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Universidade de São Paulo

Escola de Artes, Ciências e Humanidades

Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas

Pontos de Cultura:

novo enfoque de financiamento para a política cultural

Anny Karine de Medeiros

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Escola de Artes, Ciências e Humanidades da

Universidade de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do grau de bacharel em

Gestão de Políticas Públicas, sob orientação da

Professora Doutora Ursula Dias Peres.

SÃO PAULO

Junho/ 2010

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Avaliação do Trabalho de Conclusão de Curso

Título: Pontos de Cultura: novo enfoque de financiamento para a política cultural.

Autora: Anny Karine de Medeiros

Ano: 2010

----------------------------------------------

Profª. Drª. Ursula Dias Peres

EACH-USP, Orientadora

----------------------------------------------

Profº. Drº. José Renato Campos de Araújo

EACH-USP, Membro interno

----------------------------------------------

Me. Cristiane Garcia Olivieri

EACH-USP, Membro externo

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Agradecimentos

Agradeço ao meu pai, que com muito esforço apoiou minha vinda a São Paulo para

que eu pudesse estudar o curso que queria. Agradeço à minha mãe, que através de seu

empenho garantiu que eu tivesse uma boa educação. Sem a luta de ambos e a ajuda dos meus

irmãos, Anderson e Allyson, esta graduação não seria possível. Agradeço aos meus tios,

Jurandir e Bernadete, que me abrigaram durante este período.

Agradeço à professora Ursula Dias Peres, que aceitou ser minha orientadora num

momento crítico para mim; graças a seu apoio e atenção, consegui desenvolver este trabalho.

Agradeço ao professor Wagner Pralon Mancuso, que me proporcionou várias oportunidades

acadêmicas. Agradeço ao professor Fernando de Souza Coelho, com quem tive o prazer de

trabalhar dentro e fora da sala de aula. Agradeço ainda a todos os professores e professores

convidados da graduação de Gestão de Políticas Públicas, que tanto me ensinaram.

Agradeço imensamente a todas as pessoas que me ajudaram neste trabalho. Dentre

estas, agradeço a todos os entrevistados, que colocaram seus conhecimentos à disposição para

que eu pudesse desenvolver esta análise da melhor maneira possível, e agradeço àqueles que

me ajudaram a formular a proposta deste trabalho, André Bortolazzo Correr, Daiane

Fernandes do Vale, Fábio Alves Correia e Hugo Danilo Arruda. Agradeço ainda ao Renato

Adriano Rosa, pela arte de capa feita para este trabalho.

Agradeço especialmente à Tatiana Brechani da Silva, ao Valentin Pataca Femena, e

novamente à Daiane e ao Fábio, pelo apoio incondicional, pela companhia nos momentos

críticos e pelo abrigo nos momentos de necessidade. Agradeço ao Pierre Rinco, que além de

todo carinho, apoio acadêmico e emocional, ainda compôs um poema para esta pesquisa.

Agradeço à Elizabeth Seno, que muitas vezes confiou em mim mais do que eu mesma. Estas e

tantas outras pessoas que infelizmente não tenho espaço para citar, fizeram a graduação

melhor e com certeza muito mais divertida.

Finalmente, agradeço ao Corinthians, que nunca desistirá de ser campeão da Copa

Libertadores! Vai Curintiá...

Muito obrigada a todos!

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Justificativa

O mato cresce constantemente

Em terreno que não se pisa.

Portanto, na construção da cultura,

Devemos ocupar cada espaço,

Devorar cada imagem,

Amplificar cada som,

Para explodir o óbvio que ninguém vê.

Precisamos fazer com que o Movimento,

Em espaços que ele definirá,

Crie vida e fale por si mesmo.

Por isso reciclar a luta:

Para falar através de imagens

O que é inaudível.

Para ver através de sons

O que é invisível.

Por isso reanimar o Movimento:

Para armar o povo com navalhas.

No corte e sangue da própria cultura

O indivíduo assume-se eu-lírico

E encontra seu verdadeiro significado.

Pierre Rinco (Inédito)

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RESUMO

O presente trabalho analisa o programa “Pontos de Cultura” como uma proposta de

financiamento de projetos muito distinto dos projetos comumente atendidos pelas demais

políticas públicas de financiamento cultural, surgidas na década de 1990. Busca-se analisar o

programa a partir da comparação de sua implementação nos Estados do Amapá, Ceará e São

Paulo. Chega-se à conclusão de que os Pontos de Cultura marcam, além de um avanço em

termos de descentralização e abrangência, um modelo de transferência de recursos públicos

que, apesar dos entraves iniciais apresentados, aponta grande potencialidade futura,

principalmente a partir da aprendizagem institucional que permite ao inserir organizações da

sociedade civil no contexto da administração pública.

Palavras-chave: Políticas Públicas de Cultura; Pontos de Cultura; Financiamento Cultural; Descentralização de Recursos.

ABSTRACT

This paper examines the "Pontos de Cultura" program as a proposal of funding of

projects very different from projects often served by other public policies for cultural funding,

which emerged in the 1990s. It seeks to analyze the program from the comparison of its

implementation in the states of Amapá, Ceará and São Paulo. The paper reaches the

conclusion that the Pontos de Cultura mark, beyond a breakthrough in terms of

decentralization and inclusiveness, a model of transfer of public resources that despite initial

obstacles presented indicates great future potential, especially from the institutional learning

which allows the insert of civil society organizations in the context of public administration.

Key-words: Public Cultural Policies; Pontos de Cultura; Cultural Funding; Decentralization

of Resources.

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Sumário

Agradecimentos....................................................................................................................................... 4

Sumário ................................................................................................................................................... 7

Lista de ilustrações.................................................................................................................................. 9

Lista de siglas e abreviaturas................................................................................................................. 10

Introdução ............................................................................................................................................. 11

PARTE I – FINANCIAMENTO PÚBLICO E POLÍTICAS CULTURAIS ........................................ 13

1. Financiamento público ...................................................................................................................... 13

2. Histórico e financiamento da política de cultura............................................................................... 18

2.1. Panorama histórico das políticas culturais ................................................................................... 19

2.2. A estrutura do financiamento da cultura a partir da década de 1990 ........................................... 22

2.3. Entraves e desafios do financiamento da cultura .......................................................................... 26

3. Crítica ao modelo vigente ................................................................................................................. 34

PARTE II – PONTOS DE CULTURA COMO NOVO MODELO ..................................................... 36

4. A proposta de um novo modelo de polílica cultural no Brasil .......................................................... 37

5. Pontos de Cultura – uma nova possibilidade de atuação do Estado.................................................. 37

5.1. Desenvolvimento local e economia solidária................................................................................. 42

5.2. Teia cultural, participação e controle social ................................................................................. 44

5.3. Pontos de Cultura em números ...................................................................................................... 47

PARTE III – COMPARAÇÃO ENTRE PONTOS DE CULTURA DE TRÊS ESTADOS................. 50

6. Metodologia ...................................................................................................................................... 50

6.1. Levantamento inicial de dados....................................................................................................... 51

6.2. Metodologia da pesquisa de campo ............................................................................................... 52

6.3. Considerações acerca dos dados levantados ................................................................................. 56

7. Analisando os três estados................................................................................................................. 57

7.1. Pontos de Cultura amapaenses ...................................................................................................... 57

7.2. Pontos de Cultura cearenses.......................................................................................................... 64

7.3. Pontos de Cultura paulistas ........................................................................................................... 70

PARTE IV – LIGANDO OS PONTOS ................................................................................................ 80

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8. Comparação entre estados................................................................................................................. 81

9. Considerações finais.......................................................................................................................... 84

10. Referências bibliográficas ............................................................................................................... 88

11. Entrevistas ....................................................................................................................................... 90

ANEXO I .............................................................................................................................................. 91

ANEXO II ............................................................................................................................................. 92

ANEXO III............................................................................................................................................ 94

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Lista de ilustrações

Gráfico I – Evolução dos recursos destinados à cultura, 1995-2002 .................................................... 22

Tabela I – Comportamento da execução orçamentária das instituições federais de cultura, 1996-2005............................................................................................................................................................... 23

Quadro I – Diferenças da isenção dada pela Lei Rouanet..................................................................... 25

Gráfico II – Distribuição de recursos entre as regiões e estados selecionados durante os governos FHC e Lula..................................................................................................................................................... 29

Tabela II – Participação proporcional de estados selecionados e regiões nos incentivos culturais e no PIB ........................................................................................................................................................ 30

Gráfico III – Densidade da oferta de equipamentos culturais no total dos municípios......................... 33

Gráfico IV – Pontos de Cultura conveniados 2004-2005, por região ................................................... 41

Mapa I - Número total de Pontos segundo Mapas da Rede .................................................................. 45

Mapa II - Pontos por município ............................................................................................................ 45

Mapa III - Pontos por habitantes ........................................................................................................... 46

Mapa IV - Destaque para Pontos de Cultura em Minas Gerais............................................................. 46

Tabela III - Pontos de Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede.......................................... 48

Gráfico V – Pontos de Cultura por região do país, segundo os Mapas da Rede ................................... 49

Gráfico VI – Pontos de Cultura por municípios de cada região do país, segundo os Mapas da Rede.. 49

Tabela IV – Pontos de Cultura por território amapaense ...................................................................... 59

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Lista de siglas e abreviaturas

CNPJ: Certidão Nacional de Pessoa Jurídica

CORSP: Coordenadora dos Pontos de Cultura da Secretaria de Cultura de São Paulo

FNC: Fundo Nacional de Cultura

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA: Istituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPSO: Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos

MinC: Ministério da Cultura

PROAC: Programa de Ação Cultural

PRONAC: Programa Nacional de Apoio à Cultura

REPAM: Representante do Pontão de Cultura da Região Amazônica

REPAP: Representante dos Pontos de Cultura do Estado do Amapá

REPCE: Representante dos Pontos de Cultura do Estado do Ceará.

REPSP: Representante dos Pontos de Cultura do Estado de São Paulo

SeCult -SP: Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo

SeCult-AP: Secretaria da Cultura do Amapá

SeCult-CE: Secretaria da Cultura do Ceará

SICONVI: Sistema de Gestão de Convênios e Contrato de Repasses

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Introdução

As políticas culturais apresentam dificuldades históricas para serem consideradas na

agenda governamental. No Brasil, por exemplo, são bastante baixos os investimentos no setor

cultural, setor este usado como instrumento de propaganda dos governos ditatoriais e

negligenciado pelos governos democráticos subsequentes (ARRUDA, 2003; RUBIM, 2009).

A cultura é assumida com mais força na agenda governamental apenas após o período de

redemocratização, com a desaceleração do crescimento econômico e a crise do Estado no

Brasil durante a década de 1980, na qual o modelo neoliberal de incentivo à cultura foi

adotado pelo Governo Federal e se expandiu durante a década de 1990. As políticas públicas

de cultura foram implementadas então por força normativa, através principalmente da política

de renúncia fiscal, cujo principal expoente é a Lei Rouanet (1995) em âmbito nacional

(ARRUDA, 2003; OLIVIERI, 2004).

Como contraponto a esse modelo de financiamento, surge o programa Cultura Viva,

que tem por objetivo implementar uma política cultural que de fato atenda à diversidade e

abrangência que compõem a sociedade brasileira, através de políticas culturais mais

democráticas e participativas (MINC, 2010) e dentre estas, encontra-se a ação dos Pontos de

Cultura, com destaque para o financiamento de projetos muito distintos dos projetos

comumente atendidos pelas demais políticas culturais.

Mediante este quadro, o objetivo do presente trabalho é analisar os “Pontos de

Cultura”, principal ação do programa Cultura Viva, e de que forma os mesmos se estabelecem

em três diferentes regiões do país. Parte-se da hipótese de que esta política recente do governo

brasileiro traz várias mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores,

tanto em relação ao seu financiamento e abrangência, quanto ao modo de se entender a

política cultural. Para melhor entender sua dinâmica e as razões de seu surgimento, será

analisada inicialmente a estrutura das políticas nacionais de cultura.

Partindo da definição do que é financiamento público e da forma como a cultura foi

tratada pelo Estado historicamente, busca-se elucidar qual o impacto das formas de

financiamento nas políticas culturais do país. Uma vez que a ação Pontos de Cultura busca

reverter grande parte dos entraves das políticas culturais, destaca-se a dúvida acerca da

efetividade do programa em avançar enquanto forma de financiamento para um efetivo plano

nacional de cultura, abrangente e descentralizado.

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A fim de esclarecer essa dúvida, foram realizadas duas etapas iniciais de levantamento

de dados, em bases digitais e acervos bibliográficos, para caracterizar as políticas culturais, de

forma geral, e a política dos pontos de cultura, especificamente.

A partir de então, se desenvolveu na terceira etapa uma pesquisa de campo que analisa

a forma como a ação dos Pontos de Cultura foi implementada em estados de três diferentes

regiões do país: Amapá, Ceará e São Paulo, escolhidos a partir dos dados nacionais dos

Mapas da Rede. Esta pesquisa de campo contou com questionários qualitativos

semiestruturados com gestores estaduais dos pontos de cultura e representantes de pontos de

cultura.

O presente trabalho divide-se, portanto, em quatro partes: a parte I, “Financiamento

Público e Políticas Culturais”, tratará da forma como o Estado brasileiro aborda o tema

cultura, detalhando a estrutura de financiamento público existente, suas maiores

características e principais entraves; a parte II, “Pontos de Cultura como Novo Modelo”,

aponta a necessidade de um novo modelo de cultura, mais descentralizado e diversificado, e o

surgimento da ação dos Pontos de Cultura como alternativa para alcançá-lo, detalhando suas

características, potencialidades e resultados obtidos até o momento; a parte III, “Comparação

entre Pontos de Cultura de Três Estados”, descreve o estudo de caso da política de pontos de

cultura adotada em três estados de diferentes regiões do Brasil, para averiguar possíveis

avanços em relação à regionalização do financiamento de políticas culturais, além de

particularidades e dificuldades de cada estado; e finalmente a parte IV, “Ligando os Pontos”,

aborda a comparação entre os estados escolhidos, retomando todo o contexto histórico, os

limites e as potencialidades explicitados até então, para desenvolver as conclusões da

pesquisa.

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PARTE I – FINANCIAMENTO PÚBLICO E POLÍTICAS CULTURAIS

Desde o seu surgimento, o Estado busca formas de financiar suas ações. O debate

entre aqueles que defendem a ação estatal como reguladora da sociedade e aqueles que

defendem a ação dos indivíduos com maior autonomia, ou com menor interferência, perdura

por muitas décadas, e não é pretenção deste trabalho discorrer sobre os argumentos a favor ou

contrários a qualquer lado. Fato é, entrentanto, que a forma de financiamento escolhida pelo

governo, ou mesmo a decisão de não financiar determinadas áreas, delimitada entre outros

fatores pela correlação de forças, capacidade de organização e barganha dos setores da

sociedade, influencia diretamente a forma como as políticas públicas são formuladas e

implementadas, e seu impacto na sociedade. Exemplo claro é a política cultural, que tem em

seu financiamento um dos principais entraves para o desenvolvimento de ações, conforme

será apresentado ao longo do texto, sendo que cada modelo de financiamento atende a

públicos e ações diferentes, e até mesmo a diferentes conceitos do que se entende por cultura.

A forma de financiamento pode definir, portanto, a forma como a política vai se

estabelecer e, partindo do pressuposto de que para entender uma política é necessário entender

a forma como a mesma é financiada e a forma como este financiamento influencia as decisões

e ações tomadas, vale destacar o que se entende por financiamento público.

1. Financiamento público

O financiamento público é parte crucial para a realização das funções de governo e

está no centro de toda discussão do papel que o Estado pretende, pode ou deve assumir em

relação aos seus cidadãos. Aliado intrinsecamente ao planejamento, como estratégia de

coordenação de ações, o financiamento no Brasil se articula a partir da organização

administrativa federalista, equilibrando recursos captados e gastos executados entre União,

Estados, Municípios e Distrito Federal, para atender às funções de governo.

Dessa forma, para melhor entender as questões concernentes ao financiamento

público, é preciso analisar as funções do Estado, isto é, a finalidade da ação pública, para que

se entenda porque uma matéria é financiada pelo poder público ou não, e como esse

financiamento será realizado. De acordo com a classificação de Musgrave por Fernando

Rezende (Finanças públicas, 2001), as funções do governo dividem-se entre 1) a alocação de

recursos na sociedade para garantir melhor eficiência nos gastos e crescimento econômico -

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função alocativa, 2) a redistribuição da renda, em busca de equidade - função distributiva, e

3) a manutenção da estabilidade econômica - função estabilizadora.

Para executar suas funções, entrentanto, o Estado precisa aprovar suas contas através

de orçamentos. A necessidade destes, principalmente para controle dos poderes Legislativo e

Executivo, é identificada desde a Constituição de 1824, que tornou a elaboração dos

orçamentos e aprovação dos mesmos pelo poder Legislativo obrigatórios, conforme aponta

Giacomini (2009). Orçamento público então, é a forma pela qual o governo estima o que será

arrecadado e planeja a alocação de recursos durante o ano. Através do orçamento público as

políticas públicas são analisadas para definir qual será a prioridade da ação governamental. A

fim de adotar um modelo de orçamento padrão para todo o governo e seus diversos níveis, foi

aprovada em 1964 a Lei nº 4.320, perdurando até os dias atuais como o modelo do orçamento

a ser apresentado, pelo poder Executivo ao poder Legislativo para aprovação, anualmente.

Isso porque os orçamentos governamentais são dividos atualmente ainda segundo os

padrões da lei nº 4.320/64, entre:

Receitas: conjunto de recursos que o governo estima receber, em sua maioria de forma

compulsória. Seus principais itens são: receita tributária, contribuições sociais e econômicas,

serviços, receita patrimonial, emissão de títulos para refinanciamento da dívida, operações de

crédito contraídas junto ao setor privado, alienação de bens, demais receitas correntes e de

capital.

Despesas: classificadas de acordo com os órgãos (classificação institucional), funções

(classificação funcional, de acordo com a finalidade do gasto), programas (classificação por

finalidade do gasto associada a objetivos gerenciais) e por natureza de despesa (pessoal e

encargos sociais, juros e encargos da dívida, outras despesas correntes, investimentos,

inversões financeiras, amortização da dívida e reserva de contingência).

Da Lei nº 4.320/64 ainda permanecem algumas características, como a concepção de

divisão das ações governamentais em diferentes funções, cujos gastos devem ser explicitados

nos diversos orçamentos. Estas funções foram atualizadas pela portaria nº 42, de abril de

1999, que aloca as ações governamentais entre funções1, subfunções, programas, projetos,

atividades e operações especiais.

1 As funções governamentais são então: Legislativa; Judiciária; Essencial à Justiça; Administração; Defesa Nacional (excluída a partir do orçamento de 2001); Segurança Pública; Relações Exteriores (também excluída a partir do orçamento de 2001); Assistência Social; Previdência Social; Saúde; Trabalho; Educação; Cultura; Direitos da Cidadania; Urbanismo; Habitação; Saneamento; Gestão Ambiental; Ciência e Tecnologia; Agricultura; Organização Agrária; Indústria; Comércio e Serviços; Comunicações; Energia; Transporte; Desporto e Lazer; Encargos Especiais.

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Dessa forma, o atual Sistema Orçamentário brasileiro é definido pelos artigos nº 165 a

169 da Constituição Brasileira de 1988 e demais leis complementares, sendo um sistema

misto, utilizando critérios de caixa para as receitas e de competência para as despesas.

Este sistema, como aponta Giacomini (2009), é composto por três2 instrumentos

criados para regularizar, planejar e redistribuir os recursos, que se intercalam

hierarquicamente em diferentes etapas:

*O Plano Plurianual (PPA), lei ordinária que vigora por quatro anos e estabelece

diretrizes, objetivos e metas da administração pública para as despesas, com planejamento de

médio prazo e para políticas continuadas;

*A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), elaborada anualmente, detalha as metas

e prioridades da administração para o ano seguinte e orienta a elaboração da LOA, dispondo

sobre alterações legislativas e políticas de aplicação das agências financeiras; e

*A Lei Orçamentária Anual (LOA), baseada nos itens anteriores, estima as receitas

e fixa as despesas de toda a administração pública federal para o ano seguinte. É composta por

três orçamentos: o Orçamento Fiscal, que abrange impostos e despesas de toda a

administração pública, direta ou indireta; o Orçamento da Seguridade Social, que abrange a

ação governamental nos setores da saúde, previdência e assistência social; e o Orçamento de

Investimentos, que abrange as receitas adquiridas de origem não fiscal a serem investidas pelo

poder público.

Em 2000, foi promulgada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), nº 101, com o

objetivo de equilibrar as contas públicas ao impedir que os governantes gastem mais do que

arrecadam, contribuindo, então, para que não deixem dívidas para seus sucessores, e que

sigam o que é estabelecido pelas peças orçamentárias aprovadas. Esta lei veio a estabelecer o

equilíbrio entre as três leis orçamentárias, reforçando uma diretriz já existente no

ordenamento da Lei nº 4.320/64, mas sem a clareza e o respaldo político trazidos pela LRF. A

proposta da LRF é de uma prestação de contas mais eficiente, usando para isso metas fiscais,

análise de riscos fiscais e avaliação periódica de resultados por meio de dois relatórios: o

Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO) e o Relatório de Gestão Fiscal

(RGF).

Esta lei estabeleceu, então, uma série de regras a serem seguidas pela administração

pública direta, em todos os níveis. Traz consigo vários instrumentos de gestão, através de seus

2 O orçamento público dos investimentos das empresas estatais, entretanto, tem características próprias, havendo ainda o orçamento para agências oficiais de fomento, no qual o governo obtém retorno financeiro.

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modelos de demonstrativos financeiros. A gestão pública, como aponta Saddy (2002), pauta-

se agora em dois pilares: a responsabilização dos agentes públicos para com o patrimônio e a

receita pública, bem como a gestão fiscal equilibrada, objetivando o controle orçamentário e

inflacionário, confronto de metas e resultados, receita e despesa, para uma determinada

demanda pública. Posto isto, gerir hoje qualquer política pública só é possível quando a

mesma for dotada de recursos públicos para demandas concretas, a serem apreciadas em

projetos, programas e ações governamentais, relacionando-os com PPA e LDO, lançadas em

lei orçamentária.

Através de todo este aparato orçamentário, o Estado brasileiro tenta redistribuir na

sociedade os recursos captados de distintas maneiras, mas principalmente por meio de

tributos, como aponta Rezende (2001). Dentre estas distintas maneiras podemos mencionar as

tranferências diretas de recursos, cujo programa mais expressivo atualmente é o programa

Bolsa Família; seu próprio consumo, haja em vista a extensão da folha de pagamento da

máquina pública e o fato de a mesma ser a maior consumidora de muitos setores da economia

nacional; e, finalmente, os investimentos em setores estratégicos para a economia, sejam

estes investimentos diretos, ou a renúncia dos impostos devidos, para que com estes recursos

a própria sociedade atenda a sua demanda.

Vale destacar, entretanto, que a distribuição de recursos não é isenta de opções

ideológicas. O modelo econômico adotado pelo governo traz forte impacto para a forma como

os recursos serão alocados dentro do orçamento público, podendo seguir, em um extremo, o

modelo liberal (e posteriormente neoliberal), no qual o Estado executa funções mínimas, e, no

outro extremo, o modelo keynesiano, no qual o Estado tem maior presença na economia

(GREMAUD et. al., 2007). Como se observa, estes modelos não são definitivos, alternando-

se ao longo da história econômica mundial, tendo o Estado maior ou menor atuação

dependendo da conjunção de uma série de fatores sociais, políticos e econômicos. A década

de 1980 foi um dos momentos em que estes modelos se alternaram, mudando a forma de

atuação dos governos mundiais, inclusive no Brasil.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o modelo keynesiano foi adotado, através da

política de garantia do estado de bem-estar social, garantindo maior atuação estatal

(GREMAUD, 2007). Com a desaceleração do crescimento econômico e a crise do Estado no

Brasil durante a década de 1980, o modelo neoliberal passou a ser hegemônico, diminuindo o

espaço de atuação do Estado. Os efeitos mais conhecidos desse modelo foram a privatização

de empresas públicas existentes e terceirização de ações governamentais para a iniciativa

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privada, a partir da lógica de que a sociedade é considerada apta a realizar a alocação destes

recursos de forma mais eficiente, segundo Rezende (2001). Esse modelo mudou ainda a

forma como as políticas públicas foram implementadas pelo governo.

Por não contar com a obrigatoriedade de ação estatal e garantia de recursos dados pela

Constituição Federal de 19883, ao contrário de setores como educação e saúde, um dos setores

mais afetados por essa mudança foi a política cultural brasileira, que transferiu a

“responsabilidade” de execução das ações para a iniciativa privada, ficando o Estado com a

função de financiamento e regulação destas ações (RUBIM, 2009). Isto porque a política

cultural passou a ser realizada através da isenção fiscal, em que o Estado permite que

empresas privadas direcionem os recursos de impostos devidos para projetos culturais, de

acordo com leis de incentivo fiscal criadas, como por exemplo a Lei Rouanet (1995) em

âmbito nacional (OLIVIERI, 2004).

Dessa forma, a estrutura do financiamento público e em especial a estrutura de

financiamento das políticas culturais, foco deste trabalho, influenciam a ação governamental,

que precisa atender às diversas leis orçamentárias, vinculações orçamentárias e restrições

financeiras para realizar seus planos, programas e projetos. A escolha da estrutura de renúncia

fiscal para o financiamento de políticas culturais trouxe vários impactos sobre a forma como a

política cultural brasileira foi encarada pelo Estado, conforme será detalhado posteriormente,

e potencializou alguns problemas no que diz respeito à alocação de recursos públicos, dentre

estes a concentração de recursos para determinados setores (geralmente com acesso a outros

recursos que não apenas o recurso público) em detrimento a outros setores (geralmente

periféricos e sem acesso a financiamentos de qualquer natureza), causando regressividade da

política, além de falta de controle (interno e externo) e transparência dos recursos

movimentados (ARRUDA, 2003; OLIVIERI, 2004; SILVA, 2004).

3 Como aponta Castro (2001), a vinculação constitucional de recursos para a educação já estava presente na

administração pública brasileira desde a constituição de 1934, sendo alterada, revogada e retomada ao longo do tempo. Segundo o autor, apesar da controvérsia causada pelo comprometimento de parcela significativa do orçamento do Estado, a vinculação garante um mínimo de recursos para dar continuidade a setores fundamentais. Atualmente a vinculação de recursos para a educação é garantida pela Constituição Federal de 1988 e a definição de como os recursos podem ser gastos foi atualizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394 de 1996 (CASTRO, 2001). Já a indefinição da origem dos recursos destinados à saúde, após longa disputa de interesses e períodos de crise financeira do setor, levou à vinculação de recursos através da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, como apontam Mendes e Marques (2009), igualmente para a garantia de recursos mínimos para a garantia de continuidade da política.

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2. Histórico e financiamento da política de cultura

“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” (Art. 215 da Constituição Federal de 1988).

A atual estrutura de financiamento do setor foi adotada, deve-se destacar, a partir de

um contexto de entrave para o desenvolvimento da política cultural, uma vez que

historicamente a cultura recebeu pouca atenção dos governos brasileiros, dificultando sua

entrada na agenda governamental. Enquanto alguns setores receberam forte atenção da

Constituição Federal de 1988, como a saúde e a educação, tendo inclusive recursos do

orçamento vinculados a estas pastas, o setor cultural foi historicamente tratado como um setor

“residual”, apesar de a mesma constituição garantir o acesso e apoio governamental às

expressões da cultura nacional. Esse tratamento precisa ser analizado para melhor

compreender o contexto e a importância da atual política cultural brasileira, bem como a luta

por políticas culturais mais abrangentes e descentralizadas (RUBIM, 2009), como os pontos

de cultura.

Surgindo em meados do século XX com a necessidade de formar identidades

nacionais, a cultura retoma espaço de discussão na agenda governamental já no início do

século XXI, agora visando o reconhecimento da diversidade e da transversalidade da nova

sociedade vigente, a tida “sociedade da informação” (RUBIM, 2009). Mesmo que estas

transformações sejam também identificadas no Brasil, é possível notar clara falta de

investimentos no setor cultural, usado como instrumento de propaganda dos governos

ditatoriais para obter apoio popular, e negligenciado pelos governos democráticos

subsequentes (ARRUDA, 2003; RUBIM, 2009), que não investiram recursos no setor e

sequer implementaram políticas de cultura específicas, conforme será detalhado

posteriormente.

Apenas com o processo de redemocratização dado no final da década de 1980, a

cultura volta a ocupar maior espaço na agenda governamental através das políticas de

financiamento pelo incentivo fiscal (OLIVIERI, 2004). Estas políticas destacaram a ação

privada nas produções culturais, e geraram alguns entraves para a diversificação e

abrangência da política cultural. O exacerbamento de políticas neoliberais como as políticas

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culturais, de forma mais geral, colocam novamente o Estado em importante papel para as

políticas culturais, sendo alvo da reinvindicação da sociedade civil para novos meios de o

Estado promover a cultura (RUBIM, 2009).

Como aponta Rubim (Políticas culturais e novos desafios, 2009), a sociedade atual

impõe novos paradigmas para as políticas públicas, sendo preciso envolver diversas

dimensões e as dinâmicas de interação entre as mesmas, além de considerar os diversos atores

envolvidos.

2.1. Panorama histórico das políticas culturais

Para muitos autores, a cultura, ou os fatores culturais, são intrínsecos ao

desenvolvimento da criação e inovação, sendo que, através da mesma, disseminam-se valores

que moldam e sustentam a sociedade (EUROPEAN UNION, 2009; RUBIM, 2009), estando

aí a importância da cultura para o desenvolvimento humano. A cultura, entretanto, não é um

conceito único e voltado para si mesmo, tendo implicações em outras dimensões, como a

inclusão social, uma melhor educação, a criação de identidade, entre tantos outros, sendo,

portanto, um conceito de definição multidisciplinar. Assim, a cultura é tratada em países tidos

como desenvolvidos, no geral, por políticas públicas de âmbito nacional, com implicações

internacionais, como a exportação de obras culturais e a criação de “tendências” mundiais,

que influenciam a cultura de diversos países a partir das linhas delimitadas por suas políticas

culturais (EUROPEAN UNION, 2009).

Rubim (2009), seguindo esta linha, remonta o surgimento e ascensão das políticas

públicas culturais nos países ocidentais durante o século XX, destacando dois movimentos: o

agendamento das políticas de cultura fortemente relacionadas ao Estado e à construção de

identidades nacionais entre os anos de 1930 e 1970, e as novas necessidades de políticas

culturais transversais4 e diversas da sociedade da informação no começo do novo milênio.

Esta primeira fase foi motivada, como aponta o autor, pela garantia do acesso às obras

culturais, pela difusão do patrimônio cultural e pelo financiamento da produção de obras

culturais. Entretanto, a política era centralizada no governo e hierárquica, sendo que as

políticas de cultura ficaram restritas a órgãos de cultura.

4 Segundo o autor (RUBIM, 2009), a transversalidade, apesar de grande diferencial desse segundo modelo de políticas culturais, é muito citada, mas ainda pouco entendida. Poucas são as políticas que realmente conseguem articular diferentes campos disciplinares para o desenvolvimento cultural.

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É apenas por volta dos anos de 1970 que começam a surgir pastas governamentais

destinadas exclusivamente à cultura, o que aponta para uma negligência por parte do Estado,

das políticas culturais como um movimento global, uma vez que o primeiro Ministério da

Cultura criado no contexto internacional foi ministério francês em 1969 (RUBIM, 2009)5.

Apesar da institucionalização da cultura por meio da criação de um ministério próprio,

a tendência mundial pelo fim da centralidade do Estado influenciou o tratamento das políticas

culturais, dando espaço para um novo modelo econômico neoliberal na década de 1980, que,

somado ao desenvolvimento das tecnologias de informação, provocaram mudanças na ordem

social, dando forma ao segundo momento das políticas culturais, que se expandiram na

década de 1990 (RUBIM, 2009; OLIVIERI, 2004). As atividades antes financiadas ou

providas pelo Estado passaram a ser substituídas por políticas de financiamento calcadas no

incentivo fiscal (OLIVIERI, 2004) e, nesse sentido, a cultura é vista como algo acessório e

residual, sob a ótica de que são necessários maiores investimentos na resolução de outros

problemas sociais mais emergenciais, como proteção e seguridade social, necessidades

básicas a serem garantidas para o bem-estar social.

Anterior a esta tendência mundial de descentralização das ações culturais já haviam

iniciativas governamentais que davam ênfase ao mercado e ao apoio privado, como o modelo

de financiamento cultural norte-americano, com sua primeira lei de incentivo à cultura criada

na década de 1920. A partir da década de 1960, com a criação da agência de cultura National

Endownment for the Arts (NEA), as três esferas de governo norte-americano aumentaram sua

participação no setor. Anteriormente, não havia incentivo público no país, por acreditar-se que

a produção cultural americana era “vazia e insuficiente do ponto de vista qualitativo”,

predominando o culto à arte europeia; não fazendo sentido portanto incentivar o setor. Com

relação a financiamentos, a NEA recebe verbas do governo e repassa aos estados, de acordo

com seu investimento, isto é, para cada dólar investido pelos estados e municípios, a NEA

repassa mais um dólar para os fundos locais. A seleção de quem será beneficiado é realizada

por uma comissão de artistas nomeados anualmente (OLIVIERI, 2004).

No Brasil, o modelo de criação de fundos públicos somados ao incentivo fiscal surgido

na década de 1990 foi amplamente baseado no modelo norte-americano, segundo Olivieri

(Cultura neoliberal: leis de incentivo como políticas públicas de cultura, 2004), e iniciou-se,

5 Apenas em 1985 foi criado o Ministério da Cultura no Brasil, a partir da separação do Ministério da Educação e Cultura.

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por sua vez, com a Lei Sarney, que disponibilizou verbas para produções culturais, destinadas

para o mercado, segundo a qual as empresas decidiam e alocavam os recursos da forma que

desejassem (o que ficou conhecido como mecenato). A Lei previa incentivos fiscais, como o

abatimento de valores no Imposto de Renda (IR), mas acabou gerando descontrole na

aplicação de verbas e foi revogada em 1990. Posteriormente, entretanto, outras leis foram

aprovadas no mesmo sentido, como a Lei Mendonça no Município de São Paulo (1990) e a

Lei Rouanet (1995) em âmbito nacional, destinando recursos públicos obtidos por impostos:

Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto de Renda (IR), respectivamente.

As políticas públicas de cultura foram implementadas, então, por força normativa,

estabelecendo renúncia fiscal sob os moldes da “pioneira” Lei Sarney. Nesse ponto, portanto,

as políticas culturais existentes no Brasil perdem espaço no governo Collor, que extingue o

Ministério da Cultura então existente, e continuam a perder espaço com a política exercida

durante o governo FHC (RUBIM, 2009).

No gráfico seguinte, que apresenta a evolução dos recursos destinados à cultura

através da renúncia fiscal, é possível perceber o aumento dos recursos provenientes da

renúncia fiscal durante a década de 1990, dinheiro de impostos que deixam de ser arrecadados

pelos cofres públicos para incentivar projetos culturais, e uma declinação na contrapartida a

essa renúncia, recursos adicionais que deveriam ser “doados” pelas empresas privadas, com a

finalidade de manutenção e desenvolvimento destes projetos culturais.

Com as vantagens trazidas por este modelo de financiamento, somado à previsão de

alíquotas de isenção de até 100% para patrocínio de projetos audiovisuais e de alíquotas de

até 80% para projetos financiados através da lei Rouanet, conforme detalhado logo abaixo, é

perceptível a diminuição de recursos adicionais investidos pelo setor privado, que passam a

investir recursos somente quando houver incentivos fiscais atraentes para isso.

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Gráfico I – Evolução dos recursos destinados à cultura, 1995-2002

Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004)

Esse modelo, o mecenato, foi disseminado por todo o país sob a crença de que esse

padrão de financiamento seria suficiente para apoiar a cultura, sobretudo para sanar as

necessidades do mercado cultural, uma vez que a cultura era encarada sob o foco neoliberal.

Entretanto como se percebe no gráfico acima, os recursos adicionais investidos pelo setor

privado, que deveriam se ampliar para garantir a continuidade da política, reduzem-se ao

longo do tempo.

Os órgãos públicos de gestão de políticas de cultura, por outro lado, não se

concentraram na execução de programas e ações para promover a cultura, e, pelo contrário, as

instituições como o Ministério e as Secretarias de Cultura assumiram um papel meramente

burocrático e de regulação de programas implementados por meio dos sistemas de incentivo

(OLIVIERI, 2004), cujas estruturas de financiamento foram implementadas a partir de um

complexo aparato legal e normativo, dando forma à política cultural brasileira a partir da

década de 1990, como será apresentado a seguir.

2.2. A estrutura do financiamento da cultura a partir da década de 1990

No Brasil, o financiamento na área cultural pode ser analisado por três leis de

referência, algumas mencionadas anteriormente, detalhadas a seguir.

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A lei mais expressiva é a Lei nº 8.313, de dezembro de 1991 (Lei Rouanet,

regulamentada pelo Decreto nº 1.494, de maio de 1995), que criou o Programa Nacional de

Apoio à Cultura (PRONAC). Sua implementação deu-se por meio de três pilares:

1. O Fundo Nacional da Cultura (FNC)

O Fundo Nacional de Cultura tem extrema importância como fonte de recursos para

políticas de cultura desvinculadas dos interesses macroeconômicos, pois tem por objetivo

patrocinar projetos que não são economicamente atrativos para o patrocínio privado

(OLIVIERI, 2004).

É interessante analisar os recursos e estabelecer comparação com outras fontes,

principalmente no que se refere à execução orçamentária, para notar que o FNC tem um

comportamento diferente, ao ultrapassar o valor inicialmente orçado de forma mais expressiva

que as outras fontes, chegando a triplicar o valor em alguns anos, o que pode demonstrar a

importância dessa fonte de financiamento para projetos culturais.

No período analisado, o fundo sempre executou mais do que estava previsto em seu

orçamento e, em 2005, é possível verificar aumento de aproximadamente 400% na execução

orçamentária do Fundo Nacional de Cultura.

Tabela I – Comportamento da execução orçamentária das instituições federais de cultura, 1996-2005

Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).

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A tabela demonstra como os recursos do FNC superam, em muito, os valores de

orçamento executados pelo Ministério da Cultura, que raramente consegue executar todo o

orçamento previsto. Já o FNC supera os recursos orçados, gastando mais do que o previsto;

2. O Fundo de Investimento Cultural e Artístico (FICArt)

Este ainda pouco efetivo, sem personalidade jurídica e constituído por quotas, emitidas

sob forma nominativa e escritural e sujeitas à Lei nº 6.385, de dezembro de 1976, a qual

dispõe sobre o mercado de valores mobiliários. O Fundo é sujeito às regulamentações da

Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao regime tributário definido pela Secretaria da

Receita Federal (OLIVIERI, 2004);

3. Os Incentivos a Projetos Culturais

De acordo com Olivieri (Cultura neoliberal: leis de incentivo como políticas públicas

de cultura, 2004), o mecenato, através da Lei Rouanet, trabalha com a ideia de dedução do

Imposto de Renda (IR) dos valores investidos em projetos culturais, chegando à isenção do

mesmo em alguns casos, sob a forma de doação ou patrocínio por pessoa física ou jurídica

que execute cálculo do imposto de renda devido por lucro real. De acordo com a forma de

destinação de recursos, se doação ou patrocínio, e de acordo com a personalidade, se física ou

jurídica, há uma alíquota diferente para dedução de impostos, conforme é exemplificado no

quadro abaixo, indo de 30% de isenção para patrocínios realizados por pessoas jurídicas até

80% de isenção para doações feitas por pessoa física.

A razão desta diferenciação refletida na porcentagem da dedução no IR (direta e

indiretamente) se dá pela permissão de utilização do projeto como meio de veiculação do

patrocinador - marketing cultural, que prevê, inclusive nos valores do projeto, as despesas

com divulgação/propaganda.

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Quadro I – Diferenças da isenção dada pela Lei Rouanet

Fonte: Própria, produzido a partir de informações de OLIVIERI, 2004.

O Presidente da República determina anualmente os valores reservados à renúncia

fiscal, sendo que este valor reservado não inclui a contrapartida devida pelas entidades

beneficiárias da isenção fiscal. Essa concepção de incentivos procura (ou deve procurar)

garantir a exibição, utilização e circulação pública dos bens culturais, ainda que 25% sejam

reservados para uso (pessoal) do patrocinador. Olivieri (2004) aponta o papel da Comissão

Nacional de Incentivos à Cultura (CNIC) de controlar a utilização dos recursos por parte das

empresas. Essa comissão mista, é composta por representantes da Sociedade Civil, por

representantes dos maiores interesses do Mercado, por representantes do Ministério da

Cultura (e agregados) e por representantes da Entidade Nacional Representante dos Estados, e

teve como objetivo aprovar projetos, definir programas de trabalho e regras. Entretanto, esta

perdeu sua função ao longo do tempo e se transformou em órgão consultivo para aprovação

de projetos, sendo essa prerrogativa do ministério (OLIVIERI, 2004).

Além da Lei Rouanet, outro instrumento legal de referência para o setor cultural é a

Lei nº 8.685, de julho de 1993 (Lei do Audiovisual), modificada pela Lei nº 9.323, de

dezembro de 1996. Tem a mesma lógica dos incentivos fiscais, descritos anteriormente, e

destina-se a projetos cinematográficos de produção independente e outros projetos da área do

audiovisual de exibição, distribuição e infra-estrutura técnica. Quando comparada à Lei

Rouanet, Olivieri (2004) destaca que a Lei do Audiovisual acaba permitindo até 100% de

dedução como incentivo fiscal.

Há, ainda, a MP nº 2.219, de setembro de 2001, que criou o Programa de Apoio ao

Desenvolvimento do Cinema Nacional (PRODECINE), a Agência Nacional de Cinema

(ANCINE) e o Fundo de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional (FUNCINE).

Esse fundo é similar em vários aspectos ao FICArt. (SILVA, 2004).

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2.3. Entraves e desafios do financiamento da cultura

A atual estrutura de financiamento formada pelas leis de incentivo e fundos culturais

tem alguns entraves que acabam impedindo o desenvolvimento de uma política cultural

abrangente e diversificada, conforme indica o artigo nº 125 da Constituição Federal, segundo

o qual o Estado deve apoiar e incentivar a valorização e difusão das manifestações culturais.

A política de financiamento da cultura, entretanto, acaba sendo direcionada para

apenas alguns tipos de manifestações culturais, e isso se dá através de efeitos como

dificuldades técnicas para a aprovação de projetos, ou o fato de a forma de captação de

investidores influenciar o uso dos recursos, restringindo os tipos de projetos financiados e

ainda concentrando regionalmente os projetos realizados, dentre outros, conforme será aqui

detalhado.

2.3.1. Dificuldades em obter financiamento

Apenas uma parte dos projetos apresentados é aprovada e um número menor consegue

investimento e é, portanto, realizado. Isto decorre da estrutura de financiamento gerada pela

política de cultura: grande parte dos produtores não encontram empresas que aceitem

patrocinar seus projetos, seja porque estes não são tão atrativos publicitariamente, seja porque

os produtores não detêm conhecimento técnico ou capital social para acessar estes

patrocinadores (OLIVIERI, 2004).

Os procedimentos burocráticos necessários para atender aos critérios dos programas de

financiamento ora requerem conhecimentos técnicos muito específicos do proponente de

projetos - que além de ser artista precisa ser gerente, contador, etc. - ora são ineficientes para

gerenciar os projetos ou mesmo solucionar dúvidas dos proponentes quanto às suas

exigências. Como aponta Olivieri (2004), considerando que pequenos produtores geralmente

não detêm capacidade técnica para apresentar projetos nos moldes dos editais das políticas,

seus projetos não conseguem ser sequer aprovados para busca de captação, enquanto projetos

com maiores condições financeiras (e dentro da lógica do marketing empresarial) dispõem de

consultorias especializadas na proposição de projetos e contam, geralmente, com

financiadores previamente definidos, favorecendo a realização de seus projetos e destacando

um viés perverso e excludente na política cultural estabelecida.

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Projetos cinematográficos são, em geral, exemplos do poder da burocracia estatal em

selecionar – e, portanto, excluir – projetos que venham a se inscrever em editais para seleção

pública, por não se adequarem aos complexos parâmetros burocráticos dos editais, que

geralmente ignoram questões como alcance ou efetividade dos projetos, e limitam-se a

analisar a documentação e o nível de regularidade normativa dos proponentes, sendo que

geralmente artistas não possuem a formação necessária para lidar com tais questões

(OLIVIERI, 2004).

No que se refere à Lei do Audiovisual, há um outro problema que influencia os

projetos aprovados e de fato realizados. Projetos audiovisuais dependem de grandes aportes

financeiros, e por dependerem geralmente de mais de uma empresa financiadora para

completar a verba necessária, diminuindo assim o espaço de divulgação da mesma, seu

patrocínio torna-se ainda mais difícil. Somam-se a estas dificuldades exemplos pontuais de

casos que tomaram espaço na mídia, como o filme “Chatô”, de Guilherme Fontes, que

recebeu recursos mas não foi concluído, afetando assim a credibilidade das políticas de

financiamento (OLIVIERI, 2004).

Ainda com relação à dificuldade de captação de recursos por meio de apoio de

empresas financiadoras, há problemas com a motivação da empresa em financiar apenas tipos

de projetos culturais economicamente mais eficientes, em detrimento dos demais tipos6,

reduzindo o espaço de determinadas expressões artísticas para a valorização daquelas mais

"comerciais" (EUROPEAN UNION, 2009).

Geralmente, as empresas são motivadas a financiar projetos que sejam

publicitariamente vantajosos, que sejam identificados com a marca, ou que divulguem

mensagens apoiadas pelas marcas, tendo preferência projetos mais “comerciais” 7, tornando os

recursos públicos financiadores do marketing institucional destas empresas.

Dentre os fatores de maior dificuldade para que pequenos produtores culturais8

apresentem projetos adequados aos critérios do financiamento público ou, quando aprovados,

prestem contas de seus gastos devidamente, Olivieri (Cultura neoliberal: leis de incentivo

6 Neste ponto, vale destacar que a importância de incentivo a todo tipo de manifestação cultural será abordada com mais profundidade ao longo do trabalho. Entretanto o conteúdo do artigo nº 125 da CF/88 é suficiente para ressaltar os limites de abrangência da atual política de financiamento. 7 Uma crítica a ser feita é que em nenhum momento, vale destacar, o “consumidor final” das políticas culturais, o cidadão, é considerado nesse processo. 8 Um grande problema para a aprovação de projetos indígenas, por exemplo, é que os produtores sequer conseguem reunir os documentos necessários para submeter o projeto ao Ministério, perdendo assim essa fonte de financiamento.

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como políticas públicas de cultura, 2004) destaca a falta de objetividade e planejamento dos

projetos, implicando em ausência de público-alvo definido e retorno esperado da política9.

2.3.2. Concentração regional

Dentre os projetos aprovados e que chegam a ser realizados, é possível identificar um

outro tipo de problema: a concentração regional. Isto ocorre pois a esmagadora maioria dos

projetos realizados pertencem ao eixo Rio – São Paulo. Da mesma forma, a maioria das

empresas financiadoras é proveniente da região sudeste, sendo que “das dez maiores

empresas investidoras, nove estão em São Paulo e Rio de Janeiro” (OLIVIERI, 2004: 123).

A partir da análise de tais dados, Olivieri (2004) argumenta que os recursos do incentivo

fiscal acabam ficando nas mãos de poucas empresas que, ao escolher os projetos que irão

patrocinar, acabam definindo portanto como será a política pública de cultura na qual o país

investe.

Sobretudo os recursos circulam de forma extremamente desigual. São Paulo e Rio de

Janeiro durante a gestão FHC, detinham juntos cerca de 70% dos recursos provenientes do

financiamento, com pequena desconcentração destes recursos durante a primeira gestão Lula,

conforme dados apresentados pelo IPEA, demonstrados a seguir:

9 Em entrevista feita em 2009, Olivieri pontua que, por outro lado, a avaliação dos projetos realizados restringe-

se à prestação de contas, não avaliando os impactos dos projetos, característica que reflete a falta de atenção para uma avaliação eficiente dos projetos culturais.

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Gráfico II – Distribuição de recursos entre as regiões e estados selecionados durante os governos FHC e Lula

Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).

Esse gráfico aponta a determinação do financiamento coerente com nível de

industrialização e desenvolvimento econômico de cada estado e produção vinculada ao

marketing social, indicando que as leis de incentivo falham no que se refere à distribuição

equilibrada dos recursos públicos ao dar destaque para os estados com maior poder

econômico, conforme aponta a análise da relação entre produção econômica e incentivo fiscal

ao setor cultural:

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Tabela II – Participação proporcional de estados selecionados e regiões nos incentivos culturais e no PIB

Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).

2.3.3. Prestação de contas e comprometimento com o público

A Lei Rouanet foi considerada até pouco tempo10 um avanço quanto à diminuição dos

procedimentos burocráticos para a realização do projeto em relação a outras leis de incentivo,

mas ainda assim exige vários critérios inatingíveis para pequenos produtores que

desconhecem os trâmites do setor público, cabendo ao proponente, por exemplo, a prestação

das contas do mesmo projeto nos moldes das leis orçamentárias brasileiras (OLIVIERI,

2004).

Por outro lado, a prestação de contas é a principal contrapartida efetivamente

necessária e exigida pelo Ministério, somada a um exemplar da obra (material de divulgação,

10 As recentes alterações aprovadas foram um retrocesso em relação à desburocratização proporcionada pela Lei Rouanet, que agora está mais exigente para a aprovação de projetos culturais.

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livro, cópia da mídia, etc.) e os formulários devidamente preenchidos. Essa prestação de

contas, entretanto, não é capaz de identificar se os projetos foram bem-sucedidos, se tiveram

público, ou mesmo se foram realmente executados. Para além da ineficiência da prestação de

contas, essa se caracteriza como uma das maiores dificuldades das entidades culturais após

terem projetos aprovados (OLIVIERI, 2009; RODARTE, 2009), já que as entidades não são

familiarizadas com procedimentos burocráticos próprios da rotina estatal e não conseguem,

portanto, atender a todos os critérios exigidos pelos editais, principalmente a prestação das

contas realizadas, conforme apontado em trecho a seguir.

“Em razão de o mercado cultural ser habituado à informalidade das relações e dos pagamentos, a prestação de contas se traduz, por vezes, em procedimento bastante difícil ou mesmo impossível de ser cumprido. Proponentes que não possuam ou não estejam vinculados a empresas especializadas com quadro de funcionários e experiência profissional, em geral, não estão habilitados a solicitar e verificar os documentos recebidos dos fornecedores. O resultado é o indeferimento da prestação de contas apresentada ou a glosa de parte das despesas.” (OLIVIERI, 2004:100)

Isto porque, segundo as regras do financiamento, a prestação de contas consiste na

validação dos gastos realizados, em comparação com o orçamento inicialmente aprovado.

Cada inconsistência deve ser minuciosamente explicada. Esta característica visa evitar desvio

de verbas, mas acaba na verdade limitando a avaliação da política pública de cultura, e

mobilizando mão de obra dos proponentes para justificar seus gastos, e do Ministério da

Cultura para a conferência de dados que não impactarão mais nos projetos desenvolvidos11.

Estes exemplos de ineficiência do alcance da política são ainda atrelados a outro

problema das políticas de financiamento: a falta de comprometimento com o público, uma vez

que poucos são os locais destinados a apresentações culturais, e não há exigência de “preços

populares” para obras financiadas com recursos públicos, o que torna ainda mais desigual o

acesso às políticas culturais. Exemplo deste ponto foi o patrocínio dado a apresentações do

Cirque du Soleil que, mesmo contanto com recursos provenientes da Lei Rouanet, cobravam

ingressos acima de R$ 100,00, valor inacessível para grande parte da população brasileira

(OLIVIERI, 2009)

11 Essa característica foi mencionada em entrevista (OLIVIERI, 2009), em que a autora relata que além de

poucos recursos humanos disponíveis no MinC para avaliação dos projetos, esta avaliação baseia-se tão somente na verificação da prestação de contas, e não na implementação e desenvolvimento dos projetos.

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2.3.4. Resultados da ineficiência da política cultural

Com o acúmulo de limitações para a aprovação de projetos culturais, os financiados

pela política cultural acabam sendo aqueles com maior apelo comercial e, em sua maioria,

constituem-se de projetos do segmento de música, artes cênicas e patrimônio cultural.

Entretanto, a relação entre o número de projetos apresentados segundo os moldes das leis de

incentivos fiscais, aprovados e efetivados demonstra o dispêndio de tempo e trabalho com

projetos que não são realizados (IPEA, 2007), que acabam “desperdiçados” e desperdiçando a

mão de obra estatal, contrastando com o baixo acesso a bens culturais para a população

brasileira.

Enquanto os projetos culturais financiados através das leis de incentivo fiscais

circulam entre produções mais “clássicas”, como gravações musicais, peças de teatro,

espetáculos de dança, produções cinematográficas, publicação de livros, em sua grande

maioria (OLIVIERI, 2004), os dados revelados pela pesquisa publicada pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2004 demonstram que o acesso aos bens culturais é

muito restrito, a despeito dos investimentos feitos através das leis de incentivo, sendo que

apenas 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês e mais de 80% dos municípios

não possuem cinema, teatro ou espaços culturais (ver Gráfico III), entre outros indicadores

que revelam, de modo simultâneo, a ínfima cobertura de oferta do modelo da indústria

cultural, a disparidade entre os estados brasileiros, a inexistência do amplo acesso e a

possibilidade de expansão da economia baseada nas atividades de produção (SILVA, 2004).

Corroborando este quadro, pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) que compara dados de 2005 e 2006 mostra que 42,1% dos municípios

brasileiros não têm ações que indiquem o estabelecimento de uma política cultural

incentivada pelo estado (MUNIC, 2006) e, portanto, em mais de 40% dos municípios no

Brasil o tema cultura não encontra-se na agenda das políticas públicas.

O gráfico abaixo demonstra, além da falta de atenção governamental para políticas de

cultura, o baixo número de equipamentos culturais nos municípios brasileiros, exemplificando

a falta de priorização da área cultural.

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Gráfico III – Densidade da oferta de equipamentos culturais no total dos municípios

Fonte: Siafi/Sidor/Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).

Dentre os municípios brasileiros, apenas 1% conta com alta densidade de

equipamentos culturais, sendo que a esmagadora maioria não conta com equipamentos

culturais suficientes, principalmente em relação à sua população. Conforme dados

apresentados pelo IPEA (SILVA, 2004), cada vez mais são menores os espaços de expressão

cultural públicos e de fácil acesso, como teatros, galerias, etc., muitas vezes restritos à um

determinado público e em locais de dificíl (e caro) acesso ao público em geral. Além disso,

também é possível observar a dificuldade que os artistas encontram para acessar às políticas

públicas existentes, como os recursos dos programas de apoio à cultura e fundos para cultura.

Ao tratar do Fundo Nacional de Cultura, Olivieri (2004) aponta que o valor por ele

movimentado é largamente superado pelo valor movimentado pelas renúncias fiscais. Os

fundos teriam a “função” de garantir que projetos culturais considerados aprovados segundo

os critérios do MinC, mas não atraentes para o mercado, fossem executados, tendo ainda a

“função” de amenizar a disparidade regional no investimento de recursos. Apesar disto, a

tendência de concentração de projetos financiados na região sudeste do país também se reflete

no financiamento executado através do FNC (OLIVIERI, 2004).

Para além também dos problemas de “mercantilização” e concentração regional dos

projetos culturais aprovados, há ainda problemas com relação à transparência na distribuição e

utilização de recursos entre projetos. A falta de participação popular e a falta de utilização de

canais de transparência na escolha dos projetos apresentados e na forma como os recursos são

por eles gastos apresentam-se como as maiores ineficiências das políticas de cultura do país, a

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despeito da existência da CNIC. A essas características soma-se a descontinuidade das

políticas, dado que os procedimentos de seleção de projetos e a legislação que as regem são

fortemente atrelados ao Ministério, tornando as políticas “reféns” do governo no poder12.

Dessa forma, além das questões acerca do formato do financiamento, do

direcionamento da produção cultural e do baixo acesso a essa produção, existem ainda

problemas relacionados à definição das diretrizes culturais duradouras para todo o país,

questões relacionadas à assimetria de poder de grupos de interesse na definição da agenda

governamental da cultura e influência na formulação das políticas culturais, passando pela

reprodução dos valores culturais da “elite brasileira”.

3. Crítica ao modelo vigente

Conforme dito anteriormente, a cultura tem implicações em outras dimensões, como a

inclusão social, a educação e a emancipação do cidadão, a criação de identidade, a definição e

organização de uma esfera pública, entre tantos outros exemplos, sendo, portanto, um

conceito multidisciplinar fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Para o modelo de financiamento em vigor na sociedade atual, entretanto, o que se

percebe é outro movimento. A cultura e a produção cultural são entendidas como ciclos

mercadológicos e estão inseridas na lógica de cadeias de consumo e produção, gerando

propostas culturais que direcionam-se à comercialização da cultura. Mesmo pensando através

desta lógica, ainda assim há problemas na forma de financiamento estatal, pois os

investimentos acabaram por recair sobre alguns espaços e temas “padrões”, mais do que sobre

os múltiplos agentes culturais, relegando a estes nada ou quase nenhuma autonomia no

processo criativo e, mesmo antes disso, na definição do Projeto Nacional da Cultura.

O incentivo fiscal, dessa forma, somado à tradição clientelista13, culmina na

valorização de grandes corporações privadas, em detrimento de ações que poderiam estar

12 Olivieri afirma em entrevista de 2009 que se deve criar uma política nacional abrangente (o que conhecemos

por política de Estado, e não política de governo) e que, apesar das falhas da estrutura, a política atual não deve ser totalmente descartada para que outra seja implantada e passe pelos mesmos percalços de início de política pública. Deve-se sim reformular as formas de financiamento existentes, para que se adequem à demanda nacional. 13 Para melhor entender essa discussão, ver Nunes (A gramática política no Brasil, 2003). O clientelismo, segundo o autor, foi um processo amplamente utilizado durante a República Velha, no qual os coronéis locais tinham um acordo com o executivo no sentido de garantir a permanência deste no poder. Segundo o autor, “favores pessoais e empreguismo de um lado, e repressão de outro, caracterizam fortemente as relações

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voltadas para temas menos atrativos para o mercado, como a responsabilidade social ou a

valorização de culturas locais. O financiamento público acaba servindo como fonte de

recursos para estratégias de publicidade e marketing de grandes corporações beneficiadas

pelas leis de incentivo.

A responsabilidade para com a valorização da cultura em todo território brasileiro,

respeitando sua diversidade, é subvertida para o financiamento de projetos que, não obstante

estarem inseridos no mercado, são propostos por agentes que pautam as políticas culturais a

serem implementadas no país, ao constituirem-se em fortes grupos de interesse que definem

quais tipos de projetos serão financiados. Portanto, produções (teatrais, cinematográficas,

musicais, artesanais) “menos comerciais” acabam ficando à margem dos investimentos das

grandes corporações, criando grande contradição na finalidade das políticas públicas de

financiamento cultural, que por definição deveriam existir justamente para atender a essas

produções não atrativas comercialmente.

Para reverter este quadro, conforme aponta Olivieri (em entrevista de 2009), uma

política cultural deve ser democraticamente construída e viabilizar toda manifestação cultural,

não apenas uma parcela delas, sendo que as diversas formas de manifestação devem ser

incluídas indistintamente, sem definição de prioridades. Com relação à democratização, o

aumento de público por si só não pode ser tido como resposta a esse processo, pois falta um

papel ativo do espectador, que praticamente inexiste. Há quem defenda que a produção do

mercado atropela o processo de criação, baseada na reprodução infinita e na maximização de

ganho econômico. Outros atribuem ao mercado o papel de educador, por possibilitar a

interação entre público e expressões culturais. Isso porque as regras de mercado baratearam o

acesso aos materiais e meios para que produtores culturais se expressem, popularizando assim

o acesso (RUBIM, 2009). No entanto, o que se percebe é que o barateamento acabou gerando

uma cultura mediana em grande escala, ou seja, uma reprodução de lugares comuns, e não a

legítima universalização do acesso, dado que produtores de expressões sem apelo comercial

continuam encontrando dificuldades para existirem.

O papel do Estado, dessa forma, deve se concentrar nas ações a serem promovidas

para além dos limites do mercado, posto que a garantia para uma atuação eficiente do Estado

deve ser controlada não pelo lucro gerado, mas pela opinião da sociedade civil e pela

facilitação do acesso tanto a produtores quanto ao público, sendo o Estado estimulador dos

políticas neste período de laissez-faire repressivo” (NUNES, 2003:48). Mesmo após a Revolução de 1930, a prática do clientelismo continua permeando, em menor grau, a vida política do país.

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setores não-financiados pelo mercado e o ator que pode e possui legitimidade para mediar as

forças dos grupos de interesse, investindo em ferramentas de controle social e externo,

reduzindo assim a possibilidade de “partidarização” sobre o financiamento cultural.

Mediante tantos entraves, o incentivo fiscal é importante aspecto, mas não deve ser a

única característica das políticas públicas de cultura, como praticamente ocorre. Entrementes

é necessário que haja reformulação nos fundos de cultura existentes, que também apresentam

entraves para a realização de uma política mais abrangente e equilibrada (OLIVIERI, 2009).

PARTE II – PONTOS DE CULTURA COMO NOVO MODELO

“As forças de mercado, por si sós, não podem garantir a preservação e promoção da diversidade cultural, condição de um desenvolvimento humano sustentável. Desse ponto de vista, convém fortalecer a função primordial das políticas públicas, em parceria com o setor privado e a sociedade civil.” (UNESCO, 2005: 211)

A política cultural, por muito tempo negligenciada na agenda política brasileira, tem

sua retomada na década de 1990, conforme exposto anteriormente, a partir dos programas de

financiamento baseados no incentivo fiscal para financiamento privado de projetos culturais,

sendo o Estado regulador destas ações.

Após o exacerbamento das políticas neoliberais, entretanto, o Estado volta a ocupar

importante papel para as políticas culturais, conforme aponta Rubim (2009). Diante de todas

as críticas ao atual modelo de financiamento das políticas culturais, baseadas

fundamentalmente na renúncia fiscal, Olivieri (2004) propõe uma gestão democrática que

possa abranger as contradições sociais, que gere diferentes formas de custeio. O governo deve

estar, então, comprometido com um projeto maior, mais amplo e que favoreça a todos os

cidadãos.

A fim de atender estes objetivos, a ação “Pontos de Cultura”, política recente do

governo brasileiro, traz algumas mudanças fundamentais com relação às políticas culturais

anteriores, tanto em relação ao seu financiamento, quanto ao modo de se entender a política

cultural, e foi gerado a partir de esforços da sociedade civil e entidades públicas que

modelaram a proposta de um novo modelo de política cultural no Brasil.

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4. A proposta de um novo modelo de polílica cultural no Brasil

No Brasil percebe-se em 2003 a emergência de novos rumos para as políticas públicas

de cultura, buscando uma abrangência maior para a política cultural, que alcance de fato todo

o país. Com vistas a alterar o quadro desenhado pelas políticas de financiamento através de

renúncia fiscal e implementar uma política cultural que de fato atenda à diversidade e

abrangência que compõem a sociedade brasileira, o MinC anuncia, em 2003, buscar políticas

culturais mais democráticas e participativas (CABRALE, 2009).

Essa postura assumida pelo ministério vai ao encontro das demandas de organizações

sociais e culturais, que há tempos se organizam para reivindicar políticas mais diversificadas e

abrangentes (DOZZI, em entrevista de 2009). A sociedade atual impõe novos paradigmas

para as políticas públicas, e não é mais possível pensar em uma única dimensão (nacional)

para as políticas culturais, como ocorreu na história do país. É preciso analisar diversas

dimensões e as dinâmicas de interação entre estas, além de considerar os diversos atores

envolvidos14 (RUBIM, 2009).

Lembrando ainda que as políticas culturais são fundamentalmente multidisciplinares, o

que implica novos modos de formulação, implementação e avaliação, dado que o país

apresenta diferenças regionais e um nível de descentralização das ações públicas que

dificultam análises gerais, conforme afirma Cabrale (Políticas públicas e indicadores

culturais: algumas questões, 2009). Isso exige indicadores com maior grau de confiabilidade,

de acordo com a diferenciação feita por Januzzi (Indicadores sociais no Brasil: conceitos,

fontes de dados e aplicações, 2006), e especial atenção para as discrepâncias regionais no

processo de formulação, implementação e avaliação das políticas culturais.

5. Pontos de Cultura – uma nova possibilidade de atuação do Estado

Partindo do pressuposto que a nova política cultural deve se basear primordialmente

na abrangência, o Ministério da Cultura vem implementando ações nesse sentido. Para além

da diversidade e desigualdade regional do país, a política cultural precisa ser abrangente uma

vez que sua concepção, atualmente, dá-se segundo o Regimento 2ª Conferência Nacional de

14 Nesse tocante o programa Pontos de Cultura se destaca, uma vez que tem por objetivo formar uma rede entre diversos projetos de cultura ao redor do país. É uma política nacional que atua em âmbito local e conectando estes diferentes locais.

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Cultura (11 a 14 de março de 2010), em três dimensões: 1) a dimensão simbólica, expressa

pela diversidade cultural, através de diversas línguas, valores, crenças e práticas; 2) a

dimensão cidadã, expressa pela garantia da cultura como um direito básico do cidadão,

sendo então plataforma de sustentação das políticas públicas e; 3) a dimensão econômica,

expressa pela crescente importância da cultura como geradora de trabalho e renda na

sociedade da informação, criatividade e conhecimento (MINC, 2010).

Para realizar uma política pública de cultura baseada nesses valores, tramitam no

Congresso Nacional várias propostas que visam instaurar um sistema nacional voltado para a

cultura, e a disseminação da mesma de forma abrangente, organizada e socialmente

controlada. Destas propostas, destacam-se como reformuladoras da política cultural brasileira

a PEC nº 416/2005, que visa instaurar o Sistema Nacional de Cultura, somada à PEC nº

150/2003, que busca destinar recursos para a cultura através de vinculação orçamentária, e a

PEC nº 236/2008, que insere a cultura como direito social, o Plano Nacional de Cultura e o

Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic).

Apesar de ainda não terem sido aprovadas, algumas ações já estão sendo tomadas para

tornar mais abrangentes e plurais as ações culturais. Dentre estas ações, destaca-se o programa

Pontos de Cultura, ação prioritária do Programa Cultura Viva, criado pelo Ministério da

Cultura por meio do decreto nº 6.226, de 2007.

Ao invés de renúncia fiscal, o programa é baseado na transferência de recursos para

entidades externas ao governo, sendo que a solução trazida pelos pontos de cultura para os

problemas da isenção para a iniciativa privada foi transferir recursos para os pequenos

produtores de organizações sociais, a “ponta da cadeia cultural”, dado que estes produtores

são excluídos das demais políticas culturais (RODARTE, em entrevista de 2010). Entretanto

essa transferência de recursos ocorre através de convênio com o governo, seja nacional,

estadual ou municipal, fazendo com que estes recursos e as ações por eles financiadas sejam

monitorados e ainda dando o apoio estatal para a articulação das ações e redes formadas.

Seguindo a lógica demonstrada por Rezende (Finanças públicas, 2001), o Estado

transfere recursos para a sociedade civil, mas, ao contrário do que ocorre com a grande

maioria das políticas de incentivo fiscal, os recursos são transferidos para projetos culturais

que não encontrariam outras formas de financiamento, seja por não serem atrativos

comercialmente, seja por não deterem capacidade burocrática suficiente para aprovar projetos

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em editais de maior porte. Esses projetos são realizados em grande maioria em âmbito local15,

trazendo novos equipamentos culturais e movimentando economias locais, ou seja,

promovendo o desenvolvimento local.

Dessa forma, o programa envolve iniciativas desenvolvidas pela sociedade civil, que

ficam responsáveis por articular e impulsionar as ações que já existem nas comunidades,

firmando convênio com o MinC e secretarias estaduais e municipais, por meio de seleção por

editais públicos, e recebendo a denominação de Pontos de Cultura.

Sua implementação enquanto política de Estado, no entanto, depende da aprovação do

Plano Nacional de Cultura, aprovação essa que, de acordo com Carla Dozzi (em entrevista de

2009), já mobiliza muitos grupos organizados e a sociedade civil como um todo, em favor de

sua aprovação.

Para se tornar um Ponto, não é necessário dispor de instalações físicas16, programação

ou atividades específicas e padronizadas. A única exigência comum é atuar na

transversalidade da cultura e na gestão compartilhada entre poder público e comunidade. A

seleção é realizada por meio de editais, sendo papel do MinC agregar recursos e novas

capacidades a projetos e instalações culturais já existentes.

Segundo o edital da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo de 2009 e editais

dos demais estados, entende-se por Pontos de Cultura os projetos realizados por pessoas

jurídicas, sem fins lucrativos, de natureza cultural, funcionando como “instrumento de pulsão

e articulação de projetos já existentes nas comunidades do Estado”, agindo como “elos entre

a sociedade e o Estado que possibilitam o desenvolvimento de ações culturais sustentadas

pelos princípios da autonomia, protagonismo e empoderamento social, integrando uma

gestão compartilhada e transformadora da instituição selecionada com a Rede de Pontos de

Cultura” (SÃO PAULO, 2010).

Como regra geral, essas instituições devem atuar na área cultural há pelo menos dois

anos e ter sede no estado por esse mesmo período de tempo. O Governo Federal, por meio do

Ministério da Cultura, é responsável pelo repasse de recursos e pela articulação dos Pontos de

Cultura selecionados, enquanto cabe à Secretaria de Cultura de cada estado acompanhar

diretamente os projetos aprovados. Os recursos, por sua vez, são provenientes do Fundo

15 Além de projetos locais há projetos virtuais, como pontos de cultura que produzem sites de conteúdo cultural, entre outros, que apesar de contar com “sede local”, utilizam-se da potencialidade mundial garantida pela globalização da internet. 16 A organização social que propõe o projeto de ponto de cultura, entretanto, precisa comprovar residência no estado ou município que realiza o edital de seleção, há pelo menos dois anos.

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Nacional da Cultura17, e encaixam-se no (comparativamente baixo) orçamento do Ministério

da Cultura.

O repasse de recursos, realizado em três parcelas, é destinado a projetos que

desenvolvam ações nas áreas de: culturas populares; grupos étnico-culturais; patrimônio

material; audiovisual e radiodifusão; culturas digitais; gestão e formação cultural; pensamento

e memória; expressões artísticas; e ações transversais entre as áreas mencionadas.

Cada estado, ou município, realiza o edital de forma independente do MinC, que

também realiza editais, sendo o valor destinado de R$ 180.000,00 divididos ao longo de três

anos, depositados em conta específica aberta para o projeto. O repasse se dá, em geral, através

de convênios realizados entre o estado ou município e o proponente cujo projeto foi aprovado.

Deste recurso, apenas 15% podem ser destinados a pagamento de atividades “rotineiras”,

como aluguel, água, luz, pessoal administrativo, etc., e aproximadamente 10% (R$ 20.000,00)

devem ser gastos, no recebimento da primeira parcela, na compra do Kit Multimídia. Para a

representante do ministério da cultura (DOZZI, em entrevista de 2009), a importância do Kit

Multimídia permite criar um histórico das ações culturais desenvolvidas e permite que os

Pontos conversem entre si, troquem experiências e informações, fortalecendo a rede de

cultura para atuar em vários canais.

A separação de ações entre o governo local e o governo central marca ainda a atenção

voltada para a descentralização das ações, garantindo ao mesmo tempo unidade entre os entes

federados. Essa característica coloca o estado ou município em contado direto com os Pontos,

atuando como facilitador das ações, e como ponte entre os pontos de cultura e o MinC,

articulador nacional do programa (RODARTE, em entrevista de 2009). Uma vez que a

disparidade de ações culturais ao redor do país é um dos principais problemas para a

identificação de uma política nacional de cultura igualitária, com o reconhecido

favorecimento da região sudeste do país, o programa Pontos de Cultura destaca-se como um

avanço, apesar de sua baixa abrangência, do baixo recurso disponível e do pouco tempo de

vigência, em comparação com outros programas.

Com relação à realização dos Pontos de Cultura, em uma primeira avaliação, com base

nos dados do IPEA, observa-se um grande avanço, sobretudo pelo fato da região Nordeste

17 Os recursos destinados a ações culturais são descritos no Orçamento da União na “função de cultura”, de acordo com a lei nº 4.320/64 e atualizada pela portaria nº 42 de abril de 1999, sendo que os pontos de cultura, dentro do programa Cultura Viva, vinculado ao MinC, são financiados pelos recursos destinados à “subfunção difusão cultural”.

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apresentar a mesma quantidade de projetos e ações contempladas que o Sudeste, como pode

ser observado no gráfico a seguir.

Gráfico IV – Pontos de Cultura conveniados 2004-2005, por região

Fonte: Siafi/Sidor/ Ipea/Minc. (In: SILVA. Financiamento Cultural, 2004).

Segundo o MinC (2010), o proponente deve oferecer contrapartida envolvendo no

mínimo 20% dos recursos, sendo que sua aplicação é feita conforme as necessidades do

projeto. Entretanto, conforme mencionado anteriormente, a aplicação deve seguir algumas

regras que definem o uso de 75% dos recursos para a realização de oficinas de criação e

formação cultural, ou ainda investimento em obras e equipamentos necessários para a garantia

e melhora da intervenção cultural local, os outros 15% dos recursos deve ser para pagamento

de atividades “rotineiras” e os 10% restantes dos recursos devem ser gastos na compra do Kit

Multimídia.

Essa distribuição de valores traz importantes impactos para a forma como os Pontos

articularão suas ações e atuarão em economias locais, conforme demonstrado a seguir.

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5.1. Desenvolvimento local e economia solidária

Os Pontos de Cultura podem ainda ser entendidos por sua função econômica, sendo

grande fator para o desenvolvimento local de pequenos municípios, pois movimentam

recursos de forma descentralizada, através de atividades que promovem o desenvolvimento

cultural, podendo ser entendidos por diversas vertentes, como o próprio desenvolvimento

local, a economia solidária, e mesmo o recente conceito de Economia Criativa (Creative

Economy), surgido para ressaltar novas e alternativas formas de geração de trabalho e renda,

este porém mais inserido na lógica de mercado.

Tal qual Oliveira (Aproximações ao enigma: o que quer dizer desenvolvimento local?,

2001), Hirschman (Auto-subversão – Teorias consagradas em cheque, 1996) e outros,

Furtado (Desenvolvimento e subdesenvolvimento, 1974) afirma que o desenvolvimento não

depende apenas do crescimento econômico, mas também depende fundamentalmente dos

processos sociais envolvidos. Também segundo Furtado, não é possível estabelecer um

modelo “ideal”, único e replicável de desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento

econômico por ele analisado depende intrinsecamente da dimensão histórica em que se

estabelece. Nesse sentido, destaca-se o papel dos Pontos de Cultura enquanto financiadores de

diversas potencialidades locais, que, por serem representadas em projetos culturais, dispõem

de toda a multidisciplinaridade do tema, e de redes sociais que as viabilizam.

Segundo Oliveira (2001), o termo desenvolvimento local foi tido há muito tempo

como sinônimo de desenvolvimento econômico, sendo substituído mais recentemente pelo

discurso dominante, o crescimento. Porém, tem havido grande esforço por parte da ONU para

recuperar toda a carga semântica que envolve o conceito, e aproximá-lo da noção de

desenvolvimento humano, dando destaque para sua composição qualitativa de bem-estar e

qualidade de vida. Para o autor, é preciso ancorar o conceito desenvolvido pela ONU na

cidadania, pois sem ela o desenvolvimento local seria apenas um sinônimo de acumulação de

bem-estar e qualidade de vida em seus aspectos mais restritos.

Esta perspectiva afasta a falsa noção que tem sido atribuída ao desenvolvimento local

como instrumento de apaziguamento da sociedade, capaz de eliminar todas as mazelas e

conflitos e de transformar a comunidade num ambiente absolutamente harmônico. Ao

contrário, o desenvolvimento local opera dentro do conflito e seu desafio é dar conta dos

diversos interesses e complexidades que incidem sobre a sociedade. Essas características

podem ser observadas em toda a disputa política que cercou e ainda cerca a política dos

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pontos de cultura, sua aceitação e continuidade na agenda governamental. O conflito gerado

pelos diversos atores excluídos da política nacional de financiamento, conforme exposto,

levou à necessidade de um modelo que permitisse abarcar toda a complexidade e abrangência

necessárias para uma efetiva política cultural.

O motivo pelo qual o desenvolvimento opera dentro do conflito, segundo Hirschman

(1996), é que o mesmo vê o desenvolvimento local como um movimento anti-hegemônico, no

qual as ações desse tipo de desenvolvimento, como os Pontos de Cultura, buscam alterar as

relações econômicas estabelecidas em âmbito local, para que deixem de favorecer “grandes

corporações” e passem a trabalhar as potencialidades locais, através de um movimento

endógeno.

Um dos expoentes desse movimento endógeno é a economia solidária, que busca a

superação do modelo econômico prevalecente, através de um compromisso social

envolvendo, de acordo com Singer (Economia solidária: um modo de produção e

distribuição, 2000), a solidariedade entre os envolvidos, a sustentabilidade dos recursos

utilizados para o desenvolvimento, atenção à dignidade humana e qualidade de vida, como

fatores fundamentais para qualquer ação de desenvolvimento, e a construção coletiva das

decisões tomadas.

Todos estes valores estão intrinsecamente ligados aos objetivos do programa Cultura

Viva, e mais precisamente aos Pontos de Cultura, maior expoente deste programa. Pela

perspectiva da organização do programa, a Teia dos Pontos de Cultura, a ser detalhada

posteriormente, é fundamental para que os atores não apenas se comuniquem, mas troquem

experiências e informações de forma solidária, construindo coletivamente a política cultural

brasileira, por meio de diversos encontros e fóruns, presenciais ou virtuais (MINC, 2010).

Já pela perspectiva econômica, a geração de renda através de projetos culturais

descentralizados, mas reunidos por meio desta Teia, parece criar uma curiosa esfera de

cooperativismo extra-oficial para os Pontos, que apesar de serem estruturalmente

independentes, podem trocar informações e articular suas ações para objetivos comuns: o

desenvolvimento da cultura em âmbito local.

A partir de diversas experiências de desenvolvimento local, por sua vez, França, Vaz e

Prado (Aspectos econômicos das experiências de desenvolvimento local, 2002) observam

elementos que possuem grande importância no processo de iniciativas de desenvolvimento

local: “o protagonismo local, a articulação entre organização e conhecimento, o fomento ao

empreendedorismo integrado a redes e cadeias produtivas, a criação de novos espaços

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públicos de decisão e gestão, a mudança de cultura política, entre outros fatores”.

(FRANÇA, VAZ, PRADO, 2002:8). Nesse sentido, atua a rede formada pelos Pontos de

Cultura.

5.2. Teia cultural, participação e controle social

A Teia, reunião dos diversos Pontos de Cultura em encontros periódicos e fóruns na

internet, leva esse nome exatamente por ser um emaranhado de redes sobrepostas, cruzadas,

envolvendo os mais diferentes tipos de comunicação e objetivos, pois, de acordo com uma

representante do Ministério da Cultura, existem desde redes entre Pontos que trocaram

informações de cunho administrativo, no intuito de se adaptar à prestação de contas, até redes

de atores que se organizam para apresentações e troca de experiências, divulgação de eventos,

discussões, fóruns e difusão do conhecimento gerado por meio das atividades de cada Ponto.

É o caso da Teia 2010, que acontece no Ceará e marca o encontro de representantes de

Pontos de Cultura de todo o país, contando ainda com a realização do Fórum de Cultura,

oficinas e apresentações culturais e acadêmicas (sobre os Pontos). Vale destacar, os editais

para seleção de Pontos já prevêem encontros desta natureza, destinando recursos para o

deslocamento de representantes, chamados delegados, dentro dos recursos repassados aos

Pontos.

O objetivo é estabelecer a comunicação entre os Pontos e a sociedade civil, para

maximizar e propagar a produção dos saberes, garantindo o acesso à informação independente

do Estado.

Por meio do uso de softwares livres e do conceito de inclusão digital, a Teia é uma

experiência que gera um banco de informações sobre a ação dos Pontos e garante a

comunicação entre eles, permitindo também o acompanhamento da sociedade sobre as

atividades existentes em cada um dos Pontos. É possível, ainda, a visualização do mapa da

“rede”, ou seja, a visualização dos Pontos por meio de georeferenciamento. Esse projeto foi

realizado por um Ponto de Cultura, o “Pontão de sistematização de dados”, do Instituto de

Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos (IPSO)18, e disponibiliza, além do

18 O IPSO, dentre outros projetos, faz parte da rede nacional do programa Cultura Viva, sendo sede do Ponto de Cultura Vila Buarque, e do Pontão de sistematização de dados, por convênio com o Ministério da Cultura. Desenvolve trabalho com cineclubismo, rádios comunitárias e cultura digital. Disponível em: <http://www.ipso.org.br/>, acessado em 27 fev. 2010.

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georeferenciamento, informações quantitativas sobre os pontos de cultura nacionais. Estas

informações referem-se ao número total de pontos de cultura, número total de habitantes de

cada região, a relação entre estes dados, e as variações destas combinações e regiões do país.

Mapa I - Número total de Pontos segundo Mapas da Rede

Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.

Mapa II - Pontos por município

Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.

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Mapa III - Pontos por habitantes

Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27/02/2010.

Mapa IV - Destaque para Pontos de Cultura em Minas Gerais

Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa/>, acessado em 27 fev. 2010.

Pelo mapa, observa-se a concentração de Pontos de Cultura, Pontos de Cultura por

municípios e Pontos de Cultura por habitantes de cada estado do país, dando destaque (em

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tonalidade mais escura) para os estados com maior concentração. Observa-se ainda que

existem Pontos de Cultura fora do Brasil, demonstrando que a política busca

internacionalizar-se pelo Mercosul, através de comunidades de brasileiros residentes no

exterior (Argentina, Colômbia, Bolívia e Venezuela). Existe proposta em projeto de lei para o

estabelecimento de um plano de cultura integrado com o Mercosul, mas ainda não há

deliberações sobre isto.19

5.3. Pontos de Cultura em números

De acordo com o portal do MinC, há, até a conclusão deste trabalho, mais de 2.500

Pontos de Cultura no país, ou seja, um número relativamente pequeno, mas que se amplia a

cada momento. Desde o lançamento do edital nacional realizado pelo MinC, foram

anunciados novos editais para seleção de Pontos de Cultura, e a grande maioria dos Estados já

conta com editais próprios para a implementação de Pontos de Cultura, sendo que, a cada

momento, surgem notícias de novos convênios e editais, de âmbito nacional, estadual ou

municipal, para Pontos diversos ou linhas específicas, como Pontos de Cultura indígena,

Pontinhos de Cultura, direcionados para o público-alvo infantil, Pontões de Cultura, atuando

como observatórios de Pontos, entre outras modalidades (MINC, 2010). Dessa forma, os

Pontos de Cultura, carro-chefe do programa Cultura Viva, mesmo sendo um programa

recente, ampliam suas ações por território nacional de maneira exponencial.

A partir dos dados disponíveis nos Mapas da Rede, baseados nos primeiros editais do

programa, foi possível determinar quantos Pontos de Cultura estão alocados em cada região

do país. Esses números já não refletem os números reais de Pontos, aumentados por editais

19 De acordo com o Ministério da Cultura (MINC, 2010) é “parte integrante da política externa traçada pela

Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores, fundada na cooperação internacional e na afirmação do País como Nação soberana, o Cultura Viva planeja localizar Pontos de Cultura nas comunidades de brasileiros residentes no exterior, nos Países do Mercosul e na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (Portugal, África e Ásia). Cada Ponto receberá 30 mil dólares/ano, que serão captados junto a empresas, organismos multilaterais e governos amigos. Esses Pontos, conectados aos Pontos do território brasileiro, formarão uma rede internacional de produção compartilhada e de troca de produtos simbólicos, fortalecendo a relação sul-sul, horizontalizando a relação sul-norte e colaborando com a construção de uma corrente solidária e contra-hegemônica.”

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48

recentemente lançados. Entretanto, por se tratar de uma fonte única, os dados servem de base

de comparação para analisar a desconcentração de Pontos selecionados.

Tabela III - Pontos de Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede

Grandes Regiões e

Unidades da Federação

Número de Pontos de Cultura

Pontos por milhão de

habitantes (%) Municípios

Pontos por município

População em 2009

Participação percentual dos

pontos(%)

Brasil 1856 10565 326.697.636 100,0

Norte 98 449 12.900.704 5,3

Rondônia 5 3,62 52 0,1 1.379.787 0,3

Acre 14 25,11 22 0,64 557.526 0,8

Amazonas 6 2,13 62 0,1 2.812.557 0,3

Roraima 18 55,49 15 1,2 324.397 1,0

Pará 20 3,23 143 0,14 6.192.307 1,1

Amapá 5 10,48 16 0,31 477.032 0,3

Tocantins 30 25,93 139 0,22 1.157.098 1,6

Nordeste 395 1787 47.741.711 21,3

Maranhão 19 3,36 217 0,09 5.651.475 1,0

Piauí 33 11,61 221 0,15 2.843.278 1,8

Ceará 139 18,71 184 0,76 7.430.661 7,5

Rio Grande do Norte 15 5,4 166 0,09 2.776.782 0,8

Paraíba 22 6,39 223 0,1 3.443.825 1,2

Pernambuco 48 6,06 185 0,26 7.918.344 2,6

Alagoas 43 15,23 101 0,43 2.822.621 2,3

Sergipe 6 3,36 75 0,08 1.784.475 0,3

Bahia 70 5,36 415 0,17 13.070.250 3,8

Sudeste 324 1666 72.412.411 17,5

Minas Gerais 74 4,14 853 0,09 17.891.494 4,0

Espírito Santo 8 2,58 77 0,1 3.097.232 0,4

Rio de Janeiro 71 4,93 91 0,78 14.391.282 3,8

São Paulo 171 4,62 645 0,27 37.032.403 9,2

Sul 98 1159 25.107.616 5,3

Paraná 36 3,76 399 0,09 9.563.458 1,9

Santa Catarina 19 3,55 293 0,06 5.356.360 1,0

Rio Grande do Sul 43 4,22 467 0,09 10.187.798 2,3

Centro-Oeste 62 446 11.636.728 3,3

Mato Grosso do Sul 13 6,26 77 0,17 2.078.001 0,7

Mato Grosso 15 5,99 126 0,12 2.504.353 0,8

Goiás 16 3,2 242 0,07 5.003.228 0,9

Distrito Federal 18 8,78 1 18 2.051.146 1,0

Fonte IPSO - Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos • Ministério da Cultura - Secretaria de Programas e Projetos Culturais. Disponível em: <http://www.mapasdarede.org.br/mapa>. Acesso em: 2009

A partir destes dados foram elaborados dosi gráficos, que representam a proporção de Pontos

de Cultura em cada região do país.

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49

Gráfico V – Pontos de Cultura por região do país, segundo os Mapas da Rede

Pontos de cultura por região do país

10%

41%33%

10%6%

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Gráfico próprio, produzido a partir de dados dos Mapas da Rede do IPSO, Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, 2009.

Gráfico VI – Pontos de Cultura por municípios de cada região do país, segundo os Mapas da Rede

Pontos de cultura por municípios de cada região

8%

28%

42%

15%

7%

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Gráfico próprio, produzido a partir de dados dos Mapas da rede do IPSO, Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, 2009.

Os dados dos Pontos de Cultura nacionais revelam que, ao menos comparativamente, é

possível amenizar as disparidades regionais do financiamento em cultura, pois, apesar de a

região sudeste ainda ter grande destaque, o maior número de pontos de cultura encontra-se na

região nordeste, sendo que, na relação entre Pontos de Cultura por número de habitantes e

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Pontos de Cultura por município, há grande destaque para a região norte, pois sua menor

população, e menor número de municípios, ampliam o número de Pontos de Cultura

disponíveis.

De qualquer forma, o número de Pontos existentes ainda é baixo, dado que a relação é

feita por milhões de habitantes. Grande parte dos estados com maiores populações, como São

Paulo, Minas Gerais e Ceará, contam também com o maior número de Pontos, mas ainda

assim são números pequenos.

No caso de São Paulo, um Estado com 645 municípios, o programa atendia até 2009

mais de 170 Pontos de Cultura, somando-se a um segundo edital lançado em 2009,

selecionando mais 300 Pontos (SÃO PAULO, 2010), mas outros estados, como o do Paraná,

com 399 municípios e população de cerca de 10 milhões, possui apenas 36 Pontos localizados

em Curitiba.

PARTE III – COMPARAÇÃO ENTRE PONTOS DE CULTURA DE TRÊS ESTADOS

Após o exposto, pode-se afirmar que o programa Pontos de Cultura busca reverter

grande parte dos entraves das políticas culturais, principalmente dificuldades com relação à

abrangência nacional e descentralização das ações culturais. Mediante sua recente criação e

inovação na forma de articulação do financiamento público, destaca-se a dúvida acerca da

efetividade do programa em avançar enquanto forma de financiamento para um efetivo plano

nacional de cultura, abrangente e descentralizado. A fim de esclarecer esta dúvida, buscou-se

comparar a formulação da política, os editais lançados e a implementação de Pontos de

Cultura em três estados de diferentes regiões do país.

6. Metodologia

Para esclarecer as dúvidas levantadas, foram realizadas duas etapas iniciais de

recolhimento de dados, em bases digitais e acervos bibliográficos, cujos resultados foram

apresentados anteriormente. A primeira etapa caracterizou o campo da política cultural, seu

desenvolvimento histórico e a situação atual, atendendo ao objetivo do trabalho de “entender

a dinâmica da política cultural brasileira e as razões do surgimento de um novo modelo de

financiamento”. Na segunda etapa, foram levantados dados gerais do programa Pontos de

Cultura, para entender quais as características deste novo modelo de financiamento.

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51

A partir de então, foi desenvolvida a terceira etapa: uma pesquisa de campo que

analisa a forma como o programa Pontos de Cultura foi implementado em estados de três

diferentes regiões do país. A pesquisa buscou constatar, ainda, se houve de fato

descentralização dos recursos destinados à política cultural, objetivos específicos deste

trabalho. Esta pesquisa de campo contou com questionários qualitativos semiestruturados

enviados para gestores estaduais e representantes dos Pontos de Cultura.

Através da comparação e análise dos dados coletados, foi possível elaborar a quarta

etapa da pesquisa, as considerações finais com relação à implementação do programa.

Os procedimentos para a realização de cada uma destas etapas será melhor detalhado a

seguir.

6.1. Levantamento inicial de dados

Para o desenvolvimento do estudo e o alcance dos objetivos propostos foram

realizados, na primeira e segunda etapa, levantamentos biliográficos, conforme mencionado.

A fim de complementar estas informações iniciais, foram realizadas entrevistas

semiestruturadas que caracterizassem a política cultural brasileira e a formulação e

implementação do programa Pontos de Cultura. Estas entrevistas foram utilizadas, juntamente

com o levantamento bibliográfico, para a constituição do arcabouço teórico e definição dos

objetivos do presente trabalho. As entrevistas foram realizadas com gestores públicos e

especialistas em políticas públicas de cultura, a saber:

• Entrevista com Bárbara Rodarte, coordenadora do Pontos de Cultura pela

Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, realizada em 06/11/2009 na

Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo);

• Entrevista com Carla Carusi Dozzi, coordenadora do Pontos de Cultura pelo

Ministério da Cultura, realizada em 27/11/2009 no Ministério da Cultura,

Representação Regional de São Paulo (São Paulo);

• Entrevista com Cristiane Garcia Olivieri, autora do livro “Cultura neoliberal:

leis de incentivo como políticas públicas de cultura”, realizada em 13/10/2009

em escritório (São Paulo).

Com o arcabouço teórico formado, foi possível estabelecer um quadro geral do

financiamento da política cultural brasileira e esclarecer o programa Pontos de Cultura de

forma geral.

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Buscou-se, então, analisar mais profundamente a implementação do programa em

Estados de três diferentes regiões do país, através de questionários semiestruturados com

gestores e organizações sociais envolvidas diretamente com o programa. Para esta etap,a foi

necessário determinar a metodologia utilizada pela pesquisa de campo, detalhada a seguir.

6.2. Metodologia da pesquisa de campo

Para abordar a efetividade do programa enquanto forma de financiamento abrangente

e descentralizado, foco da terceira etapa do trabalho, buscou-se inicialmente utilizar dados

gerais sobre o financiamento da política de cultura, dados por quantidade de Pontos de

Cultura estaduais e financiamento destinado a estes, para obter um panorama nacional do

programa. Entretanto, houve dificuldades em obter dados específicos sobre o financiamento

dos Pontos de Cultura, uma vez que os relatórios de execução orçamentária disponibilizados

pela Secretaria do Tesouro Nacional indicam os recursos utilizados de acordo com a divisão

entre funções e sub-funções, sem especificar os gastos em nível de planos, programas e

projetos, dentre os quais se encontram os recursos específicos do programa Pontos de Cultura

(TCU, 2007). Dessa forma, a falta de especificidade dos dados inviabilizou seu uso de forma

comparativa. Todavia, estes dados levantados demonstram claro aumento dos recursos

destinados à sub-função de difusão cultural, na qual se encontram os pontos de cultura, como

pode ser observado no ANEXO I.

Estes dados demonstram salto de valores entre o ano de 2003 e 2005, com grande

destaque para a região norte, que teve o maior crescimento de investimento em cultura por

parte de seus estados. Por outro lado, os estados das demais regiões mantiveram-se com

valores constantes ao longo do período analisado, em sua maioria duplicando em 2005 o valor

investido em cultura no ano de 2003. Entre 2005 e 2008, período de formulação e

implementação do programa Cultura Viva, por sua vez, os valores mantêm-se em crescimento

contínuo, porém baixo, apontando para um equilíbrio ascendente dos gastos nestes anos.

A partir da limitação de detalhamento dos dados, optou-se por restringir a pesquisa por

meio da escolha de três Estados, que seriam analisados mais profundamente. A escolha dos

estados deu-se, então, a partir da combinação dos dados dos Mapas da Rede sobre a

quantidade de Pontos de Cultura existentes no país, e da relação entre o número de pontos de

cultura e a população de cada Estado. Estes dados estão disponíveis na Tabela III – Pontos de

Cultura por Estado, de acordo com Mapas da Rede, e seu conteúdo está representado nos

gráficos V e VI, apresentados no item 5.3 – Pontos de Cultura em números.

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De acordo com os dados dos Mapas da Rede, alguns estados se destacaram como

muito superiores aos outros em relação ao número de Pontos de Cultura existentes. Para

definir quais os três Estados a serem analisados, foi assumido então o critério de

“relevância”20, com base nos dados dos Mapas da Rede, que partem de base única e

comparável. Além da relevância, buscou-se analisar um estado de cada região brasileira, e

equilibrar os critérios dentro da expectativa de encontrar diferenças ao analisar a

implementação do mesmo programa em diferentes regiões.

A Tabela III mostra que Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo destacam-se

pelo número total de Pontos de Cultura, mas isso não se reflete quando os dados são

confrontados com o número de habitantes (Pontos per capita), ou a quantidade de Pontos de

Cultura por município (Pontos por “território”). Usando apenas o critério de Pontos per

capita, os estados seriam Ceará, Tocantins e Acre, todos da região norte, sendo que o

Tocantins e o Acre aparecem por terem menos habitantes, pois são poucos os Pontos de

Cultura, 14 e 30, respectivamente. Usando apenas o critério de Pontos por município, os

estados seriam Ceará, Roraima e Rio de Janeiro. Usando o critério de mais Pontos no país, os

estados seriam São Paulo, Ceará e Minas Gerais.

A partir dos dados e da possibilidade de combinação entre diferentes regiões do país,

buscou-se analisar o estado com maior número relativo de Pontos de Cultura de cada região

do país. Entretanto, houve dificuldades em obter dados dos estados das regiões norte e sul. Os

estados do Acre, Roraima e Tocantins foram contatados para a obtenção de informações, mas

não houve resposta de nenhum deles. Os estados com maior número de Pontos da região sul,

Rio Grande do Sul e Santa Catarina, igualmente foram contatados para a obtenção de

informações, mas o fato de os Pontos de Cultura existentes serem vinculados aos municípios e

não aos estados inviabilizou a comparação pretendida pela pesquisa. Os estados do centro-

oeste do país, por sua vez, apresentam números muito inferiores, o que também dificultaria a

comparação entre os estados brasileiros.

Optou-se, finalmente, pelo estado com maior número de Pontos de Cultura das regiões

nordeste e sudeste do país, e o estado da região norte que respondeu ao contato, a saber:

20 Entende-se por critério de relevância a escolha de estados que se destacam dos demais por possuírem dados muito superiores Em relação ao número de Pontos de Cultura por município, e número de Pontos de Cultura por munícipe.

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• Amapá (Região Norte): segundo estado da região norte com maior número de

Pontos de Cultura por município. Dado que o estado conta com baixo número

populacional e poucos municípios em relação aos demais estados, ressalta-se a

importância de analisar as políticas de financiamento de expressões culturais,

para caracterizar se há, de fato, descentralização;

• Ceará (Região Nordeste): único estado que se destaca nos três pontos: grande

quantidade de Pontos de Cultura, grande quantidade de Pontos per capita e

grande quantidade de Pontos por município, além de haverem notícias sobre

um segundo edital a ser publicado. O número total de Pontos de Cultura é o

segundo maior do país;

• São Paulo (Região Sudeste): o estado, além do grande número de Pontos de

Cultura existentes, sendo o estado com o maior número de Pontos de Cultura

do país, também foi selecionado pela facilidade de obtenção de dados.

A partir da determinação dos estados a serem analisados, representantes das

respectivas secretarias de cultura foram contatados, para que respondessem a questionários

semiestruturados que detalham as características da implementação da política em cada estado

(vide ANEXO III).

Para obter um segundo ponto de vista sobre a implementação do programa, foram

enviados questionários semiestruturados para representantes da sociedade civil de cada estado

(vide ANEXO IV), escolhidos através de seu destaque nas redes de Pontos de Cultura

estaduais. As entrevistas realizadas foram, portanto:

Secretarias estaduais:

• Entrevista com Bárbara Rodarte, coordenadora do Pontos de Cultura pela

Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, realizada em 22/03/2010 na

Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo). Uma vez que

Bárbara já havia sido entrevistada anteriormente para o levantamento inicial de

dados sobre o programa, algumas perguntas foram resumidas ou suprimidas.

Devido ainda à facilidade de obtenção de dados, esta foi a única entrevista

presencial realizada, dado que não foi possível realizar as viagens necessárias

para realizar as demais entrevistas presencialmente. Nos demais casos, o

questionário foi enviado por e-mail e devolvido com as devidas respostas.

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• Os representantes das secretarias de cultura dos estados do Amapá e Ceará

foram contatados inúmeras vezes, via e-mail e telefone, e ambos

comprometeram-se em responder ao questionário enviado. Entretanto, ao

término do prazo de entrega dete trabalho nenhuma resposta foi obtida. A fim

de complementar a visão das secretarias buscou-se, além da análise dos editais,

informações oficiais acerca do programa Pontos de Cultura, em páginas e

notícias da internet. Neste ponto, houve ainda mais uma complicação, pois a

secretaria de cultura do estado do Amapá não tem website exclusivo, o que

dificulta a obtenção de informes e notícias oficiais e periódicas.

Representantes da sociedade civil:

• Entrevista com Malu de Alencar, responsável pelo Pontão de Cultura “Navegar

Amazônia – um Ponto de Cultura Flutuante”, que executa suas ações no estado

do Amapá. O questionário foi enviado por e-mail em 28/04/2010 e devolvido

em 03/05/2010 (Amapá).

• Entrevista com Maria Bernadette Arantes Nogueira Franceschini, representante

do Pontão de Cultura “Arte e vida dos povos indígenas do Amapá e norte do

Pará”, do Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena - IEPÉ.

Apesar de este não ser um Ponto de Cultura estadual, foco da metodologia

deste trabalho, a falta de respostas dos representantes oficiais, e baixo número

de Pontos de Cultura do estado do Amapá, em contraste com a importância das

ações desenvolvidas pelo Pontão, fizeram com que esta entrevista fosse

fundamental para o entendimento do programa na região norte do país. O

questionário foi enviado por e-mail em 27/04/2010 e devolvido em 10/05/2010

(Amapá).

• Entrevista com Marcos Antônio Monte Rocha, presidente da organização

social Fábrica de Imagens e representante dos Pontos de Cultura cearenses. O

questionário foi enviado por e-mail em 19/04/2010 e devolvido em 05/05/2010

(Ceará).

• Entrevista com Robson Sampaio, que atua diretamente com os Pontos de

Cultura Mocambos (Casa de Cultura Taina) e Nos Caminhos de São Paulo

(Urucungos). Foi representante de São Paulo na Comissão Nacional de Pontos

de Cultura, representante da macroregião de Campinas na Comissão Paulista

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de Pontos de Cultura, ajudou durante a organização da Teia Brasil (2010) e

atua como moderador da lista de discussão dos Pontos de Cultura paulista. O

questionário foi enviado por e-mail em 12/03/2010 e devolvido em 13/04/2010

(São Paulo).

6.3. Considerações acerca dos dados levantados

A partir dos dados levantados e entrevistas realizadas, foi possível analisar a

implementação do programa Pontos de Cultura em cada um dos três estados.

Essa análise deu-se através da metodologia de análise de conteúdo categorial

(BAUER, 2008). Esta metodologia permite o agrupamento de percepções em diferentes

temas, chamados categorias, para obtenção de uma análise mais clara. As categorias obtidas

através da leitura dos questionários e consideradas para a análise foram: relação entre

diferentes entes; procedimentos de aprovação de projeto; dificuldades encontradas pelos

Pontos; prestação de contas; (a comissão estadual e) a Rede de Pontos; sustentabilidade dos

Pontos de Cultura; continuidade dos Pontos de Cultura; e depoimentos sobre o programa.

Além destas, as particularidades de cada estado, de acordo com a relevância percebida nos

questionários, foram consideradas como categorias, quando assim necessário. Após o

agrupamento das entrevistas nestas categorias, foi realizada sua análise. O conteúdo destes

agrupamentos, bem com sua análise, são descritas nos próximos tópicos do trabalho.

Vale destacar que a amplitude do programa permite uma possibilidade de análises tão

ampla quanto sua diversidade. A metodologia escolhida para esta pesquisa, a comparação

entre Pontos de Cultura de estados de diferentes regiões do país, não tem a pretensão de fazer

uma análise complexa e minuciosa sobre o tema, que por sua abrangência e diversidade

demandaria anos de pesquisas mais aprofundadas. A avaliação dos resultados obtidos e

continuidade da (possivelmente futura) política como uma política de estado foram apenas

especulados através da metodologia definida, pois a recente criação do programa não permite

aprofundar tais análises com dados reais21. Entretanto, a análise dos resultados obtidos e

continuidade da política são temas cruciais para analisar se os Pontos de Cultura constituem

uma política pública efetiva, eficiente e eficaz, segundo definição de Januzzi (Indicadores

sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e aplicações, 2006).

21 Mesmo os dados de recursos investidos e resultados já obtidos pelos primeiros Pontos de Cultura existentes são de difícil acesso, pois há uma distância temporal entre a produção de registros públicos e sua compilação e disponibilização como dados públicos para a sociedade como um todo.

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A metodologia escolhida, dessa forma, é suficiente para o que se propõe: analisar a

formulação e implementação do programa Pontos de Cultura, de forma geral, e em três

estados de diferentes regiões do país, de forma mais específica.

7. Analisando os três estados

A metodologia descrita, conforme mencionado, indicou como mais apropriada a

escolha dos estados do Amapá, do Ceará e de São Paulo, para analisar a implementação do

programa Pontos de Cultura em diferentes regiões do país. As informações obtidas de cada

estado foram então analisadas separadamente, e os resultados são demonstrados a seguir.

Após a análise da implementação em cada um dos estados, foi possível, a partir de seus

resultados, analisar comparativamente os três estados e traçar as considerações acerca da

implementação do programa em âmbito federal.

7.1. Pontos de Cultura amapaenses

O estado do Amapá, localizado no extremo norte do país, é fortemente marcado pela

cultura de sua região, e, portanto, permite a articulação de Pontos de Cultura específicos,

selecionados através de editais para Pontos de Cultura amazônica e Pontos de Cultura

indígena. A região amazônica, por sua vez, é alvo de ações de organizações da sociedade civil

de diversos estados e mesmo países.

Somando-se aos primeiros Pontos de Cultura conveniados diretamente com o MinC

em 2005, foi lançado em 2008 o edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da

presente pesquisa. Este edital visava realizar o conveniamento de 15 Pontos de Cultura

distribuídos no território do estado, sendo o trabalho realizado pelo MinC e pela Secretaria

Estadual de Cultura (SeCult-AP), cuja articulação foi viabilizada por meio do Convênio nº

446/2007, de 31 de dezembro de 2007, publicado no Diário Oficial da União de 16 de Abril

de 200822.

Apesar das inúmeras tentativas de contato, uma vez que não foram obtidas respostas

da SeCult-AP e são poucos os Pontos de Cultura selecionados por este edital, em comparação

ao número de Pontos de Cultura de outros estados, optou-se por entrevistar a Representante

do Pontão de Cultura “Arte e vida dos povos indígenas do Amapá e norte do Pará”, que atua

22 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital para seleção de Pontos de

Cultura no estado e pode ser consultado através do site do MinC (MinC, 2010).

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na região amazônica. Isto em função de sua importância para a região, tanto pelo trabalho

desenvolvido com povos indígenas, quanto pelo fato de muitas organizações não-

governamentais atuantes na região terem sua sede em outros estados ou países. Apesar deste

Pontão não ser conveniado com a SeCult-AP e sim conveniado diretamente com o MinC e

com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), traz importantes

considerações acerca da implementação da política de Pontos de Cultura no estado.

7.1.1. Relação entre diferentes entes

De acordo com o edital de seleção de Pontos de Cultura do Amapá, o financiamento é

provido pelo Convênio entre SeCult-Ap e MinC, sendo que a supervisão administrativa dos

projetos conveniados cabe à SeCult-AP; o acompanhamento do desenvolvimento das

atividades, por sua vez, cabe às coordenadorias de Desenvolvimento Cultural, Ação e Difusão

Cultural, Preservação do Patrimônio Histórico e Preservação da Memória Material e Imaterial

da SeCult-AP, e finalmente visitas técnicas e auditorias poderão ser realizadas a qualquer

momento por representantes da SeCult-AP e do MinC.

Conforme mencionado anteriormente, um dos Pontos de Cultura entrevistados

relaciona-se com o IPHAN e não com a Secult-AP. Entretanto, sua relação com este órgão

não foge ao padrão encontrado em outros editais de Pontos de Cultura, segundo a

Representante do Pontão de Cultura da Região Amazônica (REPAM), cabendo à instituição

governamental o financiamento e a fiscalização das ações, executadas pela entidade de acordo

com o projeto de Ponto de Cultura apresentado.

A representante dos Pontos de Cultura do Estado do Amapá (REPAP) reforça esta

característica, ao afirmar que os Pontos de Cultura dependem basicamente de recursos

públicos para executar suas ações, sendo esta a maior relação entre os entes.

Para a REPAP, entretanto, falta entrosamento entre os departamentos do MinC e

SeCult-AP, posto que o primeiro é responsável pela aprovação dos projetos e o segundo é o

responsável pela fiscalização geral dos projetos, mas estes executam suas ações de forma

independente, gerando retrabalho e desencontro de informações.

7.1.2. Procedimentos de aprovação de projeto

O edital de seleção aponta que os procedimentos para a aprovação dos projetos

apresentados baseiam-se em três etapas: a análise de documentos, realizada por uma equipe

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técnica da SeCult-AP; a avaliação técnica do projeto, realizada por uma comissão de

representantes da SeCult-AP e especialistas da Sociedade Civil reconhecidamente

competentes; e a análise de méritos, composta por uma comissão tripartite, com dois

membros do MinC, dois membros da SeCult-AP e dois membros da instituições culturais

atuantes no estado.

A respeito da análise de documentos, além da exigência de comprovação da atuação

em produção cultural no estado há pelo menos dois anos, as entidades devem comprovar no

mínimo um ano de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

A avaliação técnica do projeto, por sua vez, baseia-se em critérios de atendimento à

filosofia do programa e acesso à produção de bens culturais, bem como viabilidade técnica e

coerência das ações, dentre outros critérios. Já a análise de méritos baseia-se na pontuação

obtida pelos projetos em cada etapa anterior, mas considera a distribuição territorial dos

projetos aprovados. Isto porque os projetos são aprovados, de acordo com o edital, a partir da

divisão territorial realizada conforme levantamento populacional de cada município,

apresentado na tabela a seguir:

Tabela IV – Pontos de Cultura por território amapaense

NÚMERO DE TERRITÓRIOS DE IDENTIDADE PONTOS DE CULTURA

Oiapoque / Calçoene 01

Amapá/ Pracuúba/ Tartarugalzinho 01

Ferreira Gomes/ Porto Grande/ Serra do Navio/ Pedra Branca do Amapari/ Cutias/ Itaubal do Piririm

02

Laranjal do Jarí/ Vitória do Jarí/ Mazagão 03

Santana 02

Macapá 06

Fonte: Edital de Seleção de Pontos de Cultura do Amapá lançado em 2008 (AMAPÁ, 2010).

Apesar de estes dados estarem claros no edital, a falta de informações oficiais sobre os

projetos aprovados não permite afirmar que esta descentralização foi efetivamente

conquistada.

Segundo a REPAM, além da capacidade técnica da entidade para desenvolver as ações

propostas no projeto, a reconhecida competência da entidade em realizar ações para a

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valorização da cultura Wajãpi (indígena) foi fundamental para a aprovação do projeto. Já para

a REPAP, a explicitação da viabilidade técnica do projeto, com objetivos claros e descrição

detalhada de atividades e custos é fundamental para atender aos critérios exigidos pelo edital.

7.1.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos

A exigência de comprovação de endereço fixo no estado, bem como inscrição de

CNPJ, conforme apontado pela REPAM, prejudica a submissão de muitos projetos,

principalmente de entidades indígenas, que por viverem em aldeias, possuem costumes e

exigências sociais diferentes, não havendo razão para possuírem tais documentações. Para

muitos representantes, a obtenção destes documentos chega a ser uma subversão de sua

cultura, demonstrando uma limitação do alcance da política, que busca ser abrangente.

Segundo a REPAP, após o projeto de Ponto de Cultura ser aprovado, a maior

dificuldade encontrada pelas entidades é viabilizar as ações propostas, principalmente porque

não são permitidas alterações do plano de trabalho proposto, a menos que sejam aprovadas

pela SeCult-AP.

Um agravante desta situação, para a REPAP, é o desconhecimento acerca da realidade

da região amazônica, fazendo com que tanto as organizações proponentes quanto os órgãos

governamentais cometam erros na seleção dos projetos, aprovando projetos com baixa

viabilidade técnica efetiva, que não conseguirão realizar suas ações conforme pretendido. Isto

porque, segundo a REPAP, a região amazônica traz uma dificuldade a mais para os Pontos de

Cultura, dadas as baixas condições de comunicação e poucas vias de transporte, que

dificultam a execução das ações, mesmo que não as inviabilizem, exigindo um nível avançado

de planejamento.

Já para a REPAM, os procedimentos burocráticos necessários para a conformidade

com as leis de financiamento público são ainda grandes dificuldades encontradas pelos

Pontos. Isto porque a exigência para a elaboração de orçamentos, execução das atividades e

prestação de contas é muito complexa para as entidades, que não estão familiarizadas com o

tema, fazendo com que muitos Pontos de Cultura encontrem dificuldades em cumprir tais

exigências legais. O próprio edital prevê a prestação de contas em conformidade com a Lei n°

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8.666/9323, que estabelece os procedimentos para a realização de compras e licitações com

recursos públicos.

7.1.4. Prestação de contas

A prestação de contas é realizada conforme o plano de trabalho proposto no projeto

submetido, de acordo com a REPAP, e cada valor deve ser precisamente comprovado, sendo

que a avaliação da prestação de contas é feita pela SeCult-AP e pelo MinC. Entretanto,

conforme apontado pela REPAP, a diferença de procedimentos usados pelas duas entidades

gera ambiguidades na prestação de contas realizada pelas entidades.

Da mesma forma, a conformidade com a Lei nº 8.666/93 coloca uma dificuldade a

mais para as organizações. Os recursos de projetos financiados pelo governo exigem, pela sua

origem, o cumprimento de regras que muitas vezes não se adequam ao trabalho com

populações indígenas, segundo a REPAM, dado que estas comunidades não contam com

documentos para a comprovação de uso do dinheiro. Um exemplo dado pela mesma é a

contratação de um assessor indígena para a realização de um curso. Além da publicação do

edital de contratação, é necessário que este assessor apresente seu cadastro no Programa de

Integração Social (PIS) para receber seu pagamento, o que inviabiliza a prestação de contas de

acordo com as exigências legais.

No caso do Pontão do qual a REPAM faz parte, a prestação de contas dos recursos

recebidos é realizada semestralmente, pelo setor administrativo da organização, de acordo

com formulários próprios do IPHAN. Entretanto, não estão previstas avaliações externas e

monitoramento, sendo a prestação de contas a única forma de acompanhamento das ações do

Pontão. Neste mesmo sentido, não há, segundo a REPAP, publicidade para a prestação de

contas dos recursos, dado que o estado não publica as informações obtidas pela prestação de

contas através, por exemplo, de meio eletrônico, ou outras formas de acesso fácil para a

sociedade em geral.

Apesar de ser uma dificuldade para os Pontos, a conformidade com as leis é própria da

administração pública, conforme apontado pela própria REPAM, e portanto precisa ser

cumprida pelas entidades. Nesse sentido, a REPAP aponta para o risco em se discutir tanto a

23 Mais precisamente, esta lei regulamenta o artigo nº 37 da Constituição Federal de 1988, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública, além de dar outras providências.

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prestação de contas, em detrimento da discussão acerca da execução das ações propostas

pelos projetos aprovados.

7.1.5. A rede de Pontos

O edital de seleção prevê a criação de uma rede de Pontos de Cultura, de

responsabilidade da SeCult-AP, que preferencialmente inclua os Pontos de Cultura

financiados diretamente pelo MinC, e por outras entidades, como o IPHAN. Segundo a

REPAP, a formação dessa rede potencializa a sustentabilidade do projeto, a partir da rede de

comunicação formada.

Isto porque, para a REPAP, a comunicação é uma das maiores dificuldades da região,

conforme mencionado, e a criação de meios de comunicação entre os Pontos é, portanto,

muito valiosa, por favorecer a troca de experiências e formação de parcerias.

A REPAM, por sua vez, afirma não participar da rede local, dada a especificidade de

seu projeto, mas tem contato com outros Pontos de Cultura quando participa de oficinas e

eventos.

7.1.6. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura

Segundo a REPAP, as principais fontes de recurso para a execução das ações

propostas, além dos recursos do edital, são patrocínios privados e parcerias formadas. Como

contrapartida, o Ponto de Cultura executa suas ações e faz a divulgação desses patrocinadores

e parceiros.

A respeito da sustentabilidade dos Pontos, a REPAM afirma que os recursos

provenientes do MinC e IPHAN são fundamentais para a execução das ações previstas no

projeto do Pontão de Cultura, mas são complementadas por ações financiadas por outras

agências de cooperação, ou mesmo instituições governamentais. Dessa forma, a

sustentabilidade do Ponto depende de recursos externos para valorização cultural.

Como aponta a REPAP, a busca por fontes externas de financiamento é almejada pela

maioria dos Pontos, para a continuidade de suas ações. Entretanto, as organizações não-

governamentais e privadas não estão preparadas para responder à essa necessidade, por não

conhecerem a política e não saberem as vantagens que a mesma política detém. Isto porque,

para a mesma, não há iniciativas governamentais para a divulgação das ações executadas,

sendo que o recurso dos Pontos de Cultura é insuficiente para uma ampla divulgação.

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7.1.7. Continuidade dos Pontos de Cultura

Para a REPAM, não há expectativa para que as ações executadas pelo Ponto de

Cultura sejam mantidas após o término do financiamento pelo MinC, e muito menos que

tornem-se autossuficientes.

Segundo a REPAP, para que os Pontos de Cultura continuem executando suas ações, é

necessária a criação de fundos de caixa, viabilizando o financiamento destas ações através da

venda de produtos, pequenos patrocínios locais e busca de outros tipos de apoio. Entretanto,

corre-se o risco de mercantilizar o Ponto de Cultura, desconfigurando toda a ideologia acerca

da política. Para evitar este efeito, a REPAP deixa clara a necessidade de investimento dos

recursos para a continuidade e aprimoramento das ações, e não para outras formas de lucro. A

falta de planejamento por parte dos Pontos de Cultura, segundo a REPAP, também dificulta a

continuidade dos Pontos de Cultura existentes.

A respeito de futuros Pontos, a REPAP afirma que é ideal que o programa de

financiamento através dos editais seja mantido, independentemente do partido no governo.

Entretanto, não é possível afirmar em qual medida isto ocorrerá. De qualquer maneira,

segundo a REPAP, as entidades que trabalham com questões culturais valorizam tais

iniciativas e criam raízes com as ações desenvolvidas, o que pode tornar o programa um

sistema duradouro.

No entanto, a REPAP aponta como perigosa a “vaidade política” que alguns atores

tem, por este ser um programa pioneiro, podendo prejudicar sua continuidade, ao ignorar

outras formas de financiamento, e principalmente por não existirem ações de melhoria do

modelo proposto.

7.1.8. Depoimentos sobre o programa

Para a REPAM, o programa Pontos de Cultura foi fundamental para que a entidade

pudesse realizar as ações planejadas com a maior qualidade possível. Na mesma linha, a

REPAP afirma que este é o programa de maior importância para a cultura, posto que os

Pontos de Cultura passaram a valorizar a cultura como parte da sociedade, e não mais apenas

como uma forma de entretenimento.

Para a REPAM, o programa tem grande potencial para continuar enquanto política de

estado, dados seus méritos. Entretanto, para a REPAP, é preciso que haja maior entrosamento

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entre os entes conveniados, SeCult-AP e MinC, pois as diferenças entre estes órgãos

prejudicam as ações das entidades.

Conforme destacado pela REPAP, o Brasil é conhecido pela música e futebol, sendo

que os Pontos de Cultura dão espaço para outras manifestações culturais, fazendo um resgate

das atividades e manifestações culturais tradicionais em vários campos: na dança, na música

de raiz, no teatro, no circo, no artesanato, na literatura regional, na culinária, entre tantos

outros.

7.2. Pontos de Cultura cearenses

O Ceará é um dos estados com maior quantidade de Pontos de Cultura existentes,

sendo um dos estados com maior quantidade de Pontos per capita e de Pontos por município.

No ano de 2010, foi destaque ainda por sediar a Teia Nacional de Pontos de Cultura, reunindo

Pontos de Cultura de todo o país, gestores públicos, pesquisadores e membros da sociedade

civil.

No estado do Ceará, somam-se até o momento o edital federal e estadual. Após o

lançamento do edital federal, que criou os primeiros (aproximadamente 40) Pontos de Cultura

cearenses, foi lançado em 2007 o edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da

presente pesquisa.

Este edital aprovou 100 projetos, sendo 20 em Fortaleza e 80 nos demais Municípios

do Estado, sendo o trabalho entre o MinC e a secretaria estadual de cultura viabilizado por

meio do Convênio de Cooperação Técnica e Financeira nº 423/2007 de 31 de dezembro de

2007, publicado no Diário Oficial da União de 04 de março de 200824. Segundo a Secretaria

da Cultura do Ceará (SeCult-CE, 2010), foram inscritos 188 projetos, sendo 78 na capital e

110 no interior e na região metropolitana, somando-se aos Pontos já atuantes no Estado.

Dessa forma, existe atualmente mais de 150 Pontos de Cultura no estado, realizando

diversas ações culturais em todo o território estadual, o que, segundo o próprio edital,

contribui para a inclusão social e construção da cidadania, por meio do fortalecimento das

identidades culturais e da geração de emprego e renda.

24 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital para seleção de 100 Pontos de

Cultura no estado e pode ser consultado através do site da SeCult-CE (CEARÁ, 2010) e do site do MinC (MINC, 2010).

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7.2.1. Relação entre diferentes entes

Os Pontos de Cultura, conforme mencionado, são viabilizados por convênio entre

MinC e SeCult-CE, sendo que, de forma geral, o primeiro é responsável pelo financiamento e

supervisão do programa e o segundo é responsável pela seleção e acompanhamento dos

projetos, bem como por parte do financiamento, tal qual ocorre no estado do Amapá. Segundo

o edital, representantes da SeCult-CE e do MinC, através da Secretaria de Programas e

Projetos Culturais e de órgãos de controle do Ministério, serão responsáveis pelo

acompanhamento dos projetos aprovados, podendo fazer visitas técnicas e auditorias a

qualquer tempo, tal qual ocorre no Estado do Amapá.

Além do MinC e SeCult-CE, as ações desenvolvidas pelos Pontos de Cultura são

acompanhadas ainda por outros entes. Dentre estes, as coordenadorias de ação cultural, de

Políticas do Livro e de Acervos e de Patrimônio Histórico Cultural da Secretaria da Cultura,

de acordo com as atividades desenvolvidas por cada Ponto de Cultura e a Coordenadoria

Administrativo-Financeira e a Assessoria Jurídica da Secretaria da Cultura, que supervisiona

as questões administrativas de todos os Pontos.

O financiamento dos projetos para tornarem-se Pontos de Cultura dá-se, por sua vez,

através de convênio com a SeCult-CE, ficando as organizações responsáveis pelos Pontos

obrigadas a executar corretamente o plano de trabalho proposto, conforme explícito pelo

edital.

Dessa forma, e segundo destacado pelo representante dos Pontos de Cultura do Estado

do Ceará (REPCE), a relação entre governo e os Pontos de Cultura selecionados baseia-se

fundamentalmente no financiamento das ações e no conhecimento acumulado pelo primeiro

em gestão de políticas públicas e prestação de contas. Tratando-se de ações culturais, por sua

vez, o REPCE destaca a superioridade dos Pontos enquanto articuladores e conhecedores

culturais.

7.2.2. Procedimentos de aprovação de projeto

A seleção dos projetos para o edital foi composta, segundo a SeCult-CE (CEARÁ,

2010), por uma comissão de três fases: análise de documentos, avaliação técnica e análise de

mérito, da mesma forma que a seleção ocorrida no estado do Amapá. A primeira fase analisou

a documentação exigida em edital e o enquadramento do proponente nos termos do mesmo

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edital, sendo inabilitados os projetos cujos proponentes não apresentaram os documentos

exigidos, entregaram a inscrição fora do prazo ou não se encaixam nos critérios de pessoa

jurídica sem fins lucrativos, cujas atividades são voltadas para ações culturais (CEARÁ,

2010).

Segundo o edital, a avaliação técnica, segunda fase da seleção de projetos, foi

realizada por comissões tripartites compostas por representantes do Ministério da Cultura, do

Governo do Estado e especialistas da Sociedade Civil que não estejam concorrendo ao Edital,

com reconhecida competência nas áreas de Culturas Populares, Grupos Étnico-Culturais,

Patrimônio Material, Audiovisual e Radiodifusão, Culturas Digitais, Gestão e Formação

Cultural, Pensamento e Memória, Expressões Artísticas, e Ações Transversais. Todavia, vale

neste ponto o destaque feito pelo REPCE, de que a divisão em áreas temáticas não aborda

questões de gênero e orientação sexual, que contam com peculiaridades culturais próprias, e,

portanto, devem ser também consideradas pelas políticas públicas de cultura.

A avaliação técnica utilizou como critérios, por sua vez, a comprovada experiência da

entidade proponente, a capacidade de agregar e mobilizar parcerias, e a potencialidade de

sustentar as ações por meio de recursos próprios. Outro critério utilizado foi a adequação do

plano de trabalho apresentado, bem como a viabilidade de execução do orçamento proposto.

A terceira fase de seleção, ainda segundo o edital, é a análise de mérito, realizada por

uma segunda comissão tripartite, composta por três representantes do Ministério da Cultura,

três representantes do Governo do Estado, e três representantes de instituições da Sociedade

Civil, com seus respectivos suplentes. Esta etapa teve por critérios o atendimento aos

objetivos do programa Mais Cultura, abrangência da proposta e público-alvo alcançado, entre

outros critérios de desempate.

Neste quesito, há favorecimento para projetos que atuem em territórios de cidadania,

vulnerabilidade social, territórios indígenas, quilombolas, artesanais ou assentamentos, áreas

de abrangência do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (FECOP), semiárido ou sítio

urbano. Além do favorecimento no julgamento, duas vagas são destinadas para atender

projetos apresentados por instituições indígenas, duas para instituições quilombolas e outras

três para entidades de assentamentos rurais existentes no Ceará.

O edital de seleção prevê ainda que os projetos selecionados distribuam-se em todo

território do estado, buscando descentralizar os Pontos selecionados através de regiões pré-

determinadas. Dessa forma, a distribuição dos projetos nas regiões do estado, bem como os

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pareceres emitidos pelas comissões técnicas, são os critérios utilizados pela Comissão de

Análise de Mérito, que definirá os projetos aprovados pelo edital.

Uma vez que a SeCult-CE não respondeu ao questionário, não é possível determinar

em qual medida a descentralização prevista em edital foi efetivamente realizada. Para o

REPCE, o processo de seleção estabelecido pelo edital acaba privilegiando as organizações

que já desenvolvem ações culturais, muitas delas já beneficiadas por outras fontes de

financiamento, que não necessariamente os recursos dos Pontos de Cultura. Não se percebe,

entretanto, padronização das ações culturais desenvolvidas pelos Pontos de Cultura

selecionados, sendo estes bastante diversificados.

7.2.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos

Não há informações oficiais acerca das dificuldades encontradas pelos Pontos de

Cultura cearenses. Para o REPCE, por sua vez, a maior dificuldade encontrada pelo Ponto de

Cultura que representa é financeira. O valor de R$ 60.000,00 é muito pouco para desenvolver

e manter ações culturais ao longo de um ano. Para ele, o interesse em tornar-se Ponto de

Cultura é muito mais político do que financeiro.

Isto porque, para o REPCE, há o perigo de determinados grupos culturais,

independentemente do trabalho realizado, dominarem o cenário estadual e impedirem que

outras iniciativas, igualmente capazes, tenham acesso a apoio e financiamento público, por

não estarem inseridas nos mesmos círculos sociais e profissionais. A rede de Pontos de

Cultura, nesse aspecto, acaba sendo prejudicial por concentrar informações entre seus

membros, e impedir o acesso de outras organizações sociais.

7.2.4. Prestação de contas Segundo o REPCE, a prestação de contas dá-se em conformidade com as leis de

financiamento público, refletidas no edital de seleção. Dentre as dificuldades mencionadas no

encontro nacional, organizado por Pontos de Cultura cearenses, encontra-se justamente a

prestação de contas conforme as leis orçamentárias. As ações desenvolvidas pelos Pontos

devem estar em conformidade com os planos de trabalho apresentados no momento da

inscrição das organizações, segundo o edital, cabendo medidas administrativas e jurídicas em

caso contrário. No plano de trabalho, consta a previsão de todas as ações a serem executadas

pelo Ponto de Cultura, bem como a previsão dos recursos a serem utilizados. O edital prevê,

dessa forma, alterações nos planos de trabalho apresentados, desde que permitidas pela

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SeCult-CE, para que as ações possam ser realizadas independentemente de imprevistos que

possam ocorrer. Não há informações, entretanto, a respeito da forma como os Pontos de

Cultura cearenses estão executando seus planos de trabalho, ou mesmo se efetivamente

conseguem alterar estes planos.

Da mesma forma, não há informações acerca de alguma prestação de contas pública

para os recursos movimentados pelos Pontos de Cultura por parte do site da SeCult-CE.

Segundo o REPCE, esta prestação de contas por parte da SeCult-CE não existe, bem como a

mensuração dos resultados gerados, que ficam sob responsabilidade dos próprios Pontos.

De acordo com o edital de seleção, a mensuração de resultados e impactos gerados

pelos projetos devem ser encaminhados à SeCult-CE pelas organizações ao final do convênio,

juntamente com a prestação final de contas. Essa mensuração de resultados deve mencionar

os beneficiários diretos e indiretos do projeto, bem como pesquisa de satisfação das

comunidades envolvidas e informações acerca da articulação com a comunidade, e da geração

de novas oportunidades tanto para o Ponto de Cultura quanto para seu público.

Essa característica diferencia a SeCult-CE dos demais editais, por prever, ao menos no

edital, uma prestação de contas que abranja avaliações de satisfação e resultados obtidos,

demonstrando maior preocupação com a avaliação das ações realizadas pelos Pontos de

Cultura. Entretanto, não foi possível constatar se essa avaliação é de fato realizada e quais os

resultados obtidos, posto que a SeCult-CE não respondeu às tentativas de contato.

Segundo o REPCE, para além da prestação de contas dos recursos obtidos através do

edital de Pontos de Cultura, as organizações sociais que aprovaram projetos para Pontos de

Cultura contam ainda com outras fontes de recurso para complementar e manter suas

atividades.

7.2.5. A comissão estadual e a rede de Pontos

A SeCult-CE não disponibiliza informações em meio eletrônico acerca da existência

de uma comissão estadual de cultura, sendo que o Conselho Estadual de Cultura tem por

função acompanhar as diretrizes gerais das leis de incentivo à cultura e fundos de cultura, sem

especificar seu (possível) envolvimento com os Pontos de Cultura (CEARÁ, 2010).

O REPCE, por sua vez, desconhece se há esta comissão, e se há alguma rede estadual

de Pontos de Cultura institucionalizada, ou mesmo ativa.

Tal qual os demais editais de Pontos de Cultura, o edital cearense prevê recursos para

a formação de uma rede de Pontos de Cultura, inclusive absorvendo os Pontos de Cultura

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implementados através do edital realizado diretamente com o MinC. Através de seu endereço

na internet25 é possível acessar a rede cearense de Pontos de Cultura. Não há como afirmar,

entretanto, em qual medida essa rede é perene, e mesmo se funciona como articuladora dos

Pontos de Cultura da região.

Todavia, destaca-se a importância da rede de Pontos de Cultura, anteriormente

mencionada neste trabalho, para a efetiva implementação da política. Para o REPCE, o maior

benefício promovido pela rede de Pontos é permitir o fortalecimento político da sociedade

civil organizada. Neste ponto, vale retomar a preocupação expressa pelo REPCE com relação

aos círculos de informação que se formam entre os membros da rede, prejudicando a ideia

original de disseminação de informações, descentralização e fortalecimento da rede. A falta

de entendimento e comprometimento por parte dos membros da rede, portanto, pode ser

prejudicial ao seu pleno desenvolvimento.

7.2.6. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura

O REPCE deixa clara a necessidade de financiamento para a execução das ações dos

Pontos de Cultura. Isto, de acordo com a sua opinião, ocorre naturalmente, pois uma vez que

as organizações alvo da política não visam lucro, não há como desenvolver as ações sem

apoio externo, e o financiamento público torna-se, dessa forma, fundamental para a existência

de ações como os Pontos de Cultura.

O entrevistado destaca, ainda, o fato de os recursos destinados para os Pontos de

Cultura serem insuficientes para a plena realização de suas atividades.

7.2.7. Continuidade dos Pontos de Cultura

Partindo do pressuposto que haja financiamento público para as ações desenvolvidas

pelos Pontos de Cultura, conforme mencionado anteriormente, o REPCE acredita que o

programa tem potencialidade para tornar-se uma política de estado, e firmar-se enquanto um

sistema duradouro de política cultural.

O fato de a seleção ser realizada por editais públicos reforça essa potencialidade, pela

facilidade de disseminação dos Pontos de Cultura. As redes nacionais politicamente ativas

25 A rede cearense de pontos de cultura tem como endereço eletrônico: <http://www.pontosdecultura.org.br/>, acessado em 16 de maio de 2010.

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também reforçam a continuidade do programa, ao formar redes de pressão, divulgação e

aprendizagem para a garantia de políticas públicas como o Cultura Viva.

Entretanto, a participação é o principal entrave, segundo o REPCE, para a

descontinuidade dos Pontos de Cultura, uma vez que as políticas culturais circulam entre as

mesmas organizações sociais, que têm acesso às informações. Os meios de participação, dessa

forma, precisam ser desenvolvidos e ampliados para que se possa constituir um programa de

fato abrangente e democrático.

7.2.8. Depoimentos sobre o programa

A entrevista do REPCE transparece uma preocupação com o envolvimento do estado

nas ações culturais. Segundo o mesmo, a secretaria de cultura estadual ainda precisa avançar

para adequar-se à política dos Pontos de Cultura. Uma vez que a secretaria não respondeu à

entrevista, não é possível determinar sua posição quanto a esse fator.

Outro fator destacado pelo mesmo é a limitação temática dos critérios de seleção dos

Pontos de Cultura, que não consideram fatores como gênero ou orientação sexual detentores

de cultura própria, igualmente excluída das políticas culturais brasileiras.

7.3. Pontos de Cultura paulistas

São Paulo, atualmente, é o estado com o maior número de Pontos de Cultura do país,

destacando-se ainda nas demais formas de financiamento público do setor cultural, conforme

mencionado anteriormente, sendo considerado vanguarda de muitos movimentos culturais,

além de reunir diversos polos culturais, dado o grande número de migrantes e imigrantes

existentes no estado.

No estado de São Paulo, somam-se até o momento o edital federal, editais estaduais e

municipais26, que não param de se expandir. Após o lançamento do edital federal, que criou

os primeiros (aproximadamente 150) Pontos de Cultura paulistas, foi lançado em 2009 o

edital estadual de Pontos de Cultura, sendo este o foco da presente pesquisa.

Este edital visava atender 300 projetos, alcançando um montante de recursos de R$

54.000.000,00 (cinquenta e quatro milhões de reais), sendo o trabalho entre o MinC e a

secretaria estadual de cultura viabilizado por meio do Convênio nº 701333/2008 de 30 de

26 Além do edital federal e estadual, Guarulhos, Diadema, São Bernardo do Campo, Suzano, entre outros municípios paulistas já contam com editais próprios para criação de novos Pontos de Cultura, ampliando a rede formada.

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dezembro de 200827. Segundo a coordenadora do programa Pontos de Cultura em São Paulo

(CORSP), mais de 1.000 projetos foram submetidos, 900 projetos foram habilitados para a

seleção, e ao fim de 2009 foram apresentados os 300 pontos, tornando-se 301 Pontos no

começo de 201028, que se somam aos Pontos já existentes, formando a Rede Paulista de

Pontos de Cultura.

Para se chegar a estes números, o processo de negociação entre o MinC e a Secretaria

de Cultura (SeCult-SP) para firmar o convênio que estabelece o programa iniciou-se em 2004,

segundo a CORSP e houve um espaço de tempo muito longo, aproximadamente um ano, entre

a assinatura do acordo de cooperação e o primeiro edital lançado, em que várias negociações e

deliberações foram tomadas para a implementação do programa, dando características

peculiares ao edital paulista, conforme será detalhado a seguir.

7.3.1. Relação entre diferentes entes

A interação entre Ministério, Secretaria e organizações sociais demandam uma

estrutura especial, uma vez que o convênio cria corresponsabilidades do Estado e da

sociedade civil organizada, de acordo com o REPSP. Tratando-se dos diferentes níveis

federativos envolvidos no edital estadual, as funções de cada ente são delimitadas pelo

próprio convênio firmado, segundo a CORSP, que estabelece a governança do programa,

cabendo à secretaria a intermediação29 entre os Pontos de Cultura, executores do programa, e

o Ministério da Cultura, financiador, coordenador e avaliador das ações desenvolvidas.

Para além da intermediação, a SeCult-SP também tem por função o acompanhamento

dos Pontos a partir da sua contratação, acompanhando de forma mais próxima as ações

desenvolvidas, através de encontros, visitas e contato direto, enquanto o MinC faz o

acompanhamento e avaliação das ações de forma mais ampla, por centralizarem a gestão

política do programa. Uma vez que as contratações dos Pontos acabaram de ser finalizadas

(no final de janeiro) e com o evento de várias Teias regionais e nacionais (São Paulo, Brasília

e Ceará), ainda não foram realizadas muitas ações diretas com os Pontos, de acordo com a

27 O convênio estabelece a base legal para a formulação e o lançamento do edital dos 300 pontos de cultura, e pode ser consultado através do site da SeCult-SP (SÃO PAULO, 2010) e do site do MinC (MINC, 2010). 28 De acordo com a coordenadora de São Paulo, o aumento na arrecadação do INSS disponibilizou recursos suficientes para a contratação de mais um Ponto de Cultura, aumentando seu número para 301. 29 Aqui, vale ressaltar que a intermediação ocorre para os Pontos selecionados para o edital estadual, sendo que os primeiros Pontos aprovados pelo edital do MinC não precisam desta intermediação, referindo-se diretamente ao ministério.

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CORSP, mas estão previstas ações e visitas mais frequentes a partir do segundo semestre de

2010.

A partir do convênio firmado entre a secretaria estadual e o ministério, o recurso

financiado para os Pontos de Cultura parte de ambas: 2/3 dos recursos vem do ministério,

repassados do FNC, e 1/3 como contrapartida da secretaria estadual, de acordo com a

CORSP.

Aos Pontos cabe a apresentação de relatórios de atividades e a prestação das contas

realizadas como formas de controle do programa, mas, principalmente, cabe aos Pontos a

realização do seu projeto, que, segundo o REPSP, constitui-se em um serviço público

realizado, que, por ser gratuito, é de interesse social. Isso corrobora o viés do programa em

atender entidades mais carentes, segundo a CORSP, dando acesso à ponta da política cultural

àqueles que não possuem outros meios para obter financiamento e que realizam ações que não

objetivam o lucro, mas sim atividades voltadas para as suas comunidades e para o benefício

de seu entorno.

7.3.2. Procedimentos de aprovação de projeto

De acordo com o edital de seleção, os projetos são avaliados por uma primeira fase, de

análise de documentos, e uma segunda fase, de análise de projetos. A primeira fase consiste

na correta apresentação dos documentos exigidos pelo edital, conferidos por uma equipe

técnica da SeCult-SP composta por até três membros. Já a segunda fase é baseada nos

critérios básicos de seleção, como a adequação viabilidade técnica do projeto, sendo avaliados

em cada projeto, segundo a CORSP, por uma comissão tripartite, que contou com nove

pessoas: três membros da secretaria estadual de cultura, três membros do ministério e três

membros da sociedade civil.

De acordo com a CORSP, mais de 1.100 projetos submeteram-se ao edital de 2009,

sendo que destes, cerca de apenas 400 projetos foram habilitados na primeira fase: a análise

de documentação. Após esta fase, houve um período de recurso, para aqueles projetos que não

conseguiram apresentar a documentação corretamente. Houve uma semana para apresentar os

documentos corretamente, e, através de esclarecimentos da secretaria, aproximadamente 900

projetos conseguiram se adequar às exigências de documentação, e foram habilitados para a

fase de julgamento pela comissão, que, por sua vez, estabeleceu os critérios prioritários para a

aprovação dos projetos através de várias reuniões.

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No caso de projetos para Pontos de Cultura, explica a coordenadora, não fazia sentido

esperar projetos “perfeitos”, pois o foco do programa é apoiar aqueles produtores culturais

que não estão familiarizados com os procedimentos burocráticos. Os critérios de aprovação

focaram-se então na factibilidade da ideia e na capacidade de prover ações culturais de

qualidade.

Dentre estes critérios, a CORSP destaca o cuidado com a descentralização de Pontos

na seleção do edital estadual, pois os primeiros editais acabaram concentrando ações na

capital paulista, como destaca o REPSP, segundo o qual a maior parte dos Pontos brasileiros

encontra-se no Estado de São Paulo e, mesmo sendo disseminados pelo interior de todo o

Estado, ainda há concentração na região metropolitana de São Paulo e na macrorregião de

Campinas.

Por este motivo, segundo a CORSP, uma das preocupações do edital foi descentralizar

os Pontos pelo interior do estado, mas, de acordo com a quantidade de inscritos, foi inevitável

a maior aprovação de Pontos na capital paulista, uma vez que a maioria dos projetos inscritos

veio da capital. Mesmo assim, com a atenção para a descentralização municípios com 3 a 5

mil habitantes, que antes não tinham nada (sobre equipamentos culturais) agora têm um Ponto

de Cultura.

Já para o REPSP, outro critério fundamental foi o público-alvo do projeto, com

destaque para projetos que trabalhem em situações de vulnerabilidade social e questões

socioeconômicas. É possível analisar, ainda, que, além de terem públicos-alvos bastante

similares, os Pontos de Cultura geralmente atuam no mesmo espaço em várias áreas, como

dança, teatro, circo, etc., sem ter um perfil majoritário de quais ações culturais são

promovidas. Como explica a CORSP, o edital é aberto, e por este motivo atrai diversas

formas de expressão cultural, sendo que geralmente as organizações reúnem diversas

atividades em um único Ponto.

7.3.3. Dificuldades encontradas pelos Pontos

A maior dificuldade encontrada pelos proponentes de projetos é a apresentação da

documentação correta e, uma vez aprovados, sua maior dificuldade está na prestação de

contas. Estas características foram apontadas por todos os entrevistados como maiores

entraves do programa.

Apesar de todas as informações necessárias acerca do projeto ficarem disponíveis no

site da secretaria, tais como: qual a documentação necessária, quais estão erradas, qual o

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modelo de documentos correto, etc., as organizações sociais encontram muitas dificuldades

em submeter a documentação, conforme apontado acima. Isto porque, como explica a

CORSP, alguns projetos não tinham os documentos necessários, como certidões de pessoa

jurídica, que demandam uma série de obrigações legais e custos de manutenção, inacessíveis

para a maioria das organizações que são público da política dos Pontos de Cultura, ou não

tinham documentos mais comuns, como comprovantes de endereço, por não conseguirem

arcar com os custos de manter um endereço fixo, ou mesmo um endereço por longo período,

ou então não tinham comprovantes de endereço de dois anos atrás, como pede claramente o

edital. Alguns projetos não se ativeram a detalhes do edital como estes, por falta de atenção,

precisando entrar em recurso.

Para o REPSP, a falta de estrutura da secretaria para atender à demanda de dúvidas

também dificulta a submissão de projetos, pois a equipe é pequena e não conta com

funcionários de carreira para atender a tantos projetos em um período curto de tempo, como é

a submissão de projetos para o edital.

Outro problema presente em outras políticas de financiamento de projetos que também

ocorre entre os Pontos de Cultura, conforme apontado pelo REPSP, é a falta de clareza no

objetivo dos projetos submetidos, que não se atêm aos detalhes especificados nos editais, e

acabam inviabilizando sua aprovação. Um exemplo dado pelo mesmo é o de uma organização

que submete um projeto voltado para jovens para um edital de Pontinho de Cultura, cujo

público-alvo são crianças.

Após a aprovação dos projetos pela SeCult-SP, o grande esforço dos Pontos voltou-se

para alterações nos planos de trabalho. Quando os projetos foram inscritos, havia necessidade

de detalhar um plano de trabalho, contendo orçamentos e cotações de preços para toda e

qualquer compra a ser feita com o recurso financiado. Após a aprovação dos projetos, os

Pontos começaram a fazer suas compras, e notaram a necessidade de atualizar valores,

quantidades, fornecedores, etc. Segundo a CORSP, os representantes dos Pontos reclamam

das dificuldades em alterar o plano de trabalho, que precisaram ser revistos 3 ou 4 vezes.

Muitas entidades receberam recurso público pela primeira vez, sendo que, antes, trabalharam

com muito pouco ou nenhum recurso, e com a exigência de fazer um plano de trabalho

complexo encontraram muitas dificuldades em se adaptar a essa parte mais burocrática.

Geralmente, são pequenos os problemas, como confusão entre capital e custeio, detalhes

simples, mas que precisam ser corrigidos.

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Para além destas dificuldades, a maior preocupação dos Pontos, segundo os

entrevistados, está na prestação de contas. São muitas as dúvidas sobre realização de compras

e contratos de prestação de serviços.

7.3.4. Prestação de contas

Conforme mencionado, cabe à secretaria de cultura acompanhar as atividades

desenvolvidas pelos Pontos de Cultura, e este acompanhamento é feito principalmente através

de visitas regulares e relatórios semestrais de desenvolvimento de atividades e da prestação de

contas dos recursos financiados.

Segundo o REPSP e a CORSP, este relatório é composto pelo detalhamento das ações

desenvolvidas e o detalhamento financeiro, contendo o custeio e capital aplicado, bem como

uma comprovação “física”, como materiais de divulgação; fotos, CD’s ou DVD’s das ações

desenvolvidas, entre outros materiais que possam ser utilizados para detalhar as ações.

Entretanto, os dados de prestação de contas ainda não estão disponíveis da melhor

maneira possível para o público. Segundo a CORSP, não há publicação dos

acompanhamentos realizados, sendo que todas as informações de cada projeto ficam

registradas em seu processo, nos arquivos da secretaria de cultura. Os Pontos, por sua vez,

conseguem acompanhar o andamento do projeto na secretaria através do número de seu

processo. Uma vez que os processos são dados públicos, estão à disposição de qualquer

cidadão, entretanto é necessária autorização para se ter acesso aos dados, mediante solicitação

específica de qual dado será analisado. Além da solicitação para que os cidadãos os acessem,

outro fator que dificulta a publicidade dos dados é o fato de os mesmos não estarem

sistematizados pois não há um banco de dados simplificado para acesso de informações como

utilização dos recursos, andamento das ações, etc.

Segundo o REPSP, existem alguns sistemas do Ministério da Cultura que procuram

solucionar este problema, apesar das limitações que ainda encontram, como o Sistema de

Gestão de Convênios e Contrato de Repasses (SICONVI), que vem sofrendo diversas

alterações para melhorar o acesso aos dados públicos.

A publicidade dos dados tem ainda uma questão anterior, a produção dos mesmos

dados, que, conforme mencionado, é a maior dificuldade encontrada pelos Pontos de Cultura.

Cada projeto conta com seu plano de trabalho e, neste, encontra-se a previsão de orçamento e

custeio de cada item utilizado, que, a princípio, deve ser minuciosamente obedecido pelos

Pontos ao executar suas ações para que a previsão e execução de gastos coincidam. Através

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de orientações por diversos meios, a secretaria de cultura busca dar subsídios e esclarecer

dúvidas para que os Pontos saibam como deve ser feito o orçamento de compras, a

contratação de prestadores de serviços, etc., conforme aponta a CORSP, para que assim os

Pontos atendam aos critérios de controle de recursos. Isto porque todas as compras devem ser

feitas através da comparação de três orçamentos, e a segunda parcela do recurso financiado é

disponibilizada apenas quando a prestação de contas da primeira parcela é aprovada, e assim

ocorre com o pagamento da terceira parcela, mediante prestação de contas da segunda parcela.

A regra geral para editais de Pontos de Cultura é o pagamento das parcelas através de

convênios firmados com as organizações sociais. Entretanto, os primeiros Pontos de Cultura

de São Paulo financiados pelo edital do MinC depararam-se com uma série de problemas com

relação à prestação de contas, conforme apontado pela CORSP, problemas estes recorrentes

das políticas públicas nacionais. No edital realizado pelo Ministério, os Pontos recebiam a

primeira parcela, porque esta era livre, mas depois não conseguiam receber a segunda parcela

por não conseguir prestar contas da primeira parcela adequadamente, bloqueando este recurso.

Mediante estes entraves, a Secretaria de Cultura de São Paulo optou por uma forma

diferente de disponibilização de recursos, o prêmio. Isto porque, segundo sua coordenadora, o

convênio restringe a ação dos Pontos, como a exigência de que o plano de trabalho enviado

no momento da inscrição deva ser seguido à risca, não sendo possível fazer alterações ou

mesmo atualização de valores30.

7.3.5. Recurso enquanto prêmio Este talvez não seja o termo mais adequado, dado que não se constitui uma

bonificação para um trabalho realizado, mas sim o financiamento de um projeto apresentado.

A colocação do financiamento enquanto prêmio foi necessária, entretanto, para simplificar a

prestação de cada conta efetuada pelos Pontos nos moldes do orçamento público e é a maior

diferenciação dos Pontos de Cultura paulistas em relação a editais de todo país, e mesmo

editais realizados nos municípios do Estado de São Paulo.

No caso do prêmio, a prestação de contas é mais maleável, permitindo inclusive a

mencionada alteração dos planos de trabalho. Segundo a CORSP, a grande vantagem dessa

30 No modelo de convênios, a previsão de compra de um computador de determinada marca por determinado valor no plano de trabalho exige que esta compra seja feita exatamente como descrito, de acordo com a prestação de contas, com notas fiscais com todos os dados exigidos. Passados alguns meses entre a submissão do projeto e aprovação dos Pontos, o mercado se altera, dificultando a aquisição dos produtos com as mesmas características descritas, principalmente o preço.

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alteração é dar o foco na execução dos projetos, e não mais na prestação de contas. Para ela,

“os Pontos fazem o projeto cultural, e a burocracia e papelada fica com a secretaria”. Mas,

ainda com estas alterações, a prestação de contas é uma dificuldade.

Mesmo tratando-se de um prêmio, ainda são recursos públicos sendo utilizados por

organizações da sociedade civil, então é necessário que as notas fiscais, recibos, contas, etc.,

sejam guardadas por dez anos, para fins de prestação de contas, sendo que a qualquer

momento a secretaria pode solicitar estes documentos, para conferir se o projeto está

desempenhando suas funções corretamente.

Dessa maneira, abre-se espaço para que organizações que não entendem

profundamente a burocracia governamental tenham seus projetos aprovados e financiados, o

que não ocorre em outras modalidades de financiamento, como no caso de projetos aprovados

pelo PRONAC, cujas notas fiscais precisam ter detalhes específicos do programa.

7.3.6. A comissão estadual e a rede de Pontos

Para viabilizar a comunicação e representatividade entre os Pontos, o edital prevê

ainda a participação dos Pontos em pelo menos dois encontros promovidos pela secretaria,

mas, além destes, existem comissões e redes de comunicação físicas e virtuais, independentes

da secretaria de cultura. A Comissão Paulista de Pontos de Cultura, como explica a CORSP,

surgiu antes mesmo do lançamento do edital da secretaria de cultura, e agregou os novos

Pontos criados por este edital, reunindo atualmente Pontos de Cultura de editais dos três

níveis federativos.

Além da comissão, que se reúne periodicamente em diferentes locais do Estado para

discutir a situação dos Pontos e novas e melhores alternativas para a cultura, há ainda a lista

de discussão virtual dos Pontos, com participação assídua de alguns membros e os encontros

físicos frequentes organizados pelos Pontos. Portanto, além das comissões, outra

característica do programa Pontos de Cultura que permite maior protagonismo das

organizações sociais é a rede formada entre os Pontos de Cultura, que soma experiências e

potencialidades dos Pontos, fortalecendo sua ação ao redor do país. Para o REPSP, a rede é

uma das formas de garantir a sustentabilidade dos projetos, havendo várias experiências bem-

sucedidas de economia solidária entre redes de Pontos de Cultura, que amadurecem e

aprofundam-se a partir desse contato com outros Pontos.

Segundo a CORSP, não é possível determinar o quanto a rede paulista está

disseminada, pois existem redes regionais e locais, além da rede nacional. Mas é fato que ela

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está crescendo, e se fortalece e multiplica a cada dia, com a participação de antigos e novos

Pontos.

7.3.7. Sustentabilidade dos Pontos de Cultura

Ao tratar da autonomia dos pontos em relação à secretaria, é possível dizer que os

mesmos executam seus projetos de forma independente da secretaria (excluindo desta análise

o financiamento das ações, naturalmente), conforme apontam os entrevistados. Para a

CORSP, dúvidas burocráticas ainda tornam os Pontos dependentes, mas apenas nesse quesito,

que tende a diminuir com o passar do tempo e da execução das atividades. Os Pontos estão

desenvolvendo os projetos, fazendo inaugurações e atividades, então nesse quesito estão

independentes da secretaria, entrando em contato apenas quando há dúvidas sobre

contratação, prestação de contas, entre outros.

Em especial no caso de São Paulo, as organizações sociais não são tão dependentes da

SeCult-SP, ao contrário do que se observa em Pontos de outros estados, para o REPSP, pois a

própria organização social tem acesso a outras fontes de financiamento para sustentar suas

ações. Isto é observado também pela CORSP, que aponta outras formas de financiamento

como razão para a continuidade de ações de muitos Pontos de Cultura aprovados no primeiro

edital do MinC.

Entretanto, a continuidade das ações de todos os Pontos de Cultura após o término do

financiamento é imprecisa. A intenção do trabalho da secretaria, segundo a CORSP, é que os

Pontos se tornem autossuficientes após o término do financiamento. De acordo com a mesma,

os encontros promovidos pela secretaria a partir do segundo semestre serão voltados a

questões sobre a gestão da entidade e construção de programações culturais. Dessa forma,

haverá um esforço da secretaria para instrumentalizar os Pontos (permitindo sua continuidade

após o financiamento).

Para o REPSP, a sustentabilidade depende ainda da natureza do projeto aprovado, pois

se for um projeto que visa a autossustentabilidade através de produtos do próprio Ponto de

Cultura há maiores chances, principalmente se articulados com a economia solidária, dada a

finalidade do programa, que não visa a obtenção de lucro.

Segundo a CORSP, alguns Pontos financiados pelo edital do MinC tiveram projetos

aprovados no edital estadual e em outras linhas de financiamento e continuaram, portanto,

recebendo recursos federais para executar suas ações, mantendo sustentabilidade. Uma vez

que os Pontos não cobram por suas atividades, a continuidade das ações sem financiamento

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público é dificultada, o que reforça a importância de editais, não apenas dos Pontos de

Cultura, mas diversos editais de financiamento de ações culturais.

7.3.8. Continuidade dos Pontos de Cultura

Dessa forma, apesar de novos editais serem lançados a cada momento e do aumento da

força das Redes de Pontos, que pressionam o governo para a aprovação de leis que instituam a

política do Cultura Viva como política permanente para a construção de um sistema nacional

de cultura, o futuro dos Pontos de Cultura ainda é incerto. Para a CORSP, o programa ainda é

muito recente para formar um sistema, mas sua identidade já existe, enquanto política pública

definida. Entretanto, sua continuidade depende fundamentalmente da disponibilidade de

recursos para o lançamento de novos editais, mas, como destaca a CORSP, esta é uma questão

de gestão governamental, que decidirá se o programa é ou não prioritário.

As diferentes ideologias políticas envolvidas na implementação do programa podem

servir de entrave para seu desenvolvimento, conforme aponta o REPSP, pois os partidos têm

diferentes concepções do que se entende por política cultural, e o programa Pontos de Cultura

tem um viés claro, que dificilmente será absorvido por outras ideologias.

Segundo a CORSP, a disputa política pode prejudicar sua continuidade, mas os Pontos

estão se espalhando e intercalando diferentes gestões governamentais e, a cada momento,

surgem novos editais em diferentes níveis. Com a aprovação dos Pontos no ano de 2009,

sendo três anos de ação, os Pontos trabalharão dois anos na gestão do próximo governo.

Nesses últimos meses, surgiram vários convênios municipais, o que aponta para continuidade

da política, pelo menos nos próximos anos. Naturalmente, os Pontos precisam brigar por essa

continuidade. Para a CORSP, os Pontos precisam se mobilizar para garantir que o programa

seja fundamentado e garantido por uma lei nacional, e se estabilize enquanto política de

estado. Já para o REPSP, é fundamental que o estado e a sociedade fortaleçam os mecanismos

de gestão compartilhada, garantindo a corresponsabilidade entre os entes, e consequentemente

a continuidade deste programa e de programas com linhas semelhantes.

7.3.9. Depoimentos sobre o programa

Apesar de todos os problemas existentes, o comprometimento das pessoas envolvidas

e a paixão com que trabalham são visíveis em seus encontros, nos depoimentos na internet, e

através da fala de seus representantes e coordenadores. Segundo o REPSP, o sucesso do

programa está no fato de ele estar em todos os estados, sendo implementado

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independentemente do partido político em exercício, e marcando um avanço e conquista da

sociedade com a descentralização do financiamento cultural, uma verdadeira transformação

social.

A fala da CORSP vai ao mesmo sentido, destacando que o programa atinge as

organizações sociais que não tem fins lucrativos e que geralmente têm muita dificuldade para

obter recursos, que não conseguiriam acessar através de programas como o Programa de Ação

Cultural (PROAC), por exemplo, por falta de experiência, entre outros motivos. Para ela, este

é um trabalho com diversos tipos de entidades, algumas com mais recursos, outras mais

carentes, mas sempre trabalhando com um público mais carente, como crianças, jovens,

terceira idade e, muitas vezes, é o único equipamento de cultura do bairro, do município de

interior.

PARTE IV – LIGANDO OS PONTOS

A partir das informações obtidas através da metodologia descrita e frente a todo o

arcabouço teórico apresentado, foi possível estabelecer algumas considerações acerca do

programa, de acordo com o objetivo inicial deste trabalho, analisar os “Pontos de Cultura”,

principal ação do programa Cultura Viva, buscando compreender como o mesmo se

estabelece em três diferentes regiões do país.

A comparação dos estados do Amapá, Ceará e São Paulo, respectivamente das regiões

Norte, Nordeste e Sudeste, embasada nos editais de seleção, nas informações oficiais, mas

principalmente embasada nas entrevistas realizadas, foi realizada a partir do método de

análise de conteúdo categorial (BAUER, 2008), permitindo o entendimento das respostas a

partir de categorias temáticas.

Esta comparação buscou confirmar ou refutar a hipótese de que os Pontos de Cultura

trazem várias mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em

relação ao seu financiamento e abrangência, quanto ao modo de se entender a política

cultural.

Nesta sessão final, são apresentados os resultados obtidos pelo presente trabalho, bem

como as considerações acerca do modelo de financiamento proposto pelo programa Pontos de

Cultura.

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8. Comparação entre estados

Os três estados analisados trazem contrastes em relação à implementação da política,

em virtude da densidade populacional de cada um, bem como em virtude do acúmulo estadual

de políticas culturais, que molda a forma de atuação das organizações culturais, de acordo

com sua familiaridade com os mecanismos de financiamento público. O estado de São Paulo

conta com uma particularidade em relação a este acúmulo, dado que a experiência em

políticas culturais anteriores apontou a modalidade de premiação como mais eficiente que a

modalidade de conveniamento de organizações sociais. Os estados do Amapá e Ceará, por sua

vez, contam com outra particularidade, a atenção dada a comunidades específicas através de

critérios de seleção direcionadores.

De forma geral, entretanto, os editais estaduais são bastante semelhantes em todos os

estados, devido ao marco estabelecido pelo MinC, a partir do lançamento do primeiro edital

nacional de Pontos de Cultura. Em decorrência disso, é possível vislumbrar um sistema

nacional de Pontos de Cultura, a partir da semelhança dos procedimentos adotados em todo

território nacional, para o financiamento de ações diversificadas, sendo a pluralidade da

natureza dos projetos outra semelhança entre os estados.

A relação entre os entes em cada um dos estados dá-se através do conveniamento

entre secretaria de cultura e MinC, responsáveis respectivamente pelo acompanhamento e

supervisão dos projetos aprovados. De acordo com as entrevistas dos três estados, essa

relação ocorre apenas em decorrência do financiamento, sendo que os Pontos de Cultura

executam as ações propostas pelos planos de trabalho de forma autônoma. Uma outra

vantagem destacada pelo REPSP é a autonomia dada às organizações em relação ao

planejamento e execução das ações constantes em cada projeto aprovado, realizado então de

maneira independente da ideologia do governo financiador. Isto porque, segundo o mesmo

representante, secretarias de diferentes concepções ideológicas estão adotando a política, o

que constitui um ganho institucional para este modelo de financiamento descentralizado,

destacando a ação de organizações da sociedade civil, e não a intervenção estatal.

De acordo com os editais dos três estados, os procedimentos para a aprovação dos

projetos contam com uma fase de análise inicial de documentação, uma fase de análise dos

projetos, e uma fase de análise de mérito, sendo que São Paulo é o único estado que não conta

com esta avaliação de mérito.

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Os critérios de seleção explícitos nos três editais estaduais seguem parâmetros

parecidos, tendo suas particularidades explicadas anteriormente, sendo que o edital paulista

apresenta critérios menos específicos em comparação com os demais editais. As principais

semelhanças são a atenção dada à descentralização territorial e a importância dada aos

territórios de cidadania e comunidades indígenas e quilombolas nos Pontos de Cultura da

região norte e nordeste, chegando inclusive à determinação de cotas por território, como

ocorre claramente no edital amapaense, e subjetivamente no edital cearense. Uma vez que as

secretarias estaduais do Amapá e Ceará não responderam aos questionários enviados, não é

possível determinar, entretanto, até onde esta descentralização é obtida. Por outro lado,

mesmo não estando claro no edital paulista, a REPSP afirma em entrevista que os projetos

aprovados no estado seguem o critério de descentralização, valorizando municípios do

interior.

Vale destacar ainda que os convênios não ocorrem automaticamente após a seleção do

projeto, dado que de acordo com o edital as secretarias de cultura dos três estados têm o prazo

de até dois anos para firmar os convênios, contados a partir da data de publicação dos projetos

selecionados.

De acordo com entrevistas e informações oficiais, a maior dificuldade encontrada

pelos Pontos de Cultura está na prestação de contas, dado que as entidades que aprovam seus

projetos, em sua maioria, não são familiarizadas com os procedimentos burocráticos próprios

da administração pública.

Para amenizar esta dificuldade, o edital do estado de São Paulo adotou o modelo de

premiação ao invés do conveniamento realizado pelos demais estados, que exige prestação

de contas de cada recurso, de forma detalhada. O edital paulista também exige prestação de

contas, mas o pagamento em forma de prêmio não fica atrelado à exigência da aprovação de

cada prestação nos moldes das leis de orçamento público (mediante tomada de preço, com

notas fiscais com CNPJ do fornecedor, etc.), tal qual ocorre no modelo de conveniamento, em

que cada parcela do recurso apenas é liberada mediante aprovação da prestação de contas da

parcela anterior.

Ao tratar das redes estaduais de Pontos de Cultura, os entrevistados ressaltam sua

importância para o fortalecimento do programa. Entretanto, as redes formadas têm dinâmicas

diferentes. A rede paulista tem uma grande abrangência, sendo atuante e articulada com redes

regionais e redes temáticas (como a rede de Pontos de Cultura de raiz africana, a rede de

Pontos de Cultura digital, entre outros), bem como articulada com outros grupos da sociedade

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civil, realizando encontros periódicos. Por outro lado, a rede cearense, conforme apontado

pelo REPCE, é formada apenas pelos Pontos aprovados, gerando o risco de castas de

informação, que giram em torno das mesmas organizações culturais. Já a rede amapaense, por

sua vez, é prevista em edital, mas não foram encontradas maiores informações acerca da

mesma, provavelmente ficando restrita aos Pontos de Cultura da região.

Em linhas gerais, as entrevistas e informações obtidas apontam para uma rede de

Pontos de Cultura mais atuante na região sudeste, que já recebe maior atenção de outras linhas

de financiamento de políticas culturais. A descentralização obtida pelo número de Pontos de

Cultura criados em território nacional é prejudicada pela falta de articulação entre os mesmos

Pontos. Da mesma forma, a sustentabilidade dos Pontos de Cultura torna-se menos

provável nos estados da região norte e nordeste, uma vez que o financiamento provido pelos

editais é fundamental para a execução das ações previstas, dado que, sem o apoio

governamental, estas ações não seriam possíveis por falta de obtenção de recursos por outros

meios.

As organizações sociais que mantêm Pontos de Cultura geralmente recebem recursos

de outras fontes, que não apenas os editais do ministério da cultura, dado que o recurso

repassado é muito baixo para a manutenção das entidades, sendo essa informação apontada

tanto pelos entrevistados quanto pelas análises realizadas pelo IPEA (2007). Dessa forma, a

continuidade da política ainda depende de fatores externos para complementarem os recursos

necessários para as organizações sociais.

Caminhando neste mesmo sentido, a continuidade do programa de Pontos de

Cultura, apontada por alguns entrevistados como fortemente dependente da vontade política

dos governantes, é mais provável no estado de São Paulo, que, além do edital nacional e

estadual, conta com novos editais regionais e municipais, ampliando a rede de Pontos de

Cultura paulistas. Este movimento de criação de novos Pontos, por sua vez, não é percebido

nos demais estados.

Mesmo que essa continuidade não seja percebida na prática, todos os entrevistados

concordam com a necessidade de manutenção do programa, dada sua relevância para a

política de cultura nacional. Mesmo com dificuldades de recursos, a valorização de ações

descentralizadas e autônomas, do ponto de vista do planejamento e execução de ações, é

apontada por todos os entrevistados como fundamental para a cultura nacional, dado que esta

é plural e demanda ações igualmente plurais.

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9. Considerações finais

A política cultural brasileira estabelecida após o período de redemocratização do país,

durante a década de 1990, baseia-se principalmente no mecenato, modelo de financiamento de

ações por meio da isenção fiscal de empresas patrocinadoras, conforme demonstrado por

Olivieri (Cultura neoliberal, 2004), Silva (Financiamento cultural, 2004), Cabrale (Políticas

públicas e indicadores culturais, 2009) e Rubim (Políticas culturais e novos desafios, 2009),

entre outros autores. Este modelo traz como entraves a concentração de financiamento de

ações culturais realizadas por grandes organizações, concentradas na região sudeste do país.

Como contraponto, o MinC lança em 2007 os Pontos de Cultura, principal ação do

programa Cultura Viva. Esta ação visa descentralizar a política cultural, conveniando

organizações culturais de distintas naturezas, aumentando consequentemente sua abrangência

temática. À luz das críticas colocadas pelos autores mencionados em relação à política

cultural implementada no Brasil, é possível fazer algumas colocações sobre papel dos Pontos

de Cultura acerca dos avanços e desafios para uma nova concepção de política pública de

cultura, mesmo tratando-se de uma política recente. Conforme demonstrado pelos números

iniciais obtidos pelo programa, este marca de fato um avanço na descentralização e

abrangência do financiamento público de ações culturais.

De acordo com as considerações destacadas pelas entrevistas, por outro lado, a

capilaridade e descentralização permitidas pelo conveniamento de organizações não-

governamentais, bem como o alcance de entidades excluídas de outras formas de

financiamento, acabam sendo prejudicados pela falta de familiaridade dessas organizações

com as exigências normativas próprias do setor público. O desequilíbrio entre a proposta de

descentralização da política cultural e a capacidade governamental em absorver as

dificuldades encontradas pelos Pontos de Cultura com os complexos procedimentos

burocráticos de conveniamento e prestação de contas faz com que seja necessário refletir

acerca desse modelo de financiamento público.

A autonomia em gastar os recursos financiados, sem a necessidade de licitações ou

tomada de preços, permitida pelo modelo de premiação, por sua vez, torna o uso de recurso

público menos rastreável, sendo um risco para a licitude das ações realizadas. Entretanto,

permite que os Pontos gastem recursos de forma mais prática e, assim, possam direcionar seus

esforços para a melhor execução dos projetos e não para procedimentos burocráticos como

prestações de contas.

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Ao ter o poder de gastar os recursos onde melhor convir aos Pontos, há ainda uma

externalidade positiva31 considerável: o desenvolvimento local. Produtos locais são, em geral,

mais atraentes, principalmente pelo valor simbólico atribuído à identificação local, mas

geralmente não permitem a prestação de contas por tomada de preços, ou similares, por se

tratarem de produtos caseiros, artesanais, etc. Com a transferência de recursos realizada

através de convênios para a maioria dos Pontos de Cultura, mas principalmente com a

modalidade de prêmio assumida em São Paulo, os Pontos passam a poder investir

indiretamente (através do consumo) nestes produtos, incentivando assim o desenvolvimento

local de economias que, antes, eram “exportadas” de grandes produtores, capazes de abranger

as exigências da prestação de contas.

Dessa forma, os Pontos de Cultura marcam, além de um avanço em termos de

descentralização e abrangência, um novo modelo de transferência de recursos públicos que,

apesar dos entraves iniciais apresentados, aponta grande potencialidade futura, principalmente

a partir da aprendizagem institucional que permite ao inserir organizações da sociedade civil

no contexto da administração pública.

O programa de Pontos de Cultura, entretanto, não pode ser visto como isento de

problemas de gestão, ou mesmo como infalível. Vale salientar, a plena discussão acerca da

legitimidade da execução de funções públicas por parte de organizações da sociedade civil,

financiadas por recursos públicos, foge ao alcance deste trabalho. A articulação ente estado e

sociedade civil é parte crucial do modelo de financiamento dos Pontos de Cultura, e é tido,

portanto, como pressuposto para o alcance de seus objetivos.

Tal qual outras políticas de transferência financeira, os convênios firmados para a

implementação dos Pontos de Cultura estão sujeitos a cooptação de partes e problemas de

governança, entre estes, problemas de assimetria de informação entre as partes, como risco

moral e seleção adversa32.

Risco moral refere-se ao risco de um indivíduo, após ter sido beneficiado por um

acordo, não realizar sua parte no mesmo acordo, ou realizá-la de maneira subótima. No caso

do programa Pontos de Cultura, destacam-se o risco de desvio e má utilização de recursos

31 Externalidade positiva ocorre quando os benefícios obtidos por uma ação excedem os custos para executar a ação, ou seja, há mais benefícios na ação do que a própria ação em si. Para uma explicação mais clara, ver STIGLITZ, J. E.; WALSH, C. E. Introdução à macroeconomia. Rio de Janeiro: Campus, 2003. 32 Os problemas decorrentes da assimetria de informação, constante dos dilemas de ação coletiva, fazem parte da teoria da agência (ou teoria do agente X principal) e são melhor detalhados por PRZERWORSKI, Adam. Sobre

o desenho do Estado: uma perspectiva agente X principal. In: PEREIRA, Bresser e SPINK, Peter (org.): Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

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após o recebimento das primeiras parcelas, por parte das organizações sociais, e, por parte do

MinC e das secretarias, o risco de não pagamento das parcelas subsequentes após a realização

das ações, prejudicando o desenvolvimento das ações dos Pontos de Cultura.

Já seleção adversa refere-se ao risco de uma ação atrair um público diferente daquele

inicialmente esperado ou mesmo que não necessite da ação. No caso do programa Pontos de

Cultura, destaca-se o risco de seleção de organizações sociais que fogem ao público do

programa (organizações culturais de regiões carentes, e à margem do financiamento público),

ou que não realizam suas ações da melhor maneira possível, após receber as parcelas do

benefício.

Para evitar estes problemas, é necessário controle eficiente dos órgãos competentes

sobre as entidades públicas e organizações cujos projetos foram aprovados, como o controle

exercido pelo MinC e Ministério Público, com o auxílio dos tribunais de contas.

Sobremaneira, é necessário criar meios para que a própria sociedade exerça controle

sobre as entidades, indo ao encontro da proposta de uma política democrática e participativa,

cerne da ideologia que constitui os Pontos de Cultura.

A necessidade de controle, por sua vez, não pode ser feita sem a devida atenção às

peculiaridades do programa. Isto porque o estado brasileiro, conhecido pela alta

burocratização de seus procedimentos, não está preparado para atender demandas e realidades

tão distintas das culturas brasileiras. O programa Cultura Viva, bem como os Pontos de

Cultura, coloca um novo modelo de gestão que não é familiar às organizações sociais, mas

que também diverge dos modelos de gestão com que o governo brasileiro trabalha.

Por ser este um programa ainda recente, as entidades governamentais e os Pontos de

Cultura ainda estão se firmando nesse universo das redes. As dificuldades começam a surgir

e, aos poucos, serão construídos caminhos para amenizá-las. Entretanto, é possível perceber

em encontros, páginas de internet e listas de discussão o ânimo e empenho que as

organizações sociais selecionadas dedicam aos Pontos de Cultura.

A potencialidade futura permitida pelo formato do programa, por sua vez, é ameaçada

pela instabilidade normativa do mesmo. Por não haver uma lei ou procedimento

administrativo que institua os Pontos de Cultura como uma política a ser implementada por

todo e qualquer governo, sua implementação fica restrita à vontade política de cada

governante. Neste sentido, preocupa o fato de poucos atores governamentais se destacarem

como realizadores e incentivadores do programa, que se torna muito atrelado aos governos em

gestão, sem garantia de continuidade caso haja alteração nos quadros governamentais.

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O fato de o programa ser realizado através de editais de seleção, sem desconsiderar

suas vantagens, faz com que a política seja institucionalmente frágil, posto que não há

legislação que garanta sua execução em governos futuros, apenas o comprometimento de

alguns gestores, e a facilidade de replicação e disseminação, atraentes para ações pontuais e

descontinuadas em favor de vontades políticas.

Não obstante os méritos do programa, os Pontos de Cultura por si sós não podem ser

apontados como a única alternativa para a política cultural brasileira. Propostas como a Lei

Rouanet, apesar dos limites apontados pelo trabalho, incentivam a produção cultural brasileira

em outras vertentes (mais caras) que a proposta dos Pontos de Cultura não abrange, e são,

portanto, fundamentais para a concretização de uma política cultural abrangente. Com a

aprovação das várias reformas em tramitação no Congresso Nacional, dentre elas o projeto de

Lei (PL) nº 6.722/2010, que institui o programa PróCultura, visando diminuir o efeito de

algumas das críticas sobre as leis de incentivo fiscal ao ampliar a atuação de fundos públicos

para cultura e criar conselhos consultivos, mas, sobretudo, ao garantir que os Pontos de

Cultura tornem-se uma política de estado, pode-se afirmar que o Brasil está caminhando para

uma maior atenção à cultura. Muito ainda precisa ser feito e não adianta apenas munir o

cidadão de espaços culturais, é preciso que a sociedade se aproprie e usufrua destes

equipamentos, reconhecendo-os como expressão de sua própria cultura. Apesar dos percalços

e caminhos ainda desconhecidos, destaca-se a esperança em uma nova forma de o Brasil

trabalhar sua cultura: de forma mais plural e descentralizada.

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10. Referências bibliográficas

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11. Entrevistas

DOZZI, Carla C. (2009) Coordenadora do programa Pontos de Cultura pelo Ministério da Cultura. Entrevista concedida em 27/11/2009 no Ministério da Cultura, Representação Regional de São Paulo (São Paulo), 2009.

OLIVIERI, Cristiane G. Autora especializada no tema. Entrevista concedida em 13/10/2009 em seu escritório (São Paulo), 2009.

RODARTE, Bárbara. Coordenadora do programa Pontos de Cultura pela Secretaria de Estado da Cultura. Entrevista concedida em 06/11/2009 na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo), 2009.

RODARTE, Bárbara. Coordenadora do programa Pontos de Cultura pela Secretaria de Estado da Cultura. Entrevista concedida em 22/03/2010 na Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (São Paulo), 2010.

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ANEXO I

Tabela de valores destinados à difusão cultural – 2003 a 2008

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ANEXO II

Roteiro para entrevistas – Secretarias Estaduais

Entrevistado:

Cargo:

Data:

Motivo da entrevista: O objetivo da pesquisa é analisar a estrutura de financiamento das

políticas nacionais de cultura. Pretende-se, para tanto, analisar de forma mais detalhada o

programa “Pontos de Cultura”, política recente do governo brasileiro, que traz algumas

mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em relação ao seu

financiamento quanto ao modo de se entender a política cultural. A entrevista será

fundamental para o detalhamento da política dos Pontos de Cultura, para o destaque de suas

potencialidades e limites.

1. Como a política dos Pontos de Cultura foi estabelecida no Estado? De onde partiu a iniciativa do convênio com o MinC?

1.2. Qual a interação entre a secretaria e o MinC? Há contato permanente?

1.3. Há, de fato, uma estrutura formada para envolver a união, estados e municípios?

1.4. Pode-se dizer que o Cultura Viva, através dos Pontos de Cultura, formam um sistema nacional de cultura?

2. Qual o critério de aprovação de um projeto? A Secretaria de Cultura tem algum procedimento que difere de outras secretarias?

3. Quais as maiores dificuldades que os Pontos encontram para apresentar um projeto?

4. Quais os maiores motivos para recusa dos projetos apresentados?

4.1. Quais os principais erros cometidos pelas organizações que impedem a aprovação dos projetos?

4.2. Há alguma relação de projetos propostos e não aprovados? (Posso ter acesso?)

5. Qual o objetivo de contemplar apenas organizações sociais?

6. Quais as maiores dificuldades que os Pontos encontram após terem o projeto aprovado?

7. Como é feito o financiamento dos Pontos de Cultura? De onde vem a receita? Qual a contrapartida a esse investimento?

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7.1. Há algum controle dos recursos financiados?

7.2. Há alguma medida dos resultados obtidos?

7.3. Como funciona a prestação de contas?

7.4. Há alguma prestação de contas pública/aberta ao público?

8. A estrutura em rede funciona como potencializadora da disseminação e sustentabilidade dos projetos? Já existe alguma rede estadual de Pontos de Cultura institucionalizada ou mesmo ativa?

9. Existe algum perfil dos projetos financiados? O edital acaba atraindo algum tipo específico de projetos aprovados?

10. Há alguma concentração regional nos Pontos de Cultura aprovados? Algum município tem número muito superior de Pontos de Cultura?

11. Qual o grau de dependência dos Pontos de Cultura em relação à secretaria?

11.1. Eles se tornam autossuficientes depois do financiamento?

11.2. Essa é uma expectativa?

11.3. É uma possibilidade?

11.4. Quais seriam os impedimentos?

12. (para CE e RS) A secretaria pensa em aplicar um segundo edital para novos Pontos? Caso haja algum projeto em vista, quais alterações serão necessárias, em comparação com o primeiro edital?

12. (para SP) As alterações feitas para o segundo edital tiveram qual objetivo? É possível determinar se essas alterações demonstram sucesso ou fracasso?

13. Apesar de ser uma política recente, quais as maiores reclamações observadas (pelos Pontos selecionados, e/ou pela Secretaria)?

14. Na sua opinião, quais as maiores críticas do programa? E os maiores elogios?

15. Na sua opinião, o programa Pontos de Cultura tem potencial para continuar (como política de governo) mesmo que o governo se altere?

15.1. É possível observar a criação de um sistema duradouro ou apenas uma política passageira?

15.2. Que Pontos indicam descontinuidade da política?

15.3. Que Pontos indicam continuidade da política?

16. Há algum dado relevante sobre o programa que pode ser ressaltado?

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ANEXO III

Roteiro para entrevistas – representantes de organizações sociais

Entrevistado:

Ligação com os pontos de cultura:

Data:

Motivo da entrevista: O objetivo da pesquisa é analisar a estrutura de financiamento das

políticas nacionais de cultura. Pretende-se, para tanto, analisar de forma mais detalhada o

programa “Pontos de Cultura”, política recente do governo brasileiro, que traz algumas

mudanças fundamentais com relação às políticas culturais anteriores, tanto em relação ao seu

financiamento quanto ao modo de se entender a política cultural. A entrevista será

fundamental para o detalhamento da política dos Pontos de Cultura, para o destaque de suas

potencialidades e limites.

1. Como a organização em que trabalha/trabalhou teve contato com a política dos Pontos de Cultura?

1.2. Como surgiu a ideia de se tornar um Ponto de Cultura?

1.3. Como o projeto foi pensado, nos moldes da política?

2. Qual o critério de aprovação de um projeto? A política dos Pontos de Cultura tem algum procedimento que difere de outros meios de financiamento público?

3. Quais as maiores dificuldades que o Ponto encontrou para apresentar um projeto?

4. Algum projeto apresentado anteriormente foi recusado? Por qual motivo?

4.1. Na sua opinião, quais os principais erros cometidos pelas organizações, que impedem a aprovação dos projetos?

5. Quais as maiores dificuldades de gestão dos Pontos após a aprovação do projeto?

6. Quais são as principais fontes de recursos dos Pontos de Cultura? De onde vem a receita? Qual a contrapartida a esse investimento?

6.1. Há algum controle dos recursos financiados?

6.2. Há alguma medida dos resultados obtidos?

6.3. Como funciona a prestação de contas?

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6.4. Há alguma prestação de contas pública/aberta ao público?

7. A estrutura em rede funciona como potencializadora da disseminação e sustentabilidade dos projetos? Já existe alguma rede estadual de Pontos de Cultura institucionalizada ou mesmo ativa?

7.1. Quais as maiores dificuldades em formar a rede de Pontos?

7.2. Quais os maiores benefícios em formar a rede de Pontos?

8. Há alguma concentração regional nos Pontos de Cultura aprovados? Algum município tem número muito superior de Pontos de Cultura?

9. Qual o grau de dependência dos Pontos de Cultura em relação à Secretaria?

9.1. Há possibilidade de que os Pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?

9.2. Qual a expectativa para que os pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?

9.3. Quais seriam os impedimentos para que os Pontos se tornem autossuficientes depois do término do financiamento pelo MinC?

10. Apesar de ser uma política recente, quais as maiores reclamações observadas (pelos Pontos selecionados, e/ou pela Secretaria)?

11. Na sua opinião, quais as maiores críticas do programa? E os maiores elogios?

12. Na sua opinião, o programa Pontos de Cultura tem potencial para continuar (como política de governo) mesmo que o governo se altere?

12.1. É possível observar a criação de um sistema duradouro, ou apenas uma política passageira?

12.2. Que pontos indicam descontinuidade da política?

12.3. Que pontos indicam continuidade da política?

13. Há algum dado relevante sobre o programa que pode ser ressaltado?