Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de ... · Faculdade de Educação da UFPA ... Aos...
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades
Faculdade de Educação
Andréa Araujo do Vale
“As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado
financeiro
Rio de Janeiro 2011
Andréa Araujo do Vale
“As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado financeiro
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Formação Humana e Cidadania.
Profa. Orientadora: Profa. Dra. Deise Mancebo
Rio de Janeiro 2011
Andréa Araujo do Vale
“As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”: a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado financeiro
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do Título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Linha de Pesquisa: Formação Humana e Cidadania.
Aprovado em: 25 de Outubro de 2011. Banca Examinadora:
Profa. Dra. Deise Mancebo – (Orientadora) Instituto de Psicologia da UERJ Prof. Dr. José dos Santos Rodrigues Faculdade de Educação da UFF Profa. Dra. Kátia Regina de Souza Lima Escola de Serviço Social da UFF Profa. Dra. Vera Lúcia Jacob Chaves Faculdade de Educação da UFPA Profa. Dra. Aparecida de Fátima Tiradentes dos Santos Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da FIOCRUZ
Rio de Janeiro 2011
DEDICATÓRIA
Essa tese é dedicada a cinco pessoas muito especiais por razões que fazem, de cada uma delas, meu chão e meu céu, meu passado, meu presente e meu futuro:
À minha mãe, Ângela Maria Araujo do Vale, por ter me ensino que amor é generosidade.
À minha enteada, Clara Filgueras Nery Atem, que me ensina a colocar essa ideia em prática
todos os dias.
Ao meu irmão, Rodrigo Araujo do Vale, que me ensinou que amar é estar junto, mesmo distante.
Ao meu marido, Guilherme Nery Atem, com quem aprendo que amar exige dedicação e
paciência porque não sou, de fato, perfeita.
Ao meu avô, Luiz Ferreira de Araujo, que me ensinou sobre a dignidade do trabalhador.
Amo vocês.
AGRADECIMENTOS
Desde o início desse trabalho, tenho muito a agradecer. Chegou a hora de fazê-lo. Em
primeiro lugar, agradeço à CAPES pela bolsa de estudos que me concedeu durante parte deste
Doutoramento.
Gostaria de agradecer também ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) pela
oportunidade representada por este Doutoramento. Na minha humilde opinião, trata-se de
ambiente acadêmico de grande vigor e liberdade intelectuais, o que propiciou uma trajetória
muito agradável e, para mim, profícua. Queria estar à altura de tudo o que tive oportunidade
de aprender.
Aos funcionários da Secretaria do Programa – Samira, Felipe, Luzinete, Diego e Maria
– pela dedicação com que sempre atenderam mesmo minhas demandas mais apressadas e pelo
carinho que sempre demonstraram para comigo.
A todos os professores do Programa que, aqui e ali, trouxeram algo para o meu
trabalho de pesquisa ou para minha trajetória no campo da educação. Agradeço imensamente.
Agradeço especialmente ao professores Gaudêncio Frigotto e Vânia Motta, que não apenas
me ajudaram na tessitura dessa tese, mas que, com seu imenso carinho e generosidade,
encheram esse processo de humanidade.
Aos professores Kátia Lima, José Rodrigues, Ângela Siqueira, Roberto Leher e Carlos
Nelson Coutinho, com os quais cursei disciplinas fora do PPFH e que me forçaram a conhecer
coisas novas e a – talvez mais importante – olhar as coisas com novos olhos. Muito obrigada.
À minha orientadora, Professora Deise Mancebo, não sei nem por onde começar...
Além de ser presente como orientadora, intelectualmente brilhante e uma excelente
professora, ensina-me todos os dias os caminhos para não perder de vista a humanidade das
pessoas com que trabalha. Em meio às inúmeras tarefas que lhe são postas pela vida pessoal e
pela vida profissional, encontra espaço para tratar seus orientandos e orientandas com muito
carinho, muita compreensão e capacidade de perceber que a vida, enfim, sofre da mania de
atrapalhar... Muito obrigada pela oportunidade, espero não te decepcionar jamais.
Aos professores Vera Lucia Jacob Chaves e João dos Reis Silva Jr., cujos conhecimentos
estão mais do que presentes aqui, embora as falhas sejam todas minhas. A generosidade de
vocês é fonte de muita gratidão. Mesmo.
Às minhas companheiras de pesquisa, de viagens e de quarto Denise Léda, Carla Vaz,
Carla Imenes, Sueli Ávila, pelas inúmeras idéias trocadas, pelo mútuo estímulo e pelas muitas
tarefas realizadas juntas. Muito bom ter feito esse percurso com vocês e espero continuar
trabalhando em sua companhia por muito tempo ainda. Às bolsistas de Iniciação Científica
Lívia, Clarissa e Lissandra pelo carinho com que me tratam sempre. Aos novos companheiros
Tato, Marcelo, Camila, Andréa Nascimento e Débora Lerrer, agradeço pelos toques que, já
no final da pesquisa, deram novas cores ao trabalho.
Agradeço imensamente pela parceria tão fundamental com meus colegas de turma,
especialmente: Lauriana Paiva, Grasiela Baruco, Gisele Lévy, Esthe Luck, Waldir Ladeira,
Rogéria Martins, Wilson coutinho e ao meu querido Roberto Faria (in memorian), que eu
queria muito que ainda estivesse por aqui.
Aos membros da banca, Profas. Kátia Lima, Aparecida Tiradentes e Vera Jacob
Chaves, e o Prof. José Rodrigues, por terem aceitado o convite que sempre é mais uma tarefa
em um cotidiano tão corrido.
À professora Magna Corrêa, diretora do SINPRO-RIO e do Fórum da Educação
Superior, sou grata pela entrevista, pelo material e pelo interesse pelo trabalho.
Queria fazer um agradecimento especial a algumas pessoas que tiveram um papel
fundamental em minha formação: meu antigo treinador, Hélio André, que me mostrou sempre
que persistência é algo que me define, para o bem e para o mal; professor Fernando José
Fagundes Ribeiro, que usando a universidade em sua faceta mais pública, terminou de formar
um gosto pelo conhecimento que não se esvazia nunca.
Aos amigos de cuja convivência vivo ausente por conta da vida enlouquecida que
levo: queria que soubessem que àqueles que me ajudaram em algum momento da minha vida,
às vezes, nos momentos mais difíceis, minha gratidão é infinita. Flávia Valentim, Karine e
Luciane Tavares, Mônica Maria, Carla Miguelote e família toda, muito obrigada.
Às minhas amigas “de infância” – as aspas são apenas para fingirmos que não somos
tão velhinhas: Valerinha, Paula Miranda, Fabiana Heinen, Isabela Foster, Cíntia e Daniela
Lopes, Luciana Baisch, Debinha e Roberta Leonardo. O que vivemos juntas não tem preço.
Mesmo.
Aos meus novos velhos amigos, agradeço por terem nos incluído em sua rede de
amizades, que é tão acolhedora, embora eu seja um “animal meio arisco”: André Dias, Silvia
Maria, Lúcia Teixeira, Karlinha, Ricardo e Arthur – meu queridinho -, Rívia, Renata Mancini,
Caíque, Jandira e o recém-chegado Danilo.
Agradeço a um grupo de amigos com os quais vivi a aventura da vida e do trabalho, e
que, mais de perto ou mais distantes, acompanharam minha jornada: Simone Orlando,
Cristiano Henrique, Flávia Pitaluga, Patrícia Saldanha, Josir, Rejane Moreira, beijos de
montão a todos.
Agradeço imensamente aos meus amigose colegas de trabalho da Universidade
Estácio de Sá, especialmente os que ainda lá estão e mesmo àqueles que de lá já saíram. Se
não os cito aqui nominalmente é para não causar nenhum tipo de constrangimento individual.
Mas queria que soubessem que vocês que meu pensamento está sempre com vocês e que
aqueles que me deram força para a realização deste trabalho estão na minha lembrança.
À família de meu marido: minha sogra, Ângela Tourinho Nery, e meu cunhado,
Rodrigo Nery Atem, agradeço pelo carinho, pela amizade, pela confiança que eu sei que
depositam em mim. Espero sempre corresponder. Sérgio Atem, Maria Luíza e Liddi, agradeço
pela acolhida e pela torcida.
A meu marido, Guilherme Nery Atem, e à minha enteada, Clara Filgueiras Nery
Atem, por tentarem compreender minhas ausências e engrandecerem minha vida com suas
presenças. O que aprendi com vocês nos últimos sete anos não pode entrar nas palavras, não
cabe nelas. Amo vocês de todo o meu coração de um jeito que só é possível quando a família
nos escolhe. Se me lembro dos primeiros momentos de nossa família com tanta clareza, é
porque essas imagens estão gravadas em mais do que minha memória. São, hoje, parte de
mim mesma. Gui, que nosso futuro seja próspero e feliz. Clarinha, você ganhou meu amor e
minha dedicação com um olhar. Obrigada por guardar um cantinho em sua vida para mim.
Por último, quero agradecer à minha família, que tanto se sacrificou para que eu
chegasse nesse momento da minha vida. Minha mãe, Ângela Maria Araujo do Vale, quero te
dizer que seria sua filha um milhão de vezes mais. De tudo o que passamos, vejo que saímos
mais fortes como pessoas e família. Pode ter certeza de que seu amor não deixou espaço para
faltas. Amo você.
Meu irmão, Rodrigo Araujo do Vale, queria agradecer por tudo que tem feito por
nossa família e dizer que, assim que puder, serei mais presente de todo jeito. Mas queria que
ele soubesse que não precisa provar nada para ninguém – se precisasse, já teria provado -, e
que pode viver sua vida em paz com passado e futuro, que será maravilhoso. Minha cunhada
Isabel, pelo carinho e cuidado que teve comigo sempre. Não esqueço. Agradeço pela acolhida
calorosa de sua família também. À minha avó, Ruth Silbernagel de Araujo, in memoriam,
devo os momentos mais relevantes da minha infância e não há dia que passe em que eu não
me lembre de você com um sorrido de saudade profunda. E, finalmente, ao meu avô-pai, Luiz
Ferreira de Araujo. Na minha imaginação, Vô, o senhor é imortal porque carregarei comigo o
senhor aonde eu for. Minha vida é muito rica com o senhor nela, mostrando o caminho de um
jeito de amar que, espero, possa assumir um dia como o meu. Te amo.
EPÍGRAFE
Eu lhe escrevo para entender o que vivi, o que vivemos juntos. André Gorz.
Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Manoel de Barros.
RESUMO
VALE, Andréa Araujo do. “As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora” : a trajetória da Estácio de Sá da filantropia ao mercado financeiro. 2011, 446f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
O objetivo desta tese é apresentar e examinar a expansão da educação superior privada no Brasil a partir da trajetória de uma instituição de ensino superior específica, tomada como caso exemplar: a Estácio de Sá. A hipótese central é de que este setor educacional tem se tornado, progressiva, mas firmemente, um importante espaço de acumulação capitalista, embora com diferentes faces desde os anos 1970 até os dias atuais. Entretanto, trabalhou-se concomitantemente com a hipótese de que este espaço de acumulação se forja a partir de formas de financiamento estatal cada vez mais complexas e indiretas, características de uma formação social capitalista e dependente. Entende-se aqui, portanto, que o crescimento do setor privado-mercantil da educação superior brasileira é resultado de uma política educacional assumida por sucessivos governos e que hoje permeia a própria política de Estado para o campo educacional. Para tanto, foram analisados as publicações do Conselho Federal de Educação (CFE), os dados estatísticos dos Censos da Educação Superior elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), documentos oficiais e das associações que representam o empresariado da educação, além de legislação pertinente, bem como os relatórios financeiros e documentos publicados pela Estácio Participações S.A. desde 2007, quando da abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). O texto sistematiza, inicialmente, os rumos privatistas da educação superior no país, acompanhando seus movimentos da ditadura militar à denominada "era das consolidações". A Estácio de Sá é tomada como fio condutor da análise, permitindo discussão aprofundada dos desenvolvimentos contemporâneos do setor, que compreendem: a concentração institucional - com as incorporações de pequenas instituições por grandes organizações - a financeirização, o sequestro do fundo público como pressuposto da acumulação capitalista e a internacionalização da educação superior.
Palavras-chave: Educação superior; políticas educacionais; Estácio de Sá.
ABSTRACT
The aim of this thesis is to present and examine the expansion of private higher education in Brazil from the trajectory of a specific institution of higher education, taken as a case in point: the Estacio de Sá. The main hypothesis is that this educational sector has become, gradually but surely, an important space for capitalist accumulation, although presenting different faces from the 1970s until today. However, we worked up concurrently with the hypothesis that this area of accumulation is forged from forms of state funding increasingly complex and indirect, which features a capitalist and dependent social formation. Therefore, we understand that the growth of the private-market of the Brazilian higher education is the result of an educational policy taken over by successive governments, which now permeates the policy of State for the educational field. To do so, we analysed publications of the Federal Council of Education (CFE), the statistical data from the Census of Higher Education developed by the National Institute of Educational Studies Anísio Teixeira (INEP), official documents and those from several associations representing educational entrepreneurs, as well as the applicable legislation, and also financial reports and documents published by Estácio Participações S.A. since 2007, when it went public at the São Paulo Stock Exchange (BOVESPA). The text systematizes, at first, the deprivation of the higher education courses in the country, following its movements of the military dictatorship known as the "era of consolidation." The Estácio de Sá is taken as the driver for the analysis, allowing an in-depth discussion of the contemporary developments in the industry, which includes: the institutional concentration – together with the merger of small institutions by large organizations –, the financialization, the hijacking of public resources as a condition of capitalist accumulation and internationalization of the higher education.
Keywords: Higher education; Educational policies; Estácio de Sá.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABE Associação Brasileira de Educação
ABEC Associação Brasileira de Escolas Católicas
ABM Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior
ABMES Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior
ABRAFI Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas e
Integradas
ADI Ação Direta de Inconsstitucionalidade
ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADP Ação Democrática Parlamentar
ADUnB Associação dos Docentes da Universidade de Brasília
AEC Associação Educacional Católica
AGCS Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
AME Associação de Mantenedoras do Ensino Superior
AMI Acordo Multilateral de Investimentos
ANACEU Associação Nacional dos Centros Universitários
ANDES Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares
BDRs Brazilian Depositary Receipt
BI Bacharelados Interdisciplinares
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM Banco Mundial
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH Banco Nacional de Habitação
BOVESPA Bolsa de Valores de São Paulo
BHG Brazilian Hospitality Group
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
CEAS Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
CEBAS Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
CEF Caixa Econômica Federal
CESu Câmara de Ensino Superior
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CF Constituição Federal
CFE Conselho Federal de Educação
CIP Conselho Interministerial de Preços
CNE Conselho Nacional de Educação
CONAES Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
CNAS Conselho Nacional de Assistência Social
CNS Confederação Nacional de Saúde
CNSS Conselho Nacional de Serviço Social
COC Curso Oswaldo Cruz
CONFENEN Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
COFINS Contribuição para Fins da Seguridade Social
CONSULTEC Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas
CONTEE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
CSLL Contribuição sobre o Lucro Líquido
CPA Comissão Própria de Avaliação
CPC Conceito Preliminar de Curso
CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
CPI Comissão Parlamentar de Inquérito
CREDUC Programa de Crédito Educativo
CRUB Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
CVM Comissão de Valores Mobiliários
DRU Desvinculação de Receitas da União
EAD Educação a Distância
EBITDA Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization
ENADE Exame Nacional de Cursos
ESG Escola Superior de Guerra
EUA Estados Unidos da América
EUROPEAN Instituto Euro-Latino-Americano de Cultura e Tecnologia
FABEC Faculdade da Academia Brasileira de Educação e Cultura
FADES Faculdade de Direito Estácio de Sá
FAL Faculdade de Alagoas
FAMAP Faculdade do Amapá
FAP Faculdade do Pará
FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
FASE Faculdade de Sergipe
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FCC Faculdade Câmara Cascudo
FENEN Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino
FETEERJ Federação dos Trabalhadores em Educação do Estado do Rio de Janeiro
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV Fundação Getúlio Vargas
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIC Faculdades Integrada do Ceará
FIEP Federação Interestadual de Escolas Particulares
FIES Fundo de Financiamento do Ensino Superior
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FINES Faculdades Integradas Estácio de Sá
FINSOCIAL Fundo de Investimento Social
FINTEC Sociedade Interlagos de Educação e Cultura
FIR Faculdade Integrada do Recife
FMI Fundo Monetário Internacional
FMJ Faculdade de Medicina de Juazeiro
FMU Faculdades Metropolitanas Unidas
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUMEC Fundação Mineira de Educação e Cultura
FUNRURAL Contribuição Previdenciária sobre a Comercialização Rural
FUNTEC Fundo de Desenvolvimento Técnico e Científico
GATT General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas de
Comércio)
HU´s Hospitais Universitários
IAN Informações Anuais
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias
IED Investimentos Externos Diretos
IES Instituições de Ensino Superior
IFC International Finance Corporation (Cooperação Internacional Financeira)
IFES Instituições Federais de Ensino Superior
IGC Índice Geral de Cursos
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
INSS Instituto Nacional de Seguridade Social
IOF Imposto sobre Operações Financeiras
IPES Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPO Initial Public Offering
IPTR Imposto sobre Propriedade Territorial Rural
IPTU Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
IR Imposto de Renda
IREP Sociedade de Ensino Superior Médio e Fundamental
IRPF Imposto de Renda de Pessoas Físicas
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
ISBN International Standard Book Number
ISS Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
ITBI Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos
IURD Igreja Universal do Reino de Deus
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MEC Ministério da Educação
MP Medida Provisória
MPO Ministério do Planejamento e Orçamento
MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
NTIC Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação
OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC Organização Mundial do Comércio
ONG Organizações Não-Governamentais
PAEG Programa de Ação Econômica do Governo
PIB Produto Interno Bruto
PIQ Programa de Incentivos à Qualificação Docente
PIS Programa de Integração Social
PL Projeto de Lei
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento
PNE Plano Nacional de Educação
PPB Partido Progressista Brasileiro
PPP Parceria Público-Privada
PRN Partido da Reconstrução Nacional
ProUni Programa Universidade para Todos
PSB Partido Socialista Brasileiro
ReMEC Representação do Ministério da Educação
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
ROB Receita Operacional Bruta
SEMERJ Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino
Superior de Estado do Rio de Janeiro
SEMESP Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino
Superior de Estado de São Paulo
SESAL Sociedade de Ensino Superior de Alagoas
SESAP Sociedade de Ensino Superior do Amapá
SESCE Sociedade de Ensino Superior do Ceará
SESES Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá
SESPA Sociedade de Ensino Superior do Pará
SESPE Sociedade de Ensino Superior de Pernanbuco
SESSA Sociedad de Enseñanza Superior S.A.
SESSE Sociedade de Ensino Superior de Sergipe
SESU Secretaria de Ensino Superior
SAI Sistema de Informações Acadêmicas
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
SINPRO – RIO
Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro
SRF Secretaria da Receita Fedral
SSR Serviço Social Rural
STF Superior Tribunal Federal
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
STB Sociedade Tecnopolitana da Bahia
TCU Tribunal de Contas da União
TRT Tribunal Regional do Trabalho
UNE União Nacional dos Estudantes
UNEC União Nacional de Educação e Cultura
UNESA Universidade Estácio de Sá
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIDA Universidad de la Integración de las Americas
UNIFIB Centro Universitário da Bahia
UNIRADIAL Centro Universitário Radial
URV Unidade Real de Valor
USAID US Agency for International Development (Agência Norte-Americana para
o Desenvolvimento Internacional)
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Evolução das matrículas da educação superior privada brasileira por
categoria administrativa (pública e privada) – 1964 – 1974
74
Tabela 2 Evolução do número de IES privadas e de cursos oferecidos por estas
instituições 1960 – 1975
74
Tabela 3 Funções docentes e estudantes matriculados por categoria administrativa
–
Brasil – 1960 - 1975
75
Tabela 4 Tipos de isenção fruída pelas IES privadas por ano (1934-1999)
e restrições legais
93
Tabela 5 Evolução no número de matrículas da educação superior brasileira por
categoria administrativa (pública e privada) – 1974 – 1984
106
Tabela 6 Matrículas por área de conhecimento por categoria de estabelecimento
no ensino superior brasileiro – 1974
111
Tabela 7 Despesas da União por Função - Orçamento Fiscal e da Seguridade Social
2003 a 2010. Despesa Liquidada/Valor atualizado – R$ bilhões
146
Tabela 8 Evolução do número de instituições e de matrículas de educação superior
por categoria administrativa (público e privada) – 1994 a 2006
156
Tabela 9 Número de funções docentes em exercício, por organização acadêmica
e Regime de trabalho segundo unidade da Federação e categoria
administrativa das IES – 2009
208
Tabela 10 Variação do valor do piso da hora/aula na Educação Superior de acordo
com o Sindicato dos Professores do município do Rio de Janeiro –
SINPRO-Rio 2000-2010
212
Tabela 11 Número de processos judiciais, administrativos e arbitrais em que a
Estácio Participações S.A. e/ou mantenedoras coligadas figuram
como parte
235
Tabela 12 Participação em sociedades controladas e/ou coligadas -
Data-base 31/03/2007
239
Tabela 13 Participação em sociedades controladas e/ou coligadas -
Data-base 31/12/2007
254
Tabela 14 Participação acionária 31/12/2007 258
Tabela 15 Composição do Conselho de Administração - Evolução 2007-2010 259
Tabela 16 Evolução na Diretoria da Estácio Participações S.A - 2007 – 2010 261
Tabela 17 Remuneração total no Exercício Social em 2009 263
Tabela 18 Remuneração total no Exercício Social 2010 264
Tabela 19 Participação Acionária na GP Investimentos S.A 268
Tabela 20 Composição acionária relevante em 31/12/2008 270
Tabela 21 Participação acionária - 31/12/2009 275
Tabela 22 Número de docentes – Estácio Participações S.A. entre 2007-2010 277
Tabela 23 Composição acionária da empresa em 31/12/2010 277
Tabela 24 Evolução do Patrimônio Líquido Consolidado no
período 2007 – 2010 (Reais mil)
278
Tabela 25 Evolução na aquisição de mantenedoras e instituições educacionais entre
2007 - 2010
278
Tabela 26 Cotação média das ações pelo preço de mercado entre 2007 – 2011 281
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 21
1 A DEPENDÊNCIA, A EDUCAÇÃO E A DITADURA CIVIL-
MILITAR: ORIGENS, TENDÊNCIAS E DESDOBRAMENTOS
39
1.1 A inserção do Brasil na ordem mundial: capitalismo dependente 42
1.1.1 O colapso do populismo e o regime militar: a construção de relações
entre Estado, Mercado e sociedade civil
49
1.2 A educação superior brasileira na ditadura civil-militar 65
1.2.1 O financiamento da educação superior privada 81
1.3 De Faculdade de Direito Estácio de Sá à Universidade Estácio de Sá 98
2 OS ANOS 1990 NA AMÉRICA LATINA: MUNDIALIZAÇÃO
FINANCEIRA, ACUMULAÇÃO FINANCEIRA E REFORMA
DO ESTADO
124
2.1 Algumas notas sobre capital e capitalismo na contemporaneidade 126
2.2 A mundialização do capital como regime de acumulação com
predominância financeira
139
2.3 A acumulação flexível na esteira da crise do fordismo e do keynesianismo 161
2.4 A reforma do Estado: neoliberalismo e os ajustes educacionais 171
3 DE UNIVERSIDADE A HOLDING FINANCEIRIZADA 189
3.1 O privatismo: os dias atuais 192
3.1.1 Avaliação / Regulação 196
3.1.2 A questão do financiamento 200
3.2 Algumas notas sobre trabalho docente no setor privado 207
3.3 De Universidade a grupo financeiro: o caso da Estácio 217
3.3.1 Educação Superior S.A.: da UNESA à Estácio Participações 219
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 283
REFERÊNCIAS 297
ANEXO A 324
ANEXO B 326
ANEXO C 333
ANEXO D 336
ANEXO E 340
ANEXOF 342
ANEXO G 349
ANEXO H 352
ANEXO I 358
ANEXO J 374
ANEXO K 377
ANEXO L 379
ANEXO M 390
ANEXO N 395
ANEXO O 409
ANEXO P 421
ANEXO Q 423
ANEXO R 425
ANEXO S 445
ANEXO T CD
21
INTRODUÇÃO
“Você deve notar que não tem mais ‘tutu’
E dizer que não está preocupado Você deve lutar pela xepa da feira
E dizer que está recompensado Você deve estampar sempre um ar de
alegria E dizer tudo tem melhorado
Você deve rezar pelo bem do patrão E esquecer que está desempregado”
Gonzaguinha, Comportamento Geral
Esta tese tem como objetivo investigar as conexões entre as políticas de educação
superior (IES) no Brasil e a trajetória das empresas de serviços educacionais responsáveis
pelo oferecimento de vagas na iniciativa privada, tomando como fio condutor a trajetória do
grupo Estácio de Sá. Propõe-se assim à análise da afirmação da educação superior como
espaço de acumulação capitalista para setores do empresariado que, cada vez mais, caminham
para a financeirização de suas atividades. Acredita-se, deste modo, que o campo em que se
realiza a formação humana torna-se cada vez mais balizado pela intensa - e extensa -
mercantilização da vida social, e nela, da educação superior1.
As razões da escolha não são poucas. Em primeiro lugar, a Estácio de Sá é,
certamente, um dos casos mais representativos da expansão do ensino superior privado no
Brasil, em especial desde a década de 1990. Em segundo lugar, a Estácio de Sá recebeu, em
1988, o status de universidade. Tal fato tem duas implicações: por um lado, a Estácio goza
das prerrogativas de toda universidade - oferecer cursos sem prévia consulta ao Ministério da
Educação (MEC), autonomia universitária, etc. Por outro lado, também significa que deveria
cumprir os requisitos legais que caracterizam uma instituição universitária, em especial a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, além de ter 50% de seu corpo docente
composto de mestres e/ou doutores, e com, pelo menos, um terço de seus professores em
regime de trabalho de dedicação integral. Contudo, sabe-se que a maior parte das IES de tipo
universitário não cumpre tais requisitos, aviltando ainda mais o trabalhador do ensino.
Portanto, a escolha da Universidade Estácio de Sá (UNESA) permite observar mais de perto
as manobras do empresariado da educação superior em torno da legislação e da regulação das
1 Nesta tese, procura-se utilizar uma distinção entre educação e ensino superior. Parte-se do pressuposto de que o termo educação refere-se a algo mais do que o ensino, remetendo para todas as facetas formativas de nível superior, como, por exemplo, a pesquisa. O ensino seria apenas uma dessas facetas. O que a maior parte das instituições de ensino superior faz, quando muito, é reduzir a educação superior a processos de ensino.
22
instituições pelos órgãos do Estado, como o MEC, revelando o esvaziamento, característico
do modelo neoliberal de universidade para países de capitalismo dependente, especialmente
da articulação entre ensino, pesquisa e extensão, constitutiva e legalmente obrigatória nas
instituições universitárias no Brasil. Além disso, trata-se de uma grande instituição, de porte
nacional, uma das líderes do setor no mercado – terceira em número de matrículas -, com
cursos de tipos variados e um número significativos de alunos e docentes no país, o que
permite observar linhas constitutivas das condições objetivas em que se desenvolve a
privatização da educação superior no Brasil. Em terceiro lugar, a UNESA, cuja mantenedora
denominava-se Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá (SESES), foi a segunda
universidade privada brasileira a lançar suas ações na Bolsa de Valores, caracterizando um
novo momento do empresariamento do ensino superior no Brasil, agora diretamente
subordinado às exigências de lucratividade características do capital financeiro, submetido,
assim, a uma temporalidade mais imediata para a realização do lucro, o que, sem dúvida,
rebate, direta e indiretamente, sobre os processos de ensino-aprendizagem, sobre a qualidade
da formação oferecida e sobre o trabalho docente. A declaração que encabeça o título desta
tese é ilustrativa e revela com clareza estas características deste tipo de instituição e de sua
racionalidade. Em entrevista para o jornal Folha Dirigida, o Sr. João Uchôa Cavalcanti Netto,
fundador e então sócio majoritário da SESES, efetivamente assume o espírito que rege a vida
destas instituições: o pragmatismo da lucratividade que contorna, inclusive, as próprias
exigências da lei, uma vez que uma universidade, como a UNESA, já tinha (e tem) o dever de
respeitar o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Entretanto,
declarou publicamente que não o fazia.
Tal pesquisa é uma resposta a angústias pessoais que são fruto de uma caminhada
dupla: como pesquisadora e como professora no ensino superior privado. Ainda na graduação,
ao investigar as relações entre as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC)
e as subjetividades contemporâneas, saltava aos olhos a importância das recentes
transformações do modo de produção capitalista para a correta compreensão do fenômeno
pesquisado. Na pesquisa realizada por ocasião do Mestrado, buscou-se a compreensão das
relações de poder na dinâmica urbana contemporânea em articulação com os dispositivos
comunicacionais de ordem digital. Mais uma vez, percebia-se que as reordenações na ordem
do capitalismo conduziam à vinculação entre as tecnologias da comunicação e a ordenação
urbana e provava ser fundamental e urgente debruçar-se sobre o capitalismo, em suas
dimensões estruturais e conjunturais, com especial ênfase nas questões acerca do trabalho e
do emprego.
23
Ainda cursando o Mestrado, outra experiência – a entrada no ensino superior privado -
permitiu que sentisse a realidade neste setor, na condição de docente. E se já sabia –
teoricamente – que a realidade do terceiro grau privado era dura, não podia imaginar com que
intensidade: a quantidade de horas passadas exclusivamente em sala, as condições de
trabalho, que incluem a precarização e intensificação do trabalho, a relação de consumo que
declaradamente se coloca em algumas – a maioria – destas instituições, as dificuldades
relacionadas à relação ensino-aprendizagem reificada – porque diretamente atravessada pela
lógica do mercado - que se colocam nestes espaços, compõem elementos que, de uma forma
ou de outra, penetram o cotidiano do docente. Para mim, o estalo definitivo se deu em 2008:
uma das disciplinas por mim ministrada foi submetida ao escrutínio – então já nada novo – de
um dispositivo elaborado para controle do trabalho dos professores em termos de unidade de
conteúdos denominado Prova Unificada. Essa Prova é realizada no mesmo dia e no mesmo
horário, com o mesmo conteúdo, em cada turno (manhã, tarde e noite), para todos os alunos
matriculados nesta disciplina no estado. Os professores enviam as questões com antecedência,
a prova é montada pela coordenação e aplicada em um dia específico para os alunos por
outros professores - aqueles que dariam aulas no dia e hora da Prova Unificada. Os
professores não montam a prova, não aplicam a prova, mas corrigem as provas de suas
turmas. Em uma das minhas turmas, quando abri o pacote de provas para corrigi-las e conferi
as assinaturas na ata, percebi que faltava uma prova. Olhei todos os pacotes, de outros turnos
da mesma disciplina – às vezes, os alunos fazem provas em outro turno – e não encontrei.
Liguei para a direção do curso, procuramos apurar o acontecido. Descobrimos que um
membro do corpo discente havia pedido a um dos docentes que aplicavam a prova em um dos
turnos para assinar a ata porque havia esquecido de fazê-lo quando fez a prova no turno
anterior. O docente deixou. E eis que o discente em questão foi buscar a prova na aula de
revisão de prova, encaminhei-o para a coordenação para a solução da questão. Fui chamada
em público pelo discente em questão de irresponsável, ameaçada com processo porque havia
perdido sua prova, etc. Naquele dia, decidi-me a, na primeira oportunidade, desligar-me da
IES em questão.
E é em resposta a estes processos que esta tese é produzida, em uma espécie de
“psicanálise acadêmica”, é uma tentativa de compreender como e por que a vida tomava
aquele rumo ao realizar o trabalho que tanto foi acalentado e preparado. Enfim, são essas
angústias – que nunca cessaram - que possibilitaram que se pudesse selecionar a educação
superior como um campo para uma investigação reveladora de, pelo menos, duas importantes
dimensões implicadas na pesquisa: a primeira relaciona-se à natureza do processo de
24
mercantilização do ensino superior brasileiro. A outra articula-se à configuração do trabalho
sob o modo de produção capitalista – marcada estruturalmente pela exploração e pela
alienação -, porém, sob formas que assinalam modificações importantes no que Mészaros
(2009) denomina “sistema sociometabólico do capital”. Todavia, esses processos não
acontecem em abstração, mas se realizam em uma realidade sócio-histórica concreta, a
brasileira, marcada pela profunda e intensa exploração do trabalhador – que Marini (2005)
denominou superexploração - e por uma determinada configuração do campo educacional,
caracteristicamente elitista. Importava, portanto, entender a articulação – e seus efeitos – entre
a realidade histórica brasileira e a lógica capitalista atual.
Além disso, a análise dessa trajetória recente das empresas de educação superior na
direção do mercado financeiro ainda é pouco explorada na literatura, em parte por sua
novidade, pois se trata de um fenômeno muito recente e, como tal, carrega consigo as
dificuldades de todas as narrativas do mesmo tipo – excesso de informações, falta do
“desfecho”, etc. – e, em parte, por conta da dificuldade mesma de apurar os dados e coletar as
informações, dado seu tamanho e pela exigência de interdisciplinaridade dada a natureza do
objeto que é, neste sentido, fenômeno econômico-financeiro, social, cultural, educacional e
político.
Cabe então revelar a perspectiva com que se pretende abordar o objeto. No
documentário “Janela da alma”, de João Jardim e Walter Carvalho (2001)2, filme que gira em
torno da temática da visão e do olhar e conta com depoimentos de dezenove pessoas com
variados problemas de visão, o escritor português José Saramago nos oferece um testemunho
valioso. Em dado momento, Saramago narra uma lembrança que, segundo ele, é uma lição
que nunca esqueceu: ia à ópera, no Teatro da Ópera de Lisboa, o Teatro São Carlos e sentava-
se na parte de cima, conhecida como galinheiro. Dali se via o camarote real, que começava no
chão e ia até em cima, onde então se fechava como uma coroa dourada e enorme. Da platéia e
dos camarotes, tal coroa parecia belíssima. Entretanto, do lugar da platéia ocupado por
Saramago, o galinheiro, a imagem era outra: não era toda fechada, era oca, repleta de pó e
teias de aranha. Dessa experiência, diz ele, pôde aprender, em suas próprias palavras, que:
“[...] para conhecer as coisas há que dar-lhes a volta, dar-lhes a volta toda” (S/D).
A fala do autor pode servir de guia para a pesquisa que ora se realiza, apontando para
duas direções fundamentais: a primeira é a perspectiva da totalidade, que, segundo Lukács, é a
2 JANELA da Alma. Direção: João Jardim e Walter Carvalho. Produção: Flávio Tambellini e João Jardim. Documentário. Entrevistas de José Saramago, Hermeto Pascoal, Oliver Sacks e Win Wenders. [1990?]: Ravina Filmes. DVD (73 minutos), color.
25
grande marca do método marxiano3. Trata-se de uma concepção da realidade para a qual os
fenômenos culturais, sociais, econômicos e políticos se estruturam em uma unidade dinâmica,
histórica e dialética pela articulação de inúmeras mediações. “Dar a volta” em um fenômeno
para conhecê-lo é compreendê-lo em sua inteireza e especificidade. Para isso, faz-se mister
remontar às mediações e determinações que o constituem e àquelas que, por sua vez, são
constituídas por tais fenômenos. Compreender um fenômeno é conhecer a totalidade
socialmente produzida, e, portanto, histórica, dinâmica da qual ela faz parte. Um ponto é aí
também fundamental: é a noção de que a totalidade social não deve ser tomada abstratamente,
mas na vida concreta dos sujeitos históricos, nas condições nas quais concretamente vivem,
constituem-se como seres sociais e se relacionam com a natureza e os outros homens4. A
segunda ideia, daí derivada, é aquela que aponta que, para conhecer as coisas em sua
totalidade, nem todas as perspectivas são equivalentes. Isso significa que, para enxergar as
mediações e determinações essenciais aos fenômenos, existem pontos de vista mais aptos a
propiciar uma visão mais explicativa, capaz de fornecer as múltiplas determinações e
mediações em sua totalidade5.
É do ponto de vista da totalidade – concreta e histórica - que se busca aqui as
mediações que compõem a complexidade concreta da privatização da educação superior
brasileira à luz das recentes transformações do modo de acumulação capitalista. A
compreensão das relações entre a expansão do ensino superior privado no Brasil com as
políticas públicas efetivamente concretizadas só pode ser buscada no conjunto de mediações6
que o conectam às transformações por que passam as sociedades capitalistas na
contemporaneidade. Partir-se-á da atual configuração do regime de acumulação capitalista na
tentativa de reconstituir os caminhos pelos quais se desenrola a contra-reforma da educação
superior no Brasil. Essa contra-reforma revela-se como projeto de empresariamento da
educação superior (NEVES, 2002), conduzido em concordância com as políticas dos
organismos internacionais, como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), configurando-se como parte da
3 Ver Lukács, G. “Prefácio (1967)”. In: História e consciência de classe. 1ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 1-50. 4 Remete-se aqui a obra de Karel Kosik (2002) para melhor compreensão da noção de totalidade concreta. 5 Ver LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchhausen. Marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 9ª. ed. São Paulo: Cortez, 2007, 220p. 6 O conceito de mediação designa os processos sociais – as essências - pelos quais se estabelecem as determinações estruturais e conjunturais de dado fenômeno histórico-social, articulados em uma totalidade concreta, conceito trabalhado por Kosik (2002, p. 43) que considera a realidade “como um todo estruturado em curso de desenvolvimento e de auto-criação”. Trata-se de um conjunto de fatos em articulação histórica e dinâmica que se estabelece como resultado da ação dos sujeitos sociais.
26
tentativa do capital de conter sua crise estrutural, que aparece como crise do modelo fordista-
keynesiano, que emerge nos anos 1970.
Não se quer com isso dizer que estes órgãos sejam os únicos sujeitos artífices deste
processo. Os sucessivos governos que, desde a década de 1990, ocuparam o Estado brasileiro,
entendido como aparelho de Estado, foram os implementadores do projeto econômico e
político-social das burguesias locais e internacionais aqui instaladas – em especial, a nova
burguesia de serviços7 - que, mais uma vez, como na ditadura civil-militar, optam por uma
inserção subordinada ao capital internacional como chave de sua dominação interna. É em
meados dos anos 1990, no contexto da reforma neoliberal do Estado brasileiro nos moldes da
Terceira Via, que se insere a reformulação da educação superior, realizada como contra-
reforma pelo reordenamento do aparato científico e tecnológico brasileiro construído desde os
anos de desenvolvimentismo, com o sucateamento das universidades públicas em múltiplos
aspectos, como a correspondente precarização das condições do trabalho docente, por
exemplo, e da emergência de um lucrativo setor privado de ensino superior, comandado por
uma nova burguesia de serviços educacionais, em um processo que Neves (2002) define como
de empresariamento da educação, que hoje se reveste da lógica do capital financeiro8.
Esse é exatamente o caso do objeto de estudo aqui em questão: no intenso e novo
momento de crescimento das universidades particulares no Brasil9, após a Reforma de Estado,
afinado com o capitalismo contemporâneo, a natureza dessas instituições vai se
transformando de modo a incorporar uma lógica empresarial, tal qual grandes grupos
financeiros. Pressupõe-se aí uma série de questionamentos acerca das transformações que o
papel do Estado, mais especificamente do Estado brasileiro, sofre na contemporaneidade,
implicando uma reforma de sua organização jurídica. Entretanto, esse intenso e novo
momento prolonga e amplia uma certa lógica econômica, que se inicia na ditadura-
empresarial militar: um certo padrão de financiamento do grande capital pelo fundo público e
certas formas de penetração do privatismo no âmbito do Estado, seja pela via do lobby junto
ao Executivo, ao Legislativo e até mesmo ao Judiciário, seja pela atuação do empresariado no
próprio aparelho estatal. Se esses mecanismos são válidos para o capital em geral, serão
utilizados também pelas empresas educacionais.
7 A nova burguesia de serviços é formada pelo empresariado do setor de serviços que, se não detém o poder econômico dos grandes grupos industriais, cresce exponencialmente no período neoliberal brasileiro, como “herdeira” privilegiada das privatizações do período. Ver RODRIGUES, 2007; 2007a; BOITO Jr., 2007. 8 CARTA CAPITAL, 2007. O ensino vai à Bolsa. Carta Capital, Ano XVIII, número 466, outubro de 2007. 9 O primeiro momento foi, como se verá, mais adiante, foi o da ditadura empresarial-militar.
27
Entretanto, a conjuntura não é exatamente a mesma. Nos anos 1990, a reestruturação
produtiva impõe-se definitivamente ao Brasil junto com as políticas neoliberais que vão
remodelar o papel do Estado no que diz respeito às políticas públicas em geral, e também às
políticas para a educação superior. Sem dúvida, as políticas neoliberais, perfeitamente
“afinadas” com o capital, são o “instrumento” que permite não só a desmontagem de qualquer
estrutura de bem estar social – no caso da América Latina e brasileiro, de “mal-estar social”,
como afirma Galeano (1999) - como não reconhece e não deixa reconhecer a educação como
direito social, mas como produto/mercadoria a ser oferecida em um mercado, que seria,
supostamente, mais eficiente nesta oferta. A educação seria então, principalmente desde os
anos 1990, profundamente afetada pela mundialização do capital com predominância
financeira, concretizada também pelos processos de acumulação flexível.
Na era neoliberal, as políticas para e pelo social foram duramente combalidas,
atreladas aos desígnios do mercado mundial capitalista e, quando muito, realizam-se como
políticas de assistência aos quadros de miséria e empobrecimento mais agudos. O que
significa, na prática, este processo? Como são orientadas as políticas públicas no Brasil, a
partir de então? E as políticas educacionais, mais especificamente aquelas voltadas para a
educação superior nos países de capitalismo dependente? Existem continuidades entre a
racionalidade engendrada desde o regime militar e o momento atual? Quais? Sabe-se, de
saída, que uma das consequências mais imediatas das políticas públicas educacionais é a
hipertrofia do setor privado – iniciada em meados da década de 1960 - bem como o
desmantelamento das instituições públicas. Quais são os mecanismos legais, econômicos,
políticos e ideológicos que conduzem este movimento? Quais seriam as consequências deste
processo para o ensino e a pesquisa que deveriam caracterizarm, ao menos parte, dos
princípios das universidades? É importante lembrar que tanto o ensino quanto a pesquisa, em
qualquer área, necessitam de tempo, de um tempo lento de maturação, de aprofundamento, de
ruminação para que o conhecimento se consolide, sistematize e seja preparado para a
transmissão. Além disso, demandam investimentos variados, tanto nas IES públicas quanto
nas privadas. Estes dois vetores são diretamente atingidos pelas políticas neoliberais que se
estendem do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) até o governo Lula da Silva que, em
um movimento de rupturas e continuidades, caminham na direção da mercantilização até das
instituições de ensino superior e de precarização das condições de funcionamento das IES
públicas, dentro de um panorama geral regido pela lógica da rentabilidade imediatista típica
do capital financeiro. Pode-se observar este movimento complementar entre a educação
superior pública e a educação superior privada – entendido como complementar porque
28
expressam uma mesma racionalidade, embora esta se apresente atravessada por contradições
– quando se observa, por exemplo, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (REUNI), que amplia em 100% o número de vagas
ofertadas e em cerca de 20% o número de docentes efetivos, configurando uma expansão da
certificação sem o correlativo financiamento da educação superior de qualidade, porque
implica a intensificação do trabalho docente e/ou a utilização de “inovações pedagógicas”
duvidosas. Ao mesmo tempo, pode-se observar a larga presença dos horistas nas IES
privadas, esbarrando-se, deste modo, em outros caminhos de implementação da mesma
intensificação do trabalho docente, acompanhada por um imensa precarização das relações de
trabalho que avança, seja ferindo a lei, pelas brechas legais e pela própria legislação, ou seja,
desrespeitando a legislação, atuando por intermédio de seus silenciamentos e interpretações e
atuando para promover uma legislação que favoreça seus interesses.
Como é então pensada e organizada a educação no país? Qual é o lugar que a
educação ocupa na ordem mundial hoje? Ou melhor, a educação superior, qual seria seu papel
nesta ordem? Sabe-se, de antemão, que boa parte do setor encontra-se nas mãos da iniciativa
privada, o que indica a concepção da educação como serviço/produto e não como direito
social adquirido. Na esfera privada, o trabalho do docente é ainda mais duramente submetido
às diretrizes da acumulação capitalista flexível e vem sendo desenvolvido sob duras
condições: a maior parte trabalha em regime horista, sem plano de carreira, sem estímulo à
pesquisa ou à formação acadêmico-profissional10, em boa parte, em condições de trabalho que
correspondem ao avanço do capital na exploração do trabalhador que caracteriza a
“acumulação flexível” e a predominância financeira.
De maneira resumida, a hipótese mais ampla trabalhada ao longo da pesquisa que ora
efetuamos é a de as IES privadas operam, de modo mais ou menos eficaz, de acordo com a
composição de um papel desempenhado pela educação – em especial, pela educação superior
- na realização do atual projeto burguês de sociabilidade para países capitalistas dependentes:
prioritariamente, estabelecer-se como espaço de acumulação capitalista. E são as mediações e
determinações desse papel que se pretende aqui cartografar. Entretanto, este processo não se
apresenta de modo linear, mas de maneira contraditória. Assim, a força de trabalho formada
nestas IES fica, quase sempre, aquém, em termos de qualificação para o trabalho, do colocado
como necessário em certas partes do mercado de trabalho, configurando a contradição entre a
10 O que não quer dizer que não seja cobrado neste sentido. A maior parte das instituições de ensino superior (IES) particulares cobra dos professores tanto titulação quanto publicações, até mesmo porque estas são algumas exigências do MEC quando das avaliações dos cursos. No entanto, muito raramente há programas oficiais de estímulo à docência ou à pesquisa.
29
mercadoria-educação – mercadoria vendida pelo empresário da educação – e a educação-
mercadoria – a qualificação da força de trabalho demandada pelo mercado, como afirma
Rodrigues (2007), expressando, deste modo, diferentes interesses de distintas frações
burguesas. Também é preciso desconfiar do discurso do “apagão de mão de obra”, pois não se
trata de discurso meramente “constatativo”, mas de um discurso cujos efeitos incluem, entre
outros, a culpabilização do trabalhador pela sua desqualificação e, ao mesmo tempo, estimula
políticas educacionais de qualificação para o trabalho atreladas ao empresariamento da
educação superior, vide o tipo de discurso que acompanha o “Programa Universidade para
Todos” (ProUni), por exemplo.
Entretanto, há de se concordar que essas discordâncias não se expresssam com a
mesma força no que diz respeito à instauração de um projeto de sociabilidade. Se não
podemos dizer que essa nova empresa de serviços educacionais não carrega bandeiras ou
propostas próprias – como a educação católica, em outros momentos -, não se pode deixar de
notar que trazem consigo, claramente expressa, em seus projetos pedagógicos e currículos,
uma maior aderência aos valores da sociabilidade burguesa atual, entre os quais ora se
destaca: a ideologia do empreendedorismo, mixado a uma retomada da teoria do capital
humano, a de responsabilidade social, e o fetiche da tecnologia, apresentada como panacéia
educacional e social, simultaneamente. Assim, na UNESA, quase todos os cursos de
graduação tradicional presencial atualmente possuem a disciplina Empreendedorismo em seus
currículos, ou Ética e Responsabilidade Social, bem como têm apresentado como grande
vantagem o uso de material didático digital, pelo fornecimento, pela instituição, de um tablet
com o material didático do curso bem como pela virtualização de inúmeras disciplinas,
viabilizada pela própria legislação educacional. Também se toma como hipótese a ideia de
que as formas de organização do trabalho no capitalismo dito flexível afetam diretamente a
subjetividade do trabalhador, engajando-a diretamente e violentamente no processo produtivo.
Produz-se, deste modo, uma série de práticas que visam desmontar as resistências do
trabalhador de modo a engajar sua “criatividade” no processo de produção. Essas práticas
podem, muitas vezes, denegrir a dignidade do trabalhador, como é o caso, por exemplo, da
desqualificação ou assédio moral. Esta reestruturação produtiva esvazia o espaço do ensino
superior do seu caráter reflexivo, tornando-o, quando muito, um mero repetidor da lógica do
mercado.
Alguns esclarecimentos sobre os procedimentos metodológicos fazem-se necessários.
O primeiro passo que se tomou foi a realização de uma pesquisa bibliográfica a fim de
consolidar uma análise teórico-crítica em duas frentes: a primeira refere-se à ditadura
30
empresarial-militar e as políticas educacionais do período, com destaque para a atuação do
governo e do Conselho Federal de Educação (CFE), na medida em que se considera estas
instâncias como centrais na condução da expansão privatista. Em seguida, buscou-se
descrever a trajetória da SESES, desde sua fundação até seu processo de transformação em
universidade entre 1986 e 1988. A segunda frente de análise referiu-se ao processo de
mundialização do capital, da criação de um regime de acumulação com predominância
financeira atrelado aos processos de reestruturação flexível, emergentes desde a década de
1970, com ênfase no papel desempenhado pelo fundo público como pressuposto da
acumulação capitalista. Em seguida, foi realizada uma pesquisa de campo que cumpriu dois
tipos de levantamento: em primeiro lugar, a documentação da trajetória da Estácio de Sá, que
se inicia no estado do Rio de Janeiro. Tal material compôs-se por provas documentais
divulgadas pela própria universidade – em especial, seus documentos financeiros. Uma das
brechas interessantes produzidas pela entrada dessas instituições na Bolsa de Valores de São
Paulo (BOVESPA) e, nela, no Novo Mercado (que se caracteriza por práticas diferenciadas,
mais exigentes, de corporate governance), reside no fato de que a holding Estácio
Participações S.A. é obrigada a divulgar documentos financeiros para obedecer aos princípios
de transparência que norteiam a corporate governance nesse mercado. Assim, exploramos
uma série destes relatórios que foram capazes de nos revelar alguns traços essenciais acerca
da caracterização de certo movimento específico no campo da educação superior, que se
relacionam às políticas de educação superior, o fundo público e as empresas educacionais. É
verdade que, se não se divulga tudo o que se refere ao andamento da empresa, por outro lado,
divulga-se, talvez, mais que o “ideal”, o que já torna viável algum nível de análise.
Trabalhou-se ainda com a pesquisa e análise documental de alguns documentos do CFE, em
especial aqueles que se referem à transformação das Faculdades Integradas Estácio de Sá
(FINES) em Universidade. Analisou-se, em continuidade, material documental organizado
pelos sindicatos municipais, regionais e estaduais e nacionais, em especial com o Dossiê
Estácio de Sá, produzido pelo sindicato dos Professores do município do Rio de Janeiro
(SINPRO – RIO), bem como com a entrevista com Magna Correa, diretora do SINPRO –
RIO que coordena a comissão de educação superior. Além disso, considerou-se o material
produzido no âmbito do MEC como parte dos processos avaliatórios e regulatórios das IES
públicas e privadas - como é o caso das Sinopses Estatísticas da Educação Superior,
produzidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP).
31
Também se tomou aqui como base documental duas entrevistas realizadas no âmbito
do Programa de Pesquisa em História Oral da Fundação Getúlio Vargas (FGV), cujas
transcrições foram publicadas em livro (2002) e disponibilizadas na internet, e que nos
ofereceram um importante subsídio para compreender tal instituição: a primeira com o senhor
João Uchôa Cavalcanti Netto, fundador da Faculdade de Direito Estácio de Sá e da Sociedade
de Ensino Superior Estácio de Sá (SESES), e até pouco tempo atrás, acionista majoritário da
Estácio Participações S. A., da qual foi também um dos fundadores. A segunda com o então
Reitor da Instituição, Gilberto Mendes de Oliveira Castro. Além disso, analisou-se também
uma série de documentos elaborados pelas entidades representativas do setor privatista, como
a Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), o Sindicato das
Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de Estado de de São Paulo
(SEMESP), em especial aqueles que compõem o Fórum das Entidades Representativas do
Ensino Superior Particular e que expressam o sentido das pressões apresentadas pelo setor
aos governos na tentativa de transformar em política de Estado as diretrizes que atendem a
seus interesses.
No primeiro capítulo, pretende-se mostrar como o surgimento da então Faculdade de
Direito Estácio de Sá se articula às políticas para educação superior postas em funcionamento
pela ditadura empresarial-militar. Ao se analisar a enorme escalada do setor privado-mercantil
na educação superior brasileira desde a ditadura civil-militar, além da óbvia busca pela
possibilidade de lucro que representa este campo de atuação, algumas questões se fazem
prementes, especialmente se se tem em vista a atuação do Estado na própria manutenção
econômica do setor, pela via do financiamento público direto ou indireto. Deste modo, urge
perguntar: qual é o papel desempenhado por estas instituições no sistema educacional
brasileiro? Pode-se aventar aqui, claro, aqui uma série de linhas que conduzem do Estado ao
mercado educacional e vice-versa: do tráfico de influências aos lobbies, uma série de
negociações atravessam, certamente, esta relação. Não que estas sejam falsas – pelo contrário,
estes caminhos são bastante concretos – mas bastam para explicar a insistência no
crescimento do setor por parte de sucessivos governos? Cabe, portanto, a pergunta: é apenas e
tão somente por conta destes “(des)caminhos” que este setor encontra sua força política? Ou
este setor apresenta alguma funcionalidade na manutenção da ordem social brasileira atual
como um setor educacional?
Para responder esta pergunta, não basta apenas examinar a própria esfera da educação
superior, mas entendê-la a partir de suas articulações com o restante do sistema educacional,
bem como compreender este sistema na relação com o andamento da sociedade em sua
32
totalidade. Assim, a pergunta já pode ser colocada em outros termos: por que esta esfera
educacional superior brasileira se amplia – desde o regime civil-militar - justamente pelo setor
privado-mercantil? Deste modo, procura-se, em primeiro lugar, compreender a gênese da
ditadura, tomando como fio condutor as novidades e as continuidades instauradas com o
regime civil-miltar e, em particular, explorar como o modelo econômico então hegemônico
resultou, em termos educacionais, na explosão das instituições privadas de tipo empresarial
que, então, passam a se tornar dominantes e diretoras do sistema de educação superior
brasileiro. Esta etapa da expansão da mercantilização da educação superior torna-se
fundamental para que se compreenda a força com que emerge a burguesia de serviços
educacionais já nos anos 1970, de modo que as lutas em torno da destinação das verbas
públicas sejam atravessadas e, de certo modo, decidida a partir desses interesses. Esse mesmo
setor se fortaleceria imensamente a partir do governo de FHC e da reforma educacional dos
anos 1990 e garantiria uma ampla movimentação do setor no aprimoramento de sua
lucratividade, ensejando um novo ciclo de expansão que favoreceu esta fração burguesa.
Entretanto, a vida social brasileira possui sua própria história e é só articulando tal
história às determinações e mediações próprias do capitalismo contemporâneo que se pode
trazer à luz, em sua força, a tessitura da experiência do presente. A obra de Florestan
Fernandes (1973, 2006) compõe, desta forma, uma interpretação da especificidade do
capitalismo dependente, como o brasileiro – em sua realização concreta e histórica – que
permite apreender os princípios constituintes da sociabilidade brasileira, em sua dinâmica
histórica, em profunda relação com o estabelecimento do capitalismo mundial. O conceito de
capitalismo dependente permite esta compreensão, já que estabelece como se forma a posição
subordinada do Brasil no mercado internacional e, ao mesmo tempo, permite explorar as
consequências deste padrão de desenvolvimento para a vida social como um todo, incluindo
aí a educação e, dentro dela, o ensino superior, objeto de reflexão e atuação política do
próprio Florestan Fernandes. A uma lógica social de desenvolvimento dependente
corresponde um padrão de ensino superior dependente, que tende a reproduzir e a reforçar os
elos de que sustentam esta posição subordinada. Florestan Fernandes (1973; 2006) revelou
esta ligação, descrevendo como se conforma uma educação dependente e para a dependência,
e mostrou a importância de se romper com tal padrão. Essa reflexão é preciosa, na medida em
que permite pensar as recentes transformações no padrão de acumulação capitalista. Uma tese
que forma aqui um dos alicerces da pesquisa é de que estas transformações reafirmam os
traços de dependência que são próprios à história do Brasil. Isso em dois eixos
particularmente interessantes para este trabalho: o primeiro corresponde ao fato de que se
33
reforçam e se intensificam os traços estruturais de uma espécie de “superexploração” do
trabalho, gerando ainda mais alienação e precariedade para os trabalhadores, e isso vale
também para o trabalho docente em geral. O segundo eixo diz respeito à recente expansão do
próprio ensino superior. Apresentada, pela ideologia neoliberal, como a tão desejada
democratização deste nível de ensino, esta ampliação se fez tanto pela precarização das IES
públicas quanto pela hipertrofia de um setor privado altamente mercantil e, em sua atual fase,
financeirizado. O resultado: repetição da dependência como padrão para o ensino superior,
implicando, obviamente, o trabalho docente. Ainda no primeiro capítulo, analisar-se-á o
sistema de educação superior brasileiro em perspectiva histórica, articulada à investigação do
caráter dependente da inserção do país na ordem mundial, com foco no movimento de
continuidades e rupturas na estrutura das IES no país. Sabe-se que o crescimento exacerbado
do setor privado no campo da educação já possui algum lastro histórico, basta olhar para o
nível médio de ensino. Não obstante, o caso do ensino superior é bastante peculiar. O ensino
superior brasileiro é marcado, em sua gênese, pela ausência da instituição universitária, sendo
composto por faculdades isoladas. Apenas na década de 1920, surge a Universidade do Rio de
Janeiro, a partir da reunião de três faculdades isoladas, o que inaugura o padrão do processo
de surgimento de universidades no país.
Entre meados de 1950 e o início dos anos 1960, a União, que oferecia subsídio a
instituições particulares, acaba federalizando estabelecimentos particulares, reunindo-os em
universidades mantidas pelo governo federal. Entretanto, a expansão deste processo de
federalização foi contida, em finais dos anos 1960, tanto pelo CFE – que insistia no aumento
da produtividade das universidades já existentes – e pelo próprio regime empresarial-militar –
atrelado, em larga medida, aos interesses privatistas11, que, na prática, foram imensamente
contemplados. Em 1965, a revisão do Plano Nacional de Educação, elaborado em 1962 pelo
Conselho Federal de Educação, passou a destinar 5 % do Fundo Nacional do Ensino Superior
para a subvenção dos estabelecimentos particulares de ensino superior (CUNHA, 1988).
Somado à contenção do crescimento dos estabelecimentos do setor público, tal incentivo
financeiro permitiu que o setor privado ampliasse as possibilidades de atendimento de uma
demanda reprimida, especialmente das camadas médias então emergentes no país. Com a
“condescendência” do CFE, uma multiplicação de faculdades privadas se deu, sem a
exigência de condições adequadas em termos de infra-estrutura, principalmente no que se
refere aos professores, paralelamente à consolidação do regime autoritário. Assim, deu-se
11 Desenvolver-se-á este processo, com maiores detalhes, no capítulo I e no capítulo III.
34
origem a uma expansão fragmentária do ensino superior, a ser conduzida pelo setor privado,
que, obviamente, privilegiou os cursos que propiciavam maior retorno em termos de lucro,
sem grandes compromissos nem com a formação da força de trabalho e muito menos com a
preparação dos indivíduos dotados de consciência crítica. Esta lógica de composição do
ensino superior foi um dos componentes do que Florestan Fernandes (1979) denominou,
aprofundando sua caracterização, padrão dependente de ensino superior. E foi a reprodução
deste padrão que duramente combateu na Constituinte de 1988. Não obstante, a recente
história nos mostra que tal modelo se reproduziu na expansão do ensino superior promovida
nos anos 1990.
Toma-se, em seguida, ainda no primeiro capítulo, a criação da Sociedade de Ensino
Superior Estácio de Sá (mantenedora) e da Faculdade de Direito Estácio de Sá (mantida)
desde 1970 até sua transformação em universidade, nos anos 1980, como o fio condutor. De
certo modo, pensou-se na Estácio como uma espécie de concretização de um tipo ideal da
expansão propiciada pelo regime civil-militar. Ela representaria a expansão pelas empresas de
educação, concebida pelos organismos burgueses, facultadas por órgãos como o Conselho
Federal de Educação – hegemonizado pelo pensamento de viés privatista - e que será, na
década de 1980, atravessada por uma série de disputas que conduz à sua recolocação no
mercado da educação superior pela conquista do status de universidade, o que será, por sua
vez, um processo que impulsionará sua mais que significativa expansão nos anos 1990 e, por
outro lado, trará à tona novas contradições que ensejarão os caminhos trilhados na direção de
sua financeirização.
No segundo capítulo, investigar-se-á as transformações ocorridas no modo de
produção capitalista desde a década de 1970. Esta década marcaria a emergência de uma crise
estrutural do capitalismo, como vem afirmando reiteradamente, em sua obra, o filósofo
húngaro István Mészáros, marcada por seu caráter universal – atingiria todo o sistema
econômico e não apenas um setor, pelo escopo global que possui, por seu prolongamento
temporal – trata-se de uma crise que pereniza - e sua realização gradual (MÉSZÁROS, 2009;
2011). Deste modo, esta crise expressa a impossibilidade de romper a contradição
fundamental entre capital e trabalho e se manifesta como uma crise de esgotamento do modo
de regulação keynesiano e do regime de acumulação fordista. Ela revela-se pela diminuição
das taxas de lucro do setor produtivo, engendrando um deslocamento desse capital- dinheiro
para a esfera financeira. No seio deste deslocamento, inicia-se um profundo processo de
reestruturação produtiva – a acumulação flexível, segundo Harvey (2004). O economista
francês François Chesnais, em uma série de obras publicadas no Brasil desde os anos 1990,
35
busca precisar as transformações econômicas, desfazendo, inclusive, os mitos em torno da
ideia de globalização produzida pela revolução da microinformática. Em seu livro A
mundialização do capital, Chesnais (1996) mostra que este processo resulta de novos modos
de integração dos atores do mercado e não de uma determinação tecnológica, embora esta seja
fundamental para o atual escopo do processo de interconexão de mercados. Esse regime
mundializado realizar-se-ia a partir de uma ampliação dos fluxos de capital pelos diversos
mercados mundializados, pela abertura de novos mercados, pelas privatizações, liberalizações
e desregulações operadas a partir de meados dos anos 1970, de modo desigual e combinado.
Todavia, nessa sua primeira obra, Chesnais, como ele mesmo reconhece, embora afirme o
predomínio da financeirização, realiza suas análises a partir de um olhar cujo foco se dirige
para o setor produtivo. Nas suas obras seguintes, o autor avança no entendimento do regime
de financeirização, no sentido em que passa a destacar o aumento da autonomia – todavia,
sempre relativa – das operações do capital financeiro, bem como sua extrema complexificação
a partir da emergência de novos instrumentos financeiros.
Chesnais (2005, 2005a, 2005b, 1998 1996) )aponta um caminho em que se pode
reconhecer um regime de acumulação com predominância financeira e suas articulações com
o regime de acumulação flexível engendrado como forma de retomar as taxas de lucro. A
rigor, muito das formas de exploração do trabalho tem como horizonte a remuneração do
capital financeiro investido. Ou seja, a financeirização da economia tem como um de seus
significados a maior exploração do trabalho, capaz de manter não apenas a administração das
empresas produtivas ou de serviços, mas de remunerar os acionistas que, no limite, podem ser
os próprios fundos de pensão – os maiores players do mercado financeiro – administrados
para extrair de seus investimentos a maior liquidez, o que traz novos componentes para a
relação entre capital e trabalho. A acumulação flexível, com suas técnicas de extração de
mais-trabalho, pela extensão da jornada, pela intensificação do trabalho e pela precarização
das relações trabalhistas, deve ser entendida em conexão com este movimento total do capital
sob a égide do capital financeiro. Esse é, atualmente, o caso das IES que compõem o grupo
administrado pela holding Estácio Participações S.A., empresa de capital aberto que negocia
ações na BOVESPA.
Tal processo, todavia, exige uma recomposição da atuação estatal, de modo a construir
as condições políticas e econômicas que permitam a concretização desse movimento. É neste
sentido que se deve entender a atuação dos organismos internacionais, tais como o FMI e o
Banco Mundial: propõem uma “saída” da crise dentro dos marcos estruturais do capitalismo,
o que requer, sempre, o Estado. Neste caso, um Estado capaz de realizar a abertura, a
36
liberalização dos mercados, as privatizações – a ampliação de espaços de acumulação, bem
como a desregulamentação dos movimentos do capital. O neoliberalismo é a ideologia que
atende a tais necessidades e assume lugar importante com as eleições de Thatcher e Reagan,
após a experiência-piloto do Chile de Pinochet. Proclamando um Estado mínimo, o
neoliberalismo oculta a força que a atuação estatal usou e usa no desmantelamento das ações
sindicais, no desmanche das políticas sociais em termos de seu financiamento, ocultando as
manobras de apropriação, pela reprodução do capital, do fundo público, como revelou em sua
obra Francisco de Oliveira (1998). Este seria um dos eixos das relações entre Estado, capital e
trabalho mais centrais hoje. No caso dos sistemas educacionais de educação superior, as
mudanças referem-se ao movimento do capital, repleto de mediações, em termos de
apropriação do fundo público, seja pela via do setor público – as formas de financiamento
indutoras de produção de conhecimento, as mudanças na legislação para favorecer a
ingerência do setor privado (Parcerias Público-Privadas - PPP, Lei do Bem, etc.), seja pela via
do setor privado (Programa de Financiamento Estudantil - FIES, Programa Universidade para
Todos - ProUni). De todo modo, trata-se de formas de tradução da educação em mercadoria –
conhecimento ou negócio educacional.
Todavia, este processo não se dá do mesmo modo, ao mesmo tempo, por toda parte,
na medida em que o capitalismo se concretiza em um desenvolvimento desigual e combinado
marcado pelas relações de poder que, historicamente, definiram centros e periferias. No caso
dos países periféricos, como o Brasil, as referências são outras. Se nos países centrais, tratava-
se de desmanchar o Welfare State e destruir importantes conquistas sociais, nos países da
periferia, o Estado Social já era mais ou menos precário e, no caso da América Latina, este
movimento chega a maior parte dos países junto com o fim das ditaduras que, como se verá,
articularam as bases que permitiram o avanço neoliberal. Aqui, não só o andamento temporal
é outro, também são diversos sua penetração, suas implicações e seus desdobramentos
políticos, econômicos, sociais e ideológicos. Leher tem destacado, em suas palestras e aulas, a
importância dessa diferenciação até mesmo para a correta compreensão das estratégias e
táticas a serem criadas pelos movimentos sociais.
Este movimento na América Latina e, especificamente, no Brasil, terá como momento
marcante a crise da dívida de 1982, que abre as portas para a atuação dos organismos
internacionais no continente e no país. Eles atuam na proposição de uma série de reformas no
âmbito do Estado e de suas instituições republicanas que ganhariam vigor no fim dos anos
1980, junto com uma série de deslocamentos ideológicos – como o que acontece em torno da
qualificação do termo sociedade civil - que, no limite, enfraquecem e marginalizam os
37
movimentos sociais que se fortaleceram e foram fundamentais na luta contra a ditadura civil-
militar. Com a vitória de Collor de Melo, e, mais tarde, FHC e Lula da Silva, definitivamente,
as reformas encontram seus artífices e podem ser desencadeadas. A Reforma do Estado, no
governo FHC, é um importante marco porque capaz de revelar o sentido de tais processos: a
reforma das instituições republicanas constitui-se como modo de legitimar e legalizar os
modos de operação do capital. Todavia, dois pontos devem ser considerados aqui: o primeiro
nos mostra que este processo aconteceu em meio a lutas e resistências que, se não impediram
a instauração das matrizes da reforma, impediram que ela se implantasse em um bloco. Desta
forma, impõe-se uma segunda consideração: tão importantes, nesse processo, quanto as
grandes reformas, são as reformas feitas pelas franjas, aquelas sub-reptícias que assumem tom
cotidiano, que operam aquém e além das grandes disputas, e que se realizam por decretos-lei,
medidas provisórias, etc. Ou seja, a Reforma do Estado não está apenas no “pacote” da
Reforma do Estado, mas nos pequenos embrulhos despejados aqui e ali, como REUNI,
ProUni, por exemplo, no caso das instituições educacionais, nesta contra-reforma construída
pelas franjas. Assim, pode-se chegar à concreticidade do caso brasileiro reconstruindo suas
múltiplas determinações e compreender que as reformas aqui empreendidas se fazem no
sentido de transformar o país em plataforma de valorização financeira, como afirma Paulani
(2008) e, neste caso, incluindo como espaços para tal os sistemas educacionais de educação
superior, com profundos efeitos sociais que se irá explorar nesta tese. Esse é o sentido maior
do processo em sua historicidade.
No terceiro e último capítulo, será apresentada a maior parte da pesquisa empírica na
busca da cartografia da concreta realização das políticas de educação superior no Brasil, no
que tange às empresas de educação superior sob as condições impostas pela financeirização,
tomando como objeto privilegiado da pesquisa a Universidade Estácio de Sá, em sua
expansão desde os anos 1990, passando pelas transformações porque passa a instituição até o
mercado financeiro. Este capítulo se divide de acordo com algumas perspectivas distintas. Em
primeiro lugar, apresenta-se os rumos recentes da organização privatista, procurando
compreender o sentido de suas propostas, bem como o horizonte de suas práticas. Busca-se
mostrar como as “empresas de serviços educacionais” preparam-se – e, nesse sentido,
avançam sobre o fundo público – para um novo ciclo de expansão da educação superior,
compreendendo o fundo público como elemento mantenedor de suas taxas de lucratividade,
ao mesmo tempo em que buscam ampliar sua ingerência sobre a definição de políticas de
educação superior. Em segundo lugar, a ideia é tentar resumir o caminho realizado pela
instituição de acordo com os documentos financeiros por ela publicados. Acredita-se que,
38
embora não revelem tudo sobre a empresa, estes documentos fornecem algumas informações
preciosas sobre a concepção – ou falta – de educação superior, as contradições presentes na
administração financeirizada do negócio educacional e algumas evidências sobre as relações
entre Mercado e Estado no Brasil. O eixo central desta parte da tese é revelar alguns traços do
que seria esta nova etapa – financeirizada – da educação superior. É importante dizer que,
desde 2008, a Estácio Participações é administrada diretamente pelo G. P. Investimentos, hoje
S.A., empresa de private equity, fundada em 1993, que administra fundos de investimento que
hoje controlam 19,2% das ações da Estácio Participações S.A12. A história dessa empresa
remete ao modelo de administração financeira forjado por Jorge Paulo Lemann, fundador do
Banco Garantia e da G.P. Investimentos. Esse modelo de gestão é considerado bastante
agressivo e marca profundamente as empresas sobre seu controle. Em terceiro lugar, buscar-
se-á apresentar, em cruzamento com estes dados, os dados trazidos pelo MEC e pelo INEP,
bem com as informações trazidas pelos sindicatos, em especial, as apuradas e denunciadas
pelo SINPRO-RIO, na tentativa de apontar os desdobramentos dessa financeirização para o
trabalho docente, bem como apontar algumas reflexões sobre a natureza educacional desse
tipo de instituição.
12 Esse total de 19,2% das ações da Estácio Participações S.A. se divide entre Private Equity Partners C, LLC, co-investidor não-residente, localizado nos Estados Unidos, e o fundo GPCPIV, administrados pela G.P. Investimentos.
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1 A DEPENDÊNCIA, A EDUCAÇÃO E A DITADURA CIVIL-MILITA R: ORIGENS,
TENDÊNCIAS E DESDOBRAMENTOS
A solução pro nosso povo Eu vou dá
Negócio bom assim Ninguém nunca viu Tá tudo pronto aqui
É só vim pegar A solução é alugar o Brasil!...
Nós não vamo paga nada Nós não vamo paga nada
É tudo free! Tá na hora agora é free
Vamo embora Dá lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá prá alugar Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!...
Os estrangeiros Eu sei que eles vão gostar
Tem o Atlântico Tem vista pro mar
A Amazônia É o jardim do quintal
E o dólar dele Paga o nosso mingau...
Aluga-se, Cláudio Roberto e Raul Seixas
Este capítulo é construído a partir da compreensão de que só se pode captar o conjunto
de determinações que cercam o ensino superior privado-mercantil brasileiro considerando-se
as relações estruturais e conjunturais que revestem as relações entre capital, Estado e
trabalho, bem como a condição de desenvolvimento concreto e histórico do capitalismo no
Brasil. Aqui, a ideia-chave é que as recentes transformações no nível superior da educação
brasileira respondem (e reproduzem) a uma dinâmica pela qual os recentes desenvolvimentos
do capitalismo mundial – o que inclui a passagem de um modelo fordista de acumulação para
um modelo flexível - articulam-se a um duplo movimento: a tentativa do capital de conter
suas contradições, que fazem emergir uma crise sem precedentes a partir da década de 1970 e
que se realiza, nos países com inserção periférica na economia mundial, como reforço da
condição de dependência da formação econômico-social brasileira.
Apresentar uma reflexão sobre a educação superior brasileira é uma tarefa que
apresenta um duplo desafio: o primeiro é escapar de uma mera enumeração de datas e
instituições, realizando uma historiografia vazia, burocrática. O segundo desafio consiste, por
isso mesmo, na busca de um eixo que estruture a análise na perspectiva da totalidade concreta,
buscando nos fenômenos suas interconexões dialéticas. De toda forma, arriscando bastante,
40
poder-se-ia dizer, em uma afirmação preliminar, que a primeira hipótese examinada é a de
que a história da educação superior no Brasil é a de uma arena em que se desenrola uma longa
luta entre particularismo, privatismo - característicos do capitalismo dependente e do padrão
de escola superior daí resultante - e forças democratizantes, estrutural e dinamicamente
articulados na e pela formação social brasileira, conforme conceituação de Florestan
Fernandes. Cabe destacar, para a melhor compreensão do escopo de tal afirmação, que pensar
a educação como um todo, e o nível superior, especificamente, como arena de luta, é pensá-la
não apenas como expressão de lutas que atravessam a vida social, mas prática social por meio
da qual tal luta também se realiza, concretiza-se, embora não se restrinja a ela.
Partindo da ideia acima, a segunda hipótese aqui lançada é de que a categorização de
um padrão dependente de educação superior ainda apresenta validade para pensar os mais
recentes movimentos na esfera da educação superior brasileira13, especialmente quando a
análise centra-se no setor privado, especialmente, o de cunho privado-mercantil
(SGUISSARDI, 2008). É por esse caminho que se concebe vislumbrar, com alguma clareza,
pelo menos algumas das novas formas e conteúdos da velha dependência pela via da educação
superior exatamente no momento da formação dos grandes conglomerados de educação
superior, incluindo-se aqueles que tomam a forma de Companhias de capital aberto.
Apresentar-se-á, neste capítulo, uma sistematização desses rumos privatistas da educação
superior brasileira, acompanhando seus movimentos durante a ditadura militar, momento
decisivo no fortalecimento do empresariado da educação superior. Assim, procura-se realizar,
nesse capítulo, uma análise da expansão do setor privado da educação superior brasileira
desde os anos 1960, no bojo da especificidade do capitalismo dependente, tal como
tematizado por Florestan Fernandes, que será revisitado, servindo de base para a investigação
da inserção do Brasil na ordem econômica mundial, bem como para os desdobramentos de
suas consequências para a configuração atual do ensino superior.
A ditadura civil-militar é um importante momento de (re)construção desse modelo
dependente de capitalismo, e será aqui analisada, na medida em que se entende que nesse
momento começam a se delinear mecanismos em termos de políticas educacionais –
especialmente em termos de financiamento e institucionais - que beneficiam o setor privado-
mercantil e que são, ainda, a base sobre a qual o ciclo de expansão dos anos 1990 se realizou.
Reconhece-se assim que os padrões de organização das políticas econômicas, nascidos no
13 O que, obviamente, pressupõe que a ideia de capitalismo dependente também é válida para pensar a formação social brasileira, ainda que não com a mesma configuração refletida por Florestan Fernandes, considerando-se, portanto, as rupturas e novidades recém-delineadas.
41
bojo da ditadura civil-militar são referenciais pelos quais se desenham as políticas
educacionais do período e forjam as bases de ação do capital educacional desde os anos 1970.
Isso também significou a necessidade de cartografar os caminhos pelos quais o certo tipo de
relação entre capital e Estado se realizam e desdobram. A ditadura civil militar inaugurada em
1964 - mas já preparada por seus intelectuais orgânicos, como o Instituto de Pesquisas
Econômicas e Sociais (IPES) e a Escola Superior de Guerra (ESG) desde o fim dos anos 1950
e início dos anos 1960 – a nosso ver é relevante não apenas pelas políticas de educação
superior que concretiza, mas também por, de certa forma, preparar esse campo como lócus de
atividade econômica lucrativa.
Assim, buscou-se, neste capítulo, traçar algumas linhas acerca da questão da
dependência, em suas modalidades históricas, em especial, a partir das análises de Florestan
Fernandes. Em seguida, tentou-se mapear os traços gerais das relações entre Estado, capital e
trabalho no período ditatorial, partindo-se, entretanto, do colapso do populismo. Este ponto de
partida foi importante por duas razões elementares: primeiro, compreender o colapso do
populismo é mapear as forças sociais que atuam para sua dissolução, ou seja, de certo modo,
foi no quadro dos enfrentamentos relacionados ao poder populista que se organizaram as
forças que, tornando-se dominantes, conduziriam à sua derrota, cujo desenrolar chegaria ao
golpe de Estado de 1964. Em segundo lugar, também foi a compreensão de que a ditadura
civil-militar – e os projetos de educação superior dos grupos dominantes que aí se produzem –
não se colocavam como horizonte inevitável da história brasileira, mas havia sido uma
escolha política no bojo das correlações de forças em luta.
A terceira parte do capítulo procura constituir uma análise das políticas educacionais
do período ditatorial. Entretanto, como a análise é centrada no setor privado, fez-se uma
escolha talvez heterodoxa: no lugar de concentrar as atenções no que tradicionalmente se
reconhece como as grandes ações da reforma universitária em geral, por exemplo, os acordos
MEC-USAID, ou o relatório de Atcon, ou ainda o Decreto 5.540/68, este trabalho desloca a
ênfase para outros dispositivos que julga serem mais relevantes. Estes podem ser localizadosa
partir da percepção de uma discrepância: as políticas educacionais efetivamente promovidas
pelo Estado brasileiro no período militar não postulam diretamente a expansão pela via
privada. Todavia, esse é o setor que, ao longo do mesmo período, cresce, especialmente as
instituições de tipo privado-mercantis. Assim, o entendimento ora expresso é de que não se
pode analisar a educação superior no regime civil-militar apenas com base na legislação, mas
deve ter como foco as formas concretas em que se realizam as políticas para o setor. Desta
forma, compreende-se que, em termos de política educacional, a legislação implementada na
42
reforma não corresponde perfeitamente ao que se concretizou em termos de política de
educação superior. Assim, tão importante quanto estas linhas da reforma, são importantes de
rastrear os mecanismos pelos quais a política educacional, efetivamente, delineou a educação
superior como campo de atuação privilegiada – na prática, repete-se – da iniciativa privada.
Na análise ora apresentada, dois mecanismos se destacam, inclusive pela importância que irão
adquirir posteriormente: os mecanismos de financiamento indireto do setor – especialmente
pela via das renúncias fiscal e previdenciária – e os de estímulo institucional, no qual se
destaca o papel teórico-prático do Conselho Federal de Educação. Em seguida, poder-se-á
observar como se concretizam as origens e desenvolvimento da Estácio de Sá, que, em certo
sentido, representa uma espécie de caso exemplar desse privatismo.
1.1 A inserção do Brasil na ordem mundial: capitalismo dependente
O Brasil constituiu uma história cuja marca é, desde a colonização, a profunda
desigualdade, a escravidão, e, mais tarde, a superexploração das massas trabalhadoras, bem
como sua exclusão da vida política - ou de participação seletiva -, sob o jugo de grande
autoritarismo, características estas que serão fortemente potencializadas sob o ideário
neoliberal, o que requer extrema atenção de qualquer pesquisador interessado em entender
algum aspecto da formação social brasileira atual. Assim sendo, as mudanças em jogo no
ensino superior hoje devem ser buscadas em um conjunto complexo de determinações, além
da reestruturação produtiva que assinala o último quarto do século XX e início do século XXI.
Essas determinações devem ser buscadas, também: a) no papel que vem desempenhando o Brasil no capitalismo internacional nos tempos de mundialização do capital (Chesnais, 1996); b) no padrão neoliberal de desenvolvimento, em especial nas novas funções econômicas e de mediação política assumidas pelo Estado; c) na correlação de forças sociais, particularmente no que se refere às reivindicações educacionais dos vários sujeitos políticos coletivos, estrutural ou conjunturalmente agrupados em torno dos interesses da burguesia e do proletariado (NEVES; FERNANDES, 2002a, p. 24).
O papel desempenhado pelo Brasil na economia mundial contemporânea
corresponderia à outra importante determinação. K. Lima (2007, 2006), recuperando a obra de
Florestan Fernandes, articula a reformulação da educação superior em curso desde os anos
1990 com o aprofundamento do padrão dependente de desenvolvimento. Florestan
estabeleceu, segundo Lima (2006), o conceito de capitalismo dependente partindo da
combinação de dois vetores: as leis gerais que regem o desenvolvimento capitalista e as
particularidades da formação social brasileira na divisão internacional do trabalho.
Para Florestan Fernandes (2006), o capitalismo apresenta vários padrões de
desenvolvimento correspondentes aos tipos de capitalismo que se desenvolveram concreta e
historicamente. Ao refletir sobre o desenvolvimento do capitalismo e as formações sociais na
43
América Latina, e especialmente no Brasil, Florestan toma como eixo central a forma como
estes países se integram à economia internacional. Como afirma M.L.Cardoso:
Ao admitir que a formação da sociedade brasileira só se explica por sua relação com seus ‘centros exógenos’, Florestan começa a construir uma problematização que se provará inovadora e avançada, mesmo se comparada ao pensamento de ponta na época. Essa nova problematização não parte da ideologia então dominante, não se coloca como parte dela, nem se ajusta bem a ela, e se tornará importantíssima para pensar não só o Brasil, como todo o chamado ‘subdesenvolvimento e o chamado ‘desenvolvimento’, fora dos marcos ideológicos do desenvolvimentismo. (2005, p. 9, grifos da autora).
Isso significa que, se em seu questionamento sistemático e em suas análises, Florestan
Fernandes busca compreender a formação da sociedade brasileira, tal compreensão só poderá
se dar a partir da articulação desta à expansão mundial do capitalismo. A formação de um
mercado capitalista moderno no Brasil se efetua, de forma consistente, na medida em que
acompanha o desenvolvimento do capitalismo mundial, e se inicia como modelo exportador
de commodities para o mercado externo. Todavia, esta expansão se realiza sem que se
quebrem padrões sócioeconomicos anteriores, característicos de economias “periféricas e
heteronômicas” (coloniais ou não) (FERNANDES, 2006, p. 261). Tal condição é estrutural,
assume fisionomias de acordo com a evolução do capitalismo nas economias hegemônicas e
cria um modelo de desenvolvimento capitalista no Brasil que mantém os seguintes padrões: 1)
associação dependente com o exterior (centros hegemônicos imperialistas); 2) desagregação
completa do regime escravista e de suas consequências (manutenção de formas econômicas
pré-capitalistas) e 3) superação de certas condições de subdesenvolvimento, produzidas,
necessariamente, pela condução imperialista da economia interna e pela subsequente e
extremada concentração social e regional da riqueza (FERNANDES, 2006, p. 262).
As formas de dominação externa na América Latina se desenrolam a partir de um
padrão colonial em que os interesses dos colonizadores se identificaram com os das Coroas
(portuguesa e espanhola), que, juridicamente, submetiam os primeiros à sua vontade e por
intermédio de uma ordem social construída pela transplantação dos padrões ibéricos de
estrutura social adaptados ao trabalho forçado. “Assim, uma combinação de estamentos e
castas produziu uma autêntica sociedade colonial, na qual apenas os colonizadores eram
capazes de participar das estruturas existentes de poder e de transmitir posição social através
da linhagem ‘européia’” (FERNANDES, 1973, p. 13, grifos do autor). O resultado foi uma
condição jurídica e política de dominação colonial que cristalizava a exploração ilimitada de
todos os recursos em benefício da Coroa e dos colonizadores (FERNANDES, 1973, p.13). Tal
sistema colonial experimenta sua crise do ponto de vista sociológico (que não é o único),
segundo Fernandes (1973, 2006), por três fatores: 1) a incapacidade das Coroas, portuguesa e
espanhola, de financiarem tal padrão colonial de dominação externa; 2) a luta entre,
44
principalmente, a Holanda, a França e a Inglaterra pelo controle econômico das colônias
latino-americanas e 3) o descontentamento de alguns setores internos (heterogêneos) com a
rigidez da ordem social e o interesse na nativização do poder econômico e político.
A dominação externa de segundo tipo emerge da dissolução deste padrão colonial.
Caracterizado pelo interesse externo, em especial, da Inglaterra, especificamente no comércio,
esses países ocupam o vácuo deixado pelo sistema colonial sem, contudo, exercerem um
“poder imperial” (FERNANDES, 1973, p. 15), este período corresponde a uma forma de
dominação externa mais indireta, expressando-se como processo puramente econômico14. Tal
estado de coisas – que perdurou entre o final do século XVIII e as primeiras três ou quatro
décadas do século XIX - tornou-se possível por algumas razões:
A produção com vistas à exportação imediata já estava organizada, numa base bastante compensadora em termos de custos. Por outro lado, a ausência de produtos de alto valor econômico e a existência de um mercado consumidor relativamente amplo tornou mais atraente o controle de posições estratégicas nas esferas comerciais e financeiras (FERNANDES, 1973, p. 15).
Aparece, então, um traço fundamental da dependência: a dominação externa é mantida
com o apoio e a cumplicidade dos setores sociais dominantes (classes exportadoras, seus
agentes e os comerciantes urbanos). Esses são os agentes da dominação externa – porque
realizam a mediação da dependência para fora – e são os sujeitos da dominação interna –
porque são aqueles responsáveis por sua articulação política e econômica sobre as classes
subalternas.
O esforço necessário para alterar toda a infra-estrutura da economia parecia tão difícil e caro que estes setores sociais e suas elites no poder preferiram escolher um papel econômico secundário e dependente, aceitando como vantajosa a perpetuação das estruturas econômicas construídas sob o antigo sistema colonial (FERNANDES, 1973, p. 15-16, grifos nossos).
O terceiro tipo de dominação externa é fruto de um novo andamento do capitalismo a
partir da Revolução Industrial na Europa, implicando novas formas de organização das
economias periféricas. Este dominação não se faz de modo indireto ou puramente econômico,
como no período anterior. A partir das quatro últimas décadas do século XIX, gradualmente,
torna-se uma realidade inabalável.
As influências externas atingiram todas as esferas da economia, da sociedade e da cultura, não apenas através dos mecanismos indiretos do mercado mundial, mas também através de incorporação maciça e direta de algumas fases dos processos básicos de crescimento econômico e de desenvolvimento sociocultural. Assim, a dominação externa tornou-se imperialista, e o capitalismo dependente surgiu como uma realidade histórica na América Latina (FERNANDES, 1973, p. 16).
14 Afirma Florestan (1973, p. 15): “A monopolização dos mercados latino-americanos foi mais um produto do acaso que de imposição, pois as ex-colônias não possuíam os recursos necessários para produzir os bens importados e seus setores sociais dominantes tinham grande interesse na continuidade da exportação”.
45
No Brasil, a eclosão de um mercado capitalista tipicamente moderno se fez a partir de
uma fase de transição neocolonial, que se estende da Abertura dos Portos (1808) até mais ou
menos 1860. Este mercado constrói-se a partir de três nexos que podem definir seu
significado, tanto imediato quanto posterior. O primeiro laço estabelece-se entre a economia
interna e o mercado mundial e com o mercado externo hegemônico (então, a Inglaterra).
Através desse novo mercado, penetravam, na economia interna, poderosos estímulos,
dinâmicas externas, introdutoras de desenvolvimento econômico capitalista cujo papel foi
convertê-lo em um ponto de crescimento econômico acelerado (FERNANDES, 2006).
Em segundo lugar, a conexão do mercado capitalista moderno à cidade e à população
urbana (suporte mais direto para sua expansão), bem como a regiões mais afastadas da urbe,
mais ou menos interioranas, habitadas por estratos ricos e por um pequeno e/ou médio
comércio bastante extensos (servindo como elo de reforço), criava grandes possibilidades de
crescimento de um mercado interno calcado em um padrão ou estilo de vida mais urbano
(FERNANDES, 2006).
Uma terceira e importante ligação foi a que se estabeleceu entre o emergente mercado
moderno e o sistema de produção escravagista, cujos excedentes econômicos passam a
encontrar possibilidades de reprodução ampliada fora da economia estritamente escravista,
estimulando “transações especulativas mais abstratas e complexas” (FERNANDES, 2006, p.
266) e, simultaneamente, colocando o mercado moderno como eixo para o desenvolvimento
do comércio interno. Ao mesmo tempo, dinamiza-se a cidade como centro da vida econômica
e fulcro de integração do mercado interno.
Os arranjos estruturais resultantes criaram uma economia articulada (pois o mercado capitalista moderno se superpunha à produção escravista, destinada à exportação, ao consumo ou ao comércio interno), mas dotada de dinamismos próprios de desenvolvimento (determinados e orientados pelo mercado capitalista moderno) e de potencialidades de crescimento a largo prazo (dependentes da produção escravista; no entanto, relativamente fortes sempre que a procura externa pudesse garantir a expansão deste setor) (FERNANDES, 2006, p. 266).
Porém, este movimento se faz de modo dissociado da transformação do sistema de
produção escravista (pelo contrário, precisava este permanecer intocado para que tal arranjo
neocolonial funcionasse) e, consequentemente, não foi capaz de impulsionar, senão
levemente, as relações com o mercado mundial e “uma gradual aceleração do crescimento
urbano-industrial” (FERNANDES, 2006, p. 267). Neste ponto, é importante ressaltar duas
ideias: a primeira é de que a dependência não é um fenômeno imposto de fora para dentro,
mas articulado pelas classes dominantes que escolhem fruir de uma posição secundária, mas
que garanta sua dominação interna. A segunda ideia é de que o subdesenvolvimento não
representa, portanto, um atraso em relação a uma única escala de desenvolvimento capitalista,
46
mas uma condição que resulta da dependência, ou seja, é um atraso, em certa medida,
funcional para a lógica de desenvolvimento capitalista dependente. Deste modo, a
Independência não significou o fim das relações desiguais ou da dependência, mas um novo
modo de operá-la, em que uma capa de liberalismo político recobre e, assim, sustenta, a
dominação econômica, resultando em uma espécie de burocratização do mandonismo
patrimonialista e na permanência de uma ordem social heterônoma15. Assim, as ideias liberais
que acompanham a formação do Estado nacional brasileiro emergem em uma aparente
contradição com a realidade tradicional, com o escravagismo, mas, todavia, foram
transfiguradas, passando a representar uma espécie de ornamento intelectual, máscara para a
perpetuação desta mesma realidade, marcada pelo viés autoritário. O Estado, ao mesmo
tempo, conduz o processo de gestação da sociedade nacional e atua como guardião dos
interesses particularistas. Resultou daí um quadro em que o setor mercantil reproduziria
aquilo que caracterizava a atuação do setor agrário: a definição da iniciativa privada e da
competição em termos estamentais, como um privilégio, em um processo acolhido no seio da
atuação estatal. Definindo o que significa então privilégio, afirma Fernandes (2006, p. 223-
224)
[...] ou seja, como a faculdade de influenciar ou de estabelecer as condições dentro das quais as relações e os processos econômicos deveriam ser adaptados à situação de interesse do agente econômico. Dessa perspectiva, este não realizava o seu destino econômico no e através do mercado, mas fora e acima dele, pela manipulação de estruturas de poder suscetíveis de regular, direta ou indiretamente, o fluxo dos custos, dos preços e dos lucros, Essa representação puramente instrumental da “iniciativa privada” e da “competição” deturpava a ação econômica, pois a privilegiava e a potencializava independentemente das “forças do mercado (e, conforme as circunstâncias, até contra elas). Contudo, ela não só alimentou a integração política do setor, como perdurou ao longo da evolução posterior do mercado capitalista no Brasil.
A segunda fase do desenvolvimento capitalista no Brasil moderno – fase de formação
e expansão do capitalismo competitivo – se estende, “grosso modo”, de 1860 até a década de
1950, compreendendo “tanto a consolidação da economia urbano-industrial quanto a primeira
transição industrial verdadeiramente importante [...]” (FERNANDES, 2006, p. 264). A partir
de então, o mercado capitalista moderno e o interno se constituem por interesse tanto da
aristocracia agrária quanto de grupos ligados à dinâmica de importação-exportação, criando
uma articulação entre o setor novo, urbano-industrial, e o setor de produção escravista que, no
limite, levarão a certo crescimento do mercado interno, sem, no entanto, implicar uma ruptura
com as oligarquias tradicionais que, entretanto, puderam se “modernizar” (contudo,
permanecendo ainda oligarquias) e manterem seus privilégios de classe, enquanto as camadas
15 Fica aqui a provocação: em que medida o neoliberalismo não repete o mesmo mecanismo: uma capa de liberal que sustenta uma heteronomia econômica, relativa agora ao capital financeiro mundializado?
47
burguesas utilizam o “mandonismo” oligárquico como forma de estabelecer sua autoridade de
classe sobre as massas populares. Ou, como afirmou Dreifuss (1987, p. 22), “A burguesia
emergente, porém não destruiu, nem política nem economicamente, as antigas classes agrárias
dominantes para impor sua presença no Estado; pelo contrário, aceitou em grande parte os
valores tradicionais da elite rural”. E fez isso contra as classes subalternas: assumindo seu
padrão cultural de dominação que se expressou, tradicionalmente, em uma superexploração
do trabalho e na adoção de padrões de comportamento típicos do mandonismo oligárquico,
como mostra, por exemplo, José Murilo de Carvalho (apud COSTA, 2010).
Assim, o governo Vargas será marcado por essa conciliação extremamente complexa e
instável entre interesses – das classes médias, do setor agroexportador, da indústria e os
interesses bancários - que são, em alguma medida, conflitantes e cujas disputas, no limite,
levam ao Estado Novo, em 1937. Em suas palavras:
O Estado Novo surgiu porque a burguesia industrial se mostrou incapaz de liderar os componentes oligárquicos do ‘estado de compromisso’ ou para impor-se à nação através de meios consensuais, de maneira a criar uma infraestrutura sócio-econômica para o desenvolvimento industrial (FERNANDES, 1987, p.22).
Esse Estado, com a garantia da supremacia econômica da burguesia industrial, se fez
acompanhar pela mediação legitimadora, sob um discurso da ordem e de progresso, de um
aparelho burocrático-militar que realizaria a mediação nessa convergência ainda conflitante
entre burguesia industrial e proprietários de terra, o que, de acordo com Dreifuss (1987),
favoreceu a interferência sempre presente das Forças Armadas na vida política da nação, o
que é importante na compreensão do papel e dos mecanismos de ação dos militares no Golpe
de 196416. Aliás, Ianni (1968) mostra não apenas como os golpes de Estado no Brasil foram
apoiados sempre por forças militares (1937, 1945, 1955, 1961 e 1964), mas, talvez mais
relevante, como estes golpes expressavam a fraqueza do modelo liberal brasileiro e
dependente e são comuns, em termos de processos de sucessão no poder, em sociedades
dominadas mais por políticas de massas e oligarquias do que por partidos políticos.
Fernandes (2006) alerta, sempre, para a necessidade de compreender este período na
perspectiva da dupla articulação (externa e interna) que condiciona o desenvolvimento
capitalista de tipo dependente: tanto desse ponto de vista interno, mas, também, sob a
articulação desse complexo econômico com as economias capitalistas centrais. Deste modo,
afirmou Fernandes (2006, p. 284)
Por curioso ou estranho que pareça, todos os tipos de “empresários” que operavam na agricultura, na criação, na mineração, no comércio, na indústria, com os bancos, etc.,
16 Diz Ianni (1968, p. 143): “A militarização da política é fato normal na vida política brasileira. Por ocasião de acontecimentos históricos importantes, os militares sugem como forças decisivas, ao encaminhar, apressar, controlar ou obstar o desenrolar dos acontecimentos”.
48
orientados para dentro ou para fora, sucumbiram às limitações e às inibições do padrão descrito de desenvolvimento econômico sob o capitalismo competitivo dependente. O horizonte econômico de todos eles foi conformado pela mesma ansiedade de “aproveitar” as vantagens diretas e imediatas abertas por uma economia competitiva articulada. Mesmo mais tarde, quando o “desenvolvimento” aparece em cena, não se questiona ardentemente a dupla articulação – entram em debate questões relacionadas com a reforma agrária, o “entreguismo”, a remessa de lucros e o intervencionismo econômico do Estado, sem que o essencial, a respeito da dupla articulação, sofresse verdadeiro repúdio.
A substituição de importações que desde então se realiza, portanto, não é o móvel do
processo, mas necessidade encravada na forma de organização, diferenciação e reintegração
dos sistemas econômicos, e, logo, suas deficiência, falhas e aspectos negativos devem ser
entendidos não como decorrentes deste processo técnico e especializado, mas resultam, de um
modo mais ou menos direto, da dinâmica de inibições, retardamentos e limitações inerentes ao
mecanismo da dupla articulação econômica. Esse ponto permanecerá fundamental na medida
em que se busca compreender o padrão econômico e de educação superior da época atual. A
pergunta central é: a dupla articulação desapareceu? Se não desapareceu, como se realiza? E
que modelos educacionais exige?
A industrialização brasileira teve no Estado um ator fundamental, seja pela criação de
empresas estatais e/ou de autarquias mistas, pelo controle nacional sobre setores estratégicos
da economia, pela criação de uma infraestrutura que possibilitou o desenvolvimento industrial
privado, bem como pela viabilização de mecanismos que reordenam o desenvolvimento
capitalista, permitindo a transferência de recursos para a indústria, como mostrou Dreifuss
(1987). Em sua obra já clássica, A crítica à razão dualista, Oliveira mostra como o Estado
atuou na destruição do antigo modo de acumulação baseado na predominância da base agro-
exportadora e criou e recriou as condições do novo modo de acumulação, hegemonicamente
industrial, inclusive regulando o preço da força de trabalho – em seu nível mais baixo, o da
subsistência - por meio de sua regulamentação nas “leis trabalhistas”. As demandas do grande
capital, estrangeiro ou associado, todavia, expressar-se-ão, com o regime civil-militar, pela
penetração direta de seus representantes no aparelho estatal, aliás, uma marca brasileira17. É
fundamental compreender os mecanismos pelos quais esse processo de realiza porque serão
os mesmos mecanismos acionados pelo empresariado da educação desde os anos 1970.
17 As relações entre Estado, mercado e Igreja, no Brasil, ganham forma de modo que se poderia definir como “promíscuo’, na medida em que se realizam por uma estrutural interpenetração de interesses que torna difícil definir onde um começa e outro termina. Basta observar as bancadas religiosa no Congresso Nacional e sua capacidade de pressionar os governos. No dia 25 maio de 2011, o governo Dilma decidiu suspender a produção e a distribuição de um kit (vídeos e cartilhas) anti-homofobia organizado pelos Ministérios da Saúde e da Educação com a justificativa de que o material seria inadequado e que a continuidade de sua distribuição seria imprudente. Todavia, essa decisão foi tomada depois que as bancadas religiosas pressionaram o governo, ameaçando obstacularizar as votações de seu interesse, bem como convocar o Ministro da Educação e sustentar a convocação do ministro Antonio Palocci, em vista das denúncias da oposição acerca de ganho de patrimônio pela empresa de consultoria da qual Palocci é sócio.
49
1.1.1 O colapso do populismo e o regime militar: a construção de relações entre Estado, Mercado e sociedade civil
Em O colapso do populismo no Brasil, Ianni (1968), elabora uma análise das
consequências do que denomina padrão getuliano de desenvolvimento econômico-social: uma
nova composição do poder – populista - a partir da qual floresceram as atividades políticas e
culturais e a criação de uma cultura urbana mais tipicamente nacional. E, no bojo das
contradições políticas, econômicas e sociais, forjaram-se organizações políticas de esquerda
que impulsionam a luta das massas pela ampliação de uma participação política bem como
pela melhoria de suas condições de existência. Ianni aponta o getulismo como primeiro modo
de ser do populismo brasileiro e como este corresponde à determinada etapa das
transformações econômico-sociais e políticas no Brasil, sendo o populismo a mediação
política pela qual se realiza a entrada das massas na estrutura de poder (IANNI, 1968, p. 218).
Pode-se descrever o populismo como um constructo que se alicerça na proposta do nacional-
desenvolvimentismo, capitaneada pela burguesia nacional, especialmente pela fração
industrial, que alcança o consenso de alguns grupos das camadas populares, através da
concessão de alguns direitos trabalhistas e aumentos de salário, em especial dos trabalhadores
operários com carteira assinada, mas da qual permanece alijadas parcelas inteiras das classes
subalternas, configurando um período que Coutinho (2007) denomina de “hegemonia
seletiva”.
O fim da Segunda Guerra mundial se realiza conjuntamente com uma série de
transformações, catalisadas pelas agitações das classes trabalhadoras cujas condições
miseráveis tornavam-se insustentáveis, pela reorganização da esquerda, com destaque para o
crescimento do Partido Comunista junto às precárias organizações dos trabalhadores, o que,
obviamente, assumiu contornos de grandes riscos para a dominação burguesa que, sempre
lembrando, caracterizada pela dupla articulação, logo buscou reorganizar as bases em que se
realiza esta dominação em uma ditadura burguesa.
Assim, a terceira fase de desenvolvimento do capitalismo no Brasil é a da irrupção do
capitalismo monopolista, que coincide com a edificação de um novo tipo de dominação
externa (FERNANDES, 1973), caracterizada pela expansão das grandes empresas
corporativas nos países latino-americanos, representantes do capitalismo monopolista que se
mostra como “modernizador” e desenvolvimentista. Sob hegemonia americana, seus
antecedentes datam de períodos anteriores, todavia só se estabiliza no fim dos anos 1950 e se
50
torna estrutural após o golpe de 1964. Ianni (1968) mostra como a liquidação desse padrão
getuliano, marcado pelo nacionalismo, começa a se forjar durante o governo de Juscelino
Kubitschek (1956-1960), pela combinação de política de massas e compromissos com o
capital estrangeiro e assinalando os estertores do populismo. Afirma Ianni sobre o plano
econômico–social do processo de transição:
O desenvolvimento econômico-social no Brasil, baseado no nacionalismo econômico, na luta por uma política externa independente, na política de massas e, ao mesmo tempo, em compromissos crescentes com o capitalismo internacional, foi interrompido e conduzido para outra direção, por várias razões. Em um plano econômico, o mecanismo básico de transição da política de substituição de importações à política de associação com capitais estrangeiros apoiou-se em processos tais como: Primeiro, a deterioração das relações de intercâmbio ocorre ao mesmo tempo em que surge a necessidade de evoluir para uma industrialização de alto nível técnico e organizatório, para competir com os outros centros de produção em plano internacional. Segundo, a necessidade de exportar (ao mesmo tempo: produtos agrícolas, extrativos e manufaturados), inerente a essa transição, exige a eliminação das defesas que permitiram a criação e o funcionamento do setor industrial criado com a política de substituição de importações. . Terceiro – e em consequência – a necessidade de alto nível técnico impõe a associação crescente com os oligopólios multinacionais, que controlam a produção (centros de pesquisa, laboratórios etc.) e uso da tecnologia indispensável aos empreendimentos de âmbito internacional (IANNI, 1968, p. 10).
No plano político, pode-se observar como a transição da democracia populista para a
ditadura civil-militar se inscreve como contenção da possibilidade de o Brasil assumir uma
condição política independente e de liderança na América Latina e na África, bem como das
ameaças ao poder burguês representadas pela política de massas e pelo nacionalismo. Um
fator também importante neste processo foi a confirmação da hegemonia dos Estados Unidos
no mundo capitalista do pós-guerra e sua tomada da América Latina como lócus de realização
de seus interesses. Esta integração, no entanto, fruto do imperialismo, não é uma imposição
externa, mas uma articulação entre as classes dominantes internacionais e brasileiras, como
Florestan Fernandes tanto ressaltou, caracterizadas, estas, por uma burguesia brasileira
incapaz, por causa de seus próprios interesses econômicos e políticos, de formular um projeto
autônomo de desenvolvimento nacional e que, para manter sua dominação econômica e
ideológica, associa-se ao capital internacional, construindo o desenvolvimento subordinado
econômica, política e culturalmente18. Assim pode-se compreender como se delineou o padrão
compósito da hegemonia burguesa no Brasil: como uma articulação complexa entre as velhas
instituições oligárquicas e as relações patrimonialistas e as várias frações da burguesia local,
em articulação subordinada à burguesia internacional, com o objetivo de manter e reforçar os
privilégios das camadas internas dominantes e, simultaneamente, ajustarem-nas aos interesses
18 Florestan Fernandes elabora suas análises da realidade brasileira e latino-americana a partir de sua inserção no sistema capitalista, inserção esta, porém, subordinada e articulada pelos interesses da burguesia brasileira. A partir do conceito de desenvolvimento desigual e combinado tal como considerado por Trotsky, de acordo com o qual, sob a vigência do imperialismo, as economias dos países menos desenvolvidos se configurariam como uma combinação de “desenvolvimento e subdesenvolvimento”. Ver BOTTOMORE, T., 2001, p. 98-99.
51
socioeconômicos requeridos pelo capitalismo monopolista na produção da dependência dos
países periféricos (LIMA, 2006). Além disso, controlava-se, desta forma, a participação
popular com o intento de impedir qualquer projeto social alternativo ou uma “revolução fora
da ordem” (contrária a ordem em que é dominante).
Nesse sentido, elas (burguesias latino-americanas) foram os artífices do capitalismo dependente. Escolheram-no e o fortaleceram como alternativa a uma revolução nacional dentro da ordem, que ameaçaria iniquidades muitas vezes de origem, significado ou consequências coloniais, diante das quais as ‘desigualdades de classe’ têm o caráter de uma conquista democrática (FERNANDES, 1973, p. 58-59, grifos do autor).
Esse traço também é bastante reforçado por Dreifuss (1987), em sua obra intitulada
1964: A conquista do Estado, cuja ênfase se concentra nos modos pelos quais essa ação
ideológico-política se preparou e foi concretizada, bem como mostrado os personagens –
individuais e coletivos – da trama que conduziria à ditadura. Dreifuss (1987) mostra como,
em certo grau, a ditadura civil-militar foi uma forma, encontrada pela elite orgânica, de conter
as políticas de massa nacionais-reformistas representadas pelo governo João Goulart e suas
bases de apoio sindicais e populares. Há uma afirmação feita pelo autor que se destaca pela
consciência do caráter de construção externa-interna da ditadura civil-militar, sem que se dê
espaço a qualquer tipo de fatalismo histórico:
A conquista do poder político pela elite orgânica não foi simplesmente um resultado da crise político-econômica do período e o imediato colapso do regime, levando a uma subsequente queda do governo. Nessas críticas condições, [...], a elite orgânica tentou levar adiante uma campanha para dominar o sistema tanto em termos políticos, quanto ideológicos. A quebra da convergência de classe vigente e a ruptura na forma populista de dominação foram alcançadas pelo bloco de poder multinacional e associado através do exercício de sua influência em todos os níveis políticos (DREIFUSS, 1987, p. 229).
Assim, se a revolução burguesa fez-se no Brasil por uma “costura” “dentro da ordem”
entre a burguesia e a oligarquia agrária, esse processo doa a essa burguesia elementos de seu
padrão cultural, formatando seu ethos político por um caráter extremamente elitista e
procedimentos autocráticos. Essa composição burguesa conservadora reflete-se na marcante
centralização de poder no Estado brasileiro, que:
a) garante o desenvolvimento capitalista acelerado e controlado pela burguesia brasileira interessada em ampliar seu capital; b) impede a participação das camadas populares; c) cria segurança e estabilidade necessárias para que o capital da burguesia internacional circule pelo país, por um potencial mercado consumidor de produtos e concepções de mundo burguesas, garantindo a internacionalização dos mercados e a proteção destes contra os movimentos socialistas (LIMA, 2005, p. 50).
Essa centralização de poder no Estado brasileiro se acentua e é cada vez mais
interpenetrada de modo direto pelo grande capital, com a predominância do capital
52
estrangeiro e associado, a partir da ditadura civil-militar por alguns caminhos que aqui se irá
tentar reconstruir. Importante dizer que o Estado sempre foi uma força plasmadora do
desenho da vida brasileira. Segundo Coutinho (2007), pode-se perceber tal traço já na
Independência conduzida pelo alto, em que o Estado atua como instância unificadora, mesmo
na ausência de uma nação. É assim que se formou no Brasil uma classe dominante que não
possuía identificação com as questões nacionais, dominando sem, entretanto, dirigir, com a
exceção do período populista. Essa tradição reproduz-se na Revolução de 1930 que, contudo,
consolida a passagem do Brasil ao capitalismo, com um Estado burguês e com a expansão da
indústria. De acordo com Coutinho (2007), a Revolução de 1930 representa a forma mais
típica de revolução passiva, com o Estado como protagonista e que coloca como fração
dominante do bloco no poder, até os anos 1990, o capital industrial, acompanhado pela
afirmação, pelos teóricos da direita e dos ideólogos do Estado Novo, de que assim deveria ser.
Outro traço característico do Estado brasileiro pós-1930 é o forte corporativismo de Estado,
marcado pela tendência, em especial, a partir de 1937 e legalmente até 1988, de incorporar o
movimento sindical ao aparelho de Estado, bem como a representação dos interesses da
própria burguesia brasileira, principalmente pelas câmaras setoriais criadas então, e que
perduram até o final da ditadura militar. Ou seja, quando se inicia a formação da sociedade
civil no Brasil, a tendência do Estado foi incorporá-la, de modo subordinado, dando ensejo à
sua expressão corporativa como forma de representação de interesses dos diversos grupos
organizados em torno das classes em disputa.
Coutinho (2007) afirma que tal modelo de Estado perdura, de modo geral, até o
governo Geisel, ainda que com a ressalva de que os períodos de governo de Jango, e em
menor grau, de Juscelino Kubitschek, assinalam uma época de ativação da sociedade civil de
modo autônomo, mas com a manutenção dos traços estruturais da formação estatal anterior,
demarcando o golpe de 1964 outro processo de revolução passiva, “[...] na qual as ‘reformas
de base’ (agrária, bancária, universitária, etc.), reivindicadas pelo movimento social golpeado
em 1964, foram realizadas pelo alto, com sentido nitidamente conservador” (COUTINHO,
2007, p. 181, grifos nossos). Urge reforçar que o golpe militar acentua um traço do
desenvolvimento capitalista brasileiro já presente desde o governo Kubitschek: a larga
presença do capital estrangeiro, gerando o quadro em que o Estado se torna garantia da
acumulação do capital nacional e, mais intensamente, do capital estrangeiro. Como vimos
acima, tal procedimento de abertura ao capital estrangeiro não se fez à revelia dos interesses
do capital nacional. Pelo contrário: como já visto anteriormente, a opção da burguesia
nacional é ser sócia minoritária do capital internacional. Faz-se, portanto, necessária a
53
discussão de alguns traços do regime civil-militar na tentativa de, mais tarde, demonstrar sua
articulação às políticas educacionais do período.
Além dessa larga presença do capital estrangeiro e de um governo autoritário, é
importante ressaltar a articulação entre seu modelo econômico associado e dependente e suas
consequências sociais fundamentais. Ianni (1968) aponta para um ponto importante: a adesão
das camadas médias ao projeto econômico e político ditatorial, cuidadosa e amplamente
preparado pela elite orgânica civil e militar, como detalhadamente vai expor Dreifuss (1987),
com seus órgãos intelectuais, como o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). O IPES foi fundado em 1961, congregando
políticos, militares e empresários, e contando com recursos e contatos internacionais. Segundo
Dreifuss (1987, p. 164), “No curso de sua oposição às estruturas populistas, o complexo
IPES/IBAD se tornava o verdadeiro partido da burguesia e seu estado-maior para a ação
ideológica, política e militar”. Mais do que examinar aqui o percurso do IPES, o que se busca
é empreender uma análise dos mecanismos pelos quais se repõem as relações entre Capital e
Estado no Brasil a partir de meados da década de 1960. A ideia central é que as estruturas
construídas em termos de ação do grande capital sobre o Estado construídas nesse período
serão não apenas mantidas, mas aprofundadas no período posterior, especificamente nos anos
1990.
A organização do IPES foi o resultado da reação de fração ativa do empresariado e dos
militares a uma série de eventos percebidos por essa fração como ameaçadores da dupla
articulação pela qual se constitui a dependência, mas que assegurava a essa fração a chave da
dominação interna e de sua reprodução econômica, o que a conduz a uma apropriação mais
direta do poder político, além de representar um avanço na centralidade do capital
multinacional e associado. Deste modo, tratava-se de enfrentar as contradições geradas no
seio dos múltiplos modos de ser do populismo, especialmente: a) a “ameaça” da ascensão
política e econômica das classes subalternas, das massas urbanas e até mesmo da população
rural; b) a possibilidade de ruptura com a inserção subalterna na economia mundial
capitaneada pelos Estados Unidos pelas vias de um desenvolvimento mais autônomo. Assim,
Fontes e Mendonça (1994, p. 15) apontam como o “IPES/IBAD iniciaram campanha contra o
que consideravam a ‘bolchevização’ do país, tendo como lemas básicos a segurança interna e
a construção racional do desenvolvimento”. Esse grupo construiu uma rede ideológico-
política que não funcionava apenas como grupo de pressão, mas que construía uma
penetração no próprio coração do Estado e de suas instituições. Ou, como mostra Ianni (1968,
p. 203):
54
[...], a participação crescente dos empresários e grupos empresariais – nas decisões políticas e no próprio exercício do poder – já vinha sendo recomendada e posta em prática nos anos anteriores. Em certo sentido, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) cristalizam essa participação. À medida que se evidencia a dissociação crescente entre o poder político e o poder econômico, no quadro da democracia populista, os empresários movimentam-se por meios próprios, dentro ou fora dos partidos políticos.
É o IPES, portanto, uma espécie de intelectual coletivo da maioria dos setores
burgueses que articulam a nova face da dependência – apresentada como interdependência
mundial. Como também afirmam Fontes e Mendonça (1994, p. 14), “Configurado à sombra
do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), o IPES tinha a função de centro de
elaboração estratégica”. De certo modo, este preconiza, junto aos setores urbanos - e
atingindo também a oligarquia rural -, a reordenação política e econômica a ser aplicada no
país, e com o Golpe, esperava-se, pelos militares.
Destaca-se aqui a atuação do IPES porque se pode verificar, em sua trajetória, não
apenas os caminhos pelos quais se elaborou a predominância do capital estrangeiro e
associado, bem como se rearticulou a correlação de forças entre as classes e frações de classe
no Brasil com a ascendência do grande capital, mas, também, porque observando o rumo do
grupo e de seus membros, é possível tentar elaborar uma espécie de genealogia do processo
de penetração da atuação da grande burguesia no seio mesmo do aparelho estatal,
estabelecendo novos dispositivos na construção das relações entre Estado e representação dos
interesses privados.
A hipótese com que trabalhamos é a de que estes dispositivos foram, mais tarde,
apropriados pelos interesses do empresariado da educação superior, que se beneficiou
imensamente deste regime de modo a construir as bases políticas e jurídicas que permitiram
sua consolidação e predominância no setor e que alicerçam o momento da expansão que se
inicia nos anos 199019. De certo modo, essa predominância do grande capital estrangeiro e
associado pavimenta as estradas que a burguesia de serviços educacionais e o capital
financeiro, posteriormente, trilharão, de modo aprimorado.
Ao detalhar as ramificações do IPES na direção dos postos de maior relevância na
condução do Estado no período imediatamente posterior a 1964, Dreifuss (1987) apresenta
um grande trânsito entre membros participantes do IPES, escritórios técnicos, institutos de
19 Basta, por ora, citar dois elementos aos quais se voltará mais adiante: o primeiro foi o grau de penetração de representantes diretos dos interesses privatistas tanto no antigo Conselho Federal de Educação (CFE) quanto, já nos anos 1990, no Conselho Nacional de Educação (CNE). O outro dado é a existência no Congresso Nacional, pelo menos até a legislatura que se encerrou em 2010, de uma frente parlamentar que congregava 214 parlamentares e defendia os interesses dos representantes do setor privado. Ou seja, aponta-se não apenas para uma penetração no âmbito dos anéis burocráticos tecno-empresariais, mas também no seio do Poder Legislativo.
55
pesquisa e os maiores cargos condutores da política econômica. Mas também aponta para sua
penetração no próprio Congresso, já desde o período imediatamente anterior ao Golpe na
tentativa de barrar a organização nacional-reformista no espaço legislativo, especialmente
pela atuação da Ação Democrática Parlamentar (ADP). Formado por um grupo
multipartidário de senadores e deputados alinhados pelo conservadorismo, liderados pelo
udenista João Mendes, a ADP também tinha como papel estimular o apoio do público para as
diretrizes do grupo do IPES/IBAD, e servia ainda como obstacularizadora das propostas
nacional-reformistas no espaço do Congresso pelo mecanismo do voto em bloco. Estes
mesmos mecanismos se espraiavam para os legislativos estaduais.
A forma de Estado gestada então – autoritária e centralizadora - não deixa de ter
consequências importantes: sua serventia clara aos interesses privados, com algumas
expressões. Uma delas é seu caráter patrimonialista, o que ecoa até nossos dias. Mas, como
mostra Coutinho (2007), essa serventia se caracteriza pelo fato de que as intervenções do
Estado na economia visaram, sobremaneira, à criação dos suportes necessários para a
acumulação do capital privado. Se tal é o traço definidor da atuação do Estado em qualquer
formação social capitalista, o privatismo assumiu contornos mais exacerbados no Brasil,
engendrando o que Francisco de Oliveira chama de Estado do mal-estar social (apud
COUTINHO, 2007, p. 185), um estado jurídico que garantiria algumas conquistas, mas que,
de fato, não funciona, porque não há interesse político em implementar concretamente tais
direitos ou porque não há interesse público, coletivo, representando a ação dos governantes20.
Esse ponto se faz, à luz do objeto ora analisado, de suma importância: como é que o
regime ditatorial instaurou as raízes de um tipo de política que penetraria o âmago do Estado
brasileiro a ponto de configurar políticas de Estado orientadas pelos interesses privatistas?
Fontes e Mendonça (1994) dão algumas pistas que permitem remontar este processo ocorrido
entre os anos 1964-1992. Ao exporem o que denominam “As bases do ‘milagre’”, mostram
como o golpe de 1964 estaria relacionado à necessidade de reconstrução de novas bases para
o financiamento dos investimentos para a expansão industrial brasileira, bem como de
institucionalização da concentração oligopolista, processos que expressariam a continuidade
do modelo implantado a partir de 1955.
O período compreendido entre 1962-67 caracterizou-se pela recessão da economia brasileira. Entre uma e outra data, situa-se o golpe, que, como vimos, visava empreender uma ação “profilática” no sentido de conter a mobilização social que o arrefecimento econômico
20 Tal fenômeno fica mais claro nos períodos de campanha eleitoral, em especial nas eleições municipais. É impressionante o número de candidatos que se intitulam “Fulano do Posto”, “Beltrano da Padaria”, ou seja, cuja candidatura não se apóia na organização de nenhum grupo social específico, muito menos em representações que ultrapassem tais níveis corporativos. Outra prova de tal tendência é que quando a pessoa é muito conhecida ou popular, o senso comum já cristalizou a ideia de que “devia se candidatar a vereador”.
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acirrava. A partir dessa premissa – o restabelecimento da “ordem” – iria se construir a recuperação (FONTES; MENDONÇA, 1994, p. 21).
Assim, coube ao governo militar sanear a economia, especialmente em relação às altas
taxas de inflação. O caminho encontrado para tal, segundo Fontes e Mendonça (1994), foi
uma espécie de contencionismo, uma recessão calculada, que marcaria o período do regime
civil-militar entre 1964-1967 e que prepararia a expansão denominada “milagre econômico”,
ou seja: [...] crescimento surpreendente das taxas de desempenho da economia brasileira a
partir de 1968. Deu-se o chamado “milagre, o qual nada mais significou senão a garantia de
lucros mirabolantes às empresas oligopolistas, nacionais e estrangeiras (FONTES;
MENDONÇA, 1994, p. 22, grifos nossos).
Qual era o grande obstáculo à manutenção e à expansão da acumulação capitalista nos
moldes do modelo econômico forjado desde 1955? A necessidade de investimentos em
volume suficiente, correlata a estrutura produtiva já implantada. Destarte, o objetivo da
política econômica, afirmam Fontes e Mendonça (1994), passa a ser a criação de formas
planejadas e alternativas de financiar as inversões no âmbito interno e externo. E fazê-lo sem
aumentar as emissões e a inflação.
A ideia de planejamento tem aí um papel fundamental porque expressa a centralização
de poder político no aparelho Executivo, bem como a criação de novas estruturas que se pode
aqui chamar de tecno-burocráticas-empresariais, na tentativa de criar as condições propícias
para a ação do grande capital. Para tanto, articulou-se a institucionalização do Ministério do
Planejamento, em 1964, cuja atuação apoiou-se nos vários planos dos governos ao longo do
período ditatorial: os Programas de Ação Econômica (1964-1966), o Plano Decenal de
Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976), o Programa Estratégico de
Desenvolvimento (1968-1970), as Metas e Bases para a Ação Governamental (1970-1985) e
os I, II e III Planos Nacionais de Desenvolvimento (1972-1985).
Deve ser ressaltado o fato de que essa estrutura não se restringe às áreas econômicas,
mas permeia rizomaticamente as diversas instâncias do aparelho governamental, conformando
o todo estatal a certos padrões de ação e de representação política. No caso do CFE, Fonseca
(1992) expõe, com clareza, os caminhos pelos quais essa estruturação se realiza. Primeiro: o
CFE seria conformado por membros do ministério do Planejamento e da Educação, sendo o
colegiado composto a partir de então por 26 membros21. Segundo, mostra como, entre 1970 e
21 A participação da representação do Ministério do Planejamento no CFE foi instituída pelo Decreto nº 66.544/70. BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 66.544/70, de 11 de maio de 1970. Dispõe sobre a composição do Conselho Federal de Educação. Brasília, 1970. Disponível em:
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1985, dos dez novos integrantes do CFE, cinco foram representantes do Ministério do
Planejamento. E terceiro, afirma Fonseca (1992, p. 67): “A participação desses conselheiros-
representantes no colegiado do conselho mostra a intervenção do Estado na educação e no
planejamento da educação. Isso indica a extensão do planejamento econômico para o campo
da educação e a ascensão da concepção tecnocrática em educação”.
Se o problema político-econômico era implementar uma estrutura técnica de
planejamento e incrementar o investimento, a solução – nada nova – foi o arrocho salarial.
“Afinal, as formas clássicas de superação das crises capitalistas são a intensificação da
exploração do trabalho e a própria concentração das empresas e do capital” (FONTES;
MENDONÇA, 1994, p. 22). Partia-se da elaboração de uma nova legislação trabalhista e
salarial que buscava, simultaneamente, sujeitar os trabalhadores a uma espécie de poupança
forçada; criar uma estrutura sindical de cunho assistencialista que, a rigor, colocasse barreiras
para a organização da classe trabalhadora e que fizesse funcionar a estrutura sindical e
corporativa como base de coesão social.
Assim, a classe trabalhadora, em especial, a classe operária, pagava seletivamente a
ativação de crédito e demais benefícios disponibilizados para outros setores. Além disso, a
legislação trabalhista buscava expurgar as lideranças mais combativas, intervir nos sindicatos
mais poderosos, de modo a evitar possíveis manifestações, extinguindo o direito de greve,
regulamentando rigidamente as formas de acesso aos postos de direção dentro dos sindicatos
oficiais, estimulando o engajamento sindical neste novo modelo pela via da oferta de
vantagens para os sindicalizados e, ainda, expandindo as organizações sindicais deste tipo
para as áreas rurais. Além disso, reformulou-se a previdência social, burocratizando as
atividades assistenciais e retendo – sem utilizar no setor – boa parte dos recursos
representados pelo imposto sindical (FONTES; MENDONÇA, 1994, p. 24-25).
O próprio controle da própria política econômica foi concedido aos adeptos do
liberalismo econômico e da ortodoxia, em sua maioria, ligados ao IPES. Foi o caso de
Roberto Campos22, que assumiu o posto de Ministro do Planejamento em 1964. Roberto
Campos era um empresário, antigo professor da Escola Superior de Guerra (ESG)23 e tinha
<http://legislacao.planalto.gov.br/LEGISLA/Legislacao.nsf/viwTodos/202B08FB80199464032569FA005A8827?Opendocument>. Acesso em: 01 ago. 2011. 22 Roberto Campos participou, na verdade, da criação de uma série de órgãos técnicos e acadêmicos no campo da economia, como, por exemplo, a criação do Escritório de Pesquisa Econômica e Social Aplicada (EPEA), hoje IPEA. Criado sob seu ministério, o IPEA teve como primeiro presidente João Paulo dos Reis Velloso (1967-1969) e que integrou, entre 1968 e 1969, o Conselho Federal de Educação (CFE) e o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Foi ministro do Planejamento entre 1969 e 1974, coordenando a elaboração do Programa de Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1985). 23 A ESG atuou, dentro e fora da corporação militar, na redefinição do conceito de segurança, na medida em que passou a apontar para um inimigo interno, o comunismo, facilmente capaz de cooptar o povo brasileiro, dado seu atraso em termos de desenvolvimento social, econômico e cultural. Segundo Fontes e Mendonça (1994), daí a prioridade que assumiria o binômio
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ligações com a Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas (Consultec)24, um dos
agentes coletivos mais importantes na administração econômica e política brasileira
empenhados nesse tipo de modernização-conservadora. No Ministério da Fazenda assume
Otávio Gouveia de Bulhões, também ligado ao IPES e a uma série de Companhia e grupos,
bem como a consultorias técnicas (Consultec). É sob o comando de Campos que se elabora o
Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), orientando, assim, o saneamento da
economia, combatendo a inflação. Se o primeiro eixo dessa política foi o arrocho salarial, o
segundo dependia de uma orquestração entre governo e iniciativa privada bastante afinada,
permitindo o controle dos preços. Tal iniciativa foi inicialmente conduzida por intermédio do
tabelamento pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), que só concedia aumentos
quando havia elevação dos custos.
Desse modo, favorecia-se indiretamente as grandes empresas oligopolistas que se
tornavam – por sua eficiência – padrões de estabelecimento dos preços e, com este
movimento, estrangulava-se pequenas e médias empresas25, menos eficazes na manutenção
dos custos em um mesmo patamar. Por último, tentou-se a contenção fiscal pelo caminho do
aumento da arrecadação, seja pelo aumento das tarifas dos serviços públicos, seja pelo
aumento das taxações indiretas, como os casos do Imposto sobre Produtos Industrializados
(IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), além do reajuste monetário para os
débitos previdenciários e fiscais. Claro que esta também foi uma das vias pelas quais se
favoreceu a grande empresa, que produzia com menores custos por unidade, completando o
circuito de monopolização da economia e “saneando-a”, preparando o “milagre”. Este aspecto
segurança – desenvolvimento que sustentaria o fortalecimento do Estado e a autonomia e equipamento das Forças Armadas que, no limite, definia um novo papel – expandido - para os militares, em um processo que se constrói a partir da conjugação de setores da corporação militares que conduziu ao Golpe, e que se articulava à dominância do grande capital, e especialmente, do capital estrangeiro. 24 Também conhecida como Companhia Sul-americana de Administração e Estudos Técnicos. A Consultec era, segundo Dreifuss (1987), o mais relevante e mais vitorioso escritório técnico e formava o que ele denomina, inspirado nas ideias de Fernando Henrique Cardoso, um anel burocrático-empresarial em si mesmo. Escritórios técnicos, de acordo com Dreifuss (1987), foram criados no decorrer da década de 1950 “[...] como consequência lógica da consciência empresarial da necessidade de planejamento, perícia técnica e administração eficiente, o que parecia ser obtido através dessas agências especializadas” (1987, p. 83). Além disso, os escritórios técnicos eram um importante ponto de apoio para os interesses multinacionais e associados, na medida em que estes tinham a necessidade de penetrar a um novo mercado, lidando com uma legislação populista e uma burocracia nada fácil. E ainda, porém, não menos importante, também serviram de mediação para a construção da solidariedade do bloco multinacional e associado, realizando a ponte entre as visões individuais dos empresários e a visão de bloco. Ao mesmo tempo, estes escritórios funcionaram como agentes na construção dos anéis burocrático-empresariais. Fernando Henrique Cardoso denomina “anéis burocráticos” as alianças criadas entre os representantes do setor privado e os burocratas responsáveis pelas agências do Estado. Dreifuss justapõe a esta denominação o termo empresarial por duas razões: em primeiro lugar, boa parte dos burocratas era também de empresários, apesar de ocuparem cargos burocráticos. E, em segundo lugar, e quiçá mais importante, esse permite atentar para o fato de que tais anéis talvez sejam mais permanentes do que a expressão cunhada por Fernando Henrique Cardoso tende a projetar, favorecendo setores empresariais específicos, apoiando laços mais regulares com estes, em detrimento de outros setores da sociedade civil. 25 Aqui é fundamental pensar como as empresas de educação superior que emergem e crescem entre meados dos anos 1960 e 1970 estão ligadas a este movimento de concentração de capital. Deste modo, aquelas instituições que chegassem a um determinado tamanho, variável de local a local, de região a região, teriam tido um percurso privilegiado.
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é mais comentado. Contudo, outro lado desse movimento é menos discutido, embora possua
relevância: a criação de uma série de subsídios ao capital, sob a forma de créditos e incentivos
fiscais, o que obrigava a que o Tesouro Nacional funcionasse como capital financeiro,
segundo Fontes e Mendonça (1994). Esse mesmo mecanismo entraria em cena também no
setor educacional, e na educação superior, especialmente, financiando o crescimento das
instituições, em menor ou maior medida, pela via de instrumentos financeiros mais
sofisticados, como: programas, fundos, isenções fiscais e previdenciárias. Oliveira e
Mazzucchelli (1977), ao analisarem a política econômica da ditadura militar em termos das
relações entre os três Departamentos da estrutura produtiva no Brasil, afirmam:
Uma reforma fiscal audaciosa adequou as receitas do Estado à nova quantidade e qualidade da estrutura de produção, com a preeminência dos setores e ramos do Departamento III, ao mesmo tempo em que uma política de incentivos e de créditos fiscais fazia retornar parte do excedente captado pelo Estado como capital gratuito para as empresas que, conseguindo a façanha de pagar os novos impostos ampliados, os recebiam de volta sem juros e sem obrigações de retorno. Essa forma extremamente nova de capital financeiro geral administrado pelo Estado é característica da fase monopolista do capitalismo no Brasil. Ao mesmo tempo, e funcionando exatamente na qualidade de capital financeiro geral que se converte em pressuposto e garantido do capital financeiro privado, o Estado entra no mercado de capitais através das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional e das Letras do Tesouro Nacional, ampliando de forma radical o que já se havia enunciado na gestão Carvalho Pinto, da Presidência Goulart. Ao invés da formação de uma acumulação financeira, no estilo da teorização de Hilferding, e que entre nós foi sustentada por Maria da Conceição Tavares, que partisse dos ativos reais do setor privado e, como forma específica da mais-valia, ativasse a circulação do capital-dinheiro, a prática segue as pistas das sugestões de Ignácio Rangel; o próprio Rangel havia sido, quando assessor da gestão Carvalho Pinto, o inspirador do lançamento das primeiras Letras do Tesouro Nacional. Ao invés de uma acumulação financeira privada, o Tesouro Nacional funciona como o capital financeiro geral, como o pressuposto do lucro privado. Essa inovação não pode sequer ser menosprezada, se se quer entender profundamente o caráter real da economia brasileira, as imbricações Estado-empresas numa etapa monopolista (OLIVEIRA; MAZZUCCHELLI, 1977, p. 124-125, grifos nossos).
A citação talvez seja demasiadamente longa, todavia, é importante porque aponta para
as formas de financiamento da acumulação privada oriundos do Estado, além de assinalar a
emergência do mecanismo de sequestro do fundo público pela acumulação capitalista
monopolista no Brasil. Esse mecanismo será cada vez mais ativo e, por meio das próprias
contradições que engendra, desempenhará um papel decisivo na direção da acumulação a
partir da crise dos anos 1970. Pode-se perceber a importância desse mecanismo de
financiamento para a expansão do setor privado da educação superior e, dentro deste, com
destaque para as IES de tipo privado-mercantil ao longo de suas trajetórias, pela via das
isenções ficais e tributárias que serão estendidas ao setor a partir de meados dos anos 1970.
Repare-se que a primeira fase da ditadura civil-militar concretiza uma política
econômica que favoreceu o grande capital, mas, ao fazê-lo – e, talvez, para realizar tal feito –
dependeu largamente da progressiva concentração de poder no Executivo militarizado,
60
passando pelos Atos Institucionais, pela promulgação da Constituição de 1967, e levada a
cabo, no final das contas, pela edição do Ato Institucional nº 5, no final de 196826.
Entre 1968 e 1974, a economia brasileira vivenciaria o período do denominado
“milagre econômico” suportado pelos recursos do mercado financeiro internacional e pelo
favorecimento das multinacionais na estrutura industrial do país, - calcada, por sua vez, no
papel econômico do Estado -, o que, em certos momentos, despertou o clamor da burguesia
industrial, no sentido de exigir o controle deste capital ou vantagens semelhantes. Em 1973,
de certo modo conectado à emergência da crise estrutural do capital (Mészáros, 2009), as
inversões se esgotam e, mesmo sob a assunção dos riscos dos investidores pelo Estado, nada
parecia indicar a sustentação de tal patamar de investimentos.
Uma das tentativas de legitimar o regime militar durante o período Médici, apoiada no
binômio segurança – desenvolvimento era conectá-lo com a eficiência econômica e financeira
do “milagre”, o que se sustenta entre 1968 e 1974. A crise do petróleo e a diminuição dos
ritmos da economia internacional deixaram às claras os problemas contidos na própria
fórmula do “milagre”, que era a do Estado como financiador da lucratividade das empresas
oligopolistas, tornando-se o grande tomador de empréstimos, com os quais financiava a
importação de equipamentos das empresas estatais e repassava créditos ao setor privado,
como os repasses realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a
taxas de juros negativas (FONTES; MENDONÇA, 1994, P. 54-55).
Nesses termos, fica patente que uma acumulação deste tipo se viabilizava enquanto o fluxo de divisas equivalesse ao excedente de capitais expatriado. Caso contrário, o “círculo vicioso” emperrava, tornando-se o financiamento externo fator de estrangulamento do sistema, o que ocorreu por volta de 1973-74 (FONTES, MENDONÇA, 1994, p. 55, grifos das autoras).
Ressalte-se que os resultados, em termos de eficácia econômica, de tal padrão de
acumulação formariam a base do argumento legitimador do regime ditatorial. Claro: a crise
do milagre significava também a crise de tal legitimação. O II PND, iniciado na gestão Geisel,
buscaria a reorientação do padrão de acumulação, na tentativa de manter as taxas de
crescimento vigentes até 1973, com papel predominante das empresas produtivas estatais, que
deveriam capitanear o processo de substituição da predominância do setor de bens de
consumo duráveis pelo de bens de produção. Claro que tal processo esbarrou tanto na
conjuntura internacional – com grande impacto sobre a conta financeira do país – quanto em
26 Esta expansão dos papéis dos militares sobre as instituições políticas está na base de uma série de contradições que se expressariam, no final das contas, na abertura lenta e gradual definida entre 1974 e 1982. O AI-5, suspendendo todas as garantias constitucionais e individuais, teve como objetivo por fim aos movimentos de oposição constituídos, como o caso do movimento estudantil, por exemplo. De acordo com Fontes e Mendonça (1994), a contrapartida foi a percepção de que o regime ditatorial, percebido como fortalecido desde então, só poderia ser derrubado pela resistência armada. Essa percepção teria alimentado a emergência das guerrilhas urbana rural a partir de 1969.
61
uma obstacularização pelas forças internas, uma vez que tal mudança atrelava-se a uma
redefinição das correlações de força no interior do bloco no poder.
Através de uma série de medidas, tentou-se implementar, segundo Fontes e Mendonça
(1994), estas diretrizes, que, todavia despertaram uma série de resistências e contradições:
desviar os recursos financeiros do setor de bens duráveis de consumo, atraindo-os, por
intermédio de compensações variadas, para outras áreas, como siderurgia, hidrelétrica,
química básica e mineração; redução do consumo, pelo Estado, de duráveis para reduzir o
capital de giro destas empresas; imposição da restrição de crédito direto ao consumidor;
aumento do controle público sobre os fluxos de investimento, transferindo para o BNDE os
fundos de poupança compulsória; a definição dos novos pólos industriais fora do eixo do
Sudeste. A isto, deve-se acrescentar a especulação financeira produzida pela valorização, pelo
Estado, de seus próprios papéis, como a Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTN) e as Letras do Tesouro Nacional (LTN), na tentativa de obter recursos para os novos
projetos. Esse procedimento ampliava a dívida interna do governo, o aumento da inflação, a
consequente desvalorização do câmbio, o que, no fim, encarecia o serviço da dívida externa.
Se, de certo modo, o II PND, pelo papel desempenhado pelas grandes empresas
estatais, serviu à relativa estabilização econômica do país, em seus objetivos mais amplos o
Plano fracassou. De acordo com Fontes e Mendonça (1994), em termos econômicos, qualquer
tentativa de conjugar, naquela conjuntura, a alteração do padrão de acumulação com a
preservação das taxas de crescimento seria vã, especialmente ao se levar em consideração a
dívida externa de 25% do PIB. Esse processo favoreceria a hipertrofia do setor financeiro, que
diminuía a eficácia da política econômica ao reduzir sua margem de manobra. Em termos
políticos, as mudanças propostas acabaram por acelerar as disputas no interior do bloco no
poder, levando a um realinhamento das frações prejudicadas pelos cortes e redirecionamentos,
dificultando novas medidas.
Entre 1976 e 1977, a especulação financeira se tornava o norte da economia brasileira,
envolvendo diferentes frações da burguesia e aprofundando a recessão pela redução dos
investimentos produtivos. Nesta tese, defende-se que ela deve ser vista também no bojo de
um movimento mais geral de financeirização mundializada que então se forjava.
A questão mais séria, na difícil administração da crise brasileira, era o afluxo permanente de empréstimos externos, pois aí se revelava a “armadilha” embutida na política econômica adotada. Uma vez que os juros internos eram mais altos que os vigentes no mercado internacional, o Banco Central, para captar os cruzeiros necessários à conversão da moeda estrangeira, tinha que pagar por eles de acordo com as taxas aqui vigentes. Gerava-se o que Luciano Coutinho chamava de “hiato” financeiro da operação da dívida pública (apud Mendonça, 1986), levando água ao moinho do endividamento interno e da inflação. As tensões sociais se agravavam (FONTES; MENDONÇA, 1994, p. 64).
62
Importa aqui ressaltar o papel que tal incremento do endividamento interno – e externo
– e da inflação teria em termos da travessia dos anos 1980 e da adoção do credo neoliberal na
década de 1990, a partir do clamor conservador pela intervenção do FMI. A resposta do
governo foi a desaceleração da economia e, portanto, o aprofundamento da recessão e a
ruptura no pacto de dominação que sustentava as bases do regime militar, com clivagens entre
as frações bancária e industrial do capital, e mesmo no interior da fração industrial, bem como
em relação às demandas do setor agrário. Desde esse período, uma política econômica
contencionista seguiria até 1984, atravessando gestões como a de Simonsen, sem, contudo,
conseguir controlar os rumos da economia e acumulando descontentamentos. Essa
insatisfação seria, entretanto, catapultada pelas manifestações oriundas da classe trabalhadora,
por volta de 1978, absolutamente arrochada pelo baixíssimo nível dos salários, pela
segregação espacial e pela falta de participação política.
É muito comum que se fale dos anos 1980 como a década perdida. Entretanto, basta
um olhar um pouco mais cuidadoso para que se possa compreender a importância deste
período na configuração dos atuais (des)caminhos da vida social no Brasil. De acordo com
Camara e Salama (2005, p. 202), essa década foi perdida para a maioria dos países com
economia em desenvolvimento (PED) por causa do “[...] peso da dívida e da obrigação de
adotar políticas de ajuste impostas pelo FMI”.
No âmbito deste trabalho, este processo foi essencial na preparação para, nos anos
1990, a transformação do país como plataforma de valorização financeira. Marcado, de saída,
pelo esgotamento do modelo do milagre econômico, esse período também experimentou o fim
da ditadura civil-militar e a manifestação das organizações da sociedade civil disputando
projetos societários27. O que parece garantir a especificidade do caso latino-americano e
brasileiro é que o processo de abertura política, nos anos 1980, coincide com mudanças
sensíveis no plano econômico e político mundial, oriundas da crise de acumulação capitalista
da década de 1970, que parece emergir do esgotamento da capacidade do modo fordista-
keynesiano de conter as contradições do modo de produção capitalista.
27 Aqui se gostaria de ressaltar dois pontos sobre essas disputas que seriam extremamente importantes em termos do sentido das lutas e de definição de estratégias e táticas. O primeiro ponto a abordar é o quanto estas lutas se concentraram, ou foram levadas a se concentrar, em torno da redemocratização da política, o que, de certo modo, acaba por encapsular as lutas neste horizonte de transformação das formas de governo, embora se reconheça a estas lutas a sua importância. Todavia, definir como objeto das estratégias o restabelecimento da normalidade democrática é, necessariamente, reduzir o escopo das lutas. A segunda observação é de que, neste processo, a sociedade civil acabou sendo definida como lócus virtuoso em oposição ao espaço estatal, definido como corrupto, autoritário e ineficaz. Estes significados não são neutros ou ingenuamente produzidos, mas são partes fundamentais das disputas societárias então em questão. Talvez, essa leitura tornando-se socialmente consensual tenha dado base às eleições de Collor e FHC que, em suas práxis discursivas, adotaram essa significação de modo explícito e, muitas vezes caricatural, vide a imagem “collorida” do Estado Paquiderme.
63
É, portanto, no bojo deste processo que se disputará o novo regime político e os novos
rumos da economia no Brasil, bem como a direção e o sentido dos projetos societários e
educacionais. Florestan Fernandes já alertava, nos anos 1980, para a necessidade de atentar
para o sentido com que determinadas bandeiras dos movimentos societários estavam sendo
conduzidas, sob pena de não se perceber com clareza os movimentos de ressignificação e
cooptação que os poderes políticos e econômicos ensejavam na tentativa de manterem
intocado seu status e alguns de seus privilégios. É deste modo que a abertura não resultou de
um processo de ruptura, mas de um processo que, conduzido pelo alto, de forma lenta, gradual
e segura, perante uma inédita organização da sociedade civil, muda antes que a mudança seja
feita pelos debaixo.
Assim, a Assembléia Nacional Constituinte pode ser pensada como lócus e expressão
das lutas que atravessaram os anos 1980 em termos de construção de direitos civis, políticos e
sociais. Esse ponto fica bem claro tanto ao se observar as práticas e os trâmites dos
congressistas, dos partidos, dos lobistas, bem como os impasses que aparecem no próprio
texto constitucional. É o caso, por exemplo, da destinação das verbas públicas para a
educação.
Apesar da luta aguerrida pela destinação da verba pública para a escola pública, o
lobby privatista e seus representantes no Congresso Nacional conseguem garantir que tal
dispositivo seja derrotado e fique fora do texto constitucional. Por isso, denominar-se-á os
direitos sociais conquistados com a Constituição promulgada em 1988 de “conquistas
obstacularizadas”, na medida em que sua aparição no plano formal, legal, não se
consubstanciou em concretização ampla, sendo aplacada rapidamente pelas mudanças
oriundas das reformas de cunho neoliberal que afetarão amplamente as instituições
republicanas democráticas recém-transformadas.
Desse modo, o texto constitucional apresenta avanços e retrocessos no que tange à
questão da educação em geral, e à educação superior, em particular. De um lado, define a
educação como direito social, a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão como atividade-
fim da instituição universitária e aponta para uma necessária mudança em termos de padrão
educacional. Por outro, deixa abertas brechas para a destinação de fundo público para as
instituições privadas de educação, revelando a capacidade de articulação política do setor, os
anéis de poder (tecno)burocrático-empresariais28 e a recomposição, agora sob capa
28 Dreifuss (1987) utiliza a expressão anéis de poder burocrático empresariais, inspirado na obra de Fernando Henrique Cardoso e em sua conceituação de anéis burocráticos. Para este, os anéis burocráticos representam as ligações entre interesses econômicos e políticos concretizados de modo mais sofisticado no período militar, quando as relações políticas centralizam-se ainda mais no interior do Estado e com a atuação de funcionários públicos tecnoburocratas. Dreifuss (1987) acrescenta a
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democrática, de velhas dinâmicas do poder econômico e político. É possível, observando o
texto da Constituição Federal de 1988, ver, vis-à-vis, os imensos passos da esquerda para
arrancar algumas importantes garantias, e, como afirma Dreifuss (1989), o jogo da direita na
Nova República a minar, lenta, mas firmemente, essas conquistas. As forças políticas e
econômicas dirigentes e dominantes criariam um cenário que levaria, nas primeiras eleições
presidenciais diretas após a ditadura empresarial-militar, uma figura como Collor – ligado
tanto às oligarquias rurais quanto a grupos oligopolistas de mídia - à Presidência da
República.
Deste modo, a ditadura civil-militar brasileira, embora se expresse exatamente, tal
como afirma Coutinho (2007), como repressão sem hegemonia, característica do que Gramsci
caracterizou como “sociedades orientais”, foi montada a partir de um importante aparato de
direção de frações das classes dominantes sobre as outras, mas com uma seletividade que se
organiza pela desativação e/ou repressão das organizações populares da sociedade civil, no
que acabaria sendo, de certo modo, mal-sucedida, pois, ao desenvolver a ordem capitalista no
país, produziu uma composição societária mais complexa, gerando a diversidade, a
pluralidade de interesses necessária à conformação de uma sociedade civil desperta e
organizada, e que, no final dos anos 1970, junto ao esgotamento do modelo do “milagre
econômico”, expressaria seus anseios. Ou seja, tanto nos anos imediatamente anteriores ao
Golpe de 1964, quanto no período que o segue, pode-se perceber como se (re)constroem os
aparelhos de hegemonia das classes dominantes, bem como de suas respectivas frações de
modo bastante organizado, do que o próprio IPES é uma das expressões.
Assim, os conceitos de padrão de desenvolvimento dependente e o padrão compósito
de hegemonia burguesa constituem-se como elementos centrais para o entendimento do
caráter dependente - tanto passado quanto atual - do ensino superior no Brasil. A instituição
universitária no país, nascida como cópia dos modelos e conhecimentos gerados na Europa,
guardava os dilemas oriundos da composição conservadora da burguesia em relação ao
próprio desenvolvimento do capitalismo, que reivindicava a modernização do ensino superior
em dois sentidos: na formação qualificada da força de trabalho e como elemento de
formatação ideológica. De acordo com Lima (2006), os anos 1960 marcam as disputas em
esta denominação o termo empresarial por suas razões que cuida de explicitar. A primeira é que a maioria dos burocratas, como visto acima e profundamente analisado por Dreifuss, eram empresários ocupantes de funções burocráticas. A segunda é que Dreifuss aponta para uma maior permanência desses anéis e para o favorecimento, quase sempre, de interesses empresariais contra o de outros grupos empresariais. Optou-se aqui por sugerir, a partir das análises de Dreifuss e tomando como válida a sua redefinição da ideia, uma aproximação mais estreita e estável entre a burocracia-empresarial, a tecno-burocracia e o mercado, construída a partir da ditadura e que passa quase incólume pela abertura e pelos anos 1990. Vislumbra-se esse retrato no caso do CFE, ao longo dos anos 1970, e do CNE, na década de 1990, por exemplo.
65
torno da direção da educação superior no Brasil: enquanto professores e estudantes
confrontavam-se com o padrão dependente de educação superior, tendo como objetivos a
efetiva democratização do conhecimento e a remodelação da estrutura interna das instituições
de ensino superior, as frações variadas da burguesia buscavam submeter o “terceiro grau” a
seus interesses. Pode-se definir padrão dependente de educação como o padrão educacional
engendrado pelo lugar subordinado do Brasil na divisão internacional do trabalho e pelo modo
de organização da luta de classes característico da formação econômico-social brasileira29.
Como contra-revolução burguesa30, o que se produziu foi uma orientação na direção de uma
“reforma universitária consentida” (FERNANDES apud K.LIMA, 2007), em conjunção com
os interesses da burguesia que moldaria as modificações de acordo com sua perspectiva31.
A reforma universitária conduzida pelo regime militar modificou a estrutura
organizacional e institucional das universidades32 sem operar, no entanto, nenhuma ruptura
com o padrão dependente de ensino superior, atendendo, deste modo, aos interesses da
burguesia em estimular o crescimento econômico – o “milagre econômico” – e modernizar –
sem transformar, ou modificando, dentro de um padrão dependente - a educação33. Esse
padrão dependente de educação superior será explorado a seguir.
1.2 A educação superior brasileira na ditadura civil-militar
A trajetória da UNESA está ligada a uma dinâmica que articula o tipo de modelo de
desenvolvimento dependente estabelecido durante o regime civil-militar, a política de
contenção ensejada pelo regime no que diz respeito à expansão do setor público da educação
superior, a progressiva hegemonia privatista no discurso e na prática do CFE e o papel do
empresariado da educação na elaboração das bases de uma capacidade de pressão sobre o
sentido das políticas de educação no Brasil, bem como de penetração na formulação dessas
mesmas políticas, de maneira cada vez mais organizada e complexa.
29 Ver LIMA, K. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007, 206p. 30 De acordo com K. Lima (2006), seguindo Marx e Engels, a burguesia possui, contraditoriamente, potencial revolucionário, na medida em que historicamente assumiu seu papel de classe que conduziu ao rompimento com a ordem feudal. Mas, uma vez tornada classe dominante, a burguesia desencadeia um conjunto de práticas para impedir qualquer revolução contra seu poder de classe. 31 Estes interesses foram delineados no relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho, constituído pelo Decreto n° 62.937/1968, sob a batuta do ministro Tarso Dutra, do qual fizeram parte membros do CFE e professores universitários. Ver CUNHA, L. A. A universidade reformanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, 332p. e LIMA, K. “Capitalismo dependente e ‘reforma universitária consentida’: a contribuição de Florestan Fernandes para a superação dos dilemas educacionais brasileiros”. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley; Siqueira, Ângela Carvalho de (Orgs.). Educação Superior: uma reforma em processo. São Paulo: Xamã, 2006, p. 19-42. 32 Segundo Cunha (1988), estas reformas implicaram na adoção do modelo norte-americano de gestão acadêmica, efetivada principalmente junto ao Conselho de Reitores. Tratar-se-ia da racionalização dos recursos humanos e materiais bem como da organização estrutural da universidade em departamentos como unidade central e do regime de disciplinas por crédito. 33 De acordo com Cunha (1988), o enrijecimento da ditadura militar a partir do AI-5 permitiu uma imposição da direção da reforma universitária na direção já esboçada anteriormente, atendendo aos interesses privatistas.
66
É importante ressaltar, entretanto, que o início do século XX traz consigo uma série de
lutas e disputas em torno da educação superior, de seu direcionamento, do seu sentido e de
sua especificidade, especialmente a partir de 1930. Deste modo, o período entre 1930 e 1964 é
marcado por um modelo político de tendências populistas e por um modelo econômico de
acordo com o qual se busca desenvolver a industrialização nos marcos da dependência,
conforme já tratado no item anterior. Entretanto, esse modelo econômico e político também
gerou novas demandas educacionais, concomitantes a ampliação e o acirramento das disputas
em torno da educação e, mais especificamente, da educação superior, por conta de sua maior
proximidade com o mercado pela via da formação profissional que aí se realiza.
Um dos traços centrais da educação superior brasileira é a aparição tardia da
instituição universitária, e sua formação pelo processo de conglomeração de instituições
anteriormente existentes. Somente com a legislação elaborada em 1931 por Francisco
Campos, forja-se uma concepção oficial de universidade, que se torna o modelo preferencial
para o ensino superior, admitindo-se, entretanto, as instituições isoladas.
Como visto anteriormente, a Revolução de 1930 demarca uma clivagem nos regimes
de dominação, com a marcada passagem à industrialização e a um padrão de dominação
burguesa que, entretanto, se compõe com a antiga ordem oligárquica. Assim, a reforma da
educação superior, embora impulsionada por projetos renovadores em movimento desde os
anos 1920, será claramente resultante das contradições entre os projetos educativos das
frações das elites dominantes nas estruturas de poder. Romanelli (2007), em sua análise de
como a expansão dos sistemas educacionais, naquele momento (e depois) se fez à custa de
uma ampliação do fosso entre educação e desenvolvimento no Brasil, elabora um panorama
interessante do primeiro período Vargas (1930 – 1945). Deste modo, mostra a autora como
entre 1930 e 1937, predominam, no setor educacional, as reformas empreendidas por
Francisco Campos e a luta ideológica irrompida entre “pioneiros” e conservadores.
Esse movimento renovador, como afirma Romanelli (2007), já se apresentava desde os
anos 1920, com a tentativa de implantar novas práticas acerca do ensino como resultado da
influência de ideias vigentes nos Estados Unidos e Europa, reunidas, mais ou menos
impropriamente, sob a denominação “Movimento de Escolas Novas”. Desde 1922, seguiram-
se também reformas estaduais de ensino, que seriam o prelúdio das reformas nacionais dos
anos 1930. Esse movimento culminaria na organização da Associação Brasileira de Educação
(ABE), em 1924. A ABE organizou várias Conferências Nacionais de Educação, desde 1927,
sendo especiais a IV e a V, das quais saíram os princípios para a redação do “Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nacional”, resultado de debates importantes de temas como:
67
gratuidade e obrigatoriedade do ensino, a laicidade, a co-educação e o Plano Nacional de
Educação. Em termos ideológicos, as conferências realizadas pela ABE eram espaços de
conflitos e disputas entre duas correntes opostas: os reformadores – defensores dos princípios
supracitados – e o grupo hegemonizado pelos católicos, que viam na interferência do Estado
na educação, bem como na laicidade e na co-educação, uma ameaça aos valores católicos.
Como afirma Romanelli (2007), na realidade, essa posição em defesa da educação
confessional tinha como horizonte a tentativa de manutenção dos monopólios estabelecidos e
que seriam ameaçados a partir da presença do Estado.
Assim, no caso da educação superior, o grande embate se realizou em torno das lutas
entre as elites católicas e laicas, dentre as quais se destacava os pioneiros da Escola Nova. No
bojo desta luta, nasceriam a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), em
1944, abrindo caminhos para uma série de outras universidades católicas que seriam fundadas
desde então, ao mesmo tempo em que, é lançado o “Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova”, assinado por 26 educadores e intelectuais engajados na questão educacional.
Defendendo a escola pública, gratuita e laica, recomendavam às universidades a integração
entre ensino e pesquisa. Nesse movimento de discussão e por força das tentativas de
renovação da educação superior, são criadas, em meados dos anos 1930, as primeiras
universidades brasileiras.
A rigor, a primeira organização do ensino superior de tipo Universidade do País foi
criada no bojo desse processo: em 1920, por determinação do Governo Federal, foi formada a
Universidade do Rio de Janeiro, que, todavia, foi o resultado da conglomeração de três
escolas superiores existentes no Rio de Janeiro: a Faculdade de direito, a Faculdade de
Medicina e a Escola Politécnica34. O mesmo modelo conglomerado emerge na formação da
Universidade de Minas Gerais, em 1927, junção das Escolas de Direito, Engenharia e
Medicina.
Com o Estatuto das Universidades Brasileiras, decretado em 11 de abril de 1931,
adotou-se o regime universitário para o ensino superior. Em seguida, reorganizou-se a
Universidade do Rio de Janeiro. Entretanto, a primeira universidade criada de acordo com o
Estatuto das Universidades foi Universidade de São Paulo (1934), seguida pela Universidade
do Distrito Federal (1935), criada por Anísio Teixeira e com o claro intuito de romper com o
modelo por aglutinação de escolas isoladas de cunho profissionalizante que eram então
predominantes. A Universidade do Distrito Federal teve curta vida: foi incorporada a
34 Em 1912, já havia sido criada a Universidade do Paraná que, todavia, não foi reconhecida na época pelo Governo Federal. Isso só aconteceu em 1946. Ver Romanelli, 2007.
68
Universidade do Brasil35 em 1939. Daí em diante, começam a surgir outras instituições
universitárias, públicas e privadas, totalizando 46 universidades em 1969. Entretanto,
observando-se o período que se estende até 1964, verifica-se ainda um predomínio das
matrículas no setor público em relação ao setor privado.
Assim, em 1945, o ensino privado absorvia 48% das matrículas, possuindo 63% dos
estabelecimentos (C.B MARTINS; VELLOSO, 2002, p. 803). Entre 1945 e 1960, todavia,
houve um decréscimo relativo na participação do segmento privado, atingindo este, em 1960,
apenas 41% das matrículas (C.B. MARTINS; VELLOSO, 2002, p. 804). Tal fato seria
explicado pela criação de algumas universidades estaduais e pela posterior federalização de
algumas instituições privadas. Além disso, segundo estes mesmos autores, esse período
também demarcaria um processo de desconcentração regional das instituições privadas, antes
concentradas no eixo Rio-São Paulo, e que se desenvolveram pelo território nacional,
incluindo Bahia, Minas Gerais, Paraná e Goiás. Outro traço importante da atuação das
instituições privadas foi sua concentração na formação de profissionais liberais nas áreas
Medicina, Direito, Odontologia, e Ciências Econômicas36.
Como revela Romanelli (2007), definiu-se no período uma mudança nos caminhos de
ascensão da classe média, na medida em que a concentração de capital, de renda e de marcado
bloquearam a via do negócio ou da atividade profissional próprios. Cria-se, assim, um
contexto em que se projeta uma crescente demanda por pessoal – expressão do crescimento
econômico – e uma crescente oferta de trabalho por parte das camadas médias. A relação
entre tais fatores seria mediada pelas exigências de qualificação que modificariam a face do
sistema educacional, embora de modo extremamente lento. Um fator que se destaca, no final
da década de 1940, na configuração dessa demanda: a presença do capital estrangeiro que
desgasta progressivamente as bases de qualquer discurso nacionalista, levando ao golpe que
alija Vargas do poder e abre os caminhos da definitiva internacionalização da economia
brasileira. É esta a marca, aliás, do governo JK: a aceleração do crescimento industrial, com a
imensa presença do capital estrangeiro e uma política de massas supostamente nacionalista.
Assim, em meados da década de 1950, já começa a se desenhar com clareza um quadro em
35 A Universidade do Rio de Janeiro, fundada em 1920, foi transformada em Universidade do Brasil em 1937. Ver Romanelli, 2007. 36 As IES privadas continuam concentradas na atuação nessas áreas, especialmente do Direito, das Ciências Econômicas e da Administração. Essas áreas se caracterizam pelo baixo custo na oferta dos cursos. Os cursos de Medicina e de Odontologia, entretanto, não sofrem o mesmo tipo de expansão por uma série de razões, dentre elas as restrições em termos de abertura de cursos apenas na sede, bem como aquelas relativas aos custos destes cursos, que permanecem, portanto, como opções elitizadas. De acordo com o resumo técnico do Censo da Educação Superior de 2009, os quatro primeiros cursos em número de matrículas (presencial e a distância) são: Administração, Direito, Pedagogia e Engenharia, concentrando quase metade do total de matrículas. No caso ora analisado, a Estácio de Sá começa como Faculdade exatamente na área do Direito.
69
que, por um lado, reforça-se a industrialização bem como se amplia o setor de serviço que lhe
é correlato, o que seria de grande interesse para as camadas médias.
Segundo Romanelli (2007), essa lentidão está na base da crise experimentada pelo
sistema educacional ao longo dos anos 1960 e que só receberá a primeira resposta enérgica
com a Reforma de 1968. Pode-se observar, entretanto, já entre 1955 e 1961, algumas
novidades também algumas tentativas, se não de solução, mas de contenção da crise,
culminando na promulgação da LDB em 1961. Por exemplo, reverberando a expansão do
ensino público médio e a necessidade de formação de professores daí advinda, os cursos
superiores ampliam sua diversificação, passando a atuar na formação de professores nas
faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, como um primeiro efeito deste processo. Todavia,
o ensino superior privado inicia a década de 1960 concentrando 41% das matrículas, o que
demonstra a ainda presente hegemonia do setor público na educação superior.
Em 1961, é promulgada, depois de 13 anos de uma tramitação extremamente
disputada na Câmara Federal, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ao
projeto de LDB apresentado por Clemente Mariani37 em 1946, o então deputado Carlos
Lacerda apresentou um substitutivo, no qual reivindicava um tratamento mais igualitário entre
ensino público e privado, baseando seu discurso na ideia de liberdade de ensino e na dos
direitos da família. Como afirma Romanelli (2007, p. 175), os resultados derivados da LDB
tal como promulgada são regressivos, prejudiciais mesmo, ao sistema educacional brasileiro,
na medida em que, na realidade, o objetivo do substitutivo de Lacerda era obter, do poder
público, proteção e regalia para as escolas privadas em detrimento das escolas públicas.
Assim, o substitutivo se valeu do discurso da liberdade de ensino e do direito da família sobre
a educação para angariar esse tratamento mais “igualitário”, especialmente em relação a uma
37 A título de ilustração, importa aqui ressaltar a trajetória do próprio Clemente Mariani, na medida em que esta espelha a construção dos tecno-empresários que ocupam o Estado brasileiro em larga medida a partir da crise do populismo e se articula ao bloco conservador-modernizante. Clemente Mariani foi advogado, jornalista, membro fundador do Partido Social Democrático (PSD) e deputado líder da bancada bahiana na Câmara, entre 1933 e 1934 quando, ao voltar de viagem à Europa, não consegue reassumir o cargo por conta do Estado Novo. Durante o período do Estado Novo, tornou-se um empresário, presidente da Cirb e proprietário da Companhia Usina Cinco Rios. Com a deposição de Vargas, decide se candidatar pela UDN, elegendo-se constituinte. Em dezembro de 1946, assume o ministério da Educação e da Saúde Pública no governo Dutra. Em 1950, preparando-se para concorrer ao Senado, deixa o ministério e reassume como deputado. Saí derrotado das eleições em 1951. Em 1951 asssume a presidência do Banco da Bahia. Em 1954, foi convidado por Eugênio Gudin – ligado a Escola Superior de Guerra (ESG) e a inúmeros membros do IPES - novo ministro da Fazenda, para ser presidente do Banco do Brasil, no qual permanece até 1955. Aproximou-se de Jânio Quadros e foi por este convidado a assumir o ministério da Fazenda, em 1961, só deixando o cargo com a posse de Jango. Em 1963, participou de seminário – “Reformas democráticas para um Brasil em crise” - organizado por membros do IPES e patrocinado pela PUC-SP e pela Associação de Dirigentes Cristãos de empresa (ADCE) que se apresentava como uma “resposta cristã à crise” (DREIFUSSS, 1987). “Com a posterior aprovação da Lei de Reforma Bancária e a criação de novas entidades autônomas para o exercício das atividades financeiras, Mariani promoveu a criação de um banco de investimento e de uma companhia financeira, ligados ao Banco da Bahia” (LATTMAN-WELTMAN; JALLES DE PAULA, 2010).
70
representação sua mais adequada nos órgãos diretivos do ensino e ao aspecto do
financiamento.
Se muitos elementos do substitutivo foram excluídos da sua versão final promulgada,
a antiga LDB não apenas não concedia centralidade à instituição universitária, como oferecia
um tratamento muito mais igualitário entre o ensino particular e público, o que terá
importantes reverberações, até hoje, na medida em que a isonomia que, mais tarde, será
definitivamente concedida às IES privadas em relação às públicas sustentará suas demandas
em relação ao financiamento público direto ou indireto (isenção), de modo cada vez mais
acirrado.
Sintetizando a história desse privatismo desde os anos 1930, passando pela aprovação
da LDB/6138 e pelo regime militar, Florestan afirma, no final dos anos 1980:
Os pensadores e os educadores católicos se lançaram à luta contra os pioneiros da educação nova. Os liberais revelaram o temor de que os ganhos na descentralização não fossem suficientemente compensados pelas ameaças da intervenção do Estado na organização do ensino (embora concordassem com o ideário democrático da “educação nova”). Os proprietários de escolas a pagamento entraram decididamente na liça, patrocinando interesses pedagógicos mais ou menos comerciais. Os educadores sustentaram suas posições com ardor. Mas não podiam fazer face aos ataques que vinham de várias direções. Tampouco puderam obstar que seu projeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional sofresse a interferência de governos e partidos. No contra-ataque, através de Carlos Lacerda, a Igreja Católica e as escolas particulares introduziram no Parlamento correntes de opinião que abalaram as linhas democráticas de defesa da escola pública, da democratização do ensino, da descentralização da organização escolar combinada com o planejamento educacional e da liberdade entendida como liberdade de ensinar e não como liberdade da escola. A privatização do público impôs-se em favor dos interesses particularistas, leigos e confessionais. Logo, se inicia o eclipse gradativo do ensino público, que se alçaria, sob a ditadura instaurada em 1964, em política de obsoletização provocada da escola pública e de reforço da acumulação de capital através do ensino concebido como mercadoria. Por sua vez, as escolas privatizadas comercializadas e as escolas católicas, em todos os graus, correspondiam à necessidade de uma modernização do ensino conservador, nos moldes das preferências consagradas pelos acordos MEC-USAID e pela filosofia da educação perfilhada pelo regime ditatorial (FERNANDES, 1989, p. 35-36, grifos nossos).
A antiga LDB também estabeleceu a criação do Conselho Federal de Educação (CFE),
em substituição ao Conselho Nacional de Educação (CNE), criado na Reforma Campos. O
CFE ganhou atribuições bastante significativas no que diz respeito à expansão da educação
superior privada, como se verá a seguir, na medida em que, inclusive, tinha como membros
representantes ou dirigentes das IES privadas (CUNHA, 2003), além de, após 1964, formatar
a política educacional autoritária, em especial após o progressivo afastamento dos educadores
liberais (CUNHA, 1989).
Importa, neste momento, reter que essas atribuições terão um papel fundamental no
crescimento hipertrofiado do segmento privado-mercantil da educação superior. O início dos
38 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1961. Disponível em: <http://wwwp.fc.unesp.br/~lizanata/LDB%204024-61.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2011.
71
anos 1960 também apresenta um novo momento, já em fins do governo JK, de criação de
novas universidades federais que, todavia, são formadas ainda pela conglomeração de
instituições isoladas, padrão com o qual tem imensa dificuldade em romper e que compõe, ele
mesmo, parte da formação universitária brasileira como universidade conglomerada, como
afirmará Fernandes (1989).
A criação, em 1962, da Universidade de Brasília (UnB) sinaliza a tentativa de superar
este padrão conglomerado e promover uma integração verdadeira entre ensino e pesquisa que
gerasse uma universidade moderna. Mesmo com suas crises, em meio à repressão por parte da
ditadura civil-militar de 1964, a UnB funcionará como um horizonte a uma série de medidas
introduzidas em algumas universidades, bem como elementos de sua composição serão
absorvidos pela Reforma do Ensino Superior de 1968.
Entretanto, é importante ressaltar que, em meados dos anos 1960, o sistema
universitário, ainda bastante carente de uma tradição de organicidade entre pesquisa e ensino,
contava com 35 instituições (C.B MARTINS; VELLOSO, 2002, p. 808), sendo a maior parte
pertencente ao setor público. Desde o início da década, eclodiria um movimento visando a sua
reforma, movimento este forjado basicamente pelos estudantes e alguns docentes e
pesquisadores, na tentativa de modernizar o sistema. A famosa “questão dos excedentes” seria
aí decisiva dada a sua visibilidade e efeitos sobre as famílias. Deste modo, delineava-se a
modernização pela crítica ao regime de cátedra, pela necessidade de integração entre
produção de conhecimento e formação profissional. Esse ponto fica bastante claro nas
reivindicações da União Nacional dos Estudantes (UNE), formalizadas a partir do primeiro
Seminário da Reforma Universitária. Seriam seus objetivos: a abolição da cátedra vitalícia, a
realização de concurso público para a admissão de docentes, a promoção na carreira docente
através de julgamento de mérito a ser realizado pelos pares, a autonomia administrativa,
didática e financeira da universidade e a participação dos discentes em sua administração em
regime de proporcionalidade. Em 1962, o movimento estudantil deflagraria a greve de 1/3 a
fim de pressionar pela participação discente na administração das instituições universitárias.
Tais críticas também partiriam de professores universitários ligados à pesquisa e
daqueles graduados cuja formação já refletia uma maior cientificidade. É destes setores que
emergiria o clamor por uma instituição que, na prática, correspondesse às exigências da
civilização urbano-industrial brasileira (FERNANDES, 1979, p. 163-164)39.
39 Florestan Fernandes mostra como o movimento estudantil, que emerge nas e pela disputas em torno da reforma universitária, em sua trajetória, vai mostrar uma inflexão quando percebe-se que e impossível mudar a universidade sem transformar profundamente a sociedade.
72
De certo modo, pode-se resumir o quadro no qual veio a se mover a ditadura civil-
militar no campo educacional: a necessidade de conter o movimento social em torno da
reforma universitária bem como de assegurar as condições necessárias para a definitiva
inserção dependente e associada do Brasil no sistema econômico mundial, o que significou,
em termos de atuação do Estado, levar ao ponto extremo a centralização do poder político,
bem como eliminar, pela repressão mais exacerbada, as formas de participação política das
classes subalternas.
A partir daí, a política educacional passou a caminhar por duas vias. A primeira foi o
do desmanche do movimento pela reforma universitária, tanto pelo desmantelamento do
movimento estudantil, quanto pela coerção exercida contra os docentes, da qual o próprio
Florestan Fernandes foi uma das vítimas. Além disso, simultaneamente, a ditadura tentou
articular a educação nacional ao tipo de desenvolvimento econômico que promovia,
colocando o ensino superior, por um lado, como ponto estratégico em termos de ciência e
tecnologia e também para a formação de recursos humanos. Fez isso construindo um sistema
de fomento que incluiu o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE),
que auxiliou diversos centros de pesquisa por meio do Fundo de Desenvolvimento Técnico-
Científico (Funtec), de 1964, e, posteriormente, por intermédio da Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), que administrava o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDCT - 1969). O nascimento da pós-graduação seria eco desse sistema de
fomento.
O regime militar buscou soluções para a expansão das universidades públicas e para
sua “modernização” – autoritária e conservadora - nos novos padrões da dependência. Seriam
estas tentativas a Comissão Meira Matos e respectivo parecer (1967); o Grupo de Trabalho da
Reforma Universitária e seu relatório final (1968); a Reforma Universitária de 1968 (Lei
5.540/68), a consultoria de R. Atcon e os acordos MEC/USAID40. No entanto, se essas
medidas foram muito eficientes no desmantelamento do movimento estudantil e no controle
das atividades docentes, não deram a resposta necessária em termos de expansão da oferta. É
deste ponto, talvez com maior clareza, que se pode perceber claramente a opção pela
expansão pela via privada, substancialmente pelas IES de tipo privado-mercantil,
acompanhada pelo estrangulamento das IES públicas. Por isso, escolheu-se aqui privilegiar
40 Sobre os trabalhos da Comissão conduzida pelo general Meira Matos, ver Cunha (1983); Fernandes (1979); Martins (1988); Martins; Velloso (2002) e Romanelli (2007). Sobre a o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, ver Cunha (1983); Fernandes (1979); Martins (1988); Martins; Velloso (2002) e Romanelli (2007). Sobre a Reforma Universitária, consultar. Cunha (1983); Fernandes (1979); Martins (1988) Martins; Velloso (2002) e Romanelli (2007). Para a consultoria de Atcon e a lógica e o sentido dos acordos MEC/USAID, ver Cunha (1983); Fernandes (1979); Martins (1988); Martins (1989); Martins; Velloso (2002) e Romanelli (2007).
73
este aspecto em detrimento da análise das ações aqui enumeradas, atéporque já foram
esmiuçadas por inúmeros autores.
A expansão do sistema, como indicam os dados, ocorreria em grande medida através do sistema privado. A esse respeito, deve-se assinalar que no período de implantação da reforma universitária o setor privado contava com apenas nove universidades, sendo que oito dessas pertenciam ao grupo das católicas e apenas uma, a Universidade Mackenzie, era confessional de outra denominação (presbiteriana). No entanto, não foram as instituições confessionais que estiveram à frente do processo expansionista verificado a partir do final dos anos 60. Um dos traços marcantes do funcionamento do campo das instituições de ensino superior brasileiro contemporâneo diz respeito, exatamente, à emergência de um “novo ensino superior privado”, de perfil laico, comandado por uma lógica de mercado e por um acentuado ethos empresarial que foi se constituindo a partir do final dos anos 1960. Esse segmento laico passou a pressionar pela abertura de novas instituições, guiado pela percepção da existência de uma demanda reprimida, na qual se destacavam “os excedentes” e também uma crescente clientela potencial, resultante da ampliação da rede de segundo grau (C. B. MARTINS; VELLOSO, 2002, p. 811-812, grifos nossos).
Cabe ressaltar que exatamente por estes traços, para Sguissardi (2008), o primeiro
grande momento da mercadorização do sistema de educação superior é aquele marcado pela
ditadura civil-militar (1964-1984). Nesse período, todavia, o ritmo da expansão do sistema de
educação superior não é constante ou homogêneo, podendo-se dividi-lo em duas partes: a
primeira década de expansão (1964-1974), marcada por um grande crescimento do setor, que
se pode caracterizar como sendo uma expansão com contenção do financiamento do
subsistema público, seguido por outra década (1974-1984), em que o crescimento do sistema
é menor, mas na qual se confirma a hegemonia do setor privado em termos de número de
matrículas.
Essa primeira década do regime militar (1964-1974), de acordo com Sguissardi
(2008), é marcada pela expansão do sistema, que sai de um patamar de cobertura mínimo e
cresce mais de cinco vezes. Em 1964, o sistema, composto já por uma grande diferença em
termos da presença de estabelecimentos isolados (564) e universidades (cinco) (BARREYRO,
2008, p. 17), contava com um total de 142.386 matrículas, das quais 87.665 localizavam-se no
sistema público e 54.721 no setor privado, ou seja, em uma proporção de 61,6% das
matrículas nas instituições públicas e 38,4% nas IES privadas. Já em 1974, o sistema passa a
comportar um total de 937.593 matrículas, sendo, deste total, 341.028 localizadas no setor
público, em um total de 36,4%, e 596.565 matrículas situadas no setor privado, que mostra
um total de 63,5%. Se as matrículas totais cresceram, no setor público esse crescimento foi de
apenas 289,1% no período, enquanto o crescimento no setor privado foi de 990,1%. Essa
diferença marca exatamente a inversão das proporções existentes em 1964, revelando o
predomínio do setor privado (63,6%) em detrimento do setor público (36,4%).
74
Tabela 1 Evolução das matrículas da educação superior privada brasileira por categoria
administrativa (pública e privada) – 1964 – 1974
Ano
Total
Matrículas públicas
Matrículas privadas
Total % Total %
1964 142.386 87.665 61,6 54.721 38,4
1965 155.781 87.587 56,2 68.194 43,8
1966 180.109 98.442 54,6 81.667 45,4
1967 212.882 121.274 56,9 91.608 43,1
1968 278.295 153.799 55,2 124.496 44,8
1969 342.886 185.060 53,9 157.826 46,1
1970 425.478 210.613 49,5 214.865 50,5
1971 561.397 252.263 44,9 309.134 55,1
1972 688.382 278.411 40,4 409.971 59,6
1973 772.800 300.079 32,0 472.721 68,0
1974 937.593 341.028 36,4 596.565 63,5
Fonte: Sguissardi, 2008, com base em dados do MEC/INEP e de pesquisa do Prof. Nelson C. do Amaral. C.B Martins e Velloso, 2002, com dados de Daniel Levy.
Outros dados tornam-se também fundamentais para a análise dessa expansão. Na
tabela abaixo, pode-se ver dados relativos não apenas ao número de matrículas, mas também
ao número de IES privadas e ao número de cursos oferecidos.
Tabela 2 Evolução do número de IES privadas e de cursos oferecidos por estas instituições
1960 – 1975
Ano Número de IES Número de cursos
1960 114* 610
1965 243** 584
1970 435*** 1.014
1975 645 2.053
∆ % 1960 - 1975 465,7 236,5
Fonte: tabela desenvolvida a partir dos dados apresentados na tese de Siqueira. 2006.
75
* Dado aproximado, de acordo com Siqueira, 2006. ** Dado de 1968 *** Dado de 1971.
No caso dos docentes, os dados são ainda mais escassos. Todavia, em Minto (apud
SIQUEIRA, 2006), encontramos algum subsídio para pensar sua situação nas IES privadas.
Tabela 3 Funções docentes e estudantes matriculados por categoria administrativa – Brasil
– 1960 - 1975 Ano Docentes (A) Matriculas
(B)
B/A B/A- público B/A -
privado
1960 21.064 93.202 4,4 4,3 4,6
1965 33.126 155.781 4,7 3,9 6,2
1970 54.389 425.478 7,8 6,3 10,2
1975 83.386 1.072.548 12,9 8,9 17,8
Fonte: tabela apresentada em Minto (apud SIQUEIRA, 2006).
A tabela anterior mostra um aumento do trabalho docente bastante pronunciada no que
diz respeito à relação professor aluno no setor privado ainda na década de 1970, expressa na
margem de 17,8 matrículas por docente nas IES privadas, apontando, de saída, maior
intensificação do trabalho deste professor, seja por este atender mais alunos no mesmo tempo,
ou ainda em tempo menor, uma vez que não obrigatoriamente funcionam em regime de
dedicação exclusiva, concentrando, portanto, o trabalho em menos horas por dia. Esse
mecanismo permite baixar o custo médio por aluno e ofertar cursos mais baratos para um
número bastante significativo de alunos. Destarte, essa seria a “solução” encontrada para
responder às necessidades de expansão do sistema de educação superior, esvaziando o
movimento político nas instituições públicas e, em um primeiro olhar, contendo o
investimento estatal na educação. Foi uma expansão, portanto, concretizada pela via privada,
que proporcionou o desenvolvimento das empresas educacionais, que caracterizariam, com
grande ênfase, a fração privado-mercantil da educação superior (SGUISSARDI, 2008). Se, de
acordo com C. B. Martins e Velloso (2002), a trajetória do ensino superior privado no Brasil
inicia-se com o período da República, no início do século XX, marcada pela expansão de
pequenas instituições vinculadas às elites locais e pelas iniciativas confessionais católicas, a
partir da ditadura civil-militar submerge um novo momento, definido pela hegemonia privada
nas mãos de um setor empresarial.
76
É fundamental, todavia, perceber a extrema heterogeneidade desse novo empresariado,
que envolvia desde proprietários de escolas e colégios até alguns novos empreendedores, e
que se voltam para a oportunidade de atendimento de uma demanda que o Estado não atendia.
Como afirma Cunha (1988, p. 322), “Capitais tradicionalmente aplicados no ensino de 2º
grau, capitais recém-investidos em cursinhos e capitais de outros setores de atividade
transferiram-se para a exploração do promissor mercado do ensino superior”. Entretanto, é
necessário compreender este processo como algo mais do que uma “saída” para o impasse
colocado ao Estado brasileiro: como ampliar a oferta, sem, aparentemente, ampliar os gastos
com o setor e, simultaneamente, “pacificar” as universidades públicas em termos de tomada
da direção do sentido da reforma. Se essa problemática foi central, não se pode diminuir a
importância de uma ideologia privatista que vai atravessar o século XX e se fortalecer com o
encaminhamento do golpe civil-militar.
A rigor, certa lógica privatista caracteriza a cultura brasileira de modo estrutural, como
já mostra Dreifuss (1989). Pode-se verificá-la em uma desvalorização constante do público
frente ao privado, e na dominância da pessoalidade perante a impessoalidade nas relações,
como se pode verificar, por exemplo, em certo descuido dos sujeitos com os espaços coletivos
e regras públicas. Muitos autores se dedicaram, de um modo ou de outro, a demarcar esse
traço sociocultural, como o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, o antropólogo Roberto
DaMatta, o jurista Fábio Konder Comparato, apenas para citar alguns.
Todavia, essa construção faz-se essencial em épocas de crise, especificamente em
crise do poder burguês assentado neste privatismo e que, por sua vez, utiliza-o para sustentar
sua dominação de classe. Desse modo, a ditadura civil-militar constituída a partir da ameaça à
dominação burguesa expressa, encouraçada pela repressão, uma valorização do privado
bastante exacerbada, que fica clara no plano do pensamento educacional do Conselho Federal
de Educação, por exemplo, como mostra Fonseca (1992).
Assim, impulsionados por uma política educacional “generosa” com a abertura de
novos estabelecimentos de ensino, estes empresários passaram a criar, em sua maioria,
faculdades isoladas de pequeno porte, mais baratas, mais rápidas e fáceis de abrir do que as
universidades, por exemplo, inclusive sob os auspícios do CFE, contando ainda com um
público mais heterogêneo: mulheres, alunos já integrados ao mercado de trabalho e se
concentrando na abertura de cursos na área das ciências humanas e sociais, que contavam com
maior demanda e são de menor custo (SIQUEIRA, 2006). De acordo com C. B. Martins e
Velloso (2002), dos 938 pedidos de abertura de novos cursos recebidos pelo CFE entre 1968 e
1972, foram autorizados 759 pedidos (mais de 80%). Assim, é possível observar como esta
77
expansão do privado atendia ao duplo desafio posto ao regime autoritário: atender à demanda
excedente, abrindo, deste modo, um caminho visto como de ascensão social e, no mesmo
golpe, minar a movimentação político-estudantil.
Essa conformação da educação superior permite observar o sentido do movimento
político e econômico. Segundo Ianni (apud FONSECA, 1992, p. 33), “[...] Em certo sentido, é
a restauração do modelo inicial – com padrão colonial – em termos novos”. Retomando as
ideia de Florestan Fernandes acerca da formação e desenvolvimento do capitalismo
dependente, pode-se perceber o quanto esse processo embasa-se na privatização do Estado,
entendendo-a como o conjunto de processos que orientam as políticas de Estado para o
beneficiamento do setor privado em geral, aguçando o comprometimento “genético” do
Estado no Brasil com a concentração de poder e riqueza. Florestan mostra como estes
interesses privatistas se interpõem a cada possibilidade/movimento de democratização mais
ou menos profunda do sistema educacional em seus diferentes níveis.
Deste modo, o regime civil-militar representava um tipo de “modernização pelo alto”
que visava, no limite, visava à dominação burguesa no Brasil. Na educação, reproduz-se o
modelo de escola dual: as instituições públicas ficam para o atendimento de setores das elites,
especialmente nos cursos de maior custo e na pós-graduação, enquanto as IES privadas
recebem o “grosso” da demanda reprimida em busca do ensino como forma de ascensão
social. E por serem mais flexíveis, estas IES conseguem adaptar-se ao mercado com maior
fluidez. Entretanto, esta flexibilidade muitas vezes custa a qualidade tanto das condições de
trabalho quanto dos processos de ensino-aprendizagem e, mais ainda, a possibilidade de
produção de conhecimento por meio da pesquisa.
Todavia, a privatização é engendrada a partir das disputas entre os diferentes projetos
de muitos atores sociais, em projetos que não são exatamente coincidentes. Atuam no campo
educacional atores como os dirigentes do Ministério do Planejamento e da Fazenda, o MEC,
pela Diretoria do Ensino Superior, os especialistas – tecnoburocratas – da área educacional, o
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), o consultor R. Atcon, o CFE, a
Agency for Internacional Development (USAID), o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e parte do corpo docente das instituições
públicas de ensino superior. Claro que existe uma profunda assimetria entre esses atores no
sentido de determinação das políticas educacionais.
A história mostra como as reformas construídas no campo da educação superior
caminharam muito mais na direção dos projetos atrelados aos interesses das classes
dominantes internas e externas, implementadas pelo Estado e sendo costurados por uma
78
tecnoburocracia forjada nessa cultura gerencial, do que na direção dos projetos definidos pelo
movimento estudantil e dos docentes que visavam às mudanças mais progressistas.
Para ser mais exata, as reformas caminharam na direção da desmobilização e do
controle destes dois atores. Entretanto, e, em parte, graças às lutas impostas pelos estudantes e
docentes mais progressistas, os projetos de Reforma elaborados pelos grupos dominantes e
suas frações também não se realizaram exatamente como projetado por estes grupos,
considerando-se inclusive que estes projetos, embora ligados em alguns pontos pelo mesmo
conjunto de interesses, não eram precisamente idênticos. Assim, entre a legislação dos anos
1960 e o que dela se efetivou, existe uma distância significativa, embora o sentido geral das
reformas tenha sido o de uma modernização conservadora e que foi razoavelmente bem-
sucedida em desmantelar os setores mais progressistas envolvidos nas disputas do campo
educacional.
Destaca-se, nesta tese, a atuação de dois setores ou grupos mais diretamente ligados a
atuação estatal na consolidação dessa tendência privatista, principalmente a partir dos papéis
desempenhados no governo, entendidos como o conjunto de ações realizadas no âmbito do
Planejamento, da Fazenda e da Educação: a do IPES – na tentativa de forjar um projeto no
qual a educação é uma espécie de instrumento do projeto econômico das classes dominantes e
que se expressará principalmente na atuação das áreas governamentais ligadas à economia e
ao planejamento (FONSECA, 1992; Frigotto, 2006) - e a do CFE, cuja efetiva função se
estabelece por dois caminhos, pelo menos - pelos quais se dirige a expansão do sistema de
educação superior brasileiro. Primeiro, pela articulação de um pensamento privatista para o
campo educacional. Segundo, porém, com maior destaque, pelas práticas que tomam lugar no
CFE e que, de modo bastante amplo, não cessarão de facilitar, e mesmo, impulsionar, a
hegemonia do setor privado.
Apoiado nos pressupostos da Teoria do Capital Humano – que aposta numa correlação
positiva (e direta) entre educação e crescimento da renda -, o IPES, elabora propostas, como o
incentivo ao financiamento da iniciativa privada, inclusive com verbas públicas, e o combate
à presença do alargada da escola pública, que subsidiarão os debates, disputas e projetos
acerca da agenda educacional. Entretanto, as lutas estão articuladas pelas correlações de força
e de poder que não são equilibradas, ou seja, as disputas pelo sentido da escola – nesse caso,
pelo sentido da educação superior – entre classes e frações de classe, entre os diversos grupos
sociais - realizam-se em um quadro de assimetria estrutural entre os diferentes setores que
clamam pela democratização da escola, do saber e do conhecimento, ou até mesmo por
caminhos de ascensão social, caso das camadas médias urbanas, e aqueles – também vários –
79
que buscam conservar esta situação desfavorável para as classes subalternas e que detêm,
historicamente, a hegemonia. E o fazem de muitas maneiras, mas, em geral, concretizam sua
dominação por pequenas concessões que fazem às classes subalternas, sempre esvaziadas, em
diversas instâncias, de seu conteúdo democratizante e/ou revolucionário.
É um modelo social que corresponde à caracterização feita por Gramsci como
“revolução passiva” e que caracteriza, geralmente, as mudanças sociais em sociedades
desiguais. Esta questão vem à tona ao se perceber que a educação superior, na década de
1960, foi objeto, na esteira da falência do modelo populista, de um movimento massivo que
buscava sua democratização bem como uma reforma de suas práticas. Todavia, o
encaminhamento desta disputa foi aquele dado pelo governo militar, que cedeu a algumas –
poucas – demandas, esvaziando o conteúdo democrático de muitas reivindicações que,
entretanto, pareciam atendidas. Como afirma Fernandes (1989, p. 13-14): “A chamada
República Inconstitucional surge, depois de 18 anos de experiências econômicas, culturais e
político-administrativas desastrosas, como um duplo fator de amortecimento da revolução
nacional e de sufocação da revolução democrática”.
Nesta “costura”, alguns atores desempenham um papel de destaque, aqui no caso
específico da educação. É o caso do complexo político-militar formado pelo Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
Em uma obra muito densa e de imensa pesquisa documental, Dreifuss (1987), remonta toda a
organização do IPES/IBAD, mostrando como este foi, na verdade um centro de organização
do pensamento e das ações que desencadearam o golpe de 1964 e reengedraram os rumo da
dependência externa bem como os caminhos da dominação das classes subalternas.
Forjado originalmente como um grupo de empresários do Rio de Janeiro, o IPES teve
como papel central articular as frações mais ativas dos militares e do empresariado de modo
organizado, na tentativa de soldar as bases de um compromisso mais “orgânico”, que tinha
como base a mobilização em torno da destruição do populismo, bem como um
direcionamento da política econômica que beneficiasse os interesses de modo integrado do
capitalismo mundial, expressando-se pela via de um projeto de modernização. Afirma Ianni
(1968, p. 198, grifos nossos):
Em síntese, a política econômica executada a partir de 1964 não se traduz num programa de desenvolvimento econômico. Está orientada para a modernização do sistema econômico no Brasil. Trata-se de uma política destinada a “aperfeiçoar” as instituições e relações econômicas. Em plano interno, é preciso garantir o seu funcionamento, sem os riscos das tensões geradas e agravadas com as transformações estruturais, que se tornavam urgentes ou se impunham praticamente (sic). Em plano externo, é necessário garantir a integração no capitalismo mundial e facilitar a movimentação dos fatores de produção. Em particular, a modernização destina-se a garantir o funcionamento do processo de reprodução ampliada do capital, sem os óbices das defesas cambiais, tarifárias, fiscais ou ideológicas.
80
Deste modo, o IPES, que havia passado a receber, em 1966, recursos estaduais e
federais, além de contribuições empresariais, inclusive estrangeiras, teceria para a educação
superior um projeto de modernização-conservadora correlato à sua atuação nos campos da
economia e da política. A rigor, pode-se dizer que o projeto educacional expresso pelo IPES
para a educação superior, especificamente, correspondia às necessidades de adequação técnica
da força de trabalho ao novo patamar de desenvolvimento introduzido pelo regime
empresarial-militar. Entretanto, previa a gratuidade apenas para o nível mais elementar da
educação formal, propondo o fim da gratuidade na educação superior, o pagamento
proporcional ao nível de renda e programas de auxílio reembolsáveis pela via de contratos de
responsabilidade (SOUZA, 1981).
Além disso, esse projeto se aproxima, em inúmeros pontos, da política educacional do
Estado pós-1964. Aqui, defende-se que esta aproximação é fruto de um sistema orgânico de
atuação, na medida em que esse grupo penetra a própria aparelhagem estatal e conduz as
políticas públicas em maior ou menor medida. Pode-se vislumbrar estas conexões pela
atuação conjunta do Planejamento e do MEC no planejamento educacional, na qual o segundo
se submete ao primeiro. Essa atuação se fará sentir no CFE que, a partir de certo momento,
passará a contar com representação do Ministério do Planejamento. Tanto a base ideológica
quanto as propostas do IPES reverberaram imensamente sobre a Reforma Universitária em
seu conjunto.
O outro ator fundamental deste processo foi o CFE, que detinha o controle do sistema
de ensino superior, na medida em que era o órgão responsável pela concessão de autorizações
para a abertura de novos cursos e de escolas. O CFE, contudo, não formou um todo
homogêneo, mas foi, ele mesmo, lócus de disputa do sentido dessa expansão41. Segundo
Fonseca (1992), até 1969, existiam duas posições intelectuais em relação à ampliação do
sistema educacional: a primeira era favorável ao fortalecimento das instituições já, então,
existentes, dotando-as de mais recursos materiais, humanos e financeiros, para garantir reais
condições de funcionamento.
A outra corrente, liberal, e que predominava no CFE, era favorável à abertura de novas
instituições e cursos, desde que atendessem às exigências relativas ao corpo docente, aos
recursos financeiros e às instalações físicas, que se tornariam cada vez mais padronizadas,
burocratizadas e minimizadas. Essa corrente se torna efetivamente dominante depois de 1969,
41 Aliás, de acordo com Fonseca (1992, p. 57), o próprio CFE é o resultado do conflito e da acomodação de interesses em disputa na tramitação da LDB/61.
81
e concorreu para efetivar uma expansão pela via privada, e de modo privilegiado, pela escola-
empresa, atendendo, em boa medida, ao empenho do Estado em engajar o ensino superior, à
formação de quadros profissionais e à expansão capitalista dependente e associada. Com os
poderes de que dispõe, tendo como fundamento a LDB de 1961, o CFE sobrepõe-se, de certa
forma, ao MEC e assume, cada vez mais, o papel de ente decisório dos rumos da expansão,
estando atravessado pelo interesse e pela ideologia privatista. Assim, o CFE vai, por exemplo,
afrouxar e burocratizar os critérios para a abertura de novos cursos, novas vagas e de
concessão do status de universidade. “Assim, o fortalecimento da escola aconteceu pari passu
com a retração de investimentos do Estado no setor educacional e do consequente incentivo às
empresas educacionais” (FONSECA, 1992, p. 44). Que não se pense, entretanto, que o Estado
não tenha investido, pela legislação e também financeiramente, na expansão do setor privado.
Carlos B. Martins, citado por Fonseca (1992), por sua vez, registra uma importante
mudança, em termos de hegemonia, em relação às tendências operantes no CFE. O
pensamento liberal-privatista assume a dominância mais ampla no CFE, conforme se
redesenha um novo perfil e um novo sistema de representação de interesses para o ensino
superior privado, acompanhando a passagem da presença mais larga – ou mais expressiva –
das instituições de caráter confessional para aquelas em que predomina a lógica da escola-
empresa.
Esta ênfase faz deslocar também a hegemonia na representação dos interesses do setor
privado de associações como a Associação Educacional Católica (AEC) ou a Associação
Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC) para entidades como a Federação
Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (FENEM) e, posteriormente, no final dos anos 1970
e início dos anos 1980, para a Associação Brasileira de Mantenedoras (ABM, mais tarde
ABMES) e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior
do Estado de São Paulo (SEMESP), apenas para citar alguns42.
Assim, entre 1961 e 1980, preponderam, na expansão, as instituições isoladas e
faculdades integradas, sobrepujando o modelo universitário, bem como se expressaria a
predominância do setor privado sobre o público, em que se destacam, cada vez mais, as
instituições educacionais de cunho empresarial, como o caso da Estácio de Sá.
1.2.1 O financiamento da expansão privada
42 Mais à frente, retornar-se-á ao papel dessas entidades que emergem nos anos 1980, e que organizam e representam, desde então, de modos cada vez mais ramificados e complexos, os interesses do setor privado-mercantil, especialmente a partir de meados dos anos 1990.
82
É fundamental destacar que falar de um tipo de expansão pela via privada não
significou a absoluta ausência de financiamento estatal. Demonstra-se nesta tese que muitas
dessas instituições privado-mercantil gozaram de uma série de isenções fiscais e
previdenciárias que as beneficiaram do ponto de vista patrimonial e de ampliação de sua
liquidez, caso da instituição aqui analisada. É preciso cuidar para que não se entenda a
expansão com contenção como crescimento sem nenhum financiamento, direto ou indireto,
pelo Estado. Carvalho (2002) fornece uma série de subsídios para uma compreensão mais
precisa do novo modelo de financiamento das IES privadas a partir da Reforma Universitária.
Pode-se concluir que os mecanismos de financiamento direcionados às instituições privadas, criados a partir da Reforma Universitária, foram mais sofisticados e complexos que aqueles sugeridos pelos atores envolvidos no processo. Isto decorre da reformulação no financiamento governamental à atividade privada no Brasil, já desenhado no período de 1964 a 1967. O financiamento direto e amplo foi substituído em todos os setores econômicos por estímulo indireto. O sistema educacional não fugiu à regra, os recursos via verbas orçamentárias transformaram-se em política tributária traduzida em incentivos fiscais vinculados a projetos e programas. Estes mecanismos permitiram a sustentação do crescimento das instituições privadas em curso em meados dos anos 1960 (CARVALHO, 2002, p. 91, grifos nossos).
Da citação acima, algumas ideias merecem destaque: a primeira remete a esse novo
patamar de financiamento governamental – que vai se tornando estatal, à medida que se
pereniza no aparato jurídico-político - da iniciativa privada. A importância desse processo não
pode ser esquecida sob pena de não se compreender de modo mais preciso, na perspectiva da
totalidade, o sentido de certas políticas públicas, incluindo aquelas relativas ao campo
educacional. A segunda ideia é a conexão com a racionalidade econômica derivada da lógica
dependente e associada que sustentaria a presença do capital estrangeiro no país, atraído por
uma série de contrapartidas em termos de incentivos financeiros de novo tipo, padrão que se
aprofundará nos anos 1990. Esse padrão de financiamento indireto que se constrói no Brasil é
fundamental para a compreensão dos padrões de lucratividade da empresa capitalista, ao se
articular aos processos de exploração do trabalho e ao baixo nível de remuneração do
trabalhador. E o terceiro ponto: mostra a conformação da educação superior como um campo
de atividade econômica privada, padrão que não cessará de se confirmar desde então, criando
raízes que se consubstanciarão nas relações entre o setor e o Estado e que, no limite, definem
a direção das políticas do/para o setor.
Carvalho (2002; 2005) fez uma análise meticulosa desse processo, salientando alguns
pontos que se desejaria aqui ressaltar. Em primeiro lugar, a ideia de que o incremento das
vagas está relacionado à pressão pela demanda por vagas e, portanto, pelas relações dessa
demanda com o movimento da atividade econômica. Pode-se desenhar uma periodização bem
coincidente entre milagre econômico, aumento da demanda e expansão das matrículas e, em
83
momento descendente, entre a crise do milagre, a diminuição da demanda e a desaceleração
do crescimento das matrículas no setor privado. Em segundo lugar, aponta para o papel
desempenhado pelo Estado nesse processo, não apenas nos termos da Reforma Universitária,
mas pelos mecanismos financeiros e institucionais que o governo federal criou para sustentar
a expansão pela via privada. Diz Carvalho (2002, p. 123, grifos nossos):
O financiamento pela via orçamentária foi sendo substituído ou complementado por um conjunto de mecanismos sofisticados de incentivo, tais como: a constituição de programas, fundos, incentivos e isenções fiscais. O financiamento indireto, como estratégia de apoio ao ensino privado, seguiu o padrão geral das políticas setoriais implementadas no período pós-golpe.
Esses instrumentos não eram exatamente inéditos. Conforme demonstrado em tabela
adiante (Tabela 4), a Constituição Federal (CF) de 1934, em seu artigo 154, estipulava que
“os estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional oficialmente
considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo” (apud DAVIES, 2002, p. 156). Nas
Constituições Federais de 1946, 1967, e também, mais tarde, de 1988, este privilégio foi
estendido para as instituições de educação de todos os níveis de ensino. Na CF de 1946, o
Artigo 31 proibia a União, Estados, Distrito Federal e municípios de cobrarem impostos de
instituições de educação e de assistência social, com a condição de que suas rendas fossem
integralmente aplicadas no país para os respectivos fins. O mesmo se repete na CF de 1967.
Na verdade, desde 1943, por força do Decreto-Lei 5.84443, já se permitia o abatimento, para
efeitos de imposto de renda devido, de contribuições e doações realizadas apenas a entidades
filantrópicas, o que teve continuidade, de acordo com Davies (2002), nos anos seguintes (ver
Tabela 4).
Durante os anos 1960, as instituições educacionais também gozaram de outros
dispositivos legais que as isentava de uma série de impostos e tributos. A descrição, tal como
elaborada por Carvalho (2002), permite compreender cada um dos mecanismos direcionados
pela União para o ensino de graduação nas IES privadas, bem como perceber os diferentes
pesos de cada um deles no processo de expansão de vagas no setor privado, com o destaque,
ora antecipado, para o papel do financiamento indireto pela renúncia fiscal. Carvalho (2002)
organiza os mecanismos em quatro grupos: 1) as transferências orçamentárias; 2) o
financiamento indireto por meio da renúncia fiscal; 3) o financiamento vinculado a fundos
específicos ou a programas; e 4) o estímulo de natureza institucional.
As transferências orçamentárias seriam constituídas pelas verbas orçamentárias
destinadas, sob a forma de transferência direta ou indireta, às IES privadas As diretas
43 BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 5.844, de 23 de setembro de 1943. Dispõe sôbre a cobrança e fiscalização do imposto de renda. Rio de Janeiro, 1943. Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1943/5844.htm. Acesso em: 01 ago. 2011.
84
constariam no Orçamento Geral da União sob a rubrica subvenções ou auxílios e consistiriam
em recursos federais direcionados, sem qualquer contrapartida ou garantia, às IES privadas.
As indiretas seriam aquelas baseadas na concessão de bolsas de estudos a alunos carentes, na
forma de transferência do valor das anuidades dos bolsistas do governo federal para as IES.
Assim, mostra Carvalho (2002), com alguns dados de difícil coleta e atualizados pelo
deflator do Produto Interno Bruto (PIB) de 1995, que as transferências orçamentárias federais
do MEC para as IES privadas são marcadas por significativa irregularidade, e que
acompanhou a periodização aqui proposta. O período de maior presença deste mecanismo é o
que se estende entre 1963 e 1967, com queda abrupta em 1968 – de 11,90% para 4,01% em
porcentagem das transferências orçamentárias para as IES privadas sobre a despesa com o
ensino superior -, em seguida, ligeiro aumento entre 1970 e 1971 – 4,96% a 5,04%, para,
depois declinar para algo em torno de 1,0%, 1,5%.
A LDB/61 (ver Tabela 4) criou um dispositivo que destinava 5% do Fundo Nacional
do Ensino Superior para a manutenção dos estabelecimentos privados, o que explica, em
parte, essa taxa de transferência44. Porém, a partir de 1972, e agravada no início dos anos
1980, a redução das transferências é inegável, e pode ser relacionada ao regime fiscal e de
financiamento das atividades econômicas implantados na ditadura civil-militar, tendo como
marco o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG).
Não deixa de ser um fato curioso esse deslocamento em termos de sustentação do setor
privado, em geral, e da educação superior, em particular. Por que a preferência por esses
mecanismos mais complexos de financiamento que não a transferência orçamentária? Na
tentativa de responder a esta pergunta, dois pontos suas fundamentais: o primeiro é que este
movimento não é exclusivo do setor educacional, passando a ser utilizado, em larga escala,
depois da Segunda Guerra e, como visto, no início dos anos 1960 no Brasil, no quadro de
redução dos gastos orçamentários e da reconfiguração da atividade econômica com o PAEG.
O outro é que esta forma de financiamento das atividades econômicas predomina sob o
capitalismo monopolista, o que revela a adoção de certa sutileza nessas relações entre capital
e Estado, talvez dadas a concentração e a centralização de capital que caracterizam esta etapa.
44 Instituído pelo BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 56.245, de 04 de maio de 1965. Aprova os critérios reguladores da aplicação do Fundo Nacional do Ensino Primário, do Fundo Nacional de Ensino Médio e do Fundo Nacional do Ensino Superior fixado pelo Conselho Federal de Educação, com a revisão do Plano Nacional de Educação. Brasília, 1965. Disponível em: <http://www.prolei.inep.gov.br/exibir.do;jsessionid=46DE8FCD897AE1D418C9F7472F8F9D2A?URI=http%3A%2F%2Fwww.ufsm.br%2Fcpd%2Finep%2Fprolei%2FDocumento%2F4451646572090934325>. Acesso em: 01 ago. 2011. Com a revisão do Plano Nacional de Educação, dos recursos do Fundo, 4% seriam destinados a bolsas de estudos e residência para estudantes e 5% para subvenções às universidades e estabelecimentos isolados particulares. A CF de 1967 revogou estes dispositivos.
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O segundo grupo de mecanismos de financiamento é, segundo Carvalho (2002, p.
128), o da renúncia fiscal, constituindo-se por “[...] incentivos e isenções fiscais parciais ou
totais, transitórios ou permanentes [...]” e destinados ao fomento da iniciativa privada. Afirma
a autora que na ditadura militar, este tipo de política fiscal tinha três sentidos: “estimular o
desenvolvimento de certas regiões e setores específicos de atividade; estimular o mercado de
capitais e a abertura de capitais das empresas e incentivar as exportações” (CARVALHO,
2002, p. 128). No caso do setor educacional, entravam em cena: a) incentivos fiscais para
pessoas que investissem em educação, o que representou, para as IES particulares, “[...] a
possibilidade de financiamento da iniciativa privada em condições mais favoráveis”
(CARVALHO, 2002, p. 128) e b) a imunidade tributária para os estabelecimentos de ensino,
que engendrava uma “ [...] significativa redução dos custos e despesas operacionais inerentes
à atividade econômica” (CARVALHO, 2002, p. 128).
No caso do primeiro tipo, pela Lei nº 5.531, de 13 de novembro de 196845, tem-se que
5% dos fundos arrecadados pelos incentivos fiscais regionais destinados à Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), à Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia (SUDAM) e do setorial destinado à pesca para a Superintendência do
Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) passaram a ser destinados a programas de
desenvolvimento da educação em todos os níveis e no treinamento de mão de obra, aplicados
nas respectivas regiões e no setor pesqueiro.
O Governo Federal também definiu que 2% do Imposto de Renda de Pessoas Físicas
(IRPF) ou Jurídicas (IRPJ) poderiam ser destinados ao Fundo Federal de Desenvolvimento da
Educação e seus recursos aplicados em qualquer nível de ensino. As IES privadas poderiam
fruir dessas formas de financiamento desde que encaminhassem programas compatíveis com a
legislação em questão. Em 1969, este grupo de incentivos fiscais deixa de existir pela
revogação da lei anterior pelo Decreto-lei nº 568, de 07 de dezembro de 196946.
De acordo com Carvalho (2002), o segundo instrumento de incentivo fiscal foi a
renúncia tributária destinada aos estabelecimentos de ensino. A lei que instituiu o Código
Tributário Nacional47 disponibilizava essa possibilidade, com uma série de condicionalidades,
45 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.531, de 13 de novembro de 1968. Institui incentivos fiscais para o desenvolvimento da educação e dá outras providências. Brasília, 1968. Disponível em: < http://legislacao.planalto.gov.br/LEGISLA/Legislacao.nsf/viwTodos/828DEB76381A8E9F032569FA0073586C?Opendocument>. Acesso em: 01 ago. 2011. 46 BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei nº 568, de 07 de dezembro de 1969. Revoga a Lei nº 5.531, de 13 de Novembro de 1968. Brasília, 1969. Disponível em: http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto.lei:1969-05-07;568. Acesso em: 01 ago. 2011. 47 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011.Citada por Carvalho, 2002.
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com a qual se colocaria em concordância a CF de 1967, que definia no Artigo 20, inciso III
alínea c: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: criar imposto
sobre o patrimônio, a renda ou os serviços de Partidos Políticos e de instituições de educação
ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei” (BRASIL, 1967). Essas
restrições envolviam a não distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas
rendas a título de lucro ou participação nos resultados, a aplicação integral dos recursos no
país e na consecução de seus objetivos institucionais, a manutenção de registros contábeis das
receitas e despesas.
Boa parte dos estabelecimentos de ensino superior se beneficiou deste tipo de
imunidade fiscal, como é o caso da IES estudada nesta tese, como se verá mais adiante. C.B
Martins (1988), com base no caso por ele estudado, mostra como havia a possibilidade de
instituições de ensino ou mantenedoras, na forma de associação civil ou fundação,
consideradas entidades sem fins lucrativos, constituírem uma pessoa jurídica com funções de
administrar a instituição educacional, e podendo esta aferir lucro. Foi o caso das Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU) por ele analisado. Além desse dispositivo, ao qual se voltará
mais adiante, também havia isenção de impostos pelas seguintes leis: Lei nº 4.917, de 17 de
dezembro de 196548, que isentou de impostos de importação e de consumo e de outras
contribuições fiscais sobre alimentos e outras utilidades adquiridas no exterior, mediante
doação, pelas entidades de assistência social. A Lei nº 5.127 de 29 de setembro de 196649, que
isentou as instituições filantrópicas da contribuição de 1% sobre suas folhas de pagamento,
para constituição do capital no Banco Nacional de Habitação (BNH), criado de acordo com a
Lei nº 4.380/6450. Tem-se ainda o Decreto-Lei nº 194, de 24 de fevereiro de 1967, que
dispensou as entidades sociais do depósito bancário de Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS)51. Davies (2002) cita ainda o Decreto-Lei nº 999, de 21 de outubro de 1969,
que isentou as instituições de caridade da Taxa Rodoviária Única52.
48 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.917, de 17 de dezembro de 1965. Isenta dos impostos de importação e de consumo, e de outras contribuições fiscais, os alimentos de qualquer natureza, e outras utilidades, adquiridos no exterior, mediante doação, pelas instituições em funcionamento no País, que se dediquem à assistência social. Brasília, 1965. Disponível em: < http://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-98-24-1965-12-17-4917>. Acesso em> 01 ago. 2011. 49 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.127, de 29 de setembro de 1966. Isenta as instituições filantrópicas da contribuição de 1% (um por cento), de que trata o art. 22 da Lei número 4.380, de 21 de agôsto de 1964, que cria o Banco Nacional de Habitação. Brasília, 1966. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=116730>. Acesso em: 01 ago. 2011. 50 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e sociedades de crédito imobiliário, as letras imobiliárias, o serviço federal de habitação e urbanismo, e dá outras providências. Brasília, 1964. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 51 BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 194, de 24 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a aplicação da legislação sobre a aplicação da legislação sobre o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço às entidades de fins filantrópicos. Brasília, 1964. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011.
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Dentre os impostos existentes no período militar, aqueles que tinham maior impacto
no lucro da atividade educacional dos estabelecimentos de ensino superior eram: o Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)53, o Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS)54 – de competência municipal - e o Imposto sobre a Renda e
Proventos de Qualquer Natureza (IRPJ). Também eram imunes ao Imposto sobre Propriedade
Territorial Rural e o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles
Relativos (ITBI - Municipal), os Impostos sobre Serviços de Transporte e Comunicações, e os
especiais sobre combustíveis, energia elétrica e sobre minerais.
Estavam, entretanto, como mostra Carvalho (2002), sujeitas a cobrança de Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), as taxas e contribuições de melhorias e as contribuições
parafiscais, mas poderiam pedir às autoridades federais, estaduais e municipais a isenção das
taxas e das contribuições sociais, oferecendo, em contrapartida, uma quantidade de bolsas de
estudos a alunos carentes que correspondessem ao total do valor devido. As instituições
educacionais que estivessem em débito com o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS) poderiam ainda, segundo Carvalho (2002), solicitar auxílio direto do MEC que
pagaria a dívida previdenciária da instituição. Esta amortizaria o passivo em oito anos,
concedendo bolsas de estudos, o que diluía o peso da dívida.
Outros tributos que a instituição deveria recolher aos cofres da Previdência eram:
Contribuição Previdenciária sobre a Comercialização Rural (FUNRURAL), contribuição para
o Serviço Social Rural (SSR), a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), cota sobre o décimo terceiro salário, salário-família e SESC, representando
um montante, à época, de cerca de 24% de incidência sobre a folha de pagamento. Destes
também estava isenta a instituição filantrópica, exceto a cota do INPS descontada dos
empregados, 0,3% de salário-maternidade e 0,4% de seguro de acidentes de trabalho.
Instituído em 07 de setembro de 1970, pela Lei Complementar nº 755, o Programa de
Válida até a promulgação da Lei n. 7.839. BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 7.839, de 13 de outubro de 1989. Dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e dá outras providências. Brasília, 1989. Disponível em: < http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1989/7839.htm>. Acesso em : 01 ago. 2011. 52 BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 999, de 21 de outubro de 1969. Institui Taxa Rodoviária Única, incidente sôbre o registro e licenciamento de veículos e dá outras providências.. Brasília, 1969. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 53 Definido municipalmente em termos de alíquota sobre o valor do imóvel. Deveria ser requerido para cada imóvel de propriedade da Instituição de ensino, desde que dedicado o espaço à atividade educacional. 54 Definido municipalmente, a alíquota, segundo Carvalho (2002), varia entre 1 a 5% no caso de instituição de ensino 55 BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. Institui o Programa de Integração Social, e dá outras providências. Brasília, 1970. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp07.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011.
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Integração Social (PIS), tinha, segundo Carvalho (2002), cobrança diferenciada entre as
instituições com fins lucrativos56, sem fins lucrativos e as filantrópicas57.
Todavia, uma das fontes centrais de recursos foi, historicamente, a isenção da cota
patronal Previdência Social, conseguida ao serem as entidades consideradas de Utilidade
Pública Federal. Para tal, era necessário o reconhecimento como instituição filantrópica por
meio do então Conselho Nacional de Assistência Social, posteriormente Conselho Nacional
de Serviço Social (CNSS), órgão auxiliar do então Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), hoje, Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), a entidade que cumprir
determinados requisitos tem direito ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência
Social (Cebas, hoje Ceas)58. Essa isenção possui uma longa trajetória, como informa Davies
(2002). Criada pela Lei nº 3.57759, de 4 de julho de 1959, introdutora do certificado de fins
filantrópicos, essa isenção foi revogada no governo Geisel, pelo Decreto nº 1.572/7760 que,
todavia, mantinha os certificados já concedidos e dava um prazo para ajuste em relação aos
processos de concessão em trâmite.
Além disso, a Lei nº 3.93361, de 04 de agosto de 1961 anistiou as dívidas
previdenciárias anteriores à Lei nº 3.577. A possibilidade de obter o privilégio foi reaberta
pela Lei nº 8.212/9162, que definia no artigo nº 55:
56 Neste caso, era calculada em duas parcelas, sendo a primeira incidente sobre o Imposto de Renda devido em uma alíquota que variou entre 2 e 5%, sendo deduzida deste. A segunda parcela remetia aos recursos próprios, calculada no mesmo valor da primeira, mas contabilizada no exercício seguinte. 57 No caso destes dois outros tipos de instituição, como não havia incidência de Imposto de Renda, a cobrança era feita em parcela única no valor de 1% da folha de pagamentos e paga em recursos próprios. 58 Conforme se verá mais adiante, a IES aqui analisada goza dessas certificações desde 1975 e permaneceu como filantrópica até fevereiro de 2007. 59 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959. Isenta de taxa de contribuição de previdência dos institutos e caixas de aposentadoria e pensões as entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebem remuneração. Rio de Janeiro, 1959. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp. Acesso em: 01 ago. 2011. 59 Neste caso, era calculada em duas parcelas, sendo a primeira incidente sobre o Imposto de Renda devido em uma alíquota que variou entre 2 e 5%, sendo deduzida deste. A segunda parcela remetia aos recursos próprios, calculada no mesmo valor da primeira, mas contabilizada no exercício seguinte. 59 No caso destes dois outros tipos de instituição, como não havia incidência de Imposto de Renda, a cobrança era feita em parcela única no valor de 1% da folha de pagamentos e paga em recursos próprios. 59 Conforme se verá mais adiante, a IES aqui analisada goza dessas certificações desde 1975 e permaneceu como filantrópica até fevereiro de 2007. 59 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959. Isenta de taxa de contribuição de previdência dos institutos e caixas de aposentadoria e pensões as entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebem remuneração. Rio de Janeiro, 1959. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 60 BRASIL. Presidência da República. Decreto-Lei nº 1.572, de 1 de setembro de 1977. Revoga a Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959, e dá outras providências. Brasília, 1977. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 61 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 3.933, de 4 de agosto de 1961. Concede anistia das instituições. Caritativas quanto ao recolhimento de contribuições atrasadas aos institutos de previdência. Brasília, 1961. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp. Acesso em: 01 ago. 2011. 62 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Brasília, 1991. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011.
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(i) fossem reconhecidas como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal, (ii) fossem portadoras do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo CNAS, (iii) promovessem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes, (iv) não percebessem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruíssem vantagens ou benefícios a qualquer título, (v) aplicassem integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais (DAVIES, 2002, p. 161-162).
O que se verifica é que, até o fim dos anos 1990, prevaleceu uma tendência de adesão
à filantropia, o que tem se tornou uma fonte indireta de recursos para as IES privadas, desde
que obtenham o Cebas (hoje, CEAS), que permite que as IES deixem de recolher os 20% da
cota patronal sobre a folha de pagamento devida ao INSS, mais tributos anexos, totalizando
uma grande economia sobre a folha de pagamentos, como se verá mais adiante. Grande
parcela das IES manejou sua inclusão nesta categoria, mesmo as de caráter mercantil, de
modo a receber essas isenções e, com isso, alavancar sua sustentabilidade e crescimento.
Como mostra Leher (2004), as isenções fiscais e de contribuição da cota patronal à
Previdência Social corresponderiam a cerca de 25% de subsídios públicos em seus gastos
totais. Essa isenção foi restrita pela MP nº 1.729/9863, convertida na Lei nº 9.732/9864,
desagradando tanto as filantrópicas que se mobilizaram contra sua existência, culminando na
liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN, hoje ADI) nº 2.0285-5 em 14 de julho de 199965. Davies (2002)
traz um dado importante: segundo matéria publicada no jornal O Globo em 30/11/1998, o
total de isenção com filantrópicas no Brasil, das quais 46,2% seriam escolas, chegaria a R$ 2
bilhões/ano. Voltar-se-á a este ponto mais adiante.
Apenas para dar uma ideia do peso deste financiamento indireto já no período militar,
em análise comparativa da contabilidade (Demonstração do Resultado Final) de três
instituições hipotéticas – uma com fins lucrativos, outra sem fins lucrativos e uma filantrópica
–, Carvalho (2002) mostra a importância e o peso da incidência dos tributos municipais e
federais66. Ao comparar o resultado das três instituições hipotéticas elaborada por Carvalho
63 BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Brasília, 1998. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp. Acesso em: 01 ago. 2011. 64 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e dá outras providências. Brasília, 1998. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.js>. Acesso em: 01 ago. 2011. 65 Davies (2002) afirma que tais restrições seriam formas encontradas pelo governo de aumentar a arrecadação para promover o ajuste fiscal. 66 Com base na alíquota média dos tributos durante o período que vai de 1966 a 1984, e com valores atualizados para o anos de 1995, as três instituições hipotéticas teriam a mesma Receita Operacional Bruta (ROB), que seria o resultado do pagamento de matrícula e mensalidades (uma matrícula e onze mensalidades) em 12 parcelas, em um valor de R$ 500,00. As três instituições teriam concedido o mesmo número de bolsas de estudo no total de 10% do número de alunos. Destas bolsas, 5% seriam bolsas integrais e 5% seriam de 50% do valor da anuidade. Considerar-se-á como custo operacional a folha de pagamentos, no total de 50% da ROB, a incidência de 8% do FGTS sobre a folha de pagamento e a taxa de
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(2002, p. 136-137-138), pode-se vislumbrar o volume de comprometimento da ROB em
relação aos tributos devidos. Enquanto no caso da IES com fins lucrativos esse representava
20% da ROB, na entidade sem fins lucrativos, o valor chegava a 12,4, sendo reduzido a 4,5%
sobre a ROB, no caso das entidades filantrópicas sem fins lucrativos, caso da entidade
analisada nesta tese.
Através da análise vertical, é possível visualizar o impacto significativo na redução dos custos operacionais para a instituição de ensino superior pela imunidade e pela isenção fiscal. A principal diferenciação está na parcela do lucro líquido do exercício. Enquanto na instituição privada com fins lucrativos, o lucro representa cerca de 8% da ROB, na instituição sem fins lucrativos, este quase duplica (15%) e na entidade de utilidade pública o lucro líquido chega a quase triplicar (23%) (CARVALHO, 2002, p. 139).
Em outros termos, fica clara a relação entre as isenções fiscais e o processo de
expansão. Segundo Carvalho (2002), a imunidade de IPTU permitiu a aquisição de um
número maior de imóveis, para alojar mais alunos e cursos, o que favorecerá o crescimento do
número de campi, servindo até para o aumento do ativo imobilizado. A imunidade de ISS
favorece a expansão das matrículas e, com isso, o crescimento da ROB, uma vez que não há
tributação sobre a prestação de serviços. A imunidade do IR permite não apenas a reprodução
das atividades, mas é bastante eficaz na sustentação da saúde financeira da IES. Por sua vez,
essa tornava viável o financiamento bancário, o auxílio externo e o recurso a agências de
fomento. Para as entidades filantrópicas, a isenção de cota patronal de INSS facultou a
expansão do corpo docente e do pessoal técnico-administrativo porque o aumento da folha de
pagamento não engendrava aumento de custos operacionais.
A CF de 1988 mantém esta racionalidade, apenas especificando que, para receber as
isenções fiscais, seria necessário que não tivessem fins lucrativos. Entretanto, como afirma
Davies (2002), é preciso cautela com essa autodenominação, na medida em que muitas
instituições ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas.
Conforme mostra Velloso (1988), os lucros eram (e são) encobertos pelas rubricas de ‘contribuição a entidades mantenedoras’, que, por isso mesmo, acabavam e acabam sendo entidades mantidas, mesmo que tenham dado origem ao negócio. Enquanto nas escolas confessionais os lucros eram (e são) lançados como contribuição à ordem provincial, nas escolas privadas e não-confessionais os lucros eram repassados como despesas às
inadimplência/desistência de 15% sobre a ROB. Para facilitar a análise, não se contabilizou as despesas operacionais de vendas, financeiras e administrativas, bem como as receitas e despesas operacionais e o INPS recolhido pelos empregados (8%). Para os cofres federais, deve a instituição recolher a cota patronal do INPS, incluindo os demais tributos previdenciários, em uma alíquota média de 16% sobre a folha de pagamento, além do Imposto de Renda (IRPJ), calculado em cerca de 30% sobre o Resultado do Exercício antes do IR e o PIS com alíquota média de 3,3% sobre a provisão para o IR. Para os cores municipais, as Ies com fins lucrativos deveriam recolher ISS e IPTU, que Carvalho calculou de acordo com a localização dessas instituições hipotéticas no município de Santos. No caso do ISS, a alíquota média entre 1966 e 1984 seria de 3,5% da ROB. Já para o IPTU, utilizando dados publicados por jornal local, Carvalho (2002) chegou ao valor de R$ 44.280,44. Não foram computados nas demonstrações a parcela do PIS referente aos recursos próprios a ser recolhida no ano seguinte, nem imposto de renda sobre os lucros distribuídos (5% sobre os dividendos. Também não se considerou na demonstração a taxação e as possíveis isenções relativas ao Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição de Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
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mantenedoras, que os utilizavam para pagar altíssimos salários a seus proprietários, ampliação das instalações, aquisição de imóveis, aviões, e em “fartos gastos em lobby junto ao Poder Público” (VELLOSO, 1988, p. 15). Uma segunda vantagem adicional poderia ser obtida pelos donos de IES privadas leigas quando desejassem vendê-las, pois o seu valor de mercado teria sido aumentado com o investimento feito com recursos oriundos das isenções fiscais (DAVIES, 2002, p. 157).
Também é possível que as instituições denominadas filantrópicas tenham gozado de
imunidade referente à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)67,
apresentando-se como beneficentes de assistência social. Assim, desvirtuava-se o conceito de
assistência social presente na CF.
É importante lembrar que, para gozar essas isenções, as IES deveriam cumprir uma
série de requisitos. Diante de uma série de descumprimentos e denúncias, a Secretaria da
Receita Federal (SRF) conduziu uma ampla investigação em 1997, constatando uma variada
gama de irregularidades, como sonegação de impostos, distribuição de lucros, caixa-dois e
distribuição disfarçada de bens. A partir desta investigação, o governo federal teria sido
obrigado a rever a concessão dos títulos de utilidade pública. Essa ofensiva da SRF gerou uma
série de autuações que teria chegado a, em 2001, a R$ 420 milhões, no total (DAVIES, 2002,
p. 159). Além disso, resultou na criação de legislação também. Segundo Davies (2002), a Lei
nº 9.532/97 teria excluído da imunidade tributária das IES filantrópicas os rendimentos e
ganhos de capital auferido com aplicações financeiras de renda fixa ou variável. Entretanto, a
ADIN (hoje, ADI) nº 1.802 suspendeu a eficácia do artigo que determinava esta taxação. Essa
ADI foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNS) – hospitais, estabelecimentos e
serviços.
Fonseca (1992) cita inúmeros mecanismos pelo quais se concretiza o incentivo à
empresa privada de ensino, de modo direto ou indireto: o salário-educação68, a concessão de
bolsas de estudos, o Programa de Crédito Educativo (CREDUC)69 e a criação do Fundo de
67 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996. Institui a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPMF, e dá outras providências. Brasília, 1996. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 68 Instituído pela Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1964. Representa a aplicação deste imposto na rede privada de ensino pela via da isenção concedida àquelas empresas que oferecessem bolsas de estudos s seus empregados ou filhos mediante convênios com escolas privadas. Essa isenção se estendeu para todas as IES até 1996, quando a MP nº 1.518/96 restringiu a isenção às comunitárias, confessionais e filantrópicas, o que foi confirmado com a Lei nº 9.766/98. Significa uma isenção de 2,5% sobre a folha de pagamento (DAVIES, 2002, p. 169). Ver: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 4.440, de 27 de outubro de 1964. Institui o Salário-Educação e dá outras providências. Brasília, 1964. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. Também: BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória nº 1.518, de 13 de novembro de 1996. Altera a legislação que rege o Salário-Educação, e dá outras providências. Brasília, 1996. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. E ainda: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.766, de 18 de dezembro de 1998. Altera a legislação que rege o Salário-Educação, e dá outras providências. Brasília, 1998. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 69 Criado em 23 de agosto de 1975, com base na Exposição de Motivos nº 393, de 18 de agosto de 1975. Reformulado em 1992: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.436, de 25 de junho de 1992. Institucionaliza o Programa de Crédito
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Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS)70. Conforme já visto, as CF´s de 1934 e 1967
prometiam a possibilidade de amparo financeiro público para as instituições de educação
privadas. A legislação ordinária, segundo Davies (2002), também garantia essa possibilidade
desde o Império. Mas não se restringiu ao plano legal, uma vez que as subvenções foram
objeto de barganhas políticas e corrupção.
O privatismo não se limitou ao plano legal, pois as subvenções foram frequentemente alvo de intermediação de políticos e campo fértil para o clientelismo e corrupção, a ponto de o CNSS (Conselho Nacional de Serviço Social, órgão do MEC que concedia o registro e certificado a entidades de assistência social) ter tido como conselheiro, de 1985 a 1992, José Carlos Alves dos Santos, envolvido no escândalo do orçamento federal em 1993 (MESTRINER, 2001), conhecido como o escândalo dos “anões do orçamento”. As irregularidades foram tantas (por exemplo, a não-prestação de contas pelas entidades subvencionadas e a existência de entidades-fantasma) que o CNSS foi extinto em 1993 e substituído pelo CNAS. A magnitude dessas irregularidades pode ser aferida pelo número de entidades que perderam o registro (que dá direito a subvenções) neste momento de transição para o CNAS. Segundo a Irmã Rosita Milesi, conselheira do CNAS, das 30 mil entidades com registro no CNAS, mais de 15 mil tiveram o registro cancelado (MESTRINER, 2001, p. 222) (DAVIES, 2002, p. 171).
Entretanto, este não foi o fim do problema, como se verá mais adiante. A CF de 1988
manteve a possibilidade de destinação de recursos públicos para as escolas comunitárias,
confessionais e filantrópicas, desde que estas atendam aos requisitos. No caso das IES,
ressalta-se o
[..] parágrafo 2° do art. 213 abre uma brecha enorme ao permitir que ‘As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público’, contando com um reforço adicional no Art. 61 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual ‘As entidades educacionais a que se refere o art. 213, bem como as fundações de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido autorizada por lei, que preencham os requisitos dos incisos I e II do referido artigo e que, nos últimos três anos, tenham recebido recursos públicos, poderão continuar a recebê-los, salvo disposição legal em contrário’ (DAVIES, 2002).
A LDB/61 permitia a concessão de bolsas de estudo em estabelecimentos
reconhecidos e por financiamento a estabelecimentos particulares. A Lei nº 5.691, seguindo as
determinações da CF de 1967, previa “[...] A Lei 5.692, de 1971, repetindo as disposições da
Constituição de 1967, previa o amparo técnico e financeiro do Poder Público às instituições
de ensino particulares (Art. 45) (DAVIES, 2002, p. 171-172). A LDB/96 vai reproduzir esses
mesmos dispositivos, como se verá mais adiante.
Educativo para estudantes carentes. Brasília, 1992. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011. 70 O FAS foi instituído pela Lei nº 6.168, de 9 de dezembro de 1974. Trata-se de fundo destinado ao apoio financeiro a projetos e programas de caráter social que se enquadrassem dentro das diretrizes do Plano Nacional de Desenvolvimento. Constituía-se com recursos da renda líquida da Loteria Federal, em qualquer modalidade, e da Loteria Esportiva Federal, recursos provenientes do orçamento operacional da Caixa Econômica Federal, destacados para esse fim, dotações orçamentárias anuais da União, em montantes que guardem relação direta com a previsão de prêmios brutos a serem distribuídos pela Loteria naquele ano e outros recursos de origem interna ou externa, inclusive repasses ou financiamentos. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.168, de 9 de dezembro de 1974. Cria o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social - FAS - e dá outras providências. Brasília, 1974. Disponível em: < http://www6.senado.gov.br/sicon/index.jsp>. Acesso em: 01 ago. 2011.
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Tabela 4 Tipos de isenção fruída pelas IES privadas por ano e restrições legais
(1934 - 1999)
Ano Marco regulatório Tipo de isenção Restrições à isenção
1934 Constituição Federal – Artigo 154
Isenção de impostos “Os estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idêoneos, serão isentos de qualquer tributo” (BRASIL, 1934)
1946 Constituição Federal – Artigo 31 (inciso V,
alínea b)
Isenção de impostos “Artigo 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: [...] V - lançar impostos sobre: [...] b) templos de qualquer culto bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no País para os respectivos fins;” (BRASIL, 1946)
1959 Lei 3.577/59 (Revogada pelo Decreto 1.572/77
que, entretanto, mantinha os certificados já concedidos e, logo, o privilégio da isenção)
Isenção previdenciária da cota patronal
“Art. 1º Ficam isentas da taxa de contribuição de previdência aos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos, reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebam remuneração.” (BRASIL, 1959)
1961 Lei 3.933/61 Anistia de dívidas previdenciárias anteriores à
Lei 3.577/59
“Art. 1º As instituições assistenciais a que se refere a Lei nº 3.577, de 4 de julho de 1959, ficam isentas do recolhimento das contribuições de que sejam devedoras, na qualidade de empregadoras, até a data da entrada em vigor da referida lei.” (BRASIL, 1961).
1966 Lei 5.172/66 Instituiu o Código Tributário Nacional – isenção de
impostos
“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] IV – cobrar imposto sobre[...] c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) [...] Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 10.1.2001); II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão” (BRASIL, 1966).
1967 Constituição Federal – Artigo 20 (inciso III,
alínea c)
Imunidade na cobrança de impostos
“Art 20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]III - criar imposto sobre: [...] c) o patrimônio, a, renda ou os serviços de Partidos Políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei;” (BRASIL, 1967).
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1970 Lei Complementar 7/70 Instituiu o Programa de Integração Social (PIS)
“§ 4º - As entidades de fins não lucrativos, que tenham empregados assim definidos pela legislação trabalhista, contribuirão para o Fundo na forma da lei.” (BRASIL, 1970)
Como afirma Carvalho (2002), como para as entidades sem fins lucrativos ou filantrópicas, não havia incidência de imposto de Renda, a cobrança do PIS se fazia em uma única parcela derecursos próprios de 1% sobre a folha de pagamentos.
1971 Lei complementar 11/71
Instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador
Rural e o Fundo de Assistência ao Trabalhador
Rural (FUNRURAL)
Isenção pela Constituição em vigor.
1975 Código Tributário do estado do Rio de
Janeiro/75
Isenção de impostos estaduais ITBI
“Art. 3.º Os Impostos Estaduais não incidem sobre: II - o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados em lei; e [...]
§ 4.º O reconhecimento da imunidade de que trata o inciso III, deste artigo, é subordinado à efetiva observância dos seguintes requisitos estatutários pelas entidades nele referidas:a) fim público, sem qualquer discriminação quanto aos beneficiados; b) ausência de finalidade de lucro; c) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação em seu resultado; d) ausência de remuneração para seus dirigentes ou conselheiros;e) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção de seus objetivos institucionais; ef) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades regulamentares capazes de comprovar sua exatidão” (Estado do Rio de Janeiro, 1975)
1982 Decreto-Lei 1940/82 Institui contribuição social,
cria o Fundo de Investimento Social –FINSOCIAL, e dá outras providências. Isenção previdenciária
Concedida como isenção previdenciária para entidades filantrópicas.
1986 Lei 7.577/86 Anistia de dívidas previdenciárias
“Art 1º As entidades filantrópicas, de fins não-lucrativos, poderão liquidar seus débitos previdenciários vencidos, prestando serviços, mediante contrato ou convênio, firmados com a interveniência da entidade do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - SINPAS responsável por sua promoção.” (BRASIL, 1986)
1987 Decreto-Lei nº 94.180/87
Regulamenta a anistia concedida pelas Leis 7.577 e
nº 7.578
“Art. 1º. Os débitos previdenciários dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal e de suas respectivas fundações, bem como o das entidades filantrópicas de fins não lucrativos, vencidos até 30 de setembro de 1986, poderão ser liquidados mediante prestação de serviços em programas realizados ou supervisionados por entidades vinculadas ao Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social - Sinpas, na forma estabelecida por este decreto.” (BRASIL, 1987)
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1988 Constituição Federal – Artigo 150 (inciso VI,
alínea c)
Imunidade na cobrança de impostos
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: [...] c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;” (BRASIL, 1988).
1988 Lei 7.689/88 Institui contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas e dá outras providências (CSLL)
Isenção previdenciária
Concedida como isenção previdenciária para entidades filantrópicas.
1991 Lei 8.212/91 Isenção de constribuição da contribuição da empresa para a
Seguridade Social – cota patronal
“Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II - seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos; III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas atividades.” (BRASIL, 1991).
1991 Lei Complementar 70/91
Institui contribuição para financiamento da Seguridade Social, eleva a alíquota da contribuição social sobre o lucro das instituições financeiras e dá outras providências (COFINS)
“Art. 6° São isentas da contribuição:[...]
III - as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (BRASIL, 1991).(Revogado em 1999).
1993 Decreto-Lei nº 752/93 Dispõe sobre a Concessão de Certificado de Entidades de
Fins Filantrópicos
“Art. 2° Faz jus ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a entidade beneficente de assistência social que demonstre, cumulativamente: I - estar legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos; II - estar previamente registrada no Conselho Nacional de Serviço Social, de conformidade com o previsto na Lei n° 1.493, de 13 de dezembro de 1951; III - aplicar integralmente, no território nacional, suas rendas, recursos e eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais; IV - aplicar anualmente pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, bem como das contribuições operacionais, em gratuidade, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições previdenciárias usufruída; V - aplicar as subvenções recebidas nas finalidades a que estejam vinculadas; VI - não remunerar e nem conceder
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vantagens ou benefícios, por qualquer forma ou título, a seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalentes; VII - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto; VIII - destinar, em caso de dissolução ou extinção da entidade, o eventual patrimônio remanescente a outra congênere, registrada no Conselho Nacional de Serviço Social, ou a uma entidade pública; IX - não constituir patrimônio de indivíduo(s) ou de sociedade sem caráter beneficente. 1° O Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos somente será fornecido à entidade cuja prestação de serviços gratuitos seja atividade permanente e sem discriminação de qualquer natureza.” (BRASIL, 1993). .
1998 Decreto 2.536/98 Dispõe sobre a Concessão de Certificado de Entidades de
Fins Filantrópicos
“Art. 3º Faz jus ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social a entidade beneficente de assistência social que demonstre, cumulativamente: I - estar legalmente constituída no País e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do Certificado;(Redação dada pelo Decreto nº 4.499, de 4.12.2002); II - estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de sua sede se houver, ou no Conselho Estadual de Assistência Social, ou Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; III - estar previamente registrada no CNAS; IV - aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente no território nacional e manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais; V - aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que estejam vinculadas; VI - aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeira, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições sociais usufruída; VII - não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto; VIII - não perceberem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalente remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; IX - destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, o eventual patrimônio remanescente a entidades congêneres registradas no CNAS ou a entidade pública; X - não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter beneficente de assistência social. XI - seja declarada de utilidade pública federal. (Inciso incluído pelo Dec 3.504, de 13.06.2000).! (BRASIL 1998).
1998 Lei 9.732/98 Altera dispositivos das Leis 8.212/91, 8.213/91 e 9.317/96
relativos à isenção , previdenciária
“Art. 4º As entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao Sistema Único de Saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, gozarão da isenção das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial, desde que satisfaçam os requisitos referidos nos incisos I, II IV e V do art. 55 da
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citada Lei, na forma do regulamento.” (BRASIL, 1998).
1999 Decreto nº 3.039/99 Estabele dois tipos diferentes de isenções previdenciárias
para as instituições filantrópicas: total e
proporcional
Art. 31. A pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, que exerce atividade educacional nos termos da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ou que atenda ao Sistema Único de Saúde, mas não pratique de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, gozará da isenção das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes ou do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial, desde que satisfaçam os requisitos constantes dos incisos I, II, III, V e VI do caput do art. 30.
§ 1º O valor da isenção a ser usufruída pela pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos da área de educação corresponde ao percentual resultante da relação existente entre o valor efetivo total das vagas cedidas, integral e gratuitamente, e a receita bruta mensal proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, acrescida da receita decorrente de doações particulares, a ser aplicado sobre o total das contribuições sociais devidas. § 2º Não será considerado, para os fins do cálculo da isenção de que trata o parágrafo anterior, o valor das vagas cedidas com gratuidade parcial, nem cedidas a alunos não carentes. (BRASIL, 1999).
1999 ADIN 2.028-5 Liminar concedida pelo STF à Adin impetrada pela
Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Serviços
Suspendeu as restrições contidas na Lei 9.732/98 que postulava isenção proporcional em relação ao número de vagas cedidas integral e gratuitamente a carentes e ao valor despedido com atendimento à saúde de caráter assistencial
Fonte: Davies, 2002; Carvalho, 2002. Esta tabela contempla legislação que extrapola o período de existência da ditadura empresarial-militar. Entretanto, julga-se relevante aqui esta listagem na tentativa de rastrear a legislação que beneficiou as IES privadas abrigadas sob esse “guarda-chuva” legislativo e que acompanha a trajetória da Estácio de Sá até 2007. Daí a necessidade de sua extensão até os anos 1990.
O Crédito Educativo (CREDUC) criado pelo governo militar em 1975, bem dentro do
espírito do projeto educacional do IPES, consistia em um empréstimo para o pagamento de
mensalidades e para a manutenção de estudantes carentes matriculados nas IES públicas e/ou
privadas, originalmente, destinando-se, no primeiro caso, ao pagamento das mensalidades e,
no segundo, aos gastos com a manutenção do aluno. Operacionalizado pela Caixa Econômica
Federal, não exigia, então, garantia contra a inadimplência. O contrato estabelecia um ano de
carência após o fim do curso e juros de 12% ao ano, acrescidos de 3% ao ano a título de fundo
de risco e deveria ser pago até, no máximo, o dobro de tempo da duração do curso.
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Pode-se afirmar que, a rigor, o programa é instituído quando a ordenação econômica
do “milagre econômico” começa a falhar, revelando a necessidade de recursos públicos para a
manutenção dos alunos nas IES privadas, ou seja, como uma tentativa de manter a demanda
efetiva em relação às IES privadas no período posterior a 1975. Com algumas mudanças, na
década de 1980 (fim das bolsas de manutenção, nova fonte de recursos, contratos por
anuidades, e alteração nas condições de empréstimo), o CREDUC, segundo Davies (2002), de
acordo com matéria publicada em O Globo, em 01 de set. 2001, chega aos anos 1990 com um
grau de inadimplência alto e a correção subestimada dos empréstimos, sendo seu saldo
devedor estimado em R$ 450 milhões. Em 1999, será substituído pelo Fundo de
Financiamento do Ensino Superior (FIES).
Outro mecanismo de financiamento foi, segundo Carvalho (2002), entre 1974-1980, o
Programa de Auxílio às Instituições não-Federais (PANF). Foi administrado pela Secretaria
de Ensino Superior (SESu), sendo seus recursos destináveis a qualquer IES para despesas com
construção, equipamentos, etc., e teve um papel mais relevante para as IES de pequeno porte
A análise destes números permite embasar algumas considerações sobre a expansão da
educação superior no período da ditadura civil-militar. Em primeiro lugar, faz-se mister
ressaltar o fato de que este encaminhamento da expansão do sistema se faz articulado ao novo
patamar de desenvolvimento dependente estabelecido no Brasil nos anos 1960, representando
a inserção subordinada do país na esfera de controle do capital internacional, como afirma
Romanelli (2007). Assim, o projeto de educação das elites econômicas e políticas, no período
pós-1964, só poderia ser aquele que atendesse às exigências do setor privado da economia,
associada, porém, sob a batuta do grande capital internacional, no sentido de fortalecer esse
modelo dependente de desenvolvimento, reforçando um modelo histórico estruturalmente
marcado pela desigualdade e pela concentração de riqueza. É neste modelo que se desenvolve
a trajetória de uma das maiores instituições e ensino privado do país: a Estácio de Sá.
1.3 De Faculdade de Direito Estácio de Sá à Universidade Estácio de Sá
É no bojo deste processo de privatização e mercadorização da educação superior
brasileira, ainda em sua primeira fase, que, em 1970, a Sociedade de Ensino Superior Estácio
de Sá (SESES), constituída em 05 de março de 1969, encaminhou à Câmara de Ensino
Superior (C.E.Su) do CFE um pedido de autorização para o funcionamento da Faculdade de
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Direito Estácio de Sá71 (FADES), na Rua do Bispo, no Rio de Janeiro, tendo como fundador o
então magistrado João Uchôa Cavalcanti Netto72. A instituição ganharia esse nome em
homenagem ao fundador da cidade do Rio de Janeiro, Estácio de Sá (CAVALCANTI
NETTO, 2002; ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2011 – Ver Anexo CD 1).
A revista Documenta, publicação oficial do Conselho Federal de Educação, em seu nº
114, de maio de 1970, traz a seguinte composição do CFE (Ver Anexo A). Presidente: José
Barreto Filho; vice-presidente: Raymundo Moniz de Aragão; Secretária-geral: Júlia Azevedo
Acioli. Conselheiros: Alberto Deodato Maia Barreto, Carlos Pasquale, Celso Cunha, Celso
Kelly, Clóvis Salgado, Edson Raymundo P. Souza Franco, Flávio Suplicy de Lacerda,
Henrique Dodsworth, João Paulo dos Reis Velloso, Rev. José Borges dos Santos, José Carlos
Fonseca Milano, José Mariano da Rocha Filho, Pe. José Vieira de Vasconcellos, D. Luciano
Duarte, Newton Sucupira, Péricles Madureira Pinho, Roberto Figueira Santos, Rubens Mário
Garcia Maciel, Tarcísio Damy de Souza Santos, Valnir Chagas, Vandick Londres da Nóbrega
e Vicente Sobriño Porto; Suplentes: Alaor Queiroz Araujo, Antonio Martins Filho, Esther de
Figueiredo Ferraz e Nair Fortes Abu-Merhy73. A SESES apresentava-se como sociedade civil
71 Conselho Federal de Eduação. Processo nº 637/70, citado em: BRASIL. MEC. CFE. Parecer nº 388/70, aprovado em 5 de junho de 1970. In: Documenta. nº 115. Brasília: CFE, junho de 1970. Ver Anexo C. 72 A trajetória dessa instituição é profundamente marcada, pelo menos até 2008, pela figura de seu fundador, que, de acordo com Heymann; Alberti (2002), juiz de direito, entrou no ramo da educação para dar aulas e completar o orçamento. Em 2010, colocou a totalidade de suas ações à venda. É famosa sua entrevista de 2001 para o jornal Folha Dirigida, causadora de imensa polêmico, pois nela Uchôa revela o modo como encara sua instituição e seu lugar na educação nacional. Essa entrevista será apresentada mais adiante. Todavia, desde já, é preciso dizer que Schwatzmann afirma, em entrevista ao Jornal do Brasil (JB), ainda em 2001, que Uchôa teria tocado em pontos importantes, como a questão de fazer da universidade um escolão e diz que no quesito salário dos professores, o quadro não é tão ruim quanto pintam. Voltar-se-á a este ponto mais adiante. 73 Faz-se mister ressaltar a trajetória de alguns conselheiros, seja por sua ligação com o setor privado – confessional ou particular -, seja por terem, em algum momento, participado da formulação de políticas econômicas e/ou educacionais no âmbito do Estado ou, ainda, por apresentarem ligações com a instituição estudada. José Barreto Filho foi membro do CFE entre 1962 e 1964, órgão que presidiu. Voltou ao CFE entre 1966 e 1968. Foi fundador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde lecionou, tendo sido ainda membro do Conselho Nacional de Educação. Moniz Aragão 73 Foi assessor do ministro da Educação e cultura Flávio Suplicy de Lacerda entre 1964 e 1966, atuando na reorganização do magistério, na qual presidiu a comissão especial para a redação do Estatuto do Magistério superior. Com a aprovação deste texto, demarca-se a Reforma Universitária. Ainda em 1964, tornou-se vice-presidente do CNPq e diretor de ensino superior do MEC, cargo que ocupou até 1966. Em 1966, foi nomeado Ministro da Educação. Durante sua gestão, os conflitos com os estudantes se ampliam, o que acaba por levar ao Decreto-Lei nº. 228/67. Foi Presidente do CFE entre 1971 e 1972. Em 1978, como membro do CFE, prestou depoimento na CPI do ensino superior, apresentando posição favorável à organização dos estudantes exclusivamente em nível institucional, se muito, e dentro da ordem. Carlos Pasquale foi presidente do INEP entre 1964 e 1966, assumindo após afastamento de Anísio Teixeira pelos militares. Segundo Rothen (2005), era um representante do ensino particular. Em 1966, assume a Secretaria de Educação do estado de São Paulo. Atuou nos estudos referentes ao ensino primário em relação ao salário-educação. Edson Franco Fundador da Universidade da Amazônia, é um dos representantes do setor privado no CFE. Foi Secretário-geral do MEC (1966-1969), membro do CFE entre 1966 e 1972. Foi diretor do setor de educação da Editora Abril entre 1969 e 1974. Foi presidente a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) entre 1994 e 2004, período predominantemente ligado a gestão de Paulo Renato no MEC e de FHC na Presidência. Hoje faz parte do Conselho da Presidência da ABMES. Flávio suplicy de Lacerda foi ministro da Educação no governo Castelo Branco, entre 1964 e 1966. Promulgou a Lei nº 4.464, de 4 de abril de 1964, proibindo as atividades políticas nas associações estudantis e cassando a UNE, ficando conhecida como Lei Suplicy. João Paulo dos Reis Velloso No governo João Goulart foi designado para servir no gabinete do então ministro da Fazenda, Válter Moreira Sales. Em 1964, Roberto Campos o nomeia para organizar o Escritório de Pesquisa Econômica e Social Aplicada (EPEA), atualmente IPEA, que dirige até 1968. Foi Secretário-geral da pasta do Planejamento na gestão de Hélio Beltrão. Entre 1968 e 1969, foi conselheiro do CFE. Voltar-se-á a seu nome mais adiante, na medida em que será nomeado para o conselho de Administração da Estácio Participações S.A. em 2007. O Rev. José Borges dos Santos foi pastor da Igreja Presbiteriana,
100
sem fins lucrativos e postulava como intenção formar quadros de profissionais capazes de
participar do desenvolvimento do país no campo do Direito.
O processo encaminhado pela mantenedora caiu em diligência na Câmara de Educação
Superior (C.E.Su), de acordo com os votos do relator e da conselheira Esther de Figueiredo
Ferraz (BRASIL. MEC. CFE. Parecer 326/70 – Ver Anexo B)74. As “pendências” referiam-se
a:
a) o Regimento apresentava incorreções; b) as instalações seriam em parte inadequadas para o funcionamento do
curso; c) a Biblioteca era deficiente; d) o plano de funcionamento do curso não devia ultrapassar de [sic] dois
turnos; e) deveriam os professôres [sic] declarar expressamente que poderiam
lecionar naqueles dois turnos; f) consultar-se-ia a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção da Guanabara,
sôbre [sic] as exigências do mercado de trabalho (CFE, 1970, p.4 – Ver Anexo C).
A estas pendências, os representantes das entidades mantenedoras responderam,
encaminhando documentação pela qual procuravam satisfazer as exigências da Câmara de
Ensino Superior do CFE. A avaliação deste processo coube ao relator Antônio Martins Filho
que ofereceu parecer75 sobre tais documentos, constatando: a) as correções no âmbito do
Regimento, que considerou satisfatórias; b) as instalações que, segundo o relator, constituídas
ligado à Universidade Mackenzie. José Carlos Fonseca Milano foi reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre 1964 e 1968. durante sua gestão, ocorreram uma série de expurgos e afastamentos sumários de professores da UFRGS. Membro fundador do CRUB. José Mariano da Rocha filho foi fundador e primeiro reitor da Universidade Federal de Santa Maria. Implantou, junto com a Organização dos Estados Americanos (OEA), pós-graduação em educação no RS, estabelecendo fortes ligações internacionais. Participou também da fundação do Fórum dos reitores sob orientação dos consultores norte-americanos, bem como da fundação do CRUB. Padre José Vieira de Vasconcellos, membro da Igreja Católica, líder na Associação de Educação Católica (AEC), desempenha importante papel na aprovação da Lei nº 5.692/71. D. Luciano Duarte foi o primeiro Presidente do Conselho Diretor na Universidade Federal de Sergipe. Foi membro do CFE a partir de 1968, por dois mandatos. Foi nomeado Arcebispo de Aracaju em 1971. Intelectual tradicional da Igreja Católica. Newton Sucupira era membro do CFE desde sua fundação. Vice-presidente da Associação Brasileira de Educação, atuou significativamente na elaboração dos acordos MEC-USAID. Além de participar da gestação da pós-graduação brasileira, em 1965, participou do GT da Reforma Universitária de 1968. Valnir Chagas atuou no CFE entre 1962 e 1976. Um dos principais ideólogos do regime militar, atuando ativamente da elaboração da legislação do período. Foi um dos principais autores das leis que demarcam o período da Reforma Universitária de 1968 e da lei nº 5.692/71. Esther Fugieuredo Ferraz foi conselheira do CFE entre 1969 e 1982. Tornou-se Ministra da Educação no governo do general João Baptista de Figueiredo. Apresenta uma posição aberta ao privatismo na educação. Em entrevista ao jornal Folha Dirigida, sua posição se coloca com clareza. “Folha Dirigida — A conta que cai sobre o ministro Paulo Renato é que, durante sua gestão, houve um crescimento acentuado do ensino privado e uma queda, igualmente acentuada, de investimentos nas instituições públicas. Esther — Eu não sou a favor do ensino público ou do particular, eu sou a favor do bom ensino, e sei perfeitamente que o poder público não tem condições de manter todas as pessoas e suas necessidades. Na medida em que aparece uma boa universidade particular, ela deve ser prestigiada. Se for má, não deve nem nascer”. Disponível em: <http://www.folhadirigida.com.br/professor/Cad05/EntEstherFigueiredo.htm>. Acesso em: 01 ago. 2011. Checar as informações em: Jalles de Paula; Lattmann-Weltmann, 2010. Disponível em: <http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em: 01 ago. 2011. Sobre a ABMES: ABMES. Disponível em: <http://www.abmes.org.br/abmes/institucional/historico>. Acesso em: 01 ago. 2011. Sobre o MEC, ver: MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13492>. Acesso em: 01 ago. 2011. Ver ainda: Rothen, 2005; Bittar; Oliveira; Morosini, 2008, p. 30. Ver Soares, 2010. Lira, 2010. 74 BRASIL. MEC. CFE. Parecer 326/70, aprovado em 5 de maio de 1970. In: Documenta. Brasília. Número 115., p. 4-7, junho de 1970. 75 BRASIL. MEC. CFE. Parecer 388/70, aprovado em 02 de junho de 1970. In: Documenta. Brasília. Número 115., p. 4-7, junho de 1970. Ver Anexo C.
101
por duas salas de aula para pronto funcionamento seriam satisfatórias para a oferta inicial do
curso para duas turmas, sendo demonstrado que, caso necessário, obras de ampliação fossem
possíveis76; c) a deficiência da Biblioteca: mesmo diante de uma organização do acervo e de
novas aquisições (já realizadas por doações e a projetada), considerou o relator que a
Biblioteca ainda não estaria “em condições de atender às exigências do ensino das ciências
jurídicas [...]” (BRASIL. CFE. MEC, 1970, p. 6 - Ver Anexo C); d) os representantes da
mantenedora teriam se comprometido, por meio de ma declaração, a suprimir o turno da
tarde; e) quanto ao corpo docente, os professores comprometidos para os primeiros dois anos
de curso declararam que dispõem de tempo livre para lecionar nos dois turnos (manhã e
noite), mesmo tendo cargas de trabalho razoável, e sendo, alguns, pessoas notoriamente
destacadas no campo da educação na Guanabara, dispunham-se mesmo a “sacrificar” outras
atividades para atender ao Curso.
Assim, se estes assim acreditaram nesta iniciativa, também essa exigência estaria
satisfeita; f) na Consulta à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Guanabara, o ofício
encaminhado pela mantenedora teria recebido a resposta lacônica, porém categórica, de que a
Faculdade de Direito Estácio de Sá (FADES) seria benéfica ao mercado de trabalho. Assim a
exigência estaria satisfeita. Porém, respondendo ao voto da conselheira Esther F. Ferraz, os
representantes da entidade mantenedora encaminharam à Câmara documentação
complementar com ofícios favoráveis à criação da Faculdade – que considerariam de padrão
técnico de alto nível e capaz de atender às demandas do mercado de trabalho no estado - tanto
por parte da Associação de Magistrados da Guanabara e da Associação dos Membros do
Ministério Público (Ver Anexo C).
O voto do relator foi no sentido de que o processo devia baixar novamente em
diligência para resolver a pendência relativa à biblioteca, sendo acompanhado pelo paracer da
C. E. Su que aprova o voto do Relator, e acrescenta exigência de um quadro geral de horário
de trabalho de cada professor para que se possa avaliar a compatibilidade de horários. Essas
pendências são rapidamente solucionadas, uma vez que dois dias depois, a autorização para o
funcionamento da faculdade é concedida77. O curso inicia-se com 80 alunos em cada turno
(manhã e noite), totalizando 160 discentes.
76 Segundo o relator, não seria exigível que se realizasse as obras antes da aprovação do CFE, como afirmou o próprio requerente. 77 BRASIL. MEC. CFE. Parecer nº 422/70. In: Documenta. Brasília. Número 115., p. 56-58, junho de 1970b (Ver Anexo D). A autorização consta do Decreto nº 66.812, de 30 de abril de 1970c (Ver Anexo E). Ver: BRASIL. MEC. CFE..Decreto nº 66.812, de 30 de junho de 1970. Autoriza o funcionamento da Faculdade Estácio de Sá, GB. Disponível em: http://www2.camara.gov.br. Acesso: 01 ago. 2011
102
Segundo o fundador Cavalcanti Netto (2002), a Faculdade de Direito Estácio de Sá
nasceu de um processo que se inicia com a monotonia que experimentava depois de alguns
anos como juiz, quando ele se tornou professor, na Universidade Gama Filho e depois na
PUC-RJ, de Direito Penal. Depois disso, com a necessidade de complementação de renda
trazida pelo tamanho da família – três filhos -, passou a dar aula em casa, oferecendo
conhecimento na área de prática forense para advogados recém-formados, ensinando os
trâmites da atuação no Fórum. Encontrando eco em termo de demanda, alugou uma sala em
um colégio do Leblon para dar aulas aos sábados e, depois, também no Centro.
Como a demanda continuou crescendo, contratou outros professores. Segundo ele, o
curso fez sucesso porque ensinava o que os cursos de Direito não ensinavam: a prática.
“Porque naquele tempo o ensino do Direito era muito teórico e o pessoal não tinha prática.
Propus um curso em que eu dava a prática, e eu era um juiz” (apud HEYMANN; ALBERTI,
2002, p. 329)78. Ao investir no caminho acima, passou, diz Cavalcanti Netto, a chamar
pessoas expressivas nas áreas de atuação do Direito – direito relativo aos seguros, direito
imobiliário, por exemplo. A ideia de abrir uma faculdade surgiu nesta fase. É bastante
sugestiva desse novo ethos empresarial que emerge no ano 1970, tal como já visto acima.
Como diz Cavalcanti Netto (apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 329-330):
Quando eu estava nesse negócio, uma pessoa me disse: “Vem cá, por que você não abre uma faculdade de direito?” Eu nem imaginava abrir uma faculdade de direito, vivia o dia-a-dia. Aí eu disse: “Mas como é isso?” “Olha, a mulher do secretário do presidente do Tribunal trabalha no MEC. Pergunta a ela.” Fui lá e perguntei: ‘”Como é que se abre uma faculdade de direito?” “É assim, assim, assim.” ‘”Ah, então vou tentar”.
“Pedi ao MEC uma faculdade de direito com uma turma de 80 alunos de manhã e 80
alunos de noite”. Segundo Cavalcanti Netto, foi um processo difícil – uma vez que o CFE não
queria liberar a autorização, mas acabou tendo sucesso, que credita à proposta de curso
diferenciada, composta por quatro disciplinas importantes introduzidas por ele mesmo:
português – “que ninguém dava” (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI,
2002, p. 330), história da filosofia - “porque eu havia feito filosofia e gostei”
(CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 330), lógica e história. Pelo
trecho citado, percebe-se, com clareza, como a composição curricular de uma nova IES não se
relacionava a um pensamento pedagógico específico ou a uma concepção reguladora de
Estado, mas com aquilo que o dono achava importante para determinado curso.
78 Pode-se vislumbrar essa mesma “crítica” ao ensino universitário tanto no discurso do IPES quanto nas críticas à universidade que emergem especialmente a partir do ano 1990 e que são retomadas em meados do governo Lula e início do governo Dilma.
103
Também é importante ressaltar o próprio processo de autorização: a instituição é
constituída a partir de um pedido para duas turmas. Atenta-se também aquela que será uma
das marcas fundantes da Estácio até a primeira década do século XXI: a “mão” do fundador
em todos os tipos de decisão relativas à vida da instituição. Em uma entrevista de 2001, feita
pelo jornal Folha Dirigida, o empresário afirma o contrário disso quando perguntado acerca
da receita de sucesso de uma instituição que tinha, em 30 anos, passado de 16079 alunos para,
então, 90 mil, sendo uma das que mais cresciam no mercado.
Eu acho que a gente trabalha muito e tem um regime de trabalho de muita independência, muito pouco centralizado. Eu acho que ela cresce porque eu não centralizo. Eu acho que essa distribuição do poder dentro da Estácio faz ela crescer. Aqui não tem um comando central, é muito distribuído. Temos uma maneira de trabalhar que é muito peculiar da Estácio. É possível que tenha sido isso que fez a gente crescer, ou então, pode ser que seja sorte (FOLHA DIRIGIDA, 2001)80.
Entretanto, quase imediatamente, o empresário entra em contradição com esse
discurso da descentralização, além de revelar sua concepção sobre a pesquisa científica. A
pergunta do jornal: “As universidades privadas não se destacam em pesquisa. Por quê? Como
são as relações da Estácio com a pesquisa?” Ao que responde Cavalcanti Netto:
As pesquisas não valem nada. A gente olha todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada, raríssimo, é uma inutilidade pomposa, é uma perda de tempo federal. Aquilo ali vai dar um monte de título para o cara, ele vai arrumar um emprego bom e vai trocar cartãozinho com o outro que pesquisa também e fica aquela troca de reverência, para um lado e para o outro, mas a pesquisa em si não vale nada. As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora. Estou hoje trabalhando muito, a gente estava com 137 pesquisas em andamento, não tinha uma que prestasse. Parei todas elas e vamos começar a fazer pesquisa útil. E o que é pesquisa útil? É aquela que pode ser aproveitada pelo homem comum (FOLHA DIRIGIDA, 2001, grifos nossos).
A ideia, segundo Cavalcanti Netto, era fundar uma Faculdade de Direito, e só. Diz ele:
“Não tinha outra intenção. O resto o mercado e o acaso se encarregaram de fazer. E eu corri
atrás, não deixei a peteca cair. A história da Estácio é essa” (CAVALCANTI NETTO apud
HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 330). Todavia, o empresário reconhece a importância da
demanda represada para o sucesso da empresa, embora seu próprio papel no mercado tenha
sido, de acordo com ele, casual. O crescimento da instituição estaria ligado a pressões
relativas à viabilidade econômica da Faculdade de Direito Estácio de Sá. Nas palavras do
fundador do grupo:
Para ter uma boa sala de aula, para ter o professor bem remunerado, para ter uma série de coisas, eu precisava de recursos. Se a faculdade de direito dava algum recurso, abrindo duas ou três ia ter mais recursos. Aí eu abri a segunda e a terceira e a quarta: direito, economia, administração e comunicação. Agora, não tinha nenhum critério científico nem social. O critério era apenas o seguinte: estão precisando e eu posso fazer e com isso vou ter recursos
79 Na entrevista dada ao jornal Folha Dirigida, o número citado pelo jornal em pergunta é de 166 alunos. In: FOLHA DIRIGIDA. “A maior das riquezas”. Especial dia do Professor. Outubro de 2001. Disponível em: http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/maior_riqueza/5.html, Acesso: 06 ago. 2011. 80 FOLHA DIRIGIDA. “A maior das riquezas”. Especial dia do Professor. Outubro de 2001. Disponível em: http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/maior_riqueza/5.html. Acesso: 06 ago. 2011.
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para fazer uma faculdade de direito melhor (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 330, grifos nossos).
Assume-se, assim, que a abertura de novos cursos não estava ligada a um projeto
científico de ampliação dos campos de conhecimento e nem sequer a uma exigência de
mercado clara, bem como se revela, desta forma, a ausência de qualquer planejamento
socialmente orientado em termos da expansão da educação superior, expressando um
crescimento empresarialmente orientado.
A instituição cresce rapidamente, abrindo novas Faculdades e cursos, como a
Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (1971)81, a Faculdade de Comunicação
Social (1972), passando, em 1972, ao regime de Faculdades Integradas (FINES), e efetivando,
em 1973, a mudança para um Regimento Unificado, atualizado à medida que a instituição ia
crescendo e novos cursos iam sendo criados. Ainda em agosto de 1972, foi inaugurado o
campus Rebouças82, segundo dados da própria instituição. Em 1975, a mantenedora SESES
foi reconhecida como de utilidade pública estadual83 e, em 1981, como de utilidade pública
federal84, caracterização fundamental para se candidatar a qualquer forma de isenção fiscal, da
qual só abriria mão em 09 de fevereiro de 200785.
Em 1978, segundo a Estácio Participações (2011 – Ver Anexo CD 1), também
inaugurou sua pós-graduação. Deve-se acrescentar que a Sociedade de Ensino Superior
Estácio de Sá registrou seu Estatuto Social em 30 de maio de 1979, no Registro Civil de
Pessoas Jurídicas (Ver Anexo CD 1), definindo-se, na ocasião, como uma sociedade civil de
caráter filantrópico sem fins lucrativos, já tendo recebido, em janeiro de 1974, o certificado de
fins filantrópicos do então Conselho Nacional de Serviço Social, com a afirmação – requisito
para a concessão do certificado – de que seus sócios ou Conselho de Curadores não recebiam
qualquer remuneração derivada de suas atividades na instituição.
Por fim, de acordo com as demonstrações financeiras apresentadas em 2007:
81 Diz o texto do Parecer 709/71: “A Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, que já mantém no Estado da Guanabara uma Faculdade de Direito, autorizada a funcionar pelo Decreto nº 66.812, de 30-6-1970, desenvolvendo o projeto inicial de constituir uma Federação de Escolas de Ensino Superior, por intermédio de seu Presidente, o ilustre magistrado Dr. João Uchôa Cavalcanti Netto, requer autorização para fazer funcionar uma Faculdade de Economia e Administração” (BRASIL. MEC. CFE. Parecer nº 709, de 17 de setembro de 1971, p. 95, grifos nossos – Ver Anexo F). 82 Esse campus traz algumas marcas importantes para a vida da instituição, ao qual se voltará mais adiante. Mas, apenas para apontar como isso se dá, dois fatos: o campus Rebouças, de propriedade da SESES, está penhorado em um processo movido pelo Município do Rio de Janeiro relativo à cobrança de IPTU. O segundo foi o fato de uma aluna ter sido atingida por um tiro dentro do campus, em 05 de maio de 2003, resultando em processo ainda em trâmite. 83 Governo do estado da Guanabara. Lei 1.536, de 03 de janeiro de 1975. 84 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 86.072, de 04 de junho de 1981. Declara de utilidade pública as instituições que menciona. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao. Acesso: 06 mar. 2011. Ver Anexo G. 85 Entretanto, em 2004, a já então Universidade Estácio de Sá já havia aderido ao Programa Universidade para todos e passado a se beneficiar das isenções relativas a esse programa, como se verá mais adiante.
105
A SESES foi considerada sem fins lucrativos e de caráter filantrópico até 9 de fevereiro de 2007. Portanto, até essa data gozava, nos termos dos artigos 150 - inciso VI, letra C - e 195 - parágrafo 7º - da Constituição Federal e dos artigos 12 e 15 da Lei no 9.532/97, de imunidade e isenção tributária, sendo reconhecida como de utilidade pública no âmbito federal e estadual através do Decreto no 86.072, de 4 de junho de 1981 e da Lei no 2.536, de 3 de janeiro de 1975, respectivamente. A SESES possuía, ainda, os seguintes certificados emitidos por órgãos governamentais: (a) certificado de inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social; (b) Título Declaratório de Regularidade de Situação Estadual; e (c) Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS, emitido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 24 – ver Anexo CD 2).
Tal estatuto tem sido questionado judicialmente – pela fiscalização do próprio INSS e
da Secretaria da Receita Federal -, e implica ainda uma série de processos em andamento,
como se verá mais adiante, mas, de qualquer forma, é importante ressaltar o papel financeiro
deste tipo de isenção que se realiza desde meados da década de 1970. Apenas para se ter uma
ideia do quanto essas isenções podem ter significado financeiramente para estas instituições,
na primeira demonstração financeira realizada pela auditoria Ernest & Young quando da
formação da Companhia Estácio Participações S.A em 31 de março de 2007, informa-se que
R$ 96.482 milhões – de um valor patrimonial, em cotas da SESES e das outras mantenedoras,
de R$ 123.554 milhões.
[...] foi registrado na Companhia em rubrica específica de reserva de capital (ágio na subscrição de ações) e refere-se, substancialmente, ao saldo remanescente dos resultados acumulados auferidos pelas empresas controladas (SESES e Mantenedoras) antes da transformação de sua forma jurídica de entidades sem fins lucrativos para sociedades empresárias (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 27, grifos nossos – ver Anexo CD 2).
Exatamente por essas razões não se pode aqui endossar a ideia de Martins (1988) de
que essas IES empresariais cresceram com o financiamento praticamente exclusivo pela via
das mensalidades. Analisando o quadro apresentado, pode-se verificar que a agora segunda
maior instituição do país cresceu com a presença nada insignificante de isenções fiscais e
tributárias bastante generosas, apontando para a clara presença do fundo público na
reprodução ampliada do setor.
A segunda década da expansão da educação superior no regime empresarial-militar
(1974-1984) coincide com este processo de organização integrada da instituição, na qual se
expressa o tipo de expansão favorecida nesta década da ditadura civil-militar. Assim, vê-se
uma expansão que serve para, na superfície, atender a demanda dos “excedentes” em
condições de pagar para estudar, em um tipo de instituição que se desenha a partir de uma
postura empresarial forjando o mercado da educação superior brasileiro.
Fica também patente neste processo, como as áreas pelas quais cresce esse tipo de
ensino são aquelas que exigem o menor investimento, como administração e economia, talvez
106
com a exceção da Comunicação Social que, todavia, encontrava-se em momento de franca
ampliação de área de atuação profissional no Brasil com o surgimento da TV em 1950 e da
TV em cores em 1962. Desta forma, a formação profissional privilegiada nas instituições em
termos de oferta não se sincroniza necessariamente com os rumos do mercado de trabalho,
não formava profissionais tecnicamente qualificados, mas insista em uma espécie de
bacharelismo bastante lucrativo para os donos das instituições de ensino.
Segundo Sguissardi (2008), o crescimento das matrículas no período (1974-1984) é
menor do que no período anterior, apenas 50%, ou seja, cerca de 5% ao ano (dez vezes menor
do que na época anterior). Assim, em 1984, o número total de matrículas no sistema de
educação superior era de 1.399.539. Deste, o total de matrículas no setor público era de
571.879 (40,9%). No setor privado, o total de matrículas era de 827.660 (59,1%).
Tabela 5 Evolução no número de matrículas da educação superior brasileira por categoria
administrativa (pública e privada) – 1974 – 1984
Ano
Total
Matrículas públicas
Matrículas privadas
Total % Total %
1974 937.593 341.028 36,4 596.565 63,5
1984 1.399.359 571.879 40,9 827.660 59,1
Fonte: Sguissardi (2008), com dados do MEC/INEP e do prof. Nélson C. do Amaral.
Como mostra Sguissardi (2008), na última década da expansão sob os auspícios do
regime militar e nos primeiros anos da Nova República, período este que se estende de
meados dos anos 1980 a metade dos anos 1990, tem-se uma diminuição no ritmo do
crescimento, mas não estagnação ou diminuição no número total de matrículas, por exemplo.
Enquanto análises mais rasas ressaltam o esgotamento da expansão, outros olhares revelam
como os anos 1980 representariam, junto com as lutas pela redemocratização e pelos direitos
sociais, a emergência de um novo perfil de instituição superior, em grande parte na tentativa
de adequação desta ao novo momento político do País.
É nesta fase que a Estácio começa a preparar sua transformação em Universidade pela
via do reconhecimento86, um caminho mais rápido para as vantagens da conquista da
86 Vigorou, até o fechamento do CFE em outubro de 1994 (substituído pelo CNE – Conselho Nacional de Educação, no governo Itamar Franco), um tipo de processo no qual as instituições interessadas em se transformarem em universidades
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autonomia concedida à universidade, de acordo com o que, então se afigurava, cada vez mais
em torno das disputas em torno dos artigos da Constituição Federal. Em 1985, a SESES
encaminhou ao CFE87 carta-consulta para sua transformação em Universidade, o que
atenderia, aparentemente, à Lei 5.540/68, que postula ser a universidade a instituição modelar
para o ensino superior, sendo as outras modalidades, como as faculdades isoladas, exceções.
A Assessoria Técnica preparou um resumo da carta-consulta que consta do Parecer nº
814/86 (ver Anexo H)88, fornecendo base para o julgamento a ser realizado pela Comissão
Especial de Universidades e do Plenário do Colegiado do CFE. A instituição propunha, então,
a contratação de professores com maior titulação bem como a oferta de bolsas para
qualificação do atual corpo docente89. Com uma capacidade patrimonial que, segundo o
relator do parecer supracitado, permitiria atender a uma demanda de mais 40% em termos de
número de alunos sem realizar, para isso, grandes investimentos em infra-estrutura. A maior
parte de suas receitas viria das anuidades, pouco dependendo de crédito ou de recursos
públicos90, garantindo-se, assim, razoável estabilidade e independência financeira.
Apresentava ainda a carta-consulta uma projeção de maior investimento em ensino, pesquisa e
extensão, com menor orçamento para obras.
O parecer elaborado pela Comissão de Consultores do CFE, após dois anos de
acompanhamento planejado, que serviu como base para a avaliação da questão, buscava
analisar e avaliar o funcionamento da instituição com vistas à sua transformação em
Universidade, com ênfase nos aspectos didáticos, pedagógicos, administrativos e financeiros.
podiam encaminhar suas solicitações pela Via da Autorização ou do reconhecimento, com variações pequenas ente as duas no que diz respeito aos procedimentos. A via do Reconhecimento se dava quando já havia instituição de ensino, ou seja, quando se tratava de transformar uma instituição já existente em universidade. A via da Autorização se fazia necessária quando se tratava de fundar instituição ainda inexistente. 87 Em 1986, o CFE apresentava a seguinte composição: Presidente – Fernando Affonso Gay da Fonseca; Vice-Presidente: Jucundino da Silva Furtado; Secretaria Executiva: Eurídes Brito da Silva. Conselheiros: Afrânio dos Santos Coutinho, Anna Bernardes da Silveira Rocha, antonio Fagundes de Souza, Pe. Antonio Geraldo Amaral Rosa, Arnaldo Niskier, Caio Tácito, Ernani Bayer, Heitor Gurgulino de Souza, Ib Gatto Falcão, Jessé Guimarães, João Paulo do Valle Mendes, Lafayette Azevedo Pondé, Lêda Maria Chaves, D. Lourenço de Almeida Prado, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Mauro Costa Rodrigues, Nilson Paulo, Tarcísio Guido Della Senta, Virgínio Cândido Tosta de Souza, Walter Ramos da Costa Porto, Zilma Gomes Parente de Barros. 88 BRASIL. MEC. CFE. Parecer nº 814, de 2 de dezembro de 1986. In: Documenta. Nº 312. Brasília: CFE, 1986. 89 Apenas para efeitos de dimensionamento do crescimento da instituição, a Estácio Participações afirma contar, em 2010, com 7.072 docentes, em todas as regiões do país (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2010, p. 34 – ver Anexo CD 3). 90 Todavia, estes não estão totalmente ausentes. Davies (2002) mostra, em seu texto que, com essas isenções fiscais e previdenciárias, estas instituições poupam bilhões por ano, permitindo oferta de certo preço das mensalidades (não muito elevado) e mantendo a taxa de lucratividade do setor. No caso da SESES, foi fundamental. A SESES só muda sua natureza jurídica para fins lucrativos em 2007, sem nenhum tipo de restituição de patrimônio construído pela via da filantropia e somente com a isenção de impostos garantida pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Portanto, passou a pagar a cota patronal do INSS e o Imposto sobre Serviços (ISS), enquanto a adesão ao ProUni garante a isenção em relação ao Imposto de Renda, Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL), PIS e Confins. Mais adiante, no terceiro capítulo, ter-se á condições de se mensurar o tamanho dessas isenções para a instituição.
108
Uma Comissão de Consultores do CFE é encarregada de acompanhar a instituição por dois
anos, e emite um parecer final, o Parecer 1.205/88 (ver Anexo I)91.
A Comissão de Consultores foi constituída por meio da Portaria CFE nº 4, de 30 de
janeiro de 1987 (ver Anexo J)92, e era integrada pelos professores Lauro Ribas Zimmer,
Ronald Braga e Edi Madalena Fracasso. Os trabalhos da Comissão foram inicialmente
acompanhados pelo relator Tarcisio Guido Della Senta, que, em razão de seu afastamento do
país, foi substituído pelo conselheiro Ernani Bayer.
Lauro Ribas Zimmer93 veio a ser reitor da Universidade Estácio de Sá entre 1991 e
1997, e prestava, ainda em 2005, serviços de consultoria para a empresa, segundo
informações curriculares dispostas em seu nome no site do 12º Congresso Internacional de
Educação a Distância94. Edi Madalena Fracasso recebeu da Universidade Estácio de Sá, em
1993, a medalha de Honra ao Mérito por serviços prestados à Educação Brasileira e à
Universidade Estácio de Sá, segundo informações disponíveis em seu currículo Lattes95
Segundo o Parecer nº 1.205/88, foram efetuadas, ao longo desses dois anos, várias
visitas pela Comissão e realizadas reuniões para a verificação das condições de passagem ao
status de Universidade. Para o relator, a Comissão teria realizado um excelente trabalho, não
só em termos de apreciação das propostas de transformação, mas em termos de
acompanhamento das providências adotadas, tendo sido, portanto, fator de mudança na
instituição. “O progresso institucional ocorrido no período de acompanhamento deve-se, em
grande parte, ao estímulo e a [sic] orientação produzidos pelos integrantes da referida
Comissão” (BRASIL. CFE. MEC, 1988, p. 2 – Ver Anexo I).
Durante este período de acompanhamento, a instituição teria entregado à Comissão
um conjunto de sete relatórios, em cumprimento do Plano de Acompanhamento. Os relatórios
se refeririam a: I) Informações quanto à mantenedora; II) O projeto da UNESA; III) As
Funções da Universidade; IV) Ordenamentos Institucionais; V) Recursos Humanos; VI)
Recursos Materiais e Infra-estrutura; e VII) Planejamento Econômico-Financeiro e seguiam o
modelo de formulários padronizados a serem preenchidos pelas instituições. É importante
91 Em 1988, o CFE apresenta a seguinte composição: Presidente – Fernando Affonso Gay da Fonseca; Vice-Presidente: Manoel Gonçalves Ferreira Filho; Secretaria Executiva: Eurídes Brito da Silva. Conselheiros: Afrânio dos Santos Coutinho, Anna Bernardes da Silveira Rocha, Antonio Fagundes de Souza, Pe. Antonio Geraldo Amaral Rosa, Arnaldo Niskier, Caio Tácito, Ernani Bayer, Felipe Tiago Gomes, Ib Gatto Falcão, Jacks Grinberg, Jessé Guimarães, João Faustino Ferreira Neto, João Paulo do Valle Mendes, Josaphat Ramos Marinho, Lafayette de Azevedo Pondé, Lêda Maria Chaves, D. Lourenço de Almeida Prado, Norbertino Bahiense Filho, Virgínio da Costa Pinto, Walter Ramos da Costa Porto, Yugo Okida, Zilma Gomes Parente de Barros. BRASIL. CFE. MEC. Parecer nº 1.205, aprovado em 28 de novembro de 1988. Reconhecimento da Universidade Estácio de Sá – UNESA com sede no Rio de Janeiro. In: Documenta. N º 336. Brasília: CFE, 1988. 92 BRASIL. CFE. MEC. Portaria nº 4, de 30 de janeiro de 1987. In: Documenta. Brasília: CFE, 1987. 93 Oriundo da Universidade do Estado de Santa Catarina, foi também presidente do CRUB entre 1986 e 1987. 94 Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2005/por/zimmerHOP.htm>. Acesso em: 10 mar. de 2011. 95 Disponível em: . <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4780084D4>. Acesso em: 10 mar..2011.
109
aqui retomar a ideia de como o próprio processo havia sido burocratizado e simplificado no
interior do CFE, até configurar-se o formulário-padrão com os itens supracitados (FONSECA,
1992). A primeira parte do Parecer é composta por tais relatórios e a segunda pelo texto do
próprio relator.
No que diz respeito ao item I) A Mantenedora, o Parecer informa que a SESES é
constituída como Sociedade Civil, de caráter filantrópico96, mas o parecer registra “agitações
financeiras” durante o período entre 1984 e 1986, relacionado ao esgotamento do modelo
econômico do período da ditadura militar e ao processo de reordenação política. Nas palavras
do relator:
A situação econômico-financeira foi analisada durante o período de acompanhamento tendo sido observadas grandes oscilações pela análise dos coeficientes dos balanços do triênio 1984/1986, justificada em parte pelas reformas econômicas do país, pelas altas taxas de inflação e pelos movimentos grevistas” (CFE, 1988, p. 4 – ver Anexo I).
Como mostra Carvalho (2002), entretanto, esse não foi o ponto final das empresas
educacionais, especialmente para aquelas que gozavam das renúncias fiscais e isenções
previdenciárias, como o caso aqui estudado.
Com a queda na demanda por ensino superior, provocada pelos efeitos da recessão econômica dos anos 80, a renúncia fiscal amenizou os impactos da inadimplência, do desemprego e da queda dos salários reais sobre os estabelecimentos particulares, permitindo a continuidade da atividade educacional e evitando muitas falências no setor (CARVALHO, 2002, p. 140).
Entretanto, não se tratava apenas da conjuntura econômico-política, mas também de
um momento de questionamento, por grupos variados na sociedade civil, do sentido, da
qualidade dessa expansão: das associações profissionais, dos sindicatos, da universidade
pública e de segmentos das camadas médias insatisfeitos com a perda do “valor” do diploma.
Por essa via da discussão da qualidade do ensino superior são introduzidas algumas medidas
“temporárias” de contenção dessa expansão, como o caso do Decreto nº 86.000/81, que,
segundo Fonseca (1992), suspendeu a criação de novos cursos até o fim do mesmo ano.
Respondendo a esse decreto, afirma Fonseca (1992), o CFE encaminha pareceres que,
em larga medida, adotam as perspectivas das entidades privatistas, como a Associação de
Mantenedoras do Ensino Superior (AMES) e o SEMESP. Assim, a expansão seria retomada
96 Segundo a Estácio Participações S.A. (2007, 2007a e 2010 - Ver Anexo CD 2, 4 e 3), as sociedades subsidiárias começaram, em 2005, a transformação de sociedades civis sem fins lucrativos para sociedades com fins lucrativos, processo que só se completa em 9/2/2007, mesmo ano em que abre seu capital na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). De acordo com informações da consultoria K2, a UNESA teria entrado em 2006 (abril) como entidade sem fins lucrativos e enfrentado uma série de dificuldades como endividamento, baixa rentabilidade e mercado competitivo. A consultoria teria tido sucesso em reverter tal situação, com uma equipe e 10 consultores. Ver: http://www.k2c.com.br/pt/resultados.html. Acesso: 10 mar.2011. Importante dizer que na relação do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), atualizada em 13 de agosto de 2009, a Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá consta como entidade certificada na área de atuação da educação. Ver: http://www.mds.gov.br/cnas/entidades-certificadas. Acesso em: 10 mar. 2011.
110
pelo Decreto nº 87.911/92, que estabelece os parâmetros para a criação de novos cursos e para
o aumento de vagas. Pode-se constatar, no entanto, que tal retração é apenas aparente, causada
por um processo de reorganização das mantenedoras na direção da racionalização dos custos
operacionais do setor privado da educação superior, em que algumas instituições
consolidadas, porém, isoladas ou faculdades integradas, migram para o regime universitário
em busca das vantagens (financeiras e simbólicas) propiciadas pelo status de universidade,
como é o caso da instituição ora estudada, que já havia se recuperado, entre 1987 e 198897,
das oscilações financeiras sofridas ente 1984 e 1986, tal como destacado no Parecer.
C B. Martins (1988) ressalta as tensões derivadas das lógicas distintas e contraditórias
que envolvem Mantenedora – orientada pelo interesse econômico – e Mantidas – orientadas
pelo interesse humanitário (filantropia) e científico (IES). Mas segundo o relator do Parecer
CFE 1.205/88 (Anexo I), é importante destacar a “perfeição” do relacionamento entre a
Mantida e Mantenedora. Essa perfeita relação se expressaria a partir do cumprimento de uma
espécie de divisão do trabalho entre Mantenedora e Mantida. A primeira deveria se encarregar
das ações infraestruturais, administrativas, de controle patrimonial e contábil, bem como
apoio logístico, sem interferência na liberdade das instituições mantidas. Esta teria autonomia
didático-pedagógica, científica, administrativa e financeira, tal como preconizado no Estatuto
e no Regimento.
Diz o Parecer 1.205/88 (ver Anexo I): “A SESES demonstrou na Carta-Consulta
atender perfeitamente os requisitos exigidos no art. 3º da Resolução 03/8398 do CFE (CFE,
1988, grifos nossos)”. Entretanto, a literatura aponta para o fato de que esse perfeito
relacionamento, no caso de boa parte das IES privadas, deve ser entendido como resultado
não de entidades distintas e democraticamente relacionadas e orientadas pela atividade-fim da
instituição educacional, mas de um processo de controle centralizado exercido pela
Mantenedora e seus sócios sobre a Mantida, como afirma C. B. Martins (1988).
O Item II versa sobre o estabelecimento de ensino, no caso das Faculdades Integradas
Estácio de Sá. O Parecer indica que a Comissão de Acompanhamento não encontrou nenhuma
irregularidade no funcionamento das unidades de ensino, após visitas, análises de relatórios,
reuniões com professores, alunos e funcionários. No que se refere à organização das unidades,
as Faculdades Integradas Estácio de Sá eram compostas pelas seguintes: Faculdade de Direito
97 Deve ser ressaltado o fato de que esta recuperação relaciona-se, embora de modo não-exclusivo, com a diminuição do número de docentes na instituição. Em 1986, eram 637 professores empregados na IES e, em 1988, contabilizava-se apenas 454 docentes. 98 BRASIL. CFE. MEC. Resolução nº 3, de março de 1983. Apresenta regulamentação para a apresentação de processos de estabelecimentos de ensino superior e universidade e outras exigências. Brasil, 1983. O artigo 3 refere-se à situação e aos registros contábeis da instituição. Rothen, 2004.
111
(1970), Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (1971), Faculdade de
Comunicação Social (1972), Faculdade de Turismo (1973), Faculdade de Formação de
Professores (1975), Faculdade de Arqueologia e Museologia (1975), Faculdade de
Fonoaudiologia (1976), Faculdade Politécnica99 (1981), Faculdade de Música (1983). Esse
quadro comprova as afirmações e diversos autores, dentre os quais C. B. Martins (1988)100, de
que estas as instituições privadas concentraram-se nos cursos das áreas das Ciências Humanas
e Letras, que são cursos mais baratos em termos da infraestrutura necessária para seu
funcionamento. A tabela abaixo mostra a distribuição em meados da década de 1970, mas
essa característica será reforçada na década de 1990, como se verá mais adiante.
Tabela 6
Matrículas por área de conhecimento por categoria de estabelecimento no ensino superior brasileiro – 1974
Categoria do estabelecimento
Ciências da Saúde
Ciências Agrárias
Ciências Exatas
Ciências Humanas
Letras Artes Total
Brasil 123.628 19.448 209.890 453.464 74.591 16.179 897.200
Universidade* Pública
58.017 13.352 70.458 90.031 16.496 5.196 253.550
Universidade* Particular
13.969 742 48.225 76.785 10.786 2.270 152.777
Isoladas Públicas
11.592 3.096 28.985 36.584 10.705 1.258 93.029
Isoladas Particulares
40.050 1.449 62.222 250.064 36.604 7.455 397.844
Fonte: C. B. Martins, 1988, que elaborou com dados da CODEAC/DAU-MEC. * Inclusive Federações.
No caso ora analisado, das nove unidades que compunham as Faculdades Integradas
Estácio de Sá, oito pertenciam às áreas de Humanas, Letras e Artes. O ponto seguinte do
Parecer, ainda dentro do item II, refere-se aos cursos, vagas, distribuição, organização das
turmas e dos turnos. Segundo o parecer, em 1988, as Faculdades Integradas Estácio de Sá
ofereciam 1.645 vagas em vestibulares semestrais unificados para 20 cursos e 23
habilitações101. As vagas eram preenchidas a partir da classificação no vestibular, sendo este
coordenado por uma comissão permanente, nomeada pela direção geral e formada por
99 Não confundir com o Instituto Politécnico, fundado em 1997. 100 Citar-se-á apenas Martins (1988) porque seu trabalho apresenta dados estatísticos organizados de modo simples que permitem confirmar as análises. Mas Barreyro, (2008), Fernandes (1975), dentre outros, citam a mesma informação. 101 Como não se tem acesso aos quadros anexos aos Pareceres emitidos pelo CFE, não se pode destrinchar quais seriam, então, estes 20 cursos e 23 habilitações.
112
professores das diversas áreas – como se viu no parágrafo anterior, embora composta por 09
unidades, 08 pertenciam aos mesmos nichos das Ciências Humanas, Letras e Artes.
A instituição funcionava, já então, nos três turnos, sendo que os 7.800 alunos estariam
distribuídos na seguinte proporção nos três turnos: matutino – 26%; vespertino – 13%; e
noturno – 61%. Confirma-se assim, mais uma vez, a tendência geral – e que perdura até hoje:
a concentração de estudantes das IES privadas nos cursos noturnos. Segundo Terribili Filho e
Nery (2009), entre 1969 e 1971, foram criados 209 novos cursos e sua quase totalidade estaria
localizada no turno da noite. A porcentagem apresentada pelas então Faculdades Integradas
Estácio de Sá se aproxima da média total dos dias atuais. Segundo a Sinopse (versão
preliminar) do Censo da Educação Superior (2009), o número total de matrículas em cursos
presenciais nas IES privadas seria de 3.764.728. Destas, 68% estão localizadas em cursos
noturnos.
Ainda em Terribili e Nery (2009), uma citação permite cruzar a concentração na área de
Humanidades e a predominância das matrículas no curso noturno:
[...] o aluno típico, quase sempre como um trabalhador; o aluno que trabalha durante o dia e que, portanto, normalmente, chega cansado à escola. É geralmente, de idade média superior à idade média de seu colega de cursos diurnos, e também, supostamente, mais maduro. [...] o curso noturno é procurado como fator de melhoria das condições de trabalho, de emprego, de remuneração e de ascensão social. [...] ele prevalece entre os estabelecimentos da rede particular [...] as universidades comparecem invariavelmente com números mais modestos; a área de Humanidades presta-se, notoriamente, mais que a de Ciências para cursos noturnos, e a concentração geográfica destes torna-se mais nítida na região Sudeste (MENDES apud Terribili; Nery, 2009, p. 73, grifos nossos).
O terceiro ponto (II item) do Parecer 1.205/88 (ver Anexo I) diz respeito à
comprovação da existência de um número mínimo de cursos nas áreas fundamentais e
técnico-profissionais segundo o artigo 5º da Resolução 03/83 do CFE. Assim, para fazer face
às exigências de transformação em universidade, eram necessários quatro cursos nas áreas
fundamentais e quatro nas áreas técnico-profissionais.
A SESES, segundo o Parecer do CFE, cumpriria esse requisito ao oferecer a seguinte
lista de cursos e habilitações: a) Áreas Fundamentais: 1. Curso de Letras, habilitações:
Português e Literatura; 2. Curso de Ciências, habilitação: Matemática; 3. Curso de Educação
Artística, habilitações: Artes Cênicas, Artes Plásticas e Música; b) Área Técnico
Profissional: 1. Curso de Direito; 2. Curso de Ciências Econômicas; 3. Curso de
Comunicação Social, habilitações: Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas;
4. Curso de Pedagogia, habilitações: Orientação Educacional e Administração Escolar; 5.
Curso de Turismo; 6. Curso de Arqueologia; 7. Curso de Museologia, habilitações: Museus de
Arte e Museus de Ciência e Tecnologia; 8. Curso de Fonoaudiologia; 9. Curso de Psicologia,
113
habilitações: Licenciatura, Bacharelado e Formação de Psicólogo; 10. Curso de Relações
Internacionais. Segundo o Parecer 1.205/88, “as FINES oferecem também Cursos Superiores
de Tecnologia em curta duração, a saber: 1. Curso de Formação de Executivos; 2. Curso de
Hotelaria; 3. Curso de Telecomunicações, habilitações: Comutação, Transmissão e Redes; 4.
Curso de Técnicas Digitais, habilitações: Sistemas Programáveis e Comunicação de Dados102.
O último ponto do item II refere-se às conclusões sobre as FINES que seriam
altamente positivas: a instituição funciona bem do ponto de vista didático-pedagógico,
operacional e administrativamente, compreendendo-se também os órgãos colegiados e
Departamentos (não citados anteriormente no Parecer). Afirma ainda que a “comunidade
universitária” teria conhecimento do Regimento integrado.
O terceiro item remete ao projeto para a estruturação e funcionamento da
Universidade Estácio de Sá. O formulário pressupunha que se dissertasse sobre: a) área
geoeducacional, em relação a aspectos demográficos, culturais e às atividades econômicas.
Este item resumia estatísticas sobre as características da população carioca, da oferta de
espaços culturais, de penetração dos meios de comunicação, de escolarização, bem como
sobre as atividades econômicas do estado, em que se ressalta a importância da economia do
Rio de Janeiro em relação à economia do País. O segundo item, “A concepção de
Universidade e a filosofia de trabalho”, busca apresentar uma ideia do caminho a ser traçado
pela instituição em relação às linhas básicas de ação, às políticas nas diferentes áreas de
atuação (Ensino de Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão), às metas prioritárias na
fase de implantação da UNESA, às mudanças na instituição com o reconhecimento da
universidade, e às mudanças na comunidade acadêmica com o reconhecimento de
universidade.
Algumas afirmações do Parecer parecem ser essenciais. A primeira remete à busca,
pela instituição, em sua trajetória desde a origem como Faculdade de Direito, da oferta de
bom ensino, concebido como conjunto do saber humanístico e do saber profissionalizante.
Cabe lembrar que Ensino é uma das atividades da educação superior, junto com a Pesquisa,
como postulava, a época, a lei 5.540/68. A instituição afirma que, ao se transformar em
universidade, incrementaria sua atuação em termos de Pesquisa e Extensão. O texto do
Parecer assevera:
Ao transformar-se em universidade, a UNESA implementará essa tradição, procurando naturalmente acelerar o cultivo, a nível superior, da pesquisa e da extensão universitárias, princípios que estão consagrados em nossa legislação e inerentes a instituições universitárias. Mas a sua caracterização fundamental é a de ser uma instituição de ensino
102 Repare-se que o número de cursos e habilitações ora arrolados não bate com o publicizado no item anterior, de 20 cursos e 23 habilitações. Aqui tem-se 13 cursos e 21 habilitações.
114
que valoriza a aquisição criativa do conhecimento, a competência docente no trato com o aluno, no sentido de habilitá-lo para a solução dos problemas de sua vida e da comunidade à qual pertence. Essa é a definição que a UNESA oferece de qualidade do ensino, aquela que Oportuniza um processo de autocrescimento dos alunos para que possam transformar-se e transformar a comunidade que mantém a universidade. Cumpre assim os objetivos de transmitir cultura, renovar o saber e formar elites. O bom ensino renova o saber porque é dinâmico, está atualizado e realiza sínteses novas e originais do conhecimento; nesse sentido, o ensino de qualificação está efetivamente ligado à pesquisa, vale dizer, à procura incessante da verdade (CFE, 1988, grifos nossos – Ver Anexo I).
A primeira coisa a se notar é que a instituição que pleiteia, há dois anos, o status de
universidade programará – ainda não teria implementado – a cultura da pesquisa e da
extensão. Em termos de uma análise do discurso acima, o texto parece dizer que cumprirá as
demandas legais, porém, afirma que preferia concentrar-se em outra: a tarefa do ensino103.
Esse discurso é muito revelador do modo concreto de realização da educação superior no
Brasil: para reivindicar a mudança de status era necessário um projeto que dissesse o que se
iria fazer, e não a demonstração, na prática, de que se está apto a fazer, por exemplo, pesquisa,
terminando com um tournant que liga, de modo imediato, ensino e pesquisa, mas submetendo
a segunda ao primeiro.
Em seguida, o texto ressalta a vantagem da futura Universidade em termos de
localização no município do Rio de Janeiro, bem em eixo de comunicação entre a Zona Norte
e a Zona Sul e sua capacidade já instalada. Em seguida, o Parecer assegura:
A UNESA é, finalmente, um projeto de universidade particular. Isso significa que o seu parceiro principal não é o Estado, mas que deve formar o seu parceiro na própria comunidade de professores, alunos, funcionários e mantenedores. Sua fonte principal de recursos será a anuidade cobrada de seus alunos. Mas a sua condição de universidade e de centro de excelência em várias áreas lhe dará habilitação a concorrer, para fins de pesquisa, aos organismos nacionais e internacionais de fomento e de se associar a projetos de ponta da indústria local (CFE, 1988, grifos nossos – Ver Anexo I).
Todavia, como já visto acima, não apenas se deve atentar para as relações de
financiamento com o Estado, mas também apontar para o fato de que, nos anos 1980 ainda, a
disputa da presença dos organismos de fomento nacionais e internacionais estava posta,
embora ainda não como aparecerá nos anos 1990. Cita ainda programas e convênios relativos
à manutenção de laboratórios da instituição, como os centros de Treinamento Cobra
Computadores e da Standard Electric. Anuncia que pretende se associar ao empresariado
nacional, no sentido de qualificar a mão de obra de acordo com as demandas do mercado de
trabalho.
103 A palavra tradição figura neste texto como fiadora, no sentido dado pela Análise do Discurso (AD) de “figura de autoridade” que procura oferecer garantias, conotando solidez, segurança. O termo naturalmente remete para um processo que acontece por si mesmo, necessário, sem sobressaltos. O termo Mas é uma adversativa, materializando textualmente a divergência em relação às normas legais. A competência no trato com o aluno é atribuída ao docente, responsabilizando-o por ela e, claro, pela incompetência também.
115
Concluindo, a UNESA pretende ser uma Universidade de médio porte, dedicada fundamentalmente ao ensino de qualidade, à pesquisa, sobretudo, a aplicada, diversificando suas fontes de recursos, e à prestação de serviços à comunidade do Estado do Rio de Janeiro. Assim, a UNESA assume todas as funções legais atribuídas à universidade: função cultural, função investigadora, função técnico-profissional e a função social de serviço, cooperando, a seu modo, para o desenvolvimento da sociedade do Rio de Janeiro (BRASIL. CFE. MEC., 1988, grifos nossos – ver Anexo I).
Dessa concepção de universidade emergiriam a linhas básicas de ação incrustadas no
Estatuto e no Regimento Geral, revelando um discurso muito próximo ao liberal-pragmático.
Conceber a educação em termos de investimento, relacionada ao desenvolvimento e à
integração, treinamento e desenvolvimento de habilidades, valorização da liberdade, de
autoconhecimento pelo desenvolvimento de competências são valores ligados a estas matrizes
do pensamento educacional.
1. Conceber a educação como investimento prioritário no processo de desenvolvimento e na integração do homem à sociedade. Para que este se torne agente de mudança e transformação, é necessário oferecer-lhe educação formal e informal, treinamento, habilidades e referências éticas que moldarão sua personalidade. 2. Conceber a educação como instrumento e mecanismo de transformação social; por meio da liberdade, o homem aprende a ser livre, a se auto-determinar, a respeitar a si mesmo e aos outros; aprende a escolher como agir com o semelhante e - através do progresso técnico, científico, cultural e social - com vistas à fraternidade, justiça social e igualdade. Na sociedade brasileira distribuir cultura é tão importante quanto distribuir renda. 3. O aluno, como sujeito e agente de seu processo educativo, opta a partir do conhecimento das suas potencialidades individuais dos valores profissionais e da repercussão pessoal e social de seu processo de decisão. Conhecer a si mesmo é a primeira grande tarefa que a universidade propiciará à sua clientela (BRASIL.CFE. MEC, 1988, grifos nossos – Ver Anexo I).
O Parecer passa a apresentar, então, as linhas de ação para o ensino de Graduação,
Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão. Cita ainda a produção da Editora Estácio de Sá e dos
Professores da então FINES. Em pesquisa no banco de dados relativo ao International
Standard Book Number (ISBN) da Biblioteca Nacional104, entretanto, não encontramos
nenhuma referência à Editora Estácio de Sá. Existem quatro publicações ligadas à
Universidade Estácio de Sá, que remetem para encontros, congressos, seminário, enfim
eventos científicos105. E existe um ISBN ligado à Editora Rio. Neste caso, o ISBN lista 261
obras, incluindo algumas cujo autor é o fundador da SESES, João Uchôa106. Aliás, alguns dos
livros registrados sob o prefixo da Editora Rio são citados no Parecer 1.205/88. É o caso da
coleção 1000 Perguntas, por exemplo.
104 O International Standard Book Number (ISBN) é um sistema internacional de identificação numérica de livros, segundo autor, título, ano e a editora, ressalvando, inclusive, a edição. “É controlado pela Agência Internacional do ISBN, que orienta e delega poderes às agências nacionais. No Brasil, a Fundação Biblioteca Nacional representa a Agência Brasileira desde 1978”. Disponível em: http://www.isbn.bn.br/. Acesso: 02 ago. 2011. 105 São eles: 978-85-60923-00-7 SEMANA DA INFORMÁTICA DA UNESA - ANAIS DA II SEMANA DE INFORMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ 978-85-60923-01-4 E-TIC: 5º ENCONTRO DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO 978-85-60923-02-1 E- TIC: 6º ENCONTRO DE EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO 978-85-60923-03-8 Anais II ERI - RJ - II Escola Regional de Informática do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.isbn.bn.br/pesquisa-no-cadastro-isbn. Acesso: 02 ago. 2011. 106 O prefixo da Editora Rio no ISBN é 7579.
116
A Editora Rio é, a rigor, o nome fantasia, de acordo com a SRF, da Editora Rio
Sociedade Cultural LTDA107. Esta, por sua vez, é uma empresa detida pela SVJ Participações
S.A. Esta era, em 2007, uma
[...] (holding detida pelo nosso diretor acadêmico, Sr. José Roberto Gonçalves de Vasconcelos, com 49% das quotas, e por dois de nossos funcionários, os Srs. Sylvio Augusto do Rego Barros Reis e Antonio Victorino Dias da Silva Rocha, com 50% e 1% das quotas, respectivamente), com 98% das quotas; Sylvio Augusto do Rego Barros Reis (funcionário da SESES), com 1% das quotas; e Dílson Gomes Navarro Dias (Diretor da SESES e membro do nosso Conselho de Administração), também com 1% das quotas, tem como principal finalidade publicar livros e periódicos, além de agenciar e receber comissão sobre a veiculação de publicidade e propaganda da Universidade Estácio de Sá no Estado do Rio de Janeiro. Pelos serviços de agenciamento de despesas de publicidade são cobrados 20%, conforme determinação do Conselho Executivo das Normas Padrão – CENP, que regula esse tipo de atividade. O total de dispêndios em comissões de agenciamento pagos pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro à Editora Rio Sociedade Cultural Ltda. durante os anos de 2004, 2005, 2006 e no período de três meses encerrado em 31 de março de 2007 foram de R$1,24 milhões, R$2,18 milhões, R$1,79 milhões e R$314 mil, respectivamente. Este contrato foi rescindido pela Companhia em 29 de maio de 2007, em estrita observância aos termos e condições do referido contrato (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 139 – ver Anexo CD 4).
Em 2008, a Estácio Participações adquiriu quatro sociedades mantenedoras de IES,
cuja totalidade das cotas era detida, direta ou indiretamente, pelos acionistas controladores da
Estácio Participações S.A, que eram, então, a Uchôa Cavalcanti Participações S.A108. Nessa
negociação, a Estácio Participações S.A adquiriu as cotas dessas mantenedoras pertencentes
até então a SVJ Participações LTDA. ao fim de 2007, registrava se pagamento de R$ 948 à
Editora. Em 2008, não há registro de pagamentos. Ou seja, a Estácio Participações S.A.
emitiu ações preferenciais pela incorporação de cotas de sociedade em entidades
mantenedoras que tinham como sócios os próprios acionistas da empresa, sendo eles: João
Uchôa Cavalcanti Netto (acionista majoritário), Marcel Cleófas Uchôa, André Cleófas Uchôa
e Monique Uchôa Cavalcanti de Vasconcelos.
Voltando ao Parecer do CFE 1.205/88, quanto às metas da implantação da UNESA,
previa-se maior que maior investimento seria necessário, especialmente para bibliotecas –
acréscimo no acervo – e para a ampliação dos laboratórios de informática e de processamento
de dados. Outra projeção referia-se ao corpo docente que deveria ser aprimorado. Informava-
se inclusive acerca da implantação de uma nova carreira docente. Esse ponto seria
fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, dado que a distribuição do corpo docente
107 O CNPJ da Editora Rio Sociedade Cultural LTDA. é: 34.179.358/0001-45. Sua data de abertura é 05/05/1971 e seu endereço atual tem a mesma rua da declarada como sendo a anterior sede da Estácio Participações S.A. de acordo com seus documentos em 2007. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/CNPJ/cnpjreva/Cnpjreva_Solicitacao.asp.>. Acesso em: 02 maio 2011. Ver anexo A 11. 108 Esta S.A. possuia como acionistas João Uchôa Cavalcanti Netto, Cléofas Ismael de Medeiros Uchôa, João Baptista de Carvalho Athayde e Alcyr Cabral Simões, sendo que os três últimos possuíam uma ação cada (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p. 12.). Ver anexo CD 9.
117
por regime de trabalho era, então, a seguinte: 78% de horistas (horas-aula), 15,6% de tempo
parcial e 6,4% em tempo integral. O planejamento da pesquisa assim se fazia:
Em relação à pesquisa, a prioridade é amadurecer as experiências que a instituição vem fazendo na área de arqueologia, da linguística e do direito, essas duas últimas em convênio109 com as Universidades de Strasbourg e René Descartes, Paris, com a cooperação de professores franceses. Trabalhos experimentais, de cunho tecnológico, serão intensificados, na área de telecomunicações. O projeto universitário prevê a expansão dessas atividades, devendo abranger ainda os campos de pedagogia e fonoaudiologia, contando, para isto, com recursos próprios e com os que pretendem captar em outras fontes (BRASIL. CFE. MEC, 1988 – ver Anexo I).
Entretanto, em Parecer do CFE (Parecer nº 218/88 – ver Anexo L)110, apresenta-se
relato com base em denúncias do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e
da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) referentes a
irregularidades cometidas pelas mantenedoras das IES que teriam reflexos sobre estas. No
caso do SINPRO-RIO, uma das instituições denunciadas é, exatamente, a Sociedade de
Ensino Superior Estácio de Sá (SESES), por conta de baixas remunerações oferecidas aos
professores e por não haver depositado os salários no prazo estabelecido na Convenção
Coletiva de Trabalho.
Ao tematizar o que muda na instituição e na comunidade acadêmica com a
transformação em universidade, o Parecer 1.205/88 afirma que a instituição reivindica
oficialmente a chancela de universidade, sugerindo, assim, que, na prática, já atua como tal e
deve assumir as responsabilidades correlatas a tal status. Em seguida, afirma o engajamento
dos variados segmentos da instituição no processo de transformação institucional, citando,
inclusive, o incremento das contratações em tempos parcial e integral como forma de
engajamento, entre outras.
O incremento das contratações em regime de tempo parcial e integral de professores nos vários departamentos, os incentivos às iniciativas de pesquisa e serviços de extensão, os planos de qualificação e aperfeiçoamento do corpo docente, o sistema de incentivo com base na titulação docente fizeram com que os professores adotassem uma postura de maior comprometimento e responsabilidade para com a Universidade (CFE, 1988, grifos nossos - Ver Anexo I). .
Discursivamente, o texto acima aponta para dois pontos importantes: a ideia de que
então, mediante as novas condições, é que os professores adotaram compromisso e
responsabilidade. Em segundo, o texto revela uma concepção problemática, na medida em
109 Estes convênios, segundo o Parecer do CFE 680/88 (ver Anexo M), estariam ligados ao curso de Relações Internacionais, com ênfase em comércio exterior. “Especificamente, o curso de Relações Internacionais, ênfase em Comércio Exterior possui estrutura de sala-secretaria para admi-nistração dos convênios internacionais, com a Université des Sciences Juridiques, Politiques et de Téchnologie de Strasbourg, Université René Descartes, assim como o convênio para fins de estágio profissional com Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior e Centro de Comercio Internacional UNCTAD/GATT” (BRASIL. MEC. CFE, 1988, grifos nossos - Ver Anexo I). 110 BRASIL. MEC. CFE. Parecer nº 218, de 14 de março de 1988. Mimeografado.(Ver ANEXO L).
118
que denomina universidade uma instituição que só se tornará de tal tipo depois de aprovado e
publicado como Decreto tal Parecer.
Além disso, explicita-se, mais uma vez, o lugar, no mínimo subalterno, dado à
pesquisa:
Em relação ao corpo discente, a condição universitária deverá também trazer ganhos. A melhoria da qualidade de ensino e a intensificação das atividades de extensão e pesquisa permitirão aos alunos maior participação no processo e, como consequência, melhor desempenho no ensino e na aprendizagem (BRASIL. CFE. MEC, 1988, grifos nossos - Ver Anexo I).
Nas palavras de Cavalcanti Netto:
As pesquisas não valem nada. A gente olha todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada, raríssimo, é uma inutilidade pomposa, é uma perda de tempo federal. Aquilo ali vai dar um monte de título para o cara, ele vai arrumar um emprego bom e vai trocar cartãozinho com o outro que pesquisa também e fica aquela troca de reverência, para um lado e para o outro, mas a pesquisa em si não vale nada. As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora. Estou hoje trabalhando muito, a gente estava com 137 pesquisas em andamento, não tinha uma que prestasse. Parei todas elas e vamos começar a fazer pesquisa útil. E o que é pesquisa útil? É aquela que pode ser aproveitada pelo homem comum (FOLHA DIRIGIDA, 2001, grifos nossos)111.
Ou ainda:
Uma das desvantagens é você ter que fazer pesquisa obrigatória num país onde é muito difícil fazê-la. Acaba que as universidades privadas nem estão fazendo tanto, nem fazendo bem. Você então não está preenchendo todos os requisitos da lei, você está num déficit. A pesquisa estaria restrita às públicas? Praticamente, é. Pesquisa, hoje, é nas públicas. Mas eu vou começar, agora, a fazer pesquisa mais profundamente. Encontrei um veio pelo qual a gente pode fazer isso por um preço decente, que a gente suporta, e com utilidade. Porque também não interessa fazer pesquisa sobre o sexo dos anjos (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; Alberti, 2002, p. 334, grifos nossos).
Essas declarações, todavia, vieram ao encontro, nos anos 1990, de um discurso que
justificava mudanças na educação superior bem na linha ensejada pelas reformas neoliberais
tal como preconizadas pelos organismos internacionais, ponto ao qual se voltará mais adiante.
Com a autoridade de quem sempre conviveu de perto com o sistema educacional, Schwartzman garimpou declarações valiosas na polêmica entrevista concedida recentemente pelo dono da Estácio de Sá, João Uchôa Cavalcanti Netto, à Folha Dirigida. ''Ele tem um jeito primitivo de dizer as coisas, mas toca em pontos importantes'', reconhece. Um deles é a intenção de fazer da universidade privada um escolão. ''O Uchôa não precisa ser enforcado porque não quer colocar na universidade gente preocupada apenas em escrever artigos de revistas.'' Quanto aos baixos salários dos professores, ponto quase unânime nas discussões sobre a crise do ensino, o sociólogo rema na contramão da maioria dos colegas estudiosos. ''O quadro não é tão ruim como pintam, não vejo como um problema tão sério'', minimiza (JB ENTEVISTA, 2001, grifos nossos)112.
No Parecer 1.205/88, quando versa sobre currículos e atividades dos Departamentos,
especifica-se como se dão as decisões didático-acadêmicas, afirmando que o planejamento
111 Disponível em: http://www.folhadirigida.com.br/professor2001/cadernos/maior_riqueza/5.html. Acesso: 03 ago. 2011. 112 JB ENTREVISTA. O professor do bê-a-bá da educação. Jornal do Brasil Online. 16 dez. 2001. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/jbentrevista.pdf. Acesso em: 03 ago. 2011.
119
dos currículos está planejado no Regimento Geral (Título II – capítulo II; Título II – Capítulo
I).
O III Relatório Parcial explicita este tópico dizendo: "Hierarquicamente as decisões de ordem didático-acadêmicas são geradas nos Departamentos, leva das ao Conselho Departamental, destes aos Diretores de Centro, dos quais caminham para a Superintendência Acadêmica e desta para o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, quando for o caso. O planejamento do ensino se fez sempre a partir dos Departamentos, os quais, por força regimental, são responsáveis pela coordenação didático-pedagógica, cabendo-lhes assim, organizar para os diversos cursos as disciplinas que lhes são afetas, os currículos e programas, bem como a definição de créditos, pré - requisitos e co-requisitos, passando aqueles e estes a serem desenvolvidos após aprovação pelos órgãos competentes" (BRASIL. CFE. MEC, 1988 - Ver Anexo I).
Este ponto faz-se fundamental, uma vez que uma das denúncias do SINPRO-RIO em
relação à conduta da instituição em termos didático-pedagógicos é exatamente a de
desrespeito a esse tipo de hierarquia e à participação dos docentes nas decisões. Em relação ao
ordenamento institucional, afirma-se uma estrutura que seria razoavelmente democrática e
deliberativa com participação de variados segmentos da entidade educacional. Essa descrição
é contraditória em relação aos pouquíssimos depoimentos do fundador, nos quais este
assevera o início ou fim de certas iniciativas de acordo com suas próprias impressões, como
visto anteriormente e que se pode observar mais adiante:
Por exemplo, eu acho muito importante, hoje, a questão do Instituto Politécnico, os cursos sequenciais. Formar gente no Politécnico é mais importante para o futuro do país do que formar gente na universidade — isso é uma opinião pessoal. Então o que a Estácio faz? Faz os dois (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; Alberti, 2002, p. 339, grifos nossos).
Desde que comecei a faculdade de direito, por intuição eu já sentia o seguinte: preciso preparar o aluno para trabalhar. Tem gente que quer fazer faculdade para preparar o indivíduo para ser culto. Eu sempre achei que a gente deve preparar o indivíduo para ele trabalhar e poder ganhar a vida (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; Alberti, 2002, p. 340-341 , grifos nossos).
Por exemplo, lancei cursos de formação de madrugada. O MEC mandou uma carta: “Não pode ter curso de graduação de madrugada.” Está bom. Então estou fazendo curso de extensão gratuito de madrugada. Tem dois turnos: um que vai das onze da noite as três, e um que vai das quatro às oito. Tem 1.800 alunos em cada um. Aí o MEC não disse nada. Obedeci ao MEC e, ao mesmo tempo, a minha experiência (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; Alberti, 2002, p.340-341, grifos nossos).
Eu fiz para experimentar. Ficou chato todo dia o mesmo curso: de manhã, de tarde… Por que não de madrugada? Vamos fazer? Vamos. Fizemos (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; Alberti, 2002, p. 341, grifos nossos).
Normalmente nas empresas nada pode: “não, não, não, não”. Aqui, é o contrário: “sim, sim, sim, sim”. Se você chegar com um projeto, eu não digo assim: “Bom, então vamos fazer uma pesquisa de mercado.” Não, se eu achar que o projeto tem qualidade, eu digo: “Bom, então vou fazer anúncio no jornal. Se der certo, começou; se não der certo, não tem valor, até logo.” Eu nunca fiz um estudo de mercado (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p.342, grifos nossos).
120
No que tange ao Estatuto e ao Regimento Geral da Universidade, afirma o Parecer
que, entretanto, não faz afirmativa sobre processos concretos de tomada de decisão,
concentrando-se sobre o escrito:
Os ordenamentos Institucionais, bem como o anexo do Regimento Geral que prevê a departamentalização e os Currículos Plenos, foram apreciados pela Comissão de Acompanhamento que os considera em condições de serem aprovados, pois estão de acordo com a legislação e com a jurisprudência do Conselho Federal de Educação (BRASIL. CFE. MEC, 1988 - Ver Anexo I).
Sobre o pessoal docente, o Parecer indica que em junho de 1988 – cerca de cinco
meses antes do Parecer e sua votação –, a instituição iniciou um Plano de Carreira dos
Docentes, atendendo tanto aos acordos firmados com os Sindicatos, quanto às demandas dos
próprios docentes. Entretanto, segundo os números supracitados, o pessoal docente em regime
integral era muito pequeno, revelando, pelo menos, o caráter recente de tal programa.
Todavia, o Parecer não detalha como seria este plano de carreira, apresentando mais adiante
que a carreira será composta de quatro classes: titular, adjunto, assistente e auxiliar, cada uma
com três níveis. Não se especifica o necessário para ir de um nível a outro ou de uma classe a
outra.
Sobre o docente, afirma Cavalcanti Netto:
Na área da educação é melhor a experiência do que a pesquisa de mercado. Se for para fabricar um objeto que é muito caro, tudo bem. Mas o ensino não é isso. É um professor que você só contrata se tiver o aluno. Realmente, a velocidade é uma tônica da Estácio. Ela é produto da simplificação das coisas (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p.342-343, grifos nossos).
. Porque o governo havia feito uma lei pela qual a gente tinha que pagar ao professor mais do que a gente recebia. Eu não podia pagar mais do que recebia… (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 333, grifos nossos).
O que é ruim é abafar, mas o MEC não fica na sala de aula fiscalizando o professor. Dá toda a liberdade, depois controla no fim, no recredenciar, para ver se saiu bem. Está bom, é um critério (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p.345, grifos nossos). . E o que o senhor pensa dos padrões únicos de avaliação das instituições? Eu acho totalmente irrelevante quantos doutores eu tenho, quantos mestres… Isso não faz uma faculdade ser boa. O professor mestre, doutor e pós-doutor não é melhor do que um professor recém-formado, se ele for talentoso (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p.345, grifos nossos). Eu estudei na universidade pública. Se ela fosse privada, teria sido a mesma coisa. Até porque os professores são os mesmos. Você passa lá na UFRJ, os professores estão dando aula; depois passa na Gama Filho, encontra os mesmos professores; passa aqui, também estão dando aula. Qual é a diferença? Não vejo diferença nenhuma (CAVALCANTI NETTO apud HEYMANN; ALBERTI, 2002, p. 348, grifos nossos).
Cita, ainda, a distribuição dos então 454 professores por Centros: Centro de Ciências
Jurídicas – 63; Centro de Ciências Sociais – 146; Centro de ciências humanas – 136; Centro
121
de Ciências Biológicas e da Saúde – 45; e Centro de Ciências Tecnológicas – 64. Deste modo,
confirma-se a centralidade dada, desta vez, pela instituição mesma, às áreas de ciências
humanas, jurídicas e sociais, que concentram a maioria absoluta do corpo docente. Este
apresentaria a seguinte qualificação: Doutorado – 3,3%; Mestrado – 14,5%; Doutorando –
1,1%; Mestrando – 3,5%113; Especializados – 38,1%; e graduados – 39,5%. Será recomendada
pelo CFE a maior qualificação do corpo docente.
É citado ainda o sistema de incentivo aos docentes, referindo-se aos adicionais por
tempo de serviço, no percentual de 2,5% a cada biênio, bem como aos adicionais por
qualificação para Doutor, Mestre ou Especialista, no percentual de 15, 10 ou 5 %,
respectivamente. E, ainda, a remuneração – embora não se diga qual seria – para a
participação em projetos de pesquisa ou extensão. Cabe ressaltar que todos esses incentivos
serão, de um modo ou de outro, atacados pelo patronato quando da expansão nos anos 1990 e
na era das consolidações.
Segundo Magna Corrêa, Diretora da Comissão de Educação Superior do SINPRO –
RIO, em entrevista a esta pesquisadora (ver Anexo N), estes incentivos, presentes na
Convenção Coletiva e nos acordos coletivos, foram atacados pelo patronato neste período. No
caso das negociações com a Estácio de Sá em 2009, o anuênio foi denominado “cláusula de
risco”.
Sobre os técnicos administrativos, no total de 354 funcionários, a informação é de que
a instituição estuda medidas de modo a incrementar a política de remuneração financeira e a
elaboração de um plano de carreira que concretizaria essa política, destacando-se o número
grande de servidores com muitos anos de serviço na UNESA. Sobre infraestrutura, afirma o
Parecer que a biblioteca deverá receber novas aquisições, de acordo com a destinação de
verbas previstas em plano, enriquecendo assim seu acervo. Já os laboratórios são
considerados satisfatórios e capazes de atenderem às exigências de cada curso.
Assim, a Comissão de Consultores, que, tendo analisado os variados aspectos
supracitados em mais de uma ocasião, apresenta as seguintes conclusões: 1) quanto à
instituição mantenedora, esta apresenta regularidade em termos fiscais e parafiscais, saúde
patrimonial e financeira apesar das oscilações nos anos anteriores. Comprovou experiência e
tradição na manutenção de IES, operando de forma harmoniosa e sem interferir na autonomia
didático-pedagógica da entidade mantida, o que garantiria a autonomia universitária.
“Demonstrou na Carta-Consulta cumprimento dos requisitos do Artigo 3º da Resolução nº
113 Não há informação sobre afastamento, para fins de qualificação, dessa porcentagem de professores em pós-graduação.
122
03/83 e agora comprovados pela Comissão, através da análise do Estatuto e dos balanços e
demonstrativos financeiros” (BRASIL. CFE. MEC, 1988 - Ver Anexo I).
Sobre o funcionamento das Faculdades Integradas Estácio de Sá, concluem que vêm
funcionando de modo regular e integrado, em moldes universitários, o que teria facilitado a
“elaboração e o planejamento do Estatuto e do Regimento Geral” (BRASIL. CFE. MEC, 1988
- Ver Anexo I). Apresentaria, ainda, unidades bem estruturadas do ponto de vista didático-
pedagógico, bem como organizacional e operacional. Os departamentos, os órgãos
colegiados, a biblioteca e demais setores funcionariam de modo bem estruturado e
harmonioso, sob “perfeito controle” (BRASIL. MEC. CFE, 1988 - Ver Anexo I). Quanto ao
corpo docente, tem procurado contratar pessoal qualificado e também qualificar o corpo
docente já contratado, forjando ainda um regime de trabalho compatível com as atividades de
Ensino-Pesquisa-Extensão. Afirma:
Há um razoável número de professores com mestrado e doutorado e outros em fase de conclusão. O regime de trabalho em tempo integral e parcial, ainda que proporcionalmente pequeno agora, tende a crescer nos próximos anos, atingindo um equilíbrio com a implantação do projeto da Universidade. A Instituição implantou, a partir de junho/88, o Plano de Carreira Docente, para criar melhores condições de trabalho e produção acadêmica (BRASIL. CFE. MEC, 1988, grifos nossos - Ver Anexo I).
Destarte, apesar do ensino se impor na instituição, a pesquisa poderia ser, então,
expandida e a extensão seria um dos pontos já fortes da instituição. Quanto aos meios
necessários, considera a Comissão que são suficientes e satisfatórias as instalações, incluindo
laboratórios e biblioteca.
Sobre o projeto de universidade, afirma a Comissão que, além de que cumprir as
disposições legais e normativas do MEC e do CFE:
A Comissão pôde comprovar que a Instituição está empenhada na execução do Projeto Universidade proposto. Há sintonia na comunidade interna quanto à proposta de concepção, objetivos, linhas básicas de ação e metas prioritárias sugeridas para a UNESA, como pôde ser analisado no corpo do presente Relatório. [...] A Comissão, a partir do período de acompanhamento, acredita que a Instituição caminha com seriedade e competência, para implantar progressivamente o projeto da UNESA. Vota, assim, o Relator, pelo reconhecimento da Universidade Estácio de Sá-UNESA, com sede no Rio de Janeiro, RJ, mantida pela Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá - SESES, aprovando, neste ato, seu Estatuto e Regimento Geral. (BRASIL. MEC. CFE., 1988, grifos nossos - Ver Anexo I).
A Comissão Especial para Análise de Processos de Criação e Reconhecimento de
Universidade acompanhou, sendo a decisão da Câmara aprovada por unanimidade no Plenário
do CFE. Quando perguntado sobre este processo, revelando a razão de ter feito o pedido para
tornar a Estácio uma universidade, Cavalcanti Netto afirma:
A única importância, para mim, de ser universidade, era a seguinte: sendo faculdade, quando queria abrir um curso novo, tinha que fazer um pedido ao MEC, e esse processo às vezes levava anos. Sendo universidade, abria o curso que quisesse à hora que quisesse, podendo atender com mais rapidez às necessidades sociais que emergiam numa época de
123
muita transição. Para mim, a única importância em ser universidade era isso: eu queria poder abrir o curso que quisesse e dentro da lei. Porque criar cursos sempre passando pelo MEC era uma coisa muito dolorosa: perdia-se muito tempo, tinha-se que fazer política e ir lá… Era muito complicado E se já existisse na época a figura do centro universitário? Bastava. Quer dizer, não era a chancela de universidade que o senhor buscava; a questão era a autonomia para a criação dos cursos. Exato. Aliás, nessa época houve uma greve de professores, em 1986, em que a situação esteve tão ruim que quis voltar atrás. [...] Então 1987 foi o pior ano da minha vida profissional. 1988 foi o melhor — nesse ano virou tudo ao contrário e saiu a universidade. Agora, sobre ser universidade ou centro universitário, eu diria a você o seguinte: em certo sentido é melhor ser centro universitário, porque tem as mesmas vantagens e não tem as desvantagens. (CAVALCANTI NETTO, 2001, p. 332-333, grifos nossos).
Deste ponto, faz-se mister salientar algumas linhas mestras de reflexão: a primeira
remete para esse modo de conduzir políticas educacionais, normas legais e a atuação do
empresariado educacional forjado no bojo mesmo do regime empresarial-militar. Ou seja, os
movimentos desses vetores parecem responder menos às necessidades educacionais ou a um
planejamento da expansão do setor educacional do que às demandas mercantis do
empresariado do setor. As políticas estatais, como no caso do financiamento por estímulo
fiscal, por exemplo, bem como as normas reguladoras – cujo movimento foi o do
rebaixamento e o da burocratização das exigências, como no caso do CFE, sem descartar a
penetração nessa instância dos representantes do próprio empresariado – e a atuação do
empresariado – buscar as vantagens, contornar as exigências e evitar as cobranças, parecem
ser constitutivas de certo padrão de educação superior denominado por Fernandes de
dependente.
A segunda linha é: as reformas implementadas nos anos 1990 irão, como no caso da
criação da figura do Centro Universitário, na direção de uma articulação entre estes vetores
adequada a uma nova configuração da economia mundial e ao lugar – subalterno – ocupado
pelo Brasil neste processo, direção esta que favorece este empresariado e inaugura um novo
ciclo de expansão das empresas educacionais. Todavia, este ciclo conserva e amplia alguns
mecanismos definidos na etapa anterior, mas atualiza-os à luz das diretrizes dos organismos
internacionais, da pauta neoliberal e das exigências do mercado mundializado. Essas
transformações serão delineadas no próximo capítulo.
124
2 OS ANOS 1990 NA AMÉRICA LATINA: MUNDIALIZAÇÃO FI NANCEIRA, ACUMULAÇÃO FINANCEIRA E REFORMA DE ESTADO
Dinheiro na mão é vendaval É vendaval!
Na vida de um sonhador De um sonhador!
Quanta gente aí se engana E cai da cama
Com toda a ilusão que sonhou E a grandeza se desfaz
Quando a solidão é mais Alguém já falou...
Mas é preciso viver E viver
Não é brincadeira não Quando o jeito é se virar
Cada um trata de si Irmão desconhece irmão
E aí! Dinheiro na mão é vendaval Dinheiro na mão é solução
E solidão! Dinheiro na mão é vendaval Dinheiro na mão é solução
E solidão!
Pecado Capital, Paulinho da Viola
Os anos 1990 demarcam na América Latina e, consequentemente, no Brasil, um
momento em que as conquistas mais significativas emergidas das lutas contra o regime
ditatorial, ainda que já atravessadas por movimentos conservadores e antidemocráticos,
sofrem um imenso ataque, articulado na tentativa de compor um novo patamar de acumulação
capitalista capaz de, supostamente, superar ou conter a crise de acumulação que explode nos
anos 1970 e que traz consigo uma série de vetores que tornam as economias latino-
americanas, na década de 1980, vulneráveis a processos que preparam, sob a batuta dos
organismos internacionais, a implantação das políticas neoliberais, das Reformas de Estado e
de partícipes mais ou menos servis, mais ou menos “interessados”, na financeirização
mundializada que se desenha desde então.
Este regime de acumulação com predominância financeira, como afirma Chesnais
(2005, 2005a, 2005b), não aparece sem engendrar um intenso e extenso processo de
125
reestruturação produtiva, apoiada sob a base tecnológica construída a partir das novas
tecnologias da comunicação e informação. Nesta perspectiva, a própria produção do
conhecimento e da tecnologia são atravessadas por novas demandas, que concretizam certa
racionalidade, exigindo a reforma dos sistemas educacionais, especialmente no nível da
educação superior. Essas mudanças não se dão apenas em uma direção, mas expressam
movimentos do capital em sua existência contraditória. Assim, trata-se, por um lado, de
explorar a produção de conhecimento e de tecnologia que possibilite, no limite, maiores
ganhos de produtividade e de lucratividade, principalmente quando produzidas com o
precioso auxílio do fundo público de modo mais ou menos direto. Mas também se expressará
pela própria transformação da educação superior em um importante espaço de acumulação, o
que se concretiza pelo incremento na atuação das IES privadas no mercado da certificação em
massa, na reorganização da formação em nível superior, na adoção de determinados valores
afinada com as formas de sociabilidade típicas do capitalismo tardio.
Neste capítulo, buscar-se-á elucidar a natureza destes processos, tentando articular a
mundialização financeira, o complexo de reestruturação produtiva e o papel desempenhado
pelo fundo público como pressuposto da acumulação de capitalista com as transformações na
estrutura e papel do Estado que se produzem na década de 1990. Esse complexo de
transformações, todavia, desloca e repõe as relações entre Centro e Periferias, sendo a
inserção do Brasil – bem como da América Latina, em geral – nessa mundialização
financeirizada de suma importância para a pesquisa ora realizada. Assim, este capítulo trata,
em primeiro lugar, da gênese da mundialização financeira à luz das análises realizadas pelo
grupo de intelectuais franceses reunidos em torno dos Seminários Marxistas, dos quais o
nome mais conhecido na academia brasileira é o do economista François Chesnais.
Acompanhando a démarche desses intelectuais, torna-se possível desvelar importantes
relações entre o capital financeiro, uma racionalidade rentista e os grandes grupos industriais,
bem como apontar os rearranjos institucionais que efetivam o regime de acumulação em seu
atual estágio de desenvolvimento. Em seguida, investiga-se os movimentos intrincados
presentes no complexo de reestruturação produtiva, especialmente a partir das análises de
David Harvey, em sua conceituação do regime de acumulação flexível, buscando
compreender seus principais eixos, especialmente no que diz respeito às relações entre capital,
trabalho e Estado.
Deste ponto, passa-se à perspectiva do reordenamento das instituições republicanas no
processo de Reforma de Estado que se faz no bojo das alterações, alterando o modo de
regulação capitalista. Isso se fez pela adoção da doutrina neoliberal como discurso legitimador
126
e orientador das mudanças no desenho institucional estatal. Aqui se faz mister ressaltar as
especificidades e concreticidade do caso brasileiro, em que essas reformas se seguem às
mudanças oriundas do processo de redemocratização que, de certo modo, refletia outro
patamar de organização da sociedade civil, nos moldes gramscianos. É, deste modo, como
uma espécie de retrocesso em termos de conquistas e direitos sociais que as políticas
neoliberais avançam, reforçando, quiçá, alguns dos traços mais negativos da formação
histórica brasileira e tornando o Brasil, de acordo com Paulani, uma espécie de plataforma de
valorização financeira. É a posição aqui enunciada de que esse processo, iniciado com o
governo Collor, estende-se e se aprofunda no governo FHC e prossegue, com continuidades e
novidades, pelo governo Lula da Silva.
É a partir dessa moldura que se poderá, na tese ora apresentada, contemplar os processos
que se relacionam ao campo educacional em termos de composição das políticas
educacionais. Entretanto, cabem aqui duas observações: a primeira remete ao fato de que as
políticas educacionais se concretizam tanto por aquilo que prescrevem quanto por aquilo que
silenciam. E o grande silenciamento se deu, salvo raros momentos, sobre o abstruso
crescimento da esfera privado-mercantil da educação superior, incluindo-se aí a
financeirização que modifica profundamente a natureza do setor. A segunda observação
refere-se ao fato de que é preciso não apenas observar as prescrições presentes nas políticas,
nem apenas suas diretrizes, mas também os modos de concretização destas, na medida em
que, inclusive, as instituições parecem atuar em diversas frentes, especialmente em sua
relação com a legislação: pela conformação mesma dessas políticas, nas “brechas” deixadas
pelo texto legislativo – brechas, estas, que se empenham em produzir e ampliar – e mesmo
contra as prescrições. É preciso atentar para esse conjunto de práticas, representações,
disputas e discursos para compreender melhor os (des)caminhos da política educacional
brasileira.
2.1 Algumas notas sobre capital e capitalismo na contemporaneidade
É bastante comum, quando se trata de pensar a mudança, as transformações, que se
ressalte os elementos de descontinuidade em detrimento das continuidades. Se, de certa
forma, o pensamento estruturalista pensava de modo aistórico, ignorando as mudanças, as
aparências, não é mais preciso aquele que navega apenas no visível, no mais óbvio, olvidando
que fios atam passado, presente e futuro e que a história não procede por saltos, mas por uma
processualidade própria. Ao tratar do trabalho nos marcos do modo capitalista de produção,
127
Marx o faz na perspectiva do materialismo histórico, que implica que se olhe para o real
observando as condições materiais concretas das formações sociais ao longo da história
humana. Nesta direção, Marx vê a construção de uma dinâmica que muda, mas permanece, ou
que muda para permanecer sempre a mesma, no sentido de que, até hoje, a história é a da
sociedade de classes, da dominação do homem sobre o homem. Deste modo, no Manifesto
Comunista, Marx e Engels anunciam, logo de saída, o que é que perdura, mas muda de rosto,
o que muda de feições para durar: a existência de classes em luta, dominantes e dominadas.
De certo modo, as narrativas históricas hegemônicas no mundo ocidental contavam esta
História do ponto de vista dos dominantes (“Portugal, ou Pedro Álvares Cabral, descobriu o
Brasil” é só um exemplo neste sentido). Neste sentido, a novidade de Marx e Engels foi
contar a História de outra forma, a partir de outro modo de olhar para o passado e para o
presente com o horizonte do futuro.
O filósofo Walter Benjamin, em suas teses sobre a história, disserta – se é que esta
palavra é adequada para os textos de Benjamin - sobre a narrativa histórica na perspectiva do
materialismo histórico. Ao fazê-lo, fornece imagens poderosas que podem servir para pensar
com Marx – em sentido forte, ou seja, seguindo o movimento do real histórico – a questão do
trabalho, em sua polissemia historicamente constituída. Em sua sétima tese (aqui reproduzida
em sua quase totalidade), afirma Benjamin:
Fustel de Coulanges recomenda ao historiador interessado em ressuscitar uma época que esqueça tudo o que sabe sobre as fases posteriores da história. Impossível caracterizar melhor o método com o qual rompeu o materialismo histórico. Esse método é o da empatia. Sua origem é a inércia do coração, a acedia, que desespera de apropriar-se da verdadeira imagem histórica, em se relampejar fugaz (...) A natureza dessa tristeza se tornará mais clara se nos perguntarmos com quem o investigador historicista estabelece uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz tudo para o materialista histórico. Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são os bens culturais. O materialista histórico os contempla com distanciamento. Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror. Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corvéia anônima dos seus contemporâneos. Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento à barbárie. E, assim como a cultura não é isenta da barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo (BENJAMIN, 1996, p. 225).
A exortação a “escovar a história a contrapelo” pode, talvez ser tomada no sentido de
aludir à perspectiva marxiana de construção de um olhar na perspectiva dos sujeitos que
concretamente produzem o mundo e a riqueza social, ainda que, muitas vezes, eles não o
saibam: os trabalhadores. Nesta direção, o olhar histórico se volta para aqueles que sofreram
(e sofrem), que padeceram (e padecem) para que outros, em seu lugar e sem com eles
128
partilhar, usufruíssem (usufruam) daquilo que mãos e braços, cabeça e pernas, criaram (e
continuam criando), sem, todavia, terem sequer suas necessidades mais básicas preenchidas,
quanto mais uma história dotada de sentido que permita a existência livre e autônoma. É desse
lugar, no dizer de Löwy (2007), desse mirante que é o ponto de vista do proletariado, que
Marx e Engels realizam sua análise do processo de trabalho sob as relações capitalistas de
produção. E o fazem mostrando que a riqueza é produzida pelo trabalho explorado, equivale à
extração de mais trabalho não-pago.
Não obstante, ao realizar sua investigação histórica, ou seja, em linha de
desnaturalização da História, diferentemente dos economistas políticos burgueses, Marx
pergunta: como capitalistas e trabalhadores chegaram a se encontrar como tais no mercado? É
como resposta a tal problematização que Marx, “escovando a história a contrapelo”, vai
mostrar como, por um lado, se constitui a relação social capital114, atentando para o fato de
como os produtores diretos foram “despojados” dos meios de produção até o ponto em que só
lhes restou vender aos capitalistas – que monopolizaram estes meios de produção - o que
sobrou: sua capacidade de trabalho115. Assim, o processo de trabalho, como consumo de força
de trabalho pelo capitalista, significa: 1) que o trabalho se realiza sob controle de outrem, que
o faz sob a lógica da máxima utilidade/menos desperdício – “time is money”, aliás, neste caso,
tudo que não é produção é desperdício de dinheiro – ;e 2) o produto do trabalho não pertence
àquele que o produziu materialmente, àquele que concretamente o criou, mas ao capitalista,
dono dos meios de produção. Ou seja, o modo de produção capitalista realiza, de modo
avançado, o processo de alienação do trabalho116, questão política (e, portanto, teórica) de
primeira ordem na análise marxiana, com tanto mais gravidade quando se considera o
trabalho como prática ontogênica do ser social.
Em uma análise exaustiva da problemática da alienação em Marx, Mészáros (2006),
oferece uma série de elementos para a compreensão desta categoria que, afirma Mészáros,
aparece, na obra de Marx, especialmente nos Manuscritos econômico-filosóficos, sob aura –
presente em todo o livro - de uma facilidade enganosa. Segundo Mészáros (2006, p. 19-20), o
114 Marx insiste várias vezes sobre a ideia de que capital não é dinheiro, capital é uma relação social que implica subsunção do produtor direto à reprodução ampliada do dinheiro, aí, sim, capital, inicialmente investido. “Com o capital é diferente. Suas condições históricas de existência não se concretizaram ainda por haver circulação de mercadorias e de dinheiro. Só aparece o capital quando o possuidor de meios de produção e de subsistência encontra o trabalhador livre no mercado vendendo sua força de trabalho, e esta única condição histórica determina um novo período da história da humanidade. O capital anuncia, desde o início, uma nova época no processo de produção social” (MARX, 1980, p. 190). 115 Importa ressaltar dois pontos: 1) o processo de destituição da força de trabalho dos meios de produção foi violento e cruel, e não um processo pacífico; 2) o trabalhador não vende trabalho para o capitalista em troca do salário, vende capacidade de trabalho, força de trabalho, pode-se dizer compra força geradora de valor. A identificação entre as duas categorias leva à confusões como, por exemplo, a naturalização deste processo que é histórico, como faz a Economia Política clássica. 116 Não foi o capitalismo que inaugurou a alienação do trabalho ou do trabalhador, mas, certamente, conduziu-a a novo patamar, com o divórcio mais agudizado entre necessidade e liberdade, entre trabalho e autorealização, como se verá a seguir.
129
conceito de alienação em Marx contempla quatro aspectos: a) alienação do homem em relação
à natureza; b) alienação de si mesmo, de sua própria atividade; c) de seu ser genérico (de seu
ser como membro da espécie humana); e d) alienação do homem (dos outros homens).
“Assim, o conceito de alienação de Marx compreende as manifestações do ‘estranhamento do
homem em relação à natureza e a si mesmo’’, de um lado, e as expressões desse processo na
relação homem-humanidade e homem e homem, de outro” (Mészáros, 2006, p. 21, grifos do
autor). A teoria da alienação em Marx, bem como a busca do autor pelas origens da
alienação, não podem, contudo, figurar de modo distante da perspectiva da superação da
alienação, ou seja, de eliminação do estranhamento, em seus múltiplos aspectos e reflexos na
totalidade da vida social. Entretanto, faz-se aqui o recorte da alienação em seus aspectos
econômicos, especialmente quando e como se realiza no modo de produção capitalista.
Obviamente, o processo de alienação, em seus aspectos econômicos, não se inaugurou
com o capitalismo. O que é novo na história humana é que a fonte da alienação se situa
diretamente sobre o tecido produtivo da vida social, é preponderantemente material,
diferentemente do período feudal, em que a alienação do trabalho tinha garantias políticas.
Mészáros (2006) atenta, entretanto, para o fato de que a alienação meramente material do
modo de produção capitalista só pode se constituir sobre o edifício da alienação política
feudal, pois este preconizava uma relação fixa entre propriedade e trabalho, garantindo formas
concentracionárias de apropriação do excedente.
A questão da alienação está então, portanto, diretamente acoplada à questão da
produção excedente e da mais-valia. E esta só pode ser posta à vista quando se desvenda a
dinâmica da divisão do trabalho. A economia política preconiza que a divisão do trabalho
organizada para a troca está contida na natureza humana. Assim, o mercado aparece como a
realização perfeita desta natureza. Isso significa que a alienação não poderia ser superada,
sendo a realidade ela mesma. Marx mostra, ao postular uma ontologia do ser social, em que a
alienação não está inscrita como destino ou natureza, ou seja, a alienação é vista como um
fenômeno histórico não-obrigatório, como a divisão do trabalho corresponde às condições da
alienação, conforme afirma Mészáros (2006).
Na visão de Marx, os economistas políticos confundem a “sociabilidade do trabalho” – uma condição absoluta da sociedade – com a divisão do trabalho. Pode-se pensar na superação da alienação precisamente porque é possível opor o caráter social do trabalho à alienante condição histórica da divisão do trabalho. De acordo com Marx, uma vez que a atividade vital deixe de ser regulada com base na propriedade privada e na troca, ela irá adquirir o caráter de atividade do homem como ser genérico. Em outras palavras: o caráter social do trabalho irá manifestar-se diretamente, sem a mediação alienante da divisão do trabalho. Do modo como as coisas estão, porém, a divisão do trabalho torna as condições e os poderes da vida independentes do homem, e faz com que eles o governem (MÉSZÁROS, 2006, p. 131-132).
130
Acima, viu-se que a crítica de Marx à economia política se faz à medida que Marx
reconhece nesta “escola” um tipo de reflexão em que se naturaliza a história (caso do trabalho
explorado, por exemplo), sob um ponto de vista oposto a uma abordagem histórica em cujo
horizonte se coloque a superação da alienação. Não é natural que o trabalho seja assalariado,
ou seja, a “atividade produtiva dotada de propósito” (MÉSZÁROS, 2006, p. 117) torna-se
trabalho assalariado em algum momento histórico. Além disso, cabe não olvidar que outras
atividades que não são trabalho, no sentido de transformação da natureza, são trabalho
abstrato produtivo ou improdutivo, o que significa que são, elas mesmas, atividades alienadas,
em pelo menos, dois sentidos: não somente porque se encontram sob a forma de mercadorias
– neste caso, da mercadoria força de trabalho, mas também porque se distanciam cada vez
mais daquilo que, conforme apontado acima, é o cerne do ser social, a capacidade de definir
fins em conformidade com a humanidade de cada homem e de todos em seu conjunto.
O capitalista, em sua posição, no mercado, ao comprar a força de trabalho, realiza
compra análoga a anterior: trata-se, para ele, de custo, como é o caso dos meios de produção.
Esta imagem oculta algo: a mercadoria força de trabalho não é uma mercadoria como as
outras, é especial porque cria valor, como se detalhará mais adiante. O preço pago pela
mercadoria força de trabalho – salário – corresponde a seu valor, determinado pelo tempo de
trabalho socialmente necessário para produzir bens117 que garantam sua manutenção
(reprodução). Até aí, nada de novo. A diferença se dá no interior do processo produtivo, na
utilização concreta da força de trabalho. O capitalista compra força de trabalho, ou seja,
compra sua capacidade de trabalho por determinado tempo, de modo que tem o direito de
dispor de seu valor de uso118, até porque, uma mercadoria, para ser vendida no mercado119 –
objetivo da produção capitalista - precisa do valor de uso como condutor de seu valor de
troca.
Mas a força de trabalho possui uma qualidade única, um traço que a distingue de todas as outras mercadorias: ela cria valor – ao ser utilizada, ela produz mais valor que o necessário para reproduzi-la, ela gera um valor superior ao que custa. E é justamente aí que se encontra o segredo da produção capitalista: o capitalista paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca120 de sua força de trabalho e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) – e este último é maior que o primeiro. O capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor de troca e se apropria de todo o seu valor de uso (NETTO; BRAZ, 2008, p. 100, grifos dos autores).
117 Esses bens podem corresponder à satisfação de necessidades fisiológicas ou históricas, “(...) que nascem do corpo ou da fantasia”, como afirma Marx (1980). Obviamente, estas necessidades e suas formas de satisfação variam enormemente de um lugar para o outro e de uma época para outra. 118 Valor de uso é o valor que se determina a partir da utilidade de determinado produto. 119 Vendida no mercado por um valor maior do que o valor dos meios de produção e da força de trabalho empregados para produzi-las, é a condição capitalista de produção. 120 Valor de troca é o valor de Mercado, determinado pela quantidade de tempo socialmente necessário para a produção de determinada mercadoria.
131
Assim, o capitalista paga ao trabalhador um salário correspondente ao necessário para
sua reprodução como força de trabalho e extrai deste, na jornada de trabalho, um valor que
excede ao que “adiantou”121. Este valor excedente é denominado por Marx mais-valia e é dele
que o capitalista se apropria e que constitui a fonte de seu lucro, que se realiza, entretanto, na
venda (circulação) das mercadorias. Assim, Marx denomina o capital empregado na aquisição
da força de trabalho de capital variável (v), dado que, além de reproduzir seu próprio valor,
gera um valor excedente que é variável desde as condições de trabalho. Marx revela assim o
“milagre” da produção capitalista: o processo de trabalho é também um processo de criação
de valor e, na perspectiva do capitalista é isto que interessa, ao passo que se orienta para o
lucro – força movente do modo de produção capitalista. Como afirmam Netto e Braz (2008,
p.102), “Pode-se mesmo afirmar que, no modo de produção capitalista, o que mobiliza a
produção é a produção de mais-valia, que constitui a forma típica do excedente econômico
nesse modo de produção”. Aliás, Marx afirma, no capítulo VI – inédito, de O Capital, como
um dos pontos a considerar (como teses sobre as quais dissertar), que “a produção capitalista
é produção de mais-valia” (2004, p. 37).
É claro que o capitalista – como personificação do capital122 - intenta fixar o preço da
força de trabalho no mais baixo patamar possível, pagando até menos que o necessário
socialmente à sua reprodução – muitas vezes explorando a vulnerabilidade de alguns grupos
sociais, como mulheres, crianças, negros, etc.123, porém, este mecanismo esbarra em um
limite: o da própria reprodução da força de trabalho, que, desta forma, pode deixar de gerar
valor. Assim, restabelece-se seu valor efetivo, ou seja, o salário retorna ao mínimo necessário
para a subsistência do trabalhador124.
Deste modo, empurrar os salários para o patamar mais baixo possível também não
seria exatamente uma “novidade” do atual regime de acumulação. Netto e Braz (2008)
chamam a atenção para o fato de que é neste processo de fixação do preço da força de
121 Marx, muito sarcasticamente, mostra a mentira de tal adiantamento. Como no modo de produção capitalista o trabalhador trabalha e depois recebe – hoje, depois de um mês de trabalho (regra generalizada) -, quem realiza algum adiantamento de valor de uso é o próprio trabalhador. Ver Marx, 1980, p. 194. 122 Marx é muito claro a esse respeito. Não se deve considerar capitalista ou trabalhador do ponto de vista moral, como pessoas, em si mesmas, boas ou más. Capitalista e trabalhador são posições que a lógica social, para Marx regida por relações entre classes, cria e que indivíduos “assumem”. Todavia, é preciso um certo “modo de ser” ou pathos (disposição) para assumir tais posições ou papéis, o que a vida social em determinadas condições, termina por produzir, como se verá mais adiante. 123 Hoje, por exemplo, pode-se perceber a exploração dos idosos na realização de serviços bancários, por exemplo. É de domínio público o caso da exploração de trabalho infantil em fábricas terceirizadas contratadas pela Nike. 124 O preço da força de trabalho pode variar, dependendo de alguns fatores: desemprego, por exemplo Marx ressaltou a importância, para a fixação dos preços da mercadoria força de trabalho, a pressão exercida pelo que ele chamou de exército de reserva de força de trabalho. Também o mecanismo da escassez da força de trabalho pode fazer variar seu preço, neste caso, para um preço mais elevado.
132
trabalho que o antagonismo entre as classes se faz ver com intensidade. Na história do
capitalismo, fica explícito que o melhor modo de impedir ou se contrapor à baixa dos salários
é a organização política da classe, que introduz nova força na dinâmica da sociedade de
classes. Quando a classe trabalhadora, organizada em entidades representativas como partidos
e sindicatos, se fortalece, maior é seu peso na correlação de forças, o que a coloca em melhor
posição de negociação. Desde meados da década de 1970, vive-se uma correlação de forças
desfavorável à classe trabalhadora, como parte da contra-reforma instaurada pelo capital na
tentativa de conter a queda de sua taxa média de lucro, com hegemonia da doutrina neoliberal
que visa, exatamente, quebrar este poder de negociação da força de trabalho, compondo
intensas e extensas formas de exploração do trabalho.
A aferição do preço da força de trabalho, neste sentido, passa por um tratamento que
“ignora” a qualidade do trabalho – as diferenças entre os tipos de trabalho e entre os homens
que trabalham - e toma como critério a quantidade de trabalho despendido. Para a
compreensão deste mecanismo, Marx cria as noções de trabalho concreto e trabalho abstrato.
O trabalho que cria valor de uso (utilidade) é trabalho concreto, que cria o valor de uso das
coisas de que toda sociedade depende para a satisfação de suas necessidades. Contudo, no
modo de produção capitalista, o produto – neste caso, mercadoria -, não possui apenas valor
de uso, a mercadoria é valor de troca, o que significa que precisa, para ser trocada, ser
comparada às outras mercadorias. Como não é possível comparar valores de uso (como
comparar entre coisas que têm utilidades diferentes, entre trabalhos com utilidades
diferentes?!), as mercadorias precisam ser avaliadas a partir de uma espécie de elemento ou
componente comum, daquilo que qualquer trabalho apresenta em comum: dispêndio de
energia física e psíquica, sendo, então, trabalho em geral. Quando se realiza esta redução,
tem-se o trabalho abstrato. Na mercadoria - síntese de determinações do capital – encarna-se,
portanto, trabalho concreto e trabalho abstrato como fruto de um mesmo processo de trabalho.
Aliás, Marx (2004, p. 57, grifos do autor) afirma: “O processo de produção é a unidade
imediata do processo de trabalho e do processo de valorização, assim como o seu resultado, o
resultado imediato, a mercadoria, é unidade imediata do valor de uso e do valor de troca”.
Ora, no capitalismo – no qual reina a produção generalizada de mercadorias-, a
redução do trabalho concreto em trabalho abstrato torna-se regra geral, para “alegria” do
capitalista que compra a força de trabalho sob sua forma abstrata, e assim pode mensurá-la
como quantidade. Por isso, Marx (1980, p. 51) afirma: “O valor da mercadoria, porém,
representa trabalho humano simplesmente, dispêndio de trabalho humano em geral”. Esta
133
redução quantitativa permite toda uma hierarquização dos salários nas unidades produtivas125.
Somando-se a essa redução, surge a distinção entre trabalho simples e trabalho complexo.
Trabalho simples é o trabalho, dado em determinada sociedade, do homem comum, sem
formação especial: “Trabalho humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a
qual, em média, todo homem comum, sem educação especial, possui em seu organismo”
(MARX, 1980, p. 51). Trabalho complexo é trabalho simples potenciado, multiplicado, para
usar a expressão de Marx (1980)126. Para adiantar, trabalho docente é trabalho complexo,
uma vez que exige qualificação específica127.
A jornada de trabalho corresponde à duração do tempo de trabalho sob a égide do
capital. Divide-se em duas partes. Na primeira, o trabalhador produz valor equivalente àquele
necessário a sua reprodução, tempo de trabalho necessário. “Mas com isso não se determina a
magnitude da própria jornada de trabalho” (MARX, 1980, p. 260). Sua magnitude varia de
acordo com a extração de trabalho excedente, que se realiza na segunda parte. “Mas, no modo
de produção capitalista, o trabalho necessário só pode constituir uma parte da jornada de
trabalho, e a jornada de trabalho, portanto, nunca pode reduzir-se a esse mínimo. Em
compensação, possui a jornada de trabalho um limite máximo” (MARX, 1980, p. 262). Este
limite é definido pelo limite físico da força de trabalho bem como por “fronteiras morais” –
necessidade de tempo para satisfazer as necessidades espirituais e sociais, dado um
determinado patamar civilizatório (Marx, 1980). Mas, além disso, a vontade de extensão da
jornada de trabalho enfrentou as lutas da classe trabalhadora organizada, especialmente o
proletariado, o que obrigou o Estado burguês a intervir e regular as relações capital/trabalho,
estabelecendo legalmente a jornada de trabalho.
Existe, entretanto, um limite muito elástico neste sentido, o que possibilita o primeiro
tipo de incremento da mais-valia (trabalho excedente): a que se realiza pela extensão da
jornada de trabalho, denominada por Marx, mais-valia absoluta. A ela corresponde a pressão,
125 O que resulta em um poderoso dispositivo de divisão da classe trabalhadora. Ver nota seguinte. 126 Importante perceber que a qualificação funciona como um importante mecanismo de mercado, nas sociedades burguesas e desempenha um importante papel na expansão do ensino superior privado brasileiro. Como mecanismo de mercado, impõe uma hierarquia salarial que, politicamente pode dividir a classe trabalhadora. Por outro lado, é importante recurso para a regulagem do exército de reserva bem como do nível dos salários: quanto mais complexa é a sociedade, mais submetida a extração da mais-valia, ou seja, quanto mais a lógica de exploração perpassa o conjunto das atividades humanas, tanto mais se aumenta a exigência de escolaridade mínima para a força de trabalho. Um terceiro fator relevante é que a pode ser pela exigência de qualificação que se direciona a formação da força de trabalho em uma ou outra direção, de acordo com as necessidades do mercado126. A exigência de qualificação, dada a nova configuração do mundo produtivo contemporâneo, impulsionou violentamente a expansão do setor privado no Brasil, na medida em que este oferece mais vagas126 e supostas oportunidades de educação superior para enormes contingentes populacionais que, na esperança de melhores oportunidades, ocupam estas vagas. A maior parte destas vagas é oferecida em setores contemplados pelo mercado: é só observar a expansão dos cursos de tecnólogos (técnicos de ensino superior). 127 A exigência de qualificação docente é tanto maior na medida em que se muda de nível de ensino (básico, fundamental e superior, por exemplo).
134
por parte dos capitalistas (personificações do capital), pela extensão da jornada de trabalho128.
Tempo não aplicado a produzir valor durante a jornada é tempo desperdiçado para o
capitalista: tempo comprado é dinheiro (capital) no bolso do outro. Assim, o capitalista
instaura uma série de mecanismos de controle da jornada de trabalho (vigilância,
estabelecimento de horários, controle de intervalos, etc.) na tentativa de fazer equivaler tempo
excedente e produção do excedente ou diminuir a porosidade da jornada de trabalho. Outra
forma de estabelecer mais-valia é denominada por Marx de relativa e se faz pela
intensificação do ritmo de trabalho. Dal Rosso (2008) define, como visto anteriormente, este
processo como fundamental no capitalismo, consistindo em extrair mais resultados – em
termos de quantidade ou de qualidade - mantendo-se a duração da jornada de trabalho, e
demandando, portanto, maior aplicação de energia (física e mental) do trabalhador.
Importa ressaltar que estas duas formas de mais-valia não são mutuamente
excludentes, embora com o desenvolvimento histórico do capitalismo e das lutas de classe,
com a organização política da classe trabalhadora, prevaleça a forma relativa na extração da
mais-valia. Todavia, a posição aqui defendida é que no regime de acumulação flexível, como
apresentado por Harvey (2004), a extração de mais-valia se faz, sob predomínio da forma
relativa, por composições de arcaicas – características da vigência da extração de mais-valia
absoluta - e novíssimas formas de organizar o trabalho para uma nova investida de subsunção
real do trabalho ao controle do capital. É o caso do trabalho docente no ensino superior
privado no Brasil: nele, verifica-se a combinação da extensão das jornadas de trabalho, a tal
ponto que este parece ocupar toda a dimensão da vida do indivíduo (especialmente a partir do
pagamento por hora/aula), com a utilização de novas tecnologias para o controle de horários
(pauta eletrônica, controle biométrico de frequência, etc.) e das atividades, por exemplo, com
a padronização do material didático.
Demonstra-se assim um aspecto apontado na obra de Marx: a subsunção real do
trabalho ao capital se concretiza na medida em que o processo de trabalho – que guarda, de
alguma forma, suas características mais gerais – é colocado sob controle direto do capital, na
tentativa de extração de máximo excedente do trabalhador. Se o processo de trabalho é,
simultaneamente, no modo de produção capitalista, processo de valorização do capital, o
controle do processo de trabalho se torna de suma importância para o capitalista, como uma
espécie de garantia da criação de valor. O controle efetivo da produção pelo capitalista –
128 Os casos relatados por Marx, no livro I de O Capital, são amplamente conhecidos e mostram como se pode estender esta jornada até, metafórica e literalmente, a morte do trabalhador por exaustão. E ainda tentar justificar ideologicamente a extensão do trabalho como forma de salvar a vida dos indivíduos, retirar do ócio perigoso, da rua. Discurso este, no fim das contas, vigente no que diz respeito especialmente aos jovens urbanos e pobres.
135
condição da extração de mais-valia relativa - só se realiza historicamente a partir da
Revolução Industrial, no último quartel do século XVIII, instaurando-se então a produção
propriamente capitalista com a utilização de máquinas – que Marx (1980, p.426) denomina
máquina-ferramenta - e a presença da grande indústria, calcada na divisão do trabalho no
interior da planta fabril, característica da cooperação. Aliás, a partir de então, o homem é que
é tornado instrumento da máquina129, que passa a guiar o ritmo do trabalho de acordo com os
interesses da produtividade. A cena clássica de Tempos Modernos, de Charles Chaplin, em
que Carlitos procura acompanhar a máquina que dita o fluxo de seus gestos é uma crítica
desta nova dinâmica, que realiza, de modo mais avançado, a desqualificação do trabalho130 e
aprofunda a divisão do trabalho.
El resultado global es el seguiente: la competencia por la acumulación requiere que los capitalistas infrinjan una diaria violencia a la clase trabajadora en el lugar de trabajo. La intensidad de esa violencia no está bajo el control de los capitalistas individuales, particulamente si la competencia no está regulada. La búsqueda incansable de la plusvalía relativa aumenta la productividad de los trabajadores, al mismo tiempo que devalúa y deprecia el trabajo, y eso sin decir nada de la pérdida de la dignidad, el sentido de control sobre el proceso de trabajo, del perpetuo acosamiento de los supervisores y de la necesidad de adaptarse a los dictados de la máquina (HARVEY, 1990, p. 43).
Embora em base teórica radicalmente distinta do materialismo histórico131, a obra do
pensador francês Michel Foucault pode ajudar a visualizar estes mecanismos de controle do
processo de trabalho. Ao investigar as sociedades modernas entre os séculos XVII e XIX,
Foucault mostra como se constrói um conjunto de procedimentos que se dirigem diretamente
ao corpo dos indivíduos, no interior das instituições como a escola, a caserna, o exército, a
fábrica e, modelo-limite, a prisão, de forma a discipliná-los, de transformá-los em corpos
aptos, úteis, porém, dóceis132. Tratava-se, para Foucault, de transformar o corpo social em
129 “[...], le ventaja es que se puede usar la máquina para aumentar la productividad física del trabajo al mismo tiempo que permite a los capitalistas controlar la intensidad e el ritmo del proceso de trabajo regulando la velocidad de la máquina” (HARVEY, 1990, p. 115). 130 Harvey (1990) alerta para o fato de que Marx afirma que, com a introdução da máquina e a organização da fábrica, são engendradas, como consequências, a separação entre trabalho manual e intelectual, a destruição do trabalho manual e das atividades artesanais, o emprego de mulheres e crianças. “Para Marx, el empobrecimiento del trabajador bajo lo capitalismo estuvo igual o más relacionado con la degradación del trabajador en el proceso de trabajo que con los salarios bajos y las tasas de explotación” (HARVEY, 1990, p. 115). 131 Foucault insere-se em um quadro de pensadores que, de certa forma, negam as categorias analíticas do materialismo histórico, em especial, o conceito de ideologia. Todavia, em sua avaliação das sociedades modernas entre os séculos XVII e XIX, por ele denominada de sociedades disciplinares, Foucault conecta a emergência das disciplinas como processo de industrialização, profundamente modificador nas exigências colocadas ao poder, exigindo a invenção do corpo – individual e coletivo – como produtivo, orientado para a produção. Ver FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 11° Reimpressão. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1995a, 295p. 132 Foucault define que as disciplinas respondem a uma nova ordem das relações de poder, que define como microfísicas, na medida em que não teriam um centro do qual emanariam, mas que se constituiriam como relações de força nas franjas do tecido social, no interior das instituições nas quais se exerce. Essas relações de poder possuiriam aquilo que ele denomina de intencionalidade não-subjetiva, ou seja, têm um direcionamento que não parte de ninguém ou nenhum lugar em particular, mas respondem à necessidade de criar um conjunto apto a produzir e obedecer. Neste sentido, parte de uma definição positiva do poder: para Foucault, as relações de poder microfísicas não funcionam de acordo com o modelo jurídico, pela repressão, mas produzindo, pela vigilância dos corpos, saber e subjetividades. Ver FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento das prisões. 16ª. Edição. Petrópolis: Vozes, 1996. Ver, do mesmo autor, História da sexualidade I – a vontade de saber. 4ª. Edição. Rio de Janeiro: Graal, 1982. E ainda FOUCAULT, 1995a.
136
dispositivo de produção, centrado nas minúcias dos gestos, dos atos, do controle social por
um olhar capaz de incidir sobre cada sujeito e sobre o conjunto deles. As disciplinas são os
métodos utilizados para cumprir as intenções das relações de poder – potenciar a ação
produtiva e docilizar politicamente. Organizar os espaços, ordenar o tempo e criar uma
composição cuja força seja maior do que a simples soma de suas partes. A disciplina organiza
os espaços distribuindo os corpos no espaço de acordo com uma lógica que torna o corpo
individual legível ao olho do poder, ou seja, aos dispositivos de observação institucionais.
Assim, a regra geral é: “um lugar para cada coisa, cada coisa em um lugar”. Tais táticas de
quadriculamento dos espaços e de distribuição dos assujeitados têm dupla vantagem:
permitem observar cada indivíduo, mantendo o olhar também sobre o coletivo, evitando
“contatos” indesejáveis. E ainda permitem atribuir a cada posição uma tarefa determinada,
específica (para cada posição, uma tarefa, o que, no interior do aparelho fabril, prefigura-se
como divisão do trabalho). A ordenação do tempo se faz a partir da instituição dos horários,
cada vez mais precisos à medida que se aprimoram os mecanismos de medida de tempo – os
relógios. Também se estabelecem as cesuras temporais, indicando para cada intervalo
determinada atividade. Foucault também cita uma espécie de rítmica do gesto, que se pode
ver com clareza no caso do exército, por exemplo, mas também no caso das grandes
indústrias, em que cada gesto é cronometrado, organizado por uma forma ótima, exigindo do
indivíduo a criação de um laço com o aparelho de produção pela prescrição de um tipo de
relação com o objeto a ser manipulado (a arma, o instrumento de trabalho, etc.). Além disso,
junto aos mecanismos anteriores, a arte de compor séries, filas, enfim, de organizar as forças
para a ação conjunta é outra marca da sociedade disciplinar,
Esse comando concreto – real – sobre o processo de trabalho só pode se construir a
partir deste processo que, no limite, conduz à especialização das atividades, à perda do
conhecimento sobre o processo completo de trabalho por conta da crescente rotinização das
atividades133, completando o circuito da degradação do trabalhador. Entretanto, quando se
descreve este processo, em geral se deixa de lado sua contrapartida necessária, dadas as
contradições que atravessam o modo de produção capitalista. Se definha o modelo do
trabalhador dotado de habilidades tradicionais, outro emerge, caracterizado por outras
habilidades, ou seja, um trabalhador de novo tipo, cuja marca é a adaptabilidade.
La cotidianidad de las tareas requiere habilidades administrativas, conceptuales y técnicas muy refinadas. Eso trae consigo un nuevo tipo de ordenamiento jerárquico (…) Los trabajadores también llegan a ser indiferentes a las tareas que realizan, están listos para adaptarse a cualquier nueva tecnología y son capaces de cambiar fácilmente de una línea de producción a otra. Esta capacidad para adaptarse – que a menudo requiere saber leer y
133 Aspecto também ressaltado por Weber.
137
escribir, saber manejar los números, capacidad para seguir instrucciones y para hacer rutinarias las tareas rápidamente – contrarresta la tendencia a la degradación del trabajo en formas importantes. Las habilidades de este tipo, aunque muy diferentes de las del artesanato tradicional, implican la creación de un nuevo tipo de trabajador: ‘el individuo desarrollado, en su totalidad, para quien las diversas funciones sociales no son más que otras tantas manifestaciones de actividad que se turnan y revelan’ (El capital, I, p. 408). Al ‘liberar’ a los trabajadores de sus habilidades tradicionales, el capital al mismo tiempo genera un nuevo tipo peculiar de libertad para el trabajador (HARVEY, 1990, p. 116).
Logo, o que marca o predomínio da mais-valia relativa – o controle do processo de
trabalho pelo capital – é a divisão entre a concepção e/ou administração e a execução do
processo de trabalho. Isso também torna possível que os capitalistas se afastem do processo
mais imediato de administração e/ou gerenciamento da produção, de supervisão e controle,
que vai para as mãos de trabalhadores assalariados134. É importante observar, todavia, como
na acumulação flexível, essa cisão vai se esfacelando – a responsabilidade de controlar o
trabalho também passa a ser atribuída ao próprio trabalhador sem que isso signifique um
trabalho mais autodeterminado. Em geral, estas formas de organização do trabalho, como o
caso do toyotismo, implicam elevado grau de heteronomia sobre o trabalho, uma vez que as
metas e o regime de produtividade são estabelecidos em instâncias outras, em geral, bastante
separadas da realização do próprio trabalho, como o caso de uma Assembléia de Acionistas
ou uma reunião de Conselho de Administração de uma holding. Esse ponto é fundamental
porque permite perceber as continuidades que se estendem por baixo, sob novidade
apresentadas como rupturas, como é o caso das recentes transformações do capitalismo,
elogiadas por suas facetas comunicativas, criativa ou imaterial.
O que caracteriza a grande indústria é a criação de um trabalhador coletivo, que nada
mais é do que a totalidade dos envolvidos na produção, seja este envolvimento manual ou
não. Sob a vigência da grande indústria capitalista, entra em cena, como sujeito movente da
produção, a capacidade de trabalho socialmente combinada, ou seja, configura-se uma
produção cada vez mais socialmente constituída. Esta se torna cada vez mais complexa no
curso do capitalismo, atraindo cada vez mais trabalhadores intelectuais, ou seja, trabalhadores
que não atuam manualmente na transformação da natureza, redesenhando as linhas que
contêm o trabalhador coletivo. A produção especificamente capitalista expande-se para
espaços que não a grande indústria, colocando a questão da diferenciação entre trabalho
produtivo e o trabalho improdutivo, quiçá uma das mais polêmicas atualmente nos debates no
âmbito do materialismo histórico. Se o que define o trabalho como produtivo é o fato de gerar
mais-valia, trabalhos realizados sem gerar diretamente mais-valia são denominados
134 Esse procedimento cria uma importante clivagem no interior da classe trabalhadora, uma vez que trabalhador vigia e controla trabalhador, o que cria identificações ideológicas mais variadas. O gerente é assalariado, porém, pode agir, em interesse próprio, contra o interesse dos assalariados.
138
improdutivos. Todavia, essa fronteira não existe abstratamente, mas é historicamente posta e
reposta, implicando que diferentes trabalhos antes improdutivos podem ser recolocados sob
comando do capital, gerar mais-valia, portanto, sendo categorias em transição. Assim, por
exemplo, o trabalho do professor-pesquisador em uma universidade pública hoje expressa tal
transição, na medida em que as metas e controle de sua atividade, a destinação do produto,
bem como a temporalidade em que se realiza, são definidos pelo capital de modo mais direto.
Nesse ponto, é preciso retornar: o valor é criado na esfera da produção material. Neste
sentido, é gerado na produção de mercadorias. Entretanto, com o desenvolvimento do modo
de produção capitalista, um conjunto cada vez maior de atividades humanas – práxis –
encontra-se sob a lógica da mais-valia, na medida em que são cada vez mais necessárias, dado
o patamar de incremento do trabalho. Ou seja, um número cada vez maior de atividades
humanas e sociais se realiza sob a lógica do capital, submetida à exploração do trabalho e
implicando a repartição, entre os capitalistas, com predomínio do capital financeiro, da taxa
global de mais-valia entre as diversas modalidades do capital, incluindo aquelas que não
envolvem a exploração do trabalho que manipula a natureza.
Esse englobar atividades é o caminho pelo qual se realiza a reprodução
sociometabólica do capital e faz avançar também suas inúmeras contradições. É, como afirma
Antunes, a partir de análises de Mészáros (2009, p. 11):
Sua [de Mészáros] aguda investigação, debruçando-se ao longo de todo o século XX, o leva a constatar que o sistema do capital, por não ter limites para a sua expansão, acaba por converter-se numa processualidade incontrolável e profundamente destrutiva. Conformados pelo que se denomina, na linhagem de Marx, como mediações de segunda ordem – quando tudo passa a ser controlado pela lógica de valorização do capital, sem que se leve em conta os imperativos humano-societais vitais -, a produção e o consumo supérfluos acabam gerando a corrosão do trabalho, com sua consequente precarização e o desemprego estrutural, além de impulsionar uma destruição da natureza em escala global jamais vista anteriormente.
Deste modo, o momento atual, marcado, segundo Mészáros (2009) desde meados dos
anos 1960, por uma crise estrutural do capital, aparece não como um “acidente de percurso”,
mas como consequência da própria natureza do metabolismo do capital, como resultado da
realização “bem sucedida” deste sistema de reprodução social. A rigor, esse tipo de
metabolismo social em sua crise corresponde à moldura, em suas determinações estruturais, a
partir da qual se deve enquadrar as recentes transformações nas relações entre capital,
trabalho e Estado, as diferentes manifestações fenomênicas com que essas determinações se
concretizam. Dentre elas, o movimento de retomada da financeirização, agora mundializada,
traz importantes determinações. Ele não apenas é uma resposta à crise, mas também é um dos
seus vetores de acirramento. Entretanto, ainda que a financeirização da economia não seja, em
si mesma, também, uma novidade na história do capitalismo, a escala planetária de seu
139
alcance, o grau de concentração e centralização do capital, bem como os tipos de operação
que, então, consegue realizar – e a velocidade com que estas se realizam - é inaudito e
demarca um momento específico da valorização capitalista.
A volta – partindo do objeto de pesquisa e a ele retornando - parece grande, e é,
embora necessária para a correta compreensão da orientação das políticas educacionais a
partir de uma análise que busque a perspectiva da totalidade. Mas necessária também, à
medida que a própria instituição estudada – a Estácio de Sá - não apenas se constituiu como
um grande grupo em nível nacional – reunindo o maior número de matrículas do país -, mas,
ainda, ingressou no circuito financeiro ao abrir seu capital na BOVESPA em 2007, passando a
ser gerida e operada de modo mais direto pela racionalidade característica do capital
financeiro.
2.2 A mundialização do capital como regime de acumulação com predominância financeira
Esta fase da acumulação capitalista denominada mundialização, de acordo com
Chesnais (1996), emerge no transcorrer da década de 1980 e se diferencia tanto da fase
fordista quanto da fase inicial do imperialismo, e embora compartilhe com este algumas
características, como a centralização e concentração de capitais, além de acentuada
interpenetração entre finanças e indústria, possui, como processo histórico, um sentido,
conteúdos e resultado diferentes. Escorada no “gritante” triunfo do capitalismo, e no fracasso
de uma forma determinada de transição socialista, apresentou-se a mundialização como
caminho único do progresso social, tentando eliminar do horizonte as utopias e finalizar a
história. Chesnais (1996) chama a atenção para certo “darwinismo social” que se apresentava,
com clareza, nos discursos e práticas da década de 1980 e 1990, como resultante de tal
quadro. Para diferenciar este momento do fordismo, o economista francês afirma:
O estilo de acumulação é dado pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão), cuja função é frutificar principalmente no interior da esfera financeira. Seu veículo são os títulos (securities) e sua obsessão, a rentabilidade aliada à “liquidez”, da qual Keynes denunciara o caráter “anti-social”, isto é, antitético ao investimento de longo prazo. Não é mais um Henry Ford ou um Carnegie, e sim o administrador praticamente anônimo (e que faz questão de permanecer anônimo)135 de um
135 É, neste sentido, interessante observar dois vetores relativos à trajetória da Estácio de Sá. O primeiro é como ela realiza este movimento de passagem – embora problematizável, como se verá mais adiante - de uma gestão extremamente pessoalizada na figura do dono-fundador, João Uchôa Cavalcanti Netto, para uma gestão financeira capitaneada por uma empresa gestora de investimentos, a GP Participações S.A., dona, hoje, de 19,2% das ações da Estácio Participações S. A. O segundo remete-se a figura de Jorge Paulo Lehmann, fundador e sócio do Banco Garantia e, mais tarde, também fundador e sócio da Garantia Participações. Considerado, no mercado financeiro, um grande inovador – positivo ou negativo seja considerado seu modelo em termos de gestão empresarial e de ativos financeiros -, cuidou, como afirma Chesnais (1996), de
140
fundo de pensão com ativos financeiros de várias dezenas de bilhões de dólares, quem personifica o “novo capitalismo” de fins do século XX (CHESNAIS, 1996, p. 14-15).
Seguindo a trilha marxiana, Chesnais reafirma que é na produção que se cria riqueza, o
que se dá pela combinação dos diferentes trabalhos socialmente combinados, mas é a esfera
financeira que define a repartição e o destino social da riqueza criada. Nesse ponto, Chesnais
irá insistir frequentemente, aliás: a repartição e a destinação social da riqueza cabe, de modo
concentrado, ao punhado de atores que desempenham papéis decisivos na esfera financeira.
É claro que esta repartição é altamente concentrada e se alimenta de dois tipos de
mecanismos: a criação de capitais fictícios e transferência efetiva de riquezas para a esfera
financeira, que tem como dispositivos centrais o serviço da dívida pública e as políticas
monetárias. Na obra de 1996, Chesnais mostra que cerca de 20% dos orçamentos dos
principais países e de vários pontos de seus PIB’s são transferidos para a esfera financeira,
alimentando o ganho das camadas rentistas. Em outro texto, de 2003, Chesnais aponta ainda
como o aumento dos juros nos Estados Unidos, a partir de 1979, serviu, no caso dos países
da periferia, como catapulta das crises da dívida, em 1982, que forçou estes países a
adotarem os pacotes de ajustes fiscais e as reformas apregoadas pelos organismos
internacionais como necessárias para “sua entrada no admirável mundo novo” da
globalização, ou seja, para que, desta forma, esse circuito da financeirização se completasse.
Segundo Chesnais:
O capital monetário, obcecado pelo “fetichismo da liquidez”, tem comportamentos patologicamente nervosos, para não dizer medrosos, de modo que a “busca de credibilidade” diante dos mercados tornou-se o “novo Graal” dos governos. O nível de endividamento dos Estados perante os grandes fundos de aplicação privados (os “mercados”) deixa-lhes pouca margem para agir senão em conformidade com as posições definidas por tais mercados... salvo que questionem os postulados do liberalismo. Pelo contrário, assim que surgem dificuldades, as instituições financeiras internacionais e as maiores potências do globo precipitam-se em defesa dos privilégios desse capital monetário, quaisquer que sejam o preço a pagar e os custos a socializar por via fiscal (1996, p. 15-16).
Dois pontos da citação acima merecem destaque: o primeiro refere-se a essa
subordinação do Estado ao mercado, que precisa ser recolocada e repensada, como se verá
mais adiante, na medida em que esta dinâmica é mais complexa do que a afirmação acima
deixa entrever. O segundo relaciona-se à partilha dos custos sociais desse privilegiamento do
capital financeiro. Aliás, esse talvez seja um traço importante do capitalismo, especificamente
desse período histórico: a contradição entre a concentração da riqueza e a partilha dos custos
sociais de produção e dos riscos com a classe trabalhadora. Desse modo, os ajustes fiscais
manter pronunciado anonimato no que diz respeito a sua vida, cercando sua figura de grande mistério, o que contribui, certamente, para alimentar certa mítica em torno de seu nome.
141
preconizados pelo Consenso de Washington136 – receituário neoliberal para as economias
periféricas – implicam uma contenção fiscal do Estado, pela via das privatizações e do corte
dos gastos sociais, combinada a um processo de liberalização e desregulamentação que,
sobremaneira, favorecem o capital financeiro e vitimam as classes subalternas, na medida em
que estas deixam de partilhar, ainda que de modo precário (caso, em geral da América Latina,
que não conheceu Estado de Bem-Estar Social), do fundo público para sua reprodução. Além
disso, a desregulamentação e a precarização das relações de trabalho introduz formas de
gestão da força de trabalho que transferem a esta os riscos do empreendimento: salários por
comissão são bons exemplos dessa lógica137. Para a classe trabalhadora, além de repartir os
riscos sem repartir o bolo, na medida em que se trabalha, mas só se recebe se o valor se
realiza, deve-se somar as novas formas de organização do trabalho, que se apóiam em formas
brutais de aumentar a produtividade, como se verá mais adiante, caracterizando o que Harvey
(2004) denominou de acumulação flexível. Esse aumento de produtividade tem como função
extrair ainda mais valor para a remuneração do capital financeiro. Há ainda que se pensar em
como essa lógica se impõe à classe trabalhadora de países que já se caracterizam,
estruturalmente, como superexploradores da força de trabalho, como é o caso do Brasil, de
acordo com Florestan Fernandes e Ruy Mauro Marini. Ao procurar precisar o conceito de
mundialização do capital, Chesnais, em um primeiro momento, apontava para a
mundialização do capital como sendo uma etapa mais avançada em termos de
internacionalização do capital produtivo. Por isso, no livro A mundialização do capital,
concentrava-se o autor na organização e nos modos de operar que caracterizariam as empresas
multinacionais. Seu olhar acabava privilegiando as operações do capital industrial como ponto
de partida da análise. Entretanto, em obra posterior, Chesnais afirma (1998, p. 7, grifos
nossos): “A partir de dados e análises reunidos neste novo livro, um deslocamento qualitativo
se impõe. É da esfera financeira que é necessário partir se desejarmos compreender o
movimento em seu conjunto”.
136 Expressão cunhada, em 1989, por John Willianson, no âmbito do International Institute for Economy, de Washington, durante reunião que buscou dscutir as reformas para que a América Latina saísse da “década perdida”, referindo-se à estagnação e a alta inflação. O receituário então resultante estava carregado das posições favoráveis aos interesses do centros e círculos de poder sediados em Washington, especialmente os organismos internacionais, como o FMI, o BID, BIRD, bem como pela burocracia no comando do Tesouro norte-americano, refletindo a visão que interessava aos EUA em termos de condução da política econômica para países ditos periféricos, como a América Latina, atuando como expressão neoliberal da mundialização do capital. 137 Um dos traços que se destaca das inovações empreendidas por Lemann em seu modelo de gestão é, exatamente, uma espécie de meritocracia radical. De acordo com a revista Época NEGÓCIOS (2008), os empregados de suas empresas ou das empresas administradas pelas suas, bem como seus próprios empregados domésticos, são remunerados com base em resultados, tendo, na maior parte das vezes, um salário-base abaixo daquele oferecido pelo mercado. No site do GP Investiments, no item “Missão e valores”, o primeiro é meritocracia, assim definido: “Radical e aplicada em todos os níveis, sendo fundamental para nossa política de gente e remuneração”. Disponível em: <http://www.gp.com.br/?lang=pt-BR#/the_company/mission_and_values>. Acesso em: 18 jul. 2011.
142
Entretanto, essa afirmação não pode ser, de modo algum, confundida com a
recomendação de um olhar que deve, epistemologicamente, isolar a esfera financeira de modo
a compreendê-la. Pelo contrário. Segundo Chesnais (1998, p. 7-8, grifos nossos):
O movimento geral do capitalismo mundial (ou regime de acumulação138) repousa sobre um agravamento brutal da relação salarial, obtido pela liberalização dos investimentos e do comércio exterior, mas suas tendências essenciais são comandadas, cada vez mais claramente, pelas operações e opções de um capital financeiro mais concentrado e centralizado que em nenhum outro período precedente do capitalismo. A pedra angular dessa construção é a esfera financeira. É aí que foi colocado, através da liberalização e da desregulamentação, nas mãos do capital que se valoriza pelo viés das aplicações financeiras em bônus e ações, ou pelos empréstimos, um poder como ele não tinha mais desde os anos 20.
Essa concentração financeira se concretiza a partir da crise do modo de regulação
fordista, entendida como incapacidade deste modo de regulação de conter as contradições
clássicas do modo de produção capitalista, e que se traduz nas dificuldades no processo de
realização do capital investido na produção. Assim, Chesnais (1996, 1998, 2005, 2005a,
2005b) denomina a primeira etapa do processo de acumulação financeira139 aquela que
resulta da recomposição da concentração de capital sob a forma financeira, nos anos 1950,
nos EUA, e nos anos 1960, na Europa, a partir de dois vetores: de um lado, como um dos
resultados da acumulação industrial dos “anos dourados”. Impulsionadas por normas fiscais
favoráveis, as famílias com rendimentos mais elevados passam a investir o excedente
líquido em títulos de seguros de vida. De outro lado, nos anos 1960, a adoção de pagamento
mensal aos assalariados os obrigou a abrirem uma conta em banco ou no Correio. Deste
modo, uma massa de dinheiro líquido passou a afluir aos bancos, o que aumentou suas
operações de crédito e, mais tarde, de aplicações de curto ou curtíssimo prazo extremamente
lucrativas que viriam com a desregulamentação financeira.
Tal reconstituição da acumulação financeira também dependeu de condições
institucionais favoráveis, o que vai acontecer numa das praças historicamente nevrálgicas
para o capital portador de juros, o Reino Unido, que permitiu, em 1958, a criação de um
mercado interbancário de capitais líquidos registrados em dólares como off-shore140 na City
de Londres141, que se tornaria a primeira base de operação internacional do capital portador
138 Categoria oriunda da Escola da Regulação, utilizado tanto por Chensnais quanto por Harvey para descrever os modos de regulação da produção e reprodução capitalista. 139 “Por acumulação financeira, entende-se a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços” (CHESNAIS, 2005, p. 37). 140 De acordo com a definição do Dicionário de Finanças da Bolsa de Valores de São Paulo: “Lugar no Exterior onde se realizam investimentos praticamente isentos de tributação e escassamente regulamentados”. RUDGE, L.F. (org). Dicionário de finanças. Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>, Acesso em: 17 ago. 2011. 141 Segundo Paulani (2008), o Euromartket foi criado no fim da década de 1950 e, embora sob a batuta dos interesses ingleses – de olho na recuperação do papel de intermediário financeiro internacional perdido com a Primeira Guerra mundial, foi apoiado pelos bancos norte-americanos e pelas grandes corporações.
143
de juros142. É assim que o chamado mercado de eurodólares143 se organiza, com a
contribuição de grandes empresas e dos bancos que aproveitaram a chance de se
internacionalizarem. Lucros não repatriados e não reinvestidos na produção passaram a ser
depositados em eurodólares pelas firmas transnacionais norte-americanas. No ritmo mesmo
do esgotamento dos “anos dourados”, no início dos anos 1970, acelera-se o afluxo de
recursos não reinvestidos. Além disso, no final dos anos 1960, a espiral inflacionária norte-
americana e o aumento dos déficits comerciais levariam Nixon ao abandono do sistema de
Bretton Woods com a desvinculação do dólar com o ouro. Na solução dos impasses gerados
por esse processo e na manutenção da hegemonia norte-americana, foi fundamental a
atuação do presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, que, em 1979, aumentaria as taxas
de juros nos EUA e promoveria o fortalecimento do dólar.
A segunda etapa se inaugurou pela reciclagem dos “petrodólares” a partir de 1976,
oriundos do aumento temporário do preço do petróleo que foram aplicados pelos potentados
em Londres. Aqui um componente essencial para a compreensão do processo de construção
do Brasil como plataforma de valorização financeira: a reciclagem dos “petrodólares” se deu
por meio de empréstimos e de linhas de crédito dos bancos internacionais aos governos dos
países do Terceiro Mundo e, em especial, da América Latina. Foi o caso brasileiro. Cabe
aqui lembrar que, no Brasil, neste período, vivenciava-se o estrangulamento dos
mecanismos criadores do chamado “milagre econômico”, especialmente da capacidade de
endividamento do Estado para o financiamento da atividade econômica. Todavia, como já
visto no capítulo anterior, o II PND não conseguiu reverter a situação, incapaz de refazer a
correlação de forças que sustentava o pacto de dominação no regime civil-militar. O Estado,
assim, tomou empréstimos no exterior para equilibrar as contas e manter a legitimidade do
governo então sustentada na eficácia econômica. Esses empréstimos consolidaram as dívidas
desses países. Segundo Chesnais (2005b, p. 39), “[...] a dívida pública sempre teve por
origem as relações de classe e o poder político que permitem aos ricos escapar amplamente,
ou mesmo quase completamente, dos impostos”, asseverando a ideia de que a dívida pública
142 Capital portador de juros foi definido por Marx como o capital que funciona como uma mercadoria que, uma vez alienada por certo período de tempo, retorna ampliada. Essa ampliação se raliza pela retenção de uma masssa de mais-valia a título de remuneração sob a forma de juros. Ver: Bottomore, 2001. 143 Chesnais (1996) assegura que o pontapé inicial dos euromercados parece ter sido dado pelos bancos britânicos, que, desfavorecidos pela queda da libra esterlina, começaram a trabalhar em dólares, chamados eurodólares porque se originam em operações de crédito/débito de contas – primeiro das transnacionais norte-americanas e, depois, dos bancos da mesma nacionalidade - gerenciadas fora dos EUA.
144
é função da acumulação privada de capital144e esse o mecanismo pela qual ela se recria
constantemente.
No caso dos euromercados, créditos foram criados como que por encanto, dentro de uma rede fechada de bancos ligados entre si pelo emaranhado de suas posições devedoras e credoras, e oferecidas aos países em desenvolvimento. Não houve nenhuma transferência de poupança que tenha provocado algum “sacrifício” dos concessores de empréstimo (CHESNAIS, 1996, p. 255).
Esse endividamento se recria, na medida em que, para dar conta do serviço da dívida –
e ainda que os juros não sejam tão maiores do que os preços e as taxas de crescimento e do
PIB -, torna-se necessária a reserva de uma fatia cada vez maior do orçamento do Estado,
das receitas de exportação e das reservas do país, o que, conforme Chesnais (2005, 2005a,
2005b), faz com que só se possa honrar tais compromissos com novos empréstimos. Camara
e Salama (2005) mostram as dimensões deste processo:
Nos anos 70, o contexto de controle de câmbio e de fortes flutuações das principais divisas favoreceu os financiamentos externos sob a forma de empréstimos bancários, de maneira que estes representaram mais de dois terços do total. É a reciclagem dos petrodólares pelos grandes bancos. O setor público foi o principal beneficiário dessa forma de financiamento, especialmente nos países que seguiram estratégias de industrialização voltadas, na época, para a satisfação do mercado interno. Foi o caso da América Latina. A elevação das taxas de juros e a alta do dólar no início dos anos 80 desencadeiam a crise da dívida (CAMARA; SALAMA, 2005, p. 202, grifos nossos).
É neste sentido que se fala em uma “ditadura dos credores”. Contudo, de acordo com
Chesnais (1996; 2005), não se poderia falar em uma ditadura sem um golpe de Estado de
algum tipo. Para o economista francês, o golpe em questão remontaria às condições de
liberalização dos mercados de títulos da dívida pública e da alta do dólar e das taxas de juros
norte-americanas tomadas entre 1979-1981145, além da pressão pela elevação das taxas reais
de juros. Esse artifício penalizou exatamente as economias que haviam mergulhado nos
créditos oriundos da reciclagem dos petrodólares146.
Em 1982, a partir da impossibilidade do México de pagar a dívida, os bancos privados
que sustentaram esse afluxo de empréstimo para os países como o Brasil “cobram a conta”,
exigindo que os governos – incluindo o brasileiro - busquem o recurso ao FMI, como forma
de acesso aos fundos internacionais, com dois objetivos (FONTES, MENDONÇA, 1994, p.
80): “[...] aliviar a escassez de recursos internos e para evitar a ruptura do sistema financeiro
144 Entretanto, ressalta-se aqui, como se verá mais adiante, que em determinada fase do desenvolvimento capitalista, na fase monopolista, esse processo se eleva a outro patamar, em que o fundo público se torna pressuposto da acumulação de capital. Essa etapa emerge com força a partir do fim da Segunda Guerra mundial. 145 Em 1971, Nixon rompeu unilateralmente com o acordo de Bretton Woods e eliminou a paridade ouro-dólar na tentativa de reter o crescimento da inflação nos EUA e de conter os déficits comerciais, abrindo um período de indefinição que, segundo Paulani (2007), abrigou até a possibilidade de criação de uma moeda efetivamente internacional, o que ameaçava a hegemonia norte-americana. A “resposta” dos EUA veio sob a forma do aumento dos juros levado acabo por Paul Volcker, presidente do Federal Reserve em 1979. 146 Paulani (2008) afirma que as taxas de juros dos empréstimos para os países em desenvolvimento eram, em sua maioria, flexíveis, e que, nesse momento, se elevaram. São exemplos de taxas flexíveisa Libor (inglesa) e a Prime (norte-americana).
145
internacional”. Como afirma Chesnais (2005b, p. 40): “A multiplicação por três e mesmo por
quatro das taxas de juros, pelas quais as somas emprestadas deviam ser reembolsadas,
precipitou a crise da dívida do Terceiro Mundo, cujo primeiro episódio foi a crise mexicana
de 1982”.
Nas palavras de Camara e Salama (2005, p. 212-213):
Doravante, devem financiar uma parte substantiva do serviço de sua dívida com seus recursos internos, negociando com o FMI o adiamento de outra parte, a amortização do principal. Eles são impelidos a adotar uma política de austeridade (redução drástica das despesas públicas e forte desvalorização da moeda) a fim de exportar mais e de obter um saldo líquido na sua balança comercial, o que lhes permite obter as divisas necessárias ao financiamento de parte do serviço da dívida.
Isso significou um ciclo vicioso exatamente porque cumprir os compromissos
assumidos junto ao FMI significava exportar mais capitais do que se recebia, implicando uma
depressão econômica, concretizada especialmente pela redução das despesas públicas – o que
significava o esgotamento do modelo de atuação econômica do Estado construído no período
da ditadura, a consequente queda do estímulo para investir, da inflação galopante que se
seguiria às sucessivas desvalorizações e do imenso crescimento da pobreza e das
desigualdades em um país já tão desigual.
Ao se insistir aqui sobre esse aspecto, deseja-se apontar para as conexões entre a
emergência de um regime de acumulação com predominância financeira (CHESNAIS, 2003
2005, 2005a, 2005b), a crise do milagre econômico e do sistema de dominação política da
ditadura civil-militar e a ação dos organismos internacionais na reconfiguração econômica e
política dos países da periferia, que se manifestará também como reforma dos sistemas
educacionais ensejados pelos governos de cunho de cunho neoliberal que assumem o poder na
esteira da redemocratização. No caso brasileiro, se expressará, em termos políticos, a partir do
impasse gerado nas tentativas de equacionamento das demandas por aumento de salário real –
impulsionada pela reorganização sindical, pelo movimento dos trabalhadores, pela pressão
das massas urbanas e rurais – com a necessidade de controle inflacionário de acordo com os
índices postulados pelo FMI, que, passando pelas inúmeras tentativas de controlar a inflação
conduzirá aos planos de estabilização econômica, culminando no Plano Real.
Nos países chamados “em desenvolvimento” (PED) ou de “industrialização recente” (new industrializes countries, NIC), a dívida tornou-se uma força formidável que permitiu que se impusessem políticas ditas de ajuste estrutural e se iniciassem processos de desindustrialização em muitos deles. A dívida levou a um forte crescimento da dominação econômica e política dos países centrais sobre os da periferia (CHESNAIS, 2005b, p. 40, grifos nossos).
Esse processo aponta, na verdade, para o esgotamento do modo de regulação
keynesiano, expressando a pressão dos mercados pela desregulamentação e pela liberalização.
146
E também por uma forma de composição e atuação estatais que fossem adequadas ao
imperativo de valorização financeira. Neste sentido é que se deve compreender o ataque
brutal à classe trabalhadora, em um movimento em direção ao conservadorismo que se
consagra com Thatcher e sua descoberta da doutrina neoliberal, como se verá mais adiante.
Como ponto central das políticas desse tipo, aparece o ajuste fiscal, processo
“necessário” para a ampliação dos recursos estatais destinadas ao pagamento do serviço da
dívida pública. Por conta dessa necessidade, estabelece-se a importância do chamado
superávit primário147, minorando-se as despesas do Estado e majorarndo as reservas de
recursos destinados ao refinanciamento da dívida pública. É nessa chave que deve ser
interpretada a proposta neoliberal do Estado mínimo: é o Estado mínimo para o social e
máximo para o capital. Paulani (2008) aponta como se pode entender este ponto de modo
mais eficaz quando se tem em vista a ideia de que a reprodução ampliada do capital se realiza,
predominantemente, pela via da acumulação financeira. Em primeiro lugar, a taxa de juros
paga pelo Estado aos papéis públicos funciona como piso a partir do qual todas as demais
taxas são estabelecidas. Desse modo, não faz sentido uma taxa de juros mínima em um mundo
dominado pelos credores, o que resulta na elevação desta. Todavia, essa elevação torna-se,
ela mesma, um aumento das despesas do Estado com o serviço da dívida, o que exige a
minoração das outras despesas – gastos sociais, por exemplo - para que se acomode este
aumento. Em segundo, a taxa de inflação alta beneficia o devedor. Portanto, como cabe ao
Estado o controle da moeda, é preciso que não se impulsione a sua emissão para pagamento
de gastos “descontrolados”. Em terceiro lugar, os papéis públicos são os ativos financeiros por
excelência e, sob as condições acima, significam a garantia da remuneração real a seu
detentor. Como mostra Chaves (S/D), na tabela abaixo, examinando o orçamento da União no
Brasil, pode-se perceber as prioridades na destinação de recursos orçamentários. Observe-se
que o percentual liquidado na educação é, em alguns anos, quase 30 vezes menor do que o
gasto com o refinanciamento da dívida pública.
Tabela 7 Despesas da União por Função - Orçamento Fiscal e da Seguridade Social
2003 a 2010. Despesa Liquidada/Valor atualizado – R$ bilhões
FUNÇÃO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado Valor
Atualizado
147 No Dicionário de Finanças da BOVESPA: “1) Resultado positivo do caixa dos governos federal, estaduais e municipais, mais o resultado das empresas estatais. Considera as receitas públicas menos as despesas, excluídos os gastos com pagamento de juros; 2) meta, em relação ao PIB; e 3) se negativo, chama-se déficit primário”. Disponível em: http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php, acessado em 12 ago. 2011. RUDGE, L.F. (org). Dicionário de finanças. Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>, Acesso em: 17 ago. 2011.
147
(1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8)
Assistência Social
12.295.586 18.513.194 21.585.372 28.930.461 31.485.628 30.364.825 34.468.317 40.674.994
Saúde 39.695.794 44.032.349 49.822.885 53.342.297 50.371.924 46.236.963 50.683.487 57.213.871 Educação 20.780.466 19.407.428 22.106.509 23.272.335 24.129.126 23.232.622 29.612.189 40.156.607
Cultura 337.972 432.567 674.758 740.995 529.068 543.831 684.228 874.643 C & T 2.911.893 3.481.523 4.471.725 4.971.554 4.097.188 4.186.530 5.019.669 5.600.457
Agricultura 9.504.298 10.196.865 11.372.544 13.333.576 9.971.366 8.113.411 11.397.131 9.286.005 Transporte 4.453.014 4.876.317 9.181.101 9.272.578 7.295.476 5.063.976 8.566.485 12.413.947 Desporto e
Lazer 233.529 362.456 577.759 987.871 963.481 213.564 156.799 265.679
TOTAL DOS
GASTOS SOCIAIS ACIMA
90.212.552 101.302.699 119.792.653 134.851.667 128.843.257 117.955.722 140.588.305 166.486.203
% Gastos Sociais
7,04 8,35 7,92 8,55 8,65 9,31 10,11 11,19
Refinanciamento da
dívida
559.667.848 486.647.758 682.620.953 505.864.207 478.740.237 294.334.300 276.559.933 391.733.716
TOTAL GERAL
1.280.429.758
1.212.790.443
1.511.470.489
1.576.886.340
1.488.776.982
1.266.708.148
1.389.796.493
1.487.012.004
% Educação
1,62 1,60 1,46 1,47 1,62 1,83 2,13 2,70
% Refinanciamento
43,70 40,12
45,16 32,07 32,15 23,23 19,89 26,34
Fonte: Tabela inspirada nas ideias de Chaves (S/D) com dados do SIAFI - STN/CCONT/ em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/gestao_orcamentaria.asp>. Acesso: 18 set. 2011. (1) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2003/2011 de 1,46091624223216; (2) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2004 /2011 de 1,33541084740523; (3) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2005/2011 de 1,36563661627072; (4) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2006/2011 de 1,34240979623839; (5) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2007/2010 de 1,27737873199494; (6) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2008/2011 de 1,0596682703897; (7) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2009/2011 de 1, 04109994664009; (8) Valor atualizado com base no IGP-DI de 2010/2011 de 1,04899371651019.
Se, em 2009, o percentual do orçamento liquidado da União destinado ao
refinanciamento foi de 19,89%, no ano de 2010, esse percentual foi de 26,34%, segundo
dados do Ministério da Fazenda148, o que pode estar relacionado aos efeitos da crise de 2008
sobre a dívida pública brasileira e sobre o comportamento dos credores. Também é importante
perceber que se o percentual de gastos com o refinanciamento da dívida diminui
percentualmente, isso não gerou um aumento efetivamente significativo no percentual
liquidado com os gastos sociais ou mesmo com educação – cujo aumento chega, no máximo,
a 1% -, embora, nominalmente, estes valores tenham aumentado.
Todavia, as relações assimétricas Centro-Periferia são cada vez mais, em certo
sentido, complexas e diversas, nas quais outros dispositivos de dominação são acoplados,
exigindo um esforço teórico imenso na tentativa de caracterizá-las com maior precisão. É
nesse sentido que Fontes (2010) lança algumas ideias que podem servir para pensar a natureza
desse processo. Em seu livro intitulado O Brasil e o capital-imperialismo, a historiadora
148 Fonte: BRASIL/SIAFI – STN/CCONT/GEINC. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/gestao_orcamentaria.asp> Acesso em:: 12 ago. 2011.
148
coloca algumas interrogações importantes na tentativa de compreender esse quadro histórico
e, mais especificamente, o papel do Brasil dentro dele. Revisitando os clássicos, como Marx,
Lênin e Gramsci, bem como repensando o Brasil no bojo da construção dessa nova escalada
do imperialismo a partir da Segunda Guerra mundial, Fontes busca pensar o movimento
histórico do capital, considerando continuidades e diferenciações relacionadas a novas escalas
de acumulação capitalista. Assim, parte das análises dos autores marxistas – e mostra sua
riqueza - para construir uma análise da atualidade como momento mais avançado de uma
racionalidade cuja essência estes autores ajudam a compreender, elaborando a categoria
capital-imperialismo. Afirma: “A ideia de capital-imperialismo procura recuperar os conceitos
clássicos para explorar um presente forçosamente diverso do período no qual nasceram, mas
que representa a continuidade e o aprofundamento da mesma dinâmica do capital” (FONTES,
2010, p. 13).
O que Fontes (2010) denomina capital-imperialismo representaria a forma atual do
imperialismo tal como cabível do tematizado por Lênin, embora não exatamente à risca, e à
luz da predominância do capital monetário, pensada a partir das ideias de Marx sobre o ciclo
de acumulação capitalista como um todo, e do papel predominante que a dominação
financeira pode assumir. Diz Fontes (2010, p. 28, grifos da autora):
Para Marx, a existência de grandes proprietários de capital monetário, ou portador de juros, com ou sem a orquestração de seus administradores (quer sejam bancos ou outras formas jurídicas) converte o capital numa força social anônima, ao mesmo tempo concentrada e extremamente difusa. O capital monetário não se limita a puncionar: precisa expandir as relações sociais capitalistas.
Esta expansão é definitivamente social porque, para controlar tal massa de dinheiro,
convertê-la em capital e, assim, em mais-valor, são necessários outros sujeitos, assumindo as
funções de controle dos mais diversos e variados negócios, dos mais variados ramos. É este o
caso, por exemplo, do fundo que hoje administra a holding Estácio Participações S.A., como
se verá mais adiante: esse fundo, gerido pela GP Investimentos S.A., possui investimentos
em, por exemplo, uma rede de churrascarias. Além disso, a própria Estácio Participações S.A.
vai ampliando o escopo de sua atuação, diversificando seus investimentos. Em 2011, adquiriu
100% das cotas da Academia do Concurso (Nova Academia do Concurso-Cursos
Preparatórios Ltda.), empresa especializada na preparação presencial para concursos públicos,
porém, além disso, tinha direito aos ativos e à gestão da Faculdade da Academia Brasileira de
Educação e Cultura (FABEC – 29.000 alunos de graduação e pós-graduação149), de Roraima.
149 Segundo a Estácio Participações S.A. (2011), informações ainda não auditadas.
149
Assim, seria da “natureza” das relações capitalistas de produção, a partir do grau de
acumulação delineado na fase imperialista, esse processo simultâneo de dispersão/difusão e
de concentração que exige a expansão das relações capitalistas de produção e a contínua e
aprofundada exploração do trabalho.
Algumas mediações importantes merecem destaque. O mais-valor gerado no processo produtivo deverá ser dividido entre o capital que o extrai, d – M – d’, e o capital que não só o permitiu, mas o estimulou (D – D’). A intensificação da extração de mais-valor através do capital funcionante, com o consequente aumento do excedente, impulsiona a concentração e a centralização monetária (o capital monetário) e este, por seu turno, difunde, impõe e generaliza a extração de mais-valor, ou seja, expande as diferentes formas de capital funcionante, numa espiral tensa e socialmente avassaladora (FONTES, 2010, p. 30).
Uma importante mudança, todavia, diz respeito a certa diversificação das funções do
capital monetário, especialmente a partir da segunda metade do século XX, e mais ainda, a
partir da década de 1970, espraiando-se e especializando-se em atividades diferentes da usura
e do crédito, mas se mesclado a elas, como corretagem, seguros, câmbio, dívidas públicas,
etc., e que geram formas não bancárias de gestão do capital monetário, como os fundos de
pensão, os fundos mútuos, as Bolsas de Valores. No limite, o que se aprofunda desde então é
a separação entre a propriedade e a gestão dos empreendimentos150, o que, todavia, não
diminui ou reduz a contradição entre capital e trabalho, embora, muitas vezes, se busque
ocultá-la através de certos discursos (imagens/aparências) e práticas (participação nos lucros,
remuneração por ações, etc.) que visam obstacularizar as lutas sociais. Por exemplo, tratar o
trabalhador – com ou sem vínculo empregatício – como colaborador. Ou, no caso da Estácio
Participações S.A., incentivá-lo a “agir como dono”, o que se faz pela via da remuneração
variável e por programas de compra de ações151.
Fontes (2010) busca trazer à tona ainda a relação entre o capital monetário e a
expansão da extração de mais-valia a partir das contradições entre a suposta – aparente -
autonomia entre o capital monetário e o funcionante.
O capital monetário só pode se realizar expandindo a atuação funcionante, a extração do mais-valor que o nutre. O aparente descolamento entre os dois momentos do capital – funcionante e monetário – expressa sua mais estreita e íntima imbricação. A aparente dissociação entre eles é, de fato, uma interpenetração crescente resultante da concentração da propriedade de recursos sociais de produção e exige expandir formas brutais de extração de mais-valor. Essa fusão real entre capitalistas monetários e funcionantes, entretanto, tende a secundarizada pelos grandes proprietários de capital monetário e seus prepostos, que se imaginam existir isoladamente da totalidade do processo produtivo (FONTES, 2010, p. 35, grifos da autora).
150 Por isso, Bauman (1999) pode falar de um “proprietário ausente”, ou seja, de uma figura que não está diretamente engajada na extração da mais-valia. 151 Se esses mecanismos têm alguma efetividade ou não, cabe discutir e investigar, mas, talvez, o verdadeiro móvel dos processos e práticas de acomodação a essa lógica esteja no medo do desemprego ou da falta de trabalho.
150
Esse último ponto – a aparente ausência de mediação do capital funcionante, bem
como o horizonte temporal de realização do lucro que essa imagem impõe - torna-se
fundamental para pensar as contradições entre a educação-mercadoria e a mercadoria-
educação, como denomina Rodrigues (2008). Na perspectiva do capital monetário investido
nas empresas educacionais, essa deve se valorizar segundo o esquema D – D’, ou seja,
rapidamente e sem muitos custos. Todavia a mercadoria-educação implica o esquema d – M –
d´, no qual a valorização depende de certo tempo de “elaboração” dessa mercadoria, no caso o
sujeito com algum conhecimento, algum know-how. Assim, o processo aparente e a
temporalidade em que se realiza apresentam-se em grande “desencontro”, engendrando, do
lado do investidor e do acionista, bem como do empresário educacional, a necessidade de
introduzir “inovações pedagógicas” na tentativa de redução do tempo de realização do valor:
cursos cada vez mais aligeirados, currículos esvaziados e flexíveis, material pedagógico
padronizado, turmas lotadas, dentre outras. Do lado da mercadoria-educação, ou melhor, do
empresariado que atua no processo produtivo, esse movimento é nefasto, porque gera um
insumo de má qualidade. Assim, esse busca formas de pressionar a produção de uma
mercadoria-educação de “melhor qualidade”, o que demandaria maior tempo e custo. Nesse
sentido, o setor público da educação superior tem sido submetido a uma imensa precarização
e mercantilização de suas práticas que o impulsiona na mesma direção da expansão sem
qualidade, da certificação rápida, da formação esvaziada e das “parcerias” com o mercado.
Segundo Fontes (2010), o lado oculto desse processo de concentração de capital se
expressaria pelas crescentes e contínuas expropriações que o capital realiza sobre o conjunto
da humanidade, na tentativa de reproduzir as bases sociais sob as quais a acumulação
ampliada pode se realizar. Assim, a uma expropriação primária se seguiriam expropriações
secundárias, impulsionadas pelo capital-imperialismo em seu necessário processo de
expansão, e que estendem e ampliam a disponibilidade de pessoas para o mercado. “As
expropriações constituem um processo permanente, condição da constituição e expansão da
base social capitalista e que, longe de se estabilizar, aprofunda-se e generaliza-se com a
expansão capitalista” (FONTES, 2010, p. 45). É nessa chave que se pode ver a expropriação
do vínculo formal de trabalho, dos direitos trabalhistas e sociais, vigorantes no regime flexível
de acumulação, às quais se voltará mais adiante na medida em que constituem parte da ação
do empresariado da educação superior sobre o trabalhador docente e os funcionários técnico-
administrativos. No caso dos acordos coletivos com o patronato na educação superior, é
visível, apesar dos esforços dos Sindicatos, o retrocesso em termos de garantias e conquistas
151
dos trabalhadores, como o caso das cláusulas que garantiam adicionais por aprimoramento
acadêmico (titulação) e por tempo de serviço (anuênio).
Essa expropriação permanente e expansiva, associada à concentração de capital sob a
forma monetária deve ser pensada, de acordo com Fontes (2010), de modo associado às
formas de extração de mais-valia conectadas à predominância de determinadas frações do
capital sobre outras – pensadas em termos de predominância financeira -, às modalidades de
funcionamento e atuação políticas que possibilitam as formas de extração de sobretrabalho –
com as reformas de Estado, reforma trabalhista, previdenciárias à moda neoliberal - e às
formas culturais e ideológicas de que se revestem as atuais formas de dominação - como o
pós-modernismo e o neoliberalismo, a nosso ver. Esses elementos serão analisados nos
próximos tópicos, mas, por agora, deseja-se apontar para sua complexa articulação152.
Aqui se faz fundamental compreender este processo à luz do lugar do Brasil em sua
relação com os processos globais de desenvolvimento do capitalismo. Fontes (2010), partindo
das análises de Marini acerca da caracterização do Brasil como subimperialista – embora
afirmando a necessidade de reelaborações nesta ideia, e mesmo apontando a problemática que
cerca este termo – mostra como parece que a opção brasileira está em ser “o último dos
primeiros”, incorporando-se ao fluxo do capital-imperialismo, ainda que de modo subalterno e
que, no limite, aprofunda alguns dos traços mais perversos de nossa formação social, como a
desigualdade social abismal.
O Brasil hoje integra o grupo desigual dos países capital-imperialistas, em posição subalterna. Como último dos primeiros, em situação tensa e instável, depende de uma corrida alucinada de concentração de capitais que, a cada passo, escancara crises sociais dramáticas (FONTES, 2010, p. 359).
Mas como se constituiria tal subalternidade? Qual o caminho para ser o “último dos
primeiros”? Paulani (2008) nos oferece um caminho para a compreensão desse processo
desde meados da década de 1970, conectando, em suas análises, a construção desse lugar na
divisão internacional da produção com o processo de mundialização do capital. Retoma a
ideia, já citada, de que a crise da economia mundial nos anos 1970 resultou em um processo
de aumento das fusões e aquisições, bem como de internacionalização de grandes grupos de
capital, em um processo que resulta em uma ampliação das “margens de manobra” desses
grupos e de sua capacidade concentracionária. Essa se expressa pela divisão de riscos com os
trabalhadores (salários por produção, trabalhadores “autônomos”, etc.) e com os
152 No caso da América Latina, especialmente, como afirma Fontes (2010), é preciso recordar que as formas de extrair sobretrabalho tipicamente capitalistas são constituídas sobre e com relações de exploração mais tradicionais, conectando-as e, de certo modo, predando-as e dando-lhes permanência: clivagens étnicas, de gênero, etc. são reiteradas pelas relações capital-trabalho quando tais discriminações oferecem vantagens na acumulação capitalista.
152
consumidores (customização), mas também com outros pequenos capitais com os quais se
compõe aqui e ali, desde que isso represente redução de custos. As consequências desse
processo sobre os países periféricos são enormes, ficando estes apenas com as tarefas de
adaptação, inovação e montagem. No caso brasileiro, entretanto, os dados analisados por
Paulani (2008) mostram uma redução da importância do setor industrial, inclusive na relação
com a década de 1980.
Se, por um lado, não existem condições de um país periférico como o Brasil investir o
necessário para ingressar, de fato, na ponta de um novo patamar de desenvolvimento tecno-
científico, por outro, é preciso remontar ao início da década de 1990 e lembrar como se
apresentou o neoliberalismo como a única via capaz de tirar o país da estagnação dos anos
1980 e penetrar no grupo dos países modernos e globalizados, no momento mesmo em que
ainda se saía da ditadura e o movimento de massas ainda se consolidava. Assim, o papel das
elites – e de seus intelectuais - foi central e franqueado por frações burguesas interessadas em
catapultar seus interesses ao posto de dominantes, como é o caso dos empresários do setor de
serviços bem como do setor financeiro e seus “magos”.
De certo modo, o discurso neoliberal torna-se pauta no Brasil com a aproximação das
eleições presidenciais de 1989. Com as forças polarizadas entre o discurso popular e
democrático de Lula e do Partido dos Trabalhadores e o discurso social-liberal de Collor –
que, de modo “discursivamente inteligente” soube vincular o discurso antiestatizante que já se
apresentava por ocasião do II PND – em grande parte, pelas demandas do capital nacional –
com a matriz discursiva que afirmava a necessidade de controle, transparência e de
produtividade no âmbito do Estado – o Estado paquiderme e a caça aos marajás são símbolos
desse discurso – Collor vence as eleições e inicia o processo que, todavia, só encontraria solo
firme no governo de FHC. Se, ao fim dos anos 1980, como afirma Paulani (2008), o Brasil
não poderia desempenhar o papel de economia financeiramente emergente – por conta das
altas taxas de inflação, que complicam sobremaneira operações de câmbio, e do controle
sobre a política cambial, que não doa à valorização financeira a liberdade necessária para se
mover em caso de turbulência, bem como da dificuldade em controlar os gastos do Estado,
bem como o tamanho e tipo de intervenção do Estado na economia, aumentados com a
Constituição de 1988. Além disso, outro complicador era a legislação vigente no Brasil que,
até então, privilegiava os direitos dos trabalhadores e do próprio Estado em detrimento dos
credores. Os credores do Estado também não possuíam nenhuma forma de controle dos
governantes para garantir a remuneração dos compromissos com os portadores dos títulos da
dívida pública. E, por último, um sistema previdenciário fundado na repartição simples, pela
153
solidariedade intergeracional e pela posição do Estado como principal ator constituía-se em
um obstáculo, na medida em que este fato transformava-se em mais uma despesa para o
Estado e, ainda, deixava um imenso mercado longe das garras do setor privado.
De Collor a Lula, foram realizadas as transformações institucionais que, somando-se
às privatizações e a liberalização, permitiram a transformação do Brasil em plataforma de
valorização do capital financeiro, na caracterização de Paulani (2008). Se Collor impulsiona o
discurso neoliberal, é no governo Itamar que se dão, de fato, as primeiras grandes
transformações: as mudanças nas contas CC5 promovidas pelo Banco Central153, cujo grande
efeito foi permitir a livre saída de recursos do país. Também securitizou-se a dívida externa154
e se abriu o mercado brasileiro para a negociação de títulos privados e públicos. Além disso,
surge o Plano Real – que, mais do que um plano de estabilização que permitiu “domar” a
inflação, abriu as vias para mudanças que seriam implantadas no governo FHC, como a
abertura para a realização das privatizações com dinheiro público, a sobrevalorização da
moeda e a elevação gigantesca da taxa real de juros. “Abriu-se com isso a possibilidade de
qualquer agente, independentemente de ser ou não residente, enviar sem restrições recursos a
exterior, bastando, para tanto, depositar moeda doméstica na conta de uma instituição
financeira não-residente” (PAULANI, 2008, p. 42).
Outra medida essencial foi a criação da Desvinculação de Receitas da União (DRU).
Formulada ainda em 1994, no governo FHC, então como Fundo Social de Emergência, a
DRU permite a desvinculação de 20% dos impostos e tributos coletados pela União, funciona
como um fundo de investimento que imprime maior “flexibilidade” para sua destinação pelo
Executivo. Traduzindo: a DRU155 permite que parte – 20% - dos recursos orçamentários seja
utilizado livremente pelo poder Executivo, mesmo quando originalmente destinada pela
153 Paulani (2008, p. 41-42) mostra que as CC5 – criadas por uma lei de 1962 como contas exclusivas para não-residentes – foram alteradas em duas direções: primeiro, ampliando-se a definição de não-residentes, que deixou de incluir apenas pessoas físicas ou jurídicas que estivessem em trânsito pelo país, e passou a incorporar também as contas livres de instituições financeiras do exterior, instituições financeiras não autorizadas a funcionar no país. Em outra frente, passaram a poder remeter livremente para o exterior não apenas saldos em moeda doméstica que resultassem da conversão de moeda estrangeira com que estrangeiros não-residentes entravam no país, mas todos e quaisquer saldos. 154 De acordo com o a Secretaria do Tesouro Nacional: “É o processo pelo qual um emissor cria um instrumento financeiro combinando ativos financeiros e comercializando aos investidores partes ou quotas desse novo instrumento. Este processo pode englobar diversos tipos de ativos financeiros e promove liquidez no mercado. No âmbito do Tesouro Nacional a securitização pode ser definida como a renegociação de dívidas, tendo como mecanismo subjacente a novação contratual. Para os credores, o processo apresenta, como principal vantagem, a recuperação da liquidez de seus ativos. Do ponto de vista do Governo, a securitização não apenas permite a adequação das exigibilidades financeiras do Tesouro Nacional à sua capacidade de pagamento, mas também contribui, de forma expressiva, para o resgate do crédito do setor público. Atualmente, à exceção das dívidas do Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, que possui um título próprio definido em lei, a securitização de dívidas é concretizada por meio da emissão de apenas uma espécie de título público, em consonância com o objetivo do Tesouro Nacional de reduzir o número de instrumentos e conferir maior liquidez aos seus títulos. Para esse fim, o título utilizado é a Nota do Tesouro Nacional – Série B – NTN-B” BRASIL/TESOURO NACIONAL. Glossário. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/servicos/glossario/glossario_s.asp, acesso em: 16 ago. 2011. 155 A DRU foi prorrogada até 31/12/2015, com a aprovação, em 21/12/2011, da Emenda Consitucional 68/12.
154
Constituição a outras áreas. Assim, a CF determina que a União invista 18% dos impostos
com a Educação. Esse texto já exclui do cálculo o que se arrecada com contribuiçõess.
Entretanto, os repetidamente anunciados recordes de arrecadação da União são alcançados
com aumento da receita proveniente das contribuições, que cresce mais do que a receita que
se constitui a partir dos impostos. Além disso, a DRU permite a diminuição das bases de
cálculo quando permite que 20% desses 18% sejam destinados a outros gastos. De acordo
com notícia publicada pela CONTEE (2007f), o presidente do movimento Todos pela
Educação, Mozart Neves, teria declarado que, entre 1998 e 2007, isso significou que R$ 43,5
bilhões deixassem de ser destinados à educação pública156. Assim de acordo com a
Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), em 15 anos, a DRU teria
tirado da educação quase R$ 90 bilhões (2009). Em 2007, foi aprovada a extinção da DRU na
educação de modo progressivo até 2011. O governo Dilma enfrentará difícil conjuntura
política nas casas parlamentares, de agora até o final do ano, para a aprovação da prorrogação
da DRU.
Outra medida importante neste sentido foi a edição, em maio de 2000, da Lei
Complementar nº 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)157. Essa lei foi
negociada por FHC com o FMI no bojo da crise que conduz à desvalorização do Real em
1999. Seu objetvo é demarcar uma hierarquia de prioridades para o administrador público na
qual o credor financeiro – detentor de ativos financeiros emitidos pelo Estado – tenha
prioridade nos gastos públicos, em detrimento de outras políticas. Trata-se de uma inversão
que coloca os interesses dos credores do Estado e o capital em geral acima de quaisquer
outros. FHC começa também a reforma do sistema de Previdência158 que seria acabada por
Lula. Este ainda editaria a nova Lei de Falências, em 2005, que organiza para o setor privado
a mesma hierarquização que a LRF define para a administração pública: a prioridade de
156 Disponível em:<http://www.contee.org.br/secretarias/educacionais/materia_108.htm>. Acesso em: 17 ago. 2011. 157 Em documento assinado por Nascimento e Debus, com capa do Tesouro Nacional, (pode-se perceber claramente as ligações entre os organismos internacionais, o mercadao mundial e esse reordenamento político: “Os modelos que foram tomados como referencial para a elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal são: o Fundo Monetário Internacional, organismo do qual o Brasil é Estado-membro, e que tem editado e difundido algumas normas de gestão pública em diversos países; a Nova Zelândia, através do Fiscal Responsibility Act, de 1994: a Comunidade Econômica Européia, a partir do Tratado de Maastricht; e, os Estados Unidos, cujas normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act, aliado ao princípio de “accountability”. Estes exemplos, embora tomados como referência para a elaboração da versão brasileira da Lei de Responsabilidade Fiscal , não foram os únicos parâmetros utilizados, já que não existe um manual ótimo de finanças públicas que possa ser utilizado indiferentemente por qualquer nação”. NASCIMENTO, Edson Ronaldo; DEBUS, Ilvo. Lei Complementar nº 101/2000: entendendo a lei de Responsabilidade Fiscal. 2ª. Edição atualizada. [20-], p. 6. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/EntendendoLRF.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2011. 158 Coube ao governo Lula fechar os processos de transformação institucional que permitiram a colocação do Brasil como plataforma de valorização financeira, o último dos primeiros: fechar a reforma do sistema previdenciário, implantando a lógica da previdência por regime de capitalização que punciona o funcionalismo público e que é, por si mesma, uma racionalidade rentista.
155
pagamento às dívidas financeiras (credores) em detrimento de dívidas trabalhistas e
previdenciárias. Como afirma Paulani (2008):
Essas mudanças produzem a forma e a substância da inserção do Brasil nas finanças de mercado internacionalizadas. Os títulos da dívida brasileira lançados e cotados no exterior confirmaram o país no papel de emissor de capital fictício, que viabiliza a valorização financeira e garante a posteriori a transferência de parcelas de renda real e do capital real para a esfera financeira. A liberalização financeira vem garantir o livre trânsito dos capitais internacionais, que podem assim maximizar o aproveitamento de políticas monetárias restritivas e de juros reais elevados (PAULANI, 2008, p. 42).
Esses pontos são fundamentais porque permitem entrever o eixo condutor concreto das
políticas econômicas – a valorização financeira – e mostrar algumas conexões entre a atuação
dos organismos internacionais, as reformas de Estado e sua relação com as políticas
educacionais159 do período, em especial, com a redução do financiamento da rede pública de
educação superior e o novo ciclo de expansão do setor privado iniciado nos anos 1990. Veja-
se: neste contexto, em primeiro lugar, o financiamento dos gastos sociais é restrito sob a razão
de se remunerar os credores da dívida pública brasileira. Se esse processo foi socialmente
nocivo em países desenvolvidos, no caso de países já socialmente desiguais e em que o já
parco investimento social é ainda mais retraído, os efeitos foram devastadores, como aponta
Borón (1995), resultando em agravamento das desigualdades e aumento da pobreza e
indigência, aliviadas por programas de alívio à pobreza que, embora possam ser importantes e
produzirem efeitos significativos, todavia, deixam incólume o cerne do problema
representado pela servidão financeira.
Em segundo lugar, tal retração dos gastos sociais e, dentre eles, com a educação,
conforme visto em tabela anterior (tabela 7), abre as vias para que a demanda sobre este nível
educacional seja atendida pelo setor privado, que cresce gigantescamente desde meados dos
anos 1990. Essa expansão corresponde à racionalidade de um regime de acumulação de
predominância financeira não apenas porque permite a redução de certos gastos com o
financiamento direto e estatal da educação superior – o que produziu mudanças extremamente
significativas nas universidades e outras instituições públicas -, mas porque abre outro grande
espaço de acumulação capitalista: o mercado educacional. Esse mercado cresce em
progressão geométrica desde a década de 1990, especialmente a partir do governo FHC e da
nova LDB que, aliás, já é, de certa forma, profundamente marcada pela capacidade desse
setor de forjar, em boa medida, as regras formais do universo educacional. A rigor, aliás, a
LDB de 1996, bem como os dispositivos legais posteriores, configura-se como pequenos
159 Quando se fala em políticas educacionais, muitas vezes se atenta apenas para o prescrito nos programas e na legislação que os acompanha, o que, de certo modo, restringe as análises ao plano formal. Aqui, faz-se um pouco a tentativa de cruzar o prescrito com o concretizado para buscar compreender a racionalidade e o sentido dessas políticas.
156
pacotes da reforma conservadora e regressiva da educação superior, como se verá mais
adiante, na medida em que amplia as possibilidades de manobra do setor privado.
Em análise dos números da educação superior entre 1994 e 2006, Sguissardi (2008)
oferece uma tabela que pode ser esclarecedora e que foi por n´s atualizada para acolher as
informações referentes aos censos de 2007, 2008 e 2009:
Tabela 8 Evolução do número de instituições e de matrículas de educação superior
por categoria administrativa (público e privada) – 1994 a 2006 Ano Número de instituições Número de matrículas
Total Pública % Privada % Total (Mil)
Pública % Privada %
1994 851 218 25,6 633 74,4 1.661 690 41,6 970 58,4
2002 1.637 195 11,9 1.442 88,1 3.479 1.051 30,2 2.428 69,8
2006 2.270 248 11,0 2.022 89,0 4.676 1.209 25,8 3.467 74,2
2009 2.314 245 10,5 2.069 89,6 5.115 1.351 26,4 3.764 73,6
1994-2002 - ∆%
92,4 -10,5 - 127,8 - 109,5 52,3 - 150,2 -
2002 – 2006 - ∆%
38,7 27,2 - 40,2 - 34,3 15,0 - 42,8 -
2006 – 2009 - ∆%
1,9 -1,2 - 2,3 - 9,3 11,7 - 8,5 -
2002-2009 - ∆%
41,3 25,6 - 43,4 - 47,0 28,5 - 55,0 -
1994-2009 - ∆%
171,9 12,3 - 226,8 - 207,9 95,7 - 288,0 -
Fonte: Sguissardi (2008), com dados do MEC/INEP. Censo da Educação Superior 1994 – 2006. Atualizado por nós com dados do Censo de 2007, 2008 e 2009.
Sguissardi (2008) ressalta alguns pontos importantes que a atualização da tabela permite
reafirmar: prirmeiro, percebe-se a retomada da expansão pela via privada, verificável tanto em
termos de números de matrículas, quanto de instituições nos diferentes setores. No período
FHC, quase se dobrou o número de IES – 92,4% de aumento, sendo que as IES públicas
sofreram redução de 10,5%, enquanto as IES privadas cresceram 127,8%, aumentando a
concentração de IES no setor privado e revelando o sentido das políticas. No que tange às
matrículas, estas cresceram, entre 1994-2002, um percentual de 109,5%, concentradas no
setor privado. Este recebeu um incremento de 150,2% em termos de matrícula em
contraposição a 52,3% do setor público. Aqui cabe lembrar, mais uma vez, que o setor
público, neste sentido, sofreu uma ampliação, enquanto os recursos orçamentários destinados
para estas IES públicas não cessaram de ser proporcionalmente reduzidos em prol do modelo
157
econômico vigente. O exame do período de 2002-2006, correspondente ao primeiro governo
Lula, permite perceber um aumento no ritmo do crescimento da educação superior, e pode ser
localizado um aumento no número de IES públicas de 27,2%. Esse aumento, entretanto, ainda
é menor do que a média de crescimento do setor privado (40,2%). Também se encontra um
menor ritmo de crescimento das matrículas (34,3%), mas se mantém as diferenças entre o
setor público e o privado, concentrando-se neste o maior percentual de matrículas (74,2%).
Olhando para todo o período (1994-2006), torna-se gritante o aumento desproporcional do
número de IES públicas (13,7%) e privadas (219,4%), bem como do processo de privatização
das matrículas, com 75% de aumento no setor público e 275,2% no setor privado160. Estes
números comprovam a inauguração de um ciclo de expansão do setor privado da educação
superior que é afinado com a política econômica voltada para a valorização dos ativos
financeiros. Entretanto, caso se observe os números relativos ao período 2006 – 2009, pode-se
perceber com clareza uma brutal diminuição no ritmo de crescimento das matrículas no setor
privado (8,5%) em comparação com os períodos anteriores, reforçando os argumentos
presentes nas propostas do setor baseados na diminuição da capacidade de financiamento
particular do público-alvo das instituições.
Segundo ponto relevante: abre-se com esse regime de acumulação e seu modo de
regulação a possibilidade de transformação mais incisiva do espaço educacional em um
espaço de acumulação capitalista no qual atuariam grandes grupos industriais e, muitas vezes,
como organizações financeirizada, com capital aberto e negociado nas Bolsas de Valores,
marcado pela presença de grandes fundos de investimentos. É o caso da Estácio Participações
S.A., que abriu seu capital em 2007 na BOVESPA e, desde então, recebeu, por exemplo,
investimentos de fundo controlado pelo Garantia Investimentos S.A., empresa de private
equity161, que controla e/ou participa de outros negócios em diversos setores e que, no caso da
Estácio Participações S.A., assumiu a gestão da empresa Estácio Participações S.A.
Esse mercado representa possibilidades de negócios que não podem ser subestimadas, sob
pena de não se avaliar corretamente suas dimensões e, com isso, não se perceber sua
gravidade. Por exemplo, aquela que resulta da formação desses conglomerados educacionais e
160 Optou-se aqui por não incluir nessa apresentação os dados do Censo da Educação Superior de 2010, relativo ao ano de 2009 por duas razões: a primeira é que ele não seria representativo de todo o segundo governo Lula, o que impediria uma análise mais precisa. Em segundo lugar, porque embora revelem os primeiros impactos do Programa de Expansão e Reestruturação das Universidade Federais – REUNI, o quadro geral não se altera muito. Veja-se alguns números que apóiam essa conclusão: no que diz respeito ao número de matrículas, os dados relativos a 2009 mostram que 26,41% das matrículas nos cursos de graduação presenciais estavam situadas no setor público e 73,59% no setor privado, em uma proporção próxima da apresentada em 2006 e analisada por Sguissardi (2008). 161 “ativos privados: Modalidade de fundo de investimento que compra participação acionária em empresas. Direcionado para negócios que já funcionam e têm, em geral, boa geração de caixa”. RUDGE, L.F. (org). Dicionário de finanças. Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 17 ago. 2011.
158
a participação de capital estrangeiro na educação superior nacional. Embora no caso da
Estácio Participações S.A. essa presença ainda seja “tímida”, como se verá mais adiante, em
outras instituições esse processo foi significativo. O Laureate International Universities
investiu cerca de R$ 1 bilhão na aquisição parcial ou total do capital de diversas instituições,
como a Universidade Anhembi-Morumbi (já desinvestido), a Universidade Potiguar (RN),
entre outras. Esses fundos, afirma Sguissardi (2008) disporiam de cerca de R$ 3 bilhões para a
aplicação no setor educacional. Segundo Ryon Braga (2010), presidente da Hoper Educação,
consultoria especializada no mercado educacional, o capital estrangeiro, em 2010, estava
presente em instituições que responderiam por quase 20% das matrículas na educação
superior e que já movimentaria cerca de R$ 5 bilhões na educação privada no país. Outra
imbricação a ser analisada são as relações entre este movimento e a diversificação que
acompanha esse grau de concentração de capital. Assim, os grandes grupos também têm
atuado no campo do fornecimento do material didático, seja por associação, convênios,
parcerias, porém, gerando também grandes negócios neste sentido. Para além das discussões
do negócio de vulto que essas práticas representam, entra em jogo a autonomia didática, na
medida em que os professores vão perdendo a possibilidade de definir seus programas,
ementários e, nesse caso, de escolher o material com que vão trabalhar em sala, na medida em
que os pacotes de material didático já vêm prontos, sendo esta decisão uma decisão de
negócios. Assim, por exemplo, a Abril Educação comprou, em 2010, o grupo Anglo, que
possuía 250 mil alunos e evolveria o Sistema Anglo de Ensino, o Anglo Vestibulares e a Siga,
especializada na preparação para concursos públicos. A Abril é proprietária das editoras Ática
e Scipione. No caso da Estácio Participações S.A., desde o primeiro semestre de 2010 o
material didático é oferecido na forma de um kit que os alunos recebem todo semestre: “São
os extratos dos livros adotados como bibliografia para cada disciplina, fruto de uma parceria
entre a Estácio e as melhores editoras nacionais e internacionais” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A., S/D)162. Entretanto, em seguida, informa-se que não está este
material ainda disponível para todos os cursos e todas as disciplinas, e que, nesse caso, a
biblioteca deve ser a referência. Em 2011, também no primeiro semestre, o material didático
passou a ser oferecido em um tablet: “O aluno receberá o tablet no 2º semestre do curso, após
ter concluído o 1º período e renovado sua matrícula. O tablet será entregue como empréstimo
gratuito, podendo ser doado ao aluno após a conclusão do curso” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A., S/D, grifos nossos)163. Na letra graúda, esse discurso e essa prática
162 Disponível em:< http://portal.estacio.br/material-didatico.aspx>. Acesso em: 17 ago. 2011. 163 Disponível em: >http://portal.estacio.br/material-didatico.aspx> Acesso em: 17 ago. 2011.
159
favorecem o fetichismo tecnológico que apresenta as tecnologias digitais como “a” solução
dos problemas econômicos, sociais e educacionais. Entretanto, na letra miúda, percebe-se que
o tablet será distribuído:
[...] Para os ingressantes no 2º semestre de 2011 [...] a título de empréstimo gratuito, após a renovação da matrícula para o 1° semestre de 2012, exclusivamente para os novos alunos do curso de Direito da Estácio (RJ e ES), bem como de Hotelaria e Gastronomia (RJ e SP). A extensão aos demais cursos e localidades encontra-se em estudo pela Estácio, e poderá ser implementada gradativamente, conforme viabilidade acadêmica e operacional (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., S/D, grifos nossos)164.
Nas demonstrações financeiras padronizadas com data-base e 31/12/2010, a Estácio
Participações S.A. afirma que teria gastado R$ 15,5 na linha de material didático impresso
oferecido desde então aos alunos. A linha de tablets – 6.000 - teria sido adquirida junto a
Semp Toshiba, com a Claro e o instituto Eldorado e já viriam com aplicativos da própria
instituição, segundo notícia da revista INFO online165 e do jornal O Globo166. O valor dessa
transação não foi divulgado.
Nessa conjugação de fatores, mais um ponto se faz essencial: a capacidade de
ampliação das taxas de lucro desse mercado. Segundo Sguissardi (2008), a taxa de lucro do
setor no Brasil ainda seria menor que em outros países da América Latina, ficando em cerca
de 13% da taxa líquida e de 20% da taxa bruta167. Segundo afirma Tiradentes (2009), com
base em palestra de Ryon Braga, a Estácio Participações S.A. teria, em 2009, uma margem
líquida de lucro de 7,5 % de um imenso patrimônio. Entretanto, neste ponto, para discutir a
lucratividade do setor, faz-se necessário introduzir outro elemento: a presença de subsídios ao
setor, sob a forma de investimentos indiretos via isenção fiscal que, por um lado, se
apresentam como forma de diminuição de custos para o Estado em termos de destinação
orçamentária, bem na medida da regulação neoliberal do regime flexível com predominância
financeira e, por outro, representam para as instituições e, especialmente, para os grandes
grupos educacionais, modos de ampliação das margens de lucro pela subtração de despesas
fiscais e até tributárias que são, para cada capital em particular e/ou conglomerado, muito
significativas, como se explorou antes. Verifica-se, assim, que um certo padrão de
financiamento indireto, que caracteriza a formação capitalista brasileira, não apenas
164 Disponível em: <http://portal.estacio.br/material-didatico.aspx>. Acesso em: 17 ago. 2011. 165 Disponível em: <http://info.abril.com.br/noticias/ti/semp-toshiba-vai-fornecer-tablets-para-estacio-18032011-36.shl>. Acesso em: 17 ago. 2011. 166 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/08/10/estacio-apresenta-tablet-com-material-didatico-aos-alunos-nesta-quarta-feira-925103646.asp>.Aacesso em: 17 ago. 2011. 167 Esse retorno minorado para o setor privado seria resultado da baixa capacidade aquisitiva da população brasileira. A solução seria ou baixar a qualidade dos processos para diminuir seus custos e, assim, o preço das mensalidades. Nesse sentido, a EAD apresenta-se como ótima “solução”.
160
permanece, mas se aprofunda e complexifica, tornando cada vez mais necessária a presença
do fundo público como pressuposto da acumulação capitalista, com todas as contradições aí
implicadas, como aponta Oliveira (1998).
Seria importante apontar, mais uma vez, para as continuidades entre o período
configurado sob a ditadura empresarial-militar e o momento atual. Paulani (2008), analisando
o sentido da industrialização tal como esta se deu em alguns países da América Latina e no
Brasil, à luz dos desdobramentos produzidos pelo regime de acumulação com predominância
financeira, aponta o caminho. Mostra como a ditadura corresponderia a uma forma de
reorganizar o Estado para permitir uma centralização autoritária capaz de consolidar o modo
capitalista de produção nas economias dependentes. Entretanto, vai além disso, mostrando
como a industrialização da periferia correspondia a uma nova configuração do capital, na qual
a industrialização da periferia se inseria como necessidade para a nova plataforma de
valorização que, na década de 1970, começava a surgir. Retomando a crise de valorização do
capital a partir do investimento produtivo nos anos 1970 e a consequente reconstituição da
esfera financeira a partir da praça de Londres, criando a transferência de créditos aos países
em desenvolvimento sob a forma de empréstimos, ajudando a consolidar a esfera financeira,
afirma Paulani:
A industrialização da periferia, portanto, responde ao mesmo tempo aos anseios de um capital que buscava novas praças de investimento produtivo, em razão das crescentes dificuldade de valorização observadas no centro do sistema, e aos anseios de uma esfera financeira em vias de expansão e autonomização, que exigia, portanto, não só a expansão dessas praças – afinal, a própria moeda fiduciária envolvida no fluxo de renda dos investimentos diretos é, em si, uma forma de capital fictício -, mas, principalmente, a canalização de seus fluxos para os mecanismos de valorização que ela própria começava a criar. Em outras palavras, enquanto a vinda do capital produtivo para a periferia dava uma sobrevida ao processo de acumulação estritamente produtivo – que perdera o fôlego após o esgotamento das possibilidades abertas pela reconstrução do pós-guerra -, já se preparavam as condições para a dominância financeira que advinha (PAULANI, 2008, p. 88).
Contudo, no caso de países como o Brasil, esse processo se realiza penalizando
profundamente a massa da população, seja na fase inicial do processo, seja em sua etapa atual
em que se concretizaria, de acordo com Paulani (2008), a servidão financeira. Essa
penalização se faria, contudo, segundo um arranjo que, a nosso ver, corresponderia a certa
“promiscuidade” entre Estado e capital que se delineia pela dependência, pelos traços arcaicos
que servem - e são fundamentais - às formas de implementação do moderno e que definem
um padrão de financiamento estatal dos capitais particulares que sinalizam para uma violência
econômica particularmente nefasta. Esse padrão se aprofunda no bojo do movimento
econômico e institucional acima descrito e reverbera sobre estas formações sociais como um
ácido que esculpe e ressalta nosso pior retrato.
161
No item seguinte, a tentativa é de descrever o funcionamento do regime de
acumulação flexível, ressaltando-se as formas como este se orienta em relação à força de
trabalho, as reordenações da classe trabalhadora no seio desse processo e os modos como esse
regime incitaria a reforma das instituições republicanas apresentadas em seguida.
2.3 A acumulação flexível na esteira da crise do fordismo e do keynesianismo
Nos anos posteriores à Segunda Guerra mundial, período da Guerra Fria e da expansão
do fordismo-keynesianismo, a estratégia engendrada pelos Estados capitalistas centrais e/ou
periféricos – sob a forma do Welfare State - foi além das ações coercitivas do estado strictu
senso: buscou-se um conjunto de práticas educativas que garantiam a continuidade da
dominação de classes nos marcos do capitalismo com uma série de concessões que visavam
reduzir as desigualdades sociais e políticas, sem, contudo, dissolvê-las. Tais cessões incluíram
a garantia de direitos, ampliação da participação política, etc., em uma captura das demandas
das classes populares por tais direitos sociais e políticos, o que caracterizou, segundo
Coutinho (2007b), a montagem do Welfare State como revolução passiva168. De certo modo,
este parece funcionar como uma estratégia de contenção das mobilizações das classes
subordinadas para além de suas reivindicações mais imediatas (econômico-corporativas), com
o que a pedagogia fordista-keynesianista impulsionou a transformação dos partidos políticos
revolucionários em social-democratas e que se dirigisse a classe trabalhadora desta
perspectiva. Isso fez com que o sindicalismo classista recuasse a um sindicalismo de
resultados, concentrado em grupos específicos, desconectando-o do reconhecimento da
condição de classe e acompanhado do nascimento dos aparelhos “privados” de hegemonia,
oriundos dos movimentos sociais que defendiam interesses de determinados grupos sociais
não necessariamente vinculados às relações de trabalho, institucionalizados como novos
sujeitos políticos coletivos, genericamente denominados organizações não-governamentais
(ONGs). Deste modo, “Por meio desse triplo movimento, o projeto de sociabilidade burguesa
foi-se consolidando e chegou vitorioso ao século XXI, momento em que uma larguíssima
faixa da população mundial aceita as relações sociais vigentes como a única solução possível
de convivência social (NEVES; SANT’ANNA, 2005, p. 32).
168 A revolução passiva é uma reforma que se faz pelo alto, conduzidas pelas classes dominantes por intermédio de seu Estado (sentido amplo e estrito) e que implica em modificações qualitativas pelo acolhimento de demandas vindas de baixo, em uma dialética de restauração e revolução, embora sob predomínio de um momento restaurador.
162
Em finais do século XX, contudo, um novo quadro se desenha: a crise estrutural de
acumulação capitalista é apresentada como crise do modelo de hegemonia fordista-
keynesiano, o que exigiria uma série de medidas do Estado (nos dois sentidos) de forma a
garantir a reprodução da acumulação capitalista bem como engendrar novas formas e
conteúdos de sociabilidade burguesa. O caminho encontrado – o paradigma da acumulação
flexível e as políticas neoliberais - produz a exigência de um novo homem, uma nova cultura
e outro código de conduta moral. Por outro lado, as consequências de tais “soluções” –
desemprego estrutural e precarização das relações de trabalho, por exemplo – criam uma
situação que demanda do capital “novas estratégias para educar o consenso” da maioria das
populações (NEVES; SANT’ANNA, 2005).
De acordo com Neves e Fernandes (2002a), para que se possa compreender, em sua
concretude, as mudanças recentes na educação no Brasil, na direção de seu crescente
empresariamento, é preciso buscar suas várias determinações, dentro de um quadro geral das
transformações socioeconômicas do capitalismo tardio (RODRIGUES, 2007). As décadas de
1970 e 1980 foram marcadas por um processo de reestruturação econômica, política e social
suscitadas pela crise do sistema capitalista que se expressa pelo esgotamento da capacidade do
modelo fordista-keynesiano169 de se contrapor às contradições inerentes a este modo de
produção. Como resposta à crise, instaurou-se, apoiando-se sobre as Novas Tecnologias da
Informação e da Comunicação (NTIC)170, um novo modo de regulação do capitalismo - a dita
acumulação flexível (HARVEY, 2004) - da qual o neoliberalismo pode ser considerado a
doutrina que (re)configuraria a forma da atuação estatal em um modelo distinto daquele do
Estado de Bem Estar Social. A rigor, pode-se dizer que se configurou outra correlação de
forças entre capital, trabalho e Estado, prefigurando outras formas de atuação dos Estados
nacionais e outras formas de organização do trabalho, bem como da classe trabalhadora, em
uma economia financeira mundializada. Importante ressaltar, todavia, que tais transformações
se fizeram sem modificar as regras básicas do modo de produção capitalista, a saber: a
169 Pode-se localizar este esgotamento na crise fiscal do Estado e da impossibilidade de que o fundo público continuasse a financiar simultaneamente a acumulação do capital e a força de trabalho, dentre outros fatores. É pelas contradições que gera o fundo que se figura a crise fiscal do Estado, uma das razões para o colapso do regime fordista-keynesiano. Esta contradição se expressa uma vez que o fundo público socializou o custo da produção, mas a riqueza produzida continuava sendo acumulada privadamente. Ver apresentação de Chauí da tese de Francisco de Oliveira sobre o fundo público. CHAUÍ, M. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 11° edição revista e ampliada. São Paulo: Cortez, 2006, 367p. 170 Isso não significa que as novas tecnologias sejam a causa da acumulação flexível, mas que são os instrumentos pelos quais a flexibilização se estabelece. “Não é a tecnologia que explica as transformações contemporâneas, mas o aprofundamento e a generalização da extração de mais-valia relativa, ligados Às lutas de classe no terreno do próprio capitalismo – que rompem as limitações até então impostas à generalização dessa forma de ser social -, que permitem compreender o alcance e a dimensão das novas tecnologias” (FONTES, 2005, p. 103).
163
propriedade privada dos meios de produção, a exploração do trabalho e a apropriação privada
da riqueza socialmente produzida.
Segundo Harvey (2004, p. 135), “(De modo geral), o período de 1965 a 1973 tornou
cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as
contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser mais bem
apreendidas em uma palavra: rigidez”. Rígidas eram “as regras do jogo” fordista-keynesiano:
1) rigidez de investimento de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de
produção em massa com planejamento também rígido e cuja lógica não contemplava
variações de produção para variações de crescimento; 2) rigidez também nos mercados de
trabalho, na alocação e contratos de mão de obra, sustentada pela atuação sólida na defesa da
classe trabalhadora, pois como afirma Antunes (2000), a queda da taxa de lucro foi dada,
entre outros fatores, pelo aumento do preço da força de trabalho e pela intensificação das lutas
sociais em torno do controle social da produção; 3) rígidos também eram os compromissos do
Estado com os programas de assistência, o que, no contexto de rigidez da produção,
significava também a impossibilidade de expansão dos gastos públicos. As soluções então
encontradas eram: imprimir moeda para manter a economia estável, o que, por sua vez,
disparava ondas inflacionárias que, no limite, ameaçavam a própria acumulação capitalista.
Tal quadro se agravou sobremaneira com a chamada crise do petróleo de 1973, quando a
OPEP aumenta os preços do petróleo e os árabes embargaram a exportação de petróleo
durante a guerra árabe-israelense, o que conduz à busca da economia de energia, por
intermédio da mudança tecnológica e organizacional, e ao problema do excesso de
petrodólares171, que terminou por desestabilizar os mercados financeiros mundiais. Quando se
soma a esse quadro a capacidade produtiva ociosa das corporações em um momento de
acirramento da competição, o quadro geral que se delineou foi o de uma busca, pelas
corporações, de processos de reorganização e reestruturação produtiva, especialmente aqueles
apoiados nas transformações tecnológicas, que permitissem acelerar o tempo de giro do
capital para garantir sua lucratividade em condições de deflação.
Tal recessão permitiu a ruptura com o pacto fordista e a emergência de um conjunto
de reestruturações econômicas e reordenações sociais e políticas. É neste sentido que se deve
compreender a afirmação de Harvey de que
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões e consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de
171 Importante lembrar que é por meio do endividamento dos países de Terceiro mundo que se fará a reciclagem dos petrodólares. Ver FURTADO, C. “A crise da economia capitalista”. Revista de Economia Política. Vol. 3, nº 2. abril-junho de 1983, p. 5-13. Disponível em: <http://www.rep.org.br/pdf/10-1.pdf>. Acesso em: jan. 2008.
164
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (2004, p. 140).
Embora, segundo Harvey (2004), alterações da esfera produtiva não sejam uma
novidade na história do capitalismo, a acumulação flexível é marcada por formas mais
intensas de controle do trabalho (mercados e processos), implicando em níveis altos de
desemprego ‘estrutural’, de ganhos salariais reais insignificantes e enfraquecimento do poder
sindical. Tais processos se fazem acompanhar por contratos flexíveis, em que predominam o
trabalho em tempo parcial, temporário e/ou subcontratado bem como a informalização.
Segundo Dal Rosso (2008), tais transformações apontam não apenas para a
flexibilização, mas para uma intensificação do trabalho. Para o autor, intensificar implica
extrair mais resultados – qualitativos ou quantitativos - a partir do maior gasto de energia do
trabalhador. No atual curso do capitalismo, este de tipo flexível e de organização toyotista172,
afirma Dal Rosso (2008), estar-se-ia atravessando um período de intensificação, acompanhada
e acirrada pela Revolução Tecnológica, que “[...] varre e transforma o trabalho
contemporâneo com mil exigências de velocidade, agilidade, ritmo, polivalência,
versatilidade, flexibilidade, acúmulo de tarefas e busca incessante de mais resultados” (DAL
ROSSO, 2008, p. 43). Desta forma, o trabalhador estaria submetido, em tal forma de
organizar a produção, a um trabalho mais exaustivo, gerador de maior fadiga, entendida não
apenas em seu plano físico, mas também intelectual e emocional173.
Outras importantes mudanças seguem simultaneamente, de acordo com Harvey
(2004), como mudanças na organização industrial, com a presença crescente de uma
economia “subterrânea”, em que predominam pequenos negócios ordenados pela retomada de
formas mais antigas de trabalho, como o trabalho doméstico, artesanal, familiar e paternalista,
172 Em seu trabalho, Dal Rosso afirma que o toyotismo é um sistema de produção em que estão reunidas as “tendências contemporâneas de transformação do processo de trabalho” (2008, p. 63). Caracterizando o fordismo como sistema em que predomina o desperdício, o sistema toyotista busca eliminar tudo aquilo que possa significar desperdício, ou seja, redução dos efetivos ao mínimo possível, requisitando a polivalência dos empregados, a produção just in time, em que se produz de acordo com uma demanda prévia, quantitativamente precisa, o que permite alcançar estoques zero. Mas também aponta para uma intensificação flutuante do trabalho quando uma encomenda se apresenta, exigindo que o trabalhador trabalhe horas extras para cumprir os apertados prazos de produção. Outro traço do toyotismo é a operação simultânea de várias máquinas por um único funcionário, necessariamente polivalente, com consideráveis ganhos de produtividade e a eliminação de tempos “mortos” de trabalho. Soma-se a isso a utilização do método Kanban - importante controle da intensidade do trabalho – que permite a circulação veloz de informações entre as instâncias de supervisão e controle do trabalho, que enviam dados acerca necessários para o trabalho, e os operários, que enviam informações sobre o andamento da produção, permitindo a solução ultra-rápida de qualquer problema que possa vir a acontecer. Adota-se aqui a perspectiva de que a transferência do toyotismo para os países ocidentais se fez a partir de um processo de adaptação às características de cada país. Afirma Antunes (2000, p. 57): “O processo de ocidentalização do toyotismo mescla, portanto, elementos presentes no Japão com práticas existentes nos novos países receptores, decorrendo daí um processo diferenciado, particularizado e mesmo singularizado de adaptação deste receituário”. 173 Não se trata, com isso, de afirmar que a intensificação do trabalho seja uma característica apenas do atual momento do capitalismo, mas de que o momento contemporâneo demarca “A mais recente onda de intensificação do trabalho de âmbito internacional [...]” (DAL ROSSO, 2008, p. 19).
165
aumentando, em muito, a presença de formas de produção altamente exploratórias desde os
anos 1970 e 1980. Simultaneamente, e articuladamente a esta tendência, cresce o poder das
grandes corporações. Estas economias “negras”, “informais” ou “subterrâneas” (HARVEY,
2004, p. 145) alimentam-se, como é o caso, em muitas grandes cidades, da mão de obra dos
imigrantes ou outras populações “excluídas”, em condições desumanas, na maior parte dos
casos degradantes, muitas vezes submetidas a controles violentos, de tipo paternalista ou
patriarcal, em formas de trabalho, em geral, precárias, atuando por subcontratação, tempo
parcial, sem contrato de trabalho e, portanto, sem qualquer tipo de amparo legal. Estas formas
antigas de controlar o trabalho e o emprego fazem parte do sistema central de produção, junto
às novas formas de organização industrial de tipo flexível, e permitem a ampliação do
atendimento das necessidades do mercado, que podem, inclusive, mudar aceleradamente.
Segundo Fontes (2005), ao examinar-se as condições de extração de mais-valia na atualidade,
verifica-se que, sob o predomínio da mais-valia relativa, aconteceria uma atualização de
formas arcaicas de trabalho como condição da ampliação da subsunção real do trabalho ao
capital, como é o caso, por exemplo, do trabalho domiciliar, da produção por peças. Todavia,
tal processo de fragmentação e dispersão da produção em pequena escala e certa organização
dos mercados em segmento específicos não significou, de forma alguma, um enfraquecimento
das grandes corporações. Pelo contrário, com a desregulamentação dos mercados, amplia-se a
tendência à monopolização do mercado, com o correspondente aumento do poder corporativo,
especialmente através das fusões. Harvey (2004) nos fornece alguns números esclarecedores:
em 1988, por exemplo, nos Estados Unidos, as fusões significaram transações de 198 bilhões
de dólares apenas nos três primeiros trimestres do ano174. Para nos atualizar neste tipo de
operação, pode-se citar a recém anunciada fusão, conduzido pelas empresas financeiras Itaúsa
e Unibanco Holdings, entre o Banco Itaú e o Unibanco, negócio que deu origem ao maior
banco do país, também ao maior grupo financeiro do Hemisfério Sul, com um total de ativos
combinado de mais de R$ 575 bilhões.
Novos sistemas de coordenação foram implantados, quer por meio de uma complexa variedade de arranjos, de subcontratação (que ligam pequenas firmas a operações de larga escala, com frequência multinacionais), através da formação de novos conjuntos produtivos em que as economias de aglomeração assumem crescente importância, quer por intermédio do domínio e da integração de pequenos negócios sob a égide de poderosas organizações financeiras ou de marketing (a Benetton, por exemplo, não produz nada diretamente, sendo apenas uma potente máquina de marketing que transmite ordens para um amplo conjunto de produtores independentes) (HARVEY, 2004, p. 150).
174 Um interessante documentário, lançado em 2003, mostra a lógica que preside às corporações. Intitulado “The Corporation”, o filme de Mark Achbar, Jennifer Abbot & Joel Bakan descreve o processo de construção histórica das corporações bem como sua face nos dias de hoje.
166
Ao mesmo tempo, tais reformas da produção se fizeram acompanhar de uma
aceleração nos ciclos de consumo, potencializada por artes e artifícios capazes de incrementar
a “indústria do desejo”. Esta expressão é aqui utilizada para designar o processo de indução
de necessidades e a mobilização da subjetividade dos indivíduos para os produtos e aparências
do capital. Para tal, é necessário modificar os padrões estéticos e culturais de modo a produzir
o elogio do efêmero, do veloz e da mercadoria175. Fontes (2005) chama a atenção para a
obsolescência programada dos utensílios para troca por outros do mesmo tipo, com ligeiras
modificações, muitas vezes apenas na aparência.
Essas mudanças reunidas trazem também o crescimento do setor de serviços desde a
década de 1970 (HARVEY, 2004), em especial nas áreas da “[...] assistência, nas finanças,
nos seguros e no setor de imóveis, bem como em outros segmentos como saúde e educação”
(HARVEY, 2004, p. 149). Antunes (2000) também afirma tal crescimento do número de
trabalhadores empregados no setor de serviços, partindo daí para uma reflexão acerca da
(re)definição da classe trabalhadora diante das novas configurações históricas do mundo do
trabalho. Tal crescimento também se conecta aos processos de privatização conduzidos pelas
políticas neoliberais que se concentram especialmente no setor dos serviços como espaços de
acumulação de capital, como se verá adiante.
As formas de organização da classe trabalhadora, como os sindicatos, por exemplo,
também são duramente afetadas pela reestruturação produtiva, uma vez que dependiam da
organização fabril (reunião de trabalhadores em grandes plantas), como no caso fordista, para
que se viabilizarem. Também para Antunes (2000), e para Fontes (2005), uma vez não
laborando mais juntos, os trabalhadores deixam de se reconhecer como iguais (pertencentes à
mesma classe). Do mesmo modo, concorre para a desmobilização o fato do controle exercido
sobre os trabalhadores ocorrer em condições mais opacas, especialmente quando se expressa
pelo viés tecnológico – porém, de modo algum ausente – obstaculariza a visão da classe
antagônica, fundamental para o reconhecimento da luta de classes que anima o capitalismo
(OLIVEIRA, 1987). Além disso, não é desprezível que, neste panorama, a competição entre
os trabalhadores se desenhe como forma de interação entre eles, inviabilizando a percepção
dos companheiros como tais (FONTES, 2005).
Estas transformações se fazem sob o predomínio do capital financeiro, sob sua lógica
da rentabilidade imediata e especulativa. Chesnais (1998), um grande teórico do tema,
assinala que a esfera financeira representa a ponta mais avançada do processo de
175 Ver: JAMESON, F. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. 2° edição, 3° reimpressão. São Paulo: Ática, 2002, 431p. Neste livro, o autor realiza uma análise importantíssima das formas culturais do capitalismo tardio.
167
mundialização do capital, sendo nela que se encontram os montantes mais elevados, maior
mobilidade e maior iniciativa do capital em relação ao Estado. Tal mercado procede pela
criação de instrumentos completamente novos, em termos de história econômica, e
provocaram a desregulamentação do sistema financeiro erigido a partir dos anos 1930, com o
auxílio precioso das políticas neoliberais implementadas desde o fim dos anos 1970, como já
visto acima e será ainda analisado no próximo tópico. Entretanto, é fundamental perceber
como estas transformações no setor produtivo se articulam com a acumulação com
predominância financeira. Essas formas, como afirma Paulani (2008), estão todas
relacionadas à repartição do risco da produção capitalista com a força de trabalho. Além
disso, a inspiração toyotista, analisada por Antunes (2000) e Alves (2005), conseguiria
“aproveitar” melhor as habilidades do trabalhador, e o faz economizando na gerência,
transformando uns em vigias dos outros e, assim, interferindo em sua atuação e organização
de classe. Aliás, um dos componentes mais fundamentais desse regime de acumulação com
predominância financeira é a reconfiguração das relações entre capital e trabalho, ponto ao
qual se voltará mais adiante.
Outros sintomas da crise do modelo fordista-keynesiano são apresentados por
Antunes (2000). A queda da taxa de lucro relacionada, dentre outras coisas, ao aumento do
preço da força de trabalho e pelas lutas ocorridas nos anos 1960 visando ao controle social da
produção176; o esgotamento do regime de acumulação fordista, incapaz de responder à
retração do consumo causada pelos primeiros sinais de desemprego estrutural; hipertrofia da
esfera financeira, que se autonomizava perante o capital produtivo; maior concentração de
capitais devido às fusões entre empresas monopolistas ou oligopolistas, a expressiva
progressão das privatizações, das desregulamentações/flexibilizações do processo produtivo,
em especial da força produtiva e dos mercados.
Quando se demarca que, a partir dos anos 1970, teria surgido, nos marcos do
capitalismo, um novo regime de acumulação denominado por Harvey (2004) de regime de
acumulação flexível junto a uma nova formatação do Estado, de sua organização e de sua
atuação – o neoliberalismo -, é preciso, contudo, explicar por que e o que se está chamando de
flexível e qual é a especificidade histórica de tal conjuntura. Em um livro lançado no início
dos anos 1980177, Harvey chama a atenção para o fato de que o capitalismo tem a
flexibilidade, entendida como capacidade de mudança, de transformação – especialmente no
que diz respeito à relação com a força de trabalho – como característica constitutiva. Essa
176 Para uma análise mais profunda ver Antunes, 2000. 177 A edição com a qual aqui se trabalha é de 1990.
168
afirmação não é sem importância ou periférica. Pelo contrário, mostra que as configurações
do processo de trabalho, bem como as condições da classe trabalhadora, podem variar
imensamente no modo de produção capitalista, desde que (e para que) se mantenham nos
marcos do antagonismo de classes.
Cabe também lembrar que a acumulação flexível é uma expressão que remete
imediatamente a uma reação ao fordismo, marcado por certa rigidez no que tange às relações
entre capital e trabalho, com a intermediação, também rígida, de um Estado de tipo
keynesiano. Mas, de fato, o termo flexível traz consigo a potencialidade de alguns equívocos
que se precisa afastar. Flexível não quer dizer, na análise de Harvey (2004), que as relações
entre capital e trabalho se tornaram mais livres ou mais abertas à negociação, ou que a força
de trabalho vive em um regime de maior autonomia frente ao capital. Aliás, não é à toa que
esta é a imagem projetada pelos gurus do mercado: a de que finalmente o processo de trabalho
ficou mais livre, mais flexível, lúdico e dinâmico, mais criativo, especialmente com a
introdução acelerada das novas tecnologias. Ao contrário, o que Harvey (2004) descreve é um
mundo em que a classe trabalhadora não apenas continua submetida aos mais rigorosos
controles diretos e indiretos da classe capitalista, mas também no qual sofre um imenso
retrocesso em suas conquistas históricas como classe, especialmente no campo dos direitos
sociais e do trabalho. Portanto, um mundo em que a adaptabilidade da força de trabalho,
inerente ao capitalismo como tal, é alçada a outro patamar, sob outras exigências para
responder a uma nova conjuntura produtiva, com suas configurações que emergem como
tentativa de fazer frente à emergência conjunta de uma longa onda recessiva com o
esgotamento do modelo fordista desde meados da década de 1970.
Harvey (2004), definindo, de modo geral, a acumulação flexível, afirma:
Ela (a acumulação flexível) se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento do emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados). Ela também envolve um novo movimento que chamarei de “compressão espaço-tempo” (...) no mundo capitalista – os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda no custo de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado (HARVEY, 2004, p. 140).
Nesta síntese mais ampla, Harvey deixa clara a complexidade do processo de
transformação no capitalismo, expressando o que, no que diz respeito à tese ora apresentada, é
fundamental: as alterações que atingem, em cheio, o mercado e os processos de trabalho,
169
envolvendo de modo intenso o emprego no chamado setor de serviços. Além disso, aponta
para o reforço do desenvolvimento desigual que resulta, no caso brasileiro, em
aprofundamento do padrão de dependência, ainda que de outra forma, com outra aparência. A
flexibilidade e a mobilidade do capital engendraram um importante reforço do poder de
controle do trabalho, realizado, de qualquer forma, sobre uma força de trabalho já
enfraquecida em sua organização, desde meados dos anos 1970 pela estagnação econômica
nos países avançados, pela flexibilização, pelo desemprego “estrutural” e pelo recuo do poder
sindical. Tais condições desencadearam imensas modificações no mercado de trabalho.
Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis (...) Mesmo para empregados regulares, sistemas como “nove dias corridos” ou jornadas de trabalho que têm em média quarenta horas semanais ao longo do ano, mas obrigam o empregado a trabalhar bem mais em períodos de pico de demanda, compensando com menos horas em períodos de redução da demanda, vêm se tornando muito mais comuns. Mais importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado178 (HARVEY, 2004, p. 143).
Com um núcleo central – muito pequeno – de trabalhadores adaptáveis, flexíveis e
geograficamente móveis, e que, assim, mantém uma grande segurança e ganhos elevados
(seguros e pensões incluídos), a tendência principal é o emprego cada vez maior de uma força
de trabalho cada vez mais rapidamente substituível. Os excluídos dos segmentos de mercado
organizados monopolisticamente – negros, mulheres, minorias étnicas - continuam destes
excluídos, segundo Harvey (2004), com a companhia de alguns elementos oriundos de grupos
tradicionalmente privilegiados. As mudanças no mercado de trabalho desembocaram em
importantes transformações – igualmente profundas - da organização industrial, conforme
visto no primeiro capítulo, fazendo ressurgir formas de trabalho mais antigas de trabalho no
coração do mundo capitalista, como o trabalho doméstico, artesanal, familiar, etc. Uma das
consequências do aumento deste tipo de organização do trabalho é, justamente, uma maior
dificuldade de organização sindical e classista, na medida em que a força de trabalho
encontra-se espraiada em pequenas plantas, recoberta por relações que beiram o terreno da
pessoalidade, como é o caso de empresas familiares. Uma das marcas do trabalho sob o
regime flexível é o rápido aumento do “emprego” no setor de serviços, em especial na área da
saúde e educação. Tanto Antunes (2000) quanto Harvey (2004) parecem concordar sobre este
178 Benyon denomina estas formas de trabalho de trabalho-hifenizado (na língua inglesa, a denominação destas modalidades se faz com o uso de hífen). Cf. BENYON, H. “As práticas do trabalho em mutação”. In: ANTUNES, R. (org.). Neoliberalismo, trabalho e sindicatos. Reestruturação produtiva na Inglaterra e no Brasil. 2ª. edição. São Paulo: Boitempo editorial, 2000ª, 131p.
170
ponto: os “serviços” vêm congregando cada vez mais trabalhadores e se fortalecendo como
um importante setor das burguesias internacional e nacional, como afirma Boito (2007).
Para Fontes (2005), trata-se de um processo em que, sob o predomínio da subsunção real
do trabalho ao capital, retoma uma série de formas e mecanismos característicos da extração
de mais-valia absoluta: trabalho a domicílio, trabalho por encomendas, por exemplo. A maior
expropriação, segundo a autora, seria a do vínculo empregatício, vital no período anterior da
acumulação capitalista179. Uma das importantes questões a se colocar a partir daí é: se o que
caracteriza fortemente a relação capital/força de trabalho nos países de capitalismo
dependente é a superexploração da força de trabalho, qual seria o efeito das modificações nos
processos e mercados de trabalho nestes mesmos países? Se é verdadeiro que, no seio dos
países desenvolvidos ou hegemônicos, a classe trabalhadora foi atingida duramente, teve suas
formas de organização solapadas por mecanismos econômicos e políticos que, atuando sobre
mercados e legislações, fizeram retroceder conquistas históricas dos trabalhadores em termos
de direitos, no caso dos países de capitalismo dependente, o efeito é ainda mais avassalador.
No caso brasileiro, realizando uma análise mais econômica, Pochmann (2007) mostra que, por
exemplo, a partir da década de 1980, o mercado de trabalho brasileiro se desestrutura
velozmente. Aumenta o desemprego aberto, acompanhado por uma muito pouco significativa
geração de postos de emprego, em sua maioria, na “onda” da precariedade180 e importante
dessalariamento, ou seja, o emprego assalariado diminuiu no que diz respeito ao total de
ocupados, chegando a apenas 58% da população em 2000.
De acordo com Pochmann (2007), modifica-se também a natureza do trabalho
assalariado, aumentando a presença do emprego sem carteira assinada, o que significa que
estes sujeitos deixam de ter acesso a um já precário mundo dos direitos sociais e trabalhistas
vinculados à luta dos trabalhadores181. Isso acontece como resultado de “(...) um novo modelo
179 Segundo Fontes (2005), embora um número cada vez maior de indivíduos pertencentes a classe trabalhadora não mais estejam submetidos à relações contratuais diretas com o capital, contribuem para sua acumulação, devendo, portanto, “... exercer sua atividade no ritmo e na intensidade socialmente requeridos” (Fontes, 2005, p. 95). Antunes (2006) também afirma que crescem as relações de trabalho desregulamentadas, sem a “proteção” das leis trabalhistas pela falta e vinculação contratual. Ver FONTES, Virgínia Maria. Reflexões im-pertinentes: História e capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005, 328p. 180 O desemprego, Segundo Pochmann (2007, p. 113), mais do que quintuplicou em duas décadas. A precariedade, em 2000, ultrapassou 40% do total da ocupação nacional. E ainda é importante lembrar que isso acontece em um país em que a população segue aumentando, crescendo 1,8% entre 1980 e 2000. 181 Leher vem insistindo na tese de que, à medida que se acirra a investida do capital contra o trabalho, há um deslocamento, certamente não “acidental”, das políticas sociais em termos mundiais – que se pode verificar nos documentos e políticas dos organismos internacionais, bem como nas ações estatais e na angulação das ações dos novos sujeitos políticos, como as ONG’s, - da questão do trabalho para a questão da pobreza e de seu alívio.
171
econômico, com baixa taxa de expansão produtiva, forte vinculação à financeirização da
riqueza182 e à revalorização do setor primário exportador” (POCHMANN, 2007, p. 114).
O mundo do trabalhador é afetado, assim, por uma instabilidade que advém dessas
práticas, adaptadas e aplicadas pelo capitalismo ocidental, conjugadas a uma desmobilização
dos sindicatos bem como de uma desregulamentação dos direitos do trabalhador promovida
por regimes neoliberais. Segundo Léda (2006, p.2), as características do profissional flexível
são: a rapidez em produzir respostas, criatividade, capacidade para trabalhar em grupo,
resistência a pressões, etc. Aliás, segundo Fontes (2005), a expropriação subjetiva acentuada é
uma das facetas mais notáveis da situação do trabalhador sob a acumulação flexível, que
reforça o isolamento do trabalhador em relação à vida social que doa sentido à sua atividade.
Mancebo (2007b), ao investigar o trabalho docente no ensino superior na contemporaneidade,
também demonstra a importância da captura da subjetividade para o processo de reprodução
capitalista.
Essa reflexão desenvolvida sobre o trabalho material pode ser apropriada para se pensar
o trabalho no setor de serviços, caso da IES e, especificamente, da IES ora em análise, uma
vez que “o assalariamento dos trabalhadores no setor de serviços aproxima-se cada vez mais
da lógica e da racionalidade do mundo produtivo, gerando uma interpenetração recíproca
entre eles, entre trabalho produtivo e improdutivo” (LOJNIKE apud ANTUNES, 2000,
p.111-112). Assim, as análises referentes à precarização do trabalho produtivo podem, e a
nosso ver, devem ser estendidas ao ensino privado superior no Brasil, bem como devem se
articular com investigações que buscam compreender as novas relações do capital com o
trabalho em um regime de acumulação com predominância financeira. Compreende-se,
enfim, que a reestruturação produtiva - ou regime de acumulação flexível – executa-se em
favor da predominância financeira, modificando profundamente os tipos de nós que atam
trabalho, capital e Estado, como se verá no item a seguir.
2.4 A reforma do Estado: neoliberalismo e os ajustes educacionais
É impossível falar de neoliberalismo sem levar em conta a trajetória intelectual do
economista austríaco Friedrich Hayek (PAULANI, 2007). Ainda nos anos 1930, Hayek
182 Como visto no primeiro capítulo, segundo Paulani (2007), esta tendência de se colocar como plataforma de valorização financeira do capital especulativo se mantém no governo Lula da Silva. E atingirá o setor de ensino superior brasileiro, conforme se verá no capítulo seguinte.
172
realiza uma importante ruptura com a teoria neoclássica e sua visão de indivíduo183. Ainda
nesta mesma época, participa de intenso debate acerca das possibilidades de sucesso de uma
economia planejada em produzir “uma situação de ótimo social” (PAULANI, 2007, p. 69).
Um de seus adversários, o economista Oskar Lange, demonstra que o planejamento é eficaz
em sociedades não organizadas pelo mercado, e o faz utilizando a teoria neoclássica,
produzindo ideias que o liberal Hayek não poderia aceitar.
Além disso, como mostra Paulani, Hayek se encontrará – tão logo se junte, a partir de
1931, ao corpo docente da London School of Economics - em permanente polêmica com John
Maynard Keynes, que havia desenvolvido uma teoria que, no limite, mostrava que o mercado,
por si mesmo, conduzia à barbárie social.
Na contramão do que pensava Hayek, Keynes desenvolveu uma teoria para mostrar justamente que o mercado, deixado a si mesmo, poderia levar ao péssimo social, ou seja, trabalhar abaixo do nível de emprego, produzindo recessão, desemprego e miséria por um período de tempo indefinido, visto que não tinha condições de, por si só, sair desse tipo de armadilha que seu próprio funcionamento montava (PAULANI, 2007, p. 70).
De certa forma, a crise da década de 1930 desempenhou um papel a favor das teses de
Keynes, cujo conjunto de ideias serviu como parâmetro para o modelo de intervenção estatal
então necessário, conhecido como Estado de Bem-Estar Social, presente nos países
capitalistas avançados no pós-guerra184. Este se baseava na intervenção/parceria na economia,
investindo em empresas estatais, subsidiando a iniciativa privada monopolista ou oligopolista
na área comercial, industrial e agrícola e controlando os preços, juros e salários, garantindo
uma política de pleno emprego e garantindo a taxa de lucro. Ao mesmo tempo, este Estado
assume gastos com serviços públicos então entendidos como direitos sociais de interesse da
classe trabalhadora: saúde, educação, habitação, transporte e seguridade social, ou seja, uma
espécie de salário indireto que permitia a ampliação do consumo de massa bem como
garantia a reprodução da força de trabalho. Assim, o capitalismo, no período em questão, será
marcado por regulações extranacionais, rígidas regulamentações econômicas estatais e por
concessões aos trabalhadores, sob a sombra da opção socialista.
183 A teoria neoclássica, delineada no início do século XX pelo economista inglês Alfred Marshall, tem como pressuposto o conceito de Homo economicus (homem econômico racional) e descarta a teoria do valor-trabalho, elegendo em seu lugar, a teoria do valor utilidade. Ver PAULANI, L. “O Projeto Neoliberal para a Sociedade Brasileira: sua dinâmica e seus impasses”. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley; LIMA, Júlio César França Lima (orgs.). Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: editora Fiocruz/EPSJV, 2007, p. 67-107. Da mesma autora, Modernidade e discurso econômico. São Paulo: Boitempo editorial, 2005, 214p. 184 Mais adiante explorar-se-á a especificidade do caso brasileiro. No Brasil, verifica-se apenas um arremedo de Estado de Bem-Estar, dada sua posição subalterna ou dependente, de acordo com a reflexão de Florestan Fernandes acerca do desenvolvimento do capitalismo no país, como parte do desenvolvimento desigual produzido pelo capitalismo em sua fase monopolista.
173
Chauí (2006, 2001), seguindo a reflexão de Francisco de Oliveira, explica que é pela
criação e administração do fundo público, que “[...] caracteriza-se pelo financiamento
simultâneo da acumulação de capital e de reprodução da força de trabalho” (CHAUÍ, 2006, p.
314), que agia o Estado de Bem-Estar como regulador das atividades econômicas em um
arranjo que foi capaz de articular capital, trabalho185 e Estado em um dado momento do
desenvolvimento do capitalismo. É pelas contradições que gera o papel do fundo público
como pressuposto da acumulação de capital e da reprodução da força de trabalho que se
configura a crise fiscal do Estado, uma das razões para o colapso do regime fordista-
keynesiano. Esta contradição se expressa na medida em que o fundo público socializou o
custo da produção, mas a riqueza produzida continuava sendo acumulada privadamente.
Voltar-se-á a este ponto mais adiante.
O Estado, assim, endividou-se – e o Estado brasileiro, bem como outros na América
Latina, viu crescer imensamente sua dívida na sustentação do modelo econômico calcado na
correlação de forças que caracterizou o regime empresarial-militar -, criando um déficit
crescente, a chamada crise fiscal. Esta foi acentuada pela internacionalização monopolista ou
oligopolista de capital, em que as empresas multinacionais não remetem seus lucros para seus
países de origem, ou seja, não realimentam o fundo público por meio de impostos ou taxas.
Além disso, ao financiar, pelo fundo público, a reprodução da força de trabalho, o Estado
torna o capital “livre” da exclusiva responsabilidade como fonte exclusiva dos meios (salário
direto) de garantir a reprodução da força de trabalho. Deste modo, o capital pode
impulsionar-se em direção à inovação tecnológica de uma forma quase infinda, o que afetou
o próprio estatuto do emprego e da produtividade do trabalho.
Tal processo exigirá também uma modificação das formas de atuação estatal. E é a
doutrina186 neoliberal que vai fornecer a orientação para estas mudanças. O discurso
neoliberal será ouvido por apresentar não só um diagnóstico, mas também o remédio, como se
verá mais adiante. A rigor, pode-se dizer que o neoliberalismo é o discurso mais congruente
com a etapa capitalista que então se anunciava, apresentando e justificando práticas mais
adequadas a tal momento. O ideário neoliberal nasceu em 1947, quando o economista
185 É importante ressaltar que o fordismo-keynesianismo, com variações de país e regiões, precisou, de alguma forma, manter a classe trabalhadora, especialmente na figura dos sindicatos, sob controle, apesar de isso não ter significado assujeitamento completo da classe trabalhadora. Daí, por exemplo, a dura repressão aos líderes mais radicais do movimento operário após 1945. Para maiores detalhes, ver HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 13. ed. São Paulo: Loyola, 2004, 349p. Por outro lado, tal como já dito acima, o Estado de Bem-Estar pareceu, realizar um pouco o papel de espaço de negociação e acordo dentro da luta de classes, tal como aponta KONDER, L “Limites e possibilidades de Marx e sua dialética para a leitura crítica da história nesse início de século”. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). Teoria e educação no labirinto do capital. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 98-114. 186 O neoliberalismo não consiste em uma teoria econômica desenvolvida, capaz de provar a superioridade do mercado e da sociedade em que predomina o mercado. Ver Paulani, 2007.
174
Friedrich Hayek reuniu um grupo de pensadores conservadores para uma reunião em Mont
Pèlerin, na Suíça, como uma reação mais imediata ao Estado de Bem-Estar Social posterior a
Segunda Guerra Mundial187. Mas as condições concretas para a implementação dessa política
econômica só se apresentou com a crise de sobreprodução capitalista nos países
desenvolvidos a partir de 1973, um período de recessão, com altas taxas de inflação e pouco
crescimento econômico, a estagflação. Tal situação, de acordo com a doutrina neoliberal, teria
sido causada pelo excessivo poder dos sindicatos bem como pelos gastos sociais do Estado188,
que deveria, portanto, permitir e ratificar a desregulamentação do mercado, principalmente no
que diz respeito ao capital especulativo, além de enfrentar os sindicatos e diminuir os gastos
sociais. A saída começaria pela restauração de uma “taxa natural de desemprego”
(ANDERSON, 1995, p.11), o que eliminaria o poder dos sindicatos.
Com a eleição de Margareth Thatcher na Inglaterra, em 1979, e de Ronald Reagan nos
Estados Unidos, em 1980, esta ideologia torna-se “prática de política econômica”
(PAULANI, 2006, p 72). Helmut Kohl chegou ao poder na Alemanha em 1982, sinalizando
a chegada ao poder da direita em quase todos os países capitalistas avançados europeus. Para
os países menos desenvolvidos, como Chile e Brasil, as regras para a adoção dos princípios
neoliberais foram estipuladas no Consenso de Washington189.
O modelo neoliberal promove a desregulamentação dos mercados bem como a adoção
de políticas anti-sindicais que são um importante sustentáculo para o novo grau de
flexibilidade do capital mundializado. Tais movimentos aliam-se a uma profunda reforma dos
Estados nacionais e os alça a um novo papel: a “intervenção mínima” na área econômica (em
termos de regulação dos movimentos do capital, bem entendido) bem como o pouco
investimento social e, ao mesmo tempo, a atuação na desregulamentação dos mercados,
principalmente no que diz respeito ao capital especulativo, o que representa, para os países
periféricos em condição de profundo endividamento, caso do Brasil, em uma renovação de
sua condição de dependente. O credo neoliberal é: privatizar, desregulamentar e liberalizar.
No Brasil, segundo Oliveira (1995), a dilapidação do Estado, durante a ditadura militar,
junto com um Estado de Bem-Estar falho e desestruturado e as exigências da grande
187 É considerado seu primeiro texto “O caminho da servidão”, de Frederich Hayek, publicado em 1947. 188 O mesmo teria acontecido com a educação em toda a América Latina: A educação não seria eficiente e produtiva (grifo nosso) porque, principalmente, o Estado não seria um gestor competente para as políticas sociais. A solução: “(...) transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado, negando sua condição de direito social e transformando-a em uma possibilidade de consumo individual, variável segundo o método e a capacidade dos consumidores.” (GENTILI, 1998, p. 19, grifos do autor). 189 O Consenso de Washington é a denominação dada a um conjunto de doutrinas, propostas e discursos que postulam um programa de ajuste e estabilização econômica nos moldes neoliberais promovido pelos organismos internacionais, em especial o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
175
burguesia foram os vetores que criaram as condições para a implantação do neoliberalismo,
acompanhando os primeiros efeitos da reestruturação produtiva dos países centrais
(ANTUNES, 2006). Segundo Sader (2009), há, entre as ditaduras militares na América
Latina e a implantação dos modelos neoliberais, uma estreita vinculação, cujo resultado é
uma significativa regressão da correlação de forças na luta de classes, em detrimento dos
trabalhadores.
Sem quebrar a capacidade de defesa dos interesses do movimento popular, de forma repressiva, seria impensável a promoção dos profundos e concentrados processos de privatização – com a transferência brutal de renda e de patrimônio público correspondente – como no Chile190, no Uruguai e na Argentina, para citar exemplos mais radicais (SADER, 2009, p. 50).
Francisco de Oliveira (2006a), buscando penetrar profundamente na construção da
economia e da vida social brasileira ao final do século XX e início do século XXI, comparou-
as a um “Ornitorrinco”. Nessa caracterização, parte da análise que já havia realizado em 1972
– Crítica à razão dualista - e que é essencial para compreendermos melhor os vínculos
citados acima, o primeiro ponto a ser trabalhado é a percepção do autor acerca da natureza
estruturante da articulação das formas econômicas subdesenvolvidas e a política. Esse
fenômeno pode ser percebido pela forma como o moderno – a industrialização -, nos anos
1930, foi sustentado pelo atrasado (subsistência) e articulado a partir de Vargas e de suas
bases partidárias (Partido Trabalhista Brasileiro – PTB e Partido Social-Democrático). Esse
elemento é central no trabalho aqui apresentado: a percepção de como é a política a
articulação necessária das formas subdesenvolvidas e dependentes da acumulação capitalista.
Desta forma, Oliveira avança na percepção de que não há um atraso que atrapalha o
avanço, ou seja, não existem “dois Brasis”, um atrasado e arcaico que obstaculariza a
modernização, mas um Brasil em que esse arcaico é o sustentáculo disso que avança e se
moderniza. Assim, lerá o papel da agricultura de subsistência na acumulação interna de
capital, por exemplo: “Apontei, então, que as culturas de subsistência tanto ajudavam a baixar
o custo de reprodução da força de trabalho nas cidades, o que facilitava a acumulação de
capital industrial, quanto produziam um excedente não-reinvertível em si mesmo, que se
escoava para financiar a acumulação urbana” (OLIVEIRA, 2006a, p. 129). Foi dessas ideias
que nasce a noção de que a força de trabalho na cidade, ocupada informalmente, era um dos
dispositivos de rebaixamento do custo de reprodução da força de trabalho, o que se faria
pelos mutirões e pela autoconstrução das residências. Completa Oliveira (2006a, p. 131,
grifos nossos): “Ao rejeitar o dualismo cepalino, acentuava-se que o específico da revolução
190 Importante lembrar que o Chile representa a experiência pioneira de ajuste de tipo neoliberal ainda sob a ditadura de Pinochet.
176
produtiva sem revolução burguesa era o caráter ‘produtivo’ do atraso como condômino da
expansão capitalista. O subdesenvolvimento viria a ser, portanto, a forma de exceção
permanente do sistema capitalista na sua periferia”.
Mostra Oliveira que, se teria sido possível, contudo, “resolver a singularidade do
subdesenvolvimento queimando etapas”, com a absorção de meios técnicos modernos, como,
por exemplo, com Vargas e JK, faltou, todavia, um componente fundamental: um projeto
emancipador a ser compartilhado pela burguesia brasileira. Esta, pelo contrário, já
“pressionada” pela internacionalização da indústria, especialmente nos ramos mais novos,
teria preferido acossar as classes subalternas e se associado ao capital internacional, como já
visto no primeiro capítulo, resultando, este movimento, no golpe de 1964.
A longa ditadura militar de 1964 a 1984 prosseguiu, agora nitidamente, com a ‘via prussiana’: fortíssima repressão política, mão-de-ferro sobre os sindicatos, coerção estatal no mais alto grau, aumentando a presença de empresas estatais numa proporção com que nenhum nacionalista do período anterior havia sonhado, abertura ao capital estrangeiro, industrialização a ‘marcha forçada’ – a expressão é de Antonio Barros de Castro -, e nenhum esforço para liquidar com o patrimonialismo nem resolver o agudo problema do financiamento interno da expansão do capital, que já se havia mostrado o calcanhar-de-aquiles da anterior configuração de forças. O endividamento externo apareceu então como a ‘solução’, expor esse lado abriu as portas à financeirização da economia e das contas do Estado brasileiro, que ficou patente no último governo militar da ditadura, sob o mesmo czar das finanças que havia imperado no período do ‘milagre’ brasileiro, que, talvez por ter Antonio no nome, fosse considerado milagreiro. Revelou-se um enorme farsante (OLIVEIRA, 2006a, p. 132).
A partir da citação acima, pode-se compreender um pouco o eixo que se busca delinear
e que, por vezes, é obliterado pela atenção às novidades dos anos 1990: a vinculação entre a
financeirização da economia brasileira e a ditadura militar – ou seja, certa continuidade e
aprofundamento -, pela presença do financiamento pelo endividamento externo, mas,
também, como essa lógica funda, em primeiro lugar, certo padrão, a nosso ver, estrutural já,
de financiamento do capital pelo Estado, padrão este que persiste e se aprofunda sob o
neoliberalismo e que custa ao povo brasileiro a servidão financeira em suas consequências
mais nefastas. Em segundo lugar, vê-se que este padrão de financiamento será largamente
utilizado, desde a década de 1970, para impulsionar a expansão do setor privado da educação
superior que, mais tarde, também se financeirizará, porém, jamais abrindo mão do fundo
público como pressuposto da acumulação de capital.
A ligação entre a reflexão de Oliveira em O Ornitorrinco e algumas de suas análises
sobre os anos 1970 e o período militar reside – em uma visão particular da autora dessa tese –
no progressivo processo de construção de certo papel para o fundo público e em profundas
modificações em sua destinação, como ocorre nos anos 1990 no Brasil. Embora não com essa
expressão específica, já se viu no primeiro capítulo, quando se examinou a ampliação do
177
financiamento indireto do capital estrangeiro ou brasileiro-associado, Oliveira e Mazzucheli
(1977) já haviam exposto este mecanismo na tentativa de caracterizar a economia brasileira
sob a ditadura, como foi dito no capítulo anterior. Aqui, faz-se necessário aprofundar a
discussão acerca do fundo público, buscando ligá-la ao que já foi dito.
Em Os direitos do antivalor: a economia política da dependência imperfeita, Oliveira
(1998) assinala que, das políticas originalmente anticíclicas de fundo keynesiano, teria
derivado um Welfare State como “padrão de financiamento da economia capitalista”
(OLIVEIRA, 1998, p. 19). Ou, de modo mais detalhado:
Este [padrão de financiamento da economia capitalista] pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais (OLIVEIRA,
1998, p. 19-20). Entretanto, o que diferencia as formas do fundo público, a partir de meados do século
XX, dos subsídios e auxílios públicos que estiveram presentes na história do capitalismo são
duas características: a primeira é que o financiamento público atingiu maior abrangência,
estabilidade e, a seu redor, constituiu-se um conjunto de regras consensuadas entre grupos
sociais e políticos. Mas, mais do que isso, é o fato de ser um pressuposto da acumulação de
cada capital particular191 e da reprodução da força de trabalho que se tornaria o grande
diferencial entre esse momento e os outros.
Essa pressuposição do fundo público para a reprodução da força de trabalho tem sido
restringida e contida para permitir o alargamento de sua utilização como pressuposto da
valorização do capital apenas. Para tanto, fez-se necessário uma remodelação das instituições
republicanas, bem como modificações nas políticas econômicas de modo a introduzir as
condições institucionais, políticas e econômicas para tal tipo de direcionamento do fundo,
dissolvendo as arenas e a capacidade institucionalizada do outro do capital – trabalho - de
expressar e resistir aos avanços do capital e de proteger seus direitos e conquistas. É este o
sentido com que se articulam as propostas neoliberais, sua adoção como política e o
receituário das Reforma do Estado expresso pelos organismos internacionais e, no Brasil, em
prática desde o fim da década de 1980.
A hiperinflação resultante do governo Sarney foi o ponto final na preparação de um
estado de desespero popular que abriria as portas ao projeto neoliberal, com a virulência
191 Essa referência se fará fundamental na análise ora empreendida: embora, muitas vezes, perante orçamento como o da União, o montante do fundo público destinado às empresas educacionais como financiamento indireto, sob a via da isenção fiscal e/ou previdenciária, pareça “insignificante”, para cada capitalista particular esse montante pode ser extremamente significativo, representando uma economia de despesas que diminui a receita bruta utilizada para cobrir gastos, tal como demonstrado no primeiro capítulo com as análises de Carvalho (2002) no que diz respeito as instituições hipotéticas por ela analisadas e cuja diferença na utilização da receita bruta nas despesas é gritante.
178
particular com que atinge os países mais pobres. Ganha força o discurso neoliberal no país
desde a eleição e o tumultuado governo de Fernando Collor de Mello, em 1989. Articulando-
se, como afirma Leher (2004a), a uma identificação da sociedade civil (privado) como pólo
positivo e o Estado como pólo negativo (autoritário, corrupto, economicamente “pesado”), o
discurso neoliberal garante a eleição do rei da Casa da Dinda, seguida pelo sequestro de
ativos, proximidade da hiperinflação, escândalos e, finalmente, impeachment presidencial.
Durante o governo Itamar Franco, ocorrem as primeiras mudanças importantes para a entrada
do Brasil no circuito financeiro mundial. Não apenas se internacionaliza o mercado brasileiro
de títulos públicos, como se securitiza a dívida externa, mas, como afirma Paulani (2007, p.
90), “em surdina”, se procede à desregulamentação do mercado financeiro brasileiro e à
abertura do fluxo internacional de capitais. A palavra-chave na implantação do modelo
neoliberal sob hegemonia norte-americana é desregulação, processo que produziu, como
resultado, a migração do capital do setor produtivo para o financeiro, por meio da compra de
“papéis das dívidas dos Estados e da circulação nas bolsas de valores” (SADER, 2009, p. 59).
Simultaneamente, a capacidade de regulação dos Estados e um gigantesco corte de gastos
públicos – um dos vetores que engendrou a consequente privatização/mercantilização dos
serviços públicos, dentre os quais a educação, em todos os níveis – foram frutos de ajustes
impostos pelo FMI a partir do endividamento geral que deságua na crise de 1982.
A crise estrutural do capitalismo obrigou os países centrais a promover “ajustes” que repercutiram de forma dramática nas periferias. Um dos mais graves, sem dúvida, foi a elevação sistemática da taxa de juros da dívida. Como a quase-totalidade dos empréstimos foi tomada, como indicado, tendo como referência os juros do mercado, o crescimento da dívida foi exponencial, acelerando a crise de países como Argentina, Brasil e México, que, em 1982, declararam-se sem condições de manter os contratos da dívida. Toda uma série de medidas foi tomada por Wall Street para evitar a ruína desses países. Contando com os organismos de Bretton Woods, uma profunda reconfiguração no panorama do Estado foi empreendida, em benefício dos emprestadores e à custa dos direitos sociais e da justiça social dos povos da América Latina (LEHER, 2005, p. 231).
Além disso, é no governo Itamar que surge o Plano Real, que, como mostra Paulani
(2007), mais do que promover a estabilização e combater a inflação, permitiu a concreção do
Brasil como plataforma financeira internacional – a inflação sob controle é atrativa para
capitais externos de curto prazo - e abriu espaço para mudanças que se realizariam no
governo seguinte.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, aliás, “capitalizando” o
“sucesso” da estabilidade econômica como pai do Plano Real192 e com um discurso de
192 Hohlfeldt (2002) afirma houve uma tentativa, por parte dos responsáveis pela campanha de Fernando Henrique Cardoso, de produzir um efeito de enciclopédia ao se vincular o candidato à nova moeda e seu sucesso como determinante no controle da inflação em um processo que, a médio prazo,, minou o discurso da oposição e tematizou a agenda da mídia. Ver
179
“modernização” do país e de suas instituições, um intenso programa de privatizações foi
colocado em andamento, ao mesmo tempo em que se prepara o país para que possa assumir
seu papel como economia financeiramente emergente193. Empresas como a Vale do Rio Doce
e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foram vendidas para garantir o afluxo do capital
financeiro e a credibilidade no mercado. Além disso, fundou-se uma lógica de emergência
econômica, afirma Paulani (2007), em que qualquer ação – abertura da economia,
privatizações, sobrevalorização da moeda brasileira, elevação até então inédita da taxa real de
juros – se justifica pela necessidade de manutenção da estabilidade monetária. Durante o
governo FHC, como mostra Paulani (2007), também se efetivou outra importante mudança
institucional para a consolidação do Brasil como emergente plataforma de valorização
financeira: a edição, em maio de 2000, da Lei Complementar n° 101 (Lei de
Responsabilidade Fiscal – LFR)194, que, no limite, serve para defender os interesses de
detentores de ativos financeiros emitidos pelo Estado, ao estabelecer uma hierarquia de
obrigações nos gastos públicos que coloca em primeiro lugar os credores financeiros e
estimula cortes nas políticas sociais. As ações do governo FHC não se esgotam aí: uma série
de medidas legais beneficia os credores do Estado e do capital em geral: isenção de CPMF
para recursos aplicados em bolsas de valores, isenção de “[...] Imposto de Renda para a
distribuição de lucros de empresas a seus sócios brasileiros ou estrangeiros e a remessa de
lucros ao exterior” (PAULANI, 2007, p. 92). Além disso, engajou-se em uma importante
transformação do regime previdenciário, embora não tenha conseguido implementar todas as
medidas requeridas195.
Sader (2009, p. 59) reforça ainda a ideia de que, na era neoliberal, se instalou um novo
bloco no poder, dirigido pelo capital financeiro, aliado aos grandes grupos exportadores, e
com um novo protagonismo do agronegócio, em especial, da soja, cuja fragilidade estaria na
sua incapacidade de arregimentar bases de apoio de caráter popular, embora tenha
incorporado setores da classe média alta na economia globalizada, “[...] provocando grande
fratura nas camadas médias, cujos setores tradicionais tendiam a proletarização” (SADER,
2009, p. 59).
HOHLFELDT, A. Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação. In: HOHLFELDT, A.; MARTINO, L.C.; FRANÇA, V.V. Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. 2ª. Edição. Petrópolis, Vozes, 2002, p. 187-240. 193 Como afirma Paulani (2006), para que o país pudesse se apresentar como financeiramente emergente, enfrentou-se uma série de obstáculos desde o Collor, passando por Itamar, FHC e mesmo Lula. Neste ínterim, ajustou-se a questão da inflação, a situação cambial, o controle dos gastos do Estado bem como seu tamanho e grau de intervenção, a legislação relativa à atividade empresarial, a responsabilidade dos governantes com os compromissos financeiros e o caso da Previdência. Para uma explanação mais completa, ver Paulani, 2006. 194 Essa lei foi negociada por FHC com o FMI durante a crise que conduziu à desvalorização do real em 1999 (PAULANI, 2007). 195 Para maiores detalhes, ver Paulani (2007).
180
Assim, o modelo neoliberal foi saudado como “salvação da pátria”:
O novo modelo teve um início fulgurante: contou com o apoio internacional e o respaldo praticamente unânime da grande mídia privada; foi saudado como grande instrumento de estabilidade financeira, saneamento das finanças públicas e promoção de um novo ciclo de modernização e expansão da economia. O controle inflacionário foi feito à custa do aumento exponencial da dívida pública e das altas taxas de juros, tendo como pano de fundo a substituição do objetivo do desenvolvimento econômico pelo de estabilidade financeira, em um continente que arrastava grandes problemas econômicos e sociais não resolvidos (SADER, 2009, p. 59).
Todavia, ao longo da década de 1990, sucessivas crises expunham a fragilidade deste
modelo, caso do México (1994), Brasil (1999) e Argentina (2001 e 2002). Deste modo,
revelava-se que este modelo de economia desregulamentada (aberta), centrado no capital
especulativo, falha antes de produzir o resultado prometido: crescimento econômico,
modernização e generalização das oportunidades de consumo, na medida em que o mercado
não se comprova como o melhor juiz da aplicação de recursos. O que se seguiu foi a maciça
fuga de recursos da esfera produtiva para a da especulação financeira. De acordo com Sader
(2009), esta, entretanto, é incapaz de criar bases sociais de apoio necessárias à sua
reprodução, uma vez que não distribui renda, ao contrário: produz um forte impulso
concentracionário por não produzir valor e nem empregos.
Assim, os governos que mais claramente aderiram ao modelo liberal foram, no início do
novo século, derrotados nas urnas, apesar da imensa influência ideológica da grande mídia
mercantil, e acabaram substituídos por governos que têm na política social sua mola
propulsora. É o caso do governo Lula da Silva no Brasil. Contudo, isso não significa, de modo
algum, que se esteja falando de um governo com um projeto político e econômico alternativo,
dadas a fragmentação social e a vigência de um consenso de tipo neoliberal que
obstacularizam a construção de alternativas. Sader (2009) e Anderson (1995) afirmam que a
maior vitória do neoliberalismo se realiza nos campos social e ideológico, com a ajuda da
mídia na construção de um modo de vida baseado no poder das marcas196, no estilo de
consumo, articulado por espaços como os shopping centers197, e na importância da
imagem198.
196 Sobre as marcas, conferir a importante obra de KLEIN, Naomi. Sem logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002, 543p. Ver também FONTENELLE, Isleide A. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo: Boitempo, 2002, 363p. 197 Cf. PADILHA, Valquíria. Shopping center: a catedral das mercadorias. São Paulo: Boitempo, 2006, 209p. 198 Há algumas obras que analisam a chamada indústria da imagem, desde o clássico livro de Adorno e Horkheimer, intitulado Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 1985, 254p. É fundamental, neste sentido, a referência à obra de Guy Debord em sua conceituação da sociedade do espetáculo. Ver DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, 237p. No Brasil, Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl trazem importante contribuição para o debate no livro Videologias: ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2005, 252p. Em recente livro organizado por Adauto Novaes, esta questão é debatida por inúmeros intelectuais. Ver: NOVAES, Adauto (org.). Muito além do espetáculo. São Paulo: SENAC São Paulo, 2005, 302p.
181
Mas esta dificuldade de construção de um projeto alternativo também se conecta à
fragmentação cultural e social promovida pelo modelo neoliberal-acumulação flexível.
A promoção do trabalho precário, forma majoritária de reprodução da vida de centenas de milhões de pessoas, foi a maior responsável por essa heterogeneidade das relações de trabalho, por esse panorama econômico e social no qual nunca tantos viveram do trabalho – homens e mulheres, negros, brancos, mestiços e índios, idosos e crianças -, sem que esse imenso caudal pudesse se transformar em força e capacidade organizativa para defender os direitos básicos desses milhões de trabalhadores (SADER, 2009, p. 61).
Desta forma, a fragmentação dificulta o exercício da força política da classe
trabalhadora, de sua capacidade de manifestação e articulação de projetos sociais diferentes e
destroça sua capacidade de identificação como classe trabalhadora (“classe para si”), ou seja,
desmobiliza a construção de uma identidade em torno do trabalho, deixando espaço que é
rapidamente ocupado por outros referenciais: identidades “[...] nacionais, étnicas, de gênero,
religiosas, esportivas”199 (SADER, 2009, p. 61). Associadamente a esta dinâmica, reforça-se a
alienação, na medida em que a desmontagem das identidades pela via do trabalho reforça
mecanismos fetichistas que se apresentam no mundo capitalista, bases dos processos
alienantes: aqueles que produzem o mundo, mas não decidem acerca de seus rumos perdem a
consciência de sua construção, percebendo aquilo que construíram – o mundo social – como
alheio e hostil. A alienação, como se verá no segundo capítulo, facilita as coisas para a
ideologia dominante. Como afirma Sader (2009, p. 61)), “Isso facilita a entrega indefesa das
pessoas à ideologia da globalização, que exalta a tecnologia, a competência profissional, o
dinheiro e a destreza empresarial como os grandes agentes de construção da riqueza e do
mundo”.
Outra grande dificuldade no empreendimento de construções sociais e políticas
alternativas é a permanência do consenso neoliberal no plano econômico coligado ao fato de
que tais governos estarem envolvidos em uma disputa por hegemonia, convivendo com a
grande burguesia que conta com apoio dos países centrais, que vivem uma guinada à direita,
como se pode observar pelas políticas de imigração. É neste sentido que se realiza aqui a
afirmação de que o governo Lula da Silva, se não é idêntico ao anterior, também deste não é
totalmente diferente, em especial no que diz respeito às políticas públicas de educação
superior. Paulani (2007, p. 98-99) aponta três razões para se considerar o governo Lula da
Silva afinado com o neoliberalismo: 1) “sua adesão sem peias ao processo de transformação
do país em plataforma de valorização financeira internacional”; 2) seu “discurso de que só há
uma política macroeconômica correta e cientificamente comprovada, que é a política de
199 Grande parte do desespero das massas trabalhadoras acaba sendo canalizada para instrumentalizar as identidades supracitadas. É exemplar, neste ponto, a explosão de igrejas denominadas neopentecostais, como é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
182
matriz ortodoxa levada à frente por sua equipe econômica desde o início do governo”; e 3) as
políticas sociais compensatórias que acabam funcionando como sancionadoras das imensas
fraturas sociais.
É de extrema relevância lembrar que um dos setores duramente atingidos pela
reestruturação produtiva flexível de cunho neoliberal no Brasil é, sem dúvida, a educação200.
Os impactos são inúmeros. Na educação fundamental, a desqualificação do ensino público, a
manutenção de uma rede privada de ensino que continua sendo um privilégio dos poucos que
podem pagar. Já no âmbito da educação superior, as diretrizes apresentadas pelas
organizações multilaterais como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e agências da Organização das Nações Unidas (ONU), especialmente do Banco
Mundial, serão mais efetivas a partir da década de 1980 (Dourado, 2002)201. Estas diretrizes
orientam-se pela privatização/mercantilização da educação, instaurando a lógica neoliberal no
campo da educação.
Assim, as universidades públicas vêem-se perante uma série de injunções privatistas e
mercadológicas mascaradas pelo argumento de que é preciso melhor administrá-las e avaliá-
las (Gentili, 2002; Dourado, 2002). E as universidades privadas, mais suscetíveis, por sua
própria natureza jurídica, às ações reformadoras neoliberais, estabelecem uma série de
medidas de modo a, por um lado, tornar a educação uma mercadoria202, inserindo-a em um
circuito de prestação de serviços/consumo e, por outro, forjar – bem ou mal - uma formação
para o mercado de trabalho.
De acordo com Neves e Fernandes (2002a), Sguissardi e Silva Jr. (1111), em 1995, o
Estado brasileiro inicia a implementação de uma reforma em sua aparelhagem203, distinguindo
e definindo as atividades de que deve se encarregar diretamente, aquelas que precisa
supervisionar e coordenar e aquelas que deve abrir para a iniciativa privada. A educação
torna-se, então, atividade não-exclusiva do Estado, podendo ser oferecida por outras
organizações públicas não-estatais e privadas. Deste modo, o Estado deveria focalizar sua
atuação mais direta204, no âmbito educacional, no ensino fundamental e em programas de
educação profissional. Nos outros setores, como no caso da educação superior, a oferta ficaria
200 Retomar-se-á este ponto mais adiante. 201 Como exemplo, temos a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96), passo decisivo neste processo de reformulação jurídica e institucional. Ver: BRASIL. Presidência da República. Lei n º 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Rio de Janeiro: DP&A, 2006. 202 O mercado da educação movimenta, no Brasil, quase 9% do PIB, ou seja, R$ 90 bilhões. Cf. BIN, 2005, p. 11. 203 Trata-se de reforma empreendida conforme o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado. 204 A maior parte da atuação do Estado, no campo educacional, volta-se para a criação de mecanismos de regulação e avaliação do que na provisão direta de ensino.
183
nas mãos das organizações sociais205 (em geral, comunitárias, confessionais e filantrópicas)
ou das empresas de prestação de serviços educacionais. Dois traços parecem, logo, definir os
rumos da privatização da educação superior: a transformação das instituições públicas em
educação pública não-estatal e o estímulo à iniciativa privada que encontra aí importante
espaço de acumulação de capital.
No primeiro caso, de acordo com as políticas do BM e do FMI (LIMA, 2004), as IES
públicas, estabelecendo-se como organizações sociais, deveriam buscar outras fontes de
financiamento, tornando-se “universidades operacionais”206. Seriam públicas uma vez que
prestam serviço público, mas deveriam se abrir aos recursos oriundos dos setores públicos e
privados. Entretanto, embora não se tenha implantado esse modelo de modo imediato e
integralmente, uma série de medidas tomadas pelo Estado vem garantindo a precarização das
universidades públicas, estabelecendo as vias para sua privatização, como o caso do
estabelcimento de contratos de gestão como forma gerencial das universidades públicas
porque minam sua autonomia, estabelecendo metas para a vida universitária definidas fora
dela e avaliadas também externamente. É o caso do Programa de Apoio a Planos de Expansão
e Reestruturação das Universidades Federais (REUNI), por exemplo. O governo de Lula da
Silva, através de um novo conjunto de reformas de cunho neoliberal, implementa na forma de
leis, decretos e medidas provisórias a reformulação que aprofunda a precarização e
privatização das universidades públicas bem como estimula o crescimento do setor privado,
como é o caso do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do FIES. Segundo dados do
INEP (2009), três em cada dez alunos do ensino superior privado têm algum tipo de bolsa ou
benefício sobre as mensalidades. Entre o 1,2 milhão de bolsistas registrados então, 82%
recebem benefícios reembolsáveis, ou seja, que serão pagos pelos alunos após a conclusão dos
cursos, caso do FIES. No segundo caso, a iniciativa privada vem encontrando na formação de
grandes grupos pela concentração de capital, na diversificação dos ramos em que atuam estes
grupos e na esfera financeira os novos rumos de sua acumulação.
Tais iniciativas vêm sendo estimuladas também pela difusão das ideias de
empregabilidade, de competências e habilidades que conduzem à busca, pela população em
205 Segundo Neves e Fernandes (2002a), no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado são definidas como organizações sociais, ou seja, como “entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito à dotação orçamentária” (Brasil/MARE, 1995 apud NEVES; FERNANDES, 2002a, p. 28). 206 Segundo Chauí (2001, p. 190), a universidade operacional corresponderia ao neoliberalismo dos anos 1990 e seria uma forma de adequar a universidade ao mercado, tornando-se a universidade atravessada por demandas e formas empresariais: “voltadas sobre si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras, a universidade está virada para dentro de si mesma, mas, como veremos, isso não significa um retorno a si, e sim, antes, uma perda de si mesma”
184
geral, desse nível de ensino207 e da qualificação pela educação como fonte de integração ao
mercado de trabalho. Quanto mais educado, maiores seriam as chances do trabalhador de
entrar e permanecer no mercado. Na medida em que o Estado age focalizadamente na
educação fundamental, resta ao indivíduo buscar sua escolarização superior na iniciativa
privada, uma vez que a rede pública, em sua atual configuração, não é capaz de atender à
demanda. A novela “Duas Caras”, exibida em horário nobre pela rede Globo de televisão não
cessou de tentar reproduzir a ideia de que a educação superior deve ser conduzida pela
iniciativa privada, mais eficiente e capaz de promover, finalmente, a democratização da
educação superior no país.
Se desde o fim da ditadura já se configura em antecipação, para o ensino superior, a
hegemonia da iniciativa privada, no final dos anos 1980 essa tendência se aprofunda, com o
aval da Constituição de 1988, e de modo mais incisivo, com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), a Lei nº 9.394/96, permitindo a lucratividade e representando importante
vitória das frações burguesas e de suas entidades representativas, como a Associação
Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), por exemplo. A ABMES (então
ABM) foi criada em 1982 como resultado do crescimento acelerado do setor privado laico no
âmbito da educação superior. Tinha como horizonte atuar como um dos “grupos de pressão
que procuram articular pontos de vista particulares” (Thompson, 1998, p. 111) na elaboração
das políticas públicas e governamentais para o nível superior a partir dos interesses dos
empresários do setor privado, sob a então presidência e atuação centralizada do professor
Cândido Mendes. A Constituição de 1988, assim como a LDB e a legislação posterior, no que
diz respeito à educação superior, carrega as marcas da atuação da ABMES em conjunto com
outras entidades representativas do setor privado, o que se pode aferir pela delimitação da
educação como campo livre para a atuação da iniciativa privada, em busca da lucratividade,
em igualdade de condições com o Estado, dentre outras diretrizes.
207 A este respeito ver FRIGOTTO, G. “Fundamentos Científicos e Técnicos da Relação Trabalho e Educação no Brasil de Hoje”. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley; LIMA, Júlio César França Lima (org.). Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Fiocruz/EPSJV, 2007, p. 241-288. Do mesmo autor, ver “A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos referenciais teóricos”. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria (orgs.). Teoria e educação no labirinto do capital. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 23-50. Ver também NEVES, L. M. W.; FERNANDES, R. R. “Política neoliberal e educação superior”. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.) O empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002a, p. 21-40. Ver ainda Lima (2007). A teoria do capital humano é retomada em um movimento de continuidades e rupturas em relação a sua clássica formulação nos anos 1960 e 1970, mas com outra entonação diante das mutações na ordem produtiva. “Esse modelo teórico não foi descartado nem o debate está esgotado, pois as bases do discurso em torno da teoria do capital humano continuam operativas. Isto é, a transnacionalização do capital e a implementação/consolidação da acumulação flexível do capital são compatíveis com os pressupostos da teoria do capital humano, ou melhor, em termos mais objetivos, a acumulação flexível demanda um modelo ideológico justificador do individualismo na educação, desresponsabilizando-se o Estado do projeto social de formação/qualificação e, no limite, da educação como um bem público”. (AZEVEDO, 2008, p. 12).
185
A Reforma Universitária, tal como instaurada pelo regime militar não rompeu – pelo
contrário, seguiu aprofundando – com o padrão de pendente de educação superior,
reproduzindo a racionalidade da escola isolada no seio da universidade, modificando a
estrutura organizacional e institucional destas de modo a redesenhá-las, mas em um viés
conservador, seguindo, deste modo, os interesses da burguesia brasileira e externa em
estimular e manter o modelo do crescimento econômico – o “milagre econômico” – e
modernizar – sem transformar, ou modificando-, porém, a partir de um padrão dependente – a
educação. Se a Constituição de 1988 manteve, como se verá mais adiante, a possibilidade da
privatização do ensino, permitindo a obtenção de lucros às escolas laicas e a concessão de
verba pública para o ensino privado, esta característica será ressaltada na contra-reforma dos
anos 1990, aprofundando o padrão de dependência do ensino superior, o que acompanha a
reafirmação do padrão dependente de desenvolvimento nos anos de acumulação flexível
neoliberal e do regime de acumulação com predominância financeira.
Essa década marca um período de intensificação da atuação das associações
privatistas, na primeira metade da década, junto ao CFE, ao MEC e ao Congresso Nacional,
mantendo a orientação de se dirigir ao governo no plano administrativo. No que tange ao
CFE, autônomo em relação ao MEC na época, sua influência se manteve, permitindo a
abertura de 38 universidades, das quais mais da metade pertencem à iniciativa privada208. Já
sua atuação junto ao MEC é irregular no período, segundo Neves (2002). De acordo com a
autora, dois vetores se constituíram nos principais pontos de aproximação ou afastamento da
ABMES em relação ao Executivo federal no período: as anuidades escolares e o crédito
educativo. Conforme documento da ABMES (2006a, grifos nossos), esta passou a estimular,
“de maneira mais sistematizada”, os debates sobre a LDB, de que se tratará a seguir, mas
também sobre a “reforma constitucional, mensalidades escolares, crédito educativo,
avaliação, definição de políticas nacionais de educação superior e fortalecimento das relações
com os órgãos governamentais e com os segmentos da rede privada”. De alguma forma,
parece que as preocupações com a “sustentabilidade” econômica das instituições já aparece
em cena por conta das restrições econômicas características desta década, que se refletem no
poder aquisitivo de sua clientela, sempre estruturalmente limitado (Carvalho, 2006).O projeto
elaborado pelo senador Darcy Ribeiro foi apoiado pela ABM como ponto de partida mais
profícuo para deliberação e defendido e apresentado pela Associação, tanto para o
208 Neves (2002) aponta para as regalias da ABMES no CFE e busca mensurar até que ponto essa “proximidade” contribuiu para o fim do CFE e servido como desculpa para se engendrar o Conselho Nacional de Educação (CNE), que responde ao MEC, em 1994. Não que isso tenha eliminado o problema: em 1997, o Conselheiro J.A. Gianotti anuncia sua saída do CNE mediante denúncias de corrupção, troca da favores, etc.
186
empresariado da educação, quanto para a sociedade civil, como o mais “moderno” (Neves,
2002). Em linhas gerais, o projeto, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso como a Lei n° 9.394/96, garantiu a vitória dos
privatistas (Neves, 2002; K. Lima, 2007).
De acordo com Chaves (2010), a LDB, aprovada em 20 de dezembro de 1996, pode
ser tomada como marco dessa contra-reforma implantada no país, abrindo caminhos para a
iniciativa privada e redefinindo o papel do Estado como instância de controle e de gestão das
políticas educacionais, transformando a natureza do setor público e apresentando a educação
como bem – como educação-mercadoria (RODRIGUES, 2008) – que deve ser buscado pelos
clientes no mercado.
Como mostra mais uma vez Chaves (2010, p. 486-487):
A subdivisão do setor privado se apresenta, pois, em duas vertentes diferenciadas – de um lado, os estabelecimentos tidos como não lucrativos e, de outro, os que se apresentam como empresas destinadas a auferir lucro –, oferecendo nova configuração à disputa clássica entre os defensores da escola pública e os defensores da escola privada. Ao distinguirem-se das instituições lucrativas, as confessionais ou filantrópicas visam aproximar-se do setor público, reivindicando o acesso a verbas públicas. Utilizando a justificativa do seu caráter não lucrativo, estas instituições se autodenominam públicas não estatais. A aprovação da LDB, no entanto, favoreceu não apenas as instituições ditas não lucrativas, mas também o setor empresarial, que almeja somente o lucro com as atividades educativas, quando possibilitou a institucionalização de outras modalidades de IES que não precisam, necessariamente, atuar com a premissa constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conferida às universidades por meio do artigo 207, da Constituição Federal de 1988.
A nosso ver, entretanto, é preciso capturar outra dimensão que se articula com a
anterior: como essa distinção formal, muitas vezes, não corresponde obrigatoriamente ao
caráter das instituições. Assim, IES caracterizadas como filantrópicas podem funcionar como
verdadeiras empresas educacionais e utilizar as isenções fiscais e previdenciárias concedidas
pelo estado de modo a ampliar suas margens de lucro.
O Decreto nº 2.306/97, editado ainda ano governo FHC, lançaria-se sobre a
diversificação institucional, representando um avanço da reforma, na medida em que consagra
o princípio da diversificação e diferenciação acadêmicas tal como preconizavam os
documentos dos organismos internacionais e que vai ao encontro dos desejos dos empresários
da educação superior que vêem as obrigações atreladas ao status universitário um ônus e que
buscam outros modelos de atuação institucional. Segundo o Decreto (BRASIL. MEC., 1997):
Art. 8o Quanto à sua organização acadêmica, as instituições de ensino superior do sistema
federal de ensino classificam-se em:
I-universidades;
II - centros universitários;
III - faculdades integradas;
IV - faculdades;
V - institutos superiores ou escolas superiores;
187
Os anos 1990 trariam, desta forma, a política neoliberal de privatização dos serviços
sociais, o que fez surgir uma nova burguesia de serviços (RODRIGUES, 2007; NEVES;
FERNANDES, 2002a)209, fração da burguesia bastante favorecida pela política neoliberal.
Nesta fração, sobressaem-se os empresários da educação, especialmente no nível superior.
Das 2.032 IES privadas, 1.594 pertencem aos empresários do ensino, número que pode estar
subestimado, uma vez que parte das comunitárias, confessionais e filantrópicas é,
concretamente, empresarial (INEP, 2007). Uma nova figura emerge nesse desenho
institucional: o centro universitário. O Decreto 2.306/97 caracteriza esse modelo institucional
e define seu desenho:
Art.12. São centros universitários as instituições de ensino superior pluricurriculares, abrangendo uma ou mais áreas do conhecimento, que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, comprovada pela qualificação do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar, nos termos das normas estabelecidas pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto para o seu credenciamento. § 1º Fica estendida aos centros universitários credenciados autonomia para criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, assim como remanejar ou ampliar vagas nos cursos existentes. § 2º Os centros universitários poderão usufruir de outras atribuições da autonomia universitária, além da que se refere o parágrafo anterior, devidamente definidas no ato de seu credenciamento, nos termos do parágrafo 2º do artigo 54, da Lei nº 9.394, de 1996 (BRASIL. Presidência da República, 1997).
Ou seja, estas instituições gozam de prerrogativas da autonomia universitária e,
todavia não possuem o ônus de suas obrigações para com a indissociabilidade entre ensino-
pesquisa-extensão, para com o regime de trabalho docente, etc., representando um importante
componente na expansão do setor privado a partir de meados de 1997. Mesmo com a
alteração das regras de organização do ensino superior, avaliação e regulação implantadas
pelo Decreto nº 3.860/2001, essa figura – ornitorrinco – da configuração acadêmica brasileira
persiste. Só a Estácio Participações S.A. possui, neste momento, três processos de
credenciamento para a transformação de IES em centros universitários (SC, MG e CE),
somando-se, assim, aos dois centros já existentes na holding (SP e BA).
Para Neves e Fernandes (2002a), esta burguesia de serviços educacionais é fruto das
ações do Estado brasileiro na tentativa de restaurar a lucratividade de frações da burguesia e
de instaurar uma nova hegemonia política, reconfigurando inclusive a atuação das entidades
representativas da escola privada210. Tal processo finge se apropriar da demanda das classes
populares por educação, em especial, pela educação superior, e a canaliza para a iniciativa
privada, que oferece, por suas condições de oferta baseadas na busca de lucratividade
ampliada, um ensino que não produz conhecimento e, na maior parte dos casos, sequer
209 Estes autores seguem as reflexões de BOITO JR, 2007. 210 Para maiores detalhes, ver Neves e Fernandes (2002a), Coutinho (2007) e Rodrigues (2007).
188
consegue reparti-lo. A burguesia brasileira parece ceder. E, no entanto, não concede: abre às
classes populares um patamar de escolarização que, inclusive, lhe é interessante – força de
trabalho capaz de, por exemplo, operar as novas tecnologias, além de uma formação voltada
para a conformação à lógica empresarial competitiva – desde que, como usual, elas paguem
por isso, abrindo caminho a tal espaço de acumulação e, ao mesmo tempo, buscando “educar
o consenso”, em uma direção diferente daquela pontuada pelo fordismo. Um primeiro vetor
de educação do homem de novo tipo orienta-se na direção da desorganização dos parcos
traços de organização coletiva popular para além de seus interesses mais imediatos
(corporativos).
Afirmam Neves e Sant’Anna (2005, p. 35) “Neste primeiro sentido a nova pedagogia
da hegemonia propõe-se a estimular um tipo de participação que, fortemente relacionada ao
conceito gramsciano de catarse, tenta incentivar movimentos caracterizados por soluções
individuais”. Não se trata de impedir a participação política nem de restringi-la, mas engajá-la
em espaços organizados para a obtenção do consenso ao novo projeto de sociabilidade
burguesa.
As balizas que se tornam então definidoras da reconfiguração do Estado, em sentido
estrito, são a privatização e a fragmentação das políticas sociais. Segundo Poulantzas (apud
NEVES; SANT’ANNA, 2002), a privatização é o recurso do Estado, em sentido estrito, para
combater a queda tendencial das taxas de lucro e de desvalorização de parcela do capital
constante, como é o caso do ensino superior no Brasil, que se reconstrói como espaço de
acumulação capitalista às expensas do trabalho de seus funcionários e dos docentes, como se
verá a seguir.
189
3 DE UNIVERSIDADE A HOLDING FINANCEIRIZADA
Acima dos homens, a lei E acima da lei dos homens, a lei de Deus,
Acima dos homens, o céu E acima dos homens,
o nome de Deus E acima da lei de Deus,
O dinheiro! Que mata, salva, compra amor verdadeiro Que suja, limpa, compra amor por inteiro
Amor verdadeiro Dinheiro, amor por dinheiro!
Amor por dinheiro, Titãs
O ciclo de expansão das instituições privadas - especialmente daquelas de caráter
privado/mercantil, iniciado nos anos 1990 - parece estar se esgotando ou, ao menos,
diminuindo muito seu ritmo de crescimento, o que aparece com clareza no aumento da
quantidade de vagas ociosas no setor (SOUSA, 2010). Assim, novos “arranjos” financeiros e
institucionais podem ser observados: o aparecimento, no mercado educacional do país, dos
grandes fundos de investimentos e a formação de grandes conglomerados de ensino superior,
no que as revistas especializadas e as consultorias do setor têm denominado “a era das
consolidações”. Entretanto, esta nova configuração reconstrói os caminhos do
empresariamento da educação superior. Em primeiro lugar, cria uma situação de concentração
em que apenas as grandes empresas sobrevivem. As empresas menores fecham ou são
absorvidas por estes conglomerados, às vezes mantendo seu nome institucional, outras vezes
apagando mesmo sua marca. Depois, porque a sua expansão está, destarte, ligada à
capacidade de captação de capital nos mercados financeiros e, a partir daí, de realizar fusões e
aquisições, mais do que por aumento direto no número de alunos, na medida em que o
público ao qual este mercado se dirige já dá mostras de estancamento de sua capacidade de
financiamento particular.
Partindo do processo acima apontado é que se deve compreender a direção das
demandas apresentadas pelo setor privado/particular e suas entidades representativas: ampliar
o espaço para suas reivindicações no âmbito do próprio Estado na tentativa de direcionar as
políticas de educação que garantam a expansão sob o novo formato dominante dos
conglomerados de ensino e, portanto, redirecionem os processos de regulação e avaliação para
190
que a permitam211, bem no interesse dos empresários do ensino. Não se trata, para o setor de
construir políticas de governo, mas de políticas estatais cuja continuidade seja garantida na
passagem de um governo a outro. Por isso, a tentativa de hegemonização não se dirige apenas
à sociedade civil, mas ao âmbito dos governos e do Poder Legislativo para a elaboração de
políticas capazes de favorecer o setor de forma mais duradoura, seja no âmbito da regulação,
da avaliação ou do financiamento. Isso é considerado fundamental por estas instituições na
medida em que esta “estabilidade” permite construir estratégias de negócios mais acuradas.
Assim, o setor privado dirige a bancada privatista no Congresso Nacional e tenta programar
certo tipo de pressão sobre o Executivo ao qual dirige claramente suas demandas. E, ainda,
que favoreçam financeiramente o setor, através da utilização do fundo público, tanto na
modalidade de financiamento de vagas – Programa Universidade para Todos (ProUni),
Programa de Financiamento Estudantil (FIES) – como no financiamento das próprias
instituições. Daí o conteúdo e o direcionamento de suas propostas: ressaltar o tamanho e a
importância do setor, fortalecer a atuação junto ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo e
requisitar, concomitantemente, menor regulação e “adequação” das avaliações às suas
realidades institucionais e maior financiamento estatal.
Os dados que ora se apresentou – especialmente a diminuição dos ritmos de
crescimento das matrículas - são sintomáticos dos movimentos no campo da educação
superior nos últimos anos: o esgotamento da capacidade de financiamento privado (das
famílias), a concorrência acirrada que conduz à concentração de capital formando gigantes do
setor, e levando a um novo patamar do processo que Sguissardi (2008) denomina
mercadorização. O interesse aqui é entender como as empresas privadas e suas entidades
representativas se preparam para enfrentar esta nova etapa, avançando especialmente em três
frentes: a) limitar a regulação exercida pelo Estado, intentando, inclusive, ampliar o escopo de
atuação do setor na formulação e execução das políticas educacionais para a educação
superior; b) para tal, aumentar sua ingerência nos processos de avaliação, de modo a
modificá-los ao ponto de que, pelo menos, não prejudiquem sua imagem – marca - no
mercado educacional; e c) avançar sobre o fundo público, de modo mais ou menos direto, de
modo a garantir a contínua expansão do setor com as taxas de lucro mais ou menos intactas.
211 Importa aqui ressaltar que, até 2008, quatro redes nacionais de educação privado/mercantil abriram seus capitais na Bolsa de Valores: Anhanguera, Estácio de Sá, Sistema Educacional Brasileiro (SEB) e Kroton, captando em um ano R$ 1,9 bilhão (SGUISSARDI, 2008). Em levantamento apresentado por Tiradentes (2011), vários grupos já contam com a presença de grupos de investimentos estrangeiros, dentre os quais: Apollo Group, Laureate, Pearson, Credit Suisse, Capital Internacional, Cartesian Capital Group e Pactual Capital Partners.
191
Neste sentido, parece que a educação superior privada se encaminha para um novo
momento, marcado por um movimento que envolve, simultaneamente, a concentração das
instituições em grandes conglomerados educacionais, alguns formando empresas de capital
aberto, como o caso da Estácio, e uma preparação para que esse processo se realize ancorado
nas políticas de Estado. Deste modo, o setor privado vem procurando reordenar suas
demandas para os sucessivos governos de modo a suportar sua concentração e centralização.
Por isso, esse capítulo se estrutura a partir de uma análise da movimentação do setor
privado em torno de duas questões fundamentais em termos de políticas educacionais: a da
avaliação/regulação e a do financiamento. É claro que o horizonte do setor é um certo
tratamento diferenciado do setor em termos de processos de avaliação e de mecanismos
ergulatórios e uma ampliação substantiva dos mecanismos de financiamento estatal, já
prefigurados no ProUni e no FIES e outros então propostos. Para tanto, analisamos os
documentos produzidos pelo Fórum de Entidades do Setor Particular entre 2007 e 2011, com
ênfase nas cartas dirigidas ao Ministro da Educação e que revelam as expectativas e pressões
do setor acerca das políticas educacionais. Importa adiantar que algumas dessas
reivindicações já foram atendidas pelo sucessivos governos. Em seguida, realizamos análise
sobre o trabalho docente na iniciativa privada especialmente a partir dos dados dos Censos
produzidos pelo INEP, mas também a partir de documentos emitidos pela própria SESu que,
em 2009, produziu um relatório em que apontava o cumprimento ou não dos requisitos
relativos aos regimes de trabalho e titulação das IES em geral, além do material produzido
pelo SINPRO –RIO – que tem levado adiante um Fórum Permanente de discussão das
questões da educação superior - e pela CONTEE. Desta forma, a ideia foi revelar as bases
sobre as quais se concretiza o trabalho docente nestas instituições, revelando os ataques do
patronato sobre os direitos e conquistas dos trabalhadores docentes nestas instituições.
Em seguida, dedicamos nossa atenção às transformações que caracterizam a passagem
da SESES e da Universidade Estácio de Sá, bem como de algumas outras mantenedoras e
instituições que já pertenciam aos sócios da SESES, de uma instituição com administração
ainda familiar para uma empresa de capital aberto. Importa ressaltar que essa análise se
baseou nos documentos emitidos pela própria Estácio Participações S.A. e são fundamentais
para compreendermos a natureza deste tipo de instituição, as novas bases sobre as quais
realiza suas transformações bem como rastrear seu modo de operação no jogo, muitas vezes
sub-reptício, que trava com o Estado e com as políticas para a educação superior.
192
3.1 O privatismo: os dias atuais
As entidades representativas do setor privado – especialmente as de cunho mercantil -
das instituições de educação superior, diante do quadro acima esboçado, preparam-se para
uma nova etapa de sua expansão, delineada, por um lado, pela concentração de capitais
caracterizada como era das consolidações, ou seja, pela formação de grandes conglomerados
de educação. Esta concentração de capitais se faz acompanhar por um movimento de
capilarização/diversificação, ou seja, pela expansão destas grandes empresas para outros
setores da economia, como é o caso do mercado editorial. Apenas para citar dois exemplos, o
grupo inglês Pearson – que controla o Financial Times - comprou, em julho de 2010, uma
parte do Sistema Educacional Brasileiro (SEB), um dos maiores sistemas de ensino do país
(dono do COC, Pueri Domus, Dom Bosco, dentre outros), em uma negociação de R$ 613,3
milhões (BRASIL ECONÔMICO, 2010). Um pouco antes, também em julho de 2010, a Abril
Educação comprou todo o grupo Anglo, em um negócio que inclui o Anglo Sistema de
Ensino, o Anglo Vestibulares e a Siga, empresa especializada na preparação para concursos
público. O grupo Anglo foi avaliado em torno de R$ 600 milhões (ABRIL.COM, 2010). Um
mês depois, o fundo de private equity BR Investimentos adquiriu parte da Abril Educação por
R$ 226,2 milhões (VEJA, 2010). Por outro lado, este movimento não exclui o avanço destas
instituições, dado o esgotamento da capacidade de financiamento particular das famílias,
sobre o fundo público de forma direta e indireta. Destarte, em suas propostas ao governo,
estas entidades buscam elaborar suas pautas de modo a pressionar por um consenso em torno
de seus interesses, privilegiando-os.
É importante, neste sentido, examinar diretamente os discursos das empresas
educacionais e de suas entidades representativas para melhor compreender seus
encaminhamentos mais imediatos e prospectar suas futuras inclinações. Escolheu-se examinar
as propostas oriundas do setor a partir de um conjunto de documentos composto por: quatro
cartas também endereçadas ao Ministro da Educação e que resultam das reuniões anuais
(2008, 2009, 2010 e 2011) do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior
Particular. Realizar-se-á a análise destes documentos a partir de dois eixos em torno dos quais
se constituem: um é o eixo da avaliação/regulação e o segundo é o eixo do financiamento.
Esta organização da análise dos documentos a partir de suas linhas centrais traz a vantagem de
permitir a observação da evolução das propostas entre 2008 e 2011, com ênfase nos
encaminhamentos dados em 2011, na medida em que indicam as propostas para o setor diante
do novo governo – uma vez já respondidas algumas dessas demandas -, bem como apontam
193
com clareza para as estratégias assumidas pelo setor, o que permite apontar as disputas que
cercam as políticas de expansão da educação superior nos próximos anos.
O Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular212 foi criado em
abril de 2008, como associação civil sem fins lucrativos e com sede e foro no município de
Brasília (DF). Seus membros fundadores são: a Associação Brasileira de Mantenedoras de
Ensino Superior (Abmes), a Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas
e Integradas (Abrafi), a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), a
Associação Nacional dos Centros Universitários (Anaceu) e o Sindicato das Entidades
Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp).
Tem como atual secretário-executivo Gabriel Mario Rodrigues, reitor da Universidade
Anhembi Morumbi e presidente da Abmes. A rigor, o objetivo do Fórum é mobilizar os
interesses das empresas do setor privado da educação superior213.
O ponto preliminar das cartas é que se elas dizem apresentar propostas e expectativas,
o que se faz é, claramente, anunciar as ações a serem engendradas e as posições do
empresariado relativas aos processos de regulação, avaliação e financiamento das IES
privadas. Em todas as cartas, um dos itens comuns nos quais se apóia a defesa do setor é a
garantia constitucional da pluralidade de ensino, a coexistência de instituições públicas e
privadas e a heterogeneidade das instituições de ensino. Este argumento é a base do discurso
das entidades representativas: se o ensino deve ser plural e as instituições podem ser - e são -
heterogêneas, devem ser reguladas e avaliadas por regras que “respeitem” tal diferença, ou
seja, por critérios que levem em conta as diferenças institucionais e não sejam lastreados no
modelo de universidade de pesquisa, no qual se espelhariam as universidades públicas de
onde saem a maior parte do quadro de avaliadores214. Este discurso – defender a permanência
e a relevância do ensino privado pela afirmação de que este é garantia de pluralidade - não é
novo e foi utilizado largamente pelas lideranças católicas quando da luta em torno da
212 Um analista do discurso certamente chamaria a atenção para o fato de que o Fórum é formado pelas entidades representativas do ensino superior, apresentando, de saída, a educação superior de modo reduzido à prática do ensino, abstraindo suas outras dimensões essenciais, definidas inclusive, como exigências jurídicas para a condição universitária: a pesquisa e a extensão. 213 Uma das principais fontes de articulação dos interesses privatistas no governo foi a Frente Parlamentar em Apoio ao Ensino superior, na realidade, a bancada privatista no âmbito do Congresso Nacional. De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE, 2007), “[...] a iniciativa de formação da Frente é do próprio SEMESP – Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, em parceria com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior – ABMES, a Associação Nacional dos Centros Universitários – ANACEU, a Associação Nacional das Universidades Particulares – ANUP, a Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas e Integradas – ABRAFI, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN e com deputados e senadores”. Com as eleições de 2010, a Frente tem encontrado problemas para se recompor no novo mandato, na medida em que perdeu metade dos parlamentares (Senado e Câmara) que a constituíam. 214 Ver Vale, 2008.
194
laicidade de ensino, durante os debates da Constituinte no início da década de 1930 (BUFFA,
2005).
Dentre as ações do Fórum na direção do novo governo, destaca-se a Carta de
Salvador, resultante do Congresso realizado em maio de 2011, que aqui será apresentada em
maiores detalhes, por expressar o momento mais atual na conjuntura de um novo governo e
também porque avança na proposição de um pacto – PACTO/BRASIL POTÊNCIA SÓ COM
EDUCAÇÃO - que envolva o setor privado e o poder público, em suas três esferas, na direção
do atendimento, em termos de formação humana e qualificação profissional, das demandas
alavancadas pelo processo de crescimento e desenvolvimento do país. Ou seja, neste caso,
trata-se da retomada de um discurso que coloca a educação como o vetor capaz de solucionar
os problemas econômicos, sociais e culturais para o indivíduo e para a sociedade, deixando
intocada a estrutura da vida social. Um ponto fundamental, que também se cristaliza com
muita clareza na segunda parte da Carta de Salvador, é a posição enunciativa em que se
coloca o setor privado como ator no campo da educação superior: a posição de parceiro
comprometido com a causa da educação de qualidade215. Entretanto, no documento que
subsidiou as discussões que deram origem à Carta de Salvador e que traz, em 204 páginas,
uma série de cálculos, tabelas e dados acerca da educação superior brasileira, a qualidade é
relacionada à gestão profissional, de tipo empresarial216, orientada para a organização
estratégica que permita aumentar a competitividade da IES, mas em apenas um momento se
faz menção – sutil – à necessidade de pesquisa institucionalizada no âmbito da formação na
pós-graduação stricto senso, sem, no entanto, citar os recursos que devam ser investidos. No
mais, se prevê que esta ampliação da pós-graduação – como melhoria de qualidade – seja
financiada pelas agências de fomento e com a extensão dos recursos do FIES. Não se
menciona recursos a serem aplicados na melhoria da qualidade da educação oferecida por este
setor, ressaltando-se apenas o tamanho da economia que o governo faria se financiasse a
expansão deste nível de ensino pela via privada, fosse pela ampliação do FIES ou de
programas como o ProUni, pela diferença entre o custo por aluno nestas instituições – já
prontas, com infraestrutura e capacidade ociosa – e o custo por aluno em uma instituição
pública. Um dos elementos de cálculo ocultos por esse discurso – e não é o único - remete ao
215 Importa ressaltar que o Congresso realizado em Salvador, em maio de 2011, foi subsidiado por um estudo – apresentado como detalhado – sobre a situação atual do ensino superior com projeções de cenários para os próximos anos, intitulado, de acordo com a Carta, Panorama e propostas estratégicas. No estudo, o título é: Estudos e projeções: Panoramas e propostas. Voltar-se-á a este ponto mais adiante. 216 No documento, propõe-se, inclusive, que as IES passem a se denominar empresas de serviços educacionais como parte da explicitação de que a boa gestão na provisão da educação como bem social é aquela que utiliza os mais elevados padrões de competência em gestão empresarial.
195
menor custo por aluno quando se tem a maior parte do corpo docente de uma instituição
composta por professores horistas. Horistas são aqueles que recebem apenas as horas-aula que
efetivamente ministram, não tendo nenhum tipo de carga horária prevista para a pesquisa ou
para a extensão. Segundo os dados do último Censo da Educação Superior divulgado pelo
INEP (2009), o Brasil contava com um total de 359.840 funções docentes217, sendo 340.817
em exercício e 18.272 afastados. Do total em exercício, 217.840 estavam situadas na
iniciativa privada, perfazendo um montante de 63,92%. Das 217.840 funções docentes em
exercício no setor privado, 115.372 funcionam no regime de horista, representando um total
de 53% das funções docentes deste setor. Assim, deve-se compreender esta proposição sobre
este custo médio por aluno das IES privadas nos marcos de uma estratégia de manutenção de
uma escala de lucratividade do setor privado, apoioado na exploração do trabalho do horista,
embora travestido por uma posição discursiva da parceria. Ainda na parte dos pressupostos
das propostas do setor, este se apresenta como potencial parceiro, inclusive das IES públicas,
qualitativamente qualificado em termos de técnica e experiência para, por meio de tal
parceria, da reciprocidade e do diálogo permanente, democratizar a oferta e a qualificação no
plano da educação superior.
No plano da apresentação de tal pacto, uma “novidade” se apresenta: a retomada dos
traços do projeto de Reforma Universitária tal como preconizados no Projeto Universidade
Nova. Elaborado para a Universidade Federal da Bahia218, o Programa Universidade Nova
propunha a instituição de um ciclo básico, sob a forma de Bacharelados Interdisciplinares
(BI), para, supostamente, forjar uma formação básica ampla e humanística, postergando a
escolha profissional, que afirma ser muito precoce. Essa primeira etapa se daria com
terminalidade e proveria o aluno de uma primeira certificação de nível terciário. Depois dessa
formação inicial, aqueles que tivessem o melhor desempenho seriam selecionados para o
ingresso no nível de formação profissional, voltada para a qualificação para o trabalho mais
diretamente, criando uma competição entre o aluno no seio mesmo da própria universidade.
A proposta da Carta de Salvador assim se apresenta, introduzindo mais uma etapa
entre o ciclo básico e o profissional, também com certificação:
5.2 - Propugnar por uma reforma da atual estrutura do ensino universitário, que apresenta distorções evidentes, indicando que o modelo não se apresenta condizente com a nova feição da sociedade brasileira e não atende totalmente as necessidades dos fatores produtivos, o que
217 É importante estabelecer algumas definições para evitar equívocos: funções docentes são os vínculos de trabalho docente contabilizados no Censo. Um mesmo docente pode estar exercendo funções em mais de uma instituição. No caso do Censo de 2009, por exemplo, contabilizou-se um total de 307.815 docentes, correspondendo a 359.840 funções docentes. Também é óbvio que as formas de calcular e apresentar o custo por aluno não são neutras ou objetivas, mas são definidas a partir de matrizes ideológicas específicas que correspondem aos interesses de cada grupo. 218 Para maiores detalhes sobre a temática, Ver Vale; Ávila; Mancebo, 2009.
196
faz com que uma grande maioria dos atuais 800 mil formandos anualmente fique à margem do mercado de trabalho. O segmento particular propõe reformulação no ensino superior seguindo o que foi sugerido no Projeto de Lei da Reforma Universitária, que tramita no Congresso Nacional, reestruturando o sistema para adotar:
- Núcleo Comum de formação geral e humanística com terminalidade;
- Núcleo Pré-Profissional por área de conhecimento com terminalidade;
- Núcleo Profissional dentro das opções de cada área (FÓRUM, 2011, p.10).
Trata-se, aqui principalmente de, sob a roupagem da ampliação da empregabilidade
dos egressos das IES, apresentar terminalidades – certificações – que transferem para outro
momento a seleção para o ingresso na formação profissional, adiando o momento do
desemprego e, concomitantemente, ampliando os ganhos do setor privatista pela abertura de
novos trajetos de formação, mais flexíveis e mais extensos.
3.1.1 Avaliação/Regulação
As avaliações, a supervisão e a regulação do setor pelo Estado representam um ponto
nodal das disputas com o Estado. Em relação ao eixo da avaliação, de saída, as entidades
representativas manifestam uma firme posição: as formas de avaliação das IES são tidas pelas
instituições e suas representantes de classe como inadequadas (na medida em que teriam
como parâmetro as universidades públicas) e excessivas (seriam muitas as regulações, o que
impediriam, no limite, a livre-competição no mercado), as avaliações, a supervisão e a
regulação do setor pelo Estado representam um ponto nodal das disputas com o Estado219.
Como resultado do Congresso da Educação Superior – “Desafios de Crescer com Qualidade e
Quantidade”220, realizado em Recife, em novembro de 2008, a Carta de Recife contém um
bom número de “compromissos” (ações do setor privado) e expectativas (o que esperam do
Governo). Assim, dirigem-se ao Estado para pressionar na direção da formulação de políticas
de educação que reconheçam o setor privado como ator socialmente legítimo, dado, inclusive
seu tamanho, em um quadro em que a expansão do número de matrículas na dependência do
financiamento privado das famílias mostra sinais de esgotamento.
A Carta do Recife assume três posições claras neste sentido: precisam de regras
duradouras221 (o que facilita o planejamento estratégico de negócios das instituições no que
diz respeito aos processos de avaliação em geral), solicitam maior “diálogo” com o Governo,
o MEC e suas secretarias afins, além do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
219 Ver, a esse respeito, Vale, 2008. 220 Repare-se que aqui se anuncia a meta: crescimento do setor privado. 221 Este ponto é sempre reforçado nas cartas. Na última – a de Salvador –, o texto chega a ser bastante incisivo: o marco constituído pelo SINAES já está consolidado, devendo ser apenas aprimorado.
197
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do CNE. Todavia, no item seguinte, reivindicam
participação nas instâncias governamentais de interesse do setor, deixando claro qual é o “tom
do diálogo”: ingerência mais direta na formulação e execução de políticas públicas
governamentais e/ou estatais para a educação superior, além da participação do Congresso
Nacional como “avalizador de um pacto [conciliação] público-privado no ensino superior”
(FÓRUM, 2008). Além disso, demandam “Cumprimento das disposições legais do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), sem a preponderância do Exame
Nacional de Desempenho do Estudante (Enade). Considerar a qualidade como conjunto
sistêmico que inclua a avaliação institucional interna e externa e de cursos” (FÓRUM, 2008,
grifos nossos). Esse texto anuncia a posição que leva a tal expectativa: os resultados do
Enade222 deixam clara a superioridade de desempenho das IES públicas perante a maior parte
das instituições de cunho privado-mercantil, assim temem a divulgação dos resultados e
tentam contrabalançá-lo com as avaliações internas desenhadas pelas próprias instituições,
cujo pathos já é o da hegemonia da educação-mercadoria, ou seja, de uma lógica avaliativa
centrada na perspectiva da venda e do consumo de serviços educacionais223. É na direção
deste ocultamento que se deve entender a posição contrária das entidades representativas a
qualquer tipo de “ranqueamento” das instituições e dos cursos de graduação. Daí sua luta
contra a formulação e divulgação do Índice Geral de Cursos (IGC) (VALE, 2009). Além
disso, propõem a criação de uma Agência Nacional de Acreditação, voltada para a regulação
específica do ensino superior particular, com gestão autônoma, composta por “[...] pessoas de
reputação ilibada, não representantes de instituições particulares e/ou de Governo, para
conferir legitimidade ao processo” (FÓRUM, 2008). É interessante observar que em janeiro
de 2011, o MEC anunciou um processo de reestruturação, criando uma secretaria da regulação
222 Não se quer dizer, com isso, que o Enade é uma boa forma de avaliação do desempenho estudantil. Significa que, mesmo nos moldes em que essas avaliações são realizadas – com todo o viés pragmatista que as atravessa –, as IES públicas encabeçam a lista daquelas com estudantes de melhor desempenho. 223 Note-se que no contrato de matrícula, em boa parte das IES privadas, faz-se referência ao aluno ou a seu responsável como (mero) contratante, não se tocando em assunto de tipo pedagógico, possuindo tal contrato natureza comercial. Interessante que também algumas das instituições utilizam a avaliação do aluno-cliente para compor um ranking dos professores a serem premiados por seu desempenho no ano pedagógico. É o caso da Estácio Participações, S.A., que anuncia: “Em uma iniciativa inovadora no segmento de educação no Brasil, nós implementamos um programa de remuneração variável para nossos mais de 8.000 professores, a partir do qual os 20% de melhor desempenho são premiados” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2010a – Anexo CD 8). E ainda: “Possuímos um sistema de gestão e avaliação de desempenho baseado em indicadores atribuídos a todos os gestores de nossas Unidades abrangendo desde a qualidade do ensino e do atendimento aos alunos à rentabilidade de nossas operações” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2010a – Anexo CD 8). O desempenho dos docentes para a classificação no ranking será uma nota composta da seguinte forma: 50% é composta pela nota obtida na avaliação interna – CPA dos alunos; 30% da nota é composta pela avaliação realizada pelo coordenador do curso no segundo semestre letivo; e 20% será auferido a partir da nota atribuída pelo gestor acadêmico e/ou pelo gestor da unidade (este cargo existe apenas nas unidades do Rio de Janeiro e de São Paulo). Para ser eleito para o ranking e, portanto, para o prêmio salarial, precisa cumprir algumas exigências: 1) Estar classificado entre os 20% melhores avaliados da unidade que leciona com base no resultado da nota individual; 2) Nota individual mínima de 3,80; e 3) ter sido avaliado, na soma dos dois semestres, por, pelo menos, 60 alunos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2010a – Anexo CD 8).
198
que foi noticiada como sendo dedicada ao ensino superior da rede privada (UOL, 2011). Em
maio do mesmo ano, em nota no site do MEC, anuncia-se a criação de suas novas secretarias,
sendo uma delas a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, composta por
três diretorias que atuarão no âmbito da implementação de políticas de regulação e supervisão
da educação presencial, educação a distância e da profissional e tecnológica. Repare-se que tal
mudança não apenas atende, ao menos parcialmente, às reivindicações do setor, como
também caminha pari passu com a indução do modelo da expansão tal como proposta na
Carta de Salvador: incentivar os Cursos Superiores de Tecnologia para um aumento, até 2015,
de 12,5%, (300 mil novos alunos) e dar visibilidade e apoio à educação a distância, o que
representaria o incremento das matrículas em até 500 mil novos alunos, representando uma “
[...] forte inclusão das classes menos favorecidas e para o atendimento dos municípios que
ainda não possuem ensino superior” (FÓRUM, 2011, p. 13), que representam, na verdade,
uma espécie de mercado a ser conquistado.
Na carta de resultante do II Congresso da Educação Superior Particular ocorrido em
Araxá, cujo tema foi: “Crise, realidade, cenários, tendências e futuro da educação
brasileira”224, a questão da avaliação/regulação volta a ser tematizada na mesma linha de
compromissos e expectativas: “Continuar contribuindo [porque já contribuem, evidentemente]
com o Poder Público na formulação de Políticas Públicas de Educação, com destaque à
qualidade de ensino e aos instrumentos eficazes de avaliação, respeitando sempre a
diversidade de instituições e cursos” (FÓRUM, 2009, grifos nossos). Avançam ainda mais na
questão da avaliação e da regulação quando propõem não apenas a marcar maior presença nas
Comissões de Educação de ambas as casas legislativas, mas, também, como na Carta do
Recife, a atuar no fortalecimento da Frente Parlamentar em Defesa do Ensino Superior
Brasileiro em sua atuação junto ao Ministério da Educação, na tentativa de discutir as
distorções produzidas por critérios como o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e pelos
instrumentos avaliativos do INEP que, solicitam, seja apenas órgão avaliador e não
fiscalizador. A recomendação é, mais uma vez, a criação da agência reguladora voltada
exclusivamente para o setor particular.
Na Carta de elaborada no III Congresso Brasileiro da Educação Superior Particular –
“O Setor Privado como Ator e Parceiro na Construção do Plano Nacional de Educação (PNE)
2011-2020”, que aconteceu em Florianópolis, a mesma formulação aparece: ao afirmar o
224 Interessante observar o nome dado aos Congressos, especialmente neste caso, na medida em que revelam as questões que movem a elaboração das propostas. Aqui fica clara a percepção da crise e a tentativa de articular novo direcionamento. Não deve ser à toa que esta carta é aquela que mais avança na direção do financiamento público.
199
direito [e não dever] do Poder Público em desenvolver processos de regulação e de avaliação,
afirma que este deve respeitar “[...] a diversidade e a heterogeneidade do sistema educacional
brasileiro com base nos princípios previstos no artigo 37 da Constituição Federal, na Lei n°
9.784/99 e na Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES)”225
(FÓRUM, 2010). Ou seja, dá a entender que é preciso exigir o cumprimento de princípios,
logo, que estes podem não estar sendo cumpridos.
Na Carta de Salvador, o tom do discurso se desloca, tomando um ar mais conciliador:
não se trata de apresentar suas expectativas, mas de sua disponibilidade para um pacto social
de suma importância. Aliás, o título recebido pelo Congresso é bastante sugestivo: IV
Congresso Brasileiro da Educação Particular – “Desafio de colocar 10 milhões de estudantes
no ensino superior”. Esse desafio é apresentado como sendo um desafio para a sociedade
organizada e o Estado. Todavia, ao se prospectar o documento que subsidiou as discussões,
fica clara a questão central para o setor: a estagnação do ritmo de crescimento do setor
privado exige um rearranjo das relações com o Estado no sentido de garantia da lucratividade
do setor. Daí o desafio de incorporar estes 10 milhões de estudantes226, de preferência, pela
via do financiamento público das vagas.
Destarte, no texto da Carta de Salvador, ao se afirmar como parceiro do poder público,
o setor coloca sua infraestrutura, “[...] suas condições qualitativas, técnicas e experiência [...]”
(FÓRUM, 2011, p.3) a serviço da sociedade, expõe também a necessidade de uma relação de
reciprocidade e de diálogo permanente com o MEC na tentativa de aprimorar essa relação e
aumentar a confiança entre os interlocutores (FÓRUM, 2011). Em seguida, volta a pontos
presentes nas cartas anteriores, repetindo sua necessidade de aumentar a participação nos
processos e nos órgãos deliberativos dos projetos educacionais, de modo que sua participação
seja mais representativa da participação do setor no sistema de educação, bem como de
tratamento isonômico em relação às IES públicas por parte do Estado. Repare-se que essa
isonomia é o sustentáculo das reivindicações do setor privado em relação ao fundo público.
No que tange à avaliação e à regulação, o discurso é o inverso: a necessidade de tratamento
225 O artigo 37 versa sobre os princípios da Administração Pública sob os quais devem se conduzir a Administração Pública direta ou indireta. A lei n° 9.784/99 regula o processo administrativo na Administração Pública Federal. A Lei nº 10.861 instituiu o SINAES. 226 Ver-se-á, em outro momento do texto, como o argumento central do estudo é que o custo de incorporação de alunos ao setor privado é muito menor – o preço por aluno é diferente em mais de 60% a menos – do que no setor público. Daqui se vislumbra a contradição: porque o custo é tão menor? Sobre isso, o texto silencia, mas trata-se de um conjunto de fatores que envolvem: o regime (predominantemente horista) e as condições de trabalho dos docentes e dos técnico-administrativos, a ausência de investimentos em pesquisa, fora o fato de que uma parte dessas instituições construiu tal capacidade ociosa com contribuições diretas e indiretas estatais – a questão do estatuto da filantropia aqui é fundamental.
200
diferenciado dadas as especificidades do setor, seu alto grau de heterogeneidade e de
diferenciação acadêmica.
Apresentando-se como ator do pacto nacional, reconhece os avanços no sistema de
educação superior brasileiro a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.384/96), incluindo as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN´s) e a
implantação do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES), apesar de
criticar os instrumentos utilizados pelo SINAES, em especial, a criação de índices que
permitem o ranqueamento de cursos e/ou instituições. Critica ainda a divulgação para a
imprensa de informações referentes ou de interesse do segmento privado sem o prévio
conhecimento das instituições – claro que especialmente o resultado das avaliações que, se
negativo, prejudica seu capital de marca e, com ele, sua posição no mercado educacional.
Afirma compromisso com a qualidade dos serviços educacionais oferecidos de acordo com os
indicadores válidos para todo o sistema universitário, obedecendo assim, ao princípio de
isonomia de tratamento tal como postulado pela lei do SINAES227.
Uma vez tendo constatado, de acordo com o documento que subsidiou o Congresso e
a Carta de Salvador, que há uma significativa evasão provocada pela falta de identificação do
aluno com o curso escolhido, o setor faz a crítica à estrutura curricular estanque dos cursos
atuais, o que dificultaria a mobilidade no mercado de trabalho e a dificuldade do aluno em
mudar de curso. Daí também a ideia de uma reestruturação dos cursos no modelo
anterormente exposto: ele facilitaria este trânsito para o aluno, evitando, desta forma, a
evasão. Além disso, aponta-se para um ponto que já está presente nas outras cartas: a forte
regulamentação das profissões, que já aparece, muitas vezes, pela via de “agentes externos ao
processo educacional” (FÓRUM, 2011, p. 4), como a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), resultando em uma espécie de “peso” sobre as diretrizes do MEC. Essas propostas se
fazem acompanhar de outras que dizem respeito ao aspecto do financiamento, e que se
destacam pelo grau com que contam com o fundo público de modo direto para a reprodução
do setor público, que serão apresentadas na próxima seção.
3.1.2 A questão do financiamento
227 Curiosamente, a Lei nº 10.861, de abril de 2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), não fala em isonomia de tratamento. A referência a esta lei se faz porque esta prevê um tipo de avaliação que leve em conta as diferenças entre as diversas organizações acadêmicas. Isso é importante na perspectiva do setor privado porque a maior parte de suas instituições está no segmento, em termos de diferenciação acadêmica, das faculdades isoladas e/ou integradas. Assim, de acordo com a Lei, estas instituições teriam de ser avaliadas considerando-se esta especificidade, que as torna diferentes do segmento universitário, este, sim, obrigado a desenvolver ensino-pesquisa-extensão.
201
Neste período, destaca-se o eixo relativo à questão do financiamento. Se, na Carta do
Recife (2008), a questão do financiamento público aparece de modo ainda “tímido”, na Carta
de Florianópolis (2010), o avanço do setor na direção do fundo público já se faz notável.
Pode-se observar, por exemplo, como em 2008 e 2009, as cartas de intenções insistem em
uma ligação mais “orgânica” entre o ensino superior particular e o ensino básico, na direção
do “aperfeiçoamento” da formação de professores para melhorar a qualidade da educação
brasileira – na realidade, a formação de professores se constitui como um imenso contingente
de potenciais pagantes -, na Carta elaborada em 2010 essa questão é abandonada, em parte
porque esta reserva também já mostrava sinais de esgotamento em termos de financiamento
particular. Todavia, essa questão retorna com força na Carta de 2011, mas agora na direção do
ensino médio, em duplo sentido: trata-se de tomar a formação de professores para o ensino
médio como “nicho” privilegiado de mercado e, supostamente, com isso, cumprir sua parte no
pacto proposto, ou seja, garantir a melhoria da qualidade da educação no nível médio e
superior pela formação de professores.
Na Carta de 2008, o assunto financiamento é citado em apenas três pontos: a) na
proposta de um trabalho conjunto com o governo e a sociedade para a ampliação do acesso
das classes “C”, “D” e “E” ao ensino superior em um total de cinco milhões de novos alunos
em cinco anos (até 2013); b) na reivindicação do “Aperfeiçoamento dos mecanismos de
financiamento à educação superior com a ampliação dos recursos previstos e com a
eliminação das burocracias desnecessárias” (FÓRUM, 2008, grifos nossos); e c) no
requerimento de alterações na Lei nº 9.780/99228 que, de acordo com o Fórum, fomenta a
inadimplência e obstaculariza a expansão das linhas de financiamento estudantil.
Já na Carta de Araxá (2009), as menções às formas de financiamento são mais amplas,
demonstrando aintenção das IES privadas de avançarem sobre o financiamento público229.
Além da já citada modificação na Lei nº 9.870/99, tem-se ainda: a) a proposição de
modificações nos critérios de ingresso no ProUni, levando em consideração a renda e não a
proveniência escolar (escola pública ou privada) e a participação dos alunos da pós-graduação
(lato e stricto sensu) no programa; b) a requisição de programas de financiamento para capital
de giro em apoio ao desenvolvimento do ensino superior privado pelas vias do BNDES; c)
solicitação de modificações ao Projeto de Lei (PL) nº 5.413/09 encaminhado pelo Governo
228 O número correto da lei é nº 9.870/99, na verdade. Esta lei veda qualquer tipo de punição pedagógica contra o aluno inadimplente e postula que o aluno só pode ser desligado da instituição por inadimplência, no caso do ensino superior, após o final do semestre letivo. 229 Em outro documento, as entidades como a ABMES, ABRAFI, ANUP e SEMESP requisitam, a fundo perdido, que o MEC ofereça às instituições uma linha de financiamento para adequação da estrutura física e pedagógica para o atendimento dos alunos Portadores de Necessidades Especiais, dado o custo dessa adaptação.
202
Federal ao Congresso Nacional na direção da facilitação do acesso do aluno ao financiamento
estudantil, permitindo sua pré-classificação antes da matrícula efetiva; d) o pleito de “apoiar
projetos de lei que permitam a utilização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e do
Fundo de Amparo ao Trabalhador para o pagamento de anuidades escolares” (FÓRUM,
2009); e) a proposta de prospecção de recursos no Banco Mundial para pesquisa e infra-
estrutura na educação superior escolar e f) a proposição da recuperação judicial de entidades
sem fins lucrativos por meio de alterações na legislação.
Para citar uma ação já instituída, e que o setor privado gostaria de ver ampliada, o
ProUni é o programa do governo federal em que as IES privadas concedem bolsas integrais
e/ou parciais em cursos de graduação ou sequenciais aos alunos cujas famílias possuem renda
de, no máximo, três salários mínimos, em troca de isenção fiscal dos seguintes tributos:
Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre Lucro líquido (CSLL),
Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (COFINS). A rigor, para muitas entidades, o ProUni foi altamente positivo, na medida
em que, por exemplo, previa não apenas a isenção dos tributos e impostos acima, mas,
principalmente por abrir uma brecha que permitia a passagem de entidades sem fins lucrativos
para o estatuto de entidades com fins lucrativos, com uma previsão de pagamento escalonado
dos impostos que seriam, a partir de então, cobrados dessas IES. Outras falhas na legislação
começaram recentemente a aparecer, não apenas em termos de irregularidades relativas à
documentação e à situação social dos alunos beneficiados com bolsas, mas também às brechas
nas regras do próprio programa. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem apontado para o
fato de que as instituições que oferecem as vagas recebem a isenção independentemente da
ocupação efetiva destas. Assim, cerca de R$ 104 milhões em isenções teriam sido concedidos
indevidamente, afirma TCU (O GLOBO, 2011).
Na Carta de Florianópolis (2010), a teia que avança sobre o financiamento pela via do
fundo público se mantém. Vários itens são destacados: a) apoiar e preparar a inclusão na
educação superior até 2020, de 50% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos, um montante de
12 milhões de estudantes (interessante número para potencial público pagante)230; b)
desenvolver “parceria” com o Governo Federal, “[...] por meio de incentivos integrados e
conjuntos, um Programa de Apoio aos Jovens oriundos das classes de renda “C”, “D”e “E”,
230 Não se trata, de modo algum, de defender posição contrária a expansão do número de matrículas na educação superior. Pelo contrário, a posição política aqui afirmada é aquela que defende a expansão, porém, não com o sentido de precarização – das instituições, do trabalho docente e da formação humana - que ela toma hoje, seja por meio de ações como o ProUni, seja por meio do REUNI. Defende-se a expansão da educação superior – e não apenas de sua faceta centrada no ensino – pública, capaz de formar sujietos em sua inteireza, de habilitar sua atuação no mundo do trabalho e sua capacidade de reflexão crítica.
203
que apresentam condições de frequentar o ensino superior” (FÓRUM, 2010); c) reivindicar
novamente a reestruturação dos critérios para acesso às linhas de financiamento do BNDES,
para serem utilizadas pelas instituições com “maiores necessidades”; d) ampliar o acesso ao
Fundo de Apoio ao Estudante de Ensino Superior (FIES)231, a partir da criação de um fundo
garantidor de financiamentos concedidos a ser criado com a participação do setor particular
do ensino superior junto com o Governo Federal.
Como se pode observar acompanhando as políticas governamentais, algumas dessas
reivindicações já foram atendidas. O ProUni já “incorporou”, ao menos, parte dos critérios
propostos para o setor. A regra para a bolsa integral é: renda familiar de até um salário
mínimo e meio por pessoa. Nas bolsas parciais (50%), a renda familiar por pessoa deve ser de
até três salários mínimos por pessoa. E ainda cumprir uma das seguintes condições: a) ter
cursado o ensino médio completo em escola da rede pública; b) ter cursado o ensino médio
completo em instituição privada na condição de bolsista integral da respectiva instituição; c)
ter cursado todo o ensino médio parcialmente em escola da rede pública e parcialmente em
instituição privada, na condição de bolsista integral da instituição privada; d) ser pessoa com
deficiência; e) ser professor da rede pública de ensino, no efetivo exercício do magistério na
educação básica e integrando o quadro de pessoal permanente de instituição pública e que
estejam concorrendo a bolsas nos cursos de licenciatura, normal superior ou pedagogia.
Nesses casos, não é considerado o critério de renda. Além disso, o ProUni foi alçado à
condição de modelo para a expansão do ensino médio técnico e profissional – caso do
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (PRONATEC). E mais
algumas modificações no ProUni foram realizadas bem na direção ensejada pelo setor
privatista: aumento do prazo para o bolsista do ProUni concluir a graduação, meia passagem
para os bolsistas do ProUni no município do Rio de Janeiro, o que ajuda na manutenção deste
aluno no curso.
Já o BNDES firmou, recentemente, com o Ministério da Educação (MEC), um acordo
para tornar viável um novo programa de financiamento para as IES públicas e privadas: o
Programa de Melhoria do Ensino das Instituições de Educação Superior. Este programa
dispõe de orçamento de R$ 1 bilhão, com vigência pelos próximos cinco anos. Tal
231 O FIES foi criado em 1999 para substituir o Programa de Crédito Educativo - PEC/CREDUC. De fato, as regras do FIES foram alteradas desde janeiro de 2010. A lei nº 12.202/2010 reduziu os juros do financiamento de 6,5% ao ano para 3,5% ao ano, com aumento no prazo para pagamento da dívida, que é agora de três vezes o período de duração do curso. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) assumirá o posto de Agente Operador do FIES. E ainda, os estudantes de medicina e de cursos de pedagogia ou de outras licenciaturas poderão pagar sua dívida por meio de prestação de serviços ao setor público. Para cada mês trabalhado, será abatido 1% da dívida. Além disso, o estudante pode combinar o ProUni – bolsas parciais de 50% - ao FIES para alcançar 100% de financiamento. Em março, o Conselho Monetário Nacional aprovou mais uma redução da taxa de juros, agora para 3,4% ao ano.
204
financiamento – na suposta direção da melhoria da qualidade de ensino - dependeria de alguns
requisitos, “[...] incluindo parâmetros de desempenho mínimo nas avaliações no âmbito do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e a aprovação do plano
institucional da IES pelo MEC. Além do mais, o Programa prevê que o MEC estabelecerá
metas de melhoria da qualidade para cada IES financiada e monitorará o seu desempenho. Os
itens financiáveis pelo Programa incluem, além de investimentos fixos, a reestruturação
financeira da IES, mediante apresentação de projeto de otimização operacional, com vistas a
garantir a sustentabilidade financeira da instituição” (SÉCCA; LEAL, 2009, p. 105). Esse
programa abre a hipótese também de que as reivindicações em termos de avaliação e
regulação do setor privado - agência de acreditação específica do setor privado,
principalmente, - têm como um de seus objetivos criar condições para enfrentar os requisitos
ou pré-condições de acesso aos financiamentos públicos.
A Carta de Salvador (2011) é, neste sentido, a mais “ousada”. Pautando-se pelo
princípio de isonomia, afirma que falta “investimento em infraestrutura e melhoria das
condições de ensino por parte do poder público ao segmento particular de ensino superior,
devendo-se, em primeiro lugar, reformular o Programa MEC/BNDES232, no sentido de
flexibilizar as regras e reduzir as exigências para empréstimo, além de premiar o setor com
taxas diferenciadas. Além disso, avança sobre o FIES, propondo sua ampliação já na direção
do concluinte de ensino médio, tornando o financiamento mais acessível a uma faixa maior de
público e de maior alcance, caso da manutenção do aluno tempo integral:
- Antecipar pré-contratos para o último ano do ensino médio; - Ampliar o ingresso no Programa para alunos que pertençam a famílias cuja renda salarial per capita seja de até cinco salários mínimos; - Tornar a operacionalização do sistema automática, de forma a se evitar os transtornos atuais da fase de adaptação do FNDE233; - Tornar efetiva a bolsa de manutenção para alunos de cursos de tempo integral (FÓRUM, 2011, p. 13-14).
No caso do ProUni, demanda:
- A manutenção do sistema de bolsas parciais e integrais; - A criação e efetivação da bolsa de manutenção para alunos de cursos em tempo integral;
232 No site do Programa, o visitante é recebido pelo anúncio da diminuição de juros do Programa BNDES PSI, que estimula a produção e a aquisição de bens de capital e as inovações tecnológicas, o que traz importantes repercussões para as empresas educacionais interessadas na expansão pela via dos cursos superiores tecnológicos e da EAD. 233 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE.
205
- Aumento das faixas de renda per capta exigida para ingresso no Programa de maneira a ampliar a participação dos alunos; - Estabelecer um melhor sistema de monitoramento para fiscalização das informações prestadas pelos alunos (FÓRUM, 2011, p. 14, grifos nossos).
Neste ponto, o setor parece antecipar ou responder a denúncia de repercussão
nacional: o Programa Fantástico, da rede Globo de televisão realizou reportagem em que
mostra que alguns estudantes, que não seriam de baixa renda, estariam sendo beneficiados
com bolsas do ProUni. Deste modo, o setor, na Carta de Salvador que resulta do Congresso
realizado pelo Fórum alguns poucos dias depois da exibição do programa, aponta direções e
responsabilidades sobre o fato. Em primeiro lugar, solicita a ampliação do limite de renda per
capita exigida para a participação do aluno no ProUni. A outra é aprimorar a fiscalização das
informações prestadas pelos alunos. É verdade que, ao fazê-lo, praticamente admite que a
fiscalização até então exercida era pouco eficaz. O governo respondeu, no dia seguinte, com o
anúncio do estudo de medidas que visariam tanto apurar irregularidades, detectadas, desde
2009, pelo TCU e as então denunciadas, bem como modificar os critérios pelos quais as IES
recebem isenção fiscal. Até então, a IES recebia a isenção fiscal em troca da oferta de bolsas.
A proposta é de que passem a receber isenção pelo número de bolsas efetivamente
preenchidas. Até o momento, essa modificação não entrou em vigor.
Todavia, analisando com maior cuidado o estudo que serviu como subsídio ao
Congresso de Salvador, pode-se desvelar uma dimensão mais profunda do direcionamento do
setor. Uma vez que o governo Lula realizou investimentos no setor público da educação
superior – bem como já demonstrado, no setor privado -, indicando a necessidade da expansão
das matrículas na educação superior, confirmada no Plano Nacional de Educação (PNE) –
2011-2020, e possibilitada pela quantidade de jovens, por exemplo, ainda alijados deste nível
do sistema de educação, somados à previsão, pelos analistas, do aumento do investimento
governamental no setor educacional (CM CONSULTORIA, 2011, p. 10), o setor privado
parece querer se antecipar à disputa do sentido e dos caminhos deste novo ciclo, e faz isso
com a seguinte argumentação: nosso setor já existe, está montado e com capacidade ociosa. É
muito mais barato, em termos de custo por aluno, do que o setor público. Assim sendo,
realizar o novo ciclo de expansão pela via privada custaria menos ao Estado, significando
“fazer mais com menos”, discurso neoliberal por excelência. Claro que esse menos
significaria muito para o segmento privado/mercantil, em termos de sustentação de sua
lucratividade. Claro que o argumento do custo por aluno, é, como visto, extremamente
capcioso, apresentando-se, neste caso, um resultado sem metodologia de cálculo clara,
expressando, de saída os interesses do lobby privatista. Por exemplo, os números apresentados
206
pela CM Consultoria, a partir de demanda do Fórum das Entidades Representativas do Ensino
Superior Particular, apontam para um custo médio anual por aluno nas IES públicas de R$
15.452,00. O valor médio da anuidade numa IES privada seris de R$ 5.500,00. Ao se tomar
outra perspectiva, como, por exemplo, a adotada por Amaral (2003), verifica-se uma
diferença essencial: a consideração de múltiplos fatores: “A escolha dessa modelagem, em
especial, se deve ao fato que ela explicita a complexidade de uma instituição de ensino
superior, ao separar recursos que se dirigem ao ensino, daqueles que se destinam à pesquisa, à
extensão e aos Hospitais Universitários (HU’s)” (AMARAL, 2003, p. 3). Além disso, não
considera o pagamento de pensionistas, inativos e de precatórios. Nesta metodologia, o custo
do aluno (ensino) ficaria em R$ 5.488,00. Aliás, segundo a Estácio Participações S.A. (2007,
p.111, grifos nossos), ao descrever os riscos de se investir em um negócio que se relaciona a
políticas de investimento dos governos:
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases, o Governo Federal deve priorizar investimentos públicos no ensino fundamental e médio e estimular investimentos no ensino superior por entidades privadas. Em razão de restrições orçamentárias, os recursos públicos disponíveis para oferecer oportunidades de ensino superior a jovens adultos já inseridos no mercado de trabalho são limitados.
Observando as “propostas” elaboradas pelas empresas educacionais e suas entidades
representativas nos eixos da avaliação/regulação e financiamento ao longo de 2008, 2009 e
2010, pode-se precisar, com alguma nitidez, o direcionamento do setor em relação ao governo
e à sociedade na tentativa de produzir uma espécie de consenso em torno de seus interesses,
para que se os tome como parâmetro para a formulação e execução de políticas públicas
voltadas para o setor neste novo momento do processo de empresariamento da educação
superior. Este momento é marcado pela formação de grandes conglomerados educacionais,
em sua maior parte, controladas por grupos financeiros a partir da abertura de seus capitais, e
que buscam, cada vez mais, imprimir sua “marca” nas políticas de educação superior no
Brasil. Neste sentido, as posições do setor são muito claras: afirmação do papel
(democratizante e plural), do tamanho e da importância do setor, exigência de modificações
nos processos avaliativos de modo que não se revele as fragilidades educacionais dessas
empresas, menor regulação, com regras especificamente formuladas para as IES privadas
(diferenciadas das regras do setor público), aumento da ingerência direta e indireta na
formulação, tanto no âmbito do Legislativo, quanto no Executivo, das políticas estatais para o
setor, e, mais importante, avança sob formas de financiamento público direto e indireto, e até
207
mesmo o financiamento oriundo dos próprios organismos internacionais, como o BM234, que
respondam ao esgotamento da capacidade de financiamento particular das famílias,
permitindo, simultaneamente, pela própria atuação do financiamento público, a concentração
de capitais que engendra a nova era da mercantilização da educação superior, de caráter
financeirizado e internacional, a era das consolidações.
Pode-se apontar como algumas destas propostas encontram eco nas políticas
educacionais dos referidos governos. Em abril de 2011, ao comentar as novas regras para o
financiamento estudantil, supracitadas, a Presidente Dilma Roussef, no programa semanal de
rádio Café com a Presidenta, anunciou: “Só não estuda quem não quer”, e conclamou mais
estudantes a buscarem essa forma de financiamento. Por outro lado, desde o governo Lula,
uma série de formas de avaliação, regulação e financiamento foram criadas e estão sendo
constantemente modificadas, atendendo, em maior ou menor medida, às demandas do setor
privatista que conta, mais do que nunca, com o fundo público como garantia de sua
reprodução.
3.2 Algumas notas sobre trabalho docente no setor privado
A primeira, e quiçá mais importante determinação da condição objetiva e subjetiva
para o trabalho docente na iniciativa privada, é a sua afirmação como espaço de acumulação
capitalista em termos nacionais e internacionais. Assim, as condições concretas produto e
modus operandi do empresariamento da educação superior no Brasil, reverberam para o
trabalho docente nas IES privadas. As atuais condições objetivas do trabalho docente nas IES
privadas seguem, em primeiro lugar, os parâmetros pautados pela acumulação flexível em
qualquer área de atuação: sua remuneração tem como base a produtividade. Nas IES privadas,
os docentes são, em sua grande maioria, horistas, apesar da exigência legal para que as
universidades, especialmente, instituam um plano de carreira235. Os números da Sinopse
Estatística do Censo da Educação Superior (2009) demonstram: o número de funções
docentes atuantes na iniciativa privada em instituições de ensino superior, em cursos de
234 A Estácio Participações firmou, em 2010, contratos de empréstimo e de financiamnento junto ao BNDES e ao Internacional Finance Corporation (IFC), membro do Banco Mundial, no valor de US$ 30 milhões. Segundo a Estácio Participações S.A. (2010b, p. 1), “Os recursos serão utilizados para melhorias nos campi existentes, expansão de novas unidades e para o financiamento de aquisições de empresas”. 235 Uma das propostas da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES) para o quadriênio 2007-2010 é a diminuição do regime integral de 40 horas para 36 horas para que possa se equiparar às normas da CLT. Ver Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior - ABMES. “Políticas para a Educação Superior. Propostas do Setor Privado”, 2006. Disponível em <http://www.abmes.org.br>. Acesso em: dez. 2007. Pode-se ainda aventar a hipótese de que os planos de carreira que aparecem nestas instituições digam mais respeito a regimes de remuneração do que de trabalho (LÉDA, 2006). Assim, os dados apresentados na Sinopse do Censo da Educação Superior poderiam estar subestimados.
208
graduação presenciais, é de 217.840 professores (em exercício)236. Destes, apenas 46.894
professores trabalham em regime de dedicação integral (21,52%) e 55.574 em regime de
dedicação parcial (25,51%)237. A grande maioria, 115.372 docentes (52,96%), trabalha como
horista. Mais da metade das funções docentes em exercício no país tem como regime de
trabalho o horista.
Tabela 9
Número de funções docentes em exercício, por organização acadêmica e Regime de trabalho segundo unidade da Federação e categoria administrativa das IES – 2009
Unidade da
Federação/Categoria
Administrativa
Total Geral
Total Tempo
Integral
% Tempo
Parcial
% Horista %
Pública 122.977 97.069 78,93 17.485 14,22 8.423 6,85
Privada 217.840 46.894 21,52 55.574 25,51 115.372 52,97
Fonte: BRASIL. MEC.INEP. Sinopse Estatística do Censo da Educação Superior, 2010.
Ao se olhar para as instituições universitárias privadas, a questão se torna ainda mais
grave, na medida em que este tipo de organização acadêmica tem a obrigação legal, postulada
pela LDB/96, de contratar, pelo menos, um terço de seu corpo docente em regime de trabalho
de tempo integral e com Mestrado ou Doutorado, ou seja, um total de 33,33% as funções
docentes. Neste tipo de instituição, de um total de 73.175 funções docentes em exercício,
apenas 24.178 operam em regime integral, ou seja, cerca de 33,04% das funções docentes
possuem este regime de trabalho. Para se considerar que este número satisfaz as exigências ou
chega muito perto de fazê-lo, ter-se-ia que se afirmar que todas as instituições mantêm esta
média, o que, segundo informações do próprio MEC, não é verdade. Em um relatório parcial
de setembro de 2009, o MEC, por intermédio da Secretaria de Educação Superior (SESU),
com base nos dados coletados pelo INEP, em especial, o cadastro nacional de docentes,
construído com informações fornecidas pelas próprias instituições238, e a partir dos dados do
Censo da Educação Superior de 2007, realizou um levantamento no sentido de supervisionar
236 Em 2009, o INEP utilizou como recurso metodológico a coleta de informações referentes apenas a professores em exercício, tal como fazia até 2000. 237 BRASIL. INEP. MEC. Sinopse Estatística da Educação Superior 2009. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp>. Acesso em: ago 2011. 238 O ponto de partida do cadastro são as informações fornecidas pelas próprias instituições, o que mostra a fragilidade da própria supervisão.
209
a situação do corpo docente vinculado as Universidade e aos Centros Universitários239.
Chegou-se ao resultado inicial de que 123 instituições que não atendiam aos requisitos
necessários, relativos à titulação de corpo docente e regime de trabalho.
As IES foram classificadas em seis grupos: 1. Universidades: - Universidades que atendiam apenas ao critério titulação (54 IES) - Universidades que atendiam apenas ao critério regime de trabalho (1 IES) - Universidades que não atendiam a nenhum critério (5 IES) 2. Centros Universitários: - Centros Universitários que atendiam apenas ao critério titulação (52 IES) - Centros Universitários que atendiam apenas o critério regime de trabalho (1 IES) - Centros Universitários que não atendiam nenhum critério (10 IES) (MEC/SESu, 2009, p. 2-3 – Ver Anexo O).
Assim, a SESu notificou, em abril de 2009 - portanto quase dois anos depois da coleta
dos dados -, as 123 instituições, que poderiam responder ou contestar as informações em até
10 dias, contados a partir do recebimento da notificação. As IES que desejassem contestar os
dados levantados pelo INEP deveriam atualizar as informações diretamente no site do
cadastro docente do sistema e-MEC. Após o prazo de dez dias, a situação era a seguinte
(MEC, 2009):
a) 28 IES permaneceram em situação irregular, no que se refere à composição de seu corpo docente, após atualização dos dados no sistema E-MEC e/ou justificativa acerca das deficiências constatadas no Censo da Educação Superior, sendo 20 universidades, e oito centros universitários; b) Sete IES permaneceram em situação irregular, no que se refere à composição de seu corpo docente, após atualização dos dados no sistema E-MEC e/ou justificativa acerca das deficiências constatadas no Censo da Educação Superior e que possuem ICG menor que 3, sendo quatro universidades, e três centros universitários; c) Sete IES pertencem a sistemas estaduais de ensino, sendo mantidas por recursos públicos estaduais ou municipais nos termos do art. 17 da LDB, sendo cinco universidades, e dois centros universitários; d) Cinco IES pertencem a sistemas estaduais de ensino, tendo sido verificado, contudo, serem mantidas por recursos privados, em desacordo com o disposto no art. 16 da LDB, sendo duas universidades, e três centros universitários; e) Três IES apresentaram inconsistências nos dados atualizados no sistema EMEC, demonstrando situação de corpo docente incongruente com a situação verificada no Censo da Educação Superior de 2007, ou com o número de cursos mantidos por elas, sendo duas universidades e um centro universitário; f) 73 IES demonstraram situação regular, no que se refere à composição de seu corpo docente, após atualização dos dados no sistema E-MEC, sendo 27 universidades e 46 centros universitários (MEC, 2009, p. 3-4 – Ver Anexo O).
239 Essa supervisão aconteceria de acordo com o definido no Decreto 5.773/06, que “Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de ensino”.
210
O relatório afirma ainda que o prazo definido na LDB/96 para as universidades se
adequarem a estas exigências era de oito anos, tendo expirado em 2004. Depois de atualizadas
as informações no E-MEC e em relação às IES que o fizeram, restaram apenas irregularidades
no que diz respeito ao regime de trabalho, com a exceção de uma IES que mantém uma
pequena deficiência em relação à titulação do corpo docente. Depois de decorrido o prazo
legal para correção das deficiências apresentadas pelas universidades e centros universitários,
algumas alterações na lista foram feitas. A Universidade Positivo foi excluída da lista, após
ser constatado um engano da análise dos dados. Mais três IES realizaram reestruturações,
atualizaram as informações e as comprovaram: Centro Universitário Santo André,
Universidade Metodista de Piracicaba e Universidade Potiguar. A Universidade Santa Cruz
também tomou estas mesmas providências, mas foi notificada pela grande variação, para
menos, no seu número total de docentes. Outras sete IES pediram – e conseguiram -
ampliação do prazo: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Universidade Católica
de Pernambuco, Universidade FUMEC, Universidade José do Rosário Vellano, Universidade
Vale do Rio Doce e Centro Universitário Capital.
Outras sete IES, que apresentavam Índice Geral de Cursos (IGC) menor do que três
(3), além da notificação para saneamento das deficiências relativas a corpo docente, tiveram
que se submeter a uma medida cautelar que as impede de criar cursos novos ou aumentar as
vagas, sem, entretanto, serem diretamente mencionadaas no relatório. Nenhuma destas
recorreu da decisão. No caso das sete IES estaduais, sua regulação e supervisão cabem aos
Conselhos Estaduais de Educação, que foram devidamente notificados da situação. Em outros
casos, as IES notificadas afirmaram pertencer aos sistemas estaduais, o que não foi
confirmado, verificando-se que estas são mantidas por recursos privados, o que as coloca sob
a regulação relativa ao sistema federal. Assim, foram novamente notificadas e deveriam
comprovar ou seu pertencimento ao sistema estadual ou pedir regularização de sua situação
junto ao sistema federal. Cinco instituições apresentaram documentos que podem comprovar
seu pertencimento ao sistema estadual: Centro Universitário Barriga Verde, Centro
Universitário de Jaraguá do Sul, Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale
do Itajaí, Universidade do Contestado e Universidade do Planalto Catarinense. Ainda foram
constatadas divergências entre o Censo de 2007 e as informações prestadas pelas IES em três
casos. Desses, depois de decorrido prazo legal e de outra notificação, dois foram esclarecidos:
caso da Universidade de Guarulhos e do Centro Universitário do Norte Paulista. A
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) atualizou os dados, mas, mesmo assim, foram
encontradas deficiências na conformação de seu corpo docente, determinando assim a
211
necessidade de ajustes. Por último, 76 IES, depois da atualização de dados, cumpriram os
requisitos legais referentes ao corpo docente e tiveram os processos arquivados.
Das instituições que tinham 90 dias para sanear sua situação, algumas pertencem, por
aquisição, ao grupo Estácio. São elas: o Centro Universitário Radial (UNIRADIAL), com
apenas 18% de seu corpo docente em tempo integral, e o Centro Universitário da Bahia, com
19,15%. As duas instituições têm o IGC igual a três (3)240. A assinatura do instrumento de
compra e venda que conduziu à aquisição das entidades mantenedoras241 do Centro
Universitário Radial é de 2007 e a mantenedora242 do Centro Universitário da Bahia é de
junho de 2010, posterior, portanto ao relatório. De acordo com informações do sistema E-
MEC, estas instituições sanearam sua situação em relação ao corpo docente.
Em 2008, segundo matéria publicada na Folha Online243, realizada com base nos
dados do Censo do INEP de 2006, apenas 37 das 86 universidades privadas no país cumprem
a exigência legal que determina que, pelo menos, um terço dos docentes deva ter regime de
trabalho integral. Nas universidades públicas, apenas seis não cumprem a lei. Este fato
desdobra-se em uma série de determinações objetivas sobre o trabalho docente. A primeira
delas é que o docente, para compor um salário minimamente razoável na iniciativa privada,
precisa passar muito tempo em sala de aula, em um processo concomitante de extensão da
jornada de trabalho e de intensificação assombrosos. Não se pode atualizar esses dados,
todavia, porque o Censo 2009 não os disponibiliza. O que é curioso é que os dados relativos
às universidades federais, no que tange à titulação e ao regime de trabalho, são apresentados,
mas os relativos às universidades privadas, não.
Segundo o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (SINPRO –
Rio), o salário do professor horista é calculado tendo como base o valor hora/aula, cujo piso é
estabelecido no acordo coletivo da categoria. Este teria obtido a seguinte variação entre 2000
e 2010:
240 De acordo com o E-MEC, em 2009, os dois Centros Universitários tiveram o IGC na faixa 2. 241 Irep Sociedade de Ensino Superior, Médio e Fundamental Ltda. e a Faculdade Radial de Curitiba Sociedade Ltda. 242 Sociedade Tecnopolitana da Bahia LTDA., que foi adquirida pelo IREP. 243 Folha Online. “Veja lista com percentual de professores com dedicação integral nas universidades”. 12 de maio de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u400812.shtml>. Acesso em: 12 maio 2008.
212
Tabela 10 Variação do valor do piso da hora/aula na Educação Superior de acordo com o
Sindicato dos Professores do município do Rio de Janeiro – SINPRO-Rio 2000-2010
Mês/Ano
Hora/aula Valores em reais (R$)
Professor auxiliar ou equivalente
Professor assistente ou equivalente
Professor adjunto ou equivalente
Professor titular ou equivalente
04/2000 17,73 19,81 20,63 22,12
10/2000 17,93 19,40 20,86 22,38
04/2001 18,84 20,38 21,92 23,51
04/2002 19,97 21,60 23,23 24,92
10/2002 20,67 22,36 24,05 25,79
04/2003 22,53 24,37 26,21 28,11
10/2003 24,50 26,51 28,51 30,57
04/2004 25,24 27,31 29,37 31,49
10/2004 26,12 28,26 30,40 32,59
08/2005 27,71 29,98 32,25 34,57
04/2006 28,28 30,59 32,91 35,28
06/2006 28,86 31,22 33,59 36,00
04/2007 29,81 32,25 34,70 37,19
04/2008 31,45 34,02 36,61 39,23
04/2009 32,08 34,70 37,34 40,02
09/2009 32,71 35,38 38,07 40,81
12/2009 33,31 36,03 38,78 41,56
04+09/2010 35,08 37,94 40,84 43,76
∆ % - 2000-2010
97 91 97 97
Fonte: SINPRO-RIO, tabela elaborada por nós.
Esta tabela, que indica aumento no período, deve ser pensada tendo em conta a
inflação acumulada no período. Entre 2000 e 2010, a inflação acumulada foi de 76,04 %, de
acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE). Esse índice mede o
aumento ou variação no custo de vida comum, mas é sabido que a profissão docente tem um
alto custo de reprodução. Cabe ressaltar também que se trata de piso de remuneração do
professor atuante no município do Rio de Janeiro e base estendida (Itaguaí, Seropédica e
213
Paracambi). Isso significa que a cada 10 horas/aula, a partir de setembro de 2010, o professor-
auxiliar, no município do Rio de Janeiro, recebe R$ 350,80. Se este professor trabalhar em
sala 15 horas/aula por semana, por exemplo, ganhará R$ 526,20 por semana, e o valor de R$
2.367,90 ao mês244. Admitindo, ainda, que este salário sofra alguns acréscimos, como repouso
semanal245 e até gratificações por aprimoramento acadêmico (Especialização, Mestrado e
Doutorado)246, também entram em cena os descontos, como INSS e Imposto de Renda. Além
disso, também significa muitas turmas, muitas vezes superlotadas, em que o professor repete
inúmeras vezes o mesmo conteúdo em uma única semana, algumas vezes em instituições, ou
campi diferentes, podendo estes se situar em municípios distintos. Pode significar, também, o
ministério de diversas disciplinas, exigindo que se passe mais tempo, ainda, envolvido com o
trabalho, seja na preparação das aulas, seja na correção de trabalhos e provas, ultrapassando
em muito a jornada de 40h semanais, embora receba por 15 horas de trabalho, no caso desta
simulação, fazendo penetrar ainda mais o tempo de trabalho no “tempo livre” do indivíduo. O
docente torna-se apenas um “aulista”, que compete por horas de trabalho com outros
“aulistas”, para o aluno-consumidor, um egresso de baixa qualidade247, que trabalha e estuda,
ou ainda, trabalha para estudar, o que, inclusive, pode tornar-se outro elemento estressor para
o docente, na medida em que este aluno, em geral, não tem tempo para ler, estudar mais
aprofundadamente e chega às salas de aula já cansado e sem a leitura do material indicado
pelo professor, o que torna a aprendizagem ainda mais complexa248. A existência de alunos-
trabalhadores fica patente pela larga presença de alunos no turno da noite: o número total de
alunos matriculados em cursos de graduação presencial oferecidos pelas instituições privadas
244 O cálculo do salário mensal é feito multiplicando-se o número de horas/aula por 4,5 semanas. Dados do site do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (SINPRO – RIO). Disponível em: <http://www.sinpro-rio.org.br>. Acesso em: 01 maio 2008. 245 O valor do repouso semanal remunerado, segundo o SINPRO-RIO, é de 1/6 sobre o salário base (número de horas/aula x 4,5 semanas. Disponível em: <http://www.sinpro-rio.org.br>. Acesso em: 01 maio 2008. 246 Segundo o SINPRO – RIO, trata-se de um acréscimo de 5%, no caso da Especialização, 10% no caso de Mestrado e 15% para o Doutorado, estipulado na Convenção Coletiva de Trabalho. No entanto, exatamente por isso, os Mestres e Doutores têm sido alvo de profunda desvalorização como forma de contenção de custos, o que inclui a demissão destes docentes, a redução de sua carga horária, ou ainda, o não-cumprimento da Convenção Coletiva. Disponível em: <http://www.sinpro-rio.org.br>. Acesso em: 05 maio 2008. 247 Esta baixa qualidade acadêmica do discente ingressante no ensino superior privado é produto do processo histórico de desenvolvimento educacional, social e econômico brasileiro. A esse respeito ver Cunha, 1989. Interessante é observar que a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior ABMES, em seu Plano Estratégico da Gestão 1995-1998, reconhece que uma das dificuldades relativa ao crescimento do serviço privado é a baixa qualidade do aluno egresso, mas postula que a solução para esse problema cabe ao Estado. Ver NEVES, L. M. W. “Rumos históricos da organização privatista”. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (org.) O empresariamento da educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002, p. 179-220. 248 Em um pungente texto publicado na revista Caros Amigos, Alaniz afirma: “Os estudantes chegam ao ensino superior com deficiências atrozes de conteúdo básico, quando não completos analfabetos funcionais. Nós, que ministramos as matérias de conteúdo humanístico, fazemos esforços sobre-humanos para suprir suas carências e conseguir que desenvolvam suas potencialidades para poder acompanhar as matérias mais técnicas” . Alaniz, Anna Gicelle Garcia. Tiro ao doutor: a mira no professor privado. Caros Amigos, n° 120, março de 2007. Disponível em: <http://www.contee.org.br/desnacionalização/m6.htm>. Acesso mar. 2008.
214
é de 3.806.091249. Desses, 2.698.829 estão matriculados no turno da noite. Em síntese,
70,90% das matrículas em cursos presenciais no setor privado estão concentradas no período
noturno250.
Para que se perceba que essas condições se modificam de lugar a lugar, basta observar
o que acontece com o piso da educação superior com base na medida hora/aula no município
de Niterói: a partir de 01/05/2010, de acordo com a Federação dos Trabalhadores em
Educação do Estado do Rio de Janeiro (FETEERJ), o piso de hora/aula no município é de R$
18,83251, bem menor que o do Rio de Janeiro. Esta questão é importante, na medida em que
algumas IES estão situadas em outros municípios, ou mesmo os professores trabalham em
mais de uma instituição e/ou campi. No caso da IES ora analisada, um dos mecanismos
engendrados pela nova administração assumida pela GP foi, exatamente, desmembrar os
contratos de trabalho pelos campi. Ou seja, um professor que trabalhe em um campus fora da
região coberta pelo SINPRO-RIO passou a ter um contrato de trabalho separado, com outro
valor de hora/aula, com outros encargos e descontos, inclusive no que se refere ao Imposto de
Renda. Na prática, funciona, para o docente, como se este tivesse duas fontes de renda, que
podem estar situadas em faixas diferentes de descontos no caso do IRPF, porém, ele tem, de
fato, um único empregador. Outra diferença é que muitas vezes ele ganha um valor muito
menor pela mesma aula oferecida em duas regiões sindicais diferentes. Além disso, esse
processo conduzido nas brechas da legislação trabalhista enfraquece a capacidade de luta dos
trabalhadores, desmobilizando a ação sindical conjunta.
Outra consequência do trabalho como horista é que a atividade de pesquisa não tem o
devido tempo para acontecer. Como podem as pesquisas acontecer se não há tempo para a
reverberação das questões, para sua elaboração, para o amadurecimento das ideias, para a
leitura e a produção textual? Neste sentido, percebe-se claramente a construção da chamada
universidade de ensino em oposição à universidade de pesquisa, tal como o “recomendado”
pelos organismos internacionais. A produção ideológica da ABMES, na década de 1990,
traduz essa direção em análise pedagógica, questionando a necessidade de que o professor
249 Este número remete ao Censo da Educação Superior de 2008, uma vez que o Censo de 2009 não disponibilizou esta informação. 250 Importante observar que uma das metas do Programa de Apoio a Reestruturação de Expansão das Universidades Federais (REUNI) tem, como uma de suas metas, aumentar o número de matrículas na rede federal, em especial nos cursos noturnos. Ver BRASIL/MEC. Programa de Apoio a Reestruturação de Expansão das Universidades Federais – REUNI. Diretrizes Gerais. Documento Elaborado pelo Grupo Assessor nomeado pela Portaria nº 552 SESu/MEC, de 25 de junho de 2007, em complemento ao art. 1º §2º do Decreto Presidencial nº 6.096, de 24 de abril de 2007. 251 Valor disponível na Convenção Coletiva de Trabalho 2009-2011. Sinpro-Niterói e Região e o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Ensino Superior no Estado do Rio de Janeiro (SEMERJ). Disponível em <http://www.sinpronitregiao.org.br/site/publicacoes.asp?id_noticia=86&pag=&topico=ACORDOS>. Acesso em: 13 mar. 2010.
215
seja um bom pesquisador e vice-versa, principalmente. Citando o texto de um intelectual
mexicano, a ABMES posiciona-se claramente de modo contrário à indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão. Mais tarde, na metade da década, essa ideia seria substituída pela
noção de diferenciação institucional do sistema Para citar apenas a afirmação mais radical:
[...] os verdadeiros professores limitam-se a ensinar o que seus estudantes são capazes de aprender; enfatizar que a pesquisa é parte inerente de toda atividade do professor tem levado a muita pesquisa irrelevante; a pesquisa estreita as perspectivas; a verdadeira educação abre e amplia, a pesquisa acadêmica diminui a capacidade (RUGARCIA apud NEVES, 2002, p. 197-198, grifos nossos).
Quando o docente procura ampliar sua qualificação, cursando Mestrado ou
Doutorado, ou mesmo uma pós-graduação lato sensu, não tem garantia legal de direito a
afastamento remunerado, ou seja, precisa se manter trabalhando no período do curso.
Todavia, se essa medida permite que o mestrando ou doutorando permaneça em seu emprego
enquanto se qualifica e , nesse ínterim, possa receber um auxílio financeiro que diminui seus
encargos de trabalho com auxílio financeiro – pode pegar menos turmas sem perda de receita
-, por outro lado, isso também significa um reforço na sobreposição dos tempos formativos e
de trabalho, implicando alguma carga extra na mesma medida do não-afastamento do trabalho
para fins de qualificação.
Desta forma, o docente, muitas vezes, termina por forçar seus limites físicos,
intelectuais e emocionais.
Esse clima requer um trabalho extra sem limites, que geralmente se estende para além dos muros das instituições, da carga horária de oito horas diárias, da semana de cinco dias, com a possibilidade de serem geradas diversos tipos de doenças, desânimo, cansaço, ansiedade, visto que em cada trabalhador, conforme graus diferenciados, sempre haverá limitações corporais e subjetivas de dar conta desse ritmo (LEDA, 2006, p. 4).
Esta situação é potencializada pela relação de consumo que se estabelece entre a
instituição – fornecedora da mercadoria – e os alunos – clientes. A face visível desse
processo, aquele que é entendido como intermediário – muitas vezes negativamente - da
negociação, é o professor. Conforme formulação recente de um docente: “o aluno quer
comprar (o diploma), a universidade quer vender e o professor é aquele que atrapalha a
negociação”252. No mínimo, tal frase revela a relação de consumo que atravessa o processo
educativo, transformando a educação em mercadoria que se realiza (e reifica) no diploma e
provocando atritos que fogem da mobilização criativa, exprimindo-se como ameaça. Uma
importante realidade nas instituições privadas é a presença constante de figuras da
252 Fala de um docente de uma IES privada em uma conversa informal com a pesquisadora.
216
desqualificação do sujeito - assédio moral253 - ou de ameaças explícitas ou veladas, neste caso
por parte da instituição empregadora. Segundo Azevedo (2007):
O assédio moral se constitui numa outra forma de agressão ao empregado, cometida por superiores hierárquicos, de forma constante e repetitiva, destinada a humilhá-lo, diminuí-lo, criando uma crescente tensão psicológica, que culmina num gradual isolamento do trabalhador dos círculos da empresa e na redução de sua auto-estima.
À insegurança, soma-se certo temor relativo ao que dizer e/ou fazer em determinadas
situações, especialmente naquelas de conflito/confronto com o aluno-cliente, na medida em
que uma punição – perda de turmas e/ou disciplinas - é experimentada, no mínimo como uma
possibilidade fantasmática, o que já representa constrangimento suficiente das ações do
professor para o enfrentamento de situações conflituosas. Parece que, neste ponto, fica mais
clara a forma como se relacionam a precarização das condições para a realização do trabalho
docente e a lógica do consumo que atravessa as instituições privadas de maneira explícita.
Nestes casos, como agradar o empregador, ou pelo menos, não melindrá-lo? Agradando ao
cliente-aluno, que comparece na relação de consumo em uma posição superior – aquele que
tem sempre razão e ao qual a mercadoria/serviço deve agradar (o que pode, muitas vezes, ser
sinônimo de agradável, palatável, facilmente digerível)254 - implicando toda outra série de
situações humilhantes e diminuições morais, além de uma rarefação da autonomia docente.
A incerteza e insegurança atravessam o cotidiano destes docentes por inúmeros
vetores: a incerteza quanto ao emprego (o que, obviamente, não é preocupação exclusiva
deste grupo); a incerteza quanto ao salário, que varia a cada semestre, dada a variação no
número de turmas; as constantes modificações curriculares que implicam mudanças nas
disciplinas ministradas pelo docente; a tensão de estar colocado em uma relação de consumo
entre o fornecedor de serviço (instituição) e seu comprador (aluno), o que gera constantes
confrontos255. Santos, citado por Léda (2006), afirma que o “fascismo da insegurança” afeta
os grupos de trabalhadores (ou classe que vive do trabalho, segundo ANTUNES, 2000)
precarizados, produzindo “[...] elevados índices de ansiedade e insegurança quanto ao
presente e ao futuro, de modo a fazer baixar o horizonte de expectativas e a criar a
disponibilidade de encargos” (SANTOS apud LEDA, 2006, p. 6). É por esse tipo de mediação
253 O assédio moral é uma importante forma de solapar a resistência do trabalhador. Ver COLI, Juliana. A precarização do trabalho imaterial: o caso do cantor do espetáculo lírico. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 299-320. 254 É preciso ter em vista que a cultura contemporânea é fortemente marcada pela lógica da diversão e do entretenimento de cunho mercantil, tal como se pode observar majoritariamente na comunicação de massa. Ver BUCCI; KEHL, 2005. Ver também KELLNER, Douglas. Cultura da Mídia e o triunfo do espetáculo. In: MORAES, Denis de. Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p. 119-147. 255 A Federação Interestadual de Escolas Particulares (FIEP), criada pouco depois de promulgada a Constituição de 1988, tomou a iniciativa de estabelecer um contrato de prestação de serviços educacionais que estabelece uma relação de consumo entre fornecedor e cliente. Ver NEVES, 2002.
217
que o contrato de trabalho aparece como privilégio, ainda que reproduza condições de
trabalho objetivas e/ou subjetivas degradantes.
Basta uma análise um pouco mais atenta das Sinopses Estatísticas da Educação
Superior divulgadas pelo INEP para termos uma ideia da expansão da iniciativa privada neste
setor da educação. Segundo a Sinopse do Censo da Educação Superior de 2009, das 2.314 IES
no país, apenas 245 são públicas256 (federal, estadual e municipal)257, ou seja, apenas
aproximadamente 10,59%. As privadas somam 2.069 instituições, representando um total de
89,41%. As públicas respondem por um total de 379.134 alunos ingressantes, oferecendo
8.228 cursos de graduação presenciais, enquanto as privadas respondem por 1.353.479
ingressos258, ofertando 19.599 cursos presenciais. Ao se checar o número total de matrículas,
as diferenças ficam ainda mais gritantes: as IES públicas somam um total de 1.351.168
matrículas em cursos de graduação presenciais, enquanto as IES privadas reúnem 3.764.728
matrículas em cursos presenciais, de um total de matrículas de 5.115.896 matrículas (INEP,
2009).
Essas estatísticas parecem demonstrar a intensificação do trabalho docente na qual se
baseia a lucratividade do setor. Se cruzarmos os dados de funções docentes em exercício e
número de matrículas presenciais, percebe-se que, no setor público, tem-se uma média de
10,98 matrículas por cursos presenciais por função docente, enquanto no caso do setor
privado essa proporção é de 17,28 matrículas por função docente. Nesse caso, é preciso
considerar mais dois vetores: a maioria dos docentes nas IES privadas trabalham como
horistas, como já visto anteriormente, o que significa que ele atende a um número maior de
alunos em sala de aula, nas atividades de ensino. O outro vetor consiste no fato, portanto, que
essas IES estão concentradas na atividade de ensino e na exploração, cada vez mais
“sofisticada” do trabalhador docente, hoje vinculado a um novo tipo de instituição, como se
procurará aqui demonstrar para o caso da Estácio de Sá.
3.3 De Universidade a grupo financeiro: o caso da Estácio
256 Faz-se mister ressaltar que, nas IES públicas, a precariedade nas condições objetivas e subjetivas de trabalho, bem como de sua intensificação, avançam a passos largos, contribuindo para a privatização progressiva – e agressiva – das instituições bem como a crescente mercantilização do conhecimento. Ver MANCEBO et al. Crise e reforma do Estado e da Universidade Brasileira: implicações para o trabalho docente. Educar, Curitiba: Editora UFPR, n. 28, 2006, p. 37-53. Ou seja, a expansão da iniciativa privada constrói-se sobre a precarização crescente das IES públicas. 257 As instituições públicas distribuem-se entre 105 IES federais, 83 IES estaduais e 60 IES municipais. 258 Ingressos pelo vestibular e outras formas de acesso. Na Sinopse de 2007, o INEP não divulgou o total de ingressos nas instituições privadas. Os números acima foram obtidos pela soma do número de ingressos nas privadas e nas comunitárias, confessionais e filantrópicas.
218
Conforme se está apontando nesta tese, as reformas do Estado brasileiro e as reformas
educacionais, a partir dos anos 1990, deram um gigantesco impulso ao setor privado
educacional, em especial, no âmbito da educação superior, inaugurando uma nova fase de sua
expansão. Tal situação se agrava agora com as fusões que formam conglomerados
educacionais e com a financeirização das instituições de ensino superior, o que amplia a
exposição da educação nacional a um intenso processo de desnacionalização. Em março de
2007, a Anhanguera Educacional S.A. tornou-se a primeira instituição de ensino superior na
América Latina a abrir seu capital na Bolsa de Valores. Desde então, outras instituições
seguiram o mesmo caminho, como é o caso do grupo Kroton, do Sistema Educacional
Brasileiro (SEB) e da Estácio Participações S.A, objeto de análise na tese ora apresentada.
Preliminarmente, é fundamental fazer algumas observações acerca da sistematização
de dados ora elaborada e analisada na tentativa de evitar equívocos e apontar limites inerentes
ao objeto aqui tratado. Em artigo recém-publicado na Revista da Educação Superior, editada
pelo SINPRO-RIO e intitulado “Financeirização da Educação superior: estratégia de
mercantilização”, Tiradentes (2011) faz um intróito relativo à suas análises bastante
elucidativo, e que nos direciona para aquele que aqui se gostaria de fazer.
1. Pela própria natureza dinâmica das aquisições e fusões e das atividades dos grupos, o quadro reflete um determinado momento de captura dos dados. A cada dia, entretanto, o mercado oferece novas informações. [...] Apresentamos o “retrato” de uma configuração em suas linhas gerais em determinado momento, para efeito de reflexão, reconhecendo, entretanto, as possibilidades de alterações entre o momento de captura dos dados e sua publicação. [...] 2. Pela natureza estratégica das atividades financeiras, não há facilidade de acesso público a todas as informações sobre as áreas, modalidade e esferas de atuação dos grupos de investimento. Acresce-se aí a dinâmica inerente ao mercado financeiro, o que, por si só, já pressupõe que o controle acionário (ou a proporcionalidade da distribuição do controle) sofra constante revezamento. 3. Não havendo um banco de dados sobre a relação das IES com os grupos educacionais e destes com os grupos de investimento, optamos por elaborá-lo tomando por base exclusivamente dados públicos, disponíveis, cujas fontes são páginas eletrônicas oficiais dos seguintes órgãos e instituições: MEC, INEP, IBGE, IES, grupos educacionais e de investimentos, Hoper Consultoria (que frequentemente assessora os grupos e regularmente ministra cursos e seminários patronais), Bolsa de Valores, Jornal Valor Econômico, Revista Veja, Revista Exame, ABMES - Associação Brasileira de Mantenedores da Educação Superior, Sindicatos patronais do setor. Nosso trabalho consistiu unicamente na coleta e sistematização de tais informações, que se encontravam dispersas (TIRADENTES, 2011, p. 20).
Com base, no acima proposto, fazem-se necessários ainda alguns balizamentos. Se a
intenção de Tirandentes (2011) era traçar e analisar um quadro geral, aqui a decisão foi
concentrar-se na organização das informações referentes a uma trajetória específica, aquela
que conduz da SESES e da Universidade Estácio de Sá à formação do grande conglomerado
educacional no formato de holding conduzido pela Estácio Participações S.A.. Neste ponto,
urge ressaltar: a) não dispomos de todas as informações relativas ao processo em análise na
219
tese ora apresentada, dada a natureza sigilosa de uma série de operações de natureza
estratégica e financeira. Assim, optou-se por trabalhar apenas com informações tornadas
públicas pela própria organização e/ou outras fontes, sempre designadas; b) sabe-se que o
retrato aqui delineado é passível de transitoriedade dada a instabilidade característica de um
grupo empresarial de natureza financeira; c) a dificuldade inerente a este tipo de trabalho
redunda da dispersão das fontes. A opção aqui proposta já realiza certa análise dos dados,
embora não tão profunda – dada a extensão das informações a serem tratadas em prazo tão
exíguo como aquele ditado pelas agências de fomento - quanto era de desejo da autora.
De modo a facilitar a análise dos documentos, neste item, optamos por sistematizar os
dados da seguinte forma: em primeiro lugar, analisar-se-á os documentos de cunho financeiro
produzidos pela Estácio Participações S.A. entre 2007 e 2011, com ênfase nas Informações
Anuais (IAN) em suas respectivas data-base, somando-se a estes documentos, outras fontes
foram necessárias para a compreensão do caráter das operações financeiras. Fez-se necessária
uma seleção, dado o montante de informações a serem trabalhadas em exíguo lapso temporal
e apenas por um pesquisador. Escolhemos os relatórios anuais entre 2007 e 2010, incluindo-se
aí o relatório com data-base de 31/03/2007, na medida em que estes apresentam panoramas
mais completos da evolução do quadro empresarial organizacional e financeiro no período
longo aqui em análise. Em seguida, trabalhou-se com os documentos relativos aos espaços
decisórios, como atas de Assembléias Gerais, atas de reunião do Conselho de Administração,
Fiscal e outras, bem como as publicações feitas pelos meios de comunicação social em geral,
na tentativa de compreender a relação da empresa com as instituições educacionais sob seu
comando, seus programas administrativos e pedagógicos. Trabalhou-se também com
informações produzidas pelas entidades representativas do setor privado da educação
superior, bem como pelas entidades sindicais representativas dos docentes, em especial a
CONTEE e o SINPRO-RIO, cruzando estas informações com aquelas apresentadas pelas
fontes governamentais, destacando-se, entre estes, o MEC, a SESu e o INEP.
3.3.1 Educação Superior S.A.: da UNESA à Estácio Participações
A Universidade Estácio de Sá (UNESA), na década de 1990, inicia seu ciclo de
expansão como Universidade, status reconhecido em 1988. Isso significou que, dotada de
autonomia para a abertura de cursos e oferta de vagas, e apoiada na nova LDB/96, bem como
em uma demanda latente por ensino superior por parte das classes populares, que resulta do
aumento do número de egressos do ensino médio, a expansão da empresa coaduna-se com a
implantação das políticas de tipo neoliberal no Brasil. A UNESA expande-se em direção à
220
Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro, ainda em 1992, e em 1996, abre diversos
campi no interior do estado, em municípios como Resende, Nova Friburgo e Niterói. Em
1997, cria o denominado Instituto Politécnico259, nos quais concentrou os cursos sequenciais,
ou conforme anunciado nos dias atuais, graduação tecnológica260. Sobre o Politécnico, é
importante ressaltar que este é proposto, pela Estácio Participações S.A. (2007), como capaz
de atender às demandas mais imediatas do mercado, agindo no desenvolvimento de
habilidades e competências, e teria como público aqueles que já estão no mercado de trabalho
e querem se qualificar e aprimorar sua empregabilidade. Entretanto, o que importa e define a
durabilidade de um curso é a sua capacidade de retorno.
Estamos sempre atentos às novas demandas do mercado e possuímos histórico de sucesso na identificação e abertura de novos cursos, visando capturar demanda reprimida. Possuímos sistemas de gestão e controle que nos permitem avaliar o desenvolvimento e retorno econômico de todos os cursos, de forma a verificar critérios mínimos de rentabilidade, e, caso necessário, decidir pelo encerramento dos cursos que não se mostrem lucrativos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 22 – Ver Anexo CD 4).
Em 1998, é a vez de iniciar sua expansão nacional: São Paulo, Minas Gerais, Espírito
Santo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pernambuco, Pará e Ceará foram alguns
estados que receberam unidades da UNESA. Entretanto, a SESES não se expandiu
privilegiando a UNESA em nenhum destes estados. Nas demonstrações financeiras
apresentadas pelos auditores da Ernest&Young em abril de 2007, vê-se que em nenhum
destes estados aparece a Estácio sob a forma de universidade, ela se apresenta sob o formato
de faculdade.
Atualmente a SESES possui 48 unidades em sete estados brasileiros e é composta por uma Universidade – Universidade Estácio de Sá – e oito faculdades. A Universidade Estácio de Sá conta com 39 unidades espalhadas no Rio de Janeiro. As faculdades mantidas pela SESES são: Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande, no Estado do Mato Grosso do Sul; Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte e Faculdade Estácio de Sá de Juiz de Fora, ambas no Estado de Minas Gerais; Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos, no Estado de São Paulo; Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina, no Estado de Santa Catarina; Faculdade Estácio de Sá de Vitória e Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha, ambas no Estado do Espírito Santo; e Faculdade Estácio de Sá de Goiás, no Estado de Goiás (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 15, grifos nossos – Ver Anexo CD 2).
Nos outros estados, têm-se instituições comandadas por outras mantenedoras. No caso
da SESPA: “Com sede no Município de Belém, foi, até 30 de setembro de 2005, uma
sociedade civil, sem fins lucrativos. A partir daquela data, a forma jurídica da Sociedade foi
alterada para uma sociedade empresária. A SESPA é a mantenedora da Faculdade do Pará –
FAP” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007, p. 15 – Anexo CD 2). Sobre a SESCE:
259 O uso da expressão politécnico realiza, discursivamente, dois deslocamentos relevantes: o primeiro relativo ao sentido de politécnica, que aparece como formação técnica para o trabalho técnico. Em segundo lugar, aponta para uma formação mais objetiva para o mercado de trabalho. 260 Essa expressão dá a entender de que outras graduações não são tecnológicas e, de certo modo, não estão conectadas com os dias de hoje.
221
Com sede no município de Fortaleza, foi, até 30 de setembro de 2005, uma sociedade civil, sem fins lucrativos. A partir daquela data, a forma jurídica da Sociedade foi alterada para uma sociedade empresária. A SESCE é a mantenedora da Faculdade Integrada do Ceará – FIC, localizada em Fortaleza e que possui 2 unidades, e da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte – FMJ, localizada em Juazeiro do Norte (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 16 – Ver Anexo CD 2).
A SESPE assim se configurava: “Com sede no município de Recife, foi, até 30 de
setembro de 2005, uma sociedade civil, sem fins lucrativos. A partir daquela data, a forma
jurídica da Sociedade foi alterada para uma sociedade empresária. A SESPE é a mantenedora
da Faculdade Integrada do Recife – FIR” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 16 –
Anexo CD 2). Já a STB:
Com sede no município de Salvador, foi, até 30 de setembro de 2005, uma sociedade civil, sem fins lucrativos. A partir daquela data, a forma jurídica da Sociedade foi alterada para uma sociedade empresária. A STB é a mantenedora do Centro Universitário da Bahia – UNIFIB, que possui 2 unidades (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 136 - Ver Anexo CD 2).
“Inicia” sua transformação em entidade com fins lucrativos – as mantenedoras
SESPA, SESCE, SESPE e STB se tornam entidades empresariais com fins lucrativos em 30
de setembro de 2005 -, e finaliza o processo em 09/02/2007, com a mudança de status da
SESES. Ou seja, toda a expansão realizada entre 1975 e 2007, no caso da SESES, se deu com
a instituição em regime de sociedade sem fins lucrativos de caráter filantrópico, o que
significa que tal crescimento se fez à custa da isenção de impostos e de contribuições
previdenciárias. Aqui as implicações são enormes, inclusive em termos jurídicos. A
transformação de uma empresa filantrópica sem fins lucrativos em empresa com fins
lucrativos e, posteriormente, de capital aberto, contraria a legislação das entidades
filantrópicas, no sentido de que não apenas esse patrimônio não poderia ser transferido para
sociedade empresarial com fins lucrativos, como se verá mais adiante, mas porque tal
processo é contestado pela própria SRF.
A empresa, portanto, crescia, até então, subsidiada de modo indireto pelo Estado
brasileiro com o regime de filantropia, abandonado apenas quando a instituição preparava-se
para abrir o capital na Bolsa de Valores, o que aconteceu em 27 de julho de 2007261 e depois
de as mantenedoras que compõem o grupo já terem realizado suas adesões ao ProUni, o que
significou a manutenção da imunidade em relação a alguns tributos. Ao fim de março de
2007, em assembléia presidida pelo Sr. João Uchôa Cavalcanti Netto, com a presença de
261 Todavia, a SESES já havia aderido, em dezembro de 2004, ao Programa Universidade para Todos, que oferece outras isenções fiscais mesmo para empresas educacionais com fins lucrativos, como se verá mais adiante. As outras mantenedoras até aqui controladas pela Estácio Participações S.A. – SESPA, SESCE, SESPE e STB – já haviam, em 2005, tornado-se sociedades empresariais.
222
Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti, André Cleófas Uchôa Cavalcanti262 e Monique Cleófas
Uchôa Cavalcanti de Vasconcelos, como parte dos preparativos para a abertura de capital na
BOVESPA, decide-se constituir a empresa Estácio Participações S.A., sociedade anônima,
controladora de mantenedoras do setor educacional, pela subscrição de ações e aprovar um
novo Estatuto Social da Companhia. Esta é formada por um capital social de R$ 1.000,00,
dividido em 1.000 ações ordinárias263, nominativas264, escriturais265 e sem valor nominal266.
Destas, João Uchôa subscreveu 997 ações ordinárias, no valor de R$ 997,00, integralizando
100% deste total. Cada um dos demais presentes subscreveu uma ação ordinária pelo preço de
R$ 1,00, integralizando o total. Deste modo, estava criada a Companhia Estácio Participações.
No mesmo dia (31 de março de 2007), em Assembléia com os acionistas supracitados,
a Companhia teve seu capital social aumentado, com a emissão de 299.999.000 (duzentas e
noventa e nove milhões, novecentas e noventa e nove mil) ações ordinárias e 100.000.000
(cem milhões) de ações preferenciais, todas escriturais, nominativas e sem valor nominal.
Assim refletiu-se essa emissão no controle acionário da companhia após a subscrição destas
novas ações: João Uchôa Cavalcanti Netto subscreveu 290.999.03 ações ordinárias e
97.000.000 de ações preferenciais, por um preço total de R$ 26.259.840,00, integralizando
100% deste total. Os outros três acionistas subscreveram, cada um, 2.999.999 ações ordinárias
e 1.000.000 de ações preferenciais, por um preço total de R$ 270.720,00, integralizando
também 100% deste total cada. Assim sendo, o Estatuto Social foi alterado para encampar tal
alteração. O capital social da Companhia passa a ser composto de R$ 27.073.000,00,
divididos em 400.000.000 de ações, nominativas, escriturais e sem valor nominal, sendo
destas 300.000.000 de ações ordinárias e 100.000.000 de ações preferenciais. A Estácio
Participações S.A. se constituiu, portanto, pela participação dos acionistas em quotas do
262 Filho do fundador da Estácio, André Cleófas Uchôa é juiz da Vara de Família do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro. 263 “Ação que confere ao titular os direitos essenciais do acionista, especialmente participação nos resultados da companhia e direito de voto em Assembléias. A cada ação ordinária corresponde um voto nas deliberações da Assembléia Geral” (RUDGE, [20-?]). Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 03 ago. 2011. 264 “Ação que identifica o proprietário. A propriedade presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de Registro de Ações Nominativas ou pelo extrato fornecido pela instituição custodiante” (RUDGE, [20-?]). Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 03 ago.2011. 265 “Ação cuja propriedade é caracterizada por extrato de conta de depósito do titular, em instituição financeira depositária que for designada. Não emite certificado”. (RUDGE, [20-?]). Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 03 ago. 2011. 266 “Ação para a qual não se convenciona valor. O preço de emissão será fixado pelos fundadores, na constituição da companhia, e no aumento de capital, pela Assembléia Geral ou pelo Conselho de Administração. O preço de emissão pode ser fixado com parte destinada à formação de reserva de capital. Na emissão de ações preferenciais com prioridade no reembolso do capital, somente a parcela que ultrapassar o valor de reembolso poderá ter essa destinação. Na companhia com ações sem valor nominal, o estatuto poderá criar uma ou mais classes de ações preferenciais com valor nominal”. (RUDGE,[20-?]). Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 03 ago. 2011.
223
capital social da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá Ltda.(SESES) e nas
Mantenedoras Sociedade de Ensino Superior do Pará Ltda. (SESPA), Sociedade de Ensino
Superior do Ceará Ltda. (SESCE), Sociedade de Ensino Superior de Pernambuco Ltda.
(SESPE) e Sociedade Tecnopolitana da Bahia Ltda. (STB).
Em seu Estatuto Social, define sua sede (cidade do Rio de Janeiro), seu caráter de
sociedade por ações e seus objetivos sociais, assim colocados:
Artigo 3º. (i) o desenvolvimento e/ou a administração de atividades e/ou instituições nas áreas de educação de nível superior, educação profissional e/ou outras áreas associadas à educação; (ii) administração de bens e negócios próprios; e (iii) a participação, como sócio ou acionista, em outras sociedades simples ou empresariais, no Brasil ou no exterior (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007b – ver Anexo CD 5)
Já neste artigo do Estatuto, é possível apontar alguns direcionamentos da Companhia:
primeiro, a “possibilidade” de espraiar suas atividades para além do ramo da educação
superior ou profissional, na direção de outras áreas associadas à educação, como, por
exemplo, a produção de material didático. Além disso, aponta para a prática de valorização de
capital pela via financeira, com a participação societária ou acionista em outras empresas,
incluindo a internacionalização, como sendo um de seus objetivos estatutariamente
assumidos, tornando-se o ensino superior, portanto, um dos braços de um conglomerado, de
uma corporação. No IAN de 2007 (data-base 31/03/2007), a orientação para a expansão das
atividades é anunciada como um ponto forte da empresa:
Expansão de Nossas Atividades. Para aproveitarmos as oportunidades de crescimento e consolidação do setor de ensino brasileiro, pretendemos expandir nossas atividades por meio de: . Aumento da base de alunos matriculados. Trabalhamos constantemente para aumentar o número de alunos matriculados em nossas unidades já existentes, sempre com a preocupação da manutenção da qualidade do ensino. Acreditamos que o amadurecimento das nossas unidades existentes e o desenvolvimento de novos cursos resultará em um crescimento do número de alunos nos próximos anos. Continuaremos a implementar nossa estratégia de captação de novos alunos (por meio de programas de marketing, feiras universitárias, parcerias com empresas privadas, entre outras políticas) e retenção dos atuais. . Abertura e/ou aquisições de novas unidades. Pretendemos abrir ou adquirir novas unidades em localidades que apresentem demanda não atendida pelas instituições locais, bem como adquirir unidades em funcionamento em localidades onde a demanda já estiver atendida e não houver espaço para entrada de mais um concorrente. Pretendemos expandir nossas atividades em todo o País (sobretudo no Estado de São Paulo, o estado brasileiro com maior renda per capita), bem como na América Latina, em países que consideramos estratégicos para os nossos negócios. Acreditamos que a nossa classificação como “universidade” no Rio de Janeiro constitui um diferencial em relação aos nossos concorrentes, o que nos confere prerrogativas para criar, organizar e extinguir cursos de educação superior dentro do município onde a nossa sede está localizada, sem necessidade de autorização prévia do MEC, e fora do município onde se situa nossa sede, mediante autorização do MEC267. Além disso, pretendemos transformar algumas de nossas unidades, atualmente classificadas como “faculdades”, em “centros universitários”, a fim de ampliar a autonomia de nossa rede de ensino dentro dos municípios em que atuamos. . Inovação na oferta de cursos. Reavaliamos regularmente o conjunto de cursos que oferecemos em nossas unidades com base em pesquisas de mercado, no desenvolvimento
267 A este ponto voltar-se-á mais adiante, quando se apresentará análise voltada para os aspectos pedagógicos decorrentes do empresariamento da educação superior, contudo, é importante salientar que essa autonomia se deve á prerrogativas concedidas às universidades que devem, por outro lado, cumprir com uma série de obrigações.
224
econômico de cada região em que atuamos e nas ofertas de nossos concorrentes. Pretendemos dar seguimento à nossa atual política de verificar constantemente a demanda para renovarmos e ampliarmos nosso portfólio de cursos mantendo nossos critérios de avaliação do retorno do investimento com vistas a garantir a rentabilidade mínima pretendida, encerrando aqueles que não sem mostrem rentáveis (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 24, grifos nossos).
Do texto supracitado, faz-se fundamental destacar alguns aspectos reveladores das
práticas da empresa: o primeiro remete-se a lógica expansiva em si mesma, ou seja, a como
este tipo de organização empresarial financeirizada é constituída por uma racionalidade que a
leva a buscar a constante expansão como forma de ampliação e/ou manutenção de suas taxas
de lucratividade. Nessa lógica, crescer não aparece como uma opção, mas uma necessidade. O
segundo ponto a notar é a clara percepção de que se trata de um novo momento do processo
de mercadorização da educação superior, caracterizado pela consolidação, pela formação de
grandes conglomerados educacionais dos quais alguns já são empresas financeirizadas. Como
afirma Ryon Braga, representante da consultoria Hoper Educacional (apud TIRADENTES,
s/d, p. 104), “O setor tem um brutal poder de economia de escala [...] A consolidação é
irreversível”. Assim, a Estácio Participações S.A parece se colocar como um player repleto de
vantagens neste processo: “Esta elevada fragmentação [do setor da educação superior]
representa forte potencial de consolidação futuro do setor, o qual deve ser liderado pelas
instituições que apresentam maior porte, recursos financeiros e capacidade instalada
atualmente” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 43, grifos nossos – Ver Anexo
CD 4).
Outro aspecto que merece destaque são as estratégias de captação e rentenção de
alunos com base em ações de marketing e também pela via das parcerias. Analisando dois
comerciais – um lâmina (Ver Anexo CD 6) e outro produzido para a WEB (ver Anexo CD 7)
- recentemente veiculados pela Estácio, pode-se observar como a propaganda por ela
produzida busca ressaltar a sua conexão mais direta com o mercado de trabalho, seja pelas
parcerias que promovem atividades de estágio, seja porque oferece uma formação mais
adequada às novas demandas do mercado de trabalho.
O quarto ponto a se destacar é a tática da abertura de novas unidades e/ou cursos tanto
no Brasil como no restante da América Latina. A Estácio Participações S.A. já comprou uma
mantenedora no Paraguai em negociação concluída em agosto de 2008 e anuncia, no seu site,
a missão de ser a maior instituição ocidental em número de alunos até 2015. Veja-se que a
racionalidade que conduz à expansão não é definida pelas necessidades sociais e/ou
acadêmicas, mas por um planejamento financeiro calcado na busca da lucratividade. Em outro
trecho do IAN 2007 (data-base 31/12/2007), esse quadro se anuncia com maior clareza:
225
“Possuímos sistemas de gestão e controle que nos permitem avaliar o desenvolvimento e
retorno econômico de todos os cursos, de forma a verificar critérios mínimos de rentabilidade,
e, caso necessário, decidir pelo encerramento dos cursos que não se mostrem lucrativos”
(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 22, grifos nossos – Ver Anexo CD 4). Essa
postura traz uma série de implicações, por exemplo, para o aluno. Muitas vezes ele se
matricula em um curso em determinado campus. Se esse curso, nesta unidade, se mostrar não
rentável, o curso pode ser encerrado, sendo o aluno obrigado a se transferir para outra unidade
em outro lugar da cidade, se houver a oferta. Em matéria publicada pela Folha de São Paulo e
reproduzida no site da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de
Ensino Superior (ANDIFES), intitulada “Faculdade corta custo e cria ‘curso itinerante”,
observa-se denúncia desse tipo. Segundo a notícia, os alunos de IES privadas em São Paulo
têm sido obrigados a mudar de campus, com distâncias que superam 30 km. O caso mais
emblemático seria, segundo a notícia, o de turma de educação física da Estácio Uniradial. Os
alunos que teriam ingressado em 2010 na Vila Formosa (zona Leste de São Paulo) foram
transferidos no início de 2011 para o campus de Jabaquara (zona Sul) e, em agosto, mais uma
vez, transferidos para Interlagos (zona Sul), em uma distância que, de carro, é de 31 km.
Segundo o depoimento de uma aluna, Angela Aparecida Peres, ao jornal, além de tudo, os
alunos foram avisados apenas no final de julho, o que impediria pedidos de transferência. O
mesmo teria acontecido com o curso de pedagogia da Vila dos Remédios (zona Oeste),
transferido para o de Jabaquara, mais de 20km distante do anterior. Segundo a matéria, a
Estácio UniRadial teria alegado que a mudança de campus teria como objetivo “oferecer
melhores condições aos alunos nas novas instalações”, afirmando ainda que a unidade
Interlagos “é a mais adequada para receber a academia a ser utilizada pelos estudantes” de
Educação Física e “que estaria oferecendo aos alunos bolsas de estudos ‘para minimizar os
transtornos”268.
Tiradentes (2011) apresenta um quadro com estes principais grupos, do qual se
destaca, aqui, aqueles com capital aberto: Kroton-Pitágoras (controlado pela Kroton-Pitágoras
após programa de recompra das ações do Apollo Group269), SEB (controlado pela Pearson
editora, grupo que controla, dentre outras publicações, o britânico Financial Times, com
participação do Banco Credit Suisse), Anhanguera Educacional (controlado pelo Banco
268 Disponível em: <http://www.andifes.org.br>. Acesso em: 11 ago. 2011. 269 Segundo Tiradentes (2011, p. 22), trata-se de uma organização de base norte-americana, com agressivo perfil de aquisições de controle das IES em todo o mundo. Sguissardi (2008) atenta para a oferta feita pela organização, em parceria com outro fundo – Carlyle -, de compra da Universidade Paulista (UNIP), que possuía então 198 mil alunos, no valor de R$ 2,5 bilhões.
226
Pátria), Grupo VERIS IBMEC (Capital Internacional é o grupo controlador, tendo também
participação significativa – mais de 5% das ações – na Estácio Participações S.A.) e Grupo
Maurício de Nassau/Grupo SER (controlado pelo Cartesian Group, que atua em outras áreas:
farmacêutica, bancos, automóveis, etc.).
Em balanço patrimonial apresentado por auditoria, quando do pedido de abertura de
capital junto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 31 de março de 2007, são
apresentados uma série de dados sobre a Companhia que mostram os mecanismos
empresariais utilizados nas relações Estado-empresas e educação. Como já dito no primeiro
capítulo, é importante ressaltar a dimensão de suporte e pressuposto da lucratividade das
empresas educacionais e o financiamento estatal pela via das isenções. Retomando a citação
do primeiro capítulo,
Quando do referido aumento do capital social, os acionistas da Companhia atribuíram ao preço de emissão das ações o valor de R$ 27.072, ao passo que o valor dos ativos utilizados na integralização do capital indicava que as quotas da SESES e das Mantenedoras possuíam um valor patrimonial de R$ 123.554. O valor do aumento de capital (R$ 27.072) equivale aos recursos efetivamente aportados pelos acionistas controladores no negócio, seja como capital inicial, seja como aumento do mesmo mediante a capitalização de lucros e reservas de lucros gerados após a transformação da SESES e das Mantenedoras em sociedades empresárias com fins lucrativos. O valor da diferença (R$ 96.482) entre o montante atribuído aos bens pelos acionistas subscritores e o montante desses bens à valor patrimonial, foi registrado na Companhia em rubrica específica de reserva de capital (ágio na subscrição de ações) e refere-se, substancialmente, ao saldo remanescente dos resultados acumulados auferidos pelas empresas controladas (SESES e Mantenedoras) antes da transformação de sua forma jurídica de entidades sem fins lucrativos para sociedades empresárias (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 27, grifos nossos – Ver Anexo CD 2).
Entretanto, que a ideia de transformação em sociedade empresarial com fins lucrativos
não seja enganosa. Ela também não significou para a Estácio Participações S.A. o fim do
financiamento estatal pela via das isenções. É muito curioso que quando a imprensa fala do
ProUni e das isenções que este promove, raramente se atenta para seu tamanho e seu
significado concreto, que é o de socorro aos setor educacional empresarial. Ressalta-se que o
ProUni é uma importante forma de financiamento público do empresariamento da educação,
importantíssimo em um momento em que o setor dá amostras de crise produzidas pelo
esgotamento da capacidade de financiamento privado de seu público (esgotamento da
extensão pela classe C). Segundo o Informe financeiro anual (IAN), data-base 31/12/2007,
publicado pela Estácio Participações S.A.:
A isenção de tributos permitida pelo programa [ProUni] permitiu a elevação dos investimentos, especialmente por instituições privadas, já que esta permite a manutenção de custos mais reduzidos e preços competitivos a fim de enfrentar a concorrência bem como elevar a oferta de curso para indivíduos de renda baixa e média baixa (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p.44, grifos nossos).
227
Trata-se de um programa em que o Estado, em sentido estrito, “compra” – pela via de
isenção fiscal - as vagas ociosas das IES privadas para alunos oriundos do ensino médio
público ou privado cuja renda familiar per capita seja de, no máximo, três salários mínimos.
Essas vagas ociosas são resultado de uma oferta já inflacionada pelas IES privadas, que
mantém um número grande de alunos por professor e por turmas, o que, obviamente, passa ao
largo de qualquer tipo de reflexão sobre a qualidade da educação oferecida ou do processo de
ensino. Ao mesmo tempo, a medida é cercada por uma aura de democratização do ensino
superior e de atendimento das demandas dos grupos sociais desprivilegiados. Tal retórica
aparece já no nome do programa – Universidade para Todos que, além de tudo, não é
universitário em sua totalidade, contando com a participação de Centros Universitários e
faculdades, onde, aliás, estão concentradas a maior parte das bolsas.
De acordo com a própria ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A. (2007, p. 9-10 – Ver
Anexo CD 2):
Todavia, por já terem aderido anteriormente ao Programa Universidade para Todos (“ProUni”), conforme disposto na Lei nº 11.096/2005 regulamentada pelo Decreto 5.493/2005 e normatizada pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 456, de 5 de outubro de 2004, nos termos do artigo 5º da Medida Provisória nº 213 de 10 de setembro de 2004, a SESES e as Mantenedoras gozam de isenção, pelo período de vigência do termo de adesão, com relação aos seguintes tributos federais: · Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), instituída pela Lei nº 7.689 de 15 de dezembro de 1988; · Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), instituída pela Lei Complementar nº 70 de 30 de dezembro de 1991; e · Contribuição para o Programa de Integração Social (“PIS”), instituída pela Lei Complementar nº 7 de 7 de setembro de 1970; As isenções acima mencionadas recaem sobre o valor da receita auferida em decorrência da realização de atividades de ensino superior, provenientes de cursos de graduação e cursos sequenciais de formação específica. Ainda em decorrência da alteração da forma jurídica para sociedade empresária, os seguintes eventos passaram a ocorrer a partir de outubro de 2005 e fevereiro de 2007, respectivamente, para as Mantenedoras e para a SESES: (i) perda do gozo da imunidade tributária no âmbito do Imposto sobre Serviços (“ISS”); e (ii) perda da isenção de 100% da cota patronal do Instituto Nacional de Seguridade Social (“INSS”), arcando com o ônus da mesma em bases escalonadas como previsto na legislação do ProUni (20% no 1º ano, 40% no 2º ano até 100% no 5º ano).
Retomando a citação acima, outro aspecto que salta aos olhos são: as “bases
escalonadas”, 20% ao ano, em cinco anos, para a cobrança da cota patronal de INSS sobre a
folha de pagamentos possibilitada pela legislação do ProUni, de acordo com artigo nº 12 da
Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004270, quase como uma medida
compensatória para aquelas instituições que “optarem por se tornar entidades empresariais”:
270 Regulamentada posteriormente pela Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005.
228
Art. 12. As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, sem fins lucrativos, que estejam no gozo da isenção da contribuição para a seguridade social de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal, que optarem, a partir da data de publicação desta Medida Provisória, por transformar sua natureza jurídica em sociedade de fins econômicos, na forma facultada pelo art. 7º-A da Lei nº 9.131, de 1995, passarão a pagar a quota patronal para a previdência social de forma gradual, durante o prazo de cinco anos, na razão de vinte por cento do valor devido a cada ano, cumulativamente, até atingir o valor integral das contribuições devidas.
Para se ter uma ideia do montante de renúncia fiscal mobilizado pelo programa,
consultando-se o Formulário de Referência de 2010, documento publicado pela Estácio
Participações S.A.(2010a – Ver Anexo CD 8) – sem dúvida, o grupo mais lucrativo do
mercado educacional na educação superior, com Receita Operacional Líquida da ordem de R$
1.016.156,00, em 2010, e R$ 1.008.810.000,00 em 2009 -, observa-se que só com o não-
recolhimento de PIS/COFINS relativo ao ProUni, a renúncia fiscal foi de “[...]
aproximadamente R$ 38,1 milhões para o exercício findo em 31 de dezembro de 2009 e R$
18,5 milhões para o período de seis meses findo em 30 de junho de 2010” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES, 2010a, p. A-23 – Ver Anexo CD 8). Sobre o IRPJ e CSLL, “[...] a
aderência ao programa fez com que a alíquota efetiva de tais tributos ficasse em torno de
7,2% para o exercício findo em 31 de dezembro de 2009 e 2,8% para o período de seis meses
findo em 30 de junho de 2010” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2010a, p. A-23 – ver Anexo
CD 8)271. A Estácio Participações S.A. possuía, em 2010, 16.000 alunos com bolsas ProUni
(parciais e integrais).
Embora a comparação seja, de saída, assimétrica, uma pessoa física que, no ano de
2010, tenha recebido um total de rendimentos tributáveis de R$ 44.918,28 é tributada em
27,5%, sendo obrigada a quitar parcela de R$ 8.313,35. Para se ter uma ideia, no exercício de
2008, o imposto de renda da Estácio Participações foi de R$ 2.045 milhões (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES, 2008, p.60 – Ver Anexo CD 9), em uma alíquota de 15% e de 10% sobre
o excedente272. Assim, fica clara a faceta, apontada por Leher (S/D, S/Da), de custeio público
das instituições de ensino superior privadas. O documento não apenas mostra que a
transformação da SESES e das Mantenedoras em empresas com fins lucrativos foi
acompanhado pela adesão ao ProUni, mas como o capital – porque assim se manifesta –
acumulado por conta das isenções usufruídas como entidades sem fins lucrativos de caráter
271 O IRPJ, normalmente, é de 15% do lucro real (com o possível adicional de 10% a partir de certo patamar de lucro), e a CSLL, cuja alíquota varia entre 9% e 12% ou 32% dependendo da base da tributação (lucro presumido ou lucro real/tipo de serviço prestado). 272 As alíquotas o IRPJ são, de acordo com a SRF: a) “15% (quinze por cento) sobre o lucro real, presumido ou arbitrado apurado pelas pessoas jurídicas em geral, seja comercial ou civil o seu objeto. B) A parcela do lucro real que exceder ao resultado da multiplicação de R$20.000,00 (vinte mil reais) pelo número dos meses do respectivo período de apuração sujeita-se à incidência do adicional, à alíquota de 10% (dez por cento)”. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Aliquotas/ContribPj.htm>. Acesso em: 05 ago. 2011.
229
filantrópico sustentou, em larga medida, a criação da Estácio Participações S.A. Além disso, a
passagem ao estado de entidade empresarial com fins lucrativos não foi acompanhado por
nenhum tipo de ressarcimento ao Estado, em termos de contrapartida por conta do patrimônio
construído ou qualquer dispositivo similar. Como afirma Leher (2004),
[...] as instituições filantrópicas que reúnem grande parte das maiores instituições de ensino superior do país, poderão fazer associações com empresas estrangeiras, a exemplo do que ocorre hoje entre o Pitágoras do ministro Walfrido Mares Guia273 e a Apollo Internacional, vender patrimônio adquirido com isenções fiscais, como aviões, prédios, terrenos etc., remunerar seus sócios, distribuir lucros e deixar patrimônio como herança, tudo isso sem deixar d continuar a receber magnânimo apoio do Estado: mesmo na condição de instituições empresariais gozarão de completa isenção de impostos, o que reduz em cerca de 15% os seus gastos em troca de modestíssimas vagas.
Aliás, do total do aumento de capital efetivado no dia 31 de março de 2007, como se
verá mais adiante, uma parte é oriunda de recursos do ProUni.
Do total do aumento de capital procedido, R$ 15.191 estão relacionados às reserva de capital contabilizadas nos respectivos patrimônios líquidos das empresas investidas por conta do incentivo fiscal concedido pelo ProUni. Tais valores não poderão ser distribuídos aos sócios destas empresas controladas e, consequentemente aos sócios da Companhia, mediante restituição ou redução do capital, por até cinco anos após a data em que ocorreu a capitalização nas investidas (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A, 2007, p. 26 – Ver anexo 2).
É bem verdade que esse processo não se deu sem algumas contestações ou
questionamentos. Em 31 de março de 2007, havia 162 processos judiciais em andamento
relativas a questões tributárias que envolviam a SESES ou outras mantenedoras da empresa
como parte, além de três processos administrativos. De acordo com o relatório da ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A. (2007 – Ver anexo 2), o primeiro grupo de processos diz respeito à
questões relacionadas à cobrança da cota patronal do INSS relativa a SESES. Afirma a
Estácio Participações S.A. que a SESES era uma entidade sem fins lucrativos e de caráter
filantrópico até 09/02/2007, sendo considerada de utilidade pública estadual e federal. A
legislação reguladora dessa isenção foi modificada nos anos 1990, primeiro pela Lei nº
8.212/91274, alterada posteriormente pela Lei nº 9.732/98. De acordo com o artigo 55 da Lei
nº 8.212/91, que reabria a possibilidade de concessão da isenção, para ficar isenta das
contribuições destinadas à Seguridade Social275, deveria a instituição beneficente de
assistência social atender aos seguintes requisitos em conjunto:
273 Aqui vislumbra-se com clareza os anéis tecno-empresariais e burocráticos citados e conceituados por Dreifuss (1987). Um ministro de Estado e dono de grande rede de estabelecimentos de ensino ligado ao capital internacional, Mares Guia foi ministro do Turismo no governo Lula entre 01/01/2003 e 23/03/2007, e, depois, ocupou o cargo de ministro-chefe da Secretaia de Relações Institucionais da Presidência da República, do qual pediu afastamento em 22 de novembro de 2007 por causa de denúncia feita ao Superior Tribunal Federal (STF) pelo Procurador-geral da República por envolvimento no escândalo do Mensalão do PSDB. 274 “Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências”. (BRASIL, 1991). 275 Definidas nos Artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212. Incluem: cota patronal sobre folha de pagamentos, mas não se reduz a isse fator.
230
I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;
II - seja portadora do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos;
III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;
V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas atividades (BRASIL, 1991).
A Lei nº 9.732/98 deu nova redação ao inciso III do Artigo 55, e modificou os
critérios relativos à concessão de isenção tributária e previdenciária, estabelecendo, em seu
Artigo 4º, novas condicionalidades relativas, para as IES e/ou mantenedoras, relativas à cota
patronal do INSS sobre a folha de pagamentos, CSLL e Cofins :
Art. 4º As entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao Sistema Único de Saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, gozarão da isenção das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial, desde que satisfaçam os requisitos referidos nos incisos I, II IV e V do art. 55 da citada Lei, na forma do regulamento (BRASIL, 1998). Art. 7º Fica cancelada, a partir de 1º de abril de 1999, toda e qualquer isenção concedida, em caráter geral ou especial, de contribuição para a Seguridade Social em desconformidade com o art. 55 da Lei nº 8.212, de 1991, na sua nova redação, ou com o art. 4º desta Lei.
Como bem se pode antecipar, a reação do setor privado filantrópico à promulgação da
Lei nº 9.732/98 foi grande. Em 13 set.1999, os advogados Ives Gandra da Silva Martins, Luiz
Carlos Bettiol e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, representando a Confederação
Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, ajuízou, junto ao Supremo
Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI, antiga ADIN),
requisitando suspensão cautelar do artigo 1, que dava nova redação ao inciso I do Artigo 55,
ao acréscimo do parágrafos 3, 4 e 5, ao Artigo 4, 5 e 7 da lei n 9.732/98, por violação de texto
constitucional276. A ADI é composta por várias peças, dentre elas, precedentes jurídicos
relativos à cota patronal do INSS das entidades de fins assistenciais, filantrópicas e
educacionais cujo recorrente foi a Associação Paulista da Igreja Adventista do Sétimo Dia
(ver Anexo). A liminar foi deferida por unanimidade e garantiu a suspensão dos novos
dispositivos da Lei nº 9.732/98. A ADI continua aguardando julgamento.
Duas outras medidas legislativas impuseram restrições a essa isenção, de acordo com
Davies (2002). Os Decretos nºs 752/93 e 2.536/98 passaram a exigir que 20% da receita bruta
276 Trata-se-ia dos artigos: 5º, XXXVI, 6º, 37 caput, 146 II, 195 § 7º, 196, 197, 199 caput § 1º, 203 I, II e IV, 204 II.
231
dessas instituições fosse destinada a gratuidades. Entetanto, Davies (2002) também aponta
para uma possível manobra relativa a essa regra: a concessão de descontos na mensalidade,
constituindo os “bolsistas parciais”. Segundo Davies (2002):
O governo reconhecia a própria dificuldade de se enfrentar esse artifício das filantrópicas. Segundo a matéria “Preço alto e filantropia desconhecida” (O Globo, p. 3, 1/12/98), para uma escola receber o certificado de filantropia, não precisava distribuir a cota de 20% da receita bruta em bolsas de estudo integrais para alunos pobres, pois, com o Decreto 2.536, poderia “simplesmente dar descontos parciais na mensalidade para alguns alunos e assim se enquadrar na legislação. Como o preço das mensalidades está liberado, fica difícil ao governo avaliar o grau de filantropia praticado pela escola. Nenhum órgão governamental, por exemplo, pode contestar a planilha de custos apresentada por um colégio e dizer se a mensalidade cobrada regularmente é a correta.” Em 22 de maio de 1999, na matéria intitulada “Governo cassa isenção de 51 entidades de ensino”, O Globo noticiava que o ministro da Previdência, Waldeck Ornelas, acusava as entidades de não oferecerem vagas gratuitas correspondentes a 20% da receita, contabilizando como gratuidade descontos parciais sobre a mensalidade dados a alunos não carentes, que, em muitos casos, eram filhos de funcionários e de professores. Manobras desse tipo e outras foram denunciadas em várias matérias da Folha de São Paulo veiculadas em novembro e dezembro de 2001(DAVIES, 2002, p. 162-163).
A renovação do CEAS (antigo CEBAS) em dois triênios (2000-2003/2003-2006) tem
sido questionada pelo INSS. A Secretaria da Receita Federal (SRF) apresentou ao Ministério
da Previdência Social recursos visando desconstituir as renovações do CEAS para os períodos
supracitados, o que aguardava, em 2007, decisão do ministro da Previdência Social. Em 23 de
dezembro de 2008, foram recebidos 27 autos de infração lavrados pela Receita contra a
SESES tendo como objeto a cobrança de contribuições previdenciárias relativas aos anos de
2003, 2004 e 2005 em um total de R$ 458.907.000,00, bem como demanda o arrolamento dos
bens imóveis da SESES. A Companhia aponta ainda, quando desenvolve suas razões para
questionar a cobrança, que houve caducidade do direito da Administração Pública de
contestar a renovação do CEBAS para o triênio 2001-2003. Cita ainda a Medida Provisória
446/08. Essa medida provisória cancelou 181 pareceres que pediam o cancelamento da
concessão de certificados de filantropia de várias entidades.
Além disso, tem sido consultada – por terceiros -, segundo a Estácio Participações
S.A. (2007a, p. 18 - Ver Anexo CD 4) - acerca da transformação de entidades sem fins
lucrativos em entidades empresariais, e emitido pareceres em que afirma a impossibilidade de
tal transformação. Ao se acessar duas decisões de consultas da Secretaria da Receita Federal,
relativos à solução de consulta nº 7 e solução de consulta nº 27, as duas de junho de 2002,
vislumbra-se a posição da SRF, a partir do seguinte argumento:
É impossível juridicamente a transformação de instituição de ensino superior que adote a forma jurídica de fundação em sociedade civil ou comercial com fins lucrativos. Admite-se a transformação de instituição de ensino superior que adote a forma jurídica de associação civil em sociedade civil com fins lucrativos. Considerando que o art. 18 do Código Civil estabelece que a existência da pessoa jurídica se dá com o registro de seus atos no órgão competente, não é possível a transformação de associação civil em sociedade mercantil visto que há que se promover a baixa de seus atos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas e
232
subsequente inscrição na Junta Comercial, constituindo-se, portanto, outra pessoa jurídica. Quando da transformação, os aportes de recursos efetuados por aquelas pessoas que detinham direitos pessoais e patrimoniais equivalentes aos de sócio devem ser imediatamente contabilizados como quotas de capital. Passando a entidade, anteriormente imune, a adotar a forma de sociedade civil ou comercial com fins lucrativos, seu patrimônio líquido deve ser avaliado conforme as disposições da legislação comercial (art. 17 da IN SRF nº 113, de 21 de setembro de 1998). A participação societária no capital social da pessoa jurídica resultante, relativa a cada um de seus sócios ou acionistas, será avaliada pelo valor em dinheiro ou em bens e direitos que houver entregado à instituição anteriormente imune ou isenta, para formação de seu patrimônio, comprovado com documentação hábil e idônea, coincidente em data e valor com o constante dos registros da referida instituição. Na ausência desses documentos comprobatórios, o valor da participação societária será considerado, para todos os efeitos tributários, igual a zero. (art. 18 da IN SRF nº 113, de 1998) (SRF, 2002, grifos nossos – ver Anexos A 16 e 17).
Ou seja, a rigor, seguindo as regras da Receita Federal, a fundação em questão deveria
ser extinta e seu patrimônio líquido avaliado em função do aporte de capital realizado pelos
sócios. A entidade com fins lucrativos deve ser criada pela constituição de outra pessoa
jurídica. Se houver, neste processo de liquidação, percepção de ganhos ou proventos aos
sócios, haveria necessidade de tributação.
Conforme a própria Estácio Participações S.A. (2007a, p. 18 – Ver Anexo CD 4):
Nesse caso, a consequência – se adotada a linha de entendimento manifestada pela Receita Federal do Brasil – seria a tributação da suposta devolução de capital aos sócios, sujeita à incidência do imposto de renda à alíquota de 15%. Ou seja, o fato gerador do imposto de renda ocorreria à medida que se verificasse percepção de renda – acréscimo patrimonial – pelos controladores das sociedades, à época da sua transformação.
Sobre essa posição da SRF, a Estácio Participações S.A, em seu formulário de
informações anuais (IAN) de 31/12/2007, com base nos pareceres emitidos pelo escritório de
advocacia Lobo & Ibeas Advogados e pelo consultor contábil, a PriceWaterhouseCoopers
Outsourcing Ltda., afirma:
Nosso entendimento, baseado em pareceres solicitados por nós a renomados especialistas em direito comercial e tributário, é o de que a transformação de sociedades civis sem fins lucrativos em sociedades empresariais com fins lucrativos é legítima, na medida em que a transformação dependente de registro em outro órgão que não aquele onde a sociedade foi constituída, não altera a natureza essencial do ato, que mantém a existência da mesma pessoa jurídica, razão pela qual, inclusive, todos os atos societários de transformação da Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá (“SESES”) foram arquivados pela Junta Comercial do Rio de Janeiro. Em adição, entendemos que a simples transformação da SESES em sociedade lucrativa não é fato gerador de tributos e que somente os lucros, rendimentos, receitas e ganhos de capital gerados após essa transformação é que serão tributados, ressalvados os benefícios fiscais do ProUni. Por fim, ainda baseados nos pareceres jurídicos de nossos advogados, acreditamos que a possibilidade de sermos autuados pela Receita Federal do Brasil com relação à transformação da SESES em sociedade limitada com fins lucrativos é remota (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 18, grifos nossos – Ver anexo 4).
Ou seja, a “Companhia” não reconhece a aplicação das determinações da SRF a seu
caso. E ainda afirma, com base no parecer contábil:
233
Nessa mesma linha, conforme atestado no parecer emitido pela PriceWaterhouseCoopers Outsourcing Ltda., a transformação, sem que os superávits gerados anteriormente sejam atribuídos ao capital dos sócios, mitigaria os riscos de tributação de tais superávits, tanto das entidades quanto dos sócios à época da transformação (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 19, grifos nossos - Ver anexo 4).
Ora, a importante pergunta a fazer é: por que não seguir as indicações da SRF? Porque
não liquidar com a entidade e abrir outra entidade registrada como empresa com finalidades
lucrativas. A resposta é simples: na legislação que rege o estatuto da filantropia, uma das
exigências, dentre outras, é: “[...]- destinar em seus atos constitutivos, no caso de dissolução
ou extinção, patrimônio a outra entidade congênere registrada no CNAS”. Ou seja, a Estácio
Participações S.A. utilizou o artifício jurídico de se formar por outro processo que não o de
uma dissolução ou extinção, mas do que ela mesma afirma ser uma “transformação
societária”.
[...] a legislação prevê a destinação específica do patrimônio das entidades imunes apenas nos casos de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento das atividades, hipóteses estas bem distintas da transformação societária a que foi submetida a SESES, logo é absolutamente defensável a conclusão de que não havendo dissolução ou extinção da pessoa jurídica transformada, não há que se falar em destinação do patrimônio, até mesmo porque este continua pertencendo à mesma pessoa jurídica, que apenas passa a ostentar um tipo societário distinto (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2010, p. 87 – Ver Anexo CD 3)
Além disso, argumenta que a legislação do ProUni abre previsão para a transformação
das entidades sem fins lucrativos em sociedades empresariais com finalidade de lucro, que o
entendimento pronunciado pela Receita Federal seria contraditório em relação a uma de suas
Instruções Normativas – 113/98 -, que definiria as regras fiscais e contábeis para a
transformação de sociedades e que, se houver cabimento na tributação, este deveria ser
atribuído aos cotistas das sociedades transformadas e não à empresa em si.
Sobre a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)277, a
SESES estava discutindo, em 2007, os lançamentos fiscais realizados pela SRF sobre o
exercício social de 1996 e o mês de agosto de 1997, que entendia que a instituição não teria
preenchido todos os requisitos legais para ser considerada entidade beneficente de assistência
social, que é o status que lhe garantiria o direito à imunidade. Esse processo278, que chega
hoje a envolver o montante de R$ 3,5 milhões, estaria aguardando julgamento de recurso
administrativo, após ter sido mantida a autuação nos julgamentos de primeira e segunda
instância administrativa (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a – Ver Anexo CD 4).
277 Isenção para fatos geradores a partir de 01 de fevereiro de 1999, “sobre as receitas relativas às atividades próprias das instituições de educação e assistência social a que se refere o artigo 12 da Lei no 9.532/97”. No caso da SESES, compreende estar esta isenta de tal tributo por conta da liminar concedida a partir da ADI 2.0285, que suspende artigos da Lei nº 9.732/98 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 25). 278 Processo nº 13710.001092/97-41 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2011, p.36).
234
Existem ainda questionamentos acerca do pagamento de tributos relativos ao
Programa de Integração Social (PIS). A SESES move um processo judicial279, desde 2005,
contra a União Federal, cujo valor atualizado é de R$24.600.000,00, no qual demanda a
declaração de inexistência de relação jurídico-tributária da obrigação do recolhimento da
contribuição ao PIS na medida em que, até 09/02/2007, era portadora do CEAS, pedindo
ainda o reconhecimento do direito à restituição dos valores recolhidos nos últimos dez anos.
Já julgado em primeira e segunda instância favoravelmente à SESES, o processo ainda
depende de julgamento de recurso especial, interposto pela SESES, para o aumento dos
honorários advocatícios, bem como aguarda julgamento do recurso extraordinário interposto
pela União.
Existia também um processo movido pela SESES contra a União Federal, em que
demanda a anulação de lançamentos realizados pela SRF, em função da suspensão da
imunidade tributária da SESES pelo Ato Declaratório 14/96, relativos à cobrança do Fundo de
Investimento Social (FINSOCIAL). O valor atualizado da causa era de R$ 1.405.208,71. A
sentença foi publicada em 04 de novembro de 2009, julgando improcedentes os pedidos da
SESES, que opôs embargos da declaração que foram rejeitados. Assim, se aguardava recurso
de apelação realizada em 26/11/2009280.
Também corria, em 2007, processo referente a execuções fiscais de ISS e IPTU, então
com 156 execuções fiscais, no total de R$ 16 milhões, realizadas pelo município do Rio de
Janeiro, que inclusive, havia conduzido à penhora do campus Rebouças. Entretanto, a SESES
entrou com uma ação ordinária contra o município do Rio de Janeiro para o reconhecimento
da imunidade tributária municipal conforme sentença em julgado. Em 2008, infoma-se que a
SESES ganhou a causa e aguarda baixa do gravame. Acrescenta-se, em 2009, autos de
infração acerca de cobrança de ISS no município de Niterói e Recife em um montante de R$
7.793milhões para o primeiro e R$ 410 mil para o segundo.
Essas não são as únicas pendências judiciais e administrativas da empresa e /ou de
suas mantenedoras. Segundo a Estácio Participações S.A., ainda no IAN 2007 (data-base
31/12/2007), havia um total de 1.899 processos em que a SESES ou outras mantenedoras
figuravam como réus.
Em 31 de março de 2007, o valor total estimado de nossas contingências judiciais e administrativas somava R$25,3 milhões e nossas provisões para processos judiciais e administrativos eram de aproximadamente R$14,1 milhões, das quais R$7,5 milhões relacionavam-se a ações cíveis, R$536 mil relacionavam-se a ações tributárias e R$6,9 milhões relacionavam-se a ações trabalhistas (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 61 – Ver Anexo CD 4).
279 Processo nº 2005.51.01.009955-0 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2011, P. 30) 280 Processo nº 2005.51.01020808-9 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2011, p. 29).
235
Em janeiro de 2011, todavia, segundo Formulário de Referência apresentado pela
Estácio Participações S.A., e elaborado pela empresa de auditoria Ernest&Young, o total de
processos chegava a 5.742, um número mais de três vezes maior do que o apresentado em
2007, sendo relatados, em maior detalhe, os processos judiciais, administrativos e arbitrais
não-sigilosos e significativos. A tabela abaixo permite observar melhor a trajetória desse
aumento de processos.
Tabela 11 Número de processos judiciais, administrativos e arbitrais em que a Estácio
Participações S.A. e/ou mantenedoras coligadas figuram como parte:
Ano Número de ações
Tipo de ações
Valores totais das ações (milhões de reais)
2007
1.155 Cíveis 15,2 165* Tributárias 43,5 579 Trabalhistas 8,6
2008
6.088 Cíveis Não informado 51 Tributárias Não informado
1.674 Trabalhistas Não informado
2009 Não informado Cíveis Não informado Não informado Tributárias Não informado Não informado Trabalhistas Não informado
2010
Não informado Cíveis Não informado Não informado Tributárias Não informado Não informado Trabalhistas Não informado
06/2011
(data-base: 01/01/2011)
3.162 Cíveis Não informado 255 Tributárias Não informado
2.325 Trabalhistas Não informado * Trata-se de 162 ações judiciais e três administrativas. Fonte: Estácio Participações S.A. Demonstrações financeiras anuais padronizadas, 2007a, 2008, 2009, 2010 e 2011 (data-base: 01/01/2011). Ver Anexos CD 4, 9,10 e 1.
Dentre estes processos, pode-se destacar, na área cível, pela ampla divulgação que
sofreu, aquele movido pela aluna do curso de Enfermagem e sua família, Luciana Gonçalves,
que foi atingida por um tiro enquanto estava dentro do campus Rebouças, no Rio Comprido,
no município do Rio de Janeiro. Em 2007, a Estácio – SESES - já havia sido condenada em
primeira instância. Em apelação o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) manteve
parte da sentença e determinou:
(i) o pagamento de indenização pelos danos morais sofridos aos autores, no valor aproximado de R$1,8 milhão; (ii) tratamento médico constante; (iii) pensão mensal vitalícia no valor de um salário mínimo acrescido das verbas trabalhistas, a saber: 13º salário, férias e FGTS; e (iv) continuidade do aluguel de um imóvel adaptado para a moradia da autora (home care). O valor
236
médio despendido mensalmente por nós para o tratamento médico da Autora é de R$35 mil. Sem prejuízo dos julgamentos dos Recursos Especial e Extraordinário interpostos contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que ainda está pendente, os autores ingressaram com a execução provisória da sentença, tendo sido depositado judicialmente por nós o montante de R$1,8 milhão. Com base na opinião de nossos advogados, entendemos que a probabilidade de perda é provável, sendo o valor envolvido estimado em R$5,3 milhões. Sendo assim o valor da condenação está integralmente depositado e também provisionado nas demonstrações financeiras consolidadas pro-forma (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 61, grifos nossos – Ver Anexo CD 4).
Em 2011, o trâmite deste processo era descrito em maiores detalhes:
Ação indenizatória distribuída em face da SESES, decorrente de acidente com “bala perdida” sofrido por uma aluna no interior do Campus Rebouças. A sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente o pedido para, em síntese, condenar a Companhia a pagar à aluna (a) o valor de R$ 600.000,00 a título de danos morais e estéticos; (b) pensão mensal equivalente a um salário mínimo até que ela completasse 65 anos; e (c) o valor relativo ao tratamento médico necessário para a sua recuperação, a ser apurado em posterior fase de liquidação de sentença. Aos pais da aluna, foi concedida indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00 para cada, e, aos irmãos, R$ 50.000,00 para cada, também sob esse título. As partes interpuseram apelação contra a referida sentença. O recurso da Companhia foi parcialmente provido para reduzir a indenização por danos morais e estéticos devidos à aluna para R$ 400.000,00. Quanto ao recurso da aluna, ele foi também parcialmente provido para transformar a pensão concedida à aluna em vitalícia e para determinar a constituição de capital garantidor da referida pensão. Além disso, o Tribunal condenou a Companhia a arcar com os custos do tratamento psicológico dos pais e irmãos da vítima. Os autores, não satisfeitos com o julgamento do recurso da aluna, interpuseram embargos infringentes. Tais embargos foram providos para se elevarem os valores de indenização, devidos à vítima, por danos morais e estéticos para R$ 600.000,00, restabelecendo-se a sentença de primeira instância nesse aspecto especificamente. As partes interpuseram recursos especiais contra os acórdãos acima referidos. O julgamento desses recursos foi concluído em 17 de junho de 2010, tendo o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidido, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial da Companhia apenas para excluir a constituição de capital garantidor. O recurso especial da aluna foi desprovido. A Companhia também interpôs recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça, que ainda não foi apreciado. No procedimento de execução provisória, a Companhia já depositou nos autos o valor de aproximadamente R$ 1.800.000,00, correspondentes ao valor das indenizações estabelecidas pelo Tribunal de Justiça. Adicionalmente, a Companhia interpôs recurso especial contra a decisão do Tribunal de Justiça que negou o pedido de denunciação da lide do Estado do Rio de Janeiro. Em 09 de fevereiro de 2010, o STJ, por unanimidade, negou provimento ao recurso (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2011, p. 45-46, grifos nossos – Ver anexo CD 1).
Retomando a citação acima, fica clara o viés mercantilista de atuação da empresa de
serviços educacionais: apesar de provisoriamente já executada a ação e do recurso ter sido
depositado nos autos, a Companhia interpôs recursos até a última instância ao tentar
“minimizar os custos”, alegando não ser responsável por tiros dados por terceiros, uma vez
que este não é um risco de sua atividade principal, além do gravíssimo fato de que as
gravações das câmeras de segurança estarem adulteradas quando requisitadas pela polícia
durante o inquérito à empresa que presta os serviços de segurança para a instituição, a Tele-
Segurança (PORTAL TERRA, 2003). A empresa reconheceu a adulteração, embora não
assuma a responsabilidade por ela.
Outra importante fonte de financiamento indireta é aquela ofertada pelo Programa de
Financiamento Estudantil (FIES). Substituto do CREDUC, desde 1999, o programa passou
237
por uma reestruturação em 2010, mas já vinha sofrendo uma série de mudanças, muitas delas,
como se viu antes, relacionadas às demandas do lobby privatista, que vê no FIES uma grande
ferramenta de captação e manutenção de alunos. Antes gerido pela Caixa Econômica Federal,
passou a ter como Agente Operador o Fundo Nacional de Educação, com juros de 3,4% ao
ano. O aluno paga R$ 50,00 a cada três meses, o mesmo valendo no período de carência. O
FIES pode financiar até 100% do curso, ser conjugado ao ProUni, no caso de bolsas parciais.
Além disso, o prazo de carência para o pagamento foi estendido para um ano e meio, podendo
a dívida ser paga no prazo de três vezes a duração do curso + 12 meses. Os pedidos de FIES
podem ser feitos a qualquer momento sem nenhuma limitação de prazo sem a necessidade de
fiador. E mais: os estudantes de cursos de pedagogia ou licenciaturas poderão pagar sua
dívida pela prestação de serviços. Será abatido 1% da dívida para cada mês trabalhado caso
escolham atuar na rede pública de educação básica (MEC, 2011)281. Esse mesmo tratamento
foi estendido, recentemente, para os alunos da área da saúde que escolham trabalhar na rede
pública das cidades do interior do Brasil definidas como prioritárias pelo Governo Federal,
mostrando certa convergência entre os interesses das empresas educacionais e do Governo
Federal, questão a que se voltará mais adiante.
No relatório de informações anuais (IAN), com data-base de 31/03/2007, mais
algumas informações importantes são apresentadas, como a posição acionária dos acionistas
com participação superior a 5% das ações ordinárias e/ou preferenciais, configuração esta que
irá se transformar imensamente ao longo do período aqui em análise. Assim, naquele
momento, o senhor João Uchôa Cavalcanti Netto detinha o controle acionário da Companhia,
uma vez que possuía 72,18% das ações, sendo os outros 27,82% distribuídos
pulverizadamente entre outros acionistas. A estrutura acionária de então pode ser expressa no
seguinte organograma, oriundo do mesmo formulário de informações anuais (IAN), com data-
base de 31/03/2003:
281 Disponível em: <http://sisfiesportal.mec.gov.br/faq.html>. Acesso em: 05 ago. 2011.
238
Gráfico 1
Participação acionária em março de 2003
Outro ponto relevante é que, de acordo com o formulário, por uma mudança no
estatuto realizada em 21/06/2007, fica estabelecido que o montante de dividendos
obrigatórios, em % do lucro, é de 25%. Na ata da Assembléia Geral Extraordinária realizada
na data acima e que aprova essa distribuição, a informação fica mais precisa: trata-se de
dividendo obrigatório a ser rateado entre os acionistas de 25% do lucro líquido no mínimo.
Também se define que os Administradores não terão participação nos dividendos, mas
receberão globalmente remuneração mensal de R$ 150 mil. Entretanto, conforme Estatuto e
atas de Assembléias anteriores, os administradores são, em alguma medida, acionistas e, por
essa via, têm participação na distribuição dos lucros, mas também recebem essa remuneração
mensal.
Apresenta-se também, no documento referido acima, a participação da Estácio
Participações S.A. nas sociedades controladas e/ou coligadas. Na tabela abaixo se pode ter
uma visão mais clara dessa relação.
239
Tabela 12 Participação em sociedades controladas e/ou coligadas
Data-base 31/03/2007
Controlada e/ou coligada
Tipo de empresa
CNPJ Classificada como
% de participação
no capital da investida
% do patrimônio líquido da investidora
Quantidade (mil) de ações no último
exercício social
(30/03/07 – 31/03/2007)
Sociedade de Ensino
Superior Estácio de Sá
Empresa Comercial, Industrial e
outras
34.075.739/0001-84
Fechada Controlada
99,99 73,04 11.750
Sociedade de Ensino
Superior do Ceará
Empresa Comercial, Industrial e
outras
01.239.996/0001-55
Fechada Controlada
99,99 5,78 6.897
Sociedade de Ensino
Superior de Pernambuco:
Empresa Comercial, Industrial e
outras
01.189.494/0001-67
Fechada Controlada
99,99 4,16
3.727
Sociedade Tecnopolitana
da Bahia
Empresa Comercial, Industrial e
outras
01.188.034/0001-14
Fechada Controlada
99,99 11,25 3.371
Sociedade de Ensino
Superior do Pará
Empresa Comercial, Industrial e
outras
04.368.590/0001-60
Fechada Controlada
99,99 5,77
964
Fonte: Estácio Participações S.A., Formulário de informações anuais - data-base: 31/03/2007.
240
Retomando a tabela e o quadro acima, dois aspectos se destacam com muita clareza: o
primeiro é que a SESES tinha um peso muito significativo na estrutura acionária da Estácio
Participações S.A., o que irá se transformar rapidamente. O segundo se refere a uma estrutura
organizativa, em termos de holding ou grupo industrial, ainda razoavelmente simples, o que
também irá mudando, no sentido de se complexificar imensamente até meados de 2011.
A Estácio Participações preparava-se para a abertura de seu capital e o lançamento de
ações na Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). O IPO (Initial Public Offering) se
realizaria 27/07/2007, tendo como coordenador líder da oferta o Banco UBS Pactual S.A. e
como coordenadores contratados Citigroup Global Markets Brasil, Corretora de Câmbio,
Títulos e Valores Mobiliários S.A., Deutsche Bank S.A. – Banco Alemão e Banco Safra de
Investimentos S.A. De acordo com o Prospecto Definitivo publicado para o IPO em 26 de
julho de 2007, a Estácio Participações S.A. era uma empresa de serviços educacionais que
contava então com:
[...] aproximadamente 177 mil alunos de graduação matriculados e a nossa rede de ensino era composta por uma universidade, um centro universitário e 12 faculdades, que contam, em conjunto, com 54 campi, sendo 38 no estado do Rio de Janeiro (o segundo maior mercado do Brasil, com 15 milhões de habitantes em maio de 2005) e 16 campi em outros 10 estados brasileiros (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007c, p. 18 – Ver Anexo CD 11).
O IPO é preparado com antecedência de alguns anos, o que significaria processos de
reestruturação produtiva profundos, de profissionalização da gestão, em geral significando a
contratação de empresas de consultoria especializadas em promover a reengenharia de outras
atuantes em diversos setores. Tiradentes (2009, p.105) aponta os processos de preparação:
“[...] corte de custos, customização, intensificação da extração de mais-valia intensiva e
extensiva, adoção de padrões gerenciais do mercado”. No caso da Estácio Participações S.A.,
em 2005, contratou-se a Comatrix Soluções282. Em 2006, foi contratada a K2 Consultoria,
segundo os cases disponibilizados por estas mesmas consultorias283. A Comatrix Soluções
revela que teria sido contratada para preparar uma reorganização da empresa – ainda imersa
em um modelo de gestão familiar e heterogêneo em termos operacionais para uma instituição
nacionalmente expandida - visando sua transformação em entidade com fins lucrativos.
A primeira providência fundamental era promover a unificação de processos e práticas em nível nacional. A partir daí, deveria ser desenvolvido um novo modelo de gestão. As metas eram profissionalizar a equipe e incrementar a rentabilidade da companhia, melhorando a eficiência operacional pré e pós o IPO (COMATRIX SOLUÇÕES, 2011, grifos nossos).
282 A Comatrix foi récem-contratada pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), instituição localizada no município do Rio de Janeiro, para promover uma reestruturação total das operações. Um dos primeiros passos consistiu – bem na lógica da acumulação flexível - na demissão de professores, alguns com muitos anos de casa. 283 Dados sobre a Comatrix Soluções, disponíveis em: <http://www.comatrix.com.br/cases/interna_estacio.php>. Acesso em: 31 jul. 2011. Sobre a K2 Consultoria, disponível em: <http://www.k2a.com.br/pt/resultados.html>. Acesso em: 31 jul. 2011. Importante: o Sr. João Carlos de Castro Rosas, consultor da K2 Consultoria, permanecia como membro da Diretoria da Estácio Participações S.A. ainda no fim de 2007 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 8 – Ver Anexo CD 4).
241
Aumentar a eficácia operacional pré- IPO torna-se movimento fundamental ao passo
que sinaliza a possível lucratividade da Companhia a ter suas ações lançadas no mercado,
indicando que não se trata de um investimento equivocado ou coisa parecida. Para demonstrar
tal eficácia, faz-se necessário aumentar a taxa de lucro da empresa em questão, bem como
apontar seu potencial de ganhos futuros. Nesse aspecto, faz-se fundamental um modelo de
gestão profissionalizada, gerencial, capaz de perseguir o lucro de modo mais objetivo.
Segundo a Comatrix Soluções, no caso da Estácio, fazia-se necessário:
A transformação da Estácio em uma organização com fins lucrativos implicaria na cobrança de uma série de impostos. Para cobrir os novos custos, o EBITDA284 deveria praticamente dobrar em relação ao obtido em 2006. Era necessário aumentar o número de alunos nas instituições no interior do Brasil, pois o mercado do Rio de Janeiro já estava saturado. Outro objetivo era implementar um sistema centralizado de Educação à{sic] Distância (EAD) (COMATRIX SOLUÇÕES, 2001).
Observando o movimento da Estácio no mesmo período, pode-se observar que essas
diretrizes foram, adotadas, em maior ou menor medida. A consultoria informa que havia
reorganizado a gestão administrativa, operacional e acadêmica da Estácio, instaurando
procedimentos de captação de manutenção de alunos, a unificação e a informatização de
procedimentos operacionais, resultando em importantes ganhos de escala e levando ao
cumprimento da meta de aumentar o EBITDA e de promover a regularização de dados
contábeis das mantenedoras para atender às necessidades dos investidores. Ressalte-se quais
foram as mudanças então implementadas:
A otimização de uma série de procedimentos resultou no aumento do número médio de alunos por sala de aula e na oferta à distância de até 20% da carga horária de cada curso. A meta estabelecida para o EBITDA foi alcançada, através de um misto de redução de custos docentes – que comprometiam quase 50% do orçamento – e incremento de receita (COMATRIX SOLUÇÕES, 2011).
O SINPRO – RIO noticiava, já em agosto de 2006, a situação das condições de
trabalho dos docentes na UNESA:
“Estácio reduz carga horária e pretende diminuir salários
Diante da reduçăo de carga horária dos professores, promovida pela direçăo da Universidade Estácio de Sá, e da tentativa de aplicar uma reduçăo salarial, a diretoria do Sinpro-Rio desencadeou um processo de luta em defesa dos direitos dos docentes dessa instituiçăo, a partir da distribuiçăo do comunicado que reproduzimos (SINPRO-RIO, 2006).
284 O EBITDA (Earnings Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization) é um índice que mede a quantidade de recursos gerados, pela empresa, apenas em sua atividade, ou seja, “(...) lucro antes das despesas financeiras, impostos, depreciações e amortizações” (Estácio Participações, 2008, p. 10). Segundo Dicionário on line de Finanças da BOVESPA, “Elemento de avaliação que mede a geração de caixa nas operações da empresa, antes que seja afetada pelos encargos financeiros e débitos contábeis.” É um índice contábil interessante para grandes empresas e sujeitas a grande depreciação, sendo menor sua eficácia indicativa em empresas de pequeno porte e com passivo pequeno e/ou irrelevante. RUDGE, L.F. (org). Dicionário de finanças. [20-?]Disponível em: <http://www.enfin.com.br/bolsa/main.php>. Acesso em: 01 jul. 2011.
242
Ainda no mesmo ano, apontava para essa proposta de redução salarial de modo ainda
mais claro, tendo recebido o SINPRO-RIO uma proposta de aplicação de um deflator de 18%
dos salários para produzir a minoração dos salários dos professores mais antigos, além de
planos de redução de turmas e de flexibilização curricular285. O SINPRO-RIO negociou com a
SESES, juntamente com a Associação de Docentes da Estácio de Sá (ADESA), um acordo
que parecia, de algum modo, conter o avanço da empresa sobre o corpo docente. O ano de
2006 terminou com 619 demissões só na Universidade Estácio de Sá.
Já neste ano de 2006, a K2 consultoria também já atuava junto à SESES, e segundo
informações divulgadas pela própria K2, este seria um dos dois mais bem sucedidos
processos de turnaround286 do país A divulgação das informações parece ter sido feita após o
IPO, resultando, segundo a consultoria empresarial, em aumento do EBITDA e no fato de que
“O caixa saiu de uma posição negativa de - R$ 65 milhões em 2005 para R$ 229 milhões em
2007” (K2 CONSULTORIA, 2011), passando, desta forma, pelo IPO de modo relativamente
bem-sucedido. O ano de 2007 terminou com a demissão de 589 professores apenas na
UNESA, sendo os mais atingidos, segundo o SINPRO – RIO (2010, p.2), os professores mais
antigos e com maior qualificação acadêmica.
Outro ponto de atenção foi a adoção, neste mesmo período, da Educação a Distância
(EAD) como elemento de economia de escala. Apoiando-se na legislação287 que permite que
20% da carga horária total do curso seja oferecida através de disciplinas semi-virtuais, a
Estácio entra com vigor neste formato educacional, bastante adequado à lógica da redução
dos custos. A EAD se tornará, cada vez mais, um segmento estratégico para o setor privado e,
também, para a Estácio Participações S.A. A educação a distância, neste contexto, entra em
cena como outro mecanismo de expropriação e desqualificação do docente já em vigor nas
IES privadas. Esta medida vem legalizar e abrir as portas da exploração do ensino superior
em dois sentidos. Em primeiro lugar, como mercado que pode ser explorado pelo capital
nacional e internacional. Em segundo lugar, permite uma significativa redução de custos
relativos ao trabalho docente, além de não promovem formas de inclusão digital – acesso e
permanência no universo digital - para docentes e discentes, e, muitas vezes, não oferecem
infra-estrutura adequada. O Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro
(SINPRO – RIO) tem oferecido uma série de denúncias acerca da utilização indiscriminada
de diferentes modalidades de Ensino à Distância (EAD) pela Estácio de Sá, que incluem as
285 Disponível em: <http://www.sinpro-rio.org.br/atualidades/noticias-2006.php>. Acesso em: 31 jul. 2011. 286 Turnaround é o nome dado, no universo das finanças, para a recuperação de empresas em crise. 287 Trata-se do artigo 80º da LDB/96, regulamentado por Portaria do MEC Nº 4.059, de 10 de dezembro de 2004.
243
disciplinas on-line como foi o caso documentado pelo SINPRO-RIO em 2008, da disciplina
Língua Portuguesa (SINPRO-RIO, 2007 – Anexo R), quando determinadas disciplinas foram
oferecidas apenas em sua versão digital. Nesses casos, a principal forma de interação é um
chat, e as aulas tele-presenciais, nas quais o professor é substituído por uma teleconferência e
um tutor que cuida do controle de frequência e do comportamento do aluno.
Simultaneamente, reforça-se o fetichismo da tecnologia, traço contemporâneo, e também se
amplia o controle pela tecnologia, indispensável à força de trabalho hoje.
A Estácio Participações S.A. realizou seu IPO em 27/07/2007. Entretanto, é
fundamental perguntar: o que significa, de fato, o IPO? Qual é seu sentido? Como assevera
Tiradentes (S/D, 105), “[...] o IPO representa a transferência de poder decisório para
investidores, que passam a controlar os resultados da atividade financiada”. Além disso, como
ressaltado no capítulo anterior, nesses casos, acontece um deslizamento da geração de valor
da atividade-fim – educação – para a reprodução ampliada de valor pelas operações
financeiras. De certa maneira, o horizonte temporal da realização do valor forjado pela
imagem do ciclo de reprodução tal como ela aparece para o capital financeiro – D – D´- torna
a atividade-fim um obstáculo, um problema que deve ser “resolvido” pelas práticas e
instrumentos característicos do capital financeiro. No caso da educação, mais
especificamente, ocorre um agravante: essa mercadoria tem um tempo de produção muito
longo288. Tiradentes (2009, p. 105) resume a questão muito apropriadamente:
A valorização das ações, paradoxalmente, ocorre pela descaracterização da atividade-fim da empresa que, neste caso, para baixar custos, rompe com qualquer caráter acadêmico e social de qualidade. O capital fictício alimenta-se de cadeias especulativas que pouco guardam relação com atributos da mercadoria, mas com sua representação no mercado. Se a representação (ou capital de marca) pode derivar de uma potente estratégia de marketing, a extração de mais-valia desloca-se das atividades-fim, o ensino, a pesquisa e a extensão, definidos por lei, para o relacionamento com o mercado. E os custos com a força de trabalho, ampliados pela inserção dos trabalhadores produtores de valor de marca, devem ser enxugados das atividades docentes.
Ao se apresentar ao mercado, no IAN, data-base 31/03/2007, a Estácio Participações
ressalta as vantagens de uma empresa educacional de seu tamanho e capacidade de
penetração nacional:
Liderança no Mercado do Rio de Janeiro e Ganhos de Escala. Nosso modelo de negócio é baseado na operação de múltiplas unidades no território brasileiro, com a administração e o
288 Essa imagem, entretanto, não corresponde a essência estrutural do processo, na medida em que o capital financeiro emerge como uma espécie de concentrador de mais-valia garantida em outras esferas da produção. Assim, não há capital financeiro que possa se descolar do capital produtivo de modo completo e assim permanecer. Essa é a natureza das crises financeiras: produção de um valor ficcional porque não lastreado em riqueza real. Além disso, em suas definições acerca do funcionamento do capital monetário, de acordo com Marx, Fontes (2010) realça as conexões entre a dominância da valorização do capital monetário e a expansão das relações capitalistas baseadas na exploração e na mercantilização da vida tout court.
244
desenvolvimento acadêmico centralizados em nossa sede, localizada na Cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro. Atualmente desenvolvemos nossas atividades em 11 Estados Brasileiros. Este modelo de negócio centralizado tem nos permitido: (i) oferecer um ensino padronizado de alta qualidade em nossas unidades, sempre respeitando as características regionais; (ii) manter um rígido controle de qualidade e consistência do nosso método de ensino289; (iii) aplicar processos padronizados, reduzindo custos operacionais e beneficiando-se de ganhos de escala; e (iv) implementar nosso plano de expansão de forma eficiente, mediante a replicação de nosso modelo de negócio em novas localidades. No Estado do Rio de Janeiro, onde nossa presença é mais concentrada, temos 38 unidades que nos possibilitam grande penetração nos mercados carioca e fluminense. Nos demais Estados, contamos com 16 unidades educacionais, o que nos auxilia na consolidação de nossa presença em nível nacional. Com isso, ganhamos escala, conseguimos diluir nossos custos fixos, e podemos oferecer aos nossos alunos cursos de qualidade a preços mais competitivos. Adicionalmente a dispersão de nossas unidades pelo território nacional, segundo nosso modelo de negócios, facilita a divulgação de nossa presença e de nossa marca (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 22, grifos nossos – Ver Anexo CD 4).
Essa noção é retomada mais adiante, no sentido de apontar para as vantagens de uma
organização desse tipo em um mercado marcado pelas fusões e consolidações. Ressalta-se,
neste caso, a importância de uma economia de escala, o que é imensamente adequado à
operação de grandes grupos industriais de cunho financeirizado, como aponta Chesnais
(1996, 2005, 2005a, 2005b), na medida em que se reduz, deste modo, custos de todo tipo, o
que, por sua vez, permite aumentar a “fatia” destinada à remuneração do capital investido, ou
seja, dos acionistas.
Além disso, pretendemos aumentar a oferta de cursos de extensão de acordo com a demanda do mercado. Continuaremos a aperfeiçoar nosso modelo de negócio visando a aumentar nossa eficiência operacional, nossos ganhos de escala, manter estrito controle sobre custos e ao mesmo tempo preservar e aumentar a qualidade de nossos cursos e dos serviços de apoio aos alunos e ex-alunos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007c, p. 24 – Ver Anexo CD 5).
Essa operação em ganho de escala – redução de custo será acirrada quando a GP
Investiments assumir o controle administrativo da Estácio Participações S.A. e trouxer sua
cultura gerencial financeirizada. Uma das grandes formas de economia de escala – pela
diminuição do custo com o professor dado o alcance da tecnologia, a partir de uma série de
inovações pedagógicas, como a figura do tutor, por exemplo - na educação superior será
representada pela EAD, que apresentará crescimento progressivo nas atividades da Estácio
Participações S. A. A esse respeito, o IAN (2007), data-base 31/03/2007, afirma:
Continuar Investindo em Tecnologia. Pretendemos continuar a investir e a utilizar a tecnologia de ensino, de forma a: (i) oferecer cursos semipresenciais, compostos de aulas presenciais e por acesso remoto, aumentando a qualidade do ensino e facilitando a experiência de aprendizagem; e (ii) oferecer cursos integralmente ministrados à distância, modalidade esta que se encontra em fase de credenciamento final junto ao MEC. Isso possibilitará, além da redução de custos com instalações e corpo docente, a exploração de um novo mercado ainda não explorado no Brasil (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007c, p. 24 – Ver Anexo CD 4).
289 Estes itens ora aqui enumerados serão retomados mais adiante, quando da avaliação da constituição dos processos pedagógicos sob relações extensa e intensivamente mercantilizadas.
245
Uma das novidades, neste sentido, foi a publicidade em torno dos tablets ofertados aos
alunos da Estácio de Sá, como já visto acima. Outro elemento ressaltado no IAN data-base
31/03/2007 como ponto forte são as denominadas parcerias imobiliárias. De acordo com o
documento:
Parcerias Imobiliárias. Ao ampliar nossa rede, celebramos contratos de parceria com proprietários de imóveis onde temos a intenção de instalar novas unidades. Dessa forma, os proprietários compartilham o risco do negócio através do recebimento de aluguéis com base no faturamento da respectiva unidade, sendo um negócio bastante atrativo na medida em que o aluguel290 aumenta de acordo com o crescimento do faturamento das nossas unidades. Este modelo propicia maior agilidade na operacionalização da abertura de unidades e garante flexibilidade na estruturação e gestão de nossa rede. Nossas parcerias imobiliárias reduzem a necessidade de aquisição e imobilização de ativos, com a consequente redução de custos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 23, grifos nossos – Ver Anexo CD 4)291.
Pode-se localizar aqui um traço essencial do capital rentista: é a busca da redução dos
riscos, pela via de seu compartilhamento ou transferência. Em geral, esse risco é repartido
com a classe trabalhadora, especialmente na lógica da acumulação flexível com
predominância financeira e cujas formas de regulação estatal implicam numa redução da
força e capacidade de pressão dos trabalhadores, engendrando menor proteção – formal e real
- ao trabalho. Todavia, nada impede que esse processo se dê entre os próprios capitalistas.
Nesse jogo de mercado, um dos atores centrais são as empresas de consultoria educacional,
290 Operacionalmente, o aluguel dá maior mobilidade para a empresa, permitindo que esta deixe de prestar seus serviços em um lugar e migre para outro com maior rapidez e menor perda, bem adequada a lógica financeirizada. Aliás, segundo a Estácio Participações S.A. (2010, p. 161): “Desenvolvemos nossas atividades em 91 imóveis, dos quais 20 são de nossa propriedade e 71 são alugados. Os imóveis locados destinam-se ao exercício de atividades relativas ao ensino superior, em nível de cursos de graduação, pós-graduação, cursos de extensão e afins. Grande parte de nossas locações são feitas por meio de parcerias com os proprietários dos imóveis onde exercemos nossas atividades. Através destas parcerias, procuramos nos beneficiar da infra-estrutura já existente no local, conforme nossas necessidades específicas, caso a caso. Muitas vezes os proprietários desses imóveis se obrigam a fazer melhorias no local para adequá-los aos nossos padrões de exigência e necessidades. Neste modelo de parceria, os proprietários compartilham conosco o risco do negócio, posto que o pagamento dos aluguéis é definido com base em um percentual sobre os valores mensais faturados pela unidade instalada no respectivo imóvel. Nos termos de alguns contratos de locação de imóveis, estamos dispensados da obrigação de pagamento do aluguel do primeiro ao décimo segundo mês. O valor do aluguel geralmente aumenta gradualmente, sendo cobrado em média R$3,57 mil por mês no início do contrato e alcançando até R$ 61,91 mil por mês. Em caso de mora da SESES quanto ao pagamento do aluguel e acessórios ou encargos de locação, o débito será acrescido de multa moratória de 2% a 10% sobre o seu valor total e de juros moratórios de 1% ao mês.Procuramos, sempre que possível, firmar os contratos de locação por um longo prazo, variando em média de três a 20 anos, e sempre fazemos constar nos contratos que, quando do término do prazo da locação, e se o proprietário não tiver a intenção de renová-la, o imóvel somente será por nós desocupado após o final dos cursos em andamento naquele semestre. Acreditamos que o modelo de parceira por nós utilizado para ocupação de imóveis de terceiros nos propicia uma maior agilidade na operacionalização da abertura de nossas unidades educacionais e nos garante flexibilidade na estruturação e gestão de nossa rede. Nossas parcerias imobiliárias também reduzem a necessidade de aquisição e imobilização de ativos, com a conseqüente redução de custos”. 291 Em informativos divulgados pela própria empresa relativos aos contratos com partes relacionadas (nas datas de 25/09/2007, 26/09/2007 e 14/11/2007), a Estácio Participações S.A. declara que possui um contrato de locação de 12 imóveis com o Acionista Controlador, João Uchoa Cavalcanti Netto, no valor original de R$ 18 mil reais por mês entre 01/03/2001 e 23/09/2005, com prazo de vencimento indeterminado. Há também informação relativa a contrato de locação de uma loja no campus Tom Jobim, celebrado com a Galvão e Rodrigues Artes Plásticas e Atelier Ltda., sociedade de propriedade do sobrinho do acionista controlador e por uma funcionária da Companhia, no valor original de R$ 9,2 mil reais. No primeiro ano de locação, o valor sofreria um desconto de 50%. A data original do contrato era 12/09/2006 e sua vigência de 24 meses, e conta com uma cláusula contra inadimplência que prevê, neste caso, a imediata devolução do imóvel. No dia 26/09/2007, uma correção das informações relativas a esse segundo item foi apresentada: haveria um saldo remanescente deste contrato de locação no valor de R$ 136,8 mil, com data de 31/03/2007. No terceiro relatório, esse saldo remanescente não aparece mais.
246
como a Hoper Educacional, a Sungard Higher Education e a Paulo Renato Souza
Consultoria, que tinha como sócio o ex-ministro da Educação do governo FHC, Paulo Renato
de Souza, mais uma vez ressaltando os anéis (tecno-)burocrático- empresariais que envolvem
a relação Estado-mercado no Brasil, conforme se assinalou a partir da abordagem de Dreifuss
(1987)292. Essas consultorias realizam avaliações e prospecções do mercado, das tendências e
forjam as estratégias de gestão que caracterizam o modelo das empresas prestadoras de
serviços educacionais, denominação que é até reivindicada para o setor hoje.
Ao anunciar os resultados financeiros dos três primeiros meses de 2007, em análise
comparativa com o mesmo período de 2006, a Estácio Participações S.A. oferece parâmetros
de análise fundamentais, especialmente para a prospecção dos movimentos posteriores.
Houve um aumento da receita bruta de 4%, resultado do aumento na base de alunos (1,22%) e
do aumento da mensalidade média como resultado do reajuste da inflação (6%). Esse
aumento de receita bruta teria sido maior na graduação tecnológica, o que, certamente, vai
incrementar a oferta deste tipo de formação (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 79
– Ver Anexo CD 4). Teria havido ainda um aumento nas deduções da receita bruta293 (3,7%),
resultado da transformação da SESES de entidade filantrópica sem fins lucrativos para
sociedade com fins lucrativos, o que redundaria no término de algumas isenções fiscais e
previdenciárias. Assim, em fevereiro e março de 2007, o montante pago em ISS, PIS e
COFINS teria sido de R$ 5,9 milhões, gerando um aumento de 404,5% nos impostos
deduzidos das receitas. As demais contas de dedução, conjuntamente, teriam apresentado uma
queda de 2,5%, em um montante de R$ 2,4 milhões (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p.
79 – Ver Anexo CD 4). Ou seja, se aumenta a dedução relativa a determinados impostos,
diminui-se seu impacto pela diminuição de outras deduções, que incluem, como já dito,
gratuidades relativas a bolsas de estudo (ProUni, bolsas decorrentes de acordos coletivos com
os sindicatos dos funcionários, descontos concedidos em mensalidades decorrentes de
convênios comerciais com empresas públicas e privadas e eventuais bolsas concedidas
seguindo a política comercial), devolução de mensalidades e taxas, descontos concedidos
(pagamento antecipado de mensalidades). Deste modo, a receita líquida das atividades teria
aumentado em 4,2%, fechando o trimestre em R$ 219,4 milhões.
292 Em 2011, o então ministro Antonio Palocci foi questionado, com ampla repercussão midiática, pelos lucros amealhados pelos serviços prestados por empresa de consultoria da qual era sócio no período em que esteve fora do governo. O episódio resultou em sua saída do governo Dilma. 293 São consideradas deduções da receita bruta pela Estácio Participações S.A.: gratuidades relativas às bolsas de estudo (ProUni, bolsas decorrentes de acordos coletivos com os sindicatos dos funcionários, descontos concedidos em mensalidades decorrentes de convênios comerciais com empresas públicas e privadas e eventuais bolsas concedidas seguindo a política comercial), devolução de mensalidades e taxas, descontos concedidos (pagamento antecipado de mensalidades, o que gera impacto em termos de adimplência), impostos (ISS, PIS e COFINS) (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 71-72).
247
Registra-se um aumento dos custos diretos dos serviços prestados294, especialmente
custos com pessoal de ensino, de 3,3%, totalizando R$ 129,3 milhões nos primeiro três meses
de 2007. Esse aumento se relacionaria, também, à transformação da SESES em entidade com
fins lucrativos, o que resultaria no recolhimento de cota patronal sobre a folha de pagamento
ao INSS na alíquota de 8,7%. Ainda assim, o aumento do custo de pessoal docente foi de
5,6%, o que representaria 75% do total de custos diretos dos serviços prestados. A Estácio
Participações S.A. contava então com um total de 7.600 docentes, sendo destes 4.958
alocados nas unidades do Rio de Janeiro e 2.642 nas outras unidades.
Levando todos estes pontos em consideração, o aumento de 5,6% nos custos de pessoal docente, que representam aproximadamente 75% dos custos diretos dos serviços prestados, foi menor do que o dissídio da categoria (inflação mais anuênios) e o aumento de encargos, refletindo a continuidade da implementação dos programas de otimização da alocação de docentes e de turmas iniciados em 2006. (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, S.A., 2007a, p. 80, grifos nossos – Ver Anexo CD 4).
Retomando o trecho acima, pode-se perceber com clareza porque, nos anos seguintes,
quando da negociação das convenções coletivas e dos acordos coletivos da categoria docente
será exatamente o anuênio o alvo do patronato. Congelado entre 30 de abril de 2008 e 31 de
março de 2009 para os professores que, então, completavam um ano ou mais um ano no
período para a revisão da cláusula em negociações a serem realizadas neste lapso de tempo
(SINPRO-RIO, 2008), desde 01/05/2008, no município do Rio de Janeiro, os docentes
recebem o adicional por tempo de serviço sob a forma do triênio, calculados sobre a
remuneração do professor, conforme disposto na Convenção Coletiva de Trabalho da
Educação Superior de 2009.
CL. 8ª - ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO O adicional por tempo de serviço, em caráter permanente, devido ao professor, mensalmente, a partir de 1° de maio de 2008, será o triênio, observado o seguinte: a) Fica garantido o pagamento devido a título de anuênio, calculado sobre a remuneração do professor, no valor de 1% para cada ano trabalhado, no período de 1 de abril de 1978 a 30 de abril de 2008. b) A partir de 1º de maio de 2008, o adicional por tempo de serviço devido ao professor será pago sob a forma de Triênio de 3%, para cada três anos trabalhados, calculado sobre a remuneração do professor (SINPRO – RIO, 2009).
E ainda, ao explicar o custo com pessoal de ensino, afirma a Estácio Participações S.
A. que este
Inclui o pagamento das horas-aula ministradas em sala de aula e laboratórios, as horas de coordenação de cursos, atividades docentes complementares e de coordenação acadêmica nas unidades, bem como todos os respectivos encargos trabalhistas e previdenciários. O gasto com docentes varia em função do número de turmas oferecidas e da titulação dos docentes
294 São considerados custos diretos de serviços prestados: custos de pessoal de ensino (custo com folha de pagamento do corpo docente), custos de ocupação (aluguéis, condomínios e convênios que remuneram o dono do imóvel de acordo com a receita da unidade), depreciação e amortização (depreciação e amortização dos ativos, incluindo amortização de despesas pré-operacionais de novas unidades) e utilidades públicas (telefones e energia elétrica) (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 72 – Ver Anexo CD 4).
248
alocados. O piso salarial e benefícios são definidos por acordo sindical em cada praça (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 72 – ver anexo 4).
O trecho soa revelador, especialmente se se pensa no caso da UNESA que, por ser
universidade, tem que cumprir, por lei, a regra da contratação de um terço do corpo docente
por tempo integral. Entretanto, de acordo com o texto acima, o pagamento dos docentes
incluiria horas-aula ministradas em sala, coordenação de cursos e acadêmicas nas unidades
(que não é nem pesquisa, nem ensino ou extensão) e atividades docentes complementares.
Além disso, esse programa de otimização da alocação dos docentes gerou um processo de
oferta de uma mesma turma para muitos cursos – denominado otimização – que gera uma
série de problemas, porque não é mais possível a aproximação do conteúdo em relação a uma
formação específica. Outro resultado: turmas cada vez mais cheias, conforme Dossiê Estácio
elaborado pelo SINPRO – RIO (Ver anexo impresso 16) e entregue ao Ministério Público do
Trabalho, com a abertura de uma ação civil pública contra a Estácio, e a Representação do
MEC no Rio de Janeiro (REMEC) e no ministério em Brasília.
Esse trecho também indica o caminho tomado pelo patronato posteriormente: a
minoração da atuação dos professores mais titulados, especialmente aqueles com mais tempo
de casa e o ataque progressivo às cláusulas de remuneração do aprimoramento acadêmico nas
Convenções Coletivas de Trabalho. Em 2007, essa cláusula, na Convenção do município do
Rio de Janeiro:
Cl. 12ª - Adicional de Aprimoramento Acadêmico Os Estabelecimentos de Ensino se obrigam a pagar ao professor, além do piso salarial da respectiva categoria, um adicional, a título de aprimoramento acadêmico, nunca inferior a: a) 5% (cinco por cento), para os professores portadores de título de especialização; b) 10% (dez por cento), para os professores portadores de título de mestrado; c) 15% (quinze por cento), para os professores portadores de título de livre docência ou título de doutorado (SINPRO-RIO, 2007).
Na Convenção Coletiva de Trabalho de 2009, essa cláusula já aparece modificada e
gerando perda de benefícios:
CL. 11ª - ADICIONAL DE APRIMORAMENTO ACADÊMICO As mantenedoras se obrigam a pagar ao professor, além do piso salarial da respectiva categoria, um adicional, a título de aprimoramento acadêmico, nunca inferior a: a) 5% (cinco por cento), para os professores portadores de título de mestrado; b) 10% (dez por cento), para os professores portadores de título de livre docência ou título de doutorado.
Sobre seu corpo docente, afirmava a empresa:
Os integrantes do nosso corpo docente têm credenciais acadêmicas e experiência profissional e oferecem aos alunos uma formação voltada às exigências do mercado de trabalho que complementa a visão acadêmica. A promoção para níveis superiores de carreira é medida por acréscimo de titulação, tempo de serviço na instituição e produção acadêmica (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 114 – Ver Anexo CD 4).
249
Cabe a pergunta: não haveria algum grau de contradição entre a atuação em termos
trabalhistas, congelando e eliminando anuênios, atacando a cláusula relativa ao
aprimoramento acadêmico e o trecho supracitado? Como esse pode ser o ponto de apoio de
um plano de carreira se, na prática, se combate este plano em termos de coletivos de trabalho?
Voltando aos custos diretos dos serviços prestados, cabe perceber que, no total, eles
decrescem, compensando, em maior ou menor medida, os aumentos relativos ao fim das
isenções.
Os demais custos diretos dos serviços prestados caíram 3,7% no período de três meses encerrado em 31 de março de 2007 em relação ao mesmo período de 2006. Como percentual da receita líquida, os custos diretos dos serviços prestados caíram, passando de 56,9% no período de três meses encerrado em 31 de março de 2006 para 56,5% no período de três meses encerrado em 31 de março de 2007 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 80 – Ver Anexo CD 4).
Disso resulta um aumento no lucro bruto trimestral, em relação ao mesmo trimestre do
ano anterior (2006), de 43,1% para 43,5% da receita líquida. Os créditos de realização
duvidosa295 tiveram sua provisão diminuída em valor significativo, de R$ 8,2 milhões
(primeiro trimestre de 2006) para R$ 5,0 milhões, no mesmo período em 2007. Tal
diminuição relaciona-se tanto com o recebimento e renegociação das mensalidades em atraso
quanto à reestruturação da gestão tomada desde 2006 como parte da preparação para a
transformação em empresa com entidade com fins lucrativos e para a abertura do capital. Em
relação às despesas gerais e administrativas296, houve uma diminuição das despesas reais,
saindo de 26,5% no primeiro trimestre de 2006 para 25,6 no primeiro trimestre de 2007,
destacando-se a queda da despesa com pessoal administrativo (16,6%), resultado da
reestruturação administrativa implantada nas unidades do Rio de Janeiro, em 2006, e que “[...]
incluíram a padronização da estrutura das unidades e a automatização e informatização de
diversos procedimentos operacionais” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 81,
grifos nossos – Ver Anexo CD 4). Conforme visto no capítulo anterior, sabe-se que, neste
aspecto, a automatização e a informatização significam, em alguma medida, a substituição de
trabalho vivo pelo trabalho morto, implicando em demissões e precarizações, e em
reorganizações da escala das atividades, que podem, por sua vez, engendrar intensificação do
trabalho daqueles funcionários que ficam. Embora não se tenha encontrado números exatos
295 Referem-se a mensalidades não recebidas, para os quais se constitui provisão para compensação de perdas. A provisão diminui, segundo a Estácio Participações S.A. à medida que se recebe mensalidades vencidas ou se realiza acordos ou renegociações. 296 Referem-se a despesas com pessoal administrativo, com serviços prestados por terceiros e demais despesas (publicidade, manutenção e reparos, aluguéis de máquinas e equipamentos, aluguéis de máquinas e equipamentos, aluguéis e condomínios (novamente), material de consumo, arrendamento mercantil, telefone e energia elétrica (novamente), depreciação e amortização (novamente) e outras despesas (impostos e tributos como Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, água e outras despesas menores (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 73-74 – Ver Anexo CD 4).
250
sobre a demissão de funcionários, em outro momento do relatório, fica claro que isso
aconteceu em alguma medida: “Parte do resultado desta reestruturação só será capturada em
2007, pois os custos de desligamento de pessoal impediram um resultado mais expressivo
ainda no decorrer do ano de 2006” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 84 – Ver
Anexo CD 4)297.
As despesas com serviços prestados sofreram um aumento de 21,8% em relação ao
primeiro semestre de 2006, graças “[...] à contratação de consultorias de sistemas e de gestão
e demais serviços relacionados à transformação da SESES em sociedade com fins lucrativos
(ocorrida em fevereiro de 2007) (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 85 – Ver Anexo
CD 4)”. Já as demais despesas administrativas sofreram aumento de 16,6%. As provisões para
contingências, que não existiam nos primeiros três meses de 2006, chegava, no fim do
primeiro trimestre de 2007, a R$ 4 milhões. As receitas financeiras298 aumentaram em 10,8%,
derivando dos rendimentos de aplicações financeiras menos a redução de 6,4% relativas às
multas e juros pagos pelos alunos. Já as despesas financeiras299 diminuíram, na comparação,
60,5%, especialmente por conta da inexistência de endividamento no primeiro semestre de
2007300. Assim, o lucro operacional das atividades aumentou 40,8%, aumentando, assim, a
margem sobre a receita líquida de 12,2% (1trim de 2006) para 16,5% (2trim de 2007). Com o
aumento para provisão de perda de imobilizado, as receitas não operacionais líquidas
sofreram grande redução, R$ 2,2 milhões de um lucro não operacional de R$ 0,1 milhões
(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 82 – Ver Anexo CD 4)301.
Quanto ao lucro líquido, antes da CSLL e do IRPJ, aumentou comparativamente
32,0%. Estes impostos, por sua vez, aumentaram 167,0%, referindo-se às outras mantenedoras
até 31 de janeiro de 2007 e de todas as sociedades mantenedoras, inclusive a SESES, a partir
de 1º de fevereiro de 2007. Entretanto:
Em 2006, a SESES era isenta de IRPJ e CSLL, pois era uma sociedade filantrópica sem fins lucrativos. Como a SESES já aderiu ao ProUni desde 2005, passou a ter isenção do IRPJ e CSLL, considerando o lucro da exploração sobre atividades isentas, quais sejam, atividades de graduação tradicional e graduação tecnológica (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 82, grifos nossos – Ver Anexo CD 4).
297 Em 31/03/2007, havia 4.729 postos administrativos na instituição. 298 Receitas de aplicações financeiras, mais multas e juros por atraso de pagamento por parte dos alunos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007a, p. 74 – Ver Anexo CD 4) 299 Taxas e encargos pagos às instituições financeiras, emissão de boletos bancários e despesas bancárias relacionadas a endividamento de curto e longo prazo (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, S.A., 2007a, p. 74 – Ver Anexo CD 4). 300 Como se verá mais adiante, este fator será enormemente transformado no período posterior à abertura de capital. 301 “Nossas receitas e despesas não-operacionais incluem patrocínios, baixas de ativo imobilizado e perdas em geral” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 73).
251
Ainda assim, o lucro líquido da já então empresa aumentou 13,8%, passando a
representar uma margem sobre a receita líquida de 11,8%. A Estácio Participações S.A.
apresenta ainda alguns compromissos financeiros relevantes. O primeiro refere-se a um
contrato de concessão de crédito, realizado com a intermediação do Banco Santos S.A., com
recursos do BNDES, no valor R$ 3,28 milhões para a construção de um campus da Faculdade
de Medicina de Juazeiro do Norte. Quando da intervenção do Banco Central no Banco Santos
S.A., em 2004, a Estácio Participações deixou de mobilizar esse financiamento, e terminou a
construção com dinheiro próprio. O segundo compromisso refere-se a contrato de parceria,
concretizado em 2004, com a União de Bancos Brasileiros S.A. (UNIBANCO), a terminar em
24 de março de 2009. Por meio dele:
[...] as partes acordaram exclusividade na oferta e distribuição de produtos e serviços aos alunos, funcionários e fornecedores, com preços e taxas mais competitivas do que as praticadas pelo mercado financeiro. Dentre tais produtos e serviços, podemos destacar a folha de pagamento dos funcionários, a emissão de boletos de cobrança, oferecimento de conta corrente para alunos e funcionários dentro da instituição, entre outros, além de oferecer prioridade em outros produtos e serviços financeiros. Como resultado dessa parceria, o Unibanco nos disponibilizou uma linha de crédito para o gerenciamento de contas a pagar e receber no valor total de R$40,00 milhões cujas condições, tais como taxa, prazo e garantia podem ser revistas pelo Unibanco a cada três meses. Além disso, restou acordado que o Unibanco passaria a ser o nosso principal e preferencial provedor de serviços financeiros. Em relação a essa parceria, recebemos antecipadamente o montante de R$4,00 milhões para serem compensados no decorrer do contrato por meio de uma metodologia estipulada pelas partes. Não foram prestadas quaisquer garantias por ocasião da celebração desse contrato. Em 3 de agosto de 2006, celebramos termo aditivo para prorrogar este contrato de parceria por mais cinco anos. Em decorrência disso, recebemos antecipadamente o valor de R$16,90 milhões, sendo R$15,95 milhões referentes à exclusividade e R$954 mil pela campanha de abertura de contas correntes. O valor recebido em razão da exclusividade foi contabilizado como ‘resultado de exercícios futuros’ e será convertido em receita, mensalmente, ao longo dos cinco anos de prorrogação (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 101 – Ver Anexo CD4).
Um dos produtos oferecidos é o Crédito Universitário operado pelas instituições
bancárias. Em uma visita ao site do Banco Itaú302, pode-se fazer um levantamento dos
produtos oferecidos para “o público universitário”: MaxiConta universitária, cartão de crédito,
investimentos, empréstimos e planos de previdência. A maioria dos programas de
financiamento privado tem juros de 6 a 7 % ao ano, existindo, segundo reportagem publicada
no IG (2010), programas de financiamento que chegam a cobrar até 1,5% ao mês. De acordo
com a reportagem, no programa oferecido então pelo Itaú/Unibanco, as prestações eram fixas
e os juros não passavam de 7% ao ano.
302 Escolheu-se aqui o Banco Itaú por duas razões: a primeira, mais óbvia, é que o atual Itaú é o resultado da fusão do Banco Itaú com o Unibanco, citado acima. A segunda, menos óbvia, é que, em 2011, localizamos participação do Itaú em uma empresa de private equity internacional que controla um fundo com participação acionária significativa na Estácio Participações S.A.
252
Outro produto consiste nos empréstimos consignados para funcionários e docentes,
que representam empréstimos com taxas de juros mais baixas do que o crédito bancário
comum e que se constitui, certamente, em um imenso mercado e de risco minorado, uma vez
que as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamento. No caso de demissão,
quando do momento de depósito de verba recisória, o banco, por contrato, pode apreender um
percentual dessas verbas como cobertura parcial ou total do empréstimo. Existiriam ainda
mais três contratos de empréstimo com o UNIBANCO, para capital de giro, no total de R$6,7
milhões a vencerem em 2007 ainda. Existiam ainda 502 contratos de arrendamento, com
diversas entidades bancárias, no valor total de R$ 26,2 milhões, cujo último vencimento teria
lugar em 2010. “Os contratos de arrendamento mercantil foram celebrados, na sua maioria,
para a aquisição de livros, móveis e utensílios, máquinas e equipamentos necessários ao
desenvolvimento de nossas atividades” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a, p. 102 – Ver
Anexo CD 4).
As informações financeiras apresentadas ainda em março de 2007 já indicavam que
uma parte dos recursos líquidos oriundos da Oferta Primária de Ações (IPO) seria aplicada em
novas aquisições, parte na abertura de novas unidades e, ainda outra parte na expansão e
manutenção das unidades já existentes. Com o montante amealhado a partir do IPO303, R$ 251
milhões, a Estácio Participações S.A. já inicia, em agosto de 2007, o processo de aquisição de
outras instituições, como a IREP, Sociedade de Ensino Superior, Médio e Fundamental Ltda.
e da Faculdade Radial de Curitiba Sociedade Ltda., mantenedoras do CENTRO
UNIVERSITÁRIO RADIAL, marcando sua presença no município de São Paulo, em que a
Radial possui seis campi, somando-se ao campus no ABC paulista e um em Curitiba,
agregando um total de 10.800 alunos.
A UNESA terminou o ano de 2007 com 178 mil alunos, em um aumento de 6,9% em
relação ao ano anterior (2006) e com um total de 70 mil ingressantes nas unidades distribuídas
por 11 estados da federação (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007a). Em 2007, o Programa
Universidade para Todos (ProUni)304 contabilizava mais de 12 mil alunos bolsistas para a
303 O IPO teve como coordenador líder da oferta o Banco UBS Pactual S.A. e como coordenadores contratados Citigroup Global Markets Brasil, Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários S.A., Deutsche Bank S.A. – Banco Alemão e Banco Safra de Investimentos S.A. Estácio Participações. Prospecto definitivo. 2007c. Ver Anexo CD 11. 304 BRASIL. Lei n° 11.096. Institui o Programa Universidade para Todos - ProUni, regula a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior; altera a Lei no 10.891, de 9 de julho de 2004, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11096.htm>. Acesso em: out. 2007. “Art. 1o Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Educação, o Programa Universidade para Todos - ProUni, destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudantes de cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos” (grifos nossos). Almeida e Machado (2009) dão visibilidade aos seguintes dados levantados por Otranto: o ProUni, entre 2005 e 2009 teria criado 796.218 bolsas, das quais 463.423 seriam integrais e
253
instituição, com crescimento de 26% em relação a 2006 (Estácio Participações, 2007a, p.70).
A Estácio recebeu ainda a autorização do MEC para a criação de nove cursos em quatro das
faculdades controladas pelas mantenedoras, e para 24 cursos nos Centros Universitários em
Salvador e São Paulo. Além disso, investiu
[...] na criação de uma Unidade voltada ao Ensino à Distância, suprindo necessidades na formação superior de brasileiros que, por razões de moradia, renda ou outros motivos, poderão realizar seus estudos e qualificações em suas residências ou ambientes de trabalho, modelo este de ensino que se universaliza (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007d)305.
Anuncia ainda a intenção, com previsão de concretização em 2008, de comprar outras
instituições de ensino superior detidas pelo Acionista Controlador – João Uchôa Cavalcanti
Netto, bem como pelos outros acionistas (Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti, André Cleófas
Uchôa Cavalcanti e Monique Uchôa Cavalcanti de Vasconcelos) no Brasil (Sergipe, Alagoas,
Rio Grande do Norte e Amapá) e no exterior (Paraguai e Uruguai).
As medidas garantiram à Estácio Participações uma receita bruta, em 2007, de R$ 1,3
bilhões e uma receita líquida de R$ 860 milhões (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e,
p. 70). Percebe-se claramente uma orientação cada vez mais direta para a lucratividade da
empresa, guiando, com clareza, processos didático-pedagógicos. Em um relatório da própria
instituição, afirma-se
Dentro da racionalização acadêmica e operacional em curso, ocorreram mudanças na estrutura de toda a organização, para captar as economias que a escala da operação permite, com progressivos aumentos da margem financeira, ocasionados primordialmente pelas melhorias de produtividade e racionalização das políticas comerciais.
Dentro desses mesmos objetivos econômicos e voltados para a atratividade dos programas acadêmicos, foram revistas as grades curriculares de 43 cursos de graduação (bacharelado e licenciatura) e de 56 cursos de graduação tecnológica (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES 2007e, grifos nossos – Ver Anexo CD 13)306.
Além disso, aponta-se para o impacto não tão problemático com a “nova carga fiscal”:
“Mesmo arcando com essa carga fiscal adicional, já prevista, a Companhia registrou um valor
de cerca de R$101 milhões de geração operacional de caixa (EBITDA)” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e, p. 70 – Ver Anexo CD 13). Dentro dessa mesma
racionalidade, corte de custos-economia de estala, detecta-se mudanças administrativas
nacionais, o que leva a unificações que ignoram necessidades locais e regionais, mesmo em
termos administrativos e que implicam em cortes de pessoal, na medida do deslocamento das
atividades para outros espaços. 332.795 seriam parciais. O mesmo montante de recursos usado para criar estas bolsas teria permitido a criação de 1 milhão de vagas nas IES públicas. 305 Estácio Participações. “4T07. Mensagem da administração”. Disponível em <http://www.estacioparticipacoes.com/ >. Acesso em: 17 nov. 2008. 306 Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br>. Acesso em: 17 jan. 2008.
254
Foi iniciado um projeto de integração nacional, com extensão dos sistemas de gestão empresarial e acadêmica a todas as unidades, com expectativa de conclusão em 2008. Destaca-se, também, a centralização, no Rio de Janeiro, de todas as funções administrativas e financeiras comuns a todas as controladas, com a criação de um centro de serviços compartilhados, o que conduz a importantes economias operacionais (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e, p. 71 – Ver Anexo CD 13).
Assim, alterou-se a participação em sociedades controladas e/ou coligadas:
Tabela 13 Participação em sociedades controladas e/ou coligadas
Data-base 31/12/2007
Controlada e/ou coligada
Tipo de empresa
CNPJ Classificada como
% de participação
no capital da investida
% do patrimônio líquido da investidora
Quantidade (mil) de ações no último
exercício social
(30/03/07 – 31/12/2007)
Sociedade de Ensino
Superior Estácio de Sá
Empresa Comercial, Industrial e outras
34.075.739/0001-84
Fechada Controlada
99,99 73,04 11.750
Sociedade de Ensino
Superior do Ceará
Empresa Comercial, Industrial e outras
01.239.996/0001-55
Fechada Controlada
99,99 5,78 6.897
Sociedade de Ensino
Superior de Pernambuco
Empresa Comercial, Industrial e outras
01.189.494/0001-67
Fechada Controlada
99,99 4,16
3.727
Sociedade Tecnopolitana
da Bahia
Empresa Comercial, Industrial e outras
01.188.034/0001-14
Fechada Controlada
99,99 11,25 3.371
255
Sociedade de Ensino
Superior do Pará
Empresa Comercial, Industrial e outras
04.368.590/0001-60
Fechada Controlada
99,99 5,77
964
IREP Soc. de Ensino
Superior
Empresa comercial, industrial e outras
02.608.755/0001-07
Fechada Controlada
99,99 -0,58 1.958
Faculdade Radial de Curitiba
Empresa comercial, industrial e outras
05.590.490/0001-47
Fechada Controlada
99,99 -0,09 253
Fonte: Estácio Participações S.A., IAN, Demonstrativo Financeiro, 2007e. Ver anexo 13.
Percebe-se, pela tabela acima, o tamanho das aquisições: de cinco coligadas em 31
março (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007e – Ver Anexo CD 13), chega-se a dezembro com
um total de sete sociedades controladas e/ou coligadas, o que releva a política de aquisições.
Promete-se ainda a aquisição de 99,9% de outras companhias, já aprovada pela Assembléia
Geral Extraordinária.
• A SESAL é a mantenedora da Faculdade de Alagoas – FAL, com mais de 4 mil alunos matriculados. • A SESAP é a mantenedora da Faculdade do Amapá – FAMAP, que conta com cerca de mil alunos matriculados nos cursos de graduação. • A UNEC é a mantenedora da Faculdade Câmara Cascudo – FCC, com mais de mil alunos. • A SESSE é a mantenedora da Faculdade de Sergipe – FASE, que conta com quase 2 mil alunos matriculados na graduação (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e, p. 25 – ver Anexo CD 13).
Aqui aparece também a primeira menção a divisão de dividendos a ser estabelecida da
seguinte forma:
A Administração proporá à aprovação dos Acionistas da Companhia, a ser deliberado na Assembléia Geral Ordinária, um pagamento de dividendos no montante aproximado de R$13,6 milhões, correspondentes a 50 % de seu Lucro Líquido e a 52,6 % do Lucro Líquido após a apropriação da Reserva Legal (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e, p, 72 – Ver Anexo cD 13).
Nova fase de reestruturações se anunciava:
256
Foi iniciado um projeto de integração nacional, com extensão dos sistemas de gestão empresarial e acadêmica a todas as unidades, com expectativa de conclusão em 2008. Destaca-se, também, a centralização, no Rio de Janeiro, de todas as funções administrativas e financeiras comuns a todas as controladas, com a criação de um centro de serviços compartilhados, o que conduz a importantes economias operacionais (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007e, p. 71 – Ver Anexo CD 13).
Esse projeto implicou na unificação nacional dos currículos dos cursos, como se pode
observar no site da Estácio Participações S.A., bem como na modularização da oferta de
disciplinas. Sobre o número de docentes, ao fim de 2007, a Estácio Participações contava com
um total de 9.489 docentes, destes 6.376 alocados no Rio de Janeiro e 3.113 nas outras
unidades. Lembrando que se trata de uma empresa educacional que adquiriu mais 06
mantenedoras no período, esse número não pode ser visto como aumento absoluto, mas como
resultado das aquisições e fusões. Basta observar o número de docentes lotados nas unidades
do Rio de Janeiro: de 4.958 para 6.376 docentes307.
O SINPRO –RIO, diante da situação delineada com a expansão da UNESA no ano de
2007, elaborou um dossiê no qual busca denunciar práticas relativas à legislação trabalhista e
educacional. No que diz respeito à redução dos salários, o problema remonta, no mínimo, até
1997, quando, segundo o dossiê, a Estácio estendeu os semestres de 15 para 20 semanas,
permanecendo as disciplinas com quatro créditos com 60 horas, ministradas agora em três
horas, totalizando 2h30m horas-relógio diurnas e 2h noturnas. Deste modo, os professores,
em sua maioria, sofreram a perda de 25% de sua remuneração, com a passagem de 4 para três
tempos de aula (horas-aula). Os alunos perderam tempo de aula, até porque as provas
passaram a tomar 12 horas-aula (eram quatro avaliações – PR1, PR2, Segunda Chamada e
Prova Final). Em 2007, mais mudanças nesta direção, como a equalização da quantidade de
horas nas turmas da manhã e tarde com aquelas da noite, ocasionando o corte de quase um
terço do salário dos docentes. Tradicionalmente, e por Convenção Coletiva, as aulas nos
turnos da manhã e da tarde eram compostas por dois ou três tempos de 50 minutos, enquanto,
no turno da noite, as mesmas disciplinas eram compostas por dois ou três tempos de quarenta
minutos. A UNESA equalizou os tempos de aula nos três turnos para preparar-se para adotar
a hora cheia (60 minutos) como medida padrão em curto prazo. Ao fazê-lo, os professores
que, por exemplo, tinham uma disciplina com três tempos de manhã passou a receber por eles
2,4 horas/aula e não mais três horas/aula. Outra medida foi a redução da carga horária de 15
disciplinas de cada curso de graduação de três horas-aula semanais para duas horas-aula
semanais, com extensão formal do semestre de 20 para 22 semanas e a divisão das atividades
307 Importante dizer que não se sabe se esse número foi apurado antes ou depois das demissões da UNESA que, em 2007, atingiram 589 docentes.
257
acadêmicas no que o Dossiê denomina “horas teóricas”, ministradas em sala/laboratório pelo
docente e “horas-campo” (atividade-extra classe sem orientação ou supervisão de docentes).
Com isso, manejou-se a redução da remuneração do professor, sem, contudo, fazê-lo perante
o MEC, uma vez que se eliminou o espaço para registro de horas-aula nas pautas. Isso
ocorreu sem a redução das mensalidades dos alunos. Assim, as mudanças se fizeram em
profundo desacordo com as cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho relativas à duração
da hora-aula acadêmica, nas quais se postula (parágrafo terceiro da cláusula 2º) para o turno
diurno, hora-aula de 50 minutos e, para o turno noturno em 40 minutos (hora sindical). O uso
hipertrofiado da EAD, como elemento de redução de custos e deterioração da qualidade de
ensino, também foi contestado pelo SINPRO – RIO.
A ausência de participação docente na gestão democrática da Universidade Estácio de
Sá também foi denunciada pelo SINPRO – RIO, no que desrespeitaria os princípios da
autonomia universitária. De acordo com a CF e a LDB (art. 53), o Estatuto e o Regimento da
instituição (Ver Anexo A – 16) definiam uma estruturação em departamentos e centros
acadêmicos, existindo também um Conselho Universitário e um Conselho de Ensino e
Pesquisa, sem interferência da Mantenedora e com representação discente e docente. Após as
mudanças ensejadas em 2007, não houve mais eleição para alunos e professores escolherem
seus representantes para os Conselhos, afirma o Dossiê. Assim, a fixação de currículos,
programas, planos ou projetos de pesquisa, bem como as atividades de extensão e as
mudanças estatutárias e regimentais se fariam inviáveis como preconizadas legislativamente.
Algo fundamental que pode escapar ao observador mais atento, é que a relação vinculativa da
Estácio Participações é com a SESES e não diretamente com a UNESA.
Outra denúncia efetivada pelo SINPRO - RIO através do dossiê é sobre a
ficcionalização do professor de Tempo Integral (T.I.), que constituiria um simulacro das 40
horas semanais exigidas pela lei. Além disso, não haveria incentivos institucionais para a
produção acadêmica. Fora a não-remuneração das horas-campo, da otimização do currículo de
disciplinas do núcleo curricular básico, como Língua Portuguesa – isso quando não oferecida
na modalidade EAD - e a modularização das disciplinas, planejada para 2008. A
nacionalização foi, em 2009, marcada pela integração nacional de todas as unidades em um
mesmo sistema de gestão empresarial e acadêmica, engendrando a unificação das grades
curriculares e dos regimes administrativos. “Os currículos dos 41 principais cursos foram
integrados nacionalmente e atualizados de acordo com as demandas do mercado de trabalho”
(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2009, p. 28 – Ver Anexo CD 10). Além disso, “(ii)
Aumentamos nossa eficiência por meio da formulação de disciplinas compartilhadas, oferta
258
de materiais didáticos on-line em cursos presenciais e introdução de atividades de auto-
aprendizagem;” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2011, p. 89 – Ver Anexo CD 1).
Já a modularização é uma forma de flexibilização curricular constituída de modo a
permitir a abertura de turmas de modo mais controlado, organizado pela oferta, a cada
semestre, apenas dos módulos ímpares (primeiro semestre) ou pares (segundo semestre).
Suponha-se um aluno que ingresse em um curso qualquer no segundo semestre do ano: ao
invés de entrar em uma turma de primeiro período, ele entraria no módulo 2 que será
oferecido naquele semestre, cursando as disciplinas de tal módulo par. As disciplinas do
módulo 1 (ímpar) ele poderá cursar no semestre seguinte, quando elas voltam a ser oferecidas,
ou em qualquer outro momento de oferta. Na verdade, trata-se de tentativa de eliminar os
períodos sucessivos como unidade de medida temporal e introduzir a noção de módulos a
serem cursados em qualquer ordem, permitindo percursos mais individualizados. Todavia, o
fundamental é que, desta forma, pode-se manter um corpo docente mais “enxuto” e, portanto,
pouco custoso, uma vez que poucas disciplinas são oferecidas por semestre, permitindo que
poucos professores tomem conta de muitas disciplinas que são oferecidas de modo alternado.
Ao fim de 2007, o quadro de participação acionária significativa (5%) já se havia
transformado.
Tabela 14 Participação acionária
31/12/2007 Acionista Ações Ordinárias %
UCHÔA CAVALCANTI
PARTICIPAÇÕES S.A.
41.004.050 52,18
MOENA PARTICIPAÇÕES
S.A.
15.717.013 20,00
AÇÕES EM TESOURARIA 0 0,00
OUTROS 21.864.003 27,82
TOTAL 78.585.066 100,00
Fonte: Estácio Participações S.A, 2007e, p. 11. Ver anexo 13.
Em maio de 2008, a Estácio Participações S. A. celebra a venda de 20% de seu capital
social para a Moena Participações S. A., empresa aberta diretamente controlada pela GP
Participações308. Leia-se Garantia Participações, braço de investimento do Banco Garantia,
308 A Moena S.A. foi incorporada pela Estácio Participações S. A. em 31 de agosto de 2010 e extinta de pleno direito, sendo sucedida em direitos e obrigações pela Estácio Participações S. A. Essa incorporação relaciona-se ao processo de reestruturação societária então em andamento.
259
conhecido pela administração flexível, gerida por uma meritocracia rígida, inclusive em
termos de remuneração. O pagamento do preço de aquisição, R$259.330.720,00, foi feito em
moeda corrente, à vista. Tal aquisição revela-se um compartilhamento da gestão da Estácio
Participações entre os sócios fundadores, principais acionistas, e a GP, por tempo
determinado, para incrementar o valor da companhia. A rigor, ao se observar a composição do
Conselho de Administração ainda em 2007, já se pode perceber a chegada da Garantia: três
dos nomes da “segunda geração” de administradores forjados na cultura Garantia já faziam,
então, parte do Conselho: Antonio Carlos Ribeiro Bonchristiano, Eduardo Alcalay e Eduardo
Mesquita Samara. Na Diretoria, Rogério Frota Melzi, como diretor de Planejamento
Econômico e Operacional.
Tabela 15 Composição do Conselho de Administração
Evolução 2007-2010
Maio de 2007 Dezembro de 2007
2008 2009* 2010**
João Clemente Baena Soares Presidente do Conselho de
Administração
Marcel Cleófas Uchôa
Cavalcanti Presidente do Conselho de
Administração
Alcyr Cabral Simões
Presidente do Conselho de
Administração
João Baptista de Carvalho Athayde
Antônio Carlos Augusto Ribeiro
Bonchristiano Presidente do Conselho de
Administração
Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti
Conselheiro(Efetivo) e Dir. Presidente
João Baptista de Carvalho
Athayde Vice
Presidente Cons. de
Administração
Marcel Cleófas Uchôa
Cavalcanti Conselho de
Administração (Efetivo)
Alcyr Cabral Simões
João Baptista de Carvalho
Athayde Vice
Presidente Cons. de
Administração
João Baptista de Carvalho Athayde
Conselho de Administração
(Efetivo)
José Roberto Gonçalves de Vasconcelos Conselho de
Administração (Efetivo)
João Baptista de Carvalho
Athayde Vice
Presidente Cons. de
Administração
-
Marcel Cleófas Uchôa
Cavalcanti Conselho de
Administração (Efetivo)
Dilson Gomes Navarro Dias
Victório Fernando
Victório Fernando
Victorio Fernando
Fersen Lamas Lambranho
260
Conselho de Administração
(Efetivo)
Bhering Cabral Conselho de
Adm. Independente
(Efetivo)
Bhering Cabral Conselho de
Adm. Independente
(Efetivo)
Bhering Cabral Conselho de Administraçã
o (Efetivo)
Gilberto Mendes de Oliveira Castro
Conselho de Administração
(Efetivo)
Antonio Carlos Ribeiro
Bonchristiano Conselho de
Administração (Efetivo)
Antonio Carlos Ribeiro
Bonchristiano Conselho de
Administração (Efetivo)
AthaydeAntônio Carlos Augusto Ribeiro
Bonchristiano
Sérgio Carvalho Dias
Carneiro Conselho de
Administração (Efetivo)
João Paulo dos Reis
Velloso Conselho de Adm.
Independente (Efetivo)309
Eduardo de Mesquita Samara
Conselho de Administraçã
o (Efetivo)
Eduardo de Mesquita Samara
Conselho de Administraçã
o (Efetivo)
Eduardo de Mesquita Samara
João Cox Neto Conselho de
Adm. Independente
(Efetivo)
Carlos Roberto del Nero
Conselho de Administração
(Efetivo)
Eduardo Alcalay
Conselho de Administraçã
o (Efetivo)
Maurício Luis Luchetti
Conselho de Adm.
Independente (Efetivo)
Maurício Luis Luchetti
Maurício Luis Luchetti
Conselho de Adm.
Independente (Efetivo)
Renato Galvão Flôres Júnior
Conselho de Adm. Independente
(Efetivo)
Maurício Luis Luchetti
Conselho de Adm.
Independente (Efetivo)
Fersen Lamas Lambranho
Conselho de Administraçã
o (Efetivo)
Fersen Lamas Lambranho
-
Nelson Manoel de Mello Souza Conselho de
Administração (Efetivo)
-
-
-
-
Fontes: Estácio Participações S.A.: Demonstrações Financeiras, 2007; 2007e; 2008; Atas de Reunião do Conselho de Administração de 16/12/2009. Ver anexo 4, 13, 9 e 14. * Não há, nas demonstrações Financeiras anuais de 2009, nenhuma menção à composição nominal do Conselho de Administração. A lista acima foi extraída das Atas das reuniões do Conselho de Administração realizadas em 16/12/2009 e 28/01/10. Nelas, não se encontra menção aos cargos ocupados no Conselho pelos respectivos membros. O Sr. Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti pediu desligamento do Conselho. ** Não há, nas demonstrações Financeiras anuais de 2009, nenhuma menção à composição nominal do Conselho de Administração. A lista acima tem como base ata de reunião do Conselho de Administração realizada em 07/10/10 que elegeu a nova composição do Conselho de Administração até 2012.
309 Aqui mais uma amostra de como se constroem as relações empresa-Estado no Brasil: João Paulo dos Reis Velloso, que foi, como visto acima, ministro do Planejamento na construção da hegemonia do grande capital nacional e estrangeiro associado aparece aqui como Conselheiro independente quando da abertura de capital.
261
Observe-se a relativa mobilidade do Conselho de Administração, especialmente entre
o início de 2007 e os anos seguintes: elas marcam outro tipo de gestão que se imporia à
instituição e que incluiria a chamada cultura Garantia, que nada mais é do que os eixos em
torno dos quais se realiza um tipo de administração de grupos empresariais sob o domínio da
aparência fetichizada do capital financeiro.
No que diz respeito ao quadro de diretores, pode-se verificar esta mesma mobilidade,
considerando ainda que as informações ora dispostas são “retratos” de um momento do ano –
as demonstrações financeiras anuais, podendo este quadro ter variado ao longo do mesmo
período.
Tabela 16
Evolução na Diretoria da Estácio Participações S.A
2007 – 2010
Março de 2007 Abril de 2007 2007 2008 2009 2010 (*) Marcel
Cleófas Uchôa Cavalcanti
Dir.
Presidente
Marcel Cleófas Uchôa
Cavalcanti
Diretor Presidente
João Carlos de Castro
Rosas
Diretor Presidente
Eduardo Alcalay
Diretor Presidente,
Financeiro e de RI
Eduardo Alcalay
Diretor Presidente,
Financeiro e de Relações
com Investidores
Eduardo Alcalay
Diretor
Presidente
César Lage da Silva
Diretor
Executivo Financeiro e
de RI
César Lage da Silva
Diretor
Financeiro e de
Relações com Investidores
Jessé de Hollanda Cordeiro
Diretor de Operações
Paula Caleffi
Diretor de Ensino
Antonio Higino Viegas
Diretor de Mercado
João Luis Tenreiro Barroso
Roberta Arantes Nunes
Fransosi
Diretora Executiva de
Administração
Roberta Arantes Nunes
Fransosi
Diretor Administrativo
Rubens Luiz Zenóbio
Vasconcelos
Diretor de Ensino
Antonio Higino Viegas
Diretor de Mercado
Miguel Filisbino Pereira de
Paula Diretor de
Gente e Gestão
Miguel Filisbino Pereira de
Paula
José Roberto Gonçalves de Vasconcelos
D. Executivo
de
José Roberto Gonçalves de Vasconcelos
Diretor
Administrativo
Alexandre Pinto Ferraz
Diretor de Mercado
Miguel Filisbino Pereira de
Paula
Diretor de
Rogério Frota Melzi
Diretor de Operações
Paula Caleffi
262
Administração Acadêmica
Acadêmico Gente e Gestão
Oscar Vicente Simões de Oliveira
Diretor
Executivo de Ensino
Oscar Vicente Simões de Oliveira
Diretor de
Ensino
Miguel Filisbino Pereira de
Paula
Diretor de Gente e Gestão
Rogério Frota Melzi
Diretor de Operações
João Luis Barroso
Diretor de Relações
Institucionais
Pedro Jorge Guterres Quintans
Graça
Marco Flávio de Alencar
Diretor
Executivo de Mercado
Marco Flávio de Alencar
Diretor de Mercado
Rogério Frota Melzi
Diretor de
Plan. Econômico
e Operacional
João Luis Barroso
Diretor de Relações
Institucionais
Paula Caleffi
Diretora de Ensino
Rogério Frota Melzi
Marcio Augusto
Romeiro da Roza
Diretor
Executivo de Operações
Marcio Augusto
Romeiro da Roza
Diretor de Operações
Lorival Nogueira
Luz Junior
DRI e Diretor
Financeiro
-
-
Virgílio Deloy
Capobianco Gibbon
Fonte: Estácio Participações S.A., 2007, 2007e, 2008b, 2009a e 2010. Ver Anexo CD 2, 13, 9, 16, 14 e 3. (*) Não há, no relatório relativo ao ano de 2010, informações sobre os cargos exercidos pelos diretores acima listados.
Neste quadro, fica ainda mais clara a passagem de uma empresa de administração
familiar para outro tipo de direção, com profissionais ligados a grandes empresas e ao próprio
grupo GP Investimentos. Vale a pena observar as formas de remuneração tanto do Conselho
de Administração, quanto da Diretoria.
263
Tabela 17
Remuneração total no Exercício Social em 2009
Fonte: Estácio Participações S.A., 2011, p. 326. Ver anexo 1.
264
Tabela 18
Remuneração total no Exercício Social 2010
.
265
Fonte: Estácio Participações S.A., 2011, p. 325. Ver anexo 1
Observando o quadro de remunerações entre 2009 e 2010, pode-se fazer avançar
algumas ideias. A primeira delas refere-se ao aumento da remuneração total entre os dois
anos: de R$ 8.264.800,00 passou a uma remuneração total de R$ 9.623.800, 00, em um
aumento de 16,4%. É possível notar também um aumento no valor total destinado à
remuneração da Diretoria, que passou de R$ 6.872.000,00 para R$ 8.049.000,00, variando
17,1%. Esse aumento, entretanto, não se realizou pela via da remuneração fixa, sendo
resultado de aumento da remuneração variável, que saiu de R$ 2.470.000,00 e chegou ao
patamar de R$ 3.647.000,00, em um aumento de 47,6%. Segundo a Estácio Participações
S.A. (2011, p. 323),
Para a determinação de todos os itens de remuneração, são levadas em consideração a performance do empregado e suas metas individuais. A remuneração variável está diretamente atrelada aos indicadores contidos no nosso Score Card, o qual é aprovado pelo Conselho de Administração e contém as metas definidas para o período, relacionadas aos seguintes indicadores de desempenho: EBITDA, fluxo de caixa operacional, receita operacional líquida e custo docente.
O aumento da remuneração variável está, portanto, relacionado ao corte de custos e
redução das despesas e, logo, a ampliação da lucratividade da empresa. Deste ponto, duas
afirmações podem ser feitas: a primeira é que, neste caso, é explícita a consideração do
docente como custo s ser sempre diminuído, minorado. Segundo, essa racionalidade conduz a
busca persistente da diminuição de custos e, conforme disposto na própria “regra’, ao corte do
“custo docente”, ampliando a precarização do trabalho docente e dos processos formativos em
nome do aumento das margens de lucratividade, que se reproduz em cada unidade da holding,
Em notícia publicada pela CONTEE,
A valorização explica-se pelo fato de que o investimento feito pela GP estimulou a confiança dos investidores em relação a Estácio, segundo analistas que preferiram não ser identificados. A firma de investimentos em participações é reconhecida por se envolver na gestão das empresas onde investe e por reestruturá-las para impulsionar receita e resultado - Lojas Americanas e ALL são tidos como casos de sucesso em sua carteira (CONTEE, 2008)310.
Essa forma de gestão foi criada no caldo da retomada do mercado financeiro norte-
americano que se organizava em meados da dos anos 1970, início da década de 1980. Como
mostra reportagem especial da revista Época Negócios (2008)311, Jorge Paulo Lemann
começou sua trajetória em 1971, comprando uma corretora de valores chamada Garantia, que
310 Disponível em: <http://www.contee.org.br/noticias/educacao/nedu494.asp>. Acesso em: 01 nov. 2008. 311 Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG82833-8374-14-1,00-O+LEGADO+DE+LEMANN.html>. Acesso em: 05 ago. 2011.
266
foi utilizada pelo banco Goldman Sachs para intermediar parcela significativa de seus
negócios no Brasil, que acabou tornando-se uma primeira referência para Lemann. Marcel
Telles foi admitido como corretor na Garantia em 1972, com 22 anos. Carlos Alberto
Sucupira chegou à corretora Garantia em 1973, convidado por Lemann após ter passado uma
temporada em Londres, em um banco hoje parte do HSBC. O então sucesso do Garantia teria
muito a ver com a aplicação aqui do que Sucupira tinha aprendido no mercado londrino.
Assim, em 1976, Lemann funda o Banco Garantia, trazendo do Goldman Sachs a
meritocracia, o treinamento intenso e mecanismos de ascensão na empresa.
Um dos elementos centrais nesse processo era a transformação de colaboradores em
sócios, ou seja, de trabalhadores em sócios pela distribuição de ações. Esse é, como vimos,
um dos componentes de transformação da relação entre capital-trabalho, no qual se engaja o
próprio produtor na exploração de seu próprio trabalho e, ainda, modificando a percepção
dessas relações por parte do trabalhador. Segundo a Época Negócios (2008): “Bem de acordo
com sua crença de que as pessoas exercitam apenas uma parte de seu potencial no trabalho,
mas tendem a surpreender quando entram para a sociedade. Ou seja: o sujeito que se
considera dono do negócio é muito melhor do que aquele que está ali porque recebe salário.
Afinal, você trata melhor o seu carro ou um carro alugado?”312. A rotatividade dos sócios era,
assim, muito alta. Os salários eram mais baixos que a média do mercado, o que seria
“compensado” pela participação nos resultados. Quanto mais alto na hierarquia, mais a
remuneração passa pelos resultados. Essa é uma das formas de compartilhamento de risco
utilizada no capitalismo de modo a minorar as potenciais perdas para o capitalista. A rigor,
essa é a fórmula na base de ganhos por produtividade, de ganhos por comissão, etc. Essa
fórmula é consagrada até hoje nos negócios Garantia e se espraiará para as empresas
controladas, incluindo a Estácio Participações S.A. Pelo Banco passaram nomes como
Armínio Fraga e André Lara Resende, atores presentes na construção do Brasil como
plataforma de valorização do capital financeiro, o primeiro como presidente do Banco Central
na segunda gestão de FHC e o segundo como um dos formuladores do Plano Cruzado e do
Plano Real.
A meritocracia é um valor central neste modelo de gestão. Veja-se que meritocracia é
um termo ou conceito que traz consigo dois sentidos que velam esse compartilhamento de
riscos: competitivismo – estimulado no Garantia por meio de jogos algumas vezes
312 Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG82833-8374-14-1,00-O+LEGADO+DE+LEMANN.html>. Acesso em: 05 ago. 2011.
267
problemáticos313 - e premiação de resultados, porque “esforço não é resultado” (ÉPOCA
NEGÓCIOS, 2008). No site da GP Investments S.A., é assim apresentada: “Radical e
aplicada em todos os níveis, é fundamental para nossa política de gente e remuneração” (G.P.
INVESTMENTS, 2009)314. Por isso, vem acompanhada pelo “foco no resultado”. No site da
GP: “Paranóia pelo resultado. Somos obstinados pelo lucro, que é a única forma de garantir a
continuidade e o crescimento da empresa a longo prazo”315. Em 1982, compraram as Lojas
Americanas na primeira oferta hostil da história da Bovespa. Um dos primeiros atos: a
demissão de um grupo de diretores que se colocaram contra as metas e cobranças impostas
pelo Garantia. Este representa também um momento importante dessa trajetória porque marca
o momento em que o Banco e, mais tarde, a Companhia de Private Equity, fundada em 1993,
irão tomar o envolvimento direto com a gestão das adquiridas. Depois do tombo que o Banco
levou, em 1997, com a crise asiática e seus rebatimentos, o Garantia foi vendido, em 1998,
para o Credit Suisse.
Essa passagem se fez possível pela adoção do sistema de produção japonês –
toyotismo – o que estaria na base chamado Orçamento Base Zero, adotado em todas as
empresas geridas pela Garantia. As empresas, em geral, quando organizam o orçamento,
partem de uma base que é o ano anterior, e buscam aplicar cortes e reduções. Segundo a
Época Negócios (2008), “Com o Orçamento Base Zero (OBZ), parte-se sempre do zero,
estudando as despesas uma por uma para identificar possíveis excessos (ou carências) nos
gastos de cada item. Isso vale para tudo: compra de insumos, aquisição de material de
escritório ou gestão de serviços terceirizados”316. Parece que, a rigor, todo gasto é tratado
como “gordura” desde o início. Entretanto, como produzir algo sem gasto? A Tendência de
redução de gastos também, nessa lógica, parece implicar uma obstacularização da própria
atividade em questão. Aplicada à educação que, se pensada como mercadoria – tem um tempo
de produção longo, pode resultar em cortes excessivos e, no limite, inviabilizar o processo.
Cabe ainda entender como se dá a gestão da Estácio S.A pelo Garantia Investimentos
S.A., conforme registro na CVM. Esta, por sua vez, parece ser controlada pela GP
Investiments LTDA, companhia localizada nas Bermudas. A tabela abaixo indica a
313 Segundo a reportagem da revista Época Negócios (2008), a AmBev – empresa que foi controlada pelo trio, entre 2005 e 2006, teve que pagar multas de até R$ 1 milhão sob a alegação de assédio moral por parte dos funcionários que não atingiam as metas no Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e em Minas Gerais. As humilhações relatadas: proibir o empregado de sentar durante longas horas, obrigar profissonais a se vestirem de mulher e dançar sobre uma mesa na frente dos colegas. 314 Disponível em: <http://www.gp.com.br/?lang=pt-BR#/the_company/mission_and_values>. Acesso em: 05 maio 2011. 315 Disponível em: <http://www.gp.com.br/?lang=pt-BR#/the_company/mission_and_values>. Acesso em: 05 maio 2011. 316 Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG82833-8374-14-1,00-O+LEGADO+DE+LEMANN.html>. Acesso em: 05 ago. 2011.
268
quantidade de ações Classe “A” (Brazilian Depositary Receipt - BDRs) e Classe “B” detidas
por todos os acionistas da GP Investmentos.
Tabela 19 Participação Acionária na GP Investimentos S.A.
Acionistas Ações Classe
“A” % Ações Classe
“B” % Ações
Totais %
Acionistas Controladores
3.512.753 2,70% 34.424.288 100% 37.937.041 23,06%
Classe "A" 126.543.403 97,30% - 0% 126.543.403 76,94% TOTAL 130.056.156 100% 34.424.288 100% 164.480.444 100% Fonte: GP Investimentos S.A. <http://www.gp.com.br/?lang=pt-BR#/investor_relations/corporate_governance>. Acesso em: 08 maio 2011.
A GP317 possui quatro fundos de investimentos distintos, o GPCPIII, O GPCPIV,
GPCPV e um fundo de investimento direto. O GPCPIII é o fundo de investimentos que, em
2005, foi completamente investido em seis companhias: BRMalls, Equatorial Energia, Fogo
de Chão, Tempo Assists, BR Properties e Magnesita. O BRMalls é a maior companhia
integrada de prestação de serviços para shoppings centers do país. A GP já desinvestiu 100%
desta empresa. A Equatorial Energia é a holding que detém 65% da Companhia de Energia do
Maranhão (“Cemar”). O fundo também já desinvestiu 100% do capital na empresa. O fundo
hoje 35% de participação na Fogo de Chão318, uma rede de churrascarias com presença no
Brasil (6 restaurantes) e nos EUA (16 restaurantes). A Tempo Assist é uma companhia aberta
de prestação de serviços médicos, desde planos de saúde a serviços domiciliares, na qual a GP
já desinvestiu parcialmente, tendo 24,2% da participação319. A BRProperties é uma empresa
do setor imobiliário, na qual o fundo já desinvestiu parcialmente, tendo 7,3% de
participação320. A Magnesita é a terceira maior empresa do mundo em produção de material
refratário com presença global. Nela, o GPCPIII possui 37,3% das ações321.
O GPCPV (2008) possui participações em duas empresas: a SASCAR, empresa de
monitoramento e rastreamento de veículos em tempo real. O fundo detém participação de
56%. A outra é a San Antonio Internacional, empresa do setor de petróleo e gás. Nela, o fundo
317 Todos os dados da GP Investiments, março/abril de 2011. Disponíveis em: <http://www.gp.com.br/?lang=pt-BR#/portfolio/current_portfolio>. Acesso em: 05 ago. 2011. 318 Com co-investidores. 319 Com co-investidores. 320 Com co-investidores. 321 Com co-investidores.
269
possui 100%322 de participação. A GP Investments possui participação de 87,8% na BRZ
investimentos, considerada a terceira maior gestora de ativos do Brasil.
O GPCPIV (2007), gerido pela GP, possui outros investimentos. Possui também
participação na Magnesita, na San Antonio Internacional, na Hypermarcas, na ALLIS, no
Brazilian Hospitality Group (BHG), na Lácteos Brasil (LBR) e na Estácio Participações S.A.
A Hypermarcas é uma companhia do setor de bens de consumo que detém mais de 150
marcas, como: Niasi, Jontex, PomPom, Risqué, Assolan, etc. O fundo já desinvestiu 100% em
relação a esta empresa. A ALLIS é empresa do setor de recursos humanos e prestação de
serviços integrados. O fundo tem uma participação de 77,5% da empresa. A BHG é uma
empresa de hotelaria (Tulip) na qual o fundo possuía 41,4% de participação323. A LBR é a
empresa resultante da associação da LeiteBom com a Laticínios Bom Gosto. O fundo possui
16,2% de participação na empresa. A rigor, a Estácio Participações S.A teve 20% - hoje
19,2% - de suas ações compradas por um dos fundos geridos pela GP Investments, formado
por Private Equity C, LLC (co-investidor) e GPCPIV.
De acordo com a GP Investimentos (2011, p. 8 – ver anexo 15): “A estratégia da GP é
adquirir o controle do capital votante ou controle conjunto por meio de acordo com os
acionistas, em empresas selecionadas com potencial de crescimento e que possam atingir
posições de destaque em seus respectivos setores de atuação”. O ano de 2008, com a entrada
da GP na administração da Estácio Participações S.A., é marcado pelo aprofundamento das
tendências anteriores relativas à economia de escala-redução de custos atreladas pela via da
financeirização: já se inicia a postulação de metas, “[...] inclusive para o corpo docente”
(ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p. 23 – Ver Anexo CD 9) e a reformulação da
Diretoria Executiva. O número de alunos chegou a 207 mil, um aumento de 16,1% sobre o
ano anterior. A expansão da rede já existente foi grande:
Foram concedidas autorizações do Ministério da Educação – MEC para a criação de 35 cursos em 14 faculdades integrantes do grupo econômico da Companhia. Foram autorizados 21 cursos nos Centros Universitários Radial e no Centro Universitário da Bahia – FIB. Também foram reconhecidos, pelo MEC, 15 cursos de graduação tradicional e 06 de graduação tecnológica com conceitos B (bom) e MB (muito bom). As Faculdades localizadas em Recife e Santa Catarina receberam conceitos excelentes na avaliação externa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p. 23 – ver anexo 9).
A reestruturação operacional também se concretizou com a reformulação e integração
nacional do Sistema de Informações Acadêmicas (SIA) e com a implantação de um sistema
de integrado de gestão (SAP). O primeiro, segundo a Companhia, “[...] permite
322 Incluindo co-investidores. 323 Incluindo co-investidores.
270
acompanhamento e controle, em tempo real, da situação cadastral, acadêmica e financeira
de toda base de alunos e docentes” (2008, p, 23, grifos nossos – Ver Anexo CD 9). Marcada
pela “cultura Garantia” do resultado e da meritocracia, são implementados projetos visando
estabelecer estas práticas nas instituições. Por exemplo,
Projeto Modelo, que visa a adoção de práticas de melhoria contínua dentro da organização e sua vinculação com metas de desempenho e remuneração, resultando na aprovação do primeiro Orçamento Base Zero e Orçamento Matricial, onde foram estabelecidas metas financeiras e organizacionais para o exercício de 2009 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p. 68-69 – Ver anexo 9).
O resultado: Receita Bruta de 1,4 bilhões e Receita Líquida de R$ 980 milhões. Os
dividendos foram de 56,7% do lucro líquido contábil, uma vez que, já então, o mínimo era de
50%, previsto em um acordo de acionistas, com margem EBITDA de 11,9% em relação ao
ano anterior. Esse resultado tem como uma das suas condições a
Melhora significativa dos gastos de pessoal: Os gastos recorrentes com pessoal (Custos e Despesas Administrativas) somaram R$549,5 milhões em 2008 (56,1% da receita líquida) versus R$506,0 milhões (59,5% da receita líquida) em 2007. A redução de 3,4 p.p. é resultado de rescisões e dos primeiros impactos da reestruturação em curso (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008b, p. 77 – Ver Anexo CD 16).
Somando-se uma série de aquisições, em 2008, passou a apresentar a seguinte
composição acionária:
Tabela 20 Composição acionária relevante
31/12/2008 Acionistas ON
Empresas e/ou Acionistas Ordinárias % Uchôa Cavalcanti Participações S. A.
41.004.050 52,18%
Moena Participações S.A. 15.717.013 20,00% Marcel Cleófas Uchôa 692.566 0,88% André Cleófas Uchoa 674.366 0,86%
Monique Uchoa Cavalcanti de Vasconcelos
666.666 0,85%
Administradores e Conselheiros
52.482 0,07%
Demais Acionistas 19.777.923 25,17% Total 78.585.066 100%
:Fonte: ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p. 103.
A gestão da GP Participações se faz sentir rapidamente. Já foram instituídas na Estácio
Participações S.A. duas medidas de gestão significativas dessa gestão: o Programa de
Remuneração Variável (PRV) e o Código de Ética e Conduta (Ver anexo 17). A ideia, no
primeiro caso (Ver Anexo S), é oferecer ao professor um plano de remuneração “[...] baseado
na meritocracia e voltado para o fortalecimento do vínculo entre os resultados da instituição e
271
o desempenho de seus principais colaboradores” (Estácio Participações, 2008). A
remuneração variável só acontecerá quando o EBITDA chegar a 80% do total orçado. Os
campi serão rankeados com base no EBITDA, no Índice de Satisfação do Aluno (ISA) e
Retenção. Os docentes, com base nos resultados das avaliações feitas pelos alunos e
promovidas pela Comissão Própria de Avaliação (CPA – 1º e 2° semestre), do coordenador do
curso e do gerente acadêmico do campus. Do ranking resultante destas avaliações sairão os
20% melhores classificados. Esses professores receberão, uma única vez no ano, uma
gratificação que varia de 0,75% a 1,25% a depender da posição no ranking do campus em que
tal docente possui a maior parte de sua carga horária.
De acordo com a Estácio Participações, “O mérito de cada professor será analisado
com base em três valores básicos, essenciais para o desenvolvimento da instituição: foco no
aluno, agir como dono e visar o crescimento da empresa” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES,
2008 – Ver Anexo S). O foco no aluno é definido como a razão de ser da empresa, na qual se
deve privilegiar a excelência da formação acadêmica, a qual não é definida em termos
omnilaterais ou de formação humana, mas, em relação ao potencial de empregabilidade do
aluno324. Fica clara aqui a ideia de que a universidade deve se definir pela capacidade de
formar para o mercado de trabalho o indivíduo apto, porém, dócil politicamente que o
capitalismo exige. O segundo ponto, agir como dono (sem, todavia, lucrar como os donos!),
revela o mascaramento dos conflitos de classes por uma estratégia discursiva (nada inócua)
que coloca lado a lado interesses antagônicos. Além disso, se “Agir como dono é colocar
paixão no que fazemos para construir uma universidade avançada, em ambiente acadêmico
inovador, produtivo, de extensa troca de conhecimentos e respeito nas relações profissionais
estabelecidas” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2008, grifos nossos – ver Anexo S). Tal
definição faz passar a ideia de que é preciso entregar-se ao processo de trabalho com afinco,
implicando a própria subjetividade no processo. A regra é clara: trata-se de “[...] perseguir os
resultados que tornem possível alcançar nossos objetivos comuns” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES, 2008, ver Anexo S). Ou seja, em primeiro lugar, há objetivos comuns
entre os trabalhadores docentes e empresa. Segundo: esses objetivos comuns dependem do
crescimento da empresa, logo, do lucro que a empresa arrecada. Para ganhar é preciso que a
324 Em lâmina sobre graduação a distância, com o garoto-propaganda Luciano Huck, recém-contratado, os pontos apresentados como vantagens da UNESA são: 1) ser uma das melhores instituições do país, com uma nota que, em letras miúdas, explica que a universidade tem o 4° lugar no Exame Nacional de Cursos (ENADE), entre os maiores grupos privados dos país; 2) ter professores altamente qualificados para prestar o suporte necessário; 3) oferecer cursos autorizados pelo MEC e 4) possuir convênio com empresas que oferecem mais de 50 mil vagas de estágio e empregos por ano. Ver anexo CD 18.
272
empresa ganhe. O professor é então convocado a colaborar em sua própria exploração, como
dono, sem ser.
Dentro dessa lógica do colaborador-acionista, em 2008, que, nesse processo, recebe
como retorno participação no capital da empresa para a qual trabalha, ou melhor, rece como
bônus aquilo que torna-se capital:
Na Assembléia Geral Extraordinária de 13 de junho de 2008, os acionistas aprovaram o Plano de Opção de Compra de Ações da Companhia (“Plano”), direcionado a administradores, empregados e prestadores de serviço da Companhia (“Beneficiários”). O Plano é administrado pelo Comitê de Administração do Plano, criado pelo Conselho de Administração, especificamente para este fim, em reunião realizada em 1 de julho de 2008. Compete a esse órgão administrador, periodicamente, criar programas de opção de aquisição de ações, estabelecendo, dentre os indivíduos qualificados, aqueles aos quais serão concedidas as opções e as regras específicas aplicáveis, observadas as regras gerais do Plano (“Programa”). O volume de opções de aquisição de ações está limitado a 4,15% (cinco por cento) das ações representativas do capital social da Companhia existentes na data da aprovação de cada Programa. Este mesmo limite pode chegar a 5% desde que a companhia compre ações em circulação no mercado (ESTÁCIO PARTICIPAÇÃO S.A., 2008, p. 113 – Ver Anexo CD 9).
O Código de Ética e de Conduta apresenta, de saída, a visão que movia a Companhia:
“Ser a maior instituição de ensino privado do mundo ocidental em número de alunos até o
ano de 2012, com excelência na prestação de serviços para ensejar formação de qualidade e
maior empregabilidade a seus alunos, com equipes de alto desempenho e processos de classe
mundial” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES, 2007f, p. 3 – Ver Anexo CD 17). No site,
atualizado em junho de 2011, a visão parece adiada e um tanto mais modesta: “Ser o maior
grupo privado de educação superior do mundo em número de alunos até 2015, com equipes
de alto desempenho, excelência na prestação de serviços e em rentabilidade” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES, 2011, grifos nossos)325. Na seção Valores, vislumbra-se bem a lógica
Garantia, bem como as ideias de flexibilidade, capital humano, que entendemos como
composições discursivas que impelem e sustentam determinadas práticas no mundo do capital
e do trabalho:
Foco no Aluno - O Aluno é nossa razão de ser. Trabalhamos para seu desenvolvimento pessoal, profissional e social.
Gente - As pessoas são nosso maior capital. Valorizamos o alto desempenho, trabalho em equipe, espírito empreendedor, senso de urgência, capacidade de realização, flexibilidade e integridade326.
"Gente ensinando gente"
325 Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011. 326 No site da Estácio Participações S.A.: “Gente & Meritocracia - As pessoas são nosso maior capital. Estimulamos o alto desempenho e o trabalho em equipe; Valorizamos e reconhecemos o mérito como forma de construir uma organização perene”. Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011.
273
Meritocracia – Proporcionamos oportunidades para que as pessoas cresçam em velocidade condizente com seus talentos, esforços e resultados, sem nenhum tipo de restrição ou favorecimento.
Qualidade - Perseguir a excelência na prestação de serviços327.
Resultado - Agimos como “donos”, colocando paixão no que fazemos, tomando decisões acertadas, visando garantir a continuidade e o crescimento da empresa328.
Inovação – Antecipar-nos ao desconhecido, sendo ousados e flexíveis na busca permanente de oportunidades para a perpetuação do negócio329.
Simplicidade - Ser simples para ser ágil330.
Ética – Ter credibilidade por ser verdadeiro, transparentes e respeitoso em todas as relações estabelecidas. Não serão tolerados quaisquer deslizes que afetem o código de ética e conduta da empresa331 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A. 2007f, p. 03, grifos nossos – Ver Anexo CD 17)
Em seguida, o Código começa a postular as atitudes e práticas que deveriam ser
adotadas por todos os colaboradores, das quais se destaca: dada a postura política e religiosa
isenta apresentada pela empresa, não se deve fazer campanha política de partido, candidatos,
conselhos profissionais e religiosos utilizando qualquer recurso da Estácio; tratar
adequadamente as informações confidenciais; ter cautela ao realizar reuniões ou comentários
em lugar público; não se valer do cargo ou posição na Estácio para obter vantagens pessoais;
as relações com os acionistas são isentas de favorecimento, independentemente da quantidade
de ações; todas as transações com partes relacionadas devem ser evitadas e, caso não seja
possível, deve ser o contrato levado ao Conselho de Administração; deve-se procurar canais
de contato com a instituição em caso de violação do Código de ética.
Em 2008, a Estácio Participações incluiu um contrato de consultoria com a Marone
Consultoria e Participações LTDA., sociedade controlada por
327 No site : “Qualidade - Perseguimos a excelência na prestação de serviços dentro e fora da sala de aula”. Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011. 328 No site: “Agimos como “donos”, colocando paixão no que fazemos, buscando superar metas desafiadoras de modo sustentável”. Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011. 329 No site: “Devemos criar e ousar sempre”. Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011. 330 No site: “Devemos ser simples para ser ágeis e austeros”. Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011. 331 No site: “Somos verdadeiros, transparentes e responsáveis em todas as nossas relações para manter a credibilidade. Não toleramos desvios de conduta.” Disponível em: <http://www.estacioparticipacoes.com.br/estacio2010/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=30093>. Acesso em: 05 ago. 2011.
274
[...] André Cleófas Uchôa Cavalcanti e Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti, detentores de, aproximadamente, 1,74% das ações ordinárias de emissão da Companhia e acionistas integrantes do Acordo de Acionistas, celebrado em 04 de junho de 2008, tendo por objeto a prestação de serviços relacionados às atividades acadêmicas e de ensino superior e ao planejamento estratégico e desenvolvimento de novos negócios, além de estabelecer a obrigação de não competição por parte da Marone. O referido Contrato vigorará pelo prazo de 48 (quarenta e oito) meses, a partir da data de sua assinatura (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2008, p.80, grifos nossos – Ver Anexo CD 9).
A Estácio Participações ingressou, em 2008, no Novo Mercado, segmento da Bolsa
que atua com níveis diferenciados de governança corporativa. O ano de 2009 foi marcado, no
plano mundial, pelas reverberações da crise de 2008, que se relaciona, sobremaneira, com a
hipertrofia financeira. É curioso que, justamente dois bancos com os quais a cultura Garantia
dialoga – Goldman Sachs e JP Morgan – estivessem exatamente no epicentro do colapso do
sistema financeiro mundial. Para a Estácio Participações S.A., as demonstrações financeiras
com data-base em dezembro de 2009, mostram um aumento de 1,8% de margem EBITDA,
sofrendo uma baixa de 6,9% no número de alunos. Mesmo assim, obteve um aumento de
2,9% de receita líquida. A Receita Bruta chegou ao total de R$ 1.459,7 bilhões, tendo
aumentado 1,9% por causa de aumentos das mensalidades. A EAD apresentou-se fortemente
como segmento viável.
No segmento de ensino a distância (EAD) lançado em junho de 2009, a Estácio conquistou 7.500 alunos nos primeiros seis meses de operação, resultado da ótima qualidade dos cursos oferecidos, infra-estrutura e atendimento aos alunos. O segmento de EAD representa uma avenida de forte crescimento orgânico para os próximos anos (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2009, p. 27 – Ver Anexo CD 10).
Ao contrário da percepção comum e fetichizada de que essas relações estão fora e
acima dos processos que acontecem no “chão da escola”, a reestruturação financeira afeta em
cheio a natureza dos processos escolares em sua dinâmica e estrutura,
Em 2009, foi construído o novo modelo acadêmico da Estácio, que lança as bases para o crescimento orgânico da Companhia a partir de um produto de qualidade diferenciada para seus alunos com competitividade de custos e maior rentabilidade. [...] Neste processo, a Companhia pretende aumentar sua eficiência por meio da formulação de disciplinas compartilhadas, oferta de conteúdos on-line em cursos presenciais e introdução de atividades de auto-aprendizagem (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2009, p 28 – ver Anexo CD 10).
Desse modo, a empresa gastou R$ 8,1 milhões em rescisões de contrato de trabalho.
Além disso, houve redução dos custos dos serviços prestados, revelando “[...] melhor gestão
do custo docente”, o que, pelo que se viu no capítulo anterior e neste mesmo, significa
demissões, intensificação do trabalho e precarização das condições de trabalho. O número de
alunos com bolsas ProUni permaneceu estável (16 mil) e contabilizou 6.500 alunos no FIES.
Ao fim do ano de 2009, conta com 7.649 docentes e 4.057 funcionários em áreas
administrativas, expressando uma redução de 1.187 empregados em relação ao ano anterior,
275
“[...] em função principalmente da reestruturação de processos internos e centralização de
atividades administrativas, houve uma redução de 1.187 colaboradores” (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A., 2009, p. 32 – Ver Anexo CD 10). Implantou ainda um Programa de
Incentivo à Qualificação Docente (PIQ), que contou, em 2009, com 5 mil participações
docentes e cerca de 9 mil treinamentos administrativos. O PIQ (Ver Anexo CD 18) baseia-se
no discurso da UNESCO para a educação, no modelo das habilidades e competências, em
torno de valores que compõem o discurso da sustentabilidade e da responsabilidade social,
bem como na necessária remodelação do trabalho docente em suas práticas de ensino-
aprendizagem. O PIQ é oferecido em quatro modalidades: PIQ Formação Continuada, PIQ
Mérito, PIQ Fórum e o PIQ Remuneração Variável, tal como já havia sido considerado no ano
anterior. O PIQ Formação Continuada é uma matriz de cursos ligados a prática docente que é
oferecido semestralmente. O PIQ Mérito desenvolve-se em duas ações:
Concurso Nacional Interno de Produção Científica, Trabalhos de Extensão e Ensaio que premia, anualmente, 70 trabalhos. A segunda é a concessão de bolsas para cursos de pós‐graduação stricto sensu, de programas internos e externos, com o objetivo de estimular a titulação do professor para atender as necessidades das áreas de conhecimento: Ciências Jurídicas, Comunicação e Artes, Educação e Licenciaturas, Tecnologias da Informação, Saúde, Engenharias, e Gestão (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2011a, p. 2 – Ver Anexo CD 18)332.
O Fórum é um evento anual que reúne representantes de todas as unidades em torno de
um determinado tema, com palestras, grupos de trabalho e ações de reconhecimento e
premiação, para o qual os participantes são indicados pelos coordenadores de curso, gestores
acadêmicos e de unidade e diretores de unidade núcleo e regional. Em 2009, o quadro de
acionistas sofre algumas alterações em relação a 2008 que já apontam para a reestruturação
societária que irá se realizar em 2010.
Tabela 21
Participação acionária 31/12/2009
Acionistas Ordinárias %
Uchôa Cavalcanti Participações S.A.
28.702.835,00 36,52%
Moena Participações S.A.
15.717.013,00 20,00%
Magnoliophyta Participações S.A.
8.200.810,00 10,44%
Jade Empreendimentos Imobiliários e Participações S.A. 4.100.405,00 5,22%
332 O Programa de Bolsas que compõe o PIQ Mérito oferece, para a pós-graduação fora da instituição, bolsa de R$ 1.000,00 por 24 meses para Mestrado e R$1.500,00 por 36 meses para Doutorado. Dentro da instituição, custeia-se o curso e locomoção. “O processo de seleção é realizado por uma comissão em que participam os diretores de Gente e Gestão, Ensino e Operações e está detalhado no regulamento do programa” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A. 2011a, p.9 – Ver anexo CD 19).
276
Marcel Cleófas Uchôa Cavalcanti
342.566,00 0,44%
Andre Cleófas Uchôa Cavalcanti
324.366,00 0,41%
Outros acionistas
21.197.071,00 26,97%
Total 78.585.066 100% Fonte: Estácio Participações S.A., 2009, p. 20. Ver anexo 10.
O ano de 2010 é marcado por uma nova oferta pública de ações, consistindo na venda
das ações do fundador da SESES João Uchôa e de sua filha, Monique e pelo gigantesco
crescimento do segmento da EAD, que chegou a 26,2 mil alunos no final do ano ( x 7.500 do
ano anterior), compensando ainda a perda de alunos presenciais de cerca de 7,6%, e fecha o
ano com 210 mil alunos. A Receita Bruta foi de 1.016.1 milhões e a receita líquida de R$ 860
milhões. A expansão se realizou com a aquisição de duas novas unidades e mais quatro a
serem inauguradas no ano seguinte.
Os dados sobre o IPO são bastante reveladores da lógica financeirizada, na medida em
que mostram uma inflação do valor de mercado da Companhia muito descolada – inflada –
em relação ao valor patrimonial da mesma.
Em Outubro de 2010 foi realizada uma Oferta Pública de Ações (OPA) de aproximadamente 32 milhões de ações ordinárias pertencentes à família fundadora da Companhia. Com a oferta, o free float subiu de 27% para 76% ao final do ano. A liquidez aumentou significativamente no período pós‐oferta e o volume médio diário negociado, de R$1,5 milhão, de Janeiro a Setembro, subiu para R$10,1 milhões de outubro a dezembro. No ano, a média foi de R$3,7 milhões. As ações da empresa foram negociadas em 99,2% dos pregões da Bovespa. Ao final do ano, o valor de mercado da Companhia era de R$2,2 bilhões, equivalente a 3,3 vezes seu valor patrimonial (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2010, p. 33 – ver Anexo CD 3).
Em 2010, o número total de trabalhadores ao fim do exercício foi de 10.769, dos quais
3.697 na área administrativa e 7.072 docentes. Observando-se a evolução do corpo docente no
período entre 2007 e 2010, pode-se concluir que a intensificação do trabalho e a precarização
das condições do trabalho docente tem que estar acontecendo, na medida em que a base de
alunos variou em quase 40.000 alunos a mais e o número de professores diminuiu em relação
a 2007 e mesmo a 2009. Também se indica que a EAD facilita este processo, na medida em
que, desse acréscimo na base de alunos entre 2009 e 2010, houve um aumento de 349,33% no
segmento EAD. Além disso, é preciso pesar a nacionalização – e até internacionalização – em
contradição com o encapsulamento territorial da força de trabalho, o que não apenas reforça a
compreensão do papel expansivo da EAD, mas também sua escala poupadora de mão de obra.
277
Tabela 22 Número de docentes – Estácio Participações S.A.
2007-2010 Ano Número de docentes
Março de 2007 7.600
2007 9.489
2008 6.736
2009 7.649
2010 7.072
Fonte: ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, 2007a, 2007e, 2008, 2009, 2010. Ver anexos: 2,4,13, 9,10 e 1.
Ao se observar a composição acionária da empresa ao fim de 2010, pode-se observar a
saída do fundador, a recomposição da participação da GP Investimentos e, aspecto mais que
relevante, que nessa nova composição desaparece a figura do acionista controlador, ou seja, a
maior empresa educacional do país tem seu controle pulverizado por uma série de
investidores que não se sabe quem são, onde estão, o que querem em termos de projeto
educacional, etc.
Tabela 23 Composição acionária da empresa
31/12/2010 Acionista Composição %
Private Equity C, LLC 15.290.208 18,7% GPCP4 - Fundo de Investimento em
Participações
426.804 0,5%
Administradores e Conselheiros
4.246.053 5,2%
Tesouraria 15.300 0,0% Outros 62.059.676 75,6%
Fonte: Estácio Participações S.A., 2010.
Observando-se a evolução do patrimônio líquido da Companhia, pode-se perceber um
aumento bastante significativo de 2007 até 2010. Entretanto, não se deve esquecer que a
Companhia é criada em 2007, o que, todavia, não é uma expressão exata, na medida em que a
SESES e as outras mantenedoras já existiam e funcionavam antes dessa data, não sendo,
278
portanto, um número expressivo e efetivamente preciso acerca do patrimônio da instituição
cuja trajetória se tenta aqui narrar.
Tabela 24 Evolução do Patrimônio Líquido Consolidado no período 2007 – 2010
(Reais mil)*
Ano Março de 2007
2007 2008 2009 2010 ∆ % 2007 - 2010
Patrimônio líquido
123.555 405.376 417.390 453.444** 585.898 374,2
Fonte: Estácio Participações S.A., 2007, 2007a, e 2010. Ver anexos 2, 4 e 3.. Existem diferenças nos valores declarados entre as várias demonstrações financeiras. Essa diferença diz respeito, em sua grande maioria, a mudanças nos cálculos introduzidas por exigência da CVM. Mesmo assim, a variação não é tão grande. Para uniformizar, utilizou-se aqui a demonstração anual mais recente, aquela cuja data-base é 2010, para que os valores correspondam mais ou menos à mesma matriz de cálculo. Isso foi possível para os anos de 2008, 2009 e 2010. Para o ano de 2007, usou-se as respectivas Demonstrações anuais. **Existe uma diferença nas tabelas apresentadas nas Demonstrações Financeiras Padronizadas de 2010: em uma o valor do patrimônio líquido é 453.444. Na outra é 453.442.
Estabelece-se, assim, um novo ciclo na educação superior no país marcado pela
presença de empresas de prestação de serviços educacionais que, de fato, funcionam como
grandes grupos industriais e que se movimentam, mais do que por sua atividade-fim –
educação -, pela capacidade financeira de ganharem espaço no mercado. Na avaliação ora
esboçada, essas grandes empresas representam oportunidade de investimentos para o capital
financeiro mundializado. Ainda é relativamente pequena sua participação no setor, mas é
possível que esse quadro se agrave, especialmente quando sucessivos governos implementam
planos de educação e programas que se pautam pela racionalidade – não apenas pelas
“brechas”, mas por um delineamento mesmo do eixo desses programas e projetos – que
beneficia essa massa de capital que busca, ávida, oportunidades de investimento.
Observando-se a tabela abaixo, torna-se possível perceber as várias transformações no
desenho empresarial e institucional da Estácio Participações S.A. entre 2007 e 2010.
Tabela 25 Evolução na aquisição de mantenedoras e instituições educacionais
2007 - 2010 Mantenedora Unidades Universidade Centro
universitário Faculdades Estados
Março de 2007 SESES 48 01 - 08 07 SESPA 01 - - 01 01
279
SESCE 03 - - 02 01 SESPE 01 - - 01 01 STB 02 - 01 02 01
Dezembro de 2007 SESES 48 01 - 08 07 SESPA 01 - - 01 01 SESCE 03 - - 02 01 SESPE 01 - - 01 01 STB 02 - 01 - - IREP - - - 01 02
2008 SESES 48 01 - 08 07 SESPA 01 - - 01 01 SESCE 03 - - 02 01 SESPE 01 - - 01 01
IREP*** 08 - 01 01 02 Curitiba*** - - 01 - -
SESSA - 01 - - Paraguai SESSE 01 - - 01 01 SESAL 01 - - 01 01 UNEC 01 - - 01 01 SESAP 01 - - 01 01
Montessori* ** - - 01 01 Cotia* ** - - - 01 01
Unissori* ** - - - 01 01 FINTEC** - - - - - Sociedade *Abaeté de Educação e
Cultura
01 - - 01 01
Faculdade Brasília de São
Paulo*
- - - - -
União Cultural e Educacional Magister*
- - - -
2009 SESES 48 01 - 08 07 SESPA 01 - - 01 01 SESCE 03 - - 02 01 SESPE 01 - - 01 01 IREP 08 - - 01 02
Curitiba - - - - - SESSA
(UNIDA) - 01 - - Paraguai
SESSE 01 - - 01 01 SESAL 01 - - 01 01 UNEC 01 - - 01 01 SESAP 01 - - 01 01
Montessori* ** - - 01 01 Cotia* ** - - - 01 01
Unissori* ** - - - 01 01 FINTEC** - - - - - Sociedade Abaeté de
Educação e Cultura* **
01 - - 01 01
Faculdade Brasília de São
Paulo* **
- - - - -
União Cultural e - - - -
280
Educacional Magister* **
2010 SESES 43 01 - 08 07 SESSA 01 01 - - Paraguai IREP 24 02 12 09
Fonte: Estácio Participações S.A., 2007, 2007a, 2008, 2009, 2010 e 2011. Ver anexos: 2, 4, 9, 3 e 1. * Não há dados disponíveis. ** Faculdade Interlagos de Educação e Cultura. Foi incorporada pela IREP, aqui distinta para sinalizar as aquisições e a evolução institucional da Estácio Participações S.A. *** As duas sociedades foram adquiridas juntas. **** Em 2010, as sociedades STB, SESCE, SESPA, SESPE, RADIAL, SESAL, SESSE, SESAP, UNEC, MONTESSORI, MAGISTER, BRASÍLIA, FINTEC, ABAETÉ e EUROPAN pela controlada direta IREP.
A partir da tabela acima, pode-se perceber etapas diferentes da evolução empresarial
que, entre 2007 e 2008, empenhou-se na realização de aquisições de mantenedoras de IES em
diversos estados do país e até em outros países da América do Sul. O intervalo nas aquisições,
que serão retomadas em 2010-2011, se faz coincidente com a crise mundial de 2008. Além
disso, em termos de desenho societário, se pode ver desenhado um novo organograma de
empresa em que a holding – Estácio Participações S.A. - controla empresas coligadas –
Sociedad de Enseñanza Superior S.A. (SESSA), SESES e Sociedade de Ensino Superior
Médio e Fundamental (IREP) - e essas é que realizam as compras e negociações. Essa
estrutura foi extremamente simplificada, revelando uma gestão que busca dar maior
flexibilidade e simplicidade ao desenho empresarial, o que permite a adaptação mais fácil, a
gestão mais ágil em termos estratégicos. Também parece se desenhar aí uma organização em
que cada uma das controladas diretas atua em uma direção específica: a SESSA na expansão
internacional, ainda estrita ao Paraguai, a SESES como o braço mais propriamente
universitário e a IREP como controlada dos centros universitários e faculdades. A aquisição
da Nova Academia em 2011 – conhecida como pela sua atuação no campo da preparação para
concursos públicos como Academia do Concurso – parece se consolidar também nesta
direção, formando esta, ao menos por enquanto, mais uma empresa coligada direta e
representando a adição de mais um ramo de atuação.
Ocorre, ainda, mostrar ainda a preferência, na expansão, por certo tipo de IES: as
faculdades integradas e isoladas e, no máximo, os centros universitários, tipos que se
apresentam com menor custo operacional. Com a exceção da SESSA, em nenhum outro caso
se adquiriu instituição universitária, constituindo a UNESA a única IES pertencente a holding
com essa caracterização. Todavia, é a maior das IES que pertencem ao grupo, tanto em
número de campi quanto em relação ao número de alunos. Também se pode perceber um
desenho da expansão que percorre o estado de São Paulo, na tentativa de adentrar este
mercado educacional, com poucas instituições no Sul do país e que começa a se dirigir para o
281
Norte e o Nordeste, em especial quando se leva em conta as aquisições já realizadas em 2011:
a Faculdade Atual da Amazônia e a Faculdade de Natal (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A.,
2011).
Entretanto, faz-se fundamental acompanhar a cotação das ações, uma vez que essa
permite, de certa forma, vislumbrar o modo como o investidor “vê” o negócio e o avalia.
Tabela 26
Cotação média das ações pelo preço de mercado
2007 - 2011
Data R$ Julho de 2007 (IPO) 22,50
11/07/2008 23,50 30/09/2008 14,05 02/10/2008 14,60 10/11/2008 14,65 13/01/2009 13,20 10/08/2009 24,05 29/09/2009 20,10 11/01/2010 24,5 01/03/2010 22,5 06/05/2010 18,99 28/07/2010 20,2 31/11/2010 25,2
Fev/Março de 2011 27,19 Agosto de 2011 quase 14,55*
Fonte: Estácio Participações S.A., 2010, p. 106. Dados referentes ao Plano de Opção de Compra de Ações dirigido aos funcionários, dirigentes e prestadores de serviço da Estácio Participações S.A. Escolhemos na tabela apresentada o chamado preço apot, que é o preço de mercado nas datas das outorgas. *Completou-se a tabela com dados da Estácio Participações S.A. sobre 2011. Disponível em: http://www.apligraf.com.br/webfeed/estacio/graficos001.php?estudo=lin&idioma=ptg&ativo=&periodo=2y. Acesso em: 26 ago. 2011.
Torna-se visível acima uma grande variação na cotação das ações entre o seu
lançamento na BOVESPA, em 2007, e o ano de 2008. Neste ponto, talvez seja importante
considerar que a queda no valor de marcado das ações no anos de 2008 esteja relacionada a
crise econômica e financeira então em plena ascensão. Ainda assim, as ações levariam quase
um ano para voltar ao patamar próximo ao do lançamento das ações. Entretanto, em 2010,
apresentam nova queda – talvez relacionada ao fracasso em relação às metas para 2009. Em
2011, entretanto, as ações sofrem uma grande desvalorização, chegando a R$ 14,55. É preciso
continuar acompanhando, mas essa queda pode ser significativa para o futuro da Companhia e
de seus empregados.
Se essa configuração nos permite prospectar direções dessa grande empresa
educacional, pode-se perceber um modelo financeiro de gestão agressiva em relação aos
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custos, especialmente com despesas de pessoal, buscando claramente a expansão que aponta
por duas vias: a EAD e as aquisições e fusões, nas quais se prefere um modelo de IES mais
flexível e menos custoso e capaz de ofertar cursos de graduação e pós-graduação com preços
baratos. A diversificação das atividades é patente: a atuação no plano do ensino médio, como
no caso da IREP, se apresenta, bem como a expansão para as áreas da preparação para
concursos públicos. Ainda assim, a educação superior é o principal ramo de atividades do
grupo e está nas mãos de um grupo de administração que privilegia o lucro rápido, acirrando
contradições que se desdobram sobre o plano social de forma dramática para os demais atores
institucionais - com a nada honrosa exceção dos acionistas e adiministradores muito bem
remunerados - como funcionários, docentes, alunos e famílias, bem como define traços para a
educação superior nacional que cabe avaliar.
283
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dinheiro é um pedaço de papel O céu é um
O céu na foto é um pedaço de papel, Pega fogo fácil
Depois de queimar dinheiro vai pro céu Como fumaça
Também é fácil rasgar Como as cartas e fotografias
Aí não se usa mais Porque dinheiro é um pedaço de papel
Um pedaço de papel é um dinheiro Dinheiro é um pedaço de papel Pode até remendar com durex
Dinheiro, Arnaldo Antunes e Jorge Benjor
Decidimos, nesse trabalho, guardar para a conclusão algumas análises e articulações
centrais para a compreensão da problemática aqui colocada a partir do caso da Estácio de Sá.
Mesmo que não estejamos à altura de responder a todas as indagações aqui colocadas,
esperamos, pelo menos, ter prospectado alguns caminhos que permitam elucidar a natureza
das relações entre o Estado e as empresas privadas que atuam no âmbito da educação
superior. Se a ideia original era realizar uma investigação acerca do trabalho docente no setor
privado-mercantil da educação superior, a pesquisa foi obrigatoriamente transformada no
encontro com a realidade a ser observada e explicada, uma vez que esse mesmo fenômeno a
ser pesquisado encontrava-se – e encontra-se – em um intenso e extenso processo de
transformação. De certo modo, pesquisar o trabalho docente no interior deste tipo de
instituição era quase cômodo porque, de certo modo, já conhecia a resposta às minhas
perguntas. Pesquisar e tentar dar alguma inteligibilidade a estes movimentos intestinos entre
Estado, capital e políticas educacionais de educação superior a partir de um estudo de caso no
qual o fenômeno se transforma sob nossos olhos foi extremamente desafiador e capaz de
conduzir a pesquisa por caminhos não imaginados ou previstos.
Em geral, quando se estuda a questão do trabalho docente, quando se concretizam as
análises desde o contexto mais geral e se vem estabelecendo conexões com as políticas
educacionais e as realidades institucionais, é comum dizer: “isso estoura no colo do
professor”. E é verdade. Porém, acreditamos, e essa foi uma inflexão feita nessa pesquisa de
tese, como dito acima, que isso que chega ao professor, envolvendo-o e produzindo práticas e
modos de sentir, deve ser melhor precisado, sob pena de se reunir sob uma mesma rubrica
realidades tão distintas e diversas, como é o caso das IES privadas. Estas realidades são
284
variadas, não são idênticas: uma IES confessional e uma empresa educacional de
administração familiar funcionam de modos distintos e que variam também no tempo. O caso
ora analisado permite compreender essa dinâmica, na medida em que se tratava originalmente
de uma pequena empresa educacional e se torna a segunda maior empresa e serviços
educacionais do país, uma holding, com capital aberto na BOVESPA e que atua de modo
ancorado na racionalidade da mundialização do capital com predominância financeira. Isso é
o que “estoura” no colo do professor, e se faz necessário compreender as especificidades
dessas realidades que se desenham em uma das pontas da educação superior brasileira e que
se misturam, emaranhadas, ao horizonte cultural, educacional e social do país. De certo modo,
coloca-se novamente – embora de outro modo e em outro nível - as perguntas: “o que somos?
Para onde vamos?”
De certa forma, duas “descobertas” - que podem não ser novidades para outras pessoas
- se fizeram aqui fundamentais para a compreensão do fenômeno ora estudado não-exclusivos
do setor educacional, mas, certamente, fundamental, cada vez mais, para sua existência: uma
espécie de genealogia de certo padrão de financiamento do capital pelo fundo público no
Brasil – o financiamento indireto, via isenções fiscais e previdenciárias. Esse padrão de
financiamento, construído no bojo da ditadura empresarial-militar, essa é a segunda
descoberta, já se apresenta como construção oriunda dos primeiros reflexos da crise do capital
nos anos 1970 e foi fundamental para a consolidação de um capitalismo dependente e
associado no Brasil e, basilar para, mais tarde, inserir-se o Brasil na mundialização do capital
como plataforma de valorização financeira. Se esse padrão de financiamento pode não ser
uma grande novidade, todavia, sua larga presença no setor educacional – e especificamente,
na educação superior - se faz extremamente relevante para a construção de certo padrão de
empresariamento deste nível educacional, o qual, segundo Florestan Fernandes (2006),
referia-se a uma dependência estruturante. Entretanto, sua concretude, sua efetividade,
encontra-se, parece-nos, oculta, velada, por várias camadas discursivas acerca da educação
superior no período do regime militar que se sedimentaram sob a noção de “expansão com
contenção”, que é preciso aqui recolocar, sob pena de não se perceber de modo preciso a
qualidade do fenômeno ora em análise.
Em primeiro lugar, é preciso desfazer uma aparência enganosa: “expansão com
contenção” não é sinônimo de ausência de financiamento estatal da expansão. O que
pudemos observar foi uma mudança no padrão de financiamento estatal da atividade
produtiva em geral e que exigia a contenção dos gastos diretos do Estado para que o capital
pudesse “sugar” o fundo público por outras vias. É nesse conjunto que se deve olhar as
285
reformas da educação superior implementadas no percurso da ditadura: embora se saiba que
as políticas educacionais, em sua letra, no plano de suas prescrições explícitas, são elementos
fundamentais na análise, parece-nos basilar a racionalidade que atravessa estas políticas e que
se expressa por elas. Essa racionalidade é a contenção dos gastos sociais pela via da educação
superior pública e a consequente repressão aos movimentos de contestação da ordem
associada e dependente. Entretanto, uma das formas de conter esta mesma contestação – como
na questão dos excedentes, por exemplo - foi a expansão, com o financiamento indireto pela
via das isenções, do setor privado, que, por sua vez, se tornaria, ele mesmo, cada vez mais
espaço de atuação empresarial.
Cabe, portanto, elucidar que este tipo de financiamento responde, ao mesmo tempo, e
de modo apenas aparentemente contraditório, às necessidades do Estado de contenção de
gastos para o financiamento do modelo econômico da ditadura que conduz ao “milagre” – e
também à sua crise – e viabiliza também a expansão da educação superior com gastos estatais
com a via privada. Desta forma, o gasto direto com educação permanece minorado e pode ser
assim mantido, enquanto o gasto indireto sustenta a lucratividade dos setores empresariais da
educação superior. Se essa isenção não pode ser comparada, em termos nominais, com o
financiamento direto pelo Estado, é porque os padrões a partir dos quais funcionam as IES
públicas são outros, incluindo-se aí o financiamento das atividades de pesquisa, extensão,
remuneração e regime de trabalho docente, o que aumenta, no limite, o custo/aluno médio.
Além disso, se o financiamento indireto possui, em tese, menor impacto sobre o orçamento da
União, todavia, representa enorme margem de manobra sobre as receitas para cada capital
particular. Essas questões se fazem fundamentais para que se discuta políticas como o ProUni,
por exemplo: se é verdade que, com o que se deixa de arrecadar com o ProUni por causa das
isenções, não seria possível colocar igual número de estudantes nas IES públicas, entretanto,
isso não faz com que este montante seja insignificante, na medida em que representa para
cada empresa educacional, em particular, uma margem de manobra lucrativa sobre a receita.
Entretanto, esse “menor impacto” também deve ser repensado, uma vez que o
orçamento da União se concretiza a partir do arrecadado. Ou seja, do montante arrecadado do
qual sai o orçamento da União já está previamente excluído o total das isenções. Essa
afirmação tem o sentido de anunciar uma outra sangria do destinado aos gastos com
educação: do orçamento para a educação já está pressupostamente de fora um montante que
não entra nos percentuais de cálculo da destinação do orçamento para a educação superior
pública.
286
Nesse sentido, segundo ponto, parece-nos que o que se denomina tradicionalmente
como Reforma Universitária na década de 1960 – quer consideremos cada caso individual ou
o conjunto integral de medidas, que inclui os acordos MEC/USAID, a consultoria de Atcon, a
Comissão Meira Mattos, o Grupo de Trabalho e a própria Reforma Universitária de 1968, fora
os expurgos de 1969 -, é apenas uma parte de um movimento da Reforma que, a rigor, se
concretizou por uma profunda mercantilização da educação superior que não é o elemento
central dessas reformas tais como seu texto enuncia. Todavia, revela-se como seu sentido ao
esvaziar o caráter público das universidades estatais, ressaltar suas fragmentações,
desmobilizar os movimentos dissidentes ou contrários ao regime, ou seja, nesse sentido se
revela seu caráter privatista. Entretanto, a nosso ver, esses processos tradicionalmente
analisados na historiografia da educação brasileira não permitem compreender senão
parcialmente a natureza efetiva das transformações então em curso.
Outro ponto que se faz necessário esclarecer diz respeito à natureza das instituições
que receberam, em maior ou menor medida, tais isenções como forma de financiamento
indireto, em sua diferenciação por ordenamento jurídico-administrativo. Assim, seriam objeto
de tais isenções, pela legislação, as entidades sem fins lucrativos e aquelas caracterizadas
como filantrópicas, que deveriam atender a certos critérios na caracterização de suas práticas
como instituições educacionais. Entretanto, faz-se importante reconhecer que a classificação
jurídica das IES nem sempre corresponde aos padrões concretos de operação que elas
efetivamente estabelecem. Nesse sentido, em alguns casos, portanto, essa classificação atua
como um mecanismo jurídico que permite o financiamento de algumas IES que, por sua vez,
atuam de modo a recobrir sua natureza administrativa empresarial-mercantil e, com base nas
isenções fiscais e até previdenciárias - que não são insignificantes -, ampliar sua margem de
lucratividade sobre as receitas auferidas com suas atividades. No caso da SESES, os contínuos
questionamentos, por parte da própria Secretaria de Receita Federal, do Instituo Nacional da
Previdência Social e das Secretarias de Fazenda do município do Rio de Janeiro e, mais
recentemente, de Niterói, parecem indicar este cruzamento de fronteiras, do mesmo modo
que, segundo os relatórios financeiros tornados públicos pela própria Estácio Participações
S.A., foi com o montante amealhado com este tipo de “receita” que se montou parte do capital
de uma outra empresa, por eles denominada “Companhia”, o que também aponta para as
margens de retenção de capital possibilitadas pela isenção e que serão utilizadas para a
constituição de empresas S.A..
Outro elemento que se ressalta, em profunda conexão com os anteriores, é como esse
modelo de expansão capitaneado pelo setor privado, ainda que consideremos sua
287
heterogeneidade, privilegiou a expansão da instituição isolada ou no máximo, das Faculdades
Integradas, contrariando, neste sentido, inclusive a própria legislação elaborada no âmbito das
reformas dos anos 1960 e que privilegiavam o modelo da universidade como padrão para a
educação superior no país. Também não se trata de não perceber os problemas que
atravessaram a formação das universidades brasileiras, tão bem problematizado por Florestan
Fernandes (1975) a partir da ideia de universidades conglomeradas, uma das vias pelas quais
se realizava o padrão dependente de escola superior, característico de um capitalismo
dependente, o que leva à criação de instituições educacionais centradas no ensino, no modelo
de escola de terceiro grau e que não realiza uma integração mais orgânica entre suas unidades.
Ou seja, no modo concreto pelo qual se constituíram as nossas instituições universitárias,
estas encontram limites para funcionar predominantemente – e, a nosso ver, ainda hoje –
como universidades de fato.
A nosso ver, esse privilégio das IES não-universitárias na expansão relaciona-se
sobremaneira com a dominância do setor privado, que, de modo óbvio, enxergavam nesta
forma de organização acadêmica o tipo de IES que apresentava o menor custo por aluno, na
medida em que não era obrigada a fazer pesquisa e sequer a manter um regime de trabalho
integral ou parcial para os docentes, diminuindo o custo médio por aluno e ampliando sua
lucratividade. Entretanto, o problema era que isso também representava a falta de autonomia
no plano da oferta de campi, cursos e vagas no mercado, ou seja, representava certa
dificuldade para a expansão das empresas educacionais, exatamente o que levará algumas
delas a buscarem o reconhecimento como universidade na tentativa de ampliação da
mobilidade e flexibilidade empresarial nos anos 1980.
De certo modo, o CFE funcionou, a partir de seu pensamento e práticas privatistas,
como um “facilitador” desta expansão empresarial. Explica-se: pensamos o CFE como a
mediação que realizava a ligação entre o modelo econômico da ditadura empresarial-militar e
os interesses empresariais, até porque se compreende esta relação para além do tráfico de
influências e do lobby, mas como tecida internamente no próprio CFE, ainda que se
compreenda este a partir de uma relativa heterogeneidade que, todavia, como visto nesta tese,
diminui com o passar do tempo. O que se quer dizer é que o CFE impulsionava a
concretização do tipo de expansão da educação superior compatível com o modelo econômico
dependente e associado – preconizado pelo IPES e por seus intelectuais – e implantado
definitivamente com o Golpe de 1964. Ou seja, também não se trata de pensar o CFE como o
“arquiteto” da expansão privada, mas como seu privatismo é convergente em relação à
racionalidade econômica do modelo dependente e associado. Entretanto, também é importante
288
reconhecer que dado o poder de que dispunha o Conselho em termos de delineamento da
esfera da educação superior, sobrepondo-se mesmo ao MEC neste aspecto, deve-se estar
especialmente atento a seu papel.
A passagem para a década de 1980 no plano da educação superior, em termos de
políticas que realizam a mediação entre Estado e mercado, na perspectiva por nós
desenvolvida, pode ser pensada tanto em termos de continuidade como em termos de
descontinuidades. Permitindo-nos certa digressão, reconhecemos que, principalmente a partir
da obra de Foucault (1996; 1995; 1995a), houve um imenso ganho em termos de
historiografia, na medida em que este autor nos chama a atenção para as rupturas e
descontinuidades históricas, mostrando, por exemplo, como determinadas práticas emergem
ou mudam de sentido em cada formação social. Foi o caso de sua investigação sobre a
instituição prisional, na qual mostra que o que muda na prisão moderna é a direção e o sentido
das práticas de encarceramento no contexto do que denominou sociedades disciplinares.
Entretanto, quando se acentua apenas as rupturas, como acontece em algumas análises, corre-
se o grave risco de não perceber as continuidades que se forjam no processo histórico, tanto
das práticas elas mesmas quanto dos sentido que podem estar contidos – e, portanto, continuar
operativos - nas mesmas ou em outras práticas sociais. Acredita-se ser este o caso das relações
entre Estado, políticas públicas para a educação superior e mercado educacional, na medida
em que o que muitas vezes é descrito como crise da expansão do setor privado, na década de
1980 – claramente marcada por uma diminuição dos ritmos da expansão do setor – pode
também ser relacionada a uma reordenação do setor privado-mercantil frente à
redemocratização política, que desembocaria na Assembléia Constituinte de 1986 e na
Constituição Federal de 1988 e em certas regras jurídicas para a educação superior.
De acordo com o que afirmamos anteriormente, a década de 1980 foi marcada pela
crise do modelo econômico implantado pela ditadura. Como um dos traços centrais deste
modelo, encontra-se um grau bastante pronunciado de financiamento público da acumulação
de capital que levava ao arrocho salarial e ao endividamento do Estado. No plano mundial, ela
corresponderia ao amadurecimento de uma esfera financeira que se havia formado a partir do
circuito off-shore de Londres e que seria o grande manancial do qual partiram as dívidas
contraídas pelo Brasil na tentativa de dar a respirar o modelo econômico do milagre que era o
sustentáculo e legitimador da ditadura empresarial-militar. A crise desse modelo econômico
foi, em certa medida, a oportunidade deste capital financeirizado - oriundo da crise do capital
da década de 1970 – de constituir sua hegemonia sobre o processo de acumulação como um
todo.
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No plano político, esta mesma conjunura é marcada pela organização dos movimentos
da sociedade civil na direção mais progressista e democratizante das lutas políticas e pela
reorganização das forças conservadoras, que desaguariam nas eleições indiretas – apesar da
imensa luta pelas Diretas -, e na convocação de uma Constituinte. Veja-se que um dos planos
mais discutidos neste período era exatamente a questão educacional, e que envolveria lutas
mais amplas, mas também conflitos intestinos no plano do Legislativo federal e que definiram
uma série de conquistas, mas também a manutenção do espaço de manobra do privatismo e da
mercantilização da educação superior. Uma dessas questões envolvia a questão da autonomia
das IES que, no texto constitucional, permaneceu restrita às IES de tipo universitário. Foi no
bojo deste processo que muitas instituições isoladas ou faculdades integradas buscaram o
reconhecimento por parte do CFE e, portanto, do MEC, como instituição universitária pela via
do reconhecimento. Este processo, entretanto, não foi, em larga medida, motivado pelo
interesse no modelo universitário em si, mas pela liberdade de mercado que esse status
universitário facultava em termos de abertura de novas unidades, cursos e, principalmente, de
ofertas de vagas.
A análise da trajetória da empresa Estácio de Sá - da SESES – desde os anos 1970 até
1988, é, neste sentido, um “retrato sem retoques” destas conexões e articulações. Uma
instituição de educação superior fundada como pequena empresa educacional por um
empreendedor sem nenhuma tradição – nem mesmo no ramo escolar de ensino fundamental
ou médio - inicia seus trabalhos como faculdade de direito, e depois – nas palavras de seu
próprio fundador -, por necessidade econômica, ou seja, pela necessidade de acumulação
ampliada, fez acrescentar outros cursos, transformando-se em Faculdades Integradas por essa
lógica empresarial que, como racionalidade, reproduz o padrão de escola conglomerada que
Florestan Fernandes (1975) detecta como dominante na educação superior brasileira. Nesse
caso, entretanto, diferentemente das IES públicas, essa racionalidade empresarial está
interessada em majorar sua lucratividade e faz isso através de um padrão de ensino assentado
na oferta do mínimo necessário e com pouco custo. Assim, a Faculdade Integrada resulta,
quando muito, da tentativa de acumulação ampliada pela oferta educacional desse tipo de IES
cujo custo é, dentro do setor, mais baixo. No caso da SESES, a transformação em Faculdades
Integradas obedeceu claramente a essa racionalidade, de acordo com o que se viu nesse
trabalho.
Entretanto, essa racionalidade empresarial incluiu (e inclui) – e no caso da SESES não
foi diferente – a participação estatal em seu financiamento, pela via da isenção fiscal. Ou seja,
no caminho aberto pelo padrão de financiamento público do grande capital no Brasil,
290
seguiram também as empresas educacionais, ainda que, oficialmente, estivessem classificadas
como entidades filantrópicas sem fins lucratvos. Nesse sentido, a SESES – mantenedora das
Faculdades Integradas Estácio de Sá (mantida) – apresentou-se, até 2007, como entidade
filantrópica sem fins lucrativos. E de um dia para outro – literalmente – é transformada em
entidade empresarial e, logo depois, em empresa de capital aberto (S.A.). No mínimo, tal salto
desperta estranheza, inclusive em alguns órgãos do próprio Estado, que têm – como a SRF, a
fiscalização do INSS, por exemplo – questionado a legitimidade dessa transformação, bem
como de seu estatuto anterior. Também desperta estranheza o fato de que não apenas essa
transformação acontecer da forma como foi aqui descrita, mas, ainda, que o montante
arrecadado com as isenções fiscais e previdenciárias anteriores – segundo a Estácio
Participações S.A., de cerca de R$ 96 milhões – tenha se tornado, por via contábil, ágio na
subscrição das ações e, logo, reserva de capital de uma empresa S.A.. Adendo: nas
Demonstrações Financeiras com data-base de março de 2007, a empresa diz:
Considerando as exigências da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em seu Ofício CVM/SRE/SEP/No 149/2007 datado de 25 de julho de 2007, tendo em vista o processo de solicitação de registro de companhia aberta, a Companhia está reapresentando suas demonstrações financeiras de 31 de março de 2007 em atendimento a essa solicitação, cujas modificações podem ser assim resumidas: · Reclassificação dos montantes contabilizados na Reserva de Lucros para Reserva de Capital e consequente complemento das informações divulgadas na Nota 13b; e · Apresentação da Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos em 31 de março de 2007 (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2007, p. 6, grifos nossos).
Como uma entidade filantrópica sem fins lucrativos poderia desenvolver uma reserva
de lucro ou de capital? Como pela própria exigência da CVM, as Demonstrações Financeiras
de 31 de março de 2007 deixam claro, trata-se de esclarecer que se trata de “saldo
remanescente” – e não integral, inclusive, o que pode levar ao equívoco de se imaginar que
esse foi todo o resultado auferido no período de operação como filantrópica – dos resultados
auferidos pelas “empresas controladas” (SESES e outras mantenedoras) antes de sua
“transformação” em empresas lucrativas. Inclusive em termos de análise discursiva, o trecho
sobre reservas de capital faz menção direta às isenções. Assim, procurou-se mostrar em que
medida esse padrão de financiamento indireto ampliava as margens de operação das
mantenedoras sobre as receitas brutas resultantes de suas próprias operações, ampliando as
possibilidades de expansão, de crescimentos deste tipo de IES e de suas mantenedoras, ao
diminuir enormemente seus custos com o próprio crescimento, como o caso dos encargos
previdenciários sobre a folha de pagamentos demonstra. Aliás, pela legislação que regula a
filantropia, para caracterizar uma entidade como tal, desde 1991, ela deve promover a
291
assistência social gratuita, não remunerar seus dirigentes e, central para o argumento ora
desenvolvido, aplicar o resultado operacional no desenvolvimento de seus objetivos
institucionais. Não foi bem esse o caso aqui analisado.
Entretanto, duas observações precisam ser aqui registradas: na medida em que, pela
legislação, as mantenedoras precisavam cumprir a legislação relativa à caracterização da
filantropia e, portanto, não poderiam auferir lucros de suas atividades e nem constituírem
patrimônio para herança, essa linha de atuação representava imensos riscos para seus donos
e/ou sócios. A segunda refere-se ao estado de constante desequilíbrio entre essa classificação
jurídica e a natureza concreta das atividades destas mantenedoras como empresas. Assim,
desde a década de 1990, inúmeras mantenedoras buscarão sua transformação em entidades
empresariais com fins lucrativos, mas, a rigor, o grande impulsionador desse processo foi o
Programa Universidade para Todos (ProUni), implementado no governo Lula. Por quê?
Porque este programa não apenas oferece também isenções fiscais – caso do IRPJ, por
exemplo -, mas também oferece a possibilidade de aquelas entidades que transformarem seus
estatutos jurídicos para o de empresas educacionais com fins lucrativos se beneficiarem com
um esquema de escalonamento da cobrança da cota patronal do INSS. Além disso, e esse é o
caso da SESES – Estácio Participações S.A. -, esse dispositivo serve como referência na
discussão judicial sobre a validade ou não da transformação em empresa lucrativa de
entidades anteriormente classificadas de outro modo, no sentido em que se diz que esse
dispositivo, por prever tal transformação, seria uma espécie de “pista” da legalidade do
processo, o qual, correndo o risco de soar repetitiva, tem sido questionado pela SRF. Para
esclarecer: a SESES adere ao ProUni em dezembro de 2004, recebe as isenções por essa via e,
posteriormente, é que se torna entidade com fins lucrativos e então, no que diz respeito à cota
patronal do INSS sobre a folha de pagamentos, passa a realizar os pagamentos de modo
escalonado, chegando a 100% apenas em 2011. Neste sentido, o ProUni se confirma como um
programa de financiamento indireto das IES privado-mercantis, embora ainda não tenha
atingido as dimensões de desejo deste setor. Quando se examina documentos produzidos sob
a demanda do setor, tal como se fez ao longo desta tese, observa-se que a ampliação de
programas como o FIES e o ProUni são vistos como essenciais para a expansão privada. E
verificamos, de fato, que no caso das controladas pela Estácio Participações S.A., o ProUni
não apenas é apresentado como uma importante política que se torna orientadora das
avaliações dos possíveis investidores (apresentada como fator de risco na medida em que
poderia ser descontinuada), mas seu caráter de “poupador de custos” também é continuamente
apontado pela própria empresa. É mais claro ainda quando se lê no Prospecto Definitivo, cuja
292
publicação precedeu o IPO, em nota relativa à tabela contábil apresentada, “Por aderir ao
ProUni, o IRPJ e a CSLL sobre o lucro da exploração não são recolhidos e são transformados
em reserva de capital” (ESTÁCIO PARTICIPAÇÕES S.A., 2010b, p. 77). Cabe ressaltar que
não se está aqui decidindo sobre a legalidade ou não destas práticas, até porque não é nem
nossa área e nem nosso campo de análise, e sequer querendo dizer que algum sujeito
individual “embolsaria” os montantes derivados de tais isenções, mas apenas jogando luz
sobre tais mecanismos presentes na legislação, bem como nas políticas educacionais,
delimitando a relação entre Estado e mercado educacional e tomando como base de análise a
documentação produzida pela própria Estácio Participações S.A.
Voltando ao eixo cronológico, pode-se observar como é a racionalidade empresarial
que iria presidir a transformação das Faculdades Integradas Estácio de Sá em universidade.
Articulado por dentro do CFE, como mostramos anteriormente, o reconhecimento do status
universitário da IES se realiza definitivamente em 1988 e permite o gozo da autonomia da
abertura de cursos e vagas sem a necessidade de pedir prévia autorização ao MEC. Na
sinceridade peculiar que caracterizou as parcas declarações de Uchôa, vimos que se, nos anos
1980, já existisse a figura do Centro Universitário, seu fundador teria preferido essa opção.
Assim, o sentido da transformação em universidade não está em seu funcionamento efetivo e
nem na sua vocação – que, também de acordo com o fundador, é o ensino. É a liberdade de
mercado, mas escorada no Estado, como, aliás, caracteriza o desenvolvimento do capitalismo
no Brasil.
Foi com essa ideia que se procurou localizar e compreender as denominadas
continuidades e rupturas entre a década de 1970 e de 1990, quando se empreende um novo
ciclo de reformas educacionais. Não se quer, com isso, afirmar que se trata das mesmas
reformas, mas que as reformas educacionais da década de 1990 vêm ao encontro da
racionalidade capitalista em uma nova etapa do ciclo de acumulação que, entretanto, já se
delineava no plano internacional na década de 1970 e que, como vimos, principalmente a
partir do trabalho de Paulani (2008), começa a construir seus alicerces em termos dos países
em desenvolvimento ainda na mesma década e, no caso da América Latina, em grande parte
pelas mãos de regimes ditatoriais. Ou seja, se entendemos que na década de 1990, as reformas
de Estado de cunho neoliberal ganham impulso, elas o fazem a partir da necessidade do
capital em crise – estrutural, de acordo com Mészaros (2009) – de conter suas contradições e
criar um novo regime de acumulação que se coaduna com o modo de regulação neoliberal. A
nosso ver, esse regime de acumulação se caracteriza pela associação entre a predominância
financeira e – exatamente também por isso – pela acumulação flexível. Entretanto, que não se
293
imagine que se trata de uma novidade na história do capitalismo. Como nos mostrou Harvey
(2004), certo tipo de flexibilidade na organização do trabalho e das relações trabalhistas é
essencial ao capital, sendo a recomposição do ciclo econômico como um todo um processo
que permite a própria organização do capitalismo em novas bases e em novo patamar de
acumulação. Também a predominância financeira não é exatamente uma novidade. O que é
novo é a escala efetivamente mundial das operações econômicas, a conexão entre elas e a
extensão em que elas acontecem.
Assim, a financeirização foi aqui entendida como um processo que é resultado da
reordenação capitalista em resposta à crise da década de 1970 e que se manifestará, nos países
em desenvolvimento, como o Brasil, pelo endividamento que envolveria essas economias em
processos de estagnação cada vez mais pronunciados, o que, por sua vez, implicava no
desinvestimento na economia real e na impossibilidade do Estado de sustentar o padrão de
financiamento do capital pelo fundo público, o que acabava por alimentar a espiral da dívida
pública. A crise da dívida em 1982 pode ser pensada nesta perspectiva. Entretanto, esse
esgotamento se fazia coetâneo a um processo de esgotamento do modelo ditatorial e pelas
organizações no plano civil e político que, no limite, conduzem à redemocratização.
Entretanto, esse processo não foi apenas o da organização das frentes progressivas e
democráticas, mas das próprias forças conservadoras que culminam com a eleição de Collor.
De certo modo, os caminhos dos anos 1990 passam por essa reordenação, sob o
orquestramento pelos organismos internacionais e por seus projetos para as economias em
desenvolvimento, como o Consenso de Washington, por um rearranjo conservador que levaria
de Sarney a Collor à via da hiperinflação, pela construção de uma fortíssima representação
acerca do Estado como ineficaz, grande e corrupto que precisava ser reformado para que,
finalmente, promessa tanto repetida, se modernizasse o Brasil e se o tornasse apto a entrar
para o grupo dos players globais. Entretanto, a condição para tanto foi a subalternidade – ou,
como afirma Paulani (2008), a servidão financeira – condição esta nada nova, mas repetida
pelas elites brasileiras.
No caso da educação superior, tendo como marco a Reforma de Estado que transforma
as atividades educacionais em lócus de acumulação capitalista ao defini-las como atividades
não-exclusivas do Estado, esta conjuntura inaugura um novo ciclo de expansão da educação
superior privada, mas, desta vez, dando origem não mais a grandes instituições, mas a grandes
conglomerados do ensino superior, alguns com capital aberto, como o caso da Anhanguera
Educacional e da Estácio Participações S.A., respectivamente, as duas maiores empresas
294
educacionais – denominação que, inclusive, estas têm reivindicado para si - de ensino superior
do país.
No caso da SESES, impulsionada pela autonomia que lhe foi concedida a partir da
transformação de suas mantidas em instituições universitárias, os anos 1990 marcam sua
expansão tanto em termos municipais quanto estaduais, ao mesmo tempo em que os sócios da
mantenedora começam a comprar outras mantenedoras no país, o que é revelador da intenção
de nacionalizar a presença da Estácio no território nacional, o que aconteceria já no final da
década, em 1998. É fundamental ressaltar como a LDB/96 constitui-se em um marco
importante para tal processo, como visto, na medida em que libera a oferta privada e coloca o
Estado na posição de avaliador e gestor das políticas educacionais, bem como acata a
existência de instituições com fins lucrativos. Veja-se, portanto, como no caso da Estácio, a
expansão toma como base a LDB, mas, entretanto, isso não significou, imediatamente, sua
transformação em entidade com fins lucrativos. Essa só se consolidaria a partir de metade da
primeira década do século XXI, para as outras mantenedoras, e em 2007, para a SESES. Essa
transformação coincide, portanto, com a adesão ao ProUni333, entendido aqui como um tipo
de financiamento indireto pela via da isenção fiscal. Deste modo, ficou claro para a
perspectiva tomada, que a SESES e as outras mantenedoras só abriram mão do estatuto de
entidades sem fins lucrativos (caso das outras mantenedoras) e de filantrópica e sem fins
lucrativos (SESES) quando foi possível gozar de outras formas de financiamento indireto
promovidas no âmbito do ProUni, como o caso bastante significativo da isenção do IRPJ. É
deste modo que se pode perceber que este padrão de financiamento do capital pelo Estado se
aprofundou desde a ditadura empresarial-militar. Esse aprofundamento, entretanto, nos
marcos do ProUni e do FIES, por exemplo, fizeram-se recobertos por uma capa de
democratização do acesso ao ensino superior, o que os transforma em programas de imenso
apelo público. Parece-nos que, nesse caso, além de um padrão de financiamento das
atividades das empresas de serviços educacionais, também emerge a possibilidade de projetar
esses programas como marketing do governo e das empresas, que aparecem, nesse caso, como
agentes da democratização do ensino superior.
No caso da Estácio, o ciclo se completa com sua transformação em empresa com fins
lucrativos e, em seguida, de capital aberto em 2007, revelando-se a natureza da formação
destes grandes conglomerados com base, a nosso ver, na administração flexível e na
predominância da lógica financeira, inaugurando uma nova etapa de expansão, não mais
333 As primeiras mantenedoras formadoras do grupo Estácio, com a exceção da SESES, aderem em 2005 ao regime empresarial com fins lucrativos, mas a SESES, embora tenha aderido ao ProUni antes, só deixa de ser filantrópica em 2007.
295
centrada na abertura de campi, mas na racionalidade das fusões e aquisições, no investimento
na EAD e na diversificação dos ramos de atuação, como se revela pela recente compra, pela
Estácio Participações S.A., da Nova Academia, empresa que é especializada na área de
preparação para concursos públicos. São marcantes, na trajetória da Estácio, especificamente,
as dificuldades de transformação de uma lógica de empresa familiar profundamente marcada
pela presença do fundador em sua administração para uma empresa financeirizada. Ao se
observar os primeiros documentos financeiros, como fizemos, percebemos isso pela presença
de contratos de aluguel para familiares, com a presença da família na administração da
empresas, dentre outros. Mas, a partir da entrada do Garantia Investimentos como acionista
que atua na administração direta da Estácio Participações S.A., vê-se também a eliminação
dessa presença de modo acelerado, o que culmina, em 2010, com uma nova oferta de ações,
na qual o fundador e sua filha vendem suas ações, bem como uma reestruturação mais
intensiva da empresa na direção da adequação à lógica do mercado financeiro, embora esse
processo seja eivado por contradições que é preciso ainda explorar.
Para finalizar estas considerações finais, resta destacar como essa natureza de
sociedade por ações é problemática – em geral, mas, especialmente, em termos educacionais –
porque cria entidades educacionais com administradores, mas, possivelmente, sem dono na
medida em que a pulverização do controle acionário possibilita que a maioria das ações esteja
pulverizada. No caso da Estácio Participações S.A., hoje, mais de 76% das ações ordinárias
está nas mãos de acionistas “desconhecidos”, ou seja, os próprios administradores – GP
(GPCPIV e co-investidores, estes últimos, aliás, têm a maioria das ações) – não detêm o
controle acionário, gerando importantes consequências. A primeira delas é que os
administradores não são os “proprietários”. Segundo que, detendo poucas ações, entretanto,
possuem o controle administrativo, operacional e acadêmico das instituições, que tendem a se
pautar pela lógica e pela temporalidade fetichizada do capital financeiro, o que se pode
observar, por exemplo, pela ideia de Orçamento Base Zero, na contínua redução de custos,
gerando uma formação cada vez mais aligeirada na ponta do processo. A terceira
consequência – essa, a nosso ver, de extrema gravidade – é que esses administradores,
detendo poucas ações sofrem, de fato, poucas perdas como proprietários em caso de colapso
financeiro ou coisa parecida, enquanto tal possibilidade afetaria integralmente alunos,
funcionários e docentes das instituições pertencentes a holding. A rigor, segundo um dos mais
recentes relatórios financeiros divulgados pela empresa (2011), a Private Equity Partners C,
LLC. deteria 18,64 % das ações, sendo o GPCPIV proprietário diretamente de apenas 0,46%
das ações. Quarta consequência, a possibilidade da presença maciça de capital estrangeiro nas
296
empresas educacionais brasileiras, o que, na Estácio Participações S.A., ainda está apenas
começando. Hoje, além dos fundos acima mencionados, outros fundos estrangeiros possuem
participação acionária significativa e de difícil rastreamento de origem: OppenheimerFunds
possui 11,7% das ações ordinárias, Wellington Management detém 5,6%, o Capital Group
International adquiriu 5,2% e o Findlay Park Partners LLP controla 5,2% (ESTÁCIO
PARTICIPAÇÕES S.A., 2011). Quinta: nesse processo, a presença do Estado é, até agora, no
que diz respeito ao controle da presença desses capitais na educação omissa do ponto de vista
da regulação e, por isso mesmo, relevante na perspectiva desse empresariado. E isso é muito
significativo em termos de prospecção do futuro da educação superior no país, especialmente
quando empresas educacionais que dirigem instituições de educação superior recusam
explicitamente seguir minimamente a legislação definida para suas instituições. Caso da
Estácio de Sá que para ganhar a o status universitário se compromete a fazer pesquisa no
momento mesmo em que seu então proprietário afirma, em veículo de ampla circulação, que
não faz. A nosso ver, essa é a discussão que urge travar.
297
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