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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA Salvador 2011

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA

WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA

Salvador

2011

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LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA

WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA

Salvador

2011

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Estudos de

Linguagens – PPGEL/UNEB para obtenção do

título de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª Drª. Lícia Soares de Souza.

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB – SISB

Almeida, Liz Maria Teles de Sá

Waly Salomão : a fabricação da poesia / Liz Maria Teles de Sá Almeida .– Salvador, 2011. 97f.

Orientadora: Profª Drª Lícia Souza Soares

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.

Campus I.

Contém referências.

1 Poesia . 2. Waly Salomão - 1944 – 2003 . 3. Metalinguagem. 4. Pós – modernismo ( Literatura) .

I. Soares , Licia Souza . II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.

CDD : B869.1

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TERMO DE APROVAÇÃO

LIZ MARIA TELES DE SÁ ALMEIDA

WALY SALOMÃO: A FABRICAÇÃO DA POESIA

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Estudo de

Linguagens, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, pela seguinte banca examinadora:

Profa. Dra. Lícia Soares de Souza (Orientadora) ____________________________________

Universidade do Estado da Bahia

Profa. Dra. Márcia Rios da Silva ________________________________________________

Universidade do Estado da Bahia

Prof. Dr. Raimundo Lopes Matos _______________________________________________

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Salvador, ____ de _______________ de 2011.

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A meus pais, pelo amor e confiança que

sempre depositaram em mim; a meu irmão, me

pelas orações que mantiveram em pé ao longo

desta jornada; a meu companheiro, pela

tolerância nos dias de angústia; aos meus

alunos, pela crença de que, no fim, eu voltaria

mais preparada para juntos promovermos

transformações na Escola e em nossas vidas.

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AGRADECIMENTOS

Antes, umas considerações necessárias: eu não construí esta dissertação sozinha, ao longo da

minha jornada, pois tive a sorte de contar com a colaboração de pessoas amadas que tornaram

a minha trajetória mais branda. Sinto-me muito feliz por ter podido contar com tanta gente

solidária. Talvez Fernando Pessoa tenha dito que ―agradecer é mistério‖ por não ter tido a

oportunidade de conhecer pessoas como estas que me ajudaram a chegar até aqui e tornaram a

minha vida mais fácil, e a quem serei grata por toda minha vida.

Nem todo objeto de pesquisa nasce de um caso de amor, alguns – assim como alguns amigos

que fazemos – nos são apresentados. Foi assim com o Waly. Ainda na graduação, ele me foi

sugerido por um professor para ser meu objeto de estudo e ensaio monográfico. Entretanto,

nessa ocasião, eu já estava envolvida com outro baiano de Santo Antônio de Jesus – Pedro

Kilkerry. Após a graduação, o assunto foi retomado pelo Prof. Dr. Vitor Hugo Fernandes e,

dessa vez, sem nenhum impedimento, fui-me envolvendo com a poética de Waly a cada dia

que passava, tomada pela curiosidade em decifrar aqueles poemas. Foi assim que aprendi a

amar este baiano de Jequié. E foi assim também que aprendi a diferenciar um professor de um

mestre. Por que o mestre, além de ensinar, ilumina, esclarece, acompanha, cuida, torce e vibra

com seu resultado. E eu tive a sorte de ter encontrado na minha vida um carioca que me

acompanhou durante todo este processo, sempre me fazendo acreditar que era possível chegar

até aqui e construir uma pesquisa relevante. Por isso, ao Prof. Dr. Vitor Hugo, um preito

especial, por ter estado comigo (mesmo que geograficamente separados) e ter acreditado em

mim por todo este tempo, e por suas aulas, pelos livros, pelas conversas, por estar sempre

disponível.

Especialmente, a meus pais, pessoas capazes de abrir mão de suas próprias vidas para que eu

não desistisse. Quantas foram as vezes que deixaram um ao outro e deixaram seus trabalhos,

correram 400 km para me dar um apoio, uma palavra de tranquilidade, uma vitamina C! São

perfeitos, e eu os amo. Tudo que fiz e faço em minha vida é pensando neles, em deixá-los

alegres e orgulhosos do esforço que fizeram por me criar e não me deixar faltar nada.

Como nasci exatamente na família certa, tudo que estas pessoas doidas fizeram e fazem por

mim me deixam mais forte para seguir na caminhada, não posso me esquecer de Sandrinha e

Tomé, por todas as vezes que me perguntavam: ―Esse negócio de mestrado não acaba nunca,

não?‖ Acreditem, isso me dava uma força para concluir o trabalho; também de Olívia e

Marcelo (Jiló), por ficarem inconformados todas às vezes que eu não podia sair, o que me

deixava irritada, mas ao mesmo tempo me fazia perceber o quanto gostariam de estar comigo,

e é sempre bom se sentir amada nos momentos de fragilidade.

A meu irmão Neto, muito querido, pelas orações indicadas e realizadas, que me mantiveram

em pé, pois a caminhada foi dolorosa. E não só por ter ouvido minhas confissões, mas

também por me ter compreendido mesmo sem ter falado, pois nem tudo falamos, que é para a

família não ficar preocupada.

A Virgínia e Ricardo, dois grandes amigos, que se encarregaram praticamente de me

sequestrar nos piores momentos, para aliviar o peso da tripla jornada de trabalho que quase

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me fez desistir, não fosse o desejo de pesquisar e de vivenciar a universidade, apesar de,

fisicamente, ter sido uma batalha, pois o corpo parecia não aguentar tanto esforço para superar

as dificuldades.

Às diretoras Juçara e Noelma, que, mais do que gestoras, foram amigas, compreendendo a

importância desta etapa que estou vivenciando, suportando e justificando minha ausências,

assumindo o risco, trabalhando por mim quando precisei sair, fazer cursos, apresentar

trabalhos, etc. Cumpriram o papel que deveria ser do Estado, que não reconhece a necessidade

de o profissional se qualificar, para melhor servir à Educação, que retira os profissionais

qualificados para assumir cargos, ao invés de garanti-los em sala de aula. E também às vice-

diretoras Márcia do Monte e Débora Coutinho, pelo carinho e compreensão.

A meus alunos, pela compreensão das minhas falhas, pelo carinho, por entenderem que, no

fim, daria tudo certo, para mim e para eles, e por terem reconhecido que amadureci neste

processo e que hoje podem cobrar muito mais de mim do que ontem.

Aos colegas dos colégios estaduais Dásio José de Souza e Polivalente de Candeias, do colégio

municipal Adauto Pereira de Souza, pelo carinho e por acreditarem que, mesmo jovem e

recém-chegada à Educação, poderia contribuir para a construção de escolas com qualidade. E,

ainda, por me terem recebido tão bem e, mesmo conhecendo as minhas ―maluquices‖,

continuarem me respeitando. E especialmente: a Martha e seu Velhinho, pelas caronas e

amparo durante as chegadas tardias da estrada de Candeias para Salvador; ao Professor

Genival, que, além de amigo, é exemplo de superação e força; a Andreia e Dino, por me

terem ensinado tanto sobre a vida, sobre a História; à professora Girlane, amiga/mãe/irmã,

talvez o maior presente que conquistei no Colégio Polivalente, e que leu meu texto e

questionou tanto. A todos, em geral, por tornarem minhas viagens de Candeias a Salvador as

melhores, as mais divertidas e as mais educativas.

A Cristian e André, que me consolaram com suas próprias dificuldades e nunca me

desampararam nestes dois anos de PPGEL. E também pelas saídas para descansar, mesmo

quando não conseguíamos falar de outra coisa que não fossem nossas dissertações. Mas

também pelas risadas e pelos bilhetinhos durante as aulas. E pela amizade, que será para vida

toda.

A minha orientadora, Profª Drª. Lícia Soares, por suas valiosas contribuições; pela liberdade

que me concedeu durante a construção do trabalho; pelas orientações que sempre me

divertiram muito; por ter dividido parte de sua vida comigo; pela torcida calorosa, pois,

depois deste convívio, me tornei mais confiante.

A meus professores do Campus XXI – Elisângela Santana, Rocio Castro, José Humberto da

Silva, Márcia Torres, Murilo Costa, Silvana Biondi, Márcia Auad –, pela dedicação e

empenho durante nossa formação em Letras, por nos mostrarem o caminho da pesquisa, em

uma realidade na qual nem sequer havia iniciação científica, dada a precariedade de um

campus que estava iniciando, e por nos acompanharem a diversos lugares para divulgar

nossas produções acadêmicas. E, especialmente, à professora e colega Adilma Nunes e ao

professor Otávio Assis, que se empenharam em me conseguir disciplina em que pudesse

efetuar o tirocínio docente, e, mais do que isso, garantiram minhas viagens para concluir esta

etapa do mestrado.

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A Camila e Danilo (secretários e o ―coração‖ do PPGEL), por me receberem sempre com

sorriso e atenderem carinhosamente a todos os meus pedidos, mesmo quando eram feitos de

ultima hora.

Às colegas do Profuncionário, pelo carinho com que me trataram ao longo do ano que passou,

e por serem meu refúgio em meio ao caos em que eu estava vivendo.

Aos professores da linha 1 do PPGEL, que foram fundamentais neste processo, sobretudo à

Profª Drª Márcia Rios, por ter aceitado carinhosamente o convite para estar nesta banca, e ao

professor convidado Dr. Raimundo Matos, por contribuírem imensamente durante o processo

de qualificação, com suas ―dicas‖, sugestões, indicações bibliográficas, etc.

À professora Solange Mendes da Fonsêca, que, além de revisar, comentou, sugeriu, criticou

esta dissertação e sempre carinhosamente atendeu a minhas solicitações apressadas.

A Denison, pela compreensão durante os momentos de crise provocados pela ansiedade da

escrita, pelas vezes em que foi um companheiro, que esteve perto, que aceitou meu silêncio,

que pesquisou comigo, por todo o apoio que me deu. Seu amor foi fundamental para me

manter aquecida e confortada.

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Se nenhuma obra se deixa entender

sem que sua técnica seja

compreendida, tampouco esta

ultima se deixa entender sem a

compreensão da obra.

(Adorno)

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RESUMO

Esta dissertação trata da metalinguagem no processo de composição crítico-criativo do letrista

e poeta baiano Waly Salomão (1944-2003). Nas sete obras publicadas deste poeta, nos

impressiona a recorrência com que opera com a metalinguagem em seus textos. A

metalinguagem permite a Waly Salomão construir versos cujas temáticas desenrolam-se em

torno do seu próprio processo de criação; discutir a situação do poeta contemporâneo e refletir

as inquietações do tempo em que inscreve sua poética: a pós-modernidade. Nesta pesquisa,

pretendemos analisar seus metapoemas, para, a partir destes, compreendermos o seu modus

operandi ao utilizar tal procedimento. Para tanto, fazemos um percurso em torno do pós-

moderno, a fim de percebermos como este tempo se estabelece e como o sujeito responde às

questões advindas dessas transformações por meio de sua poética. Por fim, investigamos

minuciosamente o processo de composição de Waly Salomão para descrever como se

estabelece o seu fazer poético.

Palavras-chave: poesia, metalinguagem, Waly Salomão, pós-modernidade.

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ABSTRACT

This dissertation discuss the metalanguage in the critical-creative process of the writer and

poet from Bahia Waly Salomão (1944-2003). Within all the seven works he published, the

usage of metalanguage becomes evident. The metalanguage lets Waly Salomão build verses

whose themes unfold themselves around their own creation process; to discuss the situation of

the contemporary poet and reflect the concerns of the time that his poetic forms: the post-

modernity. In this research, we intend to analyze his meta poems, to understand his modus

operandi to use such a procedure. For this, we make a journey around the postmodern, in

order to feel like this time is established and how the subject responds to questions arising

from these transformations through his poetry. Finally, we investigate in detail the Waly‘s

process of composing to describe how his poetry is established.

Keywords: poetry, metalanguage. Waly Salomão, post-modernity.

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LISTA DE SIGLAS

UFBA – Universidade Federal da Bahia

ONG – Organização não-governamental

USP – Universidade de São Paulo

CPC – Centro Popular de Cultura

PAV II – Pavilhão dois do Presídio Carandiru

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14

1 UM POETA DA TROPICÁLIA? 20

2 PÓS-MODERNIDADE E IMPLICAÇÕES NA LÍRICA DE WALY SALOMÃO 35

2.1 UM BREVE PASSEIO PELO UNIVERSO PÓS-MODERNO 35

2.2 A LÍRICA WALYNIANA NA (PÓS)MODERNIDADE 43

2.3 A EXPERIÊNCIA DOS B-A-B-I-L-A-Q-U-E-S 52

3 O PROCESSO CRÍTICO-CRIATIVO NA POESIA DE WALY SALOMÃO 58

3.1 DOS METAPOEMAS DA LITERATURA BRASILEIRA 58

3.2 A FABRICAÇÃO DA POESIA: DA METALINGUAGEM EM JAKOBSON ÀS

OUTRAS METAS DE CAMPOS 63

3.3 A METAPOESIA NAS ALGARAVIAS DE WALY SALOMÃO 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS 89

REFERÊNCIAS 92

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No fim da graduação, surgiu, em mim e em alguns colegas de turma, um interesse por

estudar poetas da contemporaneidade (Ana Cristina César, Paulo Leminski, Waly Salomão,

Solano Trindade, entre outros). Aliada a este desejo, uma grande dúvida: como compreendê-

los e classificá-los? Os poetas escolhidos por nós aproximavam-se pelo momento em que

escreviam. Todavia, parecia ser apenas isso que os unia e, entre eles, mais desencontros e

descaminhos que aproximações. É sempre uma tarefa difícil estudar o presente, o que está em

constante mudança, em movimento. Paira um sentimento de insegurança quando é necessário

nos debruçarmos sobre um momento de instabilidade e de saberes científicos em fase

embrionária ou se consolidando. Até porque nos falta uma fortuna crítica que só vai sendo

construída com o tempo.

Todas as inquietações descritas acima só serviram de estímulo na tentativa de

compreender o poeta deste tempo. Sobretudo, quando somos apresentados a um dos mais

complexos e irreverentes deles – Waly Salomão (1943-2003). Com ele, as dificuldades

transformam-se em desafios e a curiosidade em condição sine qua non para estudarmos sua

poética.

―Eu não sou um fóssil, sou um míssil‖ (apud PERRONE-MOISÉS, 2004)– reclama o

poeta e compositor baiano Waly Salomão, contrário a qualquer forma de congelamento.

Reivindica seu lugar junto aos poetas que não se enquadram, pois se trata de identidades

desestabilizadoras em nosso tempo. Ler Waly Salomão acreditando que ele é um poeta da

Tropicália é negar todos os espaços que ele desbravou e nos quais se inseriu. Afinal, foi este

―poeta multimídia‖ um dos timoneiros da Revista Navilouca, publicada por artistas da

contracultura na década de 70 do século passado.

Durante as décadas de 60 e 70, conviveu com artistas da Tropicália; alguns deles

tornaram-se intérpretes e/ou parceiros, a exemplo de Gal Costa e Caetano Veloso. Produziu

shows de artistas da música popular brasileira, compôs uma infinidade de canções para

artistas e, em parceria com estes, ministrou cursos de Filosofia em periferias de Salvador e

palestrou para estudantes de medicina. Poetou. Filmou. Atuou... E encerrou sua carreira na

política, num cargo na Secretaria da Leitura, durante a gestão do ministro da Cultura, Gilberto

Gil. Morreu desejando que se efetivasse sua proposta de baratear o custo do livro nas editoras,

para alimentar a fome de leitura do povo, acrescentando livros em suas cestas básicas.

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Diante desse breve esboço por alguns (des)caminhos por onde circulou o poeta dos

babilaques, é possível imaginarmos o quão polivalente foi sua peformance1 nesta vida e,

portanto, quão espinhoso é categorizá-lo. Waly Salomão precisa estar livre para ser

compreendido em seu tempo, tempo este de grande complexidade, de mudanças muito

íngremes, instabilidade e pouca solidez.

Poeta polifônico2, segundo definição própria em poema encontrado no livro

Algaravias - câmara de ecos:

DESEJO & ECOLALIA3

– O que você quer ser quando crescer?

– Poeta polifônico. (SALOMÃO, 2007a, p.75).

Nesses versos, Waly Salomão é múltiplo, já que é o poeta que revela, traduz,

interpreta e cria as outras vozes de sua poesia. Sendo assim, faz-se necessário compreendê-lo

e entender a insistência em operar com a metalinguagem em seus metapoemas, quer dizer,

uma das formas de manifestação da metalinguagem (no caso dos poemas que estudaremos,

basta entender este fenômeno como as evidências, em um poema, de reflexões sobre a poesia

e sobre literatura, ou sobre o próprio fazer poético). Mas por que será que Waly problematiza

tanto sua condição de poeta? Por que será que suas poesias refletem seu próprio fazer? Por

que seus poemas trazem como temática o processo de criação literária? Por que esta

necessidade de traduzir as angústias do poeta diante do seu ofício e diante da vida?

O último aspecto levantado, a consciência metalinguística de Waly Salomão, justifica

a escolha do autor como nosso objeto de estudo. Entendemos que aí reside um dos interesses

pós-modernos da leitura walyniana. Embora este olhar interessado esteja sendo revelado

muito mais no âmbito da prosa (ficção) do que na poesia – haja vista o trabalho da teórica

canadense Linda Hutcheon, Poética do pós-modernismo (1991), e a recente publicação do

1 Diz respeito a sua atuação nos diferentes espaços culturais que transitou, por ser ator e por ter um jeito bem

particular de gesticular e impostar a voz ao falar, seus contemporâneos costumam dizer em entrevistas e

documentário que Waly Salomão parecia estar representando a todo momento. 2 Segundo Mikhail Bakhtin (2002, p.4), ―[...] polifonia é a multiplicidade de vozes e consciências independentes

e imiscíveis [...]‖ presentes em um discurso. Embora Bakhtin tenha utilizado o conceito para tratar das vozes

dialógicas no romance, o poeta Salomão utiliza o conceito para identificar as diferentes vozes que apresenta em

seu discurso poético e marcar a multiplicidade que o caracteriza. No poema ―Amante da Algazarra‖ (2000, p.61),

compôs uns versos que ressaltam este caráter polifônico de seus textos: ―Não sou eu quem dá coices

ferradurados no ar./ É a estranha criatura que faz de mim o seu encosto/ [...] Esta amante da balbúrdia cavalga

encostada ao meu sóbrio ombro/ [...] É esta/ Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde‖. 3 Um tipo de afasia, a repetição sonora (e ideológica) do discurso alheio (SANT‘ANNA, 1995, p.33).

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professor Gustavo Bernardo, O livro da metaficção (2010). Portanto, não podemos negar que

a metalinguagem é um fenômeno da linguagem que acompanha o sujeito que escreve desde

sempre. E isto independe da modalidade textual adotada, sobretudo na poesia de Waly

Salomão, em que a metalinguagem é a ―linguagem fim‖, para encerrar questões que ajudam a

esclarecer o pensamento de um sujeito acerca dos problemas de um escritor, de uma época,

suas concepções e considerações sobre Literatura ou um gênero literário específico. Portanto,

escolhemos como objeto de nossa investigação a metalinguagem na poesia de Waly Salomão.

Afinal, o que quer a metalinguagem? Esta palavra composta pelo prefixo grego meta,

que significa ―autorreferência‖, pode significar também ―além de‖, ou seja, linguagem que

reflete a própria linguagem e linguagem que está para além da linguagem. A necessidade da

autoexplicação nasce exatamente da insuficiência desta e, portanto,

Falo para entender ou comunicar, mas quando o faço provoco sucessivos

mal-entendidos. Toda linguagem é simultaneamente pletórica e insuficiente:

falo sempre mais do que queria e menos do que devia. Uso a palavra para ter

acesso à coisa, mas a palavra me afasta da coisa em si. Como a linguagem

não me basta por mais que me esforce, preciso ir além dela e explicá-la:

chegamos à metalinguagem da gramática, da lingüística, da lógica, da

própria filosofia. No entanto, toda metalinguagem não deixa de ser uma

linguagem, ainda que sobre outras linguagens; [...] (BERNARDO, 2010, p.

11).

É nesta tentativa de explicação, esclarecimento da linguagem sobre ela mesma, que

escapam os efeitos que nos interessam. Ao utilizar, por exemplo, o poema para refletir seu

próprio fazer, Waly Salomão revela sua postura como poeta que acredita na transformação do

sujeito por meio da arte literária e, com isto, dedicará parte do seu universo literário para

discutir seu fazer poético transformador.

Desse modo, entendemos que é possível fazer uma análise da obra walyniana por esse

viés metalinguístico, ainda não explorado pela crítica. E aqui tocamos numa questão crucial

para estudarmos a literatura de Waly Salomão: a escassez de fortuna crítica sobre o poeta. A

dimensão metalinguística de sua produção poética já contribui para isto desde o primeiro

momento.

A metalinguagem livra o poeta dos rótulos, uma vez que sua poesia expõe suas

influências. É refletindo seu próprio processo crítico-criativo que produz a lírica da quase-

intimidade; revisita criticamente a tradição poética; traduz seu cotidiano e revela um sujeito

de identidade fragmentada, desestabilizada, por meio da angústia que é o processo de escrita.

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É desse modo que a metalinguagem em Salomão difere deste mesmo procedimento utilizado

por tantos outros poetas.

Se observarmos os prefácios dos seus livros, elaborados em sua maioria por

professores universitários, como Leyla Perrone-Moisés, Antônio Medina, Antônio Cícero,

José Miguel Wisnik, podemos perceber que eles pontuam caminhos possíveis para

entendermos a poesia walyniana. É importante ressaltar que Waly Salomão, quando propõe as

relações dialógicas, os intertextos e as citações de seus poemas, pressupõe um leitor já

iniciado em poesia e com um razoável repertório literário, filosófico, musical, fílmico, etc.

Aí reside a explicação para a existência de tão poucos trabalhos sobre o poeta. Sua

leitura exige um leitor conhecedor de outras e variadas leituras, capaz de fazer as conexões

necessárias para a interpretação. Isso explica também o fato de a maioria dos admiradores de

Waly Salomão ser composta por poetas, ou amantes de poesia. São poucos os trabalhos

publicados sobre este baiano. Para realizar nossa pesquisa, contamos com a publicação de

pesquisadores como Flávio Boaventura, O amante da algazarra: Nietzsche na poesia de Waly

Salomão (2009) e textos organizados em livro como Literatura brasileira hoje (2004), de

Manuel da Costa Pinto. O meio eletrônico é que fornece a maior parte dos trabalhos da crítica

universitária, assim, pudemos contar com entrevistas, artigos, ensaios e resenhas de Helloisa

Buarque de Hollanda (Entrevista A poesia no poder), Silviano Santiago (artigo de jornal, ―Os

abutres‖), Antônio Cícero (ensaios publicados em seu blog), os textos do crítico Felipe

Fortuna, os artigos da professora Judite Silva Botafogo (―Algaravias do pós-tudo‖) e do

professor Raimundo Lopes Matos (Dialogismo poético em Gregório de Matos e Waly

Salomão: linguagens e estilos Barroco e Neobarroco), além de algumas poucas dissertações

de mestrado e teses de doutorado já defendidas sobre Waly Salomão, sua performance. e seus

escritos, a exemplo da tese de doutoramento de Sérgio Carvalho de Assunção: Fricção e

ficção em Waly Salomão. Assim sendo, optamos por investigar a metalinguagem nos poemas

de Waly Salomão por ser um aspecto já observado, porém não explorado pela crítica.

À luz das reflexões desses críticos, pretendemos neste trabalho compreender como

Waly Salomão opera com a metalinguagem em seus textos. Compreendendo esse jogo, será

possível, por consequência, perceber como constrói a ideia de homem e poeta de seu tempo;

tempo este de grandes (in)definições e que não deve ser negado, pois marca o trabalho deste

baiano como mais uma poética que respinga os efeitos da pós-modernidade.

No que toca às questões acerca da pós-modernidade, seguimos um percurso teórico,

começando por Jean François-Lyotard e sua A condição pós-moderna (1979), passando ainda

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por Gilles Lipovetsky, Stuart Hall, Zygmunt Bauman, Teixeira Coelho, Ítalo Moriconi, entre

outros, que colaboraram para a elucidação de um panorama da sociedade pós-moderna.

Para realizar este estudo, foi necessário selecionarmos, nas obras publicadas de Waly

Salomão, seus poemas essencialmente de natureza metalinguística. Passamos por todas as

suas produções, desde o polêmico Me segura qu’eu vou dar um troço, lançado em 1972, a

Pescados Vivos, publicado em 2004, um ano após sua morte. Escolhemos como corpus alguns

poemas e destes retiramos os fragmentos mais significativos para investigação no primeiro e

no segundo capítulos. Adotamos, entre suas publicações, Algaravias: câmaras de ecos como

a unidade referencial para este estudo, por ser, entre todas, a obra com mais reflexões

metalinguísticas, realizando, no terceiro capítulo, uma análise minuciosa dos diversos

aspectos que a compõem, sobretudo do metapoema, ―Fábrica do poema‖.

Nos metapoemas de Waly Salomão, encontramos poemas que exercem a função

destinada à crítica literária e atacam poetas cujo trabalho literário não traduz o verdadeiro

valor desta atividade. Vemos citações diretas ou indiretas (intratextualidade e

intertextualidade) de outros trabalhos de escritores e artistas criativos, ocidentais e orientais,

que refletem o próprio ―fazer‖ (produzindo um diálogo intratextual). Também observamos os

que questionam a situação do poeta contemporâneo diante do desinteresse pela arte por este

produzida.

Na tentativa de organizar metodologicamente o trabalho, dividimo-lo em três

capítulos, a saber: no primeiro, “Um poeta da Tropicália?‖, apresentamos o poeta Waly

Salomão nos diferentes ambientes artístico-culturais dos quais participou, a fim de

compreender como se resolve sua poética diante de tantas e diversas influências. No segundo,

―Pós-modernidade e implicações na lírica de Waly Salomão‖, investigamos as teorias e

estudos sobre o pós-moderno, para compreendermos o panorama histórico em que Waly

Salomão produz seus poemas, bem como buscamos entender como sua poesia se comporta no

ambiente de pós-modernidade e de que modo responde a questões deste tempo. Além disso,

analisamos as experiências do poeta com os seus babilaques. Neste capítulo, coube ainda uma

reflexão de como as várias experiências que viveu nas artes foram traduzidas por meio de sua

poesia, principalmente o cinema e o teatro, que colaboraram na construção da sua poesia-

performance, o que, para nós, já é metalinguagem, uma vez que temos a linguagem poética

traduzindo outras linguagens. Também não podemos desprezar sua atuação na cultura

brasileira, pois ―[...] uma experiência tão singular de criação não existe sem a marca de uma

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vivência igualmente singular, de um modo próprio de afirmação do sujeito‖ (VILLAÇA,

2003, p. 153).

Seguimos estudando este baiano como um poeta multimídia, resultado do

envolvimento com os diferentes movimentos culturais de que participou, pois esta

característica aponta a metalinguagem como um recurso que se manifesta exatamente a partir

dessa fusão. Ela permite [com] que Waly se posicione, por meio de sua poesia, para falar dos

espaços vários por onde disseminou discussões culturais. Para compreendermos o resultado

da poética walyniana, buscamos apoio na discussão de Alfonso Berardinelli (2007), que

apresenta os dilemas da poesia contemporânea.

No terceiro capítulo, ―O processo crítico-criativo na poesia de Waly Salomão‖, nos

concentramos na análise do corpus, o livro Algaravias: câmaras de ecos, com ênfase num

estudo minucioso do poema intitulado ―Fábrica do poema‖, à luz das discussões de Roman

Jakobson, Haroldo de Campos, Samira Chalhub, Affonso Romano de Sant‘anna e Modesto

Carone Netto, acerca da metalinguagem, do metapoema e do fazer poético. Embora não

tratemos aqui, especificamente, de intertextualidade –, digo, não nos deteremos neste

procedimento, pois julgamos que precisaríamos construir uma outra dissertação para tratar

apenas deste tema em Waly Salomão –, não podemos, entretanto, deixar de identificar as

referências apontadas por meio de seus poemas, pois julgamos o intertexto como

metalinguagem. Afinal, essas referências nem sempre são diretas, estão diluídas no texto e

acabam explicando influências que implicam o fazer do poeta em questão. Deste modo,

procuramos identificar como as referências metalinguísticas dialogam com outros poetas

como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Francis

Ponge, Edgar Allan Poe, Hafiz, entre outros.

Assim, trabalhando com a metapoesia como um traço de uma manifestação maior – a

metalinguagem –, acreditamos que, como o prefixo grego sugere, este é um fenômeno que nos

possibilita ir além da linguagem para compreendê-la e, sobretudo, entender o legado de um

grande poeta que, enquanto viveu, lutou para que não apenas a poesia, mas também outras

diversas formas de arte pudessem transformar os nossos dias.

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1 UM POETA DA TROPICÁLIA?

quem fala que sou esquisito hermético

é porque não dou sopa estou sempre elétrico

nada que se aproxima nada me é estranho

fulano sicrano beltrano

seja pedra seja planta seja bicho seja humano

quando quero saber o que ocorre a minha volta

ligo a tomada abro a janela escancaro a porta

experimento invento tudo nunca jamais me iludo

quero crer no que vem por aí beco escuro

me iludo passado presente e futuro

urro arre i urro

viro balança reviro na palma da mão o dado

futuro presente e passado

tudo sentir total é a chave de ouro do meu jogo

é fósforo que acende o fogo da minha mais alta razão

e na sequência de diferentes naipes

quem fala de mim tem paixão

(SALOMÃO, 2008, p.11)

Ser rotulado não era desejo de Waly Salomão. Portanto, cabe uma ponderação sobre a

passagem deste baiano pelo tropicalismo (1967-1968) para compreendermos em que medida

seus versos recebem influências deste movimento e se há evidências, em sua poética, que

levam estudiosos e críticos de sua vida e obra a o intitularem de Poeta da tropicália4.

Bahia, década de 60. A capital baiana, Salvador, passara por uma série de mudanças

que sinalizariam, a partir dali, um novo momento na história cultural da cidade, do Estado e,

por consequência, do País. O embrião dessas transformações foi gestado na Universidade

Federal da Bahia, pelo então reitor Edgar Santos, que, com seu espírito visionário, cultivou

um terreno fértil (promovendo, entre outras ações, a reforma da Universidade), de onde iriam

brotar os novos artistas, intelectuais e agitadores políticos da Bahia, cujas atuações viriam a

proporcionar força motriz a movimentos como o Cinema Novo e a Tropicália.

4 Tropicalismo – Movimento libertário de ruptura que se iniciou em 1967 sem publicações oficiais e teve

duração de pouco mais um ano, pois foi reprimido pelo governo militar. Culminou com a prisão de Caetano

Veloso e Gilberto Gil. Inicialmente não produziu livro, mas promoveu happening, shows, lançaram discos e

participaram dos programas de televisão como o programa do Chacrinha e os festivais de MPB da Record

(SANTA‘ANNA, 1980). Seus principais representantes e mentores intelectuais foram os cantores/compositores

Caetano Veloso e Gilberto Gil, que contaram com participação da cantora Gal Costa e do cantor/compositor

Tom Zé, da banda Mutantes e do maestro Rogério Duprat. O movimento ainda contou com Nara Leão, os

letristas José Carlos Capinan, Torquato Neto e o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte.

Tropicália – Diz respeito à formação de um tropicalista ou integrante do movimento tropicalismo.

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Edgar Santos mobilizou diferentes frentes de pensamento e atividades culturais da

Cidade do Salvador, dentro dos muros da Universidade e, assim, personalidades de diferentes

esferas culturais foram envolvidas em torno de grandes projetos e atividades em parceria com

a UFBA. Deste modo, foi possível reunir um quadro de professores e colaboradores que

contava com nomes como Lina Bo Bardi, que veio para a Bahia assumir a direção do Museu

de Arte Moderna. Além desta, não deixaram de dar suas contribuições para a Universidade: o

diretor de teatro Martim Gonçalves, um pernambucano, já com ampla experiência em artes

cênicas e que aceita vir lecionar na escola de Teatro da UFBA, aqui permanecendo entre os

anos de 1955 e 1962; o músico suíço Anton Walter Smetak, que passa a ser professor e

pesquisador da UFBA a convite de Hans Joachim Koellreutter, musicólogo alemão, fundador

da Escola de Música da Universidade Federal; o historiador português Agostinho da Silva e a

polonesa Yanka Rudzka, professora de dança contemporânea.

Segundo a pesquisadora Ana de Oliveira (2010), além desses nomes internacionais,

participaram ativamente daquele momento de efervescência cultural, vivendo intensamente a

Universidade:

[...] profissionais e amadores como o jornalista João Ubaldo Ribeiro, os

jovens Glauber Rocha, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Waly

Salomão e Tom Zé, o antropólogo Vivaldo da Costa Lima, o filósofo Carlos

Nelson Coutinho e muitos outros foram ativos freqüentadores do dia-a-dia

da universidade. Seus trabalhos posteriores os colocam como representantes

de um meio intelectual baiano, cujas atividades saíram da UFBA e dos

circuitos boêmios e culturais de Salvador para o resto do mundo.

Esses foram alguns dos principais agitadores durante esta importante movimentação

cultural que a Bahia viveu naquela época. Todavia, o trabalho iniciado na Universidade

ocuparia outros espaços como o Museu de Arte Moderna, os cineclubes de críticos como

Walter da Silveira, o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), conduzido pelo professor

Agostinho da Silva e frequentado por artistas como Carybé, Pierre Verger e Mário Cravo

Júnior. Livrarias da cidade também se tornaram espaços de reuniões, assim como teatros e

cinemas. Nesses locais, foi organizado o pensamento político-cultural de toda uma geração de

estudantes, intelectuais e artistas que, com o endurecimento político do regime militar,

posteriormente migraria para o Sudeste do País, a fim de levar ao Brasil o resultado dessa

construção de uma experiência revolucionária.

Foi então que Waly Salomão, após concluir o bacharelado em Direito, mudou-se para

o Rio de Janeiro (período em que Caetano ganhava o Brasil com Alegria, Alegria), onde pôde

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conviver com outros baianos que se arriscavam na carreira artística. Em 1964, período de

represália e efervescência política no Brasil, muda-se para São Paulo – lugar em que terá as

primeiras experiências na arte literária –, a convite de Caetano Veloso e Dedé Gadelha.

Salomão sobreviveu como redator de algumas publicações e colaborador em jornais da

época, sempre assinando com o pseudônimo de Sailormoon (marinheiro da lua5). Na

companhia do casal de amigos, lia Clarice Lispector, discutia Cinema Novo e obras de

Guimarães Rosa. Dividia o apartamento com Dedé Gadelha e Caetano Veloso, na Rua São

Luís, no auge do Tropicalismo, até a ocasião da prisão deste, segundo relata o poeta em

entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda (2003). Voltando um pouco no tempo, foi na Bahia

que Salomão conheceu Gilberto Gil, no tradicional Colégio Central, início da década de 60.

Organizavam encontros na casa de amigos, então leitores de Marx, Camus, Merleau-Ponty,

formando um grupo de ―esquerda marxista-existencialista‖, num momento de movimentação

política e cultural na Bahia. Salomão, em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda (2003),

assim relembra esse período:

Assisti aos primeiros shows deles, da Bethânia, do Tom Zé. Era uma época

de grande fermentação na Bahia. Havia a Escola de Música, que era

poderosa, com Koellreutter falando de dodecafonismo, o Walter Smetak

falando de micro tons. Junto com a faculdade de direito fui aluno da Escola

de Teatro. Era também um espaço poderoso que, além de grandes nomes

como Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves, era bem equipada, tinha até

ciclorama. Lá eram montadas peças de Albee, Brecht, ―Morte e vida

Severina‖, teatro nô. Era a época de Yoná Magalhães, Helena Ignez, Sérgio

Cardoso, Gianni Ratto como coreógrafo.

Salomão participou do CPC6 baiano ao lado de Carlos Capinan, Tom Zé e Geraldo

Sarno. Juntos produziam peças e as apresentavam na Concha Acústica do Teatro Castro

Alves, em Salvador, bem como estendiam tais apresentações às áreas de periferia da cidade,

como Nordeste de Amaralina.

A partir de 1964 e nos demais anos de repressão política brasileira, já não havia mais

possibilidade de manter a militância por meio de atividades culturais. Foi então que Waly

partiu para o Rio de Janeiro. Em entrevistas que concedeu, Salomão declarava com

saudosismo os momentos de convivência com baianos e integrantes do movimento

5 Pensamos que a melhor tradução para tal pseudônimo seja: lunático, viajante que vaga pela lua, lugar no qual

parece estar quando escreve, nos seus devaneios transformados a posteriori em poesia. 6 Centro Popular de Cultura – projeto de ação política e popularização da cultura. Reunia artistas, estudantes e

intelectuais com o objetivo de transformar o Brasil por meio de ações de conscientização popular.

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tropicalista. Todavia – insiste o poeta – a convivência com Torquato, Oiticica, Gilberto Gil,

Caetano, Tom Zé e outros não o tornou um tropicalista. Do ponto de vista temporal, Salomão

produziu em período pós-tropicalismo7 e vai experimentando, amadurecendo na arte de

escrever. O reconhecimento viria quase trinta anos depois com a obra Algaravias: câmara de

ecos, já na década de 90.

É possível, a partir de alguns depoimentos de Caetano Veloso em Verdade Tropical

(1998), pensarmos neste nomadismo vivido por artistas e intelectuais durante os anos de

repressão política brasileira. Afinal, era comum na década de 60 (principalmente depois do

endurecimento político durante o regime militar) a migração de jovens artistas baianos para o

Rio de Janeiro. Havia uma tendência a viverem em comunidade. Alguns já se conheciam,

outros eram apresentados por baianos ou artistas que dividiam os mesmos espaços de

militância político-cultural. Portanto, eram jovens que se aproximavam por algumas razões

que os uniam: a arte, o sentimento de territorialidade e a militância política. Entretanto, nem

sempre se constituíam como grupo (comunidade), motivo que fez Waly Salomão transitar

entre os concretistas8 (os irmãos Campos e Décio Pignatari [1956]), os tropicalistas, e ainda

circulava entre alguns artistas marginais9 na década de 70.

Salomão gostava de ressaltar, quando era entrevistado, que conviveu mais

intensamente com os artistas plásticos do que com os literatos, apesar do ofício de escritor que

decidiu exercer com tanta seriedade. Estar condicionado a um grupo e às ideologias ali

disseminadas o levaria à exaustão. Contudo, precisava abastecer-se de todo conhecimento

possível de ser construído, em diferentes espaços, com esta diversidade de pessoas com quem

conviveu, nas conversas, nos debates, nos processos de criação, ou mesmo como ouvinte em

círculos de artistas e intelectuais que começavam os primeiros movimentos para se organizar

e desorganizar (ao mesmo tempo) a estrutura política do País, tentando mudar, deste modo, os

rumos da história nacional.

7 O ano de sua primeira publicação, Me segura qu’eu vou dar um troço, é 1972. Considera-se aqui o fato de o

Tropicalismo, enquanto movimento, ter existido pouco mais de um ano, entre 1967 e 1968, embora as

publicações de artistas deste movimento sejam datadas a partir de 1970, período já marcado como pós-

tropicalismo em decorrência da prisão de Caetano e Gil em 1968, dissolvendo a expressão maior que era o

movimento musical. 8 O concretismo foi um movimento que se iniciou na Europa em 1917 e chegou ao Brasil por volta de 1950. e

teve sua expressão popularizada pelo arquiteto suíço Max Bill em 1956 e suas concepções de linguagem plástica

na Exposição Nacional da Arte Concreta. No Brasil, o movimento teve força na literatura e seus expoentes foram

Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos. 9 Os artistas marginais integravam um grupo de poetas (denominado de poetas marginais) de um movimento

cultural fundado em 1970. Formavam este grupo Chacal (Ricardo Carvalho Duarte), Ana Cristina Cesar, Paulo

Leminski, Francisco Alvim e Cacaso (Antônio Carlos de Brito). Poetas e universitários, escreviam suas poesias

no mimeógrafo, de forma bem artesanal. Como atuaram num contexto de repressão política, os poemas dos

marginais circulavam no contato mão-a-mão entre poetas e leitores.

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Entendamos por que, do ponto de vista da linguagem, não tratamos neste trabalho de

um poeta marginal, nos poemas e composições de Salomão: é possível observar um jogo onde

o erudito e o vulgar se entrecruzam e constroem um texto sem excessos. Foi um poeta que se

autopublicou, e apenas seus últimos lançamentos foram organizados por uma editora de

referência no mercado, a Rocco. Do ponto de vista acadêmico, está à margem das discussões,

fora das antologias dos poetas brasileiros e distante de classificações como a dos cânones

literários, por exemplo. Levantamos algumas hipóteses sobre este ostracismo acadêmico do

poeta: a questão mais problemática em Salomão é talvez a mesma que caracteriza a sua

poética de modo tão peculiar – um estilo construído a partir de todos os estilos,

impossibilitando sua categorização em uma abordagem literária específica, como solicitam as

normas acadêmicas de estudo da Literatura.

Acreditamos que o não reconhecimento acadêmico de Salomão procede de vários

pontos: de ele escrever poemas não convencionais, no limite entre a prosa e a poesia; da

temática dos seus escritos, que polemizam, entre outras, questões metalinguísticas que

discutem o seu próprio fazer, o que, talvez, explique o fato de Salomão ser muito lido,

criticado e resenhado por outros poetas e escritores, pois os intertextos utilizados em seus

poemas exigem um leitor com competência literária; e, sobretudo, do motivo de só

recentemente a crítica ter atentado para sua produção e utilizado um grande meio de difusão,

que é a Internet, para espalhar notas sobre a vida e a obra de Salomão10

.

Após algumas revisões críticas de professores da USP, como José Miguel Wisnik e

Leyla Perrone-Moisés, e prefácios que referenciavam, com certa autoridade, os poemas

compostos por Salomão, outros olhares mostraram-se interessados pelo poeta que, no campo

literário, ganhou a mesma notoriedade que já havia conquistado entre compositores e

intérpretes da música popular brasileira.

Waly Salomão, além de escritor, poeta, compositor, editor e ator, foi militante

revolucionário de uma versatilidade inconfundível. Filho de pai sírio e mãe baiana, nasceu no

dia 3 de setembro de 1943 em Jequié, interior da Bahia, cidade de sua infância. Sobre Jequié,

retrata o seu passado sertanejo, em vários dos seus poemas. No poema que selecionamos do

10

É importante salientar que a crítica de Waly Salomão, hoje, é formada por professores universitários e

escritores que trabalham com o contexto da poesia de 1970 e poetas marginais, como fazem Antônio Carlos

Medina, Helloisa Buarque de Hollanda, Antônio Cícero, entre outros, e poetas críticos ou críticos que produzem

poesias, que utilizam blogs e sítios na Internet para divulgar o poema de Waly Salomão bem como as críticas

que constroem sobre o poeta.

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seu livro Tarifa de embarque (2000), Salomão tece uma colcha de retalhos com imagens de

suas memórias durante os anos de vida no interior da Bahia11

. Vejamos ―Janela de Marinetti‖:

1 cidade dura e arreganhada para o sol

como uma posta de carne curtida ao sal -

onde na rua do maracujá adolesci

e, louco, sorvia a vida a talagadas de cachaça

de alambique.

graveto-do-cão pitu luar do sertão.

uma ponte corta um rio de fazer contas.

arco e flecha de Sultão das Maltas

mira certeira as ventas do dragão lá na lua.

uma seta e um nome tupi de cidade em uma placa

– é, é, jequi, cesto oblongo de cipó pra pegar peixe

n'água, é, é -

e a rua de paralelepípedo e a rua de chão batido

e a outra rua metade paralelepípedo metade chão batido lembra jurema pé de joá cacto mandacaru.

fruta de palma perde os espinhos

mergulhada dentro da bacia cheia de areia.

bolo de puba umburana flor de sisal.

cidade dura e arreganhada para o sol

como uma posta de carne curtida no sal,

meu museu do inconsciente

é um prédio mais duro de roer

mais arreganhado para o sol

mais curtido nas salinas do canal lacrimal. (SALOMÃO, 2000, p.44-45).

Em publicações subsequentes, muda o tom ao falar da ―cidade sol‖. É possível

perceber em Salomão o ressentimento pelo fato de a cidade natal não ter despertado para o

filho ilustre que possuía. Desse modo, no ano de 2004, numa publicação póstuma – Pescados

Vivos –, localizamos um epigrama cívico, como denomina o próprio autor, intitulado ―Tiro-

de-guerra‖, no qual caracteriza satiricamente sua Jequié:

Se bicha fosse bala

Se maconha fosse fuzil

Jequié estava pronta

Pra defender o Brasil. (SALOMÃO, 2004, p.33).

Salomão vocifera, nesse epigrama, a sensação de descontentamento para com seus

compatrícios. Sentimento declarado em diversas falas durante entrevistas concedidas e que

revelaram um poeta que sentia na pele a repulsa de conterrâneos pelo seu legado poético e

11

Jequié é a cidade natal do poeta Waly Salomão. O título de sírio-sertanejo é devido a sua filiação: pai árabe e

mãe baiana do interior da Bahia.

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também pela arte literária. Esta angústia aparece, no referido poema, no modo ardiloso com

que fala da cidade. Ver o desprezo por essa arte, ver a poesia em decadência, despertou nele

sentimentos como o que foi manifestado nesse poema. Segundo Pound (1990, p.37), ―É muito

fácil fazer com que as pessoas compreendam a indignação impessoal que a decadência da

literatura pode provocar em homens que compreendem o que isso implica e a que fim isso

pode levar‖ (grifos do autor). Salomão foi poeta consciente da importância e da possibilidade

de transformação social da arte literária, e com certa fúria respondeu (por meio de seus

poemas, entrevistas e palestras) aos que não viam no ofício poético um lugar no mundo, como

expressa Pound (1990, p.37): ―[...] é quase impossível exprimir o menor grau que seja dessa

indignação sem que chamem a gente de ‗amargurado‘ ou qualquer coisa desse gênero‖. E, de

fato, essa postura rendeu equivocadamente títulos negativos a Salomão.

Muito distante da terra natal, Jequié, foi no eixo Rio-São Paulo que Salomão pôde

conviver e produzir intensamente com artistas do movimento tropicalista, como Jards Macalé,

Caetano Veloso, Maria Betânia, Torquato Neto, Gilberto Gil e Gal Costa. Com Macalé e

Torquato, fez parceria em composições musicais; para Gal, produziu músicas, bem como

alguns shows. Posteriormente, teve como parceiros, nas produções musicais, artistas como

Caetano Veloso (―Mel‖, ―Talismã‖), Adriana Calcanhoto (―A fábrica do poema‖, ―Pista de

dança‖), Lulu Santos (―Assaltaram a gramática‖), Frejat (―Balada de um vagabundo‖) e

Moraes Moreira (―Grito de guerra‖, ―Cabeleira de Berenice‖).

No ano de 2003, assumiu um cargo na Secretaria da Leitura a convite do ministro

Gilberto Gil. Defensor da leitura, enquanto forma de libertação, dizia com frequência: ―eu

preciso ler, ler, ler, nisso eu cumpro os versos de Castro Alves que dizem ‗livros, livros à mão

cheia‘‖. Para Waly, o livro é uma carta de alforria e a arte, uma possibilidade de salvar a

humanidade. Na Secretaria de Leitura, criou algumas propostas para baratear o custo das

editoras e facilitar o acesso ao livro em nosso país, entre estas, a mais importante: acrescentar

livros na cesta básica dos brasileiros. Queria proporcionar aos brasileiros a mesma

possibilidade de acesso que teve quando criança, em casa, com seus livros.

Segundo Salomão, sua mãe discutia Guerra e Paz, de Tolstoi, com seus irmãos como

se discutisse uma novela de Glória Perez, e aquilo o impressionava e o motivava a estar

sempre na biblioteca pública de Jequié. Sua tia Etelvina lia sem parar, por isso ele retirou da

biblioteca pública uma versão de Dom Quixote para emprestar-lhe. Em sua história de leitura,

ainda se recorda do lançamento de Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado. Foram

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necessários três exemplares para satisfazer a ânsia dos leitores de sua residência. Sua irmã

possuía uma versão de Os Sertões, de Euclides da Cunha, em capa dura, e o obrigou a ler12

.

Imerso neste universo onde a leitura não é apenas um ato de prazer, mas um elemento

imprescindível ao sujeito, não é incomum imaginar que tais referências adquiridas por meio

dos livros saltassem para fora do seu texto. Na poesia de Salomão, o diálogo é estabelecido

com autores que fazem emergir outras vozes, implícitas ou mesmo referências diretas,

apropriadas por meio de recursos como a paródia, a paráfrase e o pastiche.

Consideramos, para entender estas definições, a leitura amalgamada de Affonso

Romano de Sant‘Anna (1995), que explica tais conceitos a partir daqueles que primeiro

dissertaram sobre paródia, paráfrase, pastiche, bem como outros procedimentos de montagem

e apropriação. São eles: Tynianov, Bakhtin, Todorov, Silviano Santiago, entre muitos outros.

A paródia é um efeito de linguagem sintomático da arte em nosso tempo, pois é

frequente o exercício da arte contemporânea de voltar-se para si num jogo de espelhamento. O

termo paródia foi institucionalizado a partir do século XVII, todavia, na Poética, de

Aristóteles, já existe um comentário a respeito do termo. Contudo, alguns autores apontam o

Hipponax de Éfeso (sec. 6 a.C.) como ―pai da paródia‖. Na origem, a paródia é musical (já

que surge de ode, um tipo de poema que era cantado) e, na modernidade, se define por meio

do jogo intertextual (SANT‘ANNA, 1995, p.12).

Iuri Tynianov torna o conceito de paródia mais sofisticado, ao estudá-lo, comparando-

o com o conceito de estilização. Segundo esse autor, são conceitos que se aproximam, já que

nesta modalidade os planos devem ser discordantes, então, a paródia de uma tragédia será

uma comédia, assim como a paródia de uma comédia será uma tragédia. Na estilização, não

há esta necessidade de oposição à fala, podendo haver fusão de vozes, concordância, porém,

quando esta recebe uma carga cômica intensa, se transforma em paródia (discordância), aí

reside a diferença (SANT‘ANNA, 1995).

Paráfrase veio do grego para-phrasis que significa continuidade e repetição de uma

sentença. Podemos entendê-la como uma tradução, uma alteração produzida num texto por

mudanças lexicais, ortográficas, sem alteração semântica. Na literatura, a aproximação entre

tradução e paráfrase apareceu com Jonh Dryden (1631-1700), que compreendia o tradutor

como aquele que teria liberdade não só de mudar a palavra, mas também o sentido. Dryden

estabelece a distinção entre ―metáfrase‖, que seria a tradução literal, linha a linha, palavra por

12

Todas essas experiências de leitura são relembradas pelo autor em entrevista a Heloisa Buarque de Hollanda

publicada no site Jornal da Poesia, por ocasião da posse de Waly Salomão na Secretaria Nacional do Livro em

2003, pouco antes de sua morte.

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palavra e a ―paráfrase‖, tradução ampla em que se mantém o sentido, sem seguir o sentido

estrito da palavra, mas mantendo a mesma ideia. Portanto, em literatura, a paráfrase seria a

(re)criação (SANT‘ANNA, 1995).

Em termos mais simples, porém, não menos complexos, aqui tratamos o pastiche13

como o recorte do fragmento, da ideia, de uma sentença ou texto colado noutro contexto.

Palavra derivada da forma italiana pasticcio (massa amalgamada de elementos compostos),

pastiche foi aplicada pejorativamente no campo da pintura, indicando plágio durante a

Renascença até chegar à França quando se converte no galicismo pastiche, no século XVIII.

Pastiche afirma-se como ―a maneira de‖ e se desencadeia em processos como adaptação,

apropriação, bricolage (colagem de termos diferenciados e híbridos) e montagem.

Exemplificamos os conceitos adiante, à medida que surgem nos poemas ora investigados.

Todos estes aparecem em poemas de Waly Salomão, e foi esta a forma de manifestar as vozes

recalcadas das leituras que fazia, em seu discurso poético. Ao ler, Salomão instituía uma

apropriação criativa do que o interessava. Ler para criar, ler para verbalizar, ler para declamar,

ler para representar. É, pois, a leitura uma ferramenta de luta na vida deste poeta, tão

relacionada ao seu ofício quanto a sua existência como sujeito social.

Salomão vivenciou experiências em que a leitura e a arte fizeram mudanças na vida de

jovens da periferia do Rio de Janeiro, pois, durante o período em que foi diretor do grupo

Afroreggae (ONG de Vigário Geral), queria possibilitar o acesso aos livros a todos os

brasileiros de baixa renda, fazer do livro uma ferramenta, uma ―carta de alforria‖ (como ele

mesmo gostava de denominar) e proporcionar a libertação da situação de opressão por meio

da leitura.

Estreou, em 1972, com a publicação de sua obra intitulada: Me segura qu’eu vou dar

um troço (doravante Me segura), que surgiu durante o período em que esteve preso, na década

de 60. A prisão ocasionada por porte de um cigarro de maconha, segundo Salomão (2003),

representou, paradoxalmente, a sua possibilidade de libertação. E foi por meio da escrita que o

poeta percebeu-se livre. Me segura foi produzido durante sua passagem pelo PAV14

II do

Carandiru e apresentado a alguns de seus companheiros artistas. Apenas Hélio Oiticica

mostrou-se interessado pelos escritos e resolveu diagramá-lo. Obra anárquica, fragmentária,

Me segura ficou conhecido como um clássico da contracultura.

13

Definição baseada no Dicionário Virtual de Termos Literários, de Carlos Ceia. Disponível em:

<http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/index.htm>. Acesso em: 20 jul. 2010. 14

Pavilhão II do Presídio Carandiru, situado no bairro de nome homônimo na Cidade de São Paulo.

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1983 foi o ano em que Salomão publicou seu primeiro livro de poesias, Gigolô de

bibelôs, onde já indica para o seu leitor a origem da sua poesia – o cotidiano. Nesta obra,

reúne textos de outras publicações como Me segura, matérias jornalísticas inventadas pelo

poeta, letras de canções, poemas visuais entre tantos outros bibelôs que posteriormente

organizaria por meio de ensaio e os depositaria em seu ―Armarinho‖. Em 1993, escreve um

livro de ensaios intitulado Armarinho de miudezas, no qual seleciona textos que foram

publicados outrora em suplementos e cadernos literários, revistas de literatura e jornais. Com

isso, Salomão compõe o que Hermano Vianna intitulou, em prefácio da 2ª edição dessa obra,

―[...] estranha autobiografia intelectual, feita com fragmentos das vidas alheias‖ (2005, p.11).

No armarinho de Waly Salomão, existe espaço para a Bahia, Helio Oiticica, Carnaval, João

Cabral de Melo Neto, Tropicalismo, Torquato Neto, Maiakovski, entre diversos outros temas

problematizados por meio de ensaios pontuais para compreendermos o pensamento crítico e

parte do repertório teórico do poeta.

Escreveu a biografia do amigo Hélio Oiticica, Qual é Parangolé? (1996), na qual

publica textos sobre o artista plástico, seu amadurecimento nas artes e sua genialidade na

invenção dos Parangolés – obra de arte que permitia interação com o público. No mesmo ano,

publicou o também premiado Algaravias: câmara de ecos. Neste livro de poemas, Salomão

brinca com a palavra ―algaravias‖, termo que é oriundo do vocabulário árabe – al-garb

(significa gritaria de várias pessoas, que, por falarem simultaneamente, não deixa

compreender o que é dito). Nessa obra, o poeta deixa-se revelar por outras vozes

(confirmando seu desejo de ser polifônico), que se entrecruzam, formando um emaranhado

intertextual, no qual aponta diversos nomes de autores da literatura universal e nacional que o

influenciaram em sua formação como escritor. Ainda no ano de 1996, recebe dois importantes

prêmios por esta obra: o Alphonsus de Guimarães15

e o Prêmio Jabuti16

.

É de sua autoria o livro Lábia (1998), no qual continua o projeto iniciado em

Algaravias, fazendo um trabalho de bricolage, em que diversas temáticas, antes de serem

lançadas por meio dos seus versos, são recortadas, afinal, ―[a] memória é uma ilha de edição‖

(SALOMÃO, 1998, p.14-15) e, nos versos, só cabe o que a memória selecionou. O título

ambíguo aponta principalmente para os registros informais utilizados pelo autor para marcar o

tom de oralidade.

Salomão percorre diferentes lugares do mundo como mercador de imagens e

significados com seu livro Tarifa de embarque (2000). Neste, saúda o mundo e convida o

15

Prêmio concedido pela Câmara Brasileira do Livro. 16

Prêmio oferecido pela Biblioteca Nacional.

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leitor para uma viagem que parte do Rio de Janeiro com conexões no Egito e paradas em

Jequié, entre outros destinos.

A Editora Rocco o convidou para organizar a sua antologia poética, O mel do melhor

(2001), para a qual selecionou os textos mais relevantes, segundo categorização própria, em

uma obra intitulada com uma expressão retirada de uma letra de música de sua autoria (Mel).

Brinca também com o verdadeiro significado da palavra antologia – flor de poemas – da qual

pretendeu selecionar, na sua fábrica, somente o mel do melhor. Sob olhar atencioso, escolheu

textos desde o Me segura (1972) até sua ultima publicação. Dedicou a obra ao amigo Hélio

Oiticica e produziu uma capa ao modo das capas dos livros dos poetas clássicos da literatura

mundial.

No livro Pescados Vivos (2004), publicado postumamente, Waly Salomão declara sua

capacidade de misturar preferências temáticas e teóricas. Nesta obra de título pescado da

metáfora de Antonio Machado – ―El poeta es un pescador, no de peces, sino de pescados vivos;

entendémonos: de peces que puedan vivir después de pescados‖ (apud SALOMÃO, 2004, p.8) –,

aglutina textos de diversos temas confirmando ser um poeta multimídia. Da mitologia à

Internet, seus poemas são extraídos do cotidiano e revelados num espaço onde ―o que cai na

rede é peixe‖ – para concordar com Leyla Perrone-Moisés, em prefácio da obra citada (2004).

A personalidade inquietante e a performance, nutridas a partir do trânsito nos diversos

espaços de socialização por onde o poeta circulou, todavia sem fixar morada, confirmando seu

espírito nômade e viajante, herança árabe paterna, não lhe permitiram criar uma obra

congelada, possível de se adequar a alguma das manifestações artísticas ou literárias durante

seu período de produção.

Ele próprio recusa os rótulos e manifesta sua rejeição em vários espaços em que pôde

falar sobre o tema. Cabe aqui relatarmos uma dessas passagens em que o poeta, durante um

congresso para o qual foi convidado, ao lado do sociólogo Carlos Alberto Messeder, compôs

uma mesa de debates que discutia a década de 70, os principais fatos artísticos e culturais,

assim como os agitadores culturais daquele período e suas respectivas produções. No evento,

Salomão realizou um ―contradiscurso‖ (2005, p.132) em que questionava a fala dos outros

dois componentes da mesa: o sociólogo Carlos Alberto Messeder Pereira e Michel Maffesoli.

Estes dissertaram com certa autoridade sobre a temática e aproveitaram seu tempo na mesa

para analisar historicamente a década em questão, ressaltar as figuras que se destacaram, bem

como os principais marcos daquele período.

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Nesse encontro, Salomão encerrou a mesa com um discurso característico, que

denominou de ―contradiscurso‖ (2005, p.131), pois, além de ir de encontro à ―redondez‖ da

fala do sociólogo Messeder, contrariava a própria ideia da categorização histórica estabelecida

por alguns estudiosos que o compreendem como poeta de uma década específica (a de 70,

neste caso), um tropicalista ou um marginal. Foram estas as palavras utilizadas por Salomão

na ocasião:

Se você pegar Anos 70: Literatura – que aliás tem na capa um trecho

extraído do Me segura Qu’eu Vou Dar um Troço –, lá dentro das minhas

declarações são similares às de hoje nesse sentido. Acho que o artista tem até

quase imposição – como é que chama? –, uma pulsão pára a acronologia,

para não se acomodar na gaveta anos 60 ou anos 70 ou anos 80 ou anos 90,

nesse baú de ossos da cronologia, do tempo assim medido. (SALOMÃO,

2005, p.134, grifos do autor).

Desse modo, posicionando-se contrário a tais categorizações cronológicas, Salomão

dizia não se considerar um poeta dos anos 70. Nessa década, apenas começara a escrever,

dando os primeiros passos de uma longa carreira. Com relação aos demais poetas citados na

fala de um dos componentes da mesa, reagiu dizendo:

Porque é difícil enquadrar assim, e olhe bem, você citou Torquato, Waly e

Chacal, inicialmente temos traços de parentesco, nos tangenciamos em

muitos pontos, só que sou publicado em livro em 1972 e digo claramente na

orelha do volume que é:

Por ocasião das

Retrospectivas

Da Semana de Arte

Moderna de 22

Um livro prospectivo

Incremento para as

Novas gerações (SALOMÃO, 2005, p.135).

Com essas palavras, Salomão acreditou que estaria salvaguardando a ―acronologia‖ de

sua obra. Entretanto, o poeta apropriou-se, ao mesmo tempo, de outros recursos estilísticos e

estruturais que foram utilizados para marcar esta característica do ‗destempo‘, ou melhor, a

perda da historicidade, conforme analisaremos adiante. Além desta, outras marcas deixadas

em suas obras nos impedem de categorizá-lo, pois Salomão, para concordar com a professora

Judite Maria de Santana Silva Botafogo (2008) é ―pós-tudo‖. Heloisa Buarque de Hollanda,

ao escrever a orelha de uma obra de Salomão (2008), também ressalta o fato de a

originalidade da obra de Salomão impedir de classificá-lo como pós-tropicalista, haja vista a

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―[...] complexidade e o vigor experimental de seu talento no manejo e na criação da

linguagem poética‖. Pensamos que a definição abrangente de Botafogo seja possível, na

medida em que não engessa, mas aproxima o poeta do tempo que acabou, por representar: a

pós-modernidade. Neste cenário, Salomão encontra o palco para suas diferentes

representações, como bem define a pesquisadora citada (2008, p.1):

Waly cabe bem nesse contexto em que tudo vale, todos os discursos são

válidos pelo seu caráter policultural e sua multiplicidade de vozes, sua

hiperinformação. Waly é um escritor pós-modernista, pós-tropicalista, pós-

concretista; pós-tudo; sua poesia se distancia da esteira dos ―ismos‖ para

evocar a lógica multicultural. Uma amostragem de estilos onde tudo pode ser

remexido e reordenado de todas as formas possíveis. A imagem dessas

interfaces quer ajustar-se à forma de um novo produto estético sempre

voltado para o presente e o futuro (― meta – promessa mantida: não voltar às

vistas para trás‖, ou ―todo passado está morto;/só vive o que vem, o que

surge‖. É de Waly a expressão: ―criar é não se adequar a vida como ela é,

nem tão pouco se grudar às lembranças pretéritas que não sobrenadam

mais‖).

As contribuições da pesquisadora citada vão além do descrito na citação. Seu

pensamento sobre o estilo da poética de Salomão aproxima-se do pensamento do professor

Raimundo Lopes Matos. Este tem publicado trabalhos nos quais ressalta o caráter

acronológico da obra de Salomão quando propõe um estudo comparativo entre a produção

deste baiano de Jequié e do também baiano Gregório de Matos Guerra. Matos (2010), em seu

artigo ―Dialogismo poético em Gregório de Matos e Waly Salomão: linguagens e estilos

Barroco e Neobarroco‖, aponta aproximações na obra destes dois sujeitos que viveram épocas

histórica e cronologicamente distantes. Segundo o autor (2010, p.1), há uma relação dialógica

entre os dois poetas – ―[...] em termos geográficos e temáticos, imbricando, grosso modo, as

duas poéticas‖ e, ainda que quatro séculos os separem fisicamente, ―[...] estão próximos em

termos formais, estéticos, filosóficos, antropofágicos, intertextuais e culturais. Isto aproxima

os dois vates nos aspectos poéticos e sincrônicos‖. Os fragmentos de poemas apresentados por

Matos evidenciam essa influência na poesia de Salomão.

Cabe aqui pontuarmos a ideia de influência tal qual desmistificada tão claramente por

Harold Bloom (2002) em A angústia da Influência. Seja em forma de inspiração, como

quisera Shakespeare, ou como apropriação consciente ou inconsciente de suas memórias de

leituras e/ou experiências traduzidas em palavras, a ideia da influência não está mais

associada a plágio ou falta de criatividade – problemas pelos quais tantos autores já foram

injustamente condenados. É preciso engenho para negar as referências subjacentes, sobretudo

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em um texto poético; por ser uma obra de arte, o inconsciente encarrega-se de revelar o que

está nas entrelinhas ou mesmo sobre as linhas. Tratando-se dos textos modernos/pós-

modernos, podemos falar em referências à vista de todos, pois a problematização agora é em

torno desta apropriação, se criativa ou não.

No caso do poeta Salomão, seus antecessores não são negados verbalmente, tampouco

em suas poesias. Seus versos construídos sobre versos de outros poetas, reapropriados em

seus textos, sob forma de paródia, paráfrase e bricolagem. Nele, o poema se traduz em

―angústia realizada‖, para concordar com Bloom (2002, p.23), já que a apropriação poética se

efetiva por meio dos jogos de linguagem, como pode ser observado nesta estrofe de ―A vida é

paródia da Arte‖ (SALOMÃO, 2004, p.39-40):

Anacreonte

Fragmentos de Safo

Hinos de Höderlin

Odes de Reis

El jardín de senderos que se bifurcan

Jardim de Epicuro

Éden

Agulhas imantadas & frutas frescas para a vida diária

&

O desejo

Um exemplo de reapropriação está na paráfrase do título do conto de Jorge Luis

Borges (1944), ―El jardín de senderos que se bifurcan‖, utilizado como o quinto verso nesta

estrofe do poema. Tal registro aponta um poeta impávido em confirmar suas influências.

Entretanto, suas angústias, assim seguirão diluídas nos seus textos poéticos. As influências

nos revelam parte da trajetória de formação, ―o ciclo vital do poeta como poeta‖ (BLOOM,

2002, p.58), e, embora Bloom na obra citada nos traga Shakespeare, para revelar que não se

trata de um procedimento novo, julgamos que a apropriação, à maneira pela qual observamos

em Salomão, seja característica destes tempos ditos modernos/pós-modernos. Em outros

momentos do contexto mencionado, é possível perceber outros modos de apropriação. É o

caso de Silviano Santiago no seu livro Em liberdade (1981) e Salomão em ―Fábrica do

poema‖ (2007a, p.35); no primeiro, há um pastiche do gênero memorialista a partir de

Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, e o segundo assume traços do estilo

drummondiano de compor poemas e propõe uma poesia que dialoga e retoma o processo de

composição do poema ―A procura da poesia‖ (1943).

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Guardadas as devidas proporções, se alguns temas e/ou características aproximam os

poetas Gregório de Matos e Waly Salomão, o modus operandi com o texto poético os

distancia e atribui a Gregório o título de visionário poeta seiscentista; quanto a Salomão, seus

textos apresentam evidências deste tempo, portanto, deve ser lido à luz das circunstâncias

histórias em que foi produzido – a pós-modernidade. E é precisamente neste ambiente de pós-

modernidade, onde ter estilo é não ter estilo, ou ter estilo é ter todos os estilos, que devemos

compreender poetas como os já citados Torquato Neto e Salomão.

Flávio Boaventura17

, em artigo publicado na revista eletrônica Zunái (2009), sinaliza

que há um interesse crescente pela poética de Salomão. No entanto, há, com isto, uma

tendência dos pesquisadores e estudiosos a destacar o viés tropicalista, desprezando outras

abordagens – até mais importantes – para se compreender o poeta, como ―[...] a exuberância

da alegria; o devir trágico da vida e o próprio fazer poético‖. O fato é que não parece possível

a um poeta com a versatilidade de Salomão ser enquadrado em determinada categoria.

Todavia, é necessário ler seus escritos à luz do tempo em que foram concebidos, para que se

tenha clareza quanto à literatura produzida por este baiano e para entender os efeitos dos jogos

(meta)linguísticos construídos em suas produções poéticas.

17

Flávio Boaventura é autor do livro O amante da algazarra: Nietzsche na poesia de Waly Salomão, no qual

discute ligações entre o poeta Waly Salomão e o filósofo Nietzsche. Foi publicado, pela UFMG, no ano de

2009.

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2 PÓS-MODERNIDADE E IMPLICAÇÕES NA LÍRICA DE WALY SALOMÃO

Eu, por exemplo, inteiramente perdido,

Passei a confiar só em mim

E sou a pessoa menos digna de fidúcia

Porque não sou uno monolítico, inteiriço.

Uma cega labareda me guia

Para onde a poesia em pane me chamusca.

Pensei ter pisado solo firme

Quando descobri

No texto, What is Zen, de D. T. Suzuki

Que a palavra inglesa elusive

poderia solidamente me definir de uma vez por todas.

Qual o quê.

Vou onde poesia e fogo se amalgamam.

Sou volátil, diáfano, evasivo

(WALY SALOMÃO, 1998, p.63).

2.1 UM BREVE PASSEIO PELO UNIVERSO PÓS-MODERNO18

O termo pós-modernidade carrega um prefixo que, em outro contexto, marcaria um

rompimento19

com a ideia de modernidade. Entretanto, neste, aponta para um momento

posterior, já que o ―pós-‖ indica também uma preexistência. Em outras palavras, a pós-

modernidade implica a existência anterior da modernidade.

A ideia de coexistirem dois tipos de ordem na contemporaneidade ratifica o

pensamento de Zygmunt Bauman (1998), quando explica sobre a impossibilidade de

vanguarda – avant garde – na pós-modernidade. Para o filósofo, o conceito de vanguarda

transmite uma ideia de espaço e tempo ordenados, um ―para frente‖ e ―para trás‖ em tempos e

espaços distintos. Na pós-modernidade, está tudo em movimento, entretanto, os movimentos

não possuem ordenação, são aleatórios, dispersos e destituídos de direção.

Não se sabe, portanto, onde é ―para frente‖ e ―para trás‖, assim como não se pode

dizer se o movimento é ―progressivo‖ ou ―regressivo‖ (BAUMAN, 1998, p.121-122). O que

podemos perceber, com convicção, são os diferentes movimentos, pensamentos dicotômicos,

18

Aqui, adotaremos a orientação dessacralizadora dos teóricos da pós-modernidade e utilizaremos os termos

pós-modernismo, pós-modernidade, pós-moderno com a grafia em minúscula, como fizeram Bauman, Jameson,

Lyotard, entre outros. 19

O estudioso Sérgio Paulo Rouanet, em As origens do Iluminismo (1987), argumenta que, na transição da

modernidade para a pós-modernidade, o que há é uma ―consciência de ruptura‖, não uma ―ruptura real‖ devido à

necessidade de sair de um estágio em que ocorreram diversos e marcantes acontecimentos, a exemplo das

grandes guerras mundiais, que colaboraram para um mal-estar social.

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passado e presente, tradição e originalidade, elementos que coexistem simultaneamente no

mesmo espaço. Apesar de questões como esta levantada por Bauman, o termo que nomeia

essa tendência contemporânea ainda tem sido alvo de teorias, estudos e pesquisas.

A problemática relacionada ao ―pós-‖ decorre dos rumos que o emprego do prefixo

tomou depois de justapor-se ao vocábulo ―modernidade‖ e ser utilizado para indicar o marco

do período pós-industrial e as décadas subsequentes. A ambigüidade do prefixo gerou certo

incômodo entre estudiosos, pois alguns consideram que, por esse motivo, houve um

esvaziamento do sentido. Ocorre que, tratando-se de pós-modernidade, a própria ambiguidade

transforma-se num possível jogo de sentidos, a despeito do pensamento daqueles que lidam

com cautela ao utilizar o termo. Augusto de Campos brinca com o termo no poema ―Pós-

tudo‖ (1984): ―QUIS/ MUDAR TUDO/ MUDEI TUDO/ AGORAPÓSTUDO/ EXTUDO/

MUDO‖.

O poeta concretista, ironicamente, satiriza o termo pós-modernidade e o dispõe no

poema de forma a torná-lo ainda mais ambíguo. Tal disposição caracteriza-o por seu grau de

criticidade contundente. Moriconi (1994), em sua obra A provocação pós-moderna, reflete

acerca da dupla significação carregada pelo prefixo ―pós‖, que anuncia tanto a ideia de depois

quanto uma qualificação (pós-estruturalista, pós-industrial, pós-vanguarda). E, ao pensar

sobre o poema supracitado, encerra o pensamento de que o ―pós‖ representa ao mesmo tempo

o esgotamento e o desdobramento da palavra-núcleo e, enquanto aventura de mudança,

aventura de destruição e construção, ao mesmo modo. Assim, o ―pós‖ seria o resultado de tais

incursões e marca um deslocamento e uma inversão com relação a suas metas, mas nunca

uma irreversibilidade (moderno). Campos reconhece a insuficiência gerada pelo uso excessivo

e arbitrário do termo quando argumenta:

[...] o termo ―pós-modernista‖ peca pela ambigüidade com a mais conhecida

expressão ―pós-moderno‖, hoje muito desmoralizada pela sua imprecisão e

porque utilizada, geralmente, como excusa [sic] para mais um retorno

eclético e conservador. Por isso mesmo, numa de suas dimensões

metalingüísticas, o poema ―pós-tudo‖, implodindo o conceito de pós-

moderno, buscou satirizá-lo. (apud GAMBARATO, 2004).

O impasse gerado pela ambiguidade do ―pós-‖ se prolongou, e distorções e equívocos

surgiram deste problema. Concomitante às tentativas de teorização para explicação e estudo

do termo (bem como do fenômeno), vê-se a emergência do novo sujeito que, transitando entre

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a passagem da sociedade moderna para a pós-moderna, firma(va)-se cotidianamente e surge

sob a égide desta transição.

As leituras da fortuna crítica sobre o sujeito moderno mostram que a modernidade

produz um sujeito antropocêntrico que, cada vez mais crente nele mesmo e na razão, cunha

sua maior invenção – a ciência. A autonomia gerada pelo entendimento de que o homem é

capaz de servir-se a si mesmo, marcado no lema iluminista Sapere aude!, produz um sujeito

autônomo, mas não independente, haja vista as escalas hierárquicas a que ele deve obediência

nos espaços públicos e privados que frequenta. Sobre esse pensamento, que reporta à ideia da

origem do sujeito moderno, assim como ao princípio da autonomia, encontramos refúgio no

opúsculo20

de Kant (1784) intitulado ―O que é Iluminismo?‖

A pós-modernidade se apresenta como a contraface crítica do moderno (YÚDICE,

1989), portanto, vislumbrará um sujeito autônomo, responsável por suas ações, questionador

consciente do seu pensamento (caro à modernidade) e, ao mesmo tempo, resultado de um

conjunto de ―experiências‖. Este sujeito, não mais essencialista, se define a partir de uma

construção histórica advinda, sobretudo, de suas próprias experiências (caro à pós-

modernidade).

O que caracteriza o indivíduo da contemporaneidade é exatamente este sujeito que

carrega marcas residuais da modernidade fundidas com as evidências da pós-modernidade.

Afinal, esta não se limita à revisão crítica da modernidade, uma vez que, como projeto, tinha a

razão, a dessacralização, o antropocentrismo, o progresso etc.; aquela hipervaloriza a

montagem, o pastiche, o fragmento, a descontinuidade, entre outras coisas.

As previsões feitas por Salomão, nos anos 70, na esfera cultural fizeram sentido. O

poeta pontuou uma questão metodológica numa coluna escrita para o jornal Última Hora21

:

―[...] que o melhor e o pior espírito do Modernismo de 22 ecoaria na década de 1970, a fim de

comemorar em retrospectiva‖. Aponta um retorno das experiências pré-modernistas nos

poetas contemporâneos seus, sobretudo da arte antropofágica.

O ano de 1970 se configura no Brasil como outro momento, no qual as expressões

artísticas e culturais já se manifestavam em novo cenário, onde eram ensaiados rumos para a

década seguinte, que seria marcada pela anistia e pela abertura política. Já é possível perceber

no País sinais dos descentramentos que advieram do panorama mundial. Assim, a década

seguinte, a de 80, apresenta-se como um terreno fértil, um laboratório privilegiado tanto para

20

O que é iluminismo? é um manifesto produzido pelo filósofo para relatar a estruturação da consciência

moderna. 21

Em texto escrito para a coluna ―Geléia Geral‖, organizada por Torquato Neto no ano de 1972, e publicado no

Jornal Ultima Hora.

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os artistas, cantores, poetas e demais produtores de cultura, como para os cientistas, teóricos e

estudiosos, produtores do saber científico.

Segundo o teórico culturalista Stuart Hall (2006), a tensão e a emergência entre

algumas teorias e movimentos no século XX provocaram o descentramento do sujeito

moderno, até então visto como unificado. As identidades estabilizadoras do mundo social

entraram em colapso, e emergiu um novo indivíduo de identidade fragmentada. Hall defende

a ideia de que esse descentramento foi provocado, principalmente, por alguns paradigmas

emergentes na modernidade, a saber: a desconstrução do sujeito na teoria marxista; as

contribuições de Freud, que, no tocante ao inconsciente, apresenta um sujeito muito além do

―penso logo existo‖ cartesiano; o pensamento de Saussure na linguagem como uma

construção fundamentalmente social; o poder disciplinador, capaz de regular a vida social,

defendido por Michael Foucault e introduzido em sua ―genealogia do sujeito moderno‖; por

fim, o feminismo (a que se podem agregar todos os outros movimentos sociais liberais),

constituído como movimento social. Tais paradigmas, de acordo com Hall (2006),

contribuíram para o descentramento do sujeito moderno e a configuração de um novo sujeito,

de identidade não mais outorgada, mas construída.

A partir da década de 50, foi possível percebermos as principais mudanças no

panorama mundial para a configuração de um novo momento histórico, a pós-modernidade,

cenário de surgimento e constituição deste sujeito descrito por Hall. O termo ―pós-

modernidade‖ surge na América hispânica na década de 30. Em As origens da pós-

modernidade, Perry Anderson (1999) conta que Frederico de Onís empregou este termo para

descrever uma tendência conservadora dentro do próprio Modernismo. A noção de um estilo

―pós-moderno‖ surge pela primeira vez com Onís e se cristaliza ao entrar para o vocabulário

da crítica hispanófona. Ressurge ao ser utilizado pelo historiador inglês Arnold Toynbee,

quando, no oitavo volume de uma publicação sua, datada de 1954, denomina a época iniciada

com a guerra franco-prussiana de ―era pós-moderna‖. De estilo, o termo no mundo anglófono

passa a denominar uma época. As contribuições de Anderson situam historicamente o

surgimento do termo no panorama mundial, que só teve seu conceito ampliado em 1979 com

a publicação de A condição pós-moderna.

O filósofo francês Jean François-Lyotard, na primeira abordagem filosófica do termo,

confirma o surgimento da pós-modernidade no final dos anos 50. O marco é o fim da

reconstrução da Europa (Era pós-industrial) e, segundo o filósofo, vai variar de país para país.

Portanto, não é fácil precisar este surgimento. Em seu livro A condição pós-moderna (1979),

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Lyotard estuda a situação do saber (principal força econômica de produção, distribuição e

legitimação) nas sociedades desenvolvidas (pós-modernas, segundo o autor). Para ele, pós-

modernidade é uma condição e caracteriza-se pela deslegitimação dos esquemas das grandes

narrativas que não convencem mais.

Pós-modernidade é um termo retirado por Lyotard da Sociologia e da Crítica do

continente americano, utilizado para designar a cultura após as transformações ocorridas com

a crise dos grandes relatos que afetaram as normas dos jogos das ciências, da literatura e das

artes no fim do século XIX. Outro filósofo francês, Gilles Lipovetsky, foi um dos que

popularizaram o termo, embora acredite que a pós-modernidade nunca existiu e prefira

utilizar o termo ―hipermodernidade‖, para definir este período após a década de 50. Acredita

que o ―pós-‖ rompe com a modernidade, ideia com a qual concorda Maria Adélia Menegazzo

(2004, p.25), ao afirmar:

O ―pós‖ é visto como alteração na linguagem expressiva mais do que como

prefixo cronológico e linear. Implica um trabalho exaustivo e interminável

de análise, de recuperação da memória cultural e de invenção das práticas

expressivas. Não significa, portanto, a negação total do passado, mas um ir

além que se reconhece provisório e desafiador e que levou à revisão crítica

do modernismo, bem como à sua revalorização.

Lipovetsky vai mais além, pontuando que o ―pós‖ também não indica o que vem

depois desta (a modernidade), como sugere o prefixo, o que é perceptível neste fragmento de

entrevista concedida a Cesar Fraga (2010), ao jornal eletrônico Extra Classe22

:

Quando eu abordei essa noção de pós-moderno, o fiz numa tentativa de

explicar fatos novos e uma nova realidade. Os fatos que eu estava

assinalando, assim como os demais teóricos, são bem pontuais: o fim das

ideologias, o surgimento de uma nova cultura hedonista, o destino da

comunicação e do consumo de massa, o psicologismo, o culto do corpo.

Todas essas realidades mostravam que havia um novo capitalismo e também

um novo tempo da vida democrática. Foi para marcar essa mudança muito

importante que empregamos o conceito de pós-moderno, assinalando, assim,

uma bifurcação. Entendo que isso foi correto e verdadeiro naquele momento.

Abordamos esses fenômenos sob o conceito de pós-moderno, pois

percebíamos um sentimento de liberação em relação aos grandes discursos

políticos, em relação ao isolamento dentro dos costumes, inclusive no que

diz respeito à vida sexual. A pós-modernidade surgia para nós como uma

saída da prisão, ao mesmo tempo em que a modernidade foi um grande ciclo

histórico dominado pelo futuro. Tudo girava em torno de grandes

perspectivas históricas: a revolução, a luta de classes, os nacionalismos.

Toda a modernidade desde o século 18 construiu-se em nome do futuro, em

22

Entrevista disponível em <http://www.facom.ufba.br>. Acesso em: 15 mar. 2010.

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nome do novo. A nova sociedade que se implantou durante os anos 1950, 60

e 70 estava mais centrada no presente – no hedonismo, no prazer, no

consumo, na liberação sexual, – com o fim das grandes crenças políticas.

Segundo Lipovetsky, a ―hipermodernidade‖ expande as características da sociedade

moderna, como exemplo: o individualismo, o consumo exacerbado, a fragmentação da

identidade. O filósofo defende que o homem está fragilizado pelo medo, numa era em que os

valores são exagerados. Caracteriza o homem da sociedade contemporânea de

hiperindividualista, único responsável pela sua própria existência. Sozinho, desprovido de

proteção da sociedade e das Instituições, fragiliza-se. Esta evidência pode ser comprovada ao

mensurarmos os dados de suicídios, ansiedade, depressão e utilização de medicamentos nas

ultimas décadas.

Na sociedade hipermoderna, os conflitos são da ordem da subjetividade, o embate do

sujeito é consigo mesmo, ao sofrer as pressões do tempo, do trabalho. Os rompimentos são da

ordem do privado, daí o divórcio, separações e isolamentos. Esta individualidade é uma das

características de que Lipovetsky se apropria para consolidar a ideia de que o que vivemos

não se trata de um novo momento, mas velhos princípios constitutivos da modernidade que

ressurgem hiperbolicamente, como a valorização do indivíduo, da democracia, do mercado e

da tecnociência.

O sociólogo Zygmunt Bauman (2003) considera a pós-modernidade um modo de

denominar a modernidade póstuma. Em um de seus livros, prefere o termo ―modernidade

líquida‖ – flexível, volúvel, na qual os modelos e estruturas não duram o suficiente –,

definindo este fenômeno como uma realidade ambígua em que ―[...] tudo que é sólido se

desmancha no ar‖ (BAUMAN, 2003).

É necessário distinguirmos o termo pós-modernidade de pós-modernismo, pois se trata

de diferentes vocábulos e devem, portanto, ser compreendidos nos diferentes contextos em

que surgem. Para tanto, apoiar-nos-emos na definição estabelecida pelo sociólogo polonês

Zygmunt Bauman.

Segundo esse autor, pós-modernidade diz respeito a uma sociedade, ou mesmo a um

tipo de condição humana (aqui, parece-nos possível fazer uma ligação com o pensamento do

filósofo francês Lyotard, que trata a pós-modernidade como uma condição); ao passo que pós-

modernismo refere-se a uma visão de mundo que pode surgir da condição pós-moderna. O

sociólogo explica que a confusão semântica gerada por estes termos o fez utilizar, em seus

livros de publicação mais recente, o termo modernidade líquida em detrimento do termo pós-

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modernidade que, inclusive, já apareceu em títulos e no texto de alguns de seus livros23

.

Bauman insiste em que o fato de escrever sobre a sociedade deste tempo e ser um sociólogo

da pós-modernidade não faz dele um pós-modernista, o que de fato não é. No âmbito do

social, Bauman (2003) vai ainda mais adiante com a seguinte afirmação:

Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do

mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas,

descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade

humana e assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas

as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se

recusa a fazer julgamentos e a debater seriamente questões relativas a modos

de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser

debatido. Isso é pós-modernismo.24

E é esta sociedade que vem surgindo ao nosso redor que este polonês pretende

desvendar, uma sociedade que ainda carrega, ora para criticar, ora para consolidar, valores da

modernidade (chamada por Bauman de ―modernidade sólida‖). Por exemplo, o ideal de

modernização compulsiva e ausência das antigas ilusões, marcas da modernidade que ainda se

sustentam na pós-modernidade do mesmo modo.

Ao utilizar o termo ―modernidade líquida‖ para definir a sociedade pós-moderna,

Bauman enfatiza algumas das características deste novo momento que o fazem lançar mão da

metáfora da liquidez para marcar as reais e possíveis mudanças desta sociedade de relações

pessoais tão fragilizadas e solúveis. O termo ―modernidade líquida‖ serviu a Bauman não

apenas para livrá-lo do rótulo de profeta da pós-modernidade (título este com que não

concorda), mas também para anunciar uma sociedade em que tudo é temporário. Há uma

incapacidade de manter a forma – e assim como o líquido que se molda a depender do

recipiente em que é depositado –, os valores, ―[...] instituições, quadros de referência, estilos

de vida, as crenças, as convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em

costumes, hábitos e verdades ‗auto-evidentes‘‖ (BAUMAN, 2003).

A rigor, as diferenças entre as nomenclaturas utilizadas pelos teóricos contemporâneos

para tratar a pós-modernidade não nos impossibilitam de compreender as mudanças deste

tempo para o homem, sobretudo para o poeta. Com a mesma relevância, preocupa-nos

investigar como este sujeito reage às transformações socioculturais de sua época.

23

Um dos livros do escritor polonês recebeu o termo já no título, O mal-estar da pós-modernidade (1998). 24

Entrevista concedida a Maria Lucia Garcia Pallares-Burke especial para a Folha de S. Paulo, São Paulo,

domingo, 19 out. 2003. Disponível em: <http://www.2.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 25 mar. 2010.

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O que resta, após rever esse panorama, é a certeza de que, embora a pós-modernidade

não se apresenta como um elemento de ruptura com o paradigma da modernidade, encara-se o

pós-moderno como uma saída para o indivíduo diante dos problemas advindos da

modernidade. A pós-modernidade se consolida, deste modo, como a ―fadiga‖, de um

momento que se pretende refazer, reconstruir, ou rever à luz das experiências vividas pelo

sujeito da modernidade que:

[...] depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz,

depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação

atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela

degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da

modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa

atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para

um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa

ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer [...]. O pós-moderno é muito

mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se

ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À

consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna.

Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da

modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma

ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira,

porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade.

(ROUANET, 1987, p.229).

Enfim, as explicações para o pós-moderno ainda estão sendo construídas, as teorias

consolidando-se e a inquietação produzida por este mal-estar, ainda pode ser sentida. Não

obstante, contribuímos para a compreensão deste tempo complexo, expondo-o à luz daquele

que nos dá pistas do que está acontecendo: o poeta, que, na sua subjetividade, traduz sem pejo

o sentimento do indivíduo diante das mudanças sociais.

A importância de construir um panorama para visualizarmos o atual cenário do que se

afirma em torno do pós-moderno reside no fato de o pós-moderno ser um tempo que não

precisa de explicações, pois as próprias produções publicadas na contemporaneidade se

encarregam de voltar-se para si mesmas, refletir, revisar e pragmatizar a própria teoria,

criticamente. É por isto que a Literatura vai aliar-se à História (não aquela oficial, do discurso

autoritário de uma verdade) num ―[...] processo de revisão e reflexão crítica criativa‖

(RAMOS, 1995, p.16) e produzirão uma confluência de obras que refletem a sua própria

condição, voltando-se para elementos envolvidos neste processo (leitor, escritor, poeta, obra,

poesia, história, etc.).

Assim, o texto literário produzido na pós-modernidade nos dará condições de ler ―[...]

o fim das utopias, as diferenças, as minorias, as subjetividades diluídas, a sociedade do

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consumo‖. Além do mais, as noções que sustentam o pós-moderno ―[...] são citadas, referidas

e ficcionalizadas pela literatura. Os textos são repletos de citações e os personagens são

simulacros de figurantes de um cenário nostálgico, emoldurado pelo kitsch, o que nos remete

ao passado sem nostalgia emocional‖ (RAMOS, 1995, p 17). Destarte, vai-se firmando a

literatura em tempos de simulacro, após passar por uma fase de questionamentos como foi a

década de 70 e procurar as respostas na história para o que estaria por vir nos anos 90. Num

diálogo voltado para si, no qual os jogos metalinguísticos se encarregarão de reconstruir as

fissuras e recuperar a fadiga instalada pelo tempo.

2.2 ―UMA QUESTÃO DE MÉTODO‖: A LÍRICA WALYNIANA NA PÓS-

MODERNIDADE

A lírica pós-moderna traz consigo, além da figura do poeta como crítico que apresenta

conscientemente um projeto de poesia (o que na verdade já se manifestara no Modernismo), a

preocupação com uma nova forma de expressão que não se prende necessariamente a um

conteúdo, ou, melhor dito, que se prende a vários conteúdos, o que implica também uma

expressão vária. Trata-se, para usar aqui um sintagma felicíssimo de Torquato Neto, da

Geléia Geral25

. Daí o fusionismo ser o traço mais evidente da estética pós-moderna e não só

no que diz respeito à literatura, mas a todas as manifestações artísticas.

A um tempo, paráfrase (norma) e paródia (desvio), a poética da pós-modernidade, por

isso mesmo, cria uma junção entre incompreensibilidade e fascinação, e propõe ao leitor um

jogo de deciframento. Esse jogo opera no campo da espacialidade, da fragmentação, da

negação da referencialidade linear, do amalgamento intertextual, da autorreferenciação. É

fruto da relação crítica do autor com o texto na sua ordem tradicional, da exploração crítica

das potencialidades expressivas da língua e do código escrito, e exige o posicionamento

crítico do leitor. Assim, a poesia pós-moderna pede para ser entendida, não decifrada.

A poesia se apresenta despreocupadamente com relação à forma, algumas se

estendendo a ponto de visualmente se confundirem com o texto em prosa. É uma (des)

definição da forma tradicional. Tanto a lírica quanto a ficção apresentarão temáticas várias,

referências exageradas, muitas citações, bricolagem, um retorno à própria literatura, ao fazer

poético e literário, a reivindicação da postura crítica do leitor perante a obra e a reflexão sobre

25

Termo do poeta Décio Pignatari, utilizado pelos compositores tropicalistas Torquato Neto e Gilberto Gil como

título de uma canção-manifesto.

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a situação do poeta de seu tempo. Portanto, a lírica pós-moderna constitui-se com um caráter

intertextual e metalinguístico e pressupõe um leitor conhecedor de um variado repertório

textual.

É nesse ambiente que devemos compreender os poetas Torquato Neto e Salomão. A

fabricação da poesia deste último revela uma tentativa de compreender o processo de

construção poética e, desse modo, propõe uma nova concepção mixórdica26

de poesia, seja

quanto aos temas, seja quanto às formas. Por isso, num mesmo poema de Waly Salomão há

várias histórias e vários dizeres, sobretudo poéticos, o que exige um leitor com bom repertório

(literário, musical, teatral, etc.).

A poesia produzida em ambiente de pós-modernidade, em geral, não obedece ao rigor

e à disciplina formal. Ao contrário, nela predomina a desconstrução dos versos, da linguagem

e da métrica. Salomão, por exemplo, marca essa característica nos versos de seu poema

―Exterior‖:

Por que a poesia tem que se confinar

às paredes de dentro da vulva do poema?

Porque proibir à poesia

estourar os limites do grelo

da greta

da gruta

e se espraiar em pleno grude

além da grade

do sol nascido quadrado?

Porque a poesia tem que se sustentar

de pé, cartesiana milícia enfileirada,

obediente filha da pauta?

Por que a poesia não pode ficar de quatro

e se agachar e se esgueirar

para gozar

– CARPE DIEM! -

fora da zona da página?

Por que a poesia de rabo preso

sem poder se operar

e, operada,

polimórfica e perversa,

não pode travestir-se

com os clitóris e balangandãs da lira?

(SALOMÃO, 1998, p.55).

26

De mixórdia, segundo o Dicionário Ediouro da Língua Portuguesa (2000), significa miscelânea, misturada,

confusão, embrulhada.

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Esteticamente, nesse poema, há uma nova forma de comunicação poética: a gráfica,

bebida na fonte dos concretistas brasileiros (os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio

Pignatari), aliada à dimensão crítico-satírica, hiperbólica, sobretudo transformadora, de

Vladimir Maiakóvski.

Há, em ―Exterior‖, a transgressão comportamental e também estética. Para o poeta

russo, não há conteúdo revolucionário sem forma revolucionária. Salomão escreve como

quem concorda com Maiákóvski. Versos despreocupados, quanto à forma, porém presos a um

conteúdo. No poema, está contida a manifestação ou quase repúdio à disciplina formal. O eu -

lírico reclama quanto à rigidez dos versos tradicionais que espremem o poema e o

impossibilitam de extravasar. O léxico selecionado remete a uma atmosfera não-pudica, na

qual alguns vocábulos, como ―pauta‖, ―zona da página‖, assumem um sentido erotizado.

Entre as manifestações artísticas que existem, a poesia é uma das que mais

sensivelmente capturam as transformações do homem e da sociedade. Essas transformações

podem ser reveladas na forma, na estrutura do poema, na temática escolhida, nas palavras

utilizadas ou mesmo nas imagens construídas. A ideia de que o poema nascia pronto e o poeta

apenas o materializa, transpondo-o para o papel, já foi refutada. É sabido que há um trabalho

árduo até deixar um poema acabado, ou pelo menos apto para a apreciação de um leitor.

Ainda que fruto de um eterno fazer e refazer, não se deixa ali de inserir suas marcas. As

marcas de um homem e de um tempo são impressas, consciente ou inconscientemente,

naquele projeto.

Por isso, a produção dos poetas e artistas nas décadas de 60 e 70 é tão peculiar. Em

1960, observamos um movimento denominado de contracultura, que é um termo originado na

imprensa norte-americana, para nomear um conjunto de manifestações ou movimentos de

contestação radical. Caracterizava-se pela oposição à forma de cultura estabelecida pelas

instituições de poder e refere-se à cultura que não é reconhecida, que se desenvolve à margem

de um sistema socialmente referendado, uma anticultura. Pode ser compreendido como um

fenômeno histórico, possível de ser localizado nos anos 60, bem como um posicionamento, ou

melhor, uma postura que vem de encontro à cultura convencional (PEREIRA, 1986).

Contracultura nomeia uma série de movimentos iniciados nos Estados Unidos e

disseminados para o resto do mundo. Os beatninks foram grupos que se destacaram

inicialmente pela ―rebeldia marginalizadora‖ nos anos 50. Envolvidos por doutrinas orientais,

assim como seriam os hippies da década de 60, rejeitavam o intelectualismo, optavam por

uma vida sensorial e desprezavam uma vida padronizada, convencional, por julgarem esta

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regularidade como uma ―caretice‖. Os movimentos de oposição à cultura dominante se

estenderam a diversas formas de manifestação artísticas, como a música e a poesia; os estilos

de vida alternativos como o dos hippies; os grupos de jovens universitários, entre outros.

Na poesia americana, vimos os rebeldes dos bairros boêmios que produziam a poesia

beat. Tiveram como representantes Allen Ginsbeg, cujos versos polêmicos no poema ―Howl‖

(1956) dizem: ―I saw the best minds of my generation detroyed by madness27

‖, traduzindo a

angustiante experiência de sua geração. Outros nomes, como William Burroughs e Jack

Kerouac, também surgiram em meio a este movimento. Este último, em seu livro On The

Road (1958), manifesta a rebeldia de uma época em seus versos quando diz: ―Eliminai a

inibição literária, gramatical e sintática‖, sem ―nenhuma disciplina que não seja a da exaltação

retórica e da afirmação não censurada‖ (apud PEREIRA, 1986, p.34). O reflexo da

contracultura americana não tardou a chegar a outros lugares, inclusive ao Brasil (PEREIRA,

1986).

A indisciplina dos versos pode ser observada, sobretudo naqueles autores que

subverteram a ordem, poetas engajados, poetas dos movimentos de contracultura, que

produziram (produzem) a poesia do ―desbunde‖, registrando seu posicionamento de oposição

a um sistema estabelecido. No Brasil, o símbolo máximo do ―desbunde‖ desses artistas da

geração de 70 foi a criação da revista Navilouca, uma publicação que ―[...] evidencia a atitude

básica pós-tropicalista de mexer, brincar e introduzir elementos de resistência e

desorganização nos canais legitimados do sistema‖ (HOLLANDA, 2004, p.83). Foi publicada

em 1972, após o suicídio de Torquato Neto. A única edição da revista teve apoio financeiro de

Caetano Veloso e participação de artistas como Haroldo de Campos, Chacal, Lygia Clark,

Ivan Cardoso, Décio Pignatari, Hélio Oiticica, Stephen Berg, Luiz Otávio Pimentel, Jorge

Salomão, Rogério Duarte, Duda Machado e Oscar Ramos.

O artista plástico Hélio Oiticica, assim como o amigo Salomão, receberam influências

diretas de Gertrude Stein. Ambos os escritores fizeram, cada um a seu modo, declarações de

apreço à escritora. Oiticica confessou sua estima a Stein, por meio de cartas a amigos, e

Salomão imprimiu marcas em sua poética que remetem ao estilo da poeta americana28

. Esses

27

―Vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela loucura‖ (apud PEREIRA, 1986, p.34) 28

Helio Oiticica, em 28/02/1972, no texto ―Como Gertrudes Stein‖, enviado para a coluna Geléia Geral, de

Torquato Neto, mandada de Nova York para um jornal brasileiro, fala, em tom ensaístico, do livro Me segura

qu’eu vou dar um troço, estabelecendo uma relação de proximidade entre Salomão e Stein e a capacidade dos

dois escritores de criarem insights, como o trocadilho ALPHA ALPHA alfavela VILLE, criado por Salomão cuja

primazia é dada pelo artista plástico ao poeta. Oitica ainda afirma, referindo-se ao termo, que o trocadilho trata-

se de um conceito, não apenas de um título, como foi pensado por Waly Salomão (SALOMÃO, 2003, p.203)

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diálogos revelam o verdadeiro espírito da pós-modernidade, porquanto se revisita criticamente

o Modernismo e se recuperam elementos de vanguarda que traduzem inquietações que

também são da ordem da contemporaneidade. Exemplifiquemos com o Me segura, pois,

neste, a escrita de Waly Salomão se percebe ora sem pontuação, ora pontuada de modo a dar

um ritmo de diálogo (conversa) ao texto. Em alguns trechos, as pausas são longas e imprimem

velocidade na leitura, fazendo transparecer a ansiedade do sujeito na descrição dos relatos.

Na pós-modernidade, além do repúdio à disciplina formal, são recorrentes os poemas

apresentados em versos fragmentados, estrofes indefinidas, formando uma atmosfera que

caracteriza a própria fragmentação do indivíduo, descrita por Hall (2006). Tal atmosfera

remete a um sujeito de identidade flutuante, móvel, que se estabelece a cada nova situação

que precisa enfrentar. Imagens são construídas por meio de fragmentos, na tentativa de

recompor um passado – como podem ser observadas no poema ―Janela de Marinetti‖,

(SALOMÃO, 2000, p.24), apresentado no início deste capítulo – em suspensão, distante e

disperso, que não dialoga com o presente e que, por isso, encontra-se em fragmentos e precisa

ser reconstituído.

o anúncio ditava:

... ‗a farmácia estreita da rua larga‘...

abro

minha caixa de amor e ódio

abuso

da enumeração evocativa,

desando a disparar:

rua alves pereira...

rua Apolinário peleteiro...

rua do cochicho...

distingo bem o caroço duro o de umbu chupado

da bostica, da bustiquinha redondinha

que nem biscoito de goma

que a cabra da caatinga fabrica.[...] (SALOMÃO, 1998, p.26).

A pós-modernidade é marcada pela negação da refencialidade linear. Portanto, cabe

aqui destacarmos momentos na poesia de Salomão em que o tempo perde a historicidade, a

capacidade de evolução temporal, quando, num mesmo poema, se fundem elementos de

períodos distantes, produzindo uma sensação atemporal. Em ―Interfaces‖ (SALOMÃO, 2004,

p.27), a tecnologia interfere na noção de tempo, quando signos relacionados ao contexto

virtual (como o título do poema) emergem junto à evocação aos ―deuses do Olimpo‖, ou

referências a ―armas‖ e vocábulos da informática como ―hipertexto‖, ―portais‖, são

aproximados a verbetes como ―barões‖ (título comum a nobres fazendeiros de café durante

séculos anteriores ao advento da informática). A junção de elementos que marcam

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temporalidades distintas cria um produto cultural que parece surgir do aleatório, como explica

Frederic Jameson (2007, p.52):

A crise da historicidade agora nos leva de volta, de um outro modo, à

questão da organização da temporalidade em geral no campo de forças do

pós-moderno e também ao problema da forma que o tempo, a temporalidade

e o sintagmático poderão assumir em uma outra cultura cada vez mais

dominada pelo espaço e pela lógica espacial. Se, de fato, o sujeito perdeu sua

capacidade de estender de forma ativa suas pretensões e retenções em um

complexo temporal e organizar seu passado e seu futuro como uma

experiência coerente, fica bastante difícil perceber como a produção cultural

de tal sujeito poderia resultar em outra coisa que não um ‗amontoado de

fragmentos‘ e em uma prática da heterogeneidade a esmo do fragmentário,

do aleatório.

Para Jameson, a perda da historicidade torna o produto cultural fragmentário cuja

unidade (poema) propõe uma ideia que se desconecta devido à distancia temporal dos termos

combinados no texto, tal qual acontece em ―Interfaces‖ (2004, p.27), quando um poema cujo

título se inscreve na era tecnológica dialoga num contexto em que outros vocábulos evocam

tempos completamente distantes ―Ride/- daí dali daqui do Olimpo-/Ó deuses que regei as

interfaces/ Hipertexto de horrores e êxtases./ Armas pipocam/ Barões pipocam/ Praias-

ocidentais/ orientais- pipocam/ Toques de recolher pipocam‖ 29

.

Lyotard (2009), em A condição pós-moderna, pontua que uma das evidências desta

condição é o fim das grandes narrativas. No paradigma da pós-modernidade, as grandes

histórias com grandes personagens tornam-se insuficientes. É preciso uma história que dê

conta dos microespaços e das micropersonagens. A micro-história passa a apontar importantes

agentes que nunca formam citados, pequenos fatos que simulavam o comportamento de

determinados grupos e ajudavam na compreensão de fenômenos sociais e fatos históricos,

haja vista obras historiográficas, como Il ritorno de Martin Guerre, de Natalie Zemon Davis

(1989), O queijo e os vermes, de Carlos Ginzburg (1976), até obras de cunho mais intimista

como Minha vida de menina (1942), inspirada nos diários pessoais de Helena Morley.

No Modernismo, observou-se um apreço pela ideia de grandiosidade produzida pela

macrovisão da razão iluminista; na pós-modernidade, a preferência é pelas pequenas coisas. A

título de ilustração, em 1997, a escritora indiana Suzanna Arundhati Roy publicou o livro O

Deus das pequenas coisas. Neste trabalho, o nome da obra nos serve de metáfora para

29

A palavra-título retirada da informática significa ―um dispositivo que permite trocas e interações entre

diferentes atores‖. Interface, 2010. Disponível em: < http://fr.wikipedia.org/wiki/Interface>. Acesso em: 25

abr.2010.

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entender que, na pós-modernidade, no lugar de um grande Deus, serve-nos mais um pequeno

Deus, que se possa levar no bolso. Tal metáfora reforça a noção de proximidade, uma vez que

entre esse Deus e o homem não haveria distância. A partir de então, é possível pensarmos na

ideia do individualismo, cara à pós-modernidade, pois cada pessoa com seu Deus no bolso

teria a quem recorrer sem precisar de intermédio.

Esse individualismo produz um sujeito preocupado com questões inerentes a ele

mesmo e distante das macroquestões. Os grandes temas não interessam mais do que as

narrativas individuais, os temas de cunho intimista. É possível observarmos, por exemplo, o

escritor que se despe, sem se preocupar com as críticas, exposto, apresenta suas falhas e seus

desvios. Atitudes como estas revelam o que de mais humano há por trás do sujeito que

escreve e, ao mesmo tempo, revelam um comportamento subversivo.

Salomão inicia sua vida literária assim, despido das contaminações estéticas e

estilísticas da literatura tradicional e constrói uma ―obra símbolo da contracultura‖

(BOAVENTURA, 2007), pelo nível de subversão presente. Me segura é declaradamente uma

obra produzida durante uma passagem pela prisão e Salomão finaliza o primeiro texto desta

obra assim: ―São Paulo, Casa de Detenção, 18 dias de janeiro-fevereiro 1970‖ (SALOMÃO,

2003, p.31). Seus escritos publicados neste livro revelam um poeta de comportamento

alternativo e apreço pela transgressão.

Declarar o uso de drogas é um gesto transgressor, não uma novidade. Salomão opta

por abrir mão de uma imagem sacralizada da figura do escritor e apontar uma imagem

―demasiadamente humana‖30

. Me segura foi o primeiro passo para essa trajetória

introspectiva: o self deste escritor sempre foi um ponto de partida para discutir questões

diversas. As temáticas que permeiam suas obras trazem discussões sobre a situação do poeta

de seu tempo, o (des)interesse pela arte literária, o leitor, a arte e sua capacidade de

transformação social, etc. Mesmo assim, nenhum cotidiano passa despercebido aos olhos

desse poeta, pois lhe servem de ingredientes para sua arte poética, o habitual mais puro, os

micros e cyberespaços, por exemplo.

Ainda em Me segura, um elemento bastante revelador utilizado por Salomão é a

linguagem. Bacharel em Direito, escolhe o registro informal, às vezes vulgar, não por

desconhecer a norma culta, mas para provocar, dar ao texto um tom que forja uma conversa.

Aliás, é uma característica da poética de Salomão essa fusão entre o erudito e o vulgar, o oral

e o escrito, sem desprestigiar qualquer dos registros. José Miguel Wisnik, na orelha do livro

30

Termo retirado da tradução da obra do filósofo alemão Frederich Nietzsche, Humano, demasiado humano, de

1878.

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de poesias Lábia (1998), ressalta essa característica na poética de Salomão, denominando de

―con/fusão clarificadora entre o oral e o escrito que define uma dicção particular de vida e

obra‖. Salomão define que essa marca vem do imediato com que os versos surgem, das outras

vozes que saltam e se acondicionam em seus versos e unem a ―espontaneidade do coloquial e

o estranhamento pensado‖ (SALOMÃO, 1998, p.89).

Se retrocedermos algumas décadas na história da Literatura brasileira, perceberemos

que essa junção do registro formal e informal no texto literário não é uma novidade. Os

modernistas de 1922 já reivindicavam o lugar da fala popular, da linguagem coloquial em

poesia. Os poemas de Oswald de Andrade, desde o Manifesto Pau-Brasil (publicado em 18 de

março de 1924, no Jornal Correio da Manhã), se posicionava por uma ―[...] língua sem

arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros‖.

Em alguns dos seus poemas, defendeu esse posicionamento. Vejamos este exercício no poema

intitulado ―Vício na fala‖:

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados. (ANDRADE, 1991, p.22).

Com o mesmo objetivo, escreveu Manoel Bandeira acerca da contribuição do registro

informal da linguagem. Bandeira se posiciona a favor da ―língua do povo‖, a poesia que nasce

das cantigas de rodas, dos pregões das vendedoras, das ruas, dos boatos e mexericos da

vizinhança. Segundo esse poeta, foi nestes espaços que buscou as temáticas para suas

composições:

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada […] (BANDEIRA, 1971, p.133-135).

O uso do registro informal em Salomão colabora com a construção de uma linguagem

ígnea, concebida sob influência dos tropicalistas e poetas marginais com quem conviveu,

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quando o ―desbunde‖ e a postura contracultural eram sinônimos de resistência à dureza dos

conhecidos ―anos de chumbo‖ da ditadura militar. Assim relembra Costa Pinto (2004, p.41),

que ainda enfatiza que a oralidade, aliada à logopeia31

de Salomão, confunde os registros de

prosa e poesia, do ensaio e da ficção, justificando:

Por isso, os textos fragmentários de Me Segura Qu'Eu Vou Dar um Troço

(1972), as anotações ensaísticas de Armarinho de Miudezas (1993) e os

poemas de Algaravias (1996) e Lábia (1998) têm aquele mesmo ritmo

vertiginoso descrito por ele no poema ‗Elipses Sertanejas‘ (de Tarifa de

Embarque, 2000):

―Eu não nasci pra ser clássico de nascença:/ Assestar o olímpico olhar sobre

o mundo nítido,/ Filtrar os miasmas externos e os espasmos do ego,/ Sob a

impassibilidade dos céus tranqüilos e claros.../ [...] Fiz tudo ao contrário...

Sou todo ao convulsivo.../ Cafarnaum de vielas e becos sem saídas.../

Quebra-queixo feito da crosta de dura substância‖.

E, apesar dessa afirmação recortada por Costa Pinto, Salomão declara não ter nascido

para ser clássico, porém, é na tradição que busca inspiração para seu fazer poético e afirma

isso quando sustenta, em ―Orapronobis‖ (SALOMÃO, 2000, p.12), os seguintes versos:

―cafungo a minha dose diária de Murilo e Drummond‖. Acompanha o ritmo do tempo em que

escreve, afinal, a pós-modernidade não rompe, mas se sustenta também das releituras e

revisões críticas do Modernismo. Contudo, Waly Salomão não é refém da tradição (para

acompanhar o raciocínio de Costa Pinto). É um nômade, adere rapidamente às mudanças,

sejam elas bruscas, repentinas ou diacrônicas. Seu olhar aguçado de poeta possui ―aderência

absoluta ao instantâneo‖ (SALOMÃO, 2000, p. 53). O uso da oralidade, de uma linguagem

coloquial, não deve ser confundido como afirmação de uma vertente marginal, pois, no texto

em que esses registros aparecem, do mesmo modo emergem as referências eruditas, citadas,

parafraseadas. Os intertextos fazem ressoar as vozes de Goethe, Pound, Drummond, Walter

Pater, Paul Celan, Ashbery, entre muitos outros.

31

Logopeia, de acordo com Ezra Pound, é uma das três esferas poéticas, e refere-se às capacidades reflexivas da

linguagem poética. Remete-nos à construção de ideias, de sentidos.

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65

2.3 A EXPERIÊNCIA DOS B-A-B-I-L-A-Q-U-E-S

Os babilaques (1975-1977) são fotografias de poemas e outros escritos criados pelo

poeta Salomão e fotografados em diferentes ambientes, paisagens naturais ou simuladas, para

a composição da imagem. Seus cadernos com escritos, rascunhos de poemas, eram abertos em

um cenário determinado pelo autor e fotografados. A intenção do poeta era mostrar como a

poesia que há em uma palavra pode ser modificada, caso apresentemos esta palavra num

ângulo diferenciado. Deste modo, submete seus cadernos aos mais inusitados cenários e

fotografa suas páginas individualmente. Esta nova proposta de apresentar seus escritos foi

organizada na década de 70. Salomão pretendia expor o resultado numa amostra denominada

―Babilaques: Alguns Cristais Clivados‖.

Salomão consegue propor uma nova possibilidade para o exercício poético, já que as

palavras dessa poesia para ter significância precisarão contar com um leitor atento não apenas

ao que está escrito, mas ao conjunto que aquela imagem organiza. Dentro dessa perspectiva,

caberia questionamento para a concepção de ―leitor‖, uma vez que não temos mais o poema

no sentido tradicional do termo, mas a fusão de textos com artes visuais.

O termo ―babilaques‖ deriva da palavra ―badulaques‖ e significa um conjunto de

coisas miúdas que alguém traz consigo, mas pode ser também um jargão utilizado por

policiais para denominar ―documentos‖. Entretanto, na ocasião em que intitulou suas criações,

a palavra não era dicionarizada, e tal fato fazia o poeta acreditar que permitia ao vocábulo

―possibilidades virtualmente infinitas‖. Salomão definiu esta experiência como performances-

poético-visuais, pois, para ele, poesia visual tratava-se de uma definição pouco abrangente e

não dava conta da somatória de linguagens articuladas pelos babilaques.

Em um primeiro momento, a impressão causada por esta experiência de Salomão é de

estranhamento e nos faz lembrar a curiosa diagramação dos versos dispostos em seu Me

segura qu’eu vou dar um troço, no qual compõe poemas no limite entre a prosa e a poesia,

fazendo com que o gênero poético ganhe definições alargadoras. Confirmando tais práticas

como alternativas pós-modernas, Berardinelli (2007, p.175) justifica dizendo que ―[...] as

fronteiras da poesia como gênero literário se dilatam e se restringem de acordo com a atitude

de cada autor (nas diversas situações ou contingências históricas), que inclui ou exclui da

linguagem poética aquilo que também pode ser dito (e é dito) em outros gêneros literários‖.

Em outras palavras, é explorar todas as possibilidades do signo linguístico expostas

sobre espaços incomuns. Salomão queria potencializar, dotar de significância palavras,

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tirando-as do contexto engessado do papel e revelando-as sob luz, cores, enquadramento,

ângulo, recorte do universo da fotografia:

É o desejo de tocar o outro por meio da palavra, colocada mais próxima da

vida do que da regra. Para que isto aconteça, é necessário rachar a moldura

sintática, o enquadramento lógico, moral, estático e libertar a palavra do

cárcere formal do significado: babilaques. Desreprimir a palavra em

contraste com a moral militar contaminada em contraste com a moral militar

contaminada em uma sociedade passiva e paroquial. (SALOMÃO, 2008,

p.84)

Ou apenas forçar os limites de sua poesia, pois, no olhar crítico de Berardinelli (2007,

p.179):

[...] na Pós-modernidade, a poesia forçou seus limites: 1) recuperando

dimensões da prosa ou, às vezes da teatralidade; 2) reabrindo o diálogo com

a tradição pré-moderna; 3) praticando uma pluralidade de vias possíveis e

saindo da tutela de poéticas fundadas numa consciência histórica do tipo

monista; 4) mantendo, recuperando ou desconstruindo o espaço clássico da

lírica como absoluto monólogo a meio caminho entre ―universo humano‖ da

experiência e ―idioleto‖ estilístico.

A fusão das linguagens advém da insuficiência do verbo que precisa ser apresentado

como numa performance e, assim, revelar-se polissemicamente. Desse modo o poeta utilizou

como pano de fundo para fotografar seus poemas a grama, roupas, latas velhas, colagens,

tecidos, partes de um carro, sobreposto em outros cadernos, calçada, etc., aproximando sua

poesia do mesmo espaço onde afirma sair seus versos, o cotidiano.

Sobre o cenário escolhido, era fixado um caderno com um poema e fotografado. O

resultado da experiência era um produto visual que apontaria a um leitor precavido com o

texto e com a multiplicidade de significados que o conjunto da imagem remete. Neste

exercício poético-visual anticonvencional, outros sentidos são estimulados, e a expurgação

viria de um misto de estranheza e novidade com a exploração de sentidos em busca de novos

significados para o texto.

Na maioria, os registros fotográficos dos seus babilaques foram realizados pela sua

esposa Martha Braga em Nova York, Salvador e Rio de Janeiro. Esta nova modalidade

artística requer um tipo de leitor-expectador para sua apreciação. Os babilaques de Salomão

surgem de uma primeira experiência datada de 1971. Ano em que o artista plástico Carlos

Vergara promove uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, intitulando-a

curiosamente de ―Exposição‖. Este evento apresentou obras de artistas que nunca tiveram

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experiência com artes plásticas, Salomão participou apresentando um poema visual. Neste,

havia uma mão sobreposta aos símbolos do Rio de Janeiro (Corcovado, Cristo Redentor,

algumas araras, palmeiras), na palma da mão, o inscrito: ―conheço o Rio de Janeiro como a

palma da minha mão cujos traços desconheço‖ 32

.

É transitando nos descaminhos das artes e dos artistas do século XX que Salomão

consolida seu inusitado projeto de poesia, exercendo a multiliguagem e alcançando uma

pluralidade de significados para seus textos. O resultado artístico obtido com os babilaques, a

representação do real, o produto da apreciação do leitor-expectador é o simulacro poético. Ao

ressignificar o modo de composição e apreciação do texto poético, Salomão evidencia o novo

lugar e os limites da poesia contemporânea, afinal ―[...] a obra nunca tem, portanto, uma pura

e única finalidade artística, mas tem uma finalidade existencial‖ (BARTHES, 2005, p.77). No

caso de Salomão, suas criações são reveladoras da sua existência enquanto sujeito múltiplo.

Não raro escreveu em Lábia (1997, p.63): ―Sou a pessoa menos digna de fidúcia/ porque não

sou uno, monolítico, inteiriço/ [...] sou volátil, evasivo‖.

Poucos poetas na literatura brasileira conseguiram articular linguagens e gêneros tão

diversos, sobretudo quando se reconhece que ao leitor cabe a última palavra sobre o poema,

pois como está na orelha do livro de Waly Salomão (2001): ―[...] o autor, na verdade, é

falível,/É vulnerável, e sobretudo, ele/ não detém a ultima palavra, a/ chave final sobre a

propulsão/ que um poema pode despertar/ num eventual leitor...// como se sabe,/ o leitor é

livre:/ pode ler assim ou assado‖. Isto torna insensata esta tarefa de escrever e ―[...] se entregar

inteiramente, completamente ao olhar do outro‖ (BARTHES, 2005, p.83). A despreocupação

do autor com o estranhamento que esta mixórdia pode causar reside no fato de Salomão,

enquanto sujeito desejante, promover o ―encontro de todas as linguagens por meio da poesia‖.

Para Assunção (2009, p.86):

As vozes, os fluxos, os ritmos e os sons. As cores, os timbres, as melodias e

os tons. É necessário bombardear a convencionalidade formal e

experimentar novas possibilidades cinéticas a partir da palavra. Primeiro

implode-se a expressão e o significado para trazer à tona a tensão entre

imagens e sonoridade. A palavra desencadeia a trama livre dos sentidos pela

experiência musical, poética e visual: alterar.

32

Poema visual publicado como anexo na segunda edição do Me segura qu’eu vou dar um troço, 2003.

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À medida que os versos exigem presença física para se realizar, outras presenças

também são reivindicadas por meio das suas performances-poético-visuais. O poeta Torquato

Neto, o cineasta Dziga Vertov e o pintor holandês Piet Mondrian são incluídos como

personagens das montagens. É o que se pode observar na disputa metafórica entre a vida e a

morte representada no babilaque intitulado ―Torpedo suicida‖, construído em homenagem ao

amigo Torquato Neto. Sérgio Assunção (2009, p.90) considera o referido poeta, ―[...] ícone do

embate ideológico/existencial‖ e, portanto, personagem deste trabalho em que Salomão

compõe, utilizando a oposição de letras brancas no caderno de fundo negro e espiral branco,

grafando a seguinte inscrição:

Inside Outinside

os dentros do WITHIN (SALOMÃO, 2007b)

Na intersecção do dentro e do fora é que reside o poeta, afinal, em Gigolôs de bibelôs,

Salomão havia declarado que ―o extraordinário é a morada do poeta‖. O extraordinário reside

de fato nas cenas cotidianas, de onde surgem os motivos para suas criações. Neste sentido,

convêm a compreensão do babilaque que referenda Dziga Vertov, o cineasta russo. Vertov,

cujos filmes evidenciam cenas cotidianas em paisagens simples, planos bem montados e

cuidadosamente elaborados, conseguia dar uma seqüência narrativa e poética para suas

produções. Vertov inspira Salomão na produção dos seus babilaques, e este, na montagem

intitulada ―Vertozigagens V‖, parece brincar com esta influência, quando compõe sobre um

tecido negro de listras vermelhas o seu caderno e cola ao lado a imagem do cineasta, com o

inscrito:

O homem com a câmera de

Cinema

Dziga Vertov Vertozigagens

eu e Martha

Vertov é o Picasso do cinema

Com Picasso quero dizer

Que Vertov é o Picasso e o

Malevith e o Tatlin e o

Modrian e o Cézanne

E o Maiakovski e o Marinetti O OLHO SEM CRISES MONÓTONAS

DE CONSCIÊNCIA

Arranjos Dinâmicos (SALOMÃO, 2007b, p.101).

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Em outro babilaque, faz um pastiche do estilo do pintor Piet Mondrian, organizando

uns cadernos com as capas nas cores azul, amarelo e vermelho e sobrepondo seu caderno com

inscritos intitulados ―Prazer de escrever‖. A esta montagem, Salomão atribui satiricamente o

nome de ―Modrian barato‖, devido à disposição dos cadernos, que remetem ao famoso quadro

com as formas geométricas, em um padrão peculiar criado pelo pintor holandês. O conjunto

dos babilaques criados por Salomão revela o quão conhecedor era este poeta das vanguardas

do século XX. De um modo experimental, organizou suas performances-poético-visuais

misturando arte, poesia, conhecimento, e experimentando ideias novas e novas possibilidades

para o texto poético.

No babilaque ―Santo Graalfico‖, Salomão potencializa a capacidade metalinguística

dos seus experimentos, orientado sobre a necessidade de evidenciar a palavra, que se

multiplica em termos de significado e, quando, a um novo modo de apresentação cria o poema

que extrapola os limites literários e apresenta-se performática:

MEU AMOR MELADO NA BATALHA

Pelo Santo GraaLfico

Meu amor cheira líquidos

químicos

reveladores FAVOR COMPARECER A SALA DE RECEPÇÃO

Primeira prova provas

SATISFAZER A VONTADE DO CLIENTE

Letra apagada acender Critério de NITIDEZ

Critério de LEGIBILIDADE

CHAPARA A LETRA LUPA NA MÃO

letras de aumento no escuro desta

região as letras saltam da ponta

do estilete até onde o cromo

ajuda a ampliar PALAVRAS POUSAM CHAPADAS NA

PRAIA ORILLA

MEU AMOR DE MUITAS CORES

POLICRÔMICO FOTOLITO (SALOMÃO, 2007b, p..90).

Compreendemos os babilaques de Salomão como a representação amalgâmica de

todas as linguagens que sua poética deseja aproveitar. O próprio poeta definiu seu trabalho

como a fusão da escrita com a plasticidade:

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70

Considero BABILAQUES um crisol em que minha família de afinidades

eletivas se afirma: Appolinaire, Jean Arp. Jean-Luc Godard, os futuristas

italianos e russos. Faço também uma polinização cruzada com a forte

corrente de experimentalidade brasileira que intimamente vivenciei desde

meados dos anos 1960. Minha formação literária anterior já tendia a ser

polifônica e interdisciplinar. (SALOMÃO, 2007b, p.61).

Esta experiência poética peculiar amalgama um forte traço da poética walyniana, que

representa o texto em forma de performance, as palavras deixam sua fixidez e encenam um

diálogo articulado com diversas linguagens. É registrado pela lente fotográfica, que captura

um momento da performance e a caracteriza como um registro poético-visual. Neste

exercício, fica evidente a relação que o poeta estabelece com outras artes, transformando-as

em exercício poético. Os babilaques nos permitem ler o poeta não como poeta, simplesmente,

mas como um articulador de linguagens que cria uma modalidade capaz de definir e revelar o

próprio criador. Se, até o momento, falamos de ―poesia sobre poesia‖ e de linguagem que

traduz e explica outras linguagens é porque a metalinguagem é um traço marcante na poética

de Salomão. Vejamos um estudo minucioso do procedimento no capítulo seguinte.

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3 O PROCESSO CRÍTICO-CRIATIVO NA POESIA DE WALY SALOMÃO

Sonho o poema de arquitetura ideal

Cuja própria nata de cimento

Encaixa palavra por palavra, tornei-me perito em extrair

Faíscas das britas e leite das pedras.

Acordo

E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.

Acordo

O prédio, pedra e cal, esvoaça

Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,

Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido

Acordo, e o poema-miragem se desfaz

Desconstruído como se nunca houvera sido.

(SALOMÃO, 2007a, p.35).

3.1 DOS METAPOEMAS DA LITERATURA BRASILEIRA33

O filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal

(1997), abre o capítulo destinado a discutir ―Os estudos literários hoje‖, com uma resposta

emitida à redação de um jornal que o inquiria a respeito do atual estado da pesquisa literária.

Bakhtin argumenta inicialmente que as respostas às questões dessa natureza não podem ser

categóricas nem seguras, pois, quando nos pronunciamos sobre nosso tempo, estamos

expostos ao erro (num sentido, ou noutro) e convém considerar este fato (BAKHTIN, 1997).

A resposta de Bakhtin ao jornal conforta o sentimento que perpassa esta pesquisa

desde as consideraçãoes iniciais, como deixamos registrado. Falar do transitório, do que está

em movimento ou em fase de consolidação nos torna reféns dos confrontos e das teorias que

podem surgir a qualquer momento dos centros de estudos e pesquisas. Entretanto, este motivo

não foi para o filósofo um entrave para responder à questão lançada, tampouco é empecilho

para registrar aqui nossas consideraçõe a partir das leituras e revisões teóricas realizadas.

Embora falemos de um poeta contemporâneo que traduz inquietações do tempo em

que vive (vivemos), o que nos interessa é pensá-lo a partir de sua metapoesia. Esta, por sua

vez, não é uma modalidade nova, todavia, muito recorrente na pós-modernidade. A

33

Todos os poemas que se encontram sem referência, tópico 3.1 deste capítulo foram retirados da página do

Jornal de Poesia. Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br>. Acesso em: 10 jul. 2010.

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metalinguagem como recurso literário pode ser encontrada desde as epopeias da antiguidade,

quando seus escritores evocavam os deuses para dar-lhes inspiração e iluminá-los na

construção literária. É possível percebermos a metalinguagem em textos bem antigos, mas,

como se trata de um contexto muito extenso, cabe aqui um panorama de como os metapoemas

fazem parte de uma modalidade bastante utilizada pelos poetas da Literatura brasileira.

A primeira obra com finalidade meramente literária citada pelos compêndios como

publicada no Brasil é Prosopopeia (1601), do português Bento Teixeira. É um poemeto épico

que conta a história de José de Albuqueque Coelho – donatário da capitania de Pernambuco –

e de seu irmão Duarte. Enaltecia, por meio do narrador Proteu, os feitos dos guerreiros no

Brasil e na Batalha do Alcácer-Quibir, na África:

I Cantem Poetas o Poder Romano,

Sobmetendo Nações ao jugo duro;

O Mantuano pinte o Rei Troiano,

Descendo à confusão do Reino escuro;

Que eu canto um Albuquerque soberano,

LX

Olhai o grande gozo e doce glória

Que tereis quando, postos em descanso,

Contardes esta larga e triste história,

Junto do pátrio lar, seguro e manso.

Prosopopeia não foi considerada uma obra emblemática seiscentista pelo caráter

mimético que tinha com Os lusíadas (1572), de Luis de Camões. No poema de Bento

Teixeira, interessa-nos apontar o tom parodístico e as influências do poema de Camões, bem

como a referência a outros poetas. Afirmando que só lhe preocupa a história do seu povo,

enquanto uns cantam outros poderes, ele vai cantar a história de Albuquerque Coelho, que

representa sua nação na batalha em terras estrangeiras.

Ainda no século XVII, o poeta Gregório de Matos Guerra compôs um soneto em que

satiricamente descreve o processo de composição deste poema de forma fixa, [composto por]

que contém dois quartetos e dois tercetos. Vejamos como o ―Boca do Inferno34

‖ escreve o

poema que se volta para si, produzindo o metapoema:

34

Alcunha do poeta baiano.

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Soneto

Um soneto começo em vosso gabo;

Contemos esta regra por primeira,

Já lá vão duas, e esta é a terceira,

Já este quartetinho está no cabo.

Na quinta torce agora a porca o rabo:

A sexta vá também desta maneira,

na sétima entro já com grã canseira,

E saio dos quartetos muito brabo.

Agora nos tercetos que direi?

Direi, que vós, Senhor, a mim me honrais,

Gabando-vos a vós, e eu fico um Rei.

Nesta vida um soneto já ditei,

Se desta agora escapo, nunca mais;

Louvado seja Deus, que o acabei.

Os poetas árcades, escondidos por meio dos pseudônimos, com menor frequência,

exercitaram a metalinguagem para explicar os versos que compunham para suas musas.

Assim faz Tomas Antônio Gonzaga nos conhecidos versos Marília de Dirceu (1872, Lira V):

Meus versos, alegres,

aqui repetia;

o eco das palavras

três vezes dizia.

Se chamo por ele,

já não me responde;

parece se esconde

cansado de dar-me

os ais que lhe dou.

Os românticos realizaram reflexões metalinguísticas de diferentes modos. Casimiro de

Abreu, poeta da segunda geração romântica, parafraseou os versos do poema ―Canção do

exílio‖, do também romântico da primeira geração Gonçalves Dias. Desde a bricolage

realizada no título, quando Casimiro o reproduz em seu poema, às mudanças lexicais que o

alteram – porém, sem mudar o sentido, configurando uma paráfrase – é estabelecida uma

metalinguagem intertextual:

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Canção do exílio

Se eu tenho de morrer na flor dos anos

Meu Deus! não seja já

Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,

Cantar o sabiá!

Outro romântico da terceira geração, o poeta baiano Castro Alves, no poema ―Depois

da leitura de um poema‖, compara a genialidade do poeta com a distância entre a terra e o

céu:

Às vem o pastor subindo aos Alpes

Lança aos abismos a canção tremente.

Responde embaixo — o precipício enorme!

Responde em cima — o firmamento ingente!

Poeta! a voz do pegureiro errante

Em ti vibrando... se alteou!... cresceu!

Tua alma é funda — como é fundo o pego!

Teu gênio é alto — como é alto o céu!

Machado de Assis foi um dos escritores polígrafos da Literatura brasileira, escrevendo

desde contos, dramas, ficção, ensaios, a poemas. Destacou-se na ficção, sobretudo pelo seu

modo peculiar de desenvolver suas narrativas (curtas e longas) e introduzir diálogos diretos

entre narrador e leitor. Porém, o caráter metalinguístico deste escritor não se restringiu apenas

à prosa, aparecendo na poesia também. Nos últimos versos do soneto abaixo, argumenta

ironicamente a escolha desta modalidade para compor o poema e fala da luta travada neste

processo criativo:

Soneto de Natal

Um homem, — era aquela noite amiga,

Noite cristã, berço do Nazareno, —

Ao relembrar os dias de pequeno,

E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno

As sensações da sua idade antiga,

Naquela mesma velha noite amiga,

Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca

Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,

A pena não acode ao gesto seu.

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E, em vão lutando contra o metro adverso,

Só lhe saiu este pequeno verso:

―Mudaria o Natal ou mudei eu?‖

Aqueles que pregaram o culto à forma do poema não poderiam deixar de compor sem

justificar a importância de criar com o rigor do metro. O labor poético aparece em vários

poemas de Olavo Bilac, que não se priva de declarar, por meio de seus textos, a primazia da

arte entre outras atividades e, portanto, esta deve ter função apenas estética, artística, pura,

como aparece nos seguintes versos:

A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino escreve! No aconchego

Do claustro, na paciência e no sossego,

Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego

Do esforço: e trama viva se construa

De tal modo, que a imagem fique nua

Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplício

Do mestre. E natural, o efeito agrade

Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na simplicidade.

Os simbolistas, mais motivados pelas questões pessoais, refletiram menos sobre o seu

fazer em detrimento de temas mais intimistas e amorosos, mesmo assim, encontramos em

Cruz e Souza uma ideia sacralizada do poeta, bem como uma apologia a poetas românticos

brasileiros e portugueses:

Ao decênio de Castro Alves

[...]

Foi Deus que disse: – Poeta,

Vem decantar a meus pés.

Na eternidade há mais luz,

Dão mais valor ao que és.

Se lá na terra tens louros,

Receberás cá tesouros

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De muitas glórias até!

Terás a lira adorada

C'o divo plectro afinada

De Dante, Tasso e Garret!

Nesse breve percurso por alguns poemas da literatura brasileira, observamos que a

metalinguagem não é um fenômeno próprio dos poetas modernos e pós-modernos. Já se

praticavam poemas crítico-criativos desde as origens da nossa literatura. Entretanto, no

Modernismo brasileiro, vemos isto tornar-se mais frequente. Com a pós-modernidade, parece

exagerar-se a necessidade de o poeta tematizar o seu processo de criação. E ainda que o

universo ou o cotidiano sejam temas de seus poemas, junto a estes estarão reflexões de si, do

seu texto e da sua condição de poeta. Portanto, feita esta historização de alguns metapoemas

da literatura no Brasil, busquemos entender como se processa o fenômeno da metalinguagem,

para que percebamos como este ocorre na poesia de Salomão, que é o objetivo da nossa

pesquisa.

3.2 A FABRICAÇÃO DA POESIA: DA METALINGUAGEM EM JAKOBSON ÀS

OUTRAS METAS DE CAMPOS

Em 1967, Haroldo de Campos teorizou sobre a função da linguagem proposta por

Roman Jakobson, a metalinguagem. Também propôs uma reflexão acerca deste recurso tão

utilizado pelos cânones da literatura (Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto,

Guimarães Rosa, Murilo Mendes, etc.). Para Campos (1967), a crítica e a tradução são

atividades metalinguísticas, pois constituem linguagem sobre a linguagem. E o objeto, ou,

"linguagem-objeto" dessa metalinguagem é a obra de arte.

Segundo Campos (1967), a crítica como metalinguagem é o caminho escolhido para

entender os "[...] problemas concretos da poesia e da prosa brasileira contemporânea"

(CAMPOS, 2004, p.12). Ele também acredita que, ao investigar a obra de invenção de alguns

poetas, estaríamos apreciando o potencial inventivo de cada um. Assim, também é possível

perceber como a metalinguagem revela os diálogos que cada autor estabelece com outros

textos, bem como com outros autores do seu tempo.

[...] aqui caberia lembrar a tese de Charles Sanders Pierce, segundo a qual

todo signo traduz-se em outro signo, que o desenvolve mais amplamente ou

mais condensadamente.

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É o que faz a crítica – a literária, por exemplo, comporta-se

metalinguísticamente diante do seu objeto de estudo.

É o que faz a tradução: recupera a qualidade sensível do original e a

surpreende na recriação do (novo) texto.

É o que faz o dicionário: tenta dar conta mais amplamente possível das

relações de significância das palavras. (CHALHUB, 1993, p.55. Grifos da

autora).

É a partir dessa definição, resumida por Chalhub, da função metalinguística que

refletiremos a poesia de Salomão, poeta cuja obra está carregada de metalinguagem, sendo

possível até afirmar que esta é um traço indissociável de sua produção literária/musical. A

função metalinguística no texto poético de Salomão vai reclamar, assim, um leitor mais

participativo, capaz de dialogar com o criador sobre a obra e o fazer poético. Sua poesia exige

um leitor/receptor mais engajado, apto a produzir algo que não é fruto da inspiração, como

cultuamos por muito tempo, mas fruto do trabalho e estudo do poeta, um eterno fazer,

desfazer, refazer até chegar ao ponto de materialização do poema.

Os poemas de Salomão não compõem uma obra pedagogizante, como fora a do

também poeta Ezra Pound, mas constituem uma produção que adverte o leitor de poesia,

convida-o a praticar este exercício e pragmatiza. Exercita também todas as leituras por ele

realizadas ao longo de sua vida, de Drummond a Pound; sobre poesia e fazer poético.

Salomão compôs poemas cujos temas refletiam o ato criador e criticou aqueles que indicavam

receitas prontas para isto. Dono de um discurso livre, desprendido de quaisquer normas e

preceitos, demonstra antes de tudo preocupar-se com os que trabalham com a construção do

texto literário. Ao trazer a ―situação problemática‖ do poeta contemporâneo como motivo em

seus textos, Salomão constrói a chamada metapoesia, um procedimento comum na

modernidade e, sobretudo, na pós-modernidade: poesia sobre poesia.

Não há como pensar o fazer poético sem relacionar essa discussão aos poetas

modernos. Afinal, foram estes que se debruçaram sobre tal temática, trazendo o assunto para a

ordem do dia. É do poeta português Fernando Pessoa (1972, p.164), a inquietante reflexão

sobre o sujeito que escreve: ―o poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a

fingir que é dor/ a dor que deveras sente‖. O que Pessoa preferiu denominar como fingimento,

outros poetas compreendem como elaboração, fabricação, criação, ou seja, sintagmas

diferentes para definir o mesmo processo, a composição poética.

O fazer poético mobiliza escritores e poetas, há muito tempo, por ser uma forma

possível de externar, por meio do produto literário, as questões existenciais. Para o escritor, é

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possível utilizar seu próprio texto como argumento que justifique a razão de escrever e,

sobretudo, olhar sua própria produção como uma ferramenta à procura de esclarecimento

quanto aos seus êxitos pessoais, embora este seja um motivo que, nos poemas, tem resistido a

mudanças no panorama literário. No entanto, a escrita crítico-criativa não foi concebida pelos

modernistas do mesmo modo que para os pós-modernos. Revisitemos alguns daqueles que,

mais eloquentemente, discutiram o fazer poético em seus escritos durante o Modernismo, para

compreendermos como esta mudança se estabelece na pós-modernidade.

Diversas foram as formas de apropriação, pelos poetas modernistas, da função

metalinguística da linguagem para traduzir nos versos o seu próprio fazer. Manuel Bandeira,

por exemplo, na semana inaugural do Modernismo no Brasil, escreveu – para deleite e, ao

mesmo tempo, recusa da plateia que prestigiava a Semana de Arte Moderna (1922) – o poema

Os Sapos (1918), na ocasião, declamado por Ronald de Carvalho:

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas...

[...]

Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

– A grande arte é como

Lavor de joalheiro. (BANDEIRA, 1971, p.92-93).

Nesse poema, Bandeira manifesta o pensamento de muitos artistas modernistas que

pregavam desprezo pela tradição parnasiana, a qual valorizava a forma, as rimas e o metro

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ajustado. O fazer poético de Bandeira se construiu sob a problematização da tradição literária.

Não tão distante da ideia de Bandeira, Oswald de Andrade imprimiu em sua obra poética,

entre as diversas temáticas que trabalhou, a reflexão do sujeito sobre sua própria língua.

Oswald defendeu a inserção de uma língua brasileira natural em seus textos. Para isto,

inseriu falares do cotidiano, ―a língua do povo‖, mantendo variações linguísticas e marcas da

oralidade características, como estas que aparecem em seus conhecidos versos do poema

―Pronominais‖: ―Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato

sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa

disso camarada/ Me dá um cigarro‖ (1991, p.22). O fazer do poeta paulistano se consolida a

partir da inclusão da oralidade e da língua corriqueira, numa modalidade literária que outrora,

haja vista para as produções dos poetas parnasianos, prezava pela lapidação do poema,

seleção vernacular erudita de vocábulos, bem como rebuscamento dos versos.

Cronologicamente mais distante dos dois poetas já citados, encontra-se Mário

Quintana, um gaúcho que constrói um poema confirmando o quão penoso é este ofício, ―Eu

faço versos como os saltimbancos/ Desconjuntam os ossos doloridos‖ (Apud MOISÉS, 2003,

p.530). O ato de escrever é comparado por Quintana com a dor física, remetendo à árdua

tarefa da criação poética.

Seja qual for o sentimento de quem traduz o labor da criação poética, o que é mais

relevante é que cada poeta imprime sua marca pessoal na composição, no fazer poético. No

entanto, para que seja possível evidenciar a reflexão do processo crítico-criativo, todos esses

poetas concordam que um recurso é necessário na construção deste tipo de texto: a

metalinguagem.

A metalinguagem é uma função da linguagem, cunhada e definida por Roman

Jakobson em sua obra Lingüística e Comunicação (1977). Jakobson, ao dissertar sobre o

processo de comunicação, sistematiza um esquema em que os elementos envolvidos – código

(sistema escolhido para transmissão da mensagem), mensagem (meio em que se veicula a

informação), destinatário (aquele que recebe a mensagem), remetente (aquele que envia a

mensagem), contexto (contexto de referência) e o contato (suporte físico por onde circula a

mensagem) – explicariam o processo comunicativo35

.

35

Este modelo de Roman Jakobson é posterior ao do psicólogo austríaco Karl Bühler. Bühler compôs um

modelo triádico cujos elementos envolvidos no processo comunicacional eram: o destinador, o destinatário e o

contexto, segundo Chalhub (1993, p.5).

Os termos ―emissor‖ e ―receptor‖, utilizados por Jakobson, foram substituídos por ―locutor‖ e ―locutário‖ ou

―enunciador‖ e ―enunciatário‖ por alguns linguistas contemporâneos, por exemplo, o professor e escritor

William Roberto Cereja, substituiu os termos emissor e receptor, por compreender que ambos os sujeitos,

inseridos no processo de comunicação participam ativamente como falante e/ou ouvinte, e os termos cunhados

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Após compreender o processo comunicativo, Jakobson depreendeu seis funções da

linguagem a partir dos elementos da comunicação. Cada função definida foi relacionada a um

elemento do processo de comunicação, pois em cada ato de fala, segundo o teórico, a

depender de sua intenção, está atrelado um elemento, e, por consequência, uma função.

Afinal, diferentes mensagens portam diferentes significações. E, para que estas significações

sejam efetivadas, é preciso que as marcas, os traços, os efeitos e seus modos de funcionar

sejam perfeitamente definidos.

Assim, as atribuições de sentido, as possibilidades de interpretação – as mais

plurais – que se possam deduzir e observar na mensagem estão localizadas

primeiramente na própria direção intencional do fator da comunicação, o

qual determina o perfil da mensagem, determina sua função, a função de

linguagem que marca aquela informação. (CHALHUB, 1993, p.6. Grifos da

autora).

Essa fala de Chalhub (1993) nos permite concluir que os princípios de significação

estão sempre presentes na mensagem, mas a aceitabilidade dependerá, entre outros fatores, da

intenção com que a mensagem foi proferida. A intencionalidade, por sua vez, determinará o

uso de uma ou mais funções específicas da linguagem.

Chalhub (1993) sistematiza, assim, as funções descritas por Jakobson (1971): ―função

referencial‖ (quando, numa mensagem, os signos são organizados em função de um

referente), ―função emotiva‖ (implica uma marca subjetiva de quem fala, no modo como

fala), ―função conativa‖ (quando a mensagem está orientada para um destinatário e tenta, por

meio de um esforço, convencer), ―função poética‖ ( predomínio da mensagem, com um modo

muito peculiar de mostrar-se), ―função fática‖ (quando a mensagem centra-se no contato, no

suporte físico, no canal), por fim, a ―função metalinguística‖ (a seleção operada no código

combina elementos que retornam ao próprio código).

Pretendemos aqui analisar os poemas de Salomão à luz das suas próprias reflexões

acerca do poeta contemporâneo e das implicações quanto a este ofício, portanto, trataremos de

poemas que remetem a uma tradição construtiva de poesia, como fizeram Oswald, Bandeira,

Drummond e João Cabral, entre outros, cada um ao seu tempo e ao seu modo. Não podemos

dizer que, por discutirem o processo crítico-criativo por meio de seus textos poéticos, fizeram- por Jakobson (―remetente‖ e ―destinatário‖) não evidenciam tal possibilidade, acometendo ao receptor a

condição de um sujeito passivo. É importante também, a partir desta discussão, mencionar os estudos de Jesus

Martin Barbero (1995), A América Latina e os anos recentes, que propõe outro olhar sobre o receptor que, em

um novo lugar, é um elemento extremamente necessário para repensar todo o processo de comunicação.

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no com igualdade, no entanto, utilizaram a predominância da mesma função de linguagem

nesses textos, a função metalinguística.

A metalinguagem e as outras funções definidas por Jakobson surgem no âmbito da

Linguística para explicar o processo de comunicação. No entanto, sabemos que a linguagem

ultrapassa o sistema linguístico, ―[...] dado que linguagem enquanto estrutura refere-se a

qualquer código: musical, pictórico, teatral [...] que vão permitir determinadas organizações

dentro de normas já estabelecidas‖ (CHALHUB, 1988, p.2). De acordo com essa

consideração de Chalhub, na transposição da Linguística para a Literatura e, principalmente,

na explicação deste processo, temos metalinguagem.

No processo comunicacional, a metalinguagem servirá na explicação e/ou

esclarecimento do próprio código lingüístico utilizado. Na Literatura (mas não só nela como

nas demais manifestações artísticas), a referida função parece ter seu campo de atuação

ampliado ao possibilitar que o escritor discuta sobre o seu processo criativo ou mesmo

estabeleça reflexões existenciais sobre sua condição de poeta, até para criticar o código que

utiliza na composição dos seus textos, bem como estabelecer diálogos reflexivos com outros

poetas e seus respectivos textos.

A concepção de uma mensagem colocará em evidência uma determinada função de

linguagem, de acordo com o objetivo do que pretendemos proferir. Nesta mensagem, haverá o

predomínio de dada função com a possibilidade de coexistirem outras funções articuladas.

No caso dos poemas de Salomão que analisaremos adiante, deparamo-nos com a seguinte

problemática: a existência, nestes, da função poética, por se tratar de poemas e da carga

subjetiva que lhes é atribuída. Entretanto, estes mesmos poemas foram selecionados,

principalmente, pela marca metalinguística que carregam.

3.3 A METAPOESIA NAS ALGARAVIAS DE WALY SALOMÃO

A reflexão acerca do seu processo crítico-criativo acompanha Salomão desde sua

primeira obra publicada e se estabelece nos últimos livros de poemas do autor. Entre os

últimos, em 1996, Salomão publicou Algaravias, câmara de ecos36

(doravante Algaravias).

Este trabalho mostra que o poeta estava atento às inquietações que pairavam no ar, por conta

das questões irresolúveis que sobreviviam do processo de transição, entre as décadas de 80 e

36

Para este estudo, utilizo a segunda edição da obra Algaravias, publicada pela Rocco no ano de 2007.

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90, tais como a globalização, os processos de democratização e também as transformações no

campo literário.

Segundo o crítico Roberto Zular (2009), os ouvidos atentos de Salomão foram capazes

de perceber importantes mudanças vividas pela sociedade, uma vez que nos aproximávamos

de uma década que viria acompanhada de turbulências finisseculares. Em Algaravias, o poeta

aponta essas questões por meio dos discursos citados e cria uma ―câmara de ecos‖ capaz de

reunir vozes que o acompanham desde o início de sua trajetória, quando se lança na vida

literária, durante o período de repressão política no Brasil até este momento de libertação da

escritura (entre os anos de 1990 e 2003). Fato que nos faz concordar com Zular (2009, p.164)

quando afirma que Algaravias é a reescritura de Me segura qu’eu vou dar um troço, que ―[...]

opera in loco, no corpo do poema, como revérbero de acúmulo de temporalidades e tensões

que a excessiva presentificação do contemporâneo quer apagar‖. Deste modo, Algaravias

representa a reconstrução de um projeto inacabado, em um momento em que se pode falar

com menos receio das questões existenciais que ainda estão no limite do vivido, ou seja, da

ditadura e da contracultura, do corpo e da tortura, da liberação sexual e da repressão.

O lugar escolhido por Salomão para pensar as questões do seu tempo e trazer algumas

problemáticas para a ordem do dia foi a sua produção poética. Segundo Davi Arrigucci Jr.

(2007a, p.79), ―[...] o primeiro mérito de Waly é trazer para o centro da lírica brasileira a

experiência do descentramento dos nossos dias e a situação problemática do poeta no mundo

contemporâneo‖. Em Algaravias, é por meio da metalinguagem que Salomão se propõe a

iniciar tal debate. Com isso, o poeta percorre alguns caminhos temáticos: ―[...] a lírica da

quase-intimidade, a reflexão sobre a poesia, o mito pessoal e/ou nacional e a ironia dos

périplos de viagem‖ (RODRIGUES, 2007a, p.9). Segundo Antônio Medina Rodrigues

(2007a, p.9), dos quatro eixos temáticos que apresenta nesta obra, ―a lírica da quase-

intimidade‖ é que orienta a poética de Salomão e apresenta ―[...] suas tentativas de

intervenção no debate da moderna poesia brasileira‖.

Para percorrer estes dois primeiros caminhos temáticos, Salomão põe em discussão o

lugar do poeta-feitor. A rigor, a trajetória elaborada para percebermos o modus operandi do

seu processo crítico-criativo, é traçado por Salomão por meio da sua exposição, do despir-se

sem pré-noções, sobretudo, da crença na importância do fazer literário.

O que haveria de mais metalinguístico do que a definição de um verbete de dicionário?

O código explicando o próprio código, numa operação necessária para justificar o termo-título

do livro. É desse modo que Salomão abre Algaravias, com um fragmento do Diccionario

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Etimológico de la Lengua Castellana, de autoria do Pedro Felipe Monlau, que explica o

significado do termo que intitula a obra, de origem do árabe, al-garb, quer dizer: gritaria de

várias pessoas que, por falarem todas ao mesmo tempo, não conseguem se entender. A partir

da ideia das Algaravias, surge a câmara de ecos, que seria o locus de concentração dessas

vozes. Portanto, são vozes que pululam de outras leituras feitas pelo poeta ao longo de sua

trajetória e ressoam, insistentemente, como ecos neste livro de poemas.

Salomão produziu guiado por essas vozes, na perspectiva de entender seu lugar no

mundo, e estas vozes que ecoam em Algaravias emergem das mais inusitadas formas em seu

livro. No início do livro, Salomão cola um fragmento37

do pintor japonês conhecido como

Hokusai (1760-1849), ―o velho louco por desenhar‖, a fim de manifestar como a arte foi, para

ambos – Salomão e Hokusai –, o caminho mais curto entre o homem e o outro. No texto,

disposto fragmentadamente, sob forma de versos, Salomão utiliza o discurso de Hokusai para

revelar sua perspectiva com relação ao modo como o tempo incide sobre a arte, e, de alguma

forma, justificar a escrita mais bem preparada, dado o amadurecimento proporcionado pelo

tempo e pelas experiências.

Apresentar-se por meio do outro e deixar-se revelar por meio do pastiche, no qual suas

ideias comungam com o pensamento do autor da citação, sem dizer isto diretamente, são

elementos que justificam a ―quase-intimidade‖ que compõe um viés possível de perceber a

lírica walyniana. É o que acontece no curto poema Câmara de ecos:

Cresci sobre um teto sossegado,

Meu sonho era um pequenino sonho meu.

Na ciência dos cuidados fui treinado.

Agora, entre meu ser e o ser alheio

A linha de fronteira se rompeu. (SALOMÃO, 2007a, p.21).

Quando parece percorrer o caminho do intimismo, localizado nos três primeiros versos

do poema, abre-se um espaço, marcando um rompimento na composição do poema e, por 37

―DESDE OS 6 ANOS/ EU TINHA A MANIA DE DESENHAR/ A FORMA DAS COISAS./ QUANDO

ESTAVA COM 50 ANOS,/ TINHA PUBLICADO UMA INFINIDADE DE/ DESENHOS;/ MAS TUDO O

QUE PRODUZI ANTES DOS 70/ ANOS DE IDADE NÃO É DIGNO DE SER/ LEVADO EM CONTA./ AOS

73 ANOS APRENDI UM POUCO/ SOBRE A VERDADEIRA ESTRUTURA/ DA NATUREZA,/ DOS

ANIMAIS, PLANTAS, PÁSSAROS,/ PEIXES E INSETOS./ EM CONSEQÜÊNCIA,/ QUANDO

ESTIVER/COM 80 ANOS DE IDADE/ TEREI REALIZADO MAIS E MAIS/PROGRESSOS;/ AOS 90,/

PENETRAREI NO MISTÉRIO DAS/ COISAS;// AOS 100,/ POR CERTO TEREI ATINGIDO UMA FASE

MARAVILHOSA,/ E QUANDO TIVER 110 ANOS DE IDADE,/ QUALQUER COISA QUE EU FIZER,

SEJA/ UM PONTO OU UMA LINHA, TERÁ VIDA// ESCRITO AOS 75 ANOS DE IDADE POR/ MIM,/

OUTRORA CHAMADO HOKUSAI,/ HOJE GWAKIO ROJIN, O VELHO LOUCO POR DESENHAR.‖

(HOKUSAI apud SALOMÃO, 2007, p.19-20).

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consequência, na estrutura do pensamento. Se antes estava relegado aos cuidados do outro,

doravante precisa registrar que as vozes que ecoam nesta câmara, nem sempre serão dele, pois

o rompimento já foi realizado e será possível perceber isto por meio dessas vozes que surgem

nos poemas.

Ao utilizar a expressão ―linha de fronteira‖, o eu-poético marca o quão imbricado

estavam o ―eu e o outro‖: Salomão, suas leituras, seus livros e seus escritores de referência,

que até então apareciam citados em suas obras, mas só agora revelados, com suas vozes

marcadas, no espaço declaradamente reservado para isto: ―a câmara de ecos‖.

A ―linha de fronteira‖ se rompe e marca um lugar ambíguo: ora é o poeta ao lado do

seu outro, sugerindo uma separação, um afastamento entre o eu (―meu ser‖) e o outro (―ser

alheio‖). Ora é o poeta em uma fusão, onde suas vozes estarão entrelaçadas, pois o que os

separava já não existe mais, a fronteira foi desfeita, numa ideia que remete aos versos do

poeta português Mário de Sá-Carneiro (2001): ―eu não sou eu/ nem sou o outro/ sou qualquer

coisa de intermédio‖.

Justamente neste lugar onde as vozes se misturam, mas não se confundem, é que

perceberemos o outro – ou os outros – em sua poesia. Salomão abre mão do ―eu‖ e produz

uma ―lírica da quase-intimidade‖ (2007a, p.9), diferente de Manuel Bandeira que, segundo

Antônio Medina (2007a), resolvia o mundo na intimidade. Seguindo o raciocínio de Medina,

para o poeta Manuel Bandeira, só depois da intimidade o mundo era mundo. Neste aspecto, a

metalinguagem de Salomão se difere da metalinguagem de Bandeira, uma vez que o primeiro

pega ―[...] a intimidade romântica e deposita no mundo, anonimamente, como quem se

livrasse dela pela supressão das fronteiras entre o eu e o outro‖ (2007a, p.10). Bandeira

escreve em Poética:

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente

protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o

cunho vernáculo de um vocábulo (BANDEIRA, 1971, p.95).

O enunciador em 1ª pessoa já denuncia o caráter particular do desabafo. Dados

biográficos acendem elementos inscritos na poética. Podemos atribuir os versos citados a

Bandeira sem apreensão, afinal, a questão motivadora deste já impulsionou outros poemas

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como ―Os Sapos‖ (1918), já citado aqui, e ―Nova poética‖ (1949). O processo crítico-criativo

em Bandeira é construído sobre o crivo do ―eu‖; ao passo que em Salomão há a supressão do

desejo, fuga da plenitude e o subterfúgio da intersubjetividade (MEDINA, 2007a, p.9).

Vejamos este fragmento de ―Rua Carioca 1993‖, retirado de Algaravias:

Estilo tísico (corte cronológico século 19)

de ser poeta.

estilo tísico abre a boca e fala de rua

como se pavimentasse

com paralelepípedos

seu gabinete engasgado.

O que estilo tísico pensa ser rua:

rua não é nem rua foi.

Saudades do sapo ou do peixe-boi

São imagens roubadas de poemas e poetas, [...] (SALOMÃO, 2007a, p.25).

Numa tentativa de polemizar o poema de Bandeira, Salomão compõe uns versos que

se pretendem ser ―próteses da fantasmagórica Rua do Sabão‖, fazendo uma referência direta

ao poema ―Na Rua do Sabão‖, de Manuel Bandeira, publicado em O Ritmo Dissoluto (1924).

E se a intimidade em Bandeira é clara (sobretudo neste último poema que detalha uma

brincadeira infantil na rua de sua infância), a de Salomão é velada. Em ―Rua Carioca 1993‖,

Salomão utiliza a memória do texto de Bandeira para inquirir sobre a ingenuidade desta

construção operada pelo mesmo poeta de ―Os sapos‖. E, para não possibilitar ao leitor uma

possível interpretação intimista das considerações que o eu-lírico faz no poema, declara que

as imagens construídas por estes versos foram ―roubadas‖ de outros poemas e poetas,

ressaltando uma característica já apontada por Heloisa Buarque de Hollanda, quando afirma:

―Sua obra potencializa a fragmentação alegórica através de um inventário poliédrico de

flashes, transcrição de jornais, de relatos policiais, de cópias aleatórias, plágios explícitos,

sempre sinalizando uma ironia cortante sobre o poder e o saber‖ (HOLLANDA, apud

MATOS, 2010, p.9).

Outro dado importante com relação às escolhas de Salomão é o fato de sua poética

optar pelo velho ao invés do original e pelas releituras ou revisões das propostas anteriores ao

momento em que escreve, de ser conivente com o pensamento da pós-modernidade, que

prefere o pastiche, a paródia, a citação, à originalidade e à vanguarda. Em Algaravias,

Salomão apoia suas hipóteses, produzindo citações a todo o momento. Este recurso provoca

uma acronologia, uma vez que a citação ―rasura o passado‖ e ―se torna uma metáfora do

funcionamento da memória‖ (ZULAR, 2009, p.167). Destarte, é possível estabelecer os elos

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com o passado que se fazem presentes reestruturados no discurso poético. Assim, também

podemos observar por meio da metalinguagem o retorno à tradição poética. Todavia, não para

imitá-los, mas para referendar este novo projeto de poesia.

E, no projeto de poesia de Salomão, estão incluídos os poemas-referência, nos quais

revela apreço por aqueles que influenciaram sua trajetória como poeta. O poema

―Lausperene‖ (2007a, p.23) é um destes, em que Salomão utiliza como artifício na sua

construção a ironia, pois no mesmo poema em que referenda um poeta contrário a

musicalidade nos versos, finaliza a estrofe com versos que rimam.

Salomão constrói poemas despreocupados quanto ao ritmo. Paradoxalmente, a

melodia brota dos seus versos (talvez pelo fato de ser compositor também), a ponto de vários

poemas terem sido musicados por artistas como Adriana Calcanhoto e Caetano Veloso.

―Lausperene‖ vem do latim laus perene, ou, louvor perene. O universo lingüístico de Salomão

se constrói a partir destas leituras de escritores que ele reverencia e assim parece ―interpretar

parte de sua poesia como resultado de uma doxa adorativa (de Valéry, de Cesário, de Cabral,

etc. [sic])‖ (MEDINA, 2007a, p.12).

Em ―Lausperene‖, Salomão estabelece uma crítica às antologias poéticas nacionais

que parecem seguir uma seqüencia de estilos poéticos não-criativos, concisos e fechados,

reduzindo o poema a uma insignificância indigna deste gênero literário que ele tanto

defendeu. Num rompante, ressalta um poeta que destaca seu trabalho entre aqueles que

construíram poemas despretensiosos e qualificados:

Belo é quando o seco,

Rígido, severo

Esplende em flor.

Seu nome: Cabral

Nome de descobridor. (SALOMÃO, 2007a, p.23)

Feito a ressalva do poeta João Cabral entre as antologias atuais, ainda cabe pontuar o

trocadilho estabelecido entre a Literatura e a História na medida em que se faz a comparação

entre o poeta e o português desbravador, a partir dos sobrenomes coincidentes. De que seria

João Cabral descobridor? Segundo Salomão, em ―Lausperene‖, descobridor de um estilo, de

uma secura que brota como flor, poética, planejada em um metro do qual Salomão não seria

capaz, pois sua palavra de ordem é subversão e sua poesia não nasce do cálculo, embora não

deixe de ser elaborada; mas surge da dispersão, da ausência de regras formais, sobre isto já

sinalizou o poeta-crítico Antônio Cícero:

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É por isto também que despreza a regra dada. Mesmo regras que ele

impusesse a si próprio, à maneira de Cabral, seriam, no limite, inaceitáveis,

pois, dado que a sua liberdade se renova a cada instante, ela não admitirá

amanhã ser tolhida pelas regras que ele se tiver imposto hoje. Assim, do

mesmo modo que rejeita para si o uso de qualquer forma fixa, seria para

Waly impossível planejar o seu poema como o faz João Cabral. Seu

movimento é, ao contrário, no sentido de ―desprogramar bulas e posologias

prévias‖. Sua arte consiste, portanto, em tornar a matéria prima dada por um

primeiro esboço, que como todo dado, torna-se matéria de desconfiança, e

submetê-la a um trabalho obsessivo de elaboração e polimento. (CICERO,

2005, p. 50)

Um aspecto importante na distinção do fazer poético em Salomão e João Cabral é o

comentado por Antônio Cícero, quando reforça que o primeiro foge da métrica e de formas

que o ossificam, já o segundo, adota uma ―linguagem de um programado controle‖

(VILLAÇA, 2003, p.144). Tais diferenças não apartam as influências que este pernambucano

tem na obra de Salomão. João Cabral é um dos operários-construtores na fábrica da poesia de

Salomão. Engenheiro das palavras, Salomão parece ter herdado deste, um estilo particular de

escrever ―proesia‖ (sintagma definido pelo compositor baiano Caetano Veloso), a poesia que

se constrói no limite com a prosa, como podemos confirmar na escritura do seu Me segura.

Ambos os poetas descobriram que a prosa e a ironia caberiam em poesia. Extraímos um

fragmento de ―Self-Portrait‖, em Me segura (2003, p.82), para visualizar a ―proesia‖

walyniana:

Minha língua – mas qual mesmo minha língua,

exaltada e iludida ou de reexame e corrompi –

da? – quer dizer: vou vivendo, bem ou mal, o

fim de minhas medidas; quer dizer: minha

grande paixão é um assunto sem valor; quer

dizer: meu tom de voz não fala mais grosso.

Esta escrita reticente. Causa: embriaguez.

Embriaguez, causa: incerteza. Incerteza, causa:

Continuidade da inconclusa oclusa causa. Quer

dizer: o grilo é filho da miséria e do ocaso.

ocaso = acaso

[...]

Esta escrita anti-reticente. Vantagem é ser re-

ticente neste século generoso. Vã chantagem é ser

irônico com a generosidade deste século. Com a

generosidade diabólica deste século de luzes38

.

38

Salomão trata a modernidade ironicamente quando se vê na condição de poeta encarcerado, exatamente no

século que se consolidou pautado na idéia da razão e do pensar. Sobre esta questão Rouanet concorda fazendo

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Atlânticas. Vergonha do estilo próprio, fraqueza de

suportar este espetáculo sem condimentos.

Modesto Carone Netto, em Metáfora e montagem (1974, p. 11) relembra Aristóteles

quando, em sua Poética, afirma que o gênio poético se mede pelo vigor de suas metáforas. E

o que dizer quando as metáforas, o pleonasmo, a aliteração, a ironia, a metalinguagem, se

tornam recursos utilizados para reforçar e traduzir o ―cotidiano estéril‖ (SALOMÃO, 1983,

p.9), a fixidez dos dias passados numa cela de presídio? Percebemos, no excerto, a língua

funcionando como metáfora da identidade, fragmentada, desestabilizada, aprisionada em si

mesmo, e a angústia provocada por produzir uma arte a que não se atribui o devido

reconhecimento.

A poesia está para a sensibilidade, assim como a prosa está para a razão, segundo João

Cabral de Melo Neto39

, que faz a seguinte ressalva:

São duas maneiras muito categóricas de ver a coisa porque existe uma prosa

como a do James Joyce – é uma prosa que é poesia também – e existe uma

poesia como a do Carlos Drummond – é uma poesia que também é prosa.

Poesia e prosa são dois extremos mas exatamente o poeta e o prosador

muitas vezes ganham de jogar em dois lados.

Em ―Self-portrait‖ (2003), elementos como a narrativa do cotidiano, os temas em

discussão no ―proema‖ como, a racionalidade com que o poeta levanta questões necessárias

na sua situação de sujeito que despertava para a escritura, sobretudo, a condição de poeta

encarcerado, atribuem um caráter de prosa ao texto. Ao passo que o tom confessional, os

recursos como a aliteração, o pleonasmo, as metáforas, se encarregam de marcar o

predomínio da função poética e distinguir o caráter poético do texto.

A composição estrutural do texto fica no limite entre a poesia e a prosa, e a

metalinguagem é a via que estabelece uma consideração à escrita reticente, vaga, inconclusa,

assim como permite ao poeta elaborar uma crítica à utilização da ironia, que é um recurso que

a posteriori, ele mesmo pretende adotar. Ao mesmo tempo, produz uma crítica ao projeto

moderno, já que a modernidade, embora se sustentasse no projeto iluminista da razão, não se

uma psicopatologização ao considerar o moderno contraditório, segundo ele, é na modernidade que Freud e

depois W. Reich, estabelecem a conexão ―repressão sexual e enfermidades mentais‖, em seguida, a sociedade

pós-moderna irá favorecer o surgimento de um hedonismo socializado pela mídia respondida pela própria

sociedade como sintoma ―sociedade do espetáculo‖ (Debord). 39

MELO NETO, João Cabral de. Poesia. Disponível em:<http://www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 10 jul.

2010.

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voltou para aqueles que pensavam a sociedade de um modo reflexivo e contribuíam

registrando suas impressões acerca do homem e do universo.

Se para João Cabral de Melo Neto, a pedra é do sono40

; para Salomão, a pedra é a que

ronca, que brada ao ser tocada pelo mar41

. Apesar da admiração pelo estilo de João Cabral,

Salomão produz uma obra poética que marca esta e outras influências e as dilui no texto. Em

geral, Salomão registrará as outras vozes de sua poesia por meio de citação direta, paráfrase,

paródia ou pastiche, mas nunca pela mera imitação.

Seu estilo é inovador, desde o léxico escolhido ao modo de desenvolver cada tema em

poesia. Uma prova disso é que no mesmo poema em que faz uma apologia ao poeta

pernambucano que despreza a musicalidade dos versos, termina-o com rima, ―Esplende em

flor/Seu nome: Cabral/Nome de descobridor‖. Mais adiante, em ―Hoje‖ (2007a, p.67), diz o

que deseja:

Hoje só quero ritmo.

Ritmo no falado e no escrito.

Ritmo, veio-central da mina.

Ritmo, espinha-dorsal do corpo e da mente.

Ritmo na espiral da fala e do poema.

E apesar de exercer a atividade de compositor paralelamente à de poeta, Waly

Salomão sempre marcou esta distinção. Era poeta, produzia poemas, que depois de prontos

tornavam-se objetos de interesse de alguns cantores que os musicavam. Ou então compunha

letras para intérpretes da música popular brasileira, geralmente a pedido destes. Na fabricação

do poema de Salomão não há preocupação com a disposição do verso, na lógica da métrica

tradicional.

No entanto, talvez por sua experiência em compor letras de música, os poemas

ganham ritmo. É preciso registrar que em ―Hoje‖, o ritmo clamado pelo eu-lírico, além da

sonoridade produzida pelo verso, pode ser metáfora de estilo – o modo particular de escrever

de cada autor. O processo crítico-criativo de Waly Salomão é prenhe de ironia. Compor, para

o poeta, é tarefa árdua, principalmente quando se quer alcançar o tom adequado para marcar

um estilo próprio.

Alguém acha que ritmo jorra fácil,

pronto rebento do espontaneísmo?

40

Numa alusão a primeira obra do poeta datada de 1942, Pedra do sono. 41

Referência ao poema ―Itapuan quer dizer pedra q ronca‖, de Waly Salomão, no livro Tarifa de embarque,

2000.

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Meu ritmo só é ritmo

quando temperado com ironia.

Respingos da modernidade tardia? (SALOMÃO, 2007a, p.67-68)

Poeta crítico por excelência, é na descrição do seu ritmo que compõe a lógica do

construir. Tal qual João Cabral, Waly Salomão produz a poesia da ―construção, racionalista e

objetiva, contra uma poesia de expressão, subjetiva e irracionalista‖ (CAMPOS, 2004, p. 80).

O poema, para Salomão, traduz as escolhas do poeta, este não deve ter medo de realizar tais

escolhas, pois ―um poema deve ser a festa do intelecto‖ (2007a, p.27), a castração ocasionada

pela fobia em extravasar na escolha lexical e o receio a superexposição das idéias não formam

o bom poeta, nem a verdadeira poesia. Todas estas questões são tencionadas em ―Tal qual

Paul Valéry‖ (2007a, p. 27):

cada poema

... onde todo é equilíbrio

e cálculo...

constitui

em si

per si

a resolução de ser poeta

[...]

Valéry não é arremedo de escudo

para o acuado remoedor do ar do medo:

um poema deve ser a festa do intelecto.

[...]

Sei, com alguns antigos e alguns vivos,

Que a fobia castra os ritmos

E as formas da coragem.

Sá de Miranda, Camões, Cesário,

João Cabral, Augusto, Ashbery:

A resolução de ser poeta

Sem precisar o peito

Estufar

Da vãvaronice.

E, no mais,

POESIA É O AXIAL.

É necessário coragem para propor a reinvenção crítico-criativa da tradição, e Salomão

parece ter peito aberto de sobra para enfrentar os entraves do mundo literário. ―Tal qual Paul

Valéry‖ e ―Poema Jet-lagged‖ (2007a, p.29-32) levam-nos a dois importantes marcos da

poética walyniana em Algaravias. O primeiro é a tradição evocada, que ora podemos dividir

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em campos disciplinares; os artistas estrangeiros; escritores ocidentais, poetas brasileiros e um

poeta persa, a saber: Hokusai, Michelangelo, Lina Bo Bardi, Poe, Valéry, Asbery,

Drummond, João Cabral, Bandeira e Hafiz. O segundo ponto que aparece nas obras anteriores

de Salomão e se repete em Algaravias, principalmente em ―Poema Jet-lagged‖ são os

vocábulos, expressões, e paráfrases em língua estrangeira, formando o que o estudioso

Rodrigo Guimarães (2009, p.91) definiu como uma ―cornucópia de línguas42

‖.

[...] a entrada de outros idiomas diz respeito a um entrechoque de vozes e

línguas diversificadas que sugerem cenas prosaicas de um viajante que cruza

territórios estrangeiros em espaços cosmopolitas. Evidentemente que

promove efeitos de esgarçamento do fio narrativo, mas não há um trabalho

específico na materialidade do significante como as palavras-montagem

joycianas que aglutinam diferentes línguas em um mesmo vocábulo.

(GUIMARÃES, 2009, p.91).

As considerações de Guimarães sobre esta característica são pautadas na obra poética

de Haroldo de Campos, entretanto servem-nos para pensar este recurso utilizado também por

Salomão.

Embora nos ocupemos neste trabalho da metalinguagem no âmbito literário, é

importante lembrar que se trata de um fenômeno muito mais amplo. Chalhub (1988, p.8-9)

pontua que a Filosofia quando reflete sobre o pensar, a História quando historia os fatos

ocorridos e a Ciência quando produz uma reflexão crítica acerca da realidade do universo

exercem metalinguagem. Há metalinguagem também nas artes plásticas. No famoso quadro,

As meninas, de Velásquez (1656), que retrata a família real espanhola tendo ao centro a

infanta Margarida Teresa de Habsburgo, é possível ver a imagem do próprio Velásquez

pintando, bem como a representação de outras telas conhecidas do acervo do palácio, a

pintura representando o momento da produção pictórica.

Metalinguagem é um fenômeno de manifestações variadas, passível de ser observado

numa canção que tematize o próprio processo de composição, ou critique determinado estilo

musical, ou em qualquer outra manifestação de linguagem. Feito mais este registro,

retomaremos ao estudo da metalinguagem no processo crítico-criativo de Waly Salomão.

Em Algaravias, todos os elementos pré e pós-textuais parecem preparar o leitor para o

poema-referência da temática ora discutida, ―Fábrica do poema‖ (2007a, p. 35-36). Desde o

42

É importante pontuar que o estudo de Rodrigo Guimarães investiga a obra Galáxias, de Haroldo de Campos,

portanto, tal definição foi atribuída a Campos. No entanto, reflete com precisão o modo de Salomão repetir o

mesmo artefato também utilizado por Campos, Joyce entre outros escritores.

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verbete que traduz o significado de Algarabía, até a epígrafe de Edgar Allan Poe43

, que diz ser

a poesia esta ideia tal qual Proteu. Ou melhor, essa manifestação artística capaz de se

metamorfosear, mutante, transformadora, como cria Salomão sobre seu ofício e reafirma a

força destas palavras encerrando o livro com a mesma ideia, a epígrafe traduzida e

transformada em verso.

Na fabricação dos poemas de Salomão, o outro sobrevive presentificado sob a forma

de citação. Esta, por sua vez, nem sempre aparece diretamente. Em ―Fábrica do poema‖, por

exemplo, o ritmo dado ao poema é que constrói a enunciação que remeterá aos conhecidos

versos de ―A procura da poesia‖, de Carlos Drummond de Andrade, além de alguns recursos

utilizados por Salomão que também ajudam a construir uma atmosfera que antecipa a

influência drummondiana do poema. Antes, vejamos o poema para confirmar as questões

levantadas até aqui:

sonho o poema de arquitetura ideal

cuja própria nata de cimento encaixa palavra por

palavra,

tornei-me perito em extrair faíscas das britas

e leite das pedras.

acordo.

e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.

acordo.

o prédio, pedra e cal, esvoaça

como um leve papel solto à mercê do vento

e evola-se, cinza de um corpo esvaído

de qualquer sentido.

acordo,

e o poema miragem se desfaz

desconstruído como se nunca houvera sido.

acordo!

os olhos chumbados

pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,

assim é que saio dos sucessivos sonos:

vão-se os anéis de fumo de ópio

e ficam-se os dedos estarrecidos.

sinédoques, catacreses,

metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros

sumidos no sorvedouro.

não deve adiantar grande coisa

permanecer à espreita no topo fantasma

da torre de vigia.

nem a simulação de se afundar no sono.

43

Epígrafe de Algaravias,: ―What is poetry? – Poetry! that Proteus-like Idea...” (Edgar A. Poe), Transformada

em poema no fim do livro por meio de uma tradução feita pelo próprio Salomão (2007, p.77): ―Poetry O que é

poesia?/-Poesia!/esta idéia/ talqual/Proteu...‖ Edgar A. Poe

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nem dormir deveras.

pois a questão-chave é:

sob que mascará retornará o recalcado?

(mas eu figuro meu vulto

caminhando até a escrivaninha

e abrindo meu caderno de rascunho

onde já se encontrava escrito

que a palavra ―recalcado‖ é uma expressão

por demais definida, de sintomatologia cerrada:

assim numa operação de supressão mágica

vou rasurá-la daqui do poema.)

pois a questão-chave é:

sob que máscara retornará? (SALOMÃO, 2007a, p. 35-36).

Optamos por chamá-lo de poema-referência, por acreditar que parte das questões

discutidas até este ponto do trabalho está sintetizada nos versos de ―Fábrica do poema‖.

Salomão parece preparar o leitor de suas Algaravias para estas páginas em que depositará sua

―Fábrica do poema‖. Todos os poemas precedentes convocam a tradição literária,

problematizando questões que Salomão deseja superar até chegar ao ―Fábrica do poema‖, que

aparece diagramado entre duas imagens da arquiteta Lina Bo Bardi e dedicado a ela.

A imagem da italiana não aparece no livro simplesmente pela admiração que o poeta

tinha por ela e pelo trabalho que desenvolveu na Bahia durante sua gestão no Museu de Arte

Moderna. Nada em Salomão é por acaso: a figura de Bo Bardi está associada às suas criações

e foi em São Paulo que realizou um de seus trabalhos mais significativos – reinventou a velha

fábrica de Tambores da Pompeia, transformando-a na nova sede do SESC44

. O projeto da

arquiteta de aliar obra de arte a um espaço desativado e manter elementos populares junto

com uma arquitetura moderna, ressignificava um lugar já frequentado por famílias e

proporcionava a estas pessoas um novo ambiente carregado de significados desde as paredes

que o sustentavam.

É uma fábrica que, na sociedade pós-industrial, cede seu espaço para o consumo de

cultura. Transformar um espaço de automação num ambiente de criação, produção e

representação é uma grande ideia. Todavia, mais do que isso, Dona Lina (alcunha utilizada

pelos soteropolitanos para tratá-la) conseguiu aproximar a arte do povo, mantendo a

integração familiar, que já acontecia naquele espaço antes do seu projeto. E neste aspecto

ambos concordam: o poeta Salomão e a arquiteta possuem a crença na ideia de que a arte deve

ser levada ao povo, pois é um elemento eficaz de transformação social.

44

Serviço Social do Comércio: é uma instituição sem fins lucrativos voltada para o bem-estar dos comerciários,

empregados de empresas, bem como dos seus familiares.

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Voltemos aos versos do ―Fábrica do poema‖, cujo título aponta para uma ―tradição

construtiva de poesia‖ (ZULAR, 2010, p.166). Faz parte de Salomão e do seu modus operandi

com a metalinguagem apontar direta e indiretamente para aqueles que, assim como ele,

pensam que poesia é transpiração, não inspiração45

. Segundo Zular (2009, p.166), Salomão

está entre os poetas que ora pendem para a espontaneidade, ora para a construção, embora até

o espontâneo nele seja arquitetado (como a dedicatória e a foto de Lina Bo Bardi entre seu

poema). Afinal, não poderia haver o acaso num poeta que pressupõe leitores conhecedores de

poesia para adentrar seu universo literário. Cada poema de Salomão requer um leitor com

amplo conhecimento na literatura e nas outras artes que dialogam com esta, sobretudo

iniciado em poesia, para compreender os jogos metalinguísticos construídos por Salomão em

que pôde manifestar uma modalidade ampla do fenômeno, a metapoesia.

O poema em questão recebe um título que remete de imediato à ideia de um lugar que

opera automaticamente homens e máquinas, manufaturando produtos massivamente.

Imaginemos, então, como seria esta ―Fábrica do poema‖; logo percebemos que,

concretamente, é uma alternativa irreal. Porque o que chama atenção nesse tipo de texto

literário é exatamente a capacidade individual que têm os poetas de produzir – mesmo quando

escrevem sobre uma mesma temática – e marcar seus trabalhos com seus estilos próprios,

traços particulares que os denunciam.

A ideia da ―fábrica‖, que aponta para uma atividade coletiva, é dissolvida logo nos

primeiros versos, quando se marca um enunciador em 1ª pessoa, ―sonho o poema de

arquitetura ideal‖. A forma ―sonho‖ aponta para uma ação particular e desprovida de

concretude, contradizendo o ideal da fábrica, da dureza e da aspereza do ―cimento‖, colocado

no segundo verso do poema.

―Fábrica do poema‖ apresenta a construção onírica do ideal de um poema que ele

mesmo não consegue ser: falta-lhe ―a nata de cimento‖ para encaixar as palavras, ordená-las,

deixá-las no lugar, haja vista o segundo verso em que ―palavra‖ cai para o terceiro, ao invés

de completá-lo.

cuja própria nata de cimento encaixa palavra por

palavra,

tornei-me perito em extrair faíscas das britas

e leite das pedras. (SALOMÃO, 2007a, p.35).

45

Paráfrase realizada a partir da conhecida frase de Thomas Edison, o ―Talento é 1% inspiração e 99%

transpiração‖.

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No quarto e quinto versos, percebemos um eu-poético interessado em externar sobre a

dificuldade do processo de composição com as metáforas: ―extrair faíscas das britas‖ e ―leite

das pedras‖. Para tanto, organiza uma rede de vocábulos que remetem ao campo semântico da

concretude – ―cimento‖, ―britas‖, ―pedras‖ –, que formam uma atmosfera da construção e

fazem alusão a uma das ―linhas de forças da poesia‖ (BOSI, 2003, p.144), convocadas por ele

no início do seu livro. Os indícios chamam a memória para João Cabral, as ―palavras-pedras‖

(VILLAÇA, 2003, p. 153), que se encontram em seu percurso literário, Pedra do sono (1942)

e Educação pela pedra (1966), ou para seu modo de conceber o engenho do poema, até

mesmo às formas rígidas dos seus versos dispostos quase em blocos.

No limite entre o sonho e a realidade, paira uma questão: a impossibilidade de

materialização do poema, já que a metáfora da fabricação, ou melhor, da composição,

sugerida pelo jogo entre os termos ―arquitetura‖, ―encaixa‖, ―pedra‖, ―cal‘, etc., se desfaz na

velocidade do acordar.

O poema se constrói paradoxalmente entre as metáforas do concreto e a dispersão

diáfana das ―cinzas‖ e do ―fiapo‖. E aqui, segundo Zular (2009, p.169), ―[...] vê-se algo do

drama drummondiano‖, a começar pela mesma ―estratégia de construção do sentido repleta de

contradições performativas‖, que fazem lembrar os versos ―não rimarei a palavra sono/ com

incorrespondente palavra outono‖. Ambos coincidem no modo de descrever o poema e seus

elementos esvaindo-se, ora pelo vento, como está no fragmento abaixo de Salomão, ora pelo

―ralo da memória‖, como escreveu o poeta mineiro sobre as palavras, ―rolam por um rio

difícil e se transformam em desprezo46

‖.

acordo.

e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.

acordo.

o prédio, pedra e cal, esvoaça

como um leve papel solto à mercê do vento

e evola-se, cinza de um corpo esvaído

de qualquer sentido. (SALOMÃO, 2007a, p.35).

O poeta é, para Drummond, a única certeza, pois o resto é passageiro, disperso como

as nuvens, portanto não residiria aí a angústia do eu-lírico, que percebe a impossibilidade do

poema? Este, por sua vez, em fragmentos se dissipa e, ―esvaído de qualquer sentido‖, não se

realiza. O uso da copulativa ―e‖ indica a ligação existente entre o acordar e o desmanchar-se

46

Todos os excertos deste parágrafo são do poeta Carlos Drummond de Andrade nos seguintes poemas ,

―Considerações de um poema‖ , ―Procura da poesia‖ e ―Conclusão‖ respectivamente.

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do poema, como se o acontecimento do primeiro verso fosse o que desencadeasse o segundo.

Deste modo, confiramos a dificuldade de materialização do poema no plano da realidade.

O universo lírico de Salomão, para ser compreendido, pressupõe um leitor capaz de

perceber os intertextos estabelecidos, pois a metalinguagem nem sempre ocorre

declaradamente nos poemas. É preciso um olhar atento para perceber quando os caminhos

percorridos pelos poetas passam por lugares já trilhados por outros. ―Fábrica do poema‖

permite a um leitor atento perceber os respingos da poética de Drummond dissolvidos em sua

construção, tais como o ressentimento, no caso de Salomão, pela não consolidação do poema,

a luta com as palavras e as figuras retóricas para ter o texto consumado.

acordo,

e o poema miragem se desfaz

desconstruído como se nunca houvera sido.

acordo! (SALOMÃO, 2007a, p.35).

Nos versos acima, vemos o poema, a própria materialidade da poesia, não se

constituir, de maneira que o poema só parece possível oniricamente, como se, no plano da

realidade, da lucidez, esta composição fosse impraticável. Então as diversas formas de acordar

se encarregam de interromper este processo (acordo./ acordo,/ acordo!). A possibilidade de o

poema ser desfeito alude à ideia defendida por Salomão, da poesia enquanto unidade

dinâmica, flexível, maleável, polimorfa, capaz de transmudar-se, tal qual Proteu, o deus da

metamorfose.

os olhos chumbados

pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,

assim é que saio dos sucessivos sonos:

vão-se os anéis de fumo de ópio

e ficam-se os dedos estarrecidos. (SALOMÃO, 2007a, p.35).

Num conflito (in)consciente, o despertar é marcado pelo peso da realidade que tornara

os olhos pesados e os ouvidos surdos (confirmados nos versos acima), sintomas de uma

possível experiência alucinógena (―vão-se os anéis de fumo e ópio‖), que estreita ainda mais

os limites entre o sonhado e o vivido. A composição das imagens montadas no poema até o

momento do fragmento supracitado aponta para o que o Carone Netto (1974, p. 16), chama,

ao analisar o poema de Georg Trakl, de ―linguagem do indizível‖, quando

[...] o entrelaçamento de metáfora e montagem se aguça na medida em que

esta, aproximando num regime de descontinuidade, imagens isoladas e

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fechadas em si mesmas, acaba por radicalizar-lhes a obscuridade e a

tendência que têm de se tornarem ‗absolutas‘, ou seja, remetidas a um

universo de significações que beira a indeterminação semântica.

As metáforas reunidas no processo de montagem se ocupam de nomear algo que

extrapola a ―experiência verbalizável‖ e produzem a indeterminação semântica. Portanto é

plausível uma leitura desse fragmento vislumbrando um eu-poético que luta no processo de

escrita sob efeito de entorpecentes. O que o poema não nos permite perceber é se tal fato

ocorre em favor da produção do poema, ou se é este o motivo da sua não materialização. É

possível que esta questão não tenha resposta: toda a angústia deste processo, registrada desde

o início do ―Fábrica do poema‖, não passaria de um delírio provocado por esse estado do

poeta?

sinédoques, catacreses,

metonímias, aliterações, metáforas, oximoros

sumidos no sorvedouro.

não deve adiantar grande coisa

permanecer à espreita no topo fantasma

da torre de vigia.

nem a simulação de se afundar no sono.

nem dormir deveras.

pois a questão-chave é:

sob que mascará retornará o recalcado?

No fragmento acima, vemos as figuras de retórica coisificadas, descartadas, como se

fossem material concreto num trabalho de construção, numa operação em que é possível

arquitetar, tal qual se projeta um espaço, uma planta, o que virá a ser o poema. Salomão não

tem receio de abusar dos recursos de que dispõe – retóricos e paronomásticos –, que lhe são

convenientes (―sinédoques, catacreses,/metonímias, aliterações, metáforas, oximoros‖) e

juntá-los a procedimentos de deslocamento, distorções e estilização, obtendo um interessante

resultado artificioso (CICERO, 2005).

Para Salomão, ―[...] criar é não se adequar à vida como ela é/ nem tampouco se

adequar às lembranças pretéritas/ que não sobrenadam mais‖, pois é no presente que a

experiência da construção do poema tentará se firmar, ainda que se espere ―à espreita‖, na

vigília, as diversas leituras ―esquecidas‖ no processo de recalcamento. Entretanto, o que

preocupa o poeta não é o retorno do recalcado, mas de que forma nos surpreenderão as vozes

dos outros, aprisionadas na ―câmara de ecos‖.

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O recalcado, neste processo crítico-criativo, são os discursos conflitantes que

aparecem espontaneamente no momento da sua escritura. Mas como eles apontarão, serão

percebidos? Ou será melhor suprimi-los do poema? Numa intervenção que contraria a ideia

construída por todo o poema, do texto que não se materializa e, em uma atitude bem

machadiana, o eu-poético comunica ao leitor a decisão de suprimir a palavra ―recalcado‖ e,

ainda que o faça, para nós – leitores do poema que fala do poema que não quer se compor –, a

palavra continua neste, inscrita e rica de significância.Vejamos:

(mas eu figuro meu vulto

caminhando até a escrivaninha

e abrindo meu caderno de rascunho

onde já se encontrava escrito

que a palavra ―recalcado‖ é uma expressão

por demais definida, de sintomatologia cerrada:

assim numa operação de supressão mágica

vou rasurá-la daqui do poema.)

pois a questão-chave é:

sob que máscara retornará? (SALOMÃO, 2007a, p. 35-36).

O poema surge no cenário da consciência apresentando questões que estavam ocultas.

Para a Psicanálise, uma forma de manifestar o desejo não realizado é por meio do sonho. O

sonho nos permite a reapresentação do desejo que não pode se realizar, assim como a

possibilidade de desrecalcar e liberar certas tensões (SANT‘ANNA, 1995). O que Salomão

faz neste poema é trazer à tona elementos que estão recalcados no processo de fabricação de

sua poesia. Portanto, o texto que não consegue se compor no plano da realidade, aparecerá,

oniricamente, junto com vários elementos necessários para o seu processo de criação.

A decisão de suprimir a palavra ―recalcado‖ manifesta o desejo de que o poema se

materialize, saia do plano do sonho para a realidade e constitua o texto poético que

apreciamos em ―Fábrica do poema‖. Com este poema, Salomão é colocado entre os poetas

que se equilibram na balança da construção e do espontaneísmo. Já compreendemos que seu

ritmo não jorra fácil, ―pronto rebento do espontaneísmo‖ (SALOMÃO, 2007a, p.67). Seu

verso, metro e poema são frutos de intensa elaboração, revisões e leituras amalgamadas com

suas experiências. O que surge espontaneamente em Salomão são os ecos, as outras vozes,

que, ressignificadas em um novo discurso e aprisionadas numa câmera, produzem a ideia da

presentificação e traduzem o que há de mais contemporâneo, atual e pós-moderno.

―Fábrica do poema‖ não encerra as Algaravias de Salomão, embora nos dê subsídios

suficientes para discutir o seu processo crítico-criativo. Em ―Carta aberta a John Ashbery‖

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(2006, p.43), poema de título metalinguístico, já que se destina ao também poeta Ashbery, a

metalinguagem não opera apenas no título do poema. O primeiro verso contém uma frase que

aparecerá, num processo intratextual, em seu livro subseqüente, Lábia (1998): ―A memória é

uma ilha-de-edição‖ (1998, p.14-15). Este verso sinaliza uma motivação presente em

Ashbery, as recordações apreendidas e selecionadas pela memória de sua infância e de sua

vida, que aparecem diluídas por toda sua obra, segundo a pesquisadora Viviana Bosi Concagh

(1999, p.17):

Em toda obra de Ashbery (1927) as estações, a luz, as mudanças nas árvores

e rios relembra-nos de sua infância em meio aos pomares da fazenda de seu

pai perto de Rochester, nas cercanias do lago Ontário, ao norte do Estado de

Nova York. Por outro lado, a influência do avô materno, famoso físico,

deserta em Ashbery curiosidade pela cultura, numa atmosfera vitoriana que

ele recorda com nostalgia. Embora sempre reticente e oblíquo em relação a

fatos de sua vida, que considera de pouco interesse para os outros, todo tipo

de lembranças, sentimentos e acontecimentos cotidianos se misturam em sua

obra, trazendo a tona indícios das referências biográficas que conhecemos.

É exatamente na memória que consistem os questionamentos feitos no poema em

estudo. Como selecionar os mais importantes momentos de cada instante? Como escolher os

fatos que a memória deve amar e, portanto, apreender? As perguntas lançadas

intertextualmente a Ashbery propõem um diálogo em torno da memória não apenas como um

registro de dados passados, pois ―os dados‖ já são ―[...] o resultado da atividade

interpretativo-construtiva, de seleção, corte, cópia e colagem etc. – efetuada por um processo

de edição ou montagem‖ (CÍCERO, 2005, p.45).

Para analisar os poemas de Salomão, é preciso mais do que o pleno funcionamento da

visão central, exercitar a visão periférica. Por todos os lados, temos ―(soli)citações, remissões

e dedicatórias, comprovando esse caráter de intertextualidade, fricção, contaminação‖

(BOAVENTURA, 2009, p.48), permeando sua obra. Isso é o indicativo de que Salomão

pressupõe um leitor com um vasto repertório de leituras, para conhecer seu universo literário.

A despeito dos traços de intertextualidade que Salomão apresenta em sua obra, Flávio

Boaventura (2009, p.48) cita o argumento de Leyla Perrone-Moisés (1978), quando diz que,

no discurso poético dialógico, os textos não são abrigados para serem conservados como

propriedades, mas para aquele que fez uso do discurso do outro, colocá-lo ―[...] em perda,

numa migração incontrolável [...]‖; ou seja, transmutar, dialogar e polemizar com o discurso

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alheio. E, quando esse processo ocorre, a autora acredita que a relação entre os criadores é

uma relação de igualdade, pois, neste dialogismo, ambos estão no mesmo nível.

Talvez esse fato explique a liberdade com que Salomão ―bebe direto na(s) fonte(s)‖ e

se constitui num leitor ―luterano‖ – sem intermediários e muitas vezes sem lançar mão das

―aspas e parênteses‖ (BOAVENTURA, 2009, p.48) –, como fora de Drummond. No poema

―Domingo de Ramos‖, Salomão dialoga com Drummond citando-o num pastiche em que

desloca este verso do poema ―Conclusão‖ (DRUMMOND, apud CORREIA, 2002, p.40), ―o

poeta é um ressentido e o mais são nuvens‖. Nos versos seguintes, parodia o poeta mineiro e

afirma que os versos deste em seu poema querem dizer, ―Assim ele, aqui, fala:/ Os

ressentimentos esfiapados/ são como nuvens esgarçadas‖.

O intertexto se configura como paródia porque o discurso de Drummond é utilizado

por Salomão para contrapor a ideia de que o poeta é um sujeito ressentido. A oposição

consiste na metáfora do ―ressentimento/ como nuvens esgarçadas‖, pois, para Salomão o

poeta não é um ressentido. Em ―Carta aberta a John Asbery‖, ele já explicara que o que ficou

por ser feito faz parte de um ―dado‖ localizado no passado, a partir de uma seleção feita pela

memória, não havendo lugar para ressentimento.

Como leitor de Drummond, Salomão reconhece que a leitura é uma experiência

adâmica: a cada leitura, uma nova descoberta, aumentando o fascínio que a interpretação do

poema drummondiano causa nele. Sua experiência com essa leitura pode ser comprovada em

―Ler Drummond‖ (SALOMÃO, 2004, p.43; grifos do autor):

Pratico umas leituras luteranas,

– e, desde que fato nunca nem há mais,

Giram que giram celeradas as roldanas das interpretações –

Enfio um pé aquém e outro além,

um contato direto e sem intermediários

como as sete faces dos seus veios poliédricos.

Reler Drummond pela milionésima vez é um aventura adâmica,

Um convite renovado ao espanto e a surpresa.

Close readins nas internas das galerias das minas.

Maga lúcida, esfinge clara:

Chiar para não ser destituído do estímulo do simples enigmático.

Uma pedra de tropeço quebra o sono dogmático

―Ler Drummond‖ é o momento encontrado por Salomão para externar, por meio do

seu poema, a catarse do poeta diante de uma leitura prazerosa. Neste, Salomão ainda afirma

que, em ―A procura da poesia‖, Drummond se mostra desprendido de qualquer vaidade,

apesar do grande texto que produziu e considera que a leitura tem o efeito mutante a cada

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nova experiência. Tal qual Sherazade, que, durante as mil e uma noites ao lado do Sultão,

criou mil e uma novas histórias para livrar-se da morte. Por isso, termina com os versos:

Estoicismo sem consolo nem vanglória.

A procura da poesia é um aparelho processador/reprocessador

Que nulifica bazófilas.

Sherazadiar:

ler Drummond pela milionésima e mais uma vez e mais...

(SALOMÃO, 2004, p.44. Grifos do autor).

Por fim, ao confirmar, em ―Domingo de Ramos‖, que certas qualidades são

importadas de outros poetas e escritores como Drummond, Salomão encerra seu livro de

poemas confirmando o desejo de ser este amálgama de vozes, este aparelho processador de

intertextualidades, o poeta polifônico de ―Desejo e ecolalia‖. Ecolalia diz respeito a um tipo

de afasia e caracteriza-se por uma repetição não significativa da fala dos outros (SCHULLER,

1979) ou de suas próprias falas.

A sua poética se desenvolve num processo de espelhamento. O voltar-se para si é um

procedimento natural na composição dos poemas, de modo que o seu próprio fazer fica

marcado pela descrição da materialização do texto poético, das leituras que influenciaram sua

formação de escritor, sobretudo as leituras que influenciaram cada poema escrito.

Em seus poemas, é possível depreender as inquietações do sujeito que escreve na

busca constante por seu lugar no mundo, pela necessidade de viver da arte que produz, assim

como pelo desejo de ser polimorfo em poesia, mas também na vida real, para suportar as

adversidades.

Outrora, a metalinguagem serviu para refletir ocasionalmente o fazer e o sujeito da

criação, hoje, o recurso metalinguístico é o viés encontrado pelo poeta para compreender uma

questão existencial: a busca de si, na (re)construção da identidade fragmentada. Acontece que,

em Salomão, a busca de si passa pelo outro, e o que podemos ver é uma gritaria de muitas

vozes aprisionadas ―[...] nesta câmara de ecos, em que muitos poetas falam por ele, reiterando

a mesma busca de si mesmo e da própria poesia, esquiva em toda parte‖ (ARRIGUCI, 2006,

p.80).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após realizarmos este estudo da obra completa walyniana, selecionarmos o livro,

Algaravias: câmara de ecos, para uma investigação mais detalhada, empreendendo, em

seguida, uma análise dos poemas de dimensão metalinguística. Percebemos que Waly

Salomão inscreve sua poética na chamada pós-modernidade, o que pode ser verificado quando

o poeta discute seu processo crítico-criativo a partir da fusão das diferentes experiências (do

teatro, cinema, literatura, música e movimentos de contracultura) que viveu. Essas

experiências possibilitam que os discursos se cruzem e escrevam sua própria trajetória na

literatura, bem como expliquem aspectos necessários para a compreensão do seu processo

criativo.

Desse modo, a lírica walyniana responde a questões relativas à inquietação do sujeito

que escreve na pós-modernidade. Os poemas de Waly Salomão apresentam-no como poeta

multimídia – aquele que transita em diferentes sistemas –, capaz de traduzir vozes

emblemáticas da poesia, num processo metalingüístico que explica como e por que seu

discurso se constitui, a partir do discurso alheio. Daí a necessidade de recursos como o

intertexto, a paráfrase, a paródia e o pastiche para construir seus textos.

Em seus poemas, Waly Salomão revela-se um poeta consciente de seu processo de

composição, por meio da autoexplicação da construção do texto literário, possível por conta

da utilização da metalinguagem. O poeta baiano concebe a arte literária como a possibilidade

de transformar a humanidade. O leitor, o único responsável pela interpretação do poema, é

também um sujeito capaz de produzir poesia, desde que entenda que esta surge de um

processo árduo que exige leituras variadas e um eterno fazer, refazer, até a materialização do

texto final. Já o poema é concebido por Salomão como uma modalidade polimorfa, possível

de misturar linguagens, estilos, vozes, temas, constituindo um discurso livre, desprendido de

quaisquer normas ou intenções preestabelecidas.

E se a metalinguagem é o eixo norteador na tessitura dos poemas walynianos, cabe,

aqui, ressaltarmos alguns aspectos metapoéticos depreendidos do estudo da sua poética:

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1. Consciência do seu processo crítico-criativo

O poema não é fruto da inspiração, portanto, para concebê-lo são necessárias diversas

leituras de outros que tão bem desenvolveram esta arte. O curioso é que as referências de

Waly Salomão, diretas ou indiretas, são sempre a outros poetas que utilizaram a

metalinguagem com frequência significativa nos seus textos, assim como ele. Esta

consciência o faz produzir poemas de temática intratextual e, assim, discutir aspectos de sua

própria poesia.

2. Certeza da leitura como a verdadeira “inspiração” para seu fazer

Ao repetir nas entrevistas e em um poema seu, os versos de Castro Alves, ―livros,

livros à mancheia‖, Waly Salomão reafirmava sua luta pela leitura enquanto forma de

libertação, como fez no curto período que atuou como Secretário Nacional do Livro. Os

intertextos produzidos em seus poemas nos aproximam do seu vasto universo de leituras.

3. O trânsito em diferentes gêneros artísticos

Esta característica o fez receber o título de poeta multimídia, pois as referências nos

seus poemas bebem de diferentes saberes, epistemologias e áreas de atuação, tais como

filosofia, música, artes plásticas, literatura (poesia, ficção), artes cênicas, cinema e história,

etc. Em seus poemas convencionais, esta fusão é perceptível por meio dos jogos

metalinguísticos. Nos seus poemas experimentais (babilaques), é notória.

4. O leitor é quem detém a ultima palavra do poema

Este sujeito que detém a chave da interpretação do poema é, sem dúvida, o leitor. O

leitor tem liberdade interpretativa, todavia é importante marcar que, tratando-se de Waly

Salomão, a poética irá pressupor um leitor engajado com o processo de escrita e previamente

conhecedor de uma literatura nacional e universal.

5. A situação problemática do poeta no mundo contemporâneo

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Como poeta que acreditou plenamente no ofício que exercia, Salomão rejeitou o

diploma da sua formação inicial em Direito para viver de escrever poemas. Uma única certeza

o movia – a crença na arte como possibilidade de transformação da humanidade. Com isso,

enfrentou a dura realidade dos poetas que vivem numa sociedade na qual a valorização da

atividade literária se restringe a poucos espaços, como a Academia, e esta, por sua vez, está

impregnada de uma cultura, a qual só reconhece o talento literário daqueles que se encontram

in memoriam. São as razões que o fizeram problematizar a sua condição de poeta.

Acreditamos que estudar a dimensão metalinguística da obra de Waly Salomão nos

proporcionou iluminar a fabricação da sua poesia. Como um dos mais notáveis poetas da

literatura brasileira, embora pouco estudado, merece nossa preocupação pelo legado deixado,

como sinal de que a experiência poética também é didática. Ao apreciar um poema de Waly

Salomão, aprende-se a concebê-lo concomitantemente, além do mais, a leitura de seus poemas

também nos possibilita compreender o pensamento de um homem e, por consequência, o

tempo em que este traduz suas reflexões.

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