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[...] neste sentido, o balanceamento de bens situa-se a jusante da interpretação. A

actividade interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação dos interesses

ou bens conflitantes procurando em seguida, atribuir um sentido aos textos

normativos e aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios de ordenação

para em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito.

(pp. 141-142)

No entender de Canotilho, a ponderação de bens requer uma colisão de direitos

fundamentais, in concreto, além do fato de não haver hierarquia, in abstracto, entre os direitos

colidentes. Assim, só há ponderação de bens, na primeira hipótese.

Não há como concordar, plenamente, com o mestre lusitano, pois a ponderação

faz parte do todo harmônico da interpretação-aplicação, não significando isto que não haja

ponderação in abstracto, para prever uma situação que se pretenda vá ocorrer, verificando-se,

numa espécie de ‘laboratório jurídico’, qual seria a carga argumentativa utilizada em um

situação X ou Y.

Este “laboratório” deveria ser o órgão cuja atribuição é defender, judicial e

extrajudicialmente, o Poder Estatal que pratique ato administrativo, em que, através de

instruções normativas, sem caráter vinculante, nem para este órgão consultivo nem para o

administrador que irá tomar as decisões, pois, por mais que se preveja uma situação, o caso

concreto nunca será igual a ela, pois a vida gregária é intangível.

Como se leva a termo a ponderação de bens? Através da aplicação do postulado da

proporcionalidade.

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Considera-se que a ponderação concreta de bens, na colisão de direitos fundamentais,

realiza-se mediante o controle de proporcionalidade em sentido amplo, de modo

especial ou propriamente dito por meio do princípio da proporcionalidade em sentido

estrito. Assim o princípio da proporcionalidade em sentido amplo compreende a

ponderação de bens. (STEINMETZ, 2001, p.145)

2.3 Processo de positivação dos direitos fundamentais

A positivação dos direitos fundamentais pode ser encarada sob dois principais

aspectos, que não se confundem com o aspecto filosófico da discussão do tema, tratado

adiante. Deste modo, tem-se o aspecto doutrinário, que se consubstancia nas distintas

construções teóricas que serviram de base para o desenvolvimento ideológico do processo de

positivação de tais direitos, sendo o outro institucional, que considera a positivação dos

direitos fundamentais como um processo geral de formação das regras jurídicas, relacionado à

validade de um determinado ordenamento jurídico. Bem assim, as diferenças filosóficas,

religiosas e culturais, das comunidades, ensejarão concepções teóricas bastante distintas, até

mesmo contrárias, o que torna difícil estabelecer critérios gerais do referido processo de

positivação.

Segundo afirma Perez Luño, toda busca de fundamentação para os direitos

humanos se depara com um secular dilema: optar entre uma justificação desses direitos,

derivada de uma ordem natural e transcendente e ou aceitar o caráter positivo e empírico de

qualquer declaração de direitos (LUÑO, 1986, p. 52). Em linhas gerais, para os defensores da

concepção dos direitos fundamentais como direitos naturais, existem direitos que o Homem

possui em razão mesma de sua condição humana, sendo desnecessária uma positivação.

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Entretanto, na dimensão institucional, importa menos perquirir acerca do fundamento racional

de em como deve ser entendida a fundamentação de tais direitos e mais: considerar as

instituições jurídicopolíticas por intermédio das quais tais direitos são positivados.

Na análise dos principais pontos de vista filosóficos, acerca da positivação dos

direitos fundamentais, tomamos por base o texto de Perez Luño, para quem as correntes que

mais contribuíram para dimensionar o referido processo de positivação são: a jusnaturalista, a

positivista e a realista.

De acordo com as teorias jusnaturalistas, a consagração normativa dos direitos

fundamentais tem um caráter essencialmente declaratório, porquanto decorre de direitos

inerentes ao Homem, relativos à sua própria natureza, ou seja, a positivação é o ponto alto de

um “proceso que tiene su origen en las exigencias que la razón postula como imprescindibles

para la convivencia social” (LUÑO, 1986, p. 54). Explica o referido autor que,

[…]para el jusnaturalismo el término ‘derecho’ no coincide con el derecho positivo, y, por tanto, defiende la existencia de unos derechos naturales del individuo originarios e inalienables, en función de cuyo disfrute surge el Estado. De ahí que la positivación de los derechos fundamentales se presente bajo esta óptica como el reconocimiento formal por parte del Estado de unas exigencias jurídicas previas que se encarnan en normas positivas para mejor garantía de su protección. (LUÑO, 1986, p. 54-55).

As Declarações de direitos do século XVIII expressaram a noção de supremacia

dos direitos naturais, como no caso da Declaração dos Direitos do Povo da Virgínia, em 1776

e a Declaração Francesa, em 1789, creditando-se a tais declarações a primeira marca de

transição dos direitos humanos de liberdade para os direitos fundamentais constitucionais.

Conforme ensina Ingo Sarlet sobre a importância das referidas declarações, com a nota

distintiva da supremacia normativa e a posterior garantia de sua justiciabilidade, por

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intermédio da suprema Corte e, o controle judicial da constitucionalidade, pela primeira vez

os direitos naturais do Homem foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais

constitucionais [...]. (SARLET, 2001, p. 47).

No mesmo diapasão, Ingo Sarlet ressalta a importância da Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão, em 1789, uma vez que a mesma também possuía inspiração

jusnaturalista, com a vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade

humana, como valores históricos e filosóficos.

Há de se ressaltar que, sob o rótulo do jusnaturalismo, agruparam-se

historicamente muitas doutrinas heterogêneas e até contrapostas, em alguns casos ensejando

críticas ao caráter vago e contraditório do Direito Natural. Todavia, as diversas vertentes

teóricas jusnaturalistas possuem em comum o fato de advogarem a existência de postulados

de juridicidade anteriores e justificadores do Direito Positivo.

No que tange às teses positivistas, a linha de raciocínio é oposta à das correntes

jusnaturalistas, pois partem do pressuposto de que a juridicidade se identifica com o Direito

Positivo, ou seja, falar-se em Direito Natural anterior ao Direito Positivo, não faz sentido,

uma vez que a positivação dos direitos fundamentais, para os positivistas, em linhas gerais, é

entendida como um aspecto atinente às regras gerais que presidem a criação do direito no

ordenamento estatal. Os direitos naturais não seriam senão um setor das regras jurídicas.

Na visão de Luño, o progressivo descrédito da teoria dos direitos naturais,

principalmente na Alemanha do final do século XIX e início do século XX, motivado, em

grande parte pela crítica positivista, fez nascer uma nova categoria de direitos, conhecidos

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como direitos subjetivos públicos. Tais direitos foram concebidos com o intento de oferecer

uma configuração jurídicopositiva à necessidade de afirmar as liberdades individuais frente à

autoridade do Estado, o que impunha o reconhecimento de uma personalidade jurídica do

mesmo, o qual passou a ter a condição de titular de direitos e obrigações para com os

particulares, com a possibilidade de socorro, mediante tutela jurisdicional das situações

subjetivas reconhecidas.

O mais famoso teorizador dos direitos públicos subjetivos foi Jellinek, para quem

tais direitos foram se afirmando progressivamente, em quatro fases ou status. Ao contrário da

concepção jusnaturalista, que enxergava no processo de positivação dos direitos fundamentais

uma natureza declaratória tão-somente, para os positivistas, esse processo será sempre visto

como sendo de natureza constitutiva, na medida em que, antes de sua positivação, os

postulados sociais podem ser definidos como expectativas de direitos, mas não como direitos.

Conforme ensina Perez Luño, os direitos subjetivos surgiram como uma

alternativa propositadamente técnica e asséptica da noção de direitos naturais, sendo estes

considerados pelo positivismo como uma categoria abertamente ideológica. E, conclui o

autor, afirmando que a positivação dos direitos fundamentais

no tienen el carácter de una mera declaración del derecho natural, sino que pose valor constitutivo. No se trata, pues, de ratificar los postulados del derecho natural, sino de dar vida en el marco de un ordenamiento a un conjunto de normas jurídicas” (LUÑO, 1986, p. 58).

Por fim, para aqueles que defendem uma concepção realista do processo de

positivação dos direitos fundamentais, estes não possuem natureza declaratória, como

apregoam os jusnaturalistas, tampouco natureza constitutiva, como querem os positivistas,

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mas uma natureza vinculada às condições reais, como produto das exigências

econômicossociais do Homem histórico. Destarte, a positivação dos direitos fundamentais não

fica adstrita a ideais de direito natural, que inspiram a criação de normas positivas, nem

condicionada aos preceitos positivamente estabelecidos, senão que é a positivação urdida na

prática concreta dos Homens. Sobre a questão, manifestou-se Perez Luño, afirmando:

será la praxis concreta de los hombres, que son quienes a la postre sufren o se benefician de esos derechos, y quienes con sus comportamientos contribuyen a formatos en cada situación histórica, la pauta orientadora de su significación. (LUÑO, 1986, p. 59).

A concepção realista ora aparece vinculada ao movimento socialista, como no

caso da obra de Marx, ora é concebida a partir de uma perspectiva sociológica, como no caso

de Luhmann.

A despeito das três vertentes acima expostas basearem-se em premissas distintas

para a análise da positivação dos direitos fundamentais, Perez Luño adverte que, no plano

prático, essas três instâncias se condicionam mutuamente, “sendo todas ellas necesarias para

el desarrollo positivo de los derechos fundamentales”. (LUÑO, 1986, p. 62).

2.4. Funções dos direitos fundamentais no constitucionalismo

contemporâneo

Segundo afirma Perez Luño, o constitucionalismo atual não seria o que é sem os

direitos fundamentais, pois as normas que estabelecem os direitos fundamentais, juntamente

com aquelas que consagram a forma de Estado e o sistema econômico, são decisivas para

definir o modelo constitucional de uma sociedade. Há um estreito nexo de interdependência

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“genético y funcional, entre el Estado de Derecho y los derechos fundamentales, ya que el

Estado de Derecho exige e implica para serio garantizar los derechos fundamentales,

mientras que estos exigen e implican para su realización al Estado de Derecho”. (LUÑO,

1988, p. 19).

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais são reconhecidos como possuindo

dupla dimensão: uma objetiva e outra subjetiva. Em sua significação objetiva os direitos

fundamentais representam as bases do consenso sobre valores de uma sociedade democrática,

ou seja, sua função é a de sistematizar o conteúdo axiológico objetivo do ordenamento

democrático escolhido pelos cidadãos, comportando a garantia essencial de um processo

político livre e aberto, como elemento informador do funcionamento de qualquer sociedade

pluralista.

Ainda na visão de Perez Luño, na medida em que o Estado Liberal de Direito

evoluiu para formas de Estado Social, os direitos fundamentais dinamizaram sua significação,

agregando à sua função de garantidor das liberdades existentes, “la descripción anticipadora

del horizonte emancipatorio a alcanzar” (LUÑO, 1988, p. 21), pois, com o tempo, os direitos

fundamentais deixaram de ser meros limites ao exercício do poder político, para definir um

conjunto de valores ou fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos.

Outrossim, como conjunto de valores básicos de uma sociedade, os direitos

fundamentais, em sua dimensão objetiva, passaram a exercer função de conformadores do

ordenamento infraconstitucional, sendo ponto de partida para a interpretação e aplicação do

referido ordenamento.

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Em sua dimensão subjetiva, os Direitos Fundamentais, têm a função de tutelar a

liberdade, a autonomia e a segurança dos cidadãos, não só em suas relações com o Estado,

mas em relação aos demais membros da sociedade. Não se trata, pois, da dimensão subjetiva

classicamente estruturada em bases liberais, mas de uma dimensão subjetiva repensada a

partir dos influxos axiológicos constitucionais, superando-se a concepção puramente formal

de igualdade entre os diversos membros da sociedade. Isto porque, com a passagem do Estado

liberal para o Estado social de Direito, supõe-se a extensão da incidência dos direitos

fundamentais a todos os setores do ordenamento jurídico, incluindo não só as relações

públicas, mas também as relações entre particulares, tema objeto do presente estudo.

Além das funções descritas pelas dimensões objetiva e subjetiva dos direitos

fundamentais, vale registrar o esforço de sistematização que se tornou clássico, desenvolvido

por Jellinek, que se tornou ponto de partida para outros estudos doutrinários, conhecido como

teoria dos quatro status. Tal teoria tomou por base as posições que o indivíduo pode assumir

perante o Estado, quais sejam: status subjectiones ou passivo, status negativo, status civitatis

ou positivo e status ativo. (LUÑO, 1988)

Em síntese, o status passivo diz respeito à posição do cidadão frente ao Estado, na

condição de submissão aos deveres impostos pelo mesmo. O status negativo é consectário da

personalidade de que são detentores os Homens, pois este enseja uma parcela de liberdade em

relação à interferência dos poderes públicos. O status positivo diz respeito à possibilidade de

o cidadão exigir do Estado algumas prestações em seu favor e, por fim, o status ativo é

concernente aos direitos políticos exercidos pelos cidadãos, como forma de possibilitar a

interferência direta destes sobre a formação da vontade estatal.

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Luño adverte que tais status foram concebidos, prioritariamente, como

instrumentos de defesa dos interesses individuais, mas, na medida em que se foi adquirindo

consciência de que o desfrute de direitos e liberdades, por todos os membros da sociedade,

exigia garantir cotas de bem estar econômico que permitissem a participação ativa na vida

comunitária, surgiu a necessidade de se agregar um novo status aos demais previstos por

Jellinek, a saber: o status positivus socialis, na forma a seguir transcrita:

Este nuevo status, que comprende el reconocimiento de los denominados ‘derechos económicos, sociales y culturales, no tiende a absorber o anular la libertad individual, sino a garantizar el pleno desarrollo de la subjetividad humana, que exige conjugar, a un tiempo, sus dimensiones personal y colectiva. Por ello, estos derechos se integran cabalmente en la categoría ovni comprensiva de los derechos fundamentales, a cuya conformación han contribuido decisivamente. (LUÑO, 1988, p.25).

O constitucionalismo moderno vem testemunhando um avanço significativo de

novas categorias de Direitos Fundamentais, chegando a despontar novas dimensões dos

Direitos Fundamentais, como os de quarta e quinta gerações, que tratam da proteção da

identidade genética e da intimidade virtual, respectivamente. Tais reflexões impulsionam o

Constitucionalismo hodierno a ofertar soluções mais condizentes com os novos anseios

vivenciados pela geração atual.

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3. DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No constitucionalismo liberal, conforme visto nos capítulos precedentes, os

direitos fundamentais possuem uma dimensão subjetiva e caracteriza-se, exclusivamente,

como direitos de defesa do cidadão contra o Estado, tendo como parâmetro tão somente a

liberdade e a autonomia do indivíduo. Ao Estado cabe, em sua ingerência, a regulação da

liberdade em abstrato, tendo o indivíduo a competência para fixar o modo de sua utilização,

de acordo com o marco estabelecido pelas leis.

As primeiras mudanças na abordagem subjetivista dos direitos fundamentais

começaram a ser observadas com o surgimento da teoria institucional e a teoria da integração.

Em linhas gerais, para a primeira, os direitos fundamentais deixam de apresentar somente uma

dimensão subjetiva e se entremostram, também, como princípios normativos de tipo

institucional, que regulamentam as relações sociais e os fatos materiais em que ditas relações

são válidas. A teoria da constituição como integração exibe a dimensão meramente subjetiva

dos direitos fundamentais, que resta superada, porquanto concebe o Estado em permanente

processo de integração de uma comunidade, de seus valores e sua cultura. Como os direitos

fundamentais fixam os valores principais de uma comunidade e normatizam um sistema de

valores, tornam-se meios determinantes desse processo de integração e criação do Estado.

Ao aprofundar a análise da teoria da integração, ensina Gavara de Cara que, entre

as distintas formas de integração, destacam-se a integração pessoal, a funcional e a material.

A integração pessoal implica em que a integração do Estado se faz por meio de pessoas

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capazes de criar uma coesão parlamentar que integre não somente os cidadãos ligados aos

governantes, mas a totalidade do povo, de modo a estabelecer a unidade política. As formas

de integração funcional ou processual, esclarece o citado autor, tendem a criar um sentido

coletivo, mediante processos que desenvolvam a substância espiritual da comunidade, que

constitui seu conteúdo objetivo, ou seja, a integração funcional se realiza mediante “procesos

de conformación de la voluntad comunicaría en el sentido de la permanente creación de las

condiciones necesarias para el establecimiento de una comunidad basada en las distintas

voluntades”. (DE CARA, 1994, p. 81).

Por fim, a forma de integração material, assinalada como a mais pertinente, uma

vez que os direitos fundamentais estão incluídos como fatores de seu conteúdo material,

implicando na existência de conteúdos substantivos para a realização do Estado, concebidos

como fins estatais.

Essa nova visão conferiu novos contornos ao estudo dos direitos fundamentais, até

então analisados sempre à luz do princípio da legalidade. A partir desse princípio, os direitos

fundamentais eram considerados, no âmbito de atuação da Administração Pública, como

direitos administrativos especiais. Entretanto, verificou-se que os direitos fundamentais não

poderiam ser estudados como parte do Direito Administrativo, tampouco como parte do

Direito Privado, sendo parte do Direito Constitucional.

A teoria da integração constitui o antecedente mais próximo da concepção

axiológica dos direitos fundamentais, embasando a dimensão objetiva desses direitos. Essa

nova dimensão abre outras possibilidades de utilização dos mesmos, ligadas à legitimação do

Estado e à Hermenêutica, em geral, pois como os direitos fundamentais proclamam um

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sistema de valores que dão unidade à ordem jurídica, seus efeitos se irradiam por todo esse

ordenamento.

Muito importante no processo de consolidação da concepção objetiva dos direitos

fundamentais foi o advento dos direitos de segunda geração, os quais dominaram o século

XX. Conforme explica Bonavides, os direitos de segunda geração são

[...] os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social, depois que geminaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. (BONAVIDES, 2000, p. 518).

A par das teorias acima expostas, outro marco muito importante para o

reconhecimento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais foi a decisão da Corte

Constitucional alemã, em 1958, no caso Lüth, reconhecendo que cláusulas gerais de Direito

Privado devem ser interpretadas à luz dos valores sobre os quais se assenta a Constituição,

com base nos direitos fundamentais. Ingo Sarlet, ao comentar a decisão mencionada, afirma

que o julgamento da Corte Constitucional alemã deu continuidade a uma tendência que já se

manifestava em outros arestos daquela Corte.

[...] os direitos fundamentais não se limitam à sua função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra os atos do poder público, mas que, além disso, constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos. (SARLET, 2001, p. 143).

Böckenförde, ao analisar as mudanças introduzidas pelo novo posicionamento do

Tribunal Constitucional, no citado caso, esclarece que a decisão apresenta uma evidente

estrutura dual, pois, junto aos direitos fundamentais, como direitos subjetivos tradicionais

frente ao poder público, aparecem os direitos fundamentais como normas objetivas, que

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expressam conteúdo axiológico de validade universal e estabelecem um correlativo sistema de

valores. (BÖCKENFÖRDE, 1993, p. 107).

Desde então, a questão envolvendo a dimensão objetiva dos direitos fundamentais

tornou-se uma das mais debatidas, não só na doutrina e jurisprudência alemãs, como também

em outros países, como é o caso da Espanha.

A objetivação dos direitos fundamentais deu-se sob a égide dos processos de

democratização e socialização, sendo certo que, para a comunidade, a relevância desse

processo não se limita ao reconhecimento de que a liberdade é um valor social e, portanto,

que aos poderes públicos impendem assegurar, além de respeitarem, efetivamente, as

condições de autonomia da vontade individual. Mais além, os direitos fundamentais agora

pressupõem também a solidariedade, a responsabilidade comunitária pelos indivíduos, de

modo a garantir o exercício efetivo de tais direitos.

A despeito do reconhecimento da importância da superação da perspectiva

individualista dos direitos fundamentais, típica do pensamento liberal, algumas críticas

também são lançadas pela doutrina à aceitação incondicional da dimensão objetiva dos ditos

direitos. A seguir, faremos uma análise de ambas as vertentes.

3.1 Ordem de valores e Constituição-prós e contras

Após impor-se sobre uma larga tradição positivista, que na sua versão mais radical

pretendeu um absoluto distanciamento entre Direito e Moral, bem como a visão jusnaturalista

de que ambas as esferas se fundem, baseando-se o Direito em valores universais e

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transcendentais, desvinculados de qualquer cultura, surge a aceitação da força normativa dos

valores no ordenamento constitucional. Contudo, não são valores relativos a uma moral

imutável e supra-histórica, mas valores que possuem uma dimensão cultural e que se integram

à consciência ético-jurídica de uma comunidade histórica concreta.

Assim, ao se afirmar a aceitação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais,

isso não significa somente que as posições jurídicas subjetivas pressupõem um preceito de

direito objetivo que as preveja. Significa, isso sim, que os direitos fundamentais não podem

ser vistos apenas do ponto de vista dos indivíduos, mas valem juridicamente também do ponto

de vista da comunidade, como valores ou fins consagrados por seus integrantes.

Vieira de Andrade preleciona que, essa dimensão comunitária se expressa sob

duas diferentes perspectivas de vista, a saber: a dimensão objetiva sob a perspectiva ou

dimensão valorativa, que vai integrar o próprio conteúdo de sentido dos direitos fundamentais

e a dimensão objetiva como perspectiva ou dimensão jurídica estrutural, a qual produz

autonomamente, para além das posições jurídicas subjetivas, outros efeitos jurídicos.

(VIEIRA DE ANDRADE, 1987).

Será legítimo afirmar a dimensão objetiva dos direitos fundamentais como

dimensão valorativa, desde que esta seja tomada a partir da noção de responsabilidade social

dos indivíduos e não somente tendo por base a vontade de seus titulares. Não se trata, pois, de

simplesmente negar o caráter absoluto e incondicional dos direitos fundamentais, mas de

admitir-se a possibilidade de condicionamento e “até sua restrição para salvaguarda de

interesses da comunidade ou dos direitos dos outros”. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p.

146).

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Noutro giro, não se trata também de aceitar uma natureza dupla aos direitos

fundamentais, ou seja, de reconhecer que os direitos são simultaneamente deveres dos

indivíduos por representarem valores coletivos.

Conclui o citado constitucionalista português que a previsão dos direitos implica a

afirmação de valores sociais, e que estes impõem tarefas de responsabilidade estatal, mas isso

não significa que cada direito possua, como reverso, um dever fundamental de seu titular

ativo, com uma instrumentalização dos poderes subjetivos em relação a finalidades sociais e

que “o Estado, através de sua competência para definir o interesse público e vigiar o seu

cumprimento, determine o conteúdo e controle o exercício dos deveres e, por essa via, dos

direitos individuais - Isso seria a destruição da liberdade e da autonomia da pessoa humana”.

(VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 149).

De outra parte, a dimensão objetiva como dimensão jurídica estrutural é definida

como produtora de efeitos jurídicos, os quais, diferentemente da dimensão objetiva enquanto

expressão de valores, ensejam uma visão complementar e suplementar da dimensão subjetiva.

Não é demais lembrar que segundo a concepção da dimensão objetiva enquanto expressão de

valores, os valores comunitários são tidos como contrapostos aos direitos individuais.

No que tange à dimensão objetiva como dimensão jurídica estrutural, alguns

preceitos constitucionais produzem efeitos que não são remetidos integralmente às posições

jurídicas que reconhecem, ou ainda, porque estabelecem deveres e obrigações, sem a

correspondente atribuição de direitos aos indivíduos, daí porque atuam numa dinâmica

complementar e suplementar da dimensão subjetiva. Assim, “a dimensão objectiva, em vez de

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comprimir, reforça agora a imperatividade dos direitos individuais e alarga a sua influência no

ordenamento jurídico e na vida da sociedade”. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 161).

Na visão do citado autor, em matéria de direitos fundamentais, mais do que aceitar

o direito subjetivo como um mero reflexo do direito objetivo, existe uma autonomização da

dimensão subjetiva, já que toda a disciplina da matéria visa à garantia de valores ligados à

dignidade humana dos indivíduos. Nada obstante, não se trata de representar a dignidade

como um valor abstrato, senão como uma autonomia ética das pessoas humanas concretas, o

que enseja a uma conclusão:

ao predomínio no plano axiológico e funcional de uma (irredutível) dimensão subjectiva há-de naturalmente corresponder, no plano jurídico-estrutural. lugar central da posição jurídica subjectiva. [...] Estas posições subjectivas constituirão, assim, o núcleo de cada preceito ou conjunto de preceitos conexos em matéria de direitos fundamentais: será com base nessas posições, à volta delas e a partir delas que se organiza todo o sistema constitucional de protecção e promoção da dignidade da pessoa humana. (VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 162).

A concepção dos direitos fundamentais como ancorados em valores provocou

intensas reações. A crítica mais conhecida contra a ordem de valores foi desenvolvida por

Ernest Forsthoff, defensor da concepção liberal dos direitos fundamentais. Este considerava

que uma argumentação com base em valores significava o abandono da positividade do

direito, pois os valores possuem uma dimensão espiritual, e, portanto, sem caráter jurídico,

senão filosófico. Ademais, ressaltou que esse método de interpretação supõe a supressão da

lei constitucional, a insegurança do Direito Constitucional, a desformalização da Constituição

e implica a impossibilidade de controlar o subjetivismo nas sentenças que aplicam e

estabelecem valores, o que poderia levar à tirania dos valores. (FORSTHOFF apud DE

CARA, 1994, p. 84).

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No Brasil, cumpre destacar a visão crítica de Giselle Cittadino em relação à

concepção dos direitos fundamentais como ordem de valores, pois segundo a autora, essa

visão teleológica dos direitos fundamentais se organiza em torno da concepção de que as

normas, práticas e instituições apenas podem ser justificadas em seus próprios contextos

históricos, e em algumas circunstâncias há um aniquilamento da confiança nas tradições.

Assim é que verdadeiras atrocidades são praticadas sob a roupagem de normalidade,

tornando-se necessário um certo distanciamento reflexivo em relação às tradições que

conformam a identidade da comunidade. Principalmente quando não se pode confiar nas

tradições é possível tomar “os direitos fundamentais como resultado de um processo reflexivo

a partir do qual os indivíduos podem tomar uma certa distância em relação às suas próprias

tradições e aprender a entender a figura do outro a partir de sua própria perspectiva”.

(CITTADINO, 2001, p. 105-106).

Dessa forma, ainda que os direitos fundamentais representem uma idéia normativa

de uma cultura particular, no caso a Europa, tais direitos, afirma a autora, possuem uma

pretensão de universalidade que não se compraz com a idéia de valores enquanto bens

preferidos, inclusive porque os mesmos, ao contrário de representar um eurocentrismo

incompatível com valores culturais distintos, podem ser aplicados em outros contextos e

outras culturas. Nesse sentido, enquanto idéia moral, “os direitos fundamentais podem ser por

todos compartilhados a partir de experiências comuns de violação da integridade e de

ausência de reconhecimento”. (CITTADINO, 2001, p. 105-106). Não se trata aqui de uma

moral objetiva que pressupõe a existência de princípios universais e inalteráveis, mas

historicamente construída, que decorre de uma razão prática, propagada por meio da história.

[...] os direitos fundamentais são normas legitimas de caráter obrigatório e não podem ser vistos como valores que, ao contrário das normas, estabelecem relações de preferência. De outra parte, mesmo na hipótese de um contexto histórico favorável –quando podemos confiar nas tradições – a visão teleológica dos direitos

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fundamentais, ao considerá-los uma expressão valorativa de seu próprio sistema cultural e, portanto, um bem preferido e compartilhado por todos, parece desconhecer as relações de poder assimétricas presentes nas democracias contemporâneas. Afinal, as intervenções ilegítimas do poder social, engendradas tanto pelos imperativos do poder adminstrativo-burocrático como pelos mecanismos do mercado, constituem, nas sociedades contemporâneas, limites à visão teleológica dos direitos fundamentais [....]. (CITTADINO, 2001, p. 106).

Como adverte Faria, em prefácio ao livro Pluralismo, direito e justiça

distributiva, de Gisele Cittadino, a globalização dos mercados e a internacionalização do

sistema financeiro, com valores como ganhos incessantes de produtividade, acumulação

ilimitada e livre circulação de capitais, contaminaram todas as demais esferas da vida social.

Bem assim, com a ampliação da pobreza e da marginalização, nem mesmo o respeito ao outro

como ser moral é reconhecido, impedindo o reconhecimento dos mesmos direitos e garantias

que cada cidadão reconhece para si. Nesse contexto, com tamanho prevalecimento da lógica

mercantil, os anseios e expectativas formadas ao longo de tensos e conflitivos processos de

construção e reconstrução política, em cujo âmbito o tipo de sociedade corresponde a certa

concepção de moralidade, são sumariamente desqualificados e desconfirmados. (FARIA, in

CITTADINO, 2001, prefácio).

Não obstante, afirma o citado autor que, em reação a todas essas mudanças,

impõe-se a tentativa de retomar o debate ético, retornando-se a questões como o

reconhecimento da dignidade da pessoa humana, da manutenção das redes sociais, da

atribuição ao poder público da responsabilidade pela equalização de oportunidades, “enfim, as

velhas, porém muitas vezes esquecidas questões de justiça distributiva e do bem comum, que

vinculam Estado e cidadania”. (FARIA, in CITTADINO, 2001, prefácio).

As críticas aqui lançadas, muito embora aparentemente pertinentes, na verdade,

não infirmam a concepção dos direitos fundamentais como ordem de valores, haja vista que é

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justamente essa retomada do debate ético o cerne da teoria da dimensão objetiva. Esse é o

argumento que justifica a opção do presente estudo pela dimensão objetiva dos direitos

fundamentais, quer na análise da aplicação dos mesmos nas relações entre particulares, quer

na abordagem do princípio da boa-fé objetiva, entendida como a emanação de ato ou atos

prévios condutor(es) da formação de uma expectativa por outrem, passível de correção por

meio judicial.

3.2. Eficácia irradiante dos direitos fundamentais

O reconhecimento da eficácia irradiante dos direitos fundamentais apresenta-se

como uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva dos mesmos,

significando que os valores que os respaldam exercem influência por todo o ordenamento

jurídico, apresentando-se como vetor de interpretação das normas legais e vinculando o

legislador, a administração e o Judiciário. Conforme afirma Daniel Sarmento,

a eficácia irradiante, neste sentido, enseja a humanização da ordem jurídica, ao exigir que todas as suas normas sejam, no momento da aplicação, reexaminadas pelo operador do direito com novas lentes, que terão as cores da dignidade humana, da igualdade substancial e da justiça social, impressas no tecido constitucional. (SARMENTO, 2003, p. 279).

No que concerne à interpretação constitucional e controle de constitucionalidade,

o consectário mais importante da eficácia vinculante dos direitos fundamentais é a

interpretação conforme o direito.

Nesse tipo de interpretação, decorrente do método hermenêutico-concretizador,

reconhece-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico, não só sob a

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perspectiva de sua supremacia hierárquica, ou seja, uma supremacia formal, mas como

parâmetro de controle da constitucionalidade das leis, reconhecida como supremacia material.

Esse método de interpretação torna imprescindível que não se permita que um preceito legal

fique sem qualquer função útil ou acolha critérios e soluções absolutamente contrárias às do

legislador constituinte, significando assim, que as leis é que devem ser interpretadas de acordo

com a Constituição e não o contrário.

Conforme preleciona Bonavides, esse método de interpretação constitucional

decorre da natureza rígida da Constituição, da hierarquia das normas constitucionais e do

caráter de unidade que a ordem jurídica necessariamente ostenta. (BONAVIDES, 2000, p.

474).

Essa hierarquia das normas, aliás, é o meio de atuação da própria Constituição,

que não se restringe a mecanismos de solução de conflitos entre normas dimanadas de

diversas fontes, mas abarca os valores consubstanciados no modelo constitucional vigente.

Assim, o respeito à Constituição, na visão de Pietro Perlingieri, “implica não somente a

observância de certos procedimentos para emanar a norma (infraconstitucional), mas,

também, a necessidade de que o seu conteúdo atenda aos valores presentes (e organizados) na

própria Constituição”. (PERLINGIERI, 1997, p. 10).

Ainda sobre a importância da interpretação conforme a Constituição, ensina Paulo

Ricardo Schier, ao tratar do conceito de filtragem constitucional, que esta toma como ponto

de partida a noção de preeminência normativa da Constituição, expressando a idéia de que

“toda a ordem jurídica deve ser lida à luz da Carta Fundamental e passada pelo seu crivo”

(SCHIER, 1999, p. 145). Destarte, as normas que não se coadunem com os valores

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constitucionais devem ser eliminadas, e essa aferição de compatibilidade deve ser feita a

partir de três componentes principais: primado da interpretação conforme - impondo a

interpretação das normas infraconstitucionais a partir do sentido mais concordante com a

Constituição; anulação das normas de direito ordinário desconformes com a Constituição,

porquanto inválidas e, em terceiro lugar, o reconhecimento de que as normas constitucionais

aplicam-se diretamente, salvo quando não sejam exeqüíveis por si mesmas,

independentemente da existência de lei ordinária.

A interpretação conforme a Constituição, que teve seu desenvolvimento ligado à

jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, dá-se, para além dos limites da presunção

de constitucionalidade das leis e atos do poder público, quando entre várias possibilidades de

interpretação plausíveis e alternativas, existe alguma que permita compatibilizá-la com a

Constituição. Trata-se da escolha de uma linha de interpretação da norma entre outras tantas

que o texto comportaria, impondo-se seu aproveitamento sempre que possível, de modo a se

buscar uma interpretação que não seja a mais óbvia do dispositivo. Igualmente, a

interpretação conforme a Constituição determina a exclusão da interpretação ou interpretações

que sejam contrárias à Constituição.

Feita uma análise, ainda que perfunctória, da interpretação conforme a

Constituição, cumpre assinalar que a eficácia irradiante dos direitos fundamentais assume

especial importância no Brasil, pois a Constituição de 1988 apresenta-se fortemente marcada

pelos valores de solidariedade e valorização da dignidade da pessoa humana, o que impõe a

releitura da legislação infraconstitucional, muitas vezes editada em contextos diversos, como

é o caso do novel Código Civil, que mesmo vindo a lume sob a égide do citado diploma

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constitucional, ainda conserva forte influência individualista, patrimonialista e liberal, nem

sempre privilegiando a pessoa humana em suas disposições.

Tal eficácia dos direitos fundamentais manifesta-se, sobretudo, em relação à

aplicação e interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, aspecto

que assume especial relevo na presente pesquisa no que tange à interpretação do princípio da

boa-fé objetiva na legislação civil.

De outra parte, a partir do reconhecimento da eficácia irradiante, tem-se destacado

o processo de constitucionalização do Direito Civil, o que no dizer de Daniel Sarmento,

“representa verdadeira virada copernicana para esse ramo do Direito, ao infiltrá-lo com novos

valores menos individualistas e patrimonialistas e mais voltado para a tutela da personalidade

humana, nas suas múltiplas dimensões”. (SARMENTO, 2003, p. 281). Por fim, releva

destacar a profunda alteração dos limites entre Direito Público e Direito Privado, o que será

analisado a seguir mais detalhadamente.

3.3 Direito público versus direito privado e a constitucionalização do direito

civil

O Direito, como ciência social aplicada que é, deve ser permeável aos influxos das

mudanças sociais, pois viver é conviver e ninguém vive isolado, o que impõe a conclusão de

que a conduta do homem deve compatibilizar-se com a dos demais homens, e isso significa

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que haverá uma interferência intersubjetiva de condutas. Nessa toada, o Direito surge como

um conjunto de princípios e regras destinados a ordenar a coexistência dos homens,

representando a dimensão normativa da estrutura social. Assim qualquer alteração na

realidade social implica a transformação dessa dimensão normativa e vice-versa.

A definição positivista de que Direito é norma, representando uma disciplina

autônoma em relação à ordem social, há muito não atende aos reclamos da sociedade

contemporânea, estando superada, o que representa profundas mudanças no Direito Civil de

nossos dias. Segundo ensina Luis Edson Fachin (2000):

[...]o jurista, sob pena de omissão e cumplicidade farisaica, deve captar a mensagem para o seu tempo, não lhe cabendo acastelar-se em elucubrações vãs, na ânsia de interpretar fossilizados textos legais, em função de vírgulas ou reticências. Não pode limitar-se a uma postura estática na defesa de uma ordem senil, que não assimila o impacto das exigências sociais. (p. 1).

No mesmo sentido assevera Perlingieri que a afirmação da autonomia da ciência

jurídica em relação à realidade social é herança que ainda pesa sobre os juristas. E que

[...]levou à criação de uma cultura formalista, matriz de uma teoria geral do direito sem

(explícitas) infiltrações de caráter político, econômico, sociológico: como se o direito fosse

imutável, eterno, a-histórico, insensível a qualquer ideologia. (PERLINGIERI, 1997, p. 2).

Não obstante, até agora os civilistas em geral não aceitam sem reservas a

normatividade constitucional como fonte de padrões hermenêuticos passíveis de fundamentar

as novas condições sociais a que se dirige a atuação dos institutos de Direito Privado. Ao

contrário, tende-se a afirmar a separação entre Direito Público e Direito Privado, como

campos normativos que traduzem interesses dicotômicos, tudo isso se refletindo na dogmática

civil clássica, que não apresenta uma abertura para as mudanças ocorridas.

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A separação entre Direito Público e Direito Privado, que remonta ao Direito

Romano, assumiu para a Escola da Exegese, o caráter de ramos rigidamente separados, pois

segundo essa Escola, os princípios constitucionais equivaleriam a normas políticas, destinadas

ao legislador e, apenas excepcionalmente, ao intérprete das normas de Direito Privado.

Gustavo Tepedino (2000) ressalta que o equívoco de tal concepção, até hoje bastante

difundida,

[...] acaba por relegar a norma constitucional, situada no vértice do sistema a elemento de integração subsidiário, aplicável apenas na ausência de norma ordinária específica e após terem sido frustradas as tentativas, pelo intérprete, de fazer uso da analogia e da regra consuetudinária. (p. 3).

Todavia, a despeito da crítica apresentada, alerta o autor que tal entendimento

apresentava-se consentâneo com a lógica individualista oitocentista, tendo o Código Civil

como referência legislativa exclusiva no âmbito das relações de Direito Privado.

(TEPEDINO, 2000, p. 3).

A vinculação entre as premissas do Estado Liberal e o surgimento das

codificações de Direito Privado é bastante estreita. Como foi visto no capítulo precedente, o

Estado Liberal surge para salvaguardar a liberdade individual frente ao seu maior inimigo,

representado então pelo Estado Absolutista, e isso se traduz na idéia de que o Direito vincula

positivamente o Estado, o qual só pode fazer o que a lei expressamente permite, e

negativamente o cidadão, que pode fazer tudo que não esteja proibido em lei. Um dos

postulados básicos do liberalismo assenta-se na separação entre Estado e sociedade civil,

aquele sem qualquer possibilidade de interferência no jogo das forças sociais.

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Segundo a concepção liberal, a posição do Estado na economia tem um conteúdo

eminentemente negativo, pois a riqueza e o bem-estar coletivos são o somatório da riqueza e

bem-estar individuais, que, por sua vez, resultam da atividade particular, sem qualquer

intervenção do Estado.

A liberdade, no liberalismo, é considerada uma função social, porquanto atua

como ponto de equilíbrio entre os interesses particulares e o interesse geral, então satisfeito.

Ana Prata, citando Adam Smith, resume essa visão de que a soma dos interesses individuais

leva à satisfação do interesse geral.

o assegurar a liberdade individual garante a racionalização do processo produtivo e distributivo dos bens e da satisfação das necessidades: o empresário livre, que corre o risco da sua actividade por sua conta exclusiva, organizará da melhor forma a sua produção, com base na sua própria experiência e nos seus próprios problemas, pois o interesse em que a empresa funcione em condições ótimas é o seu interesse exclusivo e ninguém melhor que ele é juiz das condições de sua prossecução; o consumidor, por seu lado, é o melhor juiz das suas próprias necessidades, pelo que a procura livre no mercado é o melhor orientador da produção, e, simultaneamente, das condições da oferta, pois, num mercado fluido, cada produtor tem de lutar para colocar os seus produtos a preço sempre mais baixo e com qualidade cada vez maior, sem o que sua produção não será comprada. (PRATA, 1979/80, p. 27).

A partir dessa perspectiva, a sociedade era decomposta em sociedade civil,

definida como o conjunto dos indivíduos privados e o Estado, assim como decomposto era o

ordenamento jurídico, apresentando-se, de um lado o ius privatum, como direito regulador da

sociedade civil e o ius publicum, como direito regulador do Estado.

Essa a explicação segundo Juan Maria Bilbao Ubillos para o fato de ter o Código

Civil se transformado no centro do sistema normativo, “tornando-se a verdadeira carta

constitucional da sociedade autosuficiente” (UBILLOS, 1997, p. 237), ao assegurar a

autonomia da vontade e a liberdade contratual como fontes de regulação da sociedade

privada.

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Assim, o Direito Privado constituía-se em autêntico baluarte da liberdade, sendo

certo que essa liberdade burguesa não era uma liberdade política, e sim uma esfera de

autonomia sem intromissão do Estado em relação sobretudo à propriedade. Por tal razão

afirmou Konrad Hesse que o Direito Privado regula as relações dos particulares do ponto de

vista da liberdade individual, à margem das relações políticas e das Constituições, concluindo

que “llegó el Derecho Privado a ser el Derecho constitutivo de la sociedad burguesa, junto al

cual el Derecho Constitucional tenia una importancia secundaria”. (HESSE, 1995, p. 38).

Nesse mesmo sentido é a conclusão de Ana Prata ao afirmar que a Constituição

traduzia a forma de organização do poder político, definindo os limites à atividade do Estado,

ao tempo em que garantia os cidadãos contra os abusos daquele, ou seja, “daí que a

Constituição não fosse, não a lei fundamental da ordem jurídica de uma colectividade

politicamente organizada, mas sim e apenas o estatuto da organização política da sociedade”.

(PRATA, 1979/80, p. 33).

O modelo liberal, com sua filosofia abstencionista, de desconsiderar as demandas

de igualdade real, entra em crise, quando a consciência da marginalização se generaliza e essa

população excluída passa a organizar-se politicamente para combater o modelo vigente.

Exatamente sob os influxos do princípio democrático, o Estado passou a intervir ativamente

na ordenação das relações sociais, de modo a que estas se ajustem, na medida do possível, aos

valores consagrados na própria Constituição.

[...] por um lado, concentração de poder na esfera privada do intercâmbio de mercadorias e, por outro, a esfera pública estabelecida, com a sua institucionalizada promessa de acesso a todos, reforçam uma tendência dos economicamente mais fracos: contrapor-se, agora com meios políticos, a quem seja superior graças a posições de mercado.[...] Apoiadas nessa possibilidade formalmente permitida de

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participação política, as camadas pobres, bem como as classes ameaçadas de pauperização, procuravam conquistar uma influência que deveria compensar politicamente a igualdade de oportunidades que é violada no setor econômico. (HABERMAS, 1984. p. 173).

No que concerne aos direitos fundamentais e o Direito Privado, observa-se que

muitas são as causas que vão gradualmente dando ensejo à intervenção do Estado nas relações

privadas. Primeiramente, passou o Estado a atuar como garante da concorrência do mercado,

o que não conseguiu impedir que este se afastasse do modelo concorrencial e assumisse uma

dimensão monopolista. Tal fato evidenciou que a simples garantia formal de igualdade,

consubstanciada na autonomia individual, não assegurava a realização das necessidades do

homem. Assim, o Estado vai paulatinamente assumindo tarefas de realização do bem estar dos

cidadãos e de garante de valores mínimos da sociedade, à medida que tenta minimizar as

conseqüências que as desigualdades reais acarretam.

É dessa forma, sob os influxos da idéia de igualdade e do princípio democrático,

que a concepção liberal dos direitos fundamentais passa por acentuadas transformações, pois,

ao lado de uma dimensão subjetiva, a qual resguardava o indivíduo contra o abuso do Poder

do Estado, os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, lastreada, como foi

visto anteriormente, na noção de igualdade de todos no uso e fruição de tais direitos. A

democracia passa então a ser uma condição e uma garantia dos direitos fundamentais da

própria liberdade do homem.

Com a mudança do Estado Liberal para o Estado Social de Direito se desmascara

a ficção que vinculava o desfrute da liberdade na esfera social somente à afirmação do

princípio da igualdade jurídica. Segundo Bilbao Ubillos “el Estado no se limita a su funden

tradicional de garante das libertades, asume también el papel de promotor de esas mismas

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libertades, para que no se conviertan en meras fórmulas vacías y pueden ser disfrutadas por

todos.” (UBILLOS, 1997, p. 264).

Neste ponto assume relevo a relação entre o Direito Constitucional e o Direito

Privado, pois na sociedade industrial organizada como Estado Social multiplicam-se relações

que não podem ser enquadradas nem como Direito Público e nem Direito Privado,

constatando Habermas que após a Primeira Guerra Mundial,

[...]a evolução jurídica também acompanha até certo ponto a evolução social e acarreta o surgimento de uma complicada mistura de tipos que, de inicio, foi registrada sob a rubrica publicização do direito privado, mais tarde aprendeu-se a considerar o mesmo procedimento também sob o ponto de vista imerso, o da privatização do Direito Público: elementos do Direito Público e elementos de Direito Privado se interpenetram até a incognoscibilidade e a indissolubilidade. (HABERMAS, 1984, p. 178).

As mudanças das relações entre o Direito Privado e o Direito Constitucional

expressam uma transformação nas tarefas, na qualidade e nas funções de cada um dos setores

jurídicos. A relação entre ambos os ramos do Direito alterou-se de uma inicial autonomia para

uma complementaridade e dependência. É o que conclui Konrad Hesse (1995):

Sí la valoración precedente de la naturaleza y de las tareas del actual Derecho Constitucional y del actual Derecho Privado es correcta, ambos aparecen como partes necesarias de un orden jurídico unitario que recíprocamente se complementan, se apoyan y se condicionan. En tal ordenamiento integrado, el Derecho Constitucional resulta de importancia decisiva para el Derecho Privado y el Derecho Privado de importancia decisiva para el Derecho Constitucional. (p. 81).

A clássica nitidez caracterizadora da distinção entre Direito Público e Direito

Privado encontra-se hoje arrefecida com a crescente publicização do direito aplicado às

relações interprivadas e uma privatização das normas aplicáveis à atividade do Estado. No

dizer de Ana Prata, a crise de separação entre o Direito Público e o Direito Privado vai além

da simples reorganização de categorias conceituais: “a orientação mais comum é a que se

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pode reconduzir à fórmula ‘publicização do direito privado’, mas também não falta quem fale

em recontratualização da vida econômica, isto é, numa espécie de reprivatização do direito

público.” (PRATA, 1979/80, p. 52-53).

Não obstante, vale analisar com um pouco mais de detalhamento o que se chama

na doutrina de constitucionalização do Direito Civil. Seria lícito afirmar que, a partir do

processo de objetivação dos direitos fundamentais e do arrefecimento das fronteiras entre o

Direito Privado e o Direito Constitucional, ocorre um processo de publicização do Direito

Civil?

Uma análise da aproximação do Direito Civil e do Direito Constitucional exige,

de início, uma avaliação do conceito de Constituição como norma jurídica, bem como da

importância da normatização dos princípios jurídicos, pois, na lição de Teresa Negreiros,

“parece correto afirmar que a cruzada empreendida no sentido de normatização dos princípios

– pressuposta pelos estudos da doutrina especializada – encontra estreitas conexões com a

consolidação da nova ordem constitucional.” (NEGREIROS, 2001, p. 348).

Registre-se, por oportuno, que a teoria dos princípios teve o importante papel de

flexibilizar a interpretação dos Códigos e da legislação de Direito Privado, textos esses que

pretendiam regulamentar, de maneira exaustiva, as relações de Direito Privado. Todavia, fazer

referência à supremacia da Constituição como ordem de valores é fazer referência aos

princípios. Como resume Gustavo Kloh Muller Neves, além do fato de que os princípios são

fundamentais para uma funcionalização dos institutos jurídicos de Direito Privado.

qualquer bandeira levantada por uma ordem justa em uma sociedade cujos patamares jurídicos contemplem o pluralismo não pode prescindir dos princípios, os

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quais, metodologicamente, são de todo adequados para a flexibilidade e as quebras necessárias em um sistema que contemple a discordância”. (NEVES, 2002, p. 14).

Segundo Joaquim Arce y Flores-Valdez, a Constituição, tomada em sua base

jurídica, significa uma superação de sua antiga condição de mero documento político, de

origem popular ou comunitária e que se limita a garantir direitos individuais e a separação de

poderes, concepção esta que remonta ao final do Séc. XVIII. A Constituição, de um lado

configura e ordena os poderes por ela construídos e, de outro, estabelece os limites do poder e

o âmbito das liberdades e dos direitos fundamentais. (FLORES-VALDEZ, 1991, p. 22 e

seguintes)

La Constitución, de esta suerte, limitando al poder, reconoce u otorga verdaderos derechos al ciudadano frente a la organización estatal. Y, porque así lo determina, vincula también, además de los poderes públicos, a los propios ciudadanos, erigiéndose, en definitiva, en verdadera norma jurídica de carácter general. Logra, pues, superar una condición meramente política, no ausente pero tampoco exclusiva y, desde luego, compatible con aquella condición normativa. (FLORES-VALDEZ, 1991, p. 23).

A Constituição situa-se, pois, no ápice do ordenamento jurídico, acima, portanto,

das demais normas desse ordenamento, principalmente porque incorpora o sistema de valores

essenciais de convivência da sociedade, que vão nortear e informar a interpretação desse

ordenamento, nos limites estabelecidos pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais,

acima exposta. Sobre o tema afirma Gustavo Tepedino que o legislador contemporâneo deve

valer-se de prescrições que consagrem expressamente valores a serem preservados, princípios

axiológicos com teor normativo e eficácia imediata, levando todas as demais regras do

sistema a serem interpretadas de maneira homogênea e de acordo com um critério

objetivamente definido. (TEPEDINO, 2000, p. 11).

A força normativa dos princípios e a Constituição como um conjunto de regras e

princípios, na esteira do estudo realizado no capítulo 1 é definida por Gomes Canotilho como

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uma perspectiva teorético-jurídica, tendencialmente principialista do sistema constitucional,

como sistema processual de regras e princípios, assumindo particular importância, não só

porque fornece suportes rigorosos para solucionar certos problemas metódicos, mas porque

permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema.

Concordamos com Gustavo Muller Neves quando este afirma que em uma ordem

constitucional pluralista como a nossa, o papel dos princípios é fundamental para a efetiva

consecução dos objetivos do Estado Democrático de Direito, voltado para a valorização da

pessoa humana e a criação de uma sociedade justa, livre e solidária. E o que se depreende do

excerto a seguir colacionado

[...] é inegável que a renovação e a funcionalização do Direito Civil, voltadas para a valorização da pessoa, e a criação de uma sociedade livre, justa e solidária, não prescindem da teoria dos princípios como marco teórico, nem da Constituição como repositório primaz destes princípios. Em uma ordem constitucional que admita uma interpretação pluralista e aberta, como a nossa, o conhecimento do papel dos princípios por parte dos operadores do direito é imprescindível. Apenas assim poderemos dar o correto atendimento aos objetivos fundantes de nosso Estado Democrático de Direito, que são compromissórios. amplos, flexíveis e normativos, e, portanto, princípios.” (NEVES, 2002, p. 16).

O reconhecimento dessa força normativa dos princípios constitucionais consolida

a noção de que o Direito Privado só pode ser interpretado à luz dos princípios como o da

solidariedade social, da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, entre

outros, os quais foram consagrados na Constituição de 1988, princípios esses que imprimem

novos contornos às situações estritamente patrimoniais prevalentes no Código Civil em

obséquio a situações existenciais, em que o sujeito passa a ser o centro do sistema normativo.

Pietro Perlingieri, em lapidar síntese, exprime o sentimento acerca da necessidade

de mudança na aplicação e interpretação das normas de Direito Privado, baseando-se na

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realidade de seu país, o que não torna a lição menos oportuna para o caso brasileiro como se

depreende do texto transcrito:

É impossível verificar o que de relevante aconteceu nestes últimos anos na justiça civil e na cultura jurídica, tão condicionadas no nosso país por um desenvolvimento econômico nem sempre apreciável pela qualidade e assim (tão) profundamente diversificado e desequilibrado. Não é suficiente evidenciar a grave diferença entre as garantias formais e potenciais e aquelas que concretamente encontram atuação na jurisprudência vivente, na história de todos os dias, que é sim, história da empresa, dos problemas produtivos, distributivos e financeiros, mas é também história dos desfavorecidos, dos tantos marginalizados, por escolha ou necessidade do ciclo produtivo. [...] É necessário que, com força, a questão moral entendida como efetivo respeito à dignidade da vida de cada homem e, portanto, como superioridade deste valor em relação a qualquer razão política da organização da vida em comum, seja reposta ao centro do debate na doutrina e no Foro, como única indicação idônea a impedir a vitória de um direito sem justiça. (PERLINGIERI. 1997, p. 23).

Admite-se, assim, que a Constituição vincula tanto o legislador, ao editar normas

de Direito Privado, como o juiz e os demais órgãos estatais, quer no que tange às relações de

família, quer nas novas concepções acerca da função social do contrato ou da propriedade

privada. A Constituição possui “uma força geradora do Direito Privado”. (FACHEN, 2000,

p. 72).

Nesse processo de aplicação da Constituição nas relações com o Direito Privado,

assume o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1°, III, da Constituição

Federal, um valor central, galgando a posição de “valor-fonte de todos os valores”.

(MARTINS-COSTA, 2002, p. 181).

Quando o tema é o princípio da dignidade da pessoa humana, a doutrina parece

convergir em relação ao reconhecimento de sua posição de supremacia, pois é a dignidade da

pessoa humana o valor supremo para cuja proteção se orienta ideologicamente o sistema

jurídico. E a possibilidade de reconhecimento das diferenças, em nome de um princípio

democrático, deixa de ser um mero sistema político e passa a revestir a própria noção de

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Estado de Direito, pois este não é somente aquele que cumpre os princípios formais de

legalidade, do equilíbrio entre os poderes e da publicidade. É, antes de tudo, “o Estado que

reconhece e protege o exercício mútuo das liberdades”. (RABENHORST, 2001, p. 47).

Conclui-se sobre a dignidade da pessoa humana e a democracia:

O que caracteriza a democracia é exatamente a falta de fundamentos absolutos (transcendentes e religiosos) e a diversidade de valores. Se existe algum fundamento último para democracia, ele não pode ser outra coisa senão o próprio reconhecimento da dignidade humana. Mas tal dignidade é, ela própria, destituída de qualquer alicerce religioso ou metafísico. Trata-se apenas de um princípio prudencial, sem qualquer conteúdo pré-fixado, ou seja, uma cláusula aberta que assegura a todos os indivíduos o direito à mesma consideração e respeito, mas que depende, para sua concretização, dos próprios julgamentos que esses indivíduos fazem acerca da admissibilidade das diversas formas de manifestação da autonomia humana. Assim concebida, a dignidade humana deixa de ser um conceito descritivo para tornar-se o próprio ethos da moralidade democrática. (RABENHORST. 2001. p. 48-49).

Por fim, cumpre registrar que uma das discussões mais intrigantes advinda da

aceitação da dimensão objetiva dos direitos fundamentais e de sua eficácia irradiante consiste

naquela referente à aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois a

depender da corrente doutrinária que se adote, exsurgirá o reconhecimento de uma eficácia

imediata ou mediata desses direitos. Advirta-se, entretanto, que independentemente da

aceitação de uma possível eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações inter-

privadas, interessa-nos, para um posterior cotejo com o princípio da boa-fé objetiva, a

aplicação de tais direitos por intermédio da interpretação das cláusulas abertas, ínsitas na

legislação infraconstitucional.

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4. O POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE

Importa, de antemão, fazer uma breve digressão da origem e evolução do

postulado da proporcionalidade no Direito Alemão. Até a 2ª guerra mundial, o postulado em

questão só havia atingido as raias do Direito Administrativo, e apenas em suas feições

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referente à adequação e necessidade, no momento em que se ia avaliar o poder de polícia

administrativa.

Guerra Filho (1999, p.69) atesta a inserção do postulado, para além do exercício da

polícia administrativa:

Em 1955, aparece então a primeira monografia dedicada exclusivamente ao seu

estudo, devida a Rupprecht V. Krauss, ‘der Grundsatz der Verhaltnismäbigkeit (in

seiner Bedeutungfür die Notwendigkeit dês Mittels im Verwaltungsrecht)’, onde já

fez notar a preocupação terminológica, visando distinguir aspectos diversos da

proporcionalidade, sendo ele o primeiro a empregar a expressão ‘princípío da

proporcionalidade’ com a qualificação extra ‘em sentido estrito’. Nota-se, também,

também a intenção do autor de associar o princípio ao estabelecimento do Estado de

Direito e estender ao legislador a vinculação a ele.

Nesta primeira fase, percebe-se já os contornos do postulado em questão, que antes

apenas tinha o sentido de adequação e necessidade, e doravante passou a ter uma terceira

dimensão, a saber, a proporcionalidade stricto sensu, sugerindo que a ele se vinculasse o

Poder Legislativo.

Em 1956, aparece no ‘arquivo de Direito Público’ (Archiv für öffentliches Recht) o

influente ensaio de Dürig, em que defende a tese de haver um sistema de valores

imanente a Lei Fundamental alemã ocidental, cuja justificação última é fornecida pela

imposição de respeito à dignidade da pessoa humana, estabelecida logo na primeira

frase do art. 1º. Seria por intermédio dela que se incluiria o princípio da

proporcionalidade no plano constitucional, para ser observado em qualquer medida do

Estado (GUERRA FILHO, 1999, P.69).

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Vê-se, nesta segunda fase, a inserção do postulado da proporcionalidade, na

ambiência constitucional. Ainda Guerra Filho fala de uma terceira fase, por meio da obra de

Peter Lecher, ”na qual fica definitivamente consagrada a distinção desses dois aspectos da

proporcionalidade, bem como a denominação de ‘princípio da exigibilidade’ para distinguir

da proporcionalidade em sentido estrito”(1999,p.69-70).

Neste ensaio Lecher, eleva a proporcionalidade ao nível do Direito Constitucional,

vinculando definitivamente o Poder Legislativo. Philippe (apud Bonavides, 2000, p.356)

afirma que “há princípios mais fáceis de compreender do que definir. A proporcionalidade

entra na categoria desses princípios”. Nesta discussão se percebe, a confusão terminológica

que rodeia o postulado, aqui enquadrado como princípio que possui certa complexidade, na

atividade de definir.

A partir do caráter finalístico do Direito, Feliz Ermacora apud Bonavides (2000,

p.358). afirma:

Do caráter teleológico do Direito, infere ele também a questão instrumental; de modo

que fim e meio, em razão da regra jurídica, se acham numa conexão normativa e

também numa relação sistemática, determinada pelo conjunto do Direito e da

Sociedade. Só a reflexão filosófica fundamenta a proporcionalidade na relação meio e

fim em ordem a que se possa determinar se tal exigência conduzirá a uma princípio

geral do Direito cristalizado na máxima da proporcionalidade.

Após a inserção da proporcionalidade no Direito Constitucional, ele ganha

importância quando passa a solucionar colisão de direitos fundamentais. A questão da

limitação das liberdades é tratada por Bonavides (2000):

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[...] protegendo, pois, a liberdade, ou seja, amparando direitos fundamentais, o

princípio da proporcionalidade entende principalmente, como disse Zimmerli, com o

problema da limitação do poder legítimo, devendo fornecer o critério das limitações à

liberdade individual. (p.359)

Aqui ele é alçado a condição de limite do poder estatal em relação às limitações de

direitos fundamentais individuais, passando a abarcar a proporcionalidade, a segunda e

terceira gerações, expressões maiores do caráter objetivo dos direitos fundamentais.

Mediante o postulado da proporcionalidade surgiu uma teoria dos efeitos

recíprocos, onde quando se tem um direito fundamental que se confronta com uma lei geral,

esta lei limita o direito fundamental, mas concomitantemente, é interpretada à luz deste

direito.

Sem embargo, da discordância, porquanto a proporcionalidade não é princípio,

observemos o magistério de Bonavides (2000, p.396), in verbis:

O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso

ordenamento jurídico constitucional, embora ainda não haja sido formulado como

‘norma jurídica global’, flui do espírito que anima em toda a sua extensão e

profundidade o § 2º do art. 5º -, o qual abrange a parte não escrita ou não expressa dos

direitos e garantias fundamentais, a saber, aqueles direitos e garantias cujo

fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de

Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da

Constituição.

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O postulado da proporcionalidade não se confunde com a igualdade, pois pode

inclusive resolver conflito envolvendo a igualdade e a liberdade, por exemplo.

Em suas mais variadas funções, vimos que o postulado da proporcionalidade só se

aplica a uma relação de causalidade entre meio e fim, onde se procede aos exames da

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Neste sentido, ele estrutura a

aplicação de normas de direitos fundamental, que se entrelaçam, em torno de um nexo de

causalidade entre meio e fim.

Passemos ao estudo da adequação, onde Ávila (2004, p.98) afirma, que “(...) a

adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do

fim. Isso exige que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não ele próprio) possa

contribuir para a promoção gradual do fim”.

Urge também discorrer sobre a aptidão para gerar efeitos, o melhor, sobre a

eficácia; a instância de validade social das normas jurídicas. Percebe-se claramente que, para

a adequação, não é o meio em si o importante, mas a aptidão dele para gerar como efeito a

promoção do fim.

Importa dizer que, ao exame de adequação, o juiz só deverá decretar a invalidade

do ato administrativo, se houver manifesta incompatibilidade entre o ato administrativo

(meio) e o fim (interesse público a ser perseguido), caso contrário, ficaria difícil para o Estado

fazer justiça no caso concreto.

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Pela exigibilidade ou necessidade, examina o magistrado, se o meio eleito pelo

poder público, no cotejo com outros meios, é aquele que menos restrinja direitos

fundamentais de coletividades ou mesmo de indivíduos. Ávila (2004) demonstra preocupação,

quanto ao exame da necessidade, senão, vejamos:

[...] quando são comparados meios cuja intensidade de promoção do fim é a mesma,

só variando o grau de restrição, fica fácil escolher o meio menos restritivo. Os

problemas começam, porém, quando os meios são diferentes não só no grau de

restrição dos direitos fundamentais, mas também no grau de promoção da finalidade.

Como escolher entre um meio que restringe pouco um direito fundamental mas, em

contrapartida, promove pouco o fim, e um meio que promove bastante um fim, mas

em compensação, causa muita restrição a um direito fundamental? A ponderação

entre o grau de restrição e o grau de promoção é inafastável. Daí a necessidade de que

o processo de ponderação, como já foi afirmado, envolva o esclarecimento do que

está sendo objeto de ponderação, da ponderação propriamente dita e da reconstrução

posterior da ponderação. (p.102)

Por fim, a proporcionalidade propriamente dita envolve contabilização de

benefícios, comparando entre a importância da realização do fim (interesse público) e a

intensidade da restrição de direitos fundamentais, onde efetivamente ocorre a ponderação de

bens.

Impõe-se considerações do postulado de razoabilidade, já que a doutrina e

jurisprudência, por vezes, confunde-o com a proporcionalidade, ou mesmo consideram-no

sub-princípio da razoabilidade, como Moreira Neto (1998, p.69), que afirma que “a

desproporcionalidade agride a razoabilidade”

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Vale reafirmar que os postulados estruturam a aplicação de normas jurídicas. A

razoabilidade, enquanto postulado, possui três acepções, no magistério de Ávila (2004,

p.103):

Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas

gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva

a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em

virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a

razoabilidade é empregada como uma diretriz que exige uma vinculação das normas

jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de

um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma

relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro,

a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre

duas grandezas.

Um exemplo elucidará a primeira acepção, intitulada razoabilidade por equidade.

Um Defensor Público interpôs uma ação autônoma de impugnação, a saber, o habeas corpus,

em favor de um cidadão naquele dia preso, fazendo-o em papel, cujo timbre era da Secretaria

de Estado de Administração, que gentilmente estava, naquela ocasião, repassando material de

expediente para a Defensoria Pública.

O Magistrado, com formação estritamente jurídica, exigiu que fosse comprovada a

condição de Defensor Público, do subscritor, quer por juntada do título de nomeação para o

cargo, quer por documento emitido pelo Defensor Público Geral. Também foi alegada a

ausência de mandato, a questão foi levada a julgamento, onde se decidiu ser postura razoável

presumir a existência de mandato quando o Defensor Público possui mandato, decorrente da

lei.

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Na interpretação/aplicação das normas legais deve-se presumir o que ocorre na

normalidade, e não aquilo que se passa esporadicamente. O fato de alguém se apresentar

como Defensor Público, sem que seja titular deste cargo, não é algo normal; razão pela qual, o

Habeas Corpus foi conhecido e posteriormente provido, em razão de sua ineficácia, por apego

a forma, afetar diretamente o direito fundamental a ampla defesa.

Neste caso, o postulado da razoabilidade atua como meio para determinar que as

circunstâncias do caso concreto presumem-se dentro da normalidade. Tal postulado atua na

interpretação dos fatos descritos no texto normativo.

Aqui, claramente, percebe-se que uma interpretação que levasse em consideração

o excepcional, feriria o princípio do due process of law, tido por Rocha (1995, p.34). “fórmula

de síntese para designar o modelo essencial de atuação do Judiciário, no exercício da

jurisdição. Caracteriza-se por oferecer certas garantias as partes de tal modo que possam

expor e defender, com maior liberdade, suas pretensões e respectivos fundamentos.”

Neste sentido, o devido processo legal é garantia fundamental a proteger o cidadão

contra excessos do administrador, que levou a cabo processo administrativo injusto; e contra o

juiz, que tenha sentenciado de modo abusivo.

Nesta acepção, a razoabilidade exige ainda a consideração das peculiaridades do

caso concreto, quando ele é menosprezado pela generalização e abstração da lei. Determinado

cidadão, e.g., de condição financeira paupérrima, foi condenado pela ‘boca da lei’, por crime

de abandono material, ao não ter provido o sustento de seu filho, encontrado em sua casa, pela

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polícia sujo, seminu e em avançado estado de desnutrição. O cidadão, pai da criança também

era desnutrido e suas roupas mal cobria as suas “vergonhas”, comprovadamente um produto

do neoliberalismo, vinha buscando emprego, e por não ter nenhuma instrução, nada

conseguia, e o pouco que tinha, dado pela solidariedade dos vizinhos, partilhava com a mulher

e o raquítico rebento. O juiz alegou conhecer a situação de penúria do réu, mas ao fim,

utilizou o brocardo dura lex, sed lex, condenando-o, para que sirva de exemplo para os outros.

Em grau de recurso, interposto pela Defensoria Pública a sentença foi, in totum, reformada

absolvendo o infeliz homem, entendendo desarrazoada a decisão de 1º grau de jurisdição.

Aqui a norma penal incidiu, mas não deveria ser aplicada, pois o caso individual

impossibilitava a que o cidadão provesse, satisfatoriamente, o sustento de seu filho. Na

hipótese a razoabilidade é utilizada para demonstrar que a incidência da norma, embora

condição necessária, não é suficiente para que seja aplicada. Acresça-se que para a efetiva

aplicação, não deveria incidir a razão motivadora prevista na própria regra, ou a existência de

princípio de hierarquia superior que institua uma razão contrária, no caso o princípio da

justiça. É dizer, com Ávila (2004, p.106), que “a razoabilidade atua na interpretação das

regras gerais como decorrência do princípio da justiça (preâmbulo e art. 3º da CF)”

A segunda acepção do postulado em questão, a saber, a razoabilidade como

congruência, requer a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação,

quer exigindo um suporte empírico existente, quer exigindo uma relação congruente entre o

critério de diferenciação eleito e a medida adotada. A interpretação das normas exige o cotejo

com as condições externas a ela.

[...]os princípios constitucionais do Estado de Direito(art. 1º) e do devido processo

legal(art. 5º, LIV) impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão dos

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procedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade é violar os

princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.

A derradeira acepção da razoabilidade é o postulado como equivalência, onde se

exige uma relação de equivalência entre a medida adotada o critério que a dimensiona. Neste

sentido, por força do Código Penal Brasileiro, a dosimetria da pena deve observar a

culpabilidade do réu; de modo que esta é critério para fixação da pena-base; de que é razoável

a absolvição de um cidadão, com participação ínfima, em um crime de pequeno potencial

ofensivo.

A aplicação da proporcionalidade exige um nexo causal entre meio e fim;

Entretanto, o postulado da razoabilidade não se refere a um nexo de causalidade entre meio e

fim. Na razoabilidade como dever de equidade, harmonizando a norma geral com o caso

individual, vimos que os princípios de hierarquia superior impõem verticalmente dada

interpretação; de modo que não há entrelaçamento de princípios de mesma hierarquia, nem

nexo causal entre meio e fim.

Note-se que aqui não se analisa nexo entre meio e fim, mas entre critério e medida,

Ávila (2004, p.111) comenta a diferença:

“Com efeito, o postulado da proporcionalidade pressupõe a relação de causalidade

entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim).

Adotando-se o meio, promove-se o fim: o meio leva ao fim. Já na utilização da

razoabilidade como exigência de congruência entre o critério de diferenciação

escolhido e a medida adotada há uma relação entre uma qualidade e uma medida

adotada: uma qualidade não leva à medida, mas é critério intrínseco a ela”.

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Quanto à razoabilidade como dever de equivalência entre duas grandezas, de modo similar ao

dever de congruência, requer uma equiparação entre medida adotada e o critério que a

dimensiona, e não entre meio e fim.

5. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

A discricionariedade administrativa vem do primeiro Estado de Direito, intitulado

por Bonavides de Estado Constitucional da separação de poderes, onde sob a influência da

escola exegética, tínhamos a confusão do direito com a lei, havendo uma total identidade

entre o texto normativo e a norma jurídica, ao ponto de se dizer, no ensino jurídico que “não

se ensinava o direito civil, mas o código de Napoleão”.

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Naquela ocasião e ainda hoje, com certo tempero, os atos administrativos são

praticados em sua maioria pelo Poder Executivo, com grande incidência discricionária, no

sentido de que o Administrador Público não sofria, por parte do Poder Judiciário, qualquer

reexame, que não fosse sobre a competência e a forma do ato.

Naquela ocasião, os princípios gerais do direito eram apenas formas de colmatação

do ordenamento jurídico, tais como a analogia e os costumes. Eram eles ratio legis, jamais

legis. Aqui ocorria a discricionariedade plena, funcionando como uma barreira intransponível,

onde o Poder Judiciário não deveria reexaminar o ato administrativo.

Neste primeiro Estado Constitucional, embora o poder fosse uno, condensado na

soberania popular, havia uma divisão de trabalho entre os diversos órgãos estatais, com o fim

de evitar que a concentração do exercício do poder gerada pela monarquia de outrora

propiciasse a corrupção.

O receio de um retorno a absolutização do exercício do poder levou a burguesia

emergente a tornar a separação de funções estatais praticamente absoluta, tornando-se esta

uma forma de proteção das liberdades públicas. Rocha (1995, p.62) afirma que ela “É, pois,

uma garantia específica dos direitos fundamentais contra investidas do Estado enquanto tal,

ou seja, do Estado encarado como categoria unitária.”.

Com a evolução do Estado liberal, e percebendo que insindicabilidade dos atos

administrativos, manejados com discricionariedade, produziam injustiças, evolui o Estado

para uma concepção socializante, onde já se discutia os limites da discricionariedade em face

dos prejuízos causados à direitos fundamentais individuais, sobretudo das classes populares

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Era o início da superação dos Estados Constitucionais da Separação de poderes,

pelo novo Estado Constitucional dos Direito Fundamentais. De uma concepção absenteísta,

onde o Estado liberal, em regra, deixava a sociedade se conformar, por entender que seus

membros resolveriam seus conflitos, sem intervenção estatal, passou-se a um Estado, onde os

direitos fundamentais, não se cingiam às liberdade públicas e aos direitos políticos, mas

também adquiriram um caráter prestacional.

O Estado passou a intervir na sociedade, prestando serviços públicos, tais como

saúde, educação, cultura, desporto, assistência jurídica aos hipossuficientes, ou mesmo,

através de legislação sobre a proteção do trabalho e do trabalhador, além de incentivar a

manutenção e a geração de emprego e renda.

A igualdade, que outrora era apenas formal, passa a adquirir os contornos de uma

igualdade material, deixando de ser apenas perante a lei, para ser “na lei”, no sentido de que o

legislador também tinha que observar, critérios até discriminatórios, para reequilibrar as

relações em uma sociedade de massas, cada vez mais heterogênea, por via de conseqüência,

desigual.

Em tal modelo, um tema recorrente na história mundial se sobressai, a

preocupação, não apenas com o apego a legalidade estrita, mas também o apego a justiça, não

aquele justiça formal, mas uma justiça substancial, preocupada com as mudanças sociais, daí

intitulado de justiça social.

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Neste diapasão os princípios gerais do direito adquirem o status de princípios

constitucionais, sendo este fenômeno acompanhado durante a segunda metade do século XX,

por praticamente todos os Estados europeus e americanos.

Com a constitucionalização dos princípios, surge o debate em torno do fato de

serem eles também norma jurídica, debate superado no mundo hodierno, pois tendo em conta

que a Constituição representa a expressão maior da normatividade estatal, não se poderia

dizer que, de seus dispositivos, não se produziriam normas jurídicas, logo se conclui que

passam os princípios jurídicos ao status de legis, sem também, em outra conotação, deixar de

ser ratio legis.

Tal irrupção chegou à esfera do direito administrativo, atingindo a

discricionariedade, de forma que, a partir de então, passou-se a postular que os atos

administrativos, não apenas se cingem ao controle de legalidade, mas também a um controle

jurídico, de modo que o ato administrativo passou a sofrer um controle, através dos princípios,

sobretudo aqueles, explícita ou implicitamente, constitucionais.

Esta mudança de perspectiva deve seguir a uma igual mudança por parte dos

juízes, principalmente o magistrado brasileiro, do momento constitucional da atualidade, que

não deve se apegar a separação absoluta de funções estatais, mas considerando que o poder é

uno, com titularidade no povo, relativizá-la, de modo a examinar profundamente o ato

administrativo, até os limites de seu mérito.

Rocha (apud Morais, 1999, p.23), afirma que “O administrador público submete-

se não apenas a lei, mas ao direito, e este pode ser instrumentalizado por outros meios que não

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a lei formal.” Neste sentido, Rocha defende a substituição do princípio da legalidade estrita

pelo princípio da juridicidade, no controle dos atos administrativos, sendo, que além dos

demais princípios jurídicos positivados, entende que a legalidade administrativa está inserida

neste princípio mais abrangente.

Não resta dúvida de que o princípio da juridicidade amplia significativamente o

espectro de atuação da jurisdição relativo aos atos administrativos, de modo que a partir de

então, não seria mais adequada falar de duas áreas distintas, uma vinculada à lei e outra livre,

por ser discricionária.

Doravante, tratar-se-á de uma área passiva de reexame por parte do Poder

Judiciário, e outra não sujeita a uma revisitação por parte do deste Poder. Ao analisar-se os

textos de lei, confrontando-os com a Constituição, no cotejo dos casos concretos,

cotidianamente, decididos pela administração pública, perceber-se-á que não há ato

plenamente discricionário e nem plenamente vinculado, posto que a mutante sociedade induz

a que a linguagem constitucional e infraconstitucional dos textos traduza sentidos

inesgotáveis.

Falcão (2000, p.38) sustenta que “o sentido é livre porque o palco de sua criação é

o pensamento, que também o é por excelência. E é inesgotável por ser livre. (...) O

pensamento é desse modo, livre, em essência. Se algum limite se lhe puser, é a limitação pelo

rumo, pela teleologia”.

Apesar de advogar a tese de que existe o princípio da inesgotabilidade dos

sentidos, Falcão não quer dizer, que qualquer sentido que, por exemplo, o administrador

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entenda ser adequado o será, posto que ele deve observar, ainda que operacionalizando textos

que contenham conceitos indeterminados, deve ele fazê-lo, com vistas ao princípio da

juridicidade, que engloba tanto o princípio da legalidade como os demais princípios

positivados.

De tudo se pode perceber que não há atos discricionários, apenas

discricionariedade em alguns elementos do ato administrativo, a saber, os motivos e o objeto,

porquanto que o fim é o interesse público especificado na Constituição e nas leis, portanto é

vinculado.

Embora seja a discricionariedade traduzida numa escolha, esta, necessariamente

sofrerá o influxo de parâmetros, de modo que escolha não limitada pela juridicidade é

exercício abusivo do poder estatal, é arbitrariedade.

Segundo Moraes (1999, p.38), a escolha parametrizada distingue-se, de modo que

“a aplicação de parâmetros contidos nas regras jurídicas distingue-se daquelas concernentes

aos princípios. Na primeira hipótese, verifica-se se há conformidade entre o ato administrativo

e as regras, na segunda, se há compatibilidade do ato com os princípios jurídicos.”

Os textos constitucional e legal encerram, em regra, textura aberta, seja por opção

do legislador, que entendeu de deixar à prudência dos administradores públicos, a atividade

criativa de complementá-lo, seja porque não há como prever todas as situações que venham a

ocorrer, que tornam os sentidos deles extraídos inesgotáveis.

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Tal abertura, tanto pode surgir da previsão não completa dos pressupostos

necessários a decisão administrativa, intitulada discricionariedade quanto aos pressupostos;

quanto à determinação apenas parcial dos efeitos a serem produzidos com o ato

administrativo, chamada de discricionariedade de efeitos.

Há discricionariedade relativa aos pressupostos quando se acresce aos

pressupostos já previstos, outros tantos indispensáveis para determinar o conteúdo do ato

administrativo.

Utilizando-se a linguagem de Germana Moraes (1999, pp.39-41), quanto à

discricionariedade de efeitos, percebe-se que ela se subdivide em discricionariedade de

decisão, de escolha optativa e de escolha criativa.

A primeira ocorre quando o texto normativo possibilita praticar ou não o ato

administrativo. Já na discricionariedade de escolha optativa se deve escolher entre limitadas

opções, aquela dentre todas que seja mais conveniente e oportuna.

Quanto à discricionariedade de escolha integrativa, deve o administrador público

encobrir os efeitos jurídicos descritos de forma extremante genérica pelo legislador, havendo

aqui maior criatividade do administrador público, e portanto maior discricionariedade de

efeitos.

Nesta última hipótese vislumbram, com mais nitidez, a presença das normas que

delegam ao administrador público e ao magistrado, este em última instância, a função de dizer

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o direito, ampliando os poderes do juiz. São elas as normas contratadas, que são fruto de

acordo entre forças políticas antagônicas, quando inexiste maiorias parlamentares.

Tal fenômeno ocorre no Brasil também, onde se verifica uma tendência de maior

representatividade popular no Congresso Nacional, evitando que haja maiorias qualificadas

por parte da classe empresarial.

Rentería (2002, p.410) tratando das normas contratadas, afirma que:

Dentro del área de significado que aqui se propone se coloca, a mi parecer, el

sentido de discrecionalidad que se suele llamar ‘intencional’, por cuanto que se

origina de opciones precisas tomadas por el legislador de manera, precisamente,

intencional, por ejemplo, dejando em manos de los jueces la posibilidad de elegir

entre um determinado tipo de sanción o bien entre um limite mínimo y uno máximo de

pena.

Como o sentido advindo do texto normativo é inesgotável, ainda que fazendo uma

escolha parametrizada pela direito, restará, em regra, uma valoração administrativa e no

reexame uma valoração judicial, baseada outros parâmetros, que transcende ao texto

constitucional e legal, daí entendermos que esta escolha é baseada em parâmetros não

positivados, que comumente é chamado de mérito do ato administrativo.

O mérito do ato administrativo é o seu núcleo, que por transcender ao campo da

juridicidade é um núcleo político, e como tal, não deve sofrer influxo de controle judicial.

Consiste o mérito do ato administrativo, após a observância do direito, nas regras de boa

administração, traduzida na conveniência e na oportunidade, conferida com exclusividade a

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administração pública, sopesar fatos e decidir como e quando decidir em relação a tais

acontecimentos do mundo real.

Em outras palavras, Moraes (1999, p.44) afirma que mérito “consiste, pois, nos

processos de valoração e de complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato

administrativo não parametrizados por regras, nem por princípios, mas por critérios não

positivados.”.

Analisando o que vem a ser o núcleo do ato administrativo, vale conceituar

discricionariedade administrativa, com Melo (1996), para quem, ela é:

[...]a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo

critérios consistentes de razoabilidade, um dentre pelo menos dois comportamentos

cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução

mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das

expressões da lei, ou da liberdade conferida pelo mandamento, dela não se possa

extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente. (p.48)

Percebe-se, pelo conceito de Melo, que ele entende que além da discricionariedade

quanto aos pressupostos e quanto aos efeitos, há uma discricionariedade de fins. Cita o autor,

como exemplo, uma norma que determine que sejam expulsas do cinema as pessoas que se

portarem indecorosamente, a fim de proteger a moralidade pública.

Di Pietro (2001, p.117), comentando o exemplo afirma:

Também neste caso remanesce certa discrição para o administrador, porque além de

toda interpretação possível restará, afinal, um campo nebuloso onde não há como

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desvendar um significado milimetricamente demarcado para os conceitos práticos.

Ele[Celso Antônio Bandeira de Melo] cita ensinamentos de Gonçalves Pereira de que

‘a discricionariedade começa onde acaba a interpretação...reduzir a discricionariedade

à simples formulação de um juízo é afinal negar o próprio poder discricionário,

reconduzir todo o poder à vinculação e pôr-se em contradição com o direito positivo.

Vale dizer que a discricionariedade é maior no texto normativo do que no cotejo

dele com o caso concreto, onde incide a argumentação jurídica, com a adequação dos

pressupostos fáticos com os motivo legais, a fim de que se chegue a uma decisão

administrativa.

Os fatos irão compor novo balizamento limitando a discricionariedade, chegando

ao ponto de suprimi-la plenamente. É que, embora os sentidos extraídos dos textos normativos

sejam inesgotáveis, não se admite interpretação/aplicação que vise interesses espúrios, de

modo que a perseguição do interesse público sempre subsistirá, ainda que ele esteja apenas

implícito no texto.

Com o escopo de evitar os abusos do administrador público, criou-se a teoria da

redução da discricionariedade a zero, a qual consiste em interpretar e aplicar os textos

normativos, de modo a tentar reduzir a decisão do administrador a uma só, relativo àquele

caso concreto.

Caso seja possível, uma única solução para a hipótese vertente, o juiz deverá

passar de um controle meramente negativo, consistente apenas na declaração de nulidade do

ato administrativo, para um controle positivo, onde o Magistrado, além de considerar nulo o

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referido ato, deve determinar à administração pública, a adoção de uma única opção que deve

seguir em substituição ao ato guerreado.

Numa frase, a conveniência e oportunidade, na prática do ato administrativo nem

sempre estará presente, mais será o resultado do exercício da discricionariedade. Vale lembrar

que os conceitos verdadeiramente indeterminados, ditos de prognose, ou melhor, conceitos

cujo preenchimento de sentido requer uma avaliação pró-futuro, não são conceitos

discricionários, pelo fato de não encerrarem um conflito axiológico, um sopesamento de

interesses que concorrem, observando-se o interesse público eleito pelo texto normativo.

Entende Morais (1999, p.106) que “os princípios da publicidade, impessoalidade,

moralidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade viabilizaram o controle judicial no

domínio de atuação administrativa não vinculada, que abrange a discricionariedade

administrativa e a valoração dos conceitos verdadeiramente indeterminados.”

Discordamos da autora, por entender que, nem a razoabilidade nem a

proporcionalidade são princípios, mas postulados, embora estruturem aplicação dos referidos

princípios, além daqueles que só implicitamente decorrem do texto constitucional, tal como a

boa fé e a proibição do abuso de poder.

Cingir-nos-emos a proporcionalidade, a fim de explicar como ela estrutura a

aplicação de tais princípios em colisão, quando de um ato administrativo, que invade direitos

fundamentais individuais.

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Na verdade, sendo a proporcionalidade uma metanorma, só reflexamente ela é

inobservada, já que quando não se toma uma medida administrativa desproporcional, lato

sensu, na verdade, o administrador, enquanto intérprete/aplicador, inobservou, diretamente, o

princípio ou a regra jurídica que tal postulado estrutura a aplicação, e nisto inobservou a

Constituição.

5.1 Legitimidade e discricionariedade

Em um Estado Democrático de Direito temos uma dimensão ético-política,

correspondendo a legitimidade e outra ético-jurídica, correspondendo a legalidade. A

legitimidade existiu, desde o momento em que o homem passou a viver gregariamente, pois

mesmo antes da concepção de Estado moderno, havia a crença da sociedade primitiva, de que

seus líderes eram os mais convenientes para a condução de seus destinos; de modo que a

legitimidade precedeu a legalidade.

Desta forma, a legalidade, enquanto criação do estado liberal surgiu a após a

legitimidade; embora a positivação de normas voltadas para atender os anseios da vontade

geral, tornava a legalidade uma objetivação da legitimidade. Não foi o que aconteceu com o

Estado liberal, que sob a falsa afirmação de que as leis serviriam a todos, passou a servir

apenas a classe burguesa.

Como o poder ilegítimo, por si só fenece, ocorreu a “revolta dos fatos contra os

códigos” e o Estado passou a ser prestacional, obtendo uma maior aproximação do consenso,

era o surgimento do Estado Constitucional dos direitos fundamentais.

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Não é demais relembrar que há uma relação inversamente proporcional entre

legitimidade e coerção; na medida em que em regimes políticos de alto nível de consenso,

portanto mais legítimos, o nível de coerção é mínimo, pois o uso da força passa a ser um

aspecto secundário quando se observam os direitos fundamentais dos indivíduos e das

coletividades.

O conceito de interesse público passa pela relação entre legitimidade e legalidade.

Neste diapasão, Moreira Neto afirma que “o interesse público, antes ou depois de legislado, é

sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse público legislado alça-se ao padrão de

legalidade”(1998:14)

Aqui só se pode concordar com o autor, se ele conceber uma legalidade lato sensu,

no sentido de campo de juridicidade, porquanto o direito por princípios também é fonte de

legitimidade, sobretudo os princípios extraídos do texto constitucional.

Melhor seria, então, tratarmos não de princípio da legalidade, mas de princípio da

constitucionalidade. Mesmo ampliando a legitimidade objetivada pelo princípio da

constitucionalidade, remanesceria um resíduo de legitimidade que não fora positivada, e no

remanescente que autores administrativistas entendem que se forma um núcleo político do ato

administrativo, que não deveria o juiz adentrar, sob pena de ferir a separação de poderes.

Pelo que foi dito, já se pode conceituar interesse público, de acordo com Moreira

Neto, como “interesses coletivos gerais que a sociedade comete ao Estado, para que ele os

satisfaça, através de ação politicamente embasada ou através de ação jurídica politicamente

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fundada” (1998:13); tomando a ação política como ato de dizer o direito, e como a ação

jurídica como a execução de atos administrativos e atos jurisdicionais .

Olvidou-se o autor de considerar que além dos interesses coletivos, não se pode

deixar de observar os direitos fundamentais individuais, que participam, ainda que

parcialmente dos interesses públicos, como veremos mais adiante.

Entregando ao Estado a realização de seus interesses, a sociedade perde a sua

liberdade natural e ganha segurança. Desta maneira o Estado, impondo a sociedade uma nova

liberdade intitulada jurídica, como não é titular do poder, mas de seu exercício, não pode

também ter liberdade fora do ordenamento jurídico.

Até mesmo o poder constituinte originário, que não tem limitações jurídicas,

encontra-se preso a observância da legitimidade, não devendo ignorar os consensos sociais

que traduzem o interesse público de um dado povo.

Quem não aprendeu esta lição básica, viu a Constituição “folha de papel” declinar

ante a força normativa dos fatos, seja por uma revolução, seja por uma mutação

constitucional.

O lamentável é que em Estados periféricos, onde a maioria parlamentar encontra-

se com a classe empresarial nacional e transnacional, o interesse público positivado afasta-se

da legitimidade, pois passa a responder por interesses de uma coletividade mínima; gerando

baixo consenso, daí o tão propalado autoritarismo que José de Albuquerque Rocha denuncia

nos Estado periféricos.

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Sendo a função legislativa aquela que busca atuar primariamente, na positivação

de interesses públicos, enquanto a administração e o judiciário são modos derivados de

atuação estatal.

O gestor público observando que ocorrem distorções no momento de objetivar a

legitimidade, através da lei, deve observar a legalidade estrita, de forma imediata; mas

também o interesse público previsto na Constituição, posto que, de forma mediata, deve sua

conduta deve ser legítima, transcendendo a legalidade.

O magistrado, através da função jurisdicional, ao rever o ato administrativo, deve

observar o princípio da legalidade em seu sentido amplo, englobando todo o campo da

juridicidade, para julgar se o ato atendeu ou não o interesse público, e neste sentido a sua

legitimidade se extrai da constitucionalidade.

O controle de legitimidade só pode ser feito pelo judiciário, quando os fins a que

se busca com o ato administrativo, esteja dentro do campo de juridicidade.

Moreira Neto conclui que “aquilo que o judiciário pode controlar no ato

discricionário não é, diretamente, a sua legitimidade, ou seja, não é o mérito do ato

administrativo, mas a sua legalidade, à qual estarão sempre vinculados todos os atos da

administração, expressada na finalidade.” (1998, p.28-29)

Na verdade, o juiz não deve controlar a discricionariedade, mas o resultado da

mesma, ou seja, as regras da boa administração, traduzidas pela conveniência e oportunidade

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de sua prática. Em suma, o mérito do ato administrativo é o núcleo político do ato, o seu

mérito, porque de feição nitidamente política.

Partindo-se da premissa que é impossível externar toda a legitimidade por meio do

ordenamento jurídico; o núcleo surge da dimensão não objetivada da legitimidade, que o

legislador constituinte originário, sabiamente, deixou aos cuidados da função que tenha por

fim levar a termo os direitos fundamentais prestacionais, a saber, o “poder” executivo.

Foi neste sentido que a Constituição da Republica afirma em seu art. 2º que “são

poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário”. Aqui é consagrada a separação relativa de funções, que se não impede que o

Judiciário investigue a legitimidade objetivada do ato administrativo, embora proíba-o de

avançar sobre aspecto de legitimidade não positivada, e nisto preservar um conteúdo, embora

mínimo, para o administrador fazer valer sua restrita independência.

A teoria da redução da discricionariedade a zero demonstra claramente como o

juiz deve investigar o ato administrativo, perquirindo os motivos, ou melhor, os fatos e os

fundamentos jurídicos a que chegou o gestor público a decisão administrativa, e se

observando os princípios explícitos e implícitos, perceber que não haveria, senão uma só

decisão a tomar, anular o ato e determinar o seu imediato refazimento.

É dizer, embora no texto haja possibilidade de mais de uma opção, se no caso

concreto, só existe uma opção para se decidir, não há remanescente de legitimidade não

objetivada; de modo que o caso concreto é que ditará se há ou não um núcleo político

insindicável pelo Judiciário.

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Moreira Neto (1998, p.47) sustenta que tanto a discricionariedade como o mérito

se relacionam com a legitimidade, pois “a discricionariedade a definirá nos seus aspectos

residuais e o mérito a conterá”.

A discricionariedade tem um fim, atingir o interesse público especificado no

ordenamento jurídico. Investigando se houve ou não discricionariedade, o magistrado

observará se no caso concreto houve exercício de competência discricionária, ou se a conduta

do administrador foi viciada, na medida em que não havia um núcleo político passivo de ser

apreciado pela jurisdição.

Coraggio (apud Moreira Neto, 1998, p.53) afirma que “o vício de mérito termina

como se fosse a mesma coisa que o vício de legitimidade”. Disto se pode dizer que mesmo o

motivo e objeto do ato administrativo pode, no caso concreto ser discricionário, se não houve

vedação no campo de juridicidade, onde o administrador público irá colmatar as lacunas do

ordenamento jurídico; mas também pode ser vinculado, não havendo espaços para a

integração do mesmo ordenamento.

5.2. O esvaziamento da supremacia do interesse público sobre o interesse

privado como princípio

Defendemos que não existe princípio ou regra jurídica, antes da interpretação-

aplicação, levada a termo pela argumentação do administrador ou pelo magistrado. Também

argumentamos previamente que não há princípios absolutos, que em qualquer caso fosse

aplicado, quando em colisão com outro princípio. Pensar em absolutização de princípios é

negar a ponderação.

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A suposta “supremacia” do interesse público não é norma-princípio porque não

decorre de uma interpretação sistêmica da Constituição e da legislação infraconstitucional;

posto que o ordenamento volta-se para a proteção do indivíduo e das coletividades, já que se

tem por princípio fundamental geral a dignidade da pessoa humana.

A Constituição Pátria nega o antagonismo irreconciliável entre interesses

individuais e interesses públicos, porquanto estes, ao fim e ao cabo, movem-se em vista

daqueles, incluídos como fins do Estado.

Neste sentido, o que se passa é que a tutela de um interesse privado previsto na

Constituição acaba por ser, ainda que de modo parcial, a realização de interesse público.

Não há como sustentar o “principio” da supremacia do interesse público, pois ao

fazê-lo, negaríamos as particularidades do caso concreto, e como “receita de bolo”, diríamos

que sempre irá prevalecer o interesse público em detrimento de direitos fundamentais

individuais e de coletividades. Na verdade a norma preferencial acaba por ser a norma

concretizada, após intensa argumentação.

Com o advento do novo constitucionalismo de efetivação dos direitos

fundamentais, supera-se a relação bipolar entre cidadão e Estado, posto que, mais e mais,

temos coletividades com interesses próprios, tais como associações ou sindicatos, que passam

também a compor o rol de interesses públicos, na medida em que, através de parlamentares

que os representem , positivam seus interesses.

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Assim, estabelece-se um caráter multipolar das relações administrativas, cabendo o

gestor público, no caso concreto decidir qual interesse é prevalente; e não raras são as

oportunidades em que tal exame passa pelo crivo da jurisdição.

Ao invés de se partir de uma premissa de que o interesse público ditado “governo

de plantão” é supremo e irrenunciável, deve o magistrado ponderar razões e fins envolvidos

em cada um dos polos da ação, e só após o sopesamento dizer qual será aplicado no caso

concreto.

Deverá observar o magistrado os valores consagrados pela Constituição, e decidir

qual interesse público deve preponderar na sentença, se um interesse público geral ou um

interesse coletivo positivado ou um interesse tipicamente individual.

Basta observar que na prisão de um cidadão, que tenha cometido crime de baixo

potencial ofensivo, e que não tenha antecedentes criminais, não deveria o juiz, ao decidir

sobre um habeas corpus, entender que sua prisão deve ser mantida, para a preservação do

“supremo interesse público”, de manter a sociedade protegida, mas, no caso concreto, deve

restabelecer o jus libertatis do indivíduo; e nem por isto se pode dizer que o magistrado

desatendeu ao interesse público, pois a própria sociedade não se compadece com injustiças.

O exemplo serviu para demonstrar que o interesse público comporta um

entrelaçamento entre interesse público geral e interesse individual, não se podendo estabelecer

uma superioridade de um sobre outro, antes da decisão estatal.

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A ponderação de razões e fins de cada uma das partes deve ser levada em

consideração, pelo administrador e a posteriori, pelo juiz, de modo a superar regras de

preferências estáticas, tais como o “princípio” da supremacia do interesse público sobre o

privado.

A legitimidade do chefe do poder executivo, que existe na sua própria investidura,

com base no sufrágio universal, perde-se no exercício do mandato, quando ele decide com

base em regras de preferências predeterminadas.

Situação difícil é a do magistrado, que por não ter legitimidade em sua investidura,

não tem outra opção para obtê-la, se não aplicando, no caso de colisão de direitos

fundamentais, a ponderação, levada a termo pelo postulado da proporcionalidade.

Assim o interesse público, enquanto aspecto vinculado do ato administrativo, não

necessariamente é o interesse do chefe do poder executivo, porquanto o caso concreto poderá

informar se havia os pressupostos de fato e de direito autorizadores do ato administrativo, e

se estes pressupostos guardam nexo com o interesse público específico, de forma a respeitar

as três dimensões da proporcionalidade, e só assim, poderá o gestor público justificar o

porquê do não atendimento de outro direito fundamental, que estava em rota de colisão com o

interesse eleito.

Assim, não existe o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse

privado, embora exista sempre um interesse público a ser buscado pelo administrador,

vigiado, de perto, pelo magistrado.

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5.3. Aplicação do postulado da proporcionalidade ao controle de discricionariedade

Primeiro passo para se aplicar o postulado da proporcionalidade é observar se no

ato administrativo a ser avaliado pelo Poder Judiciário, houve realmente colisão concreta de

direitos fundamentais e se o fim almejado por tal medida é previsto pela Constituição.

[...] apenas inicia-se o controle de proporcionalidade se o fim que se almeja tem

legitimidade constitucional. Em segundo lugar, procede-se uma descrição da situação

de conflito, objetivando identificar todas as circunstâncias relevantes do caso.

Enfatize-se que a verificação da constitucionalidade do fim e a identificação das

circunstâncias são controles ou tests prévios à aplicação do princípio da

proporcionalidade. Realizados os tests preliminares, procede-se, sucessivamente os

exames de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito,

observando-se a inter-relação entre os princípios. (STEINMETZ, 2001, p.154)

Conclui-se que se faz necessário a aplicação dos tests, espécies de exame

provisório, que se negativados, impossibilitam o controle de proporcionalidade. Além disto,

este controle é seqüencial, de modo que se começa pelo exame da adequação, e só se lograr

êxito, segue-se ao exame da necessidade e por fim o exame derradeiro da proporcionalidade

em sentido estrito.

Um exemplo melhor explicitará o que se defende. Suponhamos que um delegado

de polícia resolva, a título de investigação policial, fazer escuta telefônica, sem autorização

judicial, com o fim de prender um cidadão suspeito de tráfico de entorpecentes.

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Nesta situação e sob a alegativa de que estaria exercendo o que doutrina chama de

poder de polícia administrativa, passou vários meses escutando as conversas telefônicas do

suspeito, devassando toda a sua vida.

Vejamos se esta devassa é caso de colisão de direitos fundamentais. O primeiro

test é satisfeito, pois resta demonstrado que há franca colisão entre direitos fundamentais em

sentido amplo; de um lado um direito individual (intimidade) e de outro, um coletivo, a

garantia constitucional da segurança pública. O segundo test é satisfeito, pois a finalidade

(preservar a incolumidade pública) é legítima e prevista diretamente na Constituição do

Brasil, por meio do caput do seu art. 144.

Pela adequação, não é o meio em si o relevante, mas a aptidão dele para gerar

como efeito a promoção do fim. Logo, se pelo exame de adequação, só há invalidade da

medida adotada pelo poder público, nomeadamente, a interceptação telefônica, se houver

manifesta incompatibilidade entre o meio utilizado para colher provas do crime de tráfico de

entorpecentes e o fim, nomeadamente, a garantia da segurança pública, e neste caso, a medida

nos parece adequada.

Ocorre que o ato de polícia administrativa não passa despercebido pelo exame da

exigibilidade, posto que, no caso concreto, como o suspeito tinha domicílio no Brasil, havia

outros recursos que a polícia poderia utilizar para flagrá-lo no cometimento do crime

hediondo em análise. Poderia, a polícia fazer um levantamento de toda a rotina diária de

“trabalho” do suspeito, e no momento propício seria levada a termo a sua prisão, com o

carregamento de drogas. Optou o aparelho policial, pelo meio mais fácil, embora mais

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gravoso à intimidade do réu e aqueloutras pessoas que com ele conversaram, por meio da

comunicação telefônica.

Ainda que não houvesse outro meio que restringisse menos a intimidade do

acusado, partindo-se da premissa de que o mesmo não estabelecia uma residência fixa, ou

mesmo, que só viesse ao Brasil, esporadicamente, a medida ainda não lograria êxito no exame

da necessidade, pois, no caso concreto, a interceptação foi feita por muitos meses, quase ad

eternum, o que restringiu, exageradamente, a intimidade do réu.

Embora não passando pelo exame da necessidade, só a título de argumentação

analisaremos a proporcionalidade em sentido estrito. A medida é desproporcional, porque as

vantagens obtidas com a manutenção da ordem pública não são suficientemente superiores às

desvantagens trazidas pelo devassa quase que ilimitada à intimidade do réu. É dizer, as razões

que levaram o Estado a fazer a interceptação clandestina não são suficientes para se atingir o

fim colimado.

Pesou, neste caso concreto, as razões que levaram ao respeito do direito

fundamental a intimidade, apesar de estarmos tratando de um crime de elevado potencial

ofensivo. Aqui, percebe-se que houve ponderação de bens, de modo que o direito fundamental

que prevaleceu, no caso a intimidade do réu foi aplicado. Mais uma razão para afirmar que os

princípios são aplicados no modo all or nothing.

Logo, analisando o postulado da proporcionalidade, em sua inteireza, se por

ventura o suspeito viesse a ser preso, contra ele pesasse uma ação penal pública, o Tribunal

deveria conceder a ordem de habeas corpus, desconstituindo a decisão de prisão

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(cerceamento do direito fundamental individual), já que a decisão de mantê-lo preso desborda

da discricionariedade do juiz, e adentrar ao campo da arbitrariedade.

Isto não significa dizer que, em outros casos, considerados extremos, tais como

tráfico internacional de drogas, onde a organização mafiosa, possua recursos tecnológicos

avançados, que impeçam outra medida, que não a prova obtida por meios ilícitos, esta não

possa ser considerada na persecutio criminis, desde que seja ela a que menos restrinja direito

fundamental individual do réu, e que mais benefícios à sociedade do que malefícios para o

réu.

Portanto, se pode concluir, com esteio na argumentação segundo a qual não há

princípios absolutos, que haverá hipótese onde se poderia produzir prova ilícita contrariando

direitos indisponíveis, a saber, a intimidade e a liberdade do réu.

Se existem princípios absolutos, então cabe modificar a definição do conceito de

princípio, visto que, se um princípio, em caso de colisão, precede todos os demais

princípios, e também o de que uma regra estabelecida há de se seguir, significa que

sua realização não conheceria limites jurídicos. Haveria somente fronteiras fáticas.

Não seria aplicável o teorema da colisão. (BONAVIDES, 2000, p.252).

A proporcionalidade é o postulado que elegemos como capaz de nortear

eficazmente a ponderação no surgimento de eventual conflito de princípios, servindo de apoio

para que se promova um controle equânime da discricionariedade.

5.4. Objeções ao postulado da proporcionalidade e a sindicabilidade dos

atos administrativos no exercício de competência discricionária

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É certo que, parte da doutrina brasileira e até européia faz algumas objeções ao

postulado da proporcionalidade, como forma de solução de conflito entre direitos

fundamentais, e a crescente sindicabilidade judicial dos atos administrativos, por meio dele

sofre a mesma crítica.

A primeira afirma que o postulado da proporcionalidade e a maior sindicabilidade

dos atos administrativos ameaça a garantia constitucional da separação de poderes. Tal

argumento não deve prosperar, porquanto em um Estado Constitucional dos Direitos

Fundamentais, nem o legislador, nem administrador público são soberano em si, devendo suas

atividades sofrerem controle de constitucionalidade e em particular controle de

proporcionalidade.

Ademais, deve ser revista a concepção de separação de poderes de Monstequieu,

de modo que, hodiernamente, se pense em uma harmonização das funções legislativa,

executiva e judiciário, já que poder, só existe um, a soberania.

Souza Neto (2003, p.164) afirma que “Parece ser possível que Montesquieu, mais

do que separação, enfatiza verdadeiramente uma combinação de poderes, onde os juízes são

apenas ‘a boca que pronuncia as palavras da lei’”.

Aqui, só se pode concordar com Souza Neto, se a expressão ‘a boca que pronuncia

as palavras da lei’, é tomada como uma perquirição do juiz que extrai do ordenamento

jurídico, tendo por base o seu caráter político e sociológico, o direito.

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Ademais o postulado da proporcionalidade como critério para reduzir a

discricionariedade a zero, possui balizas, que devem ser devidamente fundamentada pela

atividade de jurisdição, de modo que a separação.

A segunda objeção, diz respeito à argumentação segundo a qual, pelo postulado da

proporcionalidade e o avanço da sindicabilidade do ato administrativo relativizam a lei,

lesando-se a segurança jurídica e a igualdade.

Gonzalez-Cuellar Serrano apud Steinmetz (2001, p.198) responde a crítica, in

verbis:

Evidentemente, no âmbito do direito, a igualdade de tratamento e a previsibilidade

das decisões normativas são imperativos inafastáveis. Contudo, nem sempre a

diferença de tratamento significa discriminação. E quanto à insegurança, por parte

daqueles que podem ter direitos fundamentais limitados, destaque-se a importância da

reserva de lei, o que é , portanto a presença do princípio da legalidade na limitação de

direitos fundamentais.

Em verdade, este novo mecanismo de avaliação do ato administrativo, posto a

disposição do juiz, permite observar se o gestor praticou ato proporcional ao interesse público

especificado no ordenamento jurídico e neste sentido, ou se sua eleição privilegiou interesse

público secundário, causando malefícios bem maiores ao interesse da coletividade, ferindo

excessivamente o interesse colidente.

As objeções mais graves ao postulado da proporcionalidade questionam a

ponderação, como método apreendido racionalmente.

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Para Alexy, as objeções metodológicas são corretas se pretendem mostrar que a

ponderação não conduz, e cada caso a um único resultado. Contudo, são incorretas se

pretendem provar ou demonstrar que o procedimento da ponderação é irracional.

Que a ponderação é um procedimento racional é o que se começa a provar pela lei de

colisão. A lei de colisão, formalizada por Alexy, descreve a estrutura da solução da

colisão de princípios[...]a lei informa que as colisões são solucionadas estabelecendo-

se uma relação de precedência condicionada. (STEINMETZ, 2001, p.203)

De modo que a ponderação é racional, porquanto o enunciado de precedência pode

ser fundamentado racionalmente, por argumentação jurídica. Ademais, todo o exame da

proporcionalidade deve ser devidamente fundamentado pelo Juiz, ao sentenciar, sob pena de

nulidade, consoante o art. 93, IX, da Carta Política da República.

O próprio Alexy distingue entre fundamentação não referida especificamente à

ponderação de enunciados condicionados de preferência e fundamentação referida

especificamente à ponderação.

A primeira permite a utilização de todo e qualquer argumento possível, sejam eles

cânones de interpretação, argumentos dogmáticos, prejudiciais, práticos e empíricos em geral,

bem como argumentos especificamente jurídicos.

Concluindo Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.204)

Así, para la fundamentación de un enunciado de preferencia condicionado u por lo

tanto, para la fundamentación de la regla correspondiente, puede, por ejemplo,

hacerse referencia a la voluntad del legislador constitucional, a las consecuencias

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negativas de una determinación alternativa de preferencia, a los consensos

dogmáticos y a decisiones anteriores.

Embora importantes estes argumentos não se relacionem de forma direta com a

ponderação. Importa dizer que a lei de ponderação não fixa critérios para medir a afetação e o

grau de importância de cumprimento dos direitos fundamentais em colisão, não obstante diga

a referida regra, o que deve ser fundamentado, a saber, os enunciados sobre as medidas de

afetação e importância ou satisfação, que são enunciados de preferência condicionada e

formalizam o resultado da ponderação.

Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.205-206) cita como exemplo de fundamentação de

enunciados sobre graus de afetação e importância (realização), a sentença do Tribunal

Constitucional Federal Alemão, onde havia a colisão da proteção da personalidade e a

liberdade de informação, in verbis:

La tesis de que la veiculación televisiva afecta muy intensamente la protección de la

personalidad es fundamentada, por ejemplo, aduciendo el alcance de las emisiones

de televisión, los efectos de la forma de la emisión como teatro documental, el alto

grado de credibilidad que tienen estas emisiones en el público, los peligros que de

aquí u de otras características de la emisión resultan para la resocialización y el

perjuicio adicional que un teatro documental significa cuando es emitido algun

tiempo después de la información actual. Por lo que respecta a la importancia de la

satisfacción del principio de la libertad radial, se presentan, por lo pronto,

numerosas razones de la importancia de una información actual sobre hechos

delictivos graves. Sobre este transfondo, luego es calificada la repetición de la

información que ha de ser juzgada como lo suficientemente importante para

justificar la intensidad de afectación.

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Há, como já frisamos, um modelo de argumentação referido especificamente à

ponderação, cuja regra constitutiva Alexy(apud Steinmetz, 2001, p.207) enuncia tomando

como base a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, assim enunciado pelo

mestre: “cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de um principio,

tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacción de otro”.

Aqui, mais uma vez, a lei da ponderação, que diz o que tem de ser fundamentado,

a saber, os enunciados sobre os graus de afetação e importância (satisfação, realização) dos

direitos fundamentais em colisão, que são enunciados de preferência condicionados e

formalizam o resultado da ponderação.

Alexy reconhece que essa forma de fundamentar o resultado da ponderação inclui

também valorações. Embora, neste sentido, não se pode negar que havendo valoração, não

haverá racionalidade, pois o Direito não é uma ciência natural, e sim uma ciência cultural,

onde não se requer resultados exatos, mas resultados prováveis, que é compatível com

reduzido grau da ponderação, em relação à interpretação levada a termo pela hermenêutica de

Savigny, de forma cartesiana.

Por fim, Alexy (apud Steinmetz, 2001, p.207-208) assegura, com propriedade, que

a fundamentação referida especificamente à ponderação, além da objeção de irracionalidade,

evita outras dificuldades que freqüentemente são associadas à ponderação. Evita porque

“(a)ponde de manifiesto que la ponderación no es un procedimiento en el cual un bien es

obtenido con excesivo apresuramiento a costa de outro”.

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Além disto, com a lei de colisão, revela-se que a ponderação, segundo Alexy

(apud Steinmetz, 2001, p.208):

[...] não é procedimento geral e abstrato (c) vincula a lei de ponderação á teoria da

argumentação jurídica racional (d) mostra que a ponderação não conduz a ‘decisiones

particulares’, a diluição da normatividade no caso concreto, porque ‘de acuerdo con la

ley de colisión, sobre la base de la decisión de ponderación, siempre es posible

formular uma regla. Por ello, la ponderación en el caso particular y la universalidad

no son inconciliables (e) refuta a afirmação de que a ponderação de bens é um jogo de

palabras, umas contra as outras, porque, na verdade, “se establece un princípio em

contra de otro principio, algo que tiene las consecuencias formuladas en la ley de

colisión e de ponderación.

Sobre a racionalidade, importa ouvirmos a posição de Vasconcelos (2003, p.175):

A teoria, de que é feita a ciência, já representa, por si só, uma prévia tomada de

compromisso no plano das idéias. De outra parte, a inexistência de um critério fixo e

permanente de avaliação empírica impossibilitaria, à sua vez, a verificação de

resultados. Sem que se tenha a prévia e clara visão do que se pretende ao formular

uma teoria, impossível medir o grau de sucesso alcançado pelo empreendimento

científico. Finalmente, a sujidade congênita ao mundo no qual atua a ciência, o

mundo dos fenômenos, impede seja alcançada a pureza de qualquer método ou objeto.

Indubitável intuir, a partir dos autores supra referidos, que o processo em que

meditamos coteja em seus dois pólos campos independentes, ora norteados pela racionalidade,

ora pelo argumento axiológico, dependendo seus resultados da avaliação dos elementos

eleitos como predominantes, seja no campo adstrito da particularidade, seja no manifestar

abstrato da generalidade.

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6. CONCLUSÃO

Os direitos fundamentais, conforme restou assentado, constituem uma conquista

histórica, previstos em uma ordem constitucional específica e significam um grande desafio

do Direito Constitucional moderno, pois mais do que reconhecê-los, importa hoje saber como

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torná-los efetivos. Como impedir que, a despeito das declarações solenes, esses direitos sejam

violados.

Os Direitos Fundamentais caracterizam o “direito” de um Estado Democrático e,

apesar de terem sido caracterizados em princípio como direitos de defesa contra o Estado,

hoje se transformaram nos princípios basilares da ordem jurídica, transformando, assim, o

conteúdo das liberdades individuais ou subjetivas no conteúdo de normas fundamentais que

penetram e moldam o direito objetivo.

Partiu-se, pois, de uma análise de algumas vertentes teóricas da dogmática dos

direitos fundamentais, para em seguida realizar um estudo histórico desses direitos,

considerando não somente a importância hermenêutica de tal abordagem, mas também o fato

de que seu surgimento remonta à gênese do moderno Estado constitucional, no seio do qual se

reconhece e busca-se assegurar a dignidade da pessoa humana.

Conforme visto no decorrer da pesquisa, de grande importância para o estudo

realizado é a mudança do paradigma liberal, segundo o qual os direitos fundamentais

possuíam uma dimensão apenas subjetiva, cujo parâmetro era tão somente a liberdade e

autonomia do indivíduo, em sua perspectiva formal e abstrata. Segundo esse modelo, ao

Estado era cometida a tarefa de resguardar a liberdade individual, abstendo-se de interferir na

esfera pessoal dos cidadãos, sendo que os direitos fundamentais representavam uma garantia

contra a ingerência do Estado na liberdade individual.

Sob os influxos dos processos de socialização e democratização, a liberdade

paulatinamente passou a ser conceituada como um valor social, passando o Estado a assumir a

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tarefa de assegurar, além de respeitar, o efetivo exercício da liberdade individual.

Demonstrou-se que os direitos fundamentais assumem uma dimensão objetiva, significando

que os mesmos não podem ser vistos apenas da perspectiva do indivíduo, mas valem

juridicamente do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins consagrados por seus

integrantes.

Se aceitarmos que o juiz europeu e mais timidamente o magistrado brasileiro têm

utilizado o postulado da proporcionalidade para aferir a constitucionalidade de atos

administrativos no exercício de competência discricionária; não se percebe esta preocupação

por parte dos administradores públicos, o que só aumenta a responsabilidade do magistrado

que busca a excelência em seu mister.

Este trabalho questionou posturas da visão do direito administrativo pátrio,

buscando comprovar que é vazio o princípio da supremacia do interesse público; bem com

buscou demonstrar que a cada dia cresce a sindicabilidade judicial dos atos administrativos.

Pela teoria do direito, tencionou-se demonstrar um novo conceito de princípio,

contrapondo o conceito mais aceito, que é de Robert Alexy. Pela lição deste autor se observa

que a racionalidade existente na ponderação é perfeitamente plausível, porquanto se

enunciado de precedência condiciona que o fruto da lei de ponderação só se obtém após

intensa argumentação, e neste sentido, utiliza-se o modelo retórico de raciocínio judicial que

tem raízes no pensamento dialético e tópico.

E por este modelo de raciocínio observam-se as razões que concorreram para a

formação das premissas, não fazendo do momento dedutivo o único possível. Por ele, nota-se

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claramente, que ocorre uma verdadeira justificação do porquê de se adotar bens e direitos

constitucionais de uma parte, e as razões pelas quais não se observará os direitos da outra

parte.

Nem se venha argumentar que o modelo de Alexy é decisionista, trazendo o

primado do juiz sobre o legislador, pelo primado da equidade sobre a certeza. Não nos parece

ter havido o abandono total dos instrumentos de controle pelos demais poderes, mas um

reconhecimento da insuficiência da lógica formal em explicar o fenômeno da aplicação do

direito, com os caminhos e conexões dele decorrentes.

Tal modelo supra-referido confere aquilo que o juiz necessita, qual seja a

legitimidade de exercício, pois sua justificação é tanto endoprocessual, como extraprocessual,

porquanto a decisão, permeada de discurso persuasivo, desborda do processo e vai ser

refletida de modo gradual na própria sociedade.

Na verdade, forçoso se faz reconhecer que as ameaças advindas do Estado são

hodiernamente cada vez menores se comparadas às ameaças oriundas da própria sociedade.

Acresça-se a isso o fato de que as decisões do poder público são controladas pelo Judiciário, o

que nem sempre acontece com as interferências do poder privado, que tende a receber uma

parcela de impunidade, em nome da autotutela dos interesses privados. Portanto, se reconhece

a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, justificando-se a

extensão desses direitos às relações privadas pela premência de proteção contra os abusos do

poder privado.

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Pode-se inferir que é possível a convivência da racionalidade própria do Direito

Privado com as técnicas de proteção dos direitos fundamentais, que buscam regular situações

concretas da vida, quer se admita a aplicação imediata dos direitos fundamentais nas relações

entre particulares, quer se admita essa aplicação de maneira apenas mediata. Mas, tal decisão

se permite ser controlada em todas as suas articulações, tanto se ela é decisão administrativa,

como se ela já é decisão judicial, e passará pelo duplo grau de jurisdição.

O método retórico encontra pleno respaldo no ordenamento Jurídico brasileiro, na

medida em que por força do art. 93, IX e X, tanto as decisões administrativas como as

judiciais devem ser motivadas. Sem a pretensão de que seja o único meio de controle dos atos

administrativos, o postulado da proporcionalidade é ferramenta de libertação dos ‘poderes

administrativo e judiciário, de suas crises agudas de legitimidade, por não saberem a priori

qual interesse público deve prevalecer.

Estes e outros objetivos foram alcançados na presente pesquisa, sobretudo o de

maior primazia dentre os elencados, qual seja o escopo de mostrar ser possível o controle

judicial dos atos administrativos, manejados no uso de competência discricionária, quando

ocorrer a invasão da esfera dos direitos fundamentais dos administrados, resolvendo-se a

colisão de direitos fundamentais, através do Postulado da Proporcionalidade.

REFERÊNCIAS

AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo. Revista Direito do consumidor. [SI], v. 14, p.20-27, abr./jun.1995.

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