Escola de Artes, Ciências e Humanidades | Inovadora ... · Created Date: 6/23/2010 3:34:42 PM
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Universidade de São Paulo
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas
Pontos de Cultura:
novo enfoque de financiamento para a política cultural
Anny Karine de Medeiros
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do grau de bacharel em
Gestão de Políticas Públicas, sob orientação da
Professora Doutora Ursula Dias Peres.
SÃO PAULO
Junho/ 2010
Avaliação do Trabalho de Conclusão de Curso
Título: Pontos de Cultura: novo enfoque de financiamento para a política cultural.
Autora: Anny Karine de Medeiros
Ano: 2010
----------------------------------------------
Profª. Drª. Ursula Dias Peres
EACH-USP, Orientadora
----------------------------------------------
Profº. Drº. José Renato Campos de Araújo
EACH-USP, Membro interno
----------------------------------------------
Me. Cristiane Garcia Olivieri
EACH-USP, Membro externo
Agradecimentos
Agradeço ao meu pai, que com muito esforço apoiou minha vinda a São Paulo para
que eu pudesse estudar o curso que queria. Agradeço à minha mãe, que através de seu
empenho garantiu que eu tivesse uma boa educação. Sem a luta de ambos e a ajuda dos meus
irmãos, Anderson e Allyson, esta graduação não seria possível. Agradeço aos meus tios,
Jurandir e Bernadete, que me abrigaram durante este período.
Agradeço à professora Ursula Dias Peres, que aceitou ser minha orientadora num
momento crítico para mim; graças a seu apoio e atenção, consegui desenvolver este trabalho.
Agradeço ao professor Wagner Pralon Mancuso, que me proporcionou várias oportunidades
acadêmicas. Agradeço ao professor Fernando de Souza Coelho, com quem tive o prazer de
trabalhar dentro e fora da sala de aula. Agradeço ainda a todos os professores e professores
convidados da graduação de Gestão de Políticas Públicas, que tanto me ensinaram.
Agradeço imensamente a todas as pessoas que me ajudaram neste trabalho. Dentre
estas, agradeço a todos os entrevistados, que colocaram seus conhecimentos à disposição para
que eu pudesse desenvolver esta análise da melhor maneira possível, e agradeço àqueles que
me ajudaram a formular a proposta deste trabalho, André Bortolazzo Correr, Daiane
Fernandes do Vale, Fábio Alves Correia e Hugo Danilo Arruda. Agradeço ainda ao Renato
Adriano Rosa, pela arte de capa feita para este trabalho.
Agradeço especialmente à Tatiana Brechani da Silva, ao Valentin Pataca Femena, e
novamente à Daiane e ao Fábio, pelo apoio incondicional, pela companhia nos momentos
críticos e pelo abrigo nos momentos de necessidade. Agradeço ao Pierre Rinco, que além de
todo carinho, apoio acadêmico e emocional, ainda compôs um poema para esta pesquisa.
Agradeço à Elizabeth Seno, que muitas vezes confiou em mim mais do que eu mesma. Estas e
tantas outras pessoas que infelizmente não tenho espaço para citar, fizeram a graduação
melhor e com certeza muito mais divertida.
Finalmente, agradeço ao Corinthians, que nunca desistirá de ser campeão da Copa
Libertadores! Vai Curintiá...
Muito obrigada a todos!
Justificativa
O mato cresce constantemente
Em terreno que não se pisa.
Portanto, na construção da cultura,
Devemos ocupar cada espaço,
Devorar cada imagem,
Amplificar cada som,
Para explodir o óbvio que ninguém vê.
Precisamos fazer com que o Movimento,
Em espaços que ele definirá,
Crie vida e fale por si mesmo.
Por isso reciclar a luta:
Para falar através de imagens
O que é inaudível.
Para ver através de sons
O que é invisível.
Por isso reanimar o Movimento:
Para armar o povo com navalhas.
No corte e sangue da própria cultura
O indivíduo assume-se eu-lírico
E encontra seu verdadeiro significado.
Pierre Rinco (Inédito)
RESUMO
O presente trabalho analisa o programa “Pontos de Cultura” como uma proposta de
financiamento de projetos muito distinto dos projetos comumente atendidos pelas demais
políticas públicas de financiamento cultural, surgidas na década de 1990. Busca-se analisar o
programa a partir da comparação de sua implementação nos Estados do Amapá, Ceará e São
Paulo. Chega-se à conclusão de que os Pontos de Cultura marcam, além de um avanço em
termos de descentralização e abrangência, um modelo de transferência de recursos públicos
que, apesar dos entraves iniciais apresentados, aponta grande potencialidade futura,
principalmente a partir da aprendizagem institucional que permite ao inserir organizações da
sociedade civil no contexto da administração pública.
Palavras-chave: Políticas Públicas de Cultura; Pontos de Cultura; Financiamento Cultural; Descentralização de Recursos.
ABSTRACT
This paper examines the "Pontos de Cultura" program as a proposal of funding of
projects very different from projects often served by other public policies for cultural funding,
which emerged in the 1990s. It seeks to analyze the program from the comparison of its
implementation in the states of Amapá, Ceará and São Paulo. The paper reaches the
conclusion that the Pontos de Cultura mark, beyond a breakthrough in terms of
decentralization and inclusiveness, a model of transfer of public resources that despite initial
obstacles presented indicates great future potential, especially from the institutional learning
which allows the insert of civil society organizations in the context of public administration.
Key-words: Public Cultural Policies; Pontos de Cultura; Cultural Funding; Decentralization
of Resources.
Sumário
Agradecimentos....................................................................................................................................... 4
Sumário ................................................................................................................................................... 7
Lista de ilustrações.................................................................................................................................. 9
Lista de siglas e abreviaturas................................................................................................................. 10
Introdução ............................................................................................................................................. 11
PARTE I – FINANCIAMENTO PÚBLICO E POLÍTICAS CULTURAIS ........................................ 13
1. Financiamento público ...................................................................................................................... 13
2. Histórico e financiamento da política de cultura............................................................................... 18
2.1. Panorama histórico das políticas culturais ................................................................................... 19
2.2. A estrutura do financiamento da cultura a partir da década de 1990 ........................................... 22
2.3. Entraves e desafios do financiamento da cultura .......................................................................... 26
3. Crítica ao modelo vigente ................................................................................................................. 34
PARTE II – PONTOS DE CULTURA COMO NOVO MODELO ..................................................... 36
4. A proposta de um novo modelo de polílica cultural no Brasil .......................................................... 37
5. Pontos de Cultura – uma nova possibilidade de atuação do Estado.................................................. 37
5.1. Desenvolvimento local e economia solidária................................................................................. 42
5.2. Teia cultural, participação e controle social ................................................................................. 44
5.3. Pontos de Cultura em números ...................................................................................................... 47
PARTE III – COMPARAÇÃO ENTRE PONTOS DE CULTURA DE TRÊS ESTADOS................. 50
6. Metodologia ...................................................................................................................................... 50
6.1. Levantamento inicial de dados....................................................................................................... 51
6.2. Metodologia da pesquisa de campo ............................................................................................... 52
6.3. Considerações acerca dos dados levantados ................................................................................. 56
7. Analisando os três estados................................................................................................................. 57
7.1. Pontos de Cultura amapaenses ...................................................................................................... 57
7.2. Pontos de Cultura cearenses.......................................................................................................... 64
7.3. Pontos de Cultura paulistas ........................................................................................................... 70
PARTE IV – LIGANDO OS PONTOS ................................................................................................ 80
8. Comparação entre estados................................................................................................................. 81
9. Considerações finais.......................................................................................................................... 84
10. Referências bibliográficas ............................................................................................................... 88
11. Entrevistas ....................................................................................................................................... 90
ANEXO I .............................................................................................................................................. 91
ANEXO II ............................................................................................................................................. 92
ANEXO III............................................................................................................................................ 94
Lista de ilustrações
Gráfico I – Evolução dos recursos destinados à cultura, 1995-2002 .................................................... 22
Tabela I – Comportamento da execução orçamentária das instituições federais de cultura, 1996-2005............................................................................................................................................................... 23
Quadro I – Diferenças da isenção dada pela Lei Rouanet..................................................................... 25
Gráfico II – Distribuição de recursos entre as regiões e estados selecionados durante os governos FHC e Lula..................................................................................................................................................... 29
Tabela II – Participação proporcional de estados selecionados e regiões nos incentivos culturais e no PIB ........................................................................................................................................................ 30
Gráfico III – Densidade da oferta de equipamentos culturais no total dos municípios......................... 33
Gráfico IV – Pontos de Cultura conveniados 2004-2005, por região ................................................... 41
Mapa I - Número total de Pontos segundo Mapas da Rede .................................................................. 45
Mapa II - Pontos por município ............................................................................................................ 45
Mapa III - Pontos por habitantes ........................................................................................................... 46
Mapa IV - Destaque para Pontos de Cultura em Minas Gerais............................................................. 46
Tabela III - Pontos de Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede.......................................... 48
Gráfico V – Pontos de Cultura por região do país, segundo os Mapas da Rede ................................... 49
Gráfico VI – Pontos de Cultura por municípios de cada região do país, segundo os Mapas da Rede.. 49
Tabela IV – Pontos de Cultura por território amapaense ...................................................................... 59
Lista de siglas e abreviaturas
CNPJ: Certidão Nacional de Pessoa Jurídica
CORSP: Coordenadora dos Pontos de Cultura da Secretaria de Cultura de São Paulo
FNC: Fundo Nacional de Cultura
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA: Istituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPSO: Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos
MinC: Ministério da Cultura
PROAC: Programa de Ação Cultural
PRONAC: Programa Nacional de Apoio à Cultura
REPAM: Representante do Pontão de Cultura da Região Amazônica
REPAP: Representante dos Pontos de Cultura do Estado do Amapá
REPCE: Representante dos Pontos de Cultura do Estado do Ceará.
REPSP: Representante dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo
SeCult -SP: Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo
SeCult-AP: Secretaria da Cultura do Amapá
SeCult-CE: Secretaria da Cultura do Ceará
SICONVI: Sistema de Gestão de Convênios e Contrato de Repasses
11
Introdução
As políticas culturais apresentam dificuldades históricas para serem consideradas na
agenda governamental. No Brasil, por exemplo, são bastante baixos os investimentos no setor
cultural, setor este usado como instrumento de propaganda dos governos ditatoriais e
negligenciado pelos governos democráticos subsequentes (ARRUDA, 2003; RUBIM, 2009).
A cultura é assumida com mais força na agenda governamental apenas após o período de
redemocratização, com a desaceleração do crescimento econômico e a crise do Estado no
Brasil durante a década de 1980, na qual o modelo neoliberal de incentivo à cultura foi
adotado pelo Governo Federal e se expandiu durante a década de 1990. As políticas públicas
de cultura foram implementadas então por força normativa, através principalmente da política
de renúncia fiscal, cujo principal expoente é a Lei Rouanet (1995) em âmbito nacional
(ARRUDA, 2003; OLIVIERI, 2004).
Como contraponto a esse modelo de financiamento, surge o programa Cultura Viva,
que tem por objetivo implementar uma política cultural que de fato atenda à diversidade e
abrangência que compõem a sociedade brasileira, através de políticas culturais mais
democráticas e participativas (MINC, 2010) e dentre estas, encontra-se a ação dos Pontos de
Cultura, com destaque para o financiamento de projetos muito distintos dos projetos
comumente atendidos pelas demais políticas culturais.
Mediante este quadro, o objetivo do presente trabalho é analisar os “Pontos de
Cultura”, principal ação do programa Cultura Viva, e de que forma os mesmos se estabelecem
em três diferentes regiões do país. Parte-se da hipótese de que esta política recente do governo
brasileiro traz várias mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores,
tanto em relação ao seu financiamento e abrangência, quanto ao modo de se entender a
política cultural. Para melhor entender sua dinâmica e as razões de seu surgimento, será
analisada inicialmente a estrutura das políticas nacionais de cultura.
Partindo da definição do que é financiamento público e da forma como a cultura foi
tratada pelo Estado historicamente, busca-se elucidar qual o impacto das formas de
financiamento nas políticas culturais do país. Uma vez que a ação Pontos de Cultura busca
reverter grande parte dos entraves das políticas culturais, destaca-se a dúvida acerca da
efetividade do programa em avançar enquanto forma de financiamento para um efetivo plano
nacional de cultura, abrangente e descentralizado.
12
A fim de esclarecer essa dúvida, foram realizadas duas etapas iniciais de levantamento
de dados, em bases digitais e acervos bibliográficos, para caracterizar as políticas culturais, de
forma geral, e a política dos pontos de cultura, especificamente.
A partir de então, se desenvolveu na terceira etapa uma pesquisa de campo que analisa
a forma como a ação dos Pontos de Cultura foi implementada em estados de três diferentes
regiões do país: Amapá, Ceará e São Paulo, escolhidos a partir dos dados nacionais dos
Mapas da Rede. Esta pesquisa de campo contou com questionários qualitativos
semiestruturados com gestores estaduais dos pontos de cultura e representantes de pontos de
cultura.
O presente trabalho divide-se, portanto, em quatro partes: a parte I, “Financiamento
Público e Políticas Culturais”, tratará da forma como o Estado brasileiro aborda o tema
cultura, detalhando a estrutura de financiamento público existente, suas maiores
características e principais entraves; a parte II, “Pontos de Cultura como Novo Modelo”,
aponta a necessidade de um novo modelo de cultura, mais descentralizado e diversificado, e o
surgimento da ação dos Pontos de Cultura como alternativa para alcançá-lo, detalhando suas
características, potencialidades e resultados obtidos até o momento; a parte III, “Comparação
entre Pontos de Cultura de Três Estados”, descreve o estudo de caso da política de pontos de
cultura adotada em três estados de diferentes regiões do Brasil, para averiguar possíveis
avanços em relação à regionalização do financiamento de políticas culturais, além de
particularidades e dificuldades de cada estado; e finalmente a parte IV, “Ligando os Pontos”,
aborda a comparação entre os estados escolhidos, retomando todo o contexto histórico, os
limites e as potencialidades explicitados até então, para desenvolver as conclusões da
pesquisa.
13
PARTE I – FINANCIAMENTO PÚBLICO E POLÍTICAS CULTURAIS
Desde o seu surgimento, o Estado busca formas de financiar suas ações. O debate
entre aqueles que defendem a ação estatal como reguladora da sociedade e aqueles que
defendem a ação dos indivíduos com maior autonomia, ou com menor interferência, perdura
por muitas décadas, e não é pretenção deste trabalho discorrer sobre os argumentos a favor ou
contrários a qualquer lado. Fato é, entrentanto, que a forma de financiamento escolhida pelo
governo, ou mesmo a decisão de não financiar determinadas áreas, delimitada entre outros
fatores pela correlação de forças, capacidade de organização e barganha dos setores da
sociedade, influencia diretamente a forma como as políticas públicas são formuladas e
implementadas, e seu impacto na sociedade. Exemplo claro é a política cultural, que tem em
seu financiamento um dos principais entraves para o desenvolvimento de ações, conforme
será apresentado ao longo do texto, sendo que cada modelo de financiamento atende a
públicos e ações diferentes, e até mesmo a diferentes conceitos do que se entende por cultura.
A forma de financiamento pode definir, portanto, a forma como a política vai se
estabelecer e, partindo do pressuposto de que para entender uma política é necessário entender
a forma como a mesma é financiada e a forma como este financiamento influencia as decisões
e ações tomadas, vale destacar o que se entende por financiamento público.
1. Financiamento público
O financiamento público é parte crucial para a realização das funções de governo e
está no centro de toda discussão do papel que o Estado pretende, pode ou deve assumir em
relação aos seus cidadãos. Aliado intrinsecamente ao planejamento, como estratégia de
coordenação de ações, o financiamento no Brasil se articula a partir da organização
administrativa federalista, equilibrando recursos captados e gastos executados entre União,
Estados, Municípios e Distrito Federal, para atender às funções de governo.
Dessa forma, para melhor entender as questões concernentes ao financiamento
público, é preciso analisar as funções do Estado, isto é, a finalidade da ação pública, para que
se entenda porque uma matéria é financiada pelo poder público ou não, e como esse
financiamento será realizado. De acordo com a classificação de Musgrave por Fernando
Rezende (Finanças públicas, 2001), as funções do governo dividem-se entre 1) a alocação de
recursos na sociedade para garantir melhor eficiência nos gastos e crescimento econômico -
14
função alocativa, 2) a redistribuição da renda, em busca de equidade - função distributiva, e
3) a manutenção da estabilidade econômica - função estabilizadora.
Para executar suas funções, entrentanto, o Estado precisa aprovar suas contas através
de orçamentos. A necessidade destes, principalmente para controle dos poderes Legislativo e
Executivo, é identificada desde a Constituição de 1824, que tornou a elaboração dos
orçamentos e aprovação dos mesmos pelo poder Legislativo obrigatórios, conforme aponta
Giacomini (2009). Orçamento público então, é a forma pela qual o governo estima o que será
arrecadado e planeja a alocação de recursos durante o ano. Através do orçamento público as
políticas públicas são analisadas para definir qual será a prioridade da ação governamental. A
fim de adotar um modelo de orçamento padrão para todo o governo e seus diversos níveis, foi
aprovada em 1964 a Lei nº 4.320, perdurando até os dias atuais como o modelo do orçamento
a ser apresentado, pelo poder Executivo ao poder Legislativo para aprovação, anualmente.
Isso porque os orçamentos governamentais são dividos atualmente ainda segundo os
padrões da lei nº 4.320/64, entre:
Receitas: conjunto de recursos que o governo estima receber, em sua maioria de forma
compulsória. Seus principais itens são: receita tributária, contribuições sociais e econômicas,
serviços, receita patrimonial, emissão de títulos para refinanciamento da dívida, operações de
crédito contraídas junto ao setor privado, alienação de bens, demais receitas correntes e de
capital.
Despesas: classificadas de acordo com os órgãos (classificação institucional), funções
(classificação funcional, de acordo com a finalidade do gasto), programas (classificação por
finalidade do gasto associada a objetivos gerenciais) e por natureza de despesa (pessoal e
encargos sociais, juros e encargos da dívida, outras despesas correntes, investimentos,
inversões financeiras, amortização da dívida e reserva de contingência).
Da Lei nº 4.320/64 ainda permanecem algumas características, como a concepção de
divisão das ações governamentais em diferentes funções, cujos gastos devem ser explicitados
nos diversos orçamentos. Estas funções foram atualizadas pela portaria nº 42, de abril de
1999, que aloca as ações governamentais entre funções1, subfunções, programas, projetos,
atividades e operações especiais.
1 As funções governamentais são então: Legislativa; Judiciária; Essencial à Justiça; Administração; Defesa Nacional (excluída a partir do orçamento de 2001); Segurança Pública; Relações Exteriores (também excluída a partir do orçamento de 2001); Assistência Social; Previdência Social; Saúde; Trabalho; Educação; Cultura; Direitos da Cidadania; Urbanismo; Habitação; Saneamento; Gestão Ambiental; Ciência e Tecnologia; Agricultura; Organização Agrária; Indústria; Comércio e Serviços; Comunicações; Energia; Transporte; Desporto e Lazer; Encargos Especiais.
15
Dessa forma, o atual Sistema Orçamentário brasileiro é definido pelos artigos nº 165 a
169 da Constituição Brasileira de 1988 e demais leis complementares, sendo um sistema
misto, utilizando critérios de caixa para as receitas e de competência para as despesas.
Este sistema, como aponta Giacomini (2009), é composto por três2 instrumentos
criados para regularizar, planejar e redistribuir os recursos, que se intercalam
hierarquicamente em diferentes etapas:
*O Plano Plurianual (PPA), lei ordinária que vigora por quatro anos e estabelece
diretrizes, objetivos e metas da administração pública para as despesas, com planejamento de
médio prazo e para políticas continuadas;
*A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), elaborada anualmente, detalha as metas
e prioridades da administração para o ano seguinte e orienta a elaboração da LOA, dispondo
sobre alterações legislativas e políticas de aplicação das agências financeiras; e
*A Lei Orçamentária Anual (LOA), baseada nos itens anteriores, estima as receitas
e fixa as despesas de toda a administração pública federal para o ano seguinte. É composta por
três orçamentos: o Orçamento Fiscal, que abrange impostos e despesas de toda a
administração pública, direta ou indireta; o Orçamento da Seguridade Social, que abrange a
ação governamental nos setores da saúde, previdência e assistência social; e o Orçamento de
Investimentos, que abrange as receitas adquiridas de origem não fiscal a serem investidas pelo
poder público.
Em 2000, foi promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), nº 101, com o
objetivo de equilibrar as contas públicas ao impedir que os governantes gastem mais do que
arrecadam, contribuindo, então, para que não deixem dívidas para seus sucessores, e que
sigam o que é estabelecido pelas peças orçamentárias aprovadas. Esta lei veio a estabelecer o
equilíbrio entre as três leis orçamentárias, reforçando uma diretriz já existente no
ordenamento da Lei nº 4.320/64, mas sem a clareza e o respaldo político trazidos pela LRF. A
proposta da LRF é de uma prestação de contas mais eficiente, usando para isso metas fiscais,
análise de riscos fiscais e avaliação periódica de resultados por meio de dois relatórios: o
Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) e o Relatório de Gestão Fiscal
(RGF).
Esta lei estabeleceu, então, uma série de regras a serem seguidas pela administração
pública direta, em todos os níveis. Traz consigo vários instrumentos de gestão, através de seus
2 O orçamento público dos investimentos das empresas estatais, entretanto, tem características próprias, havendo ainda o orçamento para agências oficiais de fomento, no qual o governo obtém retorno financeiro.
16
modelos de demonstrativos financeiros. A gestão pública, como aponta Saddy (2002), pauta-
se agora em dois pilares: a responsabilização dos agentes públicos para com o patrimônio e a
receita pública, bem como a gestão fiscal equilibrada, objetivando o controle orçamentário e
inflacionário, confronto de metas e resultados, receita e despesa, para uma determinada
demanda pública. Posto isto, gerir hoje qualquer política pública só é possível quando a
mesma for dotada de recursos públicos para demandas concretas, a serem apreciadas em
projetos, programas e ações governamentais, relacionando-os com PPA e LDO, lançadas em
lei orçamentária.
Através de todo este aparato orçamentário, o Estado brasileiro tenta redistribuir na
sociedade os recursos captados de distintas maneiras, mas principalmente por meio de
tributos, como aponta Rezende (2001). Dentre estas distintas maneiras podemos mencionar as
tranferências diretas de recursos, cujo programa mais expressivo atualmente é o programa
Bolsa Família; seu próprio consumo, haja em vista a extensão da folha de pagamento da
máquina pública e o fato de a mesma ser a maior consumidora de muitos setores da economia
nacional; e, finalmente, os investimentos em setores estratégicos para a economia, sejam
estes investimentos diretos, ou a renúncia dos impostos devidos, para que com estes recursos
a própria sociedade atenda a sua demanda.
Vale destacar, entretanto, que a distribuição de recursos não é isenta de opções
ideológicas. O modelo econômico adotado pelo governo traz forte impacto para a forma como
os recursos serão alocados dentro do orçamento público, podendo seguir, em um extremo, o
modelo liberal (e posteriormente neoliberal), no qual o Estado executa funções mínimas, e, no
outro extremo, o modelo keynesiano, no qual o Estado tem maior presença na economia
(GREMAUD et. al., 2007). Como se observa, estes modelos não são definitivos, alternando-
se ao longo da história econômica mundial, tendo o Estado maior ou menor atuação
dependendo da conjunção de uma série de fatores sociais, políticos e econômicos. A década
de 1980 foi um dos momentos em que estes modelos se alternaram, mudando a forma de
atuação dos governos mundiais, inclusive no Brasil.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o modelo keynesiano foi adotado, através da
política de garantia do estado de bem-estar social, garantindo maior atuação estatal
(GREMAUD, 2007). Com a desaceleração do crescimento econômico e a crise do Estado no
Brasil durante a década de 1980, o modelo neoliberal passou a ser hegemônico, diminuindo o
espaço de atuação do Estado. Os efeitos mais conhecidos desse modelo foram a privatização
de empresas públicas existentes e terceirização de ações governamentais para a iniciativa
17
privada, a partir da lógica de que a sociedade é considerada apta a realizar a alocação destes
recursos de forma mais eficiente, segundo Rezende (2001). Esse modelo mudou ainda a
forma como as políticas públicas foram implementadas pelo governo.
Por não contar com a obrigatoriedade de ação estatal e garantia de recursos dados pela
Constituição Federal de 19883, ao contrário de setores como educação e saúde, um dos setores
mais afetados por essa mudança foi a política cultural brasileira, que transferiu a
“responsabilidade” de execução das ações para a iniciativa privada, ficando o Estado com a
função de financiamento e regulação destas ações (RUBIM, 2009). Isto porque a política
cultural passou a ser realizada através da isenção fiscal, em que o Estado permite que
empresas privadas direcionem os recursos de impostos devidos para projetos culturais, de
acordo com leis de incentivo fiscal criadas, como por exemplo a Lei Rouanet (1995) em
âmbito nacional (OLIVIERI, 2004).
Dessa forma, a estrutura do financiamento público e em especial a estrutura de
financiamento das políticas culturais, foco deste trabalho, influenciam a ação governamental,
que precisa atender às diversas leis orçamentárias, vinculações orçamentárias e restrições
financeiras para realizar seus planos, programas e projetos. A escolha da estrutura de renúncia
fiscal para o financiamento de políticas culturais trouxe vários impactos sobre a forma como a
política cultural brasileira foi encarada pelo Estado, conforme será detalhado posteriormente,
e potencializou alguns problemas no que diz respeito à alocação de recursos públicos, dentre
estes a concentração de recursos para determinados setores (geralmente com acesso a outros
recursos que não apenas o recurso público) em detrimento a outros setores (geralmente
periféricos e sem acesso a financiamentos de qualquer natureza), causando regressividade da
política, além de falta de controle (interno e externo) e transparência dos recursos
movimentados (ARRUDA, 2003; OLIVIERI, 2004; SILVA, 2004).
3 Como aponta Castro (2001), a vinculação constitucional de recursos para a educação já estava presente na
administração pública brasileira desde a constituição de 1934, sendo alterada, revogada e retomada ao longo do tempo. Segundo o autor, apesar da controvérsia causada pelo comprometimento de parcela significativa do orçamento do Estado, a vinculação garante um mínimo de recursos para dar continuidade a setores fundamentais. Atualmente a vinculação de recursos para a educação é garantida pela Constituição Federal de 1988 e a definição de como os recursos podem ser gastos foi atualizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394 de 1996 (CASTRO, 2001). Já a indefinição da origem dos recursos destinados à saúde, após longa disputa de interesses e períodos de crise financeira do setor, levou à vinculação de recursos através da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, como apontam Mendes e Marques (2009), igualmente para a garantia de recursos mínimos para a garantia de continuidade da política.
18
2. Histórico e financiamento da política de cultura
“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” (Art. 215 da Constituição Federal de 1988).
A atual estrutura de financiamento do setor foi adotada, deve-se destacar, a partir de
um contexto de entrave para o desenvolvimento da política cultural, uma vez que
historicamente a cultura recebeu pouca atenção dos governos brasileiros, dificultando sua
entrada na agenda governamental. Enquanto alguns setores receberam forte atenção da
Constituição Federal de 1988, como a saúde e a educação, tendo inclusive recursos do
orçamento vinculados a estas pastas, o setor cultural foi historicamente tratado como um setor
“residual”, apesar de a mesma constituição garantir o acesso e apoio governamental às
expressões da cultura nacional. Esse tratamento precisa ser analizado para melhor
compreender o contexto e a importância da atual política cultural brasileira, bem como a luta
por políticas culturais mais abrangentes e descentralizadas (RUBIM, 2009), como os pontos
de cultura.
Surgindo em meados do século XX com a necessidade de formar identidades
nacionais, a cultura retoma espaço de discussão na agenda governamental já no início do
século XXI, agora visando o reconhecimento da diversidade e da transversalidade da nova
sociedade vigente, a tida “sociedade da informação” (RUBIM, 2009). Mesmo que estas
transformações sejam também identificadas no Brasil, é possível notar clara falta de
investimentos no setor cultural, usado como instrumento de propaganda dos governos
ditatoriais para obter apoio popular, e negligenciado pelos governos democráticos
subsequentes (ARRUDA, 2003; RUBIM, 2009), que não investiram recursos no setor e
sequer implementaram políticas de cultura específicas, conforme será detalhado
posteriormente.
Apenas com o processo de redemocratização dado no final da década de 1980, a
cultura volta a ocupar maior espaço na agenda governamental através das políticas de
financiamento pelo incentivo fiscal (OLIVIERI, 2004). Estas políticas destacaram a ação
privada nas produções culturais, e geraram alguns entraves para a diversificação e
abrangência da política cultural. O exacerbamento de políticas neoliberais como as políticas
19
culturais, de forma mais geral, colocam novamente o Estado em importante papel para as
políticas culturais, sendo alvo da reinvindicação da sociedade civil para novos meios de o
Estado promover a cultura (RUBIM, 2009).
Como aponta Rubim (Políticas culturais e novos desafios, 2009), a sociedade atual
impõe novos paradigmas para as políticas públicas, sendo preciso envolver diversas
dimensões e as dinâmicas de interação entre as mesmas, além de considerar os diversos atores
envolvidos.
2.1. Panorama histórico das políticas culturais
Para muitos autores, a cultura, ou os fatores culturais, são intrínsecos ao
desenvolvimento da criação e inovação, sendo que, através da mesma, disseminam-se valores
que moldam e sustentam a sociedade (EUROPEAN UNION, 2009; RUBIM, 2009), estando
aí a importância da cultura para o desenvolvimento humano. A cultura, entretanto, não é um
conceito único e voltado para si mesmo, tendo implicações em outras dimensões, como a
inclusão social, uma melhor educação, a criação de identidade, entre tantos outros, sendo,
portanto, um conceito de definição multidisciplinar. Assim, a cultura é tratada em países tidos
como desenvolvidos, no geral, por políticas públicas de âmbito nacional, com implicações
internacionais, como a exportação de obras culturais e a criação de “tendências” mundiais,
que influenciam a cultura de diversos países a partir das linhas delimitadas por suas políticas
culturais (EUROPEAN UNION, 2009).
Rubim (2009), seguindo esta linha, remonta o surgimento e ascensão das políticas
públicas culturais nos países ocidentais durante o século XX, destacando dois movimentos: o
agendamento das políticas de cultura fortemente relacionadas ao Estado e à construção de
identidades nacionais entre os anos de 1930 e 1970, e as novas necessidades de políticas
culturais transversais4 e diversas da sociedade da informação no começo do novo milênio.
Esta primeira fase foi motivada, como aponta o autor, pela garantia do acesso às obras
culturais, pela difusão do patrimônio cultural e pelo financiamento da produção de obras
culturais. Entretanto, a política era centralizada no governo e hierárquica, sendo que as
políticas de cultura ficaram restritas a órgãos de cultura.
4 Segundo o autor (RUBIM, 2009), a transversalidade, apesar de grande diferencial desse segundo modelo de políticas culturais, é muito citada, mas ainda pouco entendida. Poucas são as políticas que realmente conseguem articular diferentes campos disciplinares para o desenvolvimento cultural.
20
É apenas por volta dos anos de 1970 que começam a surgir pastas governamentais
destinadas exclusivamente à cultura, o que aponta para uma negligência por parte do Estado,
das políticas culturais como um movimento global, uma vez que o primeiro Ministério da
Cultura criado no contexto internacional foi ministério francês em 1969 (RUBIM, 2009)5.
Apesar da institucionalização da cultura por meio da criação de um ministério próprio,
a tendência mundial pelo fim da centralidade do Estado influenciou o tratamento das políticas
culturais, dando espaço para um novo modelo econômico neoliberal na década de 1980, que,
somado ao desenvolvimento das tecnologias de informação, provocaram mudanças na ordem
social, dando forma ao segundo momento das políticas culturais, que se expandiram na
década de 1990 (RUBIM, 2009; OLIVIERI, 2004). As atividades antes financiadas ou
providas pelo Estado passaram a ser substituídas por políticas de financiamento calcadas no
incentivo fiscal (OLIVIERI, 2004) e, nesse sentido, a cultura é vista como algo acessório e
residual, sob a ótica de que são necessários maiores investimentos na resolução de outros
problemas sociais mais emergenciais, como proteção e seguridade social, necessidades
básicas a serem garantidas para o bem-estar social.
Anterior a esta tendência mundial de descentralização das ações culturais já haviam
iniciativas governamentais que davam ênfase ao mercado e ao apoio privado, como o modelo
de financiamento cultural norte-americano, com sua primeira lei de incentivo à cultura criada
na década de 1920. A partir da década de 1960, com a criação da agência de cultura National
Endownment for the Arts (NEA), as três esferas de governo norte-americano aumentaram sua
participação no setor. Anteriormente, não havia incentivo público no país, por acreditar-se que
a produção cultural americana era “vazia e insuficiente do ponto de vista qualitativo”,
predominando o culto à arte europeia; não fazendo sentido portanto incentivar o setor. Com
relação a financiamentos, a NEA recebe verbas do governo e repassa aos estados, de acordo
com seu investimento, isto é, para cada dólar investido pelos estados e municípios, a NEA
repassa mais um dólar para os fundos locais. A seleção de quem será beneficiado é realizada
por uma comissão de artistas nomeados anualmente (OLIVIERI, 2004).
No Brasil, o modelo de criação de fundos públicos somados ao incentivo fiscal surgido
na década de 1990 foi amplamente baseado no modelo norte-americano, segundo Olivieri
(Cultura neoliberal: leis de incentivo como políticas públicas de cultura, 2004), e iniciou-se,
5 Apenas em 1985 foi criado o Ministério da Cultura no Brasil, a partir da separação do Ministério da Educação e Cultura.
21
por sua vez, com a Lei Sarney, que disponibilizou verbas para produções culturais, destinadas
para o mercado, segundo a qual as empresas decidiam e alocavam os recursos da forma que
desejassem (o que ficou conhecido como mecenato). A Lei previa incentivos fiscais, como o
abatimento de valores no Imposto de Renda (IR), mas acabou gerando descontrole na
aplicação de verbas e foi revogada em 1990. Posteriormente, entretanto, outras leis foram
aprovadas no mesmo sentido, como a Lei Mendonça no Município de São Paulo (1990) e a
Lei Rouanet (1995) em âmbito nacional, destinando recursos públicos obtidos por impostos:
Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto de Renda (IR), respectivamente.
As políticas públicas de cultura foram implementadas, então, por força normativa,
estabelecendo renúncia fiscal sob os moldes da “pioneira” Lei Sarney. Nesse ponto, portanto,
as políticas culturais existentes no Brasil perdem espaço no governo Collor, que extingue o
Ministério da Cultura então existente, e continuam a perder espaço com a política exercida
durante o governo FHC (RUBIM, 2009).
No gráfico seguinte, que apresenta a evolução dos recursos destinados à cultura
através da renúncia fiscal, é possível perceber o aumento dos recursos provenientes da
renúncia fiscal durante a década de 1990, dinheiro de impostos que deixam de ser arrecadados
pelos cofres públicos para incentivar projetos culturais, e uma declinação na contrapartida a
essa renúncia, recursos adicionais que deveriam ser “doados” pelas empresas privadas, com a
finalidade de manutenção e desenvolvimento destes projetos culturais.
Com as vantagens trazidas por este modelo de financiamento, somado à previsão de
alíquotas de isenção de até 100% para patrocínio de projetos audiovisuais e de alíquotas de
até 80% para projetos financiados através da lei Rouanet, conforme detalhado logo abaixo, é
perceptível a diminuição de recursos adicionais investidos pelo setor privado, que passam a
investir recursos somente quando houver incentivos fiscais atraentes para isso.
22
Gráfico I – Evolução dos recursos destinados à cultura, 1995-2002
Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004)
Esse modelo, o mecenato, foi disseminado por todo o país sob a crença de que esse
padrão de financiamento seria suficiente para apoiar a cultura, sobretudo para sanar as
necessidades do mercado cultural, uma vez que a cultura era encarada sob o foco neoliberal.
Entretanto como se percebe no gráfico acima, os recursos adicionais investidos pelo setor
privado, que deveriam se ampliar para garantir a continuidade da política, reduzem-se ao
longo do tempo.
Os órgãos públicos de gestão de políticas de cultura, por outro lado, não se
concentraram na execução de programas e ações para promover a cultura, e, pelo contrário, as
instituições como o Ministério e as Secretarias de Cultura assumiram um papel meramente
burocrático e de regulação de programas implementados por meio dos sistemas de incentivo
(OLIVIERI, 2004), cujas estruturas de financiamento foram implementadas a partir de um
complexo aparato legal e normativo, dando forma à política cultural brasileira a partir da
década de 1990, como será apresentado a seguir.
2.2. A estrutura do financiamento da cultura a partir da década de 1990
No Brasil, o financiamento na área cultural pode ser analisado por três leis de
referência, algumas mencionadas anteriormente, detalhadas a seguir.
23
A lei mais expressiva é a Lei nº 8.313, de dezembro de 1991 (Lei Rouanet,
regulamentada pelo Decreto nº 1.494, de maio de 1995), que criou o Programa Nacional de
Apoio à Cultura (PRONAC). Sua implementação deu-se por meio de três pilares:
1. O Fundo Nacional da Cultura (FNC)
O Fundo Nacional de Cultura tem extrema importância como fonte de recursos para
políticas de cultura desvinculadas dos interesses macroeconômicos, pois tem por objetivo
patrocinar projetos que não são economicamente atrativos para o patrocínio privado
(OLIVIERI, 2004).
É interessante analisar os recursos e estabelecer comparação com outras fontes,
principalmente no que se refere à execução orçamentária, para notar que o FNC tem um
comportamento diferente, ao ultrapassar o valor inicialmente orçado de forma mais expressiva
que as outras fontes, chegando a triplicar o valor em alguns anos, o que pode demonstrar a
importância dessa fonte de financiamento para projetos culturais.
No período analisado, o fundo sempre executou mais do que estava previsto em seu
orçamento e, em 2005, é possível verificar aumento de aproximadamente 400% na execução
orçamentária do Fundo Nacional de Cultura.
Tabela I – Comportamento da execução orçamentária das instituições federais de cultura, 1996-2005
Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).
24
A tabela demonstra como os recursos do FNC superam, em muito, os valores de
orçamento executados pelo Ministério da Cultura, que raramente consegue executar todo o
orçamento previsto. Já o FNC supera os recursos orçados, gastando mais do que o previsto;
2. O Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICArt)
Este ainda pouco efetivo, sem personalidade jurídica e constituído por quotas, emitidas
sob forma nominativa e escritural e sujeitas à Lei nº 6.385, de dezembro de 1976, a qual
dispõe sobre o mercado de valores mobiliários. O Fundo é sujeito às regulamentações da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao regime tributário definido pela Secretaria da
Receita Federal (OLIVIERI, 2004);
3. Os Incentivos a Projetos Culturais
De acordo com Olivieri (Cultura neoliberal: leis de incentivo como políticas públicas
de cultura, 2004), o mecenato, através da Lei Rouanet, trabalha com a ideia de dedução do
Imposto de Renda (IR) dos valores investidos em projetos culturais, chegando à isenção do
mesmo em alguns casos, sob a forma de doação ou patrocínio por pessoa física ou jurídica
que execute cálculo do imposto de renda devido por lucro real. De acordo com a forma de
destinação de recursos, se doação ou patrocínio, e de acordo com a personalidade, se física ou
jurídica, há uma alíquota diferente para dedução de impostos, conforme é exemplificado no
quadro abaixo, indo de 30% de isenção para patrocínios realizados por pessoas jurídicas até
80% de isenção para doações feitas por pessoa física.
A razão desta diferenciação refletida na porcentagem da dedução no IR (direta e
indiretamente) se dá pela permissão de utilização do projeto como meio de veiculação do
patrocinador - marketing cultural, que prevê, inclusive nos valores do projeto, as despesas
com divulgação/propaganda.
25
Quadro I – Diferenças da isenção dada pela Lei Rouanet
Fonte: Própria, produzido a partir de informações de OLIVIERI, 2004.
O Presidente da República determina anualmente os valores reservados à renúncia
fiscal, sendo que este valor reservado não inclui a contrapartida devida pelas entidades
beneficiárias da isenção fiscal. Essa concepção de incentivos procura (ou deve procurar)
garantir a exibição, utilização e circulação pública dos bens culturais, ainda que 25% sejam
reservados para uso (pessoal) do patrocinador. Olivieri (2004) aponta o papel da Comissão
Nacional de Incentivos à Cultura (CNIC) de controlar a utilização dos recursos por parte das
empresas. Essa comissão mista, é composta por representantes da Sociedade Civil, por
representantes dos maiores interesses do Mercado, por representantes do Ministério da
Cultura (e agregados) e por representantes da Entidade Nacional Representante dos Estados, e
teve como objetivo aprovar projetos, definir programas de trabalho e regras. Entretanto, esta
perdeu sua função ao longo do tempo e se transformou em órgão consultivo para aprovação
de projetos, sendo essa prerrogativa do ministério (OLIVIERI, 2004).
Além da Lei Rouanet, outro instrumento legal de referência para o setor cultural é a
Lei nº 8.685, de julho de 1993 (Lei do Audiovisual), modificada pela Lei nº 9.323, de
dezembro de 1996. Tem a mesma lógica dos incentivos fiscais, descritos anteriormente, e
destina-se a projetos cinematográficos de produção independente e outros projetos da área do
audiovisual de exibição, distribuição e infra-estrutura técnica. Quando comparada à Lei
Rouanet, Olivieri (2004) destaca que a Lei do Audiovisual acaba permitindo até 100% de
dedução como incentivo fiscal.
Há, ainda, a MP nº 2.219, de setembro de 2001, que criou o Programa de Apoio ao
Desenvolvimento do Cinema Nacional (PRODECINE), a Agência Nacional de Cinema
(ANCINE) e o Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (FUNCINE).
Esse fundo é similar em vários aspectos ao FICArt. (SILVA, 2004).
26
2.3. Entraves e desafios do financiamento da cultura
A atual estrutura de financiamento formada pelas leis de incentivo e fundos culturais
tem alguns entraves que acabam impedindo o desenvolvimento de uma política cultural
abrangente e diversificada, conforme indica o artigo nº 125 da Constituição Federal, segundo
o qual o Estado deve apoiar e incentivar a valorização e difusão das manifestações culturais.
A política de financiamento da cultura, entretanto, acaba sendo direcionada para
apenas alguns tipos de manifestações culturais, e isso se dá através de efeitos como
dificuldades técnicas para a aprovação de projetos, ou o fato de a forma de captação de
investidores influenciar o uso dos recursos, restringindo os tipos de projetos financiados e
ainda concentrando regionalmente os projetos realizados, dentre outros, conforme será aqui
detalhado.
2.3.1. Dificuldades em obter financiamento
Apenas uma parte dos projetos apresentados é aprovada e um número menor consegue
investimento e é, portanto, realizado. Isto decorre da estrutura de financiamento gerada pela
política de cultura: grande parte dos produtores não encontram empresas que aceitem
patrocinar seus projetos, seja porque estes não são tão atrativos publicitariamente, seja porque
os produtores não detêm conhecimento técnico ou capital social para acessar estes
patrocinadores (OLIVIERI, 2004).
Os procedimentos burocráticos necessários para atender aos critérios dos programas de
financiamento ora requerem conhecimentos técnicos muito específicos do proponente de
projetos - que além de ser artista precisa ser gerente, contador, etc. - ora são ineficientes para
gerenciar os projetos ou mesmo solucionar dúvidas dos proponentes quanto às suas
exigências. Como aponta Olivieri (2004), considerando que pequenos produtores geralmente
não detêm capacidade técnica para apresentar projetos nos moldes dos editais das políticas,
seus projetos não conseguem ser sequer aprovados para busca de captação, enquanto projetos
com maiores condições financeiras (e dentro da lógica do marketing empresarial) dispõem de
consultorias especializadas na proposição de projetos e contam, geralmente, com
financiadores previamente definidos, favorecendo a realização de seus projetos e destacando
um viés perverso e excludente na política cultural estabelecida.
27
Projetos cinematográficos são, em geral, exemplos do poder da burocracia estatal em
selecionar – e, portanto, excluir – projetos que venham a se inscrever em editais para seleção
pública, por não se adequarem aos complexos parâmetros burocráticos dos editais, que
geralmente ignoram questões como alcance ou efetividade dos projetos, e limitam-se a
analisar a documentação e o nível de regularidade normativa dos proponentes, sendo que
geralmente artistas não possuem a formação necessária para lidar com tais questões
(OLIVIERI, 2004).
No que se refere à Lei do Audiovisual, há um outro problema que influencia os
projetos aprovados e de fato realizados. Projetos audiovisuais dependem de grandes aportes
financeiros, e por dependerem geralmente de mais de uma empresa financiadora para
completar a verba necessária, diminuindo assim o espaço de divulgação da mesma, seu
patrocínio torna-se ainda mais difícil. Somam-se a estas dificuldades exemplos pontuais de
casos que tomaram espaço na mídia, como o filme “Chatô”, de Guilherme Fontes, que
recebeu recursos mas não foi concluído, afetando assim a credibilidade das políticas de
financiamento (OLIVIERI, 2004).
Ainda com relação à dificuldade de captação de recursos por meio de apoio de
empresas financiadoras, há problemas com a motivação da empresa em financiar apenas tipos
de projetos culturais economicamente mais eficientes, em detrimento dos demais tipos6,
reduzindo o espaço de determinadas expressões artísticas para a valorização daquelas mais
"comerciais" (EUROPEAN UNION, 2009).
Geralmente, as empresas são motivadas a financiar projetos que sejam
publicitariamente vantajosos, que sejam identificados com a marca, ou que divulguem
mensagens apoiadas pelas marcas, tendo preferência projetos mais “comerciais” 7, tornando os
recursos públicos financiadores do marketing institucional destas empresas.
Dentre os fatores de maior dificuldade para que pequenos produtores culturais8
apresentem projetos adequados aos critérios do financiamento público ou, quando aprovados,
prestem contas de seus gastos devidamente, Olivieri (Cultura neoliberal: leis de incentivo
6 Neste ponto, vale destacar que a importância de incentivo a todo tipo de manifestação cultural será abordada com mais profundidade ao longo do trabalho. Entretanto o conteúdo do artigo nº 125 da CF/88 é suficiente para ressaltar os limites de abrangência da atual política de financiamento. 7 Uma crítica a ser feita é que em nenhum momento, vale destacar, o “consumidor final” das políticas culturais, o cidadão, é considerado nesse processo. 8 Um grande problema para a aprovação de projetos indígenas, por exemplo, é que os produtores sequer conseguem reunir os documentos necessários para submeter o projeto ao Ministério, perdendo assim essa fonte de financiamento.
28
como políticas públicas de cultura, 2004) destaca a falta de objetividade e planejamento dos
projetos, implicando em ausência de público-alvo definido e retorno esperado da política9.
2.3.2. Concentração regional
Dentre os projetos aprovados e que chegam a ser realizados, é possível identificar um
outro tipo de problema: a concentração regional. Isto ocorre pois a esmagadora maioria dos
projetos realizados pertencem ao eixo Rio – São Paulo. Da mesma forma, a maioria das
empresas financiadoras é proveniente da região sudeste, sendo que “das dez maiores
empresas investidoras, nove estão em São Paulo e Rio de Janeiro” (OLIVIERI, 2004: 123).
A partir da análise de tais dados, Olivieri (2004) argumenta que os recursos do incentivo
fiscal acabam ficando nas mãos de poucas empresas que, ao escolher os projetos que irão
patrocinar, acabam definindo portanto como será a política pública de cultura na qual o país
investe.
Sobretudo os recursos circulam de forma extremamente desigual. São Paulo e Rio de
Janeiro durante a gestão FHC, detinham juntos cerca de 70% dos recursos provenientes do
financiamento, com pequena desconcentração destes recursos durante a primeira gestão Lula,
conforme dados apresentados pelo IPEA, demonstrados a seguir:
9 Em entrevista feita em 2009, Olivieri pontua que, por outro lado, a avaliação dos projetos realizados restringe-
se à prestação de contas, não avaliando os impactos dos projetos, característica que reflete a falta de atenção para uma avaliação eficiente dos projetos culturais.
29
Gráfico II – Distribuição de recursos entre as regiões e estados selecionados durante os governos FHC e Lula
Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).
Esse gráfico aponta a determinação do financiamento coerente com nível de
industrialização e desenvolvimento econômico de cada estado e produção vinculada ao
marketing social, indicando que as leis de incentivo falham no que se refere à distribuição
equilibrada dos recursos públicos ao dar destaque para os estados com maior poder
econômico, conforme aponta a análise da relação entre produção econômica e incentivo fiscal
ao setor cultural:
30
Tabela II – Participação proporcional de estados selecionados e regiões nos incentivos culturais e no PIB
Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).
2.3.3. Prestação de contas e comprometimento com o público
A Lei Rouanet foi considerada até pouco tempo10 um avanço quanto à diminuição dos
procedimentos burocráticos para a realização do projeto em relação a outras leis de incentivo,
mas ainda assim exige vários critérios inatingíveis para pequenos produtores que
desconhecem os trâmites do setor público, cabendo ao proponente, por exemplo, a prestação
das contas do mesmo projeto nos moldes das leis orçamentárias brasileiras (OLIVIERI,
2004).
Por outro lado, a prestação de contas é a principal contrapartida efetivamente
necessária e exigida pelo Ministério, somada a um exemplar da obra (material de divulgação,
10 As recentes alterações aprovadas foram um retrocesso em relação à desburocratização proporcionada pela Lei Rouanet, que agora está mais exigente para a aprovação de projetos culturais.
31
livro, cópia da mídia, etc.) e os formulários devidamente preenchidos. Essa prestação de
contas, entretanto, não é capaz de identificar se os projetos foram bem-sucedidos, se tiveram
público, ou mesmo se foram realmente executados. Para além da ineficiência da prestação de
contas, essa se caracteriza como uma das maiores dificuldades das entidades culturais após
terem projetos aprovados (OLIVIERI, 2009; RODARTE, 2009), já que as entidades não são
familiarizadas com procedimentos burocráticos próprios da rotina estatal e não conseguem,
portanto, atender a todos os critérios exigidos pelos editais, principalmente a prestação das
contas realizadas, conforme apontado em trecho a seguir.
“Em razão de o mercado cultural ser habituado à informalidade das relações e dos pagamentos, a prestação de contas se traduz, por vezes, em procedimento bastante difícil ou mesmo impossível de ser cumprido. Proponentes que não possuam ou não estejam vinculados a empresas especializadas com quadro de funcionários e experiência profissional, em geral, não estão habilitados a solicitar e verificar os documentos recebidos dos fornecedores. O resultado é o indeferimento da prestação de contas apresentada ou a glosa de parte das despesas.” (OLIVIERI, 2004:100)
Isto porque, segundo as regras do financiamento, a prestação de contas consiste na
validação dos gastos realizados, em comparação com o orçamento inicialmente aprovado.
Cada inconsistência deve ser minuciosamente explicada. Esta característica visa evitar desvio
de verbas, mas acaba na verdade limitando a avaliação da política pública de cultura, e
mobilizando mão de obra dos proponentes para justificar seus gastos, e do Ministério da
Cultura para a conferência de dados que não impactarão mais nos projetos desenvolvidos11.
Estes exemplos de ineficiência do alcance da política são ainda atrelados a outro
problema das políticas de financiamento: a falta de comprometimento com o público, uma vez
que poucos são os locais destinados a apresentações culturais, e não há exigência de “preços
populares” para obras financiadas com recursos públicos, o que torna ainda mais desigual o
acesso às políticas culturais. Exemplo deste ponto foi o patrocínio dado a apresentações do
Cirque du Soleil que, mesmo contanto com recursos provenientes da Lei Rouanet, cobravam
ingressos acima de R$ 100,00, valor inacessível para grande parte da população brasileira
(OLIVIERI, 2009)
11 Essa característica foi mencionada em entrevista (OLIVIERI, 2009), em que a autora relata que além de
poucos recursos humanos disponíveis no MinC para avaliação dos projetos, esta avaliação baseia-se tão somente na verificação da prestação de contas, e não na implementação e desenvolvimento dos projetos.
32
2.3.4. Resultados da ineficiência da política cultural
Com o acúmulo de limitações para a aprovação de projetos culturais, os financiados
pela política cultural acabam sendo aqueles com maior apelo comercial e, em sua maioria,
constituem-se de projetos do segmento de música, artes cênicas e patrimônio cultural.
Entretanto, a relação entre o número de projetos apresentados segundo os moldes das leis de
incentivos fiscais, aprovados e efetivados demonstra o dispêndio de tempo e trabalho com
projetos que não são realizados (IPEA, 2007), que acabam “desperdiçados” e desperdiçando a
mão de obra estatal, contrastando com o baixo acesso a bens culturais para a população
brasileira.
Enquanto os projetos culturais financiados através das leis de incentivo fiscais
circulam entre produções mais “clássicas”, como gravações musicais, peças de teatro,
espetáculos de dança, produções cinematográficas, publicação de livros, em sua grande
maioria (OLIVIERI, 2004), os dados revelados pela pesquisa publicada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2004 demonstram que o acesso aos bens culturais é
muito restrito, a despeito dos investimentos feitos através das leis de incentivo, sendo que
apenas 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês e mais de 80% dos municípios
não possuem cinema, teatro ou espaços culturais (ver Gráfico III), entre outros indicadores
que revelam, de modo simultâneo, a ínfima cobertura de oferta do modelo da indústria
cultural, a disparidade entre os estados brasileiros, a inexistência do amplo acesso e a
possibilidade de expansão da economia baseada nas atividades de produção (SILVA, 2004).
Corroborando este quadro, pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) que compara dados de 2005 e 2006 mostra que 42,1% dos municípios
brasileiros não têm ações que indiquem o estabelecimento de uma política cultural
incentivada pelo estado (MUNIC, 2006) e, portanto, em mais de 40% dos municípios no
Brasil o tema cultura não encontra-se na agenda das políticas públicas.
O gráfico abaixo demonstra, além da falta de atenção governamental para políticas de
cultura, o baixo número de equipamentos culturais nos municípios brasileiros, exemplificando
a falta de priorização da área cultural.
33
Gráfico III – Densidade da oferta de equipamentos culturais no total dos municípios
Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).
Dentre os municípios brasileiros, apenas 1% conta com alta densidade de
equipamentos culturais, sendo que a esmagadora maioria não conta com equipamentos
culturais suficientes, principalmente em relação à sua população. Conforme dados
apresentados pelo IPEA (SILVA, 2004), cada vez mais são menores os espaços de expressão
cultural públicos e de fácil acesso, como teatros, galerias, etc., muitas vezes restritos à um
determinado público e em locais de dificíl (e caro) acesso ao público em geral. Além disso,
também é possível observar a dificuldade que os artistas encontram para acessar às políticas
públicas existentes, como os recursos dos programas de apoio à cultura e fundos para cultura.
Ao tratar do Fundo Nacional de Cultura, Olivieri (2004) aponta que o valor por ele
movimentado é largamente superado pelo valor movimentado pelas renúncias fiscais. Os
fundos teriam a “função” de garantir que projetos culturais considerados aprovados segundo
os critérios do MinC, mas não atraentes para o mercado, fossem executados, tendo ainda a
“função” de amenizar a disparidade regional no investimento de recursos. Apesar disto, a
tendência de concentração de projetos financiados na região sudeste do país também se reflete
no financiamento executado através do FNC (OLIVIERI, 2004).
Para além também dos problemas de “mercantilização” e concentração regional dos
projetos culturais aprovados, há ainda problemas com relação à transparência na distribuição e
utilização de recursos entre projetos. A falta de participação popular e a falta de utilização de
canais de transparência na escolha dos projetos apresentados e na forma como os recursos são
por eles gastos apresentam-se como as maiores ineficiências das políticas de cultura do país, a
34
despeito da existência da CNIC. A essas características soma-se a descontinuidade das
políticas, dado que os procedimentos de seleção de projetos e a legislação que as regem são
fortemente atrelados ao Ministério, tornando as políticas “reféns” do governo no poder12.
Dessa forma, além das questões acerca do formato do financiamento, do
direcionamento da produção cultural e do baixo acesso a essa produção, existem ainda
problemas relacionados à definição das diretrizes culturais duradouras para todo o país,
questões relacionadas à assimetria de poder de grupos de interesse na definição da agenda
governamental da cultura e influência na formulação das políticas culturais, passando pela
reprodução dos valores culturais da “elite brasileira”.
3. Crítica ao modelo vigente
Conforme dito anteriormente, a cultura tem implicações em outras dimensões, como a
inclusão social, a educação e a emancipação do cidadão, a criação de identidade, a definição e
organização de uma esfera pública, entre tantos outros exemplos, sendo, portanto, um
conceito multidisciplinar fundamental para o desenvolvimento da sociedade.
Para o modelo de financiamento em vigor na sociedade atual, entretanto, o que se
percebe é outro movimento. A cultura e a produção cultural são entendidas como ciclos
mercadológicos e estão inseridas na lógica de cadeias de consumo e produção, gerando
propostas culturais que direcionam-se à comercialização da cultura. Mesmo pensando através
desta lógica, ainda assim há problemas na forma de financiamento estatal, pois os
investimentos acabaram por recair sobre alguns espaços e temas “padrões”, mais do que sobre
os múltiplos agentes culturais, relegando a estes nada ou quase nenhuma autonomia no
processo criativo e, mesmo antes disso, na definição do Projeto Nacional da Cultura.
O incentivo fiscal, dessa forma, somado à tradição clientelista13, culmina na
valorização de grandes corporações privadas, em detrimento de ações que poderiam estar
12 Olivieri afirma em entrevista de 2009 que se deve criar uma política nacional abrangente (o que conhecemos
por política de Estado, e não política de governo) e que, apesar das falhas da estrutura, a política atual não deve ser totalmente descartada para que outra seja implantada e passe pelos mesmos percalços de início de política pública. Deve-se sim reformular as formas de financiamento existentes, para que se adequem à demanda nacional. 13 Para melhor entender essa discussão, ver Nunes (A gramática política no Brasil, 2003). O clientelismo, segundo o autor, foi um processo amplamente utilizado durante a República Velha, no qual os coronéis locais tinham um acordo com o executivo no sentido de garantir a permanência deste no poder. Segundo o autor, “favores pessoais e empreguismo de um lado, e repressão de outro, caracterizam fortemente as relações
35
voltadas para temas menos atrativos para o mercado, como a responsabilidade social ou a
valorização de culturas locais. O financiamento público acaba servindo como fonte de
recursos para estratégias de publicidade e marketing de grandes corporações beneficiadas
pelas leis de incentivo.
A responsabilidade para com a valorização da cultura em todo território brasileiro,
respeitando sua diversidade, é subvertida para o financiamento de projetos que, não obstante
estarem inseridos no mercado, são propostos por agentes que pautam as políticas culturais a
serem implementadas no país, ao constituirem-se em fortes grupos de interesse que definem
quais tipos de projetos serão financiados. Portanto, produções (teatrais, cinematográficas,
musicais, artesanais) “menos comerciais” acabam ficando à margem dos investimentos das
grandes corporações, criando grande contradição na finalidade das políticas públicas de
financiamento cultural, que por definição deveriam existir justamente para atender a essas
produções não atrativas comercialmente.
Para reverter este quadro, conforme aponta Olivieri (em entrevista de 2009), uma
política cultural deve ser democraticamente construída e viabilizar toda manifestação cultural,
não apenas uma parcela delas, sendo que as diversas formas de manifestação devem ser
incluídas indistintamente, sem definição de prioridades. Com relação à democratização, o
aumento de público por si só não pode ser tido como resposta a esse processo, pois falta um
papel ativo do espectador, que praticamente inexiste. Há quem defenda que a produção do
mercado atropela o processo de criação, baseada na reprodução infinita e na maximização de
ganho econômico. Outros atribuem ao mercado o papel de educador, por possibilitar a
interação entre público e expressões culturais. Isso porque as regras de mercado baratearam o
acesso aos materiais e meios para que produtores culturais se expressem, popularizando assim
o acesso (RUBIM, 2009). No entanto, o que se percebe é que o barateamento acabou gerando
uma cultura mediana em grande escala, ou seja, uma reprodução de lugares comuns, e não a
legítima universalização do acesso, dado que produtores de expressões sem apelo comercial
continuam encontrando dificuldades para existirem.
O papel do Estado, dessa forma, deve se concentrar nas ações a serem promovidas
para além dos limites do mercado, posto que a garantia para uma atuação eficiente do Estado
deve ser controlada não pelo lucro gerado, mas pela opinião da sociedade civil e pela
facilitação do acesso tanto a produtores quanto ao público, sendo o Estado estimulador dos
políticas neste período de laissez-faire repressivo” (NUNES, 2003:48). Mesmo após a Revolução de 1930, a prática do clientelismo continua permeando, em menor grau, a vida política do país.
36
setores não-financiados pelo mercado e o ator que pode e possui legitimidade para mediar as
forças dos grupos de interesse, investindo em ferramentas de controle social e externo,
reduzindo assim a possibilidade de “partidarização” sobre o financiamento cultural.
Mediante tantos entraves, o incentivo fiscal é importante aspecto, mas não deve ser a
única característica das políticas públicas de cultura, como praticamente ocorre. Entrementes
é necessário que haja reformulação nos fundos de cultura existentes, que também apresentam
entraves para a realização de uma política mais abrangente e equilibrada (OLIVIERI, 2009).
PARTE II – PONTOS DE CULTURA COMO NOVO MODELO
“As forças de mercado, por si sós, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse ponto de vista, convém fortalecer a função primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade civil.” (UNESCO, 2005: 211)
A política cultural, por muito tempo negligenciada na agenda política brasileira, tem
sua retomada na década de 1990, conforme exposto anteriormente, a partir dos programas de
financiamento baseados no incentivo fiscal para financiamento privado de projetos culturais,
sendo o Estado regulador destas ações.
Após o exacerbamento das políticas neoliberais, entretanto, o Estado volta a ocupar
importante papel para as políticas culturais, conforme aponta Rubim (2009). Diante de todas
as críticas ao atual modelo de financiamento das políticas culturais, baseadas
fundamentalmente na renúncia fiscal, Olivieri (2004) propõe uma gestão democrática que
possa abranger as contradições sociais, que gere diferentes formas de custeio. O governo deve
estar, então, comprometido com um projeto maior, mais amplo e que favoreça a todos os
cidadãos.
A fim de atender estes objetivos, a ação “Pontos de Cultura”, política recente do
governo brasileiro, traz algumas mudanças fundamentais com relação às políticas culturais
anteriores, tanto em relação ao seu financiamento, quanto ao modo de se entender a política
cultural, e foi gerado a partir de esforços da sociedade civil e entidades públicas que
modelaram a proposta de um novo modelo de política cultural no Brasil.
37
4. A proposta de um novo modelo de polílica cultural no Brasil
No Brasil percebe-se em 2003 a emergência de novos rumos para as políticas públicas
de cultura, buscando uma abrangência maior para a política cultural, que alcance de fato todo
o país. Com vistas a alterar o quadro desenhado pelas políticas de financiamento através de
renúncia fiscal e implementar uma política cultural que de fato atenda à diversidade e
abrangência que compõem a sociedade brasileira, o MinC anuncia, em 2003, buscar políticas
culturais mais democráticas e participativas (CABRALE, 2009).
Essa postura assumida pelo ministério vai ao encontro das demandas de organizações
sociais e culturais, que há tempos se organizam para reivindicar políticas mais diversificadas e
abrangentes (DOZZI, em entrevista de 2009). A sociedade atual impõe novos paradigmas
para as políticas públicas, e não é mais possível pensar em uma única dimensão (nacional)
para as políticas culturais, como ocorreu na história do país. É preciso analisar diversas
dimensões e as dinâmicas de interação entre estas, além de considerar os diversos atores
envolvidos14 (RUBIM, 2009).
Lembrando ainda que as políticas culturais são fundamentalmente multidisciplinares, o
que implica novos modos de formulação, implementação e avaliação, dado que o país
apresenta diferenças regionais e um nível de descentralização das ações públicas que
dificultam análises gerais, conforme afirma Cabrale (Políticas públicas e indicadores
culturais: algumas questões, 2009). Isso exige indicadores com maior grau de confiabilidade,
de acordo com a diferenciação feita por Januzzi (Indicadores sociais no Brasil: conceitos,
fontes de dados e aplicações, 2006), e especial atenção para as discrepâncias regionais no
processo de formulação, implementação e avaliação das políticas culturais.
5. Pontos de Cultura – uma nova possibilidade de atuação do Estado
Partindo do pressuposto que a nova política cultural deve se basear primordialmente
na abrangência, o Ministério da Cultura vem implementando ações nesse sentido. Para além
da diversidade e desigualdade regional do país, a política cultural precisa ser abrangente uma
vez que sua concepção, atualmente, dá-se segundo o Regimento 2ª Conferência Nacional de
14 Nesse tocante o programa Pontos de Cultura se destaca, uma vez que tem por objetivo formar uma rede entre diversos projetos de cultura ao redor do país. É uma política nacional que atua em âmbito local e conectando estes diferentes locais.
38
Cultura (11 a 14 de março de 2010), em três dimensões: 1) a dimensão simbólica, expressa
pela diversidade cultural, através de diversas línguas, valores, crenças e práticas; 2) a
dimensão cidadã, expressa pela garantia da cultura como um direito básico do cidadão,
sendo então plataforma de sustentação das políticas públicas e; 3) a dimensão econômica,
expressa pela crescente importância da cultura como geradora de trabalho e renda na
sociedade da informação, criatividade e conhecimento (MINC, 2010).
Para realizar uma política pública de cultura baseada nesses valores, tramitam no
Congresso Nacional várias propostas que visam instaurar um sistema nacional voltado para a
cultura, e a disseminação da mesma de forma abrangente, organizada e socialmente
controlada. Destas propostas, destacam-se como reformuladoras da política cultural brasileira
a PEC nº 416/2005, que visa instaurar o Sistema Nacional de Cultura, somada à PEC nº
150/2003, que busca destinar recursos para a cultura através de vinculação orçamentária, e a
PEC nº 236/2008, que insere a cultura como direito social, o Plano Nacional de Cultura e o
Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic).
Apesar de ainda não terem sido aprovadas, algumas ações já estão sendo tomadas para
tornar mais abrangentes e plurais as ações culturais. Dentre estas ações, destaca-se o programa
Pontos de Cultura, ação prioritária do Programa Cultura Viva, criado pelo Ministério da
Cultura por meio do decreto nº 6.226, de 2007.
Ao invés de renúncia fiscal, o programa é baseado na transferência de recursos para
entidades externas ao governo, sendo que a solução trazida pelos pontos de cultura para os
problemas da isenção para a iniciativa privada foi transferir recursos para os pequenos
produtores de organizações sociais, a “ponta da cadeia cultural”, dado que estes produtores
são excluídos das demais políticas culturais (RODARTE, em entrevista de 2010). Entretanto
essa transferência de recursos ocorre através de convênio com o governo, seja nacional,
estadual ou municipal, fazendo com que estes recursos e as ações por eles financiadas sejam
monitorados e ainda dando o apoio estatal para a articulação das ações e redes formadas.
Seguindo a lógica demonstrada por Rezende (Finanças públicas, 2001), o Estado
transfere recursos para a sociedade civil, mas, ao contrário do que ocorre com a grande
maioria das políticas de incentivo fiscal, os recursos são transferidos para projetos culturais
que não encontrariam outras formas de financiamento, seja por não serem atrativos
comercialmente, seja por não deterem capacidade burocrática suficiente para aprovar projetos
39
em editais de maior porte. Esses projetos são realizados em grande maioria em âmbito local15,
trazendo novos equipamentos culturais e movimentando economias locais, ou seja,
promovendo o desenvolvimento local.
Dessa forma, o programa envolve iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil, que
ficam responsáveis por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades,
firmando convênio com o MinC e secretarias estaduais e municipais, por meio de seleção por
editais públicos, e recebendo a denominação de Pontos de Cultura.
Sua implementação enquanto política de Estado, no entanto, depende da aprovação do
Plano Nacional de Cultura, aprovação essa que, de acordo com Carla Dozzi (em entrevista de
2009), já mobiliza muitos grupos organizados e a sociedade civil como um todo, em favor de
sua aprovação.
Para se tornar um Ponto, não é necessário dispor de instalações físicas16, programação
ou atividades específicas e padronizadas. A única exigência comum é atuar na
transversalidade da cultura e na gestão compartilhada entre poder público e comunidade. A
seleção é realizada por meio de editais, sendo papel do MinC agregar recursos e novas
capacidades a projetos e instalações culturais já existentes.
Segundo o edital da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo de 2009 e editais
dos demais estados, entende-se por Pontos de Cultura os projetos realizados por pessoas
jurídicas, sem fins lucrativos, de natureza cultural, funcionando como “instrumento de pulsão
e articulação de projetos já existentes nas comunidades do Estado”, agindo como “elos entre
a sociedade e o Estado que possibilitam o desenvolvimento de ações culturais sustentadas
pelos princípios da autonomia, protagonismo e empoderamento social, integrando uma
gestão compartilhada e transformadora da instituição selecionada com a Rede de Pontos de
Cultura” (SÃO PAULO, 2010).
Como regra geral, essas instituições devem atuar na área cultural há pelo menos dois
anos e ter sede no estado por esse mesmo período de tempo. O Governo Federal, por meio do
Ministério da Cultura, é responsável pelo repasse de recursos e pela articulação dos Pontos de
Cultura selecionados, enquanto cabe à Secretaria de Cultura de cada estado acompanhar
diretamente os projetos aprovados. Os recursos, por sua vez, são provenientes do Fundo
15 Além de projetos locais há projetos virtuais, como pontos de cultura que produzem sites de conteúdo cultural, entre outros, que apesar de contar com “sede local”, utilizam-se da potencialidade mundial garantida pela globalização da internet. 16 A organização social que propõe o projeto de ponto de cultura, entretanto, precisa comprovar residência no estado ou município que realiza o edital de seleção, há pelo menos dois anos.
40
Nacional da Cultura17, e encaixam-se no (comparativamente baixo) orçamento do Ministério
da Cultura.
O repasse de recursos, realizado em três parcelas, é destinado a projetos que
desenvolvam ações nas áreas de: culturas populares; grupos étnico-culturais; patrimônio
material; audiovisual e radiodifusão; culturas digitais; gestão e formação cultural; pensamento
e memória; expressões artísticas; e ações transversais entre as áreas mencionadas.
Cada estado, ou município, realiza o edital de forma independente do MinC, que
também realiza editais, sendo o valor destinado de R$ 180.000,00 divididos ao longo de três
anos, depositados em conta específica aberta para o projeto. O repasse se dá, em geral, através
de convênios realizados entre o estado ou município e o proponente cujo projeto foi aprovado.
Deste recurso, apenas 15% podem ser destinados a pagamento de atividades “rotineiras”,
como aluguel, água, luz, pessoal administrativo, etc., e aproximadamente 10% (R$ 20.000,00)
devem ser gastos, no recebimento da primeira parcela, na compra do Kit Multimídia. Para a
representante do ministério da cultura (DOZZI, em entrevista de 2009), a importância do Kit
Multimídia permite criar um histórico das ações culturais desenvolvidas e permite que os
Pontos conversem entre si, troquem experiências e informações, fortalecendo a rede de
cultura para atuar em vários canais.
A separação de ações entre o governo local e o governo central marca ainda a atenção
voltada para a descentralização das ações, garantindo ao mesmo tempo unidade entre os entes
federados. Essa característica coloca o estado ou município em contado direto com os Pontos,
atuando como facilitador das ações, e como ponte entre os pontos de cultura e o MinC,
articulador nacional do programa (RODARTE, em entrevista de 2009). Uma vez que a
disparidade de ações culturais ao redor do país é um dos principais problemas para a
identificação de uma política nacional de cultura igualitária, com o reconhecido
favorecimento da região sudeste do país, o programa Pontos de Cultura destaca-se como um
avanço, apesar de sua baixa abrangência, do baixo recurso disponível e do pouco tempo de
vigência, em comparação com outros programas.
Com relação à realização dos Pontos de Cultura, em uma primeira avaliação, com base
nos dados do IPEA, observa-se um grande avanço, sobretudo pelo fato da região Nordeste
17 Os recursos destinados a ações culturais são descritos no Orçamento da União na “função de cultura”, de acordo com a lei nº 4.320/64 e atualizada pela portaria nº 42 de abril de 1999, sendo que os pontos de cultura, dentro do programa Cultura Viva, vinculado ao MinC, são financiados pelos recursos destinados à “subfunção difusão cultural”.
41
apresentar a mesma quantidade de projetos e ações contempladas que o Sudeste, como pode
ser observado no gráfico a seguir.
Gráfico IV – Pontos de Cultura conveniados 2004-2005, por região
Fonte: Siafi/Sidor/ Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).
Segundo o MinC (2010), o proponente deve oferecer contrapartida envolvendo no
mínimo 20% dos recursos, sendo que sua aplicação é feita conforme as necessidades do
projeto. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, a aplicação deve seguir algumas
regras que definem o uso de 75% dos recursos para a realização de oficinas de criação e
formação cultural, ou ainda investimento em obras e equipamentos necessários para a garantia
e melhora da intervenção cultural local, os outros 15% dos recursos deve ser para pagamento
de atividades “rotineiras” e os 10% restantes dos recursos devem ser gastos na compra do Kit
Multimídia.
Essa distribuição de valores traz importantes impactos para a forma como os Pontos
articularão suas ações e atuarão em economias locais, conforme demonstrado a seguir.
42
5.1. Desenvolvimento local e economia solidária
Os Pontos de Cultura podem ainda ser entendidos por sua função econômica, sendo
grande fator para o desenvolvimento local de pequenos municípios, pois movimentam
recursos de forma descentralizada, através de atividades que promovem o desenvolvimento
cultural, podendo ser entendidos por diversas vertentes, como o próprio desenvolvimento
local, a economia solidária, e mesmo o recente conceito de Economia Criativa (Creative
Economy), surgido para ressaltar novas e alternativas formas de geração de trabalho e renda,
este porém mais inserido na lógica de mercado.
Tal qual Oliveira (Aproximações ao enigma: o que quer dizer desenvolvimento local?,
2001), Hirschman (Auto-subversão – Teorias consagradas em cheque, 1996) e outros,
Furtado (Desenvolvimento e subdesenvolvimento, 1974) afirma que o desenvolvimento não
depende apenas do crescimento econômico, mas também depende fundamentalmente dos
processos sociais envolvidos. Também segundo Furtado, não é possível estabelecer um
modelo “ideal”, único e replicável de desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento
econômico por ele analisado depende intrinsecamente da dimensão histórica em que se
estabelece. Nesse sentido, destaca-se o papel dos Pontos de Cultura enquanto financiadores de
diversas potencialidades locais, que, por serem representadas em projetos culturais, dispõem
de toda a multidisciplinaridade do tema, e de redes sociais que as viabilizam.
Segundo Oliveira (2001), o termo desenvolvimento local foi tido há muito tempo
como sinônimo de desenvolvimento econômico, sendo substituído mais recentemente pelo
discurso dominante, o crescimento. Porém, tem havido grande esforço por parte da ONU para
recuperar toda a carga semântica que envolve o conceito, e aproximá-lo da noção de
desenvolvimento humano, dando destaque para sua composição qualitativa de bem-estar e
qualidade de vida. Para o autor, é preciso ancorar o conceito desenvolvido pela ONU na
cidadania, pois sem ela o desenvolvimento local seria apenas um sinônimo de acumulação de
bem-estar e qualidade de vida em seus aspectos mais restritos.
Esta perspectiva afasta a falsa noção que tem sido atribuída ao desenvolvimento local
como instrumento de apaziguamento da sociedade, capaz de eliminar todas as mazelas e
conflitos e de transformar a comunidade num ambiente absolutamente harmônico. Ao
contrário, o desenvolvimento local opera dentro do conflito e seu desafio é dar conta dos
diversos interesses e complexidades que incidem sobre a sociedade. Essas características
podem ser observadas em toda a disputa política que cercou e ainda cerca a política dos
43
pontos de cultura, sua aceitação e continuidade na agenda governamental. O conflito gerado
pelos diversos atores excluídos da política nacional de financiamento, conforme exposto,
levou à necessidade de um modelo que permitisse abarcar toda a complexidade e abrangência
necessárias para uma efetiva política cultural.
O motivo pelo qual o desenvolvimento opera dentro do conflito, segundo Hirschman
(1996), é que o mesmo vê o desenvolvimento local como um movimento anti-hegemônico, no
qual as ações desse tipo de desenvolvimento, como os Pontos de Cultura, buscam alterar as
relações econômicas estabelecidas em âmbito local, para que deixem de favorecer “grandes
corporações” e passem a trabalhar as potencialidades locais, através de um movimento
endógeno.
Um dos expoentes desse movimento endógeno é a economia solidária, que busca a
superação do modelo econômico prevalecente, através de um compromisso social
envolvendo, de acordo com Singer (Economia solidária: um modo de produção e
distribuição, 2000), a solidariedade entre os envolvidos, a sustentabilidade dos recursos
utilizados para o desenvolvimento, atenção à dignidade humana e qualidade de vida, como
fatores fundamentais para qualquer ação de desenvolvimento, e a construção coletiva das
decisões tomadas.
Todos estes valores estão intrinsecamente ligados aos objetivos do programa Cultura
Viva, e mais precisamente aos Pontos de Cultura, maior expoente deste programa. Pela
perspectiva da organização do programa, a Teia dos Pontos de Cultura, a ser detalhada
posteriormente, é fundamental para que os atores não apenas se comuniquem, mas troquem
experiências e informações de forma solidária, construindo coletivamente a política cultural
brasileira, por meio de diversos encontros e fóruns, presenciais ou virtuais (MINC, 2010).
Já pela perspectiva econômica, a geração de renda através de projetos culturais
descentralizados, mas reunidos por meio desta Teia, parece criar uma curiosa esfera de
cooperativismo extra-oficial para os Pontos, que apesar de serem estruturalmente
independentes, podem trocar informações e articular suas ações para objetivos comuns: o
desenvolvimento da cultura em âmbito local.
A partir de diversas experiências de desenvolvimento local, por sua vez, França, Vaz e
Prado (Aspectos econômicos das experiências de desenvolvimento local, 2002) observam
elementos que possuem grande importância no processo de iniciativas de desenvolvimento
local: “o protagonismo local, a articulação entre organização e conhecimento, o fomento ao
empreendedorismo integrado a redes e cadeias produtivas, a criação de novos espaços
44
públicos de decisão e gestão, a mudança de cultura política, entre outros fatores”.
(FRANÇA, VAZ, PRADO, 2002:8). Nesse sentido, atua a rede formada pelos Pontos de
Cultura.
5.2. Teia cultural, participação e controle social
A Teia, reunião dos diversos Pontos de Cultura em encontros periódicos e fóruns na
internet, leva esse nome exatamente por ser um emaranhado de redes sobrepostas, cruzadas,
envolvendo os mais diferentes tipos de comunicação e objetivos, pois, de acordo com uma
representante do Ministério da Cultura, existem desde redes entre Pontos que trocaram
informações de cunho administrativo, no intuito de se adaptar à prestação de contas, até redes
de atores que se organizam para apresentações e troca de experiências, divulgação de eventos,
discussões, fóruns e difusão do conhecimento gerado por meio das atividades de cada Ponto.
É o caso da Teia 2010, que acontece no Ceará e marca o encontro de representantes de
Pontos de Cultura de todo o país, contando ainda com a realização do Fórum de Cultura,
oficinas e apresentações culturais e acadêmicas (sobre os Pontos). Vale destacar, os editais
para seleção de Pontos já prevêem encontros desta natureza, destinando recursos para o
deslocamento de representantes, chamados delegados, dentro dos recursos repassados aos
Pontos.
O objetivo é estabelecer a comunicação entre os Pontos e a sociedade civil, para
maximizar e propagar a produção dos saberes, garantindo o acesso à informação independente
do Estado.
Por meio do uso de softwares livres e do conceito de inclusão digital, a Teia é uma
experiência que gera um banco de informações sobre a ação dos Pontos e garante a
comunicação entre eles, permitindo também o acompanhamento da sociedade sobre as
atividades existentes em cada um dos Pontos. É possível, ainda, a visualização do mapa da
“rede”, ou seja, a visualização dos Pontos por meio de georeferenciamento. Esse projeto foi
realizado por um Ponto de Cultura, o “Pontão de sistematização de dados”, do Instituto de
Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos (IPSO)18, e disponibiliza, além do
18 O IPSO, dentre outros projetos, faz parte da rede nacional do programa Cultura Viva, sendo sede do Ponto de Cultura Vila Buarque, e do Pontão de sistematização de dados, por convênio com o Ministério da Cultura. Desenvolve trabalho com cineclubismo, rádios comunitárias e cultura digital. Disponível em: <http://www.ipso.org.br/>, acessado em 27 fev. 2010.
45
georeferenciamento, informações quantitativas sobre os pontos de cultura nacionais. Estas
informações referem-se ao número total de pontos de cultura, número total de habitantes de
cada região, a relação entre estes dados, e as variações destas combinações e regiões do país.
Mapa I - Número total de Pontos segundo Mapas da Rede
Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.
Mapa II - Pontos por município
Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.
46
Mapa III - Pontos por habitantes
Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27/02/2010.
Mapa IV - Destaque para Pontos de Cultura em Minas Gerais
Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.
Pelo mapa, observa-se a concentração de Pontos de Cultura, Pontos de Cultura por
municípios e Pontos de Cultura por habitantes de cada estado do país, dando destaque (em
47
tonalidade mais escura) para os estados com maior concentração. Observa-se ainda que
existem Pontos de Cultura fora do Brasil, demonstrando que a política busca
internacionalizar-se pelo Mercosul, através de comunidades de brasileiros residentes no
exterior (Argentina, Colômbia, Bolívia e Venezuela). Existe proposta em projeto de lei para o
estabelecimento de um plano de cultura integrado com o Mercosul, mas ainda não há
deliberações sobre isto.19
5.3. Pontos de Cultura em números
De acordo com o portal do MinC, há, até a conclusão deste trabalho, mais de 2.500
Pontos de Cultura no país, ou seja, um número relativamente pequeno, mas que se amplia a
cada momento. Desde o lançamento do edital nacional realizado pelo MinC, foram
anunciados novos editais para seleção de Pontos de Cultura, e a grande maioria dos Estados já
conta com editais próprios para a implementação de Pontos de Cultura, sendo que, a cada
momento, surgem notícias de novos convênios e editais, de âmbito nacional, estadual ou
municipal, para Pontos diversos ou linhas específicas, como Pontos de Cultura indígena,
Pontinhos de Cultura, direcionados para o público-alvo infantil, Pontões de Cultura, atuando
como observatórios de Pontos, entre outras modalidades (MINC, 2010). Dessa forma, os
Pontos de Cultura, carro-chefe do programa Cultura Viva, mesmo sendo um programa
recente, ampliam suas ações por território nacional de maneira exponencial.
A partir dos dados disponíveis nos Mapas da Rede, baseados nos primeiros editais do
programa, foi possível determinar quantos Pontos de Cultura estão alocados em cada região
do país. Esses números já não refletem os números reais de Pontos, aumentados por editais
19 De acordo com o Ministério da Cultura (MINC, 2010) é “parte integrante da política externa traçada pela
Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores, fundada na cooperação internacional e na afirmação do País como Nação soberana, o Cultura Viva planeja localizar Pontos de Cultura nas comunidades de brasileiros residentes no exterior, nos Países do Mercosul e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (Portugal, África e Ásia). Cada Ponto receberá 30 mil dólares/ano, que serão captados junto a empresas, organismos multilaterais e governos amigos. Esses Pontos, conectados aos Pontos do território brasileiro, formarão uma rede internacional de produção compartilhada e de troca de produtos simbólicos, fortalecendo a relação sul-sul, horizontalizando a relação sul-norte e colaborando com a construção de uma corrente solidária e contra-hegemônica.”
48
recentemente lançados. Entretanto, por se tratar de uma fonte única, os dados servem de base
de comparação para analisar a desconcentração de Pontos selecionados.
Tabela III - Pontos de Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede
Grandes Regiões e
Unidades da Federação
Número de Pontos de Cultura
Pontos por milhão de
habitantes (%) Municípios
Pontos por município
População em 2009
Participação percentual dos
pontos(%)
Brasil 1856 10565 326.697.636 100,0
Norte 98 449 12.900.704 5,3
Rondônia 5 3,62 52 0,1 1.379.787 0,3
Acre 14 25,11 22 0,64 557.526 0,8
Amazonas 6 2,13 62 0,1 2.812.557 0,3
Roraima 18 55,49 15 1,2 324.397 1,0
Pará 20 3,23 143 0,14 6.192.307 1,1
Amapá 5 10,48 16 0,31 477.032 0,3
Tocantins 30 25,93 139 0,22 1.157.098 1,6
Nordeste 395 1787 47.741.711 21,3
Maranhão 19 3,36 217 0,09 5.651.475 1,0
Piauí 33 11,61 221 0,15 2.843.278 1,8
Ceará 139 18,71 184 0,76 7.430.661 7,5
Rio Grande do Norte 15 5,4 166 0,09 2.776.782 0,8
Paraíba 22 6,39 223 0,1 3.443.825 1,2
Pernambuco 48 6,06 185 0,26 7.918.344 2,6
Alagoas 43 15,23 101 0,43 2.822.621 2,3
Sergipe 6 3,36 75 0,08 1.784.475 0,3
Bahia 70 5,36 415 0,17 13.070.250 3,8
Sudeste 324 1666 72.412.411 17,5
Minas Gerais 74 4,14 853 0,09 17.891.494 4,0
Espírito Santo 8 2,58 77 0,1 3.097.232 0,4
Rio de Janeiro 71 4,93 91 0,78 14.391.282 3,8
São Paulo 171 4,62 645 0,27 37.032.403 9,2
Sul 98 1159 25.107.616 5,3
Paraná 36 3,76 399 0,09 9.563.458 1,9
Santa Catarina 19 3,55 293 0,06 5.356.360 1,0
Rio Grande do Sul 43 4,22 467 0,09 10.187.798 2,3
Centro-Oeste 62 446 11.636.728 3,3
Mato Grosso do Sul 13 6,26 77 0,17 2.078.001 0,7
Mato Grosso 15 5,99 126 0,12 2.504.353 0,8
Goiás 16 3,2 242 0,07 5.003.228 0,9
Distrito Federal 18 8,78 1 18 2.051.146 1,0
Fonte IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos • Ministério da Cultura - Secretaria de Programas e Projetos Culturais. Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa>. Acesso em: 2009
A partir destes dados foram elaborados dosi gráficos, que representam a proporção de Pontos
de Cultura em cada região do país.
49
Gráfico V – Pontos de Cultura por região do país, segundo os Mapas da Rede
Pontos de cultura por região do país
10%
41%33%
10%6%
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: Gráfico próprio, produzido a partir de dados dos Mapas da Rede do IPSO, Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, 2009.
Gráfico VI – Pontos de Cultura por municípios de cada região do país, segundo os Mapas da Rede
Pontos de cultura por municípios de cada região
8%
28%
42%
15%
7%
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Fonte: Gráfico próprio, produzido a partir de dados dos Mapas da rede do IPSO, Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, 2009.
Os dados dos Pontos de Cultura nacionais revelam que, ao menos comparativamente, é
possível amenizar as disparidades regionais do financiamento em cultura, pois, apesar de a
região sudeste ainda ter grande destaque, o maior número de pontos de cultura encontra-se na
região nordeste, sendo que, na relação entre Pontos de Cultura por número de habitantes e
50
Pontos de Cultura por município, há grande destaque para a região norte, pois sua menor
população, e menor número de municípios, ampliam o número de Pontos de Cultura
disponíveis.
De qualquer forma, o número de Pontos existentes ainda é baixo, dado que a relação é
feita por milhões de habitantes. Grande parte dos estados com maiores populações, como São
Paulo, Minas Gerais e Ceará, contam também com o maior número de Pontos, mas ainda
assim são números pequenos.
No caso de São Paulo, um Estado com 645 municípios, o programa atendia até 2009
mais de 170 Pontos de Cultura, somando-se a um segundo edital lançado em 2009,
selecionando mais 300 Pontos (SÃO PAULO, 2010), mas outros estados, como o do Paraná,
com 399 municípios e população de cerca de 10 milhões, possui apenas 36 Pontos localizados
em Curitiba.
PARTE III – COMPARAÇÃO ENTRE PONTOS DE CULTURA DE TRÊS ESTADOS
Após o exposto, pode-se afirmar que o programa Pontos de Cultura busca reverter
grande parte dos entraves das políticas culturais, principalmente dificuldades com relação à
abrangência nacional e descentralização das ações culturais. Mediante sua recente criação e
inovação na forma de articulação do financiamento público, destaca-se a dúvida acerca da
efetividade do programa em avançar enquanto forma de financiamento para um efetivo plano
nacional de cultura, abrangente e descentralizado. A fim de esclarecer esta dúvida, buscou-se
comparar a formulação da política, os editais lançados e a implementação de Pontos de
Cultura em três estados de diferentes regiões do país.
6. Metodologia
Para esclarecer as dúvidas levantadas, foram realizadas duas etapas iniciais de
recolhimento de dados, em bases digitais e acervos bibliográficos, cujos resultados foram
apresentados anteriormente. A primeira etapa caracterizou o campo da política cultural, seu
desenvolvimento histórico e a situação atual, atendendo ao objetivo do trabalho de “entender
a dinâmica da política cultural brasileira e as razões do surgimento de um novo modelo de
financiamento”. Na segunda etapa, foram levantados dados gerais do programa Pontos de
Cultura, para entender quais as características deste novo modelo de financiamento.
51
A partir de então, foi desenvolvida a terceira etapa: uma pesquisa de campo que
analisa a forma como o programa Pontos de Cultura foi implementado em estados de três
diferentes regiões do país. A pesquisa buscou constatar, ainda, se houve de fato
descentralização dos recursos destinados à política cultural, objetivos específicos deste
trabalho. Esta pesquisa de campo contou com questionários qualitativos semiestruturados
enviados para gestores estaduais e representantes dos Pontos de Cultura.
Através da comparação e análise dos dados coletados, foi possível elaborar a quarta
etapa da pesquisa, as considerações finais com relação à implementação do programa.
Os procedimentos para a realização de cada uma destas etapas será melhor detalhado a
seguir.
6.1. Levantamento inicial de dados
Para o desenvolvimento do estudo e o alcance dos objetivos propostos foram
realizados, na primeira e segunda etapa, levantamentos biliográficos, conforme mencionado.
A fim de complementar estas informações iniciais, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas que caracterizassem a política cultural brasileira e a formulação e
implementação do programa Pontos de Cultura. Estas entrevistas foram utilizadas, juntamente
com o levantamento bibliográfico, para a constituição do arcabouço teórico e definição dos
objetivos do presente trabalho. As entrevistas foram realizadas com gestores públicos e
especialistas em políticas públicas de cultura, a saber:
• Entrevista com Bárbara Rodarte, coordenadora do Pontos de Cultura pela
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, realizada em 06/11/2009 na
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo);
• Entrevista com Carla Carusi Dozzi, coordenadora do Pontos de Cultura pelo
Ministério da Cultura, realizada em 27/11/2009 no Ministério da Cultura,
Representação Regional de São Paulo (São Paulo);
• Entrevista com Cristiane Garcia Olivieri, autora do livro “Cultura neoliberal:
leis de incentivo como políticas públicas de cultura”, realizada em 13/10/2009
em escritório (São Paulo).
Com o arcabouço teórico formado, foi possível estabelecer um quadro geral do
financiamento da política cultural brasileira e esclarecer o programa Pontos de Cultura de
forma geral.
52
Buscou-se, então, analisar mais profundamente a implementação do programa em
Estados de três diferentes regiões do país, através de questionários semiestruturados com
gestores e organizações sociais envolvidas diretamente com o programa. Para esta etap,a foi
necessário determinar a metodologia utilizada pela pesquisa de campo, detalhada a seguir.
6.2. Metodologia da pesquisa de campo
Para abordar a efetividade do programa enquanto forma de financiamento abrangente
e descentralizado, foco da terceira etapa do trabalho, buscou-se inicialmente utilizar dados
gerais sobre o financiamento da política de cultura, dados por quantidade de Pontos de
Cultura estaduais e financiamento destinado a estes, para obter um panorama nacional do
programa. Entretanto, houve dificuldades em obter dados específicos sobre o financiamento
dos Pontos de Cultura, uma vez que os relatórios de execução orçamentária disponibilizados
pela Secretaria do Tesouro Nacional indicam os recursos utilizados de acordo com a divisão
entre funções e sub-funções, sem especificar os gastos em nível de planos, programas e
projetos, dentre os quais se encontram os recursos específicos do programa Pontos de Cultura
(TCU, 2007). Dessa forma, a falta de especificidade dos dados inviabilizou seu uso de forma
comparativa. Todavia, estes dados levantados demonstram claro aumento dos recursos
destinados à sub-função de difusão cultural, na qual se encontram os pontos de cultura, como
pode ser observado no ANEXO I.
Estes dados demonstram salto de valores entre o ano de 2003 e 2005, com grande
destaque para a região norte, que teve o maior crescimento de investimento em cultura por
parte de seus estados. Por outro lado, os estados das demais regiões mantiveram-se com
valores constantes ao longo do período analisado, em sua maioria duplicando em 2005 o valor
investido em cultura no ano de 2003. Entre 2005 e 2008, período de formulação e
implementação do programa Cultura Viva, por sua vez, os valores mantêm-se em crescimento
contínuo, porém baixo, apontando para um equilíbrio ascendente dos gastos nestes anos.
A partir da limitação de detalhamento dos dados, optou-se por restringir a pesquisa por
meio da escolha de três Estados, que seriam analisados mais profundamente. A escolha dos
estados deu-se, então, a partir da combinação dos dados dos Mapas da Rede sobre a
quantidade de Pontos de Cultura existentes no país, e da relação entre o número de pontos de
cultura e a população de cada Estado. Estes dados estão disponíveis na Tabela III – Pontos de
Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede, e seu conteúdo está representado nos
gráficos V e VI, apresentados no item 5.3 – Pontos de Cultura em números.
53
De acordo com os dados dos Mapas da Rede, alguns estados se destacaram como
muito superiores aos outros em relação ao número de Pontos de Cultura existentes. Para
definir quais os três Estados a serem analisados, foi assumido então o critério de
“relevância”20, com base nos dados dos Mapas da Rede, que partem de base única e
comparável. Além da relevância, buscou-se analisar um estado de cada região brasileira, e
equilibrar os critérios dentro da expectativa de encontrar diferenças ao analisar a
implementação do mesmo programa em diferentes regiões.
A Tabela III mostra que Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo destacam-se
pelo número total de Pontos de Cultura, mas isso não se reflete quando os dados são
confrontados com o número de habitantes (Pontos per capita), ou a quantidade de Pontos de
Cultura por município (Pontos por “território”). Usando apenas o critério de Pontos per
capita, os estados seriam Ceará, Tocantins e Acre, todos da região norte, sendo que o
Tocantins e o Acre aparecem por terem menos habitantes, pois são poucos os Pontos de
Cultura, 14 e 30, respectivamente. Usando apenas o critério de Pontos por município, os
estados seriam Ceará, Roraima e Rio de Janeiro. Usando o critério de mais Pontos no país, os
estados seriam São Paulo, Ceará e Minas Gerais.
A partir dos dados e da possibilidade de combinação entre diferentes regiões do país,
buscou-se analisar o estado com maior número relativo de Pontos de Cultura de cada região
do país. Entretanto, houve dificuldades em obter dados dos estados das regiões norte e sul. Os
estados do Acre, Roraima e Tocantins foram contatados para a obtenção de informações, mas
não houve resposta de nenhum deles. Os estados com maior número de Pontos da região sul,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina, igualmente foram contatados para a obtenção de
informações, mas o fato de os Pontos de Cultura existentes serem vinculados aos municípios e
não aos estados inviabilizou a comparação pretendida pela pesquisa. Os estados do centro-
oeste do país, por sua vez, apresentam números muito inferiores, o que também dificultaria a
comparação entre os estados brasileiros.
Optou-se, finalmente, pelo estado com maior número de Pontos de Cultura das regiões
nordeste e sudeste do país, e o estado da região norte que respondeu ao contato, a saber:
20 Entende-se por critério de relevância a escolha de estados que se destacam dos demais por possuírem dados muito superiores Em relação ao número de Pontos de Cultura por município, e número de Pontos de Cultura por munícipe.
54
• Amapá (Região Norte): segundo estado da região norte com maior número de
Pontos de Cultura por município. Dado que o estado conta com baixo número
populacional e poucos municípios em relação aos demais estados, ressalta-se a
importância de analisar as políticas de financiamento de expressões culturais,
para caracterizar se há, de fato, descentralização;
• Ceará (Região Nordeste): único estado que se destaca nos três pontos: grande
quantidade de Pontos de Cultura, grande quantidade de Pontos per capita e
grande quantidade de Pontos por município, além de haverem notícias sobre
um segundo edital a ser publicado. O número total de Pontos de Cultura é o
segundo maior do país;
• São Paulo (Região Sudeste): o estado, além do grande número de Pontos de
Cultura existentes, sendo o estado com o maior número de Pontos de Cultura
do país, também foi selecionado pela facilidade de obtenção de dados.
A partir da determinação dos estados a serem analisados, representantes das
respectivas secretarias de cultura foram contatados, para que respondessem a questionários
semiestruturados que detalham as características da implementação da política em cada estado
(vide ANEXO III).
Para obter um segundo ponto de vista sobre a implementação do programa, foram
enviados questionários semiestruturados para representantes da sociedade civil de cada estado
(vide ANEXO IV), escolhidos através de seu destaque nas redes de Pontos de Cultura
estaduais. As entrevistas realizadas foram, portanto:
Secretarias estaduais:
• Entrevista com Bárbara Rodarte, coordenadora do Pontos de Cultura pela
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, realizada em 22/03/2010 na
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo). Uma vez que
Bárbara já havia sido entrevistada anteriormente para o levantamento inicial de
dados sobre o programa, algumas perguntas foram resumidas ou suprimidas.
Devido ainda à facilidade de obtenção de dados, esta foi a única entrevista
presencial realizada, dado que não foi possível realizar as viagens necessárias
para realizar as demais entrevistas presencialmente. Nos demais casos, o
questionário foi enviado por e-mail e devolvido com as devidas respostas.
55
• Os representantes das secretarias de cultura dos estados do Amapá e Ceará
foram contatados inúmeras vezes, via e-mail e telefone, e ambos
comprometeram-se em responder ao questionário enviado. Entretanto, ao
término do prazo de entrega dete trabalho nenhuma resposta foi obtida. A fim
de complementar a visão das secretarias buscou-se, além da análise dos editais,
informações oficiais acerca do programa Pontos de Cultura, em páginas e
notícias da internet. Neste ponto, houve ainda mais uma complicação, pois a
secretaria de cultura do estado do Amapá não tem website exclusivo, o que
dificulta a obtenção de informes e notícias oficiais e periódicas.
Representantes da sociedade civil:
• Entrevista com Malu de Alencar, responsável pelo Pontão de Cultura “Navegar
Amazônia – um Ponto de Cultura Flutuante”, que executa suas ações no estado
do Amapá. O questionário foi enviado por e-mail em 28/04/2010 e devolvido
em 03/05/2010 (Amapá).
• Entrevista com Maria Bernadette Arantes Nogueira Franceschini, representante
do Pontão de Cultura “Arte e vida dos povos indígenas do Amapá e norte do
Pará”, do Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena - IEPÉ.
Apesar de este não ser um Ponto de Cultura estadual, foco da metodologia
deste trabalho, a falta de respostas dos representantes oficiais, e baixo número
de Pontos de Cultura do estado do Amapá, em contraste com a importância das
ações desenvolvidas pelo Pontão, fizeram com que esta entrevista fosse
fundamental para o entendimento do programa na região norte do país. O
questionário foi enviado por e-mail em 27/04/2010 e devolvido em 10/05/2010
(Amapá).
• Entrevista com Marcos Antônio Monte Rocha, presidente da organização
social Fábrica de Imagens e representante dos Pontos de Cultura cearenses. O
questionário foi enviado por e-mail em 19/04/2010 e devolvido em 05/05/2010
(Ceará).
• Entrevista com Robson Sampaio, que atua diretamente com os Pontos de
Cultura Mocambos (Casa de Cultura Taina) e Nos Caminhos de São Paulo
(Urucungos). Foi representante de São Paulo na Comissão Nacional de Pontos
de Cultura, representante da macroregião de Campinas na Comissão Paulista
56
de Pontos de Cultura, ajudou durante a organização da Teia Brasil (2010) e
atua como moderador da lista de discussão dos Pontos de Cultura paulista. O
questionário foi enviado por e-mail em 12/03/2010 e devolvido em 13/04/2010
(São Paulo).
6.3. Considerações acerca dos dados levantados
A partir dos dados levantados e entrevistas realizadas, foi possível analisar a
implementação do programa Pontos de Cultura em cada um dos três estados.
Essa análise deu-se através da metodologia de análise de conteúdo categorial
(BAUER, 2008). Esta metodologia permite o agrupamento de percepções em diferentes
temas, chamados categorias, para obtenção de uma análise mais clara. As categorias obtidas
através da leitura dos questionários e consideradas para a análise foram: relação entre
diferentes entes; procedimentos de aprovação de projeto; dificuldades encontradas pelos
Pontos; prestação de contas; (a comissão estadual e) a Rede de Pontos; sustentabilidade dos
Pontos de Cultura; continuidade dos Pontos de Cultura; e depoimentos sobre o programa.
Além destas, as particularidades de cada estado, de acordo com a relevância percebida nos
questionários, foram consideradas como categorias, quando assim necessário. Após o
agrupamento das entrevistas nestas categorias, foi realizada sua análise. O conteúdo destes
agrupamentos, bem com sua análise, são descritas nos próximos tópicos do trabalho.
Vale destacar que a amplitude do programa permite uma possibilidade de análises tão
ampla quanto sua diversidade. A metodologia escolhida para esta pesquisa, a comparação
entre Pontos de Cultura de estados de diferentes regiões do país, não tem a pretensão de fazer
uma análise complexa e minuciosa sobre o tema, que por sua abrangência e diversidade
demandaria anos de pesquisas mais aprofundadas. A avaliação dos resultados obtidos e
continuidade da (possivelmente futura) política como uma política de estado foram apenas
especulados através da metodologia definida, pois a recente criação do programa não permite
aprofundar tais análises com dados reais21. Entretanto, a análise dos resultados obtidos e
continuidade da política são temas cruciais para analisar se os Pontos de Cultura constituem
uma política pública efetiva, eficiente e eficaz, segundo definição de Januzzi (Indicadores
sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações, 2006).
21 Mesmo os dados de recursos investidos e resultados já obtidos pelos primeiros Pontos de Cultura existentes são de difícil acesso, pois há uma distância temporal entre a produção de registros públicos e sua compilação e disponibilização como dados públicos para a sociedade como um todo.
57
A metodologia escolhida, dessa forma, é suficiente para o que se propõe: analisar a
formulação e implementação do programa Pontos de Cultura, de forma geral, e em três
estados de diferentes regiões do país, de forma mais específica.
7. Analisando os três estados
A metodologia descrita, conforme mencionado, indicou como mais apropriada a
escolha dos estados do Amapá, do Ceará e de São Paulo, para analisar a implementação do
programa Pontos de Cultura em diferentes regiões do país. As informações obtidas de cada
estado foram então analisadas separadamente, e os resultados são demonstrados a seguir.
Após a análise da implementação em cada um dos estados, foi possível, a partir de seus
resultados, analisar comparativamente os três estados e traçar as considerações acerca da
implementação do programa em âmbito federal.
7.1. Pontos de Cultura amapaenses
O estado do Amapá, localizado no extremo norte do país, é fortemente marcado pela
cultura de sua região, e, portanto, permite a articulação de Pontos de Cultura específicos,
selecionados através de editais para Pontos de Cultura amazônica e Pontos de Cultura
indígena. A região amazônica, por sua vez, é alvo de ações de organizações da sociedade civil
de diversos estados e mesmo países.
Somando-se aos primeiros Pontos de Cultura conveniados diretamente com o MinC
em 2005, foi lançado em 2008 o edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da
presente pesquisa. Este edital visava realizar o conveniamento de 15 Pontos de Cultura
distribuídos no território do estado, sendo o trabalho realizado pelo MinC e pela Secretaria
Estadual de Cultura (SeCult-AP), cuja articulação foi viabilizada por meio do Convênio nº
446/2007, de 31 de dezembro de 2007, publicado no Diário Oficial da União de 16 de Abril
de 200822.
Apesar das inúmeras tentativas de contato, uma vez que não foram obtidas respostas
da SeCult-AP e são poucos os Pontos de Cultura selecionados por este edital, em comparação
ao número de Pontos de Cultura de outros estados, optou-se por entrevistar a Representante
do Pontão de Cultura “Arte e vida dos povos indígenas do Amapá e norte do Pará”, que atua
22 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital para seleção de Pontos de
Cultura no estado e pode ser consultado através do site do MinC (MinC, 2010).
58
na região amazônica. Isto em função de sua importância para a região, tanto pelo trabalho
desenvolvido com povos indígenas, quanto pelo fato de muitas organizações não-
governamentais atuantes na região terem sua sede em outros estados ou países. Apesar deste
Pontão não ser conveniado com a SeCult-AP e sim conveniado diretamente com o MinC e
com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), traz importantes
considerações acerca da implementação da política de Pontos de Cultura no estado.
7.1.1. Relação entre diferentes entes
De acordo com o edital de seleção de Pontos de Cultura do Amapá, o financiamento é
provido pelo Convênio entre SeCult-Ap e MinC, sendo que a supervisão administrativa dos
projetos conveniados cabe à SeCult-AP; o acompanhamento do desenvolvimento das
atividades, por sua vez, cabe às coordenadorias de Desenvolvimento Cultural, Ação e Difusão
Cultural, Preservação do Patrimônio Histórico e Preservação da Memória Material e Imaterial
da SeCult-AP, e finalmente visitas técnicas e auditorias poderão ser realizadas a qualquer
momento por representantes da SeCult-AP e do MinC.
Conforme mencionado anteriormente, um dos Pontos de Cultura entrevistados
relaciona-se com o IPHAN e não com a Secult-AP. Entretanto, sua relação com este órgão
não foge ao padrão encontrado em outros editais de Pontos de Cultura, segundo a
Representante do Pontão de Cultura da Região Amazônica (REPAM), cabendo à instituição
governamental o financiamento e a fiscalização das ações, executadas pela entidade de acordo
com o projeto de Ponto de Cultura apresentado.
A representante dos Pontos de Cultura do Estado do Amapá (REPAP) reforça esta
característica, ao afirmar que os Pontos de Cultura dependem basicamente de recursos
públicos para executar suas ações, sendo esta a maior relação entre os entes.
Para a REPAP, entretanto, falta entrosamento entre os departamentos do MinC e
SeCult-AP, posto que o primeiro é responsável pela aprovação dos projetos e o segundo é o
responsável pela fiscalização geral dos projetos, mas estes executam suas ações de forma
independente, gerando retrabalho e desencontro de informações.
7.1.2. Procedimentos de aprovação de projeto
O edital de seleção aponta que os procedimentos para a aprovação dos projetos
apresentados baseiam-se em três etapas: a análise de documentos, realizada por uma equipe
59
técnica da SeCult-AP; a avaliação técnica do projeto, realizada por uma comissão de
representantes da SeCult-AP e especialistas da Sociedade Civil reconhecidamente
competentes; e a análise de méritos, composta por uma comissão tripartite, com dois
membros do MinC, dois membros da SeCult-AP e dois membros da instituições culturais
atuantes no estado.
A respeito da análise de documentos, além da exigência de comprovação da atuação
em produção cultural no estado há pelo menos dois anos, as entidades devem comprovar no
mínimo um ano de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
A avaliação técnica do projeto, por sua vez, baseia-se em critérios de atendimento à
filosofia do programa e acesso à produção de bens culturais, bem como viabilidade técnica e
coerência das ações, dentre outros critérios. Já a análise de méritos baseia-se na pontuação
obtida pelos projetos em cada etapa anterior, mas considera a distribuição territorial dos
projetos aprovados. Isto porque os projetos são aprovados, de acordo com o edital, a partir da
divisão territorial realizada conforme levantamento populacional de cada município,
apresentado na tabela a seguir:
Tabela IV – Pontos de Cultura por território amapaense
NÚMERO DE TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE PONTOS DE CULTURA
Oiapoque / Calçoene 01
Amapá/ Pracuúba/ Tartarugalzinho 01
Ferreira Gomes/ Porto Grande/ Serra do Navio/ Pedra Branca do Amapari/ Cutias/ Itaubal do Piririm
02
Laranjal do Jarí/ Vitória do Jarí/ Mazagão 03
Santana 02
Macapá 06
Fonte: Edital de Seleção de Pontos de Cultura do Amapá lançado em 2008 (AMAPÁ, 2010).
Apesar de estes dados estarem claros no edital, a falta de informações oficiais sobre os
projetos aprovados não permite afirmar que esta descentralização foi efetivamente
conquistada.
Segundo a REPAM, além da capacidade técnica da entidade para desenvolver as ações
propostas no projeto, a reconhecida competência da entidade em realizar ações para a
60
valorização da cultura Wajãpi (indígena) foi fundamental para a aprovação do projeto. Já para
a REPAP, a explicitação da viabilidade técnica do projeto, com objetivos claros e descrição
detalhada de atividades e custos é fundamental para atender aos critérios exigidos pelo edital.
7.1.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos
A exigência de comprovação de endereço fixo no estado, bem como inscrição de
CNPJ, conforme apontado pela REPAM, prejudica a submissão de muitos projetos,
principalmente de entidades indígenas, que por viverem em aldeias, possuem costumes e
exigências sociais diferentes, não havendo razão para possuírem tais documentações. Para
muitos representantes, a obtenção destes documentos chega a ser uma subversão de sua
cultura, demonstrando uma limitação do alcance da política, que busca ser abrangente.
Segundo a REPAP, após o projeto de Ponto de Cultura ser aprovado, a maior
dificuldade encontrada pelas entidades é viabilizar as ações propostas, principalmente porque
não são permitidas alterações do plano de trabalho proposto, a menos que sejam aprovadas
pela SeCult-AP.
Um agravante desta situação, para a REPAP, é o desconhecimento acerca da realidade
da região amazônica, fazendo com que tanto as organizações proponentes quanto os órgãos
governamentais cometam erros na seleção dos projetos, aprovando projetos com baixa
viabilidade técnica efetiva, que não conseguirão realizar suas ações conforme pretendido. Isto
porque, segundo a REPAP, a região amazônica traz uma dificuldade a mais para os Pontos de
Cultura, dadas as baixas condições de comunicação e poucas vias de transporte, que
dificultam a execução das ações, mesmo que não as inviabilizem, exigindo um nível avançado
de planejamento.
Já para a REPAM, os procedimentos burocráticos necessários para a conformidade
com as leis de financiamento público são ainda grandes dificuldades encontradas pelos
Pontos. Isto porque a exigência para a elaboração de orçamentos, execução das atividades e
prestação de contas é muito complexa para as entidades, que não estão familiarizadas com o
tema, fazendo com que muitos Pontos de Cultura encontrem dificuldades em cumprir tais
exigências legais. O próprio edital prevê a prestação de contas em conformidade com a Lei n°
61
8.666/9323, que estabelece os procedimentos para a realização de compras e licitações com
recursos públicos.
7.1.4. Prestação de contas
A prestação de contas é realizada conforme o plano de trabalho proposto no projeto
submetido, de acordo com a REPAP, e cada valor deve ser precisamente comprovado, sendo
que a avaliação da prestação de contas é feita pela SeCult-AP e pelo MinC. Entretanto,
conforme apontado pela REPAP, a diferença de procedimentos usados pelas duas entidades
gera ambiguidades na prestação de contas realizada pelas entidades.
Da mesma forma, a conformidade com a Lei nº 8.666/93 coloca uma dificuldade a
mais para as organizações. Os recursos de projetos financiados pelo governo exigem, pela sua
origem, o cumprimento de regras que muitas vezes não se adequam ao trabalho com
populações indígenas, segundo a REPAM, dado que estas comunidades não contam com
documentos para a comprovação de uso do dinheiro. Um exemplo dado pela mesma é a
contratação de um assessor indígena para a realização de um curso. Além da publicação do
edital de contratação, é necessário que este assessor apresente seu cadastro no Programa de
Integração Social (PIS) para receber seu pagamento, o que inviabiliza a prestação de contas de
acordo com as exigências legais.
No caso do Pontão do qual a REPAM faz parte, a prestação de contas dos recursos
recebidos é realizada semestralmente, pelo setor administrativo da organização, de acordo
com formulários próprios do IPHAN. Entretanto, não estão previstas avaliações externas e
monitoramento, sendo a prestação de contas a única forma de acompanhamento das ações do
Pontão. Neste mesmo sentido, não há, segundo a REPAP, publicidade para a prestação de
contas dos recursos, dado que o estado não publica as informações obtidas pela prestação de
contas através, por exemplo, de meio eletrônico, ou outras formas de acesso fácil para a
sociedade em geral.
Apesar de ser uma dificuldade para os Pontos, a conformidade com as leis é própria da
administração pública, conforme apontado pela própria REPAM, e portanto precisa ser
cumprida pelas entidades. Nesse sentido, a REPAP aponta para o risco em se discutir tanto a
23 Mais precisamente, esta lei regulamenta o artigo nº 37 da Constituição Federal de 1988, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública, além de dar outras providências.
62
prestação de contas, em detrimento da discussão acerca da execução das ações propostas
pelos projetos aprovados.
7.1.5. A rede de Pontos
O edital de seleção prevê a criação de uma rede de Pontos de Cultura, de
responsabilidade da SeCult-AP, que preferencialmente inclua os Pontos de Cultura
financiados diretamente pelo MinC, e por outras entidades, como o IPHAN. Segundo a
REPAP, a formação dessa rede potencializa a sustentabilidade do projeto, a partir da rede de
comunicação formada.
Isto porque, para a REPAP, a comunicação é uma das maiores dificuldades da região,
conforme mencionado, e a criação de meios de comunicação entre os Pontos é, portanto,
muito valiosa, por favorecer a troca de experiências e formação de parcerias.
A REPAM, por sua vez, afirma não participar da rede local, dada a especificidade de
seu projeto, mas tem contato com outros Pontos de Cultura quando participa de oficinas e
eventos.
7.1.6. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura
Segundo a REPAP, as principais fontes de recurso para a execução das ações
propostas, além dos recursos do edital, são patrocínios privados e parcerias formadas. Como
contrapartida, o Ponto de Cultura executa suas ações e faz a divulgação desses patrocinadores
e parceiros.
A respeito da sustentabilidade dos Pontos, a REPAM afirma que os recursos
provenientes do MinC e IPHAN são fundamentais para a execução das ações previstas no
projeto do Pontão de Cultura, mas são complementadas por ações financiadas por outras
agências de cooperação, ou mesmo instituições governamentais. Dessa forma, a
sustentabilidade do Ponto depende de recursos externos para valorização cultural.
Como aponta a REPAP, a busca por fontes externas de financiamento é almejada pela
maioria dos Pontos, para a continuidade de suas ações. Entretanto, as organizações não-
governamentais e privadas não estão preparadas para responder à essa necessidade, por não
conhecerem a política e não saberem as vantagens que a mesma política detém. Isto porque,
para a mesma, não há iniciativas governamentais para a divulgação das ações executadas,
sendo que o recurso dos Pontos de Cultura é insuficiente para uma ampla divulgação.
63
7.1.7. Continuidade dos Pontos de Cultura
Para a REPAM, não há expectativa para que as ações executadas pelo Ponto de
Cultura sejam mantidas após o término do financiamento pelo MinC, e muito menos que
tornem-se autossuficientes.
Segundo a REPAP, para que os Pontos de Cultura continuem executando suas ações, é
necessária a criação de fundos de caixa, viabilizando o financiamento destas ações através da
venda de produtos, pequenos patrocínios locais e busca de outros tipos de apoio. Entretanto,
corre-se o risco de mercantilizar o Ponto de Cultura, desconfigurando toda a ideologia acerca
da política. Para evitar este efeito, a REPAP deixa clara a necessidade de investimento dos
recursos para a continuidade e aprimoramento das ações, e não para outras formas de lucro. A
falta de planejamento por parte dos Pontos de Cultura, segundo a REPAP, também dificulta a
continuidade dos Pontos de Cultura existentes.
A respeito de futuros Pontos, a REPAP afirma que é ideal que o programa de
financiamento através dos editais seja mantido, independentemente do partido no governo.
Entretanto, não é possível afirmar em qual medida isto ocorrerá. De qualquer maneira,
segundo a REPAP, as entidades que trabalham com questões culturais valorizam tais
iniciativas e criam raízes com as ações desenvolvidas, o que pode tornar o programa um
sistema duradouro.
No entanto, a REPAP aponta como perigosa a “vaidade política” que alguns atores
tem, por este ser um programa pioneiro, podendo prejudicar sua continuidade, ao ignorar
outras formas de financiamento, e principalmente por não existirem ações de melhoria do
modelo proposto.
7.1.8. Depoimentos sobre o programa
Para a REPAM, o programa Pontos de Cultura foi fundamental para que a entidade
pudesse realizar as ações planejadas com a maior qualidade possível. Na mesma linha, a
REPAP afirma que este é o programa de maior importância para a cultura, posto que os
Pontos de Cultura passaram a valorizar a cultura como parte da sociedade, e não mais apenas
como uma forma de entretenimento.
Para a REPAM, o programa tem grande potencial para continuar enquanto política de
estado, dados seus méritos. Entretanto, para a REPAP, é preciso que haja maior entrosamento
64
entre os entes conveniados, SeCult-AP e MinC, pois as diferenças entre estes órgãos
prejudicam as ações das entidades.
Conforme destacado pela REPAP, o Brasil é conhecido pela música e futebol, sendo
que os Pontos de Cultura dão espaço para outras manifestações culturais, fazendo um resgate
das atividades e manifestações culturais tradicionais em vários campos: na dança, na música
de raiz, no teatro, no circo, no artesanato, na literatura regional, na culinária, entre tantos
outros.
7.2. Pontos de Cultura cearenses
O Ceará é um dos estados com maior quantidade de Pontos de Cultura existentes,
sendo um dos estados com maior quantidade de Pontos per capita e de Pontos por município.
No ano de 2010, foi destaque ainda por sediar a Teia Nacional de Pontos de Cultura, reunindo
Pontos de Cultura de todo o país, gestores públicos, pesquisadores e membros da sociedade
civil.
No estado do Ceará, somam-se até o momento o edital federal e estadual. Após o
lançamento do edital federal, que criou os primeiros (aproximadamente 40) Pontos de Cultura
cearenses, foi lançado em 2007 o edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da
presente pesquisa.
Este edital aprovou 100 projetos, sendo 20 em Fortaleza e 80 nos demais Municípios
do Estado, sendo o trabalho entre o MinC e a secretaria estadual de cultura viabilizado por
meio do Convênio de Cooperação Técnica e Financeira nº 423/2007 de 31 de dezembro de
2007, publicado no Diário Oficial da União de 04 de março de 200824. Segundo a Secretaria
da Cultura do Ceará (SeCult-CE, 2010), foram inscritos 188 projetos, sendo 78 na capital e
110 no interior e na região metropolitana, somando-se aos Pontos já atuantes no Estado.
Dessa forma, existe atualmente mais de 150 Pontos de Cultura no estado, realizando
diversas ações culturais em todo o território estadual, o que, segundo o próprio edital,
contribui para a inclusão social e construção da cidadania, por meio do fortalecimento das
identidades culturais e da geração de emprego e renda.
24 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital para seleção de 100 Pontos de
Cultura no estado e pode ser consultado através do site da SeCult-CE (CEARÁ, 2010) e do site do MinC (MINC, 2010).
65
7.2.1. Relação entre diferentes entes
Os Pontos de Cultura, conforme mencionado, são viabilizados por convênio entre
MinC e SeCult-CE, sendo que, de forma geral, o primeiro é responsável pelo financiamento e
supervisão do programa e o segundo é responsável pela seleção e acompanhamento dos
projetos, bem como por parte do financiamento, tal qual ocorre no estado do Amapá. Segundo
o edital, representantes da SeCult-CE e do MinC, através da Secretaria de Programas e
Projetos Culturais e de órgãos de controle do Ministério, serão responsáveis pelo
acompanhamento dos projetos aprovados, podendo fazer visitas técnicas e auditorias a
qualquer tempo, tal qual ocorre no Estado do Amapá.
Além do MinC e SeCult-CE, as ações desenvolvidas pelos Pontos de Cultura são
acompanhadas ainda por outros entes. Dentre estes, as coordenadorias de ação cultural, de
Políticas do Livro e de Acervos e de Patrimônio Histórico Cultural da Secretaria da Cultura,
de acordo com as atividades desenvolvidas por cada Ponto de Cultura e a Coordenadoria
Administrativo-Financeira e a Assessoria Jurídica da Secretaria da Cultura, que supervisiona
as questões administrativas de todos os Pontos.
O financiamento dos projetos para tornarem-se Pontos de Cultura dá-se, por sua vez,
através de convênio com a SeCult-CE, ficando as organizações responsáveis pelos Pontos
obrigadas a executar corretamente o plano de trabalho proposto, conforme explícito pelo
edital.
Dessa forma, e segundo destacado pelo representante dos Pontos de Cultura do Estado
do Ceará (REPCE), a relação entre governo e os Pontos de Cultura selecionados baseia-se
fundamentalmente no financiamento das ações e no conhecimento acumulado pelo primeiro
em gestão de políticas públicas e prestação de contas. Tratando-se de ações culturais, por sua
vez, o REPCE destaca a superioridade dos Pontos enquanto articuladores e conhecedores
culturais.
7.2.2. Procedimentos de aprovação de projeto
A seleção dos projetos para o edital foi composta, segundo a SeCult-CE (CEARÁ,
2010), por uma comissão de três fases: análise de documentos, avaliação técnica e análise de
mérito, da mesma forma que a seleção ocorrida no estado do Amapá. A primeira fase analisou
a documentação exigida em edital e o enquadramento do proponente nos termos do mesmo
66
edital, sendo inabilitados os projetos cujos proponentes não apresentaram os documentos
exigidos, entregaram a inscrição fora do prazo ou não se encaixam nos critérios de pessoa
jurídica sem fins lucrativos, cujas atividades são voltadas para ações culturais (CEARÁ,
2010).
Segundo o edital, a avaliação técnica, segunda fase da seleção de projetos, foi
realizada por comissões tripartites compostas por representantes do Ministério da Cultura, do
Governo do Estado e especialistas da Sociedade Civil que não estejam concorrendo ao Edital,
com reconhecida competência nas áreas de Culturas Populares, Grupos Étnico-Culturais,
Patrimônio Material, Audiovisual e Radiodifusão, Culturas Digitais, Gestão e Formação
Cultural, Pensamento e Memória, Expressões Artísticas, e Ações Transversais. Todavia, vale
neste ponto o destaque feito pelo REPCE, de que a divisão em áreas temáticas não aborda
questões de gênero e orientação sexual, que contam com peculiaridades culturais próprias, e,
portanto, devem ser também consideradas pelas políticas públicas de cultura.
A avaliação técnica utilizou como critérios, por sua vez, a comprovada experiência da
entidade proponente, a capacidade de agregar e mobilizar parcerias, e a potencialidade de
sustentar as ações por meio de recursos próprios. Outro critério utilizado foi a adequação do
plano de trabalho apresentado, bem como a viabilidade de execução do orçamento proposto.
A terceira fase de seleção, ainda segundo o edital, é a análise de mérito, realizada por
uma segunda comissão tripartite, composta por três representantes do Ministério da Cultura,
três representantes do Governo do Estado, e três representantes de instituições da Sociedade
Civil, com seus respectivos suplentes. Esta etapa teve por critérios o atendimento aos
objetivos do programa Mais Cultura, abrangência da proposta e público-alvo alcançado, entre
outros critérios de desempate.
Neste quesito, há favorecimento para projetos que atuem em territórios de cidadania,
vulnerabilidade social, territórios indígenas, quilombolas, artesanais ou assentamentos, áreas
de abrangência do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), semiárido ou sítio
urbano. Além do favorecimento no julgamento, duas vagas são destinadas para atender
projetos apresentados por instituições indígenas, duas para instituições quilombolas e outras
três para entidades de assentamentos rurais existentes no Ceará.
O edital de seleção prevê ainda que os projetos selecionados distribuam-se em todo
território do estado, buscando descentralizar os Pontos selecionados através de regiões pré-
determinadas. Dessa forma, a distribuição dos projetos nas regiões do estado, bem como os
67
pareceres emitidos pelas comissões técnicas, são os critérios utilizados pela Comissão de
Análise de Mérito, que definirá os projetos aprovados pelo edital.
Uma vez que a SeCult-CE não respondeu ao questionário, não é possível determinar
em qual medida a descentralização prevista em edital foi efetivamente realizada. Para o
REPCE, o processo de seleção estabelecido pelo edital acaba privilegiando as organizações
que já desenvolvem ações culturais, muitas delas já beneficiadas por outras fontes de
financiamento, que não necessariamente os recursos dos Pontos de Cultura. Não se percebe,
entretanto, padronização das ações culturais desenvolvidas pelos Pontos de Cultura
selecionados, sendo estes bastante diversificados.
7.2.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos
Não há informações oficiais acerca das dificuldades encontradas pelos Pontos de
Cultura cearenses. Para o REPCE, por sua vez, a maior dificuldade encontrada pelo Ponto de
Cultura que representa é financeira. O valor de R$ 60.000,00 é muito pouco para desenvolver
e manter ações culturais ao longo de um ano. Para ele, o interesse em tornar-se Ponto de
Cultura é muito mais político do que financeiro.
Isto porque, para o REPCE, há o perigo de determinados grupos culturais,
independentemente do trabalho realizado, dominarem o cenário estadual e impedirem que
outras iniciativas, igualmente capazes, tenham acesso a apoio e financiamento público, por
não estarem inseridas nos mesmos círculos sociais e profissionais. A rede de Pontos de
Cultura, nesse aspecto, acaba sendo prejudicial por concentrar informações entre seus
membros, e impedir o acesso de outras organizações sociais.
7.2.4. Prestação de contas Segundo o REPCE, a prestação de contas dá-se em conformidade com as leis de
financiamento público, refletidas no edital de seleção. Dentre as dificuldades mencionadas no
encontro nacional, organizado por Pontos de Cultura cearenses, encontra-se justamente a
prestação de contas conforme as leis orçamentárias. As ações desenvolvidas pelos Pontos
devem estar em conformidade com os planos de trabalho apresentados no momento da
inscrição das organizações, segundo o edital, cabendo medidas administrativas e jurídicas em
caso contrário. No plano de trabalho, consta a previsão de todas as ações a serem executadas
pelo Ponto de Cultura, bem como a previsão dos recursos a serem utilizados. O edital prevê,
dessa forma, alterações nos planos de trabalho apresentados, desde que permitidas pela
68
SeCult-CE, para que as ações possam ser realizadas independentemente de imprevistos que
possam ocorrer. Não há informações, entretanto, a respeito da forma como os Pontos de
Cultura cearenses estão executando seus planos de trabalho, ou mesmo se efetivamente
conseguem alterar estes planos.
Da mesma forma, não há informações acerca de alguma prestação de contas pública
para os recursos movimentados pelos Pontos de Cultura por parte do site da SeCult-CE.
Segundo o REPCE, esta prestação de contas por parte da SeCult-CE não existe, bem como a
mensuração dos resultados gerados, que ficam sob responsabilidade dos próprios Pontos.
De acordo com o edital de seleção, a mensuração de resultados e impactos gerados
pelos projetos devem ser encaminhados à SeCult-CE pelas organizações ao final do convênio,
juntamente com a prestação final de contas. Essa mensuração de resultados deve mencionar
os beneficiários diretos e indiretos do projeto, bem como pesquisa de satisfação das
comunidades envolvidas e informações acerca da articulação com a comunidade, e da geração
de novas oportunidades tanto para o Ponto de Cultura quanto para seu público.
Essa característica diferencia a SeCult-CE dos demais editais, por prever, ao menos no
edital, uma prestação de contas que abranja avaliações de satisfação e resultados obtidos,
demonstrando maior preocupação com a avaliação das ações realizadas pelos Pontos de
Cultura. Entretanto, não foi possível constatar se essa avaliação é de fato realizada e quais os
resultados obtidos, posto que a SeCult-CE não respondeu às tentativas de contato.
Segundo o REPCE, para além da prestação de contas dos recursos obtidos através do
edital de Pontos de Cultura, as organizações sociais que aprovaram projetos para Pontos de
Cultura contam ainda com outras fontes de recurso para complementar e manter suas
atividades.
7.2.5. A comissão estadual e a rede de Pontos
A SeCult-CE não disponibiliza informações em meio eletrônico acerca da existência
de uma comissão estadual de cultura, sendo que o Conselho Estadual de Cultura tem por
função acompanhar as diretrizes gerais das leis de incentivo à cultura e fundos de cultura, sem
especificar seu (possível) envolvimento com os Pontos de Cultura (CEARÁ, 2010).
O REPCE, por sua vez, desconhece se há esta comissão, e se há alguma rede estadual
de Pontos de Cultura institucionalizada, ou mesmo ativa.
Tal qual os demais editais de Pontos de Cultura, o edital cearense prevê recursos para
a formação de uma rede de Pontos de Cultura, inclusive absorvendo os Pontos de Cultura
69
implementados através do edital realizado diretamente com o MinC. Através de seu endereço
na internet25 é possível acessar a rede cearense de Pontos de Cultura. Não há como afirmar,
entretanto, em qual medida essa rede é perene, e mesmo se funciona como articuladora dos
Pontos de Cultura da região.
Todavia, destaca-se a importância da rede de Pontos de Cultura, anteriormente
mencionada neste trabalho, para a efetiva implementação da política. Para o REPCE, o maior
benefício promovido pela rede de Pontos é permitir o fortalecimento político da sociedade
civil organizada. Neste ponto, vale retomar a preocupação expressa pelo REPCE com relação
aos círculos de informação que se formam entre os membros da rede, prejudicando a ideia
original de disseminação de informações, descentralização e fortalecimento da rede. A falta
de entendimento e comprometimento por parte dos membros da rede, portanto, pode ser
prejudicial ao seu pleno desenvolvimento.
7.2.6. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura
O REPCE deixa clara a necessidade de financiamento para a execução das ações dos
Pontos de Cultura. Isto, de acordo com a sua opinião, ocorre naturalmente, pois uma vez que
as organizações alvo da política não visam lucro, não há como desenvolver as ações sem
apoio externo, e o financiamento público torna-se, dessa forma, fundamental para a existência
de ações como os Pontos de Cultura.
O entrevistado destaca, ainda, o fato de os recursos destinados para os Pontos de
Cultura serem insuficientes para a plena realização de suas atividades.
7.2.7. Continuidade dos Pontos de Cultura
Partindo do pressuposto que haja financiamento público para as ações desenvolvidas
pelos Pontos de Cultura, conforme mencionado anteriormente, o REPCE acredita que o
programa tem potencialidade para tornar-se uma política de estado, e firmar-se enquanto um
sistema duradouro de política cultural.
O fato de a seleção ser realizada por editais públicos reforça essa potencialidade, pela
facilidade de disseminação dos Pontos de Cultura. As redes nacionais politicamente ativas
25 A rede cearense de pontos de cultura tem como endereço eletrônico: <http://www.pontosdecultura.org.br/>, acessado em 16 de maio de 2010.
70
também reforçam a continuidade do programa, ao formar redes de pressão, divulgação e
aprendizagem para a garantia de políticas públicas como o Cultura Viva.
Entretanto, a participação é o principal entrave, segundo o REPCE, para a
descontinuidade dos Pontos de Cultura, uma vez que as políticas culturais circulam entre as
mesmas organizações sociais, que têm acesso às informações. Os meios de participação, dessa
forma, precisam ser desenvolvidos e ampliados para que se possa constituir um programa de
fato abrangente e democrático.
7.2.8. Depoimentos sobre o programa
A entrevista do REPCE transparece uma preocupação com o envolvimento do estado
nas ações culturais. Segundo o mesmo, a secretaria de cultura estadual ainda precisa avançar
para adequar-se à política dos Pontos de Cultura. Uma vez que a secretaria não respondeu à
entrevista, não é possível determinar sua posição quanto a esse fator.
Outro fator destacado pelo mesmo é a limitação temática dos critérios de seleção dos
Pontos de Cultura, que não consideram fatores como gênero ou orientação sexual detentores
de cultura própria, igualmente excluída das políticas culturais brasileiras.
7.3. Pontos de Cultura paulistas
São Paulo, atualmente, é o estado com o maior número de Pontos de Cultura do país,
destacando-se ainda nas demais formas de financiamento público do setor cultural, conforme
mencionado anteriormente, sendo considerado vanguarda de muitos movimentos culturais,
além de reunir diversos polos culturais, dado o grande número de migrantes e imigrantes
existentes no estado.
No estado de São Paulo, somam-se até o momento o edital federal, editais estaduais e
municipais26, que não param de se expandir. Após o lançamento do edital federal, que criou
os primeiros (aproximadamente 150) Pontos de Cultura paulistas, foi lançado em 2009 o
edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da presente pesquisa.
Este edital visava atender 300 projetos, alcançando um montante de recursos de R$
54.000.000,00 (cinquenta e quatro milhões de reais), sendo o trabalho entre o MinC e a
secretaria estadual de cultura viabilizado por meio do Convênio nº 701333/2008 de 30 de
26 Além do edital federal e estadual, Guarulhos, Diadema, São Bernardo do Campo, Suzano, entre outros municípios paulistas já contam com editais próprios para criação de novos Pontos de Cultura, ampliando a rede formada.
71
dezembro de 200827. Segundo a coordenadora do programa Pontos de Cultura em São Paulo
(CORSP), mais de 1.000 projetos foram submetidos, 900 projetos foram habilitados para a
seleção, e ao fim de 2009 foram apresentados os 300 pontos, tornando-se 301 Pontos no
começo de 201028, que se somam aos Pontos já existentes, formando a Rede Paulista de
Pontos de Cultura.
Para se chegar a estes números, o processo de negociação entre o MinC e a Secretaria
de Cultura (SeCult-SP) para firmar o convênio que estabelece o programa iniciou-se em 2004,
segundo a CORSP e houve um espaço de tempo muito longo, aproximadamente um ano, entre
a assinatura do acordo de cooperação e o primeiro edital lançado, em que várias negociações e
deliberações foram tomadas para a implementação do programa, dando características
peculiares ao edital paulista, conforme será detalhado a seguir.
7.3.1. Relação entre diferentes entes
A interação entre Ministério, Secretaria e organizações sociais demandam uma
estrutura especial, uma vez que o convênio cria corresponsabilidades do Estado e da
sociedade civil organizada, de acordo com o REPSP. Tratando-se dos diferentes níveis
federativos envolvidos no edital estadual, as funções de cada ente são delimitadas pelo
próprio convênio firmado, segundo a CORSP, que estabelece a governança do programa,
cabendo à secretaria a intermediação29 entre os Pontos de Cultura, executores do programa, e
o Ministério da Cultura, financiador, coordenador e avaliador das ações desenvolvidas.
Para além da intermediação, a SeCult-SP também tem por função o acompanhamento
dos Pontos a partir da sua contratação, acompanhando de forma mais próxima as ações
desenvolvidas, através de encontros, visitas e contato direto, enquanto o MinC faz o
acompanhamento e avaliação das ações de forma mais ampla, por centralizarem a gestão
política do programa. Uma vez que as contratações dos Pontos acabaram de ser finalizadas
(no final de janeiro) e com o evento de várias Teias regionais e nacionais (São Paulo, Brasília
e Ceará), ainda não foram realizadas muitas ações diretas com os Pontos, de acordo com a
27 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital dos 300 pontos de cultura, e pode ser consultado através do site da SeCult-SP (SÃO PAULO, 2010) e do site do MinC (MINC, 2010). 28 De acordo com a coordenadora de São Paulo, o aumento na arrecadação do INSS disponibilizou recursos suficientes para a contratação de mais um Ponto de Cultura, aumentando seu número para 301. 29 Aqui, vale ressaltar que a intermediação ocorre para os Pontos selecionados para o edital estadual, sendo que os primeiros Pontos aprovados pelo edital do MinC não precisam desta intermediação, referindo-se diretamente ao ministério.
72
CORSP, mas estão previstas ações e visitas mais frequentes a partir do segundo semestre de
2010.
A partir do convênio firmado entre a secretaria estadual e o ministério, o recurso
financiado para os Pontos de Cultura parte de ambas: 2/3 dos recursos vem do ministério,
repassados do FNC, e 1/3 como contrapartida da secretaria estadual, de acordo com a
CORSP.
Aos Pontos cabe a apresentação de relatórios de atividades e a prestação das contas
realizadas como formas de controle do programa, mas, principalmente, cabe aos Pontos a
realização do seu projeto, que, segundo o REPSP, constitui-se em um serviço público
realizado, que, por ser gratuito, é de interesse social. Isso corrobora o viés do programa em
atender entidades mais carentes, segundo a CORSP, dando acesso à ponta da política cultural
àqueles que não possuem outros meios para obter financiamento e que realizam ações que não
objetivam o lucro, mas sim atividades voltadas para as suas comunidades e para o benefício
de seu entorno.
7.3.2. Procedimentos de aprovação de projeto
De acordo com o edital de seleção, os projetos são avaliados por uma primeira fase, de
análise de documentos, e uma segunda fase, de análise de projetos. A primeira fase consiste
na correta apresentação dos documentos exigidos pelo edital, conferidos por uma equipe
técnica da SeCult-SP composta por até três membros. Já a segunda fase é baseada nos
critérios básicos de seleção, como a adequação viabilidade técnica do projeto, sendo avaliados
em cada projeto, segundo a CORSP, por uma comissão tripartite, que contou com nove
pessoas: três membros da secretaria estadual de cultura, três membros do ministério e três
membros da sociedade civil.
De acordo com a CORSP, mais de 1.100 projetos submeteram-se ao edital de 2009,
sendo que destes, cerca de apenas 400 projetos foram habilitados na primeira fase: a análise
de documentação. Após esta fase, houve um período de recurso, para aqueles projetos que não
conseguiram apresentar a documentação corretamente. Houve uma semana para apresentar os
documentos corretamente, e, através de esclarecimentos da secretaria, aproximadamente 900
projetos conseguiram se adequar às exigências de documentação, e foram habilitados para a
fase de julgamento pela comissão, que, por sua vez, estabeleceu os critérios prioritários para a
aprovação dos projetos através de várias reuniões.
73
No caso de projetos para Pontos de Cultura, explica a coordenadora, não fazia sentido
esperar projetos “perfeitos”, pois o foco do programa é apoiar aqueles produtores culturais
que não estão familiarizados com os procedimentos burocráticos. Os critérios de aprovação
focaram-se então na factibilidade da ideia e na capacidade de prover ações culturais de
qualidade.
Dentre estes critérios, a CORSP destaca o cuidado com a descentralização de Pontos
na seleção do edital estadual, pois os primeiros editais acabaram concentrando ações na
capital paulista, como destaca o REPSP, segundo o qual a maior parte dos Pontos brasileiros
encontra-se no Estado de São Paulo e, mesmo sendo disseminados pelo interior de todo o
Estado, ainda há concentração na região metropolitana de São Paulo e na macrorregião de
Campinas.
Por este motivo, segundo a CORSP, uma das preocupações do edital foi descentralizar
os Pontos pelo interior do estado, mas, de acordo com a quantidade de inscritos, foi inevitável
a maior aprovação de Pontos na capital paulista, uma vez que a maioria dos projetos inscritos
veio da capital. Mesmo assim, com a atenção para a descentralização municípios com 3 a 5
mil habitantes, que antes não tinham nada (sobre equipamentos culturais) agora têm um Ponto
de Cultura.
Já para o REPSP, outro critério fundamental foi o público-alvo do projeto, com
destaque para projetos que trabalhem em situações de vulnerabilidade social e questões
socioeconômicas. É possível analisar, ainda, que, além de terem públicos-alvos bastante
similares, os Pontos de Cultura geralmente atuam no mesmo espaço em várias áreas, como
dança, teatro, circo, etc., sem ter um perfil majoritário de quais ações culturais são
promovidas. Como explica a CORSP, o edital é aberto, e por este motivo atrai diversas
formas de expressão cultural, sendo que geralmente as organizações reúnem diversas
atividades em um único Ponto.
7.3.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos
A maior dificuldade encontrada pelos proponentes de projetos é a apresentação da
documentação correta e, uma vez aprovados, sua maior dificuldade está na prestação de
contas. Estas características foram apontadas por todos os entrevistados como maiores
entraves do programa.
Apesar de todas as informações necessárias acerca do projeto ficarem disponíveis no
site da secretaria, tais como: qual a documentação necessária, quais estão erradas, qual o
74
modelo de documentos correto, etc., as organizações sociais encontram muitas dificuldades
em submeter a documentação, conforme apontado acima. Isto porque, como explica a
CORSP, alguns projetos não tinham os documentos necessários, como certidões de pessoa
jurídica, que demandam uma série de obrigações legais e custos de manutenção, inacessíveis
para a maioria das organizações que são público da política dos Pontos de Cultura, ou não
tinham documentos mais comuns, como comprovantes de endereço, por não conseguirem
arcar com os custos de manter um endereço fixo, ou mesmo um endereço por longo período,
ou então não tinham comprovantes de endereço de dois anos atrás, como pede claramente o
edital. Alguns projetos não se ativeram a detalhes do edital como estes, por falta de atenção,
precisando entrar em recurso.
Para o REPSP, a falta de estrutura da secretaria para atender à demanda de dúvidas
também dificulta a submissão de projetos, pois a equipe é pequena e não conta com
funcionários de carreira para atender a tantos projetos em um período curto de tempo, como é
a submissão de projetos para o edital.
Outro problema presente em outras políticas de financiamento de projetos que também
ocorre entre os Pontos de Cultura, conforme apontado pelo REPSP, é a falta de clareza no
objetivo dos projetos submetidos, que não se atêm aos detalhes especificados nos editais, e
acabam inviabilizando sua aprovação. Um exemplo dado pelo mesmo é o de uma organização
que submete um projeto voltado para jovens para um edital de Pontinho de Cultura, cujo
público-alvo são crianças.
Após a aprovação dos projetos pela SeCult-SP, o grande esforço dos Pontos voltou-se
para alterações nos planos de trabalho. Quando os projetos foram inscritos, havia necessidade
de detalhar um plano de trabalho, contendo orçamentos e cotações de preços para toda e
qualquer compra a ser feita com o recurso financiado. Após a aprovação dos projetos, os
Pontos começaram a fazer suas compras, e notaram a necessidade de atualizar valores,
quantidades, fornecedores, etc. Segundo a CORSP, os representantes dos Pontos reclamam
das dificuldades em alterar o plano de trabalho, que precisaram ser revistos 3 ou 4 vezes.
Muitas entidades receberam recurso público pela primeira vez, sendo que, antes, trabalharam
com muito pouco ou nenhum recurso, e com a exigência de fazer um plano de trabalho
complexo encontraram muitas dificuldades em se adaptar a essa parte mais burocrática.
Geralmente, são pequenos os problemas, como confusão entre capital e custeio, detalhes
simples, mas que precisam ser corrigidos.
75
Para além destas dificuldades, a maior preocupação dos Pontos, segundo os
entrevistados, está na prestação de contas. São muitas as dúvidas sobre realização de compras
e contratos de prestação de serviços.
7.3.4. Prestação de contas
Conforme mencionado, cabe à secretaria de cultura acompanhar as atividades
desenvolvidas pelos Pontos de Cultura, e este acompanhamento é feito principalmente através
de visitas regulares e relatórios semestrais de desenvolvimento de atividades e da prestação de
contas dos recursos financiados.
Segundo o REPSP e a CORSP, este relatório é composto pelo detalhamento das ações
desenvolvidas e o detalhamento financeiro, contendo o custeio e capital aplicado, bem como
uma comprovação “física”, como materiais de divulgação; fotos, CD’s ou DVD’s das ações
desenvolvidas, entre outros materiais que possam ser utilizados para detalhar as ações.
Entretanto, os dados de prestação de contas ainda não estão disponíveis da melhor
maneira possível para o público. Segundo a CORSP, não há publicação dos
acompanhamentos realizados, sendo que todas as informações de cada projeto ficam
registradas em seu processo, nos arquivos da secretaria de cultura. Os Pontos, por sua vez,
conseguem acompanhar o andamento do projeto na secretaria através do número de seu
processo. Uma vez que os processos são dados públicos, estão à disposição de qualquer
cidadão, entretanto é necessária autorização para se ter acesso aos dados, mediante solicitação
específica de qual dado será analisado. Além da solicitação para que os cidadãos os acessem,
outro fator que dificulta a publicidade dos dados é o fato de os mesmos não estarem
sistematizados pois não há um banco de dados simplificado para acesso de informações como
utilização dos recursos, andamento das ações, etc.
Segundo o REPSP, existem alguns sistemas do Ministério da Cultura que procuram
solucionar este problema, apesar das limitações que ainda encontram, como o Sistema de
Gestão de Convênios e Contrato de Repasses (SICONVI), que vem sofrendo diversas
alterações para melhorar o acesso aos dados públicos.
A publicidade dos dados tem ainda uma questão anterior, a produção dos mesmos
dados, que, conforme mencionado, é a maior dificuldade encontrada pelos Pontos de Cultura.
Cada projeto conta com seu plano de trabalho e, neste, encontra-se a previsão de orçamento e
custeio de cada item utilizado, que, a princípio, deve ser minuciosamente obedecido pelos
Pontos ao executar suas ações para que a previsão e execução de gastos coincidam. Através
76
de orientações por diversos meios, a secretaria de cultura busca dar subsídios e esclarecer
dúvidas para que os Pontos saibam como deve ser feito o orçamento de compras, a
contratação de prestadores de serviços, etc., conforme aponta a CORSP, para que assim os
Pontos atendam aos critérios de controle de recursos. Isto porque todas as compras devem ser
feitas através da comparação de três orçamentos, e a segunda parcela do recurso financiado é
disponibilizada apenas quando a prestação de contas da primeira parcela é aprovada, e assim
ocorre com o pagamento da terceira parcela, mediante prestação de contas da segunda parcela.
A regra geral para editais de Pontos de Cultura é o pagamento das parcelas através de
convênios firmados com as organizações sociais. Entretanto, os primeiros Pontos de Cultura
de São Paulo financiados pelo edital do MinC depararam-se com uma série de problemas com
relação à prestação de contas, conforme apontado pela CORSP, problemas estes recorrentes
das políticas públicas nacionais. No edital realizado pelo Ministério, os Pontos recebiam a
primeira parcela, porque esta era livre, mas depois não conseguiam receber a segunda parcela
por não conseguir prestar contas da primeira parcela adequadamente, bloqueando este recurso.
Mediante estes entraves, a Secretaria de Cultura de São Paulo optou por uma forma
diferente de disponibilização de recursos, o prêmio. Isto porque, segundo sua coordenadora, o
convênio restringe a ação dos Pontos, como a exigência de que o plano de trabalho enviado
no momento da inscrição deva ser seguido à risca, não sendo possível fazer alterações ou
mesmo atualização de valores30.
7.3.5. Recurso enquanto prêmio Este talvez não seja o termo mais adequado, dado que não se constitui uma
bonificação para um trabalho realizado, mas sim o financiamento de um projeto apresentado.
A colocação do financiamento enquanto prêmio foi necessária, entretanto, para simplificar a
prestação de cada conta efetuada pelos Pontos nos moldes do orçamento público e é a maior
diferenciação dos Pontos de Cultura paulistas em relação a editais de todo país, e mesmo
editais realizados nos municípios do Estado de São Paulo.
No caso do prêmio, a prestação de contas é mais maleável, permitindo inclusive a
mencionada alteração dos planos de trabalho. Segundo a CORSP, a grande vantagem dessa
30 No modelo de convênios, a previsão de compra de um computador de determinada marca por determinado valor no plano de trabalho exige que esta compra seja feita exatamente como descrito, de acordo com a prestação de contas, com notas fiscais com todos os dados exigidos. Passados alguns meses entre a submissão do projeto e aprovação dos Pontos, o mercado se altera, dificultando a aquisição dos produtos com as mesmas características descritas, principalmente o preço.
77
alteração é dar o foco na execução dos projetos, e não mais na prestação de contas. Para ela,
“os Pontos fazem o projeto cultural, e a burocracia e papelada fica com a secretaria”. Mas,
ainda com estas alterações, a prestação de contas é uma dificuldade.
Mesmo tratando-se de um prêmio, ainda são recursos públicos sendo utilizados por
organizações da sociedade civil, então é necessário que as notas fiscais, recibos, contas, etc.,
sejam guardadas por dez anos, para fins de prestação de contas, sendo que a qualquer
momento a secretaria pode solicitar estes documentos, para conferir se o projeto está
desempenhando suas funções corretamente.
Dessa maneira, abre-se espaço para que organizações que não entendem
profundamente a burocracia governamental tenham seus projetos aprovados e financiados, o
que não ocorre em outras modalidades de financiamento, como no caso de projetos aprovados
pelo PRONAC, cujas notas fiscais precisam ter detalhes específicos do programa.
7.3.6. A comissão estadual e a rede de Pontos
Para viabilizar a comunicação e representatividade entre os Pontos, o edital prevê
ainda a participação dos Pontos em pelo menos dois encontros promovidos pela secretaria,
mas, além destes, existem comissões e redes de comunicação físicas e virtuais, independentes
da secretaria de cultura. A Comissão Paulista de Pontos de Cultura, como explica a CORSP,
surgiu antes mesmo do lançamento do edital da secretaria de cultura, e agregou os novos
Pontos criados por este edital, reunindo atualmente Pontos de Cultura de editais dos três
níveis federativos.
Além da comissão, que se reúne periodicamente em diferentes locais do Estado para
discutir a situação dos Pontos e novas e melhores alternativas para a cultura, há ainda a lista
de discussão virtual dos Pontos, com participação assídua de alguns membros e os encontros
físicos frequentes organizados pelos Pontos. Portanto, além das comissões, outra
característica do programa Pontos de Cultura que permite maior protagonismo das
organizações sociais é a rede formada entre os Pontos de Cultura, que soma experiências e
potencialidades dos Pontos, fortalecendo sua ação ao redor do país. Para o REPSP, a rede é
uma das formas de garantir a sustentabilidade dos projetos, havendo várias experiências bem-
sucedidas de economia solidária entre redes de Pontos de Cultura, que amadurecem e
aprofundam-se a partir desse contato com outros Pontos.
Segundo a CORSP, não é possível determinar o quanto a rede paulista está
disseminada, pois existem redes regionais e locais, além da rede nacional. Mas é fato que ela
78
está crescendo, e se fortalece e multiplica a cada dia, com a participação de antigos e novos
Pontos.
7.3.7. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura
Ao tratar da autonomia dos pontos em relação à secretaria, é possível dizer que os
mesmos executam seus projetos de forma independente da secretaria (excluindo desta análise
o financiamento das ações, naturalmente), conforme apontam os entrevistados. Para a
CORSP, dúvidas burocráticas ainda tornam os Pontos dependentes, mas apenas nesse quesito,
que tende a diminuir com o passar do tempo e da execução das atividades. Os Pontos estão
desenvolvendo os projetos, fazendo inaugurações e atividades, então nesse quesito estão
independentes da secretaria, entrando em contato apenas quando há dúvidas sobre
contratação, prestação de contas, entre outros.
Em especial no caso de São Paulo, as organizações sociais não são tão dependentes da
SeCult-SP, ao contrário do que se observa em Pontos de outros estados, para o REPSP, pois a
própria organização social tem acesso a outras fontes de financiamento para sustentar suas
ações. Isto é observado também pela CORSP, que aponta outras formas de financiamento
como razão para a continuidade de ações de muitos Pontos de Cultura aprovados no primeiro
edital do MinC.
Entretanto, a continuidade das ações de todos os Pontos de Cultura após o término do
financiamento é imprecisa. A intenção do trabalho da secretaria, segundo a CORSP, é que os
Pontos se tornem autossuficientes após o término do financiamento. De acordo com a mesma,
os encontros promovidos pela secretaria a partir do segundo semestre serão voltados a
questões sobre a gestão da entidade e construção de programações culturais. Dessa forma,
haverá um esforço da secretaria para instrumentalizar os Pontos (permitindo sua continuidade
após o financiamento).
Para o REPSP, a sustentabilidade depende ainda da natureza do projeto aprovado, pois
se for um projeto que visa a autossustentabilidade através de produtos do próprio Ponto de
Cultura há maiores chances, principalmente se articulados com a economia solidária, dada a
finalidade do programa, que não visa a obtenção de lucro.
Segundo a CORSP, alguns Pontos financiados pelo edital do MinC tiveram projetos
aprovados no edital estadual e em outras linhas de financiamento e continuaram, portanto,
recebendo recursos federais para executar suas ações, mantendo sustentabilidade. Uma vez
que os Pontos não cobram por suas atividades, a continuidade das ações sem financiamento
79
público é dificultada, o que reforça a importância de editais, não apenas dos Pontos de
Cultura, mas diversos editais de financiamento de ações culturais.
7.3.8. Continuidade dos Pontos de Cultura
Dessa forma, apesar de novos editais serem lançados a cada momento e do aumento da
força das Redes de Pontos, que pressionam o governo para a aprovação de leis que instituam a
política do Cultura Viva como política permanente para a construção de um sistema nacional
de cultura, o futuro dos Pontos de Cultura ainda é incerto. Para a CORSP, o programa ainda é
muito recente para formar um sistema, mas sua identidade já existe, enquanto política pública
definida. Entretanto, sua continuidade depende fundamentalmente da disponibilidade de
recursos para o lançamento de novos editais, mas, como destaca a CORSP, esta é uma questão
de gestão governamental, que decidirá se o programa é ou não prioritário.
As diferentes ideologias políticas envolvidas na implementação do programa podem
servir de entrave para seu desenvolvimento, conforme aponta o REPSP, pois os partidos têm
diferentes concepções do que se entende por política cultural, e o programa Pontos de Cultura
tem um viés claro, que dificilmente será absorvido por outras ideologias.
Segundo a CORSP, a disputa política pode prejudicar sua continuidade, mas os Pontos
estão se espalhando e intercalando diferentes gestões governamentais e, a cada momento,
surgem novos editais em diferentes níveis. Com a aprovação dos Pontos no ano de 2009,
sendo três anos de ação, os Pontos trabalharão dois anos na gestão do próximo governo.
Nesses últimos meses, surgiram vários convênios municipais, o que aponta para continuidade
da política, pelo menos nos próximos anos. Naturalmente, os Pontos precisam brigar por essa
continuidade. Para a CORSP, os Pontos precisam se mobilizar para garantir que o programa
seja fundamentado e garantido por uma lei nacional, e se estabilize enquanto política de
estado. Já para o REPSP, é fundamental que o estado e a sociedade fortaleçam os mecanismos
de gestão compartilhada, garantindo a corresponsabilidade entre os entes, e consequentemente
a continuidade deste programa e de programas com linhas semelhantes.
7.3.9. Depoimentos sobre o programa
Apesar de todos os problemas existentes, o comprometimento das pessoas envolvidas
e a paixão com que trabalham são visíveis em seus encontros, nos depoimentos na internet, e
através da fala de seus representantes e coordenadores. Segundo o REPSP, o sucesso do
programa está no fato de ele estar em todos os estados, sendo implementado
80
independentemente do partido político em exercício, e marcando um avanço e conquista da
sociedade com a descentralização do financiamento cultural, uma verdadeira transformação
social.
A fala da CORSP vai ao mesmo sentido, destacando que o programa atinge as
organizações sociais que não tem fins lucrativos e que geralmente têm muita dificuldade para
obter recursos, que não conseguiriam acessar através de programas como o Programa de Ação
Cultural (PROAC), por exemplo, por falta de experiência, entre outros motivos. Para ela, este
é um trabalho com diversos tipos de entidades, algumas com mais recursos, outras mais
carentes, mas sempre trabalhando com um público mais carente, como crianças, jovens,
terceira idade e, muitas vezes, é o único equipamento de cultura do bairro, do município de
interior.
PARTE IV – LIGANDO OS PONTOS
A partir das informações obtidas através da metodologia descrita e frente a todo o
arcabouço teórico apresentado, foi possível estabelecer algumas considerações acerca do
programa, de acordo com o objetivo inicial deste trabalho, analisar os “Pontos de Cultura”,
principal ação do programa Cultura Viva, buscando compreender como o mesmo se
estabelece em três diferentes regiões do país.
A comparação dos estados do Amapá, Ceará e São Paulo, respectivamente das regiões
Norte, Nordeste e Sudeste, embasada nos editais de seleção, nas informações oficiais, mas
principalmente embasada nas entrevistas realizadas, foi realizada a partir do método de
análise de conteúdo categorial (BAUER, 2008), permitindo o entendimento das respostas a
partir de categorias temáticas.
Esta comparação buscou confirmar ou refutar a hipótese de que os Pontos de Cultura
trazem várias mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em
relação ao seu financiamento e abrangência, quanto ao modo de se entender a política
cultural.
Nesta sessão final, são apresentados os resultados obtidos pelo presente trabalho, bem
como as considerações acerca do modelo de financiamento proposto pelo programa Pontos de
Cultura.
81
8. Comparação entre estados
Os três estados analisados trazem contrastes em relação à implementação da política,
em virtude da densidade populacional de cada um, bem como em virtude do acúmulo estadual
de políticas culturais, que molda a forma de atuação das organizações culturais, de acordo
com sua familiaridade com os mecanismos de financiamento público. O estado de São Paulo
conta com uma particularidade em relação a este acúmulo, dado que a experiência em
políticas culturais anteriores apontou a modalidade de premiação como mais eficiente que a
modalidade de conveniamento de organizações sociais. Os estados do Amapá e Ceará, por sua
vez, contam com outra particularidade, a atenção dada a comunidades específicas através de
critérios de seleção direcionadores.
De forma geral, entretanto, os editais estaduais são bastante semelhantes em todos os
estados, devido ao marco estabelecido pelo MinC, a partir do lançamento do primeiro edital
nacional de Pontos de Cultura. Em decorrência disso, é possível vislumbrar um sistema
nacional de Pontos de Cultura, a partir da semelhança dos procedimentos adotados em todo
território nacional, para o financiamento de ações diversificadas, sendo a pluralidade da
natureza dos projetos outra semelhança entre os estados.
A relação entre os entes em cada um dos estados dá-se através do conveniamento
entre secretaria de cultura e MinC, responsáveis respectivamente pelo acompanhamento e
supervisão dos projetos aprovados. De acordo com as entrevistas dos três estados, essa
relação ocorre apenas em decorrência do financiamento, sendo que os Pontos de Cultura
executam as ações propostas pelos planos de trabalho de forma autônoma. Uma outra
vantagem destacada pelo REPSP é a autonomia dada às organizações em relação ao
planejamento e execução das ações constantes em cada projeto aprovado, realizado então de
maneira independente da ideologia do governo financiador. Isto porque, segundo o mesmo
representante, secretarias de diferentes concepções ideológicas estão adotando a política, o
que constitui um ganho institucional para este modelo de financiamento descentralizado,
destacando a ação de organizações da sociedade civil, e não a intervenção estatal.
De acordo com os editais dos três estados, os procedimentos para a aprovação dos
projetos contam com uma fase de análise inicial de documentação, uma fase de análise dos
projetos, e uma fase de análise de mérito, sendo que São Paulo é o único estado que não conta
com esta avaliação de mérito.
82
Os critérios de seleção explícitos nos três editais estaduais seguem parâmetros
parecidos, tendo suas particularidades explicadas anteriormente, sendo que o edital paulista
apresenta critérios menos específicos em comparação com os demais editais. As principais
semelhanças são a atenção dada à descentralização territorial e a importância dada aos
territórios de cidadania e comunidades indígenas e quilombolas nos Pontos de Cultura da
região norte e nordeste, chegando inclusive à determinação de cotas por território, como
ocorre claramente no edital amapaense, e subjetivamente no edital cearense. Uma vez que as
secretarias estaduais do Amapá e Ceará não responderam aos questionários enviados, não é
possível determinar, entretanto, até onde esta descentralização é obtida. Por outro lado,
mesmo não estando claro no edital paulista, a REPSP afirma em entrevista que os projetos
aprovados no estado seguem o critério de descentralização, valorizando municípios do
interior.
Vale destacar ainda que os convênios não ocorrem automaticamente após a seleção do
projeto, dado que de acordo com o edital as secretarias de cultura dos três estados têm o prazo
de até dois anos para firmar os convênios, contados a partir da data de publicação dos projetos
selecionados.
De acordo com entrevistas e informações oficiais, a maior dificuldade encontrada
pelos Pontos de Cultura está na prestação de contas, dado que as entidades que aprovam seus
projetos, em sua maioria, não são familiarizadas com os procedimentos burocráticos próprios
da administração pública.
Para amenizar esta dificuldade, o edital do estado de São Paulo adotou o modelo de
premiação ao invés do conveniamento realizado pelos demais estados, que exige prestação
de contas de cada recurso, de forma detalhada. O edital paulista também exige prestação de
contas, mas o pagamento em forma de prêmio não fica atrelado à exigência da aprovação de
cada prestação nos moldes das leis de orçamento público (mediante tomada de preço, com
notas fiscais com CNPJ do fornecedor, etc.), tal qual ocorre no modelo de conveniamento, em
que cada parcela do recurso apenas é liberada mediante aprovação da prestação de contas da
parcela anterior.
Ao tratar das redes estaduais de Pontos de Cultura, os entrevistados ressaltam sua
importância para o fortalecimento do programa. Entretanto, as redes formadas têm dinâmicas
diferentes. A rede paulista tem uma grande abrangência, sendo atuante e articulada com redes
regionais e redes temáticas (como a rede de Pontos de Cultura de raiz africana, a rede de
Pontos de Cultura digital, entre outros), bem como articulada com outros grupos da sociedade
83
civil, realizando encontros periódicos. Por outro lado, a rede cearense, conforme apontado
pelo REPCE, é formada apenas pelos Pontos aprovados, gerando o risco de castas de
informação, que giram em torno das mesmas organizações culturais. Já a rede amapaense, por
sua vez, é prevista em edital, mas não foram encontradas maiores informações acerca da
mesma, provavelmente ficando restrita aos Pontos de Cultura da região.
Em linhas gerais, as entrevistas e informações obtidas apontam para uma rede de
Pontos de Cultura mais atuante na região sudeste, que já recebe maior atenção de outras linhas
de financiamento de políticas culturais. A descentralização obtida pelo número de Pontos de
Cultura criados em território nacional é prejudicada pela falta de articulação entre os mesmos
Pontos. Da mesma forma, a sustentabilidade dos Pontos de Cultura torna-se menos
provável nos estados da região norte e nordeste, uma vez que o financiamento provido pelos
editais é fundamental para a execução das ações previstas, dado que, sem o apoio
governamental, estas ações não seriam possíveis por falta de obtenção de recursos por outros
meios.
As organizações sociais que mantêm Pontos de Cultura geralmente recebem recursos
de outras fontes, que não apenas os editais do ministério da cultura, dado que o recurso
repassado é muito baixo para a manutenção das entidades, sendo essa informação apontada
tanto pelos entrevistados quanto pelas análises realizadas pelo IPEA (2007). Dessa forma, a
continuidade da política ainda depende de fatores externos para complementarem os recursos
necessários para as organizações sociais.
Caminhando neste mesmo sentido, a continuidade do programa de Pontos de
Cultura, apontada por alguns entrevistados como fortemente dependente da vontade política
dos governantes, é mais provável no estado de São Paulo, que, além do edital nacional e
estadual, conta com novos editais regionais e municipais, ampliando a rede de Pontos de
Cultura paulistas. Este movimento de criação de novos Pontos, por sua vez, não é percebido
nos demais estados.
Mesmo que essa continuidade não seja percebida na prática, todos os entrevistados
concordam com a necessidade de manutenção do programa, dada sua relevância para a
política de cultura nacional. Mesmo com dificuldades de recursos, a valorização de ações
descentralizadas e autônomas, do ponto de vista do planejamento e execução de ações, é
apontada por todos os entrevistados como fundamental para a cultura nacional, dado que esta
é plural e demanda ações igualmente plurais.
84
9. Considerações finais
A política cultural brasileira estabelecida após o período de redemocratização do país,
durante a década de 1990, baseia-se principalmente no mecenato, modelo de financiamento de
ações por meio da isenção fiscal de empresas patrocinadoras, conforme demonstrado por
Olivieri (Cultura neoliberal, 2004), Silva (Financiamento cultural, 2004), Cabrale (Políticas
públicas e indicadores culturais, 2009) e Rubim (Políticas culturais e novos desafios, 2009),
entre outros autores. Este modelo traz como entraves a concentração de financiamento de
ações culturais realizadas por grandes organizações, concentradas na região sudeste do país.
Como contraponto, o MinC lança em 2007 os Pontos de Cultura, principal ação do
programa Cultura Viva. Esta ação visa descentralizar a política cultural, conveniando
organizações culturais de distintas naturezas, aumentando consequentemente sua abrangência
temática. À luz das críticas colocadas pelos autores mencionados em relação à política
cultural implementada no Brasil, é possível fazer algumas colocações sobre papel dos Pontos
de Cultura acerca dos avanços e desafios para uma nova concepção de política pública de
cultura, mesmo tratando-se de uma política recente. Conforme demonstrado pelos números
iniciais obtidos pelo programa, este marca de fato um avanço na descentralização e
abrangência do financiamento público de ações culturais.
De acordo com as considerações destacadas pelas entrevistas, por outro lado, a
capilaridade e descentralização permitidas pelo conveniamento de organizações não-
governamentais, bem como o alcance de entidades excluídas de outras formas de
financiamento, acabam sendo prejudicados pela falta de familiaridade dessas organizações
com as exigências normativas próprias do setor público. O desequilíbrio entre a proposta de
descentralização da política cultural e a capacidade governamental em absorver as
dificuldades encontradas pelos Pontos de Cultura com os complexos procedimentos
burocráticos de conveniamento e prestação de contas faz com que seja necessário refletir
acerca desse modelo de financiamento público.
A autonomia em gastar os recursos financiados, sem a necessidade de licitações ou
tomada de preços, permitida pelo modelo de premiação, por sua vez, torna o uso de recurso
público menos rastreável, sendo um risco para a licitude das ações realizadas. Entretanto,
permite que os Pontos gastem recursos de forma mais prática e, assim, possam direcionar seus
esforços para a melhor execução dos projetos e não para procedimentos burocráticos como
prestações de contas.
85
Ao ter o poder de gastar os recursos onde melhor convir aos Pontos, há ainda uma
externalidade positiva31 considerável: o desenvolvimento local. Produtos locais são, em geral,
mais atraentes, principalmente pelo valor simbólico atribuído à identificação local, mas
geralmente não permitem a prestação de contas por tomada de preços, ou similares, por se
tratarem de produtos caseiros, artesanais, etc. Com a transferência de recursos realizada
através de convênios para a maioria dos Pontos de Cultura, mas principalmente com a
modalidade de prêmio assumida em São Paulo, os Pontos passam a poder investir
indiretamente (através do consumo) nestes produtos, incentivando assim o desenvolvimento
local de economias que, antes, eram “exportadas” de grandes produtores, capazes de abranger
as exigências da prestação de contas.
Dessa forma, os Pontos de Cultura marcam, além de um avanço em termos de
descentralização e abrangência, um novo modelo de transferência de recursos públicos que,
apesar dos entraves iniciais apresentados, aponta grande potencialidade futura, principalmente
a partir da aprendizagem institucional que permite ao inserir organizações da sociedade civil
no contexto da administração pública.
O programa de Pontos de Cultura, entretanto, não pode ser visto como isento de
problemas de gestão, ou mesmo como infalível. Vale salientar, a plena discussão acerca da
legitimidade da execução de funções públicas por parte de organizações da sociedade civil,
financiadas por recursos públicos, foge ao alcance deste trabalho. A articulação ente estado e
sociedade civil é parte crucial do modelo de financiamento dos Pontos de Cultura, e é tido,
portanto, como pressuposto para o alcance de seus objetivos.
Tal qual outras políticas de transferência financeira, os convênios firmados para a
implementação dos Pontos de Cultura estão sujeitos a cooptação de partes e problemas de
governança, entre estes, problemas de assimetria de informação entre as partes, como risco
moral e seleção adversa32.
Risco moral refere-se ao risco de um indivíduo, após ter sido beneficiado por um
acordo, não realizar sua parte no mesmo acordo, ou realizá-la de maneira subótima. No caso
do programa Pontos de Cultura, destacam-se o risco de desvio e má utilização de recursos
31 Externalidade positiva ocorre quando os benefícios obtidos por uma ação excedem os custos para executar a ação, ou seja, há mais benefícios na ação do que a própria ação em si. Para uma explicação mais clara, ver STIGLITZ, J. E.; WALSH, C. E. Introdução à macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 32 Os problemas decorrentes da assimetria de informação, constante dos dilemas de ação coletiva, fazem parte da teoria da agência (ou teoria do agente X principal) e são melhor detalhados por PRZERWORSKI, Adam. Sobre
o desenho do Estado: uma perspectiva agente X principal. In: PEREIRA, Bresser e SPINK, Peter (org.): Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
86
após o recebimento das primeiras parcelas, por parte das organizações sociais, e, por parte do
MinC e das secretarias, o risco de não pagamento das parcelas subsequentes após a realização
das ações, prejudicando o desenvolvimento das ações dos Pontos de Cultura.
Já seleção adversa refere-se ao risco de uma ação atrair um público diferente daquele
inicialmente esperado ou mesmo que não necessite da ação. No caso do programa Pontos de
Cultura, destaca-se o risco de seleção de organizações sociais que fogem ao público do
programa (organizações culturais de regiões carentes, e à margem do financiamento público),
ou que não realizam suas ações da melhor maneira possível, após receber as parcelas do
benefício.
Para evitar estes problemas, é necessário controle eficiente dos órgãos competentes
sobre as entidades públicas e organizações cujos projetos foram aprovados, como o controle
exercido pelo MinC e Ministério Público, com o auxílio dos tribunais de contas.
Sobremaneira, é necessário criar meios para que a própria sociedade exerça controle
sobre as entidades, indo ao encontro da proposta de uma política democrática e participativa,
cerne da ideologia que constitui os Pontos de Cultura.
A necessidade de controle, por sua vez, não pode ser feita sem a devida atenção às
peculiaridades do programa. Isto porque o estado brasileiro, conhecido pela alta
burocratização de seus procedimentos, não está preparado para atender demandas e realidades
tão distintas das culturas brasileiras. O programa Cultura Viva, bem como os Pontos de
Cultura, coloca um novo modelo de gestão que não é familiar às organizações sociais, mas
que também diverge dos modelos de gestão com que o governo brasileiro trabalha.
Por ser este um programa ainda recente, as entidades governamentais e os Pontos de
Cultura ainda estão se firmando nesse universo das redes. As dificuldades começam a surgir
e, aos poucos, serão construídos caminhos para amenizá-las. Entretanto, é possível perceber
em encontros, páginas de internet e listas de discussão o ânimo e empenho que as
organizações sociais selecionadas dedicam aos Pontos de Cultura.
A potencialidade futura permitida pelo formato do programa, por sua vez, é ameaçada
pela instabilidade normativa do mesmo. Por não haver uma lei ou procedimento
administrativo que institua os Pontos de Cultura como uma política a ser implementada por
todo e qualquer governo, sua implementação fica restrita à vontade política de cada
governante. Neste sentido, preocupa o fato de poucos atores governamentais se destacarem
como realizadores e incentivadores do programa, que se torna muito atrelado aos governos em
gestão, sem garantia de continuidade caso haja alteração nos quadros governamentais.
87
O fato de o programa ser realizado através de editais de seleção, sem desconsiderar
suas vantagens, faz com que a política seja institucionalmente frágil, posto que não há
legislação que garanta sua execução em governos futuros, apenas o comprometimento de
alguns gestores, e a facilidade de replicação e disseminação, atraentes para ações pontuais e
descontinuadas em favor de vontades políticas.
Não obstante os méritos do programa, os Pontos de Cultura por si sós não podem ser
apontados como a única alternativa para a política cultural brasileira. Propostas como a Lei
Rouanet, apesar dos limites apontados pelo trabalho, incentivam a produção cultural brasileira
em outras vertentes (mais caras) que a proposta dos Pontos de Cultura não abrange, e são,
portanto, fundamentais para a concretização de uma política cultural abrangente. Com a
aprovação das várias reformas em tramitação no Congresso Nacional, dentre elas o projeto de
Lei (PL) nº 6.722/2010, que institui o programa PróCultura, visando diminuir o efeito de
algumas das críticas sobre as leis de incentivo fiscal ao ampliar a atuação de fundos públicos
para cultura e criar conselhos consultivos, mas, sobretudo, ao garantir que os Pontos de
Cultura tornem-se uma política de estado, pode-se afirmar que o Brasil está caminhando para
uma maior atenção à cultura. Muito ainda precisa ser feito e não adianta apenas munir o
cidadão de espaços culturais, é preciso que a sociedade se aproprie e usufrua destes
equipamentos, reconhecendo-os como expressão de sua própria cultura. Apesar dos percalços
e caminhos ainda desconhecidos, destaca-se a esperança em uma nova forma de o Brasil
trabalhar sua cultura: de forma mais plural e descentralizada.
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10. Referências bibliográficas
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RUBIM, Antonio A. C. Políticas culturais e novos desafios. Matrizes (USP), v. 2, 2009, p. 93-115.
SADDY, André. Lei de responsabilidade fiscal e democratização da gestão pública. Portal JusNavigandi, 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4006> Acesso em: 20 fev. 2010.
90
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br/portal/> Acesso em: 02 fev. 2010.
SILVA, Frederico A. B. da. Financiamento Cultural: Situação Atual e Questões para
reflexão. Políticas Sociais - Acompanhamento e Análise. IPEA, fev. de 2004.
SINGER, Paul. “Economia solidária: um modo de produção e distribuição” In: SINGER, P.; SOUZA, A. R. A economia solidária no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.
SLOMSKI, Valmor. Manual de contabilidade pública: um enfoque na contabilidade pública. São Paulo: Atlas, 2003.
STIGLITZ, J. E.; WALSH, C. E. Introdução à macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
TCU - Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo
da república. Brasília: TCU, 2007.
UNESCO. Declaração universal sobre a diversidade cultural. In: BRANDT, Leonardo (org.). Diversidade cultural. Globalização e culturas locais: dimensões, efeitos e
perspectivas. São Paulo: Escrituras / Instituto Pensarte, 2005.
WIKIPEDIA. IPHAN: Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_do_Patrim%C3%B4nio_Hist%C3%B3rico_e_Art%C3%ADstico_Nacional> Acesso em: 15 dez. 2009.
11. Entrevistas
DOZZI, Carla C. (2009) Coordenadora do programa Pontos de Cultura pelo Ministério da Cultura. Entrevista concedida em 27/11/2009 no Ministério da Cultura, Representação Regional de São Paulo (São Paulo), 2009.
OLIVIERI, Cristiane G. Autora especializada no tema. Entrevista concedida em 13/10/2009 em seu escritório (São Paulo), 2009.
RODARTE, Bárbara. Coordenadora do programa Pontos de Cultura pela Secretaria de Estado da Cultura. Entrevista concedida em 06/11/2009 na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo), 2009.
RODARTE, Bárbara. Coordenadora do programa Pontos de Cultura pela Secretaria de Estado da Cultura. Entrevista concedida em 22/03/2010 na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo), 2010.
91
ANEXO I
Tabela de valores destinados à difusão cultural – 2003 a 2008
92
ANEXO II
Roteiro para entrevistas – Secretarias Estaduais
Entrevistado:
Cargo:
Data:
Motivo da entrevista: O objetivo da pesquisa é analisar a estrutura de financiamento das
políticas nacionais de cultura. Pretende-se, para tanto, analisar de forma mais detalhada o
programa “Pontos de Cultura”, política recente do governo brasileiro, que traz algumas
mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em relação ao seu
financiamento quanto ao modo de se entender a política cultural. A entrevista será
fundamental para o detalhamento da política dos Pontos de Cultura, para o destaque de suas
potencialidades e limites.
1. Como a política dos Pontos de Cultura foi estabelecida no Estado? De onde partiu a iniciativa do convênio com o MinC?
1.2. Qual a interação entre a secretaria e o MinC? Há contato permanente?
1.3. Há, de fato, uma estrutura formada para envolver a união, estados e municípios?
1.4. Pode-se dizer que o Cultura Viva, através dos Pontos de Cultura, formam um sistema nacional de cultura?
2. Qual o critério de aprovação de um projeto? A Secretaria de Cultura tem algum procedimento que difere de outras secretarias?
3. Quais as maiores dificuldades que os Pontos encontram para apresentar um projeto?
4. Quais os maiores motivos para recusa dos projetos apresentados?
4.1. Quais os principais erros cometidos pelas organizações que impedem a aprovação dos projetos?
4.2. Há alguma relação de projetos propostos e não aprovados? (Posso ter acesso?)
5. Qual o objetivo de contemplar apenas organizações sociais?
6. Quais as maiores dificuldades que os Pontos encontram após terem o projeto aprovado?
7. Como é feito o financiamento dos Pontos de Cultura? De onde vem a receita? Qual a contrapartida a esse investimento?
93
7.1. Há algum controle dos recursos financiados?
7.2. Há alguma medida dos resultados obtidos?
7.3. Como funciona a prestação de contas?
7.4. Há alguma prestação de contas pública/aberta ao público?
8. A estrutura em rede funciona como potencializadora da disseminação e sustentabilidade dos projetos? Já existe alguma rede estadual de Pontos de Cultura institucionalizada ou mesmo ativa?
9. Existe algum perfil dos projetos financiados? O edital acaba atraindo algum tipo específico de projetos aprovados?
10. Há alguma concentração regional nos Pontos de Cultura aprovados? Algum município tem número muito superior de Pontos de Cultura?
11. Qual o grau de dependência dos Pontos de Cultura em relação à secretaria?
11.1. Eles se tornam autossuficientes depois do financiamento?
11.2. Essa é uma expectativa?
11.3. É uma possibilidade?
11.4. Quais seriam os impedimentos?
12. (para CE e RS) A secretaria pensa em aplicar um segundo edital para novos Pontos? Caso haja algum projeto em vista, quais alterações serão necessárias, em comparação com o primeiro edital?
12. (para SP) As alterações feitas para o segundo edital tiveram qual objetivo? É possível determinar se essas alterações demonstram sucesso ou fracasso?
13. Apesar de ser uma política recente, quais as maiores reclamações observadas (pelos Pontos selecionados, e/ou pela Secretaria)?
14. Na sua opinião, quais as maiores críticas do programa? E os maiores elogios?
15. Na sua opinião, o programa Pontos de Cultura tem potencial para continuar (como política de governo) mesmo que o governo se altere?
15.1. É possível observar a criação de um sistema duradouro ou apenas uma política passageira?
15.2. Que Pontos indicam descontinuidade da política?
15.3. Que Pontos indicam continuidade da política?
16. Há algum dado relevante sobre o programa que pode ser ressaltado?
94
ANEXO III
Roteiro para entrevistas – representantes de organizações sociais
Entrevistado:
Ligação com os pontos de cultura:
Data:
Motivo da entrevista: O objetivo da pesquisa é analisar a estrutura de financiamento das
políticas nacionais de cultura. Pretende-se, para tanto, analisar de forma mais detalhada o
programa “Pontos de Cultura”, política recente do governo brasileiro, que traz algumas
mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em relação ao seu
financiamento quanto ao modo de se entender a política cultural. A entrevista será
fundamental para o detalhamento da política dos Pontos de Cultura, para o destaque de suas
potencialidades e limites.
1. Como a organização em que trabalha/trabalhou teve contato com a política dos Pontos de Cultura?
1.2. Como surgiu a ideia de se tornar um Ponto de Cultura?
1.3. Como o projeto foi pensado, nos moldes da política?
2. Qual o critério de aprovação de um projeto? A política dos Pontos de Cultura tem algum procedimento que difere de outros meios de financiamento público?
3. Quais as maiores dificuldades que o Ponto encontrou para apresentar um projeto?
4. Algum projeto apresentado anteriormente foi recusado? Por qual motivo?
4.1. Na sua opinião, quais os principais erros cometidos pelas organizações, que impedem a aprovação dos projetos?
5. Quais as maiores dificuldades de gestão dos Pontos após a aprovação do projeto?
6. Quais são as principais fontes de recursos dos Pontos de Cultura? De onde vem a receita? Qual a contrapartida a esse investimento?
6.1. Há algum controle dos recursos financiados?
6.2. Há alguma medida dos resultados obtidos?
6.3. Como funciona a prestação de contas?
95
6.4. Há alguma prestação de contas pública/aberta ao público?
7. A estrutura em rede funciona como potencializadora da disseminação e sustentabilidade dos projetos? Já existe alguma rede estadual de Pontos de Cultura institucionalizada ou mesmo ativa?
7.1. Quais as maiores dificuldades em formar a rede de Pontos?
7.2. Quais os maiores benefícios em formar a rede de Pontos?
8. Há alguma concentração regional nos Pontos de Cultura aprovados? Algum município tem número muito superior de Pontos de Cultura?
9. Qual o grau de dependência dos Pontos de Cultura em relação à Secretaria?
9.1. Há possibilidade de que os Pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?
9.2. Qual a expectativa para que os pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?
9.3. Quais seriam os impedimentos para que os Pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?
10. Apesar de ser uma política recente, quais as maiores reclamações observadas (pelos Pontos selecionados, e/ou pela Secretaria)?
11. Na sua opinião, quais as maiores críticas do programa? E os maiores elogios?
12. Na sua opinião, o programa Pontos de Cultura tem potencial para continuar (como política de governo) mesmo que o governo se altere?
12.1. É possível observar a criação de um sistema duradouro, ou apenas uma política passageira?
12.2. Que pontos indicam descontinuidade da política?
12.3. Que pontos indicam continuidade da política?
13. Há algum dado relevante sobre o programa que pode ser ressaltado?