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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias Nuno Miguel Vieira da Fonseca Pinto Mestrado em Arte Multimédia Audiovisuais 2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Um lugar em gerúndio:

ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias

Nuno Miguel Vieira da Fonseca Pinto

Mestrado em Arte Multimédia

Audiovisuais

2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Um lugar em gerúndio:

ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias

Nuno Miguel Vieira da Fonseca Pinto

Dissertação orientada pela Professora Doutora Maria João Gamito

Mestrado em Arte Multimédia

Audiovisuais

2012

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I

Resumo

Esta dissertação aborda a relação entre um lugar público e a sua ocupação por parte de sem-abrigo que o convertem num lugar pessoal. Recorrendo a Martin Heidegger, Marc Augé, Ignási de Solà-Moráles, Italo Calvino e Maria Manuela Dias Fernandes construiu-se um universo concetual que foi complementado e aprofundado com uma reflexão sobre algumas obras dos artistas Enrique Ježik, Hans Op de Beeck, Peter Fischli e David Weiss, Andreas Gursky, David Plowden, Thomas Struth, Ana Vieira, Noé Sendas, António Dias, Adrian Paci, Alexandre Estrela, Grabriel Orozco, Liu Bolin, Santiago Sierra, Steven Spielberg.

Explorou-se o modo como o lugar público retém a memória daqueles que o utilizam diariamente através dos conceitos de lugar antropológico, não-lugar e ‘terrain-vague’. A seguir explorou-se a construção do lugar habitado assim como a sua relação com o conceito de abrigo, o que serve de introdução para o estudo do paradigma do sem-abrigo.

Desta reflexão resultaram duas peças singulares de caráter artístico que exploram a problemática estudada através da reconstrução de ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias.

Palavras-chave: abrigo, lugar, não-lugar, sem-abrigo, ‘terrain-vague’.

Abstract This essay addresses the relationship between a public place and its occupation

by homeless converting it into a personal place. Drawing on Martin Heidegger, Marc Augé, Ignasi de Sola-Morales, Italo Calvino and Maria Manuela Dias Fernandes a conceptual universe was built tha was complemented and deepened by reflecting on some of the works of the artists Enrique jezik, Hans Op de Beeck, Peter Fischli and David Weiss, Andreas Gursky, David Plowden, Thomas Struth, Ana Vieira, Noé Sendas, Antonio Dias, Adrian Paci, Alexander Star, Grabriel Orozco, Liu Bolin, Santiago Sierra, Steven Spielberg.

It’s explored how the public place retains the memory of those who use it daily through the concepts of anthropological place, non-place and 'terrain-vague'. Then the construction of the dwelling place as well as their relationship with the concept of shelter is explored, which serves as an introduction to the study of the paradigm of homeless. This reflection resulted in two unique pieces of character art that explore the studied problematic through the reconstruction of local ambiguities and fleeting hints of occupations.

Key-words: homeless; non-place; place; shelter; ‘terrain-vague’.

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II

Agradecimentos

Quero agradecer a todos os que me acompanharam, que me ajudaram e que me

aturaram. Saliento a minha namorada, Ângela Rodrigues, os meus pais, o Pêpê, a avó

São, o avô Tó, a Naná e o avô Tito, assim como a Maria João Gamito e a sua imensa

paciência.

Também gostaria de agradecer, mas um bocadinho menos do que no parágrafo

anterior, ao meu colega Luís Favas e ao Alexandre Estrela.

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III

Índice

Resumo/Abstract ...................................................................................................... I

Agradecimentos ...................................................................................................... II

Introdução ................................................................................................................ 1

1. O lugar antropológico .......................................................................................... 3

1.1 O não-lugar de Augé e o ‘terrain vague’ de Solà-Moráles .......................... 3

1.2 Entre dois lugares vazios .............................................................................. 8

2. O abrigo ............................................................................................................. 21

2.1 O lugar habitado, o abrigo e o sem-abrigo .................................................. 21

2.2 A construção do lugar interior/exterior ....................................................... 25

3. Um lugar em gerúndio ....................................................................................... 38

3.1 Tríptico e Calçada ....................................................................................... 40

3.2 Ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias .............................. 43

Conclusão .............................................................................................................. 47

Referências artísticas ............................................................................................. 48

Referências bibliográficas ..................................................................................... 48

Referências on-line ................................................................................................ 49

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1

Introdução

Os espaços públicos das cidades contemporâneas são muitas vezes lugares

desabitados. As pessoas atravessam-nos nas suas rotinas diárias mas não os habitam:

utilizam-nos. Os sem-abrigo surgem nesta situação como os potenciais habitantes destes

espaços, ocupando-os e neles construindo um lugar privado. O tema desta dissertação

incide na análise da relação do lugar público enquanto lugar privado.

Esta é uma dissertação teórico-prática inserida no Mestrado de Arte Multimédia

da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Está dividida em três capítulos

nos quais os dois primeiros estabelecem o contexto concetual e artístico necessário à

realização das duas peças apresentadas e analisadas no terceiro capítulo. Tem por

objetivo estudar os indícios da ocupação de lugares públicos pelos sem-abrigo,

explorando a memória residual dos vestígios deixados por esta ocupação e a maneira

como estes resíduos interferem com o funcionamento dos lugares em que se encontram.

O primeiro capítulo parte da definição de lugar, de Martin Heidegger, de não-

lugar, de Marc Augé e de ‘terrain-vague’, de Ignási de Solà-Moráles de modo a

explorar questões relacionadas com os lugares públicos: ‘como surgem os lugares?’;

‘qual a relação entre o lugar e aqueles que o habitam?'. A convocação das obras dos

artistas Enrique Ježik, Hans Op de Beeck, Peter Fischli e David Weiss, Andreas Gursky,

David Plowden e Thomas Struth destina-se a mostrar formas distintas de, em contexto

artístico, abordar os conceitos de não-lugar e de ‘terrain-vague’.

O segundo capítulo parte da definição de Heidegger de lugar habitado como

lugar de proteção para depois se abordar o conceito de abrigo e o paradigma de sem-

abrigo, com base em Maria Manuela Dias Fernandes; este capítulo explora questões

relacionadas com a construção de um lugar privado assim como com a impossibilidade

de o construir. Recorrendo a obras de Ana Vieira, Noé Sendas, António Dias, Adrian

Paci, Alexandre Estrela, Grabriel Orozco, Liu Bolin, Santiago Sierra e Steven

Spielberg, explora-se o conceito de espaço psíquico pessoal, assim como a pertença de

um lugar a um indivíduo, e de um indivíduo a um lugar.

O último capítulo descreve e analisa as peças que concluem esta investigação no

contexto concetual, teórico e artístico definido.

A maioria da literatura utilizada pode ser encontrada nas bibliotecas da

Universidade de Lisboa e na biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian; alguns dos

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artigos lidos só estão publicados em meio digital e embora a dissertação de Maria

Fernandes, Fechados no silêncio, os sem abrigo (2006), esteja impressa só se teve

acesso à sua versão digital. Ao longo da dissertação há textos traduzidos, encontrando-

se em rodapé os textos originais.

Foram observadas presencialmente as peças Ambiente (1971) e Projecto

Ocultação/Desocultação (1978), de Ana Vieira, Merda (2006), de Alexandre Estrela,

assim como as fotografias que são apresentadas no livro Airports (1990), de Peter

Fischli e David Weiss, e o filme The Terminal (2004) de Steven Spielberg. As restantes

peças só foram observadas através de imagens, impressas e digitais.

Esta dissertação foi escrita segundo o acordo ortográfico de 2009.

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1. O lugar antropológico

1.1 O não-lugar de Augé e o ‘terrain vague’ de Solà-Moráles

Neste subcapítulo recorre-se à obra Não lugares: introdução a uma antropologia

da sobremodernidade (2005) de Marc Augé e Territorios (2003) de Ignási de Solà-

Moráles para definir os conceitos de não-lugar e de ‘terrain vague’. Recorre-se também

ao ensaio “Construir, Habitar, Pensar” (1954), de Martin Heidegger, e à obra As

Cidades Invisíveis (2002), de Italo Calvino, para complementar os conceitos anteriores.

Martin Heidegger diz que o lugar não está presente previamente no espaço, ele é

criado pela presença dum elemento num local. Heidegger dá o exemplo de uma ponte

que une duas margens; esta ponte não é construída num lugar, ela é um elemento, uma

‘coisa’, que vai transformar o local onde se encontra em lugar (Heidegger, 1954).

Diversos elementos num local determinam não só o lugar em que se encontram mas

também determinam caminhos e distâncias entre outros lugares. Estas distâncias criam

espaços que por sua vez podem englobar outros lugares dando origem a lugares dentro

de lugares. Neste sentido, o espaço surge das distâncias entre elementos, ou seja, da

disposição destes dentro de um limite, sendo, portanto, resultado de um ato de

organização (Heidegger, 1954). O propósito de cada lugar depende desta disposição.

Diferentes organizações de elementos criam lugares diferentes.

O lugar é não só construído, tem também um propósito, por mais abrangente que

seja. Através da sua organização e do seu propósito o lugar reflete a cultura que o

construiu. Neste sentido, este conceito coincide com o de lugar antropológico proposto

por Marc Augé (2005).

O lugar antropológico surge de uma marcação dos “signos mais visíveis, mais

instituídos e mais reconhecidos da ordem social” (Augé, 2005: 46) na organização do

espaço. É um reflexo da própria cultura, das suas crenças e costumes, é uma criação

cultural.

A escala que o lugar antropológico pode ter é variável; no entanto ele possui três

características que o definem como tal: ser “identitário, relacional e histórico” (Augé,

2005: 67).

A identidade no lugar antropológico refere-se “à lei do próprio (e do nome

próprio)” (Augé, 2005: 66 a 67), refere-se às características individuais de cada lugar

que o tornam ‘próprio’, que o identificam como possuidor de uma identidade singular

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na medida em que não é semelhante a outro. A característica ‘relacional’ refere-se à

configuração de todos os elementos que coexistem num mesmo lugar e nas relações e

identidades que estes partilham entre si (Augé, 2005). A característica ‘histórica’ do

lugar antropológico refere-se ao facto deste tipo de lugar ter sido “construído por

antepassados” e porque “o habitante do lugar antropológico vive na história” (Augé,

2005: 66).

O lugar antropológico é, portanto, um lugar criado culturalmente, possuidor não

só de uma identidade singular que o torna único, mas também de uma lógica própria

que define o arranjo do espaço, e de um passado que faz dele testemunha. É o lugar

onde a sociedade se reflete; deste modo, o lugar antropológico é “princípio de sentido

para os que o habitam e princípio de inteligibilidade para aquele que o observa” (Augé,

2005: 46). Por outras palavras, é o lugar que a sociedade habita, como as casas e aldeias,

com a sua identidade singular, a sua organização interna e a tradição de ser um lugar

habitado por gerações de antepassados.

A cidade de Zaira, que Italo Calvino descreve em As Cidades Invisíveis (2002), é

uma cidade que não pode ser descrita pela forma “como são as aberturas dos arcos dos

pórticos” nem por “quantas lâminas de zinco são cobertos os telhados”, ela é feita das

“relações entre as medidas do seu espaço e os acontecimentos do seu passado” (Calvino,

2002: 14). Ou seja, é uma cidade em que não são os elementos que a preenchem que a

definem, mas sim os espaços e os acontecimentos que nela se passaram. Estes

acontecimentos determinam o que é esta cidade porque “uma descrição atual de Zaira,

tal como é hoje, deveria conter todo o passado de Zaira”, mas como isso não é possível,

pois o passado está presente em “cada segmento marcado por sua vez de arranhões,

riscos, cortes e entalhes” (Calvino, 2002: 14 e 15). Neste sentido, esta cidade

corresponde ao conceito de lugar antropológico porque as suas relações espaciais e as

marcas que a cobrem atribuem-lhe uma identidade e um passado singular que refletem a

cultura que a habita.

Marc Augé explora o conceito de lugar antropológico para definir melhor, por

comparação, o conceito de não-lugar. Este surge através da globalização, como

consequência da necessidade das cidades contemporâneas deslocarem pessoas e bens

em grande número e velocidade por longas distâncias. Esta necessidade faz com que as

cidades se adaptem, reconstruindo-se de maneira a permitirem estas movimentações e

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criando, ou modificando, lugares já existentes. O conceito de não-lugar abrange todas

“as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e dos bens (vias rápidas,

nós de acesso, aeroportos) como os próprios meios de transporte ou os grandes centros

comerciais” (Augé, 2005: 33). Estas instalações modificam a estrutura interna das

cidades, alterando a sua organização, eliminando e evitando “lugares de memória”1

(Augé, 2005: 67 e 73). Estas modificações alteram o funcionamento das sociedades e as

relações espaciais das metrópoles, dando origem a “concentrações urbanas” e a

“transferência de populações (…)” (Augé, 2005: 33). Os não-lugares englobam lugares

que são feitos somente para o tráfego. São lugares em constante movimento e onde este

propósito define a sua organização espacial e relacional. O não-lugar é, portanto, um

lugar de movimento, de passagem.

Marc Augé considera o não-lugar e o lugar-antropológico conceitos opostos, não

como antónimos perfeitos mas sim como “polaridades fugidias”, uma vez que nenhum

dos conceitos surge “sob uma forma pura” (Augé, 2005: 68). Ou seja, Augé considera

estes dois conceitos opostos mas diz também que, na prática, eles nunca correspondem

perfeitamente à sua própria definição: há sempre desvios. O não-lugar, ao ser um oposto

do lugar antropológico, não possui as características que definem este. A razão desta

oposição deve-se ao facto de todo o não-lugar ser construído com um objetivo e de,

ainda, não integrar ‘lugares de memória’.

O cumprimento do propósito do não-lugar implica uma mediatização das

relações entre os elementos do espaço que o constitui e os seus utilizadores, impondo

uma ordem na utilização destes espaços, limitando as relações que se podem estabelecer

entre o utilizador e o não-lugar. A identidade do não-lugar não é singular porque não-

lugares com propósitos idênticos se assemelham entre si, uma vez que não possuem

características únicas que os distingam e porque a regularização necessária à sua

utilização impede que haja alguma evolução no espaço ou nos elementos: ou seja,

enquanto a cidade de Zaira está coberta de marcas que servem de indício para um

passado que a caracteriza, o não-lugar existe sem estas marcas, o seu passado é apagado

devido à sua manutenção. Neste sentido, uma vez que o não-lugar não integra um ‘lugar

de memória’, ele existe sem ter um passado histórico. Ele existe só para o cumprimento

1 Augé dá o exemplo da via rápida, que faz referência aos lugares adjacentes através de placas de sinalização, evitando-os.

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do seu propósito, e este cumprimento dita a sua organização e a sua utilização,

justificando, também, a ausência de memória.

Porque os não-lugar visam suprimir as necessidades de movimentação de bens e

pessoas das cidades contemporâneas, eles não são verdadeiramente habitados, mas sim

utilizados, limitando a sua identidade e a sua relação com os utilizadores. O não-lugar

opõe-se ao lugar antropológico, mas, mesmo assim, reflete uma cultura: a que abdica de

lugares culturais em nome de lugares de tráfego. Como Augé diz: “do mesmo modo que

os lugares antropológicos criam social orgânico, os não-lugares criam contratualidade

solitária” (Augé, 2005: 79-80).

A cidade de Trude, uma outra cidade de Italo Calvino (2002), só se distingue das

outras através do nome, ou seja, Trude é idêntica a todas as outras cidades do mundo, à

exceção do seu nome. Qualquer viajante que passe por esta cidade conhece as ruas e os

hotéis porque a cidade de onde veio é igual; da mesma forma que a cidade para onde vai

é igual à cidade em que se encontra. Desta forma “o mundo está coberto por uma única

Trude que não começa nem acaba, só muda o nome no aeroporto” (Calvino, 2002: 131).

Trude é só um nome e uma vez que o seu nome é partilhado com o seu aeroporto ela é

sobretudo um destino a que não se escapa.

O conceito de ‘terrain vague’ que Ignási de Solà-Moráles (2003) aborda

originalmente em 1995, funciona como antítese do não-lugar uma vez que contrasta

com a falta de identidade deste. ‘Terrain vague’ resulta de uma expressão francesa que

o autor usa para referir os lugares das cidades que se encontram desocupados e

inutilizados. A primeira palavra, ‘terrain’, refere-se a uma extensão de terreno limitada;

no entanto, este termo adquire, na língua francesa, um caráter mais urbano do que na

língua inglesa, na qual toma uma conotação agrícola e geológica. A vertente francesa

refere-se, ainda, a uma extensão de terreno maior e mais indefinida (Solà-Moráles ,

2003). A palavra ‘vague’ possui, por sua vez, duas origens: as palavras latinas, ‘vacant’,

‘vacuus’ e ‘vacuum’, que dão à palavra ‘vague’ o significado de vazio, desocupado,

livre ou disponível; e a palavra ‘vagus’, que dá o significado de indeterminado,

impreciso ou incerto. Todas estas conotações fazem com que a expressão defina

terrenos, urbanos ou agrícolas, que são indefinidos e desocupados. Ou seja, terrenos

cujos limites não são evidentes e que se encontram livres para serem ocupados.

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Segundo Solà-Moráles , o conceito de ‘terrain vague’ engloba todos os espaços

vazios e abandonados das cidades atuais. O autor dá como exemplo destes espaços as

áreas industriais, as estações ferroviárias, os portos, as áreas residenciais que se

encontram abandonadas e, por isso, exteriores ao circuito de produção das cidades. São

lugares esquecidos com memória, exteriores à dinâmica urbana e que a cidade já não

habita ou utiliza.

Os ‘terrain vague’ possuem vestígios de acontecimentos que aí decorreram e

através dos quais predomina a memória do passado (Solà-Moráles , 2003). Estes

vestígios definem a identidade do ‘terrain vague’ porque a única coisa que acontece no

tempo presente é a passagem do tempo, e esta evolução temporal não altera as marcas

dos acontecimentos passados, sublinha-as; neste sentido o ‘terrain vague’ é um lugar

residual.

Eutrópia é o nome da cidade que Calvino (2002) descreve e que se pode

relacionar com o conceito de ‘terrain vague’. Segundo Calvino, o viajante não vê uma

cidade, mas muitas, de tamanho e aspeto semelhante. Eutrópia é todas estas cidades em

que só uma é habitada, as outras encontram-se vazias porque quando os habitantes se

encontram saturados mudam-se para outra, criando um ciclo de abandono e de

ocupação. Assim sendo, a cidade de Eutrópia existe sobretudo através da ocupação

passada dos seus habitantes e, à semelhança de um ‘terrain vague’, é definida pelo seu

passado. Eutrópia está num constante estado de abandono e é este estado que lhe

confere a sua identidade uma vez que é o resíduo das ocupações anteriores que a

preenchem e marcam.

A ausência de atividade quotidiana nos ‘terrains vagues’ permite a sua

apreciação estética, pelo que estes lugares são convertidos em imagens, em paisagens,

através das câmaras fotográficas de, por exemplo, David Plowden ou Thomas Struth.

Estes fotógrafos visam preservar a estranheza destes ‘indícios territoriais’ e preservar

estes espaços alternativos à cidade produtiva (Solà-Moráles , 2003).

Concluindo, o lugar é sempre uma construção que existe devido à presença de

um elemento num local. Através das distâncias entre diversos elementos criam-se

espaços e estes criam lugares. Organizações diferentes de elementos criam lugares

diferentes, refletindo quem os edificou.

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O lugar antropológico é o lugar no qual a cultura se reflete, em que é possível

perceber quem o habita através da identidade singular que este lugar possui através das

relações entre os elementos constituintes do lugar e as marcas do seu passado. Assim, o

lugar antropológico possui três características essenciais: a de ser ‘identitário, relacional

e histórico’.

O não-lugar é definido em oposição ao lugar antropológico uma vez que não

possui nenhuma das suas características essenciais. Isto porque enquanto o lugar

antropológico é habitado, o não-lugar existe só para servir à deslocação de pessoas e

bens rapidamente, serve um propósito meramente utilitário, eliminando a sua identidade

e restringindo as relações entre o espaço e o utilizador.

Os ‘terrains vagues’ são lugares antropológicos que estão abandonados no

interior das cidades, e por isto distinguem-se do não-lugar por possuírem a identidade

conferida por um passado.

1.2 Entre dois lugares vazios.

Neste subcapítulo apresentam-se obras de diversos artistas que se relacionam

com o conceito de não-lugar e de ‘terrain vague’. Relacionadas com o primeiro

conceito apresentam-se fotografias de Peter Fischli e David Weiss, assim como uma

instalação de Enrique Ježik, um diorama de Hans Op de Beeck e um díptico de Andreas

Gursky. No âmbito do segundo conceito apresentam-se quatro fotografias de David

Plowden e fotografias de Thomas Struth. Para uma abordagem simultânea dos dois

conceitos apresenta-se a obra Ruhrtal (1989) de Andreas Gursky.

A obra Estreno de la OTAN (2008) do artista Enrique Ježik aborda o não-lugar,

que é o aeroporto, assim como aquilo que nele acontece. Esta obra é constituída por um

conjunto de plantas de aeroportos, gravadas em baixo relevo sobre gesso,

acompanhados de um pequeno monitor que exibe imagens, outrora classificadas, de

bombardeamentos feitos ao respetivo aeroporto.

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Figura 1: Enrique Ježik, Estreno de la OTAN – 2008

(Ježik, s/d)

A planta é um mapeamento e uma simplificação espacial dum lugar que na peça

de Ježik é utilizada como referência a aeroportos específicos. Os vídeos mostram estes

aeroportos a serem destruídos, e pressupõe-se uma relação entre os dois suportes, por

estarem adjacentes um ao outro, mas nada há que a confirme. Desta maneira, a peça

distancia o espaço do aeroporto dos diversos eventos que o modificaram e é nesta

distância que o observador pode constatar que “melhor seria se aquilo tudo, que parece

tão inverosímil, fosse mesmo mentira” (Panorama Crítico, 2010): como se de facto não

houvesse uma relação direta entre as plantas e os vídeos.

É possível estabelecer uma relação entre a obra de Ježik e o conceito de não-

lugar; no entanto esta não tem que se estabelecer, necessariamente, só por os aeroportos

serem um exemplo de não-lugar, mas porque o aeroporto é tratado aqui através da sua

planta, enquanto os monitores mostram diversos acontecimentos que o destruíram mas

que nela não estão registados. Esta relação estabelece-se porque o não-lugar elimina os

vestígios dos acontecimentos que nele ocorreram, ou seja, à semelhança do que

acontece na obra, não há uma conexão de causalidade entre os eventos passados e os

espaços do lugar.

A obra Location (1) (1998), de Hans Op de Beeck, relaciona-se com a mediação

imagética que o não-lugar define com os seus utilizadores. Esta obra é um diorama de

um cruzamento controlado por semáforos, não possui nem miniaturas de carros nem de

pessoas e é iluminado por uma luz azul, os semáforos encontram-se em funcionamento,

alternando de cor em intervalos precisos.

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Figura 2: Hans Op de Beeck, Location (1) – 1998

(Beeck, s/d)

A única maneira dos semáforos se relacionarem com os condutores, os seus

utilizadores, é através da sinalética: vermelho para parar, verde para avançar. O

cruzamento na obra de Beeck relaciona-se com os seus utilizadores através deste código

cromático, sendo uma relação unilateral à qual se obedece ou se desobedece, e onde a

desobediência é penalizada por lei. Se a ponte de Heidegger define um lugar, o que

define este lugar é o cruzamento das vias e a presença dos semáforos. Estes determinam

o propósito do lugar e ditam a maneira de o utilizar uma vez que a decisão de avançar

não é feita por um julgamento de prioridades rodoviárias.

A luz que banha o diorama de Beeck confere-lhe um ambiente noturno e a

presença dos semáforos pressupõe uma necessidade de regular o trânsito. Inicialmente,

o artista filmou um cruzamento real, mas o facto de o público esperar uma narrativa

deste tipo de suporte fez com que Beeck preferisse utilizar um diorama. Desta maneira,

é claro para o observador que não vai acontecer mais nada à exceção da mudança de cor

dos semáforos. O artista criou um lugar onde o público pode explorar e constatar por si

próprio o ‘absurdo’ que é esta constante imposição protocolar de utilização por parte

dos semáforos, independentemente da necessidade de controlar o tráfego.

A obra de Beeck não aborda um não-lugar, aborda a maneira como certos

elementos do lugar interferem no seu funcionamento. Os semáforos determinam a

maneira deste funcionar e fazem-no sem terem qualquer relação com os utilizadores. O

cruzamento de Beeck mostra apenas um conjunto de regras a cumprir.

As fotografias Untitled (1988/2000), Untitled (Berlin Tegel) (1991/1992),

Untitled (Tokyo) (1990/2003), Untitled (1998/2000), Untitled (Rio Air France Jumbo)

(1989/1998), Untitled (Amsterdam Esso) (1998/2000) de Peter Fischli e David Weiss

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mostram zonas de embarque de diversos aeroportos espalhados pelo mundo. Nelas pode

ver-se a área de espera dos passageiros, as pontes de acesso para os aviões, a pista por

onde se movimentam e o campo verdejante que rodeia o aeroporto. Individualmente, as

fotografias não possuem nenhum elemento visual que as defina cultural ou

geograficamente.

Figura 3: Peter Fischli e David Weiss, da esquerda para a direita e de cima para baixo,

Untitled – 1988/2000, Untitled (Berlin Tegel) – 1991/1992, Untitled (Tokyo) –

1990/2003, Untitled – 1998/2000, Untitled (Rio Air France Jumbo) – 1989/1998,

Untitled (Amsterdam Esso) – 1998/2000

(Dean e Millar, 2005)

O aeroporto é um exemplo de não-lugar não só porque é um lugar dedicado à

movimentação de pessoas mas também porque esta finalidade exige uma

contratualização da sua utilização. Nesta contratualização o utilizador acaba por perder

a sua identidade como acontece a Pierre Dupont, a personagem apresentada por Augé

(Augé, 2005). Esta personagem ao ter-se “desembaraçado da sua bagagem” e recebido

“o seu cartão de embarque” “declinara a sua identidade” uma vez “que se “pusera em

regra”” (Augé, 2005: 2).

As fotografias de Fischli e Weiss abordam o anonimato dos aeroportos, mais

especificamente o que se vê nas suas zonas de embarque: os lugares onde se encontram

as pessoas que se ‘puseram em regra’. Estas fotografias assemelham-se entre si: a falta

de características ou elementos singulares faz com que estes lugares, tão distantes,

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sejam semelhantes ao ponto de se poderem confundir uns com os outros. Fischli e

Weiss criaram imagens banais, “medíocres, lustrosas, tipo postal de exteriores de

aeroportos indescritíveis”2 (Curinger, 2007: 31). As fotografias são indescritíveis, não

por serem algo que, de facto, não se pode descrever mas, porque qualquer descrição, por

mais detalhada que seja, não é singular o suficiente para se poder reconhecer, sem

qualquer dúvida, que são fotografias de lugares diferentes, e se não fosse o título de

algumas destas imagens conter uma indicação geográfica do respetivo aeroporto, elas

seriam todas fotografias do mesmo lugar: do lugar ‘Untitled’. Estes artistas encontraram

a cidade de Trude de Italo Calvino em várias partes do Mundo: cidades que, mesmo

tendo um nome diferente, são sempre o mesmo lugar, e um destino idêntico.

Da mesma maneira que as fotografias de Fischli e Weiss, a obra 99 Cent II

Diptychon (2001) do artista Andreas Gursky aborda também a falta de identidade do

não-lugar. Esta obra consiste em duas fotografias de supermercados pertencentes à

cadeia de supermercados 99 Cent dos Estados Unidos da América. As duas imagens

mostram diversos corredores divididos por estantes. Estes móveis, fotografados de

frente, criam diversos planos de profundidade e encontram-se completamente

preenchidos por artigos coloridos e organizados por secções. As duas imagens desta

obra podem ser do mesmo supermercado, mas não é importante que o sejam de facto.

Os dípticos de Gursky normalmente não são só imagens apresentadas lado a lado sem

qualquer relação visual. Segundo Peter Galassi, eles têm como base o processo de

construção de panoramas utilizando múltiplas fotografias, mas em vez de um único

ponto de vista Gursky reposiciona a câmara de maneira a que o plano da imagem

permaneça paralelo em relação ao assunto fotografado (Gursky, 2001). O resultado é

duas fotografias do mesmo lugar, feitas com o intuito de criar um panorama mas sem

que haja uma continuidade visual entre as imagens.

2 “Mediocre, glossy, postcard-style photos of exteriors of nondescript airports.”

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Figura 4: Andreas Gursky, 99 Cent II Diptychon – 2001

(Live Auctioneers, 2006)

Não há colunas visíveis no espaço, e o tipo de organização utilizada nos

supermercados da obra de Gursky faz com que os produtos sirvam de revestimento à

maioria das superfícies verticais da loja, reduzindo-as a um padrão de cores atrativas

mas que, pela sua repetição, se misturam uma nas outras, criando uma textura uniforme.

Ao contrário da cidade de Zaira, a identidade destes não-lugares não é definida

pelo lugar em si através “das relações entre as medidas do seu espaço e os

acontecimentos do seu passado” (Calvino, 2002: 14 e 15) mas através daquilo que os

reveste. No entanto, aquilo que preenche o supermercado não é “marcado por sua vez de

arranhões, riscos, cortes e entalhes” (Calvino, 2002: 15): os produtos são repostos

regularmente eliminando os vestígios do passado. Aquilo que define a identidade dos

supermercados é o país onde se inserem ou a herança cultural que herda dos seus

donos3.

Esta obra cria uma situação em que, à semelhança dos aeroportos de Fischli e

Weiss, o lugar fotografado é sempre o mesmo seja, ou não, como a cidade de Trude em

relação as outras cidades do mundo, caso elas tivessem sempre o mesmo nome4.

Ao contrário de Augé, Solà-Moráles menciona diversos artistas cujas obras

refletem o conceito de ‘terrain vague’ e utiliza-os para explicá-lo. Entre eles constam

David Plowden e Thomas Struth.

Solà-Moráles dá como exemplo de ‘terrain vague’ a fotografia Chicago, Illinois

(1983) da autoria de David Plowden. Esta é uma fotografia de uma fábrica,

3 Neste caso, as lojas de cultura estrangeira possuem uma identidade que reflete a cultura que herdam, não aquela em que se inserem. No entanto, isto não significa que estas lojas não possam confundir-se entre elas. 4 Os restaurantes de cadeias de fast-food internacionais são lugares onde pessoas que tenham saudades de casa, por viajarem muito, podem ir para apaziguar tais saudades uma vez que a aparência e o sabor da comida se mantém de restaurante para restaurante, mesmo em países diferentes.

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aparentemente fora de utilização, com carris de comboio adjacentes e o chão coberto de

ervas. Este lugar encontra-se vazio, inutilizado e a única coisa que marca a passagem do

tempo é o crescimento das ervas, tudo o resto se encontra parado no tempo. Como na

cidade de Eutrópia, vê-se que este lugar foi utilizado, mas que agora se encontra

abandonado. Esta fotografia ilustra o conceito de ‘terrain vague’, mas mais do que o

ilustrar, converte-o em paisagem.

Figura 5: David Plowden Chicago, Illinois – 1983

(Museum Of Contemporary Art, s/d)

As fotografias Fences Near Rimousky, Quebec (1969) e Plowden Wheat Field,

Whitman County, Washington (1972) de David Plowden são fotografias das ‘flatlands’

dos Estados Unidos da América e estas ajudam-nos a compreender melhor a conversão

de lugares em paisagens. Nestas imagens, Plowden mostra-nos campos agrícolas que se

prolongam por enormes extensões; o artista comenta que sempre sentiu admiração pelas

‘flatlands’, e esta admiração deve-se, em parte, ao facto de a sua relação com estes

lugares se limitar só à observação (Plowden, 1997).

Figura 6: David Plowden, Fences Near Rimousky, Quebec – 1969

(Museum Of Contemporary Art, s/d)

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Figura 7: David Plowden, Plowden Wheat Field, Whitman County, Washington – 1972

(Museum Of Contemporary Art , s/d)

“Não há nada lá fora para ver, filho”5 (Plowden, 1997: 16) foi o comentário que

Plowden recebeu, por parte de um camareiro, enquanto observava as ‘flatlands’.

Acrescenta ainda que essa observação depende de cada indivíduo: o facto de o

camareiro não ver nada de interessante naquelas extensões de terreno não impede que

outra pessoa veja. As ‘flatlands’ são terras agrícolas, mas porque Plowden só se

relaciona com elas visualmente elas convertem-se em paisagens, porque a extensão das

suas relações não vai para lá de um interesse estético. Neste sentido, a fábrica

abandonada servia uma função, era um lugar de trabalho. O seu estado desocupado

facilita a distanciação entre o observador e o espaço. Isto é o que acontece com a obra

Chicago, Illinois.

Na fotografia de Plowden a diferença entre paisagem e lugar é a mesma que

existe entre retrato e identidade (Dean e Millar, 2005). O retrato não passa de uma

imagem de alguém6 e, neste sentido, a paisagem é só uma imagem de um lugar. Ou seja,

tanto o retrato como a paisagem são só imagens de algo e, como tal, só podem ser

observados, apreciados esteticamente, não as podemos conhecer ou habitar diretamente.

David Plowden relaciona-se com a fábrica abandonada da mesma maneira que

se relaciona com as ‘flatlands’: visualmente. A fotografia cria necessariamente uma

distância entre o observador e o lugar, limitando-o a observar cada lugar de um único

ponto de vista e num único instante temporal: só vê aquilo que o fotógrafo quer mostrar.

Nas fotografias de Plowden, não é claro se aconteceu, acontece ou acontecerá algo

5 “There’s nothing out there to look at, son.” 6 Isto é mais evidente nas fotografias de família em que uma fotografia, por pior qualidade que tenha, consegue evocar memórias e sentimentos em alguém que tenha alguma relação com quem nela se encontra.

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concreto, a única coisa que vai acontecendo é a passagem do tempo apenas presumida

porque a fotografia fixou-a num momento. O instante fotográfico, o momento ínfimo de

captura, tem também uma sensação de duração, enfatizando o estado de abandono deste

lugar (Struth, 1998). Esta ambiguidade geográfica e temporal associada ao carácter

documental da fotografia permite que o espetador se concentre naquilo que o lugar

exibe.

A cidade de Zora que Italo Calvino descreve não corresponde à definição de

‘terrain vague’, mas relaciona-se com a obra do fotógrafo David Plowden porque é uma

cidade que se pode recordar perfeitamente, em que “entre todas as noções e todos os

pontos do itinerário se pode estabelecer um nexo de afinidades ou de contrastes que

sirva de mnemónica, de referência instantânea para a sua memória” (Calvino, 2002: 19

a 20). No entanto, esta cidade por estar “obrigada a permanecer imóvel e igual a si

própria para melhor ser recordada (…) estagnou, desfez-se e desapareceu [e] a Terra

esqueceu-a” (Calvino, 2002: 20). Esta cidade é uma fotografia, não porque Calvino diga

que ela o seja, mas porque as memórias que alguém tem da cidade estagnam-na,

documentam-na e congelam-na no tempo.

Ao fotografar estes lugares abandonados, Plowden fixa-os e recorda-os

inalterados, e à semelhança da cidade de Zora, o lugar ‘desfez-se e desapareceu’ porque

o lugar fotografado já não é igual à fotografia, pode estar ocupado, pode estar destruído,

mas já não é o mesmo. Neste sentido, Plowden, como Solà-Moráles diz, preservou a

estranheza e a exterioridade, destes lugares em relação à cidade produtiva.

As fotografias Clinton Road, London (1977), Sommerstrasse, Dusseldorf (1980)

e Prince Regent Street, Edinburgh (1985), do artista Thomas Struth, abordam esta

presença do passado, a identidade do lugar. Estas fotografias assemelham-se entre si:

são imagens de ruas urbanas banais e anónimas e com o mesmo tipo de composição,

com a perspetiva bem marcada com um ponto de fuga ao centro (Struth, 1998). Apesar

das semelhanças, estas obras exibem lugares diferentes e estas diferenças estão

marcadas pela quantidade de carros, pela largura da estrada, pela presença de carris de

elétrico, bem como na própria arquitetura dos edifícios, dos seus materiais de

construção e da quantidade de andares em cada um deles. Aquilo que diferencia uma

rua da outra é a história de cada lugar que moldou cada espaço e definiu o seu aspeto

(Struth, 1998). A falta de indícios de envelhecimento nos veículos sugere ainda que

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estes lugares não estão desabitados, que ainda são vividos. Apesar disso, estas imagens

transmitem uma estranha sensação de vazio, de desocupação, e a falta da presença

humana contribui para esta impressão. Este vazio cria uma distanciação entre o

espetador e o lugar, este já não observa o momento fotográfico mas sim a memória do

passado documentado pela câmara: “ ‘Aqui é onde vivem os homens’, parece dizer-nos

o autor” 7 (Struth, 1998: 10) e, no entanto, as fotografias não nos mostram o lugar a ser

vivido, a ser habitado. Mesmo não se tratando de lugares abandonados, o fotógrafo

capturou-os como tal.

Figura 8: Thomas Struth, Clinton Road, London – 1977

(Struth, s/d)

Figura 9: Thomas Struth, Sommerstrasse, Dusseldorf – 1980

(Struth, s/d)

7 “ “This is where men live”, the author seems to be telling us.”

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Figura 10: Thomas Struth, Prince Regent Street, Edinburgh – 1985

(Struth, s/d)

As fotografias de Struth diferenciam-se das de Gursky e Fischli e Weiss por

possuírem um passado que moldou cada espaço até ser aquilo que é hoje. Foi um

processo temporal evolutivo que fez com que cada rua fotografada, por muito

semelhante que fosse a outra, seja singular. Devido às suas semelhanças, as diferenças

entre cada lugar sobressaem, é mais fácil reparar nas nuances que distinguem dois

lugares que parecem o mesmo e perceber que uma fotografia não podia ter sido feita

noutro local, que “as fotografias de Edimburgo não podiam ter sido tiradas em Nova

Iorque” 8 (Dean e Millar, 2005: 44). Isto contrasta com o que acontece com os

aeroportos de Fischli e Weiss que se assemelham, mas que não possuem as nuances que

os caracterizam como sendo um lugar singular: os aeroportos não possuem história,

eliminam-na, da mesma maneira que o passado no supermercado de Gursky. É esta

diferença que dá a identidade do ‘terrain vague’, o seu passado é único. Neste sentido,

embora as fotografias de Struth não correspondam perfeitamente à definição de ‘terrain

vague’, elas podem ser vistas como tal, são lugares vazios, onde a cidade produtiva já

não se encontra, mas onde se conseguem ver os vestígios da atividade que justificou

aqueles espaços.

É possível compreender que os conceitos de não-lugar e de ‘terrain vague’

foram abordados de maneiras diferentes pelos artistas convocados. A abordagem ao

conceito de não-lugar tende a residir na falta de características que o distinguem do

lugar antropológico. Enquanto na abordagem do ‘terrain vague’ não é tanto o registo

documental de algo que corresponda às definições do conceito, mas sim a escolha do

momento e do enquadramento fotográfico que permitam converter estes lugares em

8 “That the photographs of Edinburgh could not have been taken in New York.”

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paisagens onde ‘não há nada’ e em que, no entanto, se encontra a presença do passado

(Plowden, 1997).

Neste aspeto podemos debruçar-nos sobre a obra Ruhrtal (1989) de Andreas

Gursky. Esta obra consiste numa fotografia de uma ponte sobre um campo verde, com

uma vedação e um homem junto a esta, vendo-se ao fundo algumas árvores.

Figura 11: Andreas Gursky, Ruhrtal – 1989

(Artnet, 2001)

As pontes são construídas para transporem algo, para que não seja necessário um

desvio: a ponte encurta distâncias, mas neste processo faz com que se evitem lugares,

limitando as relações que se podem estabelecer com ela porque ou se está na ponte,

viajando, ou se está fora dela, observando-a. Ela apresenta a relação binária do não-

lugar, que como os semáforos de Beeck, se usam ou não. Neste sentido, a ponte não é

um não-lugar. Esta ponte, da mesma maneira que a de Heidegger, define um lugar: o

lugar debaixo dela (Heidegger, 1954). A ponte não serve só de referência ao campo que

se encontra por baixo dela: faz parte dele, caracteriza-o, e nesta caracterização, serve de

elemento visual que enquadra o indivíduo e o campo na fotografia (Gursky, 1998).

O campo da fotografia de Gursky não é um ‘terrain vague’, não aparenta

encontrar-se abandonado, mas à semelhança das fotografias de Struth, e mesmo com a

presença do indivíduo junto à vedação, o campo encontra-se vazio. O sujeito é reduzido

a uma figura minúscula, uma referência à espécie humana e não ao indivíduo (Gursky,

1998). Ele encontra-se num campo vazio, rodeado por estruturas construídas que

controlam o espaço, definindo-o. Esta fotografia não é um retrato da sociedade que

manipula o espaço em seu redor. De certa maneira, o sujeito encontra-se entre dois

lugares vazios: um porque não é vivido, outro porque foi vivido.

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Concluindo, neste subcapítulo apresentaram-se e analisaram-se obras de artistas

que trabalham diferentemente os conceitos de não-lugar e de ‘terrain vague’.

Demonstrou-se também de que maneira estes dois conceitos podem ser abordados ao

mesmo tempo por uma única obra, sem que se contradigam.

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2. O abrigo:

2.1 O lugar habitado, o abrigo e o sem-abrigo.

Neste subcapítulo elabora-se o conceito de lugar habitado, com base no ensaio

“Construir, Habitar, Pensar” (1980) de Heidegger, relacionando-o com o conceito de

abrigo. Desenvolve-se o conceito de sem-abrigo, tanto no sentido literal da expressão,

como no seu sentido sociológico, com o auxílio da dissertação Fechados no silêncio, os

sem abrigo de Fernandes (2006).

Os lugares, ao assumirem-se como construções que surgem da presença de

elementos dentro de um limite, têm o seu propósito definido pelo arranjo específico

destes elementos. Assim sendo, a construção de um lugar tem uma intenção definida a

priori, no entanto isto não significa que não seja possível habitar um lugar feito com

outro propósito (Heidegger, 1980).

Heidegger afirma que embora a autoestrada e a central elétrica não sejam lugares

para habitar, podem ser habitados (Heidegger, 1980). Pode dizer-se que o camionista

vive na estrada porque a utiliza durante vários dias seguidos, nela passando as noites e

nela tratando a sua rotina diária. Ele habita-a porque é nela que vive a maior parte do

tempo. Desta forma pode-se concluir que o habitar não advém do propósito original do

lugar, mas resulta da atitude e da relação que a pessoa tem com esse lugar. A

autoestrada é um não-lugar, no entanto neste exemplo de Heidegger é justificado de que

maneira é possível habitar um lugar que, supostamente, só se pode utilizar.

Heidegger esclarece que “não habitamos porque construímos” mas que

“construímos enquanto habitamos”9 (Heidegger, 1980: 175). O lugar habitado surge

com o arranjo do espaço e é este arranjo que lhe dá propósito. A intenção do lugar pode

estar indicada no momento da edificação mas só com o ato de habitar é que o lugar

habitado surge. Exemplo disso é o prédio para habitar, que só o é enquanto a sua

organização espacial interna assim o impuser. No entanto, esta organização pode ser

alterada para albergar, por exemplo, um complexo de escritórios para uma empresa.

Neste caso, o propósito original da construção está presente nas fundações, nas paredes

originais e na estética exterior do edifício mas o que nele se faz contraria este propósito.

9 “Nous n’habitons pas parce que nous avons «bâti», mais nous bâtisons et avons bâti pour autant que nous habitons (…)”.

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Habitar é o que dá sentido ao lugar habitado e este ato significa, segundo

Heidegger, ‘estar seguro’10, sendo esta segurança aquilo que o autor considera ser um

dos traços fundamentais da definição de habitar (Heidegger, 1980). Não basta

simplesmente comer ou dormir num lugar, é necessário estar seguro, protegido. O lugar

habitado é, com base nesta definição de habitar, um lugar de proteção e como tal serve

para oferecer segurança ao seu ocupante. No fundo é um abrigo.

Cada abrigo oferece diferentes tipos de proteção, consoante as suas

características. Se considerarmos a casa como um abrigo, ela oferece não só proteção

face aos elementos mas também privacidade. Como tal, um abrigo pode ser constituído

por um telhado e por algo que bloqueie a visão, que esconda o seu interior.

A casa enquanto abrigo é definida pelo limite das suas paredes exteriores e o

lugar de entrada. É a definição da relação de interior e de exterior, de privado e de

público. É um espaço de intimidade, reservado aos seus ocupantes e a quem for

convidado a entrar 11 . Este espaço interior pode estar dividido, de maneira a ser

constituído por lugares mais privados e outros menos privados12. Neste sentido, o abrigo,

como habitação, é um espaço alvo de uma manipulação que reflete a mentalidade dos

seus ocupantes (Fernandes, 2006). Esta manipulação é um mecanismo de apropriação

do lugar no sentido em que este passa a refletir a identidade de um indivíduo e é,

portanto, uma extensão do seu ocupante.

É esta condição de pertença que distingue o lugar privado do público: todos

pertencem ao lugar público, ele é de todos; mas a cada lugar privado, íntimo, pertence

um número limitado de pessoas. Esta pertença ocorre porque os indivíduos se

identificam e se relacionam com o lugar de uma maneira pessoal: o abrigo é uma

marcação territorial de identidade.

Tendo em conta o conceito de sem-abrigo; esta palavra complexa é construída

pelas palavras ‘sem’ e ‘abrigo’ e significa alguém que não tem abrigo. De imediato

10 “Habiter, être mis en sûreté (…)”. 11 O conceito de abrigo não remete apenas para casa ou habitação. Se considerarmos o aspeto territorial deste conceito, ele pode englobar lugares que garantam algum tipo de imunidade ou proteção a certos indivíduos. Exemplo disto são as embaixadas que podem atribuir imunidade diplomática a um sujeito por serem consideradas solo estrangeiro. Esta situação acontece porque um indivíduo pode pertencer, ou não, ao lugar em que se encontra. 12 Como exemplifica Augé, a ‘casa cabila’ tem uma parte masculina e uma parte feminina, o mesmo lugar é dividido em espaços com propósitos diferentes (Augé, 1992). Neste sentido, uma habitação tem divisões para acesso público, é o caso da sala de estar onde se recebem visitas, e outras mais íntimas, como os quartos.

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conota alguém que não tem um lugar que o proteja, que lhe garanta privacidade, nem ao

qual possa pertencer: é aquele que não habita lugar algum.

No entanto, de um ponto de vista sociológico este conceito aborda mais do que a

falta de abrigo de um indivíduo. O termo refere-se a sujeitos que devido a algum tipo de

rutura se encontram desprovidos de habitação e, como tal, estão forçados a viver na rua,

em lugares públicos. Aqui há não só a falta de um lugar próprio, mas também a

exposição social: o indivíduo vive publicamente13.

Os abrigos que o sem-abrigo utiliza variam entre entradas de prédios, de lojas,

vãos de escadas ou prédios abandonados (Fernandes, 2006). São os lugares de

circulação, utilizados pela sociedade sobretudo durante o dia, ou os lugares

abandonados que se encontram adjacentes a estes.

Os sem-abrigo que permanecem regularmente no mesmo lugar público fazem

por marcar e transformar o espaço de maneira a torná-lo seu (Fernandes, 2006). Há,

portanto, uma modificação do espaço através da reorganização dos elementos que o

preenchem. Através desta construção o lugar ocupado reflete a personalidade do seu

ocupante, fazendo com que se converta num lugar habitado.

Em The Aesthetics of Disappearance (2009), Paul Virilio descreve Howard

Hughes como sendo um senhor do tempo e do espaço, alguém que através da sua

fortuna e influência conseguiu eliminar da sua proximidade todos os indicadores

temporais assim como modificar todos os lugares em que estivesse, de maneira a

assemelharem-se uns aos outros (Virilio, 2009). Ao eliminar estas referências Hughes

habitava sem qualquer indicação geográfica e temporal, logo podia imaginar-se em

qualquer lugar e em qualquer tempo, passando a ser ele a definir o local e a hora em que

se encontrava (Virilio, 2009). As fotografias de Fischli e Weiss relacionam-se com este

conceito: a ambiguidade geográfica que os aeroportos fotografados têm faz com que não

esteja retratado nenhum aeroporto em concreto, e ao mesmo tempo todos os aeroportos

do mundo, como os lugares habitados por Hughes.

Quando o sem-abrigo manipula o lugar em que se encontra, está, de certa

maneira, a recriar o lugar que anteriormente habitou. Está a ser, como Hughes, um

13 Esta situação ocorre devido à perda de meios de subsistência que pode dever-se simultaneamente a diversas causas: desde ruturas sociais ou familiares, toxicodependência, doenças mentais, desemprego e políticas sociais deficientes (Fernandes, 2006: 59-61).

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senhor do tempo e do espaço, não porque não habita um lugar único, mas porque habita

sempre o mesmo lugar independentemente de onde esteja.

Estas alterações servem não só como uma maneira de tornar um lugar seu, mas

também como registo da presença de alguém nesse espaço, indicando que o lugar está

ocupado. Estes abrigos não são só lugares de proteção, são lugares habitados e

marcados, mesmo que só o sejam temporariamente.

No livro Ficções (1944) de Jorge Luís Borges, é apresentado o caso “de uma

ombreira que perdurou enquanto a frequentava um mendigo e que se perdeu de vista à

sua morte” (Borges, 1998: 25). Esta ombreira existia antes do sem-abrigo a frequentar,

mas era uma ombreira igual a muitas outras, não tinha nenhuma característica que a

fizesse sobressair e era, portanto, invisível. A presença do sem-abrigo tornava aquela

ombreira especial, tornava-a única e ela só existia para ele e por ele. Esta ombreira

tornara-se o abrigo deste sem-abrigo e a sua permanência lá significava que aquele lugar

era dele, mesmo que não o fosse. Ao modificar o lugar, o sem-abrigo garantia a sua

presença nele, conseguia estar permanentemente na ombreira mesmo sem lá estar

constantemente. Assim que o sem-abrigo morreu a ombreira passou a estar desocupada

e voltou a ser igual a todas as outras ombreiras, desaparecendo.

As fotografias de Struth apresentadas no capítulo anterior mostram ruas

semelhantes entre si e cujas diferenças só se tornam mais evidentes quando são

comparadas lado a lado. Estas ruas abandonadas e moldadas pela história ilustram a

ombreira de Borges: todos os elementos que constituem cada rua fazem sentido entre si

e acabam por anular-se, não há nenhum elemento que sobressaia.

Embora alguns sem-abrigo não se apropriem de um lugar fixo, abrigando-se

‘onde calha’, outros escolhem o seu lugar de pernoita perto dos seus percursos diários.

É um modo de vida nómada que implica estar frequentemente em movimento

abrigando-se em certos lugares conhecidos pelo indivíduo (Fernandes, 2006).

Cada tipo de lugar oferece um tipo diferente de proteção e de privacidade. No

entanto, a característica que estes abrigos partilham é o seu estatuto de lugares

desocupados. A exposição constante, decorrente de uma contínua existência pública,

não impede, no entanto, que o sem-abrigo seja invisível socialmente. Uma vez que tem

um reduzido número de relações sociais e familiares, que lhe é limitado o acesso ao

mercado de bens e serviços e que não pode participar política e civicamente, o sem-

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abrigo encontra-se isolado da sociedade que o rodeia e que o marginaliza (Fernandes,

2006).

Paul Virílio diz que a vida do bilionário Howard Hughes foi composta por duas

partes distintas: uma primeira parte marcada por uma existência pública e uma segunda

de vida oculta (Virilio, 2009). Hughes viveu em sucesso e sobre-exposição mediática

para depois se esconder e utilizar apenas o telefone como a única maneira de contactar

com o mundo exterior (Virilio, 2009). No entanto, não é só a sua voz que o representa;

associada a esta está a imagem mediática que construiu antes. As suas imagens já não o

representam só, são uma extensão da sua pessoa.

Concluindo: neste subcapítulo definiu-se que o lugar habitado é qualquer lugar

que esteja habitado, independentemente do propósito original da sua construção. O ato

de habitar é determinado pela condição de segurança e neste sentido o lugar habitado é

o equivalente a um abrigo, oferecendo proteção do ambiente bem como privacidade.

Assim sendo, os limites do abrigo definem um interior privado e um exterior público.

Esse espaço interior reflete o seu ocupante, representa-o, e isto faz com que o lugar lhe

pertença e ele pertença ao lugar. Definiu-se ainda o conceito de sem-abrigo como

alguém que não tem um lugar próprio e que se encontra exposto, sem privacidade nem

proteção; no entanto esta situação não impede a apropriação de lugares públicos, através

não só da sua presença regular nestes lugares, como também da reorganização dos

elementos que o constituem. Neste sentido, estes abrigos representam os seus ocupantes,

sendo uma extensão deles.

2.2 A construção do lugar interior/exterior.

Neste subcapítulo apresentam-se diversas obras artísticas que se relacionam com

os conceitos desenvolvidos no subcapítulo anterior. No entanto, não se pretende ilustrar

os conceitos, mas sim aprofundá-los, assim como as suas inter-relações. Desta maneira

pretende-se também, como se fez com o subcapítulo 1.2, construir um universo artístico

articulado com os conceitos do subcapítulo anterior que sirva de base para o projeto

artístico que irá ser apresentado no capítulo seguinte.

O Projeto Ocultação/Desocultação (1978) da artista Ana Vieira elabora o

conceito de lugar habitado ao explorar a privacidade de um lugar. Nesta obra, a artista

delineou a planta de uma casa através de tijolos e linhas pretas sobre o chão branco. Os

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tijolos definem a localização das paredes, enquanto as linhas definem a localização das

janelas e das portas de cada divisão assim como o ângulo de abertura destas. Em cada

divisão encontra-se escrita no chão, a tinta preta, uma frase começada por ‘Aqui’14.

Figura 12: Ana Vieira, Projecto Ocultação/Desocultação – 1978

(Vieira, s/d)

Logo à partida, aquilo que sobressai de imediato nesta instalação é a sua

semelhança com uma planta arquitetónica devido ao contraste das cores negras com o

fundo branco. Os tijolos delimitam, não só os diversos lugares dentro da casa mas,

também, a espessura das paredes. As linhas definem os pontos de entrada de uma

divisão para a outra, assim como do interior da casa para o exterior. A artista sugere,

desta maneira, uma organização espacial, definindo não só áreas mas também pontos de

passagem entre cada divisão. No entanto, não impõe esta organização do espaço uma

vez que nem os tijolos nem as linhas impedem alguém de as transpor. As mensagens

escritas sugerem um desejo, um propósito, para cada divisão. A planta não define só um

arranjo do espaço, define também uma utilização pretendida para cada lugar.

A obra de Vieira faz referência a um lugar habitado. Não só os tijolos delimitam

o interior e o exterior da casa, como definem também um percurso que distingue áreas

mais privadas e menos privadas dentro do mesmo espaço interior, cada uma com uma

função própria. A planta exibe, portanto, a planta de uma casa que é não só um espaço

interior, um abrigo, mas também um espaço manipulado de maneira a corresponder às

expetativas de quem o quer habitar: ou seja o “plano da arquitetura [e] plano da

intimidade” (Vieira, 1998: 31).

O título da obra, Projeto Ocultação/Desocultação, sugere que a obra expõe e

esconde simultaneamente: num jogo “entre o que é revelado e o que é escondido”

14 Por exemplo “Aqui gostaria de ter”; “Aqui quero executar” ou “Aqui gostaria de refletir”.

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(Vieira, 1998: 31). A obra expõe com clareza a planta da casa, os seus espaços, não nos

sendo possível habitar o ‘espaço psíquico’ porque este não é nosso (Vieira, 2010: 31 e

66). A obra cria então esta dicotomia entre um lugar que podemos “rodear, circular, e

ler o que aquela que a deseja habitar quer fazer num futuro (e, como tal, ainda uma

inexistência)” mas o qual não podemos habitar por não nos pertencer (Vieira, 2010: 31).

Relacionável com a obra de Ana Vieira, temos o trabalho It’s All Wrong, Sweet

Home (2003-2004) do artista Noé Sendas. Esta obra consiste numa sala com sacos

espalhados pelo chão, no meio do qual se esconde um par de colunas e um leitor de CDs

que reproduz a gravação de um monólogo.

Figura 13: Nóe Sendas, It’s All Wrong, Sweet Home – 2003-2004

(Sendas, s/d)

Aquilo que, no contexto desta dissertação, mais importa não é a gravação; o que

interessa são os caminhos e lugares delineados pelos sacos, assim como a reação do

público a este lugar (David Barro em Sendas, s/d). Não há nenhuma indicação que

mostre se os caminhos são um acaso ou parte de uma construção pessoal (Fernandes,

2006). Assim sendo, e como a expressão ‘Sweet Home’ do título sugere, a peça mostra,

à semelhança da peça de Vieira, uma casa, um ‘doce lar’. Ainda à semelhança da peça

de Vieira, Sendas explora uma casa que é sempre de um ‘outro’, nunca do público

porque se trata de um lugar que é estranho e desconfortável para este. É este o propósito

de Sendas, “prevenir o nosso conforto, impedir a perceção clara, levar-nos a um terreno

onde, até certo ponto, nos sentimos dominados e impreparados para questionar o que

nos rodeia” (David Barro em Sendas, s/d)15.

15 “Noé Sendas aims precisely to prevent our comfort, to hinder pure perception, to lead us to a terrain where, to a certain extent, we feel dominated and unready to question what surrounds us.”

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Enquanto a obra de Ana Vieira apresenta com clareza uma planta e as

expetativas para cada divisão, a obra de Noé Sendas define lugares e passagens de uma

maneira menos precisa e sem referir a sua função. No entanto, as peças de ambos os

artistas têm resultados semelhantes: exibem um lugar, que por muito exposto que esteja

se encontra codificado e que é, como o lugar antropológico, “princípio de sentido para

os que o habitam” (Augé, 2005: 46)

A obra Faça você mesmo: Território liberdade (1968) do artista António Dias

consiste num conjunto de cruzes, que sugerem uma grelha ortogonal, marcada no chão

com fita adesiva que delimita uma área de seis por quatro metros.

Figura 14: António Dias, Faça você mesmo: Território liberdade – 1968

(Dias, s/d)

A obra de Dias delimita um interior e um exterior; no entanto estes não estão

separados por nenhuma barreira. A grelha “indica um território de liberdade que não se

resguarda entre muros [onde] a casa e o fazer são o campo da liberdade e da afirmação

do indivíduo“ (Vasquez, 1999: 40).

O ‘faça você mesmo’ do título sugere que o próprio observador pode projetar na

grelha todo o tipo de organização que pretender, não só de espaços, mas também de

objetos e pessoas. A grelha serve como uma delimitação e uma desconstrução espacial

com base num plano horizontal, trata-se de “uma planta que cada um pode construir no

chão com fita adesiva” (Vasquez, 1999: 40).

A horizontalidade do plano em que assentam é comum às três obras. Todas elas

delimitam espaços dentro de um plano de nível, sugerindo um espaço interior e um

exterior, assim como divisões dentro do espaço interior. Mas ao contrário das obras dos

outros dois artistas, Dias dá ao público uma grelha onde este pode projetar o seu próprio

espaço interior, o seu ‘espaço psíquico’ individual (Vieira, 2010: 66).

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As obras de Vieira, Sendas e Dias abordam o conceito de casa não só como um

lugar de proteção, mas como de construção de um espaço pessoal. Esta intimidade não

se refere à privacidade que o lugar habitado oferece, mas sim à relação do indivíduo

com o espaço que habita ou que deseja habitar.

A obra Ambiente (1971) da artista Ana Vieira aborda o conceito de construção

de lugar habitado e privado. Nesta obra, a artista construiu quatro paredes num material

semitransparente, onde estão desenhadas diversas mobílias. No interior deste espaço

encontram-se outras quatro paredes, também com desenhos de cadeiras. No centro

destas áreas situa-se uma mesa com pratos e talheres sob a incidência de um foco de luz

que as ilumina.

Figura 15: Ana Vieira, Ambiente – 1971

(Vieira, s/d)

A artista adicionou o som de pessoas a falar e a comer na construção deste

ambiente. É possível perceber que se trata de uma refeição sem altercações, não sendo

no entanto possível perceber com clareza aquilo que está a ser dito ou o que acontece;

apenas se ouvem pessoas a falar enquanto tomam uma refeição. A instalação sugere,

portanto, uma sala de jantar habitada: “o lugar ritualista da casa” (Vieira, 1998: 17).

Trata-se de uma casa que, embora não permita a entrada, é completamente permeável

visual e auditivamente.

As cortinas delimitam um espaço interior que, à semelhança da obra Projeto

Ocultação/Desocultação, se encontra vedado ao público. Mas enquanto nesta o público

pode entrar e circular por este espaço interior, na obra Ambiente só pode observar e

ouvir, havendo uma barreira física entre o interior e o exterior.

O espaço e os sons evocam memórias. Não se trata só de um espaço interior mas

de uma “casa lembrança-imaginação (…) que existe em cada um de nós” (Vieira, 1998:

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17). Mas “não se trata de habitar a casa pela lembrança” uma vez que esta casa não é

nossa (Vieira, 1998: 17). Não habitamos este espaço interior, mas recordamo-nos da

“casa desaparecida tal como lá sonhámos um dia” (Vieira, 1998: 17).

Nesta obra de Vieira não se trata da impenetrabilidade de cada ‘espaço interior’

mas sim de recordar e retornar a um ‘espaço interior’ nosso, próprio de cada indivíduo.

A obra Home to Go (2001) do artista Adrian Paci relaciona-se também com o

conceito de abrigo e de portabilidade. Esta obra consiste numa figura humana que

transporta às costas um telhado de duas águas, com o auxílio de cordas, feito de madeira

e telhas cerâmicas.

Figura 16: Adrian Paci, Home to Go – 2001

(Seattle Art Museum, s/d)

O telhado oferece proteção da chuva e do sol, é uma metáfora para abrigo, um

lugar de proteção dos elementos. Este indivíduo leva para onde quer que vá o seu

abrigo, é um nómada. A obra de Paci é baseada na história do seu autor que devido à

guerra civil albanesa de 1997 foi forçado a emigrar. Esta obra serve de “metáfora e

tradução literal dos profundos efeitos físicos e psicológicos de uma deslocação

cultural”16 (Seattle Art Museum, s/d). O telhado que ele transporta evoca a memória da

sua terra natal, um passado que Paci nunca esqueceu (Sanchez, 2011). Neste sentido, o

telhado representa um lugar único e pessoal, que não está preso a uma localização

geográfica. O que a personagem leva às costas não é um abrigo, mas a sua herança

cultural e as suas experiências, ou seja o seu passado. A peça, à semelhança do que foi

dito no subcapítulo anterior sobre Hughes e os sem-abrigo, é uma metáfora para a

16 “(…) Home to Go stands as both a metaphor and a literal translation of the profound physical and psychological effects of cultural displacement.”

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capacidade de se recriar o lugar que habitou anteriormente, independentemente do local

em que esteja: ou seja, de que todos transportamos a nossa morada.

A obra Merda (2006) do artista Alexandre Estrela aborda a pertença de um

abrigo a um indivíduo através de marcas que este fez no espaço. Esta obra consiste num

livro com 160 fotografias da palavra ‘Merda’ grafada em diversas paredes em edifícios

de Benfica. O graffiti encontra-se centrado em cada fotografia, e a caligrafia permanece

idêntica, mostrando que pertencem a um único autor, servindo-lhe de assinatura.

Figura 17: Alexandre Estrela, Merda – 2006

(Artecapital, 2006)

À semelhança da ombreira de Borges, estes lugares marcados ‘existem’ devido

aos graffitis, e, neste sentido, funcionam como a ponte de Heidegger porque marcam

um lugar ocupado, que pertence a alguém e ao qual alguém pertence17. Ao assinalar

diversas ruas de Benfica, o autor destes graffitis estabeleceu um território que, embora

não seja seu, está marcado como se este lhe pertencesse. Esta marcação territorial é

exibida numa sequência, num percurso específico com um princípio e um fim, o que

contraria a distribuição em grelha que estas marcações têm devido à organização das

ruas. No entanto isto significa que, enquanto o indivíduo na obra de Paci transporta

consigo o seu abrigo, o indivíduo na obra de Estrela faz dos seus percursos o seu abrigo.

A obra Shadow I No. 2 – Bus (2010) do artista Liu Bolin trata também este

conceito da presença diferida de alguém num lugar. Nesta obra, o artista deitou-se no

chão antes de chover, de maneira a deixar o contorno do seu corpo marcado, uma vez

que a área em que se deitou permaneceria seca depois de chover. Fotografou, depois,

17 As referências criam lugares, e as distâncias entre estas criam espaços. Cada rua é em si uma referência, mas é-o como a margem de Heidegger, ou seja, não é um lugar, é um espaço delimitado por dois lugares: pelo princípio e pelo fim da rua. A ponte interrompe este espaço criando um lugar, da mesma maneira que o graffiti, criando um lugar.

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essa área de chão seco, marcando assim, temporariamente, a sua localização e deixando

o contorno do seu corpo como referência de si.

Figura 18: Liu Bolin, Shadow I No. 2 – Bus – 2010

(Artnet, s/d)

Ao marcar a sua forma no chão, Liu Bolin torna aquele lugar seu, não porque

ocupou aquela área mas porque deixou vestígios dessa ocupação. Aqui o ato do artista

não é simplesmente dizer que ‘eu estive aqui’, o que ele fez foi dizer ‘este foi o espaço

que ocupei’: não marcou um ponto, definiu uma área horizontal, a sua ‘sombra’

segundo o título da obra. À semelhança do ‘aqui’ de Vieira, a ‘sombra’ de Bolin diz que

ele esteve ‘aqui’. E à semelhança do sem-abrigo de Borges, a presença de Bolin fez

daquele local um lugar.

Enquanto a obra Merda e a obra Shadow I No. 2 – Bus abordam as marcas da

presença de um indivíduo num lugar, a obra Yielding Stone (1992) de Gabirel Orozco

aborda o inverso.

Figura 19: Gabriel Orozco, Yielding Stone – 1992

(Museum Of Modern Art, s/d)

Orozco criou uma bola de plasticina com o seu peso, sendo uma representação

sua, que foi empurrada pelas ruas de Nova Iorque. As propriedades moldáveis do

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material permitiram que adquirisse a textura de qualquer lugar por onde tivesse passado,

assim como ter ficado com detritos presos em toda a sua superfície. Estas texturas e

objetos acumularam-se entre si criando uma textura única do trajeto que fora efetuado:

ela é um reflexo desse percurso assim como dos diversos momentos de repouso.

Enquanto na obra de Estrela e de Bolin é o indivíduo que marca o lugar, no caso da obra

de Orozco é o lugar que marca o indivíduo. O indivíduo que transporta o telhado na

obra de Paci movimenta-se de lugar para lugar, assim sendo, e à semelhança da bola de

plasticina de Orozco, ele também se vai modificando no sentido em que é

marcado/alterado pelos lugares que atravessa.

As obras City Hiding 55 – Demolition (2007) e Hiding in the City No. 93-

Supermarket No. 2 (2010) também do artista Liu Bolin abordam, à semelhança da obra

Merda e da obra Shadow I No. 2 – Bus, a presença de um indivíduo e dos seus vestígios

num lugar. Bolin diz que pretendia “fotografar a realidade das cenas do

desenvolvimento da China atual [de maneira a] lembrar as pessoas do aspeto verdadeiro

da comunidade onde” vivem18 (Liu Bolin, Mail Foreign Service, 2010). Estas obras de

Bolin são, portanto, obras não só sobre os lugares mas também sobre a sociedade que os

habita.

Figura 20: Liu Bolin, City Hiding 55 – Demolition – 2007

(Eli Klein Fine Art, s/d)

18 “I wanted to photograph the reality of scenes of China's development today.” e “My work is a kind of reminder, to remind people what the community we live in really looks like, and what kind of problems exist.”

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Figura 21: Liu Bolin, Hiding in the City No. 93- Supermarket No. 2 – 2010

(Eli Klein Fine Art, s/d)

Bolin fotografou-se, respetivamente, numa divisão de um edifício destruído e no

interior de um supermercado e encontra-se pintado de maneira a confundir-se com a

área circundante, o suficiente para ser difícil encontrá-lo nas imagens. O facto de se

tratar de uma fotografia ajuda ao efeito de camuflagem; o espetador só pode observar a

cena através de um único ponto de vista, fixo e sem efeitos de profundidade. Através

deste processo de camuflagem, e como o título das obras sugere, Bolin ‘esconde-se’ na

cidade, passa a pertencer visualmente aos lugares em que se encontra.

Na obra City Hiding 55 – Demolition, a invisibilidade de Bolin pode ser

justificada como uma metáfora para alguém que viva, ou que tenha vivido, naquele

espaço, como se evocasse uma presença, uma memória, de algo que já não se encontra

ali. Já na obra Hiding in the City No. 93- Supermarket No. 2, e uma vez que o indivíduo

se encontra num supermercado, um não-lugar, a sua invisibilidade pode servir de

metáfora para a invisibilidade social. Em ambos os casos trata-se de um indivíduo que

pertence visualmente ao lugar. Enquanto na obra Shadow I No. 2 – Bus e na obra Merda

o sujeito consegue estar em cada lugar sem lá estar, através dos seus vestígios, na obra

de Bolin acontece o oposto: embora o indivíduo esteja no lugar, a sua camuflagem

esconde-o. Enquanto os graffitis de Estrela servem de ‘coisa’ que torna lugar o local

onde se encontram, o sujeito invisível na peça de Bolin torna-se parte do local em que

se encontra: o sujeito funde-se com o lugar

Ao ‘fundir-se’ visualmente com o lugar, Bolin pretende que o público tenha

dificuldade em vê-lo, e que depois questione a sua presença naquele lugar. As

fotografias de Bolin não são só sobre lugares urbanos, são retratos da sociedade.

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A obra Workers who cannot be paid, remunerated to remain inside cardboard

box (2000) do artista Santiago Sierra consiste, como o título da obra indica, num grupo

de pessoas que estão dentro de caixas de cartão. Estas aparentam ser largas o suficiente

para que uma pessoa possa permanecer sentada no seu interior. Por os indivíduos

estarem ocultos, o público não pode confirmar a sua presença.

Figura 22: Santiago Sierra, Workers who cannot be paid,

remunerated to remain inside cardboard box – 2000

(Sierra, s/d)

Nas peças em que Bolin se esconde, o sujeito está presente mas encontra-se

diluído visualmente com o fundo. Na peça de Sierra, cada indivíduo está também

presente, mas as caixas escondem a sua presença e, neste sentido, elas camuflam os

sujeitos sem eliminar essa presença.

O filme The Terminal (2004) de Steven Spielberg aborda tanto o lugar habitado,

como os vestígios da permanência de um indivíduo num lugar. Este filme conta a

história de um sujeito, Viktor Navorski, que se vê preso num terminal de aeroporto

devido às complicações legislativas causadas pela guerra civil que começou, a meio do

voo, no seu país de origem. Ele é forçado a viver num lugar que não é feito para ser

habitado, é um exemplo de não-lugar: um lugar que é feito só para circular e

movimentar pessoas e bens.

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Figura 23: Steven Spielberg, The Terminal – 2004

Augé introduz, em Não-Lugares, a personagem de Pierre Dupont: um sujeito

que, para poder embarcar no seu voo, teve de declinar a sua identidade ao fazer check in

(Augé, 1992). Esta é a situação de Viktor Navorski, que declinou a sua identidade ao

fazer check in no aeroporto de origem mas, devido às complicações que surgiram no

ponto de partida, ele fica impossibilitado de fazer check out, em suma, ele não pode

entrar no seu destino uma vez que já não tem origem. Neste sentido ele deixou de ter

identidade; de ter passado e futuro; encontra-se num lugar que pode ser qualquer lugar

no mundo19. Ao contrário de Hughes, Navorski não é um senhor do tempo e do espaço,

ele ficou preso num limbo que o prende geográfica e temporalmente, incapaz de avançar

ou recuar.

Ele encontra-se protegido, mas toda a privacidade foi-lhe retirada. Não pertence

a nenhum lugar dentro do aeroporto, nem nenhum lugar lhe pertence. Ele torna-se o

habitante residente do aeroporto, distinguindo-se da multidão por ser o único sem

destino. O facto de não poder fazer check out faz com que não funcione segundo o

planeamento do aeroporto, ele está fora do sistema20.

O filme de Spielberg aborda tanto o conceito de lugar habitado como o de sem-

abrigo. A sua personagem principal habita um lugar do qual não pode sair nem ao qual

pode pertencer.

Deste subcapítulo pode-se concluir que o lugar habitado e o abrigo estão

relacionados com o lugar próprio e que este é uma extensão do seu habitante: é uma

construção pessoal, e como tal, deixa transparecer a identidade do sujeito que o 19 Recorde-se o leitor da cidade de Trude de Calvino e as fotografias de aeroportos de Fishli e Weiss, ambas as referências questionam essa ambiguidade geográfica. 20 A personagem Dupont uma vez que se ‘pusera em regra’ ao fazer check in entra para dentro do sistema de funcionamento do aeroporto (Augé, 1992: 8). Ele aceita as condições de utilização deste lugar e, como tal, cumpre as regras deste: check in, viajar, check out.

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construiu e ao qual pertence. Esta pertença faz com que o lugar habitado faça sentido só

para quem o habita: trata-se de um ‘espaço psíquico’ individual, ‘fechado’ para quem

lhe seja exterior. Conclui-se também que cada lugar habitado não depende da sua

localização mas sim do seu habitante, pois este transporta consigo a sua morada que

pode construir onde quiser, marcando a sua presença e identidade no lugar e ficando

marcado por este. No entanto a visibilidade de um lugar habitado não depende nem dos

indícios da sua construção nem da presença do seu habitante. Por último, pode concluir-

se que cada indivíduo transporta consigo o necessário para reconstruir o seu lugar

habitado, o seu ‘espaço psíquico’.

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3. Um lugar em gerúndio

Neste capítulo apresentam-se, descrevem-se e analisam-se as peças resultantes

do projeto artístico. No primeiro subcapítulo faz-se a descrição física das peças: dos

seus elementos e da sua organização; descreve-se ainda o modo como as peças devem

ser apresentadas. No segundo subcapítulo faz-se uma análise crítica das peças,

relacionando-as com o universo concetual e artístico estabelecido nos capítulos

anteriores.

As peças concebidas resultam da exploração e observação de situações em

espaços urbanos, pertinentes neste contexto concetual, assim como de uma recolha

audiovisual e fotográfica. Do relacionamento das situações observadas e da análise do

material recolhido, fizeram-se diversas experiências aprofundando-se posteriormente as

que resultaram melhor21.

As peças não têm um propósito ilustrativo, não se pretende que expliquem os

conceitos mas sim que o sejam22, e para que isso aconteça é necessário uma leitura

específica e orientada pois o sentido da peça depende do observador em questão, assim

como do contexto em que está inserida23.

Como antecedentes às peças desenvolvidas para esta dissertação apresentam-se

três obras realizadas durante a fase curricular do mestrado: Rua do Alecrim (2010),

Maria (2010) e Maria (2) (2011).

A primeira peça consiste num vídeo reproduzido em ‘loop’ que alterna, com

uma transição suave entre duas imagens de um terraço na Rua do Alecrim: uma de dia,

com o lugar cheio de lixo; outra de noite, dum ponto de vista diferente, com um sem-

abrigo camuflado entre as sombras e texturas do lugar. Esta peça explora diferentes

modos de alguém ocupar um lugar público: de dia o indivíduo não está presente, mas o

lixo sugere a sua presença; de noite, as sombras do lugar escondem estes indícios assim

21 Não irei descrever em maior profundidade a metodologia utilizada para a criação de cada peça, nem considero pertinente a apresentação de uma memória descritiva porque estes podem servir para ‘matar a obra’. Este processo de ‘matar a obra’ foi discutido nas aulas do professor Alexandre Estrela e acontece quando alguém descreve toda a metodologia da conceção de uma determinada peça, sabotando qualquer outro tipo de leitura, uma vez que esta fica presa à sua história. 22 Recordo, por exemplo, a obra Projeto Ocultação/Desocultação, esta peça não explica que o espaço privado estará sempre fechado a qualquer um que lhe seja exterior. 23 Uma vez que o propósito desta dissertação não é a elaboração de uma definição sobre ‘o que é arte?’, utilizo como definição as palavras de Lawrence Weiner na conferência Turning Some Pages (2010): a arte é ‘sentido’, e este ‘sentido’ está preso à ‘honestidade artística’. Ou seja a obra faz sentido não só porque o observador o encontra na obra, mas também porque este confia que o artista a tenha feito com um sentido.

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como o indivíduo. A peça cria um ciclo que alterna entre uma presença dissimulada e

uma ausência que sugere uma ocupação.

Figura 24: Rua do Alecrim – 2010.

A segunda peça consiste numa fotografia de uma porta numa rua com uma área

delineada com giz que percorre o chão, a parede e a porta, encontrando-se escrito nesta

última o nome ‘Maria’. A peça centra-se numa sem-abrigo de nome Maria que é

protegida pela comunidade dos lugares que ocupa; no entanto esse não é o seu nome, a

história que ela, e quem a conhece, conta não vai de acordo com os registos da

segurança social; esta incoerência faz com que se possa presumir que ela já não sabe

quem é, e que ela não tem, portanto, uma identidade. Esta peça constrói esta situação:

um espaço, delineado pelo giz, e o nome de quem o ocupa, embora esteja vazio.

Figura 25: Maria – 2010.

A última peça, Maria 2, consiste num vídeo com som projetado sobre umas

caixas de cartão; o vídeo mostra diversas calçadas, que são ocupadas por sem-abrigo,

em rápida sucessão, ouvindo-se sons de diferentes ruas, que se sucedem com a mesma

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cadência que os frames do vídeo. As caixas servem de tela ao vídeo, distorcendo-o e

dando volume à projeção: desta maneira, não é claro que se trata de caixas pois estas

encontram-se camufladas. As ruas que o vídeo projeta encontram-se ocupadas por um

elemento volumoso que é quase invisível.

Figura 26: Maria (2) – 2012.

Como resultado da metodologia aplicada e das peças antecedentes surgem duas

obras: Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias

(Tríptico) (2012) e Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de

ocupações fugidias (Calçada) (2012). De maneira a facilitar a leitura as peças serão

referidas doravante por, respetivamente, Tríptico e Calçada. O título das peças só varia

numa palavra porque elas abordam os conceitos desta dissertação de modos muito

semelhantes: ambas exploram ténues presenças de espaços pessoais em lugares

públicos. Em nenhuma das obras se especifica onde as caixas se encontram, porque os

espaços pessoais dependem de cada um, e são reconstruídos por cada um ao habitar um

novo lugar.

3.1 Tríptico e Calçada

A peça Tríptico é constituída por três vídeos com som, em televisores idênticos e

organizados de modo a formar um ‘U’; têm entre oitenta centímetros e um metro e vinte

de largura; os vídeos são reproduzidos em ‘loop’, repetindo-se de um em um minuto; o

som é comum aos três vídeos e repete-se de vinte em vinte segundos. Cada vídeo desta

peça exibe as traseiras de uns quaisquer edifícios do concelho de Lisboa de um ponto de

vista distinto. Os prédios que delimitam este lugar são semelhantes entre si, com uma

arquitetura de linhas ortogonais bem marcadas e sem ornamentos. No meio destes

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encontra-se um parque de estacionamento, diversas vias de acesso aos edifícios, carros,

árvores e plantas; adjacente a estas traseiras encontra-se uma avenida com pouco

trânsito e em nenhum dos vídeos se veem pessoas. Cada vídeo exibe ainda uma caixa de

cartão que se encontra resguardada e cuja opacidade varia com a duração do mesmo.

Ouve-se o som de carros, o chilrear de pássaros e o som do vento a passar pelas folhas,

distorcidos pela acústica do espaço.

Figura 27: Frames dos vídeos da peça Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e

indícios de ocupações fugidias (Tríptico) – 2012.

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Figura 28: Fotografia da peça Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de

ocupações fugidias (Tríptico) – 2012.

A peça Calçada consiste na projeção de um vídeo, com som, num ângulo de 45º,

de modo a incidir sobre o chão e com o seu terço superior a incidir sobre a parede;

dentro da área da projeção encontra-se uma caixa de cartão com marcas de uso24.

Devido à cor neutra e homogénea da caixa ela serve de tela à projeção encontrando-se

camuflada dentro da área de projeção. O vídeo mostra em rápida sucessão fotografias de

calçada e das paredes adjacentes a estas, não possuindo nenhuma das imagens

elementos que identifiquem a que rua pertence; ouvem-se sons típicos de rua, carros e

pessoas a andar.

Figura 29: Frame da peça Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de

ocupações fugidias (Calçada) – 2012

24 A caixa utilizada e a sua colocação na peça variam de exposição para exposição, é sempre utilizada uma caixa com algum uso de um lugar perto da galeria.

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Figura 30: Fotografia da peça Um lugar em gerúndio: ambiguidades locais e indícios de

ocupações fugidias (Calçada) – 2012.

3.2 Ambiguidades locais e indícios de ocupações fugidias

As traseiras na peça Tríptico são um lugar que foi moldado pela história, que é,

ou foi, vivido, trata-se de um lugar com uma identidade própria e onde é evidente a

relação entre os diversos elementos que constituem o espaço. Apesar de ser um lugar

único, que não podia existir noutro local, a sua arquitetura e organização são comuns no

concelho de Lisboa e isto faz com que se trate de um lugar banal25, é um qualquer lugar

na rua, público e incaracterístico. A distorção do som serve de assinatura do espaço, é

singular; mas apesar de ser único continua a ser incaracterístico: trata-se de sons que se

ouvem em qualquer parte de Lisboa.

As traseiras da peça Tríptico não aparentam estar abandonadas, mas a natureza

repetitiva do ‘loop’ deixa sempre a expetativa de que se irá passar algo ou irá aparecer

alguém 26. Esta expetativa nunca se concretiza, e o lugar encontra-se sempre vazio,

assemelhando-se às ‘flatlands’ de Plowden: lugares habitados, que são usados, onde se

encontra uma paisagem em potência; não se trata de um ‘terrain vague’, mas sim de um

lugar convertido em paisagem. Apesar dos vídeos não exibirem elementos que sejam

marcantes o suficiente para que seja claro de que se trata do mesmo lugar, o som

contribui para esta ideia por ser comum aos três, situando os três vídeos no mesmo 25 Nas fotografias de Struth do primeiro capítulo é evidente que cada lugar não podia ter sido fotografado noutro local, cada lugar é único, mas não deixam de ser incaracterísticos. 26 O vídeo é um meio que o público normalmente relaciona com uma narrativa, é por esta razão que o artista Hans Op de Beeck preferiu construir um diorama em vez de filmar um cruzamento real na obra Location (1), apresentada no primeiro capítulo, de maneira a ficar claro de que nada de inesperado iria aparecer na obra (Initiart Magazine, 2010).

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lugar. Mesmo não havendo uma continuidade visual entre estes, eles relacionam-se da

mesma maneira que as duas imagens na peça 99 Cent II Diptychon de Gursky, não só

por se tratar de um panorama cuja câmara é reposicionada mas também porque não é

necessário estabelecer uma relação espacial direta pois esta está implícita: quer seja por

motivos geográficos de localização, dado pelo som, quer seja pela semelhança dos

elementos.

A caixa exibida em cada vídeo encontra-se dobrada de maneira a assemelhar-se

a um telhado de duas águas: serve de metáfora, como na obra de Home To Go de Paci, a

um lar construído; mas pelo fato de as caixas se encontrarem em lugares que as

resguardam, a construção aqui não é a de um abrigo físico mas sim de um espaço

interior, próprio, como na obra Projecto Ocultação/Desocultação de Ana Vieira: um

espaço interior num espaço público. As caixas referem um lugar pessoal construído, e,

portanto, alguém que está exterior aos vídeos, o seu ocupante. E este, como o sem-

abrigo de Jorge Luís Borges, está presente no espaço uma vez que por o frequentar,

marca-o, construindo um lugar ao qual ele pertence e que lhe pertence.

As caixas fundem-se visualmente com o lugar onde se encontram, estão

camufladas. Esta invisibilidade é semelhante às obras de Bolin uma vez que refere uma

presença ténue, como nas fotografias de ‘sombras’ do artista, mas também uma pertença

visual, como na série ‘city hiding’, em que ele se pinta de maneira a ficar perfeitamente

camuflado num lugar27. No entanto, por se tratar de meios diferentes, a peça Triptíco

apresenta uma presença e pertença inconstante através da variação da opacidade das

caixas. Enquanto nas fotografias de Bolin o artista ‘está’, as caixas nunca ‘estão’;

devido às mudanças de transparências elas vão ‘estando’. A sua presença instável e o

‘loop’ dos vídeos servem de metáfora para uma presença em gerúndio.

Os vídeos e o som constroem um ambiente urbano público, vazio de pessoas,

incaracterístico e onde nada acontece. Em cada vídeo existe, através das caixas

semitransparentes, uma presença sugerida de um lugar pessoal, apropriado através da

sua ocupação frequente. A organização em ‘U’ dos televisores delimita este ambiente ao

sugerir um espaço interior e um exterior, assim como um ponto de passagem entre estes.

Este espaço interior não é tanto uma área privada, de acesso limitado, mas sim um lugar

27 Nesta série, como foi analisado anteriormente, a camuflagem que torna o artista invisível pode ser entendida como uma metáfora relacionada com o contexto da fotografia, mas esta invisibilidade é sempre uma pertença visual, não se tratar de não se ver um elemento mas sim da sua presença não sobressair.

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onde o público pode entrar, criando duas situações de visualização da peça: do exterior,

com todas as dificuldades de visualização dos vídeos que isso possa acarretar; ou do

interior, ficando rodeado pelo ambiente audiovisual, entrando, de certa maneira,

também no lugar em que o ambiente se baseia. Desta forma o público que escolha entrar

encontra-se numa situação em que as paredes da peça o ocultam, mas encontra-se

exposto, como numa vitrina, quando observado pelo lado desobstruído da peça. Embora

seja possível estar mais do que uma pessoa dentro do espaço interior da peça, as

dimensões reduzidas deste espaço fazem com que estas tenham de estar

desconfortavelmente próximas. Este espaço emula os lugares onde se encontram as

caixas porque se trata de um lugar público que protege o seu ocupante, embora só

parcialmente, e da mesma maneira que estes lugares resguardados, o observador que

entre na peça só a pode ocupar enquanto tal, não a pode habitar, como os lugares onde

se encontram as caixas.

O enquadramento das fotografias da peça Calçada faz com que possam ser de

qualquer rua, uma vez que omite qualquer elemento único que a rua pudesse ter; no

entanto o vídeo ao alternar as fotografias com um ritmo tão rápido enfatiza as diferenças

entre cada calçada (os tamanhos das pedras, a sua cor, as manchas de sujidade),

explorando variações de uma mesma tipologia, estabelecendo um contexto cultural e

situacional. Trata-se de um lugar público, marcado pelas vivências daqueles que a

atravessam diariamente e onde nela habitam parcialmente; como as fotografias de Struth

é o lugar onde os homens vivem. Mas ao não apresentar referências geográficas precisas

de cada rua, o vídeo mostra um lugar público e banal, que se pode encontrar em

qualquer cidade onde exista calçada. Ao não se ter alguma indicação do nome ou

localização das ruas fotografadas elas mostram ruas ‘sem título’, porque a identidade

daqueles que as habitam se perde com a exclusão da composição da fotografia.

O som da peça Calçada não narra nenhuma série de acontecimentos, consiste em

ruídos que caracterizam um ambiente urbano movimentado. O som está dessincronizado

do vídeo, trata-se de um ritmo mais calmo e que se repete num intervalo maior. O vídeo

torna-se no ruído de fundo pois exibe imagens que se diluem entre si por pouco se

diferenciarem, servindo de ambiente, enquanto o som estabelece a linha de tempo na

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qual a peça se desenrola mas onde nada acontece28. O vídeo exibe uma série de lugares

que são todos o mesmo, uma tipologia, e o som ajuda a uni-los ao criar contexto

temporal específico: este contexto é o de um qualquer lugar numa rua movimentada, um

espaço público e em uso.

A posição em que esta caixa de cartão se encontra não é uma metáfora para ‘lar’

tão óbvia como as caixas na peça Tríptico, ela relaciona-se com os sacos da peça ‘Sweet

Home’ de Sendas, por ser um elemento que normalmente se ignoraria por se considerar

lixo mas que pode referir um lugar de um ‘outro’. Por se encontrar na área de projeção,

a caixa torna-se num elemento acrescentado a cada fotografia, que está presente em

todas elas. Como a palavra ‘Merda’ na peça de Estrela, a caixa é um elemento que serve

de referência e liga todas as fotografias apesar das suas diferenças. Torna-se uma

marcação territorial, de uma presença de alguém exterior a estes lugares, que os está a

ocupar, que torna estes segmentos de rua lugares29: o lugar onde está a caixa. Como na

peça Maria 2, a caixa reflete as cores da projeção, camuflando-se neste processo. Desta

maneira, a caixa assemelha-se ao indivíduo invisível de Liu Bolin, na série City Hiding,

porque, por ambos se encontram fundidos visualmente com cada lugar, tornam-se

texturas deste. E, da mesma maneira que as obras de Bolin, a invisibilidade da caixa

pode ser justificada como metáfora do vestígio da presença de alguém ou por essa

presença ser ignorada por aqueles que a observam, como na peça Hiding in the City No.

93- Supermarket No. 2.

A peça Calçada apresenta uma desconstrução do paradigma do sem-abrigo: uma

existência pública, quase invisível, em diversos lugares díspares que são sempre o

mesmo, porque aquele que os ocupa os transforma no seu próprio espaço pessoal, ao

qual não pode deixar de pertencer.

28 Como acontece na peça Tríptico, o público ao deparar-se com um meio audiovisual associa-o a uma narrativa e observa a peça na expectativa, frustrada, de que algo aconteça. 29 Como a área marcada pelo giz na peça Maria.

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Conclusão

Nas páginas que antecedem esta conclusão estudou-se a ocupação de lugares

públicos por parte dos sem-abrigo e o modo como os indícios dessa ocupação perduram

e sobressaem nesses lugares.

Explorou-se a relação entre a memória e os espaços públicos que se encontram

desabitados. Determinou-se que os lugares são construções, e, como tal, são parte da

cultura que os habita; os não-lugares, ao contrário desta definição, não possuem

identidade porque não são habitados mas sim utilizados; explorou-se também o conceito

de ‘terrains-vagues’, lugares desocupados pela cultura que os habitou.

Recorreu-se a obras de artistas que abordam o conceito de não-lugar e de

‘terrain-vague’ para se estudar a relação entre o lugar e aquilo que nele acontece ou

aconteceu, assim como a ligação que o observador tem com o lugar observado.

Concluiu-se que, ao habitar, se constrói o lugar habitado, e que este ato é

definido pela condição de se ‘estar seguro’; esta necessidade de proteção liga o conceito

de lugar habitado ao de abrigo, ao de interior e ao de exterior. Questionou-se o

paradigma do sem-abrigo, indivíduos expostos que não habitam nenhum lugar mas que

ao modificarem os lugares de pernoita acabam por construir um lugar seu.

Recorrendo a obras de artistas que exploram a relação entre o lugar habitado e a

presença de um ocupante, estudou-se o paradigma dos lugares privados como lugares

pessoais impenetráveis, porque só fazem sentido para o seu habitante. Este pertence ao

lugar.

As peças realizadas nesta dissertação mostram que a presença de um indivíduo

pode ser sugerida através de um objeto banal, como uma caixa de cartão. Esta presença

sugerida é ténue e passa despercebida nos lugares públicos vulgares em que se encontra.

Deste modo, as peças reconstroem ambiguidades locais e indícios de ocupações

fugidias.

Como foi estudado neste trabalho, imagens de lugares diferentes e distantes

podem assemelhar-se de modo a serem confundidos e o mesmo pode acontecer com o

som ambiente. Este consegue registar os espaços de um lugar, assim como os materiais

que cobrem as superfícies deste lugar e o ritmo das vivências que nele ocorrem. Neste

sentido, e terminada esta dissertação, proponho, estudar a identidade dos lugares

públicos explorando as suas diferenças através do som ambiente de cada um.

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