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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL ISIS AKEMI MORIMOTO DIREITO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ESTÍMULO À PARTICIPAÇÃO CRÍTICA E À EFETIVA APLICAÇÃO DE NORMAS VOLTADAS À PROTEÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA AMBIENTAL

ISIS AKEMI MORIMOTO

DIREITO E EDUCAO AMBIENTAL: ESTMULO PARTICIPAO CRTICA E EFETIVA APLICAO DE NORMAS

VOLTADAS PROTEO AMBIENTAL NO BRASIL

SO PAULO 2014

ISIS AKEMI MORIMOTO

DIREITO E EDUCAO AMBIENTAL: ESTMULO PARTICIPAO CRTICA E EFETIVA APLICAO DE NORMAS

VOLTADAS PROTEO AMBIENTAL NO BRASIL

Tese apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental (PROCAM) da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutora em Cincia Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Marcos Sorrentino.

Verso Revisada (Esta verso contm alteraes efetuadas aps a defesa da Tese e encontra-se disponvel para consultas

na Biblioteca do Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP)

SO PAULO 2014

AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,

POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E

PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRFICA

Morimoto, Isis Akemi.

Direito e educao ambiental: estmulo participao crtica e efetiva

aplicao de normas voltadas proteo ambiental no Brasil./ Isis Akemi

Morimoto; orientador : Marcos Sorrentino. So Paulo, 2014.

500 f.: il.; 30 cm.

Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Cincia

Ambiental) Universidade de So Paulo.

1. Direito ambiental. 2. Educao ambiental. 3. Proteo

ambiental. 4. Ecologia. 5. Participao. I. Ttulo.

Nome: MORIMOTO, Isis Akemi.

Ttulo: Direito e Educao Ambiental: Estmulo Participao Crtica e Efetiva Aplicao de Normas Voltadas Proteo Ambiental no Brasil.

Tese apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental (PROCAM) da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutora em Cincia Ambiental.

Aprovada em: 24/03/2014.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. MARCOS SORRENTINO. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM/IEE/USP.

Julgamento: Aprovada.

Prof. Dr. PAULO AFFONSO LEME MACHADO. Instituio: Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental.

Julgamento: Aprovada.

Profa. Dra. HELITA BARREIRA CUSTDIO. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Faculdade de Direito Largo So Francisco.

Julgamento: Aprovada.

Dr. VOLNEY ZANARDI JNIOR. Instituio: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA. Ocupante do cargo de Presidente do IBAMA.

Julgamento: Aprovada.

Profa. Dra. SUELI NGELO FURLAN. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM/IEE/USP.

Julgamento: Aprovada.

Dedico este trabalho minha querida mezinha Adilva Coimbra Morimoto (in memoriam). Ela foi se encontrar com Deus no dia 18 de maio de 2014, alguns dias antes de eu imprimir esta ltima verso da tese. Me, voc foi a pessoa mais linda, generosa, batalhadora, forte e alegre que conheci. Voc ajudou a todos. Voc se importava e protegia os animais, em especial, os abandonados. Voc plantava, voc colhia, voc acolhia, voc doava e voc se doava. Aprendi tudo que sou e sei com voc! Te amo muito, te amo sempre! Obrigada por tudo!. Da sua filha, Akemi.

Dedico este trabalho a Nelson Mandela (in memoriam). Madiba, como era carinhosamente chamado pelo povo sul-africano, era formado em Direito e costumava dizer: A Educao a arma mais poderosa que voc pode usar para mudar o

Mundo! (NELSON MANDELA, 1918 - 2013).

AGRADECIMENTOS

Agradeo primeiramente a Deus, pois creio que tudo que penso e fao est dentro dos

planos Dele para comigo e para o Mundo. E agradeo o direcionamento que Ele tem dado

minha vida!

Agradeo Me Natureza, generosa, inspiradora e linda em todos os sentidos!

Quanto aos demais agradecimentos, inicio j pedindo perdo ao leitor, pois pretendo

me alongar. Foram muitas as pessoas que contriburam para que eu pudesse chegar

concluso desta Tese, e, temendo esquecer algum, AGRADEO A TODOS OS AMIGOS E

AMIGAS QUE SABEM O QUANTO FORAM IMPORTANTES NESTA ETAPA DA

MINHA VIDA! Sinceramente, OBRIGADA!

Agradeo minha me Adilva e ao meu pai Siniti, que me proporcionaram a vida e

sempre me incentivaram para o estudo e para a prtica do bem.

Agradeo ao meu amado marido Helder, que sempre segurou a barra nos momentos de

preocupao e estresse! Me deu apoio e contribuiu de todas as formas para que eu pudesse

trilhar o caminho da pesquisa e do meu crescimento pessoal e profissional da melhor forma

possvel.

Agradeo ao meu orientador, Prof. Marcos Sorrentino, que de forma sempre amiga,

generosa e inteligente, tem me auxiliado h mais de 15 anos nos caminhos acadmico,

profissional e pessoal, dando incentivos, aconselhamentos e bons exemplos que levarei por

toda a vida.

Agradeo aos professores e profissionais com reconhecida atuao nas reas do

Direito Ambiental e/ou da Educao Ambiental que gentilmente aceitaram o convite para

compor as Bancas de Qualificao e de Defesa desta Tese, como titulares ou suplentes: Dr.

Helita Barreira Custdio, Dr. Sueli Angelo Furlan, Dr. Paulo Affonso Leme Machado, Dr.

Volney Zanardi Jnior, Dr. Pedro Jacob, Dr. Luiz Carlos Beduschi Filho, Dr. Thas Brianezi,

Dr. Rachel Trajber e Dr. Erika Pires Ramos.

Agradeo Universidade de So Paulo USP e ao Programa de Ps-Graduao em

Cincia Ambiental PROCAM/IEE, por me acolherem no programa e por apoiarem a

publicao e apresentao de trabalhos relacionados a esta pesquisa em eventos nacionais e

internacionais.

Agradeo ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renovveis IBAMA, tambm pelo apoio e incentivo para que eu buscasse novos

conhecimentos e capacitao para melhor exercer minhas funes profissionais.

Agradeo muitssimo a todos os especialistas e participantes de cursos, oficinas e

palestras que trouxeram preciosas contribuies a esta pesquisa ao gentilmente atenderem

minhas solicitaes para participarem de entrevistas ou para responderem aos meus

questionrios. Suas palavras se constituram em elementos fundamentais para a realizao do

presente trabalho. MUITO OBRIGADA A: Alex Richard Martins, Amadeu Jos Montagnini

Logarezzi, Amanda Longhi, Ana Beatriz Tukuda Melo, Ana Paula Coati, Andressa Akemi

Tagomori da Silva, Bruno Mantega, Camila Denoni, Daniel Braga, Daniel Sutti, Debora

Menezes, Dorivaldo Domingues de Souza, Eder Francisco da Silva, Edna Martha Martins

Pereira, Elaine B. Pellacani, Eliete Cavalcanti M. Rios Bozoklian, Erika Bechara, Erika Pires

Ramos, Evandro Albiach, Fbio Deboni, Felipe Furtado, Flvia Lisboa Machado, Flvia

Maria Rossi, Flvia Sumaio dos Reis, Flvio H. Mendes, Gisele Saviani, Guilherme Jos

Purvin de Figueiredo, Guilherme R. Pontes, Guilherme Vidal, Helen Cristina Joslim, Joo

Luiz Hoeffel, Las Camargo, Las Menossi, Lara Gabrielle Garcia, Leandro Balistieri, Lvia

Maria Ongaro Modolo, Lu Uakiti, Luana Trevine Momentel, Luciana Espinheira da Costa

Khoury, Luciana Ferreira, Luciana Pereira, Lus Henrique Ventrilho Frana, Luiz Antnio

Ferraro Jr., Luzinete Sacramento, Manoel Ribeiro, Marcos Sorrentino, Maria Andrea

Evangelista, Maria Castellano, Maria Henriqueta Andrade Raimundo, Mariangel Nieves

Mareano, Miguel Bernardinho dos Santos, Miriam Dualibi, Moema Viezzer, Monica Simons,

Paulo Roberto Cunha, Pedro Melo, Pedro Roberto Jacob, Rachel Trajber, Rafael J Giro,

Roberta Graf, Rodolfo Antnio de Figueiredo, Rodrigo, Rosngela M. de Assuno Galvo,

Rosiane Caetano, Semramis Biasoli, Shanda Soares Ventura, Simone Queiroz, Simone

Portugal, Sueli Angelo Furlan, Thas Brianezi Ng, Vladimir Passos de Freitas e Yanina

Sammarco.

Agradeo ao Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado pelos ensinamentos que sempre

foram muito alm dos elementos tcnicos e conceituais do Direito Ambiental, iluminado a

mim e a todos os que o conhecem pessoalmente ou tm acesso s suas obras, com exemplos

de simplicidade, honestidade, carter, caridade, justia e responsabilidade nos estudos e no

exerccio de cargos pblicos, em especial, em relao ao dever tico que os servidores e

estudantes possuem de garantir o melhor retorno sociedade pelo investimento pblico a que

tm acesso.

Agradeo Prof. Dr. Helita Barreira Custdio pelo incentivo que deu aos meus

estudos presenteando-me com diversas de suas publicaes logo aps a concluso do meu

mestrado, pela seriedade e carinho com os quais tem avaliado os meus escritos e pelos

preciosos comentrios e aconselhamentos efetuados durante a Banca de Qualificao do

presente estudo, que por sua vez, foram primordiais para a concluso desta tese e para minha

formao em geral.

Agradeo Dr. Sueli Furlan e ao Dr. Pedro Jacob, professores do PROCAM que

participaram de minha Banca de Qualificao e tambm fizeram sugestes e crticas que

muito contriburam para as reflexes durante a elaborao deste trabalho.

Agradeo Dr. Maria Collares Felipe da Conceio por ter sido a primeira pessoa a

aconselhar-me a ingressar no curso de Direito quando eu ainda estava na graduao do curso

de Ecologia. Atenciosa e perspicaz, percebeu em nosso primeiro encontro durante um

Congresso de Direito Ambiental ainda na dcada de 90, o interesse e a afinidade que eu j

nutria pelo tema.

Agradeo Dr. Eda Terezinha de Oliveira Tassara, que de forma sempre inteligente e

atenciosa, vem iluminando educadores e pesquisadores do Brasil e do Mundo com seus

ensinamentos refinados e inspiradores.

Agradeo ao Dr. Carlos Rodrigues Brando, no apenas pelos livros e saberes

compartilhados, mas pelo exemplo de acolhimento e ternura no trato de todos os elementos da

Natureza.

Agradeo amiga Thas Brianezi pela generosidade e carinho com o qual fez uma

leitura desta Tese ainda antes de sua finalizao, sugerindo algumas correes ortogrficas e

compartilhando dicas primordiais.

Agradeo amiga Maria Henriqueta Andrade Raimundo, que carinhosamente atendeu

a todos os pedidos de materiais e informaes que eu fiz durante esta pesquisa.

Agradeo aos tantos amigos e amigas, que quando em uma simples conversa sobre

temas nem sempre relacionados a este estudo, me propiciaram insites que auxiliaram no

desenvolvimento das ideias aqui presentes.

Agradeo a todos os pesquisadores vinculados ao Laboratrio de Educao e Poltica

Ambiental OCA pela acolhida e constante troca. Vocs so incrveis e me fazem acreditar

que nunca estaremos sozinhos nesta luta por um Mundo melhor!

Agradeo Dr Erika Bechara e ao Dr. Marcos Sorrentino por terem encaminhado os

questionrios desta pesquisa aos especialistas das Listas de Discusso da APRODAB

Associao dos Professores de Direito Ambiental do Brasil e da RUPEA Rede Universitria

de Programas de Educao Ambiental.

Agradeo Dr Luciana Espinheira da Costa Khoury pelo envio do material sobre o

Programa de Fiscalizao Preventiva Integrada FPI implementado pelo Ministrio Pblico

do Estado da Bahia e parceiros.

Agradeo ao Dr. Dorivaldo Domingues de Souza por compartilhar documentos sobre

Direito Ambiental e pelas belas palavras de incentivo.

Agradeo aos colegas do IBAMA Miguel Bernardino dos Santos, Erika Pires Ramos,

Rossana Borioni e Roberta Graf, que recentemente concluram suas pesquisas de Ps-

Graduao e compartilharam comigo ricas experincias, importantes dicas e conhecimentos

tecnico-cientficos que trouxeram grandes contribuies para o enriquecimento deste trabalho.

Agradeo aos chefes que tenho ou tive no IBAMA e que apoiaram a minha

participao no programa de Ps-Graduao da USP: Dr. Murilo Rocha, Dr. Analice Pereira,

Dr Rossana Borioni, Dr. Ivan Ortiz e Dr. Rodrigo Cassola.

Agradeo aos colegas do Ncleo de Educao Ambiental da SUPES/SP, Margarida

Sturaro e Miguel Bernardino dos Santos, por assumirem funes extras junto ao Ncleo e por

darem continuidade aos projetos do setor durante os perodos que precisei me ausentar para a

capacitao.

Agradeo ao colega Vincent Kurt Lo, pelo empenho junto ao Programa Permanente de

Proteo Fauna Silvestre e por compartilhar sua empolgao e imenso saber nesta rea.

Agradeo ao setor de Recursos Humanos do IBAMA, em especial, aos colegas

Amauri dos Santos, Valrio Martins e a Dalva Anria de Sousa pelas orientaes e apoio.

Agradeo aos colegas do Programa de Formao de Fiscais Ambientais do IBAMA -

PROFFA, Jair Schmitt, Mrcia Albertini e Edgar Costa, por compreenderem minha ausncia

durante o perodo de doutoramento.

Agradeo famlia Morimoto, famlia Coimbra, famlia Toschi e famlia Oliveira

pela compreenso da minha ausncia em alguns eventos familiares importantes neste perodo.

Agradeo o apoio que recebi nos momentos difceis da tia Cacilda, da tia Rosa e da

minha irm Patrcia. Agradeo tambm minha sogra Lourdes, ao meu sogro Toninho, a

todos os tios e tias, aos meus avs, padrinhos, cunhados, primos, irmos, sobrinhos, enfim,

todos os familiares que torceram por mim durante o processo de aprofundamento dos meus

estudos.

Agradeo ao Dr. Rodrigo Yacubian Fernandes, que ao compartilhar tcnicas de

meditao relacionadas ao Kundalini Yoga atravs de pesquisa desenvolvida por ele e equipe

junto ao Hospital das Clnicas de So Paulo, contribuiu de forma primordial para o meu

equilbrio emocional e para a melhoria da minha concentrao no desenvolvimento desta

pesquisa. Agradeo tambm amiga Flvia Maria Rossi por ter indicado este tratamento.

Da mesma forma, agradeo ao Terapeuta Holstico Hlio Genhei Sinzato, que me

apresentou os benefcios da autocura e que nos meses finais da elaborao desta Tese me

auxiliou no trato das ansiedades e compulses alimentares. Me mostrou um caminho vivel

para algo que eu procurava h tempos: harmonia entre corpo e alma. Assim, agradeo tambm

amiga Cintia Gntzel-Rissato por ter indicado este tratamento.

E para finalizar, reforo o agradecimento ao meu orientador Marcos Sorrentino que

esteve atento e solcito nas leituras, correes e indicaes pertinentes concluso do presente

trabalho. Seus ensinamentos e sua amizade so imensamente importantes para mim!

E mais uma vez, agradeo ao Helder pelo apoio, dedicao, pacincia, incentivo e

compreenso! Voc foi essencial para que eu realizasse este sonho! No h palavras para

dizer o quanto lhe sou grata! Te amo muuuito!

Sinceramente, Isis Ak.

Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condies materiais, econmicas, sociais e polticas, culturais e ideolgicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difcil superao para o cumprimento de nossa tarefa histrica de mudar o mundo, sei tambm que os obstculos no se eternizam (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, 1996, p. 31).

RESUMO

MORIMOTO, Isis Akemi. Direito e Educao Ambiental: Estmulo Participao Crtica e Efetiva Aplicao de Normas Voltadas Proteo Ambiental no Brasil. 2014. Tese (Doutorado). Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM. Universidade de So Paulo USP, So Paulo, 2014.

Os problemas socioambientais enfrentados na atualidade apresentam novos desafios para a Educao Ambiental e para o Direito Ambiental. Dentre eles, destaca-se a necessidade de efetivao de aes e polticas pblicas voltadas ampliao do acesso a conhecimentos e prticas que contribuam para a emancipao, empoderamento e potencializao de pessoas e grupos para a participao em processos decisrios. Participao esta, que engloba desde a mudana individual de atitudes at o engajamento com causas polticas e socioambientais em benefcio de toda a coletividade. No entanto, para que a participao popular ocorra de forma equilibrada e justa no sentido de corrigir possveis injustias sociais, seja bem informada e crtica para afastar qualquer possibilidade de manipulao, e apresente resultados efetivos de modo a no desmotivar os envolvidos nos diferentes processos participativos-democrticos, demonstra-se necessria a apropriao por parte dos cidados de mecanismos voltados ao controle social e ao melhor acesso justia.

Neste contexto, o presente trabalho props-se a buscar contribuies provenientes da literatura e da doutrina dos campos do Direito Ambiental e da Educao Ambiental e a efetuar consultas junto a especialistas e participantes de iniciativas-piloto (cursos, oficinas e palestras) promovidas dentro da proposta de interface entre estas duas reas do saber.

Com a triangulao dos resultados obtidos e a realizao de anlises sobre questes relevantes surgidas no decorrer da pesquisa, concluiu-se que o desenvolvimento de prticas educativas que dialoguem com os preceitos da Educao Ambiental crtica e emancipatria e com os princpios, normas e instrumentos correlatos ao Direito Ambiental, efetuado de maneira contextualizada com os diversos aspectos relacionados s questes socioambientais, pode trazer grandes contribuies para o enfrentamento dos problemas socioambientais e configurar-se como um caminho promissor para a construo participativa de polticas pblicas estruturantes voltadas ao estabelecimento de sociedades cada vez mais sustentveis e justas.

Dentre os potenciais benefcios vislumbrados com a implementao de tais polticas pblicas, destacam-se: aumento da compreenso sobre as estruturas do Estado, acordos sociais e normas relacionadas proteo ambiental; valorizao das medidas preventivas de danos ao meio ambiente; internalizao dos conceitos de direitos, deveres e responsabilidades compartilhadas e diferenciadas entre os diversos setores da sociedade; estmulo anlise crtica dos contextos em que se inserem as questes socioambientais; maior acesso informao e justia em matria de meio ambiente; diminuio na ocorrncia de ilcitos ambientais e aumento da punio aos infratores de forma exemplar; manuteno da biodiversidade e dos processos ecolgicos; reviso de atos e atitudes individuais e coletivas; auxlio na construo participativa de novos conhecimentos com o envolvimento de educadores e educandos; compreenso da importncia do engajamento poltico e social para o benefcio da coletividade; aumento do monitoramento da sociedade pela prpria sociedade; e manuteno dos avanos legislativos j alcanados pelo Pas.

Palavras-chave: Educao Ambiental, Direito Ambiental, Participao, Acesso Justia, Acesso Informao, Aplicao das Normas Ambientais, Ecologia, Meio Ambiente.

ABSTRACT

MORIMOTO, Isis Akemi. Environmental Education and Environmental Law: Incentive to Promoting Effective Participation and Application of Standards Focused on Environmental Protection in Brazil. 2014. Thesis (Ph.D.). Graduate Program of Environmental Science PROCAM, Universidade de So Paulo- USP, So Paulo, 2014.

The environmental problems faced in our days present new challenges for Environmental Education and Environmental Law. Among them, we highlight the need for effective actions and intended to broaden access to knowledge and practices that contribute to the emancipation and empowerment of individuals and groups to participate in decision-making process. This kind of participation includes individual changes of attitudes and engagement with political and environmental causes for the benefit of the whole community. However, for the occurrence of popular participation in a balanced and fair way to correct social injustices, with the guarantee for the people of being well informed and able to avoid any possibility of manipulation, some mechanisms are required to increase social control and to improve the access to justice.

In this context, the present study aimed to seek contributions from literature and doctrine related to Environmental Law and Environmental Education and also worked with the proposal to listen the opinions and reports of experiences from experts and participants of pilot initiatives (courses , workshops and lectures) promoted under the proposed of interface between these two fields of knowledge.

With the method called triangulation of results and by conducting analyzes on relevant issues arising in the course of the study, the researcher was able to conclude that the development of educational practices that follow the principles of critical reflections and emancipatory actions related to the Environmental Education, and at the same time, adopting the principles, standards and tools that guide the Environmental Law issues, it is possible to bring important contributions to dealing with environmental problems and to increase the public participation in the construction of structural policies aimed at establishing sustainable societies.

The potential benefits achieved with the implementation of this kind of public policy include: increasing the understanding about the state structures, social arrangements and laws related to environmental protection; enhancement of preventive actions to avoid environmental damages; internalization of the concepts of rights, duties and responsibilities shared among the different sectors of society; encouragement of the practice of critical analysis in the contexts that social and environmental issues are operated; improving access to information and justice in environmental matters; decreasing occurrence of environmental offenses and increasing punishment for offenders; maintenance of biodiversity and ecological processes; revision of individual and collective actions; aid in the construction of new knowledge with participation of researchers, teachers and students; increasing the understanding about the importance of political and social participation for the benefit of the whole community; improving the practice of monitoring and protecting environmental issues by the citizens; and maintenance of legislative progress already achieved by the Country. Keywords: Environmental Education, Environmental Law, Participation, Access to Justice, Access to Information, Application of Environmental Standards, Ecology, Environment.

SUMRIO

FICHA CATALOGRFICA................................................................................................... 3

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... 10

RESUMO ................................................................................................................................. 18

ABSTRACT ............................................................................................................................ 20

SUMRIO ............................................................................................................................... 22

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 26

APRESENTAO PESSOAL DO CAMINHO TRILHADO ........................................... 28

CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS ................................................................... 32

1.1. APRESENTAO DA PESQUISA ............................................................................. 32

1.2. OBJETIVOS .................................................................................................................. 36

1.3. A ESCOLHA DOS TERMOS OU EM TERMOS DE ESCOLHA ........................... 37

1.3.1. Popularizao, Democratizao ou Conscientizao? ............................................ 37

1.3.2. Sobre os Termos Implementao, Exequibilidade, Eficcia, Eficincia e

Efetividade na Aplicao das Normas .............................................................................. 39

1.3.3. O Conhecimento Contextualizado, o Engajamento Crtico e a Qualificao dos

Argumentos ....................................................................................................................... 41

1.3.4. De Qual Participao Estamos Falando? ................................................................ 48

1.3.5. Por Que Poltica Pblica Estruturante? ................................................................... 56

1.4. METODOLOGIA ...................................................................................................... 66

1.4.1. Semelhanas Tericas ............................................................................................. 68

1.4.2. Tcnicas Utilizadas ................................................................................................. 70

CAPTULO 2: BUSCA POR CORRELAES ENTRE DIREITO AMBIENTAL E

EDUCAO AMBIENTAL ................................................................................................. 78

2.1. CONTRIBUIES DA EDUCAO AMBIENTAL PARA O DIREITO

AMBIENTAL ....................................................................................................................... 80

2.1.1. Da Informao Compreenso ............................................................................... 94

2.1.2. Da Conscientizao Participao ....................................................................... 104

2.2. CONTRIBUIES DO DIREITO AMBIENTAL PARA A EDUCAO

AMBIENTAL .................................................................................................................... 117

2.2.1. Princpios do Direito Ambiental e Documentos Internacionais Relacionados ..... 124

2.2.2. A Importncia da Aplicao das Normas Ambientais .......................................... 135

2.2.3. Sobre o Acesso s Instncias de Tomada de Deciso, Responsabilidades

Compartilhadas e Instrumentos de Controle Social ........................................................ 142

2.2.4. A Normatizao da Educao Ambiental no Brasil ............................................. 164

CAPTULO 3: DILOGO COM ESPECIALISTAS DO CAMPO DO DIREITO

AMBIENTAL E DA EDUCAO AMBIENTAL ............................................................ 170

3.1. PROCEDIMENTOS PARA A CONSULTA AOS ESPECIALISTAS ...................... 170

3.2. RESULTADOS OBTIDOS ATRAVS DOS QUESTIONRIOS E ENTREVISTAS

REALIZADAS JUNTO AOS ESPECIALISTAS ............................................................. 172

CAPTULO 4: DAS INICIATIVAS-PILOTO E DO PROCESSO DE ALTERAO

DO CDIGO FLORESTAL BRASILEIRO ...................................................................... 192

4.1. CURSOS, OFICINAS E PALESTRAS DESENVOLVIDOS JUNTO A

INSTITUIES PARCEIRAS .......................................................................................... 197

4.1.1. Sobre as Expectativas dos Participantes e Opinies Iniciais a Respeito da

Associao Entre Direito e Educao Ambiental ........................................................... 205

4.1.2. Sobre o aproveitamento do momento presencial e as avaliaes dos participantes

........................................................................................................................................ 213

4.1.3. Resultados Obtidos Atravs dos Questionrios Aplicados Junto a Participantes dos

Cursos, Palestras e Oficinas ............................................................................................ 217

4.2. AES E PROJETOS DESENVOLVIDOS NO MBITO DO IBAMA ................. 235

4.2.1. Combate ao Trfico de Animais Silvestres .......................................................... 236

4.2.2. Apoio e Participao em Comisses, Coletivos e Projetos Desenvolvidos por

Outras Instituies .......................................................................................................... 238

4.2.3. Preparao de Agentes de Fiscalizao para o Gerenciamento de Conflitos

Socioambientais .............................................................................................................. 239

4.2.4. Formao de Agentes Ambientais Voluntrios .................................................... 244

4.3. ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO DE ALTERAO DO CDIGO

FLORESTAL BRASILEIRO ............................................................................................. 250

4.3.1. O Processo de Mudana do Cdigo Florestal Brasileiro....................................... 251

4.3.2. Reflexes Sobre o Processo Observado/Acompanhado em Relao ao Cdigo

Florestal ........................................................................................................................... 265

CAPTULO 5: REFLEXES E DISCUSSES ................................................................ 268

5.1. QUESTES RELEVANTES SOBRE OS LIMITES DA INTERVENO DO

ESTADO, A EMANCIPAO, A REGULAO E A DESOBEDINCIA CIVIL ....... 268

5.2. TRIANGULAES DOS RESULTADOS ................................................................ 286

5.2.1. Conhecimento Contextualizado, Engajamento Crtico e Participao.................. 287

5.2.2. Polticas Pblicas na interface entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental

......................................................................................................................................... 297

5.2.3. Contribuies para a Efetividade das Normas Ambientais, Preveno de Danos e

Gesto de Conflitos Socioambientais .............................................................................. 330

CAPTULO 6: CONSIDERAES FINAIS .................................................................... 346

CAPTULO 7: REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................... 358

ANEXOS ............................................................................................................................... 374

Anexo I: Propostas de Aes .............................................................................................. 376

Anexo I.a. Proposta de Curso Voltado Popularizao do Direito Ambiental .............. 376

Anexo I.b. Proposta de Estratgias de Ao para o IBAMA .......................................... 382

Anexo I.c. Proposta de Estruturao Participativa de uma Poltica Pblica Articuladora

......................................................................................................................................... 386

Anexo II. Primeiro roteiro de perguntas para os Especialistas em Educao e em Direito

Ambiental ............................................................................................................................ 390

Anexo III. Busca em plataformas de pesquisas cientficas ................................................. 392

Anexo IV. Artigo sobre o Controle Judicial de Polticas Pblicas ..................................... 394

Anexo V. Artigo sobre o Cdigo Florestal ......................................................................... 404

Anexo VI: Documentos e Imagens veiculados em redes sociais durante o processo de

alterao do Cdigo Florestal ............................................................................................. 416

Imagens de manifestaes sobre o Cdigo Florestal que circularam em redes sociais da

internet at maio de 2012 ................................................................................................ 418

Anexo VII: Membros da RUPEA e da APRODAB, para os quais foram enviados

questionrios virtuais .......................................................................................................... 420

Anexo VIII: Respostas Integrais dos Especialistas ............................................................ 424

Anexo IX: Expectativas e opinies dos participantes a respeito da associao entre o Direito

Ambiental e a Educao Ambiental ................................................................................... 450

Anexo X: Avaliao Sobre os Conhecimentos Adquiridos Pelos Participantes Aps

Minicurso............................................................................................................................ 464

Anexo XI: Respostas Integrais dos Participantes de Cursos, Palestras e Oficinas ............ 468

Anexo XI.a.: Respostas dos Participantes ao Questionrio Piloto ................................. 468

Anexo XI.b.: Respostas dos Participantes ao Questionrio Principal ............................ 476

Anexo XII: Listagem de Conflitos Socioambientais por Estado Brasileiro ....................... 496

AGRADECIMENTO AO LEITOR ................................................................................... 500

26

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao clamor popular por uma Educao

mais crtica e menos domesticadora. ........................................................................................ 43

Figura 2: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao direito de todo cidado em

manifestar-se em vias pblicas sem sofrer com ameaas, represses ou ditaduras. ................ 46

Figura 3: Imagem veiculada em rede social referindo-se busca por justia e igualdade de

oportunidades atravs da disponibilizao de maior apoio aos mais necessitados. ................. 47

Figura 4: Esquema elaborado pela pesquisadora com o intuito de facilitar a visualizao dos

diferentes tipos de triangulaes que se buscou realizar durante a pesquisa............................ 75

Figura 5: Auditrio da Escola Florestan Fernandes. .............................................................. 199

Figura 6: Auditrio da ESALQ/Piracicaba. ............................................................................ 200

Figura 7: Secretaria da Educao/So Paulo/SP..................................................................... 201

Figura 8: Abertura do Frum e Oficina realizada na Bahia. .................................................. 202

Figura 9: Integrao entre os membros do Coletivo Vos e Apresentao do Mdulo. .......... 203

Figura 10: Curso para a Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de So Paulo........................ 204

Figura 11: Ato Pblico em Defesa do Cdigo Florestal / ESALQ / USP, 12/11/2009. ......... 255

Figura 12: Paulo Affonso Leme Machado e Isis Morimoto no Ato Pblico de 12/11/2009. . 255

Figura 13: Seminrio realizado pela Fapesp em 03/08/2010. ................................................ 257

Figura 14: Evento realizado na Faculdade de Sade Pblica em So Paulo, 29/08/10. ......... 257

Figura 15: Joo de Deus Medeiros no Debate sobre o Cdigo Florestal, 29/10/10. .............. 258

Figura 16: Discusses sobre o Cdigo Florestal na OAB, So Paulo, 18/03/11. ................... 258

Figura 17: Mesa de Debates realizada na ESALQ/USP, em Piracicaba, 21/03/11. ............... 259

Figura 18: Imagem do resultado da enquete do site da Cmara dos Deputados. ................... 259

Figura 19: Manifestao pacfica no Parque Ibirapuera, So Paulo, 22/05/11....................... 260

Figura 20: Debate sobre Cdigo Florestal no XI Congresso do MP, 01/06/11. ..................... 261

Figura 21: Lanamento Paulista do Comit em Defesa das Florestas, 05/08/11. .................. 262

Figura 22: Ato Pblico em Defesa das Florestas na Avenida Paulista, 05/05/12. ................. 263

Figura 23: Ato Pblico realizado em Curitiba. ....................................................................... 264

27

28

APRESENTAO PESSOAL DO CAMINHO TRILHADO

Desde o incio da minha formao acadmica quando do ingresso no curso de

graduao em Ecologia no ano de 1996 na Universidade Estadual Paulista-UNESP de Rio

Claro, tenho me dedicado a estudar instrumentos e caminhos que possam contribuir para uma

maior eficcia da proteo ambiental no Brasil. Talvez por isto tenha me encantado tanto com

as aulas de Direito Ambiental que tive com o Professor Dr. Paulo Affonso Leme Machado em

1999. Na oportunidade, tive contato com os princpios do Direito Ambiental e com as

principais normas que protegem e disciplinam o uso de recursos naturais no Brasil, e depositei

neste avanado arcabouo jurdico grande esperana nos acordos sociais para uma vida

melhor e ambientalmente sustentvel.

Tambm me fascinaram desde aquela poca, as palestras, minicursos, projetos de

extenso universitria, leituras e experincias diversas na rea de Educao Ambiental.

De fato, em todas as disciplinas oferecidas durante a graduao em Ecologia, notei que

as solues para problemas ambientais e as medidas voltadas proteo do equilbrio

ecolgico, fossem elas gerenciais, preventivas ou punitivas, sempre passavam em algum

momento pela necessidade de trabalho associado Educao Ambiental. No era um

pensamento antropocntrico, mas um reconhecimento da responsabilidade dos seres humanos

como causadores da maior parte dos problemas ambientais do planeta, de repensarem suas

atitudes e participarem da busca por alternativas para estas questes. Da a opo que fiz

durante o mestrado de buscar a orientao do Professor Marcos Sorrentino e de aprofundar

meus estudos junto ao Laboratrio de Educao e Poltica Ambiental Oca, sediado na

Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ/USP.

Na ocasio, desenvolvi pesquisa junto a proprietrios rurais de uma microbacia de

Piracicaba, focando na percepo que os mesmos tinham do elemento arbreo em suas

propriedades. Busquei abordar aspectos da legislao de proteo s florestas e das polticas

pblicas voltadas ao fomento florestal e adequao ambiental das unidades rurais da regio.

Durante este perodo, me envolvi nos debates sobre as Medidas Provisrias e Projetos de Lei

que pretendiam alterar o Cdigo Florestal Brasileiro. Esta militncia e a necessidade de

compreender melhor elementos bsicos do Direito para poder responder a alguns

questionamentos feitos por agricultores na regio trabalhada em minha pesquisa de mestrado,

me levaram a cursar graduao tambm em Direito.

Concludo o mestrado, passei a dar aulas sobre Direito Ambiental, Ecologia e

Educao Ambiental, at prestar o concurso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

29

Recursos Naturais Renovveis IBAMA e ingressar no cargo de analista ambiental no final

de 2002.

Neste rgo federal responsvel pela execuo da Poltica Nacional do Meio

Ambiente, trabalhei com Educao Ambiental em uma Unidade de Conservao at assumir a

coordenao do Ncleo de Educao Ambiental - NEA da Superintendncia do IBAMA em

So Paulo no ano de 2006. Misso no muito fcil, pois apesar dos esforos para tentar

aumentar a equipe, e de eventuais apoios de alguns servidores lotados em outras divises ou

Escritrios Regionais do Instituto, o NEA/SP nunca teve mais do que trs servidores para a

execuo de todas as aes da Educao Ambiental desenvolvidas pelo rgo no Estado, com

nada menos que 645 municpios e uma extenso de 248.222 Km2 (IBGE, 2013).

Em pouco mais de cinco anos de trabalho junto ao NEA de So Paulo, participei de

diversas atividades, tais como: atender a demanda de palestras e minicursos sobre Meio

Ambiente, Educao e Direito Ambiental; projetos voltados a comunidades em situao de

vulnerabilidade ambiental1, como por exemplo, guias tursticos de cavernas no Vale do

Ribeira e assentados rurais nas regies de Araatuba e Bauru; implementao da Agenda

Ambiental na Administrao Pblica no mbito do IBAMA em So Paulo A3P/SP;

organizao de duas Conferncias Nacionais do Meio Ambiente; treinamento de Agentes

Ambientais Voluntrios; desenvolvimento de projeto sobre Educao Ambiental e Mudanas

Climticas; organizao de cursos e oficinas em temas diversos, com destaque para a

capacitao em identificao de estgios sucessionais e fitofisionomias da Mata Atlntica,

destinada a tcnicos do IBAMA de diversas regies do Estado; implementao do Programa

Permanente de Proteo Fauna Silvestre P3F/SP; participao nas discusses sobre a

regulamentao da Poltica Estadual de Educao Ambiental; acompanhamento das aes

preparatrias para a Rio + 20 e II Jornada do Tratado de Educao Ambiental para

Sociedades Sustentveis, dentre outras atividades.

Tambm houve envolvimento com a formao de servidores do rgo em outros

Estados da Federao, tendo me tornado instrutora da disciplina intitulada Gerenciamento de

Conflitos Socioambientais em 2008, dentro do Programa de Formao de Fiscais Ambientais

do IBAMA ProFFA.

Atravs do contato com diversas demandas da sociedade e percebendo a necessidade

de conhecimento que grande parte da populao demonstrava em relao legislao

1 O termo comunidades em situao de vulnerabilidade ambiental utilizado no contexto dos Programas previstos no Planejamento Plurianual do Governo Federal, atravs dos quais existe a possibilidade de destinao de recursos para projetos na rea de Educao Ambiental.

30

ambiental e outros temas relacionados, passei a questionar de que maneira a Educao

Ambiental poderia atuar de modo transversal com outros setores do Instituto, promovendo

uma ao que prevenisse danos ao Meio Ambiente e, at mesmo, auxiliasse na gesto de

conflitos socioambientais.

Percebi nas aes educacionais com enfoque no Direito Ambiental uma possibilidade

de interveno na qual o Estado poderia contribuir neste sentido.

Especificamente em relao ao IBAMA, no meu entendimento, um rgo que possui a

misso de proteger o meio ambiente e assegurar a sustentabilidade no uso dos recursos

naturais, visando promover a qualidade ambiental propcia vida2, tem por vocao natural a

necessidade de investir em trabalhos preventivos que promovam a manuteno do equilbrio

ecolgico para as presentes e futuras geraes e propiciem a otimizao do uso de recursos,

inclusive os financeiros e humanos de seu quadro institucional.

No entanto, esta linha de ao est longe de ser uma prioridade no rgo, que sempre

foi associado a um perfil muito mais repressivo que preventivo. Prova disso foi a no incluso

de um setor responsvel pela Educao Ambiental no organograma do Instituto quando o

IBAMA foi dividido em 2007, com a criao do Instituto Chico Mendes de Conservao da

Biodiversidade ICMBio.

No ano de 2010, aps demanda efetuada pelo Tribunal de Contas da Unio TCU, foi

retomado o processo de elaborao do Planejamento Estratgico do Instituto e vislumbrou-se

uma possibilidade de reinstitucionalizao da Educao Ambiental dentro do rgo. Momento

este que considerei propcio para aprofundar meus estudos na interface entre o Direito e a

Educao Ambiental e, se pertinente, propor um perfil de atuao diferente para a instituio,

resultando em possveis polticas pblicas de Educao Ambiental voltadas ao fortalecimento

da participao popular, preveno de ilcitos ambientais, promoo de debates sobre os

pactos estabelecidos pela sociedade atravs de normas ambientais e o aumento da eficcia e

do controle social de aes governamentais direcionadas proteo ambiental e a melhor

qualidade de vida.

2 Misso estabelecida atravs da Portaria n 14, DE 07.11.2011 que aprovou o Plano Estratgico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis - PE IBAMA para o perodo de 2012-2015.

31

32

CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS

1.1. APRESENTAO DA PESQUISA

A degradao ambiental apresenta consequncias cada vez mais graves em todo o

planeta. Em muitas localidades, a explorao dos ambientes naturais tem ocorrido de forma

descontrolada, sendo mais veloz que a capacidade da Natureza de se regenerar. Segundo o

relatrio GBO Global Biodiversity Outlook (2006), as florestas esto sendo destrudas a

uma taxa de seis milhes de hectares por ano e tendncias semelhantes foram observadas para

a vida marinha e ecossistemas costeiros, como barreiras de coral e mangues. Edward O.

Wilson (2002), da universidade Harvard, em seu livro O futuro da vida, estima que se a taxa

de destruio humana da biosfera continuar no mesmo rtmo em que se encontra hoje, metade

de todas as espcies de seres vivos estar extinta em 100 anos. No mesmo sentido, dados do

Painel Intergovernamental sobre as Mudanas do Clima IPCC projetam um aumento mdio

de temperatura superficial do planeta entre 1,4 e 5,8 C entre 1990 a 2100. Neste mesmo

perodo, o nvel do mar poder subir de 0,1 a 0,9 metros, ou seja, situaes catastrficas

podero ocorrer caso aes no sejam de fato implementadas para conter as emisses de gases

causadores do efeito estufa, dizem os relatrios do IPCC (2009).

No Brasil, o desmatamento aparece como principal fonte de emisses de gases

causadores do efeito estufa, e a preocupao com a conservao de biomas como a Mata

Atlntica, a Floresta Amaznica e o Cerrado, crescente. Entretanto, em oposio ao

recorrente discurso de que algo deve ser feito para conter a degradao do Meio Ambiente, o

aquecimento global, a extino de espcies e as grandes catstrofes ambientais, observam-se

aes voltadas busca de progresso a qualquer custo, crescimento econmico dissociado de

questes socioambientais, necessidade de aumento de produo energtica (no

necessariamente limpa), crescimento do desejo por produtos manufaturados resultando em

incremento do consumo de veculos, roupas, papel, equipamentos eletrnicos e assim por

diante.

Esta incoerncia, entre discursos e prticas, reflete-se no descumprimento da

legislao ambiental e consequente incremento na incidncia de aes que configuram

contravenes, crimes e/ou danos ambientais.

O relatrio de indicadores de biodiversidade produzido pelo Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciais INPE e disponibilizado pela Secretaria Executiva do Ministrio do

Meio Ambiente em 2012 alerta: a contaminao do ar, da terra e da gua por substncias e

33

resduos diversos, substituio da vegetao nativa por atividades agropecurias, de

minerao e pela expanso dos centros urbanos e sobre-explorao de diversas espcies da

fauna e flora constituem agresses impostas ao meio ambiente, em nveis crescentes, por

populaes humanas. E em que pese os esforos dos rgos de fiscalizao para diminuir o

desmatamento na Amaznia Legal, segundo dados do Deter/INPE3 (2012), de janeiro at

maro de 2012, o IBAMA embargou 7 mil hectares e aplicou R$ 49,5 milhes em multas por

desmatamento ilegal. Verifica-se assim, que a destruio das florestas brasileiras est longe de

ser contida.

Como destaca Benjamin (2003, p. 360), o Estado no tem condies, por falta de

recursos, de colocar um fiscal em cada indstria ou em cada fonte poluidora, nem muito

menos dispem de um exrcito chins de advogados para levar tais violadores aos tribunais.

No entanto, observa-se carncia de polticas que integrem os mecanismos de proteo

ambiental repressivos (fiscalizao, comando-e-controle), com aes educativas preventivas

dos ilcitos ambientais (Benjamin, 2003, p. 360). Com isto, conflitos ambientais relacionados

aplicao das leis so dificilmente gerenciados.

Alm disto, indivduos e grupos, muitas vezes, agem de forma bastante incoerente ao

criticarem o arcabouo legal de proteo ao meio ambiente, desejando leis mais rgidas em

alguns casos e mais brandas em outros, sem sequer se inteirarem da opinio dos

representantes polticos e legisladores escolhidos por eles, sobre tais questes legais.

Em adio, percebe-se uma grande carncia de polticas pblicas estruturantes, que

garantam a efetiva contribuio da Educao Ambiental e do Direito Ambiental em prticas

que visem no apenas a proteo ambiental e o debate/aplicao da legislao vigente, mas a

reflexo sobre os modos de vida adotados globalmente e a reviso por parte de cada indivduo

sobre suas reais necessidades, suas escolhas e atitudes. Necessria ainda, a ampliao de um

dilogo na sociedade a respeito da efetivao dos pactos firmados atravs da Legislao

Ambiental Brasileira e as questes essenciais que motivaram a criao dessas normas

(manuteno do equilbrio ecolgico, proteo da biodiversidade, sustentabilidade no uso dos

recursos naturais, necessidade de garantir a qualidade de vida para as presentes e futuras

geraes, dentre outras questes). E algumas perguntas ecoam neste contexto:

3 Sistema de Deteco de Desmatamento em Tempo Real - DETER/INPE. Avaliao do Desmatamento na Amaznia Legal de janeiro a maro de 2012. Disponvel em: http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/deter_marco2012_182.pdf

34

1) O conhecimento das leis e dos mltiplos fatores que motivaram seu surgimento poderia proporcionar aos cidados uma apropriao (internalizao4) de seus direitos e responsabilidades com relao s questes ambientais, de modo a sentirem-se motivados a agir ao invs de apenas exercitarem uma postura de reclamao e espera por providncias externas (do governo, de outros pases, de poderes sobrenaturais, de catstrofes, dentre outras)? 2) Prticas que integram o Direito Ambiental e a Educao Ambiental representariam ento estratgias educacionais voltadas potencializao da participao em processos decisrios e aplicao das normas ambientais, resultando em preveno e diminuio da ocorrncia de ilcitos e degradaes? 3) O processo de alterao do Cdigo Florestal brasileiro que culminou na edio da Lei 12.651 em 25 de maio de 2012, pode ser analisado como um exemplo de situao em que se mostrou necessria e pertinente a associao entre Direito e Educao Ambiental? O que foi positivo e que se mostrou falho durante esse processo? 4) Como deveriam ser as prticas que integram Direito Ambiental e Educao Ambiental?

5) Quem deveria ser responsvel pela implementao destas prticas? 6) Aes de Educao Ambiental comprometidas com a participao e o conhecimento crtico de aspectos socioambientais relacionados ao Direito Ambiental podem contribuir para uma maior efetividade das normas voltadas proteo ambiental no Brasil?

Na busca por caminhos que auxiliem a respond-las, organizou-se o presente estudo da

seguinte forma:

Captulo 1, chamado de Consideraes Iniciais, engloba esta apresentao da

pesquisa, os objetivos, uma breve explicao sobre alguns termos utilizados e os

procedimentos metodolgicos empregados na busca por respostas aos questionamentos que

motivaram o trabalho.

4 Utiliza-se aqui o termo internalizao, pois embora no esteja presente em grande parte dos dicionrios de lngua portuguesa, o mesmo tem sido utilizado de modo bastante usual no campo da Educao Ambiental. Tamaio (2000, p. 15), realizando um estudo sobre a importncia da Mediao do Professor na Construo do Conceito de Natureza, apresenta a internalizao a partir de ensinamentos de Vigotsky (1991) como um processo de reconstruo interna a partir de uma interao com a ao externa, no qual os indivduos se constituem como sujeitos atravs da internalizao de significaes que so construdas e (re)elaboradas no desenvolvimento das suas relaes sociais (TAMAIO, 2000, p. 15). Jacob (2003, p.204) conclui em seu artigo sobre a Educao Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade, que a necessidade de uma crescente internalizao da problemtica ambiental, um saber ainda em construo, demanda empenho para fortalecer vises integradoras que, centradas no desenvolvimento, estimulem uma reflexo sobre a diversidade e a construo de sentidos em torno das relaes indivduos-natureza, dos riscos ambientais globais e locais e das relaes ambiente-desenvolvimento. A educao ambiental, nas suas diversas possibilidades, abre um estimulante espao para repensar prticas sociais e o papel dos professores como mediadores e transmissores de um conhecimento necessrio para que os alunos adquiram uma base adequada de compreenso essencial do meio ambiente global e local, da interdependncia dos problemas e solues e da importncia da responsabilidade de cada um para construir uma sociedade planetria mais equitativa e ambientalmente sustentvel (JACOB, 2003, p. 204).

35

O Captulo 2 apresenta alguns resultados dos estudos terico-conceituais, a comear

pelos itens das Contribuies da Educao Ambiental para o Direito Ambiental e vice-versa,

que foram pensados como uma forma de facilitar o dilogo entre estas duas reas do

conhecimento. Acredita-se que esse entrosamento possa ser obtido a partir do estudo do que

h em comum entre essas reas e como pode ocorrer uma associao das mesmas, da a busca

por correlaes.

O Captulo 3 consiste na apresentao das consultas realizadas junto a alguns

especialistas nas reas de Direito Ambiental e de Educao Ambiental, visando conhecer suas

opinies, experincias e ensinamentos em relao ao tema estudado.

No Captulo 4 so relatadas aes desenvolvidas na forma de iniciativas-piloto cujas

observaes apresentam dentre suas finalidades, a possibilidade de apontamentos de fatores

que podem contribuir e outros que podem ser modificados para que se construa uma melhor

estratgia de trabalho na interface entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental. Ainda

nesse captulo, apresentado um exemplo de situao em que foi percebida na prtica a

necessidade de trabalho conjunto entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental, qual

seja, o processo de alterao do Cdigo Florestal Brasileiro.

O Captulo 5 apresenta um resgate das observaes e dados apresentados nos captulos

anteriores, propiciando Discusses e Reflexes utilizando a tcnica de triangulao.

No Captulo 6, encontram-se as Consideraes Finais, que incluem as lies

aprendidas, as concluses e algumas propostas vislumbradas no decorrer de todo o processo

de pesquisa.

E finalmente, no Captulo 7, so apresentadas as Referncias Bibliogrficas.

Quanto aos 12 Anexos, neles encontram-se primeiramente algumas sugestes de aes

elaboradas com o intuito de contribuir para a realizao de atividades correlatas e para a

construo participativa de polticas pblicas promovidas na interface entre o Direito

Ambiental e a Educao Ambiental. Na sequncia, apresentam-se artigos publicados pela

pesquisadora em parceria com o orientador deste estudo; uma relao das plataformas de

buscas por publicaes cientficas que foram utilizadas; os questionrios aplicados e suas

respostas transcritas na ntegra; uma listagem de conflitos socioambientais mais comuns em

cada Estado brasileiro; dentre outros documentos considerados teis para complementar esta

tese.

Boa leitura!

36

1.2. OBJETIVOS

Os objetivos da presente pesquisa encontram-se descritos abaixo atravs de um

objetivo geral e trs objetivos especficos, quais sejam:

Objetivo Geral: Contribuir para o aprimoramento de polticas pblicas de Educao

Ambiental relacionadas ao Direito Ambiental.

Objetivos Especficos:

I. Verificar e analisar correlaes entre a Educao Ambiental e o Direito Ambiental na

literatura pesquisada;

II. Compreender os mecanismos atravs dos quais a Educao Ambiental pode contribuir para

a maior efetividade das normas de proteo ao Meio Ambiente, bem como, o Direito

Ambiental pode colaborar para a ampliao do acesso a instncias participativas e auxiliar na

qualificao dos argumentos utilizados em processos de tomada de decises;

III. Compreender o potencial e as fragilidades de aes e projetos desenvolvidos como

iniciativas-piloto, que podero contribuir para a propositura de polticas pblicas

estruturantes.

37

1.3. A ESCOLHA DOS TERMOS OU EM TERMOS DE ESCOLHA

A escolha dos termos mais adequados para serem utilizados em um trabalho

acadmico constitui provavelmente um dos momentos de maior dificuldade para uma

pesquisadora ou um pesquisador5, em especial, no processo de elaborao de uma tese de

doutorado quando se exige dilogo com professores especialistas em diferentes reas do

conhecimento, colegas com formaes acadmicas variadas, banca de examinadores

multidisciplinar, literatura abrangente e rigor no uso das palavras.

Neste estudo no foi diferente. Ocorreram muitas mudanas terminolgicas no ttulo,

objetivos e captulos desde a elaborao do projeto, relatrio de qualificao e o texto

destinado defesa da tese.

Isto porque, certamente a escolha dos termos implica no apenas a adequao

lingustica, mas sim o direcionamento do trabalho de pesquisa, alm de tambm expor opes

ideolgicas. Por isto o trocadilho em termos de escolha.

Assim, segue um breve relato de algumas motivaes relacionadas s escolhas e

opes efetuadas no decorrer de todo o processo.

1.3.1. Popularizao, Democratizao ou Conscientizao?

Durante boa parte do presente estudo, houve dvida sobre qual termo seria mais

adequado para o ttulo da pesquisa, bem como, para descrever o processo desenvolvido nas

iniciativas-piloto realizadas com a utilizao de elementos do Direito Ambiental e da

Educao Ambiental. Os cursos, oficinas e palestras foram pensados objetivando-se auxiliar o

pblico participante a refletir sobre a organizao da sociedade e o Direito Ambiental em sua

essncia, bem como, compreender e se apoderar dos contedos das normas ambientais de

forma contextualizada com as questes socioambientais que motivavam a existncia das

mesmas, culminando em uma maior efetividade da proteo ambiental no pas. Assim, os

termos popularizao, democratizao e conscientizao estiveram sempre em voga.

Ainda na fase do projeto de pesquisa, a proposta trazia o ttulo Democratizao do

Direito Ambiental, optando-se pela palavra democratizao por estar presente no artigo 5,

inciso II, da Poltica Nacional de Educao Ambiental PNEA, que apresentava como um

5 Inclusive a utilizao dos dois gneros, como pesquisador e pesquisadora, educador e educadora, cidado e cidad, foi uma opo feita pela pesquisadora nos casos em que o uso de um termo genrico como pessoas ou indivduos no se fez pertinente. No entanto, em determinadas situaes, especialmente naquelas em que se fazia necessria a citao ou comentrio de alguma norma ou ensinamento encontrado na literatura, optou-se por utilizar apenas o gnero masculino por questes de concordncia lingustica.

38

dos objetivos fundamentais da Educao Ambiental, a garantia de democratizao das

informaes ambientais (Lei 9796/99).

No entanto, nunca esteve afastado o objetivo maior de ir alm da democratizao de

informaes e alcanar um patamar de incentivo e apoio participao em processos

decisrios. Assim, no decorrer da preparao do Relatrio de Qualificao, pareceu ser mais

adequada a adoo do termo Popularizao do Direito Ambiental, por ser este, mais

prximo da abordagem feita por Paulo Freire quando apresentava elementos da Educao

Popular6.

A palavra popularizao, no entanto, no muito encontrada na literatura, sendo mais

frequentemente utilizada em trabalhos que falam sobre popularizao das cincias, ou ainda,

em pesquisas sobre marketing, em que se busca tornar um produto mais popular.

Durante a banca de qualificao da pesquisa, o termo popularizao foi bastante

questionado por no estar presente em textos legais e por, de certo modo, levar a associaes

com abordagens diferentes das pretendidas na pesquisa, como o populismo ou a cultura

pop. Chamou-se a ateno para o risco do termo ocasionar um entendimento pejorativo

relacionado massificao alienante e acrtica de uma determinada cultura (referindo-se ao

termo pop como algo copiado do modelo de vida de pases com economia dominante). A

sugesto dada ento por um dos membros da banca foi a de utilizar o termo conscientizao,

conforme adotado pela Constituio Federal em seu Art. 225, 1: (...) incumbe ao Poder

Pblico: VI promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a

conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente (CONSTITUIO

FEDERAL, 1998).

Sugesto bastante plausvel do ponto de vista legal, no entanto, no ignorado que o

termo conscientizao veementemente questionado por pessoas que atuam na rea de

Educao Ambiental. comum escutar em discursos informais que a palavra carrega certa

arrogncia se pensada como um ato de levar conscincia queles que no a possuem.

Importante esclarecer que em nenhum momento este foi o enfoque por trs da utilizao do

termo conscientizao na presente pesquisa. Ao contrrio, a conscientizao pensada aqui

prope tambm adotar os preceitos de uma educao crtica, dialgica e emancipatria nos

termos empregados por Paulo Freire (conforme ser abordado no item 2.1.2).

6 Para aprofundamento no tema Educao Popular, recomendam-se as obras Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1987), Educao Popular de Carlos Brando (1986), Paulo Freire e a Educao Popular de Moacir Gadotti (2013) e Quem o Educador ou a Educadora Ambiental Popular? de Marcos Sorrentino (2013).

39

Assim, buscando evitar problemas com interpretaes distantes das pretenses ao

utilizar determinado verbete para definir o processo educativo que prope a presente pesquisa,

optou-se por se referir a ele como um estudo realizado na interface ou associao entre Direito

Ambiental e Educao Ambiental.

1.3.2. Sobre os Termos Implementao, Exequibilidade, Eficcia, Eficincia e

Efetividade na Aplicao das Normas

A pretenso neste tpico a de se realizar uma breve reflexo sobre as palavras

implementao, exequibilidade, eficcia, eficincia e efetividade na aplicao das normas

ambientais, que no contexto do presente estudo pretendem demonstrar o que popularmente se

expressa como lei que pega ou lei que no pega, ainda que os termos referidos no sejam

sinnimos.

A comear pela palavra implementao7, proveniente do termo implementation

bastante utilizado na lngua inglesa, possui como traduo literal o significado de

cumprimento (HAUAISS & CARDIM, 1984, p. 190), ou ainda, ato de levar algo prtica por

meio de providncias concretas (FERREIRA, 1986, p. 922), que nesta pesquisa corresponde

ao tirar a lei do papel, como abordado por Boaventura de Sousa Santos quando trata a

clebre dicotomia law in books / law in action da sociologia jurdica (SANTOS, 1995, p.

163). Talvez seja este o termo que melhor se adapte ao sentido que se pretende dar ao estudo

das legislaes ambientais como acordos sociais voltados ao convvio pacfico e uma melhor

proteo do meio ambiente.

Nesta linha, disserta Gonzalez (2000):

Desde os primrdios, quando os seres humanos viviam em grupos e passavam a formar pequenas tribos ou comunidades mais elaboradas, logo percebiam a necessidade de um ordenamento jurdico mnimo, que disciplinasse suas condutas e que possibilitasse uma vida social onde no predominasse a guerra de todos contra todos (GONZALEZ, 2000, p. 03).

Certamente o autor acima faz referncia clssica expresso utilizada por Thomas

Hobbes em sua obra Leviat, na qual a guerra de todos contra todos seria uma tendncia a

ser verificada pela humanidade caso no existissem contratos sociais e instituies que

7 A questo do neologismo relacionado ao termo implementao acarreta at hoje na opo de no utilizao do mesmo por diversos doutrinadores da rea do Direito Ambiental. No entanto, defende Herman Benjamin (2003, p. 339) que a expresso implementao utilizada por ele pela primeira vez na dcada de 90, passou a ser consagrada em Manuais de Direito Ambiental na dcada seguinte e adotada como implementao ambiental em obras como Instituies de Direito Ambiental de Marcelo Abelha Rodrigues, publicada pela Editora Max Limonad em 2002.

40

zelassem pelo cumprimento desses acordos visando ordenar a vida em sociedade (DALLARI,

2013, p. 12).

Tambm corrobora com este entendimento, Manzine-Covre (1995, p.29), afirmando

que a organizao do Estado atravs de leis foi uma conquista histrica da humanidade. As

leis so instrumentos importantes para fazer valer nossos direitos, ainda que por meio de

inmeras presses sociais. E, quanto mais a sociedade evoluir, mais os homens sero capazes

de lidar com os conflitos pela palavra, conforme o esprito da plis grega (MANZINE-

COVRE, 1995, p.29).

No entanto, para que as leis sejam de fato implementadas, preciso que a estrutura de

organizao social apresente os elementos necessrios. Muitas vezes, cabe ao Estado prover

condies, tais como, informao para o pblico em geral, polticas de fomento que auxiliem

a adequao de determinados processos s exigncias legais, preparo de servidores pblicos

para orientar e executar aes previstas em lei, dentre outras providncias. Da o termo

exequibilidade.

Exequvel, sinnimo de algo factvel, possvel (FERREIRA, 1986, p.740), refere-se

possibilidade real de uma lei produzir efeitos jurdicos, considerando o conhecimento da

mesma por parte dos sujeitos e os pactos sociais que viabilizam sua adoo (polticas

pblicas, oramento, estrutura e assim por diante).

Quanto aos termos eficcia, eficincia e efetividade, percebem-se diferenas bem sutis

em seus significados. Segundo Ferreira (1986, p. 620), eficcia a qualidade ou propriedade

de eficaz, que significa aquilo ou aquele que produz o efeito desejado, que d bom resultado.

J a eficincia corresponde ao, fora ou virtude de produzir um efeito ou resultado.

Efetividade, por sua vez, a qualidade do efetivo (que existe realmente), aquele que produz

um resultado verdadeiro.

Palavizini (2011, p. 117), ao definir a efetividade como um critrio indicador8 da

qualidade de governana, afirma que a efetividade da gesto social resulta da eficincia dos

processos e da eficcia dos produtos, convergindo para a efetividade do resultado. A autora

complementa ainda que os processos pedaggicos da Educao Ambiental contribuem para a

ampliao do conhecimento da sociedade participante, qualificando seus representantes para

uma participao consciente e comprometida com um pacto de sustentabilidade para o seu

territrio, contribuindo assim, para a efetividade dos processos de governana ambiental

(PALAVIZINI, 2011, p. 117).

8 Os quatro indicadores sugeridos pela autora so: representatividade, legitimidade, efetividade e implicao (PALAVIZINI, 2011, p. 117).

41

Pensando em efetividade ainda como um parmetro indicador, a Secretaria de Estado

do Meio Ambiente publicou recentemente o documento intitulado Avaliao da efetividade

do Projeto de Recuperao de Matas Ciliares - PRMC do Estado de So Paulo, produzido

partir de um plano de avaliao9 que buscou analisar os resultados de 5 anos de execuo do

Projeto. Diz o relatrio:

Optou-se por realizar uma avaliao da efetividade de o PRMC alcanar seu objetivo maior aperfeioar e formular instrumentos de polticas pblicas para um programa de recuperao de matas ciliares do Estado de So Paulo , sem se ater a anlise de eficincia e tampouco de metas ou de resultados intermedirios (UEHARA & CASAZZA, 2011, p. 22).

Tomando-se como base o breve estudo dos termos acima, pode-se concluir que uma

legislao deve ser exequvel de modo a trazer consigo desde a fase de propositura ou projeto

de lei, elementos que viabilizem sua real aplicao. Isto porque, a eficcia, eficincia e

efetividade da proteo ambiental no pas, dependem tambm da implementao das normas

editadas com esta finalidade10.

No presente estudo, optou-se por utilizar ora um termo, ora outro, conforme sua

abordagem na literatura, evitando-se assim, cometer equvocos de interpretao sobre a

inteno dos autores ao adot-los.

1.3.3. O Conhecimento Contextualizado, o Engajamento Crtico e a Qualificao dos

Argumentos

Frequentemente so encontradas neste trabalho as expresses conhecimento

contextualizado das normas ambientais, necessidade de engajamento crtico e a qualificao

dos argumentos utilizados em debates e em processos decisrios. Mas o que isto quer dizer no

mbito da pesquisa?

O conhecimento contextualizado, conforme definio de Ferreira (1996, p.464),

pressupe a ligao entre as partes de um todo. Neste sentido, consiste na considerao dos

diversos aspectos que podem estar relacionados direta ou indiretamente com determinado

assunto, de modo a ter uma viso mais ampla e completa do tema ou situao, evitando-se

assim, interpretaes simplistas ou julgamentos precipitados. Deste modo, ao pensar uma

9 Segundo o documento da SMA, o plano foi composto por 20 projetos divididos em quatro eixos de anlise, quais sejam: (i) articulao institucional e participao social; (ii) instrumentos para a recuperao; (iii) gesto de matas ciliares; e (iv) efeito dos projetos demonstrativos. 10 reconhecido aqui, que diversos fatores podem contribuir para a proteo ambiental no Brasil, e que a implementao da legislao correlata apenas um aspecto diante desta busca, que perpassa a sensibilizao de cada indivduo, a priorizao do tema por parte dos administradores pblicos e privados, a reviso de hbitos de consumo, a adoo da solidariedade planetria, o respeito aos direitos das futuras geraes, dentre outros.

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proposta que perpasse a Educao Ambiental e o Direito Ambiental, faz-se necessria a

compreenso de diversos fatores relacionados a essas reas, em especial, os aspectos

histricos, sociais, culturais, econmicos, polticos e ambientais.

A comear pelas questes ambientais, sabe-se que impossvel esgotar o assunto em

anos de estudo, que dir, em uma palestra com apenas algumas horas de durao. No entanto,

algumas noes bsicas podem e devem ser trabalhadas para um melhor entendimento da

legislao que protege o Meio Ambiente. Por exemplo, ao se estudar o Caput do artigo 225 da

Constituio Federal, em que se afirma que todos tm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, esclarecimentos sobre o que vem a ser esse equilbrio

ecolgico com exemplos sobre regime hdrico, questes climticas, teia alimentar, disperso

de sementes, controle de pragas, importncia da conservao do solo, da biodiversidade,

dentre outros aspectos, certamente auxiliariam o pblico participante a compreender e a

argumentar melhor sobre a importncia deste dispositivo legal.

O mesmo ocorre em relao s questes histricas, sociais, econmicas, culturais e

polticas, cada uma contendo um universo de temas relacionados. No entanto, reflexes

sobre o momento histrico em que se deu a criao de determinada norma ou a alterao da

mesma, as negociaes polticas necessrias para a aprovao ou eliminao de um

dispositivo em um projeto de Lei, o financiamento de campanha dos legisladores, as formas

de abordagem e divulgao adotadas pelos diversos meios de comunicao, as manifestaes

da comunidade cientfica e da sociedade organizada, os interesses de determinados setores da

sociedade, e assim por diante, podem auxiliar os participantes a detectarem momentos em que

foram omitidas informaes importantes e/ou utilizou-se de estratgias voltadas

manipulao da opinio pblica. Deste modo, aumenta-se a possibilidade de aprimoramento

dos conhecimentos sobre todos estes fatores para uma melhor anlise sobre o contedo e

aplicao das legislaes ambientais.

Tambm primordial, a realizao de um debate sobre as origens e finalidades do

Direito como um todo, resgatando-se momentos da histria em que se optou pelo

estabelecimento de ordenamentos jurdicos para a organizao da vida em sociedade e

garantia da paz11.

No entanto, o conhecimento contextualizado descrito aqui, s encontra coerncia com

a proposta do presente estudo, se a abordagem no campo do Direito Ambiental no se der de

11 Sobre este tema, recomenda-se a leitura das obras Elementos da Teoria Geral do Estado de Dalmo de Abreu Dallari (2013, 32 Ed.) e Estado, Governo, Sociedade Para Uma Teoria Geral da Poltica de Norberto Bobbio (2011, 17 Reimpresso).

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forma meramente conteudista e disciplinadora. Ou seja, o texto das normas ambientais no

pode ser simplesmente despejado sobre as pessoas sem que haja um processo dialgico e

reflexivo. Tambm a valorizao da sabedoria popular e a experincia prtica apresentada

pelos participantes so essenciais para que se atinja um processo educativo com aprendizado

mtuo e produo de novos conhecimentos adaptados realidade de cada pessoa ou

comunidade.

De fato, de nada adiantaria que todos os habitantes do pas pudessem decorar e

declamar o que diz cada uma das leis ambientais existentes, se elas no fossem

compreendidas em seus mltiplos aspectos e na sua importncia primordial como

concretizao de acordos de convivncia harmnica em sociedade. Tambm no contribuiria

com o Estado Democrtico de Direito determinado pelo Art. 1 da Constituio Federal de

1988, o desenvolvimento de aes focadas apenas na obedincia cega das normas, sem o

questionamento da sua importncia na defesa dos interesses comuns, de sua adequao aos

princpios da igualdade e da vida, e o conhecimento das possibilidades e trmites para

modific-las quando necessrio. Afinal, no se trata apenas de um Estado de Direito, e sim, de

um Estado Democrtico de Direito.

A imagem a seguir, que circulou em redes sociais, traduz bem este anseio da sociedade

por uma educao formadora de cidados questionadores e ativos.

Figura 1: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao clamor popular por uma Educao mais crtica e menos domesticadora.

Foto de autor desconhecido, obtida junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 07/04/12.

Vale destacar que a questo da no obedincia entendida aqui no como um

desrespeito ao aparato legal do pas, e sim, como um processo de desenvolvimento de uma

autonomia crtica que permita a ao consciente de forma espontnea, independentemente de

fiscalizao ou vigilncia.

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Neste contexto, surge o conceito de engajamento crtico, compreendido como o

envolvimento com determinada causa de forma consciente e analtica. Ferreira (1986, p. 653)

apresenta como definio filosfica da palavra engajamento a situao de quem sabe que

solidrio com as circunstncias sociais, histricas e nacionais em que vive, e procura, pois, ter

conscincia das consequncias morais e sociais de seus princpios e atitudes (FERREIRA,

1986, p. 653). O mesmo autor tambm conceitua o termo engajar: (...) filiar-se a uma linha

ideolgica, filosfica, etc., e bater-se por ela; pr-se a servio de uma ideia, de uma causa, de

uma coisa. Empenhar-se em dada atividade ou empreendimento (FERREIRA, 1986, p. 653).

Assim, quando se aborda a questo do engajamento crtico com a causa ambiental,

fala-se tambm de aes educativas voltadas compreenso e anlise da situao ambiental

do planeta, suas causas, consequncias e o contexto em que cada cidado est inserido e como

pode se empenhar para transform-lo. Esta transformao deve incluir no apenas a soluo

de problemas, mas as medidas preventivas da degradao ambiental e a participao em

processos decisrios que propiciem a manuteno do patrimnio natural e a melhoria da

qualidade ambiental e de vida para todos.

E para uma maior e mais efetiva participao nos processos decisrios, de forma

engajada e crtica, acredita-se ser necessrio um investimento de energia na qualificao dos

argumentos. Isto porque, observa-se frequentemente uma dificuldade na traduo do que se

pensa e pretende para a forma de proposies verbalizadas. Ou seja, muitas vezes,

intuitivamente ou devido a conhecimento adquirido durante a vida atravs da prtica, estudo

e/ou autoaprendizagem, as pessoas formulam demandas e solues voltadas ao bem comum e

proteo ambiental, mas possuem dificuldade em defender estas ideias e pretenses em

ambientes coletivos e formais. Em consequncia, podem ocorrer silenciamentos e frustraes

dos participantes.

Tassara e Ardans (2006, p. 7 a 12) abordam a questo dos silenciamentos que podem

ocorrer ainda que as pessoas estejam presentes em um coletivo ou reunio, enfatizando que

esta uma problemtica complexa que requer anlises de dimenses lgicas, psicolgicas,

psicossociais e polticas (TASSARA e ARDANS, 2006, p. 8). Segundo os autores, pode-se

distinguir do ponto de vista lgico, duas situaes psicolgicas emblemticas como

sustentadoras de um silncio:

Em uma primeira categoria, estariam os silncios produzidos pelo aparente desinteresse e no-motivao em relao s temticas em discusso (...). Em outras palavras, estar-se-ia perante um sujeito que pode ser caracterizado como distrado ou aptico em relao ao processo coletivo; mas isso no significa que esse sujeito no esteja interiormente ativo, dialogando com outras associaes mentais de natureza variada, as quais ele no est

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comunicando ao coletivo. Diante desses silncios, caberia ao coletivo tentar articular estratgias comunicativas visando estabelecer um dilogo produtivo o suficiente para estimular a expresso efetiva dos sujeitos silenciosos, quebrando o isolamento que tal silncio perpetua, excluindo-os da participao. O chamado mtodo Paulo Freire, aplicado educao popular, consiste em um conjunto de procedimentos a serem utilizados visando-se impedir a excluso das atividades por silncios desse tipo. Em uma segunda categoria, haveria o silncio substrato de uma reflexo em curso, reflexo esta que pode estar sendo produzida a par com o desenrolar das interaes sociais no interior do coletivo, em maior ou menor grau de induo ou de espontaneidade. Esses silncios se relacionam, tambm, com atributos de personalidades mais ou menos introvertidas, cabendo s instncias condutoras do coletivo buscar o entendimento comunicativo dos mesmos a fim de distingui-los dos que fazem parte da primeira categoria. Isso implica uma capacidade de leitura desses silncios, efetuada por intermdio de outras linguagens, principalmente as no-verbais (expresso facial, gestos, posturas, etc.) (TASSARA e ARDANS, 2006, p.8 e 9, grifos nossos).

Neste sentido, a proposta de qualificao dos argumentos abordada no presente estudo

visa chamar a ateno para a necessidade de uma melhor incluso dos sujeitos no processo

participativo, facilitando no apenas a aquisio de informaes contextualizadas para o

debate e a tomada de decises, mas tambm, o enfrentamento de silenciamentos e frustraes

que podem gerar desmotivao e abandono dos processos participativos.

Ainda em relao dificuldade de verbalizao das opinies e pretenso como um

elemento a ser pensado em situaes em que se vislumbra instigar mudanas na sociedade,

vale lembrar as manifestaes ocorridas no primeiro semestre de 2013, no movimento

conhecido como O Brasil Acordou ou Primavera Brasileira. Em princpio, as demandas

dos manifestantes estavam voltadas questo dos transportes, em especial, atravs do

Movimento Passe Livre que clamava pelo no aumento da passagem de nibus em diversas

regies do pas. No entanto, aps acordos realizados com prefeituras e governos estaduais,

concordando com a solicitao popular de no aumentar o custo das passagens para os

usurios em alguns municpios, os protestos continuaram. E alguns jornalistas se adiantaram

em afirmar que as pessoas j no sabiam por que estavam nas ruas. Exemplo disto foi o

texto publicado no dia 19 de junho de 2013 pelo colunista da Folha de So Paulo, Antnio

Prata. Dizia a chamada para o artigo: Sejamos francos: ningum t entendendo nada. Nem a

imprensa, nem os polticos, nem os manifestantes (PRATA, 2013, p.1).

Interessante notar que rapidamente houve reaes a estas crticas, algumas por parte de

outros jornalistas e estudiosos, e outras pelos prprios manifestantes que comearam a

escrever cartazes e dar explicaes sobre suas demandas que iam desde a melhoria do sistema

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de transporte como um todo, at a sade, a educao, a segurana, a proteo das florestas, o

direito a moradia digna, o fim da corrupo, dentre outras reivindicaes importantes.

Incluindo a, o prprio direito manifestao pblica e a liberdade de expresso, como

explicitado na imagem obtida em uma destas ocasies.

Figura 2: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao direito de todo cidado em manifestar-se em vias

pblicas sem sofrer com ameaas, represses ou ditaduras. Foto de autor desconhecido, obtida junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 27/07/13.

Depoimentos, evidncias, estudos tcnicos e dados estatsticos sobre a m qualidade

de alguns servios prestados populao e a carncia de outros em determinadas regies e

municpios, foram ento expostos em clamor pblico por solues de diversos problemas

sociais.

Assim, pode-se dizer que houve de certa forma, uma qualificao dos argumentos por

parte dos manifestantes, que garantiu maior entendimento de suas reivindicaes por parte da

mdia e da populao em geral.

No entanto, verifica-se ainda, a necessidade de compreenso do que seria o passo

alm, ou seja, a possibilidade de participao efetiva no processo de deciso sobre as

prioridades na ao governamental e traduo das diversas demandas em polticas pblicas

que possam representar melhorias em diversos setores para toda a coletividade.

Ou seja, a qualificao dos argumentos vislumbrada aqui inclui a possibilidade de se

expressar de forma compreensvel e fundamentada, mas tambm, a luta por abertura de

espaos de dilogo, troca de informaes, planejamento conjunto, gesto compartilhada,

dentre outros. Assim, est pautada tambm na exigncia da ampliao de canais de

participao e no melhor aproveitamento daqueles j existentes.

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Importante ressaltar que esta apropriao dos espaos de tomada de decises proposta

no consiste na transferncia das responsabilidades do Poder Pblico para a Sociedade Civil.

Claro que cada ente possui responsabilidades diferenciadas no trato e soluo de problemas e

a correlao de foras no aqui ignorada. H neste sentido, uma linha tnue a ser seguida e

monitorada, de modo a garantir sempre uma maior autonomia, preparo e protagonismo das

pessoas para realizar escolhas e orientar uma melhor gesto dos temas de interesse de sua

comunidade ou territrio, no entanto, sem perder-se de vista que as obrigaes do Poder

Pblico no podem ser repassadas para a coletividade que no possui os mesmos instrumentos

e relaes para lidar com determinadas questes12. Ou seja, a disponibilizao de espaos para

a participao na tomada de decises deve incluir o fornecimento de condies para que esta

participao se d de forma justa e equilibrada. Segue mais uma imagem veiculada em redes

sociais, que ilustra tal ideia:

Figura 3: Imagem veiculada em rede social referindo-se busca por justia e igualdade de oportunidades atravs da disponibilizao de maior apoio aos mais necessitados.

Desenho de autor desconhecido, obtido junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 17/07/2013.

A imagem acima reflete uma expectativa social de superar as desigualdades de

condies e oportunidades, propiciando uma forma mais justa de acesso e participao, que na

presente pesquisa, pode significar uma melhor instruo e preparo para o envolvimento em

processos decisrios; suporte logstico que permita a participao compatvel com a

disponibilidade de horrios, ocupao e deslocamento dos interessados; uma infraestrutura

condizente com as necessidades do pblico; um processo de facilitao eficiente; dentre

outros aspectos que precisam ser considerados para que os espaos de participao e tomada

12 Tema abordado tambm no item 2.2.3. da presente pesquisa.

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de deciso no sejam superficiais ou, como dizem popularmente, apenas pro-forma ou de

fachada13.

1.3.4. De Qual Participao Estamos Falando?

Pode parecer, em primeiro momento, relativamente simples falar sobre participao,

porm, muitas vezes em situaes prticas surgem dvidas sobre como qualificar a

participao de uma pessoa ou grupo em determinado processo: seria participao poltica,

participao social, participao pblica, participao cidad, participao popular ou s

participao?

Partindo-se da busca pelo significado literal das palavras e realizando algumas

interpretaes das definies encontradas em dicionrios, temos:

- Participar: ato de ter ou tomar parte em algo; associar-se pelo pensamento ou pelo

sentimento; solidarizar-se (FERREIRA, 1986, p. 1274; HOUAISS, 1979, p. 627;

MICHAELIS, 2004, s/p).

- Participao poltica: envolvimento com assuntos referentes ao Estado, tais como,

candidatura e voto, direo dos negcios pblicos, definio de objetivos e execuo de

programas de ao governamental, determinao das formas de organizao do Estado, dentre

outros (FERREIRA, 1986, p. 1358; HOUAISS, 1979, p. 662; MICHAELIS, 2004, s/p).

- Participao social: aes desenvolvidas atravs do envolvimento com um conjunto de

pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou

defender interesses comuns. Este conjunto de pessoas pode se caracterizar como agremiao,

associao, organizao, conselho, ou outra forma de agrupamento de indivduos unidos pelo

sentimento de conscincia de grupo, parceria ou comunidade (FERREIRA, 1986, p.1602;

HOUAISS, 1979, p. 786; MICHAELIS, 2004, s/p).

- Participao pblica: relativa, pertencente ou destinada coletividade; que diz respeito ao

governo-geral do pas e suas relaes com os cidados; comum; aberta a qualquer pessoa;

conhecida de todos; manifesta; notria; no secreta. No contexto da Sociologia, significa a

adeso a agrupamento espontneo de pessoas pertencentes a grupos sociais diversos que se

empenham para chegar, atravs da discusso de um problema de interesse comum, a uma

13 Expresses utilizadas para dizer que algo est sendo feito apenas para cumprir uma exigncia formal ou determinao legal, porm, na realidade executado de maneira superficial e que no surte um efeito significativo ou duradouro.

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deciso conjunta (FERREIRA, 1986, p.1414; HOUAISS, 1979, p. 689; MICHAELIS, 2004,

s/p).

- Participao cidad: exercida por indivduo no gozo dos direitos civis e polticos de um

Estado, ou no desempenho de seu dever para com este (FERREIRA, 1986, p. 403; HOUAISS,

1979, p. 192; MICHAELIS, 2004, s/p).

- Participao popular: exercida por aquele que pertence ao povo, para tomar deciso sobre

tema que concerne ao povo (que por sua vez, corresponde ao conjunto de pessoas que

constituem o corpo de uma nao; pode referir-se tambm s classes menos favorecidas)

(FERREIRA, 1986, p. 1365; HOUAISS, 1979, p. 665; MICHAELIS, 2004, s/p).

No entanto, h muito mais a se dizer sobre as diferentes formas de participao e a

utilizao desses termos na literatura, pois muitas vezes, eles so abordados como sinnimos,

e em outras, co