UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de...
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
Faculdade de Letras
PORTUGAL E A ITLIA: EMIGRAO, NAO E MEMRIA (18001832)
Carmine Cassino
Orientadores: Prof. Doutor Srgio Campos Matos
Prof. Doutor Antnio Ventura
Jri:
Presidente: Prof. Doutor Victor Manuel dos Santos Gonalves
Vogais:
- Prof.ra
Doutora Maria Manuela Tavares Ribeiro (Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra)
- Prof. Doutor Jorge Fernandes Alves (Faculdade de Letras da Universidade do Porto)
- Prof.ra
Doutora Maria de Ftima S e Melo Ferreira (Escola de Sociologia e Polticas
Pblicas do ISCE Instituto Universitrio de Lisboa)
- Prof. Doutor Srgio Carneiro de Campos Matos (Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa)
- Prof.ra
Doutora Maria Alexandra Campanh Lousada (Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa)
Tese especialmente elaborada para obteno do grau de Doutor em Histria
na especialidade de Histria Contempornea
2015
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A Giacomantonio e Filomena
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Penso, e por mim falo, que quem se estabelece em pas estrangeiro,
Sem renegar as razes, se enriquece integrando-se
Vitorino Magalhes Godinho
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NDICE
pg.
AGRADECIMENTOS I
LISTA DE ABREVIAES III
NDICE DE FIGURAS E GRFICOS IV
INTRODUO V
CAPTULO I.A PRESENA ITALIANA EM PORTUGAL
1.1. Estado da questo 1
1.2 Latitudes e longitudes: directrizes euro-mediterrnicas
de mobilidade poltica e social l21
1.3 Das ptrias nao: o Risorgimento nos caminhos do exlio e da memria 33
1.4 A emigrao italiana antes da unificao 45
1.5 A nao italiana em Portugal: enquadramento teorico e filolgico 48
CAPTULO II. RELAES LUSO-ITALIANAS NO CONTEXTO EUROPEU
PARTE PRIMEIRA. Sculos XVIII-XIX
1.1 Setecentos como sculo de olhares italianos sobre Portugal 63
1.2 Portugal e Npoles: o desafio da precedncia entre os dois reinos 72
1.3 As relaes na passagem do sculo XVIII aosculo XIX 75
1.4 O princpio do sculo XIX: presena italiana em Portugal
e correspondncias luso-napolitanas 85
PARTE SEGUNDA. As relaes entre Portugal e o reino das Duas Siclias
nas vsperas da revoluo
2.1 Situao das legaes diplomticas em Lisboa e Npoles 93
2.2 Diplomacia de tratados e de casamentos. Premissa 97
2.3 O tratado de deportao para o Brasil 98
Organizao da viagem e perfis dos condenados 110
2.4 Um casamento falhado espera da revoluo 123
-
CAPTULO III. A COMUNIDADE ITALIANA: INTERESSES, ACTIVIDADES
E PRTICAS POLTICAS pg.
PARTE PRIMEIRA. Comunidade italiana e sociedade portuguesa
1.1 Presena italiana e luso-italianidade na cidade de Lisboa 137
1.2 Para uma sociologia histrica (dcada de Vinte):
provenincia, distribuio, origem social e profisses 141
1.3 Os comerciantes italianos156
1.4 Um caso de protecionismo vintista: a questo dos vermicellai em 1821 164
1.5 Italianos de Lisboa no primeiro quartel de Oitocentos
Artes e espectculo 177
Cincias 186
Comrcio (o caso do Marrare) 194
PARTE SEGUNDA. Vintismo e Risorgimento: presena e memria no exlio
2.1 Premissa 209
2.2 Situao de Lisboa chegada dos exilados 211
2.3 O caso dos exilados napolitanos 213
Quadro das relaes diplomticas luso-napolitanas no trinio liberal 225
2.4 Outros exilados italianos durante o trinio liberal 233
PARTE TERCEIRA. A comunidade italiana entre revoluo e reaco
3.1 Da Vilafrancada Abrilada: os italianos na alvorada da luta dinstica 256
3.2 Portugal na encruzilhada dos exilados: a emigrao poltica napolitana 266
3.3 Represso dos italianos durante o miguelismo 287
3.4 Emigrao e perseguio: o caso dos caldeireiros da Basilicata 309
CONSIDERAES FINAIS 325
ANEXOS (PROVISRIOS)
Anexo I. Diplomacia portuguesa e napolitana
nos respectivos territrios (1758-1828) 335
Anexo II. Prejuizos do comrcio estrangeiro
aquando do terramoto de Lisboa (1755) 340
-
pg.
Anexo III. Exportaes/importaes luso-italianas (1819-1820-1821)
e balana comercial portuguesa (1810-1819) 340
Anexo IV. Entrada e sada de navios nos portos de Lisboa e Porto (1819-1820) 344
Anexo V. Naturalizados de origem italiana em Portugal (1805-1833) 346
Anexo VI. Prosopografia dos degredados napolitanos (1819) 349
Anexo VII. Apelidos portugueses de origem italiana (scs. XIV-XX) 364
Anexo VIII. Italianos registados em Portugal 1820-1821 378
Anexo IX. Italianos residentes em Lisboa (1823-1826).
Elencos Consulares e estatsticas 384
Anexo X. Comerciantes italianos em Lisboa (1824-1854) 412
Anexo XI. Descrio de Lisboa em 1826
pelo exilado siciliano Andrea Mangeruva 418
FONTES E BIBLIOGRAFIA 421
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I
Agradecimentos
Aquelas que seguem so com certeza as pginas mais difceis que tive que escrever.
No porque seja rdua tarefa agradecer aos muitos que, a vrios nveis, me
acompanharam neste longo caminho, mas porque sempre complicado encontrar as
palavras certas para agradecer a todos, cujos nomes se encontram gravados de forma bem
firme no meu corao.
Vamos ento a isso: um agradecimento de conjunto vai para a Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, que h dez anos abriga desejos, ansiedades e esperanas deste
emigrante do conhecimento,vindo do outro lado do Mediterrneo. Qualquer que seja o
meu destino, dentro ou fora dela, ser para sempre a grande casa para onde voltar, onde
trazer amigos, amores, e quem sabe, filhos. Obrigado a todos os colegas do Centro de
Histria, lugar de referncia na minha peregrinao acadmica. Obrigado aos colegas de
trabalho, ao Paulo, ao Csar, aos outros com que cruzei neste caminho, que encontrei e
que perd. dona Arlete e a dona Ftima, sempre carinhosas e disponveis.
Ao Professor Antnio Ventura, que me conduziu nos templos do pensamento racional e
do filantropismo. A todos os professores com que cruzei nas aulas, salas de estudo,
bibliotecas, e que no se pouparam em sugestes. Aos companheiros dos tristes e
sossegados sbados passados na Biblioteca Nacional.
A minha ampla gratitude vai para o Grgoire Bron e para a Francesca Di Giuseppe, cuja
obra representou uma grande (e s vezes assustadora) referncia para o meu trabalho. Eles
prprios se revelaram no seu lado melhor, com amizade e grande disponibilidade.
Obrigado minha famlia que est longe, ao meus pais, s avs Teresa e Antonietta,
Teresa, Tonya e Pietro. Ao Giacomo A. e a todos aqueles que, como ele, aguentaram a
minha ausncia. A todos os amigos em Itlia (eles sabem quem so). minha famlia que
esteve perto, Giulia, Rita, lex, Francesca, Adriano, Daniel, Elisa, Nicola. Um
agradecimento especial vai para os dois Antnio, cuja ironia fundamental na minha
existncia: ao estudioso de Pessoa (Antonio Cardiello) e ao bourbnico (Antonio Boccia).
Obrigado tambm ao Joo Figueiredo e ao Carlo Arrigoni, Nunziatella Alessandrini, aos
amigos portugueses, espanhois, gregos, rumenos, americanos e dos demais cantos do
mundo que seria impossvel elencar. Aos amigos da Festa do Cinema Italiano e do
Instituto Italiano de Cultura. A todos aqueles que se lembraram de mim. A todos aqueles
que estou a esquecer.
-
II
Ao doutor Gonalo Nemsio, cuja peritagem no campo da geneaologia foi fundamental
para o estudo da comunidade italiana em Portugal.
Ao Alexandre e a Paula pela ajuda na escrita de um bom portugus. Mas sobretudo
Ana Cludia, alma lusitana que est por detrs deste trabalho. Todos juntos ensinaram-me
quo difcil e desafiante aprender uma lngua, quando j pensamos que a dominamos.
Obrigado, Professor Srgio Campos Matos: por me ter orientado na tese, no
conhecimento, na vida e na amizade. Homem de sabedoria e humildade. De tamanha
grandeza humana.
Obrigado Valentina, por ter partilhado um caminho feito de tantas subidas. Juntos
fomos capazes de avanar de mos dadas.
A ti Dario, amigo de sempre: foi contigo que dei o primeiro passo neste caminho em
terra portuguesa. Agora aguardo que venhas rapidamente atrs de mim.
Quero dedicar este trabalho, e o esforo e o denodo que est por atrs dele, tambm
funcionria do SEF Servio de Estrangeiros e Fronteiras que, enquanto tratava da
documentao para o prolongamento da minha autorizao de residncia, com aquele ar
de quem sabe sempre mais do que os outros, assim comentou a minha escolha acadmica:
isto no tem sada nenhuma e no serve para nada. provvel que assim seja, neste
mundo dominado por uma mentalidade puramente mercantil, tiranizado por um mal
entendido conceito de transferncia. Contudo, gostaria que tambm ela pudesse
aproveitar da liberdade que s a investigao pode proporcionar, sobretudo quando
conduzida em torno das nossas mltiplas identidades; acerca do que fomos, e onde
fomos parar. Eu j tenho as ideias mais claras. Podero encontr-las nas pginas que
seguem.
Enfim, graas a ti, cidade de Lisboa: quantas vezes fiquei num silncio emocionado,
olhando-te pelos tectos de Alfama, nica e insubstituvel mulher da minha vida.
Lisboa, 20 de Setembro de 2015
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III
LISTA DE ABREVIAES
Referncias arquivsticas
bs. = busta
cx. = caixa
doc. = documento
fasc. = fascculo/fascicolo
fl. = folha/foglio
liv. = livro
m. = mao
sr. = srie/serie
s.n. = sem nmero/senza numero
Referncias bibliogrficas
[s.n.] = sine nomine
[s.l.] = sine loco
[s.d.] = sine data
Siglas
AHM = Arquivo Histrico Militar (Lisboa)
AML = Arquivo Municipal de Lisboa
ANTT = Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa)
ASN = Archivio di Stato di Napoli
APSM = Archivio Parrocchiale di San Michele Arcangelo (Trecchina, Itlia)
ASV = Archivio Segreto Vaticano (Citt del Vaticano)
BNP = Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa)
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IV
NDICE DE FIGURAS E GRFICOS
Pg.
Figura 1. A Itlia depois do Congresso de Viena 149
Figura 2. A provncia de Basilicata no espao do reino das Duas Siclias 311
Figura 3. rea de provenincia dos caldeireiros 314
Grfico 1. Distribuio italianos registados 1822-1826 151
Grfico 2. Percentagens do total dos registados 1822-1826 152
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V
Introduo
Nos anos sessenta do sculo XIX, por altura do casamento de D. Lus de Bragana e D.
Maria Pia de Saboia, um panfleto celebrativo de novos enlaces reais observava o
seguinte: Se h dois pases na Europa que devem considerar-se irmos, tanto pelas
tradies gloriosas de sua histria, como pelos laos de sympathia nunca desmentida, so
esses dois pases a Itlia e Portugal.1 O autor do texto acrescentava, evidenciando as
afinidades entre os dois povos, a sua ndole e a sua natureza, que no h pgina gloriosa
na histria de hum a que no corresponda pgina de igual fulgor na histria do outro.2
Embora dando uso a tons porventura enfticos e retricos, estas pginas recuperavam a
memria de uma relao antiga, secular, entre duas realidades que tantas vezes se
cruzaram no curso da sua histria poltica, social e econmica. Esta relao marcou um
tempo histrico que se estende desde as mutaes econmicas da Idade Mdia (como
recorda Fernand Braudel, a revoluo de 1383-85 e o estabelecimento da dinastia dos
Avis consagram a vocao martima de Lisboa, abrindo as suas portas implantao de
colnias de mercantes de origem italiana, cuja presena to importante que at
relatada por Ferno Lopes nas suas crnicas)3 at contemporaneidade, passando por
uma fase crucial como o sculo XIX, em que tm lugar eventos fundamentais para as
questes nacionais dos dois pases. Nomeadamente, e no que diz respeito ao caso italiano,
o sculo XIX marcado pelo processo de formao de uma entidade estatal nica no
territrio da pennsula, atrs do qual se desenvolve a importante questo da afirmao do
princpio de nacionalidade, isto , da construo e consagrao de uma identidade
transversal a todas as realidades polticas e culturais do heterogneo panorama peninsular.
Este movimento, de particular complexidade poltica e ideolgica, conhecido pelo nome
de Risorgimento. E, na sua qualidade de fenmeno que extravasa os limites geogrficos
daquele que ser o futuro Estado nacional italiano, assume os contornos de movimento
europeu, estendendo as suas dinmicas a grande parte das sociedades liberais da altura e
chegando a ter projeces transatlnticas. Veculo desta extenso de ideias e homens a
dimenso da emigrao poltica: graas a esta dispora, o Risorgimento delineia-se como
1 VENTURA, Jos Miguel, Portugal e Itlia ou enlace da Dynastia de Bragana com a Dynastia de Saboya,
Lisboa, Editores Silva Junior&Comp., [s.d.]., p. 55. 2 Ivi, p. 56. 3BRAUDEL, Fernand, LItalia fuori dItalia. Due secoli e tre Italie, in Ruggiero Romano e Corrado Vivanti
[coord. di], Storia dItalia, vol. II Dalla caduta dellImpero Romano al secolo XVIII, 2 parte, Torino,
Einaudi, 1974, p. 2139).
-
VI
fenmeno claramente transnacional, que chega a influenciar, de forma significativa,
tambm o espao geopoltico portugus.
A historiografia recente tem sublinhado esta caracterstica fundamental do movimento
poltico italiano na primeira metade do sculo XIX, recuperando de forma rigorosa e
estruturada a memria do grande espao da migrao poltica para fora da Pennsula
Itlica naquelas dcadas de renovao ideolgica e transformaes institucionais; no que
respeita ao caso portugus, nos ltimos anos alcanaram lugar de relevo os trabalhos de
dois jovens investigadores, que estudaram a fundo as razes e as dinmicas da emigrao
poltica italiana rumo a Portugal. Estamos a referir-nos s teses de doutoramento de
Francesca di Giuseppe e Gregire Bron.4 Alm de introduzirem novas perspectivas
historiogrficas na anlise das relaes luso-italianas num perodo de importantes
transformaes polticas nas duas realidades, estes estudos tiveram o mrito de romper
com uma tradio retrica e nacionalista da histria do Risorgimento, que tratava o caso
do exlio poltico em Portugal de forma superficial, no considerando todas as
implicaes que se abriram no contexto sociopoltico lusitano. Estes trabalhos recuperam
assim a importncia das relaes luso-italianas na primeira metade do sculo XIX numa
perspectiva transnacional, revelando a profundidade e complexidade das dinmicas
desenvolvidas entre estas dimenses geopolticas. Os dois estudos relanaram sobretudo a
ideia de centralidade de Portugal como lugar estratgico do exlio poltico, que no
desempenhava um papel secundrio face a grandes centros europeus como Londres ou
Paris. Esta era uma realidade que a historiografia do sculo XX tinha limitado de forma
quase exclusiva a poucas, embora importantes, figuras, as quais, mesmo perante a
profundidade das novas investigaes, mostram elas prprias ser figuras menores da
epopeia migratria rumo Pennsula Ibrica.
Para a histria nacional italiana do sculo XIX, Portugal no se revela apenas como
terra de exlio ou de destino de personagens como Carlos Alberto ou Maria Pia de Saboia.
Nomeadamente, no que diz respeito ao tema do Risorgimento, tanto na cultura portuguesa
como na italiana, a figura que adquire maior relevncia a de Carlos Alberto, apesar de
ter permanecido em Portugal somente poucos meses, e numa situao de doena fsica e
de isolamento em relao sociedade portuguesa e aos prprios italianos que nela
4 DI GIUSEPPE, Francesca, Portogallo, Italia e questione iberica (1821-1869), tesi di dottorato di ricerca in
Scienze Storiche, Archeologiche e Storicoartistiche (XXII ciclo), Universit degli Studi di Napoli Federico
II, 2010; BRON, Grgoire Rvolution et nation entre le Portugal et lItalie: les relations politiques luso-
italiennes des lumires lInternationale liberle de 1830. III tomes. Paris-Lisboa: [s.n.], 2013. Thse de
doctorat, cole Pratique des Hautes tudes ISCTE-Instituto Universitrio de Lisboa.
-
VII
residiam. Ou seja, a sua presena no teve nenhum impacto real, embora a escolha da
cidade e a estadia de um soberano tenham marcado de forma relevante o imaginrio
colectivo e a prpria histria (tambm toponmica) daquele espao urbano, tal como, por
exemplo, pode ter acontecido para tentar estabelecer uma semelhana que nos ajude a
perceber o impacto do legado na memria pblica com a presena e morte de Carlos X
da ustria na ilha da Madeira.
A presena e a influncia do Risorgimento italiano em Portugal tem ento uma
dimenso muito mais ampla, que muito precede a viagem de Carlos Alberto para o Porto
em 1849, e com a excepo da campanha liberal de 1832-32 concentra-se
essencialmente no centro-sul do pas, para onde se dirige o grosso da emigrao poltica
italiana entre 1820 e 1850. A par desta emigrao poltica existe uma dimenso que at ao
momento tem sido de alguma forma desconsiderada ou esquecida, a da emigrao
socioeconmica. De facto, na primeira metade de Oitocentos (e nomeadamente nos anos
que o nosso estudo define como arco cronolgico de referncia) existe (ou melhor, existe
ainda) um fluxo migratrio que leva muitos italianos a Portugal, onde em determinadas
regies do pas e particularmente na capital persiste uma comunidade reconhecvel,
com algum relevo na esfera econmica; uma comunidade que parece partilhar elementos
culturais sensveis (para alm do religioso), e que acompanhada por uma identificao
geocultural (os italianos) bem definida e publicamente assumida. A recuperao da
memria desta comunidade de dimenso sensvel e o estudo da sua evoluo
socioeconmica servem reconstruo da histria das relaes luso-italianas daquela
poca, bem como prpria projeco lusitana do Risorgimento italiano: neste sentido,
nesta tese pretende-se ir alm dos trabalhos, acima referidos, de Francesca Di Giuseppe e
Grgoire Bron.
Isto porque h um plano de interseco entre a comunidade do exlio poltico e a da
emigrao comum. Com efeito, os exilados que chegavam a Portugal e que a
permaneciam por um tempo varivel no se relacionavam (sob vrios domnios) somente
com os membros das elites polticas nacionais; na verdade, aqueles imergiam numa
realidade em que se manifestava j uma importante presena italiana. Com esta
comunidade sobretudo a sediada em Lisboa entram em contacto e nela comeam a
veicular o discurso poltico de que so portadores. Por sua parte, o conjunto de italianos
residentes animado por dinmicas internas em que se delineia um sentido de pertena
comum, em que comea a surgir uma identidade partilhada: esboam-se os caracteres de
uma verdadeira pequena nao italiana, que um elemento fundamental no
-
VIII
desenvolvimento de um amplo discurso nacional, ainda mais porque se desenvolve no
estrangeiro, longe das fronteiras (naturais e polticas) daquela que ser a ptria num futuro
ainda indeterminado, mas que a se comea a conceber e assume sinais de inteligibilidade.
No se trata, recorrendo s palavras de Ernest Gellner, de inventar naes onde elas
no existem5 (que a prtica de auto-legitimao do pensamento nacionalista). O
presente trabalho visa, pelo contrrio, evidenciar o conjunto de uma comunidade em
relao ao ambiente que a acolhe: delinear a sua estrutura e funo socioeconmica em
interao com o ambiente circunstante. Para levar a cabo este propsito, as nossas
investigaes concentraram-se na geografia mais forte, emblemtica e representativa de
todos os grupos de italianos presentes naquela altura no pas: a comunidade de Lisboa.
Consequentemente, um dos objectivos fundamentais deste trabalho consiste na definio
das caractersticas deste grupo populacional: antes de mais, uma estimativa do nmero de
residentes em Lisboa na dcada central do nosso estudo (a de Vinte), assim como o
levantamento das suas profisses e a definio da sua distribuio no espao urbano
lisboeta.
Pretendemos ento caracterizar esta comunidade que, reunida, por um lado, em torno de
um elemento to simblico como o religioso, o templo concretamente o da Nossa
Senhora do Loreto, onde se assiste missa em lngua latina, mas onde se interage com
outros membros da comunidade atravs da lngua materna, vernacular e, por outro, em
torno de actividades laborais (sobretudo comerciais) e de bairros especficos,
atravessada pelos problemas do Risorgimento que os exilados trazem consigo. Lisboa
torna-se assim e inevitavelmente a arena onde a discusso e a prtica poltica da questo
nacional italiana tem lugar. Alm disso, o grupo de exilados italianos em Portugal define-
se e diria Benedict Anderson imagina-se como comunidade graas projeco
externa do ambiente em que inserida, que a considera como uma agremiao
horizontal e profunda (sempre utilizando as palavras do historiador britnico);6 enfim,
uma comunidade dotada de uma identidade bem marcada para l da sua fragmentao
geogrfica interna, que em territrio lusitano se torna um grupo singular e dinmico. Isto
, outro objectivo que nos propomos desenvolver o de indagar em que medida os
italianos em Portugal (e particularmente em Lisboa) no princpio do sculo XIX se
sentem italianos porque esto inseridos num contexto que assim os identifica, apesar
5 GELLNER, Ernest, Thought and Change, London, Weidenfeldand, 1964, p. 169.
6 ANDERSON, Benedict, Comunidades imaginadas. Reflexes Sobre a Origem e Expanso do Nacionalismo,
Lisboa, Edies70, 2005, p. 27.
-
IX
de, pela sua provenincia, serem napolitanos, sardos, romanos e toscanos, ou de
outras partes da pennsula. Ao longo deste estudo procuramos avaliar de que modo na
Lisboa e no pas de ento esse estatuto de italianidade que, tal como foi feito
anteriormente, designaremos por condio geocultural foi aproveitado por um
segmento populacional ao qual chamaremos luso-italiano, de forma consciente (enquanto
legado familiar/cultural) ou oportunista (como no caso daqueles que, nascidos em
Portugal e filhos de emigrados, fazem apelo origem italiana para escapar conscrio
obrigatria).
luz desta realidade, em nossa opinio seria impossvel completar o estudo da presena
e influncia do Risorgimento em Portugal ignorando a esfera da emigrao
socioeconmica. A anlise das relaes entre as duas dimenses da emigrao italiana
torna-se assim no eixo da nossa pesquisa.
A este respeito, necessrio fazer as primeiras referncias metodolgicas, relativamente
s fontes que seleccionmos e que so o recurso indispensvel para o estudo da
comunidade lisboeta. As fontes primrias, constitudas fundamentalmente pelos
documentos dos arquivos da Torre do Tombo de Lisboa e do Archivio di Stato di Napoli
(juntamente com o Archivio Segreto Vaticano e outros acervos, mas com papel menor),
foram utilizadas para a definio de um estudo de carcter prosopogrfico dos italianos e
luso-italianos residentes na capital, a partir do qual evidenciamos e aprofundamos
conhecimentos especficos sobre casos biogrficos que nos permitem trazer para a
discusso exemplos slidos e evidentes. A vantagem do mtodo prosopogrfico consiste
na determinao das caractersticas de um grupo social. Neste processo, revela-se
particularmente til aprofundar uma srie de biografias dos seus membros, escolhidas
entre os casos mais emblemticos. Alis, como recordou quem o adoptou nos seus
estudos (neste caso, sobre os corpos diplomticos), trata-se, no fundo, de uma biografia
colectiva para, a partir de personalidades, fazer sobressair os traos comuns e as
diferenas, preparar a definio dos tipos, ou seja, a partir do singular, fazer do singular
plural.7 Adoptamos esta metodologia particularmente no terceiro captulo, em que a
nossa anlise da comunidade em Lisboa nos anos Vinte se estrutura atravs da
apresentao de percursos biogrficos de italianos e luso-italianos que marcaram a vida
daquele conjunto e da prpria cidade. Trata-se de personagens que nos permitem
complementar a biografia colectiva que apresentamos, sendo corroborada por uma parte
7 FARIA, Ana Leal de, Arquitectos da Paz. A Diplomacia Portuguesa de 1640 a 1815, Tribuna, Lisboa,
2008, p. 27.
-
X
mais estatstica e taxonmica, constituda por tabelas de nmeros e percentagens que
dizem respeito provenincia geogrfica dos membros do grupo, aos seus empregos,
sua distribuio nas freguesias lisboetas (a geografia dos italianos). No podemos
porm esconder uma sensao de defeito, que vai alm das nossas vontades e das de
qualquer investigador (pelo menos dos que nos precederam): referimo-nos conscincia
de estar em falta numa parte da investigao, devido impossibilidade de consultar um
arquivo paroquial fundamental como o da igreja da Nossa Senhora do Loreto. Trata-se de
um acervo que carece ainda de um inventrio dos documentos do sculo XIX, e que s
publicaes recentes tm tentado mapear. A este trabalho junta-se o esforo de alguns
investigadores que esto a levar a cabo um projecto de organizao e digitalizao de
documentos (que, at ao momento, tem incidido sobre material dos sculos XVI-XVIII).8
Para alm destas circunstncias, o stio est totalmente interdito plateia dos estudiosos,
o que, como se pode facilmente deduzir, constituiu uma limitao para o nosso trabalho,
no permitindo um levantamento analtico completo. Mas felizmente, como veremos no
terceiro captulo, na nossa investigao recolhemos elementos suficientes para definir
uma geografia dos italianos em Lisboa.
No que diz respeito s fontes secundrias que utilizmos no terceiro captulo, fizemos
referncia a parte substancial do memorialismo do Risorgimento, particularmente no que
concerne as obras produzidas pelos liberais que se deslocaram para Portugal e que aqui
decidiram residir por algum tempo. Grande parte deste material (com uma significativa
excepo que apresentamos ao longo do texto) foi j analisado e utilizado por quem
estudou a temtica do Risorgimento italiano em Portugal. Mas, como acontece com todas
as fontes, revelou-se fecundo em novos elementos e novas interpretaes atravs de uma
mudana de perspectiva de leitura. A este respeito, a recuperao das memrias da
comunidade italiana em Lisboa acompanhada pela definio de uma memria da
prpria cidade, a partir do momento em que a histria dos seus grupos populacionais ,
ipso facto, a histria do seu espao urbano. Por isso, apercebemo-nos desde logo da
importante contribuio que a utilizao de publicaes to peculiares podia trazer ao
campo da olisipografia, juntamente com o estudo das fontes primrias e o cruzamento dos
8 O projecto 500 anos de histria luso-italiana: o arquivo da Igreja dos Italianos de Nossa Senhora de Loreto em Lisboa. 1a Fase: Catalogao geral e digitalizao dos documentos dos sculos XVI e XVII,
financiado pela Fundao Calouste Gulbenkian e coordenado pela Doutora Nunziatella Alessandrini, visa
recuperar, tratar e organizar o acervo documental da Igreja de Nossa Senhora do Loreto de Lisboa atravs
da redaco de um inventrio geral e da digitalizao da documentao dos sculos XVI e XVII que ser
posta online utilizando o software de descrio arquivstica open source ICA-AtoM.
-
XI
dados que iam surgindo. Com efeito, na fase de investigao, tal trabalho permitiu
recuperar uma significativa quantidade de informao acerca da Lisboa italiana.
Como bvio, ao estudar o memorialismo produzido h quase duzentos anos atrs,
considermos as implicaes e dificuldades prprias que obras deste gnero trazem, in
primis, o facto de terem sido geralmente escritas anos aps a vivncia das experincias
que relatam. Ou seja, trata-se amide de publicaes tendentes a um certo (embora no
intencional) exagero ou at a uma mitificao do estado real das coisas, com
consequentes implicaes meta-histricas, sobrecarregadas de uma inevitvel retrica
patritica que no caso italiano se manifesta como um dos aspectos mais evidentes, e que
por isso mereceu uma cautela redobrada. Porm, no conjunto, e em confronto com os
elementos que iam surgindo da investigao de arquivo, no que diz respeito aos italianos
em Portugal (as suas actividades e vicissitudes), as memrias dos liberais italianos que
atravessaram o espao portugus tm-se revelado uma fonte relevante e fidedigna.
Seja-nos permitida uma breve reflexo sobre o impacto do presente trabalho na temtica
mais ampla dos estudos das migraes (migrations studies), visto que a realidade dos
italianos no perodo que precede a unificao nacional e o caso portugus revelam-se
desconhecidos em termos demogrficos mas, sobretudo, em termos prosopogrficos. Isto
apesar do profundo processo de italianizao que, a partir de meados do sculo XVIII,
se faz sentir em vrios sectores da sociedade portuguesa, especialmente o mbito artstico,
com a afirmao do gosto teatral italiano e a chegada ao pas de muitos actores, cantores,
msicos, arquitectos, etc. uma presena massiva que tem sido estudada na vertente
cultural, mas cuja real dimenso social mereceu escassa ateno. Tal acontece no
obstante o facto de ser a partir daquele perodo (meados de Setecentos) que o ambiente
em que os italianos so acolhidos comea a identificar esta comunidade de maneira mais
unvoca, homognea, mediante o conhecimento mais aprofundado de uma cultura, de um
grupo e das pessoas que o compem, facilitando ao mesmo tempo dinmicas de auto-
identificao. E entre todos os casos verificados no estrangeiro, frisamos como neste
processo se destaca particularmente o portugus.
Alm do que foi dito, acrescentamos mais um dado: o estudo da ligao entre a
emigrao poltica e a socioeconmica permite reforar as hipteses de investigao e
interpretao do prprio fenmeno migratrio italiano em todo o perodo que precede a
unificao poltica da pennsula. Isto , abre novas perspectivas a anlise do perodo que,
no sculo XIX, precede o grande xodo que acompanha o surgimento do reino da Itlia, e
que considerado a maior consequncia social desteacontecimento. Particularmente, as
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XII
informaes que apresentamos no terceiro captulo constituem um pequeno mas novo
passo em frente na demostrao de que os povos italianos se moviam tambm no perodo
precedente ao ano de 1861. Sobretudo, fortalecem a tese dos estudiosos que defendem a
existncia de uma mobilidade de sada de uma realidade como a do reino das Duas
Siclias, embora em quantidade reduzida se comparada com o nmeros de pessoas que se
afastam da pennsula nas dcadas aps a unificao nacional. S a ausncia de uma
poltica de controlo estatstico dos fluxos migratrios pelas autoridades napolitanas tem
permitido ao (recente) revisionismo de inspirao neo-borbnica legitimar a teoria da
quase total ausncia de emigrao para o estrangeiro (disso falar-se- no primeiro
captulo). O caso especfico que trazemos parte final do nosso estudo, o dos caldeireiros
da regio italiana da Basilicata (uma das reas mais pobres da pennsula antes e depois da
sua unio poltica), demonstra e confirma trs linhas tericas: em primeiro lugar, que a
emigrao italiana da primeira metade do sculo XIX substancialmente uma emigrao
de carcter regional, que determina modelos migratrios de longa-durao (confirma-se
desta maneira a aproximao ao estudo da temtica que se tem fortalecido nas ltimas
duas dcadas, e cuja evoluo metodolgica se pode acompanhar na revista do Archivio
Storico dellEmigrazione Italiana);9 em segundo lugar, que houve mobilidade europeia de
figuras no necessariamente ligadas s belas artes ou ao teatro, mas que abrange toda uma
srie de perfis de trabalhadores sazonais; em terceiro lugar, como nestas peregrinaes
em terras ibricas (nomeadamente, portuguesas) estes trabalhadores cruzam as suas
existncias quer com as dinmicas continentais do Risorgimento nacional italiano que
evocmos h pouco, quer com as questes polticas que abalaram a primeira metade do
sculo XIX portugus.
Este ltimo ponto muito importante para a nossa hiptese de investigao e no
desenvolvimento do nosso trabalho, porque nos permite afirmar que a comunidade
italiana residente (de forma permanente ou temporria) em Portugal foi uma comunidade
dinmica, parte viva da sociedade e da nao, em cujos acontecimentos participou,
tomando parte activa neles em diferentes casos. Na terceira parte do terceiro captulo
tentamos demonstrar como os italianos residentes em Portugal entre os anos Vinte e
Trinta de Oitocentos eram sociedade em acto, utilizando uma expresso de Georges
Gurvitch, a qual nos lembra Fernando Piteira Santos na sua Geografia e economia da
revoluo de 1820, quando defendia outro ponto de vista terico determinante, ou seja
9 Veja-se o site da revista: www.asei.eu
http://www.asei.eu/
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XIII
que a realidade histrica, a realidade econmica, a realidade social, so uma s mesma
realidade.10
Como antecipmos nas pginas anteriores, todos estes argumentos se inserem numa fase
posterior de aprofundamento das relaes luso-italianas na primeira metade do sculo
XIX, que em certo sentido vai completar o campo de investigao, j percorrido por
outros que nos precederam com estudos slidos sobre assuntos prximos ao nosso tema.
Por isso, e para complementar tais trabalhos, decidimos seguir um caminho que nos
permitisse aprofundar linhas de investigao menos percorridas, e identificmos um
campo de observao geograficamente mais centrado, que pode ainda acrescentar novos
elementos de conhecimento: o das relaes luso-napolitanas, que no arco cronolgico do
estudo se revelam em toda a sua importncia, a seguir s antigas e slidas ligaes que
uniam Lisboa a Gnova, isto , s correspondncias polticas e econmicas entre o reino
de Portugal e o da Sardenha (amplamente desenvolvidas no s no extenso trabalho de
Grgoire Bron, mas tambm noutros estudos especficos). Dentro deste contexto peculiar,
encontramos todos os domnios que explormos: poltica, economia e emigrao. Como
bvio, para tal finalidade revelou-se muito preciosa a documentao do Archivio di Stato
di Napoli. Trata-se fundamentalmente de material diplomtico, pertencente ao Ministrio
dos Negcios Estrangeiros do reino das Duas Siclias:11
despachos dos ministros dos
respectivos pases, dos membros das legaes (cnsules e vice-cnsules, encarregados de
negcios, enviados extraordinrios), cheios de informaes sobre os interesses bilaterais,
a emigrao poltica e as comunidades residentes nomeadamente a napolitana em
Portugal, num perodo em que no temos registo de uma comunidade portuguesa em
Npoles, para alm daquela composta pelos funcionrios da legao.
Tambm neste caso, recorremos documentao conservada no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo (sempre nos fundos do MNE). Nesta sede, onde repousa a dita
documentao, destaca-se a sua importncia para os estudiosos do sector, sendo que os
acervos relativos s duas legaes diplomticas (em Npoles e Lisboa) representam uma
enorme base documental para a investigao das relaes entre os dois pases, abrindo o
caminho a diferentes e vlidas perspectivas historiogrficas. Tal facto torna-se possvel
apesar da abissal distncia entre a maior organizao do acervo portugus e a persistente
falta de tratamento arquivstico dos papis guardados no depsito napolitano. Ainda mais,
10
SANTOS, Fernando Piteira, Geografia e economia da revoluo de 1820, 2 ed. (1962), Publicaes
Europa-Amrica, Mira-Sintra, 1975, p. 9. 11 O arquivo de Estado de Npoles guarda a maior documentao relativa casa de Bourbon-Npoles,
reinante no reino de Npoles-Duas Siclias entre 1734 e 1860.
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XIV
sublinhamos que, para desvendar a questo da utilizao de prisoneiros napolitanos como
fora de trabalho semi-escrava nos territrios ultramarinos, que reconstrumos no segundo
captulo, se revelou fundamental o Arquivo Histrico Militar de Lisboa. De facto, este
esplio guardava a ainda desconhecida lista dos 300 degredados napolitanos que, aps
meses de estadia em Lisboa, em 1820 foram enviados para Brasil e Angola (e neste
ltimo pas deixaram descendncia, at ao presente).
Voltemos enfim ao assunto principal, que abriu caminho ao trabalho que apresentamos
de seguida: o da emigrao poltica liberal. De facto, a relao entre o sul da Pennsula
Itlica e o reino de Portugal adquire particular importncia no que diz respeito a este
tema: como tambm lembrou Giuseppe Galasso, existiu sempre uma evidente implicao
entre as vicissitudes dos exilados e as questes polticas dos pases de provenincia, que,
no caso dos italianos, se traduziam no fardo intricado e pesado da questo nacional.12
A
natureza desta implicao uma implicao consciente, que propaga no lugar de destino
as questes das ptrias de origem desvenda de um lado a realidade dura e objectiva da
condio do exlio, manifestando plenamente, do outro, o seu determinante papel poltico
e social. Dentro desta experincia, o exlio torna-se segmento e frazione di una storia da
cui deriva e di una storia nella quale si immette, adquirindo um sentido histrico (e
historiogrfico) mais forte.13
No constitui excepo a emigrao napolitana, veculo
desde o incio das ideias de identidade nacional. Dentro dela, distingue-se particularmente
a que se dirigiu para Portugal ao longo dos anos Vinte do sculo XIX, cuja relevncia
investigamos, por um lado, mediante as j referidas memrias (providas de uma carga
literria tipicamente romntica), e por outro, de maneira mais sistemtica, atravs de um
levantamento dos liberais das Duas Siclias que aqui foram conduzidos entre 1821 e 1832.
Fazemo-lo bem cientes de que esta tentativa no se pode considerar exaustiva, podendo
porm definir-se como bastante satisfatria. Nesta parte da investigao revelaram-se
muito importantes as relaes das Intendncias de Polcias dos dois reinos, cujos dados
combinamos com as notcias, amide fragmentrias, recuperadas a partir da
documentao diplomtica.
Como concluso desta parte introdutria, sublinhamos que foi nossa inteno enquadrar
as relaes luso-napolitanas no contexto mais geral das ligaes luso-italianas na
passagem entre o sculo XVIII e XIX. Isto porque reputmos como ineludvel uma
12 Cf. GALASSO, Giuseppe, Prefazione, in Anna Maria Rao, Esuli. Lemigrazione politica italiana in
Francia (1792-1802), prefazione di Giuseppe Galasso, Napoli, Guida, 1992, pp. VII-XIV. 13 Ivi, p. IX.
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XV
aproximao de tal gnero, tendo em conta que as peculiaridades das relaes
peninsulares na primeira metade de Oitocentos procedem sobretudo sob o ponto de
vista cultural de uma fase muito anterior, que assenta as suas origens naquele processo
de italianizao do espao social e econmico portugus inaugurado no sculo anterior,
e ao qual j fizemos referncia. Para este efeito, o segundo captulo dedicado na sua
primeira parte contextualizao setecentista das relaes entre Itlia (conceito
geocultural) e Portugal; e na segunda parte, introduo histrica das relaes entre
Npoles e Lisboa. O amplo prembulo a todo este conjunto de informao que
apresentamos em grandes linhas nas pginas que o precedem constitudo pelo primeiro
captulo, que abriga o necessrio enquadramento terico e a definio das hipteses de
investigao dos assuntos acima referidos, e que agora desenvolvemos.
A tese apresenta trs captulos. O primeiro tem uma nica parte, e cinco subcaptulos.
Neles, para alm do enquadramento terico acima referido, definimos o contexto
geopoltico da mobilidade mediterrnica e a sua horizontalidade talo-ibrica, e
analisamos a evoluo semntica do conceito de nao referido ao caso especfico dos
italianos em Lisboa.
O segundo captulo est dividido em duas partes (a primeira com quatro subcaptulos, a
segunda com mais quatro). Como dissemos antes, este captulo analisa as relaes luso-
italianas na passagem entre Setecentos e Oitocentos, com particular referncia s ligaes
luso-napolitanas.
O terceiro captulo o maior, apresentando trs partes. A continuidade narrativa que
liga as trs obrigou-nos a manter os argumentos num captulo nico, embora de relevante
extenso. A primeira parte (cinco subcaptulos) contm a sociologia e prosopografia da
comunidade italiana em Portugal, com foco sobre a de Lisboa. Analisa-se tambm a
dimenso da luso-italianidade. Na segunda parte (quatro subcaptulos) a ateno volta-se
para o fenmeno da emigrao poltica italiana em Portugal durante o trinio liberal,
salientando os seus contactos com a comunidade italiana residente. Na terceira parte
prossegue-se com o estudo do exlio liberal e das suas conexes com a realidade social e
poltica portuguesa, aprofundando a temtica da represso dos grupos estrangeiros
(nomeadamente, o italiano) presentes em Portugal durante os anos de dominao
miguelista.
Alertamos que, ao longo do texto, esto referidas citaes de documentos consulares
(ou de outra natureza) redigidos no tempo que foi objecto de estudo. Pela diversidade e
irregularidade dessa documentao, optmos por actualizar a ortografia. Por outro lado,
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XVI
no foram alteradas a sintaxe nem a pontuao, a fim de apresentar os documentos na sua
estrutura originria. Na nossa opinio, esta deciso no representar um problema quanto
leitura e compreenso do texto. No que respeita s citaes em lngua original presentes
no texto, decidimos mant-las, por serem consideradas de substancial em muitos casos,
imediata interpretao.
A parte final do presente trabalho acompanhada por onze anexos para alm das
consideraes finais, que servem de amparo documental de todas as temticas que
desenvolvemos ao longo do estudo, com referncia s relaes diplomticas (anexo I),
comerciais e sociais. Em particular, os anexos II-IV permitem ter um quadro mais claro
das relaes econmicas e comerciais entre a Pennsula Itlica e Portugal na fase histrica
que tornmos num dos eixos fundamentais na estrutura da tese (o trinio liberal). Os
anexos V-X suportam a indagao em torno da comunidade italiana em Lisboa na
primeira metade de Oitocentos. Tambm neste caso o grosso do material centra-se na
dcada central do nosso estudo, a de Vinte. Alis, o anexo VI contm a lista dos trezentos
presos napolitanos enviados para o Brasil e Angola. O ltimo anexo, o XI, contm
pginas que reputamos importantes para a memria da cidade de Lisboa, dado que nunca
foram utilizadas para este efeito, tratando-se de uma publicao absolutamente
esquecidapor qualquer dos estudiosos que se interessaram ao tema do exlio poltico em
Portugal.
Conclumos esta introduo com uma derradeira reflexo sobre uma utilidade pblica
particular que encontrmos no cumprimento da nossa investigao. Ela fruto no s de
um programa de pesquisa em arquivos e bibliotecas; ela filha tambm da nossa
experincia pessoal. A experincia de quem pde observar a cidade de Lisboa nos ltimos
dez anos, contemplando a sua populao, as suas estratificaes histricas,
arquitectnicas e sociais. J a partir do momento em que este trabalho foi pensado, o
urbanismo do centro histrico traa permitam-nos esta expresso uma presena
escondida, perdida nas profundas modificaes que sofreu o espao urbano nos ltimos
dois sculos. Em diferentes lugares se manifestavam os rastos da passagem de homens
aqui chegados provindo de culturas diferentes. Havia uma Lisboa italiana que no tinha
cessado de existir no sculo XVIII (ou seja, at ao momento em que os historiadores a
souberam manter historiograficamente viva), uma Lisboa dos italianos que abrigava
uma fundamentao tambm num sculo de profundas transformaes polticas e
econmicas como o de Oitocentos. Isto , num sentido ego-histrico, o presente trabalho
permitiu-nos descortinar parte de uma identidade urbana que se tinha esvado, e que
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XVII
socialmente nos pareceu ter sido diluda em mltiplas dimenses. O resultado da
investigao que vamos agora apresentar permitiu-nos recuperar traos daquela presena
oculta e restitu-la cidade e s pessoas que continuam a atravessar o seu espao, muitas
vezes sem uma conscincia precisa das lnguas e das culturas que a viviam. Eis ento o
objectivo fundamental deste trabalho: recuperar a conscincia de uma comunidade, a
italiana em Lisboa (e no espao lusitano), que sobretudo conscincia de ns, e da nossa
ligao a este pas.
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XVIII
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1
CAPTULO I
A PRESENA ITALIANA EM PORTUGAL
1.1 Estado da questo.
O presente trabalho tenciona aprofundar e, de alguma forma, completar o estudo das
relaes que decorreram entre Portugal e a Pennsula Itlica na primeira metade do sculo
XIX. Este perodo fora atravessado por profundas transformaes polticas e sociais em
ambos os espaos geopolticos, as quais, muito frequentemente, se interligaram ao longo
das directrizes euro-mediterrnicas estabelecidas entre as duas culturas. Nomeadamente, e
conforme j se exps na introduo, tentaremos analisar estas relaes tal como se
desenvolveram no espao lusitano, tendo em considerao a evoluo, a consistncia e o
papel da comunidade italiana nele residente. O perodo considerado apresenta-se como
crucial para a definio de questes fundamentais concernentes s duas pennsulas, como
seja os problemas da identidade nacional ou da cidadania, que se perfilam na encruzilhada
de vicissitudes e influncias histrico-polticas; isto , naquelas que de seguida
definiremos como latitudes e longitudes do espao sociopoltico do Mediterrneo.
Este espao temporalmente atravessado por experincias de palingnese tico-poltica,
constituindo um perodo de regeneraes e ressurgimentos, de processos
epistemologicamente orientados para um novo regresso ao passado, mas numa chave
geradora de novas prticas polticas, inspiradas em princpios comuns. Tais prticas
atravessam o espao portugus no seu conjunto, ou seja, tambm na sua componente
estrangeira (e luso-estrangeira). No h dvidas de que a hodierna viso italiana de
Portugal uma viso tanto poltica quanto cultural esteja fortemente determinada pela
sua herana histrica, constituda por importantes tesselas de questes italianas, fixadas
com habilidade e percia magistral ao longo dos sculos da antiga nao lusitana por
homens que acompanharam os seus avanos no tempo. Sendo que se proceder anlise
das funes poltica e socioenonmica da presena dos italianos em Portugal nos
primeiros trinta anos de Oitocentos, na apresentao de uma resenha historiogrfica
propedutica e orientadora no podero deixar de se evocar os estudos que remetem para
as origens desta presena.
Sendo assim, comearemos o nosso discurso evidenciando de que modo, ao longo do
ltimo sculo (particularmente, na segunda metade de Novecentos), as historiografias
portuguesa e italiana demonstraram, num plano geral, um interesse aprofundado pelas
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2
razes de uma relao secular entre os dois sistemas poltico-culturais, sobretudo no
mbito dos estudos acercadas relaes comerciais durante a poca medieval e
moderna.14
Em geral, as relaes luso-italianas constituem um tema de estudo que tem
produzido resultados amplos e relevantes. Os elementos das relaes seculares entre as
duas realidades no campo econmico e cultural foram reevocados nas obras de
autores que deixaram um legado de estudos historiogrficos e literrios de grande riqueza
e percia documental. Estes textos constituem leituras propeduticas imprescindveis para
o estudioso que pretenda abordar o tema das sobreditas relaes, atravs de vertentes
interdisciplinares e em relao a diferentes pocas histricas. Estamos a referir-nos, em
particular, vasta produo bibliogrfica de autores como Prospero Peragallo,Giuseppe
Carlo Rossi, Virgnia Rau, Carmen Radulet, que enumeraremos de seguida (embora
parcialmente, tendo em conta a vastido dos ttulos). Ao mesmo tempo, salientamos que,
enquanto o perodo dos sculos XV a XVIII mereceu uma ateno escrupulosa, o olhar
sobre um sculo como o de Oitocentos foi, pelo contrrio, mais brando (no obstante os
trabalhos de investigao enunciados na introduo, e que o presente estudo tenta
complementar).15
Entre os historiadores portugueses que, ao longo do sculo XX, muito acrescentaram
aos estudos sobre a presena italiana em Portugal na poca moderna e contempornea,
temos de salientar, antes de mais, a figura de Virgnia Rau. A obra desta autora torna-se
assim numa espcie de marco milirio que, graas ao desenvolvimento de uma intensa
ligao acadmica com o Istituto Datini de Prato (Toscana), tem aberto caminho para um
estudo mais estruturado das relaes luso-italianas (Portugal e o Mediterrneo no sculo
XV. Alguns aspectos diplomticos e econmicos das relaes com a Itlia, Lisboa, Centro
de Estudo da Marinha, 1973). Em particular, os estudos de Rau focam-se nas relaes
comerciais luso-toscanas (Cartas de Lisboa no Arquivo Datini de Prato, Lisboa, 1962-
14 Mais recentemente, tem despertado o interesse quer do mundo acadmico quer de um pblico mais
generalista o ciclo de conferncias dedicado s relaes luso-italianas na poca medieval e moderna,
organizado em parceria pelo Centro de Histria do Alm-Mar (CHAM) da Universidade Nova de Lisboa,
pela Ctedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste da FLUL e pelo Instituto Italiano de Cultura (de
Lisboa). Este conjunto de conferncias, de que no momento da redaco deste captulo est a decorrer o
5 ciclo (dedicado ao tema Scrigni della Memoria: arquivos e fundos documentais para o estudo das
relaes luso-italianas) relanou nos ltimos anos o tema das relaes sob novas perspectivas de
investigao; permitindo, desta maneira, a uma nova gerao de investigadores apresentar resultados
actualizados, atravs de novas abordagens metodolgicas e evidenciando a relevncia das conexes interdisciplinares. 15
DI GIUSEPPE, Francesca, Portogallo, Italia e questione iberica (1821-1869), tesi di dottorato di ricerca in
Scienze Storiche, Archeologiche e Storicoartistiche (XXII ciclo), Universit degli Studi di Napoli Federico
II, 2010; BRON, Grgoire,Rvolution et nation entre le Portugal et lItalie: les relations politiques luso-
italiennes des lumires lInternationale liberle de 1830. III tomes. Paris-Lisboa, [s.n.], 2013. Thse de
doctorat, Ecole Pratique des Hautes Etudes ISCTE-Instituto Universitrio de Lisboa.
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1963), e nas famlias florentinas com interesses no pas (Uma famlia de mercadores
italianos em Portugal no sculo XV. Os Lomellini, 1956; Um grande mercador-banqueiro
em Portugal. Lucas Giraldi, Lisboa 1965; Um florentino ao servio da expanso
ultramarina portuguesa, Francisco Corbinelli, Lisboa, 1974).16
A leitura destas obras possibilita que o estudioso e o leitor interessado adquiram uma
perspectiva inicial da presena italiana em Portugal, que se desenvolve a partir da Idade
Mdia. No curso dos sculos, a comunidade italiana em territrio lusitano assiste ao
crescimento das suas dimenses pari passu ao dos seus interesses, constituindo-se um
contexto social consistente na economia nacional. Nomeadamente, no espao urbano
lisboeta afirma-se uma identidade cultural e econmica propriamente italiana, que com o
passar do tempo e particularmente com o processo de italianizao cultural que ter
lugar a partir do sculo XVIII, como veremos mais adiante ultrapassa as
particularidades regionais que compem este grupo populacional. No incio de
Novecentos, os escritos do padre carmelitano Prospero Peragallo, provedor da Igreja da
Nossa Senhora do Loreto em Lisboa (tambm conhecida por Igreja dos Italianos, e j
objecto de estudos historiogrficos)17
procuravam delinear a evoluo da comunidade na
passagem entre a Idade Mdia e Moderna (Cenni intorno alla colonia italiana in
Portogallo nei secoli XIV, XV e XVI, 1904); e, avanando na reconstruo genealgica
das famlias italianas dentro da sociedade portuguesa (isto , das famlias portuguesas de
origem italiana), lanavam as bases para o enquadramento do contexto social da luso-
italianidade, que trataremos no curso do nosso trabalho.18
A existncia de colnias de
16 Ainda desta autora, e para um quadro mais completo das relaes luso-italianas na poca medieval,
lembramos ainda: Affari e mercanti in Portogallo dal XIV al XVI secolo, Milano, Giuffr, 1967; Italianismo
na cultura jurdica portuguesa, Coimbra, [s.n.], 1969; Bartolomeu di Iacopo di Ser Vanni mercador-banqueiro fiorentino estente em Lisboa nos meados do sculo XV, Lisboa, [s.n.], 1971; Alguns estudantes e
eruditos portugueses em Itlia no sculo XV, Lisboa, [s.n.], 1972. 17 ALBINI, Giuliana, Para uma histria dos italianos em Portugal: o arquivo de Nossa Senhora do Loreto,
Estudos Italianos em Portugal, n. 43-44 (1980-81), Lisboa, Instituto Italiano de Cultura, pp. 239-250;
ATADE, Maia, MECO, Jos, A igreja de Nossa Senhora do Loreto, Lisboa, Embaixada de Itlia-Instituto
Italiano de Cultura, 1986. Mais recentemente: FILIPPI,Srgio, La chiesa degli italiani. Cinque secoli di
presenza italiana a Lisbona negli archivi della chiesa di Nostra Signora di Loreto, Lisboa, Fbrica da
Igreja Italiana de Nossa Senhora do Loreto, 2013. 18 Outras obras do padre Peragallo: Due documenti riguardanti le relazioni di Genova col Portogallo,
Gnova, Tipografia del Real Istituto sordo-muti, 1892. Apresenta tambm trabalho de tradutor, como atesta
a obra Lascendenza dei Pessagno (de Joaquim de Arajo), Pdua, Fratelli Gallina, 1904. Peragallo
interessou-se ainda pelas relaes entre Cristvo Colombo e a casa reinante portuguesa: Origine, patria e giovent di Cristoforo Colombo: studi critici e documentari con ampia analisi degli atti di Saliniero,
Lisboa, Typ. Elzeviriana, 1886; Cristoforo Colombo e la sua famiglia. Rivista generale degli errori del sig.
E. Harrisse, Lisboa, Typ. Portuense, 1888; Cristoforo Colombo in Portogallo. Studi Critici, Gnova,
Tipografia del Real Istituto sordo-muti, 1882. Para um aprofundamento bio-bibliogrfico da figura deste
erudito, veja-se o seguinte estudo: ROSA, Cristina, Prospero Peragallo, un agente culturale fra Italia e
Portogallo: una bio-bibliografia, in Grazia Sommariva (a cura di), Amicitiae munus. Miscellanea di studi
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mercadores italianos na esplendorosa capital lusitana da idade moderna desperta tambm
o interesse das historiografias estrangeiras. Assim, em 1957, Charles Verlinden publica
um famoso estudo em lngua francesa,19
onde demonstra o incipiente interesse da escola
dos Annales por uma temtica que dar, nas dcadas seguintes, resultados notveis no
campo de anlise do fenmeno numa perspectiva de longa durao, mesmo graas a
historiadores de outros pases.
Nos moldes da historiografia mais recente sobre a presena italiana em Portugal na
poca moderna, enumeram-se os trabalhos de Nunziatella Alessandrini. Contando-se
entre as estudiosas mais prolficas da ltima dcada, tem-se concentrado sobre a ingente
comunidade de origem genovesa residente em Lisboa, com um consequente
aprofundamento das relaes econmicas entre o reino de Portugal e a antiga repblica;
nestes textos, a autora prope aproximaes interessantes questo da utilizao pblica
da definio de Nao Italiana, cuja evoluo em chave identitria analisaremos nas
pginas que se seguem.20
Recentemente, elegeu como tema de discusso o conceito de
bairros italianos na cidade de Lisboa, tentando mudar a perspectiva da olisipografia a
respeito de um segmento demogrfico que deve ser considerado de forma mais
estruturada, cotando como mais determinante o seu desempenho para o progresso
socioeconmico do contexto urbano lisboeta.21
A este respeito, salientamos a inexistncia
de estudos especficos e em perspectiva prosopogrfica acerca da comunidade italiana
em Lisboa entre os sculos XVIII e XIX, para alm das publicaes concernentes s belas
artes e ao teatro, veculo de grande emigrao italiana em Portugal naquele perodo.
Recentemente, procurmos abordar este assunto atravs da apresentao, em publicaes
in memoria di Paola Sgrilli. Sarzana, Agor, 2006. p. 193-201, 19
VERLINDEN, Charles, La colonie italienne de Lisbonne et le dveloppement de lconomie
mtropolitaine et coloniale portugaise, Studi in onore di Armando Sapori, 2 vol., Milo, Istituto Editoriale
Cisalpino, 1957, vol. I, pp. 615-628. 20
ALESSANDRINI, Nunziatella, La presenza italiana a Lisbona nella prima met del 500, Archivio Storico
Italiano, n. 697, fasc. I (2006), Firenze, Deputazione di Storia Patria, pp. 37-54; La presenza genovese a
Lisbona negli anni dellunione delle corone (1580-1640), in Genova y la Monarquia Hispnica (1528-
1713), Atti della Societ Ligure di Storia Patria, Nuova Serie, vol. LI (CXXV), fasc. I (2011), Genova,
s.n.. Na organizao de publicaes, assinalamos: Le nove son tanto e tante, che dir non se po. Lisboa dos Italianos: histria e arte (scs. XIV-XVIII), Lisboa, Ctedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste,
2013. 21 Cf. ALESSANDRINI, Nunziatella, Italianos em bairros de Lisboa (sculo XVIII), Cadernos do Arquivo
Municipal de Lisboa, 2 srie, n. 3 (Jan.-Jun. 2015), Lisboa, Cmara Municipal-Direo Municipal de Cultura-Departamento de Patrimnio Cultural-Diviso de Arquivo Municipal, pp. 109-125. Em concluso a
esta breve introduo bibliografia sobre a comunidade italiana em Portugal na poca moderna, lembremos
outro volume interessante, que abrange quer a poca medieval quer moderna: estamos a falar das actas do
colquio Case commerciali, banchieri e mercanti italiani in Portogallo (Lisbona, 3-4-5 settembre 1998),
com organizao de Carmen Maria Radulet, estudiosa escrupulosa das relaes luso-italianas, cuja obra no
pode ser esquecida por quem se interesse pelo tema.
http://dspace.unitus.it/bitstream/2067/814/1/ARTICOLOPROSPEROPERAGALLO.pdf
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especficas,22
de temas relativos ao corpo da nao italiana em Portugal (e na capital) e
s suas dinmicas sociais, econmicas e polticas; temas que, no presente trabalho,
tencionamos ampliar e fundamentar cientificamente, constituindo a base das hipteses de
pesquisa que apresentamos. Para legitimar o papel econmico desta comunidade nos
primeiros trinta anos do sculo XIX, apoimos a nossa investigao na importante
historiografia que tem sido produzida em torno do tema econmico em Portugal nos
ltimos quarenta anos. Os estudos de Miriam Halpern Pereira, de Jorge Miguel Pedreira,
de Jos Lus Cardoso (entre muitos)23
tm constitudo o ponto de referncia a partir do
qual procurmos determinar historiograficamente este papel econmico, particularmente
durante o Vintismo.
Salientmos desde logo como o estudo das relaes luso-italianas e da presena italiana
em Portugal na primeira metade desta centria se insere, inevitavelmente, no tema do
Risorgimento italiano. Ou seja, no quadro historiogrfico que tem acompanhado e ainda
hoje acompanha a investigao em torno da unificao nacional italiana, cuja efectivao
formal ocorre em trs momentos distintos (1861 primeira unificao, 1866 anexao de
Veneza, 1870 tomada de Roma). Mas cuja evoluo ideolgica e poltica muito mais
alargada, encontrando as suas razes j na segunda metade do sculo XVIII.24
Neste
conjunto histrico o caso portugus tem sido at ao ltimo quinqunio objecto de
estudos espordicos, dentro das investigaes relativas ao tema do exlio poltico,
fenmeno que viu numerosos exilados italianos dirigir-se para Portugal nas fases de crise
22 Cf. CASSINO, Carmine, La comunit italiana in Portogallo tra rivoluzione e reazione (1820-1828),
Memoria e Ricerca, n. 48 (2015), Milano, Franco Angeli Editore, pp. 121-142; Lisboa dos Italianos:
Presena Italiana e Prticas de Nacionalidade nos Primeiros Trinta Anos do Sculo XIX, Cadernos do
Arquivo Municipal de Lisboa, 2 srie, n. 3 (Jan.-Jun. 2015), Lisboa, Cmara Municipal-Direo Municipal
de Cultura-Departamento de Patrimnio Cultural-Diviso de Arquivo Municipal, pp. 201-227. 23 Seguem alguns ttulos exemplificativos: PEREIRA, Miriam Halpern, Negociantes, fabricantes e artesos
entre velhas e novas instituies, em A crise de antigo regime e as Cortes Constituintes de 1821-22.
Estudos e Documentos, direco de Miriam Halpern Pereira, 5 vols., vol. II, Lisboa, Joo S da Costa,
1992; PEDREIRA, Jorge Miguel de Melo Viana, Os homens de negcio da praa de Lisboa de Pombal ao
Vintismo (1755-1822). Diferenciao, Reproduo e identificao de um grupo social, dissertao de
doutoramento em Sociologia, Universidade Nova de Lisboa-FCSH, 1995; CARDOSO, Jos Lus, A
legislao econmica do vintismo: economia poltica e poltica econmica nas Cortes Constituintes,
Anlise Social, XXVI (3-4), n. 112-113 (1991), Lisboa, ICS, pp. 471-488. 24 Alberto Mario Banti sintetizou eficazmente as hipteses interpretativas do princpio do movimento
poltico e intelectual rumo unificao nacional, individuando trs: a primeira posiciona o incio do
Risorgimento em meados do sculo XVIII, com as experincias de despotismo esclarecido e o surgimento
de sensibilidades reformistas de cariz monrquico-moderado; a segunda prope uma data de origem, a de 1796, que coincide com a chegada a Itlia de Napoleo e a instituio das primeiras entidades estatais com
elementos de unidade geocultural (as repblicas Cispadana e Cisalpina); enfim, a terceira (menos percorrida
historiograficamente), que individua em 1800 a data paradigmtica, por coincidir com a reorganizao
institucional e administrativa da pennsula operada pelos franceses, que resultar na proclamao do reino
de Itlia, em 1804 (cf. BANTI, Alberto Mario, Il Risorgimento italiano, 13 ed. [2004], Roma-Bari, Laterza,
2013, pp. IX-X).
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e progresso poltico que tocaram o pas nos primeiros cinquenta anos daquela centria. O
que podemos notar que como amide acontece os eventos celebrativos da unificao
nacional tm constitudo ocasio para despertar de forma peridica o interesse pelo estudo
das relaes oitocentistas entre as duas realidades. Neste sentido, revela-se ainda
particularmente fecundo o perodo que teve incio a partir do cento-cinquentenrio do
referido acontecimento (em 2011), o qual abriu o caminho a novos trabalhos, realizados
por investigadores de toda a Europa. No que diz respeito s publicaes portuguesas, sai
nesse ano uma preciosa colectnea, til para determinar o status quaestionis dos estudos
acercadas relaes oitocentistas entre as duas realidades: no nmero VI da nova srie de
Estudos Italianos em Portugal (Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, 2011), sob a
coordenao de Rita Marnoto, produz-se um dossi pluridisciplinar que tenta recuperar
elementos de discusso e investigao determinantes para caracterizar o impacto do tema
na cultura portuguesa, com estudos que se estendem da histria literatura e
geopoltica.
At esta ocasio, porm, no podemos no sublinhar o facto de a recepo do tema da
unificao italiana e suas implicaes lusitanas quer pela comunidade cientfica em
Portugal, quer por um pblico de leitores mais generalista, ter sidolimitada, evidenciando-
se um campo muito pouco investigado, sobretudo numa perspectiva de histria
comparada. Para alm de publicaes oitocentistas caracterizadas por um excesso de
retrica (justificado, em muitos casos, pelos enlaces entre a coroa de Bragana e a de
Sabia)e das pginas gastas na celebrao de elementos simblicos (como a figura de
Carlos Alberto no Porto), s nos anos trinta que comeam a aparecer pequenos estudos
que, embora bastante escassos em contedo e metodologia (basicamente, uma transcrio
de documentos de arquivo), tiveram o mrito de ressuscitar alguns assuntos, como o do
voluntarismo militar estrangeiro que concerne Portugal durante a guerra civil de 1832-
1834 (tema sobre o qual reflectiremos mais frente, no mbito dos trabalhos dedicados
ao exlio poltico). Nesses anos, Henrique de Campos Ferreira Lima (director do Arquivo
Histrico-Militar) realizava uma srie de artigos a partir de documentao presente
naquele acervo, dedicados aos voluntrios estrangeiros entre os quais, muitos italianos
activos no exrcito libertador (Batalho de voluntrios franceses de Ramorino ou
Peniche,Coimbra, 1934; Legio Polaca ou Legio da Rainha Dona Maria Segunda.
Breve notcia, Boletim do Arquivo Histrico Militar, VI, 1936; Uma companhia
italiana no exrcito libertador: 1832-1834,Vila Nova de Famalico, 1937). Lima que
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alargara a outros campos o seu interesse pela histria e cultura italianas25
tambm o
primeiro a recuperar, em lngua portuguesa, a memria do general napolitano Guglielmo
Pepe, exilado de 1821, e com uma significativa passagem em Portugal, que ser objecto
da nossa ateno (O general napolitano Guilherme Pepe em Portugal, Boletim do
Arquivo Histrico Militar, vol. XVIII, 1948, pp. 1-7). Este trabalho surgia dez anos aps
o estudo biogrfico mais amplo e articulado de Ruggero Moscati, que em 1948 publicava
a obra Guglielmo Pepe (2 vols., Roma, 1938), reorganizando grande parte do epistolrio
do general napolitano, inclusive as numerosas cartas de Lisboaescritas entre 1821 e 1823.
Enfim,em 1940 Lima publicava na Rassegna Storica del Risorgimento (revista curada
pelo Istituto per la Storia del Risorgimento Italiano de Roma, em torno da qual se
reunia a historiografia italiana deste processo histrico) a primeira Bibliografia
portoghese del Risorgimento, (XXVII, fasc. V, pp. 451-462), dando incio a uma srie
de trabalhos similares em lngua italiana, onde se manifestava a necessidade de orientar o
historiador nas fontes teis ao estudo do papel da cultura lusitana para a unificao
italiana, num momento em que o interesse pelo tema comeava a adquirir relevncia.26
A esta seguir-se-, em 1953 (sempre na Revista),uma pequena contribuio intitulada
Fonti Archivistiche Portoghesi, em que Ruggero Moscati (ao momento, um dos
principais historiadores da unificao nacional) evidenciava a utilidade documental do
fundo do Ministrio dos Negcios Estrangeiros (conservado na Torre do Tombo) para o
estudo da histria diplomtica entre Portugal e os Estados italianos desde fins do sculo
XVIII at meados do sculo XIX. Por sua parte, e em ocasio do centenrio da unificao
(1961), a publicao de Giacinto Manuppella continuava nesta senda (Bibliografia
portoghese del Risorgimento Boletim Internacional de Bibliografia luso-brasileira.
Lisboa, vol. II n.1 [Jan. Mar. 1961], pp. 67-141); nela, o autor dividia amplas temticas
de carcter histrico e literrio em seis seces,27
apresentando um notvel conjunto de
25 Atestam o interesse em diferentes aspectos da cultura italiana trabalhos como: Dante em Portugal e no
Brasil. Ensaio biblio-iconogrfico, Lisboa, [s.n.], 1939; Trs lusfilos italianos, Lisboa, Editorial Imprio,
1943; Dicionrio de iconografia portuguesa: retratos de portugueses e de estrangeiros em relaes com
Portugal, vol. 1, Lisboa, Instituto para a Alta Cultura, 1947. 26 Lima divide o seu estudo em quatro partes: escritores do Risorgimento (tradues e ensaios crticos em
lngua portuguesa de autores como Manzoni, Leopardi e Pellico); obras originais, em lngua portuguesa,
referentes ao Risorgimento (enumerao de obras literrias relativa s figuras mais marcantes do
Risorgimento que tiveram alguma ligao com Portugal); obras estrangeiras traduzidas em portugus; e uma seco final de varia. 27 Nomeadamente: Riflessi portoghesi di alcuni scrittori italiani; Esuli politici italiani in Portogallo; Pro e
contro lUnit dItalia (le idee, gli uomini, gli eventi); La casa Savoia; La mente e il braccio (ensaios e
artigos que dizem respeito a Cavour e Garibaldi); pontefici. A segunda seco dedicada ao tema da
emigrao poltica a menos desenvolvida. As obras apresentadas neste estudo so publicadas entre 1820
e 1890.
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ttulos (publicaes, artigos de imprensa peridica, panfletos, poemas, etc.)desprovidos
porm de argumentao crtica. Completava esta srie de coleces a breve contribuio
de Giuseppe Carlo Rossi,28
que em 1973 publicava, nas pginas da Rassegna, um texto
intitulado Contributi portoghesi per la storia del Risorgimento italiano (LX, fasc. I,
1973, pp. 28-30).
No artigo de Giuseppe Carlo Rossi fazia-se referncia s volumosas obras de Eduardo
Brazo, que no arco de vinte anos (anos 50-70) deu um contributo importante para a
histria diplomtica luso-italiana, sobretudo na recolha de documentao. A maior
fraco do interesse de Brazo recaa sobre as relaes entre a Santa S e Portugal ao
longo do sculo XIX, em cinco volumes que permitem enquadrar as grandes linhas da
poltica externa portuguesa e da aco diplomtica bilateral em momentos capitais para
estas duas realidades.29
O percurso de investigao deste autor culmina com um estudo
em verso portuguesa e italiana relativo viso dos diplomatas portugueses do processo
de unificao italiana, na sua fase crucial (1848-1870).30
Esta obra mostra-se
particularmente til para o esclarecimento de uma dcada complexa no campo
diplomtico, e que vai do casamento entre Dom Lus I e Maria Pia de Sabia em 1862,
at tomada de Roma (1870). Nos dias de hoje, grande parte dos esforos de Brazo ,
por assim dizer, eclipsada por trabalhos com uma metodologia de investigao e uma
estrutura crtica mais relevantes e actualizadas: pense-se no relevante esforo de
perspectiva transnacional de Grgoire Bron ou, no que diz respeito s ligaes entre a
Santa S e Portugal no primeiro liberalismo, na pormenorizada obra de Ana Mouta Faria.
Apesar disso, porm, as suas obras constituram naquela altura um instrumento de
investigao cuja relevncia tem sido repetidamente frisada pelos historiadores que
continuavam a delinear novos percursos historiogrficos na histria daquele complexo
fenmeno nacional. Nas palavas de um dos mais importantes entre eles, Alberto Maria
Ghisalberti, destacava-se como os estudos de Brazo permitissem colocar [] la storia
28 Giuseppe Carlo Rossi (1908-1983), hispanista e lusitanista, professor nas universidades de Roma (La
Sapienza) e Npoles (LOrientale), produziu uma vasta obra crtica no campo das literaturas ibricas, assim
como ensaios histricos. Foi membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa e da Real
Academia Espaola de la Lengua. Sobre a sua obra foi recentemente publicado um conjunto de estudos
para o qual remetemos: MENDES, Maria Gil (a cura di) Giuseppe Carlo Rossi Lusitanista (1908-1983).
Convegno Internazionale nel centenario della nascita (1908-2008). Atti, Roma, Albatros, 2012. 29 As relaes diplomticas entre Portugal e o Vaticano foram organizadas por Brazo em cinco volumes, publicados entre 1969 e 1974 pela Academia Internacional da Cultura Portuguesa: De Bonaparte a
Napoleo I (1803-1805); O reconhecimento do rei Dom Miguel (1831); Um ano dramtico (1848); A
queda de Roma (1870); A morte de Pio IX e a preparao de um novo pontificado (1878). 30 Lunificazione italiana vista dai diplomatici portoghesi (1848-1870), 2 vol., Roma,Istituto per la Storia
del Risorgimento Italiano, 1962. No ano seguinte tem lugar a traduo portuguesa: A unificao de Itlia
vista pelos diplomatas portugueses (1848-1870), Coimbra, Faculdade de Letras, 1963.
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della penisola nel pi ricco e drammatico quadro di quella europea, nella quale si cercano
i motivi e le origini, le consonanze e le integrazioni delle correnti ideali, dei mutamenti
politici e sociali, delle reazioni di uomini e di ceti, in una parola del processo osmotico
che ha permeato di s il Risorgimento italiano.31
A temtica que mais tem caracterizado os estudos das relaes luso-italianas na primeira
metade de Oitocentos a do exlio poltico. Nos ltimos anos, com efeito, assistiu-se ao
restabelecimento do interesse por este tema no contexto de uma ideia geopoltica do
Mediterrneo, entendido como espao de mobilidade, troca e influncia, oposta de um
territrio com soberania exclusiva (por exemplo, as entidades estatais), como demonstra a
adopo desta perspectiva analtica por parte da historiografia contempornea,
particularmente a de lngua francesa.32
Recentemente, os estudos de Maurizio Isabella (de
que falaremos em breve) e de Grgoire Bron (este ltimo tinha j escrito sobre o tema do
voluntarismo poltico-militar em 2009, no nmero monogrfico da revista britnica
Journal of Modern Italian Studies),33
tm reflectido a fundo acerca da dimenso global
(ou, melhor dizendo, horizontal, latitudinal) do espao mediterrnico nos anos vinte do
sculo XIX, relativamente questo do exlio. Este comeou a ser interpretado atravs de
chaves de leitura historiogrfica que tm em conta o conceito de transnacionalizao (ou
seja, o estabelecimento de mltiplas relaes culturais, polticas, sociais que aproximam
as sociedades de origem e as de chegada, e que se realizam na construo de espaos de
interaco em que se cruzam fronteiras geogrficas, culturais, polticas). Trata-se de um
espao onde se desenvolvem prticas de sociabilidade e influncia recproca, uma
dinmica que tem levado os historiadores a falar da presena, neste espao especfico, de
uma sociedade civil transnacional (a despeito de ser o prprio Bron a reconhecer
alguma dificuldade em aceitar como definitiva esta expresso, devido, por um lado,
heterogeneidade da composio social das emigraes, e, por outro, sua adopo da
31
BRAZO, Eduardo, Lunificazione italiana vista dai diplomatici portoghesi (1848-1870), Roma,Istituto
per la Storia del Risorgimento Italiano, 1962, 2 vols., vol. I, p. V. 32 A perspectiva historiogrfica mediterrnica foi particularmente abordada na obra do historiador francs
Gilles Pcout, como testemunham, entre outros, dois dos seus trabalhos: Pour une lecture mditerranenne
e ttransnationale du Risrogimento, in Catherine Brice e Id., LItalie du Risorgimento. Relectures. Revue
dhistoire du XIX esicle, no 44, fasc.I, 2012, pp. 29-47; ), The international armed volunteers: pilgrims of
a transational Risorgimento, Journal of Modern Italian Studies, 14 (4), London, Routledge, 2009, pp. 413-
426. Sobre o tema do Mediterrneo como espao de mobilidade poltica e solidria, em particular na sua
parte oriental, veja-se PCOUT, Gilles, Une amiti politique mditerranenne. Le philhellnisme italien et franais au 19. Sicle, Milano, Fondazione Giangiacomo Feltrinelli, 2004; e de prxima sada, La libert
nel Mediterraneo: il filellenismo italiano e francese nel secolo XIX, Torino, Einaudi. Deste prolfico
historiador veja-se tambm: Penser les frontires de l'Europe du 19. au 21. Sicle. largissement et union:
approches historiques, Paris, Presses Universitaries de France, 2004. 33
BRON, Grgoire, The exiles of the Risorgimento: Italian volunteers in the Portuguese Civil War (1832-
34), Journal of Modern Italian Studies, 14 (4), 2009, London, Routledge, pp. 427-444.
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perspectiva transnacional, que refora particularmente no exame das emigraes polticas
dos anos 30).34
Neste campo no se podem esquecer trabalhos recentes como os de Juan
Luis Simal (dedicados ao exlio espanhol), que tem aprofundatamente reflectido sobre a
perspectiva transnacional do fenmeno migratrio poltico.35
Antes destes trabalhos recentes (a que devemos juntar o estudo de Francesca di
Giuseppe), a anlise do caso portugus na variegada geografia do desterro liberal italiano
limitava-se a poucos estudos, quer em lngua portuguesa, quer italiana. No que diz
respeito historiografia portuguesa (assim como literatura vria produzida em torno
desta questo) o tema do exlio foi condicionado pela figura ambgua de Carlos Alberto e
o seu exlio voluntrio no Porto; circunstncia que, como salientmos na introduo,
obscureceu a amplitude e a complexidade quer das implicaes do Risorgimento italiano
em territrio lusitano, quer a prpria presena social italiana em Portugal naquela fase
poltica determinante para o destino da nao.36
De facto, o exlio poltico em Portugal
representou um fenmeno muito mais alargado no tempo, protagonizado por centenas de
homens que em perodos de durao varivel cruzaram a realidade portuguesa,
veiculando um conjunto de ideias e favorecendo a difuso no pas das perspectivas
ideolgicas que animavam a luta nacional italiana. A este respeito, lembramos o artigo de
Maria Manuela Tavares Ribeiro, Mazzini e il mazzinianesimo in Portogallo (Firenze, Le
Monnier, 2003),37
onde os problemas da unificao italiana e da aco revolucionria so
desenvolvidos por meio de uma pertinente relao com o pensamento e a influncia de
Mazzini em Portugal. Um tema que Francesca Di Giuseppe recuperou em 2011, mediante
34 Cf. BRON, Grgoire, op. cit., p. 17. 35 Cf. SIMAL, Juan Luis, El exilio en la gnesis de la nacin y del liberalismo (1776-1848): el enfoque
transnacional, Ayer, 94/2014 (2) La histria transnacional, ppg. 23-48. O seu importante estudo sobre o
exlio espanhol intitula-se Emigrados. Espaa y el exilio internacional, 1814-1834, Madrid, Centro de Estudios Polticos y Constitucionales, 2012. 36
Trazemos s alguns ttulos da vasta obra em lngua portuguesa que narrou o exlio do rei da Sardenha:
Fieno, Egidio da, Breves noes a respeito da vida, viagem e morte no Porto de Carlos Alberto [],Porto,
Typ. Commercial, 1850; VENTURA, Jos Miguel, Portugal e a Italia ou enlace da dynastia de Bragana
com a dynastia de Saboya, Lisboa,Silva Junior & Ca, [s.d.]; BRANCO, Manuel Bernardes, Portugal e os
estrangeiros: obra dividida em quatro partes, Lisboa, liv. De M. A. Pereira, 1879; BASTO, Artur de
Magalhes, O Porto do Romantismo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1932; LEITO, Joaquim, A
beleza venceu (ciclo glorioso de Carlos Alberto e do Risorgimento), sep. do Boletim Cultural da C. M. do
Porto, vol. II, Fasc.III (1939); VITORINO, Pedro, O Rei infortunado: doena e morte de Carlos Alberto,
Porto, tip. Costa Carregal, 1943. No que diz respeito ao estudo da estadia de Carlos Alberto na cidade
invicta, tempos mais recentes trouxeram uma certa novidade documental, nomeadamente: GENTILE,
Pierangelo, Depois da derrota. O exlio portugus de Carlos Alberto, rei da Sardenha, e Umberto II, rei de Itlia, in Maria Antonia Lopes, Blythe Alice Raviola (coords.), Portugal e o Piemonte. A casa real
portuguesa e os Sabias: nove sculos de relaes dinsticas e destinos polticos (XII-XX), Coimbra,
Imprensa da Universidade, 2012, pp. 301-336. 37 Este estudo conta com uma verso em portugus: Mazzini no pensamento dos utpicos portugueses,
Revista de Histria das Ideias, vol. 28 (2007), Coimbra, Instituto de Histria e Teoria das Ideias, Faculdade
de Letras, pp. 97-125.
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a anlise do pensamento republicano de Jos Felix Nogueira,38
certamente o mais
mazziniano dos republicanos que atravessaram o sculo XIX portugus. No entanto,
embora este tema no seja abrangido pelo nosso trabalho, no podemos deixar de
mencionar outra importante contribuio de Tavares Ribeiro, que no seu livro Portugal e
Revoluo de 1848 aborda vrias questes relacionadas com a problemtica nacional
Italiana e suas repercusses lusitanas.
Sem contar com algumas publicaes oitocentistas de teor retrico-nacionalista,39
o tema
dos exilados italianos em Portugal foi sistematizado pela primeira vez em 1940 por
Ersilio Michel, num volume celebrativo das concordncias intelectuais entre o Estado
Novo e o Fascismo.40
Trata-se de um trabalho no isento de imprecises, mas que pela
primeira vez estudava a identidade da grande maioria daqueles liberais perseguidos aps
as crises revolucionrias que afectaram a pennsula entre os anos vinte e cinquenta de
Oitocentos. O mrito deste artigo foi o de proporcionar um roteiro das fontes
arquivsticas, sobretudo no que diz respeito aos exilados napolitanos, em relao aos
quais significativa parte da documentao original se perdeu no incndio de uma das
seces do arquivo nacional de Npoles em 1943, em plena Guerra Mundial.41
O tema da emigrao poltica comeava assim a repropor-se historiograficamente; em
1954, era publicada na Rassegna Storica del Risorgimento outra valiosa contribuio, que
ampliava o campo cronolgico (at aos anos 50) do fenmeno migratrio: estamos a
falar de Lemigrazione politica italiana nel Risorgimento (vol. XLI, fasc. I-III, pp. 223-
242) de Alessandro Galante Garrone. Este historiador juntava ao esboo de uma
hermenutica da emigrao poltica italiana no espao europeu (a partir de finais de
sculo XVIII) o desenvolvimento de um discurso crtico em torno aos estudos realizados
at quele momento. No que diz respeito ao espao ibrico, incidia inteiramente sobre o
caso espanhol, frisando de um lado a sua relevncia na experincia existencial destes
homens ([...] la concreta esperienza, non solo militare ma politica e sociale, che molti di