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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Direito de Ribeirão Preto Nina Chaim Meloni RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS NO SETOR AGROINDUSTRIAL DO ETANOL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO TJSP Trabalho de Conclusão de Curso Orientador: Prof a Dr a Flavia Trentini Ribeirão Preto 2014

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

Nina Chaim Meloni

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS NO SETOR

AGROINDUSTRIAL DO ETANOL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

DO TJSP

Trabalho de Conclusão de Curso

Orientador: Profa Dra Flavia Trentini

Ribeirão Preto

2014

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

NINA CHAIM MELONI

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS NO SETOR

AGROINDUSTRIAL DO ETANOL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO

TJSP

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto,

Universidade de São Paulo para obtenção do

título de bacharelado em Direito, sob a

orientação da Professora Flavia Trentini, do

Departamento de Direito Privado e Processo

Civil (DPP).

RIBEIRÃO PRETO

2014

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Meloni, Nina.

Responsabilidade civil por danos ambientais no setor agroindustrial do etanol:

análise jurisprudencial do TJSP – Ribeirão Preto, 2014.

104 p.; 30 cm.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de

Ribeirão Preto/USP.

Orientador: TRENTINI, Flavia.

1. Responsabilidade Civil. 2. Dano Ambiental. 3. Contratos Agrários.

4. Cana-de-açúcar 5. Cláusulas Contratuais

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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

NINA CHAIM MELONI

RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS NO SETOR

AGROINDUSTRIAL DO ETANOL: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO

TJSP

Apresentado em 2014

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Profa. Dra. Flavia Trentini (Orientadora)

____________________________________________

Prof. Dr.

____________________________________________

Prof. Dr.

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À minha família, pelo amor incondicional.

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À Profa Flavia Trentini, por ter sempre me oferecido sua atenção com maestria, quando

a procurei e, antes de tudo, pela compreensão que me foi concedida diante dos meus

defeitos.

À todos os professores que me auxiliaram durante os cinco anos de estudos.

Aos meus amigos, que fazem parte do meu coração.

Aos meus pais e familiares, pela paciência e apoio incondicional a cada passo dessa

jornada.

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RESUMO

O presente trabalho se propõe a estudar a aplicabilidade da responsabilidade civil por

danos ambientais nos contratos agrários do setor sucroenergético. Inicialmente será feita

uma análise geral da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, visando

apresentar os aspectos principais concernentes a esse instituto jurídico. Em seguida, será

analisado o tema dos contratos, concentrando-se nas transformações na visão desse

instituto, que geraram o seu repensar. Os contratos agrários típicos e atípicos serão

conceituados e expostos, bem como será apresentado o seu quadro de inserção no sistema

jurídico vigente. Depois, dedicar-se-á a análise dos julgados selecionados do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo no ano de 2012, fornecendo uma visão da praxe jurídica

quanto a responsabilidade civil nos moldes pesquisados. A partir dessas considerações,

traçaremos as hipóteses de aplicabilidade das cláusulas excludentes ou limitativas do

dever de indenizar nos contratos agrários do setor sucroalcooleiro. Além disso, serão

tecidas algumas criticas ao quadro dominante de responsabilidade civil por danos

ambientais.

Palavras-chave: 1. Responsabilidade Civil. 2. Dano Ambiental. 3. Contratos Agrários. 4.

Cana-de-açúcar 5. Cláusula Contratual.

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ABSTRACT

This study aims to examine the applicability of civil responsibility derived from

environmental damage on the contracts the ethanol agroindustrial sector. Initially, it will

be established the general context of civil responsibility, presenting the main aspects of

this institute. Next, the subject of contracts will be approached, focusing mainly on the

transformations in the institute, that made it be reconsidered. Typical and atypical

agrarian contracts will be defined and exposed, as well as its framework in the country’s

legal system. Afterward, the research will focus on the analysis of selected jurisprudence

from the Court of Justice of The State of San Paolo in the year of 2012, providing a

practical view of the civil responsibility in the terms that is being developed in the study.

From these considerations, the possibility of applying of clauses that exclude or limit the

obligation to repair in the contracts of the ethanol agroindustrial sector. Moreover, some

assumptions will be made about the applicability of civil responsibility from

environmental damage.

Key-words: 1. Civil Responsibility. 2. Environmental Damage. 3. Agrarian Contracts.

4.Sugar Cane. 5. Contractual Clause.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 - Delimitação da amostra de 67 (sessenta e sete) acórdãos após análise do mérito discutido nos mesmos...............................................................................................................62

Gráfico 2 - Análise do fato gerador do dano ambiental nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa..........................................................................................................63

Gráfico 3 - Análise do debate envolvendo os pressupostos da responsabilidade civil por danos ambientais nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa. ................64

Gráfico 4 - Análise da solidariedade nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa. ...................................................................................................................................65

Gráfico 5 - Análise da decretação da solidariedade entre os figurantes do polo passivo nos 7 (sete) acórdãos em que ela foi abordada...................................................................................66

Gráfico 6 - Análise da presença de discussão acerca da legitimidade nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa. .................................................................................67

Gráfico 7 - Análise da sanção aplicada diante da constatação da responsabilidade civil nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa. ......................................................68

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10

CAPÍTULO 1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..............................................................13

1.1 Breve evolução histórica.................................................................................................13

1.2 Conceito ..........................................................................................................................15

1.3 Funções ...........................................................................................................................19

1.4 Pressupostos....................................................................................................................21

1.4.1 Ação ou omissão ......................................................................................................22

1.4.2 A culpa ou o dolo do agente.....................................................................................22

1.4.3 O nexo de causalidade..............................................................................................25

1.4.4 O dano ......................................................................................................................27

1.5 Tipos ...............................................................................................................................28

1.5.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva .............................................................28

1.5.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual.................................................30

2 O dano................................................................................................................................32

3 A aplicação da responsabilidade civil por danos ambientais.............................................37

3.1 O quadro predominante...............................................................................................37

3.2 A responsabilidade por danos ambientais ...................................................................40

CAPÍTULO 2. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO. ......................................................43

4.1 Breve Histórico ...............................................................................................................43

4.2 Conceito ..........................................................................................................................45

4.3 Classificação ...................................................................................................................47

4.4 Princípios do Direito Contratual .....................................................................................49

4.4.1 Função Social da Propriedade e Função Social do Contrato ...................................49

4.5 Contratos Agrários Típicos .............................................................................................55

CAPÍTULO 3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP).................................................................60

5.1 Material e metodologia ...................................................................................................60

5.2 Análise dos resultados.....................................................................................................69

5.3 Conclusões parciais.........................................................................................................74

CAPÍTULO 4. DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS ......................................................................................75

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6 Quadro geral da responsabilidade por danos ambientais nos contratos agrários do setor sucroalcooleiro......................................................................................................................75

6.1 Aplicação da teoria do risco integral ..............................................................................75

6.2 Aplicação da responsabilidade solidária.........................................................................77

6.3 Cláusulas excludentes ou limitativas do dever de indenizar...........................................80

6.3.1 A possibilidade de aplicação ao dever de indenizar decorrente de danos ambientais...........................................................................................................................................84

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................89

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................92

 

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo principal examinar o modo como a

responsabilidade civil decorrente de danos ambientais tem sido aplicada aos contratos do setor

agroindustrial do etanol, por meio da análise doutrinária e da pesquisa jurisprudencial,

visando à apresentação da moldura desse instituto jurídico de uma maneira ampla e completa,

nessa parcela específica da economia brasileira.

No Brasil, o agronegócio no ano de 2011 representou 22,15% (vinte e dois vírgula

quinze por cento) do PIB nacional, segundo informações divulgadas pela CEPEA1 (Centro de

Estudos Avançados em Economia Aplicada) e ressaltar a importância deste setor econômico

para o país seria redundante. Com relação ao setor sucroenergético, e particularmente, no que

tange ao estado de São Paulo, os dados trazidos pela UNICA2 (União da Indústria de Cana-

de-açúcar) mostram que, no ano de 2011, a área de cana-de-açúcar colhida no território

correspondeu à 5.205.841 hectares, o que totaliza cerca de 54,22% da área que foi colhida em

todo o país.

De acordo com a UNICA, na safra de 2011/2012, o estado de São Paulo foi o

responsável pela moagem e produção de aproximadamente 61,69% da cana-de-açúcar

produzida no Brasil, bem como de 63,69% de etanol anidro e de 52,33% de etanol de etanol

hidratado. Tem-se comprovada, portanto, a relevância do desenvolvimento da pesquisa neste

estado e o motivo pelo qual ele será o enfoque principal do estudo, visto que é o maior

produtor nacional de cana-de-açúcar.

O trabalho propõe-se a expor, no primeiro capítulo, o quadro geral da

responsabilidade civil, de forma a contextualizar o instituto jurídico sob a perspectiva

doutrinária, tanto italiana quanto brasileira. Além disso, considerando-se o objetivo da

análise, a teoria do dano e o dano ambiental serão apreciados especificadamente, visando

possibilitar o exame jurisprudencial.

No segundo capítulo, o enfoque será o contrato e as alterações contratuais

derivadas da nova teoria contratual, que propõe a releitura deste instituto jurídico de forma a

incluir outros princípios institucionais e flexibilizar as suas bases. Destacam-se, focando-se                                                                                                                          1 Disponível em: <http://cepea.esalq.usp.br/pib>. Acesso em: jul./ago. 2013. 2 Disponível em: <http://www.unicadata.com.br>. Acesso em: jul./ago. 2013.

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nos contratos do setor agroindustrial, os princípios da função social da propriedade e do

contrato, ambos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Os contratos são importante

instrumento dos agentes envolvidos no processo de produção do etanol e, sendo assim, a sua

disciplina possui extrema relevância para a consecução dos intentos propostos.

O terceiro capítulo, por sua vez, será dedicado a avaliação de julgados do Tribunal

de Justiça de São Paulo no ano de 2012, para encontrar a tendência jurisprudencial mais

recente com relação a aplicação da responsabilidade civil por danos ambientais no setor

agroindustrial do etanol. Deste modo, será possível adquirir-se dados concretos no que diz

respeito ao tema da pesquisa, por meio da análise das demandas jurídicas que o envolvem em

todos os seus aspectos.

Por fim, o quarto capítulo será dedicado a análise das conclusões obtidas quando

da análise realizada no capítulo prévio, bem como se focará sobre a possibilidade de alteração

contratual da responsabilidade civil ambiental.

A pesquisa recairá, portanto, sobre os contratos que compreendem a produção e

cultivo da cana-de- açúcar, tanto os típicos quanto atípicos. Nesse ponto, cumpre destacar que

a maioria dos contratos pactuados no ramo do agronegócio brasileiro são atípicos e, por

conseguinte, não possui regulamentação legal específica e apta a dirimir todas as

controvérsias que se originam da sua convenção.

Neste contexto, há a intenção de prosseguir com o estudo aqui finalizado,

focando-se, porém, nos contratos atípicos e nas cláusulas contratuais que pactuam a

responsabilidade civil por danos ambientais, no setor sucroenergético. Dessa forma, podemos

apontar como essenciais a pesquisa e as eventuais conclusões, visto que não há legislação que

possa nortear o seu estudo.

O princípio da função social da propriedade e da função social do contrato, ambos

influenciadores dos contratos atuais, tanto típicos como atípicos, serão de extrema validade

para a continuidade da pesquisa. O primeiro encontra amparo na Constituição Federal de 1988

e tem como um de seus pilares a função socioambiental da propriedade, qual seja, a limitação

do caráter absoluto desse instituto jurídico em virtude de interesses coletivos que devem ser

resguardados, tais como: dignidade humana, saúde, igualdade, dentre outros.

Por sua vez, o estudo da aplicabilidade da responsabilidade civil e a tendência

jurisprudencial, certamente irão possibilitar a formação de um pensamento crítico acerca da

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melhor forma como devem ser pactuadas as cláusulas contratuais desse instituto e uma

conclusão que possa fornecer uma solução condizente com os litígios mais comuns desta área

empresarial.

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CAPÍTULO 1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

1.1 Breve evolução histórica

A análise histórica da responsabilidade civil se inicia no direito romano antigo

clássico, período em que o ato ilícito de origem privada se encontrava inserido no contexto

penal e o seu responsável sofria uma pena compatível a lesão patrimonial a qual deu causa ou

ao equivalente (ALPA, 1999, p. 25-26). Fascione (2012, p. 144) menciona que na Lei das 12

Tábuas já se encontravam indícios de repressão ao comportamento delituoso, por meio da

previsão de penas – inclusive ressarcitórias – ao indivíduo que cometesse furto ou provocasse

dano a outrem.

A verdadeira origem do percurso histórico da responsabilidade civil, no entanto, é

a Lex aquilia de damno, elaborada no século III a. C., pois foi com sua criação que nasceu a

compreensão do ato ilícito privado nos moldes atuais e, por tal motivo, costuma-se utilizar o

termo responsabilidade aquiliana como sinônimo de responsabilidade civil extracontratual

(MONATERI, 2001, p. 02).

A lei aquiliana dedicou seus primeiro e terceiro capítulos à repressão do dano

injusto. O titular originário da ação aquiliana (actio legis Aquiliae) – que era tanto uma ação

penal quanto reipersecutória – era somente o dominus, posteriormente alterado para também

abranger pessoas diversas que detivessem a coisa sem seu nome, bem como o possuidor de

boa-fé e o credor pignoratício (GUARINO, 2006, p. 355-356).

Alpa (1999, p. 27-28) acrescenta que a Lex Aquilia previa que o autor do ilícito de

origem privada não incorreria em uma pena de qualificação penal, entretanto deveria pagar

uma soma monetária àquele que sofreu o dano quando confirmada a impossibilidade de se

restaurar o bem danificado ou destruído.

O grande desenvolvimento trazido pela Lex Aquilia foi a escolha pelo

constrangimento do autor do dano ao pagamento de uma soma em dinheiro à vitima –

gravando-o com uma obrigação - ao invés de condená-lo a uma pena. Para tanto, o dano era

qualificado com base no bem danificado ou destruído e deveria corresponder ao seu valor.

Com Justiniano, porém, esse modo de qualificação é alterado e passa-se a utilizar o critério do

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id quo interest, que calculava o montante a ser ressarcido a partir do valor real da coisa e

daquilo que ela efetivamente vale para o proprietário, de modo a compensar efetivamente as

conseqüências oriundas do dano (ALPA, 2003, p. 45).

O próximo marco histórico na evolução do instituto da responsabilidade civil

ocorre através de Gaio no século II d.C., quando este determina os contornos da noção de

dano. Na época dos Severos, por sua vez, é firmado o dano como perda patrimonial

consistente tanto no valor correspondente ao bem destruído quanto naquele a ser pago por

causa da ocorrência do ato ilícito privado (ALPA, 2003, p. 45).

Posteriormente, a Lex Aquilia passa a estender proteção legislativa para os não-

proprietários e a concepção de dano passa a consistir na valutação da diferença entre a

situação originária e aquela que permanece após a ocorrência do ilícito. Após, o Digesto

propõe a culpa como pressuposto para a constatação da responsabilidade civil, a função mista

(sancionatória e ressarcitória) do instituto e a quantificação do dano segundo o interesse

daquele que o sofreu. Estes foram as bases utilizadas pelos juristas franceses na criação do

Code Civil.

No sistema tradicional da responsabilidade civil, o único dano considerado

ressarcível era aquele oriundo de um ato voluntário do agente. Desta forma, excluíam-se

quaisquer outras situações que não se enquadrassem nesta regra geral e as decisões que lhe

fossem contrárias eram tidas como meras exceções, sem maiores questionamentos. A

necessidade de modernização desse quadro jurídico era evidente diante do surgimento de

novos tipos de danos (moral, ambiental, dentre outros) e a comprovação da ocorrência de

prejuízos que poderiam ser reportados ao ato de outrem, porém com um diferente nexo de

causalidade (RODOTÀ, 1967, p. 18-19).

Assim, uma evolução significativa com relação ao modo de percepção do instituto

ocorreu com o abandono da máxima que ditava a verificação da culpa como indispensável

para a imputação da responsabilidade civil, tratando-se de uma adaptação mandatória para

que se pudesse fornecer a tutela necessária à existência de uma sociedade bem organizada

(RODOTÀ, 1967, p. 20).

Durante a década de 1960, verifica-se outro importante desenvolvimento

doutrinário, principalmente pelo delineamento de uma nova hierarquia de valores. A

dimensão individualista da responsabilidade civil cede lugar à tendência socializante, assim

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como ocorreu com o contrato, conforme exposto no primeiro capítulo. O Estado intervém,

pois, para garantir que na relação privada sejam respeitados os valores sociais, tais como:

normas constitucionais de igualdade e solidariedade; normas constitucionais que tutelam as

pessoas; e, normas constitucionais que tutelam a segurança e saúde humana, dentre elas,

especificamente as regras que envolvem a proteção ambiental (ALPA, 1999, p. 03).

Em outras palavras, da mesma forma como ocorreu com o contrato e a limitação

da autonomia privada em razão da proteção dos valores tutelados pelo Estado, o repensar das

funções da responsabilidade civil, atualmente, também envolve o mesmo raciocínio lógico.

Ou seja, compreende-se que existem princípios primários a quaisquer disposições legislativas

que lidam com a responsabilidade civil e que podem auxiliar na busca por soluções justas e

razoáveis no âmbito dos casos que envolvem a ocorrência de um dano.

1.2 Conceito

É inegável que o instituto da responsabilidade civil ocupa posição de destaque nos

estudos doutrinários e na prática jurídica, principalmente devido aos constantes avanços

tecnológicos e científicos trazidos pela sociedade industrial em permanente transformação e

que geram casos jurídicos complexos, muitas vezes envolvendo situações desprovidas de

disciplina legal específica. Destarte, conforme assinalou Alpa (1999, p. 03), “ao percorrer os

repertórios de jurisprudência pode-se notar que um percentual bastante considerável das

sentenças civis fazem recurso às regras da responsabilidade civil para dar solução a casos

tradicionais, a casos novos, a casos ‘difíceis’”3. (tradução nossa).

Rodotà (1967, p. 16) notou, em consonância, que a maioria dos estudos

concernentes à responsabilidade civil não deixam de mencionar a evolução da sociedade

moderna e a sua intrínseca conexão com o tema, pois o aumento da complexidade das

relações intersociais traz como principal conseqüência o surgimento de diversos tipos de

danos e eleva a probabilidade de que estes ocorram.

                                                                                                                         3 “[...] a scorrere i repertori di giurisprudenza si può notare che un percentuale assai considerevole delle sentenze civile fa ricorso alle regole della responsabilità civile per dare soluzione a casi tradizionali, a casi nuovi, a casi ‘difficili’”.

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A responsabilidade civil não apresenta um conceito exaustivo, posto que se

encontra em constante redefinição. Embora este fato inviabilize que os seus limites sejam

claramente firmados, torna seu estudo e aplicação extremamente valiosos nos casos novos.

Deste modo, a instabilidade da responsabilidade civil apresenta-se como uma vantagem, pois

permite a adequação da prática jurídica à interpretação do legislador e do Judiciário e, com

isso, viabiliza a tutela de conjunturas que não se ajustam ao ordenamento jurídico tradicional.

Alpa (1999, p. 21) explica que a responsabilidade civil surgiu a partir de uma

perspectiva individualista, no sentido de que se reconhecia o sujeito detentor de direitos – no

início pensava-se basicamente no direito de propriedade - como indivíduo capaz de dispor de

seus bens e de atuar conforme sua vontade e, portanto, responsável pelos danos causados por

seus atos no montante em que estes lhe fossem imputáveis. Concluindo, o autor destaca que a

responsabilidade civil surge de um ato ilícito cível e tem como objetivo tutelar valores

constitucionais, conforme a seguinte lógica (2010, p. 135):

A estes valores que dizem respeito às relações cidadão – Estado e às relações interprivadas (mas o discurso pode se desenvolver sobre o interesse da vítima contraposto ao interesse do causador do dano) se costuma anexar um valor que atenha à dinâmica interna da atividade potencialmente danosa: é a eficiência que diz respeito seja à organização otimizada da produção dos rescursos seja à distribuicao otimizada dos riscos4. (tradução nossa).

Nesse ponto, também a responsabilidade se distancia do âmbito exclusivo das

relações privadas e adquire um apelo político-social importante, exercendo papel essencial na

manutenção da segurança exigida por qualquer sociedade que se proponha a se chamar bem

organizada.

Monateri (2001, p.01-02), por sua vez, reafirma a inexistência de uma definição

satisfatória de responsabilidade civil e acrescenta que, devido a esta situação, o direito que

envolve este instituto apresenta-se como um conjunto de cláusulas e modelos gerais que são

combinados pelos juristas e legisladores a fim de abarcar as mais diversas hipóteses. Em sua

doutrina, explicita que o primeiro passo para se iniciar o estudo da responsabilidade civil é

                                                                                                                         4 “A questi valori che attengono ai rapporti cittadino – Stato e ai rapporti interprivati (ma il discorso si può svolgere sugli interessi della vittima contrapposti agli interessi del danneggiante) si suole affiancare un valore che attiene alla dinamica interna alle attività potenzialmente dannose: è l’efficienza che riguarda sia l’organizzazione ottimale della produzione delle risorse sia la distribuzione ottimale dei rischi.”

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compreendê-la como um instituto que se enquadra no âmbito do direito privado e que, por

isso, se contrapõe às responsabilidades penal e administrativa.

Visintini (2009, p. 11) define o princípio da equidade como matriz originária da

responsabilidade civil, pois com base em seus pressupostos, se da ação de determinado

indivíduo derivou-se dano a outrem, é justo que o custo da reparação deste dano recaia sobre

o autor do fato danoso.

Em outros termos, desenvolve-se a partir da afirmação de que o homem é um

indivíduo livre e racional, capaz de prever as consequências que derivam de suas ações e,

deste modo, é razoável assumir que tenha a capacidade de escolher aqueles que sejam

favoráveis tanto para si como para a sociedade e que seja responsável pelos efeitos

decorrentes de sua escolha.

Segundo essa lógica, para a doutrinadora, a responsabilidade civil seria a

obrigação de reparar encarregada ao responsável pela ocorrência do dano (2009, p. 11) e

compreende todas as regras segundo as quais o causador de um dano é obrigado a ressarci-lo

(2009, p. 15).

Rodotà (1967, p. 71-72) elabora crítica às definições que concebem a

responsabilidade civil como a sujeição a uma obrigação ou a própria obrigação de ressarcir o

dano, pois entende que não implicam uma própria distinção entre ambos os conceitos

expostos – quais sejam: responsabilidade e obrigação -, limitando-se apenas a descrever uma

situação jurídica. Em sua visão, o ponto principal para a elaboração de um conceito adequado

à responsabilidade civil, que possa efetivamente ser útil na teoria e prática jurídica, é

expressar claramente o nexo entre responsabilidade e dano, diferenciando-o do nexo entre

responsabilidade e obrigação:

[...] isto é as condições de relevância jurídica do dano e as modalidades de imposição da obrigação. Dizer que um sujeito é juridicamente responsável nem sempre corresponde a dizer que ele foi o autor do fato danoso que é chamado a ressarcir5. (tradução nossa).

                                                                                                                         5“ [...] cioè le condizioni di rilevanza giuridica del danno e le modalità d’imposizione dell’obbligo. Dire che un soggetto è giuridicamente responsabile non sempre corrisponde a dire che egli è stato l’autore del fatto dannoso che è chiamato a risarcire.”

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18    

Para Rodotà (1967, p. 73-74) a importância de um conceito apropriado não

implica em um teor meramente descritivo, mas se correlaciona com a própria operabilidade

jurídica do instituto. Assim, definir de modo adequado o que é responsabilidade civil permite

a sua atribuição no campo jurídico, pois viabiliza a imputação do dano com base em uma

avaliação comparativa dos interesses envolvidos, desviando-se de uma mera situação de

reprodução de um modelo geral previsto normativamente e aproximando-se da determinação

de uma base operacional objetiva:

[...] o problema da responsabilidade civil não consiste na descoberta do verdadeiro autor do fato danoso [...] mas na fixação de um critério segundo o qual se possa substituir a atribuição automática do dano por uma jurídica6. (tradução nossa).

Por isso, demarca como característica primordial da responsabilidade civil a sua

capacidade de se apresentar como conceito de relação (1967, p.75) e, como seu fundamento, o

fato danoso, independentemente de quaisquer fatores extrajudiciais que possam estar

conectados ao instituto (1967, p.78).

Assim, tendo mencionado a legislação que dispõe sobre o instituto, tem-se que a

responsabilidade civil é regulada, de modo geral, nos artigos 186 à 188 do Código Civil

Brasileiro. Na Parte Especial do mesmo diploma, é possível encontrar outras regulamentações

específicas, enquadradas sob o título IX denominado “Da Responsabilidade Civil” (BRASIL,

2003).

Observa-se que o legislador brasileiro não se ocupou da tarefa de conceituar

responsabilidade civil. Assim, os artigos 186 e 187 do Código Civil (BRASIL, 2003) foram

encarregados de expor o que é considerado, pelo ordenamento jurídico pátrio, como ato ilícito

cível, referindo-se tanto a negligência, omissão e imprudência como ao abuso de direito como

fatores violadores do dever jurídico de não lesar outrem e a Parte Especial, de dispor as regras

acerca da obrigação de indenizar e da própria indenização.

Com base na exposição precedente, nota-se que conceituar o instituto em questão

é atividade complexa na sociedade atual, posto que devem ser articulados diversos tipos de

                                                                                                                         6 “[...] il problema della responsabilità civile non consiste nella scoperta del vero autore del fatto dannoso [...] bensì nella fissazione di un criterio grazie a quale si può sostituire l’attribuzione automatica del danno con una giuridica.”

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19    

danos (ambiental, moral, do produtor); de responsabilidade, algumas ligadas ao “status” do

causador do dano; diferentes interesses tutelados (dano ao meio-ambiente, moral,

patrimonial); sanções que transcorrem desde uma simples indenização ao ressarcimento pleno

e o dano punitivo; e, por fim, a noção de imputabilidade (ALPA, 1999, p. 09-10).

Não obstante, da mesma forma como ocorre com o contrato e a limitação da

autonomia privada em razão da proteção dos valores tutelados pelo Estado, houve o repensar

das funções da responsabilidade civil. Ou seja, compreende-se que existem princípios

primários a quaisquer disposições legislativas que lidam com a responsabilidade civil e que

podem auxiliar na busca por soluções justas e razoáveis no âmbito dos casos que envolvem a

ocorrência de um dano.

Novamente, portanto, ressalta-se a importância da doutrina e da jurisprudência no

papel de estabelecer os limites da responsabilidade civil e os critérios para a sua

operacionalização. Em suma, a conclusão inicial é que o texto legislativo não é capaz de

regular de forma capaz todas as situações que envolvem o ato ilícito privado.

1.3 Funções

Diante da incorporação de novos valores sociais, políticos e econômicos ao

instituto da responsabilidade civil, percebe-se que no ordenamento jurídico moderno, ela é

vista como um importante instrumento de consecução das exigências da sociedade e de

minimização dos riscos em um modo geral, assegurando uma convivência mais pacífica e

justa.

De acordo com essa nova concepção do âmbito de atuação da responsabilidade

civil, Monateri (2001, p. 20) assinala três funções a ela conexas. A primeira é a compensativa,

posto que procura determinar as situações nas quais um sujeito deve ser compensado pelo

prejuízo oriundo da ação de outrem e que, por tal razão, permite que a responsabilidade civil

seja vista como um mecanismo social para transação de custos:

[...] através da r.c., nós realizamos uma operação não natural, e socialmente muito custosa, decidindo transferir os danos súbitos da vítima a um outro

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20    

sujeito, mediante os mecanismos institucionais das Cortes de justiça, e do processo civil7. (tradução nossa).

Há, portanto, a transferência do custo do incidente para outra pessoa, que não

aquela que sofreu o dano. A propósito do tema, Diniz (2007, p. 07) explica que a fonte

geradora da responsabilidade civil é o interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo

dano, por isso o instituto intervém para garantir à reposição completa da vítima a situação

anterior ao evento danoso, conforme a seguinte lógica:

A responsabilidade civil pressupõe uma relação jurídica entre a pessoa que sofreu o prejuízo e a que deve repará-lo, deslocando o ônus do dano sofrido pelo lesado para a outra pessoa que, por lei, deverá suportá-lo, atendendo assim à necessidade moral, social e jurídica de garantir a segurança da vítima violada pelo autor do prejuízo.

A transferência de custos é caracterizada no momento em que se determina que o

ônus do prejuízo sofrido pela vítima será feita por outro indivíduo, conforme designado por

lei, assim garantindo o direito do prejudicado à segurança. Dias (1979, p. 109-110) entende

que, desta forma, a restituição ao status quo ante adquire um sentido maior do que apenas

desestimular o comportamento civil antijurídico e age como um elemento de conservação da

ordem social.

Como a alocação do custo impõe que um indivíduo arque com o ônus dos danos

sofridos por outrem, Monateri (2001, p. 20) nomeia a segunda função da responsabilidade

civil de sancionatória.

Por fim, a terceira função delineada, que também deriva da transferência dos

custos, é a preventiva, pois as disposições que tratam da responsabilidade civil são tidas como

instrumentos de prevenção de incidentes, diante da possível imposição do fardo ressarcitório

pelo dano causado à vítima em potencial (MONATERI, 2001, p. 19-21).

Sobre o tópico, Visintini (2009, p.16) acrescenta que o caráter preventivo decorre

da atuação da responsabilidade civil na reafirmação dos princípios de origem comunitário

(exemplo: princípio de precaução) e da sua função punitiva “lato sensu”, através da atribuição                                                                                                                          7 “[...] mediante la r.c., noi compiamo un’operazione unnaturale, e socialmente molto costosa, decidendo di trasferir i danni subiti dalla vittima su di un’altro soggetto, mediante i meccasnismi istituzionali delle Corte di giustizia, e del processo civile.”

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21    

da obrigação de ressarcir calculada com base na gravidade da ofensa ou da extensão dos

danos a serem reparados.

Por sua vez, Alpa (2010, p.160) colabora elencando o que chama de quatro

funções tradicionais da responsabilidade civil: a) a função de reagir ao ato ilícito danoso,

ressarcindo o sujeito que sofreu o dano; b) a função de reparação ao “status quo ante”; c) a

função de reafirmar o poder sancionatório do Estado e; d) a função de dissuadir àquele que,

dolosa ou culposamente, intenciona prejudicar um terceiro.

Observa-se que são, de modo geral, as mesmas funções elencadas pelos outros

autores, porém o doutrinador se vale de termos diversos. Em sua obra, ressalta que conforme

o contexto temporal e social em que esteja inserida, as funções exercidas pela

responsabilidade civil variam em grau de importância e assinala que, por exemplo, o seu

papel de reafirmar o poder repressor do Estado tem diminuído consideravelmente nos últimos

anos.

Elenca, no entanto, a distribuição das perdas e a alocação de custos como funções

subsidiárias, derivadas da conjuntura econômica da responsabilidade civil. Isto, pois,

considera tais casos como tentativas de administração racional do dano e que nem sempre

correspondem a realidade fática de sua imputação, uma vez que são dependentes do sistema

cultural e jurídico-econômico. Assim sendo, entende que a preocupação do legislador não

envolve apenas a tentativa de individualizar o responsável pelo dano ocorrido e os critérios de

ressarcimento, mas igualmente a distribuição dos riscos e a divisão das perdas do modo mais

econômico (ALPA, 2003, p. 289-291).

1.4 Pressupostos

A condenação à reparação do equilíbrio violado a um sujeito, a título de

responsabilidade civil, é precedida de dois planos sucessivos: a verificação da existência da

responsabilidade e a verificação da extensão dos danos a serem ressarcidos. No primeiro

plano, fala-se na necessidade de se constatar, no caso concreto, os pressupostos essenciais da

responsabilidade civil. São os elementos previstos no artigo 186 do Código Civil de 2002

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22    

(BRASIL, 2003), quais sejam: a) ação ou omissão; b) culpa ou dolo do agente; c) nexo de

causalidade; e d) o dano.

1.4.1 Ação ou omissão

Para que se caracterize a responsabilidade civil, requer-se a existência de uma

ação ou omissão, qualificada juridicamente como ato ilícito. Stoco (2011, p. 153) afirma que

“não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem

jurídica” e continua, dizendo que a ação ou omissão voluntária constituem “o primeiro

momento da responsabilidade civil”. Completa, ainda, que não se exige a consciência quanto

ao efeito danoso no conceito de voluntariedade.

Consideram-se relevantes, portanto, apenas a ação ou a omissão voluntária,

conforme previsto no artigo 186 do Código Civil (BRASIL, 2003).

1.4.2 A culpa ou o dolo do agente

Em se tratando da responsabilidade civil, inevitável discorrer sobre o instituto da

culpa. Durante período considerável, foi apresentada como máxima da teoria da

responsabilidade civil, posto que a sua prova era elemento indispensável para declarar um

sujeito responsável por certo ato ilícito cível.

Até os fins do século XIX, prevaleceu a teoria da responsabilidade subjetiva

consubstanciada no dever de indenizar advindo do prejuízo causado por um agente a um

terceiro em decorrência de ação ou omissão praticada com culpa ou dolo (ou por outra pessoa

sob sua guarda, ou ainda, por um fato atribuído a alguma coisa, também sob sua guarda, desde

que o prejuízo esteja vinculado à culpa ou ao dolo do agente).

Na segunda metade do século XIX, porém, o papel da culpa foi reconsiderado, em

face das mudanças sociais determinadas pelo desenvolvimento econômico trazido pela

Revolução Industrial, que agravaram os riscos aos quais a sociedade estava submetida. A

exigência foi por um sistema de responsabilidade objetiva, que conduzia a uma maior eficácia

na reparação dos danos que emergiam desta nova conjuntura.

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23    

A inovação surgiu da necessidade de conciliar as regras gerais da

responsabilidade civil e as mazelas de uma sociedade industrial em pleno desenvolvimento,

de modo a se obter um ordenamento jurídico coerente com as novas demandas e, assim,

operacional. Consolida-se, pois, a tese da culpa como um princípio geral, descartando-se a sua

presunção absoluta. Para a imputação do agente, são considerados outros elementos além de

sua conduta (SALVI, 2005, p. 144 - 146):

O mesmo critério de culpa é elástico, permitindo uma apreciação na qual a consideração da exigibilidade varia conforme as características do agente e da atividade danosa, a fim de tornar-se mais rigorosa diante do dano empresarial. A responsabilidade não fundada sobre a culpa, por sua vez, é variadamente construída de acordo com a “ratio” da imputação, que pode ser (e de fato é) diferente, nas várias hipóteses (responsabilidade parental, responsabilidade do consumidor, de custódia da coisa, etc.), e que nem sempre prescinde de apreciação do comportamento do contrafeitor8. (tradução nossa).

Diante da existência de diversos tipos de responsabilidade, fundadas sobre bases

próprias, não é imperioso que se tenha um critério único de culpa e que este seja aplicável em

todas as situações. É possível que se admita a existência de um sistema harmônico por meio

da consideração concreta e analítica dos pressupostos da responsabilidade civil e a verificação

da ocorrência do dano injusto.

Significa dizer que, atualmente, o enfoque da responsabilidade civil é a reparação

eficaz das vítimas, deslocando-se da conduta voluntária do agente. Assim, ganha espaço a

teoria objetiva da responsabilização, que concede maior relevância à comprovação efetiva do

dano e do seu nexo causal com o ato ou fato que o acarretou em detrimento da apreciação da

voluntariedade da conduta do indivíduo e de sua ilicitude.

Não obstante, a culpa ainda exerce papel fundamental para a responsabilização,

em virtude da filiação do ordenamento jurídico brasileiro ao sistema subjetivo de

responsabilidade civil. O artigo 186 do Código Civil (BRASIL, 2003) traz a definição

legislativa de culpa, estabelecendo que o ilícito civil surge quando o agente viola direito e                                                                                                                          8 “Lo stesso criterio della colpa è elástico, consentendo un apprezzamento nel quale la considerazione dell’esigibilità varia a secondo delle caratteristiche dell’agente e dell’attività dannosa, fino a divenire estremamente rigorosa a fronte del danno da impresa. La responsabilità non fondata sulla colpa, a sua volta, è variamente costruita a seconda della “ratio” dell’imputazione, che può essere (e di fatto è) differente, nelle varie ipotesi (responsabilità del genitore, del committente, del custode della cosa, ecc.), e che non sempre prescinde dall’apprezzamento del comportamento del convenuto”.

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24    

causa dano a outrem, ainda que moral, através de ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência.

A culpa, portanto, surge em face de três condutas: a) a negligente, porque viola as

regras sociais de comportamento de um sujeito atento; b) a imprudente, que também implica a

violação de regras sociais, mas estas destinadas ao desenvolvimento de certas atividades; e, c)

conduta decorrente da imperícia, definida como aquela que viola regras técnicas próprias a

serem seguidas em determinados setores (MONATERI, 2001, p. 48).

Percebe-se que, no âmbito da responsabilidade civil, a culpa é verificada quando

um indivíduo desenvolve uma conduta que ultrapassa os limites do que é comumente aceito

ou esperado pela sociedade.

Tratam-se de regras sociais ou técnicas definidas pelo sistema jurídico e pela

ordem social como parâmetro de conduta diligente, ou seja, o comportamento adotado pelo

homem-médio – diligens pater familias – e que se pressupõe ser ordinário e, portanto,

legitimamente esperado. Com a demarcação da atenção mínima a ser exigida na execução das

atividades hodiernas, é possível o estabelecimento do que seja transgressivo e a aplicação

concreta do conceito de culpa.

Pela análise do diploma civil brasileiro, o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2003),

se entende que no ordenamento jurídico pátrio adotou-se justamente a teoria da culpa como

uma transgressão ao standard de diligência. Segundo Monateri (2001, p. 50), esta teoria pode

ser ramificada em três concepções:

[...] (i) a culpa como comportamento consciente em que falta por um erro de previsão a representação do evento danoso; (ii) a culpa como inobservância das leis e regulamentos; (iii) a culpa como inobservância de regras de prudência, isto é de um conjunto de deveres extracontratuais não escritos que se fundamentam no referimento ao standard de diligencia como um conjunto de normas de conduta9. (grifos do autor; tradução nossa).

O dolo, por sua vez, é apresentado em conjunto à culpa e se personifica na

intenção do agente em provocar o evento danoso, envolvendo essencialmente um dado                                                                                                                          9 “[...] (i) la colpa come comportamento cosciente in cui manca per difetto di previsione la rappresentazione dell’evento dannoso; (ii) la colpa come inosservanza di leggi e regolamenti; (iii) la colpa come inosservanza di regole di prudenza, cioè di doveri extracontrattuali non scritti che si sostanziano nel riferimento allo standard di diligenza come insiemi di norme di condotta”.

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25    

psicológico, o que dificulta amplamente a sua comprovação. O dolo civil distingue-se do

penal e, no âmbito da responsabilidade civil, expande-se em dois ramos: a) aquele que surge

devido à culpa grave, caracterizado por um alto nível de negligência e que a legislação

equipara à intencionalidade de ocasionar o evento; e, b) aquele que surge devido à má-fé,

quando o sujeito sabe lesionar o direito de outrem ou age conscientemente contra aquilo que é

correto (DI MAJO, 2003, p. 934-935).

1.4.3 O nexo de causalidade

Na vida social moderna e no contexto em que se operam as mais diversas ações

humanas, o contato entre os indivíduos é inevitável. É racional se pensar que deste contato

podem surgir prejuízos e que qualquer indivíduo está sujeito a sofrer danos ocasionados por

outrem, o que adentra a seara da responsabilidade civil. Assim, para que esta se configure,

deve-se comprovar o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a ação ou

omissão do agente.

Em suma, o nexo causal é o elemento da responsabilidade civil que permite a

ligação entre a conduta do sujeito do causador do dano e os efeitos prejudiciais dela

decorrentes. Sem a sua comprovação, não há responsabilização.

Roppo (2005, p. 508) destaca três critérios formulados pela doutrina para que se

proceda à constatação do nexo de causalidade. O primeiro critério a ser mencionado é o da

causalidade material, segundo o qual um dano pode ser considerado originado por

determinado fato quando este representar uma condição necessária (conditio sine qua non)

daquele. Para o autor, trata-se de requisito necessário, apesar de não suficiente a apontar

satisfatoriamente a correlação entre a conduta e o resultado.

O segundo critério é o da causalidade jurídica, que determina que só há nexo

causal quando houver razoável margem de probabilidade de que determinado fato possa

produzir aquele dano. Em outros termos, “o fato deve poder considerar-se, em base a um

critério razoável de frequência estatística, adequado a produzir aquele dano” (2005, p. 508).

O terceiro critério apresentado por Roppo (2005, p. 58) é o da previsibilidade do

dano que implica justamente em dizer que um dano pode ser reportado a um fato se, no

momento em que este ocorre, era previsível que aquele poderia sucessivamente ocorrer. Não

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26    

deve ser confundido com o critério precedente, uma vez que a causalidade jurídica pode ser

apurada ainda que sem o elemento da previsão do dano e pode surgir diante da omissão de um

sujeito.

De modo geral, conclui-se pela indispensabilidade de que se evidencie que o dano

sofrido pela vítima é conseqüência da ação ou omissão do agente, de forma a corroborar que

se determinado fato não houvesse ocorrido, também os prejuízos não teriam sido verificados.

Na doutrina brasileira, Pamplona Filho e Gagliano (2008, p. 86) distinguem três

teorias referentes ao nexo de causalidade. A primeira é a teoria da equivalência de condições

(conditio sine qua non), segundo a qual todos os elementos que concorrem para a ocorrência

de um dano são considerados causa, ou seja, toda a cadeia de fatos que antecede o evento é

tida como elemento causal. No entanto, devido ao seu amplo espectro, surge a crítica quanto a

infinidade de concausas que surgem a partir de um ato ilícito e, com isso, o dever de reparar

poderia ser imputado a um número ilimitado de agentes.

A segunda teoria apontada pelos autores é a da causalidade adequada, que

considera causa somente o “antecedente abstratamente idôneo à produção do efeito danoso”

(2008, p.88). Deste modo, a causa será determinada segundo um juízo de probabilidade, em

que se busca o elemento fático que apresenta maiores condições de ter ocasionado o dano.

Porém, faz-se crítica ao alto nível de discricionariedade concedido ao julgador que, embora

com base em um juízo razoável de probabilidade, deve apontar determinado antecedente

como o mais apto a ter concorrido para o resultado.

Por fim, a terceira teoria apresentada é a da causalidade direta ou imediata (ou da

interrupção do nexo causal ou da causalidade necessária), que admite como causa somente o

antecedente fático que tenha o evento danoso como sua consequência imediata e direta, em

verdadeira relação de necessidade (2008, p. 90-92).

Para tanto, o elo de ligação entre a lesão sofrida pela vítima e o ato a que ela se

reporta não pode ter sido interrompido, sob pena de não se configurar o nexo de causalidade

exigido para a imputação da responsabilidade civil. Assim, excluem-se todos os danos que

não se conectem de maneira necessária à conduta do agente.

De acordo com a maioria dos autores pesquisados (DINIZ, 2007; PAMPLONA

FILHO E GAGLIANO, 2008; GONÇALVES, 2007), o Código Civil de 2002 (BRASIL,

2003) se afiliou à teoria da causalidade direta ou imediata, a partir da análise do artigo 403 do

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diploma civil brasileiro. De fato, a interpretação do artigo aponta esta conclusão, visto que

preceitua que diante do inadimplemento da obrigação – e, portanto, ocorrência do dano –

somente serão ressarcidos os prejuízos efetivos e lucros cessantes que possam ser

considerados sua consequência direta e imediata.

É pertinente mencionar que nem todos os danos decorrentes do contato

interpessoal são passíveis de responsabilização. Roppo (2005, p. 498) salienta que existem

comportamentos sociais que, apesar de certamente danosos, são encorajados, pois úteis ao

desenvolvimento, como é o caso da livre concorrência.

1.4.4 O dano

O dano é o último requisito essencial da responsabilidade civil e será

posteriormente melhor esclarecido. Assim, neste tópico, interessa apenas abordar o quadro

geral desse pressuposto.

O primeiro ponto a ser recordado é que a responsabilidade civil resulta da

violação de normas, sejam elas morais ou jurídicas e, sendo assim, não se cogita de sua

aplicação sem que se tenha verificado um prejuízo (DIAS, 1979, p. 4-5). Completa Diniz

(2003, p. 59) que “a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente não

poderá concretizar-se onde nada há que reparar”.

O dano é “a lesão de um interesse juridicamente protegido, podendo consistir na

perda ou danificação de uma coisa, ou na ofensa a integridade física, moral ou psíquica de

uma pessoa” (BAPTISTA, 2003, p. 43-44). Apresenta-se em caráter multifacetário, mas tendo

sempre como fator comum, ser o fato jurídico que concede ao ofendido o direito de exigir a

reparação do prejuízo e ao agente causador do dano, a obrigação de repará-lo.

O objetivo primordial para a invocação do instituto da responsabilidade civil é a

restauração do equilíbrio violado, que será feita por meio da imposição de uma obrigação

indenizatória. Deste modo, se reconhece a necessidade primária da apuração de dano

patrimonial e/ou dano extrapatrimonial para que se cogite da imputação do dever de reparar.

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28    

1.5 Tipos

Embora não apresente um conceito exaustivo, para os fins do presente trabalho, a

responsabilidade civil pode ser definida como “um dever jurídico sucessivo que surge para

recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário” (CAVALIERI

FILHO, 2012, p. 02). Esta definição representa uma moldura geral da qual surgem os diversos

tipos de responsabilidade civil, a partir do critério escolhido para a classificação.

Não se trata de discussão puramente doutrinária, posto que diferentes tipos de

responsabilidade implicam regimes jurídicos diversos, bem como podem ampliar ou restringir

a aplicação das medidas compensatórias. A responsabilidade civil não se restringe apenas à

esfera privada, uma vez que assumiu importante papel na manutenção da ordem social,

transformando-se em instrumento para a garantia do direito à segurança, por meio da

minimização do risco social. A resolução satisfatória do caso concreto depende da verificação

do tipo correto de responsabilidade civil e da aplicação prática de suas especificidades.

1.5.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

A classificação quanto à análise do fator da culpa, divide a responsabilidade civil

em subjetiva e objetiva.

Dias (1979, p. 92) ensina que a responsabilidade civil subjetiva é a que se

enquadra nos ditames tradicionais do instituto jurídico, decorrente de ato doloso ou culposo.

A responsabilidade objetiva, por sua vez, é aquela que prescinde de questionamentos acerca

da culpabilidade do agente e permite a flexibilização do princípio da culpa. Desse modo, “no

sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar”.

Quando se tratar da aplicação da responsabilidade objetiva, por conseguinte, a

culpa não será elemento de consideração pelo juiz, o que configura verdadeira evolução na

doutrina da responsabilização.

Na teoria clássica, a presença da culpa do agente era fator primordial para fosse

possível imputar-lhe a obrigação de reparar o dano causado. Atualmente, porém, somente a

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responsabilidade subjetiva exige a prova da culpa do agente para a configuração de sua

responsabilidade (GONÇALVES, 2008, p. 22).

A teoria clássica, porém, em diversos aspectos, mostrou-se insuficiente a regular

de forma justa a distribuição dos danos. De modo geral, prescrevia que cabia ao lesado o ônus

da prova da conduta culposa ou dolosa do agente, sem a qual, automaticamente, não se

configuraria a responsabilidade civil.

Importa elucidar, então, o que alterou o modo que a relação entre o pressuposto da

culpa e o fundamento da responsabilidade civil era vista. Stoco (2011, p. 181) define “a teoria

da culpa presumida como antecedente histórico da responsabilidade objetiva”, pois foi a

primeira a reconhecer a culpa como uma presunção relativa, cabendo ao acusado provar a

ausência de conduta culposa.

Godoy (2010, p. 29-31) determina dois focos que alteraram a perspectiva sobre a

responsabilidade civil. Primeiramente, elenca a massificação e universalização das relações

entre pessoas como fenômeno que potencializou a ocorrência de danos em que se verificava

maior dificuldade em encontrar um culpado apto a repará-los. Evidenciou-se, portanto, um

problema no tocante ao nexo causal da responsabilidade civil que ensejou uma profunda

reconsideração acerca da demonstração da culpa como critério único de atribuição de

responsabilidade.

O segundo fator elencado pelo autor, é “a superveniência de uma nova

conformação constitucional dos ordenamentos jurídicos ocidentais” (2010, p. 30), que

culminou em uma responsabilidade civil atenta não somente à recomposição patrimonial da

vítima, mas também à garantia de sua existência digna.

Em outras palavras, a evolução da sociedade industrial e o aumento da

complexidade das relações interpessoais, porém, ocasionaram a multiplicação dos tipos de

dano e de suas causas, o que dificultou a prova da existência dos elementos que justifiquem o

direito do autor à restauração do equilíbrio violado. Desta forma, diversos casos não eram

corretamente solucionados, por fatores alheios à capacidade probatória da vítima. Pereira

(2007, p. 556) expõe de maneira concisa o raciocínio prévio:

Deixado à vítima o ônus da prova de que o ofensor procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a

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30    

própria organização social acabam por deixar larga cópia de danos descobertos e sem indenização. A evolução da responsabilidade civil gravita em torno da necessidade de socorrer à vítima [...] Foi preciso recorrer a outros meios técnicos [...].

Sendo assim, concebem-se as teorias do risco e do abuso de direito que, em um

amplo espectro, podem ser consideradas como “cláusulas gerais de responsabilidade objetiva”

e estão previstas no Novo Código Civil (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 171, 186). Trata-se de

um modelo objetivo, no qual o critério de atribuição da responsabilidade civil passa a ser o

risco, embora não de modo exclusivo.

De forma mais específica, o artigo 927 do texto civil ditou, em seu parágrafo

único, que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos

especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano

implicar, por sua natureza, risco aos direitos de outrem (BRASIL, 2003).

O parágrafo único do referido artigo consagrou a responsabilidade objetiva pelo

risco da atividade. Segundo Godoy (2010, p. 71), é primordial que o dano tenha sido

decorrente de um exercício de uma atividade para que haja a responsabilização sem culpa.

Não obstante, a definição do que seja atividade e o enquadramento de uma determinada

atividade como sendo de risco apresentam-se como os principais desafios na aplicação desta

cláusula geral.

1.5.2 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

A ponderação de acordo com as fontes de obrigação para o ressarcimento do

dano, por sua vez, origina as responsabilidades contratual e extracontratual. De forma

simplificada, a primeira se dá quando o fato danoso se configura como o inadimplemento de

uma obrigação preexistente, enquanto que a extracontratual não deriva do mesmo liame

contratual prévio (REZZONICO, 1992, p. 06).

Dias (1979, p. 141) critica a diferenciação feita pelo Código Civil brasileiro,

entendendo que a responsabilidade civil deve ser estudada em plano único, posto que a

diferenciação não atinge os princípios essenciais da responsabilidade, ou seja, “tanto em um

como em outro caso, o que, em essência, se requer para a configuração da responsabilidade,

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31    

são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, nexo de causa e efeito

entre os primeiros elementos” (1979, p. 142).

O mesmo autor afirma que tanto a responsabilidade contratual quanto a

extracontratual se fundam sobre a culpa, em virtude da filiação do ordenamento jurídico civil

brasileiro ao sistema subjetivo de responsabilidade civil (1979, p. 140).

Para Roppo (2009, p. 65-66) a responsabilidade contratual possui sua matriz

originária na vontade contratantes das partes e, assim, via de regra, não se pode admitir que

uma delas se exonere dos compromissos livremente pactuados de forma arbitrária e unilateral,

caso esta situação não esteja expressamente prevista no negócio jurídico previamente feito ou

na legislação disciplinante.

O doutrinador ainda estabelece três pressupostos que o credor deve provar para

que tenha direito a receber a indenização devida pelo sujeito que não satisfez o avençado. São

eles: o dano; que o dano tenha sido causado pelo não cumprimento; que o não cumprimento

seja resultante de uma causa que possa ser imputável ao devedor (2009, p. 291).

Gonçalves (2008, p. 28-29) destaca diversos aspectos distintivos entre as duas

espécies de responsabilidade, que foram duplamente disciplinadas pelo diploma civil

brasileiro. No que diz respeito ao que foi exposto anteriormente, esclarece determinada

particularidade concernente ao ônus da prova. De fato diz-se que há uma parcial inversão,

porque no caso da responsabilidade contratual basta que o prejudicado demonstre que o

avençado foi descumprido pelo causador do dano para que se tenha reconhecido seu direito ao

ressarcimento e, deste modo, cabe ao último provar a presença de alguma das excludentes de

responsabilidade para evitar a condenação para reparação do dano.

Para Gonçalves (2008, p. 29), quando se fala em responsabilidade contratual, o

credor só está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida e o devedor só não será

condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas em

lei (culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior), não sendo necessária a prova da

culpa.

Assim, Dias (1979, p. 143) reconhece que, na responsabilidade contratual:

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32    

a culpa consiste em não haver, em uma circunstancia dada e em relação à obrigação assumida, realizado o ato ou assumido a atitude de abstenção vinculada a essa obrigação. Quando a obrigação não é cumprida, a prova incumbe ao devedor, se se trata de obrigação de fazer, e ao credor, se se trata de obrigação de não fazer. Mas, trazida a prova, cabe ao devedor provar a ausência de culpa [...].

Nesse sentido, Pamplona Filho e Gagliano (2008, p. 18) explicam que a culpa na

responsabilidade contratual configura-se na violação do dever de adimplir e por isso, é, de

regra, presumida, cabendo à vítima comprovar apenas que a obrigação não foi adimplida. No

caso da responsabilidade extracontratual ou aquiliana, por sua vez, os autores explicam que a

culpa surge quando há a violação de um dever negativo, qual seja, a obrigação de não causar

dano a ninguém.

Assim, somente se enquadra no disposto nos artigos 186 a 188 do Código Civil

(BRASIL, 2003), a responsabilidade que não surge em face de um descumprimento

contratual, pois resulta de um ato ilícito – ou seja, o rompimento de um dever jurídico. Neste

caso, para que haja a imputação, é necessário que o lesado prove que o fato se deu por ação

culposa do possível responsável ou, em outros termos, que este agiu com imprudência,

imperícia ou negligência (GONÇALVES, 2008, p. 28-29).

Além disso, a responsabilidade extracontratual pode abranger a responsabilidade

sem culpa, baseada na idéia do risco, em conformidade ao parágrafo único do artigo 927 do

Código Civil (BRASIL, 2003). Além disso, pode se apresentar na modalidade direta ou

indireta, sendo a primeira configurada quando o agente responde por ato próprio e a segunda,

quando responde por ato de terceiro com o qual detém vínculo legal (DINIZ, 2007, p. 505-

506).

2 O dano

Conforme exposto anteriormente, o dano é um dos pressupostos da

responsabilidade civil e um dos fundamentos justificadores de sua existência, uma vez que

não se cogita em responsabilidade sem que haja o dano, ainda que a conduta do agente tenha

sido culposa ou dolosa. Ainda que se trate da responsabilidade objetiva, o dano constitui

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33    

elemento imperativo sem o qual não se pode reconhecer a obrigação de reparar (CAVALIERI

FILHO, 2012, p. 76-77).

De fato, a imprescindibilidade do dano foi consagrada nos artigos 402 e 403 do

Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2003), e as devidas ressalvas são feitas no próprio diploma

civil10. Gonçalves (2008, p. 588) ainda destaca que não basta a presença do prejuízo para que

se reconheça o dever de indenizar, o mesmo ainda deve ser certo e atual. Mais que isso,

segundo Godoy, fala-se em dano injusto

Cavalieri Filho (2012, p. 77) conceitua o dano como sendo a “subtração ou

diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem

patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima (...)”.

Nessa definição, portanto, observa-se a abrangência da natureza do dano, concretamente

demonstrada, por exemplo, no inciso V do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que

preceituou o direito à indenização pelo dano material, dano moral e dano à imagem.

O dano patrimonial ou material é definido por Diniz (2007, p. 66) como sendo:

[...] a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.

Anota-se que a obrigação de indenizar decorrente do dano patrimonial pode

implicar tanto a restauração do objeto da prestação originária quanto o pagamento do seu

equivalente pecuniário (perdas e danos), o que não significa dizer que o credor sempre poderá

perseguir ambas concorrentemente (PEREIRA, 2010, p. 320).

O dano moral, por sua vez, é conceituado por Cahali (2005, p. 22) como a lesão

que afeta direitos fundamentais inerentes à personalidade da vítima ou que lhe são

reconhecidos pela sociedade e, sob esse prisma, torna-se impossível a sua enumeração

exaustiva. Diz-se que o dano é direito quando a lesão recai sobre um bem patrimonial e

indireto, quando a ofensa incide sobre um direito extrapatrimonial.

Outra consideração importante feita por Stoco (1999, p. 654) expõe que:                                                                                                                          10 Como exemplo, destacam-se os artigos 407 e 416 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2003) que abordam, respectivamente, a cláusula penal e os juros moratórios.

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34    

[...] em matéria extracontratual, não se levanta nenhuma dúvida sobre a necessidade do prejuízo. Isso já suscita dificuldade, contudo, no campo da responsabilidade contratual, o que é determinado pela suposição, comum de que o simples inadimplemento do contrato já constitui o dano.

Excetuando-se os casos em que o credor fica desobrigado de provar o dano para

que tenha direito ao recebimento da indenização (juros de mora e da cláusula penal, reparação

à forfait e indenização mínima), ainda que se trate de descumprimento contratual, o prejuízo

deve ser certo para que se declare a responsabilidade civil.

Em suma, não é necessário delongas neste assunto, posto que já restou assentado

que a função primordial de se responsabilizar civilmente um sujeito e o fator motor da

pretensão da vítima é a busca pela restituição ou restauração do equilíbrio violado e, sendo

assim, logicamente deve abranger uma lesão, seja a um dever jurídico ou a um dever

contratual preexistentes.

Neste tópico, inicia-se a adentrar o ponto crucial da pesquisa elaborada, qual seja

analisar o tratamento conferido pela doutrina e jurisprudência com relação à

responsabilização civil por obrigações ambientais nos contratos agrários do setor do etanol.

Sendo assim, é importante que os liames do dano ambiental estejam bem definidos para que

se possa tecer as conclusões necessárias.

Inicialmente, é interessante anotar a observação feita por Birnfeld (apud BELLO

FILHO; MORATO LEITE, 2010, p. 358) acerca dos paradigmas que envolvem o pensamento

científico-ambiental contemporâneo, por meio de duas palavras: limite, pois predomina-se a

consciência da finitude dos recursos naturais e a incapacidade de sua sobrevivência diante do

padrão civilizatório do século XX e a expansão do século atual; e, interrelacionariedade, que

dita que os indivíduos e elementos naturais encontram-se conectados em uma relação de

dependência, de tal maneira que “a alteração de um dos fatores do meio ambiente implica um

conjunto de alterações (ora insignificantes, ora consideráveis) em todo o ecossistema

terrestre”.

A partir dessa consideração, o primeiro ponto a ser enfatizado é que o dano

ambiental envolve um direito fundamental do homem, posto que inserido no direito ao meio-

ambiente, assim visto como uma situação jurídica, objetiva e subjetiva, definida no direito

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35    

positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. E, os direitos

fundamentais são inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis (DA SILVA, 2008, p. 179-

181).

A Constituição Federal de 198811 (BRASIL, 1988) reconhece a todos o direito ao

meio ambiente ecologicamente equilibrado e o define como um bem de uso comum e

essencial à sadia qualidade de vida. Para tanto, arrola o Poder Público como órgão defensor

de sua integridade e, além disso, o nomeia para assegurar a sua efetividade, tanto para a

presente quanto para as futuras gerações.

Assim, estando o dano ambiental inserido nessa moldura geral, o primeiro fator a

ser delineado sobre ele, é que não atinge um indivíduo específico ou somente aqueles

envolvidas no caso concreto, mas toda a coletividade. Implica dizer, portanto, que a

repercussão do dano sobre o meio-ambiente é considerada independentemente da análise de

consequências sobre pessoas ou bens particulares.

Machado (2010, p. 358-359) elabora um estudo comparado acerca do dano

ecológico e a sua conceituação nos diversos ordenamentos e a conclusão primordial a que se

pode chegar é que a tendência é classificá-lo como uma lesão a um bem protegido pelo

Direito Ambiental. Especificamente, atenta-se para a doutrina italiana que alude ainda à

modificação prejudicial da condição do equilíbrio ecológico causada pelo dano.

Nesse caso, um ponto crucial é abordado, pois identifica que não são todas as

alterações ambientais que são passíveis de suscitar a imputação da responsabilidade civil, mas

aquelas que causam impacto significativo no ecossistema considerado.

A Lei n. 6.938/1981 (BRASIL, 1981) ou da Política Nacional do Meio Ambiente,

menciona no artigo 3o, incisos II e III, que os dispositivos nela previstos são aplicados aos

casos em que haja degradação da qualidade ambiental.

Porfirio Júnior (2002, p. 50) entende o dano ecológico como “aquele que causa

lesão ao conjunto dos elementos de um sistema e que, por seu caráter indireto e difuso, não

permite, enquanto tal, ensejar direito à reparação”. Ou seja, o dano causado ao meio-ambiente

                                                                                                                         11 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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36    

deve ser avaliado a partir de seus efeitos sobre este bem de uso comum, desconsiderando-se

eventuais ponderações particulares acerca de seus efeitos ou extensões.

O mesmo autor ainda diferencia o dano ecológico e o dano ambiental, entendendo

que o primeiro é uma espécie do segundo, pois este atinge bens ou interesses difusos,

enquanto àquele interessa apenas “lesões causadas aos elementos naturais do meio ambiente,

ainda que estas não resultem necessariamente em prejuízos patrimoniais diretos ou indiretos”

(2002, p. 51).

Sampaio (1998, p.101), por sua vez, acrescenta que o dano ambiental se

caracteriza por prejuízos diretos e indiretos, sendo que os primeiros se manifestam “pelos

efeitos reflexos que o dano causado a qualquer dos elementos que integram o meio ambiente

provoca nos demais, em virtude da interdependência que entre eles existe”. Assim, além do

evidente prejuízo delineado pela agressão ao meio ambiente, seus efeitos podem se estender a

outros bens conexos àquele que sofreu o dano diretamente, porque os componentes do meio

ambiente encontram-se conexos de forma natural e irreversível.

Sampaio (1998, p. 102-103) elabora que o dano ambiental, nesse sentido, constitui

uma categoria autônoma em relação aos outros danos que um mesmo fato pode acarretar,

concomitantemente, a outros patrimônios. Isto, pois, a vítima da lesão ambiental é o próprio

meio ambiente.

Para a presente pesquisa, por conseguinte, será considerado primariamente o dano

ambiental, definido por Milaré (2009, p. 866), de forma semelhante ao conceito da doutrina

italiana, como “lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração

adversa ou in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.

O autor menciona recursos ambientais, pretendendo conglomerar tanto os recursos

naturais quanto os elementos da biosfera e identifica a dupla face do dano ambiental, que

afeta tanto o ser humano como o meio ambiente que o cerca (2009, p. 867).

Milaré (2009, p. 870-871) destaca também três características próprias deste tipo

de dano: a) a ampla dispersão de vítimas, justamente, pois se trata de um bem de uso comum

do povo; b) a dificuldade inerente à ação reparatória, uma vez que a sua própria natureza

geralmente impede a reconstituição da integridade ambiental ou do meio que foi lesado; e, c)

a dificuldade de valoração, devido a problemática de se verificar de forma satisfatória a

extensão do dano e seus efeitos, além do fato de que trata-se de um direito difuso e que possui

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37    

valores intangíveis e imponderáveis que afetam gravemente o cálculo da totalidade a ser

devida em prol da reparação do dano ambiental.

Concluindo, percebe-se que o dano ambiental possui particularidades específicas

que alteram o tratamento jurídico que lhe é dispensado e que proclamam uma maior discussão

acerca da responsabilidade civil que deve ser aplicada, conforme se analisará em seguida.

3 A aplicação da responsabilidade civil por danos ambientais

3.1 O quadro predominante

A responsabilidade civil por danos ambientais é um dos temas mais complexos

que revolvem o instituto jurídico a ser analisado neste capítulo. O fato é que com relação aos

prejuízos resultantes de agressões ao meio ambiente, estão envolvidos os interesses de toda a

coletividade, a qual tem constitucionalmente garantido o direito a um meio natural sadio e

ecologicamente equilibrado.

O princípio do poluidor pagador encontra seu fundamento constitucional nos

artigos 170, VI e 225, § 1o ao 3o (BRASIL, 1988), e possui um duplo aspecto, visto que se

associa tanto à ideia de prevenção quanto à de repressão. Rodrigues (2002, p.142-144)

entende que o seu principal intuito é evitar o dano, por meio do que denomina redistribuição

equitativa das externalidades ambientais, definidas como os custos oriundos da fabricação e

eliminação de componentes ambientais oriundos do processo produtivo.

Em sua obra, o doutrinador elenca ainda os princípios de concretização do

princípio do poluidor - pagador, a seguir mencionados: a) o princípio da prevenção, que

segundo o autor constitui um dos axiomas do direito ambiental, posto que o dano ambiental é

quase sempre irreversível, a melhor forma de assegurar a idoneidade do ambiente é pela

adoção das cautelas necessárias para se evitar o risco ambiental, por exemplo, com a

instituição de instrumentos administrativos e jurisdicionais para a tutela ambiental; b) o

princípio da precaução, que diferencia-se do primeiro pelo fato de que, por seu intermédio,

pretende-se a adoção de medidas para que não ocorram riscos ambientais imprevisíveis e,

desta forma, antecede a prevenção; e, por fim, c) o princípio da responsabilidade, que fecha o

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38    

aspecto duplo do princípio poluidor - pagador, ao prever a repressão da conduta que causa

lesões ao meio ambiente e a reparação do dano ambiental, assim minimizando o máximo

possível as consequências dele originadas (2002, p. 148-153).

Outro importante fator a ser considerado para a aplicabilidade da responsabilidade

civil nesses casos, é o fato de que as consequências dos danos ambientais repercutem por toda

a sociedade, seja através de seus efeitos diretos ou indiretos e, embora se trate de tema que

gerou intensos debates, entende-se que a principal vítima da lesão ambiental é o próprio meio

ambiente, ainda que em concorrência atinjam-se determinados particulares.

Tendo em consideração as funções da responsabilidade civil, é possível

reconhecer a necessidade e o respeitável papel que este instituto jurídico desenvolve na seara

do Direito Ambiental, posto que determina a reparação da degradação ambiental ocasionada

por “condutas ou atividades lesivas ou jurídicas, de direito publico ou de direito privado,

ilícitas ou lícitas, de abrangentes repercussões contra a vida, a saúde ambiental, a saúde

pública e o meio ambiente saudável” (CUSTÓDIO, 2006, p. 168)

Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) entendeu se tratar

de um verdadeiro dever tanto do Poder Público quanto da coletividade, a defesa desse bem de

uso comum. Para tanto, reconheceu a tríplice responsabilização da pessoa que lhe causa dano,

uma vez que a mesma pode ser declarada imputável criminalmente, civilmente e

administrativamente, de forma concomitante12.

Sob a perspectiva do papel da culpa na responsabilização do agente causador do

dano ambiental, o entendimento principal é pela sua desconsideração na análise do julgador.

Significa dizer que a responsabilização é objetiva, devido à extrema dificuldade em se

demonstrar a culpa decorrente desses casos, pela própria natureza do dano, e a fatalidade da

sujeição dos lesados ao dano ecológico. Portanto, o acusado somente poderá se defender

alegando: negação de atividade poluidora e inexistência do dano (DINIZ, 2007, p. 579).

Apesar de a autora se valer do termo dano ecológico, expressa de maneira

condizente o pensamento predominante no ordenamento jurídico brasileiro. A Lei 6.938 de 31

de agosto de 1981 (BRASIL, 1981), que regula a Política Nacional do Meio Ambiente, impõe

                                                                                                                         12 Art. 225 [...] §3o – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais ou administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

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39    

ao poluidor a obrigação de indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ou

terceiros, independentemente da presença de culpa13.

Custódio (2006, p. 248-249) defende que a aplicação da responsabilidade objetiva

por risco, para estes casos, tornou-se uma necessidade diante das “novas exigências sócio-

econômico-ambientais e do grande número de atividades lícitas, socialmente úteis, mas

arriscadas e danosas, da sociedade contemporânea, por imposição do próprio Direito”. Esse

quadro jurídico-normativo, todavia, não implicou o declínio ou desuso da responsabilidade

subjetiva, mas segundo a teoria eclética - a qual a autora se filia -, o ordenamento jurídico

pátrio concilia as duas categorias de responsabilidade.

Por sua vez, Sampaio (1998, p. 227) arrola os seguintes pressupostos que devem

estar presentes para a caracterização da responsabilidade civil por danos ambientais, em sua

modalidade objetiva: a) o fato; b) o dano; e, c) o nexo de causalidade entre o fato e o dano.

Para o autor, os recursos tecnológicos e científicos auxiliam o aperfeiçoamento da prova dos

fundamentos exigidos para a reparação ou indenização satisfatória da obrigação ambiental e

defende as presunções em favor do meio ambiente sempre que forem adequadas (in dubio pro

ambiente).

Rodrigues (2002, p. 205) entende que a responsabilidade objetiva por danos

ambientais não admite excludentes de responsabilidade, pois o empreendedor ao exercer a

atividade comercial compromete-se a assumir todos os ônus que dela derivam, afirmando que:

A regra do art. 3o, IV da Lei n. 6.938/81 é claríssima ao dizer que se existir relação direta ou indireta entre o dano ambiental e a atividade do poluidor deve ser ele considerado sujeito passivo de eventual responsabilidade civil ambiental [...] Existente o nexo entre o dano e a atividade do poluidor, ainda que indireta (pelo só fato de estar no mercado), já é existente o dever de indenizar.

Nesse caso, entende-se que se aplica, portanto, a teoria do risco integral.

                                                                                                                         13 Art. 14 [...] §1o – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.  

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40    

3.2 A responsabilidade por danos ambientais

O contrato agrário, majoritariamente, é caracterizado pela ausência de

instrumentos legislativos aptos a regular todos os seus fundamentos e litígios que comumente

surgem quando se trata de um setor econômico em constante expansão e desenvolvimento.

Não obstante este quadro normativo, Borges (1995, p.77) seleciona cláusulas que não podem

ser reprimidas pela convenção particular e que encontram previsão legal, são aquelas que: (i)

asseguram a conservação dos recursos naturais da terra; (ii) garantem a proteção social e

econômica do arrendatário ou do parceiro-outorgado e; (iii) estabelecem proibição de usos e

costumes predatórios da economia agrícola.

A partir do conteúdo das cláusulas acima mencionadas, nota-se que, apesar da

ausência de regulamentação específica, em face da nova doutrina contratual e o

reconhecimento do papel deste instituto jurídico como instrumento político-social na

consecução de uma sociedade igualitária e justa, os contratos agrários são influenciados pelos

novos princípios contratuais. No âmbito do Direito Agrário, particularmente, destaca-se a

função social da propriedade e a função social do contrato.

O Estatuto da Terra (BRASIL, 1964) consagrou este pensamento no artigo 2º14 e

disciplinou no parágrafo primeiro as condições em que se considera que a propriedade rural

atende a sua função social, merecendo atenção a alínea ‘c’, que impõe que a mesma deve

assegurar a conservação dos recursos naturais.

Os entendimentos acima expostos aplicam-se ao sistema agroindustrial do etanol,

o qual, segundo Trentini (2011), é influenciado pela Teoria de Coase (1937) que concebe o

SAG (sistema agroindustrial) como um “nexo de contratos” entre empresas e agentes

especializados, que tem como objetivo final a disputa do consumidor de certos produtos e, no

caso do SAG da cana-de-açúcar, trata-se do etanol carburante. Incluem-se na cadeia de

contratos agrários pertencentes ao SAG do etanol tanto os típicos (arrendamento e parceria

rural) quanto os atípicos (TRENTINI; SAES, 2010).

                                                                                                                         14 Art. 2o É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. §1o A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.

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41    

De forma geral, focando-se nos contratos que envolvem essa área da economia

brasileira, o empreendedor agrário, com base no princípio do Poluidor Pagador, está obrigado

a arcar com a reparação dos danos ambientais que possam ser gerados pelo processo

produtivo desenvolvido por ele.

Grizzi (2008, p. 59) é categórica ao afirmar que toda atividade provoca impacto

ambiental negativo e, sendo assim, é capaz de lesionar o meio ambiente. Para a doutrinadora,

o Direito Ambiental promove uma releitura dos contratos no sentido de que estes devem

conter cláusulas ambientais específicas ao seu objeto e que as normas ambientais são normas

de ordem pública que não podem ser reprimidas pela convenção dos particulares (2008, p. 76-

77).

A conclusão que se tem é que, neste campo do Direito, predomina no

ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil objetiva pelo risco e solidária. Sendo,

por conseguinte, a agropecuária uma atividade industrial, por se tratar de empreendimento

econômico rural, cumpre ao empreendedor arcar com os riscos que naturalmente advém do

seu exercício.

Além disso, em princípio, não parece ser viável admitir-se a transferência ou

possíveis negociações nos contratos agrários - típicos ou atípicos - acerca da

responsabilização por danos ambientais, primeiramente por se ter definido a responsabilidade

civil ambiental como solidária. Implica dizer, nas palavras de Custódio (2006, p. 265), que:

[...] por princípio de ordem geral, em defesa da vítima ou do meio ambiente, havendo mais de um autor do fato danoso (lícito ou ilícito), todos responderão solidariamente (de forma integral) pela reparação, assegurado o direito de regresso (mediante ação regressiva) de quem ressarciu o dano ou aqueles por quem o pagou, quer no âmbito interno da própria administração (...), quer no âmbito externo, fora da administração (quando duas ou mais pessoas , físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, concorrerem, comprovadamente, para o dano ressarcível, por culpa ou risco e culpa [...]. (grifos da autora).

O texto constitucional reproduz esta afirmação ao impor à coletividade o dever de

proteger e preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Portanto, “todo aquele que,

direta ou indiretamente, seja pessoa física ou jurídica, privada ou pública, causar dano ao

meio ambiente deve ser responsabilizado por tal ato comissivo ou omissivo” (RODRIGUES,

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2002, p. 243). Em suma, podem ser responsabilizados integralmente pelo dano ambiental

tanto aquele causou quanto aquele que contribuiu para a sua ocorrência, pois está previsto no

Direito Ambiental o princípio da solidariedade.

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43    

CAPÍTULO 2. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO.

4.1 Breve Histórico

O contrato é um dos instrumentos primordiais de estruturação da vida social e

econômica, uma vez que tem o condão de viabilizar o intercâmbio de coisas por meio da

convergência de vontades, sendo restringido apenas por limitações pontuais, justificadas por

razões de ordem pública.

De acordo com Pereira (2009a, p.8) o estudo do contrato se reporta, a princípio,

ao Direito Romano, pois os juristas romanos foram os primeiros a concebê-lo como um

acordo de vontades a respeito de um mesmo ponto e também, os pioneiros em sua

estruturação. Apesar disso, conforme aponta o mesmo autor, existem profundas disparidades

entre a teoria contratual no sistema jurídico romano e no sistema contemporâneo.

No sistema romano, o principal elemento do contrato era o material, qual seja: a

necessidade da realização de específico ritual solene como condição primordial para se

considerar a obrigação como existente e válida. De fato, somente após certo período, com a

generalização de quatro pactos de utilização frequente (venda, locação, mandato e sociedade),

surgiu a categoria de contratos que se aperfeiçoavam pelo acordo de vontades. Atualmente, no

entanto, a teoria contratual moderna evoluiu de modo a desvincular-se do formalismo

exacerbado e a propor uma nova hermenêutica contratual, que busca a integração entre o

conteúdo do negócio jurídico e a real intenção das partes, ainda que desprovida de

solenidades, como modo de determinar a validade das obrigações (COUTO E SILVA, 2007).

Não coincide afirmar que a forma destituiu-se completamente de valor, porém que

adquiriu uma função mais compatível com os anseios dos contratantes e da ordem jurídica e

social vigente. Assim, a exigência ou não da forma jurídica para a validade de um contrato

surge dos próprios agentes privados, como um fato que melhor corresponde a suas aspirações

(REALE, 2009).

Outro traço distintivo apresentado por Pereira (2009a, p. 10) entre o contrato

romano e o moderno refere-se à relação jurídica criada, posto que no Direito Romano a

obrigação firmada era personalíssima, no sentido de que por ela respondiam os próprios

corpos das pessoas envolvidas. Obviamente, este tipo de raciocínio é incompatível com a

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sociedade atual e os diversos avanços nas áreas de direitos humanos e, até mesmo, com a

recente ampliação da função do contrato.

A conclusão lógica deste panorama é que, embora seja inegável a contribuição

dos juristas romanos para a teoria contratual, nota-se que o conceito moderno de contrato

formou-se pela influência de outras correntes de pensamento, destacando-se como primordiais

a dos canonistas e a escola de Direito Natural.

Gomes (2008, p. 6) estabelece que a contribuição canonista adveio da relevância

que atribuíram à vontade como fonte da obrigação, permitindo a origem dos princípios da

autonomia da vontade e do consensualismo que, de modo geral, expressam a força obrigatória

dos contratos. Por sua vez, a escola de Direito Natural, com base em seus ideais, ressaltou o

consentimento como suficiente para obrigar as partes ao cumprimento dos contratos, tendo-se

a consciência de que o fundamento racional de nascimento das obrigações é a vontade livre

dos contratantes.

Marques (2011, p. 63-64), por sua vez, ainda enfatiza a influência das teorias de

ordem política e da Revolução Francesa, que elevaram o contrato à condição de base do

Estado (como uma sociedade politicamente organizada) e, também, do Código Civil francês

de 1804, que foi responsável por conjugar as influências individualistas e voluntaristas da

época com as ideias do direito natural moderno.

O liberalismo contribuiu de forma a asseverar o princípio da autonomia da

vontade e definir o papel do Estado como mero espectador das relações privadas contratuais,

agindo somente no sentido de proteger a vontade livre dos contratantes, ou seja, as únicas

limitações admitidas eram aquelas que tinham como função prevenir comportamentos que

arriscassem a autonomia dos agentes privados, nunca porém para tutelar os envolvidos.

Segundo Roppo (2009), prevalecia a ideologia da liberdade de contratar, na qual

tinha-se como pressuposto axiológico que as partes envolvidas em uma negociação contratual

possuíam soberania para decidir, em virtude de sua própria racionalidade e em conformidade

com seus interesses, acerca da conclusão ou não do vínculo obrigacional, bem como dispor

livremente sobre o seu conteúdo e parceiro contratual.

Do raciocínio acima exposto depreendem-se as bases dos princípios tradicionais

contratuais. O princípio da autonomia da vontade consiste exatamente na liberdade concedida

às pessoas para constituírem contratos, pautados somente na manifestação livre de vontade e

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aptos a produzirem efeitos jurídicos. Não implica dizer que basta a convergência de vontades

para que esteja firmado o contrato, mas que esta é o corolário principal para que a ele se dê

início e eventual conclusão (FORGIONI, 2011)

Da autonomia da vontade, desenvolvem-se como ramificações lógicas três

princípios: a) “pacta sunt servanda” – princípio da obrigatoriedade dos efeitos contratuais -

segundo o qual, tendo os contratos sido firmados em paridade de condições e por meio da

vontade livre de vícios, adquirem, portanto, força obrigatória entre as partes e devem ser

respeitados como se lei fossem; b) princípio da liberdade contratual lato sensu, que estabelece

que as partes podem dispor com plena liberdade acerca das cláusulas contratuais (conteúdo do

contrato), atentando-se apenas aos limites legais; e, c) princípio da relatividade dos efeitos

contratuais, que dita que o contrato produz vínculos somente entre as partes, não prejudicando

nem beneficiando terceiros (AZEVEDO, 2004, p. 140).

A conjugação desses fatores culminou na construção da concepção tradicional do

contrato, na qual os princípios tinham como função primordial assegurar que as pessoas

fossem livres para assumir os compromissos, mas uma vez comprometendo-se, estavam

irremediavelmente condicionadas ao seu cumprimento. No ordenamento jurídico atual,

porém, esta visão não mais vigora em todos os seus contornos, pois evoluiu-se de forma a

incorporar novos valores fundamentais, para assegurar a real igualdade e o equilíbrio

econômico entre os contratantes.

4.2 Conceito

Prosseguindo ao que foi previamente discutido, o primeiro ponto a ser destacado

neste tópico encontra respaldo no ensinamento da maioria dos doutrinadores consultados

(AZEVEDO, 2004, 2013; FORGIONI, 2011; GOMES, 2008; MARQUES, 2011; PEREIRA,

2009; ROPPO, 2009), de acordo com os quais, o conceito tradicional de contrato sofreu

profundas modificações oriundas da influência de novas ideologias de outras ciências

humanas - que refletiam uma nova realidade - e da reanálise do papel do contrato como

instrumento de pacificação social, principalmente em razão de seu viés econômico.

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46    

De fato, a concepção tradicional do contrato (século XIX) estava pautada na

autonomia da vontade, no liberalismo econômico e no voluntarismo. A função das leis, neste

sistema, era unicamente proteger esta vontade e assegurar a realização dos efeitos desejados

pelos contratantes, ou seja, a influência estatal sobre os negócios privados era mínima

(MARQUES, 2011, p. 59-60).

Essa concepção encontrava-se em completa harmonia com a teoria econômica

predominante na época, o liberalismo. Segundo o qual, o contrato traria em si uma natural

equidade, pois dependente apenas da vontade livremente manifestada pelas partes. O Código

Civil de 1916 (BRASIL, 1916) inseria-se nesse contexto liberal e conceituava contrato como

acordos que criam obrigações e, por isso mesmo, vinculam as partes.

Todavia, com o surgimento de novas teorias jurídicas, a criação de um novo tipo

de sociedade e a evidente constatação de que o sistema tradicional possuía diversas falhas

houve o natural desenvolvimento das técnicas contratuais, visando a constituição de uma

relação contratual destinada à salvaguarda da dignidade humana e demais interesses relativos

tanto a coletividade quanto aos próprios indivíduos envolvidos na obrigação.

Portanto, no modelo atual, o que se vê é uma tentativa de desvincular o conceito

de contrato do cerco da autonomia privada, de modo a admitir que existem outras fontes que

integram o seu conteúdo e para as quais se deve atentar. Como exemplo, é necessário

considerar a categoria social a qual pertencem os contratantes. Deste modo, admitiu-se a

intervenção do Estado para corrigir o desequilíbrio e houve a efetiva modificação do regime

legal e da interpretação do contrato (GOMES, 2008, p. 8-9).

Sendo assim, embora haja uma definição formal do que seja um contrato, é

necessário sempre considerar, na delimitação de sua disciplina jurídica, social e política, seus

contornos sociais e o seu papel dentro da sociedade, principalmente em se tratando dos

tradicionais regramentos contratuais. Esta é a visão expressa por Roppo (2009, p. 7), que

expõe claramente que:

[...] os conceitos jurídicos – e entre estes, em primeiro lugar, o de contrato – reflectem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações económico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental. Daí que, para conhecer verdadeiramente o conceito do qual nos ocupamos, se torne

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necessário tomar em atenta consideração a realidade económico-social que lhe subjaz e da qual ele representa a tradução científico-jurídica [...].

Feita a ressalva, tem-se que, em uma acepção mais ampla, o contrato é negócio

jurídico bilateral, pois exige a presença de pelo menos duas partes para a sua existência

(AZEVEDO, 2013).

Nesse sentido, a formação do contrato ocorre pelo encontro de duas declarações

convergentes de vontades, visando constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica

patrimonial. Isso não implica afirmar que, em todos os casos, o consenso seja suficiente para

o aperfeiçoamento da obrigação e é justamente nessa problemática que encontra-se a evolução

da teoria contratual, impondo limites à autonomia privada (GOMES, 2008).

Os contratos, portanto, primariamente enquadram-se na moldura anteriormente

exposta, porém assumem maiores especificidades para melhor atender aos interesses das

partes. Por tal razão, surgem os tipos contratuais e as suas diversas classificações.

4.3 Classificação

A qualificação de um contrato não possui viés estritamente acadêmico, pelo

contrário, tem como maior função permitir o estabelecimento de sua relação jurídica com os

princípios contratuais e as disposições legais destinadas a regular sua formação e curso de

ação. Em virtude da finalidade do presente estudo, a classificação contratual que mais importa

aos objetivos propostos diz respeito à tipicidade dos contratos, ou seja, seu enquadramento

como típicos ou atípicos.

Os contratos típicos ou nominados são aqueles que se encontram esquematizados

em lei, enquanto os atípicos ou inominados são os que se formam à margem dos paradigmas

estabelecidos. Assim, “na qualificação do contrato celebrado entre as partes cabe inicialmente

examinar se ele pode se subsumir num dos modelos (tipos) contratuais cuja disciplina vem

expressamente prevista em lei, isto é, se ele é contrato típico, ou se é, ao contrário, contrato

atípico” (AZEVEDO, 2010, p. 139).

Por sua vez, Reale (2009, p. 224-225) altera a ótica de análise, preferindo partir de

seu resultado prático. Sendo assim, enquadram-se como contratos atípicos, os negócios

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jurídicos cujo fim já se encontra previsto em um modelo legal, enquanto que os contratos

atípicos, seriam os negócios jurídicos que tem como objetivo o alcance de um resultado

prático novo, porém compatível com o ordenamento legal vigente.

Logo, as partes não estão obrigadas a usar os tipos contratuais previamente

estabelecidos em lei e possuem a liberdade de obrigar-se, escolhendo o conteúdo do contrato

que melhor convém aos seus interesses. Desse modo, formam-se os contratos que não

encontram correlação legal, pois se originam de elementos originais ou da fusão de elementos

que são inerentes a outros contratos. Assim, dependendo da maneira como são originados há a

sua subdivisão em contratos atípicos propriamente ditos e mistos.

Os contratos mistos são aqueles que se constituem pela modificação de

características dos contratos típicos, de tal modo que os desfiguram, ou pela eliminação de

elementos secundários típicos. Em ambos os casos, o resultado final é o surgimento de um

tipo novo de obrigação (AZEVEDO, 2010).

Existem, ainda, os contratos que são inominados, pois inexiste disposição legal

específica que os regule, porém tidos como nominados socialmente, posto que são

reconhecidos pela doutrina e tem sua prática difundida de tal maneira que é possível delinear

seus contornos jurídicos.

Portanto, conclui-se que os contratos são considerados atípicos pois não

correspondentes a esboços legais pré-estabelecidos, sendo livres para utilizar novos esquemas

contratuais ou, assim são classificados, porque equivalem a uma praxe social amplamente

difundida e adotada (ROPPO, 2009).

Em todo o caso, estes tipos de contrato suscitam questões que dependem da

identificação da disciplina legal aplicável, uma vez que devido ao seu caráter

multidimensional ou por serem completamente novos, não respondem ao regramento

existente. Ou seja, o ponto crucial acerca dos novos tipos contratuais é justamente o fato de

não se submeterem a dispositivos legais específicos, não obstante as normas de caráter

cogente, em contraste com a evidente necessidade com que reclamam uma disciplina

uniforme e apta a dirimir a controvérsias que deles fatalmente surgem.

Diante deste panorama, de omissão/ausência de esquematização legal, a solução

apresentada, para a resolução das disputas jurídicas envolvendo contratos atípicos em geral,

foi recorrer aos princípios gerais do direito, como uma nova técnica contratual.

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O UNIDROIT (Instituto Internacional para La Unificación Del Derecho Privado

– Princípios do UNIDROIT, 2004), da qual faz parte o Brasil, por exemplo, estabelece para os

contratos mercantis internacionais uma série de princípios que lhes são aplicáveis em diversas

situações. Elucida que, de modo geral, podem ser utilizados especialmente quando o

ordenamento jurídico de um país encontra-se desatualizado em matéria contratual ou quando

houver dificuldades para definir qual regra jurídica deve ser aplicada ao tema específica. Em

suma, pode-se inferir, por analogia, que os princípios contratuais possuem a função de

complementar e modernizar a legislação contratual existente, de forma a suprir eventuais

falhas e ausências, como ocorre com os contratos atípicos.

4.4 Princípios do Direito Contratual

4.4.1 Função Social da Propriedade e Função Social do Contrato

Conforme salientado previamente, os princípios gerais do direito apresentam,

atualmente, função fundamental na resolução de conflitos jurídicos envolvendo tipos

contratuais que não possuem esquematização legal, bem como no estabelecimento de um

mínimo legal cogente. Isso, pois, tem como características primordiais: a generalidade e o

caráter fundante, viabilizando a conjugação dos valores político-sociais e do direito positivo,

atuando como instrumentos eficazes para consecução dos valores norteadores do ordenamento

jurídico e da sociedade ordenadamente constituída (MARQUES, 2006).

O artigo 4o do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil)

preceituou que nos casos em que a lei for omissa, o juiz decidirá com base na analogia,

costumes e princípios gerais de direito. Não se trata, portanto, de preceitos de ordem moral e

econômica, mas “enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a

compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a

elaboração de novas normas” (REALE, 2009, p. 304).

Os princípios contratuais tradicionais, positivados no Código Civil de 1916

(BRASIL, 1916), eram: o princípio da autonomia da vontade, princípio da obrigatoriedade

dos contratos e da relatividade dos efeitos contratuais. Porém, diante dos preceitos

constitucionais firmados com o advento da Constituição da República de 1988 (BRASIL,

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1988) e a evolução natural do pensamento teórico-jurídico, reclamou-se o surgimento de

novos princípios contratuais e consequente alteração da concepção do contrato, de modo a

amparar uma nova realidade político-econômica.

Assim, desvinculou-se da ideia estritamente liberal, para qual a única finalidade

da ordem legal, quando se tratando de contratos, era proteger a vontade criadora e assegurar

os efeitos aos quais as partes se obrigaram, e passou-se a admitir a intervenção moderada do

Estado, por meio da lei, para garantir a preservação dos valores sociais e políticos.

Por conseguinte, diante da necessidade de se estabelecer relações que

proclamassem a dignidade da pessoa humana e a funcionalização dos direitos, o Novo Código

Civil Brasileiro (BRASIL, 2003) também incorporou os seguintes princípios: da boa-fé, do

equilíbrio econômico e da função social. Não poderia ser de outra maneira, pois segundo

sublinhado por Marques (2011, p. 56) “o contrato remedia a desconfiança básica entre os

homens e funciona como instrumento, antes individual, hoje social, de alocação de riscos para

segurança dos envolvidos e viabilização dos objetivos almejados pelas partes”.

Adquiriram importância, então, os estudos doutrinários sobre esses princípios

positivados e a sua objetivação no contexto contratual, de modo a possibilitar a convivência

harmoniosa entre a concepção tradicional e os novos valores tutelados. O transcrito de Godoy

(2004, p. 125) melhor proclama as transformações ocorridas e o escopo com que foram

planejadas:

Tem-se o poder de auto-regramento de interesses que as partes possuem, cedendo espaço, ou convivendo, com a exigência de que se faça de forma socialmente útil, porque em prestígio da igualdade dos indivíduos e, assim, de uma relação mais solidária entre eles, possibilitando que cada um exerça uma igual liberdade jurídico-negocial, de acordo com suas próprias escolhas.

Assim sendo, o princípio da boa-fé surge como um instrumento fundamental na

manutenção de um convívio organizado por meio da repressão de condutas desleais e o

aumento da responsabilidade das partes pelos compromissos assumidos, e encontra-se

positivado no artigo 422 do Código Civil Brasileiro de 2003. Pode-se dizer que possui duas

acepções principais: a subjetiva, caracterizada como um estado de conhecimento interno do

agente de estar se comportando conforme o Direito, e a objetiva que, no caso, é a qual se

refere o ordenamento jurídico e a doutrina.

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51    

Segundo explica Couto e Silva (2007), a boa-fé objetiva apresenta-se como uma

máxima criadora de deveres secundários entre os contratantes que, não obstante, devem ser

observados em todas as fases do contrato como verdadeiros mandamentos de conduta

cooperativa. As partes, na concepção moderna contratual, estão sujeitas ao respeito de deveres

que surgem e se desenvolvem, na relação jurídica, independentemente de sua vontade.

O autor prossegue, esclarecendo que não há uma relação antagônica entre a

autonomia da vontade e a boa-fé objetiva pois a prestação principal do contrato é aquela que

foi convencionada pelas partes, por meio da manifestação de sua vontade livre de vícios,

porém para que o resultado prático visado seja efetivamente atingido, há a prescrição de

deveres secundários. Não se tratam de imposições de caráter parcial, posto que atingem todos

aqueles que participaram da obrigação e tem como finalidade assegurar o seu adimplemento e

a conduta proba das partes.

Azevedo (2000), no entanto, elabora complexa crítica à redação do artigo 422 do

Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2003), determinando-o insuficiente por diversas razões.

Dentre elas: a ausência em classificar o princípio da boa-fé como norma cogente ou

dispositiva; o fato de limitar-se ao período que vai da conclusão do contrato até a sua

execução, sabendo-se que existem outras fases nesse processo que, de igual maneira, exigem

o cumprimento dos deveres secundários; e, por fim, a problemática decorrente do uso do

termos “conclusão” e “execução”, que não abarcam a fase pós-contratual.

O que se conclui é que os novos princípios contratuais são conceitos jurídicos

ainda indeterminados e, portanto, tanto a doutrina quanto a jurisprudência desenvolvem

essencial função em sua externalização e na determinação de seu alcance nos casos concretos.

Pereira (2009a, p. 18-19) conclui o raciocínio, estabelecendo que:

A boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradição com a conduta anterior, do inciviliter agere que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado).

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52    

De modo similar, o mesmo ocorre com o princípio do equilíbrio econômico

contratual. Em que pese se tratem de contratos privados, o sistema contemporâneo contratual,

conforme dito, tem admitido a intervenção legal para garantir a igualdade entre os agentes e a

justiça contratual. Nessa seara que atua o princípio do equilíbrio econômico, com a finalidade

de equilibrar as prestações e encargos pactuados, para que não haja o enriquecimento de uma

parte em virtude da onerosidade da outra.

Para Pereira (2009a, p. 138, 141), a doutrina expressou a compreensão de que

apesar de os agentes, no momento da composição do vínculo contratual, considerarem o

contexto econômico e calcularem razoavelmente o futuro, podem surgir circunstâncias

inesperadas e profundas que alterem o paradigma de tal forma que impliquem o

enriquecimento de uma parte e o empobrecimento da outra. Diante desta conjuntura, é

possível a renegociação das cláusulas contratuais e, inclusive, a resolução do contrato sob o

fundamento da teoria da imprevisão e onerosidade excessiva.

A função social, desse modo, apresenta-se como um instrumento para coibir

atitudes abusivas no âmbito contratual, pois traduz-se em uma maneira de controle do

exercício da liberdade contratual. Razão pela qual, evidentemente, possui papel fundamental

no que se refere aos contratos atípicos, permitindo o controle judicial de relações jurídicas que

não dispõem de tipificação legal e, deste modo, mais propensas a abusos de direito.

Conforme já havia ressaltado Gomes (2008, p.19), a autonomia privada é

restringida não somente pela ordem pública, mas o seu exercício também se vê limitado pela

tipicidade dos negócios jurídicos e da determinação legal de seus efeitos. A função social

apresenta-se como um parâmetro que não pode ser relevado pelas partes, ainda que o contrato

seja atípico, pois visa impedir o prevalecimento de situações que possam comprometer o bem-

estar comum.

Godoy (2004) divide a atuação da função social em dois grupos, como um meio

de operacionalizá-la: o primeiro diz respeito aos efeitos internos perante as partes contratantes

enquanto o segundo, perante terceiros, em evidente constatação de que os direitos subjetivos,

embora assim sejam chamados, não restringem seus resultados somente às partes. A

conclusão que se infere é que, como exemplo, terceiros que tenham sofrido danos oriundos de

um contrato do qual não participaram, podem reclamar a mitigação dos seus efeitos.

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53    

O princípio da função social da propriedade está positivado na Constituição

Federal de 198815 (BRASIL, 1988) e decreta que a propriedade deve ter as suas

potencialidades aproveitadas em favor da coletividade. Assim, o particular, embora mantenha

seu domínio sobre a propriedade e pleno gozo de suas vantagens, deve fazê-lo da maneira que

melhor contribua para o bem comum (FRANCO, 2007, p. 45). Há, consequentemente, uma

limitação constitucional ao caráter absoluto da propriedade.

O Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2003), seguindo esta linha argumentativa,

acolheu a tríplice função da propriedade16: econômica, social e ambiental, incorporando o

elemento coletivo deste instituto jurídico em seu texto de lei.

De fato, é claramente visível que o Direito Agrário encontra-se intrinsecamente

ligado ao Direito Ambiental, assim não é possível separar integralmente a conexão que há

entre os campos de atuação e, por esta mesma razão, diz-se que o uso do bem imóvel rural

deve assegurar a conservação dos recursos naturais, sob o risco de o mesmo estar

desvirtuando os preceitos da função social da propriedade.

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), por exemplo, reconhece como

princípio do Direito Ambiental a função socioambiental da propriedade, que impõe a todo

proprietário de bem imóvel rural a condição de aproveitá-lo de forma racional em relação ao

meio-ambiente, utilizando-se dos recursos naturais disponíveis adequadamente e de modo a

garantir a sua máxima preservação. Estas são as diretrizes contidas no artigo 18617, que

reformulou o conceito jurídico do direito de propriedade, limitando-o com base na função

social e, ainda, agregando dimensão ambiental a este princípio.

Semelhante entendimento é expresso por Machado (2010), que nota que, embora

o direito de propriedade seja garantido constitucionalmente, o mesmo não pode ser visto                                                                                                                          15 Art. 170. A ordem econômico, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] III – função social da propriedade. 16 Art. 1.228. [...] §1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2003). 17  Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

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54    

como uma faculdade que se desenvolve individualmente, mas como um direito que atinge sua

plenitude quando direcionado ao bem-estar social.

Quanto à função social do contrato, tem-se que, para Reale (2009), ela é um

princípio estruturante da ordem econômica, decorrente da função social da propriedade, e

estatui que este não pode ser utilizado como um instrumento para atividades abusivas.

Semelhante entendimento é apresentado por Forgioni (2011, p. 245), para quem “a liberdade

de contratar é corolário necessário da afirmação da propriedade privada dos bens de produção,

de modo que não há função social da propriedade sem função social dos contratos”.

Pereira (2009a, p. 11) considera que a função social do contrato decorre do

posicionamento deste como uma fonte criadora de direitos, ainda que restrita ao âmbito

privado. Dessa forma, as partes, ao assumirem as suas obrigações, inserem-se na ordem

jurídica total e, pois, resta óbvio que o papel do contrato excede às aspirações individuais e

assume função econômica, civilizadora e educativa.

Desenvolvendo o raciocínio supra, resta assentado que o contrato é o instrumento

jurídico que possibilita a circulação de riquezas dentro da sociedade e está, portanto,

intrinsecamente conectado ao direito de propriedade. Sendo assim, é lógico assumir que o

proprietário, no exercício regular das faculdades que este título lhe concede produz efeitos

que perduram sobre a coletividade e extrapolam o vínculo contratual. A ordem jurídica,

reconhecendo esse quadro fático, limita a autonomia da vontade de modo que a propriedade e

o contrato não confrontem o interesse social e possam servir à ordem comum sem, no entanto,

desvirtuar as suas características centrais.

Roppo (2009, p. 168) expõe um ao tema discutido e resume, abstratamente, os

tipos de fontes que disciplinam o ramo contratual na atualidade:

As determinações do regulamento contratual operadas pela vontade das partes exprimem sempre os poderes da autonomia privada e, portanto, os interesses desta. As fontes diversas da vontade das partes podem, diferentemente, operar segundo estas variantes: a) valorações legais contrastantes com a autonomia privada; b) valorações legais homogéneas e instrumentais da autonomia privada; c) valorações judiciais contrastantes com a autonomia privada; d) valorações judiciais homogéneas e instrumentais da autonomia privada.

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55    

Tratam-se, por conseguinte, de cláusulas gerais, pois são normas de conteúdo

aberto e que requerem do intérprete um exercício de valoração. O seu objetivo primordial é a

promoção dos valores e fins do Estado Social-Democrático, tais como: a dignidade da pessoa

humana, a igualdade dos indivíduos, livre iniciativa e justiça social, dentre outros. De modo

nenhum, a sua operacionalização está condicionada à consecução de interesses parciais,

porque construída sob um contexto estritamente jurídico e, com isso, plenamente possível

compreender o seu uso na atividade de integração e construção de uma regular disciplina

contratual, ainda mais no caso de contratos inominados.

4.5 Contratos Agrários Típicos

Embora o foco do presente trabalho sejam os contratos agrários atípicos, é de

extrema validade analisar os contratos brasileiros típicos deste setor, posto que na falta de

disciplina legal específica (que é o atributo basilar dos negócios jurídicos inominados) o

julgador ou intérprete poderá, como um dos meios possíveis para alcançar uma solução

adequada ao caso concreto, recorrer ao contrato típico mais próximo ou similar (PEREIRA,

2009a, p. 52).

No ordenamento jurídico brasileiro, encontram-se dois contratos agrários típicos:

o de arrendamento e parceria, regulados pela Lei n. 4.504 de 30 de novembro de 1964

(BRASIL, 1964), pelo Decreto-lei n. 59.566 de 14 de novembro de 1966 (BRASIL, 1966) e

pela Lei n. 4.947 de 06 de abril de 1966 (BRASIL, 1966), esta última responsável por fixar

normas de Direito Agrário e dispor sobre o Sistema de Organização e Funcionamento do

Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, providências conexas aos contratos agrários em

geral.

A Lei n. 4.504/1966 (BRASIL, 1964) é considerada a lei agrária brasileira mais

importante e é comumente reconhecida como o Estatuto da Terra. Isto, pois, tem como função

primordial regular os direitos e obrigações decorrentes dos bens imóveis rurais para que se

execute a Reforma Agrária e a Política Agrícola.

Historicamente, o Estatuto da Terra foi criado durante o regime militar brasileiro

instalado em 1964 e utilizado como uma estratégia do governo militar para apaziguar os

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56    

diversos movimentos campesinos que emergiam contra a concentração fundiária e a grave

miséria do campo. Assim, a Lei foi escrita com os objetivos de democratizar o campo e

promover o seu desenvolvimento.

Por tais razões, a filosofia predominante no dispositivo legal envolve a função

social da propriedade, de tal forma que o artigo 2o é completamente reservado a assegurar que

o acesso, uso e desempenho da propriedade da terra sejam condicionados pela sua função

social, sendo que o parágrafo primeiro, em quatro itens, procura estabelecer as condições em

que isso efetivamente ocorre.

Prosseguindo, tem-se que o bem imóvel rural desempenha integralmente a sua

função social, ou seja, é utilizado em conformidade tanto com os anseios do proprietário

(elemento individual do direito de propriedade) quanto com os interesses da sociedade em

geral (elemento coletivo do direito de propriedade), em consecução ao bem-comum, quando:

favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nele prestam serviço, assim

como de suas famílias; mantém níveis satisfatórios de produtividade; assegura a conservação

dos recursos naturais; e, por fim, observa as disposições legais que regulam as relações de

trabalho entre os que possuem a terra e os que a cultivam (BRASIL, 1964).

Outro ponto interessante, acerca do Estatuto da Terra e o artigo 2o, é que este

determina encargos também para o Poder Público, que se torna um ente ativo na persecução

de uma melhor distribuição de terra, sua posse e uso, e de uma política agrícola em

conformidade com a justiça social e a economia rural. Para tanto, define como seu dever

promover e criar condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra que seja

economicamente útil (a propriedade deve manter níveis de produção regulares) e zelar para

que a propriedade rural desempenhe a sua função social, por meio de planos que garantam a

sua racional utilização, a justa remuneração do trabalhador e o acesso do mesmo ao aumento

dos benefícios oriundos da produção e ao bem-estar coletivo.

De maneira geral, a Lei n. 4.504/1964 (BRASIL, 1964) instala de forma

competente as condições e conceituações indispensáveis ao bom funcionamento e regular

desenvolvimento da economia rural e das atividades agrícolas, determinando as bases

necessárias dos direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais e, também,

apontando diversos preceitos do Direito Agrário.

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57    

Nesta linha argumentativa, conforme dito, no ordenamento jurídico brasileiro

encontram-se dois contratos agrários típicos, o de arrendamento e o de parceria, que por

lidarem com o bem imóvel rural são condicionados pelo Estatuto da Terra. Porém, são

regulados de maneira mais detalhada pelo Decreto-lei n. 59.566/1966 (BRASIL, 1966),

responsável por fixar a sua disciplina legal específica.

Deste modo, arrendamento rural é o contrato no qual uma parte cede à outra o uso

e gozo de imóvel rural (não necessariamente em sua totalidade) para o exercício de atividade

de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante retribuição,

cujos limites encontram-se fixados em Lei. Além disso, o contrato pode ou não abranger os

bens, benfeitorias e facilidades que, por ventura, encontrem-se no imóvel rústico.

Com o advento do Decreto-lei n. 294/2009 (BRASIL, 2009), o contrato de

arrendamento com fins agrícolas, florestais, ou outras atividades de produção de bens ou

serviços associados à agricultura, pecuária ou à floresta, teve certos elementos alterados.

Sendo assim, para que seja considerado válido é necessário que seja escrito e contenha a

identificação completa das partes envolvidas na pactuação, bem como do empreendimento

rural cedido, sob pena de o contrato ser tido como nulo. Alteraram-se, ainda, os prazos,

estabelecendo-se para os arrendamentos agrícolas um prazo mínimo obrigatório de sete anos,

mesmo que consentido entre as partes um período menor, e possível a sua renovação por igual

período caso não haja denúncia; para os arrendamentos florestais, firmou-se além do período

mínimo para o contrato (sete anos), o tempo máximo de setenta anos para vigência; e, por

fim, para os arrendamentos, definiu-se como seis anos o prazo máximo de duração,

presumindo-se a duração de um ano caso não haja maiores estipulações.

Por sua vez, o contrato de parceria rural também estabelece a cessão da terra ou

imóvel rural (parte ou partes dele), abrangendo ou não benfeitorias, bens e facilidades,

visando à realização de atividades de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa

vegetal ou mista; e ou a entrega de animais para criação, recriação, invernagem, engorda ou

extração de matérias primas de origem animal, porém mediante a partilha de riscos do caso

fortuito ou força maior da empresa rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos, conforme

porcentagem estipulada pelas partes, novamente sob observação dos limites estabelecidos

legalmente. A Lei ainda demarca cinco tipos de parceria: agrícola, pecuária, agro-industrial,

extrativa e mista (BRASIL, 1966).

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58    

Importante notar que o artigo 1o estipula que todos os contratos agrários deverão

ser regidos pelas normas contidas no dispositivo legal, que tem aplicação obrigatória em todo

o território nacional e os direitos e obrigações dela decorrentes são irrenunciáveis. Assim,

pode-se concluir que os contratos agrários atípicos deverão ser pactuados segundo as

diretrizes presentes na Lei.

Por sua vez, o artigo 13 do Decreto n. 59.566/66 estabelece, para ambos os casos,

cláusulas obrigatórias para a validade dos contratos, com o objetivo de promover e assegurar

a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos

parceiros, por meio da fixação de prazos para os contratos tendo em vista a necessidade de

recomposição do solo e a observância das normas do Código Florestal e seus demais

regulamentos no que lhes dizem respeito (BRASIL, 1966; TRENTINI, 2011).

Sob o ponto de vista das partes contratantes (arrendatários e parceiros), as

cláusulas obrigatórias visam a sua proteção social e econômica, pela fixação de porcentual

legal para a remuneração acordada, de bases para renovação bem como causas de extinção e

rescisão dos contratos, além de direitos e obrigações no tocante às benfeitorias, bens e

facilidades utilizadas durante a vigência do contrato. De modo mais específico, determinam a

necessidade da concordância do arrendador ou parceiro-outorgante à solicitação de crédito

rural feita pelos arrendatários ou parceiros e a proibição da prestação de serviço gratuito pelas

partes envolvidas, da exclusividade da venda de frutos ou produtos ao arrendador ou parceiro,

da obrigatoriedade do beneficiamento da produção em estabelecimento determinado pelo

arrendador ou parceiro e da obrigatoriedade de aquisição de gêneros e utilidades em armazéns

ou barracões determinados pelo arrendador ou parceiro (TRENTINI, 2011).

É nessas cláusulas obrigatórias que, de forma mais visível, observa-se a

operacionalização da função social da propriedade rural e, consequentemente, da função

social dos contratos, pois estabelecem a coexistência dos interesses subjetivos das partes e a

preservação do meio ambiente e da coletividade, pelo aproveitamento racional dos recursos

naturais disponíveis e manutenção dos valores intrínsecos à ordem político-social vigente.

O desenvolvimento da economia brasileira, principalmente do setor agrícola,

impôs a necessidade da criação de novos desenhos contratuais, em face da complexidade dos

fins envolvidos na cadeia de produção de serviços e bens. Não significa, no entanto, que os

contratantes desse ramo possuem autonomia privada sem limites para estabelecerem as

cláusulas contratuais conforme desejem, mas que existem contratos agrários que não possuem

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59    

regime jurídico apto a ser aplicado e apto a conciliar o interesse privado com o bem-estar

comum.

Portanto, trata-se de uma realidade social moderna que está desamparada

juridicamente. Sendo assim, conforme previamente discutido, a tutela legal dessas situações

ocorre pela reunião das cláusulas gerais do ordenamento jurídico - no caso, princípios do

direito-, da análise do próprio instrumento contratual e de outros contratos típicos que se

assemelhem ao caso concreto, de forma a estabelecer uma interpretação uniforme e

condizente com os anseios subjetivos e coletivos.

Por fim, percebe-se a intenção do legislador pátrio na elaboração das Leis

anteriormente discutidas, qual seja: harmonizar o direito de propriedade e as atividades agro-

pecuárias com a necessidade do desenvolvimento rural sustentável e o bem-estar coletivo.

Segundo Prado (2005, p.66), o desenvolvimento que ocorre de maneira sustentável “se

vincula à utilização dos recursos naturais e de desfrute do meio ambiente de modo a satisfazer

as necessidades do presente sem comprometer as do futuro”.

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60    

CAPÍTULO 3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJSP)  

5.1 Material e metodologia

Trata-se de pesquisa qualitativa, do tipo documental. De acordo com Arilda

Godoy (1995, p. 58), o método qualitativo se caracteriza por ser descritivo e ter como objetivo

a compreensão de fenômenos. A pesquisa documental, por sua vez, possibilita a análise de

documentos que não receberam tratamento analítico ou que podem ser reexaminados, com a

intenção de se buscarem novas informações ou informações complementares.

Os acórdãos analisados foram retirados diretamente do website do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo18 (TJSP) e a sua pesquisa realizou-se por meio da utilização

das expressões: a) “responsabilidade civil”; b) “cana-de-açúcar”; e, c) “dano ambiental”,

unidas pela ferramenta ‘E’ presente no próprio mecanismo de busca avançada.

O termo “responsabilidade civil” foi utilizado com a intenção de delimitar o

objeto da pesquisa, uma vez que o trabalho se concentra sobre este tipo específico do instituto

jurídico.

Conforme mencionado no item 3, o dano ambiental enseja a responsabilização

tríplice do agente causador do dano, visto que este pode ser declarado responsável nas esferas

administrativa, penal e criminal, concomitantemente e sem prejuízo umas das outras. Trata-se,

segundo Rodrigues (2002, p. 155), de um dos princípios (da responsabilização)

concretizadores do princípio do poluidor-pagador, não havendo que se falar em bis in idem,

pois a responsabilização nas três esferas jurídicas é justificada pelo fato de tutelarem objetos e

fins divergentes.

No caso particular da responsabilidade civil, o autor explica que a sanção no

campo ambiental tem o intuito de reparar o dano oriundo da antijuridicidade, seja ele coletivo

ou individual, e possui sempre “um aspecto de reconstituição patrimonial” (2002, p. 156).

A expressão “cana-de-açúcar” foi utilizada em virtude do objeto do presente

trabalho, que envolve os contratos agrários pertencentes ao setor agroindustrial do etanol, cuja                                                                                                                          18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em: jul./ago. 2013.

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61    

principal matéria-prima para produção é justamente a cana-de-açúcar. De fato, “o etanol

carburante representa mais da metade do produto da industrialização da cana-de-açúcar, se

considerada a quantidade equivalente de açúcar recuperável” (CONSENCANA, 2009 apud

TRENTINI; SAES, 2010, p. 32).

Por fim, o termo “dano ambiental” foi escolhido por se tratar de um dos pontos

centrais da pesquisa desenvolvida, posto que constitui o tipo de degradação que origina a

responsabilidade ambiental e, consequentemente, toda a discussão que abordam as obrigações

na esfera de reparação cível.

O período compreendido para a amostra, por sua vez, foi fixado por meio da data

de julgamento e se estendeu de 01 de janeiro de 2012 à 31 de dezembro de 2012, que

correspondia ao último ano já transcorrido e, por conseguinte, à jurisprudência mais

atualizada no ano de 2013, quando a pesquisa foi desenvolvida, acerca do tema que se propõe

a analisar. Além disso, somente foram analisados os acórdãos que versassem sobre as

questões de mérito.

Com base nestes instrumentos, portanto, delimitou-se uma amostra composta 67

(sessenta e sete) acórdãos, a seguir especificados: 7 (sete) embargos de declaração; 48

(quarenta e oito) apelações cíveis; 2 (dois) embargos à execução; 1 (um) agravo retido; 1

(embargo infringente); 2 (duas) ações diretas de inconstitucionalidade; 2 (duas) apelações

criminais; e, 4 (quatro) agravos de instrumento.

Posteriormente, procedeu-se à leitura dos acórdãos na íntegra. Em um primeiro

momento, foram descartados 57 (cinquenta e sete) acórdãos, posto que os assuntos

ponderados em seu julgamento não faziam referência direta e consonante ao tema em seus

aspectos. De forma breve, expõe-se que: 12 (doze) dos acórdãos avaliados tratavam de

questões de mérito não correlacionadas ao setor sucroalcooleiro; 11 (onze) tratavam de

questões processuais; 3 (três) discutiam responsabilidade civil não originária de danos

ambientais; 29 (vinte e nove) dos acórdãos teciam considerações sobre a responsabilidade

ambiental administrativa ou debatiam a multa por infração ambiental e suas consequências; e,

por último, 2 (dois) acórdãos pertenciam à área jurídica criminal, englobando aspectos penais.

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62    

Gráfico 1 - Delimitação da amostra de 67 (sessenta e sete) acórdãos após análise do mérito discutido nos mesmos.

 

Sendo assim, separou-se 9 (nove) acórdãos cujo conteúdo confrontava o objetivo

principal da pesquisa desenvolvida, qual seja, analisar a aplicação da responsabilidade civil

por danos ambientais no setor sucroalcooleiro, com o intuito de obter considerações a respeito

do seu impacto nos contratos agrários que englobam a atividade industrial centrada no etanol.

Assim, o primeiro ponto analisado concentrou-se no fato gerador do dano, que

ensejou a propositura da ação de reparação cível. Constatou-se que em 8 (oito) dos acórdãos,

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63    

este fato correspondeu à queima da palha da cana-de-açúcar feita de forma ilegal ou sem

autorização prévia do órgão ambiental competente e em 1 (um) dos acórdãos, ao impedimento

da regeneração da vegetação em áreas de preservação permanente (APPs), devido à formação

de pastos e cultivo de cana-de-açúcar, além da omissão em destinar 20% (vinte por cento) de

imóvel rural à constituição de Reserva Legal.

Gráfico 2 - Análise do fato gerador do dano ambiental nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa.

 

Segundo informações extraídas dos próprios julgados, a queima da palha da cana-

de-açúcar consiste em técnica primitiva que visa, por meio do ateamento de fogo ao canavial,

descartar as folhas e biomassa que não serão utilizadas na fase industrial.

Em um segundo momento, procedeu-se à verificação dos problemas relacionados

à configuração da responsabilidade civil, particularmente os seus pressupostos. Para que

determinado indivíduo seja declarado responsável por reparar determinado dano, é necessário

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64    

que se comprove no caso concreto a presença dos elementos essenciais da responsabilidade

civil, quais sejam: ação ou omissão; culpa ou dolo do agente; nexo de causalidade; e, dano.

Dessa forma, dentre os 9 (nove) acórdãos que constituem a amostra, averiguou-se

que em 5 (cinco) julgados foi mencionada a dificuldade de comprovação dos danos

ambientais decorrentes da queima da palha da cana-de-açúcar; em 2 (dois), o debate

circundou a questão do agente causador do dano, diante de alegações de autoria do evento

danoso por parte de terceiro desconhecido; em 1 (um) dos julgados, protelou-se a carência de

nexo causal entre a conduta lesiva e a parte em face da qual foi proposta a ação; e, por fim,

em 1 (um) dos acórdãos não houve menção aos elementos essenciais da responsabilidade

civil, posto que ainda não houve julgamento acerca deste ponto controverso.

Gráfico 3 - Análise do debate envolvendo os pressupostos da responsabilidade civil por danos ambientais nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa.

 

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65    

Em seguida, questionou-se a respeito da solidariedade advinda da

responsabilidade civil por danos ambientais, constatando-se que o assunto foi abordado em 7

(sete) julgados, excluindo-se 1 (um) acórdão em que o órgão decidiu pela ausência de

responsabilidade civil no caso julgado e 1 (um) acórdão que não discorreu sobre o assunto,

posto que o mérito específico da responsabilidade civil ainda não foi declarado.

Gráfico 4 - Análise da solidariedade nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa.

 

Sendo assim, dentre os julgados que reconheceram a responsabilidade solidária

passiva, expõe-se que: em 3 (três) casos ela foi declarada entre fornecedor e usina; em 1 (um)

julgado não foi possível apurar entre quem houve a solidariedade, visto que não houve

referência específica; em 1 (um) caso a Usina também era a responsável pelo próprio

fornecimento de cana-de-açúcar; e, finalmente, em 2 (dois) casos, a solidariedade foi

determinada entre a Usina e sua sucessora, não se discutindo se o fornecedor também foi

incluído.

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66    

Gráfico 5 - Análise da decretação da solidariedade entre os figurantes do polo passivo nos 7 (sete) acórdãos em que ela foi abordada.

 

A seguir, procedeu-se à verificação de possíveis discussões acerca da legitimidade

para figurar no polo passivo da ação, constatando-se a sua presença em 5 (cinco) julgados,

nos quais foram feitas menções à legitimidade quando se fala em responsabilidade civil por

danos ambientais e a sua ausência em 4 (quatro) dos acórdãos.

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67    

Gráfico 6 - Análise da presença de discussão acerca da legitimidade nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa.

O próximo tópico sobre o qual se recaiu o exame foi sobre a sanção aplicada pelo

órgão julgador diante da imputação do dever de indenização. Em 6 (seis) dos julgados

apreciados, o responsável foi condenado ao pagamento de indenização. Em 1 (um) dos

julgados analisados ainda não houve pronunciamento sobre esta questão, em 1 (um) dos

acórdãos não se fez menção à sanção aplicada e, por fim, em 1 (um) dos acórdãos, o órgão

julgador entendeu que não haveria responsabilidade civil, portanto não foi aplicada nenhuma

sanção.

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68    

Gráfico 7 - Análise da sanção aplicada diante da constatação da responsabilidade civil nos 9 (nove) acórdãos pertencentes à amostra final da pesquisa.

 

Finalmente, a última demanda procurou examinar se nos acórdãos pertencentes à

amostra selecionada houve discussão a respeito de cláusula contratual pactuada entre as partes

pertencentes ao polo passivo e que visassem à alteração do regime da responsabilidade civil.

Constatou-se que em nenhum dos julgados mencionou-se referida cláusula, sendo que

somente em 1 (um) dos acórdãos se fez referência a matéria de contratos agrários, de forma

superficial.

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69    

5.2 Análise dos resultados

O primeiro ponto a ser assinalado diz respeito à constatação de que em todos os

julgados definiu-se que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva. A

justificativa para a aplicação da modalidade objetiva da responsabilidade civil decorrente de

danos ambientais encontra amparo no artigo 225, da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e

no artigo 14, §1o da Lei n. 6.938/1981 (BRASIL, 1981). A objetividade decorre, portanto, de

expressa previsão legal.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) impõe que aqueles que lesarem o meio

ambiente estarão sujeitos a reparar os danos causados, referindo-se claramente a possibilidade

de o infrator responder civilmente pela degradação ambiental. A Lei da Política Nacional do

Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981), por sua vez, estabelece no artigo previamente

mencionado que haverá a responsabilidade do poluidor independentemente de culpa.

Trata-se da principal consequência prática resultante do tipo objetivo da

responsabilidade civil. Assim, quando se tratarem de danos ambientais, o elemento subjetivo

da culpa não será fator de consideração pelo julgador e os ditames dessa responsabilidade

civil restringem-se à comprovação do dano e do nexo causal.

Sendo assim, os principais argumentos levantados pelo polo passivo para elidir a

responsabilidade civil objetiva e evitar a imputação do dever de indenizar envolveram o dano

e o nexo de causalidade.

Com relação aos argumentos levantados para descaracterizar a ocorrência do

dano, destacam-se: a) ausência de produção de provas periciais que demonstrassem

efetivamente a degradação ambiental e b) defesa da queimada como uma técnica não lesiva.

De acordo com Gonçalves (2007, p.336-338), não são indenizáveis os danos que

não acarretam uma diminuição de algum bem jurídico da vítima ou que não preencham os

requisitos de certeza e atualidade. A falta do dano inevitavelmente inviabiliza a declaração de

determinado indivíduo como responsável por determinado evento, justamente porque a

função primordial deste instituto e que o fundamenta é a reparação do prejuízo causado. O

mesmo doutrinador elucida que “embora possa haver responsabilidade sem culpa, não se

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70    

pode falar em responsabilidade civil ou em dever de indenizar se não houve dano.” (2007, p.

337).

Por outro lado, dentre as alegações destinadas a convencer acerca da existência de

danos ambientais, tem-se: a) a emissão de poluentes na atmosfera em quantidades

consideráveis e b) os males causados à saúde humana em face da aspiração dos resíduos da

prática da técnica. Ainda, apresentou-se estudos científicos que confirmam os prejuízos

causados ao meio ambiente e seus componentes.

O entendimento jurisprudencial dominante, nos julgados que abordaram o tema,

decidiu pela ocorrência da degradação ambiental oriunda da queima da palha da cana-de-

açúcar, pois entendeu que a queimada libera gases nocivos à atmosfera, afetando a saúde

humana e o meio ambiente e desequilibrando o ecossistema. Em um dos acórdãos, declarou-

se ainda que a poluição do ar trata-se da pior espécie, posto que há a impossibilidade de

recuperação daquilo é lançado ao meio ambiente.

Assim, quanto à incerteza de danos subsistentes e negação da sua efetiva

ocorrência, percebeu-se que a maioria dos órgãos julgadores recorreu à estudos científicos

para descartar o argumento, tais como: a) estudos que comprovam a relação entre a

morbidade respiratória da população e a queima da palha da cana-de-açúcar, b) estudos que

demonstravam o impacto dessa prática sobre a saúde humana, degradação dos solos, poluição

urbana, dentre outros.

Além disso, consideraram-se observações levantadas durante a época da colheita,

com a utilização deste método e que, embora careçam de cientificidade, entendeu-se que

demonstraram a sua prejudicialidade para a fauna, trabalhadores rurais, ambientes urbanos

próximos e exportação de nutrientes do sistema.

Ainda que persistisse a incerteza científica, citou-se o princípio da precaução

(número 15)19, estabelecido na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, cujo teor estabelece que a ausência

                                                                                                                         19 Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica não será utilizada como razão para adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Princípio 15. Disponível em: <http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. Acesso em: 03 de ago. de 2013).

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71    

de certezas científicas não pode ser alegada como forma de se afastar a proteção ambiental e a

implementação de tutelas para sua consecução.

Com relação ao nexo de causalidade, levantou-se a tese de autoria de terceiro

desconhecido, que foi desconsiderada pelo Tribunal. Isto, pois, expressaram entendimento de

que a responsabilidade civil ambiental é objetiva segundo a teoria do risco integral e solidária

quanto ao polo passivo, sendo esta última característica prevista no artigo 94220, 2o capítulo

do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2003).

A teoria do risco integral define que aquele que se presta a desenvolver atividade

de risco deve evitar todos os danos que dela possam decorrer e, ainda, que todo aquele que

auferir benefício de conduta lesiva, poderá ser convocado ao ressarcimento. Milaré (2009, p.

961) estabelece que a adoção do risco integral traz as seguintes consequências, quando da

configuração da responsabilidade civil: a) prescindibilidade da investigação de culpa; b)

irrelevância da licitude da atividade; e, c) inaplicação das cláusulas de exclusão da

responsabilidade civil.

A responsabilidade civil ambiental foi declarada como solidária em todos os

julgados em que este questionamento foi abordado, segundo o argumento de que o ônus

ambiental deve ser suportado por todo aquele que dele extrair benefícios. Em um dos

acórdãos, em que se observou esta lógica, o órgão julgador afirmou que ao usufruir das

benesses provenientes de dano ambiental, a parte voluntariamente aderiu à conduta lesiva.

Nos 3 (três) casos em que a Usina foi declarada responsável juntamente com o

fornecedor, entendeu-se que a cana-de-açúcar colhida por meio da técnica da queimada

destinava-se a sua utilização e cadeia produtiva e, desse modo, auferiu lucro com o evento

danoso ocorrido, sendo o mesmo argumento utilizado para os 2 (dois) casos em que houve a

condenação à indenização do dano ambiental pela sucessora em conjunto à Usina. Não

houveram repercussões práticas no único julgado em que a Usina também era a fornecedora

da cana-de-açúcar, porém cumpre anotar que o acórdão reconheceu a responsabilidade civil

ambiental como solidária, fundamentando o entendimento nos moldes previamente expostos.

Em outras palavras, as normas que tutelam o meio ambiente possuem caráter

cogente, visto que o seu escopo é a proteção de um direito considerado fundamental. Dessa

                                                                                                                         20 Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. (BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2003).

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72    

forma, a sua aplicação no caso concreto tem como objetivo basilar o interesse público, razão

pela qual não se admitem causas excludentes de responsabilidade ambiental, que é solidária,

pois a falta de individualização do agente causador do dano não pode ser arguida pela parte

para se eximir da obrigação de reparar o dano vinculado a sua atividade e do qual adquiriu

benefícios.

No que tange à legitimidade, a sua fundamentação seguiu o mesmo raciocínio. O

Tribunal de Justiça de São Paulo considerou, nos 5 (cinco) acórdãos em que se discutiu a

legitimidade ou não de uma das partes pertencentes ao polo passivo, que não se admite a

ilegitimidade passiva quando se adota a teoria integral do risco, pois o dano deve ser evitado

por aquele que pratica a atividade, uma vez que assume o ônus pelo seu exercício, em

conjunto aos lucros decorrentes.

Em um dos acórdãos, o posicionamento apresentou certas peculiaridades no

debate da legitimidade na responsabilidade civil por danos ambientais, visto que a

consideração desenvolveu-se sobre uma base fática diversa. Tratou-se de caso em que ainda

não houve o julgamento pontual da responsabilidade civil, porém uma das partes peticionou a

sua exclusão do pólo passivo argumentando ser casada com uma das rés sobre regime de

separação total de bens e, sendo assim, não poderia ser responsabilizada pelo dano ambiental

ocorrido no imóvel rural de propriedade do cônjuge.

O Tribunal descartou a pretensão de ilegitimidade passiva apresentada pela parte,

porque o titular de domínio, além de ter a obrigação de utilizar a propriedade em

conformidade à legislação constitucional e infraconstitucional, também assume o ônus de

preservar o meio ambiente. Nesse ponto, percebe-se claramente a união entre o princípios da

função social da propriedade e a tutela do meio ambiente, pois o Estatuto da Terra determinou

que o imóvel rural somente atenderá a sua função social quando prezar pela preservação dos

recursos naturais21.

Assim, decidiu pela manutenção da parte no pólo passivo, tendo-se em vista que

como titular do domínio tem a faculdade de assegurar o uso da propriedade nos conformes

político-sociais, de tal modo que o órgão julgador considerou que a responsabilidade por dano

ambiental é objetiva e propter rem.

                                                                                                                         21  Art. 2o [...] §1o. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: [...] c) assegura a conservação dos recursos naturais. (BRASIL, Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, 1964).

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73    

De acordo com Penteado (2012, p. 129), as obrigações propter rem:

Caracterizam-se por surgirem em virtude do vínculo que o sujeito passivo da obrigação, antes da sua constituição, tem com a coisa objeto de uma situação jurídica de direito das coisas. Assim, a titularidade da situação jurídica de direito das coisas é o fundamento da obrigação propter rem e é a ela que esta adere, de modo a se transmitir com a transmissão desta titularidade.

Ainda segundo o autor, a propriedade privada configura-se em um dos “marcos

regulatórios fundamentais da atividade de proteção do meio ambiente.” (2012, p. 267), razão

pela qual se justifica a intervenção do Estado para regular as condutas interpessoais neste

âmbito, conforme ocorre neste julgado.

Em todos os casos em que se constatou a responsabilidade civil por danos

ambientais, a sanção aplicada pelo Tribunal foi a indenização, ou seja, o ressarcimento

monetário pelo dano causado. A compensação do dano ao meio ambiente “visa restabelecer

determinado equilíbrio afetado ou perdido” (MORAES, 2011, p. 124).

Por fim, o último ponto a ser delineado é o que diz respeito às cláusulas

contratuais. Com relação aos acórdãos delimitados, em nenhum houve alusão específica à

pacto privado acerca da responsabilidade civil por danos ambientais nos contratos agrários,

assim, em nenhum momento, a controvérsia circundou a possibilidade ou não das partes de

realizarem avença em que se manipula a obrigação de indenizar decorrente de danos

ambientais.

De fato, somente em um dos acórdãos houve menção aos contratos agrários

típicos no voto e ocorreu no sentido de reiterar que, independentemente da natureza jurídica

da convenção instituída entre as partes (parceria, arrendamento, dentre outros) toda pessoa

que tirar proveito de conduta ilícita estará apta a ser chamada para ressarci-la.

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74    

5.3 Conclusões parciais

A primeira conclusão é que não houve alteração da responsabilidade civil

ambiental em face das disposições contratuais, inclusive este fator não constou da

fundamentação das decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, que baseou a aplicação do

tipo deste instituto jurídico nos dispositivos legais específicos. Desta forma, tem-se que há

uma jurisprudência predominante no tocante à obrigação de reparar oriunda de danos

ambientais, que declara a imputação da responsabilidade civil objetiva nestes casos com base

na teoria do risco integral.

Não houve menção aos contratos agrários típicos, o que permite concluir que no

tocante aos contratos típicos do setor agroindustrial (arrendamento e parceria rural), o

paradigma predominante é pela sua adequação aos preceitos constitucionais ambientais, não

se verificando a alteração contratual do regime de responsabilidade adotado.

O Código Civil (BRASIL, 2003) previu a função social do contrato, que impede

que as partes utilizem este instrumento como um meio para perpetrar atitudes abusivas, além

disso, os contratos típicos possuem regulamentação legal específica, razão pela qual as partes

dispõe de uma menor liberdade no momento de pactuar as cláusulas contratuais agrárias.

No que tange à discussão entre solidariedade e legitimidade, é possível afirmar

que a jurisprudência dominante, no ano de 2012, adota a teoria do risco integral, de forma que

não persistem argumentos que tendem a eximir as partes da responsabilidade civil com base

na alegação de autoria de terceiro desconhecido ou ilegitimidade passiva. No Tribunal de

Justiça de São Paulo, o entendimento é pela responsabilização de todo aquele que exercer

atividade de risco da qual decorre dano ambiental, bem como, aquele que se extrair benefício

de conduta ilícita.

No que diz respeito aos contratos atípicos, não foi possível obter dados concretos

acerca do regime jurídico da responsabilidade civil que se aplica, posto que não se encontrou

nos acórdãos nenhum ponto relevante acerca do seu assunto. Os contratos agrários atípicos

tem como principal característica a ausência de regulamentação legal, porém constituem

número significativo no setor agroindustrial.

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75    

CAPÍTULO 4. DA POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AMBIENTAIS

6 Quadro geral da responsabilidade por danos ambientais nos contratos agrários do setor sucroalcooleiro

6.1 Aplicação da teoria do risco integral

A análise dos julgados demonstrou que o Tribunal de Justiça de São Paulo, no ano

de 2012, em conformidade com o disposto no artigo 14, §1o da Lei 6.983/1981 (BRASIL,

1981), aplicou a responsabilidade civil objetiva por danos ambientais derivados do exercício

da atividade sucroalcooleira. Em função disso, “não se aprecia subjetivamente a conduta do

poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente” (MACHADO,

2010, p. 361).

Lemos (2012, p. 120) considera que o reconhecimento da objetividade quando se

trata de danos ambientais não está especificamente conexo ao desenvolvimento de atividade

de risco pois, em face da sua previsão legal, o caso se enquadraria na primeira parte do

parágrafo único do artigo 92722 do Código Civil (BRASIL, 2003).

Segundo a autora, significa dizer que a objetividade decorre primariamente de

disposição legal, responsabilizando-se inclusive o proprietário que não desenvolve atividade

considerada de risco para a sociedade. Apesar disso, no caso do desenvolvimento de atividade

agroindustrial relacionada ao setor sucroenergético da economia, o proprietário assumirá a

responsabilidade pelos danos ambientais em virtude do risco da atividade, de maneira

específica (2012, p. 125).

Antunes (2010, p. 217) adverte que a responsabilidade pelo risco integral não

pode ser confundida com a responsabilidade que deriva da só existência da atividade. De fato,

a diferenciação é crucial, posto que à responsabilidade por danos ambientais fundada no risco,

aplica-se a teoria do risco integral, cuja maior particularidade é a não admissão de nenhuma

das excludentes de responsabilidade (LOPEZ, 2008, p. 40).

                                                                                                                         22 Art. 927 [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2003).

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76    

Portanto, configura-se em uma das responsabilidades mais severas presentes no

ordenamento jurídico, estabelecida em face daquele que tira proveito da atividade. Importante

notar que a atividade em questão é lícita, ou seja, permitida por lei e muitas vezes necessária

ao desenvolvimento sócio-econômico da sociedade em que se insere. Segundo Alonso (2000,

p. 104), se enquadra como fim da aplicação da teoria do risco integral, o elemento prevenção,

“como tentativa de inibir a ocorrência do dano”.

Desse modo, a teoria do risco integral determina algumas alterações na aplicação

da responsabilidade sem culpa, particularmente considera que o organizador de uma atividade

deve arcar integralmente com o ônus dela decorrente, bastando para a sua responsabilização o

nexo de causalidade, sem nenhum dado qualificativo, e a ocorrência do dano (GODOY, 2010,

p. 85). Nesse sentido (ALONSO, 2000, p. 57):

A teoria do risco integral proclama que o agente deve reparar o dano por ele causado, independentemente de existir um fato culposo; não perquire sobre as circunstâncias do fato causador do dano, bastando que este ocorra e que esteja vinculado a determinado fato para assegurar à vítima a sua reparação.

Godoy (2010, p. 85) entende que, nesses moldes, a atribuição da responsabilidade

se esgotaria diante da constatação de que aquele que dirige uma atividade deve arcar com o

ônus que é inerente ao seu desenvolvimento, tendo como fundamentos tanto o controle de

risco imposto a terceiros quanto o princípio da solidariedade.

As excludentes de responsabilidade estão previstas em lei e são situações em que

“todos os elementos configurativos da responsabilidade aparentemente se apresentam, e não

obstante isto, não ocorre o dever de reparação, porque alguma circunstância existe, hábil a

justificar o comportamento do agente ou negar o dever de reparação” (PEREIRA, 2009b, p.

573). O autor destaca a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de

necessidade (2009, p. 573).

Altera-se o nexo de causalidade, que desaparece ou é atenuado dependendo da

hipótese em concreto. Diniz (2007, p. 110-114) estabelece que isso ocorre quando há: a) culpa

exclusiva da vítima, que deverá arcar com todos os prejuízos; b) culpa concorrente entre

vítima e agente, quando a responsabilidade será repartida casuisticamente; c) culpa comum e,

assim, haverá a compensação de reparações; d) culpa de terceiro, diverso do agente e da

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77    

vítima e que será o responsável pela reparação do dano; e, por fim, e) caso fortuito ou força

maior, que eliminam a culpabilidade, em virtude da inevitabilidade do evento e da ausência de

culpa quanto ao resultado.

Essas hipóteses, porém, não são aplicáveis diante do risco integral. Segundo

Granziera (2014, p. 719), trata-se de uma adequação das excludentes previstas na legislação

tendo em vista a tutela específica do meio ambiente, o que gera a necessidade de “se analisar

a questão à luz do risco ao qual a atividade causadora do dano expôs a sociedade e o meio

ambiente [...]” (grifos da autora).

A justificativa para a impossibilidade de ocorrência das excludentes de

responsabilidade é, de acordo com Ueda (2008, p. 115), a criação de riscos que clamam

reparação ainda que rompido ou ausente o nexo de causalidade. Desse modo, segundo a

autora (2008, p. 122), em se tratando de atividades que podem ser consideradas de risco, a

responsabilidade objetiva será apurada da seguinte forma:

Em virtude da ausência de demonstração de culpabilidade, em havendo danos a terceiros, a responsabilidade torna-se objetiva: basta a prova do nexo causal ou o elo de ligação entre o desempenho da atividade que lhe é imputada e o dano propriamente dito.

De forma que, quando da aplicação da teoria do risco integral à responsabilidade

por danos ambientais, haverá o enquadramento na segunda hipótese, desqualificando-se o

nexo causal, posto que é estabelecida a responsabilização em função da prática de

determinada atividade potencialmente causadora de risco e diante do prejuízo verificado ou

potencial ao meio ambiente, levando-se sempre em consideração as especificidades trazidas

pelo princípio da prevenção.

6.2 Aplicação da responsabilidade solidária

A solidariedade, tanto a contratual quanto a extracontratual, nunca é presumida,

devendo sempre decorrer de previsão legal ou de convenção entre as partes (DIAS, 1979, p.

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78    

508). De acordo com Fiorillo (2010, p. 126), a responsabilidade civil pelo dano ambiental é

solidária em função do artigo 3o, I23, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Também o Código Civil (BRASIL, 2003) previu no artigo 942, “caput”, que

havendo mais de um autor a ofensa, todos responderão pela sua reparação.

Benjamin (1998, p. 12-13) assinala que o dano ambiental comumente possui mais

de um causador, quando não incertos em virtude de multiplicidade de causas ocasionando um

único resultado ou mesmo de uma causa que produz múltiplos efeitos, mencionando ainda a

dificuldade de constatação da totalidade das vítimas afetadas pelo evento bem como todos os

efeitos que dele decorrem, diante da possibilidade concreta de danos de manifestação

retardada ou com efeito cumulativo.

Dessa maneira, no âmbito do dano ambiental, quando este for imputável a mais de

uma pessoa, todas elas por ele serão responsáveis civilmente. Custódio (2006, p. 251) entende

se tratar de questão de grande relevância atual, com vistas a garantir o ressarcimento total e

justo do dano.

A solidariedade passiva em matéria de direito ambiental, assim como os outros

institutos jurídicos quando aplicados a este ramo do sistema, apresenta algumas

peculiaridades que merecem considerações. Para Benjamin (1998, p. 38), nesse contexto, a

solidariedade decorre tanto da previsão legal quanto da indivisibilidade do dano ambiental,

sendo o próprio meio ambiente figura indivisível e bem de uso comum de todos.

A declaração de solidariedade quanto ao polo passivo em termos de

responsabilidade civil determina que todos aqueles que forem considerados ofensores,

responderão integralmente pela reparação do dano, assegurado o direito de regresso àquele

que o pagou (CUSTÓDIO, 2006, p. 265).

A questão problemática diz respeito à teoria do nexo causal aplicável para que se

determine quais os autores do fato danoso, ou seja, a quais indivíduos o dano se reporta.

Como restou assentado, a teoria integral no âmbito do direito ambiental estabelece que, diante

do desenvolvimento de uma atividade de risco e da ocorrência de dano ambiental, o nexo

causal é desqualificado. A responsabilidade civil é decretada em face da premissa de que todo

                                                                                                                         23 Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]

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79    

aquele que aferiu benefício de tais atividades, deve ser chamado a ressarcir os eventuais danos

que dela possam decorrer ou já tenham decorrido.

Lemos (2012, p. 159) entende que compete ao juiz aplicar as medidas que entenda

serem mais adequadas à solução justa do conflito jurídico. Conforme observado na análise

dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (item 5.3), os magistrados

entenderam pela responsabilidade solidária em virtude do risco integral quanto aos danos

ambientais.

Desse modo, “se o evento ocorreu no curso ou em razão de atividade

potencialmente degradadora, incumbe ao responsável por ela reparar eventuais danos

causados, ressalvada sempre a hipótese de ação regressiva” (BENJAMIN, 1998, p. 41).

É importante ainda recordar que o sistema agroindustrial (SAG) da cana-de-

açúcar, cujo produto final seria o etanol carburante, é formado por um “nexo de contratos”

entre empresas e agentes especializados (TRENTINI, 2011). Envolve, por conseguinte,

empreendedores agrários organizando atividade potencialmente degradadora.

Porém, Salomon (2009, p. 110-111) critica o sistema delineado, pois entende que

o nexo de causalidade no direito ambiental não pode ser preterido, em função do princípio da

legalidade e da segurança jurídica.

Uma teoria elaborada por Trimarchi entende que é possível falar-se em

concorrência de riscos, assim (TRIMARCHI, 1961 apud CUSTÓDIO, 2006, p. 253):

[...] o dano se reparte entre aqueles que concorreram para sua causa, em proporção do valor do risco criado por pessoa: isto corresponde quer à exigência de constranger principalmente sobre quem controla o risco maior, quer à exigência de atribuir a cada pessoa uma responsabilidade a mais adequada possível àquelas dimensões do risco que ela pode prever, calcular e desenvolver economicamente.

A discussão acerca da proporcionalidade do dever de indenizar oriundo de danos

ambientais, declarado solidário entre o fornecedor e a usina sucroalcooleira, não foi

mencionada em nenhum dos julgados analisados, razão pela qual pode-se inferir que não

constitui fator de consideração pelo julgador.

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80    

6.3 Cláusulas excludentes ou limitativas do dever de indenizar

Como consequência da aplicação dos princípios da solidariedade social e da

reparação integral da vítima (norteadores da responsabilidade civil), o artigo 944, “caput”24,

do Código Civil (BRASIL, 2003), prevê a adoção do princípio da ampla reparação. Em outras

palavras, o montante da indenização jamais poderá ser inferior ao prejuízo sofrido. A

princípio, portanto, o critério para a fixação da indenização consiste na extensão do dano, não

sendo relevante o grau de culpa do ofensor para fixação do quantum devido.

O parágrafo único25, do referido artigo 944 do Código Civil, no entanto,

introduziu uma limitação ao critério de fixação de indenização previamente mencionado, ao

prever a equidade como parâmetro na decisão do montante indenizatório. Procurou-se evitar a

desproporcionalidade e o próprio desvirtuamento do instituto da responsabilidade civil em

determinados casos.

Desse modo, percebe-se que existe previsão legal a propósito da alteração do

dever de indenizar, consequência da configuração da responsabilidade civil no caso concreto.

No entanto, é possível que essa manipulação seja feita também por meio do elemento volitivo

das partes, em âmbito privado.

Fala-se, nesse sentido, em cláusulas excludentes ou limitativas da obrigação de

reparar que, quando convencionadas pelas partes, tem o condão de “anular, modificar ou

restringir” o dever de indenizar (DIAS, 1979, p. 342). Assim, inevitável o questionamento

acerca da possibilidade de se alterar os liames da responsabilidade civil por danos ambientais,

nos contratos do setor sucroalcooleiro, resultado de cláusulas contratuais ou convenção entre

as partes.

A cláusula excludente de responsabilidade ou de não indenizar tem o intuito de

eximir o possível responsável por um dano da obrigação de repará-lo (PEREIRA, 2010).

Dessa forma, decide-se antecipadamente pela exclusão da responsabilidade na qual incorreria

a parte que não cumpriu a obrigação contratual, devidamente abarcada pela cláusula. A

                                                                                                                         24 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. (BRASIL, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, 2003). 25 Art. 944 [...] (BRASIL, op. cit.) Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, o valor da indenização. (BRASIL, op. cit.)

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81    

cláusula limitativa, por sua vez, permite que também pela manifestação da vontade das partes

o dever de reparar seja limitado previamente à sua imputação (PERES, 2009, p. 42-43).

Embora o seu principal campo de desenvolvimento seja justamente com relação à

responsabilidade contratual e não sem resistência, o âmbito de aplicação das cláusulas em

questão pode abranger a responsabilidade extracontratual. Porque existem certos danos, bem

como as pessoas que por eles podem ser ameaçadas, que um homem prudente é capaz de

prever (DIAS, 1976, p. 241-242).

Para Monteiro (2003, p. 396-397), celebrar uma cláusula excludente ou limitativa

do dever de indenizar, decorrente de responsabilidade extracontratual, apesar de não ser

precludida pela natureza desta, é quase inviável na prática. Nada obsta, porém, que haja o

afastamento ou limitação da obrigação de indenização oriunda de uma situação geradora de

responsabilidade extracontratual. Dessa forma, completa:

[...] o lesante poderá valer-se, sendo caso disso, da convenção de irresponsabilidade previamente acordada, a fim de obstar essa indemnização – indemnização que resultaria, pois, de uma situação de uma situação de responsabilidade delitual, mas que será precludida, e na medida em que o for, pela convenção de irresponsabilidade.

O primeiro ponto a ser ressaltado é que a estipulação desse tipo de cláusula, não

implica uma alteração da natureza da responsabilidade a qual se refere, havendo apenas a sua

regulação prévia por contrato (MONTEIRO, 2003, p. 396). O fundamento do instituto em

discussão é a autonomia da vontade e, sendo assim, deve decorrer de convenção livremente

pactuada (VENOSA, 2009, p. 62).

Diante disso, extrai-se que o primeiro elemento necessário para a validade da

exclusão ou limitação do dever de reparar determinada por convenção é a aceitação expressa

pelos envolvidos, não se admitindo a aceitação tácita ou declaração unilateral de uma das

partes (MONTEIRO, 2003, p. 120). Como consequência, a cláusula não obriga antes da

aceitação e não pode ser oponível a terceiros que não deram o seu consentimento.

A cláusula convencionada nesse contexto, extrapolaria o poder de disposição

concedido aos entes privados, uma vez que o seu alcance não mais estará restrito aos

interesses particulares daqueles que participaram da sua formação. Não obstante, no caso do

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dano ambiental, não é possível que se conheça todas as vítimas por ele diretamente afetadas e,

indiretamente, ainda se tem a coletividade como prejudicada.

A nova teoria contratual estabelece a releitura dos princípios tradicionais que

permeiam esse instituto jurídico, sob a ótica de fundamentos sociais e políticos, visando à

consecução de uma sociedade igualitária e a melhor distribuição da justiça, considerando-se o

fato de que o contrato é um instrumento de circulação de riquezas. Sendo assim, Roppo

(2009, p. 177-178) define ser reconhecida, ao juiz e à lei, a faculdade de regular as

negociações privadas e, eventualmente, alterá-las, em face da preservação do interesse

público.

Em outras palavras, determinados casos requerem a interferência da autoridade

estatal sobre a liberdade dos contratantes de dispor sobre as negociações e cláusulas

contratuais, para garantir valores condicionantes do Estado e que não podem ser afastados

pela vontade particular. Por conseguinte, a cláusula de não indenizar e a limitativa deste dever

serão aceitáveis somente diante do preenchimento de certos requisitos, a serem aferidos pelo

julgador quando da análise casuística.

Assim, é importante para a validade da estipulação e a confirmação da sua

licitude, que seja mantido o equilíbrio econômico do contrato ou, conforme Dias (1976, p.

247), que a disposição do dever de reparar seja compensada por uma vantagem contratual.

Trata-se de premissa derivada do princípio do equilíbrio contratual que, segundo

Azevedo (2004, p. 200) impõe um dever de reciprocidade entre as partes, impedindo que uma

delas seja colocada em desvantagem exagerada em relação a outra, “quer atribuindo a esta

direitos, negados à primeira, quer, inversamente, criando obrigações, para um contratante,

que não existem para o outro” (grifos do autor). Desse modo, a cláusula de não indenizar, em

qualquer das dimensões verificadas, é nula quando implicar vantagem exacerbada para uma

das partes, devendo-se constar sempre vantagens e desvantagens recíprocas.

Outro fator que não pode ser derrogado pelo elemento volitivo das partes, é o

respeito à ordem pública ou à norma cogente.

Embora os conceitos envolvidos sejam difíceis de serem precisamente

especificados, as regras jurídicas cogentes ou de ordem pública são assim consideradas em

função de seu conteúdo estável, que abarca altos interesses sociais e, sendo assim, devem ser

indiscriminadamente cumpridas (REALE, 2009, p. 130-131).

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83    

Gusmão (2007, p. 93) estabelece que as normas cogentes limitam a autonomia da

vontade das partes justamente porque constituem direito inderrogável e, que não é passível de

modificação pelas partes quando da realização de seus atos particulares.

Os contratantes ou indivíduos submetidos a esse tipo de norma não podem alterar

o seu conteúdo, que se consolida como indisponível. Determinar, porém, as regras que serão

consideradas de ordem pública depende de considerações temporais e de contingências

sociais e econômicas, tendo a doutrina e a jurisprudência papel fundamental no desempenho

dessa função (REALE, 2009, p. 133).

Há, dessa forma, a restrição do campo de aplicação da cláusula referente ao dever

de indenizar, de maneira que “somente a norma destinada à tutela de mero interesse

individual, estritamente privado, pode ser afastada pela cláusula de não indenizar”

(CAVALIERI FILHO, 2012, p. 565). Assim, também serão nulas as referidas cláusulas que

afrontem norma cogente.

Também não serão válidas no caso de dolo, o que Dias (1976, p. 248) explica ser

uma exigência derivada de ordem pública. Na responsabilidade civil, a culpa é entendida em

seu sentido amplo, abrangendo tanto a culpa em sentido estrito quanto o dolo, que é definido

como “a violação intencional do dever jurídico” (DINIZ, 2007, p. 41). A intencionalidade em

violar direito, portanto, é o fator determinante quanto a nulidade da cláusula de não indenizar

ou limitativa deste dever.

De acordo com Cavalieri Filho (2012, p. 566), permitir a cláusula de não

indenizar e a limitativa deste dever no caso de culpa grave asseguraria “a impunidade da má-

fé prevista de antemão”, inclusive contrariando as normas de ordem pública.

Por fim, quando se fala no dever de reparar decorrente de descumprimento de

obrigação contratual, as discutidas cláusulas não podem ser aplicáveis às obrigações

essenciais do contrato pois, segundo Azevedo (2004, p. 201) correr-se-ia o risco de se

tornarem cláusulas meramente potestativas, confrontando a disposição do artigo 12226 do

Código Civil (BRASIL, 2003). Não suficiente, implicariam um desvirtuamento do próprio

objeto do contrato e poderia levar a sua ineficácia (MONTEIRO, 2003, p. 129).

                                                                                                                         26 Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

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84    

6.3.1 A possibilidade de aplicação ao dever de indenizar decorrente de danos ambientais

A aplicabilidade das cláusulas excludentes ou limitativas, no âmbito da

responsabilidade civil, restringe-se ao plano sucessivo à constatação desta. Por conseguinte,

afasta-se apenas a consequência jurídica decorrente do reconhecimento da responsabilidade

no caso concreto, ou seja, o dever de reparar. Somente nesse sentido, o direito admite a

atuação do elemento volitivo das partes. Por outro lado, quando se tratar de declarar a

irresponsabilidade de determinado indivíduo ou alterar o tipo aplicável ao caso, somente a lei

poderá fazê-lo (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 563).

Surge a questão se nos contratos do setor agroindustrial do etanol seria possível às

partes convencionarem cláusulas que modifiquem a responsabilidade oriunda de danos

ambientais, que conforme mencionado, é objetiva e solidária.

A jurisprudência do ano de 2012 apontou que a principal origem dos danos

ambientais nesse contexto é das queimadas ilegais da palha da cana-de-açúcar. Assim, em

teoria, o nexo de causalidade surgiria para quem tem a gestão da propriedade rural. A relação

nesses contratos, no entanto, se desenvolve entre usinas e fornecedores de cana, ambos

considerados responsáveis pela reparação do dano ambiental, em virtude da solidariedade

desta responsabilização.

Dessa forma, ainda que uma das partes não tenha controle sobre a produção da

matéria-prima e a ocorrência do evento danoso, tem o dever de ressarcir aqueles que por ele

foram prejudicados. Seria de seu interesse, portanto, restringir a aplicação da responsabilidade

ambiental, evitando-se justamente a solidariedade.

Antunes (2010, p. 211) expõe que a responsabilidade civil por danos ambientais

possui “status” constitucional no ordenamento jurídico brasileiro, com o intuito de estabelecer

a proteção efetiva do meio ambiente, através da interferência na atividade econômica

desenvolvida na sociedade.

Desse modo, descarta-se a possibilidade de alteração do regime jurídico da

responsabilidade aplicável ao caso em questão, inclusive no tocante à solidariedade e à

subsidiariedade, que estão definidas por lei. Não é admitido ao particular se eximir da

condição de sujeito passivo do dever de reparar baseado somente em sua vontade.

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85    

E não somente ao particular, conforme assevera Machado (2010, p. 362), ao

especificar que “nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e

constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance

de vida e de saúde das gerações”.

O artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece a reparação

integral dos danos ambientais ocasionados durante o exercício de atividade de risco, não

prevendo qualquer exceção que limitasse a responsabilidade civil nesses moldes

(CUSTÓDIO, 2006, p. 285). A autora prossegue, determinando que o mesmo ocorre quando

da exclusão da responsabilidade civil por danos ambientais, resultante de atividades

perigosas, em virtude da responsabilidade objetiva ou por risco (2006, p. 289).

No tocante às cláusulas excludentes ou limitativas do dever de indenizar, quando

aplicada à responsabilidade civil por danos ambientais, tem-se que a questão de se tratar de

responsabilidade extracontratual está ultrapassada, portanto não seria entrave à estipulação.

Nesse sentido (PERES, 2009, p. 120):

Com efeito, desde que também observados os requisitos necessários à validade da convenção no campo contratual [...] não vemos razão para afastar a possibilidade de as partes, prevendo a possibilidade de ocorrência de danos em suas relações extracontratuais, expressamente acordarem, por meio de um instrumento autônomo, o afastamento total ou parcial do dever de reparar com relação a tais prejuízos.

Ressalta-se ainda que, a mera estipulação das referidas cláusulas não importa a

alteração do tipo da responsabilidade civil, definido pelo modelo legal .

O principal problema deriva da natureza das normas ambientais. Admitir-se a

possibilidade dessa cláusula resultaria em afronta aos objetivos estabelecidos pela legislação

ambiental e prejudicaria os interesses da coletividade. A intenção ao se prever a

responsabilidade objetiva e solidária pelos danos ambientais considera justamente a

particularidade do bem jurídico tutelado, o meio ambiente.

Segundo Fiorillo (2010, p. 63-64), deve-se considerar a estrutura finalística do

direito ambiental quando da definição dos bens por ele protegidos, que atende ao critério da

dignidade da pessoa humana, contra o qual não se pode atentar. Desse modo, o bem ambiental

está vinculado a aspectos de evidente importância a uma vida sadia e digna, de tal forma que

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86    

alterar o regime de reparação dos danos ambientais implica efeitos sobre a tutela do meio

ambiente.

Por conseguinte, permitir a cláusula excludente e a limitativa do dever de

indenizar nos contratos agrários, nos ditames dos danos ambientais, implica alterar

privativamente a tutela legal ambiental, que caracteriza-se de extrema importância e interesse

público, pois tem como destinatário final a própria pessoa humana (FIORILLO, 2010, p. 65).

As normas que dispõem sobre o direito ambiental, por conseguinte, “excluem

convenções ou acordos entre as partes que, se contrariam o disposto, são nulas, isto é, não

produzem efeitos jurídicos” (FERRAZ JUNIOR, 2010, p. 103).

Além disso, o direito ao meio ambiente sadio pertence à sociedade, em virtude do

da previsão contida no artigo 225, “caput”, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Para

Machado (2010, p. 120), ao estabelecer que todos tem direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o legislador procurou justamente evitar a exclusão de quem quer

que seja da sua abrangência.

Inclusive, segundo Granziera (2014, p. 09), incluem-se dentre os beneficiários da

proteção ambiental as gerações futuras, que não podem ser privadas dos valores intrínsecos ao

meio ambiente. Sendo assim, não podem as partes disporem sobre ele com base em sua

vontade particular.

A autonomia da vontade, conforme mencionado no 4.4.1, é mitigada em face da

necessidade de se salvaguardar os valores fundamentais do sistema jurídico, normalmente

constantes das normas cogentes. A liberdade de contratar continua presente e rege as relações

privadas, mas respeitando os interesses sociais e políticos indispensáveis ao bom

funcionamento da sociedade (FORGIONI, 2011, p. 82-83).

Permitir a restrição ou exclusão do dever de indenizar nesse caso implicaria uma

contradição ao próprio ordenamento jurídico, priorizando uma convenção particular aos

interesses públicos envolvidos. Não obstante, caracterizaria ainda evidente desconsideração

aos princípios da função social da propriedade e da função social do contrato, norteadores dos

contratos agrários, particularmente os atípicos.

Os contratos atípicos se caracterizam pela ausência de dispositivo legal especifico

apto a regulá-los e são lícitos na medida em que se encontram sujeitos às normas gerais dos

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87    

contratos e, principalmente, aos princípios gerais do direito e aos bons costumes. Sendo

assim, Pereira (2009, p. 12) elabora que:

Considerando o Código que o regime da livre iniciativa, dominante na economia do País, assenta em termos do direito do contrato, na liberdade de contratar, enuncia regra contida no art. 421, de subordinação dela à sua função social, com prevalência dos princípios condizentes com a ordem publica, e atentando a que o contrato não deve atentar contra o conceito de justiça comutativa. Partindo de que o direito de propriedade deve ser exercido tendo como limite o desempenho de deveres compatíveis com a sua função social, assegurada na Constituição da República, o Código estabelece que a liberdade de contratar não pode divorciar-se daquela fundação.

A atipicidade do contrato, portanto, não pode servir de fator para a inclusão de

cláusulas de não indenizar e as limitativas desse dever, sob a escusa de não haver legislação

específica que os regulamente e que condicione a atuação das partes, pois inseridos no quadro

jurídico previamente mencionado. Quando formam o contrato atípico, os entes privados

podem decidir acerca das especificidades que a ele se aplicarão, mas devem se atentar para as

normas cogentes e os princípios gerais do direito, tais como: da boa-fé objetiva, função social

da propriedade, função social do contrato, do equilíbrio contratual, dentre outros.

Acrescenta-se, ainda, que a vítima dos danos ambientais é, indiretamente, a

coletividade. Conforme asseverou Monteiro (2003, p. 400-401), quando se trata de

responsabilidade extracontratual, a disposição do dever de indenizar seria o próprio objeto do

contrato. Sendo assim, é imprescindível o acordo dos destinatários, com o intuito de

confirmar conclusivamente a exclusão ou limitação da reparação. “É muito importante, para a

sua eficácia, a questão da aceitação da estipulação por parte daquele a quem aproveitaria, na

sua ausência, a ação de reparação do dano” (DIAS, 1976, p. 247).

Não se pode admitir que privativamente se decida acerca de direitos de outrem,

principalmente quando estes direitos tiverem intrínseca conexão com o próprio direito à vida

e a sua qualidade, segundo previsto no artigo 225, “caput”, da Constituição Federal (BRASIL,

1988).

Inclusive, deve ser recordado o principio da relatividade dos efeitos do contratos,

pois como explica Gomes (2008, p. 47), os efeitos internos dos contratos são eficazes somente

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entre os contratantes e, desse modo, “os direitos e obrigações dos contratantes, a eles se

limitam, reduzem-se, circunscrevem-se”. (grifos do autor).

Diante da evolução da teoria contratual, relembra-se novamente a função social do

contrato, que impõe duas esferas de análise quanto ao conteúdo contratual: “inter partes” e

“ultra partes”. No primeiro âmbito, refere-se à relação entre os contratantes, assegurando que

seja justa e que seja preservado o equilíbrio contratual, resguardando-se a dignidade humana.

No segundo âmbito, apresenta-se a face externa da função social do contrato, que representa

uma mitigação dos efeitos da relatividade do contrato. Com efeito, por esse princípio, o

contrato não prejudica nem beneficia terceiros que lhe são alheios. Todavia, em face da

socialidade sobre a qual se assenta o contrato, este passa por uma releitura e deve ser

instrumento de promoção dos objetivos de um Estado Social, na eficácia dos valores básicos

do ordenamento, em consonância aos princípios da dignidade da pessoa humana e da

solidariedade social (GODOY, 2004).

Tendo em vista esse quadro, portanto, além de ausente o elemento indispensável

da aceitação quanto a alteração a ser convencionada, menciona-se ainda que não há vantagem

para a coletividade diante desse quadro, que implicaria na perda de uma posição jurídica

diante de uma situação a qual o ordenamento jurídico lhe reconhece a legitimidade para exigir

a reparação e tutelar o meio ambiente.

Assim, quando se fala em responsabilidade por danos ambientais somente a lei

poderia estabelecer eventual exclusão ou limitação da reparação. Para Dias (1976, p. 246), ao

dano ambiental não se admite a aplicação da cláusula, sob pena de torná-lo impune, devendo

ser priorizado, portanto, “o princípio segundo o qual ao proveito de uma exploração industrial

ou assemelhada deve corresponder a responsabilidade pelo dano causado a terceiros”.

No mesmo sentido, Milaré (2009, p. 964) reconhece a inaplicabilidade das

cláusulas de não - indenizar, devendo o poluidor assumir todos os riscos que advêm do

exercício de sua atividade. Para o doutrinador, a responsabilidade civil ambiental permite que

o interesse público resguardado pelo direito ambiental conviva com a atividade particular.

Prossegue, ainda, discorrendo a respeito do risco integral, que “segundo esse

sistema, só haverá exoneração de responsabilidade quando: a) o dano não existir; b) o dano

não guardar relação de causalidade com a atividade da qual emergiu o risco” (2009, p. 964).

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89    

Diante desses fatores, é possível compreender a severidade e rigidez desse tipo de

responsabilização, que não admite excludentes nem cláusulas que afastem ou modifiquem a

reparação do dano ambiental.

Surgem, no entanto, criticas à adoção da teoria do risco integral, utilizada no caso

dos danos ambientais. Entende Salomon (2009, p. 93) que a degradação ambiental constitui

problema de extrema prioridade, porém critica a extensão que se tem dado ao nexo de

causalidade na declaração da responsabilidade civil nesses casos (2009, p. 109). De acordo

com o autor, a aplicação do risco integral no âmbito ambiental constitui afronta à segurança

jurídica e, continua, alegando que se trata de doutrina inconstitucional, “avultando em

importância a contrariedade ao princípio da legalidade, corolário do Estado de Direito e

conquista da humanidade” (2009, p. 111).

Assim, Salomon (2009, p. 111) entende que no Direito Ambiental, a teoria da

causalidade adequada seria a que melhor se enquadraria em face de suas particularidades. Não

obstante esse posicionamento, verificou-se no presente trabalho que a responsabilidade civil

por danos ambientais tem sido aplicada com base no risco integral.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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90    

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro fator a ser mencionado diz respeito à evolução da teoria geral do

contrato e da responsabilidade civil, que culminou em uma revisão de seus principais aspectos

e funções de forma a incluir valores condicionantes no ordenamento jurídico.

No âmbito dos contratos, a sua compreensão como instrumento de distribuição de

riqueza na sociedade e, portanto, de pacificação social, implicou a limitação da autonomia

privada e a assunção dos novos princípios contratuais, tendentes a equilibrar a sua relação

interna bem como os seus efeitos externos.

Com relação a responsabilidade civil, abandonou-se a visão de que se tratava de

instituto estritamente punitivo para priorizar o enfoque na devida reparação da vítima, por

meio do abandono da presunção absoluta da culpabilidade e a criação de novas teorias que

permitissem a restauração do equilíbrio violado em face da multiplicidade de novos danos que

surgiram e que melhor se encaixassem em uma sociedade industrial e em constante

transformação.

Assim, tratando pontualmente dos contratos agrários, tem-se que possuem

profunda relação com a função social da propriedade e sua derivante, a função social do

contrato. São contratos que, assim como todos os outros, podem ser típicos ou atípicos diante

de específica previsão legal ou sua ausência. Não obstante qual seja o caso, devem respeitar O

segundo caso constitui maioria no campo do Direito Agrário, razão pela qual os princípios

gerais do direito e a doutrina e a jurisprudência possuem função fundamental na sua

regulamentação e adquirem maior importância neste âmbito.

A responsabilidade civil por danos ambientais, tema central do presente trabalho,

conjuga as particularidades do novo entendimento acerca da responsabilidade civil como um

importante instrumento de controle de riscos à sociedade e fator imprescindível para a

garantia de segurança. Assim, é alterada para assegurar a tutela específica do bem ambiental e

permitir a reparação dos danos ambientais, principalmente por meio da incorporação do

princípio da prevenção.

Desse modo, fala-se em uma responsabilidade objetiva, fundada no risco integral

e solidária. De fato, foi a conclusão obtida a partir da análise dos julgados do Tribunal de

Justiça de São Paulo, que abordavam os danos ambientais nos contratos agrários do setor do

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etanol, no ano de 2012. Constatou-se que a responsabilidade por danos ambientais foi

aplicada exatamente nesses moldes, não se fazendo referência a sua disposição em cláusulas

contratuais.

Em virtude de todo esse contexto, a conclusão é pela impossibilidade de se

admitir a aplicação de cláusulas excludentes ou limitativas do dever de indenizar oriundo de

danos ambientais, no campo dos contratos agrários do setor sucroenergético, em virtude: a) da

impossibilidade de aceitação da convenção por todos aqueles que por ela serão afetados,

diante do efeito difuso do dano ambiental e da titularidade coletiva do direito ao meio

ambienta; b) do interesse público resguardado pelas normas que disciplinam a

responsabilidade civil ambiental, que inclusive gozam de “status” constitucional e não podem

ser alteradas puramente pela vontade privada; e, c) dos novos princípios contratuais,

particularmente a função social da propriedade e a função social do contrato, que não podem

ser afastados pelas partes quando das disposições contratuais, trate-se de contratos típicos ou

atípicos.

A responsabilidade civil ambiental não pode ser alterada pelas partes, posto que

estatuída por lei e destinada à proteção de um direito difuso fundamental, qual seja, ao meio

ambiente sadio e equilibrado.

Quanto à aplicação da teoria integral, criticas são possíveis, mas a realidade é que

no caso da responsabilidade civil por danos ambientais nos moldes da presente pesquisa, o

risco integral foi plenamente adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Assim,

à responsabilidade objetiva, quando no desenvolvimento de atividade de risco e

potencialmente degradadora do meio ambiente, aplica-se o risco integral e a solidariedade

entre todos aqueles que contribuírem para o evento danoso.

Percebe-se que, em matéria ambiental, a responsabilidade civil constitui um

instrumento essencial na prevenção da ocorrência de danos. Sendo assim, conclui Benjamin

(1998, p. 11):

Se o regime for rigoroso e implementável, não há razão para que deixe de integrar a pauta de uma boa política ambiental. A propósito, é exatamente nessa sua função que a responsabilidade civil é associada pelos economistas ambientais ao princípio poluidor-pagador, seja na sua pretensão reparadora, seja na sua missão incitadora (= preventiva), estimulando os agentes econômicos a buscarem formas menos perigosas para o exercício de sua atividade.

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