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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DE ARTE

ESPAÇOS DA MEDIAÇÃO

A ARTE E SUAS HISTÓRIAS NA EDUCAÇÃO

Organização

CARMEN S. G. ARANHA

ROSA IAVELBERG

São Paulo

2016

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São Paulo 2016 © – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História de Arte / Universidade de São Paulo Rua da Praça do Relógio, 160 – Anexo – sala 01 05508-050 – Cidade Universitária – São Paulo/SP – Brasil Tel.: (11) 3091.3327 e-mail: [email protected] www.usp.br/pgeha Depósito Legal – Biblioteca Nacional

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Lourival Gomes Machado do Museu de Arte Contemporânea da USP

Simpósio Internacional Espaços da Mediação (3., 2016, São Paulo.)

Espaços da mediação : A arte e suas histórias na educação / organização Carmen Aranha, Rosa Iavelberg. São Paulo : Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2016.

321 p. ; il.

ISBN 978-85-7229-072-2

1. Arte-educação. 2. História da Arte. 3. Estética (Arte). I. Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Estética e História de Arte. II. Aranha, Carmen S.G. III. Iavelberg, Rosa.

CDD – 700.7

Capa: Ismael NERY. Figura Surrealista com Personagem Masculino Deitado. [s.d.]. Nanquim e grafite s/ papel, 21,8 x 16,4 cm. Acervo MAC USP

Capa e contracapa: Projeto gráfico: Elaine Maziero Diagramação: Roseli Guimarães

Produção editorial e Diagramação: Paulo Marquezini

Organização: Carmen S. G. Aranha e Rosa Iavelberg

A presente documentação é um desdobramento do III Simpósio Internacional Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação, realizado nos dias 29 de agosto a 1 de setembro de 2016 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, organizado pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História de Arte / Universidade de São Paulo.

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III Simpósio Internacional

Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação

Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte

PGEHA

Comissão Científica Angela Rocha (FAU USP) Carmen S. G. Aranha (MAC USP) Maria Gorete Dadalto Gonçalves (UFES) Moema Martins Rebouças (UFES) Rosa Iavelberg (FE USP)

Comissão Geral do Simpósio Águida Furtado Vieira Mantegna Ana Lúcia Siqueira Ana Paula Cattai Pismel Andrea Amaral Biella Andrea Fonseca Andrea Pacheco Carmen S. G. Aranha Carolina Cossi Denise Nalini Evandro Carlos Nicolau Guilherme Weffort Rodolfo Joana D’Arc Ramos Silva Figueiredo Luciane Bonace Lopes Fernandes Paulo Cesar Lisbôa Marquezini Rosa Iavelberg Sara Vieira Valbon

Apoio

Museu de Arte Contemporânea – MAC USP Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte – PGEHA USP Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação – PPGE FEUSP Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo – PRCEU

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP Comunidade Educativa CEDAC

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Sumário

Apresentação CARMEN ARANHA, ROSA IAVELBERG & PAULO MARQUEZINI ....................... 7

A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930 RACHEL DUARTE ABDALA & DIANA GONÇALVES VIDAL .......................... 11

Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI ...................................... 27

Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI & ROSA IAVELBERG ................... 37

Famílias em tempo de ócio no museu de arte: Formação de hábitos culturais de crianças e adolescentes ANDREA ALEXANDRA DO AMARAL SILVA E BIELLA ................................ 51

La creación del dibujo moderno: una revolución educativa JUAN BORDES.................................................................... 73

Os princípios do Movimento Escola Nova como norteadores do trabalho de arte e educação desenvolvido no campo de concentração nazista de Terezín LUCIANE BONACE LOPES FERNANDES ........................................... 101

Qual é a arte dele? Indícios do olhar-pensante na lição emancipadora do artista ANDREA MATOS DA FONSECA ................................................... 115

Com-partilhas da coleção de Artes da UFES nos processos de formação de professores de Artes MARIA GORETE DADALTO GONÇALVES ......................................... 131

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Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea ROSA IAVELBERG ............................................................... 147

Escola e museu: lugares do aprender artes visuais ROSA IAVELBERG & DENISE GRINSPUM .......................................... 165

Franz Čížek and the Viennese Juvenile Art ROLF LAVEN ................................................................... 181

Arte Contemporânea nas creches: como os modos de fazer e pensar a arte afetam os professores e podem contribuir para a criação de novos campos de experiências junto as crianças DENISE NALINI ................................................................. 203

O Desenho como estratégia sociopolítica EVANDRO NICOLAU ............................................................ 219

São Paulo: Arte, História e Memória ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA ............................................. 241

Estudos (e projetos) da paisagem: por uma perspectiva fenomenológica CATHARINA PINHEIRO & CARMEN S. G. ARANHA ............................... 255

Memórias e interdiscursividades MOEMA MARTINS REBOUÇAS ................................................... 277

Poder desenhar: uma questão política? ANGELA MARIA ROCHA ........................................................ 293

Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda GUILHERME WEFFORT RODOLFO .............................................. 309

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

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ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. ; MARQUEZINI, P.C.L. Apresentação. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 7-10.

Apresentação

O I Simpósio Internacional Estratégias de Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais – Espaços da mediação foi realizado em 2011. Ali debatemos conceitos e estratégias educacionais vigentes nas instituições artísticas e museus brasileiros. Os diversos Serviços Educativos da Cidade de São Paulo apresentaram seus pressupostos e programas vigentes. Convidados internacionais, da Inglaterra e dos Estados Unidos, apresentaram projetos específicos realizados em suas instituições. Em 2013, o II Simpósio Internacional Estratégias de Ensino da Arte Contemporânea em Museus e Instituições Culturais – Espaços da mediação / a arte e seus públicos dirigiu suas discussões ao espectador da obra de arte por meio de discussões sobre como cooptá-lo a fazer uma visita com acesso claro ao patrimônio cultural.

Neste ano de 2016, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) tem o prazer de sediar o III Simpósio Internacional Espaços da Mediação / A arte e suas histórias na educação. Na presente edição, o evento foi realizado numa parceria entre o MAC USP com o Programas de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte e o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Coloca-se agora em discussão certos processos educacionais artísticos, tanto brasileiros como de outras partes do mundo, que possam oferecer o pensar a arte implicada na educação por meio de historicidades que indiquem a construção dessa dimensão que se situa entre a arte e a educação.

O conjunto de mesas e palestras do evento situou a educação contemporânea em arte como fruto de múltiplas possibilidades,

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8 Carmen S.G. Aranha, Rosa Iavelberg & Paulo Marquezini

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

inclusive como diálogo com a história e o mundo atual, mundo esse em que a informação e a interatividade passaram a compor o sistema educacional, no qual se faz necessário preservar formas de interação construídas no passado e, ao mesmo tempo, trouxeram informações e facilidades tecnológicas de produção de conteúdo que alteram e preservam as conquistas edificadas no tempo.

O Simpósio reuniu profissionais de museus, artistas, pesquisadores, educadores e arte-educadores que querem se aproximar de ideias de um pensar criador a ser oferecido aos processos da arte e educação em museus, escolas, instituições culturais e projetos sociais em uma perspectiva contemporânea. Nesse sentido, o evento contou com a presença de Juan Bordes, da Escuela de Arquitectura de Madri, com a reflexão sobre o ensino do desenho moderno que, no século XIX, tornou-se uma questão política debatida entre certos povos e provou que uma educação com o desenho, bem elaborada na infância, pode mudar rumos da história. Rolf Laven, da Universidade de Viena mostrou as influências de Franz

Čížek na área da arte e educação, refletindo sobre suas atuações

pioneiras. Čížek foi um catalizador para a reforma pedagógica e inovação artística.

Outros pesquisadores nacionais que destacamos desse III Simpósio são Moema Rebouças, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), com artigo que objetiva contribuir para os estudos da arte e da educação que consideram a memória e a história como marcas nas produções artísticas e dos intertextos que com elas dialogam e Maria Gorete Dadalto Gonçalves, também da UFES, discutindo a aproximação e o tornar visíveis, aos alunos e professores, a organização e as propostas desenvolvidas em espaços expositivos e museológicos. Diana Gonçalves Vidal, da Faculdade de Educação da USP (FE USP) e Rachel Duarte Abdala, da Universidade de Taubaté, apresentam reflexão sobre a Escola Nova e sua inovação no ensino da arte nas décadas de 1920 e 1930. Angela Rocha, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU USP), reflete sobre as

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diferenças e semelhanças entre o desenho e a escrita enquanto meios de expressão e comunicação intrínsecas à cultura. José Sergio Fonseca de Carvalho, da FE USP, refletiu em sua palestra sobre a crise educacional e o caráter formativo da arte. Rosa Iavelberg, da FE USP, e Denise Grisnspum, do Instituto Moreira Salles, apresentam reflexão sobre os contextos de aprendizagem de artes visuais na escola e no museu, da perspectiva da educação contemporânea, revelando a necessidade de integração entre os conteúdos do currículo escolar e os conteúdos emergentes das exposições que, por meio de mediações educativas, geram múltiplas possibilidades de construção de saberes. Ainda, com o artigo “Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea”, Iavelberg discute as diferenças entre os modelos de ensino da arte/educação de diferentes épocas, partindo das propostas educativas de autores modernos e contemporâneos do ensino de arte, destacando a “simulação”, como estratégia de aprendizagem por intermédio da visão inovadora de Thierry de Duve.

O texto de Alecsandra Matias de Oliveira, do Museu de Arte Contemporânea da USP, pontua os principais espaços da memória da Cidade de São Paulo, abordando a contribuição dos imigrantes, especialmente os italianos. Através do percurso histórico da cidade, mapeia seus principais monumentos e desvela a concepção estética que orienta essas edificações. Catharina Pinheiro, FAU USP e Carmen S. G. Aranha, MAC USP, apresentam pesquisa realizada com um grupo de professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira, situada dentro do Parque Pinheirinho d’Água, em Pirituba/Jaraguá, sobre o reconhecimento dessa paisagem a partir de uma fenomenologia do olhar.

Além dos professores citados, convidamos doutorandos dos dois Programas de Pós-Graduação, Interunidades em Estética e História da Arte e da Faculdade de Educação da USP, no sentido de apresentarem suas pesquisas em andamento. Andrea do Amaral Biella aborda a formação de hábitos de crianças e adolescentes na frequentação de

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10 Carmen S.G. Aranha, Rosa Iavelberg & Paulo Marquezini

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

museus e instituições culturais, tendo, como base das informações, pesquisa realizada no Museu de Arte Contemporânea da USP. Andrea Matos da Fonseca articula alguns aspectos da fenomenologia de Merleau-Ponty à observação de duas situações vividas por crianças em visitas a exposições. Evandro Nicolau pensa o desenho em uma compreensão ampliada, relacionando-o à geografia, paisagem, educação e cidade, como estratégia sociopolítica de estar no mundo. Guilherme Weffort Rodolfo apresenta pesquisa sobre análise de obras de arte para alunos da graduação do curso de Publicidade e Propaganda por meio de conceitos fundados em suas experiências, além de preceitos apontados por Erns Gombrich, Rudolf Arnheim e as oposições de Ferdinand de Saussure. Maria Carolina Cossi Soares Barretti, em parceria com Iavelberg, refletem, conjuntamente, algumas modalidades de interação entre crianças enquanto desenham, aprendendo umas das outras, e analisam, ainda, as consequências educacionais do favorecimento e do impedimento da aprendizagem entre pares desenhistas da Pré-escola na sala de aula.

Denise Nalini apresenta recorte do processo de formação realizado num grupo de professores da Zona Sul de São Paulo. Utiliza o método pesquisa-ação, com o objetivo de analisar o processo de transformação da prática dos professores em Arte Contemporânea, com as crianças de 0 a 3 anos. Luciane Bonace Lopes Fernandes realiza pesquisa sobre as influências proporcionadas pelos princípios do Movimento Escola Nova na formação do pensamento artístico e pedagógico de Friedl Dicker-Brandeis, professora que orientou a produção artística de parte das crianças que estiveram aprisionadas no campo de concentração nazista de Terezín durante a Segunda Guerra Mundial.

Acreditamos que as palestras e mesas-redondas, assim como os textos que ficarão registrados no nosso e-book, serão de grande contribuição para o enriquecimento do debate sobre arte, educação e arte-educação.

Carmen S. G. Aranha, Rosa Iavelberg e Paulo Marquezini

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

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ABDALA, R.D. ; VIDAL, D. A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e escola nova nos anos 1920 e 1930. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 11-26.

A arte como instrumento de educação popular: discussões sobre educação estética e

escola nova nos anos 1920 e 1930

RACHEL DUARTE ABDALA1 & DIANA VIDAL

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Aprender a ver, a observar, é a arte de mais difícil aprendizagem e condição essencial a atividades inteligentemente orientadas.

Fernando de Azevedo (1931, p. 75)

A citação extraída do texto “A Escola Nova e a Reforma”, publicado originalmente no primeiro Boletim de Educação Pública, expressa um dos princípios da educação ativa, a observação, presente na reforma educacional realizada por Fernando de Azevedo entre 1 Rachel Duarte Abdala é professora assistente da Universidade de Taubaté (UNITAU) e coordenadora pedagógica do Curso de História da mesma instituição. Possui graduação em História (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade de São Paulo (USP) (1999), mestrado em Educação (2003) e doutorado em Educação (2013), ambos pela USP. Coordenadora do subprojeto de História do PIBID-Programa Institucional de Bolsas de Incentivo à Docência na UNITAU. Líder do Núcleo de Pesquisas em História NPH-UNITAU. Coordenadora de projetos de extensão. 2 Diana Gonçalves Vidal é professora titular em História da Educação e vice-diretora (2014-2018) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq nível 1C, membro do Comitê Executivo da International Standing Conference for the History of Education (ISCHE) (2014-2017) e editora da Global Educational Histories. Livre-docente em História da Educação (2005), possui graduação em História pela Universidade do Vale do Paraíba (1985), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1990), doutorado em Educação pela USP (1995) e pós-doutorado em Educação no INRP-França (2001) e na Universidade de Santiago de Compostela (2007). Publicou em 2013 seu primeiro livro infantil, intitulado Flora. Em 2015, saiu o segundo, Memel.

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1927 e 1930 no Distrito Federal. A reforma visava reorganizar a educação carioca, privilegiando a experimentação viabilizada por novas práticas escolares e recursos pedagógicos. O cinema educativo, a fotografia, o ensino do desenho e as formas arquitetônicas dos novos prédios escolares eram considerados importantes meios de educação. Na concepção de Azevedo, a superação do ensino verbalista seria propiciada pela aprendizagem por meio da experiência e da observação efetuada por alunos (VIDAL, 1994, p. 25).

O ver, ainda, contribuía para a disseminação de ideais nacionalistas, porque se atribuía função especial à percepção do “meio circundante”.

Ver, conhecer o meio a sua volta, era, também, amar sua região e, posteriormente, seu país. Base do nacionalismo. Assim se expressava Azevedo, integrando experiência, nacionalismo e tradição em uma fala que pretendia sintetizar os elementos fundantes da nova concepção educacional (VIDAL, 1994, p. 25).

No final da década de 20, eram comuns as discussões sobre a importância da visualidade sob a forma de arte, de fotografia ou de arquitetura. O ver firmava-se como uma das principais características, tanto da década, quanto do início do século. A sociedade vivia, no período, uma espécie de mobilização perceptiva. Segundo Nicolau Sevcenko (1992, p. 163), o início do século XX foi marcado pela velocidade imposta pelo desenvolvimento tecnológico que impulsionou a modernidade. Nesse sentido, além da transformação urbanística e social, a modernidade também invadiu os meios de comunicação.

As modernas formas de comunicação de massas, a fotografia, o cinema e os cartazes reiteravam essa ênfase tecnológica sobre a ação e a velocidade, ressaltando ademais o papel privilegiado concedido nessa nova ordem cultural à imagem, à luz e à visualidade.

Na arte, as discussões em torno da concepção modernista difundiram-se a toda a sociedade por meio da Semana de Arte Moderna, promovida justamente para ampliar o debate e para divulgá-lo. A fotografia afirmava-se como um dos ícones da

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modernidade. A polêmica em torno da questão de ser ou não a fotografia uma forma de expressão artística chamou ainda mais a atenção para essa forma de registro imagético. Na década de 20, o pictorialismo firmou-se, no Brasil, com a fundação do Photo Club Brasileiro e a criação da revista Photogramma, em cujas páginas o debate era contundente. Nas primeiras décadas do século, a fotografia expandia sua utilização a partir da inserção nas revistas e nos jornais. Também a arquitetura vivia uma disputa em torno dos partidos mais adequados a funções dos edifícios e a concepções estéticas. O embate entre neocolonial e moderno/modernista mobilizava arquitetos e tingia as páginas de jornais.

De modo a evidenciar os impactos desse novo paradigma no discurso educacional, escolhemos nos deter em apenas dois aspectos: o ensino de desenho e a arquitetura escolar. Assim o fizermos por considerar que permitem explorar o objetivo central deste artigo: discorrer sobre a arte como instrumento de educação popular. Para tornar ainda mais precisa a análise, cingimos a narrativa às discussões emergentes na Reforma educacional efetuada por Fernando de Azevedo no Rio de Janeiro, entre 1927 e 1930.

O ensino de desenho

O interesse de educadores e profissionais da educação pela arte e educação transparece nas conferências anuais promovidas pela Associação Brasileira de Educação. A ABE, fundada em 1924, alcançou importância a partir da atuação de seus associados e das conferências por ela promovidas, tornando-se, na década de 20, uma das “agências multiplicadoras” da Escola Nova, como a percebe Carlos Monarcha (1990, p. 27). Apesar do tema central da primeira Conferência Anual de Educação, realizada em Curitiba em 1927, ser a organização do ensino primário, houve, entre as teses apresentadas e defendidas, algumas que versavam sobre tópicos relacionados à visualidade. Dentre elas: a tese nº 15, intitulada “Organização dos museus escolares: sua importância”, apresentada

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por Nicephoro Modesto Falarz, da Escola Normal Secundária de Curitiba; a tese nº 17, “Pela educação estética”, defendida por Fernando Nereu de Sampaio; a de nº 23, de América Xavier Monteiro de Barros, sobre “O cinematógrafo escolar”; e, a de nº 25, “O teatro e sua influência na educação”, exposta por Décio Lyra da Silva, da Escola Normal Wenceslau Braz, do Distrito Federal.

Esse panorama permite inferir que a preocupação em torno das expressões visuais aplicadas à educação estava presente, não só no Distrito Federal, como também em outros Estados do país, como o Paraná. Verificam-se, ainda, referências e alusões à arte e à imagem em outras teses sobre a educação moderna e sobre a unificação da cultura nacional, como, por exemplo, a Tese nº. 5, “Necessidades da pedagogia moderna, defendida por Lindolpho Xavier, e a Tese nº. 6, sobre “Divertimentos infantis”, entre os quais figuram o cinema, o teatro infantil, pinacotecas e museus. Sobre a unificação da cultural nacional foram defendidas duas teses, a de nº 43 e a de nº 44, com o título “A unidade nacional: pela cultura literária, pela cultura cívica e pela cultura moral”. A primeira era de autoria de Isabel Jacobina Lacombe, e a segunda, de Fernando Laboriau.

Dentre as teses mencionadas, destacamos a defendida por Fernando Nereu Sampaio, “Pela educação estética” (NEREU, 1997, p.102-122). Arquiteto formado pela Academia Brasileira de Belas-Artes, Nereu Sampaio foi docente da Escola Normal no Distrito Federal, na cadeira de desenho, desde 1916, e membro do conselho diretor da ABE nos anos de 1925, 1927 e 1928. É dele o desenho da bandeira da Associação. Foi designado como arquiteto da Prefeitura do Distrito Federal, sendo o responsável pelos projetos das escolas Argentina, Uruguai e Estados Unidos durante a Reforma de Fernando de Azevedo. Integrou ainda, em 1924, “[...] um grupo de arquitetos, patrocinados por José Mariano Filho, que foi a Minas Gerais levantar dados para a confecção de um álbum

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destinado à coleta dos modos e dos meios adotados nas construções das cidades históricas de Minas” (RODRIGUES, 1997, p. 112).

Na tese, defendida em 1927, Nereu dava especial importância ao tema da arte nas escolas.

A iniciação estética foi, portanto, até hoje, lastimavelmente imperfeita, e, agora, reconhecemos que a sociedade não tem cultura estética para sentir as artes do desenho e mal interpreta a música. A razão está unicamente nessa orientação pedagógica deficiente, que transformou o ensino do desenho em horas de suplício onde só os néscios se deleitavam [...] A iniciação estética precisa ser feita dentro da escola primária (NEREU, 1997, p. 121).

O arquiteto e professor de desenho parece conclamar à ação, incitar à transformação, com frases como “o que esperamos para agir?”, aproximando-se das aspirações de Fernando de Azevedo e do programa de Reforma de 1927 no Distrito Federal. Transparece, de forma contundente, nas palavras de Nereu Sampaio, a intenção de exaltar as “coisas pátrias”.

Defendia a elaboração de projetos arquitetônicos com detalhes decorativos que primassem pela estética e pelo nacional. E como meio para desenvolver essa educação estética sugeria: “[...] aproveitemos a oportunidade para ressaltar o valor do manancial inesgotável que apresenta a nossa flora e fauna ao aproveitamento decorativo, seja na pintura ou na arquitetura, seja na escultura, na música ou, ainda, na literatura” (NEREU, 1997, p. 122).

Quando a Inglaterra percebeu a necessidade de difundir a educação estética – porque encarou-a como um problema econômico do Estado, visando à preparação de massas de produtores e consumidores de indústrias de bom gosto e objetos de arte para embelezamento dos lares e prazer do espírito -, a primeira atitude tomada foi com respeito aos programas de desenho e modelagem das escolas primárias e profissionais; refundindo-os integralmente, baseando-os no objetivo fundamental de despertar o interesse e o gosto pelas coisas de arte. Foram tão bons os resultados que as demais nações não trepidaram em acompanhá-las na orientação traçada (Ibidem)

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Nas conclusões, Nereu Sampaio conclamava os educadores a “[...] aconselhar os governos dos estados a cuidar imediatamente da reforma dos programas de desenho, modelagem e trabalhos manuais nas escolas primárias, orientando-se no sentido da educação do gosto sem, contudo, desvirtuar sua função pedagógica.” E ainda, “[...] aconselhar o ensino destas disciplinas nos estabelecimentos profissionais com o caráter rigorosamente técnico e artístico” (1997, p. 122).

As ideias apresentadas na tese de 1927 alicerçavam-se na prática docente de Nereu Sampaio e foram sistematizadas em outra tese, esta elaborada para concorrer à cadeira de Desenho da Escola Normal do Distrito Federal, em 1929, intitulada Desenho espontâneo das crianças. Considerações sobre sua metodologia (PERES, 2015, p. 17).

O protagonismo de Nereu Sampaio no ensino das artes no Brasil tinha sido ressaltado por Ana Mae Barbosa em 1988, quando a autora chamava a atenção para seu papel de divulgador das ideias de Dewey sobre a arte. De fato, a tradução do texto Art as experience, de 1934, tardaria a chegar, saindo a lume no Brasil apenas em 2010, pela Martins Fontes. No entanto, no Programa de Música e Canto do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1935, já constava a indicação bibliográfica da obra em inglês (VIDAL, 2001).

As teses de Nereu Sampaio aqui referidas, entretanto, são anteriores, o que não invalida a referência a outras obras de Dewey em seu trabalho. De acordo com Peres (2015, p. 90-91), no texto apresentado à banca do concurso em 1929, Nereu Sampaio propugnava por “[...] uma nova metodologia, fundamentada nas teorias de John Dewey e Claparède, a qual consiste na combinação entre observação e livre expressão”. Tomando por base a psicologia, Nereu dividia o ensino de desenho em duas fases. A primeira delas, para crianças até 10 anos, quando recomendava o desenho espontâneo como forma de desenvolver a coordenação motora, uma vez que compreendia que, até aquela idade, o escolar não conseguia se manter mais de 20 segundos na visualização. A segunda fase

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acontecia após os 10 anos, quando era possível investir no desenho de observação. Nesse caso,

Era proposto ao aluno que fizesse um desenho de um determinado objeto e, após a conclusão desse, ele era estimulado a comparar o seu desenho com o objeto real, buscando enxergar o que necessitava aprimorar para atingir o mais próximo de uma representação realista do objeto (PERES, 2015, p.91).

De acordo com Nereu Sampaio (1941, p. 2), o desenho e as artes contribuíam para a “[...] formação de hábitos necessários à vida, tais como os de observar atentamente, pesquisar, experimentar, analisar, imaginar, formar hipóteses, selecionar, coordenar, deduzir, induzir, concluir, projetar e realizar”.

No entanto, como destaca José Roberto Peres (2015, p. 112),

[...] por mais que Nereo Sampaio pregasse a importância do desenho espontâneo das crianças, essa espontaneidade deveria ser orientada pelos professores para que os alunos desenvolvessem cognitivamente a percepção e a crítica para atingirem uma representação realista.

Nereu Sampaio, assim, alicerçava sua concepção de arte nos padrões neoclássicos, colocando-se na contramão da corrente modernista emergente no período.

A proposta de desenho espontâneo e o primado neoclássico coadunavam-se com os princípios defendidos por Fernando de Azevedo em sua Reforma da capital carioca. No texto “A arte como instrumento de educação popular na Reforma”, publicado em 1931, mas resultado de Conferência realizada em 25 de fevereiro de 1930 na Sociedade de Educação, em São Paulo, o reformador, fazendo uso também da psicologia, afiançava que os desenhos infantis não decorrem da observação da natureza, mas são “representações plásticas” de estados de alma das crianças, “[...] impregnados de tal ingenuidade e franqueza na sua expressão infantil, que os torna às vezes ininteligíveis para os adultos” (AZEVEDO, 1931, p. 126). E prosseguia:

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O desenho como atividade espontânea e criadora, e os trabalhos manuais, com os novos processos adotados pela reforma, devem levar as crianças à convicção de que podem desenhar, modelar e construir o que querem sem necessidade de copiar, proporcionando-lhe a oportunidade de se exprimirem, por meio do desenho ou da massa plástica, com as características fundamentais de seus trabalhos, sinceros e ingênuos, que tendem a perder o caráter infantil à medida que se vão aproximando das manifestações artísticas dos adultos (AZEVEDO, 1931, p. 126).

Azevedo insistia no caráter amplo da arte, que envolvia, para o educador, toda a dimensão educacional, a partir da atividade do desenho, e defendia que:

O desenho, que constitui uma necessidade para a criança. Mesmo antes da idade escolar, não se pode considerar uma atividade isolada das matérias que se estudam na escola primária. Êle coopera, de maneira notável, para a compreensão e retenção dêsses conhecimentos naqueles alunos, em que já se encontra desenvolvido o instinto de observação e que têm, no meio que os rodeia, no lar, na escola e nas suas excursões, sempre em relação com o ensino primário, a base de seu trabalho (AZEVEDO, 1931, p. 125).

O padrão neoclássico, entretanto, não se restringia à orientação dada para o ensino do desenho. Era constitutivo da concepção de belo abraçada pela Reforma carioca de 1927 e que daria substância à escolha do partido arquitetônico para a construção das escolas: o neocolonial.

Arquitetura escolar

Anteriormente à sua atuação na Reforma da educação no Distrito Federal, Fernando de Azevedo presidiu, a pedido do diretor do jornal, Júlio de Mesquita Filho, ao inquérito sobre a Arquitetura Colonial Brasileira, publicado em nove edições, de 13 a 30 de abril de 1926, quando entrevistou José Mariano Filho, que “[...] se voltava para a nossa arquitetura tradicional com a ciência de um pesquisador da arte colonial e com os ardores de uma paixão romântica pelas antigas casas senhoriais” (AZEVEDO, 1971, p. 72). Apesar de ser médico por formação, Mariano Filho fora Diretor da Escola Nacional

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de Belas Artes. Dentre seus interesses, estavam a arquitetura de cunho nacional e a arquitetura voltada à educação.

Mariano Filho, Nereu Sampaio e Fernando de Azevedo iniciaram juntos, no Rio de Janeiro, um projeto de arquitetura escolar ancorado no estilo neocolonial. Visavam, por meio da arquitetura, definir valores que moldariam a sensibilidade estética da sociedade daquele período. Assim,

[...] a inspiração tradicionalista da arquitetura escolar carioca, não era casual. Ao contrário, seguiu o desejo de Azevedo de imprimir um cunho nacionalizante à sua administração, e de dar visibilidade à sua proposta educacional, denotando, inclusive, a forma como o Diretor Geral se apropriara dos enunciados escolanovistas (VIDAL, 1994b, p. 51).

Para Azevedo, a arte era fundamental para a concretização da Reforma. A harmonia, a ordem, o gosto pelo belo seriam incorporados pelas crianças na vivência com o artístico, uma sugestão educativa a partir do ambiente cuidadosamente constituído, e não de uma forma sistemática de aprendizagem. Em suas palavras:

A arte é, evidentemente, sutil demais para tentarmos iniciar as crianças nos seus segredos, mas, quando, verdadeira, original e sincera, tem bastante força comunicativa para se transmitir a todos.” [...] A educação estética do povo deve começar pelo próprio ambiente da escola, em que, das linhas arquitetônicas à moldura dos jardins, da paisagem envolvente à decoração interior, tudo possa servir às sugestões da ordem e da harmonia e contribuir assim para despertar e desenvolver, na idade mais acessível e plástica, o sentido da beleza e da arte (AZEVEDO, 1931, p. 123).

Estetizar não significava simplesmente levar a beleza à vida cotidiana, mas transformar a vida pela arte. E esse era justamente um dos objetivos de Azevedo ao construir prédios escolares com tão apurado cuidado estético. Para ele, a arte deveria, entre outras funções, desempenhar uma muito peculiar: a pedagógica. Em suas palavras:

[...] edifício escolar deve ainda contribuir para a educação estética por sua arquitetura e sua decoração. Não há meio mais eficaz para a educação do gosto popular do que por, sob os seus olhos, nos edifícios públicos, e sobretudo, naqueles destinados à educação popular, exemplares perfeitos de arquitetura AZEVEDO, 1930, p. 88).

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Nesse sentido, “A arquitetura cumpria uma função simbólica e didática. [...] Oferecendo à contemplação elementos tradicionais, servia como exemplo de nacionalidade: manifestava na pedra o culto à ordem e ao equilíbrio” (VIDAL, 1994b, p. 51). Simultaneamente, disseminava um determinado padrão de belo, em um momento em que visões concorrentes opunham neoclássico e moderno/modernista no debate sobre a arte.

Para Beatriz Santos de Oliveira, O neocolonial, de uma modernidade contraditória de signo regressivo, apoiado numa tradição arbitrária e num método de projetar classificatório e liberal, foi naquele momento o estilo que correspondeu plenamente aos anseios reformistas, justamente por estas características. (OLIVEIRA, 1991, p. 85)

Como afirmado anteriormente, a associação entre neocolonial e arquitetura escolar estava presente na retórica de Azevedo desde 1926, quando efetuara o Inquérito sobre Arquitetura. Em suas conclusões, o educador, reiterando a pregação de José Mariano Filho, chegou a identificar o neocolonial como o estilo arquitetônico mais adequado à construção de escolas, da mesma forma que o neogótico seria o estilo preferencial da construção de igrejas, pelos sentimentos de ascese espiritual que suscita.

Não se pode desconsiderar a arquitetura como uma linguagem que se revela na forma de organizar os espaços e de inscrever territórios, conforme assevera Escolano.

A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos (ESCOLANO, 1998. p. 26).

Ao construir novos prédios escolares, a Diretoria de Instrução Pública impunha, segundo seus objetivos, uma nova forma de conceber e praticar o espaço. Assim, delimitava espaços especialmente destinados a práticas determinadas, como exemplo, as salas de ginástica, os laboratórios e as oficinas. Estabelecia espaços

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próprios dentro da escola, engendrando formas de controle e disciplinarização das práticas escolares inscritas nos lugares.

De acordo com Michel de Certeau (1994), o espaço é o lugar praticado, ou seja, apropriado pela prática. Essencialmente, a proposta escolanovista de Azevedo compreendia na arquitetura escolar e na arte a ela imprimida uma forma de moldar o gosto estético do corpo discente por meio da experiência e da observação, promovendo a aprendizagem (ABDALA, 2003, p. 160).

Azevedo interpretava a arquitetura escolar como parte do programa curricular, cujo papel era o de sensibilizar por meio da observação constante, proporcionada pela frequência escolar, e promover a vinculação das novas gerações à memória nacional.

A educação estética do povo deve começar pelo próprio ambiente da escola, em que, das linhas arquitetônicas à moldura dos jardins, da paisagem envolvente à decoração interior, tudo possa servir às sugestões da ordem e da harmonia e contribuir assim para despertar e desenvolver, na idade mais acessível e plástica, o sentido da beleza e da arte. A escola não realiza o seu fim primário, essencial e comum, de tornar sensível a alma da criança às incitações da natureza, - o nosso primeiro mestre, - da moral e da arte, senão proporcionando à mocidade das gerações novas um ambiente que seja, na sua eloqüência muda, uma lição permanente de beleza, de gosto e de conforto (AZEVEDO, 1931, p. 124).

Na Reforma havia, explicitamente, a intenção de exaltar o sentido da beleza e da harmonia, tanto nas práticas quanto nos novos prédios escolares. Azevedo concebia a infraestrutura escolar associada à sua estética arquitetônica como um instrumento pedagógico no qual e por meio do qual seria possível cristalizar uma nova ordem de ensino permeada de simbolismos. Função – inscrita nas práticas educacionais renovadas – e forma – manifestada nos prédios escolares erigidos na Reforma – confluindo para realizar os projetos escolanovistas.

A arquitetura escolar estava diretamente relacionada à fotografia. A maior parte dos registros fotográficos oficiais realizados durante a Reforma remetia aos prédios, fosse mostrando sua

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arquitetura, sua construção, seus detalhes arquitetônicos; fosse retratando as salas já habitadas pelas práticas escolares. Podemos ler, por meio dessas imagens, um discurso sobre educação e escola nova.

Em suas memórias, Paschoal Lemme, assistente da Subdiretoria Técnica, setor criado pela Reforma, demonstra claramente a importância que Fernando de Azevedo atribuía às construções dos novos prédios escolares e à sua representação fotográfica. Relembra as reuniões com o Diretor de Instrução Pública e os inspetores na sala da Subdiretoria Técnica, durante as quais Fernando de Azevedo demonstrava grande prazer em ver e mostrar as fotografias das construções, o que denota, também, o papel da fotografia como publicidade, que deveria, antes de ser publicada e divulgada, passar por seu aval.

Nessas reuniões, que constituíam um refrigério, uma pausa reconfortante, em meio àquela atividade febril, e às vezes, áspera, Fernando de Azevedo nos fazia apreciar as belas fotografias que iam sendo tiradas dos aspectos mais relevantes dos novos prédios escolares que estavam sendo construídos, em estilo tradicional brasileiro. Eram momentos de alegria em ver como ia sendo traduzida em pedra e cal toda uma nova filosofia de educação, em que se procurava dar ás crianças e adolescentes um novo ambiente, em que a comodidade e a adequação às finalidades próprias se aliava a um alto sentido de beleza (LEMME, 1988, p. 41).

O expediente era necessário. Para além da discussão estética, a escolha do neocolonial para a edificação escolar carioca suscitava discussões de cunho mais prático e de caráter econômico.

Colonial ou modernista? Eis a questão. [...] Colonial ou modernista? Barroco ou de tapioca? Luiz XXX ou Luiz Washington? Os Estylos! [...] Pouco importam os estylos. O que se impõe é abolir os pardieiros ignobeis, os antros, as alforjas que servem de escolas para a infancia carioca. [...] Predios limpos, ventilados, confortaveis, eis o problema. Mas assim não entende o dr. Fernandinho. O dr. Fernandinho declara: - Quero deixar coisa vistosa (O Combate, Rio de Janeiro, 18 jan. 1930).

De fato, o que estava na mira dos opositores à Reforma eram os custos elevados dos novos prédios em face das necessidades

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existentes. Das 236 escolas do Distrito Federal, apenas 89, em 1927, funcionavam em prédios próprios. Uma obra de tal porte demandaria recursos de grande ordem. À Diretoria Geral foram destinadas vultosas somas. No entanto, Fernando de Azevedo construiu apenas 9 prédios, entre 1927 e 1930, numa média de 2 prédios/ano, dentre eles as Escolas Argentina, Estados Unidos, Uruguai, Antônio Prado Jr. e Normal. Esta última, com todas as escolas anexas, custou à municipalidade mais de 15 mil contos de réis.

Apenas para efeitos de comparação, na administração de Anísio Teixeira, também no Rio de Janeiro, entre 1931 e 1935, tomando um partido arquitetônico menos elaborado, 25 novas escolas tinham sido edificadas (duas do “Tipo Mínimo”; onze, “Nuclear 12 classes”; uma, “Nuclear 8 classes”; cinco, “Platoon 12 classes”; uma, “Platoon 16 classes”; três “Platoon 25 classes”; e, uma “Escola-Parque”). Foi também reconstruída a Escola Machado de Assis, como tipo especial de 6 classes.

Comentários finais

O processo de espetacularização é a estética mediática por excelência. Em seu texto A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, Walter Benjamin defende a teoria de que, com a possibilidade de reprodução da obra de arte, efetivada principalmente pela fotografia e pelo cinema, rompe-se com o valor de culto determinado pela “aura” da qual se revestia a obra de arte, estabelecido pela relação direta entre ela e o espectador. O valor de culto foi substituído pelo de exposição; o sagrado, pelo espetáculo. A exposição em massa impõe uma nova relação com a obra de arte, tornando necessária uma mediação entre o espectador e o objeto de apreciação, realizada pela legenda, pela forma de exposição, pela composição. O modo de apresentar ou de expor é fundamental para atingir os objetivos pretendidos na realização das imagens. Assim, Azevedo procurou apresentar, da melhor forma possível, os ideais e os aspectos da renovação educacional na arquitetura e por meio de fotografias.

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Essa articulação teve a responsabilidade de apresentar a concepção de Reforma que se quis materializar (ABDALA, 2003, p. 155).

Assim, além da inserção, na formação dos professores, de práticas centradas na observação e da disseminação de métodos de ensino que também se baseavam na observação, como o desenho, a construção de prédios especialmente destinados a abrigar escolas foi uma estratégia central para auferir visibilidade às ações da Reforma Azevedo. Ocupando espaço no tecido urbano, com localização estrategicamente escolhida e arquitetura monumental e esteticamente cuidada, os prédios escolares constituíam-se em elementos significativos no estabelecimento de marcas perenes e concretamente visíveis de ações políticas.

O ensino de desenho e a arquitetura escolar, de modo mais espetacular, legavam para o futuro a memória da Reforma efetuada na capital federal entre 1927 e 1930 e asseguravam para aquele presente a defesa de uma determinada concepção de belo e de arte.

Referências

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Anais das três primeiras Conferências Nacionais de Educação, realizadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE/RJ), nos anos: 1927, 1928 e 1929.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

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BARRETTI, M.C.C.S. Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de imagens em sala de aula. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 27-36.

Do ler ao fazer: o papel da leitura nas situações de produção de

imagens em sala de aula

MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI1

Introdução

Desde a década de 1970, sobretudo nos Estados Unidos, as investigações que buscaram elevar a qualidade do ensino no campo da arte apontam a necessidade de incluir a leitura de imagens como prática permanente nos currículos escolares.

Em espacial, autores como Edmund Feldman, Brent Wilson, Elliot Eisner e Rosa Iavelberg, contribuíram para desequilibrar a hipótese do desenvolvimento natural da produção de imagens, que tanto influenciou e ainda influencia arte educadores.

Também as pesquisas sobre o desenvolvimento estético de Michael J. Parsons e Abigail Housen, que buscaram conhecer a gênese da compreensão da arte e do desenvolvimento estético, contribuíram

1 Maria Carolina Cossi Soares Barretti é Mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de

São Paulo (FEUSP) na área de Psicologia e Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Aprendizagem em Arte (CNPq). Autora do trabalho: Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – FEUSP, São Paulo, 2013. http://lattes.cnpq.br/2865716079650147

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para reforçar a importância da educação do olhar e levar aos professores reflexões acerca destas práticas.

Embora a grande maioria dos currículos nacionais, incluindo a recente Base Nacional Curricular Comum, envolva a apreciação como componente, os conhecimentos sobre a didática da leitura de imagens e suas contribuições para o fazer, e conhecer arte, ainda não alcançaram muitos professores.

Por meio deste trabalho buscaremos compartilhar nossas análises sobre o papel da leitura de obras, que visam o desenvolvimento da produção de imagens que tenham qualidade expressiva e estética, buscando contribuir para a reflexão de arte educadores.

Este trabalho incluirá uma reflexão sobre as concepções que o embasam, a análise de algumas práticas de leitura de imagens na sala de aula e suas implicações e, por fim, uma reflexão sobre as ampliações que a leitura de imagens permite em relação à produção de imagens.

A busca pela qualidade na educação da arte: fundamentos e concepções

As concepções didáticas que embasam este trabalho entendem que a aprendizagem no campo da arte se dá a partir das experiências que o aprendiz reúne na relação com este objeto de estudo ao longo da vida. Experiências de fazer e conhecer arte, ocorrerem a partir das reflexões e relações que podem se estabelecer no intercâmbio entre os pares, e na mediação com educadores.

Sobretudo, ressaltamos a ideia de que a aprendizagem da arte não é um fenômeno natural, ela não acontece pelo amadurecimento do indivíduo, mas é um fenômeno que depende da educação.

Estas concepções, portanto, veem o contato com as imagens do mundo da arte, a reflexão sobre elas, e os empréstimos de imagens, como situações fundamentais para a aprendizagem dos alunos.

Nesta linha, destacamos que a leitura se constitui como prática indispensável para promover avanços no campo da produção de

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imagens. O desenvolvimento artístico do aluno depende do emprego de imagens da arte da cultura de que faz parte (WILSON, 1987).

Desde que passou a ser um campo de investigação da didática da arte, as situações que envolvem a leitura de imagens já foram realizadas com finalidades diversas nas salas de aula ao longo do tempo. Ainda hoje, as práticas que integram as aulas vão da releitura, ao próprio abandono da leitura, como ferramenta de aprendizagem. Mais adiante, faremos uma reflexão sobre algumas destas práticas.

Antes disso, julgamos importante destacar que entendemos que o valor da leitura para a aprendizagem da arte pode estar ligado a dois elementos: ao desenvolvimento de níveis de apreciação estética – como o aprendiz compreende a arte e pensa sobre ela, como já apontaram Parsons e Housen –, e ao desenvolvimento das habilidades de produção de imagens ou de outras linguagens artísticas, como já apontaram Wilson e Iavelberg.

Observamos que embora muitos professores façam uso desta prática com o intuito de promover avanços em relação aos níveis de apreciação estética, esses tendem a não reconhecê-la como ferramenta para o desenvolvimento do fazer, ou seja, a não validar os empréstimos de imagens e das soluções dos artistas como situações de aprendizagem. É exatamente esta reflexão que buscaremos ampliar.

Neste ponto, vale retomar a análise das possíveis intensões de uso da leitura de imagens como prática nas salas de aula para buscar compreender as justificativas dos professores para o uso ou o abandono desta ferramenta.

Os possíveis usos de imagens na sala de aula e suas implicações

Uma das concepções possíveis para o uso de imagens, e equivocadas do nosso ponto de vista, é tomar as obra de arte como um ponto de chegada, uma meta a ser alcançada, inquestionável do ponto de vista estético e expressivo. Esta concepção não favorece uma reflexão mais aprofundada para os alunos, pois não possibilita

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que analisem criticamente as obras, os sentimentos que despertam em cada um - positivos ou negativos -, suas preferencias, pensamentos.

A releitura de obras – situação em que os alunos copiam obras a seu modo - é uma prática que pode estar associada à concepção descrita acima, e que tampouco favorece o desenvolvimento da produção estética e expressiva, pois tira dos alunos a possibilidade de viver os problemas relacionados à construção das imagens e buscar soluções.

Ressaltamos que a cópia, quando desejada pelo aluno como ferramenta para apreender recursos e soluções de artistas ou colegas, tende a ser válida, pois envolve um exercício e uma reflexão. Geralmente, os alunos que vivem esta experiência de forma significativa, como pesquisa para a aprendizagem, não se limitam a copiar, mas fazem uso desta situação para ampliar seu repertório e modificam os esquemas posteriormente, recriando suas imagens (COSSI SOARES, 2013).

Para outro grupo de educadores, que acredita que o desenvolvimento dos esquemas de representação se dá de forma natural - sem que seja necessária a intervenção de educadores -, o uso de imagens de artistas nas situações didáticas pode bloquear a criatividade e frear o desenvolvimento de uma poética de autoria dos alunos.

As práticas que se apoiam nesta concepção, geralmente não envolvem as situações de leitura de obras, se limitam a variação de uso de materiais para produção dos alunos.

Embora pesquisas recentes tenham superado esta concepção, ela ainda serve como referência a muitos educadores, que tendem a abandonar as práticas de leitura como ferramenta por acreditar que impeçam o desenvolvimento de poéticas autorais para a elaboração de imagens.

Como já descrevemos anteriormente, a concepção que apoia nossas investigações, é a de que a leitura se constitui como ferramenta indispensável para que os alunos conheçam arte e possam produzir imagens de qualidade estética e expressiva.

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Isso porque é também a partir da análise de imagens de artistas e colegas que o aprendiz pode entrar em contato com os problemas já enfrentados pelos artistas e de soluções já encontradas, o que favorece a ampliação de seu repertório gráfico. Além disso, muitas outras habilidades podem ser ampliadas por meio da leitura, como o conhecimento das temáticas da linguagem da arte, da organização estética das imagens, dos elementos de produção (linhas, formas, cores, texturas, ritmo, etc.), das técnicas e usos de materiais, da percepção expressiva, do estilo, e assim por diante.

Em coleções didáticas lançadas por Edmund Feldman e Rosalind Ragans, as práticas de leitura devem percorrer uma sequência bastante detalhada de atividades, que envolvem:

1. A descrição (tudo o que se vê na imagem);

2. A análise (como a imagem está organizada do ponto de vista das formas, linhas, cores etc.);

3. A interpretação (o que o artista está tentando dizer);

4. O julgamento (o que se pensa sobre a obra).

Também para estes autores, as situações de produção de imagens nas aulas têm como objetivo refletir sobre elementos que envolvem o campo da arte, como linhas, formas, cores e etc., e partem de imagens criadas por artistas para análise e reflexão dos alunos.

Em especial, Brent Wilson, reforça a ideia de que a análise de qualquer obra pode desencadear uma boa situação de produção para os alunos, uma vez que trarão oportunidades para que enriqueçam seu repertório gráfico e conheçam os problemas enfrentados pelos artistas, bem como as soluções que já encontraram.

É fundamental destacar que pesquisas realizadas por Iavelberg (1993), apontam que as situações de bloqueio, em que os alunos deixam de produzir imagens, ou o fazem de forma muito estereotipada, ocorrem pela falta de repertório de soluções gráficas, e não por seu excesso. Ao contrário disso, quanto mais amplas forem as

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experiências dos alunos neste sentido, e quanto mais puderem refletir acerca destas experiências com colegas e educadores, maiores serão as suas possibilidades de criar poéticas e de produzir imagens que apresentem qualidades gráficas e estéticas.

Do ler ao fazer: o uso da leitura como ferramenta para o desenvolvimento da produção em sala de aula

Antes de qualquer outra, destacamos a ideia de que as situações de leitura de imagens nas salas de aula devem buscar o refinamento, a sensibilização e a ampliação do olhar.

Elliot Eisner destaca que ver é diferente de olhar. Olhar é perceber, experimentar a qualidade das formas visuais de seu entorno, sejam elas da arte ou da natureza (EISNER, 1972). O exercício do olhar envolve uma investigação da composição estética e expressiva das imagens e possibilita a expansão do repertório do aprendiz, que se configura como fonte para a criação.

O ato de criação, nesta perspectiva, não surge do vazio, mas depende das experiências que se acumula ao longo da vida. Experiências que, se não forem repletas de oportunidades de educação visual, não trarão aos alunos fontes para a produção de imagens criativas, com qualidades estéticas e expressivas.

Desde muito pequenas as crianças estão frequentemente em contato com as mais diversas imagens, tanto da mídia (por meio de livros, de desenhos animados, revistas, cartazes), quanto de colegas e adultos (irmãos mais velhos, primos, os pais e outros parentes). Estas experiências se vertem em fontes para a criação de imagens e servem de apoio inicialmente. Contudo, a educação no âmbito da escola precisa ir além, e é por isso que aprender a olhar e ampliar o repertório a partir de formas da arte é fundamental. O enriquecimento de fontes de criação se configura como tarefa indispensável de professores.

Também para Rosa Iavelberg, a aprendizagem do fazer se dá no encontro entre as experiências do ato da produção (constância de gestos

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e usos dos materiais) com a memória de imagens com as quais a criança já teve contato (tanto de colegas, adultos, da mídia ou de artistas).

Como ainda aponta a autora: O que a criança acredita que pode aparecer nos desenhos está ligado à sua experiência com os desenhos que vê, ou seja, sobre os quais age visualmente; isso depende do acesso que ela tem a outras obras além das suas. Essa educação do olhar do pequeno leitor de imagens lhe fornecerá bagagem para socializar, participar do universo da arte e fazer a sua própria arte com referenciais na produção artística social e histórica. Isso refletirá positivamente na evolução e no aperfeiçoamento de seus desenhos. (IAVELBERG, 2013, pg.75)

Em nossa pesquisa realizada sobre a aprendizagem compartilhada entre crianças na Educação Infantil (COSSI SOARES, 2013) mostramos que o processo de desenvolvimento do desenho é impulsionado pelos empréstimos de imagens entre pares na escola. Isto porque, por meio da aprendizagem compartilhada (situação em que a aprendizagem é mobilizada pela troca de saberes desenhistas entre crianças) ocorrem processos de apropriação e recriação de esquemas – o que Iavelberg (1993) denomina como “assimilação recriadora”.

Por processos similares, as situações de leitura de obras de arte nas salas de aula se configuram como aprendizagem do fazer, a medida que favorecem o desenvolvimento de esquemas gráficos mais complexos a partir da assimilação e recriação de formas da arte compartilhadas pelos professores com seus alunos.

Tomando as concepções descritas acima como referência, destacamos alguns pontos fundamentais para que as situações de leitura de imagens se configurem como ferramentas significativas para a aprendizagem da produção em sala de aula.

Um primeiro aspecto é compreender que a seleção das imagens a serem lidas não pode se dar ao acaso, mas deve seguir critérios precisos, que poderão ser elaborados pelos professores a partir das metas de aprendizagem que elegerem. Um princípio a se levar em consideração, é que quanto mais as imagens possibilitarem

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investigações para os alunos em relação aos desafios que precisam enfrentar, mais significativas serão para a aprendizagem.

Um segundo aspecto, que se relaciona com o primeiro, é a necessidade de partir de uma avaliação inicial, ou seja, compreender qual é a possibilidade que os alunos possuem para usar as linguagens da arte como forma de expressão. Esta situação dará ao professor condições para conhecer o repertório dos alunos e traçar caminhos para ampliá-lo, além de permitir o acompanhamento das mudanças - o que exatamente os alunos construirão de novo por meio das experiências vividas nas aulas?

Por último, destacamos que avaliação inicial poderá também abarcar outros conceitos além das habilidades de produção, como o nível de compreensão estética, o conhecimento sobre a história da arte e estilos. Isto porque, os critérios de seleção das imagens serão mais significativos, se combinarem ampliações em todos estes sentidos.

Conclusão

Este trabalho buscou ampliar a reflexão sobre o papel da leitura de obras de arte para a aprendizagem de produção de imagens nos contextos educativos.

A leitura de imagens se constitui como ferramenta indispensável para a aprendizagem no campo da arte, uma vez que pode levar aprendizes a conhecer arte e refletir sobre ela a partir da troca de ideias e experiências entre pares e educadores.

Se as situações de leitura podem favorecer a aprendizagem no campo do desenvolvimento estético, podem também colaborar imensamente para a aprendizagem da produção de imagens – embora muitos educadores ainda baseiem-se em concepções que desencorajam as situações de empréstimos de imagens de artistas por acreditarem que impeçam avanços de alunos.

Assim como alguns autores contemporâneos, acreditamos que a criação não surge do vazio, mas é fruto de experiências que

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acumulamos ao longo da vida a partir do contato com materiais e a partir das oportunidades que tivermos de sensibilizar o olhar para perceber qualidades estéticas e expressivas em formas da arte e da natureza.

Ressaltamos que quanto mais experiências de olhar e refletir sobre as imagens com que se tem contato, mais os alunos poderão ampliar o seu repertório gráfico e mais fontes terão para criar.

Para que o uso da leitura permita aprendizagens significativas nas salas de aula, é fundamental que o professor estabeleça critérios para selecionar as imagens que deseja levar aos seus alunos.

Referências

BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

______. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2008.

SOARES, Maria Carolina Cossi. Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

EISNER, Elliot. Educating artistic vision. Nova Iorque: Macmillan Publisching Co., 1972.

FELDMAN, Edmund Burke. Becaming human through art: Aesthetic experience in the school. Nova Jersey: Prentice-Hall, 1970.

IAVELBERG, Rosa. Desenho na Educação Infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

______. O desenho cultivado da criança. Porto Alegre: Zouk, 2006.

______. Para gostar de aprender arte. Sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed Editora, 2003.

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

NOVAK, Joseph D. Learning, Creating and using knowledge. Nova Iorque: Routledge, 2000.

PARSONS, J. M. How we understand art. A cognitive developmental account of aesthetics experience. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1987.

RAGANS, Rosalind. Arttalk. Mission Hills: Glencoe Publisching, 1988.

WILSON, Brent; HURWITZ, Al; WILSON, Marjorie. La enseñanza del dibujo a partir del arte. Barcelona: Paidós, 2004.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

BARRETTI, M.C.C.S ; IAVELBERG, R. Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 37-49.

Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na

Educação Infantil

MARIA CAROLINA COSSI SOARES BARRETTI1 & ROSA IAVELBERG

2

Artistas modernos e pós-modernos admiraram a arte das crianças exatamente pelo que sentem em sua clareza de visão, oposta à fotográfica ou ao paradigma da perspectiva linear. Entretanto, até a perspectiva linear, se compreendida de modo apropriado, incorpora aqueles entendimentos iniciais sobre tempo, espaço e movimento formados na infância. (Matthews, 2003, p. 210-211)

Desde que entram na escola, crianças costumam receber de seus professores materiais para riscar e registrar marcas, o que fazem, de modo geral, com grande satisfação e interesse. Nos anos

1 Maria Carolina Cossi Soares Barretti é Mestre pela Faculdade de Educação da Universidade de

São Paulo (FEUSP) na área de Psicologia e Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Formação de Professores e Aprendizagem em Arte (CNPq). Autora do trabalho: Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – FEUSP, São Paulo, 2013. http://lattes.cnpq.br/2865716079650147 2 Rosa Iavelberg é Professora Livre Docente do Departamento de Metodologia de Ensino da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Autora dos livros: Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003; O desenho cultivado da criança: práticas e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006; Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013; e, com Luciana Arslan, Ensino de Arte. São Paulo: Thomson, 2006. É líder, junto à Profa. Carmen Aranha (MAC USP), do Grupo de pesquisa Formação de Educadores em Arte (CNPq) http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1940688940065691#indicadores

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que passam na educação infantil, seus desenhos podem passar de garatujas desordenadas a esquemas complexos, ricos em detalhes.

Autores contemporâneos apontam que dentre as situações que promovem o desenvolvimento do desenho está o contato do aprendiz com esquemas gráficos e procedimentos que observa de seus pares.

O Desenho cultivado, termo desenvolvido e criado por Iavelberg (2006), refere-se ao desenho autoral que é alimentado pela cultura de desenhos que a criança acessa e não corresponde, portanto, ao desenho espontâneo. Para a autora, “desde cedo a criança observa e imita atos e formas de desenho realizados em sua presença, incorporando-os, em seu repertório (2006 p. 73)”, o que a faz avançar.

Ainda, para Marjorie e Brent Wilson, os desenhos criados por colegas ou irmãos mais velhos, servem de modelos para que as crianças possam aprender novas formas, linhas e temas, e assim passar a usá-los em seus próprios esquemas. Por existir uma proximidade construtiva entre as formas criadas, configuram-se como fontes significativas para que possam aprimorar seus desenhos.

Mas por que se tornam cada vez mais diferenciados os desenhos dos estudantes na medida em que estes vão crescendo? Principalmente, porque aumenta sua capacidade cognitiva de processar informação e acumulam mais experiência, tanto com os objetos do mundo sensível como com os desenhos dos outros (estudantes maiores, adultos e artistas). Durante o período de formação e desenvolvimento de sua perícia gráfica, os objetos de seu desenho não alcançam a complexidade dos objetos do mundo e dos desenhos dos outros. Sentem-se insatisfeitos com seus desenhos simples e querem mais informações, detalhes e complexidade para eles. Então os alteram a fim de que se pareçam mais aos objetos do mundo exterior ou, na maioria dos casos, aos desenhos de outros. Tomar emprestado imagens de terceiros costuma motivar saltos no processo de desenvolvimento. (WILSON; WILSON; HURWITZ, 2004, p. 31, tradução nossa)

Nessa linha, buscamos investigar, por meio de análise conjunta da pesquisa de mestrado realizada em uma escola particular da

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cidade de São Paulo (SOARES, 2013), sob orientação da Profa. Rosa Iavelberg, como se davam os processos de intercâmbio entre as crianças de 4 e 5 anos enquanto desenhavam juntas, e de que forma essas situações contribuíam para que incorporassem novos esquemas, tornando seus desenhos cada vez mais complexos. A aprendizagem compartilhada, ou seja, a aprendizagem que é mobilizada por meio da relação entre os pares, foi a ação central verificada e analisada para elaborar a sistematização sobre os fatos que ocorrem nas aprendizagens entre os alunos aqui trazidas.

Ao longo da pesquisa citada observou-se regularidades nas ações realizadas pelas crianças, que apontaram o “momento conceitual” de seus desenhos3, e o que desejavam aprender com seus pares. As situações observadas na pesquisa foram também gravadas em vídeos, para que fosse possível conhecer detalhadamente os gestos, as falas, e as modalidades das trocas entre os alunos.

Por meio da análise dos vídeos foi possível observar que, ao entrar em contato com esquemas desenhistas diferentes ou mais complexos do que os seus, o aprendiz deseja assimilá-los, ou seja, as crianças podem aprender entre si a traçar linhas e formas, combinar cores, desenvolver temas, saber usar materiais e aprender modos de fatura nos desenhos, ainda não experimentados ou dominados.

Além disso, pode-se documentar que as crianças observavam seus próprios desenhos, quando colegas faziam perguntas ou apontamentos a respeito deles e podiam, então, buscar aprimorar suas criações a partir dessas intervenções.

Entendemos, portanto, que os pares exercem um papel fundamental na aprendizagem do desenho, uma vez que podem mobilizar transformações em direção ao aperfeiçoamento gráfico e ao pleno desenvolvimento do desenho, promovendo o alcance de

3 O conceito de momentos conceituais do desenho infantil foi desenvolvido na pesquisa O desenho cultivado da criança, publicada em IAVELBERG (2006, 2013).

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níveis mais avançados e aperfeiçoados. Sendo assim, cabe aos professores validar e criar as condições adequadas para que a aprendizagem compartilhada ocorra nas situações nas quais a criança trabalha nas escolas desde a Educação Infantil

O argumento que pretendo desenvolver aqui é que o modo como as crianças se expressam em artes visuais depende das habilidades cognitivas que elas adquiriram e que estas estão relacionadas tanto ao fator biológico como às habilidades aprendidas à medida que estes traços humanos interagem com as situações em que trabalham. A performance humana nas artes é fruto de uma mistura dinâmica de questões em interação: desenvolvimento, situação e as habilidades cognitivas que a criança adquiriu como resultado destas interações. O processo de educação na arte ou em qualquer outra área é promovido por professores quando eles desenham as situações nas quais e por intermédio das quais o desenvolvimento destas habilidades é promovido. (EISNER, 2002, p. 107, tradução nossa)

A aprendizagem compartilhada ocorre, quando a observação da própria criança ou os apontamentos feitos por seus colegas, geram conflitos entre aquilo que ela sabe – os esquemas desenhistas que já construiu – e o que percebe ainda não saber– esquemas não construídos. É exatamente esse conflito que a levará a buscar novas soluções para os problemas que a criança se coloca diante da interação com os colegas nos atos de desenho.

As variações das formas de aprendizagem que foram observadas, na pesquisa citada anteriormente, estão descritas no Quadro I a seguir:

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Variações das formas de aprendizagem compartilhada observadas

Formas Ação que a criança realiza

1. Observação simples

Na observação simples, a criança apenas observa os desenhos de outras crianças, sem se expressar verbalmente, e tenta assimilar esquemas gráficos mais avançados aos seus desenhos.

2. Solicitação verbal

Na solicitação verbal, a criança não somente observa, mas pede ajuda oralmente ao colega.

3. Solicitação verbal I

Ocorre quando uma criança solicita verbalmente para que outra faça um desenho – em outra superfície – para que observe. Nesse caso, ela pode copiar exatamente o modelo, pode copiar parte dele ou aprimorar seu desenho a partir do modelo, realizando-o na sua folha.

4. Solicitação verbal II

Ocorre quando uma criança solicita verbalmente a outra que realize para ela, na sua própria folha, um desenho. Nesse caso, a criança pode simplesmente acrescentá-lo à composição de seu desenho, pode copiá-lo mais vezes seguindo o modelo ou copiar parte dele, modificando o original.

5. Solicitação verbal III

Ocorre quando uma criança pede a outra que lhe dê dicas verbais enquanto realiza um desenho. Nesse caso, a criança deve ir lembrando o que “falta” no desenho do outro.

6. Apontamento verbal

Ocorre quando a criança faz alguma pergunta ou comentário sobre o desenho de outra criança.

7. Apontamento verbal I

Ocorre quando uma criança indica verbalmente a outra que algo específico pode ser aprimorado em seu desenho. A criança pode ou não fazer as alterações.

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8. Apontamento verbal e de criação de modelos

Nesse caso, a criança indica verbalmente que o desenho do colega poderia ser aprimorado e faz um modelo em sua folha para ilustrar como seria. A outra criança pode ou não fazer as alterações de acordo com o modelo sugerido.

9. Apontamento verbal com intervenção

Ocorre quando a criança não só aponta verbalmente algo que poderia ser modificado no desenho do colega como faz a mudança no desenho, sem que ele tenha solicitado.

10. Discussão

Ocorre quando as crianças discutem sobre aquilo que estão desenhando ou que desenharão, confrontando ideias sobre as cores, características mais importantes, formas, etc.

QUADRO I Variações das formas de aprendizagem

É importante ressaltar que, do item 1 ao 5, o próprio aprendiz desenhista, a partir das observações que faz, vai à busca de ajuda para aprimorar seus esquemas, e do item 6 ao 9, é o outro, ou seja, o colega quem coloca um problema para o aprendiz, que pode ou não mobilizá-lo a modificar seus esquemas. O décimo item se apresenta como uma situação de discussão coletiva e não direcionada especificamente a uma criança como os itens anteriores.

A partir do QUADROI é possível verificar que há três classes de ações das quais o aprendiz desenhista participa no contexto de aprendizagem compartilhada, que podem levá-lo a modificar e aprimorar seus desenhos: a primeira é a observação de esquemas produzidos pelos seus pares, com a tentativa de assimilá-los; a segunda é a escuta de comentários ou ações de outra criança, assim como sugestões e críticas; e a terceira, as discussões realizadas por todos enquanto desenham. Nos três casos as modalidades sempre estão apoiadas nos desenhos que fazem, que, por sua vez, podem ter como ponto de partida visualidades do meio.

Assim sendo, a observação de uma criança a respeito dos desenhos dos pares também combina, às vezes, suas falas a respeito de

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desenho, como se apresenta nas variações descritas no QUADRO I: solicitação verbal I, solicitação verbal II e solicitação verbal III. Verificou-se que, tanto no apontamento verbal com criação de modelos, como no apontamento verbal com intervenção, ocorre fala e ação gráfica sobre o desenho de uma criança por outra.

Dois tipos de movimento podem ser observados nas interações, ou seja, nas três primeiras situações – observação simples, solicitação verbal I e solicitação verbal II: é o aprendiz quem se mobiliza, é ele quem, por meio da própria observação, percebe que pode avançar e busca assimilar novos esquemas com a ajuda dos desenhos criados por seus colegas.

Nas duas situações seguintes – apontamento verbal com criação de modelos e apontamento verbal com intervenção –, o movimento de interação parte de uma observação de um colega para o desenhista, ou seja, é o par que mobiliza quem desenha a buscar novas soluções para aperfeiçoar sua fatura.

Há momentos em que as crianças assimilam novos esquemas imediatamente por meio da aprendizagem compartilhada, entretanto, em alguns casos, os esquemas observados são demasiadamente complexos para que o aprendiz os assimile de imediato. Ocorre então que a criança, depois de observar, segue fazendo inúmeras tentativas, até que incorpora e modifica seus esquemas a partir dos desenhos dos colegas que foram observados ou por eles propostos. A aprendizagem compartilhada, nessas situações, tem como função tornar observável para a criança algo que ainda era desconhecido, que queria saber fazer, mas não tinha consciência do “como” podia alcançar tal fatura, e este “como” é, entre outros, conteúdo procedimental que promove as poéticas das crianças que desenham.

A partir do QUADRO II abaixo é possível observar uma situação em que a criança modifica seu esquema de desenho imediatamente por meio da aprendizagem compartilhada. Nessa situação as duas meninas desenharam, lado a lado, a figura humana.

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Aprendizagem compartilhada

Luna e Carla4

Primeira figura humana de Luna Nota-se que inicialmente Luna desenha um esquema para a figura humana sem forma para representar o tronco, risca apenas um círculo representando a cabeça, de onde saem os braços e as pernas. As linhas em cima da cabeça representam cabelos.

Primeira figura humana de Carla Carla possui um esquema mais complexo que o de Luna, contendo formas que representam o tronco, as mãos os pés e inclusive as roupas.

Quadro II Aprendizagem compartilhada no desenho da figura humana

Depois de observar o desenho da colega, Luna pede para Carla desenhar um modelo em sua própria folha, para que possa observar mais de perto e copiá-lo.

4 Os nomes das crianças não corresponderam aos reais.

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2 - Modelo criado por Carla na folha de Luna

Carla realiza um modelo para Luna que contém um círculo para a cabeça, um retângulo para o tronco, duas formas arredondadas para os braços e outras duas formas arrendondadas para as pernas.

3 - Primeira tentativa de modificar o desenho

Ao observar o modelo da colega, Luna copia as formas arredondadas para os braços – que não saem mais da cabeça -, mas ainda não inclui o tronco e mantém as linhas para representar as pernas.

4 - Desenho da figura humana após algumas tentativas

Depois de realizar algumas tentativas, Luna começa a colocar uma forma arredondada abaixo do círculo da cabeça para representar o tronco.

*Luna realizou esse desenho durante a cena observada, ele possui uma cor diferente, pois ela virou a folha e mudou de lápis.

Quadro II Aprendizagem compartilhada no desenho da figura humana

A aprendizagem a partir da observação de desenhos dos colegas não é simples cópia. Retornando ao nosso conceito do desenho cultivado afirmamos que “a criança observa e imita atos e formas de desenhos realizados em sua presença, incorporando-os, em seu repertório, por intermédio de assimilação recriadora” (IAVELBERG, 2006, p. 44).

Ao contrário daqueles que entendem o que foi descrito como cópia de desenhos entre as crianças, a “assimilação recriadora” é uma tentativa de aprender com os esquemas do outro, agindo sobre eles com os esquemas já construídos, algo novo precisa ser feito e a recriação, nesse caso, será o passaporte da aprendizagem. Não ocorre

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o empobrecimento das possibilidades criativas e inventivas da criança quem executa o movimento de recriação, pode-se verificar que, nesse tipo de situação de aprendizagem, algo externo serve de mobilização para ações diferenciadas, antes desconhecidas, instigando a emergência de novos arranjos, portanto, fatores endógenos dialogam com fatores exógenos.

Cada criança possui um repertório gráfico construído por ela a partir de suas experiências. O encontro dela com maneiras de desenhar ainda não alcançadas é um fator que possibilita ampliar o repertório daquele que aprende, porque o aprendiz implementa e recria seus desenhos. Desse modo, colclui-se que além de assimilarem novos esquemas por meio da aprendizagem compartilhada, as crianças podem também modificá-los a partir de suas necessidades e interesses, pois assimilam, entre si, esquemas elaborados umas pelas outras e os modificam criando esquemas cada vez mais complexos, QUADRO III, a isso chamaremos Ciclo de aprendizagem compartilhada.

Ciclo de aprendizagem compartilhada - João e Theo

Theo João

Primeiro morcego de Theo

Primeiro morcego de João

Segundo morcego de Theo na

folha de João

Segundo morcego de João

Terceiro morcego de Theo

QUADRO III Ciclo de aprendizagem compartilhada

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Entendemos que as situações observadas ao longo da pesquisa não podem ser generalizados para qualquer contexto educativo, exatamente como foram descritas na investigação, pois assim como o desenvolvimento do repertório gráfico das crianças depende das relações que se estabelecem com as visualidades e a cultura artística e estética que acessam, os recursos de que farão uso para ampliar tal repertório também são influenciados pelo meio no qual a criança está inserida. Vale dizer que o estudo realizado num contexto educativo, apesar de não poder ser generalizado, principalmente em função das formas e temas assimilados, pode colaborar para a observação de outros contextos porque estruturalmente as modalidades interativas serão mantidas.

Destacamos, ainda, que as atitudes dos professores enquanto participam das situações em que as crianças desenham juntas são de fundamental relevância para que a aprendizagem compartilhada ocorra.

De acordo com nossas observações, algumas atitudes dos professores fazem com que as trocas entre as crianças ocorram adequadamente, o que colabora para o desenvolvimento dos desenhos. Por outro lado, verificou-se que orientações didáticas inadequadas ou desrespeitosas em relação à natureza das aprendizagens autorais do desenho, podem inibir as trocas entre os pares e os resultados delas decorrentes. Dentre as ações que favorecem positivamente a aprendizagem compartilhada estão: o interesse do professor por observar as crianças enquanto desenham, seu incentivo às trocas de ideias entre as crianças a respeito de formas e linhas que traçam ou desejam traçar, as conversas coletivas a respeito dos desenhos, a autorização à copia como ferramenta para o conhecimento de novas linhas e formas, a autorização para a livre escolha de parcerias entre as crianças, e a criação de grupos de desenho.

Nas ocasiões em que os professores inibem os intercâmbios notamos que algumas atitudes inibem possíveis avanços no processo

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48 Maria Carolina Cossi Soares Barretti & Rosa Iavelberg

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de desenvolvimento dos desenhos. São elas: a falta de interesse por observar os desenhos dos alunos, o ato de impedir a cópia entre as crianças, o estabelecimento de grupos pré-determinados com o intuito de fazer com que as crianças não conversem e se concentrem apenas em seus próprios desenhos, a hierarquização dos resultados, a critica negativa das ações dos alunos, a exigência de representação do real tal e qual. Sabemos que estes professores desconhecem as formas da aprendizagem compartilhada e da aprendizagem em desenho, a gênese da arte infantil e as investigações que as crianças realizam para aprimorar seus desenhos.

Daí se conclui que o fato de as crianças poderem compartilhar informações e interações entre elas, enquanto desenham, consolida um “contrato didático” no qual se validam as possibilidades de interlocução entre os pares, orientação imprescindível ao desenvolvimento cultivado da arte da criança.

Referências

EISNER, Elliot W. The arts and the creation of mind. New Haven: Yale University Press, 2002.

IAVELBERG, Rosa. O desenho da criança na pesquisa moderna e contemporânea. In: ARANHA, Carmen; CANTON, Kátia (Orgs.). Desenhos da pesquisa: novas metodologias em arte. São Paulo: MAC/USP; PPGIEH, 2012, p.79-92.

______. O desenho cultivado da criança: práticas e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006.

______. Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013.

MATTHEWS, John. The art of childhood and adolescence: the construction of meaning. London: Falmer Press, 1999.

______. Drawing and painting: children and visual representation (0-8) years. London: Paul Chapman, 2003.

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Processos de interação entre crianças e o desenvolvimento do desenho na Educação Infantil 49

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SOARES, Maria Carolina Cossi. Os processos de intercâmbio entre as crianças e a aprendizagem do desenho em contextos educativos. 2013. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

WILSON, Brent; HURWITZ, Al; WILSON, Marjorie. La enseñanza del dibujo a partir del arte. Barcelona: Paidós, 2002.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

BIELLA, A.A.A.S. Famílias em tempo de ócio no museu de arte: Formação de hábitos culturais de crianças e adolescentes. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp.51-72.

Famílias em tempo de ócio no museu de arte: Formação de hábitos culturais de

crianças e adolescentes

ANDREA ALEXANDRA DO AMARAL SILVA E BIELLA1

Apresentação

Este artigo tem como base os dados obtidos na pesquisa “Famílias no Museu de Arte: lazer e conhecimento: um estudo sobre o programa educativo Interar-te do MAC USP”2, sob orientação da Profª Drª Rosa Iavelberg, apresentada como dissertação de mestrado ao programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em 2012. 1 Andrea Alexandra do Amaral Silva e Biella é Doutoranda em Educação (ingresso em 2014) e

Mestra em Educação (2012) pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), é Especialista pela mesma Universidade em Ensino, Arte e Cultura (ECA, 1999) e Monitoria em Artes (MAC, 2000). É Licenciada (licenciatura plena, 1994) e Bacharel (1995) em Educação Artística/Artes Plásticas pela Universidade Estadual de Campinas, tendo sido bolsista do CNPq (Iniciação Científica). Integra os Grupos de Pesquisa (CNPq) Mediação Cultural (Universidade Presbiteriana Mackenzie), Formação de Educadores em Arte (USP) e Acessibilidade em Museus (USP). É educadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo desde 2006, onde coordena programas educativos a diferentes públicos (famílias, inclusão socioeducativa e cultural, professores e educadores). Lecionou no ensino superior e na educação básica, além de ter atuado como educadora em ONGs e instituições culturais (Instituto Itaú Cultural, 27ª e 28º Bienais de SP, Museu Lasar Segall). 2 A dissertação “Famílias no Museu de Arte: lazer e conhecimento: um estudo sobre o programa educativo Interar-te do MAC USP”, sob orientação da Profª Drª Rosa Iavelberg, pode ser consultada no sítio eletrônico: www.teses.usp.br.

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Dados deste trabalho também foram apresentados e publicados no II Simpósio Espaços da Mediação (PGEHA USP, São Paulo-SP, 2013) e no II Congresso Internacional da Federação de Arte/Educadores e XXIV Congresso Nacional da Federação de Arte/Educadores do Brasil (ConFAEB, Ponta Grossa-PR, 2014). Nesta edição, a inserção de dados qualitativos complementa as versões anteriores, dando-se mais voz aos entrevistados quando da análise dos resultados.

Introdução

Na pesquisa que pauta o artigo, investigou-se o que levou os adultos da amostra a buscarem atividades num museu de arte nos momentos de lazer com a sua família atual. Foram verificadas as influências da família de origem (pais e irmãos dos entrevistados) na formação de seus próprios hábitos de visitação a exposições de artes visuais e no contato com programações culturais em geral, assim como da escola de educação básica; de experiências sociais da vida adulta e a incidência de visitas destes adultos a exposições de arte com e sem a sua família.

Dado que o setor educativo de um museu pode contribuir para a iniciação do conhecimento sobre artes visuais pelo público em geral, não especializado, promovendo experiências e auxiliando-o na construção de repertório, foi selecionado para a investigação, como estudo de caso, o programa educativo Interar-te do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. No Interar-te, uma das condições de participação é que esteja presente a família, compreendida como um adulto com o qual o menor tenha vínculos, sejam ou não de parentesco, mas sim afetivos e de cuidados.

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Referencial teórico

O papel da família é essencial para que seus membros, principalmente crianças e adolescentes, vislumbrem possibilidades de lazer, que será nomeado como ócio diante dos autores selecionados para esta discussão. Puig e Trilla (2004, p.126) afirmam que “os hábitos que a família construirá sobre essas atividades costumam ser de grande importância para os filhos e para satisfação futura que encontrarão no tempo livre”; e citam o sociólogo Pierre Fougeyrollas3: “a família e a escola são as duas instituições fundamentais para a custódia da infância. A família, além de unidade econômica, afetiva, social, etc., constitui uma comunidade de ócios” (apud PUIG & TRILLA, 2004, p.56); a “maior parte da atividade de tempo livre infantil transcorre no meio familiar. Tanto no que se refere aos ócios cotidianos como aos semanais e anuais (fins de semana, férias, etc.), a família era a instituição que determinava sua forma e conteúdo” (PUIG & TRILLA, 2004, p.57). Apesar disso, os autores apontam mudanças nesse panorama, dadas as características comentadas serem consideradas mais próximas do cotidiano das famílias nucleares; eles afirmam que atualmente, em lares de centros urbanos, há a delegação parcial dessa responsabilidade a instituições como brinquedotecas, clubes infantis e colônias de férias, mas sem descaracterizar a importância da família na formação e educação de crianças e jovens (PUIG & TRILLA, 2004, p.19).

Para o estudo, foram compreendidos como famílias os grupos nos quais o vínculo entre seus membros é estabelecido pela qualidade da relação entre eles e não pelo parentesco consanguíneo (SARTI, 2009, p.85-86). Ou seja, a existência de diferentes arranjos familiares ressalta a importância de atividades de ócio de maior qualidade e o papel dessas atividades na promoção de integração dos novos agrupamentos.

3 FOUGEYROLLAS, P. La família, comunidad de ócios. In: DUMAZEDIER, I. e outros: Ocio y sociedad de classes. Barcelona, Fontanella, 1971, pp.167-182.

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No contexto do programa educativo Interar-te, sempre foram considerados como familiares os agrupamentos de adultos com crianças e/ou adolescentes, independentemente do grau de parentesco, sendo prioridade os seus vínculos afetivos.

Para discorrer sobre as atividades das famílias em seus momentos de lazer, dentre elas a frequentação de museus de arte, é preciso recorrer a autores que estudam o ócio. Puig e Trilla (1996) ressaltam que ócio e trabalho sempre estiveram presentes nas sociedades humanas, como fato social e objeto de reflexão, e que o significado dessa relação, que também é uma elaboração humana, acompanha as diferenças e semelhanças entre essas sociedades em cada época.

Cientes dessa diversidade, optamos por apontar concepções e considerações mais recentes acerca dessa relação, no intuito de fornecer subsídios ao contexto no qual o objeto de pesquisa foi inserido; podemos dizer que trataremos o objeto sob a ótica da problemática moderna do ócio pós-Revolução Industrial e no âmbito de países ocidentais de organização econômica capitalista.

O fenômeno do ócio implica sempre um marco temporal. Distinguimos e opomos o tempo que dedicamos ao trabalho do tempo livre. O ócio supõe a liberação das obrigações do trabalho e a disponibilidade pessoal do tempo. Mas o ócio não é sinônimo de tempo livre. O tempo livre é unicamente uma condição necessária, mas não suficiente. Muitas vezes, utilizam-se equivocadamente ambos os termos com sentidos equivalentes. O ócio requer e se configura também a partir de outro tipo de condições. Cria-se uma situação de ócio quando o homem, durante seu tempo livre, decide e gestiona livremente suas atividades, obtém prazer e satisfaz necessidades pessoais, como descansar, se divertir ou se desenvolver. (PUIG & TRILLA, 2004, p.21)

Essa definição é aproximada à do sociólogo francês Joffre Dumazedier, embora já revista por ele próprio, quando diz que:

(...) o ócio é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode se dedicar de maneira totalmente voluntária, seja para descansar, se divertir, desenvolver sua informação ou sua formação desinteressada, sua participação voluntária, após se libertar de obrigações profissionais, familiares e sociais. (PUIG & TRILLA, 2004, p.36)

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Das relações existentes entre o tempo de trabalho e o tempo de não-trabalho, dedicado às atividades livres e ao ócio, ressalta-se que ócio não é sinônimo de tempo livre; o tempo é uma das indicações dele, mas não a determina. No tempo do não-trabalho há a dedicação a outras obrigações: as “paraprofissionais” (o tempo gasto no transporte é um exemplo), familiares, religiosas e políticas. Estes dois últimos fatores são questionados por alguns autores, porém se configuram como momentos de menor disponibilidade pessoal e não serão considerados como momentos de ócio dada a perspectiva acima citada, da qual compartilharemos.

Deste modo, além da distribuição do tempo, somam-se outros fatores quando da caracterização do ócio: a atitude com a qual se vive o tempo, a liberdade de escolha e a forma pela qual se pratica o que se escolhe. Outro aspecto importante é a satisfação de necessidades pessoais durante as atividades do tempo livre, como a de se desenvolver, que corresponde ao ócio ativo. Nesse sentido, o tempo livre pode ser utilizado para o aprimoramento pessoal em áreas de interesse. Mas, em que medida numa sociedade com forte influência dos meios de comunicação de massa, as escolhas das atividades com o propósito do entretenimento são realmente livres, partem do interesse pessoal ou são desvinculadas do consumo alienado?

O ócio era considerado um tempo antieconômico, já que não facilitava o acúmulo de capital. Essas opiniões foram mudando lentamente conforme o tempo livre foi se impondo como uma realidade social e adquirindo uma função econômica nova e mais positiva. O aumento do tempo livre começava a significar um considerável aumento do tempo de descanso dos trabalhadores. Ou seja, adquiria utilidade econômica, pois favorecia uma melhora nas condições de vida e força de trabalho. Além disso, numa etapa superior, o tempo livre servirá também para melhorar a capacitação profissional dos trabalhadores. Portanto, como descanso ou formação pessoal, o tempo livre começa a ser apreciado pelos economistas. Finalmente, com a chegada das sociedades de consumo massivo, como defende e apregoa o primeiro Riesman, o ócio adquire um novo sentido, enquanto tempo liberado da produção e disponível para o consumo. Consumo que, além de cumprir a função social de adaptação às

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novas necessidades, estimula também o desenvolvimento das forças produtivas. A obra de Riesman representa o reconhecimento definitivo dessa função do ócio. (PUIG & TRILLA, 2004, p.31)

Diante de problemas socioeducativos presentes na última década do século XX, como os decorrentes das tecnologias de informação, da desigualdade de disponibilidade temporal, da crise socioeconômica e os graves problemas de desemprego e reorganização administrativa e de produção, das alterações nas relações sociais de trabalho, além do crescimento populacional e aumento demográfico da terceira idade, da fome, dos estados de guerra e pré-guerra, da violência e da dependência de drogas, o pedagogo espanhol Alexandre Sanvisens i Marfull (PUIG & TRILLA, 2004, p.11) indaga: que tipo de educação se requer para ocupar adequadamente o tempo disponível e enfocar conveniente preparação técnica e humana diante do futuro? E afirma: a educação tem um papel ecológico a cumprir.

Com vistas ao quadro apresentado, que em grande parte pode ser estendido ao panorama do início do século XXI, qual seria o papel da educação no tempo de ócio?

Os trabalhos carentes de responsabilidade e iniciativa, além do desgaste psíquico que provocam, costumam conduzir a ócios passivos, consumistas e padronizados. Por outro lado, a influência do trabalho no ócio expressa-se também na forma como as diferenças profissionais marcam as atividades e costumes de ócio. Os ócios não fazem desaparecer a divisão do trabalho nem a diferença de meios econômicos. As diferenças culturais e de iniciativa pessoal tampouco se alteram significativamente no ócio. Por último, mesmo que menos importante, a idade ou o local de moradia são traços diferenciais que também se manifestam no ócio. Por todos esses motivos, parece lógico defender a tese da influência do mundo profissional no tempo livre. (PUIG & TRILLA, 2004, p.34)

Dado que na amostra de adultos selecionados para a pesquisa essa premissa pode ser comprovada, como veremos adiante, podemos dizer que o papel da educação pela família é ratificado na ampliação do leque de opções de ócio, pois as referências da família de origem (ROMANELLI, 1986) podem influenciar no repertório de opções

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que ficariam estagnados por motivos de demandas de trabalho e do tempo livre.

O sociólogo francês Georges Friedmann (apud PUIG & TRILLA, 2004, p.33) afirma que, em uma metrópole com o ritmo de vida acelerado como São Paulo – grande parte da população empregada em trabalhos psiquicamente desgastantes, os apelos da indústria cultural que promove o consumo de produtos com fim em si e que não investem na formação dos consumidores –, temos um cenário que pode alimentar a alienação, o trabalho não criativo, mecânico, repetitivo e fragmentado. Nesse cenário, ações que proporcionem “ócios de mais qualidade” são de vital importância. Deste modo cremos ser necessário refletir como o lazer é afetado pela programação cultural numa sociedade de massa, onde a mídia tem forte poder de influência sobre as opções das famílias. Qual a relação entre lazer e consumo de eventos, produtos da indústria cultural?

É preciso construir uma sociologia do ócio que considere os problemas práticos enfrentados em todos os níveis quando se quer aplicar um projeto de democratização social e cultural. Dumazedier pensa que o tempo de ócio é idôneo para desenvolver planos de ação sociocultural destinados a fazer compreender, recriar e criar cultura: fazer do ócio um tempo de educação. (PUIG & TRILLA, 2004, p.38)

Ao encontro dessas reflexões acerca da ampliação do conceito de educação, Puig e Trilla discutem que houve ampliação tanto “vertical: considerava-se a infância e a juventude etapas quase exclusivas da ação educativa, mas se passou a entender que a pessoa pode ser educada durante toda a sua existência”, como:

horizontal: não apenas escola e família são agentes educativos, mas se educa a partir de muitas outras instituições, meios e âmbitos que nem sempre são reconhecidos como especificamente educativos: trata-se dos conceitos de educação informal, educação não-formal e outros paralelos ou similares, que ultrapassam os limites do que, antes, era considerado educação. (PUIG & TRILLA, 2004, p.58).

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O museólogo Marcelo Araújo, corrobora com a ideia ao comentar para quem se fazem museus:

Os museus existem para a população como um todo. Essa é uma visão fundamental, que os museus devem ter hoje em dia. O museu tem que ser voltado à toda a sociedade. No entanto, estamos falando de segmentos que são absolutamente diferenciados em termos de formação e de necessidades, o que nos leva, entrando em questões mais técnicas, à busca de ações específicas para esses diferentes públicos, seja do ponto de vista das necessidades, da faixa etária, da formação e da compreensão. Mas se o museu não tiver essa visão e não se preparar para isso, ele corre um altíssimo risco de se isolar e perder a sua função social. (GROSSMANN & MARIOTTI, 2011, p. 139)

Nessa esteira de pensamentos, a importância social dos setores educativos dos museus e instituições culturais é evidenciada. Se apenas adentrar um museu não é garantia do acesso a uma experiência estética de qualidade ou à fruição dos bens patrimoniais que ali se apresentam, é preciso buscar elementos que ajudem esse acesso, tais como: reconhecer este espaço; sentir necessidade de entrar para usufruir do que ali é apresentado sob a forma de exposições e ações para o público; ver sentido em estar nesse lugar, ver-se ali representado, por questões de identidade ou de alteridade; sentir-se desafiado a duvidar e a conhecer; e sentir-se confortável, ter uma estada prazerosa e, por que não?, divertir-se. O que não se pode permitir é que o visitante, principalmente aquele que não tem o hábito, tenha a sensação de exclusão num mar de construções museológicas e museográficas que fazem o não frequentador assíduo se perceber diminuído e desqualificado e que ao invés de motivá-lo em buscar conhecimento pode torná-lo incapaz de se interessar-se por essa parcela da cultura de seu povo.

Deve-se, portanto, considerar a qualidade da relação do indivíduo com objetos e com um espaço que o desloca do mundo exterior e que, por isso mesmo, pode ou não promover uma experiência que o estimule a questionamentos, ao conhecimento e à fruição estética.

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A fruição da arte não é imediata, espontânea, um dom, uma graça. Pressupõe um esforço diante da cultura. Para que possamos emocionar-nos, palpitar com o espetáculo de uma partida de futebol, é necessário conhecermos as regras desse jogo, do contrário tudo nos passará desapercebido, e seremos forçosamente indiferentes. (...). A arte, no entanto, exige um conjunto de relações e de referências muito mais complicadas. Pois as regras do jogo artístico evoluem com o tempo, envelhecem, transformam-se nas mãos de cada artista. Tudo na arte – e nunca estaremos insistindo bastante sobre esse ponto – é mutável e complexo, ambíguo e polissêmico. Com a arte não se pode aprender “regras” de apreciação. E a percepção artística não se dá espontaneamente. (COLI, 1990, pp.115-116)

O setor educativo de um museu pode contribuir para a iniciação do conhecimento sobre artes visuais pelo público em geral, não especializado, promovendo experiências e auxiliando-o na construção de repertório. Na programação educativa oferecida no Interar-te acredita-se que ensinar arte pode favorecer o alargamento de experiências estéticas: a compreensão dos códigos do mundo da arte podem facilitar a fruição da natureza, do cotidiano, das construções humanas, assim como da própria arte, e também reverberar na política, no comportamento, nos modismos, no consumo.

Neste sentido, a formação do hábito de frequentação de museus de arte é determinada pelo significado que os sujeitos atribuem à experiência o museu; afinal, se memória é aquilo que se seleciona dos acontecimentos, então, mesmo que por muitos anos uma pessoa fique sem voltar a realizar uma atividade em sua vida, ela pode vir a retomá-la. O psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi (1999, p. 25) aponta que “(...) embora o que fazemos todo dia tenha muito a ver com o tipo de vida que levamos, o modo como experimentamos o que fazemos é ainda mais importante”. Assim, uma memória positiva, afetiva, de uma experiência de qualidade no museu pode favorecer o hábito em frequentar tais instituições, em detrimento de experiências nas quais as pessoas sentem-se excluídas, despreparadas ou desconsideradas como público estimado em uma instituição. A

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qualidade da experiência no museu é fator importante para o acesso voluntário continuado de frequentação de exposições pelo público, ou seja, na criação desse hábito.

Metodologia

Para a pesquisa foram entrevistadas as famílias que frequentaram o programa Interar-te do MAC USP4 por mais de uma vez no período de seu início até o fim da gestão de diretoria na qual foi criado, ou seja, outubro de 2006 a abril de 2010. O programa é oferecido mensalmente aos sábados nos meses de janeiro a novembro. O foco das propostas são as obras em exposição no Museu, cuja abordagem inclui uma atividade prática ou reflexiva, na qual todos familiares são envolvidos. A participação dos adultos é variada: às vezes são assistentes dos menores, ora parceiros na produção, na qual o momento final de socialização promove aproximações e conhecimento recíproco fora do contexto cotidiano, estreitando seus vínculos.

Das 103 famílias presentes nas 43 programações oferecidas no período delimitado para estudo, 18 participaram do Interar-te mais de uma vez e formaram os agrupamentos selecionados como amostra. Destas, 12 responderam ao chamado de participação da pesquisadora.

Dos 12 agrupamentos familiares entrevistados obteve-se depoimento de 13 adultos, 9 crianças com idade entre 5 e 11 anos e 6 jovens com idade entre 13 e 20 anos; 17 crianças e jovens participaram mais de uma vez do Interar-te no período estudado; dos quais 15 foram entrevistados. Entre os adolescentes, alguns já estavam com idade entre 18 e 20 anos à época da entrevista.

A maioria destas famílias residia próximo ao bairro do Museu: 58,3% até 6 km de distância, 8,3% de 6 a 12 km. Destas, 84% utilizaram como meio de transporte veículo particular; 8% veículo próprio ou a pé, 8% transporte público. O índice de classificação

4 O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, criado em 8 de abril de 1963, é um museu universitário e público.

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econômica utilizado apontou que 75% correspondia à classe A e 25% à classe B.

Os eixos centrais da pesquisa foram investigar: 1. a origem do contato dos adultos desses agrupamentos familiares com a arte em geral, se estaria nos hábitos das famílias de origem ou em experiências da vida escolar ou adulta; 2. se os adultos entrevistados estavam proporcionando conhecimento em artes visuais e a formação de hábito de frequentação a exposições de arte às crianças e jovens nas atividades conjuntas de lazer que lhes proporcionam e 3. se o programa Interar-te do MAC USP contribuiu na promoção do conhecimento sobre artes visuais e proporciona a formação de hábitos de frequentação a instituições culturais.

Estas três questões centrais foram distribuídas nos instrumentos de investigação e na coleta de dados junto às famílias, ou seja, nas entrevistas semiestruturadas com adultos, crianças e jovens e, com as crianças até 12 anos, desenhos como estratégia de apoio. Também foram entrevistados os educadores assistentes da equipe e a diretora do Museu no período.

Resultados e análise

Serão tratados aqui os dados coletados referentes aos dois primeiros eixos supra citados. Demais informações podem ser consultadas, na íntegra, na pesquisa disponível em sítio eletrônico cujo endereço foi indicado na introdução do artigo.

Das 23 atividades de lazer citadas da infância e adolescência dos 13 entrevistados adultos, a de cunho artístico-cultural mais recorrente foi o cinema (30,4%). Depois apontaram assistir TV (13%), ir ao teatro (13%), à biblioteca (4,3%), ouvir música (8,7%), visitar exposições (8,7%) e ir a espetáculos de dança (4,3%). Mais informações no quadro a seguir.

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Atividades de lazer citadas nos depoimentos No de vezes

%*

Relacionadas à realização na residência:

1. Brincar 9 39,1

2. Assistir TV 3 13,0

Relacionadas a locais externos à residência, na mesma cidade:

1. Ir ao circo 1 4,3

2. Ir ao zoológico 1 4,3

3. Ir ao cinema 7 30,4

4. Ir a exposições; ir ao museu 2 8,7

5. Ir ao teatro 3 13,0

6. Ir à biblioteca 1 4,3

7. Visitar parentes 2 8,7

8. Ir ao shopping 1 4,3

9. Ir ao clube, ao parque (municipal); ir ao bosque 4 17,4

10. Andar de bicicleta 1 4,3

11. Ir ao baile 1 4,3

12. Ir a espetáculo de dança 1 4,3

13. Ir a feiras de artesanato/arte popular 1 4,3

14. Frequentar cursos de atividades esportivas 1 4,3

15. Frequentar cursos de línguas estrangeiras 1 4,3

Relacionados a outras cidades (viagens):

1. Ir à praia 4 17,4

2. Ir à casa de familiares 4 17,4

3. Outras, visando conhecimento de novos lugares 2 8,7

Outras:

1. Ler 1 4,3

2. Ouvir música 2 8,7

3. Escrever jornalzinho 1 4,3 Quadro 1: Atividades de lazer dos 13 adultos na infância e na adolescência, por categoria (local de realização). * Porcentagem calculada a partir do número (23) de atividades de lazer comentadas pelos entrevistados.

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Os responsáveis pela condução a estas atividades relacionadas às artes em geral, foram apontados pelos entrevistados como sendo tanto a família (61,7%) quanto a escola de educação básica (61,7%; como citaram uma ou ambas as referências, o valor indicado foi obtido ao serem contabilizados separadamente). Os 8 adultos (61,5% dos entrevistados) que se referiram à influência da escola em sua iniciação à frequentação de atividades artístico-culturais destacaram aulas de literatura e saídas para o teatro; 2 pessoas (15,4%) citaram o contato, nessa época, com as artes visuais e apenas um dos entrevistados apontou a visita a museus em atividades curriculares extraclasse. Acerca dos que indicaram a condução às atividades de cunho artístico por familiares, 25% apontou ser pela mãe, 25% pelo pai, 25% por pai e mãe, 25% pelos irmãos mais velhos e 12,5% por irmãos mais velhos e pai.

Estes dados nos permitem afirmar que a família de origem5 exerceu influência significativa nos hábitos culturais dos adultos entrevistados. Este levantamento refere-se ao contato inicial com as artes, mas sabe-se que a formação de hábitos culturais artísticos está relacionada à continuidade do contato e da frequência e, certamente, outras pessoas estão implicadas.

O segundo eixo da pesquisa referiu-se às artes visuais e à atuação dos adultos na formação de hábitos culturais de sua família atual. Para tal, foi realizada investigação do lazer dos adultos à época. Foram obtidas as informações que constam do quadro a seguir:

5 Pais e irmãos de uma pessoa; em geral, refere-se à família nuclear original de um adulto. (NICHOLS & SCHWARTZ, 1998, p.486)

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Atividades de lazer citadas nos depoimentos No de vezes

%*

Relacionadas à realização na residência:

1. Cozinhar 1 5,3

2. Assistir TV 1 5,3

Relacionadas a locais externos à residência, na mesma cidade:

1. Ir a restaurante 1 5,3

2. Praticar esportes 2 10,5

3. Ir ao clube, parque ou bosque 4 21,1

4. Ir ao shopping 1 5,3

5. Visitar parentes 1 5,3

6. Ir a espetáculos musicais 4 21,1

7. Ir ao cinema 10 52,6

8. Ir ao teatro 3 15,8

9. Ir a festas populares 1 5,3

10. Ir à livraria 1 5,3

11. Visitar exposições; ir ao museu 7 36,9

12. Frequentar cursos de atividades esportivas 1 5,3

13. Frequentar cursos de línguas 1 5,3

Relacionadas a outras cidades (viagens):

1. Ir pescar 1 5,3

2. Turismo em geral 1 5,3

Outras:

1. Ler 1 5,3

2. Ouvir música 1 5,3 Quadro 2: Atividades de lazer dos 13 adultos na época da entrevista, por categoria (local de realização). * Porcentagem calculada a partir do número de adultos entrevistados: 13. Observa-se que alguns apontaram mais de uma atividade, totalizando 19 atividades (número correspondente a 100%).

No quadro acima pode-se verificar a diversidade de tipos de lazer, incluindo as de “ócio produtivo” (itens 12 e 13 das atividades externas à residência realizadas na própria cidade de moradia) e as

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atividades familiares no tempo de não trabalho, porém não representativas do “tempo livre”, como cozinhar. Entre as 19 atividades citadas pelos entrevistados sobre suas práticas de lazer atuais, ir ao cinema era a mais recorrente (52,6%). Dez dos 13 adultos (77%) a citaram. Ir a exposições aparece em segundo lugar, com 36,9% das citações. Foi mencionada por 7 dos 13 entrevistados (53,9%).

Este índice é significativamente maior em relação às práticas de lazer dos mesmos entrevistados em sua infância e juventude (Quadro 1). Apenas 2 entrevistados (15,4%) frequentavam exposições na infância e juventude, enquanto que 7 deles (53,9%) relataram ter esta prática em seu lazer pessoal na vida adulta, nos momentos em que não há uma programação planejada para toda a família que abarque o interesse das diferentes faixas etárias. Sabe-se que este alto índice de frequentação a exposições como opção de lazer não é comum à população em geral e ressaltamos que esse hábito foi adquirido pelos adultos da amostra e incorporado às suas práticas de lazer.

Verificou-se também que ir aos museus é mais frequente para os entrevistados com os menores do que sozinhos; assim, pode-se inferir que este é um valor sobre formação de hábitos de cultura e educação das famílias. Ir a exposições com as famílias (69,2%) superou ir ao cinema (61,5%), em relação às atividades de lazer externas em geral citadas. Vide quadro a seguir:

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Atividades de lazer em família citadas nos depoimentos

No de vezes

%*

Relacionadas à realização na residência 0 0

Relacionadas a locais externos à residência, na mesma cidade:

1. Ir a restaurante 1 7,7

2. Praticar atividades esportivas 1 7,7

3. Ir ao clube, parque ou bosque 6 46,2

4. Ir ao shopping 1 7,7

5. Visitar parentes 2 15,4

6. Ir a espetáculos musicais 3 23,1

7. Ir ao cinema 8 61,5

8. Ir ao teatro 5 38,5

9. Ir a festas populares 1 7,7

10. Ir a exposições; ir ao museu 9 69,2

Relacionadas a outras cidades (viagens):

1. Ir a propriedades rurais (sítio, chácara) 1 7,7

2. Turismo em geral 2 15,4

Outras:

1. Ouvir música 1 7,7 Quadro 3: Atividades de lazer das famílias na época da entrevista por categoria (local de realização). * Porcentagem calculada considerando-se as 13 atividades (100%) citadas pelos 13 adultos.

Foi verificado quem escolhe as atividades das famílias: obteve-se dos 50% respondentes a esta questão, como maior índice serem sempre os adultos (33,4%); escolhas em comum (8,3%) e “depende da atividade” (8,3%) empataram, mas foi apontado não deixarem a opção às crianças ou adolescentes (0% para esta opção).

Ainda foi indagado o motivo da opção em participar da atividade no MAC USP. Foram obtidas as respostas: busca de conhecimento sobre arte e cultura (83,3%), formação de hábito de cultura desde a infância e juventude (41,6%), poder estar com a família (33,3%),

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mediação com educador do museu (25,0%), atividade prática em oficina (16,6%) e status (8,3%).

Por estes dados, afirma-se que os adultos visam proporcionar atividades em museus com o propósito de formação de hábito de cultura. O pai de dois meninos, um de 5 e outro de 8 anos, explicou o porquê de levá-los ao Interar-te: “Ah... a satisfação e o compromisso de proporcionar esse contato... de arte... logo no começo da vida, na infância, antes da juventude.” Para ele, a infância é momento da formação de hábitos, com os quais a família de origem pode contribuir. Sua percepção em relação ao comportamento dos adolescentes está de acordo com os dados da pesquisa. Ele observa que os adolescentes afastam-se da companhia dos pais e buscam aproximar-se dos amigos: investindo na formação dos hábitos culturais das crianças, os pais contribuem para proporcionar um repertório mais amplo de experiências aos jovens, que pode perdurar na vida adulta.

O caráter social da proposta educativa, que também tem como objetivo a integração dos membros familiares, fica evidente com os depoimentos reproduzidos abaixo. Neles, duas famílias diferentes relatam que as atividades no Museu favoreceram o estreitamento dos vínculos entre os participantes de um mesmo agrupamento familiar, assim como ampliaram o conhecimento mútuo ao promoverem situações de convivência diferentes das habituais, presentes nas rotinas nas quais estão inseridos. A possibilidade de estar em família, participando de uma atividade que envolve todos, contemplando as diferentes faixas etárias, foi o terceiro fator mais indicado na resposta ao motivo de escolha de participação da programação educativa estudada. Abaixo, o relato de entrevistados adultos de duas famílias diferentes:

Pesquisadora: Sobre o programa Interar-te, por que você escolheu proporcionar essa experiência para eles? Adulta: Eu, quando li a proposta achei muito interessante... a questão da família... ser uma atividade que prevê a família junta porque, às vezes, é difícil conseguir um programa... ou é muito específico e direcionado pra criança, ou é pro adulto, mas tem poucas coisas que a gente encontra assim que são... pra que a família participe né. E com essa correria toda que a

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gente vive, a gente cada vez tem menos tempo pra estar ali reunido, estar junto, fazer alguma coisa junto; então eu achei muito boa a ideia de uma atividade... e também porque... as crianças, pra eles tudo é divertido, é diversão, mas a participação do pai né, normalmente, principalmente... às vezes é mais difícil né, eles nem sempre se interessam, ou até querem estar junto, participar mais de alguma coisa, mas não veem como, hoje. Eu não sei, eu tenho a impressão de que, apesar de não me lembrar muito de... dos meus pais brincando exatamente comigo, estavam mais próximos. Minha mãe, principalmente né, não trabalhava... o tempo todo em casa... então, tudo que queria, precisava, qualquer interrogação que tivesse, tava ali pra responder. E hoje em dia, não. Então, tudo que é pra poder fazer junto eu procuro fazer, né, e às vezes a gente, ficando em casa, a gente fala... Ah... vou ficar em casa, vou brincar... Não, não faz! Então a gente, procurando alguma coisa desse tipo, e como estamos começando a conviver nesse meio de arte, né, eu acho que é uma coisa que é importante, que é legal que eles conheçam, que eles convivam.

Pesquisadora: Pensando agora no Interar-te, por que você quis proporcionar essa experiência para suas filhas? Adulto: Eu penso que é fruto... pra mim, eu sempre penso que é fruto da angústia, eu não acredito que isso sirva... pra universalizar... porque cada um tem a sua história e o seu sentimento. Eu acho que, no meu caso, é sempre fruto da angústia. Fruto da angústia e da dificuldade de travar diálogos, de organizar ações... é sempre muito difícil alcançar o objetivo de um diálogo, duma convivência que termine a convivência e você fale: poxa, isso foi legal! O sentimento fica legal, o sentimento fica acomodado. Aí, a possibilidade de vivenciar o Interar-te é como vivenciar a terapia, eu acho que é uma sessão de terapia, é uma sessão de... nos encontramos. Agora não tem rota de fuga, não dá pra falar: não enche o saco vai!... Não dá pra rosnar... (risos). Ninguém rosna pra ninguém... eu acho que é uma grande possibilidade. Não é fácil parar de rosnar, não é fácil.

Para a maioria das crianças e dos adolescentes entrevistados que vai a exposições pela programação escolar, ir com a família é diferente (46,7%); destes, 85,7% prefere ir com a família do que com a escola. Para os adolescentes, estar com os colegas de classe os distrai e tira seu foco do contato com as obras, além de nesse caso seguirem uma proposta orientada pelos professores, não por eles próprios, como quando estão com familiares. Algumas crianças apontaram que o que mais lhes marcou nas participações do programa Interar-te foi não só conhecer obras, mas o ambiente e o contato com

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pessoas diferentes, assim como Falk e Dierking (2011, p.5) ressaltam em suas pesquisas acerca da relevância dos contextos físico e social aos visitantes de museus.

Sabe-se que a programação de atividades curriculares extraclasse envolve as várias disciplinas do currículo escolar, o que restringe o número de visitas a museus de arte, quando consideramos uma cidade com possibilidade de visitas a exposições, como São Paulo, o que não é realidade para escolas de muitas cidades do interior do Estado. Sendo assim, na estimativa de uma visita ao museu de arte por ano, o que sequer é recorrente a muitas escolas paulistanas, pode-se estimar que visitas em família ampliam a possibilidade de contato com as exposições de artes visuais.

Considerações finais

O objetivo da pesquisa foi conhecer o perfil do público adulto que frequentou um museu com a família em busca de lazer, assim como o impacto dessas ações na qualidade das relações e vínculos no interior de cada família. Porém não há dúvidas de que nesse ínterim promove-se conhecimento sobre arte. Afinal, o que move o programa são as exposições em cartaz no Museu de Arte Contemporânea, instituição que abriga mostras de arte moderna e contemporânea em grande maioria de seu acervo, mas também de demais procedências (colecionadores, outras instituições públicas ou privadas, artistas, etc.).

Ao participar do programa Interar-te, além de promover esta vivência às crianças, os adultos também participam e se transformam. A convivência familiar é valorizada e estimulada, assim como a troca de opiniões, de papéis – muitas vezes adultos, crianças e adolescentes discutem seus trabalhos como colegas, como iguais, apesar de suas diferenças. Ou seja, investe-se na qualidade da experiência no museu – não só do contato com a arte, mas da relação que se estabelece entre visitantes, familiares, a equipe de educadores e demais grupos que se encontram neste espaço, que é institucional.

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Para o trabalho com um público tão diverso, são utilizadas estratégias diferentes a cada sessão. No entanto, o excesso de recursos, de referências ou mesmo de atividades, é desnecessário quando substituem a experiência do contato com as obras. Reconhecemos que, bem dosados, estes elementos facilitam a contextualização e podem favorecer o conhecimento e a experiência do público com as exposições. Mas uma análise como a da Profa. Maria Isabel Leite, da Universidade do Extremo Sul Catarinense, em relação à qualidade das propostas de atividades em museus, norteia as ações do programa Interar-te. Para a professora, que é contundente na crítica ao uso de recursos de apoio à visita de uma exposição,

Alguns museus, ao se abrirem explicitamente ao público infantil, esmeram-se em recursos quase circenses e pirotécnicos para atraí-lo. Quando se objetiva levar crianças às exposições, normalmente se cria uma atividade anterior, um “chamariz”, uma “sedução” para atrair a presa à sua jaula – teatros, danças, filmes, brincadeiras ligadas ao pintor cuja obra está exposta... Será que precisamos criar “iscas” ou “disfarces” para as crianças se interessarem pelos espaços culturais? Parece que a obra como tal não é suficientemente atrativa. Mas coloco uma questão: os fins justificam os meios? Isto é: devemos fazer teatro de fantoches, jogos etc. e atrair o público abrindo uma possibilidade de experiência estética com as obras de arte, ou permanecer firmes no princípio de que as obras, por si, devem continuar sendo o foco central e serem atrativas por elas próprias? (LEITE & OSTETTO, 2005, p.29)

É prioridade do programa, além da integração familiar, o contato de qualidade com obras de arte originais que proporcione conhecimento acerca da arte. São usadas estratégias lúdicas em algumas sessões, mas sempre dosadas para evitar que o estar no museu possa ser substituído por ações que poderiam ser feitas em qualquer outro lugar. Afinal, este é um lugar diferenciado, entre tantos outros em grandes cidades com programação cultural diversificada.

Ao inserirem crianças e adolescentes na rotina do lazer familiar, os adultos precisam considerar que estão em atividades com eles; ou seja, é importante estarem atentos e respeitarem seus ritmos, seus

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interesses, procurando adaptar essa participação nos momentos em família. Ir ao museu com uma criança é diferente de ir só ou entre outros adultos. Além de que, no museu em que se pretende receber crianças e adolescentes, deve haver preparo para tal, não só com pessoal qualificado, mas com um espaço de e para o diálogo com estes públicos, o que envolve as diversas áreas de comunicação de uma instituição: do conceito curatorial aos recursos expográficos, das áreas de acolhimento e recepção às de serviços básicos (fraldário, alimentação, descanso, integração).

É importante ressaltar que a pesquisa teve como amostra, diante do recorte estudado (comparecimento às sessões do Interar-te mais de uma vez), apenas famílias de classificação econômica A e B, em sua maioria residentes próximo ao Museu, cujos adultos haviam completado o ensino superior (100%). Sabe-se, de demais pesquisas realizadas na cidade de São Paulo, que em contextos econômicos de baixa renda a escola tem fundamental importância na apresentação de programações culturais aos jovens, que pode se estender às famílias dos mais jovens aos adultos.

Deste modo, os resultados obtidos despertaram na autora questionamentos que a motivam a investigar, em Doutorado em andamento também na FE USP, a ocorrência de exposições de artes visuais, sob a responsabilidade de museus, em locais de exibição fora de suas sedes, em locais alternativos na periferia da cidade, para usufruto qualificado e acessível de mais pessoas à arte nos momentos de lazer.

Referências

BIELLA, A.A.A.S. Famílias no museu de arte: lazer e conhecimento: um estudo sobre o programa educativo Interar-te do MAC USP. 2012. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

DEWEY, J. Art as experience. New York: The Berkley Publishing Group, 2005.

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FALK, J.H.; DIERKING, L.D. The Museum Experience. Walnut Creek, CA, USA: Left Coast Press, 2011.

GROSSMANN, M.; MARIOTTI, G. (Orgs.). Museum art today: Museu arte hoje. São Paulo: Hedra, 2011.

IAVELBERG, R. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006.

LEITE, M.I.; OSTETTO, L.E. (Orgs.). Museu, educação e cultura: encontros de crianças e professores com a arte. Campinas: Papirus, 2005.

PUIG, J.M.; TRILLA, J. A pedagogia do ócio. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.

ROMANELLI, G. Famílias de camadas médias: a trajetória da modernidade. 1986. Tese (Doutorado) – Departamento de Ciências Sociais/FFLCH, Universidade de São Paulo, 1986.

SARTI, C.A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2009.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

BORDES, J. La creación del dibujo moderno: una revolución educativa. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 73-99.

La creación del dibujo moderno: una revolución educativa

JUAN BORDES1

El proceso de formación del dibujo moderno prueba que una acertada educación de la infancia cambia el rumbo de la historia. Pero aunque la educación es una revolución lenta y generacional, sin duda es más duradera y de consecuencias más profundas que todas las realizadas con violencia. No obstante es un punto de partida que necesita de un pacto político para garantizar la independencia de ideologías sectarias.

Con estas convicciones, mucha generosidad y el deseo de un mundo mejor, los grandes educadores del siglo XIX hicieron converger sus esfuerzos hasta posibilitar una sociedad moderna. Por sorprendente que parezca hay pruebas para afirmar que la enseñanza del dibujo fue durante el siglo XIX una cuestión política que se debatió en los parlamentos europeos y americanos, decidiendo métodos de implantación nacional, y nombrando comisiones que visitaban varios países para analizar sus éxitos educativos y adoptarlos. Y este conjunto de aportaciones creó un nuevo dibujo que sentó las bases de una revolución artística. 1 Juan Bordes é escultor, formado em arquitetura pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura. É acadêmico da Real Academia Canaria de Bellas Artes de San Miguel Arcángel e da Real Academia de Bellas Artes de San Fernando.

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***

La construcción de un nuevo dibujo que derivó en la creación del arte moderno, es una clara prueba del enunciado renacentista que concibe el dibujo como fundamento de todas las artes. Es decir que la transformación de esta cimentación es la causa más sólida que justifica la creación del nuevo edificio del arte moderno. Pero esta construcción fue un largo proceso en el que convergieron varios programas docentes heterodoxos que surgieron durante el siglo XIX. Y tal cambio en las capacidades del dibujo se produjo como consecuencia de revisar esta disciplina a partir de las ideas de Rousseau, expresadas en su Emile (1762), quien propuso separar los objetivos artísticos del dibujo y convertirlo en una herramienta para la educación general del niño, pues identificó entre los objetivos y efectos del dibujo la coordinación entre el sentido de la vista y el tacto. Así pues su aprendizaje se consideró como una forma de educar la percepción, y se estableció un debate generalizado en muchos países para crear programas docentes con los que lograr el camino más corto para dominar una expresión gráfica esencial.

Los profesores que se empeñaron en crear estos nuevos procedimientos para desarrollar la percepción del ojo y coordinarla con la expresión de la mano, no tenían como objetivo una educación artística, sino que al implicar la enseñanza del dibujo en la primera infancia consideraban esta disciplina como necesaria para la formación integral de la persona; aunque también otros programas más específicos dirigidos al adolescente, buscaban una formación industrial. El carácter marginal y secundario que tuvieron estas transformaciones no inquietó a los cenáculos académicos pues surgían con fines educativos de la infancia o formación industrial de adolescentes, pero sin llegar a penetrar en los cenáculos de la preparación artística. Finalmente, la fuerza que generaron esas novedades terminó derribando fronteras y lo invadió todo.

El conjunto de todas estas nuevas tácticas de las que se va nutriendo la disciplina del dibujo abandonó la mera representación y

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se apropió de una carga conceptual y recursos estratégicos que ampliaron las posibilidades expresivas del dibujo. Y cuando ese nuevo caudal desembocó en la educación artística la revolución de las artes fue una consecuencia irrenunciable e inmediata.

Siempre se señalan a grandes personalidades como promotores de los cambios culturales, sin embargo esas personas singulares deben mucho a los flujos educativos que convergen en su infancia. Y la mayoría de las veces estos flujos provienen de muchas fuentes, pues aunque la educación escolar y familiar producen una huella importante, la influencia de los medios y el paisaje urbano están ocupando en nuestra sociedad actual un papel educativo difícil de compensar. Pero si hoy no se puede hablar de una conexión entre los poderes educativos de la sociedad urbana y la escolar para aunar los esfuerzos, si es cierto que en las grandes ciudades europeas del siglo XIX podía advertirse que muchos de los avances educativos se hacían visibles y se difundían en los escaparates de comercios urbanos a través de los fabricantes de juguetes y entretenimientos para el ocio de los adultos. Por ello podemos afirmar que la influencia de este cambio educativo llega a los grandes artistas de las primeras vanguardias del siglo XX de forma directa en algunos, pero la mayoría se contagian a través del ambiente ciudadano y doméstico.

Una prueba de ello es un insólito scrap-book o album de recortes de mi colección; lo denomino “el eslabón perdido”, pues es una prueba del grado de difusión en el ambiente doméstico de las nuevas estrategias gráficas que fueron sumando los programas docentes a los que haremos referencias. Sin estas aportaciones no podría justificarse este documento que por supuesto es un rescate feliz de lo que debe haber sido una producción numerosa, pero que se ha perdido en el anonimato de sus autores y en la escasa importancia que le damos al producto de un entretenimiento sin los objetivos trascendentes que conferimos a los objetos artísticos. Es una obra desconcertante pero que sin lugar a dudas no fue única.

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Se trata de un álbum cuyas páginas recogen los collages realizados por una persona anónima, y que ilustran un sorprendente paralelo con las primeras vanguardias del siglo XX. El documento, realizado sobre un antiguo libro de cuentas, utiliza etiquetas comerciales cromolitográficas y recortes de prensa que permiten fecharlo hacia 1885. Sin embargo, las sucesivas composiciones realizadas en sus páginas son un pronóstico literal, y con bastante anticipación, de lo que producirán los protagonistas de las vanguardias durante las primeras décadas del siglo XX.

Así pues este documento sólo podemos interpretarlo como una prueba del paisaje doméstico que rescataron las vanguardias para utilizarlo como imagen de lo moderno. En efecto, este album de recortes está realizado íntegramente con collage, técnica que será un distintivo del artista moderno, y a la que no renuncia ninguno de los movimientos de vanguardia. La combinación de imágenes impresas para construir un nuevo significado fue habitual desde el primer momento de los movimientos renovadores del arte moderno; y sin lugar a dudas fue el reflejo de una práctica común en casi todos los hogares europeos y americanos. Esta práctica eclosiona en los países en los que la prensa se inunda de imágenes a través del grabado en madera y la litografía (que con la cromolitografía democratiza el uso del color) con lo que al abaratarse la producción de imágenes, su uso deja de estar en manos del poder.

La confección de un álbum de recortes es una transformación de la costumbre de los álbum amicorum, una especie de diario de recuerdos en donde se encolaban fragmentos ligados a las vivencias del propietario. En ellos el tiempo quedaba atrapado en un grabado, una flor prensada, una cinta o un mechón de cabello, etc. Pero la aparición de los nuevos procedimientos de reproducción gráfica supuso una masiva presencia social de la imagen en la prensa y etiquetas comerciales; y por eso estos álbums se transformaron, dejando de ser una sepultura del pasado para convertirse en una colección de sueños. Incluso editores destacados se dedicaron a

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producir hojas cromolitográficas con figuras para recortar y componer escenas para este nuevo entretenimiento.

En nuestro ejemplo sorprenden páginas casi cubistas, con una construcción cercana a la geometría de Picasso o Juan Gris (il.1). También es reiterado el uso de “tormentas tipográficas” que se anticipan a Carrá o las “palabras en libertad” de Marinetti (il 2). Contiene varias páginas que dejan ver una admiración hacia la máquina, como la que mostrará Picabia y otros (il.3). No faltan juegos abstractos de color y forma, con recortes tan intencionados como los de Arps (il.4), o combinaciones de etiquetas comerciales como lo hará Schwitters. (il.5) Pero además, todo el álbum está impregnado del surrealismo de Marx Ernst (il.6), e incluso reconocemos a Dalí en páginas que juegan con la percepción de dobles imágenes. (il.7) Y por supuesto aunque no estén los contenidos, el espíritu de Hausmann o los papiers decoupées de Matisse (il.8) están presentes en esta involuntaria obra moderna.

il.1 il.2 il.3 il.4

il.5 il.6 il.7 il.8

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El siglo XIX ha sido destacado por una atención a la infancia, a pesar de coexistir con situaciones de extrema explotación laboral. La situación en la enseñanza, con un sombrío panorama, provocó como reacción la entrega de algunos idealistas que pretendieron un cambio a través de la educación. Pero para solucionar el conflicto con el poder, que los veía como provocadores de un desclasamiento social, estos nuevos pedagogos integraron sus objetivos con una mejora de la productividad industrial, y por lo tanto con un aumento de la riqueza y el poder de un pais. Estos son los argumentos que aparecen desde el primer momento y fueron utilizado por Bachelier para obtener la protección del rei al fundar l’Ecole Gratuite de Dessin de París, que a lo largo del siglo XiX obtiene eco en toda Europa y América.

La solución de acudir a la infancia para regenerar la humanidad tiene su aplicación en el arte; y la inocencia ha sido invocada varias veces para olvidar los convencionalismos acumulados por la tradición como causa que sofocaba la auténtica expresión. Es una idea que está presente desde el principio de la modernidad en los deseos de “volverse niño” expresados por Corot, o las recomendaciones de una ingenuidad óptica de Ruskin al escribir sobre “la inocencia del ojo” en su obra Elemnts of drawing (1857), o los elogios de Baudelaire desde Le peintre de la vie moderne (1863) reconociendo que “el genio no es más que la infancia recobrada a voluntad, la infancia dotada ahora para expresarse de órganos viriles y del espiritu analítico que le permite ordenar la suma de material involuntariamente almacenado” (p. 85 ed. Murcia 1995).

Y esta actitud está latente en una generación de artistas que prepararon el cambio sin distanciarse de la tradición, pero se visualizó más claramente en los protagonistas de las primeras vanguardias del siglo XX, que vivieron de forma muy próxima la renovación de la infancia con una iconografía nueva proveniente de ciertos profesores y la recogieron como expresión de modernidad. En 1900, Kandisky tenía 34 años; Picasso, Léger, Kupka y Balla, 29; Mondrian, Braque, Boccioni y Exter, 28; Duchamp y Arp, 23; Ittem y Malevich, 22; Klee

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y Popova, 21; etc. Y esas edades evidencian que quienes en las tres décadas siguientes van a establecer las bases del arte moderno, habían terminado su etapa de formación y se disponían a producir un cambio.

Pero desde las ideas revolucionarias sobre la educación expresadas por Roussseau y que inspiran los programas pedagógicos de profesores como Pestalozzi o Froebel, a los profesores que actuaron sobre la generación de los vanguardistas, como Ross, Dow, Cizek o Hölzel (que precisamente tuvo como alumnos a Schlemmer, Ittem, Baumeister, Ackermann, etc), median muchos otros docentes y teóricos que configuraron el conjunto de conclusiones que finalmente se transmitió como legado progresista del siglo XIX para materializar la modernidad con la que se inaugura el siglo XX.

Las nuevas docencias de la infancia nacidas en el siglo XIX, introdujeron el concepto de juguete educativo a través del material didáctico que crearon para llevar a cabo su docencia; pues la mayoría de estos programas coinciden, de forma mas o menos explícita, en aceptar el juego como motor para alcanzar los objetivos que pretenden. El juego es una actividad necesaria para el desarrollo de la personalidad del niño, y ya Friedrich Schiller advertía que “Entre todos los estados del hombre, es precisamente el juego, y sólo el juego, el que lo hace completo y despliega a la vez su doble naturaleza(,,,) El hombre solamente juega cuado en el sentido completo de la palabra es hombre y solamente es hombre completo cuado juega” (Über die ästhetische Erziehung des menschen (1795), ed espñ.1920, p.94) Pero en la historia comprobamos cómo hasta el siglo XIX dominan aquellos juegos en los que el niño asume los comportamientos de los adultos apoyado por juguetes figurativos, por lo que el niño se condiciona par reproducir la sociedad que imita, heredando los comportamientos de sus adultos. Los juguetes alternativos a éstos eran los de habilidad, con los que el niño encauzaba su energía y conseguía autoestima, pero ya en la primera mitad del siglo XIX aparece el concepto de juego educativo produciéndose objetos destinados a fomentar la imaginación y la creatividad.

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En el corto espacio de este texto presentamos solo un resumen breve de las diferentes corrientes que nacen en el siglo XIX sobre la docencia del dibujo. Cada una de ellas matiza de forma particular la disciplina del dibujo, para hacerlas converger sobre el caudal común del arte moderno. Sin embargo estas sintéticas presentaciones habría que complementarlas con las secuelas de juguetes comerciales que generan muchos de estos métodos pues, aunque produzcan una difusión amortiguada de sus principios tienen gran importancia por aumentar su difusión.

El Dibujo racional (il.9)

La idea de Rousseau de democratizar la enseñanza del dibujo, que se había mantenido como exclusiva de la aristocracia y los artistas, no tuvo en sus escritos ninguna propuesta para llevarla a la practica; sin embargo pronto otros autores aportaron soluciones para hacerlo. Y una de las primeras fue buscar el

auxilio de la geometría, que por su racionalidad estaba al alcance de todos, buscando las formas básicas que construyen la complejidad del mundo natural, incluyendo el cuerpo humano.

El pintor y profesor de dibujo Nicolas Joseph Ruyssen (1757-1826) es un ejemplo perfecto para ilustrar la tendencia para racionalizar el aprendizaje de dibujo, y que se materializó en un exceso de construcciones geométricas auxiliares que invadió la enseñanza del dibujo en las décadas que articulan los siglos XVIII y XIX. Pero aunque la docencia de Ruyssen representa un testimonio de lo que era una enseñanza del dibujo privilegiada, pues sus alumnos estaban entre la nobleza, no obstante su método muestra un tendencia a la geometrización que también estaba muy generalizada en las Ecoles Gratuites de Dessin

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El Dibujo modular (il.10)

Este dibujo experimenta con las posibilidades combinatorias de un determinado número de módulos o elementos simples para crear un gran número de diseños

ornamentales. Y aunque el problema del teselado ha sido retomado en muchos textos de geometría, del que es un extraordinario ejemplo la obra de Durero sobre la perpectiva, al ser tratado como problema matemático a la luz de la combinatoria tiene una nueva visón. Esto ocurre en el pensamiento del matemático francés Jean Sebastien Truchet (1657-1729) expresado en su Mémoire sus les combinations (publicada en 1704 en los Anales de l’Académie Royale des Scineces de Paris (pp. 363-372). Pero sus conclusiones necesitaron del empuje de Dominique Douat (1681-¿), que al publicar su Methode pour faire une infinité de dessins différents avec des carreaux mi-parties de deux couleurs (1722) llevó “màs lejos la memoria de Truchet por medio de la doctrina de las Combinaciones y Permutaciones”.

Las indicaciones de Douat se multiplicaron en publicaciones menores con el título genércicode “Recreaciones matemáticas”, como las del matemático Charles Hutton (1722-1823). Pensadores como éste dieron gran imprtancia a las obras de divulgación y difusión de ideas matemáticas como materia para el entretenimiento. Sin embargo la auténtica popularización de este dibujo modular fue desde comienzos del siglo XIX, cuando estas investigaciones modulares se comercializaron como un juego para adultos y niños, derivando en cajas de mosaicos que elevaron su número de diseños posibles al hacer en forma de cubo los módulos planos propuestos por Truchet y Douat.

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El Dibujo de sólidos (il.11)

Este dibujo que sustituyó el modelo del cuerpo humano utilizado en el dibujo académico por sólidos geométicos, pudo tener su origen en la docencia que el pintor revolucionario Jacques-Louis David (1748- 1825) utilizaba en el taller para formación de sus aprendices. Es lógico que este famoso pontor, activo defensor de los principios de

la Revolución Francesa, aplicara en su enseñanza una ruptura con los métodos tradicionales optando por nuevos modelos más racionales. Al sedimentarse sobre el dibujo clásico, sus principios de racionalidad depuraron el capricho, aportando orden, claridad y dureza geométrica; la luz se hizo diáfana y fría, y el contorno aristado y nítido. Y sobre él podríamos justificar el orden cristalino de Cézanne o la belleza mecánica de Léger, además del rigor matemático con el que desarrollaron su obra tantos artistas de las vanguardias a comienzos del siglo XX.

Sin embargo este origen derivó en métodos diferentes firmados por distintos profesores; y tres de los principales y más difundidos fueron los de Jacques Philippe Voïart (1757-c.1840), Ferdinand Dupuis (act.1830-1840) y Peter Schmid (1769-1853). El de Voïart se ciñe con gran rigor solo al cubo cilindro y la esfera, y asegura que este método ya se impartía en la primera década del siglo XIX en varias academias parisinas. El de los hermanos Dupuis, Ferdinand y Alexandre, que fueron alumnos directos de David, tuvo gran repercusión en Europa y aportan diseños de modelos muy específicos. Mientras que el de Schmid, que conoció a los hermanos Dupuis en París, adjunta a su manual una pequeña caja de bloques de madera para construir pequeñas figuras, y es adoptado por la Real Schule de Berlin donde era profesor.

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El Dibujo cristalográfico (il.12)

La cristalografía es una ciencia que construyó sus fundamentos en las dos últimas décadas del siglo XVIII y al primera del siglo XIX. Y sin que sus métodos de representación supongan una novedad, la extraordinaria variedad geométrica de sus formas, sus leyes de formamación, y sus sistematicas clasificaciones tuvieron una presencia

influyente en los teóricos del dibujo. Un principio general de los cristales bas su forma externa en la propia estructura atómica, y esta correspondencia como expresión de su unidad es una de las ideas que inspiró todo el programa de Froebel, Precisamente el creador de los Kindergarten, vivió muy de cerca el nacimiento de esta ciencia, pues realizó estudiso de cristalografía en Berlin con Chirstian Samuel Weis (1780-1856) y pasó a ser su ayudante en el Museo de Mineralogía en la capital alemana.

Pero Froebel no fue el único que atendió este universo de formas como una fuente de renovación, pues la crestalografía, pues también inspiró a dos profesores contemporáneos suyos como Marie Pape-Carpentier (1815-1879) pedagoga francesa fundadora de l’Ecole maternelle en Francia que tuvo una amplia repercusión europea.

También John Ruskin (1819-1900) extrajo sus lecciones de la cristalografía en una de sus obras cercana a la docencia del dibujo The ethic of dust. Ten lectures to little housewives on the Elements of Crystalization (1866). En ella dialoga con un grupo de alumnas de muy distintas edades y estructura sus capítulos con títulos como “Peleas de cristales”, “Caprichos de Cristales”, “Penas de cristales”, etc. Además, para el estudio y dibujo de estas formas recomienda construirlas primero en papel o comprar modelos de madera como loas figuras del material cristalográfico de Dana que fueron editadas por Adam August Krantz (1808-1872).

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El Dibujo pestalozziano (il.13)

El pionero programa del profesor Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) para una educación integral de la infancia es de gran complejidad, pero nos ceñiremos a sus consideraciones

sobre la integración de la disciplina del dibujo en su proyecto educativo. Sin embargo, de las ideas que expresó sobre el dibujo en su vastísima obra escrita se derivaron varios métodos; unos se difundieron junto a su programa de educación general y fueron desarrollados con manuales prácticos por sus profesores colaboradores, y por lo tanto bajo su estricta vigilancia. No obstante, otros métodos (como el dibujo gimnástico, el dictado, etc) aunque nacen con su espíritu y de sus propias observaciones, se desarrollaron como docencias autónomas sobre el dibujo, y para difundirse y desarrollarse dejaron de estar insertos en el contexto de su programa general.

La enseñanza del dibujo en los institutos pestalozzianos se formalizó en distintos manuales prácticos como los de Buss (1803), J. Schmid (1809) y Ramsauer (1821). En esos manuales la iconografía de sus modelos y los ejercicios difieren bastante, aunque todos recogen un dibujo lineal que refuerza la idea de medida. El primer profesor de dibujo pestalozziano fue Johann Christoph Buss (1776-1855), con formación musical y destacado dibujante, a quien Pestalozzi encargó redactar el primer manual titulado ABC der Anschuung, oder, Anschuunglehre der massverhältnisse (1803), cuyo prólogo fue escrito por Pestalozzi. El objetivo de estas lecciones es desarrollar en el niño conceptos elementales de unidad, pluralidad, número y forma, además de una introducción a las relaciones de proporción. El rigor minimalista con el que Buss desarrolla las indicaciones de Pestalozzi es de una severidad extrema, y su método se entra en dibujar la líne recta, el cuadrado y el círculo hasta llegar a la perfección sin la utilización de ningún instrumento.

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El Dibujo gimnástico (il.14)

Joseph Schmid (1785-1850) sustituyó a Buss como profesor de dibujo en el Instituto pestalozziano de Burgdorf y publicó un nuevo manual con el título Die Elemente des Zeichnens

nach Pestalozzische Grundsätzen bearb (1809) en donde desarrollo los aspectos anatómicos y psicomotores del dibujo siguiendo la consigna russeauniana de proponer un dibujo para “desarrollar el ojo y la mano”. Con este objetivo Schmid planteó ejercicios gráficos como entrenamientos gimnásticos que comienzan estimulando los dedos, pasando luego a la mano y finalmente al brazo. Su método realiza un énfasis en el acto físico de dibujar, considerando los movimientos del cuerpo como fuente de creatividad.

Este planteamiento fisiológico del dibujo tiene una línea de evolución que se independizó del programa pestalozziano, y se aplicó en los cursos preparatorios de la formación industrial, llegando a crearse una derivación en el dibujo ambidiestro, que proponía ejercicios de modelos ornamentales simétricos que se trazaban utilizando simultáneamente ambas manos hasta lograr la coordinación de dos movimientos divergentes.

En los títulos de manuales que promueven este dibujo suelen incluirse los términos Freehand o Freearm, en la teoría anglosajona y Freihandzeichnen en la centroeuropea. Uno de los ardientes ddfensores de este dibujo fue el profesor americano James Liberty Tadd (1854-1917), que fue miembro del Progressive Mouvement, y partidario de la utopía científica e industrial de la Arcadia de Thmas Jefferson. En 1884 Tadd accedió a la dirección de la Philadelphia Industrial Art School, en donde realizó cursos de iniciación el arquitecto Louis Kant. Las reformas que realizó en la enseñanza del dibujo para la industria quedaron recogidas en su libro: New methods in education: art, real manual training nature study, explaining proceses whereby hand, eye and

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mind are educated gy means thet conserve vitality and develop a unión of thought and action (c.1898) cuyo extenso título es un manifiesto de su contenido. En él desarrolló las técnicas del dibujo ambidiestro, y también propuso ejercicios de dibujo con los ojos cerrados, consiguiendo que sus tácticas tuvieran una gran repercusión europea.

El Dibujo caligráfico y dictado (il.15)

La equiparación del dibujo con la escritura o dibujo caligráfico se argumentó señalando que la escritura pone en práctica las mismas capacidades que el dibujo. Un lema muy repetido por varios autores es “todo el que puede aprender a escribir podrá aprender a dibujar”. Uno de los profesores

que lo desarrolló fue Rembrand Peale (1778-1860) que editó su método con el título Graphics; a manual of darwin and writing, for the use of schools and families. El método plantea una red de puntos como guía, por lo que los manuales que superponían escritura y dibjuo suelen utilizar el término Stigmographia, de la palabra griega stigmo (punto).

La relación entre lenguaje y grafismo fue planteada a través del dibujo dictado, que consistió en la descripción de los modelos de dibujo transmitidos por instrucciones orales sin mostrar ninguna figura. Es un método que conceptualiza las operaciones gráficas, y uno de sus precedentes está en alguno de los ejercicios propuesto por el profesor pestalozziano Rammsauer que lo llamó dibujo rítmico (Tackzeichnen) y por el que sus alumnos trazaban los dibujos al unísono a las órdenes del profesor. Este tipo de dibujo lo desarrollaron profesores como Carl Glinzer (1802-1878), Friedrich Wilhelm Tratau (1821-1885) y Leon Horsin Déon (act.1862), cuyo método tuvo aplicación oficial en Francia en el segundo tercio del siglo XIX.

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El Dibujo Krüsi (il.16)

Durante la segunda mitad del siglo XIX, los principios del dibujo pestalozziano decrecen en popularidad, sin embargo algunos profesores

consiguen revitalizarlo como una enseñanza autónoma y fuera del contexto del programa global de Pestalozzi. El método Krüsi es un ejemplo de esta evolucionada pervivencia a finales del siglo XIX, a pesar de que en otras manos este dibujo se había convertido en una rutina que anulaba sus capacidades.

Johann Heinrich Hermann Krüsi (1817-1903) fue hijo de Herman Krüsi, primer colaborador de Pestalozzi, y nació en mismo año en que su padre abandonó al gran pedagogo por desacuerdos con el citado profesor J. Schmid. Sin embargo Johann Heinrich recibió de su padre una formación pestalozziana, pues sus publicaciones dejan muy evidentes esas raíces. No obstante, su método tiene una estructura didáctica propia, hasta el punto de reconocerse como dibujo krusi, y con tal nombre se popularizó en América y Europa. Sus modelos tienen una iconografía basada en las figuras geométricas simétricas o “formas bellas” (shönhenformen) propuestas por J. Schmid en sus ejercicios.

Los Dibujos froebelianos (il.17)

La influyente creación pedagógica de los Kindergarten por Friedrich Wilhelm August Froebel (1782-1852) está basada en utilizar la inclinación del niño a la actividad

como motor del aprendizaje. Y la esencia de su programa consta de unos ejercicios prácticos que los agrupa en diez dones (el color, tres formas, cajas de arquitectura 1, 2, 3, 4, teselas, listones, dibujo

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sólido, puntos), y diez ocupaciones (picado, bordado, dibujo, trenzado, tejido, recorte papel, plegado, collage, estructuras de puntos y barras, modelado).

Pero incluso antes de tener desarrollado este programa, ya en su obra Menschenrziehung (La educación del hombre) (1826) definió el dibujo adecuado para la instrucción infantil, denominándolo Netzeichen (dibujo en red); y posteriormente en el programa final lo sitúa como la tercera de sus diez ocupaciones. El método se apoya en un papel cuadriculado sobre el que el niño comienza con figuras en dos dimensiones y progresivamente va introduce la ilusión de la tercera dimensión. Como en otros de sus ejercicios, Froebel propuso su habitual estructura de crear “formas de vida, de conocimiento y de belleza”.

Este dibujo en red es una adaptación del dibujo tradicional (plano y con convenciones perspectivas), sin embargo en cada uno de los ejercicios propuestos en la sucesión de dones y ocupaciones, Froebel fue generando distintas variaciones de lo que podemos llamar un dibujo sólido, en el que los elementos de reflexión dejan de ser gráficos para convertirse en objetos (bloques, teselas, listones, etc). Precisamente Froebel consigue sistematizar el uso de unos materiales docentes que están inspirados en juguetes comerciales contemporáneos, y al demostrar su extraordinaria versatilidad para el entretenimiento produjo un efecto multiplicador que aprovecharon los fabricantes del momento.

El Dibujo tangram (il.18)

El puzzle del tangram ha tenido unas consecuencias de gran importancia sobre el dibujo moderno, y sin embargo aún no se han señalado. Desde la segunda década del siglo XIX este juego tuvo un gran impacto y presencia social en Europa y América pues la prensa de la

época habla de una “tangranomanía”, por lo que es razonable que dejara una huella profunda y permanente. Y sólo a través de esta

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influencia es posible explicar la anticipación vanguardista de algunas páginas del scrapbook de mi colección ya comentado. Ciertamente el diseño cubista de las figuras que permiten construir sus piezas, transmitió no solo un grafismo triangular y cúbico sobre los hábitos visuales, sino que también asentó un nuevo método de construcción de la imagen que fue sin duda una de las fuentes para el 7º don de Froebel.

Precisamente los beneficios docentes del tangram fueron advertidos por influyente educadores. Así Thomas Hill, con una posición privilegiada como rector de la universidad de Harvard en su obra Geometrical Puzzles for the Young (1848), lo recomendó par la enseñanza de la geometría a los niños. Finalmente es comprensible que su influencia llegara a las primeras vanguardias, como el cubismo, el vorticismo, el rayonismo, etc., que presentan coincidentes construcciones triangulares de la imagen, lo que hace suponer una implicación de este puzzle a través de las diferentes variables que se popularizaron.

Pero entre los numerosos editores que promocionaron este puzzle destaca Rudolph Ackermann (1764-1834), cuyo catálogo editorial de publicaciones y material educativo es una muestra de su primera vocación docente. Sus dos publicaciones Geometrical Recreations y Architectural Recreations (c. 1822) fomentan el fin educativo de este puzzle, añadiendo una variante volumétrica para “combinaciones caprichosas” que tendrá gran fortuna por dar la posibilidad de composiciones espaciales.

La introducción del tangram en Occidente se atribuye a un capitán de marina que en octubre de 1815 compró en Cantón el manual Sang-hsia-k’os (1813), y llegó a Filadelfia en febrero de 1816, comercializándose la primera copia un año después. Y aunque la difusión de este puzzle fue a través de esta versión oriental, en 1899 se descubrió su origen y uso en la cultura clásica, al ser encontrado un manuscrito con la traducción árabe de una obra de Arquímedes; en ella se describr un juego llamado stomachion muy semejante al tangram.

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El Dibujo maclado (il.19)

Los puzzles han sido utilizados por muy distintas culturas como simple ocio activo o incluso como ritos mágicos de iniciación. Sin embargo durante la segunda mitad del siglo XIX aparecen casas comerciales en Europa y América que fabricaron puzzles clásicos e inventaron otros nuevos, basten como ejemplos Hamleys en Londres, Peck &

Zinder en Nueva York o Marshall Field en Chicago. Incluso varios manuales hicieron recopilaciones de los puzzles que estaban entonces en el mercado.

Los procesos mentales que desencadenan la resolución de muchos puzzles, como los agrupados con el término “puzzles mecánicos” o “puzles burr”, presentes en el mercado c.1803, que descomponen los cuerpos regulares en piezas encajables y son aprovechados en métodos de dibujo como el de Henri Hendrickx (n.1817) publicado con el título Le dessin mis á la portée de tous (1862) que aunque circuló en Bélgica y Francia a través de varias ediciones fue traducido al español y por una Real Orden se implantó por toda España.

El método está dividicio en tres grados, y en el segundo de ellos, en el que los ejercicios en lso que el alumno ha de descomponer mentalmente solidos complejos mostrando “la edificación de las formas en el espacio” aprendiendo a componer y descomponer figuras complejas en las formas genéricas.

El Dibujo musical y cicloide (il.20)

El arquitecto y teórico ruso Tchernikov en su obra Ornament (1930) reivindicó mo ornato moderno los trazados geométricos de origen mecánico que resultaron de largas experiencias de musicales y matemáticas

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desarrolladas a lo largo de todo el siglo XIX. Pero así mismo estos complejos trazados lineales generatrices de superficies regladas fueron la fuente evidente de la escultura de los Naum Gabo y Antón Pevsner.

Pero esos nuevos dibujos nunca vistos en la historia provenían de dos fuentes distintas, que aunque originan imágenes de una variedad infinita tienen una grafía muy parecida. Unos son trazados de curvas continuas guiadas por máquinas de complejos engranajes, y son las conocidas como curvas policíclicas o cicloides, y tuvieron muchos autores que patentaron sus máquinas y publicaron amplios repertorios, como Savoir (1873), Bazley (1875), Northcon (1876) o Alabone (1912). Sin embargo sus experiencias provenían de.

Otros esquemas semejantes tienen un origen muy diferente, pues son la traducción gráfica del sonido. El inicio de estas investigaciones, desarrolladas ampliamente durante todo el siglo XIX, son las experiencias de Chladni, publicadas en su Die Akustkc (1802), que visualiza las vibraciones del sonido mediante sus conocidas figuras de arena. Pero un gran paso en esta sorprendente iconografía es con la creación del Harmonograph, con distintos diseños creados por Good, Benham o Kerr, un artilugio de difusión popular con el que la vibración de unos sensibles péndulos se tranmitía a un vástago con plumillas cuyo movimiento dejaba armónicos trazos sobre el papel.

El Dibujo del color (il.21)

Las teorías sobre el color, al magen de sus contenidos conceptuales, generaron una iconografía específica y original que por su abstracción y novedad acabó seduciendo al artista que las

estudiaba. Pero en la bibliografía sobre el color hay que distinguir dos grupos. En el primero el color como cualidad de la luce explica unido a un soporte geométrico; y en el segundo se trata el color como

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pigmento y ligado a una técnica gráfica concreta con ilustraciones habitualmente ligadas a la mancha. Y de esta manera el color se independiza de la representación, preparándose para emprender el largo camino de la abstracción al que se someterá con la experimentación de las vanguardias.

Aunque son muchos los autores que durante el siglo XIX estudian el color en manuales monográficos, destaca el longevo químico Michel Eugéne Chevreuil (1786-1889), que al ser nombrado director de la fábrica de tapices de los Gobelins en Paris, investigó sobre “la interacción de los colores” para aumentar el brillo, de los tintes mediante efectos ópticos. Publicó varias obras de gran influencia tanto en las artes decorativas como en la pintura, y en las que desarrolló sus primeras teorías del color como su conocida “ley del contraste simultáneo”, Y tanto este como otros teóricos del color proveyeron al color de un soporte geomético o manch, que fue el inicio de su expresión abstracta. Un excelente y sorprendente es el manual de Vanderpoel (1903) en el que podemos encontra con mucha anticipación referencias literales de los principales protagonistas de la pintura abstracta americana.

El Dibujo natural (il.22)

Tras el fracaso de la representación prusiana en la exposición universal de 1893, el profesor de dibujo Moritz Meurer (1839-1916) recibió el encargo del gobierno prusiano para editar un nuevo método de dibujo ornamental, que adoptado a nivel nacional mejorara el diseño de sus productos industriales. El resultado fue un singular tratado finalmente editado con el título de Pflanzenformen (1895), que propone nuevos recursos expresivos de la vegetación. Sus ilustraciones están basadas en preparaciones

botánicas fotografiadas por un equipo que trabajó durante siete años,

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entre los que destacó la participación de Karl Blossfeldt, consagrado posteriormente como uno de los grandes maestros de la fotografía por los trabajos preparatorios para este manual de dibujo.

Pero esta tendencia hacia los modelos de la naturaleza fue revitalizada por el biólogo Ernest Haeckel (1834-1919), creador de una fuente iconográfica extraída de sus investigaciones científicas, sino también un representante del pensamiento monista que busca una interpretación unitaria del universo, como una forma de energía que empieza en los átomos y termina en la actividad industrial creadora del arte y la ciencia.

El Dibujo textil (il.23)

La estampación de tejidos, al igual que los diseños para tapices, son un campo de reflexión plástica

en el que los problemas técnicos y las condiciones económicas favorecen la investigación de formas ornamentales geométricas y sencillas. Los estampados se simplifican por imperativos de la compleja maquinaria, y las investigaciones se centran sobre el color y las formas abstractas independientes de la representación. Los gráficos necesarios para representar las operaciones mecánicas de la fabricación de un tejido por un telar utilizan un código técnico que convierte en imagen no solo el diseño gráfico de un proyecto de tejido, sino también sus cualidades de textura, elasticidad, grosor, etc. Por ello podríamos hablar de la posibilidad de representar con estos documentos un dibujo táctil que solo interpretan los iniciados.

La invención de los códigos del tisaje se sitúa hacia 1750, y está atribuida a un pintor mediocre llamado Revel, que estuvo ligado a la industria de la seda en Lyon. Pero la abstracción de los códigos binarios del dibujo textil recibió con Joseph Marie Jacquard (1757-1834), hijo de un obrero textil de Lyon que conoció desde pequeño las dificultades del proceso de producción de un tejido, una segunda

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abstracción al reproducir sobre unas “tarjetas perforadas” las ordenes que hicieran trabajar automáticamente al telar. Y la obra en cuatro volúmenes Traité theorique et pratique de l’impression des tissus (1846) de Jean François Perzoz (1805-1868), ejemplifica y resume las numerosas investigaciones plásticas y mecánicas que se desarrollaron en la industria textil durante todo el siglo XIX.

El Dibujo de máquinas (il.24)

El dibujo de máquinas implica hacer visible y explícita la intervención de las fuerzas para explicar la génesis de un movimiento. Y precisamente ésta es

una idea que también Froebel desea manifestar con su dibujo en red, pues nos dice que el trazado de los objetos por líneas conduce pronto al niño a la inteligencia y a la representación de la dirección en la cual actúa la fuerza.

Las características que definen este dibujo las concreta por primera vez Jean Nicolas Pierre Hachette (1769-1834), profesor ayudante de Gaspar Monge en L’Ecole Polytechnique desde 1794, que publicó el Traité élémentaire des Machines(1811). La aplicación que hace de las reglas de la geometría descriptiva de Monge a las máquinas es doble, pues supone tanto una herramienta de pensamiento o proyecto de máquinas como de su representación.

El Dibujo lineal o técnico (il.25)

El texto oficial y fundacional de este dibujo tiene como autor a Louis Benjamín Francoeur (1773-1849), alumno de l’Ecole Polytechnique de Paris y después profesor en la misma desde 1808. Este manual pretendía

educar a la clase obrera formando “ciudadanos hábiles y lúcidos”; y su objetivo, como se hace explícito en el subtítulo, era proveer de

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exactitud al ojo y la mano, con un método progresivo que se desarrolla de la abstracción geométrica al objeto. Precisamente el pintor George Braque, antes de su experiencia cubista junto a Picasso, recibió una disciplinada formación en el dibujo lineal que él mismo destacó de su pasado.

El dibujo lineal fue declarado útil a todas las profesiones y la mínima formación gráfica que todo ciudadano debía recibir. Con este dibujo se pretendió un un lenguaje técnico para producir la comunicación sin ambigüedades entre los diferentes actores de un proceso de producción Como dice otro profesor “su influencia moral se notará sobre el gusto dándole exactitud, pureza, orden, regularidad y ponderación en su trabajo”. (M.Mouines, Quelques considerations comme professeur de dessin linéaire (1840), p.106).

El Dibujo matemático (il.26)

La Aritmética y la Geometría, como partes de las Matemáticas, son ciencias abstractas cuyos razonamientos les suponen al niño un extraordinario esfuerzo de atención.

Pero en el siglo XIX algunos profesores trataron de dar figuración a esa abstracción por medio de bloques modulares o códigos de color que tradujeran las operaciones numéricas y geométricas. Las noticias más tempranas de ese material auxiliar de bloques para la docencia de las matemáticas aparecen en el libro Practical Education (1798) obra de María Edgeworth con la colaboración de su padre. Sus ideas fueron asimiladas por Froebel quien desarrolló en el conjunto de “dones y ocupaciones” apartados sobre “formas de conocimiento” como visualización de conceptos matemáticos.

Sin embargo, la trasformación que el matemático inglés Oliver Byrne (c.1815-c.1885) hace de los teoremas de Euclides en un código de colores primarios en su obra The first six books of the elements of Euclid (1847) son un hito en la comunicación visual que sin duda

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influyó en los constructivistas y el neoplasticismo. La influencia del código de Byrne es muy clara en María Montessori (1870-1952) continuadora de una pedagogía científica de la infancia, que al igual que Froebel diseñó un material didáctico preparado con diversas graduaciones. Sin embargo un aspecto poco conocido de su docencia son sus manuales Psico-aritmética (1934) y la Psico-geometría (1934), en donde evoluciona las enseñanzas de Byrne.

El Dibujo infantil (il.27)

Desde la penúltima década del sigo XIX, la apreciación del dibujo que el niño realiza de forma libre y espontánea produjo un entusiasmo que contagió a psicólogos, teóricos del dibujo, críticos e historiadores del arte

y artistas. Uno de los pioneros en su valoración artística es el historiador y crítico de arte Corrado Ricci (1858-1934) que tuvo importantes cargos oficiales, como los de director de las pinacotecas de Parma, Brera, Ufizzi, o director general de Antigüedades y Bellas Artes, etc. y su pionero análisis del dibujo libre del niño fue la publicación de una conferencia dada en 1885 en Bolonia y Florencia, editada con el título L’arte dei bambini (1887). Sin embargo también llama la atención la temprana exposición Das Kind als Künstler, de la que se editó un catálogo, realizada en la Kunsthalle de Hamburgo en 1898, siendo director el teórico de la educación artística e historiador Alfred Lichtwark (1852-1914).

La valoración de este dibujo produjo unos análisis psicológicos muy sistemáticos editados junto a extensos repertorios de imágenes que estimularon la imaginación de muchos artistas de vanguardia. El proceso de conocimiento y apropiación del mundo exterior que el niño hace a través del dibujo, es un modelo de método que muchos artistas estudiaron con atención, pues les sorprendieron las soluciones a problemas de representación adoptados intuitivamente por el niño,

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mientras que en el arte habían quedado estancados por las convenciones. Y este dibujo libre infantil demostró que la evolución del niño hasta convertirse en adulto es semejante a la que ha realizado la cultura.

El Dibujo primitivo (il.28)

El descubrimiento de las manifestaciones plásticas producidas por sociedades tribales se produjo prime por los etnólogos, que editaron sus estudios y repertorios guiados por un interés meramente antropológico. Pero cuado las publicaciones sobrepasaron los modestos

formatos de boletines y artículos dirigidos a una comunidad científica de especialistas, la valoración artística de estas obras fue inmediata. Y con la creación de los primeros museos europeos de antropología, y las convocatorias de las Exposiciones Universales, se contribuyó a difundir el arte primitivo, haciendo que incluso el gran público compartiera esta nueva belleza.

Con colecciones de imágenes como las de Helen Tongue Buschman Painting (1909) editadas en lujosas láminas, o los ricos repertorios elaborados por Theodor Koch-Grüberg en su publicación Anfänge der Kunst im Urwald (1905) que copió una gran colección de dibujos esgrafiados sobre diferentes soportes durante una estancia de dos años entre los indios en la selva amazónica, se mostraron a los artistas europeos otro uso del espacio gráfico que respondía a las expectativas de las búsquedas de los artistas modernos.

El destacado fisiólogo de la Universidad de Jena Max Vermon (1863-1921), al margen de esta actividad principal, publicó algunas obras con impacto en la educción infantil alemana. Sin embargo destacan sus teorías artísticas sobre el origen y psicología del arte primitivo, desarrolladas en tres pequeñas pero importantes obras: Zue Psychologie der primitiven Kunst (1907), Dien Anfänge der Kunst (1909), y

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su título más valorado Ideoplastiche Kunst (1914), en la que precisamente elaboró una incipiente teoría de la educación artística infantil. También en esta obra desarrolló un triple paralelo entre arte infantil, primitivo y el arte abstracto que comenzaba a surgir de las vanguardias, reproduciendo obras de Franc Marc, Severini y Kandinsky, siendo el primer en destacar una característica común entre todos estos dibujos, que explicó como “dibujo con rayos X”, por combinar las vistas principales de un objeto.

El Dibujo recortado (il.29)

El uso de papeles de color como material para recortar unidades de dibujo, tuvo una larga aceptación en el siglo XIX. Incluso antes que Froebel lo integrara como una de sus ocupaciones, era ya muy

utilizado por la cultura popular, tanto rural como urbana. Con la incorporación de estas prácticas a distintos programas docentes se produjo un dibujo sintético y de gran simplificación, que ejercita al niño en el análisis de los perfiles para elegir el que contiene la información más representativa. Puede ser éste el origen por el que en muchas de las vanguardias, la silueta descriptiva de los objetos o la abstracta del color haya sido un elemento constructivo de primer orden.

Una de los programas más conocido y de directa repercusión en artistas de las primeras vanguardias es el del pintor y profesor Franz Cizek (1865-1943). Con su método no pretendió enseñarle al niño un dibujo que sabe hacer pos sí mismo, sino utilizar esa iniciativa par desarrollar su capacidad creativa que juzga necesaria para cualquier profesión y no exclusivamente la artística. En su programa incluyó ejercicios de collage y xilografía, dos técnicas gráficas que favorecían una expresión muy sintética de la imagen. Cizek buscó interesar a las autoridades para promover su docencia, pero hasta 1897 no obtuvo el permiso para abrir una clase privada de Arte juvenil. Su

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extraordinario éxito hizo que el Estado le ofreciera en 1903 albergar su programa en la Kunstgewerbeschule que continuará hasta 1938. Y aunque publicó solo dos obras autógrafas y en las que no expone su metodología general, ésta puede extraerse de la publicaciones que otros autores editaron después de visitar sus clases en Viena, como Wilhelm Viola o Francesca Wilson,

Epílogo

Como anunciábamos al principio todo este bagaje de nuevas estrategias de las que se provee la disciplina del dibujo llega a manos de los vanguardistas gracias al último escalón de profesores como Denman Waldo Ross, Arthur Wesley Dow, Franz Cizek o Adolf Hölzel e incluso a una segunda generación de vanguardistas a través de programas como el de María Montessori. De esta manera se demuestra que la ruptura que supone el arte moderno es una revolución silenciosa y lenta que propicia la aparición de los artistas capaces para producirla, pero que desde luego no es un mérito individual, sino compartido con la generosidad de unos profesores que han quedado en un segundo plano.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

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FERNANDES, L.B.L. Os princípios do Movimento Escola Nova como norteadores do trabalho de arte e educação desenvolvido no campo de concentração nazista de Terezín. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 101-114.

Os princípios do Movimento Escola Nova como norteadores do trabalho de arte e

educação desenvolvido no campo de concentração nazista de Terezín

LUCIANE BONACE LOPES FERNANDES1

O campo de concentração nazista de Theresienstadt, mais conhecido como Terezín, abrigou judeus e outras camadas perseguidas pelo Terceiro Reich vindos de vários países da Europa, principalmente da Boêmia e Morávia, regiões que formam a atual República Checa. A cidade-fortaleza de Terezín foi construída em 1780 pelo Imperador da Áustria José II com o objetivo de impedir a invasão do exército prussiano.

Localizada a 60 quilômetros ao noroeste de Praga e com uma área total de 67 hectares, a cidade foi escolhida pelos alemães por

1 Luciane Bonace Lopes Fernandes é Pós-Doutoranda da área de Psicologia e Educação da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) (2015), Doutora em Educação pela FEUSP, Mestre em Estética e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo (PGEHA USP) (2009), licenciada em Artes Visuais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo (2003) e bacharel em Desenho Industrial (Projeto de Produto) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000). Professora, pesquisadora e elaboradora de livros e outros materiais didáticos na área de Artes (Artes Visuais, Teatro, Música e Dança) para as séries do Ensino Médio e do Ensino Fundamental II. Email: [email protected]

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ficar perto da capital, a poucos quilômetros da estação ferroviária, por possuir excelentes fortificações e por sua organização racional possibilitar a rápida transformação num gueto2 isolado.

A cidade foi tomada pela Gestapo em 10 de junho de 1940. Heydrich3 evacuou seus 3.498 habitantes e, em novembro de 1941, estabeleceu um campo de concentração provisório para os “casos especiais”: judeus alemães heróis da Primeira Guerra Mundial, artistas plásticos, atores, músicos, escritores, intelectuais, cientistas; judeus eminentes cujo desaparecimento chamaria atenção do resto do mundo. Com o tempo, toda a população judaica da antiga Checoslováquia e regiões circunvizinhas foi enviada a Terezín.

Em uma reunião da SS, em outubro de 1941, ficou definido que Terezín, em adição à suas funções como um campo de transição, também serviria como lugar de dizimação, onde um número significativo de prisioneiros morreria como resultado das insuportáveis condições de vida. Terezín foi também chamado de “Sala de espera para Auschwitz” ou, de acordo com Klüger, “curral anexo ao matadouro” (2005, p. 76).

Entre dezembro de 1941 e 8 de maio de 1945, data da libertação do campo pelo exército russo, aproximadamente 144.000 pessoas passaram pela cidade. Cerca de 33.000 internos morreram devido às condições precárias de vida (doenças e fome) e aproximadamente 88.000 foram deportados e exterminados em Auschwitz e outros campos do leste europeu. Ao final da guerra havia 17.247 internos sobreviventes. Desses, 93 eram crianças.

2 Terezín também é designada como gueto pois, de acordo com Klüger (2005), quando os judeus foram expulsos de suas casas, primeiramente tiveram de morar com outras famílias judias. Quando lhes foi dito que sairiam dessas casas para viverem em uma “colônia judaica” imaginaram que seria uma espécie de gueto, daí ter surgido a denominação. Em geral, os guetos foram áreas isoladas das cidades onde os judeus eram segregados. 3 Reinhard Heydrich foi um dos principais líderes da Schutzstaffel (SS), a tropa de choque nazista. Ele era responsável pelos territórios da Boêmia e Morávia.

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Dentro do sistema concentracionário e do pensamento nazista, o campo de Terezín transformou-se em um unicum na história da humanidade:

O que acontecia nesta cidade-prisão era uma força de ação destrutiva, a se reerguer de uma maneira difícil de se imaginar, através de sua ação criadora. Artistas, escritores, músicos criavam, apesar das dificuldades: peças de teatro eram apresentadas, aulas de religião, filosofia, admiráveis concertos de piano e orquestra; e um público que ia se esvaziando lentamente, no ritmo de seus trens abarrotados a caminho das câmaras de gás. Desapareciam também os músicos, sendo substituídos por outros, até os últimos acordes, as últimas vozes do coro. [...] A bestialidade se difundia, assim como o sacrifício, a dedicação e o amor fraterno, tudo ali. Misturando-se numa onda fétida, subindo aos céus, espalhando-se pelos suaves campos verdes e colinas, testemunhas daquilo a que chamamos de vida. Junto ao odor, as últimas notas de um Réquiem de Verdi ainda soavam como lembrança dos músicos dali deportados e levados à execução (LEIRNER, 2005, p. 54-55).

Terezín ficou conhecido por sua rica vida cultural. Apesar da fome, das doenças e da ausência de espaço e liberdade de ir e vir, a atividade intelectual do gueto pode ser considerada de elevado nível: havia palestras, orquestras, grupos de jazz, produções de teatro para adultos e crianças, performances musicais, leituras de poesia, jornais e revistas feitos a mão, escolas, aulas de artes visuais, sendo que até uma ópera (Brundibár) foi ensaiada e executada pelas crianças diversas vezes. O fato de muitos músicos profissionais, professores e artistas terem sido aprisionados em Terezín possibilitou uma rara oportunidade cultural.

A arte era literalmente uma ferramenta de sobrevivência, tanto espiritual quanto física, pois os internos participantes dos grupos de jazz ou teatro, pintores que produziam para o Partido Nacional-

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Socialista e outros profissionais cujas habilidades pudessem ser aproveitadas ficavam fora das listas de deportação para o Leste.

Aproximadamente 15.000 crianças foram deportadas para Terezín. O Conselho Judaico do campo se esforçou ao máximo para criar um ambiente bom para elas, apesar do fato de estarem separadas de seus pais, da alimentação ser insuficiente e inadequada e da educação ser proibida pelos nazistas.

Para dar um ar de normalidade à situação, o Conselho Judaico organizou aulas clandestinas. Além das aulas, as crianças tinham atividades como futebol, contar histórias, escrever e produzir revistas. Algumas ficaram bastante conhecidas como a Kamarád (22 números), Rim-Rim-Rim (sinal de reunião da turma, chegou a 21 números), Vedem (os mais de 50 números foram escritos pelos meninos do alojamento L417, que fundaram a República Skid) e Nesar. Eram manuscritas e ilustradas com lápis de cor e aquarela. Traziam críticas sobre o dia-a-dia do campo, histórias em quadrinhos e narrativas de aventura.

A arte em Terezín também serviu como um testemunho da vida cotidiana do campo. Diversos artistas denunciaram a realidade concentracionária através de seus trabalhos clandestinos, com exceção de uma artista, Friedl Dicker-Brandeis, que escolheu ensinar arte às crianças.

Friedl nasceu em Viena, em 30 de junho de 1898. Desde criança ela se interessou por arte. Quando jovem, Friedl explorou o coração de sua cidade natal, centro cultural da Europa naquele momento, frequentando exposições de Gustave Klimt e Egon Schiele. Em 1914, iniciou seus estudos em fotografia na Escola Experimental de Design Gráfico de Viena. Continuou a formação na Escola de Artes e Ofícios de Viena, onde teve aulas com Franz Cizek.

Mais tarde, ainda em Viena, foi aluna de Johannes Itten em sua escola particular e, entre 1919 e 19234, o acompanhou à Bauhaus, em

4 Essa é considerada a primeira fase da Bauhaus, caracterizada por uma abordagem mais expressionista e espiritual, graças à forte influência exercida pelo professor e artista Johannes Itten. A Bauhaus (do alemão: “casa de construção”) foi uma escola de arte, design

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Weimar. Friedl estudou com Johannes Itten no curso preliminar e nas oficinas, frequentou todas as palestras de Paul Klee e estudou desenho e encadernação com ele. De acordo com Wix (2010), as maiores influências sobre seu trabalho como artista e professora foram Franz Cizek, o curso preliminar de Itten na Bauhaus e as palestras de Klee sobre infância, arte e natureza.

Ao analisarmos a situação de ensino e aprendizagem da arte em Terezín, observamos que a proposta metodológica de Friedl junto às crianças foi norteada pelos princípios do Movimento Escola Nova, que rompeu com a Tendência Tradicional de ensino. Nessa tendência, baseada numa concepção neoclássica, a didática era pautada na reprodução de modelos e treino exaustivo das habilidades e destreza, não considerando as particularidades de cada criança, com ênfase no produto final e não no processo. “Na escola tradicional enfatizava-se o ensino de conteúdos e o produto da aprendizagem era a reprodução [...]. A aprendizagem era receptiva e mecânica”. (IAVELBERG, 2003, p. 111).

Na contramão dessa tendência, que dava ênfase e importância aos aspectos externos ao mundo do aluno, o Movimento Escola Nova, nascido e desenvolvido na Europa entre os anos de 1900 e 1933, fundamentava-se na criança ativa, livre ao se expressar por meio de sua arte e exploração de materiais e técnicas, como estímulo à imaginação e à criação, compreendida como expressão sem influências do meio5. O ensino estava centrado no aluno, não mais no professor, e no processo e seu desenvolvimento criativo, não mais no

e arquitetura fundada pelo arquiteto alemão Walter Gropius em 1919, na cidade de Weimar, Alemanha. Foi criada a partir da fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar e fechada pelos nazistas em 1933, por ser considerada anti-hitlerista e por pregar e difundir os preceitos da arte moderna, considerada por estes como degenerada. 5 Para melhor compreender as concepções mais recentes de ensino de arte que dão importância à influência exercida pelo meio como forma de repertoriar a arte da criança, o que transparecerá em sua produção artística, consultar: IAVELBERG, Rosa. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. 2 ed. Porto Alegre: Zouk, 2013.

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produto final. O professor desempenhava seu papel como um facilitador e incitador da livre-expressão, respeitando os interesses e as necessidades dos alunos (IAVELBERG, 2003).

Franz Cizek foi considerado pioneiro da livre-expressão por acreditar que no ensino de arte a criatividade da criança era um aspecto inseparável de sua natureza e deveria ser trabalhada pelo arte-educador sem treinos técnicos rígidos, apenas permitindo que seu potencial criador se desenvolvesse sem a imposição de padrões adultos. Ele foi o primeiro artista que insistiu na criatividade da criança como base para o ensino de arte infantil (VIOLA, 1936).

A abordagem do ensino e aprendizagem da arte proposta por Cizek, com relação à liberdade expressiva da criança, além dos avanços da educação moderna, também foi um reflexo do contexto europeu entre a segunda metade do século XIX e início do século XX, onde a Arte Moderna crescia e florescia cada vez mais. Os Movimentos Impressionista e Pós-Impressionista haviam se disseminado pela Europa, propagando novos padrões e meios de criação em arte, mais livres do compromisso com a verossimilhança de formas e cores em relação ao real.

Cizek compreendia que o desenvolvimento artístico e a livre expressão implicavam o conhecimento interior, refletido na experiência do fazer artístico, mais do que no objeto em si. Portanto, ele permitia que seus alunos desenhassem livremente, confeccionassem colagens de papel e trabalhassem experimentalmente com toda sorte de materiais, sem intervir no processo de trabalho (WICK, 1989).

Assim como a abordagem de Cizek, a proposta artístico-pedagógica de Friedl em Terezín pautou-se na liberdade expressiva da criança como ponto fundamental, deixando o preciosismo técnico e procedimental de lado, usando o aperfeiçoamento técnico como meio para a expressão e não como fim em si mesma. Cuidar da imaginação das crianças de modo que dela pudessem emergir temas e imagens marcados pela individualidade era o centro de sua filosofia.

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Da mesma forma que Cizek, a criação da Bauhaus estava imersa nos princípios reformistas do início do século XX. A Bauhaus se colocou como uma forma de conjugar numa mesma escola a formação de artistas “livres” e criadores de arte “aplicada”, buscando reconciliar o mundo do trabalho com a criação artística, solucionando, de acordo com o pensamento de Gropius, a oposição entre arte, artesanato e indústria.

Para atingir esses objetivos foram necessárias novas concepções de ensino. Dessa forma, em 1923, Walter Gropius incluiu as aspirações pedagógicas da Bauhaus no grande contexto da reforma escolar. Para o Wick (1989), a Bauhaus foi a escola de arte que melhor captou as ideias reformistas e para elas buscou soluções práticas.

Pedagogicamente, Friedl combinou o melhor de seus professores para construir uma abordagem que ensinasse os fundamentos da arte, visando ao desenvolvimento de habilidades e competências artísticas necessárias para ajudar as crianças a reconhecerem e simbolizarem seus próprios sentimentos e experiências na forma de criações com liberdade de expressão. Apesar do pesadelo vivido por todos os detentos em Terezín e de seus destinos involuntários, Friedl organizou algumas turmas para o curso de artes visuais e promoveu a arte de centenas de crianças.

De acordo com os relatos de Eva Stichová-Beldová e Helga Polláková-Kinsky, alunas de Friedl em Terezín, ela era uma mulher pequena (várias crianças eram mais altas do que ela), com cabelos muito curtos, grandes olhos cor de avelã, amigável, de voz suave, com grande energia e determinação e era adorada pelas crianças. Raja Engländerová-Zákníková se lembra de que Friedl era alegre, muito gentil e paciente. Sempre as elogiava e falava com elas como se fossem adultos. Nunca as repreendia ou as pressionava, antes incentivava-as a expressarem-se criativamente. Friedl não falava checo muito bem, mas estava sempre procurando deixar as crianças calmas (RUBIN, 2000).

De acordo com Eva, Friedl trazia os materiais e alguns alunos os distribuíam. Ao final, esses mesmos ajudantes os recolhiam e

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preparavam todas as coisas para a próxima turma. As turmas eram formadas por 12 a 15 crianças. As aulas eram ministradas no alojamento para meninas (L410). Segundo Eva, Friedl ensinou também em outros prédios, provavelmente no prédio dos doentes e nos lares das crianças menores, que ainda não viviam nos prédios L417 (alojamento para meninos) ou L410 (MAKAROVA, 1999).

Suas aulas mantinham as crianças ocupadas e mentalmente distantes dos problemas cotidianos do campo e da saudades do lar. Nos poucos momentos de criação, as crianças retornavam à sanidade e à beleza do mundo, o que lhes permitia certo conforto espiritual. A elas também foi permitido expressar seus medos, o que ajudou-as a lidar melhor com eles.

Friedl aprendeu com Klee a observar o mundo. Os exercícios propostos por ela às crianças a partir da observação de objetos, pessoas e lugares tinham estreita relação, em sua abordagem de ensino e aprendizagem da arte, com as ideias propagadas por Paul Klee na Bauhaus. Para Klee, aquele que observa a natureza deve “ver além” do objeto, se relacionar com ele e tirar dele seu melhor, sua beleza. Essa “visão de mundo” a que Klee se refere, segundo Wick, é mais abrangente e se refere à visão de uma época histórica que, de acordo com Kandinsky, seria a “época do grande espiritual”, na qual o objetivo da arte não consistiria na mimese da natureza, mas em tornar visível uma realidade interior, ideia próxima das concepções expressionistas (1989, p. 335).

De acordo com Wick, Klee entendia a arte como “instrumento destinado a tornar visível uma realidade diferente da realidade terrestre percebida cotidianamente”, uma forma de desviar-se da realidade comum, do “cinza dos dias úteis” e levar consolo ao homem. Entendemos que esse pensamento motivou Friedl a “transformar” a realidade concentracionária, proporcionando às crianças outras formas de vislumbrá-la através da arte (1989, p. 315; 317).

Os estudos com Paul Klee certamente ampliaram sua visão do ensino da arte em relação à observação da natureza como mote

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criador. Ao mesmo tempo, verificamos que Friedl também aplicou os métodos de Itten no que diz respeito à exploração de materiais, contrastes e movimento, objetivando desenvolver a sensibilidade artística das crianças.

Como as aulas foram realizadas no último piso do edifício L410, as crianças podiam desenhar a partir da vista privilegiada da janela: o céu, as montanhas e a natureza. Os materiais artísticos (aquarela, pincéis, giz de cera, lápis de cor) eram muito escassos, trazidos por Friedl em sua pequena bagagem, e os papéis eram improvisados a partir de desenhos técnicos antigos, formulários do campo e pilhas de papel usado.

Friedl contava histórias fantásticas para as crianças e depois as convidava a desenhar. Ela também trabalhou com ditados: a partir de uma lista de objetos que era lida em voz alta, as crianças deveriam escolher aqueles de certo tamanho e superfície e desenhá-los numa composição (MAKAROVA, 1999).

Os temas dos trabalhos geralmente eram familiares às crianças e faziam parte de seu universo. Friedl costumava solicitar que desenhassem suas vidas antes da perseguição e deportação, focando em todas as coisas das quais elas se lembravam. Observando os desenhos é possível perceber flores, borboletas, animais, paisagens, casas (partes interna e externa), retratos de família, feriados judaicos, circos, parques, escolas, carrosséis etc.

De acordo com Makarova, Friedl convocou as crianças a relembrarem de suas vidas antes do campo e de todas as coisas pertencentes ao “tesouro infantil” e expressá-las de forma muito pessoal. Ela desviou sua atenção do contexto concentracionário propondo desenhos livres, de memórias e observação (1999, p. 193, tradução nossa).

Ao analisarmos parte6 do conjunto de trabalhos desenvolvidos pelas centenas de crianças sob sua orientação no campo, observamos

6 No total, os alunos de Friedl realizaram 5.849 trabalhos artísticos, entre desenho, pintura, colagem e bordado. Este artigo apresenta parte da pesquisa realizada no

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seus temas, formas e escolhas. Nesse conjunto, encontramos uma grande quantidade de desenhos de observação de objetos, pessoas e lugares, realizados com diferentes técnicas. Encontramos também uma considerável quantidade de imagens (cerca de um sexto da produção analisada) com temas que rememoram a vida antes da guerra.

Figura 1 - Desenho a lápis de Gabriela Freiová

Imagem cedida pelo Museu Judeu de Praga

A casa velha A casa velha aqui está abandonada. Em silêncio, em um profundo sonho. Que formosa era antes, Quando ali estava, que formosa era. Está abandonada, Se apodrecendo em silêncio, Pena de casas, Pena de tempos.7

Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Para essa pesquisa, elencamos um corpus de análise com apenas 367 trabalhos. 7 Poema de Franta Bass. Federação Israelita de Pernambuco. Catálogo da Exposição Os desenhos das crianças de Terezín, Recife, 2010, p. 25. Franta nasceu em Brno, na atual República Checa, e foi deportado para Terezín em 2 de dezembro de 1941. Franta morreu em Auschwitz e foi uma das várias crianças que produziram poesia em Terezín.

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Após a invasão nazista na República Checa, as crianças passaram a ser sistematicamente perseguidas pelo Estado e pelos cidadãos. Seu círculo social foi quebrado, pois os não-judeus passaram de amigos a inimigos. Elas também foram proibidas de frequentar a escola, parques, cinema, lojas e muitos outros lugares comuns ao seu convívio social.

Dessa forma, estes trabalhos nos dão pistas dos lugares e atividades recordados com carinho pelas crianças. Stern afirmou que “a criança realiza, na sua ficção, aquilo que a realidade não oferece [...] e vive nela sentimentos que são verdadeiros porque são os que lhe ofereceria a situação real desejada” (198-, p. 9). Em outras palavras, as crianças encontram na fatura dos desenhos a liberdade de novamente pertencer a estes locais proibidos. Além disso, sua figuração foi uma forma simbólica de resistência à política nazista e, por outro lado, um registro político, a partir do momento em que as crianças, consciente ou inconscientemente, resistiram, através de sua arte, à separação do meio ao qual pertenceram, considerando isso um direito e exercendo a liberdade de retornar ao seu lugar de origem.

De acordo com Helga Polláková-Kinsky, sobrevivente de Terezín e aluna de Friedl, ela teria desviado a atenção das crianças da realidade concentracionária: “Ela não nos fez desenhar Terezín” (WIX, 2010, p. 21, tradução nossa, grifo nosso).

Mesmo assim, as crianças testemunharam o campo através da arte. No conjunto analisado, observamos a presença de 22 trabalhos artísticos que expressam as percepções e impressões das crianças sobre seu meio. Um deles é o trabalho realizado por Bedrich Hoffman, criança que nasceu em Ostrava, República Checa, em 4 de abril de 1932, foi deportada para Terezín em 30 de setembro de 1942 e morta em Auschwitz em 19 de outubro de 1944.

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Figura 2 - Desenho a lápis de Bedrich Hoffman

Imagem cedida pelo Museu Judeu de Praga

Observamos que Bedrich selecionou dois aspectos em particular para expressar sua experiência em Terezín: os transportes e a superlotação. Consideramos que esse desenho é uma imagem expressiva do campo de Terezín criada pela criança que, por sua vez, encontrou uma forma única, não presenciada em outros trabalhos, de transmitir os significados construídos a partir de sua relação com o universo concentracionário. Esses significados perpassam todos os níveis da experiência, pois seu desenho demonstra aquilo que foi apreendido por sua sensibilidade e observação.

A forma como as crianças são transportadas em seu desenho denuncia o processo de massificação e desumanização imposto pelos nazistas. Não são pessoas, não há singularidade, são números, seres sem rostos, uma “massa cinzenta” arrastada pelos trilhos do trem. É a produção em série da morte (LEVI, 2004).

Trabalhos como o de Bedrich foram possíveis em Terezín pois as crianças encontraram em Friedl uma mestra e cuidadora atenciosa e amável, o que gerou possibilidades de troca entre elas e a professora e estimulou ainda mais sua produção, mesmo numa situação de vulnerabilidade emocional e social. Constatamos também que o estímulo à produção e a liberdade expressiva, focando no processo e

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no bem-estar que estas atividades estariam proporcionando às crianças, sendo os desenhos resultado disso, fomentaram uma produção de nível elevado e um testemunho para as futuras gerações das atrocidades sofridas por estas crianças em tempos de guerra.

Referências

BRENNER, Hannelore. As meninas do quarto 28: amizade, esperança e sobrevivência em Theresienstadt. São Paulo: LeYa, 2014.

FEDERAÇÂO ISRAELITA DE PERNAMBUCO. Catálogo da Exposição “Os desenhos das crianças de Terezín”, Recife, 2010.

GRUENBAUM, Thelma. Nesarim: child survivor of Terezín. Portland: Vallentine Mitchell, 2004.

IAVELBERG, Rosa. Interações entre a arte das crianças e a produção de arte adulta. In: ASSOCIAÇÃO DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS – ANPAP, 17, 2008, Florianópolis. Anais da Anpap. Disponível em: <http://www.anpap.org.br/anais/2008/artigos/129.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2014.

IAVELBERG, Rosa. O desenho cultivado da criança: prática e formação de educadores. 2 ed. Porto Alegre: Zouk, 2013 (a).

IAVELBERG, Rosa. Desenho na educação infantil. Col. Como eu ensino. São Paulo: Melhoramentos, 2013. v. 1. 143p. (b).

IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

ITTEN, Johannes. Design and form: the basic course at the Bauhaus and later. 1 ed. New York: Van Nostrand Reinhold, 1964.

ITTEN, Johannes. Design and form: the basic course at the Bauhaus and later. 2 ed. New York: Van Nostrand Reinhold, 1975.

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KLEE, Paul. Sobre arte moderna e outros ensaios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

KLÜGER, Ruth. Paisagens da memória: autobiografia de uma sobrevivente do Holocausto. São Paulo: Editora 34, 2005.

LEIRNER, Giselda. Nas águas do mesmo rio. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005.

LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

MAKAROVA, Elena. Friedl Dicker-Brandeis: Vienna 1898 – Auschwitz 1944. Beverly Hills: Tallfelow Press, 1999.

RUBIN, Susan Goldman. Fireflies in the dark: The story of Friedl Dicker-Brandeis and the children of Terezín. New York: Scholastic, 2000.

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Imagens de Terezín: a arte entre o testemunho e a resistência. Revista 18: Centro de Cultura Judaica, São Paulo, Ano III, (09), p. 32-33, set/ou/nov. 2004.

STERN, Arno. Nova compreensão da arte infantil. Lisboa: Horizonte, [198-].

VIOLA, Wilhelm. Child art and Franz Cizek. Viena: Austrian Junior Red Cross, 1936.

WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WIX, Linney. Through a narrow window: Friedl Dicker-Brandeis and her Terezín students. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2010.

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III Simpósio Internacional

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FONSECA, A.M. Qual é a arte dele? Indícios do olhar-pensante na lição emancipadora do artista. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 115-130.

Qual é a arte dele? Indícios do olhar-pensante na lição emancipadora do artista

ANDREA MATOS DA FONSECA1

Introdução: A faísca do senciente-sensível2

Durante uma visita à exposição de pinturas de Iberê Camargo3, observei a passagem de um grupo de crianças que participava de uma visita mediada. Pareciam ter por volta de 5 anos de idade. Uma delas, referindo-se ao artista, perguntou em um alto tom de voz para a educadora que acompanhava o grupo: “- Qual é a arte dele?”.

Preocupada em conter a euforia do grupo e mantê-los todos juntos, a educadora rumou para outra sala e não consegui ouvir sua

1 Andrea Matos da Fonseca é Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética

e História da Arte da Universidade de São Paulo (PGEHA USP). É mestre pelo PGEHA USP, graduada em licenciatura plena em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP (FEUSP) (2003), especialista em Estudos de Museus de Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC USP) (2004) e em Museologia pelo Museu de Arqueologia e Etinologia da USP (MAE-USP) (2006). Atualmente, coordena a equipe pedagógica do Centro de Desenvolvimento Infantil do SESC SP. 2 Este artigo inspira-se em notas e reflexões de aulas ministradas pela profa. Dra. Carmen S. G. Aranha (MAC-USP) durante a disciplina Arte como forma de pensamento, oferecida no primeiro semestre do ano de 2016, no âmbito do Programa de Pós Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo. 3 A exposição “Iberê Camargo: um trágico nos trópicos” foi realizada pelo Centro Cultural Banco do Brasil em parceria com a Fundação Iberê Camargo em São Paulo no ano de 2014.

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resposta. No meio daquele burburinho, pareceu-me que, provavelmente, aquela pergunta nem mesmo foi ouvida.

O que poderia parecer à primeira vista uma pergunta ingênua ou uma questão de um observador iniciante ou de um leigo, inquietou-me a ponto de, no presente artigo, propor alguns entrelaçamentos e articulações possíveis entre a pesquisa em artes, a educação e a experiência do olhar em Merleau-Ponty.

A pergunta “- Qual é a arte dele?” pode revelar também a potência interrogativa do olhar capturado pela produção artística; inquietações e enunciações de um observador são metamorfoseadas em palavras que expressam a atração ou a comoção que lhe foram suscitadas pela imagem artística que ele observava.

De acordo com a proposição fenomenológica, a gestualidade, as camadas de tinta, as cores, os materiais ecoaram no corpo daquela criança que, ao acolher estes dados, se propôs a decifrar o enigma do vidente-visível; um corpo que no seu estar com as coisas do mundo, usufrui de suas propriedades reflexivas para afastar-se de si mesmo e fazer enunciações, encontrando as reverberações da sua visão no seu corpo metamorfoseadas em palavras, gestos, grafismos, ações, entre outras possibilidades que estas poderiam assumir.

A situação desvela um “estranho sistema de trocas”, um recruzamento entre o corpo e a obra de arte, na qual reconhecemos, com os escritos de Merleau-Ponty, um evento instaurador que acende “a faísca do senciente-sensível”, ou seja, o ser se encontra com um enigma inscrito em uma visão de mundo codificada em visualidades que envolvem o seu olhar e o seu pensar sobre o mundo: “(...) consiste em meu corpo ser ao mesmo tempo vidente e visível. Ele, que olha todas as coisas, pode também se olhar, e reconhecer no que vê então o ‘outro lado’ de seu poder vidente. Ele se vê vidente, ele se toca tocante, é visível e sensível para si mesmo (...)”. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 17-18)

Desta forma, intrínseca a questão “- Qual é a arte dele?”, está o objetivo deste artigo, ou seja, reconhecer, a partir de aspectos

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estudados nos escritos de Merleau-Ponty, um olhar investigativo que coloca em pauta uma visão que acolhe o mundo e se constitui no meio das coisas, ou seja, que não está separada dele; uma experiência do olhar que ao aproximar-se da obra de arte reconhece no que vê um duplo movimento, um entrecruzamento, uma reversibilidade: um olhar que é pensamento e, ao mesmo tempo, um pensamento que é olhar, que aqui será designado, inicialmente, pela noção de olhar-pensante4 e para o qual indicaremos alguns indícios durante este escrito.

Este olhar-pensante também será entendido como uma metáfora corpóreo-visual na qual inscreve-se, a partir de articulações entre Merleau-Ponty e a lição emancipadora do artista proposta por Jacques Rancière: a potencialidade do encontro com a sua própria condição de ser da criação na experiência com a obra de arte.

1. O encontro com o corpo próprio

As reflexões presentes nas obras do filósofo Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) revelam um pensamento que se fundamenta em “uma experiência originária de conhecimento” e, portanto, assume a primazia da percepção como forma primeira de um saber a respeito do mundo: recuperam a visão como uma emanação própria do ser sensível, e o gesto como a restituição de indícios da movimentação da consciência no corpo. Esse mesmo corpo marca nossa presença no mundo: é o “topos”, o lugar no qual a visão e o gesto ampliam nosso horizonte de contato com o sensível. Visão e corpo estão juntos nessa filosofia, se amparam e se fazem do meio do mundo por ele vivido (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 17-18): um ser-estar com as coisas que não são necessariamente parte da vontade do ser, mas para as quais somos sensíveis.

Mas de qual corpo nos fala o filósofo?

4 A noção de olhar-pensante aparece em itálico, pois nosso objetivo é construir essa noção enquanto fenômeno interrogado na apreciação estética. Assim, no decorrer deste trabalho a palavra olhar-pensante será indicada sempre em itálico, já que se trata de uma noção a ser desenvolvida ao longo da pesquisa de doutoramento.

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O corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um sistema. (Id., 1999, p. 273)

O corpo próprio ou corpo operante (Ibid., pp. 205-212) distingue-se de todos os outros pela sua singularidade, já que aqui estamos tratando não apenas de um corpo, mas o corpo do qual disponho de forma imediata, do interior do qual coordeno as experiências diversas de meus processos e campos de sensação. Para o filósofo, o corpo próprio ou operante concentra a complexidade do existir humano no qual se misturam natureza e cultura, como um entendimento de uma totalidade. Merleau-Ponty afasta-se, assim, de dualismos e mecanicismos, tais como as separações entre corpo e espírito, sujeito e objeto, homem e mundo. Merleau-Ponty supera essas separações ao compreender o ser em situação de existência, como um feixe de processos, ou seja, como visão, mobilidade, linguagem, sexualidade que se fundem e se confundem entre si, com os quais só lidamos pela sua própria vivência. O corpo guarda, então, essa ambiguidade, pois suas funções estão ligadas entre si, como também ligadas com o mundo externo: não há um corpo como pensamento ou ideia, somos o nosso corpo que é a expressão de nossa existência. Assim, podemos dizer que a contribuição artística, neste sentido, torna-se uma extensão do corpo próprio (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 229 e p. 249.) ao oferecer sentidos e significações para o vivido. Uma transformação dessa experiência em linguagem, que também diz respeito ao esforço humano “(...) para dizer-se e dizer o mundo, a capacidade desbravadora da expressão”. (CÂMARA, 2005, p. 181)

Segundo Merleau-Ponty (1999, p. 205.), “(...) a experiência do corpo próprio nos ensina a enraizar o espaço na existência”. Assim, o corpo, não simplesmente ocupa o mundo, mas ele é no espaço onde se realiza como corpo. (Ibid., pp.205-206) Lugar de conjunção das significações vividas, o corpo próprio movimenta-se com a expressão,

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se entrelaça à visão e ao pensamento, dando existência as coisas e permitindo-lhes existir como tal. (Ibid., p.203)

A partir dessa perspectiva do corpo próprio, de qual experiência nos fala Merleau-Ponty?

Merleau-Ponty (2004, p.17) reconhece nossa aderência ao mundo, “uma presença ao mundo sem distância”: a percepção que “ordena” esse reconhecimento é, ao mesmo tempo, um sair de si e trazer o mundo para si. Para o filósofo, então, não há distância entre aquele que vê e o que é visto, pois ele ressalta que a visão - “encontro por encruzilhada de todos os aspectos do ser” (Ibid., pp.43-44), ensina ao corpo que é próprio do visível ter um forro de invisibilidade, ou seja, visibilidade manifesta nos fenômenos estético-visuais sentidos.

O autor possibilita, com suas proposições, compreender a produção artística como uma vivência significativa do sujeito no mundo, uma “(...) manifestação codificada da própria vivência do artista. A obra pode nos oferecer o acesso à expressão de aspectos da experiência alojada no ser artista (...)”, (ARANHA, 2011, p. 38) ou seja, as movimentações da experiência de mundo do artista entrecruzam-se com as experiências sensíveis do observador.

A visão, para Merleau-Ponty, não é uma operação somente do pensamento enquanto representação de mundo. Ao invés, é parte do ser que, ao se emaranhar nas movimentações do corpo próprio, no mundo e nos atos mentais, evidencia este enigma em sua capacidade de ver. Assim, Merleau-Ponty irá privilegiar o estudo da pintura, que para ele ilustra o enigma do próprio corpo, pois, por ela ou com ela, o ser vê mais do que vê, por um acolhimento ou pelo despertar de um eco que se dá no próprio corpo; reverberações que são codificados/decodificados em linhas, luzes, massas, volumes, espacialidades, profundidades, materialidades. (MERLEAU-PONTY, 2004, pp. 18-19.)

O encontro com esse caráter de pregnância do corpo próprio, ou seja, de “algo sempre por nascer” alimenta as linguagens artísticas em

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um banquete no qual o “sentido bruto” da experiência perceptiva colhe do mundo marcas, (Ibid. p. 34-40) que ao mesmo tempo passaram a fazer parte do ser. Essas “cifras do visível”, gravadas no ser, permitem reafirmar a imbricação entre a visão, o pensamento e o corpo.

(...) A arte é um encontro contínuo e reflexivo com o mundo em que a obra de arte, longe de ser o ponto final desse processo, age como iniciador e ponto central da subsequente investigação do significado. (ARCHER, 2001, p. 236)

A pintura torna-se, assim, uma tessitura a partir do olhar o mundo, do traço das mãos que a produziram e da intencionalidade e sentidos encontrados pelo corpo próprio vivida com as coisas. Nesse sentido, Merleau-Ponty nos permite tratar da relação que se tece entre o ser e a apreensão dos fenômenos estético-visuais, sublinhando a concepção da arte como “encontro com o corpo próprio no qual a experiência do olhar se inscreve em um habitar”, que pode ser traduzido em tessituras matéricas, plásticas, gestuais e/ou narrativas, ou seja, como potencialidade de construção de linguagens de expressão, a partir dos indícios de uma subjetividade enraizada e entrelaçada solidariamente com o mundo.

2. A experiência do olhar: a obra de arte como matriz de ideias e sistema de correlações

A pergunta “- Qual é a arte dele?” nos leva para os escritos de Merleau-Ponty no que concerne no campo artístico como “matriz de ideias”:

O que não é substituível na obra de arte, o que a torna muito mais do que um meio de prazer: (...) é ela conter, mais do que ideias, matrizes de ideias, é nos fornecer emblemas cujo sentido nunca terminamos de desenvolver, é, justamente porque se instala e nos instala num mundo cuja chave não temos, ensina-nos a ver e finalmente fazer-nos pensar como nenhuma obra analítica consegue fazê-lo, porque a análise encontra no objeto apenas o que nele pusemos. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 111)

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Ou seja, Merleau-Ponty reitera que, na experiência de olhar uma obra de arte, somos convidados a observar e compartilhar a experiência do artista como um sistema de possibilidades e de correlações.

A produção artística, então, não só institui-se como técnica, mas também como um sistema de correspondências que constroem expressão ao se aproximar da experiência deflagrada nas diversas situações vividas que englobam e atravessam-se para constituir uma codificação. Ou seja, diferencia-se aqui a posse intelectual de um conceito para o transubstanciar-se em um falar com, em “uma maneira ativa de ser”. (CHAUÍ, 2002, p. 102)

Podemos cogitar, a partir de Merleau-Ponty, que a experiência do olhar tece narrativas entre as camadas de associação com os objetos ou com as imagens artísticas com potencialidades em suas formas, materialidades ou conteúdos apropriados pelo observador enquanto recursos que despertam enunciações. Ou seja, pode haver o estabelecimento de uma relação que “faz falar”, “faz desenhar”, “faz dançar”, “faz cantar”, (CÂMARA, 2005, p. 111) uma afinidade que articula significados existentes e a criação de outros a serem instituídos a partir da experiência da percepção.

Essas alusões a potencialidade do olhar em recuperar memórias, criar temporalidades e inventar ficções na relação com aquilo que se vê não se referem a um tempo como objeto de nosso saber, mas a temporalidade enquanto dimensão do ser, presença originária que se percebe ao habitar e projetar-se no mundo. Assim, podemos também dizer, com Merleau-Ponty, que a obra de arte configura-se como um espaço-tempo gerador de narrativas que instauram um “campo de presença”, indicado em diferentes passagens da obra de Merleau-Ponty, (MERLEAU-PONTY, 1999, pp. 408, 557, 564, 566 e 605) como um entendimento amplo do presente atual enquanto um presente efetivo, o qual também envolve um passado imediato e um futuro próximo.

(...) Não precisamos perguntar-nos por que o sujeito pensante ou a consciência se apercebe como homem ou como sujeito encarnado ou como sujeito histórico, e não devemos tratar esta apercepção

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como uma operação segunda que ele efetuaria a partir de sua existência absoluta: o fluxo absoluto se perfila sob seu próprio olhar como 'uma consciência' ou como homem ou como sujeito encarnado porque ele é um campo de presença - presença a si, presença a outrem e ao mundo - e porque esta presença o lança no mundo natural e cultural a partir do qual ele se compreende. Não devemos representá-lo como contato absoluto consigo, como uma densidade absoluta sem nenhuma fenda interna, mas ao contrário como um ser que se prossegue no exterior. (Ibid., p. 605)

Uma temporalidade percebida como fluxo: aquele que olha pode aproximar-se da intencionalidade do gesto criador, enquanto cifras que revelam questões fundamentais de um processo de conhecimento decorrente de uma interpretação plástica do mundo que, por uma espécie de reciprocidade, alcança o seu observador enquanto corpo expressivo, (CÂMARA, 2005, p. 186) vislumbrando seu estar no mundo como presença inalienável a si mesmo, aos outros e às coisas ao seu redor. (MERLEAU-PONTY, 1999, pp. 407-408)

Assumir o “campo de presença”, indicado por Merleau-Ponty, sustenta um entrelaçamento solidário entre a educação e a pesquisa em artes que se funda em uma escuta atenta do observador para aproximar-se das evocações e inquietações provocadas pelas escavações silenciosas entre aquele que observa e a obra de arte que lhe retorna o olhar. (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 37) Ou seja, incorpora a história da arte, a infinitude e o caráter não definitivo dos processos de interpretação de uma produção artística; “conversas infindáveis” dos observadores com as produções artísticas, já que como afirma Octávio Paz, a respeito da obra de Duchamp:

(...) É verdade que o espectador cria uma obra distinta da imaginada pelo artista, mas entre uma e outra obra, entre o que artista quis fazer e o que o espectador acredita ver, há uma realidade: a obra. Sem ela é impossível a recriação do espectador. A obra faz o olho que a contempla – ou, ao menos, é um ponto de partida: desde ela e por ela o espectador inventa outra obra. O valor de um quadro, um poema ou qualquer outra criação de arte se mede pelos signos que nos revela e pelas possibilidades de combiná-los que contém. Uma obra é uma máquina de significar. Neste sentido a ideia de Duchamp não é inteiramente falsa: o quadro depende do espectador porque só

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ele pode pôr em movimento o aparelho de signos que toda obra é. (PAZ, 2004, p. 60-61)

O trabalho artístico configura-se, assim, sempre como uma síntese em transição, ou seja, “(...) não tenho uma visão perspectiva, depois uma outra, e entre elas uma ligação de entendimento, mas cada perspectiva passa na outra e, se ainda se pode falar em síntese, trata-se de uma 'síntese de transição'“. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 442) Assim, cada experiência particular implica uma copresença ou coexistência que atualiza, sempre parcialmente, o repertório de atitudes perceptivo-motoras, pelas quais o corpo se dirige ao mundo e se projeta em novas situações, um todo que é sempre provisoriamente constituído, desvelando, assim, o contínuo inacabamento do ser.

A propagação da reflexão corporal nas coisas descobre a interioridade ou o sentido presente nelas como nele. Quando o pintor diz que é visto pelas coisas em vez de serem elas vistas por ele, põe a visão no próprio mundo – há uma visibilidade secreta nas coisas, que se transforma em visibilidade manifesta por meio do nosso corpo. (...). A estrutura simbólica, estrutura da percepção, descobre a reversibilidade do sujeito e do mundo como uma relação expressiva. (CHAUÍ, 2002, p. 242)

Os escritos pontianos, também, colaboram na compreensão de um cogito no qual é inextrincável o envolvimento do homem com o mundo e a sua similaridade de condição em relação ao outro, o que proporcionaria a possibilidade do uso de metáforas corporais no sentido de que os códigos já instituídos e os novos significados a serem atribuídos tomam o corpo como passagem, - de mediação entre o eu-outro/outro-eu. (Ibid., p. 147)

(...) 'Um filme significa como acima vimos uma coisa significar: não falam, um e outra, a um entendimento separado, mas dirigem-se ao nosso poder de decifrar tacitamente o mundo ou os homens e de com eles coabitar.' Essa capacidade de decifração obtemo-la, como diremos, por nossa existência indivisa, presente pelo corpo que somos. Acedemos à experiência artística por via do corpo, mercê da nossa condição de seres encarnados numa existência. 'Compreender' a obra artística é abrir-lhe o nosso próprio corpo,

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reconhecendo-lhe a autoria em um outro corpo. (CÂMARA, 2005, p. 110)

A pluralidade de experiências dos públicos com o objeto artístico nos aproxima da arte como uma abertura do ser aos outros e ao mundo que deflagram em cada um sua própria forma de perceber o mundo, elaborar pensamentos, enunciar seus saberes e fazer apropriações. As ponderações de Merleau-Ponty sobre o corpo próprio e a experiência do olhar são uma matriz de fundamentos que nos permite entender a produção artística como um espaço-tempo instaurador de um olhar-pensante, constituído de expressão, visualidades e materialidades apreendidos no exercício de apreciar uma obra de arte.

3. Alguns indícios da noção de olhar-pensante

Recuperar o olhar desta criança, que busca fazer interrogações, caracteriza-se como um exercício do vidente e visível, (MERLEAU-PONTY, 2005, p. 132) que desvela um trabalho de pensamento do ser que não está separado do mundo, um sair de si e entrar em si, uma experiência que nós dirigimos e que promove em nós uma abertura. A partir de Merleau-Ponty, uma experiência de reversibilidade da qual também nos fala Chauí (CHAUÍ, 2002, p. 164) e que Frayze-Pereira (FRAYZE-PEREIRA, 2010, p. 238) chama de circularidade “encarnada no mundo”, nos desperta para o sentido que a obra de arte nos devolve ao nosso olhar e nos obriga a vê-la a partir do lugar no qual nos encontramos e nos relacionamos com os outros, lugar onde se desdobram nossas histórias e ações, chão no qual nos engajamos e fazemos escolhas.

Esta experiência que se dá a partir de formas, volumes, matérias, texturas e luzes deflagrando a pergunta “- Qual é a arte dele?” também nos permite falar de uma experiência sensível e bruta das coisas inserida no âmbito da própria vida. Assim, para as tessituras entre a pesquisa em artes e a educação cabe recuperar o estudo e a descrição do sentido da experiência ali vivida com vistas a buscar sua

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estrutura essencial, ou seja, os elementos invariantes e os significados centrais dessas experiências individuais dos artistas e seus públicos, como forma de alcançar um sentido mais amplo do conhecimento.

Não há hipóteses a serem comprovadas, conceitos previamente definidos ou definições a priori a serem verificadas, mas as dúvidas e as suposições a serem respondidas se constituem por intermédio das produções artísticas, enquanto situações geradoras de narrativas desse encontro com a criação.

Assim, a noção de olhar-pensante só poderá ser apreendida na transfiguração da pesquisa em narrativas e imagens, tendo em vista não apenas valorizar o corpo como presença e intencionalidade, mas o encontro com metáforas corporais que em uma acumulação de palavras e silêncios, passagens e desvios, gestos e recuos sintetizam os indícios do fenômeno que queremos indicar com a noção de olhar-pensante.

No sentido de apontar indícios dessa noção de olhar-pensante, adotaremos também um conjunto de registros fotográficos realizadas durante uma visita ao Museu Rodin (Paris, abril, 2016), no qual observa-se duas crianças durante seu encontro com um conjunto de esculturas5. É importante indicar que não desejamos ilustrar a filosofia fenomenológica, mas refletir sobre a atualidade do pensamento e proposições de Merleau-Ponty para a compreensão do encontro entre o observador e a obra de arte e, por outro lado, pensar como essa relação pode clarear alguns pontos dos escritos pontianos.

A reflexão sobre aspectos dos escritos pontianos e a observação de ações entre os visitantes nos permite perceber algumas movimentações que colaboram para nos aproximarmos da noção indicada, os quais indicamos a seguir:

5 Portas do inferno (La Porte de l’Enfer), 1880-1917, conjunto de esculturas de Auguste Rodin (1840-1917).

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Acolher a expressão. Observamos o encontro de duas garotas com a obra “As portas do inferno” de Auguste Rodin (1817-1840). A fotografia retrata a aproximação da obra, a faísca do senciente-sensível, o “esposar” de suas formas e materialidades.

Acessar os inventários da visibilidade. Uma garota em pé e a outra a mirar o papel em branco, ambas parecem receber alguma solicitação do que observam, parecem interpeladas pelo seu olhar. Ao mesmo tempo, parecem buscar respostas em seu repertório de significações vividas para enunciar formas para seu próprio movimento de criação que devolvem seu olhar para a obra.

Encontrar a pregnância do mundo. Ao esboçar traços no papel em branco, parecem ter encontrado sua própria condição de criar, ou seja, neste caso a apropriação de suportes e instrumentos das artes plásticas (papel e lápis de cor) as permitiu descobrir reverberações da arte do artista em si mesmas em algo ainda por criar.

Enunciação em materialidades. A enunciação aqui abrange a transformação, seja da matéria ou do pensamento, para outras estéticas e a sua entrega para o mundo enquanto produção artística, “guardiã” do convite de uma obra sempre aberta posto que agora está no mundo e entre as coisas instituídas que conservam a potência do instituir.

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4. Considerações finais. A lição emancipadora do artista: a pregnância do mundo

A partir da pergunta de uma criança (“- Qual é a arte dele?”) e da observação de outras crianças que desenham diante de uma obra, podemos especular a respeito de uma convergência entre a arte e as formas de sensibilidade que ela mobiliza, proporcionando a ampliação do olhar e o ver como uma posse do corpo como um todo, um corpo que vê por inteiro, que sente, que respira e escava um sensível, como uma forma de ser e estar no mundo. (MERLEAU-PONTY, 1999, pp. 205-212)

A sensibilidade, então, não se trataria de uma operação passiva, pois contemplar um trabalho artístico proporciona o fecundar a própria experiência a partir do mirar algo que não somos nós, mas com o qual conversamos, nos toca e do qual coletamos dados. O olhar pode ir além da observação imediata, reconhecer outros elementos visuais ou materiais já vistos, constituindo um inventário a ser recuperado na busca de sentidos e significações para o “pensamento inventivo” instaurado na relação entre o observador e aquilo que ele vê.

A leitura de Didi-Huberman (2010, p. 37) nos fala de uma relação dialética com o visível, para o autor o que vemos também nos olha. O olhar é, enquanto operação do sujeito, sempre inquietação e abertura que desvela em nós uma cisão, um espaçamento, um vazio. Este autor nos alerta para a percepção da obra de arte como um espaço-tempo que pode ser entendido como um “entre” próprio ao ato de olhar de um lado e, de outro, a obra que retorna o olhar para o observador.

(...) Não há que escolher entre o que vemos (com sua consequência exclusiva num discurso que o fixa, a saber: a tautologia) e o que nos olha (com seu embargo exclusivo no discurso que o fixa, a saber: a crença). Há apenas que se inquietar com o entre. (...) É o momento em que o que vemos justamente começa a ser atingido pelo que nos olha – um momento que não impõe nem o excesso de sentido (que a crença glorifica), nem a ausência cínica de sentido (que a tautologia glorifica). É o

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momento em que se abre o antro escavado pelo que nos olha no que vemos. (Ibid., p. 77)

Diferente do senso comum, então, é possível falar de aspectos do sensível ligados à percepção que reiteram o caráter ativo da sensibilidade não somente como resposta, mas como resultado de uma afinidade, de uma interação que se inscrevem no encontro entre o olhar e a arte enquanto forma de pensamento do artista, um fazer artístico no sentido de habitar, tratar e interpretar o mundo, traduzindo-o em escolhas visuais que também comovem seu observador, o convocam e engajam em trabalho de arqueologia do olhar como uma forma de participação ativa.

Sendo assim, neste encontro sensível entre o repertório de significações daquele que vê e os meandros de uma participação crítica-criativa que a obra de arte lhe permite é possível tratar de uma relação formativa. Ou seja, uma relação artista-obra-público que guarda o potencial do artista enquanto “mestre ignorante”, indicada por Rancière (2013), no qual existe uma crença primordial na capacidade do outro de apropriar-se, fazer próprio, reapropriar-se e “formar-se”.

(...) A lição emancipadora do artista (…) é a de que cada um de nós é artista, na medida em que adota dois procedimentos: não se contentar em ser homem de um ofício, mas pretender fazer de todo trabalho um meio de expressão; não se contentar em sentir, mas buscar partilhá-lo. O artista tem necessidade de igualdade (…). (Ibid., p. 104)

Assim, perguntar-se “- Qual é a arte dele?”, de onde partiu este escrito, torna-se um indicativo para o estudo de possíveis itinerários dessas experiências formativas que envolvem as camadas do olhar e as histórias deste encontro entre o observador e a produção artística. Atentar-se para o questionamento ou as ações do observador são tentativas de aproximar-se de caminhos e escolhas possíveis realizados pelos indivíduos enquanto sujeitos que se deflagram pela sua experiência sensível com as linguagens artísticas.

Recuperar os olhares e as histórias que se tecem na relação com as linguagens artísticas, seja na pergunta da criança durante a visita a

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exposição ou na ação de desenhar das duas crianças no museu, nos aproximou de um despertar para os recursos que o ser mobiliza na sua capacidade de enunciação do mundo e da validação de seus saberes diante da descoberta de um lugar de pregnância, no sentido de encontrar forças motivadoras que promovam a consciência de que o eu e o mundo são uma contínua criação, um devir. A produção artística caracterizou-se, assim, como situação geradora de contato com esta dimensão de pregnância do mundo, de um algo ainda por criar refletido no encontro com a obra de arte.

Referências

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ARANHA, Carmen Sylvia. G. ______. Exercícios do olhar: conhecimento e visualidade. Assistentes de pesquisa Amauri C. Brito, Alex Rosato, Evandro C. Nicolau. – São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008.

______. ; CANTON, Katia (Orgs.). Espaços de mediação. São Paulo : PGEHA / Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 2011.

CÂMARA, José Bettencourt da. Expressão e Contemporaneidade: a arte moderna segundo Merleau-Ponty. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.

CHAUÍ, Marilena. Experiência do pensamento: ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo : Martins Fontes, 2002. (Coleção Tópicos).

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Trad.: Paulo Neves. 2º Edição, São Paulo : Editora 34, 2010.

FONSECA, Andrea Matos da. Corporeidade na arte atual brasileira: sensibilidades desveladas. São Paulo : PGEHA : USP, 2012 (Dissertação de Mestrado)

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

FRAYZE-PEREIRA, João Augusto. Arte, Dor: inquietudes entre estética e psicanálise. 2º. Ed. rev. e ampl., Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2010.

GARCÉS, Marina. Maurice Merleau-Ponty leído por Marina Garcés en El curso “Biblioteca Abierta”. Transmitido ao vivo em 16 de Fevereiro de 2015. Disponível em: https:youtube/zUnM614hJ20. Acesso em: maio de 2015.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tradução Carlos Alberto Ribeiro de Moura – 2º Edição - São Paulo : Martins Fontes, 1999. (Tópicos).

______. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne. São Paulo: Cosac & Naify. 2004.

______. O vísivel e o invisível. Tradução José Artur Gianotti e Armando Mora d'Oliveira - São Paulo : Perspectiva, 2005. (Debates ; 40 / dirigida por J. Guinsburg).

PAZ, Octávio. Marcel Duchamp: ou O castelo da Pureza. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo : Perspectiva, 2004.

RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Trad.: Lilian do Valle. 3º Edição – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2013.

Filmes

Museum Hours / Direção Jem Cohen. Áustria - Estados Unidos : Gravity Hill Filmes : Little Magnet Films : KGP Kranzelbinder Gabriele Production [produção], 2012. DVD (106 minutos), NTSC, color.

Lo sguardo di Michelangelo / Direção Michelangelo Antonioni – Itália : 2004. DVD (15 minutos), NTSC, color.

Chico, artista brasileiro / Direção Miguel Faria Jr. – Brasil : Sony Pictures, 2015. DVD (110 minutos), NTSC, color.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

GONÇALVES. M.G.D. Com-partilhas da coleção de Artes da UFES nos processos de formação de professores de Artes. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 131-146.

Com-partilhas da coleção de Artes da UFES nos processos de

formação de professores de Artes

MARIA GORETE DADALTO GONÇALVES1

Eis então o segredo de Simônides, fundador da arte da memória: colocar as lembranças em lugares exatos,

para daí tirá-las no momento de necessidade. (Colombo, 1991)

Uma parceria marca o começo...

Diante de uma preocupação em ampliar o repertório visual e artístico dos alunos do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade a distância da UFES - CLAV-EAD - e do interesse da Coordenação do Museu de Arte Dionísio Del Santo - Museu de Arte do Espírito Santo – MAES - em dar visibilidade às exposições ali realizadas, deu-se início em 2009 uma parceria com o propósito de levar a produção de artistas que participaram de exposições no MAES e nos espaços expositivos da UFES representado pela Galeria Espaço 1 Maria Gorete Dadalto Gonçalves é Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (2004). Possui graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (1978) e mestrado em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (1997). Atualmente é professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD.

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Universitário - GAEU - a um público de professores em formação. Assim foi se formatando o projeto que deu origem ao “Projeto de Extensão Museu Aberto: O MAES e a Galeria Espaço Universitário da UFES na formação continuada da Arte” que passa a ter como objetivos aproximar e tornar visíveis aos alunos e professores a organização e as propostas desenvolvidas em espaços expositivos e museológicos - estrutura, funcionamento, projetos desenvolvidos, ações que a realização de uma exposição demanda, o trabalho do curador, o serviço educativo, entre outros (GONÇALVES, M.G.D. e REBOUÇAS, M.M, 2014). Também é objetivo oferecer formação continuada aos professores de artes nos Polos da Universidade Aberta do Brasil - UAB onde o CLAV – EAD/UFES é ofertado, apresentando e divulgando para todos os envolvidos as ações do Museu de Arte do Espírito Santo e da Galeria Espaço Universitário da UFES.

Para que as obras expostas nestes espaços cheguem às mais longínquas localidades do estado, optou-se por utilizar o material educativo em suporte de DVD e ações mais recentes passam a explorar as ferramentas do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA, utilizado no CLAV EAD ofertado pela UFES.

Quatro documentários são apresentados no primeiro DVD a partir de exposições realizadas nos anos de 2010 e 2011 - três destas realizadas no MAES/ES e GAEU/UFES. Foram realizadas entrevistas com artistas, colhidos depoimentos dos sujeitos envolvidos nas montagens das exposições de ambas instituições, bem como identificados e coletados documentos do processo de montagem das exposições. A partir destes dados levantados, foram organizados os documentários que juntos integram o material educativo do primeiro DVD do Museu Aberto. Este DVD foi distribuído em bibliotecas públicas, enviados à Superintendência Estadual de Educação para distribuição aos professores de Artes da rede estadual, e também aos alunos do CLAV – EAD/UFES, razão inicial do projeto.

Tendo como propósito apresentar e contextualizar estes documentários a professores da rede de ensino e futuros professores,

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hoje alunos do Curso de Artes Visuais EAD, o projeto de extensão propôs ações educativas de formação que consistiram em oferta de seminários, cursos e oficinas envolvendo este público.

Uma segunda etapa do projeto tem início com o propósito de abordar a constituição do Acervo da UFES, compilado então no segundo DVD do Projeto Museu Aberto, tendo como meta se dedicar ao estudo deste acervo e apresentar e divulgar aos professores suas obras e artistas.

O segundo DVD do projeto traz três documentários com objetivos de reconstruir as histórias dos espaços que deram origem ao Acervo, ouvindo os atores que construíram estes espaços expositivos e de formação – a GAP, GAEU e o Acervo da UFES; de conhecer o contexto de criação da Galeria de Arte e Pesquisa-GAP, compreendendo a estrutura e missão da proposta inicial de criação; e de compreender a criação do acervo, assim como as políticas de captação de obras, inventário e conservação. A partir da investigação nos arquivos do Centro de Artes/UFES foi levantado um conjunto de fotografias e documentos que são registros e testemunhas da história desses espaços. Os documentários são constituídos de entrevistas com as primeiras coordenadoras/gestoras dos espaços, e também com um professor do Centro de Artes e um estudante de artes com obras na coleção, além de apresentar uma entrevista com professores do Laboratório de Restauração da UFES sobre a conservação deste acervo. (GONÇALVES, M.G.D. e REBOUÇAS, M.M, 2014). As obras extrapolam os limites físicos do “museu”.

Com o objetivo de estudar as obras do Acervo da UFES a partir dos discursos dos protagonistas, dá-se início em 2012 ao projeto de pesquisa “As Interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas educacionais”. Desta data em diante os dois projetos passam a ter como corpus de investigação as obras do Acervo da UFES, considerando a diversidade de linguagens, a riqueza e relevância da coleção que conta com aproximadamente duas mil obras catalogadas. Parte das imagens do Acervo está disponível no

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Catálogo da GAEU (ACERVO, 2007), publicado pela Editora da UFES-EDUFES.

A quem se destinam estes documentários?

Já está posto que a melhor fruição de uma obra se dá no contato direto do público com a própria obra, no momento da apreensão da proposta do artista, quando se reconhece as escolhas da matéria constituinte da obra, os traços, cores, formas, volumes, sons, cheiros, etc. No entanto, muitas restrições ou obstáculos se colocam nesta aproximação e relação do público e obra. Pode - se apontar que os poucos espaços expositivos disponíveis, principalmente no interior do Estado, as restrições de acesso aos espaços expositivos/museológicos existentes, a falta de hábito de visitação e o próprio distanciamento destes espaços do público, são fatores que para esse público são determinantes para esse contato com a obra.

E por outro lado, tendo como pressuposto que as obras dos artistas expositores na GAEU e pertencentes ao Acervo da UFES não são acessados pela comunidade acadêmica em geral, em especial pelos estudantes do CLAV EAD, por desconhecerem a sua existência, o projeto Museu Aberto cumpre o papel de divulgar e ser um facilitador para o acesso à esta produção.

A mídia escolhida para armazenar os documentários foi o DVD, tendo em vista que é uma mídia possível de ser utilizada por professores em suas salas de aula, ampliando a difusão, reprodutibilidade e visualização dos mesmos.

Embora possa parecer ultrapassado nos dias atuais o desenvolvimento de material audiovisual em mídia DVD, considerando que os mecanismos oferecidos pela internet apresentam uma maior interatividade e acessibilidade, não se pode desconsiderar o público alvo deste projeto. Este público é formado, em sua maioria, por professores da rede pública municipal e estadual, moradores de localidades afastadas do acervo físico e com grande dificuldade de acesso à internet.

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Outro fator definidor na escolha da mídia é a pouca disponibilidade de conexão e acesso à internet nas escolas da rede pública do Estado o que poderia limitar a disseminação e utilização do material produzido.

Iniciamos apresentando o Projeto de Extensão Museu Aberto, em seguida passamos a contextualizar a criação do Curso de Licenciatura em Artes Visuais EAD/UFES, embora estes temas já tenham sido tratados com maior ênfase em artigos anteriores, para mais adiante apresentarmos as ações educativas oriundas destes projetos.

O curso de formação de professores de artes EAD/UFES

Considerando a grande demanda por formação de professores de artes, identificado em levantamentos da SEDU, a UFES propõe a primeira oferta do curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD em 2008, pelo Sistema Universidade Aberta do Brasil – UAB, ofertado em 22 municípios/polos de apoio presencial, sendo 50% das vagas reservadas aos professores em exercício. Dos 660 alunos, 409 alunos concluíram o curso. (GONÇALVES, 2012)

Com a finalização da primeira oferta do curso em 2012, deu-se início ao planejamento da oferta de uma segunda turma após uma série de ajustes em decorrência de acompanhamento e avaliação da primeira oferta proposta pela coordenação do curso, decidindo-se por ampliar o prazo de integralização do curso e por atender a um número menor de alunos. Passa-se a ofertar o curso em 12 Polos UAB, a 357 alunos aprovados em processo seletivo planejado e executado pela Comissão de Vestibular – CCV/UFES, com 20% das vagas destinadas aos professores em exercício e 80% à comunidade em geral.

No curso, o modelo adotado se assenta no regime Blended-learning (semipresencial), com encontros presenciais semanais que acontecem nos Polos, sob orientação de tutores presenciais. Os polos de apoio presencial são espaços de discussão e práticas, contando com salas para orientação de tutoria, pequena biblioteca, laboratório de informática e espaços para os ateliers de artes.

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Os alunos tem ainda o acompanhamento de tutores a distância que fazem a mediação no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), além de professores especialistas-professores da UFES que elaboram e ministram as disciplinas. O professor elabora o material didático que inclui a sala virtual no AVA na qual são disponibilizados conteúdos, metodologia de ensino, onde são realizadas orientações a alunos e tutores, e onde são disponibilizados objetos de aprendizagem, livros, entre outros materiais. Para a elaboração do material didático o professor conta com o apoio do revisor de conteúdo, professor da UFES que conhecendo o projeto do curso em sua totalidade, discute e revisa o plano da disciplina, o material a ser impresso e a sala virtual do AVA, e com o apoio do designer educacional, profissional que discute o uso das diversas mídias e motivações pedagógicas para melhor facilitar a aprendizagem do estudante.

O perfil dos alunos da segunda oferta demonstra níveis de dificuldades de acesso e manuseio das tecnologias um pouco melhores da encontrada na primeira oferta do curso, principalmente no que se refere ao uso da Internet, embora ainda apresente um índice de acesso e qualidade de conexão que restringe o uso da rede em sua plenitude. Em contrapartida às limitações individuais, os polos contam com laboratórios de informática com acesso à internet permitindo aos alunos, quando necessário, conexão para acessar os materiais das disciplinas, sejam textos, imagens, web conferências ou vídeos com a qualidade necessária ao aprendizado. Contam também com técnicos que auxiliam no uso das tecnologias, minimizando as dificuldades técnicas dos alunos.

O curso, desde a primeira oferta, assume o compromisso de proporcionar aos futuros professores de arte acesso às tecnologias para que possam se apropriar dos recursos informacionais em sua atuação docente, entendendo que estas tecnologias modificam os fazeres do professor, os modos de ser e de atuar.

Com a oferta do curso na modalidade semipresencial, algumas questões surgem potencializadas pelo isolamento do aluno e

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distanciamento da produção artístico cultural disponível nos espaços expositivos e museológicos. Os alunos tem acesso às produções artísticas e aos bens culturais produzidas em nosso estado? Como aproximá-los dos espaços expositivos, conhecer artistas, conhecer os diversos processos criativos? Como facilitar o acesso aos espaços expositivos? A tecnologia pode auxiliar na criação de espaços educativos formais e não formais que promovam e facilitem a aprendizagem e favoreçam a aproximação aos bens artísticos e culturais (GONÇALVES, 2012), expandindo estes espaços de aprendizagem?

Com o advento das tecnologias digitais e da internet a relação de tempo e espaço se amplia, não limitando a aprendizagem ao território do aluno nem ao do professor. A tecnologia da informação permite o acesso desterritorializado ao conhecimento, além de permitir uma diversidade de formação nos diversos níveis e de formação associando projetos, requalificando os sujeitos sem que se afastem de seu cotidiano. É preciso assim, explorar as possibilidades de informação e comunicação em prol do aprendizado em arte.

Compartilhando o Acervo da UFES no AVA

Com a previsão de oferta da uma segunda turma do Curso de Licenciatura em Artes Visuais-EAD da UFES, iniciou-se uma intensa discussão na equipe da coordenação do curso para revisão do projeto pedagógico, tendo como referencial o acompanhamento processual e a avaliação da primeira oferta, e a experiência da equipe na oferta do curso presencial. Este processo de revisão do curso é entendido como uma ação criadora, contínua e não linear, inserida num contexto e com certa tendência. O percurso da UFES na oferta do Curso de formação de professores de artes na modalidade presencial há mais de 50 anos, o acompanhamento da oferta da primeira turma do curso na modalidade EAD e a formação de cada membro e seus projetos acadêmicos dão respaldo às discussões, apontando caminhos para a revisão do projeto do curso.

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Muitas reuniões foram realizadas e iniciou-se assim uma série de investimentos em planejamento e ações para as adequações necessárias para a nova oferta do curso. Uma das ações foi repensar o Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA, tornando-o um ambiente mais amigável ao usuário e que contribua para ampliar o repertório visual do aluno, entre outros ajustes técnicos e pedagógicos não abordados neste texto.

A proposição assumida foi a de explorar o ambiente virtual como espaço educativo - as salas virtuais das disciplinas - e como espaço expositivo – os cabeçalhos/temas das salas virtuais e a Galeria Virtual, tendo como objetivo promover uma aproximação dos alunos à produção artística e seus produtores.

A partir da proposta de explorar o AVA como espaços expositivos e de aprendizagem, passou-se a discutir quais são estes espaços disponíveis do AVA e quais obras seriam apresentadas e exploradas. Considerando a dificuldade de acesso de nossos alunos à produção artística cultural local, decidiu-se por disponibilizar as imagens do Acervo da UFES. Esta proposição está embasada nos estudos do projeto de pesquisa “As Interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas educacionais” e do próprio Projeto de Extensão Museu Aberto, cujo objetivo é dar visibilidade às obras do acervo de obras da UFES. Esta iniciativa permite aos alunos do curso uma visualização imediata de obras de artistas do Espírito Santo, assim que acessam a tela inicial do AVA. Este acervo pertence a um espaço “museológico” com poucas políticas de acesso do público, o que dificulta seu reconhecimento pela sociedade. Entende-se que visualizar a obra é apenas um primeiro passo para conhecê-la, com o potencial de provocar o interesse sobre a obra, o artista e seus contemporâneos, ampliando o repertório visual artístico do estudante. A página inicial do Curso Licenciatura em Artes Visuais EAD, (figura1), apresenta no cabeçalho/tema a inserção de trecho da obra que poderá ser acessada em sua integralidade na Galeria Virtual.

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Figura 1 - Página inicial do AVA do Curso de Artes Visuais EAD

As obras também são apresentadas nos cabeçalhos/temas das salas virtuais das disciplinas. As fotografias das obras são apresentadas em pequenos trechos no cabeçalho de cada sala virtual, e a cada tópico, outro trecho é apresentado ao aluno, como um quebra cabeças, como pode ser visualizado nas figuras 2 e 3.

Figura 2 - cabeçalho/tema da disciplina

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Figura 3 - recorte da obra apresentado no tópico da disciplina

A presença na primeira tela da disciplina anuncia a obra, apresentando um recorte que convida o estudante a conhecer a obra completa que pode ser visualizada integralmente na Galeria Virtual-VIRTUA GAV, disponível também no AVA aos alunos do curso. (figura 4) A Galeria se constitui como um espaço extradisciplinar, tendo como objetivo “ser um espaço expositivo do Ambiente Virtual de Aprendizagem que busca fomentar a pesquisa e a apresentação de práticas artísticas locais e nacionais” e assim contribuir para a disseminação das produções artísticas e enriquecer o repertório imagético do estudante. Tem ainda como objetivo apresentar as obras completas expostas nos cabeçalhos das salas virtuais pertencentes ao Acervo da UFES, a ficha técnica da obra com informações de data, dimensões, técnica e dados do autor, além de indicação de sites e blogs com outras obras e informações sobre o artista (figura 5). A definição do artista e da obra a ser escolhida é realizada em reunião com o professor da disciplina, a revisora de conteúdo e a designer educacional, procurando para esta escolha relacionar a temática da obra e o conteúdo da disciplina. Muitas vezes a linguagem plástica da obra já é um indicativo para a escolha.

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Figura 4 - tela inicial da Galeria Virtual

Figura 5 - Xilogravura “Observando Ticumbi” Moema Rebouças

Embora com todas as facilidades tecnológicas disponíveis, seja tecnologias móveis, as redes sociais e internet, comunidades inteiras, municípios distantes ou mesmo os mais próximos da capital, continuam sem acesso aos bens culturais e artísticos. Os sujeitos estão distantes da produção artística e por isso carecem de repertório visual em consequência de não terem contato com as obras, com a produção audiovisual, imagética e artística. Não há nestas localidades espaços expositivos, cinemas ou teatros. Na tentativa de ser um facilitador da

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aprendizagem, o curso passa a assumir o compromisso de promover ações para que o aluno construa seu próprio repertório imagético, e crie espaços e ambientes de trocas e debates, de exposições e mostras de vídeo nas localidades dos polos.

Assim, o aluno conhece e reconhece os sujeitos do entorno e se reconhece como pertencente a este território, planeja ações educativas para outros sujeitos, reconhece e interage com a produção cultural local. (GONÇALVES, 2013)

As ações derivadas do projeto museu Aberto dão continuidade à proposta de tornar os espaços expositivos da instituição em espaços educativos. Da iniciativa em criar a Galeria de Arte e Pesquisa – GAP, em 1978 que deu origem ao acervo, com o propósito de ser um espaço de exposição onde os alunos tinham contato com as produções contemporâneas da arte, retoma-se esta missão ao abrir as portas do acervo aos alunos do curso.

Apropriações do Acervo

As ações educativas explorando a coleção da UFES ocorrem na disciplina Propostas Metodológicas do Ensino da Arte II ministrada no primeiro semestre de 2015 no Curso de Licenciatura em Artes Visuais EAD. Uma das proposições teve como objetivo aproximar o Acervo da UFES dos alunos do curso para o estudo e compreensão da Abordagem Triangular e da Semiótica Plástica. De posse de parte do conjunto de imagens das obras do Acervo enviado aos Polos em suporte DVD, as professoras demandam aos alunos para, após visualização das obras disponíveis no DVD, fazerem a escolha de uma obra, apresentar a justificativa da escolha da obra para a educação da arte, e os procedimentos metodológicos fundamentados na Abordagem Triangular. A partir de uma bibliografia dada, exposições em vídeo- aulas e de discussões dos grupos nos polos e no AVA, os alunos apresentaram para os demais colegas as reflexões.

Ainda na disciplina Propostas Metodológicas do Ensino da Arte II, quando foi apresentada a Abordagem da Semiótica Plástica, as

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professoras propuseram o exercício de leitura da imagem explorando o referencial da Semiótica Plástica, tendo como repertório imagético/artístico o Acervo da UFES. Os estudantes escolheram uma dentre as imagens disponíveis e com a mediação de tutores e professoras fizeram o exercício de leitura com base no referencial metodológico apresentado.

O futuro professor de artes precisa ser incentivado a conhecer a arte em seus mais diversos aspectos, linguagens ou saberes históricos, articulando prática e teoria, para que possa qualificar sua ação didática.

Importante ressaltar que os estudantes tem acesso à reprodução de obras disponibilizadas no AVA, obras estas realizadas em diversos suportes, em diversas dimensões e materialidades, resultando em leituras que podem ser modificadas quando em presença da obra. Assim, reforça-se a relevância do contato do estudante com a obra. Conhecendo virtualmente a obra o estudante faz uma primeira aproximação e ao ter a oportunidade de estar diante da obra em si poderá reestabelecer leituras. Diante das dificuldades de acesso aos espaços expositivos deste grupo e do distanciamento destes espaços da sociedade, um primeiro contato permitirá a oportunidade de conhecer as obras de uma coleção que pretende-se poder ser visitada por professores e alunos.

Para dar continuidade

Na contemporaneidade os limites territoriais se rompem, não há distância entre as pessoas e as coisas se a comunicação estiver estabelecida, se os sujeitos tiverem acesso à informação. Há uma profusão de dados circulando, restando acessá-los. Não significa uma tarefa fácil, exige mediação para acessar as informações e memórias arquivadas em bancos de dados, repositórios labirínticos da rede ou espaços museológicos.

Para finalizar este texto, retomo Colombo, quando afirma que o homem é um sujeito de memória, (COLOMBO, 1991, p.108) para inferir que a memória precisa ser acessada para que os repositórios

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não fiquem estanques e se tornem arquivos do esquecimento. Este esquecimento pode ocorrer na falta de pistas, percursos ou caminhos para a localização, e para a exploração. Compete aos formadores apresentar estas pistas e caminhos. Este retomar à obra permitido pela reprodutibilidade se constitui em uma nova relação e posicionamento da obra no presente e assim o acervo ganha outros territórios para além de seu espaço físico.

Apresentar documentários com as falas dos artistas, dos coordenadores da GAEU e GAP e trazer a memória da constituição do Acervo da UFES para o presente, permite que a memória seja restabelecida e saia do esquecimento, e que reconstitua diálogo e novas relações do passado, do presente com o futuro.

A proposta do curso é explorar as fronteiras contemporâneas da arte e tornar o aprendizado facilitado, associando a experiência vivida em seu entorno, a produção artística reconhecida, à produção artística cultural local.

As tecnologias podem auxiliar neste aprendizado, aproximando indivíduos e produção artística de forma que o indivíduo reconheça a produção de seu grupo e a produção mundial. Conhecendo o processo de criação do artista, os modos de fazer, os espaços de criação, a exemplo do documentário exibido no primeiro DVD com o artista e professor da UFES Attilio Colnago, pode-se conhecer um pouco mais de seu projeto poético, suas escolhas e percurso criativo.

Ensinar arte significa dar acesso a conhecimentos historicamente estabelecidos, promover discussões, criar ambiência de produção, conhecer e intervir na sociedade e na cultura. (GONÇALVES, 2013)

Referências

ACERVO da Galeria de Arte Espaço Universitário – GAEU. Galeria de Artes Espaço Universitário. Vitória: Edufes, 2007.

COLOMBO, Fausto. Os arquivos imperfeitos, memória social e cultura eletrônica. São Paulo: Editora Perspectiva. 1991.

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

GONÇALVES, M.G.D. e REBOUÇAS, M.M. Como tudo começou: A memória de uma coleção. In: Anais da Confaeb. 2014.

GONÇALVES, M.G.D. A formação do professor de artes na modalidade semipresencial e as tecnologias da informação. In: GONÇALVES, M.G.D. e REBOUÇAS, M.M. (Orgs.). Investigações nas práticas educativas da arte. Vitória: Edufes. 2012.

GONÇALVES, M.G.D. e REBOUÇAS, M.M. Museu Aberto: aproximações e visibilidades na escola. Coleção de Arte da UFES: criação e memória, PROEX/UFES, 2015.

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III Simpósio Internacional

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

IAVELBERG, R. Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 147-163.

Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea

ROSA IAVELBERG1

[...] Todos os pedagogos inovadores deste século, de Fröebel a Decroly, passando por Montessori, assim como os reformadores e filósofos da educação, de Rudolf Steiner a John Dewey, basearam seus projetos e programas em torno da criatividade, ou melhor, na crença da criatividade e na convicção de que a criatividade, e não a tradição, oferece o melhor ponto de partida para a educação. (DUVE, 2012, p. 44)

Dar as costas à tradição acadêmica caracterizou a postura da maioria dos artistas modernos e de suas escolas de formação. O modelo da Bauhaus (escola fundada em Weimar em 1919 por Walter Gropius) de ensino de arte, arquitetura e design, foi um marco da modernidade. Segundo DUVE (2012), historiador e filósofo da arte de origem Belga, professor emérito da Universidade de Lille 3, existem dois modelos, em oposição e frequentes, de ensino de arte nas escolas de formação de artistas: o Acadêmico e o Bauhaus.

1 Rosa Iavelberg é Professora Livre Docente do Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de

Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Autora dos livros: Para gostar de aprender arte: sala de aula

e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003; O desenho cultivado da criança: práticas e formação de

educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006; Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013; e, com

Luciana Arslan, Ensino de Arte. São Paulo: Thomson, 2006. É líder, junto à Profa. Carmen Aranha (MAC USP),

do Grupo de pesquisa Formação de Educadores em Arte (CNPq)

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1940688940065691#indicadores.

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Em relação ao ensino de arte para crianças e jovens a Escola Tradicional está em correspondência e sob influência do modelo Acadêmico de formação de artistas, enquanto que a Escola Renovada se aproxima ao método da Bauhaus. Esta escola Bauhaus influenciou, e é possível que tenha sido influenciada pelo trabalho de teóricos da arte/educação que antecederam sua fundação e valorizaram a criatividade e a livre-expressão da criança. Desde o século XIX a proposta moderna da arte/educação foi praticada em muitos países e perdurou, enquanto tendência pedagógica, até os anos 1980 no Brasil.

Viktor Lowenfeld (1903-1960) foi largamente estudado em nosso país nos anos de 1960 e 1970, sua formação artística e pedagógica deu-se em Viena onde conheceu Franz Cizek (1865-1946) - arte-educador, pioneiro moderno, cujo trabalho antecedeu o da Bauhaus. Em uma entrevista 2 Lowenfeld afirmou que Cizek cursou a graduação na Kuntgewerbeschule em 1925, Escola de Artes e Ofícios. Reitera na entrevista citada que essa escola era uma “espécie de Bauhaus” de Viena, nela Cizek ministrou um curso para crianças e Lowenfeld acompanhou as aulas do colega de 1922 a 1926 (Cf. LESHNOFF, 2013).

Duve, como vimos, situa as oposições entre o modelo de ensino da Bauhaus (criatividade) e o Acadêmico (tradição) nas escolas de formação de artistas. Suas ideias foram por nós estudadas e as oposições entre os dois modelos abstraídas da leitura de seu livro: Fazendo a escola (ou refazendo-a?) (DUVE, 2012). Alinhamos os termos que Duve opõe aos de Lowenfeld no QUADRO I, que contrastou as propostas da Escola Renovada, com as da Escola Tradicional pensando na educação em arte de crianças e jovens.

1 A entrevista autobiográfica de Lowenfeld é citada na bibliografia do texto de Michael e Morris (1984) e foi

traduzida para língua portuguesa e divulgada na internet pela Profa. Ana Mae Barbosa. Em sua abertura, Barbosa

afirma que a entrevista foi feita em 1958, por alunos de pós-graduação da Penn State University, onde

Lowenfeld ensinou e dirigiu o Departamento de Arte Educação durante14 anos. Essa tradução está disponível

em http://www.prof2000.pt/users/marca/lowenfeld.htm e a fita original, segundo Barbosa, está nos arquivos de

arte/educação da Universidade de Miami em Oxford, Ohio (USA).

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Contribuições de Thierry de Duve à arte/educação contemporânea 149

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Quadro I - Oposições de Thierry de Duve e Viktor Lowenfeld

LOWENFELD (1961, p.26, trad. nossa)

Duve, enquanto teórico contemporâneo da arte, se diferencia e antagoniza com os teóricos modernos que cita:

[...] Além do mais, todos os teóricos importantes modernos de arte, de Herbert Read a E. H. Gombrich e Rudolf Arnheim3, fizeram considerações semelhantes e dedicaram grande energia para separar a “linguagem visual” em componentes primários e demonstrar a universalidade de suas “leis” perceptivas e psicológicas. (DUVE, 2012, p. 44-45)

Lowenfeld e Cizek podem ser alvos de crítica similar à essa de Duve, pois, enquanto arte-educadores modernos, entre outras coisas, enfatizavam a universalidade da arte infantil, a percepção e os aspectos psicológicos.

Além das ênfases acima citadas, Lowenfeld se contrapôs ao estudo acadêmico e apresentou um plano de aulas para a

3 ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual, uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Pioneira/ EdUSP, 1986.

GOMBRICH, Ernest. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

READ, Herbert. Educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

Modelo Acadêmico Modelo Bauhaus

Talento Criatividade

As artes por ofícios As artes segundo os meios

Imitação Invenção

Imitação (Escola Tradicional) Autoexpressão (Escola Modernista)

Pensamento submetido ou dependente Pensamento independente

Expressão que segue um nível que não é

próprio, mas sim alheio

Expressão que está de acordo com o nível

pessoal da criança

Frustração Liberação ou descarga emocional

Inibições e limitações Liberdade e flexibilidade

Aderências a formas estabelecidas Fácil adaptação a situações novas

Dependência, rigidez, inclinação a seguir a

outrosProgresso, bom êxito e felicidade

OPOSIÇÕES DE THIERY DE DUVE NA FORMAÇÃO DE ARTISTAS

OPOSIÇÕES DE LOWENFELD NA ARTE-EDUCAÇÃO

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

arte/educação moderna, que situa o aluno como centro das decisões, com necessidades individuais que orientarão suas buscas artísticas:

O estudo acadêmico dos detalhes é completamente supérfluo dentro de um plano moderno de educação artística. A necessidade de estudar os detalhes se desenvolve a partir da necessidade individual de expressar-se. Mas esta necessidade é muito variada, individualizada e altamente subjetiva. (LOWENFELD, 1961, p. 320, tradução nossa)

A universalidade da arte infantil foi enunciada nos depoimentos de CIZEK (2010) e na narrativa sobre suas ideias contidas no livro de VIOLA (1936). Os princípios norteadores do trabalho de Cizek seguiram nas proposições de LOWENFELD (1961), porém com mais liberdade em relação aos aspectos procedimentais do fazer artístico. Tanto no seu livro Desarollo de la capacidad creadora, (1961) como na edição impressa depois de sua morte, em coautoria, LOWENFELD; BRITTAIN (1977), a criatividade foi a palavra de ordem, compreendida como capacidade potencial que todos possuem sendo passível de ser desenvolvida por intermédio da arte.

A imitação da arte, mesmo a dos pares, para assimilar suas soluções gráficas, não fazia parte das orientações modernistas, com exceção de STERN (1961, 1962, 1965). Stern nos fala de cópia entre crianças, isso é surpreendente para a época, validando, ainda que com timidez, atos de “copiar” imagens entre os pares. Stern usa a palavra “empréstimo”, exatamente como os autores WILSON; WILSON; HURWITZ (1987), artífices da arte/educação pós-moderna:

Quando uma criança “copia” o quadro de outra, isto é apenas um empréstimo que compromete unicamente a capa figurativa, e não o fundo da expressão. É por isso que um “tema” similar, tratado por duas crianças, termina em duas obras completamente diferentes. Assim, quando uma criança copia o quadro de outra, é como se lhe tivessem emprestado uma camisa ou uma calça; não é menos ela mesma por ter posto roupa diferente. (STERN, 1965, p. 15, tradução nossa)

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Entretanto, ao contrário dos arte-educadores pós-modernistas, Stern não autoriza o “empréstimo” das imagens da arte adulta, que classifica como estranhas ao universo infantil:

Se o copiar entre crianças - muito pouco frequente – não é nocivo, não ocorre o mesmo com os modelos de adultos introduzidos na expressão da criança. Esses são introduzidos como corpos estranhos, sem relação com o contexto. São convidados que não podem participar da conversa porque não falam o mesmo idioma que os demais. (Idem)

Na arte/educação modernista os meios podiam servir à expressão, mas a forma, mesmo que fosse proposto um tema para incentivá-la, era parte da manifestação criativa com prerrogativa e invenção das crianças.

Em relação à formação dos artistas e às propostas da arte/educação moderna, encontramos no texto de WICK (1989), a ideia de que a reforma liberal da pedagogia de Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746-1827), Fröebel (1782-1852), Montessori (1870-1952) e de outros foram a base da pedagogia da Bauhaus, orquestrada por Johannes Itten (1888-1967), artista suíço que, supostamente, poderia ter sofrido influência de Franz Cizek (1865-1943). Wick afirma que o mais provável, é que tenham sido as ideias vigentes no meio, no qual ambos conviveram em Viena, que afetaram as orientações de Itten na pedagogia da escola de Weimar.

Antes de trabalhar na Bauhaus de Weimar, a convite de Walter Gropius, Itten estudou na Kunstwerbeschule de Viena, Escola de Artes e Ofícios, onde se formaram Lowenfeld e Cizek que, como vimos, também tinha uma classe, orientada a crianças e jovens. Os artistas que estudaram nessa escola percorreram uma formação moderna e alguns podem ter frequentado escolas progressistas quando crianças.

A tese de que artistas modernos - Cizek foi artista do grupo de Secessão de Viena -, já estudaram em escolas progressistas, foi levantada por BORDES (2007) em livro cujo próprio título defende sua ideia – La infancia de las vanguardias: sus profesores desde Rousseau a la

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Bauhaus. Faz muito sentido refletir sobre qual foi a educação escolar recebida por aqueles que foram protagonistas da arte moderna.

Bordes (2007) aponta no sistema educativo idealizado por Friedrich Wilhelm August Fröebel (1782-1852) o momento decisivo e crucial para a concepção do desenho moderno. Foi com o trabalho de Froebel que se deu por completo o rompimento com os esquemas clássicos e ortodoxos do desenho sobre o plano para compreender-se “espacial y sólido, constructivo y modular”, mas sem abandonar as noções de representação, reflexão e análise características do desenho clássico. Noções como destreza e a relação entre pensamento e sentimento encontravam no método froebeliano um instrumento de desenvolvimento da inteligência. Preceitos desenvolvidos em sua didática, como o estudo a partir de formas cúbicas, contrastes de cores e formas e trabalhos com tecidos, serviram de estrutura conceitual para diversos métodos de desenho nas décadas que se seguiram. A obra de Fröebel teve impacto e, como que em uma síntese de outros métodos e práticas anteriores, esse pedagogo desenvolveu uma maneira de ensino do desenho reunindo diversas capacidades conquistadas ao longo dos três primeiros quartos do século XIX, estabelecendo certas bases que seriam “el terreno de cultivo para los cultivos de las vanguardias”. (IAVELBERG & MENEZES, 2013, p. 88)

As teorias da educação progressista eram acessíveis e de interesse aos arte-educadores modernistas, a exemplo das ideias de Fröebel (1782-1852), que, segundo (KELLY, 2004), foi o primeiro a falar da importância da arte e da criatividade no currículo desde a educação infantil. MICHAEL e MORRIS (1984), ao se referirem às aulas ministradas por Lowenfeld sobre História da Educação na Universidade de Ohio, afirmam que o pensamento de Fröebel e de outros pensadores progressistas foram destacados pelo professor, pois certamente estão na base de suas ideias.

Diante do que discorremos, pode-se supor que as proposições da arte/educação modernista, concretizadas por artistas como CIZEK (2010), LOWENFELD (1961) e STERN (1961,1962, 1965), junto a crianças e jovens, abriram novos caminhos educativos e se efetivaram antes, durante e depois do período da criação das escolas modernas de formação de artistas.

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Sendo assim, de nosso ponto de vista, a formação artística moderna assimilada por Cizek e Lowenfeld, tanto no contexto artístico de Viena como na Kunstwerbeschule, foi uma determinante nos modos do ensino dos dois arte-educadores. No trabalho de ambos encontramos os marcos pioneiros da arte/educação modernista: na abordagem teórica que edificaram; no texto de outros autores que escreveram sobre eles e também nas imagens da arte das crianças e dos jovens, a partir de propostas de livre expressão, documentadas na escola de Cizek e por Lowenfeld junto aos alunos que acompanhou em USA.

As imagens das crianças e jovens que produziram arte na Escola de Cizek, Juvenil Art Class, podem ser encontradas no livro de VIOLA (1936) e as de Lowenfeld no seu próprio livro, que foi editado pela primeira vez em 1947 com o título de Creative em Mental Growth.

A Juvenil Art Class, não é uma escola, é um centro de trabalho ao qual as crianças vêm por seu próprio desejo e onde elas podem trabalhar exatamente segundo seus talentos e inclinações podem levá-las. Minha tarefa educacional consiste em promover a criatividade da forma, prevenindo a imitação e a cópia. Um desenho ou outro produto qualquer de uma criança é bom, se o trabalho estiver de acordo com a idade da criança e ele todo uniforme com a qualidade de quando se é honesto e verdadeiro em cada detalhe. Os velhos mestres mostraram essas honestidade e uniformidade no mais alto grau, como por exemplo, Dürer e Rembrandt. Realmente ruim é o trabalho de uma criança que tenta pintar como adulto. (CIZEK, apud, VIOLA 1936, p. 34, 35 - tradução nossa)

Voltemos pois para Thierry de Duve, que ao criticar a orientação da Bauhaus, ainda dominante em muitas escolas de formação de artistas da atualidade, questionou dois pontos vigentes nas orientações da escola em pauta, quais sejam: a ênfase na criatividade e a descoberta das regras da arte pelo artista. Para DUVE (2012) tais pontos da formação modernista estão calcados na máxima da arte moderna “todos são artistas”, que reitera o mito da expressão pessoal, na qual cada aluno trabalha isolado. Nosso autor advoga o

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contrário, afirma que o isolamento impede que o erro de um aluno possa ensinar aos demais. Propõe, portanto, aquilo que se compreende hoje entre educadores e arte-educadores como aprendizagem compartilhada ou colaborativa.

Na orientação nascente das ideias de Duve verifica-se a necessidade de retomada de atos de transmissão nas situações didáticas junto aos artistas, para que o conhecimento possa ser assimilado a partir do que foi construído na História da Arte de diferentes culturas, e se eduque o julgamento, o conhecimento sobre arte e o fazer artístico. Para Duve, as oficinas de criação são o locus privilegiado dessas construções. Portanto, suas ideias se alinham com as proposições da arte/educação pós-modernista

[...] A experiência que proponho é de uma simplicidade infantil, pelo menos no papel. Ela valoriza as três máximas nomeadas – simulação, tradição, julgamento - que se baseiam em dois princípios de ação: é preciso “historicizar” a prática em oficina, e é preciso “esteticizar” o ensino. (DUVE, 2012, p.8)

Nosso autor propõe a estratégia da simulação como método de aprendizado para os artistas.

A simulação é um método de aprendizado, não um objetivo. Não vamos lhe ensinar a fingir ser um artista, vamos lhe ensinar a fazer como se você fosse tal artista, em seguida tal outro, como se você pertencesse a tal cultura, depois tal outra, para que ao simular isso você assimile. [...] Ao contrário da imitação, a simulação não freia a invenção, ela está fora do plano formal. Seu papel não é disciplinar, é o de despertar os sentidos latentes cuja fonte não está no indivíduo e sua criatividade, mas na tradição simulada. (Idem, p. 76-77)

Os alunos de Duve, por intermédio de suas propostas em aula, simulam, por vezes, serem renascentistas, ou seja, criam “como se fossem renascentistas”, mergulham na época, conhecem e também nela se reconhecem para entender o próprio saber fazer arte, sem alienação dos conteúdos fundantes da História da Arte. Os artistas em formação, nesse caso, fazem arte de “modo renascentista” dentro dos limites de suas possibilidades expressivas e construtivas. Sabemos que tal fatura é muito diferente de cópia de estilo ou da formação do

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artista clássico, nem traz resquícios daquela formação. Duve quer, com suas proposições didáticas, que seus alunos tenham competência para realizar julgamento estético a partir do conhecimento sobre arte

[...] Quem diz obrigação diz regra e, ao mesmo tempo, regra do jogo é valor a ser transmitido. Proponho a prática da simulação que é precisamente o que a geração criada pelo modelo Bauhaus degenerado concebe como fuga à regra. Em vez de resultar em um double blind ela formará o novo contrato. A simulação é o jogo do “como se” pelo qual nos colocamos na pele de alguém cuja cultura não é ou não é mais a nossa, no presente, contudo que permanece a nossa no passado ou se torna nossa por intermédio de mestiçagem. (DUVE, 2012, p. 79)

DUVE (2012) define a simulação como o ato de “Interpretar a arte dos outros”, processo que descreve em seus dois primeiros capítulos da obra citada.

As práticas de simulação como método da didática de formação de artistas sugeridas por Duve se aplicam e são usadas na formação dos arte-educadores contemporâneos para que possam aprender a dar aulas e para que tenham experiências de criação artística com conhecimento da História da Arte. Essas orientações didáticas nos cursos de formação inicial e continuada merecem atenção especial, para evitar que os estilos dos artistas possam ser copiados mecanicamente, deixando os professores em formação sem a possibilidade de participar como leitores ativos, interpretes, nas simulações. Desse modo, os professores de arte em formação inicial ou continuada aprendem sobre contextualização histórica da arte e são capazes de julgamento estético, por intermédio de ações artísticas.

Nas escolas de Educação Básica4 também se pode realizar simulações para os alunos aprenderem. Portanto, para além dos conteúdos das obras, a arte dos alunos nas salas de aula precisa ser 4 Além do Ensino Fundamental de nove anos, hoje a Educação Básica envolve: Educação Infantil (Creche e Pré-

Escola); Ensino Médio; Educação do Campo; modalidade Educação Especial; Educação para jovens e adultos

em situação privação de liberdade nos estabelecimentos penais; Educação de Jovens e Adultos (EJA); Educação

Escolar Indígena; Educação escolar de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância; Educação

Escolar Quilombola; Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-

Brasileira e Africana; Educação em Direitos Humanos e Educação Ambiental.

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regida pela assimilação de conceitos, procedimentos e construção de valores associados à produção social e histórica arte. Cada aluno, em conexão com os demais (artistas e pares), com apoio do professor, salvaguarda seu percurso de criação singular, influenciado pela diversidade das obras de arte.

Desse modo, a formação dos professores de arte e de seus alunos, requer fundamentação na didática. O que nos interessou na análise das escolas de formação dos artistas desenvolvida por DUVE (2012) foi verificar que suas ideias nos ajudam observar muitas questões da arte/educação. Isso porquê existe uma “invariância funcional”5 entre o artista que cria e a criança, ou seja, o processo de criação dos alunos é qualitativamente igual aos dos artistas, mas é estruturalmente diferente.

A simulação é muito diferente de cópia ou da releitura; nela o aluno precisa estar no lugar do outro, no jogo do faz de conta; a interpretação adentra a poética do outro, não é externa como quando relê ou copia a arte de outros. Essa enorme diferença nos mostra que ainda tememos que o aluno se perca na obra do outro, é preciso assimilar na nossa didática contemporânea em arte, que a experiência do “como se eu fosse daquele tempo ou movimento”, ou seja, a simulação, não privará o aluno de ser ele mesmo ainda que sob diversas influências da arte de outros que alimentarão a edificação de suas poéticas.

Professores contemporâneos que atuam na formação de artistas na linha proposta por Duve situam-se, guardadas as diferenças dos contextos didáticos, na esteira de pensamento que rege a arte/educação atual. No Brasil as práticas que incluem a arte como objeto de conhecimento da área de ensino estabeleceram-se mais largamente a partir dos anos de 1980, com indicadores diferenciados dos da livre expressão, que enfatizavam o processo, a criatividade a educação dos sentidos, o bem estar psicológico, o respeito e a preocupação com o outro e com o meio ambiente. A orientação

5 O conceito de “invarância functional” foi construído por Piaget, ao longo de suas obras.

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modernista visava a um futuro melhor para a sociedade na prática da educação através da arte.

A arte/educação moderna no período contemporâneo

O espaço da arte contemporânea – pós-moderna, para muitos – seria o espaço da arte moderna depurado de elementos espaciais não modernos ainda persistentes na sua fase de formação. A arte contemporânea seria a arte moderna sem resquícios pré-modernos. (TASSINARI, 2001, p. 10)

O que restou do moderno na arte/educação contemporânea ou pós-moderna e o que deixamos de fato para trás? No que inovamos e o que apenas transformamos daquele período?

Muitos daqueles que deram aulas de arte para crianças com base na livre-expressão, hoje realizam proposições pós-modernistas e sabem que muitas das orientações didáticas praticadas nos anos de 1960 e 1970 seguem atualizadas até hoje. Contemporaneamente, das práticas modernistas, entre outras coisas, abandonou-se a livre-expressão e o distanciamento da criança dos trabalhos dos artistas, mas se manteve o desenvolvimento de um percurso de criação individual, agora alimentado pelas aprendizagens oriundas do contato sistemático com a produção social e histórica da arte, realizado por intermédio de intervenções didáticas nas escolas ou fora dela em museus, instituições culturais, mostras, exposições, arte de rua, internet, livros, etc para a compreensão e leitura crítica (capacidade de julgamento) da arte.

Destarte, a criação dos alunos ganha outros contornos, mais abrangentes, incluindo a influência da arte, por intermédio de conhecimento de objetos artísticos e da aprendizagem que ocorre na interação entre as crianças.

Conhecer a arte do outro (artistas e pares) para compreender o sistema da arte, saber contextualizar poéticas e emitir julgamentos críticos sobre elas, na contemporaneidade, não é um exercício de submissão de quem aprende arte, tanto de alunos como de professores em formação, ao contrário, é um caminho para a autoria

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artística e para a formação histórica e crítica na interação com as poéticas. A arte/educação contemporânea opera com dois vetores em interação permanente: o fazer e o compreender a arte sabendo contextualizá-la.

Podemos nos aperfeiçoar conhecendo as ideias de Duve, pois elas lançam muitos desafios aos arte-educadores quando verificam o diálogo que pode haver entre a formação dos artistas e a arte/educação.

[...] No dia seguinte, passamos à crítica dos trabalhos e o professor (o primeiro) trouxe com ele um grande livro de Mondrian. Ele discorre bastante sobre o tema, apaixonadamente, mesmo, e anuncia o exercício seguinte: “Agora façam um Mondrian que Mondrian não tenha feito”. (DUVE, 2012, p. 84)

A aprendizagem escolar requer do ensino orientações em oficinas de criação, contato direto com arte, informações sobre arte e procedimentos artísticos. Se o aluno aprende incluindo saberes sobre a produção e as práticas sociais existentes no mundo da arte, quando for jovem não bloqueará seu percurso criador, poderá gerar poéticas próprias, pois essas se alimentam da diversidade da produção social e histórica da arte, apresentada, ao invés de mediada, pelo arte-educador nas atividades por ele propostas.

Isso tudo certamente permanecerá como um tesouro dos alunos findo o período escolar, do mesmo modo que a formação em escolas básicas progressistas, desde os primeiros Kindergarten (1837), que promoveram uma geração de artistas modernos livres para criar, entre outras áreas, nas artes visuais, no design e na arquitetura moderna na primeira metade do século XX. Logo, acreditamos que a educação escolar em arte pode implementar a futura vida artística dos alunos e mesmo a História da Arte.

The Froebel Gifts de 1-6 Solids, é um pequeno livro feito para a loja existente na casa na qual morava e tinha ateliê o arquiteto Frank

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LIoyd Wright.6, esse projeto arquitetônico é aberto à visitação na Cidade de Chicago. Na publicação que citamos acima, BULTMAN (2014) nos conta como a formação de Wright foi influenciada pelos materiais propostos por Fröebel, os Gifts, conjuntos de diversos pequenos sólidos geométricos de madeira para as crianças fazerem construções. A palavra Gifts nasce da ideia de que eram feitos para as crianças participarem de atividades prazerosas e lúdicas, verdadeiros ‘presentes’, seguindo a tradução do vocábulo na língua portuguesa.

Minha mãe achou os Gifts. E gifts (presentes) eles foram. Junto com os Gifts estava o sistema... E sentei na pequena mesa do Jardim de Infância... e brinquei... com o cubo, a esfera e o triângulo – esses eram os delicados blocos de madeira...Todos estão em meus dedos até hoje. Logo tornei-me suscetível para padrões construtivos envolvidos em tudo que via. Aprender a “ver” desse modo e quando o fiz, não ligava para desenhar a natureza incidentes casuais da natureza. Eu queria fazer design. (WRIGHT, Frank Lloyd 7, apud. BULTMAN, 2014, P.1, tradução nossa)

A educação moderna, centrada no aluno, tem princípios que não devem ser descontruídos na contemporaneidade; para que o aluno siga sendo aquele que cria por si, não mais na linha da livre expressão, pois a arte das crianças e jovens hoje pode ser promovida por intermédio de intervenções didáticas dos professores, que trazem informações e imagens para as crianças e as habilitam para o uso informado dos materiais e instrumentais, oriundos do universo da arte. Como objetivo temos o respeito à lógica da infância e dos jovens no espaço onde eles desenvolvem suas criações e reflexões em arte, agora de modo cultivado, e informados pelas culturas.

Ao fazer e aprender sobre arte os alunos se expressam e, não só realizam construções correspondentes às suas capacidades, mas também descobrem oportunidades de aprendizagem quando o ensino dialoga com os modos do aprender; e esse respeita as hipóteses e as

6 Em seu livro História de los juguetes, BORDES (2012) desenvolve em profundidade as relações entre jogos

construtivos, presentes na Educação Básica de artistas e arquitetos que estudaram em escolas modernas quando

crianças como a alma de um pensamento artístico que marcará a arquitetura e a arte modernas. 7 Wright, Frank Lloyd. A Testament, New York: Horizon Press, 1957.

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habilidades de ação das crianças e jovens em relação aos objetos de conhecimento.

A tese de que havia fases do desenvolvimento na arte espontânea praticada sob orientação das propostas da livre-expressão, foi guiada pelas rédeas da criatividade e da universalidade da arte dos alunos da Educação Básica. Desse modo, foram estruturadas as fases do desenvolvimento artístico espontâneo, descritas por vários autores modernistas da arte/educação, entre outros: VIOLA (1944) que narra as fases descritas por Cizek, LUQUET (1969) e LOWENFELD (1961).

As proposições da arte/educação modernista coincidiam com as ideias que regulavam a formação do artista moderno, que enunciou Duve, porém hoje essas são insuficientes para promover o desenvolvimento pleno tanto dos artistas como dos alunos. Tal desenvolvimento agora se dá na interação com a arte e não apenas com o próprio trabalho. Na educação escolar isso nos remete aos currículos contemporâneos nos quais a arte é um objeto de conhecimento central com conteúdos das ordens cognitiva, procedimental e dos valores que integram o sistema da arte. Isso pontua nossa responsabilidade, enquanto arte-educadores, a respeito do reconhecimento sobre a necessidade de formação em educação, em arte e em arte/educação dos professores e gestores para atuar em diferentes contextos educativos.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

IAVELBERG, R. ; GRINSPUM, D. Escola e museu: lugares do aprender artes visuais. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 165-179.

Escola e museu: lugares do aprender artes visuais

ROSA IAVELBERG1 & DENISE GRINSPUM

2

Propomos neste trabalho uma reflexão sobre os contextos de aprendizagem de artes visuais dada a necessidade de análise sobre a integração entre os procedimentos didáticos contemporâneos nos espaços escolar e museológico. Nesta esteira de pensamento, trataremos da assimilação pelos alunos dos conteúdos das artes visuais, advindos das práticas sociais e históricas de seus agentes, artistas, críticos, filósofos, curadores, museólogos, historiadores e educadores.

1 Rosa Iavelberg é Professora Livre Docente do Departamento de Metodologia de Ensino da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Autora dos livros: Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003; O desenho cultivado da criança: práticas e formação de educadores. Porto Alegre: Zouk, 2006; Desenho na educação infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013; e, com Luciana Arslan, Ensino de Arte. São Paulo: Thomson, 2006. É líder, junto à Profa. Carmen Aranha (MAC USP), do Grupo de pesquisa Formação de Educadores em Arte (CNPq) http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1940688940065691#indicadores 2 Denise Grinspum é Graduada em Licenciatura em Educação Artística pela FAAP (1981). Realizou o

mestrado em Artes (1991) e doutorado em Educação (2000), ambos pela Universidade de São Paulo. É Assessora Técnica dos Museus Castro Maya/Ibram/MinC. Implantou a Área de Ação Educativa do Museu Lasar Segall (1985-2002) e foi Diretora dessa instituição (2002-2008). Foi Gerente Geral do Instituto Arte na Escola (2008-2010), Presidente do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus (Icom, 2010-2012) e trabalha com formação de professores em cursos de especialização desde os anos 1990. http://lattes.cnpq.br/0087710881975586

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166 Rosa Iavelberg & Denise Grinspum

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Para pensarmos a relação entre a escola e o museu de arte na contemporaneidade, junto a alunos do Ensino Fundamental e Médio, vamos considerar que tanto a escola quanto o museu precisam assumir teorias e práticas do ensino da arte para orientar as situações de aprendizagem que transcorrem em seus respectivos espaços. Estas envolvem conteúdos e orientações didáticas da área de conhecimento Arte, para que se possa promover sua aprendizagem.

A participação cultural, política e social do aluno no mundo trará o eco da perspectiva educativa da área de Arte em escolas e museus, ou seja, as intenções subjacentes aos planejamentos da aprendizagem que orientam o “para que” e “como” ensinar. Uma boa situação de aprendizagem nas duas instituições passa por conteúdos planejados por educadores, que precisam de mobilidade frente à necessidade de sintonia com a cultura que os alunos trazem consigo, as interações entre eles, seus modos de aprender, interesses e motivações.

Dados os limites deste texto para um assunto tão vasto, nos ateremos a recortes cuja tematização nos parece relevante à didática da arte na contemporaneidade na interação entre escola e museu. Aqui defenderemos também a ideia de que os conteúdos dos temas transversais, quais sejam, as questões sociais da atualidade presentes nas poéticas, não devem prevalecer ou ocupar totalmente o lugar do que vai ser ensinado na escola e no museu. Hoje, este desvio no tratamento dos conteúdos é recorrente nos projetos de trabalho e sequências de atividades. No planejamento das ações didáticas, muitas vezes, a trama entre arte e seus léxicos de questões sociais que estruturam o tecido de muitas poéticas, os temas transversais, merecem ser tratados, entretanto, sem que se sobreponham ou eclipsem os conteúdos artísticos e estéticos em jogo nas situações de aprendizagem no museu e na escola, para que os alunos compreendam e desfrutem a arte e seu próprio fazer.

Assim sendo, os conteúdos dos temas transversais serão considerados em seu entrelaçamento na poética. Interessa saber na

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sala de aula e no museu, por exemplo, como o artista paulistano Nuno Ramos ordena, em sua instalação 111, símbolos que remetem ao massacre do Carandiru. Como afirma Mammì (2012, p. 309),

A multiplicação de símbolos (as 111 pedras, as grandes cruzes, o sarcófago, o texto ilegível na parede, as caixinhas com os versículos queimados, a terceira cruz feita de caracteres tipográficos, os fragmentos de jornal no primeiro ambiente; as fotos aéreas e as nuvens de vidro e fumaça no segundo) contrasta com a impossibilidade de dizer algo. [...] Em 111 se reconhece uma mecânica costumeira nas obras de Nuno: o excesso de informações bloqueia a comunicação e produz um silêncio extremamente eloquente.

A instalação propicia múltiplas experiências de fruição simultaneamente sinestésicas, estéticas e éticas e de retomada de consciência das temáticas sociais que a perpassam. O episódio do massacre, brutalmente estampado nas capas dos jornais à época, não é literal na obra do artista. Seus recursos de linguagem são essencialmente artísticos. Em outras palavras, tematiza-se no estudo desta obra de Nuno Ramos a força da forma poética que abraça seus conteúdos como os já citados por Mammì (as 111 pedras, as grandes cruzes, o sarcófago, o texto ilegível na parede, as caixinhas com os versículos queimados...).

O contexto da ocorrência de um fato perverso e violento é parte intrínseca do trabalho, entretanto, o contato do professor de arte e de seus estudantes para fruir a instalação in loco3, ou no estudo dela na escola, não o faz desviar da análise dos elementos simbólicos constituintes das linguagens visual, textual, corporal que a obra provoca nos alunos para problematizar apenas as questões políticas e sociais ali presentes. Isto significaria deixar a poética de fora, privando os alunos da experiência estética.

Para Hargreaves, segundo Taylor (1986), na experiência estética destaca-se a necessidade de quatro elementos: 3 A instalação foi apresentada pela primeira vez em 1992, na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, e, no ano seguinte, novas versões foram mostradas na Galeria de Arte Raquel Arnaud, em São Paulo, e na 22ª Bienal de São Paulo.

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O primeiro é uma forte concentração e atenção. O indivíduo se torna totalmente tomado e absorvido pelo objeto artístico. [...] O segundo elemento é um senso de revelação. A pessoa tem um senso de uma nova e importante realidade sendo aberta, de entrada em um novo plano de existência que parece real. Um sentido em contraste com a vida cotidiana do dia a dia ganha destaque e é acompanhado de uma profunda perturbação emocional. [...] O terceiro elemento é a falta de articulação. Os indivíduos se sentem incapazes de expressar em palavras o que aconteceu, tanto para si mesmos, quanto para os outros. [...] O quarto elemento é o despertar do apetite. “O indivíduo simplesmente quer que a experiência continue ou seja repetida. E isto pode ser sentido com urgência considerável”. (Hargreaves4 apud. TAYLOR, 1986, p. 22-23, tradução nossa)

A experiência estética de cada um frente à arte não pode ser desviada de seu curso por uma transposição didática que interrompe a presença do aluno enquanto fruidor frente aos objetos artísticos. Para que tenhamos as vozes de alunos que aprendem como quem participa do universo da arte na escola e no museu é necessário que o diálogo do professor de arte que introduz conteúdos cuide que cada aluno possa viver a leitura da obra como um ato de criação. Isto também vai contribuir na aprendizagem do fazer artístico.

Na escola, Arte é disciplina obrigatória e uma ida ao museu é uma situação importante de compreensão e fruição no estudo da arte. Mesmo com acesso ampliado a obras a partir da internet, defendemos que a experiência direta com arte em museus, espaços expositivos, possibilita um tipo de conhecimento específico do aluno sobre o sistema que envolve a produção artística. A ideia de frequentação a espaços expositivos, em larga escala, é objeto da educação escolar, desde o final dos anos 1980 no Brasil, em consonância com

4 HARGREAVES, D. H. The teaching of art and the art of teaching: towards an alternative view of aesthetic learning. In: HAMMERSLEY, M.; HARGREAVES, A. (eds.). Curriculum practice: some sociological case studies: London, Falmer, 1983.

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experiências internacionais na área e com os avanços da educação construtivista.

O aluno na escola vive uma experiência de aprendizagem diferente da experimentada no museu. Não há regras para o professor realizar a interface entre escola e museu e, apesar da importância do planejamento da ida, esta pode ser tanto o ponto de partida de um projeto como ocorrer no meio ou mesmo próximo do final. Para sair do que já é consenso entre muitos professores de arte que adotam as orientações do ensino e da aprendizagem contemporâneas, vamos tratar dos conteúdos de uma visita ao museu com a escola que transcendem as questões de compreensão estética.

Como despertar o gosto pela arte e o conhecimento sobre ela em um contexto didatizado na escola e no museu? A chave reside na constatação do que se quer ensinar nos contextos escolar, museológico e na abertura à atividade autoral do aluno frente à arte no aprender. O fruto dessas aprendizagens é bagagem que o aluno levará consigo para desfrutar e incluir arte em sua vida conhecendo sua história, diversidade e contemporaneidade.

Isso só acontecerá se a didática da arte na escola e no museu respeitarem os modos de aprendizagem do aluno e se, nas duas situações de ensino, ele tiver oportunidade de aprender e criar conhecimento na interação com o professor e junto aos pares. Esta modalidade de aprendizagem compartilhada, de modo coletivo, onde cada aprendiz tece suas hipóteses sobre o que está sendo estudado, promovida tanto por professores de arte quanto por educadores de museu, faz do diálogo entre o ensinar e o aprender um espaço de trocas simbólicas e intelectuais, seja no fazer como no fruir, corroborando para o entendimento de que arte se aprende criando ideias novas para si mesmo, articulando o “saber fazer” ao “fazer saber” tendo discernimento sobre fatores conceituais, técnicos e sensíveis dos objetos de arte.

O modelo de aula de arte na escola que apenas responde a perguntas feitas pelos alunos e os deixa livres para se expressarem

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sem intervenção do professor com conteúdos provenientes da produção social e histórica da arte, pressupõe que não se pode ensinar. Este paradigma segue a ideia da criação individual espontânea, escolanovista, da aprendizagem pela descoberta, mesmo na presença de obras de arte, e contradiz as práticas de ensino e aprendizagem contemporâneas. O “medo de ensinar” advém da identificação da palavra ensino com o modelo transmissivo da escola tradicional, completamente diferente das propostas construtivistas contemporâneas, nas quais não se teme que o aluno pare de pensar e criar diante de um professor que ensina, ou seja, faz mediação de conteúdos, tanto no campo da produção de ideias quanto nos processos de criação em arte.

O ensino de arte sempre guardou, de certa forma, a filosofia, a concepção de arte e os procedimentos dos artistas de cada época. E a aprendizagem colaborativa, entre os pares de alunos, digamos, segue, sem deixar de lado a subjetividade de cada um deles, a marca da organização hoje presente no próprio meio da arte, nas produções de coletivos de artistas, mas não anula o papel do professor como aquele que promove o conhecimento com intervenções didáticas que respeitam os modos do aprender; temos sim, e isto é um fato positivo, na escola e no museu contemporâneos, uma herança modernista na manutenção de uma relação menos hierarquizada e opressiva, mesmo entre as equipes de profissionais, que respeita a perspectiva da criança e do jovem.

Do mesmo modo, a ruptura com as hierarquizações no sistema da arte nos chega por Duchamp, mas esta herança já foi prática dos impressionistas (MAMMÌ, 2012) resistentes aos dogmas dos salões. Tais práticas avançaram na desconstrução de papéis instituídos para puro exercício do poder e do poder econômico.

Numa época em que já se aprende em plataformas digitais nas escolas, criando conhecimento novo, compartilhando ações com os pares, uma aula de arte ou ida ao museu onde o aluno precisa apenas descobrir por si os conteúdos, onde não existe um planejamento do

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que se poderia ensinar a partir do conhecimento que os alunos possuem, sem dúvida é um retrocesso e um desperdício de tempo didático. Na escola e no museu é importante trabalhar conteúdos de arte (DUVE, 2012) e garantir existência de propostas que promovam a investigação individual do aluno dentro de um projeto, por intermédio do levantamento de perguntas que ele quer responder. O avesso disso é não dar acesso a informações fundamentais para que o aluno possa, ao assimilá-las, responder às próprias questões e avançar em seus conhecimentos no fazer e saber pensar sobre arte de maneira autoral e informada.

Os museus na interface com as escolas sem medo de ensinar

A visita a um museu nos permite a aproximação do sistema da arte e da cadeia operatória museológica que, segundo Cristina Bruno (1996), resume-se principalmente nas ações de salvaguarda e comunicação, entendendo salvaguarda como aquisição, documentação, conservação e armazenamento, e comunicação como exposições e todas as ações de mediação entre as coleções e os públicos.

As exposições são em si um ambiente de aprendizagem, no qual se pode conhecer as intenções curatoriais, as narrativas construídas, os percursos planejados. E o aluno precisa ser informado sobre fatos e ações contidos em uma montagem de exposição e que tipo de ordenação pode-se vivenciar em uma visita.

Em outras palavras, as obras desfrutadas em uma exposição e tudo o que se faz para expô-las são aspectos indissociados, afetam-se mutuamente e dizem respeito aos conteúdos da aprendizagem em uma visita ao museu.

Se a escola tem seu currículo, poderíamos pensar analogamente que cada museu também o tem. E nele há conteúdos visíveis e invisíveis. As questões ligadas à salvaguarda não se evidenciam tão claramente nas exposições. A maneira como um desenho, por

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exemplo, é emoldurado em papel de pH neutro, com materiais inertes, ou a quantidade de luz que incide sobre ele ou os dispositivos de segurança distribuídos no espaço são, entre outros, alguns dos recursos que não entram na lógica do discurso estético. No entanto, fazem parte de um conjunto de conteúdos que discriminam as diferenças entre o ambiente de aprendizagem na escola e no museu, pois tratam indiretamente das questões ligadas à preservação do patrimônio. Elas acabam por se constituir em eixos interdisciplinares, que perpassam os conteúdos de uma visita a um museu de arte, sem nublar a cena dos conteúdos das poéticas.

A exposição, por sua vez, apresenta uma série de elementos que intencionalmente devem se constituir em um campo de aprendizagem, tendo em vista que:

no espaço expositivo aprende-se tendo objetos como fonte primária de conhecimento;

a exposição ordena objetos no espaço articulando um discurso ou narrativa;

os textos escritos ajudam a defender ideias ou conceitos de narrativas possíveis;

o papel da mediação educativa é propiciar que o visitante desenvolva autonomia, que crie uma autoria de sentidos no diálogo com as experiências do discurso curatorial;

o visitante precisa ter condições de reflexão sobre o que vê e domina de informação;

o visitante precisa ter voz. Seu saber deve ressoar como possibilidade de compreensão a todos visitantes.

A valorização da memória, da percepção, da fala e da relação sensorial de quem visita uma mostra é o ponto de partida na interlocução entre o educador do museu e seu público.

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O currículo do museu é aberto porque as intenções de ensinar visam ao aprender e confrontam-se com o instante dos que aprendem. Portanto, as ações educativas de museus voltadas para as escolas devem ter seus objetivos claramente definidos. A tarefa de mediação, porém, requer que o educador de museu reoriente constantemente os conteúdos de aprendizagem em torno do objeto artístico, levando em consideração o contexto expositivo e a possibilidade de diálogo com ele, tendo como ponto de partida os saberes prévios dos estudantes.

As escolas e museus são corresponsáveis pela aprendizagem

É expectativa da educação escolar que a visita a espaços expositivos possibilite maior apropriação dos conteúdos da arte, para além dos estudos e práticas artísticas realizados na escola. Uma ida ao museu favorece aprender que o contexto da produção e difusão da arte é composto, de um lado, por profissionais que perpetuam o sistema da arte envolvendo artistas, curadores, críticos, mercado e colecionadores, e, de outro, por um time de profissionais que desenvolvem ações específicas de salvaguarda e comunicação, como conservadores, pesquisadores, documentalistas, curadores, programadores visuais e educadores. Nesse caso, o principal interlocutor dos alunos que frequentam museus é o educador que ali trabalha.

Em uma visita de escolares ao museu, dois educadores de instituições distintas podem agir de muitas formas, compartilhando responsabilidades específicas que garantam um ambiente de aprendizagem, com objetivos preestabelecidos, mas permitindo a reconstrução de percursos de acordo com os resultados que o jogo de interação entre os estudantes, o mediador e os objetos expostos apresentam em cada encontro. A especificidade da experiência de cada currículo, escola ou museu marca a reflexão e complementa as ações.

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A intervenção didática na escola e no museu

É importante saber como museu e escola orientam didaticamente a interação do aluno com as obras e quais conteúdos estão em jogo no confronto com o objeto artístico. Há três momentos no tempo didático da visita aos museus: o antes, o durante e o depois da visita. Essa visão não pontual da visita prevê um planejamento que responde às demandas curriculares em andamento na sala de aula de cada professor com seu grupo de alunos.

Assim sendo, o agendamento prévio insere-se no levantamento de demandas de aprendizagens específicas, contextualizadas no trabalho de sala de aula, que podem ser tratadas em associação com o que é oferecido pelo setor educativo do museu a cada mostra.

Esse tipo de visita partilhada, que atende às necessidades do currículo escolar e aos roteiros facilmente adaptáveis pelos educadores de museus, cria uma interface ideal, que pouco ocorre na prática em função do grande número de escolas; de professores carentes de formação suficiente em arte para esse tipo de planejamento; das dificuldades de locomoção e transporte por parte das escolas; da existência de poucos educadores permanentes em museus, entre outras causas que podem prejudicar o trabalho de parceria entre o museu e a escola.

Assim como as exposições constituem-se nos principais veículos de comunicação dos museus e, portanto, no ambiente central de aprendizagem, os momentos de leitura de obra de arte em grupo, com a mediação de educadores, consistem no mais importante recurso didático para que a participação autoral dos alunos emerja em falas e interações que podem ser provocadas, instigadas, expandidas e acrescidas de conteúdos mediados pelo educador na medida das possibilidades assimilativas de cada grupo.

A intervenção didática no museu e na escola, como estratégia de transformação dos saberes iniciais dos alunos para níveis mais aperfeiçoados de saber sobre e fazer arte, requer orientações didáticas que articulam os modos de aprendizagem em arte com a natureza ou

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tipologia dos conteúdos que podem ser trabalhados em um projeto pontual comum entre museu e escola.

Leitura de obras de arte no contexto escolar e museológico

Ousamos afirmar que, perante a obra no museu e perante as reproduções na escola, tanto o professor quanto o educador de museu atuam para ensinar conteúdos ainda não assimilados pelos estudantes e que não podem ser deduzidos pela simples experiência dos planos sensorial e perceptivo. A instigação à reflexão e à assimilação de conhecimento nas diferentes ações de aprendizagem do projeto que articula escola e museu transforma, de modo progressivo, o conhecimento artístico e estético dos alunos. A autoria do aprendiz não desaparece nas ações de fazer e ler arte, mas ganha forma de diálogo com saberes socialmente estruturados, intencionalmente selecionados e direcionados a sua participação crítica e desenvolvimento no mundo e no universo da arte.

O respeito ao repertório sobre arte trazido pelo aluno na situação de aprendizagem, seja no museu, seja na escola, é ponto de princípio e sua inclusão no diálogo que se estabelece para trazer novos conteúdos precisa ocorrer como fato da aprendizagem.

Tal princípio norteador enunciado pela epistemologia contemporânea supõe, nas palavras de Emília Ferreiro em seus estudos sobre a atualidade de Jean Piaget (2001), que nas situações de aprendizagem se leve em conta a construção que o aluno realiza em sua atividade, porque seu saber está relacionado às próprias experiências e oportunidades de aprendizagem na escola e fora dela.

Nas experiências de interação que têm como fator a aprendizagem reitera-se que o contato sistemático com arte no fazer e conhecer perpassa a interação do aluno com portadores de informações de qualidade (objetos artísticos; vídeos; narrativas dos educadores sobre arte; materiais de apoio didático; consultas bem orientadas na internet, bibliotecas, livros; textos escritos por artistas e outros profissionais da arte, etc.). O acesso a essas fontes é

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promovido pelos professores de arte com intenção formativa. O mesmo, cremos, aplica-se às aprendizagens em arte na escola e no museu.

No museu, além de acolher o repertório prévio, o mediador necessita apontar para os aspectos construtivos da obra, dando condições de se visualizar elementos formais como cor, luz, contraste, composição de planos, texturas, entre outros, além de apresentar informações que não emergem apenas da observação, tais como quem é o artista que a produziu, a técnica utilizada, as fontes que serviram de referência e o seu contexto histórico. Todo esse rol de conteúdos é transformado em conhecimento para si pelo aprendiz. Desta maneira, cabe entender como quem aprende constrói suas hipóteses e como sua percepção e capacidade de construir narrativas interpretativas se alteram continuamente. Sob esta premissa, Abigail Housen (2011) construiu sua teoria de compreensão estética, investigando como uma pessoa elabora o significado e quais são os pensamentos momento a momento na experiência estética.

A minha abordagem para compreender a experiência estética tem sido perguntar como que uma pessoa elabora o significado. Quais são os pensamentos momento a momento da experiência estética?

[...]

[...] é um pressuposto meu que uma abordagem construtivista e de desenvolvimento é o melhor guia para a apreciação estética. Basicamente, esta premissa postula que o ensino adequado implica mais do que transmitir informação pré-digerida que não é relevante para o aluno. A aprendizagem do aluno ocorre quando o discípulo faz activamente novas construções, elaborando novos tipos de significado em novos moldes. (HOUSEN, 2011, p. 151-152).

No que se refere à arte contemporânea, entre outras coisas, a mediação requer conhecimento do professor sobre conteúdos das obras, poética dos artistas e compreensão das relações entre o trabalho e o espaço expositivo.

Hoje, a formação de quem ensina arte para crianças e jovens exige contato, experimentação e conhecimento de arte tanto para arte-educadores de museu quanto para os da escola, além dos saberes

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advindos das teorias da educação e da arte contemporâneas. Mudam os componentes curriculares das formações destes profissionais quando se adentra o universo da didática e da arte contemporânea. A experiência estética, por exemplo, pode ser acrescida, de modo mais incisivo, pelas experiências ética e política. Um professor ou mediador necessitará estabelecer boas relações entre artes, história, ciências políticas, literatura e filosofia.

Importante destacar que, para que o aluno viva uma experiência de coerência epistemológica quando sai da escola para ir ao museu, é necessário que os dois educadores envolvidos compartilhem um ponto de vista sobre os modos de ensino e aprendizagem coerente com cada contexto educativo.

Um educador que atua no paradigma escolanovista em parceria com outro que trabalha no construtivista contemporâneo leva o aluno a não saber como estabelecer relação com a arte, porque nas experiências museu/escola ele também aprende sobre seu aprender na área de Arte, metacognição, e sobre ele mesmo como aprendiz que edifica sua identidade artística. Deixar alunos apenas à deriva no espaço do fazer e pensar sobre arte na escola ou no museu, ou seja, deixar o aluno fazer e fruir por si, não está descartado das propostas construtivistas contemporâneas, mas é preciso que os momentos de atividade autoestruturadas se alternem com outros propostos pelos professores. (MÈIRIEU, 1998; IAVELBERG, 2010). Assim, uma bagagem de saberes promove navegações sem naufrágios, que garante uma bússola que permite aos alunos competências e saberes de fatura e leitura de arte. Isto só se efetivará se o fluxo das aprendizagens em artes visuais puder gerar discernimento e sentido na experiência com arte dos alunos.

A resistência à saída do ensino modernista em arte-educação também ainda é detectada em museus, instituições culturais e escolas formais, bem como nas escolas de formação de artistas, e, quando lemos Thierry de Duve (2012), até pensamos que a arte nas escolas e

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museus junto à Educação Básica avançou mais que algumas proposições de formação de artistas narradas pelo autor.

Conclusões

A interface entre a educação na escola e a educação no museu colabora sobremaneira com a formação dos alunos em arte. Assumir a perspectiva da interação que propomos neste artigo supõe a necessidade de uma coerência epistemológica e afinidade de princípios entre as duas práticas.

Soma-se aos pressupostos aqui desenvolvidos considerar que a formação docente em arte caminha junto à valorização da profissão e requer políticas públicas de aplicação das leis e adequação curricular de carga horária para as linguagens da arte na execução dos documentos oficiais obrigatórios da educação escolar. Portanto, aqui abordamos um proposição didática que dialoga com o conjunto de fatores que compõe o sistema escolar e o museológico. Reconhecemos, para que possamos executar em grande escala a proposição da educação construtivista aqui desenvolvida, que ainda temos apenas horizontes, mas que merecem lentes de aproximação para serem visualizados.

Referências

BRUNO, Cristina. Museologia: algumas ideias para a sua organização disciplinar. Cadernos de Sociomuseologia: Revista Lusófona de Museologia, n. 9, 1996.

DUVE, Thierry. Fazendo a escola (ou refazendo-a?). Chapecó (SC): Argos, 2012.

FERREIRO, Emília. Atualidade de Jean Piaget. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

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GRINSPUM. Denise. Educação para o patrimônio: museu de arte e escola; responsabilidade compartilhada na formação de público. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.

HOUSEN, Abigail. O olhar do observador: investigação, teoria e prática. In: Educação estética e artística: abordagens transdisciplinares. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, pp. 149-170.

IAVELBERG, Rosa. O museu como lugar de formação. In: ARANHA, C.; CANTON, K. (Orgs.). Espaços de mediação: a Arte e seus públicos. São Paulo: MAC USP/PGEHA, 2013.

______. O pêndulo didático. In: SILVA, Dilma de Melo (Org.). Anais – VIII Congresso de Estética e sua História: Inter Trans Disciplinaridade no Estudo da Arte e Cultura. São Paulo: MAC/USP/PGIU, 2010, pp. 59-65.

______. O ensino de arte na educação no Brasil. In: Revista USP: edição comemorativa dos 25 anos, Educação, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2013-2014, pp. 47-56.

MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: arte e crítica de arte. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

MEIRIEU, Philippe. Aprender... sim, mas como? 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

TAYLOR, Rod. Critical response and development. Harlow, England: Longman, 1986.

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III Simpósio Internacional

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação 2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

LAVEN, R. Franz Čížek and the Viennese Juvenile Art. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 181-202.

Franz Čížek and the Viennese Juvenile Art

ROLF LAVEN1

Introduction

The reformer Franz Čížek (1865-1946) is considered by worldwide experts in his field to be a pioneer in art education. As an eminent inspirer and mentor he had an influence on the development of current art education practices. He was a catalyser for reform

pedagogical and artistic innovation. Čížek, who dedicated his life to “research on psychogenic creation”, had many followers and imitators, particularly in the English speaking realm. The relationship between art and pedagogics, the history of which is marked not only by tensions between varying views on perception, but also by the

productive exchange of ideas, can be seen clearly in Čížek’s lifework. This work included the development of Viennese Kineticism and the leadership of art classes for children and youths. Through his activities

Čížek, who was extensively artistically trained, was able to broach the issue of this rift and in the end he was able to transcend the division of the two disciplines within his sphere of influence. He

1 Rolf Laven was born in Germany. He studied Sculpture in Maastricht/NL (Rijkshogeschool:

Academie Beeldende Kunsten) and Vienna (Universität: Akademie der bildenden Künste), graduating in 1998. He finished his studies also with a Master Diploma in 1995 as a Masters in Visual Arts Education and his phd Dissertiaton in 2004. Today, he is Full Professor at the Department for Secondary Schools, University of Teacher Education in Vienna / Austria.

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wanted his own actions to be seen as creative artistry: “I am an artist and my venue of art cultivation (…) should not become a school! (…) I am not a pedagogue, but rather a waker, provoker, stimulator

and catalyser!” (Čížek, 1946, o.S.).

Figura 1 - “Franz Čížek, 1934”2

In his art class for children and youths, which quickly gained worldwide fame, a large number of interested Viennese children and youths were given the opportunity to produce creative artistic work in a well-planned environment over a period of decades. Although the timing for this artistic experiment, which for following generations was superficially understood purely as a pedagogical intervention, was right, overlaying realities caused by societal and

political countercurrents were created. In Franz Čížek‘s biography the radical changes are reflected: His life spans a time period from the

2 All 5 Images were made by Rudolf Johann Bohl, 1934, courtesy Wien Museum Karlsplatz.

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monarchy and the “Gründerzeit” (a time of rapid industrial expansion) to the First Republic with the strengtening of “Red Vienna”. In this time he implemented his reforming ideas, which he continued until the corporative state and the Nazi regime brought his work to a complete standstill. He died in 1946 at the age of 81 – blind, isolated and completely destitute. In Vienna, the city of his work, this pioneer has now been forgotten. On the occasion of his 70th birthday on June 16, 1935 the daily newspaper the “Wiener Tag” (Viennese Daily) predicted a great future for him:

When the pantheon of great Austrians whose actions benefitted the

world and their homeland is erected, Franz Čížek cannot be left out. (…) what Pestalozzi was for Switzerland, (…) and Maria Montesorri for Italy; that is what he was for Austria. For youths, one of the great emancipators from antiquated constraints. (Ermers, 1935, p. 8)

The discovery of the affective expression in children

In a time when drawing or art lessons were based upon doctrine, correction, examination and classification, when the curriculum called for the submission of copies, in which the exact reproduction of what was seen was expected, spontaneous and independently developed drawings were dismissed as banal scrawlings. Still, since the end of the 19th century researchers at various places throughout Europe were engaged, independent of one another, in the study of the psyche and the creativity of the child. The psychological interpretation of children’s drawings and their ethnological comparability were of central significance.

The first speculations in regard to the spontaneous drawings of children were published by the Englishman Ebenezer Cooke in the “Journal of Education” in 1885. In connection with a new orientation on drawing instruction based upon Pestalozzi and Fröbel he tackled the concept of template drawing or copying because this method did not give due consideration to children’s elementary powers of creativity. Using Belgian day care centres which had done away with template copying altogether as an example, he was the first to speak

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of a “stage theory” of artistic development. The Italian scientist and art critic Corrado Ricci carried out the first systematic research on the phenomenon of child art as Cooke presented it. In his book entitled “L’arte dei bambini” (1887) he describes how he found drawings produced by children next to historical “grafifiti” in an arcade in Bologna. Together with teachers and school inspectors he compiled a vast collection of children’s drawings which became a basis for research (Ricci, 1906).

At almost the same time – and also stimulated by a coincidental

observation – the Viennese painter Franz Čížek also discovered the phenomenon of child art:

These wooden boards which enclosed a huge square, almost one kilometre long, (…) brought me a series of discoveries, observations and conclusions. Every afternoon, after school was over, male youths would gather here and, while producing a great amount of noise, would draw and scribble on these planks. (…) Already earlier, during my travels in various cities between Vienna and Dresden, had I noticed that these wall drawings produced by children all displayed the same results and artistic forms. (...) These childish drawings were not allowed in schools, making such drawings was even punished. In the families it had become a cause of anguish for the mothers. Fathers and teachers thought that using the rod was the most appropriate way to stop such nonsense. For this reason many people, especially teachers, thought that I was a fool for paying so much attention to these scribblings, for thinking that they were something which should be taken seriously. There was no expert literature which offered me support, professors and art researchers treated my statements and results in regard to children’s graphic artwork as something pitiful, they were patronising. But none of that stopped me from continuing my work. The fact that children from various countries were graphically active, without being forced and also with such great pleasure, awakened in me the idea that this must be caused by

natural creativity. (Čížek, 1942/43, no page number)

Like Čížek James Sully was also one of the first people to speak about the “child as an artist”. A systematic investigation on the nature of the child’s capability of expression and the development of graphic

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expression was published by the English psychologist in the book entitled “Studies of Childhood” from 1895. In the years between 1900 and 1915 the new interest in child art reached its zenith. It would take too long to investigate all of the many publications on this topic. The

intuitively recorded theses of Čížek were scientifically verified by Sully, whereby Sully summarized the theory of spontaneous artistic conception of the child in the formulation “the child as artist” (Sully, 1895, no page number). His theoretical analysis of the pre-aesthetic behavior of children remained valid until well into the 1930s. He discovered a social factor, a message for others already in the early manifestations of the child – theories whose legitimacy is still, even today, not up for discussion. When Sully describes the development of child art in his work one can see views which were typical of his time. He repeatedly compares the children’s art with the drawings produced by indigenous peoples, adult “primitives”, and stresses the “deficiency in proportionalty” of the drawings. Judgmental statements like these in the publications on child art have left their mark up until today.

Another contemporary of Čížek, Georges Henri Luquet, verified in 1927 that “the child starts the drawing of a person or thing according to its knowledge of this object before he or she graphically expresses what he or she actually sees.” (Luquet, 1927, cit. from Piaget & Inhelder, 1977, p. 53). With Luquet’s work “Le dessin enfantin” and the analysis from Florence Laura Goodenough entitled “Measurement of Intelligence by Drawings” the first system designs, which are still being reprinted today, were provided. At the beginning of the 20th century children’s art and its pedagogical implications became widely discussed topics of reform. In the German speaking realm a widely spread preoccupation with the topic of child art began. The art educator Alfred Lichtwark from Hamburg placed the active study of the image in the centre of his instruction, while Carl Götze already acted on the assumption “that the child is naturally creative, and therefore the ground is already prepared for art, and art education needs only to develop upon what has been provided by nature” (Reble,

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1975, p. 282). Years before making this assumption Götze had already

visited Čížek in the Schottenfeld Secondary School: My work in the secondary school quickly became known and the number of foreigners who came to Vienna in order to get to know the Austrian style of drawing instruction increased, they reported to the Ministry of Education on what they found and saw, through which this public authority became increasingly aware of my instruction. Many drawing and art instructors came from Germany. One of the first was Karl Götze, the Director of the Teachers’ Association for Art Education in Hamburg. In 1899 he visited me in the school and, after hours of observation, voiced the opinion that “it appeared to be that here much of what they were

trying to do in Hamburg was already being done. (Čížek, 1942/43, no page number)

Already in 1901, in a Schottenfeld School exhibition, Čížek showed what he had already tried to accomplish in his drawing and painting instruction, namely the independent and individual expression of children.

On the occasion of the 1908 Kunstschau, in which Čížek’s classes took part, Joseph August Lux singled out the quality of their works and pointed out the parallels between them and folk art and the “art

of the primitive”. Lux proved to be a supporter of Čížek’s initiatives, he also propagated the terms “prior knowledge” and “psychogenic

creation”. Like Čížek, Lux was convinced of the presence of a latently available talent in children:

With a variation of the statement of Rousseau, which claimed that every human was born good; he thought that one could say that every human was born an artist. That is the true pivot point of a movement which is aimed at general art education. The goal is to preserve this original artistic piece which can be found in every human, and which is usually stifled in school, for later in life. Not to make a profession out of it, not as a purpose in life, but rather in order to constantly ennoble the human sense, to enrich the inner life, when not as a purpose, then as a beautification of being. (Lux, 1908/09, p. 53f)

The editor of the “Sturm”, Herwarth Walden, contrasts the old

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style of drawing instruction with the extreme subjectivism of genuine expressionistic child art in his article entitled “Expressionismus. Die Kunstwende” (Expressionism. The turning point in art) (Walden, 1918). Although art could not be taught, the presentation of the creative drive can be very well be seen in its archetypal form as play. However, schools are determined to destroy the instinct to play. A child that is not allowed to play can also not create. Instead it must learn rhymed nonsense by heart. Therefore, for the child, drawing instruction is the beginning of a planned deterioration of the ability to see. For Walden it was impossible to have art education in schools, at best it was possible to offer artistic education. In order to have even this it was necessary to first educate the teachers themselves in artistic perception. They weren’t supposed to teach, but rather facilitate. Modern art didn’t belong in the school, also not traditional art, but rather artistic awareness or consciousness.

Figura 2 - Čížek and his pupils

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Copying versus creating

“Copying”, which still has a certain importance in current art

education practices, was rejected by Čížek. In a climate of comtemplative concentration the course participants were encouraged to confidently put inner images onto paper. Nothing was ever sketched out on the board first or worked into the drawings of

the children – most of the children didn’t even know that Čížek was

an excellent drawer. Čížek had got to know enough about copying and naturalism during his days at the academy, he rejected these for the rest of his life. That this position had already attracted attention could be seen in an article in the Times from 1920:

Professor Čížek is indignant about ‘Nature’: “Isn’t it enough that God created nature, he says, and do we always have to try to copy it?” (…) Here the children draw what is in their heads, whatever they feel and whatever they can imagine and what they long for. They don’t have templates or outlines, only the bare walls of the classroom and their materials. (Times, 1920b)

He urgently called for children up to their 8th or 9th, at the latest until their 10th year to create using only their own imagination, not to copy or draw from memory. After this age most children don’t artistically create anymore and they start either to imitate nature or to copy the art of adults. (…) True talents or gifts are infinitely rare. (Viola, no year, no page number.)

For Čížek a child‘s imagination, memories and introspection were more than enough to motivate a child to draw or paint: “We don’t have natural models. It is absolutely not my intention for the children to copy.” (Viola, 1942, p. 124). Consequently he opposed every form of imitating from originals, and even from nature, at this age: “All copied

things are worthless” (Viola, 1936, p. 37) was Čížek’s credo. His main focus was to “prevent error. To avoid copying or imitating instead of creative production”. (Viola, no date, no page number). Self-expression and creativity could be guaranteed only through the lack of interference from adults and their teaching methods, and therefore he demanded:

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“Not to teach” (Malvern, 1995, p. 262ff). A work is good when the output corresponds to the age of the child, when it is completely consistent, and above all, when it is sincere and honest, right up to the last detail. The Old Masters also had this honesty and consistency right down to the last detail, e.g. Dürer… And once again: Create and not imitate, or in other words: Don’t transcribe, don’t copy, not from your neighbour, not from nature. There is also a form of copying without having the original right in front of you. It isn’t good if a child wants to do something which isn’t in accordance with their age. For example when they wish to paint a picture like an adult does. That can lead only to inferior works. (Viola, no year, no page number)

He wanted for children to be guided, at the earliest age possible, to creatively produce because the later this creative drive, which is present in every child, is trained or practiced, the bigger the chances are that it will cease to exist. Children want to create, to form as early as possible. (…) The emotional advantage of the student of the JKK (Jugendkunstklasse=Juvenile Art Class) is not to be found in the mastering of the material, but in the pleasure resulting from creative formation, and this creative formation is necessary in all professions; and everywhere it is the creative figures who become the leaders. People who form creatively are also happy people, just like the children here in the JKK (JAC) who have enjoyed hours of joyful happiness, and I hope that all these children, no matter what profession they choose, will become creatively active and therewith happy people. (Viola, no year, no page number)

Viktor Löwenfeld, one of Čížek’s students whose important works later influenced art educators throughout the world for decades, also expressed scepticism of or even opposition to copying as a method of teaching. He stated:

Imitative procedures as found in colouring and workbooks make the child dependent in his thinking (...), they make the child inflexible (...), they do not provide emotional relief (...), they do not even promote skills and discipline, because the child’s urge for perfection grows out of his own desire for expression; and finally, they condition the child to adults’ concepts that he cannot produce alone and that therefore frustrate his own creative ambitions. (Löwenfeld, 1964, p. 25).

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Čížek, and also Löwenfeld, saw the attempts of the children to draw naturalistically ultimately as a negation of their creative potential.

I never correct, real children’s drawings should never be corrected. (…) because the corrections carried out by adults emanate from completely different viewpoints than those found in the creative activity. (…) The work remains uncorrected as long as

the student is creatively producing. (Čížek no year. In: Laven, 2006, p. 153)

The children should “progress only through their own work because it is only through their own experience, through natural maturing that their work can also be mentally increased.” (ibid.): And on the naturalist tendencies of children between the ages of 9 and 11 Löwenfeld wrote: “A question might arise whether it is desirable from the viewpoint of modern art education to stress the naturalistic tendencies” (Löwenfeld, 1964, p. 184).

Figura 3 - “Class at work”

Fundamentals versus techniques

The interaction with techniques, media and methods, the free and combinatory use of which was meant to facilitate creativity, did not establish itself to a great extent in the visual arts until after the

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Second World War. In the youth art classes such independent productivity was already forced:

the inclinations and abilities differ, which is why the children in the youth art classes were given the opportunity to express themselves using the most diverse materials and techniques. It was exactly this working method which served to prove that every child has a talent in one of these creative and forming fields, whereby earlier a child who was not good at drawing was declared to be unqualified for any type of creative activity. (Viola, 1942, p. 124)

First the process-like qualities of art are perceived and then the meaning of the contact with materials is discerned. “The children must try to see what they can produce and soon they come jubilantly with their work. The material and the tools have such an immense influence, that the children almost always know how they should

work with them.” (Čížek, o.J, o.S.). Thereby such techniques which could be used directly were preferred.

The Juvenile Art Class is not a school in the usual sense, but rather primarily a workshop to which the children can come voluntarily and where they can also carry out their activities independently and according to their own inclinations and nature. The body and the soul should be undivided here. That is why we have music here (grammaphone, piano). The children can dance if they want to. They draw on large easels so that their whole body is involved in their work. They are allowed to walk around in the class. They are allowed to sing. The whole person should be involved here. The children come to me only once a week for two hours. Of course they are free to come more often if they want to. And there are often children who come outside of these two hours because they have the desire to create. (...) In the Juvenile Art Class the children work with materials and tools (material and methods) which they like. In this way one child who wants to build something will build a framework made of wood, while another child uses wood to make a moveable creation, for example a mill; many children draw (with pencil, charcoal, chalk, etc.), others paint without drawing. The children have the choice. (…) I give only the children who are distracted more difficult materials, while others who have difficulties with the work need to be given easier materials (soft pencils, charcoal, paintbrushes). (…) When you give them a gouge for cutting linoleum they are forced to set the

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forms very confidently. But the children who stipple a lot and who are unable to make up their mind about the form are forced to draw the lines with a reed pen without making an initial sketch. They can’t erase. They have to leave the form as it is. Therefore they must think about what they are drawing before they start to draw. Every child develops his or her own technique according to what is meant to be portrayed. You wouldn’t believe how inventive children are. (…) When a child asks me about something I just say “Try it!” It is often unbelievable how immediately dexterous the children are, they know what they have to do with the materials or the tools. (ibid.)

Čížek’s mode of operation was that of a fine artist, without proceeding rules the general potential of a concrete situation was used through alternating work and assignments. “Everything elementary, unconscious, everything unused is well-kept and protected because skill, knowledge and ability displace and destroy these characteristics” (Rochowanski; 1946, p. 29). Technical proficiency was therefore not given a separate value. While choosing tools and materials one should do without all techniques

which require long manual training, for example planing, turning, difficult forms of carving and the treating of metals. All of that should be avoided because the children can’t master this material in a way in which it would be possible to produce good results. These techniques are for adults or teacher’s assistants and not for children

under the age of approximately 12. (Čížek, no year, no page number; Laven, 2006, p. 154)

Toys, theater puppets, masks, woodworks (often furnished with mechanical devices), repoussé works using iron, copper and other materials were produced, also works made of clay, plaster cast cuts, paintings using various techniques, embroidery and fabric assemblages, dye casting. Ernst Mitstorfer remembers: “all of us had something which we liked doing best; some liked working with clay, plaster, wood, others did linocutting or etching, but I, like a few

others, usually produced big pictures” (Čížek-Schüler berichten (Čížek pupils report), no year; Laven, 2006, p. 154). In spite of the, for the most part, bad economic conditions the huge store of materials still

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inspired the children to try things out, to experiment. The motivation resulting from these formal and haptic challenges was immense. Elfriede Klasek reported:

(...) The children were sitting on the left by the windows; on the right there was a whole row of tables and there were containers full of wool lying there: white, light pink and hot pink, red, dark red; 15 or 20 different tones of red! 20 different blues! Then green, the same with brown, black! And then he asked: “Do you want to embroider?” He never said: “Today you are going to embroider!” Look at the drawing – I like that –you can embroider that. There was fabric, one could choose the colours; and naturally no one needed to say a word. But since then I knew what abundance is, always available abundance – without ever having to say anything about it. (Laven, 2006, p. 155)

The children were not only allowed to choose the material and the techniques themselves, they also were autonomous in their appropriation and operation of the equipment and tools needed.

One time there were artificial silks, or there were plaster blocks and carving tools lying there, or he said: “You know, if you want you can do some etching.” That is how I found out what etching needles are, then linocuts. Then he showed us how dangerous the gouges are – I injured myself many times – how dangerous they are can never be exaggerated – “next time you should be more careful”; He never made a big deal out of that. Techniques which we knew nothing about were never forced on us, he just offered them to us and we could accept them if we wanted to. (Laven, 2006, p. 155)

The technique of paper cutting received particular attention. Decorative paper stencils were made using thick varnished paper which was then blackened and pressed, there were also paper prints,

linol stencils and woodcuts. Čížek’s book entitled “Paper, Cutting and Pasting Works”, which was originally published in 1912, is considered to be the standard reference book of the first collage works in the pedagogical environment. In the exhibition of the Juvenile Art Class in London these collages stood out. In an article in

the Times (“Zeichnungen Wiener Kinder - Ausstellung der Čížek-Klasse in

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Knightbridge”, from 16.11.1920) the following was noted: Then there are brilliant pictures from children under 10, these were made by pasting glossy coloured paper on cardboard, decorative portrayals of Christmas trees and other familiar objects (…) It was particularly the paper cutting and pasting works, filet work, those done with beads, wool, silk, tulle and chenille, the latter materials being used alone or joined together, which seemed to have an astonishing vitality” (Times, 1920a, no page number). The materials were supposed to be age appropriate and to stimulate creative implementation, in particular they were supposed to tempt the pupils into developing their own individual techniques. And one further, completely new technique was developed within this framework at the beginning of the 20th century: the linocut or linoleum stencil. It was the result of necessity; that necessity can lead to invention was also mentioned in yet another article in the Times: “One needs only to take notice of the interesting “woodcuts” which, for example, are actually often made using linoleum stencils due to the lack of other materials, and in which the artist has portrayed every imaginable scene. (…)”

(Times,1920b, no page number). Franz Čížek therefore did not only develop collage making for children, but he also introduced linolcutting in everyday instruction. The low price of this material and the easily learned and easy-to-use qualities of the technique for working with this material made it optimal for use in instruction.

However, we know now that the use of colours was indeed very exactly regulated for both methodological, as well as didactic reasons. A report from Professor Ernst Parnitzke of the “Pädagogischen

Akademie Kiel” (Pedagogical Academy of Kiel), who visited Čížek’s course with a group of students in 1930 points out the organization and the use of materials in the instructional situation:

There were three age groups of voluntary participants: 5-8 years of age, then from 9 to 11 and from 12 to 15 years of age, predominantly females. On rows of tables, as is usual in drawing classrooms, works were done, occasionally using large formats, from the students own ideas, quite diverse motifs on wide sheets,

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some working in pairs or groups of three, partly short-time works, partly long-term works, according to varying conditions. The

method used when painting was surprising. Čížek had a battery of cans with about 12 coloured distemper paints. The children didn’t have paintboxes, just a saucer next to a glass of water.

Čížek explained that first everyone had to have his or her draft and then they should think about what colour they wanted to start with and what new colours would be used to continue. Without a sound the next colour was taken using a spoon and put into the saucer which had been rinsed out before this. With this arrangement everything was done in a very disciplined manner. Often a large portion of the work was provided with a colourful background. If, for example, a meadow with children playing on it turned out slightly too green, then, when it was time for yellow one put yellow speckles on it; likewise, the children’s clothing was colourfully patterned or contured. A style imprint was pronounced from such working regulations, backed with large-sized sheets on the walls. (Laven, 2006, p. 156).

In the1920s increasingly larger paper formats were used: “These rules are distinct for the children of all countries and time periods. What surprised me the most was that the children had a special preference for large formats. The children repeatedly ask me to let them work with large formats” (Viola, no year, no page number). If

Čížek was ok with it the works were allowed to be done in a bigger format, as the eleven year old Ernst Mitstorfer reported:

If I wanted to paint a big picture I showed the professor several sketches and I was allowed to do the most beautiful one big. Then I got a frame covered with paper and sketched the image with charcoal. When that was done I let the professor look at it and I fixed it so that the charcoal wouldn’t smear while I was painting over it. While it dried I prepared the water, the paints and the paintbrushes and then I could get started. First I made the background, the sky and the ground and then the other larger surfaces with beautiful colours. After that I painted the smaller things and finally individual details which still needed to be added. For such a painting I needed, depending on the size, 4-5 school dasys, or 8-10 hours. (Laven, 2006, p. 157)

Easels stood by the back wall of the art classroom and were

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usually used by the older course participants. Although everyone was joined collegially in one classroom, the older pupils were still naturally role models. Ilse Breit said: “I can remember that I looked up to the “bigger” pupils with great veneration. They were the 12-14 year olds. I looked at their works again and again because I liked them so much. My most fervent hope was to some day be able to produce something so beautiful.” (Laven, 2006, p. 157).

Figura 4 - “Class at work”

In a conversation with the author, Viktor Fadrus also pointed out the exemplary role of those who were producing the large-format works: “As a little squirt I was incredibly proud when I was able to work using a real easel and in a large format, that made the biggest impression on me” (Laven, 2006, p. 157). A comprehensive description of the progression of approximately 50 lessons in the time between 1935 and 1938 is to be found in Wilhelm Viola’s book entitled “Child Art” (Viola, 1942, p. 112ff). After the children had worked for about two hours the results were displayed and collectively discussed. The collective viewing of the works was supposed to stimulate future work. Themes and possibilities for the design were discussed, whereby great value was placed upon the area

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in the design of the space – often in a conversation with a single child: “Marian has made the figure all of a piece (...) Everything is complete, and her ideas are great, not sugary. She is strong and yet not without imagination”. (...) “The drawing here was quite nice, but the colours have ruined the whole thing” (Viola, 1942, p. 132f). There was obviously an increasing awareness of the composition already very early: “If I had a room twice as big as that, I would make the figures twice as big. Then the room would be nicely filled” (Viola, 1942, p.

124). For Čížek not only the categorisation into “development stages” but also orderliness and cleanliness were important criteria: Orderliness, authenticity (no copied foreign forms) and the power of endurance were held in high esteem, artistic features like composition, balance and energy as well. An example of this can be seen in the discussion of the work on the topic “Autumn”. A painting portrayed a girl in a grassgreen dress: “but this is Fritzi’s, of course, and Fritzi is so much the spring herself, how can one expect her to make autumn?”

(Wilson, 1921, p. 3). The youths’ world of experience and perception

was given room, still Čížek’s friendly but strict judgement was connected with general instructions which would now be considered to be a clear inference with the work, as Herta Kubitschek illustrated in her conservation with the author: “This is the size of the sheet. Make sure that the feet go down to the bottom and that the head goes to the top” (Laven, 2006, p. 158).

Trude F. has made no progress. Formerly she worked so well. (...) T. has twenty thousand ideas. He has thought hard about his stake and done his best. He worked at his drawing of the stake with great pleasure. (...) Brenda suffers from superficiality. She makes a few strokes and the drawing is finished. (Viola, 1942, p. 133ff)

This influence does not conform to Čížek’s statements on “allowing for growth”, instead it seems to underline the judgements of some of his critics. The six year old Trude Izaak was exorted to fill the whole sheet: “Her picture lacks forms. She only fills the paper with splashes. (...) Don’t be satisfied with splashing colours around.

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This part here is quite good. There is a nice feeling for the filling of space. And this here shows the ‘horror vacui‘“ (Viola, 1942, p. 131). Although the children in the Juvenile Art Class were given a greater amount of freedom than was possible in regular classes, one can still clearly see from what has been described that the modus operandi was neither fully free nor fully without obligations. It appears that one can come to the conclusion that certain forms of graphic expression were approved of while others were inhibited. However,

the successes of the Čížek doctrine, which was able to exist for such a

long time in the Viennese environment – thanks to Čížek’s charismatic character- were transferable to other systems only under certain circumstances. In spite of all the propagation, publicity and international travelling exhibitions the Juvenile Art Class was not an imitable phenomenon. Still, in retrospect, one can recognize that through its creation a whole series of important and positive contents and impulses were introduced to the daily routine in the field of art education. This influence has been able to extend itself into current

practices. Čížek can be credited first and foremost for recognizing and nurturing so-called “free children’s drawings” as an autonomous form of childish expression.

Figura 5 - Trude Izaak presenting her works

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Final conclusions

Franz Čížek has proved to be a profoundly innovative artist and researcher. His roots can be found in the culture of modern art from the beginning of the 20th century. He was reacted to positively in the “Red Vienna” of the First Republic and he made a lasting and international impression in the development of art pedagogy.

The content of Čížek‘s pedagogical work emerged at an early stage and largely from his concrete educational ideas which reflected the art educational and artistic currents of his day. Thanks to him the idea of an extracurricular experimental class was implemented for almost 60 years, a class which was essentially the opposite of the reality within schools.

The illustrious defender of his own ideas, who was able to demonstrate his communicative abilities in a multitude of lectures, was often accused of being a bad theorist; for this reason his pedagogical stance did not gain wide recognition. He himself often asserted that he was not a pedagogue, not a scientist and also not a theorist. In reality he was an innovative artist who very rarely documented and seldom debated his pedagogical activity.

His ability to publicly propagate his pedagogical idea in the form of exhibitions stands in contrast with his apparent inability to give his idea a theoretical framework.

The reception of Čížek’s lifework, in particular within the framework of the popular travelling exhibitions, provided for a large public following in these times of economic strife – from the corporative state, through National Socialism and even after his death, and this secured the survival of the school, at least for the time being.

For this reason in the year of Čížek’s death, 1946, his obituary Solomonically stated:

“The artistic centre for Juvenile Art which he created was a shining example in the whole world. (…) A peaceful world will forever know his name and honour it!” (Matejka, 1946).

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Čížek can be referred to as one of the internationally most important pedagogical proponents of his time. Based on him and the art educational impetus which was developed out of his artistic self-conception, important leading figures, like Johannes Itten and Joseph Beuys in Europe and Artur Lismer and Marc Rothco in America (among others), have emerged in respective generational successions (Laven, 2006).

Authors who comment on the effects of Čížek’s work tend to predominantly emphasize that his position caused a fundamental attitude change in particular in young children.

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Franz Čížek and the Viennese Juvenile Ar 201

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

NALINI, D. Arte Contemporânea nas creches: como os modos de fazer e pensar a arte afetam os professores e podem contribuir para a criação de novos campos de experiências junto as crianças. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 203-217.

Arte Contemporânea nas creches: como os modos de fazer e pensar a arte afetam os professores e podem contribuir para a criação de novos campos de experiências

junto as crianças

DENISE NALINI1

Cada manifestação deve criar o seu ambiente, sua casca, para que viva.

Hélio Oiticica (1937\1980)

A necessidade do trabalho com a arte na Educação Infantil (EI) é consenso, tanto do ponto de vista da legislação nacional, quanto em relação às oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Dessa forma as questões de, como ensiná-las e o quê ensinar, se tornaram pontos importantes a serem aprofundados. Nessa busca, em muitos casos, os professores têm recorrido às referências mais comuns, em geral, padrões clássicos e modernistas. Defenderemos, uma proposição de formação de professores, que diz

1 Denise Nalini é Doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) na linha

de pesquisa de Psicologia e Educação (2015) e Mestre em História e Filosofia da Educação (FEUSP) (1996). Estuda e pesquisa as relações entre a poética da criança pequena e a Arte Contemporânea. Realiza consultorias presenciais e a distância em Arte - Educação, Educação Infantil e Leitura e Escrita.

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respeito à importância e a pertinência de uma aproximação dos pequenos com a Arte Contemporânea, pela similitude de questões e temas entre essa e as crianças de 0 a 3 anos.

Estudos anteriores sobre história da arte e do trabalho com crianças pequenas apontavam para um contato frutífero entre a Arte Contemporânea, a partir dos movimentos de experimentação dos anos 1960 e 1970, como uma possibilidade significativa de criação de um campo de experiência para as crianças pequenas. Nesses movimentos estéticos, o sensorial e a participação do outro, foram questões centrais (que continuam a ser pensadas nas produções atuais). Esse olhar dos artistas e a constituição de suas poéticas, ligadas ao corpo, ao gesto, ao espaço, ao nosso entender são temáticas interessantes a serem vividas, exploradas e conhecidas pelas crianças pequenas. Essa relação possibilita um link entre Arte Contemporânea e a Poética das crianças pequenas, geram novas formas de se relacionar, com o brincar, o movimento, o gesto, o espaço, o tempo, a memória. Um exemplo é a ênfase dada ao corpo como suporte e meio na arte atual e a necessidade da gestualidade, movimento e ação no contexto da aprendizagem infantil. Portanto, trazer para as creches artistas como Hélio Oiticica, Ligia Clark, Olafur Eliasson, Antony Gormley, Amélia de Toledo entre outros, poderia vir a ser uma criação de espaços-tempos para instigar e inspirar as professoras para pensar sobre seu ambiente, as relações, o cuidado e, sobretudo, a autonomia a ser construída com as crianças.

O estado da arte

A presença da arte na escola e os modelos idealizados a serem alcançados precisavam ser questionados. Acreditamos que é no espaço de constituição de uma crítica da história vivida, no estabelecimento de um diálogo com as poéticas dos artistas, seus modos de fazer, nos modos de fazer das crianças de 0 a 3 anos e nas interpretações dos professores que poderemos “abrir” possibilidades novas de um trabalho com arte. Trata-se, portanto, de um conhecimento móvel,

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determinado pelas diferentes subjetividades, e estados provisórios de saberes. Podemos afirmar que os conteúdos das poéticas contemporâneas e seus modos de fazer e de compreender aquele que a observa não alcançou penetração nas escolas de E.I. A vivência em projetos de formação continuada nos últimos anos revela que nas atividades cotidianas das crianças ainda existem propostas equivocadas e superadas como os desenhos para colorir voltados para a fixação de datas comemorativas, bem como a fatura de desenhos após a realização das atividades, em sua maioria, ligadas às datas comemorativas do calendário escolar. Em outros contextos, às vezes partilhando a mesma jornada, acontecem atividades “livres” cujo objetivo seria de entreter e ocupar o tempo restante do dia. Assim, apesar das orientações curriculares nacionais encontra-se em algumas rotinas descrições de atividades como desenho livre, pintar, recortar, colar e brincar sem nenhuma proposta ou interferência do professor. Atividades centradas numa concepção de pura execução, desconsiderando o papel constitutivo das diferentes linguagens artísticas, e a implicação do criador no processo de construção.

Nas E.I (03 a 05 anos) e Creches (0 a 3 anos), essas práticas ainda são correntes e tem como objetivos, em muitos casos, desenvolver a coordenação motora fina, a criatividade, e tornar a criança cidadã. Demonstrando desconhecimento do processo de aprendizagem das crianças e deslocados das propostas educativas contemporâneas já alcançadas no segmento.

Paralelamente ao cenário descrito acima, encontramos na outra ponta da “curvatura da vara” 2(SAVIANI, 1985) uma tentativa de incluir conteúdos a todo custo. Assim, em muitas escolas de E.I proposições de releitura de reprodução de obras de arte aconteciam sem relação com o significado artístico do “reler”. As releituras deveriam ser caracterizadas como aproximações significativas das imagens de obras de artistas, nas quais o importante é a interpretação

2 Termo cunhado por Saviani (1985) em seu livro Escola e Democracia: Teorias da Educação, numa metáfora sobre o antagonismo presente nas concepções de educacionais.

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e o brincar das crianças e não o quanto elas conseguem se aproximar do “modelo original”, copiando-o.

Além de imperar, em artes visuais, um trabalho centrado no uso de técnicas e regras que as crianças não compreendem, como por exemplo, desenhar dentro de margens, pintar com esponjas, propostas de experimentação de cores e materiais, sem orientações didáticas, articulação entre o fazer e o conhecer e, principalmente sem a apreciação das próprias produções pelas crianças. Podemos dizer, de forma poética, que esse é o “estado da arte” encontrado no cotidiano da maioria das creches brasileiras e, dessa maneira, cada vez mais cedo as crianças são submetidas à vivência de normas, imagens sem significado e atividades desintegradas da sua aprendizagem em arte e de seu modo de agir e refletir. Um caminho, cheio de boas intenções, mas com muitas armadilhas, tais como a manutenção de fazeres artísticos estereotipados, sem olhar e conhecer as crianças. Não podemos consentir com a manutenção dos mesmos modelos. Dessa forma as crianças se tornam presas fáceis do consumo vazio e vulneráveis, diante dos desafios que o mundo atual requer. Assim se alija o sujeito de si, como protagonista e sujeito que busca e cria sentidos.

Metodologia: o percurso da pesquisa

Este artigo contém parte da pesquisa3 por nós desenvolvida com um grupo de 36 professores, 02 coordenadores e 02 gestores de duas creches situadas na Zona Sul da cidade de São Paulo. O objetivo foi analisar o processo de transformação da prática desses professores com as crianças de 0 a 3 anos, a partir da vivência de um processo de formação com Arte Contemporânea.

A opção metodológica desta pesquisa-ação foi motivada pela compreensão de que tratamos de um fenômeno educativo em arte, e que nele, estarão presentes as relações entre as professoras e as

3 A pesquisa completa encontra-se disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-16122015-092949/pt-br.php)

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crianças das creches e as professoras e a pesquisadora, durante o seu desenvolvimento.

Para iniciar uma discussão sobre a transformação da prática dos professores, foi preciso tematizar atividades como colorir desenhos xerocados ou apenas pintar livremente; o professor ocupou um lugar de um investigador que busca compreensão sobre como se constroem as aprendizagens das crianças em Arte. Essa foi uma condição essencial para a consolidação de uma nova forma de ensinar e aprender artes, inerente às exigências desse século e que requer a configuração de um currículo educativo que forme o professor para o saber partilhar, conviver, resolver problemas, aprender a trabalhar na incerteza, monitorar os próprios processos e os seus resultados. Estas competências centrais que caminham junto com a aprendizagem de conteúdos visam à formação para uma participação social com equidade.

A mudança foi determinada por sucessivas ações intencionais, apoiadas na construção de uma documentação processual e na exposição das “produções e ações realizadas” pelo grupo, que geraram, simultaneamente, materiais e ações para análises e proposições.

Uma das ações que trouxe transformações para a prática dos professores foi, a sua imersão em experiências estéticas, ou seja, a criação de campos de experiências de vivências pessoais, que na relação com o investigador. Coube ao pesquisador propor uma navegação em conjunto com o grupo de professores, na qual houve momentos para problematizar ações e produções do cotidiano com as crianças, levando o grupo à repensar o seu fazer.

Nos referenciamos no conceito desenvolvido por Schon (2000) no bojo de seus estudos sobre a epistemologia da prática. Para o autor é necessário à criação de situações nas quais exista uma sistemática e um processo de “reflexão na ação”. Tivemos, portanto, no contexto dessa pesquisa uma comunidade de profissionais - professores que realizavam cotidianamente atividades com as crianças, entre essas atividades - práticas de artes - inseridas num contexto institucional

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com convenções, limites, modelos e repertório. Esse é um contexto que nos remete à epistemologia da prática, na qual a “reflexão na ação4 é um dos instrumentos pelos quais os professores adquirem novos conhecimentos. Nos espaços de formação continuada – encontros de formação – o investigador construiu ou simulou situações como um designer ou como alguém que criou uma trajetória poética, na qual o papel do professor é o de ator que reflete através da arte sobre as questões do seu fazer profissional e das ações das crianças.

O estudo e conhecimento têm nesse contexto monitorado, espaço para a discussão, planejamento e elaboração de novas ações, propiciando que o professor se confronte com os materiais, situações e problemas, estabelecendo uma “conversação reflexiva com os materiais da situação” (SCHON, 2000, p.163), vindo a se tornar um construtor de coisas, como nomeia Schon.

Na construção desse processo o professor, assume o lugar de quem reflete antes da ação, durante a realização das atividades, através de pontos de observação e depois, na construção de registros de seu fazer.

A retomada da documentação do processo, nos encontros com os professores possibilitou uma reflexão sobre as ações já feitas criando uma práxis apoiada pela teoria e alimentada por leituras e estudos de textos que direcionaram o desenho de novas ações. Essa referência teórica orientou o encontro com os professores propiciando-lhes uma experiência a qual pudesse ser compartilhada com um grupo. Nesse percurso, as atividades construídas de forma sequencial e com graus crescentes de dificuldades (nomeadas de sequências didáticas5) foram documentadas fotograficamente e por

³ Reflexão na ação para Schon se refere à: “Quando o profissional reflete na ação, em um caso que ele percebe como único, prestando atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona sua compreensão intuitiva dele, sua experimentação é, ao mesmo tempo, exploratória, teste de ação e teste de hipóteses. As três funções são preenchidas pelas mesmas ações.” (SCHON, 2000, p.65) 5 5 Esses termos se remetem as diferentes modalidades que organizam o tempo dedicado ao trabalho pedagógico, na E. Infantil. Segundo os RCNEIs as atividades permanentes se referem às ações diárias ou com uma frequência semanal, são atividades voltadas a um

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meio de vídeos que analisados se tornaram o principal material de trabalho da investigação junto aos professores.

Num ciclo constante de tematização da prática6, que nos leva da ação à reflexão e nos faz retornar à ação, alimentados. A pesquisa ação se constituiu nesse mapa que foi construído e reconstruído durante a trilha, se caracterizando com um modo de investigar híbrido, no qual as fronteiras entre formar, investigar e aprender se tornaram tênues.

Desenvolvimento da formação de professores

Estas considerações põem em relevo à necessidade de se pensar a arte na escola no horizonte das transformações contemporâneas, da crítica das ilusões da modernidade, da reorientação dos seus pressupostos – o que implica pensar o deslocamento do sujeito, a produção de novas subjetividades, as mudanças no saber e no ensino, a descrença dos sistemas de justificações morais, políticos, educacionais, a mutação do conceito de arte e das práticas artísticas e as mudanças de comportamento. (FAVARETTO, 2010, p.01)

Sabemos, que a condição humana hoje está perpassada por “uma aventura do homem em tempos de mutação”, contudo, a nossa inscrição e potência ainda habita o tempo em que os ideais modernistas mobilizavam a formação e a ação dos professores.

É, portanto, fundamental que a relação ensino aprendizagem seja um processo que inclua a construção de vínculos afetivos e a constante vivência de alteridade e identificação, o que propicia uma compreensão mais integradora, principalmente por se tratar de um trabalho com crianças de 0 a 3 anos, no qual não há uma cisão das experiências.

Para a construção do processo transformador das práticas dos professores, o primeiro passo foi criar espaços para intervenções e

trabalho que requer um tempo mais longo. As sequências didáticas são: “uma série planejada e orientada de tarefas, com o objetivo de promover uma aprendizagem específica e definida” (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – Brasil, Vol. 01, 1998, p.55). 6 A tematização da prática é uma estratégia utilizada de formação de professores alfabetizadores e tem sido desenvolvida pela Profa. Dra. Telma Weisz (2000), a qual remete a análise de registros escritos e ou situações de vídeo que são discutidas com um grupo de professores.

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realização de encontros mensais presenciais com duração de 04hs,

durante um ano. Esses encontros se caracterizaram como momentos nos quais o

principal tema foi a discussão sobre as interfaces entre arte contemporânea e educação infantil, espaço no qual os professores traziam observações sobre as crianças com as quais trabalhavam, observações e registros fotográficos das atividades. Essa ação esteve vinculada a construção de um grupo cooperativo e de um processo de observação em que houvesse um reconhecimento e valorização das iniciativas e fazeres infantis. Esse momento inicial no desenvolvimento da pesquisa foi fundamental para a construção de vínculo com o projeto, pois foi um espaço de escuta das professoras, compartilhamento de suas dificuldades e conquistas. Essa tematização criou um clima cooperativo para o projeto e a partir da observação das crianças pequenas, as professoras começaram a se motivar e voltar-se para a pesquisa em Arte Contemporânea.

Esse painel de saberes propiciou a criação de um contexto provocativo: - O que mostrar as crianças? Como as crianças pequenas podem se relacionar significativamente com a arte? Como gerar uma prática integrada e significativa para essas crianças. O que é Arte? E Arte Contemporânea? Qual relação que artistas que fazem arte hoje estabelecem com as crianças pequenas? Por que trabalhar arte contemporânea com crianças tão pequenas?

Para trilhar este percurso em busca de respostas, mergulhamos num movimento intenso de partilhar sensibilidades, de aprofundar indagações e de promover o encontro entre a Arte Contemporânea e os professores. Nesse processo reflexivo, priorizamos o encantamento dos professores com as buscas das crianças e a sua alimentação a partir das questões dos artistas, aprofundando o processo constitutivo das obras de cada artista, incitando os professores a fazer distintas interpretações que poderiam se conectar as experiências de suas crianças.

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Weisz (1999) nos remete a mudança do papel profissional do professor, segundo a autora, num modelo de aprendizagem em que a interação e a resolução de problemas é o cerne do trabalho, é necessário, uma grande autonomia do professor, que tem o papel de adequar seu ensino, às hipóteses das crianças, somente assim há possibilidade de aprendizagem e transformações

Temos claro hoje que as ideias educacionais estão em produção ininterrupta, bem como a realidade em que o educador atua, que também se transforma continuamente. Isso exige do professor que elabore e reelabore permanentemente sua prática pedagógica. Mas não basta pensar – e nem isso seria possível – cada professor pensar e transformar sozinho a sua prática em sala de aula. A responsabilidade da escola com o sucesso de todos os alunos só se garante com uma escolaridade coerente e articulada. (WEISZ, 1999, p.120).

Vivências em Arte contemporânea

Na vivência dos encontros pudemos perceber que a Arte Contemporânea era uma aliada para a mudança das práticas dos professores em artes. Uma ação contínua que diz respeito à necessidade de inserção dos professores no universo das questões do mundo das artes.

Assim nos encontros destinamos o primeiro momento da formação à vivência de modos de fazer relativos à Arte Contemporânea, um princípio e ação presente em nossa rede de referências. Realizamos no segundo encontro com os educadores uma proposta de composição com elementos naturais colhidos no entorno da creche. Convidamos o grupo para conhecer através de imagens e de depoimentos o trabalho da artista Amélia Toledo. Em seguida os professores foram levados para o exterior da creche e solicitados a andar pela horta e coletar, silenciosamente, três objetos naturais. No retorno ao grupo, cada participante falou de sua experiência e do porquê da escolha dos materiais trazidos. Em seguida organizamos os materiais de forma coletiva, no chão. Esse convite mobilizou e encantou os professores. Trazendo uma série de memórias da infância que, em grande parte do

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grupo, originárias de infâncias vividas em outros estados como: Bahia, Pernambuco e Minas Gerais; recordaram de histórias ligadas ao cheiro da terra, comidas e brincadeiras. Nessa experiência as infâncias foram presentificadas e povoaram a sala. Os relatos apresentaram cheiros, sabores, movimentos, lembranças de pessoas e muita emoção. Foi um momento muito significativo no qual houve o estabelecimento e aprofundamento de um vínculo entre professores e pesquisadores. Constituindo um olhar renovado sobre a infância vivida e sobre a infância com a qual esses profissionais trabalham. Tornamo-nos mais próximos e com um olhar aguçado para as diferentes formas de percepção do espaço e como as crianças o observam.

Nessa e em outras propostas de inserção artística dos professores a intenção foi alargar as percepções, criando novas experiências. Privilegiamos a ampliação cultural como uma forma de construir conhecimentos e de aprender a tomar decisões, questão central na prática educativa. Dessa maneira as situações formativas propiciaram que o conhecimento criasse sentido para os professores, pois esse insere percepções, sentimentos e sentidos em contextos históricos-sociais nos quais educação, cultura e sociedade interagem criando novas relações e saberes. É importante, ainda, definir que ao tratar de experiências estéticas vividas estaremos nos referimos às experiências que as crianças e adultos estão expostos desde seu nascimento e que contribuem para que sejamos o que somos hoje.

Todos nós temos experiências estéticas desde que nascemos, porque elas se relacionam com a estrutura que vai se criando, tanto em nosso pensamento como em nossa percepção. Fazem pare da experiência estética: cheiros, gostos, sons, temperaturas, texturas, imagens. Walter Benjamin fala que em cada gesto está contida toda nossa biografia. Tudo o que vivemos, tudo pelo que passamos, de alguma forma vai contribuindo para esse manancial de possibilidades que nós somos. (BARBIERE, 2012, p.37).

São, portanto, essas possibilidades que oferecem novas interpretações para que o professor se relacione com o seu entorno e com as crianças.

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Corroboramos com Jacques Rancière (2009) ao considerar que existe uma constituição estética, uma maneira pela qual os sujeitos compartilham os sentidos e saberes de sua comunidade, criando nela sua referência.

Pelo termo de constituição estética deve – se entender aqui a partilha do sensível que dá forma à comunidade. Partilha significa duas coisas: a participação em conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível é, portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão das partes exclusivas. (RANCIÈRE, 2009, p.15).

Na medida em que existem propostas de desenvolvimento da capacidade de investigação, do modo de escolha, de organização o professor pode se propor reflexões que colocam em jogo sentimentos, experiências e saberes, até então, valorizados de determinada maneira. É, portanto, na possibilidade de abrir novas interpretações e olhares que se funda a alimentação cultural.

Fundamental nesse percurso foi a vivência dos educadores que puderam ser tocados pelos modos de fazer arte na contemporaneidade. Acreditávamos e continuamos acreditando, que somente quando algo faz sentido para si mesmo, é possível a criação de uma proposta para o outro. Lembramos também da necessidade que tivemos de “conter” os educadores que se encantaram com o que conheceram e queriam reproduzir as obras dos artistas estudados por eles com as crianças.

Essas questões nortearam a produção dos encontros e as discussões com o grupo, afinando ainda mais as similaridades entre os modos de fazer dos artistas contemporâneos e a poética7 das crianças.

As visitas a diferentes museus e exposições em busca de artistas que pudessem contemplar as possibilidades das crianças se tornou uma prática para as professoras. Tínhamos como premissa que a Arte 7 Ao pensar nas poéticas das crianças estamos nos referindo uma forma de compreender e se comunicar que envolve o fazer artístico. A poética das crianças pequenas é um discurso gestual, de movimento, de expressões, iniciativas que traduz uma determinada maneira de compreender o mundo e de atuar sobre ele.

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Contemporânea poderia se constituir num dos principais alimentos para o desenvolvimento e a aprendizagem significativa para os professores e crianças. Contudo, para conectar essas intenções foi preciso conhecer as crianças e saber o que elas sabiam e o que poderia mobilizá-las. Nesse trajeto novas perguntas foram incorporadas ás ações formativas: Quais são as características do desenvolvimento de cada faixa-etária? O que faz sentido para essas crianças? Como elas aprendem? O que precisam aprender? Quais relações entre o que o modo de fazer desse artista e as experiências das crianças? Será que estamos criando realmente espaços de aprendizagens para as crianças?

Um dado incorporado em nossas reflexões foi à necessidade que os professores de crianças pequenas têm de elaborar “produtos”. Uma necessidade real, que se remete a construção de marcas das conquistas das crianças, mas, que podem ser constituídas de distintas formas como na documentação fotográfica, vídeos e na elaboração das sequências didáticas. O processo de documentação foi o caminho para a integração dessa necessidade dos professores. Naquele momento nossa intervenção foi ajudar a buscar um foco, pesquisar mais sobre a relação de cada artista com o seu trabalho e buscar o ponto de encontro com uma experiência processual para as crianças. Assim, cada um dos grupos escolheu um foco para esse trabalho, o critério de seleção era um tema, uma obra, um fazer, uma poética que dialogasse com as crianças. O que este artista fala? O que ele propõe e como isto se relaciona com as necessidades de aprendizagem destas crianças? Essa possibilidade gerada criará um campo de experiências

Conclusões

As respostas a essas perguntas foram construídas durante o percurso que gerou sequências didáticas que se mostraram significativas, tanto para os professores como para as crianças. Nelas prevaleceu a ideia da interação, da diversidade, da continuidade e sobretudo da autoria e brincadeira. Gostaríamos de citar alguns exemplos, como o de um grupo de professoras das crianças de 02 a

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03 anos (minigrupo I) que se dedicaram a estudar o artista Antony Gormley e com a sensibilidade aflorada nos encontros formativos tiveram a ideia de tematizar diferentes experiências do corpo no espaço. Nesse espaço as crianças e suas professoras experimentaram brincar com folhas, com caixas, dançar e representar corpos de diferentes maneiras e materiais. Começando pelo contorno desse corpo, com flores, pedras, bem como a construção de marcas e brincadeiras na área externa da creche. O ponto de partida foi o corpo em movimento e nessa totalidade de sensações, puderam trabalhar com a parte preferida do corpo de cada criança, moldando-a em atadura gessada e construindo um grande móbile com o grupo.

As professoras do Berçário II (crianças de 01 a 02 anos) encontraram nas obras de Amélia Toledo um sentido para as brincadeiras de seu grupo de crianças. Foi assim que elas propuseram uma redescoberta do parque, da horta, dos cheiros tão comuns que estavam no entorno da creche. Segundo as professoras, esse contato foi possível por que a artista fazia um convite para olhar o entorno. Com as crianças, elas ouviram os sons do lugar, misturaram líquidos, brincaram com pedras e puderam perceber que os restos de uma árvore caída, poderia ser um bom lugar para estar e brincar.

Esses encontros, processos e produções levaram à realização em novembro de 2013 do seminário I Encontro de Arte Contemporânea e a Criança de 0 a 3 anos, que aconteceu na Creche Jardim Shangrí-la no qual ocorreram as apresentações das professoras em forma de oficinas compartilhando as experiências desenvolvidas com as crianças. O objetivo foi compartilhar com vários profissionais a trajetória de estudo, pesquisa e discussão sobre essa perspectiva de trabalho com as crianças pequenas e a Arte Contemporânea. A presença de 144 educadores da região, e o interesse pelo trabalho desenvolvido, reafirmou que essa proposta poderia se constituir num campo importante de pesquisa sobre o trabalho dos professores em artes com crianças de 0 a 3 anos. A preparação das oficinas nos possibilitou, também, uma tomada de consciência sobre as ações que vínhamos

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desenvolvendo de forma experimental e foram fundamentais para a continuidade dessa pesquisa.

Referências

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BARBIER, R. A Pesquisa-Ação. Tradução: Lucie Didio. Brasília: Liber Livro Editora, 2007.

BARBIERI, Stela. Interações: onde está a arte na infância. São Paulo: Blucher, 2012.

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IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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NICOLAU, E.C. O Desenho como estratégia sociopolítica. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp.219-240.

O Desenho como estratégia sociopolítica

EVANDRO NICOLAU1

Com a emoção de todos os acontecimentos políticos e sociais contemporâneos, diante das muitas incertezas que compõem este cenário, este artigo mistura o artista, o pesquisador do desenho e o educador que trabalha em um Museu de Arte Contemporânea. Pode ser que este texto tenha uma excessiva carga ativista, nesse caso, da arte do desenho, devido à procura de refletir sobre a construção de uma expressão como um ato de coragem. Os últimos anos e o presente momento, ano de 2016, tem provocado certo medo do futuro. Um ódio social latente e uma ausência de imaginação nos aprisiona e dificulta uma caminhada adiante. Abro este texto com uma passagem budista, como uma maneira filosófica de situar uma proposição.

Segundo Thich Nhat Hanh, na tradição Budista, em relação aos nossos medos,

Além de ficarmos aprisionados revivendo eventos que aconteceram no passado, muitas vezes, andamos com medo do que vai acontecer conosco no futuro. O medo da morte é um dos maiores medos que

1 Evandro C. Nicolau tem Licenciatura Plena em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho (2003). É Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo. É Educador do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo desde 2004, tendo chefiado a Divisão Técnico Científica de Educação e Arte do MAC USP entre 2010 e 2015. É professor em nível de graduação no Bacharelado Interdisciplinar em Ciências do Trabalho na Escola DIEESE de Ciências do Trabalho.

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as pessoas têm. Quando olhamos diretamente para as sementes deste medo em vez de tentar encobri-las ou fugir, começamos a transformá-las. Uma das formas mais poderosas de fazer isso é com a prática das cinco lembranças. Se você respirar lenta e conscientemente, inspirando e expirando, profunda e lentamente, enquanto diz estas lembranças para si mesmo, isso vai te ajudar a olhar profundamente a natureza e as raízes do seu medo. As cinco lembranças são: - Envelhecer faz parte da minha natureza. Eu não posso escapar do envelhecimento. - Adoecer faz parte da minha natureza. Eu não posso escapar ter problemas de saúde. - Morrer faz parte da minha natureza. Eu não posso escapar da morte. - Mudar faz parte da natureza de todos aqueles que estimo e de todos aqueles que amo. Não há maneira de escapar de ser separado deles. - Eu herdo os resultados dos meus atos de corpo, fala e mente. Minhas ações são continuações minhas. (desenho). (HANH, 2014)

Com essa citação, proponho, com o presente trabalho, pensar o desenho em uma compreensão ampliada, relacionando-o à geografia, à paisagem, à educação e à cidade, como estratégia sociopolítica de estar no mundo. Mundo esse de incertezas e medos, mas que ao mesmo tempo, solicita a construção de uma linguagem, por meio da qual “herdo os resultados dos meus atos de corpo, fala e mente”.

Há no desenho, no interior de sua expressão, uma linguagem de resistência e de percepção de mundo. De fato, se ampliarmos a dimensão do sentido e de suas formas de manifestação, o desenho é uma estratégia sociopolítica de atuação humana. Nas diversas instâncias sociais como escola, família e grupos em geral a capacidade de representar imagens, desenhar algo que se reconheça como forma mimética da realidade, torna-se a primeira relação de aproximação com a linguagem do desenho. Porém, o desenho não se restringe apenas a isso. No ensino formal, por exemplo, após a primeira parte da formação (ensino fundamental), a maioria das instituições abandona o desenvolvimento do desenho como linguagem. O desenho perde-se no limbo da irrelevância da disciplina de artes e no espectro das disciplinas “mais importantes”, caindo em uma espécie

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de marginalidade. Acabamos por ter um universo escolar em que a possibilidade de se trabalhar com o desenho como linguagem, não está presente na competência e no currículo de formação dos professores. Assim, essa atividade se restringe ao convívio social dos estudantes, no sentido de trocas culturais e dinâmicas de expressão de juventude, buscando um sentido de identidade pueril. Línguas e matemática, como relata Ken Robinson2, são disciplinas estruturantes do currículo escolar, e recebem maior ênfase no processo formativo. As artes, e o desenho no interior da disciplina, têm uma importância e dimensão de existência muito menor na grade curricular e no processo de aprendizagem em relação às outras matérias. Essa distância e desvalorização na formação dos estudantes se configura como uma negação do aprendizado de uma linguagem que tem a potência de fundamentar um olhar apurado em relação ao mundo que cerca esses indivíduos.

No ocidente, desde a antiguidade grega, o desenho caracteriza-se como um modo de pensar o mundo que, por determinadas técnicas, procedimentos e materializações cria formas e planeja espaço. Ao longo da história, muitas vezes, o conhecimento do desenho foi obscurecido e colocado na condição de conhecimento misterioso, dominado por poucos. Tratado como fruto de um dom divino ou de outros atributos que o afastavam do horizonte de saberes que deveriam integrar a formação de um indivíduo, mesmo assim, revelou-se como uma necessidade humana de representar as formas do mundo e de organizá-las espacialmente. Além disso, outra de suas funções, está a de produzir memória, a partir da representação de algo que se passou no tempo e que é fixado em uma materialidade. Com a ajuda da imagem a lembrança se faz mais nítida, presente, informada por detalhes mantidos na forma registrada e fixada. Resulta em história, em arte, em conhecimento que se pode acessar em sua fixação no tempo. Plínio o Velho (1985, p. 101), autor grego da

2 http://www.publico.pt/sociedade/jornal/e-muito-mais-facil-ensinar-matematica--e-ciencia-do-que-artes-67080 <acesso em 30/06/2016>

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antiguidade clássica, em Naturalis Historia, nos livros 34, 35 e 36, dedica-se a contar história da pintura, escultura e arquitetura. Uma dessas narrativas é o mito de Butades, ceramista grego, cuja filha estava enamorada de um jovem que iria ausentar-se para o estrangeiro. A fim de guardar a imagem desse jovem, Butades delineou com um carvão a sombra do rapaz projetada na parede pela luz de uma lanterna. A imagem do rapaz, guardada pelo desenho circunscrito de sua forma física, torna presente no tempo a ausência de seu corpo. Por meio da forma, que se constitui num registro ou representação, numa memória acessível, talvez a saudade da jovem filha de Butades tenha se atenuado.

Imagem 1 – Homenagem a Butades – Evandro Nicolau

A base da linguagem do desenho, já presente no tratado renascentista Da Pintura de autoria de Alberti (1992), como um conceito extraído da matemática. No modernismo, por exemplo, está em Kandinsky (1970), no seu Ponto e Linha sobre o Plano. Esses que são os elementos que compõem sua estrutura fundamental.

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Se imaginarmos nossos corpos como sendo um ponto que, se colocado em movimento, produz um rastro geratriz de uma linha, cada um de nós, ao se mover no espaço, traça um desenho e circunscreve formas, invisíveis e imaginárias. O conjunto de nossos movimentos sobre a terra gera desenho, o conjunto de nossas experiências e narrativas grafa, ou grava uma história, que pode ser tornada visível por alguma forma de registro da linha em movimento.

Dependendo de como olhamos ou abordamos o desenho, podemos, então, dizer que todo ser humano, de alguma forma, desenha. A presença humana sobre a Terra gera desenhos, produz linhas que traçam caminhos, alteram as formas da paisagem e do espaço. O desenho produzido pelo ser humano, em seu movimento e em sua interferência na natureza gera uma Antropogeografia. Friedrich Ratzel3, geógrafo alemão, tem uma obra de fundamental importância para o processo de sistematização da Geografia moderna. É de sua autoria uma das pioneiras formulações de um estudo geográfico especificamente dedicado à discussão dos problemas humanos, o qual denominou de Antropogeografia. Seu projeto teórico, com forte caráter interdisciplinar, teve a preocupação central de entender: - a difusão e distribuição dos povos sobre a superfície da Terra;

- as diversas formas de circulação de pessoas e bens materiais;

- a influência das condições naturais sobre o comportamento humano;

- as formações territoriais e, intimamente vinculada a estas, a dimensão política da relação homem-natureza.

Dessa maneira, propomos, com essas reflexões, uma aproximação para a compreensão do desenho, que parte de uma metáfora inspirada por essas ideias, em possíveis formas de registrar e perceber como o ser humano desenha sua presença no mundo. Esta

3 Friedrich Ratzel (1844-1904) é considerado por muitos o fundador da moderna geografia humana, sendo responsável também pelo estabelecimento da geografia política como disciplina.

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possibilidade de percepção nos é oferecida, por exemplo, pelo desenho cartográfico e pelos mapas que, ao delimitarem as fronteiras e as linhas de separação entre os lugares, produzem um desenho cultural sobre a Terra. Este desenho, se colocado à luz da linguagem, configura-se como coletivo, como social e político: plural e diverso em suas formas.

Aqui cabe uma digressão contemporânea: a cada 10 minutos nasce em alguma parte do mundo uma criança apátrida ou sem nacionalidade4. Trata-se de um problema ampliado pelo conflito na Síria, que tem nos levado à pior crise migratória na Europa desde 1945, segundo a Organização das Nações Unidas. Segundo um relatório da ONU para os Refugiados, este problema continua crescendo. Nos países onde vivem as 20 populações apátridas mais numerosas, 70.000 crianças nascem ao menos a cada ano. Mianmar, Costa do Marfim e Tailândia encabeçam estes estados. “No limitado tempo em que as crianças aprendem a ser crianças, um apátrida pode absorver de maneira permanente os problemas que os cercam durante toda sua infância e, assim, condená-los a uma vida de discriminação, frustração e desesperança”5, diz a declaração de Antonio Guterres, comissário da ONU, em relatório publicado em novembro de 2015 em Nova York. Esse relatório destaca as dificuldades no acesso à educação, saúde e emprego enfrentadas por pessoas nessas condições.

O conceito geográfico de paisagem diz respeito a um recorte de uma determinada porção de Terra, que compreende uma cultura, um país, conforme indica a própria etimologia6 da palavra. Negar a pátria é negar, de alguma forma, a paisagem, a origem, o território ou lugar. A disputa por espaço tem uma origem que se assenta na 4 UMA CRIANÇA apátrida nasce a cada 10 minutos, diz ONU. Exame.com, São Paulo, 14 nov. 2014. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/uma-crianca-apatrida-nasce-a-cada-10-minutos-diz-onu>. Acesso em: 20 nov. 2015. 5 UMA CRIANÇA apátrida nasce a cada 10 minutos. ZH Notícias, Porto Alegre, 03 nov. 2015. Disponível em: <hhttp://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/11/uma-crianca-apatrida-nasce-a-cada-10-minutos-no-mundo-4893261.html>. Acesso em: 20 nov. 2015. 6 Étimo de paisagem, porção de terra recortada, país.

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cultura, na língua, nos usos da Terra e suas significações sociais. Se o planeta é a dimensão maior que unifica os lugares em que os seres humanos nascem, o espaço recortado por um país está em uma esfera menor do que a porção maior da Terra. Como então definimos Pátria? Se a Terra, não é minha pátria, qual será ela? É neste aspecto que gostaríamos de construir uma ampliação de conceito de desenho, relacionado com a paisagem, ou espaço que contextualiza a presença humana. Assim, inequivocamente, num primeiro momento, buscamos um desenho que pertencente ao campo da representação artística, porém, é possível torná-lo visível, também, nas demais ciências. Pensando o corpo como um ponto que se colocado em movimento gerando linha, podemos criar uma metáfora com a dinâmica dos corpos circulando na cidade de São Paulo e imaginar que quando nos movimentamos sobre a trama urbana vamos traçando desenhos.

Imagem 2 – Fotografia satélite Hubble Terra e Lua: http://abcnews.go.com/Technology/photos/final-frontier-space-pictures-reaches-universe-1884336/image-dark-side-moon-million-miles-32901413 <acesso em 10/08/2016>

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Coleta de imagens na cidade de São Paulo: desenhando rotas e percursos

Pensando em traçar uma rota, percurso ou desenho digital sobre a cidade de São Paulo, podemos construir uma percepção de desenho capaz de ser capturado por aplicativos de georreferenciamento como Google Maps, por exemplo. A cidade de São Paulo, como grande metrópole modernista brasileira do século XX, passou por um crescimento vertiginoso e tem a possibilidade de ter a história, da transformação de vila em metrópole, rastreável e perceptível devido a amplos registros imagéticos feitos ao longo do tempo. Ainda há, presente na forma urbana de São Paulo, a particularidade da existência do intrincamento de resquícios de floresta atlântica com o ambiente urbano, principalmente em áreas periféricas da cidade. Assim, traçamos aqui um percurso a partir da escolha de imagens que situam um trajeto que liga a Serra da Cantareira ao marco zero da cidade na Praça da Sé7. Neste percurso é possível refletir sobre o estado atual da cidade e também perceber áreas de interesse, que são cobertas e atualizadas pelo aplicativo, em detrimento de áreas em que, se passam anos sem que haja atualização de imagens.

O princípio de coleta de imagens8 se deu selecionando no aplicativo Google Maps e Google Street View, uma determinada linha ligando Serra da Cantareira, pela Estrada da Santa Inês, com o Marco Zero de São Paulo, na Praça da Sé. Fazendo um percurso simples, recolhemos imagens que mostram uma estrada cercada de árvores que vai adentrando a cidade até o ponto em que surgem as comunidades e moradias da população da periferia. No trecho de encontro da Serra com a cidade, por exemplo, a última atualização de imagens, disponível no Google Street View, foi feita, pela data informada pelo aplicativo, em 2011. Fazendo uma análise da sequência, percebemos que a cidade, em sua capilaridade, possui um

7 A sequência de imagens está no final do trabalho. 8 Todas as imagens coletadas foram extraídas do Google (Maps e Street View) e selecionadas por mim para comporem o percurso, acessadas em junho de 2015.

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grau de diversidade de urbanismo e arquitetura altamente variado. Em São Paulo, podemos encontrar grandes áreas de autoconstrução, ou mesmo construções precárias, passando por imensidões de áreas de classe média, além de sua mais evidente característica, que é a verticalização do espaço urbano, até áreas de alta classe e de urbanização caracterizada por grandes casas unifamiliares9.

A sequência de fotografias entra na Avenida Cruzeiro do Sul, no bairro de Santana, local que exibe, embaixo do viaduto da linha do metrô, o Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo10. Há também destaque para o Parque da Juventude, que foi feito sobre o terreno onde existiu a Penitenciária do Carandiru, que apresenta a solução de construção de parque urbano como ressignificação do espaço. Deste ponto em diante, as imagens estão atualizadas já com data de 2015. Ultrapassando o rio Tietê e seguindo pela Avenida Tiradentes, a metrópole apresenta o seu layout, digamos assim, mais característico de megacidade, onde podemos ver que a presença das grandes avenidas, na perspectiva do automóvel, se evidencia plenamente. Toda a dimensão espacial de ocupação territorial se torna maior, mas espessa e mais vertical. O fluxo é composto por carros, ônibus, metrô, motocicletas, bicicletas e pedestres, que são corpos se locomovendo em camadas e dimensões de percepção diversas, dependendo do modal. Ao chegar ao marco Zero, na Praça da Sé, o campo transicional de pessoas aparece em uma singular imagem de travessia de pedestres, no coração da metrópole. Ter a possibilidade de usar a tecnologia para fazer uma

9 Não analisei com profundidade as imagens, e nem os aspectos formais em sua amplitude da visualidade urbana de São Paulo para este trabalho. Cabe explorar outros trajetos e coletar mais imagens, aqui é um trabalho introdutório de pesquisa que, porém, dá conta de propor uma possível forma de ver a cidade. 10 O Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (MAAU-SP) constitui em um conjunto de 66 painéis de grafite instalados nas pilastras que sustentam o trecho elevado da Linha 1-Azul do Metrô de São Paulo, localizados no canteiro central da Avenida Cruzeiro do Sul entre as estações Santana e Portuguesa-Tietê, no distrito de Santana, Zona Norte de São Paulo. Esta região da cidade é considerada como berço do grafite paulistano desde os anos 1980 e 1990. De acordo com seus organizadores é o primeiro Museu Aberto de Arte Urbana do Brasil e do mundo. Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

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imersão digital, por meio de percursos registrados pelo Street View, permite que possamos amplificar a nossa relação perceptiva com a cidade. Temos imagens digitais que guardam no tempo suas formas e suas representações, para que assim, possamos talvez, pensar a cidade de forma mais imaginativa ou subjetiva em seu desenho.

Se usarmos para isso as tecnologias de registro cartográfico, nesse percurso, podemos registrar rotas e caminhos pela cidade, ampliando uma percepção que é mediada pela tecnologia e pelas imagens. Nesta rota que aqui apresentamos11, ao traçar uma linha da Zona Norte de São Paulo, é possível verificar que podemos perceber e intervir na cidade a partir de um desenho escolhido virtualmente, que nos mostra a memória recente do espaço registrado pelas câmeras do Google. Partindo de uma estrada em meio a floresta urbana da Cantareira, passando pelo urbanismo periférico e seguindo até a região de movimento mais intenso da metrópole vemos a mesma cidade apresentando uma paisagem diversificada. Aqui estabelecemos um pequeníssimo recorte em que aparecem formas e desenhos na cidade, sua arquitetura, as diferentes classes sociais e inclusive as formas ditas marginais, como a pichação. É possível perceber, mesmo em poucas imagens, a dimensão político e social envolvida no sistema urbano de uma metrópole como São Paulo. Podemos então pensar a cidade como um desenho expandido, coletivo, assentado em um território em disputa, que tem ou não planejamentos coerentes e que agrega ou segrega socialmente, de acordo com inúmeros interesses.

Desenho, atividade marginal

Para trazer à consciência alguns aspectos da linguagem, lançamos luz sobre um texto de Flavio Motta12, que pensa, em especial, a

11 Sequência de Imagens ao final do artigo. 12 Flávio Lúcio Lichtenfelds Motta (São Paulo SP 1923). Professor, historiador da arte, desenhista e pintor. Forma-se em filosofia na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo - USP. Começa a lecionar história da arte. Em 1949, com os artistas Bonadei, Nelson Nóbrega, Alfredo Volpi, Waldemar da Costa e Waldemar Amarante, cria a Escola Livre de Artes Plásticas, de curta duração. No final dos anos 1950, cria o curso de

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política e a presença do desenho na história da educação no Brasil. Em um artigo intitulado Desenho e emancipação, Motta argumenta, partindo de uma análise do modo como foi constituído o ensino de arte institucionalizado no país, como o desenho foi deslocado para uma esfera diletante, em detrimento do reconhecimento de sua importância na construção de uma sociedade. Sobre a organização da Academia Real de Belas Artes no Brasil, Motta diz:

Sabemos que os companheiros de Le Breton trouxeram para cá, principalmente, as lições de Jacques Louis David. Sabemos ainda que David conhecera de Laymerir, por volta de 1777, a noção de que “o verdadeiro desenho é a linha”. Entendida mais como contorno, a linha era o elemento configurador – o limite, a favor da austeridade que na época se opunha à galanteria rococó. Estava assim impregnada de uma nova comoção, produzida por um conjunto de condições emocionais da burguesia pré-revolucionária. Era também manifestação de “um projeto social restrito”. Respondia melhor a uma parte da sociedade que participou da revolução – os burgueses – e não ao povo em geral. (MOTTA, 1970, p.3)

No Brasil, a primeira política educacional de estado nas artes foi importada da França, da corte egressa de Napoleão, vencido em sua tentativa de dominação territorial da Europa.

Imagem 3 - Jacques Louis David (1748-1825), Os três irmãos Horacios, 1785.

formação para professores do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, que é posteriormente transferido para a Fundação Armando Álvares Penteado - Faap. Torna-se professor de história da arte e estética no departamento de história da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP, onde auxilia o arquiteto e professor Vilanova Artigas na reformulação do currículo escolar.

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Indo adiante nessa argumentação depreendemos que o desenho é uma forma de expressão que se constitui como linguagem independente do suporte ou do meio de registro. Portanto, o desenho transcende a ideia convencional de lápis sobre papel, ou de uma dimensão somente bidimensional, referendada pela sua atribuição meramente descritiva e linear. Neste aspecto, Motta avalia que se impôs um modelo único de desenho que desconsidera a possibilidade de emancipação por meio de outras formas de se pensar as artes, que poderiam ter se constituído no Brasil da época. Sobre a estratégia de desenvolver uma sociedade burguesa, na qual a arte era atividade de apêndice, supérflua, necessária a um modo de vida de uma elite social que surgia no Brasil, comenta:

A ideia de desenho, ligada à linha, ao traço, ao limite espacial, foi considerado o fundamento das assim chamadas “artes plásticas”, conforme a visão de Lessing. Outra proposição teórica que muito influi no neoclassicismo, foi Winckelmann que reconhecia no desenho um fundamento na necessidade e que, gradativamente, envolvia o supérfluo. Por isso, mais tarde poderíamos perguntar e verificar se essa necessidade não era mais do que resultado da ciência burguesa. Toda essa visão que atingia o Brasil, nas vésperas da nossa independência, era, possivelmente, um anteparo ante as ameaças inglesas. (MOTTA, 1970 p. 3)

Dessa maneira, as artes foram separadas dos ofícios, se restringindo ao hedonismo, sem presença real no mundo e na sua construção.

Naquela oportunidade cuidavam de diversificar as “belas artes” dos “ofícios fabris”, como se a arte se reservasse, apenas, a esfera do “prazer”, e a dos ofícios à área do “saber”. (MOTTA, 1970, p. 4)

Este modo de operar com as artes e seu ensino, como um não reconhecimento de sua necessidade de ser parte da formação e da organização da vida humana, acaba por retirar do sistema educacional, em específico, o desenho, na expressão dos indivíduos. Os interesses envolvidos neste modo de organização da arte não serão os descritos aqui, porém é interessante verificar o modo como Motta vê o resultado desta dinâmica:

Até hoje essa dicotomia perpassa os conflitos da modernidade. Inúmeros são aqueles que preferem ver a arte confinada à condição

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de deleite pessoal. Assim, ela passará a ser o território onde se organizarão as frustrações. Assim também, ela ingressa, quase exclusivamente, no terreno da laborterapia. Vira, para alguns, atividade marginal. É interessante observar como determinados espectadores, consumidores, desejam manter com a obra de arte apenas um relacionamento puramente agradável, eliminando qualquer aprofundamento crítico que representaria o reconhecimento do trabalho intelectual. (MOTTA, 1970, p.4)

Esse modelo é marginal, uma vez que está dentro de um sistema de educação impossibilitado de trabalhar com uma perspectiva de uma arte libertadora, de um desenho como estrutura de pensar o espaço e o viver. Assim, a arte e o desenho se tornam invisíveis, são apagadas do conteúdo, pois a educação, em seus parâmetros de ensino, geralmente entende como modelo de “bom desenho”, uma forma que não é um desenho que constrói identidade. Ao utilizar o modelo europeu como base estética e de organização das artes, sem relativizá-lo à diversidade da cultura brasileira, quebram-se as possibilidades de imaginação e de expressão, que carregam consigo uma série de outras referências culturais e sociais. Como Motta diz, o desenho é o terreno em que se organizam as frustações, ou se torna uma atividade marginal. Uma das principais manifestações de desenho entendidas como marginal, por exemplo é a pixação. Esta forma cultural marginal e marginalizada ocupa áreas de paisagem cultural da cidade e se inscreve como pontos que fazem aspectos da urbanidade emergirem a vista do cidadão comum de modo agressivo.

Em um documentário chamado Pixo13, encontramos uma boa reflexão e apresentação do assunto. Em algumas passagens do documentário a pixação é definida por participantes do filme, e extraímos aqui algumas características verbalizadas no documentário:

- A pixação tem especialidades, prédio, janela, escalada. Fala-se em comunicação fechada, feita para agredir a sociedade, e é tida como única, com interesse internacional.

13 PIXO O filme não traz respostas, mas fornece argumentos para o debate: pichação é arte ou é crime?

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- Busca uma originalidade, processo artístico criativo. Vem das capas dos discos de heavy metal, das runas europeias e se transformou. Os pixadores falam até em uma antropofagia como conceito de criação de pixos.

- Curiosamente tem um rapaz que estudou até a oitava série e não sabe ler a escrita tradicional, mas lê todas as pichações, e cria logomarcas.

- Para os pichadores, foi um marco a invasão da Bienal de São Paulo, pois inseriu a pixação na discussão sobre o que é ou não arte e sua função político-social.

Imagem 4 – Pixação – foto: Evandro Nicolau

O espaço vazio é preenchido pelo grito, pela pixação como expressão visual fruto de um desenho reprimido, das frustrações. O pixo expressa aquilo que não tem sentido além da própria existência gráfica, que organiza um código simbólico próprio. Busca de fato agredir e tem excessiva carga de revolta e violência. Sem estabelecer juízo de valor a respeito do que seria artístico ou não, a “sujeira” produzida pelas pichações são signos de uma dinâmica social conflituosa. Portanto, sua singularidade se situa no embate político e social, que se relaciona com formas de medo, de um medo que produz depredação e agressão, sendo resultante da ocupação dos territórios e das disputas socioculturais sobre a cidade. Ambivalente, é ao mesmo tempo fruto e produto de uma a opressão presente em

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lugares em que não há desenho, no sentido de planejamento social e urbano, gerando uma situação de maniqueísmo, do bem contra o mal, no mais das vezes, equivocada e inócua.

Em meu trabalho de educador de museu, sempre pergunto a professores, se existem estudantes que desenham em sua sala, e a resposta é positiva, em relatos de que sempre há alunos desenhistas. O que ocorre é que a escola não está preparada para esses estudantes. É uma afirmação contundente, entretanto, observando os currículos e as necessidades básicas dos professores, verificamos que ao longo do processo escolar o desenho desaparece, mesmo da aula de artes. Sua linguagem não é pensada e trabalhada. Podemos depreender que toda criança desenha, o que acontece é que algumas poucas continuam a desenhar ao longo da vida. A etapa posterior é o desenvolvimento de um medo e uma recusa do desenho, que o elimina de uma vez por todas das atividades expressivas da maioria dos estudantes14.

Estamos vivendo um período de medo, medo das transformações, da crise política do país e do mundo, de uma ampla crise da educação no estado, e das instituições públicas. Trabalhar com arte tem um caráter ideológico fortíssimo e essa escolha tem que ser levada a sério. Esse caráter ideológico se relaciona a um ativismo constante de elucidar e esclarecer a importância e a função da arte na formação do ser. Ideológica porque oferece como produção de conhecimento ferramentas de percepção que permitem ver para além das superfícies e das máscaras de representação social. Mais que isso, a arte é o ponto máximo da elaboração e da construção de comunicação, tem a potência de transformar a cultura e reestabelecer valores sociais nas relações humanas. Como ideologia, trabalhar com arte não se estabelece exatamente como uma profissão cujo valor

14 O saber desenhar distingui-se do não saber pela intensão expressa no gesto decisivo. O medo do desenho é que destrói o próprio desenho. Desenhar é enfrentar o temor, ter intuição e confiança no gesto, na expressão que nasce no pensamento e se converte em imagem. Linhas se organizam em forma, se tornam dinâmicas e a transformação de ideia em memória se revela na construção do espaço da representação gráfica. (NICOLAU, 2011, excerto 45)

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econômico está diretamente associado à sua atividade primeira, que é ter com a imaginação e a criatividade uma forma de produção de conhecimento. Temos, obviamente, a arte produzida para um mercado, para uma elite econômica de colecionadores, é uma commodity como um produto agrícola ou industrial. Entretanto, também temos a arte como uma função humana indissolúvel, que organiza a comunicação, a expressão, o senso de liberdade e a possibilidade de experimentar o mundo de forma poética. Como está presente na Fenomenologia desenvolvida por Husserl (1980), percepção, memória e imaginação são articulações do processo de pensamento humano.

Este artigo, feito para um Simpósio de Educação em Museus de Arte, de alguma forma, busca traçar essa ponte, em que a escola pode se apropriar dos espaços culturais, principalmente os públicos, como o MAC USP. Como uma reflexão sobre os museus, como instituições conservadoras em sua essência, por diversas razões e riscos, é possível notar uma grande ausência desse tipo de relação ideológica com a arte. Mais do que atrair um público em potencial, que poderia ter sua vida transformada pela cultura, repele esses entes com discussões herméticas e evasivas. Este potencial se perde em meio a um conjunto de normas e comportamentos não compartilhados pela grande maioria da população alijada do sistema oficial de cultura. Um dos dados mais evidentes dessa distância é a quantidade ínfima de relacionamento que as escolas públicas têm com os museus e vice-versa, dentro de um universo de milhões de estudantes da cidade de São Paulo, por exemplo. Quando visitas ao museu acontecem, lamentavelmente, o diálogo é ausente, pois as regras sempre são dadas, sem discussão, pela instituição museológica. É fato que houve no Brasil um aumento significativo de inserção cultural ao longo do início do século XXI, mas é também nítido que se trata de uma luta constante a manutenção e a ampliação desse movimento. Em tempos de crise a cultura e as artes são as primeiras a serem sangradas. Se os museus brasileiros abrirem mão de pensar ideologicamente a arte, em seu potencial

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transformador, não conseguiremos usar a arte, o desenho, em toda sua potência como uma estratégia política social construção social. O primeiro diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP, professor Walter Zanini, teve na própria arte sua estratégica político social para fazer o MAC existir e ficar de pé. Isso se deu à época de sua a fundação em 1963, que seguiu a uma ditadura militar no Brasil. De alguma forma, embora tenhamos as obras de arte preservadas e exibidas como pesquisas acadêmicas, perdemos o pé da arte viva, como função, como estratégia político social.

A arte, muitas vezes, é uma fundamental estratégia de resistência sócio-política, ela faz a identidade se relacionar com a alteridade, organiza o simbólico, a linguagem e elabora nossa relação com a percepção, a memória e a imaginação em um mundo em movimento, desenho.

Nesta rota, neste passeio gostaríamos de sondar o desenho como potência que organiza a possibilidade de imaginar, de pensar o não pensado, tentando esboçar uma linha sem preconceitos. Tão ausente na percepção quanto presente em todas as formas e ações do mundo, como estratégia sociopolítica não caberia para esta publicação mais do que um texto de ativismo para enfrentar o presente e o futuro. Nesse sentido, nos resta enfatizar que o desenho coloca formas no vazio opressivo da existência e faz com que, de alguma forma, estejamos presentes e visíveis no mundo.

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Sequência Imagens extraídas do Google Maps e Google street view

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

OLIVEIRA, A.M. São Paulo: Arte, História e Memória. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da

Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 241-253.

São Paulo: Arte, História e Memória

ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA1

Inicialmente um triângulo, que saltou para além do Vale Anhangabaú e criou um reticulado (...). Depois, com os primeiros bairros modernos, Pacaembu e Jardins, criou-se o oitavado (...). E depois todos esses padrões, com suas anomalias, se projetaram para uma névoa de bairros periféricos que substituíram os subúrbios modestos e bucólicos da época anterior a 1954. De repente, esse sistema de loteamentos populares se amplia; se desdobra e vem uma estrutura nebular no entorno do tentacular. Azis Ab´Saber (WILLER, 1994, p. 5)

São Paulo, em sua constituição colonial, resiste até o início do século XIX. A cidade, nascida ao redor do colégio jesuítico, cresce balizada pelas construções religiosas (São Francisco, São Bento, Carmo e do Colégio) e sobre o Espigão Central, o chamado Triângulo Histórico2. O bairro da Luz tem como primeiro

1 Alecsandra Matias de Oliveira é Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas (1995), mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2003) e doutora pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2008). Atualmente é especialista em cooperação e extensão universitária da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Artes e Comunicações, com ênfase em História da Arte e Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: museus, arte, história da arte, arte brasileira, história e crítica de arte. 2 O crescimento do povoamento de São Paulo, criado em 25 de janeiro de 1554, a partir da construção do Colégio dos Jesuítas, tem como principal fator a seleção do sítio geográfico – uma elevação estratégica, colinas entre os cursos dos rios que levam ao

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monumento, o convento da Luz, maior testemunho arquitetônico e religioso remanescente do século XVII3. O bairro adquire nova configuração em meados do século XIX, mesmo período, no qual a cidade de barro recebe suas primeiras edificações em tijolos, técnica introduzida pelos ingleses, a partir da construção de estações das estradas de ferro em 18654. A influência dos ingleses na cidade está associada à via férrea, ao bairro da Luz, a transações e empréstimos de bancos e aos reflexos das companhias estrangeiras no investimento da urbanização da cidade e à Companhia City.

Ao longo da via férrea formam-se novos bairros e instalações fabris instalados ao longo do eixo leste-oeste da cidade, pouco acima das várzeas alagáveis do Tietê. A estação da Luz transforma-se na “porta de entrada da cidade”.5 O “boom” da imigração traz gente de diferentes costumes que se tornam paulistanos. Ao redor da Estação da Luz cria um novo centro comercial e, em torno da Sorocabana, o bairro residencial aristocrático dos Campos Elíseos.

A Estação da Luz, juntamente, com as edificações do Museu de Arte Sacra (convento da Luz), da Pinacoteca do Estado de São Paulo (antiga, Escola de Belas Artes), Parque da Luz (antigo, Jardim

interior, confirmando o local como porta e caminho mais eficiente para entrar nos domínios do sertão e das minas de ouro. 3 A tradição da invocação de N. Sra. da Luz data do século XVI; o local é, originalmente, chamado de Campo do Guaré, caminho de Santana, às margens do Rio Anhembi. 4 Criada em Londres, a São Paulo Railway, conhecida como a Inglesa, inicia os trabalhos em 1860 com dificuldade, pois a escarpa do planalto exige a construção de túneis e viadutos. A The São Paulo Railway Brazilian Limited (SPR) inaugura a construção ferroviária no estado de São Paulo, ligando Santos à capital, em 1865, e atingindo Jundiaí no ano seguinte. Esse primeiro ramo do sistema ferroviário paulista é considerado o mais difícil e também o mais importante, pois a ele ligam-se as demais redes ferroviárias, tornando-se responsável pelo escoamento da produção do planalto paulista pelo Porto de Santos. Idealizada pelo Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, passa às mãos dos ingleses em negociação prejudicial ao Visconde. 5 O capital e os técnicos ingleses, aliados à mão-de-obra dos imigrantes espanhóis, portugueses, italianos, constroem planos inclinados da mais alta tecnologia ferroviária da época. E após o término de sua construção e inauguração, em 1867, este complexo ferroviário demanda mão-de-obra especializada para sua operação e manutenção, abrindo oportunidades e fazendo com que muitos ficassem no local.

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Botânico), da Sala São Paulo, Estação Pinacoteca (ambas, localizadas em antigos escritórios da Estação Sorocabana e que nas décadas de 1960 e 1970, abrigaram o DEOPS) e do Museu da Língua Portuguesa (em dependências da própria Estação da Luz), formam, atualmente, o Complexo da Luz – uma aglomeração de aparelhos culturais que está sendo, progressivamente, revitalizada e revigorada pela frequência de milhares de pessoas ao dia.

A virada do século XIX para o século XX marca, especialmente, a transição do regime imperial para o republicano no Brasil: a República proporciona descentralização política com maior autonomia regional. Nesse período, São Paulo se destaca no país por ter iniciado, em sequência ao ciclo econômico agrícola do café, o ciclo industrial nascente na capital. A cafeicultura altera a passagem do antigo arraial paulistano, de sertanista para a capital do café, com transformações dos lampiões a gás para a energia elétrica dos canadenses, novos bondes e os trilhos da estrada de ferro.

Cabe ressaltar que as políticas de imigração, em São Paulo, no período imperial estão ligadas à ocupação de áreas de fronteiras ao Sul e ao Sudeste e à necessidade de suprir a mão-de-obra cafeeira. Junte-se a isso o conceito de branqueamento da raça para a construção de uma nova nação brasileira branca, moderna e civilizada6. Os imigrantes são atraídos por possibilidades de fortuna e essas são promessas dos agentes de propaganda do governo.7 A implantação das estradas de ferro em 1867 e a ligação com o porto de Santos até o interior, facilita a chegada das levas de imigrantes até a Hospedaria

6 Em 1818, constitui-se a primeira colônia suíça no Morro Queimado em Cantagalo (RJ) e fixam-se os primeiros alemães em Viçosa (BA). Criam-se núcleos coloniais para os agricultores, com a distribuição de lotes de terra a imigrantes que devem utilizar o trabalho familiar, financiado pelo governo imperial. Também se instalam as colônias de parceria, de iniciativa particular, com ônus dividido entre fazendeiros e colonos – grande lavoura nas quais os imigrantes são empregados. 7 Os comissariados tratam de assuntos comerciais, cuidam da propaganda para atrair imigrantes e orientam o trabalho dos agentes que, espalhados por cidades européias, convencem as pessoas a se transferir para o Brasil.

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dos Imigrantes (hoje, convertida em Museu do Imigrante) na capital8. Da Hospedaria seguem para as fazendas de café no interior do Estado. A Estação da Luz é, praticamente, a primeira visão da cidade para esses imigrantes.

A infraestrutura e a economia cafeeira motivam o fluxo migratório para a área urbana. Já se sente a presença e a pluralidade étnica que toma conta da cidade. Em 1913, por exemplo, a cidade de São Paulo, apresenta cerca de 70% de habitantes de origem estrangeira (TIRAPELI, 2007, p. 2010). O empenho das autoridades concentra-se na preservação do uso dos idiomas ibéricos. Na capital paulista, há, então, cerca de setenta escolas primárias de imigrantes que alfabetizam suas crianças no idioma de seus países.

A cidade de São Paulo sente a presença de portugueses, espanhóis, negros, germânicos, belgas, franceses, povos da Europa Central e Oriental, árabes, japoneses, coreanos e, por último a demanda de imigração de latino-americanos. Porém, os italianos transformam-se na grande massa de mão-de-obra, particularmente, operária e artesã da cidade em permanente construção. Dominam, a partir do emprego do estilo eclético, as técnicas de edificação de prédios e casarios que são realizados por artífices, professores e alunos do Liceu de Artes e Ofícios. A imigração italiana é considerada verdadeiro símbolo do movimento imigratório, em especial, pelo contingente que corresponde a 42% dos imigrantes (1,4 milhão do total de 3,3 milhões) que entram no território nacional entre 1870 e 1920, período amplo da grande imigração (TIRAPELI, 2007, p. 257).

Deslocando-se das lavouras de café à paisagem urbana paulistana, como operários das fábricas têxteis nos bairros de várzeas do Tamanduateí e à margem direita do Tietê, ao longo da via férrea, os imigrantes implantam vilas, ruas e edifícios monumentais. Os italianos tornam-se os melhores e mais disputados arquitetos e construtores, 8 A Hospedaria de Imigrantes é construída no bairro do Brás, em 1887 porque nesse local cruzam-se os trilhos das duas ferrovias que servem a cidade de São Paulo: a antiga Central do Brasil, que vem do Rio de Janeiro, onde desembarcam muitos imigrantes, e a São Paulo Railway, que vem de Santos.

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substituindo as linhas francesas dos edifícios pelas neo-renascentistas italianas, como se vê no Edifício-Monumento do Ipiranga, no Teatro Municipal, no Edifício Martinelli, entre tantos outros.

Os monumentos escultóricos dos artistas italianos também tomam conta das praças, como os realizados em homenagem ao músico brasileiro Carlos Gomes e ao compositor italiano Giuseppe Verdi, além de Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo e do Monumento à Independência no Ipiranga. Instituições culturais, como a Bienal, museus, teatros e até a indústria cinematográfica têm como mecenas os peninsulares. No bairro dos Campos Elíseos persistem marcas dos capomastri, e, especialmente nos bairros da Mooca e do Bexiga, o espírito italiano sobrevive no sotaque, nos costumes e na arquitetura singela.

No movimento de industrialização e urbanização impelido à cidade de São Paulo, nas primeiras duas décadas do século XX, a expansão da cidade além dos centros (velho e novo) exige a implantação de mais viadutos e avenidas. O novo urbanismo conquista espaços: os primeiros quarteirões que ainda possuem casas coloniais são demolidos, e nas ruas e praças perfilam edifícios ecléticos.

A velocidade dos carros e aviões, bem como as atividades esportivas e as noturnas invadem a cidade moderna. Em 1922, ocorre a Semana de Arte Moderna e a “Paulicéia Desvairada”, expressão cunhada pelo crítico de arte Mário de Andrade, toma consciência de sua importância nas artes, na política e no desenvolvimento do restante do país9. As características cosmopolitas da cidade motivam o

9 A Semana de Arte Moderna ocorreu em São Paulo, em 1922, entre os dias 11 a 17 de fevereiro, no Teatro Municipal. A Semana de Arte Moderna representou uma verdadeira renovação de linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora da ruptura com o passado e até corporal, pois a arte passou então da vanguarda, para o modernismo. O evento marcou época ao apresentar novas ideias e conceitos artísticos, como a poesia através da declamação, que antes era só escrita; a música por meio de concertos, que antes só havia cantores sem acompanhamento de orquestras sinfônicas; e a arte plástica exibida em telas, esculturas e maquetes de arquitetura, com desenhos arrojados e modernos. O adjetivo “novo” passou a ser marcado em todas estas manifestações que propunha algo no mínimo curioso e de interesse.

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modernismo, abrigando numerosos artistas estrangeiros, principalmente oriundos da Itália, do Japão e do Leste Europeu. Estes artistas, cada qual à sua maneira, imprimem marcas pela cidade: o Futurismo dos italianos; o Expressionismo dos imigrantes da Europa Central, as tendências modernas parisienses e os imigrantes proletários das primeiras décadas do século XX revolucionam as artes e a cultura paulista, logo disseminadas por todo o país.

Na década de 1950, a arte moderna, ainda figurativa assimila a abstração trazida pelas Bienais do Museu de Arte Moderna de São Paulo. O neoconcretismo e o abstracionismo dos grupos formados pelos nipônicos convivem com a abstração geométrica do Leste Europeu e da Itália. A cidade industrial desponta como candidata à cidade cultural com a criação de museus como o MASP10, MAM11 e MAC USP12. Jovens artistas, entre 1960 e 1980, assimilam as

10 A iniciativa de constituição do MASP é de Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados (forte cadeia de jornais, revistas, rádios e TV – espalhada por todo o território nacional, naquele período). Chateaubriand como “mecenas” empenha-se em capitalizar recursos e adquirir visibilidade para sua iniciativa e para seus “colaboradores”. Por essa razão, a gestão do museu está diretamente ligada ao mecenato e à divulgação das ações de seus benfeitores. Não são poupados recursos para trazer conferencistas, para a aquisição e doação de obras, investimento em mostras e publicações e para a criação da ação educacional. 11 A constituição do MAM SP, em 1949, por iniciativa de Francisco Matarazzo Sobrinho (o Ciccillo) e membros da elite empresarial e intelectual, altera a relação entre passado versus presente, pois o presente depositado nos museus representa um legado, uma espécie de monumento-memória para as gerações futuras, em que se torna relevante no aspecto subjetivo, na invenção e na ligação com seu tempo. Porém, acima de tudo, a constituição do museu, colabora para fomentar modificações nas condições culturais e, também, congrega alguns ideais políticos e econômicos relacionados ao fenômeno de metropolização, industrialização, desenvolvimentismo e alianças com os Estados Unidos. 12 Em 1963, o MAM SP encerra suas atividades, transferindo seu acervo para a Universidade de São Paulo, propiciando a composição do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – ponto inicial de uma nova forma de gestão de acervo e de tratamento das obras de arte. A doação do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, à época, é justificada pelo caráter público atribuído ao mantenedor da instituição, pois Ciccillo teme que este acervo permaneça nas mãos de pessoas “perecíveis” e deseja passá-lo às mãos de uma entidade “não perecível”. Desse modo, a USP torna-se a primeira

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tendências mais internacionalizadas, tais como a pop art norte-americana, seguidas da transvanguarda, colocando de vez a arte brasileira nos circuitos das grandes exposições e do mercado mundial. Por último, vale ressaltar um dos espaços de rememoração mais recentes da cidade: o Memorial da América Latina, fundado em 1989, no bairro da Barra Funda, principal símbolo da interação dos povos latino-americanos, engendrado a partir dos ideais de Darcy Ribeiro e da arquitetura de Oscar Niemeyer.

Os diversos povos que constituem a cidade delimitam os espaços da memória. O exame do percurso histórico trilhado por São Paulo auxilia na compreensão dessa movimentação entre memórias e aspectos identitários. Identifica-se a tendência de imigrantes da mesma nacionalidade fixarem residência em bairros específicos: italianos no Brás, Bexiga, Belém, Mooca e Bom Retiro; japoneses e chineses na Liberdade, alemães no Brooklin e em Santo Amaro; árabes na região do mercado, judeus no Bom Retiro, após 1920 e Higienópolis (atualmente); coreanos, atualmente, também, no Bom Retiro e arredores; russos, poloneses e, especialmente, lituanos na Vila Zelina, iugoslavos na Mooca e no Belém, armênios na Luz; e outros.

A partir de 1934, o presidente do país, então, Getúlio Vargas, limita a entrada de estrangeiros no Brasil, incentivando o movimento migratório interno, que já vinha ocorrendo em pequenas proporções. Passam a chegar a São Paulo, em número cada vez maior, brasileiros oriundos de outras regiões do país. São mineiros, mato-grossenses, goianos, nortistas, nordestinos vitimados pelas constantes secas e atraídos pelas oportunidades de emprego, especialmente, no setor de construção civil da cidade. Esses migrantes também se unem em lugares específicos da cidade – às vezes em pontos periféricos ou regiões metropolitanas. As tradições locais são compartilhadas e transformam São Paulo em verdadeiro mosaico do Brasil. São Paulo é partilhada por todos. Porém, há pedaços desta cidade mais italianos,

universidade no hemisfério sul a dispor de significativo acervo de obras de arte e o seu museu a ser o primeiro no país com a denominação “museu de arte contemporânea”.

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espanhóis, nordestinos ou orientais, onde o sentimento de identificação é mais forte – esses são os chamados lugares da memória.

Figura 1: Maria Bonomi, Construção de São Paulo, 1998 – painel no metrô Jardim São Paulo, duas faces 300 x 600 cm x 300 x 270 cm. Maria Bonomi realiza a metáfora de uma cidade em vários planos, da superfície aos subterrâneos. Nesse mural existem uma árvore que pertence aos dois mundos, o de cima e o de baixo, o da superfície e o da caverna. A copa e as raízes.

Os lugares da memória representariam menos uma ausência de memória ou a manifestação de uma memória historicizada do que irrupções afetivas e simbólicas da memória em seu diálogo constante com a história. A conservação de museus e monumentos necessita de atribuição de significado para que a memória não se esvazie de todo. Um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, “só é lugar de memória se a imagem o investe de uma aura simbólica”, afirma Nora (1993). Ou seja, o arquivo precisa exprimir significado. Esses lugares de memória envolvem o tempo, a mudança e a história:

O lugar de memória deve parar o tempo, bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estudo de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial para (...) prender o máximo de sentido

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num máximo de sinais, é claro, e é isso que os torna apaixonantes: que os lugares da memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações (NORA, 1993, p. 32).

A partir desse argumento, Nora constrói a noção de – lugares da memória – que, segundo o autor, servem para garantir a fixação de lembranças e de sua transmissão, e estão impregnados de simbolismos, pois caracterizam acontecimentos ou experiências vividas pelos grupos, ainda que muitos de seus membros não tenham participado diretamente de tais eventos.

Em São Paulo, os espaços da memória estão ligados aos sentimentos de desraizamento e de pertencimento que são complementares. A cidade, considerada uma das maiores da América Latina, é um conglomerado arquitetônico mesclado por pessoas vindas de diversos locais do Brasil e do mundo. O sentimento de “em casa” e de “homeless” apresentam-se fortemente nesse ambiente urbano. Embora, São Paulo proponha espaços (presenciais e virtuais) globalizados cotidianamente, sua população está longe de traços identitários homogeneizados.

A vocação cosmopolita da cidade advém do movimento de industrialização pós-1920. Por três séculos, São Paulo tem casas de barro e sofre com chuvas e umidade permanentes, características do clima tropical de altitude. Quando completa seu quarto centenário em 1954, atinge um tamanho inesperado.

De lá para cá, a cidade mostra-se cada vez mais global. Simultaneamente, as “etnias” presentes na malha urbana têm, crescentemente, a preocupação de marcarem suas memórias em lugares específicos da cidade, erigindo (ou às vezes, destruindo) monumentos que evocam suas identidades. Essas intervenções são responsáveis pela construção de um lugar, no qual os indivíduos, concomitantemente, resgatam o registro de suas memórias (o sentimento de “em casa”) e o apagamento delas (a sensação de “homeless” – “sem casa”).

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No início do século XXI, São Paulo é a terceira maior aglomeração urbana do planeta, é uma imensa megalópole circundada por cidades-satélites industriais – que, anteriormente, constituíam-se em reduções indígenas. Seus bairros, ruas e avenidas carregam as memórias desta transformação e, principalmente, dão condição à cidade de proporcionar o sentimento de “em casa” para muitos povos. Como cidade contemporânea é fragmentada e transitiva. Porém, o diferencial está no reconhecimento dessa condição. Desde sua fundação, São Paulo recebe indivíduos de outros locais, configurando-se em local múltiplo. Os monumentos que registram as memórias fundantes da cidade estão espalhados pela malha urbana e garantem essa condição.

As relações que envolvem as memórias evocadas nos espaços adquirem maior complexidade quando se pensa nas dimensões de uma cidade como São Paulo, em permanente ebulição econômica, social, cultural, política e artística – mesclada por diversas culturas vindas de várias partes do mundo (imigrantes italianos, espanhóis, japoneses, árabes, judeus, entre outros) e por migrantes de todas as regiões do país (mineiros, cearenses, baianos, paraibanos, goianos, entre outros). A cidade se transforma em um tecido de 60 mil ruas e avenidas, mais de 3 milhões de prédios, casas, indústrias e escritórios, 5 milhões de veículos e 10 milhões de habitantes que dispõem de memórias individuais e coletivas expressas em diversas manifestações artísticas diariamente (PINHO, 2003, p. 45).

Os monumentos que marcam a cidade podem ser lidos como a expressão do desejo que pode estar em todos os lugares e em todos os tempos (LYOTARD, 1998). Seria a perda das certezas. Já não se absolutiza questões referentes aos agrupamentos, tais como: gênero, classe social, etnia, nacionalidade ou sistema social. A própria noção unificada e estável de subjetividade passa por profundas alterações. O conceito de identidade deve partir do pressuposto de que a identidade só existe em relação ao “outro”, ao “diferente”. Por essa leitura, a identidade e a diferença são marcadas uma pela outra, são

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interdependentes e produzidas em um mesmo processo, sem que se conforme hierarquia – pelo contrário o que ocorre é uma ação concomitante. A alteridade, então, torna-se peça-chave que inter-relaciona tempo e espaço.

Figura 2: Maria Bonomi, Futura Memória, 1989. Mural em solo cimento, 300 x 800 cm. Memorial da América Latina. (...) Esta unidade geológica e arqueológica remonta à expansão oceânica que dividiu a África, Europa e continente sul-americano há cerca de 200 milhões de anos. À direita surgem sobrepostos os contornos dos povos que vieram nos colonizar desde a África até os Urais (...). O lado esquerdo do painel é o contorno da costa do Pacífico, porta de acesso das outras “presenças” enriquecedoras desta mitologia. (Depoimento de Maria Bonomi. In: FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA. Integração das Artes. São Paulo: Projeto/PW, 1990, p. 97).

Após a ditadura militar que atingiu o Brasil entre os 1964 e 1985, acompanhando o movimentos de redemocratização do país, os monumentos erigidos na cidade abandonam o aspecto comemorativo

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e tentam suprir a necessidade de expressão cultural da cidade – espaços como a Praça da Sé, o Parque Ibirapuera, o Memorial da América Latina e as estações do metrô buscam emergir as memórias da cidade, atribuindo mais valor à sensibilidade estética do que ao “sentimento cívico” ou de evocação da história de uma “nação” que se tem anteriormente ao fim da ditadura. Artistas de variadas nacionalidades se incubem da missão de humanização dos espaços públicos a serem vividos por essa população multiétnica.

Referências

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LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 69.

LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.

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TIRAPELI, Percival. São Paulo: Artes e Etnias. São Paulo: Editora da UNESP/Imprensa Oficial, 2007.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

PINHEIRO, C. ; ARANHA C.S.G. Estudos (e projetos) da paisagem: por uma perspectiva fenomenológica. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 255-276.

Estudos (e projetos) da paisagem: por uma perspectiva fenomenológica

CATHARINA PINHEIRO1 & CARMEN S. G. ARANHA

2

Introdução

O parque público sempre se inscreveu no imaginário das populações como o lócus do lazer e da recreação, das possibilidades de práticas esportivas e do contato com elementos da natureza; originário do florescimento de uma contracultura paisagística como resposta às mazelas da cidade industrial, desde que oficialmente surgiu na Inglaterra na segunda metade do século XIX, tem ocupado agendas públicas e reivindicações sociais, ampliando seu leque de possibilidades de apropriação – das pautas ambientais às pedagógicas.

1 Catharina Pinheiro é Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo (FAU USP). Coordenadora do projeto de proteção e conservação do Parque Pinheirinho d’Água, parceria entre a FAU USP e técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, com a participação de jovens e adultos da região, especialmente os estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Rogê Ferreira. É, atualmente, coordenadora do Laboratório Paisagem Arte e Cultura da FAU USP - LABPARC. 2 Carmen S. G. Aranha é Professora Associada do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de

São Paulo (MAC USP). É Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade de São Paulo e Livre Docente em Teoria e Crítica de Arte pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da USP entre 2011 e 2015. É autora do livro Exercícios do olhar: Conhecimento e visualidade. São Paulo: UNESP / Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008.

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Na apreensão sensível da paisagem urbana, o parque se oferece como contraponto generoso à escassez do que, muitas vezes, é percebido como natureza na cidade. Embora esta última compareça de forma pervasiva no ambiente urbano, em diferentes gradientes de processamento (das áreas mais íntegras às mais impactadas), a “falta de natureza” é, não raro, compensada com a presença de um parque, um “oásis” necessário.

Nas periferias de metrópoles como São Paulo, onde necessidades tão elementares quanto moradia e saneamento ainda se encontram longe de serem satisfeitas, quais os significados, percepções e desejos que um parque público suscita, não apenas como atendimento às demandas de lazer e recreação mas, principalmente, como paisagem? Essa é a questão fundamental que move esse ensaio na busca de compreender a importância desse equipamento público para tais populações, não apenas como provimento de suas funções mais usuais, mas sondando os valores implícitos na sua percepção paisagística e no seu potencial qualificador do espaço urbano, dos lugares de vida.

O trabalho tomará como ‘sujeito de estudo’ uma comunidade escolar, participante ativa do processo de criação de um parque público na periferia noroeste do município de São Paulo, investigando a paisagem sob a percepção de um grupo de professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira, com o sentido de aproximar essa vivência de uma educação do olhar que leve em consideração a arte como panorama para a construção dessa interpretação e subsidie o projeto político-pedagógico da escola, situada dentro do Parque Pinheirinho d’Água, em Pirituba/Jaraguá, uma Área de Preservação Permanente com córregos, nascentes, brejos e remanescentes florestais. Apesar desse resíduo de floresta original, tanto para a população do seu entorno quanto para os professores da Escola, a paisagem do Parque desenha a imagem de uma grande gleba verde, úmida, sem manutenção e ameaçada de ocupação. Com os professores propusemos, então, um outro

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reconhecimento dessa paisagem, agora a partir de uma fenomenologia do olhar capaz de deflagrar novas relações entre Escola e Parque. No sentido de iniciarmos esse exercício, formulamos algumas perguntas,- como reavivar sentimentos anteriormente cultivados, ‘guardados’ na memória e esvanecidos pela urgência das necessidades cotidianas e, principalmente, como fazer aflorar sensibilidades capazes de identificar a potencialidade dos espaços livres públicos, conectando mais profundamente pessoas e paisagem em relações indissociáveis? Nesse sentido, que relações podem se estabelecer entre Arte e Paisagem, numa perspectiva fenomenológica capaz de provocar desdobramentos pedagógicos?

O presente ensaio objetiva, primeiramente, situar a noção de paisagem por meio de aspectos discutidos por Maurice Merleau-Ponty em suas reflexões sobre a fenomenologia do olhar. A seguir, apontamos as movimentações apropriadas dessa filosofia, aplicadas em dois exercícios com o grupo de professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira. O primeiro, mostrando aproximações da paisagem no próprio Parque Pinheirinho d’Água e o segundo, de obras de arte do Museu de Arte Contemporânea da USP, num roteiro com a temática “paisagem”.

Paisagem e campo de presença

A apreensão da paisagem suscita, necessariamente, visões, significados e sentimentos distintos de acordo com as experiências, igualmente distintas mas, também, em consonância com fatores como formação e cultura de cada indivíduo.

Não apenas a paisagem assume diversos significados e provoca percepções variadas em quem a experimenta como, também, é possível inferir que, no próprio meio acadêmico, abriga uma conotação polissêmica. A ideia do que venha a ser paisagem assume acepções tão díspares quanto:- “infraestrutura verde azul”, “morfologia do espaço” e “experiência estética”, exigindo do

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pesquisador um delinear conceitual e metodológico do universo pelo qual guiará a sua pesquisa.

Por ser apreendia por perfis tão diferenciados e sem querer transformar a paisagem num único conceito, assume-se aqui uma abordagem por meio da ideia de que ela é um “campo de presença” (MERLEAU-PONTY, 1999: 408, 557, 564, 566, 605), ou seja, uma extensão de mundo que faz o indivíduo compartilhá-la como uma transição entre visto, vivido e construção cultural: uma maneira ativa de ser num fluxo de temporalidade, um entendimento amplo do presente atual enquanto presente efetivo, o qual envolve um passado imediato e um futuro próximo (FONSECA, 2012: 81).

(...) o fluxo absoluto se perfila sob seu próprio olhar como ‘uma consciência’ ou como sujeito encarnado porque ele é um campo de presença – presença em si, presença a outrem e ao mundo – e porque esta presença o lança no mundo natural e cultural a partir do qual ele se compreende. Não devemos representá-lo como contato absoluto consigo, como uma densidade absoluta sem nenhuma fenda interna, mas ao contrário como um ser que se prossegue no exterior (MERLEAU-PONTY, 1999: 605).

Maurice Merleau-Ponty ressalta que o tempo é dimensão originária do ser (Ibid.: 557). Assim, a frase “uma maneira ativa de ser num fluxo de temporalidade” pode ser entendida pensando-se o tempo como presença que nos habita e pode ser percebida na experiência de mundo. Ou seja, em certos momentos, somos lançados numa fronteira entre natureza e cultura, “num entendimento amplo do presente atual enquanto presente efetivo, o qual envolve um passado imediato e um futuro próximo” (Ibid.: 557). O filósofo descreve, desse modo, o lugar da percepção espaciotemporal como uma profundidade deflagrada.

(...) Ela não pode ser o intervalo sem mistério que eu veria de um avião entre as árvores próximas e as distantes. Nem tampouco o escamoteação das coisas umas pelas outras que um desenho em perspectiva me representa vivamente: essas duas vistas são muito explícitas e não suscitam questão alguma. O que constitui enigma é a ligação delas, é o que está entre elas (...) (MERLEAU-PONTY, 2004: 35).

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A paisagem assim percebida é a ligação que as coisas suscitam como uma “localidade global onde tudo está ao mesmo tempo, cuja altura, largura e distância são abstratas, de uma voluminosidade que exprimimos numa palavra ao dizer que uma coisa está aí” (Ibid.: 35).

Como aproximarmo-nos desse lugar onde tudo está ao mesmo tempo? Merleau-Ponty, então, afirma que este conhecimento apoia-se na construção de um olhar criador em ato, ou seja, um olhar que descreve “o visível como algo que se realiza através do homem” (CHAUÍ, 2002: 53), no momento em que o indivíduo vivencia a experiência como fluxo de temporalidade, no qual se encontra o presente efetivo, um passado imediato e um futuro próximo.

Olhar a paisagem como campo de presença: implicações

Como o mundo tem muitas aparências e pode ser apreendido por meio de muitos discursos e interpretações, pode-se falar sobre a apreensão da paisagem como “localidade global”, à qual Merleau-Ponty se refere, a partir de um olhar que, primeiramente, percebe os elementos da visualidade de mundo para, depois, compreender como esses mesmos elementos se estendem, diferentemente, por diversas formas e situam essa profundidade.

(...) algumas sombras de eucaliptos movimentam-se pela incidência natural do vento em suas folhagens. Num ritmo, às vezes constante, as sombras encontram-se, afastam-se, unem-se em novas formas, desdobram novos contornos, rendem-se ao vento redesenhando a paisagem, tornando visível um fenômeno em transformação que aprofunda o sentido visual da paisagem recortada. (ARANHA, 2008: 9)

Antes de exercitar o olhar a paisagem como um campo de presença, é preciso saber que se trata do exercício de uma apreensão codificada3 que sustenta os sentidos visuais de cada um dos seus 3 Há códigos próprios de uma apreensão visual. A presença em si da visualidade, com estrutura e repertório constituintes desse tipo de comunicação e como acesso aos sentidos da cultura visual refletem, nos objetos do mundo, o campo da linguagem artístico-visual que busca estabelecer horizontes da dimensão do conhecimento de mundo, codificado visualmente.

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objetos e, ao mesmo tempo, dá existência a uma interpretação da correlação entre todos. Mas a visão de algo nem sempre estrutura visualidade de mundo e, a respeito disso, Merleau-Ponty afirma que um olhar criador, ou seja, o olhar que é expressão de sua visão contemporânea de mundo, alia-se a um pensamento que “desmancha o tecido da tradição da razão, puxando seus fios com argumentos sobre não-coincidências e irrazões” (CHAUÍ, 2002: 4). É um olhar que, por um lado, tece o mundo com códigos próprios da apreensão visual e, por outro, situa-se longe de observações absolutas porque dão a oportunidade para uma construção de olhar que trás junto uma “racionalidade alargada que não é razão, mas aquilo que é antes dela” (CHAUÍ, 2002: 7). Ou seja, um “pensar não como a posse da ideia, mas como a circunscrição de um campo de pensamento” (Ibid.: 23) que está sendo vivido ali na experiência. Segundo Merleau-Ponty, esse campo se oferece como um solo de saber sensível, um panorama perceptivo porque há entrelaçamento de movimentações do olhar-pensar no corpo que o aloja.

Então, a localidade global à qual o filósofo se refere está exatamente nas coisas do mundo que nos despertam ecos significativos, nos comovem. No caso do olhar-pensar, são “ecos de visualidades” que correlacionam “o visível como algo que se realiza através do homem” (Ibid.: 53), no momento em que o vivencia como fluxo de temporalidade, no qual se encontra o presente efetivo, um passado imediato e um futuro próximo ou por assim dizer, a profundidade deflagrada no ser.

O campo da percepção nascente não é dado ao ser mas apresentado como um termo imanente da consciência intencional (...) Neste momento, a consciência é nada mais do que a dialética do meio-ambiente-ação do sujeito. Cada manobra tomada pelo ser modifica o caráter do campo e estabelece novas linhas de força nas quais a ação, por seu turno, se desdobra e é completada novamente, alterando o campo fenomenológico (MERLEAU-PONTY, 1967: 168-169).

É claro que esse modo de cogitar sobre o mundo, que não descarta a experiência vivida na profundidade como gênese do

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conhecimento, é ao mesmo tempo “contato com a coisa”, “consciência de visualidades” e “construção, razão e percepção” que precisam, necessariamente, serem tomados simultaneamente e apresentados uns aos outros sem nenhuma distância intermediária, numa intenção indivisível. Segundo Merleau-Ponty, essa dialética foi inaugurada no momento em que o indivíduo conseguiu projetar sua cultura na criação dos objetos de uso trazendo, assim, a manifestação de um “interior” em um “exterior”, ou seja, projetando um novo “meio” em direção ao mundo (MERLEAU-PONTY, 1967: 162). O que se coloca aqui é que não estaremos mais nos dirigindo aos objetos em si mesmos ou às suas qualidades puras (Ibid.: 162), mas às realidades experienciadas com esses objetos ou qualidades4.

É esse espaço sem esconderijo que, em cada um de seus pontos é, nem mais nem menos, o que ele é, é essa identidade do Ser que sustenta a análise dos talhos-doces. O espaço existe em si, ou, antes, é o em si por excelência, sua definição é ser em si. Cada ponto do espaço existe, e é pensado aí onde existe, um aqui, outro ali; o espaço é a evidência do onde. (Merleau-Ponty, 1980, p.97)

A seguir, propomos dois exercícios com o grupo de professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira, abarcando a aproximação do olhar a paisagem como um “campo de presença”, ou seja, como uma apreensão de “intercruzamentos de visão, natureza física/orgânica e tessituras da cultura”. (FONSECA, 2012: 73)

Dois exercícios por uma perspectiva fenomenológica

O passeio pelo Parque, o reconhecimento de aspectos dessa paisagem e a memória do surgimento do parque junto à comunidade do entorno, o registro escrito dessas experiências pelo grupo de professores permitiram situar alguns perfis e indícios da construção de correlações da profundidade “paisagem” que evocaram o exercício de uma apreensão

4 O conceito de “correlação” reaparece na colocação do filósofo, na medida em que uma compreensão-interpretação de significado é feita pela dialética existencial “ser-no-mundo-com-o-objeto-(e/ou sujeito)-na-experiência-vivida”.

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codificada de sentidos visuais dos seus objetos e ainda deram subsídio ao contexto perceptivo que serviu de arcabouço para as movimentações pela construção de um “olhar como campo de presença”.

A paisagem no Parque Pinheirinho D’Água: sentidos, memória e imaginação

O registro escrito das relações dos professores com o Parque e região transformou-se em lembranças, associações e percepções. Essa produção delineou algumas sínteses que indicam construções perceptivas que apoiam a pesquisa da paisagem com a obra de arte, realizada no momento seguinte em visita ao Museu de Arte Contemporânea da USP. Essa interpretação junta-se aqui à problematização dos temas destacados, à luz do corpo de conhecimento acumulado pelas pesquisas realizadas no Parque Pinheirinho d’Água pelo LABPARC, no acompanhamento e participação do processo de criação e desenvolvimento do Parque, desde a primeira Charrete em 2012.5 Também, fazem parte dessas reflexões, os trabalhos de Extensão Universitária e trabalhos finais de Graduação6 realizados no Parque. Os relatos de memória7 tangenciaram o universo de representações que povoa o imaginário dos professores participantes, revelando uma ênfase na crítica aos problemas do parque, notadamente a escassez de equipamentos

5 Ateliê de imersão com a participação da universidade, escolas públicas e comunidade com vistas à criação de espaços livres públicos; as Charretes constituem recurso metodológico desenvolvido pelo LABPARC desde o ano de 2000. 6 Trabalho de Extensão Universitária: Por um parque vivo - A luta de uma comunidade pelo espaço público, desenvolvido por Paula Martins Vicente e Vanessa Kawahira Chinen, e seus respectivos Trabalhos Finais de Graduação realizados no Parque, A Escola como um Parque e o Parque como uma Escola: aprendizado através da paisagem e Parque-escola: Um novo olhar sobre o Parque Pinheirinho d’Água, 2012. 7 Os relatos estão no projeto “Fenomenologia e Paisagem: espaços de transitividade em intervenções associadas ao paisagismo e arte contemporâneos”. Pesquisadora Responsável: Vera M. Pallamin, FAUUSP. Equipe de Pesquisa: Vladimir Bartalini, FAUUSP, Catharina C. P. S. Lima, FAUUSP, Carmen S. G. Aranha, MACUSP, Ricardo Saleimen Nader, FAUUSP (Cesad).

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capazes de fazer frente à enorme demanda por lazer, recreação, cultura e esportes, a manutenção precária por parte dos órgãos públicos e, finalmente, as condições insuficientes para garantir a segurança dos usuários do Parque. É importante ressaltar que essa percepção é consonante ao que se encontra também no “imaginário popular” da região. Vários dos trabalhos e vivências anteriores evidenciam essa imagem de lugar abandonado, reforçada pela baixa manutenção e presença expressiva de vegetação ruderal.

A experiência vivida com a paisagem do Parque foi pensada no sentido de oferecer aos professores uma oportunidade mais elástica de tempo e espaço objetivando-se o reconhecimento dos elementos e potencialidades desse sítio para a aproximação de um sentido de paisagem. Isso só foi possível, portanto, na abordagem da paisagem como “espaço frequentado e fenomênico”, a partir de movimentações que oferecessem condições para a visita:- tempo lento, sem limites especificados, ausência de percursos pré-determi1nados, condições para a experiência solitária, silenciosa e contemplativa da paisagem. Nessa condição, desabrocharam novas visadas estéticas, onde os ângulos e enquadramentos de expressões fotográficas, a identificação da riqueza de texturas e cores e a preocupação em tirar partido da luz natural constituiram um acervo de imagens fotográficas registradas pelos grupo de professores.8

Há relatos e imagens que emanam poesia e afeto tanto na escala da paisagem, quanto na pequena escala, evidenciando os atributos estéticos dos elementos e processos naturais (umidade, diversidade botânica, registro da fauna, etc). Alguns professores situam mudanças em seus estados de espírito e alterações de humor na entrega à contemplação da paisagem. É possível observar que esses registros foram além do reconhecimento do Parque Pinheirinho d’Água como equipamento público para provimento das funções usuais de um parque urbano; de certa forma, em muitos momentos, os registros evidenciam “mais paisagem e menos parque” (embora essa separação só faça sentido para

8 Idem. P. 184.

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os propósitos aqui expostos, quer dizer, para diferenciar um posicionamento eminentemente utilitário e funcional, do afloramento de sensibilidades paisagísticas, no sentido da fruição desinteressada).

(…) Se eu me virasse pro outro lado, por de trás daquelas grades verdes, parecia haver um outro mundo lá. No silêncio do parque, as árvores... com suas tonalidades, tamanhos e formas diferentes... vivas, calmas... Observava o mato crescendo a cada dia... os pássaros, flores... A paisagem era completamente outra. Quase um santuário à minha direita fazendo contraste com o barulho da multidão de carros e fumaça que vinha à minha esquerda. E assim, todos os dias da minha vida, eu vinha descendo a rua voltada pro meu lado direito, desejando imensamente um caminho que eu pudesse fazer por dentro desse parque, fazer parte dele por alguns instantes. Absorver o silêncio e a paz dessa natureza e fazer parte dela (…)9

Em seu caminhar errante, sem encomenda, nem finalidade, os professores olharam para o parque e viram também uma paisagem, ressignificando suas percepções anteriores ou fazendo aflorar sentidos ainda não muito evidenciados. Pode-se aludir à concepção de stimmung, em Georg Simmel, para quem a paisagem...

(...) exige um ser-para-si, porventura óptico, porventura estético, porventura conforme a STIMMUNG, uma característica singular que a destaque daquela unidade indivisível da natureza, na qual cada porção mais não pode ser do que um ponto de passagem para as forças totais da existência. (SIMMEL, 2011: 47)

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo - MAC USP

No início desse trabalho, dissemos que a paisagem pode ser apreendida por compreensões e interpretações tão distintas que teríamos que fazer um inventário de todos seus perfis para situá-la, ou mesmo, conceituá-la. Dissemos também que, para nossos propósitos, sua aproximação seria feita apropriando-nos de certas reflexões que Merleau-Ponty faz sobre “campo de presença”. (MERLEAU-PONTY,

1999: 408, 557, 564, 566 e p. 605), ou seja, como já definimos, sobre essa “extensão de mundo que faz o indivíduo compartilhá-la como

9 Idem. P. 242.

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uma transição entre visto, vivido e uma construção cultural. (Fonseca, 2012: 81) Dissemos, ainda, que, como visitamos um museu de arte com obras que versam sobre a temática em questão, precisamos da estrutura e repertórios constituintes da linguagem artística e dos sentidos da cultura visual que refletem, nos códigos inscritos na matéria, um estar no mundo.

A compreensão da linguagem artístico-visual procura estabelecer horizontes do conhecimento de mundo, codificados visualmente que refletem aspectos da própria construção de significado cultural. E é sobre esse ponto, sobre a visualidade da linguagem e da cultura artístico-visual que a visita com os professores do EMEF Roger Ferreira se debruçou, ou seja, sobre o olhar das paisagens, sobre o exercício dessa experiência e o aproximar-se de uma maneira ativa de ser num fluxo de temporalidade, de um entendimento amplo do presente atual enquanto presente efetivo, o qual envolve um passado imediato e um futuro próximo (Ibid.: 81).

O grupo de professores se dispôs a nos acompanhar numa visita ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, no qual um conjunto de obras de arte pudesse oferecer a compreensão do fenômeno “campo de presença”. Estudamos a produção de alguns artistas do século XX do acervo do MAC USP, com o sentido de visualizar um percurso que pudesse situar, para cada indivíduo, a relação com a paisagem vivida na Escola e no Parque Pinheirinho d’Água e assim, contribuisse para outros sentidos dos processos de construção do conhecimento da paisagem contemporânea.

A visita10

O passeio pelo MAC USP11 procurou tecer uma aproximação dos visitantes com as obras, primeiramente, escolhendo-se trabalhos

10 A visita, o roteiro de obras e proposições reflexivas, feitas no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, contaram com a colaboração de Evandro Carlos Nicolau, Mestre em Estética e História da Arte, USP, educador e coordenador do Setor Educativo do MAC USP entre 2010 e 2015. 11 As obras e exposições podem ser consultadas em www.mac.usp.br

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sobre a temática da paisagem que mostrassem a passagem das características da arte visual no século XX. Ou seja, de uma linguagem mais acadêmica, cuja compreensão visual é mais imediata, passamos às expressões das vanguardas históricas mostrando as transformações da linguagem e meios, até nos aproximarmos das construções contemporâneas, apontando como as novas mídias acompanham a construção da própria expressão artística.

Procuramos, na passagem do tempo e espaço artístico do século XX, um olhar a obra que percebesse a presença de fenômenos estético-visuais e que reconhecesse, desse modo, as diferenças nas construções artísticas. A visita foi, também, contextualizada a partir de relações entre natureza e cultura, ou seja, ressaltamos a ideia que a paisagem artística é um recorte do momento espaciotemporal vivido pelo artista.

Por fim, entrelaçados aos discursos de visualidades e de historicidades artísticas, procuramos oferecer diversas aparências do objeto em questão querendo, com isso, provocar um encontro do visitante com uma “forma essencial de paisagem” ou como dissemos no início desse trabalho, como um “campo de presença”. A seguir, apresentamos as obras e reflexões elaboradas durante o percurso com o grupo de professores.

Paisagem imaginada

Paisagem, de Paulo Gomes,12 é uma motivação para o observador transportar-se a um espaço imaginado. A referência é a literatura. Gomes apropria-se da descrição da paisagem de José de Alencar, em “O Pampeiro”, capítulo XII da obra O Gaúcho. A paisagem impressa é transformada num quadro. O observador aproxima-se da obra e lê passagens como, “... O Pampeiro varrendo dos cimos dos Andes todas as tempestades que ali tinham condensado os calores do estio,

12 Paulo Gomes, Rio de Janeiro, Brasil, 1956. Paisagem, 2001/2003. Impressão tipográfica s/ papel.

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verberava na imensidade as pontas do látego formidável que ia açoitar o oceano...”

O ato de leitura da obra enquadrada como um desenho, leva-nos aos espaços que tecem esta paisagem textual.

Paisagem metafísica

A obra de Giorgio De Chirico,13 O enigma de um dia, motivou-nos a perceber uma atmosfera de estranhamento, uma duração silenciosa, presença da temporalidade do instante recortado no espaço da tela, localizando as prerrogativas da pintura metafísica14 dos anos 1910.

O ano é 1914, eclosão da Primeira Grande Guerra Mundial. A representação dos arcos arquitetônicos romanos sangrados pelas bordas do quadro, a construção clássica com o homem petrificado num pedestal no centro do campo visual, a relação de simetrias compositivas, a atmosfera sombria, enfim, todos os elementos da obra parecem deter o tempo.

Diante da obra, sentimos a necessidade de elaborar uma leitura visual, mostrando alguns perfis que compõem a própria linguagem pictórica: - a superfície de um amarelo intenso, brilhante, estende-se pela metade inferior da obra. Ocupa seu centro a estátua de um homem de costas sobre um pedestal que apóia com um canhão e balas. A cabeça pende para baixo e sua sombra projeta-se obliquamente em direção aos limites do quadro, enfatizando o ocaso de um dia. Dois homens são desenhados numa dimensão ínfima distantes do centro da obra. E no limite da superfície azulada, que se esmaece gradativamente até a metade superior da pintura, a fumaça branca do trem detém mais uma vez o tempo; as bandeirinhas, no alto da torre próxima à estrada por onde o trem passa, tremulam. O trem, vindo da direita da obra, desenha sua fumaça acompanhando o

13 Giorgio De Chirico. O enigma de um dia, 1914. Óleo s/ tela. 14 Pintura metafísica é o estilo desenvolvido pelos artistas italianos Giorgio de Chirico (1888-1978) e Carlo Carrà (1881-1966) nos anos 1910. A pintura metafísica cria paisagens suprarreais, simbólicas, nas quais suas luzes provocam um certo estranhamento em relação à percepção da realidade comum.

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ritmo do comboio. Mas o artifício do pintor constrói um encontro de atmosferas, no qual a fumaça paralisa-se. Mais um símbolo de duração, da espera, como se toda a paisagem germinasse um campo de presença de um fenômeno, um acontecimento que, com seus símbolos e correlação de elementos visuais, dá indícios do que está por vir.

Paisagem abstração

A exposição Os Volpis do MAC15 nos exercitou para a observação da gradual construção pictórica da paisagem abstrata. O artista iniciou seu trabalho por meio de uma relação de apreensão direta da natureza. Aos poucos, desenvolveu um construtivismo geometrizado num exercício plástico de formas, cores-luzes e simetrias ritmadas.

Para a compreensão da linguagem artística de Alfredo Volpi, percorremos obras do final dos anos 1940 até 1960, quando o artista sai de uma fase considerada naturalista,- com temas populares e paisagens tratados de forma simples e singela, pinceladas rápidas e diáfanas e uma atmosfera típica das cidadezinhas do interior de São Paulo nos finais da década de 30,- para uma construção com os elementos decorativos de paisagens da cidade interiorana de Mogi das Cruzes, por ocasião de suas festas juninas. Posteriormente, esses elementos transformam-se em módulos geométricos que, abstratos e repetidos infinitamente, passam a construir exercícios de luzes, cores, ritmos, equilíbrios e espaços.

Paisagem transformação

Com Estrada de ferro Central do Brasil, obra de Tarsila do Amaral,16 pudemos refletir sobra a paisagem transformada pela urbanização. A passagem para a industrialização perpassa pela percepção da paisagem rural que, aos poucos, vai transformando-se

15 Os Volpis do MAC. Exposição de 18 obras de Alfredo Volpi. Curadoria de Paulo Pasta. 31/08/2013 a Julho/2014. 16 Tarsila do Amaral, São Paulo, Brasil, 1886. Estrada de ferro Central do Brasil, 1924. Óleo s/ tela.

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ao ser interferida por elementos da cidade moderna e da cultura brasileira da década de 1920. Recém descobertos pelos modernistas, os símbolos da brasilidade, como a igreja barroca, as cores caipiras rosa, azul, amarela das casinhas e a vegetação tropical, situam o questionamento da nova realidade que começa introduz ruídos visuais entre a cultura do campo e o progresso.

Tarsila foi aluna de Lhote, Gleizes e Léger, artistas das vanguardas históricas européias, cubistas, porém, mais distantes dos esquemas de Picasso e Braque. Deve aos primeiros, a simplificação das formas, o uso de geometrizações, como círculos, retângulos, quadrados, formas verticais, contornos pesados e uma construção esquemática do quadro com planos bem definidos desenrolados a partir da base da obra.

Nesse momento da visita, na exposição Hudinilson Junior: Em torno de Narciso,17 vimos a obra Corpo Paisagem:- um corpo humano amplificado pela maquina de xerox, apresenta-o como matéria e percepção de uma possível “paisagem orgânica”.

Paisagem cultivada

Paisagem de Val Seriana, de Arturo Tosi,18 nos permitiu refletir sobre outras transformações que a paisagem pode sofrer, ou seja, a transformação da natureza por meio da agricultura e dos campos cultivados por plantações rurais: a produção agrícola recriando a natureza, produzindo um desenho sobre a superfície da terra em grandes áreas, em grandes extensões de terra.

Certas obras modernas permitem uma leitura visual da correlação dos seus elementos compositivos. Assim, como fizemos em O enigma de um dia, exercitamos, mais uma vez, o olhar a Paisagem de Val Seriana: - a luminosidade da obra difunde-se pelas tonalidades

17 Hudinilson Junior: Em torno de Narciso. Exposição. Curadoria de Tadeu Chiarelli. 25/01/2014 a 31/08/2014. 18 Arturo Tosi, Itália, Paisagem Val Seriana, s/d. In Exposição Classicismo, Realismo e Vanguarda: Pintura Italiana no Entreguerras. Curadoria de Ana G. Magalhães. 31/08/2013 a 18/10/2015.

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terrosas (laranjas entremeados por beges e marrons, claros e escuros). Sem foco, nem intenção de sublinhar algum objeto específico, vemos a presença de um olhar realista, que Tosi apreendia nas suas sessões de pintura com a cena ali adiante de seu estúdio em Rovetta.19 As superfícies esverdeadas emolduram a estrada, forma diagonal que, do primeiro plano, atinge o limite da paisagem, antes que ela se desdobre nas voluminosidades das montanhas. Enfatizada por duas linhas azuis, nosso olhar encontra o pequeno vilarejo ao sopé da encosta pontuado, ainda, por formas de casas e construções. O primeiro grande volume montanhoso estende-se à esquerda da pintura na forma de um triângulo e, ao fundo, as montanhas, também, obedecem essa construção triangular.

Paisagem de Val Seriana situa-se, provavelmente, na década de 1930, quando Tosi pintou outros trabalhos com motivos semelhantes.

Diante da obra, tratamos a questão da monocultura agrícola produzindo grandes paisagens uniformes, se arrastando ao longo do horizonte, por exemplo, no interior de São Paulo. Foram observados e comentados, também, os trabalhos de José Antonio da Silva, na exposição José Antonio da Silva em dois tempos,20 sobre a identidade do homem rural, do campo em relação ao processo de urbanização brasileira.

Paisagem máquina

A exposição León Ferrari. Lembranças de meu pai21 possibilitou a reflexão sobre a máquina moderna, em especial o automóvel, inventando a cidade contemporânea em sua forma e desenho.

19 SAROUTE ROQUETTI. Dunia. “Arturo Tosi na Coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo”. Relatório de qualificação. Programa de Pós-Grauação Estética e História da Arte – USP. Setembro/2014. P. 72-73. 20 José Antonio da Silva em dois tempos. Exposição. Curadoria de Ana G.Magalhães. 16/06/2013 a 26/04/2014. 21 Leon Ferrari, Buenos Aires, Argentina, 1920. Exposição León Ferrari. Lembranças de meu pai. Curadoria de Carmen S. G. Aranha e Evandro Nicolau. 57obras. 28/09/2013 a Agosto/2014.

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

Discutiu-se a mobilidade, a cidade e sua dinâmica cultural, seu desenho cartográfico, a superfície que encobre estruturas e alicerces de sustentação (desenhos invisíveis, soterrados pelo asfalto e concreto), produto, também, ideológico de um determinado modelo de desenvolvimento.

Entre os anos 1976 e 1984, Léon Ferrari residiu em São Paulo, após sair da Argentina, quando essa sofreu o Golpe de Estado de 1976. Ligou-se a um grupo de artistas que o instigou à experimentação de novos modos de fazer arte, desde desenhar com materiais convencionais, como nanquim, grafite, crayon, canetas esferográficas, tinteiro e carimbo até utilizar modos de impressão em heliografia, serigrafia, fotocópia, microficha, videotexto e offset. Em Autopista do Sul, de 1982, uma das obras observadas pelos professores, o artista faz uso de grafismos impressos nas novas mídias. A obra desdobra-se numa crítica à cultura de massa, tanto no plano do indivíduo que, em encontros e entrecruzamentos, acabam por situar uma visão das inúmeras perdas que a sociedade vem sofrendo, quanto no plano das cidades em crescimento, tão vertiginoso que acumulam congestionamentos, certamente uma visão premonitória do que aconteceria com a cidade no futuro.

Paisagem política

Na exposição Julio Plaza Indústria Poética22, as obras Mapas políticos situaram a paisagem política, a cartografia e a ocupação do espaço como estrutura de poder e de controle ideológico internacional. Como surgiram questões específicas sobre a apreenção do sentido visual dessa expressão artística, criamos algumas movimentações de aproximação: olhar a obra de longe e ao aproximar-se, corpo e olhar, perceber suas transformações. Esse exercício deu origem a outras ideias de compreensão de paisagem: o invólucro da paisagem, a paisagem como uma miragem, como imaginação projetada no

22 Julio Plaza Indústria Poética. Exposição. Curadoria de Cristina Freire. 09/11/2013 a 25/10/2015.

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272 Catharina Pinheiro & Carmen S. G. Aranha

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

espaço/profundidade que se torna projeção mental.

Paisagem estrangeira

A partir do trabalho World Trade Center, uma paisagem de impacto simbólico, nos aproximamos também da fotografia. A obra apresenta uma perspectiva dos dois edifícios que subverte o olhar comum, uma vez que são vistos a partir do Rio Hudson e não da ilha de Manhattan. O artifício permitiu que o grupo de professores fizesse um paralelo do olhar a escola a partir do parque Pinheirinho D’Água e não o oposto como sempre acontecia, olhar o parque a partir da escola.

Jay Maisel23 estudou pintura e desenho gráfico na Cooper Union e na Yale University. Durante quarenta anos projetou capas de revistas, álbuns musicais e peças de propaganda. No final dos anos 1990, iniciou um trabalho mais pessoal, inclusive ministrando workshops de fotografia para professores. O artista, em suas fotografias, captura luzes das paisagens tornando-as, às vezes, difusas, outras esmaecidas, sempre criando uma atmosfera específica para o recorte. Cores brilhantes, também, definem planos de situações cotidianas da vida nas cidades.

Paisagem intervenção

A obra de Fernando Piola24 permitiu uma aproximação da construção da linguagem na obra contemporânea.

Operação Tutoia é um hipertexto. Entrelaça um ato subversivo com a linguagem virtual, articulando imagem e texto léxico para discutir o passado da ditadura militar em São Paulo e a relação da percepção da democracia contemporânea e seu sentido na atualidade.

Em seu percurso artístico, Fernando Piola apropria-se de temáticas que tocam na memória recente da história do país oferecendo ainda uma visualidade muito sutil para suas contradições. Operação Tutoia foi uma intervenção realizada pelo artista, entre 2008

23 Jay Maisel, New York, USA, 1931. World Trade Center, Fotografia. 24 Fernando Piola, São Paulo, Brasil, 1982. Operação Tutoia, Painel fotográfico.

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Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

e 2012, nos jardins do antigo DOI-CODI, hoje 36o DP, localizado à rua Tutoia, em São Paulo. O que importa na paisagem é sua transformação pelo plantio de espécies de folhagens exclusivamente vermelhas que tingiram o lugar com uma “simbologia colorística capaz de trazer à tona memórias subterrâneas tais como violência, repressão e resistência”25. A obra exposta no MAC USP constitui-se de um painel com registros das imagens e descrição da proposta e do processo realizados.

Fazem também parte da poética de Piola a produção do livro de artista; ali “informações negligenciadas ou contraditórias estão presentes em cartografias tais como guias, jornais e dicionários”26.

Paisagem metrópole27

O Museu de Arte Contemporânea da USP está instalado em um complexo arquitetônico criado nos anos 1950 pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Com oito andares de exposições, no último, pode-se ter uma perspectiva da Cidade de São Paulo. Ali o grupo de professores encerrou a visita com a observação, ao longe, do Pico do Jaraguá que fica próximo ao Parque Pinheirinho D’Água, local da Escola Municipal de Ensino Fundamental Deputado Rogê Ferreira.

Discutiu-se a diferença de observarmos os locais distantemente e como vivenciar a experiência ao estar na profundidade do Parque. Como é observar o Pico do Jaragua do oitavo andar do MAC e como é estar do Pico do Jaraguá observando a metrópole.

As perguntas e afirmativas finais sobre a como olhar a paisagem foram, então, surgindo naquele momento:- “O que olho?” “Qual recorte escolho?” “Como descrever o visto?” “Como refletir sobre o visto?” “Como expressar minha visão?” “É preciso tomar consciência da paisagem, interior e exterior?”

25 www.fernando piola.com 26 Idem. 27 MAC USP. 8o. andar. Paisagem da Cidade de São Paulo, 2013.

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Algumas sínteses

Os segmentos definidos na pesquisa revelaram um encadeamento que embora guardem, em alguma medida, coerência de percepções, sentimentos, desejos e demandas, apresentam transformações na passagem dos registros de memória para os relatos e imagens colhidos na experiência da paisagem e no exercício de artes visuais em proposta de ressignificação da paisagem vivida.

A pesquisa evidenciou um sentido de paisagem, uma sensibilidade paisagística e um apreço pelos elementos da natureza, além da aproximação de um olhar que criou correlações visuais entre os seus elementos.

Os relatos de memória tangenciaram o universo de representações inscritas no imaginário dos professores participantes e revelaram uma ênfase na crítica aos problemas do parque, registrando a percepção de que sua identidade encontra-se comprometida pela existência do gradil que separa o Parque da Escola o qual, aliado à baixa manutenção, concorre para consolidar a imagem do Parque como um matagal e não como um equipamento público do gênero; essa percepção é consonante ao que se encontra também no ‘imaginário popular’ da região. É possível notar, nesses relatos, que aparece um ‘sentido de paisagem’. Já os registros produzidos pelos professores (relatos e fotografias) em sua atividade de campo, que aqui nominamos “paisagem vivida”, evidenciaram um ‘sentido de paisagem’ enfatizado pelo reconhecimento das belezas e potencialidades do sítio. Nessa condição, desabrocharam novas visadas estéticas, onde os ângulos e enquadramentos identificaram a riqueza de texturas e cores e a preocupação em tirar partido da luz natural. A partir da visita ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, foi possível observar que os registros foram além do reconhecimento do Parque Pinheirinho d’Água como equipamento público para provimento das funções usuais de um parque urbano.

As respostas dos professores, após toda discussão, registraram a paisagem das planícies úmidas do Parque, valorizando sua vegetação,

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evidenciando texturas, nuances cromáticas, diversidade botânica (não raro, imperceptíveis ao olhar desatento) e horizontalidade; o mesmo se aplica ao ‘mato’ displicente que coloniza setores de baixa manutenção do Parque; igualmente proscritas no imaginário popular, a vegetação ruderal colonizadora das áreas calcinadas pelas queimadas bem como a vegetação de capoeira que substituiu parte da cobertura nativa, também foram alçadas a outra categoria estética na produção dos professores.

A pesquisa revelou uma visão crítica da realidade e um posicionamento politico por meio do conjunto de observações registradas que evidenciou, naturalmente, um espírito crítico quanto aos problemas do Parque, no que se refere a demandas por transformações, incluídas aqui as questões de manutenção. A pesquisa também registrou desejos e demandas por funções (e equipamentos) usuais em parques públicos. Por outro lado, nos depoimentos dos professores, essa consciência da necessidade e do direito ao parque como equipamento público provedor de oportunidades para as práticas do lazer, do esporte e da recreação associou-se ao desejo de um contato mais desinteressado com a natureza desvelando possibilidades para construção de uma identidade do Pinheirinho d’Água como um parque público mas, também como paisagem.

Por último, a pesquisa evidenciou novas oportunidades pedagógicas na convivência da Escola com o Parque. Nessa relação histórica, incontáveis trabalhos pedagógicos são repensados pelos estudantes, orientados por seus professores; é comum ouvir a expressão ‘o parque como sala de aula’, não só pelo reconhecimento do potencial científico e artístico deste último, mas, também pelo mérito dessa escola, particularmente, em valorizar a construção do conhecimento fora dos muros da escola.

Referências

ARANHA, C. S. G. Exercícios do olhar: Conhecimento e visualidade. São Paulo: UNESP / Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008.

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276 Catharina Pinheiro & Carmen S. G. Aranha

Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016.

CHAUÍ, Marilena. Experiência do Pensamento: Ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

FONSECA, Andrea Matos da. Corporeidade na arte atual brasileira: sensibilidades desveladas. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação interunidades em Estética e História da Arte. PGEHA USP. São Paulo, 2012.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2a. Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Os Pensadores – textos selecionados / Maurice Merleau-Ponty. Seleção de textos de M. S. Chauí. Traduções e notas de M. S. Chauí; N. A. Aguilar; P. S. Moraes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

MERLEAU-PONTY, Maurice. The structure of behavior. Boston: Beacon Press. 1967.

RELATÓRIO “Fenomenologia e Paisagem: espaços de transitividade em intervenções associadas ao paisagismo e arte contemporâneos”. Pesquisadora Responsável: Dra. Vera M. Pallamin, FAUUSP. Equipe de Pesquisa: Dr. Vladimir Bartalini, FAUUSP, Dra. Catharina C. P. S. Lima, FAUUSP, Dra. Carmen S. G. Aranha, MACUSP, Ricardo Saleimen Nader, FAUUSP (Cesad).

SIMMEL, Georg. Filosofia da Paisagem. In SERRÃO, Adriana Veríssimo (Org.). Filosofia da Paisagem: uma antologia. 2011.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

REBOUÇAS, M.L.M. Memórias e interdiscursividades. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços

da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 277-291.

Memórias e interdiscursividades

MOEMA MARTINS REBOUÇAS1

[...] É por isto, por exemplo, que o pianista traz a memória nas mãos, e que as suas mãos se tornaram o

que são, perceptivas, e actuantes, por intermédio deste longo trabalho voluntário de incorporação de um saber.

Housset (2006)

Um saber que se manifesta a cada toque, e nele a vida de sensações, de historicidade e de vontade é presentificada. Músicas, livros, poesias, pinturas e tudo o mais que produzimos são resultado de nossas experiências pessoais e da memória que temos delas. Uma memória que coteja o que vemos, ouvimos, lemos, experimentamos e ressignificamos. Memória que pode ser guardada, cuidada, colecionada. Assim, uma coleção é constituída como um grande arquivo de muitas memórias, e os museus são um entre outros espaços sociais destinados a preservá-las.

No presente artigo, focalizamos a memória a partir da Coleção de Arte Universitária da Universidade Federal do Espírito Santo-UFES2.

1 Moema Lúcia Martins Rebouças é graduada em Desenho e Plástica (Licenciatura) pela

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (1981), fez mestrado em Educação pela UFES (1995), doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000) e Pós-Doutorado pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Atualmente é professor associado IV da Universidade Federal do Espírito Santo. 2 A Coleção de Arte da UFES se encontra dispersa em vários setores da instituição, sendo

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Apresentaremos um recorte de uma pesquisa denominada “As interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas educacionais”, que gerou uma proposta de continuidade que terá início em 20163.

No recorte para este artigo, o enfoque estará na metodologia utilizada que nos permitiu reconstituir a memória dessa coleção da UFES a partir de dois movimentos investigativos: no primeiro, consta a análise dos depoimentos das professoras que iniciaram essa coleção como diretoras da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES-GAP/UFES; no segundo, os procedimentos para análise das interdiscursividades das obras pertencentes ao acervo.

O nosso objetivo é o de contribuir para os estudos da arte e da educação que consideram que a memória e a história podem ser apreendidas a partir dos discursos de seus protagonistas, e que as produções artísticas contêm as marcas de quem as produziu, do contexto dessas produções e dos intertextos que com elas dialogam. Queremos evidenciar que as obras de arte são portadoras de um discurso que traz um tempo, um espaço e uma autoria podendo provocar naqueles que com ela interage outras ações a partir de suas leituras possíveis.

I. resgate das memórias

Com o interesse e foco na Coleção de Arte da UFES, o primeiro movimento investigativo foi motivado por uma série de questões, cujas respostas nos permitirão reconstituir a memória sobre essa coleção. Para isso, foi necessário irmos ao encontro daquelas pessoas que protagonizaram o início dessa coleção de arte da instituição, para, com elas, compreendermos as motivações, os programas e projetos envolvidos nesse processo, bem como os seus destinatários. Inicialmente nos reunimos com as professoras Jerusa Margarida

que a que a maior parte dela está na reserva técnica da Galeria Espaço Universitário da UFES-GAEU/UFES. 3 A primeira pesquisa foi iniciada em 2012 e ambas, são financiadas pelo CNPq.

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Gueiros Samú e Teresa Norma Borges de Oliveira Tommasi4, que foram as que iniciaram essa coleção como diretoras da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES. A partir desse encontro foi possível nos informarmos sobre três catálogos publicados nos anos de 1979, 1982 e 1983 que continham a relação e reprodução das peças inventariadas que iniciaram essa coleção. Desse modo, os catálogos, como documentação das ações, além dos discursos das professoras, nos possibilitaram o atendimento aos objetivos iniciais da pesquisa que serão apresentados a seguir:

a- Conhecer o contexto de criação da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, a sua estrutura, seus objetivos, para, então, compreender a sua função/missão a partir do envolvimento das professoras como primeiras diretoras e idealizadoras da coleção;

b- Compreender como foi formada a coleção e o acervo (política, inventário, catalogação, conservação) e como se deu a apropriação dessa coleção pela UFES;

c- Conhecer os destinatários dos projetos e programas da GAP/UFES para compreender a sua função como promotora da arte e do seu ensino.

d- Conhecer as articulações tecidas pela GAP/UFES em seus programas e projetos e compreender como eram estabelecidas as parcerias dentro (núcleos, cursos) e fora da universidade.5

I.1-Entrevistas, conversas ou modos de dizer e de fazer saber?

Como um dos objetivos da pesquisa era a produção de material audiovisual para produção de documentários em mídia digital destinado às escolas de educação básica, sabíamos que todos os encontros deveriam ser filmados. A filmagem, nesse caso, não constituiria somente como um material a ser transcrito

4 Nos reunimos depois com professores, diretores e alunos do Centro de Artes, que acompanharam a formação da coleção. Os depoimentos estão em três documentários disponibilizados no material educativo MUSEU ABERTO (2015). 5 Cf. REBOUÇAS (2015).

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posteriormente. Consideramos que a escolha pela filmagem nos possibilitaria garantir a fidedignidade da fala, da entonação e gestualidade das professoras. O nosso interesse não era somente o de conhecer o contexto da criação da coleção, e compreender como foi formada, mas de garantir que essa memória, que nos dispusemos a resgatar, fosse contada a partir das memórias das próprias protagonistas. Por este motivo, a produção audiovisual oriunda da pesquisa está incluída em um material educativo intitulado “Museu Aberto: aproximações e visibilidades na escola: Coleção de Arte da UFES: criação e memória”, distribuído em instituições culturais, educativas e artísticas. O propósito é de que cada vez que for utilizado e visto, possa promover e provocar encontros.

Entretanto, algumas condições contribuíram para o consentimento das professoras na realização das filmagens6:

a- a-ambiente familiar (a filmagem foi realizada na residência de uma das professoras);

b- a pesquisadora foi ex-aluna, portanto é conhecida; c- a realização da filmagem com as duas ao mesmo tempo (esta foi

uma condição para a aceitação). Os comportamentos e posturas dos que foram filmados podem

ser aprofundados em estudos sobre a gestualidade e proxêmica7 propostos pela semiótica. Abrangem também as relações intersubjetivas em ato, o estar em presença com um outro, ou outros, e os envolvimentos intersomáticos que por acaso possam ocorrer.

A filmagem garante que os discursos produzidos no momento de interação com o pesquisador sejam captados e reproduzidos. Entretanto, outros mecanismos de edição do material ainda estão no poder do pesquisador, pois é ele quem escolhe o ângulo, a duração, a sequencialidade, entre outras variáveis possíveis que envolvem a 6 As filmagens dos oito (8) demais protagonistas incluídas nos três documentários que compõem o material educativo foram realizadas individualmente, em respeito às agendas e disponibilidades. 7 Cf. A proxêmica trata da exploração da qualidade significante do espaço. (GREIMAS, 1979).

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edição de uma filmagem. O nosso posicionamento, era o de garantir a fidedignidade do dito e do modo de dizer das protagonistas.

Ao tratar do discurso, Greimas ([s/d],p.5) propõe a inversão da problemática pautada não mais no sujeito que fala, ou no produtor do discurso, mas na performance discursiva. Nela, o plano do exercício individual da linguagem não pode ser considerado como fixo, pois ele se relaciona com as práticas discursivas que ocorrem nas interações, e é no plano social que elas se modificam e se transformam. Sendo assim, o sujeito do discurso, ao realizar a sua performance, torna-se um outro ao interagir com algo ou alguém; é, portanto, um sujeito em construção permanente.

Com essa abordagem, considera-se que, em cada interação entre sujeitos, seja numa entrevista para um pesquisador, ou até mesmo para um jornalista, estão depositadas as formas pressupostas do discurso que se manifestam incompletas e inacabadamente, por serem processuais. Formas discursivas que as memórias nos permitem resgatar, em nosso caso, e nessa específica situação, o que todos ali presentes que viveram e compartilharam com diferentes intensidades e responsabilidades (as professoras como diretoras e idealizadoras de um projeto, e a pesquisadora como aluna), fomos capazes de conjuntamente reorganizarmos em interação.

Este aspecto é importante, pois demarca e admite a existência de distintos pontos de vista que podem, ou não, confluir, e somados constituírem a memória da situação vivida. Memória do vivido ou do que ouvimos em ocasiões no passado? A articulação da memória com a imaginação é comentada por Chico no documentário “Chico-Artista Brasileiro” lançado em 2015. Ele comenta como as duas integram o resgate do passado e influenciam nos processos criativos. Relacionamos, integramos, articulamos fatos vividos e ditos por outros, contados por pessoas próximas, assistidos e mediados pelas mídias e os filtramos em nossa memória.

Com poucos documentos nesta etapa inicial da investigação, foi importante preservar e garantir as falas e as experiências, para com

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elas a pesquisadora ter a possibilidade de reconstituir as memórias e as histórias não unicamente sobre o ponto de vista de seus aspectos factuais, mas sobretudo considerando também outras dimensões, como as formas com que elas apresentam esses aspectos factuais e nos fazem-saber deles.

Assim, é o discurso, como lugar da construção do sujeito, a nossa principal fonte de conhecimento sobre ele, e sobre o que ele nos faz-saber de si mesmo e de sua experiência.

Com isso, a relação estabelecida entre o investigador e o investigado é tênue e pautada em proximidades, seja pelo interesse em comum pelo tema, seja mesmo pela possibilidade de compartilhamentos que possam ocorrer. Assim, mesmo que tenhamos um roteiro prévio e objetivos investigativos nos motivando, o diálogo estabelecido não é unilateral. Pressupõe, antes, uma escuta que poderá intervir para saber mais sobre as diversas experiências vividas, que, recontadas, podem misturar o profissional ao pessoal, e o realizado ao desejado. Desse modo, é possível que a linha tênue existente entre passado e presente se desfaça, pois, enquanto narram, é a partir do aqui e agora que o fazem; é a partir do presente que se retoma o que se viveu em seu passado e os acontecimentos. Diante de fatos e experiências, algumas pontuais, outras que são resgatadas aos poucos e se presentificam nessa conversa, é que ocorre a escuta. Ela não é mais unicamente a do investigador, mas a dos sujeitos em interação e em construção nesse processo.

Ao adotar essa fundamentação na análise dos encontros com as professoras, e depois, com todos os oito que participaram posteriormente da investigação, consideramos o dito e o modo de dizer como o único meio de nos aproximarmos delas. São as narrativas de várias histórias que se cruzam, recontadas a partir de diferentes pontos de vista por sujeitos que dela participaram.

O cruzamento de conversas foi uma opção metodológica adotada para enriquecer e garantir o surgimento de aspectos factuais. Cada documentário, possuía pelo menos três integrantes com

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desempenho e diferentes papéis no processo de criação e manutenção dessa Coleção de Arte da UFES. No primeiro documentário, além das duas diretoras, participaram uma das diretoras do Centro de Artes da UFES, a professora Maria Helena Lindemberg (a GAP/UFES foi criada como espaço acadêmico e de formação destinado aos alunos da graduação) e uma aluna que, posteriormente, tornou-se professora do CAR/UFES, Nelma Pezzin.

Os participantes com suas memórias reconstituíram o vivido de sentido filtrado de suas imaginações e experiências. As memórias (marcas, registros) que emergiram dessas conversas, além dos catálogos citados, nos conduziu à consulta de outros documentos nos arquivos do Centro de Artes da UFES, em sua maioria fotografias, e nos possibilitou incluí-las nos documentários.

II. Os interdiscursos

O acesso à coleção, composta por aproximadamente duas mil obras8, cuja maioria está abrigada na reserva técnica da Galeria Espaço Universitário-GAEU/UFES, se dá por intermédio da publicação de um catálogo intitulado Acervo da GAEU/UFES (2007), um projeto da então Secretária de Produção e Difusão Cultural da UFES, professora Rosana Paste.

Na apresentação do catálogo, a Secretária esclarece que a composição do acervo inclui também a coleção proveniente da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, que, de 1976 a 1994, funcionava na Capela Santa Luzia, localizada no centro da cidade de Vitória (local do antigo Museu de Arte Sacra, que funcionou ali de 1950 a 1970).

O catálogo possui 380 páginas. Nas 358 páginas centrais estão as reproduções fotográficas da coleção, com as peças agrupadas por linguagens. Inicia-se com Gravura/Desenho, Pintura, Objeto/Escultura e Fotografia. Como em cada página se encontram entre 2 a 6 peças, num levantamento inicial é possível constatar que ali no catálogo constam aproximadamente 1.432 peças. Na leitura da

8 Cf. ACERVO DA GALERIA DE ARTE ESPAÇO UNIVERSITÁRIO-EU (2007).

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publicação é possível ao leitor averiguar que a coleção é composta por obras de artistas com diferentes participações na Arte Contemporânea e no cenário artístico nacional e internacional. Estão presentes as produções de artistas como: Arlindo Daibert, Antonio Henrique do Amaral, Bispo do Rosário, Carlito Carvalhosa, Carlos Zílio, Fayga Ostrower, Ivald Granato, Loio Pérsio, Mauricio Salgueiro, Rubens Gerchman, Scliar e vários outros que, como estes, possuem peças em coleções pertencentes a Museus Nacionais e Estrangeiros. Reúnem-se também no catálogo produções de artistas e professores da UFES como Atílio Colnago, Cesar Cola, Hilal Sami Hilal, Nelma Pezzin, Orlando da Rosa Farya e Rosana Paste, para citar alguns deles. O que essas obras possuem em comum é que, cada qual a seu modo e com sua linguagem, possui uma narratividade e é portadora de um discurso que a insere no campo das Artes, o que implica estarem todas em diálogo com outras instâncias, tais como as da ciência e com outras áreas do conhecimento, como a Comunicação, a História, a Filosofia, entre outras.

Se os museus são laboratórios de conhecimento de arte9, tão importantes quanto os demais laboratórios de química ou de física são para a aprendizagem dessas disciplinas, o acervo é o que constitui o museu. A partir do acervo é possível empreendermos uma leitura que se distancie do posicionamento modernista, de colocá-la em suspensão, para um posicionamento contemporâneo no qual ela se articula com os contextos sócio-históricos e sua complexa tessitura.

Por ainda não ser acessível o acervo digitalizado, toda a publicação Acervo da Galeria de Arte Espaço Universitário da UFES-EU constituiu-se como corpus inicial de investigação sem distinção das linguagens artísticas. Para a pesquisa, não foi nossa intenção separá-las por linguagem (desenho, gravura, pintura, instalação), nem por temáticas e muito menos por técnicas. Nossa intenção foi a de assumir nessa investigação do acervo uma postura dialógica que considerou o nosso repertório da arte, pois foi a partir de nossa

9 Cf. BARBOSA, Ana Mae (2011).

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própria experiência e a do artista materializada ali que o diálogo se estabeleceu. Adotar esta postura é assumir a incompletude da obra e do sujeito (pesquisador, leitor). É assumir o discurso como interação de um e do outro. É distanciar-se das propostas que se fundamentam na linearidade das cronologias, nas histórias dos movimentos artísticos, na apropriação da arte para reprodução das técnicas, ou ainda na descrição da vida dos artistas.

Para que se assuma esta postura, é preciso que o pesquisador estabeleça relações de sentido entre as obras, tendo como fio condutor os interdiscursos presentes nelas. Os interdiscursos correspondem ao conceito de dialogismo de Bakthin (1988), nessa concepção o sujeito não assume o papel central no discurso, mas esta posição é ocupada pelas vozes sociais, que fazem dele um sujeito histórico e ideológico.

Portanto, propor a interdiscursividade em uma investigação é assumir uma dimensão dialógica analítica de pesquisa e de textualidade das obras. Por este motivo, a fundamentação teórica-metodológica da pesquisa foi da semiótica discursiva por esta considerar as produções humanas como produções textuais. Para a semiótica, uma produção de arte tal como uma pintura, escultura, um filme, um romance, um espetáculo teatral, musical ou de dança são manifestações dessa textualidade.

Como a intertextualidade é a incorporação de um texto no outro, na interdiscursividade são repetidos os mesmos percursos temáticos e/ou figurativos, pois “[...] sob um texto, ou um discurso, ressoa outro texto e outros discursos; sob a ‘voz’ de um enunciador, a de outro.” (FIORIN, 2003, p. 34). Como o discurso é social, um discurso discursa outros. Sendo assim, se ele mantém relações com outros, é porque não é concebido como fechado, mas como um lugar de trocas enunciativas.

Com esta abordagem teórica e metodológica a pesquisa foi realizada e possibilitou que alguns fios discursivos dessa coleção fossem tecidos pelos pesquisadores.

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III-Fios interdiscursivos percorridos

Além da pesquisadora com formação em Artes, os demais pesquisadores participantes deste projeto possuem formações em Comunicação (jornalismo e publicidade) e Pedagogia. O recorte que apresentaremos a seguir destaca os temas a partir das escolhas que fizeram das obras e uma síntese dos percursos trilhados.

III.1.Arte e cidade Com o objetivo de privilegiar caminhos cruzados dos campos da

educação, da arte e da publicidade as pesquisadoras Flávia Mayer e Maria Nazareth Pirola10 questionam como a arte coloca em circulação os valores da sociedade relacionados à mídia, à publicidade e ao consumo e, nesse contexto, quais são os discursos elaborados pelas produções artísticas escolhidas. Como corpus para as análises, elegeram duas pinturas, realizadas em um espaço temporal diferenciado de 51 anos, realizadas por diferentes artistas e localizadas em acervos de dois espaços institucionais públicos, que de modo temático e figurativo, abordam as cidades, a publicidade e o consumo. O ponto de partida foi a obra que integra a Coleção de Arte da UFES, que está na reserva técnica da GAEU/UFES, intitulada “Paisagem”. Realizada em 1976, é um óleo sobre tela de João Calixto. A partir dela, seguiram para a pintura “Paisagem brasileira”, que integra o acervo do Museu Lasar Segall, tendo como fio condutor, a temática encenada: a paisagem. Para complementar o diálogo interdiscursivo, analisaram a presença da publicidade na paisagem urbana de Vitória/ES na atualidade a partir de uma fotografia da pesquisadora Flávia Mayer.

Entre as várias considerações que as análises possibilitaram tecer, as pesquisadoras argumentam que a similaridade que se encontra nas obras é a produção de sentido de estranhamento na relação intertextual do título (sistema verbal) e a imagem (sistema

10 Com formação em publicidade, são professoras da Universidade de Vila Velha e na ocasião desta pesquisa doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES.

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visual). São paisagens que fogem do crivo de leitura do mundo social e cultural. Com isso, Calixto e Segall – e a fotografia da cidade de Vitória - reforçam que “Paisagem” é uma leitura humana do mundo e não o próprio mundo. Desconstroem, portanto, a leitura-padrão. O mundo, não é aquilo que disseram para nós. O mundo é outra coisa, ou no final das contas, ele mesmo.

III.2. Arte e infância O fio interdiscursivo tecido por Juliana Contti Castro11 tem

como tema a infância. Como justificativa para a escolha das obras, elege como critério a utilização da mesma linguagem plástica e o mesmo enunciador. Sendo assim, escolhe duas fotografias da Coleção de Arte da UFES do fotojornalista capixaba Rogério Medeiros. São fotografias em preto e branco, sem título, realizadas no ano de 1994, com dimensões aproximadas12. Uma retrata uma velha índia da etnia Guarani Myba com uma criança no colo, a outra retrata duas crianças pomeranas13 em um ambiente rural.

Se inicialmente as infâncias retratadas constituam o foco de estudo, na análise das obras a pesquisadora adentrou ao tema da mulher e da velhice, motivada pelo contraste existente nas duas figuras presentes na foto da etnia indígena. A análise das duas fotos, a partir de um percurso temático-figurativo, possibilitou recompor uma narrativa que se contrapõe à alguns estereótipos sociais em nosso país, e deu à luz a uma diversidade existente no estado do Espírito Santo. Postas em contraste, elas se apresentam como parte de dois diferentes estados de alma; a face e o gestual indígena com a tensividade e as crianças pomeranas em total posição de relaxamento. Um povo que vive a sua luta pela terra, em combate com grandes

11 Com formação em pedagogia, atuou como pedagoga em instituições de educação básica, e na ocasião desta pesquisa era mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. 12 As fotografias não possuem título, são em preto e branco, e medem 30 x 23,7 cm e 30 x 23,6 cm. 13 Os pomeramos chegaram da Europa para o Espírito Santo em 1847 e a maioria deles se instalou na região montanhosa do estado, no município de Santa Maria de Jetibá.

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empresas que ameaçam o seu território, enquanto os pomeranos continuam nas montanhas, vivendo de atividades agrícolas.

A pesquisadora enfatiza em sua análise, como o fotógrafo nos faz ver, pessoas humanas oriundas de minorias desprivilegiadas de nossa sociedade, que possuem um modo de vida diverso dos padrões urbanos e do consumo ao qual estamos situados. Com o foco em uma temática social, nos apresenta parte da constituição do povo capixaba, composta por diferentes comunidades e, ao aceitarmos este convite de leitura destas fotografias, encontramos outras referências e a visualização de outros simulacros, distantes talvez daqueles que estamos mais acostumados a nos deparar sobre a mulher e a criança. O fio discursivo trilhado abriu a possibilidade de pensar e sentir um Outro, e uma infância peculiar vivida em uma aldeia indígena e nas montanhas do Espírito Santo.

III.3. Arte e tarô A pesquisadora Letícia Nassar Matos Mesquita14 elege uma

Coleção, dentro da Coleção de Arte da UFES, que reúne 22 obras realizadas por 22 diferentes artistas, originárias de uma exposição com artistas convidados pela curadoria da GAEU/UFES para cada um deles estabelecer um diálogo com uma carta de baralho do Tarô. Com um mesmo suporte, a celulose no formato 92cm x 66cm, cada um sorteou um arcano, levando para seu atelier a carta e um texto impresso com o seu significado.

Com um número tão extenso de obras a analisar, a pesquisadora adotou como metodologia adentrar no diálogo estabelecido pelo artista entre a carta do baralho e a própria produção. Encontrou três modos de diálogos: por incorporação de uma ou mais figuras da carta na obra - citação; por figurativização diferente, mas com o mesmo tema - alusão; por incorporação do tema e/ou figuras do discurso.

A escolha por este recorte analítico possibilitou o respeito às coerções existentes entre as obras e as cartas, e permitiu apontar ao 14 Com formação em jornalismo, é servidora da UFES, e na ocasião desta pesquisa doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES.

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público leitor os modos com os quais cada artista construiu a sua leitura sobre o arcano sorteado e as apresentou. Tal procedimento permitiu distinguir como cada um dos 22 artistas explorou as cartas e construiu na plasticidade de suas composições outras narrativas e discursos.

Nesse proceder, a pesquisadora aponta que mesmo sendo uma encomenda da curadoria da GAEU, cada enunciador construiu seu texto a partir do seu próprio repertório plástico, tendo em comum o mesmo suporte: a tela de celulose. Num grau de figuratividade que varia do mais figurativo, temos as obras da categoria “Citação” como as que poderão levar o leitor, mais facilmente, a associar a tela ao jogo de Tarô. Na categoria “Alusão”, poucos elementos estão presentes, o que exige um enunciatário com um crivo de leitura mais apurado, para a associação da obra ao jogo, fora do espaço da exposição. E, finalmente, na categoria de significado místico, as obras, quando isoladas da exposição, podem compor outros textos sem carregar os elementos que remetam ao tarô.

O jogo intertextual e interdiscursivo não se fecha, pois as 22 obras dialogam com outras obras dos mesmos artistas pertencentes à coleção e com outros artistas de outras coleções. O convite para o diálogo não cessa, conclui a pesquisadora.

IV. Implicações da arte na educação, ou como a pesquisa em arte é de educação.

Ao investigar a criação e a formação da Coleção de Arte da UFES foi possível articular o presente com o passado, remexer e reorganizar arquivos de uma história que nos constitui e nos formou como professoras de Artes. Articulou-se pesquisa com ensino e extensão para o atendimento a uma das metas do projeto, que é o de dar visibilidade a essa coleção. Além da distribuição do material educativo Museu Aberto em instituições educativas, culturais e artísticas, parte da coleção foi digitalizada pelos pesquisadores e disponibilizada aos alunos da Licenciatura em Artes Visuais em EAD da UFES, no ambiente virtual de aprendizado (AVA) do curso.

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O material educativo audiovisual possibilita que a história seja contada pelos protagonistas e, nesse proceder, nos aproxima dela, transformando-nos em partícipes, afinal todos nós, professores e alunos, somos parte integrantes desta instituição.

O segundo movimento investigativo, que trilha e tece os fios interdiscursivos a partir das obras da coleção, permite que a Arte não seja apreendida como pertencente a um sistema fechado. A inclui em outras instâncias e áreas de conhecimento, integrando-as. Este processo investigativo da Arte é para a educação um aprendizado e um exercício constante, que pode ser apropriado e iniciado por qualquer professor disposto a interrogar como as marcas de transformações históricas, culturais e estéticas se apresentam nas obras. Adotar este princípio discursivo e dialógico possibilita a transposição de tempos e espaços fixos, para outros tempos e espaços fluidos. Possibilita extrapolar a expressão plástica, que concretiza as Artes Visuais, para conteúdos e enunciações sociais. Considera os deslocamentos e a complexidade em que vivemos, pois se pauta em princípios que rejeitam que a Arte possui fronteiras com a vida.

Referências

ACERVO 1979. 1ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia. Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1979.

ACERVO 1982. 2ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia. Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1982.

ACERVO 1983. 3ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia. Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1983.

ACERVO da Galeria de Arte Espaço Universitário – GAEU. Galeria de Artes Espaço Universitário. Vitória: Edufes, 2007.

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FIORIN, J.L. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, D.L.P.; FIORIN, J.L. (Orgs.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade: em torno de Bakthin. São Paulo: Edusp, 2003.

GREIMAS, Algirdas, KRISTEVA, BREMOND e outros. Práticas e Linguagens Gestuais. Lisboa. Ed: Vega, 1979.

GREIMAS, A. Semiótica e Ciências Sociais. Trad. Álvaro Lorencini e Sandra Nitrini. São Paulo: Editora Cultrix, s.d.

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GONÇALVES, Maria Gorete Dadalto e REBOUÇAS, Moema Martins. Museu Aberto: aproximações e visibilidades na escola. Coleção de Arte da UFES: criação e memória, PROEX/UFES, 2015.

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

2 9 D E A G O S T O A 1 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 6

ROCHA, A.M. Poder desenhar: uma questão política? In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 293-308.

Poder desenhar: uma questão política?

ANGELA MARIA ROCHA1

Poder desenhar. Essa é a questão inicial que faz alusão a uma hipótese para o ensino de desenho. E é isso o que se pretende aqui, colocando-a em pauta ao pensar o ensino de desenho quando considerado o espaço cultural em que ocorre a questão. Algumas indagações a respeito de estratégias na transmissão de fazeres tais como desenhar ou mesmo escrever sugeriram as reflexões aqui apresentadas. A curiosa observação da contraditória relutância que se observa em adultos solicitados a desenhar e a posterior satisfação e interesse ao aderir e realizar a tarefa sugeriu a hipótese de que, se não se sentiam inicialmente preparados para desenhar, a exigência do professor nesse sentido os assegurava, liberando-os. Autorizados a desenhar, surpreendiam-se ao verificar que podiam realizar a experiência.

De fato, pode-se dizer que o desenho, considerado tradicionalmente como um eixo para as artes visuais, é comum a muitos projetos e a muitas práticas profissionais que envolvem formação profissional específica em nossos dias, não se apresentando necessariamente como obra de arte. E a palavra-chave a que se

1 Angela Maria Rocha é Professora Livre-docente do Departamento de Tecnologia da Arquitetura da

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), Arquiteta e Artista Plástica, orientadora de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-graduação da FAUUSP na área de concentração: Processo de Produção da Arquitetura e do Urbanismo/Representações.

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recorre quando se fala em desenho é representação. Uma tríade: projeto, desenho e representação. Outras mais podem se agregar a essas: imagem ou figura. Nada disso tem importância aqui, a não ser que se resolva com essas palavras em mente ver-se frente a uma folha em branco com um lápis na mão para desenhar. “Posso? Devo? Como? O que?” Uma criança pequena não se coloca desse modo na mesma situação. Ela desenha. Ela pode desenhar. Dar aula de desenho é uma tarefa em que essas situações não precisam se manifestar ou se expressar. Sabe-se que estão lá e é a partir disso que as estratégias de ensino são construídas.

Sabe-se que o risco em uma superfície é aonde se localiza a possibilidade do desenho. Ou seja: o deslocamento de algo capaz de provocar marcas sobre uma superfície deixará a memória desse movimento como registro, como uma pegada cujo rastro indica ter como causa o movimento de algum material. Paralelamente a isto, pode-se também “descobrir” desenhos e até mesmo figuras, por exemplo, nos veios do mármore para inspirar o aprendiz como sugere Leonardo da Vinci (VINCI, 1960), ou no contorno das sombras de objetos ou nos relevos das nuvens no céu.

Os traços identificados pelo olhar nas pegadas e nas marcas casualmente encontradas nas superfícies poderão também nos intrigar sobre os acontecimentos que os provocaram, alimentando tanto as investigações sobre suas causas como também a perspectiva de poder provocá-las intencionalmente: entende-se com isso que marcas expressam sentido. Um sentido que não estando presente e que, estando ausente, poderá requerer decifração. Essa é a base do fenômeno dessas marcas intencionalmente realizadas pelo homem, ora como inscrições gravadas na matéria favorecendo sua permanência para a memória, ora como traçados realizados com tinta sobrescritas em superfícies. Sob esse prisma, não parece haver grande diferença entre escrever e desenhar: são superfícies marcadas ou assinaladas com a intenção de fazer sentido. Quando a escrita se fez como ideograma isso era evidente, mas transformar sons

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provenientes da fala em escrita promoveria outro tipo de entendimento?

Essa questão da diferenciação entre escrita e desenho, segundo Flusser, tem uma causa e que não é histórica, mas é atual: “o que leva as pessoas a escrever alfabeticamente e por meio da língua falada?” Pondera ele também: “o alfabeto é uma clara recusa da escrita ideográfica”. (FLUSSER, 2010, p.54-55)

Na verdade o escrever consiste em uma transcodificação do pensamento, de uma tradução do código de superfície bidimensional das imagens para o código unidimensional das linhas, do compacto e confuso código das imagens para o claro e distinto código da escrita, das imagens para os conceitos, das cenas para os processos, de contextos para os textos. O escrever é um método para dilacerar essas representações e torná-las transparentes. (FLUSSER, 2010, p.31)

Flusser instaura, até esse momento, questões que estão presentes na escrita alfabética, que torna visível os sons da fala e que se desenvolve na linearidade temporal. Posteriormente, como se verá mais adiante, tratando do desenvolvimento da escrita através de letras, ele coloca uma indagação que ultrapassa as questões referidas à escrita e que incidem naquelas que nos permitirão retomar com outro olhar escrita e desenho, tendo em vista a aquisição dessas habilidades.

O autor acrescenta também que as técnicas implicadas em gravar (ou inscrever) como se verificou na criação da escrita cuneiforme e, posteriormente, marcar com tinta (ou sobrescrever em superfícies) como se desenvolveu sobre papiros, são reveladoras. Essas técnicas modelaram e afetaram os homens que as empregaram. Com a tinta não se inscreve, não se grava: sobrescreve-se e se alcança assim maior rapidez na sua execução. Segundo suas palavras, uma diferença fundamental, diante do esforço requerido pelas inscrições, que pela natureza de sua realização são produzidas lentamente. Quando se faz uso de uma pena ou de um pincel para escrever, pode o pensamento voar, diferentemente de uma gravação, que com isso cria um monumento. Essa diferença é bem conhecida no terreno das práticas e nas linguagens da arte no que tange à realização de desenhos

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em gravura em metal ou sobre papel, por exemplo. Sobre o desenho no papel, prontos também para descarte, podem se realizar os croquis, os ensaios para os projetos que se realizarão em outros materiais. Flusser ainda esclarece: quem espalha e encobre com a tinta uma superfície para que desse modo a tinta forme uma imagem é pintor. “Por isso quem escreve não é um pintor, ele é um desenhista”. (FLUSSER, 2010, p.37) De fato, o desenho foi se constituindo como denominador comum nas artes visuais e com isso abrangeu explicitamente tanto a arquitetura como o cinema, alcançando também sua constituição como linguagem para a matemática na geometria. De fato, se o risco em uma superfície pode localizar a possibilidade do desenho, também com isso se apresenta a possibilidade do sentido e da escrita: a identificação do potencial de um risco se constituir como uma construção simbólica intencional.

Retoma-se agora aquela questão proposta por Flusser sobre a opção pela escrita alfabética em detrimento do ideograma, sobre a desistência da escrita ideográfica em favor de um código verbal (FLUSSER, 2010, p.54). Tal interrogação exige maior aproximação das implicações políticas indicadas no conflito que essa interrogação comporta, na qual é possível reconhecer também outras querelas que atravessaram conceitos estéticos no ocidente e que, a nosso ver, seriam também, em última instância, referidos às potências identificadas nas imagens em contraposição às representações verbais.

Entre desenho e escrita, enquanto alternativas para as representações do pensamento, acata-se aqui a discriminação já indicada por Flusser, na qual se considera a escrita como uma “transcodificação do pensamento, uma tradução do código de superfície bidimensional das imagens para o código unidimensional das linhas”. (FLUSSER, 2010, p.31)

Quando a escrita se faz como ideograma isso pode ser evidente. Transformar os sons provenientes da fala em escrita como o caso das línguas ocidentais promove outro tipo de aprendizagem. O acesso à escrita em seu idioma, para uma criança chinesa, não deve ser

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semelhante ao realizado por uma criança ocidental em escrita alfabética. A complexidade de cada ideograma há de requerer um aprendizado para sua realização na escrita cuja compreensão é de difícil entendimento para um ocidental alfabetizado, que teve outro processo de acesso à escrita. Para a criança chinesa, diante da assimilação da escrita, há a circunstância de que imagem e som não se aproximam e não ajudam no processo de aquisição da escrita, ao contrário das línguas alfabéticas. Mas há a vantagem de que a grafia da escrita não diferencia um desenho de um ideograma quanto à maneira de execução, sendo inclusive aprendidos em concomitância, auxiliando-se mutuamente.

A esse respeito, em uma matéria publicada no International Herald Tribune de 23/08/2012, a jornalista Didi Kirsten Tatlow2, cujo filho à época estudava na escola fundamental em Pequim, aborda justamente a questão das dificuldades e da morosidade do aprendizado da escrita, a qual tem sido polemizada na China, segundo seu relato, com base em argumentações de diversas naturezas. A autora relata ter aprendido a escrever chinês por mais de duas décadas e diz concordar, em parte, principalmente com os adultos que defendem “o prazer estético dos ideogramas e da rica cultura para a qual eles abrem as portas”. Mas seu filho lhe assegura que “aprender chinês nunca é divertido”. O título da matéria vem reforçar a interrogação de Flusser sobre as opções referentes à escrita3. Escrevendo para leitores ocidentais, a jornalista descreve aspectos dessa polêmica e destaca algumas informações que nos dizem um pouco sobre as problemáticas envolvidas nesse debate. Considera-se que usualmente 2.500 ideogramas são de uso comum e que o aprendizado e memorização dos caracteres também são gradativos, cerca de 400 a 500 por ano. Mas explica também que se pode escrever menos caracteres do que se reconhece, explicitando a dificuldade de domínio

2 https://www.questia.com/newspaper/1P2-36290244/writing-chinese-in-a-digital-world. Acesso em 18.02.2016 3 Writing chinese in a digital world.

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da escrita para seus leitores: “Os ideogramas chineses não têm pistas visuais para a pronúncia, o que significa que eles devem ser aprendidos individualmente, através de cópia repetitiva para construir a memória motora.”4

A partir dessa lentidão reconhecida na aquisição da escrita, na China muitos consideram os ideogramas ineficientes. Um dos argumentos é de que cada chinês teria que “trabalhar duro”, prolongando o aprendizado por mais tempo, uns dois anos a mais, para assim “alcançar um nível intelectual de um ocidental”. Outros sustentam a importância da manutenção dos ideogramas, e caso contrário a cultura chinesa seria extinta. Há também os que defendem que o chinês não é tão difícil, mas que houve aqueles que “mistificaram seu aprendizado para proteger seus privilégios”, considerados em risco diante da popularização da cultura. Com tudo isso o artigo se ajusta à interrogação de Flusser e, ao mesmo tempo, esses testemunhos justificam e atualizam o interesse pela questão. À primeira vista parece que se escorrega para fora do âmbito desse conflito entre imagem (ou desenho) e escrita. Todavia, ao se indicar a possível dificuldade e a morosidade para o acesso à aquisição da grafia dos ideogramas em relação à escrita alfabética tendo em vista suas implicações na manutenção de privilégios ou extinção da cultura, se reconhece o caráter político desse debate.

Ao retomar as peculiaridades do aprendizado dos ideogramas e lembrando que se trata de uma escrita que se caracteriza como uma imagem desenhada constata-se que é justamente a autonomia dessa escrita perante a fala de um idioma, já conhecido pela criança, o que coloca em relevância a atividade comunicativa escrita como imagem e desenho. Desenhar nesse caso significa aprender com atenção e cuidado cada ideograma, focando a atenção na imagem e na adequação dos gestos, para isso construindo associações mentais que possam aderir como sentido para essa forma desenhada e única que, de algum modo se vincule ao idioma cujo som é conhecido.

4 Writing chinese in a digital world.

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Naturalmente, ao tentar articular e criar recursos mnemônicos, se escapa dos limites dos sentidos tais como os propostos por dicionários. Intuitivamente criam-se associações entre a imagem de cada ideograma que as imagens talvez possam sugerir auxiliando a memorização, assim recriando ou encontrando os sentidos que os sons não evidenciam. É possível reconhecer aqui um processo criativo que se realiza. A criança, ao recriar sentidos para cada “desenho”, deles se apropria nesse processo em que os incorpora como suas próprias criações e descobertas.

Mas isso não é tudo. A escrita dos caracteres exige rigor em sua execução. A complexidade inerente à quantidade de ideogramas e à diversidade em que se apresentam, tendo também seus gestos normatizados, são o oposto da escrita alfabética. Ideogramas não evidenciam imagens prontamente reconhecíveis de seus sentidos ou referências. Com tudo isso, a acuidade para a percepção de imagens que é exigida, ao lado da criatividade apenas aparentemente suprimida nesses desenhos codificados dos ideogramas, talvez inexpressivos ao primeiro olhar, assumem feições desconhecidas para as categorias visuais estéticas ocidentais, fundadas na representação, na expressão. Os consequentes conceitos de criatividade e abstração derivados dessas categorias sugerem outros desenvolvimentos e nesse momento estão fora do nosso escopo, se evidenciando posteriormente. A imagem do ideograma poderia ser identificada, como no alfabeto, como um tipo gráfico: realizado com pincel, com caneta, com traços, com sinais e que precisam diferenciar-se uns dos outros com clareza para que sejam inteligíveis. As formas, pesquisadas e criadas no processo de aquisição da escrita remetendo-se à realidade circundante de coisas, acontecimentos, formas e gestos, também se referenciam ao idioma do familiar conhecido, podem se integrar às experiências vividas pela criança sem que se dissociem em “códigos”.

Para compreender mais concretamente o processo de aquisição da escrita ideográfica como relatado até aqui para que desse modo se

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torne possível compará-lo com a aquisição da escrita alfabética, que é a experiência com a qual temos familiaridade na aquisição da escrita e da leitura, foi possível encontrar inúmeras alternativas na internet para “ensino de chinês”. A palestra de Shao Lan Hsueh, crescida em Taiwan despertou curiosidade. Apresentou 75.300 resultados para seu nome, que vinculado ao termo “ensino de chinês” resultou em 22.400.

Em cerca de cinco minutos num vídeo5 ela expõe um processo em que demonstra como ensina ideogramas para um ocidental de modo novo, rápido e eficiente. Para demonstrar o método, deve ensinar oito ideogramas nesse curto espaço de tempo. Aqui, para nossos propósitos, apresentamos quatro exemplos em imagens similares. Segundo ela, conhecendo 200 ideogramas é possível conhecer o básico.

Destaca de início a sua relação pessoal com a escrita ideográfica como filha de um calígrafo e com a memória de sua mãe apontando para “a beleza, os traços e a forma dos caracteres chineses.” Por reconhecer a dificuldade para um estrangeiro, desenvolveu seu método. Relata sua própria experiência de aprendizado dizendo: “Desde os cinco anos, comecei a aprender a desenhar cada um dos traços de cada caractere na sequência correta. Aprendi novos caracteres durante quinze anos.” Sabe-se que se trata de caracteres realizados com pincel, cujos traços exigem não só atenção à sequência dos traçados, mas também aos sentidos de percurso corretos, como se pode verificar na Fig.1. O caractere apresentado aqui com pincel é semelhante aos apresentados por ela nos slides, já agora em tipos simplificados para impressão (linhas grossas em preto, na Fig. 2). Cada um desses caracteres fica contextualizado com o acréscimo de manchas coloridas (seu contorno em linhas finas na Fig.2) que complementam os ideogramas. Sugerem assim imagens que os identificam. Chama em alaranjado e árvore em verde, acima. Pessoa em vermelho e boca em branco e vermelho abaixo. Apoiando-se nestes

5 https://www.youtube.com/watch?v=R8pH1e5NQaU Chineasy by ShaoLan: TED Learn to read Chinese with ease. Acesso em 09.03.2016.

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redesenhos dos caracteres, ela realiza a leitura destas imagens comentando as sugestões identificadas nos acréscimos realizados, como exemplificado na Fig.2 dizendo:

Abra sua boca o máximo que conseguir até que forme um quadrado: você desenhou uma boca. Isso é uma pessoa andando para o trabalho. Pessoa. Essa chama tem o formato de uma pessoa com um braço em cada lado como se ela estivesse gritando freneticamente: “Me ajude! Estou pegando fogo!”. Este símbolo surgiu inicialmente da forma da chama, mas prefiro pensar dessa maneira, o que funcionar melhor para você. Isso é uma árvore. Árvore.6

Outros slides mostram a composição de sentidos a partir dos caracteres apresentados de modo semelhante ao que é aqui apresentado à fig.3, sendo o primeiro deles pessoa. E prossegue: “Se alguém caminha atrás de você, é seguir”, ou então: “quando uma pessoa abre os braços, ela quer dizer era desse tamanho”. Prossegue com outros exemplos, fazendo uso de composições com os oito caracteres apresentados inicialmente comentando seus significados.

Perante isso, é possível pensar no modo como as palavras, na escrita alfabética, cercam as coisas e tornam-se autônomas em relação a elas para que seja possível serem escritas e faladas. Um abismo: as coisas estão no mundo, mas podem ser representadas pela fala e pela escrita através de letras. As coisas aparentam requerer um nome a elas conferido arbitrariamente, um código que as representem em palavras, sugerindo um abismo entre idioma e o mundo.

Em nossa cultura, observa-se a ação de desenhar como uma atividade que parece replicar o procedimento já aprendido na escrita alfabética ao representar a fala. Da mesma maneira que a escrita representa o que se diz e o que se ouve, fenômenos da fala, o desenhar torna-se representar o que se vê, fenômenos do olhar, um empecilho realizá-lo. O que se vê é complexo, dinâmico e difícil de ser realizado em desenho, o oposto do processo da escrita com letras. Um risco ou um traçado ou uma imagem: até que ponto é possível

6 https://www.youtube.com/watch?v=R8pH1e5NQaU Chineasy by ShaoLan: TED Learn to read Chinese with ease. Acesso em 09.03.2016.

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dar se conta do que se vê? “A pintura ajuda a ver. Ela faz da vida, da complexidade da vida, qualquer coisa que se possa ver. Ela torna visível o que não se pode ver” (PUTMAN ; JULIET, 1992. p.6), diz o pintor, Bram Van Velde sobre seu próprio trabalho, uma pintura considerada abstrata. Tão abstrata quanto a letra, na realidade.

Um paralelo entre a história da escrita e a história do desenho e dos seus respectivos processos de produção poderiam trazer informações significativas. A perspectiva linear, devidamente estabelecida no renascimento, permitiu suficiente aproximação à intenção de codificação e consequente transmissão e facilitação de seus fazeres, ao mesmo tempo em que mostrou contar com maiores recursos, mediante a intenção de reprodução de imagens objetivas mais próximas às da visão humana. Nessa perspectiva é possível colocar todas as coisas em um mesmo espaço relacionando-as entre si. Mostra-se aqui a possibilidade de esgotar com isso as representações do que é dado ao olhar, restando pouco a acrescentar nesse espaço visual autossuficiente, o que posteriormente se concretizou com a fotografia. Na história da arte verifica-se como isso tornou possível o abandono das imagens que não possuíam essa qualificação, mas que foram necessárias para transmitir e registrar valores, cultos e memória através de imagens, mediante o pouco acesso de muita gente à leitura e à escrita. Tais imagens não deveriam e nem poderiam ser confundidas com o que era visto. Fazendo uso de inúmeros recursos iconográficos, podiam sugerir interpretações e possibilidades de leitura em imagens que transcendiam o que era dado efetivamente ao olhar.

Com a escrita impressa, as imagens precedentes realizadas em vitrais, pinturas e esculturas perderam essas necessidades. As imagens no pensamento e no imaginário, não sendo mais requisitadas pelas antigas representações que convocavam um olhar interessado e aberto a interpretações, provocaram a cisão entre idioma e desenho, passando este último a prestar-se mais às representações voltadas para

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necessidades técnicas que, identificadas com a cientificidade atribuída à perspectiva, tomaram seu próprio rumo.

Para explicitar essa cisão entre os modos de considerar o desenho em relação à visão, verifica-se também que a aceitação do desenho realizado através das regras da perspectiva não foi imediata. A descoberta da perspectiva exata realizada por Brunelleschi no século XV é relatada por Filarete7, seu contemporâneo, no seu Tratado da Arquitetura e pode mostrar as dificuldades manifestadas para a aceitação deste modo de representação através do desenho, quando inaugurou essas possibilidades, familiares agora com a fotografia. A “invisibilidade” do espaço e a concepção de mundo vigente à época estão presentes no diálogo em que Filarete8, como um mestre, explicar a um aprendiz como se constrói um desenho usando as regras da perspectiva, para isso descrevendo passo a passo a sua execução. O aprendiz, interrogado sobre o seu entendimento da explicação do mestre, é ocasião para mostrar a imagem realizada no desenho como contestação do conceito vigente de representação do real.

Eu compreendi, mas gostaria de fazer um praticamente. Diga-me, pois, por que razão esses quadradinhos não são quadrados. A razão é porque você vê isso no plano. Se visse em fronte aos olhos eles lhe pareceriam quadrados. Para provar que isso é verdade basta olhar para o piso onde estejam espalhados pedaços quadrados de madeira... (KATINSKY, 2002, p.107)

Em suas explicações refere-se a Brunelleschi9, quem verdadeiramente encontrou essa perspectiva que não era usada pelos antigos em outros tempos.

Se bem que soubessem colocar as coisas em seus lugares com discernimento, mesmo assim não as punham no plano desse modo e com essas regras, por meio dessa perspectiva. Você poderia dizer: é falso tudo o que nos demonstra uma coisa que não é. Isso é verdade, não menos do que o desenho, porque o próprio desenho

7 FILARETE, Antonio Averlino (Arquiteto, pintor e escultor italiano, cerca de 1400-1469) 8 Início do livro Vigésimo Terceiro do Tratado de Arquitetura in KATINSKY, Júlio Roberto – Renascença: estudos periféricos. São Paulo: FAUUSP, 2002, p.107. 9 Filipo Brunilleschi (1377-1446) – arquiteto florentino, construiu a cúpula da capela de Santa Maria del Fiore, em Florença.

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não é verdadeiro, ao contrário, é uma demonstração do que você quer reproduzir ou quer mostrar. De modo que ele é (só) verdadeiro e perfeito para isso e sem ele não se pode realizar bem a

arte de pintar nem a escultura. (KATINSKY, 2002, p.110)

Perplexidade e dúvidas, segundo ele, cercaram a descoberta da perspectiva quanto à possibilidade de representar com precisão as relações entre as coisas em escala. Houve dificuldade em se considerar como verdadeira uma representação em que, aquilo que se considerava como sendo um trapézio, pudesse ser a representação de um quadrado. A representação matemática das relações entre os corpos no espaço tridimensional, a perspectiva exata, foi uma das grandes conquistas do Renascimento que abriu caminho a muitas outras conquistas do mundo moderno. Não que antes do Renascimento não houvesse conhecimento intuitivo da perspectiva, quando se tratava de representar em uma superfície as relações de distância entre os volumes e as deformações sofridas por eles, como se verifica em algumas pinturas da Antiguidade. Para a matemática, o espaço é abstrato, mas somente com a perspectiva exata tornou-se possível ser operacionalizado.

A assimilação da perspectiva exata como meio de representação do espaço, se tornou posteriormente, e talvez devido à prática dos pintores renascentistas, largamente aceita pelo senso comum como a melhor representação da realidade. Descartes, no século XVI, questionou as pretensões miméticas nas imagens considerando-as como equívoco, tratando-se antes de uma relação de significação dizendo que:

É preciso ao menos observar que não há nenhuma imagem que assemelhe-se em tudo aos objetos que representa – se assim fosse, não haveria qualquer distinção entre o objeto e sua imagem; mas basta que ela a ele se assemelhe em alguma coisa – e que até mesmo, muitas vezes, sua perfeição depende de ela não se assemelhar tanto quanto poderia. (Descartes, Dióptrica, IV, apud LICHTENSTEIN, 1994, p.138)

A incompletude dos ideogramas nesse aspecto torna-se interessante, mediante essa atitude de complementá-lo tendo em

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vista facilitar o aprendizado da escrita chinesa para um ocidental. A incompletude dos caracteres cria um campo de sentidos reconhecido como característico das imagens e há que se conviver com essa condição, que ampliando sentidos pode alimentar ambiguidades. É impossível não reconhecer que nesse processo ocorre uma atividade criativa em que cada ideograma se abre para a criança como se ela os estivesse criando, ao imaginar sentidos para ele, tal como um objeto transicional (Cf. WINNICOTT, 1984) capaz de ligar as objetividades do mundo aos sentidos já conhecidos no idioma. Ao estabelecer explicitamente as regras para o desenho do ideograma, arma-se uma situação na qual não se dá lugar a hesitações perante o papel em branco. Asseguradas as regras, é possível a experiência no seu fazer, com os acasos e descobertas nas imagens que acontecem e com as quais o pensamento dialoga. Também uma paisagem oriental com seus vazios sugerem incompletudes. Pode-se encontrar aqui o acontecimento de uma espacialidade capaz de acolher quem as vê, parecendo afins com as imagens do pensamento ou com os sonhos que a memória identifica de outras paisagens vividas.

Com a invenção da fotografia no século XIX, essa passou a ser considerada como a mais fiel representação da realidade. Entretanto, a complexidade envolvida na percepção visual na representação do espaço se manifesta inequivocamente no relato do neurocirurgião Oliver SACKS (1995), sobre um homem que, tendo se tornado cego ainda na infância recuperou a visão por volta dos cinquenta anos. Sua experiência de espaço, como cego, havia se dado através de outros sentidos. Tendo recuperado a visão, era incapaz de compreender o fenômeno da representação em uma fotografia.

Outros aspectos estão envolvidos tanto nas práticas do desenho como também em muitas outras práticas que, ao envolver fazeres que denotem confrontos com as resistências materiais e, por devolverem resultados objetivos, podem colocar de imediato em questão erros ou acertos, o que exigiria controles e saberes para realizá-los. A fotografia em especial, pode ser uma referência quando se valoriza a

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representação em relação à produção de imagens e, de fato, a fotografia alcança com objetividade, maior semelhança que o desenho em perspectiva para dar conta do que se vê. Entende-se também porque uma escrita alfabética tem vantagens para ser aprendida e realizada com alguma suficiência se comparada com ideogramas graças à facilidade da correspondência entre a fala, a escrita e leitura. Efetivamente, o alfabeto é potencialmente mais democrático e mais eficiente. Entretanto a fotografia, enquanto imagem, não se presta muito quando se trata de objetivar através de uma representação algo que ainda não existe: um projeto.

Há outros critérios de valor para muitas outras atividades que também estão subsumidas a valores socialmente construídos. A divisão do trabalho é uma referência mais imediata. Pode ser a tradicional discriminação entre trabalho intelectual e braçal (escrita e desenho?) ou entre gêneros, algumas mais evidentes que outras. Mas quando a técnica passa a equalizar as potencialidades das realizações humanas, muitas racionalizações referidas por discriminações caem por terra e se reconfiguram os valores, já considerando explicitamente o tempo de trabalho dispendido em cada atividade.

Desenhar vem sendo em grande medida compreendido como atribuição reservada, institucionalmente ou não, a algumas categorias profissionais mediante formação específica. Poder desenhar, nesse contexto, apresenta-se como decisão política. Quem pode desenhar? Quem autoriza que se façam desenhos? Quais tipos de desenhos? Desenhar para quê? Desenhar também implica em uma ideia de competência, aprendizados e talentos específicos para que possa se realizar. Crianças pegam lápis, rabiscam e assim descobrem que podem desenhar, do mesmo modo que ouvem falar e se iniciam no idioma materno. Quando adultos, poucos desenham. Alguns não sabem mais se poderiam desenhar caso quisessem ou pudessem.

Com ou sem intenção comunicativa ou expressiva, o desenho pode evocar sentidos e amparar ideias. Como parte integrante de cada cultura em cada época, não é universal enquanto linguagem e a

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própria significação das imagens também expressa valores específicos em cada cultura. Na sociedade moderna o desenho tornou-se essencialmente voltado para a produção e para o consumo, enquanto projeto ou publicidade. Na antiguidade clássica, aparece como denominador comum para as artes visuais. Hoje as práticas do desenho podem manter-se latentes, quando ignoradas ou desconhecidas, imersas em valores inerentes à cultura em que se nasceu. Conhecer as práticas e modos de acesso ao desenho em outras épocas e culturas pode ser essencial para o reconhecimento do seu potencial para o desenvolvimento humano, por suas possibilidades expressivas, comunicativas e criativas e por favorecer uma visão objetiva e crítica da cultura em que se está imerso.

Referências

FLUSSER, Vilém. A Escrita. São Paulo: Annablume, 2010.

KATINSKY. Júlio Roberto. A perspectiva exata florentina e o desenvolvimento da Ciência Moderna. FAUUSP.

LICHTENSTEIN, Jacqueline. A cor eloquente. Tradução de Maria Elizabeth Chaves de Mello e Maria Helena de Mello Rouanet. São Paulo: Ed. Siciliano, 1994.

PUTMAN, Jacques e JULIET, Charles. Bram Van Velde. Paris: Maeght Éditeur, 1975.

SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte. Tradução de Bernardo Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

VINCI, Leonardo da. Traité de la Peinture.Tradução de André Chastes. Clube des Libraries de France. Paris: 1960.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1984.

Sites:

https://www.youtube.com/watch?v=R8pH1e5NQaU Chineasy by ShaoLan: TED Learn to read Chinese with ease. Acesso em 09.03.2016.

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Imagens

Figura 1 - Sequência dos traços do ideograma: pessoa

Fonte: http://www.a-china.info/caracteres/caracter/20154.html

Figura 2 - Sugestão de sentidos dos ideogramas

Fonte: Desenho nosso, a partir de vídeo de ShaoLan

Figura 3 - Composição de sentidos para um ideograma básico

Fonte: Desenho nosso, a partir de vídeo de ShaoLan

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III Simpósio Internacional Espaços da Mediação – A arte e suas histórias na educação

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RODOLFO, G.W. Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda. In: ARANHA, C.S.G. ; IAVELBERG, R. (Orgs.). Espaços da Mediação: A arte e suas histórias na educação. São Paulo: MAC USP, 2016, pp. 309-321.

Conceitos iniciais de História da Arte para a graduação: A formação do conceito de

história da arte para alunos da graduação em Publicidade e Propaganda

GUILHERME WEFFORT RODOLFO1

Introdução

Em linhas gerais, e em um pensamento que tem se espalhado em algumas áreas científicas, entende-se como análise, de qualquer coisa, a divisão em componentes de um todo para que, como mágica, se “entenda” do que se trata o objeto analisado. Essa “técnica” atomista de análise pode ser útil para determinados objetos, mas, com certeza, podemos recriminá-la quando abordamos o universo da arte. A mutilação de uma obra não nos faz entendê-la e nem tão pouco a transforma em mais apreciável, mais bela ou mais repugnante. Isso decorre pelo próprio sentido da análise em obras de arte que tem início na vontade de entender “melhor” essa ou aquela obra: dialogando com ela de maneira coesa, com a finalidade de

1 Doutorando em Linguística pela FFLCH/USP e bolsista CAPES, pesquisa a predicação da composição

musical no cinema através de análises do campo da semiótica tensiva e semióticas de linha francesa. É mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Estética e História da Arte e atuou como publicitário e professor universitário.

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intelectualizar o gosto. Partindo dessa abordagem, podemos instaurar um pequeno método, apenas seguindo algumas ideias bem indicadas de bons professores dessa área. Refiro-me a Erns Gombrich (1999) e Rudolf Arnheim (2004), autores preocupados em educar e, ao mesmo tempo, seguidores do bem articulado pensamento contemporâneo das ciências humanas. Navegando sobre tais referências, percebi como estas se alinham com algumas oposições de Ferdinand de Saussure e, mais ainda, como estas oposições, caracterizadoras da chamada linguística moderna, estabelecem uma construção estável de uma arte viva, ou ainda, de uma linguagem artística.

Mais do que poder analisar obras de arte, o que foi aplicado em aula para alunos da graduação de Publicidade e Propaganda são tentativas iniciais de afinar o gosto e, com isso, desenvolver a percepção artística nos alunos.

O ser na arte

Em uma interessante entrevista ocorrida entre o veterano cineasta vienense Fritz Lang e o então jovem e inovador cineasta francês Jean-Luc Godard, ocorrida em 1967, com o espirituoso título de “O dinossauro e o bebê”, Lang declara sua preocupação em ser analisado em um futuro próximo. Sua preocupação tem fundamento quando percebe que tudo o que produz é o resultado de um enorme jogo de soluções não formais, arranjos e subterfúgios, que resultam em um produto finalizado.

[...] talvez ponhamos em nossos filmes, os nossos corações, os nossos desejos, tudo que amamos ou algo que nos traiu. Acho que um dia, se alguém conseguir analisar-nos, talvez saiba o ‘por que’ fiz os meus filmes. Essa pessoa descobrirá por que sabemos fazer as coisas de certa maneira. Um realizador tem que ser um psicanalista. (Lang, in LABARTHE, 1967 – tradução nossa)

Lang aponta que deveria ser analisado como homem, como quem tenta resolver o problema, e não como formador do discurso cinematográfico final, coisa essa que talvez nem tenha o total controle.

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Na produção artística, de qualquer época, isso não é diferente. Analisamos a produção de um ser, de um homem ou mulher, de um indivíduo carregado de subjetividades e que tenta, dentro de certos limites, “resolver” em imagens, por exemplo, a expressão a ser transmitida. Com essa observação, podemos acatar as indicações de Gombrich (1999) quando declara não existir uma arte com “A” maiúsculo. Isso desqualificaria qualquer arte que esteja fora da concepção de maioridade qualitativa atribuída ao “a” maiúsculo. Portanto, desqualificaria a produção do artista, seja em que nível ou época estiver. Nessa produção do ser, os julgamentos não podem se pautar por um gosto superficial, apreciando ou não o tema, ou ainda, julgando se a representação está “correta” ou não.

Não existe maior obstáculo à fruição de grandes obras de arte do que a nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos. Uma pintura que representa de um modo imprevisto um tema conhecido é muitas vezes condenada sem outra razão melhor do que não parecer certa. (GOMBRICH, 1999, p. 29)

Apreendemos o testemunho do artista enunciado em cores e formas. Assim como nos filmes de Fritz Lang, seremos capazes de analisar sua produção fílmica com a tentativa autoral de comunicar cada informação ou conteúdo aos seus interatores, ou seja, no caso do cinema, o público. Se abordado como vetor que estimula o observador senciente, a obra de arte não deixa de ser um meio de comunicação, não de massa, como estamos acostumados a acompanhar na progressão desse último século, mas em muito menor escala. A arte comunica em seus agrupamentos maiores ou menores, seja no contexto da expressão ali representada, ou nas minúcias inseridas pelo autor. Estes “jogos pictóricos”, no caso da pintura, são capazes de fugir do sistema vigente em cada época e mostrar ao analista da obra conteúdos ainda não abordados (ARNHEIM, 2004). Assim, a confrontação do estilo, ou do conteúdo, e seu julgamento direto, podem prejudicar uma análise de uma obra de arte.

Tomo como exemplo a conclusão que o próprio Arnheim descreve ao analisar a Adoração dos Magos, de Giovanni di Paolo:

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Figura 1 - Adoração dos Magos (1450), Giovanni di Paolo (1403-1482)

Arnheim observa que, ao contrário de outras obras do autor sobre o mesmo tema e, também, sobre o mesmo tema porém pintadas por outros autores, di Paolo pinta a ordem do evento figurando-a da esquerda para a direita, ou seja, na ordem da escrita ocidental. Aponta uma questão além do tema representado: a adoração é realizada por três magos que, se vistos em sequência, estão em três momentos posturais. Descreve que, na visão da figuração clara do evento bíblico, referem-se aos três reis que seguiram a estrela e chegaram ao encontro do messias recém-nascido2. No entanto, em outra leitura, e esta em outra temporalidade, mostra a gradual prostração de uma monarquia em direção à Igreja vigente, reflexo de uma guerra partidária extensa entre Guelfos e Gibelinos. Mais complexa e extensa, a análise de Arnheim demonstra a necessidade de observar elementos pormenorizados da obra como: os vetores de olhar, as posturas corporais, os gestos, os fundos da pintura, as cores, enfim, uma variedade de informações descritivas e informativas ricas ao analista.

A análise desenvolvida por Arnheim deixa-nos avaliar outros pontos interessantes que foram também desenvolvidos com os alunos da graduação em Publicidade e Propaganda e que serão em breve

2 Referência bíblica

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comentados. A saber: os sistemas, os conceitos e as várias soluções desenvolvidas por autores em cada época.

O coletivo na arte

É comum ao analista, e mesmo ao aluno da graduação, não perceber qualidades em uma obra de arte por esta não fazer parte de seu mundo perceptivo, ou sua existência. Nada mais natural: objetos e imagens distantes de nossa realidade, ou de nosso conhecimento, podem gerar estranheza. Dessa forma, o que fazer com uma obra de arte repleta de “estranhezas”? A resposta pode estar na ideia de uma não existência física da arte: a obra não está lá, afinal, o que se vê em um museu, por exemplo, é o objeto físico deixado pelo passado e que pode, ou não, gerar estesia. A obra está, como se diz, “atrás” do objeto: está atrás do quadro. Ou seja, percebemos a qualidade artística e a estesia artística quando coabitamos o universo daquela arte. Isso pode ocorrer por costume, analogia, compreensões, enfim, agrupamentos de efeitos sensíveis que nos estimulam ao reconhecimento e, depois, à análise. O exemplo que podemos empregar é um tanto simples, porém muito claro: em um determinado momento de reflexão pessoal nos pegamos com saudade de um ente querido e, para completar aquela reflexão, buscamos uma fotografia. Esta fotografia com o ente não o trás fisicamente, mas aplaca nossa sensação de saudade por reconhecê-lo, além de reconhecer a expressão registrada na foto, reconhecer o local, lembrar-nos do dia e, até, ver-nos na mesma foto. Ao final, reconhecemos todos os terrenos de expressão daquele dia ao qual o instantâneo foi impresso. Veja que apenas uma fotografia pôde reconstruir as sensações que “apreendemos” quando do registro daquele evento. Se avaliarmos essa fotografia como meio de comunicação, em muito menor escala, essa fotografia fará uma troca rápida de sensações, fazendo-nos reconhecer os eventos afetivos. Isso talvez explique o porquê do sucesso da fotografia desde sua invenção e o porquê do sucesso de outras tantas representação na história da

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arte. Um desses sucessos é o caso da chamada “natureza morta”, que, no passado, atribuía com sucesso o transporte do observador de volta ao local daquele registro, fazendo-o reconhecer os objetos, o local, a temperatura, o aroma, a época do ano, além de uma série de outros estados patêmicos (GOMBRICH, 1999).

Ao que parece, a reconstrução pelo reconhecimento de formas e estados da arte tem relação com a ótica do artista e seu tempo. Isto é, como se reproduzia e como se representa em pinturas coisas a serem significadas. Entramos em um denso repertório de padrões e conceitos ligados à arte e que só podem ser avaliados se compreendido o autor e seu tempo. Assim, o aluno que se interessa por determinada obra deve tentar absorver informações sobre a obra como: os costumes, os “porquês”, os objetivos do autor, etc. Ele entenderá com isso que existe um sistema, uma esfera de padrões em que o artista viveu e que podem ser comparados com os dias atuais.

Oposições na arte

As descobertas que as propostas acima suscitaram aproximam a análise da arte aos conceitos iniciais da teoria das oposições linguísticas de Ferdinand de Saussure. As disciplinas linguísticas, assim como sua ramificação científica preocupada com o estudo das significações e análises de textos, verbais ou não verbais, a chamada semiótica de linha francesa, parecem estar contidas neste estágio inicial relacionado aos assuntos da história da arte e, desde que seu fundador a colocou em execução, parece também levantar hipóteses sobre o funcionamento de análises. Durante o desenvolvimento dos conceitos da chamada Moderna Linguística, Saussure percebe a dificuldade de estudar as línguas classificando-as observando apenas suas diferenças. Notou que os traços salientes, ou seja, todos os elementos dignos de observação, são compostos por um conjunto de relações que, por sua vez, estão inseridos em um sistema. Os traços salientes são oponíveis, e assim são escolhidos para facilitar a observação do objeto analisado. No caso da linguística de Saussure,

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graças a oposições entre termos da fonética foi possível comparar elementos da língua indo-europeia, estudo até então pouco pesquisado pela falta de recursos analíticos. Logo, as oposições podem mostrar a extensão das relações dentro de um sistema.

Saussure utilizou as seguintes oposições: (i) sincronia/diacronia, (ii) língua/fala, (iii) paradigma/sintagma e (iv) significante/significado. Restou à minha tentativa de metodologia, atribuir algumas das oposições de Saussure para o encontro da análise inicial. No mesmo caminho do autor da linguística, utilizei as oposições sincronia/diacronia e língua/fala como referências conceituais apoiadoras dos preceitos apontados por Arnheim e Gombrich. As oposições paradigma/sintagma e significante/significado são utilizadas em um segundo momento, portanto, não neste específico “início conceitual” que nos propomos apresentar. A decisão de utilizar algumas oposições, e a não utilizar outras, partiu também da vontade de iniciar uma possível “leitura” da arte em alunos com pouca, ou nenhuma, vivência em arte.

Outra competência possível na aplicação das oposições tangencia outro analista da história da arte utilizador de oposições, muito útil, mas também sem aderência no instante inicial. Trata-se do cultuado “Conceitos fundamentais da História da Arte”, de Heinrich Wölfflin (2000), publicação importante para o estudante da arte, porém, pela aplicação que concernia à situação, ficou dedicada para um segundo momento da educação dos graduandos. Passei a utilização de conceitos saussurianos:

(i) Pelo que pudemos observar até agora, se convivemos com situações em que as vivências devem se “equiparar” com as vivências dos artistas não mais presentes, podemos então fazer uma dupla leitura do tempo vivenciado. A proposta é tentar entender a obra pelo que percebemos, portanto, com observações diante de nosso universo de entendimento, consequentemente com uma visão sincrônica da obra; e, na medida do possível, compreender o que era possível, ou requerido, ao autor, compreender seus estilos, os outros

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pintores ao seu redor, outras obras do mesmo autor, técnicas, ocasião, argumento, enfim, o que poderia à época ter influenciado a individualidade do autor. Ao processo de deslocamento de nosso entendimento no tempo chamamos de diacronia. Assim, nos apoiamos na primeira oposição: uma leitura que compare a sincronia e a diacronia na leitura da obra. Esta preocupação pode ser um ponto inicial de qualquer análise e, se bem observada, pode franquear descobertas importantes. Gombrich chama atenção para esse tema:

As pinturas que estão em museus hoje em dia não foram feitas para este fim. Foram feitas para uma ocasião definida e um propósito determinado que habitava a mente do artista quando da produção. (1999, p. 32)

Em uma tentativa de transpor em argumentos inteligíveis a estesia gerada por uma obra de arte, passaremos ao redor do que realmente habitava a mente de alguém. Não se trata de uma magia, mas de uma tentativa de reconstrução do pensamento da época, realimentado pelos seus próprios pensamentos. Afinal, seria impossível nos despir de nossos conceitos fundamentais e nos transpor em total liberdade ao pensamento de épocas passadas. Exercitamos então a tentativa de compreender o pensamento da época analisada.

(ii) Mesmo se recorrermos a manuais e tratados sobre arte em períodos em que, supostamente, coabitem nossos objetos de estudo, perceberemos que, embora “estabilizado” em um manual, as técnicas não passam de normatizações do ofício. O autor de uma obra de arte, como indivíduo proprietário de escolhas, na maioria das vezes esta diante da aplicação da norma, mas sem uma total possibilidade de aplicá-la arbitra por opções, compondo sua enunciação pictórica. Essa oposição entre a norma e a escolha individual e também essa escolha dentro da norma, foi adaptada por minhas tentativas diante do curso que ministrei como ligada à oposição língua e fala.

Em sua formulação, Saussure descreve a diferença oposicional entre língua e fala como: (a) a língua “é o produto que o indivíduo registra passivamente” e é resgatada como sistema e classificação; (b) a fala é “um ato individual de vontade e inteligência” que executa as “combinações

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pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal” e no “mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações” (2012, p.45). Estes “mecanismos psicofísicos” promotores da fala comparam-se ao processual gestual do artista, suas escolhas e processos no ato da composição. Estamos diante de um ajuste entre a compreensão e o armazenamento de um sistema pelo ser e, para os casos do falante e do pintor, da escolha dentro de um sistema que lhe permita estes usos. A separação entre as ocorrências regulares, a norma e as escolhas individuais do artista, com seus “acessórios” e possíveis “acidentes”, participam da divisão do que é social e o que é individual na análise. Em seguida, podemos perceber entre o que é essencial, para a construção de uma arte normativa, e o que é composição do indivíduo. Tal qual na oposição entre língua e fala descrita por Saussure.

(iii) Uma construção oposicional saussuriana observa a construção das sequências das letras, das palavras e das frases, como falamos e escrevemos, construindo uma cadeia ou, ainda, a sequência ordenada de palavras formadora de sentido e clareza: A esta ordem serial dá-se o nome de sintagma. A relação entre palavra e sua ordem é a principal formadora de sentidos e frutos de organizações das línguas. Testados e vivenciados por gerações, essa tradição significativa só é reordenada pelo indivíduo falante que pode combinar os termos dentro do sintagma. A escolha de palavras a serem usadas em um sintagma é chamada de paradigma. A fala é a criação de séries associativas dentro de um sistema.

Wolffling utilizou em parte esse princípio de oposição para elaborar uma “fisionomia geral” de uma época artística, ou uma generalidade de um autor. Com isso, criou oposições auxiliadoras no estudo da arte como linear/pictórico, plano/profundidade, forma-fechada/forma-aberta, pluralidade/unidade e clareza/obscuridade. Todas úteis à formação do aluno, porém com pouca aplicação na formação inicial.

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(iv) Esta talvez seja a oposição que mais ramificou conteúdos científicos. Entre significante e significado está o signo gerador de significado: a manifestação, o fenômeno apreendido. Mantêm uma situação recíproca de pressuposição onde: o significante significará algo e o significado só pode ter ocorrido se houve um significante. Ou seja, uma solidariedade entre os termos da oposição.

Ao abordar a oposição entre significante e significado junto aos alunos da graduação em Publicidade e Propaganda, pude demonstrar um conceito referencial que, também aplicado na arte, aponta a necessidade da observação sobre a expressividade. No caso da Linguística, a representação do signo é composta por uma imagem acústica - o significante - e um conceito - o significado. Isso leva ao entendimento das unidades linguísticas, seguindo do entendimento das palavras, das sintaxes, até o entendimento das frases, textos, etc. Como exemplo dessa articulação, Saussure descreve o significante como uma face de uma folha de papel, e o verso dessa folha como o significado. Isto é, lemos o que está atrás do texto e não as letras desenhadas em sequência (SAUSSURE, 2012, p.159).

A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento é o anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro; assim tampouco, na língua, se poderia isolar o som do pensamento, ou o pensamento do som; [...]. (Ibid., p.159)

Compreendendo o sistema em que se insere a arte de cada período, ou de cada estilo, etc, procuramos “desarmar” o que está na face frontal da folha para entendermos o que está em seu verso. À escolha do artista, uma mudança de traço, por exemplo, pode provocar uma sequência de reações sensíveis. Se compreendida essa dicotomia, podemos perceber o que é do universo do artista e qual foi sua intensão ao pintar com um ou outro traço. Gombrich dá o exemplo da Galinha com pintos e do Galo novo, ambos de Pablo Picasso:

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Figura 2. “Galinha com pintos” - 1941-2 (água-forte, 36x28cm) | “Galo Novo” - 1938 (carvão sobre papel, 76x55cm) | Pablo Picasso (1881-1973)

A oposição saussuriana do significante/significado serve-nos de apoio para o entendimento do “aparato sistêmico” descrito por Gombrich (1999) e a necessidade de “entrar” na proposta artística para melhor compreendê-la.

Leituras da arte

Utilizando os apontamentos iniciais dos autores analistas e historiadores da arte, Arnheim e Gombrich, somados às ideias de oposição de Saussure, encontramos uma vivência junto à arte diferente dos demais métodos destinados ao ensino inicial e básico sobre história da arte. Podemos, com essas informações, distanciar os modelos fixos, ou rigorosos, e buscar através de análises simples o sentido e a estesia da arte com as informações que o próprio aluno de graduação se preocupará em pesquisar. Ensinando o percurso do olhar e a busca por informações, torna-se possível realizar “leituras” enriquecedoras da arte. Mais do que a tentativa de explorar o universo da arte, tendemos ao entendimento do ser compositor da arte, o indivíduo que, tal como o falante de uma língua, executa o sistema em que está inserido. Esta inserção é condicionada pela atribuição das épocas, dos movimentos, dos limites, etc, fazendo, assim, pontos de vista sobre composições significativas.

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Com a aproximação dos conceitos linguísticos de Saussure, abrimos a arte do ser ao invés de fechá-la como um conjunto de regras. Em outras palavras, não devemos tratar a arte como uma gramática, mas como um léxico, a fala viva e livre dos seres que a utilizam dentro de um sistema. Cada sistema, a ser conhecido pelo analista, é formado por ordens próprias, correspondentes a si próprias. O analista busca permanentemente os critérios que o permite reconhecer as relações de uma “fala” artística.

Embora pareça-nos estável indicar uma “convenção” artística, uma reformulação do sistema com algum fim aplicado, como códigos de trânsito, essa abordagem transformaria a arte em uma reprodução estável, limitada e sem criatividade. A placa de transito não pode ser alterada por convenção e a mesma, quando produzida, não depende de uma composição artística. Ao contrário, o que tento aplicar no curso destinado aos graduandos é o reconhecimento de variantes e invariáveis diante de uma notação artística. Esta notação é fruto de uma época ou escola de pensamento, uma coletânea de gestos, ou ainda, um alfabeto de ações que devemos apreender no momento da análise. De fato, o conceito de notação parece mais aplicável se pensarmos em sua liberdade interpretativa, uma vez que nunca foi possível a aplicação de condutas rígidas, forças extremas, que conduzissem a regularidade da língua. Por mais que exista, a própria necessidade da comunicação organiza sua aplicação executando “fugas” à regra. Conduta muito semelhante na arte, ou seja, o que se impõe ao indivíduo autor de obras de artes é o paralelo relacional com outros atuantes dessa língua/arte. A notação, talvez como na música, indica ao enunciatário o conteúdo de leitura sem mostrá-lo diretamente. Saber do que se trata uma “nota” pictórica, no caso da pintura, poderá franquear ao analista a visão do verso da folha.

A análise levará ao aprimoramento do gosto e possível entendimento do autor, porém, não devemos nos iludir sobre o total entendimento. Tão complexo quanto seu autor, a obra poderá mostrar mais do que se espera, mas dificilmente mostrará toda sua essência: talvez como um psicanalista que jamais poderá conhecer

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toda a psique de um paciente – ou ainda como previsto por Fritz Lang em sua entrevista. Com isso, devemos nos contentar com a possibilidade de interpretações e gozar o acontecimento analítico que possibilita sensações.

Referências

ARNHEIM, Rudolf. Intuição e Intelecto na arte. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

GOMBRICH, Ernst H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. 16° ed.

GOMBRICH, Ernst. Mediações sobre um cavalinho de pau. São Paulo: EDUP, 1999.

LABARTHE, André S. (Dir.). Le Dinosaure et le Bébé: dialogue en huit parties entre Fritz Lang et Jean-Luc Godard. França, 1967. 61 min. Com Fritz Lang, Jean-Luc Godard, Howard Vernon et al. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fgiBoprFZUI>.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Organizado por Charles Bally e Albert Sechehaye. São Paulo: Cultrix, 2012.

WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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