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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO ANA CAROLINA GUIDORIZZI ZANETTI A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico RIBEIRÃO PRETO 2006

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO

ANA CAROLINA GUIDORIZZI ZANETTI

A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico

RIBEIRÃO PRETO

2006

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ANA CAROLINA GUIDORIZZI ZANETTI

A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico

Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção de título de Mestre em Enfermagem Área de concentração: Enfermagem Psiquiátrica Linha de pesquisa: Enfermagem Psiquiátrica: o doente, a doença e as práticas terapêuticas Orientadora: Profª. Drª. Sueli Aparecida Frari Galera

Ribeirão Preto 2006

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Zanetti, Ana Carolina Guidorizzi

A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico./ Ana Carolina Guidorizzi Zanetti; orientadora Sueli Aparecida Frari Galera. - Ribeirão Preto, 2006.

100f.

Dissertação (Mestrado-Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem. Área de Concentração: Enfermagem Psiquiátrica)- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

1.Enfermagem. 2.Família. 3. Esquizofrenia. 4.Cultura.

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ANA CAROLINA GUIDORIZZI ZANETTI

A FAMÍLIA E O PROCESSO DE ADOECIMENTO DO PORTADOR DE

ESQUIZOFRENIA: UM ESTUDO DE CASO ETNOGRÁFICO

Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de Mestre em Enfermagem Área de concentração: Enfermagem Psiquiátrica

Aprovado em:

Banca examinadora

Prof. Dr._______________________________________________________________

Instituição: _______________________________Assinatura: ___________________

Prof. Dr._______________________________________________________________

Instituição: _______________________________Assinatura: ___________________

Prof. Dr._______________________________________________________________

Instituição: _______________________________Assinatura: ___________________

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Agradecimentos

À Profª Drª Sueli, que com seu conhecimento, carinho e paciência, esteve

sempre ao meu lado, incentivando e demonstrando ser uma grande pesquisadora e

acima de tudo amiga e companheira.

À família deste estudo que sempre se mostrou disponível e me recebeu com

muito carinho e atenção.

À equipe do Núcleo de Saúde Mental pelo profissionalismo e auxílio no

desenvolvimento desta pesquisa.

Às colegas Edilaine, Bianca, Adriana, Leninha, Luísa e Ana Lídia, por me

atenderem nos momentos mais difíceis com muito respeito e carinho.

Ao Caetano e a todos os amigos, especialmente, Andressa, Aninha e Luciano,

que sempre me apoiaram e incentivaram durante a pesquisa.

À Miyeko pelo incentivo e amizade.

Aos docentes e funcionários do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e

Ciências Humanas pela disponibilidade e compreensão.

À minha tia Maria Lúcia, sempre companheira e motivadora, mostrando mais

uma vez o quanto é especial e importante.

À minha família, pela compreensão, dedicação e apoio em todos os momentos,

especialmente, meus pais, José Mauro e Mara, meus irmãos Gabriel e Felipe, meus

avós e meus primos, Raquel, Fernanda e Alexandre.

À Profª Drª Silvia Cassiani pela oportunidade de inserção na pesquisa.

Ao Drº Edson pela atenção e orientação nos momentos de angústia e desespero.

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RESUMO ZANETTI, A.C.G. A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico 2006. Tese (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2006. Na atualidade, a esquizofrenia é um dos principais problemas de saúde pública e afeta,

além dos pacientes, os seus familiares, causando inúmeros prejuízos funcionais e

sociais. A esquizofrenia é definida como uma doença que afeta a zona central do eu e

altera toda a estrutura vivencial da pessoa. O esquizofrênico representa o estereótipo do

louco, um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para

com a realidade reconhecida. Cada grupo social define a esquizofrenia de acordo com

seus conhecimentos, crenças e ações específicas. A família tem um lugar e função

central na vida dos portadores de esquizofrenia. A confirmação do diagnóstico e o início

da doença constituem alguns dos fatores que geram inúmeras mudanças no contexto

familiar. Assim, constituiu-se objeto deste estudo apreender o sentido dado pela família

acerca do processo de adoecimento do portador de esquizofrenia e os mecanismos para

lidar com a doença. Trata-se de um estudo de caso etnográfico, fundamentado no

referencial da teoria sistêmica familiar e da antropologia médica, realizado no período

de agosto a dezembro de 2005. Participaram do estudo uma família composta por pai,

mãe, cinco filhos, dos quais quatro são portadores de esquizofrenia, em seguimento no

Núcleo de Saúde Mental do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os dados foram obtidos por meio da

observação, análise dos prontuários, registros no diário de campo e entrevistas gravadas

realizadas com a família, em sua maioria, no domicílio. Para a apresentação dos dados

utilizamos o genograma, história familiar, análise do sistema familiar e descrição das

categorias obtidas nas entrevistas. A partir da construção do genograma, pode-se

conhecer a estrutura interna da família. A análise do sistema familiar permitiu descrever

além da estrutura, seu funcionamento e desenvolvimento. As entrevistas foram

transcritas e submetidas a uma análise de conteúdo latente. A análise das entrevistas

permitiu identificar sete categorias temáticas relacionadas ao sentido dado ao processo

de adoecimento e aos mecanismos de enfrentamento da família. As categorias referem-

se às representações sobre o normal e o patológico, as representações do termo

esquizofrenia, as explicações para a doença, o impacto relacionado ao sofrimento, à

sobrecarga, ao isolamento social e às tarefas da cuidadora, às modificações no

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relacionamento familiar, o tratamento e a cura. Para a família em estudo, o adoecimento

dos filhos causou um rompimento em sua trajetória de vida. O impacto da esquizofrenia

foi revelado pelos familiares mediante a manifestação de sentimentos de tristeza,

isolamento social e sobrecarga. Os resultados nos levam a considerar que a assistência

ao doente mental constitui um desafio para os profissionais de saúde. Torna-se

necessário e urgente incluir a família como unidade de cuidado, além de garantir a

manutenção do tratamento farmacológico e a reabilitação psicossocial.

Palavras-chave: Enfermagem, Família, Esquizofrenia, Cultura.

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ABSTRACT

ZANETTI, A.C.G. The family and the illness development process in the schizophrenic ill: an ethnographic case study 2006. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2006. On the present days, schizophrenia is one of the most important problems on public

health which affects not only the patients, but also their families, causing many

functional and social losses. Schizophrenia is defined as an illness that affects the id

central zone and changes all person’s living structure. The schizophrenic illrepresents

the stereotype of the crazy one, an individual who causes huge social oddness due to

his/her despisal to the known reality. Each social group defines schizophrenia

according to their knowledge, beliefs and specific actions. Family has a place and a

central function on the life of the schizophrenic ill. The diagnostic confirmation and the

illness beginning are some of the events that create a number of changes on the family

context. Therefore, the objective of this study is learning both the sense given by the

family to the illness development process and the facing mechanisms to deal with

schizophrenia. This is an ethnographic case study based on the reference of the family

systemic theory and medical anthropology, conducted during August through December

of 2005. A family composed by father, mother and five kids, four of which are

schizophrenic, being followed at the Núcleo de Saúde Mental do Centro de Saúde

Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Data were obtained by observation, review of medical registry, camp diary notes and

recorded interviews carried out with the family what, mostly happened at their home. A

genogram, family history, family system analysis and description of categories from the

interviews were used to present the data. From the building of the genogram, one can

know the family’s internal structure. The family system analysis allowed describing not

only the structure, but the function and development. The interviews were transcribed

and submitted to a latent content analysis . The interview analysis allowed pointing

seven thematic categories related to the sense given to the illness process and the facing

mechanisms used by the family. The categories refer to representation about what is

normal and pathologic, representations of the term schizophrenia, explanations to the

disease, the impact on suffering, overload, social isolation and tasks for the care taker,

changes in family, the treatment and cure. For the studied family, the children illness

has caused a break up to their life way. The impact of schizophrenia was shown by the

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family members by manifesting feelings of sadness, social isolation and overload. The

results lead us to thinking that the assistance to the mentally ill brings a challenge to

health care professionals. To include the family as a care unit, besides assuring the

pharmacology treatment and psycho-social rehabilitation, becomes necessary and

urgent.

Keywords: Nursery, Family, Schizophrenia, Culture

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RESUMEN

ZANETTI A.C.G. La familia y el proceso de enfermedad del portador de la esquizofrenia: un estudio de caso etnográfico 2006. Dissertação (Mestrado) –Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2006. Actualmente, la esquizofrenia es uno de los principales problemas de la salud pública,

que afecta además de los pacientes, sus familiares, lo que causa innumerables daños

funcionales y sociales. La esquizofrenia se define como enfermedad que afecta la región

central del yo y modifica toda la estructura existencial de la persona. El esquizofrénico

representa el estereotipo de la persona insana, individuo que produce gran extrañeza

social debido a su desdén para con la realidad reconocida. Cada grupo social define la

esquizofrenia de acuerdo con su conocimiento, creencia y acciones específicas. La

familia tiene un lugar y una función central en la vida de los portadores de la

esquizofrenia. La confirmación de la diagnosis y el principio de la enfermedad

constituyen algunos de los factores que generan innumerables cambios adentro del

contexto familiar. Así, el objeto de este estudio consistió en aprehender el sentido dado

por la familia acerca del proceso de enfermar del portador de esquizofrenia y los

mecanismos encontrados para convivir con la enfermedad. Es un estudio de caso

etnográfico basado en el referencial de la teoría sistémica familiar y de la antropología

médica, realizado en el período de Agosto hasta Diciembre de 2005. Una familia

compuesta por el padre, la madre y los cinco hijos, de los cuales cuatro son portadores

de la esquizofrenia, en tratamiento psiquiátrico en el Núcleo de Saúde Mental do Centro

de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São

Paulo. Los datos fueron colectados por medio de la observación, análisis de registros de

salud, registros en el diario de campo y entrevistas grabadas realizadas con la familia, en

su mayoría, en el domicilio. Para la presentación de los datos utilizamos genograma,

historia familiar, análisis del sistema familiar y descripción de categorías conseguidas

en las entrevistas. A través de la construcción del genograma se ha podido conocer la

estructura interna de la familia. El análisis del sistema familiar permitió describir

además de la estructura, su funcionamiento y desarrollo. Las entrevistas fueron

transcritas y sometidas a un análisis de contenido latente. El análisis de las entrevistas

permitió identificar siete categorías temáticas relacionadas con el sentido dado al

proceso de enfermar y a los mecanismos encontrados de la familia para convivir la

enfermidadde. Las categorías remeten a las representaciones a respecto del normal y del

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patológico, las representaciones del termo esquizofrenia, las explicaciones para la

enfermedad, el impacto relacionado al sufrimiento, a la sobrecarga, aislamiento social y

a las tareas de la cuidadora, a las modificaciones en la relación familiar, al tratamiento y

a la curación. Para la familia quese estudió, la enfermedad de los hijos causó una

interrupción en su trayectoria de vida. El impacto de la esquizofrenia fue mostrado por

los familiares através de la manifestación de los sentimientos de tristeza, aislamiento

social y sobrecarga. Los resultados nos llevan a considerar que la ayuda a la persona

enferma mental constituye un desafío para los profesionales de la salud. Si embargo, se

hace necesario y urgente incluir la familia como unidad del cuidado, además de

garantizar el mantenimiento del tratamiento farmacológico y de la rehabilitación

psicosocial.

Palabras-clave: Enfermería, Familia, Esquizofreniam, Cultura.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................12

1.INTRODUÇÃO .........................................................................................................14

1.1 Aspectos epidemiológicos e culturais relacionados à esquizofrenia .......................14

1.2 O lidar da família com o portador de esquizofrenia .................................................19

2.QUADRO TEÓRICO ..............................................................................................24

2.1 A família do ponto de vista sistêmico ......................................................................24

2.2 Antropologia médica ................................................................................................27

3. OBJETIVO ................................................................................................................29

4. PERCURSO METODOLÓGICO .......................................................................... 29

4.1 Tipo de estudo ..........................................................................................................29

4.2 Período do estudo .....................................................................................................32

4.3 Local do estudo ........................................................................................................32

4.4 Participantes .............................................................................................................34

4.5 Contato inicial ...........................................................................................................34

4.6 Aspectos éticos .........................................................................................................36

4.7 Procedimentos de coleta de dados ............................................................................37

4.8 Organização dos dados .............................................................................................38

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ..............................................................................40

5.1 Genograma ................................................................................................................40

5.2 História familiar ........................................................................................................41

5.3 Análise do sistema familiar ......................................................................................52

5.3.1 Estrutura familiar ...................................................................................................52

5.3.2 Funcionamento familiar .........................................................................................54

5.3.3 Desenvolvimento familiar .....................................................................................55

5.4 A introdução ao contexto cultural da família .................................................... .57

5.5 Análise das entrevistas ..............................................................................................64

5.5.1 O sentido dado pela família ao processo de adoecimento .....................................65

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5.5.2 Mecanismos de enfrentamento desenvolvidos pela família para lidar com a

enfermidade ....................................................................................................................85

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................95

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................98

ANEXO 1 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..........................................103

ANEXO 2 - Instrumento de coleta de dados.................................................................105

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APRESENTAÇÃO

Iniciei minha vida acadêmica no ano de 1999. O interesse na área de saúde

mental surgiu durante o Curso de Graduação em Enfermagem enquanto aluna da

disciplina de Enfermagem Psiquiátrica, na qual realizei estágio na Unidade de

Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto –

Universidade de São Paulo. Neste estágio tive a oportunidade de entrar em contato

com pacientes psiquiátricos e cuidar deles. O que me despertou sentimentos

contraditórios de inquietação e fascinação. Assim, no último ano de graduação, em

2002, optei por desenvolver o estágio curricular na disciplina Enfermagem

Psiquiátrica e Saúde Mental, o que reforçou o interesse em compreender e valorizar a

importância do enfermeiro em Saúde Mental. Esta experiência levou-me a

aprofundar os estudos nesta área e optar imediatamente após o término do curso, por

especialização. Em 2003, realizei na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo-EERP-USP, o Curso de Especialização em Enfermagem

Psiquiátrica e Saúde Mental, o que possibilitou uma aproximação mais efetiva com o

sofrimento dos familiares de pacientes portadores de transtornos mentais. Neste

mesmo período, inseri-me como bolsista do Projeto de Extensão intitulado: Projeto

Núcleo de Estudo e Recursos da Família – Pró-Família, que tem como objetivo

capacitar estudantes de enfermagem para realizar intervenções junto aos portadores

de transtornos mentais e suas famílias, e desenvolvimento de pesquisas que possam

ampliar o conhecimento na área de Enfermagem no Núcleo de Saúde Mental do

Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo-NSM/CSE/FMRP-USP. A partir desta experiência, veio

a motivação para desenvolver a monografia do Curso de Especialização denominada

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“Crenças familiares: como a enfermagem pode estudá-la?”, a qual me instigou para ir

além e buscar um aprofundamento teórico. Iniciei, então, o Curso de Pós-Graduação

em Enfermagem Psiquiátrica, nível mestrado.

Esse caminhar culmina com esta Dissertação de Mestrado, que tem como

objetivo apreender o sentido dado pela família acerca do portador de esquizofrenia.

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Aspectos epidemiológicos e culturais relacionados à esquizofrenia

No campo da saúde coletiva, nos deparamos cada dia mais com as condições

crônicas de saúde, caracterizadas por problemas que persistem no tempo e requerem

algum grau de gerenciamento do sistema de saúde. Estas condições afetam, além dos

pacientes, também seus familiares, causando inúmeros prejuízos funcionais e sociais

durante o curso da doença (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. OMS; 2003).

A instabilidade destas condições, com alternância de períodos estáveis e

períodos de crise, leva a um estado de imprevisibilidade, dificultando fazer qualquer

afirmação sobre sua duração, evolução e resolução. Outra característica importante da

cronicidade é que ela envolve uma complexidade de cuidados para a qual os sistemas de

saúde não conseguem responder. Muitos doentes acabam ficando impossibilitados de

realizar seu papel na família e na sociedade ao longo do tempo, levando-os ao

isolamento, perda do sentido da vida, dificuldades de relacionamento e perda da auto-

estima. Além disso, o estigma carregado por alguns transtornos mentais seja talvez uma

de suas cargas mais onerosas (TESSIER, CLEMENT; WAGNER, 2000).

Os distúrbios mentais e as deficiências físicas alargam os conceitos tradicionais

de condição crônica. O impacto do transtorno mental, avaliado principalmente pela

sobrecarga sobre o indivíduo, família e sociedade, indica a relevância do tema para a

agenda internacional. Os transtornos psiquiátricos e a auto-injúria respondem por 12%

das condições de saúde que sobrecarregam os países pobres e médios em riqueza

(WEISS; COHEN; EISEMBERG, 2001).

Dentre os transtornos psiquiátricos que sobrecarregam as famílias e a sociedade,

destacamos a esquizofrenia. Considerada um transtorno de evolução crônica, a

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esquizofrenia é um dos principais problemas de saúde pública da atualidade, exigindo

considerável investimento do sistema de saúde e causando grande sofrimento para o

doente e sua família. Costuma comprometer a vida do paciente, torná-lo frágil diante de

situações estressantes e aumentar o risco de suicídio (SHIRAKAWA, 2000). Além

disso, é caracterizada pela desorganização de diversos processos mentais (DURÃO,

2004).

A prevalência da esquizofrenia tem originado uma estimativa aproximada de

0,5% a 1% da população, sendo a incidência de aproximadamente quatro casos novos

em cada dez mil habitantes, por ano. Por ser uma doença de alta cronicidade, acumula-

se ao longo dos anos um número elevado de pessoas doentes na comunidade,

determinando sua elevada prevalência (MARI; LEITÃO, 2000).

No Brasil, ela atinge 1,8 milhão de pessoas e estima-se que em 2006, 50 mil

casos novos devam ser diagnosticados Não existe um consenso sobre as causas e

podemos considerar que a hereditariedade é um fator importante (BELISSIMO, 2005).

Geralmente com início antes dos 25 anos e sem predileção por qualquer raça,

sexo ou classe sociocultural. É extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia

antes dos 10 ou depois dos 50 anos de idade e parece não haver nenhuma diferença na

prevalência entre homens e mulheres. O diagnóstico se baseia na história psiquiátrica e

no exame do estado mental da pessoa (KAPLAN; SADOCK; GREEB, 1997). O

tratamento da esquizofrenia inclui a terapêutica farmacológica e abordagens

psicossociais. Os relacionamentos e os vínculos entre pacientes, família e os

profissionais de saúde são elementos essenciais para o êxito do tratamento

(SHIRAKAWA, 1992).

A saúde, a doença e o tratamento são partes de um sistema cultural e devem ser

entendidos nas suas relações mútuas. Os relacionamentos no cuidado à saúde podem ser

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estudados e comparados como transações entre diferentes modelos explicativos,

sistemas cognitivos, e posições na estrutura social nas quais eles estão ligados

(GONÇALVES, 2004). O relacionamento paciente, família e profissional de saúde

envolve a negociação entre as percepções de cada um dos envolvidos sobre o que é

doença, suas causas e as maneiras de cuidar.

Segundo Kleinman (1988) existem duas dimensões da doença, a dimensão

biológica-patologia e a dimensão cultural-enfermidade. Patologia refere-se a alterações

ou disfunções de processos biológicos, enquanto que enfermidade refere-se à

experiência e às percepções relativas aos problemas decorrentes da patologia. Para ele,

além dos significados culturais, há também os significados pessoais, que incluem não só

os significados simbólicos particulares formadores da própria doença, mas também os

significados criados pelo doente para poder lidar com a doença e controlá-la.

Nesta perspectiva, a enfermidade está ligada à maneira de perceber, pensar,

expressar e lidar com o processo de adoecimento, sendo anterior à doença, a qual é

produzida a partir de uma reconstrução técnica do profissional no encontro com o

paciente. A experiência da enfermidade constitui o cerne do sistema social de

significações e regras de conduta, ela é fortemente influenciada pela cultura e é

culturalmente construída (ALMEIDA FILHO; COELHO; PERES, 1999).

Na dimensão biológica, a esquizofrenia é definida como uma doença que afeta a

zona central do eu e altera toda estrutura vivencial da pessoa. Desse modo, o

esquizofrênico fragmenta a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias

(BALLONE, 2002).

Os sintomas clássicos podem ser divididos em positivos e negativos. Os

sintomas positivos consistem nas distorções no conteúdo, formas de pensamento e

percepção. Os sintomas negativos estão associados às alterações que ocorrem nas

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dimensões de afeto, volição, definição de si mesmo, relacionamento interpessoal e

também, em alguns casos, no comportamento psicomotor (TAYLOR,1992).

Ainda não existe consenso sobre os critérios diagnósticos para classificar a

esquizofrenia como uma doença. Atualmente, dentre os sistemas de classificação para

estabelecer o diagnóstico de esquizofrenia temos a Classificação Estatística

Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, 10ª Revisão-CID 10

(OMS, 1993) e o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, 4ª

Edição-DSM IV (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994).

Para o DSM IV, a esquizofrenia é considerada uma perturbação apresentada pela

pessoa acometida com duração de pelo menos seis meses. Também, caracteriza-se pelos

sintomas apresentados na fase ativa da doença, os quais podem perdurar por um período

de um mês. Estes sintomas estão relacionados com o aparecimento de delírios,

alucinações, discurso e comportamentos desorganizados ou catatônicos, e sintomas

negativos (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994).

A CID 10 define os transtornos esquizofrênicos como distorções fundamentais e

características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados.

Por outro lado, a pessoa mantém a consciência e a capacidade intelectual preservadas,

embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo (OMS, 1993).

Os fenômenos psicopatológicos mais importantes nos transtornos

esquizofrênicos incluem o eco, a imposição ou roubo e a divulgação do pensamento; a

percepção delirante; as idéias delirantes de controle, de influência ou de passividade;

vozes alucinatórias que comentam ou discutem com o paciente na terceira pessoa;

transtornos do pensamento e sintomas negativos (OMS, 1993).

Considera-se que os critérios propostos pela CID 10 são mais inclusivos para a

elaboração do diagnóstico de esquizofrenia, do que os propostos pela DSM IV, os quais

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são mais restritivos. Como conseqüência, pessoas que recebem o diagnóstico de

esquizofrenia pela CID10 podem estar excluídas desta categoria diagnóstica quando

avaliadas pelo DSM IV, isto é, não são classificadas como esquizofrênicas pelo DSM

IV.

Cabe ressaltar, que estes sistemas classificam a esquizofrenia como uma doença,

que causa déficit biopsicossocial, prejudica a qualidade de vida do doente e das pessoas

que vivem no seu entorno, principalmente sua família que onera o sistema de saúde,

pela demanda de atendimentos. Devido aos sintomas, a esquizofrenia aparece como

uma doença incompreensível e assustadora, levando à sua estigmatização (PHELAN;

BROMET; LINK, 1998). Estudos têm mostrado que por tratar-se de uma doença

carregada de estigma afeta não apenas o paciente, mas toda sua família (GAEBEL;

BAUMANN, 2003).

Cada grupo social define a esquizofrenia de acordo com seus conhecimentos,

crenças e ações específicas (ALVES, 1993). Assim, na cultura ocidental o

esquizofrênico representa o estereótipo do louco, um indivíduo que produz grande

estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida; agindo

como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural (BALLONE, 2002).

A experiência da enfermidade é um termo que se refere aos meios pelos quais os

indivíduos e grupos sociais respondem a um dado episódio de doença. A percepção que

a família tem acerca da doença tem um papel central na determinação do impacto desta

doença, dos modelos utilizados para lidar com ela e das reações físicas e

comportamentais que podem ocorrer no grupo (WRIGHT; BELL, 2004).

As pessoas pensam de maneira diferente, podendo ver a doença como um

desafio, ameaça, inimiga, fraqueza, dano ou perda. Se a família percebe a doença como

dano ou perda, por exemplo, ela pode ficar aflita com a perda de função ou da

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habilidade; se ao contrário, percebe a doença como um desafio, ela pode se interessar

mais sobre aspectos positivos e tentar dominar a situação, menosprezando os riscos

envolvidos (WRIGHT; BELL, 2004).

A família tem um lugar e função central na vida dos portadores de esquizofrenia,

pois estes freqüentemente vivem com ela ou mantêm contato regular com familiares

(VILLARES, 2000). Cabe a ela, a tarefa de procurar, avaliar e encaminhar o doente ao

médico, hospital ou serviço de saúde disponível, como também acompanhar a sua

reabilitação (VILLARES, 1999).

Nessa direção, a família possui uma cultura própria, ou seja, um conjunto de

princípios implícitos ou explícitos, que orientam as pessoas na sua maneira de ver o

mundo, de experimentá-lo emocionalmente e a comportar-se nele especialmente em

relação a outras pessoas, à natureza e às entidades sobrenaturais ou aos deuses

(HELMAN, 1994).

Atualmente, o sistema de saúde preconiza o tratamento da doença mental na

comunidade, portanto o convívio com o “louco” tem se tornado bastante freqüente.

Dessa forma consideramos que seria importante compreender como a família articula

seus conceitos culturais sobre a loucura e o enfrentamento das demandas que este

transtorno implica.

Portanto, entender a experiência da doença por meio da visão dos familiares,

oferece subsídios para compreender os conflitos causados pela convivência com a

esquizofrenia, restabelecer a coesão do grupo, e buscar integração do paciente perante a

sociedade.

1.2 O lidar da família com o portador de esquizofrenia

Em todas as sociedades a família é considerada o grupo social primário, sua

composição e o seu papel variam entre as culturas e épocas. Pode incluir entre seus

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membros indivíduos que são ou não biologicamente ligados a ela. Além dos cônjuges e

suas respectivas famílias de origem, pode incluir também parentes honorários, tais como

amigos íntimos, vizinhos ou até profissionais da saúde.

Ela é um mundo de relações e o espaço social onde se realizam os fatos da vida

vinculados ao corpo biológico, com o nascimento, a amamentação, o crescimento, o

acasalamento, o envelhecimento e a morte (SARTI, 2004).

A família, como célula vital para a saúde humana, é o contexto dentro do qual

evolui a saúde do indivíduo. Ela influencia de maneira significativa as crenças de seus

membros, suas atitudes e seus comportamentos relativos à saúde e à doença. Hábitos

como alimentação, uso de álcool e tabaco, a prática de exercícios físicos e a maneira de

lidar com situações de estresse se desenvolvem dentro do contexto familiar

(DUHAMEL, 1995).

Ao considerar a família como uma célula da sociedade, estas estão

continuamente interagindo, intervindo e mudando uma à outra. A sociedade com suas

crenças, valores, e costumes penetram em várias facetas da vida familiar, como, por

exemplo, a determinação da idade a qual as crianças vão trabalhar, na qual eles

legalmente são considerados adultos entre outros conceitos. Por outro lado, a família

influencia a sociedade na mesma direção que altera as normas sociais. Um exemplo é a

própria família que vai mudando e de tempos em tempos tem se apresentado diferente

(FRIEDMAN, 1997).

A cultura de uma sociedade é o “caldo” onde operam as forças biológicas,

sociológicas e psicológicas que levam às diferentes formas de perceber a doença mental,

sua etiologia e tratamento (GONÇALVES, 2004).

Todas as culturas possuem formas elaboradas tanto para transferir um indivíduo

de uma categoria social para outra, quanto para confiná-lo. Para compreender as reações

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das pessoas à doença, é necessário compreender o tipo de cultura em que foram

educadas ou assimilaram, por convivência (HELMAN, 1994).

Dentro da cultura, as condutas aprendidas e compartilhadas são transmitidas de

geração em geração com vistas à adaptação, o crescimento e o ajustamento do

indivíduo. A família é a primeira instituição na vida da pessoa responsável por esta

transmissão. As formas de comportamento, de interpretação do mundo e as reações

emocionais, que são assimiladas inconscientemente, podem influenciar um conjunto

típico de sintomas de uma família e de que maneira eles são transmitidos de pai para

filho (HELMAN, 1994).

A confirmação do diagnóstico e o início da doença constituem alguns dos fatores

que geram inúmeras mudanças no contexto familiar. No caso, específico, da

esquizofrenia, o primeiro episódio psicótico tem sido comparado ao trauma vivido por

vítimas de catástrofes (CONN, 2001; SAUNDERS, 1997). A família vive uma situação

de estresse que culmina com a desorganização de todo o grupo familiar. A vida familiar

é interrompida e a trajetória de vida de seus membros pode ser modificada

(TESCHINKY, 2000). As relações familiares são afetadas instalando-se um estado de

tensão que pode perdurar por um longo período de tempo (SAUNDERS; BYRNE,

2002).

Para a família, o adoecimento de um membro representa geralmente um forte

abalo, sendo que seus componentes dificilmente se encontram preparados para enfrentá-

lo e sentem-se incapacitados para realizar qualquer intervenção (MELMAN, 2001).

Assim, as famílias vivenciam sentimentos de apatia, aflição, espanto, depressão,

isolamento, raiva, angústia, devastação, contradição, frustração, incerteza, culpa, tristeza

crônica, bem como aceitação e esperança para o futuro durante a convivência com a

esquizofrenia (SAUNDERS; BYRNE, 2002).

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Os familiares acabam sendo sobrecarregados pelas demandas como acompanhar

seus membros adoecidos, cuidar deles e arcar com os encargos econômicos, pelo custo

com medicações e pela impossibilidade de acesso ao trabalho. É também comum

observar familiares se distanciando das atividades sociais, deixando de comparecer a

festas e eventos culturais, restringindo visitas à casa de amigos próximos e parentes. A

convivência com um paciente esquizofrênico acaba representando em peso material,

subjetivo, organizacional e social (MELMAN, 2002).

Além disso, apresentam, em sua maioria, dificuldades para lidarem com as

situações de crises, com os conflitos familiares emergentes, com a culpa, com o

pessimismo por não conseguirem encontrar saídas para os problemas, pelo isolamento

social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da vida cotidiana, bem como

pelo desconhecimento da doença propriamente dita, entre outras insatisfações

(COLVERO; IDE; ROLIM, 2004).

Deste modo, encontramos familiares pessimistas em relação à possibilidade de

melhora do familiar doente mental, pois são muitos os fracassos, as recaídas e os

abandonos de tratamento. É comum encontrarmos familiares desmotivados, resistentes e

temerosos frente a qualquer proposta de mudança, vinda dos profissionais de saúde

(COLVERO; IDE; ROLIM, 2004).

Para entender a percepção, o significado da doença e o modo de enfrentamento

da família, faz-se necessário conhecer todo o processo de adoecimento e os discursos

dos atores envolvidos em cada passo da seqüência de eventos.

Cada família reage de maneira diferente e tem seu próprio estilo de lidar com o

problema.

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Elas possuem uma visão de mundo particular, códigos de comportamento,

papéis de gênero, conceito de tempo e espaço, gíria e linguagens próprias, histórias,

mitos, rituais e seus próprios meios de comunicar os sofrimentos psicológicos aos

outros membros e à comunidade (HELMAN, 1994). Todos estes aspectos são

aprendidos na vida social em grupo, isto é, são culturalmente construídos.

Os programas de assistência à saúde, devem levar em consideração as crenças de

uma comunidade sobre suas doenças e como elas devem ser tratadas, bem como o

contexto político e econômico em que ocorrem (HELMAN, 1994). Considerando que o

serviço público de saúde mental atende principalmente a população de baixa renda e

que a política de saúde mental preconiza o tratamento na comunidade, faz-se necessário

contextualizar a família de baixa renda que é a nossa principal clientela. Segundo

Durham (1980), a família é o lugar onde se concentram e são interpretadas as

informações sobre a sociedade. Toda elaboração cultural própria das camadas populares

depende da experiência cultural acumulada e da sua transmissão oral direta através dos

contatos interpessoais.

As famílias pertencentes às camadas populares são, em sua maioria, nucleares.

Em alguns casos vivem na residência além do pai, mãe e filhos, alguns agregados. O

homem em geral é o chefe da família e responsável pela sobrevivência financeira do

grupo, à mulher cabe a responsabilidade pelas tarefas domésticas e a maior parcela de

trabalho no cuidado e educação dos filhos. A vida familiar envolve atividades que

produzem a reunião dos membros do grupo, estimulam a sociabilidade e a afetividade

no seio familiar (MACEDO, 1985).

A manutenção econômica do grupo familiar se dá pela inserção de seus

membros no mercado de trabalho. A presença de vários trabalhadores dentro do grupo

familiar é desejável e necessária, já que contam com a instabilidade do trabalho e a

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precariedade da integração com a sociedade. Quando as famílias possuem muitos filhos

ocorre uma substituição natural dos filhos que se casam pelos outros que atingem a

idade de integrarem-se ao mercado de trabalho (COSTA, 1993).

Portanto, para entender os processos que ocorrem nas famílias de baixa renda,

com portadores de doença mental entre seus membros, também, se faz necessário a

investigação do modo pelo qual os sujeitos concebem suas relações com suas condições

reais de existência.

Assim, constitui objeto desta investigação compreender a experiência de

famílias de baixa renda que têm um portador de esquizofrenia entre seus membros em

relação ao processo de adoecimento e aos mecanismos de enfrentamento da doença.

2. QUADRO TEÓRICO

Para compreender esta experiência será utilizada uma abordagem da

enfermagem da família e os mecanismos de enfrentamento, na perspectiva sistêmica,

bem como, pressupostos da antropologia médica.

2.1 A família do ponto de vista sistêmico

A visão da família como um sistema, vem sendo adotada nos últimos vinte anos,

tornando-se uma perspectiva importante na enfermagem e outras disciplinas. Neste

trabalho adotou-se a abordagem teórica proposta por Wright e Leahey (2002). Nessa

perspectiva, a família é definida como um sistema aberto que interage com o contexto

sociocultural onde está submersa.

Todo sistema é composto de subsistemas e está inserido em um sistema mais

amplo ou supra-sistema. A família é composta por muitos subsistemas, como pais-filho,

cônjuge e irmão, e aninhada em supra-sistemas mais amplos, constituídos pelos diversos

setores da sociedade.

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Do ponto de vista sistêmico, a família é definida como “um grupo de indivíduos

ligados por fortes vínculos emocionais, com o sentido de posse e a inclinação a

participar das vidas um dos outros” (WRIGHT E LEAHEY, 2002).

Pode-se compará-la a um móbile, suspenso ao teto, que se movimenta de

maneira uniforme. Uma brisa que toca apenas um seguimento do móbile influencia

imediatamente o movimento de cada peça e do móbile como um todo. De maneira

gradual, o todo exerce sua influência na parte errante e o equilíbrio é restabelecido. Uma

peça pode parecer persistentemente isolada de outras, ainda que a posição de isolamento

seja essencial ao equilíbrio de todo o sistema. Essa analogia nos leva a compreender

como a família é afetada pela ocorrência de uma doença entre um de seus membros.

A modificação de um membro da família afeta todo o grupo familiar. Por

exemplo, quando a família vivência o impacto de uma doença mental entre um de seus

membros, altera toda sua organização e funcionamento, além disso, todos os membros e

seus relacionamentos são afetados. Após a perturbação, ocorre uma alteração para uma

nova posição de equilíbrio.

Os sistemas são definidos de forma arbitrária por seus limites, os quais ajudam a

especificar o que está dentro ou fora deles. Os limites estão associados aos sistemas de

vida de natureza física. Também, é possível construir um limite e, portanto, criar um

sistema ao redor de idéias, crenças, expectativas ou papéis. Influenciada pelo contexto

sociocultural no qual está imersa a família cria limites e regras que representam os

valores culturais adequados ao ambiente emocional do grupo.

A família deve ser compreendida como uma pequena sociedade ou tribo, com

organização e cultura próprias. Como a cultura, que são condutas aprendidas e

compartilhadas, transmitidas de geração em geração, afeta o modo da família conduzir

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sua vida, muitas de suas regras são determinadas por ela, assim como, sua composição e

os papéis desenvolvidos por seus membros.

As famílias que vivenciam a experiência da doença mental, entre seus membros,

desenvolvem uma série de mecanismos de enfrentamento, para se adaptarem à nova

situação. Esses mecanismos podem ser determinados por elementos culturais

pertencentes às famílias, ou seja, formas de pensar e agir, aprendidas na vida social.

Alguns autores têm utilizado os conceitos da antropologia médica para

estabelecer os padrões culturais das famílias e sua relação com a doença. Um deles

descreveu os padrões culturais pertinentes às famílias convivendo com pacientes

depressivos. Os resultados apontaram a resistência da família para perceber a presença

da depressão entre seus membros. Primeiramente, observou-se que a família ao procurar

a instituição de saúde verbalizava que as causas da depressão poderiam estar nas

mudanças de comportamento, no sofrimento, brigas, violência, vivenciados,

principalmente, na infância. Este estudo mostrou a importância das crenças, valores,

atitudes, padrões de comportamento, que caracterizam a cultura dos indivíduos para o

seu cuidado e de suas famílias (SILVA; STEFANELLI, 2004).

Um outro estudo investigou as concepções populares de doença mental e as

diferentes formas utilizadas para lidar com situações concretas advindas desta doença.

Os achados apresentaram que a enfermidade se inicia com a presença de sensações

corporais ou mentais, representando a interpretação e o julgamento de um conjunto de

informações heterogêneas vividas no corpo humano. As definições de enfermidade

trazidas pelos participantes deste estudo partiram de “problema mental” até “encosto”.

Houve uma agregação de novas interpretações após cada escolha de tratamento, além

disso, as redes de relações sociais legitimaram as explicações e opções da pessoa.

Portanto, os resultados mostraram a importância da compreensão do discurso da

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enfermidade pelos sujeitos do estudo, pois é a partir dele que são construídas as redes de

significados para suas experiências aflitivas. Também, ressaltou a necessidade da

percepção dos processos pelos quais os indivíduos e grupos sociais vivenciam, explicam

e procuram ajuda para os problemas concretos da enfermidade (ALVES, 1994).

Oliveira (1998) investigou as diversas definições de doença em classes

populares e a influência dos serviços de saúde na formação do conceito de doença. Nos

achados deste estudo, a compreensão acerca da doença foi subdivida em dois níveis, a

saber: sintomatologia referida como “dor/febre”, “fraqueza”, “falta de apetite” e suas

conseqüências apresentada por “não poder trabalhar” e ”ficar de cama”. Evidenciou

também, a percepção de doença como fenômeno cumulativo, quando elementos

prejudiciais podem agregar-se progressivamente, piorando a saúde do indivíduo com o

passar do tempo. Os conceitos de saúde e doença podem assumir diferenças marcantes

entre os diversos grupos humanos, uma vez que constituem representações culturais

socialmente edificadas ocorrendo uma interação entre o sistema e os indivíduos que o

utilizam.

Os estudos acima mencionados apontam para a necessidade de compreender o

adoecimento como processo complexo e intimamente ligado ao ser humano como ser

social, culturalmente diferenciado dentro das diversas classes sociais, inferindo assim, a

busca por abordagens que contemplem estas diferenças.

2.2 Antropologia médica

A compreensão de que a maneira como a família enfrenta a doença mental está

intimamente ligada ao contexto onde ela vive, nos levou a utilizar alguns conceitos da

antropologia médica.

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A antropologia é a ciência da cultura, que preocupa-se com a interpretação de

como os indivíduos se apropriam de um conjunto de idéias, valores e crenças relativas

aos eventos da vida, inclusive a doença (HELMAN, 1994).

A antropologia médica, um ramo da antropologia, consolidou-se na década de

70. Ela trata de como as pessoas pertencentes a grupos culturais específicos explicam as

causas das doenças, os tipos de tratamento em que acreditam e a quem recorrem quando

ficam doentes. Também estuda como essas crenças e práticas estão relacionadas com as

mudanças biopsicossociais e buscam assistência em diferentes sistemas de cura

(HELMAN, 1994).

Essa corrente antropológica busca compreender a experiência da enfermidade

nas diferentes culturas, os modos pelos quais elas são narradas, os rituais e as práticas

empregadas para reconstruir o mundo que o sofrimento dessa experiência destrói. Além

disso, seu foco pode não ser apenas o indivíduo doente, mas a família, comunidade,

vilarejo ou tribo “doente” do mesmo. A saúde e doença, neste modelo, são vistas como

processos psicobiológicos e socioculturais.

A antropologia preocupa-se com o contexto cultural e a experiência subjetiva de

aflição (LANGDON, 2003). Nesta direção, a cultura afeta a experiência e a expressão

dos sintomas da doença mental.

A cultura é uma rede de significados construída pelo próprio sujeito,

compartilhada pelo grupo social, e que serve de orientação para a conduta dos seus

membros. Ela está relacionada com as estruturas de significados estabelecidas

socialmente. Como elementos culturais destacamos os conhecimentos, as crenças, os

valores e os comportamentos (ANJOS, 2005).

Na vida em grupo, os elementos culturais são normalizados, formando um

sistema simbólico, um senso comum. Na situação de ter uma doença mental, esses

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elementos são resgatados pelas famílias, para dar sentido ao momento vivenciado

(ANJOS, 2005).

O estudo antropológico consiste em decifrar esse sentido, explícito e implícito

na linguagem dos sujeitos, compreendendo e interpretando as suas intenções. A

experiência torna-se pública pela linguagem que é intencional, e o discurso pode ser

compreendido pela sua significação (ANJOS, 2005).

A experiência integra o senso comum dos elementos culturais numa situação

específica, por meio dos sentidos, que é caracterizada para determinado grupo social.

Cabe ao pesquisador interpretar a experiência por meio dos significados, ou seja, através

da linguagem e comportamentos (HELMAN, 1994).

Ao interpretar, o pesquisador procura identificar temas comuns e integrar as

características sociais, classe social, sexo, idade e contexto (HELMAN, 1994).

Assim, para que a doença mental possa ser realmente compreendida, não

devemos descartar a visão global dos componentes biológicos, psicológicos, sociais,

econômicos e culturais, pois quando atribuímos à doença mental um só fator, teremos

apenas uma visão parcial do processo de adoecer (SILVA; STEFANELLI, 2004).

Reconhecendo que a antropologia trata do estudo das percepções e reações dos

indivíduos às doenças e aos tipos de tratamento a que elas recorrem, propusemos a

realização deste estudo.

3.OBJETIVO

Apreender o sentido dado pela família acerca do processo de adoecimento do

portador de esquizofrenia e os mecanismos de enfrentamento para lidar com a

enfermidade.

4.PERCURSO METODOLÓGICO

4.1 Tipo de estudo

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Para apreender o sentido acerca do processo de adoecimento do portador de

esquizofrenia e dos mecanismos que a família desenvolve para lidar com a enfermidade,

sob o foco da cultura, este estudo utilizará os pressupostos da abordagem metodológica

qualitativa, particularmente o método etnográfico.

Essa metodologia responde a questões muito particulares; ela trabalha com o

universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações (MINAYO et al., 1994). Além

disso, ela preocupa-se também com conceitos, definições, características, metáforas,

símbolos e descrições das coisas (BERG, 2003).

Os pesquisadores, ao utilizarem o método qualitativo, podem compartilhar dos

entendimentos e percepções de outros e explorarem como as pessoas estruturam e dão

significados a si mesmas e aos outros (BERG, 2003).

Os diferentes aspectos da realidade são usados nas abordagens qualitativas e a

combinação destas, bem como as perspectivas e modos de manejá-las, proporcionam

uma série de interpretações da realidade (ANJOS, 2005).

Atualmente, pesquisadores de diversas áreas do conhecimento utilizam o método

etnográfico para pesquisar os diferentes tipos de fenômenos culturais. Nas áreas de

Enfermagem, Educação e Saúde Pública, o uso deste método está sendo muito utilizado.

A etnografia envolve o estudo de sociedades ou de grupos relativamente pequenos para

compreender como seus membros vêem o mundo e organizam seu cotidiano

(HELMAN, 1994).

A partir deste método é possível compreender a cultura e a sociedade, ou seja, as

práticas, os hábitos, as crenças, os valores, as linguagens e os significados de um grupo

social sobre um determinado evento ou fenômeno. O método focaliza o processo, a

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preocupação com o significado e o trabalho de campo. Nesta perspectiva, o pesquisador

é o instrumento principal na coleta e análise dos dados. Dessa forma, para que o estudo

seja caracterizado como etnográfico, são necessários o uso da observação participante, a

entrevista intensiva e a análise documental (ANDRÉ, 1995).

Dentro da abordagem etnográfica, o estudo de caso etnográfico é um dos

caminhos mais comuns para a realização da pesquisa qualitativa, porém não se trata de

uma estratégia nova ou essencialmente qualitativa. Não é um método escolhido, mas

uma escolha do que vai ser estudado (ANDRÉ, 1995; STAKE, 2003).

Os pesquisadores que utilizam a técnica do estudo de caso buscam sempre o que

é comum e o que é particular sobre o caso. No entanto, após a coleta dos dados observa-

se que o resultado final obtido, geralmente, retrata algo de incomum, de acordo com a

natureza do caso. A história de experiência do caso, o espaço físico, o contexto sócio-

econômico, político e legal são elementos para que o caso seja conhecido, bem como,

aqueles informantes através de quem o caso pode ser conhecido (STAKE, 2003).

O estudo de caso envolve um caso específico, bem delimitado, com contornos

claramente definidos, podendo ser similar a outros, porém com um interesse próprio.

Este interesse incide naquilo que ele tem de único, de particular (GOLDENBERG,

1997).

Por outro lado, o estudo de caso, assim como as pesquisas de todos os tipos

seguem estruturas conceituais. Esta estrutura é organizada a partir das questões

norteadoras da pesquisa, as quais vão além das questões referentes às informações, mas

contemplam temas ou linhas temáticas originalmente desenvolvidas para os

participantes da pesquisa (STAKE, 2003).

Dentre as características fundamentais do estudo de caso, destacamos a

descoberta de novos elementos que podem emergir durante o estudo; a interpretação no

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contexto em que se inserem; o retrato da realidade de forma completa e profunda; o uso

de várias fontes de informação, coletadas em diferentes momentos, em situações

variadas e com uma variedade de tipos de informantes; o relato por parte do pesquisador

de suas experiências de modo que o leitor possa fazer as suas “generalizações

naturalísticas”; a representação dos diferentes e às vezes conflitantes pontos de vista

presentes numa situação social e a utilização de uma linguagem e uma forma mais

acessível do que os outros relatórios de pesquisa (GOLDENBERG, 1997).

Portanto, o estudo de caso etnográfico encerra um grande potencial para

conhecer e compreender melhor os problemas identificados pelas famílias. Ao retratar o

seu cotidiano em toda sua riqueza, oferecendo elementos preciosos para sua melhor

compreensão e suas relações com a sociedade.

Durante o contato com pacientes egressos e seus familiares fui desenvolvendo

uma compreensão acerca da complexidade do processo de adoecimento e de

convivência familiar.

Nesta pesquisa, o caso envolve uma família, o que pode ser caracterizado como

um caso simples, porém, com quatro membros com diagnóstico de esquizofrenia, o que

o torna específico, bem delimitado. Ainda, ao investigar como a família lida com o

processo de adoecimento e os mecanismos de enfrentamento, delimita os contornos do

caso.

4.2 Período do estudo

O estudo foi realizado no período de agosto a dezembro de 2005.

4.3 Local do estudo

O caso foi escolhido a partir do contato com familiares de pacientes

esquizofrênicos atendidos no Projeto de Extensão Universitária Núcleo de Estudos e

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Recursos da Família – Pró-Família, do Núcleo de Saúde Mental do Centro de Saúde

Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-

FMRP-USP.

O Núcleo de Saúde Mental-NSM está vinculado à Faculdade de Medicina de

Ribeirão Preto-USP, através de Centro de Saúde Escola-CSE, e tem a tripla função de

assistência, ensino e pesquisa. Isto o situa como instituição produtora de conhecimento,

formadora de pessoal qualificado e inserido no Sistema Único de Saúde-SUS.

O NSM caracteriza-se como um ambulatório de especialidades, que oferece

assistência para pessoas com patologias psiquiátricas e ou psicológicas exceto urgências

psiquiátricas e fármaco-dependência. O atendimento aos pacientes é das 7 às 17 horas,

com intervalo de uma hora para almoço. A estrutura física compreende três salas de

consultório para o atendimento individual de adultos e atendimento infantil de

psicologia e fonoaudiologia, uma sala para grupos e reuniões, uma sala de recepção e

espera, uma sala de enfermagem, uma copa para os funcionários e dois banheiros, sendo

um para pacientes e outro para funcionários.

Destina-se às pessoas que residem na área de abrangência do Distrito Sanitário

do CSE, que corresponde a 126 mil habitantes. Existem aproximadamente 3.200

pacientes adultos, adolescentes e crianças, matriculados no serviço. Destina-se, também,

aos estagiários e residentes dos cursos correlacionados à saúde mental, a saber,

psiquiatria, psicologia e enfermagem psiquiátrica. Além disso, docentes e pesquisadores

das diversas áreas da saúde também têm o NSM como campo de pesquisas.

A equipe de atendimento é composta por quatro médicos psiquiatras, uma

enfermeira, duas auxiliares de enfermagem, um agente administrativo, uma

fonoaudióloga, uma psicóloga, uma funcionária de serviços gerais, alunos, residentes e

voluntários.

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A pesquisadora iniciou suas atividades no NSM no segundo semestre de 2003,

como bolsista do Projeto de Extensão Núcleo de Estudos e Recursos da Família – Pró-

Família, que tem como objetivo capacitar estudantes de enfermagem para prestar

assistência de enfermagem, incluindo a família do doente mental como unidade do

cuidado e desenvolvimento de pesquisas que possam ampliar o conhecimento na área de

Enfermagem. A partir de então, a pesquisadora faz acompanhamento a pacientes e

familiares egressos de internações psiquiátricas, estando, assim, inserida no campo de

estudo há dois anos.

4.4 Participantes

Constituem participantes deste estudo, uma família composta por pai, mãe e

cinco filhos, dos quais quatro são portadores de esquizofrenia e fazem seguimento no

NSM do CSE da FMRP-USP.

Para inserir esta família no estudo delimitamos os seguintes critérios de inclusão:

ter pelo menos um membro da família com o diagnóstico médico de esquizofrenia

confirmado no prontuário do paciente; o paciente estar cadastrado no NSM há pelo

menos doze meses; que a família acompanhe o paciente nas consultas e nas atividades

propostas pela equipe do Projeto de Trabalho Núcleo de Estudos e Recursos da Família

– Pró-Família; que concorde em participar do estudo mediante a assinatura do termo de

consentimento livre e esclarecido.

4.5 Contato inicial

Em 2004 comecei a participar do Projeto Núcleo de Estudo e Recursos da

Família – Pró-Família, projeto de extensão universitária, vinculado a EERP/USP, com

atividades desenvolvidas no NSM. Minhas atividades consistiam em realizar consultas

de enfermagem a pacientes egressos de internações psiquiátricas, que pertenciam à área

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de abrangência do NSM, região oeste de Ribeirão Preto-SP. Foi nesse contexto que

entrei em contato com alguns membros da família deste estudo.

O primeiro contato ocorreu em agosto de 2004. Jonas foi convocado para

consulta de enfermagem após primeira internação psiquiátrica na Unidade de

Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo-UE/HC/FMRP-USP. A convocação foi feita por telefone.

Quando chegou o horário da consulta, chamei o paciente pelo nome, foi quando

veio ao meu encontro um rapaz de olhos claros, alto, forte, junto com uma senhora

morena com aparência mais velha. Apresentei-me e os convidei para ir até a sala de

atendimento de enfermagem. Jonas estava calmo, pouco comunicativo, respondendo

apenas quando questionado; a mãe parecia um pouco assustada com a situação e

preocupada com o diagnóstico do filho, pois afirmava ter mais três filhos com o mesmo

problema. Perguntei se os outros filhos faziam acompanhamento e ela me informou que

eles eram seguidos no serviço. Orientei-os a respeito do tratamento e remarquei consulta

para seguimento.

Quando eles foram embora, comecei a pensar na situação vivida por aquela

família, com tantos filhos doentes. Como deveria ser a rotina familiar?

Dando seguimento ao acompanhamento, a segunda consulta ocorreu três

semanas depois. Jonas compareceu acompanhado pelo pai. Estava mais comunicativo,

relatando uso regular da medicação e volta às atividades cotidianas. O pai parecia

satisfeito com a melhora do filho, contou sobre o trabalho deles na bicicletaria e referiu

estar feliz, pois seu filho já estava conseguindo ajudá-lo no serviço. Perguntei sobre os

outros filhos, ele me disse que a situação era complicada e que os outros filhos doentes

não saiam do quarto. Colhi alguns dados, como os nomes dos outros filhos, para poder

consultar os prontuários.

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Ao término da consulta, fui verificar nos prontuários as informações sobre os

outros irmãos do paciente. Fiquei muito assustada a princípio, realmente todos haviam

passado por atendimento no serviço. O diagnóstico dos quatro filhos era esquizofrenia.

A terceira consulta foi marcada após quinze dias, Jonas compareceu com a mãe,

acompanhado por quatro crianças, sobrinhos de Jonas. As meninas permaneceram em

silêncio e os meninos estavam impacientes, levantando-se da cadeira o tempo todo

durante a consulta, que foi rápida, pois Joselita estava preocupada com o horário, tinha

que fazer almoço e encaminhar as crianças à escola. Jonas referiu estar se sentindo

melhor, sono e apetite preservados e uso regular das medicações. Após este terceiro

encontro, ocorreram mais dois, nos quais Jonas veio acompanhado pela mãe, mantendo

o comportamento apresentado nas consultas anteriores.

A complexidade de uma família composta por quatro filhos portadores de

esquizofrenia, sob o ponto de vista do profissional de saúde, situação grave e

debilitante, foi a motivação para adotar esta família como o caso de estudo desta

pesquisa.

4.6 Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa Centro de

Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP-CSE/FMRP/USP, em

02 de junho de 2005, para apreciação, após ser apreciado no Núcleo de Saúde Mental do

CSE/FMRP/USP e junto à Direção Acadêmica de Ensino e Pesquisa da mesma

instituição.

Após a aprovação do Comitê de Ética, os participantes foram esclarecidos em

relação ao objetivo da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e

esclarecido. Foi garantido aos participantes o sigilo de suas identidades, visando

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resguardar seus direitos e sua privacidade. Para realização deste trabalho, consideramos

os aspectos éticos da resolução CNS 196/96 ( BRASIL.MS., 1996).

4.7 Procedimentos de coleta de dados

Para obtenção dos dados utilizamos a observação participante, a análise de

prontuário, os registros no diário de campo e as entrevistas realizadas com a família.

Também elaboramos o genograma da família participante do estudo. O genograma é um

diagrama da constelação familiar. É um instrumento útil para conhecer a estrutura

interna da família. A utilização deste instrumento é simples porque ele necessita como

material somente papel e caneta. O genograma utiliza-se de símbolos que são

universalmente adotados pela genética e genealogia para facilitar a comunicação

profissional. Geralmente ele é usado no inicio da entrevista para obter informações

sobre relacionamentos através do tempo, ocupação, religião, problemas de saúde,

grupos étnicos e imigrações (WRIGHT; LEAHEY, 2002).

Para obtenção dos relatos acerca dos mecanismos de enfrentamento da família,

consideraram-se as situações vivenciadas pela família entre o período que compreende o

aparecimento da enfermidade e a coleta de dados.

A observação foi utilizada com o intuito de inserir a pesquisadora no contexto

familiar possibilitando um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e

sendo afetada por ela. Tendo em mente as questões norteadoras, durante a realização

das entrevistas, as expressões não-verbais e faciais, o tom de voz e os gestos de afeto

foram, também, observados.

No diário de campo registramos os comportamentos verbais e não-verbais dos

participantes, reflexões, sentimentos, idéias, momentos de confusão, pressentimentos e

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as interpretações sobre as observações que ajudaram na atribuição dos significados dos

dados obtidos.

Para obtenção dos relatos utilizamos a entrevista semi-estruturada. Segundo

Minayo et al. (1994), a entrevista busca obter informes contidos na fala dos atores

sociais, onde podemos obter dados objetivos e subjetivos. As questões norteadoras para

auxiliar a coleta de dados foram: Como foi a descoberta da doença? Como a família

reagiu? Atualmente, o que a família pensa? O que a família faz para lidar? Por quê? O

que a família espera do futuro?

Foram necessárias sete entrevistas para a obtenção dos dados. Todos os

membros da família foram entrevistados, no domicílio e/ou em sala privativa, no NSM,

às quintas-feiras das 14:00 às 18:00 horas. As entrevistas foram gravadas em fitas k7.

4.8 Organização dos dados

As entrevistas foram transcritas na íntegra. Posteriormente, todas as referências

pessoais que poderiam identificar os participantes e outras pessoas ligadas a eles foram

removidas. Foram atribuídos nomes fictícios aos participantes, como, também, para as

outras pessoas mencionadas durante a entrevista.

As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo latente conforme

preconizado por Mayan (2001). Primeiramente, foram realizadas leituras exaustivas e

escuta do material para a codificação de alguns temas, ou seja, algumas palavras, frases,

assuntos ou conceitos que identificaram as crenças, atitudes, comportamentos e

percepções sobre o processo de adoecimento dos portadores de esquizofrenia da família

e seus mecanismos de enfrentamento.

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Na fase inicial do processo de codificação, os dados foram lidos em diferentes

momentos, para que as seções do texto fossem delineadas e alguns comentários fossem

registrados na margem esquerda do texto.

Na fase seguinte, os temas foram agrupados para posterior categorização. As

seções grifadas no texto foram recortadas e agrupadas em categorias, em arquivos

separados de modo que todos os dados fossem incluídos de maneira significativa e de

fácil manuseio. Foram elaboradas sete categorias e um resumo de cada categoria e

subcategoria.

Finalmente, as categorias foram integradas ao assunto e foi construída uma

estrutura geral das entrevistas respondendo as seguintes questões:

a) Como as categorias se relacionaram?

b) Quais padrões recorrentes foram encontrados nos dados?

c) Quais conclusões puderam ser traçadas?

O objetivo foi chegar num nível elevado de análise, depois da descoberta dos

relacionamentos entre as categorias e os assuntos comuns nos dados. O dado qualitativo

foi combinado aos outros tipos de dados coletados, às anotações do diário de campo,

informações do prontuário e observação. As contradições foram encontradas, e os dados

pouco consistentes foram melhor explorados.

O processo de análise foi circular, as entrevistas foram lidas em vários

momentos, para que novos dados fossem identificados, e para que as categorias e

subcategorias fossem clarificadas para o fim da análise. Cabe ressaltar que muitas

categorias, durante este processo, foram modificadas antes de finalizar a categorização

dos dados.

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5.RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este capítulo foi subdivido em três partes correspondentes ao estudo de caso

realizado com a família: na primeira parte são apresentados o genograma e a história

familiar; na segunda, a análise do sistema familiar e na terceira, a descrição das

categorias elaboradas a partir dos dados obtidos nas entrevistas.

A seguir apresentamos o genograma da família, em estudo.

5.1 Genograma

A partir da construção do genograma, pode-se conhecer a estrutura interna da

família. A mãe, Joselita, tem 55 anos, seu marido, Durval, tem 69 anos, são casados há

40 anos. Eles têm cinco filhos: Marcelo, 39 anos, Ronaldo, 35 anos, Amélia, 31 anos,

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Aroldo, 33 anos, e Jonas, 27 anos. Os quatro filhos homens são tratados no NSM, com

diagnóstico de esquizofrenia.

5.2 História familiar

Quando Durval e Joselita se conheceram, Joselita tinha 14 anos e estava

passeando em uma praça com suas primas, foi então que Durval a abordou pedindo para

acompanhá-la no passeio.

“[...] quando ela voltou aí eu pariei com ela, pariei com ela e falei com ela: eu

posso te acompanhar?” (4ª Entrevista, Durval)

A partir deste encontro, começaram a namorar e logo decidiram se casar, pois os

pais de Joselita não a deixava sair para namorar.

“[...] eu não saía, não podia sair que meu pai não deixava e o nosso namoro

era diferente de hoje, hoje os casal sai, vai ao cinema, vai pra todo lado e nós não ia.”

(3ª Entrevista, Joselita)

Mas antes de se casarem, como o pai de Joselita era muito bravo e ela muito

nova, fugiram para a casa de uma tia e após aprovação dos pais, o casamento aconteceu

fora de Ribeirão Preto-SP.

“Fiquei na casa da tia, fugi e fui pra casa dela, e fiquei um mês lá, depois voltei

pra casa.” “Aí meus pais, nós fomos no cartório no outro dia, não ia casar porque era

muito nova, aí o juíz não tinha jeito de fazer, eu casei fora de Ribeirão.” (3ª Entrevista,

Joselita)

Joselita já estava grávida do primeiro filho no dia do casamento.

“[...] o Marcelo nosso é o primeiro filho, quando nós completa ano de casado,

o Marcelo também.”“[...] eu casei dia 13 de maio”.“Dia 17, o Marcelo nasceu.” (4ª

Entrevista, Durval e Joselita)

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Os relatos do casal, durante a entrevista, não revelaram a gravidez de Joselita

anterior ao casamento, ou seja, eles referiram que o filho nasceu dias após o casamento,

mas a gravidez não foi citada. Além disso, justificaram o casamento já que o pai de

Joselita era muito severo.

O fato de Joselita não ter comentado sobre esse acontecimento, pode ser

entendido pela cultura familiar da época. Na década de 40, a gravidez antes do

casamento era estigmatizada pela sociedade devido ao preconceito com a mulher, que

deveria casar virgem. A ruptura desse valor cultuado nas famílias gerava sentimentos de

vergonha e tristeza, além da desorganização do sistema familiar.

No início da vida de casados, Durval trabalhava de pedreiro, era construtor de

casas e Joselita trabalhava vendendo produtos de beleza. Antes do nascimento do

segundo filho, Ronaldo, o casal teve um outro filho natimorto. Moraram por um período

na cidade de São Paulo-SP.

“Ele trabalha de pedreiro, que ele era consultor de casa, trabalhava até mais

tarde, ele construiu hospitais, precisou trabalhava de noite, ai ficava eu mais o

Marcelo, aí depois nasceu o outro menino, depois nós viajo, foi pra fora de Ribeirão,

foi pra São Paulo, morei em São Paulo, uma firma foi trabalhar, então trabalhava

numa firma [...]” (3ª Entrevista, Joselita)

Na fala abaixo relacionada percebe-se que Joselita se sentia muito longe de sua

família. Seus filhos não se adaptaram à nova cidade, justificando, portanto, seu desejo

de voltar. A princípio voltou com os filhos, mas logo Durval também retornou.

“Eu falei assim: eu vou embora que eu tô com saudade da minha mãe, né eu

andava muito triste, eu falei vamo embora! Aí ele falou: você quer ir? Quer que eu te

leve? Eu levo. Eu falei assim: se você quiser levar é bom, porque eu tava com os dois

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filhos pequeno. Ele me trouxe e voltou, eu fiquei na casa da minha mãe, porque os

menino não se deu com a água de São Paulo.” “É o Ronaldo e o Marcelo, saiu umas

pintinhas no corpo deles, aí eu levei no doutor, o doutor falou que era varíola. Aí eu

falei: mas doutor foi de repente. Ele falou: não é, é por causa da água, eles não deu

com a água [...]” “[...] ele ficou mais um tempo, aí ele voltou pra Ribeirão.” (3ª

Entrevista, Joselita)

O relacionamento do casal sempre foi estável, com poucos desentendimentos,

que, às vezes, aconteciam por ciúmes.

“[...] brigava, de vez em quando brigava.” “É brigava, porque, às vez, ele

ficava com ciúmes, não gostava.” “Tinha ciúme, tinha ciúme, que eu era muito nova,

achava que os outro botava coisa na minha cabeça.” (3ª Entrevista, Joselita)“Graças a

Deus nós nunca se largou um do outro, nunca[...]” (4ª Entrevista, Joselita)

Aroldo, o terceiro filho, nasceu dois anos após o nascimento de Ronaldo, e,

também logo nasceu a filha Amélia. Antes do nascimento do último filho Jonas, Joselita

perdeu um outro filho, três dias após o nascimento. Cabe destacar, que após o

nascimento de Jonas, Joselita teve mais três gestações, uma filha que faleceu aos cinco

meses, um filho que também faleceu quatro dias após o nascimento, e um outro filho

natimorto.

Joselita é católica, porém raramente freqüenta a igreja, pois afirma que não pode

deixar os filhos sozinhos, costuma seguir no rádio os ensinamentos da igreja. Todos os

filhos são batizados.

“[...] nem na igreja eu não posso ir mais[...]” “Eu adorava ir na igreja, eu fui

batizada, fui crismada, tudo, então eu gosto demais, mas eu não posso, eu pego no

rádio.” (3ª Entrevista, Joselita)

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Os pais de Durval faleceram há muitos anos, a mãe por problema cardíaco e o

pai de infecção. Ele é o filho mais velho, tem nove irmãos, dos quais seis já faleceram,

sendo que um deles faz acompanhamento no NSM com diagnóstico de transtorno

depressivo recorrente e atual leve, desde 23 de novembro de 2002.

“Ele tá doente, com problema na cabeça[...]” “Ele tá lá no[...], onde os

meninos trata também[...]ele deu primeiro né Tiana?”(2ª Entrevista, Durval e

Joselita)“[...]tem mais de vinte anos.”“Ele tinha medo também.” (3ª Entrevista,

Joselita)

Joselita perdeu a mãe em 1986 devido ao câncer no estômago, o pai faleceu em

novembro de 2005. Ela também é a filha mais velha e tem sete irmãos.

“Eu nasci primeiro, eu sou a mais velha lá de casa.” (2ª Entrevista, Joselita)

Ela tem três irmãos com problemas de saúde, dois devido a causas externas, que

os incapacitaram e estão excluídos do mercado formal de trabalho.

“[...] ele teve um acidente de moto e ele, até ele tem uma filhinha né, no dia que

a filhinha nasceu, acho que ele ia indo no hospital, ele tava de moto, aí ele bateu num

caminhão, assim, e saltou para um lado e machucou e agora ele tá sentindo um

problema na cabeça, ele tá doente, tá na cama.” (2ª Entrevista, Joselita)

”Ele tava de [...] acho que uma motinha que ele tinha, bateu numa rua, ficou

como um morto, deu um problema nele, ele foi pro hospital, ele trabalhava na

prefeitura e deu um problema nele seríssimo, agora não pode trabalhar mais, ele tá

doente também.” (2ª Entrevista, Joselita)

O outro irmão de Joselita faz acompanhamento psiquiátrico e trabalha na área

de computação.

“Deu um problema nele, ele tá tratando no hospital”.“Ele conversa sozinho,

responde”. (2ª Entrevista, Joselita)

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Joselita cita a ocorrência dos acidentes para explicar o adoecimento de seus

irmãos. O contato dos irmãos com Joselita ocorre por meio das visitas eventuais à sua

família.

Joselita fez pré-natal durante a gravidez dos filhos. Os filhos freqüentaram a

escola, se iniciaram no mercado de trabalho, dois se casaram e geraram netos. Portanto,

nem ela, nem o marido esperavam que os filhos fossem adoecer.

“Eu espera assim, deles não ter a doença, casar, ter os filhos.” (4ª Entrevista,

Joselita)

O primeiro filho a adoecer foi o Marcelo, aos 34 anos. Trata-se do filho mais

velho, atualmente com 39 anos. Ele estudou até os nove anos, interrompendo os estudos

para trabalhar como pedreiro, com o pai. Percebe-se, pela fala, que o filho desempenhou

várias atividades laborais.

“[...] ele saiu com nove anos da escola, ele tava no quarto ano. Ele não ia. Aí

parou no quarto ano, disse que iria virar pedreiro, começou a trabalhar com 9 anos.

Começou a rebocar casa.” (7ª Entrevista, Joselita)“ Ele é pedreiro, eletricista,

encanador, mecânico e é bicicleteiro.” (4ª Entrevista, Joselita)

Casou-se com Tânia e teve cinco filhos, dois deles moram em Araraquara com a

sogra e três moram com eles. A filha de quinze anos casou-se em 2005.

A doença foi percebida pela família quando Marcelo começou a apresentar

dificuldades para trabalhar, alimentar e dormir; a ouvir vozes, ver pessoas à sua volta

que os outros não viam, e a desconfiar de tudo.

“[...] começou a ter muito delírio né? Começou a ver coisa que não existia,

começo a fala coisa que não existia[...]” (6ª Entrevista, Tânia) “[...]ele comia cabelo,

sentado, botava na boca[...]ficava direto!.” (7ª Entrevista, Amélia)

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O agravamento da doença ocorreu quando Marcelo fugiu para Araraquara-SP,

sem avisar os pais, hospedando-se na casa da sogra, o que resultou na sua primeira

internação. Os pais somente foram avisados dois dias após a internação, quando da

visita ao seu filho no hospital. Após aproximadamente dez dias de internação ele foi

trazido a Ribeirão Preto-SP para continuar o seu tratamento. No seguimento no NSM,

em 28 de agosto de 2002, recebeu diagnóstico de esquizofrenia.

Neste caso, a procura por atendimento médico só ocorreu quando Marcelo saiu

do seu ambiente familiar. A família, mesmo percebendo um desvio no comportamento

do filho, não conseguiu identificar os sintomas da esquizofrenia e nem buscar por ajuda

profissional. A dificuldade em reconhecer a doença mental também foi observada no

estudo de Silva e Stefanelli (2004).

Melman (2001) retrata que antes de incorporar os valores e preconceitos em

relação à loucura, o relacionamento da família com os membros que sofrem de algum

transtorno mental grave é estável, pois estes acabam sendo menos afetados pelo peso da

situação. Por outro lado, quando esses valores são incorporados pelos familiares, o

comportamento passa a ser entendido e surgem sentimentos como vergonha e culpa.

Aroldo, o terceiro filho, segundo a mãe, desde pequeno, apresentava alguns

comportamentos estranhos. Fugia da escola quando olhava para a professora, urinava

em sacos plásticos e pendurava no portão de casa. Estes comportamentos não eram

identificados pela família como sinais de doença. Quando adulto trabalhou de

borracheiro, era dono de uma borracharia ao lado de sua casa, que foi montada com a

ajuda do pai, conforme relato que se segue.

“Eu comprei todas as ferramentas, comprei macaco, chave, isso e aquilo

outro[...]” (4ª Entrevista, Durval)

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No entanto, segundo o pai, Aroldo resolveu desmontar o negócio, e vendeu tudo

em troca de uma moto velha, com a documentação irregular.

“Comprei tudo e montei pra ele lá. Aí ele cismou e disse que não ia mais

exercer aquilo, ia vender as peças.” “Pegou as peças e me vendeu a troco de uma

moto, que tava atrasada dez anos[...]tava atrasada dez anos a moto.” (4ª Entrevista,

Durval)

Este comportamento foi entendido e aceito pelos pais, pois durante este episódio

o filho mais velho, Marcelo, ainda não havia adoecido.

“Não percebeu, porque o Marcelo tava bom.” (4ª Entrevista, Joselita)

Durval tinha planos de que o filho iria formar sua própria família.

“O meu prazer é que ele fosse casado, tivesse filho”. (4ª Entrevista, Durval)

Aroldo, nessa época, começou a namorar uma moça, porém era um

relacionamento com muitos desentendimentos, e logo romperam o namoro. Este

episódio constituiu-se um evento em que a família começou a identificar algo de

estranho no comportamento do seu filho.

“Gostava muito da moça, o Aroldo gostava da moça, depois começaram a

brigar, ela largou dele e pronto. Aí começou essa história né, já não sei, naquele tempo

ele já[...]” (4ª Entrevista, Joselita)

Posteriormente o filho relacionou-se com uma mulher que conheceu na igreja,

sem o conhecimento da família e mudou-se para Igarapava-SP. Ao retornar, a família o

levou ao médico, que prescreveu algumas medicações, mas ele não aderiu à terapia

medicamentosa, e mudou-se, em seguida, para Minas Gerais, para a casa de parentes.

Por meio destes parentes, a família recebeu informações de que ele havia se tornado um

mendigo.

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“Não tomava banho, morava num quarto lá, que ele alugou, ele morava lá, era

a maior imundice que a moça falou, minha cunhada”. (4ª Entrevista, Durval)

Diante das informações recebidas, os pais ficaram apavorados, pois, também,

descobriram que o filho estava morando sozinho, e não conseguiam mais obter

informações através dos parentes. Após seis meses, os pais conseguiram localizá-lo e

trazê-lo de volta a Ribeirão Preto-SP, quando iniciou o seguimento no NSM, em 13 de

junho de 2003, e recebeu o diagnóstico de esquizofrenia.

A identificação da doença e a procura por serviço de apoio, no caso dos dois

filhos acima mencionados, ocorreram de forma muito semelhante. Foi necessário, mais

uma vez, a intervenção de pessoas fora do ambiente familiar. Mesmo os filhos

apresentando comportamentos desviantes, a família conseguia manter certo grau de

tolerância e conviver com a situação, sem ajuda externa.

O segundo filho, Ronaldo, amasiado há quinze anos, tem uma história de

envolvimento com álcool e drogas antes do desenvolvimento da primeira crise da

doença. Sua esposa parece fazer parte deste envolvimento. A família apresentou

dificuldade para abordar a história de adoecimento de Ronaldo. Ronaldo iniciou o

tratamento no NSM em 27 de setembro de 2000, com diagnóstico de esquizofrenia, e foi

encaminhado ao Núcleo de Atenção Psicossocial-NAPS – F, para seguimento devido ao

uso de substâncias psicoativas e o álcool. O adoecimento de Ronaldo foi justificado pela

família pelo seu comportamento desviante devido ao uso de substância psicoativa e o

álcool.

Jonas, o quinto filho, que é o mais novo foi o último a adoecer e mesmo assim, a

família, ainda, apresentou dificuldade para perceber a doença. No início da doença ele

começou a apresentar-se mais irritado, não conseguia desenvolver as tarefas que estava

acostumado, conforme fala abaixo relacionada.

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“Ficava nervoso, não queria mais mexer com a oficina, ele sentava na cama,

deitava e não dormia também.” (1ª Entrevista, Joselita)

A ajuda ao filho foi desencadeada pela vizinha, quando esta notou que Jonas não

estava bem e sugeriu que a mãe procurasse ajuda médica, conforme se segue.

“Eu peguei e chamei a ambulância, porque ele ficou nervoso, começou a me

xingar.” (1ª Entrevista, Joselita)

Jonas passou por uma internação psiquiátrica e iniciou tratamento no NSM em

19 de agosto de 2004, com diagnóstico de esquizofrenia.

Percebe-se pelos relatos dos processos de adoecimento dos filhos, que a família

consegue identificar que estes apresentavam, por alguns momentos, comportamentos

estranhos, porém conseguiam contê-los dentro de seu ambiente, ou seja, era possível

conter a doença dentro dos limites da família. Esta situação pode estar relacionada com

a renda familiar e a inserção dos filhos em atividades laborais, garantindo a

sobrevivência da família. Mas, quando os sintomas extrapolaram os limites familiares e

foram vistos por outras pessoas procuraram pelo serviço de atendimento e o diagnóstico

de esquizofrenia foi assumido pelos pais.

Amélia, a quarta filha, namorou oito anos e casou-se em 2001, tem uma filha,

Neide, de três anos. Os irmãos adoeceram após o início de seu namoro. Amélia relata

que na época em que namorava seu marido, ele chamava atenção para o comportamento

de seus irmãos. Ele acreditava que os irmãos de Amélia tinham raiva dele, mas, como

Amélia fazia parte daquela família, justificava o comportamento de seus irmãos pela

timidez e o gosto de permanecer em casa.

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“Ele (marido) perguntava, eles não sai? Não conversa seus irmão? Parece que

eles têm raiva de mim, ele falava.“ Meu namorado chegava, eles saia tudo

correndo[...]” (7ª Entrevista, Amélia)

Amélia ao relatar o comportamento bizarro dos irmãos, quando pequenos, ria

bastante, mostrando certa aceitação daquela situação, ou seja, não pensava na

possibilidade de que os comportamentos apresentados pelos irmãos poderiam estar

associados a uma doença mental grave, mesmo lhe parecendo algo esquisito.

Nenhum dos irmãos participou da festa de seu casamento. Após o casamento,

Amélia foi morar com o marido e a filha, em um bairro distante do de sua família. O

marido é muito ciumento, não a deixa trabalhar fora de casa. Ela fica sozinha com a

filha em casa e, duas vezes por semana, faz visitas à casa de seus pais ajudando a mãe

nas tarefas domésticas.

O fato de Amélia ter se casado com uma pessoa ciumenta faz com que ela viva a

maior parte do tempo trancada em sua casa, sendo que a sua diversão são as visitas que

faz à sua família de origem.

O casamento da filha modifica a estrutura familiar. A mãe que contava com a

ajuda da filha nas tarefas diárias, passa a realizá-las sozinha, sofrendo uma grande

sobrecarga.

“Quando ela casou, eu senti, mas depois eu me acostumei. Ah, tinha que me

acostumar.” “Aí eu falei assim, minha filha, casou agora eu tenho que enfrentar

sozinha mesmo.” (4ª Entrevista, Joselita)

A mãe, ainda, demonstra preocupação com a filha já que apresentou alguns

episódios de crises de “ausência”, achando que havia perdido a filha que estava em seu

colo. Ela tem medo que a filha também adoeça.

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“[...] eu falei: oh minha filha você não tá doente, mas se você ficar doente é

porque você ficou nervosa demais, porque você fica nervosa com a sua filha, nervosa

com o marido e aquilo vai coisando, quer dizer não pode, não pode ficar nervosa.” (3ª

Entrevista, Joselita)

Amélia também tem dúvidas sobre a possibilidade de adoecer como os irmãos.

“Porque eles ficaram assim será que é perigoso eu também ficar assim? Fico com

medo, né, penso também [...]” (7ª Entrevista, Amélia)

Para dar conta das atividades diárias, Joselita tem colocado as netas para ajudar

nas tarefas domésticas, mesmo sabendo que isto não diminui a sua sobrecarga.

“Ajuda sim, ela lava louça, tem hora que ela limpa aqui, mas não é como uma

pessoa que é grande pra fazer as coisas.” (4ª Entrevista, Joselita)

Após o casamento da filha, a família, ainda, passou por uma nova situação de

crise, com o adoecimento do pai, que ficou internado na UTI, de um hospital, em estado

grave, devido a complicações cardíacas. Permaneceu internado por 45 dias, Joselita

fazia visitas diárias ao marido, no hospital, mesmo sabendo que ele estava em coma e

não podia ouvi-la. Durante a internação do marido, tentava confortar os filhos, e ainda,

recebeu ajuda da filha que retornou à sua casa para ajudá-la nas atividades diárias.

Joselita relata que a crença em Deus e nos médicos salvou o seu marido. Por outro lado,

Durval acredita na rapidez pela procura do atendimento. Segundo Durval, a esposa o

levou rapidamente ao hospital quando começou a se sentir mal.

“Mas era para eu ter morrido, se ela não corresse comigo [...]” (4ª Entrevista,

Joselita)

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Durval após seu episódio de doença e internação, mostra-se muito preocupado

com a possibilidade de vir a falecer, pois tem muito medo de deixar a esposa sozinha

para cuidar dos filhos esquizofrênicos, conforme fala abaixo relacionada.

“No hospital eu só pensava nisso, coitada da Joselita, se ela fica sozinha, como

que ela vai arrumar com meus filho tudo doente? Não tem quem ajudar ela.” (4ª

Entrevista, Durval)

Com o adoecimento de Durval, surge a perspectiva de que Joselita pudesse ficar

sozinha, para cuidar de seus filhos, e que também seu problema de saúde pudesse ter

outro desfecho, dando início à sua preocupação com o futuro da família.

5.3 Análise do sistema familiar

5.3.1.Estrutura familiar

A partir da construção do genograma, pôde-se conhecer a estrutura interna da

família. A mãe, Joselita, tem 55 anos, seu marido, Durval, tem 69 anos, são casados há

40 anos. Eles têm cinco filhos, Marcelo, 39 anos, Ronaldo, 35 anos, Amélia, 31 anos,

Aroldo, 33 anos, e Jonas, 27 anos. Os quatro filhos homens são tratados no NSM, com

diagnóstico de esquizofrenia.

Aroldo, desempregado, e Jonas, que ajudam o pai na bicicletaria moram com os

pais. Ronaldo, desempregado, é amasiado com Eide, também desempregada e que faz

acompanhamento psiquiátrico no HCFMRP/USP, moram em dois cômodos ao lado dos

pais. Juntos, têm seis filhos: duas gêmeas, as mais velhas, Vilma e Valdete, com 12

anos, Leo, Luan, Telma e Carlos. Eide já havia sido casada, tem dois filhos, Verusca e

Toni do primeiro casamento. As crianças e Toni são criadas pelos pais de Ronaldo,

Verusca foi morar com a família de Eide. Portanto, treze pessoas dividem o mesmo

espaço físico no domicílio da família.

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Marcelo, aposentado, é casado há vinte anos com Tânia, empregada doméstica

desempregada. Juntos, têm cinco filhos: Diogo, Tito, Deise, João e Melo. Diogo e Tito,

os mais velhos, moram em Araraquara com a família de Tânia. Deise casou-se e mora

com o marido, João e Melo moram com os pais.

Amélia, do lar, é casada com Hugo, mototaxista e tem uma filha, Neide de 3

anos. Ela faz visitas aos pais duas vezes por semana, mantendo vínculo com a família.

Durval faz tratamento cardíaco, uma vez ao mês, em um hospital geral, no centro

da cidade. Ele e Joselita se revezam para acompanhar os filhos nas consultas

psiquiátricas ou para visitar o seu filho Marcelo.

Os relacionamentos externos da família se restringem aos profissionais de saúde

e outros familiares. Referem um bom relacionamento entre os membros da família, sem

desentendimentos ou discussões.

A família mora em um bairro cuja população apresenta baixo poder aquisitivo. A

casa possui dez cômodos, incluindo os três, anexo ao domicílio, que ficam ao lado. As

casas são simples e com condições de higiene precárias. As crianças de Ronaldo se

dividem para dormir, entre o espaço dos avós e dos pais. Marcelo, Tânia e as duas

crianças moram no mesmo bairro, em uma casa com cinco cômodos, com pouca

iluminação e condições de higiene satisfatórias. Amélia reside em outro bairro, não

foram feitas visitas à sua casa durante o estudo.

A família é mantida, financeiramente, pela aposentadoria de Durval, auxílio

doença de Jonas, renda vinda da bicicletaria, e venda de roupas usadas.

Ronaldo e a sua família vivem da ajuda dos pais. Marcelo recebe aposentadoria

especial e, às vezes, Tânia faz faxinas para ajudar no orçamento. A família de Amélia é

mantida pelo marido.

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Todos os filhos possuem primeiro grau incompleto. As crianças estão estudando

devido ao incentivo dado pela avó. Trata-se de uma família católica, não praticante.

Joselita refere acompanhar as orações religiosas pelo rádio, por não poder ir à Igreja.

Ela e Durval acreditam no poder de Deus e acham que ele é o único que poderá resolver

seus problemas.

5.3.2 Funcionamento familiar

Segundo Wright e Leahey (2002), o funcionamento familiar está relacionado aos

detalhes sobre como os indivíduos se comportam realmente uns com os outros.

As atividades rotineiras da família como alimentar-se, dormir, preparar

refeições, trocar de roupas, entre outras, somam-se às relacionadas à dependência dos

filhos doentes, que não conseguem desenvolver tarefas como medicar-se, fazer a barba,

ir às consultas médicas, entre outras.

Todos os cuidados dispensados aos filhos doentes e aos serviços domésticos,

ficam sob a responsabilidade de Joselita. Algumas vezes, ela tem a colaboração das

netas, ou da filha por meio das visitas semanais à família. Durval apresenta problema

cardíaco grave, o que impossibilita a realização de qualquer tipo de esforço físico.

Além dos cuidados com a sua casa, Joselita ainda se responsabiliza pelo cuidado

e alimentação dos membros da família de Ronaldo. É ela quem cuida das crianças e as

encaminha à escola. Relata, em alguns momentos, sentir-se sufocada com as tarefas

domésticas, e que sobra pouco tempo para realizar o que gosta de fazer, que é a venda

de produtos para beleza.

Joselita é hipertensa e faz acompanhamento clínico. Também, apresenta crises

de labirintite. Queixa-se bastante de não conseguir se cuidar e manter-se arrumada, bem

como, manter a sua casa organizada. Ela também é a responsável pelo controle da

medicação dos filhos, armazenando todos comprimidos misturados em um pote, e

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quando julga necessário, administra os medicamentos aos seus filhos. Ela e o marido

estão sempre atentos às mudanças de comportamento dos filhos doentes, e procuram

serviço médico, quando necessário.

Durval passa o dia sentado na bicicletaria, com o filho Jonas e Toni, os quais são

responsáveis pelos consertos das bicicletas na oficina. Os filhos Aroldo e Ronaldo

permanecem o dia todo dentro do quarto, queixando-se de seus problemas.

Durval e Joselita parecem apresentar um bom relacionamento, conversam

freqüentemente, para falar sobre os filhos doentes, sempre na busca de uma explicação

para o adoecimento dos filhos e se esforçam para não deixar a tristeza tomar conta de

suas vidas. Não deixam os filhos sozinhos, ficando a maior parte do tempo em casa,

fazendo revezamento quando um dos dois tem que sair de casa. Não costumam visitar

outros parentes, amigos ou vizinhos. Às vezes, ficam meses sem visitar o filho Marcelo,

que reside no mesmo bairro.

5.3.3 Desenvolvimento familiar

Os relacionamentos entre os pais, irmãos e outros membros da família, passam

por estágios na medida em que a pessoa se move ao longo do ciclo de vida. Como um

sistema movendo-se através do tempo, a família passa por diferentes fases do

desenvolvimento.

O estresse familiar é geralmente maior nos pontos de transição de um estágio

para outro e os sintomas tendem a aparecer mais quando há uma interrupção ou

deslocamento no ciclo de vida familiar (CARTER; MCGOLDRICK, 1995).

Carter e McGoldrick (1995) propõem seis estágios de ciclo de vida familiar, para

definir as etapas evolutivas pelas quais as famílias e os indivíduos passam. Durante cada

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estágio de ciclo de vida há necessidade de novas aprendizagens comportamentais para

todos os membros da família.

A família deste estudo passa por duas fases dos estágios da vida: a família com

filhos pequenos e a família no estágio tardio da vida.

Esta é uma família que se assemelha às famílias mais tradicionais na nossa

sociedade, o ambiente familiar é composto por três gerações: avós, pais e filhos. Além

disso, a família conta com treze membros morando na mesma casa.

Na fase as famílias com filhos pequenos, surgem os papéis sociais de pais e

avós. Trata-se de uma fase de desafio, onde é necessária uma união conjugal para

assumir as responsabilidades e lidar com as demandas de crianças dependentes.

Com o aparecimento da esquizofrenia nos filhos, o transtorno mental presente na

nora, o casal, Ronaldo e Eide, não conseguiram assumir a responsabilidade de cuidar

dos filhos, que passaram a ser cuidados pela avó. É ela quem cuida das questões

relacionadas à educação, cuidado e alimentação das crianças que moram em sua casa.

Os filhos de Marcelo são criados pela esposa e pela avó materna em Araraquara-SP.

Amélia é a responsável pela filha de três anos.

Na fase a família no estágio tardio da vida, o casal passa por transformações e

declínio fisiológico inerente ao avanço da idade. Esta fase pode durar de 20 a 25 anos

para muitos casais. Há necessidade de aceitação das mudanças de papéis das gerações.

Durval delegou sua função de chefe da família para Joselita, depois que

descobriu seu problema cardíaco grave. Demonstra preocupação em relação ao futuro,

pois se morrer brevemente tem receios de como a esposa vai conseguir lidar com os

filhos.

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Joselita sente-se sobrecarregada e depois que a filha foi embora de casa, ainda

não se sente segura para delegar suas funções para as netas, que ainda são pequenas.

Desse modo, existe muita preocupação por parte dos avós em relação à morte. Não

conseguem imaginar como os filhos vão se cuidar se não estiverem mais presentes.

“Pior que eu fico, meu Deus no dia que eu faltar, as coisas vão ser pior, ai

Jesus! Ainda bem que têm as crianças né, vai crescendo, então vai prestando atenção

né?” (5ª Entrevista, Joselita)

Os filhos por apresentarem esquizofrenia, uma doença crônica, são dependentes

dos pais, mal conseguem desenvolver suas tarefas diárias e se alimentarem. Portanto,

nota-se que a evolução das fases de desenvolvimento da família foi interrompida, os

filhos que poderiam estar trabalhando ou formando suas próprias famílias, acabaram

não saindo de casa. Além disso, o aparecimento da esquizofrenia foi inesperado para os

pais.

“Como eles nunca teve nada quando eles era pequeno. Agora depois de moço

veio isso! Não é duro?” (4ª Entrevista, Joselita e Durval)

A família teve que criar um modelo de adaptação para lidar com a nova situação,

o que culminou na sobrecarga do papel de cuidadora que Joselita realiza.

Segundo Wright e Leahey (2002) existem diferenças entre o ciclo vital da

família pobre e da classe média. Nesta família, de classe popular, as fases do ciclo de

vida foram interrompidas pelo aparecimento da esquizofrenia nos quatro filhos.

5.4 A introdução ao contexto cultural da família

Como reconhecia as dificuldades de locomoção da família, optei por realizar a

maior parte das entrevistas no domicílio. As idas ao domicílio foram marcadas por

telefone. Durante as entrevistas foram realizados os registros no diário de campo e a

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observação participante que proporcionaram as reflexões e inserção no ambiente do

estudo.

A primeira entrevista aconteceu no domicílio no dia 28 de junho de 2005, no

período da tarde. Fui recebida pelas crianças que pareciam agitadas com a minha

presença e logo Joselita veio ao meu encontro e me convidou para entrar. Na garagem,

por onde entrei, havia algumas roupas penduradas e sapatos velhos empilhados com

uma placa de papel escrito: Roupas e sapatos usados 1,00. Também tinha um carro

antigo e vermelho que parecia não funcionar e dois cachorros presos no fundo, que

latiam insistentemente, chegando a me assustar. Entrando na sala, observei a falta de

higiene e a desorganização do local, haviam três sofás, Joselita me convidou para sentar

e sentou ao meu lado.

O odor de urina que pairava na casa era insuportável. Além disso, o dia estava

ensolarado, a casa estava abafada, não havia janelas para auxiliar na ventilação, isso

tudo me incomodou o suficiente para pensar em desistir. Surgiu uma imensa vontade de

ir embora.

O filho Jonas e a neta Vilma já estavam sentados, como se estivessem me

aguardando. Olhei para aquele ambiente e pensei em todas aquelas condições.

Condições que me fizeram e muitas vezes fazem me sentir impotente, sem esperança

para enfrentar aquele contexto tão adverso. As classes populares são, na maioria das

vezes, deixadas de lado, assim como, suas particularidades (CESARINO, 1991). Desse

modo, com o objetivo de me inserir naquele contexto, e considerando que o ambiente só

seria entendido a partir do momento em que os mitos, vínculos, papéis e formas de

comunicação, também fossem entendidos e pontuados pela família, consegui me

controlar e voltar minha atenção para a entrevista.

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Joselita foi até o quarto, que era ao lado da sala e convidou o filho Aroldo para

participar do evento. Mal pude ouvir a voz do filho que segundo a mãe recusou o

convite. Porém, depois de alguns minutos veio até a sala e ficou de pé, andando de um

lado ao outro, dizendo que não estava bem.

Iniciei a conversa explicando o motivo do trabalho, solicitando autorização para

gravar a entrevista e a assinatura do termo de consentimento. Após aprovação de

Joselita, dos membros e assinatura, dei início à entrevista, perguntando sobre o processo

de adoecimento do Jonas. Era inevitável a minha sensação de desconforto, sentia-me

chocada com a situação. O odor e o fato das crianças passarem correndo e os cachorros

latirem para as pessoas que passavam na rua, aumentavam meu desespero. No meio da

entrevista, Durval apareceu pedindo desculpas pelo seu atraso.

Porém, pelo contato que já possuía com esta família e pelo conhecimento de seu

funcionamento, vivenciar esse ambiente tornou-se extremamente necessário para

melhorar minha compreensão.

Ouvi atentamente tudo que o casal relatou. Os filhos e Vilma permaneceram o

tempo todo em silêncio. Ao final da entrevista, fui convidada por Joselita para conhecer

a casa e o local onde armazena as medicações.

A casa possui um banheiro e seis cômodos, sendo dois quartos, um em frente à

sala e outro ao lado, uma cozinha com um corredor que serve de passagem para a

bicicletaria e uma garagem. A casa tem uma adaptação onde mora Ronaldo e Eide,

porém Joselita não me levou ao local naquele dia.

O primeiro quarto possui uma cama de casal e uma de solteiro e um armário

antigo, as camas estavam desarrumadas e os lençóis sujos e rasgados. O quarto ao lado

possui duas camas de solteiro e um armário de madeira entre as camas desarrumadas.

Percebi que o cheiro forte vinha do banheiro onde havia urina espalhada pelo chão. Na

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cozinha, Joselita retirou um pote de plástico de dentro do armário, é o local onde

armazena as cartelas das medicações. Elas estavam misturadas e além das medicações

dos filhos, também havia medicações suas e de Durval. A cozinha estava cheia de

louças empilhadas e pratos com restos de alimentos em cima da mesa, cheio de moscas.

No corredor havia algumas galinhas presas por um suporte de ferro. A bicicletaria é

antiga, os armários de ferro e vidro estavam quebrados e existia um cachorro preso entre

os armários, no lugar em que geralmente fica a pessoa que recepciona os clientes. Existe

uma cadeira de madeira grande onde Durval fica sentado. Chamou-me atenção um

bebedouro com água parada e cheia de moscas. Tudo estava sujo e desorganizado.

Como nós do serviço de saúde estamos longe de oferecer atendimento adequado,

é notório que esta família vive em um estado de abandono e desamparo. Isso também é

confirmado pelo fato do serviço não dar conta de que há quatro esquizofrênicos nessa

família. Agradeci a todos pela receptividade e fui convidada a voltar quando quisesse.

Optei por agendar a próxima entrevista em outro momento.

Após transcrição e leitura da primeira entrevista, sob a supervisão da orientadora

deste trabalho, foram pontuados alguns assuntos para a realização da próxima entrevista

como o término do genograma, a ordem e processo de adoecimento dos filhos, o

conhecimento e sentimentos dos pais frente ao aparecimento da doença.

A segunda entrevista foi marcada por telefone e também ocorreu no domicilio

no dia 01 de setembro de 2005. Dessa vez fui recebida por Durval e Toni, que estavam

na oficina por onde entrei. O corredor entre a oficina e a cozinha estava sendo lavado e

as galinhas estavam presas por uma corda enrolada em seus pés. Logo que entrei

encontrei Joselita e os netos na sala. A casa parecia estar mais organizada, o cheiro não

estava tão incômodo, como da última vez. A cozinha mantinha-se desorganizada, com

restos de comida jogados em cima da mesa e muitas moscas.

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A entrevista aconteceu novamente na sala, com participação de Joselita, Durval,

Toni, Vilma, Carlos e Jonas. Aroldo estava no quarto ao lado da sala, em alguns

momentos foi até o local da entrevista, porém se manteve calado e continuava se

locomovendo de um lado para o outro, mantendo o discurso de que não estava bem.

Ao fim da entrevista, conversei com a família sobre a fixação de um horário e o

local para realização das próximas entrevistas. A decisão de serem realizadas às quintas-

feiras à tarde foi de interesse de todo o grupo e o local ficou entre o NSM e o domicílio,

com preferência para a segunda opção. Para Lancetti (2000), quando traçamos um plano

ou prometemos passar em algum dia e hora combinados, devemos ser muito cuidadosos

no cumprimento da palavra. Uma mínima falha pode ser grave e pôr tudo a perder.

A terceira entrevista aconteceu no NSM, no dia 08 de setembro de 2005. Joselita

havia ligado no serviço pedindo consulta eventual para o seu filho Aroldo que não

estava bem. O caso foi discutido com o médico responsável pelo paciente que

concordou em atendê-lo. Após realização da consulta médica, encaminhei Joselita,

Aroldo e as crianças até a sala de grupo, uma sala pequena reservada para atividades em

grupo, com cadeiras dispostas em círculo. Questionei se concordavam em realizar a

terceira entrevista naquele momento, e após consentimento, a entrevista foi iniciada.

Para a realização desta entrevista recebi ajuda da orientadora, deste estudo, que estava

presente no NSM. Joselita apresentou-se participativa, porém, mostrava-se preocupada

com o horário, pois precisava fazer almoço e alimentar as crianças, antes de encaminhá-

las à escola.

A quarta entrevista ocorreu no domicílio, no dia 15 se setembro de 2005, e

estavam presentes Joselita, Durval, Toni, Vilma e Carlos. Durante o transcorrer desta

entrevista as crianças encontravam-se agitadas, pois uma das gatas havia dado cria, e os

gatinhos estavam dentro do guarda-roupa do quarto que fica em frente à sala. Assim,

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elas ficaram o tempo todo, passando pela sala e solicitando para que eu olhasse para os

gatinhos.

A quinta entrevista também ocorreu no domicílio, no dia 29 de setembro de

2005, estavam presentes Joselita, Durval, Vilma e Carlos. O assunto abordado durante a

entrevista, parece ter entusiasmado a família, principalmente, Durval e Joselita, que

recordaram desde o momento em que se conheceram, o casamento, até os planos que

fizeram para o futuro. A casa, neste dia, estava mais organizada, o cheiro não

incomodava mais, o chão da sala estava limpo e o sofá coberto por um lençol. Durante

esta entrevista percebi que tinha vencido as primeiras barreiras, e me inseri no contexto

daquela família, o que no início parecia quase impossível.

Antes da realização da sexta entrevista, fiz uma visita domiciliar eventual à

família. Neste dia, tive a oportunidade de conhecer, o domicílio do filho Ronaldo e de

sua esposa. A casa tem um espaço apertado com um quarto, com banheiro acoplado e

uma sala, ambos com pouca iluminação. Constatei que a casa de Ronaldo e sua esposa,

também era muito suja, com restos de alimentos espalhados no chão, com presença de

algumas galinhas e um cachorro, que estavam dentro da casa. No quarto, vários

colchões jogados no chão, com roupas sujas de fezes em cima deles. O odor era muito

forte, pior do que o sentido durante a primeira entrevista, na casa de Joselita. A minha

vontade, novamente, foi de abandonar a família. Também percebi que Ronaldo ficou

incomodado com a minha presença. A esposa também pareceu ter ficado constrangida

com a minha presença e pouco conversou sobre a doença do marido.

Quando sai do domicílio, fiquei mais uma vez chocada com a situação. Joselita

tentou justificar a desorganização da casa, pois lhe faltava tempo para ajudar o filho, e

que a nora pouco colaborava, frente ao tratamento de cabeça que realiza no HCFMRP-

USP. Percebi a preocupação de Joselita com o seu filho Ronaldo, pois este estava

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apresentando dor e empachamento no estômago há dias. Nesta entrevista, tive a

oportunidade de orientar Joselita a respeito dos sintomas apresentados pelo seu filho e

providenciei a ambulância para encaminhá-lo à Unidade Básica de Saúde-UBS para

avaliação.

Na UBS, obtive a informação que os sintomas apresentados por Ronaldo

estavam relacionados à esquizofrenia. Esta situação nos levou a refletir acerca da

importância dos profissionais de saúde valorizarem as queixas do doente mental a fim

de ajudá-los a minimizar os seus problemas.

A sexta entrevista ocorreu no domicílio de Marcelo, no dia 06 de outubro de

2005, pois Marcelo e a esposa, não conseguiram sair de sua casa. Nesta entrevista,

estavam presentes Joselita, que fez questão de me acompanhar, Tânia, Vilma, João e

Marcelo, que permaneceram no quarto.

Percebi que a casa era mais organizada, apesar da garagem, da entrada, estar

cheia de coisas velhas e empilhadas. A entrevista ocorreu na cozinha, onde tinha uma

mesa com seis cadeiras; a louça estava lavada em cima da pia e o chão limpo e

brilhante. Também percebi que após a explicação do propósito do estudo, solicitação

para a gravação da entrevista, e a assinatura do termo de consentimento, Tânia parecia

estar incomodada com o gravador. Assim, antes de iniciar a entrevista realizei uma

abordagem com Tânia reforçando a importância da gravação da entrevista a ser

realizada. Os filhos de Marcelo brincavam no quintal, e, em alguns momentos, foi

difícil ouvir o depoimento de Tânia, pois o seu tom de voz era baixo. Ao término da

entrevista, fui convidada a conhecer o domicílio. A casa era pequena, com cinco

cômodos, dois quartos, um banheiro, uma sala sem móveis, uma cozinha e uma

garagem, limpos e organizados.

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A última entrevista foi realizada no dia 20 de outubro de 2005. A entrevista

ocorreu, novamente, na casa de Joselita e, para esta entrevista, a filha Amélia foi

convidada para o encontro e estava presente, com a sua filha. Durante a entrevista, as

crianças ficaram brincando, fazendo muito barulho, além de ficar entrando e saindo da

sala. Percebi que Amélia achou engraçado quando orientei acerca da gravação da

entrevista. Amélia ao falar acerca do adoecimento dos irmãos, ria muito. Repetiu, várias

vezes, as histórias sobre os comportamentos bizarros dos irmãos na infância, sempre

referindo que não tinha idéia de que eles pudessem estar doentes e que o seu

relacionamento com eles sempre foi bom.

5.5 Análise das entrevistas

A análise das entrevistas permitiu identificar sete categorias temáticas que

descrevem os valores, crenças, a compreensão da família a respeito da convivência com

a esquizofrenia e suas formas de enfrentamento. Estas categorias foram subdivididas de

acordo com o sentido dado pela família acerca do processo de adoecimento e os

mecanismos de enfrentamento desenvolvidos pela família para lidar com a

esquizofrenia. No Quadro 1, apresentamos a síntese das categorias temáticas extraídas a

partir dos dados obtidos nas entrevistas realizadas com os familiares de portadores de

esquizofrenia.

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Quadro 1 - Categorias temáticas extraídas das entrevistas com os familiares de portadores de esquizofrenia. 2006

O sentido dado pela família ao processo de adoecimento

Mecanismos de enfrentamento desenvolvidos pela família para lidar

com a enfermidade As representações sobre o normal e

patológico As crenças sobre o cuidado

As representações do termo esquizofrenia

O relacionamento familiar • O apoio • O reconhecimento dos esforços do

outro na família • A alternativa para o cuidado • O futuro da família • Conformar-se

As explicações para a doença O tratamento e a cura O impacto da doença

• O sofrimento • A sobrecarga: o cuidador vai

adoecendo, atividades de controle da medicação e sintomas e o isolamento.

5.5.1 O sentido dado pela família ao processo de adoecimento

As representações sobre o normal e patológico

A seguir, apresentamos alguns depoimentos, nos quais podemos perceber as

representações sobre os conceitos de normal e patológico acerca da doença, pela família

dos portadores de esquizofrenia.

“O normal é tomar banho, trocar de roupa, levar uma vida normal, agora ele

não! Ele não faz isso, não quer tomar banho [...]” “[...] quando eles ficava nervoso,

eles ficava dois ou três dias nervoso, não era quem agüentava [...]eu fico nervosa só

naquela hora, assim, fico nervosa, aí começa a dá aquele branco, aí no outro dia fica

tudo normal[...]”( 7ª Entrevista, Amélia)

“A pessoa, a pessoa pensar normal, mesmo a pessoa não está doente, pensa,

assim, vou lutar com a vida né, aí o cara não tá doente, mas quando o cara pensa que

já tá doente.” (5ª Entrevista, Joselita)

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“[...] porque eu acho que a pessoa que não tem problema, rapaz igual ele aqui

(aponta para o netinho), eu acho assim, que ele trata a gente de assumir as coisa, uma

pessoa tendo esse problema não tem jeito[...]o Aroldo não tem vontade de ter nada.”(5ª

Entrevista, Durval)

As definições de normalidade e anormalidade variam muito no mundo e

enfatizam os sinais físicos de disfunção cerebral anteriores ao diagnóstico de doença

mental. Essas definições são baseadas nas crenças compartilhadas em um grupo social,

sobre o que constitui o modo ideal de um indivíduo conduzir sua vida com relação às

outras pessoas (HELMAN, 1994).

A família, nesse contexto, identifica alguns comportamentos que são indicadores

de anormalidade, tais com “não tomar banho”, “não trocar de roupa”, “não ter vontade

de ter nada”, entre outros. Esses indicadores representam o que a família considera

apropriada para um indivíduo conduzir sua vida em relação a seu meio social e a seu

modo de vida anterior. Desta maneira, quando um indivíduo não apresenta uma doença,

ele é capaz de desenvolver suas atividades, como acontecia anteriormente. A família

percebe que houve um desvio no padrão do que considera normalidade. Atividades que

até então eram realizadas, passaram a não ser mais desempenhadas ou feitas com

dificuldade, indicando a disfunção.

O desenvolvimento pessoal, a capacidade para o autocuidado, para o trabalho, a

inteligência, a capacidade de estudar e o fato de nunca ter ficado doente, são valores

culturais da família que possibilitam a progressão ou seu desenvolvimento, conforme as

falas que se seguem:

“Tem um estudo danado, só que ele ficou desse jeito, eles tudo é estudado e deu

problema nele, deu problema seríssimo.” “[...] nunca ele teve uma gripe, nunca teve

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problema nenhum, nem uma febrinha e meu filho, agora, depois de homem, deu

problema, depois de 35 anos deu problema, deu problema, deu esse problema nele que

não teve jeito [...]” “[...] deu esse problema nele que não teve jeito, (antes da doença)

se falava assim dava uma casa e um terreno pra ele, ele levantava a casa [...]” (2ª

Entrevista, Joselita)

“Nunca ficou doente, nunca foi no médico, então foi uma coisa, assim, de

repente, o que aconteceu comigo.” (2ª Entrevista, Durval)

“Eu acho que o moço quando pega uma moça pra namorar, os pai precisa

conhece, a mãe precisa conhecer, os irmão, né! Onde já se viu uma pessoa pegar

alguém e sumir, tem problema esse aí.” (4ª Entrevista, Durval)

“[...] antes o Marcelo era trabalhador né, ele trabalhava o Marcelo, fez a casa

dele né, trabalhava aqui na oficina o Marcelo, ganhava dinheiro e ponhava lá na casa

né!” (5ª Entrevista, Durval)

“Ah, eu falo assim, uma pessoa tão inteligente de repente ficar assim [...] ele

era inteligente demais, aprendeu a arrumar bicicleta sozinho, era pedreiro, trabalhava,

casou, teve filho, fez a casa e depois ele veio ficar doente, esquisito não é?” (7ª

Entrevista, Amélia)

O surgimento da doença gera sentimentos de perplexidade e incompreensão. O

fato de o indivíduo ter apresentado outrora todas essas capacidades mentais saudáveis

impossibilita a família aceitar um quadro grave de doença mental. Os depoimentos da

filha e da nora, denotam tais sentimentos:

“Aí meu namorado falou, mais eles corre, não sei, eu falei mais não é raiva de

você, eu falei pra ele, não sei, acho que é o jeito deles eu falava, eu não sabia que eles

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tava doente né, é o jeito deles eu falava, é que nem bicho do mato! Só que não era

assim, era a doença né, que faz correr [...]” “Dava bem com todos só que como

cresceram começaram a ficar esquisito agora, de uns tempo pra cá.” (7ª Entrevista,

Amélia)

“Ah, eu achava que era verdade, depois eu fui vendo que não tem nada a ver o

que ele falava, não tem nada a ver o que ele fala não, é tudo da cabeça mesmo,

imaginação.” (6ª Entrevista, Tânia)

Durante o processo de adoecimento, alguns comportamentos foram

identificados, principalmente pela irmã, como “esquisitos”, “coisas da cabeça”,

“imaginação” (fora dos padrões de normalidade), porém por não saber que se tratava da

doença, justificava sempre esses comportamentos com expressões de características

individuais: “bicho do mato”, “dava bem com todos”.

As representações do termo esquizofrenia

A família usa de alguns termos tais como: “problema”, “quadro”, “doença”,

“coisa”, para referir-se à esquizofrenia. Isso pode ser explicado por se tratar de uma

família de baixo nível educacional, e o termo ser de difícil compreensão. A

esquizofrenia aparece como um mito em nossa sociedade, e é classificada como

altamente estigmatizante.

Segundo Villares (1996), ao evitar o termo esquizofrenia, utilizando

denominações mais amplas e vagas para a doença, o familiar pode contornar os

problemas de estigma social e imprimir um caráter mais benigno à condição do doente.

Pessoas com doença mental geralmente sofrem preconceitos similares àqueles

que sofrem discriminação racial ou étnica (ARBOLEDA-FLÓREZ, 2003). Sua

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estigmatização está, em geral, associada ao estigma da esquizofrenia representando um

dos obstáculos para o sucesso do tratamento. Ignorância, preconceito, e atitudes

públicas negativas acerca das pessoas com esquizofrenia e seus parentes induzem a um

ciclo de alienação e desvantagens. As conseqüências mais comuns da discriminação

para os esquizofrênicos são, o distanciamento social, exclusão, e dificuldades em boas

oportunidades de emprego e moradia (GAEBEL; BAUMAM, 2003). Conforme

podemos visualizar nos depoimentos de Durval e Joselita:

“[...] eles deram [...] olharam ele na cabeça e mostrou, falou que ele tava com o

quadro”. “Aí que deu esse problema, agravou!” “É, essa doença.” “[...] meus filhos tá

tudo com essa doença, depois o menino apareceu com esse negócio.” “Chamaram eu e

a Joselita lá no HC e explicou tudo o problema dele, falou que o problema dele é tudo

igual é a mesma doença.” (1ª Entrevista, Durval)

“Ele leu ali uma coisa e falou, um laudo médico, à tarde, o seu menino, esse

moço ele tá com essa doença na cabeça, e falou o nome, eu esqueço, eu nem gosto de

lembrar dessa doença [...]” “O Jonas pegou o quadro, o Aroldo pegou o quadro.”

“[...] aí acho a doença, aí eu falei assim: doutor, mas escuta, e que o senhor acha do

meu menino? Ele falou assim: o Aroldo tá com aquela doença, a mesma do outro

rapaz, que era do Marcelo.” (2ª Entrevista, Joselita)

“É a coisa, é apresentada nos quatro.” “Ele tá com problema na mente. É o

mesmo, ele escuta.” (3ª Entrevista, Joselita)

“...como é que chama essa doença que deu na cabeça dele? Deu com o

emocional, como é que é? É [...] como é que fala mesmo essa doença que você falou o

nome?” (7ª Entrevista, Joselita)

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As explicações para a doença

Os depoimentos abaixo relacionados expressam as explicações dos familiares

para o adoecimento dos seus membros:

“Antes dele ficar doente, ele tava ajudando o Durval[...]ele foi coisar ali, o

negócio do beral, aí caiu na cabeça dele, sabe o que é isso? Será que deu mancha?” (7ª

Entrevista, Joselita)

“Tem um momento também, lembrando agora, que ele levou um tabada, assim,

na cabeça, sabe? Ele tava ali fora, a tábua desceu, ele tava trabalhando caiu na cabeça

dele. Antes de ficar doente.” “É, parecia até que existia um mal né! Pensava [...] será

que isso é uma “ malcatrua”, é alguma coisa, eles falam que é espiritual né! Aquilo ali

atingia a gente, você acabava ficando nervosa.” (7ª Entrevista, Amélia)

A família busca por explicações físicas para o aparecimento da doença, é mais

fácil aceitar que o doente “bateu a cabeça” ou “levou uma tabada” do que reconhecer

que se trata de uma doença mental, para a qual não temos explicação sobre as causas.

Segundo Villares (1996), as respostas titubeantes, inespecíficas e até incoerentes, dos

familiares, são freqüentes e sugerem uma maneira de lidarem com uma realidade

carregada de sofrimento e também a dificuldade de estabelecer um diálogo simétrico

com o profissional, que subitamente se apresenta como alguém que deseja escutá-los.

O impacto da doença

Fukuda (1989) e Rose (1996) afirmam que a doença mental, como a

esquizofrenia, causa um profundo impacto na vida do doente e de sua família. Nesse

trabalho, foi possível evidenciar esse impacto através do contato, observações do

cotidiano e verbalização por parte dos familiares, durante as entrevistas. Na literatura, o

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impacto da doença é expresso pelo sofrimento pessoal e familiar e da sobrecarga.

Porém, neste estudo, além dessas categorias, o impacto também foi expresso pelo

isolamento e atividades de controle das medicações.

O sofrimento

O surgimento da esquizofrenia é visto como algo inesperado, que aconteceu de

forma abrupta sendo comparado a um choque pela família. O desenvolvimento do filho,

aparentemente saudável, não permitia imaginar que viesse sofrer uma doença como esta

que impossibilita a realização de atividades. A seguir, evidenciamos os sentimentos da

família frente ao aparecimento da doença:

“[...] como que eu sentia? Nossa! Minha filha foi um choque, porque sabe o que

aconteceu foi um choque porque eu não conformava de jeito nenhum.” “[...] e deu até

um choque em mim [...] Eu falei: meu Deus eu já não tô boa ainda com uma dessa, foi

justamente o dia que o Marcelo foi internado.” (1ª Entrevista, Joselita)

“[...] foi um choque, nossa, foi um choque, quando o Marcelo ficou doente foi

um choque.” “[...] pegou e falou, eu comecei a chorar e falei assim, um rapaz tão

inteligente que ele era né, comecei a chorar, casado, tem os filhos, aí de repente, aquilo

pra mim foi um choque[...]” (2ª Entrevista, Joselita)

“Isso pra nós é um choque né, porque a gente não esperava isso.” (4ª

Entrevista, Durval)

Estudo realizado por Saunders e Byrne (2002), com famílias de portadores de

esquizofrenia, identificou uma série de sentimentos vivenciados durante o processo de

adoecimento como apatia, aflição, depressão, isolamento, raiva, angústia, devastação,

contradição, frustração, incerteza, culpa, tristeza crônica, bem como aceitação e

esperança para o futuro.

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Os depoimentos abaixo relacionados expressam os sentimentos verbalizados

pelos membros da família, tais como: “nervosismo”, “tristeza”, “susto”, “pavor”,

“abalo”, “sofrimento”, “desânimo” e “aborrecimento”.

“Eu comecei a chorar, falei, meu Deus do céu, meus filhos tá tudo com essa

doença.” “Aí eu comecei chorar meu Deus, que eu ficava nervosa sabe? Eu comecei a

chorar, meu Jesus, meu filho também tá doente, né. Foi uma coisa assim [...] de um mês

mais ou menos. Um mês [...] é duro, né? Não é duro?” “Minha filha do céu, passou o

Natal, só Jesus sabe. Com o Marcelo doente, né e ele doente, o Jonas não tava doente

ainda. E o outro também tava doente, o outro rapaz. A minha vida era chorar, duro né?

Cabou o Natal, não tinha Ano Novo, não tinha nada!” (1ª Entrevista, Joselita)

“[...] meu Deus vai me acompanhar, eu vim embora, aí eu falei assim, meu

Deus, que coisa, Jesus eu tava chorando, falei, meu Deus, o que vai ser [...]” “Só sei

minha filha que o problema [...] a minha vida foi chorar, triste.” (2ª Entrevista,

Joselita)

“Ah, quando meus filhos tavam com saúde era tudo alegre né, porque eles iam

na igreja, almoçavam, jantavam, namoravam, agora[...]” “Não, a vida dele acabou

que nem eu.” “Não tem alegria né, qual alegria que eu vou ter né, de pensar nos filhos

[...]” (3ª Entrevista, Joselita)

“Ai, meu Deus, mas eu vou te falar, é triste né. Todo dia é desse jeito, é a minha

dor. E o Marcelo, faz 20 dias que eu não vejo ele.” “É desanimei, desânimo.” (5ª

Entrevista, Joselita)

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“Ah, eu acho que é muito sofrimento, é muito sofrimento isso aí, sofre ele, sofre

as crianças, sofre [...] Sofre todo mundo [...] Sofre todo mundo, não é fácil não! Tem

muita carga.” (6ª Entrevista, Tânia) “Eu fico triste mais [...]” (6ª Entrevista, Tânia)

Cabe ressaltar, que o sofrimento e desespero da família parecem aumentar, à

medida que os outros filhos iam adoecendo, o que resultou, aos poucos, na perda da

alegria de viver.

Por outro lado, os familiares vêem a vida como uma luta, a qual sempre

enfrentaram com força, coragem e trabalho, mas que resultou no adoecimento dos

filhos, conforme se segue:

“Daí nós vêm lutando, vêm lutando né. Vêm criando os filho, aí quando chegou

adulto os menino ficou doente né?” (4ª Entrevista, Durval)

Por tratar-se de uma família da classe popular, sabe-se que existe uma

expectativa de que os filhos substituam os pais na força de trabalho, que sempre lutaram

muito para criação dos filhos. Segundo Costa (1993), a presença de muitos

trabalhadores na família é desejável e necessária, para que a família possa manter suas

condições de existência, marcada pela instabilidade do trabalho e pela precariedade da

integração ao mundo urbano. O surgimento da doença mental rompe este processo

dentro do ciclo de vida da família, despertando uma série de sentimentos ligados à

dificuldade de aceitação.

A sobrecarga: o adoecimento do cuidador

O paciente provoca uma séria crise na família pela sobrecarga emocional e custo

social (DOLL, 1976; WILLIS, 1982). Para Montagna (1978), a sobrecarga para os

familiares de pacientes esquizofrênicos é de difícil mensuração e pode estar associada

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tanto pela sintomatologia da doença, devido aos delírios e agressividade, tanto pelas

dificuldades financeiras, preconceito e estigmatização.

Um outro estudo identificou, além desses fatores, o embaraço para a família,

vergonha e sentimento de culpa, e responsabilidade dos pais para assistência contínua

ao filho perturbado mentalmente, como responsáveis pela sobrecarga (KREISMAN;

JOY, 1974). Para Koga (1997), a família tem que estar preparada para lidar com a

sobrecarga imposta pela doença, que é inevitável, conforme os depoimentos que se

seguem:

“Aí eu peguei, levei ele, ele tava nervoso, mas tava nervoso, foi uma luta né?

Tava uma luta aqui dentro de casa, eu tinha que fechar a casa todinha, minha filha! É,

fechar a casa toda e ele implicando com os outros, e eu quase fiquei doente da cabeça!

Quase!” “[...]até eu tinha que fazer uma consulta no hospital e nem fui.” (1ª

Entrevista, Joselita)

“[...] por isso que a mãe, se ela esquecer um minutinho de você, vocês alembra

porque a mãe de tanta preocupação esquece das coisa, porque às vezes eu esqueço.”

(2ª Entrevista, Joselita)

“Eu tô com medo de mim, porque eu tenho aquela labirintite na cabeça, eu tô

com medo de mim porque tanta coisa que eu boto na cabeça que meus filho doente, tem

vez que eu como, tem vez que tira minha fome, ainda mais quando eu vejo eles doente

eu não como.” “Ele, não adianta nem falar muita coisa pra ele, porque ele tem

problema, cardíaco, a gente corre pro hospital né, porque tá tendo problema, depois

que os filho ficou doente, que o Marcelo, deu um problema no Durval, quase que ele

morreu [...]” “Ele perturba a noite toda.” “Vixe! Eu faço as coisas dentro de casa

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doente, que é eu sozinha para fazer as coisa.” “Eu fico pensando e já não durmo [...]”

(3ª Entrevista, Joselita)

“Eu não tenho sono [...]” (6ª Entrevista, Joselita)

“E começou a dar crise neles, o doutor disse que é crise, porque dava e a gente

não sabia né. Brigava por qualquer motivo, qualquer, uma coisinha eles fazia um

coisão. Aí minha mãe ficava nervosa, ela tem hipertensão, o pai toma remédio, foi

ficando até doente também, vêm vendo tudo isso.” (7ª Entrevista, Amélia)

Nas falas acima fica evidente que há um abandono das funções, por parte dos

familiares para se dedicar aos filhos doentes. Koga (1997), em seu trabalho sobre a

convivência dos familiares com o paciente esquizofrênico, encontrou que os familiares

vão sofrendo desgaste constante durante a convivência com o familiar doente e ficam

privados de se preocuparem com a própria saúde, para prestar assistência adequada ao

paciente. Percebe-se que esta forma de enfrentamento é comum nos grupos sociais,

independente do nível social, em que os pais deixam seus cuidados de lado para se

dedicarem aos filhos.

As mudanças que ocorreram na família devido ao aparecimento de uma doença

mental crônica grave, sobrecarregaram os principais responsáveis pelo seu cuidado,

gerando sensações de impotência e uma série de preocupações com o desenvolvimento

das tarefas de rotina como dormir, comer, tomar banho e até o seguimento do

tratamento medicamentoso, conforme se segue:

“[...] eu tenho que fazer os papel dos meninos né. O Aroldo, tem que afastar

ele, tem aquele lá (refere-se ao Jonas que está no outro sofá), o Marcelo, por exemplo,

não foi afastado, é duro né. Não foi afastado, ainda é triste.” (1ª Entrevista, Joselita)

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”[...] você tá dormindo bem? Todo dia eu pergunto pra ele, ele dormiu bem essa

noite? Dormiu. Pergunto Jonas, Jonas você dormiu bem?” (2ª Entrevista, Joselita)

“Ontem à noite eu tava assistindo coisa e de repente o menino começou a falar

que, eu tô com a cabeça latejando, tô com a cabeça latejando, eu já parei de assistir

televisão, eu falei, vamos no Cuiabá, ele falou não, nós têm que ir no médico amanhã

né.” “[...] depois vem esse (Aroldo), que precisou correr com ele, eu corri também,

depois veio o outro e veio o outro também, tudo! Complicou tudo.” (3ª Entrevista,

Joselita)

“Não vem, não vem, fica sem comer, morre lá e não come. É duro né? Fica sem

comer, ela tem fogão, que a moça deu pra ela, tem um fogão de gás, mas não faz a

comida, porque o gás acabou, não tem jeito de comprar, ficou sem o gás até hoje, a

moça que fez a doação, falou: Oh! Joselita, eu vou dar o fogão pra ela e o bujão de

gás, mas desse jeito né, não tem como. E também não vai atrás de nada, triste né, ela

tem (aponta para a cabeça, querendo dizer que ela tem problema de cabeça). Eu não

posso ficar fazendo porque ela não faz nada né?” “Não, não vem. Fazer o quê? Eu

faço ele comer que é perigoso né. Eu faço ele comer, eu levo a comida dele, eu levo a

verdura na janela, ela chama ele, é todo dia” “É, nem as crianças, come tudo. Essa

aqui toma banho (referindo-se a Vilma), depois almoça, aí vai para a escola, aí, depois,

vai dar para os grandes né. Aí os grande, um fala: agora eu não vou almoçar, depois

que almoça. É uma luta aqui filha!” “Não, não. Tem que come mais tarde, outro come

2 horas, é assim!” (5ª Entrevista, Joselita)

“Mas graças a Deus ele tá bom, ele sai, agora o Aroldo não sai, o Aroldo e o

Ronaldo fica lá, e sabe o que eles fala pra mim? Cabou a vida[...]ontem eu falei pra

eles, gente pelo amor de Deus ceis, porque aí tá muito sujo, aí no Ronaldo e eu não

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posso ficar, eu peguei falei, para as meninas, elas limparam tudo lá dentro, limpo

tudo[...]” (6ª Entrevista, Joselita)

“É, não foi fácil não né! Ah! não é fácil né, porque é uma luta né. Você quer

ajudar não pode, não sabe o que tá acontecendo, não sabe o que tá passando pela

cabeça dele, né?” (6ª Entrevista, Tânia)

“Você sabe que ele fala agora? Agora ele fala assim[...]meu Deus[...]você

sabe? Acabou comigo, com a minha vida, a minha vida acabou! É eu não posso sair de

dentro de casa mais, agora acabou com a minha vida, porque eu tinha que trabalhar né

mãe? Acabou com a minha vida, não posso trabalhar mais[...]eu falei mais por que

filho? Não é, eu não posso nem sair pra fora, os outro quer me matar! Desse jeito! Mas

agora, graças a Deus, com os remédios que ele tá tomando, ele tá melhorando, agora

eu fui essa semana lá na casa dele, falei assim: Marcelo você tá bom, filho? Ele falou

eu tô, eu falei você escuta ainda? Ele falou não, graças a Deus, não! Aquele dia você

viu ele falando que ele não tava bom! Então, agora ele tá mais ou menos né. Tá mais ou

menos, graças a Deus!” “Quando ela vem, ela limpa a casa, lava a louça, coitada né?

Então eu falei assim, meu Deus e agora? Como é que eu vou fazer? Porque esses

meninos doente. Eu tenho cinco filhos, cinco filhos, depois logo veio o Aroldo e o

Ronado já tava doente. O dia que eu viajei os três foi comigo.” (7ª Entrevista, Joselita)

Os depoimentos acima expressam como a cuidadora fica sobrecarregada com

tantas tarefas, deixando seu próprio cuidado de lado. Em alguns momentos Joselita

sente que está esquecendo as coisas, que também está ficando doente, deixando de se

alimentar, dormir, e comparecer aos retornos médicos.

Em outro relato identificamos a desorganização doméstica causada pelos filhos

doentes. Segundo Koga (1997), além dos pacientes não contribuírem com a

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organização, muitas vezes realizam atividades que aumentam o trabalho dos outros

membros da família.

Segundo Torrey (1988), a família do paciente esquizofrênico convive em uma

atmosfera comparável à espera da explosão de uma bomba, onde os problemas do

cotidiano assumem proporções exageradas e os problemas verdadeiros são suprimidos.

A vida diária, as atividades sociais e a situação financeira são perturbadas, e as

necessidades dos membros da família são negligenciadas. Esta imprevisibilidade, como

fonte do aumento da tensão é o aspecto mais difícil do convívio com o esquizofrênico,

conforme os depoimentos relacionados a seguir:

“[...] as crianças não podia ir na escola e ele dizendo que tava com a casa, com

é mesmo que ele falava, tá tudo cercado de gente e não tinha ninguém.” (1ª Entrevista,

Joselita)

“[...] eu não queria comer, não dormia direito, minha vida era ir no hospital

atrás dele porque, logo quando ele ficou doente, ele ficava no HC do Campus e minha

vida era ir no HC do Campus toda semana não, é João?” (2ª Entrevista, Joselita)

“E vamos enfrentar a vida, eu vou todo dia lá, pra ver ele, porque a mãe fica

preocupada, porque se eu não ver el,e eu não durmo de noite, eu pegava, chegava de

lá, fazia um chá de cidreira pra deitar né! E não dormia direito, porque ficava

pensando noite inteira como ele tava né! Porque os aparelho né, doze aparelho. É Deus

que tava olhando ali né? Deus e os médicos foi o que eu falei para o doutor!” “Ah! eu

pensava! Difícil. Era difícil, porque é duro né? Eu falava Deus vai ajudar e meu marido

vai melhorar e os moços também, porque eu tenho que olhar as crianças, ainda

acontece isso! Não é duro? Minha filha do Céu é triste! É duro mesmo.” (4ª Entrevista,

Joselita)

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Além do adoecimento dos filhos, a família passou pelo processo de internação

do pai, com problema cardíaco grave. A ocorrência de novos problemas de saúde na

família também vêm contribuir para o aumento da sobrecarga de trabalho entre seus

membros.

A sobrecarga: atividades de controle da medicação e sintomas

A mãe, como mencionado anteriormente, é a responsável pelo controle das

medicações, dedicando grande parte do seu tempo a esta atividade. Os discursos abaixo

demonstram sua preocupação em relação a esta sobrecarga.

“...ele toma também esses três remedinhos amarelo, ó o amarelinho que o

Aroldo toma, e o branco duas vezes ao dia, às 3 hora.” “[...] aí eles fala assim, mãe já

é três hora, a senhora não vai me dar o remédio, aí eu peguei e dei o remédio pra ele,

tava quase esquecendo (risadas).” “Porque agora ele não sente dor, mas ontem mesmo

ele tava com dor,“Mãe eu tô com dor no peito”, não filho, às vezes, é gripe, a mãe não

pode nem dá remédio pra você, eu tinha que levar você no Cuiabá pra vê, o médico

proibiu.” “[...] eu dou o remédio pra ele certinho, às três horas, eu já dei o remédio, às

sete horas da noite, eu dou o Haldol né, e cedo às 8 da manhã, eu dou Kaneton pra ele,

então, quer dizer que, graças a Deus, meu filho, ele sabe que tá sentindo bem né?”

“Olha, você tem que tomar o remédio todo dia, toma um pedacinho cedo e um inteiro à

tarde, à noite, que é o Haldol né?” (1ª Entrevista, Joselita)

“[...] eu peço sempre, vocês não desanima, vocês tão tomando remédio, e vocês

era uns rapaz que não tinha problema, mas como apresentou essa doença, vocês vão

tomar o remedinho.” (2ª Entrevista, Joselita)

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“Quando chegar o remédio, eu preciso levar o Aroldo lá, para o doutor marcar

pra mim, direitinho, como dar a medicação pra ele.” (4ª Entrevista, Joselita)

“Chegou o horário tem que dar, porque senão né!” “E outra né, tem que ser

controlada né. Esse e aí (Ronaldo) tem que tomar dois Diazepam, toma esse aí ó, esse

Kaneton, tudo ele tem que tomar né, porque senão já viu, e tem que tomar acho que um

e meio que o doutor receitou pra ele. Um e meio[...]” (5ª Entrevista, Joselita)

“Agora essa semana, eu vou buscar o remédio (Refere-se ao remédio do

Aroldo), não vejo a hora de pegar pra ver se vai reagir o remédio ou não! Que é triste!

É triste! Isso aí é dia e noite, toda hora!” (6ª Entrevista, Joselita)

A seguir, apresentamos outros depoimentos da mãe relacionados às crenças

acerca da importância do tratamento medicamentoso. Apesar de referir que segue as

orientações acerca da medicação prescrita, é ela que decide o modo de administração

dos medicamentos, fazendo substituições e associações dos medicamentos para os seus

filhos, conforme os depoimentos abaixo relacionados:

“[...] aí, como ele ficou sem ir no médico, ele tava sem remédio, eu tirei uma

cartela do Jonas e tirei uma cartelinha do Aroldo e levei pra ele, ele toma dois Haldol,

o Marcelo, aí peguei levei os remedinho pra ele, eu falei: Marcelo você vai tomar o

remédio aqui perto de mim agora, pelo amor de Deus, cê vai tomar, eu fiz ele tomar”.

“Eu falei, meu Deus do céu, não tem jeito e o Marcelo ficou desse jeito e agora como

ele ficou 5 meses sem tomar o remédio eu falava: filho você tem que tomar o remédio

Marcelo. Não mãe eu já sarei. Eu falei: não cê não sarou não porque a hora que voltar

a crise em você Marcelo, aí você não vai ter jeito, que geralmente tem que tomar

regular o remédio né”. “[...] ele tá começando, diz que tá escutando dos ouvido, eu

cheguei lá ele falou pra mim: “Mãe eles já passou de moto já aí”, eu falei ô é porque

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você não tá tomando o remédio né, mas só que o doutor conversou comigo aquele dia e

falou pra mim que não adiantava eu tirar do Jonas e do Aroldo que ele tinha que fazer

avaliação, avisou eu, vai ter que fazer avaliação pra ele continuar o remédio, o

tratamento, porque não sabe, desregulou né, como aconteceu, graças a Deus agora tá

bom.” (1ª Entrevista, Joselita)

“[...] e ele não dorme sem o Diazepam e faz duas semanas que ele não vem

dormindo e por isso que aconteceu isso, ele enfraqueceu mais.” (3ª Entrevista, Joselita)

“Não! Não! Não vai ficar sem remédio, seguir o tratamento[...]” (6ª Entrevista,

Joselita)

Segundo Kleinman (1980), é possível identificar três alternativas de assistência à

saúde. Dentre elas, destacamos a alternativa informal, ou seja, aquela focada naquilo

que a família faz para a conservação de sua saúde, de acordo com seu conjunto de

crenças. Na família, em sua maioria, são as mulheres, mães ou avós, que diagnosticam e

tratam as doenças, de acordo com os recursos que têm à sua disposição, revelando o

conjunto de crenças em relação à sua saúde e/ou doença da família (HELMAN, 1994).

No presente estudo, verificamos que as mulheres são as responsáveis pelos

cuidados dos portadores de esquizofrenia, exceto no subsistema de Ronaldo, que é

casado com uma mulher que também tem problemas mentais. Nesta direção, Helman

(1994), refere que no tratamento são incluídos desde a automedicação até consultas a

outras pessoas. Também constatamos neste estudo, que a alternativa profissional

ocorreu mais tardiamente, quando a família buscou os cuidados de saúde oficiais, ou

seja, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros. Segundo Helman (1994),

grande parte da atenção à saúde ocorre nas alternativas informal e popular, já que a

alternativa profissional muitas vezes é escassa.

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O isolamento

Koga (1997) refere que familiares preferem sofrer o desgaste de permanecer na

companhia do paciente, do que arcar com as conseqüências de deixá-los

desacompanhados. Não partilhamos dessa afirmação, pois, como já referido

anteriormente, assumir a responsabilidade pelos filhos doentes é uma forma social do

país.

Nos discursos abaixo, a família apresenta as dificuldades que enfrenta para

realizar as atividades diárias fora do domicílio. A presença dos filhos doentes em casa

impede que os pais saiam juntos, pois um deles tem que permanecer no domicílio para

cuidar dos filhos.

“É, é assim [...] quando eu saio ele fica, quando ele sai eu fico.” (3ª Entrevista,

Joselita)

“Só nós, é eu não posso sair, ele (Durval) também quando eu saio, ele tem que

ficar em casa.” (4ª Entrevista, Joselita)

“É, a gente faz de tudo [...] Não, ele não sai de dentro de casa (Aroldo) e nem o

outro[...] “(5ª Entrevista, Joselita)

Os depoimentos, ainda, evidenciam que a família, também, tem se privado de

visitar outros entes queridos.

“[...] geralmente parente tem que vir em casa”. “[...] a gente não pode sair

direito, não pode levar um filho na casa de um parente, não pode levar porque não tem

jeito, né?” (3ª Entrevista, Joselita)

O pai de Joselita, debilitado pelo processo de doença e a idade avançada,

também tem sido privado da visita da filha conforme depoimentos que se seguem:

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“Tem vez em quando vem a irmã, outra hora vem o irmão né, é assim. Porque

meu pai mesmo, ele nem pode levantar da cama, ele tá com oitenta e poucos anos, ele

quebrou a coisa aqui né (apontando para o quadril), tá precisando de cadeira de rodas

e faz tempo que eu não vejo ele, já faz quase seis mês que eu não vejo ele.” (3ª

Entrevista, Joselita)

“Eles não vai na casa de ninguém, meu avô tá internado no hospital ninguém

visita ele só minha mãe[...]” (7ª Entrevista, Amélia)

Além dos cuidados aos filhos doentes em casa, Durval relata que a esposa

também tem que prestar cuidados constantes às crianças, o que constitui uma barreira a

mais para suas saídas. Esta situação pode ser evidenciada, no depoimento abaixo

relacionado, quando Durval teve que ir ao hospital, sozinho, para sua internação.

“A Joselita não pode sair, a Joselita não pode sair por causa deles né, então

quando sai um, fica o outro. Tem que arrumar o almoço para as crianças né. Tem que

arrumar almoço para eles. Tem uma vez que eu internei sozinho! Só que eu vim aqui

avisar primeiro né. O médico falou: Durval, o senhor tem que internar né. Aí eu vim

aqui avisar e voltei, aí eu internei sozinho. O médico falo que eu tinha que internar

[...]” (5ª Entrevista, Durval)

Também, outras barreiras foram referidas, tais como, a sintomatologia aguda do

seu filho Marcelo, que exige a sua presença constante, e conseqüentemente restringe a

presença das visitas de seus familiares, principalmente, dos irmãos, que não os vê há

anos, conforme se segue:

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“Ninguém sai de casa, esse aqui (Aroldo), faz o que, o irmão já teve internado

duas vezes e ele não viu o irmão dele, não viu o Marcelo.” “[...] faz um mês que eu não

vejo o Marcelo, porque eu não posso nem deixar eles em casa.” (3ª Entrevista, Joselita)

“[...] vai lá em casa, eu falei pra ele, ele falou, mãe eu não posso ir, porque

enquanto eu não tiver bom mesmo, sarado, eu não posso ir lá, porque enquanto eu não

melhorar eu não posso ir lá, eu falei: tá bom, a mãe vem ver você! Mas a senhora

demora pra vir aqui mais o pai! Falei, demora mesmo, e meus irmão não quer vir

aqui?” “Às vezes, o rapaizinho fica aqui com ele, aí nós vamos. Aí nós vamos ver o

Marcelo, é assim, de vez em quando também, demora, fazia um mês já que eu não via o

Marcelo, eu precisei ver ele, eu falei: ó gente eu vou lá ver o Marcelo, e ele começa a

chorar quando eu vou ver ele. O Durval fazia dois meses que não via ele! Que saudade!

Ele tava com saudade! E ele pegou falou assim aí: que que tá acontecendo minha mãe

não vem aqui, nem meu pai, ele fica pensando! Não vem, não vem, por causa da doença

põe medo nele, ele não vem. E eu falei: meu filho por que que você não vai lá em casa?

Eu falei pra ele[...]Ah! mãe não posso ir, não posso ir, eu falei: por quê? Não, de jeito

nenhum! Vocês vem me ver, desse jeito. Aí eu falei assim: mas é a doença né, que pois

na cabeça dele, que é problema, é um problema menina!” (4ª Entrevista, Joselita e

Durval)

“Agora, eles não foram não, eles não vão na minha casa, fica só dentro de

casa, eles não sai, eu que visito eles, de vez em quando vou na casa do Marcelo[...]” (7ª

Entrevista, Amélia)

Fica evidente que uma das principais causas do isolamento nesta família é a

presença de uma sintomatologia carregada de delírios e a conformação por parte da

família com a situação. Embora esteja colocado na categoria sobrecarga, percebemos

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que o isolamento também é uma maneira de lidar com o adoecimento. Em alguns

momentos, em que todos os filhos estavam agitados, a opção dos pais foi fechar a casa e

esperar que eles melhorassem. Pois, o estigma social da doença mental, leva a que os

doentes fiquem restringidos ao ambiente familiar.

Kane (1984) identificou, em seu estudo, as causas da tensão emocional e que o

isolamento pode estar associado tanto em relação à hipoatividade dos pacientes, quanto

à imprevisibilidade de seus comportamentos e a manifestação de sintomas,

apresentando uma certa relação com os relatos trazidos pelos familiares deste estudo.

O isolamento também pode ocorrer, pois, a esquizofrenia é uma doença

carregada de estigma. Phelan, Bromet e Link (1998) afirmam que existe um aumento

dos efeitos do estigma não apenas no doente mental, mas também em seus familiares.

Este achado é completado pelos estudos de Argermeyer, DiplSoz e Matschinger (2003),

que identificaram que o estigma e as crenças sobre as causas e prognóstico da

esquizofrenia são responsáveis pelo isolamento social das pessoas que sofrem deste

transtorno e suas famílias.

5.5.2 Mecanismos de enfrentamento desenvolvidos pela família para lidar

com a enfermidade

Após o processo de adoecimento de seus filhos, a família reorganizou-se de

forma a ter um equilíbrio da vida, buscando superar o caos pela doença mental dos

filhos.

As crenças sobre o cuidado

Os familiares com o surgimento da doença acabam elaborando as experiências,

lidando com seu sofrimento e expectativas, e desenvolvendo estratégias de lidar com a

doença, que estão fortemente relacionadas às crenças (VILLARES, 1996).

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Sabe-se que as crenças são formas de pensar _ habilidades cognitivas,

consideradas verdadeiras, aprendidas no contexto social, diferenciando-se do

conhecimento científico.

As crenças moldam a maneira pelas quais as famílias se adaptam às doenças

crônicas e potencialmente fatais. Elas podem ser classificadas como constrangedoras,

quando diminuem as opções de solução de problemas e facilitadoras quando as

aumentam (WRIGHT; LEAHEY, 2002).

Uma crença facilitadora identificada, neste estudo, relacionou-se à procura pelo

atendimento médico. O atendimento médico foi procurado quando outros sistemas não

resolveram o problema. Quanto mais rápido o filho que estava adoecendo foi atendido,

melhor foi seu prognóstico, já que os outros tiveram a sua doença agravada pela demora

de procura por atendimento, conforme se segue:

“Coisa de um mês, eu precisei levar ele ao tratamento, porque senão minha

filha, logo eu percebi, logo eu percebi e já levei ele ao tratamento, porque se demora

mais ia acontecer igual ao Aroldo é, o Aroldo e o Marcelo, não é mesmo? Ia ficar mais

tempo no hospital, ia ficar com problema né, mais pior aí, eu falei, o Jonas não tá bom

nós vamo acudir logo porque, às vezes, é perigoso, a gente não sabe nem o que é né?”

“Leva ele numa urgência que depois, se passar muito tempo, é perigoso.” (1ª

Entrevista, Joselita)

Nesta perspectiva, observa-se que o cuidado ao doente é envolvido por crenças

que surgem de contextos de interações sociais e culturais.

A família vivenciou a rapidez do atendimento do filho mais novo e o resultado

positivo desta conduta. Hoje ele é o único que consegue manter seu quadro estável e

com a perspectiva de progredir, diferindo dos outros irmãos, conforme depoimento da

mãe:

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“Só que eu acudi logo, Deus é grande, eu acudi logo.” “[...] mas acudiram

logo, não agravou muito e graças a Deus meu filho tá bom né? Não é mesmo? Não

agravou muito não, porque quando deu isso, aí passado um mês, mais ou menos, eu já

levei ele, quer dizer que eu não deixei passar, porque o Aroldo ficou passado por causa

que ele viajou, porque se ele tivesse tomado comprimido aquele dia que o médico olhou

ele, o Durval levou ele, né. Ele tava naquela luta na rua, andando, o médico falou

assim: “Ô seu Durval, ele tem que tomar o remédio três vezes ao dia, à noite né”

Evitava minha filha!” (1ª Entrevista, Joselita)

Com essa crença nota-se que a mãe, a cada queixa ou alteração de

comportamento percebida, acaba levando os filhos ao serviço, garantindo, de certa

forma, o controle da doença. Porém, essa forma de enfrentar o problema leva à

sobrecarga e desorganização da família, sendo difícil o estabelecimento de um regime

de tratamento em longo prazo.

Popularmente, é muito citado que algumas medicações devam ser ingeridas com

leite, para proteção da mucosa gástrica. Esse conhecimento foi absorvido pela família.

Porém, pode limitar a resolução para o problema, já que a família passa por dificuldades

financeiras e há falta de adesão aos medicamentos, conforme fala do pai:

“Depois, esses meninos nosso, eles tudo tem que tomar o remédio e beber leite.

E, eu também tenho que tomar leite, por causa dessa rouquidão minha.” (5ª Entrevista,

Durval)

O relacionamento familiar

O relacionamento entre o paciente esquizofrênico e seus familiares processa-se

com uma série de dificuldades porque a esquizofrenia tem como característica provocar

deficiências na comunicação e na compreensão da realidade (FUKUDA, 1989).

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Apesar das dificuldades enfrentadas pela família em seu relacionamento com os

membros doentes, o relacionamento, no caso desta família, foi enfatizado como um dos

mecanismos utilizados para auxiliar a família no enfrentamento dos problemas gerados

pela esquizofrenia. Alguns aspectos foram identificados por esta família em seu

relacionamento, tais como, apoio, reconhecimento dos esforços de outros na família,

alternativa para o cuidado, perspectiva para o futuro e conformar-se com a situação.

O apoio

Existe uma preocupação, principalmente por parte dos pais, em relação à

inabilidade dos filhos devido à esquizofrenia. Uma forma de compensar é oferecer

recursos materiais como moradia, pagamento de encargos sociais e alimentação, além

de amor, carinho, acompanhamento nas consultas e atenção à presença de períodos de

crise, conforme depoimentos dos pais:

“É, a única coisa é amor e carinho né. Porque eles quase não sai, o Aroldo

quando precisa ir em algum lugar[...]” “Você viu esse aqui ó (local onde o Ronaldo

mora), não é bom, mas dá pra morar, aí era bonito, tudo, ele acabou com isso aí, né.

Dô pra ele morar, não cobro um tustão, porque da onde ele vai arrumar dinheiro pra

pagar esse cômodo, não é verdade? Então eu dou o apoio, dá isso aí já é um grande

apoio, né?” “Água, luz, eu pago, ele não paga nada. A gente teve que dar apoio

quando viu que ele tava doente. Então eu dou apoio pra ele, vendo que ele é meu filho,

é meu sangue. Dá amor e carinho.” (5ª Entrevista, Joselita e Durval)

“Porque nós é pai e tem que olhar deles né, então eles fica meio ruim, nós já

corre pro médico, já leva eles.” (2ª Entrevista, Durval)

A afetividade é um traço característico da nossa cultura. Durante o tratamento

com o médico, a família aprendeu que mesmo que os filhos não reconheçam o apoio e o

amor dado por eles é preciso insistir nestas questões, afinal a esquizofrenia é a

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responsável pela falta de reconhecimento da afetividade, conforme as falas abaixo

relacionadas:

“Tem amor, porque esse povo, precisa ter amor gente. Tem que ter amor neles,

porque eles pensa que a gente não gosta deles, eles pensam que a gente não gosta.

Geralmente, eles é assim mesmo, o doutor explicou: Joselita esse povo é assim mesmo,

que a senhora tem que dar apoio, eu falo, eu dô apoio, eu tenho amor nele né, porque

tudo que ele fala eu não guardo na cabeça porque tá doente né, então a gente não pode

guardar.” (5ª Entrevista, Joselita e Durval)

Fukuda (1989), em seu trabalho realizado sobre o convívio com o paciente

esquizofrênico, identificou alguns sentimentos despertados pelas famílias e encontrou

que o fato do paciente não dirigir a mínima atenção às pessoas mais próximas, não

demonstrar qualquer afetividade, não se interessar por nada e não se ocupar em

atividades, gera dificuldade de aceitação e pode interferir na vida diária, na renda

mensal e, também, nas emoções.

Portanto, nesta interação entre a família e o paciente, demonstrada acima, a

família se modifica e o paciente acaba exercendo a posição de poder, muitas vezes,

fazendo prevalecer sua vontade sobre a do outro.

O reconhecimento dos esforços do outro na família

As dificuldades enfrentadas por cada membro da família são reconhecidas e

comparadas. Reconhecer e dividir o sofrimento auxilia no enfrentamento de seu próprio

sofrimento.

Tânia percebe que todos sofrem com o adoecimento do pai. Além disso,

identifica o sofrimento da sogra como sendo o maior, por ter vários filhos doentes,

conforme evidenciando no depoimento de Tânia:

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“Para as crianças? Ah! [...] ah! [...] eu acho que é difícil também, ver o pai

desse jeito, não pode fazer nada.” “Só ele né [...] só ele! Eu acredito nisso. O dela é

pior né! Os três moleque. A carga é pior né!” “O dela é pior ainda[...]três daquele

jeito, aqueles monte de criança pra cuidar, ai meu Deus do céu!” (6ª Entrevista, Tânia)

Na fala do marido, também, ele reconhece o esforço da esposa no cuidado aos

filhos.

“E ela é esforçada né! Ela corre atrás mesmo!” (4ª Entrevista, Durval)

Há reconhecimento, também, do pai quanto à atenção da nora com o seu filho

que adoeceu, há uma forte crença de que se fosse outra o abandonaria, evidenciado na

fala abaixo:

“Porque, eu fiquei falando pra Joselita, eu falei: Oh! Joselita se fosse outra

mulher, com a doença do Marcelo, tinha largado dele e ela tá persistindo, ela gosta

dele demais né Joselita?” (5ª Entrevista, Durval)

A alternativa para o cuidado

A família, ainda, tem esperanças de melhorar o cuidado aos filhos doentes. A

mãe busca soluções mágicas, por meio de jogos de azar, na tentativa de modificar a vida

da família e oferecer outro tipo de cuidado para os filhos, conforme fala de Joselita:

“Eu jogo né, jogo na loto, jogo na [...] tudo né, pra vê se coisa, porque tem os

filho né?” “[...] se ganhasse eu pegava, ponhava eles dentro de um sítio, pra distrair

né?” (5ª Entrevista, Joselita)

O futuro da família

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Existe uma preocupação por parte dos pais que vivenciam o estágio do ciclo

vital representado pela a família no estágio tardio da vida e sabem que a morte pode vir

a acontecer num futuro próximo. Nesta direção, os pais alertam os filhos sobre a

possibilidade de este acontecimento vir a ocorrer e preocupam-se em preparar os netos

para a substituição ao cuidado de seus filhos, evidenciado nos depoimentos da mãe a

seguir:

“Vixe! A vida dele tá um problema, deu problema (risos), porque ele tá doente,

ele fala: daqui uns dias eu não tô aqui no mundo né e meus filhos tudo doente [...]” (3ª

Entrevista, Joselita)

“Eu falei com o Ronaldo né, que o Ronaldo ele é ruim de tratamento, eu falei

com ele ontem do tratamento, eu falei: ó você tem que se tratar enquanto você tem

papai e mamãe, porque depois meu filho [...] né? Que perdeu o pai e a mãe [...]” “Pior

que eu fico, meu Deus, no dia que eu faltar, as coisas vão ser pior, ai Jesus! Ainda bem

que tem as crianças né, vai crescendo, então vai prestando atenção né?” (5ª Entrevista,

Joselita)

Conformar-se

Apesar da convivência de longos anos com os filhos esquizofrênicos, os pais,

ainda, conseguem conversar, esclarecer dúvidas acerca da doença e tratamento, e da

possibilidade de cura e da dificuldade de aceitação da doença, conforme falas dos pais:

“Eu fico pensando como é que aconteceu isso?” “É, nós fala como que

aconteceu isso [...] nos quatro né?” “[...] nós conversa, a hora que ele tá dentro de

casa, porque ele fica mais com o Jonas na oficina, aí ele fala pra mim: que coisa, os

meninos não sara, fica irregular, não era desse jeito, ele não conforma.” “Ele me fala

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pra mim, que ele não conforma com os meninos desse jeito.” “Ele fala pra mim [...]

gente, a gente não conforma, não conforma [...]” (3ª Entrevista, Joselita)

“Apareceu de repente, então a gente tem que conformar né?” (4ª Entrevista,

Durval)

O tratamento e a cura

Deus é muito valorizado pela família, e é visto como um elemento motivador

para a adesão ao tratamento. Na visão da família é ele que dá inteligência e força para

aceitar a doença e o tratamento, e os médicos são seus discípulos. Portanto, é preciso

obedecer à prescrição médica, e acreditar em Deus, conforme se segue:

“[...] primeiro Deus, depois os médicos, por isso que o tratamento tem que ser

certinho, primeiro Deus né, depois os médico da terra que tão olhando meus filhos”,

“vocês vão tomar o remedinho com Deus.” “[...] todo o dia eu dou o remédio para os

meus filhos pensando em Deus.” “Deus também dá a coisa, a inteligência pra eles

aceitar o remédio, aceita.” (2ª Entrevista, Joselita)

“Primeiro Deus, depois os médico da terra [...]” (3ª Entrevista, Joselita)

“Só Deus, só Deus pra tomar conta! Eu fazia comida que ninguém comia.” (4ª

Entrevista, Joselita)

“É, de vez em quando a gente tenta né. Mais, graças a Deus, eu entrego na mão

de Deus e tem que tocar né?” “Então, eu acho assim né, agora, o Jonas tá com ideal de

progredir né. Ah! ele quer ter as coisas né, quer progredir. Magina, não tem jeito! Não,

mais ele tem jeito, o Jonas, o Jonas, pra mim, ele tem muita cabeça. É a gente pede com

Deus, pra Deus [...] Ele tem interesse, vive na oficina pra ganhar um dinheiro, às vezes

pra ajudar nós aqui, né, tudo isso. Ele é animado.” (5ª Entrevista, Joselita)

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“Ah é [...] eu vou porque [...] é muito coisa pesada! Não é verdade? Só Jesus.

Deus dá força pra gente! E ajuda a dar encaminhamento também!” (6ª Entrevista,

Tânia)

Nas falas abaixo a família relembra os momentos em que a cura foi cedida a

Durval por ordem divina, confirmada pelo discurso da médica presente na época.

“A doutora que tratou de mim falou: Durval, olha, vou falar para o senhor, foi

por Deus mesmo! O senhor sabe com quantos aparelhos o senhor tava? Doze.”

“Vamos pegar com Deus para o seu pai sair, ela chorava! E eu falava assim: não tem

que pegar com Deus, vamos pegar, porque se você ficar muito na cabeça que seu pai

não vai sarar, aí você vai ficar doente! Ce vê, tem que pegar com Deus, entregar na

mão de Deus, de coração! Primeiro Deus, depois os médico, né?” (4ª Entrevista,

Joselita)

Villares (1996) em seu trabalho sobre as representações de doença por familiares

de pacientes esquizofrênicos encontrou a religião como um fator de apoio incontestável,

e a fé como força vital que permite aos familiares aceitar a doença com dignidade e

resignação e articular expectativas de cura ou alívio para o sofrimento.

Nas falas de Durval e Joselita, além de acreditar em Deus e em seus discípulos,

os médicos, é necessário seguir o tratamento corretamente, pois eles acreditam na

possibilidade da cura da esquizofrenia.

“Deus é grande, ele tá tomando remédio, fazendo tratamento né. Só que cê tem

que acompanhar o tratamento certinho né?” (1ª Entrevista, Durval)

“[...] dizem que essa doença é uma doença, assim, incurável e que tem que ser

regular com o remédio, tendo fé em Deus e os médico da terra, fazendo o tratamento,

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que têm muitos que sara, sara mais com a fé em Deus e os médico, que pra Deus nada é

impossível! Não é mesmo, os médico aqui da terra que dá força.” “[...] tratando

direitinho, vocês vão ver, daqui uns tempo, ceis não tem nada e agora se não tomar o

remédio e não ir no médico, aí que que vai acontecer[...]não sara, não é verdade?

Porque primeiro Deus, depois os médico da terra.” (2ª Entrevista, Joselita)

Para muitas sociedades a cura é responsável pelo restabelecimento da coesão do

grupo e reintegração do doente mental à sociedade (HELMAN, 1994). Nota-se nos

discursos dos familiares que há uma expectativa de que a cura aconteça, porém ela se

apresenta intimamente relacionada à vontade divina, mostrando o poder exercido pela

religião nos métodos de enfrentamento utilizados para lidar com o adoecimento.

Nos relatos abaixo relacionados, a família acredita que a cura ocorre sob

julgamento de Deus.

“Eu queria ver esse negócio, do tratamento dele né, às vezes sara né, quer dizer

fica regular, porque sarar é só Deus mesmo né, então, a gente pensa né, vixe!” (3ª

Entrevista, Joselita)

“É, eu falo, ter uma notícia, num dia, porque tá Deus e os médicos, algum dia

Deus fala assim: vamos tirar essa doença deles. Aí tira né.” (4ª Entrevista, Joselita)

“Bom [...] na religião é pegar com Deus né? Só Deus mesmo, na misericórdia,

pra ajudar ele, porque não é fácil não né. Sei lá, coisa muito esquisita isso! Só Ele

mesmo para dar força, e buscando tá orando né? Quer ver, ontem mesmo nós tava

falando, ai meu Deus, que será que vai ser do nosso Marcelo? Eu falei: tem que pegar

com Deus. Quem manda nele é Deus, não é mesmo? Se Deus achar que ele tá sofrendo

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muito e pra ele ficar desse jeito, igual ele tá, Ele que sabe né! Não é mesmo? Primeiro

Deus, depois os médicos da terra. Né? Só Ele.” (6ª Entrevista, Joselita e Tânia)

Para a família deste estudo a confirmação do diagnóstico e o início da doença

foram os elementos geradores de várias mudanças no seu contexto familiar. A família

vivenciou situações de estresse que desencadearam a desorganização do seu grupo

familiar, com conseqüente rompimento do ciclo de vida de vários de seus membros. Por

outro lado, a família utilizou mecanismos de enfrentamento com base no seu conjunto

de crenças e valores para se reestruturar e buscar apoio profissional para o tratamento de

seus filhos. Cabe destacar que o adoecimento é um processo complexo e está

intimamente ligado ao ser humano social e cultural.

Kleinman (1980), considera que os mecanismos de enfrentamento utilizados

para lidar com o adoecimento são construídos em resposta a um episódio particular de

doença e oferecem explicações sobre a doença e o tratamento. Assim, podemos destacar

que os mecanismos utilizados para lidar com a experiência de ter quatro filhos com

esquizofrenia interferiram na busca pelas estratégias de enfrentamento identificadas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sentido dado pela família ao processo de adoecimento do portador de

esquizofrenia e os mecanismos de enfrentamento para lidar com esta enfermidade,

foram apresentados, neste estudo, a partir do convívio com a família. A observação

participante, as entrevistas e os registros do diário de campo, preconizados pelo método

etnográfico, possibilitaram a obtenção de informações detalhadas sobre a convivência

dos familiares e sua luta pela sobrevivência.

A partir do cotidiano observado e compartilhado com as pessoas que compõem o

caso estudado percorremos a trajetória de um casal na construção de sua família, suas

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dificuldades e potencialidades para enfrentar a doença mental e suas preocupações com

relação ao futuro.

O casal Durval e Joselita tinham o sonho de que os filhos “evoluíssem”. Isto é

que os filhos estudassem, conseguissem através do estudo um bom emprego, casassem e

também construíssem sua própria família. Talvez esse sonho tenha contribuído para a

dificuldade do casal em perceber que os filhos tinham algum problema. Quando os

filhos adoeceram definitivamente a trajetória de vida sofreu uma “crise”, uma “cisão”.

A família ficou paralisada, fechada em círculos que envolvem o cuidado com os filhos

doentes sobrecarregando e causando sofrimento em todos.

A realização das entrevistas no domicílio possibilitou estabelecer vínculos

importantes entre a pesquisadora e a família. A casa, por si só, é uma fonte de

informações muito rica, e neste caso revelou-se como o espaço continente da loucura.

Quando os filhos não estão bem, as janelas são fechadas e o contato com o mundo

exterior é interrompido. Por outro lado, acreditamos que o entrevistador teve um papel

importante para a organização do ambiente familiar, durante o processo de

desenvolvimento da pesquisa.

O impacto da esquizofrenia para a família foi revelado pelos sentimentos

manifestados de tristeza, de isolamento social e da sobrecarga. Tristeza porque os

sonhos não se realizarão e o presente é marcado por preocupações diárias com sintomas

e comportamentos estranhos dos doentes. Isolamento porque a sociedade não é capaz de

entender e aceitar a loucura e a sobrecarga porque todos os cuidados ficam sob

responsabilidade dos pais.

É importante ressaltar também que, apesar de preconizar a implantação de uma

rede de serviços de saúde mental na comunidade, essa rede não consegue atingir essa

família. Todos os membros da família são atendidos pelo serviço de saúde mental,

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porém esse atendimento é desarticulado. Cada membro é atendido individualmente, a

família não é a unidade do cuidado. E é na unidade familiar, o local onde o sofrimento,

a sobrecarga e as tristezas acontecem.

A família ao lidar com a esquizofrenia em seu cotidiano evidenciou uma série de

mecanismos de enfrentamento, revelando toda sua potencialidade enquanto célula vital

para a vida humana. Apesar de todas as dificuldades, a família se esforça em oferecer

apoio financeiro, cuidado, afeto e articula-se em preparar as crianças da família para

lidar com a doença e suas demandas na ausência dos pais que estão envelhecendo.

Frente a tantas adversidades depositam em Deus suas esperanças.

Os resultados nos levam a pensar que a assistência ao doente mental constitui

um desafio para os profissionais de saúde, na atualidade. Além de garantir a

manutenção do tratamento medicamentoso e a reabilitação psicossocial, é urgente

incluir a família como unidade do cuidado ao doente esquizofrênico e a importância do

enfermeiro considerar o mecanismo de enfrentamento da doença e compreender as

estratégias de enfrentamento usadas.

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ANEXO I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, Ana Carolina Guidorizzi Zanetti, enfermeira, formada pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP, aluna do programa de mestrado, em conjunto com minha orientadora, Profª Drª Sueli Aparecida Frari Galera, convidamos você para participar deste estudo.

Sabemos que ter um familiar com doença mental mobiliza toda família, por isso neste estudo estamos procurando valorizar os sentimentos de vocês familiares, pois quando nós profissionais de saúde conhecemos o que as famílias pensam, agem e sentem ajuda o tratamento da pessoa com doença mental.

Assim, considerando que a família é muito importante para o tratamento da pessoa com doença mental estamos fazendo um estudo chamado “A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia”. Nesse estudo pretendemos entrevistar as famílias, assim como a sua. Durante essas entrevistas buscaremos conversar com a sua família para entender como ocorreu a doença mental de seu familiar. Para que nós possamos registrar o que foi falado nas reuniões, iremos gravar, porém manteremos o sigilo das conversas. A entrevista gravada será escrita palavra por palavra, somente as pesquisadoras vão ouvir a fita. A equipe do Núcleo de Saúde Mental não vai ouvir a fita e não vai ler a entrevista. As informações que você der ficarão guardadas em local seguro por mais cinco anos depois de terminada a pesquisa. Seu nome ou qualquer informação que possa identificar você ou sua família ficará guardado em local diferente. Seu nome nunca será usado em qualquer apresentação ou publicação dos resultados da pesquisa

Assim, gostaríamos que você participasse deste estudo, respondendo algumas perguntas sobre como começou a doença, história da família e o tratamento que está sendo realizado. Para responder as questões das entrevistas você levará mais ou menos duas horas, e nós iremos a uma sala reservada. Você não é obrigado a participar deste estudo e tem a liberdade de não participar. Caso isto ocorra, o atendimento de seu familiar nesta instituição continuará ocorrendo da mesma forma. Não existem riscos em participar do estudo. O único benefício pode ser a chance de discutir assuntos de seu interesse como familiar de um portador de doença mental. Por favor, não se sinta pressionada para falar sobre alguma coisa que você não deseja falar. Você não gastará e nem ganhará nenhum dinheiro para participar deste estudo e serão garantidos o sigilo e o anonimato de seu nome e de seus familiares.

Assim, Eu,

____________________________________________________________, RG______________________________, abaixo assinado, após ter recebido as informações da enfermeira Ana Carolina Guidorizzi Zanetti, ou da docente de enfermagem, Profª Drª Sueli Aparecida Frari Galera, concordo em participar dessa pesquisa, tendo garantido os meus direitos abaixo relacionados:

- Direito de receber resposta a qualquer pergunta ou dúvida sobre o tema; - Direito de deixar de participar da pesquisa a qualquer momento, sem prejuízo

atual e futuro da minha assistência; - Direito de não ser identificado e ter minha privacidade preservada.

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Esclareço que em caso de dúvida, fui orientado a procurar a enfermeira Ana Carolina Guidorizzi Zanetti no Núcleo de Saúde Mental, às quintas-feiras, no período das 14:00 às 18:00hs ou pelo telefone (16) 602-3408 (EERP-USP). Declaro que tenho conhecimento dos direitos acima descritos, e consinto em participar deste estudo, realizado pela pesquisadora que subscreve este termo de consentimento.

De acordo,

Ribeirão Preto, _____________de __________________de 2005. ______________________________________________________________________

Assinatura do participante do estudo

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ANEXO II

INTRUMENTO DE COLETA DE DADOS: A FAMÍLIA E O PROCESSO DE ADOECIMENTO DO PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA: UMA ABORDAGEM CULTURAL A) Construção do genograma

1. Quem são os membros da sua família? B) Entrevista

1. Como foi a descoberta da doença?

2. Como a família reagiu?

3. Atualmente, o que a família pensa?

4. O que a família faz para lidar? Por quê?

5. O que a família espera do futuro?

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Zanetti, Ana Carolina Guidorizzi

A família e o processo de adoecimento do portador de esquizofrenia: um estudo de caso etnográfico./ Ana Carolina Guidorizzi Zanetti; orientadora Sueli Aparecida Frari Galera. - Ribeirão Preto, 2006.

100f.

Dissertação (Mestrado-Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem. Área de Concentração: Enfermagem Psiquiátrica)- Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

1.Enfermagem. 2.Família. 3. Esquizofrenia. 4.Cultura.

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