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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC CENTRO DE ARTES – CEART

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

PRISCILA ANVERSA

O QUE PENSAM AS FAMÍLIAS SOBRE A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DOS FILHOS COM DEFICIÊNCIA? COM A

PALAVRA, AS MÃES

FLORIANÓPOLIS – SC

2011

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PRISCILA ANVERSA

O QUE PENSAM AS FAMÍLIAS SOBRE A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DOS FILHOS COM DEFICIÊNCIA? COM A

PALAVRA, AS MÃES

Dissertação elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do PPGAV/CEART/UDESC, exigido como nota parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Linha: Ensino de Arte. Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva

FLORIANÓPOLIS – SC

2011

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Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

A637q Anversa, Priscila

O que pensam as famílias sobre a formação artística dos filhos com deficiência? Com a palavra, as mães / Priscila Anversa, 2011.

195 p. : il. ; 30 cm

Bibliografia: p. 180-190 Orientadora: Dra. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa

Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, 2011.

1. Arte – estudo e ensino. 2. Estudantes deficientes. I. Silva, Maria

Cristina da Rosa Fonseca da. II. Universidade do Estado de Santa Catarina.

Mestrado em Artes Visuais. – III Título.

CDD: 700.7 – 20. ed.

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PRISCILA ANVERSA

O QUE PENSAM AS FAMÍLIAS SOBRE A FORMAÇÃO ARTÍSTICA DOS FILHOS COM DEFICIÊNCIA? COM A

PALAVRA, AS MÃES

Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais na linha de pesquisa Ensino de Arte. Banca examinadora Orientadora: _______________________________________________________

Profª. Drª. Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva CEART- UDESC

Membro: _______________________________________________________

Profª. Drª. Sandra Regina Ramalho e Oliveira CEART – UDESC

Membro: _______________________________________________________

Profª. Drª. Maria Alice Nogueira UFMG

Membro: _______________________________________________________

Profª. Drª. Adarzilse Mazzuco Dallabrida UNISUL

Florianópolis, 1º de agosto de 2011

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Dedico este trabalho a minha família, que me encorajou a batalhar para se chegar onde quiser. Ao meu Anjo, amor-companheiro, Fábio, com quem compartilho o mesmo apetite de viver.

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AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

A minha família, por acreditar e apostar em mim.

Ao Fábio, força absoluta!

À Sté, amiga de fé.

Aos amigos que estiveram junto, aos que estiveram perto e aos que

mesmo longe me apoiaram.

Aos colegas de trabalho, pelo incentivo e colaboração.

À Ana Odila e Juliana Coelho, por confiar e estar sempre na torcida.

Agradeço aos colegas do mestrado, pela solidariedade nos momentos

de angústias e pela alegria compartilhada em nossos encontros.

A minha orientadora, pelo empenho ao conduzir-me, pela confiança em

mim depositada, pela troca recíproca de constantes questionamentos e

descobertas que nos fizeram evoluir juntas nesta caminhada.

À professora Ize Dallabrida, por conceder-me gentilmente sua tese de

doutorado e, junto a esta, seu precioso conhecimento.

À professora Sandra Ramalho, pelo eterno empenho em auxiliar-me e

pelos contatos fornecidos e contribuições constantes.

À professora Maria Alice Nogueira pela flexibilidade, sabedoria e

prudência em suas observações e sugestões para a pesquisa.

À Dona Alice Kuerten, pela mobilização e disposição.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em

Artes Visuais e do Centro de Educação à Distância.

Diz o ditado que, assim como escolher é deixar de escolher, lembrar é

esquecer. Assim, ao escolher e lembrar a quem agradecer, acabamos por não

lembrar outros, não menos importantes. Sou grata a muitas pessoas não

citadas nominalmente, mas imensamente importantes: às escolas, às famílias,

às amizades conquistadas neste percurso, enfim, a quem direta ou

indiretamente moveu esforços para a concretização desta pesquisa.

A todos vocês deixo registrados meus profundos agradecimentos.

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“A Arte, em lugar de ser um objeto feito por uma pessoa, é um processo desencadeado por um grupo de pessoas. A Arte está socializada. Não é alguém dizendo alguma coisa, mas pessoas fazendo coisas, dando a todos (inclusive àqueles envolvidos) a oportunidade de ter experiências que de outra forma não teriam tido.”

John Cage

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RESUMORESUMORESUMORESUMO

ANVERSA, Priscila. O que pensam as famílias sobre a formação artística dos filhos com deficiência? Com a palavra, as mães, 2011. 195p. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – PPGAV - Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.

A presente dissertação tem como objetivo investigar como as famílias abordam a formação artística dos filhos com deficiência no âmbito das escolas particulares, verificando os conceitos que essas famílias possuem acerca da Arte e do ensino de Arte e como conduzem o investimento artístico e cultural de seus filhos nesse campo. O trabalho se constitui através da ótica bourdieusiana, que enfatiza a transmissão de bens simbólicos através do capital cultural das famílias, compreendendo a formação artística do aluno com deficiência a partir dessas relações estabelecidas com a escola. Por ser uma pesquisa qualitativa, o método de coleta de dados utilizado foi a entrevista, o que proporcionou maior abrangência de informações, sendo transcrita na íntegra, visando a fidedignidade da pesquisa. A análise partiu dos resultados obtidos através das falas das mães entrevistadas, possibilitando a seleção de trechos que continham maior riqueza de dados. Uma dificuldade encontrada foi a de contatar famílias com o perfil traçado inicialmente, ou seja, famílias de elites econômicas e sociais, dispostas a participar de um trabalho acadêmico e relatar sua trajetória. Os resultados sobre a concepção do ensino de Arte e também sobre a própria Arte, bem como o investimento artístico e cultural dessas famílias foi significativo, no sentido de promover reflexões teóricas e práticas nas próprias famílias entrevistadas, uma vez que, no geral, elas não possuem o hábito de frequentar espaços expositivos e culturais, o que reflete na formação artística do filho. A efetivação desta pesquisa possibilitou a abertura a novos estudos sobre família, arte e inclusão, áreas que necessitam contribuições acerca da acessibilidade e inclusão da Arte às famílias que possuem filhos com deficiência. Palavras-chave: família; ensino de arte; formação artística; deficiência; escolas particulares.

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ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT

This dissertation aims at investigate how the families approach their children with disabilities’ artistic formation in private schools, checking the concepts that those families have about Art and the Art teaching and how they lead the artistic and cultural investment of their children in this field. The study is made through the Bourdieu’s view, which emphasizes the transmission of symbolical goods through the cultural capital of the families, understanding the artistic formation of the student with disabilities from these relations established with the school. As it is a qualitative research, the data collection method used was the interview, what provided wider range of information, being full transcribed, aiming at the research reliability. The analysis started from the results obtained through the interviewed mothers’ speech, enabling the selection of parts that had greater wealth of data. A difficulty found was to find the families with the profile designed in the beginning, that is, families that come from social and economic elites, willing to participate in an academic work and report its path. The results about the Art teaching concept and also about the Art itself, such as the artistic and cultural investment of these families, was meaningful, in the sense of promote theoretical and practical reflections within the families interviewed, once that, in general, they don’t have the habit of attending exhibitions and cultural spaces, what reflects on the child artistic formation. The realization of this research enabled new studies about family, art and inclusion, areas that need contributions about accessibility and inclusion of art to families who have children with disabilities.

Key-words: family; art teaching; artistic formation; disabilities; private schools.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASLISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASLISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASLISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAESC - Associação de Arte-Educadores de Santa Catarina

AERJ - Associação de Arte-Educadores do Rio de Janeiro

AESP - Associação de ArteEducadores de São Paulo

ANARTE - Associação Nordestina de Arte/Educadores

AGA - Associação Gaúcha de Arte-Educação

APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

AUT - Autismo

CE – Cego ou Baixa Visão

CEART – Centro de Artes

CEI – Centro de Educação Infantil

CIC – Centro Integrado de Cultura

DI – Deficiência Intelectual

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EI – Educação Infantil

EF1 – Ensino Fundamental 1

EF 2 – Ensino Fundamental 2

EM – Ensino Médio

E.V.A – Etil Vinil Acetato

FAEB – Federação dos Arte Educadores do Brasil

FCEE – Fundação Catarinense de Educação Especial

HID – Hidrocefalia

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEA – Movimento de Escolinhas de Arte

MEC – Ministério da Educação e Cultura

NEI - Núcleo de Educação Infantil

ONU – Organização das Nações Unidas

PC – Paralisia Cerebral

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PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

PC-SC – Proposta Curricular de Santa Catarina

PPGAV – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

PPP – Projeto Político Pedagógico

PROCON - Serviço de proteção e defesa ao consumidor

SA – Síndrome de Asperger

SAEDE - Serviço de Atendimento Educacional Especializado

SD – Síndrome de Down

VSA – Very Special Arts-Brasil

UCA – Universidade de Cádiz

UCS – Universidade de Caxias do Sul

UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina

UEPG – Universidade Estadual de Ponta Grossa

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

US – Universidade de Sevilha

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 16

1 FAMÍLIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA ........................................................... 23

1.1 Conceituação de família ............................................................................... 23

1.1.1 Aspectos metodológicos da constituição dos estudos sobre família ......................... 25

1.2 As transformações da família e da criança...................................................... 30

1.2.1 A ascensão da escola e da criança ................................................................... 35

1.3 A família brasileira....................................................................................... 38

1.3.1 O nascimento do lar burguês ........................................................................... 40

2 FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA: UM DEBATE POLISSÊMICO .. 46

2.1 O contexto escolar na contemporaneidade ..................................................... 46

2.1.1 Relação pais & escola.................................................................................... 48

2.2 Classe social .............................................................................................. 52

2.2.1 O indivíduo, a família e a escola: aspectos da herança cultural ............................... 57

2.2.2 Estratégias de investimento escolar entre as classes sociais .................................. 60

2.3 A escolarização dos filhos com deficiência..................................................... 62

2.4 Considerações sobre a Inclusão e seus desdobramentos................................. 65

2.4.1 Enfoques sobre o conceito de deficiência ........................................................... 70

3 ARTE, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO ............................................................ 75

3.1 Pressupostos da Arte e seu ensino................................................................ 75

3.2 O ensino de Arte e a trajetória da Inclusão...................................................... 84

3.2.1 A formação artística e cultural do indivíduo ......................................................... 90

3.2.2 Filhos com deficiência: considerações sobre inclusão, educação e arte .................... 97

3.3 A prática dos professores: o contexto atual .................................................. 101

4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO ARTÍSTICA DAS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA ................................................................................................ 107

4.1 Percursos metodológicos........................................................................... 107

4.2 Desenho da pesquisa................................................................................. 112

4.2.1 Processo de coleta de dados: entrevistas e seleção dos entrevistados ................... 113

4.2.2 Análise dos dados: procedimentos utilizados .................................................... 118

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4.3 Passos preliminares: dados sobre as escolas, as famílias e os filhos .............. 120

4.4 As famílias pesquisadas e suas características ............................................. 128

4.4.1 A escolha da escola..................................................................................... 130

4.5 Conceito de Arte ....................................................................................... 135

4.6 O ensino de Arte na concepção das mães .................................................... 143

4.7 Formação artística e cultural dos filhos com deficiência................................. 150

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 171

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 180

ANEXOS..........................................................................................................191

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INTRODUÇÃO

Debates sobre a família começam a ganhar novos significados e

referências, evidenciando a necessidade em enfocar esse tema juntamente

com suas relações e analogias no campo da Arte. Esta não será a primeira

pesquisa a tratar de situações que envolvam a família, mas certamente a

primeira a arriscar-se num terreno ainda pouco desbravado na pesquisa

acadêmica: Família x Arte x Inclusão.

Desde que mergulhei nesse propósito, tinha completa noção de que

seria um grande desafio, em todos os sentidos. Do referencial teórico, à

efetivação da coleta de dados, da busca por uma disciplina nas universidades

que abarcasse este contexto, até as amarrações entre os temas Família, Arte e

Inclusão, considerando a complexidade de cada um deles.

A motivação para a pesquisa talvez resida na própria carência dos

referenciais teóricos sobre o assunto família e ensino de Arte1, o que provocou

interesse pelo tema. Percebi que abordar esse assunto tem importância não

somente para a pesquisa acadêmica, como também ao próprio cotidiano de

vivência destes grupos, nas relações entre família e escola, as quais considero

peças-chave nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse entremeio,

direcionei-me também para tentar entender melhor o porquê de sua não

visibilidade na área da pesquisa.

Destarte, esta dissertação pretende investigar como as famílias de

classe média compreendem a formação artística e cultural dos filhos com

deficiência, dando continuidade ao estudo desenvolvido na monografia da

graduação2 sobre as concepções de Arte e de ensino de Arte concebidas pela

família.

O interesse em pesquisar a família no âmbito do ensino de Arte surgiu

quando assumi as aulas dessa disciplina em uma instituição privada, época em

que estava cursando o último ano do curso de graduação, o que foi propício

para originar o problema de minha pesquisa monográfica. O impasse inicial se

deu com relação aos pais de meus alunos, que possuíam uma visão sobre Arte

1 Trata-se de constatação obtida no desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso. 2 Desenvolvida em 2008 no curso de Educação Artística – habilitação em Artes Plásticas, sob orientação de Sandra Regina Ramalho e Oliveira, intitulada “Senhores pais: arte não é decoração”.

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e seu ensino, a qual era divergente das concepções contemporâneas e estava

distante daquilo que eu estudava no curso de Licenciatura em Artes Plásticas.

Estas famílias se reportavam à Arte e seu ensino de forma bastante tradicional,

o que impulsionou minha investigação, no sentido de tentar entender quais

eram as concepções que aqueles pais traziam consigo.

Durante esta investigação, observou-se a escassez de literatura que

abordasse o tema, o que, em vez de desestimular o desenvolvimento da

pesquisa, instigou-a ainda mais. O resultado da reflexão teórica desenvolvida

impulsionou a continuidade, direcionando-me para analisar a família de classes

médias no que se refere à percepção do ensino de Arte.

Talvez por já estar envolvida profissionalmente com este campo, isso

tenha aguçado meu interesse em analisar as famílias de classes médias, e não

demais meios sociais. Embora eu já tivesse sanado um pouco de minhas

inquietações, ao longo do percurso, fui conquistando um espaço dentro de

minha profissão que eu não imaginava atingir: a integral adesão dos pais com

relação ao trabalho que eu vinha desenvolvendo, efetivando a mudança do

olhar deles em relação à disciplina de Arte, que na escola era, até então,

atrelada ao fazer, e não ao conhecer. Aos poucos a importância da disciplina

foi sendo assimilada, e, então, outra inquietude começava a se desenvolver.

Os pais passaram a compreender a importância que a Arte tem na vida dos

filhos, porque a mudança de atitude em relação aos conteúdos e metodologias

da disciplina rompeu com o perfil que estava instituído naquela escola, focado

nos trabalhos manuais; agora a disciplina passava a ser vista como geradora

de conhecimento. Entretanto, quem apreendia esse conhecimento eram os

alunos, e se encerrava nisso. As famílias, apesar da mudança dos conceitos

acerca da disciplina, ainda assim não haviam adquirido o hábito de realizar

atividades voltadas à arte e à cultura3, como visitações a espaços expositivos,

peças de teatro, eventos musicais, entre outros.

Entendendo que as relações entre família e escola vêm se modificando

ao longo do tempo, e que o aumento de demandas que a sociedade tem feito à

escola obriga que ela reivindique, cada vez mais, a presença, o contato e a

3 O termo cultura é utilizado nesta pesquisa na perspectiva antropológica, sem restringir o termo a conceitos específicos, entendendo que é na vivência cotidiana que se apreende a cultura de forma dinâmica.

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colaboração dos pais, emerge uma nova ideia a ser trabalhada, partindo

também dos resultados da monografia4, cujas constatações salientaram que as

famílias das classes médias têm pouco contato com arte e com espaços

culturais e artísticos. Surge, então, um novo questionamento: as elites

econômicas e sociais vão com maior frequência a espaços culturais e

artísticos, tais como museus, exposições de arte, festivais musicais e teatrais,

do que as famílias de classes populares e de classe média (pequena

burguesia)? Pressupondo que as elites investem mais em arte e cultura em

relação às demais classes, levantou-se a hipótese de que as famílias deste

grupo, que têm filhos com deficiência também tendem a investir mais na

formação artística5 destes. O desejo em pesquisar as famílias que têm filhos

com deficiência surgiu no momento em que se pensou a respeito da disciplina

de Arte na área da inclusão, tendo em vista que nesse campo há uma lacuna

em relação à acessibilidade aos espaços culturais e artísticos e, também, à

formação de professores.

A construção dos objetivos da pesquisa partiu da premissa de que as

elites possuem maior contato com Arte do que os demais estratos sociais, e,

desta forma, os filhos destas famílias também devem frequentar espaços

culturais, aulas de música, canto, dança, pintura, cerâmica, entre outras

atividades artístico-culturais. Assim, objetivou-se investigar de que maneiras as

famílias percebem a formação artística dos filhos com deficiência, enfatizando

a importância que estas dão à Arte e seu ensino. Pretendeu-se verificar,

também, as concepções das famílias acerca da relevância da Arte na vida dos

filhos, isto é, se é uma atividade ligada a fins terapêuticos, que auxiliará à

deficiência ou se uma dimensão da sua educação, voltada para o

desenvolvimento da cognição em Arte, da ampliação do repertório artístico-

cultural da criança.

A hipótese inicial de que as elites econômicas e sociais investem na

formação artística e cultural dos filhos com deficiência, estrutura-se à medida

que, a priori, tais meios frequentam espaços culturais e apreendem com maior 4 “Senhores pais: Arte não é decoração”, citada anteriormente. 5 A terminologia formação artística se adéqua a esta pesquisa porque é corrente na área do ensino, sem propor uma educação fechada, engessada num único padrão determinado de formação. É análoga ao termo constituição, concepção, mas por ser mais diretamente ligada ao ensino, à aprendizagem, é portanto o termo mais adequado quando se refere à inserção da arte na vida de um indivíduo, em todas as esferas.

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facilidade o conteúdo das obras apresentadas, ou seja, a acessibilidade desta

classe a museus é superior a demais camadas, tais como as classes

populares.

Quando a mensagem não pode ser decifrada senão pelos detentores de um código que deve ser adquirido por uma longa aprendizagem institucionalmente organizada, é evidente que a recepção depende do controle que o receptor tem do código ou, por outras palavras, depende da diferença entre o nível da informação oferecida e o nível de competência do receptor. (BOURDIEU, 2003, p. 120)

As contribuições de Nogueira e Catani (1998) reafirmam a questão do

capital cultural, da reprodução cultural e da conservação social. A premissa de

Bourdieu (1989; 1998; 2007) é o eixo central desta pesquisa, embasada na

ideia de que o público que frequenta espaços culturais é, em geral, de classe

média e de elites. Classes populares escapam à atração diferencial dos

museus, sendo que suas visitas se dão quase sempre ao acaso, não

intencionalmente. A esse respeito, foquei a leitura em Bourdieu (2003), em sua

análise dos museus de Arte na Europa enfatizando a herança cultural e a

transmissão familiar.

O trabalho é constituído pela questão central do capital cultural na

perspectiva bourdieusiana, acreditando na transmissão dos bens simbólicos

por meio da família, compreendendo a formação artística do aluno com

deficiência a partir dessas relações estabelecidas entre família e escola. Assim,

os processos de ensino-aprendizagem são abarcados nas interlocuções dos

conceitos dessa com a cultura escolar.

Não tratarei a questão no plano individual, fazendo análises que

levariam à compreensão de um sujeito específico, mas em sua relação com o

meio. Também não propus um estudo sobre a família, porque, embora ela seja

o objeto desta dissertação, não é enfocado seu cotidiano e seu funcionamento

interno, tampouco a escola, que, enquanto instituição, não é o objeto desta

pesquisa.

Quando entrei em campo para coletar os dados, tive a intenção de

pesquisar e tentar compreender os mecanismos que as famílias utilizam para

construir a formação artística de um filho com deficiência, sem o intuito de

investigar o cotidiano familiar ou sem pretender verificar como a escolarização

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desse filho ocorre, porque a proposta seria a de perceber a fala dos pais: o que

pensam eles, e o que dizem a respeito da Arte, do ensino de Arte, da

frequência que vão aos espaços destinados à arte e cultura e à importância

que dão a essas atitudes.

Nesta perspectiva, era meu interesse dar voz aos pais dos alunos,

deixá-los falar de si, de seus desejos e anseios, de seus estigmas6, de suas

vivências quando diagnosticada a deficiência, das suas trajetórias escolares,

sem permitir que se tornasse secundária a questão principal da investigação

sobre família / formação artística. Empenhei-me a compreender essas

subjetividades, suas histórias, seus conceitos em relação à Arte, ao ensino de

Arte, à inclusão. Era grande meu interesse em procurar compreender as

realidades engendradas por tais histórias.

Assim, é para a dinâmica das interações, para os modos de relação

construídos histórica, social e culturalmente que dirijo meu olhar na tentativa de

apreender o significado dos trajetos singulares das famílias.

O capítulo 1 abrange a conceituação de família por meio de seu

histórico. Apresento diferentes perspectivas de análise da família, a fim de

delimitar meu percurso na construção do objeto de pesquisa, constituindo uma

revisão bibliográfica sobre os principais temas: conceitos de família, aspectos

metodológicos dos estudos sobre família, as mutações da família e da criança,

a família nuclear burguesa, entre outros subitens que abordam especificidades

da família no decorrer da história.

No capítulo 2, abordo os temas família, educação e deficiência,

estruturas teóricas que também deram apoio à análise de conteúdo, dialogando

com os dados empíricos, apresentando leituras relacionadas com o tema, as

quais se articulam com o objeto de pesquisa. Desta forma, além de apresentar

conceitos sobre os assuntos anteriormente citados, arremato com os conceitos

de classe social, escolarização e inclusão.

O capítulo 3 apresenta o tema ensino de Arte e Inclusão, debatendo

essencialmente acerca desses dois eixos que intercalam definições sobre Arte,

fundamentos do ensino de Arte, o contexto atual da arte-educação inclusiva,

dando ênfase às relações estabelecidas entre as famílias e a formação artística

6 Conceito que será abordado no Capítulo II, através dos escritos de Goffman (1988) e Elias e Scotson (2000).

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dos alunos com deficiência, isto é, relacionando a teoria com o objeto da

pesquisa.

Explicito, no capítulo 4, inicialmente a metodologia utilizada, assim como

os procedimentos da pesquisa e como eles foram sendo implementados.

Apresento e fundamento os procedimentos utilizados para estabelecer

comunicação com as famílias, ou seja, a escolha do procedimento de coleta de

dados. A sequência deste capítulo engloba a apresentação, análise e

discussão dos resultados obtidos, dialogando a teoria com o plano empírico.

Por fim, as Considerações Finais retomam os passos de meu percurso,

na tentativa de responder às questões iniciais, apontando possibilidades e

perspectivas sobre os problemas levantados.

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1 FAMÍLIA ATRAVÉS DA HISTÓRIA

“Um homem dos vinhedos falou, em agonia, junto ao ouvido de Marcela. Antes de morrer, revelou a ela o segredo: - A uva – sussurrou – é feita de vinho. Marcela Pérez-Silva me contou isso, e eu pensei: se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que contam o que a gente é.”

Eduardo Galeano

O presente capítulo busca definir a conceituação de família, com base

na sua história social. Serão utilizados os registros de Almeida (2001), Almeida

|et al| (1987), autora que organiza escritos sobre aspectos históricos da família

no Brasil, Ariès (1981), que delineia a representação da família através da sua

história social, partindo da Idade Média até a atualidade, Poster (1979) que

discorre sobre a teoria crítica da família e Segalen (1999a; 1999b), que aborda

a sociologia e a história da família.

1.1 Conceituação de família

Advindo do latim familia, a expressão designava em sua origem o

conjunto dos famuli, que representava os servidores vivendo num mesmo lar.

Segundo Segalen (1999a), o termo foi aos poucos se desviando do conceito

inicial, passando a indicar a comunidade do marido e da mulher, a comunidade

do senhor e do escravo. Nesta conjuntura, a família implica duas noções: a de

parentesco e de residência partilhada.

O conceito de família mudou e atualmente é ainda um termo

polissêmico, abarcando um leque de considerações que diferem conforme as

circunstâncias do discurso e dos países. A polissemia do termo é pautada na

questão da exclusão/inclusão que não se esgota no problema da coabitação,

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isto é, antes, fazia parte da família não apenas quem era aparentado, diferente

dos dias de hoje, em que, na maioria dos casos, empregados domésticos não

fazem parte da família como acontecia em outros tempos.

A estrutura da família varia de uma sociedade para outra, e também de

uma classe para outra dentro da mesma sociedade, e nesse sentido, aponta a

complexidade da conceituação dessa instituição. Outro aspecto que marca a

instituição família, neste caso, na sociedade brasileira, é o modelo de família

patriarcal7, relacionado ao conceito que enfatiza a autoridade do marido e a

dependência da mulher, vigente no período colonial, que a retrata, sob ponto

de vista da historiografia, num estilo de vida segregado, restrito ao lar, com

raras aparições ao público, ou seja, em condição de subjugada.

Em seu aspecto social, Carvalho (2003) pontua que a família constitui-se

de um grupo de pessoas ligadas entre si pelos vínculos de casamento,

relações de parentesco ou afinidade, aliança ou consanguinidade, através de

uma categoria de poder e papéis ou também uma representação social

constituída a partir do que os grupos fazem dessas relações, sendo assim uma

realidade construída. É regida por códigos, valores, hierarquia, história, mitos,

e, ainda, pela divergência de poder entre seus membros.

Esse sistema social, a família, é composto de concepções, objetivos,

funções e regras a serem seguidas e fronteiras que delimitam seu espaço

interno e permeiam sua relação com o meio exterior. A família é vista, pela

ótica de Carvalho (2003), como base de proteção social, como território de

pertencimento, como trama de relações mais duradouras e estáveis, como

unidade empreendedora. Para ela, as expectativas em relação à família estão,

no imaginário coletivo, ainda impregnadas de idealizações. A maior expectativa

é de que ela produza cuidados, proteção, aprendizado, construção de

identidades e vínculos relacionais de pertencimento, capazes de promover

melhor qualidade de vida a seus membros e efetiva inclusão social na

comunidade e sociedade em que vivem.

A família é, na sociedade ocidental, o referencial explicativo para o

desenvolvimento emocional da criança. A esse respeito, Carvalho (2003, p. 23,

grifos da autora) coloca que:

7 Comandada pelo pai detentor de enorme poder sobre seus dependentes, agregados e escravos, habitava a casa-grande e dominava a senzala. (D’INCAO, 2004, p. 223).

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A descoberta de que os anos iniciais de vida são cruciais para o desenvolvimento emocional posterior focalizou a família como o lócus potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes e equilibradas, ou como o núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda a sorte de desvios de comportamento.

Essa família descrita acima costuma ser composta por pai, mãe e

algumas crianças vivendo num mesmo lar, correspondendo ao modelo de

família nuclear burguesa, termo que será discutido posteriormente.

Ainda segundo a autora, cada família tem seu modo particular de viver,

mesmo que construído socialmente, gerando uma “cultura” familiar própria a

ser articulada no todo social. Existem determinações preestabelecidas acerca

do que é convencionado como certo ou errado. Contudo, o mundo familiar é

composto de uma variedade de formas de organização, crenças, valores e

práticas na busca de soluções para as vicissitudes que a vida vai trazendo.

Brown (apud DALLABRIDA, 2006, p. 121) assinala que o sistema

familiar é composto pelos membros de casa e por qualquer pessoa, presente

ou não, que exerça constante influência na configuração das interações

familiares. Os laços são complexos e também capazes de modelar atitudes e

influenciar o comportamento do sujeito durante toda a vida.

A família deveria ser percebida não apenas como um somatório de

comportamentos, anseios e demandas individuais, mas como um grupo que

interage na vida, com trajetórias singulares de cada um dos integrantes. A

família vem se modificando e se estruturando atualmente e, neste sentido, é

inviável identificá-la como um modelo único ou ideal.

1.1.1 Aspectos metodológicos da constituição dos estudos sobre família

A concepção clássica de família patriarcal brasileira durante muitos anos

foi fundamento da organização da sociedade. Segundo Silva e Chaveiro (2009,

p. 173), “essa concepção passa a ser criticada pela nova abordagem marxista.”

Analisar a família, entretanto, envolve revisitar conceitos clássicos sobre

o tema, construídos através da sua contextualização histórica a partir da Idade

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Média, possibilitando a compreensão e a re-significação da mesma nos dias de

hoje.

Para Poster (1979) não existe uma definição adequada da família, ou um

conjunto coerente de categorias que sirvam de base para analisá-la, tampouco

um esquema conceitual que especifique o que há de significativo nela.

Segundo o autor, a história da família fornece exemplos de algumas

deficiências teóricas, pois os pesquisadores se envolveram no campo da

história da família sem ter clareza das suas questões significativas. Ele fala que

os historiadores não teorizaram a família como uma área de investigação, e

sim remontaram de forma convencional e tradicional os estudos da família a

partir da Idade Média, justificando o rompimento dos vínculos de solidariedade

coesa deste tempo às questões da modernidade, que modificou

sistematicamente o padrão de família.

O tema família em pesquisas é genuinamente histórico e recente. É

certo que na segunda metade do século XIX vários estudiosos haviam

abordado a história da família, como Johan Jacob Bachofen, Charles Morgan e

Friedrich Engels.8

No Brasil, a abordagem acerca do tema se inicia nos anos 80, em

condições históricas, privilegiando análises empíricas criticando o clássico de

Gilberto Freyre.

Interpretando-a mais como uma descrição empírica da família brasileira, negaram o caráter patriarcal da família a partir de uma série de pesquisas históricas localizadas no Sudeste brasileiro, atribuindo aquilo que consideravam um “modelo” de Freyre à situação histórica do “longínquo” Nordeste colonial. Não viram que Freyre não falava de um “modelo” e sim de uma mentalidade9 que ultrapassava de longe o âmbito da família biológica e institucional, para se aninhar no seio da própria sociedade colonial, com repercussões até os dias presentes. (ALMEIDA, 2001, p. 4)

Para a autora, a interpretação negativa dos pesquisadores feita à obra

de Freyre, desconsidera o modo de pensar e de agir no âmbito da casa-grande

e senzala, típica do Nordeste brasileiro. Ela reforça que há um nível de

8 Bachofen publicou em 1861 O direito materno; o historiador americano Charles Morgan, cujo

livro, A sociedade antiga, foi editado em 1877. Friedrich Engels utilizou os escritos de Karl Marx para escrever A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884). 9 Daí porque a obra de Freyre é conhecida e apreciada pela corrente dos Annales.

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mentalidade, daquilo que irrefletidamente une pessoas de classes diferentes

num contexto histórico e nacional, sobretudo se comparadas a outro período

histórico e a outro espaço geográfico, e outros níveis onde as reações são

claramente diferenciadas socialmente, como “ideologia”, no âmbito da política,

e “visão de mundo”.

Nos primeiros escritos sobre o termo família citados, quais sejam de

Bachofen, Morgan e Engels, buscava-se compreender que tipo de família nos

tempos primitivos e remotos precedeu a família patriarcal do mundo ocidental

cristão. Esses autores, influenciados pela mentalidade anticlerical que

acompanhava o pensamento progressista e positivista da época, mostraram

que a família patriarcal burguesa era apenas uma instituição historicamente

determinada. Almeida (2001), abordando a família brasileira, lembra que

quando Gilberto Freyre escreveu Casa-grande & senzala, em 1933, definindo a

família patriarcal rural como o cerne da formação da sociedade brasileira –

“agrária, escravocrata e híbrida” -, dispunha apenas desse tipo de literatura

sobre a história da família.

O histórico da família brasileira traçado por Freyre fornece inúmeros

exemplos do tratamento dispensado à família, o que não significa que não

sejam passíveis de revisão científica, dado o fato que foi elaborado anterior à

década de 1960. Almeida (2001) não recusa a teoria gilbertiana10, muitas vezes

criticada, mas a elege como ponto de partida para novas pesquisas e

resignificações.

Horkheimer e Adorno (1973) apontam que existem várias teorias

pluralistas, nas quais a família é considerada algo natural e ao mesmo tempo,

histórico, biológico, social, fisiológico, ético-cultural, sem negar tendências

contrárias, como a sociológica e a naturalista11. Estas linhas determinaram o

caráter essencial da sociologia alemã da família.

As tendências sociologistas manifestam-se na sociologia americana da

família, entendendo a família como “[...] uma interação de determinados papéis

10

Termo usado pela autora Ângela Mendes de Almeida para referir-se às ideias de Gilberto Freyre. 11 Refere-se ao caráter absoluto de entidade autônoma. A família, segundo esta concepção seria uma configuração natural e eterna, anterior a qualquer sociedade organizada. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 135).

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desenvolvidos socialmente, investida de outras tantas tarefas sociais.”

(HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 136).

Os autores supracitados elegem como fator decisivo para a

compreensão das relações ativas entre família e sociedade as contribuições da

psicanálise e da formulação da Psicologia da Família, a qual enfatiza a função

constitutiva da família no desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos.

As análises da Antropologia Cultural alegam que não há uma única

evolução universal da família, mas várias formas de família, geográfica e

socialmente constituídas, que foram se definindo independentemente umas das

outras e que podem coexistir numa mesma sociedade.

Os estudos históricos sobre a família foram influenciados pela École des

Annales12 que advém da ação polemizadora exercida pela revista Annales

d’Histoire Économique et Sociale, fundada em 1929, na Universidade de

Estrasburgo, na França. Os pesquisadores dessa corrente propunham

combater a história essencialmente política e diplomática, enraizada nos

acontecimentos e voltada para reis, presidentes e guerras.

Essa Escola centraliza as pesquisas sobre a família, constituindo, em

cada época, embasamentos diferenciados. É na terceira geração, nos anos 70,

que as pesquisas deram ênfase à objetividade científica, reforçada pelo

advento do computador. Neste período, a popularidade dos Annales é

difundida em vários países e seu leque de objetos é alargado pelos

pesquisadores, abordando a família, a mulher, a criança, a sexualidade, o

casamento, entre outros. Muitos pesquisadores debruçaram-se sobre o tema

família, a partir da perspectiva qualitativa. No entanto, é Philippe Ariès que

inova as pesquisas para o assunto, publicando em 1960 História Social da

Criança e da Família. A pesquisa de Ariès sugere que a família moderna trouxe

consigo um novo conjunto de atitudes em relação às crianças, levantando a

questão de que a história da família deve preocupar-se não somente com as

dimensões da família, mas também com as qualidades emocionais das

relações familiares. (POSTER, 1979). 12 A Escola dos Annales é uma corrente histórica fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch. Primeiramente fundaram a revista Annales, com o objetivo de fazer dela um instrumento de enriquecimento da história, por sua aproximação com as ciências vizinhas e pelo incentivo à inovação temática. (BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

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Ariès não era historiador ligado à Academia, mas atuava

profissionalmente num instituto voltado para a agricultura com formação em

demografia histórica. É um historiador diletante e, segundo Almeida (2001),

bebe nas fontes da geração inicial dos Annales, situando a mentalidade

historicamente.

Em meados do século XX, percebeu-se que o pensamento

neomalthusiano13, que abordava a família, era insuficiente para a sua

compreensão. Aos poucos, baseando-se em leituras que faziam a relação

entre família e sociedade, descobriam-se as contradições sociais, que geraram

críticas à abordagem neomalthusiana, feitas pelos marxistas.

Mais que as críticas, a leitura da família ganhava novas compreensões teóricas e metodológicas: como construção histórica e célula social, lugar da geração do trabalho explorado, por um lado. E lugar da reprodução da ideologia burguesa por outro. (SILVA; CHAVEIRO, 2009, p. 173).

Por esse ponto de vista, a família passa a ser analisada não apenas pela

abordagem do planejamento familiar, mas como uma instituição, que é

considerada a maior do mundo, em termos numéricos. Enquanto instituição,

sua conceituação não se refere somente às relações de consanguinidade, ou

afetivas, assim como relações de poder, caracterizadas pela posição que

ocupam os membros na família. Para Silva e Chaveiro (2009), a família é uma

célula produtiva, uma unidade cultural – formadora de hábitos e costumes –,

uma expressão social no tempo e no espaço.

Poster (1979) reafirma a complexidade das questões que tangem à

família, as quais são sistematicamente contraditórias, pois a família é atacada e

ao mesmo tempo defendida com igual veemência. “É responsabilizada por

oprimir as mulheres, maltratar as crianças, disseminar a neurose e impedir a

comunidade.[...] É o lugar onde se procura desesperadamente fugir e o lugar

onde nostalgicamente se procura refúgio.” (POSTER, 1979, p. 9).

Apesar de este capítulo ter base nos escritos de Ariès e considerar a

importância da teoria de Gilberto Freyre e do aporte teórico de Almeida (1987;

13 Teoria populacional criada pelo demógrafo Thomas Malthus, a qual explica o subdesenvolvimento e a pobreza através do crescimento populacional. Relaciona-se com a questão da família em função das políticas restritivas de taxa de fecundidade inferidas pelo governo (planejamento familiar) no século XIX.

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2001), esta primeira parte elucida o surgimento dos estudos sobre a família nas

diferentes óticas, sobretudo, na literatura brasileira. A dificuldade em se

estabelecer um conceito de família, atualmente, reflete as mutações nos

modelos e configurações de família tradicionalmente incorporadas no

imaginário comum. Para assimilar a diversidade de concepções sobre a família,

é necessário que se conheça traços de sua formação, ou seja, sua história,

bem como seus conceitos, que advêm de teorias tradicionais, mas que

buscam, acima de tudo, caracterizá-la em sua época.

O conceito de família não é composto por uma unicidade, pois é

polissêmico e abrangente. O que se busca com essa discussão é retroceder a

determinados contextos para entender como se formou a família, indissociável

de sua história, e, neste sentido, possibilitar discussões que remontem essas

mutações engendradas na família ao longo dos tempos.

1.2 As transformações da família e da criança

Na Antiguidade Clássica, a família era composta por esposa, filhos,

escravos, agregados, gado, bens móveis e imóveis, patrimônio do pater

familias14, incorporando, assim, a analogia entre propriedade privada e

patriarcalismo.

Com o cristianismo, a moral imposta pela Igreja modifica a família

patriarcal, atribuindo ao casal a condição de instituição chave do casamento.

“Nessa nova moral, o exercício do sexo torna-se um mal absoluto, apenas

tolerável pela necessidade de continuidade da espécie, e a castidade e a

continência sexual são erigidas em valores.” (ALMEIDA, 1987, p. 59). Com

base na doutrina cristã, os escritos de São Paulo e Santo Agostinho propõem

que o homem deve conter-se e ater-se à função única de procriação; lançam

os eixos de comportamento feminino: obediência, passividade e silêncio. A era

14 Expressão originária do latim que designava o “chefe de família”, sempre em posição masculina, única pessoa com plena capacidade jurídica. Fonte: <http://muriasjuridico.no.sapo.pt/eBonusPater.htm> Acesso em julho de 2010.

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Cristã dissemina um parâmetro de vida que adentra a Idade Média: a recusa ao

prazer.

O Renascimento, a Reforma, e mais tarde o Iluminismo vão constituir, cada um num terreno diferente, brechas a essa moral cristã de abstinência, pois atacando os dogmas da Igreja e o modo de pensar global que ela havia imposto, abriam espaço para novas formas de viver as relações homens-mulheres e adultos-crianças. (ALMEIDA, 1987, p. 60).

O Renascimento, segundo a autora, abriu as portas às ideias iluministas,

dando abertura ao mundanismo – ampliado visivelmente no século XVIII – em

que as cortes foram transplantadas para grandes cidades governadas por

Estados absolutistas. Desde o Renascimento, acontecia a corrosão da visão de

mundo imposta pela Igreja. O Protestantismo mostrava o sexo e demais

atividades diárias de forma menos pecaminosa.

O mundanismo foi um movimento que popularizou os hábitos

decadentes da aristocracia, assumidos por setores da burguesia, classificado

como padrão de modernidade para as populações urbanas. Tal movimento se

assemelha às ações do dia de hoje, o prazer imediato e o conhecer por prazer.

Neste contexto, mulheres aspiram ao prazer sexual, à ocupação de cargos

ocupados pelo homem – política, ciência, arte –, porém, em contrapartida,

rejeitam a maternidade.

O ideal de família nuclear burguesa emerge nesta época, a qual se

encontrava alinhavada à ascensão da burguesia industrial, ancorando a

ideologia da família protestante e à decadência dos costumes da aristocracia,

sintonizada ao espírito burguês de revolução e democracia formal. O

pensamento que norteou a sociedade era embasado na igualdade social,

refletindo a divisão de poderes entre os membros da família. Almeida (1987, p.

61) destaca que:

Todos homens são iguais perante a lei, portanto, os ricos enriquecem e os pobres empobrecem por causa das leis “naturais” do mercado, mas a família, estando excluída da produção, teria constituído uma célula perigosamente igualitária se não houvesse também leis “naturais” que colocassem a mulher no seu lugar, que não é igual ao do homem.

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Essa família era fechada para si, composta por pai, mãe e alguns filhos,

que vivem sós, sem criados, agregados e parentes na casa, comportando o

modelo de modernidade no findar do século XIX. A mulher é dona do lar e o pai

se faz presente para exercer a autoridade. É eminente nesta configuração

resquícios da família patriarcal.

Fruto direto do capitalismo, a família nuclear burguesa se constitui nesse

contexto, a partir da ascensão da burguesia industrial, que provocou a

fragmentação dos diversos modos de vida, valores e comportamentos,

acentuados no século XIX. Este modelo de família foi concebido pelas classes

dominantes e foi propagado como o ideal a ser seguido. Com frequência é

composta por pai, mãe e filhos, remetendo ao modelo patriarcal. A

configuração dessa família é pautada na diferenciação nítida das funções que

cada um exerce dentro dela. Sobre isso Segalen (1999b, p. 254) salienta que:

O burguês trabalha ou gere o capital. É sobre ele que assenta a representação social. Mesmo que a mulher tenha trazido um dote importante – e é sabido que o casamento burguês é um casamento de interesse, um estabelecimento –, só ao marido cabe a responsabilidade dos bens do casal. Tanto em sentido próprio como em sentido figurado, a burguesa é incapaz. Sem a carga do trabalho doméstico, a sua função principal é ser a “dona da casa” [...]; organiza, dá ordens aos criados, em maior ou menor número consoante ao nível do casal. [...] Cada vez mais, o papel da mulher burguesa do século XIX é cuidar dos filhos, assumir sua função maternal. Cuidando das crianças, freqüentemente com a ajuda de uma ama, é especialmente educadora, aquela que forma o coração e o espírito dos filhos. Sublimada na maternidade, a mulher encontra-se relegada para uma posição secundária no seio do casal.

Esse estilo de vida da elite dominante marcou o imaginário de uma

época em que se destacavam fazendeiros plebeus, aristocratas portugueses

englobados num sistema escravocrata.

Com as transformações ocorridas no processo de urbanização do país,

a sociedade brasileira do século XIX é marcada pela consolidação do

capitalismo, ascensão da burguesia e surgimento da mentalidade burguesa,

presenciando-se o nascimento de uma nova mulher nas relações da chamada

família burguesa. Algumas imagens da arte brasileira no século XIX retratam

essa temática, dentre elas destacam-se Arrufos, de Belmiro de Almeida, de

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1887 e Cena de família de Adolfo Augusto Pinto, de José Ferraz de Almeida

Júnior, de 1981, apresentadas no Anexo 01 e 02, respectivamente15. Neste

cenário, a vida burguesa reorganiza vivências domésticas. Um sólido ambiente

familiar, lar acolhedor, filhos educados e a esposa dedicada ao marido e sua

companheira na vida social são características que marcam esta época.

(D’INCAO, 2004).

O aspecto apresentado por Segalen (1999b) indica que a mulher é, além

de tudo, um instrumento de relações sociais, pois é atrelada a fazeres que

despendem pouco tempo – livre das tarefas domésticas, graças às criadas; e

das tarefas maternas, graças às amas – atendo-se, então, à organização da

vida social da família, de acordo com a classe social, ou seja, quanto mais

abastada a família, mais tempo lhe sobra para compras, passeios, organização

da casa, ativando alianças de parentesco e de amizade. A mulher, no centro

deste dispositivo familiar, é valorizada como mãe, e as virtudes decorrentes de

suas práticas eram exaltadas no século XIX, ou seja, estes afazeres, tanto os

domésticos quanto os externos, eram vistos com aprovação, mas, no entanto,

precisavam estar sempre bem adequados, desde a escolha dos horários, até o

tipo de alimentação, entre outras atividades voltadas à organização e

composição da família.

Verifica-se, no entanto, que esse estilo de vida da mulher é, muitas

vezes, diferente do padrão vigente. Por ser uma categoria de limites

imprecisos, as relações conjugais, por vezes, são diferentes do que fora

apresentado por Segalen (1999b), o que reforça a conotação mitificada de

família nuclear burguesa. O fato de a mulher não exercer atividade profissional

não implica dominação masculina sobre ela. A estrutura dos papéis no lar

propõe, muitas vezes, que a figura da mãe sobressaia, ou seja, que a mãe seja

dominante em relação à figura do pai. Consoante a multiplicidade da

composição familiar, a burguesia do século XIX não é uma classe homogênea.

15 Considerando que este texto pode ser lido por uma infinidade de pessoas, não somente as oriundas do campo das artes visuais, a imagem segue como elemento em anexo, sem objetivos de elucidar seus aspectos estéticos formais, e sim como um retrato da família do contexto apresentado. Arrufos, de Belmiro de Almeida é uma pintura de 1887, óleo sobre tela, com 89,1 cm x 116,1 cm de dimensão, pertence ao Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro). Cena de família de Adolfo Augusto Pinto, de José Ferraz de Almeida Júnior, 1891, é também um óleo sobre tela, com dimensões de 106 cm x 137 cm. É acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

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A par da diversidade das famílias operárias, há o mosaico das famílias burguesas. Da alta à pequena burguesia, de um nível de rendimentos para outro, de país para país, tal como de uma época para outra, há múltiplas burguesias. Todavia, todas partilham uma ideologia que as unifica para além das suas distinções materiais, colocando no centro dos seus valores um modelo familiar que desempenhará um papel social considerável ao longo do século XIX, seja no caso dos grupos domésticos seja no caso das redes de parentesco. (SEGALEN, 1999a, p. 18).

A família nuclear burguesa surgiu como a estrutura familiar dominante

na sociedade capitalista avançada do século XX, sendo, com freqüência,

padrão para as outras estruturas familiares. Relacionava-se com a continuação

da linhagem, pautando-se na acumulação de capital e na importância da

escolha individual.

Essa família nuclear é o resultado de um longo processo histórico que se

formou e forjou várias de suas características durante o processo de

colonização imposto pela Europa aos diversos povos de todos os outros

continentes do globo e que perdura nos dias de hoje. Atualmente, a

constituição da família patriarcal passou por transformações de ordem

constitutiva: o pai não é mais o único mantenedor do capital; a mãe também

adquiriu esta função, embora a constituição ideológica seja ainda fortemente

presente. O caráter de dominação masculina, ainda que esteja diluindo aos

poucos, em função da mudança da postura das mulheres sobre capital e

trabalho, permanece no ideário da sociedade.

Almeida (1987) ressalta que o padrão de mentalidade da família nuclear

burguesa, no Brasil, foi reapropriado e adaptado pela mentalidade da família

patriarcal, unindo ambas as ideias e gerindo um modelo de família específico

de nossa sociedade. A essência deste pensamento se dá no momento em que

há a passagem do tradicional ao moderno, trazidas com o ideário

revolucionário burguês – noções de democracia, cidadania e outras. No

entanto, essa transição, conforme a autora, trouxe uma modernização

conservadora, isto é, o país assume um caráter modernista, mas conserva a

essência do tradicional.

O “aburguesamento” das famílias constituiu, inicialmente, mais um verniz superficial atingindo parte dos hábitos das elites urbanas, mas sempre coexistindo com o substrato da nossa formação engendrado

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antes do século XIX. É desse “casamento” que nasceu a nossa família conjugal atual. (ALMEIDA, 1987, p. 63-64).

Reiterando a autora, a família patriarcal – em cujas raízes se enredam

na Antiguidade a ideia de escravo, em que o pater familias, anteriormente

citado, abarca um poder de proprietário, moldando o ideal dessa estrutura

familiar – é o ponto de partida para a organização da família brasileira.

Segundo Roberto Da Matta (1987, p. 131), no sistema burguês,

a família foi reduzida em suas funções políticas e econômicas [a unidade política é a comunidade e o partido; a unidade econômica é o indivíduo num mercado] de tal modo que a família nuclear tornou-se uma forma dominante e abrangente de organização doméstica.

Surgem nas relações familiares inúmeros conflitos entre a autoridade

patriarcal e os modelos igualitários liberais. O modelo advindo da família

burguesa ainda mantém sua força e vigência sobre seus membros. O

sentimento de culpa ocasionado pelo possível cumprimento e/ou transgressão

de normas é introjetado no contexto familiar. As incertezas aumentam, dando

vazão a sentimentos de insegurança, como o estabelecimento de limites;

ocorrem muitos questionamentos, especialmente no que diz respeito aos

aspectos voltados à educação dos filhos, moldando um novo olhar para esses.

1.2.1 A ascensão da escola e da criança

Ariès (1981) parte da análise da criança e seu percurso na escola,

articulando questões pertinentes à família, no que concerne à sua trajetória

histórica. Ele aponta que, no período medieval, tanto a socialização da criança

quanto a transmissão de valores e conhecimentos não eram assegurados pela

família. O que a criança aprendia era uma aprendizagem autônoma, ou seja,

ao auxiliar e observar os adultos nas atividades cotidianas, ela aprendia por si

só. Associava-se, assim, educação à aprendizagem do serviço doméstico, por

meio da prática.

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Nesse período, as trocas afetivas e as comunicações sociais aconteciam

fora da família, de forma que a criança, após os primeiros anos de vida,

comumente passava a viver em outra casa que não era de sua família. Ariès

salienta que, no final do século XV, a realidade e o sentimento da família se

transformaram, concomitantemente à ascensão da escola – que deixou de ser

reservada aos clérigos - forjando a separação da criança dos adultos,

submetendo-a a um período de quarentena, em que era mantida na escola,

período convencionado de escolarização. Assim, para Ariès (1981), a família

tornou-se um lugar de afeição necessária entre pais e filhos, algo que ela não

era antes.

Eco (2004) define o burguês pela praticidade que rege sua vida: as

coisas são certas ou erradas, belas ou feias, sem ambiguidades. “O burguês

não é dilacerado pelo dilema entre altruísmo e egoísmo: é egoísta no mundo

exterior [na bolsa, no livre mercado, nas colônias] e bom pai, educador,

filantropo no recôndito das paredes domésticas.” (ECO, 2004, p. 362). Essa

afeição se exprimiu, sobretudo, através da importância que se passou a atribuir

à educação. É nesse contexto que a família começa a interessar-se pela

educação dos filhos, acompanhando solicitamente seus estudos, a partir dos

séculos XIX e XX, atitude outrora desconhecida.

A família começou então a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal importância, que a criança saiu de seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê-la ou substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela. (ARIÈS, 1981, xi).

Partindo desse princípio - decorrente da revolução escolar e do

sentimento familiar -, é possível compreender o que sustenta os paradigmas

acerca da família, relacionados à polarização da vida social a partir do século

XIX, que se estende até os dias atuais, abolindo as convenções antigas de

sociabilidade.

Ariès (1981) traz o conceito de sentimentalismo que atingiu a família a

partir do século XVI e XVII, pontuando que em decorrência disso aconteceram

mudanças significativas de atitudes da família em relação à criança, no sentido

de querer mantê-la mais próxima. A família transformou-se, ao passo que

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modificou suas relações internas com a criança, pois começa a valorizar sua

proximidade, e tal atitude provoca a mudança do sentimento familiar com

relação aos filhos.

É evidente que, com a proliferação das escolas, em meados do século

XVII, surge a necessidade de uma educação teórica, substituindo as antigas

formas de aprendizagem prática, reforçando o desejo dos pais em não afastar

muito as crianças, mantendo-as próximas, perto o maior tempo possível. Ariès

(1981) destaca que esse fenômeno comprova a transformação considerável da

família, passando a concentrar-se na criança.

Outra questão que o autor enfatiza é a transformação ocorrida no final

do século XIX, quando as amas-de-leite – denominação às mulheres que

amamentam os filhos alheios – passaram a morar na casa dos patrões, e, com

essa proximidade desde o nascimento, as famílias se recusam a separar-se

dos bebês.

Com relação a isso, Ariès (1981, p. 164) constata que:

A história aqui esboçada, [...], surge como a história da emersão da família moderna acima de outras formas de relações humanas que prejudicavam seu desenvolvimento. Quanto mais o homem vive na rua ou no meio de comunidades de trabalho, de festas, de orações, mais essas comunidades monopolizam não apenas seu tempo, mas também seu espírito, e menor é o lugar da família em sua sensibilidade. Ao contrário, se as relações de trabalho, de vizinhança, de parentesco pesam menos em sua consciência, se elas deixam de aliená-lo, o sentimento familiar substitui os outros sentimentos de fidelidade, de serviço, e torna-se preponderante ou, às vezes exclusivo. Os progressos do sentimento da família seguem os progressos da vida privada, da intimidade doméstica. O sentimento da família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um mínimo de segredo.

Nessa conjuntura, o autor considera que é com o advento da escola que

é valorizada a proximidade das crianças com a família, o que provoca

consequências sentimentais que implicam em um modo de estruturação da

família, evidentemente, ainda distanciada da constituição da família moderna.

Na opinião de Ariès (1981), o sucesso material, as convenções sociais e os

divertimentos coletivos não se distinguiam como hoje em atividades separadas,

da mesma forma que não havia separação entre a vida profissional, a vida

privada e a vida social.

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Nesse contexto, o padrão social da família era constituído por intermédio

dos costumes sociais que a família exercia, não essencialmente da fortuna que

possuía. O prestígio, a boa reputação, o carisma, eram características da

família que possuía êxito social.

No Brasil, o surgimento da escola, da privacidade, dos cuidados

especiais com as crianças, também fez parte da construção da família nuclear

e, por conseguinte, da estrutura familiar contemporânea.

1.3 A família brasileira

Conceituar a família no Brasil requer a revisão dos conceitos já

formulados, de plural relevância quanto a sua historiografia e constituição. As

conclusões preliminares não encerram novas problemáticas, mas marcam

novos objetos de pesquisa relativos à história da família no Brasil, de um modo

geral, compreendendo que pode ser abordada sob diferentes pontos de vista.

O modelo familiar no período colonial foi trazido pelos portugueses e

reforçado pela Igreja Católica, que funcionava como agente ideológico do

Estado. Esse modelo da cultura portuguesa foi implantado nas sociedades de

classe dominante, em que os filhos eram legitimados e assegurados de

herança e sucessão, relacionando este molde ao estado conjugal. O homem

era eximido da responsabilidade da prole, o que contribuiu para a formação dos

padrões de dominação masculina e à escravização das mulheres.

A representação da família tradicional, segundo Silva e Chaveiro (2009),

era patriarcal-patrimonialista, gerada para ser grande em função da

necessidade de trabalhadores, que reunia pai, mãe, filhos, parentes e

agregados.

De acordo com Samara (1987), a família brasileira seria o resultado da

transplantação e adaptação da família portuguesa ao nosso ambiente colonial,

tendo gerado um modelo com características patriarcais e com tendências

conservadoras. “Esse modelo serviu de base para caracterizar a família

brasileira como um todo, esquecidas as variações que ocorrem na organização

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da família em função do tempo, do espaço e dos diferentes grupos sociais.”

(SAMARA, 1987, p. 30).

O modelo gilbertiano abordado pela ótica de Almeida |et al| (1987),

evoca que a família patriarcal brasileira é uma construção ideológica que é

referencial para a prática no que diz respeito a padrões de relações entre os

membros. Esse recorte de família construído por Freyre e apresentado por

Almeida (1987) aparece não como uma descrição da família brasileira, mas

como uma representação dela.

Assim, as formulações acerca da constituição familiar brasileira foram

confundidas, pois a família passou a ser sinônimo de patriarcal, e essa,

sinônimo de família extensa. No entanto, estudos recentes indicam que esse

tipo de família, quais sejam as extensas do tipo patriarcal, não foi

predominante, representava uma parcela minoritária da população do século

XIX. Pesquisas de Samara (1987) constatam que muitas famílias possuíam

elementos não-patriarcais aproximando-se da atual família conjugal moderna,

para além das famílias do senhor de engenho.

Nesse sentido, utilizar um termo genérico para representar a sociedade

brasileira como um todo é ineficaz, pois a validade de um modelo pode ser

contestada. Estruturalmente, a família paulista, como também de outras áreas

da região sul do país diferem-se daquela descrita por Gilberto Freyre na região

de lavoura do Nordeste brasileiro.

A família patriarcal rural assentada no tipo de produção que dominou o

Brasil-Colônia era caracterizada pela produção para exportação, à devastação

de terra e ao trabalho escravo. Com relação a isso, Almeida (1987, p. 55)

conclui que a família patriarcal era, portanto,

além de rural, uma família patriarcal escravista, na qual a escravidão avilta o trabalho manual e relativiza a vida humana. E, além disso, uma família poligâmica, em cuja ética está inscrito que para o homem branco todas as relações sexuais ativas são possíveis e desejáveis, enquanto que às mulheres brancas estão reservadas a castidade, e depois a fidelidade.

Para a autora, o ponto de partida para a compreensão e estudos sobre a

família contemporânea brasileira é a concepção de família patriarcal, rural,

escravista e poligâmica, apresentada não apenas por Gilberto Freyre, mas

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também por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Essa família é a

matriz que permeia as esferas sociais. Nesse sentido, o prisma dessa

constituição familiar espraiou-se em outros domínios de organização familiar,

até mesmo na família conjugal mais recente.

É evidente que os ideais de família no Brasil advêm de modelos

exteriores, assim como outras ideias trazidas de fora, como o liberalismo, os

progressos tecnológicos da revolução industrial, e tantos outros fenômenos

gestados em demais realidades socioeconômicas.

E quando falamos de família nuclear burguesa estamos nos referindo àquela família intimista, agindo e circulando no espaço delimitado do provado, ao qual se opõe o espaço do público [...] No entanto, essa idéia de família nuclear burguesa chega e encontra uma realidade completamente distinta daquela em que havia sido gestada. Uma realidade em que não havia uma classe burguesa citadina, industrial ou comercial, em ascensão, mas ao contrário, a mesma sociedade colonial, formalmente independente, baseada no latifúndio exportador cuja mola essencial era ainda o trabalho escravo. A família rural transplantada para as cidades do século XIX havia sofrido modificações superficiais. Mas a mentalidade estruturada sobre o patriarcalismo continuava a ser dominante. (ALMEIDA, 1987, p. 56-57).

As transformações econômicas, políticas e culturais evidenciaram as

transformações sociais das famílias brasileiras, tal como a revolução industrial,

a modernização, a urbanização e, principalmente, as mudanças nas relações

de trabalho afetaram a instituição familiar e as formas de regulamentação da

procriação, da família na escola, da família no trabalho, da constituição da

família no todo.

Segundo Silva e Chaveiro (2009), a ocupação do país por imigrantes,

além dos acontecimentos supracitados, os quais se deram em diferentes

formas e tempo, implicaram a formação de modelos distintos de famílias,

também contribuindo para mudanças na constituição e nos padrões culturais

da população trabalhadora.

1.3.1 O nascimento do lar burguês

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A ruptura na complexidade familiar, que por razões diversas levou os

pais a se separarem dos filhos solteiros, casados, genros, noras, netos e

mesmo dos parentes, não revive, nos séculos XVIII e XIX, o mesmo ambiente

da casa-grande, que por outro lado parece não intervir no ciclo de obrigações

mútuas que unem os sujeitos ligados por parentesco, amizade ou trabalho.

Nesse sentido, Samara (1987) salienta que a absorção dessas relações não

ocorre na estrutura interna da família, continua correndo fora dela, pois os

laços de sangue e solidariedade estão presentes na trama social.

O capitalismo tardio desenvolvido no Brasil e as relações estabelecidas pelo colonizador português definiram traços culturais e sociais bastante específicos. Em relação às características da família, inicialmente elas foram “livres”, adotaram normas e comportamentos de acordo com a cultura patriarcal, refletindo obviamente a ideologia dos colonizadores, mas sem intervenções jurídico-legais. O caráter privado da família brasileira no período colonial não possuía o mesmo sentido da privatização inerente ao modelo de família nuclear moderno que se desenvolvera a partir do século XVIII na Europa. Sua ampla estrutura incluía agregados, compadres, afilhados e parentes em geral que, mesmo migrando do campo para a cidade, resistiu a qualquer proposta de mudança. (PINHEIRO, 2002, p. 66-67).

As mutações na família brasileira estão inicialmente atreladas ao

sentimento de intimidade, aos hábitos alimentares, ao pudor do corpo, que

foram desenvolvidos a partir do século XIX, auxiliadas pelos médicos que,

utilizando-se do discurso da higiene, da moral e até do amor à pátria,

modificaram suas práticas. Essa união entre o Estado e a medicina foi

fundamental, especialmente para as mudanças que aconteceram nas famílias

ricas.

A família patriarcal manteve durante muito tempo em sua estrutura uma

extensa rede de pessoas fora do critério da consanguinidade ou dos laços

matrimoniais, como os compadres, afilhados e outros. Sua extensão não

significava necessariamente autonomia ou liberdade para as pessoas

envolvidas, mas consistia em reforço ideológico da ideia de dominação dos

senhores. Desta forma, mesmo com características privadas, sua conduta não

era condizente com uma sociedade urbana que, na perspectiva de seus

ideólogos, precisava ser “europeizada.” (PINHEIRO, 2002).

Nesse contexto, a família engendrou um impedimento movido pela

urbanização: ou mudava os hábitos para acompanhar as novas regras de

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competição social e econômica, ou continuava estagnada em seu modo de

vida, correndo o risco de enfraquecer-se economicamente, sendo que ambas

as escolhas resultavam em desestruturação. Nesse impasse, a família aceitou

a medicina como padrão de comportamentos íntimos, fortalecendo a

urbanização, as normas de convivência, entre outras.

Paulatinamente, a nova família nuclear rompeu com as raízes extensas

do passado, edificando em seu lugar um conjunto de cuidados físicos e

emocionais.

Desse rompimento resultou a quebra de antigos valores relacionados, por exemplo, à religião e à propriedade. Em seu lugar, valores de classe, corpo, raça e individualismo foram sendo assumidos, até chegarem às concepções modernas de educação e conservação das crianças como objetivo fundamental do lar burguês. Essas são, portanto, as origens das idéias que percebem a família enquanto local privilegiado de proteção e cuidados com a infância. (PINHEIRO, 2002, p. 68).

A medicina voltou-se às famílias de elite, as quais tinham condições de

oferecer educação aos filhos. Houve favorável articulação dos profissionais

entre as famílias e o Estado, tais como estruturação de hábitos,

comportamento, forma de criar os filhos. O comportamento do homem burguês

foi uma construção social que precisou tirar as crianças do convívio dos pais.

Nesse âmbito, surge o colégio interno como âncora nos estudos que a família

não dava conta, como sexualidade saudável, harmonia física e moral,

pressupostos desse modelo de colégio que distinguia as crianças burguesas

das demais.

A mudança estrutural da família brasileira se deu no período de

transição entre o trabalho livre e o trabalho escravo, não havendo, por parte do

Estado, preocupação com as famílias pobres e livres em geral, pois não eram

motivo de inquietações. As atenções, no entanto, estavam voltadas para as

mudanças nas famílias burguesas.

A sociedade brasileira, em especial os setores privilegiados

economicamente, passada a transição de família patriarcal em família nuclear

burguesa, era agora atrelada à substituição de um ideário naturalista por uma

compreensão leiga, racional e científica, o que implicou num processo de

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separação entre o público e o privado, uma segregação social com espaços

delimitados.

O tempo dos compadres de aparente entrelaçamento das classes sociais havia passado. O sentimento de intimidade, o sentimento de infância, a separação da criança do adulto (colégios internos), o confinamento da mulher no lar, a mudança na arquitetura das casas são fatos que expressam essa transformação. Na base de todo esse processo, encontra-se o modo de produção específico da sociedade capitalista. Ao separar os meios de produção do trabalhador, ao estabelecer uma profunda divisão social do trabalho, ao separar ricos e pobres, essa sociedade não podia correr o risco de permitir o desenvolvimento de outras formas de solidariedade no interior das instituições. Todos precisavam adotar a mesma racionalidade em nome do progresso e da ordem. (PINHEIRO, 2002, p. 70).

É nesse contexto que o Estado passa a controlar com veemência a

educação da classe trabalhadora, combatendo a insalubridade e

promiscuidade nas moradias, presentes nos cortiços e favelas, intervindo num

ato de repressão social para uniformizar a representação dos papéis e dos

modelos ideais.

Aos poucos, o isolamento da família, o caráter autoritário mesclado à

ideia de propriedade dos pais em relação aos filhos e do marido para com a

mulher, formou um pano de fundo para a constância das atitudes inadequadas

dos pais perante os filhos, alterando a visão de infância, no nível formal das

instituições (leis, decretos, estatutos) e nos aspectos ligados à cultura, valores

e educação na família.

Nesse contexto, a mulher adquire importância no interior da casa ao

assumir o papel de iniciadora da educação, deixando de ser apenas a guardiã

do patrimônio, assim como o Estado é o mediador das relações familiares, que,

embora regulamentadas, não romperam com o princípio de autoridade

masculina.

A razão instrumental – pensamento desenvolvido pelas ideias

protestantes do período liberal – permeava o comportamento dos indivíduos, os

quais deviam ajustar-se e subordinar-se para não se perderem ou

enfraquecerem. Quem não era submisso estava fadado ao fracasso. É deste

contexto que se valoriza a educação (familiar) que garantisse a reprodução da

autoridade (paterna) e a compreensão das diferenças naturais como desígnios

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de Deus, assim como as diferenças sociais, tomadas como acontecimentos

naturais.

Horkheimer (1990) pontua que essa razão instrumental era reforçada

pelo senso de responsabilidade econômica e social para com a mulher e os

filhos que, no mundo burguês, tornou-se um traço característico do homem e

fez parte de uma das funções aglutinadoras da família, como ainda se encontra

hoje. Para exercer sua função influente na família, o homem necessita exercer

seu papel de provedor. Ao perder dinheiro, ele também perde o poder.

Para Da Matta (1987), o sistema familiar muitas vezes é heterogêneo, ou

seja, pode ser matrifocal, liderado pela mãe, ou patriarcal, guiado pelo pai.

Assim, em alguns contextos o mundo social é englobado pela mulher, ao passo

que, em outros, pelo homem. Aquilo que diz respeito ao universo da casa, os

valores religiosos, morais e éticos, é submetido à mãe, e o que pertence ao

mundo da rua, dos negócios, política e formalidades, é incumbido ao pai.

A funcionalidade do sistema reside na própria capacidade de manter

diversas categorias englobadoras que venham a ser utilizadas em situações e

propósitos distintos. Nesse sentido, o sistema pode ser ao mesmo tempo

matrifocal e patriarcal, desde que se refira respectivamente à casa ou à rua,

pois é considerado de relevância superior o exercício daquilo que pertence à

rua, aos negócios, e, portanto, a necessidade e a importância do trabalho da

mulher fora de casa não destroem as concepções sobre inferioridade e

submissão.

Por meio de uma base histórica e social, buscou-se evidenciar, no

capítulo, as relações estabelecidas entre família, criança, escola e sociedade,

pois são campos interligados nos dias de hoje. Assim, traçou-se uma esfera de

reflexões acerca das transformações sociais que modificaram o conceito de

criança e, consequentemente, de família no mundo ocidental, especialmente a

partir da Idade Moderna, salientando o surgimento da escola, da burguesia e o

papel da família no contexto dessas mudanças. Por sua vez, essas

considerações servem como base para a compreensão dos próximos conceitos

acerca de arte, educação, deficiência, inclusão e classe social, a serem

trabalhados nos capítulos posteriores.

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2 FAMÍLIA, EDUCAÇÃO E DEFICIÊNCIA: UM DEBATE POLISSÊMICO

“Toda relação consigo é também relação com o outro, e toda a relação com o outro é também relação consigo próprio.”

Bernard Charlot

Este capítulo apresenta um debate sobre as analogias estabelecidas no

contexto família e escola, pontuando questões que dizem respeito às famílias

que possuem filhos com deficiência, abordando igualmente a inclusão, a

deficiência e o conceito de classe social, a partir dos escritos de Bourdieu

(1998; 2005; 2007), Dallabrida (2006) e Nogueira e Nogueira (2002).

2.1 O contexto escolar na contemporaneidade

Para entender como as famílias das classes médias pensam a formação

artística das crianças com deficiência, foi escolhido examinar a relação família

e escola. É no contexto da escola que estão embutidas diversas

singularidades, próprias dessa instituição, que lida, conforme Silva e Lima

(2009), com a educação formal, sistematizada mediante a veiculação de

dimensões epistemológicas do conhecimento pelo currículo. Este âmbito

aproxima-se muito do espaço familiar, pois ambos estão implicados no ato de

educar. Partindo dessa analogia, torna-se viável enredar a integração da

família à escola de forma democrática. A este propósito, serão tecidos alguns

aspectos das relações estabelecidas no contexto família e escola.

Bourdieu (2005) observa que a família é unidade de reprodução social,

e, como tal, “tem um papel determinante na manutenção da ordem social, na

reprodução, não apenas biológica, mas social, isto é, na reprodução da

estrutura do espaço social e das relações sociais.” (BOURDIEU, 2005, p. 131).

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Como já dito anteriormente, a estrutura familiar, bem como sua função social é

um constructo histórico. Isso equivale a dizer que, conforme o tempo e a

sociedade na qual está inserida, organiza-se de forma particular, com vistas a

dar conta das necessidades dessa mesma sociedade.

Romanelli (2000) destaca que o fato de considerar a família como

unidade de reprodução social não significa torná-la encarregada de mera

reposição de estruturas estruturadas16, e sim como instituição de convivência

que pratica meios que dizem respeito a estruturas estruturantes, que não

repõem somente o instituído. Isso envolve o desenvolvimento de estratégias

conscientes com vistas à tomada de decisões, enfrentamento de novas

dificuldades, bem como o investimento escolar.

Constata-se que historicamente o papel da família na educação dos filhos

assumiu lugar central, isto é, concebeu, além da afetividade, uma gama de

mudanças na estrutura familiar moderna que influíram para além da questão da

educação.

De acordo com Medina (2002), a família é uma das instituições que mais

engendrou mudanças em uma geração. O casamento passou a ter um papel

social menos central e o “companheirismo" tornou-se corrente e aceito. Ganhou

também o espaço da igualdade entre as partes. A sociedade – antes marcada

por uma distribuição forte entre os sexos e uma divisão clara entre trabalho

produtivo e reprodutivo, como as atividades domésticas – transformou-se, dado

o valor do pensamento feminista e de uma política de emancipação da mulher,

o que levou a uma redistribuição importante, embora ainda com limites, das

atividades profissionais e privadas.

A instituição familiar se desdobra nos tempos de hoje, mesmo que com

resquícios das famílias, que, em parte, ainda são baseadas na patriarcalidade.

Existem múltiplas facetas que caracterizam a estrutura familiar contemporânea,

principalmente no que diz respeito às funções do homem e da mulher, que

outrora eram bem demarcadas: atividades domésticas, destinadas à mãe e

atividades da rua reservadas ao pai. Hoje tais funções se misturam entre os

papéis de pai e de mãe, principalmente no âmbito privado.

16 Apud, Bourdieu, 2005.

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Medina (2002) salienta que, entre as transformações ocorridas na família,

se destacam a redução do número de filhos, o prolongamento do tempo de

vida, a alteração do papel doméstico atribuído somente à mulher, rompendo

com o quadro tradicional provedor/dona de casa. Atualmente, a instabilidade do

casal é aceita socialmente, com facilitação da dissolução do vínculo conjugal -

a razão da união é afetiva e não visa unicamente à reprodução. Isto gerou uma

multiplicidade de arranjos: casal sem filhos, casal temporário com filhos,

famílias extensas, famílias uniparentais, casal homossexual com ou sem filhos,

entre outros.

O autor assegura que, embora não existam critérios para se julgar as

consequências desses diversos modelos de família, é possível traçar meios

que acessem esses dois universos por meio da parceria família e escola,

reconhecendo a subjetividade e as especificidades de cada um. Nesses novos

modelos de organização familiar, a escola e o professor – em especial –

acresce às suas atividades novas funções que exigem uma compreensão

desse contexto.

Para Smith (2008), a escolarização adequada de uma criança depende,

em parte, das relações construídas entre a família e a escola. A importância da

família vai além dos portões da escola, pois a criança transfere ou generaliza

suas aprendizagens da escola para casa e vice-versa. As crianças (e os

adultos) passam menos tempo em casa com a família do que passavam antes.

Assim, envolver os pais nos programas escolares constitui um desafio.

2.1.1 Relação pais & escola

Segundo Zago (2000, p. 20), “A família, por intermédio de suas ações

materiais e simbólicas, tem um papel importante na vida escolar dos filhos, e

este não pode ser desconsiderado.” É uma influência advinda de ações muitas

vezes sutis e nem sempre intencionais ou conscientes.

Além das normas, valores, crenças, filosofias, propagadas pela vida

familiar, é a família o componente que ancora a socialização das crianças no

contexto escolar e também configura a educação nas instituições e, para tanto,

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é influente direta na proximidade e distanciamento para com a escola. A

família é o elemento essencial que engendra ligações com a educação e suas

especificidades.

Prado (1986, p. 52) destaca que:

A família, como toda instituição social, apresenta aspectos positivos, enquanto núcleo afetivo, de apoio e solidariedade. Mas apresenta, ao lado destes, aspectos negativos, como a imposição normativa através de leis, usos e costumes, que implicam, muitas vezes, em elemento de coação social, geradora de conflitos e ambigüidades.

A autora propõe que, apesar dos conflitos, a família é primordial ao

desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade e da saúde dos filhos,

sobretudo na infância e adolescência, período no qual se constitui a identidade

do sujeito, em que a família é alicerce no processo de desenvolvimento.

Essa sociabilidade é desdobrada no espaço escolar, resultando nas

relações estabelecidas entre a família e a escola. Parafraseando Medina

(2002), quando a família entrega os filhos e a escola recebe os alunos,

formam-se uma simultaneidade de sentimentos que edificarão essas relações.

Para Corsino (2002), a busca de uma conexão entre família e escola

deve fazer parte de qualquer trabalho educativo que tenha como foco a

criança.

Pinçon e Pinçon-Charlot (2002) pesquisaram a trajetória familiar de

escolarização da elite francesa, dando ênfase às posições dominantes na

sociedade, inferindo que os pais possuem certo controle com relação à prática

pedagógica. Os estabelecimentos de ensino – públicos ou privados – que

acolhem crianças oriundas da alta sociedade garantem o trabalho educacional

da forma mais completa. Essa educação responsabiliza-se pela totalidade da

personalidade dessas crianças e a família domina certos aspectos que estão

além de suas atribuições. A escola deve estar em condições de consolidar os

elementos de socialização transmitidos pela família, moldando sua conduta e

seus procedimentos. Os autores discorrem que nos bairros onde dominam as

elites, os professores mostram-se meticulosos demais em relação as suas

práticas pedagógicas. Com efeito, em uma determinada ocasião, docentes

foram levados a retirar um manual de leitura que tinha desagradado aos pais,

porque eles julgaram muito populista.

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A escola, por muito tempo, entendeu a presença dos pais como um

desconforto. Independente de que lado viesse, a solicitação era vista como

queixa ou até mesmo invasão. Atualmente, cada vez mais se faz essencial a

participação dos pais na instituição escolar, visando à integração e à parceria,

movida pelo coletivo, pois a educação integral da criança não se efetiva na

fragmentação.

A família tem de delegar a responsabilidade da educação formal a quem de direito. Ao delegar a iniciação pública à escola, não se pode legislar sobre ela. Do mesmo modo, a escola não pode invadir o espaço privado das famílias. A relação entre família e escola acaba se tornando delicada e, na maioria das vezes, tensa, porque há uma pedagogização cada vez maior das relações familiares, paralela à familiarização igualmente crescente das relações escolares. A escola espera que os pais sejam professores particulares de seus alunos, enquanto os pais esperam que os profissionais da educação sejam ‘segundos pais’ de seus filhos. (SAYÃO; AQUINO, 2006, p. 107, grifos dos autores).

A proposição acima aponta um dos pontos de desequilíbrio da relação

entre pais e professores, que é a incumbência das funções atribuídas às

partes. A família pressupõe que a escola, além de ser responsável pelo

desenvolvimento cognitivo dos filhos, deve ser encarregada de outras missões

que a princípio não lhe dizem respeito. Em contraponto, a escola presume que

os pais devem ser a extensão dos professores nas tarefas escolares de casa,

pressupondo que eles não participam como deveriam na educação, sendo

responsáveis pela carência cognitiva dos filhos.

Segundo Anversa (2008, p. 36), outro agravante na relação entre pais e

professores é a falta de confiança mútua:

O diálogo com os pais é trazido em textos normalmente escritos por magistrados ou pedagogos, que normalmente pregam o relativo fechamento de uma parte dos professores aos desejos e às críticas dos pais. Na teoria o diálogo com os pais é fácil de ser assumido, porém, na prática inexiste a confiança e surgem preconceitos, suspeitas, críticas contínuas, fazendo com que o diálogo se esgote.

Acerca disso, reconhece-se que a iniciativa de estimular a participação

dos pais deve vir da própria escola, precisamente da gestão. A organização do

trabalho escolar constitui um conjunto de práticas, ancoradas em opções

políticas, que viabilizam condições para assegurar o bom funcionamento da

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instituição, de forma que se concretizem as metas esperadas. Esses princípios

preconizam a perspectiva da gestão escolar em uma atitude gerencial,

efetuada também pela esfera privada. Assim, segundo Silva e Lima (2009),

esvazia-se a dimensão política da oferta da educação e, nessa

processualidade, há o deslocamento da esfera dos direitos para a esfera dos

serviços. O que concerne à questão da pedagogia é sujeitado às menções

empresariais e mercadológicas.

A gestão escolar torna-se crescentemente permeável às atividades de gerenciamento levando para as margens as perspectivas político-pedagógicas, alimentando e legitimando no interior da escola atitudes de desqualificação à dimensão política do trabalho pedagógico por parte de seus profissionais. (SILVA; LIMA, 2009, p. 245).

O universo escolar não é concebido por práticas homogêneas, pois

existem diferentes tendências de gestão escolar que se encontram ou se

opõem, sublinhando, em alguns casos, as dimensões autocrática ou

democrática. Na primeira, há o predomínio das práticas hierarquizadas e

burocratizantes no processo educativo; a democrática, ao contrário,

caracteriza-se por diferentes dispositivos gestoriais que assumem igual

importância na dinâmica escolar.

Essa concepção diz respeito, em sua maioria, especificamente às

instituições públicas, cuja formatação é vinculada firmemente ao processo de

democratização e de integração de comunidade e família através dos grupos

e/ou associações de pais criadas com o intuito de compartilhar as ações da

escola.

Ainda que exista essa diferenciação, em nenhuma das instituições a

relação entre pais e escola tem vigor. Isso porque os estudos e pesquisas –

além de serem insuficientes – quase não apontam soluções, ou seja, avançam

pouco com relação a atitudes práticas, que poderiam facilitar uma parceria,

visto que a gestão escolar é a ponte entre pais e professores.

Essa atitude é essencial a todos, à família, aos professores, aos alunos,

aos gestores, ou seja, a quem integra o processo de ensino e aprendizagem.

No entanto, quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, a escola

que propiciar maior confiança aos pais estimulará a reciprocidade desta

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conduta fiducial, porque a família escolherá sem dúvida a instituição que inclua

e acolha seu filho no todo, indistintamente.

Existem situações que privilegiam determinadas classes sociais e

excluem outras, porque mesmo que a inclusão seja obrigatória, em muitas

instituições ela somente ocorre se a família se dispuser a custear certas

necessidades, o que contradiz a inclusão, pois é a instituição que se

responsabiliza a arcar com gastos neste sentido. Ainda assim, as elites

possuem condições financeiras para empregar gastos a quaisquer situações

que proporcionem melhores condições ao filho, mas isso é impraticável às

famílias de estratos sociais inferiores, o que muitas vezes as afastam da

acessibilidade às instituições privadas.

Busca-se, nesta pesquisa, averiguar se o investimento cultural e artístico

é maior nas elites do que nas demais esferas socioeconômicas. No item a

seguir, será abordada a classe social e sua terminologia, alinhavando com a

discussão acima exposta sobre o investimento escolar nos diferentes estratos

sociais.

2.2 Classe social

O conceito de “classe” é encontrado em diversas perspectivas

sociológicas, no entanto, sem uma unicidade que o defina. Nesta pesquisa será

utilizada a concepção de Bourdieu (1998 e 2007).

Para Salomon (2001), o fato de pertencer a uma classe social

específica, como média, média alta, por exemplo, confere às pessoas certas

condutas culturais e escolares, seja de uma forma imediata, que permite, por

exemplo, a escolha de um tipo de escola, seja de uma forma mediatizada,

criando aspirações e ambições longínquas.

O contato com outros grupos e círculos pode afetar vigorosamente a visão de mundo e o estilo de vida de indivíduos situados em uma classe sócio econômica particular, estabelecendo diferenças internas. Assim, dentro de um universo que segundo critérios sócio econômicos como, renda e ocupação, poderia ser visto como homogêneo, encontraremos fortes descontinuidades em termos de ethos e visão de mundo. (SALOMON, 2001, p. 45).

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Marx (1991) considera que o que ocasiona a existência de uma classe

social é a identidade que ela possui, determinada na renda e também na fonte

de renda. Pela ótica do autor, não se discute sobre as classes como

alta/média/baixa, e sim sobre as relações de dominação/subordinação.

Segundo Weber (1969), as classes não são comunidades; representam

bases possíveis e frequentes de ação comunal, nas quais determinadas

pessoas possuem em comum um componente causal específico de suas

oportunidades de vida, na medida em que esse componente é representado

por interesses econômicos na posse de bens e oportunidades de rendimentos

e é representado sob as condições do mercado de produtos ou do mercado de

trabalho. O discurso do autor é mediado pelo conceito de que a determinação

da situação de classe é adquirida através da situação de mercado, visto que

situação de classe se refere à oportunidade de suprimento de bens,

experiências pessoais, e é determinada pelo volume e tipo de poder, ou por

sua ausência de dispor de bens ou habilidades em benefício de rendimentos

em uma dada ordem econômica. “O termo classe refere-se a qualquer grupo

de pessoas que se encontra na mesma situação de classe.” (WEBER, 1969, p.

59).

Tanto Weber quanto Marx apontam as relações econômicas como

centro das estruturas de classe, porém o primeiro enfatiza as relações entre

lugar social e o homem, enquanto o segundo ressalta as relações de produção.

Para Weber existiriam três classes fundamentais no capitalismo: 1- os capitalistas, que possuem os meios de produção; 2- os trabalhadores, que possuem seu próprio trabalho; 3- e a classe média, que possui qualificações. As classes seriam criadas pelo relacionamento das pessoas com os mercados – para empregos e renda, para comprar bens de consumo e para criar um nível de bem-estar material. Assim, poderiam existir muitas classes distintas e a posse de propriedades é apenas uma base para gerar uma classe social. (SALOMON, 2001, p. 48).

Nesse sentido, a noção de classe está correlacionada às relações de

poder, porque classe é, nesta perspectiva, o que distribui o poder dentro de

uma comunidade. A situação de classe é o que determina a pertença de um

indivíduo a certa classe. Weber (1969) salienta que as ações do homem são

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definidas através das particularidades do grupo, e não unicamente sua posição

de classe.

Sorokin (1969) aponta que as classes sociais começam a emergir no

século XVII e que, antes disso, existiam apenas pequenos grupos sem

consciência de classe. Para este autor, a característica específica da classe

social é a aglutinação das amarras ocupacionais e econômicas além do vínculo

constituído por pertencer ao mesmo estrato, “cujas propriedades são definidas

pela totalidade de seus direitos e deveres essenciais, ou pela existência ou não

de privilégios, comparados com os das outras classes.” (SOROKIN, 1969, p.

79). Os vínculos econômicos e ocupacionais exercem influência sobre o

comportamento e o modo de vida de um indivíduo.

Os autores citados acima propõem indistintamente que a classe social é

composta de ideologias, consciência e luta de classes, e que estes

pressupostos estão imbricados no bojo do capitalismo. Bourdieu (1998) formula

sua teoria a partir das concepções marxistas, readaptando conceitos e

apresentando uma relação dialética, defendendo que as pessoas estão

situadas num espaço social; elas não estão num lugar qualquer. Esse é um

espaço complexo, onde é possível compreender a lógica de suas práticas e

determinar como elas vão classificar e se classificar e também pensarem-se

como membros de uma classe. (BOURDIEU, 1998). O autor, no entanto,

discute as relações da aquisição do capital, abordando os tipos de capital,

engendrando sua teoria com vistas à educação, no que diz respeito à

conjuntura deste universo composto por desigualdades.

Na análise do autor, a distinção cultural entre as classes desempenha

papel essencial, visto que as classes sociais são formas de estabelecimento de

subjetividades coletivas, decisivas para a apropriação dos recursos materiais e

das chances de vida que a sociedade oferece. Nesse contexto, os interesses

das pessoas podem ser elucidados por intermédio da identidade dessas

coletividades, na maneira como organizam sua subjetividade e pelo processo

de socialização nos quais determinados interesses e valores são incorporados.

As classes privilegiadas possuem certo direito sobre o capital cultural e

econômico, reproduzindo este privilégio de geração a geração. Em suma, cada

uma das classes é definida por um estilo de vida, conferido aos bens de

consumo, práticas culturais, entre outros fatores, além de ter uma relação

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específica com o futuro que inclui seus recursos de capital econômico e

cultural. (SALOMON, 2001).

O viés da classe social é costurado através dos conceitos de aquisição

do capital social (cultural, econômico ou simbólico), que, segundo Bourdieu

(1998, p. 67), “é o conjunto de recursos que estão ligados à posse de uma rede

durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e

de inter-reconhecimento” ou, em outras palavras, à vinculação a um grupo.

A noção de capital cultural se deu, em princípio, segundo o autor

supracitado, como uma hipótese imprescindível para dar conta da

desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes

classes sociais, relacionando ao sucesso escolar, que são os benefícios

específicos que as crianças das diferentes classes podem obter nesta

ambiência, além da distribuição do capital cultural entre as classes.

Relaciona-se à noção de habitus, pois o capital cultural é um ter que se

tornou ser, ou seja, “uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte

integrante da ‘pessoa’, um habitus.” (BOURDIEU, 1998, p. 74-75). Este capital,

adquirido através do uso do tempo, não pode ser transmitido

instantaneamente, diferentemente do dinheiro, da propriedade ou de algum

título nobre.

Assim, a definição de classe social não é vinculada apenas pela

categoria econômica ou pela soma de diferentes categorias que um sujeito

possui, como idade, sexo, residência, nível de instrução, profissão, entre

outras, e sim pela estrutura das relações entre todas as categorias pautadas.

Por ser o espaço social composto por pessoas com afinidades

fundamentais, neste contexto não há junção de uma pessoa qualquer com

outra pessoa qualquer sem que se leve em conta as diferenças fundamentais,

sobretudo econômicas e culturais. Por este ângulo, Bourdieu (1998) acredita na

existência de espaços sociais, que são os espaços das diferenças, em que as

classes existem não como um dado palpável, mas como algo que se trata de

fazer.

Neste sentido, pode-se definir classe social como um elemento que

incorpora uma estrutura criada e reproduzida por ela e que não é autônomo.

Pela ótica de Dallabrida (2006), o lugar das classes, numa estrutura social,

seria em um ambiente hierarquizado por critérios que ultrapassam o capital

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econômico, motivando o capital simbólico, que é elemento fundamental para a

compreensão de classe social.

Uma classe não pode jamais ser definida apenas por sua situação e por sua posição na estrutura social, isto é, pelas relações que mantém objetivamente com as outras classes sociais. Inúmeras propriedades de uma classe social provêm do fato de que seus membros se envolvem deliberada ou objetivamente em relações simbólicas com os indivíduos das outras classes, e com isso exprimem diferenças de situação e de posição [...]. É a independência relativa do sistema de atos e procedimentos expressivos, ou por assim dizer, as marcas de distinção, graças às quais os sujeitos sociais exprimem, e ao mesmo tempo constituem para si mesmos e para os outros, sua posição na estrutura social [e a relação que eles mantêm com esta posição] operando sobre os “valores” necessariamente vinculados à posição de classe, uma duplicação expressiva que autoriza a autonomização metodológica de uma ordem propriamente cultural. (BOURDIEU, 2007, p. 14, grifos do autor).

Para Bourdieu, as diferenças essencialmente econômicas são

duplicadas pelas distinções simbólicas na maneira de usufruir estes bens, que

é através do consumo, mais ainda, através do consumo simbólico, ou

ostentatório, que transforma os bens em signos, as diferenças de fato em

diferenças significantes, valorizando a maneira, a forma da ação ou do objeto

em detrimento de sua função. (BOURDIEU, 2007, p. 16).

A concepção bourdieusiana de classe – especialmente no que se refere

ao fato de serem vagas as noções de classes sociais, quais sejam, média, alta

e trabalhadora –, ressalta que estas podem escamotear diferenças internas

consideráveis como, por exemplo, o tipo de trajetória social, tal qual a acontece

nesta pesquisa, em que o conceito de classe não está enquadrado num único

grupo social, mas engloba a classe média em seus diferentes níveis: classe

média-alta, classe média-média e classe média-baixa.

Para chegar a essa classificação, foram levados em conta os critérios

socioeconômicos, como, por exemplo, renda mensal, ocupação, escolarização,

condição de moradia, porém, as famílias poderiam estar incluídas em outra

categoria, ao apresentar diferenças em termos de ethos, na sutileza das falas

sobre visão de mundo e nas relações sociais, o que tornou o grupo de famílias

pesquisadas bastante heterogêneo, diverso e singular. Caso não se levasse

em conta essas diferenças de cada grupo, seria difícil compreender como

configurações familiares similares podem engendrar socialmente crianças com

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nuances tão grandes com relação à escolarização ou ao rendimento escolar.

(LAHIRE, 2004).

Diante do exposto, optou-se nesse estudo pela estruturação da classe

média em três tipos: alta, média e baixa, considerando a complexidade dentro

dessa diversificada classe social.

2.2.1 O indivíduo, a família e a escola: aspectos da herança cultural

A problemática analisada por Bourdieu é baseada na herança cultural

familiar e suas implicações escolares. No entanto, segundo Nogueira e

Nogueira (2002), a concepção deste autor é marcada pela solução do clássico

dilema sociológico: a questão do subjetivismo e do objetivismo. O indivíduo, em

Bourdieu, é um ator socialmente configurado em seus mínimos detalhes. Os

gostos mais íntimos, as preferências, as aptidões, as posturas corporais, a

entonação de voz, as aspirações relativas ao futuro profissional, tudo é

socialmente constituído. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 19).

A partir de sua formação inicial em um ambiente social e familiar que

corresponde a uma posição específica na estrutura social, os indivíduos

incorporam um conjunto de disposições para a ação típica dessa posição, isto

é, um habitus familiar ou de classe, que passa a conduzi-los ao longo do tempo

e nos mais variados ambientes de ação.

Na educação, o indivíduo é caracterizado por uma bagagem socialmente

herdada, o que inclui componentes externos a ele. De acordo com Nogueira e

Nogueira (2002), fazem parte dessa categoria, o capital econômico, tomado em

termos dos bens e serviços a que ele dá acesso, o capital social, que é o

conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela família, além do

capital cultural institucionalizado, formado basicamente por títulos escolares. A

bagagem transmitida pela família inclui, por outro lado, certos componentes

que passam a fazer parte da própria subjetividade do indivíduo, sobretudo, o

capital cultural na sua forma incorporada.

Do ponto de vista bourdieusiano, o capital cultural é o elemento da

bagagem familiar de maior impacto na definição do destino escolar. As

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desigualdades escolares são reafirmadas pelo fator econômico e cultural. Os

estudos do autor apontam que a posse do capital cultural favorece o

desempenho escolar, além das próprias referências culturais, os

conhecimentos considerados cultos e o domínio da língua funcionam como

intermédio entre o mundo familiar e a cultura escolar, facilitando o aprendizado.

Essa transmissão se dá de forma osmótica, ou seja, espontaneamente, e as

pessoas beneficiadas – posto que não têm consciência desta aprendizagem –

atribuem esses saberes a dons inatos.

As referências culturais trazidas de casa são consideradas uma ponte

entre família e escola e a posse de capital cultural favorece o êxito escolar,

porque propicia um melhor desempenho nos processos formais e informais de

avaliação. Cobra-se que os alunos tenham um estilo elegante de falar, de

escrever e até mesmo de se comportar; que sejam intelectualmente curiosos,

interessados e disciplinados; que saibam cumprir adequadamente as regras da

“boa educação”. Essas exigências só podem ser plenamente atendidas por

quem foi previamente, na família, socializado nesses mesmos valores.

(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 21).

Lahire (1995) apud Nogueira e Nogueira (2002) observa que é

necessário estudar a dinâmica interna da família, as relações de

interdependência social e afetiva entre seus membros para entender seu grau

e modo como os recursos disponíveis – os vários capitais e o habitus

incorporado dos pais – são ou não transmitidos aos filhos. A transmissão do

capital cultural depende de um trabalho ativo realizado tanto pelos pais quanto

pelos próprios filhos, podendo ser bem sucedido ou não, contrapondo-se à

imagem do herdeiro que passivamente recebe uma bagagem familiar

privilegiada, pois a apropriação da herança advém de um processo complexo e

de resultados incertos.

No conjunto, essas críticas a Bourdieu realçam o fato de que o habitus de uma família e, mais ainda, de um indivíduo não pode ser deduzido diretamente do que seria seu habitus de classe. As famílias e os indivíduos não se reduzem à sua posição de classe. O pertencimento a uma classe social, traduzido na forma de um habitus de classe, pode indicar certas disposições mais gerais que tenderiam a ser compartilhadas pelos membros da classe. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 27).

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Outro componente específico relevante do capital cultural é a informação

sobre a estrutura e o funcionamento do sistema de ensino, não apenas da

organização formal, como por exemplo, ramos de ensino, cursos,

estabelecimentos, mas, sobretudo, da compreensão que se tenha das

hierarquias que distinguem as ramificações escolares do ponto de vista de sua

qualidade acadêmica, prestígio social e retorno financeiro. É por meio deste

conhecimento que os pais formularão estratégias para orientar a trajetória

escolar dos filhos, especialmente nos momentos de decisões importantes,

quais sejam, continuação dos estudos, mudança de estabelecimento, escolha

do curso superior, entre outros. Esse tipo específico de capital cultural é

proveniente não somente da experiência escolar e profissional, no caso dos

pais professores, mas também através do contato pessoal com amigos e

parentes que possuam familiaridade com o sistema educacional.

Nesse caso, o capital social é um instrumento de acumulação do capital

cultural; o capital econômico e o social funcionam, na maior parte das vezes,

como pontes à acumulação do capital cultural. O beneficio escolar extraído

dessas oportunidades depende sempre do capital cultural previamente

possuído.

A bagagem herdada por cada indivíduo não pode ser entendida

simplesmente como um conjunto mais ou menos rentável de capitais que cada

um utiliza a partir de critérios definidos de modo idiossincrático. Cada grupo

social, em função das condições objetivas que caracterizam sua posição na

estrutura social, constitui um sistema específico de disposições para a ação,

que é transmitido aos indivíduos na forma do habitus. Na concepção

bourdieusiana, é pelo acúmulo histórico de experiências de êxito e de fracasso

que os grupos sociais constroem um conhecimento prático, não plenamente

consciente, relativo ao que é possível ou não ser alcançado pelos seus

membros dentro da realidade social concreta na qual eles agem, e sobre as

formas mais adequadas de fazê-lo.

Esse raciocínio, aplicado à educação, indica que os grupos sociais se

baseiam pelos exemplos de sucesso e/ou fracasso vivido por seus membros,

adequando inconscientemente seus investimentos às chances objetivadas no

universo escolar. A origem e a intensidade dos investimentos escolares

dependem do sucesso escolar dos membros da família e variam, ainda, em

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relação ao grau social de cada grupo, ou seja, à manutenção da posição

estrutural atual ou da tendência à ascensão social. Neste sentido, as elites

econômicas, por exemplo, não precisam investir alto na escolarização de seus

filhos quanto certas frações das classes médias que devem sua posição social,

quase que exclusivamente à certificação escolar.

2.2.2 Estratégias de investimento escolar entre as classes sociais

As estratégias de investimento escolar se distinguem fortemente nos três

grupos sociais. As classes populares tendem a investir moderadamente nos

estudos, pois os recursos econômicos e sociais são reduzidos, o que traria um

retorno incerto a um investimento relativamente alto, além de que o retorno se

dá a longo prazo. Em consequência disso, nesse grupo social, a vida escolar

dos filhos não é acompanhada de forma sistemática, não havendo cobranças

intensivas em relação ao sucesso escolar; as aspirações são moderadas, pois

se espera dos filhos que estudem o suficiente para se manter, alcançando a

escolarização superior a dos pais, tendendo ao privilégio de carreiras escolares

mais curtas que propiciem rápido acesso à inserção profissional.

A pequena burguesia, ou classe média, tende a investir alto na

escolarização dos filhos. Primeiro porque suas chances de alcançar êxito

escolar são objetivamente superiores se comparados as classes populares. Em

segundo lugar, as famílias desse grupo social possuem, a princípio, volume

razoável de capitais que lhes permite apostar no mercado escolar sem

correrem tantos riscos. Além do mais, consideram-se as expectativas ao futuro,

bem diferentes das expectativas das classes populares. Boa parte originou-se

destas e teve ascensão à classe média por intermédio da escolarização,

nutrindo, assim, esperanças de dar continuidade ao crescimento social em

direção às elites. Por este viés, as condutas das classes médias são

entendidas como parte de um esforço mais amplo, com vistas a criar condições

favoráveis à ascensão social, destacando-se como componentes desse

esforço, o ascetismo, o malthusianismo e a boa vontade cultural. (NOGUEIRA;

NOGUEIRA, 2002).

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O ascetismo diz respeito à disposição das classes médias em abdicar o

prazer imediato em prol do seu projeto de futuro, renunciando a compra de

bens materiais, redução de gastos em passeios, entre outros, a fim de garantir

boa escolarização da prole. O malthusianismo se refere à propensão em

controlar a fecundidade. As famílias de classe média tendem, mais do que as

das classes populares e mesmo das elites, a reduzir o número de filhos. A boa

vontade cultural se caracteriza pelo reconhecimento da cultura legítima e pelo

esforço sistemático para adquiri-la. Geralmente as famílias de classes médias

que se originaram das classes populares detêm um limitado capital cultural, e,

portanto, empreendem uma série de ações para adquiri-lo, como compra de

livros, ida a eventos culturais, etc.

Com relação às elites, Nogueira e Nogueira (2002) afirmam que esses

investem pesado na escolarização dos filhos, porém de forma descontraída,

laxista, termo utilizado por Bourdieu. Isso se deve ao fato de que o sucesso

escolar é algo natural para essas famílias, independe de um grande esforço de

mobilização familiar. Esse grupo dispõe de volume expressivo de capitais

econômicos, sociais e culturais e estão livres da luta pela ascensão social.

Tudo o que foi colocado até aqui, – um apanhado da teoria

bourdieusiana de classe social, que busca concepções e adequações mais

contemporâneas para a teoria marxista, não mais preconizando

essencialmente as relações econômicas como estruturantes das classes –,

aponta que distinção cultural entre as classes desempenha papel essencial,

enfatizando que as classes privilegiadas são dotadas de certo direito sobre o

capital cultural e econômico, passando isso de geração a geração.

Assim, as críticas ao autor surgem na medida em que se observa que a

categoria classe social não é o único critério de diferenciação dos grupos

familiares segundo suas práticas escolares, pois a divisão em frações de

classe é abrangente demais para captar certas nuances entre as famílias.

Algumas pesquisas dos anos 1980 apontam que dentro de uma mesma classe

possa existir comportamento bastante variado em termos de educação, pois

passa a fazer parte desse universo o conservadorismo e a religião, termos não

analisados por Bourdieu. Contrariamente, podem existir famílias de classes

sociais bem diferentes que adotariam certas atitudes educacionais similiares.

(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002).

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O habitus familiar, incluindo as disposições em relação à escolarização

dos filhos, não poderia, portanto, ser diretamente deduzido do habitus de

classe. Esta afirmativa diz respeito à complexa relação entre escolarização,

família e classe, reafirmando que uma série de ações contribuem para que

existam variadas situações entre as classes e o habitus. Por isso, salienta-se

que essa categorização de classes, nessa pesquisa, é, além de delicada,

singular, no sentido de poder ser mutável dependendo de seu foco, de sua

abrangência, ou seja, adequa-se ao perfil dessa pesquisa, mas não se encerra,

necessariamente, numa classificação formatada e definitiva.

2.3 A escolarização dos filhos com deficiência

As reformas da política educativa iniciadas na década de 1990 têm

encorajado que a educação dos alunos com deficiência aconteça

preferencialmente nas salas comuns em escolas regulares. À medida que esta

prerrogativa é posta em prática, surgem as interrogações acerca de sua

eficácia para o processo de escolarização.

Para compreender como as relações de ensino-aprendizagem são

construídas, por meio das práticas em salas regulares, é necessário abranger a

constituição da deficiência, articulando os conceitos desta com a cultura

escolar.

Ao longo da história, a ideia de deficiência esteve veiculada à noção de

handicap17, relacionada a chances, de desigualdades e de igualdade. Assim, a

ideia de deficiência está pautada na produção de uma compensação. O

handicap torna-se a deficiência da qual padece uma pessoa que, por isso

mesmo, encontra-se em posição de inferioridade. É pensado, então, como uma

falta que caracteriza o mais fraco. (SIQUEIRA, 2008).

Faz-se importante, para superar a leitura negativa com relação às faltas,

olhar o que as pessoas fazem e conseguem, ou seja, compreender e explicar

17 A palavra vem do inglês hand in cap, nome de um jogo de azar. No vocabulário hípico, impõe-se um handcap para um cavalo sabidamente mais ligeiro, ou seja, uma desvantagem. A própria significação do termo se modificou ao longo dos anos e designava, já no século XIX, pessoa afetada por uma deficiência física ou mental. (CHARLOT, 2000, p. 26-27).

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como se constroem as relações de fracasso, prestando atenção ao sujeito

como um todo. Este se constitui, segundo Charlot (2000), como um ser

humano movido por desejos, um ser social, inscrito em relações sociais e que

ocupa um espaço social, um ser singular, que tem história, dá sentido ao

mundo. Esse sujeito, vinculado ao universo escolar, pode despertar para a

necessidade do saber ou confirmar sua situação de desvantagem. É por este

viés que se configura a trajetória escolar dos alunos e os processos de inclusão

e exclusão.

Se o acesso à escola é concretizado por sujeitos específicos, o interesse em freqüentá-la é, em larga medida, organizado e planejado pela família que via proporcionar determinada escolaridade aos filhos e que, inclusive, pode ser beneficiada, simbólica e/ou materialmente, pelo êxito escolar da prole. Certamente, a influência da família na escolarização dos filhos depende de vários fatores, mas deve-se levar em conta que essa influência pode ser mais intensa em relação à freqüência ao ensino fundamental, reduzindo-se quando se trata do ensino médio e tornando-se menos atuante ainda quando se refere ao ingresso no curso superior. (ROMANELLI, 2000, p. 101).

Bourdieu (1998) infere que as elites econômicas e sociais, na busca de

conservar ou aumentar seu patrimônio, colocam em foco uma série de

estratégias, de forma consciente ou não, a fim de manter sua posição social.

Nessa busca destacam-se a escolha da escola, o vestuário, a linguagem, os

lugares que frequentam, o que garante certo status intelectual e social, além do

êxito no ensino superior, o que representa a conversão do capital econômico

em capital cultural.

Os critérios utilizados pelas famílias para escolher a escola do filho

costumam ter relação com as características educativas, quais sejam, as

práticas escolares, o currículo, as ações pedagógicas, a disciplina, os

resultados escolares, e também por critérios funcionais, isto é, a proximidade

geográfica, a facilidade no transporte, preços e pessoas conhecidas que

frequentam o estabelecimento. Dallabrida (2006, p. 35) pontua que as

representações sociais que as famílias fazem dos diferentes estabelecimentos

são parte das combinações de informação, tais como: estrutura física, grau de

tradição, resultados divulgados na mídia, percepção do tipo de clientela,

comportamento dos alunos e localização.

A autora salienta que:

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a escola como instância social não compensa as diferenças que a sociedade capitalista impõe, ou melhor, não consegue anular o desequilíbrio entre as classes e grupos com possibilidades e oportunidades econômicas distintas, pois apesar de pertencer a uma sociedade industrializada e de sua constituição formalmente democrática, sobrevive a desigualdades e injustiças. Os pais da elite, por possuírem capital econômico, impõem seu capital cultural e social e, apesar da escola ser considerada pública, interferem na prática de ensino, selecionando os saberes que deverão ser repassados, independentemente da formação do professor. (DALLABRIDA, 2006, p. 36).

Há interferência dos pais em um modelo de escola pública, mas é

importante frisar que, mesmo em instituições privadas, ocorrem situações

semelhantes. Com relação a isso, Anversa (2008) destaca que consciente ou

inconscientemente os pais intervêm na prática escolar.

As instituições da rede privada normalmente vêem o aluno como cliente, porque prestam um serviço a ele. Ocorre que o cliente, de fato, são os pais, ou os responsáveis que investem financeiramente no aluno. Este dado implica a imposição de uma relação entre família e escola que normalmente privilegia o cliente, ou seja, dá direito a um poder incomensurável de envolverem-se com questões que não lhes competem. O que se percebe é que a família sequer usa seu poder de cliente e a escola, muitas vezes, vê no aluno esse poder. (ANVERSA, 2008, p. 35-36).

No contexto de sua pesquisa realizada com as famílias em escola da

rede privada da grande Florianópolis, a autora constatou que a interferência

dos pais nas aulas de Arte extrapolava os limites da sala de aula,

principalmente porque, na maioria dos casos, desconheciam a função do

ensino de Arte e por consequência, sugeriam a produção de trabalhos manuais

e decorativos, o que contradiz os conceitos vigentes sobre o ensino de Arte.

A escolha da escola para o filho, entretanto, é fruto de uma série de

questões que perpassam o ideário pedagógico dos pais, ou seja, como eles

concebem a escola a partir de suas experiências de aluno, mesmo porque

algumas famílias valorizam mais o fator sociabilidade – no caso das famílias

que têm filhos com deficiência – do que o valor acadêmico em si, isso

geralmente quando os pais possuem baixo nível de escolaridade e creditam

seu êxito econômico às competências externas ao conhecimento escolar.

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Segundo Nogueira, Romanelli e Zago (2000, p. 12), os estudos sobre as

estratégias familiares foram deixando perceber o peso das vantagens sociais,

principalmente culturais, na estruturação de uma hierarquia social das

escolhas. Os autores afirmam que a relação entre família e escola é complexa

e assimétrica, principalmente no que diz respeito aos valores e objetivos das

instituições.

Zago (2000) infere que o estudo sobre a realidade escolar do aluno deve

considerar que ele possui outras dimensões e experiências que vão além da

escola, entre elas sua participação no mercado de trabalho e a rede de

relações sociais a qual ele faz parte.

O enfraquecimento dos processos de ampliação de oportunidades de

acesso à escolas públicas, que vieram progredindo desde o século passado,

redundaram no comprometimento de sua qualidade e favoreceram a ampliação

da rede privada de ensino, principalmente pelos estratos superiores das

classes médias na oferta de ensino de qualidade a seus filhos.

No caso dos alunos com deficiência, cabe destacar que a escolha da

escola se torna uma ação mais criteriosa, porque não se busca em primeira

instância o desenvolvimento da cognição, e sim a sociabilidade da criança.

Quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, novas premissas

surgem à família na hora de selecionar a escola para o filho,

independentemente de seu estrato social. O tópico a seguir enfatizará essa

discussão e introduzirá questões sobre inclusão e deficiência nos moldes

contemporâneos.

2.4 Considerações sobre a Inclusão e seus desdobramentos

Tema de atuais discussões na área do ensino, a inclusão ganhou

espaço e força na dimensão da educação desde que a LDB 9.394/9618 obteve,

pela primeira vez um capítulo específico sobre Educação Especial, instituindo

18

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível no portal do Ministério da Educação: <http://portal.mec.gov.br>.

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que todos os indivíduos deveriam ser acolhidos pela escola, independente de

suas condições físicas, intelectuais, sociais, entre outras.

Fonseca da Silva (2009) aponta que o conceito de inclusão é

polissêmico, consolidando-se numa mescla entre os discursos oficiais e

acadêmicos, os desejos do movimento social e das vozes de pessoas com

deficiência além do pensamento presente no nosso senso comum.

A conceituação da palavra inclusão implica num aprofundamento do

debate acerca da diversidade, buscando a compreensão da heterogeneidade e

das especificidades do ser humano, sobretudo às divergências que sucedem

no cotidiano escolar.

A ideia de inclusão é fundamentada numa filosofia que reconhece e

aceita a diversidade, que garante o acesso de todos a todas as oportunidades,

sem levar em conta as peculiaridades de cada indivíduo ou grupo social.

Inclusão é o processo social de adaptação, que visa a incluir os sujeitos em

seus sistemas sociais, para que estes assumam seus papéis na sociedade. É

um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade,

buscam, conjuntamente, equiparar oportunidades, equacionar problemas,

efetivar decisões, e, neste sentido, exige mudanças no contexto social.

Mantoan (2003a) lembra que a inclusão não se restringe à inserção de

alunos com deficiências e/ou necessidades educacionais especiais nas escolas

regulares. Uma das condições necessárias para que essas instituições sejam

realmente inclusivas, ou seja, de todos e para todos, é a flexibilização dos

critérios de admissão e de permanência nos ambientes escolares. Se esses

continuam demarcados pelas séries, gradeados pelas disciplinas curriculares e

separados por diferentes modalidades de ensino, semelhantes a feudos nos

quais a escola defende-se de toda e qualquer proposta que possa atingir o

imobilismo e o hermetismo de suas especialidades e especializações, como

enfrentar e vencer a exclusão?

O questionamento da autora vem ao encontro do conceito de aluno, que,

na escola tradicional, é essencialmente uma reprodução do sujeito da razão e

da consciência, diferente do aluno da escola inclusiva, o qual não tem uma

identidade fixa. Esse contesta os dispositivos que regularizam a escola, que

regulamentam as repetências, as exclusões, como é o caso da maioria dos

sistemas de ensino em todo o mundo.

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As discussões sobre inclusão, exclusão e fracasso escolar vão além da

culpabilidade normalmente lançada às instituições, à família, à própria criança

julgada menos inteligente, ou ao governo por não contribuir suficientemente

com as crianças e as escolas. O sistema educacional, sem dúvida, não

funciona de forma isolada. Mittler (2003) infere que o que acontece nas escolas

é um reflexo da sociedade em que elas funcionam. Os valores, as crenças, e

as prioridades da sociedade permearão a vida e o trabalho nas escolas.

A inclusão envolve o contexto social, diz respeito às políticas

educacionais, pois está no cerne dessas, o que implica um processo de

reforma e de reestruturação das escolas como um todo, a fim de garantir o

acesso e a participação de todas as crianças em todas as possibilidades de

oportunidades oferecidas pela escola, sem que haja segregação e isolamento.

O governo, as instituições, o diretor e os coordenadores, segundo o autor, são,

cada um, a seu modo, responsáveis por assegurar que todos os alunos tenham

acesso ao currículo global e a todas as possibilidades de experiências

oferecidas pelas escolas. Entretanto, para haver inclusão é necessária uma

investigação sobre o que está tangível, a fim de assegurar aquilo que é

acessível a qualquer aluno na escola.

A efetivação de uma educação inclusiva neste contexto secular não é tarefa fácil. Não menos desprovida de dificuldades é a tarefa de um Estado que intenta organizar uma política pública que, como tal, se empenha na busca de um caráter de universalidade, garantindo acesso a todos os seus cidadãos às políticas que lhes cabem por direito. (PAULON, 2005, p. 23).

O trecho do Documento Subsidiário à Política de Inclusão, exposto

acima, indica que, para assumir uma concepção de educação e de sociedade

inclusivas, são necessárias transformações nos modos de relação dentro da

escola, além do envolvimento de profissionais, no sentido de pensar tais

questões de forma reflexiva e coletiva.

Entretanto, como ressalta Mantoan (2003b), não se pode encaixar um

projeto novo, como é o caso da inclusão, em uma velha matriz epistemológica.

A autora pontua que ainda vigora a visão conservadora de que as escolas de

qualidade são as que enchem as cabeças dos alunos com datas, fórmulas e

conceitos fragmentados.

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No ensino regular, a criança deve adequar-se à estrutura da escola para

ser integrada, e não o contrário. No ensino inclusivo, é a estrutura escolar que

deve mudar e se ajustar às especificidades dos alunos, favorecendo a

integração e o desenvolvimento de todos, sejam com deficiência ou sem.

A exclusão, bem como a inclusão, orienta-se pelo ritmo, cuja

configuração mudou. Pato (2008) salienta que atualmente a inclusão tarda, ou

seja, o período de passagem do movimento de exclusão para o momento da

inclusão está se tornando um modo de vida, mais que um período transitório.

No interior da nova desigualdade, mais larga e mais cruel do que a

precedente, os modos atuais de inclusão causam, como regra, degradação. As

formas de absorver a pessoa excluída estão mudando. A autora afirma que as

pessoas que constituem esse mundo à parte não são apenas excluídas social

ou economicamente. A privação hoje é mais que uma privação econômica,

mas é carregada de uma dimensão moral.

Esse conceito envolve um novo modo de pensar a política e a prática

acerca da inclusão. Por razões sociais, frequentar escolas regulares é tanto

importante para os alunos quanto para os pais. (MITTLER, 2003).

Os dados estatísticos do INEP19 apontam que os índices de matrículas

de alunos especiais ou incluídos do Censo Escolar do ano de 2009 no estado

de Santa Catarina é potencialmente baixo em relação ao total de alunos.

Constam nestes dados os seguintes itens: Educação Infantil (creche e pré-

escola), Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais), Educação

Profissional (nível técnico), EJA (presencial e semi-presencial do Ensino

Fundamental 2 e Médio 2) e Educação Especial20 (alunos de escolas especiais,

classes especiais e incluídos), das esferas Estadual, Federal, Municipal e

Privada21. Os dados do INEP separam o total de alunos sem deficiência e

classifica os alunos com deficiência no quadro de Educação Especial, mesmo

19 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, disponível em <http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Matricula/default.asp>. 20 Educação especial diz respeito às salas/classes específicas para pessoas com deficiência, tanto dentro da escola como em instituições especializadas, e educação inclusiva são as crianças com deficiência colocadas em escola de ensino regular, isto é, incluídas. Porém, na classificação do INEP, os alunos incluídos e os pertencentes às classes ou escolas especializadas estão no mesmo grupo, classificados como “Educação Especial”. 21 A classificação dos segmentos é a mesma fornecida pela tabela do INEP, ou seja, por ordem alfabética.

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os que se encontram incluídos. Portanto, no total geral de matrículas, os alunos

com deficiência não são englobados.

O número de alunos matriculados em todos estes níveis nos diferentes

tipos de instituições é de 1.533.310 e 13.547 o total de alunos especiais e

incluídos, gerando um percentual de 0,885% de alunos com deficiência

matriculados em escolas especiais ou na rede regular no estado.

Em Florianópolis, 91.462 alunos totalizam as matrículas do ano de 2009

e 637 na Educação Especial. Já em São José, foram 44.664 e, em escolas

especiais ou incluídos na rede regular, o número cai para 439.

Cabe destacar que no Ensino Fundamental é onde mais há alunos.

Outro aspecto é que tanto em Florianópolis quanto em São José, a rede

municipal tem o maior número de alunos com deficiência, matriculados em

classes especiais ou incluídos na rede regular, com os seguintes números:

Quadro 01 – Total de alunos nos diferentes níveis e segmentos Educação Especial (alunos de Escolas

Classes Especiais e Incluídos)

MUNICÍPIO

SEGMENTO

Educação

Infantil

Ensino Fund.

Ensino Médio

Educ.Prof.

Nível Técn.

EJA

Ed. Inf. Ens. Fund. Ens. E.Prof. EJA Médio N.Téc.

Estadual 160 20.206 9.835 91 4.779 0 114 35 0 43 Federal 264 626 884 1.372 100 9 25 2 0 0 Municipal 9.883 15.220 0 0 1.429 98 213 0 0 40 Privada 5.163 13.552 5.762 377 1.754 16 30 11 1 0

FLORIANÓPOLIS

TOTAL 15.470 49.604 16.481 1.840 8.067 123 382 48 1 83 Estadual 0 8.310 4.447 0 0 0 96 5 0 0 Federal 0 0 357 329 19 0 0 14 0 20 Municipal 4.548 13.224 140 0 2.625 40 149 20 0 33 Privada 1.403 5.240 2.000 594 1.428 6 15 6 6 29

SÃO JOSÉ

TOTAL 5.951 26.774 6.944 923 4.072 46 260 45 6 82

Conforme mostra o quadro acima, os índices de inserção de alunos com

deficiência no sistema de ensino são baixos em todos os setores. O Quadro 02

destaca o índice percentual entre o número geral de alunos matriculados e o

total de alunos com deficiência, que, em sua maioria, é inferior a 1%.

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Quadro 02 – Percentual de incluídos em cada segmento

MUNICÍPIO SEGMENTO TOTAL DE ALUNOS

TOTAL DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

PERCENTUAL DE ALUNOS

COM DEFICIÊNCIA

Estadual 35.071 192 0,55%

Federal 3.246 36 1,1%

Municipal 26.532 351 1,33%

FLORIANÓPOLIS Privado 26.608 58 0,2%

Estadual 12.757 101 0,8%

Federal 705 34 0,5%

Municipal 20.537 242 1,2%

SÃO JOSÉ

Privado 8.865 62 0,71%

Florianópolis e São José totalizam 120 alunos com deficiência na rede

privada de ensino e 956 na rede pública, o que ratifica que a escolha da escola

pelos pais, sejam estes de quaisquer estratos sociais, é relativamente maior na

rede pública. O fato de a maioria dos alunos estarem matriculados em escolas

públicas pressupõe que pertençam às classes médias ou populares, embora

exista um total maior de alunos estudando em instituições públicas do que em

particulares. Será que os pais optam pelas escolas públicas porque esse

sistema conta com salas de recurso e está mais bem equipado do que a rede

privada? A questão que fica é: as escolas particulares estão preparadas para

receber alunos com deficiência e dispõem de recursos financeiros para tanto

ou isso concerne somente às instituições públicas, responsabilizadas a

conceder acesso e dispor verba para receber estes alunos? Necessitaremos,

assim, de outras investigações que possam analisar melhor essa questão.

2.4.1 Enfoques sobre o conceito de deficiência

O emprego da terminologia “deficiência” utilizada nesta pesquisa está

relacionada a um conceito que está em vigor na sociedade hoje. Entretanto,

não existe um único termo correto, isto porque em cada época se utilizou aquilo

que melhor definiu e se adequou aos valores vigentes na sociedade, enquanto

esta se transforma. Já foram aplicadas inúmeras definições para melhor

atender esses valores, tais como: os inválidos, os incapacitados, os

defeituosos, os deficientes, os excepcionais, pessoas deficientes, pessoas

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portadoras de deficiência, pessoas com necessidades especiais, portadores de

necessidades especiais, pessoas especiais, pessoas com deficiência,

portadores de direitos especiais. (SASSAKI, 2003).

Segundo o autor, os movimentos mundiais de pessoas com deficiência,

incluindo os do Brasil, debateram em congressos e encontros o nome pelo qual

elas desejavam ser chamadas: pessoas com deficiência. O termo foi escolhido

e faz parte do texto da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos

Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia

Geral da ONU em 2004 e promulgada posteriormente por lei nacional de todos

os países membros.

O conceito de deficiência, segundo Dallabrida (2006, p. 19-20) é uma

construção social, para além das determinações biológicas, ou seja, a

deficiência orgânica não se constitui na única característica para a produção da

identidade dos sujeitos, mas sim que, sem negar estas características, são

marcas fundamentais na construção dessas identidades. Não pode prescindir

dos processos sociais pelos quais os sujeitos passam e são fatores

determinantes para a sua humanização.

Entre as deficiências, pode-se considerar a deficiência mental a de

diagnóstico mais difícil, pois não existem condições materiais, instrumentos

clínicos que possam mensurar com objetividade e precisão o funcionamento

cognitivo. (DALLABRIDA, 2006, p. 20).

Ao longo dos anos, as concepções sobre deficiência mental foram sendo

modificadas passando a abranger inúmeras terminologias, que refletem a visão

social que soma o percurso da pessoa com deficiência às suas competências

cognitivas e ao perfil emocional.

Nesse âmbito, a perspectiva de Goffman (1988) aponta os estigmas no

processo de rotulação de membros de determinado grupo social, instituindo a

separação das condutas desviadas das convencionais, como por exemplo, o

normal do patológico. Traça-se aí um paralelo da diversidade cultural como

consequência dos variados critérios valorativos, que definem certos

comportamentos e o conceito de normal e desviante como construções

historicamente determinadas.

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Deve-se ver, então, que a manipulação do estigma é uma característica geral da sociedade, um processo que ocorre sempre que há normas de identidade. [...] Pode-se, portanto, suspeitar de que o papel dos normais e o papel dos estigmatizados são parte do mesmo complexo, recortes do mesmo tecido-padrão. (GOFFMAN, 1988, p. 141).

Na perspectiva do autor, um traço de identidade atribuído a uma pessoa

ou a um grupo de pessoas não se constitui num estigma, a não ser em

situações em que ele pode atuar para diminuir ou desacreditar um indivíduo, o

que costuma acontecer repetidas vezes com pessoas com deficiência. Estigma

é então um valor negativo atribuído a uma condição existencial, está ligado a

diversos fatores, dentre os quais se destacam a visibilidade, o encobertamento

e a identidade pessoal. O estigma advém do processo de normas de

identidade, o propósito que caracteriza a sociedade, onde normais e

estigmatizados compõem a mesma teia, o mesmo contexto. Pode-se

considerar que as pessoas que têm estigmas diferentes estão numa situação

bastante semelhante, respondendo a ela também de forma semelhante.

Em geral, a estigmatização, mesmo que inconsciente, é um meio de

preservar a identidade e afirmar a superioridade do grupo estabelecido e

manter o grupo estigmatizado em seu lugar. Elias e Scotson (2000) definem

como sendo estabelecidos um grupo dominante, e outsiders um grupo

dominado, elucidando o conceito de estigmatizador e estigmatizado,

respectivamente. Com relação a isso, os autores salientam que a

estigmatização faz sentido no contexto das relações específicas entre

estabelecidos e outsiders.

É pertinente indagar sobre o surgimento do hábito de estigmatizar

pessoas, como, por exemplo, perceber pessoas com outra cor de pele

pertencentes a um grupo diferente. Esse problema coloca em foco o processo

pelo qual grupos humanos se desenvolveram em diferentes partes da Terra,

adaptaram-se a condições físicas diferentes e, após longos períodos de

isolamento, entraram em contato uns com os outros, não raro como

conquistadores e conquistados, e, portanto, dentro de uma mesma sociedade,

como estabelecidos e outsiders. (ELIAS; SCOTSON, 2000).

A questão do preconceito, que para os autores difere do estigma, pois

este se efetiva a nível coletivo e não individual, é associado ao problema de

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estigmatização, sendo este um desapreço acentuado por outras pessoas com

relação a um grupo de indivíduos, o que pode, muitas vezes, ser classificado

como preconceito.

No que se refere ao aluno com deficiência, a ascensão do preconceito

ou das marcas da deficiência pode ser analisada a partir da história da

Educação Especial no Brasil, a qual teve três momentos distintos com relação

ao atendimento à pessoa com deficiência: a criação de instituições de

internação, a disseminação do atendimento e a integração do deficiente na

rede regular de ensino. Essas práticas objetivadas ao longo da história levaram

à construção da identidade social das pessoas com deficiência, desde a

dimensão segregacionista, motivada pela proteção e resguardo dessas

pessoas do meio social, pela falta de ampliação do atendimento que fazia com

que os poucos matriculados fossem considerados privilegiados e por fim a falta

de proposta eficiente de formação para a integração social, contribuindo para a

criação de uma autoimagem de inferioridade e incapacidade nestes alunos.

(DALLABRIDA, 2006, p. 22).

A autora cita Crochik (1995), o qual discute o conceito de preconceito

recorrendo às várias áreas do saber e afirmando que o que leva o indivíduo a

ser ou não preconceituoso pode ser encontrado no seu processo de

socialização. Este processo somente pode ser entendido como fruto da cultura

e da história. Partindo do pressuposto de que o preconceito advém do contexto

social, constrói-se o discurso acerca da conceituação de deficiência, a qual foi

se modificando à medida que o homem foi transformando suas condições

sociais.

Todos os debates aqui propostos não se fecham em si, ou seja, são

polissêmicos, porque denotam um caráter múltiplo, importantes para se pensar

nas questões mais abrangentes sobre a deficiência, sobre o estigma, sobre os

pré-conceitos que circundam no imaginário coletivo. Esse apanhado de

considerações apresentadas no capítulo constitui a base da investigação dessa

pesquisa, e, portanto, são argumentos que amparam os princípios teóricos,

interligando a família, a inclusão e as questões de classe e deficiência. Assim,

no próximo capítulo, será abordado o tema Arte, ensino de Arte e Inclusão.

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3 ARTE, EDUCAÇÃO E INCLUSÃO

“Talvez sejamos ainda um pouco ingênuos, talvez queiramos que a arte resgate algo que já perdemos em meio às crises do sujeito fragmentado dos tempos ditos pós-modernos, talvez nos faltem já as palavras para nomear o que nos falta, talvez queiramos apenas gritar para que enfim sejamos ouvidos, talvez precisemos apenas de crenças que nos impulsionem e que não nos façam desistir, talvez etc.” Luciana Grupelli Loponte

O capítulo aborda a Arte e o ensino de Arte, apresentando um debate

sobre as relações desses campos de conhecimento com a Educação Inclusiva,

partindo das mobilizações que geraram mudanças nos conceitos dessas áreas.

As argumentações partem de definições sobre Arte e do papel social desta,

relacionando-as com o ensino de Arte. Serão apontadas considerações acerca

do contexto atual da arte-educação inclusiva e a prática dos professores de

Arte, enfatizando as relações estabelecidas entre as famílias de alunos com

deficiência. Os temas abordados são fundamentados através dos estudos de

Barbosa (2003, 2005), Fonseca da Silva (2008; 2009a; 2009b), Fusari e Ferraz

(1993), Ramalho e Oliveira (2007; 2010), Rosa (2005), além das contribuições

de Bueno (2002) e Lopes (2004), cujas teses de doutoramento foram alvo de

análise na dissertação de Simó (2010), autora que apresenta um estudo sobre

o estado da arte das teses acadêmicas que abordam arte e inclusão no período

de 1998 a 2008.

3.1 Pressupostos da Arte e seu ensino

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Será abordado neste tópico um conjunto de conceitos sobre Arte, de

forma a contextualizar as relações entre Arte e Educação, pois se observa

através da realidade que uma definição única de Arte não existe, e sim uma

diversidade de interpretações que variam conforme a época. Existem muitas

teorias sobre o assunto que são divergentes, por vezes, contraditórias, que não

definem claramente o conceito, mas levantam questões, devido à

complexidade de definição unânime sobre a Arte. Nessa problemática, muito

mais importante do que definir o conceito, é caracterizar como a Arte se

constitui, quais as relações que estabelece com seu entorno e com os espaços

mais globais.

“Arte é um modo privilegiado para nos fazer pensar, refletir.” (RAMALHO

e OLIVEIRA, 2010, p. 124). A definição da autora reforça o pensamento

contemporâneo sobre Arte, inferindo que a reflexão, o conhecimento, o

desenvolvimento do pensamento são abrangências da Arte na atualidade. Mas

nem sempre foi pensada desse modo. Talvez nem hoje seja assim por

completo. Ainda há quem acredite que a Arte serve apenas para enfeitar,

condicionando-a a um ideal clássico de beleza, que oferece prazer ao

espectador. Importantes conceitos sobre Arte foram discutidos em perspectivas

de diversos autores, que se debruçaram em suas reflexões na tentativa de

obter algumas considerações, as quais transitam no meio social em diferentes

concepções.

Ao longo da história do homem, as manifestações artísticas sempre

estiveram presentes. Lopes (2004) afirma que as razões que levam o homem a

criar e se expressar através das linguagens artísticas variam e acompanham as

transformações ocorridas na sociedade. Para Fischer (1987, p. 16), a razão de

ser da Arte nunca permanece inteiramente a mesma. “A arte é o meio

indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete infinita

capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e

idéias.” (FISCHER, 1987, p. 13).

De acordo com Lopes (2004), toda manifestação artística recebe

influências do meio, assim como também influencia a experiência humana e

social de seu tempo, representando suas aspirações, necessidades e

questionamentos, podendo, também, perpetuar-se, ultrapassando os limites de

um determinado momento histórico.

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As formas de manifestação da Arte e seu papel social sofrem

modificações ao longo do tempo, acompanhando o desenvolvimento das

civilizações. No entanto, com a complexidade da sociedade moderna - em

analogia às suas relações e contradições sociais - as manifestações artísticas

não mais são restritas às representações míticas, mas envolvem pesquisas

mais abertas e atribuem maior liberdade formal.

Para Pareyson (1989), a conceituação de Arte passa por três definições,

que são: a Arte como fazer, como conhecer ou como exprimir. O autor pontua

que a primeira definição prevaleceu na Antiguidade22, pois era a Arte, explícita

ou implicitamente, um fazer manual, fabril, sem a preocupação em distinguir ou

pensar sobre as diferenças entre a arte propriamente dita e o ofício do artesão.

No Romantismo, que, segundo Fischer (1987), foi um período caracterizado

pela mobilização do protesto apaixonado e contraditório contra o mundo

burguês capitalista, a terceira definição – da Arte como expressão –

prevaleceu, entendendo que a beleza da arte consistia não na adequação de

um modelo ou cânone, e sim na beleza da expressão. A segunda concepção

também é recorrente no pensamento ocidental, que concebe a Arte como

conhecimento, visão, contemplação, interpretando o aspecto executivo como

secundário, valorizando a realidade sensível, ou metafísica e até mesmo

espiritual, profunda e emblemática.

Na concepção de Pareyson (1989), destaca-se o pensamento sobre Arte

em sua amplitude, não de forma isolada, pois não se restringe ao fazer nem

tampouco à expressão e/ou ao conhecer, e sim a relação e a interação entre o

fazer, o exprimir e o conhecer, o que não deixa de ser uma analogia à Arte na

educação, visto que o ensino de Arte é permeado por essas relações, o que

elucida os princípios conceituados pelo autor aos debates sobre o ensino de

Arte.

Para Bueno (2002), a origem da palavra latina Ars (arte) significa ação

de fazer, articular. Quando a Arte é tratada como fazer, pressupõe a produção,

a construção, a técnica que também envolvem o pensamento, a invenção, a

transformação, e, no entanto, o fazer na Arte não é apenas execução. “A Arte

22 Segundo Hauser (1998), A Antiguidade inicia após o período Neolítico, anunciando uma revolução da economia e da sociedade, caracterizando a transição do mero consumo para a produção, do primitivo individualismo para a cooperação, direcionando ao comércio e à manufatura, findando este período com a estruturação da Idade Média.

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está vinculada não só ao fazer, ao inventar, ao figurar e ao descobrir, mas

também à expressão, por se caracterizar uma ação humana. A expressão nos

remete às questões da subjetividade.” (BUENO, 2002, p. 53, grifos da autora).

Ramalho e Oliveira (2007) também analisa a etimologia da palavra Arte,

apontando-a como um fazer, uma prática, observando que, ao longo do tempo,

as primeiras reflexões teóricas mencionadas na Antiguidade, pelos gregos, não

contemplavam as Artes Visuais, apenas a Literatura, o Teatro e a Música. A

autora considera que foi com a Estética, abarcada pela Filosofia, que

alavancou a fundamentação teórica acerca da complexidade do fazer. A

palavra “estética” deriva etimologicamente da “percepção através dos

sentidos”, sendo que esta área do conhecimento foi mudando seu objeto de

análise, passando do estudo do belo à teoria da Arte, assim como outras áreas

de estudo que se dedicaram à Arte, como a Antropologia, a Sociologia, a

Psicologia, a História e mais recentemente os Estudos Culturais. É a Arte,

nesse contexto, um meio, um instrumento ou uma subárea. (RAMALHO E

OLIVEIRA, 2007).

No geral, a produção artística pelo âmbito sociológico é caracterizada

não somente como uma expressão de motivações e de experiências

individuais, envolvendo, então, sua forma estética, desenvolvida no meio

social.

Se Arte é fazer, [...], se fazer implica produção inseparável da invenção, e ainda assumindo que a Arte encerrará dentro de si a expressão, tal fato acarreta dizer que ela exprime um significado, abrindo-se, assim, o entendimento de que a Arte também é conhecimento. (BUENO, 2002, p. 54).

A autora reforça que o conhecimento é um processo de construção de

significados que se processa com a mediação entre o fazer e o compreender. A

Arte como conhecimento destaca seu valor cognitivo, dando ênfase aos

processos de associação, relação, comparação, articulação, dedução,

abstração, processos que, de fato, conduzem à construção do conhecimento,

que está associada à linguagem e a uma abordagem de sistemas de signos.

Ramalho e Oliveira (2010) sublinha que na atualidade, especialmente

nas artes visuais, a Arte adquiriu conotações elitistas, constatando o

surgimento desta “elitização” advinda em 1816, com a criação da Academia

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Imperial de Belas Artes e com a Missão Francesa, instituídas por Dom João VI.

Mesmo com a existência de uma arte local, a dominação cultural foi imposta

por “donos do poder”, parafraseando a autora.

A Arte possui caráter social, histórico e transformador, e, em sua

definição – que passa por modificações e revisões nos conceitos estético-

filosóficos – está hoje inserida num mundo contemporâneo, dinâmico, prático e

global. Desta forma, por estar a Arte inserida num processo histórico-social,

relaciona-se com o processo educacional, o qual pressupõe uma formação

teórica baseada numa concepção de homem e de mundo, envolvida num

posicionamento dinâmico e crítico. A Arte é baseada na construção de

conhecimento, considerando o ser humano enquanto ser de linguagem e

simbólico, estabelecendo-se a partir destes pressupostos a relação entre Arte e

educação, porque ambas estão ligadas a concepções sociais, ideológicas e

filosóficas, articuladas a uma concepção de mundo. (BUENO, 2002, p. 70).

Essa relação entre o contexto e o saber implica na construção do

conhecimento significativo. Acredita-se nessa construção de conhecimento

através do ensino-aprendizagem, pois este deve partir do sujeito e de sua

realidade contextualizada, considerando o ser global, social, cultural, histórico e

transformador. Nessa interlocução, emerge o ensino de Arte, propondo, a partir

dessas considerações, ações significativas para estabelecer, portanto, a

construção do conhecimento.

Hauser (1998) aponta que há vestígios em projetos esboçados23,

pinturas e desenhos corrigidos que levantam hipóteses de que existia uma

atividade educativa de Artes Visuais, com escolas, tendências, locais e

tradições desde os primórdios da civilização. Inicialmente, as diferentes

técnicas e conhecimentos no campo da Arte eram transmitidos de pai para filho

ou de um mestre para seus discípulos. Lopes (2004, p. 52) afirma que:

A análise retrospectiva das relações estabelecidas no processo de aprender e ensinar Arte, ao longo da história de uma civilização, nos leva à compreensão de como se desenvolve a produção e a transmissão das manifestações artísticas e culturais neste contexto sócio-histórico.

23 Em seu livro, o autor explicita esse debate sobre as civilizações da Pré-História, enfatizando que já nessa época existiam registros de uma atividade educativa em Artes.

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Nos últimos anos, o esforço para compreender o ensino de Arte resultou

em estudos muito significativos. Autores como John Dewey (a partir de 1900),

Viktor Lowenfeld (a partir de 1939) e Herbert Read (a partir de 1943),

influenciados pelo movimento da Escola Nova contribuíram com importantes

obras com destaque na Arte, valorizando a livre-expressão. (LOPES, 2004).

A presença da Arte na educação e, mais especificamente, na escola, é,

segundo Loponte (2010, p. 227), “[...] continuamente negociada desde os

‘microespaços’ como a sala de aula e as grades curriculares até espaços

políticos mais amplos como associações científicas ou na legislação

educacional.” Para a autora, os argumentos que defendem o ensino de Arte

variam em consistência e no enfoque teórico que o sustenta, a maioria

bastante conhecidos, por vezes, ainda presentes nos dias de hoje, mesmo

depois de anos passados e de muitas mudanças positivas. Tourinho (2003, p.

31) traz alguns indicadores de etapas que já foram superadas no percurso do

ensino de Arte, algumas que ainda perduram, mesmo nos dias de hoje:

1. aprendizagem da Arte para o desenvolvimento moral, da sensibilidade e da criatividade do indivíduo; 2. ensino de arte como forma de recreação, de lazer e de divertimento; 3. Arte-educação como artifício para a ornamentação da escola e como veículo para a animação de celebrações cívicas ou familiares naquele ambiente; 4. Arte como apoio da aprendizagem e memorização de conteúdos de outras disciplinas, e, finalmente; 5. Arte como benefício ou compensação oferecida para acalmar, resignar e descansar os alunos das disciplinas consideradas ‘sérias’, importantes e difíceis.

Essas argumentações apresentadas pela autora convêm para

observarmos o quanto isso ainda está presente e que, muitas vezes, não faz

parte de uma história que já passou, pois ainda acontecem no cotidiano

escolar.

A ideia que permeia o ensino de Arte hoje é a produção de

conhecimento, em que se desenvolvem formas de pensar, diferenciar,

comparar, interpretar, construir. A arte-educação nos moldes contemporâneos,

portanto, está associada integralmente à cognição.

Discorre-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2001) que a

manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico

ou filosófico seu caráter de criação e inovação.

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Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. (PCN, 2001, p. 33).

O processo de aquisição de conhecimento advém de relações

significativas, partindo da apreciação estética e da qualidade da experiência.

Diante de uma obra, é ativado o raciocínio, a intuição, a percepção e a

imaginação, que interceptam o canal da compreensão.

Barbosa (2005, p. 100) propõe que:

Através da Arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação para apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a capacidade criadora de maneira a mudar a realidade que foi analisada.

Além do conhecimento artístico, configura-se o conhecimento da Arte

como produto das culturas, como parte da história e como estrutura formal.

Igualmente, segundo o PCN (2001), o conhecimento de Arte envolve a

experiência de fazer formas artísticas e tudo o que entra em jogo nessa ação

criadora, como a experiência de fruir formas artísticas, a experiência de refletir

sobre a Arte como objeto de conhecimento, onde importam dados sobre a

cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a história da Arte e os

elementos e princípios formais que constituem a produção artística, tanto de

artistas quanto dos próprios alunos.

Ramalho e Oliveira (2007) aponta que embora existam os ditames das

políticas públicas – que é o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais e da

Proposta Curricular de Santa Catarina (PC-SC) – o trabalho do professor de

Arte irá nortear-se por três campos que se inter-relacionam:

a prática da linguagem visual, o exercício analítico dos fazeres dos artistas e dos próprios alunos e a reflexão teórica sobre o fazer e o compreender a Arte, a expressão visual dos educando e as imagens, de um modo geral, considerando essas produções nos respectivos contextos socioculturais, nos quais foram concebidas. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2007, p. 171).

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Considerando que a aprendizagem artística envolve um conjunto de

diferentes tipos de conhecimento, os quais visam à produção de significações,

é possível compreender tais significações engendradas no tempo e no espaço,

permitindo a contextualização da época em que se vive e sua relação com as

demais.

A concepção do ensino de Arte como gerador de conhecimento pode ser

considerada atual, se tomarmos como base seu histórico. Até determinada

época os conceitos eram bem diferentes dos vigentes hoje, e, portanto, o

sentido da arte-educação mudou, e, com essas mudanças, novas teorias foram

desenvolvidas e aplicadas.

Até o início da década de oitenta, o compromisso da disciplina de Arte

na escola era com o desenvolvimento da expressão pessoal do aluno,

diferentemente de hoje, que, segundo Barbosa (2003), a construção do

conhecimento deve ter ênfase na inter-relação entre o fazer, a leitura da

imagem e a contextualização histórica, social, antropológica e estética da

imagem, ou da obra. O conceito de sensibilização por meio da Arte sofre

algumas mudanças em sua concepção, propondo desenvolver atualmente,

mais que uma vaga sensibilidade nos alunos, e sim um enriquecimento cultural

destes. O conceito de criatividade também foi alargado. Percebeu-se que ela

pode ser desenvolvida não apenas através do fazer, mas também pela leitura e

interpretação das imagens.

A criatividade é característica do ser humano e, portanto, não deve ser tolhida e sim trabalhada, pois qualquer área do conhecimento, se bem estimulada, poderá desenvolver estes aspectos que não são de maneira nenhuma prerrogativa única da arte. (ROSA, 2005, p. 34).

Antes, criatividade era atribuída somente ao artista, associava-se

criatividade à originalidade e hoje se percebe uma série de outros elementos,

como elaboração e flexibilidade, que são importantes para desconstruir,

reconstruir, selecionar, reelaborar processos criadores desenvolvidos por

intermédio não somente do fazer, como também da ação de apreciar imagens

artísticas.

O papel da Arte na escola foi também assegurado pela alfabetização

visual, que contribui para a compreensão da importância da disciplina dentro da

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escola, pois se entende que a leitura do discurso visual não se resume apenas

à análise de linguagens visuais, tais como cor, linha, forma, volume, equilíbrio,

movimento, ritmo, entre outras, mas é fundamentalmente centrada na

significação que esses atributos conferem à imagem. Barbosa (2003, p. 18-19)

reforça este discurso salientando que “Não se trata mais de perguntar o que o

artista quis dizer em uma obra, mas o que a obra nos diz, aqui e agora em

nosso contexto e o que disse em outros contextos históricos a outros leitores”.

A autora afirma que o compromisso com a diversidade cultural é também

um objetivo da arte-educação nos dias de hoje. Não mais validar somente os

códigos europeus e norte-americanos, mas atender à diversidade de códigos

em diferentes raças, etnias, gêneros e classes sociais, visando à interação

entre as diferentes culturas.

Apesar da existência de abordagens e pressupostos que delineiam o

ensino de Arte, ainda são fortes os pré-conceitos acerca da disciplina. Anversa

(2008, p. 5-6) aponta que:

A discriminação do ensino de arte no ambiente escolar é resultante das conotações pejorativas atribuídas ao ensino do mesmo dentro da própria escola. [...] A arte muitas vezes é considerada uma atividade supérflua, como um acessório da cultura. A aula de arte, em um determinado período histórico, tornou-se descaracterizada e deixou de ser Arte.

Deixou de ser Arte, pois passou a ser de tudo um pouco: desenho

geométrico, artes manuais, artes industriais, artes domésticas, aula livre,

relaxamento, atributos que estão distantes das concepções teóricas vigentes

hoje, mas que nem sempre são compreendidas e aplicadas. Tourinho (2003)

ressalta que a hierarquia do conhecimento escolar – explícita e implícita –

ainda mantém o ensino de Arte num escalão inferior da estrutura curricular;

porém, felizmente, não decreta seu falecimento. A autora não nega que tenham

ocorrido mudanças na maneira de conceber e realizar o ensino de Arte

(quando ele existe) na escola. Porém, segundo ela, não significa que estas

mudanças tenham decorrido unicamente ou principalmente da vontade e

compreensão do governo federal sobre o que seja o conhecimento em Arte e

as suas funções na educação.

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O ensino de Arte tem um histórico que é determinante em seu processo

constitutivo. Sua trajetória é construída a partir das mobilizações sociais,

pedagógicas, filosóficas, artísticas e estéticas. Quando caracterizadas nos seus

momentos históricos, facilitam a compreensão do processo educacional e sua

relação com a vida. Tal processo pode ser mais bem compreendido se

caracterizado em seus diferentes períodos, como é o caso do Brasil, cujos

movimentos culturais correlacionados com a arte-educação vêm sucedendo

desde o século XIX. Nesse sentido, além das ações ocorridas em prol de

melhorias ao ensino de Arte, movimentos interligados à Inclusão também

ganharam força dentro da arte-educação, favorecendo novos olhares e

experiências que vieram se desenvolvendo e marcando a trajetória desse viés,

concomitante ao ensino de Arte.

3.2 O ensino de Arte e a trajetória da Inclusão

Desde o início do ensino de Arte no Brasil no século XIX – com a

chegada da Missão Francesa e fundação da Academia Imperial de Belas Artes

–, o processo de ensino de Arte apresentou diferentes características e foi

sendo desenvolvido de acordo com os movimentos sócio-culturais e com as

correntes educacionais predominantes em diferentes épocas.

Fusari e Ferraz (1993) destacam algumas interferências sociais e

culturais relevantes que marcaram o ensino e aprendizagem artísticos

brasileiros:

1) o ensino artístico do desenho visando à preparação para o trabalho

originado no século XIX;

2) os princípios do liberalismo, do positivismo, a experimentação psicológica,

influenciando a educação em Arte ao longo do século XX;

3) a implantação da Educação Artística nas escolas brasileiras na década de

70 (LDB 5.692/71);

4) a retomada de movimentos de organização de educadores no início dos

anos 80;

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5) a discussão e a luta para a inclusão da obrigatoriedade de Arte na escola e

redação da nova LDB;

6) a retomada de investigações e experiências pedagógicas no campo da Arte

e sistematização de cursos de pós-graduação;

7) novas concepções estéticas e tendências da Arte contemporânea,

modificando conceitos artísticos e a docência em arte;

8) os debates sobre conceitos e metodologias realizados nacional e

internacionalmente a partir dos anos 80;

Estes tópicos mobilizaram, de alguma forma, a intervenção de

professores, pesquisadores, artistas e intelectuais nas práticas educativas,

refletindo sobre as mudanças que se faziam necessárias em determinados

contextos, demarcando concepções de cada época que em muitas instâncias

ainda se encontram em vigor.

Entre os anos 20 e 70, as experiências vividas pelas escolas brasileiras

eram sustentadas pela estética modernista e com tendência escolanovista,

voltando as atenções para o desenvolvimento natural da criança, enfatizando o

processo de criação do aluno, e não mais na repetição de modelos. Neste

contexto, as Artes Plásticas assumem um caráter mais expressivo, valorizando

a espontaneidade e a auto-expressão. (PCN, 2001).

Por meio deste movimento renovador educacional, o movimento

Expressionista de Arte Moderna, um grupo de artistas e educadores funda, em

1948, a primeira Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. Este espaço

promoveu o contato entre as diferentes linguagens de Arte e a exploração livre

do processo de criação artística, voltado para crianças, jovens e adultos.

(LOPES, 2004). Além de ter sido um marco no contexto educacional geral, a

Escolinha de Arte foi também um dos primeiros espaços a incorporar crianças,

jovens e adultos com deficiência, como alunos de suas oficinas, propondo-se a

pesquisar alternativas de trabalho com Arte numa perspectiva inclusiva. Os

alunos com deficiência não eram segregados em classes especiais e

participavam das atividades artísticas, incluídos no grupo.

Por ter sido um movimento inovador, o MEA (Movimento de Escolinhas

de Arte) ganhou força e se espalhou por diversos estados no Brasil, com a

difusão de ideias inovadoras de ensino de Arte e sua articulação com a

Educação Especial, rompendo com a proposta conservadora do ensino de Arte

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e com a forma assistencialista e segregada de educação às pessoas com

deficiência. (LOPES, 2004).

O movimento de Escolinhas de Arte contribuiu enormemente para a

revisão dos pressupostos teóricos e metodológicos que norteavam o campo da

Educação Especial no Brasil. Lopes (2004) aponta que as ideias de Herbert

Read e Viktor Lowenfeld foram fundamentais na articulação da Arte com a

Educação Especial. Read, segundo a autora supracitada, publicou em 1982 um

livro que defende a tese de que a arte deve constituir a base da educação para

a formação integral do ser humano. O autor aponta como equívoco do sistema

educacional a separação do conhecimento em áreas isoladas, criticando a

dicotomia entre Arte e Ciência. Ele destaca o papel da livre expressão,

abrangendo a apreciação artística como um dos campos a serem explorados

no processo de formação de crianças e jovens.

Os estudos de Viktor Lowenfeld (1977a; 1977b) foram referência para o

desenvolvimento do grafismo infantil e para a implementação de práticas

educativas que reforçassem a importância da espontaneidade e da livre

expressão no ensino de Arte, defendendo também a criação artística como um

processo em que a criança reúne aspectos de sua experiência para formar um

novo e significativo todo, revelando nesta ação formas de pensar, sentir e

perceber. O autor defendeu que a escola deveria priorizar a experiência

sensorial, pois o domínio lógico e as respostas preestabelecidas limitam o

processo de ensino-aprendizagem e são descontextualizadas da experiência

do aluno. Para ele, no campo da experiência artística este aspecto é

largamente trabalhado, e, assim, a arte contribui de forma significativa para a

aprendizagem e o desenvolvimento do aluno. Este autor criticou o sistema

educacional quanto à maneira como o aluno é avaliado, em que se prioriza um

resultado final em detrimento do processo de ensino e aprendizagem,

considerando que a avaliação não deve ser uma acumulação de

conhecimentos, e sim a compreensão de como estes conhecimentos podem

ser utilizados e as relações estabelecidas no processo.

A partir das ideias destes dois autores, artistas, psicólogos e educadores

passaram a reconhecer a importância da Arte na Educação e suas

contribuições no campo da Educação Especial. Nessa articulação, cabe

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destacar a médica e educadora russa Helena Antipoff24, que inaugurou a

Sociedade Pestalozzi do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1945, onde, nesta

ocasião, convidou o artista e arte-educador Augusto Rodrigues para ministrar

aulas de Arte naquela instituição, fomentando a busca de caminhos e

contribuições da Arte na educação de alunos com deficiência.

Foi neste âmbito que as Escolinhas de Arte firmaram parcerias

importantes com a Sociedade Pestalozzi e com a Associação de Pais e Amigos

dos Excepcionais (APAE), instigando a criação de um espaço de reflexão e

ação no campo da Educação Especial no Brasil dos anos 50 e 60. (LOPES,

2004, p. 61).

Outra experiência significativa foi a instituição fundada em 1857 que

atendia alunos com deficiência auditiva, o INES (Instituto Nacional de

Educação de Surdos). Esta instituição funciona até os dias de hoje, buscando

caminhos para a educação através da arte.

No rol dos brasileiros que atuaram e trouxeram sua contribuição para a

Educação Especial, não se pode esquecer de Ulisses Pernambucano25 e Nise

da Silveira26, influenciados pelas escolinhas de Arte e suas concepções de arte

como expressão, Noemia Varela27, a qual desenvolveu atividades com

deficientes mentais.

Ainda hoje o ensino de Arte na Educação Especial está correlacionado

à livre expressão, estimulando a liberdade de criação, em função da

importância do desenvolvimento do aluno em relação ao seu

autoconhecimento, o que vincula o ensino de Arte à arte-terapia. Isto indica que

a Arte é vista como forma de resgate da autonomia, como uma atividade

terapêutica, para estimular as pessoas com deficiência. Bueno (2002)

considera que uma das razões por qual a Arte na área de Educação Especial

24 Contribuiu para o desenvolvimento do campo de pesquisa sobre a Arte na Educação Especial, realizando ações para a reformulação do tratamento dado aos alunos com deficiência, dentre as quais, a fundação do Instituto Pestalozzi. 25 Foi um médico pioneiro na área da Psicologia, especialmente no campo da deficiência mental, mediando ações para crianças excepcionais. 26 Médica psiquiatra brasileira que manifestou-se contrária às formas agressivas de tratamento de sua época, criando a terapia ocupacional em ateliês de pintura e modelagem. 27 Sobre esse assunto ver: FRANGE, Lucimar Bello Pereira. Noêmia Varela e a arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2001.

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ter ainda hoje concepções relacionadas à valorização da arte como expressão

e da liberdade criadora, está enraizada nas décadas de 60 a 80.

A dicotomia entre essas reflexões reverberaram novas práticas e

reformulações nas teorias. Questionamentos das leis acerca da polivalência e

sobre a questão do “espontaneísmo” - enfatizando a arte como mera atividade -

e da livre-expressão, que, retomando a questão da Educação Especial, foram

influências preponderantes na área da arte-educação nos dias de hoje. Em

outros termos, a valorização da liberdade criadora e da arte como expressão,

ou como terapia, advém desses moldes arraigados nas décadas de 60 e de 80,

na qual se concebia os pressupostos da Educação Especial.

Após alguns anos de implantação do ensino de Educação Artística28 nas

escolas brasileiras, já se constatou as dificuldades enfrentadas pelos

professores e a necessidade de discutir e analisar a questão do ensino de Arte.

Nesse contexto, professores de Arte começaram a organizar associações de

arte-educadores em diversas regiões do país, como foi o caso da Federação

Nacional de Arte-Educadores do Brasil (FAEB), entidade criada em 1987, e

várias associações estaduais, como a AESP (Associação de Arte-Educadores

de São Paulo), ANARTE (Associação Nordestina de Arte/Educadores) e AGA

(Associação Gaúcha de Arte-Educação). Segundo Loponte (2010), as

associações de arte-educadores têm tido dificuldades de organização e

agregação atualmente, mesmo que os problemas políticos de garantias de

espaços para a Arte na educação permaneçam. A autora enfatiza que nos

últimos anos, as associações com maior visibilidade são principalmente a

AAESC29 (Associação de Arte-Educadores de Santa Catarina) e AERJ

(Associação de Arte-Educadores do Rio de Janeiro), destacando a existência

também de um movimento importante nos estados de Minas Gerais e Amapá.

Essas entidades começaram a debater a questão do ensino de Arte, da pré-

escola à universidade em vários eventos em nível nacional e internacional,

discutindo aspectos políticos, pedagógicos, ideológicos e filosóficos.

28 Termo que perdurou até alguns anos após a reformulação da LDB 9.394/96, continuando a ser usado em muitas instituições. O termo “Artes” foi instituído oficialmente em 2006 pelo Ministério da Educação – Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica - para substituir a antiga terminologia. 29 A Associação de Arte Educadores de Santa Catarina – AAESC – foi criada no ano de 1991.

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A questão da arte-educação inclusiva passou a ser tema constante em

congressos promovidos pelas entidades. Para Bueno (2002, p. 81) “Arte é

produção humana e não se esgota num só sentido ou função”. Quanto à

questão da Arte e da deficiência, se faz necessária a contextualização da

deficiência e suas definições através do tempo para depois traçar as interfaces

destas histórias e entender um pouco a atualidade sob os parâmetros que a

permeiam. Para esta autora, “a preocupação com a Arte na educação especial

é recente, pois não avançou nas discussões como o ensino de arte em geral”

(BUENO, 2002, p. 81).

A união de instituições distintas como a FAEB, Very Special Arts-Brasil

(VSA) e a Secretaria de Educação Especial do MEC, solidificou-se no fórum de

discussões e reflexões no “I Congresso Latino Americano de Arte-Educação

Inclusiva” e no “I Festival Latino Americano de Artes Sem Barreiras”, em 1998,

havendo nestes eventos trocas de experiências, vivências, diagnósticos,

reflexões, visto que até este momento as instituições acima citadas agiam

separadamente no tema da Arte e Educação. Na ocasião, visualizou-se a

importância de ter a categoria dos arte-educadores envolvidos nas discussões

e realizações das produções artísticas e vice-versa, sob a dimensão da Arte,

ensino e deficiência, porque o objeto artístico envolve conceitos e processos

que abrangem concepções de Arte e educação.

A partir da parceria entre FAEB e VSA, iniciou-se o processo de troca e

crescimento na área, sendo que o MEC reconhece a necessidade de sua

participação, realizando o “Congresso Nacional de Arte Para Todos”, em

Brasília, no ano 2000.

A contribuição dos Arte/educadores nas discussões sobre Arte e Educação Especial apresentou uma mudança radical de concepção em relação ao ensino e à Arte na deficiência. Se hoje temos em andamento a definição das diretrizes para ensino de Arte na Educação Especial, deve-se a esta história. (BUENO, 2002, p. 82).

Através do histórico do ensino de Arte, é possível perceber

desenvolvimento de conceitos e reflexões quanto às diretrizes e caminhos que

este percorreu e ainda percorre. No entanto, quando se fala em ensino de Arte

para pessoas com deficiência, percebe-se um descompasso, como se o ensino

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de Arte para pessoas com deficiência estivesse à margem, recebendo outro

tratamento, outro enfoque.

3.2.1 A formação artística e cultural do indivíduo

O conceito de Arte e de cultura é polissêmico. Faz-se, portanto,

necessário traçar definições para situar os conceitos aqui apresentados.

Ramalho e Oliveira (2010) aponta que a palavra “cultura” é bastante usual e

distinta: fala-se em agente cultural, Ministério da Cultura, comenta-se que certa

pessoa tem muita cultura, ouve-se falar em ação cultural, sabe-se da cultura

institucional, da revolução cultural, da indústria cultural, entre outros usos da

palavra em que se associa o termo. Em alguns casos, o sentido é dissociado

de seu conceito original. Advinda do latim colo (colui, cultum), significa cultivar,

cuidar, velar por, proteger. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2010).

Ainda segundo a autora, o maior equívoco está em considerar a cultura

como produção elitizada ou acadêmica. Ela observa que o adjetivo “inculto”,

pela definição do dicionário corresponde a noções de: desprovido de enfeites,

sem erudição, sem preparo intelectual, não é produto de sua cultura, o que

reforça a discriminação. Uma importante definição classifica o termo “cultura”

pela produção humana: cultura erudita, cultura popular e cultura de massas.

Aí já se pode perceber o avanço, pois se passa a considerar também como cultura os conhecimentos passados de pai para filho sem a influência dos agentes sociais de educação, ou os conhecimentos veiculados e transmitidos no meio social, qual seja a cultura popular. (RAMALHO E OLIVEIRA, 2010, p. 115).

Compreendendo a cultura como parte da vida social, a temática aqui

abordada parte dessa perspectiva, pois se entende que cultura é um conjunto

amplo de saberes. Laraia (2009) aborda a cultura na perspectiva antropológica,

observando que a cultura é dinâmica e está sempre em mudança.

O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura. (LARAIA, 2009, p. 68).

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Muitos autores abordam o tema como “culturas” por acreditarem que não

existe um único conceito de cultura. Quando se fala, nesta pesquisa, em

formação artística e cultural, evita-se classificar e rotular ambos os termos

como algo pertencente às elites econômicas e sociais. “Cultura é uma

dimensão do processo social, da vida de uma sociedade [...] Cultura diz

respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista

em uns contextos e em outros não.” (SANTOS apud RAMALHO E OLIVEIRA,

2010, p. 116).

A discussão formulada prepondera à cultura como construção humana,

coletiva, histórica, através de um processo social. Nesse sentido, efetiva-se por

vias distintas, como escola, família e contexto de vivência social do indivíduo. A

participação da família na formação cultural e artística do indivíduo é, então,

investigada para reforçar a importância desta esfera, entendendo que, além da

escola e das considerações correntes acerca da problemática da formação

docente, abarca o desempenho da criança fora desse contexto, que é vivência

familiar.

Há autores que abordam a transmissão cultural por diferentes

perspectivas, acentuando a importância da família e da escola. Invariavelmente

ambas as instituições participam desse processo. Entre eles, Almeida (2007, p.

82) acredita que “a cultura tem sido valorizada e transmitida, sobretudo, pela

educação”, entendida, nesse caso, como formação/socialização do indivíduo e

formação escolar. Para a autora é através da educação que se transmitem às

novas gerações os conhecimentos, as competências, as instituições, os valores

e os símbolos que caracterizam certa comunidade, o que torna a educação e a

cultura indissociáveis. Mas para isso, a autora reforça que se a transmissão

cultural ocorre por via da educação, há necessidade de educadores

qualificados para a abordagem.

Tourinho (2004) interroga-se sobre “onde” e “como” oferecer uma real

oportunidade de aprendizagem em Arte destacando que:

Muitos outros lugares, além da escola, podem ensinar arte, ciências ou geografia. Mas, enquanto a escola existir, legitimando, credenciando e discriminando as pessoas, no melhor e no pior dos sentidos, sua responsabilidade inclui, mas vai muito além do divertimento, do lazer e da criação. Estudos de público sobre a

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frequência a museus, teatros e concertos, mostram que o nível educacional é o mais poderoso indicador de participação nessas atividades. (TOURINHO, 2004, p. 107).

Não há como despolitizar a questão, pois existe desigualdade nas

formas de distribuição e consumo de bens culturais, tanto dentro, quanto fora

da escola. Talvez porque, segundo a autora, a própria escola sustente essa

desigualdade, oferecendo privilégios àqueles que sabem ou fazem arte.

Entretanto, saber e fazer são concepções ligadas à experiência humana,

decorrentes de práticas vivenciadas no social – na coletividade – alicerçados

na cultura de determinado contexto. Aqui, o papel da família é determinante na

continuidade dessa ação, quando ela existe, iniciada na escola. A Arte é

fundamental à formação de crianças e jovens, e sua problemática não se

encerra na educação escolar, pois implica, além das práticas pedagógicas, o

contexto que o indivíduo vivencia, suas atividades para além desta.

A criança apresenta potencial criador artístico e, segundo Fusari e

Ferraz (1993, p. 105), “as crianças são capazes de diversificar e aprofundar

cada vez mais os saberes em arte, vivendo intensamente a elaboração dos

mesmos”. No entanto, as potencialidades artísticas e estéticas não se

desenvolvem isoladamente, nem tampouco de forma espontânea ou

desprovida de intervenções de sua ambiência cultural.

As crianças são indivíduos que têm uma história de interação afetiva e cognitiva com outras pessoas. Isso quer dizer que as produções das crianças, em arte, dependem tanto de suas práticas pessoais infantis quanto das intervenções [ou não] recebidas do meio social e comunicacional em que vivem. Dependem, ao mesmo tempo, das intermediações educativas em arte [intencionais ou não] que lhes proporcionam as pessoas mais próximas de sua vida cotidiana [como famílias, professores, seus grupos sociais e culturais]. (FUSARI; FERRAZ, 1993, p. 106).

A formação artística de um aluno é concebida pela ação da família e da

escola. Assim, a atuação do professor é fundamental, pois o contato com a

Arte costuma ser gerido através da escola, pulverizando-se para a família, ou,

em alguns contextos, é articulado fortemente na família, por vezes menos do

que na própria escola.

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À medida que o indivíduo tiver uma educação em Arte coerente com as

estratégias pedagógicas em vigor, e que ela seja uma constante em sua

trajetória escolar, a formação artística se efetivará, iniciando preferencialmente

na educação infantil, juntamente com a alfabetização e com as demais

disciplinas do cotidiano de aprendizagem do aluno. A disciplina de Arte –

mediada por um professor com essa formação – se torna obrigatória a partir do

Ensino Fundamental, ainda que, em algumas escolas, ela se efetive também

na Educação Infantil.

A política educacional ainda concebe fortemente a necessidade da

alfabetização em primeiro plano, sistematizando o currículo e as orientações

didáticas para este fim. Em contrapartida, a alfabetização visual, ou estética,

ainda é pouco difundida e defendida, o que não exclui sua importância, mas

reafirma o caráter secundário da disciplina de Arte. A este respeito, Anversa

(2008, p. 7) pontua que:

A arte é a disciplina que busca educar o olhar, através da educação estética, que ainda é pouco difundida, muitas vezes pouco utilizada e por essas razões, irrelevante para o senso comum. A arte veicula a imagem e não palavras, quando o conhecimento "sério" e importante é dado em palavras. Mesmo quando a arte usa palavras, como na poesia ou mesmo em obras de arte contemporânea, as palavras têm outra função, diferente do verbal da tradição escolar. [...] Se o verbal é usado na arte, seu conteúdo fica aberto a interpretações. Não é exato nem prescritivo.

Estas premissas apontam as fragilidades da escola e do ensino de Arte

perante esta, que em muitos casos é insuficiente para arraigar a formação

artística de um indivíduo. No caso dos alunos com deficiência, esta debilidade

da disciplina de Arte é mais nociva ainda, pois comumente estes alunos

possuem determinadas dificuldades – independentemente da deficiência que

possuam –, as quais, se não forem intermediadas pelo suporte da escola, seja

em instrumentalização, seja em capacitação profissional, intervirão no processo

de aprendizagem do aluno.

Há grande variedade entre alunos de uma mesma série, no que diz

respeito a manuseio de materiais, produções artísticas, compreensão e

apreensão dos conteúdos, tempo de atenção e até mesmo de raciocínio. Reily

(2010, p. 85) afirma que:

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Essa heterogeneidade é algo que o professor de arte busca estratégias para gerenciar como parte de seu métier cotidiano, porque, na prática, tais diferenças afetam diretamente o tempo de envolvimento do aluno na atividade, a disponibilidade em ampliar suas tentativas e a qualidade dos resultados do seu trabalho.

Para a autora, o professor de Arte precisa buscar alternativas para lidar

não somente com a falta de incentivo à disciplina, mas também às diferenças

que contribuem ao próprio desenvolvimento do aluno nas aulas, principalmente

no que se refere à qualidade do trabalho. Reily (2010) é bastante incisiva

quando afirma que, na atual realidade, os valores dados aos conteúdos

escolares são desiguais, enfatizando algumas disciplinas e dando menor

importância a outras.

Numa sociedade que atribui valores desiguais aos conteúdos escolares, de tal forma que os conhecimentos dos campos de língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia têm primazia, enquanto educação física e arte – incluindo aí artes plásticas, música, teatro e dança – ficam em segundo plano, não há grande incentivo para os fazeres e saberes da arte na escola, espaço este que reproduz representações historicamente constituídas na sociedade sobre a arte e os artistas. Decorre daí o desafio que o professor especialista encontra ao organizar projetos que mobilizem a participação plena dos alunos na aula de artes plásticas. (REILY, 2010, p. 85).

Quando se fala em Arte e, especificamente, em Artes Visuais, não há

como desconsiderar a tarefa complexa de articular a formação artística

adequada ao aluno com deficiência. O ato de ver, tocar, imaginar, criticar,

sensibilizar, requer recursos que muitas vezes inexistem nas instituições e

limitam tanto o aluno quanto o professor. Esta limitação não se trata de uma

situação que decorra das restrições e competências do professor; em virtude

dessa ausência de suporte ao aluno, sucede a possível estagnação, advinda

da necessidade de melhorias que não acontecem, levando muitas vezes à

troca de instituição.

À inclusão e à formação artística de um aluno, são necessários

subsídios. Segundo Mendes (2006, p. 401), “as pesquisas indicam que faltam

aspectos básicos para garantir não apenas o acesso, mas a permanência e o

sucesso desses alunos com necessidades educacionais especiais matriculados

em classes comuns”.

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O que a autora cita como recurso básico é, por inúmeras razões,

concebido pela escola como algo secundário, principalmente porque requer

verba para obter aparatos e/ou capacitação de profissionais. A este respeito,

Tourinho (2003, p. 29) pontua que:

Nas salas, professores sobrevivem com o que têm e podem fazer, enfrentando a ausência de condições mínimas que lhes dariam prazer e engajamento para realizar sua parte na formação educacional dos alunos e, neste caso, sua formação cultural e artística.

Muitas instituições privadas relegam alunos com deficiência por

afirmarem não possuir condições para viabilizar as mudanças necessárias,

exceto nos casos em que a família concorda em contribuir financeiramente,

pagando valores diferenciados na mensalidade. Quando não há esta

possibilidade, as famílias acabam procurando o setor público que tem, em tese,

obrigação de acolher pessoas com deficiência e quaisquer sejam as suas

necessidades.

Além dessa problemática estabelecida no sistema educacional - que não

é específica da disciplina de Artes -, existe outra questão que contribui para a

dissipação da formação artística do aluno com deficiência: a falta de estímulos

da família para o desenvolvimento artístico e cultural da criança. Vale ressaltar

que muitas realizam atividades de pintura, desenho, modelagem, mas nem

sempre com o intuito artístico ou cognitivo, e sim terapêutico. Quando a criança

possui limitações físicas, utilizam-se técnicas de arte para desenvolvimento

motor, por exemplo, assim como, quando se trata de deficiência mental, são

comuns atividades artísticas relacionadas à arte-terapia. Neste sentido, o

conceito de Arte se restringe às abordagens manuais, técnicas, ou de livre-

expressão, o que não é equivocado, pois não se pode conceber uma visão

maniqueísta destas ações. Entretanto, para a plena inserção da arte na vida do

filho, essas atitudes deveriam estar vinculadas também ao conhecimento, a

estímulos cognitivos, e não somente manuais.

Vincular a Arte dando ênfase aos aspectos psicológicos, a visão do ser e

seu autoconhecimento, seu desenvolvimento pessoal, ou seja, relacioná-la a

terapia é um fato existente no percurso dos processos de ensino e

aprendizagem em Arte para pessoas com deficiência. Este pressuposto indica

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que as pessoas encaram a Arte neste âmbito como forma de resgate da

autonomia, como um processo terapêutico-educacional. Sem negar sua

utilização e importância como instrumento para o tratamento de pessoas com

deficiência, é importante destacar que não se pode resumir a função do ensino

de Arte apenas a este propósito, visto que a Arte é importante na construção

de conhecimento, e não apenas suporte. O valor cognitivo deve ser estimulado

como fator essencial à formação e ao desenvolvimento humano, integralmente,

ou seja, o aluno com deficiência tem direito a um ensino de Arte com qualidade

na escola, como os demais.

Há necessidade de visualizarmos a Arte, não como sinônimo de atividade, de fazer pelo fazer, sobretudo como linguagem e como conhecimento. Muitas vezes “valorizada como manifestação cultural, mas deturpada como linguagem específica”, com suas especificidades próprias de uma área de conhecimento, ignorando a relação entre a manifestação cultural e a linguagem. (BUENO, 2002, p. 86).

Isso porque a maioria dos pais desconhece a função da Arte e do

ensino de Arte ou possuem conceitos superficiais sobre ambos. Sem dúvida,

não são obrigados a saber, mesmo porque parte destes pais vivenciou aulas

de Arte voltadas à livre-expressão e ao fazer técnico, no período dos anos 70 e

80, e, portanto, essas são as concepções que eles possuem acerca da

disciplina, além do que os objetivos das aulas raramente lhes são esclarecidos.

Não se pode excluir, também, o fato de que muitos professores continuam a

trabalhar em suas aulas com conceitos ultrapassados, seja por acomodação,

seja por despreparo30. Estas premissas corroboram as conotações pejorativas

atribuídas ao ensino de Arte e reafirmam sua posição secundária na escola

diante de outras disciplinas tidas como mais relevantes. Em investigação

relatada por Fonseca da Silva (2009a), a dificuldade na prática educativa de

Arte, na seleção de conteúdos e organização do trabalho em classe não é uma

circunstância vivenciada apenas aos alunos com deficiência. Em geral, nos

casos observados nessa pesquisa, as limitações pedagógicas do professor de

Arte refletem em toda a turma, porque sua prática é muitas vezes defasada e

está em desacordo com o que é vigente nos documentos oficiais e no currículo

dos cursos de graduação em Artes Visuais. 30 Sobre esse debate ver Rosa (2005).

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Quando o ensino de Arte é efetivo, a própria criança relata aquilo que

vivencia, articulando a troca de conhecimentos até a família e demonstrando

sua motivação e estimulação a pensar, criticar, argumentar, entre outros

benefícios que o contato artístico e cultural pode fornecer a um indivíduo.

3.2.2 Filhos com deficiência: considerações sobre inclusão, educação e arte

Até aqui, tem-se reforçado que a integração entre a família e a escola é

importante. Em relação à inclusão de pessoas com deficiência nas salas

regulares, o vínculo entre família e escola se torna ainda mais essencial. A

esse respeito, Smith (2008) considera que a produção de sujeitos ocorre na

articulação família-escola; portanto, para o autor, as crianças com deficiência e

suas famílias demandam uma experiência educacional única. Cabe à escola

promover formação sólida em Arte e cultura para todas as crianças,

assegurando uma base, que, mais tarde, poderá ser desenvolvida mediante

empenho do aluno, com apoio de sua família. “A força das famílias e seu

envolvimento na escola podem fazer uma grande diferença na vida das

crianças.” (GARCIA, 2001 apud SMITH, 2008, p. 101).

Segundo Smith (2008), muitas famílias sentem-se alienadas com relação

à situação escolar, com sentimentos de desconfiança e falta de informação.

Professores apontam que os pais não demonstram interesse em participar

efetivamente da educação dos filhos. Em decorrência disso, as famílias não

procuram os serviços disponíveis a elas, por sentirem-se excluídas ou por não

se sentirem acolhidas.

Várias famílias tiveram experiências negativas com o sistema educacional e podem parecer desinteressadas e distantes da educação de seus filhos. Mas o envolvimento da família pode levar a uma melhoria nos resultados das crianças. (GARCIA, 2001, apud SMITH, 2008, p. 101).

Muitos pais – não apenas os que têm filhos com deficiência - relatam

que os educadores não os ouvem, e que, neste sentido, podem desencorajar o

desenvolvimento de parcerias efetivas, excluindo de muitas formas, mesmo

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que sutis, diversos membros da família. O princípio de tais barreiras inclui

conflitos entre o lar e a escola, comunicação restrita e falta de respeito mútuo.

Dallabrida (2001) enfatiza que as instituições escolares escolhem a

população que as frequentam, delineando o perfil não apenas por meio da

forma e do conteúdo escolar. A oferta de escolarização é desigual para as

diferentes classes sociais, como afirma Dallabrida (2006), constituindo-se em

evidente agente para a manutenção dos status quo, não se pode negar que o

imaginário social construído sobre as (im)possibilidades de aprendizagem e de

inserção social satisfatória dos sujeitos considerados com deficiência, embora

acarretem consequências muito mais fortes, por razões óbvias, sobre aqueles

oriundos dos estratos sociais desprivilegiados, perpassa por toda a sociedade.

Os limites e as possibilidades na integração social de pessoas com

deficiência (escolaridade e atividade profissional) estão vinculados mais ao

meio social em que se encontram do que com as especificidades da deficiência

em si. As oportunidades de desenvolvimento da autonomia, de individualidade,

acesso à Arte, cultura e outros – os quais fazem parte do processo de

humanização – parecem ser oferecidos de forma desigual.

Segundo Dallabrida (2006), os estudos sobre família e filhos com

deficiência têm enfocado mais as percepções ou representações sobre a

deficiência e as práticas no processo de escolarização. A discussão atual diz

respeito ao processo de exclusão/inclusão por que passam as pessoas com

deficiência na rede regular de ensino.

As escolas especiais formam um sistema paralelo à educação regular e

têm sido opções recorrentes no suporte à educação. Em virtude da realidade

atual, que coíbe o atendimento em classes especiais ou mesmo em instituições

de educação especial, a inclusão de alunos com deficiência em escolas

regulares é uma ação essencial, mas para isso, é necessária a estruturação

física e docente adequada para atender a demanda.

Fonseca da Silva em seu estudo sobre a inclusão na fala do professor

de arte analisa as repostas destes sobre a importância da inclusão, inferindo

que “Os professores ponderam a obrigação de construir uma inclusão

responsável, dando acolhimento integral à criança, para que ela não se sinta

ainda mais discriminada.” (2009a, p. 37). A autora sublinha que quase inexiste

a adaptação de materiais para o ensino de arte, e que o professor não se

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considera preparado para a criação de materiais pedagógicos para alunos com

deficiência. Não obstante, os professores de arte apontam a inexistência de

formação para a inclusão, pontuando que esta falta decorre da graduação.

Reily (2008) aponta que nessa área de ensino, tanto em nível nacional

quanto internacional, a ausência de uma narrativa histórica em contextos de

educação especial ou sobre promoção de práticas nas diversas linguagens

artísticas voltadas a pessoas com deficiência é um convite para o

desenvolvimento de pesquisas relacionadas à temática “arte e deficiência”.

Existem algumas problemáticas relacionadas ao campo da arte e da

educação inclusiva, como o fato de algumas pessoas pensarem que existem

linguagens de arte mais adequadas para certos tipos de deficiências e inviáveis

para outras, o que interfere diretamente nas vivências dos alunos com

deficiência durante seu processo de escolarização. Tais questões são

determinantes no campo da história do ensino de Arte e na educação, dado o

fato que são recorrentes no âmbito da educação especial e inclusiva.

Por ser a produção artística incomum ou fascinante, gera entre os

pesquisadores, principalmente entre médicos e psicólogos, o desejo de

conhecer essa realidade. O número de investigações é desproporcional, e, na

maioria dos casos, apenas explicam o fenômeno, mas não promovem

mudanças na realidade escolar, porque os profissionais da área da saúde e da

psicologia têm outro foco de análise. Outra problemática é a falta de

investimento na formação curricular básica em Arte na escolarização do aluno

com deficiência, comparado às propostas de trabalho em outras atividades.

A este respeito, Fonseca da Silva (2009a, p. 43) destaca que

[...] as dificuldades da escolarização das crianças especiais, no que pesem os aspectos específicos de adaptação curricular, do auxílio de profissionais especializados e demais necessidades específicas, recaem nos mesmos problemas de uma escola com pouco investimento na estrutura física, de equipamento, nas condições materiais e de formação de professores.

Partindo da fala dos professores de Arte, a autora considera outro

aspecto relevante no que diz respeito à inclusão de pessoas com deficiência,

que é a formação fragmentada do professor de Arte, cujo agravante está no

distanciamento da universidade da realidade educacional, além da própria falta

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de comprometimento dos gestores das escolas, os quais pecam na

qualificação continuada dos docentes. (FONSECA DA SILVA, 2009).

Considerando que o conceito de deficiência é uma construção social

para além das determinações biológicas e que a deficiência orgânica não é o

que compõe exclusivamente os sujeitos, parte-se do pressuposto de que são

marcas fundamentais na construção de identidade, sem desvincular-se dos

processos sociais pelos quais eles passam, o que determina sua humanização.

Algumas considerações são importantes destacar, dentre as quais, o

fato de que a Arte tem um significado particularmente importante para a vida de

muitas pessoas com deficiência.

Como vivência que permite dar sentido ao “ser e estar” no mundo, como perspectiva profissional, como modo de constituir a identidade, desfilam pela literatura personalidades mais e menos conhecidas para quem a possibilidade de criar pela arte modificou seu lugar no meio social da época. (REILY, 2008, p. 234).

Do ponto de vista dos aspectos sociais, a Arte é um instrumento de

inserção e inclusão social, sendo uma ferramenta para modificar e transformar

com qualidade a vida das pessoas com deficiência. Contudo, existe uma

preocupação em considerar a Arte por este ângulo, como um instrumento, algo

isolado, descontextualizado, principalmente no caso dos que são rotulados

como limitados, que possuem dificuldades e limites, descaracterizando-a.

Bueno (2002, p. 88-89) defende que:

A Arte é um elemento imprescindível para o desenvolvimento do ser humano social, cultural, psicológico, político e histórico. É fundamental considerá-la não como “instrumento de resgate da cidadania”, mas sim um instrumento de exercício da cidadania.

A disciplina de Arte no âmbito da Inclusão deve ser entendida não como

uma atividade isolada, neutra, mas como conhecimento, relacionada aos

processos que envolvem a cognição, o pensamento, as articulações, os

significados, as associações, as relações, as comparações, as abstrações,

enfim, tudo o que conduza à atitude de construção de conhecimento.

A partir disso, é possível almejar a formação artística do aluno com

deficiência de forma completa, e ainda, para que se firme essa ação, é

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fundamental os pais terem claro como se efetiva o ensino de Arte de seu filho,

em outras palavras, participar ativamente da formação artística e cultural deste;

mas, para isso, precisam em primeiro lugar, conhecer esse campo, por vezes,

desconhecido.

3.3 A prática dos professores: o contexto atual

O contexto educacional brasileiro atual reconhece cada vez mais o

campo da Arte, como importante linguagem expressiva e área de

conhecimento que contribui significativamente para a formação do ser humano.

Oficialmente a Arte foi introduzida no currículo escolar com a LDB 5.692/71,

intitulada de Educação Artística, pois nesta época era compreendida apenas

como uma atividade.

O campo da arte-educação ganhou forma ao longo dos anos 80 e 90,

recebendo maior apoio e atenção com o aumento do número de pesquisas,

publicações e congressos, além dos cursos de pós-graduação e especialização

das diferentes áreas artísticas. Em todo o país, vários arte-educadores

organizaram associações e movimentos em busca do reconhecimento da Arte

como disciplina do saber escolar, efetivando-se no final da década de 90, com

a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB

9.394/96.

Segundo Lopes (2004, p. 64-65),

O movimento de Arte-Educação vem sendo reconhecido como uma manifestação organizada de profissionais que buscam novas metodologias de ensino e aprendizagem neste campo. Lutam pelo reconhecimento e valorização do professor específico em diferentes áreas [Teatro, Música, Artes Visuais e Dança] e procuram discutir e propor práticas pedagógicas, redimensionando o trabalho de forma consciente e ressaltando a importância de sua ação profissional e política na sociedade.

Mesmo com a maior conscientização dos profissionais desta área, ainda

hoje ocorre diferenciação entre as práticas pedagógicas do ensino de Arte. O

professor ainda se orienta por métodos tradicionais, focando seu trabalho na

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expressividade individual ou em técnicas, mostrando-se, muitas vezes,

insuficiente no aprofundamento do conhecimento da arte.

A docência é uma prática que exige ações tanto do professor –

enquanto profissional em constante formação –, como também de outros

setores, que dizem respeito às políticas públicas, que implicam constância na

preparação de um profissional educador.

Tão delicada quanto as relações entre família e escola são as relações

entre a formação artística e a prática docente. O professor tem grande parcela

de responsabilidade no que diz respeito aos conceitos que as famílias têm

acerca da Arte e seu ensino, pois mesmo em meio a tantas mudanças, seja por

ordem de leis e decretos, congressos que deliberam sobre o assunto, em

livros, na comunidade pesquisadora em ensino de Arte, muitos ranços ainda

sobrevivem nos dias de hoje.

Pode-se vincular essa discussão à questão do habitus, sistematizada

por Pierre Bourdieu. Em síntese, o habitus relaciona-se à capacidade de uma

determinada estrutura social ser incorporada pelos agentes por meio de

disposições para sentir, pensar e agir. Isso se correlaciona às relações

estabelecidas entre as instâncias e os agentes sociais, os quais podem, pois,

determinar uma gama variada e heterogênea de experiências singulares.

Habitus, segundo Setton (2002), não é destino, e sim uma noção que auxilia a

pensar as características de uma identidade social, de uma experiência

biográfica, um sistema de orientação ora consciente ora inconsciente. É como

uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.

O conceito de habitus propõe identificar a mediação entre indivíduo e

sociedade, que, em suma, é um conceito que concilia a oposição aparente

entre realidade exterior e as realidades individuais. Setton (2002, p. 63)

considera que

o habitus é então concebido como um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas de existência), constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano. [...] Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados.

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103

Pensando pelo viés da docência, o habitus é determinante na prática

cotidiana do professor e se constrói nessa conjuntura, é mediado por ela. Com

base nisso, faz-se necessário que o professor, em primeiro lugar, compreenda

o papel da arte-educação e dissipe este entendimento em suas aulas,

fundamentando sua prática na concepção de geração de conhecimento.

Desde os primórdios da civilização, a Arte ocupa espaço fundamental na

vida das pessoas, enquanto atividade criativa que desenvolve o pensamento e

a interação do ser humano com o mundo em que vive. Para compreender a

importância da Arte na educação, é indispensável que o professor entenda a

função da Arte para o indivíduo e para a sociedade. É papel e responsabilidade

do professor fortalecer a formação artística e cultural de um aluno, mas, para

isso, ele próprio deve ter clareza sobre o quão significativo isso é. Para Buoro

(2002, p. 58),

um professor - como qualquer outro ser humano - inicia sua formação antes mesmo de nascer. Mais tarde, segue construindo seus caminhos pessoais, determinados pelos encontros e eventos significativos que nele operam crises e transformações, pelos desejos que movem suas buscas, descobertas de novos interesses e gostos, muitos dos quais inusitados, e pela superação de gostos e interesses que perdem seu vigor no embate com a experiência – e tudo isso é o mesmo que viver significativamente.

Segundo a autora, o professor de Arte encaminha suas mediações

conforme seus conhecimentos sobre Arte e acerca do que seja

ensinar/aprender, tanto por influência do que estudou em sua jornada

acadêmica quanto pelas suas próprias experiências que o configuram como

sujeito construtor e mediador de sua cultura.

É uma tarefa de grande responsabilidade, não somente para com o

aluno, mas para com a sociedade em si, pois é por meio da prática docente e

do respaldo da mesma que se constrói a narrativa histórica do ensino de Arte.

Coutinho (2003) afirma que a formação do professor, em todos os níveis

de ensino, tem sido foco das discussões atuais sobre educação. O professor

passou a ser objeto de pesquisa após anos de esquecimento e controle do

próprio sistema educacional, e, no entanto, retoma sua identidade profissional

estimulando reflexões sobre a prática pedagógica.

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De acordo com Rosa (2005), a formação dos professores de Arte no

Brasil é relativamente recente, marcada pela criação dos cursos de Educação

Artística na década de 1970, decorrentes da primeira obrigatoriedade

institucional do ensino de Arte na escola, através da LDB 5.692/71. A Lei

incluiu a atividade artística no currículo e só depois providenciou a criação das

licenciaturas curtas e plenas polivalentes para suprir a necessidade implantada.

(COUTINHO, 2003). Na década de 1980, com o fracasso dessas licenciaturas,

engendraram-se discussões a fim de adequar o currículo dos professores às

demandas daquele momento. Assim como naquela época, hoje as comissões

do MEC, da Federação de Arte Educadores do Brasil, a Comissão de

Especialistas do Ensino das Artes avaliam os cursos de licenciaturas em Arte,

que por sua vez procuram adequar-se à LDB vigente e aos Parâmetros

Curriculares Nacionais, divulgados em 1998.

Na prática, este tipo de mudança não ocorre de imediato. Mesmo que as

nomenclaturas sejam alteradas – como por exemplo o termo Artes Plásticas,

hoje intitulado Artes Visuais –, isso não reflete necessariamente uma mudança

na essência dos currículos.

A complexidade da tarefa de ser um professor de Arte não é concebida

apenas por intermédio da graduação. É moldada por toda a experiência que o

próprio professor já traz consigo e também a partir do momento em que iniciar

sua docência, seu meio social e cultural.

A formação do professor de Arte tem, portanto, este caráter peculiar de lidar com as complexas questões da produção, da apreciação e da reflexão do próprio sujeito, o futuro professor, e das transposições das suas experiências com a Arte para a sala de aula com seus alunos. (COUTINHO, 2003, p. 157).

Além desta particularidade inerente ao objeto de conhecimento, o

professor precisa conhecer os alunos, sem que isso se restrinja às questões

psicológicas, mas buscar entender como crescem e se relacionam com o meio

cultural e social. Como indivíduos, fazem parte de segmentos culturais

diferenciados, com seus códigos e articulações particulares, que precisam ser

localizados e respeitados.

Por este ângulo, considera-se a questão da inclusão e de como o

professor de Arte é preparado para trabalhar com as diferenças, no caso desta

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pesquisa, com alunos com deficiência. Fonseca da Silva (2008, p. 1260)

salienta que “Os aspectos curriculares da formação de professores de artes

vão estruturar as bases da trajetória docente”, reforçando também que não

existem diretrizes específicas para a formação de professores de Artes Visuais

nos documentos oficiais, no que se refere à inclusão. A autora observa as

propostas das leis em relação à inclusão e reforça algumas ações necessárias

para um trabalho efetivo em artes com pessoas com deficiência:

Destacamos as diferenças na aprendizagem, na ampliação do conceito de arte, no acesso a produção artística de grupos diferenciados e a criação de objetos pedagógicos para o ensino de artes visuais para pessoas cegas. Ainda, o professor de arte como agente de investigação e um pesquisador de sua própria prática. (FONSECA DA SILVA, 2008, p. 1262).

Embora a questão da inclusão seja conteúdo curricular dos cursos, são

poucas as licenciaturas em Artes Visuais que possuem uma disciplina

específica que abarque o assunto. É objetivo e função da educação trabalhar

com a alternância de valores culturais e sociais evitando a hegemonia.

“Aprender arte de forma sistemática é necessário e isso implica

persistência, consistência, determinação e competência.” (TOURINHO, 2004,

p. 107). O discurso da autora reforça a fragilidade da escola em lidar com o

imprevisível, com a real necessidade dessa troca entre ensino e aprendizagem.

Porém, longe de depositar os problemas do ensino de Arte no professor, esta

reflexão propõe um pensar as práticas do ensino de Arte hoje, concebida por

meio das experiências dos professores de ontem, que de alguma maneira

construíram nossa história. Se buscarmos entender os percursos, as escolhas

e as realizações desses profissionais, ampliaremos o conhecimento de parte

da história do ensino de Arte no Brasil, e, também, lançando este olhar,

evitaremos repetir os erros. A apropriação de algumas teorias consideradas

defasadas ainda está presente no ideário do ensino de Arte e circulando no

senso comum da escola. No entanto, à medida que se conhece a história do

outro, reconhece-se a história de sua própria formação, porque, neste

movimento, é possível que haja entendimento e avaliação do que já foi

importante, mas que hoje é insuficiente.

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107

4 O DISCURSO SOBRE A ARTE COMO FATOR DE INCLUSÃO

EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO ARTÍSTICA DAS CRIANÇAS COM

DEFICIÊNCIA

Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades. Cada um achará uma certa consolação no fato de descobrir que grande número das dificuldades imputadas em especial à sua falta de habilidade ou à sua incompetência, são universalmente partilhadas.

Pierre Bourdieu

O presente capítulo sistematiza a escolha da trajetória trilhada na

pesquisa, traçando uma discussão sobre a metodologia utilizada,

apresentando, inicialmente, a escolha dos procedimentos de coleta e análise

de dados. Compreende, também, a apresentação, a análise e a discussão dos

primeiros resultados obtidos na investigação, sendo que este texto é composto

de subitens, que correspondem aos eixos temáticos categorizados em função

das respostas às entrevistas. A escolha desta sistemática deve-se pela

reincidência das informações que necessitaram ordenação, pois além de

relevantes, nortearam os objetivos desta pesquisa, buscando foco no que se

propunha investigar através da obtenção de dados nas respostas das pessoas

entrevistadas.

4.1 Percursos metodológicos

A pesquisa qualitativa ampliou o leque de possibilidades investigativas

com objetos de estudo complexos, como no caso aqui apresentado, da

participação de famílias cujos filhos apresentam diagnóstico de deficiência. O

contexto de encontro com as escolas e com as famílias foi bastante dificultoso,

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fazendo parte do percurso de construção da pesquisa, considerando os

inúmeros percalços e dificuldades enfrentadas nestes dois anos de

investimentos teóricos e efetivação dessa investigação.

Partindo do pressuposto de que se faz necessária a realização de

pesquisas e o aprofundamento de reflexões na área dos estudos sobre família,

arte e inclusão, por serem estas áreas tão afins, e ao mesmo tempo tão

distantes, é importante destacar que notadamente o tema “família” está

intrinsecamente correlacionado com as discussões acerca do tema “escola”.

Reily (2009) sublinha que, também, a literatura sobre arte e deficiência ainda

se encontra em definição, enfatizando que o tema “deficiência” desperta

interesse em inúmeras áreas, como psiquiatria, psicologia, educação, mas que,

no entanto, no campo da arte, ainda é recente, em fase de produção.

As necessidades acima enunciadas provocaram um somatório de

questões que originaram um investimento teórico bastante denso na

construção desta investigação. As questões que levaram a optar por este tema,

inicialmente foram:

1 – As elites econômicas e sociais31 possuem conhecimento sobre Arte e por

isso investem mais na formação artística dos seus filhos?

2 – Elas acompanham a trajetória artística e cultural do filho na escola?

3 – Que importância as elites dão à formação artística e cultural da criança com

deficiência?

4 – Qual a estima/expectativa dos pais sobre o ensino de Arte dentro da escola

regular, na vida da criança com deficiência?

5 – As famílias são habituadas a atividades relacionadas à Arte e Cultura?

Brandão (2000) aponta a ausência de uma tradição disciplinar nas

pesquisas em educação, o que reflete na qualidade destas, resultando na falta

de rigor em função dos elementos, informações e instrumentos utilizados. Ela

31

A caracterização deste grupo se deu antes de ir à campo, pensando que essa classe social seria o foco das entrevistas. No entanto, após efetivar a coleta de dados, notou-se dificuldade em pesquisar tal grupo, o que levou à opção de investigar famílias que têm filhos matriculados em escolas privadas, independente de sua condição sócio-econômica.

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afirma que a problemática da escolha da abordagem metodológica entre os

pesquisadores das Ciências Sociais e da Educação se encontra na capacidade

de selecionar os instrumentos de pesquisa de acordo com os problemas que

esta deseja investigar.

Pela ótica da autora, a maturidade de um pesquisador está diretamente

ligada ao rigor com que elabora suas referências, o cuidado na escolha dos

instrumentos de pesquisa, a capacidade de realizar a melhor opção entre as

alternativas postas para a análise de seu objeto e a cautela com que interpreta

os resultados do processo investigativo.

Dallabrida (2006, p. 83) compreende que “[...] as experiências de

pesquisadores desta temática abrem caminhos para que as pesquisas ganhem

em qualidade e não percam o rigor necessário às investigações acadêmicas.”

Existem dois momentos cruciais para a pesquisa, que devem ser

levados em conta na aquisição do rigor científico, que são a delimitação do

objeto e a análise e interpretação dos resultados.

Para Brandão (2000, p. 175), o rigor, a aquisição do habitus científico

exige tempo e esforço:

Os materiais de pesquisa, sejam dados quantitativos ou informações e representações sociais colhidas por questionários ou entrevistas, não são dados. Há todo um trabalho prévio de construção de um corpo de hipóteses derivado de um conjunto de escolhas teóricas que é indispensável para delimitar e conferir sentido aos materiais empíricos necessários ao desenvolvimento da investigação. O processo de configuração do campo de pesquisa impõe um tempo de experimentação, em que o pesquisador vai se familiarizando com as alternativas de tratamento do problema e as vantagens e desvantagens dos diferentes ângulos de observação.

A escolha dos procedimentos de coleta de dados deve ser pertinente

com relação ao objeto de pesquisa. A entrevista tem sido muito usada nas

pesquisas com foco no ensino, e, além disso, tem sido bastante discutida no

meio acadêmico quanto sua relevância e pertinência com relação a cada

objeto. Para configurar o corpo desta pesquisa, o instrumento de coleta de

dados escolhido foi a entrevista. Ela é bastante útil como um método de

pesquisa para se ter acesso às atitudes e aos valores dos indivíduos – coisas

que não podem necessariamente ser observadas ou acomodadas em um

questionário formal. As perguntas abertas e flexíveis podem obter uma

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resposta mais ponderada do que as perguntas fechadas e, por isso,

proporcionam um melhor acesso às visões, às interpretações dos eventos, aos

entendimentos, às experiências e às opiniões dos entrevistados. (BYRNE apud

SILVERMAN, 2009, p. 111).

Zago (2003) aponta que a delimitação da entrevista compreensiva

permite a construção da problemática de estudo, sem possuir uma estrutura

rígida, ou seja, questões previamente definidas podem sofrer alterações. Isso a

difere do modelo clássico, o qual define a problemática na fase inicial, “com

instrumentos padronizados, definidos na fase que antecede à coleta de dados,

[...] amostragem tendendo para a representatividade, com questões

estabilizadas.” (ZAGO, 2003, p. 296). Tomando como base as considerações

da autora, essa pesquisa se aproxima desse recurso, buscando a

compreensão do social valorizando o material coletado.

A entrevista é o procedimento de coleta de dados mais adequado para a

investigação proposta nesta pesquisa. Por esta razão, sobressaiu ao

questionário, prevalecendo a importância da troca de ideias com o

entrevistado, a fim de obter resultados mais significativos e atender ao

questionamento inicial, buscando a compreensão da formação artístico-cultural

pela ótica dos pais de alunos com deficiência. Bourdieu (2008, p. 694,) afirma

que

Só a reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa, baseada num “trabalho”, num “olho” sociológico, permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista, os efeitos da estrutura social na qual ela se realiza.

O autor ressalta a importância em esclarecer ao entrevistado o sentido

que este faz da situação, da pesquisa em geral, das finalidades que ela busca,

explicando as razões que o levam a aceitar a participar da troca. Isso tudo é

crucial na maneira como se apresenta a pesquisa ao pesquisado. Medir a

amplitude e a natureza da distância entre a finalidade da pesquisa interpretada

pelo pesquisado, e a finalidade que o pesquisador tem em mente, é essencial,

pois pode causar distorções na maneira como o entrevistado responderá às

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perguntas, ocasionando o impedimento em dizer certas coisas ou encorajar a

acentuar outras. (BOURDIEU, 2008).

Os pesquisadores são parte essencial do processo de pesquisa, não

apenas pela presença, mas também por suas experiências no campo com a

capacidade de reflexão que trazem ao grupo que está sendo estudado. Por

este viés, compreende-se que o contexto e os casos são categóricos na

pesquisa, pois a história e a complexidade dos mesmos são fatores

importantes para entender o que está sendo estudado.

Os pesquisadores qualitativos estão interessados em ter acesso a experiências, interações e documentos em seu contexto natural, e de uma forma que dê espaço às suas particularidades e aos materiais nos quais são estudados. (FLICK, 2009, p. 9).

Bourdieu (1989) aponta que a pesquisa é algo demasiado séria e difícil

para ser confundida com a rigidez, o oposto da inteligência e da invenção, com

o rigor, privando-se de recursos entre os tantos que podem ser oferecidos pelo

conjunto de tradições intelectuais de disciplina. O autor assegura que o habitus

acadêmico deve ser desenvolvido pelos pesquisadores, cuidando para manter

o foco de pesquisa utilizando procedimentos criativos, por vezes pouco usuais.

Com base nisso, a pesquisa tem como instrumento de coleta de dados

essencialmente a entrevista. Embora a expectativa tenha sido maior, com

relação ao acesso às famílias e ao número de entrevistas cogitado, a

dificuldade em acessar o objeto de pesquisa é também um dado. Nas

entrevistas, o primordial são as informações obtidas e não a parte formal.

Conforme a necessidade foi realizado mais de um encontro para esclarecer

dúvidas ou desenvolver informações que passaram despercebidas no

momento da entrevista.

Apesar de cuidar para que a duração das entrevistas entre os

entrevistados não variasse muito, a preocupação no rigor acadêmico se deu na

transcrição, de forma fidedigna à fala dos participantes, e também na

apreensão das respostas questionadas prioritariamente na mesma ordem.

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4.2 Desenho da pesquisa

A hipótese inicial que delineou a pesquisa é a de que as elites investem

mais na formação artística e cultural dos filhos com deficiência do que as

famílias advindas de outros estratos sociais. A entrevista foi o procedimento de

coleta de dados escolhido, estipulado com base na necessidade em investigar

o tema da pesquisa, esboçado após se ter claro o objeto desta. A partir do

questionamento “Como as famílias de compreendem a formação artística da

criança com deficiência?”, vislumbrou-se o método mais adequado para

responder a este questionamento, incorporado a um processo de investigação

direta à família através das entrevistas. Segundo Zago (2003, p. 294)

A escolha pelo tipo de entrevista, como também é o caso de outros instrumentos de coleta de dados, não é neutra. Ela se justifica pela necessidade decorrente da problemática do estudo, pois é esta que nos leva a fazer determinadas interrogações sobre o social e a buscar as estratégias apropriadas para respondê-las.

Inicialmente traçou-se um roteiro de escolas da rede privada de ensino

de Florianópolis a serem visitadas com o intuito de apresentar a pesquisa e

agendar contato com famílias que tivessem filhos com deficiência matriculados.

A ideia em iniciar o contato através da escola se deu principalmente pelo fato

de este ser um processo onde não se conhece o entrevistado por outras vias, o

que atribui à coleta de dados um caráter mais rigoroso e investigativo. Nesta

primeira fase, estipulou-se visitar escolas apenas do município de Florianópolis,

no intuito de focar a pesquisa na comunidade de escolas de elite, localizadas

na maior parte na área central do município. A hipótese idealizada inicialmente

era de que o acesso não seria tarefa complexa em virtude do número de

famílias que seria desejável para atingir a meta de entrevistas (quatro), e

principalmente porque existiam muitíssimos alunos matriculados nessas

escolas.

Logo nos primeiros investimentos na conquista do público alvo,

observou-se que não seria tarefa fácil encontrar pessoas dispostas a

participarem de uma pesquisa, pelo fato do alvo ser a família, e não

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professores ou alunos, como acontece na maior parte das pesquisas na área

da educação. No entanto, os impedimentos ampliaram-se, tornando-se penoso

encontrar pessoas solícitas, dispostas a participar do desenvolvimento de uma

pesquisa acadêmica por via da escola. Do ponto de vista dessa, é demasiado

complexo contatar os pais para falaram sobre a deficiência do filho, o que

certamente os levou a barrarem quaisquer possibilidades, ao saber que a

pesquisa envolveria as famílias de alunos com deficiência.

4.2.1 Processo de coleta de dados: entrevistas e seleção dos entrevistados

Foram realizadas cinco entrevistas com roteiro impresso (Anexo 03), o

qual serviu de guia para orientação das questões, mas que, conforme o

desenrolar da conversa, mudava a sequência e duração. “A entrevista não se

processa numa relação de ‘sentido único’, não segue uma ordem linear.”

(ZAGO, 2003, p. 305). As entretrevistas foram captadas com gravador digital

de áudio e foram transcritas na íntegra. No início de cada entrevista o objetivo

da pesquisa era novamente esclarecido, mesmo que já tenha sido explicitado

no primeiro contato anterior à entrevista. Todas as entrevistas foram

agendadas e ocorreram em espaços diferenciados, conforme a preferência das

mães pesquisadas: nas escolas em que os filhos estudam, na casa delas e no

local de trabalho. Para o registro das entrevistas foi utilizado um gravador

digital de áudio da marca Digital Life DL, com 1GB de memória. Para a

transcrição das entrevistas foi utilizado o programa Windows Media Player, que

possibilitava a escuta através do computador, feita com fones de ouvido para

uma maior atenção.

As participantes são todas mães, selecionadas mediante o perfil traçado

no princípio da pesquisa: famílias com filho(s) com deficiência matriculados em

escolas particulares, fato que reitera as concepções abordadas por Da Matta

(1985), inferindo que a educação dos filhos é tarefa das mães. As entrevistas

foram feitas com cinco mães, dentre as quais três têm apenas um filho e duas

têm quatro filhos. Quatro mães são casadas. Uma mora em um apartamento

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com marido e filho. A outra é casada, mas não vive com o marido; mora

somente com a filha, pois o marido se encontra trabalhando fora do país.

Segundo ela, seu retorno se deveu essencialmente pela procura de uma

estrutura adequada de educação à sua filha. A terceira mãe é separada e mora

com seu filho. A quarta mãe mora em uma casa com seu marido e seus quatro

filhos, sendo que dois são gêmeos. A última mãe entrevistada têm

quadrigêmeos e mora em uma casa com seu marido, que viaja durante a

semana.

A primeira mãe entrevistada, foi selecionada mediante indicação da

diretora da escola, assim como a segunda, o que não ocorreu com a terceira,

pois nao houve intevenção da escola, e sim, minha busca pessoal por já ter

trabalhado na instituição onde seu filho estuda e recordar do caso e do local de

trabalho desta mãe. A quarta mãe foi indicada por uma pessoa conhecida,

sendo que a própria mãe entrevistada indicou a quinta participante.

Lahire (1997, p. 77) salienta que o essencial nao é confrontar as

"verdades" nas entrevistas, e sim, reconstruir, com base nas informações, a

realidade social. Para o autor, não importa saber se os entrevistados falaram a

verdade ou não, mas tentar reconstruir relações de interdependências e

disposições sociais prováveis através das convergências e contradições entre

informações verbais do pai e as fornecidas pela mãe ou pela criança", em

consonância com as informações verbais, contextuais ou estilísticas.

O quadro abaixo apresenta o perfil das mães entrevistadas e de seus

filhos:

Quadro 03 - Dados de identificação das entrevistadas e seus filhos

Nome32 Nº Idade Profissão Diagnóstico do filho Identificação do filho Idade

Frida 01 42 Professora Síndrome de Down Júlio 8

Anita 02 43 Designer de moda Autista Camila 9

Lygia 03 41 Auxiliar administrativo Deficiência Intelectual Daniel 13

Tarsila 04 37 Coordenadora e empresária Paralisia Cerebral Gustavo e Leandro 8

Fayga 05 41 Fonoaudióloga Paralisia Cerebral Lívia 5

32 Os nomes são referentes a artistas plásticas: Frida Kahlo, Anita Malfatti, Lygia Clark, Tarsila do Amaral e Fayga Ostrower, escolhidos aleatoriamente para preservar a identidade da pesquisada.

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Através do quadro percebe-se que o diagnóstico é variado, com exceção

das famílias 04 e 05. A idade dos filhos é próxima, entre cinco e treze anos. A

profissão das mães é variada: Frida é professora, Anita designer de moda,

Lygia é também professora, mas atualmente trabalha como auxiliar

administrativo, Tarsila é formada em Ciências da Computação, no entanto hoje

coordena uma escola na qual é proprietária e Fayga é fonoaudióloga. Em

termos econômicos, a faixa salarial é variada, sendo que se assemelha entre

Frida e Lygia, diferindo apenas de Anita, que é maior, porém é relativamente

menor comparada à Tarsila e Fayga, que têm o maior rendimento econômico.

DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA Nº 01

Identificação: Frida

Quem foi responsável pelo trâmite da entrevista foi uma amiga, que possui um

estabelecimento comercial e tem como cliente a dona de uma escola de

Educação Infantil. Esta escola existe há dezoito anos, está localizada em São

José e atende a uma clientela distinta, sendo que aposta na inclusão de alunos

com deficiência. Fiz algumas tentativas por telefone, e aproximadamente na

terceira vez, em dia alternado, consegui contato. Agendamos uma conversa e

na ocasião, expliquei detalhadamente do que se tratava, e após cerca de uma

hora, Alice, a diretora e proprietária, pensou numa mãe com o perfil, entrando

em contato com ela e alguns dias depois, confirmando data e horário da

entrevista. No dia da entrevista, Frida compareceu com seu filho, que aguardou

em sala de aula enquanto conversávamos. Como a escola estava em reforma,

demoramos a iniciar a entrevista, o que foi oportuno para traçarmos um

diálogo, que introduziu a conversa. A entrevista ocorreu na sala da direção,

com a presença de Alice, que em alguns momentos ausentava-se. Durou cerca

de cinquenta minutos. Frida detalhava bastante tudo o que era perguntado.

Percebi que em alguns momentos ela acabava fugindo um pouco do

questionamento inicial, o que tornou a entrevista um pouco longa pela

necessidade de retomar algumas falas.

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DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA Nº 02

Identificação: Anita

Visitei uma escola indicada pela coordenadora de outra instituição, que sabia

que nesta existiam alunos com deficiência. É uma escola de um bairro

considerado de elite em Florianópolis, porém, atende apenas até o Ensino

Fundamental I, o que a caracteriza como escola de pequeno porte. Conversei

com a coordenadora, que prontamente telefonou e agendou uma entrevista

para o mesmo dia, cerca de duas horas após. A mãe Anita veio antes do

horário estipulado, e assim que eu cheguei à escola ela veio ao meu encontro

perguntando se eu era a “moça do mestrado”. Trocamos algumas ideias neste

momento, onde pude expor como seria a entrevista. Fomos encaminhadas a

uma sala de coordenação, juntamente com Jéssica, que é assistente de

educação especial da escola. Ela acompanhou toda a entrevista que foi breve,

com duração de aproximadamente vinte minutos. Anita mostrou ser uma

pessoa prática, isso ficou claro na sua maneira de responder às perguntas,

bastante direta, sem dispersar. Anita é brasileira, mas morava na Espanha há

dezessete anos, tendo que retornar ao Brasil em função da educação da filha,

enquanto o marido permaneceu na Espanha gerenciando a empresa que

possuem.

DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA Nº 03

Identificação: Lygia

Com as dificuldades em conseguir pessoas para entrevistar, lembrei-me de um

aluno muito comunicativo que tive numa escola que trabalhei há dois anos

atrás, o Daniel, que falava muito de sua mãe. Fui ao seu local de trabalho e por

sorte a encontrei. Quando fui professora do Daniel conversava bastante com

esta mãe, porque não havia um diagnóstico preciso sobre a deficiência dele.

Neste primeiro encontro ela relatou que estava contente e aliviada, pois há

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cerca de três meses descobrira a deficiência do filho. Conversamos por alguns

minutos, trocamos fones e e-mail e marcamos o encontro. A entrevista

aconteceu em sua casa e ela havia separado muitas coisas: trabalhos de seu

filho, diagnósticos, diplomas, entre outros. A ordem das perguntas foi bastante

alternada, pois Lygia respondia às questões conforme discorria sua fala. Eu a

interrompi poucas vezes, isto é, ela relatava detalhadamente todas as

perguntas, muitas vezes saindo do foco. Poucas vezes ela citou o pai de

Daniel, o qual foi casada por quatro anos. Conversamos por cerca de quarenta

e cinco minutos.

DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA Nº 04

Identificação: Tarsila

No último semestre do desenvolvimento da investigação, houve a necessidade

de obter mais pelo menos duas entrevistas. Através da indicação de uma

professora, cheguei até Aline, uma pessoa que conhece famílias que possuem

filhos com deficiência, pois trabalha com isso. Na ocasião, Aline agendou por

telefone meu encontro com Tarsila, que foi realizado em sua escola, que

também atende crianças com deficiência. A conversa foi breve, com duração

aproximada de vinte e cinco minutos. Curiosamente foi a entrevista mais

produtiva, no sentido de organizada, focada e também sucinta. Tarsila

demonstrou interesse em ajudar porque acredita na pesquisa acadêmica e

suas contribuições, apresentando-me a outros pais que possuem filhos com

deficiência, possibilitando a quinta entrevista desta pesquisa.

DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA Nº 05

Identificação: Fayga

Por intermédio de Tarsila, conheci Fayga, uma fonoaudióloga que é proprietária

de uma clínica de múltiplas especialidades. A entrevista foi realizada no próprio

consultório da mãe, tendo duração de aproximadamente quarenta e cinco

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minutos. Fayga tem quadrigêmeos e entre eles, Lívia, sua filha com Paralisia

Cerebral (PC). Em função da deficiência da filha, buscou no exterior um

método diferenciado para estimulação de crianças com PC, o qual trouxe para

cá a fim de dar continuidade ao tratamento e possibilitar outras crianças ao tipo

de estímulo oferecido por este método. Nossa conversa foi bem detalhada. A

própria mãe afirmava que falava demais, porém, não perdemos o foco. Alguns

questionamentos foram feitos fora de ordem, o que não prejudicou a coleta dos

dados. Ela relatou que o marido viaja durante a semana em função do trabalho,

necessário para prover boas condições financeiras à manutenção das

especificidades de toda a família. Fayga demonstrou fazer tudo pelos filhos,

especialmente por Lívia, incluindo a mudança de cidade em busca de melhores

tratamentos e condições de vida para todos.

4.2.2 Análise dos dados: procedimentos utilizados

As entrevistas foram transcritas na íntegra, em texto corrido. Foi um

processo um tanto demorado porque era necessário retroceder várias vezes

para captar corretamente a fala das entrevistadas. Porém, como todas estavam

salvas no computador, trabalhou-se com duas janelas abertas, a do programa

Microsoft Word e a do Windows Media Player. Levou-se cerca de cinco horas

para transcrever as entrevistas mais longas, que foram feitas em duas etapas

(dois dias distintos). No momento da transcrição a memória retoma a cena

vivida, recordando o discurso com riqueza de detalhes nas manifestações

verbais. As transcrições auxiliaram na categorização posterior, onde precisei

alterar a ordem do texto para padronizá-lo a fim de facilitar a parte analítica e

rever a pontuação, porque na fala, o texto corrido dificulta a leitura. Nada foi

alterado, nem mesmo as gírias utilizadas, apenas a questão da pontuação,

com muito cuidado, para resguardar a fidedignidade entre a linguagem oral e

escrita.

Bourdieu (2008) alerta sobre os riscos da transcrição, evidenciando que

as ambiguidades, as incertezas e os duplos sentidos - oriundos da linguagem

oral - ficam inevitavelmente perdidos na linguagem escrita, não fosse pela

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pontuação, ressaltando o cuidado com a transcrição, que é para ele, uma

escrita, reescrita. O autor aborda também que o anonimato preservado dos

pesquisados, dos nomes de instituições e de lugares são também informações

importantes, inscritas nos nomes próprios, que acabam se perdendo aos

leitores.

Em sua pesquisa, Dallabrida (2006) optou por não fazer cortes nem

substituições nas transcrições, considerando a dificuldade em fazer uma

transcrição que, segundo a ela "[...] restitua para a linguagem escrita a riqueza

da linguagem oral." (DALLABRIDA, 2006, p. 103). Para a autora, deve-se

garantir que nenhuma palavra seja substituída, podendo cortar da transcrição

certos "desdobramentos parasitas", que são os tiques de linguagem, as

repetições, as redundâncias verbais, porém, sem substituir palavras usando

sinônimos.

Para proceder na análise das transcrições, seguiu-se a orientação de

Bourdieu (2003) e de Dallabrida (2006), ou seja, não substituir palavras, não

realizar cortes, a fim de preservar o conteúdo da fala, acrescentando somente

alguns pontos e vírgulas que nem sempre ficaram claros na oralidade, onde se

retomou várias vezes a mesma parte da transcrição para entender qual era a

pontuação mais adequada. No entanto, optou-se por retirar, em alguns

instantes, partes da fala da entrevistadora, com a certeza de que não

modificaria o contexto nem prejudicaria a compreensão do leitor.

Após o processo de transcrição e de leitura contínua do texto obtido, as

falas foram categorizadas em diferentes eixos temáticos, que originaram os

subtítulos a serem discutidos: a Arte e o ensino de Arte na concepção das

famílias; a trajetória artística da criança no âmbito escolar e a formação

artística e cultural dos filhos com deficiência. Partindo dessas categorias,

traçou-se um debate para a compreensão do objeto de pesquisa, a ser

analisado no tópico seguir.

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4.3 Passos preliminares: dados sobre as escolas, as famílias e os filhos

O quadro adiante reproduz dados sobre as escolas que foram visitadas,

abrangendo o total de alunos matriculados, o número de alunos com

deficiência, o tipo da deficiência, o curso que fazem na escola: Educação

Infantil (EI), Ensino Fundamental Séries Iniciais (EF1), Ensino Fundamental

Anos Finais (EF2) e Ensino Médio (EM). As siglas que definem as escolas

quanto à classe social foram determinadas pelo perfil sócio-econômico, traçado

a partir da localização e do valor da mensalidade cobrada.

Romanelli (2003) argumenta que a constituição das classes sociais é

complexa, confundindo seu estatuto teórico que, na corrente marxista tem sido

insuficiente para equacionar essa complexidade na contemporaneidade. A

definição das categorias desta pesquisa, portanto, respeitou a noção de classe,

cuidando para a utilização das categorias limitarem-se apenas para a descrição

das mesmas, categoria descritiva, e não como um conceito.

Desta forma, a classificação utilizada para diferenciar as escolas

subdividiu-se nas seguintes categorias:

� C1 para colégios de elite: atende às elites e à classe média-alta, com

mensalidade variando entre R$600,00 e R$900,00 reais para Educação

Infantil, Ensino Fundamental I e II;

� C2 para colégios de classe média: atende à classe média-média,

mensalidade para o Ensino Fundamental II é de R$400,00 a R$600,00

reais;

� C3, colégios que atendem à classe média-baixa. Nestas escolas, o valor

da mensalidade para Educação Infantil e Ensino Fundamental I varia

entre R$100,00 até R$300,00, e para Ensino Fundamental II, na faixa de

R$300,00 e R$500,00 reais;

Com relação às siglas dos tipos de deficiência, são as seguintes: CE

(cego ou com baixa visão), SD (Síndrome de Down), PC (paralisia cerebral), DI

(deficiência intelectual)33, AUT (autismo), SA (Síndrome de Asperger) e HID

(hidrocefalia).

33 Nesta pesquisa optou-se pela utilização deste termo, que também é abordado como retardo mental ou deficiência mental.

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Quadro 04 – Dados das escolas e dos alunos

Escola Nº de alunos Nº de alunos com deficiência

Tipo de deficiência

Curso

C1a 2.000 7 SD, AUT, CE, PC EI, EF 1 e EF2

C1b 3.000 1 Cadeirante EM

C1c 330 15 SD, SA, AUT, HID, DI EI, EF1 e EF2

C1d 845 0 - -

C1e 310 0 - -

C2a 428 12 PC, DI, AUT, AS,SD EF1

C2b 150 4 AUT, DI, AS EF1

C2c 600 10 PC, AUT, SD EI, EF1 e EF2

C3a 80 1 SD EI

C3b 150 3 DI EF1

A meta inicial era entrevistar quatro famílias de elites econômicas e

sociais. Para isso, pensou-se em entrar em contato com as que atendessem

essa demanda, inicialmente com a coordenação de cada escola visitada, a fim

de proporcionar um encontro entre família e escola. Foram visitadas oito

instituições. Este tipo de abordagem – via coordenação ou direção da escola –

não foi positivo. Os pretextos pelos quais os gestores das escolas resistiram à

participação da pesquisa foram os seguintes:

� A escola C1a já possuía, segundo a coordenadora, muitos alunos das

universidades desenvolvendo pesquisas e estágio na escola;

� A coordenação da escola C1b inicialmente mostrou interesse na

pesquisa, no entanto, quando percebeu que se tratava de inclusão,

adiantou que existia apenas um aluno com deficiência, afirmando que o

colégio não costuma atender alunos com deficiência, salvo neste caso,

um cadeirante, cuja única necessidade foi adaptação às rampas da

escola, sem muitos transtornos, pois a criança tinha somente os

movimentos das pernas comprometidos. Na ocasião, a coordenadora

sugeriu que eu deveria procurar escolas públicas, pois essas são

obrigadas a receber alunos com deficiência e o governo custeia os

recursos;

� A coordenação do colégio C1c justificou que também existiam muitas

pesquisas em andamento na escola e que por solicitação dos

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professores deveria ser limitado este tipo de trabalho. No entanto,

argumentei que professores não seriam envolvidos, apenas as famílias,

o que deu abertura para a colocação dela que a pesquisa é bastante

delicada, pois o foco são as famílias. A coordenação reuniu-se com a

direção e ambas acreditaram que seria complexo demais, antecipando o

receio das famílias em participar;

� Segundo os coordenadores, as escolas C1d e C1e não possuíam alunos

com deficiência;

� A coordenadora da escola C2a demonstrou interesse na pesquisa,

afirmando que uma parceria seria efetivada. Listou uma série de

possíveis famílias que participariam e outras que seria mais difícil, pois

conhecia os pais e as mães. Para nossa surpresa, todas as famílias

negaram interesse em participar, justificando que seus filhos já estavam

encaminhados e a deficiência também estava sendo “remediada”;

� Na escola C2b o percurso foi único: a coordenadora atendeu-me e

imediatamente, após nossa conversa, ligou para uma mãe que

prontamente foi até a escola, dispondo-se a conceder-me uma

entrevista;

� Nas escolas C2c e C3b as coordenadoras inicialmente apresentaram

interesse, porém quando expuseram à direção, trouxeram-me a

informação que a escola estava bastante atarefada e impossibilitada a

realizar uma pesquisa neste âmbito, em função da complexidade;

� Na escola C3a a direção aprovou a iniciativa e possibilitou facilmente

meu acesso, indicando uma mãe para participar;

Neste percurso, portanto, muitas foram as razões que dificultaram a

realização das entrevistas: pouco interesse em contribuir com a pesquisa

acadêmica por parte das escolas e das famílias; preocupação com o número

excessivo de estudantes realizando pesquisas; descaso com a inclusão dentro

do colégio e a indisposição da própria escola em participar, que foi a situação

que mais chamou atenção, além do fato de as famílias se mostrarem

temerosas para falarem sobre o assunto inclusão, o que leva a pensar as

hipóteses dessa dificuldade.

Para Zago (2003) muitas razões, algumas de caráter pessoal como

sentimentos relacionados à condição social, temor à repercussão que o

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depoimento possa causar, acarretam a recusa de algumas pessoas em

participar do estudo. “Nem sempre avaliamos que o pesquisador pode não ser

uma figura benquista na escola, no bairro, na família ou em outro local de

estudo.” (ZAGO, 2003, p. 293). Na concepção da autora, o trabalho de campo

dificilmente irá se desenrolar do jeito que foi planejado, sujeito a sofrer um

processo de constante construção.

Nessa busca, pude perceber que esse tipo de atividade, a pesquisa

acadêmica, não seduz as famílias, ainda mais se a pesquisa for orientada para

falar da deficiência do filho. Acredito que o que mais determinou para a

desistência das famílias foi o tema inclusão, porque é um assunto ainda

cercado de pré-conceitos, camuflado pelas próprias famílias que, em muitos

casos, não se sentem à vontade para falar abertamente da deficiência, do filho

e das relações entre ambos, quais sejam, escola e sociedade.

A estratégia para encontrar essas famílias passou a ser outra: abranger

os municípios da grande Florianópolis, como São José e Palhoça, além de

questionar pessoas próximas, professores de Arte, conhecidos, colegas,

amigos, se tinham conhecimento de famílias com o perfil desta pesquisa.

Com essa abordagem – através de terceiros – foi possível agendar a

primeira entrevista, realizada na escola C3a, com a mãe Frida. A segunda

entrevistada, Anita foi agendada através do contato com a escola. Esta foi a

única entrevista obtida da forma convencionada no início, ou seja, com apoio

da coordenação escolar.34 A terceira mãe não foi indicada por terceiros nem

pela escola. Quando a escola em que seu filho estuda respondeu minhas

solicitações negativamente, como eu já havia trabalhado na instituição e

conhecia o caso de Lygia, inclusive sabia onde ela trabalhava, fui até lá.

Tarsila, a quarta mãe entrevistada também foi apresentada por terceiros,

resultando na indicação de Fayga, a quinta mãe pesquisada.

Nos casos de Frida e Lygia, entrevistas um e três, antes do

agendamento houve uma aproximação prévia entre nós, marcando o encontro

e definindo o melhor dia e local para realizar a coleta. Com Lygia houve um

primeiro contato informal que possibilitou o agendamento da entrevista e o

34 A opção por chegar às famílias por intermédio da escola se deu devido à ideia inicial em pesquisar também a coordenação e os professores, a fim de obter dados mais específicos sobre o processo artístico dos alunos e a concepção de inclusão.

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esclarecimento da pesquisa. Com Frida, as conversas iniciais se deram com a

diretora da instituição, Alice, que se encarregou de estabelecer uma relação

confortável entre nós. Para Anita, a segunda entrevistada, a relação foi um

pouco mais rápida e prática, embora tenhamos conversado posteriormente

para esclarecimento de dúvidas. Quando cheguei à escola e expus a pesquisa

à coordenadora, esta imediatamente agendou a entrevista com a mãe que

compareceu à escola no mesmo turno, ao final do período escolar, bastante

disposta a colaborar com a pesquisa. Com Tarsila não foi diferente: embora o

encontro tenha sido rápido e sem uma aproximação informal prévia – em

função do prazo de entrega da própria dissertação –, ela mostrou interesse em

colaborar indicando várias outras famílias, perguntando posteriormente se suas

indicações foram proveitosas. Foi necessário optar por apenas uma mãe a ser

entrevistada, no caso a opção se deu pela que tinha disponibilidade imediata,

Fayga, atendendo-me no dia seguinte, em seu consultório.

Dallabrida (2006) salienta que é importante estabelecer uma

aproximação proposital entre entrevistador e entrevistado, no sentido de não

somente cativar o entrevistado, mas passar-lhe segurança para assegurar a

entrevista e a continuidade da conversa, utilizando-se estratégias necessárias

para tal fim, identificando-se como ocupante de um determinado lugar na

sociedade, valorizado pelo interlocutor.

Percebeu-se após o contato com a primeira entrevistada, que a meta

inicial em entrevistar famílias de elites precisaria ser alterada. Foi necessário

flexibilizar os critérios de seleção dos participantes e incorporar famílias de

classes médias e populares, desde que com filhos matriculados em escolas

particulares, em função da dificuldade em conseguir famílias com o perfil

estipulado primeiramente. Somente as entrevistas quatro e cinco têm a

característica inicial.

Nogueira (2002) precisou modificar os critérios de seleção dos

participantes em sua pesquisa que envolvia estratégias de escolarização em

famílias de empresários. Ao se deparar com a dificuldade em acessar as

famílias de empresários de grande porte, precisou abranger empresários de

pequeno e médio porte. Segundo a autora é muito recente, na Sociologia da

Educação, o interesse pela escolarização dos estudantes advindos de lares

altamente favorecidos do ponto de vista social.

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Romanelli (2003) esclarece em sua pesquisa em camadas populares

que existe uma dificuldade conceitual que acarreta problemas de ordem

metodológica para delimitar em qual classe inserir, no caso do autor,

trabalhadores de diferentes setores da economia e também para investigar as

relações entre pertencimento de classe e práticas educacionais das famílias.

A condição de classe não pode ser determinada apenas a partir da posição dos agentes nas relações de produção, já que alterações na dinâmica da infra-estrutura econômica criam divisões no interior das classes, diversificando sua composição. (ROMANELLI, 2003, p. 246).

As duas primeiras entrevistas foram realizadas nas escolas, ambas com

a presença de uma pessoa da instituição. Quando fui até o colégio C3a, por

indicação de uma amiga, tive uma longa conversa com a diretora Alice, que

demonstrou interesse em contribuir. Ela fez toda a mediação com a mãe Frida,

que no dia da entrevista, realizada na sala da coordenação com a presença de

Alice, entregou-me um documento para anexar à pesquisa, o qual se tratava de

uma carta às escolas da rede privada de ensino do município de São José,

advertindo que as mesmas não poderiam cobrar a mais por matricularem

alunos com deficiência, mesmo que este necessite de reformas, materiais

diferenciados, suportes pedagógicos, ou contratações específicas. Este

documento era originário do PROCON35, o qual encaminhou à Secretaria

Municipal de Educação do município, que por sua vez dirigiu às escolas da

rede privada.

Durante toda entrevista de Frida, Alice esteve presente, assim como na

coleta de dados de Anita, onde Jéssica, a assistente de educação especial da

escola, que, além de acompanhar a entrevista, forneceu algumas contribuições

do conhecimento que tinha ao encerramento da entrevista com Anita. A

entrevista de Lygia foi realizada na casa onde ela reside, próxima ao seu local

de trabalho, num sábado, após o expediente.

Com o intuito de agendar a 4ª entrevista, realizei a última opção, que

desde o início tinha em mente, caso não conseguisse pelas vias tradicionais: ir

a uma instituição de educação especial localizar famílias que tivessem o perfil

da pesquisa. Foi quando conversei com uma professora de Arte da Associação

35

Serviço de proteção e defesa ao consumidor.

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de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que fez a ponte entre eu e a

instituição.

Com o projeto, fui até a APAE conversar com a direção técnica e expô-

lo, ciente de que, por se tratar de uma instituição com enorme abrangência e

número de alunos seria algo fácil. A frustração começou no momento em que a

diretora comunicou que existem poucas famílias com o perfil que eu procurava,

informando que cerca de 95% dos alunos estudam em escolas públicas. Nesta

conversa, ela afirmou que indica às famílias que matriculem seus filhos na rede

pública, pois está melhor preparada do que o setor privado para acolher alunos

com deficiência. Quando ela sugeriu isso às famílias, segundo a mesma, foi

devido às inúmeras reclamações e insatisfações que a própria família

denunciou com relação aos filhos matriculados em colégios de elite de

Florianópolis. Ainda assim, a diretora comentou que os filhos que possuem

deficiência e estudam em escolas particulares freqüentam o núcleo do

SAEDE36, e que através disso, buscaria famílias com o perfil da pesquisa a fim

de agendar entrevistas. Ela mapeou duas famílias, porém com seus filhos

matriculados em escolas de bairro, escolas de classes médias, fazendo contato

sem sucesso com estas.

Com mais um insucesso, percebi que a meta inicial ficava cada vez mais

distante, mas após qualificar, conversei com uma professora que me indicou

uma pessoa que possivelmente conheceria várias famílias com o perfil

desejado para a pesquisa: famílias de elite ou de classe média-alta com filho(s)

matriculado(s) em colégios particulares considerados de elite. Embora este

contato tenha sido favorável, porque ela conseguiu várias famílias disponíveis,

havia pouco tempo para coletar e transcrever os dados, e, portanto, precisei

optar por famílias que estivessem com disponibilidade imediata nos dias

seguintes que restavam para finalizar as coletas de dados.

Desta forma foi estabelecido contato com Tarsila e Fayga, as duas

últimas mães a serem entrevistadas, as quais possuem seus filhos

matriculados na mesma instituição, localizada em área central da cidade de

Florianópolis.

36

Serviço de Atendimento Educacional Especializado que atende crianças na faixa etária de 07 a 15 anos, que freqüentam o ensino regular e duas vezes por semana a APAE, no contraturno.

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Um dado que chamou atenção foi que esta escola abriga poucos alunos

com deficiência em relação ao total de matriculados, diferentemente das três

escolas dos filhos das outras pesquisadas, que não são localizadas em áreas

centrais, mas em bairros, atendendo menos de trezentos alunos, mas que

possuem um percentual maior de acolhimento a alunos com deficiência.

Uma das razões pela qual as instituições optaram por não participar da

pesquisa foi o fato de que a relação entre pais e escola é delicada, o que ficou

claro quando explicitei o objeto da pesquisa em alguns estabelecimentos, que

até então, nos primeiros contatos – sem saber direito do que se tratava a

pesquisa – demonstraram interesse. Se fosse realizada com professores ou

alunos, o acesso seria mais fácil, mas, pelo que pude perceber, apesar de

argumentar enfaticamente, a negação foi justamente por temer que os pais se

sentissem incomodados ou constrangidos diante desta situação. Além do mais,

as coordenadoras que se dispuseram a colaborar, foram ou barradas pela

direção, ou invariavelmente receberam um não inesperado de pais que elas

julgavam mais “abertos”. Estes alegaram que ou a criança já está sendo

atendida por profissionais, ou deixaram a entender que não se sentiam à

vontade para falar sobre a deficiência, mesmo que se argumentasse que o foco

da entrevista não seria este, mas sim, a formação artística da criança. Como a

negação por parte dos pais ocorreu sucessivamente, outro questionamento

surgiu com relação a isso: a hipótese de que talvez o desinteresse dessas

famílias em participar se deveu porque elas pensavam que os filhos não

possuíam uma produção artística, e por isso não queriam passar pelo

constrangimento de revelar isso em entrevista.

Diante dessas constatações e das circunstâncias, muitos dados foram

percebidos ao longo da pesquisa, os quais não se pensava inicialmente,

considerando que mesmo com a premissa inicial, muitas informações que são

obtidas ao longo do processo são, em princípio, inesperadas, o que colaborou

para a ampliação da mesma. A seleção dos participantes, apesar de ter sido

alterada em virtude do contexto, foi essencialmente motivada pela aproximação

das famílias para com a escola, já que ambas precisaram dispor de tempo e

vontade para não somente contribuir com a pesquisa acadêmica, como

também fazer uma troca mútua, somando experiências entre família e escola

no âmbito da pesquisa acadêmica, que é um contato pouco comum,

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principalmente na perspectiva da família, que não costuma conceder este

espaço.

4.4 As famílias pesquisadas e suas características

Com relação à condição financeira e ao modo de vida das famílias,

levaram-se em conta alguns fatores, como renda média mensal, condição

residencial, ocupação profissional, escolarização do filho e dos pais. Neste

sentido, as famílias foram categorizadas a partir do perfil sócio-econômico, com

nomenclatura de: classe média-alta, classe média-média e classe média-baixa.

O quadro 05 enuncia o modo de vida destas famílias, ou seja, a

condição intelectual, profissional e residencial, evidenciando nuances entre

elas, mesmo que todas pertençam a classes médias.

Quadro 05 – Modo de vida

Família Trabalho mãe / Formação mãe

Trabalho cônjuge / Formação cônjuge

Tipo de residência

Localização Residência secundária

01

Frida

M - Professora / Magistério

(cursando Pedagogia)

I - Zelador / Cursando

EJA (Ens. Médio)

P -

Apartamento

Kobrasol São José

______

02

Anita

L – Designer de moda / Turismo e Hotelaria

I – Empresário / Administração

Empresas

A – Casa

Lagoa da Conceição

Florianópolis

P - Casa

03

Lygia

I – Auxiliar administrativo /

Professora Especialista

______

P – Casa

Jardim Eldorado Palhoça

______

04

Tarsila

M – Coordenadora de Escola e Empresária /

Ciências da Computação

I – Empresário; Administrador de

Empresa / Ciências da Computação

P – Casa

Canasvieiras Florianópolis

P – Casa

05

Fayga

I – Fonoaudióloga /

Fonoaudiologia

I – Empresário / Ensino Médio

Incompleto

P – Casa

Cacupé

Florianópolis

P – Casa

Legenda:

M – Meio turno (horário parcial) P – Residência própria

I – Horário integral A – Residência alugada

L – Horário livre (autônomo)

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As famílias 01 e 03 pertencem à classe média-baixa, enquanto que a

família 03 é classificada em classe média-média e as famílias 04 e 05 são

pertencentes à classe média-alta.

Os pais têm, quase na totalidade, uma formação superior. A mãe do

perfil 03, Lygia, possui Magistério e Especialização, Anita, mãe 02 possui

graduação, 01, Frida está cursando Pedagogia. Tarsila, a quarta pesquisada

possui graduação e mestrado e Fayga, graduação. O pai do perfil 02 também

tem o curso superior, o do perfil 01 está terminando o Ensino Médio, cursando

Educação de Jovens e Adultos (EJA), o do perfil 03 não fez parte do grupo

pesquisado por estar separado da mãe e não possuir vínculo aparente com ela,

o pai do perfil 04 tem graduação e o do perfil 05 tem Ensino Médio Incompleto,

o que não reflete em sua profissão, pois é empresário do ramo de transporte de

carne bovina, empresa familiar.

Quanto às ocupações, apenas as mães do perfil 01 e 05 exercem a

profissão, enquanto que as demais seguiram carreira distinta da que cursaram

na graduação.

Situações de trabalho e de residência, como essas acima descritas,

evidenciam as especificidades de cada família, enfatizando o modo particular

de vida de cada uma, o que representa o descompasso na caracterização das

famílias, que, embora pertencentes às classes médias, apresentam nuances

que dificultam a localização em um grupo único, em virtude da realidade de

cada família, heterogênea em suas particularidades. Isto significa dizer que a

complexidade em situar o campo social dessas famílias vai além de questões

acerca do trabalho, formação profissional e local onde residem.

Romanelli (2003) salienta a dificuldade em demarcar com clareza essas

divisões, pois não constituem uma realidade homogênea. “O estilo de vida das

famílias não depende apenas do montante total de rendimento, mas inclui a

mediação de elementos simbólicos.” (ROMANELLI, 2003, p. 248). Pela

perspectiva bourdieusiana, as práticas e as propriedades de cada segmento

expressam um estilo de vida, que é fruto de seu capital econômico e de outros

capitais, que são incorporados pelos sujeitos e transformados em habitus,

como sistema de disposições duráveis e transponíveis. (ROMANELLI, 2003).

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O grupo pesquisado é heterogêneo, em seu amplo sentido, porque

embora todas as famílias invistam em colégios particulares, buscam a escola

que melhor acolha seus filhos.

4.4.1 A escolha da escola

Todas as famílias explicitaram um ponto crucial na busca pela escola

que essa pudesse dar conta de atender ao filho, não somente em seu aspecto

educacional, mas que envolvesse outras atitudes, que estão além da

alfabetização.

Neste ponto eu sou exigente. Não é mais ou menos...uma professora que não dê amor pro meu filho. Pode até aprender depois o A, o E, mas se não der amor pro meu filho... Eu não gosto de ninguém por perto que não seja por amor... Até porque eu, como profissional eu acho que é fundamental pra criança. (01 – Frida) Quando eles foram para o colégio, então, o E.S37 oferece a classe S.38, com crianças de diferentes idades na mesma sala, onde tem uma competição menos acirrada, um trabalho em conjunto em equipe muito legal. Então eu fiquei apaixonada por esta proposta e resolvi colocar um dos meus filhos nesta sala. Eles nunca estudaram juntos, né. A proposta da escola foi que eles sempre estudassem em turmas separadas. Até inicialmente eu fiquei assim “Ai não! Eles têm que ficar juntos, na mesma sala, sempre fizeram tudo juntos”. Mas foi ótima a experiência de eles terem seus próprios amigos, sua própria história, então cada um tem o seu grupo de alunos. Então, é,...a gente foi pro E.S, o Gustavo foi pra sala S., e o Leandro já foi pro primeiro ano, por isso que hoje eles têm esta diferença de ano, né, um ficou na frente do outro. (04 – Tarsila)

A escolha da escola para Tarsila aconteceu no momento em que ela

acreditou na proposta da instituição, sentindo-se acolhida pelas sugestões e

trocas mútuas, as quais proporcionaram confiança na escola, deixando-a

satisfeita, pois ela fala com propriedade sobre a escola e os métodos de ensino

oferecidos.

37 Sigla fictícia referente à escola onde seus filhos estudam. 38 Referência à classe diferenciada da escola citada.

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Da mesma forma, Fayga acredita na inclusão oferecida por essa mesma

instituição, a qual foi indicada por Tarsila.

Quando eu cheguei aqui, conversando com a Tarsila39 né, me indicou o E.S, porque ela disse que foi em várias escolas, a única escola que, das particulares, assim, que realmente abarcou, no sentido de topar uma abertura, apesar de não conhecer, não saber como trabalhar, foi o E.S. Ela se sentiu aceita, e eles tentam fazer essa aceitação, os professores são muito bons, então deu uma confiabilidade à escola. Então eu fui direto ao E.S, não tive nenhum problema. (05 – Fayga)

Antes de vim né, que eu já pretendia vir pra cá, então eu comecei a procurar, lá de Málaga mesmo, por internet as escolas que ofereciam inclusão, marquei entrevista com várias. É porque eu vim em agosto, eu já tava decidida a voltar. [...] Eu vim em agosto, pra dar uma olhada, pra saber, porque eu não sabia realmente como é que funcionava aqui. [...] Aí eu vim em agosto, vi como é que era, aí eu me decidi mesmo e voltei em novembro. Aí quando eu voltei já tinha agendado várias escolas, tinha aqui, tinha E.A, E.R, E.D40 e tal; aí eu fui, visitei todas, conversei com todas e escolhi esta daqui que eu achei a proposta dela mais interessante. (02 – Anita)

Circunstâncias como a última descrita, obviamente, têm importantes

consequências para a família. Primeiro, significam condições de educação

melhores, mas constituem também uma absorção maciça do cônjuge por seu

trabalho e uma conseqüente situação de afastamento das rotinas da vida

familiar. No ciclo de atividade de uma família envolvida no mercado de trabalho

e, em especial, nos negócios, mesmo que a prática profissional liberal possa

significar um maior controle sobre as horas de trabalho e assim, existir mais

espaço para uma diferente divisão de trabalho entre pai e mãe, visto que um

está na Espanha e outro no Brasil, como também um envolvimento

diferenciado com a vida escolar da filha, já que, neste caso, a mãe buscou uma

alternativa para o desenvolvimento da escolarização da filha, abdicando sua

rotina de vida e trabalho na Espanha, mesmo que ela continue fazendo os

desenhos de roupa e enviando-os para o marido confeccionar. Novamente, a

questão acerca da distribuição de atividades na família é reiterada nesse caso,

ficando evidente a divisão de tarefas: a educação, os valores religiosos, morais

39 Neste caso foi inserido o nome fictício para preservar a identidade da participante, porém, na transcrição a mãe referiu-se pelo nome correto. 40 Siglas referentes às escolas.

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e éticos são responsabilidades da mãe, e, do pai, os negócios, as

formalidades, o financeiro. (DA MATTA, 1987).

Na família de Fayga, nota-se empenho parecido, porém, um

investimento menos árduo do que para Anita, pois ir à busca de melhores

tratamentos resultou em melhores condições de vida para todos. Da mesma

forma, nessa família, a mãe não deixou de trabalhar, ao contrário montou uma

clínica, ação característica da família contemporânea, em que a mulher

continua com o papel de prover educação da prole, mas assume

concomitantemente uma profissão.

Então quando eu cheguei, o desgaste todo com a Lívia no Tocantins eram terapêuticos, a gente foi pros Estados Unidos quando ela tinha dois anos, fui várias vezes, umas cinco vezes com ela, fui numa terapia, que é esta que eu trouxe pra cá. [...] Então, isso quando eles eram pequenininhos, quando estávamos no Tocantins era fácil, mas ir depois que eu tava aqui, que eu não tinha um aparato, o marido não mora durante a semana, só vem final de semana, e foi ficando difícil. E eles começaram a questionar: “quando você vem? Você falou que vinha logo, tá demorando...” as outras crianças né...Então como ficou muito difícil pra mim viajar, e eu resolvi montar a clínica, por acreditar no método, e facilitar minha vida, ficando. (05 – Fayga)

Semelhante esforço é percebido pela família 03, em que a mãe, no

entanto, é divorciada do pai de seu filho. Na fala dela, é nítido o empenho em

manter o filho na escola em que estuda e a busca por um tratamento adequado

à deficiência dele.

Eu fui a uma psicóloga, [...] daí eu ia nas terapias e contava tudo; ela me orientava e eu vinha pra casa, fazia com ele o que ela me mandava. No 5º ano, ano passado, além de ele ter problemas de aprendizagem, ele teve problemas com a professora [...]. Então me indicaram um psicólogo que fazia terapia comportamental, que foi ajudando nessa relação entre Daniel e professora. Daí eu deixei de lado um pouco a questão da aprendizagem, porque eu precisava de imediato resolver este problema. Eu questionei lá porque que nos anos anteriores deu tudo certo com a aprendizagem e agora no 5º ano não. Eu fui levada a entender que nestes anos ele foi sendo passado, daí quando chegou no 5º ano eles rodaram ele. Daí eu comecei novamente a minha busca, porque assim, eu sabia que ele era diferente, mas eu tinha que arrumar alguma coisa pra provar isso, pra eles [...]. Eu sabia que ele era diferente, porque quando elas mandavam as atividades pra ele, elas mandavam do jeito delas, igual pra todos, e aqui em casa eu tinha que fazer do meu jeito diferenciado e ele fazia. [...] Daí este ano eu resolvi de fato dar um fim nesta minha busca, que eu também já não aguentava mais. Eu não saía de médico, o Daniel também. O último exame que eu fiz que foi

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no final do ano passado, foi um exame de três mil reais, um exame genético que eu mandei fazer fora, pra identificar se ele não tinha nenhuma síndrome. Ele fez esse exame e não deu nada. Quando foi esse ano eu não agüentei mais, eu tinha que dar um jeito, pelo Daniel e por mim, que eu vivo sempre com aquela preocupação; eu sei que ele ta lá no colégio, é um colégio bom, mas eu sei que as habilidades dele não estão sendo aproveitadas, ele não tá desenvolvendo o limite de capacidade que ele tem. Foi onde eu resolvi procurar a Fundação Catarinense de Educação Especial, inscrevi o Daniel, e lá tem uma junta médica, passa por todos os médicos. Eu levei todos os exames do Daniel, [...] e a conclusão que eles chegaram é que o Daniel tinha um retardo mental leve. (03 – Lygia)

Diferentemente das demais entrevistadas, Lygia descobriu o diagnóstico

do filho quando este já estudava na escola atual, ou seja, foi no percurso de

escolarização dele que se foi levantando dúvidas acerca da deficiência. Nos

casos anteriores, a escolha da escola foi norteada pela existência da

deficiência, realizando-se uma pesquisa com relação à inclusão, até encontrar

a que se adequasse às exigências familiares.

Ele tinha três anos. Aí eu fui andando, a gente andava pelo Kobrasol eu falava assim: Aqui, ou aqui, ou aqui, ou aqui... a gente ficava olhando, aí eu olhei assim: vamos aqui, por causa da cor né, eu gostei da cor da escola, pra mim tudo tem que ser lúdico [risos]. Aí eu entrei, vim, conversei com a Alice né, aí falei pra Alice que ele era especial; aí a Alice me explicou que já tinha tido um tipo de deficiência né, [...] mas nada que fosse algo...que a Alice não conseguiu lidar, que ia ser uma nova experiência o Júlio aqui né, que iria ser diferente né. [...] É como eu falei, a gente entra num lugar, sei lá, por intuição, por Deus em algum momento, mas...vai né, deste contato, que você toma antipatia, ou simpatia. Aí a Alice foi bem...bem assim né...Gostei do jeito dela falar, da sinceridade, da...de tudo né, de ser sincera. (01 – Frida)

A caracterização das famílias equivale no que diz respeito aos filhos

estudarem em escolas particulares, o que foi intencional na busca pelos dados.

No entanto, é repleta de nuances que não as situam de forma homogênea, ou

seja, pertencentes à mesma classe, com exceção das famílias 04 e 05, de

Tarsila e Fayga, respectivamente, que possuem o perfil de famílias de classe

média-alta. A família 01 é pertencente à classe média-baixa, visto que, embora

possuam residência própria e invistam em uma escola particular, a formação e

a profissão tanto da mãe quanto do pai, indicam sua pertença e seu modo de

vida, além da mensalidade aproximada, variando entre R$ 100,00 e R$ 200,00

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reais. A família 03 pertence também à classe média-baixa, mas apresenta o

diferencial da primeira acerca da mensalidade escolar, na faixa de R$ 200,00 a

R$ 400,00 reais, além de que a escola está situada em bairro nobre do

município de Palhoça, além do fator profissão e formação da mãe,

considerando também o fato de não ter cônjuge. A família 02 é pertencente à

classe média-média, em virtude dos dados fornecidos, como a profissão e

formação tanto da mãe, a formação do pai, a trajetória profissional de ambos, o

fato de residirem por vinte e dois anos na Espanha e, neste caso, decidirem

investir na escolarização da filha, fragmentando a família para este fim, já que

mãe e filha estão no Brasil, em função da escolarização e o pai assegurando a

renda na empresa que possuem na Espanha.

Ele ficou na Espanha, leva nossa confecção, porque não dava pra gente vim todo mundo embora né, alguém tinha que ficar lá mantendo, porque aqui a gente não tinha nada, são muitos anos fora e a gente não tinha um trabalho aqui. Então ele ficou mantendo a confecção, ta lá na Espanha. Agora como eu vim pra cá eu só faço o desenho de roupa e a confecção segue lá, trabalhando, e eu só mando os desenhos. (02 – Anita)

Em todos os casos, as mães possuem graduação, embora Frida esteja

cursando somente agora, em função da formação continuada oferecida pela

prefeitura. As profissões de Anita, de Lygia e de Tarsila não são as mesmas

que cursaram em suas formações.

Trabalho no NEI41 há cinco anos, sou professora na educação infantil, já trabalhei com várias idades dentro da escola, menos com os bebês e com a parte de 5, 6 anos, que agora diminuiu pra entrar na rede pública. To me formando em Pedagogia, que é muito bom, né? Que entra toda uma parte mais aprofundada da psicologia, sociologia, que é fundamental, né? (01 – Frida) Eu fiz faculdade de hotelaria lá no sul, na UCS, mas trabalhei muito pouco tempo com a hotelaria, trabalhei uns dois anos só. Fui pra Recife e fiz estágio em Recife e Salvador, voltei pra Recife e trabalhei um pouco lá, depois eu conheci meu marido, fui pra Búzios, que ele morava lá, ficamos mais um ano e pouco no restaurante dos pais dele. E depois daí eu fui pra Europa [...], pra conhecer e acabei ficando vinte e dois anos. Nos últimos anos eu montei uma confecção, e trabalhava com moda esportiva. (02 – Anita)

41 Núcleo de Educação Infantil.

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Trabalhei onze anos como professora. Trabalhei em Laguna, no C.E.P.E42; Daí depois de oito anos trabalhando nesta escola, a dona resolveu vender e eu comprei, daí eu fiquei mais quatro trabalhando. [...] Eu vim morar aqui em Florianópolis. E aí eu vendi o colégio. Daí eu desisti do magistério. Daí eu vim trabalhar numa loja. Lido com pessoas, mas eu também aplico o que eu aprendi no meu trabalho, que eu lido com pessoas, né. (03 – Lygia)

Considerando a diversidade interna das classes médias, isto é, frações

de classe (classe média-baixa, da classe média-média e da classe média-alta),

é coerente afirmar que todas são compostas por segmentos sociais. Romanelli

(2003, p. 248) explicita que essa delimitação “pode contribuir para a construção

de categorias úteis para se efetuarem recortes empíricos com a finalidade de

se analisar o estilo de vida de famílias de segmentos específicos dessas

camadas”. Salienta-se aqui que, embora se tenha clareza de algumas

definições que abarcam o estilo de vida43, ao analisar uma determinada família,

não há como prescrever sua categorização de maneira incisiva, porque são

analisadas em universos separados. Para tanto, seria necessário investigar o

princípio unificador e gerador de todas as práticas, ou seja, examinar o modo

de organização das famílias, o que não é objetivo desta análise, e sim, num

primeiro momento, situar a condição social das famílias em função da hipótese

inicial de que nas elites, a formação artística e cultural dos indivíduos acontece

em maior proporção do que nos demais meios sociais. Assim, o que se busca

nessa inicial caracterização das famílias é situá-las em seu meio para poder

compreender como as mesmas conduzem a formação artística e cultural dos

filhos que têm deficiência, abrangendo, assim, a compreensão da Arte e do

ensino de Arte às famílias.

4.5 Conceito de Arte

42 Abreviação da escola para manter a identidade preservada. 43 Ou modo de vida, que é um conjunto unitário de preferências expressas em diferentes subespaços simbólicos, mobília, vestimenta, linguagem, moradia, profissão, entre outros.

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Uma questão de grande ênfase nesta pesquisa foi invariavelmente a que

se observou maior dificuldade de resposta das mães entrevistadas. Em alguns

casos, a descrição foi pequena e não detalhou os esclarecimentos que se

pretendia obter, observando que as mães verbalizavam conceitos após

refletirem por alguns instantes, na tentativa de encontrar uma resposta, muitas

vezes sem precisão, pois buscavam exemplos para melhor conceituarem a

Arte, de acordo com suas experiências e vivências. Naturalmente, em

nenhuma das falas se observou a descrição de Arte conforme os argumentos

teóricos deste trabalho, o que é bastante compreensível, tendo em vista a falta

de acesso a esse conceito na sociedade, em geral. Mesmo que não

respondessem com exatidão à pergunta, as concepções que essas mães têm

sobre Arte estavam engendradas de acordo com as suas percepções e suas

vivências, isto é, sua definição é formulada através do contato (ou falta desse)

com a Arte.

Anversa (2008) salienta na análise dos resultados de sua monografia

que as famílias costumam confundir Arte e ensino de Arte, justamente porque

são conceitos que escapam do conhecimento do público em geral, que não têm

ferramentas para distingui-los. As famílias, quando questionadas sobre Arte e

depois sobre ensino de Arte, respondiam da mesma forma, mas com palavras

diferentes, porque na concepção de muitos pais o ensino de Arte está

imbricado ainda no fazer, e não no conhecer.

Observou-se nesta pesquisa que em grande parte dos casos, quando

perguntadas a respeito do contato e da concepção da Arte, as respostas eram

delineadas conforme sua profissão, como aponta o relato abaixo:

Bom, a minha arte é desenhar roupa, se isso é considerado arte [risos], eu faço desenho de roupas [...]. Vejo a arte como forma de expressão, seja ela um sentimento, descrever um fato, uma história, perpetuar uma cultura. (02 – Anita)

Sua definição abrange o que Lopes (2004) pontua em relação ao

conceito de Arte, em que está ligado a uma representação de determinada

sociedade, simbolizando suas aspirações, necessidades e questionamentos,

podendo também, perpetuar-se, ultrapassando os limites de um determinado

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momento histórico. Da mesma forma, Pareyson (1989) infere que dentre as

três definições sobre Arte, uma delas engloba a expressão, que diz respeito à

subjetividade, uma especificidade humana.

Para Lygia e Frida a Arte está essencialmente ligada à sua profissão,

ambas professoras. Isso significa dizer que, mesmo no caso de Lygia, que não

mais trabalha com Pedagogia, sua concepção de Arte está voltada à sua

prática enquanto era professora, além de ter carregado consigo alguns

saberes/fazeres sobre Arte para sua atuação como auxiliar administrativo.

Frida também conceitua a Arte de acordo com sua profissão:

Arte né,...Arte...Arte Musical, e ... é tudo,...conto de história né, pra eles, o Teatro, são coisas que...e a educação infantil é baseada na Arte, você trabalha arte porque ta pintando um desenho né, colando né, trabalhando diversos tipos de materiais, e... argila, é...são coisas assim que tudo...com quadros né, uma exposição, a música... (01 – Frida) Como eu fui professora, a gente dá aula de Educação Artística né, e na época em que eu fui professora, não era como hoje, de 1ª a 4ª série que tem um professor de artes. Eu fui professora anos atrás, em 93, e era a gente que dava aula de arte para os alunos. Então, assim, a gente tem que aprender, eu dava aula de pintura, não sou especializada, mas a gente acaba aprendendo. Fazia aula de pintura em tecido, fazia bordado com as crianças, trabalhava música com eles também, englobava um monte de coisas assim, pintava quadros. A gente como professora aprende a fazer muita coisa também; e tem as festas, tem que aprender vários ramos da arte, tem que saber fazer; então a gente decorava as festas, fazia decoração de sala, mural, então tu aprende a recortar, pintar, colar, bordar. (03 – Lygia)

O depoimento de Frida contém conceitos variados. Nota-se que ela não

possui uma concepção definida, pois em sua resposta fala o que vem em

mente, exemplificando. Lygia aponta sua experiência profissional como fio

condutor de seu conhecimento artístico, argumentando que foi através da

prática do Magistério que teve maior contato com a Arte. Vale ressaltar que o

questionamento era sobre a Arte, e não sobre seu ensino, mas que como um

está atrelado ao outro, e também porque tanto Frida quanto Lygia pontuaram

em suas falas que não tem hábito de frequentar espaços expositivos, suas

respostas se restringiram a falar do contato com a Arte de acordo com suas

profissões e com o que o filho produz na escola. Anversa (2008) constatou em

seu estudo que no geral, as famílias consideram a Arte como um fazer,

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indicando que o ensino de Arte é, então, voltado ao desenvolvimento de

trabalhos manuais. Ponderando que a Arte envolve outras questões para além

do fazer, discutidas por Bueno (2002), Barbosa (2005), pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (2001) e por outros autores, a limitação em conceituar a

Arte ocorre em função do pouco contato que as famílias têm com essa, porque

quando a Arte passa a fazer parte do convívio de lazer das pessoas, as

imagens podem provocar saberes coletivos e experiências individuais que

resultam numa conceituação mais estável e pertinente sobre Arte.

Fayga enfatizou que, em função de sua profissão e da cidade onde

morava, nunca teve muito contato com arte, comentando, inclusive, com o fato

de sua entrevista pouco contribuir para a pesquisa.

A arte é uma coisa que, o nome arte diz muito cultura clássica, elitizada. E hoje a arte é muito mais outras coisas. Né, hoje, o artista do povo, né, o artista da favela. Então, assim, eu não sou muito conhecedora de arte não. No meu “desconhecimento de arte”, pouco conhecimento, eu, eu tento muito colocar o que é bom. (05 – Fayga)

É comum a Arte estar relacionada à conotações elitistas. Ramalho e

Oliveira (2010) destaca que essa relação advém da cominação cultural que foi

imposta no período colonial no Brasil, com a vinda da Missão Francesa e com

a criação da Academia Imperial de Belas Artes. Embora Fayga tenha declarado

que conhece muito pouco sobre Arte, percebe-se em sua fala que a Arte é

ainda pensada de forma clássica e tradicional, como ela mesma afirmou,

elitizada. Entretanto, atualmente a Arte engloba uma infinidade de gêneros, os

quais ela própria citou: o “artista da favela”, o “artista do povo”, que são

concepções ligadas à produção artística pelo âmbito sociológico,

caracterizando-a não somente em relação à experiências individuais, mas

como algo que se desenvolve no meio social. A Arte e seu papel social se

modificam ao longo do tempo e acompanham o desenvolvimento das

civilizações, afirmativa que está exposta no depoimento dessa mãe e que

denota, ao contrário do que ela afirma, um conhecimento rico em Arte.

No depoimento a seguir, observa-se também a concepção de Arte

relacionada à expressão, à visão de mundo, anteriormente citados por

Pareyson (1989) e também de acordo com Fischer (1987), que relaciona a Arte

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à capacidade humana para a associação, unindo o indivíduo ao seu meio

social.

O que eu passo pras crianças assim sobre arte, às vezes elas dizem assim: “ai, eu não to conseguindo desenhar”...eu falo, faz do teu jeito, arte é assim, a gente desenha e cada um olha e vê de uma forma né, eu acho que o artista retrata aquela arte e a pessoa que vê, cada uma vê uma coisa, sente uma coisa, percebe uma coisa, um movimento, ou não percebe nada, só vê apenas um quadro. Essa forma, como para os meninos, como eles tem bastante dificuldade em retratar aquilo que eles pensam né, porque o cérebro deles pensa e o corpo deles não corresponde ao que ele pensa, né. Então, mesma reação ele teve quando, primeira vez que eu me lembro, eles fizeram um passeio e teve que desenhar o boi-de-mamão: “ai eu não sei desenhar, isso não é um boi”, sabe...qualquer um, eu acho, que de nós for desenhar um boi vai achar difícil desenhar um boi, não é aquilo que a gente tem na nossa imagem, né, que a gente consegue retratar no papel, né. Então essa concepção de arte ela se dilui nesta dificuldade que todos têm de retratar, fotografar o mundo, né, e isso é arte. Tanto que hoje, os meninos, se eles vão fazer um desenho, eles não conseguem fazer um desenho, mas ele escolhe a cor do lápis que ele quer, né, e ele faz coisas assim44. Esse é o desenho dele, né. Então às vezes eu vejo, se tem um boizinho desenhado, eu falo “ah, bonito o desenho que a babá fez”, que este desenho não é do Gustavo, né. Então, esse é o desenho dele, essa é a cor que eles escolheu, esse foi o traço que ele fez, esse é o desenho dele. Então a gente dá valor pra esta arte que ele realizou, e não pra pintar e retratar aquilo que é, né. Então isso pra mim é arte. (04 – Tarsila)

Através dessa fala, nota-se a existência de um conceito fundamentado e

exemplificado na criação, na concepção de uma imagem. Para Tarsila, uma

imagem artística não necessita figuração e/ou beleza, e sim o olhar do artista,

no caso ela cita e exemplifica o trabalho dos filhos, valorizando aquilo que eles

fazem, pois é a maneira como eles representam uma imagem.

Ao longo da conversa com Fayga, ficou claro que, embora ela pense o

contrário, ela possui herança cultural advinda de seus pais muito presente em

sua fala, na maneira como se reporta à música, à Arte, de tal modo que ela

procura passar isso aos filhos, mesmo que não seja através de uma

estimulação mais direta, como visita a espaços expositivos.

Eu não, eu sou, meu conhecimento não é muito grande pra mim de arte, eu sou muito menos moderna, sabe? Eu... a minha paixão é as artes plásticas...Eu fiz aula de pintura, sou apaixonada eu falei que nunca vou comprar um quadro na minha casa; parei de fazer por

44 Após esta fala, exemplificou o desenho dos filhos com um rabisco no papel que estava sobre a mesa.

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causa do tóxico da tinta à óleo né...então mesmo depois que as crianças nasceram aquilo fica meio encrostratdo na mão, eu fui orientada, eu sentia muita falta. E o que que eu pintei, eu pintei uma coluna meio romana, eu pintei um mosteiro, eu não gosto destes modernismos de abstrato, não me encanta, sabe. Me encanta uma forma de uma dançarina...mais clássico. O meu encantamento é assim. Gosto das coisas é... bumba-meu-boi, sabe. Dou valor a este trabalho folclórico, porque eu fui inserida, cantar os pastorinhos na época do natal, eu dancei tudo isso na minha infância. Eu tenho este valor cultural, que vem de baixo, desde infância. Então estas danças, festa junina, isso a gente vivenciava...[...] Então essa coisa cultural até aqui eu achei muito parecido com os detalhes do Piauí, que é o bumba meu boi, que tem aqui né, na casa açoriana...Então assim, esta coisa bem cultural de, das coisas da terra, eu gosto muito [...] O audivisual é uma coisa que..., sabe, fazer filme é uma coisa que me encanta...eu gosto de filme antigo...Eu gosto de tudo que é mais antigo, mas assim, as crianças elas tem que se inserir dentro de um contexto geral. Eu penso assim eu acho que eu tenho mais é que inserir quanto é de oportunidades, mostrar o mundo... Vamos dizer assim. (05 – Fayga)

Esta mãe concebe a arte de uma forma mais generalizada, englobando

a música, o cinema, o teatro. Inicialmente ela afirma saber muito pouco sobre o

assunto, mas no decorrer da entrevista, ela cita situações vividas, atividades as

quais têm apreço, exemplificando estilos artísticos que a encanta, o que acaba

configurando um parecer bastante rico, envolto de opções e situações que ela

valoriza e tenta passar aos filhos, mesmo que isso não aconteça

exclusivamente no território das Artes Visuais.

Porque, assim, eu acho muito legal eu dizer que eu fui criada ouvindo Bossa Nova, ao invés de ter sido criada ouvindo... É... Forró. Entendeu? [risos]. E sempre, porque o meu pai, ele é muito, ele ouvia jazz. Então eu lembro de ouvir tocando Frank Sinatra, enfim, e toda a Bossa Nova, que era um nicho de arte, Elis Regina, Milton Nascimento, já não foi mais a praia do meu pai, né...Já a minha mãe, anos 60, adorava aqueles boleros e o twist dos Beatles, aquela coisa do iê-iê-iê, né...Mas assim, eu e a minha irmã, que somos mais velhas, somos muito igual ao pai, a gente adora Tom Jobim, adora bossa nova...Então a gente, na música, que foi onde meu pai nos inseriu mais, eu tento passar pra eles. Então quando ta tocando: agachadinho agachadinho agachadinho eu desligo. Porque eu não consigo gostar entendeu, aí eu mudo [...] Então tem uma vizinha que vai “vamo dançar agachadinho agachadinho?”...me incomoda, mas eu tenho que deixar né? Eu não ouço, eu não ligo... (05 – Fayga)

A noção de capital cultural abordada por Bourdieu (1998) é percebida

nesta fala, onde a mãe procura ensinar aos filhos o que ela considera bom,

evitando o que ela também pondera ruim. Nesse caso, a qualidade musical é

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proveniente de seus pais, o que não resulta afirmar que foi herdada

passivamente, mas em conjunto ao esforço dela, que já possui preferências

estabelecidas no campo das artes e busca mostrar aos filhos, reconhecendo

que é inevitável que eles venham a gostar de coisas bem diferentes.

Tarsila comenta sobre a estimulação que faz em casa, partindo inclusive

de seu gosto pelas atividades artísticas, explorando e valorizando o que os

filhos fazem em casa, enfatizando que tudo que é produzido é exposto num

mural, específico para as produções deles.

Eu já fiz aula de cerâmica, tenho algumas esculturas que fui eu que fiz, a gente brinca com eles também com argila, aqui na sala. Já os menores brincam com massinha, a gente sempre faz uma arte, um recorte, tem um painel em casa que tudo o que a gente faz a gente cola neste painel [...], a gente vai, coloca, expõe no mural, né. Então, a gente tem um mural de exposição das artes que são feitas em casa. A gente gosta de, tem o programa na televisão, que, tem tanto o Mister Maker [...], e o Art Attack. A gente gosta assim de ver, de fazer, cópia. Esses dias a gente fez um, né. Então, esse é o nosso dia-a-dia né, não foi nenhuma atividade escolar, uma atividade que a gente fez em casa. (04 – Tarsila)

Aqui fica evidente o conceito de Arte como um “fazer” pontuado por

Pareyson (1989), sem a preocupação em distinguir ou pensar sobre as

diferenças entre a Arte propriamente dita e o ofício do artesão. Isso não

resume afirmar que os trabalhos realizados por essa família não se vinculam à

criação e à expressão. No entanto, além do fazer e da expressão que se

inserem do campo da Arte pontuados pelo autor citado, o conhecer, que

concebe a Arte através da cognição, interpretando o aspecto executivo como

secundário, acaba ficando em segundo plano por ser algo de maior

complexidade. Tarsila, quando questionada sobre seu ponto de vista acerca da

Arte, relatou muitas atividades que realiza com os filhos em casa e na escola,

com os demais alunos.

Falar sobre arte? O que que a gente faz sobre...Em casa, assim, até pra estimular a coordenação motora, desde criança a gente faz várias, assim, por exemplo, numa mesa,... brincadeiras, desenhos com farinha, onde movimenta os braços, pra fazer movimento e daí forma um sol, forma um anjo, forma alguns desenhos. Seria uma forma de arte. (04 – Tarsila)

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Em sua fala, pode-se notar a variedade de instrumentos e recursos que

utiliza para elaborar diferentes atividades, que proporcionem à criança contato

com trabalhos manuais, seja por fins recreativos ou para estimular a

coordenação motora.

Eles não conseguem sentar, não conseguem andar e tem bastante dificuldade em mexer os braços, não conseguem escrever, né. Então a gente auxilia sempre na construção dos movimentos deles, né, por exemplo, fazer com que eles segurem um pincel, eles façam uma pintura, por exemplo, né, eles já pintaram quadros, eles brincaram de massinha quando eram na idade né, hoje já não é mais idade de brincar de massinha. Então, na idade escolar, é este tipo de atividade: pintura, é...trabalhos com tinta, recortes. (04 – Tarsila)

Aqui, nota-se a formação artística caracterizada a um fim mais

específico, que é o auxílio ao desenvolvimento da coordenação motora.

Relacionar a Arte como terapia, ou como expressão, atividade que auxilia ao

desenvolvimento, nesse caso, motor, é bastante comum às pessoas com

deficiência, porque o histórico do ensino de Arte foi influenciado pelas

concepções de livre expressão, estimulando a liberdade de criação, o

“espontaneísmo”.

A dicotomia entre essas reflexões reverberaram novas práticas e

reformulações nas teorias. Bueno (2002) considera que uma das razões por

qual a Arte na área da Educação Especial e Educação Inclusiva terem, ainda

hoje, concepções relacionadas à valorização da arte como expressão e da

liberdade criadora, está enraizada nas décadas de 60 a 80, em que a tendência

era seguir os padrões da Escola Nova, onde se concebia os pressupostos da

Educação Especial. Contudo, a fala de Tarsila a respeito de sua prática

cotidiana com Arte não pode ser julgada de forma maniqueísta, pois essa mãe

conduz da melhor forma a formação artística dessas crianças, e àquilo que não

lhe compete, como, por exemplo, as informações sobre determinado artista e

contextos artísticos, bem como o processo de fornecer informações específicas

sobre Arte fica em segundo plano. Isso é tarefa das instituições, dos

professores de Arte, realizar essa mediação.

Ao questionar Lygia sobre a influência da prática pedagógica – que ela

salienta ter obtido quando exercia a função de professora –, ela afirma que sua

experiência com arte perdura nos dias de hoje:

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Até hoje, tanto que sou eu quem faço as vitrines da loja, por causa deste meu conhecimento artístico. (03 – Lygia)

Supõe-se pela idade das entrevistadas que vivenciaram – em sua

trajetória escolar na educação básica, e até mesmo no curso de Magistério, no

caso de quem o cursou –, a arte dentro da concepção que já deveria estar

superada, de aulas vinculadas às habilidades manuais, ao fazer, o que reforça

que os desvios na compreensão do ensino de arte, não raramente confundido

com ‘atividades’, também se relacionam com a nossa memória, ou neste caso,

com a memória e as vivências dessas mães, como alunas.

4.6 O ensino de Arte na concepção das mães

Este item diz respeito ao que as mães pensam sobre as aulas de arte,

apresentando uma reflexão sobre o que acontece na escola, se elas

acompanham essas aulas, se elas têm contato com o professor da disciplina,

ou seja, aquilo que acontece no âmbito da escola e como é o respaldo em

casa.

As respostas foram variadas, exemplificando na maioria dos casos, os

trabalhos manuais realizados pelos filhos, porque a parte cognitiva é ainda

complexa para ser observada, visto que as deficiências dos filhos desta

pesquisa são: Síndrome de Down, Autismo, Paralisia Cerebral e Deficiência

Intelectual.

Fayga expõe a questão da criatividade, pontuando que é importante

deixar que as crianças mexam com tinta, manuseiem pincéis, criem a partir do

que viram, partindo de uma teoria, destacando que é essencial deixar a criança

fazer, não apenas falar sobre determinado artista.

Ai eu acho que a coisa criativa ela tem que ser fundamental, assim, sabe...Se você vai mostrar uma pintura, quanto mais perto pegar com a tinta e papel, pra eles poderem criar o deles, eu acho que ia ser mais rico, do que só falar, né. Então, por exemplo, tava trabalhando com Romero Britto, o que que é mais específico pro Romero Britto,

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cores? Forma? Coloca as tintas do Romero Britto e deixa eles vivenciarem...se sujarem né, é muito bom de ver isso...difícil é lavar o uniforme depois [risos]. Mas eu penso assim, eu acho que é a vivência, não só ver, que uma criança da idade deles não fica só vendo...elas ficam tocando né...elas querem, né... (05 – Fayga)

As práticas no contexto da educação infantil estão ligadas ao lúdico, nas

relações entre o brincar, voltadas para processos interativos de

experimentação, expressão, percepção, criação, intuição. No entanto, um dos

pontos básicos da arte no contexto da educação infantil é a educação do olhar.

“Não o olhar que conduz para uma única direção, mas o olhar que amplia as

leituras de mundo.” (PILLOTTO, 2007, p. 23). As significações que as crianças

dão às situações passam pela impressão que elas têm do mundo, de seu

contexto histórico, social e cultural.

Anversa (2010, p. 62-63) salienta que:

Quando se trabalha com crianças com idade inferior a dez anos, é essencial que se tenha ludicidade naquilo que está sendo mediado. As crianças necessitam correlacionar, estabelecer conexões entre o aprendizado e a prática lúdica, vinculando o que aprenderam e o que vivenciaram através da brincadeira.

O fazer criativo das crianças resulta numa simultânea exteriorização e

interiorização de suas experiências, configurando a arte neste campo como

mediadora dos processos de criação, percepção, emoção, entre outros. A

constatação desta mãe, portanto, vai ao encontro do que é sugerido que se

trabalhe no currículo de artes na educação infantil.

No depoimento seguinte, o qual se questionou sobre a concepção das

aulas de arte, Frida declarou que:

Na escola eu acho que tem que envolver todos os tipos de arte, a música, a manual, entrar todos os tipos de materiais, areia, argila, todos esses, né... igual pintura, existem várias maneiras de pintar, não só uma, vários tipos de colorir, não é só um tipo, ... E a Arte é todo este processo, os materiais que tão em volta da gente, que a gente pode transformar, modificar, é meio que básico pra vida da gente, que a gente tá envolvido... Que em Arte escuta música, e na escola também é legal né, as crianças gostam né, e já envolve outro tipo de Arte. Quando escuta música já ta envolvendo não só o áudio, mas tem o corporal que traz uma coisa e busca outra, né. Então, Arte é mais ou menos uma conexão...de um vai pra outro, do outro vai pro outro, sem saber que você ta trabalhando todo o complexo de artes... e um é caminho pro outro. Na escola a gente trabalha muito com

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Arte, porque pra todo o nosso grupo, é fundamental, né? É, é o nosso caminho. Igual outro dia, falando de quadro né, aí a gente vai mostrando os quadros né, Tarsila do Amaral... (01 - Frida)

Ante o exposto, Frida reconhece que a Arte é importante, porém, não

sabe explicar com precisão o porquê, não constrói um conceito com maior

clareza. Sendo assim, fica evidente que, neste caso a transmissão do capital

cultural, questão apontada por Bourdieu (1998; 2003), ficará restrita à escola e

ao seu meio social.

Setton (2002) indica que o habitus é um produto das relações dialéticas

entre uma exterioridade e uma interioridade, em que atualmente é estruturado

não somente pelos agentes tradicionais da educação, como família e escola,

mas também é constituído pela cultura de massa, difundindo múltiplas

informações e referências identitárias, o que caracteriza a socialização da

contemporaneidade com base em múltiplos exemplos de referência. É

pertinente destacar que através do depoimento de Frida o habitus, relacionado

à cultura, será mais amplamente transmitido pela escola e pela cultura de

massa do que através da família.

Na sequência, utilizando-se da própria resposta dessa mãe, aproveitei

para investigar se essa concepção que ela estava fornecendo, a respeito dos

trabalhos desenvolvidos, era abordada apenas na escola em que o filho

estuda, ou onde ela trabalha, ou se as informações eram abordadas no curso

de Pedagogia que ela cursa. A resposta da mãe foi a seguinte:

[...] lá na escola mesmo, com as crianças, de três, de quatro; aí têm os quadros...É, porque, é um tipo de linguagem que a gente usa muito na escola...Eles vêem os quadros, paisagens, e... é interessante né? Aí tem aquele quadro a Tarsila do Amaral, e cada um interpreta...várias coisinhas que os profissionais...que a gente tá sempre falando né, ou lendo uma poesia...Então, essas coisas, é o básico assim né...pra estar introduzindo todo um conceito de Arte, né...porque essas coisinhas que muitos não ..., já tem esse contato desde pequeno...Tem o boi-de-mamão que eles gostam, depois eles vêem um quadro do boi-de-mamão, feito por alguém, então....né? Aí ao mesmo tempo que vai mostrando aquilo tu ta mostrando o dia-a-dia, tu vai botando o conceito de Arte, várias formas que se pode montar um boi-de-mamão, um artista faz assim, o outro assado, né? Então vai sendo um caminho assim mais longo pra percorrer porque eles vão vendo de todas as formas aquelas coisas que estão

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introduzidas no nosso PPP45 né... aí a gente vai trabalhando essa coisa né? (01 - Frida)

Essa mãe reporta o conceito de Arte às diferenças entre o trabalho de

determinado artista e outro, o que não deixa de estar equivocado, desde que

este olhar não esteja focado apenas à parte técnica, como ela cita, às maneiras

que se faz um boi-de-mamão. Outra questão observada diz respeito ao PPP da

escola em que trabalha, que é um documento fundamentado nas leis, como

LDB e Parâmetros Curriculares (Nacionais e do Estado). Segundo a fala de

Frida, a escola segue as exigências do PPP com relação às aulas de artes,

mas, no entanto, mesmo que ela esteja cursando o curso de Pedagogia,

oferecido pela Prefeitura Municipal de Florianópolis, não assimilou ao certo os

fundamentos que estruturam o ensino de Arte.

Segundo o PCN (2001), a Arte envolve o conhecimento, que tem como

base a experiência de fazer formas artísticas e tudo o que entra em jogo nessa

criação, englobando várias ações, como a experiência de fruir formas artísticas,

a experiência de refletir sobre a arte como objeto de conhecimento, onde

importam dados sobre a cultura em que o trabalho artístico foi realizado, a

história da arte e os elementos e princípios formais que constituem a produção

artística, tanto de artistas quanto dos próprios alunos.

Ao ser questionada sobre sua concepção acerca do ensino de Arte e

como são as aulas na escola, Tarsila reforça que:

Acho que eles instigam, né. A escola organiza passeios bastante interessantes, né. Tanto de ir ao cinema, quanto de visitar um museu, O Victor Meirelles, a casa rosada, é, eles já fizeram, por exemplo, reconhecimento cultural, fazer volta à ilha, conhecer todas as praias da ilha, visitar o ribeirão da ilha, a igreja de Santo Antônio, o artesanato da ilha, o que é a rendeira, o pescador, visitar uma vila de pescadores...todas essas atividades são introduzidas tanto pela escola, quanto na E.A46 também, faz passeios no meio da natureza, conhecer as árvores que são daqui, os pássaros, que tipo de animais a gente convive, quando é a época em que os pingüins vem à Florianópolis, o que que a polícia ambiental faz, quando um animal é preso na natureza o que que é feito pra soltar, e diversos outros...né. A gente já fez arte culinária, de trazer uma pessoa pra ensinar culinária, eles já fazem um desenho, colocam cobertura e tal e depois comem. Na escola, por exemplo, eles já foram visitar o ateliê do

45 Projeto Político Pedagógico. 46 Abreviação do nome da escola que possui.

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Luciano Martins, estudaram a vida do Van Gogh, reproduziram um quadro do Van Gogh e depois reproduziram um quadro do Luciano, pintaram junto com o Luciano um quadro, então, acho que assim, em relação à arte pintada é essa, a arte música, é, eles já participaram de coral, na escola eles têm aula de música, eles têm aula de flauta, só se apresentam com flauta, conhecem outros instrumentos, constroem, aqui, no caso na E.A, constroem instrumentos com material reciclável, fazem chocalhinhos, fazem apresentações. A inserção da arte é bem importante, assim. (04 – Tarsila)

A participação desta mãe na vida das crianças é notadamente efetiva,

presente. Ela conversa com os filhos, instiga-os a relatarem suas aulas, o que

acaba refletindo nas aulas extracurriculares, efetivadas em sua escola, no

contra-turno.

Da mesma forma, Fayga relata que a escola oportuniza muitas vivências

em arte, incluindo pontos turísticos e outros roteiros que fornecem desde cedo

contato com a história da cidade.

A escola é muito focada em arte naquilo que ta acontecendo na cidade, então eles foram passear, no... na... eles foram ver os monumentos da cidade, que eu mesma ainda não vi, tipo a figueira né, eles fizeram um passeio de ônibus. Eles foram em cinco pontos turísticos, ver canhão, o forte... (05 – Fayga)

Anita exime-se em realizar muitos comentários e conclusões mais

incisivas, mas subentende que o desenvolvimento da expressão é algo que se

desenvolve nas aulas de Artes:

Não tenho contato direto com as aulas, mas acho a Arte importante para a Camila por ser uma forma de ajudá-la a expressar-se, já que tem muita dificuldade em fazê-lo. (02 – Anita)

Para Lygia, o fazer manual que vise a coordenação motora e o

desenvolvimento da motricidade fina é evidenciado nas aulas de Arte, em

específico para o filho dela, que possui dificuldade ao manuseio de certos

materiais. O que, no entanto, fica visível é a compreensão de que se

estimulado, o filho realiza os trabalhos com mais afinco.

Como o Daniel tem esta dificuldade motora, por exemplo: pintura, ele sempre tem dificuldade em pintar. No começo ele desistia, ele

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rabiscava, não ia até o final. Na medida que o tempo foi passando ele foi melhorando, né, essa coordenação motora, pois ele vai crescendo, vai desenvolvendo. Cortar com a tesoura, ele tem bastante dificuldade no colégio na aula de artes, pedir pra ele recortar, fazer um trabalhinho manual, ele tem bastante dificuldade, tudo o que envolve coordenação motora fina. Claro que com o passar do tempo foi melhorando. Tem uns quadros que ele pintou na escola que dá pra ver que, por exemplo, quando ele foi numa exposição, teve uma motivação, ele fez melhor, já ficou mais empolgado. Como este ano eles fizeram uma bolinha de natal, ta lá na escola na exposição [isso que ele não conseguiu recortar o pano], mas ele conseguiu fazer a bolinha, daí quando ele é bem motivado ele tenta dar o melhor dele. Tem outra pintura que foi o nome dele em japonês, como foi exposto, eu ia lá ver, ele se empolgou e pintou bem certinho. Se tem motivação, não só em artes mas em todas as disciplinas, ele melhora, ele tenta melhorar. Então, o desenvolvimento de artes dele, a pintura, foi melhorando. Outra coisa que eu observo também, é que os desenhos dele – ele tem doze anos – os desenhos são bem mais infantis do que dos outros, porque a idade mental dele é menor. Ele gosta da aula de artes, mas tem que ser bem motivado para ele dar o melhor dele. (03 – Lygia)

Aproveitando a fala da mãe, que afirmou ter uma produção pictórica do

Daniel com base em exposição visitada, questionei-a se ele tece algum

comentário em casa sobre conhecimentos obtidos nas aulas, e não apenas nos

fazeres, nas atividades realizadas, no intuito de investigar se as aulas de Arte

eram voltadas à cognição ou se o Daniel não trazia esses conceitos porque

não os compreendia.

Quando ele foi à exposição ele contou, contou tudo o que ele fez lá, porque teve motivação, ele fica mais empolgado, ele também é bem hiperativo, então pra ele ficar preso só lá na sala, ele vai ficando cansado, ele não vai rendendo, se há alguma coisa diferente onde ele possa gastar energia, ele rende mais, ele faz as coisas com mais empolgação. Todas as aulas que são diferentes ele gosta. (03 – Lygia)

Vale relembrar que o histórico do ensino de Arte aponta a existência de

concepções sobre a arte como um fazer técnico, desprovida de saberes, pois

muitos conceitos foram construídos ao longo dos anos em que o conhecimento

em arte era camuflado num “fazer pelo fazer” ou numa liberdade de

expressão/criação. Assim, as concepções que as mães trazem consigo são

formadas a partir desse ideário, provavelmente vivenciado por eles em seu

próprio processo de escolarização, e resistem a essa perspectiva.

Macedo (2010, p. 162) salienta que:

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o contato com lápis de cor, tintas, pincéis, argila e outros, não significa, por si só, a oportunidade de construir, conhecimento em artes visuais. Usar ferramentas da arte é uma, outra coisa, bem diferente do ensino de arte.

Se tomarmos como base a contextualização histórica é possível

entender o porquê, de ainda hoje, para a maioria das pessoas, ser difícil

perceber a Arte como campo de pesquisa e conhecimento. Com a Lei de

Diretrizes e Bases de 1971 (5.692/71) instituiu-se a Educação Artística, com a

estrutura marcante da polivalência, reunindo em uma única disciplina, as

atividades de artes plásticas, música e artes cênicas. Através desses

fundamentos, sem foco no conhecimento, a Arte passou a ser componente

curricular obrigatório no Ensino Fundamental.

A reboque, em 1973, para suprir a demanda criada, vieram os cursos superiores para preparar os professores polivalentes, inaugurando a Licenciatura em Educação Artística. Uma formação com duas opções, a Licenciatura Curta, em dois anos, e a Licenciatura Plena, em quatro. Em meio às fortes heranças da ditadura e também de uma sociedade escravocrata e colonizada, muita gente resistiu e algumas ideias avançaram. (MACEDO, 2010, p. 163).

Com a LDB 9.394/96 a Educação Artística é extinta, entrando em uso a

disciplina Arte, reconhecida oficialmente como área de conhecimento,

obrigatória nos diversos níveis da educação básica, a fim de promover o

desenvolvimento cultural dos alunos, envolvendo uma reestruturação ao

tratamento de uma área de conhecimento. Porém, essas conquistas são

relativamente recentes e evidenciam porque ainda, para a maioria das

pessoas, é difícil perceber a Arte como área de conhecimento.

Apesar das constatações de que as respostas das mães sobre o ensino

de Arte, foram, em sua maioria, focadas na ação manual, e não na cognição, é

importante destacar que a atuação do professor de arte é incisiva para mediar

esta relação entre família e ensino de Arte. As famílias somente terão uma

noção mais abrangente sobre a importância em relacionar o conhecimento com

a prática se os professores desenvolverem isso em suas aulas. Os

depoimentos das mães sobre o ensino de Arte são, portanto, reflexo de suas

vivências, mas também são moldados a partir do que os filhos trazem da

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escola, seja através da fala, dos trabalhos que produzem, por fim, do respaldo

de suas aulas.

4.7 Formação artística e cultural dos filhos com deficiência

Tendo em vista que a inserção da arte na vida de um indivíduo é

almejada em diversos campos, não se restringindo à esfera escolar, a

formação artística e cultural é um processo que nem sempre é estimado na

sociedade, pois é uma ação secundária em relação a outras atividades. No

intuito de investigar como ocorre a formação artística do indivíduo, além de

examinar se a arte se insere na vida da criança como assistência a alguma

especificidade sua, ou se ela é estimulada para desenvolver seu processo

cognitivo, uma das questões propunha que as mães comentassem sobre o

acesso dos filhos com deficiência a locais específicos, como museus, galerias,

teatro, entre outros47, para abranger o contato com a arte.

Para isso, as mães pesquisadas teceram comentários sobre a trajetória

do filho na escola, com vistas a clarear o que é importante, o que é

fundamental que uma escola ofereça.

Então o meu foco com a Lívia ainda não é a escolarização. Quando eu levo a Lívia na escola, [...] eu sei que ela sabe qual é a cor vermelha, mas ela não me fala. Ela só olha [...]. A gente fez um trabalho de estimulação visual muito legal na Lívia, então ela começou a reconhecer o mundo, olhar, se interessar, porque ela só se interessava em ouvir, ela é altamente auditiva. Totalmente auditiva desde bebê [...]. Então assim, o meu foco ainda não é a educação, quando eu levo a Lívia na escola, meu foco é socialização. Ela tem muita dificuldade pra socializar. (05 – Fayga)

Fayga esclarece que em decorrência das particularidades da deficiência

da filha, a prioridade ainda não é o ensino, e sim o desenvolvimento social,

afirmativa bastante comum na educação de pessoas com deficiência. O fato de

ser privilegiada apenas a socialização faz com que tanto a escola, quanto as

47 O anexo 04 apresenta uma listagem dos principais espaços culturais da cidade.

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famílias invistam pouco na formação cognitiva, e por consequência artística,

dos alunos.

Então essa coisa de escola é isso, hoje ela vai pra escola, não vai todo dia, ela vai três vezes por semana, porque nos outros dias ela faz terapia e à tarde ela vai pra E.A48. Então ela tem todo espaço dela ocupado. Na quarta-feira ela faz cavalo, ecoterapia. Então o tempo dela é ocupadíssimo. Então, eu penso assim, tem outros pais que pensam o contrário. Eu sou terapeuta, eu sou da saúde, então eu acho que este é o momento de a gente focalizar um trabalho motor, um trabalho fonoaudiológico, um trabalho de estimulação visual, porque ela precisa deste aparato pra poder aprender; é preciso que ela sente melhor, mais confortável pra poder mexer a mão, ela é toda, se ela movimentar o braço, o corpo, a mão vai junto, não tem dissociação, sabe...ela tem que estar muito equilibrada pra aprender. Então, ao contrário de alguns pais que eu conheci, o foco da minha filha agora, até então foi da parte realmente física, de saúde, motora, né. E depois eu vou trabalhar conhecimento. (05 – Fayga)

Da mesma forma, Anita prioriza a socialização da filha, a adaptação dela

no ambiente novo e, em segundo lugar, a alfabetização.

É, aqui nesta escola,... Assim... Porque ela chegou, começou este ano. Ela chegou da Espanha. Então falando seu espanhol... Quando ela chegou aqui foi tudo muito novo pra ela: escola, pessoas, idioma principalmente. Então, no começo não foi fácil, claro né. Mas, apesar disso, ela até que teve uma adaptação rápida, né, de acordo com as circunstâncias ela teve uma adaptação rápida [...]. Ela se adaptou relativamente bem, aprendeu as coisas [...]. O lado da socialização eu acho que ela aprofundou bastante, mais do que a didática em si né, do que é o currículo escolar; isso eu acho que ela não aprendeu tanto. Mas de qualquer forma a ideia que a gente tinha, e eu também tinha e elas aqui da escola também tinham é que nesta primeira etapa é mais importante ela se socializar do que realmente aprender a ler ou a escrever, se bem que ela sabe um pouco né. Mas era mais importante pra nós que ela corresse este ritmo de escola, de turma de respeitar os turnos, os horários de se adaptar a este tipo de coisa. Depois a gente já vai vendo como vai alfabetizando ela. (02 – Anita) Quando a gente vai pras festas, ele não tem inibição, né, de estar nos brinquedos que ele gosta, assim, observando como qualquer outra criança, pra poder confiar, né... Não é indiferença de ser filho meu ou não, mas é a ponte do que ele é sociável, né, que ele brinca, que ele gosta, que ele interage com todo mundo e que as pessoas tem a sua importância né, e que alguns ele dá importância, outros ele reclama...não quer nem saber. Então ele, a escola faz esse, essa ligação do social, mesmo, né. Então, é importante tá na escola. (01 – Frida)

48 Referindo-se à escola de Tarsila.

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Frida descreveu a questão da interação de seu filho, pontuando que ela

procura estimular a autonomia dele, para que ele possa fazer as coisas por si,

enfatizando que a escola constrói isso, por ser um ambiente de diferenças, um

local propício para a sociabilidade.

Nos depoimentos de Fayga, de Lygia e de Frida, embora não se tivesse

questionado especificamente, percebeu-se que todas tiveram necessidade de

comentar sobre o diagnóstico do filho, contar sobre a trajetória de vida delas

em função disso, ou até mesmo o momento em que lhes foi revelada a

situação diagnóstica, detalhando suas diferentes perspectivas.

Quando nós chegamos aqui nenhum dos meus filhos estavam matriculados, nenhum tinha freqüentado escola ainda. Assim, a patologia da Lívia é assim, você não sabe o que que ela vai produzir. Então a gente começa com meio que uma estimulação precoce. Ela tem uma lesão cerebral. Será que ela vai sentar? Será que ela vai pular? será que ela vai andar? A gente só descobre com o tempo. Os médicos poderiam até dizer pra mim. Mas eu não ia acreditar se eles dissessem, “Ó, tua filha não vai andar...”. Eu fiz essa pergunta: “A minha filha vai andar? A minha filha vai falar?” né? Eles não sabem. Ou talvez até pela experiência deles, verem tantas avaliações eles presumirem né, mas eles não disseram. O diagnóstico foi feito, a minha filha não tem uma doença, então eu não preciso voltar neles. Eu vou pro ortopedista, eu vou pro pediatra, eu vou pros terapeutas. Então com seis meses eu comecei um intensivo com a Lívia, de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional não tinha antes, se tivesse já tava, e, escolarização, nada. Eu falava assim: eu quero botar todos eles na escola juntos. Graças a Deus eu consegui, lógico que a Lívia foi ficando pra trás né. Então fui descobrindo com o passar do tempo a diferença dela em relação a eles, sentaram, rolaram, engatinharam, e a Lívia, no colo... Bem molinha né. Então eu fui deixando, fui deixando. (05 – Fayga)

O trecho a seguir reforça que esta mãe se preocupa em prosseguir por

etapas, no que concerne ao desenvolvimento da filha, respeitando o tempo

dela, que no momento é priorizada a questão da sociabilidade.

Então ela tem, um pouco, depois que eu montei aqui, a gente vai conversando com outras mães, trocando figurinhas, eu percebi, nitidamente, ficou bem claro, que a Lívia ta sim, morando com a gente, vivendo com a gente, mas ela tem o mundo dela paralelo. A gente anda assim... Se eu vou pro Iguatemi, pro shopping, pra brincar, ela não pode naqueles brinquedinhos do shopping, não dá pra brincar né, não pode... Então, o que que eu faço: a Lívia fica no carrinho, no mundinho dela. Então tá tudo bem; aí eu vou lanchar, ela lancha, com as musiquinhas dela, então tudo acaba sendo assim. Então agora a gente ta em trâmite, então eu chego pra ela, agora é a hora da conversa, “vamos parar de ouvir a musica, que quero saber como foi na escola”, e ela ta começando a aceitar. Foi uma luta muito

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grande, pra inserir ela no contexto da família. Então a escola acaba sendo o motivo da socialização. Eu acho que assim, tem coisas que vêm de encontro ao que ela quer, ela precisa experimentar, mas o meu foco não é muito o conhecimento no momento. Não foi até agora, agora eu to começando a querer trabalhar um pouco mais a atenção, por isso ela tá tendo um pouco mais de atenção visual, ela tá prestando atenção, então agora é o momento. Ela se encontrou no mundo, eu penso assim. (05 – Fayga)

No relato a seguir a mãe expõe a trajetória escolar do filho em

detrimento de sua deficiência, pontuando que foi na escola que se notou a

existência de um possível diagnóstico, argumentando que antes da fase

escolar não percebeu algo diferente no filho.

Ele freqüenta escola desde um ano, sendo que a primeira escola que ele freqüentou foi a escola que eu trabalhava. Ele foi bem agitado, uma criança bem difícil para os professores, ele não parava quieto sentadinho, jogava os brinquedos, ele batia nos amiguinhos, só que nesses quatro anos que ele estudou na escola que eu trabalhava, eu tinha acabado de me formar, e a gente não tinha assim muito conhecimento, nem eu mesma, do que ele tinha. O Daniel é agitado, nunca tive a ideia de procurar um médico, nem as professoras dele, tiveram ideia, foi uma coisa nova pra todo mundo, quando o Daniel vinha, meu deus, ficava todo mundo de cabelo em pé, com aquela agitação dele. Sempre foi a criança mais difícil para as professoras. Quando eu me mudei pra cá, eu também coloquei ele numa escola, aqui no bairro que eu moro. Ele estudou ali desde o jardim 2 até a 1ª série. Quando eu cheguei ali naquela escola, todo mundo falava que o Daniel era muito agitado e tal. Daí teve uma professora, a Luciana, que chegou pra mim e perguntou: “tu já não tentou levar o Daniel, assim, numa psiquiatra ou num neurologista, porque a gente observa que ele tem um pouco de dificuldade em fazer as coisas, de pintar, de associar algumas coisas, né”. Até então nunca tinha me passado nada pela cabeça, era só agitação. Aí eu resolvi levar. Daí foi onde eu comecei a minha busca, a minha investigação. Aí eu marquei com a psiquiatra, relatei tudo pra ela e ela me encaminhou para um neurologista; ela não deu diagnóstico nenhum. Daí eu fiz a primeira consulta com a neuro, contei tudo pra ela, disse assim, se ele tem algum problema eu não to conseguindo identificar. Eu não sei até onde é temperamento e até onde é doença e ela mandou fazer os exames. Ele fez o do x frágil, fez exame genético, não deu nenhum problema, daí a doutora Carla chegou à conclusão de que ele era hiperativo. E assim a gente foi tratando, com medicação, para concentração, só que mesmo ele tomando aquele remédio, ele não acompanhava direito na escola. Se ele toma trinta miligramas de ritalina diária para se concentrar, porque ele não aprende? Mas assim foi indo: Jardim 1, Jardim 2, pré, quando chegou no Pré ele não leu, daí eu pedi pra ele repetir. Daí eu comecei a ajudar em casa, no final deste ano do Pré ele leu. Quando chegou na Primeira Série, ele tomando ritalina, a professora quis passar o Daniel, porque achava que ele merecia passar, e a diretora quis rodar. Daí foi onde eu troquei ele de colégio, [...] Então, eu matriculei ele no colégio E.V49. Quando chegou ali no 2º ano, foi tudo normal pra ele; pra mim tava tudo bem até então, tava tomando a ritalina, fazia os testezinhos, tava

49 Identificação fictícia do colégio em que ele estuda atualmente.

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acompanhando, 2º ano, 3º ano, tava lendo, escrevendo, com bastante dificuldade. Quando ele chegou no 5º ano, foi o problema, que foi o ano passado. Ele não acompanhava nada. Mas na minha cabeça, eu não entendia porque no 2º, 3º e 4º ele não teve dificuldade nenhuma e quando chegou no 5º ele apresentou esta dificuldade. (03 – Lygia)

Este é o único caso dentre as mães entrevistadas onde o diagnóstico

tardou bastante. Aconteceram várias situações, como repetência, dificuldade

no desenvolvimento e na cognição para mobilizar esta mãe a procurar um

diagnóstico correto, que esclarecesse a situação vivida pelo filho, confortando

ambos.

Para Frida foi bem diferente, pois a deficiência do filho foi notificada logo

após seu nascimento, na maternidade.

Eu não tinha o Júlio, nem sonhava em ter o Júlio, porque primeiro, eu nunca fui dada aos dotes maternos. Aí tudo bem, nós fomos pra... Quando nós se mudamos pra cá, no Kobrasol, [...], nós resolvemos engravidar. Porque eu já estava há 18 anos com o Júlio, né, casada, aí eu resolvi engravidar, porque ele queria, porque ele não podia fertilizar [risos]. E eu fertilizei pra ele. Aí... Eu estudando, grávida, estudando, grávida, estudando grávida, estudando, grávida, aí... Veio o Júlio, né? Depois deste tempo de gravidez, eu estudando, eu terminei e como eu só tinha o segundo grau... Fiz o terceiro e quarto, aí eu tive que... Aí o Júlio, quando nasceu, eu estudava à noite, e eu soube na maternidade que ele era Síndrome de Down, quando ele nasceu. Aí depois que ele nasceu, eu comecei a me direcionar um pouco nos problemas meus como mãe. Meus problemas como mãe, assim, de não aceitação. Não cheguei a ter depressão pós-parto [risos]. Mas o choque foi mortal pra minha pessoa, né? [risos]. Além de não querer ser mãe, ter tido algo diferente do comum... E meu marido em momento algum se viu nessa, nesse obstáculo que eu achei que a gente teria na minha vida, né? (01 – Frida)

Em seguida, perguntei-lhes sobre a trajetória escolar dos filhos, desde

pequenos, para verificar a relação do ensino de Arte com a formação artística,

isto é, tentar investigar se o contato com arte existia no contexto dessas

famílias:

Eles são crianças diferentes, mas a trajetória deles é bastante parecida. Os dois foram pra escola, né, quando eles tinham, um pouco antes dos três anos né, na idade que hoje é a idade que as crianças vão para a escola, dois anos e meio mais ou menos; uma escola regular, próxima a minha casa, era um Jardim, e passaram

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dois anos nesta escola, e depois quando eles iam para o primeiro ano então eles foram para uma escola S., que é o Colégio E.S50. (04 – Tarsila) Estudou em Málaga né, estudou três anos em Málaga. E Málaga eles não...eles têm assim uma...aula especial, como eles chamam, né. Então são no máximo cinco crianças, só crianças com necessidades especiais, dentro da escola regular, tem aquela aula especial. Aí ela ficou três anos, por isso que eu vim embora, porque eu queria, e achava que era bom pra ela que ela fizesse aula regular. (02 – Anita)

Com este laudo agora [...], daí eu me sentei com a professora, a orientadora da escola, então com este laudo o Daniel tem direito adquirido de ser passado, e as atividades tem que ser diferenciadas, porque senão ele vai ficar sentado lá na sala com as atividades iguais às dos outros alunos e vai se sentir excluído. É o que vem acontecendo. Por que o Daniel incomodava tanto na escola? Porque nada daquilo que tava na frente dele ele entendia. Então o que ele ia fazer? Ou ele ia incomodar, ou ele ia ficar só brincando. Então depois que elas mudaram a visão delas de ver o Daniel, o Daniel também melhorou na escola. Ele passou a se interessar mais, melhorou assim, ele ia pra escola mais feliz, a impressão que eu tive. O ano passado ele ia muito triste, por causa da professora, porque eu acho que até ele mesmo tava vendo que ele era diferente, mas ninguém fazia nada por ele, tanto que eu dizia: Daniel, a mãe ta indo lá na Fundação, tudo explicado pra ele, ele tem que participar das coisas, ele tem que entender que ele é diferente. Então ele tava bem consciente disso. Então depois que veio esse laudo, até eu, parece que saiu um peso dos meus ombros, porque agora eu sei que eles estão vendo ele do mesmo jeito que eu vejo. Então daqui pra frente a inclusão dele vai ser de fato, principalmente a partir do ano que vem, que é o 6º ano, porque não tem cabimento ele ficar no 5º ano de novo com doze anos; pra ele ter uma vida social normal dentro da escola, pra haver inclusão de fato, ele tem que ir acompanhando a turma dele, pra ele se sentir igual aos outros [...] as avaliações são diferenciadas, mas ele tem que tirar notas boas também. Se eu deixar assim, a ver navios, ele também não vai querer mais fazer nada, não vai querer mais estudar porque sabe que vai passar. (03 – Lygia)

Com relação à arte, questionei-lhes sobre o contato de seus filhos, se

faziam alguma aula diferenciada, se eram estimulados, se na família havia

alguém que instigava isso. As respostas foram originando novas perguntas e a

maioria dos depoimentos foram sendo formulados de acordo com a própria

vivência destas mães, que em alguns casos são breves e noutros cheios de

detalhes, descrevendo a experiência da família em relação a isso.

50 Abreviação do nome da escola em que os filhos estudam.

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Tarsila relata que os filhos fazem muitas coisas em casa e na sua

escola, mas que formalmente nunca participaram de aulas voltadas

especificamente para fins artísticos.

Então, é, assim, formalmente, aula de artes, assim, nem a Luisa51, nem os meninos nunca fizeram, né. Eles tiveram incluídos... Desde bastante idade que eles fazem no dia-a-dia. Aqui na salinha, a gente pode ver, tem várias atividades de recorte de E.V.A52 colado, ou de sementes, é, ou de copinho plástico que foi reaproveitado, que foi feito um trabalho, ou de uma tinta que foi jogada num papel, dobrada e na hora em que abre forma um desenho especial. (04 – Tarsila)

Fayga salienta que o pouco contato com arte se deve ao fato de que a

cidade onde morava não oferecia muitas opções, observando que aqui o

acesso é maior e que está tendo aos poucos este contato com espaços

culturais, que é algo novo para a família toda.

Então, morando no Tocantins, eu não tinha muita opção, eu não conhecia, até porque era uma cidade pequeninha,...Então a partir de vir pra cá, vindo pra cá foi que eu acho que expandiu a história de arte. A partir do momento de começar a sair com eles. Pros meninos a gente foi duas vezes ao teatro, coisa que não iria no Tocantins se eu tivesse morando lá. (05 – Fayga)

O contato da família de Tarsila com arte é mais amplo. Ela afirma e

exemplifica constantemente o quanto estimula os filhos à arte e o quanto isto

faz parte de seu cotidiano:

Agora em relação à inserção na vida artística social, por exemplo, ir no cinema, no teatro, é... Apresentação de boi-de-mamão, a gente participa de..., a gente é uma família bastante presente assim em várias festas. Teve uma festa em homenagem ao Buda, que era por causa do tsunami no Japão, a gente foi, conheceu a cultura japonesa, né, conheceu vários tipos de tambores... Então a gente participa... assim... só pra dar um exemplo. Mas a gente sempre vai em alguma atividade que proporcione algum conhecimento assim, mais amplo da vida. (04 – Tarsila)

A família de Tarsila é a única, dentre as pesquisadas que possui o hábito

de frequentar eventos artísticos e culturais, e que além de acreditar na

51 Optou-se por nomear a filha por Luisa para preservar sua identidade. 52 O E.V.A (Etil Vinil Acetato) é um material emborrachado muito utilizado em trabalhos escolares, artesanato, painéis e outros.

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importância deste estímulo, procuram manter sempre o contato com arte, seja

em casa, fazendo coisas simples, atividades diárias, ou indo a locais que

proporcionem experiências e vivências com arte e cultura.

Lygia expõe o contato com a música, advindo de sua convivência

familiar desde a infância, que influenciou seu filho a querer tocar um

instrumento.

Nós somos em cinco irmãos. Todos os cinco são professores, formados [...]. E a nossa formação artística assim, a gente teve muita influência do pai e da mãe, porque o pai era cantor, e a mãe também cantava num coral. Então desde pequena eu convivi com música, porque eu ia junto nas apresentações e nos ensaios. Meu irmão mais velho toca violão, todos os filhos dele, todos os meus sobrinhos tocam instrumento musical, violão, guitarra, violino, bateria. Então assim, a nossa convivência com a música é bem forte. Eu fui casada durante quatro anos, entre namoro, noivado e casamento foram onze, e depois de quatro anos de casada, não deu mais certo, separei e vim morar aqui em Florianópolis; e por coincidência o pai do Daniel é baterista, então todo mundo é envolvido com música. O Daniel gosta muito de música. Eu já tentei colocar o Daniel numa aula de violão [ele tem um violão], mas não deu certo, porque como ele tem esta dificuldade, este retardo mental que eu descobri agora né, a coordenação motora fina dele, é mais difícil pra ele tocar violão. Daí eu resolvi trocar. Eu dei um pandeiro, pra ele, porque como ele é muito bom de ouvido, o pandeiro é melhor pra ele, porque ele vai batendo e vai acompanhando. (03 – Lygia)

Lygia, ao falar da presença da música em sua família – e do interesse

por parte do filho – relatou que ele é bastante estimulado e que aprecia música

em todos os sentidos, principalmente na prática.

O pandeiro ele aprendeu de ouvido, ele toca de ouvido. Em duas festas de aniversário da família que a gente levou o pandeiro meu cunhado tocou, e o Daniel na primeira festa simplesmente pegou o pandeiro e começou a acompanhar, tudo de ouvido, então ele vai bem direitinho no ritmo. (03 – Lygia)

A mãe ressalta que existem atividades que proporcionam maior

interesse ao filho, que o auxiliam no desenvolvimento cognitivo, e que acima de

tudo, o satisfazem e dão prazer, diferente de outras brincadeiras em que ele,

por não possuir coordenação motora, desiste facilmente.

O Daniel gosta muito de jogar bola, gosta de andar de bicicleta, e ele gosta muito de soltar pipa; mas a pipa exige um controle maior, ele tem que controlar a corda, cuidar da linha, a motricidade fina, então

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ele se atrapalha. Ele brinca um pouco e já logo desiste. A linha rebenta, ele não consegue amarrar, não consegue dar um nó. E agora ele descobriu o computador. Ele se interessa muito. Ele gosta de entrar no Orkut, ele baixa joguinhos, é outro lado que ajudou a desenvolver; ele aprendeu tudo sozinho. Foi mexendo, foi mexendo e aprendeu. (03 - Lygia)

Anita pontua que sua filha gosta de produzir trabalhos artísticos, pois a

tranquiliza. É, segundo a mãe, uma forma de terapia, realizar desenhos,

pinturas, colagens.

Aqui na escola eles fazem assim, muitos trabalhos de arte, e ela gosta muito. Em casa ela gosta muito de pintar, de desenhar, tanto com giz como com tinta. Ela gosta, é uma coisa dela, ela tem interesse; é uma coisa que diverte, que acalma ela, então ela faz muito assim isso né: desenho, pintura, colagem também, cola feijão, cola macarrão, pedaços de papel picado, eu dou pra ela picadinho pra ela montar um desenho com aquilo né. (02 – Anita)

Dando continuidade a essa resposta, questionei sobre os trabalhos que

a filha realiza em casa, se são vinculados à escola, como um segmento do que

ela aprende:

Não, não necessariamente. Ela faz coisas diferentes em casa também, coisas que eu passo pra ela, porque aqui na escola eles tem uma outra ideia, né, um outro material, tudo...e em casa ela faz coisas que eu trabalho com ela. Quer dizer, não é nem um trabalho, é mais uma diversão né, que ela gosta, se interte. (02 – Anita)

A questão da arte como terapia, discutida por Reily (2010) e presente na

fala de várias mães, deriva da própria perspectiva que elas possuem sobre as

aulas de arte na escola dos filhos. Se o resultado do trabalho escolar é uma

pintura, uma colagem, uma escultura ou um desenho, destituído de um

processo – neste caso cognitivo –, as mães subentendem que é isto que é feito

nas aulas: produções manuais. Certamente as deficiências dos filhos muitas

vezes os limitam a falar sobre o conhecimento que de repente foi trabalhado na

aula, fato que leva acarreta pensar que a arte é trabalhada com o foco no

desenvolvimento motor e/ou de habilidades.

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Com base em nossa experiência profissional, atuando na educação especial no campo da arte, consideramos que é possível afirmar que muitos dos programas de arte desenvolvidos em contextos institucionais sofrem de um viés terapêutico. Nessa perspectiva, o desenho e a pintura são utilizados como técnicas expressivas, como instrumentos diagnósticos, como meios de desenvolvimento de coordenação manual, voltados para trabalhar a autoestima e a socialização. Muitas vezes, a arte trabalha como um braço da terapia ocupacional ou da pedagogia, dando suporte ao treinamento em artesanato ou no desenvolvimento gráfico, tendo em vista a escrita na sua dimensão motora. (REILY, 2010, p. 90).

Não se pretende, com isso, criticar tais considerações com relação ao

uso da Arte. No entanto, o ensino de Arte proporciona ações potencialmente

maiores do que somente o desenvolvimento motor e gráfico, podendo inclusive,

aliar o entrosamento social com a aprendizagem cognitiva. O desenvolvimento

cognitivo não atrofia o potencial de socialização da criança, pois eles podem se

desenvolver juntos, um apoiando o outro.

É necessário incentivar a produção de conhecimento que traga suporte

para o professor de Arte que atua com um aluno altamente heterogêneo, de

modo a servir de apoio para a escola no seu processo de aprendizagem, sem o

viés clínico. Acredita-se que se o professor de arte tiver subsídios para

trabalhar com alunos com deficiência, o resultado deste trabalho focado no

conhecimento – e a partir deste, voltado também às produções manuais – será

muito mais significativo para o aluno e consequentemente envolverá a família,

que passará a compreender como é desenvolvido o conhecimento em artes e a

importância deste.

Um exemplo dessa possibilidade de troca entre mãe e filho é o

depoimento a seguir:

Agora, quando se trata de criança, a gente tem que pensar em arte, o tempo inteiro. Então lá em casa tem o tempo inteiro pintura, a escola trabalha muito...agora eles tão conhecendo um trabalho com pintores. Então eu acho muito legal quando a L.R diz “mãe eu sei qual é a obra de arte mais importante do Leonardo da Vinci: é a Monalisa!”. Aí o A.R chegou e disse “Mãe, o Leonardo da Vinci morreu”, “Como assim filho?”, “é porque agora a gente tá estudando outro pintor e a pintura principal dele é o peixe”. Então, muito legal o que eles estão aprendendo, porque eu não faço isso, eu não ensino arte no meu dia-a-dia... Romero Britto era o artista que eles estavam estudando [...] Eles sempre chegam falando tudo. Por exemplo, o Romero Britto, eu tava viajando eu não levei nada pra eles, mas eles já me trouxeram um monte de informação, então. (05 – Fayga)

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Esta mãe cita os outros filhos quando se refere ao trabalho desenvolvido

nas aulas de artes. Mesmo sabendo que a pergunta era voltada para a Lívia,

que é a filha com deficiência, inconscientemente Fayga comenta sobre o

trabalho desenvolvido pelos outros filhos, trazendo uma reflexão sobre a

importância do professor de artes no desenvolvimento de um trabalho

significativo. Considerando a complexidade disso, pois envolve a formação de

professores de artes visuais, é possível pensar num trabalho expressivo para

crianças com deficiência, e que, embora elas não falem sobre aquilo que

aprenderam, estimular a cognição é fundamental, porque de certa forma, a seu

tempo e modo, estão compreendendo o que vivenciam e podem externalizar

isso de diferentes maneiras.

Quanto ao questionamento sobre a frequência a espaços expositivos e

culturais, Frida relata que sua família não tem costume de ir ao museu, frente

às atribulações de sua vida, comentando que apesar de nunca ter levado o

Júlio a um espaço expositivo, ele costuma ir a algumas saídas de estudos com

o colégio, que contemplam o contato com arte.

Exposição já. Mas museu eu nunca levei o Júlio, nem no teatro eu nunca levei o Júlio, porque nunca coincide com a minha vida...os horários... É, porque no caso você leva nas coisas assim básicas, assim, se tiver num shopping, uma coisa assim, mas não que você saia com aquele direcionamento: “eu estou saindo para ir ao teatro”, né? Mas sim, você, né, vai sair quando aquilo tá no seu caminho, no seu passeio, mas não que você saiu com aquela intencionalidade de estar naquele lugar. Igual ao cinema... Eu acho que cinema é tudo pra criança [risos]; muito escuro, aquele som alto, eu não acho propício, mas se ele for pela escola, como ele já foi pelo CEI de São José, que sempre fazia passeios muito bons, de todas as espécies, né, todos os estilos, ele sempre curtiu; ele vai também pela escola ao teatrinho, que as vezes eles vão, né, fazer essas coisas, é legal, porque ele curte, ele vai né. Já muda aquele papel de mãe que começa a selecionar muito a vida sabe, que é bom quando tá na escola, que na escola ele vai de qualquer maneira...só assina né. (01 – Frida)

Na sequência, a mãe pondera sobre os trabalhos de arte de seu filho,

presumindo em sua fala a concepção que tem de arte, como conduz em casa

as atividades artísticas e a atitude do filho em relação a isso.

Como eu não costumo juntar muitas coisinhas assim, no meu apartamento, mas eu tiro foto de tudo [risos]... Mas ele gosta, e eu notei que ele já ta gostando da pintura, né? De pintar, coisas assim

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que... [...] Então, o trabalho de artes, eu trabalho com o Júlio assim... né, porque eu acho legal, assim, né? A arte é tão complexa assim né, tem tantas coisas que a gente pode considerar como arte e só fica no desenho básico né... E a arte tem o corpo, quando tá aprontando, tá fazendo arte; a dança que ele também gosta de ver né, tá fazendo arte, né. Então, ele faz essas coisas em casa; mas não muito, não muito assim, porque, eu tenho problema com o Júlio, é que tudo que passa pro lado didático ele interrompe. Então se eu to brincando, nós estamos brincando, eu estou notando que é uma brincadeira, eu estou fazendo. Quando ele passa a entender que você está ensinando, ele não quer. (01 – Frida)

Ao questionar às pesquisadas se os filhos fazem ou já fizeram alguma

atividade relacionada à arte, como aulas de pintura, de desenho, de escultura,

de cerâmica, entre outras, algumas respostas indicaram que o contato que eles

têm ou tiveram com arte acontece mais no âmbito da dança e da música, que é

mais acessível, mesmo porque são atividades extra-curriculares que muitas

escolas possuem. Já na área das artes visuais as mães afirmaram que

desconhecem locais que ofereçam oficinas de desenho, pintura, por exemplo,

apontando que o que é feito nesta área é na própria aula na escola ou em

casa.

Não, não lembro dele ter feito algo assim. Não sei, porque na Fundação53, quando ele era menor ele fazia umas oficinas, mas não me recordo assim né, de algo assim direcionado mesmo pra esse fim, de ter colocado ele... Talvez, nem sei onde que se coloca, nem sei onde que tem, que a divulgação é péssima né. Não sei nem se tem oficina em algum lugar próximo, a não ser dessas profissionalizantes, que a gente vê... (01 – Frida)

[...] Faz aula de ballet, ah, faz aula de ballet, e de música, ela ta tendo agora também. Ela adora a aula de ballet dela, adora a professora de ballet. (02 – Anita)

Lygia expôs sua vontade em matricular seu filho em aula de percussão,

que é algo de interesse dele. Porém, afirma que seu filho não faz nenhum tipo

de aula ou oficina de arte, comentando sobre o desconhecimento de locais

onde se ofereça essa atividade, nesse caso, aulas de percussão.

O meu objetivo é colocar ele em aula de instrumento de percussão, por ele ser bom de ouvido e o pandeiro não ter a necessidade da

53 Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE).

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coordenação motora fina, ele só vai usar a mão e o ouvido; então eu vou colocar ele na aula de percussão pra desenvolver bastante este lado dele musical. Tem aula de música na escola, e é uma pena que as habilidades dele não sejam aproveitadas, é muita teoria, partitura, gêneros musicais, história da música, e como o Daniel não compreende, pra ele seria melhor aula prática. (03 – Lygia)

Fayga relata que por enquanto a filha tem suas atividades extra-

curriculares voltadas à terapia ocupacional e a outras que contribuam para o

desenvolvimento motor e físico, mas que em casa todos os gêmeos produzem

diversos trabalhos relacionados à arte. Quando questionada se a filha participa

dos momentos de pintura e trabalhos manuais em casa, ela afirma que é mais

frequente com os três do que com a Lívia, que ainda não despertou o interesse

nela, comentando que ela gosta de escutar música apenas e/ou assistir vídeos.

Não, não, ela nunca... Ainda não. Não é uma coisa que ela faz de rotina, os meninos fazem mais isso aí, né. A Lívia não participa deste momento. Porque ela escolhe outras coisas, porque ela não consegue, é difícil, e assim, eles fazem isso quando a gente tá jantando... Tem que segurar junto com ela, então ela faz isso em casa de vez em quando... Neste momento que eles tão fazendo a gente não coloca ela, mas ela faz, ela participa sempre [...]. Então eles querem vivenciar né... E eu fico encantada...mas eu vou te confessar, é muito complicado ter tinta em casa, quatro crianças [...] Não é fácil...Mas eles fazem, colagem, recorte...Eu tenho sempre tinta, e a tinta lá em casa é, é pro bom comportamento assim, “nossa, essa semana eu acho que vocês podem pintar com tinta guache, papel...e eles pintam, pintam, pintam, pintam...depois eu exponho, deixo secar, coloco o nome [...].Nesta hora a Lívia ta na mesa dela, ta comendo, ela demora mais pra comer, e o que ela quer, que ela gosta mesmo é de ver DVD. (05 – Fayga)

Observa-se nesta fala a preocupação da mãe acerca do que os filhos

ouvem, vêem e apreciam, no intuito de evitar o contato com o que ela

considera ruim. Ela relata que a filha assiste DVD’s selecionados, com

propostas educativas:

Então se o dia é puxado, a gente põe DVD; eu proponho DVD de inglês, eu procuro comprar DVD’s legais, não só Xuxa, embora eu acho que a Xuxa trabalhou bem legal esta parte infantil na idade dela, tá bem legal, mostra bastante cores, bastante números, mostra rima, ela trabalha bem legal, mas eu compro muito Baby Einstein, ... fala dos bichos, o que que eles gostam de comer, né, ... DVD’s assim. Já os meninos gostam de Ben 10, eu acho que ela tá mais inserida na cultura, falando em termos de cultura... [risos]. Que me pediram: “mãe eu quero a mochila do Ben 10”, o outro me pediu do Bakugan, eu

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nem sei, pra te falar a verdade eu nunca assisti um episódio inteiro do Ben 10, e até lá em casa eu proíbo um pouquinho, sabe, é uma vezinha ou outra que a gente deixa assistir, né. Em geral a gente assiste Discovery Kids ou DVD’s que eu compro, ou alugo, eu vou na locadora e a gente escolhe DVD. E... Tem também Power Rangers... Eles querem saber. Eu também não posso tirar esta oportunidade deles. (05 – Fayga)

Pode-se inferir que esta mãe está constantemente atenta ao que os

filhos vêem e escutam, em termos de músicas, filmes, imagens, o que reflete

na formação artística e cultural deles, compondo desde cedo a herança cultural

apresentada por Bourdieu (1998), assim como para esta mãe, que teve

influência de seu pai e de sua mãe, buscando, portanto, fazer o mesmo com

seus filhos.

Eu adoro coisa velha, eu quero ir na Europa, eu quero visitar os museus. [...] Eu gosto de velharia. Eu falo, eu adoro monumentos, cemitério velho, daqueles antigos lá em São Paulo, daquela época dos barões do café. [...] Já o meu marido não é muito assim. Mas eu gosto de filmes velhos, eu gosto que eles gostem, eu apresento pra eles essas coisas. Filmes velhos... (05 – Fayga)

Da mesma forma, Daniel também aprecia as músicas que a mãe Lygia

escuta, ou seja, o repertório da mãe influencia o filho:

Tem vídeos desde sertanejo, a Julio Iglesias. Como eu escuto diversos estilos musicais o Daniel também escuta de tudo, em todos os estilos musicais. Como ele é muito bom de ouvido, se ele tá com alguém e escuta uma música diferente ele já vai lá e procura na internet, ele memoriza muito as letras, o nome dos cantores, então ele gosta de tudo, é impressionante a memória auditiva que ele tem e a memória visual. (03 – Lygia)

Na tentativa de investigar se estas mães dedicam algum tempo para

visitar exposições de Arte, ir a uma peça de teatro ou a um evento de música,

foi direcionado um questionamento sobre este hábito, também sobre a

frequência que as famílias vão a espaços culturais e artísticos. Com exceção

de Anita – a qual se supunha que, por morar na Europa, tivesse esse costume

–, Fayga, Frida e Lygia enfatizaram seu gosto por este tipo de atividade,

porém, declararam que isso não faz parte de suas rotinas.

Desde que mora aqui, Fayga tem procurado realizar mais atividades

voltadas à cultura, explicitando isso no depoimento a seguir:

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Então, sobre Arte, aqui eu to tendo essa possibilidade. A Lívia..., o que eu que eu chamo de arte, exemplo, é o teatro, lógico que não é só isso. É,... A Lívia, ela não iria. Nós vamos agora no Peter Pan: até hoje não é Pedro Ivo o nome do teatro, é Peter Pan; então ela tem uma cultura bem pequena em relação às outras crianças porque, é, ... exatamente levar, levá-los pra sair é um pouco complicado. Há tempos atrás era muito mais difícil, hoje já está bem mais fácil. Eu fui pro teatro somente com os três, a Lívia eu achei que ela não ia aproveitar muito, porque ela não tem uma visão ampla de tudo. Até eu falei que eu ia pro cinema pra ver o Rio, com a Lívia e eles, eu já fui pro cinema com eles e eles ficaram, assim, até um pouquinho mais da metade já quiseram sair, não aguentaram, tinha que usar o óculos 3D54, então é tudo muito novo pra eles. (05 – Fayga)

A formação artística de Lívia é, segundo a mãe, “bem pequena” em

relação aos demais filhos, visto que além das dificuldades para levá-la à

espaços culturais, existe a suposição de que as limitações da deficiência

comprometem a compreensão da filha. Pode-se inferir que essa mãe, talvez

por pensar que a Lívia ainda está em fase de desenvolvimento motor, e não

cognitivo, pense que ela não irá aproveitar um momento no teatro, como ela

mesma citou. Porém, também segundo ela, a filha gosta de assistir DVD e

ouvir música, ou seja, ela rejeita o novo, mas se adapta a ele, é uma questão

de acostumá-la, aos poucos, deixá-la ter capacidade de apreender, mesmo que

em parcela diferenciada, as contribuições que o contato com artes, no geral,

possam trazer à sua vivência.

Não longe disso, na escola, o ensino de Arte para pessoas com

deficiência é diferenciado dos demais alunos, como se o ensino de Arte para

pessoas com deficiência estivesse à margem, recebendo outro enfoque.

O campo das Artes Visuais exige uma articulação complexa entre o ato

de ver, tocar, imaginar, criticar, sensibilizar, ações que incitam recursos que as

vezes não existem nas instituições. Dallabrida (2006) salienta em sua tese55

que no contexto de uma Classe Especial, era favorável à professora o fato de

ter liberdade para o planejamento, ressaltando ainda, “[...] a importância de

54 Óculos oferecidos nos cinemas com tecnologia 3D, que são imagens de duas dimensões elaboradas de forma a proporcionarem a ilusão de terem três dimensões. 55

DALLABRIDA, Adarzilse Mazzuco. As famílias com filhos deficientes e a escolha da escola: o caso do colégio Coração de Jesus. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.

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valorizar os trabalhos manuais perante a família, por ter uma visão muito

centrada na incapacidade dos mesmos.” (DALLABRIDA, 2006, p. 143).

Os limites e as possibilidades na integração social de pessoas com

deficiência vinculam-se mais ao meio social em que se encontram do que com

as especificidades da deficiência. As oportunidades de acesso à Arte, à cultura,

ao desenvolvimento da autonomia, da individualidade, ações que fazem parte

do processo de humanização de um indivíduo, parecem ser oferecidos de

forma desigual.

A família de Tarsila procura ir a vários eventos e lugares, tanto na cidade

quanto fora, incluindo as crianças, conforme afirma a mãe:

Eu, a gente sempre, assim ó, eu já morei fora do Brasil e a gente tem acho que mais contato a museu, assim, lá fora. Aqui a gente procura levar as crianças, a gente foi a Porto Alegre agora, levamos as crianças ao museu, a gente foi a São Paulo fazer um exame, levamos as crianças no museu, aqui em Florianópolis no CIC, antes quando era mais disponível, assim, a gente ia, levava eles pra ver as obras de arte. Então é uma coisa que faz parte da nossa família; eu gosto, aprecio obras de arte, né, é, acho que assim, de tanto ver, conhecer, os quadros, tenho vários livros em casa, de vários pintores, de Miró, de Matisse, que eu gosto mais assim... Picasso,... Eles sabem quem é o Van Gogh, conhecem o Luciano Martins, qual é o trabalho dele, então, assim, a gente tem bastante convivência assim com isso né. (04 – Tarsila)

Eu gosto muito de ir a museu. Porque Laguna56 é uma cidade histórica, então tu convive com isso. Então existe um teatro que é feito lá todo ano, teatro da Anita Garibaldi, ao ar livre, eu sempre vou, o Daniel sempre vai. Agora mês passado teve uma apresentação da orquestra sinfônica de Florianópolis, eu e o Daniel fomos, foi bem interessante, me surpreendeu o quanto ele ficou quieto vendo, porque era de música. Em teatro eu sempre vou, vou sozinha, porque este que é ao ar livre, e é um assunto que interessa ao Daniel ele vai, ele criou coragem e foi; se eu convidar o Daniel pra ir a um teatro fechado, eu já convidei algumas vezes, ele não vai, porque ele tem medo das coisas que são diferentes, ele se assusta. É igual a cinema, ele não vai. É algo que tem que ser trabalhado aos poucos. Que nem Papai Noel, toda vez que ele ia num lugar que tinha papai Noel ele saía correndo, este ano que ele perdeu o medo, só que ele não chega perto. Este ano ele até começou a chorar, ele ficou emocionado, porque tava perto do papai Noel. A mesma coisa o carnaval, eu fui criada em carnaval, que também não deixa de ser uma arte, que envolve música, envolve bordado, que tem as fantasias né, e eu sempre gostei de acompanhar os ensaios de escola de samba. E o Daniel nunca ia comigo, quando ele fez dez anos que eu consegui levar. (03 – Lygia)

56 No decorrer da entrevista a mãe cita bastante a cidade de Laguna, local onde nasceu, vivendo boa parte de sua vida. Mudou-se de lá há 11 anos.

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Da mesma forma, Frida ressalta seu gosto por esse tipo de atividade,

quando questiono sobre a frequência que ela vai a um museu, a uma peça de

teatro ou cinema, invariavelmente ela justifica que é muito difícil realizar essas

saídas com o filho:

Gosto. Eu adoro. Mas por exemplo assim ó, nesse momento assim que eu to da minha vida né... Ta, tudo bem... Quando eu não tinha filho... Era outro mundo né, era outro mundo. Mas agora, por exemplo... Eu acho legal ir ao teatro, mas nunca coincide de eu e o Júlio ta, porque nós somos assim, bem família...[risos]...Não, assim ó, porque, eu gosto de uma coisa, o Júlio gosta também de uma coisa, mas quando não dá pra nós dois...porque nós estamos muito com o Júlio...aonde o Júlio não pode..nós não vamos...se nós três não podemos ir então não vai ninguém...[risos]...né. E quando eu vou... Sempre pela escola né, que a gente sempre tem contato com isso tudo né... O nosso profissional exige este nosso mundo né. Mas quando não dá... Resolve um DVD, e o Júlio vai olhar na sala, é o momento que ele ta acordado, então eu não vou ver nada que seja suspeito... (01 – Frida)

Ficou claro nesta questão que o investimento em atividades artísticas e

culturais, como também as extra-classe tinham o objetivo de oportunizar a

ampliação do repertório do capital cultural, no caso das famílias que possuem

este hábito. Já aquelas que conhecem a importância, mas ainda assim não

efetivam essas ações, invariavelmente priorizam outras atividades e passeios

porque não focalizam a questão cultural em primeira instância. Mesmo que a

deficiência implique limitações a determinados passeios, por falta de

acessibilidade, não justifica a não realização de atividades culturais em virtude

da pouca oferta ou da dificuldade de acesso, pois, segundo Anversa (2008),

famílias que não têm filhos com deficiência também justificam por outros

motivos sua falta de tempo e/ou oportunidade de realizarem esse tipo de

programação.

O fato que atrapalhava, que impossibilitava, era mesmo o deslocamento. Hoje o que que eu mostro para as crianças, quando eu vou na praia, mostro o surf, né, a gente passa num lugar, “ó, isto aqui é uma quadra de tênis”, eles não conhecem tênis. (05 – Fayga)

Esta mãe relata que desde que moram em Florianópolis, muitas coisas

são novas para as crianças, e que antes, quando moravam no Tocantins, não

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tinham muito contato com arte, cultura, esporte, no geral. Quando questionada

sobre o acesso a esses locais, ela relata o seguinte:

Poxa, ir pro cinema até dá... Eu fui no teatro Pedro Ivo, e eu posso tá enganada, mas eu teria que carregar ela no colo, não achei fácil. Pode até ter, eu não procurei porque eu não a levei, né. E a gente chegou lá, e com três crianças a gente tem que prestar atenção nelas. Mas eu acho que a acessibilidade ainda não é o... Ainda não tá legal. Por exemplo, ir pro parquinho, aqueles playgrounds do shopping lá, hoje a Luisa não faz nada, não tem nada pra ela; aí o que que a gente faz: a gente entra na piscina de bolinha, e fica lá, quietinho, brincando com ela. Mas não tem um balanço não tem nenhuma coisa pra criança especial. E a criança especial ela vai, e tudo que a criança especial usa as crianças ditas normais usam também, um balanço adaptado, né, um lugar onde você deixe a criança mais sentadinha, melhor.

A questão da acessibilidade foi um dos pontos que as mães Tarsila e

Fayga alegaram dificultar bastante. Atualmente muitos museus têm abordado

este tema em seu trabalho. Porém, a arte institucionalizada não é acessível a

todos, e, neste sentido, as pessoas com deficiência estão, de modo geral,

afastadas do acesso às artes. A inacessibilidade é decorrente em função das

dificuldades que os não iniciados57 no mundo da arte têm, porque não foram

alfabetizados na estética institucionalizada, e também pelo fato de que as

instituições culturais não realizam programas de adaptação dos objetos

artísticos e de outros recursos necessários para a viabilização da inclusão de

pessoas com deficiência em espaços expositivos.

Então, realmente a gente participa. Na verdade o que nos limita a frequentar espaços expositivos é a acessibilidade, né. Que normalmente todos os museus aqui, por exemplo, a casa rosa não tem elevador, por exemplo o espaço Victor Meirelles, tem uma escada na frente, ou não dá pra visitar o segundo andar, o Museu do Homem do Sambaqui, que eles foram visitar, não tem acesso, aí tem que entrar por trás, por não sei aonde, passar por não sei o que, tem que ter três pessoas pra carregar cadeira, então realmente a limitação de visitação é a dificuldade de acesso. (04 – Tarsila)

Um dos aspectos importantes na definição de uma política de

acessibilidade diz respeito às escolhas de exposições, considerando que os

materiais devem ser adaptados para o recebimento de grupos que não têm o

hábito de estar dentro da instituição. 57 Termo que se refere às pessoas que não possuem hábito de visitar espaços expositivos.

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A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. (CONVENÇÃO..., 2007, p. 22).

Tarsila aponta em seu depoimento que a oferta existe, mas falta

interesse e, sobretudo, quase não há divulgação de eventos culturais. Ela

ressalta que existem inúmeras atividades acontecendo, porém são pouco

divulgadas e o interesse não é despertado ao público em geral, não faz parte

da rotina da maioria das pessoas.

A gente foi a uma festa, sobre o Japão, lá na praça dos bombeiros, então, tinha muito pouca gente. Existem oportunidades, às vezes também as pessoas não valorizam. Teve um concerto de violino, teve um trabalho de dobradura que os japoneses fazem, de origami muito legal, teve o banho do Buda de chá, que faz parte da cultura deles, isso é só apenas um exemplo. Mas a gente vai em outras feiras, em outras festas, a gente participa bastante. Por exemplo, vai ter o Ironman58 agora aqui, eu acho pouca divulgação sabe, têm pessoas que nem sabem, a gente nem sabe quem é o melhor atleta do Brasil que tá competindo. Então, assim, têm eventos sim, têm situações, mas a gente as vezes não se mobiliza pra ir. Já aconteceu uma vez, a gente fez um passeio aqui da E.A, pra visitar um museu, eu acho que foi a Casa Rosa, quando a gente chegou lá, tava fechado, porque tinha falecido uma pessoa, e naquele dia eles decidiram fechar o museu, sabe? Isso que eu tinha ligado antes, informado. Claro, não tinha feito uma reserva. Então tudo bem, a gente aproveitou. O que que a gente fez, passeamos na praça XV, vimos artesanato, fomos lá na alfândega, vimos todo o artesanato, aproveitamos o nosso dia, mas não foi o que a gente se propôs a ir, e foi contra a nossa vontade. Então essas situações assim que acontecem...isso eu acho provinciano, sabe, a forma como é lidada essa atenção. Não que não existe oferta. Eu tava vendo na semana passada no jornal, tá tendo uma...não sei o que que é, encontro de museus, uma coisa que tá tendo, várias exposições que estão rolando no Brasil todo e passam em vários museus, saiu uma notinha assim, deste tamanho sabe!59 (05 – Tarsila)

Atender o público de pessoas com deficiência nos espaços

museológicos depende de mudanças culturais e institucionais. As leis que

garantem a acessibilidade de todos à educação já existem, e se na linguagem

58 Evento desportivo que compreende a modalidade de Triathlon, sendo que no Brasil, é disputada em Florianópolis. 59 Mostrou o tamanho com a mão.

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artística esse acesso requer visita a museus é a instituição que deve se

adequar. Esta é a primeira mudança que deveria ocorrer para a equalização

das oportunidades ao público com deficiência, para facilitar o acesso que é

direito adquirido de todos.

Porém, esta ação é apenas o ponto de partida; não resulta numa

mudança repentina de um modo de vida que já está estabelecido. As famílias

não vão se interessar instantaneamente por mediações culturais. Para tanto, a

equipe de um museu é incumbida em criar vínculos ao público não iniciado em

espaços expositivos, pois durante muitos anos, parte do público com

deficiência que possivelmente frequentaria museus, continuou na inércia

ausente da instituição por não reconhecer sua identidade dentro daquilo que

era exposto nestes espaços.

A partir do momento em que há a valorização de novas linhas de

produção artística e estas são incorporadas às curadorias, este público antes

excluído, pode passar a criar o hábito de estar em contato com a arte e

frequentar mais vezes museus e eventos culturais, ampliando seu repertório

artístico e enriquecendo a vivência de toda a família no âmbito da arte.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenvolver uma dissertação sobre temas quase ausentes na área da

pesquisa acadêmica é uma ação predominantemente desafiadora. Todavia, o

desafio suscita a curiosidade, a empolgação, o interesse e, sobretudo, a

obstinação à descoberta. Tal processo construtivo demanda um conjunto de

ações focadas na elaboração e organização de estruturas teóricas complexas e

distintas, mas que, na medida em que são desenvolvidas, são interligadas e

discutidas.

Como nossas ações são pautadas pelas significações que lhes

atribuímos, investigar o que as famílias pensam sobre a formação artística dos

filhos com deficiência foi fundamental para os desdobramentos desses

processos.

Conforme pontuei desde o início da pesquisa, não me interessava

colocar em prática uma teoria, nem tampouco privilegiar uma constatação

unilateral, que englobasse uma única dimensão sobre o investimento em arte,

por parte das famílias. Não era meu intuito eleger “culpados” quanto às

limitações relacionadas à formação artística da criança com deficiência,

responsabilizando isoladamente a família, a escola, o sistema, os professores,

ou as instituições culturais.

O desejo foi articular teoria e empiria, visando investigar como esse

cruzamento acontece em nosso contexto, motivando examinar como as

famílias concebem a formação artística e cultural dos filhos com deficiência, na

rede privada de ensino, enfatizando os aspectos relacionais e as significações

entre eles. Assim, ouvi as famílias, obtendo depoimentos que relataram as

situações vivenciadas em casa, na escola e no cotidiano, relacionadas à

experiência artística.

Brandão (2000) salienta a questão descrita acima, pontuando que é

fundamental uma pesquisa ter rigor científico, composto pela delimitação do

objeto e a análise e interpretação dos resultados. Desta forma, a articulação da

teoria com os resultados foi conduzida pela proposição dessa autora, mas,

sobretudo, aos princípios de Bourdieu (2008), o qual ressalta métodos que

direcionam a pesquisa de campo.

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As concepções bourdieusianas norteiam a pesquisa, que concebe o

indivíduo a partir de seu meio social, isto é, configurado através de seus

gostos, aptidões, preferências, posturas, aspirações, entre outros elementos

socialmente constituídos. O autor enfatiza o capital cultural, em sua pesquisa

nos museus da Europa, sugerindo que as famílias de elites investem mais em

arte e cultura do que nos demais meios sociais. “A freqüência dos museus –

que aumenta consideravelmente à medida que o nível de instrução é mais

elevado – corresponde a um modo de ser, quase exclusivo, das classes

cultas.” (BOURDIEU; DARBEL, 2003, p. 37). Através dos depoimentos das

entrevistadas, constatou-se que a herança cultural discutida por Bourdieu

(1998; 2003; 2007) pode ser validada no contexto pesquisado, porém, não se

relaciona estritamente com a questão de classe social, debatida por ele. Isso

porque a herança cultural não é propagada osmoticamente, como aponta o

autor, mas depende de um trabalho ativo realizado pelos pais e também pelos

filhos, podendo ter êxito ou não, contrariando a noção de herdeiro passivo, que

recebe uma bagagem familiar privilegiada.

Os depoimentos mostraram que o investimento escolar das famílias não

é focado na cognição, pelo menos em primeira instância, e sim na socialização

do filho através do ambiente escolar. Nogueira e Nogueira (2002) assinalam

que as estratégias de investimento escolar se distinguem fortemente nos três

grupos sociais: as classes populares investem moderadamente nos estudos,

enquanto que a classe média investe alto, sendo que isso acarreta enorme

esforço para garantir a escolarização, e as elites investem pesado, mas de

forma laxista. A este respeito, pode-se inferir que as famílias pesquisadas,

situadas nas frações da classe média, produzem investimento alto na

educação dos filhos, em que tanto as mães, quanto os pais, envolvem-se com

a profissão a fim de manter o modo de vida já estabelecido no contexto da

família.

As análises de Bourdieu (2003), centradas no conceito de classe social,

têm recebido críticas, não sendo, também, aplicadas a esta pesquisa, pois a

questão de “classe” é uma categoria insuficiente para diferenciar os grupos

familiares segundo suas práticas escolares, e, neste caso, seu investimento

artístico. Os critérios são relativos e independem da classe social – fator

explicitado nesta pesquisa –, quando se constatou que uma das famílias que

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viveu na Europa por muitos anos, por exemplo, e teve pouco contato com Arte,

ao passo que outra, na mesma situação, retornou ao país com uma bagagem

cultural fortemente enraizada no que foi experienciado lá fora. Outra família, do

mesmo estrato social que a recém citada, não possui semelhante hábito em

investir em cultura e arte, o que não leva a crer que o investimento artístico é

determinado apenas pela classe social, mas também por meio de outros

fatores mais ou menos independentes em relação à divisão de classes, como a

trajetória ascendente do grupo familiar, o nível educacional, o meio urbano, e,

em muitos casos, não específicos desta pesquisa, como a postura mais ou

menos conservadora e religiosa de cada família.

Quanto à questão da inclusão, é importante ressaltar que a formação

artística do aluno com deficiência ocorre em ritmo diferenciado da dos alunos

sem deficiência, assim como nas demais áreas de ensino esse fato é

recorrente, quando a deficiência é de cognição. Nos outros casos, as

dificuldades surgem da falta de material adaptado e de possibilitar às pessoas

com deficiência experiências variadas no contexto da cultura. Por medo,

insegurança e falta de formação, muitas vezes a família resguarda a criança

com deficiência como estratégia de proteção. Observou-se, nos depoimentos,

uma série de razões que contribuem para que as famílias tendam focar as

prioridades de seus filhos em atividades de desenvolvimento motor, social,

além de outras, que irão variar dependendo da deficiência.

O percurso da inclusão não se encontra integralmente inclusivo pois,

existem dificuldades no atendimento pleno de alunos com deficiência, em

quaisquer instituições. Mesmo que a inclusão seja, hoje, obrigatória, na prática

é notória a existência de instituições de ensino que ainda não se adaptaram à

inclusão e algumas que se abstém desta, por ser uma prática desafiadora.

Essa “não-inclusão” gera o que Kuenzer (2005, p. 15) intitula de

“empurroterapia”, que está relacionada com a carência de recursos, que

desembocam diretamente na deficiente formação do aluno com deficiência.

Neste contexto está inserido o ensino de Arte que, por vezes é focado na

terapia ocupacional, questão discutida no Capítulo III. Não é enxergado ainda

em sua totalidade, como gerador de conhecimento, em função da

complexidade que consiste a formação artística de um aluno com deficiência.

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As entrevistadas esclareceram que é importante que a criança se

desenvolva a seu tempo, e, se isso requer abdicar momentaneamente a

cognição, focando o aspecto social e motor, tudo o que for preciso realizar para

desenvolver essas prioridades será feito. Quanto a isso, verificou-se que todas

as pesquisadas – quando questionadas sobre a Arte, o ensino de Arte, a

formação artístico-cultural –, enfatizaram que os filhos desenvolvem trabalhos

manuais, visando explorar o desenvolvimento motor, a expressão, a criação

através dessas produções, dado que reforça o caráter terapêutico da Arte na

concepção dessas famílias.

Esse ponto de vista está relacionado a sua trajetória quando estudantes,

que, em sua maioria, tinham aulas de Arte focadas em atividades manuais.

Ademais, o que as famílias esperam do filho é que ele se desenvolva em seu

ritmo, realizando todo tipo de atividade que contribua para isso, utilizando a

arte como uma ferramenta que auxilia na coordenação e expansão dos

movimentos da criança.

Além disso, é relativamente recente a valorização da disciplina no

âmbito escolar, que, aos poucos é compreendida como um campo de

conhecimento. Entretanto, essa carência não ocorre apenas no contexto dos

alunos com deficiência. A Arte é, muitas vezes, não compreendida pelos

próprios professores da disciplina, e, no caso das famílias, é natural que elas

não tenham conhecimento do que é vigente tanto em termos pedagógicos do

ensino de Arte, quanto em relação às concepções sobre Arte. As famílias não

compreendem ao certo questões relativas à Arte e seu ensino. Não lhes

compete adquirir esses saberes, pois é um conhecimento específico,

prevalecendo entre as famílias ideias generalizadas sobre o assunto.

Ademais, não se trata disso, e sim de como elas, mesmo

desconhecendo os fundamentos, compreendem que a Arte é importante e, a

seu modo, a inserem na vivência da família.

Tourinho (2004) destaca que muitos lugares além da escola podem

oferecer ensino, mas é a escola que primordialmente legitima o saber. A autora

indica que a frequência a museus e espaços culturais acontece muito mais por

via da escola do que por parte do indivíduo ou da família. Nesse sentido, a

formação artística de um aluno é concebida por ações, muitas vezes iniciada

na escola, que propõem saídas de estudos em museus e espaços culturais. A

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experiência de visita a esses locais pode ser marcada pela riqueza de

informações, e cria mecanismos que envolvem o indivíduo no intuito de instigá-

lo a retornar a esses espaços, pois normalmente a criança comenta com a

família os detalhes da mediação cultural vivenciada.

A estatística revelada por Bourdieu (2003) aponta que o acesso às obras

culturais é privilégio da classe culta. O autor considera que “[...] nada é mais

acessível do que os museus e que os obstáculos econômicos.” (BOURDIEU,

2003, p. 69), inferindo que são excluídos apenas aqueles que se excluem. A

esse respeito, no Capítulo IV esse conteúdo foi exposto através do depoimento

de algumas mães, as quais relataram que existem opções culturais, mas que a

não frequência é em virtude da falta de hábito.

No contexto desta pesquisa, ficou claro que a acessibilidade não está

completamente efetivada ao público com deficiência, o que, no entanto, não

impede as famílias que já possuem o hábito de frequentar espaços expositivos

e eventos culturais de estarem sempre dispostas a ir a tais lugares. O problema

é a acessibilidade aos não-iniciados, àqueles que não possuem hábito de

frequentar espaços culturais, distanciando-se mais desses. A experiência em

desenvolver projetos no âmbito da família em museus é uma estratégia que

possibilita diálogos entre família e museu, constituindo uma postura reflexiva,

dialogal e construtiva entre eles.

A inclusão de pessoas com deficiência em espaços expositivos é um

grande desafio, no que diz respeito à acessibilidade, porque cada deficiência

requer um projeto exclusivo que demanda pesquisa e elaboração, por parte

das instituições. Para tanto, são necessárias mudanças culturais e

institucionais, pois é necessária a adequação da instituição a fim de atender a

esse público.

Assim, os museus de Arte que pretendem ser acessíveis a toda a

sociedade, deverão ter conhecimento das políticas públicas que prevêem a

inclusão de pessoas com deficiência, efetivando todos os recursos para

atender a este público.

Diante do exposto, o desenvolvimento da formação artística do filho com

deficiência é, portanto, condicionado a uma série de fatores relacionados ao

hábito, à motivação e ao grau de importância que é dado à própria Arte. Os

agentes que operam esses fatores são, em primeiro lugar, a escola, que têm a

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função de desencadear esse processo; as instituições (museus, galerias,

teatros, entre outras), que deverão criar mecanismos que instiguem o público

visitante a retornar a esses espaços; a família, que, consequentemente, ao ser

incentivada pelos agentes anteriores, deve se organizar e priorizar esse tipo de

atividade na medida em que perceber sua importância.

Por muito tempo o campo da Arte esteve limitado a um grupo que

possuía o conhecimento específico para compreender, consumir e fomentar a

produção artística. Os aspectos de papel social e divisão econômica foram

utilizados como empecilhos que tornaram incompreensível a obra de arte ao

conjunto da população. Porém, atualmente, em que o discurso e a lei são

voltados à igualdade dos direitos, é essencial que ações sejam efetivadas para

expandir a Arte ao cotidiano das pessoas. É um processo longo, mas possível.

É imprescindível mobilizar ações que seduzam as famílias à Arte.

As dificuldades metodológicas que fizeram parte do percurso da

pesquisa configuraram um dado essencial. Quando se percebeu que acessar

às famílias estava sendo mais difícil do que o previsto, foi necessário remodelar

os meios para se aproximar do público alvo, o que contribuiu para um dado

inicial importante. Antes mesmo de ir a campo, constatou-se a dificuldade

dessa ação, o que, consequentemente, gerou discussões e algumas hipóteses

sobre a razão dessa inacessibilidade. Primeiramente, o que chamou atenção

foi o número de alunos com deficiência matriculados nas escolas da rede

privada que se teve acesso, informação confirmada posteriormente com os

dados do INEP expostos no capítulo IV. Nos dias de hoje, a inclusão ainda está

sendo estruturada aos poucos, em ritmos diferentes nas escolas. Há que,

acima de tudo, compreender a importância da inclusão tanto para o aluno com

deficiência quanto para o aluno sem deficiência, para poder se efetivar o

desenvolvimento integral de todos. Do contrário, a inclusão ficará restrita a uma

lei, que impõe regras, nas quais as escolas criam mecanismos para

defenderem-se, pelo fato de a desconhecerem, incluindo parcialmente, quando

não, excluindo. O segundo motivo se relacionou ao fato das escolas

esquivarem-se no momento em que eram informadas que a pesquisa

envolveria famílias que têm filhos com deficiência, o que leva a crer que existe

resistência em abordar um assunto irresoluto, como é o caso da inclusão, além

de temerem a discordância dos pais, e, por esse ângulo, preferirem recuar,

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desculpando-se por razões diversas. Além disso, muitas famílias não se

dispuseram a contribuir com a pesquisa por recearem falar sobre algo que

desconhecem ou que não faz parte de seu cotidiano, que é a formação

artística. Essas três circunstâncias sucederam no princípio da pesquisa,

apontando dificuldades e dados fundamentais, mas motivando novos

procedimentos para acessar as famílias. Ainda assim, encontrar famílias de

elites que tenham filhos com deficiência, continuou sendo tarefa complexa,

tanto que foi necessário remodelar o público alvo para famílias que tenham

filhos com deficiência matriculados em escolas particulares, em virtude das

primeiras entrevistas que abarcam essa situação descrita.

Entretanto, a premissa inicial da pesquisa, instituída a partir da

concepção de Bourdieu (1989; 1998; 2003; 2007) infere que o público que mais

frequenta espaços culturais pertence às elites. Classes médias ou populares

escapam à atração diferencial dos museus, pois, segundo o autor, suas visitas

acontecem não intencionalmente. O autor aborda, ainda, a questão da herança

cultural, que, segundo ele, é herdada essencialmente pela família. Constatou-

se nesta pesquisa que existem outros agentes que contribuem para a

transmissão do capital cultural além da família, como escola e cultura de

massa, podendo inferir que apenas a família não é fator determinante para a

transmissão desses bens simbólicos, pois a formação artística do aluno com

deficiência se dá a partir das relações estabelecidas entre família e escola.

Através dos depoimentos obtidos, percebeu-se que grande parte das

famílias não investe na formação artística do aluno nem sempre porque

desconhecem a importância disso, mas porque também existe pouca oferta de

atividades extra-curriculares.

Contudo, essas proposições se diluem ante os problemas relacionados à

formação artística dos alunos com deficiência, envolvendo em primeiro lugar, o

ensino de Arte proposto nas escolas, ou seja, a maneira como é conduzido,

englobando aqui a questão da formação de professores; em segundo lugar a

acessibilidade aos espaços culturais, ainda pouco estruturados para receber

pessoas com deficiência, sendo que, além disso, carecem programas e

iniciativas que envolvam a visitação de não-iniciados – nesse caso as famílias

–; em terceiro, o interesse da própria família em priorizar também a cognição e

não apenas a socialização e/ou o desenvolvimento de habilidades motoras nas

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atividades diárias de seus filhos, incluindo o que se faz tanto na escola quanto

fora dela, ou seja, em casa e nas atividades extra-curriculares; e, por último, a

carência de pesquisas acerca desse tema.

Considerando os pontos dessa pesquisa, é possível pensar propostas

que envolvam, através de diferentes óticas, contribuições a estes temas

incipientes: Arte, Família e Inclusão. Como as famílias terão meios para

acessar a Arte? Existem incentivos para isso? Existe oferta? Existe procura?

Os espaços culturais estão preparados para receber pessoas com deficiência e

suas famílias? A escola contribui significativamente ao desenvolvimento em

Arte para os alunos com deficiência? Os professores estão capacitados? Há

estímulos para a participação efetiva da família no âmbito da escola?

Esta pesquisa respondeu a algumas das perguntas por meio dos

depoimentos das pessoas entrevistadas, porém, novas contribuições precisam

ser desenvolvidas para aprofundar a análise desse tema. É um campo carente

de pesquisas e fundamentalmente desafiador, mas que, justamente por essas

razões, provocou grande crescimento intelectual, principalmente por suscitar

amarrações entre temas ainda não interligados. A busca por leituras que

proporcionassem a criação de relações entre os assuntos foi um processo que

instigou o rigor e o habitus científico. Além disso, toda a pesquisa motivou o

contato com a área da inclusão, sobre a qual eu tinha concepções superficiais,

e que acabou gerando contribuições teóricas significativas e muitas trocas com

as mães, dialogando nos momentos de coleta de dados. O contato com as

famílias foi outro ponto fundamental, que originou, sobretudo, maior desejo pela

efetivação da pesquisa, impulsionando a elaboração de vários

questionamentos que, consequentemente, norteavam a busca pelas respostas.

Não pretendendo apontar soluções ou criticar atitudes, a pesquisa abriu

um leque de possibilidades para novos olhares, indicando que a área do ensino

de Arte relacionado à Inclusão necessita englobar mais a família – visto que

essa se empenha muito mais do que se supunha com o filho que tem

deficiência –, investindo em tudo o que estiver ao seu alcance, muitas vezes

através de mudanças de cidade. Independentemente do estrato social, a

família quer que seu filho se desenvolva plenamente como qualquer outro ser

humano, que tenha direitos iguais, reivindicando timidamente essa igualdade

em todos os campos, desde o acesso à escola, a acessibilidade e adaptação

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em espaços dos quais frequentam. Isso envolve atitudes que perpassam leis e

documentos oficiais, pois estão inseridas num ideário social muitas vezes

somente pensado às pessoas ditas normais. É importante pensar, repensar e

fundamentalmente produzir mecanismos que cativem essas crianças e essas

famílias para o terreno da Arte, para que ambas desenvolvam seu repertório

artístico de forma plena, durável e, sobretudo, aprazível.

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ANEXOSANEXOSANEXOSANEXOS

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Anexo 01

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Anexo 02

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Anexo 03 Roteiro de entrevista

(Famílias)

Dados de Identificação do entrevistado Nome: Formação: Profissão: Função atual: Local de formação Ensino Fundamental: Ensino Médio: Superior: Ano de conclusão (superior): Dados da família Nome do cônjuge: Formação: Profissão: Nome dos filhos: Nascimento: Deficiência: Escola em que estuda: Série: Mensalidade: Renda salarial aproximada da família:

Dados sobre o filho • Descrever a trajetória do filho até chegar à escola atual: • Falar sobre a inserção da Arte na vida do filho, ou seja, a formação artística, inclusive no

âmbito escolar: • O que é feito nas aulas de artes do filho na escola? • Você acompanha? Tem conhecimento? • Falar sobre os trabalhos que o filho realiza, as coisas que aprende a comenta em casa: • Seu filho já fez ou faz alguma atividade artística?

Dados sobre o conhecimento artístico do entrevistado(a): • O que é Arte para você? • Descrever como percebe o ensino de Arte na escola: • A família tem o costume de frequentar espaços expositivos, museus, galerias, eventos

culturais? Com que frequência, quais locais?

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Anexo 04 Local Endereço Serviço

CIC – Centro Integrado de Cultura

Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Música, Cinema, Teatro, Museu de Arte, Gastronomia

MVM – Museu Victor Meirelles Rua Victor Meirelles, 59, Centro, Florianópolis Museu de Arte

MHSC – Museu Histórico de Santa Catarina Palácio Cruz e

Sousa

Palácio Cruz e Sousa, Praça XV de Novembro, 227, Centro, Florianópolis

Museu Histórico e de Arte

MASC – Museu de Arte de Santa Catarina

Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Museu de Arte

Fundação Cultural Badesc Rua Visconde de Ouro Preto, 216, Centro, Florianópolis

Arte e Cineclube

TAC – Teatro Álvaro de Carvalho

Rua Marechal Guilherme, 26, Centro, Florianópolis

Teatro

Teatro Adolpho Mello Praça Hercílio Luz, s/n, Centro, São José Teatro

MIS – Museu da Imagem e do Som

Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Música e Multimídia

Galeria Municipal de Arte Pedro Paulo Vecchietti e Memorial

Meyer Filho

Praça 15 de Novembro, 180, Centro, Florianópolis

Galeria de Arte

Casa da Memória de Florianópolis

Rua Padre Miguelinho, 58, Centro, Florianópolis Centro de Documentação

UBRO - Teatro da União Beneficente Recreativa

Operária

Escadaria da Rua Pedro Soares, 15, Centro, Florianópolis

Teatro

Centro Cultural Bento Silvério Casarão da Lagoa

Rua Henrique Veras do Nascimento, 50, Lagoa da Conceição

Arte e Artesanato

Forte Santa Bárbara e Fundação Franklin Cascaes

Rua Antônio Luz, 260, Centro, Florianópolis Arte e espetáculos variados

Teatro Pedro Ivo Rodovia José Carlos Daux (SC 401), 4600, Monte Verde, Florianópolis

Teatro

Espaço Lindolf Bell Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Arte

Fundação Hassis Rua Luiz da Costa Freysleben, 86, Itaguaçu, Florianópolis

Museu de Arte

Teatro Ademir Rosa Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Teatro

Casa da Alfândega e ACAP – Associação Catarinense de

Artistas Plásticos

Rua Conselheiro Mafra, 141, Centro, Florianópolis

Arte e Artesanato

Paradigma Cine Arte Rodovia José Carlos Daux (SC 401), 8600, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis

Cinema

Casa Açoriana Rua Cônego Serpa, 30, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis

Galeria de Arte e Artesanato

Museu do Lixo - COMCAP Rodovia Admar Gonzaga, 71, Itacorubi, Florianópolis

Educação Ambiental e Arte

Museu de Armas Major Lara Ribas

Av. Osvaldo Rodrigues Cabral, 525, Florianópolis

Museu de Armas

Ecomuseu do Ribeirão da Ilha Rodovia Baldicero Filomeno, 10106, Ribeirão da Ilha, Florianópolis

Museu Histórico

Museu Mundo Ovo de Eli Heil Rodovia SC 401, 7079, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis

Museu de Arte

Museu do Homem do Sambaqui "Padre João Alfredo Rohr"

Rua Esteves Júnior, 711, Centro, Florianópolis Museu Histórico

Museu Sacro da Capela do Menino Deus

Rua Menino Deus, 376, Centro, Florianópolis Museu Histórico

Museu Histórico de São José Rua Gaspar Neves, 3175, Centro Histórico, São José

Museu Histórico e de Arte

Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral

Rodovia Admar Gonzaga, 1346, Trindade, Florianópolis

Museu de Antropologia

Cor Galeria de Arte Rodovia SC 401, 7584, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis

Galeria de Arte

Espaço Olho Mágico Rua Francisco Dias Areias, 359, Trindade, Florianópolis

Ateliê e espaço de Arte

Casa dos Açores BR 101, km 189, São José Museu Etnográfico Casa do Teatro Armação Praça XV de Novembro, 344, Centro,

Florianópolis Teatro

Centro Cultural Sol da Terra

Av. Afonso Delambert Neto, 885, Lagoa de Conceição, Florianópolis

Cineclube, espaço de Arte, Música e Teatro

Cineclube Nossa Senhora do Desterro

Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis

Cinema

Casa da Cultura Rua Gaspar Neves, 3175, Centro Histórico, São José

Atividades de Artes Visuais, Música, Teatro, Dança e Artesanato

Page 196: UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC …tede.udesc.br/bitstream/tede/861/1/priscila.pdf · (Mestrado em Artes Visuais) – PPGAV - Centro de Artes da Universidade do

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