UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás...

82
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELASARTES Rita Maria Barracha da Silva MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA AUDIOVISUAIS 2011

Transcript of UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás...

Page 1: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

   

UNIVERSIDADE DE LISBOA 

FACULDADE DE BELAS‐ARTES 

 

  

 

 

 

 

  

Rita Maria Barracha da Silva 

 

 

 

 

 

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA AUDIOVISUAIS 

 

2011

Page 2: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

   

UNIVERSIDADE DE LISBOA 

FACULDADE DE BELAS‐ARTES 

 

  

 

 

 

 

Demonstração virtual da complementaridade entre as linguagens 

textual e visual, inerentes a uma dissertação teórico‐prática. 

 

Rita Maria Barracha da Silva 

 

 

 

 

 

MESTRADO EM ARTE E MULTIMÉDIA AUDIOVISUAIS 

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Vítor dos Reis 

2011

Page 3: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

ii  

 

Resumo 

A  binocularidade  humana  resulta  de  um  fenómeno  estereoscópico  que 

concede  uma  visão  tridimensional  do  espaço  perceptivo,  assente  nas  leis  da 

perspectiva.  

A convicção com que aceitamos e  interagimos com essa verdade aparente é a 

mesma que contribui para que admitamos um mundo virtual, de ilusão. 

Partindo  do  princípio  de  que  uma  dissertação  teórico‐prática  em  Arte 

Multimédia  é  o  resultado  da  conciliação  entre  dois mundos,  o  textual  e  o  visual, 

podemos verificar que esta  se  institui  segundo um  sistema  cíclico e auto‐referencial 

que articula as dicotomias teoria/prática, textual/visual. 

Na demonstração virtual dessa complementaridade nasce a híbrida  linguagem 

que lhe está inerente e constrói‐se uma dissertação que se auto‐anuncia como símbolo 

da sua condição teórico‐prática. 

 

Palavras‐Chave 

Demonstração virtual / Dissertação teórico‐prática / Textual / Visual / Estereoscopia 

 

 

 

Abstract 

The  human  binocular  vision  results  from  a  stereoscopic  phenomenon.  This 

allows one to acquire a three‐dimensional image of the perceptual space based on the 

laws of perspective. 

The confidence with which one accepts and  interacts with this alleged truth  is 

the same that allows one to admit the virtual, a world of illusion. 

Taking  an  Art  and  Multimedia’s  theoretical  and  practical  dissertation  as  a 

connection between two worlds – the textual and the visual –, one can verify that it’s 

established  accordingly  to  a  cyclic  and  self‐referential  system.  This  articulates  the 

dichotomies: theory/practice and textual/visual. 

The virtual demonstration of  its complementarity generates a hybrid  language 

inherent  to  it,  which  shapes  a  dissertation  that  presents  itself  as  a  symbol  of  its 

theoretical and practical condition. 

 

 

Keywords 

Virtual  demonstration  /  Theoretical  and  Practical  Dissertation  /  Textual  /  Visual  / 

Stereoscopy   

 

 

Page 4: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

iii  

Apresentação e Agradecimentos 

Para mais convenientemente expressar o contexto em que se enquadrou a 

realização deste Mestrado torna‐se relevante começar por caracterizar os objectivos e 

descrever o conjunto de situações que fazem sentido visar, dentro dos trâmites que 

adoptei ao longo do meu percurso universitário.  

O meu interesse por tecnologia, face à sua constante procura em actualizar‐se, 

ao seu reflexo em diversas áreas e manifestações, assim como a crescente relação com 

a Arte e o público,  incutiu, desde  sempre, uma  recorrente  vontade de  a explorar e 

descobrir. 

É  nessa  procura  que  a  Licenciatura  em  Arte  e Multimédia  da  Faculdade  de 

Belas‐Artes  (Universidade  de  Lisboa)  veio  proporcionar  uma  formação  versátil  e 

transdisciplinar, da teoria à prática, da Fotografia ao Vídeo e ao Som, da  Instalação à 

Performance, do Desenho à Animação, do Design ao Webdesign. 

Contexto  esse  que  me  permitiu  trabalhar  como  freelancer  multimédia. 

Desenvolvo  projectos  de  design  gráfico,  fotografia  e  vídeo;  fui  júri  do  Festival  de 

Cinema Temps  d'Images (no  CCB,  em  2008  e  2009),  e,  na  sequência  do  protocolo 

celebrado entre o BPI e a FBAUL, recebi, em conjunto com uma equipa de alunos, o 

Prémio BPI por uma publicação  temática e  teórica – um espaço de  investigação em 

torno da criação artística actual, coordenado por Liliana Coutinho –, Revista Marte nº3. 

Paralelamente,  aguardo  a  defesa  que  permitirá  a  conclusão  de  um  outro 

mestrado,  em  Novos Media  e  Práticas Web  (pela  Faculdade  de  Ciências  Sociais  e 

Humanas,  Universidade  Nova  de  Lisboa),  que  culminou  com  um  estágio  no 

departamento criativo da empresa YDreams1. Desta experiência profissional resultou a 

ampliação das minhas  competências  técnicas e  interpessoais,  reflectindo‐se no meu 

desenvolvimento pessoal, colectivo, cultural e artístico. 

A  análise  das  próprias  competências  e  preferências  é  fundamental  para  a 

edificação sólida de um criador. Nesse sentido, e na procura de me definir, optei por 

concluir  o  presente mestrado  em  Arte  e Multimédia  com  uma  dissertação  teórico‐

prática que é síntese da minha passagem por esta faculdade. 

                                                            1  Especializada  na  investigação  e  desenvolvimento  de  tecnologias  de  interacção  que  ambicionam proporcionar o progresso da sociedade aliando os avanços da Ciência e Tecnologia, à Arte e à Vida. 

Page 5: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

iv  

Em qualquer das áreas trabalhadas, ensaios teóricos e projectos práticos denotam 

uma  recorrente  procura:  a  exploração  do  processo  perceptivo  de  um  espectador  no 

âmbito da sua relação com a obra, e com o espaço no qual esta se articula. 

Daí  também  o  meu  fascínio  pela  Arquitectura  e  pelo  Design;  artes  que  se 

preocupam com questões de usabilidade do utilizador; que fundam na relação com o 

indivíduo a base para a sua estruturação. 

Do mesmo modo, sempre elegi e ambicionei experimentar as consequências do 

contacto entre o corpo, a obra e o espaço, explorando diversas formas de comunicação. 

Produzi  jogos  perspécticos  e  situações  ilusórias  que  interferiam  com  o  espaço 

arquitectónico;  instalações  audiovisuais  em  circuito‐fechado  e  vídeos  que  geravam 

novas  narrativas,  criando  espaços  que  implicavam  comportamentos  específicos  do 

sujeito.  Todas  elas  surgiam  como  configurações  que  afectavam  a  experiência  do 

espectador. 

Nesse trajecto, interessou‐me realizar uma dissertação que converte a postura 

do  seu  mero  leitor  para  co‐criador  da  mesma.  Torná‐lo  cúmplice  da  própria 

configuração da dissertação teórico‐prática. 

A  resolução  desta  dissertação  vai  assim  não  só  reflectir  as  preocupações  do 

meu  passado  académico,  como  assenta  essencialmente  numa  reflexão  sobre  si 

própria. Pretende, por intermédio do sujeito, evidenciar a sua condição teórico‐prática 

partindo da demonstração da complementaridade entre as linguagens textual e visual, 

inerentes à sua existência dicotómica. 

Curioso  será  verificar  que,  além  do  textual  e  do  visual,  a  conclusão  desta 

dissertação  teórico‐prática  envolve  ainda  uma  terceira  linguagem,  a  verbal,  no 

momento da apresentação e defesa da mesma.  Logo,  também esse debate  sobre  si 

enfatiza  a  condição  auto‐referencial  e  auto‐reflexiva  que  detém  o  projecto  desta 

dissertação. 

 

 

 

 

É  então  com  enorme  gratidão  que  expresso  aqui  o meu  apreço  por  todos 

aqueles que, de forma singular, estiveram envolvidos no decurso deste processo. 

Page 6: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

v  

Ao  professor  Vítor  dos  Reis,  pelo  primor.  Pelo  rigor  e  pela  sapiência.  Pela 

dedicação e o  inspirador compromisso enquanto pedagogo. Agradeço‐lhe por tudo e, 

em particular, pela orientação e metódica revisão desta dissertação.  

À  professora Maria  João Gamito,  pelo  apoio  constante  e  por  combater  com 

gosto a burocracia, em benefício dos alunos.  

Aos  restantes  professores  que  tive  a  oportunidade  de  conhecer  e  que 

marcaram a minha passagem por esta Faculdade, pela competência e por sentir que 

partilharam  com  prazer  a  sua  sabedoria,  José  Luís  Ferreira,  Susana  Sousa  Dias, 

Alexandre  Estrela,  Rogério  Taveira,  António  Silveira,  Henrique  Costa,  Zepe,  Ângela 

Ferreira,  Fernandes Dias, Delfim  Sardo,  Sérgio Mah, Mónica Mendes,  Pedro  Cabral, 

Marco  Santos, Maria  João Ortigão,  José  Revez  e Américo Marcelino. Assim  como  a 

indispensável ajuda dos técnicos de fotografia Tiago Miravent e Ana, o Bruno Marques 

dos audiovisuais, e inesquecível também, a ilustre “Dona Céu”, do bar da faculdade.  

A  todos os  colegas  e  amigos de  turma,  em  especial  à  Sara Valle Rocha  e  ao 

Carlos Godinho. Aos amigos Teresa Colaço, Carla Borrego, Inês Brito, Ana Piçarra, Sofia 

Rodrigues,  Tomás  Caldeira,  Sofia  Abrantes,  Andreia  Couto,  Lara  Silva,  Pedro  Grilo, 

Marta  Correia,  Maria  João  Marcelo,  Manuel,  Pedro,  Horácio  e  Ana  Nunes,  pelo 

particular cunho e sã amizade.  

À Sílvia, por se ter cruzado no meu caminho, agora paralelo ao seu (salvo‐seja).  

À Inês Freixo e à Inês Pontes, pela singularidade que nos une.  

À minha‐Inês Palminha, pela  sua  integridade. Pelos defeitos que não  sei  ver. 

Pela incrível amizade que nunca saberei descrever.  

À Magy, pela genuidade. Pela bondade, paciência e devoção. Pela perspicácia e 

por chamar‐me à atenção. Por desencaminhar‐me e recusar um não. Por servir‐lhe de 

exemplo, e chamá‐la também eu à razão.  

À Renata, pela  coragem, pela  luta  constante em  superar‐se a  si mesma. Pela 

nossa  partilha:  pelo  passado,  numa  experiência  em  comunhão;  pelo  presente,  na 

ternura e no amor, na entrega e dedicação; por um  futuro promissor de equilíbrio e 

duração.  

À minha família. Aos meus primos e tios, pela amizade, pela confiança e o apoio 

até aqui. Não esqueço também o legado dos avós que conheci. 

Aos meus  pais,  em  especial,  pela  união,  pela  perseverança  e  lealdade.  Pelo 

afecto e a educação; pelo esforço e nutrição constante da minha felicidade. Pelo dom 

de conceber duas filhas tão ímpares e tão pares. 

À minha  irmã, mais  que  a  todos;  pelo  talento,  pelo  espírito  e  carácter.  Pela 

força  e  determinação.  Pela  vontade  da  vida.  Por  alguma  ingenuidade  e muito  do 

coração. 

Page 7: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

vi  

 

 

 

 

 

 

«No  final de contas, somos auto‐perceptivos, auto‐inventivos, 

presos  em  miragens  que  são  pequenos  milagres  da  auto‐

referência.» (Hofstadter, 2007: 363) 

   

Page 8: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

vii  

 

 

 

 

 

 

 

À pequena Ava, que me é tão imensa. 

 

Page 9: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

   

 

 

 

 

 

 

 

Índice 

Índice de Figuras ........................................................................................................................... 2 

Introdução ..................................................................................................................................... 4 

1. Conceitos inerentes à híbrida linguagem de uma demonstração virtual ................................. 9 

1.1. Estereoscopia e Perspectiva ........................................................................................... 9 

1.2. Realidade e Ilusão ........................................................................................................ 16 

1.3. Linguagem e Auto‐referencialidade ............................................................................. 20 

2. Contributos para o projecto .................................................................................................... 27 

2.1. Papel do Espectador: de Brunelleschi à instalação artística ........................................ 27 

2.2. Espaço virtual: Anish Kapoor e Olafur Eliasson ............................................................ 31 

2.3. Linguagem Audiovisual: Bruce Nauman e Gary Hill ..................................................... 39 

3. Projecto de uma Dissertação teórico‐prática virtual .............................................................. 45 

3.1. Condição teórico‐prática da dissertação ...................................................................... 45 

Conclusão .................................................................................................................................... 55 

Referências .................................................................................................................................. 59 

Anexos ......................................................................................................................................... 64 

Apêndices……………………………………………………………………………………………………………………………… 69 

   

Page 10: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

2  

Índice de Figuras 

 

Figura 1 ‐ Representação do estereoscópio de Wheatstone (Brewster, 1856: 59). ................... 11 

Figura 2 ‐ Estereogramas relativos à visão pelos olhos esquerdo e direito (Brewster, 1856: 57).

 ..................................................................................................................................................... 11 

Figura 3 ‐ Reprodução do processo de visão cruzada (a partir de Brewster, 1986: 80). ............ 12 

Figura 4 ‐ Exemplo do processo de visão paralela. ..................................................................... 13 

Figura 5 ‐ M. C. Escher (1898‐1972). Drawing Hands, 1948. Litografia; 28.2 cm × 33.2 cm. 

Washington, EUA: National Gallery of Art (Wikipedia, 2011). .................................................... 25 

Figura 6 ‐ René Magritte (1898‐1967). La condition humaine, 1933. Óleo sobre tela; 100 cm 

× 81 cm. Washington DC: National Gallery of Art, (Wikipedia, 2011). ....................................... 25 

Figura 7 ‐ René Magritte (1898‐1967). La Trahison des Images, 1928. Óleo sobre tela; 63.5 cm 

× 93.98 cm. Los Angeles, Califórnia: Los Angeles County Museum of Art (Wikipedia, 2011). ... 26 

Figura 8 – Ilustração do dispositivo perspéctico criado por Filippo Brunelleschi, em 1401, para a 

representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze (Mitsui, 2010)...................................... 28 

Figura 9 – Anish Kapoor (1954 ‐). Adam, 1988. Pigmento sobre arenito; 119 × 102 × 236 cm 

(Kapoor, 2011). ............................................................................................................................ 32 

Figura 10 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Origine du monde, 2004. Pigmento sobre betão. Kanazawa: 

21st Century Museum of Contemporary Art (Kapoor, 2011). .................................................... 33 

Figura 11 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Marsupial, 2006. Resina e tinta; 245 × 370 × 247cm (Kapoor, 

2011). .......................................................................................................................................... 33 

Figura 12 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Iris, 1998. Aço inoxidável; 200 × 200 × 200 cm (Kapoor, 

2011). .......................................................................................................................................... 34 

Figura 13 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). The Weather Project, 2003. Técnica mista; dimensão 

variável. Londres: Tate Modern (Wikipedia, 2011). .................................................................... 36 

Figura 14 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Ascension, 2011. Técnica mista; dimensão variável. Veneza: 

Basílica di San Giorgio Maggiore (Making Art Happen, 2011). ................................................... 37 

Figura 15 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). Beauty, 1993. Técnica mista; dimensão variável. Chicago: 

Museum of Contemporary Art (Eliasson, 2011).......................................................................... 38 

Figura 16 ‐ Bruce Nauman, Human Nature / Knows Doesn't Know, 1983. Vidro e tubos de néon; 

230 x 230 x 35 cm. ARS, NY e DACS, Londres; Cortesia da Colecção Froehlich, Estugarda (Tate 

Org., 2006). .................................................................................................................................. 42 

Figura 17 ‐ Gary Hill, Incidence of Catastrophe, 1987‐8. Vídeo (cor, som); 43:51 min. Cortesia de 

Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (MoMA Collection, 2010). ...................................... 43 

Figura 18 ‐ Gary Hill, Disturbance (Among the Jars), 1988. Vídeo‐instalação (som). Centre 

Georges Pompidou, Paris (Jones, 2007). ..................................................................................... 44 

Page 11: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

3  

Figura 19 ‐ Gary Hill, Site Recite (a prologue), 1989. Vídeo (cor, som); 4:05 min. Cortesia de 

Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (Electronic Arts Intermix, 2011) ............................. 44 

Anexo 1 – Anish Kapoor (1954 ‐). Leviathan, 2011. P.V.C.; 33.6 × 99.89 × 72.23 m (Kapoor, 

2011)………………………………………………………………………………………………………………………………….. 64 

Anexo 2 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). 1000‐Names, 1979‐80. Pigmento sobre madeira e gesso; 183 

cm (Kapoor, 2011)………………………………………………………………………………………………………………… 64 

Anexo 3 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Svayambh, 2007. Cera e tinta à base de oleo; dimensões 

variáveis (Kapoor, 2011). ……………………………………………………………………………………………………… 65 

Anexo 4 ‐ Anish Kapoor(1954 ‐). Past, Present, Future, 2006. Cera e tinta à base de oleo; 345 x 

890 x 445 cm (Kapoor, 2011)..……………………………………………………………………………………………… 65 

Anexo 5 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Part of the Red, 1981. Técnica mista e pigmento; dimensões 

variáveis (Kapoor, 2011).………………………………………………………………………………………………………. 66 

Anexo 6 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Drop, 2008 (Kapoor, 2011)..………………………………………………. 66 

Anexo 7 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Turning the World Inside Out II, 1995. Bronze cromado: 180 × 

180 × 130 cm (Kapoor, 2011)……..…………………………………………………………………………………………. 67 

Anexo 8 – Anish Kapoor (1954 ‐). Untitled, 2008. Aço inoxidável; 300 × 300 × 46 cm (Kapoor, 

2011) ..………………………………………………………………………………………………………………….………………. 67 

Anexo 9 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Stamping the Studio, 1968. Vídeo (preto e branco, som); 62 

min (loop). Nova Iorque: Cortesia de Electronic Arts Intermix (Tate Org., 2006)………………….… 68 

Anexo 10 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & flip/flop 

(Fat Chance John Cage), 2001. Paris: Centre Georges Pompidou / Cortesia de ARS, NY e DACS, 

Londres. (Tate, 2011)……………………………………………………………………………………………………………. 68 

Apêndice 1 – Esquema do eixo horizontal da instalação (componente prática) na qual são 

separadas espacialmente as linguagens visual e textual. ………………………………………………………. 69 

Apêndice 2 – Processo estereoscópio da visão paralela e criação de uma leitura vertical e 

virtual……………………………………………………..……………………………………………………………………………. 70 

Apêndice 3 – Processo estereoscópico como intermediário da demonstração virtual de uma 

dissertação teórico‐prática……………………………………………………..……………………………………………. 71 

Apêndice 4 ‐ Processo estereoscópio na conciliação entre as linguagens textual e visual (das 

componentes teórica e prática), na demonstração da condição teórico‐prática da 

dissertação……………………………………………………..…………………………………………………………………….. 72 

Apêndice 5 – Inversão das linguagens textual e visual, presentes na instalação……………………. 73 

Apêndice 6 – Correcção estereoscópica das linguagens textual e visual, presentes na 

demonstração da dissertação teórico‐prática……………………………………………………………………….. 74 

   

Page 12: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

4  

Introdução 

O desenvolvimento mental e social, a difusão da  tecnologia e do multimédia, 

permitem que se diluam barreiras artísticas e se confrontem  impressões envoltas na 

relação  entre  objectos,  sensações,  imagens,  sons  e  textos,  de  diferentes maneiras, 

segundo novas  linguagens e narrativas. Depreendem‐se novos sentidos, produzem‐se 

novos discursos e ilações, pois são introduzidas novas ferramentas e metodologias. 

Ainda que fruto de uma globalização incontornável, a arte revê‐se nas diversas 

dicotomias,  influências e circunstâncias que continuarão a formatá‐la – seja pelo que 

incluem, seja pelo que excluem. 

Se  pensarmos  na  arte  do  século  XX,  percebemos  que  foi  pautada  por 

tecnologias  inovadoras  das  quais  resultaram  dois  paradigmas  ou  duas  tipologias  de 

imagem: a Fotografia, pela captação de uma verdade fixa – que trouxe consigo a ideia 

de reprodutibilidade –, e o Cinema, na capacidade de registar movimento, e projectá‐

lo também.  

Do contacto com os novos media e com os processos que os consolidam – dos 

quais se destacam a «remediação» e a «transmediação»2 – nasce um novo corpo ou 

medium,  transversal  e  interdisciplinar,  que  contrasta  com  a  cultura  dos media  do 

século XX pois adquire os valores artísticos do «novo», da «criação» e da «experiência 

estética» (Cruz, 2011: 17).  

Dessa  reconfiguração  dos  processos  mediais  na  comunicação  é  então  fácil 

depreender  que  a  própria  arte  sofre,  no  geral,  uma  transmutação;  constitui‐se 

segundo  um  novo  paradigma  conceptual  e  projectual  que  acompanhará  o 

desenvolvimento de uma sociedade em constante mudança.  

A arte persiste como «uma espécie de medium universal, de condição para que 

qualquer  objecto  ou  experiência  acedam  ao  plano  da  visibilidade  e  da  efectividade 

culturais» (Cruz, 2011: 19). 

Nesse  sentido,  entender  a  híbrida  linguagem  do  “multimédia”  implica 

compreender as diversas peculiaridades que essa vasta prática abarca. Num domínio 

pluridisciplinar, socorre‐se da recorrente relação cultural entre teoria, prática, técnica 

e  tecnologia;  o  que  enaltece  o  facto  de  que  a  arte,  enquanto  espelho  da 

                                                            2 Duas palavras‐chave empregues por Jay David Bolter e Richard Crusin, no livro Remediation, discutidas no decurso do Mestrado de Novos Media e Práticas Web, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (Universidade Nova de Lisboa). 

Page 13: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

5  

contemporaneidade,  tanto  se  deixa  contaminar  pela  realidade,  numa  relação 

endógena  −  tomando  os  contágios  como  parte  da  obra  −,  como  se  converte  em 

exógena − pois influencia simultaneamente a sociedade. 

Partindo  do  princípio  que  a  Cultura  Visual  é  um  sistema  que  compreende  a 

predominância das formas visuais, neste actual mundo de profusão é  indispensável  ir 

além  da  visualidade;  é  necessário  abranger  as  interferências  das  contínuas 

remediações dos processos híbridos que configuram esta época.3  

É no cruzamento de práticas oriundas de várias disciplinas e tradições artísticas 

que  a  arte  se  afirma.  Transformou‐se  não  só  naquilo  que  é  enquanto  objecto, mas 

também no que é enquanto discurso – pelo discurso que produz  sobre  si própria –, 

fazendo  parte  do  plano  da  sua  leitura  e  tipologia,  num  triângulo  entre  «preceito, 

conceito e afecto» (Sardo, 2008, comunicação pessoal). 

Criou‐se assim a necessidade de uma cultura visual de  forma a poder decifrar 

não  já os  retratos de uma época mas  a  sua  forma de existir. É neste  âmbito que  a 

Cultura Visual se abre sobre um mundo inteiro de intertextualidade onde as imagens, 

os sons e as delineações espaciais são  lidas em si e através de outras, resultando em 

significados e respostas subjectivas a cada encontro. 

Compreender  o  modo  como  olhamos  –  percebendo  como  funcionam  os 

sistemas de captura e os processos de descodificação – ajuda‐nos então a entender a 

forma como os métodos de representação conseguem actuar sobre o sujeito. 

Sir  Charles  Wheatstone  (1802‐1875)  foi  um  dos  grandes  estudiosos  do 

fenómeno  estereoscópico  que  advém  da  nossa  condição  de  seres  binoculares. 

Percebeu como recriar o sistema ocular no qual sobrepomos dois pontos de vista de 

uma mesma  imagem,  conseguindo  reproduzir  o método  com  que  construímos  uma 

realidade tridimensional através do espaço percepcionado por ambos os olhos. 

Contudo,  da  observação  da  realidade  à  transposição  para  o  plano  da  sua 

representação, foi Filippo Brunelleschi (1377‐1446) quem desenvolveu um dispositivo 

que se apropria das  leis geométricas que regem o olhar humano. Para representar o 

espaço perceptivo, produziu um artifício que lhe facultava o processo de conversão da 

                                                            3 A arte moderna vê o mundo  fora dos seus contornos; as coisas explodem e trespassam esse espaço delimitado e estritamente real que  lhes era atribuído. Uma  imagem  já não produz o visível, “torna‐se” visível. É resultado de uma  leitura multidireccionada, subjectiva e activa que depende do seu  leitor; é assim  fruto da  inter‐relação  com a  cultura, a  sociedade e a história na qual  se desenvolve o próprio sujeito que a interpreta. 

Page 14: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

6  

realidade  para  uma  representação  bidimensional.  Alcançou  assim  a  capacidade  de 

estruturar  um  espaço  perspéctico  através  do  qual  conseguia  conferir  a  noção  de 

profundidade na representação. 

Brunelleschi  veio  demonstrar  os  resultados  da  perspectiva  e  com  eles 

possibilitar a  representação do mundo  como um espaço  “para  lá” da  superfície, um 

espaço  “tridimensional”  (para) dentro dos  limites do  enquadramento  –  como  se  de 

uma janela ou um espelho se tratasse. É esse um dos métodos de representação que 

conduz o  sujeito  à  concepção de uma  aparente e  consistente  verdade. A  ilusão e  a 

persuasão tornam‐se assim estratégias de construção visual. 

Para  conhecer o mundo procuramos  interpretar os  variados  estímulos  a que 

somos  expostos.  Relacionamo‐los  com  a  nossa  própria  memória,  com  aquilo  que 

vamos  apreendendo e  certificando.  É  a experiência  individualizada do  sujeito que o 

ajuda  a  reconhecer,  a  compreender  e  a  crer  no  espaço  circundante,  consentindo  a 

paradoxal possibilidade de estar a ser ludibriado.  

A  extensa  rede  de  significações  a  que  está  exposto  diariamente  leva‐o  à 

necessidade  de  comportar  inúmeros  códigos,  indispensáveis  à  tradução  da 

informação.  A  arte  questiona,  explora  e  aproveita‐se  das  formas  de  categorização 

semiótica  e  de  processos  de  comunicação  para  comprometer  a  leitura  do  sujeito; 

evidencia ou  subverte  sentidos  e  significados para produzir  sensações  específicas.  É 

essa prática que possibilita que expandamos  a  imagem para  além da  sua existência 

concreta: se o processo denotativo nos confere uma significação directa e objectiva, a 

conotação permite entender os seus níveis de subjectividade. 

Os ensaios de W. J. T. Mitchell procuram analisar o poder da imagem e a forma 

como é interpretada; a sua autonomia e as conexões que produz ao relacionar‐se com 

outras, ou quando é articulada com texto. Estuda assim a relação dicotómica entre a 

visualidade e a textualidade. 

A prática de  leitor e  a de  espectador partilham‐se:  existem  livros de  figuras, 

textos  que  funcionam  como  gráficos,  imagens  que  produzem  discursos,  que 

acompanham  textos,  e  discursos  que  fomentam  imagens.  Se  pensarmos  nisso,  a 

televisão  dos  dias  de  hoje  é  tudo menos  um meio  puramente  visual.  A  dissolução 

dessas áreas fixas é assim efeito de uma cultura transversal. 

É nessa mesma dialéctica que assenta a problemática desta dissertação.  

Page 15: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

7  

Sendo  uma  dissertação  teórico‐prática  implica,  necessariamente,  duas 

componentes complementares: uma teórica e uma prática. Debatem‐se assim ambos 

os territórios em prol da comunicação de uma mesma mensagem. Juntos pretendem 

produzir uma única demonstração, e apenas em aliança originam o sentido pretendido 

desta mesma dissertação. 

O  objectivo  deste  projecto  prende‐se  então  com  a  tentativa  de  evidenciar  a 

indissociável complementaridade entre as  linguagens  textual e visual na constituição 

de uma dissertação cuja condição é ser teórico‐prática. Teorizar sobre uma prática, e 

praticar essa  teoria é perceber como se comprometem e complementam os campos 

da linguagem através de um sistema cíclico e auto‐referencial. Nesse sentido, procura‐

se que da conciliação do presente ensaio  (teórico) à  instalação  (prática)  resulte uma 

linguagem híbrida através da qual seja veiculada a demonstração virtual da condição 

teórico‐prática da própria dissertação. 

Para analisar a possibilidade dessa significação por parte do  leitor/espectador 

partiu‐se do contributo proporcionado pelo dispositivo de Brunelleschi e das práticas 

artísticas  instalativas  –  a  fim  de  estudar  o  entendimento  de  posturas  e modos  de 

percepção  do  sujeito  perante  uma  situação  ilusória.  Anish  Kapoor  (1954‐)  e Olafur 

Eliasson (1967‐) são exemplos dessa referência à dicotomia realidade/virtualidade pela 

produção de obras que sujeitam o espectador a um equívoco perceptivo.  Instalações 

essas  nas  quais  o  sujeito  se  torna  activador  e  co‐criador  pela  interferência  física  e 

mental  na  peça;  situações  que  jogam  com  estados  de  consciência  ao  envolver  o 

conluio e a suspensão voluntária da descrença do espectador. 

Por  outro  lado,  face  à  especificidade  da  demonstração  virtual  em  questão, 

torna‐se relevante o apoio em artistas que questionam o próprio medium artístico, a 

linguagem e o discurso daí proveniente. Através de meios  audiovisuais,  tanto Bruce 

Nauman  (1941‐)  como  Gary  Hill  (1951‐)  se  preocuparam  com  os  modos  de 

interpretação e  intelecção da  arte  através da desconstrução dos próprios processos 

expressivos.  Experimentaram  formas  mistas  de  comunicação  visual  e  textual 

observando a  implicação de  incoerências e  falhas na  linguagem para a compreensão 

de uma mensagem. 

É com base em  todos estes pressupostos e objectivos que o projecto  final do 

Mestrado em Arte e Multimédia (especialização em Audiovisuais) vem  incidir sobre si 

Page 16: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

8  

próprio, sobre a sua condição de possibilidade teórico‐prática, auto‐referenciando‐se e 

auto‐reflectindo‐se com o auxílio do leitor/espectador. 

A  resolução  teórica  desta  dissertação  implicará  então  ser  apreendida  na 

complementação com a prática, e vice‐versa. Nenhuma sobrevive sem a outra, assim 

como apenas o elo entre ambas, através do presente leitor, poderá completá‐la. 

   

Page 17: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

9  

1. Conceitos inerentes à híbrida linguagem de uma demonstração virtual 

1.1. Estereoscopia e Perspectiva 

Ver  implica, em primeiro  lugar, olhar. Portanto,  compreender o modo  como olhamos  e,  sobretudo,  o  que  isso  significa,  permite‐nos  desde  logo compreender  alguns  aspectos  fundamentais  da  intricada  teia  sensorial, cognitiva,  estética,  emotiva,  etc.,  que  estabelecemos  com  o mundo  à  nossa volta […]. (Reis, 2001: 124) 

Enquanto  arquétipo  básico  da  nossa  existência,  a  luz  esteve  desde  sempre 

ligada ao espaço, e consequentemente ao tempo. No decorrer desse tempo, e através 

das  sucessivas  conquistas  tecnológicas,  transpôs  a  barreira  do  exterior,  invadindo  o 

interior, transformando a relação entre o sujeito e o visível. 

Começa por constituir‐se como um bem essencial à vida e, ao  longo dos anos 

60  e  inícios  dos  70,  é  utilizada  nas  projecções  de  diapositivos,  na  fotografia  e  no 

cinema, que adiante analisaremos  como  contributo para o desenvolvimento daquilo 

que tomamos por Cultura Visual. 

Enquanto  condição  necessária  à  percepção  visual,  por  auxiliar  o  delinear  de 

formas e espaços, a  luz vê‐se então associada à origem da consciência e do  intelecto. 

Possuímos, portanto,  sistemas que procuram capturar nas melhores condições essas 

impressões  lumínicas  –  que  se  projectam  na  retina  segundo  leis  geométricas  –, 

processos que as transformam em impulsos nervosos – de código fotónico para código 

neurónico –, e que os transportam ao cérebro – através de mecanismos fisiológicos e 

neurológicos que os interpretam e identificam, atribuindo significados.  

O modo  como os nossos  sentidos e o  cérebro processam a arte ou qualquer 

estímulo sensorial segue uma série de estágios a que chamamos «modelo  interactivo 

da  percepção  e  cognição»  (Solso,  1994:  44),  porém  essa  experiência  não  é 

continuamente  estável,  ou  seja,  o  fluxo  de  informação  que  nos  chega  do  mundo 

externo não é uniforme, encontra‐se em permanente mutação.  Isto  significa que as 

sensações,  sozinhas,  não  são  capazes  de  prover  uma  descrição  única  do  mundo, 

necessitam de enriquecimento, que é o papel do «modelo mental» (Solso, 1994: 44). 

Importa  referir que,  imersos nesse mundo que  concebemos,  com o qual nos 

relacionamos e no qual reconhecemos formas e objectos a três dimensões, a imagem 

Page 18: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

10  

visual  obtida  representa  a  realidade,  como  ela  se  nos  apresenta  (Gombrich,  2002: 

220).4 

Sabe‐se que a visão binocular permite que tenhamos a noção de profundidade 

e  possamos  interpretar  uma  situação  como  tridimensional.  Tal,  é  resultado  do 

fenómeno  estereoscópico,  fruto  da  sobreposição  das  duas  imagens  dissimilares, 

obtidas pela informação de cada olho. 

Do olho direito obtemos mais  informação do  lado direito de um objecto, e do 

olho  esquerdo,  da  sua  parte  esquerda.5 O  assunto  cativou  alguns  estudiosos  como 

Francis  Aguillon,  Galeno  e  Baptista  della  Porta  que  foram  aprofundando  a matéria 

através de ensaios e experiências.6 

O ensaio científico «Contributions  to  the Physiology of Vision», publicado em 

1838 por Sir Charles Wheatstone (1802‐1875), permite que nos apercebamos de que 

foi ele o  grande  impulsionador do estudo da  visão estereoscópica –  assim  como da 

criação  de  um  dispositivo  a  ela  referente,  que  faculta  a  visualização  de  imagens 

tridimensionais. A sua exploração do sistema visual declarou que a separação ocular 

implica pontos de vista díspares que  se  reflectem em ângulos de visão  ligeiramente 

descoincidentes. Da comparação dessas duas  imagens bidimensionais, o cérebro cria 

uma solução  tridimensional que se  traduz na noção de distância, posição e  tamanho 

das  formas que  regista. A construção do estereoscópio veio comprovar esse mesmo 

processo de união por intermédio do reflexo de um jogo de espelhos. 

Na  Figura  1, A e A’  são  ambos espelhos  (num  ângulo de 900),  E e  E’  registos 

bidimensionais  de  dois  pontos  de  vista  de  uma  mesma  forma,  com  uma  ligeira 

disparidade entre eles – o equivalente à chamada paralaxe ocular, a distância entre os 

olhos que se reflecte numa diferença perspéctica. 

                                                            4 Ou, como Husserl refere: «I  find existing out  there and  I receive  it  just as  it presents  itself  to me as something existing out there» (Bryson, 1981: 8). 5 Pierre Gassendi (filósofo, cientista e matemático), mesmo sem recorrer a testes com figuras e sólidos, constata rapidamente, simplificando a explicação, que «do olho esquerdo vemos a parte esquerda do nariz, e do direito, a direita, duas  imagens suficientemente divergentes»  (Lugduni, 1658: 394; cit. por Brewster, 1856: 15). 6  Tanto  «Optics»  (1613)  de  Francis  Aguillon,  como  «On  Refraction»  (1589)  de  Baptista  della  Porta, mencionados por Brewster  (1856: 7, 11), são exemplo de proeminentes análises e observações, úteis para  o  decorrer  das  revelações  acerca  da  visão  binocular,  como  descobertas  das  falácias  relativas  a distâncias, magnitudes, posições e formas.

Page 19: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

11  

 

Figura 1 ‐ Representação do estereoscópio de Wheatstone (Brewster, 1856: 59). 

O  observador,  colocado  perante  B,  ajusta  a  rosca  C  e  C’  para  obter  o 

posicionamento mais  correcto das  imagens  a  fim de  coincidirem na  intersecção dos 

eixos ópticos. Esse método assisti‐lo‐á na fusão mental de E e E’, denotando, por isso, 

a sua aparente profundidade numa única representação. A Figura 2 ilustra um possível 

exemplo do que podia ser E e E’, dois estereogramas de uma mesma  imagem, com a 

referida ligeira discrepância perspéctica. 

 

Figura 2 ‐ Estereogramas relativos à visão pelos olhos esquerdo e direito (Brewster, 1856: 57). 

Dessa forma, facilmente se constrói uma  imagem bidimensional para ser vista 

tridimensionalmente. Existem vários processos que podem ser executados: registam‐

se os dois pontos de vista de uma mesma situação e sobrepõem‐se ambas as imagens, 

adulteradas  com  cores  básicas  (como  o  vermelho  e  verde),  o  chamado  método 

anaglífico7; o método  cruzado, no qual  as  imagens  são  registadas da mesma  forma, 

mas colocadas lado a lado, invertidamente (a imagem da esquerda situa‐se à direita e 

vice‐versa),  pretendendo‐se  que  o  cérebro  adquira  os  pontos  de  intersecção  no 

                                                            7 Porém, a  sua visualização  implica o  recurso a óculos  constituídos por  filtros das mesmas  cores que permitem que  cada olho  veja apenas uma das  imagens e  facilite ao  cérebro  fundi‐las,  revertendo‐se numa imagem tridimensional. 

Page 20: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

12  

cruzamento dos eixos ópticos; e, por fim, o método paralelo, no qual o par é colocado 

correctamente, de  forma a manterem‐se os eixos ópticos paralelos  (olho esquerdo – 

estereograma  esquerdo,  olho  direito  ‐  estereograma  direito),  de  que  é  exemplo  o 

processo estereoscópico. 

A aglutinação derivada de uma visão cruzada e paralela é expressa nas Figura 3 

e  Figura  4,  que  ilustram  o modo  como  convergem  os  olhos  (representados  por  E, 

esquerdo, e D, direito), ao contemplar dois estereogramas da mesma forma. 

Na visão cruzada (Figura 3), como o nome  indica, deve ser trocada a posição de 

ambos os estereogramas a fim de cada olho observar o seu correspondente. Na inter‐

secção entre os eixos ópticos surgem os pontos respectivos a cada estereograma que 

possibilitam  formar  uma  imagem  virtual  e  tridimensional  do  objecto  representado 

bidimensionalmente, segundo dois pontos de vista. 

 

Figura 3 ‐ Reprodução do processo de visão cruzada (a partir de Brewster, 1986: 80). 

Na visão paralela (Figura 4), contrariamente à cruzada, os olhos mantêm os seus 

eixos paralelos procurando um foco no infinito. Dessa forma, os estereogramas devem 

situar‐se em frente ao olho correspondente para que, aquando da acomodação ocular, 

possa surgir a essa mesma visão tridimensional do objecto recriado por duas imagens 

planas. Sabe‐se que 90% das pessoas executam este processo de divergência, oposta‐

mente ao método cruzado, que resulta da convergência. 

Page 21: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

13  

 

Figura 4 ‐ Exemplo do processo de visão paralela. 

A  simulação estereoscópica pode assim  ser uma  técnica que acentua a expe‐

riência  tridimensional  de  uma  situação  audiovisual  que,  como  sabemos,  é 

bidimensional.  É  disso  exemplo  o  vídeo  disponível  em  linha  através  do  site: 

<http://www.youtube.com/watch?v=YKyz3h0sFhc>. 

Paralelamente às leis ópticas e artifícios que auxiliam a percepção e construção 

de  uma  realidade  tridimensional,  é  fundamental  esclarecer  a  consequência  da 

perspectiva como sistema de representação visual. 

Será  a  partir  de  Filippo  Brunelleschi  (1377‐1446)  que  o  estudo  de  leis  e 

questões científicas acerca da perspectiva se sobrepõe à visão natural, possibilitando 

grandes descobertas no que toca à representação de uma situação tridimensional.8  

Do latim perspicere, que significa “ver através de”, nasce a palavra perspectiva 

(prospettiva, em italiano): 

O desenvolvimento do sistema de representação da perspectiva geométrica linear, que ocorre durante o Renascimento europeu, no século XV  (Quattrocento), significou  tornar o ponto de vista,  e  com  ele  o  lugar  do  sujeito,  o  critério  aglutinador  central  da  concepção  de  imagem (Flores, 2008/2010). 

                                                            8  No  segundo  capítulo  destacar‐se‐á  o  conjunto  de  influências  e  repercussões  do  mecanismo  de demonstração visual criado por Brunelleschi, na representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze. 

Page 22: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

14  

Desta  premissa,  o  criador  executa  a  obra  pondo‐se  no  lugar  do  futuro 

observador  e  fruidor.9  É  na  metáfora  dessa  sobreposição  do  olhar  que  o  pintor, 

arquitecto  e  teórico  da  imagem,  Leon  Battista  Alberti  (1404‐1472),  remodela  os 

“métodos de  interpretação” do mundo, declarando, no tratado Della Pittura (1435), a 

analogia entre o pintor e alguém que observa (que constrói, representando10), de uma 

janela, a existência do mundo externo, desvendando nele as suas particularidades.11 

A  relação entre o carácter subjectivo, associado ao ponto de vista do sujeito – 

que  determina  a  própria  imagem  –,  e  o  carácter  objectivo,  implícito  ao  fenómeno 

metódico  e  racional  da  sua  construção  geométrica,  conduzem  Erwin  Panofsky  (1892‐

1968) a considerar a inauguração do espaço moderno como «experienciável, sistemático 

e matematizável».  Daí  a  sua  distinção  entre  espaço  perceptivo  –  «subjectivo,  finito, 

mutável  e  heterogéneo»  ‐  e  espaço  perspéctico  –  «racional,  infinito,  imutável  e 

homogéneo» (Panofsky, 1993, cit. por Flores, 2008/2010, e por Reis, 2001: 37).12 

Sintetizando, podemos resumir em quatro paradigmas este novo olhar sobre o 

mundo: científico, espacial, ilusionista e subjectivo. 

Segundo a análise de Vítor dos Reis (2001), o primeiro paradigma, o científico, 

diz  respeito  ao  facto de  à  aparência do mundo e  ao olhar humano  sobre o mesmo 

subjazerem  leis  óptico‐geométricas,  também  elas  passíveis  de  ser  aplicadas  na 

mediação  da  representação  visual  –  o  que  coloca  o  observador  no  centro  dessa 

projecção central (Reis, 2001: 21‐22). 

Relativamente  ao  paradigma  espacial,  sabe‐se  que  a  profundidade  e 

tridimensionalidade  são  a  essência  desse  mundo,  pelo  que  a  consistência  dessa 

recriação  perspéctica  pressupõe  uma  correspondência  entre  a  realidade  e  a 

representação, entre o espaço perceptivo e o perspéctico (Reis, 2001: 21‐22). 

                                                            9 O espectador é aquele que  toma o  lugar que o pintor  lhe preparou. Na  faculdade de determinar a relação que se estabelece entre o objecto representado e o sujeito – como as distâncias, os tamanhos e proporções –, a perspectiva «torna‐se um índice do lugar do espectador» (Damisch, 1987; cit. por Flores, 2008/2010). 10 «Enquanto pinta, pratica uma teoria mágica da visão» (Merleau‐Ponty, 2004: 27). 11 Podemos assim associar o conceito da janela à formulação de Leonardo da Vinci que descreve o plano da  representação  para  a  qual  é  transposta  a  realidade  como  um  «plano  de  vidro».  Uma  superfície transparente que  intersectava o espaço e  formava um ecrã que  rompe  com os  limites  físicos da  sua bidimensionalidade, pois dá a ver a profundidade do que está atrás de si (Reis, 2001: 209). 12 Se o espaço perspéctico é infinito, o perceptivo não o é, nem sequer homogéneo, pois é gerado por uma visão binocular e em movimento por parte do observador, ao contrário do ponto monocular e estático a partir do qual se concebe uma visão perspéctica. (Panofsky, 1924‐5: 34; cit. por Reis, 2001: 260). 

Page 23: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

15  

Na presença de uma representação em perspectiva, cuja participação mental do 

observador  supõe  o  «conluio»  (Kubovy,  1986:  78;  Reis,  2001:  203)  com  o  artista  no 

assumir  do  ponto  de  vista  a  partir  do  qual  foi  elaborada,  o  poder  persuasivo  da 

construção  geométrica  conduz  ao  paradigma  ilusionista  no  qual  o  sujeito  elabora 

processos mentais que procuram aproximá‐la da noção de verosimilhança. 

O  processo  de  construção  visual  parte  assim  da  actuação  do  imaginário  do 

sujeito, de uma experiência  individualizada que  começa no posicionamento espacial 

(específico) da sua fruição e culmina na sua crença e transporte para esse simulacro; 

daí, o paradigma subjectivo (Reis, 2001: 21‐22). 

A  produção  de  imagens  no  Renascimento  torna‐se  assim  uma  das  mais 

importantes formas de elaboração da imagem mental do que viria a ser o espaço clássico. 

A  introdução da perspectiva e a representação tridimensional tornaram‐se essenciais no 

modo de conceber a realidade convertendo‐se, consequentemente, no ponto de partida 

para uma nova  iconografia que, na arte Medieval, se regia apenas por questões de teor 

simbólico e era, aparentemente, “plana”. 

Na pintura barroca, o assunto da  tridimensionalidade e da perspectiva ganha 

contornos  cada  vez  mais  evidentes  e  elaborados,  repercutindo‐se  em  grandiosos 

efeitos de profundidade. O crescente recurso a pontos de vista específicos (únicos ou 

múltiplos), a representação de elementos com diferentes escalas e focagens (partindo 

dos  princípios  perspécticos  e  noções  de  profundidade  de  campo)  e  os  definidos 

contrastes claro/escuro, acentuam a tendência para uma representação mais próxima 

da realidade e, consequentemente, mais propícia à ilusão perante o espectador. 

Já as representações cubistas, nas quais conviviam simultaneamente múltiplas 

perspectivas,  vêm  contestar  o  carácter  rígido  e  estático  das  representações.  A 

incorporação de pontos de vista divergentes afecta o conceito de posição efectiva e 

objectiva do espectador, tomando como condição a noção de movimento, de relação 

mutável e sensorial para com o objecto percepcionado. No Futurismo empregaram‐se 

ainda mais  intensamente  esses  efeitos,  o  que  contribuiu  para  a  transformação  do 

espaço e das formas ao incluir expressivamente a dimensão temporal. 

Gradualmente, não só as descobertas científicas associadas à percepção e aos 

meios  de  assimilar  uma  construção  audiovisual  por  parte  de  um  indivíduo,  mas 

Page 24: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

16  

também  o  desenvolvimento  tecnológico,  permitiram  que  se  fundassem  novas 

estratégias de manipulação da realidade (inclusivamente em tempo real). 

A  expansão  de  todas  estas  capacidades  persuasivas  tem  vindo  a  tornar  a 

experiência estética cada vez mais rica e versátil; dessa forma, ao crescente progresso 

cultural,  equivale  a  crescente  possibilidade  de  representar  ou  criar  virtualmente 

espaços cada vez mais verosímeis. 

 

1.2. Realidade e Ilusão 

À  visão,  entendida  como  acto  de  ver,  compete  a  faculdade  de  observar, verificar,  certificar.  Mas,  ao  mesmo  tempo,  a  incógnita  da  ilusão  e  do engano, da fascinação e da maravilha (Costa e Brusatin, 1992: 242; cit. por Reis, 2001: 76). 

As propriedades do mundo externo sofrem um activo e exigente processo de 

escrutínio no qual sacrificamos a informação supérflua para obter o dito conhecimento 

e concepção do mundo.  

Complementarmente  aos  outros  quatro  sentidos,  a  visão  humana  colabora 

numa experiência sensorial da qual resulta um  inconsciente mas sofisticado processo 

de configuração do que nos rodeia; reconhecemos coisas relacionando o seu aspecto 

visual  ao  seu  sentir13,  numa  recorrente  lógica  associativa.  A  imagem  deixada  pela 

impressão  lumínica  acaba  por  persistir  e  relacionar‐se  com  outras  conjunturas, 

associando‐se por meio da  imaginação e da memória, o que permite  reconstituí‐las, 

analisá‐las e certificá‐las, ora identificando ora concebendo novas reflexões. 

O  processo  de  inferência  inconsciente,  fundamentado  por  Hermann  von 

Helmholtz (1821‐1894), físico e psicólogo – empenhado em transmitir o entendimento 

da visão como processo  involuntário –, é, todavia, posto em causa pelo autor Donald 

Hoffman  (1998:  11)  que,  para  descrever  o  método  criativo  de  inteligência  visual, 

prefere  o  termo  «construir»  a  «inferir»,  pois  afirma  que  essa  denominação 

compromete  a  conotação  de  uma  actividade  consciente. Mesmo  instintivamente,  a 

«comparticipação do observador na leitura e interpretação das imagens visuais» que E. 

H. Gombrich  (2002: 218) apelida de «beholder’s share», é um conceito que define a 

condição e o desempenho activos nessa capacidade construtiva. 

                                                            13 No amplo sentido da palavra, e não limitado ao tacto. 

Page 25: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

17  

Se, para Decartes, a percepção é nada mais que um processo epistemológico, 

um acto  intelectual que  relaciona a  informação dos sentidos à  interpretação daquilo 

que a mente conhece (Descartes, 1641; cit. por Godinho, 2008/2010) – teoria central 

aos desenvolvimentos da psicologia gestaltiana e da  fenomenologia –, para Merleau‐

Ponty, «o que sustenta a fenomenologia da percepção é a experiência do corpo‐vivido 

ou o corpo‐fenomenológico»14; esse corpo «vidente e visível»  (Merleau‐Ponty, 2004: 

20), que vê e que deixa ver‐se pelos outros. 

Torna‐se assim  importante referir a divisão existente entre o que construímos 

«fenomenologicamente»  e  o  que  vemos  «relacionalmente»  (Hoffman,  1998:  6).15  A 

primeira  é  relativa  à  configuração  visual  cujas  formas  adquirem  à  nossa  volta,  ao 

experienciá‐las  visualmente  (fenomenologia)  –  consentindo,  por  isso,  o  delírio  e  a 

ilusão; a segunda é relativa àquilo com o qual “interagimos” quando olhamos, o que 

implica que, à partida, esse algo exista verdadeiramente (Hoffman, 1998: 6).16 

Se  examinámos  a  questão  da  estereoscopia  e  da  perspectiva,  inerentes  à 

percepção  visual  humana  –  que mencionam  o  reconhecimento  da  realidade  visual 

como resultado do papel mental, da relação entre o processo construtivo e uma lógica 

associativa  (fundada  na  experiência)  –,  é  claro  deduzir  que,  uma  representação 

sustentada pelas mesmas normas  se converte, aos nossos olhos, num procedimento 

igualmente credível.17 

Essa  certeza  é  assim  consequência  da  nossa  própria  constituição  e  evolução 

enquanto  ser;  a  experiência  passada  e  a  apreensão  do  mundo  real,  as  normas  e 

convenções  pré‐definidas  que  possuímos  comprometem‐nos  na  convicção  com  que 

                                                            14 «Lebenswelt» ‐ Conceito elaborado na fenomenologia que procura definir o território de convicções pré‐adquiridas onde se elabora o conhecimento e a comunicação (Merleau‐Ponty, s.d.; cit. por Godinho, 2008/2010). 15 Terminologias utilizadas na Filosofia. 16 O  autor  exemplifica  com  uma  analogia  à  noção  de  ícone  e  software  (respectivamente  «sensação fenomenal» e «sensação relacional»), sendo que o primeiro é a ferramenta visual que serve de interface (adaptado ao utilizador – user‐friendly) e o segundo, o código em si, que desconhecemos, mas com o qual interferimos. 17 Na procura de  certificar o mundo externo, o  circuito de  feedback entre o olho e o  cérebro  (Solso, 1994:  139)  visa  articular  os  resultados  provenientes  do  processo mental  tentativa/erro  –  tomando sucessivamente  várias  hipóteses.  É  com  base  nesse  procedimento  que  K.  R.  Popper  evidencia  o pressuposto da «regularidade»; para obter mais exactas ilações sugere o apoio em paradigmas, padrões e esquemas, fornecendo estratégias de sobrevivência neste mundo cheio de irregularidades (Gombrich, 2002: 231). Gombrich chega mesmo a concluir que «o caminho na direcção do ilusionismo é o caminho na direcção da consistência visual, da não  refutação de qualquer das suposições que a  representação evoca» (Gombrich, 1973: 238, cit. por Reis, 2001: 151). Nesse sentido, a apropriação dessas normas e padrões é essencial na intenção de persuadir o espectador, pois este confiará no resultado percebido. 

Page 26: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

18  

admitimos  a  veracidade  de  uma  situação.  Através  do  cérebro  aprendemos  a 

questionar e a discernir o que nos é transmitido pelos sentidos sendo induzidos tanto a 

admitir como a rejeitar o que nos é incutido pelos estímulos que nos rodeiam; é assim 

que formamos o nosso conhecimento ou nossa própria cultura visual. 

Consequentemente, se  tomarmos em consideração que, ao  longo da história, 

os dispositivos de produção de imagem foram, são e continuarão a ser pertinentes nas 

mudanças no conceito de representação e percepção de espaço, podemos afirmar que 

a  evolução  da  imagem,  também  na  sua  vertente  técnica,  se  traduz  num  papel 

transformador da imagem mental do pensamento contemporâneo. 

Daí podemos deduzir que  tanto a evolução da cultura, do meio ambiente, do 

corpo  e  da  mente  humanas,  assim  como  o  desenvolvimento  tecnológico,  se 

comprometem de forma recíproca, ou seja, implicam‐se mutuamente.  

Semir  Zeki  (professor de neuroestética), que procura explicar os  aspectos da 

criação  e  da  apreciação  da  arte  em  relação  aos  mais  primitivos  componentes  do 

instrumento visual humano18, refere que primeiro é necessário adquirir conhecimento 

sobre o mundo, e que a arte é parte deste processo (Zeki, 1999: 8‐12); dessa forma o 

entendimento  de  cada  época,  pelo  tipo  de  representação  desse  período,  é 

fundamental no entender do poder criativo e persuasivo de uma  imagem. Para tal, a 

análise  dos  próprios  dispositivos  de  produção  de  imagens  torna‐se  pertinente  para 

compreender de que forma estes proporcionaram essa mesma evolução. 

Adoptando o percurso do estudo de Jonathan Crary (1990), a criação da câmara 

escura  possibilitou  o  distanciamento  do mundo  e  permitiu  a  captação  da  realidade 

através da sua projecção na  tela, por  intermédio de um pequeno orifício. Ainda que 

revelando  um  mundo  extrínseco  à  presença  do  indivíduo,  as  vantagens  da  sua 

utilização, como o auxílio da representação pictórica, aproximou a  imagem da noção 

de verosimilhança. Descoberta essa que constituiu um marco substancial em direcção 

ao desenvolvimento do processo fotográfico. 

Da constatação dessa projecção cónica  luminosa que  transporta consigo uma 

imagem dita real – como se de um sistema ocular se tratasse –, adveio a invenção da 

lanterna  mágica.  Foi  Athanasius   Kircher  (1601‐1680)  quem  concebeu  uma  caixa  que 

                                                            18 Tais como a percepção da cor, o reconhecimento da cara, a percepção de formas e de movimento. Procura «desenvolver esboços de uma teoria da estética que é biologicamente baseada» (Zeki, 1999). 

Page 27: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

19  

recebe e projecta imagens numa parede, por intermédio de uma fonte de luz que atravessa 

o vidro no qual residem as representações, tornando‐a assim precursora do cinema.  

As  mais  diversas  criações  proporcionaram  o  acréscimo  da  curiosidade  pela 

imagem, incentivando a produção de tantos outros dispositivos, quer pelo seu carácter 

lúdico  e  contemplativo,  quer  pela  utilidade  proveitosa  em  prol  da  investigação  dos 

processos da mente e do sistema visual. 

O lado passivo do observador perante a percepção da realidade resultante dos 

modelos  supracitados  suscitou  a  questão  da  apreensão  individualizada  de  cada 

espectador  o  que,  após  alguns  ensaios,  se  distinguiu  no  estudo  da  importância  da 

presença corporal e experiência física no acto de percepção. 

O  panorama,  cujo  termo  significa  “visão  total”,  foi  patenteado  por  Robert 

Barker  (1739‐1806)  em  1787,  e  desenvolvido  no  final  do  século  XVIII  como  um 

dispositivo de  imersão sensorial. A complexa estrutura cilíndrica e o  topo em cúpula 

envolvem o sujeito – que analisa a ampla representação de uma plataforma central – e 

este, vendo‐se imerso, abandona a ideia da tela e transporta‐se equivocamente para o 

lugar da representação, assimilando essa realidade. 

Se  a  invenção  da  fotografia  veio  autorizar  o  contacto  físico  com  uma 

objectivação dos aspectos da realidade, num fiel mecanismo de captura e reprodução 

da  impressão  da  natureza  –  reformulando  para  sempre  a  relação  do  sujeito  com  a 

verdade visual –, a criação do cinema, no século XIX, permite que se incremente uma 

outra  linguagem  específica.  À  semelhança  do  vídeo,  como  artes  que  registam  o 

movimento, ambos  foram usados para «estender, encurtar, repetir, avançar, atrasar, 

acelerar  e  parar  o  tempo»  permitindo  explorar  a  capacidade  manipuladora  do 

presente,  passado  e  futuro,  como  a  criação  de  novas  narrativas  (Rush,  2007:  8). O 

compromisso deliberado do espectador para com a projecção frontal do cinema – que 

abre na escuridão de uma sala a construção de uma fictícia profundidade – adultera‐

lhe a noção do  tempo e do espaço, alienando‐o.  Ilusão essa que amplia assim a sua 

tolerância para com a outra realidade. Somos voyeurs de uma história com a qual nos 

relacionamos emocionalmente ao tomar esse mundo como uma personificação de nós 

próprios. 

«Essa voluntária e temporária suspensão da descrença, que constitui a fé poética.» (Coleridge, 1817; cit. por Reis, 2001: 250) 

Page 28: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

20  

Ou  seja,  suspendendo  a  descrença  procuramos  certificar  e  comprovar  a 

realidade aparente delimitando um campo seguro, ao qual damos azo ao  imaginário 

para o completar, mesmo estando a consentir uma realidade ficcional e poética.19  

A  curiosidade  pelo  desconhecido  ou  por  aquilo  que  está  para  lá  dos  limites 

humanos  sempre  levou  à  tentativa  de  o  alcançar.  E  se  o  pacto  com  processos  de 

persuasão nos oferece a capacidade de entender a expansão do mundo para lá da sua 

existência  limitada,  então  tendemos  a  ceder  por  tamanha  ambição.20 Dessa  forma, 

podemos  referir  que  do  consentimento  da  transformação  fenomenológica  da  nossa 

relação  para  com  a  realidade  e  os  objectos  nela  contidos  resulta  o  admitir  de  uma 

realidade subjectiva. 

É, assim, facultada ao artista a capacidade criativa de persuadir o espectador a 

ver  algo  que  na  realidade  não  vê  –  uma  dialéctica  paradoxal  onde,  por  exemplo,  é 

possível dar a presenciar um não‐lugar. Dessa forma, a imaginação ganha sentido não 

só  enquanto  «geradora  de  conhecimento»,  pela  apreensão  do  real  −  «como 

intermediária  entre  os  sentidos  e  a  inteligência»−,  mas  como  uma  «actividade 

criadora» e até origem de «prazer» (Oliveira, 1996). 

A concepção de um mundo  ilusório surge assim à  luz da  imaginação/memória 

individualizada,  no  domínio  da  sensibilidade  de  cada  espectador.  É  na  própria 

experiência relacional deste espaço que se tolera entendê‐lo como tal; sendo um lugar 

de  experimentação,  vai  cooperar na  formação de novos universos, multiplicando  as 

formas de percepção de um mesmo espaço. 

 

1.3. Linguagem e Auto‐referencialidade 

A arte enquanto instância crítica da modernidade não é menos moderna que a  própria modernidade  enquanto  instância  crítica  de  si mesma.  (Azevedo, 2004: 40) 

                                                            19 Inconscientemente, somos facilmente levados a crer que o que nos é “impingido” é correcto, o mais provável  e  completo,  pois  assim  a  nossa  visão  o  quer  ver.  Admitimos  a  verosimilhança  de  uma representação perspéctica, pois «visa criar a ilusão de tridimensionalidade num sistema representativo bidimensional  tendo  por  referência  o  funcionamento  do  nosso  olho»  (Flores,  2008/2010).  Bryson aponta‐o ainda de uma outra forma curiosa: se cremos num atributo de algo, é porque acreditamos no algo cujo atributo pertence; se aceitamos a conotação de uma imagem, então a dedução dessa imagem é real: se «não acredito que existam unicórnios, mas acredito que sejam aqueles que só têm um chifre, então acredito em unicórnios» (Bryson, 1981: 17). 20  Uma  espécie  de  “crer  para  ver”.  Somos  convidados  a  participar  de  uma  ilusão,  mesmo  na «plausibilidade de uma percepção falsa» (Aumont, 1994: 69; cit. por Reis, 2001: 249). 

Page 29: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

21  

Numa  sociedade  da  imagem  vivemos  envolvidos  numa  extensa  rede  de 

significações  que  tende  a  expandir‐se;  que  trouxe  consigo  e  que  conduz 

exponencialmente à expansão territorial para lá do visível, para um mundo virtual. 

Desde  sempre,  o  mundo  das  representações  originou  uma  contraditória 

apropriação  do  real:  por  um  lado  aproxima‐o,  pela  redundância  que  assenta  no 

retratar das suas particularidades, por outro afasta‐o (ou oculta‐o), pois usufrui dessas 

mesmas  condições  para  se  aproveitar  do  espectador  e,  através  dele,  promover 

ilusórias realidades.   

Qualquer  linguagem  representativa,  ao  comprometer  uma  significação, 

manifesta  a possibilidade estratégica da persuasão.  Se usamos  signos que  carregam 

códigos  úteis  à  comunicação,  isso  significa  que  detemos  a  capacidade  cognitiva  de 

deles traduzir alguma  informação. E se apreendemos que há “coisas” que são “coisas 

específicas” é não só por convenção, mas também por crença nessa significação.  

Seja  de  forma  directa  e  concreta,  seja  de  forma  subjectiva  e  imaginária,  a 

categorização  semiótica  no  acto  da  percepção  vai  proporcionar  particulares 

descriminações. 

Sendo que qualquer tipo de experiência estética supõe um processo perceptivo no 

qual  o  sujeito  é  intermediário,  o  projecto  artístico  apropria‐se  de  códigos  e  adopta 

linguagens  específicas  para  indiciar  e  comunicar  tipos  de  sensação  particulares.  Códigos 

espaciais,  lumínicos,  gestuais  e  simbólicos  (entre  muitos  outros),  quando  relacionados 

nessas  peças  multimédia,  jogam  com  tensões,  equilíbrios,  antagonismos  e 

complementaridades que comprometem a relação do leitor21 com o que lhe é apresentado. 

«Equilíbrio,  configuração,  forma,  desenvolvimento,  espaço,  luz,  cor, 

movimento,  dinâmica  e  expressão»  constituem  dez  categorias  visuais  que  Rudolf 

Arnheim  (1957) evidenciou e catalogou pelo  facto de proporcionarem a dedução de 

estruturas fundamentais à elaboração de imagens, por parte do produtor, assim como 

contribuíram  também  os  resultados  da  psicologia  da  Gestalt  –  que  distingue  os 

princípios que regem a configuração de formas. 

Ao  incorporar  esses  diversos  códigos,  constatamos  então  de  que  é  possível 

ampliar  uma  imagem  para  além  de  uma  existência  exclusiva  pois  possuímos  a                                                             21 Entenda‐se “leitor” num sentido  lato. É um sujeito espectador, um produtor e um  interpretante; é aquele que observa, que constrói mentalmente aquilo que o abarca, e que o interpreta intimamente, de entre a subjectividade dessa aparência. É um cunho que remete exactamente para a associação do leitor de imagens ao leitor de um texto, ambos vêem e lêem, como veremos adiante. 

Page 30: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

22  

capacidade de decifrá‐los de diferentes maneiras, de ver e entender “coisas” que não 

estão aí directamente contidas. «[…] É próprio do visível ter uma dobragem de invisível 

em  sentido estrito, que ele  se  torna presente  como uma  certa  ausência»  (Merleau‐

Ponty, 2004: 67). 

Se,  por  um  lado,  a  leitura  denotativa  se  refere  ao  significado  adquirido  de 

forma objectiva e directa, a interpretação de uma imagem, quer na atribuição de uma 

categoria, um valor ou estatuto, quer no proporcionar de uma relação emocional, vê‐

se  condicionada pelo  contexto pessoal no qual a apreendemos, admitindo, por  isso, 

inúmeras apreciações e conotações de leitor para leitor. No entanto, devemos ter em 

atenção que «face  ao  considerável potencial polissémico do  leque de possibilidades 

sintácticas,  a  escrita  visual  possui  um  número  quase  ilimitado  de  hipóteses 

compositivas para expressar o mesmo conteúdo» (Calado, 2008/2010). 

A competência iconográfica permite‐nos assim reconhecer o significado do que 

as  formas  visuais  reproduzem  da  realidade.  Identificamos  e  classificamos  situações, 

relacionamos  contextos  e  estabelecemos  associações  que  dispomos  em  sequências 

com as quais produzimos discursos (iconologia). 

Fazemos  analogias,  pois  a  conotação  actua  de  um  modo  metafórico;  e  se 

linguisticamente  a  metáfora  opera  por  transição  de  qualidades  de  um  plano  da 

realidade para outro, se implica uma transposição imaginativa das propriedades desses 

planos,  significa  que  actua  de  modo  paradigmático  –  que  é  indispensável  ao 

pensamento criativo. Opostamente a este, quando as associações ocorrem dentro de 

um mesmo plano de significação – por contiguidade (na qual operam os indícios dados 

pelas metonímias) –, então  fazemo‐lo de  forma  sintagmática, que consiste no modo 

como produzimos discursos (Fiske, 1993). 

Deciframos os espaços e tempos próprios às imagens tendo em conta que a sua 

compreensão  engloba  também  aquilo  que  relaciona  fora  de  si  –  que  associamos 

mentalmente. Ou, quer isso também dizer que é necessário transpor uma abordagem 

visual e perceptiva para estabelecer conexões interpretativas. 

Tanto  Iconology  (1986)  como Picture Theory  (1994), de W.  J. T. Mitchell,  são 

ensaios  que  reflectem  acerca  das  inúmeras  propriedades  e  questões  implícitas  à 

linguagem da representação visual e textual. Picture Theory começa por evidenciar a 

Page 31: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

23  

sedimentação daquele que é o mundo do visual («The Pictorical Turn»)22, o poder da 

imagem nesse novo status que veio reformular o paradigma visual e discursivo; uma 

imagem  que  reequaciona  os  seus  níveis  de  visualidade  e  textualidade.  Nessa 

continuidade,  segue‐se  um  subcapítulo  de  análise  da  imagem  “como  teoria”,  como 

reflexão  acerca  da  prática  da  própria  representação  pictórica  –  as  ditas 

«Metapictures»  que  “teorizam”  sobre  si  próprias.  Por  fim,  «Beyond  Comparison» 

relaciona as  imagens ao discurso pela dialéctica presente numa  imagem que  inclui a 

dicotomia imagem/texto (Mitchell, 1994: 9). 

A existência concreta é, assim,  

[…]  apenas  um  dos momentos  de  uma  imagem,  que  pode  vir  a  participar  de  um  processo semiótico, quando encontrar um  intérprete que  lhes garanta dar seguimento para sua cadeia de interpretações (Peirce, s.d.; cit. por Laurentiz, 2004).23 

Dessa  forma,  e  como  supracitado,  para  conhecer  o mundo  (real  ou  virtual) 

viabilizamos mediações e discursos,  traduzimos muitos outros  códigos e articulamos 

sistemas de  signos que  constituem  vários  tipos de  linguagens  (como por exemplo  a 

visual e a verbal). Juntas, tanto servem a necessidade construtiva e  interpretativa do 

mundo,  como  a  vontade  expressiva  e  comunicativa  acerca  do  mesmo,  pois  são 

indispensáveis à experiência humana e ao seu carácter relacional. 

Na função de exprimir um pensamento Maurice Merleau‐Ponty enuncia:  

O pensamento nada tem de interior, não existe fora do mundo e fora das palavras. Pensar, é "falar‐se",  dizer  de  certa  forma  coisas  a  si mesmo.  Assim,  a  linguagem  é  indispensável  ao pensamento  e  ao  seu  desdobramento:  se  é  verdade  que  a  linguagem  é  a  expressão  do pensamento, é preciso acrescentar que o pensamento é uma palavra interior (Merleau‐Ponty, s.d.; cit. por Parret, 2008/2010). 

No  seguimento  dessa  “objectivação”,  a  reificação  de  um  pensamento  em 

palavras, podemos pensar na aplicação da linguagem a múltiplos contextos. 

De entre as suas funções mais directas (emotiva, apelativa, poética, denotativa 

e fática), particularizo a função metalinguística24, que toma a linguagem como objecto 

de si própria – reflecte sobre si, debruça‐se sobre os códigos que a estruturam e tudo 

aquilo que abrange. Diz‐se, por isso, metalinguagem, pois é auto‐referencial; fala/produz 

                                                            22 Apelidado em oposição a «The Linguistic Turn» (Mitchell, 1994: 11). 23 Laurentiz, Sílvia (2004) Imagem e (I)materialidade [em linha]. Disponível em <http://www.cap.eca.usp.br/ slaurentz/text/Imagem_Imaterialidade.pdf>, acedido a 07/10/11. 24 Partindo das enumerações propostas por Karl Bühler e Roman Jakobson relativamente às funções da linguagem (Parret, 2008/2010). 

Page 32: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

24  

um exercício sobre si, procura significar‐se pelo seu próprio sentido; é recursiva, porque 

não é mais que uma instância de si.25 

Nesse  sentido,  tanto  a  linguagem  verbal  como  a  textual  se  podem  auto‐

referenciar;  podem  incidir  nos  códigos  que  as  formatam,  discursar  sobre  o  próprio 

meio, questionar o seu conteúdo, ou endereçar‐se a representações de si.  

«Todos os  cretenses  são mentirosos», declarava Epiménides  (século VII A.C.), 

sendo  ele  próprio  de  Creta.   O  paradoxo  presente  nesta  afirmação  consistiu  na 

primeira  instância de auto‐referenciação, da qual  resultou a simplificação para «esta 

frase é falsa» (Gombrich, 2002: 201). 

Também Douglas R. Hofstadter, no seu livro Metamagical Themas: Questing for 

the Essence of Mind and Pattern (1985) nos desperta para o confronto com a escrita e 

a  linguagem  ao  expor  um  exemplo  tão  evidente  como  «Esta  frase  não  verbo» 

(Hofstadter,  1985;  cit.  por  Alves,  s.d.).  Entre  outras  derivações  citadas  pelo mesmo 

autor: 

«Ezta frase não é auto‐referencial porque 'ezta' não é uma palavra.» 

«Esta frase sofre ! de pontuação precoce» 

«Esta frase não é uma pergunta, mas termina com um ponto de interrogação?» 

«Para bom entendedor meia palavra bas.» 

«Esta frise contém exactalmente três erros.» 

Da mesma  forma,  o mesmo  efeito  recursivo  pode  acontecer  dentro  de  uma 

imagem, como é exemplo o feedback. Podemos evocar Drawing Hands (Figura 5) de M. 

C. Escher, pelo encadeamento da representação do próprio procedimento, num ciclo 

infinito – o mise en abyme.26 

                                                            25 Um exemplo dessa aproximação é um dicionário, que se resume a definir palavras com significados que  são  seus  sinónimos  ou  palavras  tangentes.  Vejamos:  «Dicionário  (francês  dictionnaire)  s. m.  1. Colecção organizada, geralmente de forma alfabética, de um conjunto de palavras ou outras unidades lexicais  de  uma  língua  ou  de  qualquer  ramo  do  saber humano,  seguidas  da  sua  significação,  da  sua tradução  ou  de  outras  informações  sobre  as  unidades  lexicais.  2.  Colecção  de  palavras  usadas habitualmente  por  uma  pessoa,  por  um  grupo  social  ou  profissional,  num  domínio  técnico,  etc.  = GLOSSÁRIO, VOCABULÁRIO. 3.  [Linguística] Conjunto de unidades  lexicais  identificadas, organizadas e codificadas» (Priberam, 2011). 26  Esta  ideia  de  começar  num  ponto  de  partida,  percorrer  a  dimensão  da  representação  e  voltar curiosamente ao ponto de  início, relembra a fita de Möbius: uma superfície de um só lado e fronteira, que não encontra orientação fixa; uma forma aparentemente tão simples, que incorpora um resultado tão complexo, como a noção de infinito. 

Page 33: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

25  

 

Figura 5 ‐ M. C. Escher (1898‐1972). Drawing Hands, 1948. Litografia; 28.2 cm × 33.2 cm. Washington, EUA: National Gallery of Art (Wikipedia, 2011). 

Em  La  condition humaine  (Figura  6) de René Magritte,  são exibidos num, dois 

quadros entre eles relativos; o artista manifesta a condição auto‐referencial no sentido 

tautológico – que se refere à redundância, pela repetição do que já lá está27: 

À  frente de  uma  janela  vista de dentro de uma  sala,  coloquei uma pintura que  representa exactamente  essa  parte  da  paisagem  coberta  pela  pintura.  Assim,  a  árvore  na  imagem escondeu a árvore por trás dela, fora da sala. Para o espectador, ela estava simultaneamente dentro da sala, dentro da pintura, e fora na paisagem real (Torczyner, 1977; cit. por Wikipedia, 2011). 

 

Figura 6 ‐ René Magritte (1898‐1967). La condition humaine, 1933. Óleo sobre tela; 100 cm × 81 cm. Washington DC: National Gallery of Art, (Wikipedia, 2011). 

Dentro dos limites da bidimensionalidade de uma tela, Magritte confronta esse 

espaço com um outro  igual a si,  incluindo, neste caso, outras pinturas dentro da tela 

principal. 

Mas uma meta‐imagem tanto pode referir‐se a ela própria, a outras que falam 

de si, a imagens que tenham mais do que uma leitura, ou a pela relação com discursos 

                                                            27 Eis o exemplo de um pleonasmo. 

Page 34: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

26  

a ela  relativos.  Se pensarmos que  a experiência humana nos  coíbe de desagregar o 

visual  do  verbal  (e  vice‐versa)  é  porque  encaramos  a  paridade,  o  equilíbrio  e  a 

possibilidade  de  duas  linguagens  diferentes  comunicarem  o  mesmo.  Não 

necessariamente  como  auto‐referência,  mas  a  complementaridade  é  uma  das 

ocorrências que subsiste na relação entre linguagens.28  

É nesse  contexto que  recordamos a pintura  La  trahison des  images  (Figura  7), 

também  de  Magritte,  cujo  paradoxo  se  encontra  na  incoerente  relação  entre  as 

linguagens textual e visual. 

 

Figura 7 ‐ René Magritte (1898‐1967). La Trahison des Images, 1928. Óleo sobre tela; 63.5 cm × 93.98 cm. Los Angeles, Califórnia: Los Angeles County Museum of Art (Wikipedia, 2011). 

A representação de um cachimbo, como signo de um verdadeiro cachimbo, é 

interrogada pela palavra “ceci” (isto) de «Ceci n'est pas une pipe», tornando a situação 

inconsistente. Pretenderá Magritte referir que a representação do cachimbo não é um 

cachimbo verdadeiro? Ou que a frase não é um cachimbo? Nesse sentido, discute‐se 

também a essência da obra de arte: é, ou não é, uma representação do real? Deve sê‐

lo? E porque é questionado? (Mitchell, 1994: 65). 

Mais do que pensar nas semelhanças ou diferenças entre os territórios textual 

e  visual  de  uma  imagem‐texto  importa  perceber  o  que  produzem.  Aglutinados, 

justapostos ou separados, originam diferentes conclusões (Mitchell, 1994: 91). 

Partindo  do  princípio  de  que  uma  dissertação  teórico‐prática  implica,  como 

refere,  uma  componente  teórica  –  um  «texto  em  que  é  feita  uma  demonstração 

através de uma cadeia de afirmações» (Estrela, Soares, Leitão, 2006: 103; cit. por Reis, 

                                                            28 A dificuldade em separar o campo visual e o verbal vem da  interacção entre a experiência ocular e visual que nos devolve  imagens, e a parte da mente que as articula e relaciona com palavras e com o discurso verbal. Torna‐se assim uma  relação  indissociável, um  reportório cíclico e auto‐referente. Um exemplo claro dessa correspondência é constatar‐se uma obra visual e a respectiva  legenda textual. É um caso em que o textual confronta o visual (e vice‐versa). No entanto, podem complementar‐se, opor‐se ou procurar anular essa mesma analogia. 

Page 35: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

27  

2010, comunicação pessoal) –, e uma componente prática – uma demonstração física 

dessas mesmas reflexões –, verificamos a conciliação entre dois mundos: o textual e o 

visual.  Estes  servem  assim  diferentes  expressões  de  um  mesmo  propósito,  pois 

cooperam na manifestação teórico‐prática de uma dissertação. Descrevem e mostram 

esse mesmo, mas sozinhos não são capazes de o prover ou comunicar na sua máxima 

extensão, pois são complementares. 

É essa condição  (que articula as dicotomias  teoria/prática,  textual/visual) que 

se procura demonstrar nesta específica dissertação. 

 

2. Contributos para o projecto 

2.1. Papel do Espectador: de Brunelleschi à instalação artística 

O espaço não está  lá só para o olho: não é uma  imagem; quer‐se viver nele… rejeitamos  o  espaço  como  um  caixão  pintado  para  os  nossos  corpos  vivos 

(Lissitzky, 1990: 35, cit. por Bishop, 2005: 48).29 

Após  a  introdução  dos  conceitos  abordados  no  primeiro  capítulo,  podemos 

facilmente começar por situar o contributo de Filippo Brunelleschi nos alicerces deste 

projecto e em muitas das produções artísticas até aos dias de hoje. 

Ao  desenvolver  um  notável  dispositivo  perspéctico  que  veio  reestruturar  os 

paradigmas existentes, Brunelleschi realiza «a primeira tentativa para estabelecer uma 

equivalência entre uma representação e o objecto dessa representação» (Bertol, 1996: 

89; cit. por Reis, 2001: 63). 

Constituído por um espelho e um painel, o facto deste último ser perfurado cria 

um  canal  óptico  a  partir  do  qual  se  observa  a  representação,  reflectida  no  espelho 

(Figura  8).  Ao  retirar‐se  o  espelho,  o mesmo  eixo  consente  agora  a  observação  da 

realidade.  Foi  esse  jogo  comparativo  que  facultou  a  construção  do  simulacro  da 

realidade,  e  que  é  condição  para  que  o  espectador  comprove  o  efeito  da 

representação.  

                                                            29 Que revela exactamente o mesmo: «Estou imerso nele [o espaço], está em toda a minha volta, não só à minha frente» (Merleau‐Ponty, 1964: 178, cit. por Bishop, 2005: 50). 

Page 36: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

28  

 

Figura 8 – Ilustração do dispositivo perspéctico criado por Filippo Brunelleschi, em 1401, para a representação do Baptistério de S. Giovanni di Firenze (Mitsui, 2010). 

O lugar onde se deve colocar o espectador, esse lugar único de onde a pintura exigirá ser vista para produzir o seu efeito, encontra o seu correspondente no quadro, e é no campo deste que ele se deixa, primeiramente, descobrir, por reflexão. Com efeito, a experiência de Brunelleschi demonstra que, o ponto  que hoje  denominamos  “ponto de  vista”,  este ponto que  se  acha coincidente,  projectivamente  falando,  com  o  ponto  dito  “de  fuga”:  um  e  outro  têm  o  seu lugar‐comum no ponto de intersecção entre a perpendicular conduzida do olho ao quadro e o plano onde este se inscreve... (Damisch, 1987: 139; cit. por Reis, 2001: 85). 

Na  coincidência  dos  eixos  das  duas  pirâmides  visuais  –  formadas  pela 

perspectiva  central  (ponto  de  vista/representação)  e  a  perspectiva  do  painel 

(representação/ponto  de  fuga) – o observador  é  confrontado  com o  reflexo do  seu 

próprio  olho  na  representação.  Brunelleschi  propõe  assim  a  ligação  desses  pólos: 

ponto de vista e ponto de fuga. O espelho é assim mediador da demonstração na qual 

aponta também o sujeito como centro da ilusão. 

São assim aglutinadas as experiências visuais do criador e do espectador pela 

idêntica colocação e observação no momento do exercício. A centralização proposta 

por esse «lugar único», o ponto por onde realiza e espreita a representação,30 surge 

como  um  «olhar  ciclópico»31  através  do  qual  se  intensifica  a  demonstração 

perspéctica. 

                                                            30 Próximo do de um voyeur de um peepshow. É Hubert Damisch quem qualifica o sujeito observador (da experiência  de  Brunelleschi)  como  «voyeur»  (Damisch,  1987:  150;  cit.  por  Reis,  2001:  76),  e  Rudolf Arnheim  quem  primeiro  empregou  a  expressão  «peepshow»,  a  propósito  do  mesmo  dispositivo (Arnheim, 1978; cit. por Reis, 2001: 76). 31 W. C. Wells designava‐o como consequência de os dois campos visuais descoincidentes produzirem uma imagem unitária no «centro da cabeça do observador», facto esse que esclareceu ao construir a chamada «janela mágica», um dispositivo que estuda a visão binocular (Wells, 1792; cit. por Reis, 2001: 182). 

Page 37: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

29  

Contudo,  a  atitude  contemplativa  e  o  posicionamento  do  espectador  do 

artifício de Brunelleschi – orientado para o campo que constitui a cena –, que acontece 

também  na  pintura,  na  fotografia  e  no  cinema,  convoca  um  tipo  de  leitura  que 

estabelece condições para uma atitude passiva, na qual o  fascínio prevalece  sobre a 

experiência  (Parfait,  2006:  39).  Ao  explorar  maioritariamente  aspectos  relativos  à 

percepção e ao visual requer um olhar frontal, estático e centralizado.  

No  entanto,  ao  longo  do  tempo  as  preocupações  dos  artistas  foram‐se 

ampliando e passaram a apropriar‐se da presença de um corpo (Mitchell, 1994: 20),32 

começaram a explorar outro  tipo de estímulos e a usufruir da  linguagem  corporal e 

espacial. Foi‐se quebrando a posição fixa e  inactiva do espectador, e condição da obra 

como mera representação do real. 

Se avançarmos anos na história apercebemo‐nos de que nos anos cinquenta e 

sessenta  procurou  desenvolver‐se  uma  arte  de  ruptura  com  a  estrutura  claramente 

definida e acabada da obra tradicional – fechada no objecto –, abrindo‐se em virtude de 

uma  arte  cada  vez mais participativa,  livre  e  conjunta,  da  qual  são  exemplo  algumas 

propostas como happenings e performances (Almeida, 2004).33 

A  noção  de  corpo  performativo,  que  reconhecemos  também  no  teatro  e  na 

dança,  na  relação  entre  corpo  e  espírito,  veio‐se  alterando  não  só  através  da 

exploração  artística mas  também  com  a  rápida  propagação  das  novas  tecnologias, 

através da computação e dos renovados métodos de interacção. São as aproximações 

artísticas  através  de meios  digitais  que  vêm  permitir  sair‐se  da  esfera  objectiva  do 

corpo  físico. Aproveitam  a presença do  corpo humano e a  sua  capacidade  sensorial 

para  o  envolver  em  estímulos,  incitá‐lo  a  agir  e,  inclusivamente,  transportá‐lo  para 

locais virtuais. 

É nesse contexto que a arte da instalação (ou instalação artística) veio absorver 

e agregar as diversas linguagens artísticas.  

Pôr  em  tensão  tanto materiais  híbridos  e  espaços  heterogéneos  como  procedimentos  de percepção  e  pensamento  que  submetem  campos  tão  variados  como  a  ciência  cognitiva,  a genética, a física, as ciências sociais e políticas ou a arte e a sua história (Parfait, 2006: 26). 

                                                            32 «This observer is given a body”». 33 Na mesma altura, paralelamente à procura de  integrar o espectador, o Minimalismo e as esculturas dessa época vieram evidenciar a interdependência entre o sujeito e a obra, entre a obra e o espaço de apresentação – problemática essa que, como veremos adiante, se repercute na essência da  instalação artística. 

Page 38: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

30  

Como  resultado desse híbrido processo artístico desenvolve‐se uma moderna 

experiência de ser‐se espectador.  

A  instalação artística prende‐se com uma consciência peculiar: o discurso que 

advém da comunhão entre obra, espaço e sujeito; uma  linguagem específica que, só 

no  confronto  com  a  peça,  saberemos  entender.  Vai  além  da  forma  como  estão 

organizadas as peças numa exibição pois dá prioridade à relação entre o acto artístico 

e o espaço da sua apresentação – que envolve o lugar e o espectador.  

“Lugar” esse que, na definição de Aristóteles, «é parte do  corpo que  rodeia, 

enquanto  o  define  (o  limita)  e,  em  contrapartida,  não  seria  nada  sem  o  corpo  que 

cerca» (Cauquelin, 1996: 133‐134; cit. por Parfait, 2006: 37). 

A instalação artística provoca assim no sujeito uma experiência fenomenológica 

pela relação dos objectos à dimensão arquitectónica, e não só ao espaço pictórico.  

O diálogo entre obra e o espectador estabelece‐se não só à base da  linguagem ou  reflexão, mas principalmente de uma maneira prática, no sentido recursivo da comunicação, na medida em que estimula a própria acção do observador no contexto da obra. (Giannetti, 2001) 

Mais  intrusiva,  a  obra  mantém‐se  numa  espécie  de  stand‐by  e  espera  ser 

activada. É quase dizer que não é autónoma, que  implica um  co‐criador e, por  isso, 

participa numa forma de desmaterialização da arte (Parfait, 2006: 28). 

De entre as suas mais diversas tipologias, das mais fixas e despretensiosas, às 

inconstantes e  interactivas,  foi maioritariamente este o tipo de aproximação artística 

que veio reestruturar a integração do espectador. Abriu caminho a novas maneiras de 

incorporação humana, que se inicia na actividade do observador (visto como activador 

da obra) e que passa pelo resultado da sua interferência, como o dito co‐criador.  

É  a  «activação»  da  obra  e  a  «descentralização»  do  ponto  de  vista  único  do 

sujeito que permite que, contrariamente a Brunelleschi e à comum «representação de 

texturas, espaços, luz e afins», a ditemos como uma arte que nos «apresenta e dispõe 

esses elementos à experiência» (Bishop, 2005: 11). 

Se, no painel de Brunelleschi, o espaço representado era sistematizado, estável 

e  isolado, o espaço artístico de uma  instalação é aberto e mutável. O envolvimento 

recíproco entre ele e o público vem reformular a própria concepção e experiência do 

espaço real pois permite que o “Eu” cultive virtualmente peças que façam parte do seu 

desejo  interno.  Por  emergir  de  uma  experiência  personalizada  o  espaço  perceptivo 

adquire assim diferentes contornos através do imaginário colectivo e individual. 

Page 39: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

31  

A  fruição privada do espaço representado por Brunelleschi e as possibilidades 

de  um  espaço  instalativo  ditam  assim  diferentes  posturas  do  espectador  e 

proporcionam diferentes entendimentos de um espaço virtual. 

 

2.2. Espaço virtual: Anish Kapoor e Olafur Eliasson 

“Obras  abertas”,  não  apenas  porque  admitem  uma  multiplicidade  de interpretações,  mas  sobretudo  porque  são  fisicamente  acolhedoras  para  a imersão activa de um explorador (Lévy, 1999: 147; cit. por Almeida, 2004). 

A  instalação  rapidamente  se apropriou do  tempo e do espaço do espectador 

fazendo experiências com aspectos fenomenológicos da percepção.  

Segundo Françoise Parfait (2006: 30‐36), por ser uma construção no espaço e do 

espaço, é uma arte que desafia os costumes e problematiza a relação entre o  interior e 

exterior, entre luminoso e escuro, entre público e privado, individual e colectivo; que põe 

em causa não só a percepção e a atenção, mas o consumo sensível enquanto experiência 

corporal  na  fruição;  que  explora,  por  isso,  diversas  posturas  do  espectador  –  que 

converteu  numa  reacção  activa,  reforçada  por  estratégias  e  meios  tecnológicos  que 

fomentam o conluio com o sujeito. 

Entre  várias  abordagens,  a  instalação  artística  apresenta  objectos  e  espaços 

ambíguos  que  conduzem  o  sujeito  a  alienar‐se  do  espaço  físico,  suspendendo 

temporariamente a sua descrença. Projecções  imersivas e sistemas programados que 

reagem à presença do espectador ambicionam originar efeitos e sensações que vão da 

tranquilidade  à  perturbação,  do  transe  à  desorientação.  Tanto  podem  incutir  uma 

postura  imóvel,  implicar  comportamentos  interactivos  ou  proporcionar  um  mero 

deambular pelo espaço, com o intuito de o descobrir. De uma forma geral, é uma arte 

que  envolve  o  espectador  numa  experiência  sinestésica  ao  provocar  a mente  e  o 

corpo, uma inter‐relação dos sentidos para com o espaço.  

Neste contexto, citar Anish Kapoor é mencionar a dualidade que  imprime nas 

suas  obras:  o  jogo  entre  o  todo  e  o  nada,  a matéria  e  a  imatéria,  o  positivo  e  o 

negativo, a luz e a sombra, o convexo e o côncavo, o masculino e o feminino, o corpo e 

o espírito, a vida e a morte, entre muitas outras dicotomias. 

Interessa‐lhe gerir o limiar entre a realidade e a ilusão conduzindo o espectador 

a um limbo entre a racionalidade e a espiritualidade. Kapoor, acima de tudo, trabalha 

não  só  a densidade do espaço  físico mas  a  sua dimensão metafísica. Usa  a matéria 

Page 40: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

32  

como ponto de partida para a criar ambiguidades e atribuir aos objectos um carácter 

paradigmático. Provoca a sensação de plenitude e de vazio. Como veremos, conturba a 

noção  de  volume  dos  objectos  insinuando‐lhes  profundidades;  abismos  criados  por 

sulcos e buracos que aparentam não ter fim (Figura 9). 

 

Figura 9 – Anish Kapoor (1954 ‐). Adam, 1988. Pigmento sobre arenito; 119 × 102 × 236 cm (Kapoor, 2011). 

Interpela‐nos  com  blocos  e  estruturas  orgânicas  de  proporções  épicas  e 

destemidas que nos fazem equacionar a nossa própria dimensão, à do espaço (Anexo 1). 

Quando  concebe  estruturas  que  sugerem  o  atravessar  de  paredes,  também  nos 

reposiciona  perante  a  imponência  de  uma  força  que  os  cria  e  movimenta;  umas 

escondem a sua origem, as marcas da sua criação, e parecem despontar do chão (Anexo 

2),  outras  assumem‐se  como  objectos  “autogerados”  (Kapoor,  1991,  comunicação 

pessoal; cit. por Allthorpe‐Guyton, 1991: 47) (Anexo 3 e Anexo 4). 

Kapoor confronta o branco da galeria com o uso de simbólicos pigmentos fortes 

e puros; contrasta a solidez de uma realidade arquitectónica límpida com as coloridas 

esculturas  intrusas  que  interferem  com  ela  (Anexo  5).  Cores  essas  que  são  como 

espíritos, reflexos da divindade que mora no seu interior (McEvilley, 1991: 19).  

Em diversas situações faz com que as peças levitem no espaço, que suspendam 

o seu aparente peso suprimindo a gravidade. Torna ambígua a própria materialidade 

(Anexo 6). Socorre‐se assim do potencial de materiais particulares pelas suas densidades 

e possibilidades plásticas. Experimenta a escultura em diversos suportes que afectam 

directamente a  reflexão do espectador perante o espaço percepcionado. Ora dispõe 

formas espelhadas que distorcem a realidade envolvente, sugando‐a num vórtex (Anexo 

7), ora reflectem o público numa verdade deturpada (Anexo 8).  

Page 41: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

33  

Anish Kapoor dá  tanto quanto  suprime; o  carácter majestoso das  suas obras 

tanto nos arrebata, eleva e completa, como nos despoja e inquieta, pela incapacidade 

de  comportar o  sublime. O  constante  jogo de  (des)construção de  espaços dá  azo  à 

desorientação do espectador que, nessa condição, se vê compelido a reencontrar‐se, a 

surpreender‐se, e a tentar perceber a peça numa atenção demorada. Kapoor pretende 

assim comprometer a sensibilidade do indivíduo desafiando‐o a verificar a obra na sua 

máxima genialidade. 

De  entre  as  mais  variadas  obras  do  autor,  opto  por  apontar  o  carácter 

paradoxal de algumas situações nas quais é alusiva a  ideia de um buraco. O material 

usado  (no  caso  da  Figura  10,  o  pigmento  preto)  converte‐se  numa  espécie  de  não‐

material;  elimina  a  superfície da parede e  concede  ao  espectador o  contacto  visual 

com um espaço virtual, para lá de si, cuja abertura para o novo nos sentimos tentados 

a conhecer (Figura 10, Figura 11 e Figura 12). 

 

Figura 10 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Origine du monde, 2004. Pigmento sobre betão. Kanazawa: 21st Century Museum of Contemporary Art (Kapoor, 2011). 

 

Figura 11 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Marsupial, 2006. Resina e tinta; 245 × 370 × 247cm (Kapoor, 2011). 

Page 42: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

34  

 

Figura 12 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Iris, 1998. Aço inoxidável; 200 × 200 × 200 cm (Kapoor, 2011). 

Na  concepção  visual desse  círculo, ao olhar para o espaço/vazio produzido – 

esse  precipício  diametralmente  confinado  –,  apercebemo‐nos  de  que  se  expande 

numa  aparente  profundidade  imensurável  que  não  sabemos  interpretar,  pois 

perceptivamente não somos capazes de formar o infinito. 

Estou  ciente da presença  fenomenológica nas obras do  vazio, mas  também o  sou de que a mera experiência fenomenológica é, por si só, insuficiente.  Descubro que estou a voltar à ideia de  uma  narrativa  sem  argumento,  o  que  permite  a  introdução  da  psicologia,  do medo,  do amor e da morte, da maneira mais directa possível.   Este vazio não é algo que não se possa expressar. É um espaço potencial, e não um não‐espaço (Kapoor, 1991, comunicação pessoal; cit. por Allthorpe‐Guyton, 1991: 45). 

«O  espaço  da  pintura  é  o  espaço  da  ilusão»  (Allthorpe‐Guyton,  1991:  45). 

Torna‐se ambíguo, místico e em transfiguração. Produz no espectador a  incerteza e a 

tentação que se reflecte na curiosidade de testar fisicamente a existência (ou não) de 

um plano negro, tactear a existência (ou não) de um buraco profundo; e se sim, quão 

profundo?  

Aos olhos e à mente, a peça tanto se transcende para dentro si própria, numa 

abertura  ínfima e tridimensional, como se pode resumir à bidimensionalidade de um 

mero círculo, ancorado à parede da sala. Kapoor usa então o pigmento para dar forma, 

significado  e  dimensão  à  percepção.  Trata  a  matéria  como  uma  ferramenta  que 

simultaneamente possibilita e compromete a construção visual. Afirma‐se assim pela 

produção de obras que permeiam os territórios da realidade e do virtual.  

É nesse mesmo  limiar, na experiência da  ilusão e da ambiguidade, que Olafur 

Eliasson funda também as suas obras.  

Eliasson  começou  por  estudar  o  ser  humano,  a  sua  psicologia  e  neurologia. 

Interessa‐se pelo «intervalo entre  a expectativa  racional de uma ocorrência e  a  sua 

correlação com a experiência visceral dela»; procura relacionar «a acção  instintiva da 

Page 43: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

35  

percepção e  a  lógica da  compreensão»  (May, 2003: 18). Preocupou‐se  assim  com o 

entender  do  comportamento  e  das  capacidades  perceptivas  do  sujeito  através  de 

ilusões  que  são  mais  que  meras  situações  ópticas.  As  suas  obras  são,  como  diz, 

«produtoras de fenómenos» (Eliasson, 2002: 14; cit. por May, 2003: 19).  

Em  espaços  descontextualizados,  como  num  museu,  recria  processos 

atmosféricos  tão  autênticos  quanto  a  sensação  de  nevoeiro,  vento,  arco‐íris,  sol, 

chuva,  neve  e  cascatas.  Ao  simular  fenómenos  naturais34,  produzindo  ambiências 

exteriores no  interior da arquitectura, o artista desperta no observador o conflito na 

distinção entre mundos: natural e urbano, entre natureza e humano, entre  interior e 

exterior, objecto e sujeito, real e virtual, entre arte e vida. Como se se corrompessem 

uns ao outros, penetrando‐se mutuamente. 

Os  seus  inúmeros  projectos  enredam  assim  o  sujeito  numa  teia  que  alia  o 

espaço externo ao espaço do museu, o espaço real e o virtual da obra. Contudo, fá‐lo 

de  forma  transparente,  ou  seja,  explora  esta  indissociável  relação  de  forma  aberta 

quando opta por deixar visíveis os métodos de criação e processos de persuasão a que 

recorre. 

Foi em 2003, no projecto The Weather Project (Figura 13), que Eliasson obteve a 

sua maior  audiência. Através  dele,  o museu  adquire  as  características  do mundo  lá 

fora, como um «microcosmo da sociedade» (Eliasson, 2002, comunicação pessoal; cit. 

por May, 2003: 17‐22). 

A  luz  emitida  por  um  sol  fictício  não  resultava  de  uma  estrutura  totalmente 

circular mas a colocação dos planos que a compunham e os espelhos que a reflectiam 

produzia  uma  auréola  difusa,  com  irregularidades  no  seu  contorno,  acentuando  a 

aparência  realista.  Complementarmente,  a  névoa  produzida  pelos  diversos 

humidificadores  contribuía  para  a  difusão  da  luz  produzindo  uma  atmosfera 

confortável, pacífica e letárgica. O efeito imersivo era conseguido tanto pela afinidade 

simbólica e nostálgica para com o sol real – ali destituído da sua circunstância natural –

, como pela geração dessa ambiência quase hipnótica que criava condições para uma 

atitude passiva, contemplativa e de meditação sob o objecto de “adoração”.  

 

                                                            34 Pode dizer‐se que o autor faz uma certa alusão entre o fenómeno meteorológico e a fenomenologia da percepção (Bishop, 2005: 76). 

Page 44: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

36  

 

Figura 13 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). The Weather Project, 2003. Técnica mista; dimensão variável. Londres: Tate Modern (Wikipedia, 2011). 

A  evidenciar  esse  facto,  todos  os  artifícios  utilizados  estavam  à  mercê  da 

percepção do sujeito, desmistificando a realidade do fenómeno. Um espelho, situado 

no  tecto,  reflecte a consciência dessa encenação possibilitando a capacidade de nos 

vermos como um terceiro, externo a nós e ao objecto, no acto da percepção (Eliasson, 

2002,  comunicação  pessoal;  cit.  por  May,  2003:  17‐18).  O  filósofo  Merleau‐Ponty 

refere  essa  distância  como  necessidade  inerente  à  compreensão  da  natureza  da 

percepção: 

Ao  analisar  um  objecto  substituímo‐lo  pela  nossa  consciência  dele;  então,  na  tentativa  de construir uma percepção baseada nas  coisas percebidas,  caímos no  reconhecimento de que estão, elas próprias, apenas acessíveis através da percepção (Merleau‐Ponty, 1961: 5; cit. por May, 2003: 18). 

É  o  reconhecimento  perceptual  e  ideológico  que  Eliasson  procura  activar  no 

espectador  quando  intitula  algumas  das  suas  obras  com  o  pronome  possessivo 

«teu/tua/vosso»; uma estratégia para  relembrar o  individuo de que «detém o papel 

principal na produção estética da obra de arte» (Grynsztejn, 2007: 14). 

De  formas  diferentes,  tanto  Anish  Kapoor  como  Olafur  Eliasson  procuram 

fomentar no sujeito a vontade participativa da experiência do espaço perceptivo. Se a 

especificidade  de  Kapoor  ocorre  em  apontamentos  escultóricos  que  corrompem  a 

realidade  interna do museu, abrindo poros para um espaço virtual, Eliasson apropria‐

Page 45: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

37  

se  de  fenómenos  da  realidade  externa  ao museu  para  invadir  o  espaço  interior  e 

fascinar o espectador na exploração de um espaço virtualmente próspero. O  interior 

abre‐se para um exterior e um exterior penetra no interior, respectivamente. 

É a controversa percepção e interpretação da matéria por parte do espectador 

que  torna  interessante  o  jogo  de  realidades  e  permeabilidades  presente  nas 

instalações de ambos os artistas.  

No  âmbito  dos  trabalhos  aqui  apresentados,  Anish  Kapoor  trabalha  por 

contrastes  de  cor  e  densidades  materiais  para  sugerir  significados  paradoxais  na 

relação  com  os  seus  opostos:  matéria/imatéria,  bidimensional/tridimensional, 

físico/metafísico.  Uma  busca  tangente  à  simbologia  e  ao  espiritual,  que medeia  a 

(in)visibilidade do  real e do  transcendental. Um exemplo dessa  intenção é Ascension 

(Figura  14),  instalada  recentemente  na  Basílica  di  San  Giorgio Maggiore  –  durante  a 

Bienal de Veneza deste ano. Esta consiste numa coluna de fumo que emerge da base e 

se ergue em direcção ao  topo  (sugada pelo centro da cúpula), um processo deveras 

metafórico  da  ascensão  divina.  Kapoor  confere  volume  à  condição  etérea  da  obra, 

concedendo ao observador o contacto visual com o transcendental que, no entanto, é 

impalpável e imaterial.  

  

Figura 14 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Ascension, 2011. Técnica mista; dimensão variável. Veneza: Basílica di San Giorgio Maggiore (Making Art Happen, 2011). 

Já  Olafur  Eliasson,  que  recorre  a  elementos  da  natureza  para  produzir  um 

conflito  igualmente  (i)material,  descreve  o  seu  trabalho  como  «dispositivos  para  a 

Page 46: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

38  

experiência da realidade» (Wailand, 2000: 127; cit. por Grynsztejn, 2007:18); realidade 

essa  que  se  encontra  entre  «o  próprio  tacto,  a  heterogeneidade  e  o  universo  em 

constante mudança, num encontro algures entre um evento concreto e a sua luminosa 

apercepção» (Wailand, 2000: 127; cit. por Grynsztejn, 2007:18).  

Beauty  (Figura 15), uma obra na qual produz um arco‐íris através de uma placa 

perfurada que se deixa atravessar por água, iluminada por uma lâmpada, é exemplo de 

uma  experiência  tão  autêntica  que  as  movimentações  de  um  espectador  (ou  as 

diferentes localizações de vários indivíduos) vão implicar distintos resultados. Significa 

que,  de  forma  natural  (pelo  efeito  de  refracção),  Eliasson  consegue  que  cada 

espectador tenha literalmente uma percepção divergente da sua peça (May, 2003: 19). 

 

Figura 15 ‐ Olafur Eliasson (1967‐). Beauty, 1993. Técnica mista; dimensão variável. Chicago: Museum of Contemporary Art (Eliasson, 2011). 

Podemos então concluir que a arte da  instalação veio reestruturar o conceito 

de espaço sensível (real, representativo e perceptivo) e a centralização no sujeito. 

Por diversos métodos, vários foram os artistas que tomaram o acto perceptivo do 

espectador como assunto da peça a própria, ou seja, evidenciaram a própria consciência 

do observador no momento da experiência. Confrontaram‐no consigo. Demonstraram a 

distância  e  a  subjectividade  do  acto  de  fruição,  subjugando‐o  a  uma  experiência  de 

descentralização. Nesse  sentido, obra  torna‐se um meio para que o  sujeito  seja ele 

mesmo um instrumento de transcendência. Sai de si para ver‐se a ver, para sentir‐se a 

sentir. Permite, por isso, uma experiência internamente fragmentada e dividida.  

Page 47: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

39  

Se  nos  debruçarmos  sobre  o  espectador  das  esculturas  minimalistas, 

apercebemo‐nos  dessa  descentralização. Quando  o  objecto  e  o  seu  observador  são 

reciprocamente interdependentes, a percepção envolve não só a visão mas o corpo, o 

espaço circundante e a circunstância; então a experiência de uma obra minimalista dá 

prioridade às condições externas ao objecto, em detrimento de uma apreensão do seu 

conteúdo.35 O  espectador  descentraliza‐se  e  procura  fazer  relações  entre  o  objecto 

artístico  e  o  espaço,  entre  eles  e  o  seu  corpo  (Bishop,  2005:  71).  Tal  como  essas 

esculturas,  as  instalações  artísticas  são  «obras  que  permitem  uma  experiência 

perceptiva em primeira instância», e que nos chamam à atenção para o nosso próprio 

processo de perceber (Bishop, 2005: 50).  

Ao  subverter  a  perspectiva  renascentista  que  centrava  o  espectador, 

estenderam‐se à condição humana de um ser individual e fragmentado, alguém que se 

relaciona com o mundo de forma múltipla e subjectiva cujo corpo, como sugere Bruce 

Nauman,  «antes  de  ser  um  unificado  repositório  de  percepções  sensíveis  está,  de 

facto, em conflito consigo» (Bishop, 2005: 69). 

Na manifestação desta ocorrência, Nauman,  juntamente  com outros  artistas, 

visou explorar a prática artística partindo das possibilidades expressivas da linguagem, 

assim como analisar as repercussões nesse espectador dividido. 

 

2.3. Linguagem Audiovisual: Bruce Nauman e Gary Hill 

«Talvez  todos  os  nossos modelos,  não  só  da  história, mas  da  estética, sejam  secretamente  modelos  do  sujeito»  (Foster,  1998:  165;  cit.  por Bishop, 2005: 128). 

As mais  variadas  exteriorizações  sensíveis  do  exercício  artístico  têm  vindo  a 

dialogar com o espaço e o tempo do sujeito num híbrido processo de significação. Uma 

interligação  gerada  por  campos  distintos  da  semiótica  (sintaxe,  semântica  e 

pragmática) que tem por objecto qualquer linguagem ou sistema sígnico. 

Nesse sentido, «o uso de elementos num propósito artístico não serve apenas 

uma  intenção  estética mas  uma  construção  de  códigos  culturais»  (RUSH, M.,  2007: 

72);36  e  para  Bruce  Nauman  verifica‐se  não  apenas  na  sua  efectivação,  mas  no 

                                                            35 Para o qual contribui a simplicidade das  formas e os materiais não‐expressivos ou simbólicos a que recorre. 36 Referindo‐se ao trabalho de Kosuth. 

Page 48: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

40  

questionar do seu processo. Não  lhe  interessa uma expressão estética estanque mas 

sim a possibilidade de apurar as suas características, os procedimentos, os sucessos e 

os fracassos. Preocupa‐se essencialmente em analisar formas de comunicar; estudar os 

seus desvios e rupturas, pois é pelas oscilações que se reconhecem os  limites de um 

território. É nesse contexto que Nauman entende a  linguagem como uma espécie de 

jogo,  uma  prática  diária  que  reflecte  as  várias  formas  da  vida  e  que  é, 

simultaneamente,  legitimada  pelas  mesmas  (RUSH,  M.,  2007:  72).  É  considerar  o 

paradoxo: «Como é que o conceito de um medium se pode ter desenvolvido a partir da 

nossa experiência do mundo, se são eles que a constituem estruturalmente?» (Pinto, 

2011:  14).37 Na  observação  deste  facto,  é  necessário  ver  a  linguagem  à  luz  da  sua 

própria condição de possibilidade, entendê‐la numa perspectiva  transversal aos seus 

próprios processos: o que a proporciona, o que a configura, e qual a sua consequência. 

Faz  assim  sentido pensar que o  fenómeno da percepção é  causa e efeito da 

comunicação. A linguagem é o produto da experiência do real e da vontade expressiva, 

e dessa mesma, surge a necessidade comunicativa.  

Como qualquer  linguagem, o discurso artístico pressupõe o conhecimento dos 

seus elementos, dos seus códigos e do seu processo de construção. 

Se pensarmos no vídeo – que emerge quando as fronteiras entre as artes (ditas 

tradicionais) se esbatiam – constatamos que surge pelas mãos de artistas, coreógrafos 

e activistas que procuravam usá‐lo como canal para expressar uma  ideia em si, mais 

que  com o  intuito de  estabelecer um  vínculo  identificativo  com o próprio meio, ou 

seja, que os definisse como vídeo‐artistas (RUSH, M., 2007: 9).  

Envolve, por isso, inúmeros e distintos exercícios: serviu a ligação entre o físico 

e  o  conceptual  (através  do  registo  de  práticas  performativas  ou  situações  de 

videovigilância), a distinção entre a narrativa e a não‐linearidade (desmaterializando a 

linguagem  do  Cinema  através  da  construção  de  novas  narrativas),  entre  o 

experimental e a crítica dos media (através da exploração das potencialidades técnicas 

do  próprio meio  e  linguagem,  assim  como  através  de  documentários  activistas  ou 

oposições  à  cultura  dominante),  e  como  resultado  da  combinação  com  outras 

tecnologias  (das quais resultam situações híbridas ou  instalações  interactivas)  (RUSH, 

M., 2007: 9). 

                                                            37 Partindo da  afirmação de  Friedrich Kitter,  citada por  si: «Os media determinam  a nossa  situação» (Pinto, 2011: 14), que emprega para questionar a origem do design de comunicação. 

Page 49: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

41  

Configurou, por  isso, diversas vertentes expressivas da  linguagem audiovisual 

cuja  leitura e entendimento por parte do espectador  implicou diferentes posturas e 

respostas. Para fins específicos, assumiu‐se sob variadas formas e ocupou o tempo e o 

espaço do espectador, ora em directo ora diferido, de forma lógica ou incoerente, em 

grande ou pequeno formato, num momento único ou multiplicado. 

Mesmo que o vídeo tivesse um suporte técnico distinto – o próprio dispositivo, por assim dizer –  ocupava  uma  espécie  de  caos  discursivo,  uma  heterogeneidade  de  actividades  que  não poderia  ser  teorizada  como  coerente ou  concebida  como  se  tivesse alguma essência ou um núcleo unificador. […] Proclamou o fim da especificidade do médium (Krauss, 1999: 31‐32). 

Bruce  Nauman,  um  dos  amplos  exploradores  do  vídeo,  nunca  chegou  a 

desenvolver um estilo específico pois operou sobre diferentes práticas. Inspirado pela 

complexidade  linguística e existencialista do  trabalho de Samuel Beckett, estimulado 

pela filosofia de Ludwig Wittgenstein e pelas experiências musicais de John Cage (entre 

muitos outros), propôs‐se a entender a existência, a condição e a interacção humanas. 

Para  tal, parte da  forma  como  se processa  a  comunicação,  e de  como  linguagem  é 

fundamental nesse decurso. 

Como  ponto  de  partida,  assume  a  duração  de  uma  cassete  de  vídeo  para 

registar a contínua relação escultórica do seu corpo com um espaço‐temporal; serve‐

se assim da própria mobilidade como «extensão de uma escultura» (Rush, 2007: 72). 

Apropria  códigos  comportamentais que  recolhe da  relação  com o quotidiano,  sendo 

que o estúdio se torna palco das suas preocupações com o processo artístico, no qual 

emprega a linguagem corporal como matéria do acto criativo.38 

Stamping  in  the Studio  (Anexo 9) e Slow Angle Walk  (Beckett Walk), ambos de 

1968,  são  exemplos  de  exercícios  (literais  ao  título),  nos  quais  executa  repetitivos 

movimentos  como  se  de  um  ritual  se  tratasse.  Através  destes,  Nauman  revela  as 

habilidades e fragilidades do comportamento humano. Condições essas necessárias ao 

entendimento  do  processo  de  comunicação  da  humanidade. A  referida  tentativa,  o 

sucesso e o fracasso. 

«Acho que o ponto onde a  linguagem começa a quebrar‐se como uma ferramenta útil para a comunicação  é  o  extremo  onde  ocorre  a  poesia  ou  arte»  (Nauman,  s.d.;  cit.  por  Tate Org. Liverpool, 2006). 

                                                            38 Como o destaque dado ao corpo performativo do processo artístico de Jackson Pollock. 

Page 50: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

42  

É nesse sentido que o trabalho de Bruce Nauman se torna recursivo e se forma 

como um  sistema  auto‐referencial.  Incide no estudo da  linguagem  através dos  seus 

próprios trâmites e limites, pois é no limbo entre o êxito e o insucesso que explora os 

processos da própria comunicação. 

Nessa continuidade, executa Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & 

flip/flop (Fat Chance John Cage) (Anexo 10), em 2001, uma espécie de retrospectiva dos 

anteriores  trabalhos  por  ser metáfora  da mesma  preocupação. Nauman  exibe  sete 

fragmentos  do  seu  estúdio  –  agora  omitindo  a  sua  presença  –  como  espaço  da 

ocorrência artística; o ambiente e as ferramentas surgem como símbolo omnipresente 

do seu processo expressivo.39 

Implícita à comunicação,  também a  linguagem verbal é condição prática da vida 

diária de um sujeito. De forma irónica, Bruce Nauman vai pôr ao serviço das suas ambições 

inúmeras  obras  nas  quais  reflecte  jogos  linguísticos,  visuais  e  sonoros,  que  afectam  a 

significação do espectador. Manipula  a  linguagem usufruindo de  códigos e  convenções 

que, mais uma vez, promovem a ideia da fragilidade da comunicação (Figura 16). 

 

Figura 16 ‐ Bruce Nauman, Human Nature / Knows Doesn't Know, 1983. Vidro e tubos de néon; 230 x 230 x 35 cm. ARS, NY e DACS, Londres; Cortesia da Colecção Froehlich, Estugarda (Tate Org., 2006). 

Uma  situação  ambígua  que  envolva  funções  sintácticas  e  semânticas  a  que 

estamos  familiarizados  leva‐nos  facilmente  a  entender  novas  combinações  ou  a 

deturpar  significados.  Nauman  experimenta  exactamente  esse  extremo  no  qual  o 

espectador  é  confrontado  com  a  dificuldade  de  construir  sentidos,  de  relacionar  os 

conceitos implicados e de, com eles, estruturar discursos e pensamentos. A percepção 

e  a  significação  entram  em  colisão  e  deixam‐no  incapaz  de  entender  e  traduzir 

claramente aquela que seria uma linguagem comum e natural. 

                                                            39 O espectador da  instalação é  colocado no  centro das projecções e actua  como um vigilante desse mapeamento “abstracto” do espaço  (em diferido); posição central essa que, nas obras anteriores, era ocupada pelo autor, que procurava o seu equilíbrio no enquadramento de um circuito‐fechado. 

Page 51: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

43  

Descontextualizados, vinte e dois  textos  são verbalizados ao  longo do espaço 

da Turbine Hall da Tate Modern, numa  instalação  intitulada Raw Materials, em 2004. 

Sonoramente, Nauman demonstra  como  a matéria‐prima,  pura mas  solta,  pode  ser 

igualmente desconcertante. Frases e palavras desarticuladas do  seu  locutor, de uma 

estrutura lógica ou referência física e visual, são capazes de promover um caos lexical. 

Geram a tentativa de reconstituir um sentido num discurso inconsequente e complexo, 

evidenciando a fragmentação que existe também na linguagem verbal. 

Muitas outras obras deste artista são, como as seguintes de Gary Hill, vídeos ou 

instalações  audiovisuais  cuja  problemática  assenta  na  exploração  dos  processos  da 

linguagem  como  veículo  da  expressão  artística.  Mas  mais  que  a  importância  do 

material, ambos estudam, questionando, os métodos que contribuem para inviabilizar 

ou estabelecer mediações. 

Gary Hill utilizou o vídeo como conduta para  investigar a relação elusiva entre 

as  palavras,  os  sons  e  as  imagens,  os  interstícios  que  tornam  a  linguagem  vaga, 

imprecisa ou limitada. Incidence of Catastrophe (Figura 17) é uma peça que considera a 

«perda  da  inocência  com  a  entrada  da  literacia»  (RUSH, M.,  2007:  126).  O  autor 

inspirou‐se no processo evolutivo de formação da linguagem da sua filha (e em várias 

referências literárias) para representar o diálogo constante com o imaginário, no acto 

de  leitura.  Construiu  um  jogo  audiovisual  de  relações  semânticas  que  interfere 

sinestésica e psicologicamente com o espectador (RUSH, M., 2007: 126). 

 

Figura 17 ‐ Gary Hill, Incidence of Catastrophe, 1987‐8. Vídeo (cor, som); 43:51 min. Cortesia de Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (MoMA Collection, 2010). 

Já em Disturbance (Among the Jars) (Figura 18) Hill confronta o uso da linguagem 

verbal e escrita para que o espectador procure conciliá‐las, traduzi‐las e relacioná‐las 

com as significações visuais que produz.  Imagens, textos escritos e pronunciados são 

fragmentos  do  conhecimento.  E  é  essa  decomposição  que  o  artista  expõe  ao 

Page 52: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

44  

espectador  para  que  este  analise  introspectivamente  e  reconstrua  significados  da 

fusão que executa. 

 

Figura 18 ‐ Gary Hill, Disturbance (Among the Jars), 1988. Vídeo‐instalação (som). Centre Georges Pompidou, Paris (Jones, 2007). 

O processo  comunicativo que propõe através dos  sete monitores pode assim 

tomar  sentidos  divergentes  dependendo  daquele  que  o  interpreta.  Evidencia  a 

dualidade  (física  e mental)  do  espectador  ao  confrontar‐se  com  um  espaço  híbrido 

onde coexistem  linguagens que  jogam com correspondências e divergências entre os 

diferentes códigos. É a  interdependência das significações (visuais, verbais e textuais) 

do  imediatismo da  leitura que o autor pretende  ilustrar através da desconstrução do 

processo comunicativo. 

A percepção é assim fruto de um ínfimo conjunto de associações e lógicas que 

se reúnem para tornar coerente a concepção de uma mensagem recebida, parta ela de 

uma palavra, de um som, de uma imagem ou qualquer outro tipo de configuração. 

«Mover o meu corpo para mover a minha mente para mover as palavras para mover a minha boca para girar o  impulso do momento.  Imaginando o cérebro mais perto do que os olhos» (Assche, 2005: 34).40 

 

Figura 19 ‐ Gary Hill, Site Recite (a prologue), 1989. Vídeo (cor, som); 4:05 min. Cortesia de Electronic Arts Intermix (EAI), Nova Iorque (Electronic Arts Intermix, 2011) 

                                                            40 Citando parte do monólogo proferido na peça de Gary Hill, Site Recite (a prologue). 

Page 53: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

45  

Site Recite  (a prologue), produzido em 1989, é mais uma obra‐chave do autor. 

Como em todas as outras, a sua essência reside num exercício sobre a  linguagem. Um 

narrador  invisível  verbaliza  os  seus  próprios  pensamentos  acerca  da  relação  sensível 

com o mundo. Uma dissertação cadenciada pelo espírito e pela consciência do que se 

depara na vida; um discurso que se harmoniza num sincronismo entre o áudio e o visual.  

O  espectador  é  convocado  a  deixar‐se  levar  pelas  palavras,  pela  textura  e 

entoação da dicção. Evade‐se de  si e encarna a mente e as palavras do narrador. O 

alento  da mensagem  fá‐lo  caminhar  nessa  viagem  onde  surgem  objectos  sobre  os 

quais se foca e desfoca, sobre os quais se debate e mentaliza. Esses, enfatizados pela 

voz  e  pela  imagem,  apontamentos  de  outras  vidas  como  marcas  de  um  passado 

histórico, são corpos dispostos num sistema preciso e ordenado, um círculo que gira e 

que pára, aos poucos (Assche, 2005: 93). 

A  fusão que Gary Hill promove entre neste  jogo  audiovisual  revela  a própria 

definição  da  linguagem,  a matéria  nebulosa  de  que  são  feitos  os  pensamentos  e  a 

transição dos mesmos para o plano da sua materialização expressiva.  

Como símbolo de  tudo  isto, conclui o vídeo com o regresso da voz à boca do 

narrador (áudio e visualmente). Acedemos à sua consciência sendo  levados ao ponto 

onde se origina a essência da mensagem da obra. 

 

3. Projecto de uma Dissertação teórico‐prática virtual 

3.1. Condição teórico‐prática da dissertação 

Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma  teoria. Só os espíritos superficiais desligam a  teoria da prática, não olhando  a que  a  teoria não  é  senão uma  teoria da prática,  e  a prática não é senão a prática de uma teoria. […] Completam‐se. Foram feitas uma para a outra. (Pessoa, 1926; cit. por Citador, 2011) 

A  sujeição à entrega de uma dissertação  teórico‐prática – como  resultado da 

conjugação complementar entre uma componente teórica e uma componente prática 

–,  levou  à  curiosidade  de  questionar  essa  específica  condição;  problematizar  a 

complementaridade da sua existência através das linguagens textual e visual. 

Os  conceitos  e  territórios  misturam‐se  facilmente  porque,  como  sabemos, 

tanto podemos associar o textual à teoria e o visual à prática, como podemos praticar 

a escrita, e teorizar sobre o visual. 

Page 54: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

46  

Assim sendo, a natureza recursiva de uma dissertação que se debruça sobre a 

sua condição teórico‐prática envolve, necessariamente, uma auto‐reflexão. Ambas as 

linguagens  (textual  e  visual)  procuram  contribuir  para  esclarecer  a  lógica 

complementar  inerente  à  dicotomia  teoria/prática.  Como  tal,  sujeitam‐se  a  reflectir 

sobre si próprias, debatendo‐se num sistema auto‐referencial. 

Ou  seja,  esta  componente  teórica  é  uma  demonstração  textual  acerca  da 

complementaridade  intrínseca  a  uma  dissertação  teórico‐prática;  e  a  componente 

prática  (uma  instalação  posteriormente  descrita)  põe  em  prática  esta  mesma 

demonstração, mas  visualmente.  Complementam‐se,  fortalecem‐se  e  citam‐se,  pois 

são, efectivamente, a mesma coisa – ainda que se constituam sob domínios e códigos 

específicos.  Logo, é através da híbrida  linguagem  formada pelo vínculo entre ambas 

que se demonstra a condição teórico‐prática da dissertação.  

Se  lhe  compete  esclarecer  e  demonstrar  a  complementaridade  envolvida, 

então significa que responde a: 

‐  De  que  forma  pode  a  condição  teórico‐prática  de  uma  dissertação  ser 

demonstrada simultaneamente na componente teórica e na componente prática? 

‐ Se as componentes são recursivas – porque a teoria se reflecte na prática, e a 

prática na teoria –, como pode a componente teórica complementar o que ocorre na 

prática, se ela própria é objecto da demonstração prática? (E vice‐versa). 

‐ Se a  componente  teórica  implica uma  linguagem  textual, e a prática visual, 

que  tipo  de  especificidade  devem  conter,  para  que  ambas  se  aliem  numa mesma 

demonstração? 

Sintetizando,  que  tipo  de  demonstração  possibilitará  evidenciar  a 

complementaridade implícita a uma dissertação teórico‐prática? 

É na resposta a esta problemática que se considera a hipótese de demonstrar 

virtualmente a complementaridade entre as linguagens textual e visual, como símbolo 

conceptual da condição teórico‐prática da dissertação. 

A  componente  prática  assume‐se  assim  numa  instalação  estruturada  pela 

fundamentação  exposta  nos  capítulos  desta  componente  teórica:  os  princípios  que 

regem a construção visual, os processos de representação da realidade, a produção de 

uma ilusão e a criação de um espaço virtual. 

Page 55: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

47  

No espaço expositivo, o espectador é  confrontado  com um estereoscópio ao 

centro e dois elementos que o  ladeiam. A colocação estratégica dos dois elementos 

parte  do  princípio  de  refracção  da  luz41,  da  extensão  do  campo  visual  humano42. 

Disposição  essa  que  permite  que  os  reflexos  provenientes  do  espelho  esquerdo  e 

direito  sejam  coincidentes  quando  sujeitos  à  experiência  da  projecção  central  que 

proporciona a visão por um estereoscópio. 

No  vértice  esquerdo  desse  eixo  horizontal  em  que  estão  colocados  os 

elementos encontra‐se o objecto da componente teórica (esta mesma dissertação) e, 

no direito, um televisor em circuito‐fechado como uma câmara que regista a própria 

instalação (Apêndice 1). 

Quando  enfrenta  a  peça,  o  sujeito  apercebe‐se  de  que,  ao  observar 

correctamente o estereoscópio, ambos os objectos – percepcionados individualmente 

por cada olho – se unem pela intersecção entre o eixo que parte do centro em que se 

coloca o espectador, e a convergência perspéctica dos dois eixos visuais.43  

Automaticamente, o seu cérebro conceberá a fusão da dissertação teórica e do 

televisor, sugerindo um terceiro elemento, virtual e conceptual (Apêndice 2).44  

O ângulo recto que os espelhos  formam permite que se suprima o reflexo do 

próprio sujeito, e proximidade ocular do dispositivo faz com que se ocupe a totalidade 

do seu campo visual, omitindo a noção dos  limites dos espelhos. Consequentemente, 

contribui  para  que  se  anule  a  consciência  da  superfície  espelhada  o  que  incute  um 

mais profundo olhar para lá, para além dela, para um espaço virtual, mas também ele 

aparentemente tridimensional.  

Sendo que o seu objectivo é produzir uma ilusão, é na suspensão da realidade 

concreta  que  o  processo mental  proveniente  da  experiência  coadjuva  no  desejo  de 

concebermos e crermos numa imagem virtual.  

A tensão da instalação reside assim na polaridade do espectador: por um lado, 

resolve uma correspondência óptica e  instantânea na aglutinação visual que os olhos 

                                                            41 Que resulta num ângulo igual ao de incidência na superfície. 42 Que é cerca de 2000 na horizontal (dos quais cerca de 1200 correspondem ao campo visual binocular) e de 1350 na vertical (Hershenson, 1999: 11; cit. por Reis, 2001: 166). 43  Se  necessário,  aconselha‐se  nova  leitura  do  primeiro  capítulo,  na  secção  «1.1.  Estereoscopia  e Perspectiva», p. 9. 44 Resultado de um processo semelhante ao que origina o nosso aparato visual, ou seja, a partir de dois campos visuais diferentes (informação referente à visão pelos olhos esquerdo e direito), o sujeito forma uma “terceira” e única visão. 

Page 56: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

48  

executam  (através  dos  espelhos);  por  outro,  a  mediação  do  estereoscópio 

proporciona‐lhe um entendimento mais do que visual. A articulação dos  significados 

dos elementos reais que funde virtualmente tem uma consequência conceptual.  

O  produto  estereoscópico  origina  então  um  reflexo  visual  e  uma  reflexão 

mental:  um  jogo  entre  reflexão  (dos  espelhos)  e  contra‐reflexão  (auto‐reflexão  do 

sujeito).45  

Quando o espectador surge num extremo da  instalação, no outro produz‐se a 

demonstração virtual; passam a existir então quatro pontos que formam dois eixos. Ou 

seja, na presença do espectador, o eixo horizontal propõe uma  leitura  transversal – 

cria‐se  um  eixo  vertical.  É  desta  forma  salientado  o  papel  do  espectador  como 

activador e lugar (da configuração mental) do fenómeno virtual criado (Apêndice 3). 

O estereoscópio, central e  fundamental a todo o processo de  ilusão,  faculta a 

composição desse conceito virtual que é símbolo de algo que, textual ou graficamente, 

é  impossível de representar através de apenas uma das  linguagens. Se cada território 

(textual  e  visual)  tem  as  suas  implicações  –  como  o  recurso  a  códigos  próprios  de 

significação –, então o contraponto entre ambos produzirá um todo específico que não 

se resume à soma por si só, mas ao resultado híbrido da relação entre eles, como um 

produto.46  

Se a componente  teórica não é suficiente para esclarecer a condição  teórico‐

prática da dissertação, também à componente prática, sem a complementaridade da 

teórica, seria impossibilitado o mesmo processo. Nesse sentido, apenas relacionadas é 

que se significa a  intenção conceptual desta específica dissertação. É a demonstração 

virtual  criada  pelo  estereoscópio  que  permite  ao  espectador  confrontar‐se  com  a 

complementaridade  que  lhe  é  inerente.  E  só mesmo  através  de  si  é  que  o  ciclo  se 

fecha e produz o  efeito desejado.  Sem um  sujeito perante o  estereoscópio, não há 

mediação. 

É então criado um sistema que parte da actividade do espectador: por um lado, 

ao  dirigir‐se  ao  extremo  esquerdo  (dissertação  teórica),  poderá  entender,  lendo,  a 

                                                            45 Quer para Pavlov, que sugere a reflexão como «gesto nuclear do acto de pensar», quer para Hegel, que a entende como o «processo das coisas, reproduzindo‐se sobre a influência de outras coisas ‐ ideias, imagens, sensações», a teoria da reflexão mostra que «o pensar é um processo activo de gestação de coisas a partir de reflexos de contacto com outras coisas» (Godinho, 2008/2010). 46 Partindo do princípio da Gestalt, que afirma que “O todo é diferente da soma das partes”, o todo não se esgota na soma das partes. 

Page 57: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

49  

teoria da prática; ao observar o extremo direito  (televisor), poderá perceber, vendo, 

como é posta a teoria em prática; por outro, se olhar em frente, gerará a conciliação 

visual e a relação conceptual entre ambas as linguagens. 

A demonstração virtual proveniente do estereoscópio proporcionará perceber 

a  peça  como  um  dispositivo  que  recai  acerca  da  condição  de  complementaridade 

inerente à dissertação, a indissociável relação entre teoria e prática. 

Separemos então os campos e elementos deste projecto: 

Componente  teórica:  Dissertação  teórica  (linguagem  textual)  e  apêndices 

esquemáticos (linguagem visual). 

‐ Incide sobre si e sobre a sua forma particular de complementar a componente 

prática. Discursa acerca das  linguagens que  lhes são  implícitas e sobre o seu papel na 

demonstração de uma dissertação teórico‐prática.47 

Componente  prática:  Instalação:  componente  teórica  (linguagem  textual), 

estereoscópio e  televisor em circuito‐fechado com uma câmara de vídeo  (linguagem 

visual). 

‐ Regista‐se a si própria e integra a componente teórica. Revela visualmente as 

linguagens que lhes são implícitas e o seu papel na demonstração de uma dissertação 

teórico‐prática.48 

Projecto de uma dissertação teórico‐prática: Demonstração virtual da relação 

dicotómica e  complementar entre  as  componentes  teórica e prática da dissertação, 

sendo que a híbrida linguagem que lhe é inerente se origina na fusão entre o textual e 

o visual (Apêndice 4). 

A  componente  teórica  “posta  em  prática”  produz  uma  instalação  que,  na 

interpretação do sujeito, é simultaneamente a exposição e a explicação de si mesma, 

pois demonstra‐se. Suscita o estímulo necessário ao entendimento da obra  (visual e 

intelectual),  e  resume‐se  ao  próprio  esclarecimento,  ou  seja,  é  uma  autopoiese  de 

sentido, daquilo que envolve e propõe.49 

                                                            47 No entanto, é uma demonstração que não se completa sem a experiência da obra/prática. 48 Contudo, não opera sem a presença e construção mental por parte do espectador. 49  Sistemas  auto‐suficientes  e  estruturas  autónomas  são  organizações  que  relacionam métodos  de autosustentação ou que geram processos de se recriar a si próprias. Quer na biologia, na sociologia, na filosofia, ou mesmo na arte, a expressão “autopoiesis” surge associada à capacidade de “própria” (auto) “criação” (poiesis). 

Page 58: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

50  

No  entanto,  com  este  princípio  não  pretendo  referir‐me  ao  projecto  desta 

dissertação  teórico‐prática  como  algo  que  se  auto‐gere  em  si  (como  uma  rede  de 

moléculas), mas sim pela adequação conceptual do termo. Pelo facto de estabelecer‐

se  um  sistema  circular  e  cíclico  que,  mediado  pelo  sujeito,  se  alimenta  e  gera 

significações sobre si. 

Podemos considerar que a  realidade  reproduzida no  televisor  (a componente 

prática  registada  pela  câmara)  se  anuncia  como  a  “imagem”  de  que  o  “texto” 

(componente  teórica)  fala. Todavia, não a explica mais que esquematicamente, nem 

sozinha consegue ilustrar o resultado da fusão estereoscópica, apenas o processo; daí 

depender  da  linguagem  textual  da  componente  teórica  para  o  complementar.  Da 

mesma  forma,  também essa, sozinha, não é suficiente demonstrar uma “dissertação 

teórico‐prática”, logo, depende da “imagem da prática” (presente no circuito‐fechado) 

e do estereoscópio para que, unidas, possam garantir a demonstração pretendida. 

A  produção  desse  sistema  –  a  chave  central  da  dissertação  –,  origina‐se  no 

fenómeno perceptivo e  interpretativo que ocorre no espectador. Como mencionado 

anteriormente,  sem  ele  o  sistema  auto‐referencial  da  dissertação  não  teria 

consequência; não causaria o elo que vincula a sua consistência virtual e conceptual 

pois não haveria lugar para a ilusão. 

Registado pela câmara e transmitido em tempo real no televisor, o espectador 

é  confrontado  consigo  no  próprio  momento  de  experimentação.  Processo  auto‐

reflexivo esse através do qual se apercebe da sua importância na demonstração virtual 

da dissertação teórico‐prática. 

Se componente teórica discursa sobre a sua própria essência e a componente 

prática  põe  em  evidência  a  sua  própria  estrutura,  então  é  dizer  que  o  textual  se 

constrói como uma espécie de metatexto e o visual como uma metaimagem. 

É  o  metadiscurso  proveniente  da  relação  entre  ambos  que  implica  que 

atribuamos à dissertação teórico‐prática a condição de uma linguagem híbrida. 

Nesse  sentido,  o  processo  semiótico  que  dela  ocorre  suscita  no  sujeito  uma 

relação paradigmática. Na presença do signo virtual, que compõe mentalmente (o tal 

“terceiro  elemento”),  encontra  o  significado  metafórico  daquilo  que  entende 

conceptualmente por “dissertação teórico‐prática”. Pretende‐se que o sujeito a tome 

através desse seu simulacrum virtual e imaterial. 

Page 59: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

51  

O “ser” e o “significado”50 – o jogo entre o signo virtual e o discurso sobre ele, 

ou entre o discurso e o signo virtual acerca dele – debatem‐se numa metalinguagem.51 

Ou seja, esse signo gera uma carga semântica semelhante ao “terceiro sentido” 

que  ocorre  no  cinema.  A  intenção  da  montagem  proposta  pelo  cineasta  Sergei 

Eisenstein  pretendia  explorar  a  linguagem  cinematográfica  para  além  do  conteúdo 

produzido por uma  relação sintagmática. Eisenstein preocupava‐se em produzir uma 

síntese dedutiva através justaposição de duas imagens, relação estrutural essa da qual 

resultava um outro sentido, interno – que nenhuma das imagens, sozinha, seria capaz 

de prover (Bryson, 1981: 4). 

Roland Barthes, na categorização dos fotogramas do filme “Ivan, o Terrível”, do 

mesmo Eisenstein, propõe a diferença entre «sentido óbvio» e «sentido obtuso». Este 

último distingue‐se por proporcionar o «fílmico», que consiste naquilo que «não pode 

ser descrito, a representação que não pode ser representada; que começa somente lá 

onde cessam a  linguagem e a metalinguagem articulada.» (Barthes, 1984: 44; cit. por 

Guimarães, 2004: 112). 

Podemos  então  dizer  que  a  híbrida  linguagem  desta  demonstração  virtual 

relaciona  conceitos  dicotómicos  como:  teoria/prática,  textual/visual,  real/virtual, 

verdade/ilusão,  percepção/interpretação,  apresentação/representação, 

horizontal/vertical,  justaposição/aglutinação,  multiplicidade/unicidade, 

objectivo/subjectivo, materialidade/imaterialidade. 

Esclarecidos  os  aspectos  gerais  do  projecto,  aprofundemos  a  experiência  da 

instalação em si. 

Como  anteriormente  descrito,  no  espaço  expositivo  o  sujeito  é  confrontado 

com a presença de ambas as componentes de uma dissertação teórico‐prática: a teoria 

e a prática. Contudo, contemporâneo a um mundo de  imagens, a sua tendência é de 

procurar signos directos ou que  lhe permitam uma significação primeiramente visual. 

Vê então “um texto, uns espelhos e um televisor”. 

Quando se aproxima e procura entendê‐los, apercebe‐se de que a capa desse 

texto possui o  título  invertido, e que o  televisor  transmite uma  imagem  igualmente 

invertida, mas que reconhece – apercebendo‐se que demonstra (de topo) a estrutura 

                                                            50 Expressões usadas pelo crítico francês Francastel, traduzidas de «Meaning vs Being» (Bryson, 1981: 7). 51 «Um signo divide‐se assim em duas áreas: uma declara a sua  lealdade ao  texto  fora da  imagem, e outra atesta a autonomia da imagem» (Bryson, 1981: 13). 

Page 60: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

52  

com que se depara – pois emite em circuito fechado a própria  instalação  (Apêndice 5). 

Transmissão essa que o inclui a si, o absorve para o interior da componente prática da 

dissertação.  O  sistema  de  vídeo  que  a  regista  submete‐o  a  que  faça  parte  da 

instalação. 

Ao dar continuidade à experiência – porque que a mensagem visual veiculada 

pelo  televisor  não  o  satisfaz  na  compreensão da  peça,  transita  para  o  “texto”,  cuja 

leitura  invertida o situa numa “Demonstração virtual da complementaridade entre as 

linguagens textual e visual, inerentes a uma dissertação teórico‐prática”. Contudo, algo 

ainda demasiado vago para decifrar. 

Na curiosidade desse momento, procura desvendar mais um pouco através de 

uma passagem pelo resumo,  índice,  introdução, e tudo aquilo a que se disponibilizar 

ler desta dissertação. 

Se  chegar  a  ler  exactamente  as  palavras  que  compõem  esta mesma  frase  – 

frase  esta  que  discursa  sobre  si  –  deparar‐se‐á  com  uma  situação  auto‐referencial 

acerca do sentido redundante que este parágrafo o faz sentir. 

Como se estivesse a ler o seu próprio pensamento, a auto‐reflectir. Como se, por 

momentos,  se  distanciasse  do  corpo  e  se  deixasse  transportar  num  prolongamento 

deste  texto. Porque ele  fala de  si e da  condição do  seu  leitor. Porque o  coloca num 

estado de auto‐consciência, e é essa a distância que necessita para se descentralizar. O 

afastamento preciso para que consiga sair de si, e tomar a percepção do “Eu” como a 

mais pura forma de fruir. 

É  ler‐se a  ler, ver‐se a ver,  sentir‐se a  sentir e a entender. É  julgar‐se a  si um 

medium do próprio corpo e da sua mente. É dotar‐se do controlo e do prazer que o faz 

manter‐se aqui. Que o faz perceber este conluio e ainda assim participar nele. Porque é 

mais forte que ele. Porque o estimula a interpretar‐se. Porque o faz querer mais e mais 

de  si. Porque na  impossibilidade de o  fazer  fisicamente – de adoptar um novo corpo 

igual a si – fá‐lo virtualmente, pelo consentimento da mente, que se engana a si. 

E  é  então  nesse  momento  –  quando  se  depara  expressamente  com  a 

constatação  de  que  está  a  ser  iludido,  porque  a  mensagem  quebra  o  equívoco 

pretendido  –  que  o  sujeito  regressa  gradualmente  à  realidade  que  o  envolve,  à 

materialidade do corpo, ao aspecto das palavras deste texto, à presença dos espelhos 

e do televisor. Retoma a consciência física de si na localização espacial na instalação. 

Page 61: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

53  

Apercebe‐se  de  que  esteve  ausente,  de  que  atravessou  um  tempo  no  qual 

substituiu o espaço circundante; de que foi além da análise deste52 texto, mas que está 

agora ciente do que tem em frente a si. 

Após a auto‐reflexão visual consentida pelo circuito‐fechado da câmara com o 

televisor,53 o sujeito deteve‐se na auto‐reflexão verbal através deste texto. Em ambas 

as situações se contemplou a si contemplando os referidos objectos; se encontrou nas 

distintas linguagens que o incluem, e se debateu consigo a interpretá‐las. Criaram um 

hiato  entre  a  experiência  e  a  percepção.  Quando  abraçam  o  leitor  produzem 

significados que vão além da realidade que encerram. É dizer que alargam os seus (da 

linguagem e do sujeito) domínios. É transcender do objecto para a sua subjectividade; 

é  evadirem‐se,  fragmentando‐se.  Sair  do  seu  dentro  e  multiplicar‐se  para  fora. 

Contudo, essa descentralização não é nada mais que um produto de si. É, por isso, um 

processo indubitavelmente auto‐referencial. 

Concluindo este ponto, diríamos que sobram dois espelhos. Que resta justificar‐

se a sua existência e a pertinência de estarem colocados assim. 

Se  vemos e  cremos no que  a  luz nos devolve, em  jeito de  reflexo, podemos 

pensar num espelho como algo igualmente proporcionador de uma certeza do mundo, 

no entanto, paradoxalmente bidimensional e  invertida. Ao produzir um duplicado do 

real,  será  também  ele  digno  dessa  autenticidade,  logo,  olhar  para  o  espelho  e 

constatar algo é suspender a descrença e tomá‐lo como verosímil.54  

O espelho carrega assim uma simbologia transcendental pela habilidade de nos 

devolver uma imagem do real, sendo um medium bidimensional de construção de um 

mundo virtual (visualmente tridimensional). 

                                                            52 Daqui em diante, sempre que este  texto empregar um determinante ou pronome, um advérbio ou preposição demonstrativa da interpretação dos elementos da instalação, será formatado em itálico para que o sujeito se confronte com a sua posição no contexto desta  instalação: está aqui, a  ler este texto. Permite assim evidenciar a distância entre a leitura deste e a percepção visual dos restantes elementos da  instalação.  Por  fim,  o  facto  desta  nota  ser  auto‐referencial  leva  a  que,  sempre  que  o  sujeito  se deparar com este tipo de enfatização gráfica (o facto desta palavra surgir em itálico), se relembre que, dali em diante, será sempre assim. 53 Se é que este  já a executou. Esta descrição pretende ser hipotética, e subentende um percurso que pode,  certamente,  ser  divergente  cronologicamente, dependendo  do  sujeito.  Contudo,  se  for  esse  o caso,  após  ler  este  exacto  parágrafo,  vai  sentir‐se  tentado  a  testá‐lo;  a  procurar  auto‐reflectir‐se  na imagem daquele televisor. 54 Poderá ser interessante fazer um paralelo ao painel de Brunelleschi que, na tentativa de representar o céu circundante, o autor optou não por pintá‐lo mas por aplicar prata polida para o reflectir. O processo de repetição no qual a superfície espelhada é agente serve para «demonstrar» a realidade (Damisch, 1987: 120; cit. por Reis, 2001: 182); «o espelho não representa a realidade, ele apresenta‐nos» (Pirenne, 1970: 11; cit. por Reis, 2001: 224). 

Page 62: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

54  

Contudo,  a  disposição  dos  dois  espelhos  usados  nesta  instalação  dividem  o 

reflexo da realidade envolvente. Formam um mundo fragmentado, subjectivo e irreal.  

Face à estrutura triádica desta peça e ao ângulo recto dos espelhos, o sujeito, 

quando procurar questionar “o centro”, conseguirá alcançar que, através de um efeito 

perspéctico,  são  fundidas  as  duas  faces  desta  realidade  dividida.  Se  este  texto  e  o 

sujeito estão, agora naquele espelho reflectidos, no outro estará o televisor. Portanto, 

ao observar o efeito estereoscópio através do centro, reflectir‐se‐ão os objectos neles 

contidos: este texto e aquele televisor. 

De  facto,  é  disso  que  se  trata.  De  culminar  a  experiência  ao  centro,  de 

completar a peça sendo o próprio, o último elemento. Presenteá‐la com seu corpo e 

entregar‐lhe a sua mente; permitir que esta desdobre o presente. 

É a inquietante estranheza produzida pela inversão dos elementos que reúne a 

ambiguidade  da  instalação.  O  conflito  cognitivo  que  dela  resulta  leva  o  sujeito  a 

desorientar‐se.  Move‐se,  assim,  estuda  o  espaço  e  debruça‐se  sobre  os  espelhos. 

Verifica que são estes, afinal, o veículo necessário para a  intelecção. É no  reflexo do 

espelho  que  se  desvenda  o  título  do  texto;  o  mesmo  que  lhe  inverte  a  imagem 

transmitida pelo televisor. São estes, afinal, o veículo necessário para a comunicação. É 

no reflexo do espelho que sabe agora ter que completar a experiência; a mesma para a 

qual procura a resolução. É nesta, afinal, que se realizará a demonstração (Apêndice 6). 

O estereoscópio que  lhe divide o olhar é o mesmo que tem a habilidade de o 

fazer agregar. Tanto lhe dá um mundo desdobrado, como o ajudar a confinar. Reflecte, 

juntas, duas faces distantes de uma mesma realidade. Verosimilhança essa que sujeito 

procura encontrar.  

Sobrepostas,  a  componente  teórica  e  a  prática  comunicam  o  mesmo  sob 

linguagens  distintas.  É  no  consentimento  da  demonstração  virtual  dessa 

complementaridade que é percebida a condição teórico‐prática desta dissertação. 

«Ela  habita‐a,  materializa‐se  aí,  ela  não  está  aí  contida»  [...]  «tudo  o  que  vejo  está,  por 

princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar, edificado sobre o plano do 

“eu posso”» (Merleau‐Ponty, 2004: 57 e 20).

   

Page 63: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

55  

Conclusão 

Fruto do impacto da Revolução Industrial e da vontade de dinamizar o sistema 

económico  –  ao  expandir  os meios  de  produção  e  distribuição  –,  os  sintomas  da 

globalização moderna  continuam  a  afectar  os mais  variados  territórios.  Os  efeitos 

económicos repercutem‐se na política, na cultura e, por isso, na qualidade de vida em 

comunidade.  Gera‐se  uma  sociedade  enriquecida  pela  aproximação  às  novas 

tecnologias,  pela  desobstrução  do  acesso  à  informação  (através  da  internet,  por 

exemplo),  o  que  permite  assistir‐se  a  uma  proliferação  e  disseminação  de  dados  e 

produtos,  a  nível mundial. Quase  tudo  o  que  sabemos  ou  que  queremos  conhecer 

chega‐nos através das novas tecnologias que nos constroem, difundem e manipulam 

as  “imagens”  do  mundo.  Muitas  vezes  sem  modelo,  sem  fundo,  resultado  do 

cruzamento de inúmeras significações. 

Convergem valores, ideais, e teorias. Das áreas rigorosas às experimentais, das 

ciências às artes  (passando por  todas as outras), denotam‐se acentuadas  influências 

deste novo sentir e viver. Manifestam‐se sinais de uma mutação conjunta que  torna 

ténues  as  fronteiras  rígidas  e  que  sugere  que  as  várias  áreas  se  potenciem, 

congregando vestígios da evolução no geral, ao implicar‐se reciprocamente. 

Duas consequências concomitantes destes paradigmas são: por um  lado, a arte 

tentar permanentemente entrar em diálogo com outras disciplinas – interessada em sair 

do  seu  campo metodológico –, por outro, ambicionar alargar o  seu próprio ponto de 

vista, encontrando e absorvendo outras perspectivas e linguagens que não são as suas. 

Esta nova expressão, simultaneamente singular e plural, vive da conjugação de 

variadas técnicas e formas de manifestar arte. O seu intuito prende‐se com a ambição 

de provocar no espectador uma experiência física, emocional,  intelectual e espiritual, 

comunicando com o público de forma sensível, racional e intuitiva. 

Resultado  dessa  convergência,  as  manifestações  artísticas  procuram  assim 

actualizar‐se na dinâmica social em que sobrevivem, elegendo ferramentas, métodos e 

estruturas que continuem a elevar a Arte ao estatuto de medium de uma “renovada” 

linguagem – sempre sujeita à sensibilidade de cada um. 

Será então viável constatar que é na estetização do mundo que se encontra a 

obra de arte. 

Page 64: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

56  

Ao  reestruturar  constantemente  a  sua  autodefinição,  a  arte  acaba  por  criar 

condições para a análise crítica da prática artística  julgar, não  só os objectos, mas a 

tentativa  de  transgressão  dos  seus  próprios  limites.  A  arte  ocupa  o  espaço  da  sua 

autocrítica,  no  questionamento  da  sua  linguagem,  do  discurso  que  motiva  e  das 

possibilidades expansivas que permite a sua própria leitura. Procura então actuar além 

fronteiras, desconectar‐se para novas conexões. Ao fragmentar‐se, dá continuidade a 

um  processo  infinito  de  significações  através  das  quais  cada  produtor/leitor  de 

imagens elaborará as suas novas (e próprias) configurações.  

Porém, apesar de tudo, o artista “só” pode lidar com os atributos cujo cérebro 

está  equipado  para  interpretar,  com  os  quais  esteja  treinado  a  interagir,  e  desses 

poderá  maioritariamente  dispor.  Assim,  os  principais  objectivos  da  arte  procuram 

aproximar‐se  do  humano  para  interferir  com  a  sua  própria  percepção.  Ora 

representam a realidade, ora se apropriam dela para potenciar a persuasão da mente, 

auxiliando  o  sujeito  na  construção  e  consentimento  de  mundos  virtuais.  A  arte 

permite,  assim,  também  uma  extensão  das  funções  biológicas  e  das  capacidades 

humanas. 

É  neste  contexto  que  podemos  perceber  que  os  princípios  da  experiência 

estética  lidam  com  inúmeros  fenómenos e  factores da  constituição, do espaço e do 

tempo  do  sujeito,  incluindo  a  luz,  a  cor,  o  som,  o movimento  e  todo  o  restante 

conjunto de  reacções perceptivas  resultantes do processamento mental, biológico e 

fisiológico.  O  indivíduo,  activo  assim  na  percepção  visual,  na  capacidade  de  criar 

suposições e de alcançar nelas a consistência de uma construção sólida, torna‐se um 

organismo subjectivo que comparticipa na evolução da cultura visual e no progresso 

dos paradigmas mental e visual. 

Se dos adventos de Filippo Brunelleschi reconhecemos o indivíduo perspéctico 

como  um  ser  monocular,  imóvel,  reduzido  a  um  ponto  no  espaço,  já  o  sujeito 

perceptivo envolve uma construção dinâmica, por constituir‐se como um ser binocular, 

em constante mobilidade e aferição. 

Até às primeiras vanguardas russas a exposição era uma mera apresentação do 

trabalho que não obedecia a qualquer estratégia ou tipologia delineada; nesse sentido, 

não modificava a obra. O acto de expor não era tido em consideração como método 

específico ou que  implicasse algum  tipo de conotação  intrínseca; “como expor?”não 

Page 65: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

57  

era declaradamente um problema para o artista. Já nos tempos modernos, a instalação 

artística veio consentir não só um confronto claro com a matéria, como os ambientes 

por  si  criados  possibilitaram  múltiplas  perspectivas  que  subvertem  a  prática 

renascentista,  pois  evidenciam  a  condição  de  um  sujeito  agora  fragmentado  e 

descentralizado. O sujeito abandona o seu ponto fixo de observação e activa a obra.  

É através desse afastamento que obtém o dito  conhecimento/entendimento, 

pois a distância estética é fundamental a qualquer reflexão crítica. 

A  capacidade  destes  dispositivos  proporcionarem  a  configuração  de  novos 

espaços mentais permite que ditemos a arte da instalação como uma prática que vem 

ampliar aquilo que pensamos  ser  realidade. A habilidade de uma  representação  (ou 

espaço virtual) iludir o espectador – que, mesmo voluntariamente, aceita interpretar a 

situação recriada como algo verosímil – faculta o acesso a novos níveis de experiência, 

o  que  constitui  uma  larga  vantagem  relativamente  aos  processos  unicamente 

audiovisuais. 

É  neste  contexto  que  a  instalação  artística  admite  que  actuemos 

simultaneamente  sobre  diferentes  domínios  e  linguagens,  relacionando  um  extenso 

conjunto  de  códigos  específicos  para  comunicar,  analisar,  questionar  e  afectar  as 

múltiplas relações sensíveis e intelectuais do sujeito. 

No desenvolvimento de um projecto que estuda a condição teórico‐prática de 

uma  dissertação,  procurou‐se  encontrar  respostas  que  esclarecessem  o  seu  próprio 

plano  de  possibilidade.  Ou  seja,  pretendeu‐se  analisar  um  método  de  a  produzir 

demonstrando  a  implícita  relação  complementar  entre  as  componentes  que  a 

determinam: a teoria e a prática. 

Chegou‐se então à conclusão de que, se o  intuito era  incidir sobre si própria, 

era indispensável que reflectisse acerca das linguagens que a estabelecem.  

Numa  dissertação  teórico‐prática,  o  textual  e  o  visual  servem  assim  a 

possibilidade da sua constituição simultaneamente teórica e prática. Logo, a instalação 

artística constituiu‐se como o meio expressivo que melhor adopta a condição híbrida 

deste singular projecto. 

Contudo, para que essa íntima relação dicotómica e a consequente significação 

tenham efeito é imprescindível o conluio na comparticipação do sujeito, pois é apenas 

através do seu exercício (específico) que a dissertação adquire forma e sentido. 

Page 66: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

58  

A  disposição  angular  de  dois  espelhos  –  que  reflectem  intencionalmente  o 

espaço  circundante  de  forma  fragmentada  –,  produz  um  análogo  efeito  óptico  ao 

proporcionado  pelo  estereoscópio.  Na  capacidade  deste  facultar  uma  visão 

tridimensional a partir de duas imagens bidimensionais, também o dispositivo recriado 

na  instalação originará uma semelhante construção. No entanto, ao reflectir  imagens 

divergentes, gera uma configuração híbrida e conceptual. 

O  espaço  virtual  que  produz  é  assim  resultado  da  conciliação  dos  dois 

momentos reflectidos: um textual e um visual. Porém, ambos discursam sobre si, são 

auto‐referenciais.  O  objecto  textual  –  a  presente  dissertação  –,  é  o  objecto  da 

componente teórica, e recai acerca da elucidação da sua complementaridade à prática 

(ou como parte de uma dissertação  teórico‐prática). O objecto visual – um  televisor 

em circuito‐fechado – recai acerca da prática, pois reproduz em tempo real a imagem 

da  instalação.  Exibe  visualmente  aquilo  sobre  o  qual  o  textual  teoriza:  a  condição 

teórico‐prática da dissertação. 

Se o leitor executa uma auto‐reflexão na significação deste texto, distanciando‐

se dele (e de si), então também o circuito‐fechado o permite, mas através da visão. Em 

ambos os momentos, é esse ler‐se de fora a ler‐se / ver‐se de fora a ver‐se que gera a 

recursividade  intrínseca ao projecto, e que permite a distância necessária para que o 

possamos interpretar correctamente a demonstração. 

Foi  assim  relevante  compreender  um  percurso  que  enquadra  na  história  a 

relação entre o modo de como se concebe o que é verdade e o que é representação; 

perceber o limbo entre a realidade e a virtualidade através da evolução do conceito da 

percepção de espaço e a posição do sujeito no mundo; assim como a fundamentação 

em artistas ou referências que tenham actuado sobre as mesmas questões e princípios 

desta dissertação. 

Concluindo,  tanto a componente  teórica como a componente prática  surgem 

como  processos  auto‐reflexivos  que,  reunidos,  formam  um  sistema  cíclico  que 

demonstra  a  própria  condição  teórico‐prática  da  dissertação.  Que  consente  ao 

espectador a apresentação de algo que existe no lugar do que representa (Reis, 2001: 

23), neste caso, de uma dissertação teórico‐prática. 

   

Page 67: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

59  

Referências  

Almeida, 2004 

Almeida,  Luciana  (2004).  Comunicação mediada  por  computador  [em  linha]. Disponível  em 

<http://andreparente.net/figurasnapaisagem/file.php?path=docs/tese_3_comunicacao_media

da_por_computador_luciana_almeida.pdf>, acedido a 2001/08/19.  

Alves, s.d. 

Alves,    Jorge  de  Carvalho  (s.d.).  Hofstadterdisses  [weblog  em  linha].  Disponível  em 

<http://sweet.ua.pt/~joalves/distracoes/Hofstadterdisses/nao_verbo.htm>,  acedido  a 

2011/09/25.  

Arnheim, 1957 

Arnheim, Rudolf (1957). Art and Visual Perception: A Psychology Of The Creative Eye.  Berkeley; 

Los Angeles: University of California Press.  

Assche, 2006 

Assche, Christiane Van  (2006). Tempos de Vídeo 1965‐2005: Colección Nouveaux Médias del 

Centre Pompidou con  la participación de  la Colección de Arte Contemporáneo Fundación “La 

Caixa”. Barcelona: Caixaforum Barcelona.  

Azevedo, 2004 

Azevedo, Daniel, Freitas (2004). Arte Contemporânea e o sentido crítico da experiência estética 

[em linha]. Disponível em <http://www2.dbd.puc‐rio.br/pergamum/tesesabertas/0210196_ 

04_pretextual.pdf>, acedido a 2009/07/06.  

Bishop, 2005 

Bishop, Claire (2005). Installation Art ‐ A Critical History. London: Tate Publishing.  

Brewster, 1856 

Brewster,  Sir  David  (1856).  The  stereoscope: its  history,  theory,  and  construction,  with  its 

application  to the  fine and useful arts and  to education.   Volume 2; Los Angeles: University of 

California Press [em linha]. Disponível  em <http://books.google.com/books?id=7PRIAAAAIAAJ 

&hl=pt‐PT&pg=PP1#v=onepage&q&f=false>, acedido a 2011/07/12.  

Bryson, 1981 

Bryson, Norman (1981). Word and Image: French Painting of the Ancien Régime.   Cambridge: 

Cambridge University Press, 1995.   

Calado, 2008/2010 

Calado, Isabel (2008/2010). «Código Visual», in Dicionário Crítico de Arte, Imagem, Linguagem 

e Cultura. Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de Lisboa) em 

colaboração  com  o Ministério  da  Cultura  (IGESPAR),  desenvolvido  no  âmbito  do  projecto 

«Comunicação, Cultura e Arte no Museu do Côa» [em linha]. Disponível em <http://www.arte‐

coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemImagem&

Menu2=Autores&Slide=22>, acedido a 2011/08/20.  

 

Page 68: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

60  

Citador, 2011 

Citador  (2011).  Teoria  e  Prática,  Fernando  Pessoa  [weblog  em  linha].  Disponível  em 

<http://www.citador.pt/textos/teoria‐e‐pratica‐fernando‐pessoa>, acedido a 2011/10/25.  

Crary, 1990 

Crary, Jonathan (1990). Techniques of the Observer: On Vision and Modernity in the Nineteenth 

Century. Cambridge, Mass.: MIT Press.  

Cruz, 2011 

Cruz, Mª  Teresa,  (2011).  «Estudo  e  Crítica  dos  Novos Media»,  in  Feedback:  It  is  Black  or 

White*. Texto editado no âmbito do Open‐Day ’11: Mestrado Design de Comunicação e Novos 

Media. Lisboa: Faculdade de Belas‐Artes da Universidade de Lisboa, 30 de Junho de 2011.  

Electronic Arts Intermix, 2011 

Electronic Arts Intermix (2011). Gary Hill [em linha]. Disponível em <http://www.eai.org/title. 

htm?id=4183>>, acedido a 2011/11/02.  

Eliasson, 2011 

Eliasson (2011). Olafur Eliasson [em linha]. Disponível em <http://www.olafureliasson.net/ 

index.html>, acedido a 2011/11/02.  

Fiske, 1993 

Fiske,  John,  (1993).  Introdução  ao  Estudo  da  Comunicação  [em  linha].  Porto:  Edições  Asa. 

Disponível em <http://aquele.do.sapo.pt/04Fiske_metafora.pdf>, acedido a 2011/09/09.  

Flores, 2008/2010 

Flores, Teresa Mendes  (2008/2010). «Ponto de Vista»,  in Dicionário Crítico de Arte,  Imagem, 

Linguagem e Cultura. Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de 

Lisboa) em  colaboração  com o Ministério da Cultura  (IGESPAR), desenvolvido no âmbito do 

projecto  «Comunicação,  Cultura  e  Arte  no  Museu  do  Côa»  [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.arte‐coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=Comunicacao 

ELinguagemImagem&Menu2=Autores&Slide=45>, acedido a 2011/08/04.  

Giannetti, 2001 

Giannetti,  Cláudia  (2001).  Realidades  e  Mitos  da  Media  Art  [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.virose.pt/vector/b_08/gianetti.html>, acedido a 2008/11/27.  

Godinho, 2008/2010 

Godinho, Jacinto (2008/2010). «Percepção», in Dicionário Crítico de Arte, Imagem, Linguagem 

e Cultura. Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de Lisboa) em 

colaboração  com  o Ministério  da  Cultura  (IGESPAR),  desenvolvido  no  âmbito  do  projecto 

«Comunicação, Cultura e Arte no Museu do Côa» [em linha]. Disponível em <http://www.arte‐

coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemImagem&

Menu2=Autores&Slide=43>, acedido a 2011/08/19.  

Godinho, Jacinto  (2008/2010). «Reflexo»,  in Dicionário Crítico de Arte,  Imagem, Linguagem e 

Cultura. Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de Lisboa) em 

colaboração  com  o Ministério  da  Cultura  (IGESPAR),  desenvolvido  no  âmbito  do  projecto 

Page 69: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

61  

«Comunicação, Cultura e Arte no Museu do Côa» [em linha]. Disponível em <http://www.arte‐

coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoELinguagemImagem&

Menu2=Autores&Slide=47>, acedido a 2011/08/19.  

Gombrich, 2002 

Gombrich, E. H. (2002). Art and Illusion ‐ A study in the Psychology of Pictorial representation. 

6ª ed; Londres: Phaidon Press.  

Guimarães, 2004 

Guimarães, Dinara (2004). Vazio iluminado: o olhar dos olhare.s Rio de Janeiro: Garamond [em 

linha]. Disponível em <http://books.google.pt/books?id=c‐qc1YmawjgC&lpg=PP1&pg=P 

P1#v=onepage&q&f=false>, acedido a 2011/10/24.  

Grynsztejn, 2007 

Grynsztejn, Madeleine  (2007). Take Your Time / Olafur Eliasson. Contributions by Mieke Bal. 

Nova Iorque: Thames & Hudson.  

Hoffman, 1998  

Hoffman, Donald (1998). Visual Intelligence: How We Create What We See. Nova Iorque: W. W. 

Norton.   

Hofstadter, 2007 

Hofstadter,  Douglas  (2007).  I  Am  a  Strange  Loop  [em  linha].  Disponível  em 

<https://www.facebook.com/pages/Douglas‐Hofstadter/129748577052411?v=info>,  acedido 

a 2011/05/10.  

Jones, 2007 

Jones, Dave (2007) Gary Hill [em linha]. Disponível em <http://www.djdesign.com/artists/gh 

stills3.html>, acedido a 2011/11/02.  

Kapoor, 2011 

Kapoor, Anish (2011). Anish Kapoor Website [em linha]. Disponível em <http://www.anish 

kapoor.com>, acedido a 2011/11/02.  

Krauss, 1999 

Krauss, Rosalind  (1999).  “A Voyage on  the North  Sea”  ‐ Art  in  the Age of  the Post‐Medium 

Condition. Londres: Thames & Hudson.  

Making Art Happen, 2011 

Making  Art  Happen  (2011).  Bienal  De  Veneza  2011  [weblog  em  linha].  Disponível  em 

<http://makingarthappen.com/2011/06/05/bienal‐de‐veneza‐2011/>, acedido a 2011/11/02.  

May, 2003 

May, Susan (2003). The Weather Project / Olafur Eliasson. Londres: Tate.  

McEvilley; Allthorpe‐Guyton, 1991 

McEvilley, Thomas; Allthorpe‐Guyton, Marjorie  (1991). Anish Kapoor. Espanha: Ministério da 

Cultura. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía / The British Concil.  

Page 70: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

62  

Merleau‐Ponty, 2004 

Merleau‐Ponty, Maurice  (2004). O olho  e o  espírito.  Tradução de  Luís Manuel Bernardo, 5ª 

edição; Lisboa: Vega.  

Mirzoeff, 1999 

Mirzoeff, Nicholas (1999). An Introduction to Visual Culture. Londres e Nova York: Routledge.  

Mitchell, 1994 

Mitchell, W. J. T. (1994). Picture Theory: Essays on Verbal and Visual Representation. Chicago: 

Chicago University Press.  

Mitsui, 2010 

Mitsui,  Daniel  (2010)  The  Lion  &  the  Cardinal  [weblog  em  linha].  Disponível  em 

<http://www.danielmitsui.com/hieronymus/index.blog/1684264/horror‐vacui/>,  acedido  a 

2011/11/02.  

MoMA Collection, 2010 

MoMA  Collection  (2010).  Incidence  of  Catastrophe,  Gary  Hill    [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.moma.org/collection/browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A7416&pag

e_number=6&template_id=1&sort_order=1>, acedido a 2011/11/02.  

Oliveira, 1996 

Oliveira,  Henrique  (1996).  Conceito  filosófico  e  psicológico  [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.prof2000.pt/users/hjco/auditese/pg003020.htm>, acedido a 2008/11/11.  

Parfait, 2006 

Parfait,  Françoise  (2006).  «La  Instalación  en  la  Colección»,  in  Tempos  de  Vídeo  1965‐2005: 

Colección Nouveaux Médias del Centre Pompidou con  la participación de  la Colección de Arte 

Contemporáneo Fundación “La Caixa”. Barcelona: Caixaforum Barcelona.  

Parret, 2008/2010 

Parret, Herman  (2008/2010). «Teorias da Linguagem»,  in Dicionário Crítico de Arte,  Imagem, 

Linguagem e Cultura. Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens (Universidade Nova de 

Lisboa) em  colaboração  com o Ministério da Cultura  (IGESPAR), desenvolvido no âmbito do 

projecto  «Comunicação,  Cultura  e  Arte  no  Museu  do  Côa»  [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.arte‐coa.pt/index.php?Language=pt&Page=Saberes&SubPage=ComunicacaoE 

LinguagemLinguagem&Menu2=Autores&Slide=70>, acedido a 2011/08/18.  

Pinto, 2011 

Pinto, José G. (2011). «Teoria dos Media», in Feedback: It is Black or White*. Texto editado no 

âmbito do Open‐Day ’11: Mestrado Design de Comunicação e Novos Media. Lisboa: Faculdade 

de Belas‐Artes da Universidade de Lisboa, 30 de Junho de 2011.  

Priberam, 2011 

Priberam  Informática, S.A.  (2011). «Dicionário»,  in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 

[em  linha]. Disponível  em  <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dicion%C3%A1rio 

>, acedido a 2011/10/12.  

 

Page 71: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

63  

Reis, 2001 

Reis,  Vítor  dos  (2001).  O  Olho  Prisioneiro  e  o  Desafio  do  Céu:  A  Primeira  Demonstração 

Perspéctica  de  Filippo  Brunelleschi  como  Invenção  e  Paradigma  da  Perspectiva  Central. 

(“Biblioteca d’Artes, 4”). Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.  

Rush, 2007 

Rush, Michael (2007). video art. (2ª ed) Londres: Thames & Hudson.  

Solso, 1994 

Solso, Robert L. (1994). Cognition and Visual Arts. Cambridge, Mass.: The MIT Press.  

Tate Org., 2006 

Tate  Org.  Liverpool  (2006).  Bruce  Nauman, Make Me  Think Me  [em  linha].  Disponível  em 

<http://www.tate.org.uk/liverpool/exhibitions/nauman/>, acedido a 2011/10/03.  

Wheatstone, 1838 

Wheatstone, Charles (1838). Contributions to the Physiology of Vision – Part the First. On some 

remarkable, and hitherto unobserved, Phenomena of Binocular Vision. Londres: Royal Society 

[em  linha]. Disponível em <http://www.stereoscopy.com/library/wheatstone‐paper1838.html>, 

acedido a 2011/07/08.  

Wikipedia, 2011 

Wikipedia,  The  Free  Encyclopedia  (2011).  «Drawing  Hands»,  in  Wikipedia,  The  Free 

Encyclopedia  [em  linha].  Disponível  em  <http://en.wikipedia.org/wiki/Drawing_Hands>, 

acedido a 2011/11/02.  

Wikipedia,  The  Free  Encyclopedia  (2011). «The Human Condition  (painting)»,  in Wikipedia,  The 

Free Encyclopedia [em linha]. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Human_Condition_ 

(painting)>, acedido a 2011/09/26.  

Wikipedia,  The  Free  Encyclopedia  (2011).  «The  Treachery  of  Images»,  in Wikipedia,  The 

Free Encyclopedia [em linha]. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/The_Treachery_ 

of_Images>, acedido a 2011/11/02.  

Wikipedia,  The  Free  Encyclopedia  (2011).  «The  Weather  Project»  in  Wikipedia,  The  Free 

Encyclopedia [em linha]. Disponível em < http://en.wikipedia.org/wiki/The_Weather_Project 

#The_weather_project>, acedido a 2011/11/02.  

Zeki, 1999 

Zeki, Semir (1999). «The art’s quest for essentials»,  in  Inner Vision: An Exploration of Art and 

the Brain. Oxford: Oxford University Press.        

   

Page 72: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

64  

Anexos  

 

 

Anexo 1 – Anish Kapoor (1954 ‐). Leviathan, 2011. P.V.C.; 33.6 × 99.89 × 72.23 m (Kapoor, 2011). 

 

 

 

Anexo 2 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). 1000‐Names, 1979‐80. Pigmento sobre madeira e gesso; 183 cm (Kapoor, 2011). 

Page 73: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

65  

 

 

 

 

Anexo 3 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Svayambh, 2007. Cera e tinta à base de oleo; dimensões variáveis (Kapoor, 2011). 

 

 

 

Anexo 4 ‐ Anish Kapoor(1954 ‐). Past, Present, Future, 2006. Cera e tinta à base de oleo; 345 x 890 x 445 cm (Kapoor, 2011). 

Page 74: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

66  

 

 

 

Anexo 5 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Part of the Red, 1981. Técnica mista e pigmento; dimensões variáveis (Kapoor, 2011). 

 

 

 

Anexo 6 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Drop, 2008 (Kapoor, 2011). 

Page 75: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

67  

 

 

 

Anexo 7 ‐ Anish Kapoor (1954 ‐). Turning the World Inside Out II, 1995. Bronze cromado: 180 × 180 × 130 cm (Kapoor, 2011). 

 

 

 

Anexo 8 – Anish Kapoor (1954 ‐). Untitled, 2008. Aço inoxidável; 300 × 300 × 46 cm (Kapoor, 2011). 

 

Page 76: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

68  

 

 

 

Anexo 9 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Stamping the Studio, 1968. Vídeo (preto e branco, som); 62 min (loop). Nova 

Iorque: Cortesia de Electronic Arts Intermix (Tate Org., 2006). 

 

 

 

 

Anexo 10 ‐ Bruce Nauman (1941‐). Mapping the Studio II with color shift, flip, flop, & flip/flop (Fat Chance John Cage), 2001. Paris: Centre Georges Pompidou / Cortesia de ARS, NY e DACS, Londres. (Tate, 2011). 

 

   

Page 77: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

69  

Apêndices 

 

Page 78: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

70  

   

Page 79: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

71  

 

 

   

Page 80: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

72  

 

 

 

Page 81: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

73  

 

 

 

Page 82: UNIVERSIDADE DE LISBOArepositorio.ul.pt/bitstream/10451/5631/2/ULFBA_TES460.pdfRodrigues, Tomás Caldeira, Sofia Abrantes, Andreia Couto, Lara Silva, Pedro Grilo, Marta Correia, Maria

74