UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS … · Aprendi tudo que sou e sei com você! Te amo...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL ISIS AKEMI MORIMOTO DIREITO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ESTÍMULO À PARTICIPAÇÃO CRÍTICA E À EFETIVA APLICAÇÃO DE NORMAS VOLTADAS À PROTEÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL SÃO PAULO 2014

Transcript of UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS … · Aprendi tudo que sou e sei com você! Te amo...

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA AMBIENTAL

    ISIS AKEMI MORIMOTO

    DIREITO E EDUCAO AMBIENTAL: ESTMULO PARTICIPAO CRTICA E EFETIVA APLICAO DE NORMAS

    VOLTADAS PROTEO AMBIENTAL NO BRASIL

    SO PAULO 2014

  • ISIS AKEMI MORIMOTO

    DIREITO E EDUCAO AMBIENTAL: ESTMULO PARTICIPAO CRTICA E EFETIVA APLICAO DE NORMAS

    VOLTADAS PROTEO AMBIENTAL NO BRASIL

    Tese apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental (PROCAM) da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutora em Cincia Ambiental. Orientador: Prof. Dr. Marcos Sorrentino.

    Verso Revisada (Esta verso contm alteraes efetuadas aps a defesa da Tese e encontra-se disponvel para consultas

    na Biblioteca do Instituto de Energia e Ambiente IEE/USP)

    SO PAULO 2014

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO,

    POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E

    PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    FICHA CATALOGRFICA

    Morimoto, Isis Akemi.

    Direito e educao ambiental: estmulo participao crtica e efetiva

    aplicao de normas voltadas proteo ambiental no Brasil./ Isis Akemi

    Morimoto; orientador : Marcos Sorrentino. So Paulo, 2014.

    500 f.: il.; 30 cm.

    Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Cincia

    Ambiental) Universidade de So Paulo.

    1. Direito ambiental. 2. Educao ambiental. 3. Proteo

    ambiental. 4. Ecologia. 5. Participao. I. Ttulo.

  • Nome: MORIMOTO, Isis Akemi.

    Ttulo: Direito e Educao Ambiental: Estmulo Participao Crtica e Efetiva Aplicao de Normas Voltadas Proteo Ambiental no Brasil.

    Tese apresentada junto ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental (PROCAM) da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutora em Cincia Ambiental.

    Aprovada em: 24/03/2014.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. MARCOS SORRENTINO. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM/IEE/USP.

    Julgamento: Aprovada.

    Prof. Dr. PAULO AFFONSO LEME MACHADO. Instituio: Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Programa de Ps-Graduao em Direito Ambiental.

    Julgamento: Aprovada.

    Profa. Dra. HELITA BARREIRA CUSTDIO. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Faculdade de Direito Largo So Francisco.

    Julgamento: Aprovada.

    Dr. VOLNEY ZANARDI JNIOR. Instituio: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis IBAMA. Ocupante do cargo de Presidente do IBAMA.

    Julgamento: Aprovada.

    Profa. Dra. SUELI NGELO FURLAN. Instituio: Universidade de So Paulo USP. Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM/IEE/USP.

    Julgamento: Aprovada.

  • Dedico este trabalho minha querida mezinha Adilva Coimbra Morimoto (in memoriam). Ela foi se encontrar com Deus no dia 18 de maio de 2014, alguns dias antes de eu imprimir esta ltima verso da tese. Me, voc foi a pessoa mais linda, generosa, batalhadora, forte e alegre que conheci. Voc ajudou a todos. Voc se importava e protegia os animais, em especial, os abandonados. Voc plantava, voc colhia, voc acolhia, voc doava e voc se doava. Aprendi tudo que sou e sei com voc! Te amo muito, te amo sempre! Obrigada por tudo!. Da sua filha, Akemi.

  • Dedico este trabalho a Nelson Mandela (in memoriam). Madiba, como era carinhosamente chamado pelo povo sul-africano, era formado em Direito e costumava dizer: A Educao a arma mais poderosa que voc pode usar para mudar o

    Mundo! (NELSON MANDELA, 1918 - 2013).

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a Deus, pois creio que tudo que penso e fao est dentro dos

    planos Dele para comigo e para o Mundo. E agradeo o direcionamento que Ele tem dado

    minha vida!

    Agradeo Me Natureza, generosa, inspiradora e linda em todos os sentidos!

    Quanto aos demais agradecimentos, inicio j pedindo perdo ao leitor, pois pretendo

    me alongar. Foram muitas as pessoas que contriburam para que eu pudesse chegar

    concluso desta Tese, e, temendo esquecer algum, AGRADEO A TODOS OS AMIGOS E

    AMIGAS QUE SABEM O QUANTO FORAM IMPORTANTES NESTA ETAPA DA

    MINHA VIDA! Sinceramente, OBRIGADA!

    Agradeo minha me Adilva e ao meu pai Siniti, que me proporcionaram a vida e

    sempre me incentivaram para o estudo e para a prtica do bem.

    Agradeo ao meu amado marido Helder, que sempre segurou a barra nos momentos de

    preocupao e estresse! Me deu apoio e contribuiu de todas as formas para que eu pudesse

    trilhar o caminho da pesquisa e do meu crescimento pessoal e profissional da melhor forma

    possvel.

    Agradeo ao meu orientador, Prof. Marcos Sorrentino, que de forma sempre amiga,

    generosa e inteligente, tem me auxiliado h mais de 15 anos nos caminhos acadmico,

    profissional e pessoal, dando incentivos, aconselhamentos e bons exemplos que levarei por

    toda a vida.

    Agradeo aos professores e profissionais com reconhecida atuao nas reas do

    Direito Ambiental e/ou da Educao Ambiental que gentilmente aceitaram o convite para

    compor as Bancas de Qualificao e de Defesa desta Tese, como titulares ou suplentes: Dr.

    Helita Barreira Custdio, Dr. Sueli Angelo Furlan, Dr. Paulo Affonso Leme Machado, Dr.

    Volney Zanardi Jnior, Dr. Pedro Jacob, Dr. Luiz Carlos Beduschi Filho, Dr. Thas Brianezi,

    Dr. Rachel Trajber e Dr. Erika Pires Ramos.

    Agradeo Universidade de So Paulo USP e ao Programa de Ps-Graduao em

    Cincia Ambiental PROCAM/IEE, por me acolherem no programa e por apoiarem a

    publicao e apresentao de trabalhos relacionados a esta pesquisa em eventos nacionais e

    internacionais.

    Agradeo ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    Renovveis IBAMA, tambm pelo apoio e incentivo para que eu buscasse novos

    conhecimentos e capacitao para melhor exercer minhas funes profissionais.

  • Agradeo muitssimo a todos os especialistas e participantes de cursos, oficinas e

    palestras que trouxeram preciosas contribuies a esta pesquisa ao gentilmente atenderem

    minhas solicitaes para participarem de entrevistas ou para responderem aos meus

    questionrios. Suas palavras se constituram em elementos fundamentais para a realizao do

    presente trabalho. MUITO OBRIGADA A: Alex Richard Martins, Amadeu Jos Montagnini

    Logarezzi, Amanda Longhi, Ana Beatriz Tukuda Melo, Ana Paula Coati, Andressa Akemi

    Tagomori da Silva, Bruno Mantega, Camila Denoni, Daniel Braga, Daniel Sutti, Debora

    Menezes, Dorivaldo Domingues de Souza, Eder Francisco da Silva, Edna Martha Martins

    Pereira, Elaine B. Pellacani, Eliete Cavalcanti M. Rios Bozoklian, Erika Bechara, Erika Pires

    Ramos, Evandro Albiach, Fbio Deboni, Felipe Furtado, Flvia Lisboa Machado, Flvia

    Maria Rossi, Flvia Sumaio dos Reis, Flvio H. Mendes, Gisele Saviani, Guilherme Jos

    Purvin de Figueiredo, Guilherme R. Pontes, Guilherme Vidal, Helen Cristina Joslim, Joo

    Luiz Hoeffel, Las Camargo, Las Menossi, Lara Gabrielle Garcia, Leandro Balistieri, Lvia

    Maria Ongaro Modolo, Lu Uakiti, Luana Trevine Momentel, Luciana Espinheira da Costa

    Khoury, Luciana Ferreira, Luciana Pereira, Lus Henrique Ventrilho Frana, Luiz Antnio

    Ferraro Jr., Luzinete Sacramento, Manoel Ribeiro, Marcos Sorrentino, Maria Andrea

    Evangelista, Maria Castellano, Maria Henriqueta Andrade Raimundo, Mariangel Nieves

    Mareano, Miguel Bernardinho dos Santos, Miriam Dualibi, Moema Viezzer, Monica Simons,

    Paulo Roberto Cunha, Pedro Melo, Pedro Roberto Jacob, Rachel Trajber, Rafael J Giro,

    Roberta Graf, Rodolfo Antnio de Figueiredo, Rodrigo, Rosngela M. de Assuno Galvo,

    Rosiane Caetano, Semramis Biasoli, Shanda Soares Ventura, Simone Queiroz, Simone

    Portugal, Sueli Angelo Furlan, Thas Brianezi Ng, Vladimir Passos de Freitas e Yanina

    Sammarco.

    Agradeo ao Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado pelos ensinamentos que sempre

    foram muito alm dos elementos tcnicos e conceituais do Direito Ambiental, iluminado a

    mim e a todos os que o conhecem pessoalmente ou tm acesso s suas obras, com exemplos

    de simplicidade, honestidade, carter, caridade, justia e responsabilidade nos estudos e no

    exerccio de cargos pblicos, em especial, em relao ao dever tico que os servidores e

    estudantes possuem de garantir o melhor retorno sociedade pelo investimento pblico a que

    tm acesso.

    Agradeo Prof. Dr. Helita Barreira Custdio pelo incentivo que deu aos meus

    estudos presenteando-me com diversas de suas publicaes logo aps a concluso do meu

    mestrado, pela seriedade e carinho com os quais tem avaliado os meus escritos e pelos

    preciosos comentrios e aconselhamentos efetuados durante a Banca de Qualificao do

  • presente estudo, que por sua vez, foram primordiais para a concluso desta tese e para minha

    formao em geral.

    Agradeo Dr. Sueli Furlan e ao Dr. Pedro Jacob, professores do PROCAM que

    participaram de minha Banca de Qualificao e tambm fizeram sugestes e crticas que

    muito contriburam para as reflexes durante a elaborao deste trabalho.

    Agradeo Dr. Maria Collares Felipe da Conceio por ter sido a primeira pessoa a

    aconselhar-me a ingressar no curso de Direito quando eu ainda estava na graduao do curso

    de Ecologia. Atenciosa e perspicaz, percebeu em nosso primeiro encontro durante um

    Congresso de Direito Ambiental ainda na dcada de 90, o interesse e a afinidade que eu j

    nutria pelo tema.

    Agradeo Dr. Eda Terezinha de Oliveira Tassara, que de forma sempre inteligente e

    atenciosa, vem iluminando educadores e pesquisadores do Brasil e do Mundo com seus

    ensinamentos refinados e inspiradores.

    Agradeo ao Dr. Carlos Rodrigues Brando, no apenas pelos livros e saberes

    compartilhados, mas pelo exemplo de acolhimento e ternura no trato de todos os elementos da

    Natureza.

    Agradeo amiga Thas Brianezi pela generosidade e carinho com o qual fez uma

    leitura desta Tese ainda antes de sua finalizao, sugerindo algumas correes ortogrficas e

    compartilhando dicas primordiais.

    Agradeo amiga Maria Henriqueta Andrade Raimundo, que carinhosamente atendeu

    a todos os pedidos de materiais e informaes que eu fiz durante esta pesquisa.

    Agradeo aos tantos amigos e amigas, que quando em uma simples conversa sobre

    temas nem sempre relacionados a este estudo, me propiciaram insites que auxiliaram no

    desenvolvimento das ideias aqui presentes.

    Agradeo a todos os pesquisadores vinculados ao Laboratrio de Educao e Poltica

    Ambiental OCA pela acolhida e constante troca. Vocs so incrveis e me fazem acreditar

    que nunca estaremos sozinhos nesta luta por um Mundo melhor!

    Agradeo Dr Erika Bechara e ao Dr. Marcos Sorrentino por terem encaminhado os

    questionrios desta pesquisa aos especialistas das Listas de Discusso da APRODAB

    Associao dos Professores de Direito Ambiental do Brasil e da RUPEA Rede Universitria

    de Programas de Educao Ambiental.

    Agradeo Dr Luciana Espinheira da Costa Khoury pelo envio do material sobre o

    Programa de Fiscalizao Preventiva Integrada FPI implementado pelo Ministrio Pblico

    do Estado da Bahia e parceiros.

  • Agradeo ao Dr. Dorivaldo Domingues de Souza por compartilhar documentos sobre

    Direito Ambiental e pelas belas palavras de incentivo.

    Agradeo aos colegas do IBAMA Miguel Bernardino dos Santos, Erika Pires Ramos,

    Rossana Borioni e Roberta Graf, que recentemente concluram suas pesquisas de Ps-

    Graduao e compartilharam comigo ricas experincias, importantes dicas e conhecimentos

    tecnico-cientficos que trouxeram grandes contribuies para o enriquecimento deste trabalho.

    Agradeo aos chefes que tenho ou tive no IBAMA e que apoiaram a minha

    participao no programa de Ps-Graduao da USP: Dr. Murilo Rocha, Dr. Analice Pereira,

    Dr Rossana Borioni, Dr. Ivan Ortiz e Dr. Rodrigo Cassola.

    Agradeo aos colegas do Ncleo de Educao Ambiental da SUPES/SP, Margarida

    Sturaro e Miguel Bernardino dos Santos, por assumirem funes extras junto ao Ncleo e por

    darem continuidade aos projetos do setor durante os perodos que precisei me ausentar para a

    capacitao.

    Agradeo ao colega Vincent Kurt Lo, pelo empenho junto ao Programa Permanente de

    Proteo Fauna Silvestre e por compartilhar sua empolgao e imenso saber nesta rea.

    Agradeo ao setor de Recursos Humanos do IBAMA, em especial, aos colegas

    Amauri dos Santos, Valrio Martins e a Dalva Anria de Sousa pelas orientaes e apoio.

    Agradeo aos colegas do Programa de Formao de Fiscais Ambientais do IBAMA -

    PROFFA, Jair Schmitt, Mrcia Albertini e Edgar Costa, por compreenderem minha ausncia

    durante o perodo de doutoramento.

    Agradeo famlia Morimoto, famlia Coimbra, famlia Toschi e famlia Oliveira

    pela compreenso da minha ausncia em alguns eventos familiares importantes neste perodo.

    Agradeo o apoio que recebi nos momentos difceis da tia Cacilda, da tia Rosa e da

    minha irm Patrcia. Agradeo tambm minha sogra Lourdes, ao meu sogro Toninho, a

    todos os tios e tias, aos meus avs, padrinhos, cunhados, primos, irmos, sobrinhos, enfim,

    todos os familiares que torceram por mim durante o processo de aprofundamento dos meus

    estudos.

    Agradeo ao Dr. Rodrigo Yacubian Fernandes, que ao compartilhar tcnicas de

    meditao relacionadas ao Kundalini Yoga atravs de pesquisa desenvolvida por ele e equipe

    junto ao Hospital das Clnicas de So Paulo, contribuiu de forma primordial para o meu

    equilbrio emocional e para a melhoria da minha concentrao no desenvolvimento desta

    pesquisa. Agradeo tambm amiga Flvia Maria Rossi por ter indicado este tratamento.

    Da mesma forma, agradeo ao Terapeuta Holstico Hlio Genhei Sinzato, que me

    apresentou os benefcios da autocura e que nos meses finais da elaborao desta Tese me

  • auxiliou no trato das ansiedades e compulses alimentares. Me mostrou um caminho vivel

    para algo que eu procurava h tempos: harmonia entre corpo e alma. Assim, agradeo tambm

    amiga Cintia Gntzel-Rissato por ter indicado este tratamento.

    E para finalizar, reforo o agradecimento ao meu orientador Marcos Sorrentino que

    esteve atento e solcito nas leituras, correes e indicaes pertinentes concluso do presente

    trabalho. Seus ensinamentos e sua amizade so imensamente importantes para mim!

    E mais uma vez, agradeo ao Helder pelo apoio, dedicao, pacincia, incentivo e

    compreenso! Voc foi essencial para que eu realizasse este sonho! No h palavras para

    dizer o quanto lhe sou grata! Te amo muuuito!

    Sinceramente, Isis Ak.

  • Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condies materiais, econmicas, sociais e polticas, culturais e ideolgicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difcil superao para o cumprimento de nossa tarefa histrica de mudar o mundo, sei tambm que os obstculos no se eternizam (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, 1996, p. 31).

  • RESUMO

    MORIMOTO, Isis Akemi. Direito e Educao Ambiental: Estmulo Participao Crtica e Efetiva Aplicao de Normas Voltadas Proteo Ambiental no Brasil. 2014. Tese (Doutorado). Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental PROCAM. Universidade de So Paulo USP, So Paulo, 2014.

    Os problemas socioambientais enfrentados na atualidade apresentam novos desafios para a Educao Ambiental e para o Direito Ambiental. Dentre eles, destaca-se a necessidade de efetivao de aes e polticas pblicas voltadas ampliao do acesso a conhecimentos e prticas que contribuam para a emancipao, empoderamento e potencializao de pessoas e grupos para a participao em processos decisrios. Participao esta, que engloba desde a mudana individual de atitudes at o engajamento com causas polticas e socioambientais em benefcio de toda a coletividade. No entanto, para que a participao popular ocorra de forma equilibrada e justa no sentido de corrigir possveis injustias sociais, seja bem informada e crtica para afastar qualquer possibilidade de manipulao, e apresente resultados efetivos de modo a no desmotivar os envolvidos nos diferentes processos participativos-democrticos, demonstra-se necessria a apropriao por parte dos cidados de mecanismos voltados ao controle social e ao melhor acesso justia.

    Neste contexto, o presente trabalho props-se a buscar contribuies provenientes da literatura e da doutrina dos campos do Direito Ambiental e da Educao Ambiental e a efetuar consultas junto a especialistas e participantes de iniciativas-piloto (cursos, oficinas e palestras) promovidas dentro da proposta de interface entre estas duas reas do saber.

    Com a triangulao dos resultados obtidos e a realizao de anlises sobre questes relevantes surgidas no decorrer da pesquisa, concluiu-se que o desenvolvimento de prticas educativas que dialoguem com os preceitos da Educao Ambiental crtica e emancipatria e com os princpios, normas e instrumentos correlatos ao Direito Ambiental, efetuado de maneira contextualizada com os diversos aspectos relacionados s questes socioambientais, pode trazer grandes contribuies para o enfrentamento dos problemas socioambientais e configurar-se como um caminho promissor para a construo participativa de polticas pblicas estruturantes voltadas ao estabelecimento de sociedades cada vez mais sustentveis e justas.

    Dentre os potenciais benefcios vislumbrados com a implementao de tais polticas pblicas, destacam-se: aumento da compreenso sobre as estruturas do Estado, acordos sociais e normas relacionadas proteo ambiental; valorizao das medidas preventivas de danos ao meio ambiente; internalizao dos conceitos de direitos, deveres e responsabilidades compartilhadas e diferenciadas entre os diversos setores da sociedade; estmulo anlise crtica dos contextos em que se inserem as questes socioambientais; maior acesso informao e justia em matria de meio ambiente; diminuio na ocorrncia de ilcitos ambientais e aumento da punio aos infratores de forma exemplar; manuteno da biodiversidade e dos processos ecolgicos; reviso de atos e atitudes individuais e coletivas; auxlio na construo participativa de novos conhecimentos com o envolvimento de educadores e educandos; compreenso da importncia do engajamento poltico e social para o benefcio da coletividade; aumento do monitoramento da sociedade pela prpria sociedade; e manuteno dos avanos legislativos j alcanados pelo Pas.

    Palavras-chave: Educao Ambiental, Direito Ambiental, Participao, Acesso Justia, Acesso Informao, Aplicao das Normas Ambientais, Ecologia, Meio Ambiente.

  • ABSTRACT

    MORIMOTO, Isis Akemi. Environmental Education and Environmental Law: Incentive to Promoting Effective Participation and Application of Standards Focused on Environmental Protection in Brazil. 2014. Thesis (Ph.D.). Graduate Program of Environmental Science PROCAM, Universidade de So Paulo- USP, So Paulo, 2014.

    The environmental problems faced in our days present new challenges for Environmental Education and Environmental Law. Among them, we highlight the need for effective actions and intended to broaden access to knowledge and practices that contribute to the emancipation and empowerment of individuals and groups to participate in decision-making process. This kind of participation includes individual changes of attitudes and engagement with political and environmental causes for the benefit of the whole community. However, for the occurrence of popular participation in a balanced and fair way to correct social injustices, with the guarantee for the people of being well informed and able to avoid any possibility of manipulation, some mechanisms are required to increase social control and to improve the access to justice.

    In this context, the present study aimed to seek contributions from literature and doctrine related to Environmental Law and Environmental Education and also worked with the proposal to listen the opinions and reports of experiences from experts and participants of pilot initiatives (courses , workshops and lectures) promoted under the proposed of interface between these two fields of knowledge.

    With the method called triangulation of results and by conducting analyzes on relevant issues arising in the course of the study, the researcher was able to conclude that the development of educational practices that follow the principles of critical reflections and emancipatory actions related to the Environmental Education, and at the same time, adopting the principles, standards and tools that guide the Environmental Law issues, it is possible to bring important contributions to dealing with environmental problems and to increase the public participation in the construction of structural policies aimed at establishing sustainable societies.

    The potential benefits achieved with the implementation of this kind of public policy include: increasing the understanding about the state structures, social arrangements and laws related to environmental protection; enhancement of preventive actions to avoid environmental damages; internalization of the concepts of rights, duties and responsibilities shared among the different sectors of society; encouragement of the practice of critical analysis in the contexts that social and environmental issues are operated; improving access to information and justice in environmental matters; decreasing occurrence of environmental offenses and increasing punishment for offenders; maintenance of biodiversity and ecological processes; revision of individual and collective actions; aid in the construction of new knowledge with participation of researchers, teachers and students; increasing the understanding about the importance of political and social participation for the benefit of the whole community; improving the practice of monitoring and protecting environmental issues by the citizens; and maintenance of legislative progress already achieved by the Country. Keywords: Environmental Education, Environmental Law, Participation, Access to Justice, Access to Information, Application of Environmental Standards, Ecology, Environment.

  • SUMRIO

    FICHA CATALOGRFICA................................................................................................... 3

    AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... 10

    RESUMO ................................................................................................................................. 18

    ABSTRACT ............................................................................................................................ 20

    SUMRIO ............................................................................................................................... 22

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 26

    APRESENTAO PESSOAL DO CAMINHO TRILHADO ........................................... 28

    CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS ................................................................... 32

    1.1. APRESENTAO DA PESQUISA ............................................................................. 32

    1.2. OBJETIVOS .................................................................................................................. 36

    1.3. A ESCOLHA DOS TERMOS OU EM TERMOS DE ESCOLHA ........................... 37

    1.3.1. Popularizao, Democratizao ou Conscientizao? ............................................ 37

    1.3.2. Sobre os Termos Implementao, Exequibilidade, Eficcia, Eficincia e

    Efetividade na Aplicao das Normas .............................................................................. 39

    1.3.3. O Conhecimento Contextualizado, o Engajamento Crtico e a Qualificao dos

    Argumentos ....................................................................................................................... 41

    1.3.4. De Qual Participao Estamos Falando? ................................................................ 48

    1.3.5. Por Que Poltica Pblica Estruturante? ................................................................... 56

    1.4. METODOLOGIA ...................................................................................................... 66

    1.4.1. Semelhanas Tericas ............................................................................................. 68

    1.4.2. Tcnicas Utilizadas ................................................................................................. 70

    CAPTULO 2: BUSCA POR CORRELAES ENTRE DIREITO AMBIENTAL E

    EDUCAO AMBIENTAL ................................................................................................. 78

    2.1. CONTRIBUIES DA EDUCAO AMBIENTAL PARA O DIREITO

    AMBIENTAL ....................................................................................................................... 80

    2.1.1. Da Informao Compreenso ............................................................................... 94

    2.1.2. Da Conscientizao Participao ....................................................................... 104

  • 2.2. CONTRIBUIES DO DIREITO AMBIENTAL PARA A EDUCAO

    AMBIENTAL .................................................................................................................... 117

    2.2.1. Princpios do Direito Ambiental e Documentos Internacionais Relacionados ..... 124

    2.2.2. A Importncia da Aplicao das Normas Ambientais .......................................... 135

    2.2.3. Sobre o Acesso s Instncias de Tomada de Deciso, Responsabilidades

    Compartilhadas e Instrumentos de Controle Social ........................................................ 142

    2.2.4. A Normatizao da Educao Ambiental no Brasil ............................................. 164

    CAPTULO 3: DILOGO COM ESPECIALISTAS DO CAMPO DO DIREITO

    AMBIENTAL E DA EDUCAO AMBIENTAL ............................................................ 170

    3.1. PROCEDIMENTOS PARA A CONSULTA AOS ESPECIALISTAS ...................... 170

    3.2. RESULTADOS OBTIDOS ATRAVS DOS QUESTIONRIOS E ENTREVISTAS

    REALIZADAS JUNTO AOS ESPECIALISTAS ............................................................. 172

    CAPTULO 4: DAS INICIATIVAS-PILOTO E DO PROCESSO DE ALTERAO

    DO CDIGO FLORESTAL BRASILEIRO ...................................................................... 192

    4.1. CURSOS, OFICINAS E PALESTRAS DESENVOLVIDOS JUNTO A

    INSTITUIES PARCEIRAS .......................................................................................... 197

    4.1.1. Sobre as Expectativas dos Participantes e Opinies Iniciais a Respeito da

    Associao Entre Direito e Educao Ambiental ........................................................... 205

    4.1.2. Sobre o aproveitamento do momento presencial e as avaliaes dos participantes

    ........................................................................................................................................ 213

    4.1.3. Resultados Obtidos Atravs dos Questionrios Aplicados Junto a Participantes dos

    Cursos, Palestras e Oficinas ............................................................................................ 217

    4.2. AES E PROJETOS DESENVOLVIDOS NO MBITO DO IBAMA ................. 235

    4.2.1. Combate ao Trfico de Animais Silvestres .......................................................... 236

    4.2.2. Apoio e Participao em Comisses, Coletivos e Projetos Desenvolvidos por

    Outras Instituies .......................................................................................................... 238

    4.2.3. Preparao de Agentes de Fiscalizao para o Gerenciamento de Conflitos

    Socioambientais .............................................................................................................. 239

    4.2.4. Formao de Agentes Ambientais Voluntrios .................................................... 244

  • 4.3. ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO DE ALTERAO DO CDIGO

    FLORESTAL BRASILEIRO ............................................................................................. 250

    4.3.1. O Processo de Mudana do Cdigo Florestal Brasileiro....................................... 251

    4.3.2. Reflexes Sobre o Processo Observado/Acompanhado em Relao ao Cdigo

    Florestal ........................................................................................................................... 265

    CAPTULO 5: REFLEXES E DISCUSSES ................................................................ 268

    5.1. QUESTES RELEVANTES SOBRE OS LIMITES DA INTERVENO DO

    ESTADO, A EMANCIPAO, A REGULAO E A DESOBEDINCIA CIVIL ....... 268

    5.2. TRIANGULAES DOS RESULTADOS ................................................................ 286

    5.2.1. Conhecimento Contextualizado, Engajamento Crtico e Participao.................. 287

    5.2.2. Polticas Pblicas na interface entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental

    ......................................................................................................................................... 297

    5.2.3. Contribuies para a Efetividade das Normas Ambientais, Preveno de Danos e

    Gesto de Conflitos Socioambientais .............................................................................. 330

    CAPTULO 6: CONSIDERAES FINAIS .................................................................... 346

    CAPTULO 7: REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................... 358

    ANEXOS ............................................................................................................................... 374

    Anexo I: Propostas de Aes .............................................................................................. 376

    Anexo I.a. Proposta de Curso Voltado Popularizao do Direito Ambiental .............. 376

    Anexo I.b. Proposta de Estratgias de Ao para o IBAMA .......................................... 382

    Anexo I.c. Proposta de Estruturao Participativa de uma Poltica Pblica Articuladora

    ......................................................................................................................................... 386

    Anexo II. Primeiro roteiro de perguntas para os Especialistas em Educao e em Direito

    Ambiental ............................................................................................................................ 390

    Anexo III. Busca em plataformas de pesquisas cientficas ................................................. 392

    Anexo IV. Artigo sobre o Controle Judicial de Polticas Pblicas ..................................... 394

    Anexo V. Artigo sobre o Cdigo Florestal ......................................................................... 404

    Anexo VI: Documentos e Imagens veiculados em redes sociais durante o processo de

    alterao do Cdigo Florestal ............................................................................................. 416

  • Imagens de manifestaes sobre o Cdigo Florestal que circularam em redes sociais da

    internet at maio de 2012 ................................................................................................ 418

    Anexo VII: Membros da RUPEA e da APRODAB, para os quais foram enviados

    questionrios virtuais .......................................................................................................... 420

    Anexo VIII: Respostas Integrais dos Especialistas ............................................................ 424

    Anexo IX: Expectativas e opinies dos participantes a respeito da associao entre o Direito

    Ambiental e a Educao Ambiental ................................................................................... 450

    Anexo X: Avaliao Sobre os Conhecimentos Adquiridos Pelos Participantes Aps

    Minicurso............................................................................................................................ 464

    Anexo XI: Respostas Integrais dos Participantes de Cursos, Palestras e Oficinas ............ 468

    Anexo XI.a.: Respostas dos Participantes ao Questionrio Piloto ................................. 468

    Anexo XI.b.: Respostas dos Participantes ao Questionrio Principal ............................ 476

    Anexo XII: Listagem de Conflitos Socioambientais por Estado Brasileiro ....................... 496

    AGRADECIMENTO AO LEITOR ................................................................................... 500

  • 26

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao clamor popular por uma Educao

    mais crtica e menos domesticadora. ........................................................................................ 43

    Figura 2: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao direito de todo cidado em

    manifestar-se em vias pblicas sem sofrer com ameaas, represses ou ditaduras. ................ 46

    Figura 3: Imagem veiculada em rede social referindo-se busca por justia e igualdade de

    oportunidades atravs da disponibilizao de maior apoio aos mais necessitados. ................. 47

    Figura 4: Esquema elaborado pela pesquisadora com o intuito de facilitar a visualizao dos

    diferentes tipos de triangulaes que se buscou realizar durante a pesquisa............................ 75

    Figura 5: Auditrio da Escola Florestan Fernandes. .............................................................. 199

    Figura 6: Auditrio da ESALQ/Piracicaba. ............................................................................ 200

    Figura 7: Secretaria da Educao/So Paulo/SP..................................................................... 201

    Figura 8: Abertura do Frum e Oficina realizada na Bahia. .................................................. 202

    Figura 9: Integrao entre os membros do Coletivo Vos e Apresentao do Mdulo. .......... 203

    Figura 10: Curso para a Pastoral da Ecologia da Arquidiocese de So Paulo........................ 204

    Figura 11: Ato Pblico em Defesa do Cdigo Florestal / ESALQ / USP, 12/11/2009. ......... 255

    Figura 12: Paulo Affonso Leme Machado e Isis Morimoto no Ato Pblico de 12/11/2009. . 255

    Figura 13: Seminrio realizado pela Fapesp em 03/08/2010. ................................................ 257

    Figura 14: Evento realizado na Faculdade de Sade Pblica em So Paulo, 29/08/10. ......... 257

    Figura 15: Joo de Deus Medeiros no Debate sobre o Cdigo Florestal, 29/10/10. .............. 258

    Figura 16: Discusses sobre o Cdigo Florestal na OAB, So Paulo, 18/03/11. ................... 258

    Figura 17: Mesa de Debates realizada na ESALQ/USP, em Piracicaba, 21/03/11. ............... 259

    Figura 18: Imagem do resultado da enquete do site da Cmara dos Deputados. ................... 259

    Figura 19: Manifestao pacfica no Parque Ibirapuera, So Paulo, 22/05/11....................... 260

    Figura 20: Debate sobre Cdigo Florestal no XI Congresso do MP, 01/06/11. ..................... 261

    Figura 21: Lanamento Paulista do Comit em Defesa das Florestas, 05/08/11. .................. 262

    Figura 22: Ato Pblico em Defesa das Florestas na Avenida Paulista, 05/05/12. ................. 263

    Figura 23: Ato Pblico realizado em Curitiba. ....................................................................... 264

  • 27

  • 28

    APRESENTAO PESSOAL DO CAMINHO TRILHADO

    Desde o incio da minha formao acadmica quando do ingresso no curso de

    graduao em Ecologia no ano de 1996 na Universidade Estadual Paulista-UNESP de Rio

    Claro, tenho me dedicado a estudar instrumentos e caminhos que possam contribuir para uma

    maior eficcia da proteo ambiental no Brasil. Talvez por isto tenha me encantado tanto com

    as aulas de Direito Ambiental que tive com o Professor Dr. Paulo Affonso Leme Machado em

    1999. Na oportunidade, tive contato com os princpios do Direito Ambiental e com as

    principais normas que protegem e disciplinam o uso de recursos naturais no Brasil, e depositei

    neste avanado arcabouo jurdico grande esperana nos acordos sociais para uma vida

    melhor e ambientalmente sustentvel.

    Tambm me fascinaram desde aquela poca, as palestras, minicursos, projetos de

    extenso universitria, leituras e experincias diversas na rea de Educao Ambiental.

    De fato, em todas as disciplinas oferecidas durante a graduao em Ecologia, notei que

    as solues para problemas ambientais e as medidas voltadas proteo do equilbrio

    ecolgico, fossem elas gerenciais, preventivas ou punitivas, sempre passavam em algum

    momento pela necessidade de trabalho associado Educao Ambiental. No era um

    pensamento antropocntrico, mas um reconhecimento da responsabilidade dos seres humanos

    como causadores da maior parte dos problemas ambientais do planeta, de repensarem suas

    atitudes e participarem da busca por alternativas para estas questes. Da a opo que fiz

    durante o mestrado de buscar a orientao do Professor Marcos Sorrentino e de aprofundar

    meus estudos junto ao Laboratrio de Educao e Poltica Ambiental Oca, sediado na

    Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ/USP.

    Na ocasio, desenvolvi pesquisa junto a proprietrios rurais de uma microbacia de

    Piracicaba, focando na percepo que os mesmos tinham do elemento arbreo em suas

    propriedades. Busquei abordar aspectos da legislao de proteo s florestas e das polticas

    pblicas voltadas ao fomento florestal e adequao ambiental das unidades rurais da regio.

    Durante este perodo, me envolvi nos debates sobre as Medidas Provisrias e Projetos de Lei

    que pretendiam alterar o Cdigo Florestal Brasileiro. Esta militncia e a necessidade de

    compreender melhor elementos bsicos do Direito para poder responder a alguns

    questionamentos feitos por agricultores na regio trabalhada em minha pesquisa de mestrado,

    me levaram a cursar graduao tambm em Direito.

    Concludo o mestrado, passei a dar aulas sobre Direito Ambiental, Ecologia e

    Educao Ambiental, at prestar o concurso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

  • 29

    Recursos Naturais Renovveis IBAMA e ingressar no cargo de analista ambiental no final

    de 2002.

    Neste rgo federal responsvel pela execuo da Poltica Nacional do Meio

    Ambiente, trabalhei com Educao Ambiental em uma Unidade de Conservao at assumir a

    coordenao do Ncleo de Educao Ambiental - NEA da Superintendncia do IBAMA em

    So Paulo no ano de 2006. Misso no muito fcil, pois apesar dos esforos para tentar

    aumentar a equipe, e de eventuais apoios de alguns servidores lotados em outras divises ou

    Escritrios Regionais do Instituto, o NEA/SP nunca teve mais do que trs servidores para a

    execuo de todas as aes da Educao Ambiental desenvolvidas pelo rgo no Estado, com

    nada menos que 645 municpios e uma extenso de 248.222 Km2 (IBGE, 2013).

    Em pouco mais de cinco anos de trabalho junto ao NEA de So Paulo, participei de

    diversas atividades, tais como: atender a demanda de palestras e minicursos sobre Meio

    Ambiente, Educao e Direito Ambiental; projetos voltados a comunidades em situao de

    vulnerabilidade ambiental1, como por exemplo, guias tursticos de cavernas no Vale do

    Ribeira e assentados rurais nas regies de Araatuba e Bauru; implementao da Agenda

    Ambiental na Administrao Pblica no mbito do IBAMA em So Paulo A3P/SP;

    organizao de duas Conferncias Nacionais do Meio Ambiente; treinamento de Agentes

    Ambientais Voluntrios; desenvolvimento de projeto sobre Educao Ambiental e Mudanas

    Climticas; organizao de cursos e oficinas em temas diversos, com destaque para a

    capacitao em identificao de estgios sucessionais e fitofisionomias da Mata Atlntica,

    destinada a tcnicos do IBAMA de diversas regies do Estado; implementao do Programa

    Permanente de Proteo Fauna Silvestre P3F/SP; participao nas discusses sobre a

    regulamentao da Poltica Estadual de Educao Ambiental; acompanhamento das aes

    preparatrias para a Rio + 20 e II Jornada do Tratado de Educao Ambiental para

    Sociedades Sustentveis, dentre outras atividades.

    Tambm houve envolvimento com a formao de servidores do rgo em outros

    Estados da Federao, tendo me tornado instrutora da disciplina intitulada Gerenciamento de

    Conflitos Socioambientais em 2008, dentro do Programa de Formao de Fiscais Ambientais

    do IBAMA ProFFA.

    Atravs do contato com diversas demandas da sociedade e percebendo a necessidade

    de conhecimento que grande parte da populao demonstrava em relao legislao

    1 O termo comunidades em situao de vulnerabilidade ambiental utilizado no contexto dos Programas previstos no Planejamento Plurianual do Governo Federal, atravs dos quais existe a possibilidade de destinao de recursos para projetos na rea de Educao Ambiental.

  • 30

    ambiental e outros temas relacionados, passei a questionar de que maneira a Educao

    Ambiental poderia atuar de modo transversal com outros setores do Instituto, promovendo

    uma ao que prevenisse danos ao Meio Ambiente e, at mesmo, auxiliasse na gesto de

    conflitos socioambientais.

    Percebi nas aes educacionais com enfoque no Direito Ambiental uma possibilidade

    de interveno na qual o Estado poderia contribuir neste sentido.

    Especificamente em relao ao IBAMA, no meu entendimento, um rgo que possui a

    misso de proteger o meio ambiente e assegurar a sustentabilidade no uso dos recursos

    naturais, visando promover a qualidade ambiental propcia vida2, tem por vocao natural a

    necessidade de investir em trabalhos preventivos que promovam a manuteno do equilbrio

    ecolgico para as presentes e futuras geraes e propiciem a otimizao do uso de recursos,

    inclusive os financeiros e humanos de seu quadro institucional.

    No entanto, esta linha de ao est longe de ser uma prioridade no rgo, que sempre

    foi associado a um perfil muito mais repressivo que preventivo. Prova disso foi a no incluso

    de um setor responsvel pela Educao Ambiental no organograma do Instituto quando o

    IBAMA foi dividido em 2007, com a criao do Instituto Chico Mendes de Conservao da

    Biodiversidade ICMBio.

    No ano de 2010, aps demanda efetuada pelo Tribunal de Contas da Unio TCU, foi

    retomado o processo de elaborao do Planejamento Estratgico do Instituto e vislumbrou-se

    uma possibilidade de reinstitucionalizao da Educao Ambiental dentro do rgo. Momento

    este que considerei propcio para aprofundar meus estudos na interface entre o Direito e a

    Educao Ambiental e, se pertinente, propor um perfil de atuao diferente para a instituio,

    resultando em possveis polticas pblicas de Educao Ambiental voltadas ao fortalecimento

    da participao popular, preveno de ilcitos ambientais, promoo de debates sobre os

    pactos estabelecidos pela sociedade atravs de normas ambientais e o aumento da eficcia e

    do controle social de aes governamentais direcionadas proteo ambiental e a melhor

    qualidade de vida.

    2 Misso estabelecida atravs da Portaria n 14, DE 07.11.2011 que aprovou o Plano Estratgico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis - PE IBAMA para o perodo de 2012-2015.

  • 31

  • 32

    CAPTULO 1: CONSIDERAES INICIAIS

    1.1. APRESENTAO DA PESQUISA

    A degradao ambiental apresenta consequncias cada vez mais graves em todo o

    planeta. Em muitas localidades, a explorao dos ambientes naturais tem ocorrido de forma

    descontrolada, sendo mais veloz que a capacidade da Natureza de se regenerar. Segundo o

    relatrio GBO Global Biodiversity Outlook (2006), as florestas esto sendo destrudas a

    uma taxa de seis milhes de hectares por ano e tendncias semelhantes foram observadas para

    a vida marinha e ecossistemas costeiros, como barreiras de coral e mangues. Edward O.

    Wilson (2002), da universidade Harvard, em seu livro O futuro da vida, estima que se a taxa

    de destruio humana da biosfera continuar no mesmo rtmo em que se encontra hoje, metade

    de todas as espcies de seres vivos estar extinta em 100 anos. No mesmo sentido, dados do

    Painel Intergovernamental sobre as Mudanas do Clima IPCC projetam um aumento mdio

    de temperatura superficial do planeta entre 1,4 e 5,8 C entre 1990 a 2100. Neste mesmo

    perodo, o nvel do mar poder subir de 0,1 a 0,9 metros, ou seja, situaes catastrficas

    podero ocorrer caso aes no sejam de fato implementadas para conter as emisses de gases

    causadores do efeito estufa, dizem os relatrios do IPCC (2009).

    No Brasil, o desmatamento aparece como principal fonte de emisses de gases

    causadores do efeito estufa, e a preocupao com a conservao de biomas como a Mata

    Atlntica, a Floresta Amaznica e o Cerrado, crescente. Entretanto, em oposio ao

    recorrente discurso de que algo deve ser feito para conter a degradao do Meio Ambiente, o

    aquecimento global, a extino de espcies e as grandes catstrofes ambientais, observam-se

    aes voltadas busca de progresso a qualquer custo, crescimento econmico dissociado de

    questes socioambientais, necessidade de aumento de produo energtica (no

    necessariamente limpa), crescimento do desejo por produtos manufaturados resultando em

    incremento do consumo de veculos, roupas, papel, equipamentos eletrnicos e assim por

    diante.

    Esta incoerncia, entre discursos e prticas, reflete-se no descumprimento da

    legislao ambiental e consequente incremento na incidncia de aes que configuram

    contravenes, crimes e/ou danos ambientais.

    O relatrio de indicadores de biodiversidade produzido pelo Instituto Nacional de

    Pesquisas Espaciais INPE e disponibilizado pela Secretaria Executiva do Ministrio do

    Meio Ambiente em 2012 alerta: a contaminao do ar, da terra e da gua por substncias e

  • 33

    resduos diversos, substituio da vegetao nativa por atividades agropecurias, de

    minerao e pela expanso dos centros urbanos e sobre-explorao de diversas espcies da

    fauna e flora constituem agresses impostas ao meio ambiente, em nveis crescentes, por

    populaes humanas. E em que pese os esforos dos rgos de fiscalizao para diminuir o

    desmatamento na Amaznia Legal, segundo dados do Deter/INPE3 (2012), de janeiro at

    maro de 2012, o IBAMA embargou 7 mil hectares e aplicou R$ 49,5 milhes em multas por

    desmatamento ilegal. Verifica-se assim, que a destruio das florestas brasileiras est longe de

    ser contida.

    Como destaca Benjamin (2003, p. 360), o Estado no tem condies, por falta de

    recursos, de colocar um fiscal em cada indstria ou em cada fonte poluidora, nem muito

    menos dispem de um exrcito chins de advogados para levar tais violadores aos tribunais.

    No entanto, observa-se carncia de polticas que integrem os mecanismos de proteo

    ambiental repressivos (fiscalizao, comando-e-controle), com aes educativas preventivas

    dos ilcitos ambientais (Benjamin, 2003, p. 360). Com isto, conflitos ambientais relacionados

    aplicao das leis so dificilmente gerenciados.

    Alm disto, indivduos e grupos, muitas vezes, agem de forma bastante incoerente ao

    criticarem o arcabouo legal de proteo ao meio ambiente, desejando leis mais rgidas em

    alguns casos e mais brandas em outros, sem sequer se inteirarem da opinio dos

    representantes polticos e legisladores escolhidos por eles, sobre tais questes legais.

    Em adio, percebe-se uma grande carncia de polticas pblicas estruturantes, que

    garantam a efetiva contribuio da Educao Ambiental e do Direito Ambiental em prticas

    que visem no apenas a proteo ambiental e o debate/aplicao da legislao vigente, mas a

    reflexo sobre os modos de vida adotados globalmente e a reviso por parte de cada indivduo

    sobre suas reais necessidades, suas escolhas e atitudes. Necessria ainda, a ampliao de um

    dilogo na sociedade a respeito da efetivao dos pactos firmados atravs da Legislao

    Ambiental Brasileira e as questes essenciais que motivaram a criao dessas normas

    (manuteno do equilbrio ecolgico, proteo da biodiversidade, sustentabilidade no uso dos

    recursos naturais, necessidade de garantir a qualidade de vida para as presentes e futuras

    geraes, dentre outras questes). E algumas perguntas ecoam neste contexto:

    3 Sistema de Deteco de Desmatamento em Tempo Real - DETER/INPE. Avaliao do Desmatamento na Amaznia Legal de janeiro a maro de 2012. Disponvel em: http://www.mma.gov.br/estruturas/182/_arquivos/deter_marco2012_182.pdf

  • 34

    1) O conhecimento das leis e dos mltiplos fatores que motivaram seu surgimento poderia proporcionar aos cidados uma apropriao (internalizao4) de seus direitos e responsabilidades com relao s questes ambientais, de modo a sentirem-se motivados a agir ao invs de apenas exercitarem uma postura de reclamao e espera por providncias externas (do governo, de outros pases, de poderes sobrenaturais, de catstrofes, dentre outras)? 2) Prticas que integram o Direito Ambiental e a Educao Ambiental representariam ento estratgias educacionais voltadas potencializao da participao em processos decisrios e aplicao das normas ambientais, resultando em preveno e diminuio da ocorrncia de ilcitos e degradaes? 3) O processo de alterao do Cdigo Florestal brasileiro que culminou na edio da Lei 12.651 em 25 de maio de 2012, pode ser analisado como um exemplo de situao em que se mostrou necessria e pertinente a associao entre Direito e Educao Ambiental? O que foi positivo e que se mostrou falho durante esse processo? 4) Como deveriam ser as prticas que integram Direito Ambiental e Educao Ambiental?

    5) Quem deveria ser responsvel pela implementao destas prticas? 6) Aes de Educao Ambiental comprometidas com a participao e o conhecimento crtico de aspectos socioambientais relacionados ao Direito Ambiental podem contribuir para uma maior efetividade das normas voltadas proteo ambiental no Brasil?

    Na busca por caminhos que auxiliem a respond-las, organizou-se o presente estudo da

    seguinte forma:

    Captulo 1, chamado de Consideraes Iniciais, engloba esta apresentao da

    pesquisa, os objetivos, uma breve explicao sobre alguns termos utilizados e os

    procedimentos metodolgicos empregados na busca por respostas aos questionamentos que

    motivaram o trabalho.

    4 Utiliza-se aqui o termo internalizao, pois embora no esteja presente em grande parte dos dicionrios de lngua portuguesa, o mesmo tem sido utilizado de modo bastante usual no campo da Educao Ambiental. Tamaio (2000, p. 15), realizando um estudo sobre a importncia da Mediao do Professor na Construo do Conceito de Natureza, apresenta a internalizao a partir de ensinamentos de Vigotsky (1991) como um processo de reconstruo interna a partir de uma interao com a ao externa, no qual os indivduos se constituem como sujeitos atravs da internalizao de significaes que so construdas e (re)elaboradas no desenvolvimento das suas relaes sociais (TAMAIO, 2000, p. 15). Jacob (2003, p.204) conclui em seu artigo sobre a Educao Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade, que a necessidade de uma crescente internalizao da problemtica ambiental, um saber ainda em construo, demanda empenho para fortalecer vises integradoras que, centradas no desenvolvimento, estimulem uma reflexo sobre a diversidade e a construo de sentidos em torno das relaes indivduos-natureza, dos riscos ambientais globais e locais e das relaes ambiente-desenvolvimento. A educao ambiental, nas suas diversas possibilidades, abre um estimulante espao para repensar prticas sociais e o papel dos professores como mediadores e transmissores de um conhecimento necessrio para que os alunos adquiram uma base adequada de compreenso essencial do meio ambiente global e local, da interdependncia dos problemas e solues e da importncia da responsabilidade de cada um para construir uma sociedade planetria mais equitativa e ambientalmente sustentvel (JACOB, 2003, p. 204).

  • 35

    O Captulo 2 apresenta alguns resultados dos estudos terico-conceituais, a comear

    pelos itens das Contribuies da Educao Ambiental para o Direito Ambiental e vice-versa,

    que foram pensados como uma forma de facilitar o dilogo entre estas duas reas do

    conhecimento. Acredita-se que esse entrosamento possa ser obtido a partir do estudo do que

    h em comum entre essas reas e como pode ocorrer uma associao das mesmas, da a busca

    por correlaes.

    O Captulo 3 consiste na apresentao das consultas realizadas junto a alguns

    especialistas nas reas de Direito Ambiental e de Educao Ambiental, visando conhecer suas

    opinies, experincias e ensinamentos em relao ao tema estudado.

    No Captulo 4 so relatadas aes desenvolvidas na forma de iniciativas-piloto cujas

    observaes apresentam dentre suas finalidades, a possibilidade de apontamentos de fatores

    que podem contribuir e outros que podem ser modificados para que se construa uma melhor

    estratgia de trabalho na interface entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental. Ainda

    nesse captulo, apresentado um exemplo de situao em que foi percebida na prtica a

    necessidade de trabalho conjunto entre o Direito Ambiental e a Educao Ambiental, qual

    seja, o processo de alterao do Cdigo Florestal Brasileiro.

    O Captulo 5 apresenta um resgate das observaes e dados apresentados nos captulos

    anteriores, propiciando Discusses e Reflexes utilizando a tcnica de triangulao.

    No Captulo 6, encontram-se as Consideraes Finais, que incluem as lies

    aprendidas, as concluses e algumas propostas vislumbradas no decorrer de todo o processo

    de pesquisa.

    E finalmente, no Captulo 7, so apresentadas as Referncias Bibliogrficas.

    Quanto aos 12 Anexos, neles encontram-se primeiramente algumas sugestes de aes

    elaboradas com o intuito de contribuir para a realizao de atividades correlatas e para a

    construo participativa de polticas pblicas promovidas na interface entre o Direito

    Ambiental e a Educao Ambiental. Na sequncia, apresentam-se artigos publicados pela

    pesquisadora em parceria com o orientador deste estudo; uma relao das plataformas de

    buscas por publicaes cientficas que foram utilizadas; os questionrios aplicados e suas

    respostas transcritas na ntegra; uma listagem de conflitos socioambientais mais comuns em

    cada Estado brasileiro; dentre outros documentos considerados teis para complementar esta

    tese.

    Boa leitura!

  • 36

    1.2. OBJETIVOS

    Os objetivos da presente pesquisa encontram-se descritos abaixo atravs de um

    objetivo geral e trs objetivos especficos, quais sejam:

    Objetivo Geral: Contribuir para o aprimoramento de polticas pblicas de Educao

    Ambiental relacionadas ao Direito Ambiental.

    Objetivos Especficos:

    I. Verificar e analisar correlaes entre a Educao Ambiental e o Direito Ambiental na

    literatura pesquisada;

    II. Compreender os mecanismos atravs dos quais a Educao Ambiental pode contribuir para

    a maior efetividade das normas de proteo ao Meio Ambiente, bem como, o Direito

    Ambiental pode colaborar para a ampliao do acesso a instncias participativas e auxiliar na

    qualificao dos argumentos utilizados em processos de tomada de decises;

    III. Compreender o potencial e as fragilidades de aes e projetos desenvolvidos como

    iniciativas-piloto, que podero contribuir para a propositura de polticas pblicas

    estruturantes.

  • 37

    1.3. A ESCOLHA DOS TERMOS OU EM TERMOS DE ESCOLHA

    A escolha dos termos mais adequados para serem utilizados em um trabalho

    acadmico constitui provavelmente um dos momentos de maior dificuldade para uma

    pesquisadora ou um pesquisador5, em especial, no processo de elaborao de uma tese de

    doutorado quando se exige dilogo com professores especialistas em diferentes reas do

    conhecimento, colegas com formaes acadmicas variadas, banca de examinadores

    multidisciplinar, literatura abrangente e rigor no uso das palavras.

    Neste estudo no foi diferente. Ocorreram muitas mudanas terminolgicas no ttulo,

    objetivos e captulos desde a elaborao do projeto, relatrio de qualificao e o texto

    destinado defesa da tese.

    Isto porque, certamente a escolha dos termos implica no apenas a adequao

    lingustica, mas sim o direcionamento do trabalho de pesquisa, alm de tambm expor opes

    ideolgicas. Por isto o trocadilho em termos de escolha.

    Assim, segue um breve relato de algumas motivaes relacionadas s escolhas e

    opes efetuadas no decorrer de todo o processo.

    1.3.1. Popularizao, Democratizao ou Conscientizao?

    Durante boa parte do presente estudo, houve dvida sobre qual termo seria mais

    adequado para o ttulo da pesquisa, bem como, para descrever o processo desenvolvido nas

    iniciativas-piloto realizadas com a utilizao de elementos do Direito Ambiental e da

    Educao Ambiental. Os cursos, oficinas e palestras foram pensados objetivando-se auxiliar o

    pblico participante a refletir sobre a organizao da sociedade e o Direito Ambiental em sua

    essncia, bem como, compreender e se apoderar dos contedos das normas ambientais de

    forma contextualizada com as questes socioambientais que motivavam a existncia das

    mesmas, culminando em uma maior efetividade da proteo ambiental no pas. Assim, os

    termos popularizao, democratizao e conscientizao estiveram sempre em voga.

    Ainda na fase do projeto de pesquisa, a proposta trazia o ttulo Democratizao do

    Direito Ambiental, optando-se pela palavra democratizao por estar presente no artigo 5,

    inciso II, da Poltica Nacional de Educao Ambiental PNEA, que apresentava como um

    5 Inclusive a utilizao dos dois gneros, como pesquisador e pesquisadora, educador e educadora, cidado e cidad, foi uma opo feita pela pesquisadora nos casos em que o uso de um termo genrico como pessoas ou indivduos no se fez pertinente. No entanto, em determinadas situaes, especialmente naquelas em que se fazia necessria a citao ou comentrio de alguma norma ou ensinamento encontrado na literatura, optou-se por utilizar apenas o gnero masculino por questes de concordncia lingustica.

  • 38

    dos objetivos fundamentais da Educao Ambiental, a garantia de democratizao das

    informaes ambientais (Lei 9796/99).

    No entanto, nunca esteve afastado o objetivo maior de ir alm da democratizao de

    informaes e alcanar um patamar de incentivo e apoio participao em processos

    decisrios. Assim, no decorrer da preparao do Relatrio de Qualificao, pareceu ser mais

    adequada a adoo do termo Popularizao do Direito Ambiental, por ser este, mais

    prximo da abordagem feita por Paulo Freire quando apresentava elementos da Educao

    Popular6.

    A palavra popularizao, no entanto, no muito encontrada na literatura, sendo mais

    frequentemente utilizada em trabalhos que falam sobre popularizao das cincias, ou ainda,

    em pesquisas sobre marketing, em que se busca tornar um produto mais popular.

    Durante a banca de qualificao da pesquisa, o termo popularizao foi bastante

    questionado por no estar presente em textos legais e por, de certo modo, levar a associaes

    com abordagens diferentes das pretendidas na pesquisa, como o populismo ou a cultura

    pop. Chamou-se a ateno para o risco do termo ocasionar um entendimento pejorativo

    relacionado massificao alienante e acrtica de uma determinada cultura (referindo-se ao

    termo pop como algo copiado do modelo de vida de pases com economia dominante). A

    sugesto dada ento por um dos membros da banca foi a de utilizar o termo conscientizao,

    conforme adotado pela Constituio Federal em seu Art. 225, 1: (...) incumbe ao Poder

    Pblico: VI promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a

    conscientizao pblica para a preservao do meio ambiente (CONSTITUIO

    FEDERAL, 1998).

    Sugesto bastante plausvel do ponto de vista legal, no entanto, no ignorado que o

    termo conscientizao veementemente questionado por pessoas que atuam na rea de

    Educao Ambiental. comum escutar em discursos informais que a palavra carrega certa

    arrogncia se pensada como um ato de levar conscincia queles que no a possuem.

    Importante esclarecer que em nenhum momento este foi o enfoque por trs da utilizao do

    termo conscientizao na presente pesquisa. Ao contrrio, a conscientizao pensada aqui

    prope tambm adotar os preceitos de uma educao crtica, dialgica e emancipatria nos

    termos empregados por Paulo Freire (conforme ser abordado no item 2.1.2).

    6 Para aprofundamento no tema Educao Popular, recomendam-se as obras Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1987), Educao Popular de Carlos Brando (1986), Paulo Freire e a Educao Popular de Moacir Gadotti (2013) e Quem o Educador ou a Educadora Ambiental Popular? de Marcos Sorrentino (2013).

  • 39

    Assim, buscando evitar problemas com interpretaes distantes das pretenses ao

    utilizar determinado verbete para definir o processo educativo que prope a presente pesquisa,

    optou-se por se referir a ele como um estudo realizado na interface ou associao entre Direito

    Ambiental e Educao Ambiental.

    1.3.2. Sobre os Termos Implementao, Exequibilidade, Eficcia, Eficincia e

    Efetividade na Aplicao das Normas

    A pretenso neste tpico a de se realizar uma breve reflexo sobre as palavras

    implementao, exequibilidade, eficcia, eficincia e efetividade na aplicao das normas

    ambientais, que no contexto do presente estudo pretendem demonstrar o que popularmente se

    expressa como lei que pega ou lei que no pega, ainda que os termos referidos no sejam

    sinnimos.

    A comear pela palavra implementao7, proveniente do termo implementation

    bastante utilizado na lngua inglesa, possui como traduo literal o significado de

    cumprimento (HAUAISS & CARDIM, 1984, p. 190), ou ainda, ato de levar algo prtica por

    meio de providncias concretas (FERREIRA, 1986, p. 922), que nesta pesquisa corresponde

    ao tirar a lei do papel, como abordado por Boaventura de Sousa Santos quando trata a

    clebre dicotomia law in books / law in action da sociologia jurdica (SANTOS, 1995, p.

    163). Talvez seja este o termo que melhor se adapte ao sentido que se pretende dar ao estudo

    das legislaes ambientais como acordos sociais voltados ao convvio pacfico e uma melhor

    proteo do meio ambiente.

    Nesta linha, disserta Gonzalez (2000):

    Desde os primrdios, quando os seres humanos viviam em grupos e passavam a formar pequenas tribos ou comunidades mais elaboradas, logo percebiam a necessidade de um ordenamento jurdico mnimo, que disciplinasse suas condutas e que possibilitasse uma vida social onde no predominasse a guerra de todos contra todos (GONZALEZ, 2000, p. 03).

    Certamente o autor acima faz referncia clssica expresso utilizada por Thomas

    Hobbes em sua obra Leviat, na qual a guerra de todos contra todos seria uma tendncia a

    ser verificada pela humanidade caso no existissem contratos sociais e instituies que

    7 A questo do neologismo relacionado ao termo implementao acarreta at hoje na opo de no utilizao do mesmo por diversos doutrinadores da rea do Direito Ambiental. No entanto, defende Herman Benjamin (2003, p. 339) que a expresso implementao utilizada por ele pela primeira vez na dcada de 90, passou a ser consagrada em Manuais de Direito Ambiental na dcada seguinte e adotada como implementao ambiental em obras como Instituies de Direito Ambiental de Marcelo Abelha Rodrigues, publicada pela Editora Max Limonad em 2002.

  • 40

    zelassem pelo cumprimento desses acordos visando ordenar a vida em sociedade (DALLARI,

    2013, p. 12).

    Tambm corrobora com este entendimento, Manzine-Covre (1995, p.29), afirmando

    que a organizao do Estado atravs de leis foi uma conquista histrica da humanidade. As

    leis so instrumentos importantes para fazer valer nossos direitos, ainda que por meio de

    inmeras presses sociais. E, quanto mais a sociedade evoluir, mais os homens sero capazes

    de lidar com os conflitos pela palavra, conforme o esprito da plis grega (MANZINE-

    COVRE, 1995, p.29).

    No entanto, para que as leis sejam de fato implementadas, preciso que a estrutura de

    organizao social apresente os elementos necessrios. Muitas vezes, cabe ao Estado prover

    condies, tais como, informao para o pblico em geral, polticas de fomento que auxiliem

    a adequao de determinados processos s exigncias legais, preparo de servidores pblicos

    para orientar e executar aes previstas em lei, dentre outras providncias. Da o termo

    exequibilidade.

    Exequvel, sinnimo de algo factvel, possvel (FERREIRA, 1986, p.740), refere-se

    possibilidade real de uma lei produzir efeitos jurdicos, considerando o conhecimento da

    mesma por parte dos sujeitos e os pactos sociais que viabilizam sua adoo (polticas

    pblicas, oramento, estrutura e assim por diante).

    Quanto aos termos eficcia, eficincia e efetividade, percebem-se diferenas bem sutis

    em seus significados. Segundo Ferreira (1986, p. 620), eficcia a qualidade ou propriedade

    de eficaz, que significa aquilo ou aquele que produz o efeito desejado, que d bom resultado.

    J a eficincia corresponde ao, fora ou virtude de produzir um efeito ou resultado.

    Efetividade, por sua vez, a qualidade do efetivo (que existe realmente), aquele que produz

    um resultado verdadeiro.

    Palavizini (2011, p. 117), ao definir a efetividade como um critrio indicador8 da

    qualidade de governana, afirma que a efetividade da gesto social resulta da eficincia dos

    processos e da eficcia dos produtos, convergindo para a efetividade do resultado. A autora

    complementa ainda que os processos pedaggicos da Educao Ambiental contribuem para a

    ampliao do conhecimento da sociedade participante, qualificando seus representantes para

    uma participao consciente e comprometida com um pacto de sustentabilidade para o seu

    territrio, contribuindo assim, para a efetividade dos processos de governana ambiental

    (PALAVIZINI, 2011, p. 117).

    8 Os quatro indicadores sugeridos pela autora so: representatividade, legitimidade, efetividade e implicao (PALAVIZINI, 2011, p. 117).

  • 41

    Pensando em efetividade ainda como um parmetro indicador, a Secretaria de Estado

    do Meio Ambiente publicou recentemente o documento intitulado Avaliao da efetividade

    do Projeto de Recuperao de Matas Ciliares - PRMC do Estado de So Paulo, produzido

    partir de um plano de avaliao9 que buscou analisar os resultados de 5 anos de execuo do

    Projeto. Diz o relatrio:

    Optou-se por realizar uma avaliao da efetividade de o PRMC alcanar seu objetivo maior aperfeioar e formular instrumentos de polticas pblicas para um programa de recuperao de matas ciliares do Estado de So Paulo , sem se ater a anlise de eficincia e tampouco de metas ou de resultados intermedirios (UEHARA & CASAZZA, 2011, p. 22).

    Tomando-se como base o breve estudo dos termos acima, pode-se concluir que uma

    legislao deve ser exequvel de modo a trazer consigo desde a fase de propositura ou projeto

    de lei, elementos que viabilizem sua real aplicao. Isto porque, a eficcia, eficincia e

    efetividade da proteo ambiental no pas, dependem tambm da implementao das normas

    editadas com esta finalidade10.

    No presente estudo, optou-se por utilizar ora um termo, ora outro, conforme sua

    abordagem na literatura, evitando-se assim, cometer equvocos de interpretao sobre a

    inteno dos autores ao adot-los.

    1.3.3. O Conhecimento Contextualizado, o Engajamento Crtico e a Qualificao dos

    Argumentos

    Frequentemente so encontradas neste trabalho as expresses conhecimento

    contextualizado das normas ambientais, necessidade de engajamento crtico e a qualificao

    dos argumentos utilizados em debates e em processos decisrios. Mas o que isto quer dizer no

    mbito da pesquisa?

    O conhecimento contextualizado, conforme definio de Ferreira (1996, p.464),

    pressupe a ligao entre as partes de um todo. Neste sentido, consiste na considerao dos

    diversos aspectos que podem estar relacionados direta ou indiretamente com determinado

    assunto, de modo a ter uma viso mais ampla e completa do tema ou situao, evitando-se

    assim, interpretaes simplistas ou julgamentos precipitados. Deste modo, ao pensar uma

    9 Segundo o documento da SMA, o plano foi composto por 20 projetos divididos em quatro eixos de anlise, quais sejam: (i) articulao institucional e participao social; (ii) instrumentos para a recuperao; (iii) gesto de matas ciliares; e (iv) efeito dos projetos demonstrativos. 10 reconhecido aqui, que diversos fatores podem contribuir para a proteo ambiental no Brasil, e que a implementao da legislao correlata apenas um aspecto diante desta busca, que perpassa a sensibilizao de cada indivduo, a priorizao do tema por parte dos administradores pblicos e privados, a reviso de hbitos de consumo, a adoo da solidariedade planetria, o respeito aos direitos das futuras geraes, dentre outros.

  • 42

    proposta que perpasse a Educao Ambiental e o Direito Ambiental, faz-se necessria a

    compreenso de diversos fatores relacionados a essas reas, em especial, os aspectos

    histricos, sociais, culturais, econmicos, polticos e ambientais.

    A comear pelas questes ambientais, sabe-se que impossvel esgotar o assunto em

    anos de estudo, que dir, em uma palestra com apenas algumas horas de durao. No entanto,

    algumas noes bsicas podem e devem ser trabalhadas para um melhor entendimento da

    legislao que protege o Meio Ambiente. Por exemplo, ao se estudar o Caput do artigo 225 da

    Constituio Federal, em que se afirma que todos tm direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, esclarecimentos sobre o que vem a ser esse equilbrio

    ecolgico com exemplos sobre regime hdrico, questes climticas, teia alimentar, disperso

    de sementes, controle de pragas, importncia da conservao do solo, da biodiversidade,

    dentre outros aspectos, certamente auxiliariam o pblico participante a compreender e a

    argumentar melhor sobre a importncia deste dispositivo legal.

    O mesmo ocorre em relao s questes histricas, sociais, econmicas, culturais e

    polticas, cada uma contendo um universo de temas relacionados. No entanto, reflexes

    sobre o momento histrico em que se deu a criao de determinada norma ou a alterao da

    mesma, as negociaes polticas necessrias para a aprovao ou eliminao de um

    dispositivo em um projeto de Lei, o financiamento de campanha dos legisladores, as formas

    de abordagem e divulgao adotadas pelos diversos meios de comunicao, as manifestaes

    da comunidade cientfica e da sociedade organizada, os interesses de determinados setores da

    sociedade, e assim por diante, podem auxiliar os participantes a detectarem momentos em que

    foram omitidas informaes importantes e/ou utilizou-se de estratgias voltadas

    manipulao da opinio pblica. Deste modo, aumenta-se a possibilidade de aprimoramento

    dos conhecimentos sobre todos estes fatores para uma melhor anlise sobre o contedo e

    aplicao das legislaes ambientais.

    Tambm primordial, a realizao de um debate sobre as origens e finalidades do

    Direito como um todo, resgatando-se momentos da histria em que se optou pelo

    estabelecimento de ordenamentos jurdicos para a organizao da vida em sociedade e

    garantia da paz11.

    No entanto, o conhecimento contextualizado descrito aqui, s encontra coerncia com

    a proposta do presente estudo, se a abordagem no campo do Direito Ambiental no se der de

    11 Sobre este tema, recomenda-se a leitura das obras Elementos da Teoria Geral do Estado de Dalmo de Abreu Dallari (2013, 32 Ed.) e Estado, Governo, Sociedade Para Uma Teoria Geral da Poltica de Norberto Bobbio (2011, 17 Reimpresso).

  • 43

    forma meramente conteudista e disciplinadora. Ou seja, o texto das normas ambientais no

    pode ser simplesmente despejado sobre as pessoas sem que haja um processo dialgico e

    reflexivo. Tambm a valorizao da sabedoria popular e a experincia prtica apresentada

    pelos participantes so essenciais para que se atinja um processo educativo com aprendizado

    mtuo e produo de novos conhecimentos adaptados realidade de cada pessoa ou

    comunidade.

    De fato, de nada adiantaria que todos os habitantes do pas pudessem decorar e

    declamar o que diz cada uma das leis ambientais existentes, se elas no fossem

    compreendidas em seus mltiplos aspectos e na sua importncia primordial como

    concretizao de acordos de convivncia harmnica em sociedade. Tambm no contribuiria

    com o Estado Democrtico de Direito determinado pelo Art. 1 da Constituio Federal de

    1988, o desenvolvimento de aes focadas apenas na obedincia cega das normas, sem o

    questionamento da sua importncia na defesa dos interesses comuns, de sua adequao aos

    princpios da igualdade e da vida, e o conhecimento das possibilidades e trmites para

    modific-las quando necessrio. Afinal, no se trata apenas de um Estado de Direito, e sim, de

    um Estado Democrtico de Direito.

    A imagem a seguir, que circulou em redes sociais, traduz bem este anseio da sociedade

    por uma educao formadora de cidados questionadores e ativos.

    Figura 1: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao clamor popular por uma Educao mais crtica e menos domesticadora.

    Foto de autor desconhecido, obtida junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 07/04/12.

    Vale destacar que a questo da no obedincia entendida aqui no como um

    desrespeito ao aparato legal do pas, e sim, como um processo de desenvolvimento de uma

    autonomia crtica que permita a ao consciente de forma espontnea, independentemente de

    fiscalizao ou vigilncia.

  • 44

    Neste contexto, surge o conceito de engajamento crtico, compreendido como o

    envolvimento com determinada causa de forma consciente e analtica. Ferreira (1986, p. 653)

    apresenta como definio filosfica da palavra engajamento a situao de quem sabe que

    solidrio com as circunstncias sociais, histricas e nacionais em que vive, e procura, pois, ter

    conscincia das consequncias morais e sociais de seus princpios e atitudes (FERREIRA,

    1986, p. 653). O mesmo autor tambm conceitua o termo engajar: (...) filiar-se a uma linha

    ideolgica, filosfica, etc., e bater-se por ela; pr-se a servio de uma ideia, de uma causa, de

    uma coisa. Empenhar-se em dada atividade ou empreendimento (FERREIRA, 1986, p. 653).

    Assim, quando se aborda a questo do engajamento crtico com a causa ambiental,

    fala-se tambm de aes educativas voltadas compreenso e anlise da situao ambiental

    do planeta, suas causas, consequncias e o contexto em que cada cidado est inserido e como

    pode se empenhar para transform-lo. Esta transformao deve incluir no apenas a soluo

    de problemas, mas as medidas preventivas da degradao ambiental e a participao em

    processos decisrios que propiciem a manuteno do patrimnio natural e a melhoria da

    qualidade ambiental e de vida para todos.

    E para uma maior e mais efetiva participao nos processos decisrios, de forma

    engajada e crtica, acredita-se ser necessrio um investimento de energia na qualificao dos

    argumentos. Isto porque, observa-se frequentemente uma dificuldade na traduo do que se

    pensa e pretende para a forma de proposies verbalizadas. Ou seja, muitas vezes,

    intuitivamente ou devido a conhecimento adquirido durante a vida atravs da prtica, estudo

    e/ou autoaprendizagem, as pessoas formulam demandas e solues voltadas ao bem comum e

    proteo ambiental, mas possuem dificuldade em defender estas ideias e pretenses em

    ambientes coletivos e formais. Em consequncia, podem ocorrer silenciamentos e frustraes

    dos participantes.

    Tassara e Ardans (2006, p. 7 a 12) abordam a questo dos silenciamentos que podem

    ocorrer ainda que as pessoas estejam presentes em um coletivo ou reunio, enfatizando que

    esta uma problemtica complexa que requer anlises de dimenses lgicas, psicolgicas,

    psicossociais e polticas (TASSARA e ARDANS, 2006, p. 8). Segundo os autores, pode-se

    distinguir do ponto de vista lgico, duas situaes psicolgicas emblemticas como

    sustentadoras de um silncio:

    Em uma primeira categoria, estariam os silncios produzidos pelo aparente desinteresse e no-motivao em relao s temticas em discusso (...). Em outras palavras, estar-se-ia perante um sujeito que pode ser caracterizado como distrado ou aptico em relao ao processo coletivo; mas isso no significa que esse sujeito no esteja interiormente ativo, dialogando com outras associaes mentais de natureza variada, as quais ele no est

  • 45

    comunicando ao coletivo. Diante desses silncios, caberia ao coletivo tentar articular estratgias comunicativas visando estabelecer um dilogo produtivo o suficiente para estimular a expresso efetiva dos sujeitos silenciosos, quebrando o isolamento que tal silncio perpetua, excluindo-os da participao. O chamado mtodo Paulo Freire, aplicado educao popular, consiste em um conjunto de procedimentos a serem utilizados visando-se impedir a excluso das atividades por silncios desse tipo. Em uma segunda categoria, haveria o silncio substrato de uma reflexo em curso, reflexo esta que pode estar sendo produzida a par com o desenrolar das interaes sociais no interior do coletivo, em maior ou menor grau de induo ou de espontaneidade. Esses silncios se relacionam, tambm, com atributos de personalidades mais ou menos introvertidas, cabendo s instncias condutoras do coletivo buscar o entendimento comunicativo dos mesmos a fim de distingui-los dos que fazem parte da primeira categoria. Isso implica uma capacidade de leitura desses silncios, efetuada por intermdio de outras linguagens, principalmente as no-verbais (expresso facial, gestos, posturas, etc.) (TASSARA e ARDANS, 2006, p.8 e 9, grifos nossos).

    Neste sentido, a proposta de qualificao dos argumentos abordada no presente estudo

    visa chamar a ateno para a necessidade de uma melhor incluso dos sujeitos no processo

    participativo, facilitando no apenas a aquisio de informaes contextualizadas para o

    debate e a tomada de decises, mas tambm, o enfrentamento de silenciamentos e frustraes

    que podem gerar desmotivao e abandono dos processos participativos.

    Ainda em relao dificuldade de verbalizao das opinies e pretenso como um

    elemento a ser pensado em situaes em que se vislumbra instigar mudanas na sociedade,

    vale lembrar as manifestaes ocorridas no primeiro semestre de 2013, no movimento

    conhecido como O Brasil Acordou ou Primavera Brasileira. Em princpio, as demandas

    dos manifestantes estavam voltadas questo dos transportes, em especial, atravs do

    Movimento Passe Livre que clamava pelo no aumento da passagem de nibus em diversas

    regies do pas. No entanto, aps acordos realizados com prefeituras e governos estaduais,

    concordando com a solicitao popular de no aumentar o custo das passagens para os

    usurios em alguns municpios, os protestos continuaram. E alguns jornalistas se adiantaram

    em afirmar que as pessoas j no sabiam por que estavam nas ruas. Exemplo disto foi o

    texto publicado no dia 19 de junho de 2013 pelo colunista da Folha de So Paulo, Antnio

    Prata. Dizia a chamada para o artigo: Sejamos francos: ningum t entendendo nada. Nem a

    imprensa, nem os polticos, nem os manifestantes (PRATA, 2013, p.1).

    Interessante notar que rapidamente houve reaes a estas crticas, algumas por parte de

    outros jornalistas e estudiosos, e outras pelos prprios manifestantes que comearam a

    escrever cartazes e dar explicaes sobre suas demandas que iam desde a melhoria do sistema

  • 46

    de transporte como um todo, at a sade, a educao, a segurana, a proteo das florestas, o

    direito a moradia digna, o fim da corrupo, dentre outras reivindicaes importantes.

    Incluindo a, o prprio direito manifestao pblica e a liberdade de expresso, como

    explicitado na imagem obtida em uma destas ocasies.

    Figura 2: Imagem veiculada em rede social referindo-se ao direito de todo cidado em manifestar-se em vias

    pblicas sem sofrer com ameaas, represses ou ditaduras. Foto de autor desconhecido, obtida junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 27/07/13.

    Depoimentos, evidncias, estudos tcnicos e dados estatsticos sobre a m qualidade

    de alguns servios prestados populao e a carncia de outros em determinadas regies e

    municpios, foram ento expostos em clamor pblico por solues de diversos problemas

    sociais.

    Assim, pode-se dizer que houve de certa forma, uma qualificao dos argumentos por

    parte dos manifestantes, que garantiu maior entendimento de suas reivindicaes por parte da

    mdia e da populao em geral.

    No entanto, verifica-se ainda, a necessidade de compreenso do que seria o passo

    alm, ou seja, a possibilidade de participao efetiva no processo de deciso sobre as

    prioridades na ao governamental e traduo das diversas demandas em polticas pblicas

    que possam representar melhorias em diversos setores para toda a coletividade.

    Ou seja, a qualificao dos argumentos vislumbrada aqui inclui a possibilidade de se

    expressar de forma compreensvel e fundamentada, mas tambm, a luta por abertura de

    espaos de dilogo, troca de informaes, planejamento conjunto, gesto compartilhada,

    dentre outros. Assim, est pautada tambm na exigncia da ampliao de canais de

    participao e no melhor aproveitamento daqueles j existentes.

  • 47

    Importante ressaltar que esta apropriao dos espaos de tomada de decises proposta

    no consiste na transferncia das responsabilidades do Poder Pblico para a Sociedade Civil.

    Claro que cada ente possui responsabilidades diferenciadas no trato e soluo de problemas e

    a correlao de foras no aqui ignorada. H neste sentido, uma linha tnue a ser seguida e

    monitorada, de modo a garantir sempre uma maior autonomia, preparo e protagonismo das

    pessoas para realizar escolhas e orientar uma melhor gesto dos temas de interesse de sua

    comunidade ou territrio, no entanto, sem perder-se de vista que as obrigaes do Poder

    Pblico no podem ser repassadas para a coletividade que no possui os mesmos instrumentos

    e relaes para lidar com determinadas questes12. Ou seja, a disponibilizao de espaos para

    a participao na tomada de decises deve incluir o fornecimento de condies para que esta

    participao se d de forma justa e equilibrada. Segue mais uma imagem veiculada em redes

    sociais, que ilustra tal ideia:

    Figura 3: Imagem veiculada em rede social referindo-se busca por justia e igualdade de oportunidades atravs da disponibilizao de maior apoio aos mais necessitados.

    Desenho de autor desconhecido, obtido junto ao endereo virtual: www.facebook.com em 17/07/2013.

    A imagem acima reflete uma expectativa social de superar as desigualdades de

    condies e oportunidades, propiciando uma forma mais justa de acesso e participao, que na

    presente pesquisa, pode significar uma melhor instruo e preparo para o envolvimento em

    processos decisrios; suporte logstico que permita a participao compatvel com a

    disponibilidade de horrios, ocupao e deslocamento dos interessados; uma infraestrutura

    condizente com as necessidades do pblico; um processo de facilitao eficiente; dentre

    outros aspectos que precisam ser considerados para que os espaos de participao e tomada

    12 Tema abordado tambm no item 2.2.3. da presente pesquisa.

  • 48

    de deciso no sejam superficiais ou, como dizem popularmente, apenas pro-forma ou de

    fachada13.

    1.3.4. De Qual Participao Estamos Falando?

    Pode parecer, em primeiro momento, relativamente simples falar sobre participao,

    porm, muitas vezes em situaes prticas surgem dvidas sobre como qualificar a

    participao de uma pessoa ou grupo em determinado processo: seria participao poltica,

    participao social, participao pblica, participao cidad, participao popular ou s

    participao?

    Partindo-se da busca pelo significado literal das palavras e realizando algumas

    interpretaes das definies encontradas em dicionrios, temos:

    - Participar: ato de ter ou tomar parte em algo; associar-se pelo pensamento ou pelo

    sentimento; solidarizar-se (FERREIRA, 1986, p. 1274; HOUAISS, 1979, p. 627;

    MICHAELIS, 2004, s/p).

    - Participao poltica: envolvimento com assuntos referentes ao Estado, tais como,

    candidatura e voto, direo dos negcios pblicos, definio de objetivos e execuo de

    programas de ao governamental, determinao das formas de organizao do Estado, dentre

    outros (FERREIRA, 1986, p. 1358; HOUAISS, 1979, p. 662; MICHAELIS, 2004, s/p).

    - Participao social: aes desenvolvidas atravs do envolvimento com um conjunto de

    pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma atividade comum ou

    defender interesses comuns. Este conjunto de pessoas pode se caracterizar como agremiao,

    associao, organizao, conselho, ou outra forma de agrupamento de indivduos unidos pelo

    sentimento de conscincia de grupo, parceria ou comunidade (FERREIRA, 1986, p.1602;

    HOUAISS, 1979, p. 786; MICHAELIS, 2004, s/p).

    - Participao pblica: relativa, pertencente ou destinada coletividade; que diz respeito ao

    governo-geral do pas e suas relaes com os cidados; comum; aberta a qualquer pessoa;

    conhecida de todos; manifesta; notria; no secreta. No contexto da Sociologia, significa a

    adeso a agrupamento espontneo de pessoas pertencentes a grupos sociais diversos que se

    empenham para chegar, atravs da discusso de um problema de interesse comum, a uma

    13 Expresses utilizadas para dizer que algo est sendo feito apenas para cumprir uma exigncia formal ou determinao legal, porm, na realidade executado de maneira superficial e que no surte um efeito significativo ou duradouro.

  • 49

    deciso conjunta (FERREIRA, 1986, p.1414; HOUAISS, 1979, p. 689; MICHAELIS, 2004,

    s/p).

    - Participao cidad: exercida por indivduo no gozo dos direitos civis e polticos de um

    Estado, ou no desempenho de seu dever para com este (FERREIRA, 1986, p. 403; HOUAISS,

    1979, p. 192; MICHAELIS, 2004, s/p).

    - Participao popular: exercida por aquele que pertence ao povo, para tomar deciso sobre

    tema que concerne ao povo (que por sua vez, corresponde ao conjunto de pessoas qu