UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO EDILENE MENDONÇA BERNARDES SAÚDE MENTAL E ACESSO À JUSTIÇA NA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO Ribeirão Preto 2015

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO

EDILENE MENDONÇA BERNARDES

SAÚDE MENTAL E ACESSO À JUSTIÇA NA

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ribeirão Preto

2015

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EDILENE MENDONÇA BERNARDES

SAÚDE MENTAL E ACESSO À JUSTIÇA NA

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

(VERSÃO REVISADA)

Tese apresentada à Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,

para obtenção do título de Doutor em Ciências,

Programa de Pós-Graduação Enfermagem

Psiquiátrica.

Linha de pesquisa: Estudos sobre a Conduta, a

Ética e a Produção do Saber em Saúde

Orientadora: Profa. Dra. Carla Aparecida

Arena Ventura

Ribeirão Preto

2015

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional

ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Bernardes, Edilene Mendonça

Saúde mental e acesso à justiça na Defensoria Pública do

Estado de São Paulo. Ribeirão Preto, 2015.

324 p. : il. ; 30 cm

Tese de Doutorado, apresentada à Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Enfermagem

Psiquiátrica.

Orientadora: Ventura, Carla Aparecida Arena.

1. Saúde mental. 2. Acesso à justiça. 3. Defensoria Pública.

1. Saúde mental. 2. Acesso à justiça. 3. Defensoria Pública.

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BERNARDES, Edilene Mendonça

Saúde mental e acesso à justiça na Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Tese apresentada à Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo,

para obtenção do título de Doutor em Ciências,

Programa de Pós-Graduação Enfermagem

Psiquiátrica

Aprovada em 15/12/2015

Banca Examinadora

Profa. Dra. Carla Aparecida Arena Ventura (Presidente)

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Profa. Dra. Rita de Cássia Duarte Lima

Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo

Prof. Dr. Mauro Serapioni

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Prof. Dr. Antônio Alberto Machado

Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca da Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita

Prof. Dr. Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

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Dedico esse estudo à Marilza Mendonça Lopes,

amiga de infância, companheira de adolescência,

prima mais que querida.

.

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AGRADECIMENTOS

Realizar esse trabalho somente foi possível por poder contar com o apoio institucional da

Universidade de São Paulo (USP), especificamente, da Prefeitura do Campus de Ribeirão

Preto (PUSP-RP) e do Centro de Atendimento Psicológico (COPI), local em que desenvolvo

minhas atividades profissionais.

O meu especial agradecimento à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade

de São Paulo (EERP-USP), Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde

(OMS) para o Desenvolvimento em Pesquisa em Enfermagem, pela receptividade.

Ao programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem

de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP) pela oportunidade de estudo e

de desenvolvimento acadêmico.

O mais sincero agradecimento ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de

Coimbra pela valiosa oportunidade que me foi concedida para realização de intercâmbio.

Agradecimento profundo à Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) pela

confiança, acolhimento, disponibilização constante para a efetivação do trabalho.

À Professora Doutora Carla Aparecida Arena Ventura, orientadora, que me acompanhou

nesse desafio, pelas contribuições intelectuais e por ter acreditado que seria possível.

Ao Professor Doutor Mauro Serapioni, docente do Centro de Estudos Sociais (CES) da

Universidade de Coimbra, minha gratidão pelo acolhimento, disponibilidade e orientações.

Agradecimentos especiais à Professora Doutora Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves,

docente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP) e ao Professor Doutor

Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua, docente da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto

(FDRP-USP), por todas as contribuições na banca do exame de qualificação.

Aos docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, minha gratidão pela atenção e

contribuições acadêmicas: Professora Doutora Margarita Antônia Villar Luis, Professor

Doutor Luiz Jorge Pedrão, Professora Doutora Adriana Miasso, Professora Doutora Helena

Megume Sonobe e Professora Doutora Luciane Sá de Andrade.

A consolidação desse trabalho também foi possível, pela contribuição valiosa do

Coordenador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra Doutor João

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Paulo Dias, dos professores e doutores: Professor Doutor João Antônio Fernandes Pedroso,

Professor Doutor Pedro Hespanha, Professor Doutor José Morgado Pereira, e Doutora Élida

Lauris.

Agradeço à Professora Doutora Aida Maria de Oliveira Cruz Mendes e à Professora Doutora

Ana Paula Teixeira de Almeida Vieira Monteiro, docentes da Escola Superior de

Enfermagem de Coimbra, por toda a atenção dispensada durante o período de meu estágio

em Portugal.

Meu agradecimento e o mais profundo respeito a todos os profissionais da Defensoria

Pública de São Paulo (DPESP), que aceitaram participar do presente estudo, por

disponibilizarem tempo, informações e atenção, com profissionalismo admirável! Meu

profundo respeito!

A todas as pessoas usuárias do serviço da Defensoria Pública de São Paulo, que aceitaram

contribuir com o presente estudo, relatando suas histórias de vida, dificuldades e luta por

direito para uma vida mais digna, minha gratidão profunda!

Agradeço a valiosa contribuição técnica de Acácio Machado e Maria José Carvalho,

bibliotecários da Biblioteca Norte Sul do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade

de Coimbra, de Maria Cristina Manduca Ferreira e Robson de Paula Araújo, bibliotecários

da Biblioteca Central da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (BCRP-USP) e de

Velmara Gomes e Aline Mendes Nascimento, funcionárias da Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto (EERP-USP).

Especial agradecimento a Doutora Marciana Fernandes Moll pelas informações

extremamente úteis para a realização do intercâmbio para Coimbra e Mariana Menon por

me proporcionar ajuda valiosa na organização do extenso material de entrevistas coletado.

Agradeço de coração, a disponibilidade, o profissionalismo, o companheirismo, da

Professora Zélia Maria Mendonça Lopes Bueno, por toda a dedicação ao presente estudo.

Obrigada, prima querida!

Agradeço especialmente meus familiares que sempre me incentivaram, vivenciaram

comigo incertezas, nervosismo, e aceitaram a minha ausência nos períodos mais críticos de

trabalho: meus pais Darcy e Maria Zélia, meus irmãos Elaine, Ricardo e (Fátima);

Marcelo e (Fernanda), e meus sobrinhos mais que queridos Gabriel e Andrezinho.

Minha mais sincera gratidão ao meu esposo, Marcio Garde, pelo incentivo, paciência,

disponibilidade, carinho e dedicação. Meu profundo respeito e afeto!

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Que Deus abençoe as autoridades constituídas no nosso país para que possam

ter projetos para a recuperação do ser humano. Não importa a idade que ele

tenha, importa que ele é um ser humano. Mas que seja humanizado, porque

isso que é importante, quando a gente se põe no lugar do outro, do sofrimento

do outro, da patologia daquele outro, do que está sofrendo por causa disso, das

angústias... A vida é como uma flor que de manhã tá bonita e à tarde bate o

sol e, às vezes, até morre. Por isso que é importante a gente fazer alguma coisa

quando a pessoa está precisando, no tempo oportuno, o tempo oportuno é esse.

Senhor Salvador, pai do Zumbi

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RESUMO

BERNARDES, E. M. Saúde mental e acesso à justiça na Defensoria Pública do Estado de

São Paulo. 2015. 324 f. Tese (Doutorado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

Na década de setenta, partindo do princípio da dignidade da pessoa humana, o movimento da

reforma psiquiátrica brasileira inaugurou uma nova ordem nas políticas de saúde mental,

passando a considerar as pessoas com transtornos mentais como sujeito de direitos que devem

ser integrados à sociedade. Pautada, também, no princípio da dignidade, a Defensoria Pública

é prevista na Constituição (1988) e, no estado de São Paulo, sua implantação (2006) contou

com participação popular na luta por sua criação. Em seu anteprojeto, incluía a previsão de

atendimento interdisciplinar, que irá se viabilizar com a implantação do Centro de

Atendimento Multidisciplinar (2010). Trata-se de uma proposta inovadora no sistema de

Justiça e que objetiva ampliar o acesso à justiça, auxiliando na efetivação da garantia de

assistência jurídica integral e gratuita àqueles considerados como hipossuficientes. Pela

coerência dos princípios, a Defensoria Pública apresenta-se como alternativa institucional na

luta pela efetivação dos direitos de pessoas com sofrimento ou portadoras de transtornos

mentais e das políticas públicas de saúde mental. O presente estudo teve por objetivo analisar

como está se caracterizando o acesso à justiça para a demanda de saúde mental na Defensoria

Pública do Estado de São Paulo. Os dados foram coletados por: (i) observação direta; (ii)

análise de normas institucionais; (iii) entrevistas não estruturadas; (iv) entrevistas

semiestruturas. Foram realizadas: (i) sete entrevistas não estruturadas (seis com representantes

da Defensoria e um representante de movimento social); (ii) dez entrevistas semiestruturadas

com profissionais do Centro de Atendimento Multidisciplinar; (iii) sete entrevistas com

usuários do serviço; (iv) entrevistas semiestruturadas não presenciais com trinta e oito

profissionais atuantes no Centro de Atendimento Multidisciplinar das regionais de todo o

estado. O estudo foi realizado em três etapas: (i) análise documental e entrevistas

exploratórias (com sete representantes); (ii) entrevistas semiestruturadas (dez profissionais e

sete com usuários do serviço) e observação direta; (iii) entrevistas semiestruturadas não

presenciais (trinta e oito profissionais). Trata-se de estudo qualitativo com análise temática e

com fundamentação teórico-metodológica nas Sociologias das Ausências e a Sociologia das

Emergências. Os resultados demonstram que a DPESP está desenvolvendo práticas para

proporcionar a ampliação do acesso à justiça para demanda de saúde mental, buscando

superar barreiras de acesso: (i) estabeleceu deliberação com a previsão de atendimento para

pessoas com sofrimento ou portadoras de transtornos mentais; (ii) está realizando práticas

extrajudiciais; (iii) atua em mediação de conflitos; (iv) investe em educação em direitos; (v)

realiza mapeamento e articulação com a rede pública de serviços; (vi) realiza visita e/ou

fiscalização em instituição de internação. Os dados evidenciam que a DPESP está

proporcionando que as pessoas em sofrimento ou portadoras de transtornos mentais, que

historicamente permaneceram excluídas e estigmatizadas socialmente, possam ser inseridas

no sistema de justiça recebendo atendimento em uma instituição, fundamentada na política de

inserção e valorização da dignidade humana, coerente com a política de saúde mental em

vigor no país. Entretanto, são muitos os desafios a serem enfrentados, principalmente,

relacionados à segmentação no serviço de saúde e a dificuldade para a devida implantação da

política de desinstitucionalização.

Palavras-chave: Saúde mental; Acesso à justiça; Defensoria Pública.

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ABSTRACT

BERNARDES, E. M. Mental Health and access to the justice system through the Public

Defenders Office in the State of São Paulo. 2015. 324 f. Tese (Doutorado) - Escola de

Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

In the 1970s, based on the principle of human dignity, the movement of psychiatric reform in

Brazil initiated a new order regarding mental health policies, considering people with mental

disorders as subject of rights who should be reintegrated into society. Also based on the

principle of human dignity, the Public Defenders Office was established in the Federal

Constitution (1988) and it was implemented in the state of São Paulo (2006) as a result of a

movement in society, which fought for its creation. Its initial project included an

interdisciplinary approach, which enabled the implementation of the Multidisciplinary

Reference Center (2010). This was considered an innovative proposal in the justice system,

which aimed at expanding the access to justice improving the guarantee of integral judicial

assistance free of charges to the ones who are considered disadvantaged. Based on a

coherence of its principles, the Public Defenders Office is an institutional alternative in the

movement for the consolidation of the human rights of people suffering or with mental

disorders and in the implementation of public mental health policies. This study aimed at

analyzing how the demand with mental health problems is accessing the justice system

through the Public Defenders Office in the state of São Paulo. Data were collected through: (i)

direct observation; (ii) analysis of institutional norms; (iii) non-structured interviews; (iv)

semi-structured interviews. Therefore, the researcher collected data through: (i) seven non-

structured interviews (six with representatives from the Public Defenders Office and one with

a representative of a social movement; (ii) ten semi-structured interviews with professionals

from the Multidisciplinary Reference Center; (iii) seven interviews with service users; (iv)

online semi-structured interviews with thirty eight professionals from the Multidisciplinary

Reference Center from regional offices at the state of São Paulo. The study followed three

stages: (i) documental analysis and exploratory interviews (with seven representatives); (ii)

semi-structured interviews (ten professionals and seven service users) and direct observation;

(iii) semi-structured online interviews (thirty eight professionals). This is a qualitative study

with thematic analysis using the theoretical methodological framework of the Sociology of

Absences and Emergences. Results demonstrated that the Public Defenders Office is

developing practices to enable the extension of the access to the justice system for the mental

health demand, aiming at surpassing the barriers of access through: (i) the establishment of a

deliberation establishing the service to people suffering or with mental health problems; (ii)

the development of extra-judicial practices; (iii) conflict mediation; (iv) investment in rights

education practices; (v) mapping and articulation of the network of public services; (vi) visits

and supervision of hospitalization institutions. Data evidenced that the Public Defenders

Office is enabling the insertion of people suffering or with mental disorders in the justice

system, especially considering their history of exclusion and stigmatization, through an

institution which is based in a policy of inclusion which values human dignity and that is

coherent to the mental health policy of the country. However, there are several challenges to

be faced, mainly related to the fragmentation of health services and the difficulties to

implement the deinstitutionalization policy in Brazil.

Keywords: Mental health; Access to justice; Public Defenders Office.

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RESUMEN

BERNARDES, E. M. Salud Mental y acceso a la justicia en la Defensoría Pública del

Estado de São Paulo. 2015. 324 f. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem de Ribeirão

Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

En la década de 70, con base en el principio de la dignidad de la persona humana, el

movimiento de reforma psiquiátrica en Brasil empezó un nuevo orden en las políticas de salud

mental considerando las personas con enfermedades mentales como sujetos de derechos, que

deben ser integrados a la sociedad. Con base también en el principio de la dignidad, la

Defensoría Pública fue establecida en la Constitución Federal (1988) y, en el estado de São

Paulo, su implantación (2006) fue resultado de la participación social en la lucha por su

creación. En su anteproyecto, había la previsión de un servicio interdisciplinar, que fue

concretizado con la implementación del Centro de Atendimiento Multidisciplinario (2010). Se

trata de una propuesta innovadora en el sistema de justicia con el objetivo de ampliar el

acceso a la justicia y colaborar con la efectuación de la garantía de asistencia jurídica integral

y gratuita a los hipo suficientes. Por la coherencia de principios, la Defensoría se presenta

como una alternativa institucional, en la lucha por la efectuación de derechos de personas con

sufrimiento o enfermedades mentales y de las políticas públicas de salud mental. Este estudio

presentó como objetivo analizar como está se caracterizando el acceso a la justicia para la

demanda de salud mental en la Defensoría Pública del estado de São Paulo. Los datos fueron

recolectados por: (i) observación directa; (ii) análisis de las normas institucionales; (iii)

entrevistas no estructuradas; (iv) entrevistas semi-estructuradas. Fueron realizadas: (i) siete

entrevistas no estructuradas (seis con representantes de la Defensoría y una con representante

de movimiento social); (ii) diez entrevistas semi-estructuradas con profesionales del Centro de

Atendimiento Multidisciplinario; (iii) siete entrevistas con usuarios del servicio; (iv)

entrevistas semi-estructuradas no presenciales con treinta y ocho profesionales que trabajan en

el Centro de Atendimiento Multidisciplinario en las regionales de todo el estado. El estudio

fue realizado en tres etapas: (i) análisis documental y entrevistas exploratorias (con siete

representantes); (ii) entrevistas semi-estructuradas (diez profesionales y siete con usuarios del

servicio) y observación directa; (iii) entrevistas semi-estructuradas no presenciales (treinta y

ocho profesionales). Se trata de estudio cualitativo con análisis temático y con

fundamentación teórico-metodológico en la Sociología de las Ausencias y de las

Emergencias. Los resultados demostraron que la Defensoría está desarrollando prácticas para

proporcionar la ampliación del acceso a la justicia para demanda de salud mental, buscando

superar las barreras de acceso: (i) estableciendo deliberación con la previsión de servicio para

personas con sufrimiento o/y con enfermedades mentales; (ii) realizando prácticas

extrajudiciales; (iii) mediando conflictos; (iv) invirtiendo en educación en derechos; (v)

mapeando y articulando la red pública de servicios; (vi) realizando visitas y/o fiscalización en

instituciones de hospitalización. Los datos evidenciaron que la Defensoría está

proporcionando que las personas en sufrimiento o con enfermedades mentales, que fueron

históricamente excluidas y estigmatizadas socialmente, puedan ser inseridas en el sistema de

justicia recibiendo atendimiento en una institución con fundamento en la política de inclusión

social y valorización de la dignidad, coherente con la política de salud mental en vigor en el

país. Sin embargo, son muchos los retos a que van a ser enfrentados, principalmente los

relacionados a la fragmentación en el servicio de salud y la dificultad para la implantación de

la política de desinstitucionalización.

Palabras-clave: Salud mental; Acceso a la justicia; Defensoría Pública.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Clínica Pediátrica da Região dos Lagos - Petição 12.242

(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2008)......

40

Quadro 2 Lawrence Dutra da Costa - Petição 1401-06 (ORGANIZAÇÃO

DOS ESTADOS AMERICANOS, 2010).........................................

43

Quadro 3 Damião Ximenes Lopes- Petição 12.237 (CORTE

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006). ..........

44

Quadro 4 Natureza do sistema judiciário e de apoio judiciário por

país.....................................................................................................

78

Figura 1

Figura 2

Quadro 5

Estrutura Organizacional da DPESP...........................................

Desenho das etapas do estudo – Síntese.....................................

Síntese de categorias e subcategorias temáticas apresentadas por

grupo de participantes.......................................................................

98

113

117

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Índice de Cobertura CAPS para o Estado de São Paulo no período

de 2008 a 2014 de acordo com dados do Ministério da

Saúde....................................................................................................

67

Tabela 2 Total de participantes discriminados por tipo de vínculo com a

DPESP e por etapa(s) do estudo em que participaram........................

103

Tabela 3 Etapas do estudo, técnicas de coleta de dados e critérios de

inclusão................................................................................................

111

Tabela 4 Objetivos (geral e específicos), técnicas de coleta de dados e

participantes (especificação e número)................................................

112

Tabela 5 Dados dos usuários do serviço do CAM da DPESP que buscaram os

serviços para si ou para seus familiares com demanda de saúde

mental..................................................................................................

130

Tabela 6 Distribuição de participantes em relação ao gênero............................

172

Tabela 7 Distribuição de participantes em relação às regiões do estado as

quais pertencem...................................................................................

172

Tabela 8 Distribuição de participantes em relação à área de atuação (ou

representação) e à região do estado às quais pertencem....................

173

Tabela 9 Distribuição de participantes em relação ao estado civil e ao cargo

(ou representação)...............................................................................

173

Tabela 10 Distribuição por idade do participante e cargo (ou representação)..

174

Tabela 11 Distribuição por escolaridade e por área de atuação..........................

175

Tabela 12 Distribuição por tempo de serviço.......................................................

175

Tabela 13 Total de convidados e de participantes com experiência nos serviços

do CAM discriminados por área de atuação....................................

177

Tabela 14 Distribuição e localização de regionais da Defensoria Pública no

território do estado de São Paulo.........................................................

177

Tabela 15 Distribuição de profissionais convidados a participarem da etapa de

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entrevistas não presenciais do estudo por regional e por cargo que

ocupam.................................................................................................

178

Tabela 16 Distribuição de profissionais por região da Defensoria a qual

pertencem e por cargo que ocupam, e que participaram das

entrevistas não presenciais do estudo..................................................

178

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LISTA DE SIGLAS

ABP Associação Brasileira de Psiquiatria

ACP Ação Civil Pública

ADAS Agente de Defensoria Assistente Social

ADP Agente de Defensoria Psicólogo

ALESP Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APEOESP Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

CAM Centro de Atendimento Multidisciplinar

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas

CAPS I Centro de Atenção Psicossocial- Infantil

CEJUSC Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania

CF Constituição Federal

CID Classificação Internacional de Doenças

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CONDEPE Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

CRAS Centro de Referência da Assistência Social

CRAVI Centro de Referência e Apoio à Vítima

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

CSDP Conselho Superior da Defensoria Pública

DINSAM Divisão Nacional de Saúde Mental

DP Defensor Público

DPESP Defensoria Pública do Estado de São Paulo

EDEPE Escola da Defensoria Pública do Estado

GM Gabinete do Ministério

GT Grupo de Trabalho

HIV/AIDS Vírus da Imunodeficiência Humana / Síndrome da Imunodeficiência

Adquirida

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

LC Lei Complementar

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MP Ministério Público

MTSM Movimento de Trabalhadores da Saúde Mental

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OEA Organização dos Estados Americanos

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OMS Organização Mundial da Saúde

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAJ Procuradoria de Assistência Judiciária

PGE Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

PIB Produto Interno Bruto

PSF Programa de Saúde da Família

RDP Representante da Defensoria Pública

RMS Representante de Movimento Social

SAMU Serviço de Assistência Médica de Urgência

SINDIPROESP Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações

das Universidades Públicas do Estado de São Paulo

SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UBS Unidade Básica de Saúde

UFESP Unidade Fiscal do Estado de São Paulo

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

UTI Unidade de Terapia Intensiva

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................... 19

2. OBJETIVOS..............................................................................................

Objetivo Geral.............................................................................................

Objetivos Específicos.................................................................................

29

30

30

3.

3.1

3.2

3.3

3.3.1

3.3.2

3.4

3.4.1

CAPÍTULO 1

SAÚDE NA AGENDA INTERNACIONAL E NO BRASIL................

A saúde na agenda internacional e sua influência na abordagem do tema

no Brasil......................................................................................................

O Sistema Americano de Direitos Humanos e a proteção à saúde............

A proteção e a promoção da saúde no Brasil..............................................

O Sistema Único de Saúde (SUS)...............................................................

A assistência à saúde prestada pela iniciativa privada...............................

A saúde mental no Brasil............................................................................

Direitos à saúde mental no Brasil...............................................................

31

32

37

46

50

55

57

60

4. CAPÍTULO 2

DIFERENTES CONTRIBUIÇÕES PARA A ANÁLISE DO

ACESSO À JUSTIÇA..............................................................................

69

5.

5.1

5.1.1

5.1.2

5.2

5.2.1

5.3

5.4

5.4.1

5.4.2

5.4.3

5.4.4

CAPÍTULO 3

MÉTODO..................................................................................................

Fundamentação teórico-metodológica........................................................

A Sociologia das Ausências e os modos de produção de não

existência.....................................................................................................

Sociologia das Emergências ......................................................................

Contexto - Defensoria Pública do Estado de São Paulo.............................

Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM).......................................

Tipo de estudo.............................................................................................

Procedimentos e coleta de dados ...............................................................

Participantes................................................................................................

Etapas..........................................................................................................

Considerações éticas ..................................................................................

Análise de dados.........................................................................................

85

86

89

92

93

99

101

102

102

103

114

115

6.

6.1

6.2

CAPÍTULO 4

RESULTADOS DAS OBSERVAÇÕES E DA ANÁLISE

DOCUMENTAL.......................................................................................

A porta de acesso tradicional da DPESP – o serviço de atendimento

inicial...........................................................................................................

O acesso à DPESP para o atendimento de pessoas com demanda de

saúde mental: uma análise das normas internas..........................................

118

119

123

7.

7.1

CAPÍTULO 5

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS USUÁRIOS DO

SERVIÇO..................................................................................................

Tabela descritiva com os dados sociodemográficos dos participantes.....

128

130

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7.2

7.3

7.4

7.5

Apresentação dos usuários do serviço........................................................

As condições de existência das pessoas que recorrem ao serviço da

DPESP com demanda de Saúde Mental.....................................................

A trajetória de busca por acesso aos Direitos............................................

A busca por acesso à Justiça na DPESP.....................................................

132

140

148

158

8.

8.1

8.2

8.3

8.3.1

8.3.2

8.3.3

8.3.4

8.4

8.4.1

8.4.2

8.4.3

8.4.4

8.4.5

CAPÍTULO 6:

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM OS PROFISSIONAIS

DA DPESP.................................................................................................

Dados sociodemográficos dos profissionais..............................................

A análise do perfil do profissional atuante no CAM..................................

Resultados das entrevistas presenciais.......................................................

Características das pessoas atendidas pela DPESP com demanda de

saúde mental .............................................................................................

A percepção dos direitos negados e os direitos reivindicados..................

A construção de estratégias para o acesso à justiça ...................................

A construção de alternativas de acesso à justiça para a demanda de saúde

mental .............................................................................................

Resultados das entrevistas não presenciais (On-Line)...............................

Objetivos do CAM e atividades realizadas.................................................

Público atendido pelo CAM e seus objetivos na busca pela DPESP........

Características das pessoas atendidas pelo CAM e os direitos

reivindicados ..............................................................................................

Procedimentos adotados pelo CAM............................................................

Um panorama estadual...............................................................................

170

171

177

180

180

188

191

206

213

213

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220

225

228

9.

9.1

9.1.1

9.1.2

9.1.3

9.1.4

9.1.5

9.1.6

9.1.7

9.1.8

9.1.9

9.2

9.2.1

9.2.2

CAPÍTULO 7

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM REPRESENTANTES

DA DPESP E DE MOVIMENTO SOCIAL...........................................

A implantação da DPESP e a participação dos movimentos sociais: da

luta pela implantação aos dias atuais..........................................................

A implantação da DPESP ..........................................................................

A luta pela inserção da Defensoria Pública na Constituição de

1988.............................................................................................................

Os diferentes atores sociais e suas posições diante da implantação da

DPESP.........................................................................................................

A relevância da participação dos movimentos sociais na luta pela

implantação da DPESP...............................................................................

A valorização de um modelo de serviço de justiça que fosse democrático

e aproximasse o cidadão do servidor público..........................................

A previsão de espaços para a participação da sociedade civil na DPESP e

a ocupação desses espaços pelos movimentos sociais............................

O esvaziamento dos movimentos sociais na DPESP..................................

A identificação com a instituição e a importância de continuidade da

presença dos movimentos sociais .............................................................

A crítica, a preocupação e a defesa da instituição......................................

A saúde mental na DPESP .........................................................................

Barreiras de acesso à DPESP e a necessidade de portas alternativas........

Limitações da DPESP e atuação na supressão de direitos..........................

232

233

233

234

235

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9.2.3

9.2.4

9.2.5

9.2.6

9.2.7

9.3

9.3.1

9.3.2

9.3.3

9.3.4

9.3.5

9.3.6

9.3.7

9.3.8

9.3.9

Impasses relacionados aos Direitos das pessoas portadoras de transtornos

mentais....................................................................................................

Críticas à Lei 10.216/2001..........................................................................

A lógica da proteção, o afeto autoritário e a tentação do bem...................

Crítica à privatização na saúde mental e a falta de fiscalização das

instituições..................................................................................................

Compromisso da DPESP com a demanda de saúde mental e a análise

crítica de sua atuação .................................................................................

A atuação do CAM.....................................................................................

O contexto institucional, a mudança de paradigmas e a emergência de

novas práticas..............................................................................................

O processo de construção de um novo modelo de atuação .....................

Os pressupostos de um novo modelo........................................................

As premissas da reforma psiquiátrica como referência para a construção

da normativa para o atendimento..............................................................

A necessidade de estratégias criativas........................................................

A atuação em ações de levantamento de interdição e em educação em

direitos.........................................................................................................

A necessária pró-atividade da DPESP no acompanhamento de demanda

de saúde mental..........................................................................................

A DPESP como um termômetro das políticas públicas, a intervenção

para que sejam implantadas, e a atuação em tutela coletiva.......................

Princípios, ideais, utopias e realidade possível: um balanço do trabalho

realizado pelo CAM....................................................................................

247

250

252

252

253

256

256

258

260

261

263

265

267

269

271

10.

10.1

10.2

10.3

CAPITULO 8

DISCUSSÃO..............................................................................................

A trajetória do estudo em discussão............................................................

As características de existência, direitos negados e/ou reivindicados

referentes à demanda de saúde mental atendida pela DPESP.....................

A atuação dos profissionais e a caracterização do acesso à justiça para

pessoas com demanda de saúde mental na DPESP.....................................

274

275

280

287

REFERÊNCIAS....................................................................................................

295

APENDICES.........................................................................................................

308

ANEXOS................................................................................................................

321

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1. INTRODUÇÃO

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Introdução 20

As doenças mentais são altamente prevalentes no mundo e são grandes contribuintes

para a morbidade, incapacitação e mortalidade prematura. No entanto, os recursos

disponíveis para enfrentar a enorme sobrecarga destas doenças são insuficientes,

desigualmente distribuídos e às vezes ineficientemente utilizados. Em conjunto, isso

levou a uma defasagem no tratamento (a proporção de pessoas doentes que

necessitam de tratamento e não o recebem) de mais de 75% em países de baixa e

média renda. A defasagem na América Latina e no Caribe é muito grande e pode

estar subestimada, já que, geralmente, nem a morbidade nem a qualidade e a

efetividade do tratamento são levadas em conta. O estigma, a exclusão social e as

violações dos direitos humanos que ocorrem com pessoas com doenças mentais se

somam ao problema (RODRIGUEZ, 2010, p. 341).

Damião Ximenes Lopes estava internado para tratamento psiquiátrico na Casa de

Repouso Guararapes, em Sobral, Estado do Ceará. Em 04 de outubro de 1999, a mãe do

paciente foi visitá-lo e o encontrou sangrando, com hematomas, roupas rasgadas, sujo e

cheirando a excrementos, com as mãos amarradas para trás, com dificuldade para respirar,

agonizando e pedindo socorro aos gritos. A mãe pediu ajuda aos funcionários para que

banhassem seu filho e procurou um médico que o atendesse. Duas horas mais tarde o paciente

faleceu; no atestado de óbito consta como causa parada cardiorrespiratória, sem qualquer

lesão externa. O Brasil é signatário do Tratado de São José da Costa Rica que instituiu a Corte

Interamericana de Direitos Humanos, e foi levado a julgamento por violações de direitos

humanos e morte de Damião (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA,

2004).

Em sentença proferida no dia 4 de julho de 2006, a Corte, por unanimidade,

reconheceu e declarou a responsabilidade internacional do Brasil pela violação dos direitos à

vida e à integridade pessoal da vítima e dos direitos à integridade pessoal e às garantias

judiciais e à proteção judicial de familiares da vítima. Declarou que o Estado deve garantir a

efetividade do processo interno destinado a investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos

e deve continuar a desenvolver programa de formação e capacitação de profissionais e

pessoas envolvidas com o atendimento de saúde mental, sobretudo quanto aos princípios que

devem reger esse trabalho, conforme os padrões internacionais; ainda, deveria pagar para os

familiares da vítima, no prazo de um ano, em dinheiro, a indenização por dano material, dano

imaterial e custas processuais, fixadas na própria sentença (VENTURA 2011). No prazo de

um ano, contado a partir da notificação da sentença, o Estado deveria apresentar à Corte

relatório sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento (CORTE INTERAMERICANA

DE DIREITOS HUMANOS, 2006).

O caso de Damião Ximenes Lopes é um dos episódios que causam indignação na

história da saúde mental do país. Assume especial relevância por ter alcançado projeção

internacional ao chegar a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em busca de defesa. Em

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Introdução 21

um raro episódio na área de saúde mental, Damião tornou-se referência. Infelizmente,

precisou que seu sofrimento e o de seus familiares fossem legitimados pelo Sistema

Americano de Direitos Humanos para que o Estado fosse, então, internacionalmente

responsabilizado por suas omissões e violações de direitos.

O sofrimento de Damião e de seus familiares está longe de ser um caso isolado de

violação de direitos humanos em saúde mental no Brasil. Rotineiramente, a mídia veicula

denúncias envolvendo clínicas e comunidades terapêuticas autuadas pela Justiça, violências

com pessoas em situação de rua ou violências domésticas vivenciadas por pessoas portadoras

de transtorno mental. Devido à repercussão do Caso Damião, essa situação servirá de

parâmetro para reflexão sobre a demanda de saúde mental e acesso à justiça. Damião será

porta voz de pessoas silenciadas e socialmente invisibilizadas, não existentes, na perspectiva

de Boaventura de Sousa Santos (SANTOS, 2010a), e que carregam histórias de vida de

sofrimento mental.

Ao serem observadas as datas dos acontecimentos que envolveram Damião e seus

familiares, é possível a análise do momento histórico e os principais acontecimentos

relacionados às áreas de saber de interesse no presente estudo. Damião estava internado e veio

a falecer em uma instituição psiquiátrica no final da década de 1990. As condições desumanas

de atendimento na clínica, descritas no processo e reconhecidas na sentença, ilustram que o

tratamento oferecido não se distanciava do modelo das instituições totais, asilares, que foram

motivo de denúncias no final da década de 1970 por profissionais da área de saúde mental e

que lideraram o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (AMARANTE; TORRE,

2010; DELGADO, 2011). Tais denúncias ganharam repercussão nacional e discussão sobre o

tema, caracterizando o Movimento da Reforma Psiquiátrica e, posteriormente, da Luta

Antimanicomial. Portanto, vinte anos depois das denúncias e mobilizações sociais em torno

da luta por humanização nos serviços de saúde mental em todo o país, lá estava a Clínica

Guararapes, no município de Sobral - Ceará, reiterando práticas de violações que culminaram

com a morte de Damião.

Internacionalmente, desde 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU)

colocava na agenda o compromisso em promover o progresso social e a melhoria das

condições de vida dos povos (ONU, 1945), e criava, em 1946, a Organização Mundial da

Saúde (OMS) visando o alto padrão de saúde para todos (ONU, 1946; RUBARTH, 1999). Em

1966, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consolidam a ideia

da saúde como um direito fundamental a ser protegido pelo Estado (ONU, 1966). Em 1978,

um importante marco internacional, a Declaração de Alma Ata traz à pauta o debate sobre as

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Introdução 22

desigualdades e às necessidades e problemas de saúde prevalentes, dentre eles, a fome e a

desnutrição. Nessa ocasião, a saúde passa a ser assumida como um direito fundamental

(DECLARAÇÃO DE ALMA ATA, 1978). A Carta de Ottawa, em 1986, propõe a temática

da prevenção e da promoção de saúde para o debate internacional (CARTA DE OTTAWA,

1986; MEIRELES, 2008). Todas essas discussões sobre a saúde como direito fundamental,

princípios e valores como justiça social, equidade entre cidadãos, caracterizavam o cenário

internacional. E, a Clínica de Guararapes, no final da década de 1990, reiterava práticas que

afrontavam a dignidade humana.

Em 1990, a saúde mental nas Américas ganha grande impulso com a Declaração

de Caracas (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE - OPAS, 1990), documento

que marca as reformas na atenção da saúde mental e estabelece diretrizes para os Estados

adequarem sua legislação e reestruturarem a Assistência Psiquiátrica e a defesa dos direitos

humanos no continente. Em 1991, a Assembleia Geral das Organizações das Nações

Unidades aprova os Princípios da ONU para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno

Mental e Melhoria da Assistência à Saúde (ONU, 1991) que passa a proporcionar parâmetros

fundamentais para a elaboração de legislação e de políticas de saúde mental pautados no

superprincípio da dignidade humana. Em síntese, o cenário internacional se firmava no

delineamento da abordagem do tema de saúde mental desnaturalizando o modelo de

assistência psiquiátrica tradicional como única alternativa para as pessoas em sofrimento

mental e, principalmente, pautava as novas propostas na garantia dos direitos humanos.

Infelizmente, tudo ainda muito distante do município de Sobral, no Ceará.

Datada de 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São

José da Costa Rica) (OEA, 1969) estabelece os meios de proteção dos direitos humanos: a

Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Entretanto, é somente em 1979 que a Corte entrou em funcionamento. O Brasil

aderiu ao tratado em 1992 (BRASIL, 1992) e reconheceu a Corte em 1998 (BRASIL, 1998).

Enquanto no cenário internacional a pauta se voltava para a proteção de direitos humanos, o

Brasil permanecia até 1988 em plena ditadura militar. Durante esse período, o drama de

Damião e de seus familiares se iniciava.

Enquanto a proteção internacional é garantida com base nos compromissos

internacionais fundamentados nos direitos humanos, com destaque para: a Declaração de

Caracas (OPAS, 1990); os Princípios da ONU para a Proteção de Pessoas Acometidas de

Transtorno Mental e Melhoria da Assistência à Saúde (ONU, 1991); e a Convenção

Americana de Direitos Humanos (OEA, 1969), no Brasil, as garantias de direitos e o

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Introdução 23

ordenamento jurídico sempre haviam produzido normas baseadas na periculosidade e

incapacidade das pessoas com transtornos mentais (CAMPOS; FRASSETO, [2010]). Em

1988, com a promulgação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), fundamentada na

perspectiva de um Estado Democrático de Direito, e na valorização da cidadania e da

dignidade da pessoa humana, ampliou-se a discussão sobre os direitos na área da saúde mental

consonante com os princípios que já se faziam presente no movimento da Reforma

Psiquiátrica. Entretanto, um longo período teve que ser percorrido até que a proteção dos

direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais viesse a ser inserida na Lei 10.216 de

2001 (BRASIL, 2001), após o projeto tramitar pelo Senado desde 1989.

Ainda em relação à década de 1980, foi um período de intensa mobilização social,

merecendo destaque tanto para a reflexão sobre a temática da saúde quanto para o estudo

sobre direitos e acesso à justiça. Além do Movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciado no

final da década de 1970 e baseado em denúncias de maus tratos aos pacientes em instituições

psiquiátricas, a sociedade se organizava, também, naquele que ficou conhecido como o

Movimento da Reforma Sanitária e que teve importância fundamental na elaboração de

princípios que foram incorporados na Constituição de 1988 e na implantação do Sistema

Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1990b).

A Constituição de 1988, nomeada carinhosamente por Constituição Cidadã,

fundamenta-se na liberdade e no respeito à dignidade humana, passa a definir a saúde como

direito social e universal, provocando uma ruptura radical com o modelo em vigor na área da

saúde, que, até então, separava quem tinha acesso a uma assistência curativa razoável da

grande maioria que era atendida por uma medicina simplificada na atenção primária à saúde e

como indigentes na atenção hospitalar (MENDES, E., 2013). A falta da previsão de um

financiamento adequado somada à proposta de um sistema de saúde híbrido, segmentado em

público e privado, irá estabelecer o tom às dificuldades de políticas públicas para efetivar o

sonho constitucional da universalidade (CARVALHO, 2013; MENDES, E., 2013;

MENICUCCI, 2014; PERRUSI, 2010). Entretanto, de acordo com a Constituição, a saúde

firma-se como direito de todos e dever do Estado na agenda nacional, mas bastante distante de

Sobral, no Ceará.

A sociedade brasileira se mobilizou em diversas lutas no decorrer da década de

1980, tais como nos movimentos da Constituinte, Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica.

Movimentos que se pautavam na busca pela democracia e na garantia de direitos, expectativas

que somente poderão ser efetivadas caso esteja garantido o acesso à justiça para todos os

cidadãos, incluindo aqueles com condições de maior vulnerabilidade social e que sempre

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Introdução 24

permaneceram à margem da sociedade e do Sistema de Justiça. “O direito de acesso à justiça

é o direito primeiro, é o direito garantidor dos demais direitos, é o direito sem o qual todos os

demais direitos são apenas ideias que não se concretizam” (SADEK, 2014, p. 20).

É justamente nesse sentido que a previsão constitucional da Defensoria Pública

assume especial importância para a sociedade brasileira:

Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos

humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos

individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma

do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal (BRASIL, 1988, p.58).

Artigo 5º, inciso LXXIV [...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país

a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

LXXIV- o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que

comprovarem insuficiência de recursos (BRASIL, 1988, p.5).

Após a previsão constitucional, a Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de

janeiro de 1994, irá organizar a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos

Territórios e prescrever as normas gerais para a sua organização nos Estados (LC 80/94)

(BRASIL, 1994). Trata-se da mais nova instituição do Sistema de Justiça do Brasil e tem

como principal objetivo a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados,

prestando assistência jurídica integral e gratuita a todas as pessoas consideradas

hipossuficientes. A Instituição não se propõe apenas a ingressar em juízo, mas a dispensar

assistência integral aos necessitados, com funções que vão desde a educação em direitos até a

solução de conflitos e a garantia de direitos, seja ajuizando ações no Poder Judiciário ou

extrajudicialmente (SADEK, 2014). Para Santos (2011), cabe aos defensores públicos aplicar

no seu quotidiano profissional a Sociologia das Ausências, reconhecendo e reafirmando os

direitos dos cidadãos intimidados e impotentes, cuja procura por justiça e o conhecimento

do(s) direito(s) têm sido suprimidos e ativamente reproduzidos como não existentes

(SANTOS, 2011).

O Constituinte optou por um modelo pacificador de solução de conflitos (CF;

Preâmbulo e art. 4º, VII) sendo que coube à Defensoria Pública a prestação de

assistência jurídica, e não judiciária, cujos esforços ficam voltados, prioritariamente,

ao diálogo, à aproximação e às formas não conflituosas de solução de conflitos (LC

80/94, art. 4º, II, IV e §4º). [...] O Brasil opta por uma política preventiva e

informativa de atuação, por meios jurídico-sociais, dotada de métodos

multidisciplinares e participativos de prevenção e de solução de conflitos, bem como

de uma gestão democrática, com objetivos e metas dialeticamente definidas. De fato, o Brasil opta por um modelo de afirmação do direito de acesso à justiça em

benefício das chamadas minorias (não em termos de quantidade, mas de poder), com

declarado foco no interesse público à efetiva e substancial igualdade (RÉ, 2014, p.

95).

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Introdução 25

Embora prevista na Constituição Federal de 1988, a Defensoria Pública do Estado

de São Paulo (DPESP) somente foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 988, de janeiro

de 2006 (SÃO PAULO, 2006) após grande movimentação de atores sociais com

representantes de mais de quatrocentas entidades e movimentos da sociedade politicamente

organizada (CARDOSO, 2010a, 2010b). São Paulo é o estado responsável por mais de 31%

do PIB nacional, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado, e de máquina de

governo mais bem aparelhada burocraticamente e com a maior população do Brasil

(AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014). Entende-se que esse cenário possibilita ampla

discussão sobre iniciativas, possibilidades e dificuldades sobre o acesso à justiça para

demandas de saúde mental. Trata-se de um estado com grande diversidade populacional,

cultural e socioeconômica, e, também, com recursos financeiros e de formação acadêmica

para subsidiar a elaboração de propostas que possam melhor atender a população de maior

vulnerabilidade social. Sendo o Estado mais rico da Federação carrega a responsabilidade

maior enquanto agente de transformação e de atuação diante das iniquidades sociais. Nesse

sentido, elegeu-se a DPESP como a instituição do Sistema de Justiça para ser o cenário do

presente estudo com o objetivo de analisar como se caracteriza o acesso à justiça para pessoas

com demandas de saúde mental. Entende-se que ao ser inserida a realidade vivida pelas

pessoas com demanda de saúde mental, historicamente vitimizada, estaremos inserindo mais

um aspecto importante para análise nas já difíceis condições de existência do público alvo da

Defensoria Pública, mais um fator na condição de tripla vitimização dessa população:

Estudos revelam que a justiça civil é cara para os cidadãos em geral, mas revelam

sobretudo que a justiça civil é proporcionalmente mais cara para os cidadãos

economicamente débeis. É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os

interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a justiça é

proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno da dupla vitimização

das classes populares face à administração da justiça. De fato, verificou-se que essa

vitimização é tripla na medida em que um dos outros obstáculos investigados, a

lentidão dos processos, pode ser facilmente convertido num custo econômico

adicional e que é proporcionalmente mais gravoso para os cidadãos de menos recursos (SANTOS, 2010b, p. 168).

A apresentação do presente estudo foi organizada em oito capítulos. No Capítulo

1 a saúde é o tema central e foi abordada na agenda internacional e no Brasil. Parte,

inicialmente, de sua inserção na Carta das Nações Unidas (ONU, 1945), na definição ampla

proposta para o tema na criação da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946) e sua

influência na inserção do conceito na Constituição Federal do Brasil de 1988 (BRASIL,

1988). Na sequência, foram retomados Tratados Internacionais que inseriram a saúde na

agenda, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1966),

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Introdução 26

Declaração de Alma Ata (1978), Carta de Ottawa (1986). Especificamente, abordando a saúde

mental, são enfatizados a Declaração de Caracas (OPAS, 1990) e os Princípios para a

Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à

Saúde Mental (ONU, 1991). A fundamentação teórica sobre a saúde passou, então, ao Sistema

Americano de Direitos Humanos, para analisar a trajetória de acesso ao referido Sistema. Tal

abordagem objetivou identificar possibilidades de acesso à justiça para pessoas portadoras de

transtornos mentais em situações em que o Estado é o possível violador. Na sequência, foram

identificados, e apresentados, casos em que ocorreram possíveis violações de direitos no

Sistema de Saúde, e que tramitaram na Comissão Interamericana e na Corte Interamericana de

Direitos Humanos.

Tendo sido abordados diferentes instrumentos internacionais, e as possibilidades

para acesso à justiça, por intermédio do Sistema Americano, para casos de violações de

direito à saúde pelo Estado, a análise que se seguiu, colocou em foco a proteção e a promoção

de saúde no Brasil; o Sistema Único de Saúde (SUS) e seus princípios; financiamento e a

assistência à saúde prestada pela iniciativa privada. A saúde mental, as mudanças

paradigmáticas ocorridas desde o final da década de 1970, as violações de direitos humanos

nas denúncias do atendimento hospitalar psiquiátrico, o movimento da Reforma Psiquiátrica e

a Luta Antimanicomial e a legislação de direito à saúde mental foram temas incluídos no

Capítulo I, de modo que elucidassem os antecedentes e o contexto da atual política de saúde

mental no Brasil. A ênfase no modelo de atenção psicossocial atual foi tratada a partir de

dados do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado de São Paulo, estado cenário do

presente estudo.

No Capítulo 2 foi inserida a temática de Acesso à Justiça, foram abordadas

diferentes contribuições teóricas partindo da perspectiva de Cappelletti e Garth, do Projeto

Florença, o movimento das três ondas de acesso à justiça e as barreiras a serem superadas para

que os indivíduos tivessem seus direitos garantidos. Acrescentou-se a perspectiva de

Boaventura de Sousa Santos, sua análise sobre as promessas não cumpridas da modernidade e

da necessidade de uma revolução democrática da justiça em que se coloque no centro do

Sistema de Justiça aqueles que historicamente foram invisibilizados socialmente; a

necessidade de que seja reavaliada a formação dos profissionais do Direito para uma atuação

que valorize o caráter social e político e amplie o diálogo do sistema de justiça com outras

áreas sociais (CAPPELLETTI; GARTH, 1988; SANTOS, 2011, 2010a, 2010b, 2010c).

Foram apresentados diferentes autores e suas perspectivas sobre o acesso à

justiça: (i) críticas ao otimismo inicial da proposta das ondas cappellettianas; (ii) a proposta de

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Introdução 27

uma “quarta onda” incluindo o acesso à justiça para os profissionais do Direito; (iii) a

importância de estudos comparados sobre o acesso à justiça enquanto indicador da qualidade

da democracia; (iv) a importância de se considerar o que foi invalidado como experiência

histórica para se pensar sobre o sistema de justiça; (v) e a relevância da análise da

territorialidade e dos litigantes recorrentes dentro do sistema de justiça. Considerou-se,

também, a importância do entendimento do tema de acesso à justiça em termos

tridimensionais: (i) a natureza da demanda de serviços jurídicos; (ii) a natureza da oferta

desses serviços jurídicos; (iii) a natureza do problema jurídico que os clientes possam desejar

trazer ao fórum da justiça, reconhecendo-se que, na prática, existe uma inter-relação muito

próxima entre essas três variáveis (AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014;

ECONOMIDES, 1999; LAURIS, 2009; LAURIS DOS SANTOS, 2013; PEDROSO, 2011).

O Método foi apresentado no Capítulo 3 partindo da crítica epistemológica de

Santos, e de sua metáfora colonial para abordar a exclusão, baseada em uma forma de

Pensamento Abissal, que produz não existências sociais: indivíduos que são ignorados,

silenciados, marginalizados, desqualificados ou simplesmente eliminados. Como contraponto

o autor propõe um pensamento pós-abissal, o reconhecimento de diversidade de saberes

existentes no mundo, uma epistemologia que possa captar a diversidade desperdiçada e

invisibilizada. Descreve-se a partir dessa perspectiva, a Sociologia das Ausências e cinco

lógicas ou modos de produção de não existências identificadas pelo autor: (i) monocultura do

saber e do rigor do saber; (ii) monocultura do tempo linear; (iii) monocultura da naturalização

das diferenças; (iv) monocultura da lógica dominante; (v) monocultura da não existência

produtivista. Acrescenta-se a proposta de que essas monoculturas sejam substituídas por

ecologias, práticas de agregação da diversidade pela promoção de interações entre entidades

parciais e heterogêneas. O objetivo da Sociologia das Ausências é de transformar objetos

impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças. Na

sequência do capítulo é descrita a Sociologia das Emergências, que para Santos caracteriza-se

como um procedimento de ampliação simbólica de saberes e práticas que possibilitam atuar

tanto sobre as possibilidades como sobre as capacidades, uma investigação das alternativas

que cabem no horizonte das possibilidades concretas. Enquanto a sociologia das ausências

expande o domínio das experiências sociais já disponíveis, a sociologia das emergências

expande o domínio das experiências sociais possíveis (SANTOS, 2010a, 2010c).

O Capítulo 3 abordou na sequência: (i) o cenário do estudo, a Defensoria Pública

de São Paulo; (ii) os diferentes participantes do estudo e seus saberes, usuários do serviço

com demanda de saúde mental, profissionais da Defensoria atuantes em diferentes regiões do

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Introdução 28

estado e representante de movimento social atuante na instituição; (iii) as técnicas e os

procedimentos adotados para o levantamento de informações, entrevistas, análise de

documentos e observação; (iv) as diferentes etapas do estudo; (v) os procedimentos de análise

de dados.

Os resultados foram apresentados nos Capítulos 4, 5, 6 e 7. No Capítulo 4 foram

apresentados os resultados das observações e da análise documental com o objetivo de

analisar as condições de acesso à DPESP, tanto no que se refere a sua infraestrutura para o

serviço de atendimento inicial quanto em relação às normas previstas para o atendimento de

pessoas com sofrimento ou portadoras de transtornos mentais.

No Capítulo 5 foi analisada a voz dos usuários do serviço com demanda de saúde

mental. No Capítulo 6 e 7 foram analisadas as entrevistas com os profissionais da instituição

atuantes nas três regiões do estado (Capital, Região Metropolitana e Interior) e, com o

representante de movimento social. No Capítulo 8 foi apresentada a discussão integrando as

informações coletadas nas diferentes etapas do estudo, a integração dos diferentes saberes dos

entrevistados juntamente com as informações documentais analisadas e observações

realizadas nas dependências da instituição, uma proposta de se pensar a temática do acesso à

justiça na DPESP para a demanda de saúde mental integrando informações sobre as diferentes

dificuldades e possibilidades identificadas.

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2. OBJETIVOS

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Objetivos 30

Objetivo Geral

Analisar como se caracteriza o acesso à justiça para pessoas com demanda de saúde

mental na Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP).

Objetivos Específicos

Descrever as características de existência da demanda de saúde mental atendida pela

DPESP;

Identificar quais são os direitos negados e/ou reivindicados pela/para a demanda de

saúde mental na DPESP;

Analisar a atuação dos profissionais da DPESP na garantia de direitos relativos à

saúde mental.

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3. CAPÍTULO 1

SAÚDE NA AGENDA INTERNACIONAL E

NO BRASIL

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 32

3.1 A saúde na agenda internacional e sua influência na abordagem do tema

no Brasil

O interesse da comunidade internacional por assuntos de saúde já se fazia presente

na Carta das Nações Unidas, em 1945, com o compromisso dos fundadores da organização

em “promover o progresso social e a melhoria das condições de vida dos povos” e com o

propósito, presente no primeiro artigo da Carta, de “conseguir uma cooperação internacional

para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou

humanitário” (ONU, 1945). Em 1946, é criada a Organização Mundial da Saúde (OMS),

agência especializada da ONU, com a função de tratar exclusivamente dos temas sanitários,

tendo como objetivo “a obtenção do mais alto padrão possível de saúde para todos”

(RUBARTH, 1999, p. 123-128).

Para atingir (esse objetivo), busca promover, por meio de diferentes modalidades de

cooperação técnica direta com seus Estados-membros e de estímulos à cooperação

entre eles, o desenvolvimento de serviços de saúde, a prevenção e o controle de

doenças, a melhoria das condições ambientais, o aperfeiçoamento na formação dos

profissionais de saúde, a coordenação e o desenvolvimento de pesquisas na área

biomédica e de gestão de serviços e o planejamento e a implementação de

programas de saúde (RUBARTH, 1999, p. 128).

Na criação da OMS já se fazia presente a definição de saúde que iria influenciar

de modo significativo a inserção do tema na Constituição Federal do Brasil de 1988 e,

consequentemente, a legislação de saúde do país: “a saúde é um estado de completo bem estar

físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”

(OMS, 1946, p.1). Definição bastante ampla e polêmica, tanto por trazer à baila

questionamentos sobre o caráter dicotômico de se pensar saúde e doença, característico do

paradigma biomédico, quanto por sua perspectiva bastante idealista.

No Brasil, essa mudança paradigmática permeou toda a reflexão que antecedeu a

promulgação da Constituição de 1988, influenciando a inserção da saúde no texto

constitucional como um direito de todos e um dever do Estado. De importância fundamental

durante esse período, o Movimento pela Reforma Sanitária brasileira, não somente se pautou

nos princípios da OMS como ampliou sua proposta, conforme abordado na análise crítica de

Nunes (2009):

A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra a saúde como um “direito de

todos e um dever do Estado” (art. 196), apoiado numa definição de saúde mais

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 33

ampla ainda do que a proposta pela OMS. Essa definição ampla havia sido avançada

pelo Movimento da Reforma Sanitária, durante as lutas pela democratização do país,

e seria vertida no texto constitucional a partir de uma proposta de emenda popular

apresentada por aquele movimento. A VIII Conferência Nacional de Saúde (1986),

que constituiu um marco decisivo desse processo, definiu a saúde como (i) “o

resultado das condições de alimentação, moradia, educação, renda, ambiente,

trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso à posse da terra e acesso a

serviços de saúde..., o resultado das formas de organização social da produção, que

podem gerar grandes desigualdades de nível de vida”; (ii) uma conquista da

população, definida em “um contexto histórico de uma sociedade determinada e

num dado momento de seu desenvolvimento, [e que] deve ser conquistada pela população através das suas lutas quotidianas”; (iii) um direito, que ganha forma

através da garantia, pelo Estado, “de condições de vida dignas e de acesso universal

e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, a

todos os níveis, para todos os habitantes do território nacional, conduzindo ao pleno

desenvolvimento do ser humano na sua individualidade”; (iv) esse direito é

formalizado no texto constitucional, mas realiza-se, sobretudo, através de uma

política de saúde “consequente e integrada nas outras políticas econômicas e

sociais”, com os meios necessários a sua execução e garantindo o “controle do

processo de formulação, gestão e avaliação das políticas sociais e econômicas pela

população” (Oitava Conferência Nacional de Saúde, 1986 apud NUNES, 2009, p.

153).

Ao analisar a ampliação do conceito de saúde, Nunes (2009) enfatiza o paradoxo

da busca por direitos nessa área:

A saúde é definida como algo mais amplo do que a ausência de doença, e os

problemas que afetam a saúde como algo mais do que a existência de doença [...].

Essas concepções ampliadas de saúde constituem, por um lado, um recurso

mobilizável para a luta pela saúde como um direito. Mas as formas que assume essa

luta – especialmente aquelas que resultam em avanços efetivos no plano das políticas públicas e da organização da sociedade – parecem estar vinculadas a uma

luta pelo direito à doença, ou seja, pelo reconhecimento da existência de doenças ou

da condição de pessoa, grupo ou comunidade afetado por essas doenças. Por outras

palavras, e recorrendo a um vocabulário consagrado nas ciências sociais, concepções

ampliadas de saúde são mobilizadas para reivindicar, precisamente, a medicalização

de certas perturbações e de certos problemas, através do seu reconhecimento como

doenças, com causas e etiologias por vezes desconhecidas ou complexas. E através

do processo de identificação dessas causas e etiologias que toma forma, em muitos

casos, a luta pela saúde como direito (NUNES, 2009, p. 155-156).

Nesse sentido, o autor considera permanecer um desafio, tendo em vista que

mesmo quando se considera concepções ampliadas de saúde, que não a reduzem a ausência de

doença, e de intervenções que vão além do modelo biomédico, continua a ser central para a

realização da saúde como direito o acesso aos dispositivos de diagnósticos e terapêuticos da

biomedicina.

Germani e Aith (2013) abordam o caráter complexo e polissêmico do conceito de

saúde, mencionando as duas vertentes que são mais presentes na literatura, uma biomédica

com sua ênfase no corpo, a saúde e a doença vistas como opostas; e outra perspectiva que

parte de uma premissa dinâmica, valorizando a determinação social no processo saúde-

doença-cuidado. No âmbito internacional, enfatizam que a Constituição da OMS, em 1946,

marcou o reconhecimento da saúde como direito humano universal, fundamental para a

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 34

dignidade do ser humano, e traçou as linhas gerais para a sua proteção, em que destacam o

Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, que consolidou a

saúde como um direito humano a ser protegido pelos Estados. Afirmam que o conceito de

saúde mais difundido hoje é o proposto pela OMS, um conceito amplo, inicialmente

percebido de forma positiva, mas que esbarra em críticas por possibilitar interpretações tidas

como idealistas ou sem aplicação prática. Ampliam a discussão sobre o tema ao abordarem as

possibilidades de avanços para a efetivação da promoção de saúde no mundo após o

reconhecimento da saúde como direito (GERMANI; AITH, 2013).

Dentre os marcos dos debates internacionais que provocaram mudanças na prática

de Saúde estão as Conferências realizadas pela OMS que geraram a Declaração de Alma-Ata

(1978) e a Carta de Ottawa (1986). A Declaração de Alma Ata é resultante da I Conferência

Internacional sobre os Cuidados de Saúde Primária, realizada na antiga URSS, quando a

saúde foi reconhecida como um direito humano fundamental. Atrelou-se ao movimento

mundial sob a responsabilidade de combater as desigualdades entre os povos e alcançar a

meta audaciosa de Saúde para Todos no ano 2000.

Nesse contexto foi dada ênfase na desigualdade entre os países procurando

responder às necessidades e problemas de saúde mais prevalentes: as doenças

infectocontagiosas; a desnutrição, fome, e mortalidade infantil. As principais áreas de

intervenção propostas: (i) a educação para a saúde; (ii) a qualidade da água e saneamento

básico; (iii) os cuidados de saúde materno-infantil; (iv) a imunização; (v) a prevenção e

controle de doenças endêmicas; (vi) o tratamento de doenças e lesões comuns; e (vii) o

fornecimento de medicamentos essenciais.

Nessa Conferência, e na consequente Declaração, foram chamados à

responsabilidade governos, organizações supranacionais e comunidade internacional para a

implementação dos Cuidados de Saúde Primários, que correspondem ao primeiro nível de

contato com o sistema de saúde do país. Esses cuidados devem estar integrados aos sistemas

de referência como forma de garantia ao acesso à saúde pautado pela acessibilidade universal,

equidade e justiça social. A Declaração de Alma Ata convoca o espírito de comunidade e

serviço entre as nações: “a saúde do povo de qualquer país interessa e beneficia diretamente

todos os outros países” (DECLARAÇÃO DE ALMA ATA, 1978; MEIRELES, 2008).

Se por um lado a Declaração de Alma Ata emerge com ênfase nas desigualdades

entre países procurando responder às necessidades e problemas de saúde relacionados à

desnutrição, fome, mortalidade materno-infantil e doenças infectocontagiosas, por outro lado,

a Carta de Ottawa (1986), resultante da I Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde,

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 35

procura responder às expectativas de bem estar pleno das sociedades mais desenvolvidas. Os

serviços de saúde passam a ser vistos além da prestação de cuidados preventivos, curativos e

de reabilitação, buscando-se realizar cada vez mais ações de promoção de saúde.

Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para

atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior

participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-

estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar

aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente...

Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global (CARTA DE

OTTAWA, 1986, p. 1).

A Carta de Ottawa (1986, p. 1) propõe que “a saúde deve ser vista como um

recurso para a vida cotidiana, e não como objetivo de viver. A saúde é um conceito positivo,

que enfatiza recursos sociais e pessoais, bem como capacidades físicas”. Nessa perspectiva, o

conceito de saúde e de sua proteção como direito dependeria do comprometimento de todos

os envolvidos no processo saúde-doença-cuidado, incluindo os usuários do sistema de saúde,

profissionais e gestores de saúde, da educação, do direito, dentre outros (GERMANI; AITH,

2013).

Embora partindo de perspectivas distintas, ambas assumem a Saúde como um

direito humano fundamental; propõem uma abordagem de caráter multidisciplinar em ações

coordenadas de vários setores da sociedade, e partilham de princípios e valores como justiça

social, equidade em saúde, igualdade entre cidadãos, solidariedade nacional e internacional,

responsabilidade individual e coletiva (MEIRELES, 2008).

No que concerne aos compromissos internacionais relativos à saúde mental,

especificamente, merece ser destacada a Declaração de Caracas (ORGANIZAÇÃO PAN-

AMERICANA DE SAÚDE - OPAS, 1990), documento que marca as reformas na atenção à

saúde mental nas Américas e estabelece o dever do Estado de adequar sua legislação e

promover a reestruturação da Assistência Psiquiátrica e a defesa dos direitos humanos das

pessoas com transtornos mentais.

A declaração reconhece que a assistência psiquiátrica convencional, desenvolvida

por meio de internação psiquiátrica, não permite alcançar os objetivos compatíveis

com um atendimento comunitário, descentralizado, participativo, integral, contínuo

e preventivo, pois isola a pessoa do seu meio social, põe em risco os seus direitos

humanos, centraliza os recursos destinados à saúde mental e fornece ensino insuficiente às necessidades de saúde mental da população. Considera que os

programas de Saúde Mental e Psiquiatria devem se adaptar aos princípios,

orientações e modelos de organização da assistência à saúde que valorizem o

Atendimento Primário de Saúde e desenvolvam programas baseados nas

necessidades da população de forma descentralizada, participativa e preventiva

(CRUZ, 2014, p. 508).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 36

Outro marco foi a aprovação pela Assembleia Geral das Organizações das Nações

Unidas, em dezembro de 1991, da Resolução 46/119 sobre os Princípios para a Proteção das

Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental

(ONU, 1991). Composta por 25 princípios, a Resolução estabelece liberdades fundamentais e

direitos básicos das pessoas com transtorno mental, como o direito à melhor assistência

disponível à saúde mental, com humanidade e respeito; veda a discriminação por conta do

transtorno mental e prevê que toda pessoa acometida de transtorno mental tem o direito de

exercer todos os direitos civis, políticos, econômicos e sociais e culturais reconhecidos nas

declarações internacionais de direitos humanos. Prevê que as decisões relativas à capacidade

civil e à necessidade de um representante sejam revistas em intervalos razoáveis, admitindo-se

o recurso a tribunal superior por ela, seu representante ou interessado.

De acordo com a declaração, a pessoa com transtorno mental tem direito a receber

os cuidados sociais adequados às suas necessidades, tratamento no ambiente menos

restritivo possível, plano de tratamento prescrito individualmente, discutido com ela

e revisto regularmente, no sentido de preservar e aumentar a autonomia pessoal [...].

Estabelece como regra o consentimento informado sobre o diagnóstico, o tratamento

e os modos alternativos de tratamento para a internação, mas admite a internação

sem consentimento informado em casos excepcionais (CRUZ, 2014, p. 510).

Em primeiro lugar, nenhum tratamento (involuntário) poderá ser imposto à paciente

de internação voluntária; em segundo lugar, um tratamento involuntário só poderá

ser imposto à paciente quando atenda ao maior interesse de suas necessidades de

saúde. Ainda, a internação só poderá se efetuar mediante determinação, por

profissional de saúde mental qualificado e autorizado por lei para este fim, que a

pessoa tem uma enfermidade mental, com uma séria possibilidade de dano imediato

ou iminente à própria pessoa ou a outros, ou em caso de risco de séria deterioração

de sua condição (BERTOLETE, 1995, p. 153).

Interessante observar que no Brasil, antes mesmo da aprovação da Legislação

específica que dispôs sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos

mentais, que ocorreu em 2001, o Conselho Federal de Medicina (CFM) já havia adotado em

1994 os Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a

Melhoria da Assistência à Saúde Mental (ONU, 1991), aprovados pela Assembleia Geral das

Nações Unidas de 1991, em sua Resolução CFM nº 1.407/1994 (CFM, 2000). Além disso, em

2000, aprovou a Resolução CFM nº 1.598/2000 (CFM, 2000), que normatizou o atendimento

médico a pacientes portadores de transtorno mental em consonância com os princípios da

ONU. Essa segunda resolução complementa a anterior indicando como deve agir o médico no

atendimento de saúde mental, de forma que sejam garantidos os direitos elencados na

resolução anterior (BRITO; VENTURA, 2012).

Relevante se faz registrar que nas avaliações quinquenais dos países em relação à

Saúde Mental, a OMS toma como primeiro elemento para analisar o avanço do acesso da

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 37

saúde mental nos países, a existência de uma lei nacional. Para Delgado (2011), em 2001 (ano

em que foi aprovada a Lei 10.261), o fato da Assembleia Mundial da OMS trazer como tema

central a saúde mental, teria ajudado para que a lei brasileira fosse aprovada.

Semanas depois da sua aprovação, o Brasil levou à OMS, como contribuição do país

para o ano internacional da saúde mental, a sanção governamental da lei, o que foi

extremamente relevante e reconhecido por todos os países como um fato positivo.

Desde então, a OMS vem acompanhando o processo brasileiro, com todas as suas

dificuldades e problemas. Esse é um dos processos nacionais que a entidade cita

como exemplo de enfrentamento da iniquidade em saúde mental. Enfrentamento,

não solução ou milagre e, sim, compromisso concreto do Estado Nacional com a questão da saúde mental. No mundo inteiro, são 10 os países mencionados como

exemplo, dos 190 países do sistema das Nações Unidas, entre os quais o Brasil

(DELGADO, 2011, p. 6).

3.2 O Sistema Americano de Direitos Humanos e a proteção à saúde

A concepção contemporânea dos direitos humanos firmou-se após a Segunda

Guerra Mundial, consolidando a internacionalização desses direitos como resposta às

atrocidades cometidas durante o conflito. Apresentando o Estado como grande violador dos

direitos humanos, a Era Hitler caracterizou-se pela lógica da destruição e descartabilidade da

pessoa humana. Nesse sentido, o sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos

constituiu o legado maior da chamada Era dos Direitos, levando à internacionalização dos

direitos humanos e à humanização do Direito Internacional (PIOVESAN, 2006). No contexto

de afirmação dos direitos humanos, foram formados sistemas regionais de proteção, como o

Sistema Europeu, consolidado a partir de 1950, o Sistema Americano, iniciado em 1969, e o

Sistema Africano, afirmado a partir de 1981 (BERNARDES; VENTURA, 2012).

Dentre os tratados internacionais, especificamente nas Américas, merece destaque

a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, também conhecida como Pacto de

San José da Costa Rica. Neste Tratado, reafirma-se o propósito de consolidar neste

Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e

de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais (OEA, 1969).

Com base no referido instrumento, os meios de proteção dos direitos humanos na

região são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de

Direitos Humanos. A primeira representa todos os Estados membros da OEA e é sua principal

função promover a observância e a defesa dos direitos humanos, devendo seus membros

formular recomendações aos governos dos Estados partes, quando considerarem conveniente,

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 38

para que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis

internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o

devido respeito a esses direitos (AITH, 2006; PIOVESAN, 2006).

É, ainda, de competência da Comissão, preparar estudos e relatórios que

considerem convenientes para o desempenho de suas funções, podendo, para tanto, solicitar

aos governos dos Estados membros que lhe forneçam informações sobre as medidas que

adotarem em matéria de direitos humanos. Há também a possibilidade de acesso dos

indivíduos cujos direitos foram lesados pelos Estados partes da Convenção por meio do

sistema de petições previsto no artigo 41, “f”, e nos artigos 44 e 51 da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos. O artigo 41 dispõe que é “atribuição da Comissão atuar com respeito

às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, em conformidade com o

disposto nos artigos 44 a 51” (OEA, 1969).

Artigo 44. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental

legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode

apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação

desta Convenção por um Estado-parte (OEA, 1969, p. 12).

Observa-se que a legitimidade para a apresentação de petições junto à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) abrange

desde indivíduos até organizações não governamentais, para que uma petição seja admitida

pela Comissão. Como pré-requisito, devem ter sido interpostos e esgotados os recursos da

jurisdição interna. Nesse sentido, Leite (2014) ressalva que tem sido comum a relativização

desse requisito, como em casos de demora processual ou de não acesso à efetiva assistência

técnica. A Comissão Interamericana representa o primeiro organismo efetivo de proteção dos

direitos humanos no continente, realiza notável atividade incluindo a admissão e investigação

de reclamações de indivíduos e de organizações não governamentais, inspeções nos territórios

dos Estados membros e solicitações de informes (ROSA, 2004).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a finalidade de julgar casos de

violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a OEA e que reconheçam

sua competência. É um órgão judicial autônomo, que analisa os casos de suspeita de que os

Estados membros tenham violado um direito ou liberdade protegidos pela Convenção.

Embora datada de 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos

somente entra em vigor nos Estados membros da Organização dos Estados Americanos após a

ratificação pelo Estado, mediante depósito do instrumento de ratificação ou adesão na

Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. “A Corte Interamericana de

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 39

Direitos Humanos entrou em funcionamento em 1979, pois só pôde ser organizada após a

entrada em vigor da Convenção em 1978” (LEITE, 2014, p. 573). No caso específico do

Brasil, o país enviou sua carta de adesão a esse tratado internacional em 25 de setembro de

1992 e a promulgou por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Somente em

1998 o Brasil passou a reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos,

através do decreto-legislativo nº 89, de 3 de dezembro (BRASIL, 1998).

Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade, protegidos nesta

Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu

direito ou liberdade violados. Determinará, também, se isso for procedente, que

sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada

(OEA, 2009, p. 17).

A Convenção Americana não incluiu em seu texto cláusulas referente aos direitos

econômicos, sociais e culturais, tal como ocorreu com a Convenção Europeia de Direitos

Humanos. Contém 82 artigos, e no universo de direitos protegidos ressaltam-se: o direito à

personalidade jurídica; o direito à vida; o direito a não ser submetido à escravidão; o direito à

liberdade; o direito a um julgamento justo; o direito à compensação em caso de erro

judiciário; o direito à privacidade; o direito à liberdade de consciência e religião; o direito à

liberdade de pensamento e expressão; o direito à resposta; o direito à liberdade de associação;

o direito ao nome; o direito à nacionalidade; o direito à liberdade de movimento e residência;

o direito de participar do governo; o direito à igualdade perante a lei; e o direito à proteção

individual (OEA, 1969).

Os Estados membros se obrigam a proporcionar as informações sobre a maneira

como seu direito interno assegura a aplicação efetiva das disposições da Convenção

Americana de Direitos Humanos. Como a Convenção Americana não enunciou de forma

específica qualquer direito econômico, social ou cultural, limitando-se a determinar aos

Estados que buscassem progressivamente a plena realização desses direitos, posteriormente,

em 1988, a Assembleia Geral da OEA adotou um Protocolo Adicional à Convenção,

concernente aos direitos sociais, econômicos ou culturais (Protocolo de San Salvador) (OEA,

1988), que entrou em vigor em novembro de 1999, após o depósito do 11º instrumento de

ratificação (PIOVESAN, 2006).

A temática de Saúde encontra na Convenção Americana sobre Direitos Humanos

respaldo para análise das obrigações do Estado de respeitar os direitos (artigo 1º); o dever de

adotar disposições de direito interno (artigo 2º); o direito à vida (artigo 4º); o direito à

integridade pessoal (artigo 5º); as garantias judiciais (artigo 8º); o direito à indenização (artigo

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 40

10) (OEA, 1969). Essas disposições possibilitam analisar casos de omissão/negligência do

Estado diante do direito à saúde e direito à saúde mental.

Nesse sentido, a análise apresentada a seguir ilustra resultados de estudos

desenvolvidos pela autora (BERNARDES; VENTURA, 2012, 2013) sobre situações

identificadas nos relatórios da OEA, relatórios anuais da Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (OEA, 2010a), no período de 2003 a 2010, referente às situações de violações de

direitos humanos no Brasil, especificamente relacionadas à saúde.

Durante o período analisado foram identificados três casos que se referem à busca

de proteção internacional por possíveis violações de direitos relativos aos tratamentos

médicos, especificamente, de serviços de saúde. Na sequência, cada um dos três casos é

abordado visando à compreensão sobre quem são os cidadãos que estão recorrendo à instância

de proteção internacional de direitos humanos na região das Américas, especificamente do

Brasil, em virtude de violações relacionadas à saúde.

O quadro 1 apresenta o caso da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos e a morte

de 10 recém-nascidos (OEA, 2008). No quadro 2, o caso de Lawrence Dutra da Costa e suas

sequelas físicas e mentais pelo tratamento recebido (OEA, 2010b), e o quadro 3 aborda o caso

de Damião Ximenes Lopes, paciente psiquiátrico morto na clínica psiquiátrica em que se

tratava (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006; MAZZUOLI,

2007).

Quadro 1 - Clínica Pediátrica da Região dos Lagos - Petição 12.242

Síntese do Caso

Os direitos violados

segundo os

peticionários

Responsáveis pelo

encaminhamento da

Petição

Os serviços de saúde

A petição alega a responsabilidade Internacional da República Federativa do Brasil pela morte de 10 recém-nascidos ocorridas em 1996, como resultado de

suposta negligência médica por parte de funcionários da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos na cidade de

Os peticionários afirmam que o Estado brasileiro violou os artigos 4º (direito à vida), 8º (garantias judiciais), 19 (direitos da criança) e 25 (proteção judicial) da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e que descumpriu com sua obrigação geral prevista no artigo 1.11

A petição foi apresentada pela Organização de Direitos Humanos – Projeto Legal, substituída, posteriormente, pela Associação de Mães de Cabo Frio.

Entre junho de 1996 e março de 1997, 82 bebês teriam morrido na Clínica Pediátrica da Região dos Lagos. Dentre eles, as 10 supostas vítimas da petição, que morreram em decorrência de atos praticados por médicos na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal, de infecção hospitalar por negligência

médica. A clínica privada recebia fundos do Estado no âmbito do Sistema Público de Saúde do Brasil (SUS)2, para

1 Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos. 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos

e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza,

origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

continua...

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 41

continuação...

Síntese do Caso

Os direitos violados

segundo os

peticionários

Responsáveis pelo

encaminhamento da

Petição

Os serviços de saúde

Cabo Frio, no estado do

Rio de Janeiro. Alega-se que o Estado é responsável, também, pelo sofrimento e pelas violações das garantias e proteção judiciais em prejuízo dos pais e

mães desses recém- -nascidos. Embora seja uma clínica privada, para os peticionários o Estado não cumpriu com o seu dever de inspecioná-la

e avaliá-la de forma periódica, nem com o seu dever de supervisionar o funcionamento da clínica.

do mesmo instrumento.

Os peticionários afirmam terem sido esgotados os recursos internos (no Brasil), solicitando que se declare admissível a petição pela Comissão

Interamericana de Direitos Humanos.

funcionamento da UTI neonatal. Os

peticionários ressaltam que a maioria das crianças nascidas nesta clínica pertence a famílias com recursos econômicos reduzidos, sendo a sua atenção médica financiada por recursos do SUS. Dentre os argumentos, os peticionários

afirmam que os médicos e enfermeiras não seguiam medidas básicas de higiene como usar luvas, lavar as mãos quando tocavam as crianças, mudar as vestimentas ou desinfetá-las antes de examinar os bebês, substituição de aventais usados por visitantes e enfermeiros. Mencionam que em 1993 o

Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro realizou várias tentativas de fiscalizar a clínica e investigar as condições de insalubridade, mas foi impedido de entrar no hospital. As alegações quanto às mortes das crianças centram-se na inobservância de medidas básicas de atenção médica e na negligência dos funcionários da clínica.

As mães e os pais iniciaram uma investigação dos fatos no Cartório do Registro Civil e no Laboratório Osmane, onde tiveram provas da existência de surtos infecciosos na Clínica. Apesar das alegadas denúncias, os peticionários afirmam que a Clínica continuou

internando crianças na UTI neonatal, sem que para isso se houvesse adotado nenhuma medida para erradicar as condições de antissepsia denunciadas.

Síntese das conclusões da CIDH – Admissibilidade

Petição 12.242 – Clínica

Pediátrica da Região dos

Lagos

Nesta etapa processual, compete à CIDH fazer uma avaliação não com o

objetivo de estabelecer supostas violações à Convenção Americana, mas para examinar se a petição denuncia fatos que poderiam configurar violações de direitos garantidos na

Convenção Americana. Esse exame não implica prejulgamento nem antecipação de opinião sobre o mérito do assunto.

continua...

2 O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas leis no. 8.080/1990

(Lei Orgânica da Saúde) e no. 8142/1990, estabelecendo como obrigatória a atenção pública à saúde de qualquer cidadão. O setor privado participa do SUS de forma complementar, através de Contrato e Convênios de Prestação de Serviços ao Estado, nos casos em que as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir a atenção a toda a população

de uma região.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 42

continuação...

Síntese das conclusões da CIDH – Admissibilidade

Petição 12.242 – Clínica

Pediátrica da Região dos

Lagos

Posteriormente aos procedimentos de análise de admissibilidade diante da

petição 12.424, a CIDH concluiu ter competência para considerar a questão de mérito desse caso e que a petição é admissível em conformidade com os artigos 463 e 474 da Convenção Americana.

A CIDH decide declarar admissível a petição no que se refere a supostas

violações dos direitos protegidos nos artigos 4º5, 8.16, 197 e 258 da Convenção Americana

em relação às obrigações gerais consagradas no artigo 1.1 desse tratado e, também, em relação ao artigo 5.19 da Convenção em conjunto com o artigo 1.1 desse instrumento internacional, em 16 de outubro de 2008

Fonte: OEA (2008). conclusão

3 Artigo 46. 1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44º ou 45º seja admitida pela

Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e d) que, no caso do artigo 44º, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. 2. As disposições das alíneas a e b do inciso 1 deste artigo não se aplicarão quando: a) não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se

alegue tenham sido violados; b) não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; c) houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. 4 Artigo 47º. A Comissão declarará inadmissível toda petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44º e 45º quando: a) não preencher algum dos requisitos estabelecidos no artigo 46º; b) não expuser fatos que caracterizem violação dos direitos garantidos por esta Convenção; c) pela exposição do próprio peticionário ou do Estado, for manifestamente infundada a petição ou comunicação ou for evidente sua total improcedência; ou d) for substancialmente reprodução de petição ou comunicação anterior, já examinada pela Comissão ou por outro organismo internacional. 5 Artigo 4º - Direito à vida. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.2. Nos países em que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode estabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4.Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.5. Não se deve impor a pena de morte à pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. 6.Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação de pena, os quais podem ser concedidos em

todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente. 6 Artigo 8.1 Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza. 7 Artigo 19 – Direitos da criança. Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado. 8 Artigo 25 – Proteção Judicial. 1.Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2.Os Estados-partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que impuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente recurso. 9 Artigo 5º - Direito à integridade pessoal. 1.Toda pessoa tem direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e

moral.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 43

Quadro 2 - Lawrence Dutra da Costa - Petição 1401-06

Síntese do caso Os direitos violados

segundo os peticionários

Responsáveis pelo

encaminhamento da petição

Os serviços de saúde

O peticionário (Marcus

Vinicius Lima da Rocha) denuncia a demora judicial no trâmite de uma ação civil de indenização interposta contra o município de Manaus, estado do Amazonas, pelas sequelas físicas e

mentais sofridas por seu filho (Lawrence Dutra da Costa). Tais sequelas teriam sido causadas por supostas omissões e negligência em seu tratamento médico, por um

funcionário de um posto de saúde do Estado.

O peticionário não faz

referência expressa.

O peticionário interpôs uma ação, quatro anos após o ocorrido, demandando a responsabilidade civil do Estado por danos materiais e morais, em virtude do alto custo do tratamento médico

necessário. Apesar de ter conseguido uma liminar em agosto de 2003 que condenava o Estado ao pagamento de 3 salários mínimos a seu filho até os 60 anos e que se

tenha emitido sentença condenando o Estado ao pagamento de 400 salários mínimos por danos morais em junho de 2006, tal sentença não teria feito coisa julgada em virtude de recursos pendentes.

O Estado se manifesta afirmando que a petição não cumpre com o requisito de esgotamento prévio dos recursos de jurisdição interna, que o trâmite da ação não apresenta demora

injustificada e que apenas se encontra pendente um recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça.

Marcus Vinicius Lima da

Rocha, pai de Lawrence Dutra da Costa.

O peticionário informa que em

26 de agosto de 1995 levou seu filho de 5 anos de idade a um posto de saúde. A criança apresentava sintomas de intoxicação estomacal, vômitos e dificuldades para respirar. Segundo o peticionário, após examinar a criança, o

funcionário que lhe atendeu expressou que sua situação era grave e que o posto de saúde não tinha os equipamentos necessários para tratá-lo adequadamente, razão pela qual recomendou que o levasse a um hospital.

Uma hora após, o peticionário chegou a um hospital privado, onde seu filho foi internado na Unidade de Terapia Intensiva, devido a uma parada cardiorrespiratória.

O menino esteve em coma por aproximadamente 15 horas e sofreu um acidente cerebrovascular, que o deixou tetraplégico e com dificuldade de fala, necessitando de várias cirurgias e de assistência médica especializada.

Síntese das conclusões da CIDH – Decisão de Arquivo

Petição 1401-06 - Lawrence Dutra

da Costa

Em comunicação recebida em fevereiro de 2008, o peticionário informou à

Comissão que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o recurso especial em seu favor,

em 11 de dezembro de 2007. Em fevereiro de 2009 o peticionário expressou que “a situação foi resolvida no nível interno, havendo sido confirmado o pagamento de 3 salários mínimos mensais a meu filho até os 60 anos, assim como R$ 177.935,43 de indenização por danos morais”.

Em 10 de junho de 2009, o Estado requereu que a petição fosse arquivada

por já ter sido resolvida a situação no nível interno e não subsistindo os fatos que deram lugar à denúncia apresentada. Arquivamento ocorrido em 17 de março de 2010.

Fonte: OEA (2010b).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 44

Quadro 3 - Damião Ximenes Lopes - Petição 12.237

Síntese do caso Os direitos violados

segundo os peticionários

Responsáveis pelo

encaminhamento da

petição

Os serviços de saúde

O peticionário alega que o Estado é responsável pela morte de seu irmão, Damião Ximenes Lopes, na Casa de Repouso Guararapes, em Sobral, estado do

Ceará. O paciente estava internado para tratamento psiquiátrico. A mãe do paciente foi visitá-lo e o encontrou sangrando, com hematomas, roupas

rasgadas, sujo e cheirando a excrementos, com as mãos amarradas para trás, com dificuldade para respirar, agonizando e pedindo socorro aos gritos. A

mãe pediu ajuda aos funcionários para que banhassem seu filho e procurou um médico que o atendesse. Duas horas mais tarde o paciente faleceu; no atestado de óbito consta

como causa parada cardiorrespiratória, sem qualquer lesão externa.

Violação dos artigos 4º, 5º10, 1111 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre o direito à vida, o direito à integridade pessoal, o direito à privacidade e o

direito à proteção legal. O peticionário alega que

o Estado não está

cumprindo com a sua

obrigação de realizar a

investigação judicial, a

fim de determinar a

responsabilidade pela

morte de seu irmão.

Alegou responsabilidade

do Estado, que permitiu,

e permite o

funcionamento da

referida Casa de

Repouso, que, através de

sua equipe de médicos,

enfermeiros e monitores,

dispensa tratamento cruel

e desumano aos seus

pacientes.

Irene Ximenes Lopes Miranda, irmã de Damião Ximenes Lopes.

A Casa de Repouso Guararapes era

conhecida como um ambiente de

extrema violência. Duas mortes

teriam ocorrido em circunstâncias

violentas, antes mesmo da morte de

Damião Ximenes Lopes. Mortes

violentas que não teriam sido

investigadas.

Havia uma situação caracterizada

por violência física exercida contra

pacientes. Foram relatadas brigas

entre os pacientes, que teriam sido

estimulados por enfermeiros.

Constam relatos de que os

funcionários da Casa de Repouso

usavam doentes mentais para conter

fisicamente outro doente mental.

Foram várias denúncias de maus-

tratos e de condições desumanas ou

degradantes de confinamento.

Existe relatório de um Grupo de

Acompanhamento e Avaliação do

hospital, de novembro de 1999, que

evidencia a precária assistência

médica, tratamento abusivo e várias

deficiências, que deveriam ser

denunciadas aos Conselhos e ao

Ministério Público, para que

medidas fossem tomadas.

Relatório de especialistas em

psiquiatria e assinado pelo

coordenador de Saúde Mental do

Ceará, conclui que a casa não tem

condições de funcionamento,

sugerindo mudança de sua gestão ou

o descredenciamento pelo SUS.

Síntese das conclusões da CIDH – Encaminhamento à Corte Interamericana de

Direitos Humanos

continua...

10 Artigo 5º - Direito à integridade pessoal. 1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar

da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados. 11 Artigo 11. Proteção da honra e da dignidade. 1.Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3.Toda pessoa tem direito à proteção

da lei contra ingerências ou tais ofensas.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 45

continuação...

Síntese das conclusões da CIDH – Encaminhamento à Corte Interamericana de

Direitos Humanos

Petição 12.237- Damião Ximenes

Lopes

A Comissão conclui e pede ao Tribunal que estabeleça que o Estado é responsável

pela violação dos direitos consagrados nos artigos 4º, 5º, 8º12 e 25, e pelo fracasso

da obrigação geral contida no artigo 1º (1) da Convenção, devido à internação de

Damião Ximenes Lopes em tratamento cruel, desumano ou degradante, violações da

integridade pessoal, assassinato e violações da obrigação de investigar; o direito a

um recurso efetivo e um julgamento justo relacionado com a investigação dos fatos.

Síntese da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Petição 12.237- Damião Ximenes

Lopes

A Corte Interamericana declarou a responsabilidade internacional do Brasil pela

violação dos direitos à vida e à integridade pessoal da vítima e dos direitos à

integridade pessoal e às garantias judiciais e à proteção judicial de familiares da

vítima. O Estado deve investigar e sancionar os responsáveis pelos fatos e deve

continuar a desenvolver programa de formação e capacitação de profissionais e

pessoas envolvidas com o atendimento de saúde mental. Deve pagar no prazo de um

ano, em dinheiro, a indenização por dano material, dano imaterial e custas

processuais, fixadas na própria sentença.

Fonte: Corte Interamericana de Direitos Humanos (2006). conclusão.

Merece destaque observar as condições de (não) existência das vítimas: recém-

nascidos internados em UTI neonatal; uma criança de cinco anos em estado de saúde bastante

debilitado; um adulto portador de transtorno mental internado em clínica psiquiátrica.

Entende-se que o fato desses três casos terem chegado ao Sistema Americano de Direitos

Humanos em busca de proteção de direitos relacionados à saúde tem muito a dizer sobre as

responsabilidades da sociedade brasileira, de seu Sistema de Saúde e sobre o acesso à justiça

no país, temas que serão abordados na sequência. Leite (2014), ao tratar do Sistema

12 Artigo 8º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo

razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular,

com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 46

Americano de Direitos Humanos, enfatiza que esse Sistema não é apenas a Comissão

Interamericana e a Corte Interamericana, mas acima de tudo:

[...] somos todos nós: pessoas, vítimas, organizações não governamentais, Estados,

órgãos dos Estados, operadores do Sistema de Justiça, servidores públicos; os

tratados internacionais de direitos humanos, as constituições nacionais, os

ordenamentos jurídicos internos. Por isso, a luta pela promoção, proteção e defesa dos direitos humanos devem ser cotidianamente, nas relações interpessoais, de

vizinhança, profissionais, acadêmicas, institucionais, políticas, legislativas, judiciais

(LEITE, 2014, p. 570).

3.3 A proteção e a promoção da saúde no Brasil

Um marco do direito à saúde no Brasil foi a inserção da saúde como bem jurídico

fundamental na Constituição Federal de 1988, na condição de direito e dever fundamental de

titularidade universal e dever do Estado, da sociedade e da própria pessoa para com os outros

e consigo mesma. Direito a ser garantido, mediante políticas sociais e econômicas que visem

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação. Os textos constitucionais anteriores se limitaram a atribuir competência à União

para planejar sistemas nacionais de saúde, conferindo-lhe a exclusividade da legislação sobre

normas gerais de proteção e defesa da saúde e mantiveram a necessidade de obediência ao

princípio que garantia aos trabalhadores assistência médica e sanitária (DALLARI, 1995;

GERMANI; AITH, 2013; SARLET, 2008).

A Constituição Federal de 1988 incorporou uma concepção de seguridade social

como expressão dos direitos sociais inerentes à cidadania, integrando saúde,

previdência e assistência. Assimilando proposições formuladas pelo movimento da Reforma Sanitária Brasileira reconheceu o direito à saúde e o dever do Estado,

mediante a garantia de um conjunto de políticas econômicas e sociais, incluindo a

criação do Sistema Único de Saúde (SUS), universal, público, participativo,

descentralizado e integral [...]. Cumpre ressaltar que a conquista da democracia,

depois de 21 anos de ditadura militar, custou vidas, sofrimentos, energias e lutas do

povo. Em toda a história da República é a primeira vez que os brasileiros podem

comemorar um período tão longo de vigência de um texto constitucional (PAIM,

2013, p. 1928).

Ainda no período militar, vários atores sociais começaram a se organizar em

defesa de um sistema público de saúde com integralidade e universalidade. Dentre os

protagonistas dessa luta, Carvalho (2013) discorre sobre a participação dos movimentos

populares, associações de bairros e a igreja católica; menciona a importante participação das

universidades, principalmente das faculdades de medicina (que tinham necessidade de colocar

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 47

os estudantes em contato com a realidade local) e de médicos dedicados ao social,

especializados em saúde pública; descreve a participação dos partidos políticos de esquerda;

e, ainda, dos movimentos municipalistas de saúde. A discussão de uma proposta inovadora e

universal com a comunidade e técnicos resultou no que se denominou Projeto de Reforma

Sanitária. O movimento foi crescendo e culminou com uma grande assembleia, em 1986,

realizada em Brasília, com cerca de cinco mil pessoas, que teve a proposta da reforma

referendada pela população e por técnicos gestores, e entregue aos constituintes

(CARVALHO, 2013). Considerada de relevância na história de conquistas do direito à saúde,

a VIII Conferência Nacional da Saúde, de 1986, consagra os princípios do Movimento da

Reforma Sanitária (RAEFFRAY, 2005).

Grande parte das propostas discutidas nessa Conferência foi acolhida no texto

constitucional de 1988. Sarlet e Figueiredo (2014) destacam a visibilidade dessa influência: (i)

na conformação do conceito constitucional de saúde à concepção estabelecida pela OMS em

que a saúde é compreendida como o estado de completo bem estar físico, mental e social; (ii)

no alargamento do âmbito de proteção constitucional, ultrapassando a noção meramente

curativa de saúde, para abranger os aspectos da proteção e promoção; (iii) na

institucionalização de um sistema único, simultaneamente marcado pela descentralização e

regionalização das ações e dos serviços de saúde; (iv) na garantia da universalidade e

igualdade de acesso à assistência à saúde; (v) no estabelecimento da relevância pública das

ações e dos serviços de saúde; (vi) na submissão do setor privado às normas do sistema

público de saúde (SARLET; FIGUEIREDO, 2014).

Diversos artigos da Constituição de 1988 tratam ou interferem na compreensão do

direito à saúde, que passa a ser reconhecida como um direito de todos e um dever do Estado,

especificamente em seu artigo 196:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação

(BRASIL, 1988).

Ao declarar a saúde como direito social, a Constituição impôs ao Estado brasileiro

a realização de ações concretas e efetivas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Sendo assim, o Estado deveria intervir na dinâmica social para a proteção do direito à saúde,

como direito humano fundamental da sociedade brasileira e necessário para o seu

desenvolvimento (AITH, 2006; ROCHA, 1999; VENTURA, 2011).

Menicucci (2014) analisa o contexto nacional e internacional para o debate sobre

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 48

o papel do Estado quando da discussão da proposta de reforma e de ruptura com a lógica

anterior da política pública de saúde do Brasil. Cenário considerado como bastante

desfavorável, na contramão da história, com o mundo todo discutindo a diminuição do papel

do Estado, com francas reformas pró-mercado, um contexto de políticas de restrição a

políticas universalistas, com cortes das despesas públicas, particularmente das despesas com

políticas sociais. Mendes, A. (2013) compara o momento da promulgação da Constituição de

1988 no Brasil com o que ocorreu quando da universalização da saúde nos países

desenvolvidos europeus, e chama atenção para o fato de que ao contrário do que ocorria

naqueles países, o Brasil enfrentava obstáculos econômicos, estava “encolhido fiscal e

financeiramente em relação ao seu passado”. Nesse contexto, o país introduzia o conceito de

seguridade social e a definição de saúde pública como um direito de todos e dever do Estado.

Como consequência, a trajetória do financiamento da Seguridade Social e do SUS sempre

permaneceu sob forte tensão, tendo que conviver com um cenário de constrangimentos à

efetivação da saúde universal, em que parte da população tem se utilizado do judiciário na

tentativa de garantir o direito à saúde (MENDES, A., 2013).

Milhares de pessoas padecem de algum tipo de doença e, sem condições financeiras,

procuram o Estado (sentido amplo) para fazer valer seu direito à saúde. O direito à

saúde, proclamado em diversos textos normativos, tais como, no artigo 5º, caput13;

artigo 614, artigo 196 e seguintes todos da Constituição Federal; além do artigo 2º15,

da lei específica nº 8.080/1990, que trata do Sistema Único de Saúde, foi

expressamente reconhecido como direito público subjetivo pelo Supremo Tribunal Federal, de modo a conferir-lhe magnitude necessária para se cobrar a efetivação

desse direito pela via judicial (RASCOVSKI, 2014, p. 165-166).

Entretanto, nesse sentido, algumas reflexões se fazem necessárias. Em estudo

realizado por Ferraz (2009), o autor identifica que, no Brasil, a maior proporção de litigantes

não são os grupos provenientes de níveis socioeconômicos mais desfavorecidos da sociedade,

mas sim, predominantemente, os indivíduos pertencentes à classe média, alertando para o fato

de que os resultados dos litígios prevalentes no Brasil não estão atuando na direção de

diminuir a iniquidade social, mas agravando as desigualdades na saúde. Para o autor, é

provável que o aumento da quantidade de recursos utilizados para financiar os benefícios de

saúde concedidos aos demandantes (centenas de milhões de dólares em alguns estados,

13 Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a

propriedade, nos termos seguintes [...] (BRASIL, 1988). 14 Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da

Constituição (RASCOVSKI, 2014, p. 166). 15 Artigo 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições

indispensáveis ao seu pleno exercício [...] (BRASIL, 1990).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 49

principalmente, consumida para comprar novas drogas caras) é desviado, pelo menos em

parte, de programas de saúde que beneficiariam grupos mais desfavorecidos que não podem

facilmente ter acesso aos tribunais para defesa dos seus interesses.

Tome-se como exemplo o caso do estado de São Paulo. Em 2008, o estado gastou

aproximadamente R$ 400 milhões para cumprir ordens judiciais beneficiando cerca

de 35.000 demandantes, principalmente, para comprar medicamentos caros, muitos

dos quais têm que ser importados e não são sequer registrados para uso no Brasil.

Este é aproximadamente o mesmo valor dos recursos que o Ministério da Saúde

anunciou para um programa de vacinação para 3,2 milhões de crianças nascidas todo

ano no Brasil, e que não será totalmente implementado até 2010 devido a limitações de recursos da saúde. O fato de este modelo de litígio poder ser alterado ou de estar

profundamente enraizado na cultura jurídica do Brasil continua a ser uma questão

importante, mas complexa. Alguns afirmam, por exemplo, que um esforço pode ser

feito de modo que os indivíduos mais desfavorecidos tenham acesso aos tribunais.

Outros argumentam que o direito à saúde deve ser reivindicado apenas

coletivamente, via ações coletivas demandadas por advogados públicos em nome de

grandes grupos de pessoas desfavorecidas [...]. Sugiro que o principal problema está

em outro lugar, ou seja, na interpretação dominante atual do direito à saúde pelos

tribunais brasileiros como um direito individual. Isso só pode ser sustentado ao custo

de universalidade, para quem consegue chegar aos tribunais, uma vez que apenas

uma minoria de indivíduos (independentemente de serem ricos ou pobres) jamais

seria capaz de desfrutar deste direito expansivo (e caro), em determinado tempo dentro de um contexto de limitações de recursos necessários. Mas dado que o acesso

aos tribunais para os mais pobres é um desenvolvimento bastante improvável,

precisamos encontrar alguma outra rota mais rápida e menos dramática para retirar

as falhas básicas e efeitos perversos sobre a equidade em saúde do modelo atual

(FERRAZ, 2009, p. 40-41, tradução nossa)16

A discussão sobre a judicialização da saúde já seria suficiente para amplos estudos

que ultrapassam o escopo do presente ensaio. Entretanto, os questionamentos apontados por

16

Take as an example the case of the state of São Paulo, where data are more easily available and

comprehensive. In 2008, the state spent approximately R$400 million (approximately US$200 million) to

comply with court orders benefiting around 35,000 successful claimants, mostly to purchase expensive drugs,

many of which have to be imported and are not even registered for use in Brazil. This is roughly the same level

of resources that the federal Ministry of Health has recently announced will be invested in a program of vaccination [...] to cover all 3.2 million children born every year in Brazil. But this program will not be fully

implemented until 2010 due to resource limitations of the health budget. Further research on the opportunity

costs of right to- health litigation will be very important in assessing health equity. Whether this model of

litigation can be changed or is deeply ingrained in the Brazilian [...] legal culture remains an important and

complex issue. Some claim, for instance, that an effort can be made so that more disadvantaged individuals have

access to the courts. Others argue that the right to health should be claimed only collectively, via class actions

sponsored by public lawyers on behalf of large groups of disadvantaged individuals. While further discussion on

this issue is beyond the scope of this paper, I suggest that the main problem lies elsewhere, that is, in the current

dominant interpretation of the right to health by Brazilian courts as an individual entitlement to the satisfaction

of all one’s health needs with the most advanced treatment available. This can only be sustained at the cost of

universality, whoever manages to reach the courts, since only a minority of individuals (irrespective of whether they are rich or poor) would ever be able to enjoy this expansive (and expensive) right at any given time within a

context of necessary resource limitations. Given these limits, the problem would not be solved if access to the

judiciary were extended to the most poor, but would rather be magnified beyond manageable proportions. Such a

consequence might be a positive development under the present circumstances. It would force courts and

supporters of the current interpretation of the right to health to see that the right to health must be interpreted as a

right to equal access to health actions and services that can be provided within available resources. But given that

full access to courts for the most poor is a rather unlikely development, we need to find some other speedier and

less dramatic route to highlight the basic flaws and perverse effects on health equity of the current model

(FERRAZ, 2009, p. 40-41).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 50

Ferraz (2009) sobre a necessidade de se pensar alternativas, corroboram com a importância da

reflexão em pauta sobre as diferentes responsabilidades da sociedade na proteção e promoção

à saúde:

Se o principal destinatário dos deveres fundamentais é certamente o Estado, fato

reiterado pelas expressões usadas no texto constitucional, isso não afasta a eficácia

dos deveres de proteção e de promoção à saúde entre particulares, especialmente

quanto a obrigações derivadas. O artigo 2º da Lei nº 8.08017 de 19 de setembro de

1990, não deixa dúvidas: “o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família,

das empresas e da sociedade” [...]. A noção de dever fundamental conecta-se assim

ao princípio da solidariedade, no sentido de que a sociedade é responsável pela efetivação e proteção do direito à saúde de todos e de cada um, no sentido de uma

responsabilidade compartilhada (SARLET; FIGUEIREDO, 2014, p. 115).

3.3.1 O Sistema Único de Saúde (SUS)

O SUS foi estruturado a partir de princípios universalistas e igualitários,

fundamentado na concepção de saúde enquanto direito de todos e dever do Estado.

O nosso sistema público de saúde tem uma dimensão verdadeiramente universal

quando cobre indistintamente todos os brasileiros com serviços de vigilância

sanitária de alimentos e de medicamentos, de vigilância epidemiológica, de sangue,

de transplante de órgãos e outros. No campo restrito da assistência à saúde ele é

responsável exclusivo por 140 milhões de pessoas, já que 48 milhões de brasileiros

recorrem ao sistema de saúde suplementar, muitos deles acessando

concomitantemente o SUS em circunstâncias em que o sistema privado apresenta

limites de cobertura. O SUS constitui a maior política de inclusão social da história

de nosso país [...]. A instituição da cidadania sanitária pelo SUS incorporou, imediatamente, mais de cinquenta milhões de brasileiros como portadores de

direitos à saúde e fez desaparecer, definitivamente, a figura odiosa do indigente

sanitário (MENDES, E., 2013, p. 28).

O SUS foi estabelecido na Constituição de 1988 como uma reivindicação central

do Movimento da Reforma Sanitária. Nesse sentido, Sarlet e Figueiredo (2014) enfatizam que

eventuais ações tendentes a aboli-lo ou esvaziá-lo deverão ser avaliadas em sua

constitucionalidade. Ressaltam que a constitucionalidade do SUS como garantia institucional

fundamental significa que a efetivação do direito à saúde deve conformar-se aos princípios e

diretrizes pelos quais foi estabelecido nos artigos 198 a 200 da CF: unidade, descentralização,

regionalização e hierarquização, integralidade e participação da comunidade (SARLET;

FIGUEIREDO, 2014).

Estabelecido e regulamentado pela própria Constituição de 1988, o SUS teve seus

objetivos especificados na Lei 8.080/1990: (i) a identificação e divulgação dos fatores

17 Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da

saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 51

condicionantes e determinantes da saúde; (ii) a formulação de política de saúde destinada a

promover, nos campos econômico e social, a observância do dever do Estado de garantir a

saúde; (iii) a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e

recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades

preventivas (BRASIL, 1990a).

Dentre os princípios e diretrizes estabelecidos na constituição para a garantia do

direito à saúde, o princípio da unidade é entendido como sendo o SUS o único sistema de

saúde que, embora com descentralização de ações, se submete a uma única direção em cada

nível do governo. Isso implica que todos os serviços públicos de saúde, incluindo os de saúde

complementar, são pautados por políticas e comando únicos.

Em respeito às necessidades de adaptação da assistência à saúde ao perfil

epidemiológico local, o SUS deve operar segundo o princípio da descentralização,

constituindo-se enquanto uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e de serviços de

saúde.

A descentralização da assistência à saúde dá-se primordialmente pela

municipalização, com a prestação dos cuidados de saúde primordialmente pelos

Municípios, em detrimento do estado e, supletiva e subsidiariamente, pela União.

Isso não exclui a atuação direta do ente central em certas situações, quer para a garantia da necessária harmonização prática entre os princípios constitucionais da

eficiência, da subsidiariedade e da integralidade do atendimento, pois a assistência à

saúde deve ser executada por quem possua condições para efetivá-la da melhor

forma (isto é, com melhor qualidade e condições de acesso), quer em decorrência de

uma obrigação de permanente aperfeiçoamento do sistema, notadamente para

assegurar equilíbrio à distribuição de recursos (financeiros e sanitários) e equidade

no acesso à assistência (SARLET; FIGUEIREDO, 2014, p. 123).

Os serviços de saúde deverão ser organizados hierarquicamente. Isso significa

dizer que a assistência à saúde se desenvolve dos cuidados mais simples aos níveis mais altos

de complexidade: de serviços comuns a todos os municípios ou ações de atenção básica,

passando por assistência de média e de alta complexidade, centralizadas em municípios

maiores, para serviços especializados disponíveis em grandes centros do país.

Outro importante princípio é o da integralidade, segundo o qual o dever do Estado

não pode ser limitado, mitigado ou dividido, tendo em vista que a saúde como bem individual,

coletivo, e de desenvolvimento, pressupõe uma abordagem assistencial completa ou integral

(DALLARI; NUNES JUNIOR, 2010). Esse princípio determina que a cobertura oferecida

pelo SUS seja a mais ampla possível. Atribui-se prioridade às atividades preventivas, às ações

de vigilância sanitária, saneamento básico e à garantia de um ambiente sadio. É pautado,

também, nos princípios da razoabilidade e da eficiência. O princípio da integralidade reflete a

ideia de que os serviços devem ser tomados como um todo, harmônico e contínuo, de modo

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 52

que sejam articulados e integrados em todos os aspectos (individual e coletivo; preventivo,

curativo e promocional; local, regional e nacional) e níveis de complexidade do SUS

(SARLET; FIGUEIREDO, 2014). A Constituição dispõe que o SUS deve oferecer

“atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo das

assistenciais”. Nesse sentido, a diretriz de integralidade das ações e serviços de saúde

representa um importante instrumento de defesa do cidadão contra eventuais omissões do

Estado, pois este é obrigado a oferecer o atendimento integral, ou seja, os cuidados de saúde

cabíveis para cada tipo de doença, dentro do estágio de avanço do conhecimento científico

existente (AITH, 2006; VENTURA, 2011).

O SUS também se caracteriza pela participação da comunidade, tanto na

definição, quanto no controle social das políticas de saúde. A participação da comunidade é

diretriz constitucional básica que deve ordenar as ações e serviços públicos de saúde. A gestão

governamental das ações e serviços públicos de saúde deve ocorrer no âmbito da democracia

sanitária, uma forma de gestão da saúde pública em que o poder político é exercido pelo povo.

A Lei 8.142/1990 (BRASIL, 1990b) criou duas instituições jurídicas importantes que

institucionalizam a participação da comunidade no SUS: as Conferências, em que

representantes de vários segmentos sociais fazem proposições para as políticas públicas; e os

Conselhos de Saúde, órgãos permanentes e deliberativos, que atuam no planejamento e

controle. Trata-se de mecanismos previstos para a participação da comunidade na formulação,

gestão e execução das ações e serviços públicos de saúde, incluindo a normatização.

Importante ressaltar que em razão da participação da sociedade ter que ocorrer por exigência

legal, não há recursos se não houver Conselhos (DALLLARI, NUNES JUNIOR, 2010;

MENICUCCI, 2014; SARLET; FIGUEIREDO, 2014; VENTURA, 2011; VIEIRA, 1999).

Ao realizarem estudo comparativo sobre o sistema de participação do Brasil com

os sistemas da Inglaterra e da Itália, Serapioni e Romaní (2006) ressaltam a peculiaridade do

caráter deliberativo dos Conselhos de Saúde do Brasil, devido à participação social

diretamente no processo de decisão. Entretanto, os autores identificam que a experiência

brasileira não tem demonstrado que existam significativas vantagens pelo fato de os

conselheiros usuários participarem do fórum com caráter deliberativo. Segundo os autores, os

porta-vozes dos cidadãos nos Conselhos se encontram em posição de desvantagem em relação

aos outros segmentos, o que acaba por se tornar um fator de desmotivação e de afastamento

dos usuários dos serviços de saúde. Nesse sentido, recomendam aos órgãos de representação

dos cidadãos:

Instaurar relações mais intensas e significativas com a própria base de apoio; estar

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 53

presente tanto nas instituições sanitárias como na comunidade; escutar a voz dos

pacientes; levantar as necessidades dos usuários e as falhas do sistema dos serviços.

Dessa forma, os fóruns poderiam reforçar sua representatividade e conseguir exercer

uma maior influência. Deveria, em outras palavras, desenvolver um modelo de

participação que trouxesse sua legitimação, ação e força contratual da relação

intensa com os cidadãos (SERAPIONI; ROMANÍ, 2006, p. 2419).

Quanto ao primeiro grande princípio do SUS, está definido no artigo 196 da

Constituição: o Estado deve garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços

públicos de saúde. Esse princípio implica que as ações e serviços públicos de saúde oferecidos

devem estar acessíveis a todos os que deles necessitem e devem ser fornecidos de forma

igualitária e equitativa (AITH, 2006; ROCHA, 1999; VENTURA, 2011). Sarlet e Figueiredo

(2014), ao se referirem à titularidade universal do direito à saúde prevista na Constituição

como um direito a ser assegurado a todas as pessoas, ponderam que isso não impede

diferenciações na aplicação prática da norma, notadamente quando sopesada com o princípio

da igualdade, uma vez que tais princípios, embora correlacionados, não se confundem.

A titularidade universal não se confunde com a universalidade de acesso ao SUS,

que poderá eventualmente sofrer restrições diante das circunstâncias do caso

concreto, sobretudo se tiverem por desiderato a garantia de equidade do sistema

como um todo – dando-se prevalência ao princípio da igualdade (substancial), que

pode justificar discriminações positivas em prol da diminuição das desigualdades

regionais e sociais, ou da justiça social, por exemplo (SARLET; FIGUEIREDO,

2014, p. 119).

Para que se possa ter dimensão do alcance do SUS, Mendes, E. (2013) ressalta

dados do Sistema: quase seis mil hospitais e mais sessenta mil ambulatórios contratados, mais

de dois bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano, mais de onze milhões de internações

hospitalares por ano, aproximadamente dez milhões de procedimentos de quimioterapia e

radioterapia por ano, mais de duzentas mil cirurgias cardíacas por ano e mais de 150 mil

vacinas por ano. Carvalho (2013), ao se referir aos dados de 2012, com ênfase no total de

procedimentos das três esferas de governo, destaca que “o total de procedimentos chegou a

3,9 bi. Só de internações, 11 mi, sendo 3,3 mi de cirurgias, 2 mi de obstetrícia e 6 mi de

internações clínicas. Exames, 887 mi, incluindo os bioquímicos e os de imagem. Ações de

prevenção, 587 mi” (CARVALHO, 2013, p. 25).

Mendes, E. (2013) amplia a análise afirmando que além dos números

impressionantes do SUS, há o desenvolvimento de programas que são referências

internacionais como o Sistema Nacional de Imunizações, o Programa de Controle de

HIV/AIDS, o Sistema Nacional de Transplante de Órgãos e o Programa Brasileiro de Atenção

Primária à Saúde. Entretanto, ao mencionar a concepção constitucional de um sistema de

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 54

saúde com cobertura universal, discorre que o sonho da universalização vem se transformando

no pesadelo da segmentação, uma vez que o SUS vem se consolidando como um subsistema

público de saúde que convive com um subsistema privado de saúde suplementar e com outro

subsistema privado de desembolso direto. Para o autor, a generosidade do mandamento

jurídico da saúde como direito de todos e dever do Estado não foi sustentada por uma base

material que garantisse um financiamento compatível com a universalidade (MENDES, E.,

2013).

Inovações institucionais, descentralização, participação social, consciência do direito

à saúde, formação de trabalhadores e tecnologias convivem, contraditoriamente,

com o crescimento do setor privado, segmentação do mercado e comprometimento

da equidade nos serviços e nas condições de saúde. Entre os obstáculos destacam-se

a diminuição do financiamento federal, as restrições de investimento em

infraestrutura e a gestão do trabalho. Há uma dívida histórica com os trabalhadores

que construíram o SUS, submetidos à precarização do trabalho e a terceirizações, sendo adiada a efetivação de planos de carreiras, cargos e salários. Portanto, ainda

há muito que fazer para tornar o SUS universal e público, bem como para assegurar

padrões elevados de qualidade. Seus maiores desafios são políticos, pois supõem a

garantia do financiamento do subsistema público, a redefinição da articulação

público-privada e a redução das desigualdades de renda, poder e saúde (PAIM,

2013, p. 1933).

Especificamente em relação ao financiamento, importante ressaltar que as três

esferas do governo devem ser lembradas tanto para se falar de sucessos como de fracassos do

Sistema. A participação federal veio caindo e aumentando a participação de estados e

municípios. Em 1980, a participação federal era de 75%, a estadual de 18%, e a municipal de

7%. Em 1991, 73% da União, 15 % dos estados e 12% dos municípios. Em 2001, 56% da

União, 21% dos estados, e os municípios 23%. Já em 2011, a União contribuiu com 47%, os

Estados, com 26%, e os municípios, 28% (CARVALHO, 2013). “Os gastos federais em

saúde vêm numa tendência decrescente, e os estados e municípios vêm aumentando seus

gastos e chegaram ao limite definido pela Emenda Constitucional 29” (MENDES, E., 2013, p.

32).

As evidências internacionais mostram que todos os países que estruturaram sistemas

universais de saúde, beveridgeanos ou bismarckianos, apresentam uma estrutura de financiamento em que os gastos públicos em saúde são, no mínimo, 70% dos gastos

totais em saúde. Por exemplo: Alemanha, 76,8%; Canadá, 71,1%; Itália, 77,6%;

Holanda, 84,8%; Noruega, 85,5%; Reino Unido, 83,2%. No Brasil, o gasto público

como percentual do gasto total em saúde é de, apenas, 47%, inferior aos 53% que

constituem o porcentual de gastos privados em saúde [...]. Com a estrutura vigente

de gastos públicos em saúde não se pode pretender consolidar o SUS como direito

de todos e dever do Estado. Essa é a razão fundante da segmentação do sistema de

saúde brasileiro que poderá fazer de nosso sistema público de saúde, em longo

prazo, um sistema de assistência à saúde para as classes mais baixas e um resseguro

para procedimentos de alto custo para as classes médias e para os ricos. Os gastos

públicos em nosso país são muito baixos quando comparados com outros países em dólares americanos com paridade de poder de compra. O gasto total em saúde é de

US$1.009,00, mas o gasto público per capita em saúde é de apenas US$ 474,00.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 55

Esse valor é muito inferior aos valores praticados em países desenvolvidos, mas é

inferior a países da América Latina como Argentina, US$ 851,00; Chile, US$

562,00; Costa Rica, US$ 825,00; Panamá US$ 853,00; e Uruguai, US$ 740,00. A

razão para esse baixo gasto público em saúde no Brasil está no fato de que os gastos

em saúde correspondem a 10,7% do gasto do orçamento total dos governos, um

valor muito abaixo do praticado em âmbito internacional, em países desenvolvidos e

em desenvolvimento (MENDES, E., 2013, p. 31).

3.3.2 A assistência à saúde prestada pela iniciativa privada

Ao realizar análise retrospectiva do Sistema Único de Saúde, Menicucci (2014)

enfatiza que a política de saúde, no Brasil, foi constituída de forma segmentada desde seu

nascedouro, que seus problemas estruturais se pautam na convivência de um sistema público e

outro privado, além das dificuldades de se implantar um sistema único e universal em um país

com as dimensões do Brasil.

O artigo 199 da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) prescreve que a assistência

à saúde é livre à iniciativa privada, revelando-se a necessária convivência do serviço público

com prestadores privados na área18

. Dallari e Nunes Junior (2010) abordam a temática

discorrendo sobre a importância do discernimento dos diferentes regimes jurídicos na atuação

privada na saúde: a existência de uma disciplina jurídica para a atuação da iniciativa privada

junto ao SUS e outra para a atuação fora dele. O artigo 199 estabelece que a iniciativa privada

deve atuar junto ao SUS de forma complementar, para completar eventuais necessidades de

atendimento. Nesse sentido, a Constituição estaria admitindo a concorrência da esfera privada

de forma residual. São atuações que ocorrem mediante contratos públicos ou convênios.

O referido dispositivo constitucional aponta que, nessa relação com instituições

privadas, deve-se dar preferência às entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos.

Logo, o gestor do SUS não tem avaliação discricionária: diante de duas entidades

privadas aptas à complementação do sistema, só havendo necessidade de uma, deve-

se escolher a que tenha caráter filantrópico ou sem fins lucrativos. Essa preferência

vem reforçada pela dicção do parágrafo 2º, do artigo 199, que proíbe a destinação de

recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições com fins lucrativos

(DALLARI; NUNES JUNIOR, 2010, p. 96).

Em relação à presença da iniciativa privada fora do SUS19

, Dallari e Nunes Junior

18 Uma abordagem sobre as questões relativas ao exercício da prestação de serviços de atendimento à saúde pela

iniciativa privada, passando pelo controle estatal, possibilidades de contratação e prevenção de abusividades é

encontrada em:

PEREIRA, R.S. Planos de saúde: aspectos jurídicos fundamentais. In: RÉ, A. I. M. R.; REIS, G. A. S. (Orgs.).

Temas aprofundados Defensoria Pública. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. v. 2, p. 231-260. 19 Análise sobre os planos de saúde e defesa do consumidor pode ser consultada em:

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 56

(2010) descrevem que está previsto um regime jurídico diverso, em que não há restrições,

existindo, portanto, a possibilidade dos entes privados prestarem assistência à saúde nos

distintos níveis de complexidade. Destacam que, por indicação do artigo 197, qualquer

atividade de saúde deve estar submetida ao controle do Poder Público e, ainda, que o

parágrafo 3º, do artigo 199, proíbe a participação direta ou indireta de empresas ou capitais

estrangeiros na assistência à saúde, salvo nos casos previstos em lei. A regulação da atuação

dos planos privados de assistência está prevista na Lei 9.656/1998 (BRASIL, 1998),

colocando-os sob supervisão e controle da Agência Nacional de Saúde Suplementar

(DALLARI; NUNES JUNIOR, 2010).

Para Menicucci (2014), a política pública voltada à saúde no Brasil incentivou o

desenvolvimento do mercado privado tanto pela compra de serviços quanto pelos subsídios do

governo para a construção de unidades hospitalares.

Fundamental para entender a trajetória da dualidade do sistema brasileiro foi a

estratégia de fazer convênios com empresas que, por meio de subsídios

governamentais, se encarregassem da prestação de assistência à saúde a seus

empregados. Esse é o berço dos planos de saúde, porque desenvolveu nas empresas

a prática de prestar serviços aos empregados, o que gerou no mercado outra

modalidade institucional: as empresas médicas que geriam a assistência médica para

as empresas empregadoras [...]. Se num primeiro momento essa dinâmica é atrelada

à política pública, por meio de convênios, posteriormente as empresas passam a ser

independentes do governo [...]. Se era complementar à assistência pública, passa a

ser suplementar, passa a ter independência e a fazer parte das negociações coletivas dos trabalhadores [...]. A consequência disso para o SUS é muito grande, uma vez

que perde significativo apoio de um ator político que é a massa de trabalhadores

organizados (MENICUCCI, 2014, p. 80).

A autora vai além da análise dos convênios e trata dos incentivos fiscais ofertados,

ainda na década de 1980, inicialmente para as empresas empregadoras para deduzir de seus

lucros o gasto com a assistência à saúde dos empregados e, portanto, obter redução no

imposto de renda. Entretanto, posteriormente, com a expansão do mercado de venda de planos

de saúde individuais, os incentivos fiscais se estenderam para pessoas físicas com a

possibilidade de serem descontados no imposto de renda os gastos com a saúde.

A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) passa a evidenciar visões antagônicas,

um sistema híbrido e segmentado: uma visão estatizante em que o direito à saúde deve ser

provido pelo Estado, e outra privatizante, preservando a liberdade de mercado.

Por um lado consagra a saúde como direito, garante a universalidade e acesso à assistência, amplia a responsabilidade estatal e define a estruturação de um sistema

inclusivo; por outro, preserva a liberdade de mercado e garante a continuidade das

formas privadas de assistência e independentes de qualquer intervenção

TRETTEL, D.B.; MIRANDA, L.F.B. Planos de Saúde e outras relações de consumo: o que a Defensoria Pública

tem a ver com isso? In: RÉ, A. I. M. R.; REIS, G. A. S. (Orgs.). Temas aprofundados Defensoria Pública. 2.

ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. v. 2, p. 261-291.

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 57

governamental. Essa intervenção via regulação do setor privado, só ocorrerá no final

da década de 1990: em 1999, pela lei que regulamenta os planos privados, e em

2000 pela criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Curiosamente, no momento em que se fazia um esforço hercúleo de se implementar

a política de saúde definida na Constituição, verifica-se a entrada na agenda

governamental e pública da regulamentação dos planos privados de saúde, o que

acontecerá no final da década de 1990 (MENICUCCI, 2014, p. 81).

A análise do processo de mudanças desencadeadas a partir da Constituição de

1988, no que se refere ao Sistema de Saúde e a agenda dos diferentes governos desse período,

é sintetizada por Paim (2013):

Todos os governos prestaram alguma contribuição ao SUS: Sarney implantou o

SUDS; Collor sancionou as Leis Orgânicas da Saúde; Itamar criou o Programa

Saúde da Família (PSF), extinguiu o INAMPS e avançou a descentralização; Fernando Henrique Cardoso ampliou o PSF, implantou a política dos medicamentos

genéricos e organizou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Lula montou o Serviço de

Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e implementou as políticas de saúde

mental e bucal; Dilma regulamentou a Lei no 8.080/1990 e aprovou a Lei

Complementar 14. Nenhum deles, porém, incorporou a Reforma Sanitária Brasileira

como projeto de governo, nem demonstrou um compromisso efetivo com o SUS nos

termos estabelecidos pela Constituição de 1988 (Paim, 2013, p. 1932).

3.4 A saúde mental no Brasil

Para que se possa compreender a atual situação da saúde mental no Brasil é

imperativo retornar à década de 1970 e observar o contexto que mobilizou a sociedade

brasileira naquele movimento que ficou conhecido como o da Reforma Psiquiátrica. Muitas

denúncias traziam à baila a precariedade dos manicômios, um modelo psiquiátrico comparado

por Franco Basaglia quando esteve em visita ao manicômio de Barbacena-MG, à época, com

campos de concentração de nazista. Não era para menos, na ocasião, relatos repletos de

violências e violações de direitos humanos, que feriam todos os princípios de dignidade

humana passaram a fazer parte de publicações, discussões e reuniões lideradas por

trabalhadores da saúde mental e retratavam um cenário de horrores nos hospitais psiquiátricos

do país. A comparação feita por Basaglia possibilita a reflexão de que, talvez, ele não se

remetesse apenas a uma afronta à dignidade humana, mas a um sistema de extermínio (não

tão somente de exclusão social). Importante participação durante esse período (final da década

de setenta) foi protagonizada pela crise vivenciada pelos profissionais da Divisão Nacional de

Saúde Mental (DINSAM), do Rio de Janeiro, órgão do Ministério da Saúde responsável pela

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 58

reformulação das políticas de saúde em 1978. Formou-se o Movimento dos Trabalhadores em

Saúde Mental (MTSM), que mais tarde se organizaria no Movimento da Luta

Antimanicomial. Devem ser também mencionados outros atores sociais nesse processo como

a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o setor privado, a indústria farmacêutica e as

Associações de Usuários e Familiares. O movimento não era, portanto, unitário, homogêneo

ou monolítico, mais corretamente seria, talvez, a denominação de movimentos

(AMARANTE, 2013; AMARANTE; TORRE, 2010).

A precarização das condições de trabalho, e as frequentes denúncias de agressão,

estupro, trabalho escravo e mortes não esclarecidas, nas grandes instituições

psiquiátricas (tais como o Centro Psiquiátrico Pedro II, Hospital Pinel, Colônia

Juliano Moreira e Manicômio Judiciário Heitor Carrilho), produziram um efeito

cascata e detonaram a união dos trabalhadores da saúde mental para as mudanças

necessárias no sistema (AMARANTE, TORRE, 2010, p. 117).

Desde seu início, a Reforma Psiquiátrica brasileira esteve articulada à Reforma

Sanitária e à criação do SUS. Com a inclusão do SUS na Constituição de 1988, instaurou-se o

marco legal que sustentou um corte no modelo de sistema de saúde no Brasil. Com os

princípios e diretrizes do SUS, o sistema de saúde sofre profundas formulações, no âmbito

jurídico-assistencial, político-administrativo e técnico assistencial (CAMPOS, 1992;

CORDEIRO, 1991).

A reforma psiquiátrica seguiu a mesma direção, se articulou aos princípios do

SUS, tornando-se uma política oficial e se caracterizou em duas fases. A primeira fase de

crítica institucional; e a segunda fase, após a Declaração de Caracas (OPAS, 1990), na qual se

percebe a constituição progressiva da rede substitutiva ao manicômio e o enfrentamento da

institucionalização das políticas de reforma psiquiátrica no Brasil, isto é, uma inclusão das

ações e propostas transformadoras e inovadoras da primeira fase na agenda governamental,

como política pública oficial. A partir de 1987, trabalhadores da Saúde Mental se agrupam

em torno da utopia Por uma Sociedade sem Manicômios; diferentemente do movimento

reformista, a nova proposição não se apresenta como solução e aponta uma reviravolta do

pensar a questão da loucura, esboçando uma crítica radical ao paradigma psiquiátrico

(AMARANTE; TORRE, 2010; BASAGLIA, 2001; NICÁCIO, 2003).

Para além de uma mudança administrativa, gerencial, técnica, burocrática, estatal ou

institucional, a reforma psiquiátrica brasileira em seus fundamentos históricos

aponta para a busca do fortalecimento da cidadania e da democracia, da participação

social, dos direitos humanos e da solidariedade, por meio de ações e reflexões, de

práticas e críticas, que extravazam o campo sanitário, e também o campo técnico-profissional, se expandindo pelos grupos, comunidades e organizações do tecido

social da cidade ou dos espaços urbanos e de convivência (AMARANTE; TORRE,

2010, p. 129-130).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 59

A principal crítica que se faz ao modelo clássico da psiquiatria é a

institucionalização do paciente, por sua exclusão social, que se propõe pelo asilamento. A

Reforma Psiquiátrica pressupõe não somente a humanização das relações entre os sujeitos nas

instituições, mas a mudança na organização dos trabalhos e na estrutura dos serviços

psiquiátricos; pelo desenvolvimento de outras culturas e outros lugares sociais, onde se tolere

com ética e solidariedade a diversidade da loucura (SILVA; BARROS; OLIVEIRA, 2002).

Analisando o contexto e o intenso debate que se estabeleceu ao longo dos anos

1990 acerca de modelos teóricos em confronto, e da concorrência entre as diferentes soluções

possíveis para a organização de serviços e premissas éticas dos cuidados com os pacientes

com sofrimento mental, Delgado (2011) parte da perspectiva dos Direitos Humanos, e

enfatiza que anteriormente não existia o paciente como sujeito de direito. Tudo que se fazia

era em nome dele, para o seu bem, o que parecia ser o melhor para ele, mas ele nunca estava

presente para dizer o que pensava a respeito. Entretanto, no decorrer da década de 1990:

Lá estavam os pacientes, que se autodenominavam usuários do serviço de saúde mental, como delegados formais à II Conferência Nacional de Saúde Mental, de

1992, depois de participarem de centenas de conferências municipais país afora. Não

saíram mais da cena da política, como protagonistas. Na III Conferência Nacional,

em 2001, de forma mais numerosa, mais organizados, mais implicados na grave

responsabilidade de que estavam investidos, como cidadãos que estavam criando em

diálogo com os profissionais do Estado, as bases para a construção e consolidação

política pública de saúde mental (DELGADO, 2011, p. 3).

Entretanto, essa trajetória que antecedeu a aprovação da Lei 10.216, em 2001

(BRASIL, 2001), que dispôs sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de

transtornos mentais, caracterizou-se como um processo de muitos embates e se iniciou em

1989 quando foi apresentado o projeto de Lei nº 3.657 (DELGADO, 1989). Tal projeto

impedia a construção de novos hospitais psiquiátricos pelo poder público; previa o

direcionamento dos recursos públicos para a criação de recursos não manicomiais de

atendimento e obrigava a comunicação das internações compulsórias à autoridade judiciária,

que deveria emitir parecer sobre a legalidade da internação. O projeto enfrentou muitas

dificuldades no Senado e a lei só foi sancionada em 2001. Durante esse período houve intensa

discussão sobre o tema em todo o país:

[...] o que suscitou a elaboração e aprovação, em oito estados, de leis estaduais que, no limite da competência dos estados, regulamentavam a assistência na perspectiva

da substituição asilar. Ressalta-se ainda que o Ministério da Saúde editou no período

11 portarias, das quais se destacam as Portarias nº 189/1991 e nº 224/1992, que

deram existência institucional aos Núcleos de Atenção Psicossocial e ao Centros de

Atenção Psicossocial, e as Portarias nº106 e nº 1.220, ambas de 2000, que

instituíram os serviços residenciais terapêuticos (BRITO; VENTURA, 2012, p. 52).

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 60

Essa trajetória de lutas não foi linear, enfrentou muitas oposições e dificuldades.

Nesse sentido, torna-se imprescindível mencionar o papel daqueles que durante esse período

ficaram conhecidos como adversários da reforma e que terão importância fundamental no

estudo da implantação das atuais políticas de saúde mental: os familiares.

Observemos que a trajetória dos familiares dos pacientes, especialmente dos mais

graves, internados por longos períodos nos hospitais psiquiátricos, seguiu um

percurso diferente. Também participaram de todo o processo, e se organizaram de

maneira vigorosa em entidade de âmbito nacional, mas em geral expressando um

temor muito grande em relação à superação do paradigma hospitalocêntrico e, por

isso, opondo-se à mudança de modelo [...]. Tive inúmeros momentos de diálogo,

sempre tenso, com os familiares organizados em torno de associações que

combatiam o projeto de lei em discussão, e sou testemunha da angústia e do

sentimento de desamparo [...] que essas famílias revelavam diante de uma mudança

que, para nós, era uma busca da humanização e melhora do atendimento, mas para elas significava a pura incerteza quanto ao futuro (DELGADO, 2011, p. 3-4).

3.4.1 Direitos à saúde mental no Brasil

Muitos são os pontos de comunicação entre saúde mental e Justiça. Desde que a

psiquiatria apropriou-se do fenômeno da loucura, transformando-a em doença, qualquer

decisão judicial a respeito desse sujeito acabou sendo mediada, senão governada, pelo saber

médico operante na forma de perícia (CAMPOS; FRASSETO, [2010]). A disciplina jurídica

dispensada às pessoas com transtornos mentais baseou-se nas ideias de que tais pessoas eram

doentes, perigosas, irresponsáveis, incapazes de seguir as normas sociais, eram vistas como

objeto de proteção do Estado e que, por natural incapacidade, sofriam de exclusão ou

limitação de seus direitos fundamentais. No plano cível, as pessoas passaram a ser

classificadas e estigmatizadas como incapazes, o que gerava perda ou redução da capacidade

para atos da vida civil, bem como autorizava a internação psiquiátrica forçada e por tempo

indeterminado. No âmbito penal, tornaram-se inimputáveis ou semi-imputáveis e sujeitas a

medidas de segurança, em manicômios judiciários, por longo período ou até indefinidamente,

conforme a permanência ou cessação de suas periculosidades (CRUZ, 2014). A justiça

consolidou em dois grandes polos sua intervenção em face do sujeito louco ou doente: (i)

declaração de incapacidade (âmbito privado, ações de interdição, nomeação de curador, perda

de capacidade de negociação); (ii) declaração de periculosidade (âmbito público, ações

penais, declaração de inimputabilidade, aplicação de medida de segurança) (CAMPOS;

FRASSETO, [2010]).

O Sistema de Justiça sempre tomou a loucura na dimensão da incapacidade e da

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 61

periculosidade, impondo ou legitimando estratégias segregatórias de recolhimento

institucional permanente. A afirmação da pessoa humana como titular de direitos

fundamentais, o reconhecimento de direitos especiais para as minorias em condição

especial de vulnerabilidade; a releitura crítica das práticas de apropriação e controle

da loucura por meio da psiquiatria e da institucionalização, enfim, toda uma série de

fatores, consolidados a partir do último quarto de século XX foram aos poucos

alçando o louco da condição de mero objeto de tutela para a condição de sujeito de

direitos. Daí que, nesse novo cenário, totalmente diferente de suas funções clássicas

de declaração de incapacidade e periculosidade do sujeito, assume o sistema de

Justiça a posição de garantidor de direitos e de controle rigoroso da limitação a

direitos fundamentais que é imposta ao sujeito com transtorno mental em nome da proteção da ordem pública ou, mais comumente, em nome de seu próprio bem e

tratamento. Assim, cabe à justiça garantir ao paciente o direito a um tratamento

eficiente, permitindo a ele a escolha de estratégias não limitadoras de sua liberdade.

Cabe a ela, também, devolver a liberdade aos que se mostrarem irregularmente

recolhidos (CAMPOS; FRASSETO, [2010], p. 3).

Em relação à Lei nº 10.216/2001 (BRASIL, 2001), específica de direitos à saúde

mental e mencionada anteriormente, merecem atenção alguns aspectos. A lei institui um novo

modelo de tratamento aos transtornos mentais no Brasil. Embora não se remeta a mecanismos

claros para a progressiva extinção dos manicômios, impõe novo impulso e novo ritmo para o

processo de Reforma Psiquiátrica. É resultante de um longo processo de tramitação e de

grande complexidade para harmonizar diversos discursos e interesses envolvidos Ao mesmo

tempo em que significa um avanço para a elaboração de políticas de saúde mental no país, é

motivo de diversas críticas:

A lei foi criada com toda a efervescência dos anos 90, com a legitimidade construída

pelo debate e pelos avanços obtidos na mudança do modelo de atenção. A partir de

sua aprovação, ela passa a ser polo orientador do próprio debate. Grupos que

consideram que o Brasil tem uma Política de Saúde Mental equivocada, como os

segmentos vinculados a hospitais psiquiátricos ou a algumas associações

profissionais, todos defendem a lei 10.216. O que dizem é que ela poderia estar

sendo mal aplicada, mas não há constatação explícita da lei. Claro, não sejamos

ingênuos, nesses 10 anos, várias vezes por ano, propostas de mudança da lei foram apresentadas ao Congresso brasileiro. O governo é sempre parte nessa questão,

convocado através do Ministério da Saúde, e sempre se manifestou contrário às

mudanças da Lei 10.216 (DELGADO, 2011, p. 6).

Resultante de intenso esforço de conciliação de vozes (e de interesses) de

diferentes atores sociais, seu texto retrata as características da transição paradigmática pela

qual passava (e ainda passa) a área da saúde mental. De um lado, o paradigma psiquiátrico

descrevendo as demandas de saúde mental como doentes que precisam de tratamento e, de

outro, o paradigma psicossocial e sua ênfase na inserção social e comunitária das pessoas em

sofrimento mental. O impasse estabelecido pelas diferentes vertentes pode ser identificado ao

se observar as formas de abordagem das pessoas a quem se dirige a proteção legislativa no

decorrer do texto, conforme exemplificado com fragmentos retirados da própria lei e

apresentados a seguir:

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 62

Fragmentos da Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2001 (BRASIL, 2001): de quem e

para quem está se falando

Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos

mentais...

Artigo 1º: os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental ...

Artigo 2º: Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus

familiares... Parágrafo único: são direitos da pessoa portadora de transtorno mental

Artigo 3º: [...] a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de

transtornos mentais, [...] unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores

de transtornos mentais.

Artigo 4º [...]

Parágrafo1º [...] a reinserção social do paciente em seu meio.

Parágrafo 2º [...] oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos

mentais...

Parágrafo 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais

[...] e que não assegurem aos pacientes ...

Artigo 5º: O paciente ... Artigo 6º [...]

Parágrafo Único [...]

I. [...] com o consentimento do usuário...

II. [...] sem o consentimento do usuário...

Artigo 7º: A pessoa que...

Parágrafo único: [...] solicitação escrita do paciente...

Artigo 9º: [...] quanto à salvaguarda do paciente...

Artigo 10: [...] ou o representante legal do paciente...

Artigo 11: [...] consentimento expresso do paciente...

De importância inquestionável para o avanço das políticas de saúde mental no

Brasil, seu artigo 1º incorpora a orientação geral da ONU (1991):

Artigo 1º. Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de

que trata essa Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à

raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade,

família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu

transtorno, ou qualquer outra (BRASIL, 2001).

Em seu artigo 2º prioriza o atendimento comunitário, o que é reforçado no artigo

4º, que estabelece a internação como modalidade de tratamento a ser utilizada, apenas, nos

casos em que é indispensável. Ainda em relação ao artigo 2º, no parágrafo único, estão

elencados os direitos da pessoa portadora de transtorno mental que deverão ser informados à

pessoa e a seus familiares ou responsáveis, a saber:

I- Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas

necessidades;

II- Ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar

sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e

na comunidade;

III- Ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV- Ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V- Ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a

necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI- Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII- Receber o maior número de informações a respeito de sua saúde e de seu

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 63

tratamento;

VIII- Ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX- Ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

(BRASIL, 2001)

Merece ressaltar, também, que a lei nº 10.216/2001 (BRASIL, 2001) aborda do

artigo 4º ao artigo 11 a temática do tratamento (internação e recursos extra-hospitalares),

apresentando a possibilidade de internação para as situações em que os recursos extra-

hospitalares se mostrarem insuficientes. São previstos os tipos de internação psiquiátrica:

internação voluntária – aquela que se dá com o consentimento do usuário; internação

involuntária – aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro;

internação compulsória, aquela determinada pela justiça.

O artigo 5º, dos pacientes de longa permanência em hospitais, que ainda são cerca

de nove mil em nosso país, deu origem à outra lei da Reforma, aprovada em 2003

(BRASIL, 2004), que institui o Programa de Volta para Casa (DELGADO, 2011, p.

5).

A discussão sobre internação leva inevitavelmente ao debate sobre

institucionalização e desinstitucionalização em saúde mental. O conceito de

Institucionalização está relacionado ao de Instituição Total, local de residência e trabalho

onde um grande número de indivíduos em situação semelhante, separados da sociedade por

considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada

(GOFFMAN, 2003). Nas instituições totais há uma divisão fundamental entre um grupo

controlado – internados – e a equipe dirigente responsável pelo controle das ações e rotina

daqueles internados (GOFFMAN, 2003). Esta relação, prolongada no tempo, tende a criar

uma situação de dependência do internado para com a instituição e, em consequência, a

impossibilidade ou dificuldade de aquisição dos hábitos esperados na sociedade mais ampla.

Ao contrário do que ocorre com grande parte da hospitalização médica, a estada do paciente

no hospital psiquiátrico é muito longa e o efeito muito estigmatizador para permitir que o

indivíduo volte facilmente ao local de onde veio. Como resposta à sua estigmatização e à

privação que ocorre quando entra no hospital, o internado frequentemente desenvolve certa

alienação com relação à sociedade civil, e que às vezes se exprime pelo fato de não desejar

sair do hospital. Essa alienação pode desenvolver-se independentemente do tipo de

perturbação que levou o paciente a ser internado, e constitui um efeito secundário da

hospitalização, que muitas vezes tem mais significação para o paciente e seu círculo pessoal

do que suas dificuldades originais (GOFFMAN, 2003; SANTORO FILHO, 2012).

A institucionalização representa uma forma de exclusão social mediante internações

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 64

em hospitais ou outras instituições e subsunção a tipos ou modelos psiquiátricos.

Com esse processo obtém um diagnóstico e um prognóstico – doença e

desenvolvimento terapêutico para a cura – e, a partir dele, a possibilidade de

exercício de controle sobre as ações do doente, diminuição do seu eu, de sua vontade

e autonomia e, em suma, de sua condição de pessoa. Este processo de

despersonalização implica, em maior ou menor grau, a criação de uma relação de

dependência entre internado/instituição e, em consequência, proporcionalmente

dificuldades para reintegração social (SANTORO FILHO, 2012, p. 50).

A desinstitucionalização aponta para uma nova abordagem do problema da

doença ou dos transtornos mentais. O doente não mais se resume à doença e nem constitui um

objeto do tratamento, deixa de figurar como um objeto da psiquiatria para passar a ostentar a

condição de sujeito. A desinstitucionalização é um dos objetivos da Reforma Psiquiátrica:

Artigo 5º. O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracteriza

situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de

ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e

reabilitação psicossocial assistida, sob a responsabilidade da autoridade sanitária

competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário (BRASIL, 2001).

Trata-se a desinstitucionalização, portanto, de um processo que integra a nova

política de saúde mental no Brasil, que tem por objetivo a reinserção social da pessoa

portadora de transtorno mental e que se desenvolve por instrumentos terapêuticos e de

assistência social. Nessa perspectiva, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) assumem

papel de fundamental importância, pois são unidades de atendimento público em saúde

mental, em regime ambulatorial, de atenção diária. São serviços substitutivos, e não

complementares aos hospitais psiquiátricos, que tem por função realizar o acompanhamento

clínico e proporcionar, mediante o acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos e

fortalecimento dos laços familiares e sociais, a reintegração social das pessoas portadoras de

transtornos mentais (SANTORO FILHO, 2012).

É preciso registrar a coexistência do CAPS com o sistema psiquiátrico público e

privado, atualmente em vigor no Brasil e que se caracteriza por ser:

Organizado em hospital psiquiátrico público; clínica psiquiátrica privada com atividade regida por contrato com o SUS; hospital universitário com serviço

psiquiátrico geral e com a formação do psiquiatra brasileiro realizada nessas

instituições (onde domina o paradigma biomédico); e em serviço público extra-

hospitalar (ambulatório, hospital-dia, CAPS, residência terapêutica) (PERRUSI,

2010, p. 79).

Perrusi (2010) realiza crítica contundente sobre a participação da iniciativa

privada no sistema de saúde e sua influência no cenário atual ao lembrar que é difícil colocar

em prática a lógica institucional do SUS, uma vez que a predominância do setor privado

inverte a lógica proposta: o privado – complementando o público – o que ocorre é o contrário;

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 65

58% dos leitos psiquiátricos eram privados em 2005 (BRASIL, 2005). Enfatiza que a saúde

mental brasileira é estruturada economicamente de tal forma que o setor privado, inclusive

como modo de sobreviver financeiramente, precisa sufocar o desenvolvimento do setor

público. A manutenção do hospitalocentrismo, além das controvérsias ideológicas, possui um

fundamento econômico e privado: dado o desenvolvimento das instituições psiquiátricas,

calcadas no setor privado, o hospital psiquiátrico é a melhor forma de sustentação econômica,

já que a rentabilidade privada é proveniente da exploração da internação, logo, do leito

ocupado (PERRUSI, 2010).

O investimento privado em estruturas extra-hospitalares não tem contrapartidas

financeiras, não é rentável. Juntando isso ao fato de que o serviço público em saúde

mental jamais escapou completamente à lógica hospitalocêntrica, até mesmo por

causa da falta de recurso para investir em estrutura extra-hospitalares, o

hospitalocentrismo ainda hegemoniza a assistência psiquiátrica brasileira

(PERRUSI, 2010, p. 79).

Na contramão dessa tendência estão os CAPS, regulamentados pela Portaria GM

nº. 336, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002) e pela Portaria GM nº. 3088, de 23 de

dezembro de 2011 (BRASIL, 2011), ambas do Ministério da Saúde. As unidades estão

divididas em CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i, CAPS ad e CAPS ad III: (i) CAPS I são

serviços de menor porte, implantados em municípios com população entre 20.000 e 70.000

habitantes, e que funcionam durante os dias úteis da semana; (ii) CAPS II são unidades de

porte médio, destinados aos municípios com mais de 70.000 habitantes, que também

funcionam nos dias úteis; (iii) CAPS III prestam serviços de maior porte, instalados em

municípios com mais de 200.000 habitantes, funcionam de modo ininterrupto e, possuem, no

máximo, cinco leitos, o que proporciona o acolhimento noturno e, inclusive, internação pelo

período máximo de sete dias; (iv) CAPS i são especializados no atendimento de crianças e

adolescentes e funcionam em municípios com mais de 150.000 habitantes, durante os dias

úteis; (v) CAPS ad (álcool e drogas) são previstos para municípios com mais de 70.000

habitantes, ou cidades que, por sua localização, necessitem de atendimento especializado no

tratamento de usuários de álcool e drogas; (vi) CAPS ad III atende adultos ou crianças e

adolescentes, com necessidade de cuidados contínuos, um serviço com no máximo 12 leitos,

funcionamento 24 horas (inclusive finais de semana e feriados), indicado para municípios

com população acima de 200.000 habitantes.

Estudo realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo -

CREMESP, em 2010, abrangendo 85 do total de 230 CAPS no Estado de São Paulo, na

época, utilizou-se das especificações constantes na Portaria 336, de 2002, do Ministério da

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 66

Saúde, que define as diferentes modalidades de CAPS e estabelece sua estrutura e modo de

funcionamento, e identificou aspectos importantes para a reflexão sobre aquele que tem sido

considerado como o eixo da articulação da rede de serviços de saúde mental (BRASIL, 2002).

De acordo com os resultados, menos da metade dos CAPS cumprem com o que diz a portaria

no seu conjunto. Itens fundamentais como a existência de um projeto terapêutico para a

instituição e para cada paciente não foram encontrados na maioria dos Centros. Nos CAPS

Infantil e de Álcool e Drogas muitos prontuários, além de incompletos, estavam ilegíveis

(CREMESP, 2010).

Alguns dados que foram apontados pelo CREMESP como indicadores da

precariedade desses serviços: (i) 25,3% dos CAPS não tinham retaguarda para emergências

médicas; (ii) 31,3% dos Centros não tinham retaguarda para emergências psiquiátricas e

42,0% não contavam com retaguarda para internação psiquiátrica; (iii) 27,4% não mantinham

articulação com recursos comunitários para a reintegração profissional; (iv) 29,8% não

mostraram integração com outros serviços da comunidade; (v) 45,2% dos CAPS avaliados

não realizavam capacitação das equipes de atenção básica e 64,3% não faziam supervisão

técnica para os membros dessas equipes; (vi) 16,7% não tinham responsável médico e mesmo

entre os que tinham 66,2% dos serviços não possuíam registro no Cremesp; (vii) 69,4% dos

entrevistados disseram que a maior dificuldade das equipes era a insuficiência do quadro de

pessoal; e (viii) 37,6% apontaram a relação com outros serviços da área como a maior

dificuldade (CREMESP, 2010) .

A Lei 10.216/2001 (BRASIL, 2001) prevê a abertura de serviços comunitários à

medida que vão sendo fechados leitos hospitalares psiquiátricos. Estabelece, também, a

criação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, o que ocorreu somente em 2009 no Estado

de São Paulo.

Esse atraso, aliado a uma lentidão na abertura de CAPS, fez com que os Centros de

Atenção Psicossocial, em número insuficiente e sem retaguarda dos hospitais e

demais serviços, tivessem de assumir funções muito além de suas possibilidades.

Para agravar, além do descompasso entre o fechamento dos velhos serviços e a

abertura dos novos, as instituições em nenhum momento tiveram suas equipes

completas nem capacitadas, e a construção da rede – tida como essencial no novo

modelo – ainda é uma proposta em andamento (CREMESP, 2010, p. 30).

Os resultados obtidos pelo Ministério da Saúde referente a 2014 (BRASIL, 2015)

indicam ampliação da cobertura CAPS no Estado de São Paulo, no período de 2008 a 2014,

conforme Tabela 1. De acordo com o cálculo do indicador20

CAPS/100.000 habitantes

20 Indicador de Cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): permite monitorar a ampliação do acesso

e a qualificação/diversificação do tratamento da população com sofrimento ou transtorno mental e com

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 67

utilizado pelo Ministério da Saúde para avaliar a cobertura do CAPS21

, considera-se que o

CAPS I oferece uma resposta efetiva a 50.000 habitantes, o CAPS III, a 150.000 habitantes, e

que os CAPS II, CAPS – Infância e CAPS – Álcool e Drogas dão cobertura a 100.000

habitantes. Os parâmetros adotados para interpretação dos dados são: (i) cobertura muito boa:

acima de 0,70 por 100 mil habitantes; (ii) cobertura regular/boa: entre 0,50 e 0,69; (iii)

cobertura regular/baixa: de 0,35 a 0,49; cobertura baixa: de 0,20 a 0,34; (iv) cobertura

insuficiente/crítica: abaixo de 0,20.

Especificamente em relação à cobertura CAPS no Estado de São Paulo, de acordo

com os dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2015):

Tabela 1 - Índice de Cobertura CAPS para o Estado de São Paulo no período de 2008 a

2014 de acordo com dados do Ministério da Saúde

Ano Índice de Cobertura CAPS Cobertura

2014 0,76 Muito boa

2013 0,75 Muito boa

2012 0,72 Muito boa

2011 0,64 Regular/boa

2010 0,65 Regular/boa

2009 0,61 Regular/boa

2008 0,56 Regular/boa

Fonte: Brasil (2015).

Embora se reconheça que a Cobertura CAPS seja, apenas, um dos indicadores

para que se possa pensar nas atuais condições de acesso ao Sistema de Saúde para a demanda

de saúde mental, entende-se que se trata de um indicador de relevância dentro da proposta de

mudança paradigmática que vem se estabelecendo no país desde a década de 1970. Os dados

do Estado de São Paulo, no período de 2008 a 2014, demonstram a ampliação desses serviços

articuladores estratégicos da rede de atenção de saúde mental, que objetivam promover a

reinserção social, a promoção da vida comunitária e a autonomia das pessoas com demanda

de saúde mental. Obviamente, além da expansão da cobertura, torna-se necessário o constante

monitoramento da qualidade dos serviços que estão sendo prestados.

necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas nos Centros de atenção Psicossocial (BRASIL,

2015). 21 Método de Cálculo:

(Nº CAPS I X 0,5) + (nº CAPS II) + (Nº CAPS III X 1,5) + (Nº de CAPS i) +(Nº CAPS ad) + (Nº de CAPSad

III X 1,5) em determinado local e período X 100.000 População residente no mesmo local e período

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Saúde na Agenda Internacional e no Brasil 68

A análise da estruturação do CAPS vem ao encontro do objetivo de se

compreender como está se estabelecendo, naquele que é o estado com os melhores recursos da

Federação, o acesso aos direitos para uma parcela da população que possui uma existência

com pouco (ou nenhum) recurso financeiro acrescido de transtorno mental ou sofrimento

mental, e que é extremamente dependente de políticas públicas e de programa sociais. Nesse

sentido, o estudo segue buscando analisar contribuições teóricas sobre o direito ao acesso à

justiça, considerado como “o direito primeiro, o direito garantidor dos demais direitos”

(SADEK, 2014, p. 20).

Considerando-se que foram abordadas diferentes normas, nacionais e

internacionais, para a proteção dos direitos das pessoas que tenham demanda de saúde mental,

entende-se que se torna necessário analisar as possibilidades de acesso à justiça que garantirão

que tais normas possam, no dia a dia da pessoa portadora de transtorno mental ou em

sofrimento mental, significar respeito à dignidade da pessoa humana.

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4. CAPÍTULO 2

DIFERENTES CONTRIBUIÇÕES PARA A

ANÁLISE DO ACESSO À JUSTIÇA

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 70

Desde a década de 1980 a palavra democracia assumiu um lugar de relevância no

repertório do povo brasileiro. Bandeira de todo o movimento Constituinte (1985-1988),

encontrou lugar de destaque na Constituição de 1988, batizada “carinhosamente” como

Constituição Cidadã. Não foram poucas as expectativas nela depositadas, o país vivenciava a

transição de um modelo de autoritarismo militar para um sistema civil de governo, esse

pautado na participação popular e na experiência de reconstrução das instituições. A

Constituição de 1988 passa a reconhecer além dos direitos individuais, os direitos sociais

(direito ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde, à previdência social) e, também, a

fortalecer os mecanismos de tutela de direitos. Entretanto, se por um lado, são diversas as

conquistas de garantias previstas constitucionalmente, por outro lado as desigualdades

socioeconômicas no Brasil destacam-se como uma das mais elevadas do mundo, produzindo

efeitos perversos nas oportunidades de inclusão econômica, social e bens culturais (SADEK,

2009).

Qualquer possibilidade de enfrentamento desta herança de injustiça social, que exclui parte significativa da população do acesso a condições mínimas de dignidade

e cidadania, torna centrais as políticas redistributivas e a efetividade das garantias

legais. Estas exigências são acentuadas em uma situação de desigualdades

cumulativas: os mais pobres além de possuírem uma renda ínfima, têm um nível

educacional extremamente baixo e possuem chances muito menores de participar

dos bens coletivos. Neste contexto, cresce a probabilidade de ser expressiva a

parcela da população que desconhece os direitos. Tal característica combinada à

percepção de uma justiça vista como cara, lenta e inacessível, potencializam o

impacto de iniciativas que alarguem o acesso à justiça e, em consequência, a

efetividade dos direitos que compõem a igualdade expressa no conceito de cidadania

(SADEK, 2009, p. 177).

Nesse cenário, assume especial importância o direito de acesso à justiça,

considerado como primordial para a efetivação de direitos, uma vez que qualquer

impedimento provoca limitações ou mesmo impossibilita a efetivação da cidadania. São as

instituições que compõem o sistema de justiça que irão representar o espaço garantidor da

legalidade e delas depende a efetivação do rol de direitos, quando não garantidos pelo Estado.

O acesso à justiça é visto como tendo significado mais amplo que o acesso ao judiciário, uma

vez que representa a possibilidade de lançar mão de canais encarregados de reconhecer

direitos, de procurar instituições voltadas para a solução pacífica de ameaças ou de

impedimentos de direitos. No Brasil, a trajetória do acesso à justiça não tem sido desprovida

de obstáculos, as dificuldades acentuam a distância entre o universo da legalidade e a

realidade favorecendo a existência de direitos consagrados na lei, mas desrespeitados no

cotidiano (SADEK, 2009). Tais obstáculos exigem atenção e precaução para que os ideais

democráticos não sejam ludibriados. Na perspectiva crítica de Santos “a frustração sistemática

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 71

das expectativas democráticas pode levar à desistência da democracia e, com isso, à

desistência da crença do papel do Direito na construção da democracia” (SANTOS, 2011, p.

16). De maneira ainda mais incisiva, o autor sentencia “sem direitos de cidadania efetivos, a

democracia é uma ditadura mal disfarçada” (SANTOS, 2011, p. 125).

A presente reflexão se propõe a dialogar com a perspectiva de Cappelletti e Garth

– da identificação do movimento das ondas de acesso, e das barreiras que deveriam ser

superadas para que os indivíduos tivessem seus direitos garantidos; e com a análise crítica de

Boaventura de Souza Santos sobre as promessas não cumpridas da modernidade e da

necessidade de uma revolução democrática da justiça que se assente em uma cultura

democrática.

O diálogo fundamenta-se em trabalhos de autores com diferentes perspectivas

sobre o acesso à justiça: as críticas ao otimismo inicial da proposta das ondas cappellettianas;

a análise a partir do que foi invalidado como experiência histórica (a importância da

aprendizagem do Sul22

e a partir do Sul); a proposta de uma quarta onda, incluindo o acesso à

justiça para os profissionais do Direito; a importância de estudos comparados sobre o acesso à

justiça enquanto indicador da qualidade da democracia; a relevância da análise da

territorialidade e dos litigantes recorrentes (AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014;

ECONOMIDES, 1999; LAURIS, 2009, LAURIS DOS SANTOS, 2013; PEDROSO, 2011).

Referência obrigatória para o estudo sobre o acesso à justiça está contida na obra

de Cappelletti e Garth de 1978, em que se encontra uma visão global e aprofundada dos

estudos realizados em vários países, durante décadas. Denominado “Projeto Florença” e

coordenado por Cappelletti. O projeto reuniu mais de uma centena de investigadores de

diferentes áreas dedicando-se ao estudo do tema em cerca de trinta países. Na busca do

entendimento do conceito, discorrem que:

A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para

determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico - o sistema pelo qual as

pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios

do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele

deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos

(CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 8).

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o

mais básico dos direitos humanos [...] que pretenda garantir e não apenas proclamar o direito de todos [...] o acesso à justiça não é apenas um direito fundamental,

crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da

moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento dos objetivos e

métodos da moderna ciência (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 12-13).

22 Referência que será retomada posteriormente ao ser(em) abordada a(s) Epistemologia(s) do Sul. “Uma

Epistemologia do Sul assenta em três orientações: aprender que existe o Sul; aprender a ir para o Sul; aprender a

partir do Sul e com o Sul” (SANTOS, 1995 apud SANTOS; MENESES, 2010, p. 15).

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 72

Os autores buscam uma perspectiva compreensiva rompendo com a crença

tradicional na confiabilidade das instituições jurídicas e inspirando-se no desejo de tornar

efetivos os direitos do cidadão comum, em um contexto que exige reformas diante da recusa a

aceitar como imutáveis quaisquer procedimentos e instituições que caracterizam a

engrenagem de justiça. Partem do pressuposto de que cada vez mais se pergunta como e a que

preço e em benefício de quem os sistemas jurídicos funcionam de fato. Questionamento de

profissionais do Direito, mas também, de críticos oriundos de diferentes ciências sociais, na

busca da compreensão e luta pelo acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).

Não são poucos os obstáculos identificados pelos autores a serem transpostos para

um efetivo acesso à justiça: os altos custos judiciais; a morosidade dos processos; a

dificuldade de identificação e reconhecimento da existência de um Direito juridicamente

exequível; a disposição psicológica das pessoas para recorrer a processos judiciais; a

dificuldade de entendimento de procedimentos complicados; formalismo; ambientes que

intimidam, como tribunais, juízes e advogados; a dificuldade de mobilizar as pessoas no

sentido de usarem o sistema de justiça para demandar direitos não tradicionais; e as

desvantagens de indivíduos que têm contato pouco frequente com o sistema judicial daqueles

“habituais” e com experiência mais extensa.

[...] um exame das barreiras de acesso, revelou um padrão: os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os

autores individuais, especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens

pertencem de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do

sistema judicial para obterem seus próprios interesses (CAPPELLETTI; GARTH,

1988, p. 28).

A partir da análise do acesso à justiça com ênfase nos países do mundo ocidental,

os referidos autores identificam que após 1965 emergiram três posicionamentos “mais ou

menos em sequência lógica” como soluções para o acesso; uma “primeira onda”, com ênfase

na assistência judiciária para os pobres; a “segunda onda” que dizia respeito às reformas

tendentes a proporcionar representação jurídica aos interesses difusos; e a “terceira onda”

denominada de “enfoque em acesso à justiça”, que inclui os posicionamentos anteriores, mas

vai além, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso mais

articulado e compreensivo.

Na descrição de Santos (2011):

Cappelletti e Garth utilizam como metáfora a existência de três vagas no movimento

de acesso à justiça. Com início em meados da década de 1960, a primeira é

caracterizada pela defesa e promoção de mecanismos de apoio judiciário aos

cidadãos carenciados. Assim, o apoio judiciário deixa de ser entendido como

filantropia e passa a ser incluído como medida de combate à pobreza nos programas

estatais. As mudanças introduzidas com a segunda vaga procuram, sobretudo,

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 73

encorajar a defesa dos interesses coletivos e difusos em juízo, uma vez que a

universalização do acesso dos particulares por meio de mecanismos de apoio

judiciário não é por si só uma garantia de defesa de interesses coletivos, em especial

por parte de grupos sociais mais vulneráveis. Na terceira vaga, o movimento de

acesso à justiça procura expandir a concepção clássica de resolução judicial de

litígios, desenvolvendo um conceito amplo de justiça em que os tribunais fazem

parte de um conjunto integrado de meios de resolução de conflitos, o que inclui o

que se convencionou chamar de Resolução Alternativa de Litígios (SANTOS, 2011,

p. 49).

Na perspectiva de Lauris (2009):

A descrição da primeira onda e seus esforços de incrementação do acesso à justiça

através da prestação de serviços jurídicos aos pobres evidenciou algumas limitações.

Por um lado, a necessidade de se garantir a qualidade de assistência por meio de um

grande número de profissionais com alta qualificação onerou consideravelmente o

orçamento do Estado. Por outro lado, os sistemas de assistência judiciária foram

idealizados para o tratamento da micro-litigação individual, excluindo, à partida, a

representação de interesses difusos e coletivos. Para responder a esta última limitação, a segunda onda de reformas propostas por Cappelletti e Garth destinou-se

a uma reformulação procedimental e institucional de modo a permitir a

representação dos direitos difusos e coletivos. Neste movimento, a revisão de noções

tradicionais do processo civil de modo a permitir a autoria individual ou dos

diferentes grupos na proposição de ações coletivas foi acompanhada pela ação

pública e privada, no sentido de fomentar a criação de estruturas especializadas no

tratamento das questões de interesse público. Nesta progressão de soluções jurídico-

institucionais de ampliação do acesso, a terceira onda teve como enfoque o acesso à

justiça como um todo, estendendo a sua atenção para além da advocacia pública ou

privada, judicial ou extrajudicial, de modo a alcançar o conjunto geral de instituições

e mecanismos para processar, prevenir disputas e distribuir direitos (LAURIS, 2009,

p. 127-128).

Para a autora (LAURIS, 2009; LAURIS DOS SANTOS, 2013), a abordagem de

Cappelletti e Garth (1988) na análise decorrente do “Projeto Florença” caracteriza uma

primeira fase no estado da arte do acesso à justiça, um momento inicial de otimismo geral nos

moldes do interesse público, defendendo um ideal de serviço público democratizante. Uma

abordagem intelectual que seria guiada pela crença no Estado-Providência como ponto de

chegada das sociedades ocidentais. Nessa perspectiva, discorre que uma segunda fase de

produção de estudos dar-se-ia no contexto do avanço do liberalismo econômico, crise do

Estado-Providência e, consequentemente, cortes orçamentais aos grandes esquemas de

proteção social. Nesse contexto de restrições ao investimento público, não seria possível

sustentar a hipótese de um movimento articulado de reforma jurídica no sentido da

universalização do acesso (MATTEI, 2007 apud LAURIS, 2009). Consequentemente, para

Lauris (2009), muitos países deixam de se preocupar com o estado insatisfatório dos sistemas

de acesso, e em alguns casos avançam para uma fase de privatização dos serviços jurídicos

numa fase “pós-universalista”. Para Lauris, dadas às divergências de interesses que estão em

jogo, a introdução de reformas no âmbito do acesso à justiça oscila de acordo com a

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 74

influência, o poder de negociação e a mobilização dos agentes em disputa, e cada vez mais, a

construção de uma política pública democrática nesta área dependerá de uma ação coordenada

entre as diferentes estruturas e serviços jurídicos e a ação individual e coletiva dos cidadãos

(LAURIS, 2009; LAURIS DOS SANTOS, 2013).

Economides (1999), ao se voltar para o estudo do acesso dos próprios advogados

à justiça, enfatiza que o acesso dos cidadãos à justiça é inútil sem o acesso dos operadores do

Direito à justiça. Partindo da metáfora do movimento em ondas, afirma que talvez a metáfora

das ondas seja simplista, mas que serve para a área identificar fases cruciais dos

desenvolvimentos, intelectual e político, produzidos por este movimento global de acesso à

justiça. Enfatizando os aspectos políticos relacionados à “sensação de estar-se rodeado de

injustiça, ao mesmo tempo em que não se sabe onde a justiça está” sugere, então, a

identificação de uma quarta onda do movimento do acesso à justiça: o acesso dos operadores

do Direito, inclusive, dos que trabalham no sistema judicial, à justiça. Para Economides,

dentro da profissão jurídica existe um paradoxo quase invisível: “como os advogados, que

diariamente administram a justiça, percebem e têm, eles mesmos, acesso à justiça?”

(ECONOMIDES, 1999).

A experiência quotidiana dos advogados e a proximidade da justiça cegam a

profissão jurídica em relação a concepções mais profundas de justiça (interna ou

social) e, consequentemente, fazem com que a profissão ignore a relação entre

justiça civil e justiça cívica. Nossa quarta onda expõe as dimensões ética e política

da administração da justiça e, assim, indica importantes e novos desafios tanto para

a responsabilidade profissional como para o ensino jurídico (ECONOMIDES, 1999,

p. 72).

Para o autor, a chave para entender a natureza do acesso aos serviços jurídicos é

perceber o problema em termos tridimensionais: a) a natureza da demanda de serviços

jurídicos; b) a natureza da oferta desses serviços jurídicos; c) a natureza do problema jurídico

que os clientes possam desejar trazer ao fórum da justiça. Baseia-se, ainda, no

reconhecimento de que, na prática, existiria uma inter-relação muito próxima entre essas três

variáveis.

No pensamento crítico de Santos se encontra contribuição significativa para

análise da temática de acesso à justiça. Em sua obra Para uma revolução democrática da

justiça (SANTOS, 2011), apresenta os pilares de sua teoria crítica do Direito, enfatizando,

dentre outros aspectos, a importância de que se amplie a compreensão do Direito como

princípio e instrumento universal de transformação social politicamente legitimada. Destaca

que é preciso considerar que ante os desafios e dilemas do acesso ao Direito, da garantia de

direitos, do controle da legalidade, da luta contra a corrupção e das tensões entre a justiça e a

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 75

política, os tribunais (entendidos como órgãos jurisdicionais em geral) foram mais vezes parte

do problema do que parte da solução. Assim, a compreensão do desempenho dos tribunais

exige um entendimento mais amplo sobre o que devem ser as funções do sistema judicial, de

modo a discutir não só o exercício de funções instrumentais, mas também as funções políticas

e simbólicas que têm a assumir.

Santos (2011) parte da análise das promessas da modernidade de Igualdade,

Liberdade e Fraternidade defendendo que tais promessas grandiosas nunca se cumpriram e

que a igualdade prometida nunca passou de uma fantasia jurídica23

. Propõe, então, uma

concepção de Direito plural em que a diferenciação e a exclusão estariam no centro do novo

senso comum jurídico, e questiona o caráter despolitizado do Direito e a sua necessidade de

repolitização.

A revolução democrática do Direito e da justiça só faz verdadeiramente sentido no

âmbito de uma revolução mais ampla que inclua a democratização do Estado e da

sociedade. Centrando-me no sistema jurídico e judicial estatal, começo a chamar a

atenção para o fato de o Direito, para ser exercido democraticamente, ter de assentar

numa cultura democrática, tanto mais preciosa quanto mais difíceis são as condições

em que ela se constrói. Tais condições são, efetivamente, muito difíceis,

especialmente em face da distância que separa os direitos das práticas sociais que impunemente os violam (SANTOS, 2011, p. 16).

Uma das críticas de Santos refere-se à falta de hábito do sistema judiciário de falar

com outras instituições, o que potencializa o seu isolamento, se fazendo necessária a

construção de uma cultura jurídica que leve os cidadãos a se sentirem mais próximos da

justiça.

A garantia formal do acesso à justiça e a previsão da igualdade de todos perante a lei

tem funcionado como indicadores expressivos do caráter democrático das

sociedades contemporâneas. Não é à toa que a igualdade e a garantia do acesso estão

consagradas como princípios orientadores e direitos fundamentais da ordem política

na Constituição de diferentes países. Todavia, a par desta consagração simbólica, um

número significativo de pessoas vive e interage à margem do sistema jurídico e

econômico oficial. Nas situações de conflitos e de demandas por direitos, por sua

vez, um vasto conjunto de necessidades jurídicas e de problemas da população colide com a Total ausência de cobertura por parte do sistema legal ou, pelo menos,

com uma cobertura ineficiente. Estas discrepâncias nas regras de distribuição dos

recursos e na abrangência da cobertura do sistema oficial, na prática, traduzem-se

em distintos patamares de inclusão social e de cidadania (LAURIS, 2009, p. 121-

122).

Na perspectiva de alargar a análise sobre o acesso, ressalta-se a contribuição de

Pedroso (2011) ao tratar o tema optando por utilizar o conceito “acesso ao Direito e à justiça”:

Por entender que mais facilmente abrangeria desde o conhecimento e consciência

do(s) direito(s), à facilitação do seu uso, à representação jurídica e judiciária por

profissionais, designadamente advogados, bem como a resolução judicial e não

judicial de conflitos, ou seja, à pluralidade de ordenamentos jurídicos e de meios de

23 Referindo-se a expressão utilizada por Warat (1992 apud SANTOS, 2011, p. 13).

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 76

resolução de litígios existentes na sociedade (PEDROSO, 2011, p. 5).

O autor aborda o acesso ao Direito e à justiça abarcando o acesso à informação

jurídica e consulta jurídica do Estado, da Ordem dos Advogados e da comunidade:

De modo a que os cidadãos possam conhecer e ter consciência dos direitos e, ainda,

para garantir que estes não se resignam, quando lesados, e que têm condições de

vencer os custos e as barreiras independentemente da sua natureza, para aceder às formas mais adequadas – judiciais e extrajudiciais – e legitimadas para a resolução

desse litígio (PEDROSO, 2011, p. 3).

Para Pedroso (2011), essa concepção de acesso ao Direito e à justiça inova face à

concepção tradicional de remeter o estudo para o acesso aos tribunais e para o regime jurídico

e o sistema público de apoio judiciário. Retomando a discussão sobre os indicadores do

caráter democrático das sociedades contemporâneas, Pedroso alerta para o fato de que apesar

da relevância do estudo do acesso à justiça para a análise do desenvolvimento e da qualidade

da democracia e do Estado de Direito, são quase ignorados estudos comparados sobre o

acesso ao Direito e à justiça como indicador de qualidade e aprofundamento da democracia:

A maior parte dos textos sobre indicadores e índices sobre essa matéria analisa

questões ligadas ao sistema político e governativo e sistemas de prestação de contas,

ao nível da corrupção, à efetividade do poder legislativo, à liberdade de voto,

direitos de natureza política e sistema eleitoral, à liberdade de expressão, de

associação e de participação política, às questões ligadas à separação dos poderes e

independência do judiciário, pluralismo organizacional e transparência das decisões,

sendo raramente tido em conta, para aferir a qualidade da democracia, o indicador de

natureza política, sociológica e jurídica do acesso ao Direito e à justiça (PEDROSO,

2011, p. 2).

A partir dessa perspectiva crítica, Pedroso (2011) traz importante contribuição ao

analisar as principais características dos regimes jurídicos e sistemas de acesso ao Direito e à

justiça, existentes em sete países da União Europeia - Portugal, Alemanha, Espanha, França,

Itália, Holanda e Reino Unido (Inglaterra e País de Gales). A seleção dos países, segundo o

autor, considerou: (i) que apesar de todos esses países integrarem a União Europeia e

constituírem democracias, apresentam níveis de desenvolvimento econômico diferenciados;

(ii) possuem tradições jurídicas e processos de desenvolvimento de Estado de Direito também

diferenciados; (iii) têm diferentes níveis de proteção social; (iv) e, ainda, que apresentem

algumas semelhanças na cultura jurídica e judiciária dominante, são também, muitas as

especificidades. Os dados encontrados por Pedroso demonstram que os sete países apresentam

níveis de desenvolvimento socioeconômicos e despesa com apoio judiciário muito distintos, e

que as diferenças ao nível do desenvolvimento socioeconômico não possuem relação direta

com o montante de despesa pública alocada pelo Estado ao apoio judiciário. Portugal

apresenta um investimento em apoio judiciário próximo do registrado na França, Alemanha e

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 77

Espanha, e mesmo superior ao registrado na Itália. O Reino Unido e a Holanda são Estados

que alocam o maior volume de despesas públicas ao acesso à justiça. Segundo o autor,

explicável por uma opção política decorrente de serem os países que, a seguir ao fim da

Segunda Grande Guerra Mundial, iniciaram a construção de seus sistemas como um

componente da construção da igualdade e da democracia, pelo que têm sistemas mais

desenvolvidos, o que não aconteceu, desse modo, nos outros Estados (PEDROSO, 2011).

Ao estudar as principais características dos sistemas de acesso ao Direito e à

justiça, Pedroso realizou uma análise comparativa dos sete regimes de modo a mapear e a

interpretar sócio-juridicamente suas semelhanças e diferenças. Síntese de sua análise pode ser

observada na descrição de cinco tipologias de sistemas de apoio judiciário nos referidos

países, a seguir:

Tipo A: Público e abrangente, em que os sistemas são tendencialmente públicos e

abrangentes, cuja entidade responsável pela gestão e avaliação dos pedidos está fora

do tribunal e foi criada especificamente para essa função, na qual se enquadra o

Reino Unido, onde os seguros de proteção jurídica não são obrigatórios, as

modalidades são abrangentes, existem mecanismos alternativos aos tribunais e é

concedido apoio judiciário para a utilização dos mesmos.

Tipo B: Público de média abrangência, com as mesmas características do Reino Unido, com uma alocação média, em termos comparados, da despesa pública ao

apoio judiciário, mas com critérios de rendimento muito restritivos para a

elegibilidade dos beneficiários.

Tipo C: Público, pouco abrangente e profissional, onde se enquadram Itália e

Espanha, muito embora sejam sistemas tendencialmente públicos, são menos

abrangentes (já que concedem menos modalidades e estabelecem limites ao

montante e ao tipo de apoio a conceder) e, onde a entidade que faz a apreciação dos

processos de apoio ao judiciário está fora do tribunal, mas junto de profissão jurídica

(Ordem dos Advogados).

Tipo D: Misto, privado e com regime público supletivo e pouco abrangente,

tende para a privatização, já que os seguros de proteção jurídica são obrigatórios, verificando-se, pois, a supletividade do regime público de apoio judiciário. São

sistemas menos abrangentes e em que é o tribunal que se assume como única

entidade, seja para a resolução dos conflitos, seja ao nível da proteção jurídica,

enquadram-se neste tipo a Alemanha e a França, mesmo que neste último caso

existam várias entidades alternativas ao tribunal e onde existem várias parcerias

entre entidades públicas e associações locais ou pertencentes à comunidade, o que

não altera a natureza dominante do sistema.

Tipo E: Misto de privado e regime público supletivo e muito abrangente. Se por

um lado, o regime se assenta na obrigatoriedade de contratar seguros de proteção

jurídica e, consequentemente, na supletividade do sistema público, este último será

concebido de forma a ser muito abrangente, estando montado todo um conjunto de

estruturas e de modalidades de apoio judiciário. A entidade gestora é fora do tribunal, foi criada especificamente para proceder à avaliação e

concessão/indeferimento do apoio judiciário, sendo pública de natureza

administrativa. Trata-se do modelo da Holanda (PEDROSO, 2011, p. 312-313).

O autor apresenta, de maneira sistematizada, a natureza do sistema judiciário e de

apoio judiciário por cada um dos sete países estudados (PEDROSO, 2011, p. 291):

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 78

Quadro 4 - Natureza do sistema judiciário e de apoio judiciário por país

Variáveis

Países

Alemanha Espanha França Holanda Itália Reino

Unido Portugal

Natu

reza e

org

an

ização

do s

iste

ma d

e a

po

io j

ud

iciá

rio

Natureza e

financiamento

Sistema

público supletivo

(seguros de

proteção jurídica)

Sistema

público

Sistema

público supletivo

(seguros de

proteção jurídica)

Sistema público

supletivo (seguros

de proteção

jurídica e de

formas alternativas

aos tribunais)

Sistema

público

Sistema

público

Sistema público

Entidade

Responsável pelo

financiamento do

sistema

Land (Senado

de cada região)

Ministério da

Justiça

Ministério da

Justiça

Ministério da

Justiça

Ministério da

Justiça

Ministério da

Justiça

Ministério

da

Justiça

Entidade

Responsável pela

gestão do sistema

Land (Senado

de cada região)

Ministério da

Justiça

Ministério da

Justiça

Entidade

administrativa com

competências

próprias

Ministério da

Justiça

Entidade

administrativa

com

competências

próprias

(LSC)

Ministério da

Justiça

Entidade com

competência para

concessão/ind

eferimento

Tribunal de 1ª

instância

Colegio de

Abogados do

tribunal

onde corre a ação

e Comissão de

Assistência

Jurídica

Gratuita

Gabinete de Apoio

Judiciário do

Tribunal

onde corre a ação

Centros de

Aconselhamento

Jurídico,

dependentes do

Conselho de

Apoio Judiciário

Conselho da

Ordem dos

Advogados da sede

do tribunal onde o

processo corre

termos

Legal

Services

Commission

(Community

Legal Service e

Criminal

Defence

Service) -

CLAS

Instituto da

Segurança Social

Nomeação e

contratação

de advogados

Livre escolha

Oficioso (Colegio

de Abogados)

Oficioso (Barreau

des Avocats)

Contratos com

sociedades de

advogados

Livre escolha

Contratos

com

sociedades de

advogados

Nomeação

oficiosa

Instituições Alternativas aos tribunais

que facilitem o acesso à justiça

Não

Não

Sim (Maisons de

Justice et du

Droit ; antenas

jurídicas ; CDAD ;

PAD)

Sim

(Sindicatos;

Associações)

Sim (Sindicatos;

Associações;

Juízes de Paz)

Sim (uso

obrigatório em

certas matérias

antes de

recorrer aos

tribunais)

Sim

(Sindicatos;

Associações;

Mediação

Pública;

Julgados de Paz)

continua...

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 79

continuação...

Variáveis

Países

Alemanha Espanha França Holanda Itália Reino

Unido Portugal

Mecanismos de Resolução alternativa

de litígios

Sim (voluntário

e raramente

utilizado)

Sim

Sim (Lei de

1998; pouco

difundido)

Sim

Sim (mas

pouco

disseminados)

Sim (com

vários tipos de

serviços

oferecidos,

incluindo serviços

telefônicos e on-

line)

Sim

Concessão de Apoio

judiciário em meios alternativos de

resolução de litígios

Não

Sim

Sim

Sim (mediação)

Não

Sim

Sim (a partir de

2007)

A articulação com a comunidade –

Parcerias

Não

Sim (ao nível

das Comunida- de

s Autónomas)

Sim

Sim

Não

Sim

Sim

Exigência de advogado nos

primeiros degraus de acesso ao sistema

Não

(Amtsgericht)

Não

Não (Tribunais de

Pequena Instância)

Não

Não (Juízes de

Paz)

Não

Não (Processos

de Jurisdição

Voluntária;

Julgados de

Paz, Sistemas

de Mediação

Pública)

Fonte: PEDROSO (2011). conclusão.

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 80

Entende-se que o estudo de Pedroso (2011) possibilita material significativo para

a reflexão do acesso em contexto europeu e contribui para considerações atuais sobre o tema.

Especificamente em relação ao Brasil, a Jurisdição Constitucional se caracteriza pela

diversidade de instrumentos processuais destinados à fiscalização da constitucionalidade dos

atos do Poder Público e à proteção dos direitos fundamentais. Contudo, apesar da previsão

legal destes instrumentos, Avritzer, Marona e Gomes (2014) realizam uma reflexão crítica

bastante oportuna ao inserirem na discussão sobre o acesso à justiça uma análise da

cartografia do sistema de justiça no país relacionando-a a desigualdade entre a população

medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Acrescentam, também, a discussão

sobre o aumento de litigância, mostrando que esse indicador não significa, necessariamente,

ampliação e democratização do acesso à justiça pela via dos direitos.

Avritzer, Marona e Gomes (2014) iniciam suas considerações ressaltando que as

discussões teóricas sobre os problemas envolvidos no acesso à justiça encontram na obra de

Boaventura de Sousa Santos um desdobramento sociológico e empírico para pensar o acesso à

justiça, não a partir das lacunas teóricas, mas com base em trabalhos empíricos sobre o

judiciário e os atores sociais que nele atuam.

O trabalho de Santos (1996) criou categorias de importância seminal para o

entendimento do acesso à justiça, entre os quais gostaríamos de destacar a categoria

de litigantes recorrentes, o cálculo do fluxo e do estoque do sistema de justiça e a

pirâmide da litigiosidade. Todos esses conceitos são fundamentais para se pensar o

acesso à justiça, não somente em Portugal, tal como o fez Boaventura de Sousa

Santos, mas também no Brasil (AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014, p. 21).

Os autores enfatizam que o tema do acesso à justiça no Brasil, começou a

despertar o interesse dos pesquisadores em 1980:

Com motivações diversas das eurocêntricas, que vinculavam a questão do acesso à

justiça à expansão dos serviços do welfare state ou à afirmação de novos direitos de

cunho coletivo e difuso, como os do consumidor, meio ambiente, ou de natureza

identitária. Ao contrário, o que prevalecia era o interesse pelos canais alternativos de

justiça, paralelos ao Estado, identificado, por sua vez, como uma representação

política autoritária: a ênfase era, sobretudo, no papel das comunidades na resolução

dos seus conflitos (SOUSA JUNIOR, 2008 apud AVRITZER; MARONA; GOMES,

2014, p. 22).

Nessa perspectiva, a ênfase encontra-se na ampliação da cidadania participativa,

na afirmação das liberdades, e na emergência e no papel dos movimentos sociais. Uma luta

por ampliação do acesso à justiça que transcorria no âmbito do processo de redemocratização.

Foram inúmeras as vitórias advindas dessas lutas. Destacam-se as disposições

constitucionais relativas à ampliação e/ou universalização do acesso a certos serviços públicos como saúde e assistência social no âmbito da Constituição de 1988

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 81

(arts. 6º, 194, 196 e 203). Devemos também destacar a ampliação dos sujeitos

capazes de arguir a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, presentes nos arts. 102 e 103 da CRFB/1988), que estendeu para alguns atores da sociedade civil a

competência da propositura de ações constitucionais, designadamente as Ações

Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). Devemos ressaltar, ainda, um conjunto de

mecanismos de participação nas principais áreas de políticas públicas, tais como

saúde, meio ambiente, políticas urbanas, assistência social e criança e adolescente,

que ampliaram a participação dos indivíduos e coletividades enquanto sujeitos de

direitos – Conselhos e Conferências de Políticas Públicas (AVRITZER; MARONA;

GOMES, 2014, p. 23).

Embora os autores reconheçam e enfatizem as conquistas resultantes das lutas

pela ampliação do acesso à justiça no Brasil, analisam, também, os confrontos práticos

decorrentes das experiências de desrespeito e/a de acesso insuficiente aos direitos consagrados

constitucionalmente e que podem repercutir no sistema formal de justiça.

Estes conflitos se referem não apenas à ampliação do conteúdo material do Direito – pela consideração jurídica acerca das diferentes chances individuais de realização

das liberdades socialmente garantidas -, mas também ao alcance social do status de

um sujeito (individual ou coletivo) de direitos – pela adjudicação dos mesmos

direitos a um círculo crescente de grupos, até então excluídos ou desfavorecidos

(AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014, p. 23).

Contribuição importante de Avritzer, Marona e Gomes (2014), na análise do

acesso à justiça no Brasil se referem ao estudo do território. Para os autores, o território não

constitui uma entidade neutra ou apolítica, determina em grande parte no Brasil de hoje a

desigualdade no acesso ao sistema de justiça, independentemente dos grandes avanços

realizados pela Constituição de 1988 na ampliação da definição dos indivíduos sujeitos de

direitos. Continua existindo no Brasil uma seletividade do sistema judicial em relação aos

atores, seletividade esta que passa pelo território. Em suas propostas, são analisadas por meio

de mapas as três instituições do sistema de justiça no país: o Poder Judiciário (estadual), a

Defensoria Pública (estadual) e a advocacia popular. Os dados da análise dos mapas das

comarcas são cruzados com o IDH, o que proporciona a identificação da ausência de

estruturas permanentes do Poder Judiciário e da Defensoria Pública em cidades com baixos

índices de desenvolvimento na maior parte dos estados do País. Para os autores, novos

problemas relacionados ao acesso podem não ser evidenciados unicamente com a análise de

dados quantitativos, mas podem ser identificados por meio de uma proposta metodológica-

teórica de uma cartografia do acesso. Dentre eles, a ausência de comarcas em lugares

importantes do Pará onde ocorrem conflitos de terra/território, ou a ausência da Defensoria

Pública em municípios de baixa renda nos estados de Minas Gerais ou de Goiás (AVRITZER;

MARONA; GOMES, 2014).

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 82

Em relação à análise do aumento da litigância no país, os autores ressaltam que

esse indicador não significa, necessariamente, ampliação e democratização do acesso à justiça

pela via dos direitos:

Buscou-se especificar qualitativamente os atores que acessam o sistema de justiça

para, com recurso ao conceito de atores recorrentes, demonstrar como atores estatais

e atores econômicos de grande porte impõem um padrão de litigação que transforma

o Judiciário em um espaço de pouca construção da cidadania (AVRITZER;

MARONA; GOMES, 2014, p. 195).

Em síntese, para os autores, o aumento do número de processos e do fluxo

processual não contempla plenamente a cidadania, seja nas lutas por direitos e inclusão social

no território, seja no enfrentamento com atores sistematicamente estruturados para lidar com o

sistema de justiça. Os autores ao finalizar suas análises deixam a provocação:

Resta agora aos atores do judiciário e aqueles preocupados com o acesso à justiça no Brasil proporem uma reforma que de fato torne a inclusão mais que um mero

horizonte na organização da justiça no Brasil (AVRITZER; MARONA; GOMES,

2014, p. 204).

Reconhecendo a relevância da provocação proposta, o presente estudo se detém,

mais especificamente, na análise do acesso à justiça, com foco na Defensoria Pública e

especificamente no estado de São Paulo. A justificativa parte justamente da importância do

estado no cenário nacional. Entende-se que, ao possuir recursos diferenciados, o estado

possui, também, responsabilidades proporcionais a esses no desenvolvimento de uma política

de maior inclusão social, reconhecendo-se que São Paulo caracteriza-se como:

O estado mais poderoso, sede de muitos conglomerados financeiros, do maior

parque industrial do país e detentor, dentre os estados da Federação, da máquina de

governo mais bem aparelhada burocraticamente. Estamos a falar aqui da mais rica

unidade federativa do Brasil, responsável por mais de 31% do PIB nacional e com

Índice de Desenvolvimento Humano elevado, ficando atrás somente de Santa

Catarina e do Distrito Federal. Possui a maior população do Brasil, com mais de 40

milhões de habitantes, distribuídos em 645 municípios, dentre os quais temos três

municípios (São Paulo, Guarulhos, Campinas) com mais de 1 milhão de habitantes e

outros 6 municípios (Osasco, Ribeirão Preto, Santo André, São Bernardo dos

Campos e Sorocaba) com mais de 500.000 habitantes. A relevância significativa do

interior do estado, seja em termos populacionais ou econômicos, leva-nos a pensar

numa homogeneidade maior do que em outros Estados. Não por acaso é o estado que possui maior fluxo e o maior estoque de ações no sistema de justiça

(AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014, p. 160).

Os resultados encontrados por Avritzer, Marona e Gomes (2014) em relação ao

estado de São Paulo evidenciam que 50% dos municípios possuem alguma estrutura do Poder

Judiciário. Em relação à distribuição das estruturas permanentes do judiciário no território e a

desigualdade socioeconômica, observa-se a coincidência entre alto índice de IDH e a presença

de estruturas permanentes, em que 67% dos municípios sede possuem IDH elevado para os

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 83

parâmetros estaduais (40% no primeiro intervalo – de 0,808 até 0,919; e 27% no segundo

intervalo – de 0,79 até 0,807), enquanto dentre o Total de municípios não sede de comarcas,

apenas 18% possuem alto IDH. Outro resultado significativo encontrado pelo autor em

relação ao estado de São Paulo resulta da análise da procura jurisdicional. O estado figura

como o que possui grande número de processos e o que mais chama atenção é a posição que

as execuções fiscais ocupam nesse montante.

O caso de São Paulo é ilustrativo de como o estado tem se tornado um litigante

frequente, causando a sobrecarga do sistema de justiça, o que, em última instância,

dificulta o acesso democrático de outros atores, sobretudo daqueles que realmente

necessitam desse sistema (AVRITZER; MARONA; GOMES, 2014, p. 162).

É justamente o direcionamento para os outros atores, que necessitam do Sistema

de Justiça, que caracteriza a atuação da Defensoria Pública, cujo principal objetivo é a

orientação jurídica e a defesa da população mais carenciada.

Tendo em conta a evolução dos mecanismos e concepções relativas ao acesso à

justiça, a proposta de construção de uma Defensoria Pública, nos moldes como está

prevista sua atuação no Brasil, acumula diferentes vantagens potenciais:

universalização do acesso através da assistência prestada por profissionais formados

e recrutados especialmente para esse fim; assistência jurídica especializada para a

defesa de interesses coletivos e difusos; diversificação do atendimento e da consulta

jurídica para além da resolução judicial dos litígios, através da conciliação e da

resolução extrajudicial de conflitos e, ainda, atuação na educação em direitos

(SANTOS, 2011, p. 50).

Embora prevista na Constituição Federal de 1988, a criação da Defensoria Pública

no estado de São Paulo ocorreu somente em 2006, e constitui o cenário para análise do acesso

à justiça do presente estudo. Contribuição recente que aborda o tema do acesso à justiça na

DPESP é encontrada no trabalho de LAURIS DOS SANTOS (2013) e sua análise

comparativa dos esquemas de assistência jurídica brasileira e portuguesa procurando

responder a questão “se ainda há esperança para os pobres depois do fracasso da promessa de

acesso à justiça”. Em sua perspectiva, o impacto e o potencial da transgressão das medidas de

acesso à justiça têm que ser investigados a partir do que foi invalidado como experiência

histórica, incluindo as experiências de acesso à justiça daqueles para as quais a ideia de acesso

como Assistência foi pensada, as populações pobres.

As condições políticas e culturais de produção deste estudo, numa primeira

dimensão, reivindicam a noção de coaprendizagem entre o Norte e o Sul global.

Neste ponto, ergue-se uma inversão, o Sul global, relegado a uma posição de atraso

face à linha evolutiva da história universal, emerge na condição pioneira de antever

o futuro do Norte global. (...) Nesta posição charneira, criam-se possibilidades de experimentação e de desenvolvimento de alternativas decorrentes da emergência

subalterna em face dos domínios de exclusão do capital e do Estado (...) No que toca

ao acesso à justiça, o estudo da assistência jurídica coloca-nos diante de outro Sul

em condições de vanguarda no intercâmbio das lições de antagonismo à tendência

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Diferentes Contribuições para a Análise do Acesso à Justiça 84

neoliberalizante de restrição dos direitos (especialmente dos direitos sociais e

econômicos), as/os necessitadas/os de acesso (LAURIS DOS SANTOS, 2013, p.

27).

As diferentes perspectivas sobre o acesso à justiça apresentadas oferecem

fundamentação para que se possa refletir sobre as possibilidades (e os impasses) da proposta

de acesso à justiça da DPESP - voltada para a população mais carenciada e que sobrecarrega,

também, a vivência de dramas de sofrimentos mentais. Pessoas com histórias de vida de

precariedade de recursos, de sofrimentos constantes, de violências e de violações de direitos,

de existências sofridas ou de “não existências24

”.

24 Referência às diferentes formas de não existências presentes na Sociologia das Ausências (SANTOS, 2010a) e

que será retomada posteriormente.

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5. CAPÍTULO 3

MÉTODO

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Método 86

5.1 Fundamentação teórico-metodológica

O estudo sobre o acesso à justiça para pessoas portadoras de transtorno mental ou

com sofrimento mental encontra na reflexão epistemológica de Santos uma possibilidade ao

mesmo tempo atraente e desafiadora, para subsidiar a elaboração de uma construção

metodológica. Estudar possibilidades de identificar portas de acesso à justiça, e analisar

possíveis barreiras a esse acesso, para uma parcela da população historicamente excluída e

estigmatizada, nos remete a pensar em pessoas que carregam “não existências” e experiências

de vida que ocorrem “do outro lado da linha”, na metáfora colonial proposta pelo autor. Nessa

perspectiva, as colônias representam um modelo de exclusão que permanece nos pensamentos

e nas práticas modernas ocidentais, como aconteceu no ciclo colonial (SANTOS, 2010a,

2010b, 2010c; SANTOS; MENESES, 2010).

Para Santos (2010c), o pensamento moderno ocidental continua operando

mediante linhas abissais, que dividem o mundo humano do sub-humano, num processo em

que a exclusão torna-se simultaneamente radical e inexistente tendo em vista que seres sub-

humanos não são considerados sequer candidatos à inclusão social (SANTOS, 2010b, 2010c).

Denominado pelo autor por Pensamento Abissal, esse pensamento moderno

ocidental consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, distinções que estruturam a

realidade social de tal maneira que o que está do outro lado da linha é produzido como

inexistente. No campo do conhecimento, o pensamento abissal consiste na concessão à

ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, monopólio

que está no cerne da disputa epistemológica entre as formas científicas e não científicas de

verdade.

Para Santos (2010a, 2010c) a negação de uma parte da humanidade constitui a

condição para a outra parte se afirmar enquanto universal, uma realidade tão verdadeira hoje

como era no período colonial. Entretanto, ressalta que o que costumava pertencer

inequivocadamente a este lado da linha é agora um território confuso atravessado por uma

linha sinuosa. Uma cartografia confusa que conduz a práticas confusas.

Direitos humanos são violados para serem defendidos, a democracia é destruída para

garantir sua salvaguarda, a vida é eliminada em nome de sua preservação. Linhas

abissais são traçadas tanto no sentido literal como metafórico. No sentido literal, estas são as linhas que definem as fronteiras como vedações e campos de morte,

dividindo as cidades em zonas civilizadas e zonas selvagens, e prisões entre locais

de detenção legal e locais de destruição brutal e sem lei da vida (SANTOS, 2010a, p.

44).

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Método 87

Ao analisar a ciência sob a perspectiva do pensamento abissal, o autor reconhece

que grande parte das teorias sociológicas e antropológicas foi criada em quatro ou cinco

países do Atlântico Norte no século XIX, e que a partir daí ousaram a se considerar

universais. Santos traz à discussão a ampla experiência do mundo que foi desconsiderada,

principalmente as das colônias, por não fazerem parte do imaginário europeu e eurocêntrico

como alternativas viáveis, credíveis às consciências dos países do Norte (SANTOS, 2007).

Sua análise não objetiva desprezar a ciência, mas colocá-la no seu contexto,

repensar o monopólio do rigor propondo apreciar na ciência o que deve ser apreciado, ao

mesmo tempo criando espaço para outros conhecimentos, para outras experiências de saberes.

Nesse sentido, para Santos torna-se imperativo que se construa uma Epistemologia do Sul,

melhor dizendo, Epistemologias do Sul.

A pretensão da ciência e da racionalidade científica em legislar sobre outras formas

de conhecimento e experiência corresponde a uma situação de colonialismo, feito de

marginalização, descrédito ou liquidação do que não possa ser reduzido aos

imperativos da ordem racionalizadora. A essa pretensão opõe-se uma concepção

solidária do conhecimento e de experiência, sem desqualificação mútua. É essa

forma de conhecimento que deve ser privilegiada no período de transição que estamos a viver. Longe de ser um apelo a um “vale tudo” epistemológico, esta

posição exige que os diferentes modos de conhecimento sejam avaliados em função

dos contextos e situações em que são mobilizados e dos objetivos daqueles que os

mobilizam, sem subordinação a imperativos globais de racionalidade que ignoram o

caráter situado da produção e apropriação de todas as formas de conhecimento e das

suas consequências para pessoas e lugares com uma singularidade que lhes é

conferida pela sua história (SANTOS, 1991, 1995, 2000 apud NUNES, 2006, p. 62).

Nessa perspectiva, a experiência social em todo o mundo é apontada como muito

mais ampla e variada do que a tradição científica ou filosófica ocidental conhece e considera

importante que essa riqueza está sendo desperdiçada. Deste desperdício que se nutrem as

ideias que proclamam que não há alternativa e, para combater esse desperdício da experiência

social, é necessário propor um modelo diferente de racionalidade (SANTOS, 2010a).

É na obra recente de Boaventura de Sousa Santos – que nos ofereceu algumas das

mais pertinentes e avançadas reflexões críticas sobre a longa crise da epistemologia

enquanto projeto normativo associado à ciência moderna -, que vamos encontrar a

formulação mais radical e, ao mesmo tempo, mais consistente de um “pensamento

alternativo de alternativas” neste domínio. Trata-se de um projeto que, vai mais além das críticas da epistemologia que abriram caminho ao atual ambiente intelectual

“pós-epistemológico”, refundando radicalmente a própria noção de epistemologia no

quadro do que o autor designa como “pensamento pós-abissal” [...] A proposta de

Santos assenta numa afirmação positiva da diversidade dos saberes existentes no

mundo (NUNES, 2010, p. 262-263).

Inicia-se assim uma reflexão sobre diferentes formas de saber e seus valores:

As alternativas à epistemologia dominante partem do princípio que o mundo é

epistemologicamente diverso e que essa diversidade, longe de ser algo negativo,

representa um enorme enriquecimento das capacidades humanas para conferir

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Método 88

inteligibilidade e intencionalidade às experiências sociais [...]. Tal pluralidade não

implica o relativismo epistemológico ou cultural, mas certamente obriga a análises e

avaliações mais complexas dos diferentes tipos de interpretação e de intervenção no

mundo produzidos pelos diferentes tipos de conhecimento (SANTOS; MENESES,

2010, p. 18).

O reconhecimento da pluralidade dos saberes passa a se configurar, confrontando

a lógica da monocultura do rigor científico:

Reconhecer a validade e dignidade de todos os saberes implica que nenhum saber

poderá ser desqualificado antes de ter sido posta à prova a sua pertinência e validade em condições situadas. Inversamente, a nenhuma forma de saber ou de

conhecimento deve ser outorgado o privilégio de ser considerada como mais

adequada ou válida do que outras sem a submeter a essas condições situadas e sem a

avaliar pelas suas consequências ou efeitos. Nenhum saber poderá, assim, ser

elevado à condição de padrão a partir do qual será aferida a validade de outros

saberes sem considerar as condições situadas da sua produção e mobilização e as

suas consequências. As operações de validação de saberes decorrem, pois, da

consideração situada da relação entre eles, configurando uma “Ecologia de Saberes”

(NUNES, 2010, p. 279-280).

Propõe-se assim uma epistemologia que possa captar a diversidade até então

desperdiçada, invisibilizada, ausente da Epistemologia do Norte.

O projeto de uma Epistemologia do Sul é indissociável de um contexto histórico em

que emergem com particular visibilidade e vigor novos atores históricos no Sul

global, sujeitos coletivos de outras formas de saber e de conhecimento que, a partir

do cânone epistemológico ocidental, foram ignorados, silenciados, marginalizados,

desqualificados ou simplesmente eliminados, vítimas de epistemicídios tantas vezes

perpetrados em nome da razão, das luzes e do Progresso (NUNES, 2010, p. 280).

A posição de Santos consiste em tomar como ponto de partida da sua concepção de

conhecimento a experiência e o mundo dos oprimidos. Nessa perspectiva, o critério

de avaliação de um dado conhecimento depende do modo como afeta a condição dos

oprimidos. A Epistemologia do Sul, ao mesmo tempo em que explora o legado do pragmatismo, com o qual partilha a ideia da indissociabilidade da produção de

conhecimento e da intervenção transformadora no mundo, apresenta, contudo, a

diferença em relação a ele de se situar explícita e inequivocamente do lado dos

subalternos e dos oprimidos, [...] acentuando os aspectos conflituais ou agonísticos

do envolvimento ativo com o mundo, que decorrem de uma diversidade de formas

de desigualdade, de opressão e de resistência a elas (NUNES, 2010, p. 273-274).

Ao fazer a crítica ao modelo de racionalidade ocidental dominante, denominada

pelo autor por razão indolente, Santos ressalta três aspectos: (i) a compreensão do mundo

excede em muito a compreensão ocidental do mundo; (ii) a compreensão do mundo e a forma

como ela cria e legitima o poder social tem muito que ver com concepções do tempo e da

temporalidade; (iii) a característica mais fundamental da concepção ocidental de racionalidade

é o fato de, por um lado, contrair o presente e, por outro, expandir o futuro. A contração do

presente, ocasionada por uma peculiar concepção de totalidade, consiste em transformar o

presente num instante fugidio, entrincheirado entre o passado e o futuro. Do mesmo modo, a

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Método 89

concepção linear do tempo e a planificação da história permitiram expandir o futuro

indefinidamente. O autor propõe uma racionalidade cosmopolita para este período de

transição, de expandir o presente e contrair o futuro, sendo possível, então, criar espaço-tempo

necessário para conhecer e valorizar a inesgotável experiência social que está no mundo de

hoje, evitando o desperdício da experiência de que sofremos hoje em dia. Para expandir o

presente, propõe uma sociologia das ausências; para contrair o futuro, uma sociologia das

emergências (SANTOS, 2010a).

5.1.1 A Sociologia das Ausências e os modos de produção de não existência

Trata-se de uma investigação que visa demonstrar que o que não existe é, na

verdade, ativamente produzido como não existente [...]. O objetivo da sociologia das

ausências é transformar objetos impossíveis em possíveis e com base neles

transformar as ausências em presenças. [...] Não há uma maneira única ou unívoca

de não existir, porque são várias as lógicas e os processos através dos quais a razão

metonímica produz não existência do que não cabe na sua Totalidade e no seu tempo

linear. Há produção de não existência sempre que uma dada entidade é

desqualificada e tornada invisível ou descartável de um modo irreversível. O que

une as lógicas de produção de não existência é serem todas elas manifestações da

mesma monocultura racional (SANTOS, 2010a, p. 102).

A Sociologia das Ausências descreve cinco lógicas ou modos de produção de não

existência: (i) a monocultura do saber e do rigor do saber, em que a não existência assume a

forma de ignorância ou de incultura, sendo considerado o modo de produção de não existência

mais poderoso; (ii) a monocultura do tempo linear, em que a não existência assume a forma

de residualização, dessa maneira adotadas várias designações ao longo dos tempos –

primitivo ou selvagem, tradicional, pré-moderno, simples, obsoleto, subdesenvolvido; (iii) a

monocultura da naturalização das diferenças, em que a não existência é produzida sob a

forma de inferioridade insuperável porque natural, quem é inferior, porque é

insuperavelmente inferior, não pode ser uma alternativa credível a quem é superior; (iv) a

lógica da escala dominante, em que a não existência é produzida sob a forma do particular e

do local, escalas que as incapacitam de serem credíveis ao que existe de modo universal e

global; (v) a lógica de não existência produtivista, em que a não existência é produzida sobre

forma de improdutiva que, aplicada à natureza, é esterilidade e, aplicada ao trabalho, é

preguiça ou desqualificação profissional.

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Método 90

São, assim, cinco as principais formas sociais de não existência produzidas ou

legitimadas pela razão metonímica: o ignorante, o residual, o inferior, o local e o

improdutivo. Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que

elas conformam estão apenas presentes como obstáculos em relação às realidades

que contam como importantes, sejam elas realidades científicas, avançadas,

superiores, globais ou produtivas. São, pois, partes desqualificadas de Totalidades

homogêneas que, como tal, apenas confirmam o que existe e tal como existe. São o

que existe sob formas irreversivelmente desqualificadas de existir. A produção

social destas ausências resulta na subtração do mundo e na contração do presente e,

portanto, no desperdício da experiência. A sociologia das ausências visa identificar o

âmbito dessa subtração e dessa contração de modo a que as experiências produzidas como ausentes sejam libertadas dessas relações de produção e, por essa via, se

tornem presentes (SANTOS, 2010a, p. 104).

Na Sociologia das Ausências, as monoculturas são substituídas por ecologias.

Para cada uma das cinco formas de produção de não existência, reconhecidamente formas de

monoculturas, são propostas ecologias. “Entendo por ecologias a prática de agregação da

diversidade pela promoção de interações sustentáveis entre entidades parciais e heterogêneas”

(SANTOS, 2010a, p. 105).

Para uma monocultura do saber e do rigor científico a proposta de uma Ecologia

dos Saberes:

A ideia central da sociologia das ausências neste domínio é a de que não há

ignorância em geral nem saber em geral, toda a ignorância é ignorante de certo saber e todo o

saber é a superação de uma ignorância particular. Essa ecologia parte do pressuposto de que

todas as práticas relacionais entre seres humanos implicam mais do que uma forma de saber e,

portanto, de ignorância. É justamente no princípio da incompletude de todos os saberes que se

encontra a condição de diálogo e debates epistemológicos entre diferentes formas de

conhecimento (SANTOS, 2010a).

O que cada saber contribui para este diálogo é o modo como orienta uma dada

prática na superação de uma dada ignorância. O confronto e o diálogo entre saberes

é um confronto e um diálogo entre processos distintos através dos quais

diferentemente ignorantes se transformam em práticas diferentemente sábias. Todos

os saberes possuem limites internos e externos. Os limites internos têm a ver com as restrições nos tipos de intervenção no mundo que tornam possível. Os limites

externos resultam do reconhecimento de intervenções alternativas tornadas possíveis

por outras formas de conhecimento (SANTOS, 2010a, p. 107).

Uma das contribuições da ecologia dos saberes é a de permitir superar não só a

monocultura do saber científico como também a ideia de que os saberes não científicos têm

uma conotação latente de subalternidade. É uma ecologia que visa criar nova forma de

relacionamento às diferentes formas de saber entre o conhecimento científico e outras formas

de conhecimento, concedendo igualdade de oportunidades às diferentes formas de saber

envolvidas em disputas epistemológicas, não desqualificando à partida o que não se ajusta ao

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Método 91

cânone epistemológico da ciência moderna.

O propósito de criar relações horizontais não é incompatível com as hierarquias

concretas existentes no contexto de práticas sociais concretas. De facto, nenhuma prática concreta seria possível sem tais hierarquias. O que a ecologia dos saberes

desafia são as hierarquias universais e abstractas de poderes que, através delas, têm

sido naturalizados pela história. As hierarquias concretas devem emergir a partir da

validação de uma intervenção particular no mundo real em confrontação com outras

intervenções alternativas (SANTOS, 2010a, p.108).

Para uma monocultura do tempo linear, a proposta de uma Ecologia das

Temporalidades:

Para Santos, as sociedades entendem o poder a partir das concepções de

temporalidade. As relações de dominação mais resistentes são as que assentam nas hierarquias

entre temporalidades que reduzem muitas experiências sociais à condição de resíduo, são

desqualificadas e suprimidas. A sociologia das ausências parte da ideia de que as sociedades

são constituídas por diferentes tempos e temporalidades e de que diferentes culturas geram

diferentes regras temporais. Parte do entendimento de que a ideia de tempo linear é uma entre

muitas concepções de tempo, e que as experiências são consideradas residuais porque são

contemporâneas de maneira que a temporalidade dominante, o tempo linear não é capaz de

reconhecer (SANTOS, 2010a).

Para uma monocultura das classificações, a proposta de uma Ecologia dos

Reconhecimentos:

A lógica da produção das ausências de classificação social é a lógica em que a

desqualificação incide prioritariamente sobre os agentes e derivadamente sobre a experiência

social (práticas e saberes) e consiste em identificar diferença com desigualdade.

A Sociologia das Ausências confronta-se com a colonialidade, procurando uma nova

articulação entre o princípio da igualdade e o princípio da diferença e abrindo espaço

para a possibilidade de diferenças iguais – uma ecologia de diferenças feita de

reconhecimentos recíprocos (SANTOS, 2010a, p. 110).

Para uma monocultura da escala dominante, a proposta de uma Ecologia da

Trans-escala:

A sociologia das ausências opera demonstrando que mais que convergir, o mundo

diverge, que o universalismo existe apenas como uma pluralidade de aspirações universais,

parciais e competitivas, todas ancoradas em contextos particulares. A ecologia da trans-escala

irá questionar a lógica do universalismo e da escala global, desglobalizando o local em

relação à globalização hegemônica.

Para uma monocultura da produção capitalista, a proposta de uma Ecologia da

Produtividade.

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Método 92

No domínio da lógica produtivista, a sociologia das ausências consiste na

recuperação e na valorização dos sistemas alternativos de produção, das organizações

econômicas populares, das cooperativas operárias, das empresas autogeridas, da economia

solidária, que a ortodoxia produtivista capitalista ocultou e descredibilizou. Para Santos

(2010a, p. 114), “esse é o domínio mais controverso da sociologia das ausências por colocar

em questão o paradigma do desenvolvimento econômico e a lógica da primazia dos objetivos

de acumulação sobre os objetivos de distribuição que sustentam o capitalismo global”.

5.1.2 Sociologia das Emergências

Santos, partindo de uma crítica à monocultura do tempo linear, defenderá a ideia

de que o futuro pensado linearmente atribui sentido e direção conferidos pelo progresso;

acaba por ser projetado numa direção irreversível, um futuro concebido e que não tem que ser

pensado. É essa perspectiva que fundamenta a indolência da razão criticada pelo autor, que

então irá propor uma contração do futuro de maneira que ele possa ser cuidado e que possa

contribuir para a dilatação do presente.

Enquanto a dilatação do presente é obtida através da sociologia das ausências, a

contração do futuro é obtida através da sociologia das emergências. A sociologia das

emergências consiste em substituir o vazio do futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é tudo como é nada) por um futuro de possibilidades plurais e

concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no presente

através das atividades de cuidado (Santos, 2010a, p. 116).

O conceito que preside a sociologia das emergências é o conceito de Ainda-Não

proposto por Bloch (1947 apud SANTOS, 2010a), um conceito que exprime o que existe

como uma tendência, um movimento latente no processo de se manifestar. Não é um futuro

indeterminado nem infinito, é uma possibilidade, é a consciência antecipatória. Por um lado,

capacidade e, por outro, possibilidade. O Ainda-Não inscreve no presente uma possibilidade

incerta, mas nunca neutra. É essa incerteza, que, ao mesmo tempo em que dilata o presente,

contrai o futuro, tornando-o objeto de cuidado. A sociologia das emergências é a investigação

das alternativas que cabem nesse horizonte de possibilidades.

Enquanto a sociologia das ausências expande o domínio das experiências sociais já

disponíveis, a sociologia das emergências expande o domínio das experiências

sociais possíveis. As duas sociologias estão estreitamente associadas, visto que

quanto mais experiências estiverem hoje disponíveis no mundo, mais experiências

são possíveis no futuro. Quanto mais ampla for a realidade credível, mais vasto é o

campo dos sinais ou pistas credíveis e dos futuros possíveis e concretos [...]. Na

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Método 93

sociologia das ausências, essa multiplicação e diversificação ocorre pela ecologia

dos saberes, dos tempos, das diferenças, das escalas e das produções, ao passo que a

sociologia das emergências as revela por via da amplificação simbólica das pistas ou

sinais (SANTOS, 2010a, p. 120-121).

Tanto na sociologia das ausências quanto na sociologia das emergências o fato

inconformismo se faz presente. Na sociologia das ausências o elemento subjetivo é a

consciência cosmopolita e o inconformismo ante o desperdício da experiência. Na sociologia

das emergências o elemento subjetivo é a consciência antecipatória e o inconformismo ante

uma carência cuja satisfação está no horizonte de possibilidades. Uma e outra visam alimentar

ações coletivas de transformação social que exigem sempre um envolvimento emocional, seja

ele entusiasmo ou indignação (SANTOS, 2010a).

A sociologia das emergências é a investigação das alternativas que cabem no

horizonte das possibilidades concretas [...]. Consiste em proceder a uma ampliação

simbólica dos saberes, práticas e agentes de modo a identificar neles a tendência de

futuro (o Ainda-Não) sobre os quais é possível atuar para maximizar a probabilidade

de esperança em relação à probabilidade de frustração [...]. A sociologia das

emergências atua tanto sobre as possibilidades como sobre as capacidades [...]. O elemento subjetivo da sociologia das emergências é a consciência antecipatória e o

inconformismo ante uma carência cuja satisfação está no horizonte de possibilidades

(SANTOS, 2010a, p. 118).

Em síntese, a fundamentação teórica que se propõe para o presente estudo ressalta

a importância de se salientar a incompletude de todos os conhecimentos e, ainda, o potencial

que existe nos diálogos entre eles. Esse conhecimento é denominado por conhecimento

prudente e é decorrente desses diálogos e das constelações de saberes que permitem construir.

5.2 Contexto - Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP)

No Brasil, o acesso à Justiça está contemplado na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, no artigo 5º25, inciso LXXIV26, que veio substituir a

expressão “assistência judiciária” pela “assistência jurídica integral e gratuita”, estabelecendo uma concepção ampla de Acesso à Justiça, a qual não se limita apenas

à representação em juízo, mas contempla o aconselhamento, consultoria e

informações jurídicas para os mais carentes. Esses princípios, acrescido com o do

devido processo legal e da celeridade processual, caracterizam o acesso à Justiça em

uma acepção maior, na qual a sociedade não será privada da apreciação dos seus

direitos, do devido processo legal ao acesso a uma ordem jurídica justa

(CAOVILLA, 2014, p. 80).

25 [...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade. 26 O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem insuficiência de recursos.

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Método 94

Embora prevista na Constituição Federal de 1988, no Estado de São Paulo, a

DPESP somente foi criada pela lei Complementar Estadual nº 988, de janeiro de 2006 (SÃO

PAULO, 2006), após grande movimentação de atores sociais que compuseram o Movimento

pela Defensoria Pública. Até sua criação, a Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), um

órgão da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE), acumulava as funções de defesa

e apoio jurídico do estado e prestação de assistência jurídica aos necessitados. Tal modelo foi

bastante questionado, principalmente em situações de relevantes litígios contra o próprio

Estado. Acrescenta-se a tal questionamento, a dificuldade provocada por número insuficiente

de procuradores de assistência judiciária, que não permitia atender a toda demanda do estado,

propiciando que assumisse amplo papel no sistema de acesso à Justiça o protocolo de

assistência jurídica mantido com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)27

. Tal modelo de

Acesso à Justiça torna-se, então, alvo de insatisfação e de mobilização por parte de entidades

e movimentos sociais que reivindicavam a criação de uma Defensoria Pública Estadual.

O Movimento pela Defensoria Pública:

Representantes de diversas28 entidades e movimentos da sociedade politicamente

organizada, mobilizados pelo que denominavam como fragilidade do acesso à

justiça advinda da inexistência da Defensoria Pública no Estado de São Paulo,

lançaram, em 2002, o Movimento pela Defensoria Pública. Precedeu a criação do movimento um seminário desenvolvido pelo Núcleo de Estudos da Violência da

Universidade de São Paulo (USP), em 1999, e a realização de audiências públicas

pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São

Paulo, que também realizou, em 2002, um seminário sobre o tema (CARDOSO,

2010a, p. 105-106).

O Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das

Universidades Públicas do Estado de São Paulo e a elaboração do anteprojeto de lei para a

DPESP:

Em setembro de 2001, o Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das

Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (SINDIPROESP)

elaborou um anteprojeto de lei orgânica para a DPESP, o que impulsionou

determinantemente a criação do Movimento pela Defensoria Pública à medida que

mobilizou diversas entidades politicamente organizadas e movimentos sociais, além

de operadores do Direito e professores universitários, que se dedicaram a aprimorar o referido projeto. O anteprojeto trouxe propostas inovadoras à medida que

ineditamente dispunha sobre a participação social em uma instituição que se insere

no âmbito do Sistema de Justiça: a definição de que a Defensoria Pública deveria

realizar Conferências Públicas para deliberar sobre o plano anual de atuação; e a

criação de Ouvidoria independente, com representação no Conselho Superior da

DPESP, como mecanismo de controle e participação da sociedade civil na gestão da

instituição (CARDOSO, 2010a, p. 107).

A implantação da DPESP surge, então, não como uma consequência imediata da

27 Convênio que ainda se mantém. 28 Mais de quatrocentas, quando do lançamento do Manifesto pela criação da Defensoria.

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Método 95

previsão constitucional de 1988, mas, somente em 2006, resultante da mobilização de muitos

atores, de vozes reivindicatórias de diferentes segmentos sociais. Surge como um modelo

diferenciado, com possibilidade de governança democrática, valorizando a transparência, a

fiscalização e a participação popular (CARDOSO, 2010a, 2010b).

A Defensoria Pública é uma instituição permanente cuja função é oferecer, de forma

integral e gratuita, aos cidadãos necessitados a orientação jurídica, a promoção dos

direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos

individuais e coletivos. Apesar de ser instituição estadual, não é vinculada ao

governo. Sua autonomia é prevista pela Constituição Federal e é uma garantia para

que os Defensores Públicos possam representar os direitos da população sem

qualquer tipo de constrangimento. A administração superior da instituição é

conduzida pelo Defensor Público-Geral do Estado – nomeado pelo Governador a

partir de uma lista tríplice formada pelos candidatos mais votados em eleição com

participação de toda a carreira. Seu principal órgão para tomada de decisões internas é o Conselho Superior da Defensoria Pública (DPESP, 2010).

A composição e as atribuições do Conselho Superior, o órgão deliberativo

máximo da DPESP:

O Conselho Superior é o órgão deliberativo máximo da Defensoria Pública de São

Paulo. Sua competência é fixada pela Lei Complementar nº 988, de 2006 e, dentre

outras atribuições, destacam-se: exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria

Pública; fixar parâmetros mínimos de qualidade para a atuação dos Defensores

Públicos; aprovar o plano anual de atuação da instituição; formular regras para a

eleição do Defensor Público-Geral; decidir, pelos votos de 2/3 de seus membros,

pelo afastamento do Defensor Público-Geral e do Corregedor-Geral; indicar o

Diretor da Escola da Defensoria Pública, dentre outras. A lei prevê, ainda, a realização do Momento Aberto em todas as sessões do Conselho, no qual qualquer

pessoa pode se dirigir livremente aos conselheiros para expor um assunto que julgue

relevante para a instituição. O Conselho é formado por 13 membros, sendo 05 natos

e 08 eleitos. Os membros natos são: o Defensor Público-Geral do Estado (que o

preside), o Segundo Subdefensor Público-Geral do Estado, o Terceiro Subdefensor

Público-Geral do Estado, o Defensor Público Corregedor-Geral do Estado e o

Ouvidor-Geral da Defensoria Pública (esse último, sem direito a voto). Os membros

eleitos são votados diretamente pela Totalidade da carreira, pela seguinte forma de

representatividade: 01 representante dos Núcleos Especializados; 01 representante

das Defensorias Regionais; 01 representante da Defensoria situada na Capital e 01

representante para cada nível da carreira (nível I a nível V) (DPESP, 2015).

As atribuições de fiscalização da atividade funcional cabem à Corregedoria-Geral

da DPESP:

À Corregedoria-Geral cabe a orientação e fiscalização da atividade funcional e da

conduta pública dos defensores e dos servidores, quanto à prestação de atendimento

de qualidade e ao cumprimento das obrigações funcionais previstas na Lei Orgânica

da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP, 2015).

Estão previstas na Lei Complementar Estadual nº 988, de 2006 (SÃO PAULO,

2006), três subdefensorias com as seguintes competências: Compete exclusivamente ao

Primeiro Subdefensor Público-Geral de o Estado coordenar o planejamento da Defensoria

Pública do Estado, observando o cumprimento das normas técnicas de elaboração de planos,

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Método 96

programas, projetos e orçamentos, bem como acompanhando sua execução (artigo 21);

Compete ao Segundo Subdefensor Público-Geral do Estado administrar, coordenar e orientar

a atuação das Defensorias situadas na Capital e em sua Região Metropolitana (artigo 23);

Compete exclusivamente ao Terceiro Subdefensor Público-Geral de o Estado administrar,

coordenar e orientar a atuação das Defensorias Regionais situadas no Interior do Estado

(artigo 25).

A Ouvidoria-Geral é abordada na Lei nº 988/2006 (SÃO PAULO, 2006) como o

órgão superior da Defensoria Pública do Estado, devendo participar da gestão e fiscalização

da instituição e de seus membros e servidores (artigo 36). Em seu artigo 37 dispõe que o

Ouvidor-Geral será nomeado pelo Governador do Estado, dentre os indicados em lista

tríplice, organizada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana -

CONDEPE, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, respeitado o mesmo

procedimento. Em seu artigo 39, aborda a composição do órgão e a finalidade de seu

Conselho Consultivo:

Artigo 39. A Ouvidoria-Geral compreende o Conselho Consultivo e o Grupo de

Apoio Administrativo. O Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral, composto por 11

(onze) membros e presidido pelo Ouvidor-Geral, terá como finalidades precípuas

acompanhar os trabalhos do órgão e formular críticas e sugestões para o aprimoramento de seus serviços, constituindo canal permanente de comunicação

com a sociedade civil (SÃO PAULO, 2006).

A DPESP conta com nove Núcleos Especializados cujo objetivo é promover uma

atuação estratégica da instituição em áreas de sensível importância: Cidadania e Direitos

Humanos; Infância e Juventude; Habitação e Urbanismo; Segunda Instância e Tribunais

Superiores; Situação Carcerária; Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito; Proteção

e defesa dos Direitos da Mulher; Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência; Defesa do

Consumidor. Os Núcleos coordenam os debates e materiais produzidos pelos Defensores

Públicos em sua área respectiva, fornecendo a eles qualquer suporte técnico necessário.

Também propõem ações judiciais e são responsáveis por coordenar o acionamento de Cortes

Internacionais quando se fizer necessário (DPESP, 2009) 29

.

29 Maiores informações sobre os trabalhos dos Núcleos Especializados poderão ser acessadas em:

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3040> (Núcleo Especializado de Cidadania e

Direitos Humanos);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3064> (Núcleo Especializado de Infância e

Juventude);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=2994> (Núcleo Especializado de Habitação e

Urbanismo);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3005> (Núcleo Especializado de Segunda

Instância e Tribunais Superiores);

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Método 97

Papel relevante na instituição desempenha a Escola da Defensoria Pública do

Estado (EDEPE), órgão auxiliar que tem suas atribuições previstas no artigo 53 e seguintes da

Lei Complementar Estadual 988/2006 (SÃO PAULO, 2006). Destacam-se, dentre suas

diversas atribuições, a promoção e atualização profissional dos membros da Defensoria e a

promoção e colaboração com sistemas de educação em direitos.

Para o escopo do presente estudo, merece ser destacado que dentre os órgãos da

defensoria a Defensoria Pública-Geral possui a Chefia de Gabinete e sete serviços de

Assessorias, sendo uma delas a Assessoria Técnica Psicossocial - composta por Agentes de

Defensoria (Psicólogos e Assistentes Sociais). Cabe à Assessoria Técnica Psicossocial

assessorar a Defensoria Pública Geral nas questões relativas ao Serviço Social e à Psicologia.

As demais assessorias, designadas exclusivamente aos defensores públicos, são: Qualidade de

Atendimento; Criminal e Infracional; Cível; Parlamentar; Jurídica e de Convênios.

A instituição conta, ainda, com outra iniciativa que vem ao encontro com o estudo

em questão, qual seja a proposta de uma Comissão para tratar de assuntos interdisciplinares.

Trata-se de uma comissão denominada Comissão de Estudos Interdisciplinares, cuja

composição e atribuições encontram-se apresentadas na Deliberação CSDP nº 187, de 12 de

agosto de 2010:

Artigo 7º - CSDP 187/2010. Composta por Defensores Públicos e Agentes de Defensoria que terá por atribuições analisar casos paradigmáticos, sugerir rotinas ao

Conselho Superior da Defensoria Pública, apontar diretrizes de atuação e apreciar

propostas formuladas pela Assessoria Técnica Psicossocial (DPESP, 2010).

É constituída por defensores e agentes da defensoria que atuam na Capital, Região

Metropolitana e Interior. Tal iniciativa parte do reconhecimento de que a concretização dos

princípios da integralidade e efetividade na prestação da assistência jurídica reclama a

intervenção interdisciplinar (artigos 69 a 71, da Lei Complementar nº 988, de 09 de janeiro de

2006) (SÃO PAULO, 2006). Por esse motivo, juntamente com os trabalhos desenvolvidos

pelo CAM, que será descrito posteriormente em item específico, essa iniciativa institucional

desperta o interesse do presente estudo por caracterizar um espaço em que propostas de

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3016> (Núcleo Especializado de Situação Carcerária);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3355> (Núcleo Especializado de promoção e

defesa dos Direitos da Mulher)>;

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3322> (Núcleo Especializado de Combate a

Discriminação, Racismo e Preconceito);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=3343> (Núcleo Especializado de Direitos do

Idoso e de Pessoas com Deficiência);

<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=5126> (Núcleo Especializado de Defesa do

Consumidor).

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Método 98

trabalho envolvem diferentes saberes, incluem as áreas psicossociais, e se fazem presentes no

Sistema de Justiça Paulista.

Figura 1 - Estrutura Organizacional da DPESP

Fonte: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=2872. Acesso em: 25 mar. 2015.

As áreas de atuação e os critérios para deferimento da assistência jurídica na

DPESP

A DPESP atua em qualquer espécie de caso que seja de competência da Justiça

Estadual, sempre na defesa de um cidadão ou de um grupo de cidadãos carentes. O serviço da

Defensoria pode ser utilizado por aquelas pessoas que não têm condições financeiras de pagar

assistência jurídica (DPESP, 2009). Para atendimento na Defensoria Pública de São Paulo, a

pessoa deve atender, cumulativamente, as seguintes condições: I – auferir renda familiar

mensal não superior a três salários mínimos federais; II - não ser proprietária, titular de

Órgãos da Defensoria Pública de São Paulo

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Método 99

aquisição, herdeira, legatária ou usufrutuária de bens móveis, imóveis ou direitos, cujos

valores ultrapassem a quantia equivalente a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de

São Paulo – UFESP`s; III - não possuir recursos financeiros em aplicações ou investimentos

em valor superior a 12 (doze) salários mínimos federais (Deliberação CSDP Nº 89, de 08 de

agosto de 2008)30

.

Após atuar em um processo na Justiça Paulista, a DPESP é responsável por todos

os recursos necessários – até mesmo em sede dos Tribunais Superiores. A lei que a instituiu

prevê, inclusive, que a Defensoria recorra às Cortes Internacionais, quando for o caso. Dentre

as possíveis áreas de atuação da DPESP, é possível destacar: Área Cível; Tutela Coletiva;

Área Criminal, Área da Infância e Juventude; Área de Execução Criminal (DPESP, 2009).

Atualmente, há 719 defensores públicos no estado de São Paulo que trabalham em

65 unidades espalhadas por 43 cidades (DPESP, 2015), organizadas em vinte e quatro

regionais em todo o estado de São Paulo, a saber: 1) 6 regionais na Capital: a) Norte-Sul, b)

Leste, c) Sul, d) Central, e) Criminal, f) Infância e Juventude; 2) 4 regionais na Região

Metropolitana: a) Osasco; b) Guarulhos, c) Mogi das Cruzes, d) Grande ABCD; 3) 14

regionais no Interior: a) Araçatuba, b) Bauru, c) Campinas, d) Jundiaí, e) Marília, f)

Presidente Prudente, g) Ribeirão Preto, h) Santos, i) São Carlos, j) São José do Rio Preto, k)

São José dos Campos, l) Sorocaba, m) Taubaté, n) Vale do Ribeira.

5.2.1 Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM)

A previsão do CAM na Lei Complementar Estadual nº 988/2006 (São Paulo,

2006):

Os Centros de Atendimento Multidisciplinar, previstos na Lei Complementar

Estadual nº 988, de 9 de janeiro de 2006, que, em São Paulo organiza a Defensoria

Pública do estado e institui o regime jurídico da carreira do Defensor Público, são

órgãos auxiliares da Defensoria Pública que, podendo ser compostos por

profissionais e estagiários de diversas formações, institucionalizam a oferta de

atendimento interdisciplinar (KOHARA, 2014, p. 1006).

A Lei Complementar nº 1.050/2008 e a criação de cargos de Agentes de

30

Contribuição para análise do tema de critérios pode ser encontrada em:

ROMEU, L.C. e cols. Análise crítica dos critérios utilizados pela Defensoria para a definição do necessitado nos

termos do artigo 134 da Constituição. In: RÉ, A. I. M. R.; REIS, G. A. S. (Orgs.). Temas aprofundados

Defensoria Pública. 2. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. v. 2, p. 155-190.

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Método 100

Defensoria:

Apesar de já estarem previstos na Lei Complementar nº 988, a criação dos cargos de

Agentes de Defensoria, que integrariam os CAMs, ocorreu dois anos e meio depois, a partir da Lei Complementar nº 1.050, de 24 de junho de 2008 (NASCIMENTO,

2014, p. 663).

A Lei Complementar nº 1.050/2008 (São Paulo, 2008) criou 73 cargos de Agentes

de Defensoria e a Lei Complementar nº 1.161, de 26 de dezembro de 2011 (São Paulo, 2011),

criou mais 15 cargos. No início de 2010 foi realizado o concurso público para provimento dos

cargos e em abril do mesmo ano inicia-se a implantação dos Centros de Atendimento

Multidisciplinar.

De acordo com o artigo 70, da Lei Complementar nº 988, cada CAM poderia contar

com profissionais e estagiários de Psicologia, Serviço Social, Engenharia,

Sociologia, Estatística, Economia, Ciências Contábeis, Direito e outros. A real implementação dos CAMs os caracterizou pela atuação de profissionais da área

psicossocial até o momento, Psicólogos e Assistentes Sociais. Os agentes das demais

áreas assumiram cargos junto aos órgãos da Administração (NASCIMENTO, 2014,

p. 665).

Profissionais ingressantes e implantação do CAM:

Dos Agentes de Defensoria ingressantes, 27 psicólogos31 e 13 assistentes sociais

passam a integrar os Centros de Atendimento Multidisciplinar, permitindo a sua efetiva criação por todo o estado. Além das Regionais da Defensoria Pública para a

implantação de Atendimento Multidisciplinar, a inserção de psicólogos e assistentes

sociais também se deu no âmbito dos Núcleos Especializados e na administração

superior, nesta última, por meio da criação de uma assessoria especializada à

Defensoria Pública-Geral denominada Assessoria Técnica Psicossocial (KOHARA,

2014, p. 1010).

A Deliberação do Conselho Superior da DPESP nº187, que disciplinou a estrutura

e o funcionamento dos CAMs, foi publicada em 12 de agosto de 2010. Dentre os princípios

elencados em seu artigo 1º, que indicam como deve ser o trabalho dos Centros de

Atendimento Multidisciplinares, destacam-se a humanização do atendimento, a não

obrigatoriedade da submissão do usuário ao serviço psicossocial; a interdisciplinaridade e a

articulação com a rede externa de atendimento psicossocial. A esses centros cabe assessorar

os defensores públicos no desempenho de suas atividades, prestando assessoria técnica,

realizando diligências que exijam conhecimentos técnico-científicos, participando do

programa de composição extrajudicial de conflitos (DPESP, 2010).

Ao considerarmos os dados relativos aos números diferenciados de assistentes

sociais (13) e de psicólogos (27) designados para a composição do CAM nas vinte e quatro

regionais distribuídas em todo estado, evidencia-se a diferenciação desse serviço na

31 Desse total de 27 psicólogos, dois não faziam mais parte do quadro da DPESP na ocasião do presente estudo.

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Método 101

configuração de suas equipes e, consequentemente, na caracterização dos serviços prestados.

Em algumas regionais, a presença do Defensor Público, que atua como o coordenador do

CAM, pode contar com uma equipe psicossocial completa, ou seja, com psicólogo e assistente

social. Nas demais, somente um dos agentes estava presente e, tendo em vista o maior número

de psicólogos, a presença do assistente social se fez em menor escala32

.

Em termos deliberativos, destaca-se que, após quase um ano de atuação dos

Centros de Atendimento Multidisciplinar, o Conselho Superior da Defensoria Pública aprova

em 11 de março de 2011 a Deliberação CSDP nº219 (DPESP, 2011), a qual regulamenta as

hipóteses de atendimento pela Defensoria Pública ao usuário em sofrimento ou com

transtorno mental.

A partir de uma proposta institucional inovadora e com fortes princípios e valores

democráticos, formalizada em intensa mobilização social, a DPESP institui um novo conceito

de atendimento no sistema jurídico. Uma prática que se propõe integral e interdisciplinar, em

que o Centro de Atendimento Multidisciplinar passa a simbolizar um potencial instrumento

para o acesso à justiça para indivíduos historicamente excluídos, “invisíveis” e

marginalizados: “não existentes”, na perspectiva da Sociologia das Ausências de Boaventura

de Souza Santos (SANTOS, 2010a).

Foi o interesse em conhecer as características de acesso à justiça nesse contexto,

especificamente, na área da saúde mental, que estimulou o presente estudo.

5.3 Tipo de estudo

Considerando os objetivos propostos e o referencial teórico selecionado - cuja

ênfase recai na valorização de diferentes saberes-, entende-se que uma abordagem qualitativa

e seu comprometimento com o caráter interativo do processo de produção de conhecimento se

apresentem metodologicamente congruentes.

De acordo com Fortim (2009), o objetivo da investigação qualitativa é explorar e

interpretar os múltiplos aspectos do problema a partir do ponto de vista dos participantes e

32 No período de realização do presente estudo, profissionais que foram aprovados no último concurso público estavam

sendo contratados, possibilitando uma nova distribuição de agentes por órgãos da Defensoria. Tal distribuição está

priorizando a presença de dois agentes – psicólogo e assistente social, em cada Unidade da Defensoria no estado.

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Método 102

sobre suas experiências (FORTIM, 2009). Nessa mesma direção, para Minayo (2004), a

pesquisa qualitativa permite descrever a experiência humana tal como é vivida, mediante a

compreensão do significado que as experiências têm para o sujeito. Entende-se que a busca

por compreensão do acesso à justiça das demandas de saúde mental sob a perspectiva de

diferentes atores sociais, da maneira como está proposta, se caracteriza como um processo de

exploração e de elaboração de interpretações, que irá considerar uma multiplicidade de

aspectos do referido tema, de diferentes vivências e perspectivas.

Deve ser ressaltado que a perspectiva qualitativa possibilita o reconhecimento da

dinâmica constante no processo de construção do conhecimento. Em Moreira e Caleffe (2006)

observa-se a distinção desse referido aspecto, ao mencionarem que o pesquisador sabe que o

processo de pesquisa, desde o momento de sua concepção até o seu término, é uma interação

dialética contínua - análise, crítica, reiteração, reanálise e assim por diante, levando a uma

construção articulada do objeto de estudo. Tal flexibilidade direciona a elaboração do presente

desenho do estudo, construído a partir da constante análise e reanálise de documentos e dos

resultados da participação de diferentes atores sociais (MOREIRA; CALEFFE, 2006).

De acordo com Pope e Mays (2009), em um estudo na abordagem qualitativa, as

pessoas são observadas em seu próprio território e podem ser utilizados diversos métodos que

incluem observação, entrevistas em profundidade, análises de textos ou documentos, análise

de comportamento ou de discurso gravados em vídeos ou áudio (POPE; MAYS, 2009). Nesse

sentido, a presente opção metodológica foi pela utilização de análise documental, de

entrevistas não estruturadas, entrevistas semiestruturadas e de observações diretas.

5.4 Procedimentos e coleta de dados

5.4.1 Participantes

O grupo é composto por 56 participantes, a saber:

a) 46 profissionais da DPESP: 17 psicólogos, 15 defensores públicos, 12 assistentes

sociais e 02 profissionais atuantes na Ouvidoria.

b) 10 participantes externos da DPESP - sendo 09 usuários do serviço com demandas

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Método 103

de saúde mental (pessoais ou de familiares) e 01 representante de movimento social atuante

na DPESP.

Tabela 2 - Total de participantes discriminados por tipo de vínculo com a DPESP e por

etapa(s) do estudo em que participaram

PARTICIPANTES ETAPA I I e II ETAPA II II e III ETAPA III I e III TOTAL

Psicólogo 01 - 02 02 12 - 17

Defensor Público 02 - 01 02 10 - 15

Assistente Social - - 03 08 01 12

Usuários Do Serviço - - 09 - 0 - 09

Representantes Da

Ouvidoria 02 - - - - - 02

Representante De

Movimento Social 01 - - - - - 01

Total

(Participantes/Etapa) 06 0 12 07 30 01 56

Dada à diversidade de características dos participantes e sua distribuição por três

etapas, optou-se pela apresentação dos critérios de inclusão juntamente com a descrição das

etapas da coleta de dados, visando facilitar o entendimento do leitor.

5.4.2 Etapas

Etapa I: Exploratória

a) Análise documental

A análise documental apresenta-se como um método de coleta e de verificação de

dados, que visa ao acesso às fontes escritas pertinentes, e abre muitas vezes a via à utilização

de outras técnicas de investigação, com as quais mantém regularmente uma relação

complementar (observação, inquérito, análise de conteúdo), e chega, por vezes, a criar

material empírico novo. Ao tratarem sobre as fontes de documentação, os autores nos

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Método 104

remetem à diversidade dessas fontes de informações que podem fornecer e incitar à

descoberta de outras. Ressaltam que fontes escritas, documentos e textos legais, relatórios,

panfletos ou prospectos de publicidade conservam um privilégio de continuar a fazer fé,

nomeadamente em matéria jurídica. Os autores diferenciam as fontes de documentação,

especificando as várias concepções quanto à natureza oficial ou não de uma fonte. Do ponto

de vista delimitado, oficial é definido como uma fonte que depende de uma autoridade

pública, documentos que são emitidos por uma autoridade pública, ou recebidos por essa

autoridade, em virtude das responsabilidades que lhe são confiadas por lei, por regulamento

ou por certos costumes notórios. Sob esse ponto de vista, as fontes oficiais dependem

exclusivamente de agentes do Estado ou de pessoas mandatadas por esse e que agem no

quadro de suas funções. Quanto às fontes escritas não oficiais, mencionam a imprensa, as

revistas, os livros, como fontes de inegável alcance político, econômico e social

(ALBARELLO et al., 2011).

Nessa etapa foi realizada análise documental oficial e não oficial, pesquisa de

informações sobre a implantação e serviços da DPESP e do CAM. Para tanto, foram

analisadas informações disponibilizadas no site oficial da DPESP incluindo links da Escola da

Defensoria, da Ouvidoria, de Núcleos Especializados e da Corregedoria. Dando seguimento,

procedeu-se a observação das principais deliberações referentes aos serviços do CAM;

material elaborado e disponibilizado por profissionais da DPESP, envolvendo temas relativos

à saúde mental (apostilas, folders, divulgação de eventos); material disponibilizado sobre

Conferências Públicas da DPESP; relatórios da Corregedoria; Resultados de Pesquisa da

Ouvidoria sobre satisfação com o Atendimento da Defensoria e Relatórios de Atividades da

Ouvidoria. Tais informações subsidiaram a elaboração das etapas do estudo assim como a

definição dos instrumentos a serem utilizados em cada etapa, além da contribuição para a

análise dos resultados.

b) Entrevista não estruturada com informantes-chave

A entrevista não estruturada segue um modelo de conversação caracterizada por

ser aberta, flexível e dinâmica. Ao entrevistado é dada ampla liberdade de respostas e o

entrevistador segue apenas um guia temático. Ao entrevistador cabe uma exposição inicial dos

objetivos da entrevista para lhe dar o tom geral de uma conversa livre e muito aberta

(QUIVY; CAMPENHOUDT, 2008). Albarello et al. (2011) a descrevem como um tipo de

entrevista exclusivamente articulada em torno de temas que se pretende que o entrevistado

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Método 105

explore. O único saber valorizado é aquele que é controlado pelo participante e, portanto,

elaborado por ele. Aspecto também enfatizado por Bogdan e Biklen (1994), ao mencionar a

entrevista não estruturada como aquela muito aberta, em que o entrevistador encoraja o

sujeito a falar sobre a área de interesse e, em seguida, explora-a aprofundadamente,

retomando os tópicos e os temas que o respondente iniciou. O entrevistado desempenha um

papel crucial na definição do conteúdo da entrevista e na condução do estudo.

Foram entrevistados sete participantes considerados informantes-chave, com o

intuito de analisar o acesso à justiça sob diferentes perspectivas dos envolvidos no serviço

prestado: quatro membros da DPESP que atuavam na instituição no período de implantação

do Centro de Atendimento Multidisciplinar, e que possuem atuação e interesse por temas de

saúde mental; dois profissionais especificamente da Ouvidoria, atuantes também na

instituição no período de implantação do Centro de Atendimento Multidisciplinar; e um

representante de movimento social, que exercia suas funções na DPESP no período da

implantação do Centro de Atendimento Multidisciplinar, ainda atuante. A inserção desses

profissionais ocorreu com o intuito de ampliar a discussão dos trabalhos do CAM. Por

ocuparem posições estratégicas na instituição para o acesso às informações de interesse do

presente estudo, esses participantes foram denominados de representantes da Defensoria

(RDP) e de representantes de Movimento Social (RMS).

As entrevistas foram realizadas nas dependências da DPESP, em salas designadas

pelos responsáveis pelo serviço, com condições adequadas (espaço físico e privacidade), ou

em outro local de trabalho previamente definido pelo participante, e que garantiram as

mesmas condições de privacidade. Mediante a autorização prévia dos participantes, as

entrevistas foram gravadas (gravação de áudio), com duração aproximada de 1h30’ e tiveram

previamente estabelecido um guia com quatro temas a serem abordados e aprofundados: (i) a

implantação da DPESP; (ii) o papel do CAM; (iii) a atuação da DPESP; e (iv) avaliação do

funcionamento do CAM (APÊNDICE A).

A realização das entrevistas exploratórias cumpriu sua tarefa de facultar

elementos para o aprimoramento do desenho metodológico do estudo, proporcionando: (i) a

adequação dos critérios para a seleção dos participantes das etapas posteriores, partindo da

análise das características institucionais descritas; (ii) maior clareza de temas para a

estruturação dos roteiros das diferentes entrevistas de cada uma das etapas, partindo das

condições, das características do trabalho e de funcionamento institucional que foram

abordados; (iii) contribuiu para o estabelecimento de critérios para seleção das diferentes

regionais a serem visitadas; (iv) e facilitou a elaboração do roteiro para a condução das

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Método 106

observações para essas regionais. Os benefícios da realização das entrevistas exploratórias

foram diversos e observados reiteradamente no decorrer das etapas subsequentes.

A realização das etapas II e III ocorreu simultaneamente.

Etapa II – Entrevistas presenciais e observação

Entrevista semiestruturada

Em Quivy e Campenhoudt (2008) encontra-se a descrição da utilização das

entrevistas semiestruturadas como aquelas que têm como função principal revelar aspectos

dos fenômenos estudados que ampliem o campo de investigação. Permitem ao entrevistado,

pessoas que por suas posições, ações ou responsabilidades tenham um bom conhecimento do

tema (investigadores especializados, peritos no assunto ou testemunhas privilegiadas),

aprofundar na análise do assunto.

São qualificadas por uma estrutura flexível, consistindo em questões abertas que

definem a área a ser explorada inicialmente, a partir da qual o pesquisador e pessoa

entrevistada vão construindo uma ideia ou resposta em maiores detalhes (BRITTEN, 2009). A

utilização de um roteiro temático caracteriza o processo de coleta de dados com questões

básicas, que possibilitam formulação flexível das perguntas, bem como a liberdade da

resposta. Ressalta-se a importância de que o roteiro seja amplo de modo que permita captar as

informações desejadas, assim como garanta que todos os tipos de dados sejam coletados com

todos os participantes. Embora parta de questionamentos básicos, a entrevista semiestruturada

permite a inclusão de novos questionamentos a partir das respostas obtidas (TRIVIÑOS,

1992).

a) Entrevistas com profissionais do CAM: defensores públicos, agentes de defensoria

psicólogos e agentes de defensoria assistentes sociais

Realizadas nas dependências da DPESP e de forma individual, em salas

designadas por responsáveis pelo serviço e que garantiam condições adequadas (espaço físico

e privacidade), com duração aproximada de 1h30’ cada. Os profissionais convidados (e de

quais regionais das vinte e quatro existentes) foram selecionados a partir de critérios

elaborados após a etapa exploratória, tendo em vista os objetivos do estudo, a saber: 1) todos

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Método 107

os profissionais já deveriam estar atuando na DPESP no período da implantação do CAM; 2)

aqueles que atuam como defensor deveriam estar designados como coordenadores do CAM

na ocasião da entrevista; 3) deveriam estar incluídos entre os entrevistados profissionais com

experiência na capital e/ou no interior; 4) deveriam ter experiência em equipe do CAM

completa (composta por defensor público, agente de defensoria psicólogo e agente de

defensoria assistente social) e/ou experiência na Comissão de Estudos Interdisciplinares. Dez

profissionais participaram dessa etapa.

As entrevistas foram gravadas (gravação de áudio), com a autorização prévia do

participante, e foram realizadas tendo como referência o Roteiro de Entrevista para

profissionais do Centro de Atendimento Multidisciplinar (APÊNDICE D). Antes de iniciada,

foi apresentado ao convidado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

(APÊNDICE I) para análise, autorização e assinatura em duas vias do documento (uma para o

entrevistador e outra para o entrevistado).

b) Entrevistas com usuários do serviço do CAM com demanda de saúde mental (pessoais ou

familiares)

A presença de usuários dos serviços da DPESP foi incluída visando analisar as

diferentes perspectivas daqueles que buscam o serviço com demandas de saúde mental e são

atendidos pelo CAM. Foram entrevistados nove usuários indicados por responsáveis pelos

serviços do Centro de Atendimento Multidisciplinar das regionais (Região Metropolitana e

Interior), que apresentassem demandas de saúde mental, podendo ser pessoais (busca

espontânea) ou para familiares. No caso de busca espontânea, foram incluídos usuários com

idade igual ou superior a 18 anos e que tivessem preservada a responsabilidade legal por seus

atos (não estivessem interditados).

Nessa seleção foram incluídos participantes da Região Metropolitana e do

Interior. Dentre as justificativas para a presente escolha destacam-se: 1) em ambas as regiões,

a implantação do CAM predominante não contou com a equipe completa, restringindo a

inserção de participantes desses nas entrevistas presenciais com profissionais; 2) ao optar por

priorizar regionais da Região Metropolitana do Interior, ampliou-se a possibilidade de

realização das observações diretas em outras regionais, tendo em vista que o critério da

realização das entrevistas estava atrelado à realização das observações locais da regional. Na

capital, o serviço de triagem é centralizado em um único prédio da DPESP.

As entrevistas foram realizadas nos prédios da DPESP, em salas autorizadas pelos

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Método 108

responsáveis locais, e que possibilitaram condições adequadas para garantir a privacidade e

preservação das informações. A condução das entrevistas teve como referência roteiros

elaborados pela pesquisadora especificamente para o presente projeto (APÊNDICES E e F) e

teve duração aproximada de 1h.

c) Observação direta

A observação direta caracteriza-se como técnica de observação visual e auditiva,

em que o pesquisador empenha-se para não se envolver em interações verbais específicas,

procurando manter-se em anonimato, obviamente, dentro das condições possíveis. Para Costa

(2009) esse tipo de técnica pode ser aplicado às dimensões sociais como, por exemplo, as

distribuições espaciais e temporais de indivíduos e objetos ou símbolos externos incorporados

nuns e noutros; na análise da utilização social dos espaços; na análise dos movimentos

corporais durante a comunicação interpessoal e na análise da interação em pequenos grupos.

Os autores enfatizam que o primeiro requisito é que as tipologias informem o que olhar

(categorias), possibilitando que, dentro do que seria um panorama indiferenciado comece a se

distinguir a informação categorizável (COSTA, 2009).

De acordo com Quivy e Campenhoudt (2008), os métodos de observação direta

constituem os únicos de investigação social que captam os comportamentos no momento em

que eles se produzem em si mesmos, sem a mediação de um documento ou de um

testemunho. As observações incidem sobre os comportamentos dos atores, na medida em que

manifestam sistemas de relações sociais, bem como sobre os fundamentos culturais e

ideológicos que lhes subjazem. Nesse sentido, o investigador pode estar atento ao

aparecimento ou à transformação dos comportamentos, aos efeitos que eles produzem e ao

contexto em que são observados, como a ordenação de um espaço ou a disposição dos móveis

de um local, que cristalizam sistemas de comunicação e de hierarquia. O campo de

investigação é, a priori, infinitamente amplo e só depende, em definitivo, dos objetivos do

trabalho e das suas hipóteses de partida. A partir delas, o ato de observar será estruturado, na

maior parte das vezes, por uma grelha de observação previamente constituída.

No presente estudo, as observações foram realizadas nas dependências das salas

de espera da Triagem da DPESP, nas respectivas regionais em que foram realizadas

entrevistas no Interior e na Região Metropolitana e, na Capital, no serviço centralizado de

triagem.

O comparecimento da pesquisadora no local de atuação dos profissionais

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Método 109

possibilitou anotações de campo e registro de observação a partir de um roteiro (APÊNDICE

C), incluindo as seguintes categorias: condições de infraestrutura; características dos

profissionais que atuam no serviço; características do público presente; características das

informações disponíveis no local; horários e tempo de espera para atendimento; rotina do

trabalho; e manifestações verbais e fluxo da comunicação entre o público presente. Cada

observação teve duração de 1h durante o atendimento ao público realizado pelos profissionais

administrativos, estagiários e defensores públicos.

Etapa III – Entrevistas não presenciais (on-line)

O trabalho do CAM da DPESP está distribuído geograficamente em 24 regionais.

Foram convidados a participar dessa etapa do estudo todos os Defensores Públicos do estado

que estavam no exercício da coordenação do CAM no período da realização da pesquisa, e

todos os agentes de defensoria (psicólogos e assistentes sociais) que atuam na DPESP desde a

implantação do CAM em todo estado.

Com essa estratégia foi aberta a possibilidade para a participação dos diferentes

profissionais envolvidos diretamente no CAM (defensores públicos, agentes de defensoria

psicólogos e agentes de defensoria assistentes sociais); profissionais das diferentes regiões do

estado incluindo interior, capital e região metropolitana.

O Roteiro de Entrevista (APÊNDICE B) foi elaborado pela pesquisadora

especificamente para o presente estudo, e é composto por itens de identificação: idade, sexo,

estado civil, escolaridade e tempo de experiência profissional, e por oito questões, abordando:

1) objetivos do CAM da regional em que o profissional atua; 2) atividades profissionais

desenvolvidas no CAM da regional em que o profissional atua; 3) objetivos da busca pela

DPESP pelos usuários do CAM; 4) características do público atendido pelo CAM da regional

da DPESP em que o profissional atua; 5) demanda de saúde mental (pessoas portadoras de

transtornos mentais); 6) aspectos positivos do trabalho do CAM; 7) aspectos negativos (ou

dificuldades) no trabalho do CAM; e 8) propostas de melhorias para o trabalho do CAM.

Tendo em vista o caráter não presencial das entrevistas, que impossibilita a

exploração da temática a partir das respostas dos participantes como ocorre na entrevista

presencial, a temática da demanda de saúde mental foi abordada nas seguintes questões “Cite

3 dos principais objetivos da busca da DPESP pelos usuários do CAM da regional em que

você atua” e “Quais são as três principais características do público atendido pelo Centro de

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Método 110

Atendimento Multidisciplinar na regional da DPESP em que você atua”. E, especificamente,

sobre pessoas portadoras de transtornos mentais, nas questões “No CAM em que você atua,

existe demanda específica de portadores de transtornos mentais (ou não)?”; Em caso

afirmativo: “Quais são as principais características dos portadores de transtornos mentais

atendidos?” “Quais os direitos que são reivindicados para portadores de transtornos mentais?”

“Quais são os procedimentos adotados pelo CAM diante das demandas dos portadores de

transtornos mentais?”.

O contato com os sessenta e dois profissionais em exercício33

das vinte e quatro

regionais da DPESP para apresentação da proposta do presente projeto e convite para

participação foi realizado por correio eletrônico. Os convidados foram informados sobre o

objetivo do estudo; o tempo previsto para a realização do mesmo (aproximadamente 50`); e

de que o projeto de pesquisa estava devidamente autorizado por responsáveis pela Defensoria

Pública Geral do Estado e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de

Ribeirão Preto. Foi apresentado o roteiro para que o profissional pudesse analisá-lo antes de

decidir participar, e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE H - TCLE

para profissionais participantes de entrevista on-line), para autorização formal da participação.

O participante foi informado que, se eventualmente decidisse deixar de participar do estudo

após o envio de suas respostas, deveria entrar em contato com a pesquisadora e informar seu

código de identificação para que suas respostas fossem retiradas do estudo. Em caso de

concordância, o participante enviaria a resposta à pesquisadora e suas respostas ao roteiro, no

qual constava o referido código de identificação. Do Total de 62 convidados, 38 profissionais

participaram dessa etapa (30 somente na etapa II; 01 nas etapas I e II; 06 nas etapas II e III).

33 Do total de 64 profissionais contratados pela DPESP, que atuam nos CAMs em todo o estado de São Paulo e

atendem aos critérios de seleção estabelecidos pelo estudo, 02 profissionais estavam de Licença Saúde durante o

período da coleta de dados.

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Método 111

Tabela 3 - Etapas do estudo, Técnicas de coleta de dados e Critérios de inclusão.

Etapas do estudo Técnicas de Coleta Critérios de Inclusão

Etapa I Análise Documental Entrevista não estruturada e exploratória (informantes-chave)

Não se aplica.

a) atuar na Ouvidoria da DPESP e trabalhar na instituição no período da implantação do CAM

b) ser profissional da DPESP com atuação em órgãos administrativos distintos do CAM, com

interesse e atuação na área de saúde mental, e ter atuado na Instituição no período da implantação

do CAM ;

c) ser representante de movimento social; ter participado da instituição no período da implantação

do CAM e ser atuante na DPESP.

Etapa II

Etapa III

Observação Direta

Entrevista semiestruturada presencial (profissionais do CAM)

Entrevista semiestruturada com usuários do serviço com

demanda em saúde mental

Entrevista semiestruturada não presencial (on-line)

(profissionais do CAM)

a) pessoas presentes na sala de triagem da Unidade da DPESP selecionadas para serem

observadas (público em geral, profissionais e usuários do serviço).

a) atuar na DPESP no período de implantação do CAM;

b) ser profissional do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado

de São Paulo;

c) ser Defensor Público e estar no exercício da coordenação do CAM ou ser agente da defensoria

(psicólogo ou assistente social) e atuar no CAM desde a implantação do serviço;

d) ter experiência em equipe do CAM completa (defensor, psicólogo e assistente social) e/ou

atuação na Comissão de Estudos Interdisciplinares da DPESP;

e) ter experiência profissional em Unidade da DPESP da Capital e/ou do Interior.

a) ser familiar (ou representante legal) de pessoas com demandas de saúde mental ou ser pessoa

com demanda de saúde mental, com idade igual ou superior a 18 anos, e que tenha preservada a

responsabilidade legal por seus atos;

b) ser indicado pelos responsáveis pelo atendimento do CAM ;

c) ser usuário do serviço de Unidade de Regional da Região Metropolitana ou do Interior.

a) ser profissional do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de

São Paulo;

b) ser Defensor Público e estar no exercício da coordenação do CAM ou ser agente de defensoria

(psicólogo e assistente social) e estar atuando na DPESP desde a implantação do CAM;

c) pertencer a Unidade de Regional da Capital, da Região Metropolitana ou do Interior.

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Método 112

Tabela 4 - Objetivos (geral e específicos), técnicas de coleta de dados e participantes (especificação e número)

Objetivo geral

Objetivos Específicos

Técnicas de Coleta de dados

Participantes

(especificação) e (nº)

Descrever as características de existência da

demanda de saúde mental atendida pela

DPESP.

1. Entrevistas presenciais

2. Entrevistas não presenciais (on-

line)

1. Profissionais do CAM e usuários

do serviço com demandas de saúde

mental (19)

2. Profissionais do CAM (38)

Analisar como se caracteriza o acesso à

justiça para pessoas com demanda de

saúde mental na Defensoria Pública do

Estado de São Paulo.

Identificar quais são os direitos negados e/ou

reivindicados pela/para a demanda de saúde

mental.

1. Observação

2. Entrevistas presenciais

3. Entrevistas não presenciais (on-

line)

1. Profissionais do CAM e usuários

do serviço presentes no local da

triagem; (não consta)

2. Profissionais do CAM e usuários

do serviço com demandas de saúde

mental (pessoais ou familiares); (19)

3. Profissionais do CAM (38)

Analisar a atuação dos profissionais da

DPESP na garantia de direitos relativos à

saúde mental.

1. Entrevistas 1. Profissionais da DPESP;

profissionais da ouvidoria;

representante de movimento social;

profissionais do CAM; usuários do

serviço com demandas de saúde

mental (56).

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Método 113

Figura 2- Desenho das etapas do estudo – Síntese

Etapas do Estudo

Etapa I

Análise Documental

Entrevistas informantes-chave

Etapa II

Entrevista presencial com

profissionais CAM

Entrevista com usuários do

serviço

Observação Direta

Etapa III

Entrevista não- presencial com profissionais do

CAM

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Método 114

5.4.3 Considerações éticas

A realização do presente estudo foi baseada na Resolução nº 466 do Conselho

Nacional de Saúde (CNS) que dispõe sobre normas regulamentadoras de pesquisas

envolvendo seres humanos (CNS, 2012). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética da

Escola de Enfermagem da Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e aprovado em

07/08/2013, em sua 164ª reunião ordinária, Protocolo CAAE 16965813.0.0000.5393

(ANEXO B). A proposta de estudo foi devidamente autorizada pela Defensoria Pública-Geral

do Estado, instituição coparticipante, conforme documento SGPDOC 43723/2013 (ANEXO

A).

O estudo envolve diferentes grupos de participantes e todos foram informados de

que a pesquisa estava devidamente autorizada pela Defensoria Pública-Geral. Para cada grupo

foi elaborado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICES G, H, I, J e K),

apresentado ao participante para análise e verificação de sua concordância antes do início das

entrevistas (presencial ou não presencial). Tal documento esclarece quanto ao anonimato e à

liberdade de interromper a participação na pesquisa quando houver necessidade, sem que isso

lhe acarrete dano pessoal e/ou profissional e foram apresentados, também, os objetivos do

estudo. Os participantes foram informados de que os dados obtidos serão utilizados para

elaboração de trabalho científico, e possível publicação.

No caso de entrevistas presenciais, após a leitura do termo e dos esclarecimentos

que se fizeram necessários, diante da aceitação das condições propostas por parte do

convidado, foi formalizada a concordância com assinatura do documento (pelo entrevistado e

pelo entrevistador) em duas vias do TCLE (uma para a pesquisadora e outra para o

entrevistado). No caso das entrevistas não presenciais, o participante manifestava sua

concordância ao enviar suas respostas por e-mail.

Com o objetivo de preservar as informações sobre os entrevistados (profissionais

e usuários do serviço), não serão divulgados dados de identificação, regionais às quais

pertencem ou informação que possibilite a identificação de profissionais por cargo ocupado.

Serão apresentadas, somente, informações referentes à qual regional o participante pertence

como sendo da Capital (que conta com 6 regionais), da Região Metropolitana (4 regionais) ou

do Interior (14 regionais).

O mesmo cuidado será adotado no tratamento das informações obtidas para a

realização das entrevistas não presenciais em que o roteiro de entrevista foi enviado por e-

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Método 115

mail a todos os profissionais que atuam no CAM de todo o estado (24 regionais). Todos os

formulários foram identificados por códigos visando a não identificação dos profissionais

durante o tratamento e a análise dos dados, mas garantindo a possibilidade de retirada do

material, caso no decorrer do tempo o participante optasse por não mais participar do estudo,

fato que não chegou a ocorrer.

As entrevistas com os usuários do serviço foram realizadas em datas e horários, de

preferência, que conciliassem com seus atendimentos no CAM, para que não fossem geradas

despesas adicionais de transportes aos participantes. Quando necessário, foi realizado o

ressarcimento das despesas de transporte aos participantes.

5.4.4 Análise de dados

Os dados sociodemográficos levantados em entrevistas foram sistematizados para

descrever o perfil dos participantes (idade; sexo; estado civil; escolaridade; experiência

profissional), e os dados das observações foram incluídos na análise de dados com a

finalidade de contribuir para a discussão sobre a caracterização geral dos serviços de triagem

de diferentes regionais que fazem o acolhimento das demandas da DPESP. Da análise da

documentação foram selecionadas as normas internas que se referiram mais diretamente aos

objetivos do estudo, apresentadas e analisadas juntamente com os dados coletados nas

observações do serviço de atendimento inicial visando contribuir para o entendimento da

estrutura física e normas previstas para o acolhimento da demanda em estudo. Tais

informações tiveram como objetivo oferecer subsídios para contextualização do estudo, e

análise do posicionamento institucional perante o tema.

Especificamente em relação à análise das entrevistas (não estruturadas e

semiestruturadas; presenciais ou não presenciais), seguiu-se a proposta de Análise de

Conteúdo, análise que “parte de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível

aprofundado: aquele que ultrapassa os significados manifestos” (MINAYO, 2004, p. 203).

Dentre suas diferentes possibilidades de análise de conteúdo, optou-se pela

utilização da Análise Temática (MINAYO, 2004, 2012), que consiste em identificar e

interpretar os núcleos de sentido que compõem o material:

Qualitativamente a presença de determinados temas denota os valores de referência

e os modelos de comportamento presentes no discurso. Dessa maneira, a análise

considera o que é mais marcante em cada entrevista, sendo recortados os fragmentos

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Método 116

mais significativos dos discursos enunciados privilegiando a compreensão do

sentido do que foi expresso pelos entrevistados e não uma verdade essencialista

(MINAYO, 2004, p. 209).

A opção de procedimento de análise seguiu a proposta da referida autora,

caracterizando-se pela: (i) realização da transcrição das entrevistas; (ii) leitura com análise

aprofundada dos dados, a partir do material coletado; (iii) análise final (em que as duas etapas

anteriores fazem uma inflexão sobre o material empírico), um movimento interpretativo e

dialético (teórico e empírico), em busca de significado.

Inicialmente, foram realizadas diversas leituras dos dados coletados em busca de

aproximação e entendimento aprofundado sobre os temas principais. Na etapa da exploração

do material houve um empenho em atingir os significados dos conteúdos dos sentidos

relatados pelos participantes. A análise foi realizada com procedimentos sistemáticos e os

dados organizados e classificados buscando as especificidades e o significado. A análise

também se pautou nas considerações de Bogdan e Biklen (1994) e em Pope e Mays (2009).

Para Pope e Mays (2009), as transcrições das entrevistas acompanhadas de

anotações de campo das observações oferecem um registro descritivo, mas não podem

oferecer explicações. O pesquisador deve se apropriar dos sentidos dos dados ao examiná-los

atenciosamente e interpretá-los. Nesse sentido, Bogdan e Biklen (1994) enfatizam que, na

busca de conhecimento da metodologia interpretativa, os investigadores analisam os dados em

toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma como foram registrados. Os

investigadores preocupam-se com as perspectivas dos participantes, estão interessados nas

diferentes formas como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas. O significado passa a ter

importância vital, e, ao apreender as perspectivas dos participantes, aprofundando sobre a

dinâmica interna das situações, dos fatos e as experiências dos participantes, frequentemente

invisível para o observador exterior, o investigador construirá o significado (BOGDAN;

BIKLEN, 1994; POPE; MAYS, 2009).

A partir da transcrição das entrevistas, foi possível sistematizar os resultados

procurando a valorização dos aspectos mais relevantes de cada entrevista. Terminada a

estruturação de cada grupo de participantes, foram identificados os temas emergentes em cada

grupo. A exploração das entrevistas seguiu do estudo da entrevista de cada participante para a

análise do grupo: de usuários do serviço, de profissionais do CAM ou de representantes (da

DPESP ou de movimento social).

Para cada grupo foram identificadas e organizadas categorias. Após a análise das

categorias por grupo, a discussão sobre os resultados com a junção de todos os grupos foi

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Método 117

inserida no capítulo da discussão da tese.

Para o grupo de usuários dos serviços, a análise temática, intitulada como “A voz

dos usuários do serviço”, foi organizada em: “As condições de existência das pessoas que

recorrem a DPESP com demanda de saúde mental”; “A trajetória de busca por acesso aos

direitos” e “A busca por acesso à justiça na DPESP”.

Em relação aos resultados dos profissionais, a análise das entrevistas presenciais,

denominada de “A voz dos profissionais do CAM”, foi organizada em: (i) Características das

pessoas atendidas pela DPESP com demanda de saúde mental; (ii) A percepção dos direitos

negados e reivindicados; (iii) A construção de estratégias para o acesso à justiça; (iv) A

construção de alternativas de acesso à justiça para a demanda de saúde mental.

A análise das entrevistas não presenciais foi organizada em: (i) Objetivos do

CAM e atividades realizadas; (ii) Público atendido e seus objetivos na busca pela DPESP; (iii)

Características das pessoas atendidas pelo CAM e os direitos reivindicados; (iv)

Procedimentos adotados pelo CAM; (v) Um panorama estadual. Esse tópico foi denominado

por “A palavra dos profissionais do CAM de todo o território do estado de São Paulo”.

A análise das entrevistas exploratórias foi organizada em: (i) A implantação da

DPESP e (ii) A participação dos movimentos sociais (da implantação aos dias atuais); (i) A

saúde mental na DPESP e (ii) A atuação do CAM.

Após a apresentação das diferentes categorias por grupos de participantes, as

categorias foram analisadas e agrupadas podendo ser sintetizadas conforme quadro a seguir:

Quadro 5 - Síntese de categorias e subcategorias temáticas apresentadas por grupo de

participantes

PARTICIPANTES CATEGORIAS SUBCATEGORIAS

Usuários

Condições de Existência

Trajetória externa à DPESP

Trajetória na DPESP

Profissionais CAM Características de Existência

Direitos negados e/ou reivindicados

Estratégias

Demandas individuais / demandas

coletivas

Atendimento/articulação com a rede/

assessoria/orientação sobre políticas

públicas

Representantes Implantação da DPESP

Participação em movimentos sociais

Saúde mental na DPESP

Atuação do CAM

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Resultados das Observações e da Análise Documental 118

1. CAPÍTULO 4

RESULTADOS DAS OBSERVAÇÕES E

DA ANÁLISE DOCUMENTAL

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Resultados das Observações e da Análise Documental 119

PORTAS DE ACESSO À DPESP: ESTRUTURA FÍSICA E NORMAS

Nesse capítulo será apresentada análise de informações obtidas por meio de

observações realizadas nas dependências dos prédios de atendimento inicial das Unidades da

DPESP, nas quais foram realizadas as entrevistas, com o objetivo de contribuir para o

entendimento da estrutura da instituição para o acolhimento das pessoas que buscam o

serviço. Trata-se, portanto, de material para subsidiar a reflexão sobre as condições estruturais

de acesso à instituição. Na sequência, será apresentada análise de documentos identificados

como importantes para a reflexão sobre como a instituição tem se estruturado em termos de

normas internas para proporcionar o acesso à justiça, especificamente, para os casos relativos

à demanda de saúde mental.

6.1 A porta de acesso tradicional da DPESP – o serviço de atendimento

inicial

O primeiro contato do cidadão com a DPESP ocorre tradicionalmente no serviço

de atendimento inicial também conhecido como o serviço de triagem. Nesse contexto são

realizados os primeiros contatos com os profissionais que irão ouvir as demandas para

encaminhá-las. Trata-se, portanto, de um importante espaço institucional para a organização

dos serviços e para a aproximação do servidor público com o cidadão que traz suas demandas,

conflitos e necessidades diversas. Para a presente reflexão foram consideradas as informações

coletadas por meio das observações em diferentes unidades da DPESP, realizadas nas mesmas

regionais da DPESP em que foram feitas as entrevistas: (i) uma unidade da região

metropolitana; (ii) três unidades do interior; (iii) a unidade de triagem da capital.

Os objetivos dessa estratégia foram os de conhecer a estrutura física oferecida

para a triagem; as atividades de rotina para o acolhimento da população; as características do

público presente e da equipe de profissionais que realizam o atendimento ao público; as

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Resultados das Observações e da Análise Documental 120

características das informações disponíveis e os recursos utilizados para a orientação do

público; localização da unidade; horários de atendimento e tempo de espera; e a comunicação

entre as pessoas presentes.

A experiência de estar no serviço de triagem possibilitou uma aproximação com a

instituição e com o público, oferecendo elementos que subsidiaram reflexões sobre a porta de

acesso tradicional da DPESP. Uma das primeiras informações obtidas sobre os serviços, e que

mobilizou a primeira reflexão sobre as características do acesso à instituição, foi a de que na

Capital o serviço de triagem é centralizado em uma única unidade, na região central. Exceto

os atendimentos referentes aos processos criminais, que se realizam no Fórum Criminal da

Barra Funda, e o atendimento para a defesa de adolescentes, que se realiza na Unidade da

Defensoria de Infância e Juventude, que acontece no Brás. Independente da região de

procedência do usuário do serviço, necessariamente deve comparecer primeiramente na

Unidade de Atendimento Inicial, no Centro da Capital. Após passar pela triagem, tendo sido

identificada a adequação das condições de atendimento e a necessidade jurídica da demanda,

o usuário é encaminhado para a unidade de sua região.

Nas regionais do Interior e da Região Metropolitana os serviços são concentrados

em um único local. A localização das unidades visitadas se caracteriza por serem em bairros

centrais e, quando não, em bairros em que o acesso por meio de transportes públicos também

se faz presente. Todas estavam devidamente identificadas, facilitando a localização. Nenhuma

das unidades visitadas se localizava em bairros periféricos das cidades.

Em todas as unidades o período para a triagem é o da manhã. Em relação às

condições de infraestrutura, dada as devidas proporções entre unidades situadas em

municípios de menor porte e os de médio ou grande porte, foi possível observar uma proposta

comum de organização dos espaços, de organização dos serviços, características das

informações disponíveis e da orientação do público. Identifica-se que a organização do

serviço se estabeleceu em padrões de qualidade previstos para a instituição, a saber: (i) todas

as unidades dispõem de acessibilidade para pessoas com dificuldades de locomoção; (ii) todas

as unidades possuem espaço reservado para crianças como brinquedoteca e fraldário; (iii) em

todas as regionais são disponibilizadas ao público a coleção de folders que abordam temas

mais comuns tratados pela Defensoria para esclarecimentos das dúvidas mais frequentes. O

referido material foi produzido pela própria Defensoria, elaborado com as perguntas mais

frequentes e respostas em linguagem clara e objetiva, visando orientar o público.

Dentre os temas abordados nos folders ressaltam-se: (i) interdição; (ii) direito à

convivência familiar; (iii) guarda e regulamentação de visitas; (iv) execução de alimentos; (v)

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Resultados das Observações e da Análise Documental 121

medicamentos; (vi) uso problemático de álcool e outras drogas e internação por dependência

química; (vii) separação de corpos, abandono de lar, violência doméstica; (viii) creche; (ix)

reconhecimento de paternidade; (x) reconhecimento e dissolução de união estável; (xi)

destituição do poder familiar e abrigamento; (xii) adoção; (xiii) alimentos; (xiv) divórcio; (xv)

superendividamento; (xvi) despejo; (xvii) usucapião; (xviii) direitos dos réus presos; (xix)

planejamento reprodutivo (planejamento familiar); (xx) direitos da vara de execução criminal.

Os folders estão disponibilizados em um painel para ser retirado pelos interessados.

Não há muitas informações afixadas, apenas um mural com divulgação de eventos

promovidos pela DPESP, algumas informações institucionais, cartazes com telefone de

contato com a ouvidoria e cartazes com legislação referente à proibição de fumar.

Em todas as unidades as pessoas aguardavam seu atendimento nas dependências

da instituição, não havia fila de espera fora do prédio, as pessoas permaneciam sentadas,

acomodadas em salas ventiladas, aparelhos de televisão ligados (em baixo som), na presença

de funcionários para esclarecer suas dúvidas. O público predominante era feminino, mães

acompanhadas de seus filhos.

A sequência de chamada ocorria por senhas recebidas ao chegarem aos prédios

(na capital o controle é eletrônico, mas orientado por funcionário também) e os atendimentos

são realizados em salas com divisórias ou em baias para atendimento. O tempo de espera para

ser chamado era variável, entretanto não foram observadas esperas superiores a 40 minutos.

Em nenhuma das unidades visitadas foram observadas intercorrências, ou seja, a

rotina de chegada, retirada de senhas, solicitação de informações, chamada para o

atendimento, checagem de documentação, orientação, comunicação entre funcionários e a

população fluiu de maneira objetiva. Em algumas situações, o agente de defensoria (psicólogo

ou assistente social) era chamado pelos estagiários para prestar algum esclarecimento ao

usuário do serviço.

Duas das unidades visitadas, uma delas a da capital (recentemente inaugurada),

apresentam sistema de teleagendamento, por meio de um serviço 0800 para que os usuários

possam fazer agendamento. Na capital, à época da realização da observação, esses

agendamentos estavam sendo realizados para aproximadamente dois meses após a data da

ligação. Em cada período na capital são atendidos em torno de 600 usuários. Casos de

demanda urgente são orientados no teleagendamento a procurarem o serviço de triagem na

data da ligação ou no dia seguinte, os demais são agendados, visando reduzir o tempo de

espera e as filas nos dias de atendimento.

A equipe que realiza o atendimento é composta por estagiários, defensores

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Resultados das Observações e da Análise Documental 122

públicos e oficiais de atendimento da Defensoria. Os locais contam, também, com a presença

de seguranças e porteiros.

A análise das condições de acesso à DPESP, considerando-se as observações

realizadas, possibilitou identificar que a instituição está investindo em aprimoramento das

estruturas físicas, na disponibilização de pessoas para as devidas orientações ao público,

iniciativas para minimizar o tempo de espera do cidadão, organização de espaços para

atendimentos por características das temáticas como, por exemplo, o espaço para o

atendimento de demanda por vaga em creche ou para pessoas em situação de rua. Em algumas

unidades existe, também, espaço reservado para o serviço do Centro Judiciário de Soluções de

Conflitos e Cidadania (Cejusc) para promover conciliações, um serviço de parceria da DPESP

e Tribunal de Justiça-SP.

Em síntese, a porta de acesso tradicional da DPESP, o serviço de atendimento

inicial encontra-se estruturado em bairros de fácil acesso por meio transporte coletivo, mas

distante de bairros periféricos ou locais em que se encontra predominantemente o público alvo

da instituição. A pessoa para comparecer ao serviço precisa estar em condições de

compreensão das condições e critérios para atendimento, e ter tempo disponível para dar

encaminhamento as suas demandas. Em alguns locais, é preciso ter acesso a telefone para

fazer seu teleagendamento, uma dificuldade, principalmente, para as pessoas em situação de

rua atendidas pela instituição. Entretanto, o teleagendamento não exclui a possibilidade de a

pessoa ir diretamente ao serviço e receber as orientações necessárias.

Especificamente, para os casos de pessoas portadoras de transtornos mentais que

compareçam ao serviço de atendimento inicial e, eventualmente, estejam sem condições de se

fazerem compreender por alguma dificuldade emocional e/ou de pensamento, o serviço prevê

o encaminhamento para atendimento com os profissionais do CAM (Agente de Defensoria

Psicólogo ou Assistente social), visando compreender a demanda e/ou orientar os

procedimentos a serem adotados. Em todas as unidades visitadas esses profissionais se

fizeram presentes durante o período previsto para triagem prestando informações e fazendo

orientações dos usuários.

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Resultados das Observações e da Análise Documental 123

6.2 O acesso à DPESP para o atendimento de pessoas com demanda de

saúde mental: uma análise das normas internas

Dentre a documentação analisada, procurou-se as referências que pudessem se

relacionar mais diretamente com a temática em estudo. Rastreando o caminho das normas

internas, identificou-se que a previsão do Centro de Atendimento Multidisciplinar já constava

na Lei Complementar Estadual nº 988 /2006 (SÃO PAULO, 2006), a lei que organiza a

Defensoria Pública do Estado. Esses centros surgiram como órgãos auxiliares da Defensoria

Pública e institucionalizaram o atendimento interdisciplinar. Internamente, em 12 de agosto

de 2010, a Deliberação do Conselho Superior da DPESP nº 187 (DPESP, 2010) disciplinou a

sua estrutura e seu funcionamento, deliberação consolidada pela CSDP nº 288, de 10 de

janeiro de 2014 (DPESP, 2014), a partir dos seguintes princípios:

Artigo 1º. São princípios que informam os serviços dos Centros de Atendimento

Multidisciplinar:

I - Humanização do atendimento;

II – Instrumentalidade da atuação dos Centros de Atendimento Multidisciplinar em

relação à missão institucional da Defensoria Pública, prevista na Lei Complementar

nº 80, de 12 de janeiro de 1994 e na Lei Complementar Estadual nº 988, de 9 de

janeiro de 2006;

III – Não substitutividade da rede de serviços das políticas públicas;

IV - Não substitutividade do atendimento jurídico cabível, em cada caso, ao Defensor Público;

V - Estrita obediência aos códigos de ética e demais normas que regulam o

exercício das atividades dos profissionais integrantes dos Centros de Atendimento

Multidisciplinar;

VI - Preservação da independência técnica na área de atuação;

VII - Fundamentação do trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da

dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano;

VIII - Preservação prioritária dos interesses do usuário atendido pela Defensoria

Pública ou pelo Defensor solicitante da intervenção psicossocial, sem prejuízo da

independência técnica;

IX – Preservação da privacidade nos atendimentos;

X - Intercâmbio de informações entre os profissionais que atuam no caso, garantindo-se o sigilo de informações colhidas;

XI - Respeito à autonomia do usuário, considerando suas potencialidades e

limitações individuais;

XII – Não obrigatoriedade da submissão do usuário ao atendimento psicossocial

como condição à assistência jurídica;

XIII - Interdisciplinaridade e intersetorialidade do atendimento;

XIV - Informação ao usuário em relação à existência, ao propósito e natureza do

atendimento psicossocial;

XV - Presteza no atendimento das solicitações;

XVI – Adoção da perspectiva preventiva, socioeducativa e promocional;

XVII – Articulação com a rede de atendimento psicossocial e outras políticas sociais e de saúde.

Um dos aspectos relevantes a serem lembrados dessa deliberação refere-se à

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Resultados das Observações e da Análise Documental 124

previsão de uma Comissão para tratar assuntos interdisciplinares. Trata-se de uma Comissão

composta por profissionais de diferentes áreas da instituição e provenientes de diferentes

regionais do estado, possibilitando a interação de diferentes saberes. Espaço institucional que

pode ser utilizado para tratar de temas relacionados à demanda de saúde mental:

Artigo 7º- CSDP nº 187/2010. A Defensoria Pública-Geral constituirá Comissão de

Estudos Interdisciplinares, composta por Defensores Públicos e Agentes de

Defensoria que terá por atribuições analisar casos paradigmáticos, sugerir rotinas ao

Conselho Superior da Defensoria Pública, apontar diretrizes de atuação e apreciar

propostas formuladas pela Assessoria Técnica Psicossocial (DPESP, 2015).

Uma das referências documentais de maior relevância para o objetivo desse

estudo é a Deliberação do Conselho Superior da DPESP nº 219/2011 (DPESP, 2011) que

regulamenta as hipóteses de atendimento pela Defensoria Pública ao usuário em sofrimento

ou com transtorno mental. Tal Deliberação parte das necessidades da Defensoria de:

Adequar-se à inafastabilidade do direito à assistência jurídica integral e gratuita à

dificuldade de comunicação, expressão e compreensão do usuário em sofrimento

mental;

Definir a rotina administrativa para delinear a atuação dos Defensores Públicos no

atendimento das pessoas em sofrimento ou com transtorno mental (DPESP, 2015).

Nessa deliberação são observadas condições para a garantia do acesso aos

serviços da Defensoria para casos em que possam ocorrer dificuldades de comunicação,

visando proporcionar intervenções que facilitem o encaminhamento das demandas do usuário.

A preocupação com a comunicação entre o usuário do serviço e o profissional que

faz o atendimento surge logo no início da deliberação, mencionando-se a possibilidade de ser

acionado o agente da defensoria:

Artigo 1º - CSDP Nº 219/2011. Durante o atendimento, sempre que o Usuário

apresentar dificuldade de comunicação decorrente de aparente sofrimento ou

confusão mental, o Defensor ou Servidor da Ouvidoria-Geral, responsável pelo

atendimento ou que esteja supervisionando a atividade, poderá acionar a intervenção imediata de Agente de Defensoria que integre o Centro de Atendimento

Multidisciplinar da Unidade.

§1º. O Agente de Defensoria prosseguirá no atendimento do Usuário em conjunto

com o Defensor Público Coordenador do Atendimento, ou com o Defensor por este

indicado, ou com o Servidor da Ouvidoria-Geral.

§2º. A intervenção imediata referida no “caput” visa facilitar a comunicação entre

os envolvidos, seja para compreensão da pretensão jurídica pelo Defensor Público,

seja para compreensão da orientação jurídica pelo Usuário (DPESP, 2015).

O encaminhamento do usuário ao CAM quando identificada condição que precise

de atenção psicossocial está previsto no artigo 2º:

Artigo 2º - CSDP Nº219/2011. Identificado pelo Defensor Público Coordenador do

Atendimento e pelo Agente de Defensoria envolvido no atendimento que a

dificuldade de comunicação ou compreensão está associada a uma condição de

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Resultados das Observações e da Análise Documental 125

sofrimento mental que demande atenção psicossocial, poderá ser oferecida ao

Usuário identificação específica de atendimento pelo Centro de Atendimento

Multidisciplinar da Unidade (DPESP, 2015).

No artigo 3º estão definidas a participação, as responsabilidades do Agente da

Defensoria (psicólogo ou assistente social) e os procedimentos para os casos de condição de

vulnerabilidade do usuário do serviço incluindo o encaminhamento à rede social de apoio ou

serviços públicos:

Artigo 3º - CSDP Nº 219/2011. Caberá ao Agente de Defensoria que participou do

primeiro atendimento dar início a procedimento administrativo em que conste como

interessado o Usuário, vinculado ao Centro de Atendimento Multidisciplinar da

Unidade e que ficará sob sua responsabilidade.

§1º. O Agente responsável deverá adotar as providências necessárias e medidas que

visem atender à demanda que decorra da condição de vulnerabilidade do Usuário,

tais como encaminhamento à rede social de apoio ou aos serviços públicos de saúde e assistência social (DPESP, 2015).

Identifica-se no artigo 4º a previsão da participação do Agente da Defensoria tanto

para buscar a compreensão e identificação de demanda jurídica nos casos de maior

dificuldade de comunicação quanto para auxiliar o Defensor Público na comunicação com o

usuário:

Artigo 4º - CSDP Nº219/2011. Identificado fato que possa significar a existência de

pretensão jurídica, caberá ao Agente de Defensoria buscar orientação jurídica a ser prestada pelo Defensor Público responsável pelo atendimento.

§3º. O atendimento será acompanhado pelo Agente de Defensoria, que auxiliará na

comunicação, seja para a melhor compreensão da pretensão pelo Defensor Público,

seja para a compreensão da orientação técnica pelo Usuário (DPESP, 2015).

De fundamental relevância a previsão tratada no artigo 8º ao estabelecer

procedimentos para atuação nos casos em que sejam identificadas falhas ou insuficiência de

serviços públicos:

Artigo 8º - CSDP Nº 219/2011. Identificando o Agente de Defensoria, durante os

atendimentos ao Usuário, fato que indique ausência, falha ou insuficiência de

serviço público específico, deverá submeter à questão ao Defensor Público

Coordenador da Unidade, que decidirá sobre a abertura de procedimento administrativo a ser distribuído a um dos Defensores Públicos, dando-se ciência ao

Coordenador do Centro de Atendimento Multidisciplinar (DPESP, 2015).

No artigo 9º fica especificado o papel do CAM e dos Núcleos Especializados para

subsidiarem e atuarem na defesa dos interesses difusos e coletivos, intervindo dessa maneira

no desenvolvimento de políticas públicas.

Artigo 9º - CSDP Nº 219/2011. Os dados colhidos durante os atendimentos do

Usuário deverão ser encaminhados à Assessoria Técnica Psicossocial, para

compilação de dados, com posterior remessa ao Núcleo Especializado competente,

visando o desenvolvimento de políticas públicas, sem prejuízo da adoção de atuação

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Resultados das Observações e da Análise Documental 126

imediata no caso concreto, na defesa dos interesses difusos e coletivos dos Usuários.

Parágrafo único. O Núcleo Especializado não substituirá a atuação do Defensor

Público natural, devendo ser observados os critérios e procedimentos para o

encaminhamento da demanda, definidos no Regimento Interno do Núcleo

Especializado (DPESP, 2015).

Observa-se no artigo 10 o cuidado em especificar a voluntariedade do usuário da

DPESP para ser atendido pelo CAM tendo em vista que a princípio a busca pela instituição

tem objetivo de atendimento por defensor público:

Artigo 10 – CSDP Nº 219/2011. A adesão, pelo Usuário, ao procedimento regulado

por esta Deliberação é voluntária (DPESP, 2015).

Essa deliberação prevê, também, o aprimoramento e a qualificação dos

profissionais da instituição com iniciativas da Escola da Defensoria Pública:

Artigo 11 – CSDP Nº 219/2011. A Escola da Defensoria Pública deve implementar

programa permanente voltado ao aprimoramento e qualificação profissional dos

Agentes de Defensoria Pública, bem como ao intercâmbio de conhecimentos entre

os profissionais da instituição (DPESP, 2015).

Entende-se que, em termos de normas internas, a DPESP cuidou para que a

instituição tivesse respaldo para oferecer condições de acesso à justiça para pessoas com

demandas de saúde mental, assim como pudesse oferecer atendimento especializado,

considerando-se, tanto a Deliberação do Conselho Superior da DPESP nº 187 (DPESP, 2010)

- que disciplinou a estrutura e o funcionamento dos CAMs, com a previsão de Comissão para

tratar de assuntos interdisciplinares, e a previsão da qualificação dos profissionais pela Escola

da Defensoria; quanto a Deliberação CSDP nº 219/2011 (DPEPS, 2011) que implementou o

CAM, previsto na Lei Complementar Estadual nº 988 /2006 (SÃO PAULO, 2006). Essa lei

estadual preceitua como atribuição institucional da Defensoria Pública a tutela individual e

coletiva das pessoas necessitadas, vítimas de discriminação em razão de deficiência física,

imunológica, sensorial ou mental ou em razão de qualquer outra particularidade ou condição.

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Resultados das Observações e da Análise Documental 127

A voz (e o silêncio) das pessoas com sofrimento mental.

“São muitas dores juntas...” (Socorro, mãe de Linda)

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2. CAPÍTULO 5

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM

OS USUÁRIOS DO SERVIÇO

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 129

As entrevistas com os usuários do serviço do CAM, na DPESP, que

apresentassem demandas de saúde mental efetivaram-se com pessoas que recorreram ao

serviço para si ou para familiares. Sete entrevistas foram realizadas, sendo que em uma delas

compareceram duas pessoas que tinham demandas pessoais (mãe e filha); em outra estiveram

presentes dois familiares da pessoa que tinha a demanda (filho e sobrinha); em uma terceira

entrevista, o participante buscou o serviço para dois familiares (dois filhos). Nas outras

quatro, uma pessoa foi entrevistada para cada caso de demanda. Em síntese, foram

identificadas nove pessoas com demanda de saúde mental, oito participantes foram

entrevistados em sete entrevistas realizadas.

Os resultados foram organizados na seguinte sequência: (i) inicialmente, uma

tabela descritiva com os dados sociodemográficos dos participantes separados em sete

entrevistas, distinguindo-se entrevistados e as pessoas com demandas de saúde mental;

informações sobre a idade, gênero, escolaridade, estado civil, atividade profissional e região a

que pertence (Interior ou Região Metropolitana); (ii) apresentação das pessoas entrevistadas a

partir dos discursos sobre si e/ou sobre seus familiares; (iii) análise temática visando

responder as questões sobre a caracterização da demanda de saúde mental e o processo de

acesso à justiça descrito pelos participantes.

A análise temática, intitulada como “A voz dos usuários do serviço”, foi

organizada em: “As condições de existência das pessoas que recorrem a DPESP com

demanda de saúde mental”; “A trajetória de busca por acesso aos direitos” e “A busca por

acesso à justiça na DPESP”.

Os nomes de todos os participantes foram omitidos e outros foram atribuídos pela

pesquisadora visando à preservação da identidade dos mesmos. Ao ser apresentado o item –

Apresentação dos usuários do serviços -, os títulos propostos emergiram dos discursos dos

próprios entrevistados durante seus relatos.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 130

7.1. Tabela descritiva com os dados sociodemográficos dos participantes

Tabela 5 - Dados dos usuários do serviço do CAM da DPESP que buscaram os serviços para si ou para seus familiares com demanda de saúde

mental

continua...

Entrevista Usuários do

serviço

Com demanda

(ou não) Entrevistado Idade Sexo Escolaridade Estado civil Trabalho Regional

1 Mário (filho) Não Sim 21 M Não consta União

estável

Trabalhador

rural

Região

Metropolitana

1 Cleonice

(sobrinha)

Não Sim Não

consta

F Não consta Não consta Atendente

UBS

Região

Metropolitana

1 Elisa Sim

Não 41 F Não alfabetizada Separada Não trabalha Região

Metropolitana

2 Maria das

Dores (mãe)

Sim Sim 68 F Não consta Casada Do lar Região

Metropolitana

2 Cristal (filha) Sim Sim 40 F 3ª série / 20 anos (escola especial)

Solteira Do lar Região Metropolitana

3 Messias (pai) Não Sim 68 M 3 meses Casado Aposentado

por invalidez

Interior

3 Tim (filho) Sim Não 40 M Não consta Casado Não consta Interior

3 Leandro

(filho)

Sim Não 31 M Não consta Solteiro Pintor Interior

4 Salvador (pai) Não Sim 55 M Técnico de

enfermagem

Casado Aposentado

por invalidez

Interior

4 Júnior (filho)

Sim Não 25 M Não consta Solteiro Padeiro e confeiteiro

Interior

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 131

continuação...

Entrevista Usuários do

serviço

Com demanda

(ou não) Entrevistado Idade Sexo Escolaridade Estado civil Trabalho Regional

5 Socorro (mãe) Não Sim Não

consta

F Técnico de

enfermagem

Separada Técnico de

enfermagem

Interior

5 Linda (filha)

Sim Não 38 F Não consta Não consta Não trabalha Interior

6 Maria da Penha

Sim Sim 29 F Ensino médio Separada Não trabalha Região Metropolitana

7 Irma

(irmã)

Não Sim Não

consta

F

Não consta Casada Confeiteira Região

Metropolitana.

7 Getúlio Sim Não 52 M Superior

(História)

Solteiro Não atua Região

Metropolitana

conclusão...

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 132

7.2 Apresentação dos usuários do Serviço

Entrevista 1: Elisa – “A Mendinga”

Elisa tem 41 anos, não é alfabetizada (“ou se esqueceu”, “tá aprendendo a

escrever o seu nome”), trabalhou por cinco anos em empresa de reciclagem, tem seis

filhos de pais distintos. Cinco meninos foram criados pelos pais e uma menina que

completou um ano (de pai desconhecido) foi retirada de Elisa na maternidade e levada

para um abrigo. A criança está sob a guarda provisória de uma prima de Elisa e de seu

marido, e o contato com ela não está autorizado por responsáveis pela criança. A

retirada da criança da mãe, o encaminhamento para abrigo, a solicitação de guarda pelo

casal foram realizados sem o conhecimento de Mário (filho) e de Cleonice, sobrinha por

consideração. Elisa era moradora de rua, sobreviveu do lixo durante a gravidez, e era

conhecida como “A mendinga”. Seus irmãos foram responsáveis pela autorização e

entrega da criança na maternidade. Elisa é portadora de transtorno mental, e em sua

família existe histórico de duas irmãs com quadros psiquiátricos, sendo que uma delas

suicidou. Seus irmãos se apropriam de seus benefícios, se utilizam de seu dinheiro, e se

desfizeram de uma casa e de um barraco, que eram de sua propriedade. Enquanto isso,

Elisa permanecia na rua, vivia do lixão e era exposta a diferentes privações e violência.

Cleonice não pode resolver a situação de Elisa “por não ter grau de parentesco

legalmente reconhecido”. Com a maioridade de Mário, e com a iniciativa de Cleonice

de trazê-lo do nordeste para São Paulo, foi possível internar Elisa. Ela permaneceu em

hospital psiquiátrico por 10 dias e, à época da entrevista, tinha tido alta e encontrava-se

em acompanhamento ambulatorial no CAPS. Mário buscou o tratamento para a mãe,

deu início aos processos de sua interdição junto à DPESP e ao de solicitação da guarda

da irmã.

PARTICIPANTES: filho e sobrinha

Mário é filho de Elisa, tem 21 anos, é casado, pai de um menino e mora em uma

fazenda do pai, no nordeste, juntamente com esposa e filho. Aos quatro anos, mudou-se

para o nordeste com o pai, ocasião em que Elisa havia resolvido deixar a família, e o

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 133

filho não teve mais contato com a mãe.

Cleonice é sobrinha do pai de Mário, e de Elisa por “consideração”. Atendente de

Unidade Básica de Saúde e tem um casal de filhos. Mora com seus filhos na casa de

seus pais, com mais dois irmãos e um primo. A casa de seus pais também abriga Mário

e Elisa, enquanto Mário permanece em São Paulo para resolver a situação da mãe.

Cleonice relata ter sido cuidada por Elisa quando criança e que era na casa da mãe de

Cleonice que Elisa buscava ajuda, de tempos em tempos, nos períodos em que vivia na

rua.

Entrevista 2: “A veia louca”, “O aleijado” e “A retardada”

Mãe e filha buscam a DPESP por serem vítimas de violência doméstica por parte

do filho mais velho da família, Abel, 54 anos, vigia, pai de cinco filhos de

relacionamentos distintos. Ele morava na casa dos pais até determinação judicial recente

para sair. Abel as agredia física e emocionalmente assim como ao pai acamado. Além

de sofrerem agressões, o filho entrou com processo de interdição dos pais e da irmã

alegando insanidade, motivo pelo qual acionaram a DPESP para se defenderem. Abel

havia entrado com esse processo de interdição, também pela DPESP. De acordo com

mãe e filha, por interesse no imóvel do pai, em que a família mora, e em uma pensão

que a irmã recebia (atualmente não recebe mais). Segundo as entrevistadas, Abel se

dirige aos familiares como “a veia louca”, “o aleijado” e “a retardada”. Relatam

diversas situações de agressões; ocorrências policiais constantes; tentativa de internação

da mãe e da irmã alegando insanidade (que não se concretizou por intervenção dos

vizinhos). Abel chegou a ser preso após agredir o pai. Atualmente, é impedido de entrar

na casa dos pais, mora de aluguel e os processos de interdição da mãe e da irmã estão

em andamento. Embora tenha sido mencionado na entrevista que havia solicitação de

interdição do pai, as referências de terem passado por audiência e por perícia

psiquiátrica se restringiram a mãe e a filha. Os resultados são parcialmente conhecidos,

a mãe não foi considerada incapaz – “louca”.

PARTICIPANTES: mãe (idosa) e filha (deficiente mental)

Maria das Dores, 73 anos, casada, dona de casa, mãe de quatro filhos, cuida do esposo

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 134

que tem sequelas de acidente e de AVC, e é acamado. Ela também foi vítima de AVC e

tem algumas dificuldades de fala, faz acompanhamento medicamentoso, tem também

dificuldades de locomoção por problemas nos pés, tendo se submetido a uma cirurgia à

época da entrevista.

Cristal, 40 anos, solteira, estudou até a terceira série e permaneceu em escola especial

por 20 anos. Fez tratamento no Hospital das Clínicas, no CAPS, atualmente faz

tratamento neurológico e faz uso de medicamentos que são retirados no CAPS.

Entretanto, não soube informar seu diagnóstico, embora tenha posse de um laudo. Ela

cuida da casa, faz serviços de banco, de farmácia e de supermercado, acompanha a mãe

em todas as suas atividades em casa e fora.

Entrevista 3: O “Clínico Geral” e o “Especialista em pintura”

Senhor Messias busca a DPESP encaminhado pelo CAPS para solicitar

internação compulsória para seus dois filhos usuários de drogas:

Tim, 40 anos, em segundo relacionamento, 3 filhos (18, 21 e 5 anos), usuário de

maconha, cocaína e crack (“ele se diz Clínico geral: o que vier eu pego”). Já passou por

11 ou 12 internações em diferentes hospitais e Comunidades Terapêuticas, ficou

internado por cinco meses e meio e teve alta antecipada porque a clínica teve seu

convênio encerrado com a prefeitura. Está em tratamento no CAPS e frequentando o

Amor Exigente. A última internação foi compulsória, ele estava falando de suicídio,

estava “louco”, havia emagrecido 12 quilos em 2 meses, o médico tinha dado no

máximo 6 meses de vida pra ele, caso não fosse internado. Ele mesmo dizia que se não

fosse internado iria morrer. Foi por esse motivo que foi encaminhado à DPESP. Quando

menor de idade, se envolveu em ocorrência policial por causa de drogas, mas não ficou

preso.

Leandro 31 anos, solteiro, mora com os pais, “especialista em pintura”, usuário

de crack, passou por 8 ou 9 internações em comunidades terapêuticas em diferentes

municípios. Ele sumia com objetos da casa, dinheiro, mentia na rua pra pedir dinheiro

para droga. A família tinha que deixar tudo trancado na casa para ele não trocar por

drogas. Envolvia-se em dívidas. O pai assumiu suas dívidas de carro e de cartão de

crédito. Chegou a se envolver em situações de desacato à autoridade, roubo para

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 135

comprar drogas e ser intimado a pagar cesta básica. A última internação foi compulsória

porque se recusava a ir ao CAPS, entretanto não se opôs à internação. Está internado em

Clínica Terapêutica em município vizinho ao de seus pais.

PARTICIPANTE: o pai

Senhor Messias, 68 anos, aposentado por invalidez, faz tratamento de câncer, já passou

por 12 cirurgias, morou na roça, estudou por três meses e trabalhou na lavoura. Na

cidade, trabalhou em fábrica e em posto de gasolina. Viúvo, tem um filho do primeiro

casamento, casou-se pela segunda vez, tem uma filha e um filho do segundo casamento

e 3 netos. Sua esposa tem 67 anos e é diarista. Procurou a DPESP por necessidade de

internação de dois filhos. Há 22 anos lida com o problema deles com as drogas.

Entrevista 4: Júnior - “O Zumbi”

Júnior tem 25 anos, é padeiro e confeiteiro, aos 16 anos começou a frequentar o

CAPS, possui diagnóstico de “esquizofrenia moderada”. Abandonou o tratamento no

CAPS e se envolveu com drogas (maconha, cocaína e crack), apresentando maior

gravidade a partir dos 20 anos. Sumia de casa por dias, ficou um “Zumbi”, perdeu o

discernimento do que era certo e do que era errado. A mãe tem “Esquizofrenia

Crônica”, assim como os irmãos dela. Ela nunca foi internada, Sr. Salvador optou por

cuidar da esposa em casa. Para o filho, ele procurou ajuda na Prefeitura, que

encaminhou novamente ao CAPS. Do CAPS foi orientado a buscar a DPESP, já que seu

filho não aceitava a internação voluntária. Na DPESP, providenciaram a internação

compulsória. Permaneceu na Clínica, localizada em outro município, por cinco meses e

meio. Quando saiu, passou a fazer uso descontrolado de drogas e a roubar para

conseguir dinheiro para consumir as drogas. Após um mês da alta, foi preso por ter se

envolvido em um roubo. Enquanto isso tramitava a solicitação do pai junto à DPESP

para outra internação, que foi autorizada quando Júnior já estava detido. Na data da

entrevista, fazia um ano que Júnior estava preso e desde então a DPESP passou a cuidar

de seu processo criminal.

PARTICIPANTE: o pai

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 136

Senhor Salvador, 55 anos, vigia aposentado por invalidez (epilepsia, angina e infarto),

trabalhou muitos anos na lavoura, doze irmãos, casado, tem um filho biológico de 25

anos (Júnior) e uma filha de criação (sobrinha) de 35 anos (casada e com filhos).

Técnico em enfermagem. Faz tratamento para Epilepsia e Coração. Procurou a DPESP

para buscar internação para o filho que tem diagnóstico de esquizofrenia e é usuário de

drogas – “O Zumbi”.

Entrevista 5: “Linda”

Linda tem 38 anos, é mãe de dois filhos, um de 17 e outro de 11 anos. Desde a

adolescência apresenta problemas psiquiátricos que se agravaram após o nascimento do

primeiro filho. Diagnosticada como Portadora de Transtorno Bipolar (“Psicose Maníaco

Depressiva”) permaneceu em situação de rua, fazendo uso de drogas e se envolvendo

em situações de riscos (com possibilidade de ter sido estuprada), de promiscuidade, e

em ocorrências policiais. Socorro, a mãe, procurou a DPESP por necessidade de se

proteger das agressões da filha. Ao mesmo tempo, pessoas do comércio do centro da

cidade estavam acionando a justiça por motivos de tumultos causados por Linda. Ela

chegou a ser presa por roubo. A própria Linda buscava a DPESP para reivindicar a

guarda dos filhos. Seus filhos foram recolhidos em Orfanato, lá permaneceram por um

ano, e Linda perdeu o poder familiar. Eles foram colocados para adoção, ocasião em

que Socorro entrou com o pedido da guarda e conseguiu. Quando em surto, Linda tem

comportamentos muito agressivos e por várias vezes atentou contra a vida da mãe.

Passou por 26 ou 27 internações em hospital psiquiátrico na cidade. Por intermédio da

DPESP foi providenciada a sua internação compulsória em Clínica de Recuperação de

drogas, em outro município. Após 6 meses de tratamento teve alta, iniciou tratamento

no CAPS ad. Foi encaminhada ao CAPS mental, surtou novamente, voltou a ser

internada. A seguir, voltou para a casa de Socorro, faz acompanhamento

medicamentoso, não usa drogas há três anos. Não consegue permanecer em emprego,

mas “Cuida da casa, cozinha, lava e passa do jeito dela, é vaidosa. É Linda” (Socorro).

PARTICIPANTE: a mãe

Socorro é técnica em enfermagem, tem uma filha e dois netos, não tem contato com o

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 137

pai de sua filha, última notícia que possui foi a de que ele estava em condição de

morador de rua, ele é dependente químico com histórico psiquiátrico. Socorro mora com

os dois netos na casa ao lado da casa da filha. Buscou a DPESP por necessidade de se

proteger dos riscos aos quais estava exposta pelo comprometimento psiquiátrico e uso

de drogas da filha Linda.

Entrevista 6: “Maria da Penha”

Maria da Penha relata diversas dificuldades no relacionamento com a mãe, para

quem foi destinada a guarda provisória de seus dois filhos. A mãe a impedia de ver as

crianças e, a sete semanas da data da entrevista, havia entregado as crianças para o pai.

Desde então, Maria da Penha não teve mais contato com seus filhos, não sabe nem

mesmo o endereço do ex companheiro. Maria da Penha permaneceu com o pai das

crianças por um período aproximado de dois anos, o convívio sempre foi de muita briga

e de agressões físicas, faltava comida e ela teve anemia durante a gravidez. Ela relata

que sofria agressões físicas também de seus familiares (mãe e irmãos) tendo, inclusive,

registrado boletins de ocorrência contra o irmão e contra o marido. A mãe conseguiu a

guarda das crianças há aproximadamente 3 anos, época em que Maria da Penha relata

que não conseguia limpar a casa, cuidar dos filhos, que queria fazer as coisas, mas não

conseguia; estava completamente “perdida”. Logo após a separação, o pai pagava

pensão, às vezes. Ela conseguiu Bolsa Família, mas não conseguia trabalhar porque não

tinha quem ficasse com as crianças. Sua situação foi se agravando, chegou a envolver a

polícia, e foi internada por duas vezes. Recebeu diagnóstico de Esquizofrenia,

permaneceu internada dois dias (primeira internação) e nove dias (segunda internação).

Atualmente, faz acompanhamento com psicólogo e com psiquiatra e há oito meses está

sem medicamento. Seu pai e uma prima são as pessoas que, esporadicamente, a ajudam.

Anteriormente, Maria da Penha já havia acionado a DPESP por duas vezes para tratar

da separação, pensão e guarda das crianças. Já foram feitos acordos com o pai para

pagamento de pensão e ele, inicialmente, estava cumprindo. Depois, deixou de pagar.

Atualmente, Maria da Penha busca a DPESP para pedir sua defesa, para que possa

conseguir a guarda de seus filhos.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 138

PARTICIPANTE: Maria da Penha, 29 anos, ensino médio completo, separada, mãe de

duas crianças (um menino de 9 e uma menina de 8 anos), mora em uma casa ao lado da

casa da mãe, tem dois irmãos que são casados e moram próximos. O pai é separado da

mãe e mora em outro bairro da mesma cidade. Vive com benefícios do Programa Bolsa

Família. Possui diagnóstico de Esquizofrenia e faz tratamento. Busca a DPESP para

reaver a guarda de seus filhos.

Entrevista 7: “O Político e a Malévola”

Getúlio é irmão de Irma por parte de pai. Ela sempre morou com a mãe e com a

irmã, após o pai ter abandonado a família e ter ido morar com a mãe de Getúlio em

outra cidade. O contato com o irmão somente foi feito há15 anos, quando o pai faleceu,

ocasião em que ele ficou sozinho, a mãe havia deixado a família quando ele ainda era

criança. Apesar de possuir formação superior e ter trabalhado como professor do estado,

Irma encontrou o irmão sujo, descuidado, isolado na casa, sem documentação, com

todas as contas da casa atrasadas, saúde debilitada. Segundo os vizinhos, Getúlio era

violento com o pai e tinha “Síndrome do Pânico”. Ele foi levado por Irma para a sua

cidade, ela providenciou pensão, tratamento médico, documentação, interdição baseada

no diagnóstico de esquizofrenia e tentativa de suicídio. Ela conseguiu também seu

benefício (em torno de $700,00 mensais). Atualmente, ele faz acompanhamento médico,

mas não segue a recomendação de uso de medicamentos. Ele relata ouvir muitas

ameaças de vozes, de políticos e governantes (na maioria das vezes) que querem

prejudicá-lo, vindas da televisão ou de computadores. É ele quem busca a DPESP com

o objetivo de se defender dessas ameaças. Anteriormente denunciou a irmã na Vara da

família por acreditar que ela estava se apropriando dos seus bens. Ele fica agressivo nas

crises, mas é uma pessoa muito articulada e politizada, que as pessoas gostam muito.

Sempre frequentou o CAPS, frequenta Centro Espírita, cuida da aparência, de sua

alimentação, de seu dinheiro, vai ao cinema, e se desloca pela cidade com o transporte

gratuito, ao qual tem direito. Recentemente se envolveu em uma situação confusa em

um supermercado da cidade, a irmã não sabe exatamente o que ocorreu, mas ele acionou

advogado e, ela acredita que, provavelmente, a DPESP também. Irma considera que foi

chamada a DPESP por Getúlio ter acionado o serviço já que ela não acredita nas

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 139

estórias dele. Segundo Irma, ele aciona diversos serviços para defendê-lo. Para ele, a

irmã é “malévola”. Ela mesma já havia procurado a DPESP anteriormente para entrar

com ação contra o INSS visando pleitear a aposentadoria dele. O que não foi possível,

na época. Já o processo de interdição, ela o encaminhou por orientação do sindicato dos

professores e foi conduzido por estagiários da Faculdade de Direito obtendo resultado

favorável.

PARTICIPANTE: a irmã

Irma, casada, 2 filhos e um neto. Mora com o marido e com a mãe, e cuida do neto.

Confeiteira, curadora de seu meio irmão Getúlio, de 52 anos, diagnosticado como

portador de esquizofrenia. Ela chegou a DPESP por ter sido chamada a comparecer,

tendo em vista que seu irmão buscou o serviço solicitando defesa alegando ameaças que

vem recebendo.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 140

A VOZ DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO

7.3 As condições de existência das pessoas que recorrem ao Serviço da

DPESP com demanda de Saúde Mental

A seguir são apresentadas as diferentes características mencionadas pelos

participantes, as quais foram consideradas significativas para descrever a demanda de saúde

mental, e que possibilitam refletir sobre as suas condições de existência. Foram consideradas

como demanda de saúde mental as pessoas com sofrimento psíquico portadoras de transtornos

mentais e, também, aquelas com sofrimento mental que não necessariamente apresentavam

tais transtornos, porém traziam histórias de vida de violência e de intensos conflitos

emocionais.

A análise dos dados permitiu observar três temas centrais que emergiram dos

relatos dos usuários do serviço e se entrelaçaram reiteradamente: doença mental, uso abusivo

de drogas e violência. Tais temas, abordados a seguir, foram denominados por: A existência

diagnosticada (Existência incompreensível; Existência rotulada); A existência violentada

(Existência na condição de agressor doméstico; Existência na condição de vítima de violência

doméstica; Existência na condição de vítima de violência em situação de rua); A existência

compulsória (Existência dependente; Existência infracional; Existência ameaçada; Existência

tutelada).

A EXISTÊNCIA DIAGNOSTICADA

A temática da doença mental, com referência aos diagnósticos e às nomenclaturas

médicas, se mistura ao longo de diversas definições apresentadas pelos participantes,

evidenciando diferentes esforços em busca de compreensão das definições sobre si ou o

entendimento sobre os familiares. Identifica-se a presença de referências aos tratamentos e aos

diagnósticos, tanto com informações vagas e distantes do repertório dos usuários do serviço

(existência incompreensível), quanto demonstrando certa apropriação e reprodução do

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 141

linguajar técnico da psiquiatria (existência rotulada).

Existência incompreensível

Observa-se o distanciamento do saber diagnóstico médico e o saber e a

compreensão dos usuários dos serviços. Os participantes buscam explicar o que os definiria

(ou a seus familiares) a partir desse parâmetro, mas evidenciam o estranhamento sobre o que

esse saber define sobre si ou sobre o outro.

“Aí ela perguntou, mas o que que ela tem? Aí ele falou assim, eu não sei, eu não sei o

que ela tem. Só que aí, na alta, ele colocou esquizofrenia. Só que ele tinha falado que

não sabia o que eu tinha. E ficou nisso. Na hora eu não vi, mas depois eu fui ver o que

tava escrito no diagnóstico” (Maria da Penha).

“Eu perguntei pra ele por que esquizofrenia, o quê que era, porque eu também não

sabia direito. Aí ele falou assim pra mim que eu tinha falado que não sentia tristeza.

Só que eu achava que não sentia tristeza, é que eu não ficava chorando; eu ficava

parada, paralisada assim. Eu achava que não era tristeza. Foi o que eu falei pra ele, e

ele falou que era esquizofrenia, porque eu não sentia tristeza. Só que essa coisa de

desvio de pensamento que ele falou eu não ficava falando coisa sem sentido, nem

nada. Eu falava normalmente” (Maria da Penha).

“Ela tem problemas, né? Eles falam que ela tem, não sei, um retardamento, né? Ela

tratô nas Clínicas, o médico falou, como é que fala? Ela não tem o “M” na mão, eu

não sei o que isso significa, ela não tem o “M” na mão, tem a mãozinha curta. Então,

os irmãos são tudo grandão, ela parece o pai, mas o tamanho puxou pra mim” (Maria

das Dores – Cristal).

“Como é que fala? Eu queria lembrar o nome da... Detimia... distimia... alguma coisa

assim” (Messias – Leandro).

Existência rotulada

A compreensão da existência é descrita com tentativas de apropriação do saber

diagnóstico médico. Os discursos incluem repetições de nomenclaturas e tentativas de

explicitar a gravidade das patologias, buscando enquadramento em diagnósticos e em graus de

comprometimentos.

“Eu sei é que ela tem o CID F29, é, se não for engano meu, eu acho que é depressão

pós-parto, só que o dela não tem mais cura” (Cleonice – Elisa).

“Esquizofrenia, eu não me lembro o grau, não é aquele grave, por que tem o grau né,

1, 2, 3, né? Eu não sei qual é a esquizofrenia dele, não sei te falar qual é agora... é a

moderada, leve moderada, alguma coisa assim ...” (Irma - Getúlio).

“Ele tinha um pouco de esquizofrenia, não acentuada, mas uma esquizofrenia de grau

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 142

moderado” (Salvador – Júnior).

“Ela é bipolar, psicomaníaca depressiva. Quando ela teve o primeiro filho, ela teve o

surto psicótico” (Socorro – Linda).

A EXISTÊNCIA VIOLENTADA

Nesse grupo temático foram agrupadas as diferentes formas de violência

vivenciadas pelos usuários do serviço. Em si, a temática da violência já poderia ser analisada

como conteúdo que provoca grande sofrimento, o que já justificaria a presença e o estudo

aprofundado quando se trata da demanda em saúde mental. Entretanto, nos casos em estudo,

identificou-se a coexistência de questões que acabam por problematizar ainda mais a reflexão

em pauta: violência doméstica contra a mulher idosa; violência doméstica contra a mulher

portadora de necessidades especiais; violência doméstica contra a mulher portadora de

transtorno mental; violência em situação de rua contra a mulher portadora de transtornos

mentais; violência doméstica provocada por mulher portadora de transtorno mental e usuária

de drogas; e violência doméstica provocada por homem portador de transtorno mental.

Existência na condição de agressor doméstico

A ênfase recai em situações em que a pessoa que apresenta demanda de saúde

mental é descrita como tendo comportamentos violentos contra familiares em ambientes

domésticos. São descritas violências físicas e psicológicas:

“E quando ela tá surtada, se tiver que matar um ela mata. Ela perde a noção do

perigo. E começou a ficar complicado porque o Conselho Tutelar me dava aquela

guarda provisória. E o quê que ela fazia? Pegava os filhos pra almoçar de manhã e

usava o dinheiro pra comprar droga. Ela tentou por várias vezes me matar. Meu neto

não aceitava ela como mãe, não. Ele fala, você é minha mãe! Porque ela me agredia

fisicamente, verbalmente, sem condições” (Socorro – Linda).

“Um dos vizinhos lá, disse que ele batia no meu pai durante os surtos e nesse período

o meu pai não pediu ajuda pra gente, não sei se ele se sentia constrangido por tudo o

que tinha acontecido, né! Então meu pai nunca pediu ajuda pra gente, nunca contou

nada. E os vizinhos falavam assim que ele batia, que ele falava que se meu pai não

desse, ah, sei lá, o que ele queria, ele batia no meu pai, entendeu? Meu pai chegou a

apanhar muito dele. Mas eu fico assim boba de ver, porque ele é assim, baixinho,

magrinho; meu pai grandão, forte, se deixar bater, entendeu? No mínimo ia empurrar

ele, fazer alguma coisa, sei lá, não sei. Segundo o pessoal lá, ele ficava violento de

quebrar as coisas, às vezes de jogar as coisas, entendeu?” (Irma – Getúlio).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 143

“A verbal, sem comentários, é pesadíssima. A primeira vez que ela me agrediu

fisicamente foi muito triste! Não foi uma vez só, foram várias. Eu trabalho muito isso

no meu psíquico, porque é a pior dor que uma mãe pode sentir. Sem comentário. É o

pior! Te dá uma sensação de impotência tão grande que se você não tiver a cabeça

boa, você comete uma besteira que você se arrepende pro resto da vida. Porque na

hora eu só pensei em matar, mas Deus teve compaixão de mim, porque não era da

minha índole. É assim, eu procuro não discutir muito com ela, porque assim, ela é

uma criatura que discute muito. Aí ela, o que ela tem, ela taca. Aí é difícil pra você

suportar isso” (Socorro – Linda).

Existência na condição de vítima de violência doméstica

Relatos de manifestações violentas nas quais as pessoas com demandas de saúde

mental vivenciam a condição de vítimas em ambiente doméstico.

Violência física:

“A gente nunca ficou bem. Sempre brigando, ele me batia, saía de casa e depois

voltava, não comprava as coisas. Por exemplo, na minha gravidez ele não comprava

alimento, ficava sem comer. Fiquei com anemia. [...] Aí ele me machucou, cortou meu

pescoço, machucou meu pescoço, apertou o meu pescoço e me machucou” (Maria da

Penha).

“Meus irmãos sempre fizeram de tudo pra me prejudicar. Eles me xingavam, me

batiam também. Teve uma vez que o meu irmão deu bastante pancada na minha

cabeça, que eu fiz um boletim de ocorrência. [...] Ela (mãe) me deu um soco que meu

rosto ficou inchado [...]. Ela sempre foi dessas pessoas que tá com raiva e quebra as

coisas, bate porta, grita, xinga. Ela já me agrediu várias vezes” (Maria da Penha).

Violência física e psicológica:

“Ele me deu revolvada na cabeça, não tinha paz. Ele batia na mulher, quebrou os

dente dela. Ele queimou ela (irmã) com ferro, ficou o ferro direitinho aqui (aponta o

braço). Fala que ela é louca, retardada, que eu sou louca, que o pai é aleijado. O veio

daquele jeito, ele pegava o veio e jogava. Nossa!! Ele não anda!! E ele colocou um

rato no quarto dela (irmã), um ratão dentro do guarda roupa, tá tudo quebrado lá,

quebrou pra matar o rato, e até hoje não consegui ainda arrumar o guarda-roupa.

Tadinha, na vez de melhorar, ela piorava” (Maria das Dores).

“Quebrava a casa inteira, quebrou as portas, o quarto, quebrou tudo. No quarto não

tem nada. Quebrou tudo, quebra a casa inteira. Ele queria ficar com a casa e internar

eu!! Se a polícia não tirasse ele, nós já tava era tudo morto!” (Cristal).

Violência física, psicológica e patrimonial:

“Ele queria, quer ficar com a casa, por causa de uma casa quer ser tutor dela, mas

ela não recebe dinheiro, não recebe pensão, recebeu seis meses e foi cortado. E ele, o

que fazia? Batia em mim, batia nela, batia no pai. Era chute. Vixe, quantas vezes eu

apanhei dele. Chutava tudo, polícia toda semana!!” (Maria das Dores).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 144

“Eu não entendo o porquê, ela tava bem, ela tava trabalhando, por que que tiraram a

casa dela? Por que que fizeram parar de tomar o remédio pra ela voltar pra rua, pra

ela virar mendinga? Por que que comeram o dinheiro dela? Se não tava cuidando

dela, por que que foram mexer no dinheiro dela? Deixasse lá o dinheiro dela. Se o

governo comesse, que comesse. O filho dela não veio procurar ela? Esse dinheiro

deveria tá lá, pra ele recorrer, pegar esse dinheiro de volta e comprar uma casinha

pra ela. Agora não, não tem mais esse dinheiro. Os irmão dela comeu o dinheiro dela,

deu fim nas casas dela, deu fim na filhinha dela. Agora porque ela tá na situação que

ela tá eles ficam jogando ela no lixo? Não admito! Não admito isso!” (Cleonice –

Elisa).

“O juiz não tá com ela 48 horas! A defensora pública não tá com ela 48 hora! Ela na

mente da gente pedindo pra vê a filha, que eu quero vê a minha filha. Ela vê os outro

na rua com criança, ela vai pra cima, o povo acha que ela vai atacar, ela não vai

atacar, ela só quer ver, aí ela olha, ah não, essa não é a minha. Eles não sabe o que é

todo dia você ouvir de uma pessoa a mesma coisa, a pessoa dormindo acorda

gritando que tá ouvindo a nenê chorar, a pessoa não sabe o que significa isso. Eles

nunca passaram por isso!” (Cleonice - Elisa).

Existência na condição de vítima de violência em situação de rua

Relatos nos quais foram evidenciadas vivências de violência em situação de rua,

em que pessoas com demandas de saúde mental estavam em condição de vítimas:

“Porque ela já tem trauma. Ela tem bastante trauma. Ela sofreu muito na rua. Os

outros jogava água nela, xingava ela. Se você fala em polícia ou se você fala em ir no

Hospital, ela tem bastante trauma (…). Ela tinha casa, e os irmãos dela tirou tudo isso

dela, vendeu a casa dela, ela conseguiu um barraco, vendeu. O benefício dela a gente

não sabe quem tirava. Ela morava na rua. E, o ano passado, nasceu uma menina e

deixou ela mais louca ainda. E tiraram a menina dela” (Cleonice-Elisa).

“Também depois parece que alguém estuprou ela debaixo do pontilhão. Então são

muitas dores juntas. Mas aí eu não posso precisar o que é verdade e o que não é.

Existia a mania de perseguição, então...” (Socorro – Linda).

A EXISTÊNCIA COMPULSÓRIA

A demanda de saúde mental relacionada ao uso abusivo de drogas emerge na

verbalização dos familiares, tendo em vista que não se identificou, nessa situação, casos de

busca espontânea pelo serviço. Entretanto, foram mencionadas circunstâncias em que os

filhos explicitam a necessidade de intervenção dos pais para tratamento, por admitirem o risco

de não sobrevivência ou insanidade. Ficam evidenciados aspectos de vulnerabilidade e de

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 145

riscos para os usuários, envolvimento em atos de vandalismo e infrações, situação de

abandono da casa dos pais e recusa de tratamento ambulatorial. Ressalta-se que há casos em

que a demanda de uso abusivo de drogas coexiste com outros quadros de transtornos mentais.

Nessa categoria, a existência descrita como dependente surge como sendo intermediada,

controlada, tutelada por instâncias institucionais e autoridades.

Existência dependente

As condições existenciais relacionadas ao consumo e a dependência química; as

condições de vida na casa e na rua; e as alternativas encontradas para a aquisição da droga.

A dependência e as condições de vida:

“Quando o médico perguntava, quando passava psicóloga ou assistente social e

perguntava qual era a droga, ele falava assim, oh, eu sou clínico geral, tudo que vim

eu pego mesmo, o meu ponto forte é o crack” (Messias - Tim).

“O Leandro ainda se enrolava mais com pouca coisa, assim, vamos supor, era uma,

duas, três pedra. Agora o Tim chegou um momento que ele falou, pai, se tiver um

caminhão eu queimo tudo” (Messias-Tim-Leandro).

“Tá limpa, faz uns quatro, faz três anos que ela tá limpa. Ela usou bebida alcoólica

primeiro, cocaína e maconha, segundo ela” (Socorro – Linda).

“A primeira coisa, as coisa de casa não podia facilitar, some tudo se deixasse. E a

porquice!! É, no quarto fede! De um dia pro outro. Cheio de papel, tranqueirada,

cachimbo. E eu catava e jogava tudo no mato. Bituca de cigarro, palito de fósforo,

latinha amassada. Que infelizmente acabava fumando dentro do quarto!” (Messias –

Leandro).

“Ele começou a infiltrar no mundo das drogas mesmo. Aí foi onde ele começou a

fumar, como é que chama aquela que é pó? Cocaína! Sumiu. Uma vez ele ficou dois,

três dias sumido. Aí eu descobri que tinha passado pro crack, já. E tomando os

medicamentos forte e fumando, consumindo droga. Começou a consumir a droga

abusivamente, né? Começou a perder o discernimento do que é certo e do que é

errado juntamente com aquela patologia, que eu falei, moderada, que é uma doença

mental (esquizofrenia)” (Salvador-Júnior).

“Chegou ao ponto de eu trancá-lo dentro de casa. Mas eu vi que eu não conseguia!

Ficou um mês assim, um mês com ele trancado dentro de casa. Não acorrentando ele,

eu trancava as portas!” (Salvador- Júnior).

As formas de aquisição:

“Piscô o zoio, deixou dinheiro em casa, cinco reais, dez reais, mais de cinquenta

nunca catou, mas cinco, dez, quinze! Celular, rádio, ferro de passar, pacotinho de

arroz, litro de óleo. Essas coisas era só trancado no quarto, não podia bobiar”

(Messias - Leandro).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 146

“Ele saia de tênis, todo arrumado. E voltava de bermuda velha e chinelo de dedo, que

não era nem dele. Você saiu com uma blusa boa, uma jaqueta boa, uma calça boa, um

tênis bom... desapareceu? Era droga! Vendi pra droga! Quer dizer... Ele usava a

droga, dava a roupa do corpo por droga porque a droga já tinha feito dele um

dependente dela feito um robô, porque a droga faz um robô dela! Zumbi!

Principalmente o crack...” (Salvador-Júnior).

Existência infracional

Relatos de comportamentos infracionais e de conflitos com a lei.

“Vamos supor, chuta lata, bate nos poste, nos poste de placa, saía querendo entortar

plaquinha, vandalismo na rua. Os guardinha parou, os dois teve um desentendimento,

desacato, então foi processo. Ele ficou muito tempo respondendo esse processo. Ia em

casa lá o oficial de justiça e falou, oh, pra poder quitar isso aqui tem duas cesta

básica aqui, Leandro, pra você poder pagar. Enrolou, enrolou. Infelizmente por

bondade, por froxura da justiça, vamos se dizer assim, tava liberado. Tá respondendo

outro (processo), sexta-feira agora tem que levar um papel lá, já tá avisado lá. Acho

que já faz um ano e ainda tá assinando, mas o outro cara foi preso, né? Invasão de

domicílio. O outro cara era meio violento, ele tava drogado e tá respondendo esse

processo” (Messias- Leandro).

“E nóis veio ajudar aqui na igreja, no armoço. Quando eu cheguei em casa, até que

arruma mesa, arruma cadeira, eu cheguei em casa umas três hora, três e pouco. Tirei

só o sapato e encostei no sofá pra descansar, bate parma. Saí, era a viatura com meu

filho dentro, ele era de menor. A mãe deles (netos) e o meu filho dentro da viatura. A

família dela tudo envolvida com droga, os irmão, eles vendia. E aí, pegou!”

(Messias-Tim).

“Eu sei que bicicretas, alguma coisa assim, pra ele se manter na droga, ele falou que

roubou muitas” (Messias- Tim).

“Ela chegou a roubar, ficou presa, acho que ficou dez dias presa. Acho que devolveu

o dinheiro. Ah, teve muitas situações... muitas ...” (Socorro-Linda).

“Aí, ele saiu da clínica, na mesma semana sumiu e começou a usar

descontroladamente, pior do que tava! Pior do que tava. Tanto que ele começou a

roubar, a furtar e aí num desses furtos ele foi preso. Ele saiu dia 20 de junho, dia 25

de julho do outro mês seguinte ele foi preso por roubar pra consumir a droga. O outro

elemento nunca achou, ninguém sabe onde que tá, mas ele acabou levando toda a

culpa, porque ele simulou que estava armado. Mentira, meu filho nunca usou porcaria

de arma, é por causa da droga, a droga faz a pessoa ficar, né? Perder toda a razão de

ser. Aí ele, ele está lá até hoje” (Salvador – Júnior).

Existência ameaçada

Foram identificadas situações em que o consumo abusivo ameaçava as condições

de existência; riscos de suicídio; falta de cuidados pessoais e nutricionais; situações de riscos

por envolvimento em brigas; vulnerabilidade em situação de rua e de exposição em área rural.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 147

“Ele já tava assim, andando que nem um louco, né? Tava falando em suicídio, que ele

não queria mais, que ele queria acabar com a vida dele, que não tinha mais jeito e

tatatá” (Messias - Tim).

“Ele chegou pra mim e falou, pai, infelizmente eu tô viciado no crack. Ele falou pra

mim chorando eu não consigo largar! Se o pai me ama, me dá um dinheiro pra mim

comprar, pai? Senão eu não sei o que vai acontecer... chorando [...] Aí ele sumiu!

Sumiu de ficar uma semana fora, de pessoas ligarem pra mim e avisar que ele tava

não sei aonde, no meio do mato” (Salvador-Júnior).

“Quando ele trouxe a carta do médico, o médico deu uma carta bem mais sofisticada

[...] porque o caso dele tava muito pior. O médico ficou preocupado, falô que se não

internasse imediatamente, eu vou dar um prazo de vida pra vocês, seis mêis. Ele tava,

fazia dois mêis que ele tinha passado no médico, ele esmagreceu 12 kg” (Messias -

Tim).

“Eu já cheguei a pegar a Linda morta, de ter que passar sonda gástrica porque ela

tava desnutrida, pra não morrer. É que não era a hora” (Socorro – Linda).

“Aí dispois ele quase morreu, os cara pegou ele na rua, os cara bateu tanto que a

camisa dele sanguento tudo. Aí ele ficou meio alongado pro mato e aí... Eu já pedi pra

Deus que não quero vê ele sofrendo. Se chegar e falar assim, morreu, foi matado, pra

mim... qualquer hoje pra mim passa isso... o mais que passa em mim é o medo de ficar

sofrendo, então... é muito, muito, muito difícil” (Messias – Tim).

Existência tutelada

Referências a diferentes instituições e/ou autoridades acionadas para tutelar a

existência das pessoas com demandas de saúde mental. Tutela, nesse contexto, está sendo

entendida como as diferentes intervenções envolvendo terceiros para interceder diante das

demandas de saúde mental.

“Ele ficava, oh pai, e lá (DPESP) pai? Não me chamaram (processo de internação

compulsória)? Pelo amor de Deus pai, se tiver que ir amarrado eu vou! Se tiver que ir

amarrado e algemado com a polícia eu vou! Eu vou morrer, pai! Nossa!!! Aquilo era

de... aí, foi que deu certo, e graças a Deus tá bem. No dia, ficou fora a noite toda.

Fumou, fumou, chegou o SAMU ele tava desmaiado no sofá (Messias – Tim).

Foi demorado (o processo de interdição), foi triste, não vou te falar que é triste!

Tentar convencer ele de interditar ele foi difícil. Que nem eu falo pra ele assim, a

única coisa que ele não pode fazer é casar sem a minha autorização, o resto ele pode

fazer tudo, não é?” (Irma-Getúlio).

“A partir de agora eu vou ficar só com a responsabilidade que a senhora (psiquiatra)

está me delegando, não vou negar, mas as coisas vão mudar, porque ela tem

condições, ela tem raciocínio. Medicada ela tem condições de ter uma vida normal.

Falei pra ela, pra ver se a gente chacoalha” (Socorro – Linda).

“Saiu no corredor, tava fumando, saiu fumando, apagou o cigarro e jogou o cigarro

fora e foi embora (com a ambulância do SAMU para internação compulsória)”

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 148

(Messias – Leandro).

“Não podia falar, senão ele desaparecia e cabou! Ah, não, filho, fica tranquilo. Ele ai,

tinha uma rede na área e ele ficava... ah, pai, deixa eu sair! Deixa eu sair! Deixa eu

sair... tem que ver como que fica... deixa eu sair, por favor? Ele não agredia, ele

nunca me agrediu. Deixa?[...] Fica tranquilo, fica calmo! Aí, de repente, 7h30 chega

o SAMU pra levar ele” (Salvador – Júnior).

“As crianças foram recolhidas em orfanato, é muita história! Ficaram um ano. O juiz

acho que tentando ver que rumo ela tomava, porque até então, não dava pra você

diagnosticar. A droga acho que mascarava” (Socorro-Linda).

“Aí quando eu peguei (guarda dos netos) foi definitivo, ela perdeu o pátrio poder, ela

não saía daqui (DPESP). Ela não entendia o que era isso. Hoje ela não tira mais, o

mais velho, também, não tem nem como. Mas o pequeno ela não leva pra onde ela

quer. [...] A vida dela se resumia lá na Vara da Infância e da Juventude, Delegacia da

mulher, Orfanato, Vara da Infância e Defensoria. Eu quero meus filhos de volta!”

(Socorro – Linda).

A análise das características de existência das pessoas que buscam a Defensoria

Pública no Estado de São Paulo com demandas de sofrimento e/ou de transtornos mentais

evidencia histórias de vida de grande complexidade de privações, violência e violação de

direitos. Condições de existência em que não apenas a dignidade humana encontra-se

ameaçada, mas a própria vida.

No início da análise, as alusões ao estranhamento e à busca de compreensão do

linguajar da área médica remetem ao desconforto vivenciado pela dificuldade de

entendimento sobre si e as tentativas de procurar nomear, a partir do repertório linguístico do

outro, suas próprias circunstâncias de vida (ou a de seus familiares): um desconhecimento,

uma alienação, uma existência de difícil compreensão. Pessoas que vivenciam o sofrimento

constante proveniente dos mais diferentes tipos de violência, tanto em ambiente doméstico

como em situação de rua, endereço que as pessoas em sofrimento podem buscar, mesmo em

casos que familiares se fazem presentes. Relatos de existências permeadas de riscos para a

própria sobrevivência seja por exposição a situações de violência, por falta de alimentos e

submetendo-se às adversidades, ou ao consumo de drogas. Existências incompreensíveis,

violentadas, ameaçadas ou “não existências”, mas que de alguma maneira se mostraram

presentes na DPESP, ou por busca espontânea ou por familiares que procuram alternativas

para existências caracterizadas pelo sofrimento mental.

7.4 A Trajetória de busca por acesso aos Direitos

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 149

Tendo sido abordadas as características de existências da demanda de saúde

mental que chega à DPESP, o estudo prosseguirá com a análise dos trajetos já percorridos por

esses participantes em busca de acesso aos seus direitos, considerando-se, inicialmente, as

referências à busca pelos serviços do Sistema de Saúde e, posteriormente, pelo Sistema de

Justiça. As referências específicas aos serviços da Defensoria serão analisadas separadamente.

TRAJETOS PERCORRIDOS NO SISTEMA DE SAÚDE

As referências expressas pelos usuários relacionadas às buscas por serviços, as

quais foram consideradas como alternativas encontradas por eles, em suas trajetórias, para

terem acesso aos cuidados com a saúde garantidos constitucionalmente, serão o foco da

presente análise. Tais temas foram agrupados em internações, serviços extra-hospitalares

encontrados na rede de saúde, e, mais especificamente, no CAPS. Críticas à gestão da saúde

mental juntamente com as alusões às insatisfações com os serviços prestados pelo CAPS e por

Clínicas Conveniadas com o SUS se fizeram presentes, apresentando-se agrupadas ao final.

Trajetórias de internações: impotência e impactos

Ao abordarem o tema das internações, fica evidenciado o papel ativo, sofrido e

ambivalente do familiar na busca pela internação da pessoa com demanda de saúde mental; os

períodos de internação; a presença do SAMU e da polícia em face de dificuldade da família

para efetivar a internação; a impotência da pessoa internada diante da decisão do familiar e da

conduta dos profissionais da instituição que a recebe.

O impacto da decisão de internar:

“Ela teve um surto mesmo e saiu de cena, perdeu a noção de tudo. Assim, de tomar

banho, de tudo. Não reconhecia o filho que tava, na época, com oito, nove meses. Não

reconhecia como filho, tinha medo dele. Aí eu tive que interná-la, foi quando ela teve

a primeira internação com diagnóstico de psicomaníaco depressivo. Ficou poucos

dias porque eu não suportei o sofrimento de vê-la no hospital psiquiátrico” (Socorro -

Linda).

A intervenção policial e o serviço do SAMU:

“Aí ela pegou e chamou, acho que foi os policiais, falando que eu tava agressiva. Só

que eu não tava! Eu tava conversando com ela normal. Aí eles me pegaram e me

levaram lá pro hospital. Pro Pronto Socorro. Aí eu cheguei lá e ela que ficou falando

com o médico, né? O médico pegou e passou um medicamento pra eu tomar e ficar lá.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 150

Eu falei que não, que não tinha necessidade dele me passar remédio pra eu tomar

sendo que eu tava normal, que eu não tinha nada. Ele, ah, mas sua mãe tá falando... e

os policiais estavam lá, eles me deixaram lá. Aí foi no outro dia que o médico passou

lá no quarto e falou que eu tava de alta” (Maria da Penha).

“Eu até estranhei porque eu achei que o SAMU vinha, além do motorista, vinha um

enfermeiro, achei que vinha uma enfermeira pra internar ele, mas não, quem internou

ele fui eu. Foi um técnico de enfermagem, mas quem na realidade deu todo o

seguimento pra internar fui eu lá na clínica, pra ele e tudo. Assinei tudo e tudo mais.

Graças a Deus ele ficou lá seis meses, cinco meses e meio” (Salvador- Júnior).

“Ele (Mário) chegou dia 30, quando foi dia 3 ela andou rondando lá a minha casa e

aí com a ajuda do psicólogo que trabalha na UBS comigo, a gente conseguiu pegar

ela. Aí ele pediu, solicitou uma ambulância, deu trabalho, mas a gente conseguiu

internar ela. Ficou do dia 3 ao dia 13. O médico deu alta, falou que não tinha mais o

que fazer. E aí agora ia ser com a família. Só os remédios que ele ia passar e o resto

ia ser com a gente” (Cleonice - Elisa).

A impotência e a indignação:

“Internei a primeira vez ele na Casa de Recuperação (instituição religiosa), ficou dois

mês. Também não adiantava nada, de lá ele saia e já ia dormir na rua. Eles vendia

uns 10 jornalzinho, eles trazia 10, talvez, pra casa lá, que era uma casinha lá que

tinha uns 20 que ficava pra rua vendendo jornal. Acha que quem tá doente pode ficar

na rua? Não pode! E ainda pegando dinheiro? Com o dinheiro ele usa droga ou

álcool, se for o álcool” (Messias-Tim).

“E lá do hospital me levaram pra lá (clínica em outro município), porque ela (mãe)

tinha conseguido a vaga. Aí chegou lá na clínica o médico conversou com ela. Falou

assim deixa ela aqui que nós vamos observar ela uma ou duas semanas [...]. A

primeira coisa foi que eu fiquei nervosa, assim, que eu fiquei revoltada. Só que eram

vários contra mim e eu naquela situação não tinha como me defender. Aí eu fiquei. Só

que aí, depois que eu vi que eu ia ter que ficar lá, que eu não tinha como me defender,

que não tinha, naquela situação não tinha como ninguém acreditar em mim e aí eu me

acalmei. Me acalmei e comecei a lembrar de Deus e deixar acontecer e tentar

melhorar, mas sem tentar ficar fazendo do meu jeito... Tentava do meu jeito, com a

minha força, falando demais, mas não adiantava. Tentava falar, tentava colocar meu

ponto de vista, que não era daquele jeito, que eu tava sendo injustiçada, mas não ia

adiantar ficar falando e falando” (Maria da Penha).

Trajetória em serviços extra-hospitalares: o princípio de diálogos

Ao serem observadas as referências aos serviços extra-hospitalares constata-se a

presença de diferentes profissionais da saúde e possibilidade de maior abertura de diálogo

entre usuário do serviço e profissionais. Contudo, embora a relação com o profissional possa

se instaurar de modo mais dialógico e com maior aceitação do tratamento por parte da pessoa

que busca o serviço com demandas de saúde mental (quando comparado às referências

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 151

apresentadas nas trajetórias de internações), tal aceitação não repercute na adesão ao

tratamento medicamentoso.

A presença de um exercício dialógico também é identificada em referência à

convivência comunitária, à troca de experiência entre os moradores de um mesmo bairro

sobre as temáticas da saúde mental e em iniciativa de instituição de ensino para conversar

sobre as experiências das pessoas com tais demandas.

A relação com a equipe de saúde: a presença do diálogo e a questão

medicamentosa:

“Eu faço terapia com psicólogo uma vez por semana e o psiquiatra que eu passo

depois que eu saí do Pronto Socorro, que ele pediu pra eu ficar passando de quatro

em quatro meses. Só que já fazem oito meses que eu não tomo remédio, que eu falei

pra ele que eu não via diferença e também eu tava tomando e tava me fazendo mal,

minha cabeça ficava pesada quando eu acordava, eu tomava à noite. Então eu

acordava e ficava sentindo muito calor, e falei pra ele que ia ficar sem tomar. Ele

falou, ah, se você tá falando, vamos ver, então. E já tem esses oito meses, e eu só tô

melhorando, cada vez mais melhorando” (Maria da Penha).

“Médico, lidamos com ameaça de suicídio, entendeu? Foi psicólogo, psiquiatra, tudo

que você imagina, entendeu? Eu tava comentando com ela (assistente social), ele faz

psicólogo, psiquiatra, ele faz nutricionista, cardiologista, urologista, ele faz tudo que

é ista, entendeu? E por que ele não melhora? Porque não toma remédio!!” (Irma -

Getúlio).

“O psiquiatra mesmo já me falou que não tem nada que me impeça. Nas primeiras

vezes, nos primeiros meses minha mãe ia comigo, e o psiquiatra falou pra ela: como é

que vão saber que ela não pode cuidar dos filhos dela, se não deixarem ela cuidar?

Falou que não tem nada que me impeça de ficar com meus filhos” (Maria da Penha).

A ampliação dos envolvidos no diálogo sobre saúde mental:

“Eu vou, tem uma terapia que ele faz que é com massagem. É quatro semanas de

massagem, e aí depois ele conversa. Ele vai mudando os lugares do corpo, cada

semana é um lugar. Eu vou lá no Pronto Socorro. Pronto Socorro não! É o Postinho

de Saúde. Foi a conselheira (tutelar) que me indicou, porque a minha mãe tava

querendo me internar de novo. A conselheira até foi lá, conversou com a minha mãe,

na minha casa e tudo. E minha mãe quer me internar de novo. Só que eu conversei

com a conselheira, né? Eu falei que não precisava e tudo... e ela só me encaminhou

pra passar no psicólogo” (Maria da Penha).

“Primeiro, do Posto de Saúde é uma equipe multidisciplinar. Então tem psicólogo,

todo mundo conhece a Linda, que eu sempre morei ali. Então acaba que o médico vai

lá, aquele que atendeu você, a gente conhece todo mundo, a enfermeira é a que foi

minha professora, outro... Então, assim eu tô bem cercada. Meus vizinhos, hoje, são

muito compreensíveis comigo e com ela. Porque vê a luta e vai aprendendo também. E

queira ou não, sempre tem um alcoólatra, acaba que eu virei uma referência no

bairro” (Socorro - Linda).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 152

“Aí me ligaram em casa no outro dia, a assistente social, maravilhosa, aí eles me

falou que tava formando na Universidade, no final de 2013, que precisava formar um

grupinho pra tirar algumas ideia, trocar umas ideia, pegar algum conhecimento. Mas

no caso dos familiares da pessoa, do dependente. Foi bem esse caso aí. Aí nóis

começou. Nossa, mas foi tão bom!! Era uma meia dúzia de pessoa envolvida nesse

caso. E foi assim, muito bom. No começo a gente percebeu, assim, eles tava querendo

pegar um ou outro pra tirar algum conhecimento, e no final nós tava era perdidos de

tanto conhecimento que eles desenvolveram, um tanto de conhecimento, de passar

informação, de tudo... de umas dinâmica que fizeram. Foi muito, muito bom” (Messias

– Tim - Leandro).

A trajetória no CAPS

A trajetória no CAPS surge com diferentes enfoques. São apontadas as

intervenções e a rotina dos trabalhos, assim como os aspectos positivos da proposta e as

limitações do serviço. A rotina é mencionada em relação ao horário de atendimento, às

intervenções e exames médicos necessários, à continuidade (ou não) do tratamento, à

convivência com o psiquiatra e à equipe:

“Tanto é que quando ela voltou da clínica, eu comentei com a equipe do CAPS-ad

uma suposta hepatite, um HIV, e graças a Deus eles conversaram, ela fez todos os

exames, todos! Todos imagináveis, graças a Deus não teve. E o mais importante de

tudo isso foi o psiquiatra do CAPS-ad que conheceu a Linda em “n” internações no

Hospital Psiquiátrico com a drogadição e ele que acompanhou a internação, acolheu

quando ela voltou e acompanha até hoje, de longe. No começo ela ia no CAPS mental

todos os dias, o dia inteiro, daí foi espaçando. Hoje ela tá indo de quarta e sexta, só”

(Socorro - Linda).

“Ela continua no CAPS, só que não dorme lá. Ela vai durante o dia. A gente leva de

manhã e pega de tarde. Enquanto ele (Mário) tiver aqui correndo atrás da irmã, ela

(Elisa) fica fazendo tratamento no CAPS, quando for embora com ela pro nordeste,

também vai fazendo tratamento lá” (Cleonice-Elisa).

“Aqui tinha o CAPS que atende com a assistência de terapia ocupacional. Aí, atendeu

ele prontamente, aos 17 anos, 18, 19. Ele começou a fazer aquela terapia

ocupacional. Às vezes, ele fugia um pouco da realidade, às vezes ele misturava o real

com o irreal, e a coisa é tremenda! Com 20 anos ele foi estabilizando, foi fazendo a

terapia, levando ele no psiquiatra, foi tomando remédio. Mais tarde eu procurei uma

assistente social da prefeitura, ela falou assim, ele já tratava? Eu falei sim, ele já

tratou no CAPS tudo, mas não surtiu muito efeito porque ele abandonou a terapia

ocupacional, acabou abandonando por causa da droga mesmo, né? Ah, então você

vai ter que procurar a Defensoria pra ver a internação dele. Aí eu falei assim, ah,

mais eu acho que é melhor ver se ele interna, não por compulsória, através de ação

judicial, vamos ver se ele interna por voluntariamente. Aí eu conversei com ele, tudo,

cheguei até a ir com ele lá, que tem clínicas que cuidam disso aqui, mas não por

medida judicial, compulsória, é voluntariamente. Mas ele não quis. Aí ele sumiu!”

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 153

(Salvador - Júnior).

Faz-se presente comentários positivos à proposta de trabalho do CAPS, assim

como são apontadas as dificuldades e limitações.

“Já teve o CAPS. A gente frequentou muito aqui esse CAPS. Ia junto, né? No

comecinho tinha que ir, depois ele foi melhorando, né? E os psicólogos, os psiquiatras

vão embora e ele continua lá. Daí eles falam assim que tem casos muito piores e que

não tem o que fazer, não tem como ajudar. Ele tem um problema sério com horário, se

você marca as dez, ele vai chegar dez e meia. Aí quando ele chega atrasado, eles

falam ah, volta outro dia. Porque não tem como ajudar. É que agora não tem mais

CAPS, agora é no Posto. Daí eles falam o que você quer que eu faça? Você não toma

remédio, como é que eu vou te ajudar?” (Irma - Getúlio).

“Era o que tava gritando naquele momento, mas o mental dela gritava dentro de mim.

E chegou em um estágio, nessa época, que ou eu cuidava deles, que não tinham nada

nem ninguém, ou eu me deixava levar pela sandice dela. E eu optei por eles. Foi

quando eu coloquei ela na rua, porque ela não educava, não cuidava e não me

deixava fazer. A saúde mental, antes do CAPS, era só dopar! Eu vivenciei isso! Não se

buscava uma causa, não se buscava tudo o que o CAPS busca hoje. Coitado do CAPS.

Tem vontade, mas não tem como; quer andar, mas não tem como” (Socorro - Linda).

Críticas à gestão da saúde mental

Foram identificadas referências que apresentaram oposições e críticas tanto aos

serviços do CAPS e aos de Clínicas Conveniadas, quanto aos aspectos mais amplos de gestão

da saúde mental.

O descaso da política e da gestão de saúde mental:

“O pior serviço que pode existir na saúde é a saúde mental. Não pior pelos

profissionais, porque eles são limitados. É muito complicado. O primeiro descaso tá

na política. A política de saúde mental tá deixando muito a desejar. Eu não falo só

isso como mãe, eu falo como profissional. Onde eu trabalho é um hospital, e a saúde

mental lá não existe, não existe! Eu acho que os estudos sobre a saúde mental deixam

a desejar. Eu acho que não levam a sério a saúde mental no Brasil. Sabe, ah, já

chegou aquele louco, aquela louca que tá aí. Sabe, eu sou da área da saúde e é assim

que eu vejo como mãe e como profissional. É muito triste, Edilene. Eu acho que a

justiça tem mais responsabilidade, eu acho que a justiça tem mais política de

responsabilidade com a saúde mental que a saúde mental propriamente dita”

(Socorro -Linda).

O descaso do município:

“Por exemplo, quê que adianta a Defensoria me disponibilizar, tudo que ele pode

fazer ele fez. A justiça determinou que ela tem que ser internada e o município não

tem onde internar essa criatura! Se você for fazer um estudo no hospital que atende os

doentes mentais aqui no município, você vai ficar desiludida. Não se tem espaço

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 154

físico, não se tem uma alimentação adequada, não se tem profissionais responsáveis!

Eu tive um problema seríssimo com o médico que atendeu minha filha. Sério! Eu

procurei a gestão da saúde. Eu faço parte, quando tem aquelas reuniões na Câmara

eu venho, venho brigar pela saúde mental, não só pela minha filha, de quem vir. É um

descaso muito grande. Não ter leito disponíveis pra tirar da crise?!” (Socorro-

Linda).

O descompasso entre a proposta do CAPS e a sua realidade:

“E o que se oferece nesse CAPS é uma vergonha! Os CAPS que foram inventados é só

pra inglês vê! No papel é muito bonito, mas na prática não funciona! O que você vê

são profissionais estressadíssimos, a técnica de enfermagem fazendo serviço da

terapeuta, a terapeuta fazendo serviço da psicóloga e você vai reclamar pra quem? É

complicado, Edilene. A saúde mental, a saúde em si no Brasil tá por terra, e a mental

pior ainda! Porque se é o físico, você quebra o braço, você vai no hospital, ah, não

tem vaga? A família arranca não sei de onde, vai lá, paga um ortopedista e cola o seu

braço, e o mental? Uma consulta com um profissional sério, me fugiu o termo, hoje

está em torno de 400 reais, da onde você vai tirar isso? E depois, fazer consulta com

particular você não pode pegar medicação na rede. Já fui funcionária da prefeitura

também. Então, Edilene, eu conheço a coisa, assim, nas entranhas. A saúde mental,

que é o que eu mais uso, né, até então o que eu mais usei até hoje, sinceramente...”

(Socorro - Linda)

O descaso de profissionais e dos serviços conveniados de saúde:

“Tá existindo alguma coisa que tá deixando a desejar. E é com um profissional que é

médico, você entendeu? E é muito complicado. Eu já cheguei até a fazer um boletim

de ocorrência por maus tratos verbais desse profissional. Que, oh, eu tenho os meus

direitos como cidadã, como mãe da paciente. Levei o caso pro CAPS. O que me

explicaram? É um hospital que presta serviço pro SUS, ele não é do SUS e até então

eu não sabia. É conveniado, onde que eu me senti barrada? Que eu fui no município

pra levar a queixa, mas o município não é responsável por esse profissional. Então,

teria que ser a equipe que contrata o serviço desse hospital. Aí você sabe que a

burocracia e a hipocrisia moram lado a lado” (Socorro-Linda).

A ausência de profissionais em Comunidade Terapêutica Conveniada:

“Cinco meses e meio lá, e todo mês eu ia visitá-lo, eu e minha esposa. Cada visita que

eu ia, eu via que não tinha progresso. E além de que não tinha progresso, eu não

tinha um respaldo com profissionais, que nunca pegou e me chamou em uma mesa pra

falar o que estava sendo feito ou não! A única coisa que eu via que tinha lá eram

reuniões com ex dependentes químicos dando palestra, mas não era isso que eu

queria. Eu queria conversar com pessoas responsáveis, tipo uma psicóloga, uma

assistente, um médico, sabe? Fiquei quase seis meses ali, eu não conheci sequer uma

assistente social, a não ser pelo telefone. Ah, esse mês seu filho precisa de cigarro,

precisa de uma roupa, precisa daquilo e daquilo outro mais. Só isso! No mês que

deram alta pra ele, uma alta esquisita pra ele, ele estava ruim! Eu cheguei a comentar

meu filho não está bem! Meu filho não tá bom, ele vai ter alta mesmo assim? Ele tava

com um olho assim, tava estático, aquele olho parado, aquele olho assim, parecia que

ele tinha consumido droga aquele dia ali dentro da clínica” (Salvador- Júnior).

A crítica à ausência de fiscalização das clínicas por parte do Estado:

“O Governo Estadual ou o Governo Federal, vamos supor, quem põe dinheiro nessas

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 155

clínicas pra que recupere, começar a pôr, também, auditores e fiscais pra dar uma

olhada nessas clínicas periodicamente, pra ver realmente o que tá acontecendo, e

sentar na mesa e começar a conversar. Não deixar pra sentar na mesa pra conversar

com o fulano de lá depois, o multidisciplinar depois. Faz uma conversa coletivamente

e, depois conversar no individual, não custa nada (Salvador-Júnior).

Uma coisa, assim, que eu poderia estar sugerindo, não só pedir a internação e do juiz

determinar, mas ter alguém pra fiscalizar essa internação. Alguém pra acompanhar,

de longe, não precisa ser lá em cima. Mas acho que tá faltando um acompanhamento

do judiciário em cima” (Socorro-Linda).

TRAJETOS PERCORRIDOS NO SISTEMA DE JUSTIÇA

Diante da perspectiva de violação de direitos ou receio de que possam vir a ser, os

participantes apresentam os caminhos que encontram para buscar garantias relacionadas a

situações de violência, de disputa por guarda de filhos, de interdição e de benefícios.

Trajetos de violência e a relação com a polícia

A percepção das relações com a polícia surge ora como a instituição que acolhe a

denúncia de violência para que possa ser feita a defesa da vítima, e ora como composta por

profissionais de quem é preciso procurar se defender.

“A vez que o pai dos meus filhos apertou o meu pescoço e me machucou lá na casa

dos pais dele, eu fiz o boletim de ocorrência. E teve uma vez que o meu irmão me

bateu, deu bastante pancada na minha cabeça, eu também fiz um boletim de

ocorrência” (Maria da Penha).

“Ficou violento, aí veio um pessoal e... eu não sei se era policial da guarda civil

municipal, lá no centrão de São Paulo, e daí eu tive que interferir se não o pessoal ia

bater nele, queriam levar ele... e eu não, é meu irmão, é meu irmão... ele está assim

porque eu deixei ele nervoso... tive que contornar a situação, entendeu? Com medo

que levassem ele, que batessem nele, que fizessem alguma coisa, né?” (Irma-Getúlio).

Trajetória de disputa jurídica pela guarda dos filhos

As diferentes situações em que a família apresenta a questão da disputa da guarda

dos filhos, quando está em pauta a temática da saúde mental e a justiça é acionada para definir

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 156

a responsabilidade dos familiares diante de demandas de saúde mental:

“Ficaram um ano no orfanato. O juiz, acho que tentando ver que rumo ela tomava,

porque até então não dava pra você diagnosticar. A droga acho que mascarava. Até

que viu que não tinha como, eles ficaram à disposição pra adoção e aí eu entrei com o

processo” (Socorro-Linda).

“Aí uma prima da mãe dele pegou a criança, só que também mesmo assim não

comunicou nóis. Ela pegou em dezembro. O juiz deu a guarda provisória pra ela de

180 dias. Fui no fórum. Esse aí é o registro do nascimento, guarda provisória por 180

dias” (Cleonice-Elisa).

“Já tem umas sete semanas, por aí, que a minha mãe pegou e entregou os meus filhos

pro pai, que ela não ia cuidar mais porque tava trabalhando e comigo ela não ia

deixar mais, e entregou pro pai. E nesse tempo eles não estão me deixando ver as

crianças. Eu nem sei onde que ele mora. Aí eu fui lá no Conselho Tutelar falar com o

conselheiro e ele me mandou ir lá no fórum falar com o promotor no Ministério

Público” (Maria da Penha).

Trajetórias de busca por interdição e por benefícios

A busca por direitos aos benefícios previdenciários e os impasses diante da

possibilidade de interdição encontram-se presentes dentre as diferentes temáticas de direitos

negados aos usuários do serviço com demandas de saúde mental. Tais conteúdos surgem com

alusões aos processos movidos contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); aos

processos em andamento na Vara da Família concernentes a possíveis usos impróprios de

recursos por parentes e curadores; e aos de busca por profissionais da saúde que possam

declarar a incapacidade das pessoas em processo de interdição.

“Fomos atrás de documentação, procurar no estado, porque ele foi professor durante

quinze anos e não tinha uma aposentadoria. Aí, como fazia muito tempo que ele tava

nessa situação, ele perdeu todos os direitos dele no estado, a gente não acredita nisso

até hoje, entendeu? Eu não sei o que o estado tem lá, eu não sei te explicar aqui

agora, eu sei que tem uma história lá que perde o vínculo lá de professor, foi

considerado abandono de emprego, entendeu? E foi um longo processo. Processamos

o INSS, arrumamos um advogado, sindicato dos professores. Eu só interditei ele

porque foi a única maneira, deixo isso bem claro e conto pra todo mundo, porque foi

a única maneira de conseguir o LOAS34

pra ele, que é o dinheiro que ele come, o

dinheiro que ele se veste, que é a única maneira que eu tive pra conseguir o tal do

LOAS, porque ele ficou Totalmente desamparado” (Irma-Getúlio).

“Dia 16 ela tem uma consulta com o psiquiatra. Eu vou falar com o Dr. Paulo, se tem

como ele me dá um papel pra gente aposentá, não o benefício, aposentá ela. Por quê?

Hoje ela pode trabalha, amanhã ninguém sabe como ela vai acordar (Cleonice-Elisa).

34 Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/Loas), no valor de um salário mínimo.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 157

Eu pagava a pensão e fazia assim, 50 reais pra você passar a semana; na outra

semana eu dou R$ 20,00; na outra semana eu te dou R$ 30,00. Ele não foi aqui na

Vara da Família me denunciar?! Ele foi falar que eu estava pegando o dinheiro dele.

Eu tive que escrever, mostrar todos os gastos. Aí, depois, até sair a interdição dele eu

dava o dinheirinho e ele assinava o recibo” (Irma-Getúlio).

“Daí, como eu sou a curadora, eles acham que eu tenho que cuidar de tudo. Não!

Então, da última vez eu falei pra juíza, então, a partir de hoje vocês tomam conta dele,

o Estado toma conta dele. Taí! Arruma um advogado pra administrar os bens dele,

uma aposentadoria de 700, 800 reais e vocês vão tomar conta dele. Taí! Aí

contornaram, porque não, não é assim, a senhora está muito nervosa, está muito

estressada... Conversaram muito com ele. Falou que ele não pode ir lá reclamar de

tudo de mim, né?! Que tem casos bem mais tristes” (Irma-Getúlio).

A análise das iniciativas dos participantes na busca por acesso aos serviços

públicos do Sistema de Saúde evidenciou os impactos e sofrimentos vivenciados diante das

situações de internação. Trajetórias descritas como de impotência e de indignação. As

referências aos serviços extra-hospitalares mostraram-se menos aversivas e com maior

possibilidade de diálogo com os profissionais. Entretanto, a dificuldade de aderirem ao

tratamento medicamentoso e de dar continuidade ao acompanhamento esteve presente.

Especificamente, em relação ao CAPS, embora a proposta tenha sido enfatizada de maneira

favorável, surge como idealizada, distante da realidade. As críticas à gestão da saúde mental

se fizeram presentes com ênfase na necessidade de fiscalização por parte do Estado das

clínicas conveniadas com o SUS.

Os participantes mencionaram, também, outros percursos percorridos em busca da

garantia de seus direitos. O Sistema de Justiça aparece como tendo sido acionado para

requerer a guarda de crianças de mães com transtorno mental e/ou uso de drogas,

reivindicação de benefícios para pessoas portadoras de transtornos e busca em situações de

solicitação de interdição de familiares com transtornos mentais. Também é mencionado nos

trabalhos da polícia, que tanto é vista como aquela que poderá proteger e é buscada para a

realização de boletins de ocorrência, quanto é lembrada como representada por profissionais

que podem bater, agredir, e de quem é preciso se defender.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 158

7.5 A busca por acesso à Justiça na DPESP

OS MOTIVOS DA BUSCA PELA DPESP

Dentre os motivos mencionados pelos usuários do serviço para a busca pela

DPESP, destacam-se: reivindicar o direito à guarda de irmã; interdição da mãe; defesa em

processo de interdição movido pelo filho e por irmão; internação compulsória do filho; defesa

em processo de filho preso por roubo para aquisição de drogas; intervenção em processo de

acusações da filha e guarda de netos; ação contra o INSS para requerer aposentadoria de

irmão; proteção diante de ameaças e pensamentos persecutórios; reivindicação de pagamento

de pensão para os filhos; disputa por guarda de filhos; procura de tratamento médico;

solicitação de defesa diante de situações de violência; e reivindicação de benefícios.

Busca por defesa diante de persecutoriedade e reivindicação de benefícios (INSS):

“Quem veio pra cá foi ele reclamar dessa questão que ele está sendo perseguido, que

ele está sendo ameaçado, que tem gente que xinga ele, que tem gente que ele quer

processar, mas a gente não sabe quem também. Diz que parece a voz daquela Rosana

Jatobá e quem manda ela ameaçar ele é a Dilma, esses políticos corruptos, só fala

nisso, que eles que ficam ameaçando ele, que ficam prejudicando ele, entendeu? [...]

A gente acha que ele fez alguma coisa errada no banheiro do mercado e alguém deve

ter dado uma prensa nele e ele tá com medo. Então por isso que ele veio aqui, que ele

foi atrás do advogado querendo processar o mercado. O advogado me ligou, ele foi

aqui na vara da família, ele andou indo lá... Desculpa! Eu acho que é um caso tão

simples... ele que vem reclamar, vai em todos os lugares...”(Irma – Getúlio).

“A gente fez foram dois processos contra o INSS, dois ou três e não conseguimos, foi

declarado indeferido” (Irma-Getúlio).

Solicitação de internação compulsória de familiar:

“A luta foi muito grande. Então o internamento desse meu filho mais velho, com essa

que saiu em fevereiro, eu... ele andou internado aqui umas porção de veiz. Acho que

foi a décima segunda ou a décima primeira veiz. Esse que tá lá, acho que é a oitava

ou a nona. Ele internou tudo em comunidade terapêutica. A única vez que foi

compulsória foi agora, pela Defensoria, que foi esse mais velho [...]e o mais novo

que tá em [...]Procurei a Defensoria pra compulsória, o mais novo tava falando de

não ir mais, o mais velho tava falando em suicídio, que ele não queria mais, que ele

queria acabar com a vida dele, que não tinha mais jeito e tatatá” (Messias – Tim-

Leandro).

Busca por internação de familiar e de defesa criminal desse:

“Eles (CAPS) falaram, olha, o senhor tem que procurar porque o estado que ele tá

agora ele precisa de uma internação...’ (Salvador-Júnior).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 159

“Ele começou a roubar, a furtar e aí num desses furtos ele foi preso, foi preso por

roubar pra consumir a droga, junto com outro elemento. O outro elemento nunca

achou, ninguém sabe onde que tá, mas ele acabou levando toda a culpa, porque ele

simulou que estava armado. Aí ele está lá até hoje. [...]Está arrolado junto a esse

processo criminal o problema dele psicológico... No respeito com esse processo tudo,

agora ele tando preso, o defensor está acompanhando” (Salvador-Júnior).

Reivindicação de guarda e de pensão alimentícia para os filhos:

“Há três anos minha mãe conseguiu a guarda provisória dos meus filhos. Não

deixava eu ver eles.Eu fiquei uns quatro meses vendo eles só no quintal, só quando ela

não tava por perto. Meus filhos, às vezes, entravam escondidos na minha casa, só que

quando ela percebia que eles estava lá, ela começava a gritar mandando eles saírem.

E se eles não fizessem o que ela mandava, ela colocava eles de castigo. Nos últimos

meses eu não tô nem vendo eles, ela entregou para o pai das crianças faz sete

semanas. Ele não me deixa mais ver eles. O que mais incomoda é eu ficar longe dos

meus filhos, ter perdido a relação que eu tinha com eles antes. Eu vim aqui pra pedir

a guarda dos meus filhos. Quando eu me separei do pai dos meus filhos eu vim aqui

pra ver a pensão alimentícia, a gente tinha feito o acordo só que ele não cumpriu”

(Maria da Penha).

Reivindicação da guarda da irmã e de interdição da mãe:

“A gente precisa de tudo isso que tá aqui (lista de documentos solicitados pela

DPESP) pra ver se a gente consegue ter a guarda da neném (Cleonice – Elisa).

A gente tendo ou não interdição da mãe dele, pra rua ela não volta. Não volta”

(Cleonice-Elisa).

Reivindicação de internação da filha, da guarda dos netos e de proteção e

defesa:

“A primeira procura, deixa eu ver se consigo lembrar direitinho, era pra, sempre foi

pra internar. Eu já procurei a Defensoria pra me defender das acusações dela, por

causa que ela surtava, ela ia na delegacia da mulher, fazia “n” acusações; ia no

Conselho Tutelar, porque eu tenho a guarda das crianças, um de 17 agora, outro que

tá com 11. Então, assim, tudo que ela podia fazer pra tumultuar, ia na escola

atrapalhar a aula, por causa do transtorno, né? Então eu vim procurar a Defensoria

pra me resguardar, ela estava em situação de rua já. E quê que aconteceu nessa

época? Toda a sociedade, a maioria das pessoas, principalmente dos lugares que ela

frequentava aqui no centro, tinha boletim de ocorrência que ela tava causando

tumulto nos estabelecimentos. E aí, quase simultaneamente eu procurando a

Defensoria pra me defender, que ela não aceitava o tratamento, e a sociedade

procurando, assim, incriminando-a, né? Porque ninguém sabia que ela tinha

transtorno mental e ninguém quer saber” (Socorro-Linda).

Busca por defesa em processo de interdição e situações de violência doméstica:

“Ele diz que interna eu e o veio, que nós vamos morar debaixo da ponte, e essa aí ele

interna ela, porque ele disse que consegue fácil internar, batia nela, até cobra ele

levou dentro de casa! Ele quer a interdição, só, e quer ela, ficar com ela, pensando na

pensão, ela não recebe, veio 6 meses e cortaram, que ela tem problemas, né? Eles

falam que ela tem, não sei, um retardamento, né? Ele quer tirar nós da casa, ficar

com a casa, internar ela” (Maria das Dores).

“Se você vê ele aqui, é uma educação com a senhora, em casa é o cão, quebra tudo,

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 160

agride, quebra, e fala que a gente que é louca, não ele” (Cristal).

Busca da Defensoria para instaurar processo de interdição de familiares:

“Ele arrumou advogado aqui (DPESP). Pediu uma audiência, levei 10 testemunhas,

não precisou. Era polícia lá 24 horas, morria de vergonha, ele não, ele saia rindo,

precisa de ver. Aí teve uma audiência, aí ele pôs que eu era louca, né? Aí a juíza me

perguntou, você tem conta no banco? Falei, tenho. Tudo o que ela perguntava eu

respondia. Aí ele, doutora, a senhora não vai internar ela? Ela falou, não. Eu não sou

médica, mas pra mim, ela não é louca, ele ficou tinindo. Aí eu tive que ir lá na Barra

Funda passar num médico, não sei a resposta, a dela (filha), a minha eu sei. Não deu

como louca, né? A dela eu não sei a resposta ainda. Ainda não terminou esse

processo. E eu pegava remédio dela no CAPS. Então, quando ela tinha umas reuniões

lá que a gente ia, mas só assim, palestras, ele foi vê que ela se tratava no CAPS. Eu

pegava os remédios no CAPS. E ele foi ver, tin-tin por tin-tin. Você trata no CAPS,

você é louca!” (Maria das Dores).

O ENCAMINHAMENTO E O ACESSO À DPESP

Em relação às fontes de encaminhamentos dos usuários aos serviços da DPESP

foram mencionados: (i) Encaminhamento pelo CAPS; (ii) Encaminhamento pelo Fórum; (iii)

Encaminhamento pela Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo

(APEOESP); (iv) Encaminhamento por intermédio da Assistente Social do Serviço de Saúde

(Maternidade); (v) Encaminhamento pelo Serviço Social da Prefeitura (Centro de Referência

Especializado de Assistência Social) e, também, (vi) a busca espontânea por conhecimento

prévio dos trabalhos da DPESP.

A orientação do CAPS:

“Soube pelo CAPS, que aí indo no CAPS, fazendo as reuniões de grupo de família...

aí, no internamento eles falou, oh, tem que dar entrada na Defensoria pra poder pedir

o internamento porque lá trata da saúde do seu causo, né! Então, foi o CAPS que me

mandou pra cá, com uma certa dificuldade que, não tanto, posso dizer assim, nem

pelo CAPS, nem pela Defensoria, mas por causa dos filho ir lá fazer o

acompanhamento, passar pelo médico pra trazer a carta do médico; que sem a carta

do médico, a Defensoria, o promotor não libera pra internar ninguém (Messias-Tim).

Eu fiquei sabendo pelo CAPS mesmo. Eles falaram olha, o senhor tem que procurar

porque o estado que ele tá agora ele precisa de uma internação. [...] Ele saiu dia 20,

quando foi na outra semana eu já corri aqui pra entrar com internação pra ele

novamente. Eu pedi outra internação pra ele aqui e saiu, saiu a internação dele pra

janeiro desse ano, parece que janeiro ou fevereiro desse ano” (Salvador-Júnior).

A orientação recebida no fórum:

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 161

“Ela (avó das crianças) ficou com a guarda provisória, ela foi lá no fórum e

conseguiu. Depois de um tempo que eu fui lá no fórum que eles me mandaram vir"

aqui (DPESP) (Maria da Penha).

A sugestão recebida no Sindicato dos Professores (APEOESP):

“Eu mesma vim aqui só uma vez, nem eu sei. Me indicaram? Me indicaram por causa

dele que veio aqui reclamar, que o pessoal acha que eu não cuido dele. Quem me

indicou foi o pessoal da APEOESP, o sindicato dos professores" (Irma-Getúlio).

O encaminhamento do Serviço Social da Maternidade:

“Eu fui na maternidade quando o povo começou a comentar que a mendinga ganhou

nenê, e falavam que era um casal de gêmeos. E aí a gente foi atrás. Mesmo assim não

me deram informação. Falaram que nóis não tinha direito. Falei tá bão, eu vou trazer

o filho dela e aí a gente vai vê se nóis tem ou não direito. E aí a gente foi atrás,

chegou lá a assistente social deu todas as informação, e mandou vim na Defensoria

Pública, porque a criança tava num abrigo” (Cleonice-Elisa).

O encaminhamento do Serviço Social da Prefeitura:

“Elas (assistentes sociais do CREAS) vinham aqui, elas me trouxe de carro, né? Da

prefeitura. Aqui nessa salinha mesmo. Porque elas tá a favor, porque elas vão em

casa e sabe que nós não tá louca, que ele queria provar que nós era louca” (Maria

das Dores-Cristal).

A busca espontânea:

“Eu sabia que tinha a Defensoria há bastante tempo. Eu vim aqui pra pedir a guarda

dos meus filhos. Quando eu me separei do pai dos meus filhos eu vim aqui pra ver a

pensão alimentícia, a gente tinha feito o acordo só que ele não cumpriu. Acho que já

tinha uns quatro anos, mais ou menos, nessa situação, que eu voltei aqui e acho que,

eu não lembro direito o que a gente veio conversar, mas eu voltei por causa da

pensão. E mesmo assim, depois ele não continuou pagando. [...] Quem resolveu

procurar a Defensoria fui eu, as duas vezes ele veio” (Maria da Penha).

“Olha, na verdade a Defensoria faz parte da minha vida desde esse primeiro surto

dela. Eu queria a guarda do meu neto, mas eu não consegui. [...] Ela tentou por

várias vezes me matar. Foi nessa época que a gente, simultaneamente se encontrou, e

eu tava buscando eles (DPESP) e eles estavam me buscando. De lá pra cá teve muitas

histórias. Com Conselho Tutelar, com a Defensoria mesmo, porque assim as crianças

foram recolhidas em 2005 pro orfanato, é muita história! Vinte e seis internações,

vinte e sete em dezessete anos. Teve uma que foi até a Defensoria que conseguiu”

(Socorro-Linda).

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 162

PROCEDIMENTOS NA DPESP

As citações aos diferentes procedimentos adotados pela DPESP, envolvendo o

CAM, que pudessem descrever a rotina de trabalho implantada, visando proporcionar o

acesso da população à justiça foram agrupadas. A essas foram acrescidas as percepções dos

usuários sobre as providências tomadas pelos profissionais, expectativas, reclamações e

impasses relacionados aos procedimentos. Foram mencionados os diferentes profissionais que

trabalham no serviço e o fluxo do trabalho na recepção, triagem e atendimento psicossocial. A

ênfase recaiu sobre os atendimentos individuais (“conversas”); anotações e relatórios; visitas

domiciliares e contato com vizinhos; contato com as crianças e demais familiares envolvidos

em cada caso; orientações sobre documentos necessários e procedimentos para a elaboração

da defesa nos casos de atuação judicial.

As referências foram organizadas em (i) protocolo de rotina do serviço; (ii) escuta

e a identificação das demandas; (iii) elaboração de relatório e instrução para defesa; (iv)

encaminhamento para internações; (v) reconhecimento, reclamações e impasses; (vi)

expectativas dos procedimentos da DPESP.

O protocolo de rotina do serviço

Composto pela descrição da rotina do serviço e os diferentes papéis

desempenhados, assim como os procedimentos adotados para cada etapa do trabalho: o

trabalho de recepção e triagem, atendimento psicossocial e/ou com os estagiários, para a

orientação sobre encaminhamentos ou documentação necessária para a elaboração da defesa

nos casos de ação judicial.

Orientações iniciais na recepção:

“Na realidade o procedimento aqui ainda não foi nem tomado ainda. Da primeira vez

que eu vim aqui ela tava internada, e a atendente lá embaixo pegou e falou assim pra

mim, o filho dela já é de maior? É de maior. Ela falou, então, quando ela sair você vai

vim aqui com o filho dela, vocês vão explicar o caso, e vai falar também do caso da

neném. Quem entra, o promotor (defensor), e aí se o promotor achar que tem que

contratar, colocar um adevogado ele mesmo vai pôr. Se não, ele mesmo vai tomar a

frente de tudo, até o dia da audiência” (Cleonice-Mário-Elisa).

O retorno à instituição e a orientação para comparecimento na triagem:

“Ela ficou internada do dia 3 ao dia 13, aí eu truxe ela. Aí eu vim aqui, aí a moça

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 163

falou que eu tinha que voltar depois de manhã pra pegar uma senha” (Cleonice-

Mário-Elisa).

O atendimento psicossocial:

“Aí foi quando a assistente social atendeu nóis. Aí ela falou que ia passar o caso pra

o promotor (defensor), que ela até fez um relatório, aí que a gente falou, ela falou

comigo só, conversou com ele só, e aí ela falou que eu tinha que voltar aqui na terça

feira. Só que na realidade eu não conversei com um defensor” (Cleonice-Mário-

Elisa).

O atendimento com o estagiário:

“Conversei com uma estagiária. A assistente social deu esperança, falou assim que

ele é irmão e ela é mãe, que aí eles iam pedir alguns documentos dele. Mas quando a

gente chegou aqui ontem, essa moça que atendeu a gente falou que a gente pode até

entrar com o pedido de guarda, mas provavelmente a gente não ganha. E aí, ela já

falou, só volta aqui com esses papel, todos esses papel que eu pedi, e ela falou que a

guarda não é da noite pro dia, demora de 3 anos a 5 anos. Quê que é isso? De 3 ano a

5 ano, com quantos ano essa nenê num vai tá? Aí não vai adiantar. O juiz logicamente

não vai me dá” (Cleonice-Mário-Elisa).

A escuta e a identificação das demandas

Foram identificadas referências que ilustram as relações dialógicas entre os

profissionais e os usuários do serviço. É enfatizada a procura por entendimento da demanda e

as dificuldades vivenciadas nesse processo.

As possibilidades e as dificuldades de diálogo:

“O psicólogo também teve grande participação. Ele fez uma elaboração de um

documento aqui, que ele me fez perguntas pra mim, que tava até adormecida, mas que

a gente começou a lembrar de coisas que o meu filho falava lá, coisas que acontecia,

coisas que ficou, da pergunta ser tão bem colocada que a gente não esqueceu mais do

que aconteceu. Na parte que diz respeito a primeira internação eu consegui. Graças a

Deus eu consegui. Agora ele tando preso, o doutor está acompanhando. Só conversei

com o defensor uma vez diante do estagiário. Não vou dizer que foi eficaz, porque não

foi. Muito, muito vazio! Ah, eu tô vendo tal coisa... tudo bem, fique tranquilo. Mas eu

queria, é bom a gente ter esse contato, sabe? Por que ele tá vendo o empenho. Será

que essa pessoa não vai no computador? Isso não fica registrado quanto tempo eu tô

vindo aqui? Tem que ficar, tem que ficar no sistema. Eu sou bem atendido, não vou

falar que não sou. Mas eu queria ter uma conversa a respeito do parecer dele pra

mim. Me chamar e falar, olha, tá assim, assim, assim; as possibilidades de acontecer

isso é isso, isso, isso, já me tranquilizava mais” (Salvador-Júnior).

O discurso persecutório e a possibilidade de ser ouvido:

“Aí ele chegou aqui na Defensoria e encaminharam ele pra conversar com a

psicóloga, assistente social. Daí o que elas acham? Que ele não tem respaldo, que ele

não tem quem ajuda. Daí eu tô explicando pra elas que não, que ele tem sim. Porque

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 164

ele me levou um papel que era pra eu estar aqui dia 24 do 11, e eu falei pra ele que

não ia vir pagar esse mico. Entendeu? De vim aqui pra falar pra ela que ele tá bem,

que ele não toma remédio, que ele escuta vozes na televisão, mas que não existe essas

vozes, entendeu? Que ele escuta vozes sei lá, da televisão, do vídeo, mas que não

existe, que não tem motivo pra ninguém ameaçar ele, entendeu? [...] Eu vim hoje, ah,

eu tive que contar toda a história, né, porque aí até pegar o fio da meada, acha que

ele tá abandonado. Que nem ela (assistente social) falou, que queria conversar

comigo pra encaminhar ele pro psicólogo. Já faz, entendeu? O quê que elas podem

fazer também, coitadas?” (Irma-Getúlio).

Elaboração de relatório e instrução de defesa

Apresentação dos procedimentos para o levantamento de informações que possam

instruir o processo e auxiliar nos encaminhamentos a serem adotados: entrevistas e as

anotações das informações coletadas; visitas domiciliares; entrevistas com familiares e

vizinhos; encaminhamento judicial. Em tais procedimentos, mencionaram-se contatos com

estagiários e diferentes profissionais do serviço – defensor, assistente social e psicólogo.

Procedimentos para instrução em processo de defesa:

“Eu não sei se ela era estagiária, eu acho que não. Eu não lembro o nome dela. Ela

falou que a minha defesa ia ser feita. Ela me encaminhou aqui num outro horário pra

falar com uma outra pessoa, eu não lembro com quem foi a primeira que eu falei,

porque aqui tem um monte de pessoa, né? Estagiário é um monte, então eu não

lembro com quem foi que eu falei, só sei que é com quem trabalha com a defensora.

[...] A assistente social conversou comigo junto com a psicóloga e foi anotando tudo o

que eu ia falando pra fazer minha defesa. Ela conversou comigo e com o meu pai no

outro dia” (Maria da Penha).

“Eu acho que a gente fez foram dois processos contra o INSS, dois ou três e não

conseguimos, foi declarado indeferido. Tentei, mas não consegui, o processo andou e

a resposta foi negativa” (Irma-Getúlio).

Visita domiciliar, entrevista com familiares e com vizinhos:

‘Tive contato com psicólogo, assistente social, defensor, tanto eu vim aqui quanto eles

foram em casa fazer a visita, muito simpáticos, as crianças têm eles como referência.

Eles (netos) conhecem tudo, tudo, tudo o que se passa aqui também. Eu me afastava

da Defensoria porque o negócio era só com o juiz, lá com o pessoal do orfanato que é

da adoção e tudo mais. A Defensoria estava por trás de tudo isso porque ela não saía

daqui pra pegar a guarda das crianças de volta [...]. Aí pra internar eu tive que vim

pra Defensoria de novo. Graças a Deus eles já conheciam a história dela, eles foram

até mim, entrevistaram as crianças, os vizinhos, né, porque tem que ter todo um

estudo. Eles já conheciam toda a história dela”(Socorro-Linda).

Encaminhamento para internações

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 165

Apreciações aos procedimentos adotados nos casos em que a internação foi a

alternativa encontrada diante dos comprometimentos de saúde mental dos usuários do serviço.

A intervenção da DPESP para efetivar a internação:

“Vim na Defensoria Pública, conversei com o pessoal da Defensoria pra poder uma

internação pra ele, né, uma internação compulsória porque ele não aceitava... Pedi a

internação. Aí, levou o quê? Uns quatro meses, por aí. Aí, graças a Deus veio, veio

através do documento do fórum, veio a internação pra ele. Aí deu o que fazer essa

internação. Eu não podia falar, senão ele desaparecia e cabou!” (Salvador-Júnior).

O acompanhamento contínuo do caso:

“A coisa chegou num ponto, que não era mais a saúde, em si, que ia resolver meu

problema naquele momento. O Posto fazia o que podia, me dava carta de internação,

mas ela não ia e ninguém vai internado na marra, só com uma ação judicial. Eles

(DPESP) conseguiram a internação numa clínica de recuperação, né? Ela ficou seis

meses internada, a Defensoria acompanhou todo o tempo, e depois que ela saiu da

clínica ela não ficou mais sozinha de vez. Foi a partir daí que a gente conseguiu. De

lá da clínica ela veio pro tratamento no CAPS ad. Aí o ad deu alta pra ela porque ela

não tinha mais o problema com a droga, passou pro mental, ela não aceitou. Foi

quando ela não aceitou que ela era doente mental, surtou e tivemos que internar de

novo. Aí tive que vim buscar de novo a intervenção do pessoal da Defensoria pra

conseguir a internação pra ela. Que não tinha condições. Ela tava correndo sérios

riscos. Era CAPS ad, Defensoria, internação. Clínica, CAPS ad. CAPS ad, CAPS

mental. CAPS mental, Defensoria. Defensoria, hospital psiquiátrico. Hospital

Psiquiátrico, CAPS mental. Hoje já é outra situação, o CAPS já tá na frente. Se ela

tiver um surto ou qualquer coisa assim, o CAPS mesmo encaminha. Mas foi a partir

do trabalho da Defensoria, que já conhecia toda a história dela desde lá,

praticamente do nascimento do primeiro filho, que agora as coisas estão fluindo. O

quê que aconteceu? Se fez outra internação compulsória pelo psiquiatra e ela sai do

psiquiatra, e ela não tem remédio se ela não for pro CAPS mental. Se ela não tiver o

remédio, vai entrar em surto, vai voltar pro hospital e ela não quer” (Socorro-Linda).

Reconhecimento, Reclamações e Impasses

Ao se analisar questões relativas aos procedimentos adotados pela DPESP é

possível identificar situações de reconhecimento positivo do trabalho, além de circunstâncias

que geraram desconforto, reclamações e impasses, tanto entre os usuários e profissionais,

como em relação às condições de atendimento.

O reconhecimento:

“Olha, todas as vezes que eu precisei, dentro do limite dela, que tem um limite, né,

penso que a Defensoria foi tudo na minha vida. E se não fosse a Defensoria, pra mim,

eu tava dando murro em ponta de faca até hoje. Foi a Defensoria que conseguiu, via

judicial, interná-la, a internação compulsória, né, na clínica de recuperação. Foi a

partir daí que passou a melhorar tudo e eles têm acompanhado de perto todos os

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 166

trâmites da situação. Aí, ela volta pra cá, vem pro CAPS ad. Fica um tempo, aí eles

conseguem identificar que a questão da droga está mais sob controle. E aí que ficou

claro o transtorno que ela tem. Porque ninguém conhecia ela sem a droga. Então

aquilo que a gente tá presenciando hoje, é a Linda” (Socorro-Linda).

Reclamação da morosidade:

“Pra falar a verdade, poucas pessoas procuram a Defensoria porque sabe da demora.

Tem pessoas, que nem eu tava falando pra ele, depois de ontem do que ela falou pra

mim, eu falei Mário, eu vou conversar com meus irmão que eles banca as coisa em

casa e meu salário a gente paga um adevogado” (Cleonice-Elisa).

“Porque eu vim aqui, mas eu acho que eu não consegui nada na época, estava assim

oh! Só pra você ter uma ideia, é uma reclamação, eu fiquei a manhã inteira no

telefone e não consegui falar. Então eu acho que eu vim aqui e tava, acho que

marcaram, assim, com uma agenda muito longa e eu acabei conseguindo antes com

os advogados (processo de interdição) né, que estão estudando ainda na faculdade...”

(Irma-Getúlio).

“Saímo de casa cedo, fomos pro Poupatempo, do Poupatempo fomo no banco, do

banco nóis viemo pra cá, ficamos mais de duas hora esperando, daqui a gente foi pro

INSS, chegamos em casa 6 horas da noite. Eu falei pra ela, ela não sabe quanto custa

uma passage, ela não sabe quanto custa um prato de comida na rua porque a gente

tem que comprar remédio, ela toma remédio de manhã, ela toma remédio meio dia,

ela toma remédio de noite. A gente não pode deixar ela com fome. E não é um lanche,

tem que dá comida, os remédio dela é forte, tem que dá feijão e arroz pra ela comê.

Agora, eu saio de casa 5, 6 horas com ela e eu não sei que hora eu vou voltar, eu sei

que hora eu vou sair, que nem ontem, a gente tomou um chá de banco aqui,

daqueles!” (Cleonice-Elisa).

Impasses e dificuldades com a burocracia:

“Se ele tá falando que ele é pai, tem necessidade de trazer o documento do filho dele

pra provar que ele é pai? O que ele fala não adianta? Tem que provar no papel? Pra

mim, ela desacreditou. O xérox do nascimento do nenê dele é fácil, mas agora um

comprovante? Lá não é que nem aqui que a gente tem comprovante de residência,

água e luz, lá é candieiro! Ah mas deve ter um correio lá que recebe as

correspondências pra distribuir pras casas dos fazendeiros. Não é assim que age lá,

eu acho que ela anda assistindo muito filme! A gente tem que ligar lá pra

providenciar um endereço, que a gente não sabemos como vai providenciar. Eu não

sei como aqui o povo da cidade grande vê como é uma fazenda. Uma fazenda não é

como o povo acha que eu vou mandar uma carta e vai chegar lá. Fazenda é lugar de

mato, lugar de animal, sabe? Lá num é que nem aqui, não é fácil que nem ela tá

achando que vai ser. Eu já fiz reclamação dela. Se for pra ser a mesma estagiária a

gente não vai vim mais aqui” (Cleonice-Elisa).

Expectativas dos procedimentos da DPESP

São apresentadas as expectativas dos participantes em relação aos trabalhos que

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 167

estão em andamento na DPESP:

“A Defensoria tem que dar pra gente a interdição dela porque se não sacar esses

aqui, que tá retido lá (INSS) não saca mais, se não sacar esse ano não saca mais,

porque depois de 5 anos você não consegue mais. A gente precisa de tudo isso que tá

aqui pra ver se a gente consegue ter a guarda da neném. Ontem a gente foi no banco,

pegamo um extrato, sabemos de um valor que o irmão dela tirou de uma vez só, e o

restante que tá lá saque com cartão, nem ele e nem a irmã dele admite que sacou. E

tem outros valores que o INSS puxou de volta, só que esses a gente vai conseguir.

Hoje a gente já foi lá, já conversamos, pediu pra gente 20 dias, só que a Defensoria

aqui vai ter que dar um papel pra gente ir lá no juiz pra interditar ela, pra ele poder

pegar, porque sem essa interdição... A gente vai ter que interditar ela agora”

(Cleonice-Elisa).

“Eu espero que eles consigam enxergar a situação, mudar a situação e fazer justiça,

porque é injusto o que tá acontecendo. Espero que eles consigam ver, e possam

recuperar a minha relação com os meus filhos e que eu possa estar com eles como era

antes. Eu sinto assim, que eu fiquei doente e de certa forma se aproveitaram dessa

situação pra tirarem meus filhos de mim, se afastarem. E não era isso que eles tinham

que fazer. Que eu vejo que ela tirou a guarda provisória de mim, que não era pra ela

afastar eles de mim, era pra ela me ajudar a recuperar pra conseguir tá com eles, ao

mesmo tempo ficar perto dos meus filhos pra recuperar e não ela fazer isso que ela

fez. O que eu espero agora é que só me devolvam pra mim os meus filhos [...]. Eu me

sinto bem, que eu posso fazer as coisas, que eu vou conseguir fazer as coisas, tô

limpando a minha casa direito. Já faz um ano que eu tô bem, capaz. Eu também me

apeguei com Deus, e é isso, eu tenho forças agora” (Maria da Penha).

A análise dos dados permitiu identificar os principais objetivos pelos quais os

usuários recorrem à Defensoria (solicitação de benefícios; defesa em processo de internação

e/ou de interdição; disputa por guarda de filhos; defesa de filho envolvido em roubo; proteção

e defesa diante de violência doméstica; defesa diante de ameaças delirantes); as fontes de

informações e de encaminhamento (CAPS; APEOESP; CREAS; Serviço Social de Hospital;

FORUM) possibilitaram: (i) que os participantes tivessem acesso à informação dos trabalhos

da Defensoria; (ii) chegassem até a Defensoria; (iii) comparecessem ao serviço de

atendimento da triagem, no horário estabelecido para o atendimento; (iv) conseguissem a

senha para conversar com o estagiário e/ou defensor; (v) fossem submetidos à avaliação

socioeconômica; (vi) alcançassem o atendimento psicossocial; (vii) recebessem orientações e,

então, cada caso pudesse receber o encaminhamento de acordo com a identificação das

demandas.

Dentre os procedimentos realizados por profissionais do CAM, destacam-se: (i)

entrevistas para aprofundamento sobre as demandas; (ii) orientações jurídicas; (iii) visitas

domiciliares e contato com familiares e vizinhos; (iv) elaboração de relatórios para instrução

de defesa; (v) contato com serviços da rede, encaminhamentos para internação e

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 168

acompanhamento contínuo de tratamentos. O reconhecimento sobre a qualidade do serviço

prestado, reclamações sobre a morosidade, as dificuldades burocráticas e de entendimento; e

expectativas da atuação da Defensoria, também se fizeram presentes. Tais elementos

possibilitam identificar alternativas e barreiras encontradas pelos usuários do serviço na busca

pela efetivação do acesso à justiça na Defensoria, e que serão retomadas no capítulo 8.

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Resultados das entrevistas com os usuários do Serviço 169

O perfil e a voz dos profissionais da Defensoria Pública de São Paulo...

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8 CAPÍTULO 6

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM

OS PROFISSIONAIS DA DPESP

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 171

Foram entrevistados quarenta e sete profissionais, sendo quarenta e seis

vinculados à DPESP e um representante de movimento social que atua junto à DPESP desde

o período de luta por sua implantação em São Paulo. A presente análise incluiu a participação

dos profissionais tanto da etapa de entrevistas exploratórias com representantes da Defensoria

(RDP) e de Movimento Social (RMS), quanto das etapas das entrevistas com profissionais

atuantes no CAM de todo o estado (presenciais e não presenciais).

Os resultados foram organizados na seguinte sequência: (i) inicialmente, as

tabelas com os dados sociodemográficos dos participantes (gênero; região administrativa; área

de atuação e região administrativa; estado civil e cargo; idade e cargo; escolaridade por área

de atuação; tempo de serviço); (ii) Total de convidados e de participantes que atuam no CAM

e área de atuação; informações sobre o perfil dos profissionais do CAM de todo o território do

estado; (iii) análise temática visando responder as questões sobre a caracterização da demanda

de saúde mental e o processo de acesso à justiça descrito pelos participantes atuantes no

CAM; e (iv) análise temática visando responder as questões sobre a caracterização da

demanda de saúde mental e o processo de acesso à justiça descrito pelos representantes da

Defensoria (RDP) e de movimento social (RMS).

Todos os participantes que atuam no CAM foram identificados por siglas (e

números), a saber: Defensor Público (DP); Agente de Defensoria Psicólogo (ADP); Agente de

Defensoria Assistente Social (ADAS). Aqueles que atuam em áreas estratégicas (considerados

os objetivos do estudo e não necessariamente cargos por designação), e que participaram da

etapa de entrevistas exploratórias, foram identificados como Representantes da Defensoria

Pública (RDP) e o Representante de Movimento Social (RMS) 35

.

8.1. Dados Sociodemográficos dos Profissionais

A observação das tabelas a seguir permitiu identificar, dentre outros aspectos,

que: (i) o grupo é composto por um número maior de pessoas do sexo feminino que do sexo

masculino; (ii) o maior número de participantes é proveniente do interior; (iii) houve

participação expressiva de profissionais de diferentes cargos (defensores, psicólogos e

35 Para a apresentação de informações inseridas nas tabelas, nos casos em que o profissional que participou da

entrevista exploratória enquadrava-se nos cargos de Defensor Público ou de Agente de Defensoria, esse

enquadramento foi mantido, reservando-se a especificação de RDP para a análise temática.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 172

assistentes sociais); (iv) o estado civil dos participantes predominante foi o de casados; (v) do

Total de quarenta e sete participantes, quarenta e um possuem idade de 27 a 37 anos; (vi) em

relação ao nível de escolaridade, do Total de quarenta e sete participantes, seis afirmaram

possuir a graduação, e os demais contam com, no mínimo, uma especialização incompleta (ou

em andamento); trinta e duas especializações completas foram relatadas (casos de mais de

uma por participante ou de especialização e mestrado); seis apresentam mestrado incompleto

(ou em andamento); doze possuem mestrado completo, e dois estão com doutorado em

andamento; (vii) em relação ao tempo de serviço anterior à DPESP, dez do Total de quarenta

e sete participantes mencionaram ter experiência igual ou superior a de sete anos; (viii) em

relação ao tempo de serviço na DPESP, trinta e dois participantes afirmaram ter quatro anos;

treze possuem mais de 5 anos, e dois participantes menos de quatro anos de experiência; (ix)

quanto ao tempo de atuação no CAM, cinco participantes declararam não possuir experiência;

trinta e dois dispõem de experiência 4 anos; dez participantes têm experiência inferior a 4

anos; e (x) do Total de profissionais convidados a participarem do estudo por possuírem

experiência com o CAM, em relação às diferentes áreas de atuação, identificou-se um retorno

de: 92% dos Agentes de Defensoria Assistentes Sociais; 68% dos Agentes de Defensoria

Psicólogo e 54% dos Defensores Públicos.

Tabela 6 - Distribuição de participantes em relação ao gênero

Feminino 29

Masculino 18

Total 47

Tabela 7 - Distribuição de participantes em relação às regiões do estado as quais pertencem

Capital 20

Região Metropolitana 05

Interior 22

Total 47

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 173

Tabela 8 - Distribuição de participantes em relação à área de atuação (ou representação) e à

região do estado às quais pertencem

Área de atuação por

região Capital

Região

Metropolitana Interior Total

Defensor Público

04 02 09 15

Psicólogo

07 01 09 17

Assistente Social

06 02 04 12

Representantes da

Ouvidoria

02

-

-

02

Representante de

movimento social

01 - - 01

Total 20 05 22 47

Tabela 9 - Distribuição de participantes em relação ao estado civil e ao cargo (ou

representação)

Defensor

Público

Psicólogo Assistente

Social

Representante

Ouvidoria

Representante

Movimento Social

Total

Solteiro 5 7 6 - - 18

Casado 7 8 5 01 01 22

União

Estável 1 1 1 - - 3

Divorciado 1 1 - - - 2

Não consta 1 - - 1 - 2

Total 15 17 12 02 01 47

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 174

Tabela 10 - Distribuição por idade do participante e cargo (ou representação)

Idade/cargo Defensor Psicólogo Assistente

social

Representante

Ouvidoria

Representante

Movimento social Total

27 1 - 1 - - 2

28 1 - - - - 1

29 1 2 - - - 3

30 - 2 4 - - 6

31 1 1 4 - - 6

32 1 7 1 - - 9

33 3 1 1 1 - 6

34 1 - - 1 - 2

35 2 1 - - - 3

36 - 1 - - - 1

37 1 - 1 - - 2

38 1 - - - - 1

43 - 1 - - - 1

46 - 1 - 1

69 - - - - 1 1

Não consta 2 - - - - 2

Total 15 17 12 2 1 47

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 175

Tabela 11 - Distribuição por escolaridade e por área de atuação

Defensor

público Psicólogo

Assistente

social

Representante

da ouvidoria

Representante de

movimento social

Graduação

03 01 - 01 01

Especialização

incompleta/em andamento

01 02 02 - -

Especialização

10 12 10 -- -

Mestrado incompleto / em

andamento

01 02 03 - -

Mestrado

03 06 02 01 -

Doutorado incompleto / em andamento

- 01 - 01 -

Doutorado

- - - - -

Tabela 12 - Distribuição por tempo de serviço

Anterior a DPESP Atuação na DPESP Atuação no/ com o CAM36

1 5 anos e 4 meses 4 anos e 4 meses 6 meses

2 7 anos 4anos e 4 meses 4 anos e 4 meses

3 2 anos e 3 meses 4 anos e 4 meses 4 anos e 4 meses

4 3 anos e 6 meses 7 anos 3 anos

5 5 anos 5 anos 3 anos

6 n/c tempo/consta lugares 4 anos e 4 meses 4 anos e 4 meses

7 4 anos 4 anos 4 anos

8 4 anos e 4 meses 4 anos e 4 meses 4 anos e 4 meses

9 1 ano 4anos 4 anos

10 15 anos 4 anos e 5 meses 4 anos e 5 meses

11 5 anos 4 anos 4 anos

12 4 anos 4 anos 4 anos

13 4 anos 4 anos 4 anos

14 4 anos e 3 meses 4 anos e 3 meses 4 anos e 3 meses

continua...

36

Considerada a experiência de profissionais que atuam no CAM e na Assessoria Técnica Psicossocial, que

gerencia o CAM.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 176

continuação...

Anterior a DPESP Atuação na DPESP Atuação no/ com o CAM37

15 2 anos e 6 meses 4 anos e 5 meses 4 anos e 5 meses

16 25 anos 4 anos 4 anos

17 3 anos 4 anos e 5 meses 4 anos e 5 meses

18 7 anos 4 anos e 8 meses 4 anos e 8 meses

19 6 anos 4 anos e meio 4 anos e meio

20 4 anos 4 anos e meio 4 anos e meio

21 3 meses 4 anos e 6 meses 4 anos e 6 meses

22 n/c 5 anos 4 meses

23 8 anos 4 anos e 6 meses 4 anos e 6 meses

24 4 anos e 9 meses 7 anos 4 anos

25 4 anos 4 anos 4 anos

26 4 anos 4 anos e 6 meses 4 anos e 6 meses

27 n/c 7 anos e 6 meses 2 meses

28 Menos de 1 ano 7 anos 2 anos

29 13 anos 2 anos 3 meses

30 3 anos 4 anos 4 anos

31 4 anos 4 anos e 5m 4 anos e 5 meses

32 6 anos e 6 meses 3 anos e 9 meses 7 meses

33 8 anos 7 anos 4 anos

34 7 anos 4 anos 4 anos

35 3 anos 10 anos 3 anos e 6 meses

36 5 anos 7 anos 4 anos

37 Não tem 4 anos 3 meses

38 Não tem 4 anos 4 anos

39 13 anos 8 anos Não consta

40 7 anos 7 anos Não tem

41 Possui experiência / não consta tempo 4 anos Não tem

42 Possui experiência / não consta tempo 4 anos Não tem

43 Não tem 7 anos 4 anos

44 Não tem 4 anos 4 anos

45 Possui experiência / não consta tempo 10 anos Não tem

46 3 anos 4 anos 4 anos

47 Não consta 4 anos 4 anos

conclusão

37

Considerada a experiência de profissionais que atuam no CAM e na Assessoria Técnica Psicossocial, que

gerencia o CAM.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 177

8.2 A análise do perfil do profissional atuante no CAM

Na sequência foram sistematizados os dados dos profissionais com atuação no

CAM. Do Total de sessenta e dois profissionais convidados, quarenta e dois participaram,

num Total de doze nas entrevistas presenciais e trinta e oito nas entrevistas não presenciais38

.

Tabela 13 - Total de convidados e de participantes com experiência nos serviços do CAM

discriminados por área de atuação

Convidados Participantes %

Defensor Público (coordenador) 24 13 54%

Psicólogo 25 17 68%

Assistente Social 13 12 92%

Total 62 42 67%

Em relação à participação dos profissionais atuantes no CAM em diferentes regionais

do estado de São Paulo ressalta-se que foram convidados para participar das entrevistas não

presenciais os sessenta e dois profissionais das vinte e quatro regionais distribuídas em todo o

território do estado, as quais estão organizadas em três regiões ─ Região Metropolitana,

Capital e Interior ─ (Tabela 13), e que estavam no exercício de suas funções durante o

período destinado para a coleta de dados (Tabela 14).

Tabela 14 - Distribuição e localização de regionais da Defensoria Pública no território do

estado de São Paulo

Região Regionais TOTAL

Região

Metropolitana

Osasco; Guarulhos; Mogi das Cruzes; Grande ABCD. 04

Capital Norte Oeste; Central; Leste; Sul; Criminal; Infância e

Juventude.

06

Interior Araçatuba; Bauru; Campinas; Jundiaí; Marília; Presidente

Prudente; Ribeirão Preto; Santos; São Carlos; São José do

Rio Preto; São José dos Campos; Sorocaba; Taubaté; Vale

do Ribeira.

14

Total 24

38 Conforme apresentação de participantes por etapas constante no item 5.4.1 Participantes.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 178

A distribuição dos profissionais convidados em relação aos diferentes cargos que

ocupam nas três regiões da Defensoria (Região Metropolitana, Capital e Interior) pode ser

observada a seguir, na tabela 15.

Tabela 15 - Distribuição de profissionais convidados a participarem da etapa de entrevistas

não presenciais do estudo por regional e por cargo que ocupam

Região Defensor Público Agente de Defensoria

Psicólogo

Agente de Defensoria

Assistente Social Total

Região

Metropolitana

04 02 02 08

Capital 06 09 07 22

Interior 14 13 05 32

Total 24 24 14 62

Do Total das vinte e quatro regionais, vinte e uma tiveram participantes nessa

etapa do estudo, com um Total de trinta e oito profissionais que estão agrupados pelas três

regiões (Região Metropolitana, Capital e Interior), a saber:

Tabela 16 - Distribuição de profissionais por região da Defensoria a qual pertencem e por

cargo que ocupam, e que participaram das entrevistas não presenciais do estudo

Região Defensor Público Agente de Defensoria

Psicólogo

Agente de Defensoria

Assistente Social

Total

Região

Metropolitana

02 01 02 05

Capital 02 05 06 13

Interior 08 08 04 20

Total 12 14 12 38

A participação dos profissionais foi considerada bastante expressiva por diferentes

aspectos. Isso porque, a abrangência das regionais representadas por seus profissionais

proporciona a análise de possíveis diferenças e semelhanças na atuação do CAM no território

do estado, assim como possibilita reflexões sobre características da demanda atendida em

diferentes regiões. Esses dois parâmetros contribuem para a busca por entendimento das

possibilidades de acesso à justiça para a demanda de saúde mental no estado de São Paulo.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 179

O primeiro dado que chama a atenção, logo após a constatação da participação

expressiva de profissionais da maioria das regionais (vinte e uma regionais, de um Total de

vinte e quatro), relaciona-se à participação dos Agentes de Defensoria Assistentes Sociais,

tendo em vista que de quatorze profissionais convidados, o retorno foi de doze participantes.

Indispensável registrar que a participação dos defensores públicos da Capital e da

Região Metropolitana foi de dois profissionais para cada região. A Região Metropolitana

possui quatro defensores coordenando o CAM, e a Capital seis. No interior, de quatorze

defensores públicos convidados, oito participaram.

Em relação aos Agentes de Defensoria Psicólogos, em termos absolutos em todo o

estado, foi o cargo com maior número de participantes. No Interior, região que contou com

maior participação, esse número foi equiparado ao dos defensores públicos, com participação

de oito profissionais. Relembrando que, proporcionalmente, nenhum desses resultados

(bastante expressivos) superou a participação dos assistentes sociais nas três regiões.

Tendo em vista que o número de profissionais do interior em exercício é superior

aos das demais regiões, identificou-se que, proporcionalmente, a participação dos

profissionais da Região Metropolitana e do Interior foi a mesma, e essa foi um pouco superior

à da Capital.

Entende-se que foi abrangente o retorno obtido em termos de participação dos

profissionais no decorrer das três etapas, proporcionando informações sobre o perfil desses

profissionais para subsidiar a contextualização do estudo, e material relevante para a

realização da análise temática inserida a seguir.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 180

A VOZ DOS PROFISSIONAIS DO CAM

8.3 Resultados das Entrevistas Presenciais

8.3.1 Características das pessoas atendidas pela DPESP com demanda de Saúde Mental

A busca pelo conhecimento sobre quem são as pessoas atendidas pela DPESP,

que pudesse contribuir para a compreensão das possibilidades de acesso à justiça em saúde

mental, caracterizou-se como um exercício de grande complexidade. Complexidade essa

decorrente da possibilidade de que fossem incluídas nessa demanda as diferentes formas de

sofrimento humano vivenciadas por uma população submetida a amplo leque de violências e

de violações de direitos. Nesse capítulo, a voz será dada àqueles que se colocam diariamente

na linha de frente da instituição para receber, ou ir ao encontro de pessoas que carregam em

sua história de vida as marcas de uma sociedade extremamente desigual, sociedade essa que

produz invisibilidade e silêncio, ausências e “não existências”.

A aproximação dos atores-profissionais da instituição se caracterizou como um

exercício constante de busca de entendimento sobre qual era a perspectiva desse profissional,

sobre as pessoas com as quais convive em sua rotina de trabalho, e que poderiam pautar a

análise da saúde mental na instituição. Foram consideradas como demandas de saúde mental

as pessoas portadoras de transtornos mentais e consideradas, também, aquelas pessoas em

sofrimento que não necessariamente apresentavam tais transtornos, mas traziam histórias de

vida de violência e de intensos conflitos emocionais. Inicialmente, são apresentados os

resultados que foram considerados relevantes para responder a questão sobre quem são as

pessoas atendidas pela DPESP que possuem demandas de saúde mental, e quais são os

direitos que lhes são negados. Posteriormente, a análise das estratégias de trabalho que

emergiram a partir da implantação do serviço para possibilitar a reflexão sobre o acesso à

justiça, espaços e (im) possibilidades a fim de que seja dada visibilidade às ausências e aos

sofrimentos constantemente silenciados. Finalizando, um exemplo de atuação que está sendo

construído pela Defensoria para possibilitar a reflexão sobre alternativas de atendimentos para

essa demanda.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 181

A pessoa em atendimento na DPESP teve previamente que comprovar a sua

situação socioeconômica, evidenciando a necessidade de defesa de seus direitos pelo Estado,

por carência de recursos. “Superou”, então, a primeira barreira para chegar ao profissional que

irá identificar suas demandas jurídicas. São esses os profissionais - Defensores Públicos e

Agentes da Defensoria (Psicólogos e Assistentes sociais) - que terão a palavra a seguir.

As respostas sobre a caracterização da demanda em saúde mental foram

organizadas a partir da reflexão sobre os aspectos do sofrimento mental mais destacado, e

sobre a ênfase individual ou coletiva da demanda. São abordados, também, os direitos

considerados pelos participantes como sendo negados a esses usuários do serviço e àqueles

reivindicados nos atendimentos.

DEMANDAS INDIVIDUAIS

Em relação às referências individuais, foram recorrentes as alusões à busca de

atendimento por familiares de usuários de álcool e outras drogas (com ênfase em crack); aos

conflitos familiares e sofrimentos desencadeados por divórcio, disputa por guarda de filhos,

violência doméstica; e às pessoas com discursos delirantes persecutórios em busca de defesa

diante de conflitos com familiares e com a comunidade, ameaças vivenciadas em seus delírios

e/ou diante de violações de seus direitos. Também se fizeram presentes referências aos temas

de busca por internação e/ou interdição; conflitos envolvendo disputa de bens, situações

envolvendo cuidados de idosos, e de pais diagnosticados como portadores de transtornos

mentais que requerem a restituição da guarda de seus filhos.

A ênfase nas demandas de violência doméstica e de conflitos familiares:

“Aqui chega de tudo, de tudo mesmo. Por exemplo, saúde mental: dependência, uso e

abuso de drogas psicoativas; questão da violência contra a mulher; acolhimento de

crianças, questão da área da infância; a questão do atendimento à família; a questão

das conciliações [...]; casos que envolvem idosos, a questão do cuidado com o idoso

da família, pra tentar fazer o acordo; quando envolve criança, a guarda” (ADAS 01).

“Principalmente nessa área de Família. Nessa que a gente nota sofrimento, muitas

vezes, boa parte chega como violência, de violência doméstica, aí a pessoa chega ou

por conhecimento da Defensoria mesmo ou muitas vezes por encaminhamento de

algum órgão da rede, principalmente pelo Centro de Referência da Mulher. Às vezes

chega uma pessoa muito fragilizada por conta de histórico de violência familiar.

Violência doméstica sempre vem com a demanda de medida protetiva. Acho que até

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 182

pela mídia. Ah! A mulher tem direito, então eu vou vir aqui porque eu quero uma

medida protetiva, eu quero afastar. E família vem atrás de pensão, divórcio. A

procura inicial é sempre essa, sempre essa, relacionada a esses pontos específicos

jurídicos” (DP 01).

Conflitos relacionados a bens de família, internação e interdição:

“Eu não sei o que ele é, acho que ele tem transtorno, acho que ele é bipolar, mas ele

tem uma questão jurídica. Foi levantado, ele trouxe, acho que é uma questão de bens

da família. Ele trouxe, o pessoal pesquisou e constatou que tem mesmo, então ele é

atendido. Os defensores atendem ele e já estão acostumados” (ADAS 01).

“Já na Família, a principal entrada era a família sim. Principalmente na interdição.

Então, ia lá eu preciso interditar meu pai, meu tio, meu parente porque ele é portador

de transtorno, tô com o laudo médico aqui que ele é esquizofrênico e etc. E de vez em

quando, como eu te falei, vinha uma pessoa que tinha dificuldade de comunicação, às

vezes a pessoa tinha uma narrativa confusa, aparentemente delirante” (DP 01).

“Às vezes, as pessoas têm resistência pra internar, eu já internei um caso de

esquizofrenia aqui, entrei com a ação e o hospital não queria receber, entrei com a

ação e o juiz não deu aqui, eu recorri, ganhei e a pessoa está internada. Ela tinha

surtos psicóticos, não sei se é assim que fala, ela tinha crises, ela era esquizofrênica

séria, e a família não tinha condições de cuidar dela. Como é que a gente vai fazer

com essas famílias? A gente não vai protegê-las também? [...] Já vi mãe aqui que é

tanto drama que torce até pro pior. Porque não aguenta mais! Não aguenta mais!

Hoje eu atendi uma mulher aqui que o filho dela está usando dez, doze pedras de

crack por dia. Ela falou assim, eu tô rezando pra ele ser preso; se ele for preso vai ser

um alívio pra mim; tomara que ele morra na cadeia. Ela usou esses termos. Pra uma

mãe chegar nisso!!” (DP 03).

Pais em busca da restituição do poder familiar:

“Na área da Infância o familiar com o diagnóstico de transtorno também vinha, mas,

mas por que, por algum motivo a prole dele tinha sido acolhida numa instituição sob

a justificativa de que aquela família, aquela mãe e aquele pai não estavam dando os

cuidados necessários, para o Conselho Tutelar. Então, tinha o acolhimento

institucional, aí, com a notificação de algum órgão, ou até se a pessoa comparecesse

na Defensoria e ah, eu vim... eu quero a guarda do meu filho de novo, quero ter

acesso, quero ter a companhia dele. Aí vai ser investigado no processo da infância,

você via que a pessoa tinha, os pais tinham algum transtorno” (DP 01).

As ideias persecutórias e a busca por defesa:

“Muitos se queixavam de problemas com a família, ou que se desentendiam com

alguém da família ou tinham uma ideia persecutória em relação a alguém da família

ou alguma ideia persecutória em relação a algum órgão da cidade, alguma coisa de,

Ah! Fizeram isso comigo; estão me espionando. Bastantes ideias persecutórias, de

fixação em cima de alguma coisa. Questões familiares, eu acho que em quantidade

ganhava. É assim, meu irmão tá fazendo isso, minha mãe tá fazendo aquilo,

desconfiando de alguma coisa” (ADP 01).

“Eu ganhei a Mega-Sena e não querem me dar, eu quero que você entre com uma

ação contra o governo porque eles não querem me dar a Mega-Sena. Ou pessoas que,

por exemplo, olha, eu fui raptado e me implantaram um chip na cabeça, e aí eu quero

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 183

que vocês processem essas pessoas, eu sei quem é... E aí tem as coisas mais

idiossincráticas, né? Por exemplo, mas como é que o senhor sabe que te implantaram

esse chip? Ah, porque eu penso e a televisão muda de canal ou eu sei que a pessoa do

programa de televisão tá falando comigo, tem câmeras na minha casa... Essa também

é uma coisa bastante comum... tem câmeras e estão violando a minha intimidade e eu

preciso de uma compensação em dinheiro. Então tem muita gente que vem atrás de

um processo de indenização porque tem câmeras na casa dele. Então, são mil

histórias diferentes, mas de um núcleo pulsante que tem essa coisa da

persecutoriedade e de uma fantasia em torno da figura da lei” (ADP 02).

Embora referências aos atendimentos individuais estejam mais presentes nos

discursos dos participantes, caracterizando sua predominância na rotina de trabalho, foram

também mencionadas demandas coletivas, em que se nota constante entrelaçamento das

dificuldades sociais e do sofrimento mental das pessoas usuárias dos serviços da DPESP.

DEMANDAS COLETIVAS

Para a presente análise serão consideradas as menções que foram feitas pelos

participantes nas quais a consideração de necessidades identificadas para determinados grupos

de usuários do serviço estavam evidentes, caracterizando iniciativas da instituição para a

reflexão e a inclusão das demandas coletivas em suas estratégias de atuação, que podem (ou

não) ter gerado Ações Civis Públicas (ACPs).

Em pauta questões relativas: à falta de transporte para pessoas com deficiência e à

violência da guarda municipal dirigida às pessoas em situação de rua (incluindo usuários de

drogas e pessoas com transtornos mentais). E, ainda, reivindicações por serviços de saúde; por

medicamentos; e demanda relativa às condições e violações de direitos das instituições para

tratamento em saúde mental.

As dificuldades de deficientes para o transporte:

“Aqui no município não tem passe pra portador de deficiência, tem trinta ações, trinta

ofícios separados, nós vamos intervir contra a prefeitura. Que pese que tenha uma lei

municipal que regulamenta uma lei federal, a prefeitura não dá passe pra portador de

deficiência! O Hospital me oficiou, eu mandei um ofício um tempo atrás no nome dos

trinta portadores de deficiência do hospital [...] e que não podem se locomover,

muitos fazem tratamento fora, muitos têm atividades e a prefeitura não dá o passe. A

gente tá estudando se vai ser uma ação coletiva ou individual. Eu vou conversar

primeiro com eles, pra que eles resolvam isso; alguma coisa se consegue, pra evitar

uma ação eles resolvem, eu vou ver se essa vai ser uma situação. A lei municipal

prevê, é uma coisa óbvia, se até transporte interestadual eles conseguem um passe

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 184

que seria mais caro, entendeu? Tem uma regulamentação e aqui não cumpre isso,

tamanho o que o município é violador de direitos” (DP 03).

Moradores de rua: omissões do poder público e violência da guarda municipal:

“A gente foi procurado, há pouco tempo atrás, pelo Fórum de Atendimento à

População de Rua, principalmente relacionado a algumas omissões do poder público

e violência da guarda municipal em relação a eles. A gente chegou a fazer esse

atendimento, organizou um atendimento no centro da cidade pra atender eles e a

gente nota que, pelos relatos da Secretaria de Assistência Social, muitos deles têm

histórico de transtorno mental. Dos moradores de rua, parte, boa parte são usuários

de drogas e boa parte com outros transtornos. E a demanda que tá sendo pedida por

eles é de coibir violência e obstáculo que eles têm da liberdade de ir e vir ali. Teve

relatos deles que eles não podiam circular na área, que chegava o guarda municipal e

falava oh! Você vai ficar, mas ficar circulando, não vai parar e sentar. Começou

assim. Então a demanda é pra coibir isso, mas indiretamente a gente sabe que parte

deles é portador” (DP 01).

“Esse ano, acho que por conta da Copa, teve uma atuação mais incisiva naquilo que

já existia que a gente percebia [...]. Tem uma pessoa com consultório na rua que

ligou, falou que queria conversar com a gente e trazer essa dificuldade [...] Oh! Eles

estão apanhando, eles estão sofrendo porque não estão tendo os direitos básicos ali e

tá acontecendo uma coisa muito paradoxal. Inclusive, a gente acabou escutando do

próprio morador uma coisa curiosa. A prefeitura, a partir da assistente social dá

alguma coisa pra eles, daí o outro falou assim: a prefeitura vem e me dá o cobertor

pra eu dormir na rua, que tá chegando a época de frio e aí vem a guarda municipal e

me tira ele, literalmente. Então assim, a gente está com sérios problemas. Então,

vamos fazer o atendimento e colher declarações deles, desse sofrimento que eles estão

de violência e, eventualmente, outros que eles têm. Aí aparece tudo, né? O sujeito que

não tem contato com a família faz tempo, que tá em débito com a justiça. Ali se

percebe que tem transtorno mental que precisa de um atendimento de saúde e etc.,

mas o ponto principal foi esse, de colher todas essas fontes. Foi um atendimento

durante uma manhã e uma tarde recolhendo essas declarações deles e agora estamos

pensando coletivamente em atuar em relação à violência [...]. E teve uma colega

nossa, que voluntariamente atendia em horários diferentes alguns representantes da

assistência social aqui e acabava cuidando de outros casos, principalmente

relacionados à criminal” (DP 01).

Demanda de serviços de saúde e de medicamentos:

“Demanda coletiva, a questão do DRS, que a gente teve um problema do DRS que

envolvia tudo. Eles tinham um Posto de Atendimento. Eles queriam deslocar o Posto

pra... (município vizinho) e as pessoas que tivessem, seja de saúde mental, seja de

medicamento, essas coisas, qualquer intervenção nesse sentido teria que ir pra lá. Ah!

Aí nós oficiamos um procedimento, brigamos, falamos um monte de coisa e aí ficou

esse Posto, hoje funciona, conseguimos manter aqui pras pessoas. Porque ia ser uma

forma de restringir o acesso das pessoas, o objetivo era esse. Porque com o

fundamento na municipalização do sistema de saúde, a lei do SUS prevê isso! Eles

queriam, também, nem ter nada pra receber requerimento aqui! Então era uma forma

de prejudicar a população inteira do município! Que eu me lembre, assim, de forma

coletiva, foi essa” (DP 03).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 185

“Eu ia falar dos medicamentos, mas não foi, medicamento de alto custo aqui em São

Paulo, mas acho que não foi uma ACP, foi um Termo de Convênio como esse que a

gente vai fazer, com a Secretaria de Saúde Municipal [...]. Do medicamento foi uma

parceria pra que a população conseguisse medicamento de alto custo sem entrar com

processo contra a Secretaria da Saúde. Acho que era estadual, na verdade, não era

nem municipal. Existe uma previsão até de alto custo sem a necessidade de uma

parceria. Mas acho que a ideia era assim olha Defensoria, não judicializa, indiquem

para essa porta de entrada que a gente tem e aí, se não tivesse aquele medicamento

listado na portaria, aí sim a Defensoria entraria com a ação. Até porque já é mais

ágil para o usuário, já tem lá, mas acho que não era uma Ação Civil Pública” (ADAS

02).

CONDIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES PARA TRATAMENTO EM SAÚDE MENTAL

As violações de direitos em Comunidades Terapêuticas:

“A gente recebe denúncias tanto de pessoas que já foram internadas quanto de

familiares de pessoas internadas, de conselhos de direito, vigilância sanitária, de

qualquer órgão, e muitas vezes a gente vai até essas comunidades e faz uma espécie

de fiscalização [...]. Porque a gente identificou que essas comunidades terapêuticas

hoje representam um obstáculo grande mesmo ao fim dos manicômios, à superação

dessa lógica manicomial. Ainda que nos CAPS você tenha uma vez ou outra

dificuldade e posturas que não são tão humanizadas, de uma maneira geral, a rede

CAPS tem essa vocação. Que ela já está mais descentralizada, os profissionais são

contratados sob essa perspectiva mais crítica da luta antimanicomial. As

comunidades terapêuticas são, em sua gigantesca maioria, instituições privadas, que,

portanto, muitas vezes acham que não precisam seguir as diretrizes da Lei, e a gente

tem relatos escabrosos do que acontece nessas comunidades, inclusive de pacientes

que relatam que eu acordei na minha casa com três caras em cima de mim, eles

entraram pela janela, me pegaram, colocaram numa ambulância e eu tô aqui. Eu

quero ir embora, eu tô aqui há três meses não sei por quê. São internações, não é nem

internação compulsória, é sequestro! Sei lá, é outro nome! Muitas vezes sem uma

avaliação médica, o sujeito chega nessas comunidades, e lá é que vão fazer o laudo

médico dizendo que ele deveria ter sido internado. Então, algo completamente ilegal é

que a gente encontra [...]. É um exemplo de atuação coletiva. A gente denuncia para o

Ministério Público, a gente tenta alguma adequação mínima pra que sejam mais bem

tratadas as pessoas desses locais. Mas tem uma dificuldade muito grande, muito

grande porque são instituições privadas, né? Então é uma dificuldade adicional”

(ADP 02).

Poder público e o descumprimento da desinstitucionalização:

“Recentemente teve uma experiência interessante de uma colega que começou a se

aproximar de um grupo de movimento social pra acompanhar pessoas com transtorno

mental, lá ainda é um polo de instituições totais, no sentido de que as pessoas lá

internadas ainda não foram desinstitucionalizadas. E teve um movimento lá, da

Defensoria junto com o Ministério Público e esse movimento social [...] pra que

obrigasse o município a cumprir o que estava previsto na reforma. Criação de leitos,

por exemplo, de leitos não, de vagas em residência terapêutica, que as pessoas

historicamente perderam seus laços, né? Enfim, e que essas pessoas saíssem. Já teve

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 186

avanço. Era mais de uma clínica que tinha essas pessoas lá, morando, residentes.

Essas pessoas em nenhum momento iam conseguir chegar à Defensoria; a pessoa que

está lá institucionalizada há anos perde referência de várias coisas da sociedade, do

dia a dia, enfim, não ia chegar à Defensoria pra falar, olha, eu quero sair daqui.

Então dependeu da articulação com esses movimentos sociais, com o serviço da saúde

mental e com a Defensoria pra viabilizar isso. A gente tanto recebe como a gente

pode, também, buscar” (ADP 04).

A insuficiência do CAPS

“De demanda coletiva, eu não tive acesso nessa área. O que a gente tá tendo agora

são duas, que talvez se transformem em demanda coletiva. Em relação a transtorno

mental é um, mas isso não foi uma liderança que veio até a gente, um colega foi

identificando falhas e tá percebendo que é um caso de demanda coletiva, que é a

necessidade de criação de CAPS em um município da regional. Parece que lá tem um

CAPS só e que não faz o atendimento que deveria. Então ele vai identificando a partir

das demandas individuais dele, que existe uma demanda coletiva. Ele chegou a fazer

um relatório bem circunstanciado sobre a questão da deficiência do atendimento da

saúde mental de lá, pra ajudar ele a instruir e obrigar o município, ou quem for que

seja a ampliar a rede, e tem que ser de acordo com as regras do SUS, inclusive, por

número de habitantes. Mas não tem ainda essa demanda judicializada, mas tem

potencial a demanda” (DP 01).

Violações de direitos em instituição asilar

Embora, na situação a seguir, a relevância tenha sido dada a um caso específico,

entende-se que contribui para a reflexão de uma política de trabalho que atende a uma

coletividade, motivo pelo qual foi realizada a inserção desse exemplo na análise de demandas

coletivas de saúde mental.

“A psicóloga de um CAPS ligou porque ela tinha reparado num paciente, que ele ia

todos os dias, estava bem organizado, era paciente de anos, deixou de ir. De um dia

pro outro deixou de ir, e ela quando tentou entrar em contato com a família, a irmã,

que era a única parente viva dele e que morava junto, falou que tinha colocado ele

numa instituição pra idosos. Ele tinha quarenta e cinco, quarenta e sete anos! Não

tinha um perfil pra tá numa instituição, estava contra a vontade dele. Enfim, aí essa

profissional, preocupada com a situação, acabou indo visitá-lo nesse, era como se

fosse um asilo, era um formato de uma instituição asilar mesmo; e ela foi visitá-lo

porque era ali no bairro mesmo, e viu que ele estava muito triste, que ele não queria

estar lá, que ele estava contra a vontade dele, mas foi essa irmã que tinha procurado.

E ela ficou um pouco sem saber o que fazer, nossa, como é que eu vou fazer com essa

situação? Vendo ali que estava infringindo qualquer lei, vários direitos dele, que

estava lá contra a vontade dele porque tinha transtorno mental, e ele estava

começando até a ficar desorganizado no sentido psíquico por conta de toda aquela

imposição. Tinha deixado o tratamento no CAPS que ele tinha vinculado, só

continuou tomando o medicamento, tava meio dopado e, enfim, sendo violentado de

alguns direitos dele. Então era esse caso que ela nos trouxe e falou, e aí, o que é que

vocês acham? Tem alguma coisa que a gente pode fazer? E aí a gente junto com ela

começou a acompanhar o caso, junto com um defensor, também, porque tinha uma

irmã que falava que estava com processo pra interditá-lo. Então, por isso que a gente

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 187

até conversou com o defensor junto, já consultou e tinha mesmo um processo de

interdição e de internação contra a vontade dele; dois processos judiciais que ele não

estava sabendo e que muito menos ia conseguir se defender. E a gente fez toda uma

articulação pra chamar essa irmã pra conversar com ela; aí a gente foi na clínica

conversar com os funcionários e a gente percebeu que os profissionais não tinham

noção, eles tinham meio que aceitado a informação de que ele era interditado e que

ele tinha que ficar contra a vontade dele; estava completamente irregular” (ADP 04).

Apresentadas as diferentes referências de demandas mencionadas pelos

participantes com temáticas a serem pensadas e trabalhadas coletivamente, assim como as

diferentes maneiras pelas quais foram identificadas, quais sejam por solicitações individuais

com temáticas recorrentes, por lideranças de movimentos sociais ou por profissionais da

saúde, por decisões políticas cujas consequências atingiriam grupos de pessoas ou todo o

município, identifica-se que a instituição inclui em sua agenda além do atendimento às

necessidades individuais, uma atuação que vai ao encontro de demandas coletivas, com o

reconhecimento de dificuldades e limitações.

Possibilidades e limitações diante de demanda coletiva:

“Eu acho que a Defensoria é ainda muito tímida nas ACPs. Os defensores ficam

muito sobrecarregados com processos que eles falam que são mais rotineiros, mais

simples, pilhas e pilhas, e não conseguem fazer esse estudo pra fazer Ação Civil

Pública” (ADAS 02).

“Nós já tivemos ações coletivas, por exemplo, em um bairro de uma das cidades da

comarca, pra resolver a questão de asfaltamento, a questão de Posto de Saúde,

questão de limpeza de terreno público. A gente tem que pensar no contexto geral, na

comarca, não podemos pensar em um único município, envolve outras cidades. Mas

eu acho que a gente tem expandido nosso serviço e, principalmente, nessa área da

Fazenda Pública, que envolve essa questão social, acho que aí que tá o foco principal

que tem dado certo. Todas as pessoas conseguem creche, todas as pessoas conseguem

remédio, dificilmente não dá certo numa ação judicial, entendeu? Mas lembrando das

falhas que todos os órgãos têm a gente precisa sempre estar aprimorando, que muitas

coisas em razão da demanda, da pouca estrutura e de determinadas questões

prejudicam o serviço” (DP 03).

“Muitas vezes, a gente tem pensado muito nessas Ações Civis Públicas, a gente

ganhou uma das creches contra o município de São Paulo, pra construção de creches.

O município não cumpriu. Ele tem que pagar multa diária, mas as famílias continuam

na mesma situação. A gente cria uma nova porta de entrada porque agora vem uma

avalanche de pessoas querendo vaga em creche e é uma impotência, sabe?” (ADAS

02).

Tendo sido situadas as temáticas relativas às características da demanda em saúde

mental (e suas diferentes manifestações de sofrimento psíquico) atendida pela DPESP,

individuais ou coletivas, a reflexão se dirige aos aspectos abordados pelos participantes com

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 188

destaque em suas percepções sobre os direitos que avaliam como negados às pessoas

atendidas e os direitos reivindicados por elas.

8.3.2 A Percepção dos direitos negados e os direitos reivindicados

A diversidade de temas mencionados aborda direitos relativos à liberdade de

escolha, de trabalho, de renda e de moradia, acrescida da menção aos direitos à saúde, à

informação, ao acesso às políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança que

compõem, em sua essência, o respeito ao exercício de cidadania desses indivíduos.

Direito de escolha, de trabalho, de renda e de moradia:

“Acho que o acesso ao trabalho é um direito muito negado e é difícil, também,

garantir esse direito. Depois eu acho que tem, porque isso envolve direito a ter um

acesso à renda, sobrevivência e tudo mais. E moradia, também, acho que é uma

questão que não se resolve. É muito difícil, pessoas com transtorno mental alguns

também não conseguem viver sem um acompanhamento próximo, então, a família

também não quer, e aí a rede de saúde não tem residência terapêutica pra todo

mundo, alguns casos nem é caso de residência. Eu acho que isso é um nó, garantir

essa questão mais estrutural, sabe? Do trabalho, renda e moradia. Eu acho mais

difícil” (ADP 02).

“Pessoas sem acesso a condições mínimas, até financeiras pra qualquer coisa, pra

comprar qualquer coisa que eles queiram, pra escolher comprar o que eles queiram,

pra ter essa independência; muitos deles têm um benefício que fica administrado por

outra pessoa, em caso de interdição. Isso é gritante e a pessoa não tem nenhuma

participação naquilo. Muitas vezes não pode escolher o que fazer, que atividades

frequentar porque tem que ficar em casa porque muitas vezes a família acha que não

vai dar conta. Então, acho que é isso, essas escolhas de o que fazer da vida mesmo,

desde atividade, desde com quem se relacionar, por exemplo. Lembrei-me de uma

pessoa que estava grávida, pessoa com transtorno mental, e aí a família procurou a

gente que queria uma interdição dela. Aí conhecendo a história, enfim, ela ia ter o

filho e queria que o pai da criança visse, ficasse com ela na maternidade e a família

não queria. E aí, com a justificativa de que ela tem transtorno mental, a família queria

que esse pedido dela não fosse respeitado. Não! Ela é louca, não tem que ouvir isso, a

gente sabe o que é melhor pra ela! Desde isso até outras coisas mesmo, né, o que

fazer, do que participar, até onde ir. Esse direito de escolher, de participar, de

integrar na sociedade. Acho que tem uma tendência, ainda, de ficar isolado em casa,

de ficar restrito no universo familiar e não poder se desenvolver em outras

atividades” (ADP 04).

Direito à saúde:

“Só o fato daqui não ter um CAPS de saúde mental já é o maior direito negado, o

direito à saúde deles, ao tratamento, isso é básico [...]. Existe muito a cultura da

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 189

internação aqui. A pessoa que tem um problema psiquiátrico precisa ser internada. E

se tivesse outros mecanismos, outros órgãos, outras possibilidades, talvez aquilo não

fosse necessário [...]. O Hospital Dia aqui é muito bom. A pessoa vai, faz o tratamento

e vai embora. Só que são poucas vagas [...]. Então, se tivessem mais serviços como o

Hospital Dia, por exemplo, talvez diminuísse o número de internação; se tivesse um

CAPS estruturado com todo o equipamento de saúde mental que na lei fala que tinha

que ter, as internações diminuiriam bastante, ia desafogar essa fila de internações.

Mas não é só aqui, todas essas cidades aí, é muito pequeno o número de cidades que

têm todos os equipamentos da rede de saúde mental. Então, complica. Se tivesse,

talvez melhorasse a situação” (ADP 01).

“Quando a família procura a gente, eu tenho a impressão de que o direito mais

negligenciado é do tratamento, do acompanhamento, e aí a família chega, por

exemplo, a família ou pra um do uso abusivo de drogas ou pro transtorno mental a

família chega com o pedido de internação. Porque culturalmente ainda é muito forte

na mídia, pra questão de drogas então, tem um estigma de vamos internar essas

pessoas, internação é a solução e pro transtorno mental ainda tem forte. Então, a

pessoa chega com essa demanda, mas a família, eu tenho a impressão que a maioria

dos casos que a gente orienta na perspectiva da política antimanicomial, a

possibilidade dos CAPS e tal, a gente vê que a demanda deles é, realmente, o

acompanhamento, né, não é uma internação necessariamente, é realmente de ter

algum suporte” (ADP 04).

Acesso às políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança:

“No primeiro atendimento, a pessoa que vem muitas vezes é assim não aguento mais.

Ele quer ter direito a sossego. Em segundo lugar, é que o familiar seja curado da

doença dele. Depois que você identifica, conscientiza, conversa e explica, eles querem

ter. Normalmente vem o familiar que tem uma convivência mais saudável e pacífica.

Porque são casos de convivência difícil por histórico de violência, por causa do uso

abusivo, ou até por acometimento de infração penal ali dentro de casa pra conseguir

sustentar o vício [...]. Buscar que sejam atendidos os direitos básicos nas redes de

atendimento, que ele esteja num centro de saúde mais adequado, que ele tenha um

serviço social que dê um melhor encaminhamento, um programa habitacional que

atenda a necessidade da população e um programa de segurança pública que seja

mais consciente das dificuldades, das necessidades, das mazelas e não simplesmente

que trate das questões com violência. Porque a gente vê assim oh! O meu familiar, ele

tem problema, ele furta, mas ele sai na rua e eu quero acorrentar ele. Porque quando

ele sai na rua, ele apanha da polícia. Porque ele é pego comprando droga e ele não

vai ser preso apesar da previsão, dão um cacete e vão embora. Então, proteção!” (DP

01).

Direito à informação:

“O que eu sinto que falta mesmo é a orientação, o esclarecimento. Muitas vezes a

família vai a qualquer lugar, vai à Defensoria Pública. Então a pessoa chega aqui

com certo esgotamento, mas eu já fui lá, eu já fui aqui, ninguém resolve, vocês

também não querem resolver. Não, não é que a gente não quer resolver, a gente

precisa orientar e ver o que é que pode ser feito, então, daí, fazer os contatos, se for

necessário, com os locais pra eu tá devolvendo, mandando pro lugar certo” (ADAS

01).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 190

Direito de ser repeitado, de ser cidadão:

“Eu quero consumir de um modo controlado que não me prejudique, mas ainda que

eu use, que seja recreativamente, que seja. Eu sou uma pessoa honesta, eu posso

trabalhar, eu tenho amor à minha família, não é a droga que me faz ser diferente.

Aparece esse sofrimento, é nítido isso. Eu não sou um vegetal incapaz por causa

disso. Eu posso ter alguns extremos que sejam problemáticos, mas eu quero ter meus

direitos, também. Eu quero ter meu direito de escolha, não é você que pode escolher

por mim se eu vou ser internado ou não, quanto tempo que eu vou ficar porque eu

quero ter acesso. Eu sou pessoa, eu sou cidadão e tenho direito a tudo e não é esse

uso problemático que me faz menos gente que os outros” (DP 01).

Em resposta à questão inicial proposta para a presente etapa do estudo, identifica-

se que ao dar a palavra aos profissionais para que diante de todo o público atendido pela

DPESP procurassem descrever quem são as pessoas que apresentam demandas pertinentes à

saúde mental, o leque de sofrimento vivenciado por essas pessoas se abre para um conjunto

amplo de dificuldades e de violências. Foram dois caminhos explorados, um deles em que a

busca pelo serviço é individual e nesse eixo foram enfatizadas as temáticas familiares e

relativas à infância, à violência doméstica, divórcio e disputa pela guarda de filho e, ainda,

disputa por bens, interdição e internação de familiares. Merece destaque a ênfase apresentada

reiteradamente sobre o uso abusivo de drogas (principalmente, o crack) e à violência

doméstica. A busca individual registrou, também, os casos em que a capacidade de

pensamento do usuário do serviço encontra-se alterada, com delírios persecutórios descritos

com diferentes temáticas e que motivam a procura pela instituição com a expectativa de

efetivação de defesa diante das ameaças sofridas.

Em um segundo eixo temático, identificou-se situações em que as formas de

sofrimento atingem uma coletividade: as dificuldades para transporte de deficientes; violência

contra moradores de rua provocadas pela guarda municipal; inexistência de medicamentos e

de tratamento adequado; violência vivida em Comunidades Terapêuticas, em instituições

totais e asilares; não cumprimento da legislação para a implementação de CAPS; não

cumprimento (ou parcial) da política de desinstitucionalização dos tratamentos de saúde

mental.

Especificamente, em relação à percepção dos profissionais sobre os direitos que

consideram negados (e/ou reivindicados) às pessoas com demandas de saúde mental, a ênfase

recaiu sobre o direito à liberdade de escolha; ao trabalho; à renda; à moradia; ao acesso às

políticas públicas de saúde, de assistência social e de segurança; à informação; ao respeito e à

cidadania.

Tendo sido identificadas as necessidades da demanda, a análise prosseguirá na

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 191

direção da investigação do entendimento das estratégias para o seu atendimento e sobre a

proposta de uma política institucional de ampliação do acesso à justiça.

8.3.3 A construção de estratégias para o acesso à justiça

Retomando o desafio inicial do presente estudo, por meio de métodos que

permitam entender as possibilidades de acesso à justiça para demandas de saúde mental,

dentro da proposta de uma instituição caracterizada por um discurso democrático e inovador

no sistema de justiça, nesse tópico as atenções serão direcionadas para as estratégias de

trabalho que estão sendo construídas desde a implantação do serviço do CAM.

Por meio do resgate do processo de movimentos populares que antecederam a

implantação da DPESP e sua importante mobilização e elaboração do projeto de criação da

instituição, observa-se que a sociedade civil foi ouvida em muitas de suas reivindicações, que

passaram a pautar sua política institucional. Dentre essas, já constava na agenda dos

movimentos sociais a reivindicação da inserção de psicólogos e assistentes sociais no quadro

de servidores da DPESP. Entende-se que tais contratações objetivavam garantir um

atendimento no sistema de justiça que pudesse alargar a escuta de demandas sociais,

proporcionando maior proteção e defesa a essa população em face das diversas violências às

quais está submetida.

Entretanto, no período da implantação da DPESP não houve contratação imediata

desses profissionais, exceto convênios firmados com instituições para as quais eram

encaminhadas algumas demandas. No decorrer do tempo, tal modelo de contratação de

serviços apresentou dificuldades, tendo sido substituído pela contratação de profissionais de

carreira.

Durante o período que antecedeu a contratação desses profissionais, que

assumiram os cargos denominados Agentes da Defensoria, a instituição teve que lidar com

situações paradoxais, que envolviam pessoas que traziam discursos confusos, delirantes, e

reações pouco convencionais, às vezes agressivas, as quais dificultavam ao operador de

Direito a identificação de demandas jurídicas. Foi se estabelecendo um impasse: como manter

a proposta de uma instituição democrática, de livre acesso aos cidadãos (de “portas abertas”),

sem negar (ou restringir) o acesso à justiça àqueles casos em que o pensamento do cidadão

obedecia a uma racionalidade distinta daquela dos operadores do Direito? Ainda, como negar

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 192

o acesso à justiça nos casos em que as pessoas traduzem suas demandas jurídicas por meio de

um dialeto próprio, alheio ao repertório do saber de domínio dos operadores de Direito? Nesse

contexto de impasse, a DPESP, que já previa em sua legislação a contratação de psicólogos e

assistentes sociais, formalizou a abertura da instituição a esses novos e distintos saberes (e não

saberes) profissionais, com a expectativa de que viessem contribuir com um serviço de

tradução desses novos interlocutores que chegavam democraticamente a essa nova instituição.

Outras justificativas importantes também se fizeram presentes para a vinda desses

profissionais para a DPESP. Dentre elas, merece destaque, a expectativa de que com o

trabalho desses profissionais no atendimento à população, muitos dos conflitos a serem

judicializados pudessem ser administrados em acordos extrajudiciais, em trabalhos de

conciliação e mediação, o que teria efeito significativo na diminuição de processos no sistema

judiciário e na ampliação da atuação extrajudicial na construção dessa nova instituição do

sistema de justiça.

Nas referências dos profissionais entrevistados (psicólogos e assistentes sociais)

sobre o período inicial na instituição predominou a ênfase sobre o desconhecimento prévio

(ou poucas informações) relativo à instituição, aos seus propósitos e a sua história de luta para

ser implantada no Estado de São Paulo; a importância e a empolgação provocada durante o

processo de acolhimento no curso inicial; e a primeira atribuição conjunta: a elaboração da

proposta de deliberação para a regulamentação do atendimento ao usuário em sofrimento ou

com transtorno mental.

A chegada dos novos saberes (e não saberes) na DPESP:

“Eu não conhecia a história de luta dos movimentos sociais. A gente teve duas

semanas de acolhimento e foi uma ótima recepção. A gente acabou entrando em

contato com essa história, então vieram pessoas do próprio movimento pela

implantação da Defensoria falar. Eu acho que o acolhimento foi muito importante pra

colocar os profissionais que estavam entrando em contato com essa história de

reivindicação. A Defensoria tenta, pelo menos, se manter um pouco aberta à

sociedade civil por uma série de canais. Nossa ouvidoria é externa, então não é um

defensor; o nosso Conselho Superior tem um Momento Aberto que qualquer um pode

ir lá falar, inclusive o servidor pode ir lá; tem a figura das Conferências, o que é algo

inovador no campo da justiça. Porque no campo da saúde, da assistência, da

educação é algo bastante consolidado, mas é meio inimaginável você pensar em

promotores ou juízes sentando com a sociedade civil pra discutir, como é que vai ser,

como é que serão os próximos dois anos do Tribunal de Justiça. E na Defensoria isso

acontece. Claro que toda proposta de debate tem lá os seus atravessamentos, então,

tem muitas demandas da sociedade civil que a gente não consegue atender. Mas,

então, eu fiquei sabendo de tudo isso depois, antes eu não sabia não” (ADP 02).

“A recepção foi muito, como eu poderia, que palavra, não sei se utópica. A gente foi

muito bem recebido e causou uma certa ilusão, uma expectativa nos profissionais.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 193

Porque tinha todo o investimento, nossa! É a primeira Defensoria do país que vai

contar com esses profissionais, olha como somos abertos, vamos construir junto essa

proposta de trabalho. Então, a princípio, acho que geral, todos ficaram encantados.

Nossa, que instituição é essa, né? Então, as pessoas com experiência em outros

serviços, outra estrutura municipal, estadual e aí, você pega uma instituição nova,

com poder, com autonomia e recebendo dessa forma, então, a expectativa foi

superalta, né?” (ADAS 02).

A proposta de atuação:

“A proposta inicial, que foi passada pra gente seria ampliar o atendimento ao usuário

da Defensoria, que antes tinha um atendimento basicamente jurídico. E com a

chegada de psicólogos e assistentes sociais, ampliar a gama de área de formação

para atendimento ao usuário. Fazia muito sentido porque muita gente que vem na

Defensoria não tem um problema estritamente jurídico, precisa de muitas outras

coisas, mas não precisa de um advogado especificamente. Essa foi a justificativa da

inserção de psicólogos e assistentes sociais aqui. Pra ampliar o leque de

possibilidades de atendimento ao usuário. Depois, na prática, a gente foi vendo que

isso amplia, que a gente amplia também o leque para os defensores. Tanto no que eles

pedem de atendimento, como nos processos deles mesmos pra fazer documento, pra

fazer laudo. Amplia também, vamos dizer assim, a possibilidade do defensor atuar

dentro da área de atuação dele. Não é só o usuário, mas, também o defensor fica mais

munido de outras ferramentas” (ADP 01).

“Aí a gente entendeu no nosso curso de acolhimento, por exemplo, que o assistente

social e o psicólogo foram pensados pra esta instituição justamente por conta da

pessoa com transtorno mental, que eles chamavam de esquisitões. Falaram muito

disso pra gente no nosso curso de acolhimento e o que a gente pensou? Bom, o que a

gente pode fazer com esse público que nos procura aqui? E as pessoas foram

chegando, e foram chegando pessoas com outras demandas também” (ADAS 03).

A elaboração da Deliberação:

“A gente construiu nessas primeiras semanas o que seria a nossa deliberação,

instituição jurídica adora uma deliberação, né? E aí, a gente pode e isso foi

interessante, da gente poder construir a nossa, tinha essa coisa do novo, de começar a

dar a cara do que seria o nosso trabalho aqui, de ter certo espaço pra isso, não

Totalmente aberto, lógico que já tinham várias expectativas em torno do que eles

queriam da gente, os defensores já estavam aqui. Mas a gente pôde colaborar e

colocar coisas que tinha a nossa cara, como preocupações, orientações dos conselhos

profissionais, por exemplo, da psicologia e do serviço social e depois a gente foi pras

unidades” (ADP 04).

“A gente tem uma deliberação que prevê todas essas atribuições que a gente falou.

Inclusive, inicialmente, houve um movimento muito legal de discussão dessa

deliberação conosco. Então, quando a gente entrou não existia ainda deliberação,

existia uma minuta e nos últimos dias daquela capacitação, daquele acolhimento

inicial, essa minuta foi proposta pra nós que estávamos entrando. Então a gente pôde

sugerir uma série de alterações, algumas foram aceitas e outras não, mas eu achei

interessante o movimento. É claro que assim, quando a gente fez esse debate, a gente

não tinha essa experiência cotidiana, ninguém tinha trabalhado na Defensoria, então

foi muito legal a proposta de discutir conosco, mas foi um debate abstrato” (ADP 02).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 194

AS FORMAS DE APROFUNDAMENTO DA “ESCUTA” NA

INSTITUIÇÃO

Ao reconhecer que a criação da DPESP surge após serem ouvidas diferentes vozes

que se manifestavam na sociedade civil; ao se admitir que a lei de implantação da instituição

ecoa reivindicações e manifestações dos mais diferentes movimentos; ao serem enfatizados os

diferentes canais de oitiva da população que foram abertos (Ouvidoria externa, Conferências

Públicas, o Momento Aberto na reunião do Conselho Superior da DPESP); entende-se que

fica ilustrado o quadro de uma instituição que se propõe democrática e inovadora no sistema

de justiça pelo aprofundamento da escuta.

Isso posto, se estabelece o fio condutor a ser utilizado para a busca de

compreensão das estratégias que estão sendo desenvolvidas pela DPESP, para a análise de

como a proposta de ampliação de escuta, na prática, vem caracterizando a construção do

acesso à justiça para a população considerada de maior vulnerabilidade social (“ausente”;

“não existente”).

O aprofundamento da escuta da demanda

O aprofundamento da escuta nos processos de busca de acordos extrajudiciais:

Conciliação, Mediação ou Composição Extrajudicial.

A relevância e a implantação:

“A minha visão é que a conciliação é potencialmente revolucionária dentro do

sistema de justiça, na medida em que devolve a autonomia para as partes. As partes

produzem a solução junto com o sistema de justiça. Isso pra mim é muito

revolucionário e isso faz todo sentido com a ética de psicologia, de autonomia” (ADP

02).

“A gente começou a estruturar um trabalho de mediação, de conciliação. Desde a

faculdade nós éramos muito estimulados a ter uma visão multidisciplinar do Direito.

E o que eu fiquei contente é que aqui, começando com esse trabalho de mediação, de

escuta, muitas das demandas a gente começou a descobrir que não era simplesmente

judicializar. A gente começou a perceber que essas demandas, se a gente conseguisse

além do olhar jurídico aglutinar outros olhares de outras ciências, a gente poderia

dar uma resposta muito mais efetiva para os usuários. Porque muitas vezes eles não

queriam um papel da justiça, eles queriam a efetividade dos acordos” (DP 02).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 195

A busca de uma caracterização:

“Tem gente que fala de resolução extrajudicial de conflito, tem gente que não gosta

de resolução. Então uma composição, se compõe com as partes. Composição

extrajudicial de conflito. Pra não dizer que é mediação, que é conciliação, até porque

a gente vai dizer que a gente é mediador, a gente não tem formação pra isso [...]. A

gente faz um relatório de atendimento. Porque a gente fazia um termo de acordo

extrajudicial. A gente tem esse entendimento de que a gente não tem que fazer esse

termo, que é um termo jurídico. Existem locais em que alguns profissionais ainda

fazem, existem locais em que chegou a um combinado, olha um faz uma parte o outro

faz outra, mas o termo mesmo quem redige é o defensor, e outros lugares não” (ADP

03).

“A gente faz uma mediação de conflitos, mas também não é mediação de conflitos

porque a gente tem um período muito curto pra fazer isso. Um encontro, dois

encontros, três encontros, estourando. Porque a gente tem um volume de casos muito

grande pra atender e o processo mediativo, por excelência, é um processo pensado

pra ser mais longo e tudo mais. Mas por outro lado não é só uma conciliação, uma

conciliação no sentido mais objetivo desse termo em que um vai fazer uma sugestão,

outro vai fazer outra, o conciliador vai fazer uma terceira e acaba por aí” (ADP 02).

Uma proposta de política institucional:

“No começo a gente tinha a crítica de que a instituição delegava ao CAM a

responsabilidade pela política de mediação e conciliação. O CAM é que fazia. E hoje

a gente tá num processo pra tentar reformular isso, pra que a política de conciliação

seja uma política da instituição, e não do CAM. O ideal é que o Direito possa compor

junto com o saber da psicologia e do serviço social a prática mediativa em si, no

momento. Muitas vezes, a conciliação e a mediação são entendidas só como uma

maneira de diminuir o número de processos judiciais. E aí eu acho que isso até pode

ser uma consequência positiva da prática, mas não deve ser a causa pela qual a gente

implementa uma política de mediação. Eu acho que em relação à Defensoria, o CAM

era, muitas vezes, visto como o pessoal que ia desentulhar a nossa mesa de processos.

Então vamos botar eles pra fazer conciliação, pra isso que eles vieram e isso ajuda”

(ADP 02).

Os diferentes saberes (e não saberes), possibilidades e limitações:

“Às vezes a gente atua em situações cíveis que envolvem, por exemplo, direito de

herança, que é supercomplicado, e aí não dá pra fazer sem o trabalho do Direito, sem

a atuação do Direito (…). O psicólogo tem a possibilidade de olhar pra aquela

situação a partir do conflito. Só que ao longo do conflito, aparecem as dúvidas que

são jurídicas. É muito interessante quando a gente trabalha junto. O defensor, o

estagiário de Direito, ele costuma ter uma visão muito mais objetiva. Ah, você tá

falando isso, isso não pode porque a lei não permite. E aí a tendência é encerrar a

discussão e ele sugerir muito mais do que o psicólogo sugere. Então as duas coisas

são muito interessantes, mas às vezes o psicólogo quer fechar um acordo que é

juridicamente impossível. Então a gente tem que trabalhar junto, não tem outra

saída” (ADP 02).

Embora procedam de objetivos comuns, as atribuições dos agentes da Defensoria

diferem de acordo com as demandas regionais e com o sistema de gestão implantado pelos

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 196

responsáveis em cada localidade. Tal caracterização é abordada em um próximo capítulo, em

que são analisadas as questões do acesso à justiça na DPESP nas diferentes regionais

distribuídas pelo território do estado. Especificamente em relação ao tema de Conciliação,

ressalta-se que em algumas regionais tais atribuições ficam sob a responsabilidade de

convênio estabelecido com o Centro Judiciário de Solução de Conciliação e Cidadania

(CEJUSC).

Convênio com o CEJUSC:

“A conciliação aqui pra gente hoje não é o carro chefe. Já foi! Principalmente no

início lá na outra Unidade. A gente tinha o período da tarde lá destinado só pra

conciliações e a maioria casos de família, de divórcio, que envolvem guarda, questão

da visita das crianças, justamente pra gente fazer orientações técnicas pro casal,

principalmente se tinha caso de infância no meio, de criança. Mas depois, com a

vinda do CEJUSC, essa demanda acabou sendo deslocada pra lá. A gente conversou e

a gente achou por bem que casos que fossem um pouco mais delicados, que

envolveram cuidados com idosos, coisas que de repente demandassem uma atenção

maior, que fossem encaminhados pra gente e não pra lá” (ADAS 01).

“Em uma das regionais eu sei que eles têm uma parceria com o CEJUSC e os casos

mais simples eles encaminham para o CEJUSC. Algumas defensoras perceberam que

muitos casos que eles encaminhavam, voltavam. Então elas acharam que não era

muito legal e preferiam encaminhar para o CAM. Eu sei que no fórum central, existe.

Na minha regional não tinha CEJUSC, então tudo eles encaminhavam para o CAM”

(ADP 03).

O aprofundamento da escuta para a construção da argumentação da defesa

Elaboração de laudos: atribuições, expectativas e ajustes entre saberes:

“É uma atribuição do agente de Defensoria, todos os agentes devem ou podem

produzir esses documentos a pedido de um defensor público. No começo, muitos

defensores achavam, e é compreensível que eles achassem isso, que o nosso laudo iria

oferecer uma defesa, só que técnica, psicológica ou social. Então eles chegavam pra

gente, por exemplo, numa disputa de guarda, eles estavam defendendo a mãe que

queria ficar com a criança e falavam olha, você produz pra mim um laudo em que

você fala que a mãe é que tem que ficar com a criança. E a gente falava opa! Eu não

posso produzir um laudo assim, isso é antiético dentro dos princípios da minha

profissão. Eu vou olhar a situação e vou emitir um juízo técnico a respeito de como é

que eu acho que essa situação poderia ser mais bem resolvida. Pode ser que isso te

ajude na defesa que você está construindo e pode ser que não. Pode ser que eu

conclua que não. Olha, de fato a mãe, agora, nessa situação não tem capacidade

nenhuma de ficar com essa criança. E aí começou a gerar essa tensão [...]. O

advogado trabalha pela lógica da parte, ele é parcial no processo, ele está lá para ser

parcial. Inclusive, se ele não for parcial, ele pode ser substituído. Ele está sendo

antiético se não for parcial. E nós, se formos parciais, é que estaríamos sendo

antiéticos” (ADP 02).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 197

“Outra área que a gente atuava muito era na área da Infância. Casos de crianças que

foram acolhidas em abrigos. Só que era uma demanda da área da infância, mas que

era atendimento familiar, muitas vezes porque a gente ia defender essas famílias. O

Conselho Tutelar foi lá e retirou a criança, levou para um abrigo com uma denúncia

de negligência, enfim. O defensor, geralmente, ia defender essa família, pra ela

restituir esse poder familiar, retomar a guarda da criança. E aí a gente atuava

bastante como assistente técnico, que é fazer uma entrevista ou como assistente

técnico, como por exemplo, os peritos dos juízes fizeram um relatório dizendo que

aquela família não tinha condições e se esse relatório tinha alguma questão

tecnicamente frágil, a gente podia entrar pra dizer não, espera aí, isso é muito moral,

não é um conhecimento técnico e a gente está aqui para contrapor isso. Mas, não era

só a atuação processual a gente também trabalhava com a família pra ver também

alguma dificuldade, ajudar essa família a se reorganizar, que políticas públicas a

gente pode pensar que vão ajudar nessa reorganização dessa família. Então tinha

tanto essa atuação junto com a família mesmo, quanto no processo” (ADP 03).

A contestação de laudos:

“Essa parte técnica dos fóruns e outros lugares deixam a desejar em vários aspectos.

A gente já teve vários problemas. Conselho Tutelar, quantos problemas a gente já não

teve com Conselho Tutelar nesse sentido! Eles faziam muitos relatórios com base em

sei lá o quê e já tivemos que contestar, mas a gente não fazia isso no processo, fazia

isso ao vivo. Tinha que falar, olha, e isso aqui? O que é eu vou fazer com esse

relatório que vocês fizeram? O defensor tinha que tomar providência e não podia

tomar por causa do relatório do Conselho Tutelar, por exemplo. E aí? Na prática, no

dia a dia, essa parte de contestar laudo, contestar relatório a gente faz na raça. Já fui

solicitado, mas não a produzir documento, não formular quesitos, quando você vê um

laudo de um psicólogo que você quer contestar algumas coisas, você faz uma

formulação de quesitos, e faz um monte de perguntas em cima do laudo anterior. Isso

eu nunca fiz formalmente, mas eu fiz informalmente pegando os processos dos

defensores, lendo tudo e falando pra eles. Tem muita coisa não fundamentada; muitas

inferências por parte do psicólogo; preconceitos, muitos. Assim, de onde ela tirou isso

aqui? De onde ela tirou essa informação? Basicamente isso” (ADP 01).

A partir do aprofundamento da escuta dos usuários do serviço; o estabelecimento

da “escuta” e o diálogo com profissionais da rede.

Explorando informações em atendimentos e entrevistas:

“A pessoa pode chegar aqui com o discurso mais absurdo possível, com demandas

imaginárias. Mas se a pessoa veio na Defensoria, no horário certo, porque não é toda

hora que você pode vir aqui, tem horário restrito pra pegar senha; tem que ter uma

documentação específica; tem que saber aonde ir. Se a pessoa sabe tudo isso, quer

dizer que não tá tão grave assim. A pessoa teve essa noção de que precisava ir à

Defensoria, de que precisava desses documentos, ela passou com essa documentação,

fez avaliação. Então, quer dizer, ela não é uma pessoa que você vai desconsiderar

tudo o que ela vai falar, né? A grande parte das pessoas que vêm aqui que têm

questões da saúde mental, elas têm alguma fixação, mas em outras áreas ela não tem

limitação. Com raras exceções assim” (ADP 01).

“A circulação das pessoas com transtorno mental historicamente na sociedade, e

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 198

como elas eram mediadas pelos serviços de justiça, era com relações de violência, de

segregação. E a Defensoria traz uma perspectiva de trabalho de fazer isso de uma

maneira diferente. Primeiro de dar espaço, de dar escuta e de dar outras soluções pra

essas problemáticas que aparecem e isso muito com a rede. Então se for pensar nessa

área da saúde mental, tem a ver muito com abrir esse espaço” (ADP 04).

“Normalmente, é a primeira providência tentar conversar com alguém pra ver,

alguém da residência próxima ali pra ver. Elas sabem e aceitam, na grande maioria.

Então, se ela vem se queixar do familiar, vamos supor, do pai. Aí você não pode

chamar o pai aqui. Mas, a gente fala, e a mãe? E o irmão? E mais alguém? Aí acaba

chamando outra pessoa. Ela aceita” (ADP 01).

Acolhendo a demanda:

“O defensor, antes do CAM, não entendia, ele respondia, mas isso é juridicamente

impossível, eu não posso entrar com uma ação contra o Silvio Santos, você não é filha

dele, você tem provas? Se você apresentar provas, eu entro com uma ação contra o

Silvio Santos. Quando a gente entrou a gente falava: peraí, isso é extremamente

perigoso, se você começar a pedir provas, o sujeito pode começar a ir atrás dessas

provas. Então, começa a quebrar a casa atrás de câmeras, eu não sei o que o sujeito

pode fazer. O defensor, ele tinha essa lógica, que é a lógica do Direito, olha, se você

me apresentar provas de que têm câmeras na sua casa a gente vai entrar com a ação,

mas enquanto você não fizer isso eu não tenho nada o que fazer por você. E a gente

fazia um procedimento que não era esse, era de compreender por que ele chegou até

mim e o que a minha instituição representa dentro do delírio ou sintoma que ele

apresenta, e aos poucos, tentar fazer essa passagem pra uma outra instituição que

pode, de fato, cuidar” (ADP 02).

“Então, acho que foi uma demanda que fomos convidados pra pensar o que podemos

fazer. Pra começar, ouvindo essas pessoas, não afastando, não eliminando o que elas

trazem na demanda inicial, geralmente vem vinculado a uma situação aparentemente

persecutória ou que não faz sentido pra um processo judicial, mas que podem ter

outras coisas. Então pra começar a gente foi ouvindo o que mais poderia ter ali, aí a

gente foi pensando em outras articulações possíveis, aí eu acho que até por conta da

experiência de trabalhar com políticas públicas dos outros profissionais, pela

perspectiva, por exemplo, da reforma. Então a gente foi começando a buscar contato

com os serviços de saúde pra tentar se articular” (ADP 04).

“Outro elemento é conseguir distinguir no meio daquela produção, muitas vezes

delirante, uma fala muitas vezes confusa, se existe ou não uma demanda jurídica.

Então tem esse ponto de encaminhamento mais humanizado pra rede, não é

simplesmente falar, olha, não é essa instituição, você tá maluco, então não é aqui que

você vai resolver esse teu problema, é aqui, mas olha, vamos fazer um caminho. E tem

outra vertente do atendimento, é que muitas vezes chega assim o encaminhamento do

defensor, eu não consigo entender o que o sujeito tá falando ou verificar se tem

alguma demanda jurídica. Porque muitas das vezes, o que a gente percebe é isso,

existe uma construção delirante muito grande, mas existe um núcleo que, de fato,

aconteceram violações de direito graves muitas vezes, outras menos, e que de fato

talvez tenha uma demanda jurídica ali, e que vale a pena investigar” (ADP 02).

Partindo de uma postura de abertura para uma escuta aprofundada das

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 199

necessidades e da realidade dos usuários do serviço - apresentada em discursos com

características próprias, que exigiram dos profissionais reconhecer que o conhecimento

engloba diferentes formas de saber, de dizer e de não dizer, inicia-se o trajeto dos agentes em

busca da aproximação dos serviços e das políticas públicas, disponibilizando nessa etapa uma

escuta aprofundada para outros atores sociais, os profissionais dos serviços da rede.

MAPEANDO A REDE

Mapeando a rede e estabelecendo contatos e possibilidades de parcerias:

“A gente levantou primeiro os tipos de serviço que a gente queria colocar nesse

catálogo. Depois a gente começou a fazer visitas e telefonemas. A gente teve muita

articulação com a rede na regional. A gente ligava confirmando a população

atendida, endereço, horário de atendimento e começamos a catalogar isso. Fizemos

um mapa da região, recortamos por distrito, então você procurava por bairro e você

tinha todos os serviços. A gente conseguiu mapear isso, e colocamos todas as siglas, o

que era CRAS, UBS, CAPS, e a gente fez uma reunião de entrega desse material.

Nessa reunião a gente explicou o que era saúde e o que era assistência dentro da

política pública, até pra explicar um pouco o que o serviço social faz, o que a

psicologia faz dentro desses serviços. Estavam na reunião todos os defensores. E foi

muito interessante, porque aí você se coloca num lugar profissional, que tem um

conhecimento, que tem algo a contribuir. Foi muito interessante, eles anotavam

enlouquecidamente. E a gente conseguiu falar, olha, a gente pode contribuir pra uma

Ação Civil Pública, porque deveríamos ter x CAPS e temos tantos CAPS, porque

segundo a lei, e eles, nossa, a gente não sabia disso” (ADAS 02).

Estabelecimento de Grupos de Trabalhos (GTs) para mapeamento da rede:

“A gente criou os GTs, Grupos de Trabalho de Saúde Mental, de situação de rua,

habitação, álcool e outras drogas, e de defesa dos direitos da mulher. O papel inicial

desses GTs era de mapear e articular com essa rede de serviços, falar da entrada de

assistentes sociais e psicólogos na Defensoria, e depois desses serviços mapeados, a

gente encontrar essas lacunas. Por exemplo, a criação de um CAPS num território

onde já existia um CAPS e aquele CAPS não tava dando conta; CRAS; CAPS i, por

exemplo. Então chegavam pra gente denúncias das pessoas que iam pro centro de

acolhida durante o dia, tinham que esperar de manhã até a noite pra conseguir uma

vaga no centro de acolhida e no final não conseguiam. Então a gente entendia ali,

onde é que estavam as lacunas pra ver de que forma a Defensoria podia contribuir.

Era um movimento de mão dupla. Eram várias as vias, as possibilidades de chegar

essa demanda até a gente, não era só pela triagem. Depois, a gente tinha essa ideia de

compilar essas informações que a gente foi encontrando nas visitas, nas reuniões que

a gente fazia e dar algum direcionamento pra isso aqui na Defensoria. Então, por

exemplo, desse GT saúde mental saiu, ainda tá em construção um Termo de Parceria

entre a Defensoria e a Secretaria de Saúde daqui de São Paulo pra atendimento à

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 200

pessoa com transtorno mental e o uso problemático de álcool e outras drogas [...]. A

gente foi fazendo visitas na Coordenadoria de Assistência Social ali daquele

território. Então a gente conhecia quem era a coordenadora da assistência social

daquele território, quais eram os centros de acolhida daquele território, qual a

população que atendia. Porque é muito diferente, por exemplo, o centro de acolhida

que tem aqui na central dos centros de acolhida que estão na região sul de São Paulo.

Os daqui, eles estão mais inchados porque a população aqui consegue ter acesso a

trabalho, consegue ter acesso a outras fontes de renda, por exemplo, aqui tem um

fluxo muito maior de pessoas, eles conseguem pedir dinheiro pra complementar a

renda do trabalho, conseguem alimentação porque as ações sociais das ONGs estão

muito mais focadas aqui na região central; e lá na região sul as pessoas não queriam

ficar porque iam ficar longe do trabalho, longe do espaço em que elas guardam os

produtos recicláveis, a gente foi percebendo as diferenças dos equipamentos. Aí a

gente conversou, foram vários momentos de conversa com pessoas da Secretaria de

Assistência, e resolveram solicitar os regimentos internos desses centros de acolhida

de toda a cidade de São Paulo pra avaliarem como é que estava construído.

Avaliaram, e viram que realmente havia diferenças dos equipamentos e fizeram essa

normativa buscando a uniformização dos regimentos internos” (ADAS 03).

As visitas aos diferentes serviços da rede foram apresentadas como estratégia para

o estabelecimento de diálogo; identificação de demandas que não chegariam espontaneamente

aos serviços de triagem da Defensoria; proporcionar educação em direitos e sobre políticas

públicas à comunidade, aos profissionais atuantes na rede, e aos internos em instituições de

assistência e/ou hospitalares.

Identificando demandas em visitas:

“Os agentes do CAM fazem visitas, eles têm o conhecimento da rede, o mapeamento

da rede, municiam os defensores com essas informações, os defensores começam a

participar. E quantas dessas visitas que você chega lá e começa a perceber que

muitas demandas jamais chegariam aqui na porta da triagem, criando uma falsa

expectativa, porque se não chegou à triagem, é porque o problema não existe. […]

Então as pessoas com deficiências mentais, todos os problemas que a pessoa tem uma

limitação no exercício da capacidade civil, essa pessoa nem sempre tem um familiar

com boa vontade de trazer a demanda aqui pra triagem. Muitas dessas pessoas estão

abandonadas em casa de abrigo” (DP 02).

Visitando serviços e realizando Educação em Direitos:

“Então a gente faz também esse trabalho da rede, frequentando fóruns. Os

profissionais do CAM frequentam muito esses espaços de discussão. Debate com

Conselho Tutelar, fórum da criança, fórum de drogas e direitos humanos, fórum de

saúde mental, pra justamente fazer esses esclarecimentos das demandas de ordem

jurídica. Tem também os profissionais da saúde buscando. Às vezes, a dúvida pode ser

sanada por telefone. Muitas vezes, a gente encaminha casos, você acaba ficando

conhecido da rede e a pessoa liga, oh, eu tô com um caso aqui, assim, assim, assim, o

que eu tenho que fazer? A família tá querendo internar. Então eu fazia a orientação

de um profissional da rede por telefone ou em reunião”(ADP 02).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 201

AS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL

Dialogando com profissionais do CAPS

A proposta de dialogar com profissionais do CAPS cumpre diferentes papéis na

rotina dos trabalhos. Os profissionais da Defensoria podem exercer a função de fazer o

acompanhamento das pessoas que buscam a Defensoria até o CAPS, administrando as

resistências que elas possuem em buscar por serviços de saúde, muitas vezes atreladas aos

históricos pessoais com esses serviços marcados por internações forçadas. Em outros casos,

os agentes da Defensoria podem atuar mediando dificuldades encontradas pelos usuários dos

serviços, realizando reuniões e entrevistas com a equipe do CAPS sobre impasses observados

no decorrer das atividades.

Fazendo a transição entre os serviços da DPESP e o CAPS:

“A gente tem que ter toda essa sensibilidade pra acolher essa angústia, entendendo

que aqui não vai ser a instituição que vai dar conta dessa angústia, ainda que por

causa dos sintomas essa pessoa dirija essa angústia pra nós, e como é que a gente vai

pegar isso e dirigir pra instituição mais adequada, uma instituição de saúde mental,

um CAPS, por exemplo, pra dar conta disso. Essa passagem é um dos trabalhos mais

importantes que a gente faz no acesso à justiça. Essa passagem é também muito

variada. Tem vezes que a gente consegue fazer em um único atendimento. Então a

pessoa aceita lá, por mil motivos, a gente fala; olha, talvez você vá encontrar uma

solução mais apropriada pro seu caso em outro lugar, eu vou te encaminhar. Ah, tá

bom, pode ser. Em outros são até agressivos quando isso acontece, eu não sou louco,

eu não tenho que ir pra CAPS. Porque muitos deles chegam com uma história longa

de atendimento na saúde, muitos já foram internados à força, chega com uma ojeriza

do sistema de saúde. Eu não sou louco, o que eu quero é um advogado pra entrar com

ação e tal. Então varia muito” (ADP 02).

O acompanhamento conjunto da DPESP e do CAPS para atender o usuário:

“Houve até um caso bastante interessante em que a gente pensou do CAPS vir atender

aqui e aí o profissional do CAPS vinha, porque ele vinha sempre na Defensoria. Tinha

aquele horário em que ele vinha, o profissional do CAPS começou a atendê-lo na

Defensoria e aos poucos foi fazendo essa passagem de atendimento de serviço de

saúde. Então assim, acho que o caminho que a gente tem tido é esse de pensar nessa

ponte, pensar num vínculo, acolher essa pessoa, tentar ajudá-la a construir a

compreensão de que ela precisa de uma ajuda e que não é aqui” (ADP 03).

“Teve um usuário que a gente tentou fazer um trabalho interessante com ele. Ele já

era usuário do CAPS, ele fazia um trabalho ligado a uma imobiliária. Essa era a fonte

de renda dele além do BPC. Ele tinha alguns conflitos com a equipe do CAPS que ele

frequentava. Eu conheci um advogado lá desse CAPS, que sempre ligava pra gente.

Então, hoje o fulano veio aqui falar sobre o condomínio dele, que ele não teve

condições de pagar o condomínio dele esse mês, estão cobrando, o que a gente pode

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 202

fazer? Ele tá muito ansioso com essa situação e isso pode acabar prejudicando a

nossa relação, a relação dele com a equipe. Então a gente fazia conversas conjuntas,

eu, o advogado do CAPS, o coordenador do CAPS e o usuário do serviço pra saber de

que forma a gente poderia dar conta daquela demanda ali” (ADAS 03).

Dificuldades no trabalho com profissionais da rede.

Medo e resistência dos profissionais da rede diante do Sistema de Justiça:

“No início foi muito difícil, a Defensoria era vista como um local que processava. A

ponto de você fazer um contato com a rede oi, eu sou assistente social, tô chegando

aqui agora, sou psicólogo, e a gente gostaria de conhecer, pode ser? Olha, pra

marcar alguma coisa precisa de ordem da Secretaria. Não, mas eu só quero ir aí

conversar com vocês, conhecer o serviço. Não, a gente não pode fazer nada. A ponto

de a gente chegar lá, olha, a gente veio em missão de paz, a gente gostaria de

conhecer e facilitar as coisas; o que vocês acham que dá pra fazer pra reduzir o

número de internações compulsórias?” (ADAS 01).

“Quando a gente ia buscar o serviço de saúde aparecia muito medo, muita

resistência. Parece que a gente tem desconstruído um pouco esse modelo.

Historicamente, o Sistema de Justiça e o Serviço de Saúde foram sempre muito

isolados. Quando o Tribunal de Justiça ou mesmo o Ministério Público entravam em

contato com o Serviço de Saúde era para o cumpra-se, não eram relações de diálogo.

Por exemplo, um caso que a gente atendesse a gente entrava em contato com o CAPS

da região: Oi tudo bem? Eu sou psicóloga da Defensoria. Umas reações, ou a pessoa

superdesconfiada não, mas, você quer que eu te passe por escrito?” (ADP 04).

“Você é da Defensoria? Espera um pouquinho. Vou passar pro gerente, vou passar

pro coordenador, com medo desse ator desconhecido que agora estava também

construindo essa rede de serviços em conjunto com os serviços que estavam ali. A

primeira reação é de estranhamento, medo. Quando a gente fala que somos da

Defensoria, eles entendem que aí já vem a imagem do juiz que é o que manda, que é o

que sabe, que é o que vai falar pra gente o que tem que fazer e não há possibilidade

de questionar. Muitas pessoas, muitos atores da rede já conhecem o que é a

Defensoria, já têm contato com o CAM. No início foi mais difícil, mas a gente foi

tentando desconstruir essa imagem” (ADAS 03).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 203

A FALTA DE ESTRUTURA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

A ausência do CAPS e o despreparo do SAMU:

“A nossa rede aqui é um pouco complicada, nós não somos um município tão grande,

mas, por exemplo, pra você ter uma ideia, a gente tem o CAPS ad. A gente não tem o

CAPS Mental. Existe aqui um ambulatório de saúde mental. Ele atendia vários

municípios, depois houve uma reestruturação, e eles passaram a atender só o nosso

município. Então, eles falam que a gente tem o serviço de saúde mental. Não, a gente

não tem um CAPS, a gente tem um ambulatório de saúde mental que não funciona

como CAPS. Não, mas a gente vai, vai construir, vai fazer, já está no planejamento.

Faz um tempo já que a gente tá aguardando o CAPS sair do papel. O ambulatório de

saúde mental atende só que não é o mesmo cuidado que teria o CAPS, por exemplo,

de tá ali, de se for necessário fazer uma busca ativa do paciente, fazer uma visita. Ali

é mais o atendimento médico” (ADAS 01).

“Nem tem CAPS 1 aqui, o que tem é um ambulatório de saúde mental, que não é de

portas abertas; ele precisa ser encaminhado do Posto de Saúde para o ambulatório. A

gente não tem uma boa relação com eles porque já tentamos encaminhar paciente

daqui pra lá, eles falam, não, só se vier do Posto de Saúde. Aí ficam muitas pessoas

que têm algum transtorno mental, uma questão que precisaria de um psiquiatra, de

uma medicação e eles ficam sem tratamento. O ambulatório tem consulta de quinze

em quinze dias, tem um psiquiatra só, não existe uma equipe interdisciplinar pra fazer

um trabalho. A gente vê muita gente que diz que tentou fazer tratamento no

ambulatório e não conseguiu. Muitas vezes precisa judicializar porque não tem CAPS

1 aqui. O SAMU não tem preparo pra atender demanda de saúde mental, de surto

psiquiátrico, eles sempre envolvem polícia, o pessoal não fez nada, não precisa de

polícia! Parece que o SAMU tem um treinamento específico ou uma equipe específica

de saúde mental, tinha que ter e não tem aqui! Quando acontecem surtos

psiquiátricos, acaba sempre parando na gente aqui, daí a gente vê o que dá pra fazer

na urgência ali da coisa. Já chamou o SAMU? O SAMU não vai sem a polícia; ou o

SAMU foi e a pessoa falou eu não vou, eu não quero ir e não levaram; não

medicaram, isso acontece bastante. Aí cabe a nós, ou ligar pro SAMU ou ligar no

hospital ou ver o que dá pra fazer porque a rede é falha, isso eu posso dizer

claramente, a questão de saúde mental deixa a desejar” (ADP 01).

Falta carro, falta médico, falta preparo e disponibilidade:

“Então, tem CAPS que a gente não tem maior proximidade, que os CAMs não

conseguem ter uma articulação. E tem muita inadequação nos CAPS também. Às

vezes a gente liga: Ah, mas como que eu vou fazer visita se a pessoa não conhece?

Você sabe, a pessoa tem que aceitar. Ah, mas fazer as coisas de forma compulsória, a

gente não interna. Olha, eu não tô pedindo pra você internar, eu tô pedindo pra gente

pensar num tratamento pra essa pessoa. Porque a visita, é lógico, ninguém gosta,

você gostaria que chegasse na sua casa sem você saber?Então vamos pensar numa

busca ativa, na sensibilização junto com a UBS, tem uma pessoa no seu território

sofrendo, é a obrigação do serviço fazer isso. Aí vem uma reclamação, não tem carro

pra fazer, não tem profissional, não tem psiquiatra; então a gente vai se deparando,

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 204

também, com essas dificuldades da rede” (ADAS 02)

“Em alguns momentos a gente tentava a articulação só via encaminhamento, via

discussão de casos por telefone, mas a gente via que tinha uma lacuna. Ou o usuário

não chegava lá ou o serviço não ia. Se a gente já percebesse que o usuário não ia, a

gente falava pro serviço: olha, me procurou aqui o usuário tal, ele mora no território

de vocês, a gente queria que vocês fizessem uma busca ativa, por exemplo, pra ver de

que forma vocês podem contribuir com esse usuário. E aí o serviço, por questões de

estrutura, ah, eu não tenho carro, eu tô com a minha equipe reduzida, eu já não

consigo mais encaixar essa visita no meu cronograma. Porque lá do outro lado tem

muitas dificuldades e a gente entende isso” (ADAS 03).

Dificuldades para a realização de busca ativa:

“Muitos entendiam que só faziam a busca ativa em casos que já tinham vínculo com o

serviço e esse vínculo ficou frágil, aí fazia busca ativa, mas, busca ativa de quem não

era do serviço, não, isso a gente não faz. Mas, a gente até entende, por conta do

tamanho da população, às vezes era um CAPS para 500.000 habitantes. Aqui em São

Paulo é difícil assim, tá aumentado a rede, mas ainda é insuficiente. A gente solicitava

seja por encaminhamento, seja ligando e conversando, diversas maneiras. Ligava pro

serviço, às vezes não conseguia falar com a responsável, ou mesmo conseguia, mas aí

às vezes; ah! Mas como você quer que eu vá visitar, eu tenho o meu caso aqui em

acompanhamento, não tem viatura; É uma atribuição de vocês, às vezes ficava nesse

embate, mas, geralmente a gente contava um pouco da história daquela família e

falava que a família precisava de tratamento e encaminhava para o CAPS. Não tinha

retorno, porque era um volume muito grande. Alguns casos sim, quando a família

voltava e dizia que mesmo assim não conseguiu. A gente supunha que se ela não

voltava, ou porque desistiu ou deu certo. Mas, sei lá, às vezes uma manhã, cinco casos

desse, entendeu? Então o volume era muito grande, a gente não conseguia fazer essa

contrarreferência de saber, de acompanhar” (ADP 03).

A perspectiva da gestão municipal da saúde:

“Quando a gente leva para a Secretaria Municipal tem uma fala muito contrária.

Olha, tem carro sim, é só agendar, é só ligar pra supervisão de saúde. É possível a

gente conseguir essa vaga pra internação, caso necessário, via administrativa.

Porque é torto, chega à Defensoria, a Defensoria vai cobrar o município, que vai cair

na Secretaria Municipal, vai ser um transtorno, um processo judicial desnecessário.

Eles falam, não, existe vaga, existe cota, existe uma regulação. Eu acho que falta

muita comunicação entre os setores, fica um trabalho desarticulado. Eu não sei,

também, qual é a entrada dessas ONGs, terceirização da saúde, não tem uma diretriz

concreta muito fácil de visualizar. Então, cada serviço vai fazendo um pouco do jeito

que acredita e muitas vezes não sabe a diferença de uma internação compulsória; não

sabe que pode pedir carro pra própria supervisão, falar olha, tem uma pessoa que

precisa da internação, o médico tem medo de dizer isso. Então, eu acho que falta

diálogo entre o serviço da ponta, a supervisão de saúde e a Secretaria Municipal de

Saúde” (ADAS 02).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 205

ESTABELECENDO UM FLUXO DE TRABALHO COM

A REDE DE SAÚDE MENTAL

Iniciando com estabelecimento de fluxo interno na DPESP:

“As famílias vêm muitas vezes porque a pessoa com transtorno mental teve uma

internação breve, nos moldes da reforma, mas que tá de alta, mas por “n” razões os

familiares entendem que não têm como receber aquele parente, não têm como cuidar,

então ele quer deixar no hospital. Aí ele procura a Defensoria pra dar uma bronca no

hospital, olha, Defensoria, você não vai ficar do meu lado? Eu quero que o hospital

fique com a pessoa. E, antes de transformar essa demanda num processo, que seria o

movimento do Direito, de transformar uma demanda num processo judicial, a gente

foi construindo esse fluxo. Esses casos têm até normativas internas que foram

construídas pra tentar acertar esses fluxos: do defensor que ouve essa demanda

encaminhar pro caso ser acompanhado junto com o psicólogo ou com o assistente

social, ver se tem necessidade. Bom, essa família chega, se a gente só responder

dizendo pro hospital que tem obrigação de ficar lá: primeiro, a gente nem sabe se

existe isso, aconteceu a reforma. A gente precisa trabalhar com a família

desconstruindo isso, uma cultura manicomial que ainda existe. E através da

articulação família, serviço, a equipe tá cuidando? E aí é muito interessante quando a

gente propõe outras atividades conjuntas, na base do diálogo, da construção de uma

discussão pra aquela questão, que cada um pode ser ouvido, são construções

coletivas, né? A gente tenta fazer, meio que alinhar, criar espaços pra que essas

construções aconteçam: família, serviço, equipe” (ADP 04).

O diálogo com a Secretaria Municipal para evitar a judicialização:

“A gente foi conversando com as supervisões e assim, quando a pessoa não conseguia

o tratamento ela podia entrar com uma ação, não de Internação Compulsória, mas de

Obrigação de fazer, contra o Estado. E aí a Prefeitura começou a receber muitas

dessas ações de obrigação de tratamento. Pra eles era ruim isso, então a gente sentou

com a coordenadoria e com a supervisão de saúde do município e pensamos em um

fluxo. Eles têm quatorze dias pra mandar uma resposta pra gente e a gente tem

monitorado as respostas, e aí quarenta e cinco dias pra um relatório final. Tem sido

interessante estudar esses relatórios que chegam, em alguns casos existe um

investimento do serviço pra conseguir construir aquele tratamento com a família,

trabalho bem sucedido. Mas não é a maioria. Em muitos casos os serviços entendem

como mais uma obrigação. Tem sido muito interessante, a gente tá trabalhando agora

pra assinar o fluxo e tornar formal porque até agora o fluxo está na informalidade,

mas tem funcionado bastante” (ADP 03).

“A gente criou um formulário. Se essa pessoa, se esse usuário, se essa família já foi

atendida pelo fluxo normal, e não teve a sua demanda atendida completamente, não tá

satisfeito, enfim, alguma coisa não ocorreu da forma como era esperada nesse fluxo

normal, aí a pessoa procura a Defensoria. A gente vai fazer um relatório sobre essa

situação e mandar direto pra Secretaria de Saúde, porque aí a Secretaria vai mandar

pro CAPS. Só muda a forma de chegar, porque aí, chegando da Secretaria de Saúde

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 206

vai lá pra esse CAPS e eles vão se articulando pra atender essa demanda” (ADAS

03).

A análise do trajeto percorrido pelos profissionais desde a implantação do CAM

na DPESP, os caminhos e as estratégias possíveis de serem implantadas revelaram aspectos

que priorizaram a importância do reconhecimento do “não saber” de cada área para

mobilização da busca de novos saberes, e a priorização de se aprofundar a escuta para que os

mais variados atores sociais possam participar da construção do serviço.

Merecem destaque as seguintes referências de estratégias utilizadas pelos

profissionais: atendimentos individuais; atendimentos de familiares; visitas institucionais;

participação em eventos; realização de conexão dos serviços da DPESP com CRAS,

Secretarias Municipais, CAPS, Conselho Tutelar, hospital geral e psiquiátrico; mapeamento

de serviços na rede, participação em conciliações e em audiências; elaboração de laudos;

contestação de laudos; reuniões com profissionais de diferentes serviços de assistência social

e de saúde; estabelecimento de Grupos de Trabalhos para realizar mapeamento de rede

referentes às temáticas de saúde mental como situação de rua, habitação, álcool e drogas,

defesa da mulher; realização de educação em direitos; estabelecimento de fluxo de trabalho

junto à Secretaria de Assistência Social e de Saúde. Deve ser reiterado que, ao descrever as

demandas coletivas foram apresentadas iniciativas de trabalho que estão sendo realizadas,

também, em contexto de situação de rua, comunidades terapêuticas, instituições totais e

asilares.

Não foram poucas as dificuldades encontradas ao longo desse percurso pelos

profissionais da DPESP, principalmente referentes às resistências devido ao desconhecimento

sobre os objetivos dessa nova instituição de Direito e, também, devido às imensas

dificuldades estruturais e relacionais vivenciadas diariamente pelos profissionais que

executam as políticas públicas. Entretanto, observa-se a abertura de possibilidades de atuação,

que podem subsidiar a reflexão e discussão sobre o acesso à justiça para uma demanda em

sofrimento mental.

8.3.4 A Construção de alternativas de acesso à justiça para a demanda de Saúde Mental

O presente tópico tem como proposta considerar um exemplo de atuação da

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 207

DPESP que subsidie a reflexão sobre acesso à justiça para pessoas portadoras de transtornos

mentais ou com sofrimento mental. As questões que se colocam: será possível considerar que,

apesar de tantas violações de direitos às quais se submetem aqueles que vivem na

invisibilidade social (por fatores políticos, socioeconômicos e culturais) e em sofrimento

psíquico, possa se estabelecer diálogos (horizontais) entre atores com saberes distintos,

científicos ou não, em que essa demanda seja ouvida e que tenha efetivamente existência

dentro do sistema de justiça? Há alternativas?

A presente análise se detém a uma temática que, reiteradamente, surgiu no

decorrer das entrevistas com profissionais: o atendimento de pessoas com discursos delirantes

e persecutórios. Para tanto, foi selecionada uma atuação da DPESP referente a um

atendimento de demanda individual espontânea, de um senhor que vive em situação de rua e é

portador de diagnóstico de esquizofrenia. O caso foi nomeado pela pesquisadora como

“Guerreiro”.

CASO “GUERREIRO”

Vários motivos foram considerados para a escolha do presente caso: por ilustrar

diferentes períodos da instituição (anterior e posterior à implantação do CAM) e os recursos

disponíveis em cada um deles para o atendimento de pessoa com transtorno mental; por

sintetizar como, aos poucos, foi se estabelecendo o difícil diálogo entre os profissionais da

Defensoria e o usuário do serviço, como foi se estabelecendo a relação de confiança e,

finalmente, as alternativas possíveis que foram emergindo. Esse caso foi selecionado,

também, por dar clareza à participação de diferentes segmentos da instituição (e externos) que

foram envolvidos na ação.

“Quando ele vinha, a triagem ficava em polvorosa!” (ADP 02)

Em praticamente todas as entrevistas presenciais realizadas com os profissionais

da DPESP da Capital, quando era apresentado o objetivo do presente estudo, a figura de um

senhor, de aproximadamente 40 anos, aposentado, que vivia em situação de rua, sempre

paramentado com diversos apetrechos, que andava com uma bandeira enrolada em seu corpo

e usava uma mochila com vários pertences, com um discurso de difícil compreensão,

pensamentos persecutórios, utilizando-se de metáforas de guerra e bélicas, e apresentava

reações violentas, era mencionado. Frequentador assíduo da instituição, (por mais de quatro

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 208

anos) desde os tempos da PAJ, passou a ser conhecido por defensores, seguranças, e por

servidores em geral. Ele se dirigia até a Defensoria, sua demanda jurídica não era identificada,

ele se alterava, era retirado do atendimento. “As pessoas não sabiam o que fazer com ele, já

não o ouviam mais” (ADAS 02). Ele se dirigia, então, até a Ouvidoria e fazia a reclamação do

serviço. A Ouvidoria, dentro de sua política institucional de portas abertas, prestava-lhe o

atendimento. Lá ele permanecia por horas, reclamando do serviço e de todos. Tal situação se

prorrogou por anos. Em determinado momento, os trabalhos da Ouvidoria e do CAM

começaram a se entrelaçar em busca de alternativas para sua situação.

“Ele chegou à Ouvidoria com uma bandeira amarrada no pescoço, todo de verde,

com uma linguagem toda desconexa, bastante agressivo, aparentemente agressivo.

Ele não é uma pessoa agressiva de fazer enfrentamento físico, mas ele fala num tom

mais elevado, e muito nervoso com a prefeitura, a prefeitura não me paga!!” (RDP 7).

Na Ouvidoria, Guerreiro levava diversos documentos, cópias de e-mails, ofícios,

manifestações redigidas por ele para os mais diferentes órgãos públicos que ele acionava

frequentemente em busca de defesa diante de pensamentos de perseguição que o

atormentavam. Acionava a Ouvidoria da Polícia Civil, o CONDEPE, a Secretaria de Direitos

Humanos, o próprio Núcleo de Direitos Humanos e a Corregedoria da DPESP.

“Às vezes, qualquer afronta com segurança gerava um problema na Ouvidoria. Às

vezes, uma simples orientação, ele achava que o segurança estava tomando uma

atitude contra ele. Ele procurou vários órgãos, procurou o CONDEPE, ele na

verdade foi se cercando de todos os órgãos que ele poderia achar para dar vazão

para aquilo que ele estava querendo (RDP 7).

Como o discurso dele era muito difícil, a colega daqui foi pedindo apoio em outros

locais, fazendo uma parceria com o CAM, tentando resgatar um pouco desses ofícios

que ele encaminhava para os lugares e trazia cópia para cá, até para entender qual

era a reclamação dele sobre os defensores, ele tinha várias reclamações” (RDP 7).

A Ouvidoria iniciou, então, uma busca de informações, resgatando documentos

dele juntamente com a ajuda dos profissionais do CAM.

Os agentes da Defensoria (psicólogos e assistentes sociais), à época da

implantação do CAM, atuavam tanto no prédio da triagem na região central, quanto nas

regionais distribuídas por toda a capital. Dessa forma, havia um sistema de rodízio entre os

profissionais que realizavam o atendimento no serviço de triagem. Por esse motivo, e pela

capacidade de mobilização do senhor que queria se fazer compreender, toda a equipe de

psicólogos e assistentes sociais passou a conhecer o “Guerreiro”. Cada dia que ele chegava,

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 209

encontrava profissionais diferentes para atendê-lo, e o ciclo recomeçava, “a Defensoria tem

um discurso inclusivo e não podia deixar o rapaz para fora!” (ADP 02). Aos poucos foram

sendo pensadas alternativas para a situação.

A primeira alternativa foi a de estabelecer um Agente de Defensoria como

profissional de referência para atender esse senhor, dia e horário agendados para os

atendimentos, e orientação de todos os profissionais da triagem, administrativos e seguranças,

para esclarecê-lo reiteradamente que deveria comparecer nos dias estabelecidos.

Essa opção foi discutida internamente e passou a ser utilizada com os

profissionais da triagem. Inicialmente, ele insistiu em ser atendido pelos plantonistas, mas foi

se adaptando à nova situação. Foi realizado, também, acordo com a Ouvidoria para que ele

fosse acolhido pelo serviço, caso os procurasse, mas que fosse orientado a retornar no dia e

horário pré-estabelecido com profissional de referência. Nesse espaço e horário agendados,

“Guerreiro” tinha Total liberdade para se expressar, para que fosse possível a exploração pelo

profissional sobre as situações de violações de direitos às quais havia vivenciado, e a

identificação de possíveis demandas jurídicas a serem trabalhadas pelos defensores públicos.

Configurava-se, também, mais claramente para o profissional, a situação de sofrimento

mental daquele senhor, sua história de internações, suas condições de vida, sua resistência

com os serviços de saúde, dentre outros aspectos relevantes para a compreensão de sua

história de vida. A possibilidade de um vínculo com o profissional começava a se delinear.

A segunda alternativa estabelecida foi o encaminhamento das demandas jurídicas

identificadas pela Ouvidoria e pelo CAM (problemas com aposentadoria e com contratos

consignados) para o devido atendimento jurídico com defensores públicos.

“Ele não estava recebendo os proventos dele no banco. Na verdade, ele havia

encerrado a conta porque achava que o banco estava tomando o dinheiro dele. Ele

encerrou, mas ele tinha contraído uns empréstimos e achava que o banco estava

tomando parte do dinheiro dele” (RDP 7).

“Ele tinha lá uma demanda jurídica, por trás daquele delírio, que eu percebi depois

de muito tempo atendendo. Era o fato de que ele não tinha a aposentadoria por

invalidez corrigida” (ADP 02).

“Outra ação, que a gente pôde entrar por ele, foi que ele assinou aqueles empréstimos

consignados que a pessoa cata você na rua e fala oh, você quer dinheiro, e tal? Numa

dessas ele assinou, pegou o dinheiro, e era descontado diretamente na folha dele, e

ele achava que aquilo lá era roubo, que estavam roubando esse dinheiro” (ADP 02).

A partir da identificação das demandas jurídicas, os defensores puderam dar

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 210

andamento às ações, e encontraram outras dificuldades ao longo do percurso, como por

exemplo, a recusa de “Guerreiro” a abrir conta em banco para o recebimento de seus

proventos. Mesmo com a orientação e acompanhamento dos profissionais da Defensoria até

as agências bancárias, conversando com o gerente do banco, “Guerreiro” se recusava, e

quando raramente concordava, voltava atrás e desfazia o acordo por não confiar no contrato.

“Ele não queria abrir a conta no banco porque dizia que o contrato tinha cláusulas

abusivas. Não estava recebendo os proventos e ficava em situação de rua” (RDP 7).

“A defensora explicou para o juiz, não a questão do transtorno mental porque poderia

gerar algum problema pra ele, né? De ser interditado. Mas dizendo para o juiz que

ele estava em situação de rua, não tinha comprovante de endereço, ficava difícil abrir

a conta. O juiz não voltou atrás da decisão dele. A defensora ainda fez mais, ela

agravou da decisão do juiz, foi para o tribunal e ela ganhou. Conseguiu que aquele

pagamento ainda fosse liberado por guia de recebimento” (RDP 7).

A alternativa encontrada de pagamento por guia de recebimento referia-se à

liberação do dinheiro dos pagamentos atrasados. Retirando esses valores e ficando sem

dinheiro, chegaria a um estágio no processo em que ele teria que abrir a conta, ou ele ficaria

sem os rendimentos mensais, o que posteriormente aconteceu.

A terceira alternativa encontrada pelo serviço refere-se à demanda de saúde e foi

se formalizando enquanto os processos tinham andamento jurídico. Havia um histórico de

internação e o usuário, traumatizado, não admitia a possibilidade de buscar serviços de saúde.

Deve ser ressaltado que sua aposentadoria fora provocada por surto psicótico e, consequente,

internação. Ao ouvir quaisquer referências ao CAPS, ele surtava. Era preciso encontrar

alternativas para aproximá-lo do serviço de saúde, para que se garantisse o seu direito aos

cuidados de saúde. “Toda vez que eu falava do CAPS, ele surtava, não queria, ficava

agressivo. Ele tinha sido internado umas duas vezes e falava dessa experiência de uma

maneira bastante doída. Ele foi, inclusive, aposentado por conta do surto” (ADP 02).

A alternativa possível envolveu duas iniciativas: a primeira foi a de considerar a

possibilidade de fazer as refeições no CAPS de sua região, tendo em vista que ele apresentou

a queixa de que não tinha lugar para almoçar. E, a segunda, foi a de convidar os profissionais

do CAPS, da região em que ele morava, a fazer atendimento na DPESP juntamente com o

agente da Defensoria que o acompanhava. Ele criou, então, um vínculo com a profissional do

CAPS. E, posteriormente, foi possível fazer a passagem do atendimento da DPESP para o

CAPS.

“O interessante foi que ele começou então a criar vínculo com essa profissional do

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 211

CAPS até o momento em que ele aceitou ir fazer o mesmo atendimento que a gente

fazia na Defensoria lá no CAPS. Falei pra ele é mais fácil pra você, é mais perto, não

precisa vir até aqui e aí, então, eu é que ia pra lá, pro CAPS. Até o momento que eu

fui saindo, e o atendimento ficou só no CAPS” (ADP 02).

O período de atendimento com o profissional de referência da DPESP foi de

aproximadamente quatro meses. O fato de o usuário ter sido encaminhado para o serviço do

CAPS não significa que ele tenha se adaptado plenamente ao atendimento recebido no sistema

de saúde e que não tenha retornado à DPESP. Com uma dinâmica emocional com

característica de oscilações constantes, vez por outra retornava à DPESP, vociferando suas

indignações sobre os diferentes serviços e locais por onde passa. Por outro lado, continuavam

em andamento na Defensoria suas demandas jurídicas e seu vínculo com a instituição, seus

agendamentos na Fazenda Pública, aos quais sempre compareceu.

Quando faltou a um agendamento, e ficou por dois meses sem comparecer à

Ouvidoria, os profissionais da Defensoria fizeram contato com o CAPS em busca de

informações.

“Lá no CAPS, ficamos sabendo. Ele morava numa residência abandonada. Um dia

ele estava muito alterado, muito nervoso, porque o processo dele meio que parou

porque ele não queria abrir a conta no banco, não vinha mais dinheiro, aquilo foi

potencializando o estresse e ele surtou. Arrumou uma confusão na rua e a polícia

acabou levando ele para o hospital psiquiátrico e ficou internado 30 dias” (RDP 7).

“A primeira coisa que ele fez, quando saiu do hospital psiquiátrico, ele veio aqui,

banho tomado, bem trajado, bem medicado, falando bem devagar, ainda enrolava um

pouco, mas assim... a atividade intelectual dele, ele falava bem mais pausado, veio

com um monte de receita de remédio. Ele voltou menos acelerado que era, e falou

quero saber como é que tá o meu processo” (RDP 7).

Durante todo esse período ele não abriu a conta no banco, depois ficou internado,

o processo foi andando e ele juntou oito meses de pagamentos para receber.

“Ele viu que o montante era expressivo, ele resolveu abrir a conta. Mas não foi ao

banco, fez por meio de banco postal, ele foi num correio. Agora, efetivamente, ele

começou a receber” (RDP 7).

Por fim, surge uma alternativa proposta pela Ouvidoria às assistentes sociais do

CAM referente aos possíveis benefícios sociais a serem considerados: a tentativa de inseri-lo

no Programa de Aluguel Social. A única pessoa da família, uma irmã, o recebeu por alguns

dias em sua casa após a internação. Entretanto, a difícil convivência com o cunhado não

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 212

permite a permanência de “Guerreiro” na casa. “Ele é pouco sociável, não aceita ficar em

abrigo, acha que as pessoas vão roubá-lo. Prefere ficar sozinho na rua!” (RDP 7).

Em síntese, o caso de “Guerreiro” contribui para a reflexão sobre a situação

daqueles que sofrem constantemente por ameaças e delírios persecutórios, e que procuram a

Defensoria em busca de defesa. Proporciona a análise da presença de impactos emocionais

relacionados a possíveis situações de violações de direitos, por trás de um discurso

persecutório.

Entende-se que a vivência de impotências e fragilidades de “Guerreiro” foi levada

para dentro da DPESP, de maneira reativa, no desempenho de um senhor valente, guerreiro,

defensivamente onipotente. É possível considerar que os profissionais do sistema de justiça

permaneceram por extenso período identificando-se com a impotência e fragilidade dele,

porém não encontravam estratégias jurídicas (nem alternativas) para o caso. Tal análise não

desconsidera o fato de que os profissionais da área do Direito, tal e qual os agentes da

Defensoria, participavam de rodízio no serviço de triagem, fato que potencializava as

dificuldades de se dar continuidade à busca da compreensão do complexo discurso que

“Guerreiro” trazia.

A partir da situação de desconforto provocada pela insistência de “Guerreiro”, ao

reivindicar (muitas vezes aos gritos) o seu espaço e a oitiva de seu discurso, nessa nova

instituição para o acesso à justiça, a DPESP passou a dar abertura para que os novos saberes

(e não saberes) dos agentes e os oficiais da Defensoria pudessem contribuir para a busca de

compreensão das demandas jurídicas presentes naquela situação de sofrimento emocional.

Entende-se que a estratégia partiu, inicialmente, do desconforto (institucional)

pela consciência de limites de um determinado saber (jurídico) para a compreensão e

resolução satisfatória do caso. Posteriormente, a abertura para que diferentes saberes, para

diferentes atores sociais e para serviços internos e externos da Defensoria possibilitou o

aprofundamento da escuta, o estabelecimento de vínculos de confiança e a construção de

alternativas para o caso, juntamente com a pessoa mais interessada no assunto, o próprio

“Guerreiro”.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 213

A PALAVRA DOS PROFISSIONAIS DO CAM DE TODO O

TERRITÓRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO

8.4 Resultados das entrevistas não presenciais (On-Line)

O material obtido com a realização das entrevistas não presenciais foi organizado

em cinco tópicos com o objetivo de proporcionar a reflexão e discussão sobre as

possibilidades de acesso à justiça via Defensoria, para a demanda de saúde mental, no

território do estado de São Paulo. Demanda de saúde mental entendida nessa fase como a

demanda das pessoas com sofrimento mental ou portadoras de transtornos mentais, com

ênfase maior nas pessoas portadoras de transtornos mentais. Inicialmente, são analisadas as

respostas dos participantes às questões sobre os objetivos do CAM e às atividades realizadas

na regional; na sequência, as atenções se voltam para os usuários do serviço, quando são

abordadas questões relativas aos principais objetivos de busca da DPESP pelos usuários na

regional, e o perfil do público atendido pelo CAM; posteriormente, o foco se dirige para as

principais características das pessoas portadoras de transtornos mentais atendidas pelo CAM,

assim como para os direitos reivindicados por/para elas. Essa etapa de análise se encerra

abordando os procedimentos adotados pelo CAM diante das demandas em pauta e com um

panorama estadual do trabalho do CAM.

8.4.1 Objetivos do CAM e atividades realizadas

Atendimentos e atuação junto à rede

Ao serem analisadas as referências dos profissionais em relação aos objetivos e as

atividades realizadas no CAM na regional, observam-se dois temas que se destacam

consideravelmente: um deles se refere aos atendimentos e o outro à atuação junto à rede de

serviços e às políticas públicas.

Os atendimentos surgem tanto como referências aos objetivos do CAM quanto

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 214

para descreverem as atividades que realizam. Os profissionais enfatizam que o público

atendido chega à DPESP espontaneamente, na maioria das vezes, ou encaminhado por algum

serviço ou órgão público, e que o atendimento pelo CAM é facultativo ao usuário do serviço

da DPESP.

Na perspectiva dos profissionais, os atendimentos caracterizam-se por possibilitar

o acolhimento e escuta das demandas por profissionais que visam identificar as necessidades

que não foram possíveis de serem compreendidas e/ou encaminhadas pelos profissionais da

triagem, estagiários e/ou defensores. Enfatizam que no CAM as pessoas podem se expressar

em atendimentos mais prolongados que aqueles realizados na triagem uma vez que,

geralmente, no serviço de triagem, estagiários e defensores precisam atender elevado número

de pessoas com diferentes demandas. Para os participantes, o diferencial é que o CAM conta

com profissionais capacitados para realizar uma escuta qualificada, pode ser explorada a

situação de cada usuário do serviço; ser aprofundada a busca de identificação de demandas

jurídicas, ou de necessidades de inserção em serviços e em programas de políticas públicas; e,

também, ser analisada situação conflituosa e encaminhada para acordos extrajudiciais.

As referências aos atendimentos surgem com diferentes destaques, com diferentes

formas de expressão, mas com um núcleo comum que é a possibilidade de melhor acolher e

entender demandas, que em um fluxo de atendimento exclusivamente jurídico poderiam não

ser aprofundadamente ouvidas. Essas referências são apresentadas pelos participantes com a

descrição das seguintes atividades: (i) atendimento psicossocial; (ii) atendimento integral; (iii)

atendimento humanizado; (iv) atendimento multidisciplinar; (v) atendimento especializado;

(vi) atendimento interdisciplinar; e (vii) atendimento complementar ao atendimento jurídico.

Nas palavras dos participantes, os objetivos de suas atividades:

“Realizar atendimento psicossocial complementar ao atendimento jurídico” (ADAS

01, Interior).

“Oferecer atendimento integral à população usuária da Defensoria Pública” (ADP

03, Interior).

“Efetivar atendimento integral, humanizado e interdisciplinar aos usuários da

Defensoria” (DP 11, Interior).

Em um segundo tema, as diferentes manifestações dos participantes relativas à

atuação junto à rede de serviços e às diferentes políticas públicas foram agrupadas. Evidencia-

se a importância apresentada aos trabalhos em conjunto com a rede, visando proporcionar um

atendimento integralizado e humanizado aos usuários da Defensoria. Foram constantes as

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 215

alusões aos encaminhamentos de usuários aos diferentes serviços e às políticas públicas de

Saúde e /ou de Assistência Social, a orientação dos usuários sobre tais serviços, e o

fortalecimento do vínculo da Defensoria com a rede de atendimento do município e do estado.

Merecem destaque as reiteradas referências à realização de ações conjuntas com a rede

direcionadas para a Educação em Direitos, com participação dos profissionais do CAM em

eventos, reuniões, fórum, conferências, levando informações e discutindo com profissionais

da rede e com a comunidade em geral, serviços da Defensoria, acesso à justiça e garantias de

direitos.

Dentre as referências aos objetivos do trabalho desenvolvido com a rede de

serviços, o discurso de mapeamento e da articulação com os serviços:

“Articulação com a rede socioassistencial de serviço”s (ADP 05, Capital).

“Promover a constituição e articulação de redes de serviços para a garantia de

acesso à população” (ADP 04, Capital).

“Articulação com a rede de serviços para garantia de acesso dos usuários às políticas

públicas” (ADAS 07, Capital).

“Mapeamento e articulação da rede de serviços por meio de estudos, visitas e

reuniões” (DP 11, Interior).

“Mapeamento e articulação com serviços/políticas públicas” (ADAS 32, Interior).

“Mapeamento de atendimento local” (DP 48, Interior).

“Participação em reuniões e mapeamento da rede socioassistencial dos Municípios”

(DP 58, Região Metropolitana).

Os objetivos do CAM e as atividades desenvolvidas pelos profissionais nas

regionais são apresentados enfatizando atuações que visem à ampliação do acesso à justiça, à

busca de resoluções extrajudiciais, e, à assessoria aos defensores, qualificando tecnicamente a

construção de defesas em casos que foram judicializados:

“Identificação de demandas que transcendam o âmbito jurídico stricto sensu para

amparar decisões de encaminhamentos extrajudiciais para órgãos externos e atuação

extrajudicial de enfrentamento de demandas” (DP 11, Interior).

“Fortalecimento do vínculo entre a Defensoria Pública e a rede de Atendimento do

Município, evitando a fragmentação do atendimento e contribuindo com estratégias

de atividades de composição de conflitos” (DP 12, Interior).

“Fomentar a articulação da rede no que se refere à inserção dos cidadãos nas

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 216

políticas públicas, principalmente, nos casos onde não há viabilidade jurídica para a

propositura de ação” (ADP 25, Região Metropolitana).

“Qualificar tecnicamente a estratégia de defesa criminal” (ADAS 31, Capital).

Em relação, especificamente, às atividades desenvolvidas, uma temática emerge

reiteradamente; o atendimento de pessoas que solicitam a internação de familiares e/ou

dependência química.

“Atendimentos a solicitações de internação compulsória de pessoas com transtorno

mental e/ou uso problemático de substâncias psicoativas” (ADP 16, Interior).

“Atendimento a demandas relacionadas à saúde mental e drogadição” (DP 58,

Região Metropolitana).

“Atendimento de famílias que solicitam a internação forçada de seus entes por uso

abusivo de álcool e/ou outras drogas” (ADAS 18, Interior).

“Principalmente pedidos de internação compulsória decorrente de quadro de

dependência de álcool e outras drogas” (ADP 60, Interior).

“Casos de álcool, drogas e violência doméstica” (DP 42, Interior).

“Auxílio nos processos que tratam de internação psiquiátrica involuntária,

principalmente para a questão de uso de drogas” (DP 51, Interior).

A análise das referências dos profissionais, especificamente para os objetivos dos

trabalhos desenvolvidos nas regionais e atividades realizadas, evidencia a presença de

elementos comuns para as três regiões. Tais parâmetros foram sintetizados em atendimentos e

na articulação com serviços e políticas públicas. A perspectiva extrajudicial se manifesta

predominante, no entanto também se fazem presentes alusões ao trabalho de assessoria

técnica realizada pelos profissionais na elaboração de defesas em casos que foram

judicializados. A articulação com a rede além de ser destacada com exemplos de reuniões e

acompanhamentos conjuntos de casos, inclui projetos de educação em direitos em que são

realizadas orientações e participação em eventos, conferências, simpósios, visando discutir

possibilidades de acesso às políticas públicas, temas associados à saúde, ao direito, à

habitação e/ou à assistência social.

Para encerrar, algumas considerações quanto às referências dos entrevistados e

semelhanças e diferenças na atuação. Os registros aos trabalhos realizados

predominantemente se voltaram para demandas individuais. Somente dois profissionais

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 217

mencionaram, dentre os principais objetivos de suas regionais, a atuação em Tutela Coletiva.

Merece ser ressaltada a presença de menções recorrentes sobre atuação com demandas do

Direito de Família, da Infância e Juventude. Para que se possa refletir sobre possíveis

semelhanças e/ou diferenças na atuação das três regiões do estado, proposta para a presente

etapa do estudo, algumas ponderações se fazem necessárias quanto às temáticas e as

estratégias utilizadas. Destaca-se que se mostram semelhantes, entretanto uma característica

que se observa é a diferença na evidência atribuída aos objetivos e atividades voltadas para o

atendimento observada nas entrevistas dos profissionais do interior, e o discurso

predominantemente direcionado para atuação e articulação com a rede de serviços e políticas

públicas presente nas respostas dos profissionais da Capital.

Outro aspecto observado, referente aos objetivos, foi a ênfase maior dada pelos

profissionais do Interior e da Região Metropolitana na atuação em Conciliação, Mediação,

Composição de Conflitos e/ou Resolução Extrajudicial de conflitos. Observou-se que os

profissionais procedentes dessas regiões se detiveram mais ao abordar o tema, oferecendo

maiores detalhes sobre os objetivos dessas práticas em relação aos da Capital em que somente

um profissional especificou o objetivo de sua atuação como conciliador. Entretanto, ao

descreverem as atividades desenvolvidas nas regionais, tanto no Interior quanto na Capital,

essas referências se fizeram presentes.

8.4.2 Público atendido Pelo CAM e seus objetivos na busca pela DPESP

As características de existência do público atendido

As características do público atendido pelo CAM, mencionadas pelos

profissionais, enfatizaram uma população em situação de vulnerabilidade ou risco social, em

intenso sofrimento, com carência de conhecimentos sobre direitos, ou que tenham vivenciado

a negativa de acesso aos serviços públicos anteriormente. Baixa escolaridade, desemprego e

não obtenção de benefícios previdenciários também foi apontado. Pessoas com baixa renda,

predominantemente mulheres, que residem na periferia, em área não regularizada pela

prefeitura, ou em contextos com culturas violentas.

“Pessoas que tiveram seus direitos violados e que estão percorrendo os serviços

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 218

públicos e não estão sendo atendidas de forma integral em suas necessidades.

Verificamos que essas rotas possuem muitos obstáculos e o acesso a alguns serviços é

dificultoso” (ADP 60, Interior).

“Socialmente vulneráveis, baixa escolaridade, em intenso conflito familiar ou mental”

(DP 55, Interior).

“Pessoas em situação de vulnerabilidade social e psíquica” (ADAS 6, Capital).

“Em extrema vulnerabilidade e/ou em situação de rua” (ADAS 27, Capital).

“Famílias cuja demanda principal é habitação, em diferentes níveis de complexidade:

ocupação ilegal, acolhimento institucional das crianças/adolescentes motivado por

moradia inadequada ou pela falta dela, despejo por não pagamento, etc.” (ADAS 30,

Capital).

Em relação aos objetivos da busca pela DPESP pelos usuários do serviço do

CAM, foram apresentadas temáticas relativas a conflitos familiares, demandas de

investigação de paternidade, regulamentação de direitos de visitas ou regulamentação de

guarda, problemas relacionados à habitação e situações de violência. Predominaram

referências de demandas de Direito de Família. Além disso, dois temas se destacaram

expressivamente e são abordados na sequência: o acesso às políticas públicas (saúde,

assistência social, educação, habitação) e a busca por tratamento e internação de familiares

com transtornos mentais e/ou por uso abusivo de álcool e outras drogas.

Acesso às Políticas Públicas

A busca por acesso às políticas públicas se apresentou reiteradamente com alusões

à saúde, à habitação, à educação e à assistência social:

“Acesso a serviços como habitação, saúde e outros” (ADAS 32, Interior).

“Acessar políticas públicas: saúde, assistência social, educação, habitação, entre

outras” (ADAS 18, Interior).

“Inserção e articulação da rede socioassistencial e de saúde” (ADP 25, Região

Metropolitana).

“Acessar serviços, benefícios e programas preconizados pelas Políticas Públicas”

(ADAS 27, Capital).

“Pessoas em situação de vulnerabilidade social e violação de direitos, que recorrem à

Defensoria para acesso a serviços, programas, equipamentos e benefícios previstos

pelas Políticas Públicas” (ADAS 17, Interior).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 219

A busca por tratamento e internação

Ao se remeterem aos objetivos da busca da DPESP pelos usuários do CAM, os

profissionais incluíram a solicitação de intervenção do estado para resolver os problemas

relacionados com a necessidade de tratamento de familiares, dentre os motivos mais

frequentes. O enfoque recaiu nos casos de pessoas com transtornos mentais e/ou com

dependência química.

A ênfase na busca por tratamento:

“Tratamento médico para pessoas com uso abusivo ou dependência química” (DP 11,

Interior).

“Acesso a tratamento de drogadição” (DP 54, Capital).

“Atendimento de saúde mental para familiares” (ADP 33, Capital).

A ênfase na busca por internação:

“Internação de um/a familiar que possui transtorno mental e/ou em uso problemático

de substâncias psicoativas” (ADP 16, Interior).

“Solicitar internação forçada de seus familiares” (ADAS 18, Interior).

“Solicitação de internação compulsória de familiares com transtorno mental e/ou uso

problemático de álcool e outras drogas” (DP 50, Interior).

“Internação compulsória de parente usuário de drogas”(DP 53, Região

Metropolitana).

“Internação compulsória para dependentes químicos” (ADP 03, Interior).

Pedido de internação “compulsória” de familiares que fazem uso abusivo de drogas

ou que têm transtorno mental (ADP 05, Capital).

Embora tenha sido expressiva a presença da temática de busca por tratamento para

casos de dependência química e/ou de transtornos mentais nas diferentes regiões, observou-se

diferenças na forma de abordagem do tema. Enquanto nas respostas dos profissionais do

Interior e da Região Metropolitana tenha sido recorrente a referência da busca por internações

forçadas e/ou compulsórias, na Capital os profissionais enfatizaram o acesso à saúde, a

procura por tratamento ou acesso a tratamento. No Interior, as referências à busca por

internação compulsória e à procura por tratamento foram mencionadas de forma equiparada.

Na Capital, somente um profissional fez alusão ao termo internação compulsória e destacou a

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 220

palavra (compulsória) entre aspas possivelmente para caracterizar que seria a fala do usuário

do serviço, não a dele. Todos os demais profissionais da Capital ao se referirem ao tema,

mencionaram a busca por tratamento ou a busca por acesso aos serviços de saúde.

8.4.3 Características das pessoas atendidas pelo CAM e os direitos reivindicados

Para iniciar a abordagem dos profissionais sobre o tema de atendimento de

pessoas portadoras de transtornos mentais, primeiro foi perguntado se nas regionais de todos

os participantes havia demanda e realização de atendimento dessas pessoas. Do Total de trinta

e oito participantes, quatro afirmaram que em suas regionais não há essa demanda. Desses

quatro profissionais, dois pertencem à mesma regional. Portanto, de vinte e uma das regionais

participantes, não há atendimento de pessoas portadores de transtornos mentais em três, de

acordo com as informações obtidas, sendo duas regionais do Interior e uma da Capital.

A percepção dos participantes sobre as pessoas portadoras de transtornos mentais

Os resultados daqueles que afirmaram receber a demanda demonstraram que, ao

descreverem as características das pessoas portadoras de transtornos mentais atendidas, são

reiteradas as referências da presença de pensamentos desorganizados e persecutórios, que

dificultam a compreensão da existência (ou não) de demandas jurídicas; vínculos familiares

conflituosos ou rompidos; as condições de vida como moradores em situação de rua; e as

dificuldades de aderirem aos tratamentos, geralmente, por trazerem históricos de internações

forçadas e traumatizantes. Os participantes ressaltam que essas pessoas geralmente chegam

sozinhas ao serviço, relatam histórico de segregação e abandono e possuem baixa (ou

nenhuma) renda.

Referências aos pensamentos persecutórios, conflitos familiares e não aderência a

tratamento:

“Na maioria das vezes encontram-se desorganizados e reivindicam ajuda para

coibirem situação de perseguição (paranoia); reivindicam valores monetários (dano

moral) ou a prisão de alguém. Há também casos relativos ao levantamento de

interdição” (ADP 25, Região Metropolitana).

“Discurso não linear, vínculos familiares rompidos, dificuldade em aderir a propostas

de tratamento, independente da modalidade” (ADAS 08, Região Metropolitana).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 221

A essas características somam-se a falta de rendimentos e o histórico de violações

e de abandono:

“Geralmente apresentam discursos aparentemente persecutórios e fantasias. No

relato há histórico de violações, segregações, abandono, conflitos familiares ou pouco

contato com familiares; não vinculação com a rede de serviços de saúde ou outras

políticas públicas. Falta de renda” (ADP 05, Capital).

“Normalmente as pessoas com transtornos mentais atendidas possuem pensamentos

persecutórios e/ou delirantes, na maior parte das vezes não há demanda judicial

envolvida e geralmente comparecem sozinhos ao atendimento” (ADP 37, Capital).

Referências à condição de morador em situação de rua, aos vínculos com

familiares e com a comunidade frágeis ou rompidos, e a recusa ao encaminhamento para

serviços de saúde:

“É comum estarem em situação de rua ou viverem em ocupações, e terem vínculos

familiares frágeis ou rompidos. Também é comum não fazerem/aceitarem

acompanhamento da saúde mental. A interdição é ainda sugerida por membros da

própria instituição como forma de proteger essas pessoas” (ADP 33, Capital).

“Vínculo frágil ou inexistente com recursos da comunidade e com a família de origem

e/ou extensa; vulnerabilidade social; dificuldade de compreensão da demanda

judicial, quando ela existe; são usuários que geralmente retornam constantemente à

instituição; são pessoas que, em sua maioria, já recorreram a diversos

órgãos/instituições e não são acolhidas; relatam desrespeito por parte de outros

serviços que já os atenderam; entendimento bastante restrito acerca das

possibilidades de atuação dos serviços de saúde, com destaque para os CAPS

(acreditam que o tratamento é apenas medicamentoso); muitas destas pessoas relatam

situações de internação forçada por familiares e, por isso, recusam qualquer

encaminhamento a equipamentos de saúde; algumas revelam grande sofrimento por

não serem ouvidas na sociedade; outra característica importante é que vários

usuários que nos procuram e que têm transtorno mental estão em situação de rua ou

na iminência de ficarem, por conta de conflitos com vizinhos, locatários, familiares ou

mesmo por conta de despejo por falta de pagamento ou outros motivos” (ADAS 07,

Capital).

Históricos de internações, a recusa aos tratamentos e pedido de interdição:

“Pacientes com longo histórico de internações coercitivas e que apresentam recusa a

realização de tratamentos; pessoas que nunca realizaram tratamento, pela recusa

mencionada; pessoas que necessitam de maior suporte familiar, previdenciário, da

assistência social, saúde, educação, habitação; pessoas que possuem dificuldades

para expressar o que desejam” (ADAS 17, Interior).

“Possuem discurso ligeiramente organizado sobre suas necessidades e reivindicam

atenção da instituição para a sua demanda que, muitas vezes, não necessita de

judicialização. Em parcela significativa dos casos se pode identificar violação

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 222

concreta de direitos. É comum que alguns casos definidos como de suposto transtorno

mental para atendimento do CAM tenham, como questão propulsora, o pedido de

interdição por parte de um familiar” (ADAS 18, Interior).

“As pessoas com transtorno mental atendidas nesta unidade possuem demandas

diversas, entre elas destacam-se a interdição e benefícios, além de tratamentos nos

CAPS ou inserção em Serviço Residencial Terapêutico” (ADP 61, Interior).

A percepção da tendência à cronificação dos quadros de transtornos, das práticas

farmacológicas, da baixa autonomia e da banalização da interdição judicial:

“Considerarei o termo portadores de transtornos mentais como pessoas em

sofrimento por transtornos mentais e por uso abusivo de substâncias. Falta de acesso

à política pública integral de saúde, territorializada, promotora de saúde sem foco na

patologização da pessoa, com práticas de redução de danos, manejo e prevenção de

crises/recaídas. Assim, a tendência à cronificação dos quadros em virtude de

tratamentos voltados a práticas médico-centradas ou apenas farmacológicas é uma

das características da população. Outra característica seria a baixa autonomia pela

falta de serviços territorializados e propostas individuais, além das práticas

farmacológicas, também agravadas pela banalização da interdição judicial. A

escassez de recursos também é uma característica saliente pela pobreza, parca oferta

de serviços públicos e estreitamento dos laços e rede social” (ADP 41, Interior).

Direitos negados e reivindicados às pessoas portadoras de transtornos mentais

Após serem abordadas as principais características das pessoas com transtornos

mentais atendidas pelos profissionais, torna-se possível a análise de quais seriam os direitos

reivindicados por e/ou negados para elas. Para os profissionais, é bastante ampla a relação de

direitos violados e/ou reivindicados para esses casos. A ênfase recai na busca por acesso aos

serviços e/ou às políticas públicas, incluindo assistência social (benefícios, moradia,

transporte) e serviços de saúde. Estiveram presentes as questões relativas aos pedidos de

internação e interdição, partindo de familiares de pessoas com transtornos mentais associados

(ou não) à dependência química e solicitações de levantamento de interdição e de mudança de

curador, nos casos em que a busca do serviço é realizada pela própria pessoa com transtornos

mentais.

“Os direitos reivindicados para portadores de transtornos mentais são os mais

diversos possíveis. Podem ser inúmeras as demandas jurídicas trazidas e o trabalho

do CAM é inserir estes usuários na rede de serviços, de maneira que tenham um

atendimento contínuo, se for o caso” (DP 64, Capital).

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 223

“Acesso aos equipamentos que compõem a política pública de saúde; acesso aos

equipamentos e benefícios da política pública da assistência social; respaldo familiar

(para suporte financeiro ou simplesmente para acompanhamento); direito de acesso

ao sistema judiciário, via processo, se for o caso” (ADAS 7, Capital).

“Levantamento de interdição; acesso a tratamento médico e medicamento;

recebimento de benefícios ou de auxílio por parte da família” (DP 11, Interior).

“Serviço de saúde adequado, interdição (curatela), acesso gratuito a tratamento e

medicamento, demandas de Direito de Família para solução de conflitos familiares”

(DP 12, Interior).

“No que concerne ao serviço social, as demandas centrais são o acesso a serviços de

saúde, bem como a atuação processual contra pedidos de interdição movido por

familiares” (ADAS 18, Interior).

“Interdição e medida de segurança. Tratamento em saúde mental. Moradia” (ADP

61, Interior).

“Benefícios do INSS, transportes, tratamento (entendido como internação em

instituição Total)” (ADP 25, RM).

Em algumas situações, os profissionais especificaram os casos em que os direitos

reivindicados partem da própria pessoa portadora de transtorno mental e não do familiar.

Surgiram menções à busca por defesa em situações de delírios; demanda judicial associada à

interdição; queixa de maus tratos; reivindicação do direito de permanecer com seus filhos, e

solicitação de mudanças de curadores.

“Na maioria dos casos, a ideia de direito aparece de forma indireta, em razão dos

delírios que permeiam a vida do cidadão (exemplo: pedido de prisão daqueles que o

perseguem; dano moral por acreditar em uma ameaça imaginária)” (DP 53, Região

Metropolitana).

“Em sua maioria, eles reivindicam direitos ilusórios que estão relacionados aos seus

delírios, solicitam heranças de pessoas famosas, atitudes em relação às pessoas que

os perseguem, entre outras. Quando há demanda judicial, normalmente são pessoas

interditadas que se queixam de seus curadores” (ADP 37, Capital).

“Geralmente gostariam de entrar com ação judicial por se sentirem perseguidos.

Também quando o poder público ameaça ou retira os filhos do convívio familiar”

(ADP 35, Capital).

“Que pessoas ou órgãos deixem de prejudicá-los em seus pedidos; mudança de

curador; relatos de que estão sendo maltratados por familiares ou terceiros” (ADAS

8, Região Metropolitana).

A heterogeneidade da demanda, e a busca da DPESP realizada pela própria pessoa

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 224

ou por familiar da pessoa portadora de transtorno mental, abordada e detalhada por um dos

participantes:

“As pessoas com sofrimento e/ou transtorno mental trazem demandas heterogêneas:

pedidos por ações indenizatórias contra o Estado, familiares ou terceiros, porque as

pessoas se sentem perseguidas, ameaçadas ou humilhadas. Nesses casos, poucas são

medidas judiciais viáveis. As pessoas com transtornos mentais também trazem

questões jurídicas objetivas (divórcio, usucapião, inventário, pensão alimentícia,

acesso às políticas públicas) de modo que o discurso delirante, quando há, em nada

atrapalha a compreensão da demanda. Outras vezes, o conteúdo delirante dificulta a

avaliação sobre a existência ou não de demanda jurídica. Alguns usuários/as

solicitam acesso aos serviços de saúde mental e questionam falta de profissional

médico, as medicações prescritas, ausência de atendimento psicológico individual,

ausência de relatórios médicos que viabilizem o requerimento do BPC (Benefício de

Prestação Continuada) e bilhete especial. Enfim, as pessoas questionam seu projeto

terapêutico singular (ainda que a construção se dê na relação paciente-equipe de

saúde). Os familiares das pessoas com transtornos mentais solicitam internação,

principalmente quando há uso problemático de drogas associado. Muitas vezes não

apresentam solicitação específica para Internação Psiquiátrica em Hospital Geral,

Instituição de Longa Permanência ou Residência Terapêutica. Os familiares buscam

Interdição para fins burocráticos, tais como obtenção de laudo favorável em perícia

do INSS (ainda que regulamentação interna do Órgão indique que a Interdição não é

necessária); para administrar o Benefício/Aposentadoria, ou para viabilizar

internação” (ADAS 27, Capital).

Ênfase nas barreiras de acesso e na demanda reprimida:

“São inúmeros os casos. A triagem da Defensoria Pública atende diariamente mais de

100 pessoas. Os portadores de transtornos mentais chegam ao atendimento com

problemas cotidianos como divórcio, briga com vizinhos, etc. Há casos, também, de

pessoas que procuram a Defensoria Pública com demandas específicas de portadores

de transtornos mentais como levantamento de interdição, mas, em geral, a procura é

feita para os problemas rotineiros da população. Talvez isto ocorra aqui porque

ainda é uma cidade de cultura hospitalar e onde muitos portadores de transtorno

mental estejam presos nos hospitais, o que pode fazer com que haja uma demanda

reprimida” (DP 51, Interior).

“Pessoas com transtorno mental têm as mesmas necessidades de outras pessoas tidas

como normais, têm questões cíveis/ familiares, enfim, pedem divórcio, pleiteiam

alimentos, guarda etc. e às vezes quando são interditadas pedem a reversão disto, o

que na prática é muito difícil”(ADAS 32, Interior).

Em síntese, os temas identificados possibilitam observar ampla gama de

características das pessoas portadoras de transtornos mentais e dos direitos reivindicados por

e/ou para elas. Pessoas com pensamentos delirantes que buscam defesa para poderem ser

protegidas pelo Estado diante das ameaças que vivenciam; carência de rendimentos, maus

tratos e vínculos familiares fragilizados. Por vezes, vivência em situação de rua, com histórico

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 225

de internações coercitivas, de não adesão aos tratamentos, foram características apontadas. Os

direitos reivindicados estão atrelados à definição de quem busca a Defensoria, se é realizada

pela própria pessoa portadora de transtorno ou por seu familiar. Quando a busca parte do

familiar, na maioria das vezes ele solicita acesso a tratamento, interdição, internação e/ou

benefícios. Em casos de busca pela própria pessoa portadora de transtornos, as reclamações

englobam a defesa diante de delírios (ou violações reais) que as ameaçam, requisitam

levantamento de interdição e/ou mudança de curador, demandas de serviços ou de

dificuldades de acesso a esses, reivindicação do direito de permanecer com seus filhos. Não

foram observadas diferenças nas descrições desses temas em relação às regiões de

procedência dos profissionais.

8.4.4 Procedimentos adotados pelo CAM

A análise dos procedimentos adotados pelos profissionais do CAM,

especificamente, para o atendimento das pessoas portadoras de transtornos mentais nas

diferentes regionais do estado, possibilitou identificar muitas semelhanças às atividades

descritas no bloco temático 1: foram enfatizadas as atividades de atendimentos e de

articulação com os serviços e as políticas públicas. Entende-se que tais semelhanças são

coerentes com uma proposta política de inclusão que proporciona às pessoas portadoras de

transtorno possibilidades de compartilharem o ambiente e serviços de escuta qualificada,

assim como de iniciativas para o acesso às diferentes políticas públicas e aos serviços da rede,

da mesma maneira que todos os outros cidadãos que buscam a DPESP.

“Atendemos da mesma forma que atenderíamos qualquer cidadão/ã. Oferecemos o

acolhimento, a escuta qualificada, dando liberdade e tempo para que a pessoa possa

dizer sobre sua demanda e seu sofrimento na condição de sujeito e não objeto,

apostando na construção de vínculo e confiança para que possamos melhor realizar

acordos/encaminhamentos para a situação, na intenção de minimizar o sofrimento

social e psíquico da pessoa em tela. Vale destacar que no atendimento não

confrontamos o discurso da pessoa” (ADAS 20, Região Metropolitana).

Observa-se que a escuta qualificada e o trabalho interdisciplinar visam acolher e

reconhecer a presença de demandas jurídicas (ou não); identificar as trajetórias percorridas

por essas pessoas na busca por acesso aos serviços (e as negativas), programas e políticas

públicas; analisar as possibilidades de encaminhamento e de resolução extrajudicial das

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 226

demandas.

Identifica-se a frequente referência dos profissionais de realizarem atendimentos

com as pessoas portadoras de transtornos mentais e com seus familiares, procurando ampliar a

compreensão das questões trazidas e do contexto familiar no qual estão inseridas; são também

realizadas visitas domiciliares em busca de uma compreensão das condições de existência das

pessoas, da observação das relações com a comunidade e os recursos disponíveis que possam

contribuir para os encaminhamentos possíveis para cada caso.

Atrelado a todo o trabalho de escuta realizado nos atendimentos individuais e/ou

familiares, os profissionais atuam realizando articulação com os diferentes serviços de

assistência social e de saúde, objetivando a inserção das pessoas nos programas e políticas

assistenciais no território onde as pessoas vivem.

“Na maioria dos casos, os familiares desconhecem os serviços ambulatoriais (CAPS

ou unidades de referência). Dessa forma, nossa atuação gira em torno de tentar o

referenciamento dessa família ao serviço mais próximo da residência. Outras vezes as

famílias já tentaram aproximação ao serviço, mas relatam não ter obtido

resolutividade; então nós fazemos contato com o serviço, discutimos a situação para

tentar entender o que já fora realizado e o que ainda pode ser tentado” (ADAS 29,

Capital).

“O CAM pode acessar este público por duas formas distintas: a) por meio da triagem;

b) por meio de Procedimento Administrativo instaurado por defensor público. Na

primeira situação, se busca promover um acolhimento da pessoa e identificação da

demanda, com consequente contato aos familiares e encaminhamento para serviços,

se necessário. No segundo caso, quando há instaurado um prejuízo no direito, após a

leitura dos documentos e entendimento processual da demanda, normalmente a

pessoa é convidada para uma entrevista ou é realizada uma visita domiciliar, com

vistas a levantar elementos que possam colaborar para a restituição do seu direito

violado/cidadania” (ADAS 18, Interior).

Embora as práticas descritas pelos profissionais nas três regiões tenham sido

bastante semelhantes, e seja possível observar reiteradamente a presença de atendimentos

(que visam ampliar o entendimento de cada caso, e acolhimento das pessoas com transtornos

mentais e de seus familiares) e de intervenções junto à rede, a análise das respostas possibilita

algumas considerações: (a) nas três regiões predominaram referências aos atendimentos, à

articulação com a rede, aos trabalhos com familiares; (b) na Capital os profissionais

priorizaram a ênfase nos diálogos que se estabeleceram com outros serviços públicos, na

articulação e nos contatos externos à Defensoria; (c) no Interior as referências aos

atendimentos e aos diálogos internos entre profissionais do CAM e defensores tiveram maior

destaque, e (d) tanto na Capital quanto no Interior, referências às visitas domiciliares se

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 227

fizeram presentes.

“Dentre os procedimentos adotados pelo CAM nesses casos, pode-se mencionar o

encaminhamento ao CAPS, onde poderão ter um acompanhamento contínuo. Além

disso, pode haver elaboração de relatórios pelo CAM, explicando a situação do

usuário, o que auxiliará no encaminhamento da questão jurídica” (DP 64, Capital).

“O CAM busca acolher essas pessoas, compreender a solicitação apresentada na

Defensoria Pública, a existência de demanda jurídica, a reunião de número máximo

de informações sobre esse usuário, que auxilie na concretização das medidas

possíveis pela Defensoria; busca a orientação e aproximação dos familiares; articula

a rede de serviços para oferecimento de todo o suporte necessário a essa população;

discute os casos junto aos defensores públicos, buscando a resolução das situações

jurídicas e demais pontos que envolvam essas pessoas; realiza atendimentos aos

familiares e discussões de caso com os profissionais da rede de serviços, objetivando

articular toda a rede de suporte a essas pessoas” (ADAS 17, Interior).

“Atendimento longo para extrair o maior número de informações possíveis; pactuar a

possibilidade de envolver familiares e serviços de saúde no acompanhamento da

problemática trazida pelo usuário; trabalho de acompanhamento e referenciamento

na rede de saúde, através de reuniões com a rede (serviços de assistência social e

saúde – CRAS/CREAS, UBS e CAPS) e familiares para sensibilização desses na

importância de contribuir para a compreensão da situação do usuário e

sensibilização desses para uma devida análise do que é necessário em termos de

saúde” (ADAS 08, Região Metropolitana).

Há presença de referências dos procedimentos de assessoria técnica para a

elaboração de defesa:

“Encaminhamento e articulação com a Rede de Atendimento, atendimento com grupo

familiar, atuação como assistente técnico em processos judiciais e suporte ao

atendimento jurídico” (DP 12, Interior).

“Escuta privativa e interdisciplinar da pessoa com deficiência mental; escuta

privativa e interdisciplinar dos familiares, caso existam; diligência perante a rede

para saber se há prontuário ou histórico de atendimento; discussão do caso com o

defensor público natural a fim de validar eventuais encaminhamentos ou propositura

de ações judiciais” (DP 11, Interior).

“Atendimento ao usuário. Contato e articulação da rede, se possível com técnico de

referência. Estudo dos autos e discussão de caso com defensor responsável” (ADP 61,

Interior).

Há também menções a procedimento em que a presença do profissional do CAM

se faz necessária para intermediar o atendimento, e procedimento em que o defensor não

identifica essa necessidade:

“Caso haja alguma dificuldade de entendimento da demanda jurídica trazida por

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 228

conta de dificuldade de comunicação, a psicóloga do CAM é chamada para

intermediar o atendimento. Porém, nem sempre isto é necessário. Caso o atendimento

seja para um caso de levantamento de interdição, divergência de entendimento com o

curador, etc., provavelmente, o caso será encaminhado ao CAM para

acompanhamento, porém isto não ocorrerá necessariamente somente porque se trata

de um portador de transtorno mental. Caso ele compareça para uma orientação

jurídica comum e consiga ser orientado a contento, o CAM pode nem ser acionado”

(DP 51, Interior).

A descrição dos procedimentos desde o acolhimento inicial à adesão ao

tratamento:

“Escuta do cidadão para compreensão da demanda; levantamento de possíveis

familiares para dar atenção ao caso; articulação da Rede de Saúde Mental para

acompanhamento conjunto; suporte a ações judiciais quando existentes; atendimentos

individuais, encaminhamento para o serviço público adequado e verificação, até que

se perceba que o cidadão aderiu ao serviço adequado, como o CAPS ou CAPS-Ad,

por exemplo” (DP 53, Região Metropolitana).

Por fim destacam-se a relevância no trabalho de orientação sobre a política de

saúde mental, as internações de longa permanência, os impactos da interdição e orientação

sobre possibilidade de levantamento de interdição:

“Acolhimento e Escuta qualificada; orientação sobre acesso aos direitos sociais e

exercício da cidadania; articulação com os serviços preconizados pelas Políticas

Públicas, especialmente CAPS, a fim de garantir o acompanhamento em saúde

mental; esclarecimentos sobre a Política de Saúde Mental e Histórico da Reforma

Psiquiátrica, diante de pedidos por internação de longa permanência; diálogo com

Defensor/a quando eles indicam curador/representante (interdição) temendo

comportamento inesperado do usuário em Audiência Judicial. Conversamos com o

Defensor sobre os direitos das pessoas com transtorno mental, estigma e preconceito.

Orientação aos familiares e usuários sobre interdição, sua ineficácia em muitas

situações, o significado simbólico que ela carrega (marca o sujeito como incapaz e

dependente). Também orientamos sobre a possibilidade de levantamento de

interdição”(ADAS 27, Capital).

8.4.5 Um Panorama Estadual

O estudo do acesso à justiça com interesse específico na área de saúde mental, no

estado de São Paulo, partiu de uma inquietação em busca de elementos que permitissem

refletir sobre a atuação para a garantia de direitos às pessoas portadoras de transtornos

mentais, historicamente excluídas da sociedade, naquele que é o estado responsável por mais

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 229

de 31% do PIB nacional, com Índice de Desenvolvimento Humano elevado, e de máquina de

governo mais bem aparelhada burocraticamente e com a maior população do Brasil.

A análise da participação da Defensoria Pública nesse cenário apresenta

elementos considerados relevantes por contar com uma distribuição que abrange 24 regionais

em todo o estado. Os resultados das entrevistas evidenciaram a implantação de um serviço

que passou por adaptações conforme as características locais e de formação das equipes, que

não aconteceram de forma homogênea nas três regiões do estado (Capital, Região

Metropolitana, Interior), em decorrência do número de profissionais contratados em cada

especialidade. Somam-se a essas características, as maiores facilidades e/ou dificuldades de

interação da equipe; as características de participação de diferentes órgãos e de serviços

públicos nos trabalhos realizados junto à Defensoria naquela localidade; dos serviços no local;

da disponibilidade (ou não) dos gestores de serviços públicos para realização de articulações

dos trabalhos naquela região; da participação (ou não) da sociedade civil e de movimentos

sociais na rotina das regionais, e características das demandas locais.

Entretanto, apesar da diversidade de fatores que envolvem o estudo sobre o CAM

em todo o território abrangido pela Defensoria no estado, ficou evidente a presença de um

discurso bastante coerente nas três regiões (Capital, Região Metropolitana, Interior) em

relação aos objetivos e as atividades desenvolvidas, assim como a percepção dos profissionais

sobre a demanda de saúde mental presentes em suas regionais.

Quanto à formação das equipes, a maior concentração de equipe completa (que

conta com Defensor Público, Agente de Defensoria Psicólogo e Agente de Defensoria

Assistente Social) ocorreu na Capital. Na prática, a aproximação maior ocorreu entre

psicólogos e assistentes sociais, tendo em vista que a coordenação do CAM é uma das

atribuições do defensor público, não é uma dedicação exclusiva como a dos agentes da

defensoria.

A possibilidade de uma interação maior entre as áreas dos agentes não aconteceu

no Interior e na Região Metropolitana, em que prevaleceu a presença de defensores públicos e

agentes de defensoria psicólogos, na maioria das regionais. Entende-se que essa característica

influenciou a maneira como cada regional acabou por estabelecer suas atividades. A formação

dos assistentes sociais com ênfase em conhecimentos sobre políticas públicas e interação com

a rede parece ter tido grande influência nos trabalhos na Capital. Por outro lado, o fato do

psicólogo, no interior, não ter a possibilidade de interagir com o agente assistente social

rotineiramente parece ter influenciado no estabelecimento de relações mais próximas com o

trabalho de defensores, proximidade essa que se configurou de maneira diferente de acordo

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 230

com as características pessoais de cada equipe.

O que os resultados das entrevistas indicaram foi um discurso de profissionais da

Capital mais voltado para a atuação junto à rede de serviços e políticas públicas, e no interior

e região metropolitana com destaque em atendimentos. Também no Interior e na Região

Metropolitana foram mencionados mais detalhadamente dentre os principais objetivos de

atuação: conciliação, mediação e acordos extrajudiciais. Entretanto, na Capital, estiveram

presentes tais referências quando foram descritas as atividades desenvolvidas. Ou seja, fazem

parte das atividades desenvolvidas, mas não foram selecionadas como sendo objetivos

principais para esses profissionais.

Deve ser ressaltado, que mesmo no Interior e na Região Metropolitana os

profissionais atuam na articulação com a rede de serviços e políticas públicas, mesmo com

equipes com menor número de profissionais. Em algumas regionais, por maior participação

da sociedade civil nos trabalhos da Defensoria ou por maior identificação do profissional do

CAM com a inserção nos trabalhos com a rede, tais relatos estiveram presentes.

Em relação aos trabalhos que estão sendo desenvolvidos para pessoas portadoras

de transtornos mentais, foi enfatizada a escuta qualificada nos atendimentos para a

compreensão das demandas; a identificação de demandas jurídicas ou de necessidades de

inserção em serviços da rede; visitas domiciliares; contatos com familiares e com a

comunidade mais próxima; estabelecimento de contatos com profissionais da rede para a

inserção das pessoas em programas e em serviços públicos; orientação sobre direitos;

esclarecimentos sobre as políticas de saúde mental e os tipos de encaminhamentos possíveis.

E, também, assessoria técnica aos defensores na elaboração de defesa nos casos

judicializados. Ressalta-se que dentre os direitos que são reivindicados para essa demanda

estão solicitações de acesso aos serviços da rede; de internações, de interdição e de

levantamento de interdição.

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Resultados das entrevistas com os profissionais da DPESP 231

A voz dos representantes da DPESP e de movimento social...

Eu acho que o movimento tem que continuar cobrando.

Não, não pode desistir não.

Lutamos tanto pra ter essa Defensoria.

E, ainda, com todos os problemas ainda é o órgão mais democrático que tem nesse

país. É o mais democrático!

(representante de movimento social)

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9 CAPÍTULO 7

RESULTADOS DAS ENTREVISTAS COM

REPRESENTANTES DA DPESP E DE

MOVIMENTO SOCIAL

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 233

A VOZ DOS REPRESENTANTES

A etapa exploratória do presente estudo foi de fundamental importância. O

processo dessa etapa foi se estabelecendo como um grande mosaico em que cada peça

(entrevistado) contribuía significativamente para a ampliação do entendimento sobre a

Instituição, sua história desde o Movimento por sua criação, os desafios iniciais e as

superações. E, ainda, sobre as barreiras do acesso à Justiça, o espaço que foi se estabelecendo

para a atuação em temas relativos à saúde mental, a identificação das principais características

das pessoas com demandas mais específicas, envolvendo sofrimento mental, e as possíveis

portas de acesso, para que essas demandas fossem acolhidas pela instituição.

O material coletado foi de significativa amplitude, de maneira que a tarefa de

tratamento dos dados tornou-se instigante. Foram diversas as vozes, variados os olhares e

perspectivas institucionais. Entrevistas extensas, com pessoas que possuem significativos

conhecimentos em suas áreas e que abordaram aprofundadamente seus relatos. A considerar o

impacto que ficou a partir da realização dessas entrevistas exploratórias, foi possível

reconhecer que a pesquisadora estava diante de uma instituição bastante diferenciada pela

possibilidade de acesso às informações e aos diferentes espaços institucionais. Tal impacto

também foi observado diante da sensibilidade e da análise crítica dos profissionais

selecionados para discorrerem sobre a temática de saúde mental.

9.1 A Implantação da DPESP e a participação dos Movimentos Sociais: da

luta pela implantação aos dias atuais

9.1.1 A implantação da DPESP

A inserção da temática da implantação da DPESP teve como objetivo a

compreensão do processo de luta pela implantação, dos diferentes atores envolvidos, da

repercussão dos princípios e ideais iniciais, nas políticas que foram se estabelecendo no

decorrer dos trabalhos pós-implantação, e a observação de possíveis portas de acesso para

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 234

pessoas com sofrimento mental (e/ou barreiras de acesso) para posterior análise dos recursos

disponíveis para a efetivação dos direitos dessa demanda.

As temáticas que emergiram foram abrangentes: referências à participação no

processo da Constituinte e luta pela inserção da Defensoria Pública na Constituição de 1988; a

relevância do tema da busca por defesa diante das violências vividas pela população em todo

processo de mobilização pela defensoria; os diferentes interesses e atores durante o processo

de luta pela DPESP com destaque para o posicionamento da OAB, da Procuradoria Geral do

Estado e do Sindicato dos Procuradores; a elaboração do projeto da DPESP, áreas de atuação,

critérios, e inserção de Núcleos Especializados.

9.1.2 A luta pela Inserção da Defensoria Pública na Constituição De 1988

A mobilização social, por necessidade de luta pelo direito à ampla defesa

decorrente de diferentes tipos de violência vividos pela população, o processo da Constituinte,

e a inserção da Defensoria na Constituição de 1988, foram aspectos referenciados pelos

participantes para o início da abordagem sobre a implantação da Defensoria Pública:

“Eu sou velha, então eu já vivi muita coisa. Sou militante política, não sou de partido,

mas já fui, e sempre me preocupou a injustiça aqui no país, então, estou sempre

discutindo o acesso à justiça também por conta disso. E quando eu participei do

processo Constituinte, naquela participação popular eu estava lá reivindicando

direitos. Um dos direitos que nós reivindicamos naquela época foi o direito à ampla

defesa, e o direito à ampla defesa que está lá no artigo quinto da Constituição exige

que tenha sempre um advogado, que você sempre tenha um advogado. O advogado é

um profissional que cobra muito caro pra população. Então, como é que a população

tem acesso? Via Defensoria Pública. Então foi criado esse direito lá na Constituição”

(RMS).

A temática da violência e a mobilização para a criação da Defensoria Pública:

“Então nós falamos, nós vamos acompanhar tudo, todos os direitos que nós temos.

Nós fomos pra Brasília não sei quantas vezes, discutir. Nessa época, a gente precisava

urgentemente desse direito de ampla defesa, por muitas razões, inúmeras. Quem

batalhou muito por isso e levantava sempre essa questão era o pessoal que trabalhava

com os adolescentes, o adolescente é morto aqui ou prende ou mata ou leva não sei

aonde. Não tem nem advogado, a família é sempre pobre. Eu sou feminista, sou do

movimento de mulheres e as mulheres nunca tiveram, como mães elas não têm acesso

à justiça e como mulheres também, que são alvo de violência, aí então nós vimos que

a questão era discutir essa Defensoria Pública” (RMS).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 235

9.1.3 Os diferentes atores sociais e suas posições diante da implantação da DPESP

As referências à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à Procuradoria Geral

do Estado no processo de luta pela implantação da DPESP:

“Foi muito bom porque a gente mobilizou vários segmentos da sociedade, e a OAB foi

a grande instituição contrária à criação da Defensoria Pública. Ela era radicalmente

contrária por interesses corporativistas, não tem nenhuma explicação, nenhuma

lógica. Por sinal, hoje tem a Defensoria Pública e grande parte do orçamento da

Defensoria vai pra OAB. Por isso que ela permitiu, porque ela não perdeu nada, pelo

contrário, ela ganhou. Mas esse é o final da história, hoje é isso. Mas nós discutimos

muito com a OAB sobre a importância da Defensoria Pública e foi muito bom pra

gente fazer a discussão, assim política, do acesso à justiça, mas não conseguimos

nada. Mas a gente fazia, tinha campanha pra criação da Defensoria Pública, nós

fizemos isso quase que isoladamente, porque era assim, a Procuradoria Geral do

Estado tinha um serviço de assistência judiciária que era chamada PAJ, a

Procuradoria de Assistência Judiciária. Pra Procuradoria já tava resolvido, São

Paulo já tinha a Defensoria, que era a PAJ, que era até um órgão, do meu ponto de

vista, é antiético, porque ao mesmo tempo em que você tá defendendo essa parte você

tá defendendo a outra, no mesmo órgão. Você defende o Estado e defende a

população. A população, praticamente, é a maior vítima. O maior agressor, autor de

crimes contra a população é o Estado. Então, quer dizer, um procurador defende o

Estado e o outro procurador defende o pobre? A gente queria um órgão público com

essa finalidade, defender a população necessitada, que é o que está na lei. Aí nós

juntamos com o Sindicato dos Procuradores, porque tinha um grupo de procuradores

que eram a favor da criação da Defensoria Pública do Estado. Aliás, uma vergonha.

Um estado rico, o estado mais rico da nação, foi um dos últimos a criar a Defensoria,

foi uma luta imensa, a gente tinha que vir na ALESP, juntar o povo todo, fazer

reunião, fazer porta a porta nesses deputados, eles nem sabiam o que é que era

Defensoria, nem distinguem Defensoria de Procuradoria, de Ministério Público! Eles

nem fazem distinção. E nós ali...” (RMS).

A importância do Sindicato dos Procuradores na luta pela implantação da DPESP

e a elaboração do projeto de Defensoria:

“Fizemos muito movimento pra criação junto com o Sindicato dos Procuradores. Eles

eram procuradores e defendiam a Defensoria. Ali no sindicato que nós conseguimos

elaborar o projeto de lei pra criação da Defensoria com as nossas propostas. Nossas

propostas eram basicamente as seguintes: a Defensoria tinha que atender, a gente

queria que atendesse mais do que atende porque a gente queria que atendesse também

na área do trabalho, porque o que o pessoal passa humilhação, sofre por violação de

direitos na área do trabalho, não tá escrito. E aí você tem que ter um advogado

particular ou então sindicato, que é aquela confusão. E não tem na Defensoria, ela

não atende previdência que é da Defensoria da União, a legislação trabalhista, assim,

eles não atendem. Mas atende família, atende criminal, e mais alguma outra coisa aí,

área civil e tal. Isso é o trabalho da Defensoria, isso eles falaram que tinha que ser

assim porque tinha que ser, nunca entendi porque que tinha que ser, mas nós falamos

tudo bem, se atender isso bem já tá bom. Porque crime tem que defender, porque a

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 236

gente volta e meia tá sendo criminalizado, nos movimentos sociais, toda hora a gente

tem que se defender, família porque família é uma confusão só! Cruz e credo! Civil

tem aí, questão de habitação, tem questão de danos morais, que é na área civil, então

tem que ter. Nós aceitamos desse jeito, e como que seria: atendimento individual, teria

que ter os critérios, que eu acho um absurdo, mas também, se não tem critério vai

uma pessoa do Morumbi ser atendida e os outros não. Foi discutido também a

questão de como ela seria estruturada pra atender bem. Ela teria um atendimento,

teria Núcleos Especializados pra atender a população conforme suas necessidades e

esses núcleos teriam uma função de articular com a sociedade pra ver o melhor

atendimento, fazer um trabalho de preparação, de sensibilização e capacitação dos

próprios defensores pra que atendessem bem dentro dessa área. Aí que entram os

portadores, as pessoas deficientes, que entram mulheres, entram gays, lésbicas,

travestis, a questão racial, a questão da população carcerária. Eles fizeram um

Núcleo de Habitação também, porque em São Paulo a moradia é um problema

gravíssimo. Muita violação de direitos nessa área, e foi fazendo assim, foi discutindo e

tal. Eu tô falando a discussão teórica, em tese” (RMS).

9.1.4 A relevância da participação dos movimentos sociais na luta pela implantação da

DPESP

A abordagem do tema sobre a participação dos Movimentos Sociais foi discutida

com diferentes enfoques: as características da presença de movimentos sociais em diferentes

períodos, desde a luta pela implantação aos dias atuais; os diferentes espaços institucionais

previstos para a participação social desde a elaboração do projeto; a análise crítica da

participação atual dos movimentos sociais nesses espaços; a idealização de um serviço de

justiça que estabelecesse diálogo com os cidadãos; e a valorização da escuta e da

democratização no Sistema de Justiça.

“Quando a Defensoria precisou mais dos movimentos sociais foi nos primeiros

tempos. Ela precisava até pra conseguir a aprovação da lei, pra conseguir se impor

como um órgão público, a ter uma carreira de remuneração. Isso aí implica muito e

tal, uma carreira e remuneração equivalente ao Ministério Público, porque nós

falamos, quem atende pobre tem que ter o mesmo status que quem defende a

sociedade, defende o Estado e tudo mais, tem que ser igual. Isso aí foi tudo defesa do

movimento social. Então, quer dizer que houve tempos em que eles precisavam mais

do movimento social. Hoje eles não precisam. Hoje eles são. Hoje a Defensoria é

consolidada, eles estão com um salário muito bom que eles conseguiram” (RMS).

“Eles precisavam dessa representação e nós criamos o movimento, nós queríamos a

Defensoria. Talvez seja a organização que teve nos momentos de pré-criação a maior

participação popular do Brasil. Primeiro porque em São Paulo qualquer coisa dá. Se

você chamar 20 movimentos, você chama fácil. Se você for lá numa cidadezinha,

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 237

talvez você não tenha nem 2 movimentos. Aqui tem 20, 30, 40, 50. Principalmente pra

uma Defensoria Pública que é pra tratar da área criminal e da área de família, só

isso aqui em São Paulo, nessa redondeza, são 20 milhões de habitantes praticamente.

Nós vivemos num estado criminalizador, quantas pessoas estão criminalizadas por

algum motivo. Se você falar pras mulheres, manda a sua mãe lá, minha filha, porque

olha tem que ter uma Defensoria, você tem que ter um atendimento de advogado. Vou

mandar! Você vai lá nos homens, então, manda a namorada, manda não sei quem...

Vai! Entendeu? Acho o seguinte, não é nem mérito do movimento falar olha

movimento social maravilhoso!! Nem da Defensoria. O mérito é da necessidade que

você tem que dar. A necessidade é tão grande, existe uma população organizada.

Então você canaliza a sua força pra aquele movimento ali pra que possa acontecer

essa Defensoria. Então vamos todos pra lá. Entendeu? Que hoje já não tem mais

esses movimentos em torno da Defensoria” (RMS).

9.1.5 A valorização de um Modelo de Serviço de Justiça que fosse Democrático e

aproximasse o Cidadão do Servidor Público

A construção de um modelo de serviço de justiça que dialogue com o cidadão:

“Até fazendo um resgate de nascedouro normativo, a partir da Constituição de 1988

todos os estados passam a ter a previsão de contar com a Defensoria Pública para

garantir o acesso à justiça àqueles que não têm condições de contratar um advogado

particular, sem prejuízo do seu sustento ou do sustento de sua família. Nesse cenário

me chama especialmente atenção o fato de São Paulo ter sido um dos últimos estados

a implementar essa Defensoria. Isso se dá, na minha leitura, por uma série de fatores

políticos colocados no cenário geral do estado de São Paulo e que só conseguem ser

superados quando há uma grande mobilização com a criação do Movimento pela

Defensoria Pública, que congrega mais de 400 entidades mobilizadas pela criação

desse órgão que seria garantidor do acesso à justiça daqueles que mais precisam

dela. Esse Movimento, quando se organiza pra buscar a criação de uma nova

instituição de justiça, também decide que essa instituição não pode, sob o prejuízo de

não fazer sentido, de não alcançar os seus objetivos. Essa instituição não pode seguir

o modelo de outras instituições de justiça que já estavam postas. Não pode seguir

modelo da Magistratura, do Ministério Público, e mesmo da Procuradoria, que é

aquela instituição de justiça que não dialoga com o destinatário do serviço, que faz do

cidadão um objeto da prestação da justiça e não o sujeito dela. O Movimento pela

Criação de Defensoria mais que reivindica, ele se torna um sujeito dessa construção à

medida que ele desenha qual é o modelo de instituição. O sindicato dos procuradores,

à época, teve um papel muito importante na normatização dessa vontade e, juntos com

esse Movimento todo, construiu um anteprojeto de lei que deu a origem à Defensoria

Pública” (RDP 2).

A retomada do papel de Servidor Público, a valorização da escuta e da

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 238

democratização no Sistema de Justiça:

“Então o que se busca, na verdade, é recolocar o operador público do direito na

condição de servidor público, daquele que tem que servir ao público, e que nessa

perspectiva tem que dialogar com o destinatário do seu serviço. É o que eu sempre

brinco que o promotor, o juiz, o defensor, o advogado, é aquele sujeito que usa uma

roupa que ninguém usa, que fala uma língua que ninguém entende, e que segue

procedimentos absolutamente misteriosos para a população. Como é que isso pode

ser servir ao público? O que é que está se forjando com o encastelamento tão

vangloriado? Ao invés disso ser historicamente questionado, isso foi historicamente

valorizado pelas carreiras jurídicas. O que na minha leitura se busca com essa

democratização é ter um contraponto a esse encastelamento, com mecanismos que

garantam o diálogo, que haja mecanismos de abertura para escuta como a Ouvidoria,

o Ciclo de Conferências, e que ela reverbere na instituição como Plano de Atuação,

que resulta do Ciclo de Conferências. Ou seja, você tem a escuta como um primeiro

passo de um diálogo que precisa ser refletido numa resposta institucional, isso é

revolucionário, a gente conseguir fazer com que isso, de fato, se torne uma

sistemática efetiva. A gente tem aí um passo histórico” (RDP 2).

O papel dos Movimentos Sociais e a cidadania em pauta na construção do projeto

de Defensoria:

“Eles (movimentos sociais) foram sujeitos dessa construção. Havia de fato um

acúmulo em torno do exercício da cidadania, que já havia avançado nas esferas do

poder do Executivo e do Legislativo. Se você conversa com um líder comunitário, se

você conversa com um coordenador de uma organização não governamental, seja de

organizações formais ou informais, ou de movimentos de base, eles já sabem como

vão acionar a sua prefeitura, o estado e até mesmo o governo federal. A mesma coisa,

eles sabem dialogar com o seu vereador, é uma coisa que faz parte do dia a dia. E

esse Movimento olhava para o Sistema de Justiça, bom essa é outra esfera do poder e

cadê o diálogo? Onde é que isso fica? Então, na minha perspectiva, havia a

expectativa concretizada no projeto de lei, de que a cidadania constasse também na

relação com o Sistema de Justiça. E à medida que você tem a elaboração desse

patamar crítico e a concretização disso em mecanismos institucionalizados no projeto

de lei, você passa a ter um avanço de qualidade democrática muito importante. Então,

por exemplo, quando vem a ideia de trazer pra Defensoria uma Ouvidoria Externa

como a gente já vivenciava na ouvidoria de polícia desde a década de 1980, quando a

gente vem ao Ciclo de Conferências, que era uma realidade que vinha ganhando

força sobretudo na esfera federal. Ou seja, na verdade é um movimento que traz pra

dentro da Defensoria experiências democratizantes vividas em outros poderes. É a

primeira vez que isso acontece dentro de um Sistema de Justiça, mas como reflexo da

experiência vivida no exercício da cidadania em outras esferas” (RDP 2).

9.1.6 A previsão de espaços para a participação da Sociedade Civil na DPESP e a

ocupação desses espaços pelos Movimentos Sociais

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 239

Os espaços previstos para a participação da sociedade civil na DPESP: o

Momento Aberto no Conselho Superior, as Conferências Públicas e a Ouvidoria. A presença

de diferentes espaços possibilita que cada movimento social com as suas temáticas específicas

possa ocupar o espaço que considere mais apropriado a sua causa.

“Tem os caminhos dentro desse projeto pra participação, pra essa cobrança. Tem

tudo que nós que fizemos. Mas não funciona. Funciona muito mal. Aquela

conferência, eles querem engessar cada vez mais a Defensoria, querem limitar a

discussão, limitar reivindicação, eu falei, eu não vou mais em conferência. Tô muito

velha pra ficar tendo essa manipulação, as meninas mais jovens vão, e quando há

alguma manifestação mais radical contra a Defensoria, a resposta deles é que tem

gente manipulando essas radicais, querendo desqualificar as radicais. Eu falei isso

pra eles. Eu não aceito a desqualificação do movimento porque vocês não concordam.

Fala que não concordam porque vocês estão dentro de um estado limitado mesmo,

vocês são funcionários desse estado, vocês não têm liberdade mesmo e nem querem

ter também, vocês estão bem assim, tudo bem. E o trâmite interno ainda está na mão

deles porque o único órgão que não está na mão deles é a Ouvidoria, que eles estão

querendo passar pra mão deles, o que é uma safadeza, um golpe, ai gente, nossa! Que

vergonha! A Ouvidoria é o único órgão pra ouvir a população e encaminhar o que

ouviu, discutir com a população e essa foi a nossa proposta. Agora eles querem pôr

um defensor lá. Ele já vai reduzir a sua fala, que é isso que eles fazem. Tem uma

instância, isso tudo foi dentro da estrutura que nós fizemos. Uma instância seria o

Conselho Superior que tem reuniões semanais e que teria um Momento Aberto para a

população, isso é uma coisa inteiramente nova em termos de órgão público. Ninguém

abre pra população assistida, o que devia ser. Porque o princípio da transparência

exige que tudo seja aberto, mas não é. Agora, eles fizeram isso e eu acho que a gente

conseguiu muita coisa, nós do movimento social. Havia um bom diálogo entre nós e

eles, que foi se afastando. Eles mais voltados pra corporação mesmo, pros direitos

deles e nós mais insatisfeitos nas nossas reivindicações, no nosso atendimento. Então

existe hoje uma dificuldade” (RMS).

Os Núcleos Especializados foram enfatizados, também, como espaços de

participação social. Entretanto, o Momento Aberto do Conselho Superior surge como a opção

do Movimento de origem da representante que participou do presente estudo.

“Esses movimentos devem ter nos Núcleos. Acho que dentro do Núcleo deve ter

participação. E talvez, onde tenha menos participação seja no NUDEM porque nosso

grupo resolveu participar do Momento Aberto e não do núcleo. Nós queremos que

todos os núcleos funcionem, nós vamos levar as reivindicações do nosso, mas nós

queremos que tudo funcione, né? Acho que nós somos o único movimento social que

vai no Momento Aberto do Conselho Superior. E o Momento Aberto é para todo

mundo, não é só o nosso” (RMS).

Os temas presentes e a análise crítica sobre a atual participação dos movimentos

sociais na DPESP:

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 240

“Na Defensoria o que o movimento das mulheres tem levantado é a violência, que é a

questão mais forte do movimento. O movimento dos deficientes, esse é mais fácil pra

eles controlarem, em agradarem eles. Ainda mais se é deficiente mental, é fácil,

mulher não é fácil. Isso que eu falo com eles, nosso movimento é ideológico, nosso

movimento é autônomo, vocês não vão enrolar como vocês enrolam os autistas, os

deficientes, esses aí é fácil, é só passar a mão na cabeça, fica todo mundo feliz. Eu já

vi assim que, por exemplo, quando nós vamos lá e eles ficam sabendo, eles chamam o

pessoal dos deficientes ou de algum outro lá pra ir lá defender eles, nossa, eu quero

agradecer muito ao Dr. fulano pelo que ele tem feito pelo meu filho. Eu não vou lá

agradecer doutor nenhum porque eles estão lá pra isso, primeiro porque eles são

pagos pra isso, não tem que agradecer. Segundo que não é uma questão individual, eu

tô lutando por outros. Meu movimento não é uma questão pessoal, é uma questão

política, uma questão ideológica. O nosso movimento não é cooptável. Os outros são

fáceis de cooptar. O movimento de habitação bota nome na fila, um dia vai conseguir

uma casa. Se você coopta... é bom ter esse movimento porque a hora que eles

precisarem, mas se precisar de povo, esse povo vem, fala. Se bem que agora eles não

estão precisando muito não. Não tem relacionamento, é muito desigual, todo

relacionamento entre o defensor e da estrutura da Defensoria com o povo é desigual.

Por que eles são um baita de um poder e o povo tem poder? Qual? Aonde? Não tem.

É desigual. Eu parto dessa premissa, nem tô pretendendo ser igual, enquanto

movimento ser igual à Defensoria, não, sou só um movimento, movimento é frágil, é

vulnerável, é disperso, uma hora pode, outra hora não pode. Movimento é, ainda

mais no Brasil. Historicamente nós sofremos desse vai e volta” (RMS).

9.1.7 O esvaziamento dos movimentos sociais na DPESP

Ao analisarem os diferentes momentos da Instituição os entrevistados foram

observando as diferenças da participação social em cada uma das fases desse período: de uma

participação mais intensa, no início, a uma percepção de esvaziamento de determinados

grupos historicamente mais presentes.

As referências sobre o esvaziamento dos movimentos sociais na DPESP:

“É até natural que tenha um esvaziamento, né? Depois que cria o serviço, que o

serviço ganha corpo, ganha sua própria dinâmica, é natural que ele não necessite o

tempo todo do movimento. Então nós vamos ter um afastamento. Eu ainda vejo hoje

que o movimento tem dificuldade em denunciar. Em cobrar, não é denunciar. Jamais

nós vamos denunciar a Defensoria, que nós que lutamos pra que ela fosse criada! Nós

somos sempre a favor, a gente vê muita gente contra a Defensoria por puro

reacionarismo, porque é ultradireita mesmo. Eu já vi gente aqui, que nem na OAB até

hoje, sabe aquelas coisas horríveis, mas então não, com isso aí a gente não vai fazer

coro, não com esse pessoal! Mas por outro lado, tem gente que fala não, eu não vou

brigar com a Defensoria. Muita gente fala isso, porque é a Defensoria, nós lutamos

por ela. Mas nós temos que cobrar” (RMS).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 241

“Eu não posso dizer que esse esvaziamento, que ele é equânime, em todas as áreas e

em todos os pontos do estado. A Conferência está aberta pra todos os sujeitos, e todos

aqueles com quem a unidade da Defensoria tem contato, um diálogo, são chamados a

estar presentes. Você nota um esvaziamento de movimentos sociais do terceiro para o

quarto ciclo significativo. Você ainda consegue ter unidades que mantêm ou avançam

na qualidade do diálogo com a sociedade civil. Se a gente pensar a de 2007, a

Defensoria é de 2006, era uma coisa ainda muito pequena. E era uma simbiose ainda

muito profunda. Você tinha os movimentos sociais na Defensoria, realmente, muito

unidos. O de 2009 começa a ter uma estrutura um pouco maior, e a partir de 2011 é

que eu tenho mais condições de dizer mais concretamente. Então, me chama muito a

atenção o fato da gente ter pré-conferências aqui na Capital com quatro pessoas. A

gente tem unidades do interior que não têm quase ninguém de sociedade civil, você

tem muito mais representação de Conselhos de Direitos, Servidores Municipais, não é

sociedade civil strictu sensu, você não tem ali a representação que se desejaria. Outro

fator que me chama a atenção é o esvaziamento de alguns grupos de trabalho, dois

eixos centrais, que historicamente foram muito próximos da Defensoria, o eixo da

Situação Carcerária em diversas pré-conferências sequer teve quorum mínimo pra se

formar. O Movimento de Mulher, as promotoras das mulheres fecharam a posição de

não acompanhar o Ciclo de Conferências esse ano. Eu acho que o não

comparecimento ao Ciclo de Conferência na verdade é sintoma de um outro

problema. E é o estopim. Você tem ali o problema, olha realmente as pessoas não

vêm mais. Por que que elas não tão vindo? Elas não estão vindo por que não existe

um diálogo? Elas não estão vindo por que elas não acreditam mais nessa porta de

entrada? Por que que elas não estão vindo? Esse é um diagnóstico que precisa ser

feito. Há a possibilidade durante esses ciclos de conferências de eleição de 150

delegados pelo estado. Não tivemos 150 delegados eleitos. Por que em algumas pré-

conferências não havia interessados, não havia sequer presentes em número

suficiente. E há uma necessidade de maturidade institucional pra entender que essas

críticas precisam ser feitas de maneira construtiva. Sem melindres. Porque isso é um

eixo estruturante. Se não for olhado com zelo, com o devido cuidado, corre-se o risco

de se colocar esse projeto em risco” (RDP 2).

9.1.8 A Identificação com a Instituição e a importância de continuidade da presença dos

Movimentos Sociais

A Perspectiva da participação social na DPESP:

“Eu acho que o movimento tem que continuar cobrando. Não, não pode desistir não.

Lutamos tanto pra ter essa Defensoria. E, ainda, com todos os problemas ainda é o

órgão mais democrático que tem nesse país. É o mais democrático! Porque Ministério

Público você não sabe o que é aquilo, não tem a menor noção. Poder Judiciário,

então, é uma zona! Defensoria de São Paulo porque as outras eu não conheço, mas a

daqui de São Paulo eu acho que faz muito sentido, sabe? Eu acho que tem gente que

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 242

prioriza a Conferência. Tem outros que priorizam a participação direta no Núcleo.

Acho que varia. No Momento Aberto eu não vejo movimento nenhum participando.

Mas não quer dizer que não tem nos outros, né? Agora, eu acho que reduziu muito.

Antes a discussão era maior, dos movimentos em geral, mas nossa... nós precisamos

da democracia, nós precisamos ter participação, nós precisamos de justiça. Então,

nós temos que ter participação na Defensoria. Temos que ter mesmo” (RMS).

“Eu vejo ela (transição do projeto para a efetivação da participação) com fluxos e

contrafluxos. A gente vive, principalmente, no começo da Defensoria, de simbiose.

Uma instituição ainda engatinhando, se desenhando, e o movimento social ainda

como sujeito desse espaço. Ainda acho que a Defensoria é um espaço diferenciado, é

uma instituição diferenciada quando se compara com as demais instituições de justiça

e mesmo quando se compara com outras instituições públicas, é uma instituição de

destaque, mas ela é uma instituição em disputa. O modelo que se foi desenhado está

em disputa. Eu não olho hoje e tenho a certeza de que esses mecanismos

institucionalizados, se olharmos em perspectiva, garantirão de fato uma diferença

institucional como havia sido combinado” (RDP 2).

A ênfase do papel da DPESP para garantir o acesso à justiça e o desafio de não se

perder o compromisso com o social perante a força institucional do Estado:

“A importância da Defensoria Pública do ponto de vista, assim, do acesso à justiça,

não é possível, do formato que era o Judiciário, o formato que é o Ministério Público,

não é possível você acessar esses órgãos sem a Defensoria Pública. Ela é fundamental

para a democracia desse país, agora ela tem que garantir a participação popular.

Porque ela tem dificuldade ainda de garantir. Não é novidade, por que esses outros

órgãos nem... e eles não aprendem isso né? Cheguei a conclusão de que o defensor,

ele faz um curso pra fazer o concurso. O concurso não pede, acho que não tem sobre

participação popular, como você lida com isso, não tem...”(RMS).

“Eu acho que esse negócio de instituição, o Estado é muito forte. A instituição é mais

forte que as pessoas. Porque chegou muita gente boa. Porque o movimento estimula

as pessoas a fazer concurso. Eu conheço várias pessoas que fizeram concurso e

passaram. Pessoas engajadas, pessoas com compromisso social. Agora, chega lá fica

amarrada, engessada, a força institucional é maior que a força do compromisso

social dessas pessoas. Pra mim é essa a contradição que existe em todas as

instituições. Mas eu como já tô velha, eu vejo as pessoas entrando naquela instituição,

acompanho, falo gente como perde aquela beleza, aquela espontaneidade, nossa,

muito difícil se manter com aquela perspectiva de fazer mesmo. O Estado absorve.

Esse Estado que a gente não vê, esse ente abstrato é terrível, ele é opressor demais.

Ele consome as pessoas. É horrível. Então, eu acho que é uma pena. E esse é o

desafio dos defensores” (RMS).

9.1.9 A crítica, a preocupação e a defesa da instituição

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 243

Uma instituição atualmente em disputa:

“Eu me formei em Direito e eu sei como é você desde o primeiro momento você ser

forjado para ser uma autoridade. Eu acho que a gente tem nesse cenário alguns

elementos-chave incidindo. A gente tem uma busca de correlação de forças com

alguns elementos postos, a gente tem os movimentos sociais e os usuários lutando pra

que a Defensoria siga atenta, rigorosa estritamente aos seus princípios. Ao mesmo

tempo a gente tem uma inegável pressão do Executivo que é o diretamente afetado

pela atuação da Defensoria Pública. E isso a gente nota, por exemplo, em como a

Defensoria se tornou mais robusta. A sua robustez depende de iniciativas do

executivo, todo gasto público depende de iniciativa exclusiva do governador e isso

cria uma relação de especial delicadeza quando se pensa nesse modelo de instituição.

A autonomia que se tem e a autonomia que se busca. Porque um outro elemento de

muita importância é, os elementos da instituição, o que é que esses sujeitos aspiram,

desejam, são sujeitos. Do que é que essas pessoas são sujeitas. Elas são sujeitas da

construção diária de uma instituição diferenciada ou elas são sujeitas da construção

diária da reprodução de valores postos em outras instituições? É nesse ponto que eu

acho que a gente tá em disputa. Acho que ainda é uma instituição diferenciada, mas

está em franca disputa. A gente entra naquela correlação de forças que eu estava te

dizendo antes, que é o Executivo também cedendo naquilo que a Defensoria pública

pede. Que tipo de interesses passam a ser negociados nesse momento? Então, se a

gente olhar pra esses últimos 4 anos que foram de tamanha violência estatal, ao

mesmo tempo você tem uma neutralização institucional a medida em que você tem

nesse período 30% de aumento de salário para defensor, 20% pra servidor, criação

de 400 cargos de defensor, criação de 500 cargos de servidor, mais 50% de aumento

pra defensor, e mais 50% de aumento pra servidor. A gente tá falando aí de pelo

menos 6 projetos de lei que já foram aprovados, mas em momentos-chave você tinha

aí uma instituição que deveria fazer o enfrentamento a todo custo, seu crescimento

frente a um necessário enfrentamento” (RDP 1).

Apesar dos problemas, a manifestação da defesa da Instituição:

“A Defensoria, eu vou lutar sempre por ela, fiz campanha, campanha mesmo. Fiz

campanha, expliquei para as pessoas o que é Defensoria, qual o número da lei, o

número de não sei mais o quê, expliquei tudo, e defendo, mas tenho essas críticas. Eu

tenho essas críticas” (RMS).

“Eu acho que a criação da Defensoria já é uma conquista. O status político do

defensor é altíssimo. Ele hoje se compara a um promotor. Eu acho que por mais

dificuldade que eles tenham, esse esforço que eles fazem de entender a gente é uma

conquista. Eles não entendem, mas fazem um esforço. A própria estrutura da

Defensoria é extremamente democrática, a estrutura que nós fizemos e que eles estão

pondo em prática. Eu acho que tudo que tem de bom na Defensoria, e é muita coisa,

ela existir, ela tem um quadro razoável, cresceu o quadro. Nós precisamos de muitas

dessas estruturas democráticas, elas foram concretizadas, agora a democracia pra

funcionar, se não tiver povo organizado, não funciona, pode deixar a porta aberta que

não vai funcionar nada. Se não tiver o povo organizado, chegar e falar, eu quero isso,

isso, isso. Não adianta. E isso aí falta, não vou responsabilizar a Defensoria pela falta

da participação popular. Agora, só acho que a Defensoria, e isso é muito comum, o

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 244

Estado absorve e o estado faz a cooptação, então, a Defensoria tem que tomar

consciência disso, que ela é Estado e ela enquanto Estado quer cooptar a gente o

tempo todo. Eu já falei isso com eles, prestem atenção nisso, nós não somos

cooptáveis. Então, essa é a contradição. É uma contradição, mas eu mesmo tenho um

monte de amigos dentro da Defensoria, e eu incentivei eles a fazerem concurso, tudo

jovem, então eu fico orgulhosa. Mas eu falo, toma cuidado pra não ficar quadrado

porque a tendência aqui é ficar tudo quadrado. É forte demais!Ainda mais que ganha

bem, né?” (RMS).

A busca por compreensão do processo de implantação da DPESP possibilitou

identificar um conjunto de atores sociais envolvidos, e a proposta de criação de um espaço

democrático para a defesa de uma população carenciada, muitas vezes, violentada. A

elaboração do projeto abrangeu a discussão das áreas do Direito a serem atendidas, critérios

de elegibilidade, previsão e estrutura de espaços para a participação social, e previsão de

núcleos para atendimento especializados. Importante papel foi desempenhado pelo Sindicato

dos Procuradores na condução desse processo.

Uma das críticas mencionadas em relação à situação atual da DPESP foi o seu

caráter de disputa que é visto como intimidador à proposta dessa instituição democrática,

reconhecida como um avanço significativo no Sistema de Justiça.

A participação social permeou toda a apresentação do tema, mencionada de uma

maneira crítica, referente aos diferentes momentos da instituição. Um envolvimento intenso

durante a luta pela implantação no período inicial da instituição, e, nos dias atuais, um

esvaziamento, que preocupa pela consciência dos participantes em relação à necessidade de se

manter a luta pela manutenção de espaços democráticos.

Merece destaque na construção do projeto da DPESP a previsão de espaços para o

exercício da cidadania e diálogo com a sociedade civil: Conferências Públicas, Ouvidoria

Externa, Momento Aberto no Conselho Superior, e Núcleos Especializados (Núcleo de

Cidadania e Direitos Humanos; Núcleo da Infância e da Juventude; Núcleo da Habitação e

Urbanismo; Núcleo da Segunda Instância e Tribunais Superiores; Núcleo da Situação

Carcerária; Núcleo dos Direitos da Mulher; Núcleo de Combate à Discriminação; Núcleo do

Idoso e da Pessoa com Deficiência; e Núcleo do Consumidor).

A partir da reflexão sobre a previsão dos espaços de participação social, torna-se

possível conduzir a presente análise sobre quais dentre esses espaços podem se caracterizar

como portas de acesso alternativas para as demandas de saúde mental.

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 245

9.2 A saúde mental na DPESP

A temática de Saúde Mental na DPESP emerge nas falas dos participantes de

maneira reflexiva e crítica, evidenciando limites da prática e posicionamentos institucionais

diversos diante de alguns temas opositores. No decorrer dos relatos, foi possível observar que

analisar a prática na área da saúde mental evoca limitações e indignações em referência aos

casos de violações de direitos de pessoas que, em casos extremos, não conseguem se defender

e nem mesmo ter acesso ao serviço da Defensoria.

9.2.1 Barreiras de acesso à DPESP e a necessidade de portas alternativas

Inicialmente, são apresentadas as dificuldades de acesso à DPESP e a necessidade

de se pensar em estratégias ou portas alternativas para o acesso à justiça. Merece destaque

nessa busca por alternativas a reflexão sobre uma atuação que vá ao encontro da garantia de

direitos e não da supressão desses, com fundamentação em um discurso de proteção.

Os casos de vulnerabilidade extrema e a falta de acesso aos serviços da DPESP:

“Acho que na vulnerabilidade extrema, quem mais precisa acaba não procurando,

quem procura é a pessoa que tem com quem deixar o filho, quem tem dinheiro para o

passe e que pode de alguma maneira perder uma manhã de trabalho e que tem acesso

à informação. Que, também, já ouviu falar que alguém com problema semelhante foi

lá e foi bem tratado, e que conseguiu. Então, vaga em creche, começa a disseminar

porque é uma coisa que a gente já faz há um tempão. Divórcios, são coisas clássicas.

Agora, que pessoa com transtorno mental procurou e teve um bom atendimento e saiu

por aí falando que conseguiu? Tem poucos defensores que acabam se dedicando mais

ao tema e que acabam tendo acesso ao tema, não pela porta de acesso tradicional”

(RDP 3).

Barreiras de acesso: a localização da DPESP, as filas de espera, as condições

precárias de atendimento; a privação de liberdade, os conflitos com curador, o

desconhecimento do trabalho da DPESP.

“O que acaba acontecendo com as pessoas que têm sofrimento mental ou portador de

transtornos mentais ou definições afins: elas teriam que bater na porta da Defensoria

pra procurar os seus direitos e enfrentar toda a fila, às vezes até, principalmente aqui

na Capital, uma condição inicial mais precária de atendimento, misturada com “n”

problemas que chegam. A pessoa portadora de transtorno mental, muitas vezes, ela

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 246

pode estar privada de liberdade, seja porque fisicamente mesmo ela é contida, ou em

algum estabelecimento de internação, ou por familiar, ou porque de alguma maneira

ela tem alguma desorganização. Eu tô falando dos casos mais extremos. E aí ela não

vai, ou às vezes ela é interditada e ela procura e o defensor vai pedir o curador, e

existe algum conflito com o curador. Ou até porque a Defensoria não é muito

conhecida. Também tem o fato da Defensoria ser muito central. Em geral ela fica em

bairros não periféricos, ela fica em bairros mais nobres, digamos. Ela não é

centralizada e localizada em ponto que fique perto das pessoas que mais necessitam.

Até hoje a gente não cumpre adequadamente o nosso dever que é a descentralização

numa cidade como São Paulo, mesmo em cidades do interior, você pode ver que em

geral a Defensoria fica em bairros não populares. Tudo bem que os bairros centrais

têm uma facilidade maior de acesso, de transportes. Mas eu acho que a gente tem que

estar mais próximo da população que a gente tem o dever de atender” (RDP 3).

Portas de acesso alternativas:

“Porque tem algumas portas de entrada. Recebi um estudo que foi liderado por um

professor universitário sobre o excesso de mortes nos manicômios de um município,

ele trouxe um estudo super bem fundamentado, protocolou formalmente e pediu

atitude. Então, foi aí que a gente começou, obrigatoriamente, porque fomos instados e

tal. A gente começou a entrar nesse universo mais amplo do drama das questões das

internações, do modelo antigo da internação como isolamento, que isso ainda é

presente, que isso se renova nas comunidades terapêuticas, e se você vai e começa a

mexer no caso, como aconteceu, você começa a ficar um pouco mais conhecido, aí sei

lá, o Conselho Regional de Psicologia manda ofício pra pedir pra fazer inspeção em

comunidade terapêutica, e assim vai. Eu fui dar uma palestra em outro estado e uma

mulher pegou o meu contato. São portas de entrada heterodoxas, digamos assim.

Outra coisa, eu já recebi demanda de gente internada, por carta” (RDP 3).

A situação de internação e violações de direitos, denunciada por carta:

“A gente conseguiu soltar. Era um homem de 40 anos, carioca, eventual usuário de

cocaína, cuja mãe e parentes queriam vender um apartamento, isso é um lado da

estória. Mas estavam de alguma maneira cansados dele, ligaram para essas clínicas,

esses serviços de remoção, que não é caçamba e nem entulho, é remoção de gente! A

clínica se utilizou de internos da própria clínica, muito comum, foi até o Rio, deu um

mata leão na pessoa de 40 anos, que tinha trabalho, era usuário de cocaína, mas

enfim, não era interditado, maior de idade, de qualquer forma ele foi removido, pra

não dizer sequestrado, para uma clínica no interior de São Paulo. E ele não podia

escrever correspondência porque elas eram interceptadas. Isso são praxes

absolutamente usuais nesses estabelecimentos, ele era proibido de falar com

familiares, só de receber a visita da mãe de vez em quando, era proibido de enviar

cartas. E nessas, tinha a mãe de outro interno que também era carioca, ele entregou

uma carta pra ela, ela entregou na Defensoria do Rio e a Defensoria do Rio mandou

pra gente. E aí, enfim, a gente tomou algumas providências e ele acabou sendo solto,

depois de 7 meses de internação. A previsão era um ano, o que é absolutamente

irregular do meu ponto de vista, pra falar o mínimo, mas tem locais com internação, e

eu não estou falando de locais de loucura, estou falando de locais de droga, 2, 3, 4, 5,

6 anos de internação!!” (RDP 3)

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 247

9.2.2 Limitações da DPESP e atuação na supressão de direitos

A necessidade de outras portas de acesso na DPESP, e de se repensar a atuação na

supressão de direitos em saúde mental:

“Meu ponto de vista: a Defensoria tinha que ter outras portas de entrada que não só

esse atendimento que chega à porta tradicional, que chega fisicamente. Acho que a

gente tinha que criar outras portas de entrada. E tinha também que identificar essas

populações vulneráveis, fazendo visitas in loco, coisa que acontece muito pouco. No

fundo o que eu quero dizer; o defensor fica muito cheio de processos, esperando no

seu gabinete que a demanda apareça, e em geral, demanda já conhecida, a demanda

da pessoa portadora de transtorno mental pode ser supervariada. Mas ela implica um

universo que muitas vezes o defensor não tem conhecimento, ela exige que o defensor

faça uma escuta atenta para a qual às vezes ele não tem formação. E muitas vezes, a

Defensoria acaba atuando em prol do familiar que tenta suprimir o direito, atua muito

mais em saúde mental na supressão dos direitos das pessoas do que na garantia,

infelizmente” (RDP 3).

“É claro que tem situações que o familiar busca de fato um auxílio respeitoso ao seu

familiar portador de transtorno, mas às vezes não. Às vezes ele busca pelo cansaço,

ele reitera preconceitos que é a exclusão, ele quer um respiro ou quer de alguma

forma um controle daquela pessoa. Muitas vezes, é que existem mais modelos de

interdição, se você põe na internet, ou o MP faz, ou algum defensor já fez, tem muito

mais modelo de interdição do que de levantamento de interdição, de curatela. Eu já

ouvi de defensor assim, mas como é que eu vou atender ele, se ele é interditado?

Então, o quê que acaba acontecendo é que a Defensoria acaba não tocando de

maneira adequada e sistêmica esses casos. Às vezes a Defensoria atua só em prol da

interdição, não faz a defesa da pessoa interditada” (RDP 3).

9.2.3 Impasses relacionados aos Direitos das pessoas portadoras de Transtornos Mentais

Referência à necessidade de criar estratégias de suporte para pessoas portadoras

de transtornos mentais poderem cuidar dos filhos:

“Eu gostaria de poder aprofundar mais algumas questões, mas encontro uma

dificuldade. Uma dessas questões seria a gente pensar estratégias pra esses sujeitos,

porque mesmo que a pessoa faça um tratamento, compareça no CAPS, tomando

medicação, e estejam mais ou menos equilibrados os sintomas aí do transtorno, a

instituição tem muita resistência a devolver a criança para uma pessoa que tenha

transtorno, mesmo que ela esteja sob tratamento, se não tiver um apoio de uma rede

social, familiar ou alguém que se disponha a fazer uma espécie de supervisão. Essa

ideia de que pode ter um surto a qualquer momento, que pode ter uma recaída. Eu

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 248

gostaria de aprofundar um pouco isso, nas possibilidades que a gente tem de suporte,

seja na linha de saúde, seja na linha socioassistencial, pra gente quebrar um pouco

dessa ideia de incapacidade de cuidado associada diretamente aos quadros de

transtornos, incapacidade de cuidar dos filhos. Um programa de acompanhamento

terapêutico, não sei, precisaria pensar porque isso aí são buracos em políticas

públicas” (RDP 6).

A vulnerabilidade da demanda de saúde mental para se defender perante os

trâmites e órgãos da justiça que decidem sobre sua capacidade ou incapacidade. Os impasses

institucionais em relação às solicitações de interdições:

“Se a Defensoria tivesse que atuar em tudo, um defensor até poderia pedir a

interdição, vamos supor, em tese, e outro aleatoriamente iria fazer a defesa do

interditado. Aí tem um debate interno que é assim; a lei diz que se a Defensoria pede o

MP faz a defesa do interditado. O MP não é uma instituição que dê voz às pessoas

individualmente nos seus dramas. O MP não tem atribuição pra isso. Ele é meio que o

controlador genérico da matéria. O advogado ou o defensor é aquele que dá voz, que

escuta e fala por, então, é equivocada essa ideia. Só que muitas regionais trabalham

nessa lógica. Nós pedimos a interdição, e se nós pedimos o MP que faça a defesa. E

aí, na prática, muitas vezes, o MP não faz a defesa. Faz um olhar formal, genérico,

sobre o processo. De novo, essa pessoa ficou substancialmente sem defesa” (RDP 3).

A crítica à lógica binária do Direito diante da pessoa portadora de transtorno

mental:

“O profissional do Direito tende a ver o mundo do ponto de vista jurídico. Quando ele

olha pra uma pessoa com transtorno ele vê duas alternativas. Na área penal, vou ver

aspectos de insanidade mental, medidas de segurança. E se ele vê alguma demanda

na área civil, será que esse sujeito tem capacidade civil ou não tem, vamos fazer uma

interdição ou não, vamos nomear um curador. Você conseguir transcender isso aí

para um profissional com essa formação, porque o livro trata só desses assuntos, é

essa a interface do transtorno mental com o Direito, ou na capacidade civil ou na

capacidade penal, e aí o sujeito sai formado nessa perspectiva. É binário, ou você é

incapaz ou você é capaz. Ou você é imputável ou você é inimputável. Tem um semi-

imputável, que é uma coisa ainda mais obscura. De qualquer forma é o preto ou o

branco. Eu trabalho numa sala com colegas da Família, a banalização que a gente

sente com interdição, a justiça tem que começar a não dar, entendeu? Porque nós

fazermos o filtro de olha, esse eu não vou propor porque não é caso. A gente pode

conversar e orientar a pessoa, mas a justiça precisa começar a colocar um limite

nisso também. Você tem toda uma perspectiva hoje de pensar a interdição a partir da

classificação de capacidades, de funcionalidade, da classificação da funcionalidade.

Então você não vai fazer aquela derivação direta de tem transtorno, portanto é

incapaz. Não, em quê que o transtorno naquela pessoa específica afeta tais dimensões

da vida dela. Nos laudos que são demandados vem é capaz ou incapaz para os atos da

vida civil. Não adianta você me dar um diagnóstico, isso não gera uma consequência

jurídica” (RDP 6).

As demandas por internações de familiares usuários de drogas e a atuação da

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 249

DPESP:

“Outra demanda são os casos em que a família chega e pede a internação por droga.

Muitas vezes, o defensor vê lá, tem o laudo médico, tem o modelo de internação, então

ele vai lá e pede a internação. O juiz dá, invariavelmente. E aí a gente começou a

fazer debates internos e a falar, não, olha, não é assim, primeiro que o laudo médico

tem que ser circunstanciado. Segundo porque a gente tem que ver se foram esgotados

os meios para o tratamento ambulatorial, tem que ver se o CAPS fez visitas, se a

família está sendo atendida pelo CAPS. Aí a gente desenhou um fluxo de atendimento,

que não é obrigatório, mas que tem se expandido, de que esses casos sejam primeiro

atendidos pelo CAM. Na parte de saúde mental que tem muitas variáveis, às vezes a

relação conflituosa familiar, às vezes a internação acirra isso, depois a pessoa volta

mais cindida ainda dos laços. A gente, às vezes, acaba causando danos, nessa atitude

de tá bom, você quer uma internação, eu vou te dar a internação. E aí também tem a

questão de onde se internar. Não pode internar em comunidade terapêutica, mas tem

defensores que acabam, como não tem leito em hospital geral, então eles acabam

fazendo orçamento de 3 comunidades terapêuticas e falam ao juiz, interna em

qualquer uma dessas 3, e aí a gente não faz a fiscalização desses estabelecimentos,

não sabe muitas vezes que a comunidade terapêutica não pode praticar a internação”

(RDP 3).

Divergência em relação ao atendimento de pessoas interditadas na DPESP:

“Uma coisa que às vezes em conversa com os colegas discutíamos: porque você tem

que ver se o sujeito não tá interditado, se não for interditado... aí você tem que falar

com o representante, com o curador, não sei o quê. Aí é uma bobagem Total, você tem

o sujeito lá! Inclusive, ele pode estar lá pra questionar essa condição, a própria

interdição, a cidadania que ele tá vivenciando ou discutir se a interdição é Total ou

parcial, se o prejuízo dele é global ou é pra alguns aspectos da vida. Eu acho que isso

implicaria por um lado trabalhar isso com os defensores em termos de formação

intensiva pra se quebrar o preconceito que nós temos em relação à pessoa com

transtorno mental. Preconceitos que giram em torno do estigma da incapacidade e da

periculosidade, que ele não é capaz de nenhuma autonomia, e além do quê você tem o

medo!” (RDP 6).

A defesa de pessoas portadoras de transtornos mentais que perdem o direito de

convívio com filhos:

“Eu tenho muitos casos de famílias que perdem o direito de convívio com os filhos em

razão de transtorno mental. Muitas vezes, essas pessoas respondem processos e seus

filhos são encaminhados para adoção. Esses casos vêm pra questionar o acolhimento

dos filhos. Eu não consigo dar continuidade, são pessoas que têm transtorno, são

classificadas como incapazes de prover cuidados mínimos pra uma criança, e a

família extensa não acolhe. Essas crianças acabam indo pra serviço de acolhimento, e

essas pessoas passam a responder processo, e a Defensoria faria a defesa delas. A

grande maioria dos casos, quando o oficial de justiça a intima pra apresentar o

defensor, ela não comparece, e quando ela comparece, vem uma única vez e aí eu não

consigo mais, e o caso acaba se perdendo. Uma parte desses casos é de portadores, se

a gente for pensar nesses quadros de psicoses mais clássicas assim delirantes,

alucinatórias, tem um número razoável. Se a gente estender isso para os quadros que

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 250

eles classificam como quadros de dependência de drogas, aí é um volume

significativo” (RDP 6).

9.2.4 Críticas à Lei 10.216/2001

As referências e críticas às legislações e às práticas para garantir os direitos em

saúde mental: a incumbência da Defensoria de fazer visitas em instituições de internação e a

realidade; as limitações e críticas à Lei 10.216 e à atuação de profissionais e de militantes da

área.

A legislação da Defensoria e a previsão de visitas a estabelecimento de

internação:

“Apesar de na nossa lei estar escrito que nós temos a incumbência de fazer visitas a

estabelecimentos de internação, a gente não dá conta de todas as demandas da

Defensoria, a gente tende a dar conta daquelas demandas arroz com feijão que a

gente sempre deu. É um desafio incorporar nas mentes, na estrutura da Defensoria a

convicção e a prática de que nós temos a incumbência clara de atender essa

população, identificar onde elas estão. Antes disso tudo, ter um entendimento do que é

o fenômeno mesmo. Caso contrário, a Defensoria corre o risco de tomar contato com

esses pleitos de transtorno mental e agir tradicionalmente. E aí vira um acesso à

justiça formal, ou nem formal”(RDP 3).

A exclusão da Defensoria Pública do projeto original da Lei 10.216, a ausência da

Defensoria Pública nas Portarias do Ministério da Saúde que tratam de transtornos mentais, e

a sobrecarga de demandas da Defensoria: diferentes barreiras para a atuação da DPESP em

saúde mental.

“Eu acho que a lei nº 10.216 também não ajuda. No projeto original as comunicações

das internações involuntárias eram para a Defensoria Pública, que em pouco tempo

deveria emitir um contralaudo ou um laudo confirmando a alta, era uma coisa

maravilhosa. Só que aí excluíram a Defensoria, colocaram o MP que, com todo

respeito, não tem como atribuição a defesa de direitos individuais, não tem como

atribuição dar voz a essas pessoas. Muitas vezes o MP ainda é aquele que encarcera

essas pessoas, é aquele que interdita essas pessoas. Tradicionalmente, o MP,

principalmente aqui em São Paulo, tem um papel atrasado com relação ao transtorno

mental, salvo honrosas e importantes exceções. Então você entrega a esse órgão a

incumbência de fazer a defesa do interesse manifesto dessas pessoas e exclui a

Defensoria por completo. Nem nas Portarias do Ministério da Saúde que tratam de

transtorno mental você vê a Defensoria. Então veja, a Defensoria acaba tendo uma

justificativa para não atuar ativamente, porque ela tem na lei dela incumbências

genéricas, essa é uma delas, mas entre mortos, feridos e pobretões tem tanto pra

escolher, e a gente não tem estrutura mesmo pra cuidar de tudo, acabamos cuidando

daquilo que a gente é instigado para fazer” (RDP 3).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 251

“No caso de transtorno mental, a lei não fala que nós seremos comunicados, a lei dá

brecha para que se a Defensoria pedir a interdição, o MP faça a defesa. É possível

essa interpretação em termos legais. A pessoa portadora de transtorno mental muitas

vezes está numa situação de vulnerabilidade que ela não procura a Defensoria nas

vias tradicionais. O defensor, também está atribulado de coisas arroz e feijão, às

vezes de menor complexidade, às vezes nem tanto, às vezes de complexidade. Tem

muitos defensores dedicados às demandas de menor complexidade, pensão

alimentícia, divórcios, e tal. Ironicamente a gente acaba não tendo um desenho

institucional e uma estrutura institucional pra tangenciar essas pessoas, pra

identificar onde elas estão, o que elas precisam, e aí fica tudo como dantes, entendeu?

Meio que fica bonito na letra da lei, mas na prática ainda é bastante deficiente a

atuação da defensoria nessa área” (RDP 3).

As limitações da Lei 10.216, a ausência de posicionamento crítico diante dela, a

não implementação da proposta prevista na lei tendo passados 15 anos, a falta de registros das

internações, violações de direitos e invisibilidade:

“Há um status de que a gente tem a lei 10.216, isso é falado até por militantes

importantes: A lei 10.216 é maravilhosa porque a internação é o último recurso. O

quê???!!! Não, olha, ela tem muitas falhas, ela diz muito pouco, ela não coloca o

tempo da internação, ela não fala que não pode internar em manicômio, ela fala o

termo “instituições asilares”. Alguns trabalhadores e alguns militantes, apesar de

saberem da realidade, eu não acho que tudo é problema de lei, não acho que lei muda

a realidade, mas ainda falta uma massa crítica acumulada com relação ao que a

gente tem de arcabouço legal e exigência de que se melhore. É claro que a gente tem

lutado contra os retrocessos. E a gente não tem um grande avanço em termos

práticos, e em termos legislativos. A lei 10.216 é muito ruim em alguns aspectos, é

muito aberta, é boa nos princípios e muito ruim nos critérios. Mas a gente não chegou

nem na implementação dela, passados mais de 10 anos, quase 15. E, na verdade, você

fica tentando refrear retrocessos a essa lei que sequer virou realidade. Na questão do

sistema carcerário tem toda dificuldade, mas ali pelo menos tem uma verdade

construída num processo. Você tem registros, hoje em dia a maior parte das

internações, do isolamento de pessoas com transtorno mental, que não são

comunicados a praticamente ninguém. Às vezes só ao Ministério Público, que não tem

atribuição, ele não faz o trabalho adequado. Você não tem nenhum processo formal

de legitimação daquela exclusão. É uma exclusão absolutamente silenciosa, que não

se dá ao trabalho de formar nem uma carochinha, uma estorinha que vai virar um

documento como acontece num processo penal. Então, assim, é de novo a

invisibilidade, é ainda a invisibilidade dessas pessoas, é um drama, um sistema

extremamente atrasado. Acho que é mais grave a situação da violação de direitos das

pessoas com transtorno mental do que a das pessoas vitimadas pelo sistema penal,

das pessoas encarceradas. Acho que é mais grave em termos de garantias, acho que é

assim a ponto do iceberg, mas você pode estender isso a outras violações decorrentes

dessa que acabam sendo decorrentes dessa invisibilidade”(RDP 3).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 252

9.2.5 A lógica da proteção, o afeto autoritário e a tentação do bem

Esteve presente no posicionamento dos profissionais em relação à temática uma

preocupação com o lógica da proteção de direitos de pessoas portadoras de transtornos

mentais fundamentada numa linguagem amorosa atrelada a supressão de direitos, um afeto

autoritário ou uma tentação do bem.

“Na Defensoria, se a gente pedisse que os laudos viessem mais refinados e

circunstanciados em relação às diversas dimensões da vida dele, isso poderia ajudar.

E o atendimento é esse, você tá falando pra alguém, aparentemente louca, é incapaz

então eu tenho que falar com o seu representante legal, eu vou entrar com uma ação

no nome desse sujeito? Não. Vamos fazer interdição primeiro. Um desses fluxos

iniciais da proposta que eu acho que não prevaleceu era assim; se a pessoa vem com

uma demanda jurídica e ela aparenta transtorno mental você encaminha para o

Ministério Público ajuizar uma interdição. Era esse o fluxo. Ela ia lá pra buscar um

direito e tiravam outro! E aí a gente viu e conseguiu barrar essas coisas. Mas é uma

leitura que talvez a maioria dos profissionais deva achar que é assim que tem que

fazer porque afinal a interdição é pra ajudar, né? Essa coisa da proteção, pra ser

usada pra essa finalidade, submissão, segregação. É a tentação do bem, a tentação do

bem!” (RDP 6).

“Eu tive uma constatação do quanto a realidade é distante da letra da lei, dos

princípios da lei. Isso a gente vê em muitas áreas, mas nessa área das pessoas com

transtorno mental é mais assustador e, talvez, mais assustador e mais díspare o verbo

ou a letra da lei e a realidade porque tem a lógica da proteção. Na questão da saúde

mental entra o afeto autoritário, que é a lógica da proteção. O que eu pude perceber é

que a gente vive enquanto sociedade e enquanto sistema de justiça na lógica da

proteção no sentido hierárquico, eu sei o que é melhor pra você que não sabe, você

não sabe o que quer, entendeu? E esse, que eu chamei de afeto autoritário, se a gente

for fazer uma revisão histórica, causa muitos danos. Ele é muito perigoso, e ele é mais

palatável porque ele tem uma linguagem quase amorosa, quase de segurança e

proteção, por baixo disso existe a supressão de direito. O aviltamento dessas pessoas,

a promoção de condições absolutamente indignas” (RDP 3).

9.2.6 Crítica à privatização na Saúde Mental e a falta de Fiscalização das Instituições

Consequências de decisões de internações baseadas em dramas familiares:

sucateamento do serviço público e a falta de defesa de quem se interna.

“Juízes, promotores e defensores que se envolvem no drama pessoal daquela família

que pede a internação, às vezes não se dão conta de que através do sistema de justiça

nós estamos fazendo um sucateamento do serviço público e uma intensificação do

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 253

serviço privado de internação, e de serviço inadequado. Nenhum desses lugares é

clínica exatamente. Não é hospital geral. É chácara! Você não põe um atropelado

numa chácara. Você põe em um leito de hospital geral, Pronto Socorro. Então assim,

todo mundo acaba dormindo bem porque ouviu o drama daquela mãe. Ela chega mais

aliviada, só que a gente não vê o lado escuro, não visita o estabelecimento de

internação, aí essa pessoa não foi defendida adequadamente. Às vezes não foi nem

ouvida. Às vezes é feito o pedido de busca e apreensão de pessoas, no meio da rua, é

dada a ordem de internação sem que ela seja avaliada ou ouvida. É super

complicado! Só que todo mundo se sente protegendo, todos respiram aliviados e a

corda estoura do lado mais fraco. E é isso, né?” (RDP 3).

As críticas ao processo de terceirização e privatização do atendimento

(internações) em saúde mental:

“Acho que na maior parte das vezes não tem avaliação de pra onde tá mandando,

como se, enfim, o juiz vai saber. E também o juiz não sabe, e aí deixa à revelia do

município que é condenado a achar vaga, ou o estado, a achar vaga, e aí os governos

contratam vagas sem licitação em local inadequado. E dessa maneira a gente não

estrutura a rede de atenção psicossocial, porque existe uma terceirização via

judiciário. Uma privatização do atendimento. Quando na verdade, num mundo ideal,

o que a Defensoria deveria fazer? E eu me incluo nessa crítica. Deveria mapear os

locais e os equipamentos da rede de atendimento psicossocial, que são deficientes, e

entrar com uma ação para que seja implementada, entendeu? Por exemplo, leito para

desintoxicação em hospital geral, a gente sabe, por exemplo, aqui na cidade de São

Paulo quantos faltam? Qual seria a proporção? A gente nunca fez esse mapeamento.

E normalmente a Defensoria, os defensores estão atribulados com demandas de quem

bateu na porta. Com processos, e aí a gente não faz a promoção proativa dos

direitos” (RDP 3).

9.2.7 Compromisso da DPESP com a demanda de Saúde Mental e a análise crítica de

sua atuação

O compromisso da DPESP com quem a procura, tendo ou não demanda jurídica:

“Tem casos que você não tem uma providência jurídica a ser adotada, mas que

mesmo assim eu acho que a instituição tem um papel enquanto componente de uma

rede que essas pessoas de alguma maneira recorrem ou de alguma maneira têm uma

ligação. Se a gente pensa numa ideia de uma sociedade sem manicômios ou

minimamente que o lugar de louco não é institucionalizado, se a gente acha que ele

tem que circular nos espaços sociais como qualquer pessoa, ele vai usufruir dos

serviços. Todos os serviços têm que ter uma disponibilidade e têm que estar, de

alguma maneira, assumindo uma responsabilidade também pelo bem estar do sujeito

com a saúde. Se existe de alguma maneira essa pessoa que, talvez, devesse estar

vinculada a algum serviço de saúde mental, mas não está, e de alguma maneira ela

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 254

procura a nossa instituição, a gente tem um compromisso de facilitar a circulação,

fazendo uma mediação com o serviço que ela precisa. A Defensoria assumindo esse

papel implica que de fato a gente fizesse um trabalho articulado com a rede de saúde

mental, sobretudo aí os CAPS. Pra que essa transição do sujeito pra um serviço mais

vocacionado a atendê-lo fosse feita de uma maneira adequada, se valendo do vínculo

de confiança que ele está depositando na instituição. Não é simplesmente fazendo...

olha, o problema do senhor não tem nada a ver, vai lá no CAPS, e dá uma cartinha

pra ele ir no CAPS. É entrar em contato com o CAPS, chamar o CAPS pra vir na

Defensoria pra que a gente converse junto. Pode ser que esse direcionamento seja

feito aproveitando o que ele representa da nossa instituição enquanto um espaço pra

dar conta de alguma demanda pessoal dele. Se ele procurou o espaço da Defensoria,

o ideal seria que o funcionário do CAPS fosse até o espaço da Defensoria, pra que a

gente pudesse fazer essa passagem de forma mais adequada. Seria responsabilidade

de todas as instituições públicas, pelo menos em algum sentido, garantir o apoio,

oferecer os apoios necessários pra que ele consiga um atendimento, e sofra menos. Os

casos que eu sigo na Defensoria você percebe uma angústia muito grande em razão

do que ele tá pensando, daquilo que vai acontecer com ele, e aí precisa de fato de uma

atenção, e a gente precisaria tanto de uma rede de saúde mental, CAPS, disponível

pra fazer um trabalho articulado com a própria Defensoria, reconhecendo que ela

tem um papel importante nessa transição de uma instituição pra outra. Essa é uma

proposta que eu acho que deveria ser discutida dentro de uma política maior da

instituição, que é um papel que não é, digamos, um papel legal ou institucional. Eu

acho que tá dentro de um papel geral que não vem da lei da Defensoria, mas vem da

proposta de um atendimento que prescinda da desinstitucionalização do sujeito, uma

sociedade que acolha esse sujeito como cidadão” (RDP 6).

Análise dos resultados obtidos pela DPESP na atuação em saúde mental:

“Eu posso contar nos dedos os casos que eu consegui manter um atendimento

continuado com algumas pessoas com esses quadros e que de fato acabassem criando

vínculo com a Defensoria, viessem com frequência pra que a gente pudesse estar

trabalhando. Quando eu consigo, não é simples o trabalho, o que a gente acaba

fazendo é reforçando um pouco o discurso que é o que impera na justiça, que tem que

fazer o tratamento, se não fizer o tratamento, se não aderir ao tratamento etc. etc. etc.

não tem como eles acolherem os filhos, a gente acaba reforçando esse discurso

porque de fato não dá pra você vir com outra tese de defesa que tenha a mínima

probabilidade de conseguir algum sucesso que não seja isso. E aí, muitas vezes, a

gente acaba repetindo um pouco esse discurso de cobrança, de exigência, um discurso

muito prescritivo, não tem muito espaço pra pessoa dizer das dificuldades dela ou

apresentar as queixas que ela tem em relação ao serviço que tá aí. Acabo, no meu

caso, não fazendo um trabalho mais diferenciado que a gente poderia esperar que a

Defensoria fosse dar que fosse um trabalho que não incorporasse um discurso

culpabilizante, que é um discurso que acaba predominando nessa esfera que eu

trabalho que é da criança e do adolescente. É muito complicado mesmo, porque é o

que eu acabo repetindo, o discurso restritivo que ela recebe em todos os lugares que

ela passa” (RDP 6).

“O que a gente conseguiu fazer foi destampar uma panela e perceber o tamanho da

encrenca. Acho que isso foi a coisa que a gente mais conseguiu fazer. E sair falando

por aí o tamanho da encrenca, por exemplo, que as políticas manicomiais não são do

passado, que essas pessoas não são defendidas, que existe um trabalho inadequado do

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 255

sistema de justiça, trabalhando em prol da internação e da terceirização, mandando

internar em clínica privada. Eu acho que o melhor e o maior trabalho que a gente fez

foi esse, de colocar a boca no trombone. Eu percebo que virou uma voz dissonante

num verniz social do sistema de justiça e num acordo de cavalheiros, tanto que é

interessante que a Defensoria trabalha pouco nesse tema e ficou um pouco conhecida

como uma voz dissonante, alguém que se pode contar pra algumas coisas. Sem falsa

autocrítica ou sem retórica nenhuma, a gente deixou de fazer muito mais do que fez!

Agora foi o possível. Pelo menos se construiu assim uma contraposição a um estado

de coisas” (RDP 3).

Analisar a temática de saúde mental na DPESP mobilizou diferentes perspectivas

e relatos críticos. A primeira abordagem do tema chama a atenção para as diferentes (e por

vezes intransponíveis) barreiras de acesso à justiça no sistema tradicional em vigor na

instituição para o acolhimento dessa demanda. Na sequência, a crítica às barreiras se dirige

para a análise das portas de acesso alternativas, já identificadas, assim como para a

necessidade de serem criadas novas portas de acesso, e que se atente para não provocarem a

supressão de direitos, tendo como referência um discurso protetor.

Ao abordarem os temas de interdição e de internações, os participantes

problematizam a questão sobre as dificuldades de se lidar com a lógica binária da formação

jurídica, sobre as divergências em relação ao atendimento de pessoas interditadas; as

dificuldades de defesa da demanda perante a distribuição das atribuições entre Defensoria e

Ministério Público; e as dificuldades de defesa de famílias que perdem o direito de

convivência com os filhos em razão de transtorno mental ou uso abusivo de drogas.

Não foram poucas as críticas apresentadas em relação à legislação em vigor para

garantir os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e, também, à dificuldade

para que se cumpra a previsão de visitas em instituição de internação constante na legislação

de criação da Defensoria.

Decisões de internações baseadas em dramas familiares, sucateamento do serviço

público, terceirização de atendimento (internações) em saúde mental e a falta de defesa de

quem se interna, também foram enfatizados.

Na sequência, destaca-se a preocupação com o compromisso da DPESP com

quem a procura e apresenta demanda de saúde mental, e com a necessidade de que a

instituição se disponha a atuar juntamente com os demais serviços da rede pública, para

acolher na sociedade os cidadãos em sofrimento mental.

Por fim, ao abordarem os resultados de suas práticas, envolvendo demandas de

saúde mental, enfatizaram limitações por não conseguirem fazer um trabalho diferenciado nos

casos de infância, muitas vezes repetindo discursos restritivos de que é preciso realizar e

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 256

aderir ao tratamento para conseguirem pleitear a convivências com os filhos. E, em relação às

políticas de internação e terceirização em saúde mental, a constatação de que “a gente deixou

de fazer muito mais do que a gente fez. Agora foi o possível. Pelo menos se construiu uma

contraposição a um estado de coisa”.

9.3 A atuação do CAM

9.3.1 O contexto institucional, a mudança de paradigmas e a emergência de novas

práticas

A temática da inserção do atendimento multidisciplinar na DPESP surge,

inicialmente, com referências ao contexto da criação da instituição. Foram abordadas, desde a

previsão constitucional e a ausência da DPESP, à mobilização social que precedeu a sua

criação. É a participação social no processo de implantação que é apresentada como tendo

influenciado na inserção de um atendimento multidisciplinar e integral que visa à

diferenciação de atuações exclusivamente judiciárias. Experiências prévias dos procuradores e

defensores com o trabalho do Centro de Referência e Apoio à Vítima (CRAVI) e com a ONG

Pró-Mulher foram mencionadas como tendo subsidiado a elaboração da proposta do CAM.

Esse serviço surge como um órgão de apoio à DPESP em um projeto inovador em relação ao

trabalho multidisciplinar de alguns estados por ter previsão na lei de criação da Defensoria39

e, consequentemente, maior respaldo institucional se comparado com contratação de

prestação de serviços ou atuação de profissionais em cargos comissionados.

A criação da DPESP e a inovação de um atendimento multidisciplinar:

“A Defensoria foi criada em São Paulo só em 2006. Antes disso, a assistência jurídica

gratuita, que é prevista na Constituição, era exercida por um braço da Procuradoria

do Estado. Por meio da Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) alguns

procuradores atuavam nessas demandas e por um Convênio com a OAB de São

Paulo, por meio de advogados dativos. Com a criação da DPESP esse atendimento

ganha em qualidade, através de defensores públicos dedicados exclusivamente para

39 Única exceção se observa no estado do Paraná, que segue a proposta de previsão do serviço em sua lei de

criação como a da DPESP. Entretanto, naquele estado as dificuldades políticas e orçamentárias têm impedido a

implantação do serviço.

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 257

esses atendimentos e, gradativamente, vem reduzindo o número de casos

encaminhados para o convênio, que ainda se mantém porque a Defensoria não tem

ainda estrutura para atender a população do estado inteiro. Quando de sua criação,

houve uma grande participação dos movimentos sociais para a estruturação dessa

Defensoria, que coincidiu aí com uma obrigação do estado, de criar a instituição por

conta de estar prevista na Constituição de 1988. Esses movimentos apresentaram ao

governo uma proposta consistente de como poderia ser essa instituição, que acabou

sendo acolhida para a criação da Defensoria Pública. Essa participação dos

movimentos sociais fez com que a cara da Defensoria de São Paulo fosse um pouco

diferente das dos demais estados. E uma dessas inovações é o atendimento

multidisciplinar, interdisciplinar” (RDP 1).

A previsão do CAM como diferencial do atendimento das defensorias dos outros

Estados:

“O atendimento multidisciplinar não surge no estado de São Paulo porque existem

outros serviços multidisciplinares em outros estados, a diferença é quanto ele faz

parte da estrutura da instituição. Em São Paulo, se você busca na lei de criação da

Defensoria Pública nº 988, você já vê nos primeiros artigos a previsão de que a

Defensoria deve oferecer um atendimento interdisciplinar. A Defensoria conta como

um de seus órgãos auxiliares o Centro de Atendimento Multidisciplinar, isso previsto

em lei, o que dá uma sustentabilidade para essa atuação muito maior do que em

outras onde o atendimento interdisciplinar entra como um projeto ou como um apoio,

como uma iniciativa do administrador, que cria um núcleo ali, mas que não há essa

missão legal de que a instituição tenha esse órgão como parte integrante de sua

estrutura organizacional” (RDP 1).

A necessidade de um atendimento integral:

“A Defensoria Pública para atender melhor e adequadamente a população mais

pobre e com mais necessidades precisaria de um atendimento muito mais integral do

que exclusivamente a assistência judiciária ou prestação de um serviço advocatício.

Além dessa questão dos movimentos e dessa previsão legal, parte dos procuradores

que eram da Procuradoria de Assistência Judiciária, e que optaram por se tornar

defensores públicos, teve uma experiência de atendimento interdisciplinar com uma

parceria que existia com o CRAVI, Centro de Referência e Apoio à Vítima, aqui em

São Paulo, e de alguma maneira tiveram ali os rudimentos do que seria experiência

interdisciplinar. Oitenta e sete procuradores, à época, optaram por essa nova carreira

de defensor público com redução de salário, com a condição de estrutura pior, mas

porque estavam envolvidos com o projeto de Defensoria Pública. Tem ali além da

participação de movimento para a inclusão na estrutura da instituição, também o

início de prática de futuros defensores públicos em relação à importância desse

atendimento interdisciplinar para as pessoas que procuravam esses serviços de

assistência judiciária” (RDP 1).

O Convênio com a ONG Pró-Mulher: a primeira aproximação dos diferentes

saberes.

“De 2006 a 2010 o CAM ainda não tinha sido implantado. Nesse período houve um

convênio com uma ONG chamada Pró-Mulher, que tinha psicólogos e assistentes

sociais. Alguns casos eram encaminhados a essa ONG para ter uma composição de

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 258

atendimento, principalmente, casos de conciliação e de mediação. Um convênio, essa

contratação um tanto quanto precária e externa à instituição. Em dado momento esse

convênio teve que ser interrompido e foi possível o concurso para a estruturação da

carreira própria. Então, para inserção dos psicólogos, assistentes sociais, e outros,

foi criada pela Lei n.º 1.050 para a carreira de Agente de Defensoria Pública, que

seria o quadro de apoio de ensino superior. Foi realizado concurso para essa carreira

no início de 2010, e a gente tomou posse em abril de 2010. Com a entrada desse

quadro é que se implanta efetivamente os Centros de Atendimento Multidisciplinar

que estavam previstos na lei” (RDP 1).

9.3.2 O Processo de construção de um Novo Modelo de Atuação

Embora previsto na lei de criação da instituição, o CAM começa a ser

sistematizado somente após a contratação dos Agentes da Defensoria Psicólogos e Assistentes

Sociais, em um difícil diálogo em que a influência de diferentes paradigmas e expectativas

somadas ao desconhecimento de o quê exatamente poderia ser feito, vão compondo uma

proposta de atuação. Alguns parâmetros iniciais subsidiaram o processo: (i) a necessidade de

se elaborar uma deliberação em que se estabelecessem objetivos, atribuições e funcionamento

do Centro; (ii) a definição de procedimentos para o encaminhamento de casos de pessoas com

transtornos mentais; (iii) o entendimento de que o serviço deveria seguir os objetivos e a

missão institucional, e, consequentemente, não se estabelecer atuação semelhante a dos

demais órgãos do Sistema de Justiça ou de outras instituições já existentes.

O processo de discussão e de elaboração da deliberação trouxe à pauta

expectativas institucionais de um trabalho de diagnóstico que direcionasse a identificação da

existência ou não de demandas jurídicas nos discursos das pessoas consideradas como

portadoras de transtornos mentais. O posicionamento dos novos profissionais começa por

procurar descaracterizar a possibilidade dessa expectativa de diagnóstico de transtornos e a

apresentação de propostas de atuação baseadas nas diretrizes de políticas públicas e de um

atendimento diferenciado, abrindo espaço para a busca de entendimento das diferentes

necessidades das pessoas portadoras de transtornos mentais. Inicia-se assim a construção de

uma proposta de trabalho mais alinhada aos princípios da Cidadania e de Direitos Humanos.

Elaboração de uma deliberação:

“Com a nossa entrada, a Defensoria teve que se haver pela primeira vez em como vai

funcionar esse serviço tendo, inicialmente, defensores públicos pra pensar esse

serviço. Eles esboçaram, fizeram algumas pesquisas, mas não havia um exemplo pra

eles seguirem em Defensorias outras de outro estado. Eles compuseram um grupo,

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 259

com defensores públicos interessados na matéria para dar um desenho inicial, uma

cara inicial pra nossa recepção. Mas uma opção da instituição foi de que uma

regulamentação mais refinada de como seria a atuação desses profissionais,

considerando que a maior parte desse quadro de apoio que entrava era de psicólogos

e de assistentes sociais, fosse construída junto com esses profissionais ingressantes.

Então, na nossa semana de recepção foram reservados dois dias de atividades para

discutir a regulamentação específica das nossas áreas. Foi apresentada uma minuta

original desse grupo que contou com o apoio de um defensor público que tinha mais

proximidade com a área, e os próprios profissionais ingressantes foram lapidando,

desenhando uma proposta de como seria essa regulamentação, que falava das

atribuições, da organização do serviço, da finalidade, coisas importantes pra gente

saber o que tem que fazer na instituição” (RDP 1).

A expectativa do diagnóstico:

“A primeira coisa que eles pediram pra gente tinha a ver com transtorno mental. Eles

tinham lá uma deliberação que eles estavam tentando aprovar no Conselho Superior,

mas eles tinham algo muito rudimentar e não tinham a ideia de se aquele que era o

caminho e aí eles deram uma cópia pra cada um e disseram olha, a gente gostaria que

vocês lessem e amanhã a gente discute sobre isso pra ver se já dá pra encaminhar. E

o que foi interessante, quando a gente leu Serviço Social e Psicologia, cada qual na

sua especialidade, a gente percebeu essa expectativa que eles tinham de que a gente

ia diagnosticar pessoas e dizer se realmente dava pra atender ou não, e se aquela

demanda era legítima ou não, se não era fruto de algum transtorno mental dela”

(RDP 5).

A proposta de atuação alinhada às diretrizes de políticas públicas e de

atendimento:

“A gente se comprometeu a propor algo na linha de diretrizes e política pública e,

também, de atendimento interno na Defensoria, que garantisse um melhor

atendimento da pessoa com transtorno mental. Então, ao mesmo tempo em que a

gente trabalhou na proposta da criação da deliberação, que dizia como o Centro de

Atendimento iria funcionar, a gente também trabalhou com a outra deliberação que

era do atendimento da pessoa com transtorno mental dentro da Defensoria. Isso foi

interessante porque eles realmente deixaram espaço pra que a gente pudesse dizer de

que lugar é esse que a gente fala e porque a gente entende que pra trabalhar com essa

população não pode seguir uma lógica linear, a mesma lógica de fila, o mesmo

raciocínio de uma demanda mais ordinária da Defensoria Pública” (RDP 5).

“Um marco importante aí na criação do CAM: três meses depois dessa construção, a

proposta foi apreciada pelo Conselho Superior da Defensoria Pública, que é um

órgão aqui na instituição que tem a competência para regulamentar a atividade.

Houve algumas propostas de alteração, que faz parte do processo democrático,

colocar os pesos aí da administração e da missão da Defensoria, e foi editada a

primeira regulamentação do Centro de Atendimento Multidisciplinar, que é a

Deliberação do Conselho Superior nº 187, de 2010. Esse ano a gente fez uma edição,

um aperfeiçoamento dessa norma, mas é a que orienta a atuação do CAM na

Defensoria” (RDP 1).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 260

9.3.3 Os Pressupostos de um Novo Modelo

A construção da atuação dos profissionais evidenciou um processo dialógico (i)

nas dificuldades vivenciadas pelos profissionais da Defensoria no atendimento e no

entendimento do discurso das pessoas portadoras de transtornos mentais; (ii) nos princípios

democráticos propostos para a Instituição, priorizando o acesso à justiça e o cuidado na

avaliação de denegação de atendimento; (iii) e na valorização de uma atuação, coerente com a

proposta da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, embasada na perspectiva dos

Direitos Humanos, que foram norteando as reflexões e a definição de um novo paradigma de

atendimento dentro do Sistema de Justiça.

Os impasses no atendimento às pessoas portadoras de transtornos mentais e a

iniciativa da Ouvidoria (anterior à contratação dos Agentes de Defensoria) de elaboração de

uma normativa para incidir sobre o problema:

“A Defensoria, mesmo antes da nossa entrada, se ateve às dificuldades de encaminhar

os atendimentos de pessoas portadoras de transtornos mentais. Pessoas que

chegavam aqui, os defensores interpretavam que atrapalhavam o atendimento, tinham

receio de questões de segurança em relação a essas pessoas, medo mesmo delas

serem perigosas, diziam que o atendimento era inócuo porque as pessoas não falavam

coisas que faziam sentido para a demanda jurídica, que vinham recorrentemente à

instituição. Então, esses eram problemas que se deparava a instituição em relação ao

atendimento dessas pessoas e que estavam impactando em um atendimento ruim

oferecido a essas pessoas. Pra tentar criar uma alternativa pra esse atendimento que

era ruim, e que era um problema pra ambas as partes, pra pessoa que não tinha um

bom atendimento e para os defensores públicos e servidores, que também era algo que

os transtornava e que eles não tinham resposta, a Ouvidoria Geral propôs uma

normativa que pudesse incidir sobre esse problema. Esse processo foi para o

Conselho Superior e teve manifestação do então corregedor geral da instituição

contrária, apontando alguns problemas, e o processo acabou sendo arquivado. Só que

aí, confiando na nossa expertise, no nosso Curso de Acolhimento, em uma das mesas

fez parte do nosso material de apoio tanto a proposta da Ouvidoria quanto o voto do

corregedor-geral pelo arquivamento da proposta, e um convidado externo pra debater

a situação conosco” (RDP 1).

Impasses da proposta da Ouvidoria quando analisada sob a perspectiva de Direitos

Humanos:

“Tendo acesso à proposta, realmente era uma proposta um tanto quanto problemática

que, por exemplo, indicava que quando a pessoa estivesse em atendimento e o

defensor público suspeitasse que a pessoa tivesse transtorno mental, ele deveria

encaminhar essa pessoa para o CAM, que faria uma avaliação daquela pessoa. Se ela

tivesse mesmo transtorno mental, indicariam que ela passasse por uma avaliação

psiquiátrica pra confirmar essa avaliação, se fosse o caso, seriam tomadas

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 261

providências para a sua interdição, fariam contato com a sua família. Aspectos muito

problemáticos de suspensão de direitos, de interdição da pessoa, sendo que não foi

para isso que a pessoa procurou a Defensoria. Alguns pontos que, inclusive, foram

destacados pelo próprio corregedor no voto dele. Então, na minha avaliação, muito

adequado que tenha sido arquivada, pelo menos essa proposta. Os problemas ali

eram do mérito mesmo do conteúdo da proposta, pensando numa perspectiva de

Direitos Humanos” (RDP 1).

A necessidade de aprimorar a ideia proposta pela Ouvidoria para uma adequação

às perspectivas de defesa de Direitos Humanos:

“Havia alguns problemas que não eram tanto da técnica jurídica, não era algo

equivocado por isso, mas da perspectiva do direito mais adequado aos princípios da

Defensoria em relação a uma defesa dos Direitos Humanos, ela tinha problemas. Até

porque a Ouvidoria tem esse papel também de interesse na defesa das pessoas, então

ela não tinha intenção de prejudicá-los, mas faltava repertório de como lidar com

aquela situação, tanto que, também as propostas do corregedor quando recusa a

proposta da Ouvidoria eram um tanto incipientes, tanto que não gerou uma nova

normativa, só pediu o arquivamento da anterior, com algumas sugestões até

interessantes, mas faltava uma proposta robusta para resolver o problema” (RDP 1).

Impasses diante das expectativas de argumentos para denegar atendimento em

uma instituição com a missão de atuar no Acesso à Justiça:

“Tinha uma questão que ainda era presente, que ainda não estava resolvida que era

isso: a pessoa achando que o atendimento gerava ônus, que tinha medo, e que queria

ter uma normativa que regulamentasse basicamente para poder denegar os casos com

segurança. Então, assim, eu não tô atendendo não é porque eu tô fechando as portas

da Defensoria, é por esse, esse, e esse motivo. Era um anseio de parte das pessoas que

não conseguiam lidar com esse atendimento, não era um jeito de atender melhor, mas

era um jeito de falar, uma justificativa legal e coerente de que o problema não era

dela. E não foi a proposta que a gente quis construir” (RDP 1).

9.3.4 As Premissas da reforma psiquiátrica como referência para a construção da

Normativa para o Atendimento

“A primeira referência pra gente construir essa normativa foi a Reforma Psiquiátrica

Brasileira, em especial, mas de maneira geral como um processo. Compartilhando da

premissa de que as pessoas estão aí, têm que viver em comunidade, e por

consequência vão procurar os serviços, e por consequência vão chegar à Defensoria

Pública e, inclusive, vão querer acessar a justiça. Então isso é uma premissa, tendo

isso como premissa a gente não pode pensar que o acesso dela à justiça quando ela

procura a Defensoria é para ser enquadrada nos artigos jurídicos que dizem da

loucura, por exemplo, a interdição, no caso da proposta da Ouvidoria” (RDP 1).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 262

“Não é assim, primeiro identifica, já que você é louco, só lhe cabem esses artigos. Ele

pode ter acesso a qualquer coisa. Por exemplo, divorciar, pedir uma ação

indenizatória, qualquer que seja o seu pedido, ou pedir inadequadamente aquilo que

ele imaginava ser da esfera jurídica ou que não é. Qualquer que seja a demanda, ela

pode bater às portas da Defensoria para ser escutada no seu pedido. Inclusive, um

pedido de cuidado em saúde mental, ou de uma demanda em saúde mental que ela não

está acessando por uma ineficiência do poder público em atendê-la. Então, todo esse

rol de atendimento teria que ser possível da pessoa procurar a Defensoria Pública”

(RDP 1).

A mudança de modelo legitimada na alteração da deliberação. A busca de uma

coerência com a nomenclatura utilizada pelos movimentos antimanicomiais que orientam a

rede de atendimento em saúde mental:

“Para destacar essa mudança de paradigma, a gente também propõe uma mudança já

de princípio no título da deliberação proposta, que abandona o portador de

transtorno mental prevista na legislação, da maneira como está positivado e inclui

nesse título a pessoa em sofrimento mental ou com transtorno mental, que é o alvo

dessa deliberação, em sofrimento mental, seguindo a nomenclatura utilizada pelos

movimentos antimanicomiais e pelos teóricos e técnicos do atendimento psicossocial,

que orientam hoje a rede de atendimento de saúde mental a essa população” (RDP 1).

O motivo da alteração proposta:

“Essa mudança conceitual é importante porque afasta a ideia de que o defensor

público ou o atendimento jurídico tenham que identificar ou diagnosticar a pessoa

para atendê-la de uma maneira que vá ao encontro de sua condição. Então, pouco

importa se ela tem ou não um transtorno, o que acontece é que pode ser de fato um

atendimento diferente da maioria dos demais, que isso exija um cuidado melhor,

tratar e atender diferente aquela pessoa, para atingir a demanda dela e não afastá-la

porque ela não fala como os demais. Então, apontar que a dificuldade de atender bem

e corretamente essas pessoas não está no problema dela comunicar delírio ou dela

não se comunicar bem, mas o problema de comunicação aponta para os dois lados.

Precisa haver um ajuste da instituição para escutar corretamente o que as pessoas

estão trazendo de demanda. Então, deixa de ser algo de apontar que ela tem um

transtorno mental, então, sai da fila aqui e vai ser atendido de lá, pra ser algo assim

como é que a gente vai entender o que ela está pedindo. Porque está numa condição

de sofrimento ou confusão mental naquele momento, pode não ser um diagnóstico

perene, pode ser uma crise, a pessoa pode já estar sendo tratada, diversas podem ser

as variáveis, e fazendo esse ajuste o CAM é incluído nessa nova proposta não como

um serviço que corre em paralelo para o qual são encaminhadas as pessoas, mas um

serviço que apoia o atendimento jurídico da Defensoria pra que essa demanda seja

mais bem compreendida” (RDP 1).

O que se propõe: um atendimento interdisciplinar.

“O que se propõe é que na medida em que o defensor público ou o estagiário de

Direito tem dificuldade de compreender qual é a demanda daquela pessoa que está

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 263

com discurso confuso, está instável emocionalmente para conseguir expressar, que o

profissional do CAM, seja psicólogo ou assistente social, e qualquer uma das duas

áreas porque não se pretende um diagnóstico psicodinâmico da pessoa e sim uma

comunicação com ela para que conjuntamente esse operador do Direito e do

atendimento do CAM atendam essa pessoa e compreendam quais são as medidas

possíveis, judiciais ou não. Pode ser algo de acesso a um serviço que não precisa

passar por uma ação, e que possa ser resolvido por um psicólogo e por um assistente

social estritamente dentro de suas competências e atribuições dentro da instituição.

Essa normativa reconfigura o atendimento para essas pessoas, colocando o CAM e o

atendimento jurídico lado a lado para um atendimento interdisciplinar, mais que

multidisciplinar, que possa compreender melhor os pedidos e demandas da população

que nos chega, inclusive aquelas que tiverem transtorno mental diagnosticado ou que

de alguma maneira se apresentem de maneira diferente das demais em relação à

organização de suas demandas” (RDP 1).

Propondo alteração na condução do atendimento das pessoas com transtornos

mentais:

“Essa deliberação tem uma forma diferente de todos os outros atendimentos: a pessoa

vem uma vez, a demanda dela tem a ver com transtorno mental? Quem diz que tem

somos nós, não porque a gente diz a pessoa tem transtorno mental, mas porque no

diálogo com ela, ela diz que já passou pelo CAPS, ela faz acompanhamento e tal, e a

partir desse dado a gente diz que sim, a pessoa pode estar nessa deliberação. E aí ela

passa a poder vir ao CAM quando ela quiser. Ela não precisa vir para a fila da

triagem toda vez pra depois vir passar no CAM. Ela pode retornar ao CAM e falar,

olha sabe o que é, eu fui lá no CAPS, conversei, mas não fui bem atendida, eu queria

que vocês pudessem interceder de uma outra forma. A gente entende que nesse caso

específico, o CAM precisa acompanhar melhor a demanda dessa pessoa. Porque uma

das diretrizes que a gente tem na nossa deliberação do funcionamento do CAM é não

substituir a rede de serviços. Então nessa não substitutividade o que acontece? Se a

gente acompanha demais, a gente acaba fazendo o trabalho que é da assistência

social, do próprio CAPS. Mas como a pessoa está vindo até a Defensoria, a gente

tenta construir com ela, porque ela veio procurar a justiça, alguma lógica se formou

pra ela, algo não está do jeito que ela acha que seja adequado a ponto dela vir buscar

um órgão da justiça. Então a gente tenta acompanhá-la até o ponto que ela consiga de

fato ser referenciada no serviço que for mais competente” (RDP 5).

9.3.5 A necessidade de estratégias criativas

A consciência da importância de um novo modelo e a identificação com a

necessidade de se trabalhar na garantia e defesa de Direitos Humanos impõe a necessidade de

se pensar em práticas que efetivamente pudessem proporcionar o acesso à justiça das pessoas

portadoras de transtornos mentais. Paradigma novo passa a exigir novas práticas.

“O que a gente percebe é que esses casos precisam de uma estratégia criativa, não

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 264

tem um modelo pronto, o que a gente tem mesmo são diretrizes. Às vezes, num

atendimento, o defensor não consegue identificar a demanda da pessoa, que seja pra

judicializar ou pra resolver de forma administrativa, não consegue identificar. A

gente pode ser chamado para fazer o atendimento junto com o defensor ou a pessoa

pode ser encaminhada ao CAM para melhor esclarecimento da demanda. Foi isso que

a gente tentou trabalhar com eles, porque a demanda da pessoa pode ser jurídica sim,

pode ter uma via judicial, o problema é que de algum modo naquele momento ela não

consegue expressar o que ela tem pra dizer, e a gente pode contribuir por quê? O que

a gente não gostaria que acontecesse é que todos ficassem no CAM, a gente não tem

nada a ver porque é transtorno mental e a gente não tem esse diálogo, então de algum

modo a gente tentou essa interface. O que acontece é que no dia a dia, aí depende de

cada Unidade” (RDP 5).

“A ideia da deliberação é porque no Direito tudo tem que ser normatizado, tem que

estar na regra, com fluxo estabelecido, para que todo mundo diga como é que tem que

ser feito. Então foi difícil estabelecer esses pontos porque é difícil para o Direito

entender essa dimensão de que às vezes não é linear: Ah, mas então a pessoa chega

lá, vai no CAM a hora que quer? Não, não é na hora que quer, mas é com ela que a

gente estabelece um dia que ela pode vir, ela vem naquele dia sempre, num horário

que é mais tranquilo, e ela pode voltar. E aí, junto com o serviço de saúde também, a

gente vai organizando, tem CAM que às vezes estabelece um contato com o serviço de

saúde e fala assim: Oh, vamos combinar com ele que uma semana ele vai aí, e uma

semana ele vem aqui. Porque às vezes a pessoa só volta na Defensoria e não quer ir lá

no CAPS. Ah, então tá bom, uma semana eu venho aqui e a outra eu vou lá? E a

pessoa começa a ir. Aí, vai tentando reorganizar pra que ele não precise mais voltar

tanto na Defensoria, e entender qual é o lugar da Defensoria, o que a Defensoria já

fez, e como ele trabalha lá as questões, por exemplo, de perseguição e de outras

coisas que podem ser construídas. Isso é um pouquinho desse trabalho” (RDP 5).

Estabelecendo portas e estratégias alternativas de acesso à justiça

A construção de uma atuação que se fundamenta no princípio da dignidade

humana, e que parte de uma proposta de atendimento integral, se depara, necessariamente,

com desafios de busca constante de estratégias que possam facilitar o acesso à justiça.

Algumas das alternativas identificadas ilustram a seguir o percurso que os profissionais estão

construindo, decorrentes de um processo de imersão na realidade dos serviços de saúde e/ou

de assistência, assim como na busca constante de compreensão das necessidades das pessoas

atendidas. Essas alternativas incluem o desenvolvimento de estratégias para subsidiar ações

de Levantamento de Interdição; comprometimento com ações de Educação em Direitos

juntamente com serviços de assistência e de saúde; estratégias que facilitem o acesso à

informação; estabelecimento de rotinas de trabalho na DPESP que acolham as pessoas

portadoras de transtornos mentais ou que facilitem o acesso, minimizando barreiras de

comunicação.

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 265

9.3.6 A atuação em ações de levantamento de interdição e em educação em direitos

Atuação em ações de Levantamento de Interdição e em Educação em Direitos: a

abertura de espaços institucionais para o questionamento das garantias de direitos nos casos

de interdição de pessoas portadoras de transtornos mentais:

“Tem uma ação que chama Levantamento de Interdição em que a pessoa interditada

pede pra cessar essa interdição. Um trabalho que a gente faz é de entender com a

pessoa como é que ela se organiza. Entender qual a estória dela, porque, por

exemplo, no judiciário não tem um paralelo do Serviço Social e da Psicologia nessa

ação, eles trabalham na Vara da Infância e na Vara da Família. Apesar da interdição,

às vezes, estar na Vara da Família, quando é Levantamento de Interdição não vai

para a equipe. Eles entendem que é só uma avaliação médica pra se ter certeza

absoluta de que se pode ser ou não uma ação de Levantamento de Interdição. E aqui

na Defensoria a gente tenta trabalhar qual estratégia? Tem o acompanhamento da

Psicologia junto com o Serviço Social para acolher essa pessoa, entender a estória

dela, e tentar ver com ela como ela se organiza em relação à família, em relação à

vida dela na comunidade, se ela trabalha. Por que o que acontece... pessoa

interditada não pode trabalhar, então, em geral ela trabalha de bico ou alguém que

sabe do caso dela e ela tem condições de trabalhar, então, paga, mas não paga

registrado porque não pode ser feito dessa forma. Então a gente tenta acompanhar

isso, acompanhar ela no serviço de saúde. Quando a pessoa vem solicitar o

Levantamento de Interdição, em geral ela tá vinculada num serviço de saúde. Muitas

vezes o serviço de saúde apoiou para que ela viesse à Defensoria e pedisse esse

Levantamento” (RDP 5).

Estabelecendo estratégias para subsidiar a defesa em Ações de Levantamento de

Interdição

“Tem um caso que a gente acompanha que o irmão quer de todo modo que ela

permaneça interditada. Ela teve uma fase mais difícil, de desorganização e aí

realmente ela chegou à interdição, e a mãe dela que é a curadora. Agora ela está

numa outra fase porque ela aderiu ao tratamento, ela faz acompanhamento no CAPS

com frequência, então ela já trabalha, já estabeleceu um relacionamento. Os motivos

que levaram à interdição, na visão do CAPS, é que eles já não existem mais. Então ela

vem pedir o Levantamento. A psicóloga da DPESP fez um relatório nesse sentido;

olha, ela organiza a própria renda, ela organiza a vida amorosa dela, ela tem um

vínculo na comunidade, ela tem contato com a mãe, com frequência ela ajuda a mãe

no sistema de saúde, ela vai passear, ela tem atividade na comunidade que ela

participa, ela vai ao CAPS, com frequência. A psicóloga anexou o relatório do CAPS

a respeito. Tudo isso a gente faz pra subsidiar uma defesa para além de um elemento

mais jurídico. Então é dizer para o juiz que essa pessoa se organiza de outro modo.

Não é só o médico: Ah, o médico diz e pronto, não! Tem muito mais coisas que dizem

se a pessoa tem condições ou não de organizar a própria vida. Então, a gente faz esse

acompanhamento para garantir a defesa do defensor em relação ao Levantamento de

Interdição” (RDP 5).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 266

Ações de Educação em Direitos por aproximação da DPESP dos Serviços de

Saúde e de Assistência do município:

“O que a gente tem feito é chegar ao serviço, informar o serviço dessa possibilidade.

Nos serviços de saúde e nos serviços da assistência, que são as primeiras portas

aonde a população chega, e dizer a eles, se vocês tiveram questões em que não está

bem claro qual é a demanda judicial, pode ser judicial e às vezes nem é, traz primeiro

pra gente conversar. E aí tanto podem ligar e a gente discutir o caso, quanto a gente

pode ir ao serviço, quanto eles podem trazer a pessoal até aqui. A gente já teve caso

do Centro Pop, a gente já teve caso do CAPS, e um caso do CREAS, que eles

trouxeram a pessoa e eles acompanharam a pessoa até aqui” (RDP 5).

“A gente trabalha com o Serviço de Saúde Mental e as pessoas não sabem dessa

possibilidade (Ação de Levantamento de Interdição). Então uma das formas que a

gente tem de levar essa informação é através do CAPS. O quê que a gente faz? Não

somente o CAPS, mas também as UBSs. A gente já agendou com a Coordenadoria da

Saúde Mental, e uma das coisas que a gente colocou é isso, tanto nós podemos ir às

assembleias de vocês, ou em alguma outra situação, pra falar sobre o que a

Defensoria pode fazer, quanto vocês podem avisar nos casos de Interdição, por

exemplo, se a pessoa se sente fortalecida o suficiente pra vir procurar a Defensoria e

pedir o Levantamento de Interdição, que ela venha. Porque às vezes tem uma série de

violações de direitos que a gente só vai saber se ela chegar até aqui. Se vocês

souberem de alguém que não está fortalecido o suficiente e precisa esclarecer dúvida,

a gente pode ir até ela, pra esclarecer dúvidas pelo menos pra ela refletir, e ver o que

ela faz depois. A gente trabalha com a Saúde Mental e agora a gente vai tentar

trabalhar com as Unidades Básicas de Saúde, a gente vai fazer a primeira reunião

com a Coordenadoria para tentar entender o fluxo, como que poderia ser feito, para

gente chegar mais perto da comunidade, porque vai para o CAPS uma parcela da

população, mas o grosso da população vai à UBS. E aí vamos tentar ver se eles têm

grupos de comunidade, se a gente pode fazer alguma coisa a mais” (RDP 5)

A previsão da deliberação para facilitar o acesso aos serviços da Defensoria para

os casos de pessoas portadoras de transtornos mentais:

“A deliberação é bem clara, nesses casos tem que facilitar a porta de entrada. Nem

que seja o CAM esclarece primeiro e aí depois, tudo bem, então ele já sabe. E o que a

gente costuma fazer também, e eu acho que é uma característica mais da Unidade,

aqui no CAM: todo caso desse a gente escreve e depois faz uma informação, não é um

encaminhamento não é nada, é para o usuário. Então, o Senhor veio aqui hoje, foi

atendido por nós, e dentro daquilo que nós conversamos o Senhor já sabe que tem que

fazer isso, tem que fazer aquilo, tem que fazer aquilo outro, é isso que o Senhor vai

levar. É um documento que ele tem que em qualquer outro lugar, porque ele vai ao

CAPS depois disso, ele vai explicar para o irmão dele, que é amigo dele, que ele

confia, sobre o que ele conversou aqui. Então, às vezes, a pessoa não necessariamente

consegue traduzir pro outro a conversa que foi feita aqui e pode gerar uma

desconfiança ou algum problema que ele não precisa ter em relação ao passos que ele

precisa dar depois desse diálogo aqui no CAM. A gente faz uma informação por

escrito e entrega pra ele. Ah, o Senhor precisa ir lá ao Poupa Tempo porque faltou tal

coisa e o Senhor não tem a segunda via. Desde a coisa mais simples até informar à

família que pode comparecer à Defensoria pra fins tais. Às vezes é um caso que a

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 267

gente descobre que não é caso de judicialização, mas que o próprio CREAS pode

acompanhar e pode assumir, e aí foi dada a orientaçã” (RDP 5).

“Tem o Centro Pop para a população em situação de rua. Teve um caso que eles

encaminharam pra gente. Quando é um caso que é preciso entender direito o que

juridicamente é possível fazer, eu peço pra vir primeiro falar com a gente, pra

entender o contexto pra gente falar com o defensor, e aí depois retorna na triagem

trazendo os documentos, se for o caso. Tem um caso de uma senhora que tem

transtorno mental, na trajetória dela tem três filhos, ela não conseguiu exercer a

maternidade. Ela sempre ficava nessa situação de rua, sofria uma hostilização da

família por causa disso. Recentemente, como ela está referenciada no Centro Pop, ela

criou vínculo nesse lugar, então ela aceita os encaminhamentos, as propostas,

retornar ao atendimento no CAPS. Ela tinha uma demanda jurídica, tem uma casa

que é de herança, que foi dividido o bem, e ela não foi inclusa. A gente tá construindo

uma ponte com quem é da família que teria participado do inventário pra nos

esclarecer, se foi mesmo o que foi dividido, pra daí a gente seguir via judicial. Porque

se a gente a manda pra fila da triagem, o defensor vai fazer esse monte de perguntas

sem o cuidado devido e ela pode desistir disso e falar: Ah, eu não vou conseguir nada

disso mesmo! Ou ficar nervosa, sem necessidade também, então acaba sendo uma

outra porta de entrada” (RDP 5).

9.3.7 A necessária pró-atividade da DPESP no acompanhamento de demanda de

Saúde Mental

A reflexão apresentada sobre a atuação do CAM junto aos Serviços de Saúde

ressaltou a importância da pró-atividade dos profissionais a fim de que se estabeleça uma

comunicação efetiva que possibilite a chegada do usuário da DPESP ao Serviço de Saúde, e,

não somente, que seja encaminhado sem o processo de acompanhamento.

A DPESP é apresentada como a instituição que atua como um termômetro do

funcionamento das políticas públicas, exercendo importante papel de intervenção e de

questionamento das condições de implantação da política pública de saúde mental no Estado,

além de estabelecer estratégias de diálogo com a rede municipal de serviços de saúde e de

assistência.

O acesso ao Serviço de Saúde e a missão da Defensoria: a necessidade da pró-

atividade para que se estabeleça uma comunicação efetiva.

“Tem uma questão desse acesso ao Serviço de Saúde que tem a ver com a missão da

Defensoria Pública. Porque a normativa, às vezes, é muito fria, porque ela se pauta

com uma condição de voluntariedade e de decisão, que é da maioria das pessoas, mas

que não é de todas. Muitas vezes, o acesso à política de saúde mental, que delega pra

pessoa essa voluntariedade plena e absoluta, racional, ela inviabiliza que a pessoa de

fato acesse. Precisa ter uma pró-atividade em relação a estabelecer uma

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 268

comunicação, e não estou falando de uma internação forçada, de sair caçando a

pessoa na rua pra colocar em uma instituição. Mas de estabelecer esse diálogo, ir

conversar e construir esse vínculo, de construir esse plano de convivência, de cuidado

para o sofrimento que as pessoas têm. Porque a gente não está falando de alguns

casos que chegam à Defensoria, na qual a maneira singular de viver a vida é uma

maneira tranquila, tá bem. Existem pessoas que chegam sofrendo, que questionam,

principalmente em função da perseguição sofrida nas ruas. Não conseguem enfrentar

e pra lidar com esse sofrimento da perseguição elas procuram uma medida jurídica, e

essa medida jurídica não é capaz de fazer obstaculizar a perseguição e o sofrimento

que ela está relatando. Ao mesmo tempo, ela não consegue dentro dessa dinâmica

perceber que é o Serviço de Saúde que poderia ajudá-la nisso. Se você for pegar

empaticamente o que ela tá te falando, ela quer uma ajuda de um poder público ou de

uma instituição terceira para uma perseguição que ela está sofrendo. Agora, se nessa

estrutura você percebe que essa demanda não pode ser obstaculizada por uma medida

de segurança ou de qualquer instrumento jurídico isso não significa que, então você

vai embora e tenta se virar sozinho, a gente escutou e ela ainda acha e como ela não

consegue ainda compreender porque não é a medida jurídica, acho que a

responsabilidade é nossa de encaminhar para um lugar correto” (RDP 1).

A demanda de sofrimento (por persecutoriedade) que precisa ser conduzida com

articulação com a rede:

“A pessoa na verdade tem a demanda quando elas procuram o serviço público, a

gente percebe que outras instituições também recebem, e as injustiças como um perfil

similar: delegacia, ministério público, defensorias e tribunais recebem uma demanda

dessa população com alguma similaridade porque têm coerência o que eles dizem,

eles estão falando de um ataque, de um sofrimento, que na percepção deles é externo

e que eles associam a explicações da realidade, que se você for escutar, você diz, tem

todo sentido. Se ele acredita que na rua dele estão perseguindo e ele não quer mais

ser perseguido, faz todo sentido procurar a polícia, que ele procure uma medida

jurídica que afastem essas pessoas dele, que lhe protejam. É muito superficial dizer

não tenho como provar que têm pessoas externas, então você não tem demanda pra

cá, até porque há uma dificuldade grande de perceber se de fato tem alguma situação

acontecendo, ainda que não exatamente a relatada, se não houve realmente algum

histórico de violência que realmente aconteceu, ou ainda que não seja tal como

relatada, isso precisa ser depurado. Às vezes precisa ser depurado lá no Serviço de

Saúde, com um encaminhamento da Defensoria Pública, que pode voltar dizendo eu

acho que tem alguma situação de violência acontecendo mesmo, que precisa de

alguma medida jurídica. Então, é preciso que as instituições trabalhem juntas pra

acolher, não trabalhar separadamente do modo fordista, que não é comigo, então

joga, procura aí em outro lugar. Tentar numa perspectiva de atuação do CAM para

todos os casos, e que vale também para os casos de pessoas em sofrimento ou com

transtorno mental. É o trabalho em rede, o trabalho das políticas públicas articulado”

(RDP 1).

A definição da continuidade do atendimento: acompanhar a necessidade da pessoa

cobrando o funcionamento das políticas públicas.

“O papel da Defensoria Pública na medida em que é cobrar que as políticas

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 269

funcionem, muitas vezes há um problema na porta de entrada, mas não um problema

dessa rede de acolher o caso. Na medida em que a gente corrige é um caso seu por

causa disso, disso ou daquilo. Então ok, a gente vai seguir atendendo e cessa o

atendimento da Defensoria. Esse atendimento contínuo que substitui o atendimento de

saúde acontece em exceção. Mas, eventualmente, ele acontece porque se é importante

encaminhar essa pessoa para um serviço de saúde e esse encaminhamento não é dar

um papel para ela com endereço e telefone, não é suficiente para que esse

encaminhamento aconteça, então que se faça um atendimento para construir essa

proposta que é adequada para o caso, então há essa nuance. O que nos importa, o

nosso trabalho se encerra, não quando a gente identifica que é um caso de saúde, e

imprime um papel e dá na mão, nosso trabalho se encerra quando a gente avalia que

de fato a pessoa chegará nesse lugar. E por isso, eventualmente, esse trabalho

demora, o processo é mais longo. Eventualmente, pode acontecer da pessoa que não

quer ir, ela não quer buscar, a maneira como ela interpreta a realidade não é a

mesma que a gente avalia. A gente não vai forçar nada, mas também não vai deixar a

pessoa sem respaldo algum” (RDP 1).

9.3.8 A DPESP como um termômetro das políticas públicas, a intervenção para que

sejam implantadas, e a atuação em tutela coletiva

A DPESP como um termômetro do funcionamento das políticas públicas e a

menção ao CAPS como o melhor modelo, mas com necessidade de aprimoramento:

“A gente acaba sendo muito um termômetro de como está o funcionamento das

políticas públicas, sociais e de saúde para a população. E ainda que, eu acho, seja o

modelo, o melhor modelo que a gente tem seja o modelo de atenção psicossocial,

centralizada no CAPS, ainda há muito que caminhar na execução desse modelo. O

que a gente vê nas cidades são CAPS consumidos pelo atendimento direto, cumprindo

pouco ou quase nada daquele papel de referência com um conjunto de serviços

articulados, afinal é o que se propõe no CAPS. Ali não é consulta só, mas atividades,

então que ele saiba que a pessoa não vai passar o dia inteiro e todos os dias no CAPS,

mas circular pelo território. Esse é um trabalho bastante tímido nos CAPS, que acaba

recebendo as pessoas que batem à sua porta e, na medida em que a pessoa tenha uma

aderência voluntária ao que eles estão oferecendo, que acho que é aquém do que

precisa ser o papel do CAPS pra ele dar conta da política de saúde mental. E muitas

vezes por falta de recursos, por falta de qualificação dos profissionais, de que a

proposta não é de um ambulatório de saúde mental. Você vê ainda muitos

profissionais que no discurso do CAPS você vê requícios de uma política de

ambulatório de saúde mental. Então você vai discutir o caso, eles dizem no CAPS é

diferente, portas abertas, até seguem um roteirinho de políticas de saúde ou de artigo

geral de saúde do CAPS, mas quando vai executar o serviço mesmo, a pessoa não

veio na consulta, então é um paradoxo no discurso ainda. E isso a gente acaba

captando aqui na Defensoria. Tem pessoas que têm demanda de saúde mental, querem

apoio, e não têm respaldo no serviço” (RDP 1).

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 270

A possibilidade de a DPESP intervir e questionar as condições de implantação da

política pública de saúde mental estadual prevista em deliberação; as estratégias de diálogo

com a rede municipal; e a participação em processos de tutelas coletivas enquanto alternativas

de atuação:

“A deliberação prevê uma questão mais estadual. Por exemplo, foram identificados 3,

4, 5, 6 municípios que não têm uma política pública de Saúde Mental organizada

conforme previu o estabelecimento dos CAPS. É para notificar o governo estadual

através da Secretaria Estadual de Saúde para que justifique os motivos porque não foi

feito ainda ou notificar cada município. E, internamente, nos municípios, a gente tem

como estratégia de aproximação com a Secretaria de Saúde e com as Coordenadorias

de Saúde Mental e com os CAPS, para poder fazer um canal mais fácil de trabalho. É

preciso tentar fazer essa aproximação de que os casos que a gente encaminha pra lá

não sejam essa coisa de ofício, encaminha, ele dá um retorno. A gente também

participa das equipes deles em alguns casos que a gente encaminhou, pra poder

discutir os casos e tentar pensar as formas possíveis de intervenção. Esse foi o

primeiro trabalho que o CAM ganhou coletivamente” (RDP 5).

Possibilidades e dificuldades de atuação em tutelas coletivas e o papel que o CAM

tem a desempenhar.

“Ainda na Defensoria os defensores têm dificuldade com a tutela coletiva porque ela

exige, por exemplo, as pessoas dizem ah entra com uma ação, uma ação coletiva, mas

não é simples, porque para você entrar com uma ação coletiva você tem que estar

acompanhado, você tem que ter tentado administrativamente, tem que ter bem claro

os sujeitos que estão envolvidos, onde moram, quais as estórias deles, é um trabalho

bem grande para uma pessoa só. E o que eu percebo é que o CAM poderia se

aproximar muito mais nisso, para ajudar os defensores, e aí a gente tem uma potência

de se fazer junto, inter, porque nesse a gente precisa fazer junto. Diferente desses

individuais que eles também têm mais coisas e a gente acaba fazendo um atendimento

e eles fazem outro, vai só conversando, mas nesse da tutela coletiva, acho que o CAM

tem muita potencialidade de colaborar, fazer um trabalho inter, pra poder dizer olha,

vamos fazer uma assembleia, a gente vai junto, fazer uma assembleia com

determinadas pessoas interessadas, ouve o que eles têm pra dizer, vamos ouvir junto,

a gente condensa esse documento, cobra administrativamente, aí não deu certo?

Então vamos fazer uma audiência pública, chamem mais territórios para dizer a

respeito, condensem isso de uma forma, cobrem, não deu certo, aí a gente

individualiza, individualiza no sentido de mapear estória por estória, condensa e

judicializa. Então, a gente tem dois trabalhos juntos que são complementares e que

têm que ser feitos juntos, porque se você vai pra uma assembleia, você tem mil

perguntas, desde as mais simples que a gente poderia responder como questões de

prazos, se prescreve, questões judiciais que o defensor vai saber melhor do que a

gente. Então, eu acho que na tutela coletiva a gente tem mais potencialidade de fazer

um inter com o defensor público, mas isso ainda é bem devagar, tem unidades em que

o defensor faz muito isso e chama o CAM, tem lugar que o defensor não faz, tem lugar

que o defensor faz sozinho. Mas tem uma coisa também da gente fazer um exercício de

provocação, provocação positiva. Vi tal coisa, teve cinco casos essa semana de tal

demanda, pensei em fazer isso, isso, e isso, vamos fazer? Chamar junto pra fazer.

Alguns defensores topam, não são todos, a gente tem ciência de que não são todos que

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 271

estão com essa disposição interna pra fazer desse modo, mas há muitos que estão, pra

gente tentar fazer esse trabalho, não, tudo bem, tem essa demanda e tal. E aí a gente

vai construir junto! (RDP 5).

A denúncia de usuário do Serviço de Saúde e a atuação da DPESP em Tutela

Coletiva

“Teve um caso de um rapaz que fazia tratamento no CAPS e já estava na situação de

sair da medicação e o próprio CAPS falou procura a UBS pra começar a fazer um

acompanhamento psicológico mais próximo do seu território. Os CAPS aqui são

poucos e às vezes é longe das casas das pessoas, e ele foi pra UBS. Na UBS não tinha

psicólogo há um ano, então tinha uma fila à frente dele, e ele veio aqui. E eu falei,

mas o senhor quer o serviço? Ele falou, não, eu vim só denunciar essa situação

porque eu sei que tá errado e eu queria que a Defensoria tivesse ciência e pudesse

cobrar o executivo como um direito em relação a isso. Eu achei fantástico! Eu falei

com defensor e ele falou então a gente abre um procedimento de tutela coletiva e

cobra o município. Fiz toda a avaliação inicial da política, da importância, do

argumento dele ter vindo até aqui, o defensor fez um ofício pra lá. Foi uma atitude

individual que me fez pensar, por isso que a gente vai chegar às UBSs por conta desse

rapaz. Olha a importância de chegar à UBS” (RDP 5).

9.3.9 Princípios, ideais, utopias e realidade possível: um balanço do trabalho realizado

pelo CAM

Uma análise crítica sobre o que foi possível ser construído em quatro anos de

atuação do CAM apontou para a importância das premissas da reforma psiquiátrica e a

necessidade de um repertório institucional que está sendo buscado para lidar com a demanda

de saúde mental: a perspectiva quase utópica do trabalho em rede e a importância da

identificação dos profissionais do CAM com a missão institucional da DPESP.

O corolário da Reforma Psiquiátrica de não trancafiar pessoas e a necessidade de

construção de um repertório institucional para lidar com a demanda de saúde mental:

“Uma coisa muito nova que vejo no serviço é esse corolário da Reforma Psiquiátrica

porque se a gente não vai trancafiar as pessoas e tirar das vistas, elas vão procurar

os serviços. Só que elas vão procurar os serviços não da maneira como as demais

pessoas procuram os serviços. Então, se a gente quer que tenha cidadania, que as

pessoas tenham cidadania, elas vão procurar pelas próprias pernas, e do jeito delas

pleitear as demandas para os serviços. Certo ou não, não cabe à gente julgar, porque

as demais pessoas procuram, também, de maneira equivocada, então, acho que isso é

um esforço mesmo de construção. Acho que esse é o ponto que a gente conseguiu

chegar até agora, não vejo também como um ponto final. Até porque tem algumas

nuances muito difíceis. Há casos que chegam como eu falei, da questão da paranoia,

que mesmo o serviço de saúde, a gente tem notado na prática, tem pouco repertório

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 272

pra lidar. Então a gente consegue trabalhar, fazer um bom encaminhamento, pra que

a pessoa procure um cuidado, um CAPS ou um ambulatório de saúde mental, e o

serviço de saúde não tem repertório pra lidar com aquele caso porque não é uma

pessoa organizada, não é o perfil típico do usuário que eles estão acostumados a

trabalhar, das patologias que eles estão acostumados a trabalhar. Se for usar um viés

mais da medicina, mas de qualquer forma, na medida em que essas pessoas chegam

lá, são pessoas que dentro da sua realidade são organizadas, são pessoas combativas,

que questionam regras do serviço. Não é aquela pessoa que está sofrendo e que te vê

como uma grande ajuda, e que agradece a ajuda e se dispõe a fazer as atividades de

inclusão, não é essa imagem. As pessoas já estavam pelas ruas, talvez não fossem

vistas até a gente tratar dessa forma, eventualmente tinha aí alguma piada sobre sua

figura, mas que trazem uma demanda mais delirante, pessoas que andam com pilhas

de papéis, e que se for tratar com seriedade, se for cobrar do serviço de saúde, que se

debruce no sofrimento daquelas pessoas, no sofrimento que estão relatando, o serviço

não tem repertório, aí você pergunta um pouco a frente ah essa pessoa não tá vindo

mais...” (RDP 1)

“Acho que a gente tá construindo aqui na Defensoria uma maneira de lidar com essas

situações que a saúde ainda não desenvolveu. Porque essas pessoas não batem na

porta da saúde e quando batem é porque a gente encaminhou e eles não sabem muito

o que fazer ainda. É muito diferente. Tanto é que tem muitos casos que a gente não

consegue encaminhar, e talvez não seja nem um caso de uma urgência de

encaminhamento, porque a pessoa tá organizada pra enfrentar esse problema que ela

atribui ser o outro perseguidor. Mas assim, ela bem organizada, tá vivendo bem a

vida, é uma demanda, uma questão pra ela resolver na vida dela e não é algo que a

consuma em relação aos pensamentos” (RDP 1).

Trabalho em rede: uma perspectiva quase utópica.

“Trabalho em rede é uma dificuldade muito grande que a gente tem, essa é a nossa

perspectiva de trabalho só que atingir esse grau de maturidade, e da rede de

atendimento, é quase que utópico pelas diferenças entre as pessoas, por rotatividade,

por mudança de gestão política, por tempo, recurso nosso pra investir na articulação,

mas é uma perspectiva de trabalho. Discutir caso e entrar em contato com

profissionais, ser referência e se dispor a trabalhar, cobrar quando necessário,

porque como a Defensoria Pública não tem como atribuição mesmo no CAM de

executar um serviço de saúde ou de assistência social, ele precisa fazer com que esse

serviço funcione” (RDP 1).

A identificação dos profissionais do CAM com a missão institucional da DPESP.

“O pessoal se identificou muito com a proposta da Defensoria, com o que está na

missão da Defensoria, uma instituição fantástica mesmo, promover o acesso à justiça.

Promover o acesso à justiça que não se confunde com o acesso ao judiciário.

Fantástico. Era o que a gente procurava nas áreas de atuação, em outros lugares,

então, ela recepciona muito bem a gente, a instituição, enquanto ideia, não enquanto

defensores públicos. Então, como esse arcabouço institucional recebe bem as nossas

áreas, pelo menos naquilo que coincide com os princípios éticos, com a nossa

ideologia, fica mais fácil pensar isso. Porque só é possível construir esse lastro,

porque independentemente de eu ter que convencer um ou outro defensor público,

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Resultados das entrevistas com representantes da DEPESPE de Movimento Social 273

com o nome, são propostas que convergem com o que é a proposta institucional”

(RDP 1).

“Então, acho que essa construção aqui, esse arcabouço institucional da Defensoria

em São Paulo, que a gente é recebido, que é claro que tem mérito das pessoas que

participaram da implantação, que estavam lá, as gestões que se seguiram, mas o que

a gente tem, que se assenta aqui, é uma dimensão institucional que está pra além das

pessoas. E é isso que nesses 4 anos foi o intuito de fazer em relação ao CAM, que o

CAM não se assentasse nas 47 pessoas que entraram, que a ideia pudesse ser

transmitida e que, inclusive, a gente recebeu os novos assim, olha, aqui é direitos

humanos, o nosso princípio” (RDP 1).

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10 CAPÍTULO 8

DISCUSSÃO

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Discussão 275

10.1 A trajetória do estudo em discussão

Partindo do objetivo de analisar como se caracteriza o acesso à justiça para

pessoas com demandas de saúde mental da DPESP, foram observadas diferentes fontes de

informações institucionais, as condições de acolhimento e de infraestrutura do espaço

reservado para o atendimento inicial e ouvidas diferentes vozes de atores sociais com atuações

diversas na instituição. Paralelamente, uma trajetória de reflexão teórico-metodológica se

delineava em um processo desafiador de se respeitar/fazer/ questionar a ciência.

Adentrar o universo do sistema jurídico para estudo, partindo de uma área do

conhecimento distinta (psicologia), mostrou-se um desafio caracterizado por impactos

relativos à complexidade do repertório jurídico acompanhado por diferentes lógicas de

pensamento enraizadas na construção de cada um dos saberes. O estudo partiu de uma

inquietação, ou melhor, uma indignação relativa às condições de vida com que as pessoas

com sofrimento mental e seus familiares se deparam e dos impasses na atuação da psicologia

perante tão diversificado leque de afrontas, violações de direitos, dificuldades das mais

distintas, e a percepção de respostas de políticas públicas minúsculas comparadas ao

sofrimento das famílias que delas dependem.

A indignação proveniente de uma prática profissional que acumulou anos de

contato com pessoas portadoras de transtornos mentais em condições de violações de direitos

impulsionou a busca por uma abordagem do tema que ultrapassasse a fronteira de

conhecimentos disciplinares. Ficou evidente que a complexidade da temática precisava ser

observada com lentes que tivessem a capacidade de contribuir para a análise das existências

das pessoas com sofrimento mental (e de suas famílias) sob uma perspectiva em que a

escancarada e vergonhosa desigualdade social brasileira fosse pensada tanto como um dos

fatores desencadeadores de sofrimento mental, quanto responsável pelo impedimento e/ou

estabelecimento precário de políticas públicas que pudessem colocar a dignidade da pessoa

humana em pauta. A partir desse desconforto, o estudo avançou de uma perspectiva

psicológica inicial para a análise das possibilidades jurídicas na busca por alternativas para

melhor atuação diante de condições de existências cotidianamente afrontadas, em casos

extremos, conforme ilustrado no caso Damião Ximenes Lopes, exterminadas.

A abordagem de diferentes caminhos normativos nacionais e internacionais pode

ilustrar possibilidades que foram se construindo desde a década de 1940, após o impacto das

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Discussão 276

violências da Segunda Guerra, cujos princípios de proteção constam tão bem representados na

Declaração de Direitos Humanos (ONU, 1948).

A trajetória internacional foi se delineando com a criação da ONU; a organização

dos Sistemas Europeu, Americano e Africano de Direitos Humanos; a elaboração de

diferentes tratados declarações; e a criação da OMS, com sua ênfase em saúde e no direito à

saúde. No Brasil, a reação e a organização social das décadas de 1970 e 1980 proporcionaram

grande repercussão na busca por uma sociedade democrática que trouxesse a valorização do

princípio do respeito à dignidade para um primeiro plano em reação ao histórico de violações

aos direitos humanos vivenciados no regime autoritário que imperava até então. A bandeira

desse período foi a busca por garantias de direitos. O resultado, uma Constituição que ficou

reconhecida como a Constituição Cidadã.

Em tese, caso se cumprisse as promessas constitucionais estabelecidas, a

sociedade passaria a ter a garantia da cidadania e do respeito à dignidade humana. Entretanto,

vivemos em um país com um dos maiores índices de desigualdade social do mundo. Dessa

forma, mesmo com a previsão de direitos amplos, o acesso a condições dignas de vida está

muito distante da realidade. É a partir dessa ideia que seguiu o estudo, impulsionado por este

desconforto, e pela dificuldade (impossibilidade para muitos) de se ter acesso aos direitos e à

justiça que o estudo se construiu, reconhecendo-se que mesmo que as normativas possuam

limitações e/ou aspectos sujeitos a diferentes críticas, o maior impedimento parece se situar

no percurso que deveria levar o cidadão a ter acesso aos seus direitos e, consequentemente, a

uma vida digna. Dessa forma, as atenções se voltaram para o estudo sobre o Acesso à Justiça

com o entendimento de que esse seria um caminho relevante para se pensar na qualidade das

propostas de uma sociedade mais democrática.

Ao mesmo tempo em que se definiu a temática e o objetivo de buscar alternativas

que pudessem contribuir para se pensar a saúde mental, questões metodológicas foram se

estabelecendo como um terreno de muitos questionamentos. Era preciso encontrar um

referencial que fosse coerente com as questões que se colocavam. Em primeiro lugar, o

reconhecimento de que estávamos diante de um campo de conhecimento que precisaria ser

estudado ultrapassando fronteiras disciplinares do saber: as questões que se colocavam

remetiam ao sofrimento mental, à busca de alternativas e garantias normativas de proteção e

de acesso aos serviços, políticas públicas e/ou programas sociais. Dessa maneira, a atenção se

voltou para instituições e serviços que pudessem ser estudados, que trouxessem propostas nas

quais diferentes áreas do saber atuassem em busca de soluções aos problemas cuja temática

estivesse coerente com os interesses em saúde mental e garantias de direitos. Encontra-se na

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Discussão 277

DPESP o cenário que atenderia às aspirações propostas. Uma instituição nova no sistema de

justiça, com compromisso democrático de atuação, voltada a um público com recursos

insuficientes, para alcançar as tradicionais portas de acesso à justiça. E, ainda, uma instituição

que insere em sua política institucional ênfase em trabalhos interdisciplinares.

Metodologicamente estava faltando, ainda, uma perspectiva que pudesse melhor

atender aos objetivos propostos, e no referencial teórico crítico de Boaventura de Sousa

Santos foram encontradas as respostas a essas inquietações. Tais respostas partiram de

diferentes reflexões do autor e que guiaram o desenho metodológico do estudo. Ao chamar a

atenção para aqueles que historicamente foram invisibilizados (não existentes) e colocados do

outro lado da linha abissal, Boaventura nos instiga a pensar o sistema de justiça e a produção

científica sem repetir as diferentes formas de produção de não existências. Vai mais além e

propõe uma forma de se pensar ecológica, em contraposição à monocultura do saber, uma

ecologia de práticas de saberes, que parte do pressuposto de que em todas as práticas de

relação entre seres humanos participa mais de uma forma de saber e, portanto, de ignorância.

Nessa perspectiva, a injustiça social é entendida estando assentada na injustiça cognitiva, isso

porque o conhecimento científico não está distribuído socialmente de forma equitativa e,

consequentemente, as intervenções que privilegia tendem a serem aquelas que fornecem os

grupos sociais que detêm o acesso ao conhecimento. A proposta de uma ecologia de saberes é

a de luta contra a injustiça cognitiva, o conhecimento sendo visto como interconhecimento,

reconhecimento e autoconhecimento. Reconhece-se a pluralidade de saberes heterogêneos, a

autonomia de cada um dos saberes e a articulação sistêmica, dinâmica e horizontal entre eles.

Cruzam-se conhecimentos e, portanto, também ignorâncias. Como se considera que não há

ignorância em geral, as ignorâncias são vistas como heterogêneas, autônomas e

interdependentes tanto quanto os saberes. Toda ignorância é entendida como ignorante de

certo saber e todo o saber como a superação de alguma ignorância. É na afirmativa da

incompletude de todos os saberes que se encontra a possibilidade de diálogo entre diferentes

formas de saber (SANTOS, 2010a).

Depois de um período de impasses relativos à qual seria a maneira de se abordar a

temática do estudo, a aproximação da Sociologia das Ausências possibilitou identificar: (i) a

ênfase em diferentes tipos de não existência e o caráter de desqualificação de formas de

conhecimento que não se encaixam nos moldes tradicionais; (ii) a importância de se pensar

ciência sem desmerecer a forma científica de se buscar o conhecimento, mas alertando para o

fato de que não se deve descartar nenhuma forma de conhecimento a priori; (iii) e a proposta

de uma Ecologia de Saberes. Tais pressupostos possibilitaram a constatação de que estávamos

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Discussão 278

diante de um referencial teórico que poderia dar sustentação para a reflexão a que se

propunha. Ao valorizar as diferentes formas de saber, ao se propor a colocar em um mesmo

nível de respeito as diferentes formas de saber, científicas ou não, e, partindo do interesse por

àqueles que historicamente foram invisibilizados, desqualificados, estigmatizados,

encontraram-se assim as lentes que iriam nortear a busca por entendimento da temática

escolhida. Era necessário dar voz aos diferentes atores sociais colocando-os em uma

perspectiva de horizontalidade de saber, tanto profissionais quanto usuários que trouxessem o

sofrimento como a causa da busca pelo serviço de justiça.

Nessa perspectiva, o usuário do serviço (participante do estudo) deixa de ser

considerado destinatário passivo da atuação profissional da instituição (pesquisa) para ser

pensado como cidadão que faz parte da construção de uma instituição que se propõe

democrática (conhecimento científico que se produz). Passa, então, a ter voz ativa, a ter

visibilidade social, já não permanece do outro lado da linha da ciência e do sistema de justiça.

Entende-se que dessa maneira trabalha-se de modo coerente com o proposto pela sociologia

das ausências, valorizando as experiências até então desperdiçadas (não existentes), de modo

que se tornem presentes. Amplia-se, dessa forma, a análise das experiências sociais

disponíveis no presente.

Ao serem incorporadas experiências disponíveis nas análises, dilata-se a

percepção do presente e torna-se possível pensar o futuro não como algo indeterminado, mas

como possibilidades resultantes das diferentes alternativas, que partem de uma realidade

ampliada, multiplicada por uma ecologia de saberes, ampliada por pistas e sinais, que podem

ser identificadas se a concepção de presente não estiver desperdiçando experiências com a

produção das inexistências. É essa consciência antecipatória que caracteriza a Sociologia das

Emergências, que está estreitamente relacionada com a Sociologia das Ausências. Ambas

caracterizadas pelo inconformismo, indignação e entusiasmo instrumentalizando a busca de

reflexão e atuação que provoque transformação social.

A aproximação do tema de Acesso à Justiça passou, necessariamente, pelo

trabalho de Cappelletti e Garth (1988), a metáfora das três ondas de acesso, e uma perspectiva

compreensiva que valoriza a importância dos direitos do cidadão comum se tornarem efetivos,

ressaltando para isso necessidades de reforma nas instituições de justiça. Identificando-se os

obstáculos que devem ser transpostos para o efetivo acesso à justiça e fazendo crítica às

desvantagens de indivíduos que têm pouco contato com o sistema judicial daqueles que são

habituais, os autores foram delineando alguns dos difíceis caminhos que precisariam ser

traçados pelo enfrentamento dessas barreiras. Para Sadek (2014), a Defensoria Pública tem

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Discussão 279

condições de romper com o ciclo de desigualdades cumulativas e de privações,

personificando, de uma só vez, as três ondas de acesso referidas por Cappelletti e Garth

(1988): garantindo a assistência jurídica para os pobres; representando os direitos difusos,

com a extensão do direito de acesso à justiça não mais exclusivamente aos indivíduos, mas a

grupos e categorias, valorizando em especial os grupos mais vulneráveis; e atuando na

informalização de procedimentos de resolução de conflitos, simplificando os procedimentos

da justiça estatal e/ou criação de meios extrajudiciais de resolução de conflitos. Santos

considera a importância de se colocar em pauta no sistema de justiça aqueles que

historicamente foram invisibilizados, chamando à responsabilidade o sistema jurídico para se

preparar e ampliar o diálogo com outras áreas, rever a própria formação e atuação política e

simbólica dos profissionais da área, fazendo assim uma transformação democrática da justiça.

Nesse sentido, irá ressaltar a proposta da Defensoria Pública brasileira acumulando diferentes

vantagens: universalização do acesso através da assistência prestada por profissionais formados e

recrutados especialmente para esse fim; assistência jurídica especializada para a defesa de interesses

coletivos e difusos; diversificação do atendimento e da consulta jurídica para além da resolução

judicial dos litígios, por meio da conciliação e da resolução extrajudicial de conflitos e, ainda,

atuação na educação em direitos (SANTOS, 2011).

Partindo de objetivos bastante ambiciosos, resultantes de um dos processos de

movimentação social mais significativo do país, a implantação da DPESP ecoa princípios e

aspirações democráticas de uma sociedade composta por diferentes vozes silenciadas ao longo

de sua história. O novo sistema proposto trouxe a partir do diálogo com a sociedade civil e

órgãos do sistema jurídico um desenho de instituição em que se previa a participação social,

os objetivos da instituição, os critérios para a realização de atendimento, os espaços para a

participação social, tudo democraticamente discutido. Uma proposta que objetivava a

aproximação do cidadão com o servidor público. Dentre seus maiores desafios, destaca-se que

embora a Defensoria Pública esteja prevista na Constituição de 1988 como um modelo de

assistência judiciária, de responsabilidade do Estado, a universalização dos serviços de acesso

à justiça está longe de ser uma realidade, conforme análise das dificuldades da

universalização do sistema feita por Fefferbaum e Cunha (2014): uma dificuldade pelo

crescente número de conflitos que envolvem os cidadãos e outra relativa ao modelo adotado

pela Constituição Federal de 1988 e a incapacidade orçamentária do Estado em prover a

oferta de serviço, cuja demanda é crescente ou ao menos permanente (FEFFERBAUM;

CUNHA, 2014).

Os desafios estão postos, fazendo-se necessário o constante repensar de

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Discussão 280

alternativas em que possam ser ampliadas perspectivas para melhor atender as garantias de

condições dignas de existência aos cidadãos, reconhecendo-se os diferentes interesses

socioeconômicos envolvidos na composição de serviços de acesso. Lauris propõe que o

movimento de ondas de acesso à justiça possa ser ressignificado como um “acesso à justiça

em movimento, em que a alteração da política pública do acesso passa a depender menos da

introdução unidirecional de reformas jurídicas de cima para baixo, vinculando-se à

combinação das aspirações e posicionamentos de diferentes atores” (LAURIS DOS

SANTOS, 2014, p. 54). Em Economides (1999), encontra-se a proposta de uma quarta onda,

a necessidade de se analisar o acesso à justiça para os próprios operadores do Direito

acrescentando a importância de considerar, de maneira tridimensional, a natureza do acesso

aos serviços jurídicos, incluindo a natureza da demanda de serviços; a natureza da oferta

desses serviços; e a natureza do problema jurídico que as pessoas podem desejar levar ao

fórum de justiça. Justamente nesse sentido que se desenhou o presente estudo, buscando

entender a atuação da DPESP no acesso à justiça, incluindo a análise das características de

existência e direitos negados e/ou reivindicados para a demanda de saúde mental atendida

pela instituição, e a atuação dos profissionais na garantia de direitos relativos à saúde mental.

10.2 As características de existência, direitos negados e/ou reivindicados

referentes à demanda de saúde mental atendida pela DPESP

A busca por entendimento das características de existência das pessoas com

demanda de saúde mental procurou seguir um caminho em que pudesse ser dada visibilidade

para a percepção das pessoas sobre suas condições de existência (ou de seus familiares), que

elas pudessem relatar características de suas vidas e motivos que as mobilizaram a buscar a

DPESP. Incluiu, também, a análise da percepção a respeito dessas características provenientes

de quem as recebe na instituição, especificamente, Defensor Público, Agente de Defensoria

Psicólogo e Agente de Defensoria Assistente Social.

Importante ressaltar que alguns parâmetros de inserção e/ou exclusão social serão

considerados para que se possa refletir sobre tais condições de existência. Deve ser lembrado

que para a pessoa ser atendida na DPESP precisa se enquadrar nos critérios socioeconômicos

dessa e, portanto, comprovar sua condição de vida de necessitado ou hipossuficiente.

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Discussão 281

Estamos, portanto, diante da primeira característica de existência a ser considerada, a

identidade frequentemente estigmatizada de pobre, carente, necessitado, hipossuficiente. Ou

seja, incapaz de prover seu sustento e necessitando da proteção do Estado. O Estado

admitindo a desigualdade social passa a precisar promover ações para minimizá-las. Nessa

perspectiva são reforçadas as características de um Estado que deverá prover aqueles

indivíduos que não estão sendo suficientemente produtivos no mercado, seguindo uma lógica

da produção. Nessa lógica são produzidas inexistências sobre a forma de desqualificação

profissional ou de exclusão de mercado, uma das formas de não existência descritas por

Santos (2010a). Junte a esse histórico de diferentes privações vivenciadas em decorrência das

dificuldades de manter a si e/ou suas famílias, a presença de trajetórias de vida que tenham

como característica sofrimento ou transtorno mental, agregando mais um elemento na busca

da caracterização do tipo de existência às quais são submetidas, pessoas muitas vezes

reconhecidas e estigmatizadas como: doente mental, louco, esquizofrênico, bipolar, viciado,

violento, agressivo, incapaz e a lista segue repleta e negativamente adjetivada. Nesse sentido,

é possível se considerar que estamos diante de uma lógica de não existência produzida pela

rotulação de inferioridade, uma existência que “não pode ser uma alternativa credível a quem

é superior, uma naturalização da diferença, uma forma de inferioridade insuperável porque

natural” (SANTOS, 2010a, p. 103). Ou, ainda, uma lógica em que a não existência segue uma

linearidade de tempo, em que aquele que é agressivo e violento é reconhecido como primitivo

em seus atos tendo em vista que não apresenta condições (evoluídas) de pensamento capaz de

conter seus impulsos. Partindo dessa perspectiva, é possível descrever a parcela da população

que busca a DPESP com demanda de saúde mental como aquela que vivencia a não existência

por diferentes lógicas e processos de desqualificação, descartabilidade e invisibilidade social.

A busca pela compreensão dessa demanda, para que pudesse contribuir para o

entendimento sobre as possibilidades de acesso à justiça e saúde mental, caracterizou-se como

um processo bastante complexo devido à possibilidade de que fossem incluídas diferentes

formas de sofrimento vivenciado por uma parcela da população submetida a um amplo leque

de violências e violações de direitos cotidianamente. Sofrimentos que se potencializam diante

de uma realidade de desigualdades sociais e sua produção de invisibilidades e não existências.

Uma característica inicial que chama a atenção é a de que parte relevante da

demanda identificada, incluindo as entrevistas realizadas com os usuários e as alusões dos

próprios profissionais em suas entrevistas, é o fato de que a busca pelo serviço é proveniente

de familiares de pessoas portadoras de transtornos mentais e/ou usuários de drogas. Ou seja, a

possibilidade de conhecimento das características de existência dessas pessoas passa,

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Discussão 282

necessariamente, pela descrição de outra pessoa. A pessoa com demanda de saúde mental

passa, então, a existir na instituição por ser representada por uma terceira pessoa. Caso

contrário, não existiria nesse contexto, permaneceriam do lado de lá da linha abissal

(SANTOS, 2010a). Nesse sentido, diversos impasses se colocam, dentre eles, o fato de que

em parte dessas situações o que se busca em nome da proteção dessas pessoas está

diretamente relacionado com a supressão de seus direitos, especialmente quando reivindica-se

a sua internação e/ou interdição. Consequentemente, a pessoa que é diretamente afetada pelo

encaminhamento e decisão processual não é aquela que busca a instituição. Obviamente, se

reconhece que nessa mesma situação são diversos os interesses que podem estar envolvidos,

desde o real interesse na proteção do familiar até o exercício abusivo de restrição de direitos

para a apropriação de benefícios ou para outras decisões a serem tomadas em nome da pessoa

portadora de transtorno mental ou em sofrimento. O que se propõe para a reflexão é

justamente o fato de que são práticas que acabam por reforçar a invisibilidade e não existência

social de indivíduos seguindo as lógicas da ignorância, residualidade, inferioridade e

improdutividade.

As entrevistas realizadas com os familiares trouxeram à pauta assuntos

relacionados às constantes dificuldades vivenciadas por falta de aceitação das pessoas para

serem tratadas nas situações de uso abusivo de drogas com outros transtornos mentais

associados (ou não). Histórias de vida repletas de dificuldades: abandono de trabalho ou

impossibilidade de trabalhar, situações de alta vulnerabilidade por exposição a diferentes

riscos em vivência de rua (violência física, situação de estupro, infrações e intervenções

policiais, doenças, desnutrição e fome). Existências de muita resistência a aderirem a

tratamentos com históricos de diversas internações psiquiátricas e/ou em Comunidades

Terapêuticas (algumas delas bastante traumáticas), resistências e dificuldades de aderirem a

tratamento medicamentoso e/ou psicossocial, e situações que envolvem poder familiar,

retirada de filhos do convívio com os familiares, disputa por guarda e por pensão alimentícia

de filhos e netos.

Em todos os casos entrevistados, familiares se fizeram presentes na DPESP.

Entretanto, o fato de a família estar de alguma maneira procurando formas para lidar com as

dificuldades da pessoa em sofrimento ou portadora de transtorno mental não impediu que a

rua fosse a alternativa encontrada por alguns deles, que permaneceram em situações de

grandes adversidades e riscos. Existências de violências físicas, estupros e ameaças. Mas,

contraditoriamente, também mencionada como espaço de vivencia afetiva: Saudade da minha

casa... (Elisa), E onde é a sua casa? (primo), Uai, no lixão! (Elisa). Se por um lado foram

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Discussão 283

relatadas dificuldades de inserção em tratamentos hospitalares ou ambulatoriais, de negativas

de adesão aos tratamentos medicamentosos, o caminho da rua surge como uma alternativa

para a pessoa usuária de drogas ou com transtorno mental e como uma falta de alternativa

para familiares diante das constantes adversidades para administrarem os conflitos cotidianos

que somente se agravam com o passar do tempo sem a devida assistência e adesão aos

tratamentos.

Ao serem analisadas as condições de existências, foi possível observar diferentes

formas de interação das pessoas com áreas de saber de cuidados com a saúde. Tendo

vivenciado históricos em que os serviços de saúde estiveram presentes na busca de

alternativas para lidar com as dificuldades com as quais se depararam, desperta a atenção as

diferentes maneiras que se estabeleceram tais relações e a participação das mesmas na busca

do entendimento de suas existências. Quando descreviam episódios envolvendo intervenção

médica psiquiátrica, as referências evidenciavam o distanciamento entre o saber do

profissional e o entendimento da pessoa atendida. As pessoas tentavam explicar a partir dos

diagnósticos médicos o que as caracterizavam como pessoas. Entretanto, predominou um

estranhamento, o próprio diagnóstico era de difícil lembrança, pronúncia e explicação. Algo

totalmente estranho para a pessoa. Em outras situações, a repetição do diagnóstico era feita

quase que automaticamente, mencionavam uma classificação médica e/ou o grau de

comprometimento (leve, moderado ou grave).

As temáticas recorrentes identificadas tanto nas manifestações dos usuários do

serviço quanto naquelas dos profissionais entrevistados se referiam a situações de violências,

uso abusivo de drogas e presença de pensamentos persecutórios. Existências em que se

sobrepõem necessidades de defesa por violações de diferentes direitos (reais ou delirantes).

Identificou-se que as referências mais constantes foram as de busca do serviço por pessoas

com dificuldade com familiares que fazem uso abusivo de drogas, e necessitam de tratamento.

Situações de vítimas de violência doméstica, e situações de pessoas que buscam

espontaneamente o serviço por se sentirem ameaçadas em delírios persecutórios e/ou

condições de violência real.

Nos casos de queixas de perseguição, que podem ser delirantes ou não, a busca

pela DPESP parte, mais frequentemente, da própria pessoa que se sente perseguida. A

instituição passa a ser vista como aquela que poderá eliminar a origem das ameaças. Nesses

casos, a existência caracteriza-se com diversos rituais de busca de proteção, muitas reservas

do sujeito para o estabelecimento de vínculos com as pessoas e, consequente isolamento

social, além de denúncias constantes nos mais diferentes órgãos de justiça, registros de

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Discussão 284

boletins de ocorrência e reclamações em diferentes esferas (municipais, regionais, estaduais e

federais). As ameaças podem ser relatadas como presentes na fala de repórter, jornalista,

personagens de telenovela ou filme, veiculadas ou registradas por equipamentos eletrônicos

com a função de ameaçar ou espionar/invadir a privacidade (computadores, câmeras de

seguranças, gravadores) e envolvem familiares, vizinhos, pessoas públicas, autoridades e

celebridades.

As alusões aos mais diferentes tipos de violência deixaram bastante definido que

se trata de algo recorrente na existência das pessoas com transtornos mentais ou com

sofrimento. Vivências de violência doméstica e em situação de rua, tanto na situação de

agressor quanto de vítima. Violências física, psicológica e patrimonial.

As existências se mostraram constantemente ameaçadas, se fazendo imperativa a

intervenção de tutela. Pessoas altamente dependentes de substâncias químicas, que se

submetem a condições de vida em que não há alimentação adequada nem cuidado preventivo;

há exposição a adversidades de clima e falta de proteção; pessoas que se envolvem em

situações infracionais para a aquisição de drogas, em situações de consumo abusivo, de risco

de vida em atos de violência e/ou tentativa de suicídio; situações em que é necessária a

intervenção médica para garantir o direito à vida e ao tratamento.

Na perspectiva dos profissionais, a existência das pessoas com demanda de saúde

mental é descrita com ênfase na desorganização mental e reivindicação de ajuda para coibir

situações de perseguição, reivindicação de valores monetários por danos morais, relatos de

violações e segregações, abandono e conflitos familiares, sendo muito comum estarem em

situação de rua ou na iminência de ficarem por conflitos com vizinhos, locatários, familiares

ou por conta de despejo por falta de pagamento ou outros motivos, ou viverem em ocupações

tendo vínculos familiares frágeis ou rompidos, não fazerem acompanhamento em saúde

mental, vínculos muito frágeis com a comunidade. Trazem histórico de recorrerem a diversos

serviços e de desrespeito nos atendimentos; falta de conhecimento sobre os serviços e as

políticas públicas; histórico de internações forçadas; pessoas que necessitam maior respaldo

previdenciário, de assistência social, saúde, educação, habitação, pessoas que têm dificuldade

de expressar o que desejam. Apresentam pedidos de interdição, ou de levantamento de

interdição.

Ao se observar as diferentes características de existência que envolvem pessoas

portadoras de transtornos mentais ou com sofrimento sob a perspectiva das não existências

proposta por Santos, atrelando-se à ampla concepção de saúde conforme definida pela OMS,

podemos entender que em praticamente todos os requisitos propostos para se pensar em

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Discussão 285

saúde, essas pessoas estão do outro lado da linha. Relembrando, para a OMS (1946, p.1)

“saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não consiste apenas na

ausência de doença ou de enfermidade”.

Todos os relatos foram repletos de situações de violência, das mais diversas e nos

diferentes contextos. As condições de vida, para alguns, se caracterizaram por períodos curtos

ou longos de permanência em situação de rua, comprometendo a alimentação, a exposição aos

mais diferentes riscos, envolvimento em brigas, e colocando a própria vida em situação de

ameaça. Não há moradia. Não há trabalho. Não há comida decente. Há relato de gravidez e

retirada de criança da mãe após o nascimento. Há relato de possível estupro na rua. Há relato

de violência física. Não há condições mínimas de dignidade humana. Condições não menos

indignas que as relatadas nos hospitais psiquiátricos denunciados na década de 70 que

desencadearam a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial. Nas palavras de Santos,

“direitos humanos são violados para ser defendidos, a democracia é destruída para garantir

sua salvaguarda, a vida é eliminada em nome de sua preservação” (SANTOS, 2010a, p. 44).

São várias as lógicas que produzem a não existência, a desqualificação e a

invisibilidade social, lógicas que produzem a forma de ignorância ou de incultura; a forma de

residualização: primitivo, obsoleto, subdesenvolvido; a forma de inferioridade; a forma do

local; a forma do improdutivo (SANTOS, 2010a). Ao descreverem a realidade em que vivem

as pessoas portadoras de transtornos mentais e/ou os seus familiares, foram constantes os

relatos em que não conseguiram compreender o repertório de médicos, advogados e demais

profissionais que se detinham especificidades técnicas de suas áreas, procuravam acompanhá-

los para compreender a situação de saúde ou jurídica, sem sucesso. Tais constatações

reforçam a importância de serem repensadas as formas de diálogos entre os diferentes atores

sociais com o devido cuidado para que não se repitam nas práticas profissionais a produção

das não existências em que o outro permanece excluído do diálogo pela ignorância de

determinado saber.

Em relação aos direitos negados e/ou reivindicados para pessoas com transtorno

mental ou sofrimento, não foram poucas as referências. Nos casos em que foram os familiares

entrevistados, esteve presente a reivindicação de guarda de irmã recém-nascida em função das

condições de saúde da mãe, portadora de transtorno mental e que vivia em situação de rua;

solicitação de interdição da mãe, portadora de transtorno mental, para administrar seus

benefícios e cuidar de seu tratamento; internação compulsória de filhos por uso abusivo de

drogas; defesa em processo de filho usuário de drogas e portador de transtorno mental que

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Discussão 286

está preso por roubo; solicitação de proteção pessoal e de defesa em processo de acusações da

filha portadora de transtorno mental; solicitação de guarda dos netos por motivo de uso de

drogas e transtorno mental da mãe das crianças; reivindicação de benefícios previdenciários

para irmão portador de transtorno mental; reivindicação de internação de filha portadora de

transtorno mental e usuária de drogas.

Os motivos que foram identificados nos casos em que é a própria pessoa

portadora de transtorno mental ou sofrimento que busca a DPESP referem-se à: solicitação de

defesa em processo em que o filho reivindica interdição dos pais idosos e da irmã, que possui

deficiência mental; reivindicação de pensão alimentícia para os filhos; busca por proteção em

casos de violência doméstica contra mãe; busca de proteção em casos de violência doméstica

contra irmã portadora de deficiência mental; mãe portadora de transtorno mental solicitando

reaver a guarda dos filhos; defesa em casos de persecutoriedade e reivindicação de benefícios

previdenciários; solicitação de pensão alimentícia para os filhos.

Em síntese, quando a busca parte do familiar, na maioria das vezes ele solicita

acesso a tratamento, interdição e/ou benefícios. Em caso da própria pessoa portadora de

transtorno, as reclamações englobam a defesa diante de delírios (ou violações reais) que as

ameaçam, requisitam levantamento de interdição e/ou mudança de curador, demanda de

serviços ou de dificuldades de acesso a esses, reivindicação de permanecer com seus filhos.

Para os profissionais, é bastante ampla a relação de direitos violados por e/ou

negados para esses casos. A ênfase recai na busca por acesso aos serviços e/ou políticas

públicas, incluindo assistência social (benefícios, moradia, transporte), serviços de saúde e de

segurança. Estiveram presentes as questões relativas aos pedidos de internação e interdição,

partindo de familiares de pessoas portadoras de transtornos mentais associados (ou não) à

dependência química, e solicitação de levantamento de interdição e de mudança de curador,

nos casos em que a busca do serviço é realizada pela própria pessoa portadora com

transtornos mentais. Foram lembrados também os direitos à liberdade de escolha, ao trabalho,

à informação, e o direito ao exercício da cidadania como direitos que frequentemente são

negados.

As referências feitas pelos profissionais sobre os direitos negados e/ou

reivindicados que se referem a situações de busca individual abordaram predominantemente

temáticas relativas à família e infância: violência doméstica, divórcio, solicitação de pensão

alimentícia, disputa por guarda de filhos, disputa por bens e/ou benefícios; solicitação de

interdição de familiar portador de transtorno mental e/ou usuário de drogas; solicitação de

internação de familiar portador de transtorno mental e/ou usuário de drogas.

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Discussão 287

Os profissionais apresentaram também as situações que envolvem sofrimento e

atingem uma coletividade. A ênfase recaiu sobre a omissão dos municípios para oferecer o

transporte gratuito para deficientes; a inexistência de tratamento adequado e medicamentos no

município e região; violências no tratamento de pacientes em Comunidades Terapêuticas e em

instituições asilares; não cumprimento da legislação para a implementação de CAPS no

município e região; não cumprimento ou cumprimento parcial da política de

desinstitucionalização dos tratamentos de saúde mental.

10.3 A atuação dos profissionais e a caracterização do acesso à justiça para

pessoas com demanda de saúde mental na DPESP

O presente estudo começou a ser pensado em 2011 e o início das atividades do

CAM foi em 2010, portanto, em fase inicial de sua estruturação. Vislumbrava-se nessa

proposta da DPESP uma possibilidade de construção de um serviço que poderia contribuir

para inovações na área da saúde mental por seu caráter interdisciplinar em um contexto de

busca por acesso à justiça. A presença de trabalho interdisciplinar na saúde é recorrente,

entretanto, no Sistema de Justiça, é pouco citado.

Não foram poucas as informações coletadas em relação às atividades que estão

sendo desenvolvidas pelos profissionais atualmente, e que podem subsidiar a reflexão sobre a

garantia de direitos em saúde mental. Os profissionais relataram terem iniciado na DPESP

sem referências sobre o que iriam desenvolver. Permaneciam, dessa maneira, na esfera do não

saber. À época em que os Agentes de Defensoria (psicólogo e assistente social) foram

convocados para a instituição havia uma expectativa de que resolveriam situações de não

saber vivenciadas por profissionais que lá estavam (defensores públicos e equipe técnica

administrativa). Interessante pensar que o serviço, hoje construído e institucionalmente

estabelecido, parte de um encontro entre não saberes. Cada profissional precisou se remeter

aos conhecimentos de sua área e associá-lo aos conhecimentos da nova realidade de maneira a

contribuir para a construção de um novo saber. Situação exemplificada na busca por

alternativas que ficou detalhada na descrição da atuação dos profissionais diante do caso

“Guerreiro”, apresentado anteriormente na abordagem dos resultados. A estratégia

desenvolvida caminhou em direção a dar espaço àquela existência até então invisibilizada.

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Discussão 288

Para não repetir a produção de não existência social, tendo em vista que esse posicionamento

iria contrariar a proposta de respeito ao direito humano de acesso aos direitos, o direito a ter

direitos, se fez necessária a busca de alternativas para que o atendimento não fosse denegado

por falta de um saber que conseguisse identificar as demandas daquele sujeito de direito.

A instituição reconhecia a necessidade de se construir um serviço que

ultrapassasse os limites disciplinares, e foram estabelecendo práticas a partir das necessidades

identificadas e do potencial de equipes compostas por profissionais de diferentes áreas. Todos

os envolvidos tiveram que aprimorar a escuta, tanto das pessoas que buscavam a instituição

quanto dos colegas de diferentes áreas e, posteriormente, dos profissionais atuantes nos

diferentes serviços públicos e da comunidade em sentido amplo. Nessa fase inicial reiterou-se

relatos de que todos precisavam de todos, ninguém era detentor de um saber sobre o que

exatamente seria feito, defensores, agentes de defensoria (psicólogos e assistentes sociais) e

usuários do serviço, permaneciam na ignorância. Em consequência, não se estabelecia uma

relação de hierarquia de saberes.

Dessa horizontalidade de (não) saberes, e motivados por uma cultura institucional

que se propõe democrática, a escuta teve que ser necessariamente alargada, aprimorada. Se

por um lado, as pessoas não sabiam exatamente o que seria construído, por outro era bem

claro o que não queriam construir. Não queriam construir nenhuma atuação que pudesse ser

contraditória com a missão da instituição de ampliação do acesso à justiça. Não queriam

nenhuma atuação que fosse divergente da cultura institucional que trazia em seu “DNA” a

participação social e a luta pela defesa de direitos humanos. As atuações foram se

estabelecendo, envolveram atendimentos individuais ou familiares, contatos e ações junto à

rede de serviços, assessorias técnicas aos defensores públicos, conciliações, mediações e

composições de conflitos. Havia uma consciência de se construir práticas sem seguir modelos

apropriados de outras instituições. Era imperativo, consequentemente, permanecerem atentos

às características de existência do cidadão que buscava o serviço. Desafio a ser vencido

cotidianamente pelos profissionais.

Nesse espaço em que se desejava construir práticas que pudessem ser

diferenciadas e coerentes com a proposta institucional, as pessoas que buscavam a Defensoria

foram aos poucos tendo visibilidade em suas dores, dificuldades e demandas. Passaram a ter

um espaço de escuta, de existências. A instituição pôde ampliar a percepção das diferentes

formas de não existências socialmente produzidas, e passou a ser convocada a buscar

possibilidades de atuação e de transformação daquelas realidades. Trata-se, dessa forma, de se

repensar a realidade social.

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Discussão 289

A instituição foi criada e organizada tendo grande participação social em suas

origens, com espaços previstos para a continuidade dessa participação. Incorporou em sua

estrutura dimensões para que vozes até então silenciadas, realidades sociais invisibilizadas,

chegassem ao sistema de justiça. Nesse contexto, as demandas de saúde mental começaram a

se fazer presentes. Predominantemente, familiares de pessoas que fazem uso abusivo de

álcool e drogas em busca de acesso aos serviços de saúde e internação. Pessoas portadoras de

transtornos mentais com queixas de perseguição e/ou violência, pensamento confuso,

solicitando defesa. Familiares buscando internação de pessoas portadoras de transtornos

mentais. Situações envolvendo divórcio, pensão alimentícia e/ou guarda de filhos,

dificuldades de acesso aos serviços e às políticas públicas. E, também, situações de violência

doméstica ou em situação de rua. A atuação dos profissionais foi se desenhando internamente

na DPESP, com trabalhos de atendimento e de mediação, conciliação ou composição

extrajudicial de conflitos. E, paralelamente, em trabalhos junto à rede pública de serviços de

saúde e de assistência social.

Pela frequente demanda e complexidade dos atendimentos, a Defensoria passa a

ter que se deparar com desafios na área de saúde mental, solicitações de familiares para

internação e interdição de usuários de drogas ou pessoas portadoras de transtornos mentais,

um terreno de difícil percurso em que a supressão de direitos pode ir em direção contrária à

proposta de garantias de direitos. A atuação na área traz também outros desafios. Questões

sobre os motivos que levam famílias a precisarem chegar a solicitar a supressão de direitos de

seus familiares com certa frequência e/ou a sua internação. Nesse sentido, surge outro espaço

de atuação importante da Defensoria, o controle das políticas públicas, o trabalho de

mapeamento e articulação com a rede, a atuação em fiscalização de clínicas e/ou comunidades

terapêuticas. Algumas possibilidades começam a surgir, tanto em direção de atuação em

demandas coletivas quanto em trabalhos de articulação com a rede de serviços.

Nos trabalhos com a rede pública, um dos aspectos que foi se estabelecendo e

vem ganhando espaço refere-se à atuação em Educação em Direitos. Os profissionais, ao

estabelecerem contato com os diferentes serviços municipais, passam a ser referência dentro

da DPESP, e vão se engajando nas atividades dos Conselhos Municipais, CAPS, CREAS,

UBS entre outros, levando informações e orientando profissionais e a população daquele

território sobre procedimentos possíveis para a garantia de direitos. Importante papel em

iniciativas de Educação em Direitos tem sido desenvolvido pela Escola da Defensoria Pública

que tem assumido a temática da saúde mental na organização de eventos estaduais e

nacionais.

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Discussão 290

Observa-se nessa descrição das atividades uma ênfase institucional em trabalhos

extrajudiciais e de educação em direitos, duas vertentes que estão sendo fortalecidas na

construção do modelo de atuação em saúde mental da DPESP. Paralelamente, os profissionais

seguem instrumentalizando tecnicamente defensores em casos de judicialização, elaborando

laudos e contralaudos, de maneira que pessoas possam contar também com informações

psicossociais na avaliação dos casos. Exemplo dessa atuação acontece em situações em que

pais perderam a guarda de seus filhos por serem usuários de drogas ou por apresentarem

dificuldades relacionadas a transtornos mentais. Com essa iniciativa de construção de defesa

com trabalhos interdisciplinares, amplia-se a garantia dessas pessoas serem ouvidas, de serem

visibilizadas em seus processos. Nesse sentido, a Defensoria cumpre seu papel na defesa

daqueles que dela necessitam subsidiada pelo trabalho de avaliação psicossocial, dando voz e

visibilidade para quem dela precisa.

Há casos que não chegam espontaneamente à porta tradicional da triagem e os

profissionais da DPESP precisam estar atentos a essas demandas que necessitam que eles se

desloquem até os locais em que a demanda está. Nesse sentido, merecem destaque iniciativas

de atuações relatadas por profissionais de visitas a diferentes instituições de internação, asilos,

comunidades terapêuticas e, também, trabalhos que têm sido desenvolvidos para a população

em situação de rua. Espaços em que existem demandas de saúde mental que precisam de

garantias de direitos humanos, acesso aos serviços públicos diversos e que necessitam de

portas alternativas de acesso à justiça. De fundamental importância o trabalho da DPESP

junto às lideranças comunitárias, ativistas e representantes de movimentos sociais, que

permanecem atentos às diferentes demandas relativas ao público atendido pela Defensoria e,

também, a atuação dos diferentes órgãos governamentais na implantação de políticas públicas.

Uma das portas de acesso da instituição para as lideranças se pronunciarem é a Ouvidoria, que

exerce importante papel na articulação política dessas demandas. Outra porta que tem sido de

importância fundamental para as demandas de saúde mental é o Núcleo Especializado de

Cidadania e Direito Humanos, que atua em casos de violações de direitos dos grupos sociais

vulneráveis, podendo os casos serem individuais, coletivos ou difusos.

Dessa maneira, encontram-se exemplificados os principais aspectos que poderão

contribuir para a reflexão sobre o modelo de trabalho que está sendo construído pela DPESP,

assim como os espaços institucionais para a abordagem do tema de saúde mental. O objetivo

dessa análise refere-se à busca por alternativas, possibilidades plurais e concretas,

simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no presente através das

atividades de cuidado, conforme proposto pela Sociologia das Emergências. Entende-se que a

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Discussão 291

partir da análise do que está sendo construído hoje, com as experiências que estão sendo

disponibilizadas a partir da construção de propostas que incluam as diferentes formas de não

existência relacionadas com as demandas de saúde mental, torna-se possível pensar em

diferentes alternativas para a atuação da DPESP perante a temática.

Ao nos remetermos a uma leitura da atuação dos profissionais da DPESP sob uma

perspectiva de acesso à justiça, no sentido amplo, e observarmos nos relatos das práticas das

diferentes áreas de atuação, fica ilustrada a perspectiva de Cappelletti e Garth (1988) ao

proporem os movimentos das ondas para superação dos obstáculos do acesso. Observa-se que,

simultaneamente, a instituição executa as diferentes formas de enfrentamento dos obstáculos:

por ações de defesa individual daqueles que não possuem recursos, a primeira onda; as

atuações coletivas diante das violações de direitos de grupos vulneráveis, a segunda onda; e o

investimento em procedimentos extrajudiciais e de mediações de conflitos, a terceira onda.

Visualiza-se a assistência jurídica descrita na primeira onda cappellettiana através

da atuação na construção de defesas que incluam a realidade social, o leque de dificuldades

socioeconômicas e emocionais das pessoas que permaneceram historicamente excluídas do

sistema tradicional da justiça e da sociedade como um todo.

Por outro lado, os trabalhos descritos pelos profissionais que buscam colocar em

foco as demandas coletivas relacionadas às necessidades de pessoas com deficiência para que

se cumpra o direito de locomoção, o combate às diferentes formas de violência vivenciadas

por pessoas em situação de rua, as ações movidas contra os municípios para que se cumpra a

implantação de políticas públicas de saúde e de assistência social, o acompanhamento e a

cobrança da devida implantação de serviços de saúde mental de acordo com a política de

desistitucionalização, são exemplos de atuação da Defensoria voltadas para a demanda de

saúde mental coletiva, conforme descrita na segunda onda cappellettiana.

Partindo do entendimento de que o acesso à justiça possui um sentido mais amplo

que o de acesso ao judiciário, que representa a possibilidade de buscar alternativas voltadas

para a solução pacífica de ameaças ou impedimentos de direitos, podemos pensar que as

práticas descritas pelos profissionais, baseadas no constante trabalho de escuta qualificada,

aprofundada, ênfase em mediações, conciliações ou composição extrajudicial de conflitos,

estão sendo construídas na direção de proporcionar o exercício da cidadania com condições

mais dignas de existência. O trabalho da DPESP junto à rede de serviços públicos com ênfase

na orientação de direitos, possibilidades de encaminhamentos, parcerias e práticas de

educação em direitos, segue na mesma direção. A sociedade passa a ser envolvida em

diferentes iniciativas que visam desobstacularizar os caminhos de acesso aos direitos. Se

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Discussão 292

obsevarmos as práticas descritas pelos profissionais, identificaremos as constantes buscas por

superação de barreiras que dificultam o acesso à justiça para a população atendida pela

Defensoria. A educação em direitos junto aos profissionais de serviços públicos, as atividades

conjuntas com a rede de serviços e a atuação junto à comunidade em geral para orientação

sobre direitos e sobre os serviços são exemplos de atuações que caracterizam a expansão da

concepção clássica da justiça de atuação em litígios. Práticas que ilustram a terceira onda

cappellettiana.

Exemplifica-se, dessa maneira, que a atuação da DPESP, por princípios, segue na

direção da proposta de ampliação de acesso à justiça para a população que mais necessita da

intervenção estatal por limitações de recursos. Entretanto, tais princípios não podem ser

analisados desvinculados de um contexto de extrema desigualdade e de interesses públicos e

privados em rota de colisão constantemente. Não há nessa leitura a ingenuidade da crença de

um caminho utópico de acesso universal. Os objetivos bastante ambiciosos da DPESP

configurados na abrangência de sua área de atuação, somados às dificuldades

socioeconômicas enfrentadas por parcela significativa da população, colocam em posição de

especial preocupação o projeto de acesso à justiça conforme proposto.

De qualquer maneira, é notória a contribuição da DPESP na construção de um

novo modelo de atuação que possibilita o acompanhamento individual de pessoas com

sofrimento mental para que possam ter acesso aos mais diferentes direitos que lhes são

negados. Possibilita o acompanhamento da implantação dos serviços de saúde mental para

que se cumpra o proposto pela política de desinstitucionalização, não apenas na ampliação de

serviços, mas no seu acompanhamento e fiscalização. Infelizmente, ainda hoje, são presentes

as denúncias de maus tratos e de violação dos mais diferentes direitos aos portadores de

transtornos mentais. É fato, o atraso na implantação de políticas públicas adequadas às

necessidades das demandas, os constantes impasses provocados por um sistema de saúde

híbrido, segmentado em interesses e disputas entre iniciativas públicas e privadas, que têm

prolongado as condições de (não) existências sociais. Ainda perpetuam práticas de violências

tanto em instituições irregulares, para onde muitos ainda são encaminhados, muitas vezes com

a anuência do poder público e por total desconhecimento das reais condições dessas clínicas

ou comunidades terapêuticas. Ou ainda, por proporcionar a exposição de pessoas em

sofrimento às mais violentas condições de (não) vida tanto em situações domésticas quanto

em situação de rua.

Ao finalizar o presente estudo, permanece a certeza de que muito tem sido

realizado com o modelo que se estabelece na DPESP para que sejam buscadas alternativas

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Discussão 293

para que as pessoas com sofrimento ou transtornos mentais possam ser tratadas com maior

dignidade, que sejam inseridas em diferentes contextos sociais, respeitados os seus direitos, e

para que sejam minimizados os impactos de uma sociedade altamente desigual e violenta.

Entretanto, o descompasso entre a necessidade e as possibilidades permanece provocando

profundos danos emocionais em familiares e em pessoas portadoras de transtornos mentais.

A análise da coerência da implantação do serviço em todo o território estadual

evidencia a solidez que os princípios estão sendo considerados e incorporados na política

institucional. A recente ampliação do quadro de profissionais para atuar nas Unidades que não

contavam com a equipe completa reitera o compromisso institucional com o trabalho.

Entende-se que a reflexão proposta baseada em um pensamento ecológico, que se

diferencia de uma racionalidade em que a monocultura do saber se estabelece, em que a busca

pelo entendimento dos diferentes dramas pessoais vivenciados na área da saúde mental possa

respeitosamente admitir as ignorâncias de cada área do conhecimento, que possa tratar em

uma relação de horizontalidade do saber não acadêmico e do saber da experiência de vidas

continuamente excluídas, que as pessoas possam se policiar para não cometer epistemicídios

em suas práticas diárias.

Muito foi construído em tempo institucional bastante restrito justamente porque

ao se policiarem para não repetirem práticas de outras instituições, de outros contextos, os

profissionais da DPESP permaneceram atentos às diferentes experiências que estavam

ocorrendo no presente. O presente foi dilatado, conforme proposto pela Sociologia das

ausências. O exercício constante do não saber possibilitou uma experiência de ecologia de

saberes em que, as ausências se fizeram continuamente presentes. Uma excelente

oportunidade para que ao cuidar do presente, amplie-se a análise de reais possibilidades para o

futuro, conforme proposto pela Sociologia das Emergências. Não se trata de uma leitura

ingênua dos diferentes impasses e disputas institucionais e entre os diferentes saberes que

constituem atuações interdisciplinares.

Em relação às dificuldades encontradas pelos profissionais, houve manifestação

bastante significativa relacionada ao trabalho interdisciplinar e impasses nas relações

interpessoais. Paradoxalmente, o aspecto considerado como fundamental para a construção

dos trabalhos, a possibilidade da horizontalidade para a busca de um saber institucional é o

que surge como ameaça a uma proposta ecológica de construção de práticas que possam abrir

espaço para as não existências sociais. Ressalta-se que toda a construção que se estabeleceu

na DPESP é resultante de diferentes vozes, de diferentes necessidades. A continuidade das

conquistas assim como a qualidade da atuação interdisciplinar na instituição está diretamente

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Discussão 294

relacionada às alternativas que emergirem da relação entre diferentes (não) saberes. “Não é

nem mérito do movimento falar olha movimento social maravilhoso!! Nem da Defensoria. O

mérito é da necessidade que você tem que dar” (RMS).

“E o que é uma emergência? É o necessário que se afirma como possível”

Boaventura de Sousa Santos, Lisboa fevereiro de 2015.

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APÊNDICE

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Apêndices 309

APÊNDICE A - ROTEIRO - Entrevista com representantes da Defensoria Pública do Estado

de São Paulo (RDP) e de Movimento Social (RMS)

Dados de identificação

Idade:_________________

Sexo:_________________

Estado civil:________________

Escolaridade

( ) Ensino fundamental incompleto ( ) Ensino fundamental completo

( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino médio completo

( ) Ensino superior incompleto – Especifique:____________________

( ) Ensino superior completo – Especifique:______________________

( ) Pós-graduação incompleta – Especifique:_____________________

( ) Pós-graduação completa – Especifique:________________________

Questões

Com base em sua participação junto a Defensoria Pública do Estado de São Paulo,

gostaríamos de conhecer a sua perspectiva sobre:

1) A implantação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo;

2) O papel do Centro de Atendimento Multidisciplinar na Defensoria Pública do Estado de

São Paulo;

3) A atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Saúde Mental;

4) Avaliação do CAM.

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Apêndices 310

APÊNDICE B - Roteiro para entrevista não presencial (para profissionais atuantes no Centro

de Atendimento Multidisciplinar)

A) Dados de identificação: Idade:_____; Sexo:_____; Estado civil:________________

Escolaridade

Graduado no curso de ___________________em: ___/____/____ Instituição:____________

__________________________________________________________________________

( ) pós-graduação incompleta. Especifique (Curso/período/em andamento ou interrompida/

Instituição):_______________________________________________________________

_________________________________________________________________________

( ) pós-graduação completa. Especifique (Curso/período/ Instituição):__________________

_________________________________________________________________________

Tempo de Experiência Profissional

Tempo de experiência profissional fora da Defensoria Pública do Estado de São

Paulo:________________________

Período de experiência profissional na Defensoria Pública do Estado de São Paulo:_________

Período de experiência profissional no Centro de Atendimento Multidisciplinar – Defensoria

Pública do Estado de São Paulo:________

( ) regional do Interior ( ) regional da Capital ( ) regional da Região Metropolitana

B) Questões:

1) Cite 3 dos principais objetivos do Centro de Atendimento Multidisciplinar em que

você atua.

2) Mencione 3 das principais atividades profissionais desenvolvidas no CAM em que

você atua.

3) Cite 3 dos principais objetivos da busca da DPESP pelos usuários do CAM da

regional em que você atua.

4) Quais são as 3 principais características do público atendido pelo Centro de

Atendimento Multidisciplinar na regional da Defensoria Pública do Estado de São

Paulo em que você atua?

5) No CAM em que você atua, existe demanda específica de portadores de transtornos

mentais (ou não)? ( ) sim ( ) não

Em caso afirmativo, responda os itens 5.1, 5.2 e 5.3.

5.1 Quais são as principais características dos portadores de transtornos mentais

atendidos?

5.2 Quais os direitos que são reivindicados para portadores de transtornos mentais?

5.3 Quais são os procedimentos adotados pelo CAM diante das demandas dos portadores

de transtornos mentais?

6) Mencione os principais aspectos positivos do trabalho do Centro de Atendimento

Multidisciplinar.

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Apêndices 311

7) Mencione os principais aspectos negativos (ou dificuldades) do trabalho do Centro

de Atendimento Multidisciplinar.

8) Quais suas sugestões de melhorias para os serviços prestados pelo CAM?

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Apêndices 312

APÊNDICE C - Roteiro de Observação

( ) regional do Interior ( ) regional da Capital ( ) regional da Região Metropolitana

1) Condições de infraestrutura da regional (localização41

, identificação do local42

, espaço

físico, iluminação, ventilação, acomodações, mobília; limpeza; acesso para usuários

do serviço com dificuldade de locomoção; segurança).

2) Características dos profissionais que atuam no serviço (número de profissionais

presentes no local; apresentação pessoal; comportamentos).

3) Características do público presente na Defensoria Pública do Estado de São Paulo

(número de usuários do serviço no local; apresentação pessoal; comportamentos).

4) Características das informações disponíveis no local;

5) Horários e tempo de espera para atendimento;

6) Rotina do trabalho;

7) Manifestações verbais e fluxo da comunicação entre o público presente.

8) Comentários/impressões do observador.

41 Na descrição não haverá a identificação da regional e/ou da cidade, a identificação se restringirá a mencionar se a regional é da capital, região metropolitana ou interior. 42 Idem 2

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Apêndices 313

APÊNDICE D - Roteiro de Entrevista presencial com profissionais do Centro de

Atendimento Multidisciplinar A) Dados de identificação: Idade:________; Sexo:_______ ; Estado civil:________________

Escolaridade

Graduação em _________________ Conclusão em:__________ Instituição:_______________

( ) pós-graduação incompleta. Especifique (curso/período/em andamento ou interrompida/

Instituição):_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________________

( ) pós-graduação completa. Especifique (curso/período/Instituição): _____________________

____________________________________________________________________________

Tempo de Experiência Profissional

Tempo de experiência profissional fora da Defensoria Pública do Estado de São Paulo:_________

Período de experiência profissional na Defensoria Pública do Estado de São Paulo:____________

Período de experiência profissional no Centro de Atendimento Multidisciplinar – Defensoria

Pública do Estado de São Paulo:______________

( ) regional do Interior ( ) regional da Capital ( ) regional da Região Metropolitana

B) Questões

1) Como surgiu a proposta do Centro de Atendimento Multidisciplinar?

2) Como se caracteriza o trabalho dos profissionais que atuam no Centro de Atendimento

Multidisciplinar?

3) Quais são as características da demanda de saúde mental atendida pelo Centro de

Atendimento Multidisciplinar?

4) Quais são os direitos que são reivindicados pela/para a demanda de saúde mental atendidos

pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar?

5) Como é a atuação do Centro de Atendimento Multidisciplinar em relação às garantias de

acesso da população ao direito à saúde mental?

6) Como você caracteriza a interação dos profissionais do Centro de Atendimento

Multidisciplinar em relação aos demais serviços da Defensoria Pública do Estado de São

Paulo, em relação à comunidade atendida, e em relação à comunidade em geral?

7) Quais são os pontos positivos do seu trabalho?

8) Quais são as maiores dificuldades em seu trabalho?

9) Como você avalia a sua formação acadêmica diante das exigências de seu exercício

profissional no Centro de Atendimento Multidisciplinar?

10) Quais as suas sugestões para melhorias na atuação do Centro de Atendimento

Multidisciplinar?

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Apêndices 314

APÊNDICE E - Roteiro de entrevista para familiar (ou representante legal) de usuário do

serviço do CAM com demanda de saúde mental

A) Dados de identificação

Idade:

Sexo:

Nível de escolaridade:

Profissão:

Grau de parentesco em relação ao portador de transtorno mental:

Transtorno mental do familiar:

( ) regional do Interior ( ) regional da Capital ( ) regional da Região Metropolitana

B) Questões

1) Como foi que você soube da existência da DPESP?

2) Há quanto tempo você frequenta a DPESP?

3) Por qual motivo você buscou a DPESP?

4) Antes de você ser atendido pela DPESP, você procurou outros serviços? Em caso

afirmativo, quais? Como foi o atendimento que recebeu?

5) Você pode me descrever como é a saúde de seu familiar e como ele se comporta?

6) Quais são as suas maiores dificuldades em relação ao seu familiar e seu transtorno mental?

7) Em sua opinião, quais são os direitos dos portadores de transtornos mentais?

8) Você considera que o seu familiar tem seus direitos respeitados (ou não)? Explique.

9) Com base no atendimento que você recebe na DPESP, me explique como é o trabalho

realizado pelos profissionais.

10) Houve alguma mudança da situação de seu familiar e de sua família após o início do

atendimento na DPESP (ou não)? Se sim, qual?

11) Além de seu familiar, você conhece mais pessoas que buscaram a DPESP por motivo de

transtornos mentais de familiares? Em caso afirmativo, quais eram os motivos deles? O que

ocorreu?

12) De um modo geral, como você acha que a sociedade vê o portador de transtorno mental?

13) O que você diria para um familiar de paciente com transtorno mental para ajudá-lo?

14) O que você sugere para aperfeiçoar os serviços prestados pela DPESP?

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Apêndices 315

APÊNDICE F - Roteiro de entrevista para usuário do serviço do CAM com demanda de

saúde mental

A) Dados de Identificação

Idade:

Sexo:

Nível de escolaridade:

Profissão:

( ) regional do Interior ( ) regional da Capital ( ) regional da Região Metropolitana

B) Questões

1) Você costuma vir a DPESP de quanto em quanto tempo?

2) Você sabe me dizer a quanto tempo aproximadamente você frequenta a DPESP?

3) Qual foi o motivo que fez você buscar a DPESP?

4) Como é o atendimento que os profissionais do Centro de Atendimento Multidisciplinar

fazem?

5) Antes de vir a DPESP, você esteve em outros serviços em busca de ajuda (ou não)? Em

caso afirmativo, como foi?

6) Você considera que os seus direitos são respeitados (ou não)? Por quê?

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Apêndices 316

APÊNDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – Representantes

(Entrevista)

Estamos realizando um estudo com o objetivo de compreender como se caracteriza o acesso à justiça

para portadores de transtornos mentais nos serviços do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa, em nível de doutorado, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que se intitula O acesso à justiça de portadores de transtornos mentais: um estudo sobre o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Gostaríamos de convidá-lo a participar enquanto representante da (Ouvidoria/ Movimento Social ou Defensoria Pública do Estado de São Paulo). Temos interesse em conhecer a sua perspectiva sobre a implantação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e sobre o papel do Centro de Atendimento Multidisciplinar no atendimento da demanda de saúde mental e transtornos mentais.

Está prevista a realização de uma entrevista com duração aproximada de 1h30’, a ser realizada na Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Se você não se incomodar, iremos gravar a nossa conversa (gravação de áudio) para podermos estudar as informações posteriormente. Todas as informações serão cuidadosamente guardadas, somente os responsáveis pelo estudo deverão acessá-las. Manteremos o anonimato dos entrevistados.

A participação é voluntária e, se aceitar em participar e durante a entrevista quiser interromper, sinta-se à vontade para dizer que não quer continuar. Também não há obrigatoriedade de responder todas as perguntas.

Você não terá despesas ou remuneração para participar do estudo. Também não está previsto nenhum benefício direto para o participante. Entretanto, se você concordar em participar, poderemos conversar e refletir sobre acesso à justiça e à saúde mental, sobre direitos e sobre situações de desrespeito aos direitos, o que pode contribuir para o conhecimento e o exercício de direitos de modo efetivo. Você estará, também, contribuindo para que possamos aprimorar o conhecimento sobre o acesso à justiça dos portadores de transtornos mentais proporcionado pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. E, posteriormente, poderemos divulgar esses conhecimentos em publicações e eventos científicos.

Esperamos que a nossa conversa transcorra sem desconforto para você, entretanto, se por acaso você não se sentir bem por algum motivo, interromperemos as atividades propostas e, caso deseje, abordaremos os assuntos que podem estar sendo desconfortáveis visando minimizar qualquer incômodo. Se preferir, cancelaremos as atividades.

Caso você tenha interesse no estudo e queira maiores informações posteriormente, você poderá entrar em contato com Edilene Mendonça Bernardes ([email protected]) (16) 36023494 ou com a Professora Carla Aparecida Arena Ventura (16) 36023422 na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ou ainda, com o Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto na Avenida dos Bandeirantes, 3900, telefone (16) 36023386 (de segunda à sexta, das 8h às 17h).

CONSENTIMENTO A pesquisa foi explicada e eu tive a chance de fazer as perguntas que desejei e elas foram respondidas.

Eu compreendo os meus direitos como participante desta pesquisa e concordo em participar. Data:________________ Nome Completo:________________________________ Assinatura do Participante: ________________________ Nome Completo dos Pesquisadores: Edilene Mendonça Bernardes / Carla Aparecida Arena Ventura Assinatura do Pesquisador Entrevistador: ________________________ Agradecemos a sua participação. Você receberá uma via deste documento assinada pelo pesquisador.

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Apêndices 317

APÊNDICE H - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –

Profissionais do Centro de Atendimento Multidisciplinar (Entrevista online) Estamos realizando um estudo com o objetivo de compreender como se caracteriza o acesso à justiça

para portadores de transtornos mentais nos serviços do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa, em nível de doutorado, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que se intitula O acesso à justiça de portadores de transtornos mentais: um estudo sobre o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Gostaríamos de convidá-lo a participar enquanto profissional atuante no Centro de Atendimento Multidisciplinar. Temos interesse em conhecer a sua perspectiva sobre a implantação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e sobre o papel do Centro de Atendimento Multidisciplinar no atendimento da demanda de saúde mental e transtornos mentais.

Está prevista a aplicação de um questionário composto de duas partes: parte A - dados sobre identificação (idade, sexo e estado civil), escolaridade e experiência profissional; parte B - sete questões abertas sobre objetivos do Centro de Atendimento Multidisciplinar, características do serviço; processo de implantação do Centro de Atendimento Multidisciplinar; características da demanda atendida; direitos reivindicados para portadores de transtornos mentais; acesso ao direito à saúde mental; resolutividade do trabalho do Centro de Atendimento Multidisciplinar. Todas as informações serão cuidadosamente guardadas, somente os responsáveis pelo estudo deverão acessá-las. Manteremos o anonimato dos profissionais. A participação é voluntária e não há obrigatoriedade de responder todas as perguntas.

Estima-se que o tempo necessário para a realização do questionário seja aproximadamente de 50’. Você não terá despesas ou remuneração para participar do estudo. Não está previsto nenhum benefício direto para o participante. Se você concordar em participar, estará contribuindo para que possamos estudar e desenvolver o conhecimento sobre o acesso à justiça dos portadores de transtornos mentais proporcionado pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. E, posteriormente, poderemos divulgar esses conhecimentos em publicações e eventos científicos.

Se, eventualmente, algum questionamento vier a lhe proporcionar incômodo ou desconforto, esclarecemos que você poderá não responder questões que lhe desagradem e até mesmo suspender a sua participação a qualquer momento. Você poderá, também, nos contatar para que possamos conversar sobre os temas que tenham lhe incomodado visando minimizar qualquer mal estar desencadeado por nossos questionamentos. Solicitamos que anote o código de seu questionário (sua única identificação na folha de respostas do mesmo) para que possa nos comunicar, caso queira suspender sua participação após o envio de seu material.

Caso você tenha interesse no estudo e queira maiores informações posteriormente, você poderá entrar em contato com Edilene Mendonça Bernardes ([email protected]) (16) 36023494 ou com a Professora Carla Aparecida Arena Ventura (16) 36023422 na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ou ainda, com o Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto na Avenida dos Bandeirantes, 3900, telefone (16) 36023386 (de segunda à sexta, das 8h às 17h).

CONSENTIMENTO O procedimento e a proposta de estudo estão devidamente esclarecidos. Eu compreendo os meus

direitos como participante desta pesquisa e concordo em participar. Data:_____________ Nome Completo do participante:__________________________ Assinatura do Participante: ________________________ Nome Completo dos Pesquisadores: Edilene Mendonça Bernardes / Carla Aparecida Arena Ventura Assinatura do Pesquisador Entrevistador: ________________________ Agradecemos a sua participação. Você receberá uma via deste documento assinada pelo pesquisador.

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Apêndices 318

APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO- Profissional do

Centro de Atendimento Multidisciplinar (Entrevista presencial)

Estamos realizando um estudo com o objetivo de compreender como se caracteriza o acesso à justiça

para portadores de transtornos mentais nos serviços do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do estado de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa, em nível de doutorado, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que se intitula O acesso à justiça de portadores de transtornos mentais: um estudo sobre o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Gostaríamos de convidá-lo a participar enquanto profissional atuante no Centro de Atendimento Multidisciplinar. Temos interesse em conhecer a sua perspectiva sobre: a implantação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo; o papel do Centro de Atendimento Multidisciplinar no atendimento da demanda de saúde mental e transtornos mentais; os direitos do portador de transtornos mentais; as características do trabalho e da demanda do Centro de Atendimento Multidisciplinar.

Está prevista a realização de uma entrevista com duração aproximada de 1h30’, a ser realizada na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, na regional em que você atua. Se você não se incomodar, iremos gravar a nossa conversa (gravação de áudio) para podermos estudar as informações depois. Todas as informações serão cuidadosamente guardadas, somente os responsáveis pelo estudo deverão acessá-las. Manteremos o anonimato dos entrevistados.

A participação é voluntária e, se aceitar em participar e durante a entrevista quiser interromper, sinta-se à vontade para dizer que não quer continuar. Também não há obrigatoriedade de responder todas as perguntas.

Você não terá despesas ou remuneração para participar do estudo. Também não está previsto nenhuma benefício direto para o participante. Entretanto, se você concordar em participar, poderemos conversar e refletir sobre acesso à justiça e à saúde mental, sobre direitos e sobre situações de desrespeito aos direitos, o que pode contribuir para o conhecimento e o exercício de direitos de modo efetivo. Você estará, também, contribuindo para que possamos estudar e desenvolver o conhecimento sobre o acesso à justiça dos portadores de transtornos mentais proporcionado pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. E, posteriormente, poderemos divulgar esses conhecimentos em publicações e eventos científicos.

Esperamos que a nossa conversa transcorra sem desconforto para você, mas se por acaso você não se sentir bem por algum motivo, nos avise. Poderemos cancelar os trabalhos, se você quiser, ou poderemos conversar sobre os motivos de seu desconforto para minimizar qualquer mal estar que possa ter sido provocado pelos assuntos tratados.

Caso você tenha interesse no estudo e queira maiores informações posteriormente, você poderá entrar em contato com Edilene Mendonça Bernardes ([email protected]) (16) 36023494 ou com a Professora Carla Aparecida Arena Ventura (16) 36023422 na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ou ainda, com o Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto na Avenida dos Bandeirantes, 3900, telefone (16) 36023386 (de segunda à sexta, das 8h às 17h).

CONSENTIMENTO A pesquisa foi explicada e eu tive a chance de fazer as perguntas que desejei e elas foram respondidas.

Eu compreendo os meus direitos como participante desta pesquisa e concordo em participar. Data:________________ Nome Completo:________________________________ Assinatura do Participante: ________________________ Nome Completo dos Pesquisadores: Edilene Mendonça Bernardes / Carla Aparecida Arena Ventura Assinatura do Pesquisador Entrevistador: ________________________ Agradecemos a sua participação. Você receberá uma via deste documento assinada pelo pesquisador.

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Apêndices 319

APÊNDICE J - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – Familiar ou

representante legal de portador de transtorno mental (Entrevista)

Estamos realizando um estudo com o objetivo de conhecer as experiências de portadores de

transtornos mentais atendidos pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar. É uma pesquisa que se chama O acesso à justiça de portadores de transtornos mentais: um estudo sobre o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Queremos convidar você para participar enquanto familiar de portador de transtorno mental usuário do serviço.

Se você aceitar nosso convite, nós vamos fazer algumas perguntas para conhecer um pouco sobre o atendimento que você e seu familiar recebem no Centro de Atendimento Multidisciplinar, sobre a saúde e o transtorno mental dele e, também, sobre direitos dele. A duração da conversa é de aproximadamente 1h e será em uma sala aqui mesmo no Centro de Atendimento Multidisciplinar. Se você não se incomodar, iremos utilizar gravador de áudio para gravar a nossa conversa para podermos estudar as informações depois. Todas as informações serão cuidadosamente guardadas, somente os responsáveis pelo estudo deverão acessá-las. Em nenhum material colocaremos sua identificação, não vamos divulgar seu nome e o de seu familiar.

Você participa somente se quiser, não é obrigado. Se resolver participar e durante a conversa quiser interromper, pode ficar à vontade e dizer que não quer continuar. Você não terá nenhum problema se quiser desistir. Também não tem obrigação de responder todas as perguntas. Se tiver alguma que você não queira responder, você pode dizer que não quer falar sobre o assunto.

Você não vai ter gastos e remuneração para participar do estudo. Também não está previsto nenhum benefício direto para o participante. Entretanto, se você concordar em participar, poderemos conversar e refletir sobre acesso à justiça e à saúde mental, sobre direitos e sobre situações de desrespeito aos direitos, o que pode contribuir para o conhecimento e o exercício de direitos de modo efetivo. Você estará, também, colaborando para que possamos estudar e desenvolver o conhecimento sobre os direitos dos portadores de transtornos mentais. Poderemos levar esses conhecimentos para divulgar em eventos científicos e publicações visando o aperfeiçoamento dos serviços de atendimento de portadores de transtornos mentais.

Esperamos que a nossa conversa transcorra sem desconforto para você, mas se por acaso você não se sentir bem por algum motivo, nos avise. Poderemos cancelar os trabalhos, se você quiser, ou poderemos conversar sobre os motivos de seu desconforto para minimizar qualquer mal estar que possa ter sido provocado pelos assuntos tratados.

Caso você tenha interesse no estudo e queira maiores informações posteriormente, você poderá entrar em contato com Edilene Mendonça Bernardes ([email protected]) (16) 36023494, com a Professora Carla Aparecida Arena Ventura (16) 36023422 na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ou ainda, com o Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto na Avenida dos Bandeirantes, 3900, telefone (16) 36023386 (de segunda à sexta, das 8h às 17h).

CONSENTIMENTO A pesquisa foi explicada e eu tive a chance de fazer as perguntas que desejei e elas foram respondidas.

Eu compreendo os meus direitos como participante desta pesquisa e concordo em participar. Data:________________ Nome Completo:________________________________ Assinatura do Participante: ________________________ Nome Completo dos Pesquisadores: Edilene Mendonça Bernardes / Carla Aparecida Arena Ventura Assinatura do Pesquisador Entrevistador: ________________________ Agradecemos a sua participação. Você receberá uma via deste documento assinada pelo pesquisador.

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Apêndices 320

APÊNDICE K - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – Portador de

transtorno mental (Entrevista)

Estamos realizando um estudo com o objetivo de conhecer as experiências de portadores de transtornos mentais atendidos pelo Centro de Atendimento Multidisciplinar. É uma pesquisa que se chama O acesso à justiça de portadores de transtornos mentais: um estudo sobre o Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Queremos convidar você para participar.

Se você aceitar nosso convite, nós vamos fazer algumas perguntas para conhecer um pouco sobre o atendimento que você recebe no Centro de Atendimento Multidisciplinar, sobre sua saúde e sobre sua opinião sobre seus direitos. A duração da conversa é de aproximadamente 1h e será em uma sala aqui mesmo no Centro de Atendimento Multidisciplinar. Se você não se incomodar, iremos utilizar gravador de áudio para gravar a nossa conversa para podermos estudar as informações depois. Todas as informações serão cuidadosamente guardadas, somente os responsáveis pelo estudo deverão acessá-las. Em nenhum material colocaremos o seu nome, não vamos divulgar seu nome.

Você participa somente se quiser, não é obrigado. Mesmo assim, se resolver participar e durante a conversa quiser interromper, pode ficar à vontade e dizer que não quer continuar. Você não terá nenhum problema se quiser desistir. Também não tem obrigação de responder todas as perguntas. Se tiver alguma que você não queira responder, você pode dizer que não quer falar sobre o assunto.

Você não terá gastos e remuneração para participar do estudo. Também não está previsto nenhum benefício direto para o participante. Entretanto, se você concordar em participar, poderemos conversar e refletir sobre acesso à justiça e à saúde mental, sobre direitos e sobre situações de desrespeito aos direitos, o que pode contribuir para o seu conhecimento de como garantir seus direitos. Você estará, também, colaborando para que possamos estudar e desenvolver o conhecimento sobre os direitos dos portadores de transtornos mentais. Poderemos levar esses conhecimentos para divulgar em eventos científicos e publicações visando o aperfeiçoamento dos serviços de atendimento de portadores de transtornos mentais.

Esperamos que a nossa conversa transcorra sem desconforto para você, mas se por acaso você não se sentir bem por algum motivo, nos avise. Podemos cancelar os trabalhos, se você quiser, ou podemos conversar sobre os motivos de seu desconforto para minimizar qualquer mal estar que possa ter sido provocado pelos assuntos tratados.

Caso você tenha interesse no estudo e queira maiores informações posteriormente, você poderá entrar em contato com Edilene Mendonça Bernardes ([email protected]) (16) 36023494 ou com a Professora Carla Aparecida Arena Ventura (16) 36023422 na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, ou ainda, com o Comitê de Ética da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto na Avenida dos Bandeirantes, 3900, telefone (16) 36023386 (de segunda à sexta, das 8h às 17h).

CONSENTIMENTO A pesquisa foi explicada e eu tive a chance de fazer as perguntas que desejei e elas foram respondidas.

Eu compreendo os meus direitos como participante desta pesquisa e concordo em participar. Data:________________ Nome Completo:________________________________ Assinatura do Participante: ________________________ Nome Completo dos Pesquisadores: Edilene Mendonça Bernardes / Carla Aparecida Arena Ventura Assinatura do Pesquisador Entrevistador: ________________________ Agradecemos a sua participação. Você receberá uma via deste documento assinada pelo pesquisador

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ANEXOS

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Anexos 322

ANEXO A

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Anexos 323

ANEXO B