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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
Mrcia do Carmo Oliveira Frana
FORMAO ACADMICA E ATUAO PROFISSIONAL DO
PSICLOGO NO SISTEMA PRISIONAL PAULISTA
Sorocaba/SP
2007
2
Mrcia do Carmo Oliveira Frana
FORMAO ACADMICA E ATUAO PROFISSIONAL DO
PSICLOGO NO SISTEMA PRISIONAL PAULISTA
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Sorocaba, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Casadei Salles Doutor em Educao
Sorocaba/SP
2007
Mrcia do Carmo Oliveira Frana
FORMAO ACADMICA E ATUAO PROFISSIONAL DO
PSICLOGO NO SISTEMA PRISIONAL PAULISTA
Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Sorocaba.
BANCA EXAMINADORA:
Ass.__________________________________ 1 Exam.: Prof. Dr. Odair Sass Doutor em Psicologia PUC/SP
Ass.__________________________________ 2 Exam.: Prof. Dr. Eliete Jussara Nogueira Doutora em Educao UNISO
s minhas filhas,
com todo o meu amor.
AGRADECIMENTOS
Agradecer , acima de tudo, registrar o meu reconhecimento s pessoas que
direta ou indiretamente, participaram dos meus caminhos pessoais e profissionais.
Assim sendo, agradeo:
Aos meus pais, os primeiros incentivadores quando escolhi a profisso de
psicloga.
Ao Professor Doutor Fernando Casadei Salles, um orientador conselheiro,
incentivador, amigo, paciencioso e acima de tudo crtico, que proporcionou que meu
olhar pudesse ser transformado e transcrito nesse estudo.
Ao Professor Doutor Odair Sass, pelo interesse, disponibilidade e
colaborao, sem as quais eu no conseguiria a documentao necessria para
ampliar minha viso.
professora Eliete, por seu olhar acolhedor e sua fala mansa e
compreensiva.
Ao Doutor Lourival Gomes, hoje Secretrio Adjunto da Secretaria da
Administrao Penitenciria, na poca do meu ingresso no Sistema Prisional, meu
primeiro diretor, na Penitenciria Dr. Paulo Luciano de Campos, em Avar, e
primeiro professor para entender a fala do homem preso nos desafios a serem
enfrentados na atuao profissional em presdios
Ao Diretor do Centro de Deteno Provisria de Sorocaba, Mrcio Coutinho,
por seu incrvel incentivo concretizao desta dissertao.
s colegas psiclogas, por suas colaboraes nas entrevistas e no
comprometimento e cumplicidade para o trabalho no Sistema Prisional.
Ao homem-preso, com quem ao longo dos anos aprendi a reconhecer minhas
limitaes.
s minhas alunas da Universidade Paulista de Sorocaba, especialmente as
estagirias-terapeutas da disciplina de Grupos e Instituies do ano de 2006, pelo
incentivo nos momentos de cansao e desesperana.
Ao meu marido Clvis e s minhas filhas, Giselli e Cibelli, pela pacincia e
tolerncia. Em especial minha Isabelli, que, em sua pequena sabedoria, soube
entender minha ausncia e valorizar a importncia da Psicologia.
E a Deus, a quem recorro nas horas difceis, na certeza de ser sempre
acolhida.
A felicidade humana, por conseguinte,
parece no ser a finalidade do
universo, e as possibilidades de
infelicidade realizam-se mais
prontamente. Essas possibilidades
esto centralizadas em trs fontes: o
sofrimento fsico, corporal, perigos
advindos do mundo exterior e
distrbios ocasionados pelas relaes
com outros seres humanos
talvez a
fonte mais penosa de todas.
S. Freud
Resumo
O presente estudo tem como objetivo central, discutir a opinio de profissionais atuantes em presdios e penitenciarias. A questo central foi buscar compreender o quanto as universidades esto preocupadas em contemplar reas pouco expressivas de atuao, alm da conhecida atividade em consultrios e clnicas particulares. O foco no foi discutir matriz curricular, ou a prpria diversidade do campo terico da Psicologia, mas sim, ter uma viso mais abrangente, indicando novas oportunidades para a ampliao no exerccio profissional. A pesquisa adotou como procedimentos metodolgicos: a) a aplicao de entrevistas junto a cinco profissionais na cidade de Sorocaba; b) estudos de publicaes que se referem ao tema. As concluses apontam para um movimento unilateral , onde teoria e prtica correm de forma paralela, evidenciando uma forte desconexo entre os saberes transmitidos na graduao e o exerccio profissional do Psiclogo no Sistema Prisional.
Palavras-chaves: Formao do Psiclogo; Sistema Prisional; Atuao do Psiclogo;
ABSTRACT
The present study has as its main objective to discuss the basic psychologist s education in the light of its performance in prisons. The key question is to try to understand how much universities are concerned in considering fields of less acknowledged performance, besides the well known activity in clinics and other kinds of private practice. The focus of this study is not to debate the academic subjects that are studied during graduation or the diversity of the theoretical field of Psychology, but to have a wider vision, pointing new opportunities to enlarge the professional exercise. The conclusions point to a unilateral movement, where theory and practice happen side by side, putting in evidence a strong disconnection between the knowledge transmitted during graduation and the professional practice of the psychologist in the prison system.
Key-words: psychologist s education; prison system; psychologist s performance.
LISTA DE SIGLAS
Acadepen Academia Penitenciria
CDP Centro de Deteno Provisria
CFP Conselho Federal de Psicologia
Coespe Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitencirios do Estado
Conaes Comisso Nacional de Avaliao da Educao Superior
CP Cdigo Penal
CR Centro de Ressocializao
CRP Conselho Regional de Psicologia
CTC Comisso Tcnica de Classificao
DOE Dirio Oficial do Estado
EAP Escola de Administrao Penitenciria
Enade Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
Ibope Instituto Brasileiro de Opinio e Estatstica
IES Instituto de Ensino Superior
Inep Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais
LEP Lei de Execuo Penal
ONG Organizao No-Governamental
PCC Primeiro Comando da Capital
SAP Secretria de Administrao Penitenciria
SINAES Sistema Nacional de Avaliao de Educao Superior
UNISO Universidade de Sorocaba
LISTA DE IMAGENS
Tabela 1: Caracterizao do Sujeito da Pesquisa.....................................................46
Tabela 2: A Formao Profissional............................................................................48
Grfico 1: Em que local o(a) Sr.(a) exerce a atividade principal como psiclogo......23
Grfico 2: Principal rea de atuao na Psicologia....................................................24
SUMRIO
1 INTRODUO ........................................................................................................ 12
2 A PSICOLOGIA E O PSICLOGO BRASILEIRO................................................. 18 2.1 Algumas Citaes ............................................................................................. 18 2.2 A Profisso no Pas .......................................................................................... 20 2.3 Que Profissional Queremos Formar?............................................................... 25
3 O CAMINHAR DAS MINHAS EXPERINCIAS ..................................................... 31 3.1 A Instituio Prisional........................................................................................ 31 3.2 Os Caminhos da Experincia ........................................................................... 34
3.2.1 Trabalhar Fechado Possvel no se Fechar? ...................................... 34 3.3 A Prtica nos Presdios.................................................................................... 37 3.4 A Avaliao ....................................................................................................... 40
3.4.1 A Avaliao Psicolgica ............................................................................. 40
4 A PESQUISA E SEU CONTEXTO ......................................................................... 43 4.1 A Voz das Psiclogas Atuantes no Sistema Prisional Paulista........................ 43 4.1.1 A Psicologia Fora do Div, entre Grades. ..................................................... 43 4.2 O Processo de Investigao............................................................................. 45 4.3 Anlise dos Dados ............................................................................................ 47 4.4 Apresentao e Discusso ............................................................................... 48
4.4.1 A Formao Universitria Inicial e Continuada.......................................... 48 4.4.2 Status ......................................................................................................... 51 4.4.3 O Saber da Experincia A Prtica Vivida ............................................... 53 4.4.4 O Trabalho Interdisciplinar ......................................................................... 55
5. ANLISE DOS DADOS......................................................................................... 58 5.1 Anlise dos Dados ........................................................................................... 58
CONSIDERAES FINAIS ....................................................................................... 62
REFERNCIAS.......................................................................................................... 66
APNDICE ................................................................................................................. 70
ANEXO A- TRANSCRIO ENTREVISTA N1 ....................................................... 81
ANEXO B- TRANSCRIO ENTREVISTA N2 ....................................................... 90
ANEXO C- TRANSCRIO ENTREVISTA N3 ..................................................... 102
ANEXO D - TRANSCRIO ENTREVISTA N4 .................................................... 112
ANEXO E- TRANSCRIO ENTREVISTA N5...................................................... 126
ANEXO F: MAPA DAS UNIDADES ........................................................................ 137
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1 INTRODUO
O objetivo da presente investigao fazer uma avaliao da relao entre
duas Instituies fundamentais da sociedade, a Universidade (enquanto formao) e
o Sistema Prisional1, mais especificamente, o nosso interesse se circunscreve
relao das escolas de Psicologia com o Sistema Prisional, em termos de
suprimento de quadros profissionais de Psicologia.
Como se sabe esta relao marcada por inmeros desencontros e enormes
dvidas quanto ao papel da Psicologia em um Sistema Prisional do tipo que temos
em funcionamento no Estado de So Paulo.
Esta situao se agrava, na medida em que, boa parte da crise existente no
Sistema Prisional Paulista, que se expressa atravs de super lotao, motins, greves
e faces, no se localiza no funcionamento propriamente dito da Instituio
Penitenciria, mas faz parte de uma crise mais ampla da modernidade que tem na
Instituio Penitenciria um pilar fundamental do seu sistema de ordenao e
dominao, que de certa forma garanta a ordem Social, confinando as pessoas
desordenadas , violentas, marginalizadas.
Alm, portanto, de uma crise no funcionamento do Sistema , que impede que
ele se articule como uma Unidade Funcional Sistmica , temos tambm que
analis-lo do ponto de vista das grandes estruturas sociolgicas e histricas que
condicionam na sociedade, a sua prtica social.
Por esta perspectiva, o olhar para o Sistema Prisional deve se realizar por
dois ngulos distintos e complementares: como fonte infindvel de angstias,
tenses e sofrimentos humanos e, outro, como sintoma de inmeros problemas
estruturais que extrapolam os limites da sua prpria realidade, na sociedade.
No caso da presente investigao circunscrevemos o olhar apenas para o
primeiro ngulo da questo, sem ignorar que nela esto presentes os grandes
problemas estruturais existentes na sociedade que condicionam e determinam a sua
forma de ser.
Antes de mais nada, nos impe esclarecer que o recorte proposto deve-se,
exclusivamente, a uma questo pragmtica que v na abrangncia do tema uma
1 Sistema Prisional- Embora por definio Sistema , seja referncia de integrao, coerncia e consistncia em comandos e aes, utilizaremos o termo Sistema Prisional em detrimento ao termo Instituio Prisional .
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ameaa a sua prpria realizao. No se trata, pois de desconhecer a importncia
das grandes determinaes histrico-sociais na influencia das relaes que as
escolas de Psicologia estabelecem com o Sistema Prisional, mas simplesmente de
uma escolha pragmtica, que, com base no cotidiano, recorta o objeto de
investigao a partir de duas razes bsicas. A primeira pela insuficincia fsica de
tempo, a qual a pesquisa est submetida e a segunda, pelo interesse deliberado de
discutir a relao em questo, do ponto de vista mais estritamente da Psicologia, ou
seja, do campo do sofrimento humano, das tenses e angustias.
Assim sendo, o problema da presente pesquisa decorre imediatamente deste
posicionamento, que pode ser expresso por uma nica questo: em que medida os
Psiclogos devem a sua atuao profissional no Sistema Prisional a uma formao
adequada, dirigida a esta finalidade? Ou de outra maneira: a formao dos
Psiclogos oferecida nos cursos de Psicologia possibilita os Psiclogos a exercerem
sua profisso no Sistema Prisional do Estado de So Paulo?
A proposta desta investigao parte de um pressuposto bastante objetivo, que
consiste em entender que este estudo s pode acontecer no contexto das demandas
provocadas pelo Sistema Prisional, cuja caracterstica ao longo do tempo tem sido a
de definir diferentes papis para os Psiclogos vinculados ao sistema.
A forma e o contedo do trabalho do Psiclogo nas prises tm passado por
algumas modificaes, desde sua entrada para o trabalho no Sistema Prisional,
contudo nota-se que no houve grandes mudanas nos cursos de Psicologia. no
que diz respeito formao acadmica
Dessas modificaes, destacamos duas delas pela centralidade que ocupam
no exerccio das demandas feitas ao trabalho dos Psiclogos no Sistema Prisional
Paulista. A primeira diz respeito Lei n..210/842 Lei de Execuo Penal (LEP) do
Cdigo Penal Brasileiro, que segundo estudiosos do Direito Penal, s devidamente
implementados poderia vir a se constituir num instrumento eficaz do efetivo
cumprimento da pena.
2 A lei n. 7.210/84, entre outras determinaes instituiu a comisso tcnica de classificao, e o Exame Criminolgico.
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Nesta perspectiva caberia ao Psiclogo uma funo eminentemente pericial.
A segunda, refere-se Lei n.10.792/033 que deu nova redao lei de 1984,
tirando do Psiclogo o carter avaliativo de sua ao.
A LEP, ao determinar o elenco de medidas relativas assistncia social do
preso, contempla o carter social e humano do Cdigo Penal e espera que o Estado,
por intermdio de seus funcionrios, gestores e executores, efetive nas prises
metodologias que materializem o processo de reintegrao social4 o qual leve os
indivduos presos a elaborar novos projetos de vida, fora da criminalidade (Costa,
2006).
Isto implica em vrios posicionamentos dos Psiclogos, que vo desde as
necessidades de formao especificamente voltadas para esta finalidade, at a
definio poltica do trabalho proposto para ser exercido pelos Psiclogos no
Sistema Prisional.
A pergunta que se impe a fazer at que ponto h uma preocupao efetiva
das escolas de Psicologia em equacionar essas variaes no campo de trabalho do
profissional, cuja atuao se realiza no Sistema Prisional? Alm de saber tambm,
como as escolas tratam a crtica poltico-ideolgica destas instituies de onde
decorre diretamente os provveis papis profissionais passveis de serem
desempenhadas pelos futuros Psiclogos.
Neste sentido a presente investigao busca entender, atravs da
interlocuo com alguns autores crticos das chamadas Instituies Totais, em
particular, os presdios, e alguns depoimentos de Psiclogas atuantes no Sistema
3 No dia primeiro de dezembro de 2003 foi publicada no DOE a Lei n. 10.792, alterando a Lei de Execuo Penal e o Cdigo de Processo Penal, eliminando o exame criminolgico, cujos pareceres auxiliavam os juzes e promotores pblicos a manifestarem-se sobre a progresso de pena dos indivduos presos ou o julgamento de benefcios
Semi-aberto, Livramento Condicional, Indulto Presidencial, Comutao de Penas e Priso Albergue Domiciliar.
4 O termo reintegrao social usado em substituio ao termo ressocializao . O conceito de reintegrao social utilizado por Alessandro Baratta, criminolgico e penalista italiano, que defende o direito penal mnimo. Este conceito utilizado por Baratta em oposio readaptao , reeducao , reabilitao e ressocializao . Baratta defende que os profissionais das reas
tcnicas que atuam nas prises devem desenvolver estratgias para a reintegrao social dos indivduos presos. Essas estratgias no devem ter a inteno de internalizar no indivduo normas de readaptao de sua conduta no social. No deve tentar conscientizar no indivduo de que ele errou e que, portanto, deve adequar-se s normas institucionais para cumprir sua pena. Baratta adverte que os profissionais devem promover programas dentro das prises que conscientizem o indivduo daquilo que ele pode vir a realizar, daquilo que ele pode vir a ser. Conscientiz-lo de suas qualidades e de seus deveres para consigo e para com a sociedade, enquanto cidado de direito (Fonte: SAP
Caderno Anais I, 1985, p. 07).
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Prisional, qual ou quais as perspectivas formativas que norteiam a prtica
pedaggica destas Instituies.
O pressuposto bsico para a compreenso do papel das Instituies
formadoras a de que no ofeream uma formao meramente tecnicista e
generalista simplesmente, mas que possam posicionar os futuros profissionais
Psiclogos para alm das contingncias ou determinaes do mercado.
Isto implica um olhar para a dicotomia entre teoria e prtica em que se
observa o fracionamento do conhecimento recebido durante o curso, embora ele
corresponda a uma caracterstica da cincia unitria.
Partindo destas observaes a hiptese central desta investigao a de que
as mltiplas disciplinas, com diferentes conceituaes bsicas da Psicologia ou
tcnicas Psicolgicas que formam parte grade ou matriz curricular no esto
integradas de forma a oferecer ao aluno uma formao mais especifica para a sua
atuao no Sistema Prisional.
Alm de toda a problemtica no campo da cincia preciso, buscar um ponto
de vista poltico que sirva como uma espcie de definio do papel social do
trabalho exercido pelos Psiclogos no Sistema Prisional.
Comeamos salientando a complexidade desta discusso lembrando a
reflexo sobre a atuao profissional dos Psiclogos no Sistema Prisional, registrada
na Carta do Conselho Regional de Psicologia, subscrita na reunio de primeiro de
outubro de 2005, quando diz que, a figura do tcnico em Instituio Prisional,
nasceu no bojo da possibilidade de prever, controlar e adestrar o corpo social a fim
de manter o status quo e o poder socialmente estabelecido .
A viso crtica de Basaglia (1985), ocorre no mesmo sentido ao observar que
a presena dos Psiclogos nos presdios cumpre apenas a uma funo social: a de
propiciar, pelo libi da cincia a legitimao da ideologia prisional. Nunca haveria
espao para o questionamento da ordem estabelecida, a natureza da Instituio
Prisional de acordo com o tipo de sociedade, capitalista, para qual o Psiclogo
presta o seu servio impede qualquer movimento que, minimamente, coloque em
dvida sua legitimao social.
O ponto de vista de Basaglia em relao ao Sistema Prisional, deriva de sua
viso a respeito da relao norma-indivduo na sociedade capitalista.
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Para o autor o Sistema capitalista, alm de produzir um aumento dos bens
de consumo, bens que so propostos como sinais dos graus de bem estar social, produz tambm um aumento de contradies e com elas uma aumento da inadaptaes norma
(1985, p.9)
Talvez, no no extremo tratado por Basaglia, entretanto, no h dvidas
quanto necessidade do Psiclogo ao trabalhar no Sistema Prisional, preservar sua
identidade profissional, uma vez que, alm dos conhecimentos bsicos de
Psicologia, deve conhecer tambm as especificidades que dever dominar no
exerccio de sua atuao, em certa medida as leis e determinaes do Cdigo Penal
Brasileiro.
Alm, ainda destes aspectos poltico-ideolgicos contidos na crtica de
Basaglia, temos de levar em conta o processo de desumanizao que os indivduos
submetidos norma carcerria padecem.
O efeito paradoxal dos estigmas que se exige uma vida exemplar, perfeita,
para aqueles que j demonstraram a tendncia a um comportamento anormal .
Tanto o recluso como o doente mental, so desculpas perfeitas para eliminar a todos
os elementos que impedem o normal funcionamento e desenvolvimento de nossa
sociedade. (p.10)
O grupo dominante preserva a ordem pblica, o ritmo produtivo, a eficincia
de sua organizao, o funcionamento da vida antinatural que produz e impe
protegendo a quem trabalha da ameaa potencial representada pelos
marginalizados( os que no produzem, os que voluntariamente se excluem ou
involuntariamente so excludos do intercmbio social) (p.11)
Quem tem o poder sempre encontra uma maneira de legitim-la, ou pela
imposio ou atravs da humanizao
pela assistncia de um psiclogo ou
Assistente Social, embora j estejam funcionando Instituies tolerantes, onde a
doena, a inadaptao e a delinqncia podem ser controladas sem uma violncia
demasiado explcita, mas na lgica do Capital, construir novas prises significa
construir novos aprisionados, j que a finalidade fica na organizao das
necessidades e no na resposta direta s mesmas (p.13)
Para Goffman (1974), o fenmeno de prizionizao aquele em que o ser
humano sofre, vivendo em qualquer Instituio Total fechada (manicmios, prises,
conventos ou quartis), a transformao do Cdigo de valores e condutas, para
adequar-se ao universo fechado, diverso do meio social aberto. As prises, segundo
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o autor so simbolizadas pela barreira relao Social com o mundo externo e por
proibies sada, que muitas vezes esto includas no esquema fsico: portas
fechadas, muros, arame farpado, fossas, gua, etc.
Deixando provisoriamente de lado estas indagaes, que retomaremos mais
a frente, e retornando o encaminhamento prtico da pesquisa, estabelecemos duas
estratgias bsicas para obteno de dados pertinentes pesquisa. Uma de
natureza estritamente bibliogrfica dividida em duas partes, a primeira voltada para a
discusso mais estrutural da problemtica, cujos autores principais so: Franco
Basaglia, Erving Goffman, Donald Winicott, que serviram como suporte terico da
anlise.
A segunda, de carter mais especfico com nfase no mercado de trabalho e
formao dos Psiclogos, cujos autores principais so: Joo Leite Ferreira Neto,
Silvia Lane. Ana Maria Bock e Sidney Shine.
Outra estratgia utilizada constituiu em trazer para a discusso a opinio e as
convices de cinco Psiclogas atuantes no Sistema Prisional na cidade de
Sorocaba. Estas opinies e convices foram obtidas atravs de entrevistas semi-
abertas.
Por fim, a estruturao do trabalho foi feita com base em dois captulos,
seguida de uma parte exclusivamente reservada para as consideraes finais da
pesquisa. No primeiro captulo o foco se volta para a discusso do Psiclogo, desde
a sua formao acadmica at o exerccio de sua profisso. Quais as diretrizes e
normas que regem a graduao em Psicologia? Cabe ressaltar que tem um espao
especial que faz meno s normas e diretrizes para os cursos de Psicologia.
No segundo capitulo, descrevo sem maiores pretenses, a presena do
Psiclogo no Sistema Prisional, destacando trs aspectos de sua atuao. Em
primeiro lugar dando nfase ao instrumental tcnico colocado sua disposio,
principalmente no que diz respeito ao seu papel de avaliador, em segundo lugar ao
seu papel como elaborador de laudos periciais e por ltimo, sua atuao ps-
destituio das CTCs, ocorridas no ano de 2003.
Em seguida fecho a exposio respondendo a pergunta que me fiz no incio
da investigao: Em que medida a formao oferecida nos Cursos de Psicologia
habilita os Psiclogos a exercer sua profisso nos Estabelecimentos Penitencirios
do Estado de So Paulo?
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2 A PSICOLOGIA E O PSICLOGO BRASILEIRO
O psiclogo basear o seu trabalho no respeito e na promoo da liberdade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declarao Universal dos Direitos Humanos.
Campanha Nacional dos Direitos Humanos
2.1 Algumas Citaes
A profisso de psiclogo foi regulamentada pela Lei n. 4119, de 27 de agosto
de 1962, que tambm dispe sobre os cursos de formao em Psicologia. At 1974,
o exerccio da profisso exigia o registro prvio no Ministrio da Educao e Cultura.
Em 1971, a Lei n. 5766 criou o Conselho Federal de Psicologia e os
correspondentes Conselhos Regionais, com o objetivo de fiscalizar o exerccio
profissional.
Em 17 de outubro de 1992, o Conselho Federal de Psicologia, enviou ao
Ministrio do Trabalho a seguinte contribuio sobre as Atribuies do Psiclogo no
Brasil5:
Segundo esse documento compete aos psiclogos :
Proceder ao estudo e anlise dos processos e das relaes interpessoais, possibilitando a compreenso do comportamento humano individual e de grupo, no mbito das instituies de vrias naturezas, onde quer que se dem estas relaes. Em seguida a descrio se volta para o campo da atuao do psiclogo dentro de suas especificidades profissionais:, atua no mbito de educao, sade, lazer, trabalho, segurana, justia, comunidades e comunicao com o objetivo de promover, em seu trabalho, o respeito dignidade e integridade do ser humano. Para na continuidade descrever a forma como psiclogo pode contribuir para a produo do conhecimento cientfico da psicologia atravs da observao, descrio e anlise dos processos de desenvolvimento.
5 Associao Brasileira de Psicologia. Disponvel em: http://www.abrapso.com.br. Acesso em: 20/09/2006
http://www.abrapso.com.br
19
inteligncia, aprendizagem, personalidade e outros aspectos hereditrios, ambientais e psicossociais sobre os sujeitos na sua dinmica intrapsquica e nas suas relaes sociais. Por fim, a descrio do Conselho Federal de Psicologia finaliza para os espaos fsico-instituicionais para o psiclogo exercer a sua profisso. Comea destacando que o psiclogo pode exercer sua profisso individualmente ou fazendo parte de equipes multi-disciplinares, em instituies privadas ou pblicas, em organizaes sociais, formais ou informais.
Dentre as possibilidades de atuao, o Conselho Federal de Psicologia6
especifica e define: Psiclogo Clnico, Psiclogo do Trabalho, Psiclogo do Trnsito,
Psiclogo Educacional, Psiclogo Jurdico, Psiclogo do Esporte, Psiclogo Social,
Professor de Psicologia (Ensino Fundamental II e Ensino Superior).
Como no caso da presente investigao s nos interessa tratar de uma
determinada rea de atuao, que a do psiclogo jurdico, vamos nos concentrar
exclusivamente nos aspectos que circunscrevem a sua atuao profissional.
Inicialmente, portanto, cabe verificar como o Conselho Federal de Psicologia
define a atuao do psiclogo jurdico:
Atua no mbito da justia, nas instituies governamentais e no-governamentais, colaborando no planejamento e execuo das polticas da cidadania, direitos humanos e preveno da violncia. Para tanto, sua atuao centrada na orientao de dado psicolgico repassado no s para os juristas como tambm aos sujeitos que carecem de tal interveno. Constitui para a formao, revises e interpretao das leis.
A deliberao do Conselho descreve as mincias na regulamentao de suas
atribuies, das quais destacamos:
Avaliao intelectual e emocional das crianas, adolescentes e adultos em conexo com processos jurdicos.
Atua como perito judicial nas Varas Civis, Criminais, Justia do Trabalho, da Famlia, da Criana e do Adolescente, elaborando laudos, pareceres e percias a serem anexadas aos processos.
Elabora laudos, relatrios e pareceres, colaborando no s com a ordem jurdica, como com o indivduo envolvido com a justia, atravs da avaliao da personalidade destes e fornecendo subsdios ao processo judicial.
Como se pode observar, a deliberao do Conselho delimita a prtica do
trabalho do Psiclogo, em uma base estritamente cientifica, ora como avaliador
tcnico, ora como perito elaborando laudos e pareceres.
6 Disponvel em: http://www.pol.org.br
http://www.pol.org.br
20
O que no se pode deixar de observar, que muito embora a ao do
psiclogo esteja fundamentada parte em concluses cientificas, por outra,
fundamenta-se na expectativa que a sociedade tem do papel que ele, profissional,
tem a desempenhar.
Segundo Ferreira Neto (2004), a psicologia no Brasil como profisso prtica
jovem, com quarenta e quatro anos completos. Durante esse perodo enfrentou
alguns impasses no mbito da atuao e da formao; o destaque inicial a
segunda metade da dcada de 1970, quando ocorre a emergncia de um conjunto
de acontecimentos polticos, econmicos, sociais e subjetivos, no perodo que
antecede abertura democrtica, colocando em xeque, entre tantas outras coisas, o
saber e o fazer dos psiclogos.
Muito embora a psicologia seja de certa forma uma profisso jovem no
Brasil, o que nos interessa saber em que medida a profisso se mostra atenta s
solicitaes sociais e o quanto caminha, como se expande e se diversifica para
atender s demandas e necessidades da sociedade.
Certamente no se pretende exacerbar a importncia da profisso do
psiclogo, mas, na verdade, reafirmar a necessidade de atualizao e alcance da
profisso, pois imperativa a reflexo e sistematizao do conhecimento gerado
com base em novas polticas.
Cabe ressaltar que, para o exerccio da profisso, exigido o registro no
Conselho Regional de Psicologia em cuja jurisdio esteja indicado o local de
atuao do psiclogo.
2.2 A Profisso no Pas
A cultura profissional do psiclogo j tem parte de sua histria registrada em
alguns trabalhos, como se observa em Massimi (1990) e o prprio Conselho Federal
de Psicologia (1998), que se ocuparam em divulgar a histria da Psicologia desde as
suas primeiras manifestaes quando comeava a separar o seu destino da
filosofia, at o incio do sculo XX. Alguns relatos histricos, mais voltados para a
realidade brasileira, podem ser encontrados em autores, como Dimenstein que
apresenta descrio e anlises detalhadas e bem delineadas de eventos histricos e
institucionais do final da dcada de 1970 at a dcada de 1980 no Pas e suas
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relaes com a entrada do psiclogo no mercado de trabalho do Servio Pblico.
Outro relato bastante detalhado da histria da formao profissional no Brasil pode
ser encontrado em Bock (1999), em que a autora nos apresenta uma descrio de
acontecimentos polticos e sociais que estiveram presentes desde a dcada de 1970
at meados de 1990, fazendo minuciosa discrio e avaliao, ano a ano, dos
movimentos de vrios segmentos da categoria profissional dos psiclogos, que,
segundo seu ponto de vista, resultaram numa transformao positiva da profisso.
Ainda, segundo Dimenstein, no final da dcada de 1970 comea o movimento
de abertura de mercado para as Instituies Pblicas, com o aumento de psiclogos
inseridos nesse contexto trabalhista. Esse movimento expandiu-se muito lentamente
nos anos seguintes, sendo ainda o nmero de profissionais pouco expressivos,
comparado a outras categorias profissionais de sade e outras reas de atuao
dos psiclogos. Assim, podemos entender que as polticas pblicas de sade do
final dos anos 1970 e na dcada de 1980 mais a crise econmica dos anos 1980,
levaram ao afastamento da clientela dos servios privados.
O modelo prevalente de formao em Psicologia at os anos de 1980 foi
calcado na noo de reas de atuao. Desde 1962, quando a profisso de
psiclogo foi regulamentada no Brasil, o ensino e a prtica em Psicologia foram
demarcados em trs grandes reas de atuao: a rea clnica, a rea escolar e a
rea industrial. Alguns cursos chegaram a oferecer ao aluno do ltimo ano de
formao (quinto ano) a possibilidade de optar, preferencialmente, por uma dessas
trs reas. Ressaltando que dentre as trs reas, a clnica estabeleceu-se como a
mais nobre e de maior preferncia entre os recm-formados (FERREIRA NETO,
2004). Cabe ressaltar o que Lo Bianco (apud FERREIRA NETO, 2004) denominou
Concepo Clssica de Psicologia Clnica: Engloba as atividades de psicoterapia
e/ou psicodiagnstico exercida em consultrios particulares por profissionais liberais,
tendo um enforque terico-tcnico intra-individual.
importante acrescentar, que a clinica psi 7 tem hoje, um carter plural
sendo praticada em outros contextos de maneiras variadas, mais ainda sim voltada
a atividade privada ou particular.
A dcada de 1980 foi marcada pela intensificao do intercmbio entre os
profissionais e pela discusso terica das prticas e metodologia utilizadas. A
7 Campo psi termo utilizado para caracterizar um campo aberto, que abriga diferentes correntes terico conceitual.
22
dcada de 1990 amanheceu com a populao brasileira aumentando,
empobrecendo e envelhecendo, avanando democraticamente e criando instituies
de defesa dos direitos da cidadania, das crianas e adolescentes, do idoso, das
minorias e de proteo do meio ambiente. Se por um lado as prticas polticas dos
movimentos sociais geraram transformaes nas Instituies brasileiras, exigindo a
consolidao de prticas psicossociais junto s populaes que no tinham, at
ento, acesso a esse tipo de servio, demandando novas formas de trabalho, por
outro lado a prpria atuao dos Psiclogos Sociais dentro das comunidades e dos
movimentos sociais contribuiu na busca de transformaes das Instituies. Tais
transformaes, consolidando as prticas iniciadas nas dcadas de 1970 e 1980,
passaram a demandar uma atuao mais elaborada dos profissionais da rea
(PSICLOGO BRASILEIRO, 1994, CFP, p. 254).
Numa extensa pesquisa realizada em 1987 pelo Conselho Federal de
Psicologia, encontrou-se que 55,3% dos profissionais em atividade no pas tinham
preferncia pela rea clnica. Os dados indicaram praticamente uma identificao
entre e psicologia e a clnica dentro do modelo liberal privado.
Outro autor que nos trs importantes contribuies acerca da anlise da
insero profissional do psiclogo no Brasil Odair Sass (1988) que aps extensa
pesquisa, chega concluso de que as atividades dos psiclogos so colocadas na
seguinte ordem de preferncia: clnica (consultrio), indstria (organizacional),
educacional (escola bsica e de ensino superior), sendo o consultrio, de longe, o
principal local de trabalho do psiclogo. O estudo descreve a conhecida tendncia
hegemnica da atuao profissional do psiclogo no sentido privatista, clnico e
individualizante.
Ainda na dcada de 1990, a discusso sobre a necessidade de o psiclogo
assumir compromissos sociais fica evidenciada pelos Conselhos Federais e
Regionais que tomam iniciativas, propondo reflexes acerca do compromisso social
de Psicologia, tome-se como exemplo a luta antimanicomial.
Como se pode observar, tanto a pesquisa realizada pelo CFP quanto as
contribuies trazidas pelas pesquisas de Sass chegam mesma concluso em
relao s preferncias profissionais dos psiclogos pela clnica (consultrio).
Interessante acrescentar que, em maro de 2004, o Conselho Federal de
Psicologia encomendou uma pesquisa ao Ibope, para qual foram entrevistados dois
mil psiclogos, visando levantar opinies sobre a revista Psicologia: Cincia e
23
Profisso, bem como saber sobre o exerccio da profisso de psiclogo, junto aos
psiclogos inscritos no Conselho Regional de Psicologia (grfico 1). Entre os
quesitos abordados, considerei importante apresentar alguns dados coletados, como
os exemplos abaixo:
Grfico 1 Em que local o (a) Sr.(a) exerce a atividade principal como psiclogo?
24
Grfico 2
Principal rea de atuao na psicologia8 (somente para quem exerce a
profisso)
Como podemos constatar, , ainda hoje, a rea clnica a atuao que melhor
representa a escolha dos psiclogos para exercer sua atividade profissional, com
55% dos psiclogos atuando em atendimento clinico. Assim sendo, consideramos
necessrio que se discuta com os psiclogos, especialmente os que esto em
formao, acerca do compromisso social que a cincia carrega. Ora, estamos numa
era de transformaes e incertezas, a populao brasileira sofre com as mudanas
sociais e econmicas que se impe, j no possvel se pensar apenas em formas
individuais de sofrimento psquico, as condies sociais so desiguais, injustas, at
cruis. A interveno psicolgica pode ser mais ampla, onde a prtica atravesse o
modelo mdico-paciente e chegue comunidade carente de conhecimento e
atitudes comprometidas.
O psiclogo precisa comprometer-se socialmente, inquietar-se, incomodar-se,
no aceitar o pronto e acabado, seno podemos dizer que a formao falhou, no
atentou para essa realidade preocupante, sria e triste.
Segundo Ferreira Neto (2004):
8 Disponvel no site: http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/Pesquisa_IBOPE.pdf. Acesso 14/07/2006
http://www.pol.org.br/publicacoes/pdf/Pesquisa_IBOPE.pdf
25
A preocupao com as distores no mbito da formao do psiclogo no Brasil uma constante no correr dos anos. Alguns elementos so sempre reincidentes, tais como a hegemonia de uma nfase clnica voltada para as camadas mdias e altas da populao com o conseqente afastamento da maioria da populao brasileira e a desvinculao entre a formao e a realidade brasileira (p. 116).
com base, portanto, em um conjunto de eventos que se dar a
desmontagem de um modelo hegemnico de clnica e a construo de novas
modalidades do fazer clnico, sob pena de manter-se o distanciamento da
necessidade real da populao e a manuteno elitizada e mope dos saberes
psicolgicos.
2.3 Que Profissional Queremos Formar?
Logo no incio deste subttulo destaco uma passagem do prefcio do livro de
Ferreira Neto (2004):
de fundamental importncia que as Instituies formadoras assumam uma postura crtica em relao s contingncias de um mercado cada dia mais globalizado e s exigncias colocadas pelo Ministrio da Educao, a includos a reformulao dos currculos e a aplicao do Provo . As instituies de ensino no podem se contentar em oferecer uma formao meramente tecnicista.
O autor alerta para a assustadora autorizao do MEC para a abertura de
cursos de Psicologia no Brasil, o que implica nos rumos do ensino de psicologia
acelerados pela onda mercantilista, em que a formao e as necessidades da
sociedade brasileira so preteridas em relao ao mercado, alm claro da
necessidade da manuteno do rigor cientifico para o aprendizado, assim como para
a diverso tica.
Assim sendo, necessrio tanto discutir o papel da psicologia nos presdios
quanto a funo e a atuao dos profissionais, bem como as demandas da formao
existentes atualmente, que certamente devem promover, desenvolver e incentivar a
capacitao tcnica psicolgica, promovendo a ampliao dos campos de
conhecimento para no s humanizar como comprometer-se tica e politicamente.
26
Por isso, uma formao em psicologia que vise o perfil de um profissional
tcnico, capaz de responder adequadamente a diversos tipos de demandas, deve
ser vista com reservas. Em especial por correr o risco de uma nova e indesejvel
dissociao entre a clnica e poltica. Uma atuao que no toma a demanda social
e poltica da sociedade como objeto de um trabalho crtico presta um desservio
psicologia como profisso.
Lembrar Neto (2004), um profissional com formao tecnicista pode at
atender bem, mas no criativo, e nem reflexivo. A capacidade crtica no se
configura num luxo suprfluo. ela que facilita ao profissional articular o como fazer
ao porque fazer .
Pesquisas, estudos e sucessivas reformas de currculo se iniciaram na
dcada de 1970 (apenas dez anos aps a regulamentao da profisso) e
intensificaram-se na dcada seguinte. Essa tendncia mantm-se at o final dos
anos de 1990, em decorrncia de um novo fator: o processo de Avaliao Nacional
de Cursos, organizado pelo Ministrio da Educao. Cabe lembrar que, no ano de
2006, ocorreu o Enade, que detalharei logo mais!
Na formao do psiclogo, dada a diversidade terica e metodolgica da
psicologia, fazem-se necessrios a pesquisa, a extenso e o ensino reflexivo crtico
e engajado.
Segundo Del Prette & Del Prette, o crescimento da populao universitria
engrossa a lista (no muito extensa) de realizaes da gesto administrativa
1995/2002 do Ministrio da Educao. De fato, o nmero de vagas preenchidas no
ensino superior aumentou consideravelmente nos ltimos anos. No entanto, os
problemas referentes formao universitria tambm aumentaram. Atualizao de
referncias (livros e peridicos), de equipamentos didticos e de laboratrio, cursos
de preparao e reciclagem do corpo docente, treinamento de pessoal especializado
(atividade meio), material de consumo, tudo isso faz parte do rol de problemas
imediatos, mesmos nas melhores universidades do pas.
Alm destas questes, continuam os autores, h uma outra que faz parte das
discusses que permeiam a sociedade como um todo e os meios de comunicao
em geral: trata-se da qualidade da atuao profissional, que remete s crticas e
cobranas cada vez mais contundentes sobre a qualidade do ensino. (Estudante
Universitrio p. 105).
27
O questionamento sobre a atuao profissional usualmente direcionado
para: a) a qualidade tcnica para o exerccio da profisso em si mesma, b) o
compromisso tico inerente atividade profissional e c) a forma como o profissional
constri e consolida sua relao com aqueles (clientes e colegas) com quem
trabalha.
Na Psicologia, o Ministrio da Educao recorreu a entidades representativas
das vrias posies acadmicas e profissionais, bem como aos rgos de classe.
Estes especialistas, em trabalho conjunto, elaboraram as diretrizes, homologadas,
finalmente, no ano de 20049.
Desde a publicao da lei, em 12 de abril de 2004, s Instituies de ensino
foi dado o prazo de dois anos para a reformulao de seus projetos pedaggicos.
Respeitadas as peculiaridades prprias e regionais, as instituies de ensino
constroem o seu projeto de curso, sendo livres para definir, com base no ncleo
comum de formao, nfases curriculares que circunscrevem os conjuntos de
conhecimentos a serem adquiridos pelos formandos.
Nas diretrizes curriculares para os cursos de graduao em Psicologia,
enquanto campo de conhecimento e atuao, o objetivo a configurao de certos
perfis que do identidade a um curso de Psicologia.
Uma vez implementado o projeto pedaggico, as instituies devem prever
tambm procedimentos de auto-avaliao peridicos, dos quais devem resultar
informaes teis para o contnuo aprimoramento do curso.
O Sinaes, estabelecido pela Lei n. 10.861 de 2004, fundamenta-se na
necessidade de promover a melhoria da Educao Superior, a orientao da
expanso de sua oferta, o aumento permanente da sua eficcia institucional, da sua
efetividade acadmica e social, e, especialmente, do aprofundamento dos
compromissos e responsabilidades sociais.
9 O Dirio Oficial da Unio publicou, no dia 18 de maio de 2004, a resoluo CNE n. 8 de 7 de maio de 2004, que instituiu as diretrizes curriculares para os cursos de Psicologia. Estas so apresentadas como fruto de uma negociao entre dois grupos: a Comisso de Especialistas e o Frum de Entidades. As modificaes no so muitas. De fundamental, prevaleceram as reivindicaes preconizadas pelo Frum de Entidades quanto terminalidade nica do curso de psicologia e o conseqente fim das trs terminalidades at ento oferecidas (Bacharelado, Licenciatura e Formao do Psiclogo), alm da exigncia de que os cursos ofeream, pelo menos, duas nfases curriculares, facultando ao aluno possibilidade de escolha. O texto final ficou, portanto, mais enxuto, ainda que conserve grande parte da redao da proposta anterior.
28
A proposta atual de transformao do Ensino Superior apia-se em princpios
educacionais que se traduzem por um modelo sustentado em dois pontos: diretrizes
curriculares e avaliao.
O Sinaes integra trs modalidades principais de instrumentos de avaliao,
com aplicao em diferentes momentos:
Avaliao das Instituies de Educao Superior (Avalies)
o centro de
referncia e articulao do Sistema de Avaliao, que se desenvolve em duas
etapas principais: a) auto-avaliao, coordenada pela Comisso Prpria de
Avaliao (CPA) de cada Instituto de Ensino Superior (IES); b) avaliao externa,
por comisses designadas pelo Inep, segundo diretrizes pela Conaes.
Avaliao dos cursos, procurando identificar condies de ensino, perfil do
corpo docente, instalaes organizao didtica pedaggica.
Avaliao do desempenho dos estudantes (Enade,10 2006), que
componente curricular obrigatrio dos Cursos de Graduao, conforme o artigo 5,
da Lei n. 10.861 de 14/04/2004, na rea de Psicologia, e tem por objetivos:
a) avaliar o processo de formao do psiclogo, no que diz respeito ao
desenvolvimento das competncias, habilidades e conhecimentos necessrios ao
futuro profissional, em consonncia com os princpios e compromissos explicados
nas Diretrizes Curriculares;
b) mapear, por intermdio do desempenho dos estudantes, em que medida a
formao bsica em psicologia est sendo adequadamente desenvolvida pelos
cursos de graduao em Psicologia no pas;
c) caracterizar o perfil scio-econmico dos estudantes e investigar fatores
individuais, institucionais e do prprio curso, associados ao desenvolvimento das
competncias, habilidades e conhecimento.
A prova do Enade, que ocorreu no ano de 2006 e foi aplicada aos alunos do
primeiro e ltimo ano dos cursos de Psicologia, tomou como referncia o perfil do
profissional de psicologia descrito com base no conjunto a habilidades que definem
o ncleo comum da formao em Psicologia.
bem vindo um cuidado com a profisso, e que haja posicionamentos e
questionamentos em relao prxis psicolgica. Prtica essa que, espera-se, se
10 Enade O resultado do Enade est previsto para ser divulgado em meados de maio. A participao do ENADE condio fundamental para a concluso do Curso Superior. A falta do aluno implica sua no colao de grau.
29
inicie na formao, nos bancos das universidades, local propcio para anlises e
discusses acerca da atuao dos psiclogos.
inegvel a existncia de uma crescente diversificao dos campos de
atuao do psiclogo, e h certo consenso de que no fcil abrir mo do modelo
de atuao clnica (liberal, tradicional), principalmente porque, no ensino e na cultura
universitria, ainda predomina o modelo voltado ao atendimento em consultrio.
Analisando uma afirmao de Mello (1983), que nos parece extremamente
relevante:
De um lado, [temos] instituies cuja orientao pragmtica habilita preparao de profissionais, e que contribuem decisivamente para a instalao da psicologia aplicada no Brasil. De outro, instituies no voltadas para a aplicao imediata, mas que no conseguem realizar plenamente sua vocao cientfica . (p.38)
A autora aponta para a dissociao entre teoria e prtica, assim como para a
importncia do ensino superior para formar profissionais que prestaro servios
comunidade. Porm, verifica que tal importncia no se limita ao ensino superior no
contexto social mais amplo, a fim de investigar, ai, suas funes.
sabido que uma das principais crticas dirigidas formao e ao exerccio
da profisso refere-se ao descompasso entre as aes e os conhecimentos que lhes
do sustentao. H uma precariedade no campo de pesquisa, da teorizao, e uma
conseqente lacuna no mercado editorial, que prioritariamente dominado por
ttulos estrangeiros, que no contemplam nossa realidade.
Desde que entendamos a psicologia articulada a uma materialidade, desde
que no queramos fragmentar subjetividade e objetividade, h de se enfatizar a
importncia do contexto no qual se produzem os fenmenos psicolgicos.
Percebemos, no entanto, que tal descompasso tem histria, e que, segundo Mello,
esta se relaciona tradio colonialista. Esta tradio, de certa forma, persiste ainda
hoje, mesmo que na verso ps-moderna da globalizao e do neoliberalismo.
Outra vertente atravs da qual Mello discutiu a relao terica e prtica diz
respeito problemtica da demanda. Segundo a autora, ela est intrinsecamente
ligada aos interesses de reparties estatais, paraestatais e das empresas privadas.
Assim sendo, a despeito de uma srie de mudanas (no nvel das prticas,
das teorias, da psicologia e do pais), no cenrio acadmico e profissional, ainda se
tem propostas de reforma, vinculadas aos interesses da educao, entretanto,
30
voltadas a atender aos interesses empresariais, multinacionais, neoliberais e
globais.
A formao de psiclogos no se restringe mera aplicao de
conhecimentos tericos e tcnicos. Ao se falar sobre formao, referimo-nos
processos de subjetivao que implicam modos de ser, de se relacionar com o
mundo, com o outro e consigo mesmo.
Cuidar da formao, portanto mais do que instrumentalizar o aluno e
informa-lo sobre teorias e tcnicas, sendo um sujeito social, suas intervenes,
mesmo que sejam voltadas a um nico indivduo, sempre sero sociais. Sempre
provocaro conseqncias e efeitos, quase sempre invisveis. imperativo que a
formao do psiclogo se preocupe em formar um profissional permanentemente
inquieto, atento aos movimentos sociais e s demandas da populao, que ele aluno
se veja um agente de mudanas e pense suas intervenes dentro de uma
dimenso tica.
31
3 O CAMINHAR DAS MINHAS EXPERINCIAS
As instituies totais se constituem uma grave ameaa ao eu .
EIrving Goffman
3.1 A Instituio Prisional
Para Goffman (1974) a priso uma Instituio Total, que possui carter
punitivo e correcional, podendo gerar um atributo estigmatizante aos homens e
mulheres presos; isto : a priso gera em seus internos, ou at mesmo ex-detentos,
uma situao de inabilidade para a aceitao social plena. Segundo o autor, tal
estigma estende-se alm do indivduo estigmatizado para a pessoa que se relaciona
com outra estigmatizada (como os presidirios), a estrutura social (com filiao)
possibilita que a sociedade considere ambos uma s pessoa. O aspecto central das
Instituies Totais pode ser descrito como a ruptura das barreiras que comumente
separam as trs esferas da vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida so
realizados no mesmo local e sob uma nica autoridade. Em segundo lugar, cada
fase da atividade diria do participante realizada na companhia imediata de um
grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma
e obrigadas a fazer as mesmas coisas, em conjunto. Em terceiro lugar, todas as
atividades dirias so rigorosamente estabelecidas em horrios pr-determinados.
O autor sintetiza bem esta instituio, considerando que o encarceramento
produz srios e indesejveis problemas sociais, sendo a reincidncia um dos mais
graves, pois, alm da pena de privao de liberdade, a priso lana o sujeito ao
mundo do crime, obrigando-o a uma violenta rotina institucional, concretizado pela
violncia psicolgica reproduzida pelos agentes institucionais.
Ainda segundo o autor, quando o indivduo chega a uma Instituio Total, ele
possui uma conscincia de si desenvolvida pelo mundo externo. Essa conscincia
constantemente exposta s prticas institucionais de rebaixamento, degradaes,
humilhaes e profanaes do eu (GOFFMAN, 1974). O novato ter seu eu
sistematicamente, embora muitas vezes no intencionalmente, modificado.
32
Esse processo denominado pelo autor de mutilao do eu , intensificado
pela desconfigurao pessoal imposta pela instituio, como corte de cabelo e uso
de uniformes padronizados. Se a mutilao do eu, nos termos de Goffman,
corresponde a uma falsa conscincia de si modificada, a rotina diria imposta, a
tenso psicolgica, a submisso forada certamente exigir do indivduo uma
reorganizao do seu eu para adaptar-se e sobreviver no interior da instituio, sem
a constante ameaa de ser aniquilado.
O controle o fator bsico que norteia e permeia as Instituies Totais. As
prises so simbolizadas pela barreira relao social com o mundo externo e por
proibies sada, o que muitas vezes est includo no esquema fsico: portas
fechadas, muro, arame farpado, fossas, guas etc.
Na sociedade civil, quando um indivduo precisa acertar circunstncias e
ordens que ultrajem sua concepo do eu , tem certa margem de expresso, de
reao para salvar as aparncias: mau humor, omisso de sinais comuns de
deferncia, palavres, resmungos, ironia e sarcasmo. Na Instituio Total exigida
obedincia, at mesmo na forma postural (cabea baixa, mos para trs, falar baixo
etc.), sob pena de perder alguns privilgios (visita de familiares, sada ao sol etc.).
Nas Instituies Totais, ainda segundo Goffman, a exposio das relaes
das pessoas pode ocorrer em formas ainda mais drsticas, pois pode haver
ocasies em que o indivduo testemunha um ataque fsico a algum com quem tem
ligaes e sofre a mortificao permanente de nada ter feito (e os outros saberem
que nada fez) (p. 38).
Outro autor que discute os efeitos segregantes da Instituio Total Franco
Basaglia, que afirma:
[...] no aspecto especfico da recluso, incluindo tanto o manicomial como o carcerrio, desde o tempo da barca dos loucos (que navegava deriva pelos mares com sua carga monstruosa e indesejvel), a cincia e a civilizao no parece que tenham conseguido outra coisa, alm de uma ancoragem mais potente para esta ilha de excluso e de recluso, na qual a inadaptao doente e a inadaptao sadia ( culpvel e responsvel , ou seja, delinqncia ), encontram o seu lugar. Para o homem moralmente desviado: a priso; para o homem doente do esprito: o manicmio. Esta , segundo o autor, a grande conquista da Cincia (1985 p 03).
Desse modo, apesar da separao ideolgica das duas entidades abstratas
(delinqncia e enfermidade), cada uma com sua prpria instituio especfica,
permanecem praticamente inalteradas a estreita relao de ambas com a ordem
33
pblica, j que tanto uma, quanto outra Instituio mantm inalteradas as funes de
tutela e defesa.
Vale ressaltar que Basaglia faz a leitura da organizao institucional a partir
da estrutura econmica, mostrando-nos:
Com o nascimento da era industrial a relao j no se estabeleceu entre o homem e a sociedade humana e sim entre e a produo, o que cria um novo uso descriminante de cada elemento (anormalidade, enfermidade, inadaptao etc.) em relao a sua possibilidade de obstacularizar o ritmo produtivo (BASAGLIA, 1985, p. 07).
Para o autor, o prisioneiro paga por uma falta cometida em detrimento da
sociedade, o enfermo paga por uma falta no cometida, e o preo to
desproporcional falta que chega a faz-lo viver em dupla forma de alienao,
derivada da total incompreenso e incompreensibilidade da situao que se v
obrigado a viver (p. 08).
Continua o autor, se a finalidade reabilitadora de ambas as instituies fosse
real, haveria detentos e internados reabilitados e felizmente reincorporados ao
conjunto social.
Nesse contexto, na viso de Basaglia, a doena ou a delinqncia so
construes do homem, mas tambm um produto histrico social, e, continuam
fazendo sofrer as conseqncias, sob acobertamentos cientficos variados, queles
que so inocentes, como se tratasse sempre de uma culpa individual. O que importa
descobrir rapidamente o diferente e isol-lo, para confirmar que ele doente e ns
no (os sadios, os bons cidados), ou seja,assim isolamos as contradies e
mantemos a estrutura da nossa organizao.
Cabe dizer que, para Basaglia, se o desejo o de verdadeiramente encarar o
problema da marginalizao e da inadaptao, deve-se estud-los em relao
estrutura social, diviso antinatural sobre a qual tal estrutura apia-se, e no como
fenmenos isolados, simples anomalias individuais, das quais certa porcentagem da
populao tem a desgraa de ser sujeito (p. 29).
indiscutvel as contribuies de Goffman e Basaglia para a compreenso
das Instituies, sobretudo das prises. Apesar dos posicionamentos, a rigor, no
serem absolutamente idnticos tm, no entanto, em comum as mesmas
compreenses sobre as polaridades que regem o funcionamento das prises.
34
Nem sempre, as idias de Goffman e Basaglia ficam claras a qualquer pessoa
que no tenha envolvimento direto com o funcionamento concreto das prises. Mas
para aqueles que convivem funcional e profissionalmente com a realidade das
Instituies criticadas pelos autores, elas so facilmente compreensveis.
Essas idias oriundas de uma outra realidade socioeconmica cultural, ou
seja, de pases desenvolvidos chegam ao Brasil encontrando um Sistema Prisional
irracional onde aproximadamente 250 mil pessoas, de ambos os gneros,
estabelecem relaes sociais
no sociais
uma prova evidente da importncia
destas polaridades para a compreenso do papel que estas instituies cumprem
em uma sociedade como a brasileira, pobre e construda sob uma base de profunda
injustia social.
Cabe dizer, que quase metade desta irracionalidade espalhada pelo Brasil,
encontra-se no Sistema Penitencirio do Estado de So Paulo, distribudas pelos
145 estabelecimentos prisionais sob o comando da SAP11.
3.2 Os Caminhos da Experincia
3.2.1 Trabalhar Fechado Possvel no se Fechar?
O presente captulo apresenta experincias que me fizeram psicloga
jurdica e me permitiram, em diferentes momentos da minha vida profissional, fazer
indagaes relacionadas atuao e formao dos psiclogos para o trabalho no
Sistema Prisional . Afinal, importante que se reflita sobre essa atuao, no intuito
de buscar referenciais para uma prtica profissional comprometida e qualificada
socialmente.
Trabalho no Sistema Prisional h 22 anos, com vivncia em trs distintas
Unidades Prisionais: Penitenciria Dr. Paulo Luciano de Campos (Avar),
Penitenciria Dr. Antnio de Souza Neto (Sorocaba) e Centro de Deteno
Provisria (Sorocaba), em contato com uma populao exclusivamente masculina e
todos, permanecem reclusos at receberem algum tipo de benefcio judicial.
Para ingressar na Secretria de Administrao Penitenciria, antiga Coespe,
participei em 1985 de um processo seletivo (concurso), fui admitida em 09 de janeiro
11 Disponvel em: http:// www.admpenitenciaria.sp.gov.br. Acesso em 23/10/2006.
http://www.admpenitenciaria.sp.gov.br
35
de 1986 e assumi a Funo-Atividade de Psicloga em 07 de fevereiro de 1986,
motivada na poca pela satisfatria proposta salarial. Existam apenas quinze
Unidades Prisionais que, at maro de 1991, eram de responsabilidade da
Secretria da Justia.
Lembro-me, como se fosse hoje, a indescritvel sensao ao perpassar pela
primeira vez as muralhas de um presdio. Um misto de curiosidade e medo, e,
internamente, um questionamento crucial: o que ser que vou fazer aqui? Onde e
como vou atuar? Qual o papel que esperam que eu desempenhe? Questes que
ainda hoje me perseguem!
Minha formao, h 24 anos atrs, enfatizou a relao bi-pessoal, sendo o
objetivo maior abordar a subjetividade humana, focando angstias, conflitos,
depresses, fobias, etc. Nada portanto que me conduzisse ao atendimento
comunitrio ou social.
Formei-me para o exerccio de uma profissional liberal, o estgio prtico de
500 horas, foi todo ele feito com nfase no atendimento clnico.
Quando, portanto, adentrei um presdio, na condio de psicloga concursada
que fui perceber a dimenso de meu desconhecimento sobre a atuao prtica a
ser desenvolvida.
Movia-me a mais sincera ingenuidade de que a minha formao clnica
estaria a altura do desafio que pelas circunstncias da vida, me havia sido colocada.
Todas as etapas e procedimentos corretos seriam cumpridos. Certamente
comearia pela anlise, passaria depois para a avaliao e por fim ao diagnstico,
da pessoa a ser por mim atendida. Como se tudo estivesse na condio ideal de
presso e temperatura . A psicologia, por si cincia, bastaria para o
enfrentamento do desafio.
A realidade, depois de algum tempo, mostraria uma situao bastante
diferente, no estava na condio ideal de presso , tampouco de temperatura .
O presdio era um amontoado de indivduos, ou talvez, em um rigor maior de
no-individuos. como se a totalidade anti-individuo do Goffman me viesse no
pela sua brilhante teoria, mas pelo olhar e pela vivncia, e o que pior, pelo intenso
sentimento de impotncia.
Antes, no entanto, de aprender ou de ver o presdio como outra realidade,
passei por um longo processo delimitado por ordens superiores.
36
A primeira definio do meu papel no presdio me foi comunicada pelo Diretor
da Unidade a que estava vinculada. Segundo sua orientao, o papel do psiclogo
na penitenciria, objetivava o cumprimento da Lei de Execuo Penal n 7.210.
Para isto os psiclogos integravam as Comisses Tcnicas de Classificao (CTCs),
responsveis pelo exame criminolgico, e que atuariam junto a uma equipe
multidisciplinar, formando um grupo composto por um Psiquiatra, um Assistente
Social, um Psiclogo, um Diretor de Servio, sendo presidido pelo Diretor Geral da
Unidade Prisional.
A avaliao que se solicitava obedecia aos procedimentos de rotina do
sentenciado, tais como: auto avaliao da capacidade crtica, apoio familiar, grau de
periculosidade, ausncia de psicopatologias, coerncia verbal, etc. Alm do que
tambm eram avaliados aspectos disciplinares do preso, enquanto capacidade para
adequar-se Instituio, no registrando ocorrncias dignas de alguma sanso
disciplinar (brigas, desacato a funcionrios, etc.)
Na poca recorri aos conhecimentos aprendidos na universidade, como se a
cincia pudesse dar conta daquela realidade socialmente desfigurada, com
inmeras limitaes e obstculos. Ora, a cincia no pode simplesmente adaptar-
se , embora seja claro que uma psicologia essencialmente voltada ao social,
possibilita melhor compreenso tcnica-instrumental para lidar com essa realidade.
Na falta de um conhecimento mais apropriado, lancei mo de disciplinas
oferecidas ao longo do curso, tais como: Tcnica de Exame e Avaliao Psicolgica
(TEAP), Tcnica de Exame Psicolgico (TEP), Psicopatologia Clnica, Psicologia
Social entre outros.
Logo nos primeiros atendimentos percebi que a populao atendida tinha
traos bastante comuns: baixa renda, histrico de vida familiar desestruturado, com
familiares envolvidos com a criminalidade ou mesmo com incio precoce na
marginalidade, uso de drogas, vida produtiva pouco significativa, com vivncia em
subempregos, servios informais, baixo nvel de escolarizao, e assim por diante.
A sensao do trabalho era profundamente ambgua. A medida que via uma
populao pobre e sofrida, via tambm indivduos envolvidos com a criminalidade
nos mais diferentes graus. Nenhuma destas realidades, nem de longe estiveram
apontadas na minha graduao. Especialmente a que dizia respeito queles
segmentos mais pobres da sociedade.
37
Fora isso, ainda tinha o fato que a relao psicloga e paciente no se dava
como resultado entre sujeitos autnomos. De um lado, o psiclogo era um legtimo
representante do Estado, responsvel pela priso, e de outro, o prisioneiro que,
simplesmente, cumpria a rotina do preso submisso.
Retrospectivamente, verifico profundas dvidas sobre a validade dos laudos
periciais. At onde eles eram capazes de captar a responsabilidade da sociedade
que quase como regra geral e obrigatria, exclui e marginaliza boa parte da
populao.
Alm de que retinha um poder imensurvel de influir decisivamente na vida do
sentenciado. O laudo, por excelncia, instrumento atravs do qual se silencia e se
legitima os guardadores da ordem .
Inegvel a importncia desse olhar psicolgico para aqueles que
vivenciam a excluso por meio da experincia carcerria, at porque necessrio,
acima de tudo, desmistificar o conceito de que a criminalidade est relacionada
nica e exclusivamente patologia pessoal e individual, esquecendo os dispositivos
sociais como: pobreza, desemprego, desigualdade social e assim por diante.
Enfim, a priso uma instituio especial na sociedade, uma vez que, alm
de seu papel primitivo e corretivo, ela tem tambm um carter totalizante em relao
aos indivduos e a sociedade de maneira geral.
3.3 A Prtica nos Presdios
O trabalho dos psiclogos nos Estabelecimentos Penais, constituiu-se at o
ano de 2003, primordialmente, na realizao de laudos e pareceres criminolgicos.
Para a confeco deste documento, eram juntados as anlises de um psiclogo, um
Assistente Social e um medido Psiquiatra, que compunham a Comisso Tcnica de
Classificao, e opinavam favorvel ou contrariamente ao beneficio solicitado pelo
sentenciado ou seu advogado constitudo, sendo ento encaminhado Vara de
Execuo Criminal para deciso judicial.
Dentre os aspectos mais especficos e interessantes para este trabalho, o
Cdigo de tica dos Psiclogos traz algumas recomendaes dignas de nota:
38
Art. 17
O psiclogo colocar seu conhecimento disposio da justia, no
sentido de promover e aprofundar uma maior compreenso entre a lei e o agir humano, entre a liberdade e a s instituies jurdicas. Art. 18
O psiclogo se escusar de funcionar em percia que escape sua
competncia profissional. Art. 19
Nas percias, o psiclogo agir com absoluta iseno, limitando-se
exposio do que tiver conhecimento atravs de seu trabalho e no ultrapassando, nos laudos, o limite das informaes necessrias tomada de deciso. Art. 20
vedado ao psiclogo: a) Ser perito de pessoa por ele prprio atendida ou em atendimento; b) Funcionar em percia em que, por motivo de impedimento ou suspenso, ele contrarie a legislao pertinente; c) Valer-se do cargo que exerce, de laos de parentesco ou amizade com autoridade administrativa ou judiciria para pleitear ser perito.
Em que pese esses artigos no serem referentes especificamente ao trabalho
no Sistema Prisional, apontamos como de fundamental importncia que o aluno do
Curso de Psicologia consiga identificar e utilizar os conhecimentos aprendidos no
decorrer da graduao, a fim de articular teorias s praticas necessrias para o
trabalho em presdios.
Enquanto membro da Comisso Tcnica de Classificao foi imprescindvel
que o psiclogo tivesse clareza de seu papel institucional e profissional, no s
respeitando o Cdigo de tica, mas tambm o sujeito que deveria ser considerado
em todas as dimenses social histrica, psicolgica, etc...
Assim, inevitavelmente para a atuao prtica, se fez necessria uma
aproximao do aprendido na universidade, aos fatos sociais vividos, para que
culminasse numa prtica critica e eficiente, supondo sempre, uma anlise da
totalidade do sujeito avaliado.
Cabe dizer que o modelo perverso da sociedade estimula de certa forma o
crime e a violncia, uma vez que estigmatiza e no oferece a todos oportunidades
iguais. O importante para o psiclogo avaliador em sua prtica no sistema
prisional, foi acima de tudo o entendimento que a confeco do laudo, apresentava
apenas uma viso tcnica do problema a ser analisado, e no uma verdade
inflexvel dos fatos. O laudo sempre foi um elemento a mais na avaliao pericial, e
no sua totalidade.
A atuao da CTCs prolongou-se at o ano de 2003, quando a lei n.
10.792/03 deu nova redao lei n. 7.210/84, tirando de foco a confeco de
laudos e pareceres. Atravs do decreto n. 47.930 de 07/07/2000, o ento
Secretrio da Administrao Penitenciria, Dr. Nagashi Furukawa, criou o
39
Departamento de Reintegrao Social, considerando que a prtica profissional devia
voltar-se para o individuo infrator, suas relaes e cidadania.
Para essa mudana de foco, estabeleceu-se a necessidade da utilizao do
Instrumento de Identificao do Perfil Psicossocial do Preso
Entrevistas de
Incluso (Anexos 3 e 4) que so encaminhados a um Portal Eletrnico. Ressalte-se
que uma das queixas dos psiclogos entrevistados, que no se tem um retorno da
utilizao desse material, o que muito angustia os tcnicos do sistema.
Alm disso, os psiclogos, juntamente com os Assistentes Sociais, so
chamados a realizar e implantar Projetos de Reintegrao Social , classificados em
seus eixos de enfoque: o Individuo; a Famlia; as Relaes Sociais; a Pena;
Educao, Trabalho e Sade; Funcionrios e a Mulher Presa.
Essa mudana de paradigma me reporta seguinte questo: A promoo de
aes que impulsionam o individuo (encarcerado) a crescer, levam o psiclogo a
assumir um novo papel, entretanto, h de se apontar: ele foi de alguma forma
preparado para tal? Para a realizao dos projetos existem condies materiais,
pessoais, fornecidas pela Instituio? Houve treinamento e capacitao por parte do
rgo gestor?
de se ressaltar, que independentemente da destituio do C.T.C., seja no
papel de avaliador ou de propulsor no processo de individualizao da pena, o
psiclogo ainda sim, tem que ter clareza de sua funo e estar atento para os efeitos
da segregao para a subjetividade humana, num local onde as dificuldades e
obstculos em nada favorecem s relaes sociais, embora, certamente questes
voltadas aos Direitos Humanos, sempre estiveram na pratica cotidiana do psiclogo
atuante em presdios.
40
3.4 A Avaliao
3.4.1 A Avaliao Psicolgica
Partindo do pressuposto de que o trabalho dos psiclogos nos presdios, por
muitos anos teve como principal rea de atuao a percia, considerei importante
apontar algumas consideraes sobre avaliao.
Segundo Sass, (2000), a avaliao psicolgica :
Um tema recorrente , seja no plano acadmico, onde se desdobra em estudos e pesquisas, seja no plano scio-poltico, onde requisitado como instrumento para subsidiar decises ou dirimir duvidas acerca das habilidades, comportamentos, potencialidades, trocas de personalidade reais ou virtuais, de indivduos ou grupos. Sob essa denominao
avaliao psicolgica
permanecem abrigados assuntos to diversos e controversos como os testes psicolgicos padronizados (de nvel mental ou de personalidade), entrevistas, escalas de atitudes e psicodiagnsticos, para mencionar alguns.
Segundo o autor, o tema da avaliao, alm de recorrente na discusso da
profisso, tem um aspecto poltico que deve ser melhor ressaltado, uma vez que,
sob a aparncia neutra de um instrumento tcnico da cincia, tem incidncia direta
sob o curso de vida do avaliado.
Alm do que, o laudo traz em si uma deficincia intrnseca, no s devido
suas limitaes cientificas, quanto capacitao do real, mas pelas dificuldades e
obstculos que cercam sua elaborao. Desde condies de tempo, at as de
natureza fsico-material apropriadas execuo desta tarefa sem falar da
incapacidade de tratar do individuo avaliado como uma somatria de relaes
sociais e humanas, diretas e indiretas. O laudo no expande sua fundamentao
para l do individuo, olha para o individuo-ilha, ou individuo portador de um nmero
ou pronturio penal.
Os riscos, portanto, advindos da elaborao do laudo, ultrapassam as
intenes e disposies contidas no Cdigo de tica, anteriormente citado. Em
primeiro lugar porque se contradiz ao afirmar ao mesmo tempo, a necessidade de
absoluta iseno do psiclogo e a sua condio de representante da justia,
contribuindo com o seu saber para um melhor aprofundamento da lei com o agir
humano. Propor um estado de absoluta iseno como condio de exerccio
41
profissional no uma tarefa fcil para esse lcus de atuao. O papel do psiclogo
talvez fosse mais bem definido se estabelecesse a promoo do ser humano acima
de qualquer dependncia jurdica ou institucional.
Segundo S, (2000), o crime um drama humano passvel de anlise por
diversos profissionais, entre os quais ocupa posio de destaque o da sade. A
legitimao dessa posio perante a comunidade cientifica, perante as autoridades e
outros profissionais, bem como, perante a prpria populao carcerria, vai
depender da forma como esse profissional associa sua concepo de crime e de
homem criminoso.
Ou seja, a importncia do papel do profissional de Sade no Sistema
penitencirio vai se legitimar na medida em que ele superar a exclusividade do
Saber , daquele que cuida de doenas e se colocar mesa ao lado de outros
profissionais e com eles discutir o fenmeno crime, buscar compreender a conduta
criminosa, bem como a conduta do houver encarcerado.
H de se ressaltar, que o profissional de Sade enfrenta contradies, seja do
ponto de vista de sua prtica cotidiano, seja do ponto de vista de sua prtica
cotidiano, seja do ponto de vista de suas concepes tericas e posies
ideolgicas. Quando pratica cotidiana, ele aquele profissional, que vai se
preocupar por aprimorar a qualidade adaptativa da conduta do encarcerado, isto ,
vai oferecer colaborao no sentido de que o encarcerado saiba, cada vez mais,
lidar com seus prprios problemas, que d a eles respostas satisfatrias, que no
lhes tragam conflitos.
Em tempo, condio importante que o profissional de sade, com interesse
em promover a sade do cidado encarcerado, promover sua prpria sade (ou pelo
menos, preserve).
Do ponto de vista de recursos tcnicos colocados disposio do psiclogo,
so dois os grandes instrumentos atravs dos quais os trabalhos de avaliao dos
detentos eram realizados.
De um lado a entrevista psicolgica, que visa segundo Bleger (1987), fazer
um estudo total do comportamento do individuo; naturalmente, dentro das limitaes
impostas, por um lado pelos aspectos cientficos, incapazes de captarem a
complexidade da realidade psiclogo-detento avaliado, e por outra, pela quase total
falta de condies de Rapport, ou seja, de um nvel mnimo de cooperao e
confiana do sujeito avaliado em relao ao profissional avaliador.
42
A entrevista, conduzida de modo diretivo ou no, no uma tcnica to
simples quanto parece ao utilizador superficial. Os efeitos da interao entre os dois
personagens, no se limitam ao contedo explicito da fala.
Do outro lado, esto os testes psicolgicos, que so instrumentos de uso
exclusivo do psiclogo para a realizao de um diagnostico psicolgico12. O teste
psicolgico pode servir como um bom material intermedirio entre o profissional e o
sujeito avaliado, ou seja, o teste nada mais que um instrumento em que o
psiclogo se basear, com o conhecimento terico de que dispe, para a
compreenso de um determinado quadro clinico necessrio apontar que a
interpretao dos dados um desafio, uma vez que os testes so criados,
geralmente para serem utilizados em realidades culturalmente distintas da nossa,
alem de que, a populao considerada no a dos sentenciados ou detentos.
A titulo de informao esclareo que os testes mais utilizados pelos
psiclogos nos presdios, so os projetivos / PMK, as pranchas do TAT. Outros
testes como H.T.P., Wartegg, Escala Comrey tambm so citados pelos psiclogos
entrevistados.
Finalmente, vale ressaltar que no modelo oferecido pelo Conselho Federal de
Psicologia, a estrutura bsica do laudo psicolgico devera conter os seguintes itens:
1. Identificao
descrio dos dados bsicos do periciado (nome,
idade, grau de escolaridade, etc...).
2. Descrio da demanda (Queixa).
3. Mtodos e Tcnicas Utilizadas
(descrio dos recursos tcnicos
utilizados e resultados obtidos).
4. Concluso
(apresentao da sntese prognostico
diagnostico, bem
como encaminhamentos necessrios).
Os modelos de laudo apresentados pelo Conselho Federal de Psicologia so
genricos e no especficos para a rea forense.
12 Lei n. 4.119, de 27/08/62 Pargrafo 1 - Constituem funo privativa do Psiclogo a utilizao de mtodos e tcnicas psicolgicas com os seguintes objetivos: A) Diagnostico Psicolgico; B) Orientao e Seleo Profissional; C) Orientao Psicopedagogica; D) Soluo de problemas de ajustamento.
43
4 A PESQUISA E SEU CONTEXTO
Costuma-se dizer que ningum conhece verdadeiramente uma nao at que tenha estado dentro de suas prises.
Nelson Mandela
4.1 A Voz das Psiclogas Atuantes no Sistema Prisional Paulista
4.1.1 A Psicologia Fora do Div, entre Grades.
Este captulo descreve a pesquisa realizada com cinco psiclogas em
presdios da cidade de Sorocaba, cujas caractersticas prisionais constituem em
manter a guarda de presos nos mais diferentes nveis de periculosidade: desde
pessoas ainda no condenadas pela justia, at os que ficam detidos em regime de
segurana mxima, ou mesmo, os que j foram beneficiados com o regime semi-
aberto em dias autorizados sair dos presdios e conviver com os familiares. O foco
da pesquisa est na representao que as entrevistadas tm das contribuies
dadas pela Universidade, enquanto Instituio formadora de psiclogos para a
atuao em presdios. O aspecto analisado foi o da posio destas profissionais,
com base na perspectiva que as orienta teoricamente, para a prtica.
Procuramos conhecer em que medida as suas formaes nos cursos de
Psicologia contriburam diretamente para o exerccio de suas prticas profissionais,
ou se precisaram buscar em outras fontes, tais como cursos de aperfeioamentos,
especializaes ou ps-graduao, os elementos necessrios para uma atuao o
mais racional possvel, se que o grau de irracionalidade do Sistema Prisional
paulista oferece qualquer possibilidade para tal.
Baseamos a nossa investigao no ponto de vista de que a graduao deve
contemplar todas as reas de atuao da Psicologia e que a especializao deve
colocar-se em funo do interesse particular de cada formando, a posteriori.
44
Para responder a questo principal de como as psiclogas percebem as
contribuies da Universidade para a prxis, optei por uma abordagem qualitativa, a
qual permite compreender o sentido das relaes sociais por intermdio das prprias
profissionais, sendo a intersubjetividade a categoria principal (MINAYO, 2004, p.
105). Lembrando tambm que nas cincias sociais uma pesquisa com base
emprica, por mais imponente e rica que seja, , essencialmente, local: no existem
dados universais, na medida em que os fatos sociais estudados pertencem a uma
situao particular dentro da qual eles so social e historicamente produzidos
(TARDIFF, 2005, p. 50). Nesta abordagem, o pesquisador deve estar mais atento ao
processo do que ao produto, buscando capturar a perspectiva do participante, com
dados descritivos, que incluem as transcries e observaes do intercruzamento
das falas expressas pelas participantes.
O fato de que nas pesquisas quantitativas o detalhamento prvio exigido
menor. No deve levar concluso de que a formulao do problema se torna uma
tarefa trivial. Na verdade, esta a etapa mais difcil e trabalhosa do planejamento de
uma pesquisa, exigindo do pesquisador muita leitura e reflexo (ALVES MAZZOTTI,
1999, p. 62).
Dessa forma, o objetivo dessa pesquisa o de tentar compreender o que
essas profissionais dizem sobre a formao universitria e a atuao profissional,
suas experincias, angstias, conflitos e solues.
Usamos como procedimentos metodolgicos duas estratgias distintas e
complementares: a) a pesquisa bibliogrfica abrangendo tanto a bibliografia
especializada de alguns autores nacionais, estudiosos da profisso de psiclogo no
Brasil, entre os quais destacamos: Odair Sass, Joo Leite Ferreira Neto, Silvia Lane,
Ana Maria Bock, quanto as legislaes em vigor, portarias, leis, decretos e ou outros
documentos afins; b) a pesquisa usou a entrevista com psiclogas lotadas no
Sistema Penitencirio com vistas busca de dados a respeito da temtica em
questo. As entrevistas tiveram um carter o mais possvel semi-aberta, de forma a
no tolher qualquer manifestao das entrevistadas, mas tambm no se dispersar
em comentrios ou observaes completamente alheias pretendida investigao.
Escolhemos a entrevista ao invs do questionrio porque aquela nos permite
tratar temas complexos, dificilmente passveis de serem investigados
adequadamente por questionrios, explorando-os em profundidade (ALVES-
MAZZOTTI, 1999, p. 60).
45
Segundo, Minayo: a entrevista
tomada no sentido amplo de comunicao
verbal, e , no sentido restrito de colheita de informaes sobre determinado tema
cientifico, a tcnica mais usada no processo de trabalho de campo (2004, p. 106).
Assim sendo, para atingir nosso objetivo, as entrevistas semi-estruturadas
foram utilizadas com o intuito de produzir ou levantar dados sobre a situao dos
profissionais frente a uma Instituio Total, procurando buscar uma viso na qual se
possa fazer uma interveno clara dos fatores que contribuem para definir o trabalho
profissional junto s pessoas encarceradas.
Cabe salientar que, como em tantos outros contextos onde o psiclogo exerce
sua prtica, a priso tem, como instituio, um significado cultural, uma vez que
reproduz e compe uma ordem social, que vai inclusive alm dos muros, uma vez
que a sociedade produz outros meios para punir transgresses, que concorrem
como monoplio do Estado (IGNATIEFF, 1987).
Nesse sentido, a priso possui um significado cultural especfico que pode
influenciar os que nele esto encarcerados, os funcionrios que ali trabalham, os
visitantes que ali adentram e os que de alguma forma entram em contato com essa
realidade Institucional.
Ideologicamente, os funcionrios da priso podem admitir e s vezes admitirem que o prisioneiro deve aceitar, ainda que contra a vontade, o fato de estarem presos, pois as prises (pelo menos as do tipo moderno ) supostamente do um meio para que o preso pague sociedade, cultive o respeito pela lei, admita seus pecados, apreenda um ofcio legtimo, e, em alguns casos, receba uma psicoterapia necessria. (GOFFMAN, 1996, p. 157).
4.2 O Processo de Investigao
Com base nas atividades desenvolvidas como psicloga numa Instituio
Total e ao buscar apoio na literatura especializada, pude tomar conscincia da
escassez de bibliografias, sistematizaes e normatizaes do trabalho exercido
pelo psiclogo no Sistema Prisional. Esta situao sria e preocupante uma vez
que uma melhor compreenso do Sistema Prisional poderia propiciar uma atuao
mais consciente tanto poltica como profissionalmente, lembrando que estamos
exercendo um tipo de trabalho altamente angustiante, cheio de dvidas cotidianas,
46
tendo um nmero certamente maior de incertezas, marcado fortemente pelo no
saber-fazer.
Ao me inscrever no programa de Mestrado em Educao, na Universidade de
Sorocaba, Uniso, optei por pesquisar a formao universitria do psiclogo.
Assim sendo, fiz o convite e algumas psiclogas do Sistema Prisional a
prestarem espontaneamente seus depoimentos acerca do tema da nossa
investigao: a formao acadmica do psiclogo para atuao junto ao Sistema
Prisional. Cinco profissionais, todas funcionrias em presdios localizados na cidade
de Sorocaba, dispuseram-se a conceder entrevistas. Por motivos ticos, utilizarei
nomes fictcios para identific-las: Glria, Sofia, ngela, Cludia e Fernanda. As
profissionais so psiclogas regularmente inscritas no Conselho Regional de
Psicologia, com idades entre 31 e 49 anos, com tempo de trabalho no Sistema
Prisional, variando de nove a 16 anos, como mostra o quadro abaixo:
Tabela 1 Caracterizao dos sujeitos da pesquisa
Identificao Sexo Idade Instituio
Publica/Particular
Tempo de
Sistema (Anos)
Dedicao ao Sistema Prisional
Formao Continuada na
rea (Especializao)
Tempo de Formada (Anos)
Glria F 45 Particular 12 Parcial Sim 20 Sofia F 36 Publica 9 Parcial No 14
ngela F 31 Particular 9 Parcial No 10 Cludia F 49 Publica 12 Exclusiva Sim 23
Fernanda F 40 Particular 16 Exclusiva No 18
Assim, a amostra foi constituda por cinco psiclogas (sexo feminino),
caracterstica desta categoria profissional, em que 100% dos profissionais so do
gne