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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
DROGADIÇÃO HOJE: entendendo o processo de recaída
DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA CORADO
ITAJAÍ, (SC) 2006
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DANIELA SANTANA DE OLIVEIRA CORADO
DROGADIÇÃO HOJE: entendendo o processo de recaída
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientadora: Profª. Maria Celina Ribeiro Lenzi.
ITAJAÍ (SC), 2006
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DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa a minha orientadora, Professora Maria Celina Ribeiro Lenzi, pela sua paciência, dedicação e confiança proporcionados a mim neste longo período, incentivando-me sempre a melhorar através de sua sabedoria e também ao meu esposo Danilo pelo seu companheirismo, amor e compreensão, tornando possível a realização deste trabalho.
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AGRADECIMENTOS
Ninguém, entretanto, escreve um Trabalho de Conclusão de Curso sozinho, e
eu não constituo exceção. Para escrever este trabalho produzido, detalhado e com o
devido grau de complexidade, precisei da cooperação, incentivo e apoio de muita
gente.
Com efeito, na estrada da vida, todos, somos devedores. Aos amigos,
devemos à compreensão, a tolerância, o estímulo, a palavra amiga nas horas
difíceis e a própria crítica construtiva.
Seria impossível agradecer, adequadamente, a todos que contribuíram para a
concepção, desenvolvimento e finalização deste Trabalho, já que deveríamos incluir
nossos pais, nossos professores pela vida afora, os amigos que se envolveram com
seu apoio e incentivo, e todos os que influenciaram a minha vida a ponto de estarem
refletidos nestas páginas.
Mas sou especialmente grata a Deus – a suprema fonte da sabedoria e da
inspiração – a Ele devemos à vida em toda a sua plenitude. Sem a divina graça e
incentivo, teria, com certeza, resvalado desastradamente em montanhas de
desânimo e obstáculos, de que fui providencialmente resguardada em não poucas
ocasiões.
Neste trabalho sou devedora aos meus familiares, minha mãe, minhas irmãs e
tias que conviveram com minha ansiedade de fazer o melhor, com muito empenho.
À minha amiga Simone que foi extremamente prestativa, lendo e apresentando
sugestões para melhorar o texto e em especial, a minha Orientadora Maria Celina
Ribeiro Lenzi, que não economizou paciência e compreensão para me dar o devido
suporte para que o melhor fosse feito.
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EPÍGRAFE Meu Deus, concede-me a Serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar, a Coragem de mudar as coisas que posso e a Sabedoria para perceber a diferença. Vivendo um dia de cada vez; apreciando um momento de cada vez; aceitando os reveses como caminho para a paz. Percebendo, como Jesus fez, este mundo perverso como ele é – não como eu gostaria que fosse. Confiando que endireitarás as coisas se eu me entregar à tua vontade para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida e supremamente feliz contigo para sempre, na outra. Amém!
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SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................06
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................07 2 EMBASAMENTO TEÓRICO .................................................................................11 2.1 Histórico .............................................................................................................11 2.2 Definição e Classificação ...................................................................................12 2.3 Comunidades Terapêuticas ................................................................................20 2.4 Abstinência..........................................................................................................21 2.5 Recaída ..............................................................................................................22 2.6 Família ................................................................................................................24 2.7 Sociedade ..........................................................................................................25 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS .........................................................................27 3.1 Amostra ...............................................................................................................27 3.2 Instrumento .........................................................................................................27 3.3 Procedimentos para a coleta de dados ...............................................................28 3.4 Análise dos Dados ..............................................................................................28 4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................29 4.1 1ª Categoria: Expectativas .................................................................................30 4.1.1 Subcategoria: Projeto de Vida .........................................................................30 4.1.2 Subcategoria: Reinserção Social ....................................................................33 4.1.3 Subcategoria: Grupos como Suporte ..............................................................35 4.1.4 Subcategoria Espiritualidade ...........................................................................37 4.2 2ª Categoria: Dificuldades ..................................................................................38 4.2.1 Subcategoria: No Âmbito da Sociedade ..........................................................39 4.2.2 Subcategoria: No Âmbito da Família ...............................................................43 4.2.3 Subcategoria: No Âmbito do Trabalho e da Educação ....................................46 4.3 3ª Categoria: Sentimentos ..................................................................................48 4.4 4ª Categoria: Recaída ........................................................................................57 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................64 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................68 7 ANEXOS ................................................................................................................70 8 APÊNDICES ..........................................................................................................72
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DROGADIÇÃO HOJE: ENTENDENDO O PROCESSO DE RECAÍDA
Orientadora: Profª. Maria Celina Ribeiro Lenzi Defesa: 22/11/2006
Resumo: Resumo: Possivelmente a droga é o fator mais importante de desorganização social, familiar e individual, além dos níveis insuportáveis já alcançados pelo seu elevado custo socioeconômico e sanitário. Diante desta problemática surgiu esta pesquisa, que teve como objetivo geral verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram por um período de abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. Desta forma, desenvolveu-se uma pesquisa de cunho qualitativa, tendo como instrumento a entrevista semi-estruturada. Os sujeitos desta pesquisa foram 05 dependentes químicos em recuperação, que recaíram logo nos primeiros noventa dias após o tratamento, a idade variou entre 22 e 37 anos, todos do sexo masculino e dependentes químicos a mais de dois anos. Todos os participantes desta pesquisa encontravam–se em processo de recuperação em duas Comunidades Terapêuticas de Itajaí. Os dados foram categorizados e compreendidos por meio da análise de conteúdo. Pelo exposto até o presente verifica-se que a família, a sociedade e o grupo social ao qual o indivíduo está inserido são de fundamental importância em todos os aspectos de sua vida. Todos estes agentes associados às suas questões pessoais podem levá-lo a realizar seus projetos de vida ou direcioná-lo ao uso de drogas e a uma possível recaída. Palavras-Chave: Dependente Químico; Tratamento; Recaída.
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1 INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade que nas últimas décadas vem passando por um
grande processo de transformação. As estruturas familiares, já não seguem os
mesmos modelos dos tempos de nossos avós, os valores sociais hoje são outros,
valorizamos o ter e o poder e esquecemos o “ser”. Nossos jovens muitas vezes
guiados por estes valores encontram nas drogas este poder, este “status”, que tanto
é valorizado e incutido em nós desde pequenos. Sob o efeito das drogas estes
jovens se sentem poderosos, acima do bem e do mal.
Mas o que é droga afinal? Atualmente de acordo com Organização Mundial de
Saúde – (OMS), é qualquer substância natural ou sintética, que introduzida por
qualquer via do organismo, afete sua estrutura ou função. O universo que envolve
esta questão é extremamente amplo, incluindo desde produtos comuns utilizados
por nós no dia a dia como chás, cafeína, refrigerante sabor cola, remédios, entre
outros, até os que comprometem mais as diversas estruturas do nosso organismo e
que alteram nossos comportamentos, como álcool, maconha, cocaína, crack, etc.
Normalmente as drogas que causam maiores danos físicos, psicológicos e sociais,
são usadas indiscriminadamente em todas as camadas sociais, geralmente são
consideradas ilícitas, ou seja, proibidas por lei e causam grande dependência.
Segundo o DSM IV – TR, “dependência de substância consiste na presença
de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos
indicando que um indivíduo continua utilizando uma substância apesar de problemas
significativos relacionados a ela. Existe um padrão de auto-administração repetida
que geralmente resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de
consumo da droga” (DORNELLES, 2002, p. 113).
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Existem dois tipos de dependência, assim definidos por Vargas (1993, p. 25),
dependência física e dependência psicológica. A dependência física é um estado de
adaptação que se manifesta por sintomas físicos intensos quando a administração
da droga é suspensa. A dependência psíquica é o estado no qual uma droga produz
“um sentimento de satisfação e uma reação psíquica que exigiria administração
periódica ou contínua da droga para provocar o prazer ou para evitar o mal estar”.
Hoje as drogas se constituem como o fator mais importante de
desorganização social, familiar e individual, e o que é mais grave, conforme afirma
Chabornneau (apud VARGAS, 1993, p. 89) “é que deixou de ser um fenômeno de
marginalização para passar a ser um fenômeno de cultura. É a nossa cultura que
integrou a droga dentro de seu esquema existencial”.
Sabemos que a droga está presente em todas as camadas da sociedade,
atingindo os mais diferentes segmentos sociais. Nos dias atuais é fácil, nos
depararmos com a droga em todos os lugares, bares, festas, escolas, favelas e em
muitos casos até dentro de casa. A sociedade está assustada, mas ao mesmo
tempo precisa enfrentar esta situação que é cada vez mais comum e diversas vezes
não temos como fugir, pois está muito próxima de nós.
O fato é que as drogas estão aí, entre os jovens, adultos e idosos e o número
de dependentes cresce a cada dia, mas de que forma e como tratar estes
dependentes?
Atualmente existem vários tratamentos para a dependência química, ou uso
abusivo de substâncias, todos trabalhando de formas diferentes, dentro de suas
abordagens e crenças.
Destacamos as Comunidades Terapêuticas, que são instituições
especializadas no tratamento e reabilitação de indivíduos com problemas de adicção
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a drogas e álcool. O processo terapêutico focaliza intervenções pessoais e sociais,
atribuindo funções, direitos e responsabilidades ao indivíduo dependente em
ambiente seguro em relação ao consumo de álcool e drogas, geralmente o
tratamento psicossocial está incluído na programação das comunidades. As
internações costumam ser longas e duram vários meses.
Existem diversas comunidades terapêuticas e cada uma delas, intervêm de
acordo com o modelo de tratamento adotado, mas de forma geral todas visam à
recuperação do dependente. Uma característica fundamental e comum a elas é a
abstinência, interrupção do uso de drogas, por parte do dependente durante o
processo de internação.
No período em que o dependente está internado é observada uma melhora
progressiva e aparente neste indivíduo e em seu comportamento, indicando sucesso
no tratamento. Pesquisas revelam que após o tratamento e o retorno deste indivíduo
para o contexto social e familiar ele não consegue se manter em abstinência por
muito tempo, geralmente cerca de 90 (noventa) dias após o tratamento acontecem
os casos de recaída em aproximadamente 2/3 deles, conforme destacam Marlatt &
Gordon (1993, p. 203).
O interesse sobre este tema surgiu a partir de experiências próprias
vivenciadas dentro do contexto familiar e diante das angústias observadas no
dependente em não conseguir se manter em abstinência depois de cinco
internações. Após algumas leituras e pesquisas, percebe-se que não é um problema
exclusivo deste indivíduo, pelo contrário é algo que atinge a maioria dos
dependentes.
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Sobre esta temática, surge a questão. Quais os fatores que estão
relacionados à recaída dos dependentes químicos após conseguirem ficar em
abstinência durante a internação?
Diante desta questão, surgiu esta pesquisa, que teve como objetivo geral
verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram
por um período de abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. De
forma mais específica buscou-se levantar quais as expectativas que o dependente
apresenta em relação ao futuro; identificar sentimentos do dependente em relação
ao enfrentamento da realidade; identificar como o dependente se sente dentro da
sociedade e levantar quais os sintomas precedem a recaída.
Pesquisar sobre este assunto se torna extremamente importante uma vez que
ao investigarmos e levantarmos estes fatores, estaremos contribuindo de uma forma
ampla e eficaz para as questões que envolvem os tratamentos, as famílias e os
indivíduos de maneira geral.
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2 EMBASAMENTO TEÓRICO
2.1 Histórico
“A utilização de substâncias químicas não é uma característica da sociedade
atual, se constitui numa prática milenar”, denota Kraemer (2001, p. 38).
De acordo com Palma (1988, p. 47):
A evolução social da droga seguiu o caminho da disseminação a partir dos
escravos negros para as camadas menos favorecidas da população, mas
sob o olhar das classes dominantes. Ainda segundo esta mesma autora,
nos dias de hoje a droga passou das mãos dos poucos que curavam ou
faziam profecias com ela, às mãos dos que a utilizam como forma de
contestação e de rebeldia.
Esta rebeldia passa a ser foco de grandes teorias e nos ajuda no
entendimento das questões que podem levar o indivíduo ao uso abusivo de
substâncias químicas.
Conforme a revisão bibliográfica, mencionada por Kraemer (2001, p. 54), “na
maioria das situações, os fatores que induzem ao uso abusivo e a dependência são
múltiplos, dentre os quais destaca-se: fatores genéticos, fatores psicossociais e
psicodinâmicos, pressão do grupo, transgressão e protesto, curiosidade, escape ou
fuga, busca do prazer, individualidade e pressão social, gratificação, causas
microssociais ou familiares e fatores neuroquímicos”.
Segundo Palma (1988, p. 105), “vários pontos devem ser levados em conta
neste encontro do homem com a droga, ficando difícil se falar em um motivo
especial para o abuso destas substâncias”.
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2.2 Definição e Classificação
Para que possamos compreender o que leva o indivíduo a dependência
química, precisamos entender a verdadeira definição das drogas, conhecer quais os
tipos e as implicações no organismo.
Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, “drogas são todas as
substâncias que, introduzidas num organismo vivo, podem modificar uma ou mais de
suas funções”.
Kraemer (2001, p. 35) dá uma definição geral de drogas, tóxicos, psicotrópicos
ou substâncias psicoativas: “São, portanto, quaisquer substâncias naturais ou
sintéticas que atuam sobre o sistema nervoso central e que, usadas sob certas
circunstâncias, funcionam como remédios (na cura de enfermidades) ou venenos
(quando utilizados de forma indiscriminada causando prejuízos à saúde)”.
De acordo com Santos (1999, p. 77): “Várias são as formas de classificação
das drogas, segundo a origem, segundo o grau de dependência, de tolerância, etc.
Mas a forma mais fácil de classificar as drogas é segundo seus efeitos, nas quais
estão divididas em três grupos: estimulantes, depressoras e alucinógenas. As
estimulantes são aquelas que elevam ou aceleram a atividade mental, como as
anfetaminas; as depressoras diminuem ou relaxam a atividade mental, como o ópio
e as drogas alucinógenas são as que distorcem ou alteram a atividade mental, como
é o caso do LSD”.
Conforme menciona Kraemer (2001, p. 134): “Ao nível do sistema nervoso
central os psicotrópicos, dependendo da categoria, provocam uma desorganização
da química cerebral promovendo transformações da afetividade, alternando
sentimentos e emoções, produzindo estados de depressão ou euforia. Por conta dos
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efeitos no cérebro, aparecem, além da desorientação no tempo e espaço, distúrbios
da senso-percepção e do pensamento como: ilusões, alucinações, idéias delirantes
e obsessivas”.
A título de ilustração, mostraremos abaixo, o quadro de classificação das
drogas, de acordo com seus efeitos, segundo CID – 10, citado no livro do Kraemer
(2001, p. 156).
I – Estimulantes da atividade do sistema nervoso ce ntral
a) Anfetaminas usadas como estimulantes da vigília – danfetaminas,
metanfetamina.
b) Anfetaminas usadas como moderadores de apetite – mazindol,
dietilpropina, fenproporex.
c) Cocaína.
d) Cafeína.
II – Depressoras da atividade do sistema nervoso ce ntral
a) Álcool.
b) Hipnóticos.
1 – Barbitúricos (pentobarbital, fenobarnital)
2 – Outros (brometo)
c) Ansiolíticos (diazepam, lorazepam, clordiazepóxido)
d) Narcóticos (opiáceos)
1 – Naturais (morfina, codeína)
2 – Sintéticos (meperidina, metadona, propoxifeno)
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3 – Semi – sintéticos (heroína)
e) Solventes (inalantes – colas, tintas, removedores, tiners, etc)
III – Perturbadoras da atividade do sistema nervoso central
a) Alucinógenos propriamente ditos (primários)
1 – Sintéticos: LSD – 25 e DMA (êxtase)
2 – Naturais: derivados da maconha (haxixe, THC), derivados indólicos
(de plantas e cogumelos), derivados do peiote.
b)Alucinógenos secundários
1 – Anticolinérgicos: derivados de plantas (datura sp), sintéticos
(triexafenidila, benactizina).
Diante destas informações, destacaremos os tipos de drogas mais comuns,
seus efeitos quando utilizadas de forma abusiva, as mais utilizadas e as que
apresentam maior relevância em nossa sociedade. Além destas muitas outras são
comercializadas e causam dependência, devendo a sociedade estar em alerta.
Álcool – classificado como um depressor do sistema nervoso central, é
utilizado de forma indiscriminada na sociedade sendo muitas vezes subestimado,
pois faz parte de qualquer evento social, encontro entre amigos e festas. Desde
muito cedo somos apresentados a esta droga, na infância, em festas infantis, os
adultos se divertem tomando uma “cervejinha”. Na adolescência, temos que
“aprender” a beber e somos cobrados pelos amigos por isso. Sobre esta afirmação
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Ferreira (2003, p. 42) destaca que “as pessoas que não bebem são vistas com certo
desconforto e certa desconfiança sobre sua “normalidade”.”
A sociedade vê o álcool como “afogador de mágoas”, um remédio popular
para incômodos físicos e emocionais, mas esta mesma sociedade não tem idéia dos
efeitos devastadores desta droga sobre o nosso organismo.
O álcool é um depressor do sistema nervoso central. De acordo com Kraemer
(2001, p. 173): “A embriaguez depende da quantidade de álcool ingerida, da
velocidade que o indivíduo bebe e o fato de estar em jejum. O indivíduo neste
estado apresenta fala pastosa, diminuição da coordenação motora, as reações ficam
atrasadas, a visão e audição sofrem prejuízos progressivos e ocorre desinibições
comportamentais”.
Segundo Ferreira (2003, p. 44), “os efeitos danosos do álcool sobre os
principais órgão e sistemas do organismo são cumulativos, piorando enquanto a
pessoa está bebendo. O álcool provoca aumento do colesterol circulante, lesa
permanentemente o sistema nervoso e altera de diversas formas o sistema
digestivo”.
Nicotina – classificada como uma droga estimulante do sistema nervoso
central, é composta por três elementos principais, o alcatrão, a nicotina e o
monóxido de carbono. De acordo com Kraemer (2001, p. 181), o uso freqüente do
tabaco pode causar, náuseas e vômito, irritação nasal, aumento do ritmo cardíaco,
aumento da pressão arterial, entre outros. Os fumantes têm maior risco de contrair
câncer de boca, laringe, esôfago, pâncreas, rins e bexiga. Por ser estimulante o
abandono da dependência se torna mais difícil.
Maconha – classificada como uma droga perturbadora do sistema nervoso
central, a forma mais comum de sua utilização é através do cigarro. Ele é feito na
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maioria das vezes pelo próprio usuário, do qual é composto de folhas secas, talos,
brotos, flores e sementes da planta. É difícil a pessoa sentir qualquer efeito
psicológico na primeira vez que fuma. Seus efeitos vão depender da quantidade, do
intervalo entre o uso, da expectativa do usuário e das condições ambientais. De
acordo com as diversas bibliografias encontradas os efeitos causados pelo uso
constante da maconha são vários, nos quais destacam-se: aumento da freqüência
cardíaca, fome intensa, vermelhidão nos olhos, confusão mental, sonolências,
distorção do tempo e do espaço, prejuízo na memória. Estudos ainda apontam
complicações no coração, no sistema nervoso central, no aparelho respiratório e na
reprodução, conforme destaca Santos (1999, p. 92).
Cocaína – classificada como uma droga estimulante do sistema nervoso
central. É um pó branco, cristalino, gorduroso, solúvel em água e com odor
característico do solvente usado no processo de fabricação. Apresenta-se sob forma
de pequenas pedras ou de escamas.
A cocaína é usada de várias formas: inalação, aplicação e oralmente. A
inalação consiste em cheirar uma porção que é espalhada numa superfície em forma
de carreirinha. O usuário tapa com a mão uma fossa nasal e aspira o pó pela outra
fossa. A estimulação por esta via se prolonga por até 40 minutos. Quando injetada, a
cocaína causa euforia instantânea prolongando seus efeitos pelo período de 45
minutos. Oralmente ela produz efeitos não tão intensos e com duração de 15 a 30
minutos. A aplicação é um método pelo qual a cocaína é friccionada nas gengivas,
debaixo da língua ou colocada em contato com qualquer mucosa, inclusive no pênis
e vagina, destaca Santos (1999, p. 93).
Muitos são os efeitos causados pela cocaína, dentre estes Kraemer (2001, p.
187), ressalta: “sensação de euforia e bem estar, idéias de grandiosidade, sensação
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de poder, prejuízo na capacidade de avaliação, hiperatividade, insônia, falta de
apetite, perda da sensação de cansaço, pupilas dilatadas, taquicardia, reflexos
aumentados e sudorese. Como aumento da dose ocorrem alucinações auditivas,
táteis, excitação sexual, irritabilidade, reações de pânico e sensação de estar sendo
perseguido”.
Palma (1988, p. 117) adverte que “a morte pode advir de uma dose errada,
muito alta, por parada respiratória, alucinações seguidas de convulsões e coma”.
Crack – derivado da cocaína é uma droga de ação mais rápida, mais
poderosa e eficiente em provocar dependência e morte. È vendido em forma de
pedras e fumado em cachimbos. Seus efeitos são devastadores, ela provoca
dependência em menos de um mês e pode matar em menos de um ano, ela causa
agitação ou depressão, anorexia ou fome, compulsão, fadiga, depressão insônia ou
sonolência. Nos dependentes observa-se ausência de prazer, perda de energia,
ansiedade e compulsão, afirma Santos (1999, p. 101).
Kraemer (2001, p. 189) destaca que “diferença entre o crack e a cocaína é o
preço do produto e os efeitos causados no indivíduo”
Ecstasy – classificada como estimulante e alucinógena. È uma droga
sintética, ou seja, produzida em laboratório. Apresenta-se na forma de comprimidos.
O usuário geralmente consome juntamente com bebidas alcoólicas, o que intensifica
o efeito. Kraemer (2001, p. 190), enfatiza que “Os principais efeitos são euforia, bem
estar intenso, aumento da disposição e resistência física, percepção distorcida de
sons e imagens e alucinações. O uso freqüente pode causar perda de apetite,
náuseas, fadiga, depressão, ansiedade, medo, aumento da pressão arterial, entre
outros.”
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O mercado nos oferece uma grande variedade de drogas e atreladas a isto
também é crescente o número de pessoas que estão fazendo uso destas
substâncias e concomitantemente se tornando dependentes.
Os efeitos, transtornos e nível de dependência que a droga causa recebe
tema de classificação que interliga e auxilia na compreensão e intervenção dos
profissionais de saúde, conforme quadro do DSM IV-R (2002), que segue:
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2.3 Comunidades Terapêuticas
Segundo pesquisa realizada na literatura, Milby (1988, p. 17) informa que a
primeira comunidade terapêutica para adictos foi a Synanon, fundada em 1958 por
Charles E. Dederich, um ex-alcoólatra. Foi baseada nos Alcoólatras Anônimos e
começou aceitando adictos a narcóticos mais por acidente que por planejamento
sistemático.
Milby (1988, p. 18) enfoca ainda que:
A maioria das comunidades terapêuticas pressupõe que a adicção é
resultado de problemas psicológicos existentes há muito tempo e que são
necessárias técnicas terapêuticas intensivas para alterar os padrões
básicos de caráter, personalidade e comportamento, para que os
residentes não mais precisem da droga para agir.
De acordo com Fracasso (apud SERRAT, 2001, p. 235): “A proposta da
comunidade terapêutica deve considerar, que o dependente químico pode
desenvolver-se nas diversas dimensões de um ser humano integral, através de uma
comunicação livre entre a equipe e os residentes, em uma organização solidária,
democrática e igualitária”.
A autora ainda ressalta que o objetivo da comunidade terapêutica é ajudar o
dependente químico a se tornar uma pessoa livre, através da mudança de seu estilo
de vida, é a reabilitação de indivíduos que, apresentam problemas com a adicção de
drogas e álcool.
As internações costumam ser longas, durante meses. O processo terapêutico
focaliza intervenções sociais, atribuindo funções, direitos e responsabilidades ao
indivíduo dependente.
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Para Rangel (apud SERRAT, 2001, p. 236), tudo o que há na comunidade
terapêutica deve contribuir para que o dependente alcance uma forma alternativa de
reorganização pessoal, com novos padrões de comportamento e pensamento.
Uma característica comum a todas as comunidades terapêuticas é a
abstinência do dependente durante o tratamento.
2.4 Abstinência
Nosso principal objetivo neste trabalho é discutir sobre a recaída e os
aspectos relacionados a ela, mas antes disto, precisamos entender e compreender a
questão da abstinência, que é um fator muito importante, quando se fala em
dependência química.
Segundo o DSM IV – R (DORNELLES, 2002, p. 124)
A característica essencial da abstinência, consiste no desenvolvimento de
uma alteração comportamental mal adaptativa e específica de determinada
substância, com concomitantes fisiológicos e cognitivos, devido à cessação
ou redução do uso pesado e prolongado de substância. A síndrome
específica da abstinência causa sofrimento ou prejuízo clinicamente
significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo. Os sintomas não se devem a uma
condição médica geral nem são mais bem explicados por outro transtorno
mental.
O autor Milby (1988, p. 59) salienta que: “o dependente químico passa por
períodos de abstinência durante sua dependência, são períodos em que o uso da
droga é interrompido por determinado tempo, isto ocorre geralmente quando ele está
em processo de recuperação, internado em clínicas de recuperação, comunidades
terapêuticas entre outras”.
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A dependência química é uma doença crônica, que deve ser tratada durante
toda a vida do dependente, mas quando ele consegue se manter em abstinência
sem estar internado é o que nos leva a crer que ele está se recuperando, ou melhor,
se restabelecendo.
2.5 Recaída
Esta provavelmente, seja a chave principal, para que possamos encontrar
uma forma mais eficaz de se tratar do dependente químico, pois será através dos
pontos fracos destes dependentes que buscaremos a melhor maneira de resolver
este problema.
Mas o que é a recaída?
O autor Landre (apud SERRAT, 2001, p. 328) informa que “a recaída é o
processo no qual o dependente volta a fazer uso abusivo da substância, após algum
tempo de abstinência”.
Milby (1988, p. 64) denota que:
A recaída é o que torna a dependência química tão intrigante e frustrante,
pois o dependente não consegue se manter em abstinência por muito
tempo e logo recai, causando frustração tanto para ele quanto para a
família. Em muitos casos a perspectiva é de que o indivíduo nunca mais
conseguirá levar uma vida normal.
A recaída é precedida de sintomas, que se detectados a tempo podem
contribuir para que o retorno ao processo de recuperação se fortaleça e o indivíduo
cresça.
De acordo com o Programa Amor-exigente, existem doze sintomas que
antecedem a recaída, que são: desonestidade, impaciência, intolerância,
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indisciplina, depressão, frustração, euforia, exaustão, troca de dependência,
autopiedade, pretensão, ausência de grupos.
O autor Landre (2001, p. 330) corrobora que o programa que existe a respeito
deste assunto é a prevenção da recaída, que “é um conjunto de habilidades e
modificações no estilo de vida do dependente para evitar a recaída, seus objetivos
consistem na aquisição de habilidades para lidarem com as situações de risco e a
modificação do estilo de vida”.
Vargas (1993, p. 23), comenta que:
Os fatores que levam o indivíduo à recaída ainda são pouco conhecidos, o
que se sabe é que há fatores de risco e que muitas vezes não depende só
do dependente, mas sim de uma reestruturação da estrutura
biopsicossocial. Os programas de prevenção da recaída ajudarão o
dependente a lidar com estes fatores de risco e possibilitar ao indivíduo
reconhecer se ele é capaz de lidar com estas situações sem precisar fazer
uso de drogas.
Os fatores considerados de risco apontados por Landre (apud SERRAT, 2001,
p. 332), são os estados emocionais negativos, conflito familiar, pressões sociais,
trabalho e ambiente de trabalho, influência de amigos, diversão e prazer,
pensamentos secretos de consumir, problemas físicos e psicológicos para lidar com
o tratamento e reativação dos mecanismos de defesa.
A recaída se constitui em um desafio para o dependente e para as pessoas
envolvidas com ele (família, amigos), pois é difícil identificar e entender os motivos.
24
2.6 Família
A família é um fator de extrema importância quando se fala em dependência
química, ela muita vezes é o fator desencadeador deste processo, mas também é
quem contribui de fato para o processo de recuperação.
Afirmam Schenker e Minayo (2003, p. 63) que: “A família passa suas crenças
e valores através de gerações, e é fonte primária de acolhimento para seus
membros. Pelo fato de ser co-responsável pela formação dos indivíduos, a família
está diretamente ligada no desenvolvimento saudável ou doentio de seus membros”.
Kalina (apud LOURENÇO, 1994, p. 213) pondera que “a primeira reação da
família diante da revelação do uso abusivo de drogas por um de seus filhos é o da
negação, muitas vezes aborrecem – se com àqueles que tentam alertá-los, pois não
aceitam que a família aparentemente normal está em crise”.
“Diante da descoberta de que seu filho está no mundo das drogas, esta
família, tenta achar explicação para o que está acontecendo, se sente traída, ela não
compreende e aceita que o uso de drogas é um sintoma de que algo não vai bem
com a pessoa, ou até mesmo dentro da estrutura familiar”, afirma o autor Lourenço
(1994, p. 213).
O uso abusivo de drogas por um membro da família, salienta Ferreira (2003,
p. 117), altera com toda a estrutura familiar, deixando todos de certa forma
“doentes”. Esta “doença” familiar é chamada de co-dependência, ou seja, é quando
uma pessoa envolvida com um dependente químico tenta controlar o uso da
substância, seus comportamentos compulsivos, na esperança de ajudá-lo e acaba
perdendo de certa forma o controle de sua vida.
25
Quando o dependente está em tratamento não só ele, mas toda sua família
deve procurar ajuda, pois grande parte de sua recuperação vai depender de
mudanças ocorridas dentro da estrutura familiar.
Para Schmidt et al., (1996, apud SCHENKER e MINAYO, 2003, p. 97), é
importante ressaltar que todas as intervenções baseadas na família, partem do
princípio de que a mudança no indivíduo que faz uso abusivo de drogas, resulta da
mudança no sistema familiar.
2.7 Sociedade
De acordo com Vargas (1993, p. 146), fatores socioeconômicos e políticos
também influenciam o aumento do uso indevido de drogas. O desemprego e a
insegurança individual co-relação ao futuro, são considerados como fatores que
facilitam a ocorrência do problema.
Ainda de acordo com este autor, a situação é extensiva a toda sociedade, pois
nem as famílias, nem as organizações que seus membros deveriam participar,
conseguiram agir adequadamente quando o assunto é o uso abusivo de
substâncias. Portanto vemos uma defasagem entre a velocidade com que o
problema surge e se intensifica, e a velocidade de adaptação das diferentes
estruturas sociais.
De acordo com Moraes (1999, p. 122) “O mundo de toda pessoa é
primeiramente a família, que se encontra desestruturada e em tormentosa crise de
identidade. Vivemos em uma sociedade cega, que não percebe as grandes
mudanças entre os jovens que estão escolhendo motocicletas e outras máquinas
velozes para seu triste ritual de autodestruição. Nossa sociedade apresenta
26
processos de exclusão sócio-econômica, que geram ressentimentos. A mídia
corrompida e corruptora lança toneladas de lixo mental em nossa psicoesfera.
Diante de tudo isto não podemos duvidar das doenças de nossa sociedade, e uma
das reações mais trágicas deste mundo desanimador é a opção pela drogas”.
Todos estes fatores, além das estruturas familiares grande parte das vezes
fracassadas e o fator da pré-disposição genética, nos levam acreditar que são os
responsáveis pelo aumento galopante do uso indevido de substâncias químicas.
27
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
3.1 Amostra
Os sujeitos desta pesquisa foram 05 dependentes químicos em recuperação,
que recaíram logo nos primeiros noventas dias após o tratamento, a idade variou
entre 22 e 37 anos, todos do sexo masculino e dependentes químicos a mais de
dois anos. Todos os participantes desta pesquisa encontravam – se em processo de
recuperação em duas Comunidades Terapêuticas de Itajaí. A tabela 1 ilustra o perfil
dos entrevistados.
Participante Idade Estado Civil
Nível de instrução
Naturalidade Profissão Idade que iniciou o uso de drogas
D1 (C.S.G) 26 Casado Médio completo
Joinville Mecânico 18
D2 (R.O.M) 23 Solteiro Fundamental incompleto
Itajaí Mecânico naval
12
D3 (M.J.A) 37 Solteiro Médio completo
São José dos Pinhais
Pescador 17
D4 (R.M.S) 28 Divorciado Médio completo
Itajaí Auxiliar de serviços gerais
15
D5 (I.A.S) 22 Solteiro Médio completo
Itajaí Segurança 10
3.2 Instrumento
Após a obtenção do consentimento dos sujeitos em participar da entrevista,
com a necessária autorização no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Anexo I), os participantes responderam a uma entrevista semi - estruturada com
questões relacionadas à temática investigada, elaborada pela autora deste estudo.
(Apêndice A).
28
3.3 Procedimentos para a coleta de dados
Após a autorização dos dirigentes das duas instituições, foram marcadas as
datas para a realização das entrevistas com os dependentes químicos. As
entrevistas foram individuais e os participantes foram escolhidos de forma aleatória,
atendendo as características previamente solicitadas. A cada um dos participantes
foi explicado os objetivos da pesquisa, a metodologia que seria utilizada e o método
de análise dos dados. A coleta de dados ocorreu nas dependências das instituições.
As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas posteriormente.
3.4 Análise dos Dados
A análise das entrevistas dos participantes seguiu um dos modelos propostos
por Moraes (1999, p. 56), para a análise de conteúdo. Este modelo é usado para
descrever e interpretar o conteúdo, de toda classe de documentos e textos, ele
ajuda a interpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados
num nível que vai além de uma leitura comum. É uma busca teórico–prática com
significado especial no campo das investigações sociais.
29
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
De acordo com as entrevistas, foram obtidos os resultados na tentativa de
responder o objetivo geral desta pesquisa que consistia em verificar os fatores que
levam à recaída dos dependentes químicos, que passaram por um período de
abstinência durante a internação em clínicas de recuperação. Para tanto, com o
objetivo de sistematizar o entendimento dos dados obtidos, foram criadas as
categorias e suas respectivas subcategorias apresentadas no quadro a seguir:
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
EXPECTATIVAS � Projeto de vida
� Reinserção social
� Grupos como suporte
� Espiritualidade
DIFICULDADES � No âmbito da Sociedade.
� No âmbito da Família.
� No âmbito do Trabalho e da Educação
SENTIMENTOS
RECAÍDA
30
4.1 - 1ª Categoria: Expectativas
“Temos nosso pincel e tintas – pintemos o Paraíso, e entraremos nele. Ou,
se assim desejarmos, podemos criar um Inferno para nós mesmos. Mas, se
escolhermos o Inferno, devemos compreender que a opção é nossa e não
podemos mais, portanto, culpar nossos pais, família, amigos, sociedade ou
Deus. Ninguém e nada pode deprimir-nos ou causar-nos dor, se optamos
por não ser desta forma.” (KAZANTZAKAS, Nikos Apud BUSCAGLIA, 1997, p. 88)
O objetivo desta categoria foi investigar as formas pelas quais os
dependentes químicos se apropriam, se envolvem e se comprometem com questões
voltadas para o futuro. Ao focar esta categoria, encontramos com muita propriedade
questões referentes ao projeto de vida, reinserção social, grupo como suporte e
espiritualidade.
4.1.1. Subcategoria - Projeto de Vida
Esta categoria nos mostra quais são os projetos de vida que os dependentes
químicos possuem após passarem pelo processo de internação.
Segundo Fong (2002, p. 1), projeto de vida é um plano para que possamos
visualizar melhor os caminhos que desejamos seguir para alcançar nossos objetivos.
Fong ainda enfatiza que:
Para isso, necessitamos saber claramente quais são nossos objetivos e
metas, e precisamos ter em mente também quais são os nossos valores,
pois são eles que direcionarão nossas vidas. Se nossas metas não
estiverem em congruência com nossos valores mais profundos, dificilmente
estaremos satisfeitos com nossas vidas. Mesmo alcançando as metas, se
elas não estiverem em harmonia com o que realmente nosso coração pede,
sentiremos um vazio interior que poderá nos deixar confusos e sem direção.
31
Ainda fazendo uso da contribuição de Fong (2002, p. 2), ele nos sugere que
um projeto de vida deve constituir-se de 08 (oito) áreas ou saúde: saúde física;
saúde espiritual; saúde intelectual; saúde familiar; saúde social; saúde financeira;
saúde profissional e saúde ecológica.
Diante desta proposta, verificamos que através dos dados coletados, de uma
forma geral, todos os entrevistados se identificam com o Projeto de Vida sugerido
por Fong, onde suas expectativas se direcionam na realização de um ou vários
destes objetivos.
Saúde Espiritual: Está relacionado com o seu auto-desenvolvimento como
Ser. Manter a paz de espírito, o amor por você e pela vida como constatamos nas
entrevistas “ter uma estabilidade espiritual” (D.2) - “vou para a igreja” (D.5).
Saúde Intelectual: Está relacionado com o seu aprendizado, ao estudo. E,
constata-se esta opção por um dos adictos, onde ele pondera “voltar a estudar de
novo... tenho sede de aprender.” (D.2).
Saúde Profissional: Está relacionado com a carreira, com o objetivo que
deseja seguir, a mudança e o crescimento na profissão como enfatiza um dos
adictos “um emprego que eu vou ter” (D.2).
Saúde Social: Está relacionado com a sociedade como um todo, a
necessidade de reinserção social, a busca de um grupo, como se constata nesta
fala: “vou buscar novas oportunidades, novas amizades” (D.5)
Saúde Física: Está relacionado com o corpo físico, de maneira a mantê-lo
saudável. E, a melhor maneira de mantê-lo são, como declara outro dependente é
“continuar o tratamento fora daqui” (D.4)
Saúde Familiar: Está relacionado aos relacionamentos familiares, o
tratamento dispensado a eles, o amor e a harmonia transmitidos. É onde se verifica
32
a preocupação de um dos dependentes, no qual o mesmo ressalta “tenho que cuidar
do meu filho” (D.1)
Dentro desta mesma perspectiva, Zago (1994, p. 135) reflete sobre a questão
da necessidade do dependente parar de usar drogas e ter um Projeto de Vida:
É necessário que o dependente pare de tomar drogas para poder pensar,
refletir, ou melhor, trabalhar-se, para mudar sua visão de mundo e valores, a
fim de descortinar novas possibilidades de escolha, transformando seu
plano suicida em Projeto de Vida. Sem esse trabalho interior, é muito difícil,
para quem quer superar sua dependência, encontrar ou buscar respostas
novas e construtivas aos problemas e crises da existência.
O tema projeto de vida é pessoal e intransferível. O ser humano deve eleger
seus caminhos, fazer suas escolhas no sentido de se encaminhar para um projeto
sadio, sem máculas, sem frustrações, ou exclusões. Esse caminho deve ser o mais
íntegro possível, e estar de acordo com o objetivo da pessoa que o delineou.
Para que este projeto de vida tenha as características mencionadas, e seja
um projeto saudável, a pessoa deve ser digna e trabalhar-se interiormente, ter
expectativas e construir-se a cada momento, a cada instante, fortalecer-se a ponto
de vislumbrar um bem-estar interior, que seja capaz de transcender e resplandecer
em conquistas visíveis, ou seja, em um projeto de vida vitorioso.
Isto não quer dizer que a pessoa não possa ter expectativas, ou um projeto de
vida, mas que ela tem que se preocupar com o presente, pois a partir do momento
que ela faz planos e estes começam a falhar o indivíduo se frustra, se sente
fracassado e muitas vezes estes sentimentos os levam à recaída. Diante disso, Zago
(1994, p. 155) enfatiza: “Assim, o dependente, não adoeceu porque começou a
tomar drogas, mas por já estar adoecido existencialmente faz por meio das drogas
uma tentativa de “solução” ou “cura” para as suas feridas mais íntimas”.
33
Projeto de vida que inclua saúde leva a uma perspectiva da reestruturação da
vida em todos os aspectos. Redimensioná-la e reconstruí-la passo a passo, sendo
que cada passo deve ser firme e constante, um de cada vez, para evitar os tropeços
e saber contornar os obstáculos que aparecem ao longo do caminho é uma tarefa
árdua e constante, que deve ser cumprida em etapas.
4.1.2. Subcategoria - Reinserção Social
Esta sub-categoria aponta para as expectativas, os medos e os temores que
o dependente apresenta ao retornar para sociedade.
De acordo com Landre (apud SERRAT, 2001, p. 349), a reinserção social é
um processo gradativo e progressivo do indivíduo em seu retorno à sociedade de
origem.
Landre ainda comenta que o objetivo fundamental da Reinserção Social é a
progressiva ressocialização em um ambiente que reforce a capacidade de : a) ser
autônomo; b) interrelacionar-se no ambiente da Comunidade Terapêutica; c) auto-
afirmar-se; d) buscar a felicidade através do conhecimento; e) lutar, assumindo
compromisso e responsabilidade; f) distinguir meios (saúde, higiene, postura,
estudo) e fins (auto-controle, conhecimento, realização e pessoal e profissional,
trabalho, saúde, etc...).
Neste contexto de reinserção, o adicto deve ter um projeto de vida e procurar
respeitá-lo, o grupo deve ajudá-lo a superar a ansiedade entre o presente e o futuro,
isto é encontrado em uma das falas dos entrevistados – “(...) penso em tudo, no dia
de amanhã, penso no hoje” (D.1). Dentro deste contexto outras questões são
abordadas, como a culpa do passado, confirmada através da entrevista – “(...) a
34
sociedade me vê como um drogado, um ladrão, porque tenho passagem pela
polícia” (D.1); Lidar com seus desejos e aspirações reais, evidente em três das cinco
entrevistas – “(...) eu penso que temos que ter sonho, porque quem não tem sonho
vegeta” (D.1) – “(...) voltar a estudar de novo (...) tenho sede de aprender mais e
mais, um emprego que eu vou ter” (D.2), - “(...) ficar longe das drogas para
conquistar todas as coisas que quero” (D.4). Ainda nesta perspectiva o dependente
químico deve atenuar a cada dia a ansiedade de viver tudo imediatamente,
conforme segue – “(...) resolver um pouco da minha vida, colocar as coisas em
ordem” (D.3) e as inevitáveis frustrações devidas aos insucessos que poderão
ocorrer.
Rogers (1991, p. 29) cita quanto às frustrações pessoais do ser humano:
Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-
me, e quando posso ser eu mesmo. (...) Tornou-se mais fácil para mim
aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente imperfeito, e
que, com toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria que atuasse.
Esta é uma fase recorrente nos indivíduos em processo de recuperação, por
isso Landre (apud SERRAT, 2001, p 352) enfatiza que a equipe da comunidade
terapêutica deve ajudar o dependente químico a:
- Reconhecer seus valores pessoais;
- Reconhecer seus interesses;
- Dar valor à responsabilidade;
- Formular e concretizar suas escolhas e
- Utilizar as “ferramentas” e “instrumentos” para caminhar na recuperação.
35
No processo de reinserção é notável a questão do autocontrole, da auto-
afirmação e a necessidade do autoconhecimento para transformar suas expectativas
em realidade, através da maturidade, da cura e controle do “Eu”.
Nesta situação destaca-se o trabalho dos A.As1 (Alcoólicos Anônimos) e
N.As2 (Narcóticos Anônimos), que são grupos de auto-ajuda, cuja proposta parte do
pressuposto de que o alcoolismo e o uso de drogas é uma doença e o objetivo único
desta proposta é a abstinência. Os A.As e N.As possuem uma linha uniformizada e
estruturada de pensamentos baseadas nos doze passos (citados na sub categoria
de sentimentos). Geralmente a equipe é composta por antigos usuários que
completaram os Doze Passos com sucesso e passaram a colaborar para a
recuperação de outros. Suas propostas de tratamento se fundamentam em metas
em curto prazo, o aconselhamento é “viver um dia de cada vez”.
4.1.3. Subcategoria – Grupo como Suporte
Neste processo de recuperação é muito importante que o dependente
químico esteja inserido em um grupo, no qual ele possa ser aceito e se identifique,
conseguindo assim construir laços de amizade, mencionado por um dos
dependentes “vou buscar novas oportunidades, novas amizades” (D.5), bem como
estar apto a dar continuidade ao crescimento pessoal, como enfatiza outro
dependente “eu quero voltar a estudar de novo (...) um emprego que eu vou ter”
1 O modelo de tratamento preconizado pelo A.A. apareceu pela primeira vez em 1935. ele fora criado por Bill Wilson, então dependente de álcool e pelo médico Robert
Smith. Essa união resultou na criação da Alcoholics Foundation (1938), um guia para a sobriedade, fundamentado na prática dos 12 Passos. A popularidade do método de
tratamento proposto pelo A.A. fez com que este chegasse às clínicas de tratamento. Essa versão institucional do A.A. ficou conhecida como Modelo de Minnesota. No Brasil,
o primeiro grupo foi fundado no Rio de Janeiro, em 1948. Esse modelo influenciou e até hoje influencia boa parte das comunidades terapêuticas em todo o mundo,
especialmente nos Estados Unidos e no Brasil.
2 NA (Narcóticos Antônimos) é uma irmandade de homens e mulheres para quem as drogas se tornaram um problema maior. São adictos em recuperação que se reúnem em
locais e horários pré-determinados para partilhar suas experiências para se manterem “limpos”, sendo o único requisito para ser membro o desejo de parar de usar. Estima-se
que o NA hoje está em 70 países. No Brasil, são aproximadamente 450 grupos estáveis. FERREIRA NETO, David. Drogas. Porque, Como e Quando. Balneário Camboriú,
2003
36
(D.2), criando uma rede de relações com a sociedade de maneira nova, saudável,
baseada nos princípios humanos universais.
Zago (1995, p. 68) ressalta sobre o processo social:
À medida que estreita a dependência, o indivíduo gira tal como um satélite
em volta da droga, transformando-a em centro de seu viver e com isso se
ausentando de suas relações pessoais e do processo social; não podendo,
pois ausente, realizar mudanças na sociedade porque sua escravidão com
as drogas o coloca à margem desse processo.
Riviére, (1988, p. 114), caracteriza o grupo como “um conjunto restrito de
pessoas ligadas, por constantes de tempo e espaço e articuladas por uma mútua
representação, a uma tarefa que constitui sua finalidade, enteratuando através de
complexos mecanismos de assunção e adjudicação de papéis. Este grupo pode
ajudar o dependente a encontrar o sentido de sua vivência, buscando respostas
para a transformação”.
Da mesma forma, Landre (apud SERRAT, 2001, p. 354) afirma que grupo
social são pessoas da mesma idade com as quais ele construirá relações de
amizade em vários níveis e servirão de espelho, conforto, apoio e estímulo nos
momentos oportunos.
A interação com o ambiente social permitem a construção de novas relações
humanas, muito importantes no processo de recuperação, que é evidenciado em
grande parte dos dados coletados, conforme segue: - “(...) vou buscar
oportunidades, novas amizades”. (D.5), - “(...) voltar a estudar de novo”. (D.2) - “(...)
recuperar minha auto-estima”. (D.4). Desta forma o dependente químico poderá
definir melhor o seu papel social e através dele conquistar com dignidade, os seus
direitos e deveres de cidadão.
37
4.1.4. Subcategoria - Espiritualidade
Outro fator determinante de expectativas que foi abordado por dois dos
entrevistados é a espiritualidade “(...) meu primeiro objetivo é continuar congregando
em uma igreja (...) ter uma estabilidade espiritual” (D.2) – “(...) me sinto bem, pois
entreguei minha vida a Deus (...) vou para a igreja” (D.5).
Vargas (1993, p. 108) cita que a religião é o campo do pensamento que lida
com os valores últimos da vida; porquanto, a Igreja é o instrumento, em específico
que dá expressão a esses valores.
A Igreja tem a custódia dos valores básicos, que servem de orientação para a
vida. Podem ser apresentados como absolutos para aceitação e reafirmação, ou
como finalidades a atingir na luta pela vida. Esses valores normativos dão
significação à vida. Sua ausência pode tornar a vida sem significado.
Escreve Gleaton (1987, p. 7) que:
As igrejas e sinagogas são uma parte de todas as comunidades. Muitas
vezes, entretanto, não são utilizadas devidamente, ou até se ignora por
completo os recursos e o potencial dessas organizações religiosas. Podem
elas prestar orientação e levar adiante programas educacionais para as
famílias. E, mais do que qualquer outra instituição, são as igrejas e as
sinagogas as mais aparelhadas para definir um sistema alternativo de
valores e que combata a auto-indulgência e o hedonismo característico da
chamada cultura das drogas.
A Igreja em nosso meio é o mais poderoso instrumento de controle preventivo
informal, porque a religião atua basicamente na formação de valores éticos e morais.
Explica Dupont Júnior (1986, p. 307) que:
Em nível psicológico, uma forma de se pensar no efeito da religião como um
sistema de valores compartilhados e correlatos que transcendem a pessoa
38
do indivíduo e seu momento no tempo (...) é justamente essa conexão com
os valores que transcendem as experiências pessoais de cada um, para não
mencionarmos o prazer pessoal, que constitui ao mesmo tempo importante
elemento na prevenção do abuso de drogas e na intervenção e tratamento
do abuso de drogas.
Na tentativa de concluir esta categoria salientamos que estamos diante de
fatores que podem ser sinalizadores para repensarmos a questão da recuperação e
as formas de tratamento.
Os dados coletados demonstram que todos os entrevistados possuem
projetos e expectativas definidas para quando terminarem o tratamento na
comunidade terapêutica. “(...) vou buscar novas oportunidades, novas amizades”.
(D5) - “(...) resolver um pouco de minha vida”. (D.3) – “tenho que cuidar do meu filho
(...) tenho sonhos” (D.1) – “voltar a estudar (...) um emprego que eu vou ter” (D.2) –
“recuperar minha auto-estima, tentar recuperar o tempo perdido” (D.4)
Diante destas constatações é que entram as questões de políticas públicas,
da reinserção social, para poder dar suporte e ajudar estes indivíduos a conseguirem
alcançar, se não todos, mas boa parte dos objetivos que almejaram.
4.2 - 2ª Categoria: Dificuldades
“A partir do momento em que se reconhecer que a sociedade gera – ela
própria – um número infinito de circunstâncias negativas e difíceis para o
desempenho individual, estaremos em condições de compreender vários
outros fenômenos integrantes e decorrentes desta situação.” (MORAD AMAR, A.
& col. Apud VARGAS, 1993, p. 203).
Esta categoria levanta dados acerca das dificuldades encontradas pelos
dependentes químicos diante do seu processo de adicção, internação, recuperação
39
e inserção social. Desta forma foram detectadas situações que envolvem a família,
amigos, trabalho e as redes sociais de forma geral. Para dar conta desta dimensão
dividimos em três subcategorias organizadas no âmbito da sociedade, no âmbito
familiar e no âmbito do trabalho e educação.
4.2.1 Subcategoria - No Âmbito da Sociedade
Hoje a sociedade gira em torno do ter, não do que a pessoa tem em sua
essência como ser, mas em torno do que ela adquire materialmente. Os valores
materiais como o carro, a casa, a viagem, o barco, o jet ski, o dinheiro, a fama, a
empresa, a estética, estão acima dos valores morais e éticos como o respeito, o
conhecimento, a sabedoria, o amor, o afeto, a responsabilidade, a dignidade, a
família. Você é digno e obtém respeito se tiver bens materiais, senão você é rotulado
como só mais um. Esta é a sociedade da informação e do pouco conhecimento.
Tudo se vê, se conhece, pouco se sabe. Nada é aprofundado, as questões são
vistas, mas, não são estudadas, repensadas. Os jovens não têm interesse em
estudar, conhecer, saber, conquistar. A sociedade passa valores distorcidos às
pessoas, como se os bens materiais fossem a única alternativa do respeito, da
conquista, do saber, do amor. Onde ficam os valores morais e éticos, o respeito a si
próprio, a auto-estima, o auto-conhecimento, o Ser acima do Ter?
A sociedade na verdade mostra falta de respeito com as pessoas,
menospreza nossa capacidade de Ser, de podermos conquistar o que almejamos.
Vivemos na sociedade em que o valor prioritário é ter posse de coisas,
objetos e pessoas. Os objetos têm um “valor” maior do que o humano. O homem é
40
valorizado pelo que possui e não pela sua existência, seu caráter ou sua essência.
Por isso, o homem procura no exterior um significado para sua vida.
O autor Zago (1995, p. 3) comenta que: “A história trata que desde os
primórdios o homem vem buscando um significado para sua existência. Neste
sentido tenta compreender a si mesmo, sua relação com o próximo e com universo.
O homem possui consciência do que existe, do que pensa, sente e é capaz. É um
ser transformador, com capacidade para modificar esse mundo, a si próprio e as
relações. Porém a evolução do mundo e a relação homem/máquina têm conduzido o
mesmo a uma imagem distorcida, levando-o a perceber a si próprio como um ser
robotizado, ou seja, uma máquina. Há um condicionamento humano, uma
subjetividade e crises ignoradas. Tornando-se assim em um homem manipulado e
condicionado pelos meios de comunicação”.
Dentro desta perspectiva encontramos uma sociedade contemporânea onde
um de seus fatores ruminantes é a necessidade de consumo, na qual todos são
solicitados a consumir, mesmo as pessoas com recursos financeiros escassos. E
não podendo fazê-lo, sentem-se falidas ou desvalorizadas, tanto no que se refere à
sua capacidade de consumo quanto ao desejo de possuir.
Zago (1995, p. 155-156) enfatiza três significados que caracterizam o
indivíduo adoecido existencialmente pela sociedade do Ter:
1- o contexto social consumista, no qual a aparência coloca-se, pela
ideologia, como mais fundamental que a essência; 2- o consumismo, que
leva a pessoa a acreditar em “soluções” sempre no exterior de si mesma,
nos objetos. Sentir-se vazio, em crise ou angústia é proibido no mundo
coisificado; 3- a ideologia do consumo, que inculca a confusa idéia de que
estar bem de vida equivale a estar de bem com a vida.
41
Os fatores socioeconômicos e políticos têm influenciado o aumento do
consumo indevido de drogas. O desemprego e a insegurança individual com relação
ao futuro, em geral carente de alternativas para os jovens, são considerados como
fatores que facilitam a ocorrência do problema. Para muitos, hoje em dia, a vida em
sociedade significa conviver cotidianamente com a experiência do sub-humano. Para
outros, o cotidiano é um viver por viver.
Salientam Morad Amar e col (apud VARGAS, 1993, p. 125):
A partir do momento em que se reconhecer que a sociedade gera – ela
própria – um número infinito de circunstâncias negativas e difíceis para o
desempenho individual, estaremos em condições de compreender vários
outros fenômenos integrantes e decorrentes desta situação.
Nessa sociedade que privilegia o ter; transformando a pessoa em simples
instrumento, o jovem se vê frente a um vazio interior, afirma Lorenz (1974, p. 63),
sintoma de uma forma social de viver sem sentido. Ao perceber este vazio tenta
preenchê-lo com coisas materiais, algo que foi condicionado a fazer: consumir.
Neste momento busca “soluções” no mundo das exterioridades ou aparências.
Nessa procura, pode ir ao encontro das drogas para a vida continuar “sem
problemas”. Diante desta afirmação encontramos a fala de um dos entrevistados –
“(...) achei que a droga era a solução” (D.1), outra forma de acordo com o autor seria
“para esquecer”, nesta possibilidade outros três entrevistados confirmam a teoria -
“(...) a droga era meu refúgio” (D.3); “(...) o momento em que eu me entrego e
esqueço de tudo” (D.4); “(...) é um refúgio para esquecer dos problemas” (D.5).
É nítido que quatro dos cinco entrevistados, tem a mesma opinião quanto ao
consumo das drogas, as palavras utilizadas são de fuga, saída, subterfúgio,
esquecimento, solução para os problemas que os mesmos não tem coragem de
42
enfrentar, para suas crises de existência e incapacidade de resolver questões
pendentes na vida. Então criam uma expectativa em torno da droga, na esperança
de que ao voltar à realidade os problemas estivessem sanados, e retornam as
drogas porque as dificuldades são as mesmas e os dependentes continuam
frustrados, criando assim, um transtorno maior do que o anterior. É um ciclo vicioso
sem medida de frustração constante porque o indivíduo se torna cada vez mais
dependente das drogas e cada vez menos capaz de solucionar seus problemas.
Knobel (1981, p. 37) salienta:
Vivemos no que podemos chamar de uma idade adolescente da
humanidade, onde a dependência faz parte do cotidiano. Bombardeados
por anúncios cheios de erotismo, que nos convidam a ter mais força, obter
vantagens, tomar álcool e fumar cigarros, acalmar os nervos, lutar com mais
vigor, comer qualquer comida só com a ingestão de alguns comprimidos, e
depois dormir, tranqüilamente, com um outro comprimido Eis o modelo
oferecido a crianças e adolescentes. Nessas condições, fica bem difícil para
o adolescente não cair na tentação da droga.
Assim, como o consumidor alienado e compulsivo busca nos objetos
(aparência) uma maneira de manter na superficialidade a vida interior carente ou de
pouco significado, também o dependente busca na droga uma forma de evitar
pensar em suas crises e problemas, os quais seriam, se trabalhados, possibilidades
de vida nova, novos passos e projetos.
Por outro lado, também ficou evidente a questão do preconceito sofrido pelo
dependente, pois, a interação que os indivíduos assumem com as drogas, equivale
a fazer uma análise crítica do processo de degradação das suas relações sociais.
Neste contexto encontramos as falas que se intercruzam e asseveram esta
afirmação: – “(...) as pessoas olham ainda para mim como um dependente químico
(...) tem preconceito (...) as pessoas ainda discriminam” (D.2) – “(...) as pessoas nos
43
tratam como um delinqüente, um ladrão” (D.3). De outra forma também aparece,
confirmados pelas falas, a perda de seus laços afetivos e familiares e as dificuldades
de integração social, – “(...) um marginal, um ladrão, um vagabundo, para a
sociedade” (D.3) – “(...) me sentia uma escória (...) um lixo, pois é assim que a
sociedade nos vê (...) a sociedade não acredita que possamos mudar” (D.5).
O parágrafo anterior demonstra com clareza a questão da diminuição da auto-
estima e das potencialidades de crescimento pessoal.
Pode-se perceber que na dimensão social, o problema ocorre quando o
consumo individual traz como conseqüência direta à degradação da convivência e
dos valores éticos – indicado pelo dependente (D.1) “tenho passagem pela polícia, já
fui preso (...) já roubei, tenho problemas com a justiça”, valores morais – como
explana um dos dependentes “a droga representa (...) grande perda, de moral, de
caráter” (D.2), de sociabilidade, que é visível em alguns depoimentos – “para a
sociedade sou um marginal, um ladrão, um vagabundo” (D.3) – “hoje representa
uma barreira social, os dependentes químicos são discriminados (...) olham pra
gente com preconceito” (D.4).
Neste segmento, o autor Içami Tiba (1999, p. 85) explana com maestria as
perdas sociais apresentadas pelo dependente: “A droga faz o usuário mentir, roubar,
prostituir-se, disfarçar. Quanto maior a vontade de consumí-la, mais os valores ficam
relegados à segundo plano”.
4.2.2 Subcategoria - No Âmbito da Família
Cada família apresenta a sua dinâmica com suas características próprias que
lhe é peculiar, no entanto, a sua estrutura, a sua forma de funcionar e
44
principalmente, a forma como lida com as relações afetivas é que vai dar o tom e o
movimento para as dificuldades e facilidades na recuperação do dependente.
Para Landre (apud SERRAT, 2001, p. 354 – 355): “A família continua sendo
um ponto de referência importante na vida do dependente. Ele deve estabelecer
uma relação afetiva autônoma com ela e ao mesmo tempo ter a certeza que é na
família que poderá confiar e contar nos momentos difíceis ao longo da Reinserção
Social”.
Vale salientar que a família enquanto fator decisivo na reinserção social do
adicto é considerada a sociedade primária a qual ele será reinserido. Neste contexto
verifica-se que a família também poderá adquirir a co-dependência3, ou seja, a
doença das drogas também poderá ser familiar e por isso deverá ser tratada no
todo, principalmente na revisão de conceitos, de atitudes, de imposição de limites,
de atenção para com o adicto para poder reestruturá-lo e inseri-lo no convívio social.
Dentro desta perspectiva, os familiares assumem responsabilidades dos
dependentes e muitas vezes impedem que o dependente aprenda com as
experiências dolorosas; outras vezes a família isola-se e focaliza seu
comportamento no dependente e tenta controlá-lo. Ainda, existe o familiar que acaba
super protegendo o dependente. Com esta reação os familiares experimentam
frustração, ansiedade e culpa.
Ferreira Neto (2003, p. 139) esclarece com precisão a doença da
dependência familiar:
A dependência química se caracteriza por ser uma doença familiar: não
somente o dependente sofre, mas todas as pessoas a ele chegadas.
Dificilmente, não ocorrem repercussões do comportamento do doente
3 Co-dependência é uma síndrome definível crônica que segue uma progressão previsível. O co-dependente é qualquer pessoa cuja vida ficou incontrolável
por viver uma relação comprometida com um dependente químico. FERREIRA NETO, David. Drogas. Porque como e quando. Camboriú, 2003, p. 134
45
dependente nos familiares mais próximos, repercussões essas que
constituem uma verdadeira doença emocional do familiar.
Os dados coletados nesta pesquisa também são compatíveis com os estudos
acima citados, a situação da co-dependência é fortemente caracterizada, onde a
reação familiar é geralmente no sentido de proteger, conforme destacamos a seguir:
“(...) fez de tudo o que pode, me deu conselho, me levou para a igreja, nunca me
deixou faltar nada, sempre me deu carinho, amor” (D.5), outra forma de reação
familiar é a de ajudar, isto é observado em duas falas dos entrevistados – “(...) minha
família me ajudou bastante, eles me deram emprego, me deram casa pra morar (...)
sempre pude contar com eles” (D.2) - “(...) eles acham que a solução é internar, tem
que internar” (D.1), ainda dentro deste contexto familiar destaca-se o apoio, que é
sinalizado por dois dos entrevistados – “(...)me apoiou, tentaram tratamento (D.3) –
“(...) sempre que precisei, eles estavam ali para me ajudar, sempre me apoiaram, me
incentivaram, deram conselhos.” (D.4).
No parágrafo anterior, é evidente que nas cinco entrevistas, os dependentes
indiscutivelmente tiveram o apoio da família. Falaram em amor, carinho, emprego,
casa, que a família estava ali, que internaram. Vislumbraram que existem pessoas,
que se comprometem com eles, que sentem carinho, que tem expectativas quanto a
essa pessoa, que acreditam em seu potencial, no poder da “cura”, no querer, no
auto-controle, na ressurreição de uma vida.
Por outro lado, se constata com muita evidência, o poder que a droga tem nas
dissoluções das relações familiares, conforme se examina nos depoimentos a
seguir: “sou filho único, já aprontei com meu pai, já roubei ele” (D.1) – “me sinto
discriminado pela minha família” (D.4). As relações conjugais também sofrem
interferências e, este é um problema demonstrado por um dos entrevistados “me
46
separei (...) penso na mulher que me abandonou (...) porque aprontei muito com ela”
(D.1).
Pelos depoimentos constantes no parágrafo anterior, os conseqüentes
problemas em virtude do consumo de drogas com as relações familiares e conjugais
são fatores que têm agravado a dificuldade do indivíduo estabelecer novos vínculos
afetivos.
4.2.3 Subcategoria - No Âmbito do Trabalho e da Edu cação
Do ponto de vista profissional, o consumo de drogas é um problema quando
seus efeitos negativos comprometem a produtividade do indivíduo. Assim, o
dependente possui graves dificuldades de exercer atividades profissionais,
caracterizadas por ausências, acidentes e baixa produtividade no trabalho,
mencionado por alguns dos dependentes: “trabalhava como segurança, por causa
da droga fui mandado embora, não conseguia me concentrar” (D.5) – “eu tinha um
bom emprego, mas com o uso diário da droga, perdi tudo, joguei tudo fora” (D.3) –
“trabalhava com meu pai, mas roubei (...) aprontei muito, por estes problemas, ele
me mandou embora” (D.1).
Landre enfatiza que o trabalho/escola e a interação com o ambiente permitem
a construção de novas relações humanas – como ressalta um dos dependentes
“voltar a estudar de novo (...) um emprego que eu vou ter (...) tenho sede de
aprender mais e mais” (D.2). O dependente poderá definir melhor o seu papel social
e através dele conquistar com dignidade, os seus direitos.
Zago (1994, p. 23) expressa que: “A educação pode contribuir na
conscientização dos indivíduos, não se trata de tornar possível ao educando o
47
aprendizado de um posicionamento crítico em relação às drogas, porém que esse
aprendizado seja para a vida como um todo. Não somente para a vida futura, mas
para a vida no momento mesmo, no presente do sujeito concreto que se presentifica
quando assume um posicionamento crítico e construtivo no mundo”.
Dentro desta mesma perspectiva Zago (1994, p. 23-24) ainda aborda, mais
uma vez, com maestria a questão da educação:
Como instrumento de desenvolvimento e cidadania, a educação possibilita
ao cidadão aprender a pensar criticamente e a posicionar-se para ser capaz
de fazer escolhas que contribuam para com o seu crescimento pessoal e
social. E que o processo desenvolva uma consciência e uma crítica
responsável em relação ao todo e em relação às drogas.
Freire (1979, p. 26 e 81) relata a questão da educação como uma consciência
do indivíduo:
A educação crítica considera os homens como seres inacabados e
incompletos e uma sociedade também inacabada. E que o diálogo
educador-educando possibilite a conscientização que deve ser entendida
como um compromisso histórico, inserindo-se na história como sujeitos que
criam seu existir conforme fazem e refazem o mundo.
O adicto deverá encontrar um significado para sua história, compreender as
escolhas que fará. Refletir sobre o fato de que, apesar de tudo, pode dar um novo
significado à sua vida.
Para concluir esta categoria encontramos no autor Lorencini Júnior (1997, p.
04) questionamentos sob determinados aspectos individuais e sociais da
drogadição. Se pelo lado do dependente questiona: “até que ponto o consumo de
drogas provoca no indivíduo uma falta de perspectiva para o futuro, uma baixa auto-
estima e uma degradação das suas condições de sociabilidade?” Por outro lado, sob
48
uma perspectiva social pergunta: “em que medida a falta de perspectiva futura, a
baixa auto-estima e a degradação das condições de sociabilidade constituem fatores
sociais que interferem na tendência ao consumo de drogas?”
O mesmo autor responde a esse questionamento considerando uma análise
de todas as dimensões envolvidas no problema e as causas que levam ao consumo
de drogas com altos custos pessoais e sociais, onde os aspectos contextuais da
dinâmica social e cultural são mais fortes para a compreensão dos motivos e
padrões de consumo de drogas que os aspectos pessoais.
4.3 – 3ª Categoria: Sentimentos
“Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo
aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo. (...) Tornou-se mais fácil
para mim aceitar a mim mesmo como um indivíduo irremediavelmente
imperfeito, e que, com toda a certeza, nem sempre atua como eu gostaria
que atuasse.” ( ROGERS, 1991. p. 29).
Esta categoria tem o objetivo de identificar quais os sentimentos do
dependente químico diante da realidade, ou seja, diante da droga, quais seus
medos, angústias, ansiedades.
De acordo com o autor Theóphilo (2004, p. 3)
Os dependentes químicos em regra geral são personalidades dominadas
por angústias e temores, cuja qualidade e intensidade os convertem como
portadores de sentimentos insuportáveis para o seu ego, a insegurança em
si mesmo, a baixa estima, a desorganização de seus valores no seu ser,
estar e agir criam uma enorme insegurança, e o medo de ser destruído cria
uma forma paranóica violenta que domina este tipo de personalidade, daí a
estrutura volúvel do adicto que possui uma resistência psicológica muito
fraca. E a droga, pela sua ação química mascara o medo e dá um falso
49
suporte para sustentar o fracasso ou a frustração. É a ilusão de haver
vencido o fracasso inexistente.
A angústia cede lugar a um “clima de paz” sentido, às vezes, como
paradisíaco. Tudo adquire uma serena relevância: sons, cores, gestos, paisagens. O
tempo pára e ele pratica atitudes que em estado normal jamais seria capaz de
praticar.
Theóphilo (2004, p. 4) ainda enfoca que: “a droga funciona como objeto
externo a serviço de um “equilíbrio” que intenta restabelecer a homeostase
(tendência à estabilidade por meio interno do organismo) para que possa lidar com a
ansiedade e a angústia”.
Diante desta realidade os dados encontrados entre os participantes
entrevistados indicaram a prevalência de sentimentos de frustração, prazer, menos
valia, solidão, ausência do outro, culpa e vergonha, esperança e exclusão que serão
apresentados a seguir.
- Frustração
Um fator determinante deste contexto é a frustração das expectativas e das
condições de exclusão social que são próprias desses grupos.
Usa-se então as drogas para anestesiar esse sofrimento - enfatizado por um
dos entrevistados “(...) o motivo era tristeza e angústia (...) para esquecer” (D.3)
bloqueando assim, a possibilidade de sentir dor emocional, conforme descreve um
dos dependentes: “(...) me separei, fiquei muito triste e achei que a droga era a
solução” (D.1). O dependente torna-se emocionalmente insensível com a
drogadição, arruinando-se e a seus projetos.
50
Kafka (apud VARGAS, 1993, p. 37) ressalta com mérito a questão do
sofrimento, quando dispõe: “Você pode afastar-se dos sofrimentos do mundo, isto é,
algo que está livre para fazer e de acordo com sua natureza, mas este recuo talvez
seja precisamente o único sofrimento capaz de evitar”.
Por isso a droga pode ser eleita como objeto idealizado de “cura” para as
crises e dificuldades internas – conforme destacam os dependentes: “a droga é um
refúgio, para esquecer dos problemas” (D.5) – “era meu refúgio (...) é o momento em
que eu me entrego e me esqueço de tudo” (D.4) – “é um esconderijo (...) quando eu
me sinto mal (...) é um refúgio, é quando eu esqueço do mundo, esqueço dos
problemas” (D.1). Sob efeito de uma droga o jovem percebe-se onipotente,
“viajando”, distante ou “ligado”, escondendo com isso sua insegurança de não saber
quem é, formando um conceito de si mesmo e tendo a droga como liga.
- Prazer
No início do processo de dependência, sob o efeito da droga, o jovem delicia-
se no prazer fugaz, como destacou um dos dependentes - “para esquecer (...) não
penso em nada, só penso na droga e no prazer” (D.3).
Depois, estabelecida à dependência, torna-se escravo da droga e passa
então a viver em função exclusiva dela, pois necessita encobrir, sem saber, sua
solidão. Por último, após cada dose da droga vem a “depressão”, aliviada com outra
dose, e, assim, continuadamente.
Vargas (1993, p. 95) cita com propriedade:
Há no uso e/ou abuso de drogas um pecado original – o ato culpável do
homem que aposta contra a sua própria existência, pela alienação vital.
Com este afastamento, o homem não apenas desintegra valores pessoais,
como ainda arrasta os que com ele convivem para o nada que secreta.
51
Uma droga consumida tem para o usuário, sem ele saber exatamente, o
significado de um “remédio”, ou melhor de um “mau remédio”. São conhecidos os
desdobramentos graves decorrentes do uso, do abuso e da dependência de drogas,
tanto no aspecto individual quanto familiar, social, material, jurídico, etc. A droga não
resolve os problemas ou as crises de uma vida; pelo contrário, a “relação” com ela
apenas encobre as crises existentes, provocando outras adversidades.
Neste segmento, Cavalcante (2003, p. 02) assevera:
Ser um escravo da droga é em si um projeto suicida. Os modos de vida de
uma pessoa drogadicta mostram isso – descuido da aparência pessoal,
acidentes, colocar-se em risco, o furto, o roubo, o estelionato.
Concomitantes perdas maiores – a dignidade e o respeito, bem como seu
maior e mais rico patrimônio que é a si mesmo.
- Sentimento de menos valia
A perda do respeito, da dignidade e dos valores éticos, dentre outros, são
fatores incontestáveis de angústias e sofrimento aos dependentes. Um deles
destaca em sua entrevista: “(...) a sociedade me vê como um drogado, um ladrão,
porque tenho passagem pela polícia (...) já aprontei muito com o meu pai, já roubei
ele (...) tenho problemas com a justiça” (D.1)
- Solidão
A profunda solidão que o dependente químico vive é perceptível, pois quem
elege a droga como modo de anestesiar crises, e na maioria das vezes tal “escolha”
é inconsciente, é para que sua fragilidade e carência de pessoas não fiquem
aparentes. Solitário de si mesmo, a droga é a tentativa iludida de encontrar-se. Isto
fica evidente nas falas a seguir: “(...) o dependente químico é muito carente, se sente
52
muito sozinho”. (D.2) – (...) “eu usava droga para fugir dos problemas, principalmente
porque eu sou adotivo e me sentia diferente”. (D.3).
Há pessoas drogadictas que honestamente se dispõem a deixar as drogas.
Entretanto não conseguem. Estão dissociadas, não conseguindo transformar em
ação o que tem em idéia. Neste sentido há um aumento do sentimento de fracasso
ou ainda a incapacidade de estabelecer um relacionamento transparente para com o
próximo. Conforme as falas que seguem: “(...) eu usava a droga e depois me sentia
um lixo, mas não acreditava que poderia mudar” (D.5) – “(...) grande parte das vezes
que estou usando droga, penso que estou fazendo tudo errado, mas daí já estou ali
mesmo e não quero nem saber”. (D.1).
- Ausência do outro
A dependência de droga revela, a ausência do outro, do próximo. Isso explica
porque o dependente não consegue manter relacionamentos profundos e
duradouros com seu semelhante. Isto aparece em algumas das falas dos
entrevistados; “(...) este é o meu terceiro casamento, mas deste último agora
também estou separado”. (D.1) – “(...) por causa da droga, me separei da menina
que eu estava vivendo”. (D.5).
A drogadição é o aniquilamento do eu e do nós, ou seja, do posicionamento
no mundo. Por isso o dependente químico gosta da noite. Nela, a pessoa
dependente vive às escondidas, nos cantos, às margens. Roda ou anda pela noite
toda, sem rumo, “por aí”, desesperada, consciente ou não, em busca de prazer,
segurança ou mortal conforto nas drogas para suas feridas interiores. Tenta o
absurdo de evitar a solidão, solitário, com as drogas. A drogadição assemelha-se
perfeitamente com as trevas. Conforme as entrevistas a seguir: “(...) cheguei a ficar
53
cinco dias e cinco noites sem dormir, só queria usar a droga”. (D. 2) – “(...) eu saía,
dormia e acordava com a droga ao meu lado”. (D. 3).
Zago (1995, p. 25) revela:
A dependência de drogas é, enfaticamente, uma forma de negar a si
mesmo, isto é, um eu-negado, já que sob o efeito da droga o dependente
fica alterado (alter = outro), distante de si mesmo e, portanto, do
semelhante. Acaba manipulado (usado) pelo drogadicto apenas como
extensão de si para alimentar a sua dependência. Em outras palavras, por
não amar a si mesmo, não ama os outros; por negar ser genuinamente ele
próprio, transforma o semelhante também em o outro –negado. O
dependente “funciona”, desse modo, como uma “máquina”, repetindo
sempre a mesma operação.
Antes de uma conduta revolucionária ou rebelde, a drogadição é uma
condição escrava porque a individualidade não se mostra autônoma, ao mesmo
tempo, que se ausenta do fluxo coletivo. A pessoa drogadicta não se transforma,
então, o mundo dado, com todas as suas peculiaridades de consumo e
inacessibilidades do ter, num mundo do possível, onde o ser está em primeiro lugar
e é amplamente valorizado pela sua essência. É um viver alienado, de si mesmo e
dos outros.
- Culpa e Vergonha
Outro sentimento que rodeia o drogadictos é a culpa, enfatizada por alguns
dos dependentes – “(...) me sinto culpado” (D.3), “me sentia culpado por ter usado,
pois poderia ter encontrado outra forma de me refugiar” (D.5).
Culpa ou vergonha? Preferem sentir culpa porque a mesma fala de erro, não
de incapacidade. A culpa pode desaparecer sem deixar mancha ou marca se
tivermos pago por ela. E a vergonha? Esta tem a ver com incapacidade de algum
54
modo. É diretamente referida à auto-estima. A culpa desencadeia uma série de
reações pessoais e sociais. Até uma conversa pode diminuir o efeito de certas
culpas. Um julgamento pode absolver ou condenar.
A vergonha é paralisante, pode impedir nossa participação em certos eventos.
Ela é inesperada, desconcertante. Para a vergonha o mundo dá poucos remédios.
Da vergonha só nos livramos aceitando-nos com nossos defeitos, o que significa
aceitar-se sem esconder as próprias faltas, falhas ou carências. E o remédio fica em
torno de fortificar a auto-estima, a ponto de nos permitir suportar o olhar do outro
sem nos sentirmos na obrigação de dissimular o erro.
Nesta fase também as pessoas podem sentir muita vergonha porque acham
que estão loucos, perturbados emocionalmente, deficientes como pessoa, ou
incapaz de ser ou sentir-se normal. Também sentem culpa porque acham que estão
fazendo alguma coisa errada ou falhando ao trabalhar num programa de
recuperação. A vergonha e a culpa levam-os a esconder os sinais de aviso e param
de falar honestamente com os outros sobre o que estão experimentando. As
pessoas tentam lidar com estes sinais de aviso, mas falham. Por isso começam a
acreditar que não têm e não existe mais esperança.
Estes sinais de aviso levam as pessoas a sentirem-se inquietas, assustadas e
ansiosas. Têm medo de não serem capazes de continuar sóbrias. Podem ignorar ou
negar estes sentimentos. Evitam pensar sobre qualquer coisa que possa trazer de
volta os sentimentos dolorosos e desconfortáveis. Por isso começa a evitar tudo que
possa forçá-lo a uma honesta olhada em si mesmo.
Um senso de fracasso começa a se desenvolver. Pequenos fracassos são
exagerados e aumentam de proporção e a crença de que fez o melhor que pode e a
recuperação não está funcionando começa a se desenvolver.
55
- Esperança
Por outro lado, existem as pessoas que durante o tratamento procuram uma
forma de sobreviver a todos estes sentimentos negativos, buscando algo maior para
suas vidas, que lhes dê conforto, consolo, que abrande seus temores, seus conflitos,
suas expectativas. Enfim, buscam algo superior que lhes dê forças para sobreviver a
esta condição subumana que se envolveram, tranqüilidade e serenidade para
transporem essa barreira da dependência.
Estes sentimentos positivos estão ligados diretamente a Deus, a religiosidade
e a espiritualidade, como se observou em algumas entrevistas: “o sentimento hoje é
de intimidade com Deus (...) nós precisamos de mais intimidade com Deus (...) hoje
eu procuro ter uma presença espiritual com Deus (...) o meu sentimento é ser salvo
na verdade (...) hoje valorizo minha vida, ficar de bem comigo mesmo, para isso eu
tenho que agradar a Deus (...) procuro ter um carinho, uma harmonia, ter o coração
puro” (D.2) – “vou para a igreja (...) hoje me sinto bem, pois entreguei minha vida a
Deus” (D.5).
Buscáglia (1997, p. 138, 139 e 141) focaliza com veemência a questão da
espiritualidade:
As pessoas plenamente atuantes possuem um profundo sentido de
espiritualidade. Sabem que sua condição de tornar-se pessoa e o mundo
em que vivem não podem ser explicados ou compreendidos através,
apenas, da experiência humana. (...) A espiritualidade, a fé e o mistério são
inerentes a cada aspecto da vida. (...) A espiritualidade envolve uma
percepção de tudo que existe e uma compreensão de tudo o que não
existe. É a força e temeridade que nos permitem transcender a realidade e
nós mesmos.(...) Ser plenamente atuante é estender as mãos com total
confiança e tocar Deus, em todas as coisas.
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A questão da religiosidade ou espiritualidade é significativa quando se busca
a “cura” ou a “solução” interior. A fé é uma das armas mais poderosas para que o
dependente seja libertado da droga.
É passível de verificação que os mesmos sentimentos que outrora levaram as
pessoas à dependência química, são os mesmos que se apresentam durante sua
recuperação ou sua necessidade de tratamento, sejam angústia, depressão,
sofrimento, exclusão, culpa, vergonha, etc...
- Exclusão
A questão da exclusão é veemente no antes e no depois, ou seja, na fase
anterior à dependência porque não tem o poder de consumo, não se sente à
vontade na sociedade por não poder consumir como a sociedade impõe que ele
consuma; na fase posterior porque não se sente aceito, acha que é ele quem faz
mal à sociedade, não consegue discernir que ele é fruto dessa sociedade. Vive em
estado de sofrimento pleno, no antes, no durante e no depois da dependência,
visivelmente verificados nos cinco depoimentos: “a sociedade me vê como um
drogado, um ladrão, (...) um bandido, um viciado (...) tenho problemas com a justiça”
(D.1) – “me sentia uma escória (...) um lixo, é assim que a sociedade nos vê” (D.5) –
“hoje a droga representa uma barreira social, os dependentes químicos são
discriminados (...) olham pra gente com preconceito” (D.4) – “para a sociedade sou
um marginal, um ladrão, um vagabundo” (D.3) – “a droga representa na minha vida
uma grande perda, de moral, de caráter, de saúde” (D.2). Diante destas entrevistas
fica evidente que a droga trás grandes prejuízos sociais para quem faz uso dela.
Pouco se vê em termos de satisfação, de alegria, de retorno a uma nova
chance que a vida proporciona. Antes se verifica medo do porvir. Muitos não
57
conseguem enxergar uma nova oportunidade de se restabelecer, não vêem que o
sofrimento e a dor são possibilidades de mudança, de desenvolvimento, de
crescimento espiritual e individual, não acreditam no presente da vida que lhes é
oferecido.
Neste contexto é imprescindível a necessidade de ações de valorização da
pessoa, como amor, carinho, desejo, proteção, harmonia, etc..., para atenuar os
efeitos nocivos das drogas. Essas ações se referem às condições possibilitadoras de
uma vida social de convivência segura e sem exclusões. Não somente aos excluídos
materialmente, mas também aqueles que já não trazem em si um sentido mais
positivo da existência.
4.4 – 4ª Categoria: Recaída
“ (...) o uso de drogas é uma forma simbólica que evidencia a má
adaptação interior e exterior do indivíduo, onde a recidiva representa
também uma reação simbólica, denotadamente agressiva, aos estímulos e
meios que o ameaçam e o frustram”. (VARGAS, 1993, p. 162).
Para entendermos melhor a recaída precisamos conhecer quais são os sinais,
os fatores de risco que levam a tal situação. O que pretendemos com esta categoria
é conhecer quais são estes sinais indicativos. De acordo com as entrevistas
realizadas percebemos que todos eles têm consciência e sabem o que os leva a
recair, mas na maioria das vezes não conseguem evitar e recaem.
Diante destes aspectos é necessário que se aborde, dentro do contexto que
cerca o indivíduo, os sinais que indicam que o mesmo tem potencial a ser um
reincidente.
Toda pessoa tem um conjunto pessoal de sinais que indicam que o processo
de recaída está acontecendo. Estes são sinais para ele e para os outros que existe
58
processo de recaída. Os problemas que levam o indivíduo à recidiva podem ser
situações internas ou externas. Estes sintomas podem ser problemas de saúde,
problemas de pensamento, problemas emocionais, de memória ou de julgamento e
comportamento.
O processo de recaída leva a pessoa em recuperação a sentir dor e
desconforto sem o químico. Esta dor e desconforto ficam tão fortes que a pessoa em
recuperação fica incapaz de viver normalmente quando não bebe ou usa droga e
sente que beber não pode ser pior que a dor de continuar sóbrio.
A recaída, segundo Landre (apud SERRAT, 2001, p. 342) “é um processo que
leva o indivíduo a retomar o uso abusivo de álcool e/ou drogas. Como processo, a
recaída apresenta alguns sinalizadores que, considerados em tempo, podem ser
interrompidos por habilidades e estratégias que, abordadas e executadas, fazem
com que o mesmo retorne ao controle de sua recuperação e reverta tal processo”.
Quando se focaliza o comportamento de dependentes químicos, pode-se
perceber algumas características que o diferenciam de um indivíduo que não tem
este comprometimento. O indivíduo deve, através de exercícios de
autoconhecimento e autocontrole, identificar situações, pessoas, lugares e estados
emocionais, comportamentos e atitudes que podem mantê-lo em recuperação ou
preceder uma recaída.
A insatisfação do indivíduo, a falta de estrutura para resolver suas questões
pessoais, seus conflitos internos e externos, suas crises existenciais, suas
expectativas de vida frustradas, são justificativas latentes para que o indivíduo se
envolva com as drogas, ou se o mesmo estiver em processo de reabilitação, a
ocorrência da recidiva.
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Diante do exposto e através dos dados coletados prevalecem alguns sinais
indicativos da recaída que são: influências, baixa auto-estima, conflitos pessoais,
estados emocionais e ambiente.
- Influências
As normas para os comportamentos sociais para Oetting & Donnermeyer
(apud SCHENKER & MINAYO, 2003, p. 16), incluindo-se aí o uso de drogas, “são
aprendidas predominantemente no contexto das interações com as fontes primárias
de socialização que, na sociedade ocidental, são a família” – manifestada por um
dos adictos “(...) minha situação acho que é hereditária, meu pai e minha mãe
também usavam droga, minha mãe é usuária de crack” (D.2). Outra fonte de
influência podem ser os amigos, principalmente na adolescência – mencionado por
alguns dos dependentes “(...) usei por causa das amizades, meus amigos mais
velhos, por me chamarem de careta” (D.5) – “(...) um amigo meu que trabalhava
comigo, usava droga ele pegou, me ofereceu, eu aceitei” (D.1). Cada uma das
conexões das fontes primárias com o jovem envolve um vínculo que provê um canal
para a comunicação de normas. Vínculos frágeis entre o jovem e essas fontes são
fatores de risco para a instalação de desvios. Vínculos e ajustes saudáveis com a
família e com a escola previnem a associação do jovem com as ditas “más
companhias” na adolescência.
- Baixa auto-estima
Pesquisas descritas por Hoffmann & Ceboneb (apud SCHENKER & MINAYO,
2003, p. 27) mostram que os distúrbios no uso de drogas psicoativas estão
associados com a baixa auto-estima, relatado pelo adicto “(...) usei droga pelo fato
60
de ser filho adotivo, pela revolta de não ter sido criado por meus pais, me sinto
inferior, o tratamento dos meus pais comigo e com meus irmãos é diferente”.
Tchekhov (apud BARRETO, 1999, p. 1) traduz com propriedade a falta de
sucesso pessoal quando um indivíduo faz uso das drogas: “E ao final vão lhe
perguntar: o que é que você fez da sua vida? E você? O que vai responder? Nada?”
Da mesma forma, Zago (1994, p. 49) manifesta com precisão a questão da
desvalorização da vida: “A drogadição é uma tentativa enganosa de cura para
encobrir um projeto suicida. Assim essa manifestação através da dependência de
drogas é de uma profunda descrença e desvalorização do viver“.
- Conflitos Pessoais
Situações envolvendo conflito em andamento ou relativamente recente
associado com qualquer relacionamento interpessoal, tal como casamento, amizade,
membros familiares ou relações de trabalho, podem ser desencadeadores para uma
recaída, é o que afirmam Cummings, Gordon & Marlatt (1993, p. 34 e 35). Isto é
confirmado através de grande parte das entrevistas realizadas, “(...) quando
começam as cobranças sei que é motivo para eu voltar a usar a droga” (D.3); “(...)
quando me separei da menina que eu estava vivendo, recaí, voltei a usar a droga”
(D.5); “(...) a separação foi o motivo que me levou a recair” (D.2); “(...) quando me
separei, fiquei muito triste e achei que a droga era a solução” (D.1). O que se verifica
é que a recidiva, é quase sempre o resultado de alguma espécie de frustração
pessoal ou social.
61
- Estados emocionais
O estado emocional negativo, as pressões sociais e o estado de humor
apresentam-se como fatores determinantes na recaída. Estes itens aparecem em
praticamente todas as pesquisas realizadas recentemente, sendo vinculativos e
merecedores de especial atenção na prevenção da recidiva. Dentre eles
destacamos: depressão, tristeza, desânimo, ansiedade, estresse, angústia, solidão,
preocupação, culpa, vergonha, frustração, inibição, rejeição, humilhação, auto-
piedade, inveja, ciúmes, raiva, ressentimento, impulsividade, tédio, medos, etc. Nos
dados coletados grande parte destes sentimentos aparecem e são assinalados
pelos participantes, conforme verificamos: “(...) não consigo lidar com certas
questões da minha vida, uma delas é o fato de ser adotivo!” (D.4); ”(...) sei que vou
recair quando sinto angústia e tristeza”(D.3); “(...) voltei a usar porque tinha um vazio
dentro de mim” (D.2).
O círculo social que se impõe ao indivíduo em tratamento pode converter-se
numa importante forma de frustração, neste contexto muitas vezes o dependente
químico recorre às drogas como uma forma de aliviar a tensão e o sofrimento.
- Ambiente
Todas as situações abordadas nesta categoria denotam não só as
potencialidades de um indivíduo vir a ser um dependente químico, mas ser um
recidivo, quando do seu retorno ao convívio social pré-existente, onde o mesmo não
vê mudanças, demonstrado pelos adictos “(...) se eu voltar para casa e ver que as
pessoas continuam iguais e não mudaram seu modo de pensar em relação a mim,
pode ser que eu recaia” (D.4); “(...) na casa da minha mãe eu não posso voltar de
jeito nenhum porque ela usa droga, minha família fuma e bebe” (D.2); Outro fator
62
que pode levar a recaída é o dependente químico voltar a ter os mesmos hábitos
que possuía antes de passar pelo processo de internação, conforme mostram dois
dos entrevistados “(...) eu continuei freqüentando os mesmos lugares, aí eu
recaí”,(D.2); “(...) voltei a me relacionar com os antigos amigos, já sabia que uma
hora ou outra eu ia recair” (D.5); “(...) o meu problema maior é o dinheiro, eu não
posso ter dinheiro na mão, é um problema, é um fato de risco” (D.1).
Apesar dos aspectos apresentados quanto aos fatores que levam um
indivíduo a recaída, a mesma não deve ser considerada como um sinal de insucesso
no tratamento. Ela pode ser utilizada como uma oportunidade para ampliar a
conscientização do dependente sobre suas dificuldades e seus conflitos. E pode ser
vista também como uma oportunidade de rever as convicções em torno da
abstinência.
Há sempre o que se aprender. Cair, levantar, fracassar, ganhar, perder, rir,
chorar, faz parte da história de cada indivíduo. Saber que não se têm limites é o
maior desafio. Mas este só será conhecido se o ser humano quiser arriscar-se.
Buscáglia (2001, p. 273)4 enfatiza com propriedade as escolhas que
fazemos na vida:
Escolha o modo de vida. Escolha o modo de amar. Escolha o modo de se
interessar. Escolha o modo de esperar. Escolha o modo de crer no amanhã.
Escolha o modo de confiar. Escolha o modo da bondade. Cabe a você. A
escolha é sua. Você também pode escolher o desespero. Também pode
escolher o sofrimento. Também pode escolher tornar a vida incômoda para
os outros. Também pode escolher o preconceito. Porém, para que? Não faz
sentido. É apenas autoflagelação. (...) se você resolver assumir plena
responsabilidade por sua vida, não vai ser fácil, e você vai ter que aprender
a arriscar de novo. Risco: a chave da mudança.
4 BUSCÁGLIA, Leo F. Vivendo, amando e aprendendo. 25ªed. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 273
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Mesmo que ocorra a recaída, a mesma pode ser uma oportunidade de
aprendizagem, de reconquista da existência, uma experiência negativa que pode
ensinar a reavaliar as atitudes, a desvendar novas alternativas e possibilidades de
tratamento, de reinserção, de opção pela vida. Os sentimentos de sofrimento e
frustração têm, se desejarmos, a capacidade de nos transcender da destruição para
a ressurreição.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Na fonte primordial de onde brotam os impulsos, não existem ainda
o bem e o mal. O que move uma pessoa em direção à droga está, na
origem, muito perto do que levou o homem a se debruçar sobre o
microscópio, ou a olhar por um telescópio: o mesmo que impulsionou
tantos em direção ao sextante, aos mares bravios, às aventuras
espaciais. Esse movimento de expansão, que nos empurra às
grandes descobertas, afrontando o desafio do desconhecido, é parte
do arsenal que nos fez humanos, reflexo do desejo de conhecer
sempre mais, da ousadia de romper limites. Brota da sensação de
desconforto de viver uma só vida, dentro de uma única pele.
Algumas experiências podem romper essas limitações. Dentre elas: a
arte, as paixões e as drogas.” (VARGAS, 1993, p. 56)
Afinal, o que tem a droga de tão sedutora? Para os jovens, seus usuários
mais freqüentes, ela “vende” a promessa mais imediata de felicidade. Uma felicidade
obtida pelo imediatismo, pela alienação, por um projeto suicida.
As drogas são um malefício que permeia a sociedade. Lugar onde o indivíduo
sofre, se desespera, entra em situação limite, em crise existencial, por não conseguir
lidar com sua incapacidade e seu fracasso.
Essa fuga é a mais grave por criar dependência, e o sujeito perde a
capacidade de se reconstruir. A droga torna-se o ponto central de sua vida, a
instabilidade emocional é uma constante e o mesmo conduz sua existência para um
projeto suicida.
Foi esta realidade que nos motivou a desenvolver esta pesquisa ancorada no
objetivo que é verificar os fatores que levam à recaída dos dependentes químicos,
que passaram por um período de abstinência durante a internação em clínicas de
recuperação.
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Os dados encontrados nos levaram a quatro grandes categorias, que ao
compor apresentaram uma realidade cada vez mais próxima de nossas famílias, de
nossos vizinhos e da sociedade em geral.
A categoria expectativas demonstra a forma com que os participantes se
comprometem com questões voltadas para o futuro. Sendo assim, ficou evidente
que os mesmos possuem a intenção de um projeto de vida de renovação
amparados na espiritualidade e nos grupos como suporte e principalmente, na
esperança de uma reinserção social.
Sem dúvida a fragmentação social tem gerado no jovem a necessidade
urgente de pertencer a um determinado grupo, para buscar um espaço de
identificação. Assim, o uso de drogas passa a ser um ritual de identificação de
determinadas “tribos urbanas”, um ritual em que o jovem relaciona a sua
subjetividade em transformação.
Foi constato também, que os participantes apresentam consciência dos
prejuízos e dificuldades que as drogas ocasionam no indivíduo que abrange as
relações sociais, familiares, profissionais e educacionais.
Ao concluir esta categoria salientamos que estamos diante de fatores que
podem ser sinalizadores para repensarmos a questão da recuperação e as formas
de tratamento. Diante destas constatações é que entram as questões de políticas
públicas e da reinserção social como suporte para ajudar estes indivíduos, a fim de
que possam alcançar, se não todos, mas boa parte dos objetivos que almejaram.
Em relação aos sentimentos o que prevaleceu foram sentimentos de
frustração, prazer, menos valia, solidão, ausência do outro, culpa e vergonha,
esperança e exclusão.
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O autor Zago (1994, p. 17) pondera que “a pessoa dependente de drogas
possui ou apresenta grande dificuldade de superar os pequenos problemas do
cotidiano. Com a droga a pessoa, ilusoriamente, acredita ter encontrado a solução
definitiva para o viver, a resposta fácil e inquestionável. A pessoa dependente não
aceita a temporalidade da existência, pois se aceita tal premissa envolve uma
disposição para o trabalhar-se”.
Apesar de todos os entrevistados terem consciência dos fatores de risco e os
sinais indicativos que levam o dependente químico à recaída, os mesmos não
possuem recursos para evitá-la e recaem.
Mas o que está faltando então para que isso ocorra? Porque o índice de
recaídas é tão grande? Bem, se pensarmos que vivemos em uma sociedade na qual
as pessoas são mais valorizadas pelo que possuem do que pelo que são, que
estamos cercados por grupos e temos, que de alguma forma, nos inserirmos neles e
ainda, que as questões de políticas públicas para este assunto não recebem a
importância que merece, poderíamos afirmar que estas são questões a serem
reavaliadas quando falamos em recuperação.
E o que há de grave Charbonneau (apud VARGAS, 1993, p. 37) afirma, “é
que deixou de ser um fenômeno de marginalização para passar a ser um fenômeno
de cultura. É a nossa cultura que integrou a droga dentro de seu esquema
existencial”.
Desta forma a reabilitação deve se iniciar perseguindo, uma cura social, que
exige a atuação sobre o dependente e o seu ambiente.
Portanto, é imperativo que a reinserção do indivíduo seja uma conquista
gradativa e sólida, onde suas relações sociais e afetivas sejam sinceras, sem
preconceitos, com respeito, numa dimensão ampla, acima do ter, e realmente se
67
possa reconhecer o ser humano íntegro, em sua essência e não pelo seu status
social.
Observa-se também, que muitos adictos alimentam expectativas de
conquistar ou reconquistar valores e situações que não dependem exclusivamente
do esforço individual, mas dos agentes socializantes, do ambiente e do tempo.
Muitos acabam se desestimulando, perdendo a motivação, quando se deparam com
frustrações, insucessos, preconceitos e outros fatos e fatores, e retornam aos
antigos hábitos, pensamentos, e mecanismos de defesa, como justificativa,
racionalização, negação, projeção, dentre outros.
“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo c omeço,
qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”
Chico Xavier
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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BUSCAGLIA, Leo F. Assumindo sua personalidade . 14ªEd. Rio De Janeiro: Record: Nova Era, 1997 __________, Leo F. Vivendo, amando e aprendendo . 25ªed. Rio de Janeiro: Record, 2001
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_____, José A. Artigo: Sociedade de consumo e drogas . Informação Psiquiátrica. Rio de Janeiro, 1995
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
APRESENTAÇÃO
Gostaria de convidá-lo a participar de uma pesquisa cujo objetivo é verificar
os fatores que estão diretamente relacionados à recaída de dependentes químicos
que passaram por um período de abstinência durante a internação.
A participação consistirá em responder questões que fazem parte de uma
entrevista semi estruturada.
Informo, que: a) seus dados serão mantidos em sigilo; b) sua participação é
voluntária, não cabendo nenhum tipo de recompensa; c) você está livre para desistir
da pesquisa a qualquer momento; d) os resultados poderão serão compartilhados
com outros pesquisadores, mas sempre respeitando o anonimato; e) esta pesquisa é
de cunho acadêmico e não visa intervenção imediata.
IDENTIFICAÇÃO E CONSENTIMENTO
Eu ______________________________________________________________
Declaro, estar ciente dos propósitos da pesquisa e da maneira como será realizada
e no que consiste minha participação. Diante dessas informações, aceito participar
da pesquisa.
Assinatura:_________________________________________________________
Data de nascimento:___________________
Pesquisador: Profª Maria Celina Ribeiro Lenzi
Assinatura:___________________________________
UNIVALI – CCS – Curso de Psicologia
Rua Uruguai, 438
F. 341-7688
E-mail: [email protected]
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ENTREVISTA
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Nome: Idade: Data de Nascimento: Sexo: Escolaridade: Naturalidade: Estado Civil: Profissão: Como é a composição familiar: Com quem reside: Com quantos anos começou a usar drogas: Por que começou a usar drogas: Que tipo de droga começou a fazer uso e qual usa hoje: Com que freqüência faz uso:
•••• O que representa a droga em sua vida? •••• Quais os sentimentos que enfrenta diante da realidade? •••• Como você se sente na sociedade/ •••• Quais os planos e expectativas para o futuro? •••• O que a família faz para ajudá-lo? O que gostaria que ela fizesse? •••• Você consegue perceber que vai recair? De que forma?