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Lilian Malateaux
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO
A PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO FRENTE AO
DIREITO DO CONSUMIDOR
Discente: Lilian Rosa Benedetti Malateaux
Orientador: Prof. Assoc. Luciano de Camargo Penteado
Ribeirão Preto
2014
Lilian Malateaux
2
LILIAN ROSA BENEDETTI MALATEAUX
A PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO FRENTE AO
DIREITO DO CONSUMIDOR
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP,
como requisito parcial para obtenção de grau de
bacharel em Direito, sob orientação do Prof.
Dr. Luciano de Camargo Penteado.
Ribeirão Preto
2014
Lilian Malateaux
3
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Nome: MALATEAUX, Lilian Rosa Benedetti.
Malateaux, Lilian Rosa Benedetti
A Publicidade Enganosa por Omissão Frente ao Direito do
Consumidor. Ribeirão Preto, 2014.
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto/USP.
Orientador: Penteado, Luciano de Camargo.
Lilian Malateaux
4
Título: A Publicidade Enganosa por Omissão Frente ao Direito do Consumidor. Trabalho
de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _______________________Instituição: ______________________
Julgamento:_____________________Assinatura:______________________
Prof. Dr. _______________________Instituição: ______________________
Julgamento:_____________________Assinatura:______________________
Prof. Dr. _______________________Instituição: ______________________
Julgamento:_____________________Assinatura:______________________
Lilian Malateaux
5
Aos meus dois amores, principalmente,
e a todos os outros que me apoiaram.
Lilian Malateaux
6
RESUMO
A publicidade pode ser enganosa tanto por dizer algo que não é, quanto por não
dizer algo que é. Nesse último caso, insere-se a publicidade enganosa por omissão, que
consiste em omissões estrategicamente apostas nos anúncios publicitários que levam o
consumidor a mal compreendê-la, nela, o consumidor é enganado exatamente em virtude
da omissão de determinada informação. O instituto está positivado no artigo 37 do Código
de Defesa do Consumidor e define legalmente a publicidade enganosa por omissão como
sendo aquela que omite dado essencial do produto ou serviço.
Sobre o que seja dado essencial, nem a doutrina, nem a jurisprudência são
pacíficas. O problema reside no fato de que, quando se fala em publicidade, a lei brasileira
não exige que o fornecedor aponha na peça publicitária todas as possíveis informações
sobre o bem ou serviço, entretanto, ao mesmo tempo, a publicidade não pode se tornar
enganosa aos olhos do consumidor. Ou seja, se por um lado não há dever legal de se fazer
veicular todas as informações sobre o bem ou serviço, por outro, há um dever legal de se
veicular uma gama mínima de informações. É por esse motivo que o conceito de “dado
essencial” é tão difícil de ser pensado, porque se encontra na justa medida entre o direito
do consumidor de poder bem compreender os contornos da oferta que lhe é feita para que
possa tomar uma decisão de compra livre e esclarecida e o direito de liberdade
publicitária. Sobre esse embate trata a pesquisa, procurando discutir o conceito de dado
essencial nesse contexto.
Palavras-chave: publicidade, enganosa, omissão, consumidor.
Lilian Malateaux
7
ABSTRACT
Advertising can be misleading for both reasons: for saying something false and
also for omitting some information. The Brazilian law, in the article 37 of the Consumer
Defense Code, prescribes that it is prohibited to publicize an advertising that omits
material information.
About what must be material information, nor the Brazilian doctrine, nor the
Brazilian courts have established the parameters to define it. The problem is that the
Brazilian law doesn’t obligate the announcer to publicize all the possible information
about the product or service, but, by the other hand, it determines that some sort of
information must be publicized in the advertising, so the consumer can understand
properly the terms of the advertising. That’s why it is so hard to define material
information; because it stands in the midterm between the right os the consumer to be
properly informed so it can make free and informed buying decisions and the right of
freedom of advertising. This article is about this midterm and the concept of material data
in this context.
Key words: advertising, misleading, omission, consumer.
Lilian Malateaux
8
Sumário
Introdução ........................................................................................................................ 7
Objetivos ........................................................................................................................... 9
Metodologia .................................................................................................................... 10
Análises ........................................................................................................................... 11
Capítulo 1. A publicidade no ordenamento jurídico brasileiro ................................ 13
1.1.Histórico da publicidade e o surgimento da necessidade de tutela pelo direito .... 13
1.2.Definições de Publicidade ..................................................................................... 16
1.3.O ambiente constitucional da publicidade ............................................................ 18
1.4.Princípios jurídicos da publicidade. ..................................................................... 22
1.4.1. Princípio da identificação da mensagem publicitária. .................................. 22
1.4.2. Princípio da veracidade ............................................................................... 23
1.4.3. Princípio da vinculação da oferta publicitária .............................................. 26
1.4.4. Princípio da não abusividade da publicidade ............................................... 28
1.4.5. Princípio do ônus da prova a cargo do fornecedor ....................................... 29
1.4.6. Princípio da correção do desvio publicitário ................................................ 31
1.4.7. Princípio da não captura abusiva do consumidor ......................................... 31
1.5.O Controle da Publicidade ..................................................................................... 33
1.5.1. O Controle Autorregulamentar da Publicidade ............................................ 34
1.5.2. O Controle Estatal da Publicidade................................................................ 39
Capítulo 2. A publicidade enganosa por omissão enquanto espécie de publicidade
enganosa ......................................................................................................................... 48
2.1. O âmbito de incidência do instituto da publicidade enganosa publicitário .......... 48
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9
2.2. Análise do anúncio em si considerado - desnecessidade de dolo ou culpa do
fornecedor .................................................................................................................... 51
2.3. As diferentes manifestações da publicidade enganosa ......................................... 52
Capítulo 3. A publicidade enganosa por omissão ....................................................... 56
3.1. Definição ............................................................................................................... 56
3.2. O pressuposto da oferta na publicidade ............................................................... 60
3.3. Publicidade e a extensão do dever de informar .................................................... 63
3.3.1. O princípio da Boa-fé objetiva como gerador do dever de informar ............. 63
3.3.2. O objetivo de transparência nas relações de consumo como gerador do dever
de informar ............................................................................................................... 69
3.3.3. O dever de informar na publicidade .............................................................. 72
Capítulo 4. O dado essencial ......................................................................................... 81
4.1. Variável objetiva do dado essencial ...................................................................... 81
4.1.1. Pressuposto: a análise do anúncio como um todo .......................................... 81
4.1.2. Dado essencial e a natureza do produto ou serviço........................................ 85
4.2. Variável subjetiva do dado essencial ................................................................... 93
Capítulo 5. Federal Trade Commission x Snapchat Inc. ......................................... 103
Capítulo 6. Conclusão ................................................................................................. 114
Referências ................................................................................................................... 119
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INTRODUÇÃO
O presente estudo busca desenvolver uma leitura dos mecanismos expostos no
Código de Defesa do consumidor que visam coibir a propaganda enganosa por omissão.
A complexidade do capitalismo atual clama por uma tutela jurídica eficaz da publicidade,
que considere os anseios dos diversos atores do mercado.
Se, por um lado, não se pode precisar em que momento se deu a origem da
publicidade comercial, tem-se como certo, por outro, que sua evolução sempre esteve
atrelada ao desenvolvimento do sistema capitalista. Dessa forma, fatores como o
incremento dos mecanismos de produção, o surgimento dos meios de comunicação social,
a expansão do consumo e a modificação dos padrões sociais colocaram a publicidade
comercial como uma exigência do capitalismo avançado.
Se, originariamente, a publicidade foi criada visando uma função meramente
informativa – isso é, de apresentar ao consumidor determinado produto ou serviço -, a
partir do século XX, com o surgimento da sociedade de massas e avanço dos meios de
comunicação, as campanhas publicitárias passaram a conter cada vez mais uma função
persuasiva – ou seja, a de estimular novas demandas. No afã da competitividade inerente
ao capitalismo atual, as empresas e agências publicitárias têm intensificado e aprimorado
o uso de técnicas persuasivas, que, muitas vezes, acabam por induzir o consumidor a erro,
isto é, ter uma falsa percepção da realidade. É nessa esteira que surgem os mecanismos
legais de coibição do abuso no uso dessas técnicas, dentre eles a proibição de vinculação
de propagandas enganosas.
É, entretanto, inegável a importância da publicidade no desenvolvimento
econômico: além de estimular a concorrência, reduzindo o preço unitário dos produtos,
bem como estimulando inovações tecnológicas, ainda é a principal receita dos veículos
de comunicação, fomentando, dessa forma, também a vida cultural do país.
Diante do exposto, é forçoso dar aos mecanismos de coibição da propaganda
enganosa uma precisa dimensão, encontrando um justo meio entre proteger o poder de
escolha do consumidor e respeitar a inerente técnica de convencimento na publicidade.
Lilian Malateaux
12
O instituto da publicidade enganosa por omissão vem definido pelo § 3º do artigo 37
do Código de Defesa do Consumidor, como sendo publicidade enganosa por omissão
aquela que deixar de informar sobre “dado essencial do produto ou serviço”. Assim, um
anúncio não se torna enganoso apenas conter informações falsas, mas também por não
conter as informações essenciais para que o consumidor conheça devidamente o produto
para poder tomar uma decisão bem informada e baseada em sua vontade.
O direito brasileiro não exige que o fornecedor veicule todas as informações do
produto, pois seria inviável, dado o tempo de propaganda em televisões, rádios e o seu
espaço na mídia impressa, bem como, pois isso iria de encontro com a natureza da
publicidade em si.
Assim, dado que nem todas as informações são obrigatórias, apenas as essenciais,
mostra-se imprescindível que se defina a essencialidade da informação. Sobre o que seja
dado essencial, não existe qualquer parâmetro legislativo no Brasil, bem como a doutrina
brasileira também não é pacífica.
A presente pesquisa se propõe a analisar quais são as premissas que conformam o
conceito de dado essencial para fins de caracterização do ilícito de publicidade enganosa
por omissão. Isso será feito à luz da doutrina e legislação brasileira, casos práticos
extraídos do CONAR e da jurisprudência brasileira, bem como pincelando com
experiências trazidas do direito comparado. Em suma, pretende-se trazer parâmetros do
conceito de dado essencial para fins de caracterização do ilícito de publicidade enganosa
por omissão, considerando fatores jurídicos, mercadológicos e sociológicos.
Lilian Malateaux
13
CAPÍTULO 1
A PUBLICIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
1.1. Histórico da publicidade e o surgimento da necessidade de tutela pelo direito
A palavra “publicidade” vem do termo publicus do latim, isso é, tornar de
conhecimento geral, levar a todos. De fato, a publicidade surgiu com uma função
essencialmente informativa. Foi criada, a princípio, como um instrumento para tornar
público o produto, o preço, o local onde adquiri-lo, entre outras informações. 1
Ocorre que, a partir do século XX, com o aumento da competição entre as
empresas produtoras e com o recrudescimento da sociedade de consumo, apenas informar
não era mais suficiente, os fabricantes tiveram que utilizar-se da publicidade também para
captar novos consumidores em um contexto de luta concorrencial no afã de um
capitalismo selvagem. Tal fenômeno tornou-se exponencial com o surgimento de novos
meios de comunicação – como o rádio nos anos 20 e a televisão na década de 40.2
Nesse contexto, os fabricantes começaram a incorporar técnicas persuasivas
simples em seus anúncios. Aos poucos, essas técnicas persuasivas foram ficando cada vez
mais complexas, dotadas de apelos lógico-emocionais, difíceis de serem percebidas pelos
consumidores, foram criados profissionais com formação específica para a área
publicitária, cursos de publicidade e propaganda nas universidades e, paulatinamente,
aquela função eminentemente informativa da publicidade foi sendo subordinada a uma
função persuasiva. A publicidade agora não mais informa desinteressadamente o
consumidor, com neutralidade, mas com a finalidade precípua de estimular novas
demandas, de convencer o público a adquirir o produto ou serviço.3
Assim, apesar de a publicidade ter surgido, em seus primórdios, tendo como
intuito meramente informar o público dos produtos e serviços disponíveis no mercado,
1 DIAS, Lucia Ancona Lopes de Magalhães. Publicidade e Direito. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2010, p. 27. 2 Publicidade e Direito cit., p.27. 3Publicidade e Direito cit., p. 28.
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14
hoje em dia, ela se identifica com um escopo eminentemente persuasivo, sendo apontado
na doutrina jurídica como sendo uma característica essencial de toda a publicidade. Nesse
sentido, Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN4
Não se deve, pois, confundir informação com publicidade. Esta, embora
tendo um certo conteúdo informativo, modernamente não tem por
escopo exclusivo ou preponderante informar, mas incitar os
consumidores, sendo, necessariamente, tendenciosa, porque, como
veremos, unilateral.
Junto com esse incremento da função persuasiva da publicidade e no afã de as
empresas quererem conquistar o público consumidor a qualquer custo, surgiu também
todo tipo de abuso publicitário – com relação à veracidade das informações prestadas; aos
valores sociais, ambientais, à fácil identificação de um anúncio, à livre concorrência, entre
outros. Esses abusos, muitas vezes, vêm em detrimento de direitos básicos do
consumidor, sobretudo - e agora tangendo o que interessa ao presente trabalho – do direito
à informação.
Para coibir esse tipo de abuso e reequilibrar a relação pré-contratual entre
consumidor e fornecedor, entra o papel do direito, que cria mecanismos jurídicos que
limitam a persuasão publicitária, de forma a respeitar os direitos subjetivos garantidos ao
consumidor, tanto pela Constituição Federal, quando pelo Código de Defesa do
Consumidor. Nesse contexto, foram criados diversos institutos que propiciam essa tutela,
dentre eles, a vedação à propaganda enganosa.
Vale ponderar, nesse ponto, que, apesar de o direito ter criado determinadas
limitações à atividade publicitária com vista a tutelar o consumidor, a atividade
publicitária em si continua sendo lícita e protegida, segundo o nosso ordenamento
jurídico. O que se coíbe são os abusos publicitários, e não a publicidade em si.
Assim pensa Antonio Herman Vasconcellos e BENJAMIN5:
Goza de ampla aceitação a tese de que, exceto em certos setores bem
delimitados, a questão deixa de ser a de supressão pura e simples da
publicidade e passa a ser a da sua contenção ou controle dos seus
abusos, fazendo-a cumprir sua função social”. Em seguida, o autor
elenca quatro fatores pelos quais a publicidade deveria ser controlada:
“para favorecer e ampliar a concorrência entre os diversos agentes
econômicos; garantir um fluxo adequado de informações sobre
produtos e serviços; evitar abusos do seu poder de persuasão e limitar o
seu potencial de modificação de padrões culturais.
4 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da punibilidade in Revista de Direito
do Consumidor. São Paulo, n. 9, p. 33, 1994. 5 Revista de Direito do Consumidor, v.9 cit. 42.
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15
A proteção da publicidade não se justifica apenas juridicamente, mas, sobretudo,
pela sua importância para o desenvolvimento econômico-social do país.
De fato, a publicidade reveste-se de grande importância para o desenvolvimento
econômico, visto que é um grande propulsor da dinâmica competitiva no mercado,
acabando, indiretamente, por incentivar maior inovação na produção de bens e na
prestação serviços. Foi também a publicidade que permitiu a diminuição dos custos
unitários dos produtos; graças à maior estabilidade da demanda proporcionada pela
atividade publicitária que foi viável a produção em série, que acabou por baratear o
produto final, permitindo maior acessibilidade das classes mais baixas a eles.6
A importância da publicidade não se revela apenas na esfera econômica, mas
também na social. A publicidade é a mais importante fonte de receita para os veículos de
comunicação – rádio, televisão, internet, jornais – o que acaba por incentivar a cultura e
entretenimento social indiretamente, também por financiamento direto de eventos,
festivais, exposições e etc.7
Assim, cabe ao direito compatibilizar o a atividade publicitária - respeitando a sua
função persuasiva inerente - com os direitos básicos do consumidor. É dever dos
operadores do direito zelar tanto pela tutela dos direitos básicos do consumidor garantidos
tanto pela Constituição Federal, quanto pelo Código de Defesa do Consumidor, quanto
pela importância que tem a publicidade na sociedade de consumo em que vivemos.
Por fim, vale lembrar, como diz brilhantemente Lucia Ancona Lopez de
Magalhães DIAS8, que a proteção do consumidor e a atividade publicitária não devem
ser vistos como antagônicos, mas, pelo contrário, como complementares, vale dizer, na
medida em que o direito coíbe os abusos publicitários, ele purifica o mercado, o que acaba
por dar maior credibilidade à atividade publicitária aos olhos do consumidor.9
6 SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria técnica e prática. 8 ed. São Paulo: Cengage Learning,
2013, p. 61. 7 Publicidade e Direito cit., p. 29. 8 Publicidade e Direito cit., p. 29. 9 A título de exemplo, se a todo tempo fossem veiculadas publicidades claramente enganosas como
“emagreça 50 kilos em uma semana com o produto X”, essas propagandas, ao longo dos anos, ficariam
descredibilizadas no mercado, isso é, nenhum consumidor acreditaria mais nelas, nem sequer prestariam
atenção em qualquer propaganda semelhante – ainda que não enganosa -, por medo de adquirir um produto
que não corresponda ao ofertado. Ao passo que, com a proibição de propagandas enganosas, bem como
com a tutela correspondente do consumidor no caso de ser enganado, esse se sente estimulado a escutar
com atenção as ofertas feitas, e seguro para acreditar nelas.
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1.2. Definições de Publicidade
A importância de se definir o que é – ou não – publicidade é delimitar o âmbito
de análise do presente trabalho. O tema aqui tratado é a publicidade enganosa frente ao
direito do consumidor, que encontra seu fundamento no artigo 37 do Código de Defesa
do Consumidor que proíbe toda publicidade enganosa e abusiva. Tal dispositivo, objeto
de análise do presente trabalho, não se refere a quaisquer textos, mas tão somente aos
textos publicitários, de forma que, para o escopo desta tese, antes de se analisar se o texto
é ou não enganoso, deve ser feita uma análise prévia se o texto é ou não publicitário, daí
a importância de se definir o que é publicidade.
Poder-se-ia ser citada infinita gama de conceitos. Foram, entretanto, selecionados
apenas alguns que, ora por sua força normativa, ora por sua completude, mostram-se mais
relevantes para o presente trabalho.
O nosso Código de Defesa do Consumidor não apresenta qualquer definição de
publicidade. Recorrendo-nos do plano privado, encontramos definição dada pelo artigo
8º do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária (CBARP) do CONAR que
diz que publicidade é “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços,
bem como promover instituições, conceitos ou ideias”.
Doutrinariamente, podemos citar o conceito trazido por Adalberto
PASQUALOTTO10, como sendo “Toda comunicação de entidades públicas ou privadas,
inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o
público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade
lucrativa”.
Geralmente, os ordenamentos jurídicos dos países - sobretudo os provenientes do
sistema da civil law - costumam trazer uma definição legal de publicidade. Tal
preocupação demonstra-se no âmbito da União Europeia que dispõe, no artigo 2º da
Diretiva 84/450 da CEE, o conceito de publicidade, como sendo toda forma de
comunicação realizada por uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada no exercício
de uma atividade comercial, industrial ou profissional com o fim de promover de forma
10 PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo, RT, 1997, p. 25
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17
direta ou indireta a contratação de bens móveis ou imóveis, serviços, direitos e
obrigações.11
Fora do âmbito jurídico, podemos citar que, entre os publicitários, costuma-se
adotar a definição dada pela AAAA (American Association of Advertising Agencies),
que define publicidade como sendo qualquer forma paga de apresentação impessoal e
promoção, tanto de ideias, como de bens e serviços, por um patrocinador identificado.12
Importante apontar, finalmente, que, independentemente da definição escolhida,
deve-se ter em mente que o conceito básico de publicidade deve conter 5 elementos
essenciais: patrocínio, divulgação de produtos e serviços, informação, persuasão e a
atividade dirigida ao público.13
Como já demonstrado anteriormente, existe íntima relação entre a publicidade e
sua função persuasiva; vale dizer: só é publicidade o texto que tiver por objetivo
arrebanhar clientela e, a contrariu sensu, os textos que não visam arrebanhar clientela não
são publicitários, não se submetendo, portanto, à proibição do artigo 37 do CDC, pelo
fato de esse restringir o seu escopo de proibição aos textos publicitários. Cumpre dizer
também que, apesar de os termos publicidade e propaganda serem utilizados
indistintamente em diversos textos, inclusive os legislativos, eles não são sinônimos,
como apontado majoritariamente pela doutrina especializada.14
Como se viu, a publicidade é dotada de um objetivo econômico bem delineado:
levar o consumidor a adquirir o produto ou serviço; não é apenas um meio de mera
divulgação do bem de consumo, mas é, sobretudo, projetada com a finalidade precípua
de incentivar o consumo.
É esse intuito econômico que difere a publicidade da propaganda. Historicamente,
a propaganda nasceu como ferramenta de propagar a fé, estando, até hoje, ligada a um
viés mais ideológico, de difusão de ideias. A propaganda, assim como a publicidade tem,
11 Nos termos da Diretiva 84/450/CE, artigo 2º, publicidade vem definida como “Toda a forma de
comunicación realizada por uma persona física o jurídica, pública o privada em el ejercício de uma actividad
comercial, industrial, artesanal o profesional con el fin de promover de forma directa o indirecta la
contratación de bienes muebeles o inmuebeles, servicios, derechos y obligaciones.” (Íntegra da Diretiva
Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31984L0450:EN:HTML
> Acesso em 23 dez. 2013. 12 Disponível em < http://www.aaaa.org/ > Acesso em 23 dez. 2013. 13 GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das
Celebridades que dela participam. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 100. 14 Publicidade e Direito cit., p.22.
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18
claro, uma função persuasiva, entretanto, essa função não se apresenta com um objetivo
definido economicamente – fazer com que o consumidor adquira o bem, agregar valor à
determinada marca ou mesmo difundir um determinado estilo de vida – verifica-se essa
função persuasiva tão somente no plano ideológico, no sentido de incitar as pessoas a se
filiarem a um determinado sistema ideológico – político, social, religioso, etc.15
Embora no plano teórico estejam já bem delimitadas as diferenças entre
publicidade e propaganda, no plano prático costuma-se usar ambos os vocábulos
indistintamente para se referir à publicidade comercial, sendo tal prática feita, inclusive,
na legislação brasileira16.
Cumpre destacar que, para o âmbito do presente trabalho, será analisada apenas a
publicidade, visto que tem por escopo tratar apenas das relações consumeristas,
entendidas como aquelas ocorridas no mercado de consumo, tendo, portanto, um
ambiente eminentemente comercial, com fins exclusivamente econômicos. Nesse sentido
Nelson NERY JR.17 explica que o CDC não regulou a propaganda, mas tão somente a
publicidade, entendida como veiculação com sentido comercial, com objetivo de
convencer o destinatário a adquirir o produto ou utilizar-se do serviço.
1.3. O ambiente constitucional da publicidade
A partir da definição de publicidade, podemos determinar em qual capítulo da
Constituição ela encontra seu fundamento. Como já tratado brevemente, entendo que a
publicidade seja, antes de qualquer coisa, uma técnica empresarial para vender produtos.
Não se pretende, aqui, negar o seu viés informativo, na medida que leva ao público as
principais informações sobre os produtos, bem como o seu viés artístico, já que traduz a
expressão de pensamento do publicitário que a fez por meio de diferentes técnicas de arte.
15 Publicidade e Direito cit., p.22. 16 Nesse sentido, a lei 4.680, que dispõe sobre o exercício da profissão de publicitário e de agenciador de
propaganda confunde ambos os conceitos em seu artigo 5º, in verbis: “compreende-se por propaganda
qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadoria ou serviços por parte de um anunciante
identificado”. Observa-se que o dispositivo mistura os conceitos de publicidade e propaganda, na medida
em que engloba, no conceito de propaganda, a difusão de mercadorias ou serviços, atividade própria tão
somente da publicidade. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4680.htm> Acesso em
12 dez. 2013. 17 O regime da publicidade enganosa no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Programa de Pós-
Graduação em Direito PUC-SP p. 112
Lilian Malateaux
19
O que se quer dizer é que a publicidade tem como principal função a de arrebanhar
clientela, também chamada de função persuasiva.
Diz-se isso porque essa função persuasiva é inerente à publicidade, vale dizer, se
um anúncio publicitário não tiver a capacidade de gerar no consumidor o desejo de
compra, ele não é um anúncio publicitário. Se um texto tão somente informa o público de
algo ou transmite artisticamente alguma ideia, ele será qualquer coisa, menos publicidade,
por não ser apto a cumprir com a principal função da publicidade: incitar o público a
adquirir um produto ou serviço.
Dessa forma, apesar de a publicidade conter dimensões informativas e artísticas,
essas não a determinam e estão, indissociavelmente, subordinadas ao seu escopo
persuasivo. Assim, numa publicidade, nunca se informa desinteressadamente o público,
nunca se mostra, por exemplo, os aspectos negativos do produto, também não se faz arte
pela arte. Por isso se diz que ambas as dimensões – informacional e artística - estão
sempre voltadas para a persuasão do consumidor; informa-se apenas o que agrada,
utilizando-se dos recursos artísticos que mais chamam a atenção do público.
Essa predominância da função persuasiva faz com que a publicidade seja
classificada como uma atividade empresarial, uma maneira pela qual as empresas escoam
a sua produção. De tal classificação, subsome-se que a publicidade constitui-se de
fenômeno econômico, sendo tutelada, portanto, pelos dispositivos da constituição que
tratam da ordem econômica do Estado, mais precisamente, pelo Título IV, da ordem
econômica e financeira18.
Assim também entende Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN19:
A atividade publicitária é um momento – nada mais que um momento
– da atividade empresarial, em nada se distinguindo desta, com ela
dividindo, inclusive, seu objetivo econômico e de lucro, como
pressuposto de existência e funcionamento (...) Com isso não queremos
dizer que não exista um direito de publicidade, até garantido
constitucionalmente, só que não no âmbito da manifestação de
expressão. No caso brasileiro, decorre ele da garantia da livre iniciativa
e, por isso mesmo, é regido pelos limites a esta impostos, em particular
a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do
consumidor e a proteção do meio ambiente.
18 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acesso em 07. Dez. 2013. 19 Revista de Direito do Consumidor, v.9 cit., p.55
Lilian Malateaux
20
Também nesse sentido, SOLANGE BIGAL20:
A publicidade é definida como arte de despertar no público o desejo de
compra, levando-o à ação. Esta parte complementar da definição é
muito importante porque, se a publicidade não levar à ação, sua
finalidade precípua, que é de estimular vendas, não terá valor.
Pelo fato de ser a persuasão de clientela o principal escopo da publicidade, pode-
se dizer que ela constitui-se em um fenômeno econômico, cujo lastro legitimador está na
ordenação constitucional da economia, em especial, no princípio da livre concorrência,
cujo exercício pelos competidores implica a faculdade de conquistar clientela, podendo,
para tanto, valer-se de diversos instrumentos, inclusive a publicidade comercial.21
A localização do ambiente constitucional da publicidade tem importância ímpar
para o presente estudo, visto que é a partir dessa definição que podemos determinar em
que medida poderá ser feita a intervenção do Estado. Para tanto, vale analisar como se
estrutura a ordem econômica constitucional no Brasil, tendo como parâmetro o exercício
publicitário.
Ao definirmos que a publicidade tem lastro constitucional na ordem econômica,
excluímos, por via de consequência, a possibilidade de lastro constitucional no
subsistema dos Direitos Fundamentais. Tal opção poderia ser, eventualmente, defendida
com base no direito de livre manifestação do pensamento, entretanto, não se mostra como
a melhor opção, visto que, como já foi demonstrado exaustivamente, tanto o viés
informativo, quanto o artístico da publicidade estão essencialmente subordinados à sua
função econômica de vendas.22
Sendo assim, vislumbramos importantíssimos desdobramentos jurídicos: se, por
um lado, adotando a publicidade como parte da ordem econômica – e não dos Direitos
fundamentais –, atribui-se a ela um regime jurídico de proteção menos vigoroso, por outro
lado, reforça-se, em contraposição a esta, a proteção do consumidor que encontra o lastro
20 BIGAL, Solange, O que é criação publicitária (ou o estético na publicidade). São Paulo: Nobel, 1999
apud NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Publicidade Comercial: proteção e limites na constituição de 1998.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 159. 21 NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1998.
São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 162 e 163. 22 Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1998. Cit., p. 164.
Lilian Malateaux
21
constitucional de sua proteção no subsistema dos Direitos Fundamentais, por força do
artigo 5º, XXXII.2324
A publicidade, como dito, é amparada constitucionalmente pelo princípio da livre-
concorrência, que, por sua vez, encontra seu fundamento no princípio da livre-iniciativa,
sendo assim, é protegida pelo artigo 170, parágrafo único, que dispõe que “é assegurado
a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Tal redação demonstra
que tal dispositivo é uma norma constitucional de eficácia contida, por ter sido clara ao
não exigir, a priori, qualquer autorização de órgãos públicos para o exercício da atividade,
prevendo, entretanto, a possibilidade de limitações por leis posteriores.
Segundo a classificação tricotômica de José Afonso da Silva, as normas contidas
são aquelas que têm aplicabilidade imediata, mas que são suscetíveis de restrições. De tal
afirmação podemos concluir que a publicidade pode sim sofrer restrições - sejam elas
constitucionais ou infraconstitucionais -, mas, apesar da possibilidade de restrições, seu
exercício é livre e independente de qualquer autorização de poder público.
Logo, devemos atentar que, apesar devermos impor limitações à atividade
publicitária – limitações essas decorrentes, entre outras, da tutela do consumidor - não se
pode negar eficácia às outras regras que estão em embate, posto que são válidas, vigentes
e predispostas a gerar eficácia no ordenamento. Sendo assim, podemos deduzir, à luz da
teoria interpretativa da Constituição Federal, que não pode ser admitido qualquer ato que
vise anular completamente a atividade publicitária, mas ser respeitada a limitação de
dever cumprir a sua função social, deve, portanto, respeitar os direitos subjetivos dos
consumidores.25
Toda a análise a ser realizada ao longo deste trabalho levará em conta o primado
de que a proteção ao consumidor deverá sempre prevalecer em relação à proteção à
publicidade, por ser essa pertencente ao sistema constitucional da ordem econômica e
aquele ao dos direitos fundamentais, de acordo com o princípio da máxima efetividade
dos Direitos Fundamentais. Entretanto, levar-se-á em conta também que existe um direito
de exercício da atividade publicitária, que encontra lastro constitucional no princípio da
23 Nos termos do artigo 5º XXXII da CF/88: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor”. 24 Publicidade comercial: proteção e limites na Constituição de 1998 cit., p. 162 e 163. 25 Publicidade comercial: proteção e limites na constituição de 1988 cit., p. 169.
Lilian Malateaux
22
livre-iniciativa e que não poderá ser anulado quando for feita a sua ponderação com a
proteção do consumidor.
1.4. Princípios jurídicos da publicidade.
A doutrina brasileira identifica, a partir da exegese dos artigos 30, 36, 37, 38, 56,
XII, 60, alguns princípios jurídicos específicos da publicidade, quais sejam: princípio da
identificação da mensagem publicitária (art. 36, caput); princípio da veracidade (art. 37,
§§ 1º e 3º); princípio da transparência da fundamentação (art. 36, parágrafo único);
princípio da vinculação contratual da publicidade (art.30); princípio da não abusividade
da publicidade (art. 37, § 2º), princípio do ônus da prova a cargo do fornecedor (art. 38),
princípio da correção do desvio publicitário (arts. 56, XII e 60) e princípio da não captura
abusiva do consumidor. Tal classificação principiológica é adotada por Nelson Nery e
Antônio Herman.26
1.4.1. Princípio da identificação da mensagem publicitária.
O princípio da identificação da mensagem publicitária encontra seu fundamento
legal no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe, in verbis: “a
publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a
identifique como tal”. Infere-se, portanto, que o consumidor deve conseguir identificar a
publicidade sem esforço assim que ele tiver contato com essa.
Tal princípio vem estampado em diversas legislações ao redor do mundo, bem
como no nosso Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Assim não
poderia deixar de ser, dada a sua extrema importância para a tutela do consumidor. Ocorre
que, dada a função persuasiva inerente à publicidade, é imprescindível que se dê também
ao consumidor a possibilidade de se defender contra ela. É natural do ser humano que, ao
identificar que um interlocutor tem interesse em convencê-lo de algo, que escute a
mensagem com certa carga de desconfiança, para poder se defender dessa persuasão e
26 Publicidade e Direito cit., p. 57.
Lilian Malateaux
23
fazer valer suas próprias vontades. Nesse sentido, impor ao fornecedor que identifique a
publicidade como tal, é garantir ao consumidor que ele possa exercer esse processo
natural de defesa, nesse ponto, tal imposição liga-se umbilicalmente com o direito de
defesa do consumidor e decorre dos deveres de transparência e lealdade nas relações de
consumo.
Nessa esteira, são repelidas pelo nosso ordenamento as chamadas publicidades
ocultas, clandestinas ou camufladas, que são anúncios publicitários promovidos por um
fornecedor com a intenção de vender um produto ou serviço, mas aparentemente neutras
aos olhos do consumidor, disfarçadas de textos jornalísticos ou de parte do enredo de
telenovelas, por exemplo.
Como será tratado posteriormente, a doutrina identifica a quebra do atendimento
a esse princípio com o ilícito da publicidade enganosa por omissão, visto que o
fornecedor, objetivando ludibriar o consumidor acerca das suas verdadeiras intenções de
venda, omite o caráter publicitário da informação. Nesse sentido, tal princípio tem
extrema relevância para o tema desse trabalho.
1.4.2. Princípio da veracidade
O princípio da veracidade encontra seu fundamento legal nos artigos 6º, III e IV e
37, §§ 1º e 3º27; diz respeito, nas palavras de Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS28,
“ao dever de informar corretamente o consumidor, proibindo a veiculação de informações
falsas ou inexatas sobre a natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço ou quaisquer outros dados sobre o produto ou serviço anunciado (art. 37, §
27 Consta do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos
que apresentem;
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou
parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o
consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre
dado essencial do produto ou serviço.
28 Publicidade e Direito cit., p. 74.
Lilian Malateaux
24
1º). Assim, todos os dados apresentados no meio publicitário devem corresponder às
características do produto ou serviço anunciado.
Para trazer maior concretude a esse princípio, o legislador adicionou o artigo 36,
parágrafo único ao Código de Defesa do Consumidor que dispõe que “O fornecedor, na
publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos
legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à
mensagem”; dessa forma, podemos inferir que todos os dados apresentados em
determinado anúncio publicitário devem estar amparados de respectiva fundamentação.
A eficácia de tal dispositivo se manifesta, principalmente, no caso de demandas
relacionadas à publicidade enganosa, em que um consumidor, por exemplo, alega que
determinada informação publicitária não corresponde à do produto anunciado. Nesse
caso, o CDC delega ao fornecedor - de acordo com o artigo 38, do CDC29 o ônus da
veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem a
patrocina - a prova de sua veracidade que, não raramente, deve ser feita por meio da
apresentação de laudos científicos, pesquisas altamente credenciadas que demonstrem a
validade da informação veiculada.
É importante notar, entretanto, que, apesar de próximos, os conceitos de
publicidade enganosa e verdadeira não coincidem, como bem alertou Lucia Ancona
Lopes de Magalhães DIAS30. O conceito de verdadeira é o de que as informações
anunciadas correspondam aos dados do produto ou serviço anunciados, isso é, que as
informações não sejam falsas; o conceito de publicidade enganosa, toda via, não se
vincula necessariamente com a veracidade das informações; diz respeito, sim, ao
potencial que tenha o anúncio publicitário de levar o consumidor a erro, não importando
o mecanismo pelo qual isso é feito. Dessa forma, uma publicidade pode ter apenas
informações verdadeiras sendo veiculadas e, ainda assim, ser enganosa aos olhos do
consumidor. Esse é o caso da publicidade enganosa por omissão, em que, apesar de todos
os dados veiculados serem verdadeiros, falta determinado dado essencial que, por ser tão
importante, é capaz de levar o consumidor a erro.
29Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a
quem as patrocina. 30 Publicidade e Direito cit., p. 74.
Lilian Malateaux
25
Vice versa também é possível, isto é, uma publicidade pode ser falsa e, ainda
assim, não ser enganosa – e, nesse ponto, a jurisprudência admite uma exceção ao
princípio da veracidade na apresentação publicitária. Esse é o caso dos exageros
publicitários, também chamados de “puffing” entram nesse caso as publicidades que são
manifestamente exageradas ou fantasiosas que, de tão inverossímeis, não seriam capazes
de enganar qualquer consumidor, pois não seriam levadas a sério por eles. Deve-se
pontuar que esse exagero deve ser manifesto, absurdo, percebido aos olhos de todos os
consumidores, quaisquer que seja a sua classe social, nível de instrução, formação cultural
e etc., tal se impõe pois, como a publicidade é um veículo de grande alcance social, todas
as pessoas por ela alcançada devem ser tuteladas, inclusive aquelas com baixo nível de
instrução.
Na visão de Judith MARTINS-COSTA31, o princípio da veracidade é fundado no
dever geral de correção das condutas no mercado de consumo que foi positivado no artigo
4º, III, do Código de Defesa do Consumidor32. Em sua visão, esse princípio deve ser visto
de forma alargada, em vista das modernas técnicas publicitárias que vêm se
desenvolvendo, bem como da nossa sociedade de massas que resinificam a
vulnerabilidade do consumidor. Nessa medida, o princípio da veracidade deixa de ter
limites negativos e formais como “não informar enganosamente”, “ater-se à
correspondência entre o conteúdo da mensagem e as características do produto ou
serviço” e passa a ter uma dimensão positiva e substancial, em outras palavras, deve-se
“informar correta e completamente”, “atentar para que a correspondência entre a
mensagem e as características do produto não se desvie pela utilização de palavras ou
imagens que possam induzir em equívoco, mesmo que esse decorra da ambiguidade na
sua utilização”. Na mesma medida em que se alarga a extensão do princípio, deve-se
também alargar o âmbito de intervenção estatal na matéria.
31 MARTINS-COSTA, Judith. A distinção entre publicidade enganosa e clandestina e os princípios do
Código de Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, v. 9, 1993, p.80. 32 Nos termos do artigo 4º, III: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção
de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: III - harmonização dos interesses dos
participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade
de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem
econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores".
Lilian Malateaux
26
1.4.3. Princípio da vinculação da oferta publicitária
Segundo Wilson Carlos RODYCZ33, tal princípio, amparado no artigo 30 do
Código de Defesa do Consumidor, constitui-se de grande evolução na tutela do
consumidor, visto que, anteriormente, pelo Código Civil, vigorava o sistema em que a
publicidade era considerada mero convite a ofertar “invitatio ad offerendum”, com
inversão das posições, isso é, o consumidor, ao comparecer no estabelecimento do
fornecedor, é que faria a oferta, podendo essa ser ou não aceita pelo anunciante.
O princípio ora tratado encontra seu fundamento de existência no artigo 30 do
Código de Defesa do Consumidor34. Tal princípio reveste-se de suma importância, pois
tutela as legítimas expectativas criadas no consumidor pela oferta, bem como possibilita
a fluidez dos negócios de consumo no Brasil, gerando segurança jurídica para ambas as
partes ao vincular o fornecedor a cumprir tudo aquilo que prometeu na ocasião da oferta.
O direito, ao exigir que se cumpra o que se prometeu, purifica o mercado publicitário de
forma preventiva, assim, o fornecedor somente ofertará aquilo que sabe que poderá
cumprir, e, consequentemente, o consumidor acreditará naquilo que foi prometido, pois
sabe que poderá exigir judicialmente que o ofertante cumpra com a sua promessa. Esse
mecanismo é fundamental para criar um mercado saudável e confiável.
Em primeiro lugar, a parte inicial do referido artigo 30 diferencia informação de
publicidade. De fato, existem informações sobre produtos e serviços que são veiculadas
por outros meios que não a publicidade – é o que ocorre, por exemplo, com as máquinas
de refrigerantes, bulas e etc. -, bem como existem publicidades sem quaisquer
informações sobre o que é ofertado – como por exemplo as publicidades institucionais,
que são feitas com o único objetivo de fortalecer a imagem de determinada marca no
mercado, mas que não apresentam qualquer oferta de bens ou serviços.35
Em seguida, o artigo exige que essas informações ou publicidades veiculadas
sejam suficientemente precisas, para que a sua oferta vincule o fornecedor. Podemos
33 RODYCZ, Wilson Carlos. A obrigatoriedade de o ofertante cumprir a oferta publicitária à luz do Código
de Defesa do Consumidor. Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no MERCOSUL. Rio
Grande do Sul: Livraria do Advogado. 1994 p.61 34 O referido artigo 30 dispõe, que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por
qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. 35 Publicidade e Direito cit., p. 77.
Lilian Malateaux
27
deduzir, desse enunciado, que nem toda publicidade ou informação é uma oferta e,
portanto, vinculante, apenas as que forem “suficientemente precisas”. De fato, existem
diversas formas de publicidade que não encerram ofertas em seu bojo - a publicidade
institucional acima mencionada é um exemplo delas; outro exemplo é o merchandising,
que são aparições rápidas de produtos inseridas em telenovelas ou filmes. Em ambos os
casos faltam no anúncio publicitário informações suficientemente precisas acerca de um
produto ou serviço e, por isso, não contém uma oferta.36
Para o presente trabalho, interessa apenas analisar as publicidades que contenham
ofertas em seu bojo. Ocorre que, para a configuração da publicidade enganosa por
omissão, é necessário que não se tenha veiculado “dado essencial de determinado produto
ou serviço”, identificando a maior parte da doutrina por “essencial” aquele dado que faria
o consumidor decidir por não contratar. Dessa forma, a publicidade é enganosa por ter o
potencial de fazer o consumidor incidir em erro acerca dos reais contornos de determinado
produto ou serviço exatamente por omitir informações essenciais dele. Ora, não se pode
dizer que determinada informação foi omitida se absolutamente nenhuma outra
informação foi prestada. Nesse caso, não há delimitação dos contornos de como esse
produto ou serviço está sendo posto no mercado. Assim, é pressuposto que haja uma
oferta em meio publicitário para se ter uma publicidade enganosa por omissão. De fato,
para que uma publicidade tenha o potencial de fazer um consumidor incidir em erro
acerca dos contornos de determinado produto ou serviço, é necessário que estes sejam
apresentados de forma suficientemente precisa, para que o consumidor reconheça na
publicidade uma oferta que ele possa vir a contratar.
Por “suficientemente precisas”, o Código de Defesa do Consumidor quer dizer
que não é qualquer informação que vincula o fornecedor, mas apenas aquelas que tiverem
certa precisão. Entretanto, vale notar que, nas palavras de Antonio Herman de
Vasconcellos e BENJAMIN37, “não se trata de precisão absoluta, aquela que não deixa
dúvidas. O Código contenta-se com uma precisão suficiente, vale dizer, com um mínimo
de concisão”.
36Publicidade e Direito cit, p. 76. 37 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 277.
Lilian Malateaux
28
Nesse ponto, há quem diga que o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor
difere do estampado no artigo 429 do Código Civil38. De fato, o Código Civil exige que
a oferta, para ser vinculante, tenha todos os requisitos essenciais do contrato; ao passo
que o Código de Defesa do Consumidor exige apenas que a publicidade seja
“suficientemente precisa”.
Cabe pontuar, entretanto, que, como diz Antonio Herman de Vasconcellos e
BENJAMIN39, essa contradição é somente aparente. De fato, o artigo 429 do Código
Civil, em sua parte final, já ressalva a possibilidade de se alterar a regra quando forem
outras as circunstâncias e usos. Nessa hipótese insere-se a publicidade que, apesar de na
maior parte das vezes não encerrar em si todos os requisitos do negócio, é entendido pelo
público em geral como uma legítima proposta e, portanto, adquire caráter vinculante.
De fato, por ter as circunstâncias de tempo e espaço muito restritas e, claro, por
sua própria função de atingir o público consumidor, geralmente costuma-se selecionar as
informações que são inseridas no anúncio. Exigir que a publicidade encerrasse todos os
requisitos essenciais do contrato para se tornar vinculante seria inviável, deixaria
desprotegido o consumidor e não tutelaria de forma eficaz o nosso mercado de consumo
de massas, gerando nele instabilidades e incertezas que acabariam por enfraquecê-lo.
1.4.4. Princípio da não abusividade da publicidade
Tal princípio vem estampado no artigo 37, §2º40, do Código de Defesa do
Consumidor e, por não ter intersecção direta com o tema desta tese, será tratado de forma
superficial.
A abusividade é um conceito jurídico indeterminado, que deve ser visto no caso
concreto, mas que se liga, de forma geral, nas palavras de Lucia Ancona Lopes de
Magalhães DIAS41 aos valores éticos e morais da sociedade, em desrespeito ao
38 Art. 429 A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato,
salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos.” [grifo nosso] 39 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto cit., p. 287. 40 O artigo 37, § 2° dispõe que “é abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza,
a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e
experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.” 41 Publicidade e Direito cit., p. 88.
Lilian Malateaux
29
consumidor, ou que possa induzi-lo a se comportar de forma prejudicial a sua segurança.
Tem portanto o escopo de assegurar a incolumidade física e psíquica do consumidor, de
forma a preveni-lo contra a veiculação de publicidade que de algum modo possa levá-lo
a se comportar de forma perigosa, colocando em risco sua saúde ou segurança.
1.4.5. Princípio do ônus da prova a cargo do fornecedor
O aludido princípio encontra fundamento legislativo no artigo 38 do Código de
Defesa do Consumidor42.
Nas palavras de Antonio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN43
[...] Refere-se a dois aspectos da publicidade: a veracidade e a correção.
A veracidade tem a ver com a prova de adequação ao princípio da
veracidade. A correção, diversamente, abrange, a um só tempo, os
princípios da não abusividade, da identificação da mensagem
publicitária e da transparência da fundamentação publicitária.
Assim, cabe ao fornecedor provar a não enganosidade e a não abusividade de
determinado anúncio. Tal regra está em harmonia com o direito básico do consumidor à
facilitação da defesa dos seus direitos em juízo, estampada no artigo 6º, inciso VIII do
Código de Defesa do Consumidor44.
Apesar de ambas as regras de inversão do ônus da prova seguirem a mesma ratio
– de reequilibrar as desigualdades materiais entre fornecedor e consumidor, sejam elas
jurídicas, econômicas e, sobretudo, técnicas -, guardam enormes diferenças estruturais. É
que a regra do artigo 6º, VIII faculta ao juiz inverter o ônus da prova, ao longo do
processo, se verificados os requisitos de verossimilhança ou hipossuficiência do
consumidor. No caso do artigo 38, ao contrário, não se dá qualquer faculdade ao juiz, o
ônus será obrigatoriamente do fornecedor, sempre que houver alegação de publicidade
enganosa ou abusiva. Ocorre que o artigo 38 do Código de defesa do Consumidor não se
42 De acordo com o artigo 38 do CDC “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou
comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”. 43 Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto cit., p. 38. 44 Dispõe o artigo 6º, in verbis: “São direitos básicos do consumidor: VIII. A facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências”
Lilian Malateaux
30
configura como um instrumento processual de facilitação da defesa do consumidor, mas
sim uma distribuição de ônus da prova ope legis e independe de qualquer ação do juiz.45
O fundamento para tal diferenciação legal, segundo Judith MARTINS-COSTA46,
reside na própria diferença conceitual entre os termos hipossuficiência e vulnerabilidade.
Nem todo consumidor é hipossuficiente, essa é uma condição que admite graus, sendo
um conceito juridicamente indeterminado que dependerá da discricionariedade do juiz
em reconhecê-la no caso concreto. A vulnerabilidade, por outro lado, está presente em
todos os consumidores – hipossuficientes ou não – posto que estão inseridos em uma
sociedade de consumo e têm deficiência técnica em relação aos fornecedores, na medida
em que dependem que esse último lhes forneça informações sobre o produto ou serviço
para que possam tomar decisões refletidas.
Nesse sentido, a proibição da veiculação de publicidade enganosa,
sobretudo a por omissão, concretiza o princípio da vulnerabilidade do consumidor, na
medida em que impõe ao fornecedor o dever de prestar informações mínimas ao
consumidor.
Por fim, cumpre ressaltar que o aludido princípio está em consonância com
a regra do artigo 36, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor já supracitada,
que exige que o fornecedor mantenha em seu poder os dados fáticos, técnicos e científicos
que dão sustentação à mensagem publicitária.
1.4.6. Princípio da correção do desvio publicitário
O Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu artigo 56, VII, a sanção
administrativa de contrapropaganda aos fornecedores que desrespeitarem as suas normas.
Em seguida, o artigo 60 comina tal sanção às práticas de publicidade enganosa e
abusiva47.
45 GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código do Consumidor. Revista de Direito do
Consumidor, v. 13, 1995, p. 39. 46 MARTINS-COSTA. A ambiguidade das peças publicitárias e os princípios do Código de Defesa do
Consumidor. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Vol. 59. P. 120 47 Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes
sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
XII - imposição de contrapropaganda.
Lilian Malateaux
31
A contrapropaganda é um instrumento que se presta a desfazer a ideia enganosa
ou abusiva gerada perante o consumidor a ela exposto anteriormente. Deve ser feita às
custas do anunciante, de preferência no mesmo meio de comunicação, frequência e
horário em que foi veiculada a propaganda enganosa ou abusiva.48
Sobre a autoridade competente para aplicar a medida, a doutrina se divide devido
ao veto do § 4º do artigo 60 do Código de Defesa do Consumidor, que previa
expressamente a possibilidade de aplicação da medida pelo poder judiciário. Assim, uma
parcela interpreta esse veto como uma vedação expressa a essa possibilidade, concluindo
ser possível apenas que a instância administrativa a aplique. Outra parcela , ao contrário,
defende a possibilidade de aplicação da medida pelo poder judiciário, desde que
respeitado o devido processo legal.
1.4.7. Princípio da não captura abusiva do consumidor
O princípio da captura não abusiva do consumidor encontra seu fundamento legal
de validade no artigo 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor49.
De fato, o consumidor tem o direito de não ser atordoado incessantemente em sua
vida particular. Nas palavras de Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS50:
O fundamento do princípio da não captura abusiva do consumidor
insere-se, portanto, dentro de um contexto maior de inaceitável invasão
da esfera privada do consumidor com a indevida e não autorizada
conversão da sua intimidade em um cenário de luta concorrencial entre
empresas; em um palco constantemente iluminado para o anúncio non-
stop de produtos. Tais práticas, cada vez mais sofisticadas e invasivas,
molestam a intimidade e o sossego do consumidor, turbam a sua
possibilidade de escolha minimamente refletida e, portanto, exigem o
seu prévio consentimento, sob pena de se configurarem abusivas,
privilegiando-se o seu direito à liberdade e à intimidade.
Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de
publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. 48 Publicidade e Direito cit., p. 92. 49 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades
dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípio. [grifo nosso] 50 Publicidade e Direito cit., p. 95.
Lilian Malateaux
32
É claro que o direito, como ciência social aplicada que é, deve considerar o
momento histórico em que estamos inseridos. Ocorre que hoje vivemos rodeados de
tecnologia, interconectados o tempo todo e esse cenário só tem avançado com o tempo.
Atualmente, estamos vivendo o que se convencionou chamar de “a terceira revolução da
internet” – precedida pelas primeira e segunda; respectivamente os primeiros passos da
interconectividade e o e-commerce -, identificada como a febre das redes sociais.
De fato, hoje as pessoas estão expostas a todo o tempo e lugar à tecnologia e,
consequentemente, à publicidade; como explicado por Jean Jacques EREMBERG51, com
a popularização dos dispositivos móveis, a publicidade ganhou dimensões nunca outrora
vistas, as empresas tiveram acesso a toda a gama de dados pessoais do consumidor,
permitindo que fossem feitas publicidades cada vez mais direcionadas ao público alvo. O
modelo de negócio das empresas também tem se alterado, hoje temos a maioria dos
aplicativos e redes sociais sendo gratuitas para o consumidor, sendo que a sua principal
receita é justamente a publicidade altamente dirigida ao público alvo. A título de
ilustração, o ramo já corresponde a 85% do faturamento total da gigante Facebook, o
equivalente a US$ 3,7 bilhões anuais.52
Se, por um lado, o consumidor se beneficia desse modelo por ter uma nova gama
de serviços inteiramente de gratuitos, por outro, ele está cada dia mais exposto à
publicidade, tanto em termos quantitativos – identificados como um maior número de
horas por dia de exposição à publicidade -, quanto qualitativamente – no sentido de os
anúncios publicitários estarem cada vez mais incisivos, utilizando-se de informações
pessoais previamente adquiridas a respeito do consumidor para atingi-lo de forma mais
eficaz.
Nessa perspectiva, devemos ter em mente que o direito deve intervir em justa
medida, de forma a proteger o consumidor da sua captura abusiva, resguardando os seus
direitos básicos de intimidade, privacidade amparados pelo artigo 5º, X, da Constituição
Federal53, mas sempre atento ao novo cenário em que o consumidor está inserido.
51 EREMBERG, Jean Jacques. A Publicidade Patológica na Internet à Luz da Legislação Brasileira. São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. 52 Disponível em: <http://olhardigital.uol.com.br/negocios/digital_news/noticias/facebook-esta-abrindo-
sua-cabeca-para-a-publicidade>. Acesso em 12 jan. 2013. 53 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Lilian Malateaux
33
Se, por um lado, o consumidor hoje é mais assediado por anúncios publicitários,
por outro, grande parte dessa exposição é consentida pelo consumidor. Ao acessar redes
sociais, o consumidor se coloca em uma posição de receptador de anúncios, é um
consentimento tácito, pois o usuário sabe o modelo de negócio em que está se inserindo,
aceita fazer parte disso e usufrui da gratuidade do serviço. Diferentemente de ligações de
telemarketing que, muitas vezes, turbam a vida íntima do consumidor, interrompendo
suas atividades rotineiras para expô-lo - sem seu consentimento - à atividade comercial,
ao acessar redes sociais, sites e etc., o consumidor o faz por iniciativa própria quando e
onde quiser.
É claro que no meio cibernético também existem muitos abusos, spams que são
enviados sem qualquer aval do consumidor, pop-ups que invadem a tela e atrapalham a
sua navegação, entre outros. Esses sim devem ser coibidos pelo direito, representam uma
falta de respeito à vida íntima do consumidor; invadem sua privacidade sem que ele possa
ter tempo de se preparar pra isso, colocando-o numa situação de extrema vulnerabilidade
por diminuir sensivelmente sua capacidade de escolha.
1.5. O Controle da Publicidade
Como visto anteriormente, a publicidade é uma atividade amparada
constitucionalmente, entretanto sofre diversas limitações legais, dentre elas, o controle de
enganosidade, objeto dessa tese. Nesse sentido, o Brasil escolheu o sistema misto de
controle, isto é, tanto agentes privados – entendido como o controle autorregulamentar -
como o Estado podem fiscalizar a publicidade.
1.5.1. O Controle Autorregulamentar da Publicidade
O controle autorregulamentar no Brasil é realizado pelo Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária (CONAR), que é uma sociedade civil, sem fins
lucrativos, formada por representantes das agências, anunciantes e veículos de
Lilian Malateaux
34
comunicação, tendo por objetivo o controle da atividade publicitária, respaldando-se, para
isso, nos seguintes princípios:
Todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país;
deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social,
evitando acentuar diferenciações sociais; deve ter presente a
responsabilidade da cadeia de produção junto ao consumidor; deve
respeitar o princípio da leal concorrência e deve respeitar a atividade
publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que
a publicidade presta54.
O CONAR surgiu no contexto da ditadura militar, quando, na década de 70, houve
a ameaça de se instituir uma obrigatoriedade de regulação estatal prévia da atividade
publicitária. Em reação a essa possível restrição, os agentes publicitários se reuniram e,
inspirados no modelo inglês, formularam um Código com a função de zelar pela liberdade
de expressão na atividade comercial, defender os interesses das partes envolvidas no
mercado publicitário, bem como proteger os legítimos interesses do consumidor. Assim,
lograram engavetar o então projeto de lei que pretendia instituir a censura e demonstrar
que a própria publicidade brasileira era madura o suficiente para se autorregulamentar.
De fato, a autorregulamentação no Brasil foi muito bem sucedida.55 O CONAR é
reconhecido internacionalmente pelo seu trabalho e tem a maioria das suas decisões
cumpridas pelas empresas.
O CONAR guarda algumas vantagens em relação ao processo judicial. Por se
orientar pelo princípio do não formalismo, diferentemente do processo estatal - suas
decisões contam com enorme celeridade em relação às decisões proferidas pelo judiciário.
A rapidez do processo reveste-se de suma importância, sobretudo no meio publicitário,
por sua dinamicidade inerente. Ocorre que um anúncio ilícito veiculado tem a capacidade
de atingir milhares de pessoas – e produzir outros milhares de negócios jurídicos viciados
- em questão de segundos, daí a importância da celeridade no julgamento dessas questões.
É, inclusive, comum que os agentes de marketing, sabendo dessa defasagem de tempo,
utilizem-na a seu favor. Nas palavras de Armando SANT’ANNA56, profissional
altamente reconhecido na área.
É verdade que, em alguns casos, a agência produtora de um anúncio
sabe que ele será sustado pelo Conar. No entanto, como o processo de
averiguação não é instantâneo, imediato, sempre algumas pessoas são
54 Disponível em: < http://www.conar.org.br/ > acesso em 21 jan. 2014. 55 Hoje, o CONAR representa o Brasil em organizações internacionais renomadas como a Ease-Allience.
Disponível em: < http://www.easa-alliance.org/Home/page.aspx/81 > acesso em 22 mar. 2014. 56 Propaganda: teoria, técnica e prática cit., p. 384.
Lilian Malateaux
35
impactadas pela mensagem. Algumas vezes o suficiente para gerar o
“rebuliço” pretendido.
É claro que tal comportamento pode ser considerado antiético, como apontado
pelo autor, mas, infelizmente, é uma prática recorrente na atividade publicitária, daí o
papel do CONAR em sustar esses anúncios ilícitos de forma rápida, papel esse que seria
inviável para um judiciário já abarrotado.
É importante ressaltar que o CONAR, ao mesmo tempo que preza pelo princípio
da celeridade em seus julgamentos, não deixa de zelar pela garantia constitucional do
devido processo legal, que, exatamente por estar previsto na nossa Carta Maior, deve ser
respeitado em qualquer tipo de julgamento no Brasil, seja ele estatal ou não. Nesse
sentido, o CONAR garante às partes o direito à ampla defesa, admitindo a produção de
provas e proferindo decisões sempre motivadas, bem como prevê possibilidade de recurso
à segunda e terceira instâncias57.
Outra vantagem que tem o CONAR em relação ao judiciário é que, por contar
com pessoal altamente especializado na área, o órgão tem maior capacidade técnica
comparativamente. Como é sabido, o poder judiciário conta com juízes que, na maior
parte das vezes, são leigos na matéria. Dessa forma, as sentenças do Conar costumam ser
mais amoldadas ao caso concreto e à prática publicitária, tendo, por exemplo, sugestões
de mudanças capazes de, ao mesmo tempo, respeitar o estilo, intuito e objetivo do anúncio
e adequá-lo à legislação.
Como ensina Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS58 O Código de
Autorregulamentação Publicitária foi feito em harmonia com o Código de Defesa do
Consumidor. Os dispositivos de ambas são extremamente semelhantes e buscam os
mesmos objetivos, o que permita uma intersecção bastante proveitosa entre ambas as
instâncias. O Código de Autorregulamentação Publicitária foi feito de forma mais
detalhada que o Código de Defesa do Consumidor, de forma a considerar os entreames
da atividade publicitária. Essa maior complexidade técnica também se reflete nas decisões
do órgão, de maneira que ambas – legislação e jurisprudência do CONAR – logram
construir uma positivação dos usos e costumes da área publicitária. O judiciário, por sua
vez, utiliza-se dessa compilação em seus julgamentos como fonte interpretativa
57 Nesse sentido, o Regulamento do CONAR prevê, em seu artigo 13, que “os processos éticos constituem
procedimentos administrativos que, além assegurarem amplo direito de defesa, serão orientados pelos
critérios da simplicidade, economia processual e celeridade”. 58 Publicidade e Direito cit., p. 43.
Lilian Malateaux
36
subsidiária, já que o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil59 o autoriza que o juiz
fundamente suas decisões baseado nos costumes de determinada área.
Seja pela celeridade, seja pela capacidade técnica, o fato é que a maior parte dos
litígios envolvendo publicidade ilícita têm sido resolvidos pelo CONAR - e não pelo
judiciário - fato esse que determina que a grande parte das decisões analisadas nesse
presente trabalho também tenham sido proferidas pelo órgão.
Apesar das várias vantagens que o órgão autorregulamentador possa ter em
relação ao judiciário comum, existem gargalos que travam a efetividade desse sistema,
daí a necessidade de se contar com o processo estatal como forma de complementariedade
com vistas a garantir o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.
Acerca das desvantagens do sistema de autorregulamentação, Antonio Herman de
Vasconcellos e BENJAMIN60 explica que o sistema de autodisciplina não vincula todos
os operadores do mercado, limitando-se àqueles que a ele aderem voluntariamente e que,
por ser um sistema baseado em mera derivação contratual, sua força vinculante é inferior
à do poder público, que é fundada na autoridade.
Com razão fala o doutrinador, de fato, pelo fato de o Estado deter o monopólio da
força, falta ao órgão regulamentador, poder de polícia para fiscalizar condutas, bem como
de fazer valer suas decisões a agentes não subscritores de tal sistema. A mesma fragilidade
têm as normas do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBRAP), ele
também não pode ser alegado contra terceiros. Todavia, não podemos menosprezar a
força do poder econômico exercido pelo órgão; não é à toa que os principais agentes do
mercado publicitário são aderentes do sistema de autorregulamentação, bem como as
decisões proferidas pelo Conar têm sido majoritariamente respeitadas.
Ocorre que o âmbito publicitário tem como peculiaridade o objetivo precípuo de
reforçar a imagem da empresa perante o público consumidor e é nesse ponto que
vislumbra-se, por um lado, a necessidade de seu controle e, por outro, o seu ponto fraco,
que permite a predisposição da atividade à autorregulamentação. Vale dizer, o CONAR
possui um mecanismo de estímulo ao cumprimento de suas decisões que se utiliza desse
“calcanhar de Aquiles” da publicidade, toda vez que uma recomendação sua não é
59 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito. 60 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 319.
Lilian Malateaux
37
cumprida – de alteração ou de sustação do anúncio – o Conar lança mão de uma punição
chamada de “advertência pública”, isto é, um anúncio do próprio órgão em diversos meios
de comunicação explicando os motivos de tal advertência e identificando, na mídia, o
advertido. A eficácia desse mecanismo reside no fato de a empresa ter sua imagem
manchada na mídia, de modo que a publicidade por ela feita com o objetivo de agregar
valor à sua marca, acaba surtindo o efeito inverso, tornando-se economicamente não
atrativo a prática da propaganda ilícita. Desse modo, o Conar tem um poder de
coercibilidade que não pode ser desprezado e que, em grande parte dos casos, tão eficaz
quanto o estatal, dada a área em que é aplicado.
Também em relação aos agentes subscritores do órgão, a própria dinâmica do
mercado fez com que todos os seus principais agentes se vinculassem ao CONAR. O
fizeram, pois buscavam um mecanismo célere – enquanto sujeitos ativos de uma denúncia
- para retirar propagandas ilícitas das concorrentes da mídia e acabaram, por
consequência, se submetendo a esse sistema também ao assinar o rol de empresas
vinculadas ao órgão.
Dessa forma, apesar de o órgão não contar com o poder de polícia e monopólio da
força típicos do Estado, o poder econômico que exerce sobre os agentes do marcado –
diretamente sobre os seus subscritores, mas também indiretamente sobre os não-
subscritores – compensa, ainda que parcialmente, essa teórica falta de coercibilidade pela
falta do poder de autoridade.
Outra deficiência do sistema de autorregulamentação apontada por Antonio
Herman de Vasconcellos e BENJAMIN61 é a frágil tutela dos direitos consumidor.
Segundo ele, pela própria dinâmica desse sistema, sua eficácia cingir-se-ia apenas à tutela
de questões concorrenciais entre as empresas atuantes no mercado publicitário.
É verdade que, em muitos casos, as questões consumeristas são analisadas de
forma indireta apenas, na medida em que a motivação da demanda foi pautada, tão
somente, em interesses concorrenciais entre as empresas. Vale pontuar, entretanto, que,
apesar de a tutela do consumidor não ter sido o objetivo precípuo da empresa ao acionar
outra empresa concorrente no CONAR, ela é sim feita, sendo, inclusive, em muitos casos,
a única fundamentação da condenação. É extremamente comum que as empresas acionem
o CONAR com o objetivo de sustar o anúncio da concorrente, mas fundamentem a sua
61 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 319.
Lilian Malateaux
38
demanda em violação de direitos do consumidor como, por exemplo, uma apresentação
não verdadeira do anúncio que comprometa o entendimento do consumidor acerca dos
precisos contornos do produto.
Nota-se, dessa forma, que, pela dinâmica do CONAR – que não tem as mesmas
condições da ação do judiciário como interesse de pedir -, a própria guerra concorrencial
entre as empresas ajuda a tutelar os interesses do consumidor, na medida em que uma
empresa fiscaliza a outra no quesito de observância a regras consumeristas e tem
legitimidade para acioná-la no CONAR.
Além dessa tutela indireta do consumidor nas demandas entre empresas, o
CONAR se preocupa em proteger diretamente os seus interesses, podendo qualquer um
– seja empresa, consumidores ou, inclusive, órgãos estatais - que se sinta lesado por
publicidade veiculada denunciá-la ao CONAR. Diga-se de passagem, as queixas
instauradas por iniciativa do consumidor já representam quase que maioria das queixas
totais apresentadas ao órgão. No ano de 2012, por exemplo, dos 357 processos
instaurados, 177 foram devidos a queixa de consumidores, número esse que representa
49,6% dos processos totais, contra apenas 33,6% dos que foram iniciados após queixa
dos associados ao CONAR.62
Além de ter essa postura passiva, o CONAR tem ainda postura ativa, no sentido
de contar com uma equipe que monitora toda publicidade veiculada nos diferentes meios
de comunicação e, assim que é detectada uma propaganda irregular, o Conselho do
CONAR abre uma representação de ofício e tal anúncio passa a ser investigado63.
Em suma, o CONAR tem trabalhado para superar os entraves de sua eficácia
enquanto órgão autoregulamentador, trabalho esse que tem logrado muito êxito, alçando-
o a um dos mais respeitados órgãos do mundo em quesitos de autorregulação da
publicidade.
Entretanto, não se pode negar que o sistema de autorregulamentação em si sofra
de certas fragilidades. É o caso, por exemplo, de pequenos anunciantes que, por serem
irrelevantes na luta concorrencial de determinado setor, não são fiscalizados pelas outras
62 Disponível em: < http://www.conar.org.br/. > Acesso em 22 mar. 2014. 63Disponível em: < http://www.casperlibero.edu.br/noticias/index.php/2011/04/29/para-desvendar-o-
conar,n=5267.html. > Acesso em 22 mar. 2014.
Lilian Malateaux
39
empresas, mas que veiculam publicidade nociva do ponto de vista do consumidor. Além
disso, apesar de ser eficaz em sustar ou modificar anúncios patológicos, o CONAR não
tem o poder de condenar as empresas a pagarem indenizações aos consumidores, sem
mencionar o problema de muitos consumidores não saberem da existência do órgão,
sendo, por isso, mais fácil o acesso ao Poder Judiciário para muitos deles.
Por essas e outras razões, o Brasil optou – acertadamente – pelo sistema misto, em
que convivem regulação estatal e autorregulamentação. Esse sistema mostra-se eficaz,
pois uma forma de controle acaba por suprir as fragilidades da outra, criando, assim, um
mercado publicitário saudável.
1.5.2. O Controle Estatal da Publicidade
A proteção estatal do consumidor em matéria publicitária está prevista no Código
de Defesa do Consumidor no âmbito administrativo (art. 55 a 60), criminal (art. 66 a 69)
e cível, admitindo a propositura de ações coletivas (ação civil pública) e individuais (art.
81 e 82).
Não cabe ao presente trabalho esmiuçar aspectos processuais de cada forma de
defesa, mas apenas pincelar em linhas gerais como se dá na prática a defesa dos direitos
materiais dos consumidores que aqui serão discutidos, afim de ter uma compreensão mais
ampla do tema. Na medida em que a definição de dado essencial surte efeitos nas esferas
administrativa, criminal e cível, cumpre nesse primeiro capítulo pincelar em que medida
essas esferas poderão utilizar-se dessa definição que será posteriormente esculpida.
A tutela administrativa da publicidade
A defesa do consumidor no âmbito administrativo encontra seu fundamento de
validade nos artigos 4º, II64, a, que estabelece que a Política Nacional das Relações de
64 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades
dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios: II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o
consumidor.
Lilian Malateaux
40
Consumo deve ter por princípio a ação governamental, por iniciativa direta, no sentindo
de proteger efetivamente o consumidor. Ainda, no artigo 6º, VII, consta como direito
básico do consumidor “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à
prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos,
assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”.
Sendo assim, é de se concluir que é dever do Estado criar órgãos que, por iniciativa
direta, efetivem a Política Nacional das Relações de Consumo e que fiscalizem eventuais
ilícitos a ela relacionados. Tal dever é competência concorrente entre União, Estados e
Distrito Federal, como disposto pelo artigo 55, § 1º, do Código de Defesa do
Consumidor65, que deverão fiscalizar a publicidade de produtos e serviços bem como o
mercado de consumo.
Com o objetivo de regulamentar a matéria, foi promulgado o decreto 2.181/199766
que dispõe sobre a organização da Política Nacional de Defesa do Consumidor e
estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas pelo
Código de Defesa do Consumidor.
Segundo Lucia RÊGO67, o processo administrativo é tratado no decreto 2.181 de
forma genérica, carecendo, portanto não apenas de uma legislação específica no âmbito
estadual que adeque a proteção do mais fraco ao mercado de consumo de acordo com a
especificidades locais, como também de órgãos que sejam dotados de competência
específica para concretizar essa política nacional do consumo.
Na prática, foram criados os Procon’s, que são órgãos administrativos criados por
lei. O Procon pode ser estadual ou municipal, e segundo o artigo 105 do Código de Defesa
do Consumidor, é parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor68. Deve
65 Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de
atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de
produtos e serviços.§1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão
a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo,
no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor,
baixando as normas que se fizerem necessárias. 66 BRASIL. Decreto 2.181 de 20 de março de 1997 que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor - SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas
previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto Nº 861, de 9 julho de 1993, e dá
outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2181.htm> Acesso
em 22.mar.2014. 67 RÊGO, Lúcia. A tutela administrativa do consumidor: regulamentação estadual. São Paulo: RT, 2007,
p. 58. 68 Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais,
do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.
Lilian Malateaux
41
ser estabelecido primeiramente pelo Governo Estadual e só a partir da criação deste
Procon, são criados outros Procon’s os municípios do Estado. Suas competências são
dadas pela lei que o institui, atribuições essas que devem ter sempre como referência o
artigo 4º, do decreto 2.181/97.
Em linhas gerais, o Procon é responsável por zelar pelo cumprimento das leis
protetivas do consumidor, bem como fiscalizar as relações de consumo, com vistas à
prevenir e sancionar as práticas infrativas69. No que tange à publicidade enganosa, o artigo
14 do decreto 2.181/9770 praticamente copiou o dispositivo correlato do Código de Defesa
do Consumidor, enquadrando a matéria como prática infrativa a ser punida
administrativamente.
Sendo assim, o estudo a respeito de dado essencial que aqui será feito poderá ser
integralmente aproveitado na seara administrativa para fins de definição da prática
infrativa prevista pelo referido artigo 14 do decreto 2.181/97.
Segundo o artigo 33 do referido decreto, as práticas infrativas às normas de
proteção e defesa do consumidor serão apuradas em processo administrativo, que terá
início mediante ato da autoridade competente; lavratura de auto de infração; reclamação
do consumidor. Ao fim desse processo – e se restar configurada a prática de qualquer
dessas práticas -, poderá a autoridade administrativa impor as penalidades cominadas no
artigo 18 do referido decreto.
No que tange à publicidade enganosa, além da aplicação de multa, cumpre
salientar que existe penalidade administrativa específica prevista, a chamada
contrapropaganda prevista no artigo 18, XII do decreto 2.181/97 e também no artigo 59
e 60 do Código de Defesa do Consumidor. Nos dizeres de Walter CENEVIVA71:
Define-se, pois, contrapropaganda, na relação de consumo, como a
punição imponível ao fornecedor de bens ou serviços, consistente na
69 Disponível em: <www.procon.sp.gov.br> Acesso em 23 mar. 2014 70 Observa-se a semelhança entre os artigos 37 do CDC e o artigo 14 do decreto 2.181 in verbis: “É enganosa
qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa,
ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir a erro o consumidor a respeito da
natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e de quaisquer outros dados
sobre produtos ou serviços.§ 1º É enganosa, por omissão, a publicidade que deixar de informar sobre dado
essencial do produto ou serviço a ser colocado à disposição dos consumidores”. 71 CENEVIVA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1991, p. 133
Lilian Malateaux
42
divulgação publicitária esclarecedora do engano ou do abuso cometidos
em publicidade precedente do mesmo fornecedor.
Corresponde, portanto, a uma obrigação de fazer imposta ao fornecedor, às suas
custas e ainda da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo
veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade
enganosa ou abusiva. Alerta ainda o autor72que os elementos da contrapropaganda devem
restringirem-se tão somente à parte da publicidade precedente que caracterizou o engano,
isso é, se apenas parte do anúncio apresenta o potencial enganoso, poderá a autoridade
cominar a referida penalidade apenas em relação a esse segmento.
A tutela penal da publicidade
O escopo do presente trabalho está longe de atingir a seara criminal, entretanto,
cabe aqui uma rápida remissão, na medida em que os tipos penais de propaganda
enganosa e fraude em oferta remetem suas definições à do dispositivo 37 § 3º do Código
de Defesa do Consumidor, dispositivo esse que será analisado ao longo do trabalho.
Sendo assim, vislumbra-se que a tentativa de melhor definir a publicidade enganosa por
omissão não surtirá efeitos cíveis tão somente, mas servirá de substrato também para
compreender as condutas criminais envolvendo o tema.
O Título II do Código de Defesa do Consumidor cuida das infrações penais à
relação de consumo. De acordo com o princípio da especialidade, os tipos aqui previstos
– na medida em que contém um maior número de requisitos do que a norma geral - devem
sempre prevalecer em relação aos do Código Penal.
Inicialmente, houve certo debate em torno da necessidade da tutela penal no
âmbito do Código de Defesa do Consumidor. Como ensina José Geraldo de Brito
FILOMENO73, os que iam contra esse modelo argumentavam que as tutelas cíveis e
administrativas seriam suficientes para coibir os abusos de mercado e que, por se tratarem
72 Publicidade e Direito do Consumidor cit. (nota 44 supra), p. 136. 73 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Ed. Atlas, 2005, p.
298.
Lilian Malateaux
43
de ilícitos ocorridos no bojo do mercado, deveriam ser tratadas como simples fato a ser
indenizável, e não como ilícitos criminais puníveis com pena de reclusão.
A posição adotada, entretanto, não foi essa; o Congresso Nacional optou por
tipificar penalmente as condutas contra o mercado de consumo, com vistas a trazer maior
efetividade à legislação protetiva. Assim, o legislador abarcou alguns comportamentos
definidos nos capítulos relativos às normas de natureza cíveis e administrativas que, por
considerar demasiadamente graves, cominou, também a tutela penal. Segundo João
Batista de ALMEIDA74, são eles: áreas de nocividade e periculosidade de produtos e
serviços, fraude em oferta, publicidade enganosa e abusiva, fraudes e práticas abusivas.
No que tange a tutela penal da publicidade, cumpre analisar unicamente as
tipificações do artigo 66 e 67 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,
segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou
serviços:
Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
§ 2º Se o crime é culposo;
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser
enganosa ou abusiva:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
De acordo com Paulo José da COSTA JR.75, a incriminação da publicidade
enganosa tutela não só o patrimônio, como a integridade física e a saúde do consumidor.
Visa ainda o tipo penal assegurar e promover a harmonização e a lisura nas relações de
consumo.
74 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993, p. 131. 75 COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva,
1991, p. 236.
Lilian Malateaux
44
Segundo José Geraldo Brito FILOMENO76, o tipo constante no artigo 66 é mais
genérico que o no artigo 67. O primeiro abrange toda e qualquer forma de oferta, inclusive
a publicitária, ao passo que o segundo tipo trata exclusivamente da publicidade.
Ocorre que o tipo específico da publicidade só se presta a incriminar quem faz ou
promove publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa, ou seja, o publicitário que
faz a publicidade enganosa e o responsável pelo veículo que a promove. O fornecedor
que fizer uma afirmação falsa ou enganosa não estará incurso nesse tipo, mas sim no
crime genérico previsto no artigo 6677.
No que tange ao aspecto omissivo dos crimes em análise, ambos preveem
modalidade omissiva. Ocorre que o tipo do artigo 67, ao se limitar a dizer apenas
“publicidade enganosa”, remete a interpretação da omissão relevante para fins criminais
integralmente à definição dada pelo artigo 37 § 3º. Dessa forma, a definição cível dada
por este – e que será estudada nesta tese - será a admitida também na seara criminal.
O artigo 66, por outro lado, especifica que serão criminalizadas apenas as
omissões de informações relevantes sobre a natureza, característica, qualidade,
quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou
serviços. Assim, como no âmbito criminal não se admite interpretação extensiva, as
omissões devem se restringir a essas especificadas no artigo78.
Sendo assim, a análise de informação relevante que se fará nessa tese servirá
integralmente, no âmbito de incidência do artigo 67, mas, em relação à conduta tipificada
no artigo 66, servirá tão somente nos aspectos autorizados pelo artigo, quais sejam:
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade,
preço ou garantia dos produtos ou serviços então considerados.
A tutela civil da publicidade
76 Manual de Direitos do Consumidor cit., p. 317. 77 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor cit., p. 236. 78 Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor cit., p. 232.
Lilian Malateaux
45
Prescreve o artigo 6º, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor que
é direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos”. Dessa forma, vê-se que todos os danos deverão
ser reparados, e a responsabilidade do fornecedor é sempre objetiva, por conta da fata de
previsão de culpa no dispositivo. Assim também será no tocante à publicidade enganosa,
de acordo com Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS79:
O sistema que informa a responsabilidade civil decorrente de
publicidade ilícita, portanto, é o mesmo para toda a relação de consumo,
ou seja, objetivo. Trata-se de sistemática fundada na teoria do risco do
empreendimento e que requer apenas a comprovação do nexo causal
entre a ação ou omissão do agente (veiculação de publicidade ilícita) e
o dano gerado, ainda que em sua potencialidade.
Tal não poderia ser diferente, ocorre que o legislador objetiva precipuamente
proteger o consumidor e não repreender o comportamento ilícito do fornecedor. Por isso
a responsabilidade do fornecedor independe de culpa, pois, no caso da propaganda ilícita,
importa verificar o dano potencial do anúncio em si, e não a intenção do fornecedor80.
A publicidade enganosa, via de regra, gera apenas direito a danos
patrimoniais, visto que, em geral, influi em decisões meramente econômicas do
consumidor. Pode ocorrer, entretanto, de, em raras hipóteses, gerar direito a danos morais
também, na medida em que consegue-se comprovar os danos extrapatrimoniais advindos
da compra de determinado produto ou serviço em consequência de propaganda enganosa
veiculada, vale dizer, em ações individuais, o dano moral nunca decorre da mera
veiculação publicitária, mas deve ser demonstrado pelo consumidor81. Isso ocorre porque
a falsidade e a possibilidade de induzimento a erro só são relevantes individualmente caso
produzam algum efeito concreto82.
Diferente é o que ocorre em ações coletivas que tenham como causa de
pedir a veiculação de publicidade enganosa. Nessas, comprovada a potencialidade do
anúncio em fazer com que o consumidor incida em erro, o dano moral coletivo é
presumível. Isso se explica, pois a tutela dos direitos difusos relaciona-se diretamente
com a preservação da qualidade de vida da comunidade entendida, no âmbito da
79 Publicidade e direito cit., p. 280. 80 Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto cit., p. 345. 81 Publicidade e direito cit., p. 282. 82 A Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das Celebridades que dela participam cit., p. 181.
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46
publicidade, como o direito a um mercado livre de manipulações. À medida que resta
configurada a enganosidade da publicidade, verifica-se uma manipulação do mercado e,
consequentemente, um rebaixamento da qualidade de vida da comunidade, ensejando,
portanto, o direito ao dano moral coletivo83.
Já no caso de ocorrência de dano coletivo patrimonial, esse não poderá ser
presumido, mas sempre deverá ser demonstrado pelo consumidor caso a caso. Nesse
sentido, Paulo Jorge Scartezzini GUIMARÃES84.
No mínimo, a simples divulgação dessa mensagem contraria a lei.
Violando as normas de proteção ao consumidor, já causará de forma
abstrata um dano moral a todos aqueles expostos ao anúncio, sejam os
ouvintes ou leitores. Esse dano pode ser ressarcido em dinheiro, como
pode também ser amenizado ou reparado pela obrigação de contra-
publicidade.
Poderá também ocorrer um dano patrimonial coletivo, mas, nesse caso,
a presunção de dano deixa de existir, cabendo às vítimas o ônus da
prova.
83 Publicidade e direito cit., p. 287. 84 A Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das Celebridades que dela participam cit., p. 181
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CAPÍTULO 2
A PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO ENQUANTO ESPÉCIE
DE PUBLICIDADE ENGANOSA
Dispõe o artigo 37, § 1º do Código de Defesa do Consumidor sobre a publicidade
enganosa, in verbis:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação
de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer
outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o
consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre
produtos e serviços.
O referido texto estabelece que a propaganda enganosa pode se dar de diversos
modos e, dentre eles, “por omissão”. Logo em seguida, vem o § 3º definir a expressão
“por omissão” retro mencionada, estabelecendo que “Para os efeitos deste código, a
publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do
produto ou serviço.”
Sendo a enganosidade por omissão espécie do gênero enganosidade, põe-se que
para sua conceituação devemos combinar o conceito de omissão relevante trazido pelo §
3º com o de propaganda enganosa trazido pelo § 1º.
Sendo assim, cumpre analisar o gênero propaganda enganosa para, então, poder
conhecer os limites da propaganda enganosa por omissão.
2.1. O âmbito de incidência do instituto da publicidade enganosa publicitário
Segundo Walter CENVIVA85, a expressão “qualquer modalidade” se refere ao
meio ou veículo de difusão da publicidade, e não ao mérito do anúncio em si. As
85 Publicidade e Direito do Consumidor cit., p. 116.
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modalidades publicitárias são ilimitadas, compreendendo-se, segundo ele, nas formas
escrita, oral, visual, estática, cinética ou mista.
De fato, a publicidade pode se dar das mais diversas formas, seja escrita em
folhetos impressos, jornais, revistas, meramente visuais, como é o caso de publicidades
construídas unicamente por meio de imagens estampadas em outdoors, unicamente
auditivas como nos rádios ou então as mistas – que são as mais comuns – que abarcam
todas essas técnicas em um só anúncio.
Diante das mais diversas formas assumidas pela publicidade na atualidade,
convêm distinguir o que tem ou não caráter publicitário, na medida em que é pressuposto
de incidência da tutela do artigo 37. De fato, existem, acerca de um dado produto,
informações de caráter publicitário, que sofrem controle de enganosidade e outras de
caráter não-publicitário, que sujeitam-se tão somente ao artigo 31 do CDC86, que trata das
ofertas não publicitárias.
A aferição do “caráter publicitário” da informação ou comunicação passa pelo
conceito de publicidade estampado no capítulo anterior, correspondente às informações
que tenham por objetivo a conquista de clientela, o comportamento econômico do
consumidor no sentido de comprar determinado produto ou serviço, diferenciando-se
daquelas que procuram essencialmente informar o consumidor de forma desinteressada.
Assim diz Walter CENEVIVA87
Para serem enquadradas como publicidade enganosa tanto a informação
como a comunicação devem ter caráter publicitário, e, portanto, ser
emitidas sem neutralidade diante de seu objeto.
Posto isso, por um lado excluímos do âmbito de tutela do artigo 37 do CDC toda
e qualquer informação ou comunicação de caráter não-publicitário e, por outro lado – e
de modo a tutelar adequadamente o consumidor – devemos incluir na textuália aberta do
referido dispositivo toda e qualquer informação ou comunicação de caráter publicitário,
compreendidas aí tanto as publicidades típicas quanto as atípicas. Esse é o sentido que
86 Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras,
precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição,
preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam
à saúde e segurança dos consumidores. 87 Publicidade e Direito do Consumidor cit., p.117.
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Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS88 empresta à norma. Sendo assim, devemos
considerar não apenas as publicidades óbvias, como as estampadas em revistas,
comerciais de televisão, rádio e etc., como também as que são colocadas no nosso dia-a-
dia de forma mais disfarçada, como por exemplo embalagens, rótulos, cupons,
telemarketing, correspondências, panfletos, sites, pop-ups, banners, merchandising, e etc.
Entretanto, é importante pontuar que não se deve fazer uma análise rasa que
considere toda e qualquer forma de apresentação do produto ou serviço como publicidade.
Em cada uma dessas espécies existem partes publicitárias e não publicitárias. Em relação
à embalagem de produtos, Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS89 nos dá o exemplo
de como deve ser feita essa análise:
No que tange à embalagem do produto, importante observar que, a
priori ela não deve ser compreendida no conceito amplo de publicidade
(art.37), pois consiste no meio pelo qual o fornecedor apresenta ao
consumidor os seus produtos e as informações técinicas a ele
relacionadas, sujeitando-se aos deveres do art. 31 so CDC (aplicável à
oferta não publicitária). Para fins de incidência do conceito legal de
informação ou comunicação de caráter publicitário” é preciso que a
natureza publicitária seja identificada nas mensagens ou desenhos
gráficos opostos à embalagem ou ao rótulo do produto, como por
exemplo, se pode extrair das informações apostas às embalagens que
façam referência a uma promoção (e.g. “leve mais e pague menos”) ou
dos dizeres e imagens que exaltem a eficácia, características ou
propriedades do produto de modo a chamar atenção do consumidor.
Dessa forma, para a justa tutela do direito, não se pode restringir o âmbito de
análise às publicidades típicas, sob pena de deixar o consumidor desamparado
juridicamente em relação as outras formas de publicidades que circulam por diversos
outros meios e apresentações e que são, muitas vezes, mais nocivas do que as típicas,
posto que inesperadas e camufladas sob o manto de informação desinteressada.
No entanto, ao tomar para análise essas outras formas de comunicação do produto
ao consumidor, não se pode presumir que sejam todas publicidades, pois, a priori, não
foram feitas com esse intuito e ainda, pois corre-se o risco de ir contra a lei, que
especificou expressamente que somente as “informações ou comunicações de caráter
publicitário” devem ter seu potencial enganoso controlado pelo artigo 37. Deve-se, sim,
analisar caso a caso, buscando fragmentos do todo que tenham o caráter publicitário, isto
88 Publicidade e direito cit., p. 102. 89 Publicidade e direito cit., p. 103.
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é, que busquem incentivar a compra pelo público, seja por meio de promoções, seja por
meio de imagens ou dizeres que ressaltem exacerbadamente as características do produto.
2.2. Análise do anúncio em si considerado - desnecessidade de dolo ou culpa
do fornecedor
Após definirmos o âmbito de análise ao qual deve-se ater para os fins do artigo
37, passa-se a discorrer sobre a análise do anúncio em si, isto é, os elementos da
publicidade, objetivamente considerados, que podem levar o consumidor a erro, em
outras palavras, o potencial enganoso da publicidade.
Em relação ao elemento subjetivo na caracterização da publicidade enganosa, isso
é, se é ou não necessário verificar o dolo ou culpa do agente publicitário ou do fornecedor,
Fabio Ulhoa COELHO90 considera como indispensável essa análise. Segundo ele, na
medida em que só se verifica o potencial enganoso de uma mensagem se essa for falsa,
mas recebida pelo destinatário como verdadeira, não haveria como abstrair o dolo, a
intencionalidade do agente de travestir uma informação falsa de verdadeira. Assim, só
haveria publicidade enganosa se demonstrado o dolo do agente em querer enganar o
consumidor.
Essa, entretanto, não nos parece a melhor interpretação da norma. É que na esfera
cível – diferentemente da criminal -, o objetivo da norma não é punir o comportamento
ilícito do agente, mas sim proteger o consumidor e o mercado dos efeitos nefastos da
publicidade ilícita. Considerando esse objetivo da norma, importa unicamente a análise
da publicidade em si e, se ela for considerada enganosa, deverá ser retirada imediatamente
do mercado, não devendo estar essa medida sujeita à caracterização da intenção do
fornecedor ou publicitário. Essa interpretação está consoante com o regime de
responsabilidade objetiva vigorante no sistema de defesa do consumidor. De fato, se o
fornecedor deseja anunciar os seus produtos pelos meios publicitários, deve também
90 COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.
P 161.
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52
assumir os riscos do negócio e assim, zelar pela veracidade das informações nela
veiculadas91.
Também nesse sentido, Judith MARTINS-COSTA92 ensina que a irrelevância do
elemento subjetivo para a configuração da publicidade ilícita está de acordo com a regra
do direito das obrigações, em que pouco importa a boa-fé subjetiva do anunciante, pois o
que o direito busca é a adstrição à feição objetiva do princípio da boa-fé. Assim também
o é em relação à má-fé, em que pouco importa o animus do agente, mas sim se a sua
conduta estava ou não objetivamente de acordo com os deveres de correção e lealdade.
Posto isso, passa-se agora a discorrer como deverá ser analisado o anúncio,
objetivamente considerado.
2.3. As diferentes manifestações da publicidade enganosa
O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que “é enganosa qualquer
modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou
parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
em erro o consumidor”.
Em primeiro lugar, o artigo 37 dispõe que a informação ou comunicação de caráter
publicitário poderá ser “inteira ou parcialmente falsa”. Visto isso, conclui-se que basta
que alguma parte da publicidade seja falsa para que ela seja considerada enganosa. Sobre
isso, Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN93:
Ademais, a publicidade enganosa pode, quanto à extensão da
enganosidade, ser total ou parcialmente falsa. Naquele caso, as
informações, em seu conjunto, são realmente falsas. Neste, ao revés,
convivem, a um só tempo, informações falsas e outras verdadeiras. A
91 Nesse sentido, Antonio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN (Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 345); Adalberto PASQUALOTTO (Os efeitos
obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor cit., p. 121) e Nelson Nery JÚNIOR
(Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor
nº 03. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1992, p.368). 92 MARTINS-COSTA, Judith. A distinção entre publicidade enganosa e clandestina e os princípios do
Código de Defesa do Consumidor. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Volume 9, nº 1, 1993, página 87)
93 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 345
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existência de informações parcialmente corretas não faz com que a
publicidade deixe de ser enganosa.
Em seguida, o dispositivo fala em “ou, por qualquer outro modo, mesmo
por omissão” seja capaz de induzir o consumidor a erro.
Por “qualquer outro modo”, explica Walter CENEVIVA94 que o legislador
procurou abarcar todas as formas de enganar o consumidor que não pela falsidade em si
considerada. De fato, a publicidade falsa é apenas uma espécie de publicidade enganosa;
a enganosidade pode se dar de diversas outras maneiras, seja por omissão, seja por o
anúncio estar disposto de uma tal maneira que dificulte a sua exata compreensão, seja
pela ambiguidade, entre outros.
Nesse sentido, Nelson NERY JR95 explica que a publicidade pode ser verdadeira,
mas, ainda assim, ser considerada como enganosa; é o caso da publicidade enganosa por
omissão, na qual se omite dado essencial para aquele anúncio publicitário. Exemplifica,
lembrando do caso do televisor Philips estéreo, que omitia o fato de que era necessário
adquirir-se, à parte, decodificador para que a transmissão fosse captada com som
estereofônico. Esse é o caso paradigma brasileiro que reconheceu a publicidade enganosa
por omissão, hipótese de publicidade ilícita que, apesar de fazer veicular apenas dados
verdadeiros, é capaz de induzir o consumidor a erro, por conta da omissão de determinado
dado essencial.
A técnica legislativa se mostra adequada na medida em que busca abarcar todas
essas diversas situações que interferem na opção de escolha do consumidor. O grande
labirinto dessa matéria consiste, nas palavras clássicas de Jean BAUDRILLARD96
O problema da veracidade da publicidade deve pôr-se da seguinte
maneira: se os publicitários mentissem verdadeiramente, seria fácil
desmascará-los – só que não o fazem – e se não o fazem, não é por
serem demasiado inteligentes, mas sobretudoporque a arte publicitária
consiste principalmente na invenção de enunciados persuasivos, que
não sejam nem verdadeiros nem falsos.
94 Publicidade e Direito do Consumidor cit., p. 119. 95 O regime da publicidade enganosa no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor cit., p.114. 96 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, tradução de Arthur Morão, Lisboa, Edições 70, 1981,
p.155 apud Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p.
344.
Lilian Malateaux
54
Dessa forma, vê-se que o legislador preocupou-se por abarcar as diversas técnicas
propagandísticas que possam tornar uma publicidade enganosa. Nessa esteira, e como já
tratado aqui anteriormente, o potencial enganoso de uma publicidade nem sempre está
em seu enunciado falso, entendendo-se falso por algo não correspondente à realidade do
produto ou serviço, mas em qualquer outro artifício que possa induzir o consumidor a
erro, inclusive as omissões.
Dado o rol meramente exemplificativo das técnicas publicitárias que possam
tornar uma publicidade enganosa, a chave para a compreensão do que seja considerado
enganoso é a parte final do dispositivo: “capaz de induzir o consumidor a erro”. Sendo
assim, pode-se concluir que a omissão relevante para fins de propaganda enganosa será
tão somente aquela que for “capaz de induzir o consumidor a erro”.
O termo “capaz” traduz a ideia de que a publicidade não precisa ter de fato
induzido um consumidor concretamente em erro, mas basta que tenha, tão somente, essa
capacidade, essa aptidão. É o que ensina Antônio Herman de Vasconcellos e
BENJAMIN97 ao dizer que não importa se houve ou não o dano material in concreto, isso
é, se o consumidor chegou de fato a comprar a mercadoria por estar em erro, mas basta,
para fins de enganosidade, que a publicidade em si tenha essa capacidade de induzi-lo em
erro. A razão de ser de tal norma reside na política adotada, para a qual o controle de
publicidades enganosas tem por objetivo imediato regular a capacidade de afetar
decisões de compra na sociedade, protegendo a saúde do mercado de consumo
amplamente considerado. A proteção in concreto, isso é, dos efeitos reais da publicidade
em consumidores especificamente considerados é tão somente o objetivo mediato da
norma.
Já a segunda parte “induzir em erro” quer dizer, nas palavras de Lucia Ancona
Lopes de Magalhães DIAS98, que é o nexo de causalidade entre a publicidade e o engano,
ainda que potencial do consumidor, entendendo engano do consumidor como a falsa
percepção da realidade por ele.
97 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 346. 98 Publicidade e Direito cit., p. 107.
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Assim, a mera potencialidade de afetar decisões econômicas em um dado mercado
já é suficiente para ensejar a atuação do direito no sentido de caracterizar uma publicidade
como enganosa.
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CAPÍTULO 3
A PUBLICIDADE ENGANOSA POR OMISSÃO
3.1. Definição
A publicidade enganosa por omissão vem definida no artigo 37 § 3º do Código de
Defesa do Consumidor da seguinte maneira: “Para os efeitos deste código, a publicidade
é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou
serviço”.
Pela definição, percebe-se que nem todas as omissões são relevantes, mas tão
somente aquelas que sejam a respeito de “dados essenciais”. Sobre o que seja um dado
essencial para o direito do consumidor, não existe posição doutrinária pacífica.
Para Walter CENEVIVA99, dado essencial é o “dado sem o qual é impossível para
o consumidor conhecer o produto ou serviço divulgado”. No mesmo sentido, Rizzatto
NUNES100 entende que essencial "será aquela informação ou dado cuja ausência
influencie o consumidor na sua decisão de comprar, bem como não gere um
conhecimento adequado do uso e consumo do produto ou serviço, 'realmente', tal como
são".
Adalberto PASQUALOTTO101 entende que os dados que não podem ser omitidos,
sob pena de tornar a publicidade enganosa, são aqueles enumerados no artigo 37 § 1º do
Código de Defesa do Consumidor, quais sejam “natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e
serviços”. E, por fim, para Antonio Herman BENJAMIN102, dado essencial é “aquele
dado que tem o poder de fazer com que o consumidor não materialize o negócio de
consumo, caso o conheça” e aponta três famílias de dado essenciais, sem exclusão de
99 Publicidade e Direito do Consumidor cit., p 119 100 NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva, 2ª edição
reformulada, 2005, p. 449 101 Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor cit., p.126. 102 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p. 352.
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57
outras: “adequação (inexistência de vício de qualidade por inadequação), preço e
segurança”.
Tais autores, definem dado essencial pela óptica do consumidor, identificando
com tal todos os dados que influenciariam a sua decisão de consumo. Todavia, como se
pode perceber, parte da doutrina entende ser a definição de “dado essencial” conceito
absolutamente aberto, enquanto outra parte entende que esses “dados essenciais” devem
ser limitados a determinados grupos de dados.
A esse respeito, a Diretiva 2005/29/EC traz, no seu artigo 7.1, definição análoga
à brasileira para propaganda enganosa por omissão, entendendo ser aquela que, dentro de
seu contexto fático e levando em conta todas as suas características e circunstâncias e as
limitações do meio de comunicação, omita informação essencial que necessite o
consumidor médio, de acordo com o contexto, para tomar uma decisão informada de
compra e que em consequência faça, ou possa fazer com que o consumidor médio tome
uma decisão de compra que de outro modo não teria tomado103.
O problema que se coloca aqui é que o direito brasileiro não exige que o
fornecedor veicule todas as informações do produto, pois seria inviável, dado o tempo e
espaço de propaganda em televisões, rádios e o seu espaço na mídia impressa. Se
absolutamente todos os dados dos produtos e serviços tivessem de ser divulgados,
teríamos propagandas gigantescas, o que as tornaria inviável de serem produzidas pela
dinâmica do mercado hoje considerado.
Para produzi-las, as empresas gastariam tempo gigantesco em fase de pré-
publicidade, cuidando para que o anúncio não omita quaisquer informações, extrapolando
o chamado tempo econômico – o tempo em que seria economicamente vantajoso lançar
uma peça publicitária, enquanto ainda há a necessidade de mercado para tal. Também
pelo fato de que, para transmitir todos os dados de um determinado produto ou serviço,
as peças publicitárias sairiam muito extensas, tornando o custo, ou mesmo a viabilidade
de transmissão em determinados veículos de mídia indesejáveis, tanto para as
103 A respeito da definição de publicidade enganosa por omissão dada pela União Europeia, segue o artigo
7.1 da Diretiva 2005/29/EC na íntegra: “A commercial practice shall be regarded as misleading if, in its
factual context, taking account of all its features and circumstances and the limitations of the
communication medium, it omits material information that the average consumer needs, according to the
context, to take an informed transactional decision and thereby causes or is likely to cause the average
consumer to take a transactional decision that he would not have taken otherwise”.
Lilian Malateaux
58
anunciantes, quanto pela própria mídia, que também dispõe de recursos de tempo e espaço
limitados para a publicidade.
Assim, nem todas as informações sobre produtos e serviços precisam ser
veiculadas, mas apenas as essenciais104. Ocorre que, dependendo da interpretação que se
faz do vocábulo “essencial”, o direito estende ou encolhe o leque de informações
legalmente exigíveis em uma peça publicitária. Se restringe-se demais, corre-se o risco
de deixar o consumidor desamparado e a saúde do mercado como um todo comprometida
pela enorme habilidade de afetação das decisões de compra que tem a publicidade. Se,
por outro lado, estende-se demais o conceito de essencialidade, estaria o direito a impor
ônus excessivo sobre as empresas anunciantes, tornando a atividade economicamente não
atrativa e acabando por também prejudicar a saúde do mercado de escoamento e
divulgação da produção.
Também sob a óptica do consumidor, impõe-se que o direito dê interpretação ao
vocábulo essencialidade que seja uma justa medida entre deixar com que falte dados
mínimos para a sua compreensão e extrapolar nos dados exigidos, de modo que um
consumidor leigo não consiga mais identificar o que é ou não importante conhecer sobre
o produto.
Segundo Alcides TOMASETTI105, para que se atinja o objetivo de
transparência nas relações de consumo e o consumidor seja bem informado, é necessária
não só a difusão da informação mas também a eficiência da mensagem informativa. Por
mensagem eficiente pode dizer-se aquela que propicia ao consumidor atuar segundo a
ponderação e a racionalidade comportamental, que, segundo ele, não pode nem ser
deficiente, nem hipereficiente.
Informação deficiente é aquela em que faltam dados necessários à
compreensão racional do consumidor, ao passo que a informação hipereficiente é aquela
em que há excesso de dados, de modo que o consumidor não consiga destacar o seu núcleo
cognoscivo, ou seja, não consegue selecionar o que é essencial para a sua tomada de
decisão, daquilo que não o é. Tanto a informação deficiente quanto a hipossuficiente estão
em desacordo com o modelo prescritivo de transparência estampado no Código de Defesa
104 A esse respeito, a doutrina já se encontra pacificada.................. 105 TOMASETTI JR., Alcides. O objetivo de transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de
informação nas declarações negociais para consumo. Revista de Direito do Consumidor, v.4 1992, p.58.
Lilian Malateaux
59
do Consumidor e, portanto, caracterizam ilícito do fornecedor.
É claro que a falta de informação desinforma o consumidor, visto que o impede
de conhecer dados que poderiam influenciar na sua decisão de compra. Por esse motivo,
é que o direito criou o instituto da publicidade enganosa por omissão, impondo ao
anunciante o dever de informar uma gama de dados mínimos essenciais ao consumidor.
Entretanto, o mais curioso é a segunda afirmação feita por TOMASETTI106, a de
que a mensagem eficiente nem sempre corresponde àquela que contenha mais dados. Para
vislumbrar tal assertiva, basta pensarmos no exemplo de uma publicidade que coloque
em seu bojo todos os componentes de um chocolate. Por certo, não saberia um
consumidor distinguir de todas aquelas fórmulas quais componentes seriam essenciais o
chocolate ter – ou não ter - para a sua aquisição. Por isso, temos que a essencialidade do
dado deve, necessariamente, passar por um filtro, de modo a selecionar quais informações
são decisivas para o consumidor e quais outras são irrelevantes para ele, de acordo, claro,
com seus níveis socioculturais, de instrução e etc.
Visto isso, conclui-se que a interpretação que deve ser dada pelo direito ao
dispositivo que exige que o fornecedor informe, na publicidade, “dado essencial do
produto ou serviço”, deve ser tal que considere um meio temo entre informar todos ou
nenhum dado.
É claro que não se poderá dizer, a priori, qual é o núcleo de dado essenciais
que devem obrigatoriamente constar na publicidade, mesmo porque o conceito de
essencialidade variará inevitavelmente de acordo com cada produto ou serviço anunciado
– aspecto objetivo -, bem como com o consumidor-alvo da publicidade em questão –
aspecto subjetivo -, balizas essas que veremos mais detidamente adiante.
Assim, dada a enorme variação de produtos e serviços, de consumidores e
de peças publicitárias, o que é ou não dado essencial deverá sempre ser aferido pelo juiz
em cada caso. O que se procura nessa tese é discutir algumas balizas teóricas nas quais
poderá a atividade jurisdicional se amparar para trazer soluções amoldadas às
necessidades do mercado como um todo.
106 Revista de Direito do Consumidor, v.4 cit., p.58.
Lilian Malateaux
60
3.2.O pressuposto da oferta na publicidade
Segundo Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN107, as publicidades se
diferenciam em dois tipo: institucional, quando objetivam anunciar a própria empresa, e
a promocional, que objetiva anunciar um produto ou serviço.
Segundo Plínio CABRAL108, as publicidades institucionais não se preocupam
com a venda do produto em si, não se quer fazer com que o mercado compre determinado
bem ou utilize determinado serviço. Ao contrário, a preocupação delas é apenas com o
fortalecimento da imagem da marca perante os olhos do mercado.
Para o direito, a relevância da diferenciação entre uma e outra espécie de
publicidade é que a institucional não encerra em seu bojo a oferta de qualquer produto ou
serviço, ao passo que a promocional o faz109.
O tema se afigura relevante para a publicidade enganosa por omissão, na medida
em que o texto legal define que “a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de
informar sobre dado essencial do produto ou serviço”. Ora, se não há qualquer produto
ou serviço anunciado no bojo de uma publicidade, não há como se falar em falta de dado
essencial em relação a eles. Vale dizer, se não há absolutamente nenhum dado sobre
produto ou serviço sendo veiculado no anúncio, como dizer que há omissão de dado
essencial? Sendo assim, acaba-se por concluir que não haverá como se caracterizar a
publicidade enganosa por omissão em publicidades institucionais, inferindo-se que essa
modalidade de publicidade ilícita é exclusiva de publicidades promocionais – aquelas que
objetivam a venda de algum produto ou serviço.
É como o instituto tem sido aplicado no âmbito da União Europeia, como se
depreende do artigo 14 da Diretiva 2005/29/CE110. Do texto do referido artigo, entende-
107 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto cit., p.106. 108 CABRAL, Plínio. Propaganda: técnica da comunicação industrial e comercial. São Paulo: Atlas, 1986
p. 89 109 Publicidade e Direito cit., p. 76. 110 It is desirable that misleading commercial practices cover those practices, including misleading
advertising, which by deceiving the consumer prevent him from making an informed and thus efficient
choice. In conformity with the laws and practices of Member States on misleading advertising, this
Directive classifies misleading practices into misleading actions and misleading omissions. In respect
of omissions, this Directive sets out a limited number of key items of information which the consumer
needs to make an informed transactional decision. Such information will not have to be disclosed in
all advertisements, but only where the trader makes an invitation to purchase, which is a concept
clearly defined in this Directive. The full harmonisation approach adopted in this Directive does not
preclude the Member States from specifying in national law the main characteristics of particular products
such as, for example, collectors' items or electrical goods, the omission of which would be material when
Lilian Malateaux
61
se que a Diretiva estabelecerá um número limitado de itens-chave de informação que o
consumidor precisará saber para fazer uma decisão de compra informada e que essas
informações não precisarão ser veiculadas em todos os anúncios publicitários, mas tão
somente naqueles em que o fornecedor fizer uma “oferta a contratar”.
O termo “oferta a contratar” vem definido no artigo 2º da mesma Diretiva como
sendo a comunicação comercial que indique as características do produto, bem como o
seu preço, de forma que o consumidor possa fazer a compra111.
Dessa forma, conclui-se que, no âmbito da União Europeia, o instituto da
publicidade enganosa por omissão não é aplicável em qualquer tipo publicitário, mas tão
somente quando houver uma oferta na peça publicitária.
A nossa definição de oferta dada pelo artigo 30 do Código de Defesa do
Consumidor dispõe que oferta é “toda informação ou publicidade, suficientemente
precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e
serviços oferecidos ou apresentados”. Como se vê, a nossa definição é menos específica
que a definição da União Europeia – que exige especificamente as características e preço
do produto ou serviço -, sendo que a nossa exige apenas que a publicidade seja
suficientemente precisa.
Apesar de a legislação brasileira não limitar expressamente o âmbito de incidência
da publicidade enganosa por omissão, como o faz a União Europeia, entendo que, mutatis
mutandi, o entendimento adotado pela União Europeia deveria ser adotado também aqui
no Brasil, para fins de delimitar a publicidade enganosa por omissão às publicidades que
contenham oferta - nos termos da legislação brasileira - em seu bojo.
De fato, como poderíamos afirmar que falta determinado dado essencial a respeito
de um produto ou serviço se nem ao menos ele nos foi delineado com suficiente precisão
an invitation to purchase is made. It is not the intention of this Directive to reduce consumer choice by
prohibiting the promotion of products which look similar to other products unless this similarity confuses
consumers as to the commercial origin of the product and is therefore misleading. This Directive should be
without prejudice to existing Community law which expressly affords Member States the choice between
several regulatory options for the protection of consumers in the field of commercial practices. In particular,
this Directive should be without prejudice to Article 13(3) of Directive 2002/58/EC of the European
Parliament and of the Council of 12 July 2002 concerning the processing of personal data and the protection
of privacy in the electronic communications sector. 111 ‘invitation to purchase’ means a commercial communication which indicates characteristics of the
product and the price in a way appropriate to the means of the commercial communication used and thereby
enables the consumer to make a purchase;
Lilian Malateaux
62
ou e em que termos ele está sendo ofertado ao público? Considerando a definição de
publicidade enganosa por omissão, infere-se que a lei brasileira exige que haja a
veiculação de publicidade razoavelmente precisa sobre bens ou serviços para que possa
haver omissão de dado essencial a respeito deles.
Tomando como ponto de partida o objetivo teleológico do instituto, que é o de
evitar que o consumidor mal informado tome decisões de compra que ele não tomaria
caso soubesse do dado essencial, pode-se inferir que deva haver, ao menos
potencialmente, uma decisão de compra a ser tomada com base no anúncio publicitário.
Do contrário, o instituto seria aplicado em desacordo com o seu objetivo. Vale dizer, se
são há na publicidade qualquer oferta de bem ou serviço, também não há qualquer decisão
de compra a ser tomada pelo consumidor e, logo, não pode haver publicidade enganosa
por omissão.
Tal entendimento tem sido aplicado nos julgamentos feitos pelo CONAR. Na
maioria das suas decisões, o órgão aplica o conceito de dado essencial nos moldes da
oferta feita ao consumidor. O CONAR toma por parâmetro as informações que o
consumidor precisará saber para contratar o bem o serviço e verifica se todas elas estão
claramente expostas no anúncio publicitário.
É o caso de julgamento de representação da TIM contra a NET112. O caso versa
sobre campanha em internet em que faltavam informações sobre o preço total do pacote
de serviços oferecido e o prazo de validade da promoção.
Nos termos do voto do relator:
é necessário precisar o que é relevante para a decisão do consumidor,
dada a complexidade das ofertas próprias do segmento de negócios de
telecomunicações. Por relevante, deve ser entendida a oferta, o que
o consumidor levará em conta ao adquirir o objeto da campanha.
O anúncio comunica que o valor promocional só deve ser considerado
quando dentro do pacote, porém não é comunicado qual o valor que
efetivamente será gasto na hipótese de aceitar a oferta anunciada.
Nenhum consumidor deixará de pagar o preço do Combo ao aceitar a
oferta; logo, é informação relevante.
No caso, observa-se que o relator tomou como parâmetro a oferta, isso é o que o
consumidor iria adquirir e qual prestação pecuniária ele teria que pagar. Depois, verificou
112 CONAR, Primeira e terceira câmaras, Representação nº 349/12, Autor: TIM; Anunciante: NET, Relator
Conselheiro José Genesi Jr., decisão: alteração e sustação, data de julgamento fev. 2013. Disponível em <
http://www.conar.org.br/ > Acesso em 15 jan. 2014.
Lilian Malateaux
63
que tais condições não estavam claramente expostas no anúncio, motivo pelo qual ele
propôs a alteração da peça.
Conclui-se assim pela necessidade de se verificar uma oferta contida na
publicidade para fins de se proceder à análise da enganosidade por omissão. Verifica-se,
então, a oferta como um pressuposto para a análise posterior, identificada como a
verificação em torno do cumprimento – ou não –do dever de informar, dever esse basilar
na aferição da publicidade enganosa por omissão, como se passa a discorrer.
3.3. Publicidade e a extensão do dever de informar
O dever de informar constitui-se em ponto chave para a compreensão do instituto da
publicidade enganosa por omissão.
Como se sabe, o direito brasileiro, em geral, não pune a título de omissão, a não ser
que se verifique correlacionado dever positivo de prestar informação não cumprido.
Nesse sentido, o instituto da publicidade enganosa por omissão tem fundamento de
existência em um dever de informar positivamente o consumidor a respeito de dados
essenciais do produto ou serviço imposto pelo direito ao fornecedor. É sobre esse dever
de informar que se passa a discorrer.
3.3.1. O princípio da Boa-fé objetiva como gerador do dever de
informar
Sobre a boa-fé objetiva, ela já vem estampada no artigo 4º, III, do Código de
Defesa do Consumidor113
113 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades
dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios:
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção
do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
Lilian Malateaux
64
Em primeiro lugar, mister se faz pontuar o espírito do artigo no qual foi inserido
o princípio da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor. Referido dispositivo
propugna, em seu caput, pela defesa dos interesses do consumidor, entretanto, vincula
essa proteção ao atendimento dos princípios elencados nos seus incisos. Por sua vez, o
inciso III traz que deve ser feita a harmonização dos interesses participantes das relações
de consumo, bem como a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade
de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar a ordem econômica
constitucional. Vê-se que o referido artigo deixa claro que os interesses de ambas as partes
da relação de consumo deverão ser protegidos, de forma a compatibilizar ambos os
valores constitucionais – livre iniciativa e defesa do consumidor -, tal dispositivo reveste-
se de suma importância por delinear, em linhas gerais, o limite de intervenção do Estado
no exercício da atividade econômica. Tal dispositivo vem para confirmar
infraconstitucionalmente o que a nossa Constituição Federal já havia antecipado, que
deve haver uma justa harmonização de interesses do consumidor e do fornecedor.
Dessa forma, o estudo da publicidade e de suas limitações estatais, enquanto
relação de consumo, deverá levar em conta esse preceito.
É nesse mesmo contexto que está inserido o princípio da boa-fé, sendo ela o meio
pelo qual deverá ser feita essa harmonização de interesses. Assim, as relações de consumo
deverão sempre estar de acordo com os ditames da boa-fé, que deverá ser observada por
ambas as partes da relação.
O princípio da boa-fé objetiva exige das partes um “standard” comportamental,
isso é, um padrão de comportamento avaliado objetivamente, que nada tem a ver com o
psicológico dos contratantes. Nas palavras de Carlos Roberto GONÇALVES114, a boa-fé
objetiva “está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com
os interesses do outro contraente, especialmente no sentido de não lhe sonegar
informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio.
Segundo LARENZ115 o princípio significa que cada um deve guardar fidelidade à
palavra dada e não fraudar a confiança ou abusar dela, já que esta forma a base
114 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e Atos Unilaterais. 8ª ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2011, p. 56 e 57. 115 LARENZ, Karl. Derecho de Obligaciones, trad. Jaime Santos Briz, Madri, 1959 apud MARTINS-
COSTA, Judith. A incidência do Princípio da boa fé no período pré-negocial: reflexões acerca de uma
notícia jornalística. Revista de Direito do Consumidor v.4,1992, p. 148.
Lilian Malateaux
65
indispensável de todas as ações humanas. Supõe, portanto a conduta conforme se deve
esperar de quem, com honradez e seriedade, intervém no tráfico jurídico.
Entretanto, deve-se atentar para o fato de que os conceitos jurídicos aqui
apresentados são gerais e indeterminados, e assim não poderia deixar de ser, visto que a
boa-fé decorre de um preceito ético alçado a princípio jurídico. Dessa forma, importante
pontuar que a boa-fé, enquanto norma jurídica, não pode ser aplicada mediante simples
raciocínio de subsunção da norma ao caso, ela requer sempre um juízo valorativo do
intérprete que é possível ser feito somente com base no caso concreto, sendo assim,
pressupõe a atividade interpretativa jurisprudencial.
O princípio da boa-fé objetiva surgiu a partir de uma visão da obrigação como um
processo dinâmico de cooperação e lealdade entre as partes. Com efeito, a relação
obrigacional não é mais vista de forma estática, regida tão somente pelos princípios da
autodeterminação e da autovinculação, em que credor e devedor assumiam posições
antagônicas que se resumiam aos deveres relacionados tão somente ao binômio
crédito/débito. Hoje, a dogmática jurídica entende o vínculo obrigacional como um
processo dinâmico, constituído por sucessivas fases orientadas para um objetivo comum
entre as partes, o adimplemento.
Nesse sentido, Judith MARTINS-COSTA116:
Diferentemente, hoje se tem como assente que, do vínculo obrigacional,
defluem deveres para ambos os participantes do vínculo, à medida que
a relação obrigacional é vista como uma totalidade que se encadeia e se
desdobra em direção ao adimplemento, que é o seu fim, formando uma
“cadeia de processos” teleologicamente interligados. Na base de tal
concepção está a perspectiva hegeliana termo “processus” – um suceder
de fases, polarizado por uma finalidade – e onde resta acentuado o
caráter da relação formada pelo vínculo.
Ao longo do desenvolvimento desse processo dinâmico, as partes não mais se
colocam em posições antagônicas – o devedor com o dever de pagar a quantia e o credor
incumbido de recebê-la -, mas sim em um processo de cooperação para que o fim comum
seja atingido. Nesse sentido, o binômio crédito/débito não esgota a relação obrigacional,
dela decorrem também deveres anexos, secundários para ambas as partes e ao longo de
todas as fases da relação jurídica.
116 MARTINS-COSTA, Judith. A incidência do Princípio da boa fé no período pré-negocial: reflexões
acerca de uma notícia jornalística. Revista de Direito do Consumidor v.4, 1992, p. 143.
Lilian Malateaux
66
Nas palavras de Judith MARTINS-COSTA117:
(...) Assim, não só o vínculo não é mais tido como o resultado, apenas,
da “soma” de crédito e débito como, a partir desta concepção, juristas e
pensadores têm posto em relevo a instrumentalidade da obrigação. Com
efeito, do ponto de vista de sua utilidade para a prática social, a relação
de obrigação é um instrumento jurídico destinado a promover e
concretizar uma efetiva cooperação social através de um intercâmbio
de bens e serviços; nesta medida, trata-se de relação jurídica complexa
cujo perfil não se esgota no binômio crédito/débito que constitui
espinha dorsal, porquanto é integrada “por uma verdadeira trama de
direitos e deveres recíprocos que atingem ambas as partes”; o dever de
prestação é, aí, conceituado como um “dever de colaboração”.
Nessa perspectiva de dinamicidade e cooperação na relação jurídica obrigacional,
insere-se o princípio da boa-fé objetiva, funcionando tanto como critério orientador para
a solução judicial de casos concretos, quanto como matriz de deveres anexos às partes
envolvidas, constitui-se, portanto, como “fonte autônoma de direitos e obrigações”.
Assim, da conjunção do princípios da boa-fé objetiva com a perspectiva que coloca a
relação obrigacional como um processo dinâmico decorre que surgem deveres anexos
para ambas as partes ao longo de toda a relação obrigacional.
Nessa nova dinâmica obrigacional, as partes não devem tão somente resolver a
obrigação strictu sensu considerada de crédito/débito, mas devem conduzir-se com
correção e lealdade, com correspondência ao sentido e à finalidade do contrato. Nesse
sentido, o credor deixa de ser o sujeito investido exclusivamente de poderes e faculdades
para ser também sujeito passivo de certos deveres de conduta, dentre eles, o dever de
informar com correção.118
Nesse ponto, vale citar a doutrina alemã que discorre sobre os deveres decorrentes
da boa-fé, dentre eles, os “deveres de declaração” (Erklärungspfichten), cujo teor é
precisamente o dever de informar sobre os fatos essenciais para a formação da vontade
da outra parte, bem como o dever de verdade, qual seja, abstenção de proposições ou
declarações não exatas sobre fatos essenciais (Wahrheitsplicht).119
Tais deveres anexos perduram todas as fases da relação obrigacional, assim,
devem ser observados nas fases pré-contratual, contratual e pós contratual. Para este
trabalho, importante tratar dos seus reflexos no âmbito pré-contratual, que é quando se
117 Revista de Direito do Consumidor cit., v.4, p. 144. 118 Revista de Direito do Consumidor cit., v.4, p. 149. 119 FRADERA, Vera M. Jacob de. A interpretação da proibição de publicidade enganosa ou abusiva à luz
do princípio da boa-fé: o dever de informar no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do
Consumidor, n. 4, 1992, p. 181.
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67
insere a atividade publicitária. Preocupa-se a ordem jurídica com o momento que antecede
ao contrato justamente porque esse período é destinado a dar vida a um contrato. Nessa
fase, o interesse juridicamente tutelado é de que o que se apresente como o futuro contrato
a ser celebrado seja o mais próximo da realidade o possível, para concretizar tal direito,
é necessário o desenvolvimento de uma atividade dirigida a informar e é sobre esta
atividade que se volta o comando do princípio da boa fé na fase antecedente ao contrato,
em outras palavras, há dever de informar corretamente, o qual se configura de modo
objetivo.120
Sobre a extensão desse dever de informar, não há medida fixa, os parâmetros
devem variar segundo o tipo de contrato a ser celebrado e o seu objeto, se é simples e
usual, pouca atividade informativa será exigida do credor, já que é possível presumir que
a contraparte já conheça os contornos básicos da oferta; se o contrato, ao contrário, carece
de complexidade, uma fase preparatória mais dilatada será exigida e, portanto, uma
atividade informativa mais ostensiva. Tal raciocínio deve ser transplantado também para
uma análise quanto aos sujeitos do contrato; se ambas as partes são profissionais da área,
pode-se presumir que determinados dados já sejam conhecidos por ambas; ao passo que,
se uma das partes é leiga no assunto, a outra deve ser incumbida com um dever
informativo maior.
Acerca desse tema especificamente nas relações de consumo, os consumidores,
em geral, configuram-se como a parte hipossuficiente; nesse tema, não se trata tão
somente da hipossuficiência econômica, mas, sobretudo, da hipossuficiência
informacional acerca dos dados do produto posto no mercado, de fato, os consumidores
dependem das informações prestadas pelo fornecedor ou pelo fabricante, informações
essas que, geralmente, vêm discriminadas no anúncio publicitário. Daí o dever de
informação nas relações de consumo ser mais amplo quando comparado à outras relações
de cunho não consumerista.
Nesse sentido, Ricardo Luis LORENZETTI121, partindo do pressuposto de que a
relação entre profissionais e consumidores contém um desequilíbrio que pode gerar
inequidade, deve-se fazer algo para que isso não ocorra. O efetivo no plano
socioeconômico seria que o consumidor estivesse adequadamente informado ao celebrar
120 A incidência do Princípio da boa fé no período pré-negocial: reflexões acerca de uma notícia
jornalística cit., p. 160 e 161. 121 LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni Editores, 2003, p. 171
Lilian Malateaux
68
um contrato, ao adquirir um produto ou serviço, superando a brecha informativa. Nessa
seara, quem tem as informações, são os profissionais, pois tiveram que buscá-la para
fabricar e comercializar o produto ou serviço e, portanto, será mais barato que eles
prestem essas informações do que o consumidor contrate profissionais especializados da
área para informá-lo a cada negócio jurídico que pretenda realizar. Em outras palavras,
a partir de uma análise econômica, é mais eficiente que a lei onere o fornecedor com o
dever de informar.
Esse dever de informar não encontra seu fundamento tão somente no princípio da
boa-fé objetiva, mas também na dogmática jurídica, vale dizer, se o contrato é um ato
jurídico, deve ser voluntário e, para que exista essa vontade, deve haver discernimento,
intenção e liberdade. A existência de um desnível informativo afeta esses três elementos
da vontade.122
De fato, a atividade de informação é de extrema relevância, visto que quem fez a
oferta já analisou a viabilidade do futuro contrato em questão segundo as suas
perspectivas e deve também dar a possibilidade de a contraparte fazer o mesmo, daí o
dever de informá-la corretamente acerca dos contornos dessa oferta. Além disso, liga-se
diretamente à relação de confiança mínima entre fornecedor e consumidor. Tal tese já foi
acolhida pelo nosso Superior Tribunal de Justiça, como se observa pelo trecho a seguir:
O dever de informação positiva do fornecedor tem importância direta
no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor.
A informação deficiente frustra as legítimas expectativas do
consumidor, maculando sua confiança"123
O dever de informar decorrente do postulado da boa-fé objetiva nas relações de
consumo encontra-se intimamente ligado com o instituto da publicidade enganosa por
omissão, visto que, nesse caso, a publicidade torna-se enganosa pelo não cumprimento
desse dever de informar.
122 Consumidores cit., p. 173 123 STJ, Recurso Especial nº 136415/MG, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, data de
julgamento: 14 mar. 2013.
Lilian Malateaux
69
3.3.2. O objetivo de transparência nas relações de consumo como
gerador do dever de informar
O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor dispõe que a Política Nacional
das Relações de Consumo tem por objetivo a transparência nas relações de consumo.
Segundo Alcides TOMASETTI JR.124, transparência significa uma situação
informativa favorável a uma apreensão racional da mensagem transmitida, tem a função
de racionalizar as opções do consumidor. Segundo ele, a transparência é um resultado
prático que a lei persegue mediante o dever de informação, isso é, é dever do fornecedor
esclarecer, avisar e predispor o consumidor a escolhas refletidas e preferencialmente
autodeterminadas.
Sendo a informação uma conformação dada a certo dado para que esse seja
conhecido e comunicável, é diametralmente oposta à sugestão, que é a provocação de
acentuada supressão do senso de discernimento e crítica da pessoa. Pela própria definição
de sugestão, infere-se que ela sempre exclui ou se sobrepõe à informação, isso porque, se
objetiva-se sugerir algo a alguém, não se deve informar ostensivamente essa pessoa, isso
porque informação pressupõe tanto dados positivos quanto negativos sobre determinada
coisa. A ideia da sugestão é exatamente que se aliene a pessoa de seu discernimento
crítico para que essa não faça uma escolha autodeterminada, mas sim uma escolha
determinada por outrem.
Se, por um lado, temos que a publicidade trabalha precisamente com as sugestões,
segundo o seu objetivo precípuo e de si indissociável de arrebanhar clientela, é fato que
o ordenamento jurídico tende a rejeitar tal técnica, exigindo sempre um certo grau de
transparência nas relações de consumo.
Tal exigência vem de motivos sociológicos influenciados pelo liberalismo e
neoliberalismo avançados nas sociedades de massa e encontra-se materializada no Código
de Defesa do Consumidor como um todo pela inserção dos motivos do ato jurídico em
seu suporte fático. Em outras palavras, o sistema de proteção do consumidor, à
dessemelhança do Código Civil, confere grande relevância jurídica aos motivos que
124 Revista de Direito do Consumidor, v.4 cit., p.53.
Lilian Malateaux
70
levaram à declaração de vontade, entendidos como as circunstâncias e injunções objetivas
e subjetivas que ocorrem no íntimo do consumidor125.
Sendo assim, o princípio da relevância dos motivos - segundo o qual emoções,
impulsos e sentimentos constituem a o suporte fático dos negócios realizados no âmbito
das relações de consumo, e são, portanto, passíveis de gerarem nulidades e efeitos
jurídicos – está em consonância com o objetivo da transparência nas relações de consumo,
na medida em que a transparência nas relações de consumo é pressuposto para a
autodeterminação de uma pessoa, isso é, a escolha negocial segundo os seus próprios
motivos, e não segundo os motivos de outrem.
Segundo Alcides TOMASETTI JR.126, o modelo da transparência implica não
apenas a difusão da informação, mas também a eficiência da mensagem informativa.
Sendo assim, a mensagem deverá ser eficiente para bem informar, não podendo ser nem
deficiente e nem hipereficiente, como já tratado anteriormente.
Em sentido contrário, Fabio Ulhoa COELHO127 entende que, no que toca à
publicidade, incluindo aí a publicidade enganosa por omissão, o legislador se limitou a
exigir apenas que o princípio da veracidade seja observado, mas não o da transparência.
Segundo ele, não incide o princípio da transparência na medida em que não há
imposição de dever de informar o consumidor na publicidade – entendido como a
necessidade de fazer veicular determinadas informações -, mas tão somente a do dever de
não enganar o consumidor por meio da publicidade.
Em sua opinião, o princípio da transparência vigora tão somente nas relações entre
os fornecedores e os consumidores individualmente considerados, no sentido em que deve
o fornecedor informar de forma clara e ostensiva o consumidor para que ele possa tomar
decisões refletidas de compra, mas isso apenas em outras fases pré-negociais – como no
momento da assinatura do contrato, com relação às informações prestadas por atendentes
e etc., mas nunca por meio da publicidade. Com relação a ela, o anunciante teria apenas
o dever de não enganar.
125 Revista de Direito do Consumidor, v.4 cit., p.55.
126 Revista de Direito do Consumidor, v.4 cit., p.58. 127 COELHO, Fabio Ulhoa. A Publicidade enganosa no Código de Defesa do Consumidor. Revista de
Direito do Consumidor, vol. 8. p.76, 1993
Lilian Malateaux
71
Discordo, no entanto, de tal opinião. Primeiramente, cumpre pontuar que o
princípio da veracidade diz respeito ao fato de uma afirmação ser verdadeira ou falsa –
entendendo-se, por isso, verificável ou não na realidade. De fato, tal princípio é basilar
no fundamento da proibição da propriedade enganosa por comissão, aquela que se verifica
por meio de uma ação enganosa, segundo Antônio Herman de Vasconcellos e
BENJAMIN128 “dizer algo que não é”.
Entretanto, a propaganda enganosa por omissão nada tem a ver com o princípio
da veracidade, pois nela o enganoso não se dá por afirmação de dado falso, mas por falta
dado. Nesse sentido, explica claramente Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS129 que
não se deve confundir publicidade não verdadeira com publicidade enganosa, na medida
em que pode haver enganosidade do consumidor sem que sejam veiculadas informações
falsas. Esse é precisamente o caso da publicidade enganosa por omissão. De fato,
frequentemente, nesse tipo publicitário, todas as afirmações são absolutamente
verdadeiras, entretanto, por serem incompletas, acabam induzindo o consumidor a erro.
Em segundo lugar, não entendo que o princípio da transparência seja inaplicável
à disciplina da propaganda enganosa por omissão. Acredito, pelo contrário, que ele seja
fundamento de sua existência, na medida em que o direito impõe ao anunciante um dever
de informar positivamente o consumidor acerca de determinados dados para que ele possa
não ser enganado.
O que ocorre é que o princípio da transparência - enquanto conceito jurídico
indeterminado -, admite graus, e, na publicidade, se manifesta em menor grau, limitando
o direito a exigir apenas informação que essencial para não enganar o consumidor. Sobre
esse dever de informar na publicidade, passa-se a analisa-lo mais detidamente no próximo
ítem.
3.3.3. O dever de informar na publicidade
Segundo Gabriel A. STIGLITZ130, o direito do consumidor a receber informações
adequadas, que lhe permitam realizar decisões de compra bem fundamentadas foi
128 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelo Autores do Anteprojeto cit., p. 345. 129 Publicidade e Direito cit., p. 74 130 STIGLITZ, Gabriel A., Rubén S. La defensa del consumidor en Argentina. A proteção do consumidor
no Brasil e no MERCOSUL. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 1994 p. 146
Lilian Malateaux
72
consagrado em nível universal pelas diretrizes sobre proteção do consumidor aprovadas
no ano de 1985 pelas Nações Unidas (artigo 3º, inciso c)
Como tratado anteriormente, o dever de informar ampla e precisamente o
consumidor advém do princípio da boa-fé objetiva, bem como do objetivo de
transparência nas relações de consumo e, como já tratado, o dever de informar do
fornecedor diz respeito a todas as fases contratuais. Ainda, nas palavras de Antonio
Junqueira de AZEVEDO131, o dever de informar admite graus, conforme a situação em
que está inserido. Em determinados casos, é exigido apenas o dever de esclarecer, em
outros, pode-se obrigar a aconselhar ou, se grandes os riscos, até mesmo de advertir.
Sabe-se que a publicidade representa apenas uma dessas fases contratuais, tendo-
se outros momentos em que o consumidor terá contato com mais informações sobre o
produto ou serviço – como por exemplo com as informações constantes nas embalagens,
com as apostas nos sites, folhetos informativos do produto, informações via central de
atendimento ou com vendedores dentro da loja, no momento de assinatura do contrato e
etc.
Portanto, como a publicidade representa apenas um contato inicial do consumidor
com o produto ou serviço, sucedendo a ela diversos outros momentos nos quais se verifica
o dever de informar do fornecedor, não se afigura necessário que o direito exija que todo
o objetivo da transparência nas relações de consumo seja exaurido na fase publicitária.
Como tratado anteriormente, a publicidade encontra limites de espaço e tempo
dados pela mídia, motivo pelo qual não se afigura razoável economicamente uma
interpretação da norma que imponha o dever de esmiuçar todas as características do
produto ou serviço no anúncio publicitário.
Nesse sentido, Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS132:
Destarte, parece ser inevitável a conclusão de que a publicidade não é
instrumento que satisfaz de modo eficiente e eficaz o amplo dever de
informar o consumidor sobre as características dos bens e serviços. Ou
melhor, este dever não se esgota na publicidade, seja porque não há
tempo e espaço suficiente para tanto, seja porque tal dever só existe ou
é factível de ser esgotado no tratamento individual entre consumidor e
fornecedor, no momento da contratação (transparência no atendimento
na loja) e mesmo após a celebração do negócio. Isso não quer significar,
evidentemente, que para despertar a atenção do consumidor e
131 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Editora Saraiva,
2004, p. 174 132 Publicidade e Direito cit., p. 174
Lilian Malateaux
73
convencê-lo a adquirir produtos e serviços, possa o fornecedor fazer uso
de artifícios enganosos.
Legalmente - segundo a máxima constitucional: ninguém será obrigado a agir ou
deixar de agir, senão em virtude de lei – as omissões só devem ser punidas quando
corresponderem à desobediência de um “dever de agir” positivamente, instituído por uma
norma.
No caso da publicidade, não há na lei um “dever de informar dados do produto ou
serviço por meio da publicidade”, mesmo porque a publicidade não é sequer obrigatória
legalmente, é uma faculdade do fornecedor fazer ou não um anúncio publicitário. O que
a lei prescreve para a publicidade é tão somente um dever de não enganar.
O dever de informar ostensivamente o consumidor sobre as características do
produto ou serviço, bem como as condições de contratação para que ele possa decidir,
informadamente, pela contratação ou não do bem não diz respeito à publicidade em si,
mas a toda a fase de pré-contratação, globalmente considerada.
Entretanto, ocorre que, apesar de ser uma faculdade do fornecedor fazer ou não
um anúncio publicitário, a partir do momento que ele opta por fazê-lo, atrai para si
diversos ônus, dentre eles – e restringindo ao objeto dessa tese -, o constante no artigo 37,
que é o de não criar uma peça publicitária que possa fazer o consumidor incidir em erro
– seja por falsidade, por qualquer outro modo, mesmo por omissão.
Assim, o § 3º, norma que trata da publicidade enganosa por omissão, em momento
algum exige que o anúncio informe amplamente o consumidor, mas exige, tão somente,
que a publicidade não seja passível de induzir o consumidor em erro. Depreende-se disso,
portanto, que uma omissão só é legalmente relevante na medida em que torne a peça
publicitária enganosa, isso é, que tenha a capacidade de induzir o consumidor a erro.
Portanto, pode-se concluir que os princípio da transparência e da boa-fé objetiva
constituem-se como fundamentos da proibição legal da publicidade enganosa por
omissão, exigindo do fornecedor uma ação positiva no sentido de trazer à publicidade
informações essenciais sobre o produto ou serviço; No entanto, esse dever de informar,
na publicidade, não deve ser interpretado de forma tão ampla quanto em outras fases
contratuais que deve ser ostensivo, deve, ao contrário, ser conformado pela vedação legal
de não enganosidade. O dever de informar na publicidade deve ser entendido como um
Lilian Malateaux
74
encontro entre a oferta e a demanda, no sentido de que a oferta poderá ser livremente
manejada, desde que a demanda possa compreendê-la corretamente.
Sendo assim, não é necessário que a publicidade traga todas as características do
produto ou serviço, mas que não seja desenhada de modo a induzir o consumidor a erro
por meio de omissões estrategicamente colocadas. Nesse sentido, o termo “dado essencial
do produto ou serviço”, exigido pelo § 3º deve ser entendido no contexto da peça
publicitária tal qual foi formulada A ideia seria a de não tomar como parâmetro o produto
ou serviço isoladamente considerados para fins de especificar quais dos seus dados seriam
essenciais para a compra, mas é de considerar o produto ou serviço da forma como foram
anunciados, nos moldes da oferta tal qual foi feita na publicidade em questão.
. Assim, por exemplo, não é necessário que o anunciante se preocupe em imaginar
todas as características do produto ou serviço que seriam essenciais para a decisão de
compra do consumidor – até porque cada consumidor teria um conceito de essencialidade
diferente do outro, o que tornaria o processo inviável -, mas sim que se preocupe em
desenhar uma publicidade que não contenha omissões que induzam o consumidor a mal
compreender o produto, serviço ou a oferta, nos termos em que foi feita.
Nesse sentido, o STJ entendeu pela não essencialidade de inclusão do frete em
publicidade de venda de automóvel. Segue transcrita a ementa133:
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR – ANÚNCIO
DE VEÍCULO – VALOR DO FRETE – INFORMAÇÃO NO
RODAPÉ – LETRAS MIÚDAS – REEXAME DE PROVA – ÓBICE
DA SÚMULA 7/STJ – PROPAGANDA ENGANOSA – NÃO-
CARACTERIZAÇÃO.
1. Inviável a verificação do tamanho dos caracteres utilizados no
anúncio publicitário, em razão do óbice da Súmula 7/STJ.
2. Anúncio publicitário que informa a não-inclusão do valor do frete no
preço ofertado e, ao mesmo tempo, não especifica o seu valor
correspondente, por si só, não configura publicidade enganosa ou
abusiva, ainda que essa informação conste no rodapé do anúncio
veiculado em jornal.
3. Recurso especial não provido.
Trata-se de caso em que foi anunciada a venda de veículo por meio de anúncio
publicitário que continha informações sobre preços e formas de pagamento, constando
133 STJ, Recurso Especial nº 1.057.828 - SP (2008/0104560-2), Relatora Ministra Eliana Calmon, Data do
julgamento 02 set. 2010. Disponível em < http://www.stj.jus.br/ > Acesso em: 19 jun. 2014.
Lilian Malateaux
75
em rodapé a informação de que o preço do frete não estaria incluso nos valores
informados na peça, mas absteve-se de informar o valor do frete.
O Procon estabeleceu multa administrativa com fundamento no artigo 37 § 3º,
pelo fato de o anúncio omitir o valor do frete, fato que influenciaria a escolha de compra
do consumidor. Discordando da penalidade aplicada, a empresa de veículos aduziu ação
anulatória de multa. Tanto a primeira instância quanto o Tribunal de Justiça de São Paulo
decidiram pela licitude da publicidade, assim como o STJ e sede de recurso especial.
Em segunda instância, o desembargador relator Ferraz de Arruda considerou que
seria suficiente o aviso de o frete não estar incluso no valor anunciado, não sendo dado
essencial a sua quantificação. Concluiu que o valor do frete não se configurava como
dado essencial porque não era um elemento implícito ao bem a tal ponto de o seu valor
comprometer seriamente a transação. Ainda, fundamentou que, como o automóvel
anunciado era um veículo de luxo, caríssimo, o preço do frete em relação ao valor total
dispensado na compra não seria um fator decisivo para o público alvo ao qual a
publicidade era dirigida, um público de alto poder aquisitivo.
A relatora Eliana Calmon, em seu breve voto, concordou com o Tribunal de
Justiça de São Paulo e entendeu que – presumindo-se que a nota de rodapé que informava
a não inclusão do valor do frete era legível, fato não analisado pela corte pelo óbice da
súmula 7 -, a omissão do valor do frete não seria capaz de fazer com que o consumidor
incidisse em erro, sobretudo porque constava na peça a ressalva em rodapé de que esse
valor não estaria incluso no preço anunciado do produto e que tal ressalva encerrava as
informações necessárias à tomada de decisão do consumidor.
Entretanto, também não é lícito que o fornecedor se utilize de omissões
estratégicas para ludibriar o consumidor. Existe, de fato, um dever informacional de fazer
veicular em cada anúncio publicitário uma gama mínima de informações – os chamados
dados essenciais – para que ele possa ser bem compreendido pelo consumidor. Ocorre
que o limite do que seja dado essencial ou dado não essencial é tênue. Discussão
interessante a respeito do tema foi a feita no Tribunal de Justiça de Santa Catarina em
Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra
a empresa NET134.
134 TJSC, Apelação Cível nº 2012.039715-1, da Capital, Relator Desembargador Francisco Oliveira Neto,
data de julgamento 06 jun. 2014. Disponível em < http://www.tjsc.jus.br/ > Acesso em 26. Jun. 2014.
Lilian Malateaux
76
CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO.
FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE INTERNET BANDA LARGA.
1. PRELIMINARES. 1.1. ILEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. EXEGESE DOS ARTS. 127 DA CF E 5º
DA LEI N. 7.347/85. NÃO ACOLHIMENTO. O Ministério Público
detém, por lei, legitimidade para a defesa de interesses coletivos dos
consumidores, conforme prescrito no art. 127 da CF, no art. 5º da Lei
n. 7.347/85. Destarte, "2. A televisão por assinatura tem hoje
importante presença como instrumento de lazer, contribuindo para a
qualidade de vida dos cidadãos, e alcançando significativas parcelas da
população, não estando confinada aos estratos mais abastados. 3. Há
entre os assinantes direito individual homogêneo, decorrente de origem
comum, que autoriza a intervenção do Ministério Público" (STJ, REsp
308486/MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira
Turma, j. 24.6.02). 1.2. NULIDADE DA CITAÇÃO. ATO
PRATICADO NO ENDEREÇO DA RÉ E RECEBIDA POR SEU
FUNCIONÁRIO. VALIDADE. PRECEDENTE DO STJ. "Este
Superior Colegiado possui entendimento firmado no sentido de ser
válida a citação via postal com AR efetivada no endereço da ré e
recebida por qualquer um de seus funcionários, ainda que sem poder
expresso para tanto" (STJ, RESP n. 913671/AL, rel. Min. José Delgado,
Primeira Turma, h. 27.11.07). 2. MÉRITO. 2.1. POSSIBILIDADE
TÉCNICA DE GARANTIA APENAS DE PERCENTUAL DA
VELOCIDADE DIVULGADA. PUBLICIDADE QUE DEVE
INFORMAR CLARA E SUFICIENTEMENTE ESTA
INFORMAÇÃO. PREVISÃO EXPRESSA NOS ARTS. 6º, III, 37, §
1º E § 3º E 30 E 37, TODOS DO CÓDIGO DE PROTEÇÃO E
DEFESA DO CONSUMIDOR. O art. 37, § 1º, do Código de Defesa
do Consumidor considerou enganosa a falta de informação (omissão)
"capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza,
características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços", enquanto que o § 3º,
deixou inequívoco que "a publicidade é enganosa por omissão quando
deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço" (grifou-
se). Transportando-se tais lições para o caso dos autos, vislumbra-se
que, em sua publicidade, a ré deixa de informar textualmente que
garante apenas parte da velocidade contratada. Entrementes, o Estatuto
Protetivo assegurou ao consumidor, como seu direito básico, que a
informação seja "adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem" (art. 6º, III, CDC - grifou-se). Logo, não
basta informar. A informação deve ser clara e suficientemente precisa
para que o consumidor dela tenha o conhecimento necessário para
escolher se deseja ou não contratar o serviço naquelas condições,
consoante prelecionam os arts. 30 e 31, da Lei n. 8.078/90. 2.2. DANO
MORAL COLETIVO. COBRANÇA DE VALORES INDEVIDOS
QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA O DEVER DE INDENIZAR.
INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE OFENSA À HONRA E
AO SENTIMENTO DA COLETIVIDADE. MERO
ABORRECIMENTO. O dissabor experimentado in casu é uma
situação excepcional que os cidadãos estão sujeitos a enfrentar em seu
cotidiano, e que não reflete um malferimento de seus direitos basilares
a ponto de merecer indenização por danos morais. 3.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. VERBAS SUCUMBENCIAIS
INDEVIDAS. 3.1. "Nas ações civis públicas, não se impõe ao
Ministério Público a condenação em honorários advocatícios ou custas,
Lilian Malateaux
77
ressalvados os casos em que o autor for considerado litigante de má-fé"
(STJ, REsp 565.548/SP, relª. Minª. Eliana Calmon, Segunda Turma, j.
13.8.13). 3.2. "A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça
firmou entendimento no sentido de que, quando a Ação Civil Pública
ajuizada pelo Ministério Público for julgada procedente, descabe
condenar a parte vencida em honorários advocatícios" (STJ, REsp n.
1038024/SP,rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.9.09).
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA.
RECURSO DESPROVIDO. REMESSA PROVIDA EM PARTE.
FIXAÇÃO, DE OFÍCIO, DE MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE
DESCUMPRIMENTO.
O caso se trata de empresa de telecomunicações que veiculou anúncio de internet
banda larga por determinada velocidade, entretanto, poderia, de fato, garantir a prestação
de apenas um mínimo de 10% da velocidade anunciada, fato esse não mencionado no
referido anúncio.
Ao verificar tal situação, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ajuizou
ação civil pública de consumo, pugnando, em suma: a) para que a ré faça constar, de
forma destacada, em todas as publicidades, contratos e respectivas ordens de serviço a
informação de que garante o mínimo de 10% do valor da velocidade, dando assim a
oportunidade ao consumidor de decidir se deseja adquirir o serviço; b) para que a ré
encaminhe, num prazo de 10 dias, correspondência a todos os consumidores que
contrataram o serviço, informando-lhes que garante apenas o mínimo de 10% da
velocidade contratada e oferecendo-lhes, se for possível, um plano com maior velocidade
– no mesmo valor contratado – ou a possibilidade de rescisão contratual ; c) o pagamento
de R$ 50.000,00 a título de danos morais difusos e c) a condenação genérica a indenizar
os prejuízos ocasionados, na forma do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor.
A ré defendeu-se, alegando, em suma: a) que veiculou na publicidade os seguintes
dizeres “as velocidades nominais máximas do NET Vírtua estão sujeitas à variação em
função de limitações técnicas da internet”, “a velocidade anunciada de acesso e tráfego
da internet é a nominal máxima” e “velocidade nominal máxima sujeita a variações”,
dizeres esses que trariam informações satisfatórias para a compreensão do consumidor;
b) que no contrato havia a seguinte cláusula: "A OPERADORA garante ao ASSINANTE
o mínimo de 10% (dez por cento) da velocidade nominal contratada dentro de sua rede,
por se tratar de ambiente restrito e controlado", cláusula essa que garantiria a informação
adequada ao consumidor da real velocidade.
Lilian Malateaux
78
Tal caso afigura-se interessante na medida em que trata do dever de prestar
informação tanto na fase publicitária, quanto na fase contratual.
O Tribunal, logo de plano, entendeu que a cláusula aposta no contrato é suficiente
para informar o consumidor na fase contratual com exatidão que, em verdade, a NET
assegura aos seus clientes apenas 10% (dez por cento) da velocidade nominal pactuada.
Desse modo, não entendeu necessário o envio de correspondência com tal informação
para todos os contratantes do serviço. Assim, percebe-se que o relator considerou que,
desde que haja a informação redigida de maneira clara no contrato, é ônus do consumidor
lê-la.
Ressalva, todavia, que o contrato não é forma de publicidade e que o contrato só
é firmado em momento posterior à publicidade, motivo pelo qual a caracterização de um
produto ou serviço deve ser clara na publicidade, justamente para que o consumidor possa
escolher se quer ou não contratá-lo.
Ao analisar a peça em si, o relator entendeu pela enganosidade por omissão. Isso
porque as frases “as velocidades nominais máximas do NET Vírtua estão sujeitas à
variação em função de limitações técnicas da internet”, “a velocidade anunciada de
acesso e tráfego da internet é a nominal máxima” e “velocidade nominal máxima sujeita
a variações”, não traziam de forma clara o suficiente a informação de que a NET poderia
garantir apenas 10% da velocidade contratada. Ainda, disse que tais frases, ao mencionar
apenas o termo “velocidade máxima” induzem o consumidor a crer que a velocidade
ofertada é – ou ao menos tangencia – os 100%, que nenhum consumidor, a partir das
publicidades veiculadas pela Apelante, obtém a informação de que na verdade o que o
serviço recebido será garantido no mínimo de 10% (dez por cento) do que espera receber.
Assim, condenou a empresa a veicular de forma clara a informação de que garantia 10%
da velocidade máxima anunciada em todas as publicidades que vier a produzir, pois
entendeu ser esse um dado essencial para o consumidor entender as reais desvantagens
do serviço anunciado.
Por fim, o Tribunal indeferiu os pedidos de dano moral coletivo e de danos
matérias, por não vislumbrá-los no caso de veiculação de publicidade enganosa.
A comparação de ambos os casos pode levar-nos a crer que foram decisões
diferentes para casos semelhantes. No primeiro caso, não foi considerada omissa a
publicidade que anunciou um carro, ressalvando que o valor do frete não estaria incluso,
Lilian Malateaux
79
mas não especificando esse valor. No segundo caso, ao contrário, a publicidade foi
considerada omissa por anunciar determinada velocidade de internet, ressalvando que tal
velocidade não se tratava de velocidade máxima, entretanto sem especificar a velocidade
mínima garantida.
Entendo, entretanto, que ambas as decisões foram justas. A principal diferença
entre elas é que, na primeira, ao consumidor apenas falta um dado, mas que esse dado não
influi na sua compreensão da oferta e seus limites, ao passo que na segunda, o dado que
falta ao consumidor o faz mal compreender o alcance da oferta feita na publicidade.
No primeiro caso, o que se ofertava era um carro por determinado preço – e ambos
os elementos foram claramente apresentados no anúncio, cuidando o anunciante,
inclusive, de ressalvar, quanto ao elemento preço, que o valor do frete não estaria
incluído. Ocorre que o valor do frete é um elemento extrínseco ao bem ofertado, o
anunciante, em nenhum momento, pautou a publicidade em ofertas relacionadas ao preço
do frete, não levando o consumidor a entender mal os limites da oferta. Apenas lhe faltava
o valor líquido do frete, mas poderia o consumidor entender perfeitamente que ao valor
anunciado do carro, ele deveria somar uma outra quantia a título de frete, que deveria ser
verificada de acordo com o local onde morasse. De fato, faltavam informações ao
consumidor, mas não seriam capazes de o levar a erro quanto aos limites daquilo que foi
ofertado - observa-se que tanto o carro, quanto os limites do seu preço não poderiam levar
o consumidor a erro. Dessa forma, o julgamento deixou claro que nem todas as
informações sobre o produto precisam estar veiculadas na publicidade, desde que a oferta
esteja claramente exposta ao consumidor.
No segundo caso, todavia, o que se ofertou foi justamente algo que poderia ser
mal compreendido pela omissão do dado. Ofertou-se determinada velocidade, entretanto,
na realidade, o consumidor receberia apenas uma parcela dessa velocidade na maior parte
do tempo. O que ocorre é que, ao ofertar determinada velocidade, o fornecedor chama
para si o ônus de explicar claramente os contornos da sua oferta – no caso, a velocidade.
O fato de ressalvar que aquela é a “velocidade nominal máxima” de fato faz com que o
consumidor entenda que a velocidade entenda possa ter alguma variação, mas o induz a
pensar que tal variação seria pequena, algo em torno da velocidade máxima, o que não se
verifica na prática. Nenhum consumidor ao ler o referido anúncio poderia imaginar que a
velocidade entregada mínima seria de 10% do valor efetivamente anunciado, desse modo,
Lilian Malateaux
80
não poderia entender os limites reais daquilo que lhe está sendo ofertado, não podendo,
portanto, tomar uma decisão de compra esclarecida.
Assim, conclui-se que há sim um dever de informar na publicidade – dever esse
que se fundamenta nos primados da boa-fé objetiva e da transparência nas relações de
consumo -, mas que esse dever de informar no âmbito publicitário, pelo texto legal, só é
exigido até o objetivo de não enganar o consumidor. Dessa forma, não há na publicidade
um dever de informar ostensivamente o consumidor sobre todos os dados do produto ou
serviço, mas tão somente o de fazer veicular as informações mínimas para que ele não
incida em erro quanto à oferta feita.
Lilian Malateaux
81
CAPÍTULO 4
O DADO ESSENCIAL
Pode-se adiantar que o conceito de dado essencial é sem dúvidas um conceito
jurídico indeterminado e, enquanto tal, só poderá ser dimensionado no caso concreto.
Não poderia ser diferente porque o dado essencial é dado de acordo com diversas
variáveis, tanto objetivas quanto subjetivas.
Em relação à variável subjetiva, a essencialidade do dado pode variar com
grupo de consumidores atingidos pela publicidade. Já a objetiva diz respeito ao
anúncio em si considerado e como nele são anunciados os produtos ou serviços.
Assim, o conceito de dado essencial não poderá ser dado a priori, mas apenas
depois de se conhecer as circunstâncias do caso concreto. É sobre esses elementos na
aferição do que seja dado essencial para fins de publicidade enganosa por omissão
que os próximos itens tratarão esse capítulo tratará, buscando trazer exemplos da
jurisprudência nacional e do CONAR que demonstrem como essa aferição tem sido
feita na prática.
4.1. Variável objetiva do dado essencial
4.1.1. Pressuposto: a análise do anúncio como um todo
A respeito da análise da enganosidade no anúncio publicitário, deve-se levar em
conta o anúncio como um todo, vale dizer, o diálogo entre todos os seus textos escritos,
bem como desses com as imagens e sons que componham o anúncio. Isso é
imprescindível pois, muitas vezes, uma frase que poderia, isoladamente, ser considerada
enganosa, ao interpretá-la à luz dos outros elementos apostos à publicidade, sua
enganosidade é sanada. O contrário também pode vir a ocorrer, podem todos os elementos
isoladamente considerados não contarem com nenhuma enganosidade, mas, ao serem
Lilian Malateaux
82
combinados de uma determinada maneira no anúncio, acabarem por induzir o consumidor
a uma interpretação que não corresponde à realidade do produto ou serviço135.
A respeito da publicidade enganosa por omissão, é muito comum que as empresas
incorram na proibição legal ao utilizarem da seguinte técnica publicitária: para atrair a
atenção do público, elas ofertam mundos e fundos na parte captatória principal da peça e,
utilizando-se de letterings, e notas de rodapé limitam essa oferta anteriormente feita.
Nesse ponto, segundo orientação jurisprudencial amplamente adotada o anúncio
deve ser analisado em seu todo, assim, a oferta feita na parte principal deve sempre ser
entendida juntamente com as limitações feitas em partes secundárias do anúncio.
Entretanto, importante ressaltar que, para que a publicidade não seja enganosa por
omissão, tais mensagens inseridas em partes secundárias devem ser legíveis e de fácil
acesso para o consumidor.
A respeito do tema, já se manifestou o CONAR em interessante julgado em
relação à publicidade do ramo de telecomunicações136.
O cerne do problema é que o anúncio divulgava um preço promocional para o
acesso em banda larga, entretanto, omitia que esse preço anunciado só seria válido se o
consumidor pagasse pelos serviços de telefonia e TV por assinatura, dentro de um combo.
Segundo a denunciante, tal omissão impediria que o consumidor compreendesse os reais
limites da oferta e, portanto, prejudicaria a sua escolha livre e informada. A anunciante
defendeu-se com o argumento de que as demais informações que explicariam os limites
da oferta feita na parte captatória da peça estariam em lettering na própria peça, bem
como no site da empresa.
O CONAR decidiu pela alteração do anúncio, por entender que a omissão era
relevante para a tomada de decisão do consumidor e ressaltou, em sua decisão, que o site
da anunciante não continha informações suficientes e que, mesmo as que eram
135 Nesse sentido, Lucia Ancona Lopes de Magalhães DIAS (Direito e Publicidade cit., p. 149) e Fabio
Ulhoa COELHO (Revista de Direito do Consumidor, vol. Cit. p.73).
136 CONAR, Primeira e terceira câmaras e câmara especial de recursos, Representação nº 167/12, em
recurso ordinário, Autor: NET; Anunciante: GVT, Relatores Conselheira Nelcina Tropardi e conselheiro
Leandro Conti, decisão: alteração, data de julgamento nov. 2012. Disponível em <
http://www.conar.org.br/> Acesso em 16 jan. 2014.
Lilian Malateaux
83
disponibilizadas eram de difícil acesso. Ponderou também que o lettering do anúncio
continha mais de 120 palavras e era exposto por apenas 4 segundos, fato que dificultava,
sobremaneira, a leitura do consumidor.
Esse julgado é interessante na medida em que traz diversos parâmetros a serem
considerados na análise da enganosidade de determinada publicidade. Percebe-se que o
CONAR, em sua análise, tomou como parâmetro o anúncio como um todo, e não apenas
a sua parte captatória na verificação de tentativa de sanar a omissão, assim, foram
consideradas as informações constantes em lettering e também no site da anunciante.
Percebe-se, ainda, que houve análise minuciosa não apenas na esfera do ter ou não
ter as informações necessárias, mas, sobretudo, de como elas são transmitidas ao
consumidor. Nesse sentido, verificou-se que as informações constantes do site eram de
difícil acesso, bem como que o tamanho do lettering mão condizia com o tempo ao qual
ele era exposto.
Assim, pode-se concluir que não apenas a ausência de dados essenciais, mas
também a sua apresentação de modo obscuro - de forma pouco clara, ininteligível ou
tardiamente – equipara-se à omissão para fins de avaliação de indução a erro. A esse
respeito, Lúcia Ancona Lopes de Magalhaes DIAS137 também inclui na publicidade
enganosa por omissão aquelas que ocultam o caráter publicitário da peça, de forma que
esse não possa ser percebido nem pelo contexto publicitário. Erro sobre o suposto caráter
desinteressado da mensagem.
Essas também foram as hipóteses de omissões enganosas trazidas pelo artigo 7.2
da Diretiva 2005/29/CE138, a saber: quanto o fornecedor esconde ou fornece de maneira
obscura, ininteligível, ambígua ou intempestiva o dado essencial; quando não identifica
o caráter publicitário da mensagem, no caso de esse não poder ser apreendido do contexto;
e quando em quaisquer dos casos anteriores, a publicidade induza ou tenha capacidade de
induzir o consumidor a fazer uma transação comercial que ele não faria.
137 Publicidade e Direito cit., p. 139 138 It shall also be regarded as a misleading omission when, taking account of the matters described in
paragraph 1, a trader hides or provides in an unclear, unintelligible, ambiguous or untimely manner such
material information as referred to in that paragraph or fails to identify the commercial intent of the
commercial practice if not already apparent from the context, and where, in either case, this causes or is
likely to cause the average consumer to take a transactional decision that he would not have taken otherwise.
Lilian Malateaux
84
No que diz respeito à publicidade enganosa por omissão, é relevante ainda
perquirir se o direito deve ou não considerar eventuais remissões a textos externos ao
anúncios para fins de sanar uma omissão enganosa existente. A esse respeito é
extremamente comum que as empresas anuncie algo como “ilimitado” e, por meio de
asteriscos, aponham frases como “mais informações no regulamento” e, neste, listem um
sem número de restrições ao termo “ilimitado” publicitado.
Nesse ponto, pode a análise jurídica da publicidade enganosa por omissão levar
em consideração o meio de difusão utilizado pra veicular o anúncio na análise do
potencial enganoso da publicidade. Sobre isso, já tratou o artigo 7.3 da Diretiva
2005/29/CE139. Segundo a diretiva, quando o veículo de comunicação utilizado para
veicular a peça publicitária impõe limites de espaço ou tempo, essas limitações, bem
como todas as medidas tomadas pelo fornecedor para tornar as informações acessíveis
para o consumidor devem ser consideradas para fins de avaliar as omissões de dados
essenciais.
Nesses casos, há quem entenda que todas as ferramentas de informação que o
fornecedor coloca à disposição do consumidor – ainda que externas à publicidade - devam
ser consideradas no âmbito de análise da publicidade enganosa por omissão. Entretanto,
tendo em vista tudo aqui exposto, entendo que tal não se afigura como uma tutela
satisfativa aos direitos do consumidor. Como já explicitado, entendo que nem todas as
informações do produto precisem estar apostas na publicidade, mas que, ao menos a oferta
nela encerrada, possa ser completamente compreendida pelo consumidor por elementos
nela contidos.
Ademais, dentre o universo de consumidores atingidos pela publicidade, apenas
parte dele irá buscar por outros meios o regulamento para se informar de todos os
contornos da publicidade anteriormente vista; a outra parte que não buscou mais
informações no regulamento permanecerá sendo enganada pela publicidade.
Desse modo, conclui-se que para fins de aferição do ilícito de publicidade
enganosa por omissão, deve ser considerado o anúncio como um todo, incluído tanto a
139 Where the medium used to communicate the commercial practice imposes limitations of space or time,
these limitations and any measures taken by the trader to make the information available to consumers by
other means shall be taken into account in deciding whether information has been omitted.
Lilian Malateaux
85
parte captatória da mensagem quanto as partes acessórias, todavia, o âmbito jurídico de
análise deve se limitar ao texto publicitário em si, e não abrir o escopo de análise para
integrar outros textos externos para fins de complementar as informações dadas pela peça
publicitária.
4.1.2. Dado essencial e a natureza do produto ou serviço
Sobre quais sejam especificamente os dados essenciais que devam ser veiculados
em todo e qualquer anúncio, essa mesma diretiva da União Europeia traz, no item 4 da
Diretiva 29/2005/CE, uma lista de dados essenciais que devem ser veiculados nos
anúncios, caso não possam ser apreendidos do próprio contexto do anúncio. Trata-se de
lista não exaustiva, que poderá ser complementada por leis específicas da própria União
Europeia ou por leis criadas pelos Estados-membros140.
Tal lista abarca as seguintes classes de dados, em suma: a) As principais
características dos produtos, observando o meio de comunicação utilizado e a natureza
do produto; b) Endereço e identidade do comerciante; c) O preço, incluindo os impostos
(caso não seja possível calculá-los de antemão, a indicação de como tal cálculo é feito) e
todas as taxas adicionais de transporte (e, caso essas não possam ser calculadas de
antemão, a indicação de que possam haver custos adicionais); d) Condições de
pagamento, entrega, modo de uso e sistema de reclamações, no caso de se afastarem da
140 4. In the case of an invitation to purchase, the following information shall be regarded as
material, if not already apparent from the context:
(a) the main characteristics of the product, to an extent appropriate to the medium and
the product;
(b) the geographical address and the identity of the trader, such as his trading name and,
where applicable, the geographical address and the identity of the trader on whose behalf he
is acting;
(c) the price inclusive of taxes, or where the nature of the product means that the price
cannot reasonably be calculated in advance, the manner in which the price is calculated, as
well as, where appropriate, all additional freight, delivery or postal charges or, where these
charges cannot reasonably be calculated in advance, the fact that such additional charges may
be payable;
(d) the arrangements for payment, delivery, performance and the complaint handling
policy, if they depart from the requirements of professional diligence;
(e) for products and transactions involving a right of withdrawal or cancellation, the
existence of such a right.
Lilian Malateaux
86
diligência profissional; e) Nos casos de haver a opção de desistência da compra, a
existência desse direito.
A legislação brasileira, diferentemente da europeia, não traz quaisquer parâmetros
objetivos para a aferição do dado essencial, tendo, portanto o juiz total autonomia para
defini-lo no caso concreto.
Observa-se, como já tratado, que a jurisprudência brasileira tem caminhado no
sentido de considerar essenciais todos aqueles dados que levam o consumidor a mal
compreender a oferta tal como foi feita no anúncio publicitário.
Nessa esteira, resta evidente que o dado essencial varia conforme a natureza do
produto ou serviço anunciado; produtos demasiadamente complexos tendem a exigir
maior esforço de compreensão do consumidor e, via de consequência, as publicidades
que versem sobre esse tipo de produto ou serviço tendem a ter maior probabilidade de
serem consideradas enganosas. Vale dizer, se um produto é pouco conhecido pelo
consumidor, deve ser melhor explicado em um anúncio publicitário e, em casos como
esses, deve o direito intervir toda vez que for necessário explicar melhor ao consumidor
os contornos da oferta desse produto ou serviço.
Nesse sentido, já se manifestou o CONAR a respeito do ramo de
telecomunicações141, que é ramo demasiadamente complexo para o consumidor comum,
sem conhecimento específicos e que, portanto, deve veicular mais dados e de forma mais
clara.
Por outro lado, quando se tratar de publicidades que versem sobre produtos ou
serviços simples – isto é, cujos dados já são amplamente conhecidos pelos consumidores
em geral –, não serão necessárias grandes explicações sobre os contornos da oferta do
produto ou serviço. Nesse sentido Walter CENEVIVA142 explica que “A publicidade não
é falsa, porém, se referir produto suficientemente conhecido e em relação à qual haja
impossibilidade de engano do consumidor comum ou médio”.
141 CONAR, Primeira e terceira câmaras e câmara especial de recursos, Representação nº 167/12, em
recurso ordinário, Autor: NET; Anunciante: GVT, Relatores Conselheira Nelcina Tropardi e conselheiro
Leandro Conti, decisão: alteração, data de julgamento nov. 2012
142 Publicidade e Direito do Consumidor cit., p.118
Lilian Malateaux
87
Entretanto, cabe nesse ponto ressalvar que, tanto os produtos e serviços simples,
quanto os complexos, têm uma infinidade de dados que os compõem e, como já exposto,
o direito não exige que todos esses dados sejam expostos na peça publicitária. Vale dizer,
para fins do ilícito de publicidade enganosa por omissão, não é necessário que o direito
analise todos os atributos do produto ou serviço e qual a margem de importância deles
para o esclarecimento do consumidor, mas sim que analise a oferta do modo que ela foi
feita concretamente e, a partir desse ponto, se ela tinha todos os elementos para ser bem
compreendida.
Creio que tal opção adotada pelo afigura-se um bom meio termo entre a
publicidade ter que descrever todas as informações possivelmente relevantes sobre o bem
e não ter que se preocupar em apresentar dado nenhum, importando-se apenas em não
fazer afirmações positivas e falsas.
Como explicitado ao longo da pesquisa, seria inviável que o Direito exigisse que
os fornecedores veiculassem enorme gama de informações sobre o produto ou serviço
anunciado; tal seria até mesmo impraticável, tendo em vista a dinamicidade do mercado
atual, em que são feitos anúncios em poucos segundos. Por outro lado, cabe ao direito
proteger o consumidor em seu direito à informação e à uma decisão de compra livre e
esclarecida, obrigando o fornecedor a veicular uma gama mínima de informações para
que o consumidor possa ter a exata dimensão dos termos da oferta que lhe está sendo
feita.
Assim, tal opção estabelece um ônus justo ao anunciante de, na medida em que
decide ofertar o bem em determinados termos, que ao menos esses termos possam ser
amplamente compreendidos pelo consumidor, não faltando, para esse fim, nenhuma
informação relevante.
Desse modo, se o anunciante decide ressaltar determinado aspecto da oferta, mas
a esse aspecto houver algum limite que possa onerar o consumidor, o fornecedor deverá
deixar claro esses limites no próprio anúncio.
Ainda a respeito da essencialidade do dado em relação a natureza do bem ou
serviço, existem casos em que o dado é tido como essencial por ser um elemento
intrínseco ao produto ou serviço, isso é, elemento tão embrenhado na definição do próprio
bem que acaba com ele se confundindo. Desse modo, tendo em vista a própria definição
Lilian Malateaux
88
do bem, tal dado acaba sendo sempre presumido aos olhos dos consumidores, assim, ao
veicular uma publicidade de um bem de tal gênero que, por ventura, não detenha a
qualidade esperada, essa informação deverá ser expressamente veiculada na publicidade,
sob pena de ser considerada enganosa por omissão.
Como observa o jurista Carlos Lema DEFESA143, há certos tipos de produtos que
apresentam uma característica específica. Os consumidores creem que esse gênero de
mercadorias cumpre sempre com este dado. De não ser assim, a referida omissão poderá
levar ao engano dos consumidores.
Esse é o caso de cursos de pós-graduação sem validação perante a CAPES. Sobre
isso, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, por meio do voto do Ministro Luis
Felipe Salomão, no sentido de que a validação perante a CAPES é elemento essencial do
curso144. Isso porque ninguém faz um curso de pós-graduação por mero amor ao
conhecimento, mas sempre buscando um reconhecimento nacional na área acadêmica e
um plus salarial, objetivos esses que só podem ser alcançados pelo reconhecimento do
curso pela CAPES.
(...) em regra, não se faz uma graduação ou mestrado por diletantismo,
por simples amor ao conhecimento, mas também, e principalmente, por
razões pragmáticas, para efeito de profissionalização, titulação ou
ascensão profissional. Diante do desemprego e dos baixos salários, não
se pode presumir que a opção de se cursar um mestrado não tenha a
finalidade sobretudo profissional, de se inserir ou se manter no mercado
de trabalho, de ascensão profissional ou de plus salarial. E é certo, por
outro lado, que todos esses resultados somente se logram se o curso
estiver devidamente reconhecido pelos órgãos competentes
(MEC/CAPES).
Sendo assim, quando o consumidor se depara com um anúncio de curso de
pós-graduação, presume que tenha o curso o reconhecimento nacional, e que, ao seu fim,
possa fazer jus a um título reconhecido no mercado. A validação do curso perante a
CAPES é, nesse sentido, um elemento essencial do curso de pós-graduação, posto que é
o principal motivo que leva o consumidor a contratar. É por esse motivo que o Conselho
143 DEFESA, Carlos Lema. Problemas jurídicos de la publicidade. Estudios jurídicos del Prof. Carlos Lema
Defesa recompilados com ocasión de la comemoración de los XXV años de cátedra. Madrid: Marcial Pons,
2007, p. 386. 144 STJ, Recurso Especial nº 998.265/RO, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, data de julgamento 15
abr. 2010. Disponível em < http://www.stj.jus.br/ > Acesso em: 01 jul. 2014.
Lilian Malateaux
89
Federal de Educação se preocupou em estabelecer à instituição de ensino o dever de
informar o consumidor, caso o curso ainda não tenha obtido tal reconhecimento. É o que
dispõe o § 1º, da Resolução n.º 5/83: "os alunos admitidos durante este período
experimental deverão ser formalmente informados de que a validade nacional de seus
diplomas estará condicionada ao credenciamento do curso pelo CFE nos termos desta
Resolução".
É verdade que tal resolução não especificou que tal informação deva
obrigatoriamente ser dada por meio de publicidade, todavia, entendo que uma publicidade
que anuncie curso de pós-graduação deva sim conter tal informação – ainda que em nota
de rodapé -, sob pena de ser considerada enganosa por omissão. Isso porque não consegue
o consumidor entender adequadamente os limites da oferta do curso sem tal dado. Não
consegue o consumidor sem esse dado entender que o que está contratando é um mero
curso profissionalizante, sem qualquer validade formal perante o mercado de trabalho.
Também não é razoável impor ao consumidor o dever de desconfiar de todos os
anúncios de pós-graduação e verificar, um por um, se o mesmo é validado perante a
CAPES. Tal ônus, além de desarrazoado, seria absolutamente inviável, posto que um
consumidor médio nem saberia da necessidade de tal verificação para atingir seus
objetivos e muito menos como fazer tal verificação na prática.
Tal problema já foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça, entretanto, o
caso era ainda mais grave. No caso, a instituição de ensino veiculou anúncio de curso de
pós-graduação em que, além de omitir a informação de que o curso não era credenciado
pela CAPES, ainda fez veicular, em seu prospecto, dizeres que davam a entender que o
curso estava de acordo com as diretrizes da CAPES. Observa-se a ardilosidade do anúncio
que não diz expressamente estar credenciado com a CAPES – não incidindo assim na
publicidade enganosa por comissão -, mas envolve o consumidor de forma a fazê-lo
acreditar na aparente regularidade do curso. Segue o caso ementado145:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - DANOS
MORAIS E MATERIAIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
EDUCACIONAIS - MATRÍCULA, FREQUÊNCIA E CONCLUSÃO
EM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO (MESTRADO) NÃO
145 STJ, Recurso Especial nº 1.101.664/SP (2008/0252069-0), Relator Ministro Marco Buzzi, data do
julgamento 07 fev. 2013. Disponível em < http://www.stj.jus.br/ > Acesso em: 01 jul. 2014.
Lilian Malateaux
90
RECONHECIDO PELA CAPES - PUBLICIDADE ENGANOSA
DIVULGADA AO DISCENTE - CORTE LOCAL
RECONHECENDO A RESPONSABILIDADE CIVIL DA
DEMANDADA, E CONDENANDO-A AO PAGAMENTO DOS
DANOS MATERIAIS E MORAIS. INSURGÊNCIA DA
INSTITUIÇÃO DE ENSINO.
1. Danos morais. 1.1 Resulta cristalina a responsabilidade civil da
instituição de ensino, que, promovendo a divulgação de propaganda
enganosa, oferece curso de pós-graduação (mestrado), mas omite aos
respectivos alunos a relevante informação de que não possui
reconhecimento e validade perante o órgão governamental competente.
A súmula n. 7/STJ, ademais, impede a revisão das premissas fáticas que
nortearam as conclusões fixadas no aresto hostilizad o. 1.2 O posterior
reconhecimento e consequente convalidação, pelo órgão competente,
de pós-graduação (mestrado) cursada pela demandante, longo período
após a conclusão obtida pela aluna, não elimina o dever da instituição
de ensino em indenizar os danos morais sofridos pela discente. Pois,
mostra-se evidente a frustração, o sofrimento e a angústia daquela que
se viu por mais de 5 anos privada de fruir os benefícios e prerrogativas
profissionais colimados quando da matrícula e frequência ao curso de
pós-graduação. 1.3 É ilegítimo o arbitramento de indenização por danos
morais vinculada ao valor futuro do salário mínimo que se encontrar
vigente à época do pagamento. Precedentes. Excessividade do quantum.
Adequação do aresto hostilizado no particular.
2. Danos materiais. Pretensão voltada ao ressarcimento dos valores
despendidos a título de matrículas, mensalidades, passagens,
alimentação e demais gastos com o curso de mestrado. Descabimento.
A superveniente convalidação do diploma de pós-graduação obtido pela
demandante, torna indevida a indenização por danos materiais,
concernentes às despesas para frequência ao curso.
3. Recurso parcialmente provido.
Outro exemplo de essencialidade do dado definida por elemento intrínseco ao bem
anunciado é o caso de hotéis sem atividades econômicas embutidas. A definição de hotel
implica em que os clientes tenham, além da acomodação, alguma gama de facilidades a
sua disposição, como centro de convenções, restaurantes, lavanderia, coffee shop e etc.
Isso implica em que, se o empreendimento não contar com essas atividades econômicas
embutidas, não será hotel, mas um mero condomínio residencial.
Esse caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça por consumidores que
ajuizaram ação de anulação de contratos, cumulada com perdas e danos materiais e morais
Lilian Malateaux
91
em face de Gafisa S/A, Banco BBM S/A, Meliá Brasil Administração Hoteleira e
Comercial Ltda. e Patrimóvel Consultoria Imobiliária S/A, a seguir ementado146:
DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA.
EMPREENDIMENTO DIVULGADO E COMERCIALIZADO
COMO HOTEL. MERO RESIDENCIAL COM SERVIÇOS.
INTERDIÇÃO PELA MUNICIPALIDADE. OCULTAÇÃO
DELIBERADA DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR.
ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. INDENIZAÇÃO POR
LUCROS CESSANTES E POR DANOS MORAIS DEVIDA.
1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é
corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-
fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição,
impondo a necessidade de transparência em todas as fases da
contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução
do contrato e até mesmo o momento pós-contratual.
2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da
transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos
contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se
nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa
vinculação estende-se também às informações prestadas por
funcionários ou representantes do fornecedor.
3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o
consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio,
de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob
pena de configurar publicidade enganosa por omissão.
4. No caso concreto, desponta estreme de dúvida que o principal
atrativo do projeto foi a sua divulgação como um empreendimento
hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação que
a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a falta de
autorização do Município para que funcionasse empresa dessa
envergadura na área, o que, à toda evidência, constitui publicidade
enganosa, nos termos do art. 37, caput e § 3º, do CDC, rendendo ensejo
ao desfazimento do negócio jurídico, à restituição dos valores pagos,
bem como à percepção de indenização por lucros cessantes e por dano
moral.
5. Recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia provido.
6. Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos.
Prejudicadas as demais questões suscitadas.
No caso, tais consumidores compraram unidades do empreendimento denominado
"Meliá Barra Confort First Class", planejado para funcionar como um hotel e a ser
146 STJ, Recurso Especial nº 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, data
de julgamento 06 nov. 2012. Disponível em < http://www.stj.jus.br/ > Acesso em: 30 jun. 2014.
Lilian Malateaux
92
administrado em regime de pool hoteleiro pela empresa Meliá, fato esse amplamente
divulgado na mídia nacional e internacional.
Ocorre que foi omitido elemento essencial, qual seja, a ausência de autorização
municipal para atividade econômica naquele local, mormente por se tratar de área de
proteção ambiental (APA), razão pela qual houve a posterior interdição do
estabelecimento pela Municipalidade.
Em vista de tal interdição, o projeto inicial foi readaptado, passando a funcionar
como mero condomínio residencial multifamiliar com alguns poucos serviços a ele
aliados.
Ocorre que, como explicado, o termo “hotel” tem, como característica intrínseca
sua – e por isso esperada por todos os consumidores ou investidores -, o fato de ter, além
dos quartos, atividades econômicas agregadas. Consequentemente, a publicidade foi
considerada enganosa por omissão pelo fato de o grupo econômico não ter, em momento
algum, advertido os consumidores de que não havia conseguido a licença municipal para
o empreendimento e que esse estaria, portanto, desde o início fadado a não ser um hotel.
Percebe-se, portanto, que o Tribunal considerou ser a inexistência de alvará de
funcionamento de hotel um dado essencial, porque os investidores em questão apenas
compraram as unidades do empreendimento por ele ter sido anunciado como um hotel,
esperavam, pois um retorno econômico condizente com o de um hotel.
Nesse sentido, a qualidade de ser ou não hotel era essencial tanto do ponto de vista
da oferta feita, girando toda a publicidade em torno de ser “a primeira rede hoteleira da
Barra da Tijuca”, sendo tal fato confirmado em convenções da Gafisa e da Meliá, quanto
do ponto de vista do investidor, que não teria realizado o negócio se não fosse por esse
dado.
Foi ressaltado também o vasto prestígio e experiência que a rede Meliá tem no
mercado hoteleiro, fato esse que fez com que os consumidores presumissem que a referida
empresa saberia cuidar dos aspectos legais para a instalação do hotel e não tomassem
maiores cuidados em relação a isso. De fato, não seria exigível do consumidor médio que,
toda vez que fizesse esse tipo de negócio, verificasse se o empreendimento está ou não
de acordo com as leis do município, tal procedimento seria mesmo impensado por um
Lilian Malateaux
93
consumidor leigo em assuntos jurídicos. Além disso, não deve o direito impor um dever
de desconfiança ao consumidor.
Nas palavras do relator, Min Luis Felipe Salomão, “desponta estreme de dúvida,
portanto, que o principal atrativo do projeto foi a sua divulgação como um
empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação que
a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a falta de autorização do
Município para que fosse erigida empresa dessa envergadura na área. Isso, à toda
evidência, constitui publicidade enganosa, nos termos do art. 37, caput, e § 3º, do CDC”.
Portanto, conclui-se que a essencialidade do dado pode ser dada tanto pela
pertinência de tal dado à noção da própria definição do bem – entendida como aquela
característica que o público em geral atribui a um determinado gênero de bens; aquela
característica que, se retirada, o bem passa a não pertencer mais àquele gênero -, como
também uma característica que, apesar de não estar no núcleo de definição do bem, o
fornecedor opta por ressaltar na publicidade, chamando para si o ônus de explicar
devidamente os contornos da oferta que fez.
4.2. Variável subjetiva do dado essencial
Além da análise do aspecto objetivo – o conteúdo do anúncio publicitário em si
considerado -, deve-se também, para fins de considerar determinada publicidade
enganosa, analisar-se também o aspecto subjetivo, isto é, o tipo de consumidor atingido
por esse anúncio. Nessa esteira, devemos socorrer-nos do artigo 29 do Código de Defesa
do Consumidor, que introduz o capítulo das práticas comerciais.147
O referido artigo remete ao consumidor por equiparação, considerando não apenas
como consumidor aquele que é destinatário final do produto ou serviço, mas sim todo
aquele exposto à prática comercial. Introduz à análise da publicidade enganosa, portanto,
um elemento espacial – todas as pessoas determináveis ou não expostas às práticas nele
previstas -, assim, a análise de enganosidade deve obrigatoriamente considerar quais as
147 Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Lilian Malateaux
94
pessoas que estarão expostas a determinada publicidade e não apenas aquelas que
adquiriram o produto ou serviço.
Segundo Adalberto PASQUALOTTO148, a aplicação do conceito de consumidor
por equiparação à tutela da publicidade enganosa se impõe em respeito ao sistema de
tutela preventiva consagrado no artigo 6º, VI, do CDC, segundo o qual é direito básico
do consumidor a efetiva prevenção de danos. Dessa forma, não apenas os consumidores
que sofreram qualquer dano in concreto, mas todos aqueles que estão expostos aos efeitos
deletérios da publicidade deverão ser tutelados.
A análise de enganosidade por omissão deve obrigatoriamente considerar o fator
subjetivo, pois o nível de exigibilidade do conteúdo publicitário mínimo também variará
de acordo com o seu público-alvo. Vale dizer, a noção do que é ou não enganoso varia de
acordo com o público ao qual a mensagem é direcionada, os potenciais compradores do
produto, as pessoas que serão expostas à publicidade. De fato, a perspicácia do
consumidor, seu nível de entendimento varia de acordo com os mais variados critérios,
como faixa etária, nível de escolaridade, acessibilidade, determinados aspectos culturais,
regiões em que se vive, formação escolar específica e etc.
Passar uma tábua rasa significaria desconsiderar a especificidade com a qual a
publicidade é feita. É sabido que, antes de uma empresa investir em publicidade, é feito
um enorme estudo a respeito dos componentes do público alvo, quais são os seus hábitos,
onde vivem, o que procuram, quais evoluções sociais estão vivendo e etc e, a partir dessa
análise, é feito um briefing, contendo a definição do cliente e seu comportamento,
estratégias de investimento, comunicação e transmissão da mensagem a esse cliente.
Essas etapas acabam por gerar um anúncio feito sob medida para o público-alvo do
produto em questão149.
Nesse sentido, também leciona Adalberto PASQUALOTTO150 que entende que a
análise da enganosidade publicitária deve ser feita de forma amoldada ao público-alvo ao
qual ela é dirigida. Tal método de análise é condizente tanto com o caráter finalístico da
mensagem publicitária – que é elaborada apropriadamente para um público
148 Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor cit., p. 82. 149 Propaganda: teoria técnica e prática cit., p. 95 150 Os efeitos obrigacionais da publicidade no Código de Defesa do Consumidor cit., p. 82.
Lilian Malateaux
95
predeterminado – quanto com o artigo 29 do CDC – que prevê que, no tocante às práticas
comerciais, dever-se-á aplicar o conceito de consumidor por equiparação, ou seja, todos
aqueles expostos a tal prática.
A análise de eventual ilicitude, portanto, deve preceder de um dimensionamento
do público-alvo ao qual a mensagem é dirigida. Segundo Fabio Ulhoa COELHO151, não
se deve considerar, para o exame de potencial enganoso de publicidade aquelas pessoas
que não compõem o perfil dos consumidores do produto ou serviço veiculado no anúncio
Deve o aplicador do direito considerar que, muitas vezes, o público alvo de
determinada campanha publicitária pode ser mais vulnerável. A análise do potencial
enganoso de determinada mensagem deve levar em conta especificidades como essas, a
fim de não deixar o consumidor desamparado. Por exemplo, uma ambiguidade ou jogo
de palavras facilmente compreendida por pessoas de alto nível de escolaridade,
provavelmente não o será por pessoas de baixo nível de escolaridade, assim, uma
publicidade que contenha tal técnica não será considerada enganosa se destinada ao
primeiro público-alvo, mas o será se destinada ao segundo. O mesmo ocorre com diversos
outros públicos tidos como vulneráveis como idosos, pessoas com déficit cognitivo e etc.
Em casos como esses, deve o operador de direto pesar mais a mão na análise do que deve
ou não ser considerado enganoso, deve ele atuar no sentido de proteger o consumidor que
é mais vulnerável.
Por outro lado, existem casos em não se faz necessária uma atuação ostensiva do
direito. É o caso de publicidades direcionadas a público extremamente especializado, para
o qual o nível de compreensão do produto e da mensagem publicitária é tal que poucas
frases seriam consideradas enganosas. Isso ocorre quando são apostos anúncios de
determinado produto em revistas de mídia especializada, destinadas a leitores que são
grandes conhecedores do produto. Em casos como esse, os consumidores dificilmente
seriam enganados, pois o déficit informacional em relação ao fornecedor do produto não
é tão grande, consumidores que são também grandes conhecedores do produto ou serviço
anunciado não estão em posição de vulnerabilidade extrema, não necessitando, portanto,
de atuação reequilibradora tão ostensiva do direito.
151 Revista de Direito do Consumidor, vol. 8 cit., p.72,
Lilian Malateaux
96
Em termos de publicidades enganosas por omissão, o fator subjetivo tem enorme
relevância prática para se estabelecer o conteúdo mínimo juridicamente exigível em
determinado anúncio, isso porque o conceito de “dado essencial” inevitavelmente variará
de acordo com o público alvo em questão. Vale dizer, dependendo de inúmeros fatores
psico-sociológicos, poucos ou muitos dados poderão ser juridicamente presumíveis como
anteriormente conhecidos pelo público-alvo.
Assim, se considerarmos um público-alvo de consumidores que esteja em posição
de maior vulnerabilidade, não se poderá presumir que grande gama de dados técnicos do
produto ou serviço seja previamente conhecida por eles, assim, deverá o direito se fazer
mais presente em tal relação econômica, afim de reequilibrar ambos os polos, exigindo
do fornecedor a expressa menção e devido destaque a uma maior gama de dados,
exatamente por serem todos eles essenciais para a tomada de decisão desses
consumidores. Por outro lado, ao se analisar um anúncio voltado para um público alvo
extremamente específico e conhecedor do produto ou serviço, pode o operador do direito
presumir que uma enorme gama de dados do bem em questão já seja previamente
conhecida pelo destinatário da publicidade, não precisando assim exigir que o fornecedor
veicule na publicidade certos dados, exatamente pelo fato de eles não serem essenciais
para a tomada de decisão do público-alvo em questão.
Outra questão que é muito polêmica a respeito do aspecto subjetivo na análise da
publicidade enganosa gira em torno de qual seria o parâmetro de consumidor que deveria
o operador ter por base na análise de enganosidade, mesmo dentro de um público-alvo já
delimitado. O problema que se põe aqui é que, mesmo de um dado público-alvo, existem
pessoas mais ou menos instruídas, atentas ou perspicazes e, segundo essa variação,
teoricamente, deveria variar também os parâmetros para a essencialidade do dado.
Ocorre que não é faticamente possível adentrar à mente de cada destinatário da
publicidade para aferir como ela seria por ele compreendida. Tal parâmetro seria inviável
de ser adotado mesmo em demandas individuais e, ainda mais, em demandas coletivas,
em que existem diversos sujeitos psicologicamente diferentes tutelados por uma única
ação. É imperioso, pois, que se estabeleça algum parâmetro jurídico de análise.
Lilian Malateaux
97
A respeito desse tema, Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIN152
entende que, dentro de um dado público-alvo, mesmo o consumidor mais desinformado
e ignorante deva ser protegido: “Nessa avaliação do potencial de induzimento em erro do
anúncio, considera-se não apenas o consumidor bem informado e atento, mas também
aquele outro que seja ignorante, desinformado ou crédulo”. Em sua visão, o parâmetro
jurídico para aferição de enganosidade deveria ser sempre dado por um nivelamento por
baixo, devendo sempre o direito intervir ostensivamente, exigindo que enorme gama de
dados sejam estampados e destacados, afim de tutelar o mais hipossuficiente de cada
grupo.
Fabio Ulhoa COELHO153, na mesma corrente, também entende que, dentro de um
público-alvo restrito, a informação deveria ser ostensiva a ponto de tutelar até o
consumidor desprovido de conhecimentos médios. Entretanto, relativiza logo em seguida
sua posição, ponderando que as “pessoas especialmente limitadas ou particularmente
desatentas, em relação às quais nenhuma cautela do anunciante, por maior que seja, será
suficiente para evitar distorções no entendimento da mensagem publicitária” não devem
ser consideradas para se aferir o potencial enganoso da publicidade. E complementa que
“entender-se de outro modo essa questão equivaleria a impossibilitar o cálculo
empresarial e consequentemente obrigar o empresário ao impossível”.
De fato, tal controvérsia incita grande polêmica. Não me parece, entretanto, a
melhor abordagem jurídica proteger até o mais desatento e completamente desinformado
dos consumidores. Com o devido respeito, creio que é sim razoável o direito exigir um
mínimo de atenção e perspicácia do consumidor. Como se sabe, o mundo vive um sistema
capitalista voltado ao consumo de massa, cujo instrumento ícone de sua efetivação é a
publicidade há várias décadas, o que faz razoável presumir que todos os que aqui vivem
foram nascidos, criados e acostumados – em algum nível que seja – às técnicas e ao apelo
publicitário. Sendo assim, é também presumível que, ainda que em um baixo nível, as
pessoas tenham adquirido certa malícia e perspicácia para lidar com as técnicas e apelos
publicitários.
Esse é, inclusive, o sentido de existência do princípio da identificação publicitária,
estampado expressamente em nossa lei no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor,
152 Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto cit., p. 347. 153 Revista de Direito do Consumidor, vol. 8 cit., p.73.
Lilian Malateaux
98
quando estabelece que “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor,
fácil e imediatamente, a identifique como tal”. Vale dizer, o direito exige que uma
publicidade possa ser facilmente identificada como tal exatamente porque é notório o fato
de que as pessoas, ao identificarem um texto publicitário, o leem com maior desconfiança,
prestando maior atenção.
Nesse sentido, tem-se verificado certa tendência em superar o entendimento
inicialmente em vigor quando da aprovação do Código de Defesa do Consumidor, que,
nas palavras de Lucia Ancona Lopez de Magalhães DIAS,154 “acabava por aproximar o
consumidor a ‘incapaz’, i.e., pessoa desprovida de um mínimo de discernimento e
atenção, tendo em vista unicamente sua condição de parte vulnerável da relação de
consumo”.
Deve o direito, portanto – em consonância com a sociedade moderna em que
vivemos -, tomar como parâmetro, dentro de cada público-alvo, um consumidor dotado
de um mínimo de crítica e atenção e mediana perspicácia. Nesse sentido, a Diretiva
2005/29/CE155 da Comunidade Europeia, seguindo o entendimento do Tribunal de Justiça
Europeu -, positivou essa mudança de paradigma ocorrida e estabeleceu o parâmetro do
consumidor médio.
Assim, consta da referida diretiva que, em consonância com o princípio da
proporcionalidade, e para possibilitar a aplicação efetiva dos direitos do consumidor, a
Diretiva tomou como referência o consumidor médio, que está razoavelmente bem
154 Publicidade e Direito cit., p.112 155 It is appropriate to protect all consumers from unfair commercial practices; however the Court of Justice
has found it necessary in adjudicating on advertising cases since the enactment of Directive 84/450/EEC to
examine the effect on a notional, typical consumer. In line with the principle of proportionality, and to
permit the effective application of the protections contained in it, this Directive takes as a benchmark the
average consumer, who is reasonably well-informed and reasonably observant and circumspect,
taking into account social, cultural and linguistic factors, as interpreted by the Court of Justice, but
also contains provisions aimed at preventing the exploitation of consumers whose characteristics make
them particularly vulnerable to unfair commercial practices. Where a commercial practice is specifically
aimed at a particular group of consumers, such as children, it is desirable that the impact of the commercial
practice be assessed from the perspective of the average member of that group. It is therefore appropriate
to include in the list of practices which are in all circumstances unfair a provision which, without imposing
an outright ban on advertising directed at children, protects them from direct exhortations to purchase. The
average consumer test is not a statistical test. National courts and authorities will have to exercise their own
faculty of judgement, having regard to the case-law of the Court of Justice, to determine the typical reaction
of the average consumer in a given case.
Disponível em: http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2005:149:0022:0039:pt:PDF
acesso em 17 jun. 2014.
Lilian Malateaux
99
informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta social, cultural e fatores
lingüísticos, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça europeu.
Entretanto, importante ressalvar que a Diretiva se preocupou também em trazer
disposições destinadas a impedir a exploração de consumidores que, por suas
características, são particularmente vulneráveis a práticas comerciais desleais. Assim,
seguindo a tendência de se avaliar a enganosidade tomando como parâmetro o público-
alvo da publicidade, estabelece a Diretiva que quando uma prática comercial se destine
especificamente a um determinado grupo de consumidores vulneráveis, como as crianças,
é conveniente que o impacto da referida prática comercial seja avaliado do ponto de vista
do membro médio desse grupo.
Estipulou também que o critério de consumidor médio não é estatístico, ou seja,
que os tribunais e autoridades locais terão de exercer sua faculdade de julgamento para
determinar a reação típica do consumidor médio num determinado caso.
Isso não significa dizer que deva-se exigir que o consumidor pense em todos os
sentidos que determinada expressão inserida em uma publicidade possa ter, em todas as
possíveis omissões, ambiguidades e etc. Tal interpretação, que exigisse um perfil de leitor
escarafunchasse cada anúncio publicitário em busca das reais condições em que o bem
está sendo ofertado, não se prestaria a proteger devidamente o consumidor. Entretanto, é
razoável exigir que o consumidor preste um mínimo de atenção naquilo que está lendo,
que saiba as informações já amplamente conhecidas no meio em que vive e que faça uma
interpretação segundo o senso comum do anúncio publicitário.
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo156 pela ilegalidade de
multa aplicada pelo PROCON a empresa de cartão de crédito por ter feito promoção de
troca de notas fiscais por ingressos de show, sem, contudo, especificar quantos ingressos
tal promoção abarcaria.
Ação de anulação de multa administrativa por infração ao art. 37, §§ 1º
e 3º da Lei n. 8.078/90. Veiculação de promoção visando alavancar
vendas com cartão de crédito. Reclamação de consumidora que não
conseguiu trocar os comprovantes de compra por ingressos oferecidos
156 TJSP, Apelação nº 0235074-25.2009.8.26.0000, da Capital, Relator Desembargador Celso Aguilar
Cortez, data de julgamento 14 abr. 2014. Disponível em < http://www.tjsp.jus.br/ > Acesso em: 19 jun.
2014.
Lilian Malateaux
100
na promoção. Aumento de ingressos disponíveis sem, contudo,
descaracterizar o caráter limitado da promoção. Sentença de
procedência mantida. Apelação não provida.
No caso, a empresa de cartões de crédito, visando impulsionar as vendas, divulgou
promoção em que a cada 70 reais gastos em compras no cartão de crédito, poderia o
consumidor trocar por ingressos para determinado show do cantor Leonardo. Ocorre que,
ao tentar trocar seus comprovantes de compra pelos ingressos, consumidora foi informada
de que os ingressos já estavam esgotados. Inconformada, realizou reclamação no
PROCON que, por sua vez, multou a empresa anunciante por omissão da informação da
limitação de ingressos.
A empresa aduziu ação anulatória de auto de infração, a qual foi julgada
procedente. Inconformado, o PROCON interpor recurso de apelação, o não foi provido.
Fundamentou o Tribunal de Justiça de São Paulo que, ainda que tenha havido tal omissão,
não se poderia acolher a interpretação feita pela consumidora de que os ingressos seriam
ilimitados, isso porque não seria razoável crer que a empresa disponibilizaria ingressos
ilimitadas do show. Nas palavras do relator:
[...] em hipótese alguma promoção desta magnitude, envolvendo toda a
mídia e número incalculável de consumidores, levaria algum
consumidor a supor que a oferta de brinde seria ilimitada, ainda que a
totalidade das entradas para o evento fosse disponibilizada para a
promoção; mais difícil ainda seria prever exatamente o fim da
disponibilidade do brinde, o que poderia ocorrer até mesmo em poucas
horas.
No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo157, discordando novamente
com a multa imposta pelo PROCON, entendeu que não houve publicidade enganosa no
caso de cartaz aposto em posto de gasolina que atestava que a gasolina do estabelecimento
havia passado por teste de qualidade por renomado laboratório, sem, entretanto, alertar
expressamente o consumidor de que o teste não havia sido feito na gasolina posta à venda
naquele momento, mas sim em outras amostras pretéritas. Segue o acórdão ementado:
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL Multa por publicidade
enganosa Sentença procedente - Placa fixada ostensivamente em posto
de gasolina, divulgando o relatório de análise de combustível por
laboratório identificado, atestando sua qualidade, com menção à data
da avaliação Ausência de demonstração da publicidade enganosa,
capaz de induzir a erro o consumidor Condições plena de compreensão
157 TJSP, Apelação nº 0026674-06.2009.8.26.0000, da Capital, Relator Desembargador Manoel Ribeiro,
data do julgamento 18 set. 2013. Disponível em < http://www.tjsp.jus.br/ > Acesso em 03. Jul. 2014.
Lilian Malateaux
101
de que a análise se refere a combustível diverso daquele em
comercialização Data da avaliação legível e de fácil visualização
Violação ao art. 37, §1º, do CDC não configurada Sentença mantida
Recurso não provido
Segundo o PROCON, a multa havia sido regular, pois a mera presença do cartaz
permite que o consumidor suponha que o combustível adquirido foi analisado, enquanto
isso não corresponde à realidade. Aduziu ainda que a propaganda exigia do consumidor
uma leitura especialmente atenciosa para não incorrer em erro, exigência essa que
configuraria desrespeito ao art. 6º, III, do CDC, na medida em que não era suficientemente
clara. Sendo assim, tal publicidade seria capaz em induzir o consumidor em erro quanto
à qualidade do produto comercializado.
Segundo o tribunal, o cartaz fazia constar de forma legível, em nota de rodapé, a
data do teste feito, mas, ainda que não o fizesse, não seria admissível interpretação do
consumidor de que os testes seriam feitos na gasolina ora comercializada. Isso porque
todos os fatos levam a um raciocínio obviamente contrário, seria inviável testar toda a
gasolina comercializada no posto, tanto pelo tempo que tais testes costumam levar para
serem feitos, quanto pela necessidade de substituição quase diária da placa em questão.
Nem mesmo os mais desatentos poderiam supor que uma placa com
as características de fls. 70 estaria a atestar a regularidade do
combustível em comercialização, o que pressupõe substituição
periódica da placa. Em verdade, a publicidade veicula o fato de que
em oportunidades anteriores o combustível foi analisado e aprovado, a
reforçar a presunção de idoneidade do estabelecimento. A proteção
voltada ao consumidor não chega ao ponto de concebê-lo como
pessoa incapaz de intelecção mínima.
[...] e é intuitivo que não se refere exatamente ao combustível sob
venda. A substituição periódica; o tempo necessário para análise etc...,
induzem ao raciocínio contrário
Dessa forma, pode-se concluir que deve sempre ser considerada uma variável
subjetiva na análise da essencialidade do dado, entendida como a impressão que o público
consumidor alvo da publicidade, nos termos do artigo 29 do CDC, terá da mesma.
Todavia, tendo em vista que, mesmo dentro de um mesmo público-alvo tido como
homogêneo existem diferenças entre a forma que os seus componentes receberão a
mensagem, conclui-se que o direito não deverá se pautar nem no mais perspicaz e atento
dos consumidores desse grupo, nem no menos deles, mas sim em um consumidor médio,
entendido como aquele que é razoavelmente atento, informado e perspicaz.
Lilian Malateaux
102
Também se concluiu que o direito deve se pautar na interpretação mais corrente
do anúncio; não devem ser exigidas interpretações mirabolantes, que exijam que o
consumidor tenha que vislumbrar todos os possíveis dados omitidos do texto publicitário;
por outro lado, o direito também não poderá acolher interpretações distorcidas do
consumidor a fim de se beneficiar, alegando omissões que poderiam se facilmente
depreendidas do contexto do anúncio, da forma de contratação, ou mesmo do bem ou
serviço anunciado.
Lilian Malateaux
103
CAPÍTULO 5
FEDERAL TRADE COMMISSION x SNAPCHAT INC.158
Em maio de 2014 a Federal Trade Commission (FTC), um órgão estatal Norte
Americano de proteção aos consumidores, entrou de ofício com uma queixa contra a
Snapchat Inc pela prática de publicidade enganosa aos consumidores a respeito da sua
política de segurança. Esse caso foi escolhido para a presente tese não só com o objetivo
de trazer uma visão estrangeira do instituto, mas sobretudo por trazer uma visão atual do
tema, por tratar de pontos de conexão entre o instituto da publicidade enganosa por
omissão e os problemas concernentes a privacidade e segurança de dados do momento
histórico em que vivemos.
A empresa Snapchat Inc. fornece uma aplicação móvel que permite aos
consumidores enviar e receber mensagens de foto e vídeo conhecidos como "snaps".
Tanto o iTunes App Store e Google Play store Snapchat listaram o aplicativo entre os 15
aplicativos gratuitos mais baixados; em setembro de 2013, já eram enviados mais de 350
milhões de snaps diariamente pelos usuários.
A principal característica diferenciadora do Snapchat em relação aos outros
aplicativos de envio e recebimento de mensagens é que, antes de enviar um ‘snap’, o
aplicativo exige que o remetente designe um período de tempo que o destinatário terá
permissão para ver o ‘snap’, período esse que pode variar de um até dez segundos. Por
conta dessa funcionalidade, o Snapchat anunciava o aplicativo como tendo o principal
atrativo de ter mensagens ‘efêmeras’, que se autodestruiriam após expirado o tempo
selecionado pelo remetente. Assim, a empresa ressaltava em todos os anúncios
publicitários apostos nas páginas de descrição do produto da iTunes App Store, Google
Play e em seu próprio site que, uma vez que o tempo selecionado expirasse, os snaps
‘desapareceriam para sempre’. Anunciava, ainda que, no caso de algum destinatário tirar
um ‘screenshot’ da mensagem, de modo que a mensagem pudesse ficar armazenada em
seu dispositivo móvel, o remetente seria notificado.
158 Disponível em < http://www.ftc.gov/enforcement/cases-proceedings/132-3078/snapchat-inc-matter >
Acesso em 10 ago. 2014.
Lilian Malateaux
104
Por conta dessa característica, o Snapchat se popularizou mais especificamente
entre o público jovem – adolescentes e pré-adolescentes – para que esses enviassem uns
aos outros mensagens sigilosas. Um exemplo de uso comum do aplicativo é o envio de
fotos e vídeos do usuário nu, partes íntimas, com o objetivo de que essas pudessem ser
vistas pelo destinatário, mas que esse não pudesse armazená-las, evitando, dessa forma,
uso posterior não desejado pelo remetente, como eventual disseminação da mensagem ou
uso para fins de chantagem e etc.
O que se percebe, portanto, é que o aplicativo se popularizou a ponto de se tornar
um dos aplicativos mais baixados em todo o mundo por conta da sua anunciada
efemeridade de mensagens. Os usuários foram atraídos exatamente pelo anunciado poder
de controlar por quanto tempo o destinatário teria acesso aos snaps. A linha mestra de
marketing do Snapchat era, portanto, a sua segurança, já que as mensagens se manteriam
sigilosas pela impossibilidade de o destinatário armazená-las para fins posteriores não
desejados pelo remetente.
Constava da descrição do aplicativo da Google Play, App Store e site da empresa
os seguintes dizeres “Você controla por quanto tempo os seus amigos poderão ver a sua
mensagem – basta programar o cronômetro de um a dez segundos e enviar. Eles terão o
tempo selecionado para ver a sua mensagem e, depois, ela desaparece para sempre. Nós
lhe avisaremos se o seu amigo tirar uma foto da sua mensagem!”.159 Também no site do
Snapchat, na sessão de perguntas frequentes constava as seguintes perguntas e respostas,
respectivamente: “Existe algum jeito de ver a mensagem após ter expirado o tempo? Não,
os ‘snaps’ desaparecem para sempre após o término do tempo; E se eu tirar uma foto da
mensagem? Fotos tiradas das mensagens podem ser capturadas se você for rápido. O
remetente será notificado disso imediatamente”. 160
Ocorre que, de acordo com a denúncia feita pela FTC161, existem inúmeros meios
– simples e amplamente disseminados – de se driblar o sistema do aplicativo e armazenar
159 “You control how long your fiends can view your message – simply set the timer um to tem seconds
and send. They will have that long to view your message and then, it disappears forever. We’ll let you know
if they took a screenshot!”
160 “Is there any way to view an image after the time has expired? No, snaps disappear after the timer runs
out; What if I take a screenshot? Screenshots can be captured if you’re quick. The sender will be notified
immediately.” 161 “Count 1: As described in Paragraphs 6, 7, and 8, Snapchat has represented, expressly or by implication,
that when sending a message through its application, the message will disappear forever after the user-set
time period expires. In truth and in fact, as described in Paragraph 9-12, when sending a message through
Lilian Malateaux
105
os snaps, evitando a sua autodestruição e evitando, inclusive, que o remetente seja
notificado de que a sua mensagem foi copiada permanentemente pelo destinatário.
Desde o momento em que o Snapchat foi lançado, já havia meios de driblá-lo.
Segundo a denúncia feita pela FTC era necessário apenas conectar o dispositivo móvel
no computador e por meio de ferramentas simples, que não exigiam capacidade técnica
avançada para copiar as mensagens sem que o remetente fosse notificado. Posteriormente,
ficou ainda mais fácil salvar as mensagens, pois foram lançados diversos aplicativos que
poderiam ser baixados gratuitamente e cujo único objetivo era driblar o sistema do
Snapchat e salvar as mensagens indefinidamente. Ainda, com a sucessão de plataformas,
o sistema de detecção e notificação de screenshots do Snapchat ficou desatualizado, de
forma que os usuários de outras plataformas poderiam tirar screenshots livremente sem
que o sistema detectasse esse movimento.
Ocorre que, toda a publicidade do aplicativo girava em torno da segurança, e em
momento algum, o Snachat alertou os consumidores de que poderiam haver falhas de
segurança do sistema que poderiam mitigar a tão alardeada “efemeridade” das
mensagens, possibilitando ao destinatário que as copiasse sem que o remetente fosse
sequer noticiado.
Dessa forma, considerando que estampava-se que as mensagens eram “efêmeras”,
“seguras” nas publicidades do Snapchat, mas que, na realidade, não se verificava a
segurança anunciada, pode-se dizer que tal caso se encaixa como uma hipótese de
publicidade enganosa por omissão. Não se verifica no caso a publicidade enganosa por
comissão, porque a publicidade não era falsa, não dizia algo completamente mentiroso:
de fato, o Snapchat contava com um maior grau de segurança de suas mensagens em
comparação com outros aplicativos de mensagens simples. O problema foi a omissão do
dato de que, apesar de o Snapchat trazer maior segurança, essa não era absoluta; era dever
do Snapchat informar o consumidor de que existiam no mercado mecanismos capazes de
burlar o seu sistema de segurança.
its application, the message may not disappear forever after the user-set time period expires. Therefore, the
representation set forth in Paragraph 16 is false or misleading”.
“Count 2: As described in Paragraphs 7 and 14, Snapchat has represented, expressly or by implication, that
the sender will be notified if the recipient takes a screenshot of a snap. In truth and in fact, as described in
Paragraph 15, the sender may not be notified if the recipient takes a screenshot of a snap. Therefore, the
representation set forth in Paragraph 18 is false or misleading”.
Lilian Malateaux
106
Segundo a presidente da FTC, Edith Ramirez “Se uma companhia escolhe como
principal chave de vendas o atrativo da segurança, é imprescindível que ela mantenha
essas promessas. Qualquer companhia que engana os consumidores a respeito da sua
política de privacidade e segurança está sujeita a uma ação da FTC.”162
Esses não foram os únicos ilícitos verificados no caso Snapchat. Segundo
a FTC, a segurança dos usuários não era apenas violada por terceiros destinatários das
mensagens, mas também pela própria empresa, que descumpria diversas garantias que
fazia constar na sua política de segurança.
Constava na política de segurança do Snapchat que ele não acessava a
geolocalização dos usuários163, no entanto, durante meses, o aplicativo acessou a
localização de seus usuários por meio de sinais sem o seu consentimento e enviou as
informações obtidas para um banco de dados próprio. 164
Constava, ainda, na política de segurança do aplicativo, que a empresa se preocupa
com a segurança dos usuários e, para isso, emprega as melhores técnicas para manter as
informações dos usuários protegidas, no intuito de prevenir mau uso, acesso não
autorizado, vazamento, alteração e destruição de dados.165
Todavia, foram detectadas falhas de segurança gravíssimas – mas facilmente
dribláveis, por técnicas simples já existentes no mercado - nas funcionalidades de
cadastramento do usuário no aplicativo e na chamada “find friends”, pela qual o Snapchat
pesquisava os contatos do usuário. A falha consistia em uma não verificação da
correspondência entre o número de telefone logado no aplicativo e o chip de telefone
existente no mundo real. Essa falha permitia que um usuário se cadastrasse utilizando o
162 <http://www.ftc.gov/news-events/press-releases/2014/05/snapchat-settles-ftc-charges-promises-
disappearing-messages-were> Acesso em 12. Ago. 2014.
163 “We do not ask for, track, or access any location-specific information from your device at any time while
you are using the Snapchat application”.
164 “Count 3: As described in Paragraph 21, Snapchat has represented, expressly or by implication, that it
does not collect users’ location information. In truth and in fact, as described in Paragraph 22, Snapchat did
collect users’ location information. Therefore, the representation set forth in Paragraph 23 is false or
misleading”.
165 “The Toyopa Group, LLC is dedicated to securing customer data and, to that end, employs the best
security practices to keep your data protected. Snapchat takes reasonable steps to help protect your personal
information in an effort to prevent loss, misuse, and unauthorized access, disclosure, alteration, and
destruction.”
Lilian Malateaux
107
número de telefone de outro e, consequentemente, poderia enviar e receber “snaps” em
nome de outro usuário.
Tal falha, por si só, causou o vazamento de inúmeras informações pessoais de
usuários, já que elas poderiam ser recebidas por qualquer usuário que se cadastrasse com
o número de telefone destinatário. Assim, as pessoas enviavam dados pessoais,
acreditando que estavam se comunicando com amigos, quando, na verdade, era um
completo estranho que as estava recebendo. Devido a essa falha, um sem número de fotos,
vídeos, informações pessoais, inclusive de cunho íntimo foram vazadas.
Como se não bastasse, a falha de segurança tomou proporções ainda maiores
quando um grupo de hackers resolveu se aproveitar dela para criar um banco de dados de
informações dos usuários. Os hackers, aproveitando-se de que não havia verificação entre
o número logado no aplicativo e o aparelho do qual se estava logando, criaram um
programa que logava randomicamente números de telefone e utilizava-se da
funcionalidade “find friends” para acessar todos os contatos do número randomicamente
logado. Com isso, conseguiram vazar 4.6 milhões de dados dos usuários do Snapchat,
criando um banco de dados de nome do usuário e respectivo número de telefone que foi
posteriormente publicado na internet.
Desse modo, a FTC acusou também a política de segurança do Snapchat de ser
enganosa ao consumidor, por fazer constar que o Snapchat aplicava medidas razoáveis de
segurança e proteção de dados privados de seus usuários, quando, na verdade, o aplicativo
não aplicou técnicas triviais já existentes e amplamente difundidas no mercado para
verificar a correspondência entre número logado e aparelho do qual se pretendia logar,
permitindo que fossem criados perfis falsos de usuários ou mesmo perfis não
correspondente a pessoas no mundo real.166
166 “Count 4: As described in Paragraphs 25, through its user interface, Snapchat represented, expressly or
by implication, that the only personal information Snapchat collected when the user chose to Find Friends
was the mobile number that the user entered. In truth and in fact, as described in Paragraph 26, the mobile
number that the user entered was not the only personal information that Snapchat collected. Snapchat also
collected the names and phone numbers of all contacts in the user’s mobile device address book. Therefore,
the representation set forth in Paragraph 28 is false or misleading”.
“Count 5: As described in Paragraph 30, Snapchat, through its privacy policy, represented, expressly or by
implication, that the only personal information Snapchat collected from a user for the purpose of finding
friends on the service was email, phone number, and Facebook ID. In truth and in fact, as described in
Paragraph 31, email, phone number, and Facebook ID was not the only personal information that Snapchat
collected for the purpose of finding friends on the service. Snapchat collected the names and phone
numbers of all contacts in the user’s mobile device address book when the user chose to Find Friends.
Therefore, the representation set forth in Paragraph 32 is false or misleading”.
Lilian Malateaux
108
É claro que o problema do caso é muito mais abrangente que a publicidade
enganosa por omissão, sendo apto para gerar consequências jurídicas até mesmo em
searas criminais, como nos casos de crimes cibernéticos. No entanto, é de se pontuar que
o início de todo o problema se deu pela publicidade enganosa por omissão. É óbvio que
as pessoas foram atraídas ao aplicativo sobretudo pela promessa de segurança, feita sem
quaisquer ressalvas; as pessoas enviaram fotos íntimas suas também amparadas nessa
promessa.
Do ponto de vista dos consumidores, muitos deles não tomariam as decisões que
tomaram se soubessem das falhas de segurança existentes – ou mesmo que possivelmente
existentes. Do ponto de vista do fornecedor, o Snapchat, uma vez que pautou o seu
modelo de negócio em uma promessa de segurança da informação, chamou para si o ônus
de explicar ao consumidor possíveis mitigações dessas promessas. No caso, o Snapchat
não alertou o consumidor das falhas existentes, e nem sequer o alertou de que poderiam
haver possíveis falhas, incidindo, portanto, em publicidade enganosa por omissão.
Não há que se cogitar em publicidade enganosa por comissão, porque, dado o
modelo de negócio do Snapchat, não se pode dizer que não haja nenhuma segurança. Pelo
contrário, se comparado com outros aplicativos de mensagens concorrentes, o Snapchat
dispõe de mecanismos mais apurados de segurança. Entretanto, também não se pode dizer
que o aplicativo conta com toda a segurança que sugere em seus textos publicitários, fato
esse que ensejaria ao Snapchat o dever de informar o consumidor das ressalvas em relação
à segurança que anuncia.
Ao mesmo tempo em que não se pode dizer que a publicidade do Snapchat disse
algo que não é, isso é, que tenha falseado informações, também não é correto afirmar que
o consumidor possa entender precisamente os contornos da oferta que lhe foi feita ao ter
contato com a publicidade do Snapchat. Essa situação é uma clara hipótese de publicidade
enganosa por omissão, segundo a qual o fornecedor deveria ter veiculado dado essencial
para a escolha informada do consumidor, qual seja as possíveis falhas de segurança.
Diante das denúncias da FTC, o Snapchat Inc. aceitou fazer um acordo com o
órgão, que ficou estabelecido nos seguintes termos.
A companhia e seus prepostos diretos ou indiretos não deverão enganar os
consumidores de qualquer maneira, expressamente ou por sugestões sobre a extensão
sobre a qual a companhia ou seus produtos mantém e protegem a privacidade, segurança
Lilian Malateaux
109
e confidencialidade ou qualquer informação sigilosa, incluindo, mas não restringindo-se
a: 1) a extensão dentro da qual pode-se afirmar que uma mensagem será deletada depois
de recebida pelo destinatário 2) a extensão dentro da qual a empresa ou seus produtos é
capaz de notificar o remetente que o destinatário tirou um screeshot ou, de qualquer outro
modo salvou alguma mensagem; 3) as categorias de informações privadas coletadas e 4)
as medidas tomadas contra o uso indevido ou não autorizado de informações privadas.167
A companhia também deverá, a partir da data desta ordem, estabelecer,
implementar e manter uma política de privacidade compreensível, razoavelmente
desenhada para: 1) explicar aos consumidores os riscos de privacidade relacionados ao
uso dos produtos existentes e dos que forem criados e 2) proteger a privacidade e
confidencialidade de informações pessoais que tenham sido coletadas pela companhia,
ou que tenham sido guardadas, capturadas ou acessadas por meio dos produtos ou
serviços da companhia. Esse programa deverá conter, no mínimo, os seguintes pontos: a)
a designação de um empregado para coordenar o programa de privacidade; b) a
identificação riscos minimamente previsíveis, tanto internos quanto externos, que
poderiam resultar em uso, coleta ou abertura de material confidencial de forma não
autorizada, bem como uma avaliação de que essas medidas de prevenção são suficientes
para controlar esses riscos; c) a implementação de uma política de proteção à privacidade
que esteja de acordo com os riscos previstos na avaliação, bem como o teste e
monitoração periódica da efetividade desta política; d) a escolha de prestadores de serviço
que estejam obrigados a cumprir com essa ordem; e) a avaliação e ajustamento desta
política de privacidade à luz dos resultados dos testes e monitorações feitas por terceiros,
ou de mudanças que a empresa saiba ou deva saber que possa surtir impacto na efetividade
desta política.168
167 “IT IS ORDERED that respondent and its officers, agents, representatives, and employees, directly or
indirectly, shall not misrepresent in any manner, expressly or by implication, in or affecting commerce, the
extent to which respondent or its products or services maintain and protect the privacy, security, or
confidentiality of any covered information, including but not limited to: (1) the extent to which a message
is deleted after being viewed by the recipient; (2) the extent to which respondent or its products or services
are capable of detecting or notifying the sender when a recipient has captured a screenshot of, or otherwise
saved, a message; (3) the categories of covered information collected; or (4) the steps taken to protect
against misuse or unauthorized disclosure of covered information”.
168“ IT IS FURTHER ORDERED that respondent, in or affecting commerce, shall, no later than the date of
service of this order, establish and implement, and thereafter maintain, a comprehensive privacy program
that is reasonably designed to: (1) address privacy risks related to the development and management of new
and existing products and services for consumers, and (2) protect the privacy and confidentiality of covered
information, whether collected by respondent or input into, stored on, captured with, or accessed through a
computer using respondent’s products or services. A. the designation of an employee or employees to
Lilian Malateaux
110
Ficou também acordado, em suma, que a companhia deverá obter relatórios
bianuais de uma terceira parte profissional, com no mínimo 3 anos de experiência, que
use procedimentos e padrões geralmente aceitos no meio profissional. Esses relatórios
deverão ser aprovados pela associação diretora de execuções do departamento de
proteção aos consumidores da Federal Trade Commission pelos próximos 20 anos. Ainda,
que a companhia deverá manter em seu banco de dados e, quando solicitado, deixar
materiais dos últimos 5 anos ao dispor da Federal Trade Commission para inspeção e
cópia.169 Essa ordem valerá para os próximos 20 anos e estarão obrigadas a ela quaisquer
sucessoras da Snapchat Inc., devendo a empresa notificar a Federal Trade Commission
de quaisquer alterações societárias.170
Observa-se que o acordo oferecido pela FTC se pautou em dois pontos principais:
não enganar o consumidor a respeito da segurança das suas informações pessoais e
implementar uma política que proteja os dados pessoais do consumidor. A FTC, portanto,
exigiu da empresa um duplo comportamento: o de não incidir em publicidade enganosa
por omissão, deixando claro ao consumidor a extensão das afirmações feitas em
publicidades, política de uso, etc; e o de agir positivamente para implementar uma política
de segurança de dados.
coordinate and be accountable for the privacy program; B. the identification of reasonably foreseeable,
material risks, both internal and external, that could result in the respondent’s unauthorized collection, use,
or disclosure of covered information, and assessment of the sufficiency of any safeguards in place to control
these risks. At a minimum, this privacy risk assessment should include consideration of risks in each area
of relevant operation, including, but not limited to: (1) employee training and management, including
training on the requirements of this order; and (2) product design, development and research; C. the design
and implementation of reasonable privacy controls and procedures to address the risks identified through
the privacy risk assessment, and regular testing or monitoring of the effectiveness of the privacy controls
and procedures; D. the development and use of reasonable steps to select and retain service providers
capable of maintaining security practices consistent with this order, and requiring service providers by
contract to implement and maintain appropriate safeguards; E. the evaluation and adjustment of
respondent’s privacy program in light of the results of the testing and monitoring required by subpart C,
any material changes to respondent’s operations or business arrangements, or any other circumstances that
respondent knows, or has reason to know, may have a material impact on the effectiveness of its privacy
program”.
169 “IT IS FURTHER ORDERED that, in connection with its compliance with Part II of this order,
respondent shall obtain initial and biennial assessments and reports (“Assessments”) from a qualified,
objective, independent third-party professional, who uses procedures and standards generally accepted in
the profession.”
“IT IS FURTHER ORDERED that respondent shall maintain and upon request make available to the
Federal Trade Commission for inspection and copying (...)”
170 “This order will terminate twenty (20) years from the date of its issuance, or twenty (20) years from the
most recent date that the United States or the Commission files a complaint (with or without an
accompanying consent decree) in federal court alleging any violation of the order, whichever comes later.”
Lilian Malateaux
111
Sobre o primeiro ponto, a FTC deixou claro que a empresa deverá explicar ao
consumidor, pormenorizadamente, a extensão sobre a qual a companhia ou seus produtos
mantém e protegem a privacidade, segurança e confidencialidade ou qualquer informação
sigilosa. Em seguida, trouxe, mais especificamente, os principais pontos sobre os quais a
Snapchat Inc. deveria ser cautelosa ao informar o consumidor, quais sejam: todos aqueles
ligados à segurança de dados e que foram objeto da denúncia da FTC. A ordem recai em
não omitir informações ligadas à segurança do consumidor, pois a FTC identificou que,
no caso do modelo de negócio do Snapchat, esse é um dos dados cruciais para a tomada
de decisão do consumidor em contratar ou não o Snapchat.
Geralmente, o instituto da publicidade enganosa por omissão tutela
principalmente o patrimônio do consumidor, incidindo apenas indiretamente sobre outros
bens jurídicos, como privacidade, honra e etc. É por isso que se diz que a publicidade
enganosa geralmente dá ensejo a uma indenização por danos materiais - pelo fato de o
consumidor ter feito uma opção de compra diferente da que faria se não estivesse em erro
– e pode vir a ter danos morais reflexos. Os danos morais decorrentes de publicidade
enganosa ocorrem raramente e, não raro, estão atrelados à quantia gasta na aquisição do
produto ou serviço.
Observa-se que, no caso do Snapchat Inc., não se tutela o patrimônio do
consumidor, mesmo porque o aplicativo era gratuito. Existe aqui um uso atípico do
instituto da publicidade enganosa por omissão, que está sendo aplicado para proteger bens
jurídicos imateriais, como a segurança, a honra, a privacidade do consumidor.
Entendo esse uso do instituto se tornar cada vez mais comum, posto que
atualmente vivemos em uma sociedade da informação. Hoje, informações valem muito
mais do que bens e serviços palpáveis, o que, por si só, acaba ensejando que empresas
procurem enganar os consumidores em busca de coletar informações privadas, de
qualquer tipo que seja. A importância crescente da informação privada na sociedade
enseja, por óbvio, ação estatal no intuito de tutelar esses bens jurídicos imateriais dos
consumidores, utilizando, para esse fim, de diversos institutos jurídicos, inclusive o da
publicidade enganosa por omissão. Assim, acredito que, cada vez mais, os institutos
jurídicos que antes era usados sobretudo para a proteção de bens materiais – e, dentre
eles, o da publicidade enganosa -, serão utilizados para proteger também bens imateriais
do consumidor.
Lilian Malateaux
112
Outro ponto interessante do caso é que ele não se restringiu ao âmbito da
informação adequada, ao contrário, a FTC, além de exigir que a empresa informe o
consumidor, ela ainda exigiu que a empresa atue positivamente no sentido de proteger a
privacidade do consumidor.
Geralmente – ao menos nos tribunais e Procons brasileiros pesquisados até aqui –
a atuação estatal se restringe a obrigar o fornecedor a cumprir com o seu dever de informar
o consumidor. Parte-se do pressuposto de que, com o consumidor bem informado, ele
poderá escolher livremente entre contratar ou não o bem ou serviço e, assim, as regras de
mercado farão o resto: o consumidor escolherá permanecer contratando, ou migrar para
um concorrente que ofereça melhores bens ou serviços. A longo prazo, as empresas que
têm as piores ofertas serão forçadas a melhorar ou a sair do mercado. O instituto da
publicidade enganosa serviria, assim, para permitir que fosse feita uma seleção natural
aos olhos do consumidor, posto que ele detém todas as informações essenciais para
contratar ou não.
O que ocorreu no caso Snapchat é que o poder estatal exigiu não só o dever de
informar, mas também o dever de investir em segurança do consumidor. Creio que foi
uma abordagem mais ampla do tema e que acaba por proporcionar uma tutela mais ampla
do consumidor.
Em primeiro lugar, tal abordagem se mostra essencial, tendo em vista que a
importância dos bens jurídicos em questão é muito maior do que a do bem jurídico
patrimônio, geralmente tutelado. Dessa forma, não deve mesmo o Estado deixar a
intimidade das pessoas ao livre arbítrio das leis de mercado; ao contrário, o Estado deve
mesmo criar patamares mínimos de proteção à privacidade do consumidor e exigir que as
empresas o cumpram.
Além disso, tal proteção se mostra essencial, sobretudo porque as leis de mercado
não se aplicam perfeitamente a redes sociais. Não importa se for criada uma rede social
que proporcione serviços muito melhores do que os existentes no mercado, se a maioria
do público já utiliza outra rede social. O processo de migração dos consumidores de uma
para outra rede social é algo muito demorado e raro de acontecer. A decisão de
contratação ou não de uma rede social está muito mais ligada ao número de pessoas que
ela abarca do que com a qualidade do seu serviço em si. Dessa forma, é possível que, no
caso Snapchat, os consumidores, mesmo sabendo que suas informações pessoais estavam
sendo roubadas, permanecessem usando o aplicativo, pois todos os seus amigos já
Lilian Malateaux
113
estavam lá. É possível que, dada a peculiaridade das redes sociais, os consumidores
preferissem se sujeitar à violação da sua intimidade a se sentirem alienados em relação a
elas.
Desse modo, considerando as especificidades das redes sociais e a importância
dos bens jurídicos em questão, agiu de forma eficaz o governo norte americano, ao exigir
não só que a empresa preste a devida informação ao consumidor, mas também que atenda
a patamares mínimos de proteção aos dados do consumidor.
Lilian Malateaux
114
CAPÍTULO 6
CONCLUSÃO
Como já explicitado anteriormente, o instituto da publicidade enganosa por
omissão é pautado em conceitos demasiadamente fluidos; segundo a lei brasileira, será
enganosa por omissão a publicidade que omitir “dado essencial” do produto ou serviço,
permanecendo esse termo sem demais explicações.
Tendo em vista que o instituto da publicidade por omissão é pautado, portanto,
em um conceito jurídico indeterminado, o objetivo precípuo da pesquisa consistiu em
estudar como ele vem sendo entendido no Brasil e, a partir disso, sugerir possíveis
parâmetros que ajudem a melhor dimensionar o referido instituto.
Ao longo do trabalho – e ao ter a real dimensão da complexidade do tema – restou
ainda mais clara a impossibilidade de se dizer o que é ou não essencial a priori, pois a
essencialidade do dado dependerá obrigatoriamente de uma série de fatores que só
poderão ser conhecidos pelo juiz a partir do contato com o caso concreto. Desse modo,
não há como estabelecer uma lista de dados que devam ou não ser obrigatórios nos textos
publicitários, tal seria passar uma tábula rasa em um assunto demasiadamente complexo.
O que se buscou foi traçar parâmetros gerais, que se prestem a trazer alguma concretude
ao conceito demasiadamente fluido de dado essencial.
O fato é que a lei brasileira não traz quaisquer parâmetros que possam guiar a
interpretação do que poderia configurar a essencialidade do dado para fins de publicidade
enganosa por omissão. A doutrina tampouco é pacífica quanto ao seu conceito. A maior
parte dela interpreta a essencialidade do dado tão somente pela óptica do consumidor,
entendendo ser essencial todo e qualquer dado que faça o consumidor tomar uma decisão
de compra que, se soubesse, não tomaria.
Ocorre que tal definição que toma por base tão somente o ponto de vista do
consumidor padece de extrema fluidez. É simples vislumbrar que uma informação que é
essencial para a decisão de compra de um ser humano pode não o ser para o outro; por
mais que as pessoas estejam em um mesmo público alvo identificado como homogêneo,
não é incomum que as pessoas tenham preferências, modo de pensar, necessidades
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diferentes umas das outras, peculiaridades essas que tornam inaplicável uma interpretação
do instituto pautada tão somente em aspecto subjetivo do consumidor.
Estudando o ordenamento jurídico brasileiro, concluiu-se que a publicidade
enganosa por omissão tem seu lastro legitimador em um direito do consumidor de estar
informado, correspondente a um análogo dever de informar do fornecedor. Concluiu-se
também que essa situação jurídica encontra suas bases tanto no princípio geral quanto no
objetivo de transparência nas relações de consumo. Fundamenta-se no princípio da boa-
fé objetiva na medida em que esse tem o condão de estabelecer obrigações anexas às
partes, sendo uma dessas a de informar a parte hipossuficiente em informação. E quanto
ao objetivo de transparência nas relações de consumo, ele impõe um dever de informar
ostensivamente o consumidor acerca das características dos produtos e serviços.
Ocorre que entendemos que esse dever de informar admite graus e que, na
publicidade, o direito exige sim o dever de informar, mas apenas até a medida em que a
publicidade não se torne enganosa aos olhos do consumidor. Assim, não há um dever
jurídico de informar ostensivamente o consumidor por meio da publicidade, mas tão
somente o de não de omitir informações em uma dada publicidade que forma que ela se
torne enganosa.
Sendo assim, o que se propõe é que o conceito de dado essencial deva ser
entendido como um encontro entre a oferta e a demanda. Em outras palavras, que ele seja
pautado sim sob a óptica do consumidor – se identificando nesse ponto com o dado que
o faria modificar a sua decisão de compra -, mas que, ao mesmo tempo, se leve também
em conta o ponto de vista do fornecedor, de forma que essa margem de possíveis dados
essenciais sobre o produto ou serviço seja limitada à oferta tal qual foi feita no anúncio.
Vale dizer, para fins do ilícito de publicidade enganosa por omissão, não se
afiguraria necessário que o juiz, à luz do caso concreto, analise todos os atributos do
produto ou serviço e qual a margem de importância deles para o esclarecimento do
consumidor, mas sim que analise a oferta do modo que ela foi feita concretamente e, a
partir desse ponto, se ela tinha todos os elementos para ser bem compreendida. A ideia
seria a de não tomar o produto ou serviço em si como parâmetro, mas sim enxergá-lo no
contexto em que for anunciado.
Creio que tal opção adotada pelo afigura-se um bom meio termo entre a
publicidade ter que descrever todas as informações possivelmente relevantes sobre o bem
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e não ter que se preocupar em apresentar dado nenhum, importando-se apenas em não
fazer afirmações positivas e falsas. Ao mesmo tempo que protege o direito do consumidor
a ser informado para poder tomar decisões de compra de forma livre e informada, também
estabelece um justo ônus ao fornecedor de, na medida em que opta por fazer uma oferta
de um bem por meio de publicidade, arque com ônus de explicar precisamente os
contornos dessa oferta. Dessa forma, haverá omissão de dado relevante sempre que o
fornecedor deixe de informar algum dado que limite a oferta por ele feita.
Também haverá essencialidade do dado se ele for uma exceção ao que for
presumível pela população em geral. Vale dizer, se o produto ou serviço pertence a um
gênero que tenha uma determinada característica como aceita pelo público em geral e o
bem ou serviço ofertado, embora pertença a esse gênero não contenha essa determinada
característica, essa ressalva deverá obrigatoriamente ser feita no anúncio publicitário, sob
pena de se caracterizar o ilícito da publicidade enganosa por omissão. Ao ofertar um bem
que não cumpre com as características legitimamente esperadas pelo público, o
fornecedor, da mesma forma, chama para si o ônus de explicar isso ao público.
Assim, em suma, haverá omissão de informação relevante se ela for apta a
modificar ou redimensionar o alcance das informações ou indicações constantes da oferta
publicitária, ou se dela resultarem condições ou limites à própria utilização do bem ou
serviço anunciado e que não foram de qualquer modo ressalvadas no material publicitário.
De outro lado, podemos dizer que não possuem a qualidade de essencial os dados
que se depreendem do próprio contexto do anúncio, como aqueles que podem ser
inferidos do produto ou serviço objeto da publicidade, do ofertante, dos usos e costumes
existentes no mercado, das modalidades de contratação, ou ainda, os dados que, pela
experiência, conhecem os consumidores destinatários da publicidade.
À luz de casos concretos, identifica-se uma série de variáveis que podem influir
concretamente na essencialidade do dado, organizando-as em variáveis objetivas –
entendidas como sendo aquelas que se extraem do anúncio em si; e as subjetivas –
entendidas como sendo os fatores psicológicos do sujeito destinatário do anúncio.
Dentre as objetivas, estabeleceu-se como pré-requisito de análise para fins de
aferição do ilícito de publicidade enganosa por omissão, que o anúncio deva ser
considerado como um todo, incluindo tanto a parte captatória da mensagem quanto as
partes acessórias da mensagem; todavia, o âmbito jurídico de análise deve se limitar ao
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texto publicitário em si, e não abrir o escopo de análise para integrar outros textos
externos para fins de complementar as informações dadas pela peça publicitária.
Outro fator objetivo que se descobriu ao longo da pesquisa foi a variabilidade do
dado essencial segundo a natureza do produto ou serviço. Vale dizer, existem produtos
por demasiado simples, cujas características já sejam amplamente conhecidas pelo
público em geral e que, por esse motivo, não precisam de longas explicações no anúncio;
outros, mais complexos que, por não serem já amplamente conhecidos pelo público,
precisam de mais explicações, de um número maior de dados apostos na peça publicitária.
Assim, conclui-se que produtos complexos têm, em tese, um maior número de dados que
seriam considerados como essenciais pelo direito.
O fator subjetivo, como tratado, identifica-se, nos termos do artigo 29 do CDC,
com o grupo de consumidores alvo da publicidade em questão. Tal fator exerce influência
ímpar na aferição da essencialidade do dado, pois a omissão de determinadas informações
pode ser relevante para algumas pessoas, mas não o ser para outras por diversos fatores
como nível se escolaridade, idade, faixa de renda, formação cultural e etc. Mesmo dentro
de públicos alvos tidos como homogêneos, existem diferenças significativas entre as
pessoas, motivo pelo qual identificamos que o direito não deve se pautar nem no mais
atento e perspicaz dos consumidores, nem no menos; deve se pautar no conceito de um
conceito de consumidor médio, razoavelmente perspicaz, atento e informado, tomando
por base a interpretação mais óbvia a ser feita do texto.
Assim, conclui-se que o conceito de dado essencial deve ser interpretado tomando
por base tanto fatores subjetivos quanto objetivos, de modo que a publicidade reste clara
e completa tomando por base o produto ou serviço de acordo com o contexto em que foi
anunciado.
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