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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO PROGRAMA DE MESTRADO EM HEMOTERAPIA E BIOTECNOLOGIA Jamile Souza Nicanor Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para armazenamento de dados e seguimento de pacientes em hemoterapia Ribeirão Preto 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

PROGRAMA DE MESTRADO EM HEMOTERAPIA E BIOTECNOLOGIA

Jamile Souza Nicanor

Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para armazenamento de

dados e seguimento de pacientes em hemoterapia

Ribeirão Preto

2017

Jamile Souza Nicanor

Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para armazenamento de

dados e seguimento de pacientes em hemoterapia

Dissertação apresentada ao Programa de

Mestrado em Hemoterapia da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade

de São Paulo, como requisito para a

obtenção do título de Mestre em Ciências.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina da Silva Pinto

Versão corrigida. A versão original encontra-se disponível tanto na Biblioteca da Unidade que

aloja o Programa, quanto na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP (BDTD).

Ribeirão Preto

2017

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Ficha catalográfica

Serviço de documentação

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Nicanor, Jamile Souza

Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para

armazenamento de dados e seguimento de paciente em hemoterapia.

Ribeirão Preto, 2017.

90 p.

Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão

Preto/USP. Área de concentração: Hemoterapia e Medicina

Transfusional. Orientadora: Ana Cristina Silva Pinto

1.Sistemas de informação em saúde. 2. Anemia Falciforme. 3.

Transfusão sanguínea.

FOLHA DE APROVAÇÃO

Nome: Nicanor, Jamile Souza

Título: Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para armazenamento de

dados e seguimento de pacientes em hemoterapia.

Dissertação apresentada à Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo para a obtenção

do título de Mestre em Ciências.

Área de concentração: Hemoterapia e

Medicina Transfusional

Aprovado em:

Banca examinadora

Prof. Dr.: Instituição:

Assinatura:

Prof. Dr.: Instituição:

Assinatura:

Prof. Dr.: Instituição:

Assinatura:

“É preciso que eu suporte 2 ou 3 larvas se quiser conhecer as borboletas.”

Antoine de Saint Exupéry

Dedico este trabalho aos meus pais

que me ensinaram a acreditar em

mim, seguir meus sonhos e

agradecer sempre por tudo que me

é ofertado.

AGRADECIMENTOS

A Deus pela iluminação, força e esperança, ajudando-me a não desistir diante dos obstáculos.

As minhas mães de coração Mary, Glória, Nilsa e Itana pela atenção, carinho e amparo.

À minha irmã Luana e amigas Maíra, Lívia e Pâmela, por toda ajuda e incentivo.

A Edmilson por acreditar em mim e me incentivar mesmo diante das dificuldades.

Ao programador, Dmeval da Costa Chaves Neto, por confiar em mim e por todo seu empenho

para o desenvolvimento do Software.

Aos meus familiares, amigos e colegas de trabalho, principalmente da HEMOBA, pelo apoio e

acolhimento.

Aos meus pequenos pacientes por cada gesto de carinho, mesmo quando precisam de cuidado.

A todos aqueles que estiveram ao meu lado e acreditaram que completaria esta etapa de minha

vida.

RESUMO

NICANOR, J.N. Desenvolvimento e aplicação de um programa computacional para

armazenamento de dados e seguimento de pacientes em hemoterapia, 90 f. Dissertação.

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2017.

Os sistemas de informação em saúde permitem melhorias no processo de gestão e

assistência ao paciente. A fundação HEMOBA é responsável pela assistência médica e

transfusional de grande parcela da população baiana, pelo SUS, em seu ambulatório

transfusional e de atendimento à pacientes com doenças hematológicas benignas. A doença

falciforme (DF) é uma das doenças hereditárias mais prevalentes no mundo, sendo a Bahia o

estado brasileiro onde é encontrada sua maior prevalência. A transfusão sanguínea é uma das

bases para o seu tratamento. Não existe sistema informatizado no atendimento desses

pacientes nem banco de dados sobre essa população na instituição. OBJETIVO: Desenvolver

um Software para seguimento transfusional em hemoterapia, com ênfase no acompanhamento

de pacientes falciformes, possibilitando descrever e analisar aspectos transfusionais dessa

população e dos doadores. MATERIAIS E MÉTODOS: Foi desenvolvido um Software,

denominado BDTrans, utilizando a metodologia de Ciclo de Vida de Desenvolvimento de

Sistemas, que possibilitou um estudo analítico, transversal, com abordagem qualitativa e

quantitativa, dos dados extraídos do sistema. Foram acompanhadas crianças falciformes, de 0

a 18 anos, em regime transfusional, atendidas no ambulatório da Fundação HEMOBA.

RESULTADOS: Foram incluídos 108 pacientes, destes 58% apresentavam DTC alterado e

38% apresentavam passado de AVC. As crianças residentes em Salvador correspondiam a

34%. A maioria das transfusões foi iniciada na faixa etária entre 2-8 anos (61%) e 9-12 anos

(24,7%). 28% dos pacientes iniciou o regime transfusional em 2011, seguido dos anos de 2012

com 16%. A prevalência de aloimunização eritrocitária foi de 26%, sendo os principais

aloanticorpos contra antígenos do sistema Rh e Kell. CONCLUSÃO: A utilização do

Software possibilitou tornar os dados mais acessíveis para análise clínica e epidemiológica,

auxiliando na gestão e assistência à saúde. O sistema poderá ser utilizado como base para o

desenvolvimento de um programa de fidelização de doadores fenotipados em um futuro

próximo.

Palavras-chaves: Sistemas de informação em saúde. Anemia Falciforme. Transfusão

sanguínea.

ABSTRACT

NICANOR, J. N. Development and application of a computer program for data storage

and follow-up of patients in hemotherapy, 90 f. Dissertation. Faculty of Medicine of Ribeirão

Preto, University of São Paulo, Ribeirão Preto, 2017.

Softwares built for data collection from Health Centers are important tools for patient

care and for public health decisions. The HEMOBA foundation is responsible for health

assistance of a great proportion of the population from the State of Bahia, including medical

care and transfusional assistance to patients with benign hematological disorders. Sickle cell

disease is one of the most prevalent hereditary disorders in the world, and the State of Bahia

has the highest prevalence of the S mutation in Brazil. Blood transfusion is one of the

treatment modalities for sickle cell patients, and there is no software for data collection of the

clinical and transfusional program. OBJECTIVE: to develop a software to help follow up the

transfusional program of the HEMOBA foundation, including the sickle cell patients,

collecting transfusional data and blood donor information. MATERIALS AND METHODS:

we developed a software called “BDTrans”, using the methodology of the “Cicle of Life

System Development”, that allowed an analytical, transversal study with both qualitative and

quantitative approach of the data extracted from the program. Sickle cell children from 0 to

18 years who were on transfusion at The HEMOBA foundation were the subject of our study.

RESULTS: 108 sickle cell patients were included, 58% had brain vasculopathy and 38% had

a history of stroke. 34% of the children lived in Salvador. The age range of the children when

the transfusion program started was between 2-8 years (61%) and 9-12 years (24.7%). 28%

of the patients started the transfusional program in 2011, and 16% started in 2012. The

prevalence of red cell alloimmunization was 26%, most of the antibodies were against Rh and

Kell blood groups. CONCLUSION: The utilization of the BDTrans Software promoted the

collection of clinical and transfusional data from sickle cell patients, possibilitating the

evaluation of their transfusional program, and providing important information to the public

health system. The software can also be used to develop a fidelization program of phenotyped

blood donors in the near future.

Key words: Health information systems. Sickle cell anemia. Blood transfusion.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Etapas para o modelo da prototipação............................................................................45

Quadro 2 – Fluxograma de dados......................................................................................................48

Quadro 3 – Desenho do Estudo.........................................................................................................60

Figura 1 – Relações do banco de dados.............................................................................................51

Figura 2 – Tela de acesso ao programa.............................................................................................52

Figura 3 – Guia inicial.......................................................................................................................53

Figura 4 – Guia de dados do paciente (1ª parte)................................................................................54

Figura 5 – Grupo de dados do paciente (2ª parte).............................................................................54

Figura 6 – Lista de pacientes cadastrados.........................................................................................55

Figura 7 – Guia para solicitação da transfusão.................................................................................56

Figura 8 – Guia de dados da transfusão............................................................................................56

Figura 9 – Guia de dados da transfusão (rastreamento de transfusões solicitadas)..........................57

Figura 10 – Guia de relatórios..........................................................................................................57

Figura 11 – Dados administrativos...................................................................................................58

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Características epidemiológicas e clínicas dos pacientes.......................................61

Tabela 2 – Ano do início do esquema transfusional crônico.....................................................62

Tabela 3 – Fenótipo eritrocitário dos pacientes.........................................................................63

Tabela 4 – Fenótipo eritrocitário dos doadores.........................................................................65

Tabela 5 - Comparação entre fenótipos eritrocitários de pacientes e doadores........................67

Tabela 6– Dados da transfusão..................................................................................................68

Tabela 7 – Comparação entre diferentes fenótipos eritrocitários......................................72

Gráfico 1 – Número de anticorpos por paciente alo ou autoimunizados..................................66

Gráfico 2 – Anticorpos identificados........................................................................................66

LISTA DE ABREVIATURAS:

AF Anemia Falciforme

AIH Autorizações de Internação Hospitalar

AIT Ataques Isquêmicos Transitórios

Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APAE Associação de Parentes e Amigos do Excepcional

AVC Acidente Vascular Cerebral

BDTrans Banco de Dados Transfusional

cGMP Monofosfato Ciclíco de Guanosina

CH Concentrado de Hemácias

CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia

do SUS

CVO Crise vasoclusiva

DCV Doença Cerebrovascular

DF Doença Falciforme

DTC Doppler Transcraniano

FDA Food and Drug Administration

Glu Ácido Glutâmico

GTP Guanosina Trifosfato

HAS Hospital Santo Antônio

Hb Hemoglobina

HbF Hemoglobina F

HbS Hemoglobina S

HbSBeta tal Hemoglobina SBeta talassemia

HbSC Hemoglobina SC

HbSD Hemoglobina SD

HD Hard Disk

HEMOBA Fundação de Hematologia e Hemoterapia da Bahia

HEMOCAD Sistema Nacional para Cadastro de Unidades de

Hemoterapia

HEMOPROD Sistema de Informação de Produção Hemoterápica

HEMOVIDA Sistema de Gerenciamento de Serviços de

Hemoterapia

HLA Antígeno de Histocompatibilidade Principal

HU Hidroxiuréia

HUPES Hospital Universitário Professor Edgar Santos

IIS Infartos Isquêmicos Silenciosos

ICAM 1 Intracellular Adhesion Molecule 1

NO Óxido Nítrico

NOTIVISA Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância

Sanitária

PNIIS Política Nacional de Informação e Informática em

Saúde

PAI Pesquisa de Anticorpos Irregulares

RNM Ressonância Nuclear Magnética

SCNES Sistema do Cadastro Nacional de Estabelecimentos

de Saúde

SE Sequestro Esplênico

SIA/SUS Sistema de Informação Ambulatorial do SUS

SIH/SUS Sistema de Informação Hospitalar do SUS

SIS Sistemas de Informação em Saúde

SNIS Sistema Nacional de Informação em Saúde

SIT Controlled Trial of Transfusion for Silent Cerebral

Infarcts in Sickle Cell Anemia

STA Síndrome Torácica Aguda

STOP Stroke Prevention Study in Silckle Cell Desease

SUS Sistema Único de Saúde

SWiCH Stroke with Transfusions Changing to Hydroxyurea

TWiCH Transcranial Doppler Ultrasounds with

Transfusions Changing to Hydroxyurea

Val Valina

VCAM 1 Vascular Cell Adhesion

SUMARIO

1. INTRODUÇÃO 13

1.1. Motivação do estudo 13

1.2. Sistema de Informação e Saúde 14

1.3. A Doença Falciforme 20

1.3.1. Conceitos 20

1.3.2. Manifestações Clínicas 22

1.3.3. Tratamento 26

1.3.4. Transfusão Sanguínea na Doença Falciforme 28

2. JUSTIFICATIVA 42

3. HIPÓTESE 42

4. OBJETIVOS 43

4.1. Objetivos Gerais 43

4.2. Objetivos Específicos 43

5. MATERIAIS E MÉTODOS 44

5.1. Tipo da Pesquisa 44

5.2. Local da Pesquisa 46

5.3. População 46

5.3.1. Critérios de Inclusão 47

5.3.2. Critérios de Exclusão 47

5.4. Desenvolvimento do Sistema 47

5.4.1. Levantamento de Necessidades 47

5.4.2. Projeto Inicial 49

5.4.3. Protótipo: Construção, Avaliação e Refinamento 50

5.4.4. Desenvolvimento 50

5.5. Aspectos éticos 58

5.6. Análise estatística 59

6. RESULTADOS 60

7. DISCUSSÃO 69

8. CONCLUSÃO 76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXOS

13

1. INTRODUÇÃO

1.1. Motivação do Estudo

A informatização ainda não é a realidade de grande parcela das instituições públicas de

saúde, como os ambulatórios espalhados por todo o país, que assistem pacientes com diversas

patologias.

A Fundação HEMOBA é o único Banco de Sangue público do Estado da Bahia e

responsável pelo suporte hemoterápico na maioria das instituições públicas de saúde do Estado

e algumas unidades particulares. Utiliza sistemas de informação para controle e gestão de todo

processo de triagem, coleta, produção de hemocomponentes, testagens sorológicas e

imunohematológicas e liberação dos hemocomponentes para transfusão. Como software

principal adota o Sistema de Gerenciamento de Serviços de Hemoterapia (HEMOVIDA),

disponibilizado pelo Ministério da Saúde para os serviços hemoterápicos vinculados ao Sistema

Único de Saúde (SUS). Também emprega os outros sistemas de informação disponibilizados

pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): Sistema de Informação de Produção

Hemoterápica (HEMOPROD), Sistema Nacional de Notificações para a Vigilância Sanitária

(NOTIVISA).

A instituição promove a assistência hemoterápica e hematologia a grande parcela da

população baiana, através de seu ambulatório transfusional e de assistência aos pacientes com

doenças hematológicas benignas. Porém os dados ambulatoriais não são informatizados, apesar

de serem registrados de forma manual em papel e armazenados conforme legislação. A ausência

de informatização e, por consequência, de um banco de dados, dificulta o pronto conhecimento

dos dados clínicos e transfusionais da população assistida.

Entre os pacientes atendidos na fundação, a população falciforme se destaca por sua

forte representação numérica, aspectos clínicos e principalmente por suas particularidades

transfusionais. A Bahia é o Estado brasileiro com maior população de pacientes falciformes,

em sua maioria acompanhados no ambulatório da HEMOBA. Muitas crianças falciformes

necessitam manter regimes transfusionais crônicos por diversas alterações, como a doença

cerebrovascular. A assistência transfusional desses pacientes é dificultada pelas altas taxas de

aloimunização eritrocitária encontradas nessa população levando muitas vezes à necessidade

14

de transfusão de sangue fenotipado. A disponibilização de concentrado de hemácias fenótipo

compatível em tempo hábil é um grande problema para a instituição apesar de todos os esforços

empregados e na fenotipagem de grande número de doadores.

As informações coletadas e documentadas manualmente ficam restritas ao setor onde

foram geradas: prontuário com os dados clínicos, prescrições e registros multiprofissionais são

restritos ao ambulatório; os dados laboratoriais de compatibilidade e liberação dos

hemocomponentes para transfusão ficam armazenados nos laboratórios relacionados e no

sistema específico.

A criação de um banco de dados que possibilite unificação dessas informações,

armazenamento de dados, emissão de relatórios auxiliará sobremaneira ao conhecimento da

população analisada, possibilitando melhoria das políticas públicas.

O presente trabalho enfoca o desenvolvimento de uma ferramenta informacional para

gestão de dados em hemoterapia com ênfase nas informações clínicas e transfusionais referentes

às crianças falciformes. A população foi escolhida por apresentar grande representatividade

entre os pacientes transfundidos na instituição e pelas suas particularidades transfusionais e

dificuldades técnicas para manter o esquema transfusional adequado para essa população, como

disponibilidade de sangue fenotipado em tempo hábil. Portanto, o desenvolvimento do sistema

visa um acompanhamento clínico mais detalhado do esquema transfusional, bem como oferece

a base computacional para uma futura implantação de um programa de fidelização de doadores

fenotipados para esses pacientes.

1.2. Sistema de Informação e Saúde

A tecnologia é uma grande marca dos tempos modernos. A sociedade atual é

considerada uma sociedade do conhecimento e da tecnologia. (LORENZETTI et al., 2012) A

informação é base do conhecimento, um meio ou material necessário para extrair e construir o

conhecimento, alicerce dessa sociedade. Embora estivesse sempre presente em outros períodos

históricos, a informação não tinha a importância que passou a ter na sociedade pós-capitalista.

(MIRANDA, 2004)

15

A gestão de serviços de saúde constitui uma prática administrativa que tem a finalidade

de otimizar o funcionamento das organizações de forma a obter o máximo de eficiência, eficácia

e efetividade, garantindo a melhor utilização dos recursos disponíveis para atingir um objetivo.

Neste processo o gestor utiliza conhecimentos, técnicas e procedimentos que lhe permitem

conduzir o funcionamento dos serviços na direção dos objetivos definidos.(TANAKA;

TAMAKI, 2012) A informação constitui uma ferramenta na produção de conhecimentos

válidos que podem orientar a tomada de decisão dos gestores e organizações. (PINHEIRO et

al., 2016)

Na medicina moderna, conhecimentos médicos e informações sobre os pacientes

apresentam constante crescimento, não sendo mais possível gerenciá-los através de métodos

tradicionais baseados em papel. (PEREZ; ZWICKER, 2010) O conhecimento acumulado

através de estudos, pesquisas e avaliações passadas necessitam ser acessados pelo gestor, em

tempo hábil, para que se estabeleça o processo de tomada de decisão. (TANAKA; TAMAKI,

2012)

Os sistemas de informação em saúde (SIS) permitem coletar, processar, armazenar e

distribuir a informação para apoiar o processo de tomada de decisão e auxiliar no controle das

organizações de saúde. Possibilitam a realização de pesquisas, fornecendo evidências e

auxiliando no processo de ensino.(MARIN, 2010) Para seu adequado funcionamento as

informações devem ser confiáveis, dotadas de relevância e com significado e pertinência no

processo decisório, estando prontamente disponíveis quando requeridas. (MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2013a)

O’Brien e Marakas (2008), definem um sistema de informação “ como um conjunto

integrado de recursos, que é composto por pessoas, dados, software, hardware e redes de

comunicação. Quando exposto de forma organizada, é capaz de receber os dados coletados e

transformá-los e organizá-los em informações úteis para a sociedade.” (apud PEREZ;

ZWICKER, 2010)

O atendimento em saúde pressupõe o envolvimento e a participação de múltiplos

profissionais, atuando em distintas áreas em uma mesma instituição ou locais diferentes. As

informações obtidas desses profissionais apresentam grande heterogeneidade de dados,

portanto precisam ser integradas para garantir a continuidade do processo do cuidado. (MARIN,

2010) Desta forma, os sistemas de informação em saúde devem satisfazer aos diversos usuários

16

envolvidos e lidar com mudanças de processos e métodos de trabalho profundamente arraigados

nesse ambiente profissional.(PEREZ; ZWICKER, 2010)

As informações relacionadas com o setor da saúde podem ser processadas de diversas

formas, como registros eletrônicos de saúde, inscrição informatizada de pedidos de

fornecedores, suporte de decisão, relatórios eletrônicos de resultados, prescrição eletrônica,

telemedicina, entre outros. (CHAUDHRY et al., 2006) Assim como em diferentes ambientes

de atenção à saúde, tais como laboratórios, ambulatórios, hospitais, unidades administrativas,

unidades de assistência da enfermagem, da nutrição e esferas maiores como secretarias e órgãos

gestores da saúde. (PANTANOWITZ; HENRICKS; BECKWITH, 2007) (MARIN, 2010) A

utilização funcional desses sistemas pode envolver a documentação clínica (informação / dados

de saúde), gestão de resultados, apoio à decisão, comunicação eletrônica e conectividade, apoio

ao doente, processos administrativos, relatórios de saúde da população, por conseguinte. Desta

forma a utilização dos SIS vem apresentando papel cada vez mais relevante, envolvendo uma

ampla gama de utilidades.(CHAUDHRY et al., 2006)

O desenvolvimento de ferramentas de informática capazes de coordenar e integrar todas

as informações em saúde, oriundas de diferentes setores e com múltiplas finalidades é

fundamental para garantir a qualidade do atendimento.(MARIN, 2010)

Uma revisão sistemática evidenciou a importância da utilização da tecnologia de

informação em saúde no aumento da aderência a protocolos e “guidelines”, aumento da

capacidade de atendimento e vigilância aos agravos, redução das taxas de erro e otimização

variável da utilização do tempo.(CHAUDHRY et al., 2006)

O desenvolvimento de ferramentas computacionais está fortemente relacionado ao

processo de inovação. A inovação envolve a busca e descoberta, experimentação,

desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos processos de produção e novas

formas organizacionais. Não necessariamente inovação refere-se a algo novo ou inédito, pode

estar relacionada a submissão de uma ideia já existente a uma nova forma de realiza-la ou a

uma nova situação, desta forma caracterizando algo novo para o usuário ou entidade onde foi

adotada. (PEREZ; ZWICKER, 2010)

A inovação em saúde pode apresentar dois aspectos distintos. A primeira refere-se a seu

contexto típico, relacionada à tecnologia de alta sofisticação, como equipamentos. A segunda

envolve os sistemas de informação, com introdução ou não de elementos computacionais e

17

intervenção nos processos de trabalho, muitas vezes não bem aceitas pelo usuário. (PEREZ;

ZWICKER, 2010)

Pinheiro (2016) em seu estudo entrevistando gestores municipais de saúde evidenciou

muitas dificuldades para a implantação dos sistemas de informação em saúde no Brasil.

Observou haver a necessidade de fortalecimento de uma cultura informacional nas secretarias

municipais que consolide o uso da informação para a construção do conhecimento e o seu

compartilhamento para subsidiar o processo decisório, implicando no aperfeiçoamento do SUS.

(PINHEIRO et al., 2016)

No âmbito do SUS, todo esse desenvolvimento tecnológico e de conhecimento, atrelado

ao crescente uso dos sistemas de informação desenvolvidos nas mais diversas formas e

instituições, motivou a criação da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde

(PNIIS). “O propósito de sua formulação foi de promover o uso inovador, criativo e

transformador da tecnologia da informação a fim de melhorar os processos de trabalho em

saúde e, assim, resultar em um Sistema Nacional de Informação em Saúde (SNIS) articulado e

que produza informações para os cidadãos, a gestão, a prática profissional, a geração de

conhecimento e o controle social, garantindo ganhos de eficiência e qualidade mensuráveis

através da ampliação de acesso, equidade, integralidade e humanização dos serviços de saúde,

contribuindo, dessa forma, para a melhoria da situação de saúde da

população.”(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016a)

A PNIIS trabalha com as informações em saúde como insumos potenciais para usuários

e profissionais de saúde, bem como subsídio para a gestão, vigilância e atenção à saúde.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016a) Portanto, a informação em saúde deve ser entendida como

um instrumento de apoio decisório nos vários níveis que constituem o SUS, para que haja o

conhecimento da realidade socioeconômica, demográfica e epidemiológica na rotina diária dos

serviços de saúde, no planejamento, na gestão, na organização e na avaliação das

ações.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Os sistemas de informação, no âmbito do SUS, podem ser empregados em nível local

(unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, hospitais, serviços de

hemoterapia, laboratórios, etc.) possibilitando a análise da situação de saúde com base nas

diferentes microrregiões e nas condições de vida da população na determinação do processo

saúde-doença. “Nesse processo, a responsabilidade do nível local é de grande importância

18

para o SUS, não apenas na alimentação dos sistemas de informação em saúde, mas também

na sua organização e gestão.”(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Os serviços de hemoterapia consistem em serviços de saúde diretamente relacionados

com a prática hemoterápica, por consequência com o ciclo do sangue. No Brasil, são

estruturados de acordo com complexidade técnica, capacidade de produção, demanda

assistencial e distribuição geográfica e populacional, desta forma podem consistir desde

unidades de coleta, agencias transfusionais, bancos de sangue a hemocentros. Em todos os

níveis de assistência, os serviços de hemoterapia produzem grande quantidade de informação,

portanto requerem métodos adequados para coleta, processamento e armazenamento dos dados,

aumentando a segurança transfusional, proporcionando melhoria contínua do processo de

gestão e da atenção ao paciente. (BATISTA et al., 2015)

A portaria nº 158 de 04 de fevereiro de 2016, que regulamenta as atividades

hemoterápicas no Brasil, estabelece que “os serviços de hemoterapia devem ter sistemas de

registro apropriado que permitam a rastreabilidade da unidade de sangue ou componente,

desde a sua obtenção até o seu destino final, incluindo-se os resultados dos exames de

laboratório referentes ao produto”. Sugere que os registros referentes à doação e à transfusão

sejam, preferencialmente, informatizados e garantam a confidencialidade das informações.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016b)(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Nos últimos anos, vêm sendo implementados vários SIS no Brasil, envolvendo os

serviços de hemoterapia assim como outros setores da saúde.

O Sistema do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) é a base para

cadastro hospitalar e ambulatorial do SUS, permitindo a visualização da realidade da rede

assistencial existente e suas potencialidades, visando auxiliar no planejamento em saúde, em

todos os níveis de governo.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

O Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) é utilizado em unidades

ambulatoriais credenciadas ao SUS para garantir o registro dos quantitativos e valores a serem

pagos aos prestadores de serviços, produzindo informações locais que são consolidadas

nacionalmente. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

O Sistema de Informação Hospitalar do SUS (SIH/SUS) processa informações dos

serviços hospitalares prestados por meio das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH),

19

informações referentes às transfusões hospitalares, tabelas de Procedimentos, Medicamentos,

Órteses, Próteses e Materiais Especiais, permitindo ao SUS efetuar os pagamentos pelos

serviços prestados.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Alguns SIS envolvem diretamente os serviços de hemoterapia, abordando quatro

aspectos principais: o cadastro de serviços de hemoterapia, a produção hemoterápica nacional,

a notificação de eventos adversos relacionados ao uso de sangue e hemocomponentes e o

gerenciamento do ciclo do sangue.

O Sistema Nacional para Cadastro de Unidades de Hemoterapia, denominado

HEMOCAD é gerido pela Anvisa e alimentado pelas vigilâncias sanitárias locais. Envolve um

amplo número de variáveis de dados específicos para o registro das atividades executadas por

cada serviço de hemoterapia, as relações entre os serviços, suas distribuições por unidade

federada e região geográfica. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Com a finalidade de melhorar o gerenciamento do Programa Nacional do Sangue, foi

desenvolvido o HEMOPROD, também gerido pela Anvisa. Consiste em um sistema não

informatizado no qual todos os dados de identificação do serviço, triagem, coleta, exames

realizados, produção de hemocomponentes e reações transfusionais são inseridos em planilhas

do ExcelR e encaminhados para às Vigilâncias Sanitárias Estaduais e Municipais.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

O NOTIVISA, consiste em um sistema informatizado na plataforma web para receber

as notificações de eventos adversos e as queixas técnicas relacionadas com os produtos sob

vigilância sanitária. Desta forma, os eventos adversos relacionados ao uso de

hemocomponentes deverão ser registrados no sistema, possibilitando adotar medidas sanitárias

pertinentes. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Para o gerenciamento das atividades hemoterápicas, com foco na segurança dos

processos, foi desenvolvido o HEMOVIDA. Ele consiste em um programa disponibilizado para

os serviços públicos de hemoterapia do país, permitindo a informatização do processo produtivo

e desta forma agregando maior controle e segurança ao processo hemoterápico. Possibilita o

registro informatizado das ações de captação de doadores, triagem clínica, coleta,

processamento, triagem sorológica e imunohematológica no sangue do doador/receptor e

transfusão. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

20

Vários outros sistemas de informação existem no pais, sejam de empresas comerciais

ou desenvolvidos no próprio serviço de hemoterapia. Permitem, em sua maioria, o

gerenciamento modular das etapas de produção de hemocomponentes e transfusão.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013a)

Os sistemas desenvolvidos internamente possibilitam maior adequação a realidade

local. São geralmente motivados por necessidades próprias da instituição onde estão sendo

implementados. Portanto, assumem papel inovador para atender a uma demanda do serviço de

hemoterapia contribuindo para a melhoria da assistência e da gestão, inclusive com melhor

alocação de recursos e insumos para atender os objetivos almejados.

1.3. A Doença Falciforme

1.3.1. Conceitos

A doença falciforme (DF) é uma das doenças hereditárias mais prevalentes no mundo e

a mais frequente mutação da cadeia da hemoglobina. Apresenta uma incidência mundial

estimada de mais de 300.000 novos casos por ano, principalmente na África Subsaariana,

Península Arábica e Índia. Estima-se que anualmente 500.000 indivíduos nasçam portando pelo

menos um alelo s no mundo. (PIEL et al., 2013)

A DF foi primeiro descrita por Herrick em um relato de caso publicado em 1910.

(HERRICK, 1910) Foi a primeira doença a ter suas bases moleculares descritas na história, em

1949, por Linus Pauling, configurando um importante marco para a ciência. (PAULING et al.,

1949)

Atualmente, sabe-se que é uma doença genética, de transmissão mendeliana,

caracterizada por uma mutação GAG→GTG no códon 6 do gene da beta globina, que leva a

produção de uma valina (Val) no lugar de um ácido glutâmico (Glu).(STEINBERG, 2008)

Desta forma, há substituição de um aminoácido hidrofílico (Glu) por um hidrofóbico (Val),

levando a formação da hemoglobina S (HbS), que polimeriza quando desoxigenada, conferindo

a característica rígida e em forma de “meia lua” à hemácia falciforme.(MEIER; MILLER, 2012)

21

O termo DF refere-se a toda hemoglobinopatia caracterizada pela presença da HbS que

apesar da diferente nomeação, apresentam características fisiopatológicas e clínicas

semelhantes, com variação na gravidade. Quando o alelo beta S (S) está em homozigose, o

fenótipo apresentado é HbSS, caracterizando Anemia Falciforme (AF). Quando em

heterozigose e associado a outras alterações da hemoglobina como hemoglobina C, D ou Beta,

chama-se hemoglobinopatia SC (HbSC), SD (HbSD), Sbeta talassemia (HbStal),

respectivamente. (BALLAS et al., 2010)

O gene S é amplamente distribuído na África, Mediterrâneo e partes da Índia.(TERESA

et al., 2008) Três quartos dos nascidos no mundo com DF estão na África Subsaariana.

(WANG et al., 2013) Essa distribuição genética tem relação com a origem africana da HbS e

sua associação com a proteção contra malária. (PAGNIER et al., 1984) Indivíduos com traço

falciforme apresentam menor parasitemia pelo plasmódium e, quando infectados, manifestam

malária de forma mais leve. (ALLISON, 1954)

Ao longo dos anos, o gene S vem sendo distribuído pelo mundo devido às

imigrações.(PIEL et al., 2014) Com a descoberta das Américas e sua colonização houve a

disseminação do alelo S no continente, através do tráfico de escravos africanos. Desta forma,

os países que receberam maior contingente desses escravos, como o Brasil, países caribenhos

e partes dos Estados Unidos, apresentam maior prevalência do gene mutado. (HUTTLE et al.,

2015)

No Brasil, o gene S é encontrado em 7% da população de origem africana, com a

prevalência estimada da HbS de 1:1000 no país, sendo 1:600 no Estado da Bahia, onde houve

a maior colonização africana, seguido de 1:1300 em Minas Gerais e 1:1335 no Rio de Janeiro.

(HUTTLE et al., 2015) (SERJEANT, 2013)

No Estado da Bahia, o teste de triagem neonatal vem confirmando a alta prevalência da

DF e sua distribuição predominante na região litorânea, Recôncavo Baiano e alto e médio São

Francisco, locais de intensa movimentação de escravos africanos. (AMORIM, 2010)

22

1.3.2. Manifestações Clínicas

A DF é caracterizada por uma anemia hemolítica, com manifestações clínicas variáveis a

depender de fatores genéticos e individuais.

A HbS apresenta afinidade pelo oxigênio reduzida em relação à variante normal e, quando

desoxigenada, tende a polimerização e consequente rigidez eritrocitária, menor

deformabilidade, perda de partes da membrana da célula, adquirindo a forma falcizada.

(ODER et al., 2016) (IUGHETTI; BIGI; VENTURELLI, 2016) Com a reoxigenação, a

hemácia falciforme chega a adquirir novamente sua forma arredondada. Porém, os repetidos

episódios de falcização e perda de membrana, tornam-na irreversivelmente deformada, sendo,

por conseguinte hemolizada. (MANWANI et al., 2013)

A hemólise na DF, é bastante expressiva, chegando a diminuir a sobrevida das hemácias

de habitualmente 120 dias para apenas 2 a 21 dias. Com a destruição intravascular dos

eritrócitos são liberados na circulação hemoglobina livre e heme, ambos potencialmente

reativos. (KATO; GLADWIN; STEINBERG, 2007) A hemoglobina livre consome o óxido

nítrico (NO), convertendo-o em metahemoglobina e nitrato. O NO é responsável pelo

relaxamento da musculatura lisa e consequente vasodilatação, via sua ligação a guanilato

ciclase, possibilitando a conversão do GTP (guanosina trifosfato) em cGMP (monofosfato

cíclico de guanosina). Desta forma, a depleção do NO promove vasoconstricção, ativação e

agregação plaquetária, maior expressão de moléculas de adesão como VCAM-1, ICAM-1, P-

selectina e E-selectina. A biodisponibilidade do oxido nítrico também é diminuída pelo heme,

através da produção de espécies reativas de oxigênio e da arginase, liberada pelos eritrócitos

hemolisados, que destrói a L-arginina, um substrato para a produção de NO. (KATO;

GLADWIN; STEINBERG, 2007)

As características físicas das hemácias falciformes, associadas à sua maior adesão ao

endotélio, plaquetas e leucócitos, levam à lentificação e diminuição do fluxo sanguíneo, micro

obstrução, chegando a causar isquemia e consequente processo inflamatório, dor e lesão de

órgãos- alvo. (ODER et al., 2016)

As complicações decorrentes da DF podem ocorrer em qualquer órgão ou tecido. Estão

relacionadas a tríade fisiopatológica de hemólise crônica, vaso oclusão e intensa inflamação,

associada ou não a fatores desencadeantes, tais como estresse, infecção ou desidratação. O

paciente falciforme pode apresentar manifestações como crise dolorosa, priaprismo, síndrome

23

torácica aguda (STA), acidente vascular cerebral (AVC), dentre outras.(MEIER; MILLER,

2012) A maioria dos óbitos desses pacientes ocorre até a terceira década de vida,

principalmente por STA, sequestro esplênico e crise álgica prolongada. (KARACAOGLU et

al., 2016) Na infância, a mortalidade é maior nos 2 primeiros anos de vida, principalmente por

infecção e sequestro esplênico. (FERNANDES et al., 2010)

A dor é uma das manifestações mais características e mais debilitantes da DF. Estima-se

que 60% desses pacientes apresentem pelo menos um episódio de dor intensa por ano, sendo

considerada a principal causa de hospitalização nessa população. (IUGHETTI; BIGI;

VENTURELLI, 2016) A crise vasoclusiva (CVO) pode ser aguda, crônica, até incapacitante.

(BALLAS, 2015) Alguns fatores desencadeantes foram descritos, tais como: estresse,

aumento da viscosidade sanguínea, diminuição de fluxo sanguíneo, hemólise ou uma

combinação de outros fatores menores.(MANWANI et al., 2013)

Uma manifestação álgica comum no paciente com DF é o priapismo. Consiste em uma

ereção peniana persistente e dolorosa sem estimulação sexual, que acomete 11% dos doentes

falciformes. (SHIGEHARA; NAMIKI, 2016) Nos pacientes com HbSS a prevalência chega

a ser de 5,6% enquanto que, naqueles com HbSC é de 1,1%.(FURTADO et al., 2012) O

indivíduo pode evoluir com perda da função erétil pelo priapismo prologado ou recorrente,

desta forma, o objetivo primário do tratamento é conseguir a detumescência da ereção peniana,

preservando sua função. (SHIGEHARA; NAMIKI, 2016) O tratamento deve ser instituído o

mais rápido possível e compreende desde hidratação, intervenção urológica à transfusão

sanguínea. (YAWN et al., 2014)

A Síndrome torácica aguda é outra manifestação comum no paciente falciforme. É

caracterizada por febre, desconforto respiratório agudo e novo infiltrado pulmonar a

radiografia de tórax.(DEBAUN; STRUNK, 2016) Acredita-se que 30% dos pacientes

falciformes irão apresentar STA pelo menos uma vez na vida.(IUGHETTI; BIGI;

VENTURELLI, 2016) Não apresenta etiologia bem definida, porém foram relatados fatores

de risco como episódio prévio, valor alto de hemoglobina ou leucócitos, baixos níveis de

hemoglobina fetal (HbF) e associação com Asma. (DEBAUN; STRUNK, 2016) (LAMARRE

et al., 2012) Para tratamento dos pacientes com STA, a transfusão de hemácias tem papel bem

estabelecido. Pode ser realizada transfusão simples ou eritrocitoaférese, com benefício

similar, sendo a última forma mais efetiva segundo alguns estudos.(SAYLORS et al., 1996)

24

Outra complicação frequente no paciente falciforme é o sequestro esplênico (SE),

principalmente na criança. Ocorre em 30% dos pacientes menores de 6 anos. (MEIER;

MILLER, 2012) É caracterizado por aumento súbito do volume do baço desencadeado pela

apreensão dos eritrócitos falcizados e outras células sanguíneas no interior do órgão,

diminuição dos valores de hemoglobina, reticulocitose e plaquetopenia. (BALLAS et al.,

2010) Pode ser classificado em sequestro esplênico maior ou menor, conforme sua

característica clínica. No primeiro, ocorre rápido aumento do baço e colapso circulatório,

potencialmente fatal. No segundo, também ocorre aumento rápido do baço, mas a redução dos

níveis de hemoglobina é menor (valores absolutos acima de 6 g/dL). (MEIER; MILLER,

2012) Uma indicação frequente para tratamento inicial de SE é a transfusão de eritrócitos para

controlar o choque e aliviar os sintomas da anemia. As opções de tratamento, a longo prazo,

consistem na realização de esplenectomia, programa de transfusão crônica ou a observação

cuidadosa para os sinais iniciais de SE até que o órgão se torne gradualmente não funcional

(atrofia esplênica) a depender da gravidade do episódio inicial e da idade do indivíduo.

(OWUSU-OFORI S, 2015)

O ambiente inflamatório associado a oclusão microvascular contribuem para o

desenvolvimento da doença cerebrovascular (DCV), outra importante manifestação da DF.

(ADAMS, 2007) As alterações neurológicas associadas à DF compreendem desde infartos

isquêmicos silenciosos (IIS), aos ataques isquêmicos transitórios (AIT) e AVC clinicamente

manifesto.

O IIS é a complicação neurológica mais comum da DF. Consiste em alteração no exame

de ressonância nucelar magnética (RNM) do cérebro, porém o paciente mantém exame

neurológico normal e não apresenta história compatível com AVC prévio. (DEBAUN et al.,

2012) Pelo menos 27% dos pacientes com AF terão um IIS antes dos 6 anos de idade.

(KWIATKOWSKI et al., 2009) Já o AIT consiste em outra complicação neurológica da DF e

um fator de risco importante para AVC (risco relativo 56.0). (BROUSSE; KOSSOROTOFF;

DE MONTALEMBERT, 2015) Tem por definição um evento que resultou em déficits

neurológicos focais com duração mínima de 24 horas, sem anormalidades nas imagens

ponderadas, T2 ou FLAIR, na RNM de cérebro indicativas de um infarto agudo e sem outra

causa explicável. (DEBAUN, 2014) A presença de AIT ou IIS, principalmente antes de 6 anos

de idade, configuram risco elevado de AVC.(MIRRE et al., 2010)

25

A alteração cerebrovascular mais catastrófica é o AVC. Em 75% dos casos decorrem de

lesões isquêmicas, principalmente infartos territoriais com falha de perfusão ou possivelmente

embolia arterial, envolvendo geralmente as grandes artérias do círculo de Willis, com dano

neurológico irreversível.(ADAMS, 2007) Apenas 25% dos AVCs ocorrem por hemorragia.

(ADAMS et al., 1998, apud STOCKMAN, 1972) A prevalência do AVC chega a 11% na

população falciforme, com maior incidência na primeira década de vida. (TALAHMA;

STRBIAN; SUNDARARAJAN, 2014 apud, HENE-FREMPONG, 1998)

Alguns fatores de risco estão associados ao AVC na população falciforme: baixa

disponibilidade de oxigênio devido à baixa saturação de oxigênio ou diminuição abrupta da

hemoglobina; presença de vasculopatia cerebral comprometendo o fluxo sanguíneo cerebral;

infecção aguda com febre, aumentando a demanda metabólica cerebral; fatores de risco

cardiovascular (hipertensão, diabetes melitus, dislipidemia, fibrilação atrial e doença renal);

infarto cerebral prévio, principalmente nos 2-3 primeiros anos após evento; aumento rápido

da hemoglobina >12g/dl, tanto após sequestros esplênicos ou hepáticos ou regimes

transfusionais. (DEBAUN; KIRKHAM, 2016,)

Estudos comprovam alta recorrência de AVC ou alterações neurológicas em pacientes

falciformes após o primeiro episódio. (SCOTHORN et al., 2002) (PEGELOW et al., 1995)

O doppler transcraniano (DTC) tornou-se um importante aliado para a detecção de

crianças falciformes que desenvolvem a vasculopatia cerebral e apresentam risco de AVC,

possibilitando intervenção precoce e eficaz. O DTC vem sendo utilizado como método não

invasivo para avaliar a velocidade do fluxo sanguíneo nas grandes artérias do círculo de Willis

desde 1982.(AASLID; MARKWALDER; NORNES, 1982) Porém, depois do estudo STOP,

vários centros no mundo inteiro adotaram o DTC como exame de triagem de doença

cerebrovascular obrigatório para crianças entre 2 e 16 anos. A população falciforme apresenta

velocidade de fluxo geralmente aumentada quando comparada a população geral, pela anemia

grave, porém, torna-se mais elevada quando algum grau de estenose reduz o diâmetro da luz

arterial. (ADAMS, 2007) A velocidade elevada, acima de 170cm/s, principalmente acima de

200cm/s, na artéria cerebral média ou carótida interna, consiste em um poderoso indicador de

DCV. (ADAMS et al., 1992)

No Brasil, a Portaria Ministerial 473, de 06 de abril de 2013, fornece as diretrizes para a

realização do DTC na população falciforme. Inclui os pacientes de 2 a 16 anos, com qualquer

26

fenótipo, dando-se preferência para o HbSS e Hb S/beta talassemia. A velocidade normal

considerada é de 70 – 170 cm/s, sendo o intervalo para repetição do exame dependente da

velocidade de fluxo. Desta forma, pacientes com DTC normal deverão repetir o exame

anualmente, caso velocidade entre 171-184 cm/s deve-se repetir o exame após 3 meses, porém

caso entre 185-199 cm/s repete-se com 1 mês, se 2 exames alterados, deve-se considerar o

risco de AVC. Indivíduos com velocidades <70 cm/s ou >200cm/s devem repetir o exame

com um mês, porém caso esteja >220 cm/s, preconiza-se considerar o risco elevado de AVC

e instituir terapêutica imediata, como transfusão de hemácias. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,

2013b)

Outras manifestaçãoes clínicas comuns nos pacientes com DF são alterações retinianas,

ulceras crônicas, necrose asséptica de cabeça de fêmur dentre outras. O acompanhamento

clínico do paciente falciforme visa justamente a qualidade de vida, prevenção de lesão de

órgão alvo e controle de complicações já estabelecidas, minimizando suas sequelas.

1.3.3. Tratamento

Muitos avanços no tratamento da DF foram alcançados nos últimos anos desde o uso da

penicilina profilática, vacinação contra germes encapsulados, uso de Hidroxiuréia (HU) e dos

quelantes de ferro, e sobretudo relacionados às transfusões sanguíneas, com grande benefício

principalmente para a população pediátrica.

Pacientes com DF são especialmente propensos a infecções do trato respiratório e da

corrente sanguínea (sepse), principalmente causadas por germes encapsulados tais como

Haemophilus influenzae, Neiserria meningitidis, Staphylococcus aureus, sobretudo o

Pneumococo. As infecções ocorrem, em parte, devido ao baço não funcionante decorrente dos

múltiplos infartos, assim como por alterações no complemento, imunoglobulinas e leucócitos.

(HIRST; OWUSU-OFORI, 2002) Desde a década de 80 vem sendo documentado o benefício

da profilaxia com penicilina para os pacientes falciformes com 3-5 anos de idade, chegando a

84% de diminuição de infecções nessa população. (GASTON et al., 1986) A

antibioticoprofilaxia deve ser instituída precocemente, por volta dos 4 meses de vida, com

benefício documentado até os 5 anos de idade, quando associada a vacinação

27

antipneumocócica.(HIRST; OWUSU-OFORI, 2002) (FALLETTA et al., 1995) Nos pacientes

submetidos a esplenectomia, a penicilina profilática deve ser mantida por pelo menos 3 anos

após a realização do procedimento, associada a prévia vacinação contra germes encapsulados,

apresentando comprovada eficácia em diminuir o risco de infecções graves.(WRIGHT;

HAMBLETON; THOMAS, 1999)

A única medicação modificadora da DF, com impacto direto sobre a doença e aprovada

pela Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, e pela Anvisa, no Brasil, é a

Hidroxiuréia (HU), também conhecida como hidroxicarbamina. (QUARMYNE et al., 2016)

A HU atua como inibidor da ribonucleotido redutase, reduzindo a proliferação celular, e assim

causando um estresse na medula óssea, que responde a esse estímulo com aumento do número

de células F, produtoras de hemoglobina fetal. Nas décadas de 80 e 90 muitos estudos já

relatavam seu papel na DF, principalmente no aumento da hemoglobina fetal.(RODGERS et

al., 1990) (CHARACHE et al., 1987) Atualmente, sabe-se que também promove o aumento

do tamanho do eritrócito, aumenta sua deformabilidade, além de diminuir o número de

leucócitos, reticulócitos e moléculas de adesão, reduzindo a oclusão vascular.(IUGHETTI;

BIGI; VENTURELLI, 2016)

O estudo Baby HUG, avaliou 193 crianças em uso de Hidroxiuréia e evidenciou a

importância da medicação em reduzir episódios dolorosos, STA e necessidade transfusional,

sem aumento do risco de toxicidade na população pediátrica. (THORNBURG et al., 2012) Os

benefícios associados à Hidroxiuréia (diminuição de crises de dor e hospitalizações),

possibilitam inclusive uma redução de custo no tratamento desses

pacientes.(STALLWORTH; JERRELL; TRIPATHI, 2010)

No Brasil, o Ministério da Saúde através da Comissão Nacional de Incorporação de

Tecnologia do SUS (CONITEC) preconiza o uso de Hidroxiuréia para os pacientes

falciformes acima de 2 anos (podendo ser utilizado após os 9 meses de vida, em situações

especiais), mediante a presença de algumas manifestações clínicas da DF, na dose inicial de

15mg/kg/dia, com aumento de 5mg/kg/dia a cada 4 semanas, até dose máxima de 35mg/kg/dia

ou dose menor mediante toxicidade. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016c)

Nos últimos anos, outros avanços foram desenvolvidos no tratamento do paciente

falciforme, visando sobretudo a cura da doença. O transplante de medula óssea é a única

terapêutica curativa da doença em uso clínico até o momento. (ARNOLD et al., 2016) No

28

Brasil, o transplante de medula óssea aparentado HLA idêntico foi aprovado como opção

terapêutica oficial no âmbito do SUS apenas recentemente (Portaria do MS n. 30, de 30 de

junho de 2015).

Outra modalidade terapêutica que promete a cura da doença falciforme é a terapia gênica.

Mas esta modalidade ainda está em estudos pré-clínicos, porém com grande promessa para

um futuro próximo. (RAI; MALIK, 2016)

1.3.4. A transfusão Sanguínea na Doença Falciforme

A transfusão sanguínea sempre constituiu um forte pilar no tratamento dos pacientes

falciformes. Artigos da década de 50 já mostravam benefícios aos pacientes com as

transfusões de hemácias de indivíduos saudáveis. (WAHL; QUIROLO, 2009 apudi MADEL,

1958) Inicialmente visava-se o incremento dos valores da hemoglobina, atualmente os

objetivos transfusionais incluem o alívio dos sintomas de anemia, redução relativa na

percentagem de eritrócitos em circulação contendo HbS e melhoria na capacidade de

transporte de oxigênio, minimizando complicações da doença. (STEINBERG, 2008). A

indicação transfusional para o paciente falciforme tem relação com as sintomatologias agudas

ou crônicas da doença e podem consistir em transfusões eventuais (agudas) ou regimes

transfusionais regulares (crônicos). (KOEHL et al., 2016)

As transfusões eventuais, geralmente, priorizam a melhoria no transporte de oxigênio em

relação a diminuição da concentração de HbS. (WAYNE; KEVY; NATHAN, 1993) O nível

de hemoglobina basal do paciente deve ser valorizado, visto que os indivíduos se ajustam

fisiologicamente a certo grau de anemia, portanto a transfusão normalmente é desnecessária

quando objetiva apenas o incremento desse valor. Estados que causem exacerbação da anemia

e seus sintomas devem orientar a decisão quanto ao valor de hemoglobina pós-transfusão

desejada e como será realizada a transfusão.(CHOU; LIEM; THOMPSON, 2012) (WAHL;

QUIROLO, 2009)

Para as transfusões agudas, são normalmente utilizados 10-20 ml de CH para crianças e

1-3 unidades de CH para adultos, com o cuidado em manter os níveis de hemoglobina pós

29

transfusionais abaixo de 11g/dl, desta forma evitando sobrecarga volêmica, aumento de

viscosidade sanguínea e suas consequências, como edema pulmonar e AVC. (JOHNSON,

2005) (TELEN, 2001) (CHOU; FASANO, 2016) Em situações como sequestro esplênico a

transfusão de alíquotas pequenas de CH, como 5ml/Kg, monitorando o tamanho do baço, nível

de Hb e status cardiovascular, mostram-se mais seguras, diminuindo o risco de

hiperviscosidade pós resolução do sequestro. As transfusões agudas normalmente são

utilizadas nos casos de anemia sintomática, sequestros, crises hemolíticas, crises aplásticas,

perda sanguínea. (WAYNE; KEVY; NATHAN, 1993)

Uma indicação de transfusão aguda frequente é a realização de cirurgia. O estudo TAPS1

avaliou pacientes falciformes com mais de 1 ano de idade, submetidas a cirurgias de baixo e

médio riscos em 22 cidades de alguns países, randomizando-os em um grupo com transfusão

pré-operatória e outro sem transfusão. No grupo transfundido profilaticamente, caso o

paciente apresentasse Hb <9 era feita uma transfusão simples, porém com Hb > 9 era feita

uma transfusão de troca objetivando HbS <60%, até 10 dias antes da cirurgia. No estudo foi

observada maior incidência de complicações no grupo sem transfusão pré-operatória do que

nos submetidos a transfusão profilática. (HOWARD et al., 2013) Contudo, uma revisão da

Cochrane de 2016, mostrou a existência de poucos estudos randomizados capazes de

comparar os protocolos transfusionais pré-operatórios mais agressivos em relação aos mais

conservadores na redução de complicações relacionadas a cirurgia e/ou á DF. (ESTCOURT

et al., 2016)

Nos regimes transfusionais regulares (crônicos) as transfusões são realizadas, geralmente,

a cada 3 a 5 semanas. (WARE; KWIATKOWSKI, 2013) Objetiva certo grau de elevação do

valor da hemoglobina, suprimindo desta forma a eritropoiese do próprio paciente e como

consequência diminuindo a produção de hemácias falcizadas, além do aumento de hemácias

circulantes normais provenientes da transfusão. (WAYNE; KEVY; NATHAN, 1993)

As principais indicações para os regimes transfusionais crônicos são a doença

cerebrovascular, complicações pulmonares e cardíacas, sequestro esplênico

recorrente.(WAYNE; KEVY; NATHAN, 1993) Algumas indicações são pouco embasadas

pela literatura, tais como ulceras crônicas e priaprismo.(MIAN et al., 2015) O valor desejado

1 Transfusion Alternatives Preoperatively in Sickle Cell Disease

30

de manutenção das hemácias do próprio paciente, ou seja, da HbS, é de 30% a 50%, a depender

da indicação transfusional. A HbS < 30% mostrou-se eficaz na prevenção primária e

secundária do AVC, com o cuidado de evitar o aumento excessivo do valor final da

hemoglobina. (WAHL; QUIROLO, 2009) Muitas vezes esses objetivos não são alcançados

devido a vários fatores como quantidade de sangue administrado, método utilizado, intervalo

entre as transfusões. (WARE, 2007)

As transfusões nos pacientes falciformes podem ser realizadas de forma simples, por troca

manual ou por eritrocitoaférese (troca automatizada). No primeiro caso o concentrado de

hemácias é transfundido de forma simples, com gotejamento direto na veia do paciente,

geralmente utilizadas por pacientes com valores de Hb mais baixos (Hb <8,5g/dL). No

segundo caso, transfusão de troca manual, uma quantidade de sangue do paciente é retirada

manualmente antes da transfusão do concentrado de hemácias, sendo preferível para pacientes

com Hb mais altas, acima de 8,5 – 9,0 g/dl. Já na eritrocitoaférese, uma máquina de aférese

permite, através de centrifugação, a retirada das hemácias falciformes do indivíduo e troca de

parte do sangue do paciente por hemácias do doador. (WARE, 2007) Quando possível, as

transfusões de troca devem ser preferidas às transfusões simples, uma vez que substituem

parte das hemácias falciformes do indivíduo por células normais, além de reduzir a

viscosidade do sangue e limitar a sobrecarga de ferro. (KOEHL et al., 2016)

Existem vários protocolos para transfusão de troca manual. Aloni et al, adotando o

protocolo com remoção de 30-40 ml/kg de sangue, transfusão de 15-25 ml/kg de CH e infusão

de 15-25 ml/kg de solução salina a cada 3 – 5 semanas com objetivo de manter HbS< 30% e

Hb entre 9 -10,5g/dL verificou boa tolerância por parte dos pacientes, com baixa incidência

de reações adversas e melhora na sobrecarga de ferro transfusional, limitando a necessidade

de terapia quelante. (ALONI et al., 2015)

Mian et al, comparou 2 protocolos para troca manual, um baseado por unidade e outro

baseado por peso, em pacientes falciformes com idade >16 anos. No primeiro, utilizado no

Canadá, foi preconizada a realização de uma flebotomia de 500ml seguida de infusão de

500ml de soro fisiológico e posterior transfusão de 02 unidades de CH. O segundo protocolo

foi realizado em Londres. Nele a transfusão de troca é baseada no peso do paciente, desta

forma utiliza-se flebotomia de 15 ml/kg com reposição 1:2, ou seja, mesma quantidade de

salina para o dobro de CH, porém, antes da troca, pode ser necessária realização de flebotomia

conforme o valor de Hb pré-transfusional: se a Hb> 7,0 g/dL retirar 5ml/Kg de sangue e

31

infusão de 5ml/Kg de solução salina; se a Hb estiver entre 6,0 e 7,0 g / dL não realizar

flebotomia previamente à troca; se Hb for <6,0 g/dL deve-se transfundir 10ml/kg de CH antes

da troca. No estudo foi verificado que o protocolo baseado em unidade foi mais eficaz em

atingir o alvo de HbS, sem necessitar de volume maior de CH. (MIAN et al., 2015)

A eritrocitoaférese é empregada mais frequentemente em pacientes em regime

transfusional crônico, como nos casos de pacientes após AVC ou com DTC alterado. Também

é utilizada em algumas situações agudas, menos frequentemente, como em pacientes com

STA. Apresenta maior eficiência e rapidez em diminuir HbS para um valor alvo, mantendo o

hematócrito/hemoglobina dentro do limite esperado, do que a transfusão de troca

manual.(QUIROLO et al., 2015)(MICHOT et al., 2014)

Para a realização da transfusão com troca automatizada, pode ser necessário grande

volume de hemácias, em média de 15 a 25ml/kg, a cada 5 a 6 semanas, chegando a utilizar

quantidade 20 a 50% maiores de CH do que as transfusões simples ou de troca manual,

expondo o indivíduo a um número grande de doadores e, consequentemente, a mais antígenos

eritrocitários. (MICHOT et al., 2014)

A eritrocitoaférese é um procedimento dispendioso e invasivo. (MIAN et al., 2015) Para

ser realizada é importante que o paciente tenha acesso venoso calibroso, preferencialmente 2

acessos venosos, quando não possível torna-se necessária a utilização de cateter venoso

central.(WARE, 2007) É um procedimento mais caro, que necessita de equipamento adequado

e equipe capacitada o que não está disponível em muitos centros. (WARE, 2007) (KIM, 2014)

O volume extracorpóreo no procedimento não deve ultrapassar 15% do volume sanguíneo

total do indivíduo. Em situações que excedam esse valor, como em crianças, deve ser feito

um primer de hemácias antecedendo o procedimento. (KIM, 2014) Atualmente, alguns

equipamentos apresentam menor volume extracorpóreo, sendo mais seguros para utilização

em crianças menores de 20Kg. (PERSEGHIN et al., 2013) (CHOU; FASANO, 2016)

32

Nas últimas 3 décadas, estudos com a prevenção primária ou secundária de acidente

vascular encefálico (AVC) como STOP2, TWiCH3 e SWiCH4 evidenciaram a importância dos

regimes transfusionais crônicos nos pacientes com DF e risco de AVC. (BROUSSE;

KOSSOROTOFF; DE MONTALEMBERT, 2015)

O estudo STOP avaliou se a transfusão sanguínea seria capaz de diminuir a HbS para

valores abaixo de 30%, diminuindo também o risco do primeiro AVC ou IIS na população

falciforme com alteração no DTC. Foram avaliadas 2000 crianças falciformes, destas 130

apresentaram DTC alterado sendo incluídas no estudo. Este Trial trouxe importantes repostas

para a ciência, consistindo em um marco no tratamento dos pacientes falciformes.(ADAMS

et al., 1998)

O estudo STOP II avaliou o risco de AVC ou DTC alterado em pacientes falciformes com

alteração prévia do DTC após normalização das velocidades de fluxo e suspensão das

transfusões. Teve que ser descontinuado por evidente risco de AVC quando interrompidas as

transfusões. (ADAMS; BRAMBILLA, 2005)

Mantendo a linha de investigação sobre doença cerebrovascular foi realizado o estudo

SWiTCH que analisou os pacientes falciformes em regime transfusional crônico por AVC, os

separando em dois grupos: Hidroxiuréia e flebotomia; transfusão e quelação de ferro. O

objetivo primário foi avaliar o papel das diferentes condutas analisadas na prevenção

secundária de AVC e sobrecarga de ferro, uma inevitável complicação transfusional. Concluiu

haver benefício com a prática de transfusão e quelação na população avaliada. (WARE;

HELMS, 2012)

Visando minimizar os riscos dos regimes transfusionais crônicos foi realizado o estudo

TWiTCH5, avaliando 121 pacientes com AF com DTC alterado sem AVC prévio. Concluiu

haver segurança na substituição das transfusões sanguíneas crônicas por HU, em pacientes

2 Stroke Prevention Study in Silckle Cell Desease

3 Transcranial Doppler Ultrasounds with Transfusions Changing to Hydroxyurea

4 Stroke with Transfusions Changing to Hydroxyurea

5 TCD With Transfusions Changing to Hydroxyurea

33

com DTC alterado, após pelo menos 1 ano de transfusão crônica e com DTC normalizado.

(WARE et al., 2016). Outros estudos vêm demostrando resultados também satisfatórios com

a troca das transfusões por HU após normalização das velocidades do DTC. (BERNAUDIN

et al., 2016)

Na infância, os regimes transfusionais crônicos são utilizados na DF para outras situações

além da doença cerebrovascular, como na prevenção da recorrência de sequestros esplênicos,

naquelas pacientes sob risco, até que completem seu calendário vacinal básico e sejam

submetidos a esplenectomia. Outras indicações consistem em síndromes torácicas agudas

recorrentes, além de algumas com menos evidências, como priapismo ou dor

recorrente.(O’SUOJI et al., 2013)

No estudo SIT6, apesar do objetivo primário ser testar a hipótese da menor recorrência de

infarto cerebral silencioso entre as crianças submetidas à terapia com transfusão sanguínea

regular do que entre aquelas que receberam tratamento padrão, verificou-se que a incidência

CVO, STA, priaprismo e nova necrose avascular sintomática do quadril foram

significativamente menores no grupo em regime transfusional crônico quando comparado

com o grupo controle. (DEBAUN, 2014)

As transfusões sanguíneas, apesar de cada dia mais seguras, guardam em si riscos tais

como reações transfusionais agudas e tardias, transmissão de patógenos, sobrecarga de ferro

e formação de anticorpos. (CHOU; LIEM; THOMPSON, 2012) Diante da maior utilização

das transfusões nos pacientes falciformes alguns problemas adquiriram maior relevância como

a alo e autoimunização eritrocitária e, uma das suas consequências, as reações transfusionais

hemolíticas tardias (RTHT), (CHOU et al., 2013) Nos pacientes aloimunizados o objetivo

transfusional de diminuir a hemoglobina S e aumentar o aporte de oxigênio pode ser

prejudicado devido a hemólise e menor sobrevida das hemácias, além de haver dificuldade de

encontrar sangue compatível, pela presença do aloanticorpo. (PINTO; BRAGA; SANTOS,

2011)

Os mecanismos relacionados com aloimunização eritrocitária não estão totalmente

elucidados. O ponto de partida para a formação de aloanticorpos são as diferenças antigênicas

6 Silent Cerebral Infarct Multi-Center Clinical Trial

34

entre as hemácias do doador/feto e do paciente/gestante. Neste caso, as hemácias

transfundidas ou provenientes do feto expressam antígenos em sua superfície geneticamente

ausentes no receptor. Esses antígenos têm epítopos reconhecidos pelas moléculas HLA de

classe II do receptor que os apresentam aos linfócitos T CD4 desencadeando a resposta imune,

com consequente ativação dos linfócitos B e formação de anticorpos. (HIGGINS; SLOAN,

2008) (YAZDANBAKHSH; WARE; NOIZAT-PIRENNE, 2012) (KÖRMÖCZI; MAYR,

2014) Pacientes falciformes aloimunizados apresentam maior porcentagem de células T CD4

de memória do que os não aloimunizados (57% x 49%), sem alteração significativa de outras

células do sistema imune, mostrando relação com as altas taxas de aloimunização encontradas

nesta população. (NICKEL et al., 2015)

Na população geral que recebeu transfusão é estimada uma prevalência de 4% de

aloimunização.(HIGGINS; SLOAN, 2008) As taxas de aloimunização mudam na literatura

conforme a doença apresentada pelo paciente, sendo 1% no caso de leucemia linfoide aguda,

3% em leucemia mieloide aguda, 5-45% nas talassemias. (HENDRICKSON; TORMEY,

2016) Na população falciforme a incidência de aloimunização eritrocitária é considerada

maior, porém é bastante variável. Nos Estados Unidos foi evidenciada incidência de

aloimunização eritrocitária em DF de 7% a 47%. Porém, na Uganda e na Jamaica essa

incidência atinge somente 6,1% a 2,6%, respectivamente. (CHOU, 2013) (OLUJOHUNGBE

et al., 2001) (NATUKUNDA et al., 2010) A diferença entre esses dados pode estar relacionada

com a origem étnica dos doadores de sangue e pacientes transfundidos. Nos Estados Unidos

a maioria dos doadores é branca e os pacientes com DF são afrodescendentes, já na Jamaica

e Uganda essa diferença entre doadores e pacientes torna-se menor. (NATUKUNDA et al.,

2010) (OLUJOHUNGBE et al., 2001) (YAZDANBAKHSH; WARE; NOIZAT-PIRENNE,

2012)

No Brasil, a incidência de aloimunização na população falciforme apresenta variação

entre os diferentes estudos e protocolos de compatibilidade antigênica utilizados. Murao e

Viana evidenciaram frequência de aloimunização de 9,9% nos pacientes falciformes. Em

contrapartida, Zanette et al, constatou uma prevalência de 49% de pacientes falciformes

adultos aloimunizados.(ZANETTE et al., 2010)(MURAO; VIANA, 2005)

Atualmente são descritos 339 antígenos eritrocitários, sendo 297 alocados em 33 sistemas

e os demais em 6 coleções, a série 700 de baixa frequência populacional e a série 901 de alta

frequência populacional.(STORRY et al., 2014) A prevalência de alguns antígenos é mais

35

elevada em determinados grupos étnicos, como os antígenos C e E do grupo sanguíneo (RH),

K1 do Kell (KEL), Fya do Duffy (FY), Jkb do Kidd (JK) e S do grupo sanguíneo MNS que são

mais frequentemente encontrados em indivíduos brancos do que em pessoas de ascendência

africana. Desta forma, os anticorpos contra esses antígenos são mais frequentes em pacientes

com DF. (VICHINNSKY et al., 1990)

Alguns antígenos eritrocitários são considerados mais imunogênicos do que outros. A

imunogenicidade desses antígenos é tipicamente expressa pela fração de indivíduos negativos

para determinando antígeno que desenvolvem anticorpo contra o antígeno quando exposto a

01 unidade de concentrado de hemácias com positividade para o antígeno em questão.

(STACK; TORMEY, 2016, apudi GILBLETT, 1961) Utilizando um modelo de cálculo

proposto por Gilblett, tendo como parâmetro a imunogenicidade do antígeno K, Stack e

Tormey, estabeleceram quais o antígenos eritrocitários são considerados mais imunogênicos,

sendo eles: K>Jka>Lua >E>P1>c>M>Leb >C>Lea >Fya >S. (STACK; TORMEY, 2016)

Diversos protocolos para compatibilização de hemácias baseadas em uma seleção

específica de antígenos são encontrados na literatura, visando diminuir as taxas de

aloimunização na população falciforme. Castro et. al., avaliou 5 protocolos distintos de

compatibilização fenotípica eritrocitária: protocolo 1 -compatibilidade C, c, E, e; protocolo 2

- C, c, E, e, K; protocolo 3 - C, c, E, e, K, S; protocolo 4 - C, c, E, e, K, S, Fya; protocolo 5 -

C, c, E, e, K, S, Fya, Jkb. Atingiu taxas de prevenção de aloimunização de 52,9% com o

protocolo 1, pouca variação com os protocolos 2 e 3, já com os protocolos 4 e 5 atingiu as

taxas de 68,2% e 70,8%, respectivamente. Por outro lado, o fenótipo D-, C-, c+, E-, e+, K-,

S-, Fy (a-), Jk (b-), requerido no protocolo 5 (com menor incidência de aloimunização

eritrocitária) ocorre em apenas 0,6% dos doadores brancos, sendo esses antígenos negativos

22,7 vezes menos prevalentes do que aqueles requeridos para a correspondência fenotípica no

protocolo 2, talvez este último seja o protocolo mais factível de ser implementado. (CASTRO

et al., 2002)

Atualmente há consenso na literatura sobre a necessidade de transfusão de hemácia pelo

menos com compatibilidade com os antígenos ABO, C, E e K, visando diminuir a

aloimunização eritrocitária e as reações hemolíticas tardias, para aqueles pacientes em risco.

(Yawn, et al., 2014). A extensão da compatibilidade para outros antígenos como Duffy, Kidd

ou MNS, diminui a aloimunização, porém traz dificuldades para a prática clínica pela sua

menor disponibilidade na população. (CHOU et al., 2013) A legislação Brasileira, através da

36

portaria nº 158, de 04 de fevereiro de 2016, sugere a extensão da compatibilidade fenotípica

para os sistemas mais imunogênicos (Rh, Kell, Duffy, Kidd e MNS) no caso de pacientes que

poderão entrar em esquema de transfusão crônica, como ocorre com as pacientes falciformes.

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016d)

Apesar das transfusões fenótipo compatíveis, alguns pacientes falciformes transfundidos

ainda adquirem aloanticorpos. Pessoas de origem africana possuem variantes de alguns

antígenos eritrocitários, principalmente do grupo sanguíneo Rh. Esses antígenos foram

descritos como dois tipos "parciais" ou "fracos". São codificadas por mutações nos genes

relacionados com os grupos sanguíneos, como mutações pontuais, mutações missense

múltiplas ou alelos híbridos de RHD e RHCE, do grupo sanguíneo Rh. Os antígenos parciais,

não apresentam sua expressão completa na superfície da hemácia, portanto, caso o indivíduo

receba transfusão contendo o antígeno “completo”, poderá desenvolver aloanticorpo. Os

pacientes com antígenos fracos apresentam diminuição da quantidade de antígenos expressos,

porém não perdem partes dos mesmos, desta forma, não são frequentemente aloimunizados.

(NOIZAT-PIRENNEA; TOURNAMILLE, 2011)

Devido ao aumento da aloimunização, mesmo com o uso de protocolos para

compatibilidade das transfusões de acordo com a fenotipagem eritrocitária, o estudo molecular

dos grupos sanguíneos, através da genotipagem, vem sendo empregada visando minimizar os

riscos transfusionais. A tipagem eritrocitária baseada no DNA proporciona maior precisão e

maior informação sobre os antígenos eritrocitários quando comparados aos métodos de

hemaglutinação. (CASAS et al., 2015) A utilização da genotipagem possibilita identificar

indivíduos com variantes de RhD e RhCE melhorando a prática transfusional, especialmente

para pacientes com DF.(GASPARDI et al., 2016) A utilização de concentrado de hemácias

com compatibilidade genotípica pode ser uma estratégia para os pacientes sem fenotipagem

eritrocitária e recentemente transfundidos, além de diminuir a taxa de aloimunização e as

RTHT, no entanto apresenta a dificuldade como a necessidade de genotipagem de grande

número de doadores e seu alto custo. (GASPARDI et al., 2016) (FICHOU et al., 2016)

Apesar de a diferença antigênica ser o fator mais importante para aloimunização

eritrocitária, vários outros fatores de risco também foram relacionados. Alguns estudos

associam o aumento no risco de formação de aloanticorpo diretamente ao número de

transfusões, independentemente da idade. Também estão associados, o estado inflamatório do

indivíduo, a idade avançada e o sexo feminino.(VICHINNSKY et al., 1990) (MURAO;

37

VIANA, 2005) (HENDRICKSON et al., 2006) Transfusões esporádicas, por complicação

aguda, apresentam maior risco de aloimunização quando comparada ao paciente em regime

transfusional crônico. (SINS et al., 2016)

O status inflamatório do paciente guarda relação direta com o risco de desenvolver

aloanticorpos. Pacientes falciformes transfundidos em vigência de eventos inflamatórios,

principalmente STA e CVO, apresentam alto risco de aloimunização. (FASANO et al., 2014)

Yazdanbakhsh, descreve sua hipótese sobre a associação entre estado inflamatório e

aloimunização. Aborda o papel da hemioxigenase (HO-1) em lizar o heme em compostos

como ferro, bilirrubina e monóxido de carbono, diminuindo seu potencial oxidativo e

inflamatório. Diante dos baixos níveis de HO-1 expresso pelos monócitos dos pacientes

falciformes, maior é o status inflamatório desses indivíduos. O ambiente pró-inflamatório,

desregula a resposta imune das células T aos eritrócitos transfundidos, levando a uma resposta

patogênica e consequente aloimunização. (YAZDANBAKHSH, 2015)

Michot et al, verificou a prevalência de aloimunização eritrocitária de 33% em pacientes

falciformes submetidos a eritrocitoaférese e 22% nos pacientes submetido a transfusão

convencional (transfusão simples com ou sem troca manual). Quando ajustada esta

prevalência pela quantidade de CH utilizado, verifica-se menor taxa de aloimunização nos

pacientes submetidos a eritrocitoaférese, assim como menores taxas de reação transfusional

hemolítica tardia.(MICHOT et al., 2014) O procedimento de aférese leva a retirada de plasma

do paciente e talvez com isto ocorra diminuição de citocinas e mediadores inflamatórios,

diminuindo a resposta imune com formação de anticorpos.(UHLMANN; SHENOY;

GOODNOUGH, 2014)

Alguns pacientes aparentam desenvolver aloanticorpos com frequência maior que a

esperada, são os chamados “respondedores”. Eles, apesar da mesma exposição aos fatores de

risco para aloimunização que a população geral, “não respondedora”, apresentam maior

formação de aloanticorpos. (HIGGINS; SLOAN, 2008) Vários mecanismos vêm sendo

relacionados a maior frequência de aloimunização nestes indivíduos respondedores tais como,

polimorfismos do HLA (Antígeno de Histocompatibilidade Principal), genes relacionados

com produção de citocinas e com o estado de inflamação. (SIPPERT et al., 2016)

(HENDRICKSON et al., 2006)

38

Os alelos HLA medeiam a resposta imune a diversos antígenos. Estudos mostram forte

associação entre o locus HLA DRB1 com o desenvolvimento de anticorpos contra antígenos

eritrocitários, principalmente o HLA DRB1*15 com formação de múltiplos aloanticorpos.

(SCHONEWILLE et al., 2014) (HOPPE et al., 2009) Em contrapartida, o alelo HLA DQ

parece estar relacionado com a menor incidência de aloimunização eritrocitária, constituindo

um fator aparentemente protetor em pacientes com DF. (TATARI-CALDERONE et al., 2016)

A presença de alguns alelos HLA associam-se com maior risco de formação de anticorpo

contra determinado antígeno eritrocitário específico como ocorre com o HLA DRB1*04 e

HLA DRB1*1501 com formação de anti-Fya, HLA-DRB1*0701 com anti-Dia, HLA

DRB1*11 e HLA DRB1*13 com anti-K. (CHIARONI et al., 2009) (BALEOTTI et al., 2014)

(CHIARONI et al., 2006)

A aloimunização traz consigo complicações clínicas importantes. Telen et. al, descrevem

a associação entre aloimunização eritrocitária na DF e dor crônica, risco de falência de órgãos

e menor sobrevida do paciente. (TELEN et al., 2015) Pacientes aloimunizados podem

apresentar anticorpos clinicamente significantes, capazes de desencadear hemólise, desta

forma, devem ser transfundidos com hemácias negativas para o antígeno para o qual apresenta

o aloanticorpo, dificultando a localização de bolsa fenótipo compatível para a transfusão.

(NOIZAT-PIRENNE, 2013)

A prática transfusional apresenta risco de reações transfusionais agudas ou tardias. As

reações agudas mais frequentes na população geral são a Reação Transfusional Febril não

Hemolítica (1-3% por unidade transfundida) seguida da Reação Alérgica. (SANDERS et al.,

2005) (DELANEY et al., 2016) No primeiro caso, o paciente apresenta febre associada ou não

a calafrios e/ou dor causadas por citocinas pró-inflamatórias ou anticorpos no receptor contra

antígenos presentes no hemocomponente. A segunda reação transfusional é mediada por

histamina e caracterizada por manifestações alérgicas como placas urticariformes, prurido,

edema, tosse até 4h após uso do hemocomponente. (DELANEY et al., 2016) (SANITÁRIA,

2015)

Uma reação transfusional diretamente relacionada a aloimunização eritrocitrária e mais

frequente em pacientes falciformes é a Reação Transfusional Hemolítica Tardia (RTHT),

muitas vezes associadas à Síndrome de Hiperemólise, potencialmente fatal. A RTHT pode ser

definida por sinais de hemólise acelerada (incluindo hemoglobinúria, icterícia, palidez,

aumento da desidrogenase láctica e/ou da bilirrubina e/ou anemia mais acentuada do que

39

detecta antes da transfusão), sem razão óbvia ou perda sanguínea, iniciando pelo menos 3 dias

após a transfusão, mais frequentemente entre o 5° e o 15° dias, podendo ocorrer intensificação

dos sintomas da doença como CVO ou STA. (DESSAP et al., 2016)

Vários artigos relacionam a aloimunização eritrocitária com RTHT. Normalmente os

pacientes com RTHT apresentam testes de triagem pré-transfusionais normais, porém

possuem histórico de aloanticorpos prévios, os quais devem estar em títulos bastante

diminuídos (evanescentes) por isso não detectados no momento da nova transfusão. A nova

exposição ao antígeno leva ao recrudescimento dos títulos do aloanticorpo, principalmente

IgG, com mudança de sua subclasse e aumento do seu potencial citotóxico. Grande parte das

hemácias transfundidas são então destruídas por macrófagos, no fígado e no baço, que

expressão em sua membrana receptores contra porção Fc das imunoglobulinas. A opsonização

do complemento pode sinergizar a hemólise mediada por IgG através de um receptor C3b em

macrófagos.(NOIZAT-PIRENNE, 2012) Outro grupo de pacientes pode possuir anticorpos

recém diagnosticados e classificados como não hemolíticos, porém, sua patogenicidade pode

ser mediada por células efetoras como macrófagos e células NK ativadas pela DF, desta forma

tornam-se capazes de desencadear hemólise. (DESSAP et al., 2016) (HABIBI et al., 2016)

A Hiperemólise é caracterizada pela queda acentuada da hemoglobina, marcada por sinais

de exacerbação da hemólise e destruição de hemácias autólogas, não apenas as transfundidas.

Os mecanismos evolvidos não estão bem elucidados, porem podem não guardar relação com

aloanticorpos.(BALLAS et al., 2010)

A sobrecarga de ferro é uma reação transfusional tardia muito frequente no paciente

falciforme, principalmente, naqueles em regime transfusional crônico. O ferro deve estar

sempre ligado a proteínas, sendo a transferrina a sua proteína ligante plasmática. Quando em

excesso, além da capacidade de ligação com a transferrina, fica livre, sendo capaz de causar

danos oxidativos nas células. O coração, fígado e órgãos endócrinos são mais susceptíveis à

oxidação pelo mineral.(WARE; KWIATKOWSKI, 2013) (WOOD et al., 2016) A terapia de

quelação de ferro visa evitar a intoxicação pelo ferro transfusional e remover o mineral

acumulado. A quelação pode ser iniciada em crianças com mais de 2 anos, após 1 ou 2 anos

de transfusão crônica e níveis de ferritina >1000 ng/ml obtidas em 2 dosagens diferentes sem

evento agudo. O objetivo é reduzir os estoques de ferro, mantendo ferritina entre 500-1500,

ferro hepático entre 2-7mg/g ou T2* cardíaco > 20ms.(WOOD et al., 2016)(WARE;

KWIATKOWSKI, 2013)

40

Existem três quelantes de ferro disponíveis: Defesoxamina, Deferasirox e Deferiprone.

(MEERPOHL et al., 2014) (WARE; KWIATKOWSKI, 2013) A Deferoxamina foi o primeiro

quelante de ferro a ser utilizado, ainda na década de 70, com grande eficácia apesar da

dificuldade de adesão ao tratamento por não apresentar formulação oral, sendo utilizada

apenas por via subcutânea ou venosa. Em seguida foi desenvolvido o Deferiprone, com

apresentação oral, porém com alguns efeitos colaterais e baixa eficácia a longo

prazo.(RAGHUPATHY; MANWANI; LITTLE, 2010) Por último foi desenvolvido o

Deferasirox, com apresentação oral e comodidade posológica de uma única administração por

dia. (RAGHUPATHY; MANWANI; LITTLE, 2010)

Alguns estudos foram realizados comparando os diferentes quelantes de ferro na

população falciforme. Foi evidenciada equivalência entre Deferasirox e Deferoxamina na

eficácia e tolerabilidade, porém com menor adesão ao tratamento com o último.

(VICHINSKY et al., 2007) (VICHINSKY et al., 2013)(JORDAN et al., 2012)

Em algumas situações torna-se necessária a combinação de diferentes quelantes, devendo,

tal medida, ser considerada caso o paciente não apresenta redução do ferro ou mostre sinais

de toxicidade da medicação ou dificuldade em tomá-la. (WARE; KWIATKOWSKI, 2013)

O Ministério da Saúde, através da Portaria Ministerial 1324, de 25 de novembro de 2013,

normatiza a utilização dos quelantes de ferro pelo SUS. Preconiza que sejam utilizados nos

pacientes falciformes, mediante comprovação de sobrecarga transfusional de ferro, nas doses

preconizadas: Deferasirox, 20mg/kg/dia, via oral, 1 vez ao dia, com dose máxima de

40mg/dia; ou Deferoxamina, 20-60mg/kg/dia, subcutâneo, por infusão durante 8 à

24h.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013c)

Os pacientes falciformes formam uma das populações mais beneficiadas pela prática

transfusional, porém também em maior risco de suas complicações. A adoção de medidas

hemoterápicas direcionadas para essa população tais como fenotipagem eritrocitária para pelo

menos Rh e Kell e se possível para Duffy, MNS e Kidd, leucodepleção, transfusão de

hemocomponentes isentos de HbS, aumentam a segurança transfusional. O conhecimento do

histórico transfusional desses pacientes torna-se fundamental para facilitar a adoção de

condutas em situações de emergência, evitar RTHT no caso de pacientes com aloanticorpos

evanescentes e facilitar a localização de bolsas fenótipo compatíveis para esses indivíduos.

(HARM et al., 2014)

41

Grande número de pacientes com hemoglobinopatias, na Bahia, são acompanhados

ambulatoriamente na HEMOBA (Hemocentro Coordenador da Bahia), que possui atualmente

cerca de 2000 pacientes com doença falciforme e idade entre 0 e 18 anos cadastrados. No

Estado existem poucas instituições públicas que fazem o seguimento desses pacientes, sendo

a maioria na capital baiana. A Bahia possui aproximadamente 14 milhões de habitantes, destes

apenas 2,6 milhões residem na capital, onde localiza-se o hemocentro. Os demais chegam a

viajar mais de 800km para manterem acompanhamento hematológico. No hemocentro elas

são acompanhadas pelo hematologista pediátrico, equipe multiprofissional composta por

enfermagem, psicologia, odontólogo, fisioterapeuta, são realizas coletas de alguns exames e

transfusões sanguíneas, em nível ambulatorial. No protocolo institucional preconiza-se

realização de transfusões com compatibilidade fenotípica ABO, Rh, Kell, Duffy, MNS e Kidd

para a população falciforme, exceto algumas exceções. Porém a transfusão de sangue

fenótipo-selecionado aumenta custos e pode dificultar encontrar doador compatível com o

fenótipo extendido. (Le, et al., 2014) Não existe sistemas informatizados no atendimento

desses pacientes nem banco de dados sobre essa população, desta forma não é possível

conhecer e acompanhar a realidade desses pacientes, bem como suas características

transfusionais.

42

2. JUSTIFICATIVA DO PROJETO

A Bahia é o Estado brasileiro com maior população de portadores de doença falciforme.

A transfusão sanguínea constitui um importante pilar no tratamento desses pacientes. A

HEMOBA é o único banco de sangue público do estado sendo responsável pelo

acompanhamento clínico e transfusional de grande parcela dessa população. Atualmente, no

cadastro da HEMOBA, constam aproximadamente 2080 pacientes com doença falciforme em

idade entre 0-18 anos. Inexiste sistema informatizado unificando os dados clínicos e

transfusionais da população falciforme assistida no ambulatório da instituição. Existe uma

carência de dados sobre os pacientes falciformes, desta forma um sistema informatizado para

seguimento desses pacientes, com ênfase em seus aspectos transfusionais, pode contribuir

sobremaneira para a organização e armazenamento dos dados, conhecimento dessa população,

possibilitando melhoria no seu atendimento e orientação das políticas de saúde não só no

Estado da Bahia, assim como em todo o país.

3. HIPÓTESE

A construção de um software para seguimento transfusional das crianças com doença

falciforme no HEMOBA auxiliará no conhecimento desta população e no seguimento clínico

da terapia transfusional, possibilitando adoção de medidas tanto para melhorar a assistência

médica junto a esses pacientes, quanto para orientar políticas de saúde pública para essa

população.

43

4. OBJETIVOS

4.1. Objetivos Gerais

- Desenvolver um Software para seguimento transfusional em hemoterapia, com ênfase

no acompanhamento de pacientes falciformes.

- Descrever e analisar aspectos transfusionais das crianças com idade entre 0 e 18 anos

com doença falciforme, acompanhados no ambulatório da HEMOBA, em Salvador.

4.2. Objetivos Específicos

- Desenvolver e testar um Software para coleta de dados demográficos e transfusionais de

crianças falciformes seguidas no ambulatório da HEMOBA.

- Identificar o número total de crianças entre 0 e 18 anos com doença falciforme em

acompanhamento na HEMOBA em regime transfusional crônico, e coletar dados

demográficos como sexo, idade, tipo de hemoglobina, cidade de origem, assim como coletar

dados clínicos, como as complicações mais frequentes dos pacientes (AVC, STA, Priapismo,

SE, DTC alterado e outras) e uso de medicamentos, como hidroxiuréia e quelantes de ferro.

- Identificar dados transfusionais como: indicação transfusional, número de transfusões

ambulatoriais, presença de aloimunização eritrocitária, especificidade do anticorpo, tipo de

hemocomponente transfundido, período entre as transfusões, valor de hemoglobina pré-

transfusional e as reações transfusionais mais frequentes.

- Identificar os principais fenótipos eritrocitários da população de doadores e dos

pacientes, e correlacionar os antígenos eritrocitários dos doadores com os dos pacientes

falciformes.

44

5. MATERIAS E MÉTODOS

O estudo foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa foi desenvolvido um Software

para coleta e armazenamento de dados, possibilitando interface adequada com o usuário e

permitindo emissão de relatórios. O Software foi alimentado pela autora com os dados clínicos

e transfusionais estabelecidos, os quais foram retirados das planilhas transfusionais e

prontuários do ambulatório, laboratório de testagem imunohematológica e programa existente

para liberação de hemocomponentes. Na segunda etapa os dados armazenados no banco de

dados do programa foram avaliados.

5.1. Tipo da Pesquisa:

O estudo foi composto por duas metodologias distintas. A primeira envolveu o

desenvolvimento do Software e a segunda a análise dos dados obtidos pelo programa.

O Software foi desenvolvido utilizando a metodologia de Ciclo de Vida de

Desenvolvimento de Sistemas (SDLC – Systems Development Life Cycle) que possibilita

definir as diferentes estratégias para criação, projeto, desenvolvimento e implementação de

sistemas, permitindo pontos de verificação e controle. Esta etapa foi realizada pela

pesquisadora em conjunto com um programador.

Para a SDLC são adotados modelos de execução como Clássico, Prototipação, Espiral e

Rápido.

Para o presente trabalho foi escolhido o modelo de Prototipação, desta forma permitindo

o sequenciamento das informações e melhor interface com o usuário. O projeto foi desenhado

conforme Quadro 1.

45

A partir do banco de dados do Software foi realizado um estudo analítico, transversal,

com abordagem qualitativa e quantitativa dos dados coletados nesta segunda etapa da

pesquisa.

Quadro 1: Etapas para o modelo da prototipação

46

5.2. Local da Pesquisa:

Todas as etapas do estudo ocorreram na HEMOBA.

A instituição conta com um ambulatório de assistência a pacientes com doenças

hematológicas benignas e uma sala de transfusão ambulatorial. No local trabalham médicos,

enfermeiros, técnicos de enfermagem, recepcionistas, além de psicólogo, fisioterapeuta e

dentista.

O processo de transfusão no ambulatório tem inicio com a solicitação do

hemocomponente realizada pelo médico assistente do paciente ou plantonista do ambulatório,

em impresso apropriado. Em seguida, o paciente é encaminhado para a sala de transfusão onde

é assistido pela enfermagem, responsável pela programação da transfusão conforme

solicitação médica e encaminhamento do paciente para coleta de amostras sanguíneas para os

testes necessários, conforme data da programada para a transfusão.

Para dar suporte às transfusões existe um laboratório no qual os hemocomponentes

solicitados para os pacientes do ambulatório são preparados seguindo a legislação vigente e

protocolos internos, sendo posteriormente liberados para transfusão.

Os pacientes recebem a transfusão do hemocomponente na sala de transfusão aos

cuidados da equipe de enfermagem e médico plantonista responsável pelo setor.

5.3. População:

O Software foi desenvolvido para uso em qualquer ambulatório transfusional, com ênfase

na população de interesse deste estudo. A população de análise foi restrita às crianças com

doença falciformes devido às suas peculiaridades transfusionais e carência de dados clínicos

e transfusionais dessa população. Desta forma, foram avaliadas todas as crianças com doença

falciformes que receberam transfusão ambulatorial e foram acompanhados pela equipe médica

do ambulatório do HEMOBA, no período de 1 ano (de janeiro de 2015 a janeiro de 2016).

47

5.3.1. Critérios de inclusão:

- Crianças entre 0 e 18 anos com doença falciforme acompanhadas no ambulatório do

HEMOBA que realizaram mais do que 1 transfusão no ambulatório transfusional da

instituição.

5.3.2. Critérios de exclusão:

- Pacientes que não sejam acompanhados por hematologista pediatra no ambulatório da

HEMOBA.

- Pacientes que não tenham comparecido a pelo menos 1 consulta com o médico

hematologista pediatra no período do estudo.

5.4. Desenvolvimento do Sistema

Baseado no modelo da Prototipação o sistema foi desenvolvido em etapas bem

estabelecidas, porém não hierárquicas. Desta forma, foi possível retornar às etapas já

realizadas, quando requerido pelo programador ou usuário, para realização dos ajustes

necessários.

5.4.1. Levantamento de Necessidades:

Foi inicialmente feita uma revisão de literatura sobre doença falciforme para embasar os

pontos de relevância concernentes à doença e seus aspectos transfusionais. Portanto, foi visto

a necessidade da inclusão de informações referentes à antígenos eritrocitários dos pacientes e

48

doadores dos quais receberam transfusão, histórico de aloimunização eritrocitária, reações

transfusionais, indicação das transfusões, medicações de uso habitual do paciente falciforme.

Após avaliação de pontos críticos de interesse foi verificada a rotina da instituição e

possibilidade de acesso aos dados. Foram analisadas quais informações eram utilizadas

rotineiramente no ambulatório da HEMOBA para a transfusão dos pacientes e quais poderiam

ser acessadas com frequência através do prontuário dos pacientes, livro de registro de

enfermagem da sala de transfusão e registros do laboratório de imunohematologia do doador

e receptor, por serem fontes mais acessíveis para coleta de dados.

Com base em todas essas informações foi desenvolvido um fluxograma de informações

de relevância e com factibilidade para que se iniciasse o desenvolvimento do projeto,

conforme apresentado no Quadro 2.

Quadro 2: Fluxograma de dados

49

5.4.2. Projeto Inicial:

Um projeto inicial foi construído com base nos dados de interesse. Foi estabelecida a

necessidade de desenvolvimento de um Software denominado Banco de Dados Transfusional

(BDTrans). Para sua realização foram utilizadas as ferramentas:

• Visual Studio 2015

• Linguagem de Programação C#

• Banco de Dados do Microsoft AccessR

Foi optado por usar a linguagem de programação C# por ser uma linguagem bastante

difundida entre programadores de sistemas e frequentemente utilizada no âmbito profissional

facilitando, desta forma, a manutenção do programa nos mais diferentes locais de sua

instalação.

Com relação ao banco de dados foi escolhido o Microsoft AccessR, pelas características

do programa e a forma como foi pensado. O AccessR possibilita o armazenamento de dados em

Desktop e permite migração futura dos dados para um programa com maior capacidade de

armazenamento como MySQL ou SQL Server.

Um dos requisitos para o desenvolvimento do sistema foi a utilização de uma boa

interface com o usuário. O programa foi desenhado objetivando a facilidade de instalação e

operação, além da sua capacidade de ser conectado a uma fonte de dados. Desta forma, não

precisa de instalação prévia, requer apenas a pasta do arquivo de dados do Microsoft AccessR,

com armazenamento das informações diretamente em Hard Disk (HD), facilmente operado por

um usuário comum.

O programa conta com o módulo de conexão a dados permitindo conexões múltiplas,

bem como o módulo de login dando maior segurança aos dados.

50

5.4.3. Protótipo: Construção, Avaliação e Refinamento.

Foi desenvolvido inicialmente um banco de dados utilizando o programa Microsoft

AccessR. Os dados foram estruturados em 3 tabelas básicas: Identificação, Doador,

Transfusões. (ANEXOS A, B, C)

No banco de dados foram inseridos os dados iniciais da pesquisa baseados nas

necessidades levantadas. Esses dados coletados foram acompanhados possibilitando a

correção de falhas, como dados sem relevância ou impossíveis de serem acessados.

5.4.4. Desenvolvimento:

O Software BDtrans foi desenvolvido utilizando as informações contidas no banco de

dados do Microsoft AccessR confeccionado na primeira etapa deste trabalho, após seu

aprimoramento.

Foi necessário modificar as tabelas iniciais do banco de dados estabelecendo 4 tabelas:

Identificação, Pedido de Transfusão, Transfusão e Usuário. Após correções das tabelas foram

criadas as relações. (Figura 1)

O BDTrans permite o interfaceamento dos dados transfusionais dos pacientes falciformes

com o usuário e, desta forma, facilita a visualização dos dados incluídos, impressão de

relatórios e cruzamento de informações de pacientes e doadores para localização de fenótipos

eritrocitários, além do histórico transfusional dos pacientes.

51

Figura 1: Relações do banco de dados

52

Para segurança, o programa só pode ser utilizado por usuário autorizado, mediante

apresentação de senha de acesso, criada e gerenciada por um administrador. (Figura 2)

Figura 2 - Tela de acesso ao programa (senha de acesso)

As funcionalidades do programa foram apresentadas no formato de guias, assim como é

encontrado em programas frequentemente utilizados pela população, como o pacote Microsoft

Office. Desta forma, foi possível facilitar a utilização do sistema pelo usuário, que encontra-

se mais familiarizado com a apresentação de guias, tornando o uso do sistema quase intuitivo.

A “Página Inicial” contém as guias “Dados do Paciente”, “Dados Transfusionais” e

“Relatórios”. (Figura 3)

53

Figura 3 - Guia inicial

A guia de “Dados” é subdividida em 3 campos. No primeiro, constam os dados da

fenotipagem eritrocitária do paciente para os principais antígenos eritrocitários: ABO, Rh,

Kell, MNS, Duffy, Kidd. No segundo, são inseridos os dados de identificação do paciente

como número do registro, nome do paciente, sexo, data de nascimento, endereço, nome da

mãe, CPF, número do cartão do SUS, além do diagnóstico, médico assistente, detecção de

anticorpo contra antígenos eritrocitários. No último campo constam os dados clínicos

relevantes como uso de Hidroxiuréia, quelantes de ferro, ácido fólico, Pen V Oral, outras

medicações, além da dosagem de ferritina e observações clínicas relevantes. (Figuras 4 e 5)

Em seguida à guia “Dados” está a guia “Pacientes” que possibilita visualizar todos os

pacientes cadastrados e buscar pelo paciente específico. (Figura 6)

54

Figura 4: Dados do paciente (1ª parte)

Figura 5: Dados do paciente (2ª parte)

55

Figura 6 – Lista de pacientes cadastrados

Para inserir dados em qualquer outro campo, primeiramente faz-se necessário preencher

a guia de cadastro do paciente.

A guia “Dados Transfusionais” está subdividida em duas guias. A primeira é a guia

“Solicitação da Transfusão” contendo dados relevantes para solicitar a transfusão como: tipo

de transfusão (programada, urgente, não urgente), data da solicitação da transfusão, data

programada para a transfusão, tipo de hemocomponente solicitado, modificações dos

hemocomponentes (lavado, filtrado, irradiado) além da opção de hemocomponente

fenotipados, por fim a indicação da transfusão (Figura 7). A segunda guia, denominada

“Dados da Transfusão” possibilita a inserção dos dados relacionados com a liberação do

hemocomponente para uso transfusional como: número da bolsa do hemocomponente, data

da transfusão, PAI, compatibilidade, Hb pré transfusional, tipo de hemocomponente

transfundido com local para inserção caso fenotipado, filtrado, irradiado, lavado, além da

fenotipagem do doador para os grupos sanguíneos ABO, Rh, Kell, Duffy, Kidd e se realizou

transfusão de troca ou não. É possível rastrear as transfusões já solicitadas para o paciente,

visualizando inclusive àquelas que ainda não foram realizadas. (Figuras 8,9)

56

Figura 7 - Guia para solicitação de transfusão

Figura 8 – Guia de dados da transfusão

57

Figura 9 – Guia de dados da transfusão (rastreamento de transfusões solicitadas)

Na guia “Relatório” é possível emitir relatório dos dados, cruzar alguns dados e os

imprimir. Neste módulo é possível localizar o paciente por nome, localizar o doador por grupo

sanguíneo/fenotipagem, localizar o paciente por grupo sanguíneo/fenotipagem emitir relatório

contendo todas as transfusões de cada paciente. (Figura 10)

Figura 10: Guia de relatórios

58

No módulo “Administração do Sistema” constam os campos: importar (importa arquivos

para serem incorporados ao programa como o banco de dados do AccessR), usuário (para

inclusão de usuários mediante o cadastramento de senha). (Figura 11)

Figura 11: Dados administrativos

5.5. Aspectos Éticos:

O projeto foi aprovado pela diretoria do HEMOBA, inscrito na plataforma Brasil, sendo

autorizado pelo Comitê de Ética em 10 de maio de 2015.

Por tratar-se de pesquisa com dados de prontuário não foi necessário termo de

consentimento livre e esclarecido para cada indivíduo envolvido com a pesquisa.

Os dados que possam identificar os pacientes do estudo não serão divulgados.

59

5.6 Análise estatística:

Para a análise descritiva, as variáveis quantitativas foram representadas por suas médias

e desvios-padrão quando suas distribuições eram normais e por medianas e intervalos

interquartis quando não normais com outliers importantes. A definição de normalidade foi feita

através de análise gráfica e teste de Shapiro-Wilk. As variáveis categóricas foram representadas

através de frequências e porcentagens.

Foi aplicada tabela de contingência e Teste Exato de Fisher para comparar as diferenças

entre fenótipo de pacientes e doadores.

Análise em caráter descritivo, em virtude da amostra de conveniência e objetivos do

estudo. As análises foram conduzidas com o software IBM Statistical Package for the Social

Sciences (SPSS ®, Chicago, IL, EUA) 20.0.

60

6. RESULTADOS: ANÁLISE DE DADOS TRANSFUSIONAIS DE CRIANÇAS

FALCIFORMES EM REGUIME TRANSFUSIONAL CRÔNICO

No período entre janeiro de 2015 e janeiro de 2016, foram realizadas no ambulatório da

HEMOBA 3101 transfusões, sendo 1588 em pacientes falciformes pediátricos, o que

corresponde a 51,2% do total de transfusões.

Durante o estudo, 250 crianças entre 0 e 18 anos receberam transfusão de CH na

HEMOBA. Destas, 108 foram incluídas no estudo, baseado nos critérios de inclusão e

exclusão. Dos pacientes excluídos, 76 faziam acompanhamento em outras instituições, 20

pacientes não estavam em regime transfusional crônico e 46 não tiveram os prontuários

localizados, conforme quadro 3. (Quadro 3)

Durante o período do estudo, esses 108 pacientes receberam um total de 864 transfusões.

Esses pacientes tiveram suas transfusões acompanhadas, com o registro dos doadores dos

quais receberam os hemocomponentes, bem como os fenótipos eritrocitários.

Quadro 3: Desenho do Estudo de Dados Transfusionais

61

Características

6.1. Dos pacientes:

A distribuição de gêneros dos 108 pacientes estudados foi: 67 do sexo masculino e 41 do

sexo feminino, com uma média de idade de 6,3 anos (+/- 3,7).

O diagnóstico do subtipo de doença falciforme foi: 104 SS (96,3%), 2 SC (1,9%) e 2

Sbeta talassemia (1,9%).

As complicações que foram responsáveis pela indicação de transfusão regular nas

crianças do estudo estão na Tabela 1:

Tabela 1 – Características epidemiológicas e clínicas gerais dos pacientes

Característica Geral

(n = 108)

Sexo masculino 67 (62,0)

Idade

Média ± desvio-padrão 6,9 ± 3,7

Procedência

Salvador 37 (34,3)

Interior 71 (65,7)

Indicação de

transfusão 108 (100)

DTC alterado 62 (58,3)

AVC prévio 41 (38,0)

Priapismo recorrente 2 (1,8)

Sequestro esplênico 2 (1,9)

Outros 1 (0,9)

Uso de Hidroxiuréia 58 (53,7)

Uso de Deferasirox 48 (44,4)

Todos os dados são apresentados como n (%), exceto se especificado.

62

Os pacientes residentes em Salvador representaram 34%, com os demais distribuídos

entre 62 cidades.

O início do esquema transfusional variou de 2004 a 2015, conforme tabela 2.

Tabela 2. Ano do início do esquema transfusional

Ano de início da

transfusão

Número de

pacientes

% do total de 108

2004 1 0,92

2005 3 2,77

2006 1 0,92

2007 3 2,77

2008 12 11,11

2009 14 12,96

2010 5 4,62

2011 32 29,62

2012 17 15,74

2013 8 7,40

2014 5 4,62

2015 7 6,48

Todos os dados são apresentados como n (%).

63

Além da transfusão dos concentrados de hemácias, alguns pacientes recebiam outros

medicamentos, como Hidroxiuréia e quelante de ferro (Deferasirox) como consta na Tabela

1.

Os fenótipos eritrocitários dos pacientes estão listados na Tabela 3. Além do sistema ABO

e RH, os sistemas Kell, Kid, Duffy, Lewis e MNS foram estudados.

Como mostra a Tabela 4, o grupo sanguíneo mais prevalente entre os pacientes foi o grupo

O (47,2%), seguido pelo A (33,3%), os grupos B (16,7%) e AB (2,8%) foram mais raros.

Tabela 3 – Fenótipos eritrocitários dos pacientes (N = 108)

Antígenos Positivo Negativo Não realizado

Tipagem

ABO

A 36 (33,3) - -

B 18 (16,7) - -

AB 3 (2,8) - -

O 51 (47,2) - -

D 98 (90,7) 0 (9,3) 0 (0,0)

C 45 (41,7) 2 (48,1) 11 (10,2)

E 13 (12,0) 4 (77,8) 11 (10,2)

e_ 97 (89,8) 0 (0,0) 11 (10,2)

C 89 (82,4) 7 (6,5) 12 (11,1)

CW 1 (0,9) 91 (84,3) 16 (14,8)

K 3 (2,8) 91 (84,3) 14 (13,0)

Jka 46 (42,6) 3 (2,8) 59 (54,6)

Jkb 26 (24,1) 23 (21,3) 59 (54,6)

M 29 (26,9) 15 (13,9) 64 (59,3)

N 33 (30,6) 11 (10,2) 64 (59,3)

S 21 (19,4) 8 (25,9) 59 (54,6)

s_ 48 (44,4) 0 (0,0) 60 (55,6)

Fya 18 (16,7) 30 (27,8) 60 (55,6)

FYb 20 (18,5) 7 (25,0) 61 (56,5)

Todos os dados são apresentados como n (%).

64

6.2. Características dos doadores:

A maioria dos doadores apresentou fenotipagem estendida para os sistemas Kell, Kidd,

Duffy, Lewis e MNS, como mostra a Tabela 4.

Durante o período do estudo, foram analisadas 864 transfusões de 837 doadores.

Do total de doadores, 811 eram doadores de primeira vez (96,9%), 25 de segunda vez

(3%) e apenas 1 doador com 3 ou mais doações (0,1%).

Como podemos observar, a maioria dos doadores pertence ao grupo sanguíneo O

(71,4%), seguidos pelo A (20,7%), B (7,5%) e AB (0,4%).

65

Tabela 4 – Fenótipos eritrocitários dos doadores (N = 837)

Antígenos Positivo Negativo Não realizado

Tipagem ABO

A 173 (20,7)

B 63 (7,5) -

AB 3 (0,4) - -

O 598 (71,4) - -

D 667 (79,7) 170 (20,3) 0 (0,0)

C 264 (31,5) 549 (65,6) 24 (2,9)

E 84 (10,0) 728 (87,0) 25 (3,0)

e_ 784 (93,7) 28 (3,3) 25 (3,0)

C 770 (92,0) 42 (5,0) 25 (3,0)

CW 1 (0,1) 808 (96,5) 28 (3,3)

K 6 (0,7) 802 (95,8) 29 (3,5)

K2 1 (0,1) 0 (0,0)

836 (99,9)

Jka 500 (59,7) 66 (7,9) 271 (32,4)

Jkb 320 (38,2) 245 (29,3) 272 (32,5)

M 421 (50,3) 144 (17,2) 272 (32,5)

N 411 (49,1) 153 (18,3) 273 (32,6)

S 230 (27,5) 333 (39,8) 274 (32,7)

s_ 515 (61,5) 49 (5,9) 273 (32,6)

Fya 187 (22,3) 378 (45,2) 272 (32,5)

FYb 272 (32,5) 293 (35,0) 272 (32,5)

Todos os dados são apresentados como n (%).

6.3 Aloimunização

Dos 108 pacientes estudados, 22 desenvolveram 1 aloanticorpo (19,5%), 3 pacientes

desenvolveram 2 aloanticorpos (2,7%), 1 paciente desenvolveu 3 anticorpos (0,9%) e outro

66

paciente com 4 aloanticorpos (0,9%), como observamos no gráfico 1. Além disso, 5 pacientes

desenvolveram apenas autoanticorpos.

Gráfico 1: Número de anticorpos por pacientes alo ou autoimunizados

No gráfico 2, abaixo, encontra-se a identificação dos aloanticorpos desenvolvidos pelos

pacientes.

Gráfico 2: Anticorpos identificados

Aloimunização

sem ac

1 ac

2 ac

3 ac

4 ac

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

1900ral

Aloanticorpos

Aloanticorpos

67

Na tabela 5 são comparados os fenótipos eritrocitários dos pacientes e dos doadores, em

porcentagem de antígeno positivo para os grupos sanguíneos mais imunogênicos.

Tabela 5– Comparação entre frequências de fenótipos de pacientes e doadores

Antígenos

presentes

Paciente

(n= 108)

Doador

(n= 811)

Valor de P

(Exato de Fischer)

A 36 (33,3) 173 (20,7) P<0.0001

B 18 (16,7) 63 (7,5) 0,0031

AB 3 (2,8) 3 (0,4) 0,0224

O 51 (47,2) 598 (71,4) P<0.0001

D 98 (90,7) 667 (79,7) 0,0058

C 45 (41,7) 264 (31,5) 0,0385

E 13 (12,0) 84 (10,0) 0,5016

e_ 97 (89,8) 784 (93,7) 0,1516

C 89 (82,4) 770 (92,0) 0,0037

K 3 (2,8) 6 (0,7) 0,0730

Jka 46 (42,6)

500 (59,7) 0,0009

Jkb 26 (24,1)

320 (38,2) 0,0040

M 29 (26,9)

421 (50,3) P<0.0001

N 33 (30,6)

411 (49,1) 0,0003

S 21 (19,4)

230 (27,5) 0,0826

s_ 48 (44,4)

515 (61,5) 0,0008

Fya 18 (16,7)

187 (22,3) 0,2145

FYb 20 (18,5)

272 (32,5) 0,0027

Foi aplicada tabela de contingência e Teste Exato de Fisher

68

Tabela 6 – Dados de transfusões

Antígenos Transfusões

(N = 864)

Processamento do

hemocomponente

Filtrado 861 (99,7)

Lavado 83 (9,6)

Fenotipado 693 (80,2)

Hemocomponente

transfundido

Filtrado 787 (91)

Lavado 76 (8,8)

Fenotipado 620 (71,8)

Transfusão de

Troca Manual 378 (43,8)

Aloanticorpo

previamente detectado 225 (26,0)

Anticorpo não identificado 10 (1,2)

ANTI -D 2 (0,2)

ANTI-C 43 (5,0)

ANTI-C A 7 (0,8)

ANTI-C 4 (0,5)

ANTI-D 1 (0,1)

ANTI-Dia 26 (3)

ANTI-E 21 (2,4)

ANTI-FYA 10 (1,2)

ANTI-K 47 (5,4)

ANTI-M 9 (1,0)

ANTI-S 13 (1,5)

AUTO 27 (3,1)

AUTO+ NA 1 (0,1)

AUTO+ALO 3 (0,3)

Reação

transfusional 7 (0,8)

Hb prévio

Mediana (quartis)

Média ± desvio-padrão

7,8 (7,1 –

8,7)

7,9 ± 1,3

Todos os dados são apresentados como n (%), exceto se especificado.

69

7. DISCUSSÃO

A Doença Falciforme apresenta alta prevalência no Brasil e principalmente na Bahia.

(HUTTLE et al., 2015) É uma doença sistêmica cujas complicações podem acometer diversos

órgãos e tecidos e levam a diminuição da qualidade de vida e da sobrevida do

paciente.(BADAWY et al., 2016)

Várias políticas públicas estão sendo desenvolvidas para a atenção ao paciente

falciforme. No Brasil, o Ministério da Saúde, desde meados da década de 90, vem

implementando ações públicas voltadas para a doença, culminando com a portaria nº 1.391, de

16 de agosto de 2005, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com

Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias, no âmbito do SUS. (DINIZ; GUEDES, 2005)

Porém, a falta de sistemas informatizados, tanto em nível local como nacional, dificulta o

conhecimento epidemiológico, demográfico e clínico desses pacientes e a melhorias nas

políticas de atenção à saúde dos portadores dessa doença tão prevalente no país.

Atualmente, no Estado da Bahia, o acompanhamento dos pacientes falciformes é

realizado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), em alguns ambulatórios, principalmente

em Salvador e região metropolitana. Para a assistência hematológica das crianças falciformes,

estão disponíveis na capital baiana os ambulatórios da Fundação HEMOBA, Associação de

Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Hospital Universitário Professor Edgar Santos

(HUPES), Hospital Santo Antônio (HSA), Hospital Martagão Gesteira e unidades de saúde da

prefeitura. Todas estas unidades, com exceção do Hospital Martagão Gesteira, utilizam o

ambulatório de transfusão da HEMOBA para suporte transfusional.

O desenvolvimento e a aplicação do sistema de informação chamado “BDTrans”

possibilita a coleta informatizada de dados demográficos, clínicos e transfusionais dos pacientes

assistidos na instituição possibilitando melhorias na assistência os pacientes.

O presente estudo foi realizado na HEMOBA, onde foram avaliados 174 pacientes

transfundidos e acompanhados no ambulatório da instituição, com inclusão total de 108

crianças falciformes que receberam transfusão ambulatorial. Foram excluídos 20 pacientes por

terem feito transfusão esporádica e 46 por falha na coleta de dados. A falta de informatização

70

do arquivo e prontuários do ambulatório dificultaram a localização e coleta de dados clínicos

por isso o grande número de pacientes excluídos.

De acordo com dados da triagem neonatal nos anos de 2009 - 2010, no Estado da Bahia,

os locais com maior incidência de novos casos de Doença Falciforme foram: Salvador, com

23,2% dos casos, seguidos por Feira de Santana (4,6%), Lauro de Freitas (2,2%) e Camaçari

com 18 casos (1,9%). Os demais casos estavam distribuídos entre outros 413 municípios.

(AMORIM, 2010) No estudo aqui descrito muitos dos pacientes avaliados eram residentes em

cidades do interior do estado, 67%.

A causa mais comum para manutenção de regime transfusional crônico em pacientes

com DF são as complicações cerebrovasculares. Estima-se que 8-10% das crianças com AF

terão um AVC até a idade adulta, com 50% a 90% de chance de apresentar um segundo evento.

As transfusões regulares diminuem o risco do segundo AVC para 10-20%. Desta forma, uma

das principais indicações de transfusão crônica é a prevenção primária ou secundária do AVC.

(WARE, 2007)

O estudo STOP avaliou a velocidade de fluxo nas artérias cerebrais médias de crianças

com HbSS ou HbSb0Tal evidenciando 9,3% de alteração nos exames. A velocidade de fluxo ao

DTC > 200cm/s, repetida e confirmada, confere risco de 46% da criança evoluir com AVC nos

próximos 39 meses, caso não inicie esquema de transfusões.(ADAMS et al., 1998) Segundo

Adams, o grupo etário onde o DTC apresentou maior alteração foi entre 2-8 anos (10,7%),

seguido de 9-12 anos (9,4%). (ADAMS, 2000, 347) A transfusão regular para manter a HbS

<30% deve ser oferecida como tratamento inicial dessas crianças, com idades entre 2-16 anos,

consideradas de alto risco para um primeiro AVC com base no DTC. (DAVIS et al., 2016)

Das crianças falciformes incluídas no presente estudo, 96% possuíam fenótipo SS, com

mediana de idade de 11 anos. As indicações para as transfusões foram: DTC alterado, em 58%

dos casos, enquanto AVC correspondeu a 38%, portanto a doença cerebrovascular consistiu

mais de 90% das indicações para as transfusões. Apenas 2 crianças (1,8%), fizeram transfusões

por sequestro esplênico, que também consiste em uma indicação frequente de transfusão na DF.

O sequestro esplênico acomete principalmente crianças de 3 meses a 6 anos, com 75% dos

casos ocorrendo até 26 meses de vida e taxas de recorrência de 67%, com mortalidade de 0,53%.

(REZENDE et al., 2009) (BROUSSE et al., 2012) A baixa prevalência de outras causas para

transfusão além da DCV talvez guarde relação com o fato de muitas crianças menores de 5

71

anos, faixa etária de maior prevalência de sequestro esplênico, serem acompanhadas em outros

ambulatórios, como APAE, e transferidas para a HEMOBA apenas após esta idade.

A maioria das transfusões foi iniciada na faixa etária entre 2-8 anos (61%) e 9-12 anos

(24%), nas mesmas faixas etárias onde foi verificada maior alteração de DTC no estudo STOP.

(ADAMS et al., 1998) Vinte e nove porcento, iniciaram o regime transfusional em 2011,

seguido dos anos de 2012 com 15% dos casos e 2009 com 13%. O DTC começou a ser realizado

na instituição do estudo em 2009 e talvez, por esse motivo, ocorreu o aumento significativo de

crianças falciformes em regime transfusional crônico a partir daquele ano.

A crescente indicação dos regimes transfusionais crônicos em pacientes com DF traz

consigo os riscos inerentes a transfusão, tais como RTHT, aloimunização, reações

transfusionais agudas, transmissão de patógenos e sobrecarga de ferro induzida por transfusão.

(CHOU; LIEM; THOMPSON, 2012)

A aloimunização eritrocitária apresenta prevalência variável na literatura. Estudos

mostram variação na prevalência de 6 – 60% a depender das variáveis associadas,

principalmente semelhança fenotípica eritrocitária entre doadores e

pacientes.(OLUJOHUNGBE et al., 2001)(NATUKUNDA et al., 2010)(MURAO; VIANA,

2005)(MILLER et al., 2013) No estudo houve uma prevalência de aloimunização de 23%. Em

análise previa realizada na HEMOBA, foi verificada aloimunização em mais de 60% dos

pacientes falciformes transfundidos com idade acima de 18 anos e com variadas indicações de

transfusão, utilizando apenas a fenotipagem Rh e Kell, o que torna as variáveis bastante

diferentes da presente análise. (ZANETTE et al., 2010) Provavelmente, a utilização rotineira

de hemácias fenótipo compatíveis seja responsável pela diminuição das taxas de

aloimunização.(DESSAP et al., 2016)

Desde 2010 a Fundação HEMOBA realiza fenotipagem estendida para os pacientes

falciformes, com coleta do exame preferencialmente quando ainda na infância e antes da

primeira transfusão. Dos pacientes avaliados, 87% apresentavam pelo menos a fenotipagem Rh

e Kell e aproximadamente 40% apresentavam fenotipagem para Kidd, Duffy e MNS,

provavelmente porque foram fenotipados antes de 2010.

No presente estudo, os grupos sanguíneos mais prevalentes nos pacientes foram: O

(47,2%), seguido pelo A (33,3%), B (16,7%) e AB (2,8%). Com relação a fenotipagem

estendida, 84,3% dos pacientes eram negativos para K, 77,8% para E e 48,1% para C, 21% para

72

JKb, 25,9% para S e 27,8% para FYa. Na literatura verifica-se prevalências variáveis O (61,1%),

seguido por A (20,4%), B (13,0%) e AB (5,6%), demais antígenos descritos em Tabela 6.

Talvez a diferença fenotípica entre os estudos envolva diferenças étnicas entre as populações

avaliadas. O Brasil possui a população mais heterogênea do mundo, decorrente de cinco séculos

de relações inter étnicas de povos dos três continentes: colonizadores europeus, escravos

africanos e os ameríndios. (PARRA et al., 2003)

Tabela 7: Comparação entre fenótipos eritrocitários de pacientes falciformes em diferentes estudos

% Antígeno

Negativo

Estudo Atual

(N:108 pacientes)

Karafin et al, 2015

(N: 64 pacientes)

Pinto et al, 2011

(N: 102 pacientes)

K 91 94 92

C 52 70 46

E 84 74 71

Jkb 23 37 49

Fya 30 82 40

O desenvolvimento de aloanticorpos parece ser uma resposta multifatorial, envolve

aspectos do paciente e do doador. (CHOU; LIEM; THOMPSON, 2012) (YAZDANBAKHSH;

WARE; NOIZAT-PIRENNE, 2012) Aspectos genéticos, idade, sexo, número de transfusões e

estado inflamatório do indivíduo guardam relação com a formação de aloanticorpos.(MURAO;

VIANA, 2005) (SINS et al., 2016) . (YAZDANBAKHSH, 2015) (FASANO et al., 2014)

Estudos mostram prevalência de 45% de aloimunização eritrocitária nos pacientes falciformes

em regime transfusional crônico e 12% naqueles fazendo uso de transfusões eventuais, com

predominância de anticorpos contra antígenos do sistema Rh. (CHOU et al., 2013) No presente

estudo foram avaliadas pacientes com mais de 1 transfusão anual, na faixa etária pediátrica,

com predominância do sexo masculino (67%).

A DF, pela sua origem africana, é mais prevalente em afrodescentes. Países com menor

diferença étnica entre sua população, consequentemente menor diferença entre os fenótipos

eritrocitários, apresenta baixa incidência de aloimunização.(OLUJOHUNGBE et al.,

2001)(NATUKUNDA et al., 2010)(CHOU; LIEM; THOMPSON, 2012)(YAZDANBAKHSH;

73

WARE; NOIZAT-PIRENNE, 2012) Avaliando os doadores foi possível observar que a maioria

era do grupo sanguíneo O (71,4%), seguidos pelos grupos A (20,7%), B (7,5%) e AB (0,4%).

A instituição preconiza a fenotipagem Rh e Kell de indivíduos do grupo O, caso o doador seja

C e E negativos a fenotipagem é estendida. Desta forma, 95% dos doadores eram negativos

para K, 87% para E e 42% para C, 29% para JKb, 39% para S e 45% Fya. Os dados foram

parecidos com os encontrados na literatura O (51,3%), seguida de A (25,6%), B (19,2%) e AB

(3,9%), exceto pela maior frequência de doadores O e menor de doadores B. (KARAFIN et al.,

2015) Talvez esses dados tenham relação com a preferência em realizar a fenotipagem de

indivíduos do grupo O.

Karafin et.al, avaliou 6066 doadores de sangue afrodescendentes nos Estados Unidos

verificado que a maioria (56,9%) doou apenas uma vez em 3 anos, 20,4% doaram duas vezes.

A mediana de doações ao longo de 3 anos foi de uma doação, com média de doações de 2,1.

(KARAFIN et al., 2015, 1401). No presente estudo, avaliando as doações durante um ano, 811

eram doadores de primeira vez (96,9%), 25 de segunda vez (3%) e apenas 1 doador com 3 ou

mais doações (0,1%). A baixa prevalência de doadores de repetição dificulta a construção de

um programa de fidelização de doadores para cada paciente falciforme em regime transfusional

crônico.

A literatura mostra maior prevalência dos aloanticorpo anti-C, anti-E, anti-K em ordem

decrescente, na população com DF. (VICHINNSKY et al., 1990) (ZANETTE et al., 2010)

(KARAFIN et al., 2015) (MILLER et al., 2013) No presente estudo foram encontrados 38

aloanticorpos. A maioria dos pacientes apresentavam apenas um aloanticorpo (19,5%), porém

houve pacientes com 2 (2,7%), 3(0,9%) e 4(0,9%) aloanticorpos. Além disso, 5 pacientes

desenvolveram apenas autoanticorpos.

Os aloanticorpos mais prevalentes foram anti-C (23,6%), anti-E (15,8%), anti-K (13,2%)

e anti-D (10,5%). Chama a atenção a prevalência de anti-D, que pode estar relacionada com

variantes nos genes RHD e RHCE, frequentes em afrodescendentes.(FLEGEL, 2011) Em um

estudo realizado do Hemocentro de Campinas, foi visto que pacientes com variantes RHD e

RHCE podem desenvolver alo e autoanticorpo, inclusive anti-D, mediante D

fraco.(GASPARDI et al., 2016) Sippert et al, demonstrou que 65% dos pacientes com DF

aloimunizados para antígenos do sistema Rh eram portadores de alelos variantes de RH e que

42% dos anticorpos encontrados tiveram significância clínica.(SIPPERT et al., 2015, 72)

74

Embora a tipagem de antígenos antes da transfusão de pessoas com DF e a transfusão de

concentrado de hemácias fenótipo compatível, a taxa de aloimunização permanece bastante

elevada nos pacientes com DF e pode dever-se em grande parte a transfusões recebidas em

instituições que não proporcionam hemocomponente fenótipo compatível. (MILLER et al.,

2013)

Uma das complicações dos regimes transfusionais crônicos é a sobrecarga de ferro. A

quelação de ferro com Deferasirox estava sendo utilizada por 44% dos pacientes no presente

estudo. No final do seguimento, no estudo STOP, 41% dos pacientes em regime transfusional

crônico faziam uso de Deferasirox.(ADAMS et al., 1998) No estudo TWiTCH, após 4 anos de

transfusões regulares 95% dos pacientes estavam fazendo uso de quelantes de ferro. (WOOD

et al., 2016)

As transfusões em pacientes falciformes podem ser realizadas de forma simples, por troca

manual ou por eritrocitoaférese. A transfusão de troca está mais indicada para os regimes

transfusionais crônicos por possibilitar maior diminuição da HbS pela retirada de parte dos

eritrócitos autólogos, diminuir a sobrecarga de ferro a longo prazo, e evitar o aumento da

viscosidade sanguínea. (SWERDLOW, 2006) A decisão de utilizar transfusão simples ou de

troca depende da situação clínica específica, dos recursos disponíveis e da capacidade de

estabelecer um acesso venoso adequado. A troca manual é um procedimento seguro, eficaz,

principalmente na redução da sobrecarga de ferro, e de menor custo em relação a

eritrocitoaférese para os pacientes falciformes. (KOEHL et al., 2016)(WARE, 2007) Na

instituição onde ocorreu o estudo não é realizada eritrocitoaférese, sendo preconizada a

realização de transfusão de troca manual com base no valor da hemoglobina pré-transfusional.

Foi verificado no estudo que, das 864 transfusões, 378 foram transfusão de troca manual, com

média de Hb 9,0 g/dl. No grupo de transfusão simples, a média de Hb foi 7,0 g/dl.

Com a maior utilização das transfusões aumenta o risco de reações transfusionais.

Segundo a Anvisa, em 2014 foram notificadas no Brasil mais de 11000 reações transfusionais,

com Reação Febril não Hemolítica responsável por 47,8% das notificações, seguida de reação

alérgica com 40,2%. A RTHT correspondeu apenas a 0,1% das notificações.(SANITARIA,

2015) Estima-se que a incidência de RTHT na população falciforme seja bem maior do que as

relatadas visto a dificuldade do diagnóstico. A RTHT simula complicações da própria doença

falciforme, como crise de dor e hemólise, e, muitas vezes, o paciente apresenta testes

diagnósticos negativos. (DE MONTALEMBERT et al., 2011) Com relação às reações

75

transfusionais agudas, foram 2 reações alérgicas e 1 hipotensão, esta última em um paciente

com Hb10,7, submetido a transfusão de troca manual. Dos hemocomponentes utilizados 8

pacientes utilizaram concentrado de hemácias lavados (total de 77 componentes transfundidos),

620 CH filtrados e fenotipados e somente 167, filtrados sem fenotipagem. A leucodepleção,

através da filtragem do hemocomponente, apresenta eficácia na prevenção de reação febril não

hemolítica, principalmente quando realizada pré estocagem (BIANCHI et al., 2016)

(DELANEY et al., 2016)

Assim como as transfusões, a Hidroxiuréia possui papel importante no controle das

complicações da DF e na melhoria da qualidade de vida desses pacientes.(THORNBURG;

CALATRONI; PANEPINTO, 2011) Na prevenção de recorrência de AVC, não mostrou

superioridade em relação a transfusão, que continua sendo a terapêutica mais indicada. (WARE;

HELMS, 2012) Já na prevenção primária do AVC, o estudo TWiTCH comprovou a eficácia da

troca do regime transfusional crônico por Hidroxiuréia nos pacientes já cursando com DTC

normal.(WARE et al., 2016). No presente estudo a Hidroxiuréia estava sendo utilizada por

53,7% das crianças analisadas, na sua maioria cursando com doença cerebrovascular (DTC

alterado ou AVC), porém o motivo do uso da medicação não pode ser relatado.

76

8. CONCLUSÃO

O desenvolvimento e a aplicação do sistema de informação denominado “BDTrans” nos

permitiu um maior conhecimento acerca da terapia transfusional das crianças falciformes

assistidas na HEMOBA e possibilitou o reconhecimento de problemas nesse processo para

orientação de futuras políticas de saúde pública voltadas para essa população.

O presente estudo permitiu conhecer as principais indicações para regimes transfusionais

em pacientes falciformes pediátricos, com destaque para a doença cerebrovascular e

principalmente sua profilaxia primária.

Foi possível traçar um perfil epidemiológico desses pacientes e analisar dados clínicos

como o uso de hidroxiuréia e quelantes de ferro, porém não foi possível relatar dados

laboratoriais como eletroforese de hemoglobina pré transfusional e dosagem de ferritina visto

que, apesar de sua importância para o acompanhamento transfusional desses pacientes, esses

exames não são realizados na instituição.

O acesso informatizado aos dados transfusionais permitiu correlacionar o fenótipo

eritrocitário da população falciforme e da doadora facilitando para que, em um futuro

próximo, seja desenvolvido um programa de fidelização de doadores fenotipados para cada

paciente, diminuindo assim a exposição de pacientes a doadores e reduzindo a chance de

aloimunização.

Houve diferença estatística entre os fenótipos dos doadores de sangue e os pacientes

falciformes o que pode explicar em parte a alta taxa de aloimunização nesses pacientes.

O sistema poderá ser utilizado para acompanhamento transfusional de outras populações

de pacientes, além das crianças falciformes. Com ele poderão ser realizados estudos adicionais

permitindo seguimento a longo prazo de pacientes que requeiram suporte transfusional,

possibilitando seu melhor conhecimento.

77

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88

APÊNDICES

ANEXO A – Formulário de identificação do paciente

89

ANEXO B - Formulário de dados das transfusões

90

ANEXO C – Formulário de dados do doador