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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA ANÁLISE DO CASAMENTO ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO DE HOMENS E MULHERES SEPARADOS OU DIVORCIADOS. FRANCIELLI CRISTIANE DE AZEVEDO Itajaí, (SC) 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE PSICOLOGIA

ANÁLISE DO CASAMENTO ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO DE

HOMENS E MULHERES SEPARADOS OU DIVORCIADOS.

FRANCIELLI CRISTIANE DE AZEVEDO

Itajaí, (SC) 2008

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FRANCIELLI CRISTIANE DE AZEVEDO

ANÁLISE DO CASAMENTO ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO DE

HOMENS E MULHERES SEPARADOS OU DIVORCIADOS.

Monografia apresentada como requisito

parcial para obtenção do titulo de Bacharel em

Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí

Orientador: Prof. Msc. Márcia Aparecida

Miranda de Oliveira

Itajaí SC, 2008

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DEDICATÓRIA

A minha mãe, Danira!

Figura mais marcante em minha vida, é a minha

família, o meu modelo, me dedicou amor

incondicional. Através de seu incentivo e apoio pude

chegar até aqui e poderei ir além.

3

AGRADECIMENTOS

A minha mãe, pelos ensinamentos e incentivo que me levaram a cursar a

Universidade, a respeitar o outro, e a buscar a autonomia e independência através

do conhecimento.

Ao meu pai, que de maneira não tradicional também me proporcionou muitos

aprendizados e o cursar a Universidade.

Ao meu namorado, companheiro e amigo, pelo amor, compreensão e apoio

dedicados no decorrer desta pesquisa.

A minha orientadora e professora Márcia, que propiciou a realização desta pesquisa,

compartilhando comigo suas idéias e conhecimento, me acolheu em sua companhia

e me proporcionou muitos aprendizados.

As professoras Josiane e Maria Celina, que aceitaram participar da minha banca,

cedendo seu concorrido tempo, além de idéias e conhecimento.

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................06

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................08

2 EMBASAMENTO TEÓRICO..................................................................................12

2.1 Famílias E Uma Breve Retrospectiva................. .............................................12

2.2 A Família Sob As Lentes Da Teoria Sistêmica........ .......................................15

2.3 Homem e Mulher X Masculino e Feminino.............. .......................................19

2.4 Sobre o Casamento.................................. ........................................................26

2.5 Sobre Separação Conjugal........................... ...................................................30

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS....................................................................... 35

3.1 Amostra/ Sujeitos/ Participantes da pesquisa... ..........................................35

3.2 Instrumento.................................... ..................................................................37

3.3 Coleta Dos Dados............................... .............................................................37

3.4 Análise Dos Dados.............................. ............................................................38

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.......................................40

4.1 Expectativas sobre o casamento quando solteiro (a)....................................40

4.2 Experiências favoráveis vivenciados durante o p rimeiro casamento.......... 44

4.2.1 Gerar Filhos................................. ....................................................................45

4.2.2 Aprendizagem................................. .................................................................46

4.2.3 Segurança Emocional e Material............... ....................................................47

5

4.3 Experiências desfavoráveis vivenciadas durante o primeiro casamento.... 48

4.3.1 Imaturidade.................................. ....................................................................48

4.3.2 Quebra de Confiança.......................... ............................................................50

4.4 Motivos que contribuíram para o término do casa mento.............................. 52

4.4.1 Desgaste na Relação.......................... .............................................................53

4.4.2 Infidelidade Conjugal........................ ..............................................................54

4.4.3 Conflitos.................................... .......................................................................55

4.5 Expectativas atuais sobre o casamento.......... ................................................57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................61

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................66

7 APÊNDICES ...........................................................................................................70

7.1 Apêndice A- Termo de Consentimento Livre e Escl arecido.......................... 71

7.2 Apêndice B- Ficha de Identificação............. .....................................................72

7.3 Apêndice C- Entrevista Semi-Estruturada........ ...............................................73

6

ANÁLISE DO CASAMENTO ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO DE HOMENS E

MULHERES SEPARADOS OU DIVORCIADOS.

Orientador: Márcia Aparecida Miranda de Oliveira.

Defesa: junho de 2008.

Resumo:

Neste estudo sobre família, o casamento, os gêneros e a separação conjugal, foram entendidos sob as lentes da Teoria Sistêmica e como uma construção histórica que se modifica através dos movimentos culturais. Atualmente a separação e o divórcio são acontecimentos freqüentes, assim passam a coexistir diferentes modelos de casamento e configurações familiares e embora o casamento acabe a família não acaba, mas se reconfigura após a separação. Estas transformações que vem ocorrendo em relação à família, casamento e separação têm gerado mudanças no papel masculino e feminino e possivelmente na relação do casal. Frente a essas mudanças, esta pesquisa teve como objetivo conhecer a percepção de homens e mulheres separados ou divorciados sobre o casamento. Especificamente investigaram-se quais as expectativas sobre o casamento quando estes sujeitos ainda eram solteiros e as suas expectativas atuais, identificaram-se os aspectos favoráveis e desfavoráveis que vivenciaram no decorrer do casamento e levantaram-se os motivos que contribuíram para o término do mesmo, a fim de promover uma análise do casamento a partir da percepção destes. Participaram da pesquisa 9 sujeitos, sendo 6 mulheres e 3 homens, foram utilizados como instrumento uma ficha de identificação e uma entrevista semi-estruturada, cujo resultado foi analisado através da Análise de Conteúdo, segundo Bardin (2004), caracterizando uma pesquisa qualitativa, que foi fundamentada na teoria sistêmica. Através dos resultados, verificou-se que o casamento era visto sob o prisma do modelo tradicional, com expectativas fantasiosas, onde a relação e a convivência não eram pensadas; após a vivência da separação conjugal a percepção muda e o casamento passa a ser visto sob o prisma do modelo moderno, com expectativas realistas, onde os aspectos ligados a relação são tomados como fundamentais para a duração da união. Segundo os sujeitos da pesquisa, para que o casamento de certo é necessário união, comunicação, confiança, respeito, diálogo e companheirismo. Assim, foi possível analisar o casamento como um sistema dinâmico, que recebe influências do contexto e por este motivo requer estudos constantes que venham a acompanhar esta dinâmica.

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Palavras-chave: .casamento/família; gênero; separação conjugal

Sub-Área de concentração (CNPq) 7.07.05.01-1 Relaçõ es Interpessoais

Membros da Banca

______________________________________

Josiane A. Ferrari de Almeida Prado

______________________________________

Maria Celina Lenzi

________________________________________

Márcia Aparecida Miranda de Oliveira

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1 INTRODUÇÃO

Este estudo abordará questões referentes à família, no que se refere ao

casamento, aos gêneros e a separação conjugal. Contando que todos os estudos

realizados sobre a família pelos vários segmentos da ciência, em diferentes

dimensões, não esgotaram o assunto. (CERVENY, 2004). Assim esta pesquisa sob

as lentes da Teoria Sistêmica e do construtivismo tem a intenção de acrescentar

sobre estes temas, tecendo breves retrospectivas e abordando questões atuais,

objetivando com isso promover a análise do casamento a partir da percepção de

homens e mulheres separados ou divorciados.

A família foi entendida como

“[...] um sistema ativo em constante transformação, ou seja, um

organismo complexo que se altera com o passar do tempo para

assegurar a continuidade e o crescimento psicosocial de seus

membros componentes.“ (ANDOLFI, 1984 apud CERVENY;

BERTHOUD, 2002, p. 18).

Assim percebe-se que as características e atributos da família estão de acordo com

o contexto, que é dinâmico. Por este motivo fez-se necessário neste estudo

compreender a família no seu contexto mais amplo, na sua pluralidade, que inclui o

social, o cultural, o econômico entre outros. (CERVENY; BERTHOUD, 2002).

Este mesmo contexto também provoca transformações e molda as

características atribuídas aos gêneros masculinos e femininos, sendo que estes

constructos influenciarão na percepção da definição e estrutura do casamento,

assim como da relação conjugal. De acordo com Carter e McGoldrick (1995) tornar-

9

se um casal é uma tarefa complexa e difícil, pois requer a união de dois sistemas

distintos e complexos. Cada indivíduo traz em seu sistema um repertório de

repetições herdados da família de origem, outro repertório criado por si mesmo em

suas vivencias que caracteriza sua personalidade, além de um repertório biológico

que é intato; estes repertórios podem ser chamados de bagagem, assim cada

cônjuge traz consigo uma bagagem composta de repertórios, onde ambos têm a

missão de conciliar suas bagagens, a fim de formar uma nova família.

A visão romantizada do casamento, chamada de modelo tradicional, pode

aumentar a dificuldade do casal uma vez que apenas a felicidade da mudança é

vista sem se pensar nas implicações de um relacionamento, porém com a

convivência diária de dois indivíduos singulares, os problemas e as diferenças

podem permanecer encobertos, intensificando-se e vindo à tona mais tarde.

(McGOLDRICK, 1995).

Os conflitos são inerentes a condição humana, as causas que os

desencadeiam são inúmeras; o diferencial do seu impacto está na maneira que cada

indivíduo o percebe e administra, se o conflito for percebido como uma oportunidade

de aprendizado e crescimento e for administrado através da negociação poderá ser

resignificado pelo casal, caso contrário conduzirá à separação conjugal. (ÁVILA,

2004).

No Brasil há alguns anos a separação de um casal não era tolerada, nem pela

família, sociedade e religião, porém com o passar do tempo devido às mudanças

socioculturais, atualmente esta é mais aceita, conforme pesquisas realizadas e

divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2003; 2005), o número

de separações vem aumentando gradativamente, em 1991 ocorreram 76.693

separações enquanto em 2005 foram 102.503 separações em todo o país. Peck e

10

Manocherian (1995) pontuam que o contexto sociocultural também é um aspecto

que deve ser considerado no entendimento do impacto da separação.

Segundo Carter e McGoldrick (1995), a separação conjugal é o maior

rompimento no processo de ciclo de vida familiar, afeta a cada fase seguinte do ciclo

vital e a todos os membros das famílias de origem. Por este motivo assim como o

casamento, a separação exerce grandes impactos, sendo estes distintos para

homens e mulheres, devido às diferenças biológicas entre os sexos e devido às

diferenças culturais entre os gêneros.

Considerando todos estes dados, tornou-se pertinente acrescentar

informações sobre estes temas que condizem com o contexto atual.

Especificamente esta pesquisa objetivou investigar quais as expectativas de homens

e mulheres sobre o casamento quando solteiros e as expectativas atuais; identificar

os aspectos favoráveis e os desfavoráveis que vivenciaram no decorrer do

casamento; e levantar os motivos que contribuíram para o término do mesmo. Para

atingir o objetivo geral de conhecer qual é a percepção que homens e mulheres

separados ou divorciados sobre o casamento, e assim conjecturar uma análise do

mesmo através da percepção destes sujeitos.

Seguindo este tema como proposta da pesquisa, e a fim de obter

conhecimentos científicos que proporcionem desenvolvimento na área das relações

conjugais e familiares, também pode-se salientar suas contribuições para o âmbito

pessoal, social, científico e institucional.

Os dados obtidos servirão como fonte de conhecimento para a pesquisadora

em sua atuação enquanto estagiária que presta atendimento à famílias e casais, aos

demais alunos que iniciarão o estágio curricular em psicologia clínica, aos

profissionais que orientam estes alunos, os quais também prestam atendimento

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psicoterápico a sociedade do município que busca os serviços da Clínica de

Psicologia da UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí). Deste modo esta pesquisa

vêm a auxiliar na promoção da qualidade desses atendimentos, e por fim no âmbito

institucional, pois esta pesquisa vem a colaborar com o compromisso social desta

Universidade de transformar conhecimento em serviços que beneficiam a

população, neste caso a psicoterapia de família e casal oferecida na Clínica de

Psicologia da UNIVALI.

12

2 EMBASAMENTO TEÓRICO

2.1 Famílias e uma Breve Retrospectiva

As famílias foram e continuam sendo estudadas por vários segmentos da

ciência, em diferentes dimensões, e possivelmente nenhum estudo vai esgotar o

assunto (CERVENY, 2004). Estudar famílias no plural requer que se tenha em vista,

a multiplicidade de aspectos históricos e culturais presentes em cada sociedade

(KALOUSTIAN, 2002).

Percebe-se que seu conceito, função e estrutura se modificam de acordo com

o contexto, portanto para compreender uma família deve-se adotar conceitos

apropriados ao contexto da qual faz parte. Deste modo, torna-se fundamental

conhecer as especificidades de cada etapa da história, como a família foi afetada e

como afetou a sociedade na qual estava inserida.

A fim de explicitar estas influências tomamos como exemplo a escravidão dos

negros de origem africana aqui no Brasil, no início do período colonial, onde fatores

étnico-culturais, e histórico-sociais de ordem político-institucional afetaram a

organização da família escrava; o autoritarismo e a violência da escravidão foram

responsáveis pela separação entre casais, pais e filhos e outros parentes, assim o

padrão autoritário da organização política brasileira promoveu a perda de vínculos

familiares pelas separações forçadas, havia desprezo e descaso sobretudo em

relação as crianças, pois o investimento era feito no escravo adulto, nestas

comunidades negras de linhagens perdidas, onde forjaram-se alianças surgindo a

família ampliada, assim a comunidade mais ampla de escravos passou a atuar como

referência; já nos Estados Unidos da América do Norte, as estratégias políticas e

13

fatores histórico-sociais faziam com que senhores de escravos estimulassem a

formação de famílias nucleares, com a catequese puritana e moralista atuando neste

processo. (NEDER, 2002).

Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil se afirmou o modelo

europeu de família patriarcal, na transição do século XVIII e XIX com a política

higienista ocorreram mudanças na ideologia e estrutura familiar, provocando novas

práticas nos relacionamentos, na função parental, nos hábitos e costumes das

famílias urbanas de elite; a partir da segunda metade do século XX com o maior

ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a dinâmica das relações e a

estrutura familiar se modificam novamente devido ao início da modernização

societária, intensificada na década de 1960, e com as desigualdades na distribuição

da renda provocadas pela política e economia do regime militar, a família tem a

necessidade de ampliar o número de membros no mercado de trabalho, a fim de

aumentar a renda e sobreviver. Assim se estabelecem novas relações na família,

contudo esta continuou a exercer seu papel socializador e transmissor de

subjetividades. (CHAVES, 2006).

O autor ainda pontua que no final do século XX e início do XXI, os conflitos

ideológicos, em grande parte religiosos, a globalização e as tecnologias de

informatização, estimulam novas transformações no modo de vida e nas relações

familiares. Surge então, o modelo moderno da família em função das novas relações

que se estabeleceram e devido às transformações histórico-sociais de cunho político

e ideológico.

De acordo com Bucher (2003) no modelo moderno o fundamento da união

recai na subjetividade dos cônjuges e no amor de um pelo outro, no aspecto

emocional a família ainda se mantém como provedora de seus membros, no aspecto

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econômico/financeiro o papel masculino de provedor está sendo compartilhado com

os demais membros. Entre as funções atribuídas às famílias a da reprodução está

se modificando devido ao avanço da tecnologia e diminuição do número de filhos; a

função socializadora de formação e transmissão de valores, crenças, costumes e

regras, está sendo compartilhada com outros agentes socializadores, como a

escola, a televisão, a internet, etc.

Estas características do modelo moderno de família impõem novas maneiras

de se relacionar, juntamente com a tolerância para os divórcios e recasamentos,

surgem novas configurações familiares, que passam a coexistir com a tradicional

família nuclear. Chaves (2006) menciona alguns como, as famílias monoparentais,

famílias homoparentais, famílias recasadas com filhos apenas de um dos cônjuges,

ou de ambos e famílias com apenas um indivíduo divorciado; percebe-se que os

papéis, assim como as funções e as expectativas dos membros necessitam ser

reformuladas e negociadas, assim “Negociar passa a ser uma estratégia

fundamental na família.” (p. 59) além de um desafio.

Contudo, os modelos tradicionais de família não foram sendo extintos,

segundo Galano (2006), em um mesmo contexto podem coexistir diferentes modelos

de família, as arcaicas e tradicionais com outras contemporâneas, onde as primeiras

não desaparecem totalmente, se reciclando ou existindo em diferentes substratos e

história.

Tal perspectiva dificulta a tarefa do pesquisador, pois ao adotar uma posição

construtivista entende-se que não será possível conhecer verdadeiramente o que é

a família, mas somente o que se conjectura sobre ela. (CERVENY, 1994).

Neste sentido observa-se que cada estudioso elabora sua hipótese sobre os

diversos aspectos abordados em relação à família. Neder (2002) propõe a

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necessidade da valorização das famílias no que se refere à produção de identidade

social básica para seus membros, pontua as influências étnico-culturais como forma

de evitar preconceitos ao paradigma família regulares e família irregulares. Já

Passos (2003) mostra-se preocupada com o lugar que tem sido atribuído a família

nos tempos atuais, propõe um olhar à realidade como forma de eliminar

preconceitos relativos aos novos modos de convivência familiar; assinala que a

família não deve ser vista somente como uma unidade social, de micro-parcerias,

mas também como unidade psíquica, viabilizada pelos vínculos, em relação aos

processos inconscientes nas relações interpsiquícas.

Contudo pode-se afirmar verdadeiramente, mesmo adotando a posição

construtivista, é o que Wagner (2002) propõe, que independente da estrutura,

configuração e contexto, a família é sempre o palco onde se vivenciam as mais

intensas e marcantes experiências, promovendo assim o desenvolvimento de seus

membros.

2.2 A Família Sob As Lentes Da Teoria Sistêmica

À medida que a tendência organicista seguida pelo biólogo Bertalanffy foi

associada à Teoria Geral dos Sistemas, e a tendência mecanicista seguida pelo

matemático Wiener associada à Teoria Cibernética, ambas foram se desenvolvendo

e se complementando. Este novo olhar tornou-se importante, pois

[...] a tendência a estudar os sistemas como uma entidade e

não como um aglomerado de partes [...] que não isola mais os

fenômenos em contextos estreitamente confinados, abre-se ao

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exame das interações e investiga setores da natureza cada vez

maiores. (ACKOFF, 1959 apud BERTALANFFY, 1968, p.25).

Entre as considerações que conduziram esta teoria a uma disciplina cientifica,

segundo Bertalanffy (1968) foi o fato de ter encontrado leis gerais que se aplicam a

qualquer sistema, sendo esta é uma ciência geral, da totalidade, onde as mesmas

tendências são aplicáveis a diversas áreas, contudo sem se tratar de redução ou

transferência de conceitos. O biólogo ainda pontua em sua obra que estas mesmas

tendências apareceram mais tarde na psicologia, onde o homem deixou de ser visto

como um robô reagente e passou a ser considerado como um sistema de

personalidade ativa. Assim o homem passou a ser analisado como um todo

unificado, incluindo o contexto em que está inserido e suas interações, já que a

mudança em uma das partes geraria mudança nas demais; as psicopatologias

também encontraram fundamento nas idéias vigentes, consideradas como

desordens nas funções sistêmicas do organismo os sintomas e síndromes isolados

não definem a patologia, assim surgiu a necessidade de analisar o todo, que inclui o

sistema e os subsistemas.

Segundo Nichols e Schwatz (1998), estudiosos como Ackerman, Bateson,

Moreno, Bowlby, Laing, já destacavam a importância do contexto familiar e assim

impulsionaram o movimento rumo ao campo da Terapia Familiar; este campo estava

aberto a modalidades de intervenção e o paradigma sistêmico foi uma das opções

que passou a oferecer base para a Terapia Familiar, nascida na década de 1950, se

desenvolveu na década de 1960 e chegou a maturidade na década de 1970.

De acordo com Souza e Nunes (1998) a aplicação do modelo sistêmico a

prática clinica da psicoterapia familiar teve como perspectiva central o olhar do

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antropólogo Bateson, que ao trabalhar com psicólogos os aproximou da Teoria

Sistêmica.

Pensar nas relações do grupo familiar segundo a teoria dos sistemas implica

entender a família como um conjunto funcionando como uma totalidade, regido por

alguns princípios.

Segundo Cerveny (1994), a família é um grupo de muita especificidade que

não pode ser visto como um simples somatório de suas partes, assim a análise total

não se constitui da soma de análises individuais dos membros, mas engloba o todo

o contexto interacional, este é principio da não-somatividade. Isso ocorre devido aos

circuitos de retroalimentação, ou seja, de comunicação, onde o comportamento de

cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento dos demais, assim um elemento

do sistema pode afetar os demais e o todo, este é o princípio da circularidade. A

unidade familiar e os seus membros são vistos como sistemas e também como

subsistemas de sistemas mais amplos, como o sociocultural, econômico e assim por

diante, assim é necessário estabelecer as fronteiras entre papéis e funções para

garantir a diferenciação de self dos membros; estes como sistemas abertos

interagem e trocam com o meio, através do princípio da morfogênese o sistema

familiar tem a capacidade de se autotransformar, e através do princípio da

homeostase se auto-regula, mantendo uma estabilidade. Ao entender a família como

uma organização onde se definem papéis e funções, é necessário pontuar também

a existência de uma hierarquia que define as relações de poder entre os membros.

O modelo sistêmico ainda pode ser usado como lentes para visualizar a

multiplicidade do sistema familiar e de suas interações. Contudo faz-se necessário

que se compreenda a família no seu contexto mais amplo, na sua pluralidade que

inclui o social, o cultural, o econômico e o temporal, pois as múltiplas gerações

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deixam suas marcas na história familiar transmitindo e perpetuando a repetição de

padrões interacionais. (CERVENY; BERTHOUD, 2002).

Werlang (2000), em seus estudos sobre repetições inter e transgeracionais

pontua que

[...] as famílias desenvolvem uma estrutura

característica, um padrão bem definido e repetitivo de papéis e

regras, dentro dos quais os seus membros funcionam. Os

valores e normas familiares são derivados das experiências de

crescimento dos pais, em suas famílias de origem, dos

derivativos internalizados dessas experiências, da influência

atual da sociedade na qual estão vivendo e de suas historias

desde que se uniram para criar uma nova família. (p.141).

Apesar das singularidades e especificidades de cada sistema familiar, Elkaim

(apud CERVENY, 1994) afirma que toda família transmite seu modelo, mesmo

aquelas que cuidam muito para não o fazer, assim certas questões podem passar a

geração seguinte de outra forma ou até pular uma geração.

Estas repetições podem ocorrer através das regras familiares, que Cerveny

(1994) pontua como “o conjunto de acordos explícitos e implícitos que é

compartilhado e conhecido por um grupo familiar, que faz parte da história da família

e se mantém por meio do uso”. (p.55). Ou ainda através dos mitos, que são

implantados pela primeira geração, mantidos pela segunda geração e perpetuados

pela terceira geração. A referida autora considera que é através do mito que a

família faz sua leitura da realidade, na maioria das vezes o mito é sustentado por

segredos familiares; estes são acontecimentos ocorridos na família que são

19

mantidos como segredos, tornando-se algo característico no grupo, aquilo que os

diferencia.

De acordo com Framo (1965 apud CERVENY, 1994) estes segredos

familiares podem ser acontecimentos ou ações vergonhosas de algum membro cuja

revelação teria conseqüências ruins para os demais, ou ações e acontecimentos não

vergonhosos, mas que criam a união intrafamiliar.

Os princípios sistêmicos da família que foram supracitados podem tornar o

sistema funcional ou disfuncional, isto dependerá dos recursos de cada família para

lidar com as demandas que surgem a partir da convivência.

Desde que Wiener e Bertalanffy propuseram suas idéias estas foram

passando por reformulações, com novas pesquisas e estudos agregaram-se e

descartaram-se conceitos ao longo dos anos, assim como a família no que se refere

às mudanças de sua configuração, função e conceito.

Segundo Cerveny (1994), o estudo da família mesmo realizado por vários

segmentos da ciência, em diferentes dimensões, nunca será esgotado e nem

responderá a todos os questionamentos, porém permitem o entendimento das

evoluções da família e uma continua evolução nas práticas dentro do campo da

Terapia Familiar e de Casal.

2.3 Homem e Mulher X Masculino e Feminino

As discussões relativas a homens e mulheres, feminino e masculino, vem de

longa data e são repletas de mitos e polêmicas referentes as suas diferenças, o que

nos leva a pensar: será que o casamento e separação conjugal tem o mesmo

significado e repercussão emocional para homens e mulheres?

20

Seguindo a idéia de Aratangy (2007), de que cada indivíduo se constitui de

um patrimônio genético e de um patrimônio cultural, torna-se necessário dois

adendos no que se refere a estes patrimônios.

O primeiro adendo refere-se a um olhar objetivo, ao sexo, ao patrimônio

genético, aos genes que determinam estruturas e funções fisiológicas que diferem o

homem da mulher: De acordo com Carneiro (2005), homens e mulheres são

neurofisiológicamente diferentes, seus encéfalos têm várias diferenças anatômicas e

funcionais, o cérebro do homem possui maior lateralização das funções onde muitas

tarefas ocorrem em um só hemisfério cerebral, enquanto nas mulheres as mesmas

tarefas são divididas entre os dois hemisférios cerebrais, os hormônios sexuais

também provocam diferenças, em geral os homens se saem melhor em tarefas

relacionadas à percepção visuo-espacial com atenção voltada para os aspectos

gerais, e as mulheres em tarefas léxico-verbais com atenção voltada para os

detalhes. Então do ponto de vista fisiológico, homens e mulheres desempenham as

mesmas funções cognitivas, porém utilizam estratégias cognitivas diferentes.

O segundo adendo refere-se a um olhar sobre a subjetividade, ao patrimônio

cultural, aos fenômenos sociais transmitidos transgeracionalmente e também aos

vigentes durante a época de vida de cada indivíduo e que são por ele internalizados:

No que diz respeito ao emprego do termo gênero, Golombock e Fivush (1994, apud

FÉRES-CARNEIRO, 1999, p. 32), consideram “[...] que o termo gênero diz respeito

as características, traços, comportamentos e papéis que são culturalmente

atribuídos à homens e mulheres”. Macedo e Kublikowski (2006) pontuam que as

características masculinas e femininas, são transmitidas por meio da educação

diferenciada a meninos e meninas, na escola, na sociedade, e na família, em função

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dos modelos disponibilizados às crianças. A partir daí nasceu o costructo de gênero,

que permite pensar as relações sociais.

Pensando sobre estes dois adendos pode-se considerar que as

características biológicas e de gênero se mesclam no interior dos indivíduos, para

ilustrar esta idéia peguemos como exemplo na Idade da Pedra e “o homem das

cavernas”, suas funções biológicas primitivas de garantir a sobrevivência moldaram

seus comportamentos para este fim, e com o avanço das civilizações o papel de

provedor passou a ser característica atribuída ao gênero masculino. Aratangy

(2007), compartilha esta idéia ao considerar que o patrimônio genético pouco de

alterou da Idade da Pedra até hoje, já em relação ao patrimônio cultural as

características que eram vantajosas para garantir a sobrevivência naquele período,

atualmente vem passando muitas alterações, pois a demanda é outra.

Segundo Vicente e Souza (2006), os papéis atribuídos aos gêneros não são

constantes ou universais, mas são uma junção fluída de significados que predizem

comportamentos, estão sempre em mudança, e variam conforme o contexto

histórico. Neste sentido deve-se pluralizar cada termo (masculinidades e

feminilidades) ao reconhecer que suas atribuições são particulares para grupos

diferentes em épocas distintas, pode-se afirmar que coexistem diferentes formas de

vivenciar o masculino e o feminino. Percebe-se as diferentes posições de homens e

mulheres nas diferentes fases do ciclo vital.

Levando à diante a idéia de que a cultura e a sociedade prescrevem

atribuições à modelos de conduta, chega-se a questão da família. Segundo Féres-

Carneiro (1999), as mudanças nos papéis de gênero tem impacto sob as relações

interpessoais e consequentemente no casamento e na famíla. O contexto histórico-

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cultural é o cenário em que se estrutura a dinâmica interacional na família.

(BUCHER, 1999).

Antes de tratar destas questões, há a necessidade de se tecer uma breve

retrospectiva. Aratangy (2007) em seus estudos trouxe um panorama sobre estas

questões e utilizou como referência Poster (1978); antes da Revolução Industrial a

família camponesa privilegiava a vida em comunidade, havia uma estreita

proximidade entre os aldeões, homens e mulheres desempenhavam funções

distintas, as mulheres eram subordinadas aos homens, mas tinham autonomia nos

cuidados com o lar, as esposas não eram consideradas como objetos sexuais dos

maridos, estas eram parceiras de trabalho, eram escolhidas por suas habilidades e

saúde, pois seu trabalho era vital para a sobrevivência da família e da comunidade.

Entre a nobreza, o casamento era um ato político e acontecia para preservar as

propriedades, homens e mulheres circulavam em mundos paralelos, os homens

tratavam de política e guerras, as mulheres se juntavam para fazer trabalhos

manuais e conversar, não existia uma maior intimidade entre cônjuges. A partir da

Revolução Industrial, esta família burguesa se modificou, houve uma rigorosa

divisão de papéis, onde o homem passou a ser a autoridade e o provedor da família,

a mulher era considerada menos racional e menos capaz, as esposas não tinham

identidade própria viviam a sombra dos maridos, essas mudanças originaram uma

nova estrutura emocional, onde os sentimentos eram dissociados da sexualidade,

neste período este modelo de papéis burguês conquistou hegemonia sobre os

demais modelos. No início da Revolução, no século XVIII a família operária que

tinha estrutura semelhante a da família camponesa foi tornando-se cada vez mais

parecida com a família burguesa, pois nas últimas décadas do século XIX com

melhores salários e preocupação com as condições de trabalho o homem sozinho

23

poderia prover a família, então se passou a valorizar o desempenho da mulher no

lar, junto aos filhos, aproximando-se do modelo burguês. Assim, o masculino passou

a ser caracterizado como um ser controlador, agressivo, racional e ativo, e o

feminino passou a ser identificado como emotivo, frágil, irracional e passivo.

Através deste panorama proposto por Poster (1978 apud ARATANGY 2007),

percebe-se que o afastamento entre trabalho e moradia decorrente da Revolução

Industrial gerou grandes mudanças nas funções exercidas por homens e mulheres,

assim como interação no ambiente familiar, atualmente ainda sofremos influências

de papéis construídos por volta do século XVIII, contudo não estamos estagnados

neste modelo, mas estamos em processo de mudança, conjuntamente com as

atribuições aos gêneros.

De acordo com Marodin (1997) e com Vicente e Souza (2006), no Brasil,

devido às diferenças sócio-culturais de cada região, há uma diversidade nas

configurações familiares, mas em geral, a responsabilidade, a honra, o poder, a

força, o autocontrole, o caráter ativo, a razão ou a racionalidade, são atributos da

masculinidade, porém, estamos em um período de transição, onde o modelo

tradicional está cedendo lugar a novos padrões que estão sendo questionados e

incorporados pela sociedade, isso tem proporcionado uma nova forma pensar e se

relacionar. Os tempos são outros, mas modelos arraigados ainda interferem, pois

mudanças de paradigmas construídos ao longo de séculos exige igualmente uma

redefinição contínua que acontecerá ao longo da história.

Há uma “luta” para romper esses modelos estabelecidos há séculos, Vilaseca

(1998) pontua algumas destas mudanças, onde as mulheres conquistam cada vez

mais o espaço que antes era exclusivo dos homens e se aproximam cada vez mais

da razão e da força, aspectos anteriormente considerados tipicamente masculinos,

24

os homens atualmente participam mais das tarefas domésticas e da educação dos

filhos e as mulheres mais do mercado de trabalho, a mulher tem desocupado a

posição de total submissão ao homem e tem passado a desempenhar papéis de

comando. Entre tantas mudanças torna-se necessário uma reestruturação do

casamento com base nestes novos papés, a fim de conciliar as desigualdades

De acordo com Munhoz (2001), as mudanças que vem ocorrendo são

denunciadas pelos altos índices de separações. A nova proposta de sentir, pensar e

fazer, exige adaptação, deve-se considerar também, que os modelos tradicionais

extremamente arraigados podem dificultar a adaptação aos novos papéis e gerar

crises nas relações. Para Moradin (1997), neste processo de questionamento de

papéis podem surgir conflitos e rompimentos. Vilaseca (1998), complementa esta

idéia de acordo com o que ocorre em seu setting terapêutico, relatou que ao tentar

abordar o tema do masculino e feminino há um tendência de entricheirar-se em

posições defensivas, com intolerância perante as diferenças, neste sentido propõe,

como uma alternativa para superar a crise, uma troca entre o casal, uma discussão

de modelos, onde cada um possa tomar contato com as diferentes maneiras de ser

homem e as distintas maneiras de ser mulher, pois assim há a possibilidade de

resignificação dos novos valores e construção de modelos de conduta particulares a

relação do casal.

Féres-Carneiro (1999) acredita que quanto maior for a flexibilidade dos

envolvidos mais fácil se torna a adaptação. Neste sentido Aratangy (2007), propõe a

criação de recursos para tolerar as divergências e respeitá-las, o que possibilitaria o

aprendizado de uma nova linguagem entre os cônjuges; os casais que procuram seu

atendimento geralmente tem o mesmo objetivo, porém traçam caminhos diferentes

para alcançá-los e sem uma linguagem comum acabam se perdendo nos caminhos.

25

Ainda que estejam ocorrendo mudanças e que venham a ocorrer outras,

existe um vasto campo de discussão sobre este tema que por algum tempo

continuará cercado de mitos. A intenção de explorar este tema neste capítulo

ocorreu a fim de proporcionar uma visão realista que fundamentasse essas

diferenças e suas implicações, para Féres-Carneiro (1999), homens e mulheres

ainda apresentam diferentes maneiras de estar, perceber e vivenciar o mundo,

expressando atitudes distintas frente a mesma situação e “para os casais modernos

a verdadeira igualdade entre homens e mulheres não pressupõe a eliminação

dessas diferenças, mas sim o reconhecimento delas e a consciência de sua

complementaridade” (MARODIN, 1997, p. 16.).

A visão de gênero por sua vez como constituição histórico-cultural requer que

se considerem suas implicações no ciclo de vida familiar, pois

“[...] as relações no casamento e na família reproduzem

as atitudes, os comportamentos, de acordo com os valores das

pessoas envolvidas, valores esses construídos socialmente na

inter-relação de cada um com o seu ambiente sócio-cultural.”

(MACEDO; KUBLIKOWSWI, 2006, p. 35)

Entende-se que as transformações culturais e sociais, que são contínuas,

geram mudanças acentuadas nas inter-relações, assim torna-se essencial atentar

para estas transformações para entender as ações e interações entre homens e

mulheres. Estudos realizados por Carter e McGoldrick (1995) confirmam que o

casamento e a separação representam uma proposta muito diferente para homens e

mulheres, devido a persistente diferença dos seus valores. Assim, a resposta para a

pergunta feita inicialmente no primeiro parágrafo é “não”, um vez que o casamento

26

assim como a separação conjugal, não tem o mesmo significado e repercussão

emocional para homens e mulheres.

2.4 Sobre o Casamento

Por casamento se considera a união de dois indivíduos onde ambos tem a

determinação de conviverem juntos em uma relação estável, que implica assumir

compromissos mútuos e oferecer suporte para as necessidades afetivo-emocionais,

sexuais e sociais. (WALDEMAR, 1996). Assim, o termo casamento será utilizado

para classificar o estado conjugal dos sujeitos, que independerá de ter sido em

decorrência de uma união legal ou de união consensual.

Segundo Costa (2002), as características de um organismo qualquer resultam

de uma história de interações, as quais ocorrem principalmente na família de

origem1, desta forma as experiências vivenciadas na infância por cada um dos

indivíduos, serão agregadas, descartadas, ou reconfiguradas, e se tornarão

influentes nos relacionamentos atuais, inclusive na escolha do par. Ao atribuir a

família a função “[...] de assegurar o bem estar físico e psíquico dos seus membros.”,

percebe-se que esta desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e

constituição do indivíduo. (FÉRES-CARNEIRO, 1999, p.87)

Então, pesquisar sobre casamento implica associar a família de origem de

cada um dos cônjuges à família nuclear2, que será resultante da união.

Os indivíduos que se unem trazem consigo bagagens resultantes da interação

com suas famílias de origem, com conteúdos conscientes e inconscientes, que � 1 “A família de origem está ligada aos conceitos de ascendência e descendência [...] assim a família de origem de um individuo inclui seus pais e os pais desses, numa ascendência progressiva.”. (CEVENY, 2004, p.21). 2 A família Nuclear é composta pelos cônjuges e seus filhos.

27

moldam padrões de comportamento, crenças, valores e expectativas, utilizando-os

como um modelo para a constituição da família nuclear, desta forma se torna um

desafio para ambos conciliarem suas “bagagens”, que certamente são singulares.

De acordo com Carter e McGoldrick (1995, p. 184), “tornar-se um casal, é uma das

tarefas mais difíceis do ciclo de vida familiar [...]”. Pode-se associar como uma tarefa

difícil a conciliação das bagagens de cada cônjuge. Sendo assim, família e

casamento devem ser analisados sob o mesmo prisma, devido ao caráter

transgeracional3 das repetições4.

A relação conjugal, contudo, não é afetada somente pelos modelos resultante

das interações familiares, mas também pelo contexto, no que diz respeito aos

aspectos socioculturais. (WAGNER, 2002).

Ao longo dos séculos a concepção sobre o casamento vem sofrendo

significativas transformações, segundo Munhoz (2001) a retrospectiva dos

movimentos culturais e sociais facilita o entendimento destas transformações.

Encontramos esta retrospectiva nos estudos de Galano (2006), onde é

salientado que anteriormente o casamento acontecia em função da necessidade de

sobrevivência, seja patrimonial, territorial, ou para garantir a mão de obra para o

sustento diário. Na idade média do século V até o XV o casamento acontecia para

ampliar a rede de parentes e garantir lealdades, as filhas se uniam a homens de

status inferior ao pai, a tendência era exogâmica, assegurando a coesão da

comunidade, pois para sobreviver era necessário viver em agrupamentos familiares

maiores. Na idade moderna do século XV ao XVIII com o aumento reclusão familiar

criaram-se espaços privados, o casamento acontecia a fim de preservar patrimônios,

assim eram os pais que escolhiam o cônjuge das filhas. Na idade contemporânea do

� 3 Algo que ocorre ao longo das gerações. 4 Padrões familiares, como interações e comportamentos, que tendem a aparecer (repetir) ao longo das gerações.

28

século XVIII ao XX a família se torna um grupo solitário, o casamento passa a ser

direcionado pelos sentimentos e emoções, já não há tanta interferência dos pais,

pois com a expansão do trabalho assalariado os jovens e as mulheres têm a

oportunidade de estabelecer-se por conta própria, e com a nova legislação há uma

divisão mais igualitária dos bens. Na idade da pós- modernidade do século XX até o

início dos anos 60 os laços matrimoniais se dão de acordo com os sentimentos,

tornam-se mais frouxos e as relações afetivas mais passageiras. E na idade da

Cibernética nos anos 90 surge uma diversidade de configurações familiares, os

laços são formados por diversos motivos que não necessariamente o amor.

Percebe-se que o casamento é uma estrutura dinâmica, que se modificada a

cada período da história sofrendo influências sócio-culturais, assim surgem várias

formas de estabelecer um vínculo, atualmente há uma confluência de modelos que

foram sendo construídos. Galano (2006) acredita que estamos vivendo em uma

sociedade mutante e com uma grande mobilidade social. Assim, é possível pensar

que nem todos os indivíduos compartilham os mesmos modelos e as mesmas

concepções sobre o casamento.

Segundo Ricotta (2002) o “casamento é uma sociedade na qual cada um

entra com sua parte, suas peculiaridades, suas facilidades, dificuldades e tudo

mais.” (p.12), a baixa tolerância, o individualismo e o contrato implícito que se dá

pela dificuldade em deixar claro o que se espera do outro e da relação, juntamente

as dificuldades que surgem naturalmente do decorrer de um relacionamento podem

causar grandes decepções.

Com tantas influências, de modelos familiares, de questões individuais, e do

contexto sócio-cultural, segundo Wagner (2002) torna-se importante que o casal

29

explicite suas expectativas e objetivos, que devem negociados, assim como

perceber que a satisfação total é um ideal impossível de ser atingido.

De acordo com Cerveny e Berthoud (2002), o movimento de unir-se é

caracterizado pelo processo de adquirir, se adquire bens materiais, se estabelece

um novo estilo de vida, se constrói padrões de interações, sendo que este processo

é muito importante, pois é o preparo para a verdadeira união, é particular a cada

casal, traz sentimentos diferentes à homens e mulheres, neste processo de

construção há uma negociação do que é mais importante a cada um, onde ambos

vão se adaptando a vida conjugal.

Nesta transição da vida de solteiro para a vida conjugal, que é marcada pelo

casamento, existe um posicionamento diferenciado para homens e mulheres; em

geral as mulheres consideram este um momento para se aproximarem de sua

família de origem, enquanto os homens dão um passo no sentido inverso, durante o

namoro, embora os homens estejam dispostos a passar o tempo com suas

namoradas, depois do casamento eles tendem a passar cada vez menos tempo com

a esposa. As esposas são mais dispostas a admitirem problemas, assim é provável

que elas avaliem mais o relacionamento como problemático do que eles, elas ainda

consideram o potencial provedor dos maridos, os homens consideram importante no

casamento a responsavidade sexual e os interesses compartilhados, já as mulheres

consideram importante a capacidade do marido se relacionar com a família de

origem. As mulheres consideram a fidelidade dos homens mais importante do que

eles consideram, eles esperam a fidelidade de sua esposa mais do que para si

próprio. (COLEMAN, 1986; STERNBERG, 1984; HUSTON, 1983; WHITE, 1986

apud CARTER; McGOLDRICK, 1995).

30

Porém, deve-se considerar que estas pesquisas realizadas no século

passado pontuam as particularidades dos comportamentos de homens e mulheres

frente ao casamento em outro contexto. Contudo na atualidade se percebe a

repetição desses comportamentos coexistindo com comportamentos característicos

do contexto atual, este fato torna complexa a tarefa do casal que irá se unir, pois

estes deverão negociar o modelo que prevalecerá no decorrer do casamento.

Aratangy (2007) traz em sua obra uma metáfora pertinente para concluir as

idéias sobre o casamento propostas neste capítulo, a autora compara o casamento

a um besouro, que mesmo contra todas as suas possibilidades, anatômicas e

aerodinâmicas, voa. Assim é o casamento, que mesmo com tantas influências, da

família de origem, do contexto nos quais cada um está inserido e de características

individuais para serem negociadas, dá certo.

2.5 Sobre Separação Conjugal

Assim como a família e o casamento, a separação conjugal adquire distintas

conotações de acordo com o contexto, no que se refere a aspectos históricos,

culturais e sociais.

Segundo Simionato e Oliveira (2003), foi a partir da década de 60 quando a

influência religiosa foi perdendo sua força repressora, que as relações insatisfatórias

passaram a ser menos toleradas. Waldemar (1996) aponta que o alto índice de

separações reflete a busca da realização pessoal como prioridade atual.

Tal fato pode ser constatado através das pesquisas realizadas pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (2003; 2005), constatando que o número de

separações vem aumentado gradativamente nas últimas décadas, sendo que em

31

1991 ocorreram em todo país 76.693 separações, em 2002 foram 99.693, um

aumento de 30,7%; e em pesquisas mais recentes, divulgou que em 2005 houve

102.503 separações.

A separação conjugal pode ser considerada um processo, que segundo

estudos de Ávila (2004) e Ricotta (2004), inicia três anos antes de seu acionamento

verbal, com o distanciamento afetivo. Existem inúmeros fatores que podem

contribuir para a separação de um casal, a seguir pontuaremos alguns destes.

O desafio começa logo no início da união do casal, segundo Cerveny e

Berthoud (2002) este é o período onde as demandas individuais e familiares de

ambos deverão ser negociadas para que se construa a vida conjugal, o desafio será

constante à medida que a família transita de uma fase para outra em seu ciclo vital.

Para Waldemar (1996), fatores individuais como a escolha neurótica do cônjuge e

evoluções pessoais que levam a incompatibilidade do casal, sempre existiram,

porém o movimento feminista, a maior liberdade sexual e a crise econômica atual

que leva a dependência dos pais, tornam o casamento instável e podem contribuir

para a separação.

Nos seus estudos Ricotta (2004) pontuou que é natural surgirem algumas

dificuldades no decorrer da união, porém a baixa tolerância, o individualismo, a

dificuldade de um não tornar claro o que gostaria que o outro fizesse, a ilusão de

uma expectativa e negação de que existem diferenças individuais, são questões que

geram conflitos e que contribuem para a separação do casal.

Toda crise denuncia um estado de instabilidade e fragilidade frente à

necessidade de mudança, deste modo se os conflitos forem gerenciados com

criatividade e percebidos como oportunidades de crescimento podem promover uma

guinada que favoreça e fortaleça a relação conjugal. (CEZAR-FERREIRA, 2004).

32

Contudo, se o casal não estiver disposto a negociar, se não houver diálogo e

comunicação, torna-se viável optar pela separação como uma forma de se livrar de

uma situação conflitante que gera estresse. (RICOTTA, 2004).

As questões de ordem emocional presentes nos processos de separação são

abordadas recentemente, contudo este é um fenômeno complexo e que precisa ser

examinado sob vários ângulos. (WALDEMAR, 1996).

Segundo Chiriboga et al (1978), Berman e Turk (1981), Kelly (1986) (apud

PECK; MANOCHERIAN, 1995) muitos fatores podem influenciar na repercussão

emocional da separação, como a idade, sexo, classe econômica, escolaridade,

duração do casamento, contexto etc.; tomaremos o fator gênero para salientar as

distintas repercussões emocionais, pois em geral homens e mulheres respondem

diferentemente, com diferentes questões e estilos de manejo; após o acionamento

da separação as mulheres tendem a encarar de frente o estresse da separação,

após passarem por um período de tumulto se recuperam, já os homens tendem a

utilizar o trabalho como uma forma de enfrentar o estresse e apenas posteriormente

encaram seus sentimentos, ambos se ajustam emocionalmente a separação de

maneiras distintas.

Os autores ainda salientam que poucos estão preparados para o impacto da

separação, pois além do conflito que a fomentou, o ato de separar-se e todo o seu

processo gera outros conflitos, assim se instaura uma grande crise que afeta além

do casal, todos os membros do sistema familiar. Embora a separação inicialmente

seja percebida como um alívio para uma situação critica, esta vem a agravar uma

situação que já estava desorganizada e por este motivo gera novos conflitos.

(CEZAR-FERREIRA, 2004).

33

Estudos realizados pela autora supracitada confirmam que em geral a

separação conjugal gera muita ansiedade frente à incerteza de como tudo vai

terminar e pelas perdas, tanto materiais e emocionais que causam dor.

Os sentimentos também podem ser de tristeza, raiva, abandono, uma

depressão profunda á ódio destruidor (CERVENY, 2006). Cada sentimento é

intensificado e geralmente há uma distorção das emoções, pode surgir sensação de

fracasso, frustração, raiva, desejo de vingança, além de um prognóstico negativo em

relação ao futuro. Em relação aos filhos, é freqüente que estes apresentem alguns

sintomas após a separação, geralmente se manifestam mais na escola, sendo que

na maioria dos casos estes sintomas cessam naturalmente, contudo algumas

crianças necessitam de ajuda para solucionar o problema. (WALDEMAR, 1996).

Após a separação, os envolvidos passam por um período de luto, onde

elaboram as perdas e reestruturam uma nova identidade. (RICOTTA, 2004). O

processo de ajustamento ocorre em estágios, num período que pode variar de dois a

três anos, onde o desafio é reorganizar-se frente às muitas mudanças que ocorrem.

(CARTER; McGOLDRICK, 1995).

Inicialmente a adaptação será em relação à nova configuração familiar, já que

com a separação a família não acaba, mas se transforma, a conjugalidade rompe-

se, mas a parentalidade e a tutelaridade persistem. (NAZARETH, 2004). Quanto

mais flexível for a família, maior a probabilidade de que a crise venha a ser superada

com menos prejuízos e danos emocionais, impulsionando assim o desenvolvimento

dos envolvidos; contudo, quando a família é rígida ou pouco flexível, o desequilíbrio

pode se tornar crônico e aí surge a necessidade de ajuda especializada e de

recursos da rede social, como a família extensa e amigos. (CEZAR-FERREIRA,

2004).

34

A autora supracitada salienta que o percurso pelo ciclo vital, seja individual ou

familiar, é marcado por perdas e aquisições, desligamentos e separações sempre

produzirão crises, contudo estas precisarão ser superadas para que as demais fases

do ciclo não sejam afetadas por resíduos; tomar essas situações como um

aprendizado supõe mudança na qualidade das relações futuras e equilíbrio

psicológico devido ao crescimento pessoal, do contrario promovem a separação

conjugal.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 Participantes da pesquisa

Entre a população composta por participantes separados ou divorciados,

restringiram-se aos que estavam separados há pelo menos três anos, pois de

35

acordo com Ávila (2004) este seria o período em que a animosidade e a intensidade

dos conflitos e sentimentos estariam diminuindo o que possibilitaria maior

racionalidade dos sujeitos em relação às questões investigadas.

As pessoas conhecidas da pesquisadora indicaram participantes que

preenchiam os requisitos apresentados a cima, sendo que os indicados não têm

contato com a pesquisadora. De modo não aleatório e intencional, foi selecionada

uma amostra de nove participantes, sendo seis mulheres e três homens com idades

entre 24 e 56 anos. Tendo em vista que a pesquisa qualitativa visa à qualidade e

não a quantidade considerou-se este número de participantes suficiente. No que se

refere ao retorno dos resultados da pesquisa a amostra participante, foi oferecida

uma cópia da pesquisa para cada um destes sujeitos, assim que a mesma for

concluída.

Em função de princípios éticos de sigilo e anonimato, os participantes foram

classificados da seguinte maneira: “H” para se referir aos homens, “M” para se referir

as mulheres. No quadro a seguir está à descrição do perfil dos participantes, que foi

composta a partir dos dados colhidos na ficha de identificação (Apêndice B), esta foi

ordenada de acordo com a idade dos mesmos.

PARTICIPANTES H.1 M.2 M.3 M.4 M.5

SEXO M F F F F

IDADE 56 51 50 42 41

ESCOLARIDADE 1º GRAU 2º GRAU SUP. INC. 1º GRAU INC. 1º GRAU

PROFISSÃO MOTORISTA DO LAR COMERCIANTE COMERC. VENDEDORA

IDADE QUE

CASOU 19 a 23 a 20 a 15 a 16 a

TP. CASAMENTO LEGAL LEGAL LEGAL ESTÁVEL LEGAL

T. CASAMENTO 20a 8a 15a 3a 5m 8a

TP. SEPARAÇÃO LEGAL EM LEGAL EM LEGAL EM INFORMAL EM LEGAL EM

36

CONSENSO CONSENSO CONSENSO CONSENSO CONSENSO

T. SEPARAÇÃO 16 a 20 a 15 a 24 a 17 a

SITUAÇÃO ATUAL UNIÃO ESTÁVEL UN. ESTÁVEL UN. ESTÁVEL

CASADA

LEGALMENTE SOLTEIRA

PARTICIPANTES M.6 H.7 H.8 M.9

SEXO F M M F

IDADE 34 28 27 24

ESCOLARIDADE SUPERIOR 1º GRAU SUP. INC. SUP. INC.

PROFISSÃO ADMINISTRADORA COMERC. AUXILIAR ADM. ESTUDANTE

IDADE QUE

CASOU 26 a 21 a 20 a 16 a

TP. CASAMENTO LEGAL ESTÁVEL LEGAL ESTÁVEL

T. CASAMENTO 1a 2a 4a 2a

TP. SEPARAÇÃO

LEGAL EM

CONSENSO

INFORMAL

LITÍGIO

LEGAL EM

CONSENSO

INFORMAL

LITÍGIO

T. SEPARAÇÃO 9a 6a 4a 6a

SITUAÇÃO ATUAL UNIÃO ESTÁVEL UN. ESTÁVEL SOLTEIRO SOLTEIRA

Para se referir ao Tipo de Casamento5 utilizou-se “TP. CASAMENTO”, em

relação ao Tempo de Casamento6 utilizou-se “T. CASAMENTO”, em relação ao Tipo

de Separação7 utilizou-se “TP. SEPARAÇÃO”, em relação ao Tempo de Separação8

utilizou-se “T. SEPARAÇÃO”.

� 5 Tipo de casamento refere-se aos aspectos jurídicos, à legalidade ou informalidade da união. 6 Tempo de casamento refere-se ao tempo em que o casal permaneceu compartilhando a mesma moradia, independente da legalidade oi informalidade da união. 7 Tipo de separação: de acordo com aspectos jurídicos refere-se à legalidade ou informalidade do rompimento da união e se para este rompimento houve consenso ou litígio do casal. 8 Tempo de separação: refere-se ao tempo que o casal não está mais unido.

37

3.2 Instrumento

Foram utilizados como material para coleta dos dados, instrumentos

baseados em papel ou auto-relato, especificamente um entrevista semi-estruturada

e uma ficha de identificação, que de acordo com Barker et. al. (1994 apud CAMPOS,

2004) é o método onde o sujeito fornece informações de estados psicológicos que

não podem ser observados diretamente pelo pesquisador.

Em relação ao instrumento ético, utilizou-se um Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (Apêndice A). Para colher os dados pessoais, levantando assim

o perfil de cada participante, utilizou-se uma Ficha de Identificação (Apêndice B).

Para coletar dados referentes aos objetivos deste estudo, foi elaborada uma

entrevista semi-estruturada (Apêndice C). A entrevista na pesquisa qualitativa

segundo Rey (2005) tem o propósito de converter-se em um diálogo para que o

sujeito se expresse em seu mundo real, pois há possibilidades de abordar elementos

importantes que inicialmente não foram planejados.

3.3 Coleta dos Dados

Após a indicação e seleção intencional dos participantes, o contato inicial ocorreu via

telefone, onde foi marcado o dia e horário das entrevistas que ocorreram na

residência dos mesmos.

Inicialmente foram feitas as apresentações e esclarecimentos sobre a

pesquisa. Após houve a assinatura do instrumento ético, o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (Apêndice A), o mesmo contém a autorização para o uso de

gravador, pois seu uso permite estabelecer um diálogo e obter maior fidedignidade

38

na transcrição das informações. A realização de cada entrevista (Apêndice C) e o

preenchimento da ficha de identificação (Apêndice B) teve a duração média de trinta

minutos.

3.4 Análise dos Dados

Nesta etapa foi feita a organização dos dados pessoais colhidos através da

Ficha de Identificação (Apêndice B) que foram apresentados na tabela à cima. Os

conteúdos dos discursos colhidos através da entrevista semi-estruturada (Apêndice

C) foram analisados de acordo com a proposta de Bardin (2004). Segundo Campos

(2004), esta análise de conteúdo ocorre de forma aberta, processual e construtiva,

penetrando assim em estruturas simbólicas em contextos reais.

De acordo com Rey (2005), a técnica de Análise de Conteúdo se apóia na

codificação da informação em categorias para dar sentido ao material, sendo que a

construção teórica estabelecida pelo pesquisador se torna parte da qualidade da

informação da pesquisa. Desta forma torna-se evidente a importância do cuidado do

pesquisador com a sua liberdade de interpretação.

Seguindo a proposta de Bardin (1977), a Análise de Conteúdo passou pelas

seguintes etapas;

- Pré-análise: O material dos discursos foi organizado; para tal os discursos

colhidos nas entrevistas foram transcritos, posteriormente foi feita a leitura flutuante

dos mesmos a fim de levantar questões norteadoras, as impressões foram anotadas

e assim levantou-se um sentido as mensagens.

39

- Exploração do material: Os conteúdos dos discursos foram revistos

exaustivamente e agregados em unidades de registro de acordo com o sentido e

com as características das mensagens, assim surgiram categorias comuns.

- Tratamento dos resultados: Os dados das categorias foram cuidadosamente

analisados e comparados a fim de estabelecer suas semelhanças e clarificar

conteúdos subjacentes, assim surgiram subcategorias.

Segue o resultado final do agrupamento dos conteúdos dos discursos, com

base nos objetivos da pesquisa, que deram origem as categorias e subcategorias:

1) Expectativas sobre o casamento quando solteiro (a).

2) Experiências favoráveis vivenciados durante o primeiro casamento:

2.1) Gerar Filhos;

2.2) Aprendizagem;

2.3) Segurança Emocional e Material;

3) Experiências desfavoráveis vivenciadas durante o primeiro casamento:

3.1) Imaturidade;

3.2) Quebra de Confiança;

4) Motivos que contribuíram para o término do casamento:

4.1) Desgaste na Relação;

4.2) Infidelidade Conjugal;

4.3) Conflitos;

5) Expectativas atuais sobre o casamento:

40

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados, obtidos a partir da Análise de Conteúdo dos dados serão aqui

apresentados, embasados e fundamentados teoricamente, o que permitirá uma

interpretação e a discussão dos mesmos.

4.1 Expectativas sobre o casamento quando solteiro (a):

Os indivíduos internalizam em seu quadro de referencias a história familiar, e

escolhem o par que se encaixa nas expectativas construídas a partir desta história.

(NEMI, 2007). Entre tantas funções destinadas a família, é fundamental lembrar que

esta é responsável pelo desenvolvimento dos seus membros e que estes se

constituem a partir do que vivenciaram na própria família.

Cada geração de uma família se desenvolve em um dado contexto sócio-

histórico, agrega bagagens deste contexto que são internalizadas em seu quadro de

referência e constituem um patrimônio, este passa a ser usado como modelo pelas

gerações posteriores, ocorrendo uma repetição transgeracional. Observou-se nos

relatos que as expectativas mencionadas em relação ao casamento, quando

solteiros, fazem referências a aspectos relacionados a um modelo tradicional de

conduta ligado ao casamento, o qual é repetido por estes sujeitos.

Aratangy (2007) traz em sua obra a idéia do casamento no cinema, onde ao

assistir um filme ou ler um livro, por meio da identificação com os personagens,

podemos nos afastar da realidade e viver enredos que não faziam parte da nossa

trajetória; as típicas fotos em que uma jovem modelo aparece de vestido branco, de

cauda longa, véu e grinalda, acabam por se tornar o ideal romântico, um sonho para

41

as demais jovens. Maldonado (1987) complementa que “na visão mágica dos contos

de fada a idéia do amor eterno e da indissolubilidade do matrimônio reforça uma

imagem estática do vínculo [...]” (p.28).

Percebe-se a preocupação com a pompa e a cerimônia, onde a essência e a

relação não são pensadas, ou se são ainda cedem lugar para a fantasia. Valle e

Osório (2004, p. 106) complementam esta idéia, ao salientar que “há quem ingresse

num casamento como num reino de fantasias, onde o toque de uma varinha mágica

terá o dom de conceber a complementação ideal [...]”.

Este não pensar na relação, pode ser causado pela fantasia, ou ainda ser

algo herdado. Aratangy (2007), em sua retrospectiva comenta que inicialmente a

escolha dos parceiros era feita pelos pais, o casamento servia para consolidar

alianças, onde o prazer e a felicidade amorosa não eram requisitos para esta

aliança; já o ideal romântico e duradouro que poderia trazer felicidade entrou em

cena somente no século XX, assim a moradia conjunta e o vínculo permanente

mostraram-se adequados para a criação dos filhos, e este passou a ser o alvo

secundário do casamento; assim “a premissa que fundamenta o casamento

tradicional é que a união deve durar para sempre” (p.25). A autora ainda pontua que

no passado o casamento era a única forma digna de uma moça sair da casa dos

pais e ter a sua própria casa.

Em relação aos papéis atribuídos aos homens, de acordo com Valle e Osorio

(2004), nas gerações passadas esperava-se que no casamento um pudesse suprir o

outro, o papel de marido provedor da casa entrou em cena somente nas últimas

décadas do século XIX, pois o operário qualificado passou a ter melhores condições

de vida no trabalho e altos salários, assim podia garantir a subsistência da família

sem que a esposa precisasse trabalhar, deste modo passaram a seguir o modelo da

42

família burguesa do início do século, onde o homem era a autoridade e o provedor.

Constituiu-se assim, o modelo tradicional de casamento e de família.

Em cada relato, dos sujeitos entrevistados, percebe-se expectativas que

remetem as características do modelo tradicional de casamento, a cima

comentadas.

Especificamente, os três homens entrevistados se referem às características

tradicionalmente atribuídas ao gênero masculino de provedor financeiro, conforme

as idéias de Valle e Osório supracitadas, contudo o H.8 e H.7 apresentaram uma

confluência entre o modelo tradicional e o modelo moderno ao relatarem que foram

“morar junto” devido a gravidez da parceira, segundo Aratangy (2007), a experiência

de viver juntos sem que haja o casamento formal é característica do modelo

moderno de casamento, porém assumir a gravidez é característica do modelo

tradicional.

“[...] é o que todo homem pensava na época, era cre scer, casar e ter um

monte de filhos, sustentar a casa, ficar junto pra sempre, era a ordem da vida.”

(H.1)

“ O que toda mulher espera, casar, ter filhos, casar vestida de noiva, a

festa [...]” (M. 2)

“ Eu fui preparada pra ficar a minha vida junto com m eu parceiro, que a

gente permaneceria junto até o final [...] eu imagi nava uma vida maravilhosa,

em ter uma família, ter filhos, aquela coisa linda, aquilo que a gente via nos

filmes e contos de livros.” (M. 3)

43

“Como eu me criei no interior eu era bem colona, eu não sabia o que era

o casamento, eu só queria namorar porque eu pensava que se eu casasse e

não desse certo ninguém ia me querer mais.” (M. 4)

“ Você imagina que vai mandar na sua vida, que vai cu idar da sua casa,

que vai formar uma família. Quando eu era solteira eu via os meus pais [...]” (M.

5)

“ Quando a gente é solteira a gente acha que a histór ia do príncipe

encantado vai acontecer [...] que vai durar pra sem pre, que seria uma vez só.”

(M. 6)

“Na verdade eu não pensava muito sobre o casamento, quando pensava

era em relação ao financeiro, até eu decidir ir mor ar junto, ai passei a trabalhar

mais, pois ela estava grávida.” (H. 7)

“Na verdade eu não tinha muita expectativa sobre o casamento, era uma

coisa que eu pensaria bem pro futuro [...] ela engr avidou e a gente foi morar

junto [...] mas você tem que ter pelo menos uma estabilidade, t em que ter uma

condição de poder servir a outra pessoa [...]” (H.8)

“Eu pensava muito no meu pai e na minha mãe, pensav a em filhos, pai e

mãe juntos [...]” (M. 9)

44

4.2 Experiências favoráveis vivenciados durante o p rimeiro casamento:

Segundo Simionato e Oliveira (2003), a partir da década de 60 a influência da

religião foi perdendo sua força repressora e as relações insatisfatórias passaram a

ser menos toleradas. Marodin (1997) pontua que somente nos últimos anos a

separação surgiu como uma realidade, e tem sido tratada com mais naturalidade,

sem que houvesse grandes censuras, como ocorria anteriormente.

Diversos fatores podem gerar a separação do casal, já que “não há dúvida

que a relação que mais exige das pessoas para que funcione e dê certo é a relação

conjugal.” (VALLE; OSORIO 2004, p. 115). O casal deve estar maduro para lidar

com as implicações de uma relação que acontece dia-a-dia, ambos devem estar

conscientes das singularidades de cada indivíduo, e dispostos a negociar e tolerar.

Segundo Aratangy (2007), atualmente a separação não é sinônimo de

fracasso para tudo o que foi vivenciado no casamento. Após vivenciar e elaborar o

período de luto - que é “[...] um processo psíquico que o individuo percorre, com

sofrimento, quando perde um objeto de sua afeição e vai progressivamente se

desligando dele.” - os sujeitos conseguem refletir e assim algo pode ser tirado do

casamento que terminou. (PY, 2005, p. 122).

O casamento é um vínculo que proporciona diversas experiências aos

cônjuges, pois são dois indivíduos, onde cada um traz consigo uma bagagem

construída a partir dos modelos familiares e de suas percepções do contexto atual,

provavelmente estas duas bagagens não caberão no espaço da nova relação, então

se torna um desafio para o casal conciliar e reconfigurar estes modelos. Entre tantas

experiências vivenciadas no casamento que não deu certo certamente há algo

45

favorável, como se observou nos relatos dos sujeitos, que seguem abaixo

classificados em três subcategorias.

4.2.1Gerar Filhos;

Para Ávila (2004), a separação não e sinônimo de litígio, os cônjuges muitas

vezes concordam em terminar a relação, embora na maior parte das vezes seja uma

opção difícil de tomar, pois a separação está associada a muitas perdas. Neste

cenário de perdas, no relato destes sujeitos percebe-se que os filhos são certamente

os ganhos, pois permanecerão após a separação, diferentemente de todo o resto.

Em estudos realizados por Wallerstein e Kelly (1998), ficou evidente que a

relação entre pais e filhos pode permanecer não perturbada pela infelicidade

conjugal, onde “a maternagem e a paternagem, de fato, podiam se tornar um meio

de compensar a infelicidade conjugal através do cultivo de um relacionamento

especial [...]” (p.27).

Muitas vezes os filhos fazem parte das expectativas sobre o casamento para

que se forme uma nova família, em geral são esperados com ansiedade e

depositários de expectativas, quando o sonho do matrimônio se torna um pesadelo e

não da certo, os filhos continuam a ser uma realização de um sonho que deu certo:

“O que me restou foram os filhos, eu acho que isso foi muito importante

[...]” (H. 1)

“Só que eu tive um filho, o resto não deu nada cert o” (M. 2).

46

“Ah, foi minha filha [...]” (H. 7)

“Eu não tirei nada de favorável a não ser a minha f ilha” (M. 9)

4.2.2 Aprendizagem;

De acordo com Ávila (2004), o conflito é inerente à vida, e segundo o conceito

chinês significa perigo e oportunidade. Quem o percebe como uma oportunidade

pode utilizá-lo de maneira eficaz e produtiva, permitindo novas relações entre os

indivíduos, ou seja, como um aprendizado.

Estes sujeitos estão recasados (H.1; M.3; M.6; H.7), certamente erros

cometidos e vivencias do primeiro casamento possibilitaram prever o resultado de

algumas ações, assim estas puderam ser extintas, o que atualmente possibilita uma

vivencia mais harmoniosa e duradoura.

O H.7 e o H.1 citaram os filhos e o aprendizado como sendo favoráveis, desta

forma seus relatos estão presentes em duas subcategorias, 2.1 e 2.2.

Observou-se nos relatos abaixo, a utilização das vivencias e dos conflitos

vindos desta, como uma oportunidade favorável de aprendizado.

“[...] e o aprendizado, é diferente o que eu tô viv endo hoje porque eu tive um

passado que deu pra tirar alguma coisa.” (H. 1)

“Eu acho que eu aprendi muita coisa, que amadureci muito [...] só isso já valeu

os 15 anos que a gente permaneceu junto.” (M. 3)

47

“A gente sempre aprende com as coisas eu não vou di zer que ele me

acrescentou, mas a relação sim [...]” (M. 6)

“[...] e a experiência adquirida.” (H. 7 )

4.2.3 Segurança Emocional e Material;

Segundo Aratangy (2007), a função do casamento há séculos era consolidar

alianças, garantindo a proteção de heranças, contudo independente do contexto

sócio-histórico “o desejo de proteção e segurança é inerente a todo ser humano [...]

o desamparo e o medo da solidão fazem parte da bagagem de todos nós [...]

homens e mulheres precisam sentir-se amados, acolhidos e protegidos.” (p.76).

Para Ricotta (2002), todos nós temos necessidades essenciais, como de

segurança afetiva e de aspectos vitais, porém antes precisam ser satisfeitas por nós

mesmos, pois se tratando de uma vida comum é fundamental contemplar a ambos.

As seguranças emocionais e materiais devem interagir com outros aspectos da

relação do casal, pois se isoladas não bastam para que a união perdure.

Observou-se nos relatos a seguir a importância para estes sujeitos de

sentirem-se seguros, seja no aspecto emocional ou material, contudo percebeu-se

que de nada adiantam as seguranças se isoladas de outras questões, ou se os

aspectos relacionais não são satisfatórios, pois estes sujeitos vieram a se separar.

“O marido era bom para mim, não me deixava faltar n ada material.” (M. 4)

48

“[...] O meu casamento foi bom, o companheirismo, é ramos amigos, ele era um

bom pai [...]” (M. 5)

“Pra mim na verdade era tudo novidade [...] e o amo r que despertou a vontade

de estar junto.” (H. 8)

4.3 Experiências desfavoráveis vivenciadas durante o primeiro casamento:

Conforme Ávila (2004), quando o conflito não é vivenciado como uma

oportunidade, ou quando não é gerenciado com eficácia, sinaliza perigo, o impasse

pode retirar as energias individuais, e o casal perde a oportunidade de considerar

novas possibilidades na relação e de criatividade para inventar meios de solucionar

problemas cotidianos. Assim muitas experiências perdem a oportunidade de serem

resignificadas ou elaboradas, e de serem vistas como favoráveis, o que pode

prejudicar a relação de diversas maneiras gerando sofrimento ou até a separação.

Nos relatos foram citados dois aspectos que foram vivenciados como sendo

desfavoráveis, sendo apresentado através das subcategorias abaixo.

4.2.1 Imaturidade;

De acordo Valle e Osório (2004), a imaturidade é o primeiro e talvez o mais

importante fator para o fracasso da relação, pouco conhecimento entre o casal não

permite que estes reflitam sobre as implicações da intimidade. Os autores ainda

pontuam que a imaturidade pode impossibilitar a conversa entre o casal,

promovendo dificuldades na relação.

49

Segundo Aratangy (2007), no modelo moderno de união espera-se que o

diálogo entre os parceiros seja permanente e íntimo, pois auxilia na manutenção do

vínculo. Contudo, não são todos que estão abertos a conversas, pois remete a

“discutir a relação”, frase esta cercada de mitos que necessitam urgentemente

serem desfeitos, interrompendo assim sua repetição.

As experiências e vivencias conduzem ao aprendizado, quando se casa muito

novo, quando não se planeja ou se pensa sobre uma situação, há uma carência de

experiências e vivencias relativas a união, então é com os erros e acertos que o

casal vai construindo seus aprendizado, porém há a necessidade de maturidade

para manejar os erros e conflitos que surgem em qualquer relacionamento.

Nos relatos a seguir pode-se observar que a imaturidade impossibilitou o

manejo de questões relacionais que foram surgindo com a convivência do casal, o

que certamente contribui para o fracasso da união.

“Eu acho que foi a pouca idade [...] uma pessoa com 16 anos não tem

experiência nenhuma e nem eu com 19 anos.” (H. 1)

“A imaturidade, a falta de experiência foi muito de sfavorável, eu mal

pensava no assunto.” (H. 7)

“A gente conversava pouco, depois de um tempo a gen te começou a

brigar muito [...] Na verdade faltava muita maturi dade.” (H. 8)

“Pelo fato de eu ser muito nova e de o relacionamen to não ser maduro [...]” (M.

9)

50

4.3.2 Quebra da Fantasia;

A separação conjugal gera muitas perdas, como salienta Ávila (2004) estas

podem ser materiais ou emocionais e dependem das expectativas que cada cônjuge

depositou no outro e na relação. Assim, quando o cônjuge não corresponde às

expectativas que foram depositadas nele, o outro acaba perdendo a confiança,

contudo, sem perceber que sua confiança foi depositada sobre algo que não era

real.

Segundo Maldonado (1987), é entre as expectativas e fantasias depositadas

no casamento, que muitas vezes o outro real não é percebido, ou seja, para não

desmanchar sonhos muitos casam com uma imagem idealizada do cônjuge e na

medida em que se desperta destes sonhos o outro não é reconhecido em suas

atitudes.

No início de um relacionamento os parceiros tentam negar as diferenças e

reforçar as afinidades, provavelmente todo casal passa por esta etapa, mas nenhum

sobrevive se não for capaz de ultrapassá-la. (ARATANGY, 2007). A convivência com

o parceiro acaba por mostrar que a pessoa com quem pensa ter casado na verdade

nunca existiu, mas foi um “fantasma” ou uma fantasia criada sobre seus valores e

expectativas. Quando a realidade se torna explicita, pode representar a quebra da

confiança e causar diversas repercussões, que dependem do nível de tolerância

frente ao “novo” comportamento do parceiro.

Segundo Ricotta (2002), a insatisfação e a frustração são proporcionais as

expectativas, e conhecer quem de fato é a pessoa que convive consigo pode ser

desolador.

51

Especificamente em relação a M. 6, é interessante observar que sua

expectativa em relação ao casamento estava baseada no modelo tradicional, onde o

homem deve deter maior poder econômico, segundo Maldonado (1987) quando esta

posição se inverte em relação às expectativas estabelecidas, há um desafio para

não desestabilizar o casal, quando a inversão de papéis se prolonga a tendência é

gerar ressentimentos, cobranças, desrespeito e deterioração do relacionamento.

Os participantes relatam a seguir distintos fatos que consideraram

desfavoráveis no decorrer do casamento, estes retratam comportamentos dos

parceiros que certamente não eram esperados, em virtude de expectativas

fantasiosas depositadas na relação e no outro. Na convivência que após o

casamento passou a ser diária, a fantasia cedeu lugar a realidade, assim estas

discrepâncias implicaram na quebra da confiança do cônjuge que depositou suas

fantasias na relação, desta forma estes fatos foram considerados como

desfavoráveis.

Esta subcategoria é composta por respostas unânimes de mulheres, o que

pode estar ligado às características de gênero. Pois, as mulheres são mais

dispostas a avaliar o relacionamento e embora estejam se inserindo cada vez mais

no mercado de trabalho ainda consideram o potencial provedor e protetor do

homem, quando estas expectativas não são satisfeitas logo elas avaliam esses fatos

como desfavoráveis.

“[...] quando casamos ele não era assim, mas ai com eçou a usar drogas

e isso foi muito desfavorável, [...] perdi os anos de juventude.” (M.2)

“Eu senti que você não pode confiar muito nas pesso as [...] o que

realmente marcou muito foi a falta de confiança, qu e foi desfavorável.” (M.3)

52

“A traição e ele não estar presente.” (M. 4)

“Ele começou a me agredir.” (M. 5)

“O casamento em si não foi o problema, o problema s ão as pessoas, no meu

específico o que tinha de desfavorável é que eu sus tentava ele [...]” (M. 6)

4.4 Motivos que contribuíram para o término do casa mento:

Cerveny (2004) conceitua o casamento como um vínculo propiciador de

construção, de desenvolvimento, elaboração e crescimento humano, porém pode vir

a se transformar em palco de lutas e rivalidades. Assim, a separação formaliza um

estado de discórdia entre o casal.

Existem inúmeros fatores que podem contribuir para o término do casamento,

segundo Wagner (2002) estes fatores geralmente estão associados com a forma

como o casal estrutura sua relação, com a comunicação, a tolerância, as

expectativas depositadas, a fronteira entre os papéis e com a capacidade de

negociação do casal.

Segundo Waldemar (1996), a separação é um fenômeno complexo que deve ser

examinado sob vários ângulos. Certamente, o mesmo fato pode ter diversas

conotações, pois as lentes são particulares a cada sujeito, assim a visão se altera de

acordo os fatores individuais.

Nos relatos dos sujeitos foram citados três motivos para o término do casamento

e que foram classificados nas seguintes subcategorias:

53

4.4.1 Desgaste da Relação;

Segundo Aratangy (2007), o que azeda um relacionamento não é

necessariamente a quantidade de problemas que o casal enfrenta, mas sim o

significado atribuído, é comum que pequenos problemas do dia-a-dia venham a

desgastar a relação, aquilo que antes encantava passa a desencantar.

Por diversos motivos alguns casais não fazem a manutenção da relação,

acumulando problemas e sentimentos que não são comunicados e elaborados,

estes se tornam uma bola de neve, e conduzem ao desgaste da relação.

Ricotta (2002) propõe que a cada dia na união de um casal haja um novo

casamento, deste modo o casal pode elaborar as divergências e sanar situações

conflitantes que ocorrem diariamente, sem que haja um acúmulo promotor de

desgastes.

Todos os participantes do sexo masculino pontuaram em seus relatos motivos

que levaram ao desgaste da relação, o que contribuiu para o término do casamento.

O fato de todos os relatos desta categoria serem de sujeitos do sexo

masculino pode ser uma denúncia das diferenças neurofisiológicas dos homens em

relação às mulheres. Como aponta Carneiro (2005) em seus estudos evidencia que

os homens têm sua atenção voltada para aspectos mais gerais e as mulheres para

os detalhes. Desta forma os homens podem deixar de atentar para os detalhes que

ocorrem no dia-a-dia da relação, e quando percebem já é tarde, há um acumulado

de pequenos conflitos que culminam em separação.

A relação das repostas unânimes dos homens também pode ser devido às

diferenças de gênero, como aponta Aratangy (2007) no modelo tradicional de

54

casamento, os maridos não conversavam com suas esposas sobre a relação, elas

eram submissas e deveriam conviver com as situações impostas pelo provedor, não

havia a possibilidade de separação do casal. Já no modelo moderno o diálogo ocupa

espaço fundamental, porém ainda existem padrões arraigados que levam a

relutância em “discutir a relação”, pois isso além de ser “coisa de mulher” é sinônimo

de briga para os homens, quando na verdade deveria ser antônimo de briga ou de

separação.

“Talvez o tempo foi desgastando e teve até desconfi ança que foi aparecendo

[...]” (H. 1)

“A imaturidade do início da relação levou a falta d e tolerância que foi gerando

vários problemas, até desgastar a relação totalment e.” (H. 7)

“É difícil dar uma causa, pois foi um amontoado de coisas [...] o principal

foram àquelas discussões por nada que acabam virand o brigas e desgastam a

relação [..] também surgiu desconfiança.” (H. 8)

4.4.2 Infidelidade Conjugal;

Os motivos que levam a infidelidade conjugal são diversos, contudo isso pode

ser irrelevante quando esta é tomada como uma denúncia explicita de que algo não

está indo bem, seja no indivíduo que traiu ou na relação conjugal, deste modo pode

ser utilizada como uma oportunidade de rever e elaborar a relação; porém de acordo

com Ricotta (2002), a traição é vivenciada como uma sensação humilhante, dolorosa

55

e traumatizante, e isso impossibilita reconhecê-la como uma oportunidade de

mudança, conduzindo a separação do casal.

Segundo Maldonado (1987), há poucos anos o adultério era considerado

crime, fato que ainda pesa sobre as vivencias pessoais, este pode ser fruto de

necessidades pessoais ou conjugais não satisfeitas, os motivos assim como as

reações variam muito, alguns preferem não tomar conhecimento, outros se magoam,

outros tentam conviver com o fato, outros buscam também uma relação

extraconjugal, no entanto, para algumas pessoas a infidelidade conjugal é motivo

para separação.

Observou-se que para estas mulheres a infidelidade foi motivo para a

separação conjugal, fato que pode estar ligado a questões de gênero, pois elas

tendem a considerar a fidelidade dos homens mais importante do que eles. Como

consta nos relatos a seguir:

“A traição, eu descobri que ele tinha uma amante.” (M. 4)

“Ele tinha relacionamentos por fora do casamento.” (M. 3)

“Os dois foram errados, mas foi a deslealdade dele [...]” (M. 9)

4.4.3 Conflitos;

Muitas questões e situações podem gerar conflitos, contudo esta subcategoria

se refere aos conflitos que não foram utilizados como uma oportunidade de

resignificação ou elaborados, o que conduziu o casal ao término do casamento.

56

Muitos cônjuges depositam tudo na relação, esperam encontrar tudo no

parceiro, incluindo um amor incondicional, capaz de tudo suportar, onde “o vínculo

funcionaria como porto e bússola, ao mesmo tempo âncora e velas [...]”

(ARATANGY, 2007, p.135). Assim, o outro se torna um depósito, onde os conteúdos

se remetem apenas a existência de aspectos positivos, o outro acaba sendo

destituído da condição de ser humano, assim como de todas suas imperfeições.

Segundo Osório e Valle (2004), quando os cônjuges começam a perceber

que o outro é além do que se imaginava, as desavenças começam a aparecer e

surgem os conflitos, quando o afeto persiste estes podem ser negociados e

acomodados, porém se implicar em quebra de confiança ou abalo da lealdade a

relação conjugal fica prejudicada. Quanto mais fantasiosa e idealizada for a imagem

do parceiro, mais difícil será tolerar que a perfeição é utopia, e que o outro é muito

mais do que se supunha, assim quando as diferenças aparecem tornam-se conflitos

perigosos que dificilmente são vistos como oportunidades.

Para Ricotta (2002), quando o casal identifica os objetivos de cada um na

relação, estes podem negociar com base nos interesses afetivos de cada um, assim

os conflitos podem propulsionar novas etapas na vida conjugal, caso contrário levam

a separação.

Especificamente, os entrevistados podem não ter identificado os objetivos de

cada um na relação, como podem ter depositado expectativas fantasiosas sobre a

relação e sobre o outro, no decorrer da convivência diária percebeu-se a realidade.

Para estes sujeitos a quebra da confiança, ainda que esta tenha sido depositada sob

a fantasia, gerou conflitos, estes não foram utilizados como uma oportunidade de

crescimento para a relação e não foram negociados gerando assim a separação do

casal. Conhecer a família de origem do cônjuge se torna importante devido aos

57

padrões de repetição, atentar para os comportamento do par também, quem agride

não se tornou agressivo, mas já era, apenas não foi percebido.

A subcategoria dos conflitos, que no caso foram gerados por diferentes

motivos, mas citados somente por mulheres, pode ser também devido as diferenças

de gênero, onde o homem ao usar drogas, ao agredir, e ao ser sustentado deixa de

cumprir os papéis de protetor e ao potencial provedor ainda considerados importante

para as mulheres.

Assim a separação passou a fazer sentido para elas à medida que

proporcionaria alivio para os seus conflitos e frustrações.

“Ele começou a usar drogas.” (M. 2)

“A agressão” (M. 5)

“A questão do sustento [...] chegou numa época que ele saia pra pescar e

voltava no outro dia, trabalhar que era bom nada [. ..]” (M. 6)

4.5 Expectativas atuais sobre o casamento:

Segundo Aratangy (2007), as expectativas sobre o casamento, sua função, o

modo como o vivenciam, e os motivos que levam os indivíduos a se casarem, vem

se modificando ao longo da história e se adequando aos valores vigentes em cada

sociedade.

De acordo com Munhoz (2001) o entendimento dos movimentos culturais e

sociais facilita o entendimento de transformações que vem ocorrendo em relação ao

58

casamento. O contexto sócio-histórico produz modelos de conduta que ao longo da

história se modificam, estamos em um período de transição, onde o tradicional de

mescla com o moderno.

Os casais chegam ao casamento carregados de sonhos e fantasias, porém,

com tamanhas expectativas idealizadas a frustração é inevitável, após vivenciarem o

casamento estas fantasias desaparecem, e então surge uma expectativa menos

idealizada, menos calcada na fantasia e mais próxima da realidade, o que

chamamos de modelo moderno de casamento, onde a intensidade e a profundidade

da relação são mais valorizadas que a longevidade. (ARATANGY, 2007).

Segundo Galano (2006), a família moderna tende a abandonar o ar funcional

e passar a ser guiada pelos sentimentos e emoções. Nos anos 90 estes laços estão

mais frouxos devido à virtualização, surgem as mais distintas configurações

familiares devido aos re-casamentos, surgem novas formas de ser pai e ser mãe, de

ser marido e ser mulher; atualmente estamos em um período de grande mobilidade

social, onde o tradicional se mescla com o moderno, com o pós-moderno, com a

Cibernética e a globalização dos anos 90.

Nos relatos das expectativas atuais sobre o casamento, observou-se a

mudança do modelo tradicional com pensamentos fantasiosos, para o modelo

moderno com pensamentos realistas e prioridade no relacionamento não apenas na

estrutura do casamento.

“Casamento hoje eu penso bem diferente, casamento é uma união que

se ajude, que se dê bem, que dividam os problemas, as coisa boas e ruins [...]

se dar bem [...] confiança um pelo outro [..] não é o papel que vai fazer alguma

coisa é a relação, você tem que se entender, alguém tem que ceder.” (H. 1)

59

“[...] casar, ter filhos, casar vestida de noiva, a festa, é mais uma ilusão,

o casamento não é só isso [...] é uma sociedade ent re duas pessoas [...] o

casal deve ser companheiro [...] é a única forma de o casamento dar certo.” (M.

2)

“Atualmente eu penso [...] viver cada dia da melhor forma possível [...]

não vou dizer que não penso em permanecer junto o r esto da vida, eu penso,

mas eu vivo a vida um pouco diferente, hoje eu vivo cada dia não vivo

planejando muitas coisas para o futuro.” (M. 3)

“Agora minha cabeça já é outra, estou mais madura, eu sou feliz agora

[...] tenho muita paz na minha casa [...], nós somo s muito unidos e no meu

primeiro casamento eu não era.” (M. 4)

“ É bom ter um companheiro [...] só que é complicado se os dois não

tiverem o hábito do diálogo [...] ou se não houver respeito [...] ” (M. 5)

“[...] existe uma pessoa e que você tem sentimentos por el a e que ela

tem os defeitos que o príncipe encantado que a gent e imagina não têm então,

elas aprendem a conviver [..] você aprende a viver em dois [...] você aprende

com a relação anterior [...] a minha expectativa é mais pé no chão, não é mais

aquela coisa fantasiosa de que vai dar certo pra se mpre [...] (M. 6)

60

“É mais realista, agora penso que existem filmes cu jo final não é feliz, a

gente cai na real e pensa mais na relação, e tudo q ue a envolve [...]

principalmente a confiança, o diálogo, o respeito e o companheirismo que são

fundamentais.” (H. 7)

“Primeira coisa é não errar onde eu errei no primei ro casamento [...] hoje

eu quero um casamento diferente, aquele foi uma esc ola, casamento é uma

união [...] uma sociedade que envolve cumplicidade entre as duas pessoas.”

(H. 8)

“[...] são pessoas diferentes, cabeças diferentes [ ...] o casamento devia

ser sinônimo de união.” (M. 9)

61

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a importância da família para o desenvolvimento de seus

membros se tornou pertinente realizar uma pesquisa que viesse a acrescentar sobre

este tema, sob as lentes da Teoria Sistêmica e do construtivismo buscou-se mais

conhecimento no que se refere ao casamento, gênero e separação conjugal. Desta

forma no decorrer do estudo percebeu-se que estes assuntos estão conectados,

assim deverão ser pensados como um todo, pois na intenção de abordá-los

separadamente em capítulos houve redundâncias e repetições.

Através da extensa literatura pesquisada, a fim de promover consistência e

pontuar diferentes entendimentos sobre o mesmo assunto, percebeu-se a

necessidade de se construir retrospectivas históricas dos mesmos considerando a

repetição de padrões, contudo ainda sem a possibilidade de trazer verdades

absolutas devido ao caráter dinâmico do contexto que influencia os temas

pesquisados.

Foi possível compreender que a vida de todo ser humano é marcada por

perdas e ganhos, o nascimento inaugura uma série de perdas, estas decorrentes da

separação do corpo do bebê do calor e do aconchego do útero materno, de um

ambiente tranqüilo em relação a som e iluminação, para um ambiente caótico em

relação aos estímulos externos, muito diferentes do útero, contudo se inicia uma

série de ganhos, o bebê passa a adquirir muitos aprendizados. É a partir destas

vivencias e do convívio familiar que cada indivíduo se constitui, este aprende,

incorpora expectativas e objetivos que lhe depositam além de criar outras, é de

acordo com estas expectativas que reagirá frente aos ganhos e perdas no decorrer

de seu ciclo vital, já que este é um processo contínuo. Assim, percebe-se que a

62

frustração é proporcional a expectativa, quanto mais fantasiosa for a expectativa,

maior será a frustração se algo for diferente do que era esperado.

Para atingir o objetivo geral de conhecer qual é a percepção que homens e

mulheres separados ou divorciados apresentam sobre o casamento, foi

especificamente investigado quais expectativas dos homens e mulheres sobre o

casamento, quando solteiros, e observou-se que os nove sujeitos entrevistados se

referiram as expectativas baseadas em um modelo de casamento instaurado há

séculos, nomeado pelos estudiosos de Modelo Tradicional; em relação aos aspectos

favoráveis vivenciados no decorrer do casamento que não deu certo, foi possível

identificar que para estes sujeitos os filhos, a segurança emocional e material, e a

aprendizagem adquirida, são considerados aspectos favoráveis vivenciados na

relação conjugal, aspectos que provavelmente correspondem as expectativas

criadas por eles; em relação aos aspectos desfavoráveis vivenciados no decorrer do

casamento foi possível identificar nos relatos dos entrevistados questões referentes

a imaturidade e a quebra de confiança, que podem estar atreladas a falta de

experiência e repertório para lidar com as demandas do casamento. E também às

expectativas irreais depositadas e confiadas ao par e no casamento e que são

desmantelados na convivência diária, geram no depositando a sensação de que

romperam sua confiança além de conflitos; na investigação dos motivos que

contribuíram para o término do casamento as subcategorias infidelidade conjugal e

conflitos foram indicações somente de mulheres, este fato pode estar relacionado a

questões características dos gêneros, pontuadas nos capítulos, onde as mulheres

consideram a fidelidade mais importante que os maridos consideram, elas são mais

dispostas a avaliar o relacionamento do que eles, apesar de as mulheres estarem se

inserindo cada vez mais no mercado de trabalho ainda avaliam o potencial provedor

63

e protetor do marido, com a frustração destas expectativas as questões relatadas

geraram conflitos que sem uma resignificação não são utilizados como uma

oportunidade e contribuem para a separação do casal, na subcategoria desgaste na

relação houve citação unânime para os sujeitos do gênero masculino, fato que pode

estar associado as diferenças neurofisiológicas, onde o homem tem sua atenção

voltada para aspectos mais gerais, ou às diferenças de gênero que são atribuídas

culturalmente, onde o homem não é educado para conversar sobre a relação

conjugal e com isso muitas questões vão se acumulando e desgastando a relação.

Após a vivencia do casamento que não deu certo foi investigado as

expectativas atuais sobre o casamento, as respostas foram unânimes a todos os

entrevistados, contudo mais realistas do que quando eram solteiros, a qualidade da

relação passa a ser fundamental, o que anteriormente não era pensado, para estes

sujeitos no relacionamento deve haver confiança, diálogo, respeito, companheirismo,

união, divisão e negociação, o outro agora é percebido como um ser singular, onde

ambos devem aprender a conviver, desta forma as expectativas confiadas ao outro e

a relação tornam-se realistas e diminuem a possibilidade de frustração, dos nove

entrevistados, seis atualmente estão vivenciando outra união conjugal, e dos três

solteiros um namora há 2 anos, fato que argumenta esta idéia, estas características

condizem com o Modelo Moderno de casamento, que se instaurou no final do século

XX e início do XXI, a fim de atender as demandas socioculturais.

Através da investigação destas questões específicas foi possível atingir o

objetivo geral da pesquisa e conhecer que a percepção de homens e mulheres

separados ou divorciados sobre o casamento muda após a separação. Antes de

vivenciarem o casamento estes o percebiam de acordo com os modelos tradicionais

e nutriam expectativas fantasiosas a partir destes modelos, após vivenciarem a

64

separação a percepção mudou, assim como as expectativas que se tornaram mais

realistas e estão de acordo com as características do modelo moderno de

casamento.

Foi possível observar que em situações estressantes, como a separação que

é o maior rompimento do ciclo vital familiar, que gera perdas e tumulto emocional,

ainda sim é possível após sua resignificação e ajustamento, que é o processo de

luto, percebe-se que houve também ganhos, como a aprendizagem, e é deste modo

que indivíduos que passaram por este processo posteriormente conseguem unir-se

novamente e serem felizes. Contudo vale realçar que muitos fatores ambientais e

individuais interferem neste processo de luto, por este motivo para alguns pode ser

satisfatório e para outros nem tanto.

Também se observou que todos os sujeitos casaram-se entre 15 e 26 anos

de idade, o que pode estar associado à separação conjugal, pois a imaturidade pode

ter repercussões na relação, esta pode dificultar o diálogo entre o casal e a reflexão

sobre a convivência e sobre os conflitos, gerando dificuldades para a relação seja

mantida. Em relação à escolaridade, que segundo a literatura é um dos fatores que

influencia na repercussão emocional da separação conjugal, não foi possível

identificar alguma relação, embora se acredite que o processo de luto da separação

foi realizado com sucesso por seis dos nove sujeitos, pois estes estão casados

novamente e demonstram em seus relatos estarem felizes.

Devido à importância desta temática tornou-se muito relevante para a

pesquisadora a importância além de instigante agregar conhecimentos sobre, e

também pertinente a estagiários e psicoterapeutas que trabalham com esta

população e que realizam Terapia de Família e de Casal. Por estes motivos sugere-

se novas pesquisas sobre estes temas, algo sobre repetições familiares,

65

relacionadas à separação e recasamento, talvez utilizando o genetograma como

instrumento. Ou algo sobre o recasamento, suas repercussões e as novas

configurações familiares. Ou ainda sobre o processo de luto da separação conjugal.

De modo geral entendi sobre famílias, que atualmente se apresentam em

diversas configurações e ainda sofrerá transformações continuamente nos seus

diversos artifícios, mas independente desta dinâmica será sempre a base para o

desenvolvimento humano.

Através da literatura consultada e dos dados colhidos na pesquisa foi possível

entender que ao pensar sobre casamento não há como deixar de associá-lo a

questões referentes à família, aos gêneros e as separações conjugais que criam

diversas configurações familiares. Foi possível observar que as percepções sobre o

casamento tanto dos homens quanto das mulheres mudaram após a separação.

Desta forma, a análise do casamento através da percepção de homens e

mulheres separados ou divorciados é de que o casamento é influenciado por

modelos que estão de acordo com fatores culturais, sociais e familiares, além de

questões individuais como fatores biológicos e de temperamento, onde o casal

deverá negociar e conciliar estas influências no decorrer do casamento. Daí surgirá

conflitos ou crises, considerados inerentes a convivência humana, mas se estes não

forem utilizados como uma oportunidade de melhora e crescimento da relação e dos

cônjuges resultará em separação, período este difícil e de grande tumulto emocional,

onde o luto e a elaboração das perdas e ganhos permitirão ou não uma nova relação

satisfatória. Lembrando que homens e mulheres vivenciam tanto o casamento

quando a separação de maneiras distintas devido as diferenças biológicas dos

sexos e das diferenças culturais dos gêneros.

66

6 REFERENCIAS

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70

7 APÊNDICES

71

7.1 Apêndice A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Gostaria de convidá-los a participar

de uma pesquisa cujo objetivo é conhecer

qual é a percepção de homens e mulheres

separados sobre o casamento. Esta

pesquisa será realizada em local, data e

horário a ser combinados.

Sua tarefa consistirá na

participação de uma entrevista semi-

estruturada, para analisar através dos

relatos verbais e não verbais que serão

gravados, a percepção sobre o casamento

e o processo de separação.

Quanto aos aspectos éticos,

gostaria de informar que:

a) seus dados pessoais serão

mantidos em sigilo, sendo garantido o seu

anonimato;

b) os resultados desta pesquisa

serão utilizados somente com finalidade

acadêmica podendo vir a ser publicado em

revistas especializadas, porém, como

explicado no item (a) seus dados pessoais

serão mantidos em anonimato;

c) não há resposta certa ou errada,

o que importa é a sua opinião;

d) a aceitação não implica que

você estará obrigado a participar, podendo

interromper sua participação a qualquer

momento,

e) sua participação é voluntária,

portanto você não terá direito a

remuneração;

f) esta pesquisa é de cunho

acadêmico, e não visa a intervenção

imediata,

g) durante a participação, se tiver

alguma relação, do ponto de vista ético,

você poderá contatar com a professora

Márcia Aparecida Miranda de

Oliveira, responsável pela mesma, através

da coordenação do curso de psicologia

pelo telefone: (0XX47) 3341-7935.

h) após a finalização da pesquisa,

aos que desejam obter informações dos

resultados será oferecida uma cópia da

mesma.

Caso aceite participar, por favor,

preencha os dados a seguir.

IDENTIFICAÇÃO E CONSENTIMENTO

Eu________________________________

___________________________________

declaro estar ciente dos propósitos da

pesquisa e da maneira como será realizada

e no que consiste minha participação.

Diante dessas informações aceito participar

da pesquisa.

Data de nascimento: __________________

Assinatura:

___________________________________

Pesquisadora: Francielli C. de Azevedo E-mail: [email protected] Telefone: (047) 9931-8035 Assinatura:_______________________ Pesquisadora responsável: Prof.ª Márcia Aparecida Miranda de Oliveira E-mail: [email protected] Telefone: (047) 3341-7935 Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí – CCS R: Uruguai, 448 – bloco 25b – Sala 202. Assinatura:_______________________

72

7.2 Apêndice B

Ficha de Identificação Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

Escolaridade:

Profissão:

Idade:

Idade que se casou:

Quanto tempo de namoro?

Tipo de Casamento: ( ) legal ( ) estável

Tipo de Separação: ( ) legal ( ) informal ( ) divórcio ( ) consensual ( )

litigioso

Quando se casou ambos eram solteiros?

Tiveram filhos (o)?

Há quanto tempo estavam casados quando os (o) filhos (o) nasceram?

Tempo de casamento:

Tempo de separação:

Qual a situação civil atual? Se estiver casado (a) qual era o estado civil do seu

cônjuge?

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7. 3 Apêndice C

Entrevista Semi-Estruturada

1. Quando você era solteiro (a) quais as suas expectativas sobre o casamento?

2. Cite aspectos que considerou favoráveis no seu casamento?

3. Cite aspectos que considerou desfavoráveis no seu casamento?

4. Caso tenham tido filhos (o), quais as mudanças (a) após o nascimento?

5. O que você determina como causa para o término do casamento?

6. Como foi o processo de separação? (quem tomou a iniciativa, o outro como

reagiu, houve muitas brigas ou foi tranqüilo?)

7. Quais suas expectativas atuais sobre o casamento?

8. Qual o significado de casamento para você?

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